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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
FATIMA DENISE PEIXOTO FERNANDES
DA “EDUCAÇÃO PARA POUCOS” À “EDUCAÇÃO PARA TODOS”:
A FRAGILIZAÇÃO DA IMAGEM DA ESCOLA PÚBLICA
RIO DE JANEIRO
2008
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FATIMA DENISE PEIXOTO FERNANDES
DA “EDUCAÇÃO PARA POUCOS” À “EDUCAÇÃO PARA TODOS”:
A FRAGILIZAÇÃO DA IMAGEM DA ESCOLA PÚBLICA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Diógenes Pinheiro
RIO DE JANEIRO
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - CCH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
FATIMA DENISE PEIXOTO FERNANDES
DA “EDUCAÇÃO PARA POUCOS” À “EDUCAÇÃO PARA TODOS”:
A FRAGILIZAÇÃO DA IMAGEM DA ESCOLA PÚBLICA
Aprovado pela Banca Examinadora
Rio de Janeiro, ______/______/______
_____________________________________________________
Professor Doutor (nome do orientador)
Orientador – UNIRIO
_____________________________________________________
Professor Doutor (nome do membro externo) – Sigla da Instituição
______________________________________________________
Professor Doutor (nome do membro interno) – UNIRIO
A Camille e as crianças da escola pública.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela oportunidade.
A Diógenes Pinheiro, incansável orientador, na graduação e no mestrado,
desejando que nossos caminhos ainda se encontrem muitas vezes.
A Janaína Specht, pelo apoio em momentos decisivos.
A UNIRIO, e a todo seu corpo docente, que seria impossível agradecer a
cada um dos professores com quem convivi na graduação e no mestrado.
A Andréa Vilela, Carmem Irene, Cláudia Reis, Hélio Faria e Pedro Aurélio,
cúmplices da minha aprendizagem.
A Maria Isabel Diretora da Escola Municipal Minas Gerais, por me ensinar
como se administra pelo amor; e a Ana Cristina Diretora da Escola Municipal José
Camilo dos Santos, por me ensinar como se administra pela paixão.
A equipe do Centro Educacional Lima’s, em especial, Valdirene, que abriu as
portas, de coração, para o estudo de caso.
Aos poetas da Baixada Fluminense, com os quais emolduro esse trabalho.
A minha família, tão pequena, e tão grande: minha mãe Dinéa, meu irmão Rui
Guilherme, meu tio Jorge, minha quase-irmã Gláucia e minha madrinha Sônia.
Aos meus sobrinhos e primos Valéria Maria, Jorge Diego, Bruna Luzia,
Lucas, Hugo, Amanda e Camille, por enfeitarem a minha vida.
RESUMO
Este trabalho investiga a fragilização da imagem da escola pública nas últimas
décadas, de forma contextualizada, tomando como base os movimentos históricos,
econômicos e sociais que interferem na educação brasileira. Para constatação
dessa fragilização foi feita uma análise do conteúdo das transcrições de entrevistas
realizadas com responsáveis por alunos matriculados em uma pequena escola
particular do Parque Fluminense, bairro pobre do município de Duque de Caxias, no
Estado do Rio de Janeiro. Partindo do pressuposto de que a escola pública está
disponível para todos, a investigação discorreu sobre os motivos que levaram essas
famílias a disponibilizar uma parte expressiva de seu orçamento para manter seus
filhos na escola particular. A escola pública, que anteriormente tinha sua imagem
ligada à qualidade, vem atravessando um momento de transformação com a
chegada de um público que era tradicionalmente mantido do lado de fora da escola.
O nascimento de uma verdadeira educação para todos passa, necessariamente,
pelo fortalecimento dessa instituição através da definição de suas funções, da
universalização da educação infantil e da melhor formação e valorização de seus
profissionais.
Palavras-chave: Escola pública. Escola privada. Educação para todos.
ABSTRACT
This work investigates the weakening of the image of public schools in recent
decades, so contextualized, building upon the historic movements, economic and
social changes that interfere with the Brazilian education. In finding that weakening
was made an analysis of the contents of the transcripts of interviews with responsible
for students enrolled in a small private school in Park Fluminense, poor neighborhood
of the city of Duque de Caxias, in the Rio de Janeiro State. Assuming that the public
school is available to everyone, talking to research on the reasons why these families
to provide a significant part of its budget to keep their children in private school. The
public school that had previously linked to its image quality, comes across a moment
of transformation with the arrival of a public that was traditionally kept outside the
school. The birth of a real education for all passes, necessarily, by strengthening this
institution through the definition of its functions, the universalization of education and
better training and enhancement of its professionals.
Keywords: Public school. Private School. Education for all.
SUMÁRIO
Página
I INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 09
CAPÍTULO 1
A ESCOLA ATRAVÉS DA HISTÓRIA DO BRASIL.................................................. 12
1.1 Os primeiros tempos........................................................................................... 12
1.2 Liberdade, laicidade e gratuidade na escola: os primeiros movimentos............. 15
1.3 O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova........................................................ 18
1.4 Anos Dourados: a escola brasileira se transforma junto com o mundo.............. 22
1.5 O mundo depois de 1970: uma nova transformação na escola.......................... 27
CAPÍTULO 2
A ESCOLA PÚBLICA: EMBATES, CONSENSOS E MUDANÇAS........................... 32
2.1 O final do século XX e o aparente consenso da educação ................................ 32
2.1.1 Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das
Necessidades Básicas de Aprendizagem........................................................ 33
2.1.2 A Declaração de Nova Delhi............................................................................ 38
2.1.3 Relatório Delors............................................................................................... 38
2.2 As providências brasileiras para o novo momento da educação........................ 40
2.2.1 1994 – Plano Decenal de Educação para Todos............................................. 40
2.2.2 1996 – LDB...................................................................................................... 41
2.2.3 1997 – Educação para o milênio ..................................................................... 42
2.2.4 2001 - PNE - Plano Nacional de Educação..................................................... 42
2.3 Escola Pública – A mudança paradigmática...................................................... 43
2.4 A escola pública hoje: um delicado equilíbrio entre a quantidade e a qualidade 46
2.5 Novas determinações legais, novas responsabilidades para a escola pública... 47
2.6 A construção diária de uma “escola para todos” ................................................ 49
2.7 Legislação fundamental no dia a dia da Escola Pública.................................... 50
CAPÍTULO 3
UM OLHAR DA ESCOLA PARTICULAR SOBRE A ESCOLA PÚBLICA
NO PARQUE FLUMINENSE – DUQUE DE CAXIAS............................................... 54
3.1 O Município de Duque de Caxias e o Parque Fluminense................................. 54
3.1.1 A educação no Parque Fluminense e a seleção da escola para o estudo de
caso.................................................................................................................. 56
3.1.2 O Centro Educacional Lima’s .......................................................................... 58
3.2 As entrevistas..................................................................................................... 59
3.3 Uma possibilidade de leitura dos relatos a partir da análise do conteúdo das
entrevistas.......................................................................................................... 68
CAPÍTULO 4
A CONQUISTA DE UMA ESCOLA PARA TODOS.................................................. 70
4.1 As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional refletindo “quem” ocupou a
escola pública no Brasil..................................................................................... 70
4.1.1 Lei 4.024 de 1961............................................................................................ 71
4.1.2 A Lei 5692 de 1971 reforma o ensino de primeiro e segundo graus ............... 72
4.1.3 Lei 9394 de 1996............................................................................................. 75
4.2 Escola privada X Escola pública - Uma improvável comparação....................... 76
4.3 A qualidade e as qualidades da educação pública............................................. 77
4.3.1 O conceito de qualidade ................................................................................. 77
4.3.2 Os indicadores da qualidade em educação..................................................... 77
4.3.3 Educação e instrucionismo.............................................................................. 79
4.3.4 As qualidades da Escola Pública..................................................................... 80
CONCLUSÃO........................................................................................................... 84
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 86
ANEXO - TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS...................................................... 92
9
I INTRODUÇÃO
Em 1966 ingressei na escola pública. Era, então, uma menina de seis anos.
Foi dentro da escola pública que cresci. Saí detreze anos depois com um diploma
de curso técnico e uma profissão que, então, era bastante valorizada: técnico de
processamento de dados. Depois de viver experiências profissionais diversificadas
na área de informática e, mais tarde, treinamento em informática, retornei à escola
pública em 2006, como pedagoga e como professora dos anos iniciais do ensino
fundamental. Nos quarenta anos que separaram os eventos, muita coisa mudou no
Brasil, particularmente a partir dos anos de 1980. Mudanças sociais, tecnológicas e
políticas. Seria impossível enumerá-las, mas uma dessas mudanças é,
especialmente, visível: a imagem da escola pública.
Até a década de 1970, aproximadamente, a escola pública tinha sua imagem
ligada à qualidade. As famílias se orgulhavam de ter seus filhos na escola pública e
se sentiam satisfeitas com o trabalho que era realizado por ela. É necessário
ressaltar que as escolas consideradas “de elite”, notadamente as escolas
confessionais, sempre existiram. Fora isso, uma grande parte das escolas
particulares era voltada para uma parcela de estudantes que ficava à margem da
escola blica, que era uma escola seletiva, impiedosamente excludente, que se
encarregava de selecionar os “melhores” e manter bem afastados os que o se
enquadravam em seus critérios.
Freitas (2004, p. 10) nos lembra que a escola nasceu para “separar os mais
‘competentes’ e ensinar de fato a estes”. Podemos, então, considerar que os
processos de inclusão e permanência dos alunos o eram compatíveis com o
objetivo inicial da escola, que seria apenas o de “selecionar”, por isso, tantas
transformações têm sido percebidas.
De alguma forma, a imagem da escola pública se modificou, estando hoje
ligada, dentre outros aspectos, à ausência de recursos e a um ensino de qualidade
duvidosa. Os professores, embora trabalhem na rede pública, matriculam seus filhos
em escolas particulares. Tudo isso parece contraditório se considerarmos que na
escola pública encontramos professores selecionados de maneira rigorosa, livros
didáticos aprovados pelo Ministério da Educação e o cumprimento das leis que
regulamentam a educação.
10
Na comunidade pobre onde estou atuando, comecei a observar que as
pessoas que têm alguma disponibilidade financeira matriculam suas crianças em
escolas particulares. ouvi relatos de famílias que m mais de um filho e que
“elegem” um deles para estudar na escola particular, em detrimento dos outros. Por
que isso acontece?
A escola pública parece estar se constituindo como a escolha dos que não
têm escolha.
Na perspectiva de buscar resposta à questão anteriormente colocada, esse
trabalho ouviu representantes de famílias de comunidades populares que mantêm
seus filhos em uma escola particular, dentro da própria comunidade onde residem. A
partir desses relatos, tentará compreender alguns dos possíveis fatores que vêm
contribuindo para essa fragilização da imagem da escola pública.
O primeiro capítulo apresenta, brevemente, os fatores históricos, econômicos
e sociais que interferiram diretamente na educação no Brasil, desde sua
colonização. O período atual é marcado por mudanças que começaram a se
delinear, de forma mais contundente, a partir da década de 1970. Entretanto, muito
antes, se encontravam presentes na nossa história, d a importância do
acompanhamento desse processo para entender algumas questões que a escola
pública vem enfrentando nesse momento.
O segundo capítulo procura analisar, especificamente, o momento atual da
escola, estabelecendo uma metáfora a partir do conceito de paradigma, segundo
Thomas Kuhn. Esse capítulo traz também os fatores sociais e legais que estão
levando a mudanças na escola pública e como essas mudanças que estão
acontecendo levam a crer que, dentro dela, está começando a acontecer,
efetivamente, uma escola para todos.
O terceiro capítulo apresenta um estudo de caso realizado na comunidade
Parque Fluminense, no Município de Duque de Caxias, periferia do Estado do Rio de
Janeiro. Os entrevistados são os responsáveis por alunos que estudam em uma
pequena escola particular nessa comunidade. Todos foram convidados a refletir
sobre sua opção por uma escola particular em detrimento da escola pública. As
opiniões expressas pelo pequeno grupo revelam, de maneira geral, a fragilização da
imagem da escola pública.
11
O quarto e último capítulo se propõem a olhar a “educação para todos” como
uma conquista que está apenas no começo. Incompleta, imperfeita, mas em busca
de existir, de fato, dentro da escola pública brasileira.
12
CAPÍTULO 1
A ESCOLA ATRAVÉS DA HISTÓRIA DO BRASIL
“Não há ‘verdades absolutas’
poeta da coisa certa
não existe”
Edgar Vieira Matos(I)
A educação, como todas as práticas humanas, está sujeita a receber
interferências do momento histórico e social. Essa interferência tem que ser
reconhecida e refletida. Gadotti (1999, p. 21) nos chama atenção para o fato de que
o pensamento pedagógico surgiu com a reflexão sobre a prática da educação.
Nesse sentido, fatores políticos, econômicos e sociais do país e sua posição no
mundo podem definir parâmetros para a educação. Observando a história da
educação no Brasil, de uma maneira geral, desde o início da colonização, a
educação sempre se organizou de modo a atender mais às necessidades
econômicas do que às questões sociais.
É assim que, no estudo da organização escolar brasileira, atentando-se
para sua contradição interna e para seus elementos mediadores, partiu-se
da constatação do fato de ter a sociedade brasileira, desde a sua origem,
uma vinculação com o sistema econômico, político e social capitalista
mundial. Este vínculo determina a base da classe da sociedade brasileira.
(RIBEIRO, 2003 p. 14)
Esse capítulo tentará percorrer, brevemente, a história da educação no Brasil,
buscando observar a organização escolar e algumas funções da escola em
diferentes momentos.
1.1 Os primeiros tempos
Os primeiros responsáveis pela educação no Brasil, ainda no início do
período colonial, foram os jesuítas. Por conta dos subsídios que recebiam de
Portugal, cabia a eles a obrigação de formar sacerdotes. Ribeiro (2003, p. 21) faz
uma análise do plano educacional do Padre Manuel de Nóbrega e destaca o desejo
de atender os indígenas e os filhos de colonos. O plano de Nóbrega oferecia
possibilidades diversificadas de aprendizado: português, doutrina cristã, leitura e
(I)In: ARAÚJO, Ivon Alves de. OS POETAS DA BAIXADA FLUMINENSE. RJ : I A Araújo, 2002.
13
escrita, canto orfeônico, música instrumental, aprendizado profissional e agrícola,
gramática e a possibilidade de viagem à Europa para aprofundamento de estudos.
Esse plano encontrou bastante resistência. Um dos principais argumentos usados
era a inadequação da população indígena para o sacerdócio. É necessário lembrar
que os jesuítas tinham o compromisso de formar novos sacerdotes.
“[...] os jesuítas deveriam fundar colégios que recebiam subsídios do Estado
Português relativos as missões. Dessa forma, ficavam juridicamente
obrigados a formar gratuitamente sacerdotes para a catequese” (RIBEIRO,
2003, p. 21).
Em 1599 foi publicado o plano de estudos da Companhia de Jesus, Ratio
Studiorum, que impôs o aprofundamento em elementos da cultura européia. Na
prática, essa educação passou a atender apenas uma elite colonial, uma vez que a
população indígena foi excluída da educação formal, restando-lhe a catequese para
sua “docilização”; o aprendizado do trabalho manual passou a ser conseguido
exclusivamente por meio de convio em ambiente onde fosse executado e a
educação feminina continuou restrita a “boas maneiras e prendas domésticas”
(RIBEIRO, 2003, p. 24).
O monopólio da Companhia de Jesus durou até 1759. Era um período difícil
para Portugal que, recém-saído da dominação espanhola, viu a Inglaterra se tornar
uma potência industrial. Para Portugal passou a ser fundamental, economicamente,
a máxima exploração da colônia brasileira, gerando a necessidade de preparação de
um novo “aparato material e humano” (RIBEIRO, 2003, p. 30). Para isso, foi
necessária uma nova forma de educação. Esse período foi marcado pela figura de
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, então Ministro de Estado
de D. Jo I, de Portugal. A educação oferecida pela Companhia de Jesus foi
abolida sob a alegação de educar mais a serviço da religião do que do Estado.
Grandes mudanças ocorreram com a vinda da Família Imperial Portuguesa
para o Brasil, em 1808. Na cultura, de uma maneira geral, foi um período de grande
desenvolvimento com a criação da Biblioteca Pública, início de publicações de
jornais e revistas, além de instalações de incentivo à ciência, como o Museu
Nacional e o Jardim Botânico. O Brasil passou a ser a sede da Coroa Portuguesa,
houve uma intensa mudança política e social, as mudanças econômicas se deram,
principalmente, com a abertura dos Portos, ainda em 1808. O reflexo na educação
foi a criação de cursos nas áreas consideradas estratégicas: militar, politécnica
14
(engenharia) e medicina. Começavam os cursos superiores no Brasil. É interessante
o que Ribeiro considera como aspecto positivo na criação desses cursos o fato de
“terem surgido de necessidades reais do Brasil” (2003, p. 42). Paradoxalmente,
essas necessidades reais do Brasil têm sua origem nos problemas da Família Real
de Portugal.
Começou a se configurar, ainda no Império, uma estrutura de ensino em três
níveis: primário, voltado para ler e aprender; secundário, com sistema de aulas
régias; e o ensino superior. Foi também no Império decretada a lei de 15 de outubro
de 1827, que apresentava a educação como dever do Estado e reconhecia a
necessidade da distribuição de escolas de diferentes graus pelo território brasileiro.
Essa foi a “única lei geral relativa ao ensino elementar a1946” (RIBEIRO, 2003, p.
45). É também devido a essa lei que o dia dos professores é comemorado em 15 de
outubro.
Do projeto vigorou simplesmente a idéia de distribuição racional por todo o
território nacional, mas apenas das escolas de primeiras letras, o que
equivale a uma limitação quanto ao grau (só um) e quanto aos objetivos de
tal grau (primeiras letras). (RIBEIRO, 2003, p. 46)
Nesse período o governo não conseguia atender às necessidades
educacionais mesmo em uma sociedade escravocrata, onde a clientela se resumia
aos meninos das famílias livres. Portanto, houve uma proliferação do que Ribeiro
chama de “aulas avulsas e particulares para meninos, sem a devida fiscalização e
unidade de pensamento” (2003, p. 49).
Um significativo movimento na educação foi percebido em 1850 gerado pelos
lucros da lavoura do café. Passou a haver uma nova ocupação da cidade e uma
intensa movimentação social nas camadas intermediárias da população (militares,
funcionários públicos, comerciantes, profissionais liberais, etc), o que impulsionou a
educação. Foi criada a Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária do
Município da Corte que, além de fiscalizar as escolas públicas e particulares
tentando criar uma unidade na educação, ocupava-se também de criar um sistema
para formação dos professores primários.
15
Estava ocorrendo, desta forma, a passagem de uma sociedade exportadora
com base rural-agrícola para urbano-agrícola-comercial. Evolução esta
exigida não pelas necessidades internas, o que foi assinalado, como
também por exigências ou interesses do capitalismo internacional. Este
requer o desenvolvimento do mercado capitalista competitivo nos países
periféricos como condição da sua própria expansão. (RIBEIRO, 2003, p.
53)
Por volta de 1870 passou a existir um movimento que unia liberais e
positivistas (cientificistas) que, entre outros pontos, compartilhavam a crença na
importância da educação para a resolução dos problemas do país.
haviam passado quase 300 anos da chegada dos portugueses ao Brasil e,
então, a educação começava a dar os primeiros passos na direção de se tornar
um sistema. Até então, havia se guiado por movimentos espasmódicos. Embora
fosse considerada um direito, a educação ainda atendia a um grupo muito pequeno.
O crescimento das cidades apontou para a necessidade de um novo atendimento no
que se refere a quantidade e a qualidade do ensino.
1.2 Liberdade, laicidade e gratuidade na escola: os primeiros movimentos
Em 1879, a reforma Leôncio de Carvalho, que não chegou a ter aprovação
total do Poder Legislativo, pregava a liberdade de ensino, liberdade de freqüência
com análise apenas por exames e a necessidade de oferecer garantias aos
professores para que pudessem se dedicar inteiramente ao magistério. Esse período
pode ser caracterizado pelo aparecimento oficial do ensino feminino e pela
disseminação de tendências pedagógicas diferenciadas, incluindo a chegada de
uma educação positivista que veio a ser um marco na educação nacional a partir da
Proclamação da República, em 1889.
Em 1890 foi decretada a Reforma Benjamin Constant, que buscava a
liberdade, a laicidade e a gratuidade do ensino. É interessante observar como esses
mesmos elementos serão, pelo menos teoricamente, almejados ao longo de toda
história da educação no Brasil, sem que, até hoje, tenham sido alcançados. A escola
primária passou a ser organizada em: primeiro grau (sete a treze anos de idade) e
segundo grau (de treze a quinze anos de idade). A educação secundária passou a
ter a duração de sete anos. Estava expressa, então, a preocupação com uma
educação formadora e não com uma educação voltada à prestação de contas em
provas e exames. Esse período é marcado também pela valorização da ciência
positivista em detrimento das humanidades.
16
A partir dos poucos dados estatísticos disponíveis sobre a época é possível
estimar que a porcentagem de analfabetos, ao final do século XIX, chegava a 75% e
que “mais da metade da população de quinze anos e mais em 1920 havia sido
totalmente excluída da escola” (RIBEIRO, 2003, p. 82). Os problemas educacionais
eram um grande entrave para uma nação que buscava alcançar a industrialização. A
educação mantinha um caráter elitista, uma vez que o ensino secundário acontecia,
basicamente, em instituições particulares (Liceus e Ginásios) e a camada pobre da
população, mesmo que conseguisse ingressar e concluir o ensino primário, não teria
acesso a ele. “Éramos um país de Doutores e analfabetos” (BASBAUM citado por
RIBEIRO, 2003, p. 89).
A partir de 1920, o crescimento das indústrias, ainda que de forma
assistemática, representou uma mudança expressiva na economia e na sociedade.
Embora uma parte dos industriais da época tenha vindo da agricultura, o que não
gerou grande mudança na camada mais rica da população, a grande modificação
ficou por conta do surgimento da classe operária.
A insatisfação generalizada com a educação abriu espaço para a chegada
das propostas da Escola Nova, que poderiam atender as demandas do período que
Ribeiro chama de “Início da estruturação do modelo nacional desenvolvimentista,
com base na industrialização” (2003, p. 95). As principais propostas eram: escola
primária integral, laicidade, desenvolvimento do espírito científico.
Mesmo depois da enorme turbulência política que culminou com a chegada
de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, ainda não havia acontecido nenhuma grande
reforma educacional.
Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e da Saúde que teve como
primeiro gestor Francisco Campos, intelectual comprometido com o movimento de
reformas educacionais. É interessante observar que a separação das pastas da
Educação e da Saúde só foi realizada em 1953.
A criação do Ministério da Educação e da Saúde, em 1930, é um símbolo
importante na reorientação da educação no Brasil. Foi a primeira vez que se
assistiu a um grande empenho pela institucionalização de uma política para
o setor. (BOMENY, 2003, p. 46)
Por meio de decretos, este Ministério reformou o ensino superior e deu um
novo formato ao ensino secundário, que passou a ser dividido em duas partes:
fundamental (em cinco anos) e especificações profissionais (em dois anos). O
17
ensino comercial também passou a se dividir em duas partes: três anos de ensino
propedêutico seguido de um a três anos de especificidades.
Na década de 1930, o governo tinha como ideal criar a unidade nacional.
Para isso julgava necessário contar com uma escola única, que se estendesse por
todo o território brasileiro.
Esse período, fecundo para educação, foi marcado pelos intensos embates
entre os educadores que mantinham uma posição conservadora basicamente os
educadores católicos –, e os educadores ligados ao movimento da Escola Nova.
Se, por um lado os educadores ligados à Igreja Católica acreditavam que “a
educação moral do povo brasileiro deveria ser de sua exclusiva competência”
(SHIMORA, 2004, p. 18); por outro, o pensador Anísio Teixeira, um dos mais
expressivos representantes do grupo da Escola Nova, era movido pelas idéias
pragmáticas de John Dewey.
O pensador americano John Dewey teve suas idéias bastante divulgadas no
Brasil. Nascido em 1859, na cidade de Burlington, fez seus estudos primário e
secundário em sua própria cidade. Para cursar a faculdade mudou-se para Vermont,
onde começou a se interessar pela filosofia e pelas questões sociais. Em 1881,
dois anos depois de sua graduação, foi fazer o doutorado na Universidade de John
Hopkins. Nessa Faculdade recém-formada havia um ambiente receptivo a novas
idéias e ao debate. Foi nesse ambiente que Dewey concluiu seu doutorado
defendendo tese sobre a psicologia de Kant. Depois do Doutorado, em 1884, vai
para a Universidade de Michigan. Além de lecionar, ele passou a editar um
semanário socialista chamado “thought News”. Embora tenha permanecido em
Michigan por 10 anos, teve constantes atritos por não aceitar o que julgava ser “pura
especulação”. Dewey desejava uma filosofia viva, participante, engajada nas
questões da vida prática. Em 1894, transferiu-se para a Universidade de Chicago,
onde passou a ter oportunidade de colocar suas idéias em prática. Era uma época
marcada pelo avanço tecnológico e por transformações sociais. Em Chicago, Dewey
passou a freqüentar uma organização chamada Hull House” onde mantinha contato
com imigrantes, operários e organizações de todas as orientações políticas. Em
1896 criou a primeira Escola Experimental do mundo, a Escola-Laboratório. Passou
a viver um período de muita criação, dirigindo a escola, estudando, escrevendo,
enfim, plantando suas idéias e passou então a ser reconhecido como um dos
grandes nomes da Pedagogia. Em 1904, após ter problemas em Chicago por causa
18
da Escola Experimental, partiu para Columbia. Esse foi um período de intensa
divulgação de suas idéias e de sua obra. O Teachers Collegeda Universidade de
Columbia passou a receber educadores do mundo inteiro. O educador Anísio
Teixeira foi seu aluno, admirador e divulgador de seus pensamentos no Brasil.
Dewey também viajou pelo mundo para semear suas idéias. Permaneceu em
Columbia até 1930. São atribuídas a Dewey as idéias que serviram de alicerce para
o movimento da Escola Nova, principalmente no que é chamado de “otimismo
pedagógico”, tão marcante na década de 30. Particularmente no Brasil, a Escola
Nova teve grande importância para a Educação por difundir muitos aspectos
inovadores, alguns deles, ainda hoje, podem ser considerados bastante arrojados,
mas sofreu também críticas muito severas por trazer embutido conceitos liberais.
Dewey era um liberal, e sua obra é extremamente coerente com essa posição.
Depois de sair da Universidade de Columbia, John Dewey passou a se dedicar a
vida pública, sempre mantendo uma atividade intelectual intensa. Dewey faleceu
aos 92 anos, em 1952. Suas idéias, no entanto, continuaram a correr o mundo
graças a seus livros, seus discípulos e a enorme capacidade de divulgação dos
Estados Unidos. Desde 1961 existe na Southern Illinois University, em Carbondale,
o The Center for Dewey Studies”. Este centro estuda as teorias de John Dewey,
dissemina sua obra através da publicação de livros, CD-ROM e uma homepage
com muitas informações sobre o filósofo.
1.3 O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova
Em 1932, esse documento trouxe a tona os ideais de um grupo de vinte e seis
educadores e intelectuais, de idéias e tendências políticas diferenciadas. Tinha um
aspecto bastante objetivo, pragmático e técnico, embora apresentasse questões
filosóficas como a base de toda transformação proposta. Entre eles, alguns nomes
que através dos tempos tornaram-se bastante marcantes na educação brasileira:
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Paschoal Leme. O
documento fez uma denúncia contundente sobre a desarticulação vigente no
sistema educacional da época. Seu texto não deixava transparecer uma idéia clara
de politização, mas gerava a perspectiva de uma futura hierarquia social orientada
pelas capacidades individuais, uma vez que todos teriam as mesmas oportunidades
de aprendizado e desenvolvimento. O próprio termo “educação para todos” se
encontrava presente, com todas as letras. Uma das propostas era criar uma elite de
19
professores e a criação dessa elite profissional foi bem sucedida no então Distrito
Federal, hoje cidade do Rio de janeiro, com a implantação do Instituto de Educação
do Distrito Federal em 1932 no prédio onde funcionava a Escola Normal do Distrito
Federal.
As idéias escolanovistas de um ensino laico, obrigatório e de
responsabilidade efetiva do Estado representavam, aparentemente, uma mudança
ousada demais para uma época onde alguns grupos ainda questionavam se
meninos e meninas poderiam estudar juntos. O próprio manifesto foi um documento
quase atemporal, abrangente, que, quase 80 anos depois de sua publicação, parece
ainda incrivelmente atual em algumas passagens. Ele considerava a educação como
o mais grave problema que o país enfrentava naquele momento, maior mesmo do
que os problemas econômicos. O sistema escolar se apresentava desarticulado,
fragmentado, construído sobre reformas que incidiam sobre partes dos problemas,
sem uma visão de conjunto. Faltava à educação, segundo os pensadores da Escola
Nova, a determinação de aspecto filosófico, social e técnico. O “Manifesto de 32”
também é claro quanto à necessidade de uma formação abrangente para os
educadores, no qual os conhecimentos humanos e sociais fossem incentivados. Um
dos seus aspectos mais relevantes, entretanto, parece ser declarar que se faz
necessária a criação de uma escola única, capaz de oferecer oportunidades a todos
de, em condições de igualdade, desenvolver suas aptidões. Essa seria uma escola
pública, laica, gratuita, obrigatória e integrada com os demais sistemas sociais.
Voltando ao embate entre o grupo da Escola Nova e o grupo ligado à Igreja
Católica, a solução encontrada pelo governo foi a implantação de ensino primário
obrigatório, universal e gratuito, mas conservando a disciplina de educação religiosa
na escola pública, que poderia ser opcional para o estudante. Se entre esses
ideários, aparentemente tão divergentes, acabou acontecendo uma possibilidade de
consenso, para Shimora é porque “Não havia discordância de fundo entre eles:
ambos se adequavam, cada um a seu modo, às relações sociais vigentes e nem um
nem outro as colocavam em questão” (2004, p. 19).
Os pensadores ligados à Igreja Católica colocavam-se claramente contra o
pragmatismo americano e seus seguidores que, no Brasil, pertenciam ao movimento
da Escola Nova. Para esses educadores, a pedagogia católica oferecia uma
“visão integral da educação” (GHIRALDELLI JUNIOR, 2006, p. 63). Eles defendiam
o ensino religioso e argumentavam que havia “uma correspondência entre o ensino
20
laico e o aumento da criminalidade” (GHIRALDELLI JUNIOR, 2006, p. 59).
Independentemente de qualquer questão filosófica, até então, as grandes escolas
particulares eram ligadas à Igreja, e uma nova forma de educar colocava em risco
esse poder, já instituído.
Além dessas duas correntes, no que se refere à educação, Ghiraldelli Junior
(2006, p. 64), nesse período, ainda identifica: um ideário integralista movido por
perigosas idéias de seleção e depuração de raças e da divisão entre trabalhadores
da inteligência, do braço e do capital; e um ideário comunista que afirmava que,
cada uma a sua maneira, as demais pedagogias agiam como se a educação
pairasse acima das classes e, por isso, ficavam impedidas de mostrar “a vida como
ela é”.
A divisão social no Brasil não tinha o caráter exclusivamente dualista e a
educação se apresentava como possibilidade de movimentação e ascensão entre as
classes. Essa possível expansão/modificação do sistema escolar desagradava a
alguns setores que desejavam manter as coisas como sempre foram, mesmo que
existisse uma expansão quantitativa, a educação deveria manter as características
que Romanelli aponta como “estrutura de ensino rígida, inelástica, seletiva e
socialmente discriminante” (1999, p. 127).
Na Constituição de 1934, que tentou atender ao maior número possível de
propostas, equilibrando-as, na medida do possível, a educação conquistou um
capítulo inteiro, com alguns destaques:
- Reconheceu na educação um direito de todos;
- Determinou que caberia somente à União traçar as diretrizes da
educação nacional, fixar um plano nacional de educação em todos os
graus, coordenar e fiscalizar a execução em todo o país;
- Criou o Conselho Nacional e Estadual de Educação;
- Determinou que caberia aos estados organizar e manter sistemas
educacionais, respeitadas as diretrizes definidas pela União.
Essa Constituição teve uma vida breve, pois em 1937 instalou-se o período
chamado de “Estado Novo”, a fase ditatorial de Getúlio Vargas que se estendeu até
1945. Uma nova Constituição foi promulgada com grandes restrições no que se
refere à participação política. Em relação à educação, foram mantidos os princípios
de gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário conquistados. Passou a haver
21
obrigatoriedade do ensino de trabalhos manuais e ficou estabelecido regime de
cooperação entre a indústria e o Estado.
por esse texto fica explicitada a orientação político-educacional
capitalista de preparação de um maior contingente de mão-de-obra para as
novas funções abertas pelo mercado. No entanto, fica também explicitado
que tal orientação não visa contribuir diretamente para a superação da
dicotomia entre trabalho intelectual e manual, uma vez que se destina “às
classes menos favorecidas”. (RIBEIRO, 2003, p.129)
Outra marca profunda que ficou dessa fase ditatorial foi o início do que se
chamou de “Reforma Capanema”. Efetivamente, foi um conjunto de Decretos-leis
sobre áreas específicas da educação que começaram a ser implantados em 1942
por Gustavo Capanema, Ministro da Educação do Estado Novo de Getúlio Vargas
que, mesmo depois desse período, seguiu na vida pública defendendo suas idéias.
Foram elas:
- Decreto-Lei 4.073 Lei Orgânica do Ensino Industrial Podendo ser
cursado após o primário, com primeiro ciclo em quatro anos, seguido
por um segundo ciclo, com possibilidade de acesso ao Ensino Superior
Técnico;
- Decreto-Lei 4.048 – Cria o SENAI, Serviço Nacional da Indústria com
objetivo de atender às necessidades de formação rápida de mão de
obra para indústria, área que era fundamental para a economia da
época. Por oferecer remuneração aos alunos ainda em formação
tornou-se uma opção atraente para os jovens de famílias com pouco
poder aquisitivo;
- Decreto-Lei 4.244 – Lei Orgânica do Ensino Secundário – Após o
primário, ginásio em quatro anos, seguido pelo Cienfico ou Clássico
em três anos, visando a preparação para o ensino superior. Esse
trajeto, na prática, era destinado aos jovens que não precisavam
preocupar-se com o trabalho em curto prazo;
- Decreto-Lei 6.141 Lei orgânica do Ensino Comercial Após o
primário, Escola de Comércio em quatro anos, seguida por Escola
Técnica de Comércio em três anos.
Para Ghiraldelli Junior, a chamada Reforma Capanema “deu um caminho
elitista ao desenvolvimento do ensino público que marcou muito a história da
22
educação em nosso país” (2006, p. 80), mas teve como mérito dar início a criação
de um sistema educacional.
Apesar do crescimento de escolas, matrículas e número de professores, esse
período não foi capaz de modificar uma das mais expressivas característica da
educação brasileira: “Não foi suficiente para destruir a bifurcação dos caminhos
escolares após o primário: a via para o povo’ (escolas profissionais) e a via para a
‘elite’ (escolas secundárias)” (RIBEIRO, 2003, p. 122).
A educação brasileira buscava, efetivamente, a preparação de mão-de-obra
para ocupar as funções que se abriam no mercado. E isso se dava de maneira
bastante diferenciada. Uma classe mais abastada teria como investir dinheiro e
tempo para formar seus filhos nos cursos de nível superior, naturalmente, mais
valorizados socialmente. Aos filhos das classes intermediárias, ainda era permitido
certo trânsito entre as classes, uma vez que o estudo servia como passaporte para
acessar outras esferas sociais, um pouco acima da sua. Entretanto, uma formação
rápida e imediata estava disponível para os que tinham menos tempo e menos
recursos financeiros. Esses, uma vez inseridos no mercado de trabalho, em
posições subalternas, dificilmente conseguiriam voltar à escola para alcançar níveis
mais altos de escolarização que permitissem alguma forma de ascensão.
Sobre a década de 1930, é possível reafirmar que a Educação no Brasil
ganhou muito mais do que seu próprio Ministério, ganhou um sistema que tentava,
efetivamente, envolver todo o seu território. Entretanto, as velhas formas de
dualidade educacional continuaram existindo.
1.4 Anos Dourados: a escola brasileira se transforma junto com o mundo
Em 1945, após o final da Segunda Guerra Mundial, o Brasil estava saindo do
regime autoritário do Estado Novo e buscando um regime democrático. O mundo
passava por imensas transformações políticas, econômicas e sociais. A economia
entrou em processo de crescimento vertiginoso com o aumento da industrialização e
a ampliação dos mercados consumidores. A presença do Estado também cresceu,
notadamente, no desenvolvimento de políticas sociais nas áreas de transporte,
habitação, educação e saúde. Os direitos dos trabalhadores foram ampliados, os
sindicatos fortalecidos e, paralelamente, crescia a ciência da administração, visando
a otimização do trabalho e da produção. Os mercados consumidores se ampliaram,
gerando enorme desenvolvimento econômico.
23
Desenvolveu-se um movimento circular, propiciando a inclusão de um
número extraordinário de indivíduos à esfera social. Especialmente entre
1945 e início da década dos anos 70, registrou-se a mais fantástica etapa
de crescimento econômico da história da humanidade. (CATTANI, 2003,
p. 4)
No cenário mundial, nasceu oficialmente, em 1945, a Organização das
Nações Unidas - ONU, com a promulgação da Carta das Nações Unidas. O Brasil foi
um dos 51 países que assinaram esse documento.
Esse foi um período de crescimento na educação brasileira em vários
sentidos. Datam de 1946 algumas leis que, junto com as anteriormente criadas por
Gustavo Capanema, vieram dar continuidade à definição de um sistema educacional
no Brasil:
- Decreto-Lei 8.529 Lei Orgânica do Ensino Primário. O governo
federal se encarregava, finalmente, de estabelecer as diretrizes do
ensino primário, até então entregue aos estados. Em todo o país, o
ensino primário fundamental passou a ter a duração de cinco anos,
divididos em quatro anos de primário elementar, seguido de um ano de
primário complementar e destinava-se a crianças de sete a doze anos.
Foi criado também o ensino primário supletivo, com duração de dois
anos para adolescentes e adultos;
- Decreto-Lei 8.530 Lei Orgânica do Ensino Normal. A formação de
professores, até então também era responsabilidade dos estados e era
enorme o contingente de professores leigos. A formação, após o curso
primário, passava a ser feito em um primeiro ciclo de quatro anos,
seguido por segundo ciclo em três anos, possibilitando prosseguimento
na Faculdade de Filosofia. Essa lei tinha uma característica instigante:
não permitia a entrada no curso de formação de professores de
pessoas com mais de 25 anos. Esse era um impedimento para a
formação daqueles que atuavam no magistério. Para Ghiraldelli
Junior, esta modalidade veio atender “à parcela de famílias dos setores
médios da população, que desejavam aprimorar a educação de suas
filhas.” (2006, p. 85);
- Decreto-Lei 9.613 – Lei Orgânica do Ensino agrícola – Após o primário,
com iniciação em quatro anos, seguido por curso agrotécnico em três
anos;
24
- Decretos-Lei 8.621 e 8.622 criam o Serviço Nacional do Comércio
SENAC, que oferecia cursos para atuação na área do comércio. Essa
instituição foi criada nos mesmos moldes do SENAI, criado em 1942.
Eles formavam uma espécie de “sistema de ensino paralelo ao sistema
de ensino oficial” (ROMANELLI, 1999, p. 167), que buscava preparar
trabalhadores especializados para o comércio e a indústria,
respectivamente, que cresciam de maneira acelerada e que
requisitavam uma mão-de-obra formada na mesma velocidade.
Esse sistema educacional, gerado a partir desses decretos-lei, não permitia o
trânsito entre as áreas, uma vez que não havia a possibilidade de aproveitamento de
estudos. “Era um sistema de engessamento vertical” (GHIRALDELLI JUNIOR, 2006,
p. 83).
O Brasil viveu o apogeu da industrialização na década de 1950. O curto
governo de Café Filho, que durou de agosto de 1954 a novembro de 1955, deixou
um legado que prejudicou os empresários brasileiros que estavam estabelecidos em
áreas de interesse das empresas estrangeiras. A SUMOC Superintendência da
Moeda e do Crédito que era um dos órgãos responsáveis pelo controle monetário
antes da criação do Banco Central, aprovou a chamada “Instrução 113”. Essa
instrução facilitava enormemente a vinda de empresas estrangeiras para o Brasil,
concedendo facilidades e autorizando, inclusive, a transferência de quinas
obsoletas como se fossem equipamentos novos.
O período de governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), que tinha a
audaciosa proposta de fazer cinqüenta anos de progresso em cinco anos de
governo, aprofundou a desnacionalização da indústria. Em relação às possibilidades
de emprego, houve um aumento e passou a ser exigida mão-de-obra mais
qualificada. O Brasil experimentou um crescimento acelerado e uma baixa taxa de
desemprego e isso exigiu uma reação da educação. Durante o governo de JK,
houve ampliação da rede escolar, porém muito centralizada nas áreas urbanas.
Nesse período, transitava no governo um anteprojeto de lei para as diretrizes
e bases da educação desenvolvida por uma comissão presidida por Lourenço Filho,
que era ligado ao movimento da Escola Nova. Para Romanelli “Jamais, na história
da educação brasileira, um projeto de lei foi tão debatido e sofreu tantos reveses,
quanto este.” (1999, p. 171). Foram retomados os embates entre intelectuais da
educação ligados ao movimento da Escola Nova e educadores e políticos
25
conservadores. Dessa vez, também ofereciam oposição ao projeto de mudança: o
então deputado Gustavo Capanema, que lutava por manter viva a estrutura que ele
mesmo criara como Ministro; os empresários do crescente setor de educação
privada, que se aliaram à Igreja Católica e ao deputado Carlos Lacerda, esse,
acusado por Darcy Ribeiro de ser o “coveiro da escola pública” (BOMENY, 2003, p.
56). O texto inicial foi encaminhado em 1948 e arquivado em 1949 e, quando
tentaram reativá-lo, em 1951, ele havia sido extraviado, o que obrigou ao reinício
dos trabalhos.
Um novo manifesto foi lançado em 1959. Dessa vez chamava-se “O
Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados”, redigido por Fernando de
Azevedo, assim como havia sido o Manifesto de 1932. Dessa vez, foram muitas as
assinaturas que vieram se somar aos educadores da década de 1930. Era mais uma
defesa apaixonada em favor da escola pública.
O manifesto de 1959 não foi favorável ao monopólio do ensino pelo Estado,
como quiseram fazer crer à opinião pública os defensores do ensino
privado. Como toda a argumentação dos educadores signatários, foi
favorável à existência de duas redes, pública e particular; mas propunha
que as verbas públicas servissem somente à rede pública e que as escolas
particulares se submetessem à fiscalização oficial. (GHIRALDELLI JUNIOR,
2006, p. 96)
Depois de vários acréscimos e calorosos debates, em 1961, foi promulgada a
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 4.024, que manteve a
mesma estrutura do ensino: ensino primário de pelo menos quatro anos; ensino
ginasial de quatro anos com subdivisões de secundário, comercial, industrial,
agrícola e normal; ensino colegial de três anos, subdividido em comercial, industrial,
agrícola e normal, e o ensino superior. Para Ghiraldelli Junior (2006, p. 124) “A LDB
de 1961 permaneceu treze anos no Congresso e nasceu velha”. Embora essa lei
determinasse a obrigatoriedade do ensino primário, paradoxalmente, isentava essa
obrigatoriedade em casos de “comprovado estado de pobreza do pai ou
responsável; insuficiência de escolas; encerramento de matrículas e doença ou
anomalia grave da criança” (Art. 30). Só esse artigo é suficiente para mostrar que,
na prática, não estava nascendo, ali, uma escola voltada a atender a todos.
Para Shimora, a nova lei trazia consigo “vitória das forças conservadoras e
privatistas e sérios prejuízos quanto à distribuição de recursos públicos e à
ampliação das oportunidades educacionais” (2004, p. 25). A escola pública saiu
derrotada, e as velhas formas de dualismos educacionais se fortaleceram.
26
O início da década de sessenta também ficou marcado pela intensa busca da
alfabetização da população adulta. Os principais movimentos, segundo Ribeiro
(2003, p. 171) foram os Centros Populares de Cultura ligados à UNE União
Nacional dos Estudantes; os Movimentos de Cultura Popular que teve origem e
desenvolvimento em Pernambuco; e o Movimento de Educação de Base ligado à
Igreja Católica e ao governo. O PNA Plano Nacional de Alfabetização, que tinha
embasamento no trabalho do educador brasileiro Paulo Freire, foi lançado no início
de 1964 com objetivo de alfabetizar cinco milhões de pessoas até 1965, no entanto,
por questões políticas, teve a duração de apenas três meses.
O movimento pela educação dava as mãos aos movimentos de cultura
popular, e a pedagogia do oprimido encontrava na defesa da educação
pública seu suporte de maior apelo social. Escola, conscientização,
ascensão social e transformação política sintetizam os quatorze anos de
efervescência interrompidos com o Golpe de 1964 e a subseqüente
suspensão da experiência democrática no Brasil. (BOMENY, 2003, p. 61)
O período da Ditadura Militar teve início em 1964 e se manteve até 1985.
Foram, portanto, 21 anos de intensa repressão política. Ao longo desse período a
educação tomou um caráter tecnicista em todos os níveis. Até mesmo a
alfabetização, antes investida de caráter formador, a partir de 1964 passou a ser
vinculada a uma possível participação na vida econômica. Esse também pode ser
considerado um período de subordinação incondicional do país aos Estados Unidos,
incluindo acordos entre o Ministério da Educação e a Agency for international
Development, conhecidos como acordos MEC-USAID. Para Ghiraldelli Junior essa
interferência americana se deu a partir de um grupo inexpressivo de tecnocratas
“Não se tratava, nem um pouco, de um grupo de técnicos que fossem leitores e
admiradores de Jonh Dewey e de filósofos da educação democratas que os Estados
Unidos haviam produzido em larga escala” (2006, p. 112).
No que se refere à alfabetização, a ditadura militar se esforçou para
desarticular todas as entidades de educação popular que estavam obtendo grandes
resultados e criou o MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização, que
acompanhou todo o período militar, sendo extinto em 1985. Cabia a ele disseminar
uma alfabetização esvaziada de qualquer sentido de participação política.
Duas leis educacionais foram marcantes na educação durante esse período:
a Lei 5.540, de 1968 que promoveu uma reforma universitária e a Lei 5.692/71,
Lei de Diretrizes e Bases para o ensino de primeiro e segundo graus.
27
Uma das mudanças trazidas ao ensino universitário pela Lei 5.540/68 foi o
vestibular unificado e classificatório, com objetivo de resolver o problema de falta de
vagas em cursos mais concorridos. Dessa maneira, ficou estabelecida uma
competição mais declarada ao final do segundo grau em busca da universidade. As
vagas, teoricamente, poderiam ser consideradas disponíveis para todos os
estudantes que prestassem o concurso. Entretanto, pareciam, extra-oficialmente,
reservadas aos alunos mais bem preparados durante todo seu trajeto escolar, e este
estava, inexoravelmente, ligado a sua condição social.
A conseqüência disso foi a inevitável fragmentação do trabalho escolar, o
isolamento dos pesquisadores e, ainda, a dispersão dos alunos pelos
sistemas de créditos provocando a despolitização e a impossibilidade de
organização estudantil a partir do núcleo básico que era a turma.
(GHIRALDELLI JUNIOR, 2006, p. 119)
1.5 O mundo depois de 1970: uma nova transformação na escola
Os anos 70 foram marcados pelo agravamento dos problemas econômicos e
financeiros mundiais. A principal característica econômica do que para Sevcenko
(2002, p. 79) se apresentava como “era das grandes corporações”, foi o
agravamento da queda do mercado de produção diante do crescimento do mercado
financeiro. Ao longo do tempo, o avanço da tecnologia passou a permitir que as
operações financeiras pudessem ser efetuadas durante as vinte e quatro horas do
dia, acompanhando bolsas de valores de Tóquio, da Europa e dos Estados Unidos
ininterruptamente. Foi também na década de 1970 que o mercado deixou de ser
regulado pelo padrão-ouro, passando a valer a livre flutuação do dólar e o mundo
vivenciou uma enorme crise no petróleo. As indústrias de produção, que vinham
atravessando crises sucessivas, perderam, ainda mais, sua importância diante do
mercado da especulação e das finanças. A produção começou a ser,
definitivamente, substituída pela especulação e os grandes beneficiados passaram a
ser os bancos e as grandes corporações.
Tirando pleno proveito desse novo quadro, as grandes corporações
fragmentaram sua estrutura funcional, espalhando seus negócios pelos
diferentes quadrantes do mundo. Os setores produtivos seriam alocados
nos países onde os salários fossem mais baixos, os sindicatos mais fracos e
a legislação trabalhista a mais precária; os departamentos financeiros
operariam em locais onde os juros fossem mais altos e a inflação a mais
baixa; assim como as diretorias seriam estabelecidas nas sociedades com
os mais altos padrões de qualidade de vida. (SEVCENKO. In: PACHECO,
2002, p. 79)
28
Em relação ao trabalho, o agravamento dos problemas se deu não por
conta da desmobilização da indústria, que até então era uma grande empregadora.
Houve um aprofundamento do desemprego estrutural extinção de postos de
trabalho pelo uso da automação, e a disseminação de formas administrativas que
permitiam a máxima exploração do trabalho. Com um mínimo de funcionários
passou a ser possível executar tarefas que antes exigiam um grande contingente de
mão-de-obra. O cenário econômico e social refletiu, mais uma vez, diretamente na
escola.
Morta definitivamente a promessa do pleno emprego, restará ao indivíduo (e
não mais ao Estado, às instâncias de planejamento ou às empresas) definir
suas próprias opções, suas próprias escolhas que permitam (ou não)
conquistar uma posição mais competitiva no mercado de trabalho.
(GENTILE. In: FRIGOTTO (org), 2002, p. 81)
Os direitos da população, como saúde, educação e seguridade social, se
transformaram em serviços e começaram a ser entregues a uma instituição abstrata
chamada de “mercado”. Dessa maneira, as organizações estatais passam a ser
associadas à ineficiência em oposição às chamadas empresas “de mercado”.
No Brasil, no que se refere à educação, foram mantidos os interesses de
grupos ligados às escolas particulares. Para Ghiraldelli Junior “os grandes
empresários do ensino sempre tiveram grande influência no interior do CFE” (2006,
p. 125) e “o governo colaborou com a abertura de cursos de terceiro grau de
duvidosa idoneidade moral” (2006, p. 118).
A homologação da Lei 5692, em 1971, revelou a dimensão alcançada pelo
tecnicismo. O ensino de primeiro grau passou a ter oito anos reunindo o que era, até
então, ensino primário e ginasial. No que se refere ao segundo grau, ficou
estabelecida a obrigatoriedade de agregar uma profissionalização. Essa
determinação, segundo Padilha (2001, p. 60) “não agradou nem aos gregos nem
aos troianos”. Ou seja, não agradou aos estudantes que buscavam a preparação
para entrar na Universidade por esvaziar o ensino propedêutico; nem agradou aos
estudantes que buscavam profissionalização imediata, pois, como as escolas foram
obrigadas a implantar a profissionalização mesmo sem dispor de recursos
necessários, essa “profissionalização” era, na maioria dos casos, inadequada e
insuficiente. Para Padilha, muitas escolas “não conseguiram desempenhar funções
propedêuticas nem profissionalizantes” (2001, p. 61). As escolas particulares criaram
verdadeiros cursos técnicos “de fachada”, uma vez que continuaram a atender a um
29
público que buscava, basicamente, um encaminhamento para os cursos superiores.
As escolas da rede pública, no entanto, obrigadas a cumprir a determinação legal,
não foram aparelhadas para implantação de uma profissionalização efetiva. Apesar
do descontentamento generalizado, somente em 1982 a Lei 7.704 liberou as
escolas para decidir se implantariam a profissionalização ou não.
No que se refere à formação de professores, a Lei 5692/71 foi,
particularmente, desastrosa.
O professor primário deveria se transformar no “técnico de segundo grau”,
que pudesse cumprir com eficiência e racionalidade a tarefa de educar. O
predomínio da concepção tecnicista provocou a diluição da educação em
geral, do núcleo comum, em benefício de aspectos “instrumentais”. Além
disso, a habilitação para o magistério, devido ao seu baixo custo financeiro,
se expandiu sem o necessário controle de sua qualidade. (MARTINS, 1996,
p. 187)
Tendo transformado todo o Segundo Grau em profissionalizante, a Lei
acabou desativando, também, a Escola Normal. Transformou o curso de
formação de professores das quatro séries iniciais do ensino básico na
“habilitação Magistério”, que na prática passou ser reservada aos alunos
que, por suas notas mais baixas, não conseguiam vagas nas outras
habilitações que poderiam encaminhar para o ensino superior. Foi, talvez,
um dos maiores golpes na política de formação dos professores.
(GHIRALDELLI JUNIOR, 2006, p. 125)
Ao final do período militar, a educação brasileira estava marcada pelo
tecnicismo. Para Ribeiro:
Revela-se assim a ênfase na quantidade e não na qualidade, nos métodos
(técnicas) e não nos fins (ideais), na adaptação e não na autonomia, nas
necessidades sociais e não nas aspirações individuais, na formação
profissional em detrimento da cultura geral. (2003, p. 195)
A última década do culo XX se aproximava e o Brasil apresentava
problemas educacionais bastante graves. De cada 100 alunos que ingressavam no
ensino primário, apenas 18% conseguia concluí-lo (PILLETI, 1996, p. 125), o que
demonstra uma enorme exclusão. A taxa de analfabetismo no país, embora
decrescente, ainda atingia 18% da população (Idem, 124). No que se refere ao
ensino dio, que era, então, chamado de “segundo grau” a situação era também
desfavorável. Como as vagas nas escolas públicas nesse segmento não eram
suficientes para atender a demanda, uma parte da população, sem recursos para
pagar uma instituição particular, não tinha acesso a ele. O ensino médio se
equilibrava entre os que buscavam preparação para o vestibular, que se tornava
30
cada dia mais rigoroso, e os que buscavam formação profissional esta, muitas
vezes, inexpressiva.
Até aqui, através da história, encontramos uma “escola para poucos”. Os
uniformes azul-marinho e branco da escola pública escondiam formas discretas de
exclusão. Nem todas as famílias tinham condição de arcar com as despesas
referentes a uniformes, material escolar e livros para seus filhos. Havia um recurso
chamado, em algumas escolas, de “caixa escolar”. Era um fundo, que poderia ser
mantido com apoio da própria comunidade escolar que cedia uniformes e livros para
os alunos menos favorecidos. O azul de suas vestes, normalmente, era mais
desbotado, seus livros eram de segunda-mão, mas seus olhos eram cintilantes de
esperança. As professoras e demais funcionários da escola pediam, quase sempre
de forma discreta, que cada um levasse o que pudesse para aqueles colegas que
eram “pobres”. Alguns iriam embora em pouco tempo porque precisavam trabalhar.
Algumas meninas iam para casas de família” servir como empregadas domésticas,
alguns meninos ficavam sub-empregados em pequenos comércios. Caso eles se
adaptassem à escola, seguiriam, mas aos primeiros sinais de dificuldade, com
repetência consecutiva, seriam descartados. E essa era uma situação aceita com
naturalidade, tanto pela escola, quanto pela sociedade.
Percorrendo brevemente a história da educação no Brasil, podemos observar
que ela sempre teve como marca a dualidade. Essa dualidade educacional ou
dualismo educacional podem ser observados de formas diferenciadas. A primeira
forma pode ser a que estabelece uma educação voltada para as “elites” e uma outra
educação voltada a atender as camadas mais pobres da população, ou seja,
dependendo da classe social onde nasceu, o cidadão irá freqüentar um tipo de
escola, atingir um determinado grau de escolaridade e cumprir uma espécie de
destino social. Uma outra forma de dualidade diz respeito à possibilidade de acesso
e permanência dos alunos na escola. Todas as crianças têm acesso à escola?
Todas as crianças têm condição de permanecer na escola pelo tempo que julgarem
necessário? Existem unidades escolares suficientes para todas as crianças
brasileiras?
Considerando que o Brasil esteve, desde suas origens, vinculado à economia
capitalista e que segue inserido no movimento internacional do capital, a eliminação
da primeira forma de bifurcação da educação parece inviável. Sempre existiram, e
continuarão existindo, escolas destinadas a atender camadas específicas da
31
população. Tradicionais escolas particulares, pequenas escolas de periferia e
grandes grupos escolares convivem, e se entrelaçam, a partir dessa realidade.
No que se refere à segunda forma de dualidade, é possível observar que
muito antes de ser cunhado o termo “educação para todos”, esse era um desejo
legítimo de alguns. Pela história da nossa educação, se por um lado encontramos o
dualismo e a desigualdade, por outro encontramos as lutas e a resistência por uma
educação que não excluísse. O fato de hoje as crianças terem garantido o seu
acesso à escola já pode ser considerado uma grande conquista, uma vez que
elimina uma perversa forma de dualidade educacional, que era o fato de grande
parte das crianças não conseguir, sequer, chegar à escola.
32
CAPÍTULO 2
A ESCOLA PÚBLICA: EMBATES, CONSENSOS E MUDANÇAS
“Poetas despertai enquanto é tempo
antes que a poesia do mundo
vá-se embora
antes que caia sobre o homem
um tempo insuportável...”
Solano Trindade(II)
Quando contados de forma isolada, casos e fatos que ocorrem nas escolas
brasileiras atuais parecem surpreendentes. Entretanto, os rumos da educação
foram sendo traçados através de sua história. Este capítulo, olha para a fase mais
recente da história da educação brasileira, na qual foram tomadas decisões que
trouxeram algumas das mudanças que interferem, diretamente, no dia a dia das
escolas.
2.1 O final do século XX e o aparente consenso da educação
Na educação, os anos 80 caracterizaram-se por debates e embates. Shimora
destaca a atuação da ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação, da ANDES Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior,
da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação; dos periódicos
“Educação & Sociedade”, “Revista da ANDE” e “Cadernos do CEDES”; além de
eventos como as CBES Conferências Brasileiras de Educação e as Reuniões da
SBPC – Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Ciência (2004, p. 40).
Apesar de toda essa efervescência, o governo brasileiro preferiu abraçar as
propostas dos países detentores do poder hegemônico na economia mundial. Em
1990 o cenário econômico mundial apresentava um desenho bem definido. Os
países ricos, organizados em um bloco chamado G-8, reunindo Alemanha, Estados
Unidos, Inglaterra, Itália, Canadá, França, Japão e Rússia, passaram a impor novos
parâmetros na área educacional para outros países.
Um evento se tornou ícone do ano de 1990. Aconteceu em Jomtien, na
Tailândia, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos. O evento foi
organizado pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a
(II) In: ARAÚJO, Ivon Alves de. OS POETAS DA BAIXADA FLUMINENSE. RJ : I A Araújo, 2002.
33
Ciência e a Cultura; pelo UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância; pelo
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, todos ligados à
ONU Organização das Nações Unidas, além do Banco Mundial. Desse encontro
resultou a “Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das
Necessidades Básicas de Aprendizagem”. Esse documento determinou metas e
objetivos educacionais, sugestões que deveriam ser seguidas por todos os 155
países presentes à Conferência. A meta da educação básica para todos foi
considerada, pelos organizadores da Conferência, como viável para os países que
assinaram a Declaração de Jomtien e deveria ser alcançada.
O governo brasileiro passou a seguir as orientações e buscar a
universalização da educação básica. Como o próprio título do documento indicava, a
educação deveria ser “para todos”.
As novas políticas sociais se caracterizam pela expressão “para todos”:
saúde, água, saneamento e educação para todos. Mas não incluem
empregos nem, portanto, renda para todos. (CORAGGIO. In:TOMMASI;
WARDI; HADDAD (org.), 2000, p. 87)
2.1.1 Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das
Necessidades Básicas de Aprendizagem
O documento manifestou, inicialmente, preocupação com o fato de que a
educação havia sido declarada direito de todos, 40 anos antes, na “Declaração
Universal dos Direitos Humanos”, também estabelecida pela ONU. Partindo da
preocupação com as crianças e adultos, principalmente meninas e mulheres, que
não têm acesso à educação no mundo, o documento estabeleceu objetivos e
sugestões que deveriam ser seguidas pelos países. Para Silva Jr (2004, p. 10)
“Sedutoras preocupações políticas que sensibilizaram muitos políticos e educadores
bem intencionados, mas também os oportunistas”. Dividido em dez artigos, nele
encontramos frases e idéias que, desde então, vêm sendo repassados aos
educadores e à população em geral através da legislação, de publicações, eventos e
da mídia.
A partir de uma leitura desse documento, é possível perceber que suas
determinações, muito claras, refletiram diretamente nos rumos que a educação
brasileira vem seguindo nas últimas décadas. Os efeitos dessas determinações
podem ser percebidos diretamente nas escolas e, de forma bastante acentuada, nas
salas de aula.
34
No artigo 1 Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem – além de
ficar estabelecida a necessidade de acrescentar “valores culturais e morais” ao
aprendizado de instrumentos e conteúdos, é ressaltada a importância da educação
básica, não como fim em si mesma, mas como embasamento para o aprendizado
que se seguirá pela vida inteira. Os valores apresentados como novos requisitos não
parecem novidades. Na história de vida de todo aluno existe, pelo menos um
professor que deixou sua marca, seu modelo, seus valores. O que se faz necessário,
agora, é uma tomada de consciência por parte dos educadores sobre essa
responsabilidade. Esse é o primeiro dos acréscimos que caberá ao professor
conciliar com o conteúdo considerado adequado para cada série, uma vez que é
ainda sobre os conteúdos que continuam se pautando as exigências da escola. No
cotidiano da escola muitas vezes os educadores se deparam com alunos que
desconhecem até mesmo as mais básicas noções de cuidados pessoais. Aos seis
ou sete anos algumas crianças não foram apresentadas a uma simples escova
dental. Fatos como esse revelam que há um conhecimento indispensável para a vida
que precede o conhecimento de qualquer regra da norma culta.
No artigo 2 Expandir o enfoque encontra-se a sugestão de uso, na
educação, dos novos recursos disponíveis, particularmente no que se refere à
informação e comunicação. Além disso, são apresentados os demais artigos que
visam estabelecer um “enfoque abrangente”. Embora exista um reconhecimento da
importância da utilização de novos recursos, principalmente de recursos
tecnológicos, grande parte das escolas públicas não está equipada de maneira
adequada para atender a essa demanda. Isso não significa que a tecnologia não
esteja presente nas conversas dos alunos. As lan houses se espalham até mesmo
pelas comunidades mais carentes de recursos materiais e algumas crianças
convivem naturalmente com a informática. Os professores têm necessidade de
acompanhar essa movimentação e fazer uso dos recursos audiovisuais disponíveis.
Hoje, na sala de aula é recomendável o uso de televisão, DVD, jornais, revistas e
tudo mais que possibilite o desenvolvimento de atividades interessantes para os
alunos. Para a implantação dessas novas dinâmicas é necessário investimento em
equipamentos, segurança para esses equipamentos e, infelizmente, em alguns
casos, vencer a resistência de alguns educadores que consideram qualquer
atividade diferenciada como perda de tempo para o aluno ou falta de vontade de
trabalhar do professor. Também é fundamental ouvir o que os alunos têm a dizer e
35
convidá-los a apresentar novidades que sejam de seu interesse. Uma nova
homepage, uma sica, um filme, uma foto, um cartaz ou qualquer outro material
apresentado por um aluno estará, naturalmente, alinhado com o gosto de grande
parte dos colegas, além de ser uma oportunidade para o professor conhecer coisas
que, muitas vezes, não fazem parte do seu universo.
No artigo 3 Universalizar o acesso à educação e promover a equidade
encontramos as bases da legislação atual da educação. Fica estabelecido o direito
de todas as crianças, jovens e adultos à educação básica, e que essa deve buscar
atenuar as desigualdades. O acesso também deve ser garantido aos “portadores de
todo e qualquer tipo de deficiência” e o artigo também fala, especificamente, sobre a
educação dos grupos que eles consideram “excluídos”: pobres, população de rua,
de periferias urbanas e zonas rurais, trabalhadores migrantes, povos indígenas,
entre outros. Para esse atendimento educacional, agora obrigatório, nos lembra
Silva Jr (2004, p. 11), da necessidade, omitida, de “uma forma de administração
social que os adapte, os integre e que os conflitos sociais decorrentes das
disparidades sociais sejam de alguma forma controlados“. Esse artigo também
apresenta preocupação com a qualidade da educação que deve ser oferecida,
embora não informe como conciliar essa qualidade esperada com o aumento da
demanda e com o eventual surgimento de novos perfis de alunos. No que se refere
à escola pública atual, as maiores dificuldades podem ser vistas como as maiores
vitórias. A chegada de alunos que trazem dificuldades sócio-econômicas,
dificuldades de aprendizado e necessidades especiais, é uma conquista importante
se considerarmos que até algumas décadas atrás eles não eram freqüentadores
da escola ou que, mesmo que chegassem, seriam rapidamente excluídos e essa
situação seria encarada com naturalidade pela sociedade e pela própria comunidade
escolar.
O artigo 4 Concentrar a atenção na aprendizagem ressalta a importância
de uma aprendizagem efetiva, orientada por “conhecimentos úteis”, além de
estabelecer a necessidade da criação e implementação de sistemas de avaliação. É
tarefa das mais difíceis definir o que vem a ser um “conhecimento útil”. Útil para
quem? Em que situação? Em que momento histórico? Em que parcela da
sociedade? Essas indagações, que parecem impossíveis de receber uma resposta
única, acompanham o dia a dia da escola. Adaptando-se à nova realidade e às
novas situações que se apresentam, o professor percebe que precisa desenvolver
36
novas formas de avaliação. Paralelamente, ele também se preocupa com as futuras
avaliações pelas quais seus alunos passarão. Ele sabe que, nem sempre, elas serão
diferenciadas ou levarão em conta suas características individuais. O
estabelecimento de avaliações pelo Ministério da Educação como a “Prova Brasil”
para alunos do quinto e do nono ano de escolaridade e a recente “Provinha Brasil” –
para alunos do segundo ano de escolaridade, por um lado desagrada a alguns
educadores por exigir uma homogeneização do conhecimento em um país com tanta
diversidade, entretanto traz um aspecto positivo de oferecer aos professores que
estão em sala de aula um parâmetro a ser seguido, um conjunto de objetivos a
serem alcançados.
No artigo 5 Ampliar os meios de e o raio de ação da educação básica é
destacada a importância da escola fundamental como sistema de promoção de
educação. São incentivados os programas de alfabetização por este ser um
conhecimento fundamental em si mesmo e indispensável na aquisição de outras
habilidades num mundo letrado como o que vivemos. Esse artigo também convoca
todos os meios de comunicação e ação social a se mobilizar pela educação básica
para todos, entretanto, a observação das campanhas veiculadas pela mídia parecem
valorizar mais a atuação das organizações não governamentais e de eventuais
voluntários do que dos profissionais que estão, efetivamente, na escola. poucos
educadores sendo consultados, ouvidos e divulgados para o grande público.
No artigo 6 Propiciar um ambiente adequado à aprendizagem há o
reconhecimento de que a educação não tem, sozinha, como atender a todas as
novas demandas estabelecidas e que é necessária a integração com os demais
sistemas (saúde e nutrição entre outros). O encaminhamento de crianças para as
unidades de saúde é parte das tarefas rotineiras da escola. Algumas famílias,
mesmo identificando problemas de saúde na criança, fazem associações com
doenças existentes na família e consideram que é normal, que não há nada para ser
feito. É comum que, durante algum encontro com o professor ou com membro da
equipe pedagógica, os responsáveis informem que os filhos têm coisas do tipo
“doença no coração igual ao pai”, “doença de nervos igual à mãe”, “está ficando
surdo”, “é doentinho” e outros pseudo-diagnósticos que nunca foram avaliados por
um profissional da área de saúde. Um outro aspecto é a possibilidade de escola
servir de veículo para campanhas de vacinação, saúde bucal, educação alimentar e
37
prevenção de doenças, possibilitando aos alunos a oportunidade de cuidar de si e
dos que estão próximos.
No artigo 7 Fortalecer as alianças Todos os níveis de possíveis alianças
são enfocados. Fica reconhecida a importância dos educadores e das famílias nesse
processo. Estabelece a necessidade de integração entre os níveis municipal,
estadual e nacional, incluindo todos os órgãos das esferas citadas em prol da
educação. É também nesse artigo que fica expressa a possibilidade de pactos com
os setores privados, as organizações não governamentais e grupos religiosos.
Algumas escolas já fazem uso dessas alianças, desenvolvendo projetos em parceria
com outras instituições. É fundamental definir critérios sérios, que levem em conta as
necessidades reais da comunidade. Algumas instituições se propõem a apresentar
seus projetos e programas, mas, efetivamente, despejam sobre a comunidade um
“pacote” de atividades pré-determinadas, sem estabelecer um diálogo e sem
observar ou respeitar as características locais. Essas instituições acreditam que têm
uma espécie de fórmula, talvez mágica, que responda aos anseios de todas as
comunidades onde as escolas estão instaladas.
No artigo 8 – Desenvolver uma política contextualizada de apoio – é solicitado
um apoio, efetivo, à educação. É o reconhecimento de que é indispensável um
grande compromisso político e social para que a educação se desenvolva e consiga
atingir as metas estabelecidas.
No artigo 9 Mobilizar os recursos é reforçada a idéia de uma grande
aliança onde todas as forças devem se unir em favor de uma educação de qualidade
em nível nacional.
No artigo 10 – Fortalecer a solidariedade internacional – a idéia de uma
grande aliança, onde todas as forças devem se unir em favor de uma educação de
qualidade, é levada a nível mundial, incluindo os organismos e instituições
intergovernamentais. Mais uma vez, se faz necessária a observação atenta dos
critérios a serem estabelecidos para que atendam aos interesses efetivos das
comunidades escolares locais.
A meta da educação básica para todos foi considerada, pelos organizadores
da Conferência de Jomtien, como viável para todos os países que assinaram o
acordo, independentemente da sua situação econômica, política e social. Ficou
estabelecida, desde então, a necessidade da criação de inúmeros pactos para que
essa meta possa ser alcançada. Eles devem acontecer entre família e escola; escola
38
e qualquer instituição que possa ser envolvida na questão da educação básica; entre
todas as esferas do governo no país e, o mais difícil, entre todas as esferas
mundiais, incluindo as instituições que transcendem os governos e se espalham pelo
mundo. É uma meta, no mínimo, ousada. Entretanto, ela parece estar sendo
construída pela escola pública dia a dia, quase silenciosamente. Os educadores têm
encontrado soluções para lidar com a quantidade crescente de alunos, com as
diferenças e com todas as novas responsabilidades que surgem sem que os
recursos cresçam na mesma proporção. A busca por novos autores, os cursos de
especialização, as publicações crescentes voltadas para a área de educação vêm
demonstrando um movimento intenso nessa área.
2.1.2 A Declaração de Nova Delhi
Em dezembro de 1993, reunidos em Nova Delhi, os líderes de países que se
autodeclaram “em desenvolvimento assinaram um acordo onde reiteravam a
“Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades
Básicas de Aprendizagem” e assumiram o compromisso de seguir as metas
estabelecidas em Jomtien. Assinaram a chamada “Declaração de Nova Delhi”:
Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão.
Segundo esse mesmo documento, esses países reunidos comportavam mais de
metade da população do mundo. Apesar de todas as suas diferenças culturais,
esses países optaram por assimilar o documento comum que apenas reafirmava o
que já havia sido estabelecido pelas Nações Unidas.
O Brasil, tão rico em educadores, ao assimilar e divulgar, de forma intensiva,
essas idéias, talvez tenha perdido algumas chances de criar uma educação
realmente voltada para as necessidades efetivas da nação.
2.1.3 Relatório Delors
Também na década de 1990, a UNESCO convocou uma comissão presidida
pelo ex-ministro da Economia e das Finanças da França, Jacques Delors para
desenvolver uma intensa reflexão sobre “educar e aprender para o século XXI”
(DELORS, 2006, p. 268). Em 1993 o trabalho começou a ser desenvolvido e teve
sua conclusão em 1996. A comissão era formada por um representante de cada um
dos seguintes países: Jordânia, Japão, Portugal, Zimbábue, Polônia, Estados
39
Unidos, Eslovênia, Jamaica, Venezuela, Senegal, Índia, México, Coréia do Sul e
China. Também houve a participação de personalidades de outros países como
conselheiros extraordinários.
Entre as principais idéias desse documento encontra-se a lifelong learning -
que reconhece a necessidade de uma aprendizagem ao longo da vida e não apenas
por um período determinado de tempo. Também ficaram como referência os
chamados “quatro pilares” nos quais essa nova educação poderia se apoiar:
1. Aprender a conhecer (aprender a aprender) estar apto a adquirir
novos conhecimentos a partir dos instrumentos disponíveis;
2. Aprender a fazer colocar conhecimentos em prática, transformar
conhecimento em inovações;
3. Aprender a viver juntos (aprender a viver com os outros) - desenvolver
a compreensão do outro e a percepção da interdependência;
4. Aprender a ser – desenvolver pensamento autônomo e crítico.
O Relatório Jacques Delors, no Brasil, recebeu o título de “Educação: Um
Tesouro a Descobrir” e foi publicado com a marca da UNESCO Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e do MEC Ministério da
Educação. Era um intenso exercício de reflexão sobre a educação que, naquele
momento, tornava-se necessária diante da nova organização mundial
(mundialização) e das exigências do século XXI, que se aproximava a passos largos.
O Relatório Delors também dedicou um capítulo ao professor. As mudanças,
previstas, que aconteceriam na escola a partir do que o livro chama de “expansão
quantitativa do ensino” (DELORS, 2006, p. 155) anunciavam a necessidade de
mudanças no trabalho docente. O perfil dos profissionais de educação passava a ser
marcado pela necessidade de uma atitude positiva diante do estudo, sem nenhuma
possibilidade de acomodação, pois situações novas surgiriam e exigiriam
profissionais aptos para resolvê-las. Em determinados momentos, a função docente
era considerada, praticamente, uma missão impossível de ser cumprida.
A competência, o profissionalismo e o devotamento que exigimos dos
professores fazem recair sobre eles uma pesada responsabilidade. Exige-se
muito deles e as necessidades a satisfazer parecem quase ilimitadas.
(DELORS, 2006, p. 155)
Uma das prioridades estabelecidas para todos os países que aderiram à
Declaração de Jomtien é a melhoria da “qualidade e motivação dos professores”
40
(DELORS, 2006, p. 159) com medidas sugeridas na esfera da seleção e da
formação profissional. No que se refere aos incentivos aos professores, as atraentes
sugestões de incentivo à pesquisa, licenças para estudo, períodos de experiência
em outras instituições e vivência em outros países ainda não chegaram aos
professores das escolas públicas brasileiras.
Foi também na década de 1990 que a área de educação passou a conhecer
novos conceitos através de livros, eventos e palestras. Grande parte deles oriundos
das empresas e, algumas vezes, sem avaliação necessária das especificidades da
educação. Entre esses conceitos encontramos: projetos, habilidades, competências,
entre outros. Começa também a ser disseminado na área de educação o conceito de
“qualidade”, esse ainda muito vinculado a uma qualidade quase “fabril”, inadequada
ao ensino.
2.2 As providências brasileiras para o novo momento da educação
O Brasil comprometido, formalmente, a seguir as orientações dos países ricos
para a educação dá, então, início a uma série de mudanças em sua política
educacional.
2.2.1 1994 – Plano Decenal de Educação para Todos
Em 1993 o governo brasileiro lançou uma versão preliminar do Plano Decenal
de Educação para Todos e criou uma comissão para elaboração do documento final.
Essa comissão executiva, subordinada à Secretaria de Educação Fundamental,
contava com: um representante da própria Secretaria de Educação Fundamental;
um representante da Secretaria de Projetos Educacionais Especiais; um
representante do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais;
um representante da Coordenação Geral de Planejamento Setorial; dois
representantes do CONSED - Conselho Nacional dos Secretários de Educação e
dois representantes da UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação. De acordo com a Portaria 489, de 18 de março de 1993, do então
Ministério da Educação e do Desporto, no exíguo prazo de 60 dias o documento final
deveria ser entregue.
A versão preliminar desse projeto reafirmava o compromisso com o
documento de Jomtien, estabelecendo os programas e recursos que o país passaria
41
a usar para atingir as metas. O documento final foi lançado em 1994, e atingiria o
décimo ano em 2003.
Ele é apresentado pelo Ministro da Educação em maio de 1994 como o
documento que iria reorganizar a educação brasileira e é dirigido
diretamente “Aos Professores e Dirigentes Escolares” (Plano Decenal de
Educação para Todos), dispensando as necessárias mediações de outras
instâncias, tais como as secretarias estaduais, associações docentes,
profissionais e científicas. (SILVA JR, 2004, p. 14)
2.2.2 1996 - LDB
A implantação da Lei 9394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
em 1996, veio para reafirmar todas as intenções já manifestas em documentos
anteriores. Seu mais expressivo diferencial, quando comparada à legislação anterior,
está na obrigatoriedade do ensino para crianças a partir de sete anos (na lei
original), que foi modificado para seis anos em 2005 (Lei 11.114).
Outra diferença importante é que o segundo grau, agora denominado “Ensino
Médio”, passou a ser parte integrante da “Educação Básica”. Em seu Artigo 21 fica
estabelecido que a educação básica é formada pela educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio. Esse ensino também está desobrigado a formar
profissionais. Continuam existindo escolas onde o aluno pode fazer o ensino médio
e um curso profissionalizante, mas é fundamental que seja mantida total
independência entre os dois ensinos. Em seu artigo 22, fica estabelecido que “A
educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a
formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.
Essa Lei, algumas vezes parece ter afirmações de caráter excessivamente
abrangente, como o parágrafo segundo do Artigo Primeiro onde afirma que “A
educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”. No
entanto, transparece em seu conteúdo um desejo de criação de uma educação
efetivamente nova, que seja garantida a todos, que respeite as diferenças individuais
e coletivas e que garanta o “respeito à liberdade e apreço à tolerância” (Art. 3º - IV).
Apesar de ter sido promulgada sem a possibilidade dos necessários debates
que poderiam levar a um consenso efetivo, a lei 9394/96 trouxe inegáveis avanços
em relação à legislação educacional anterior, a Lei 5692/71. Assim ganhamos, em
1996, uma lei que, efetivamente, reconhece que a educação é para todos. Essa lei
veio pelas mãos de Darcy Ribeiro, que Bomeny considera como “o último expoente
42
da escola nova” (2001, p. 209), não por seu encontro fecundo com o educador
Anísio Teixeira desde as lutas pela nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases, mas
por ter acreditado, e defendido, até o fim de sua vida os ideais escolanovistas como
a escola de tempo integral, e a criação de uma escola onde fosse possível instruir e
educar. Coerente com esses ideais, quando a vida lhe oportunizou, Darcy Ribeiro
desenvolveu um projeto inovador, que, por questões políticas, não encontrou
continuidade por parte dos gestores que se seguiram.
O governo Brizola de que Darcy Ribeiro foi vice-governador (1983-1986) fez
do Rio de Janeiro o laboratório da proposta dos pioneiros da escola nova,
se aceitamos que o ensino público, gratuito e de tempo integral é o cerne
daquela plataforma renovadora. Os Centros Integrados de Educação
Pública, os CIEPs, foram a materialização de um programa de estender o
ensino público a toda a população em idade escolar. (BOMENY, 2001, p.
246)
2.2.3 1997 – Educação para o milênio
Em 1997 foi realizado, no Rio de Janeiro, o Seminário Internacional de
Avaliação Educacional. O evento que foi promovido pela UNESCO, pelo Bureau
Internacional d´Education da UNESCO e pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais tinha como proposta discutir as grandes questões da
avaliação diante das mudanças intensas sofridas pela educação nas últimas
décadas: o que deve ser avaliado, a organização institucional de um sistema de
avaliação e o melhor uso a fazer das informações obtidas a partir das avaliações.
O Brasil que havia estabelecido o SAEB Sistema de Avaliação da
Educação Básica, o ENC Exame Nacional de Cursos, e o ENEM Exame
Nacional de Ensino Médio, desejava uma comparação com os sistemas
internacionais.
2.2.4 2001 - PNE - Plano Nacional de Educação
Em janeiro de 2001, através da Lei 10.172, foi aprovado o Plano Nacional
de Educação que deverá ter a duração de dez anos. Seus principais objetivos
manifestos são: elevar o nível de escolaridade da população; melhorar a qualidade
do ensino (todos os níveis); reduzir as desigualdades sociais e regionais (no que se
refere à educação pública) e promover a democratização da gestão do ensino
público a partir da elaboração do projeto pedagógico da escola e participação da
comunidade em conselhos escolares.
43
É interessante que essa lei começa com referência ao Manifesto dos
Pioneiros da Educação, de 1932. Mais de 70 anos depois, o sonho dos Pioneiros da
Escola Nova ainda ecoa na Educação Pública Brasileira, sem que alguns de seus
objetivos fundamentais tenham sido alcançados.
Diante da enorme demanda pela educação, o PNE estabelece como
prioridades:
- Garantir o ensino fundamental a todas as crianças de 7 a 14 anos
(ingresso, permanência e conclusão);
- Garantir ensino fundamental a todos os que não o concluíram ou não
tiveram acesso na idade própria;
- Buscar a ampliação nos demais níveis de ensino (educação infantil,
ensino médio e educação superior);
- Valorização dos profissionais da educação (formação inicial e
continuada, condições adequadas de trabalho, tempo para estudo e
preparação das aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de
magistério);
- Desenvolvimento de sistemas de informação e de avaliação em todos
os níveis e modalidades de ensino.
No que se refere ao acesso e permanência das classes menos favorecidas na
escola, o Brasil vem fazendo grandes avanços. Hoje, todas as camadas da
população, notadamente nas áreas urbanas, têm acesso à educação, principalmente
ao ensino fundamental. O que vem sendo amplamente questionado é a qualidade da
educação que está sendo disponibilizada pela rede pública.
2.3 Escola Pública – A mudança paradigmática
Parece adequado afirmar que houve uma mudança de paradigma em relação
à escola pública. Kuhn (2006, p. 13) define paradigmas como “realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. O
conceito de que o crescimento dentro de uma área se apenas por uma
acumulação sucessiva de descobertas está, portanto, descartado, assim como a
idéia de que um conhecimento que se torna ultrapassado é substituído, de forma
natural, por outro, mais atual e conveniente ao momento vivido.
44
O caminho para que um conhecimento se torne paradigmático pode se iniciar
com uma pesquisa. Muitos pesquisadores trabalham em áreas semelhantes e se
confrontam com questões e resultados que serão interpretados de maneiras
diversificadas, mas para Kuhn o que permite realmente que um desses
conhecimentos se torne o padrão aceito o paradigma se torne dominante é a
possibilidade de atrair adeptos e a possibilidade de deixar em aberto a continuidade
de pesquisas.
Um paradigma não se esgota em si mesmo, mas, paradoxalmente, ele parece
estabelecer um limite que norteará as pesquisas e as descobertas dentro de sua
área. Ficarão, pelo menos temporariamente, esquecidas aquelas questões que não
estiverem dentro desse limite. Os pesquisadores que desenvolverem seus trabalhos
de acordo com o que o autor chama de “ciência normal” atuarão basicamente em
três classes de problema (KUHN, 2006, p. 55) “determinação do fato significativo,
harmonização dos fatos com a teoria e articulação da teoria” (KUHN, 2006, p. 55).
O autor faz uso de uma metáfora interessante: a do quebra-cabeça. Muitos
problemas são resolvidos como esse brinquedo. As peças têm um lugar certo para
se encaixar, mas esse encaixe exclui inúmeras possibilidades de combinações
diferentes e, talvez, mais criativas, “Tais problemas podem constituir-se numa
distração para os cientistas, fato que é brilhantemente ilustrado por diversas facetas
do baconismo do século XVIII e por algumas das ciências sociais contemporâneas”
(KUHN, 2006, p. 60). O conhecimento estabelecido não se ocupa em criar
novidades. Cabe a ele o papel, bastante importante, de ampliar uma determinada
área de conhecimento por meio da especialização e da dedicação em descobertas
precisas.
No entanto, as mudanças sempre ocorrem. Um fenômeno pode não se
encaixar dentro do que está estabelecido, e causar surpresa. A esse fenômeno
Kuhn atribui o nome de “anomalia” (2006, p. 85). E assim, entre o estranhamento, a
desconfiança e uma natural resistência é que começam as mudanças.
O surgimento de uma nova teoria não é um trajeto fácil, nem instantâneo. De
uma maneira geral várias anomalias já terão sido identificadas. Inicialmente há
esforços para ignorá-las e para enquadrá-las dentro do conhecimento vigente. Uma
enorme insegurança se instala entre os pesquisadores e demais profissionais da
área em questão. Essa nova teoria será aceita quando se encarregar de resolver
45
problemas que a anterior não for capaz de resolver. Do fracasso de uma teoria pode
emergir a aceitação de um novo conhecimento.
A transição de um paradigma se a partir de uma crise. Para Kuhn (2006,
p. 93) “o significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é
chegada a ocasião para renovar os instrumentos”. Situações de crise, normalmente,
são iniciadas por pessoas que estão há pouco tempo na área, pois dificilmente quem
está visceralmente comprometido com um paradigma conseguirá colocá-lo em
xeque. Um paradigma pressupõe a existência de “sólida rede de compromissos ou
adesões conceituais, teóricas, metodológicas e instrumentais” (KUHN, 2006,
p. 66).
O resultado final de uma crise pode ser surgimento de um novo candidato a
paradigma”; pode ser encontrada uma solução dentro do próprio conhecimento
estabelecido; ou a busca da solução pode ser postergada, caso a área de estudo
não tenha condição de resolver a questão naquele momento específico
(KUHN, 2006, p. 116).
O fundamental é perceber que o desenvolvimento de uma área de
conhecimento não se dá somente por acumulação. É perfeitamente possível que um
saber venha substituir um outro e que, embora sejam incompatíveis, sejam válidos,
cada um dentro de seu tempo e seu espaço. Essas mudanças de paradigma são
retratadas pelo autor como “revolução” e numa revolução sempre haverá o
abandono de um conjunto de valores em favor de outro.
Boaventura de Sousa Santos nos chama atenção para o que é considerado
caráter pré-paradigmático das ciências sociais, uma vez que nessa área da ciência
“não há consenso paradigmático” (2005, p. 37). Isso significa que dificilmente haverá
um abandono absoluto de valores já estabelecidos.
Se, metaforicamente, usarmos esses conceitos em relação à escola como um
todo e à escola pública em particular, observaremos que a escola se encontra em
meio a uma crise. As mudanças no seu entorno provocam inúmeras anomalias, os
profissionais observam e denunciam essas anomalias. O conhecimento estabelecido
se mantém e defende seus pressupostos, mesmo quando sente que eles não estão
funcionando tão bem quanto funcionaram um dia. No que se refere à escola
pública, ainda não é possível definir o que surgirá desse momento atual. Retomadas
as idéias apresentadas por Kuhn (2006, p.116), onde as crises têm três
46
possibilidades de encerramento, é possível imaginar alguns possíveis
desdobramentos para a questão da escola pública:
- A busca de uma solução será prograstinada. Por não termos condição de
resolvê-la no momento atual, ela será guardada para que as próximas
gerações a resolvam. Em qualquer crise, esta parece ser sempre a opção
aceita num primeiro momento, quando se observam anomalias, mas o
existe ainda uma previsão de que se trata de um caso atípico ou se é algo
que veio para ficar. No que se refere à escola pública, todos os educadores
percebem, claramente, que mudanças já se fazem necessárias e urgentes;
- Pode ser a emergência de um novo “candidato a paradigma” e o início de um
processo de sua aceitação. No que se refere à escola pública, o mais
assustador desses possíveis candidatos a paradigmas é o que indica que ela
se transformará em uma escola “para pobres”, uma vez que, dentro das
próprias comunidades populares algumas famílias não estão recorrendo a
ela;
- que “algumas vezes a ciência normal acaba revelando-se capaz de tratar
do problema que provoca a crise” (KUHN, 2006, p.115), também é possível
que sejam encontradas soluções dentro da própria escola para suas questões
atuais. Nesse caso, faz-se necessário uma ampla preparação dos seus
profissionais e o aprofundamento nas pesquisas na área de educação. A
observação de experiências bem sucedidas, incentivo a novas metodologias
e, principalmente, definição clara da função da escola são fundamentais para
uma mudança. A solução para a escola pública não será encontrada dentro
de gabinetes, nem mesmo nos espaços acadêmicos se o forem ouvidos os
profissionais que estão diretamente envolvidos com a questão.
2.4 A escola pública hoje: um delicado equilíbrio entre a quantidade e a
qualidade
Voltando ao dualismo educacional, para Romanelli (1999, p. 167) “A primeira
coisa que precisa ser definida, para melhor compreensão de todo o problema do
dualismo educacional, é a posição das camadas sociais em face da oferta de
educação”. O Ministério da Educação afirma que nos últimos 30 anos o Brasil teve
como uma de suas maiores conquistas: a democratização do acesso ao ensino
47
fundamental. “Hoje, 97% das crianças entre sete e 14 anos estão na escola”
(BRASIL,MEC,SEB, 2005, p. 3). Isso pode ser considerado o fim da mais cruel forma
de dualidade educacional, aquela que não permitia que uma parte das crianças
chegasse à escola. Como dificilmente a qualidade caminha de mãos dadas com o
crescimento quantitativo, o desempenho dos alunos tem sido insatisfatório em
avaliações nacionais como a Prova Brasil e internacionais como o Pisa (sigla,
em inglês, para Programa Internacional de Avaliação de Alunos).
Entretanto, a escola pública tem tido grandes conquistas que não têm
merecido o mesmo destaque, como, por exemplo, conseguir cumprir com
determinação as tarefas impostas pela atual legislação.
2.5 Novas determinações legais, novas responsabilidades para a escola
pública
Impulsionada pela legislação, a escola pública está, efetivamente, construindo
uma escola para todos. Essa não é uma tarefa fácil se considerarmos que aumento
da quantidade de alunos trouxe junto consigo outros tipos de tarefas com os quais a
escola não convivia sistematicamente. A escola pública convive com um grande
crescimento da quantidade de alunos matriculados. O número de crianças que são
levadas para a escola vem aumentando também o número de alunos dentro das
salas de aula e intensificado a movimentação de alunos durante o ano, uma vez que
cabe à escola receber alunos em qualquer época do ano escolar.
A escola pública atual busca oferecer aos alunos um atendimento igualitário,
de forma que os alunos oriundos das famílias de baixa renda não sofram nenhum
tipo de constrangimento por falta de recursos. Para esses alunos é fundamental que
a escola cumpra um papel que era, originalmente, da família: suprir recursos
materiais. Particularmente no município de Duque de Caxias, no Estado do Rio de
Janeiro, onde o estudo de caso desse trabalho foi realizado, os alunos recebem do
município uniformes, agasalhos, tênis, mochila e todo o material escolar (lápis,
borracha, apontador, caderno, régua, lápis de cor, giz de cera, cola, e outros).
Algumas vezes, a entrega desse material didático não se no ato da matrícula, ou
no início do ano letivo, mas os alunos não podem ser impedidos de estudar por falta
de recursos materiais. Os livros didáticos vêm do Governo Federal, como no
restante do país.
48
A escola pública recebe os alunos com necessidades especiais sem nenhum
tipo de restrição ou discriminação. O atendimento a esses alunos trouxe à tona a
urgência de uma revisão na própria arquitetura das unidades escolares, além da
busca de instrumentos e de formas diferenciadas de ensino. Para isso, faz-se
necessário que o governo fortaleça as instituições especializadas como o INES
Instituto Nacional de Educação de Surdos e o Instituto Benjamin Constant –, que se
ocupa das deficiências visuais, entre outros. São nessas instituições que professores
e especialistas na área de educação podem buscar os recursos necessários para
um melhor atendimento das crianças que apresentam algum tipo de deficiência. A
inclusão tem sido um enorme desafio para os profissionais de educação, uma vez
que cada tipo de deficiência exige um atendimento diferenciado e o uso de materiais
adequados. O fato é que, para um atendimento efetivo a essas crianças, o educador
precisa receber treinamento adequado e constante.
Outra preocupação da escola são as crianças sobre as quais recaem
suspeitas de abandono, maus-tratos ou abusos. Nesse quesito a obrigação do
profissional da escola se equipara à do profissional de saúde: denunciar toda e
qualquer suspeita, encaminhando as ocorrências ao Conselho Tutelar em
documento próprio. A escola pública interage com os Conselhos Tutelares nos casos
de suspeita e também está obrigada a comunicar os casos de alunos que
apresentam grande número de faltas.
A escola pública também funciona como principal equipamento social dentro
de algumas comunidades. É dentro dos prédios das escolas públicas que
acontecem as campanhas de vacinação de crianças, de animais domésticos e,
sempre que necessário, outras campanhas de saúde. Sempre que possível, a escola
oferece atividades culturais e esportivas diversificadas em parceria com
organizações governamentais e não-governamentais, além de disponibilizar o uso
dos seus espaços para os alunos e para a população que em geral não dispõem de
opções de lazer e cultura.
Um dos mais conhecidos programas de atividades nas escolas é o “Escola
Aberta” que conta com a participação do Ministério da Educação e da UNESCO. Nos
finais de semana são realizadas nas escolas que aderem ao projeto, atividades,
normalmente chamadas de oficinas, que podem incluir reforço escolar, esportes,
lazer ou artesanato. As atividades se destinam, não aos alunos, mas a toda a
comunidade no entorno da escola. Segundo o Mistério da Educação, o programa
49
atua em 22 estados brasileiros, e atende, aproximadamente, dois milhões de
pessoas (MEC, 2008).
2.6 A construção diária de uma “escola para todos”
O crescimento das responsabilidades da escola pública foi impulsionado por
dois motivos principais: as mudanças na legislação e no panorama econômico.
Colocar um filho na escola foi uma opção para as famílias, hoje em dia é uma
obrigação. Amparadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) e
pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB, 1996), todas as crianças deverão ir para a
Escola, sob pena de punição para os responsáveis que se omitirem. O crescimento
do desemprego, a precarização do trabalho disponível e o avanço da informalidade
são conseqüências da nova ordem econômica mundial, que refletem na população e
atingem diretamente a escola pública, porque é lá que estudam as crianças oriundas
das famílias de baixa renda e de famílias que vivem de trabalhos informais e
esporádicos.
A escola pública recebe alunos que vêm de outros sistemas de ensino, de
outros estados, alunos portadores de necessidades especiais, alunos com
dificuldades de aprendizagem, alunos que precisam dela para se alimentar e para
ter um atendimento de saúde. Alunos que precisam dela até para saber que têm um
nome e que existe um mundo além daquele que seus olhos podem alcançar. Na
escola pública atual todos são recebidos e acolhidos. A escola procura dar aos
alunos condições de se expressarem e, paradoxalmente, muitas vezes eles se
expressam contra ela mesma.
A escola pública não se omite das novas responsabilidades, mas é
perceptível que para responder por elas é necessário que sejam disponibilizados
recursos materiais adequados, que os profissionais da educação sejam qualificados
para lidar com as novas situações que ocorrem na escola e que a escola encontre
atendimento adequado para os casos encaminhados a outros sistemas quando sua
atuação já o apresentar resultado e para quando houver necessidade de um
atendimento especializado.
50
2.7 Legislação fundamental no dia a dia da Escola Pública
Atualmente, duas Leis são fundamentais no trabalho dos profissionais de
educação, pois asseguram, na prática, os direitos dos estudantes. Todo o trabalho
das escolas é feito com os olhos voltados para a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e para a Lei nº 8.069, de 13
de Julho de 1990, o ECA Estatuto da Criança e do Adolescente. Recorrer a eles
para sanar dúvidas, apresentá-los aos funcionários de apoio, aos alunos, aos
responsáveis, enfim, a toda comunidade escolar é importante para definir
parâmetros para as relações que se estabelecem com as crianças, dentro e fora da
escola. Dessa forma eles podem se tornar importantes aliados na relação entre a
família e a escola, uma vez que oferecem os embasamentos legais dessa relação.
Na LDB estão os parâmetros norteadores da educação escolar. É ela que
lembra ao educador que o ensino fundamental é direito de todos, é ela que orienta o
calendário escolar, e, em caso de dúvidas, é a ela que o educador deve recorrer.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio substituir o chamado “Código de
Menores” e transformou definitivamente a criança em sujeito de direito. Os
Conselhos Tutelares são os órgãos encarregados de fazer cumprir esse estatuto e,
em princípio, devem estabelecer parcerias efetivas com a escola. Os profissionais de
educação devem encaminhar a ele os casos de faltas excessivas por parte dos
alunos, repetências contínuas e quaisquer suspeitas de maus-tratos ou abusos
contra as crianças. As famílias podem recorrer ao Conselho Tutelar em caso de
necessidade de vaga na escola ou para reclamações sobre atitudes consideradas
inadequadas por parte dos profissionais da escola. Também são encaminhados aos
Conselhos, por qualquer pessoa ou instituição, os possíveis atos indisciplinares ou
infracionais por parte de crianças. Em relação à escola, a contribuição solicitada ao
Conselho seria a de suprir informações à comunidade e resposta efetiva aos
encaminhamentos de casos. Esses encaminhamentos nunca devem ser feitos antes
de serem “esgotados os recursos da escola”, assim essa relação é marcada pela
subjetividade, onde a escola esbarra, muitas vezes, na omissão de algumas famílias
ou na sua incapacidade de resolver os problemas de seus filhos.
Ao iniciar o projeto desse trabalho, foi feita a opção por não fazer observação
em uma escola pública específica. Foi intencional aproveitar as observações mais
gerais que a pesquisadora foi construindo em, aproximadamente, três anos de
51
atuação em ensino fundamental. A ocupação paralela de uma matrícula como
Orientadora Educacional e outra como Professora das ries Iniciais do Ensino
Fundamental, em duas escolas públicas próximas ao colégio onde foi realizado o
estudo de caso, levou a percepções diferentes de situações, algumas vezes
semelhantes, e a construção de algumas impressões sobre o tema. Como o tempo
de atuação é, relativamente pequeno, essas impressões ainda se revestem de um
certo estranhamento, que pareceu muito válido para o desenvolvimento do trabalho.
Assim, poderão ser estabelecidas, ao longo do texto, algumas comparações entre a
escola pública e a escola privada de um bairro de periferia, não sendo intenção
desse trabalho estabelecer qualquer tipo de classificação entre as esferas.
A partir da atuação como professora na educação pública, são encontradas
dificuldades bastante acentuadas nos seguintes aspectos: tamanho das turmas,
dificuldade em conseguir materiais; as dificuldades específicas de alguns alunos; o
tempo exíguo de duração dos turnos.
Turmas grandes exigem um enorme esforço por parte do professor porque
crianças o, naturalmente, agitadas. Os alunos precisam de atenção no
desenvolvimento de suas tarefas diárias; na observação de seu aproveitamento
individual, o que exige um contato direto e é preciso também observar questões
ligadas à segurança, uma vez que, principalmente os alunos pequenos, ainda não
têm muita noção sobre o assunto e podem se ferir. Como a escola dispõe de poucos
recursos financeiros para uma manutenção predial adequada, algumas vezes suas
instalações oferecem riscos: tomadas elétricas em posição baixa; armários e
estantes mal fixados; janelas com vidros quebrados; portas metálicas mal
conservadas; revestimento de borracha das rampas de acesso, solto; ausência ou
conservação de corrimãos; entre outros problemas estruturais. Essa mesma falta
de recursos se reflete nos materiais disponíveis para o desenvolvimento de tarefas
novas com os alunos. Para realizar qualquer atividade que fuja do papel branco, da
cartolina e do papel crepom, o professor muitas vezes usa seus próprios recursos
financeiros, uma vez que a escola não tem como oferecer os materiais diferenciados
que cada um deseja utilizar. Mesmo os marcadores para quadro branco, que
representaram uma enorme evolução, quando comparados aos quadros de giz, vem
exigindo recursos próprios do professor para sua compra. Também cabe ao
professor dispor de recursos próprios para confecção de material com uso de
computador e impressora, uma vez que algumas escolas têm como disponibilizar
52
papel hectográfico e copiadores do tipo mimeógrafo, que geram um material com
aspecto ultrapassado, que não é mais palatável aos professores mais exigentes e
nem às crianças. A duração média dos turnos, com amenos de quatro horas de
duração, deixa pouco tempo para atitudes importantes, como, por exemplo, fazer
com que as crianças lavem as mãos antes e depois das refeição ou escovem os
dentes. Os alunos dispõem de um intervalo curto, de aproximadamente vinte
minutos, para comer, beber água e, o que deveria ser o principal, interagir com os
colegas em brincadeiras, conversas e através de outras atividades lúdicas, como a
sempre renovada troca de figurinhas. Os casos particulares de dificuldades de
comportamento ou de aprendizado são encaminhados à equipe pedagógica e
dificilmente são resolvidos. Na verdade, algumas vezes é possível assistir a casos
que se arrastam pelos corredores, como fantasmas, e os educadores se percebem
absolutamente incapazes de resolvê-los.
No que se refere ao trabalho da equipe pedagógica, para onde são
encaminhados os casos em que as professores necessitam de ajuda, também são
encontradas várias dificuldades a serem enfrentadas. Algumas vezes, a grande
dificuldade é a própria localização do responsável pelo aluno. Em hipótese alguma o
aluno pode ser recusado pela escola, por isso, muitas vezes apresentam
documentação incompleta, mantendo pendências que se arrastaram durante a sua
permanência na unidade escolar. Os números de telefone, quando informados no
ato da matrícula, dificilmente atendem. Alguns endereços são tão vagos que nem
mesmo o correio consegue deixar a correspondência encaminhada. A escola se vale
de certa rede informal, comum em comunidades populares, para deixar recados ou
para receber informações sobre um ou outro aluno. Uma vez localizado esse
responsável e informado sobre faltas ou comportamento inadequado do aluno,
algumas vezes, ele submete o aluno a situações de constrangimento perto dos
colegas, fazendo acusações, ameaças, ofensas ou trazendo à tona aspectos da
situação familiar que o aluno omite dos colegas. Outra grande dificuldade
encontrada é o enorme índice de alunos fora da faixa etária média para a série.
Esses alunos trazem consigo longas histórias de abandono de escola ou de
repetências consecutivas, o que os torna jovens com problemas de auto-estima e
que necessitariam, realmente, de um acompanhamento especial. Com o excesso de
incumbências, a escola acaba não tendo como oferecer esse acompanhamento e
eles se tornam inconvenientes nas turmas formadas por crianças bem abaixo da sua
53
faixa etária. Alguns se tornam tristes e estranhamente conformados, enquanto outros
se tornam agressivos. Para esses jovens, a entrada na escola em fila por tamanho é
um momento de aborrecimento, de onde eles tentam escapar, ficando afastados da
fila, ou mesmo se valendo de certo atraso no horário. Qualquer projeto para
trabalhos diferenciados, preferencialmente no contra-turno, com esses, ou com
outros alunos que apresentem dificuldades, esbarra na falta de professores e até
mesmo de espaço físico para serem levados adiante.
Em relação ao trabalho administrativo, indispensável para o funcionamento da
escola, novamente é surpreendente como os recursos materiais não acompanharam
as inovações para facilitar as novas demandas da escola. Quando equipada, uma
escola dispõe de uma linha telefônica, um único computador, a maior parte das
vezes sem conexão à Internet, e uma impressora normalmente sem cartuchos de
reserva. As informações individuais das centenas de alunos são arquivadas em
pastas de papel colocadas em armários ou caixas. Essa forma antiquada de
arquivamento torna o acesso a essas informações difícil e demorado. Hoje também
uma maior solicitação de estatísticas, relatórios e outras informações para a
Secretaria de Educação e para o próprio Ministério da Educação e, não raras vezes,
a confecção e o envio são feitos através dos equipamentos pessoais dos
funcionários da escola.
Também é inegável que a equipe escolar é colocada, algumas vezes, em
situações de risco no que se refere a sua segurança e integridade. Situações de
conflito nas comunidades adentram o portão da escola e cabe mais uma vez ao
profissional de educação, despreparado e desamparado por outras instâncias do
Estado, lidar com essa realidade.
À primeira vista, talvez pareça que os profissionais de educação atuais
apenas repetem velhos discursos de problemas sociais, mas não é bem assim.
Alguns problemas, efetivamente sociais, chegam à escola com tal intensidade que é
impossível fechar os olhos. Não como ser indiferente diante de uma criança que
chora de fome, de uma criança que apresenta marcas de espancamento, de
crianças agitadas que contam detalhes de uma chacina anunciada pelo telejornal ou
de uma menina grávida depois de um estupro. Não como negar que as questões
sociais interferem diretamente nas questões escolares.
54
CAPÍTULO 3
UM OLHAR DA ESCOLA PARTICULAR SOBRE A ESCOLA PÚBLICA NO
PARQUE FLUMINENSE – DUQUE DE CAXIAS
“A cidade onde eu moro
é como o mundo
tem criminosos e santos
Há os que exploram
e há os explorados
Quando o mundo mudar
a cidade onde eu moro
mudará também...”
Solano Trindade(III)
3.1 O Município de Duque de Caxias e o Parque Fluminense
O município de Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro, foi fundado
em 1943, e faz fronteira com a capital do estado, o município do Rio de Janeiro. Fica
na região denominada Baixada Fluminense, que reúne os municípios de Belford
Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e São
João de Meriti. A população municipal era de 775.456 habitantes, segundo dados do
censo demográfico de 2000 (IBGE, 2004), a contagem de 2007 apresenta uma
população de, aproximadamente, 842.686 habitantes (IBGE, 2007).
Duque de Caxias ocupa o décimo lugar no Produto Interno Bruto por
Municípios no Brasil (IBGE, 2005), isso se deve principalmente ao fato de ter a
terceira maior refinaria em capacidade instalada de produção de barris de petróleo
do país, a Refinaria Duque de Caxias REDUC. Em relação ao Estado do Rio de
Janeiro, Duque de Caxias representa o quarto PIB, tendo à sua frente a capital e os
municípios de Campos de Goytacazes e Macaé (Idem).
Esse bom rendimento econômico parece não ter reflexo compatível na vida
da população. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município no ano de
2000 era de 0,753 numa escala que vai a um. Esse é considerado um
desenvolvimento médio por estar situado na faixa ente 0,5 e 0,8. Em relação aos
municípios do Brasil, Duque de Caxias ocupa a 1.782ª posição, entre os 5.507
(III) In: ARAÚJO, Ivon Alves de. OS POETAS DA BAIXADA FLUMINENSE. RJ : I A Araújo, 2002.
55
apresentados no Atlas do Desenvolvimento Humano (PNUD; IPEA; FUNDAÇÃO
JOÃO PINHEIRO, 2003), o que ainda pode ser considerado uma situação boa. Em
relação aos outros municípios do Estado do Rio de Janeiro, Duque de Caxias
apresenta uma situação intermediária: ocupa a 52ª posição, entre 91 apresentados
pela mesma fonte.
O município se divide em quatro distritos:
- Primeiro distrito: Duque de Caxias caracterizado por ser a parte onde
se concentram farto comércio e grande oferta de serviços. É nessa
região que se encontram a mara de Vereadores e a Secretaria de
Educação, entretanto, a Prefeitura já não está nessa região;
- Segundo distrito: Campos Elíseos onde se localiza a Refinaria Duque
de Caxias REDUC. É nesse distrito, com características industriais,
que está localizado o prédio da Prefeitura Municipal, desde o final da
década de 1990;
- Terceiro distrito: Imbariê – região até recentemente rural, que vem
passando por uma mudança em suas características com a ampliação
do comércio e da prestação de serviços, infelizmente, acompanhado
pelo crescimento desordenado e pela favelização. É uma região rica
em belezas naturais como o Parque Nacional da Taquara;
- Quarto distrito: Xerém é o maior distrito em extensão territorial. É
onde se concentram as atividades de agricultura do município.
O Parque Fluminense fica localizado no segundo distrito Campos Elíseos.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação, disponíveis no site oficial do
município, Duque de Caxias possui 132 Escolas Municipais, sendo que 39 delas
estão localizadas no Segundo Distrito.
A população do Parque Fluminense, segundo dados do censo demográfico de
2000, é de 33.000 habitantes (IBGE, 2004). Uma característica interessante desse
local é ser considerado pelo IBGE um bairro do município de Duque de Caxias,
entretanto uma parte do sua área fica em um outro município: Belford Roxo, um
município novo, que foi separado de Nova Iguaçu no início da década de 1990. No
Parque Fluminense, as ruas são asfaltadas e a população conta com um comércio
bastante satisfatório com padarias, quitandas, farmácias e pequenos mercados. Em
relação ao transporte coletivo, uma linha de ônibus que leva ao Centro do Rio de
Janeiro e uma outra linha leva ao Centro de Duque de Caxias. O Parque Fluminense
56
é um lugar tranqüilo, onde é possível passear pelas ruas sem sobressaltos, mas
também é um lugar onde se encontram áreas de muita pobreza. A população tem
características comuns ao restante do município, muitas pessoas que vieram de
outros estados e municípios em busca de oportunidade para alcançar uma vida
melhor. Esse movimento é apresentado, a partir de um livro didático sobre o
município, dessa forma:
Na verdade, a formação da população caxiense sempre esteve baseada em
movimento de migração, ou melhor, movimento da população que se
dentro do próprio país ou de um país para outro. Porém, no caso de Duque
de Caxias, a migração, nas últimas décadas, é principalmente de um estado
brasileiro ou do interior do próprio estado do Rio de Janeiro. [...] No entanto,
nos últimos anos, embora o município continue recebendo população
proveniente de outros lugares, existe um movimento de saída significativo
de população residente, em Duque de Caxias, para outros municípios do
estado do Rio de Janeiro ou para outros estados brasileiros. (VIANNA,
2006, p. 146)
Essas características da população são facilmente percebidas nas escolas
onde encontramos crianças de várias localidades, principalmente dos estados do
nordeste. Nas escolas públicas do município, é constante o movimento de chegada
e saída de alunos durante o ano letivo e alguns alunos, eventualmente, têm que
fazer viagens longas para acompanhar os pais, ausentando-se das aulas. Essas
crianças, de maneira geral, são muito alegres, afetuosas e têm o bito de brincar
na rua. As brincadeiras infantis seguem um calendário próprio, que eles
entendem, alternando-se entre a temporada de pipa e a temporada de bolinhas de
gude. O futebol e as brincadeiras de “pique” independem do calendário e
atravessam todas as temporadas.
3.1.1 A educação no Parque Fluminense e a seleção da escola para o estudo de
caso
Dentro do Parque Fluminense, no que se refere aos anos iniciais do ensino
fundamental, são encontradas duas escolas municipais e uma escola do estado,
mas existem outras escolas municipais bem próximas aos limites do bairro.
No que se refere à educação, o bairro apresenta o que pode ser considerado
como um grande problema: não escolas públicas voltadas para educação infantil.
Essa etapa de educação é atendida pela rede privada estabelecida e por algumas
pequenas escolas, nem sempre legalizadas, que são conhecidas como “escolinhas”.
57
Caso a família não disponha de recursos financeiros, as crianças não passam por
nenhuma experiência de pré-escola.
O Parque Fluminense tem uma grande quantidade de crianças, segundo os
dados do censo demográfico, no ano de 2000, a quantidade de crianças e jovens até
15 anos ultrapassava 10.000 (IBGE, 2004). Em relação à escolha das escolas, é
possível observar que os estudantes se dividem em alguns grupos:
- Uma parte das crianças está matriculada nas escolas públicas no
bairro e em seu entorno. É intenso o movimento de matrículas durante
todo o ano, uma vez que bastante rotatividade na população com a
chegada de crianças de outros estados, de outros municípios e de
bairros mais distantes, dentro do próprio município. Nos horários de
entrada e saída das escolas, estabelecidos pela prefeitura, eles
colorem as ruas com seus uniformes branco, azul e laranja e o a
pequena “grande massa” de estudantes da comunidade;
- Um grupo vai para as escolas particulares pequenas, como a escola
onde foi realizado o estudo de caso. Eles têm uniformes diferenciados,
de acordo com a escola escolhida. Não formam grandes grupos, a não
ser perto da instituição de ensino em que estudam. Passam aos
poucos;
- Um outro conjunto de crianças estuda em grandes colégios particulares
dentro do próprio bairro. O Centro Educacional São Jorge pareceu ser,
ao longo da observação feita no trabalho de campo, a principal
referência, principalmente para as crianças pequenas que os pais
desejam manter por perto. No ano de 2007, esse colégio foi o campeão
de um “Desfile Cívico” organizado anualmente no bairro, que reúne
escolas públicas e particulares do bairro e de seu entorno. Essa
conquista foi amplamente divulgada através de faixas espalhadas
pelas ruas próximas ao colégio;
- Um grupo que é levado a estudar em escolas particulares fora do
Parque Fluminense. É razoável o movimento de transportes escolares
em alguns horários. O Município de Duque de Caxias oferece várias
opções de ensino com colégios tradicionais na região e também com
as grandes franquias da educação. As crianças aguardam nos portões
58
a chegada do transporte. Esse grupo parece concentrar,
particularmente, os filhos dos comerciantes locais.
Assim, observando esses grupos, nasceu a idéia desse trabalho. Se a escola
pública está sendo considerada uma escola para todos, porque algumas pessoas
estão se afastando dela? As entrevistas foram realizadas com os responsáveis,
principalmente com mães, moradoras do Parque Fluminense, que mantêm seus
filhos em uma pequena escola particular dentro da própria comunidade. O que essas
famílias buscam? Por que sacrificam seu orçamento para pagar por um serviço que,
efetivamente, é um direito de toda criança? As perguntas, as mesmas para todas as
responsáveis, foram feitas a partir de um formulário pré-determinado, com respostas
abertas. Essas respostas foram anotadas no formulário pela pesquisadora, as
entrevistas foram gravadas em MP3 e, posteriormente, transcritas.
No Parque Fluminense encontra-se uma expressiva rede de escolas
particulares, sendo que algumas são grandes e apresentam instalações bastante
diferenciadas com quadras de esporte e, até mesmo, piscina. Pareceu-nos
fundamental, que a pesquisa fosse realizada em uma escola onde as instalações
físicas não pudessem servir, por parte dos pais ou dos alunos, como diferencial para
a escolha. Assim, chegamos ao Centro Educacional Lima´s, escolhido por se tratar
de uma escola pequena, com instalações simples, sem grandes atrativos externos. A
proposta da pesquisa com responsáveis por alunos foi muito bem recebida pela
direção da escola que disponibilizou, inclusive, uma sala para realização das
entrevistas.
3.1.2 O Centro Educacional Lima’s
A escola foi fundada em 1999 e é dirigida por três irmãs que são professoras.
Seus pais, também professores, participam diretamente da gestão e do cotidiano do
colégio. Trabalham, ainda, duas outras professoras, uma diretora encarregada da
parte burocrática e alguns funcionários de apoio. A família que dirige a escola
pertence à comunidade, reside lá, conhece e convive com seu público.
Podem ser matriculadas crianças a partir de quatro anos em uma classe
chamada “Jardim 2”. A escola atende apenas aos anos iniciais do ensino
fundamental, do primeiro ao quinto ano de escolaridade, mas prepara novas
instalações para ampliar o atendimento até o nono ano de escolaridade em um
59
futuro próximo. A escola adotou, no início do ano letivo de 2008, a terminologia
sugerida pelo MEC, de educação infantil e ano de escolaridade.
A escola é marcada pela cor azul, seu prédio, seu uniforme, sua logomarca,
tudo remete ao azul. As instalações físicas da escola são simples, dispõe de cinco
salas de aula e atende a dois turnos: manhã 08h às 12h e tarde 13h às 17h. No
segundo semestre de 2007, quando as entrevistas foram iniciadas, estavam em
andamento oito turmas e a escola optou por uma mensalidade única para todos
R$ 60,00, que vinha a ser mais de 16% do salário mínimo do país quando do início
da realização das entrevistas R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais). No ano de
2008, essa mensalidade única foi reajustada para R$ 70,00, considerando o salário
mínimo do período, R$ 415,00, observamos que não houve variação expressiva na
porcentagem de despesa.
Existem, entretanto, outras despesas para quem faz a opção pela escola
privada: livros, uniformes, material escolar. Todas as escolas particulares têm,
pré-impresso, a chamada “Lista de material”. Essa lista pode variar de acordo com a
série da criança e envolve, além do material que será usado pessoalmente pelo
aluno, alguns materiais que serão usados no coletivo da escola.
3.2 As entrevistas
A leitura dessas entrevistas não buscou uma representação, aceitando a
sugestão de Dauster (2001, p. 55), procurou-se “usar como referência o termo
‘relatos’ ou ‘concepções’”. Assim, pareceu mais adequado que a análise fosse feita
a partir do conteúdo efetivo, dos relatos das entrevistas.
A avaliação das entrevistas foi realizada através da análise do conteúdo,
transcrito, das entrevistas. o houve pretensão de apresentar representatividade
estatística, uma vez que a formação do pequeno grupo não esteve pautada em criar
uma amostragem rigorosa do universo de responsáveis da escola pesquisada.
As entrevistas foram realizadas nas instalações do próprio colégio, no horário
de entrada do primeiro turno, pois o segundo turno é dedicado a pré-escola. Dentre
as entrevistas realizadas, foram descartadas algumas por serem de professoras da
rede municipal. Essas professoras se mostraram excessivamente preocupadas com
as respostas, talvez por estarem diante de uma pesquisadora que, efetivamente,
trabalha na mesma rede escolar, talvez porque se preocupavam demais em justificar
o paradoxo de suas afirmações de “acreditar na escola pública” e, ainda assim,
60
manter seus filhos em escola particular. Os responsáveis que se apresentaram
eram, em quase sua totalidade, as mães das crianças. Ouvir as mães que mantêm
seus filhos matriculados no C. E. Lima´s foi um exercício interessante para quem
tem como trabalho ouvir os responsáveis por alunos da escola pública que funciona
a apenas algumas quadras daquela escola.
Quadro 1 – Entrevistadas, alunos e família:
ALUNO
COMPOSIÇÃO DA
FAMÍLIA
ESCOLARIDADE DA
FAMÍLIA
Primeira
Entrevista
R., mãe de
menino de
seis anos
Mãe, pai e dois
filhos
Mãe: ensino médio
Pai: ensino superior
Segunda
Entrevista
S., mãe de
menina de
nove anos
Mãe, pai e filha Mãe: sexta série
Pai: ensino superior
Terceira
Entrevista
R., avó de
menina de
nove anos
Avó, avô e
criança
Avó e avô: só assinam o
nome
Quarta
Entrevista
D., mãe de
menina de
seis anos
Mãe, pai e filha Mãe: ensino médio
Pai: ensino superior
Quinta
Entrevista
L., mãe de
menino de
cinco anos
Mãe e filho Mãe: oitava série
Sexta
Entrevista
S., mãe de
menino de
sete anos
Mãe, pai e dois
filhos
Mãe: sexta série
Pai: quinta série
Sétima
Entrevista
L., responsável
por menino de
oito anos
O menino mora
com uma senhora
e seus dois filhos
adultos. Não é
adoção oficial
Responsável: ensino
médio
Filho mais velho: nível
superior (em curso)
Filho mais novo: ensino
fundamental
Oitava
Entrevista
J., mãe de
menina,
seis anos
Mãe e filha Mãe: ensino médio
No início, trabalhava-se com a hipótese de que essas pessoas eram movidas
por uma necessidade de destacar-se dentro do grupo social ao qual pertenciam.
Essa hipótese inicial chegou a ser questionada durante o trajeto das entrevistas,
devido à variedade de justificativas e motivações para que crianças, de origem tão
simples, não estivessem exercendo seu direito de estar na escola pública.
Entretanto, esse desejo, embora não possa ser considerado como a única
61
motivação, estava presente, um pouco dissimulado em algumas das justificativas
apresentadas pelos responsáveis.
Ressaltando a universalidade das relações desse tipo, chama-se atenção
para um aspecto da estrutura da personalidade humana para qual não
temos uma conceituação apropriada. Talvez possamos falar da necessidade
humana, nunca serenada, de elevar a auto-estima, de melhorar o valor da
própria pessoa ou do próprio grupo. (ELIAS, 2000, p. 209)
Através das entrevistas, percebe-se que uma parte dessas crianças tem
famílias estabelecidas em modelo bastante tradicional; pai, mãe e filho, ou filhos. A
responsável pelas crianças na escola é a mãe, mesmo que ela trabalhe. Mesmo no
caso das entrevistadas que tem uma família que não segue exatamente o modelo
“Pai/mãe/filhos”, o número de crianças é reduzido, e a responsável pela criança na
escola é uma mulher. Algumas crianças vivem sozinhas com a mãe, uma criança
vive com o avô e avó, e uma criança é adotada embora o oficialmente. É
relativamente comum, dentro da comunidade do Parque Fluminense, crianças que
moram com parentes, ou pessoas conhecidas, numa espécie de adoção informal,
sem nenhuma providência legal.
“Meu marido e os dois filhos.”
R., mãe de menino de
seis anos
6/10/2007
“É eu, a V. e meu marido.”
S., mãe de menina de
nove anos
8/2/2008
“Na minha casa mora eu, o avô dela e ela.”
R., avó de menina de
nove anos
8/2/2008
“É eu, meu marido e ela.”
D., mãe de menina de
seis anos
8/2/2008
“Na minha casa mora só eu e ele.”
L., mãe de menino de
cinco anos
13/3/2008
“Mora eu, meus dois filhos e o meu marido.”
S., mãe de menino de
sete anos
13/3/2008
“Mora eu e dois filhos. E o M. é adotado. o é
adotado, ele mora com a gente desde três anos.”
L., responsável por
menino de
oito anos
13/3/2008
“Eu e ela.”
J., mãe de menina,
seis anos
20/6/2008
No pequeno grupo de entrevistas, oito selecionadas, as mulheres
apresentavam baixa escolaridade, nenhuma delas havia cursado, ou mesmo iniciado
curso superior. Entretanto, as famílias apresentavam uma característica que Souza e
Silva denomina de estratégia educógena: “a escolarização ocupa uma parcela
62
significativa das preocupações cotidianas e, em muitos casos, dos recursos
financeiros dos pais” (2003, p.134).
Um dos principais problemas educacionais do Parque Fluminense, citado
anteriormente, é a falta de escolas da rede municipal com oferta de educação
infantil. Para famílias que traçam estratégias educógenas, a criança ficar sem
educação escolar até seis ou sete anos não é admissível.
“Desde pequenininha, eu coloquei a V.
aqui com três aninhos.”
S., mãe de menina de
nove anos
8/2/2008
“Já. Devia ter uns quatro anos, por aí.”
R., avó de menina de
nove anos
8/2/2008
“Cinco [...] C.A.”
L., mãe de menino de
cinco anos
13/3/2008
“Porque, na época que eu quis botar o
V., o V. tinha dois anos, no caso, escola
pública ainda não pega, né?”
S., mãe de menino de
sete anos
13/3/2008
“Com um ano ela era muito pra frente,
essas coisas assim... , eu falei: essa
menina vai aprender muito rápido, né?
Aí, esperar até seis, sete anos para
entrar, era melhor botar ela na
escolinha, essas coisas assim...”
J., mãe de menina de
seis anos
20/6/2008
Algumas entrevistadas, relataram que os recursos financeiros são escassos e
que, algumas vezes, é preciso fazer escolhas, algumas temem que não consigam,
em algum momento, continuar arcando com a despesa da escola. Em algumas
passagens também são demonstradas medidas de rigor econômico.
“Hoje em dia os pais preferem diminuir o
orçamento e manter os filhos num
colégio particular por causa do ensino,
né?”
S., mãe de menina de
nove anos
8/2/2008
“Então, às vezes, quando tem condições,
porque ele é assalariado, não tem como
ficar passeando, né?”
R., avó de menina de
nove anos
8/2/2008
“Então, eu não vou atrasar a minha filha
por conta de colégio, eu não vou mesmo.
Enquanto tiver condições de apertar de
um lado, eu vou apertar.”
D., mãe de menina de
seis anos
8/2/2008
63
“E , eu fui me esforçando cada vez
para tentar deixar ele o máximo que eu
puder pagar uma escola para ele ficar.
Até onde eu puder pagar, eu estou
deixando.”
S., mãe de menino de
sete anos
13/3/2008
O número reduzido de filhos é um fator que facilita o investimento em
educação, quando há um segundo filho, a necessidade de efetuar outra matricula,
é um fato gerador de preocupação. A duplicidade de despesas, talvez se torne
incompatível com o orçamento da família.
“O outro; esse nunca estudou em colégio
público não.”
R., mãe de menino de
seis anos
6/10/2007
“Eu estou tentando botar esse aqui.
que no momento, agora, as coisas estão
meio apertada, eu estou me esforçando
mais com o V. e vou... Mas esse daqui
estou tentando esse ano ainda colocar
ele também.”
S., mãe de menino de
sete anos
13/3/2008
Dois alunos, segundo relatos de suas mães, estiveram na escola pública por
um tempo. Esses tempos estão ligados à falta de recursos financeiros para pagar a
escola particular, devem ter sido tempos difíceis para a família. As lembranças desse
período vêm impregnadas de insatisfação.
“Ele estudou a série dele lá, porque a
minha casa estava em obras, a gente
estava começando a construir, o gasto
era demais, aí o dava para pagar o
colégio.”
R., mãe de menino de
seis anos
6/10/2007
“Mas meu filho ficou desempregado,
não estava trabalhando, e quem pagava
a escola era o meu filho. Como ele ficou
desempregado, eu tirei ele daqui. Aí,
coloquei ele no Município, né?”
L., responsável por
menino de oito anos
13/3/2008
No que se refere a essa vivência na escola pública, as duas experiências
foram insatisfatórias para as mães. Segundo elas, as crianças, que anteriormente
tiveram uma experiência na escola particular, não aprenderam coisas novas e até
“regrediram” quando foram para a escola pública.
64
“Eu vi, porque quando ele estava na
primeira série ele cobria, ligava e
separava as sílabas. Agora o meu filho
está na primeira. Vo pega o caderno
dele da primeira, você vai ver o que ele
faz...”
R., mãe de menino de
seis anos
6/10/2007
“Só que deu uma caída nele, ele regrediu
muito. Aí, eu peguei e botei ele pra cá de
novo.”
L., responsável por
menino de oito anos
13/3/2008
Um fato interessante foi o de uma menina que saiu de uma escola particular
para outra, também particular, e apresentou o mesmo problema de regressão. Isso
pode ser considerado um indicador que a chamada “regressão” da criança não está
ligado ao fato da escola ser pública ou privada, pode ser, apenas, uma reação à
mudança.
“Também particular. Mas, assim, a V.
voltou totalmente para trás.”
S., mãe de menina de
nove anos
8/2/2008
As responsáveis por alunos que não passaram pela escola pública, quando
convidadas a fazer uma comparação entre esta e a escola particular, pautavam-se
em outras crianças da família ou de vizinhos.
“... vejo dos meus sobrinhos, né? É
totalmente diferente. A V. está muito
mais avançada do que no colégio
público.”
S., mãe de menina de
nove anos
8/2/2008
“A maioria das crianças que está no
colégio público aí, as mães falam assim:
‘Poxa, a A. bem, sabe ler, sabe
tudo, sabe escrever cartinha e tudo. A
minha filha, na mesma série, não sabe
fazer nada’”.
R., avó de menina de
nove anos
8/2/2008
“Então, eu me espelhei mais na minha
irmã. Porque se você a sua piorando,
repetindo, não sabe nem ler, minha filha
sabe mais...”
D., mãe de menina de
seis anos
8/2/2008
As responsáveis entrevistadas justificam sua opção pela escola particular por
muitos motivos. Chega a ser difícil tentar localizar uma preocupação central. Ela
pode estar ligada: ao conteúdo, ao fato da escola particular oferecer mais “matéria”,
65
do que a escola pública; pode estar ligada à adaptação, ao bem-estar que é
percebido na criança, se ela está bem, se está feliz; paradoxalmente, pode estar
ligada às “dificuldades” enfrentadas por ela nos bancos da escola; pode estar ligada
a uma facilidade de acesso aos professores e à direção da escola que as
responsáveis consideram que não terão em uma escola maior, independentemente
de ser privada ou blica; outras vezes parece que a escola privada é um bem ao
qual os responsáveis não tiveram acesso e que, ofertam a seus filhos, quase como
uma dádiva. O que nunca deixa de transparecer é uma convicção de que estão
fazendo o “melhor” e obtendo o “melhor” resultado.
“Você pega o caderno dele da primeira,
você vai ver o que ele faz... Às vezes
nem eu: Meu Deus, o que houve com
essa criança? Às vezes eu ligo pra ela: O
quê que tem aqui, que nem eu, nem P.,
nem ninguém está entendendo?”
R., mãe de menino de
seis anos
6/10/2007
“Eu acho também que, até para a gente
chegar até à escola e fazer aquela
cobrança, de ir no professor, de você
falar, entendeu? Eu acho que é
importante também, a gente tem mais
oportunidade. No colégio público, acho
que você não tem essa integração de
chegar, falar, reclamar. Você está
entendendo? Tipo assim, nossos direitos,
mas vo não está pagando? Aquela
coisa, né?”
S., mãe de menina de
nove anos
8/2/2008
“É bom que é aqui do lado, porque eu
moro aqui pertinho.”
R., avó de menina de
nove anos
8/2/2008
“Sempre estudei em colégio público; eu
nunca na minha vida tive a oportunidade
de estudar em colégio particular.”
D., mãe de menina de
seis anos
8/2/2008
“Não, não foi nem uma questão de uma
escolha. Foi porque eu trabalho em
escola. Sou funcionária da escola. Então,
eu tenho direito...”
L., mãe de menino de
cinco anos
13/3/2008
“Eu botei, fui deixando porque eu, desde
que eu botei, eu gostei muito do ensino,
eu gosto muito, e eu fui gostando, vi
que ele estava bastante adiantado.”
S., mãe de menino de
sete anos
13/3/2008
“...eu passava aqui e falava: deve ser
colégio. Então, falei: vou colocar a I. aqui
porque é mais perto, próximo daqui de
casa. foi assim. Mas ela nunca teve
problema assim de deixar ela aqui.”
J., mãe de menina, seis
anos
20/6/2008
66
Embora falem o tempo todo no bem-estar dos seus filhos, poucas vezes o
desejo ou a satisfação da criança apareceu de forma espontânea no relato das
mães. Algumas vezes, durante a entrevista, houve a necessidade de que fosse feita
uma pergunta sobre como a criança se sentia. Apenas duas responsáveis
manifestaram, de forma clara, essa satisfação das crianças. O desejo das crianças
foi expresso, de forma espontânea, por duas pessoas com pouca escolaridade, mas
que demonstraram grande sensibilidade: uma dessas responsáveis cursa a sexta
série do ensino fundamental, e a outra foi a única avó entrevistada, uma pessoa que
declara saber, apenas, “assinar o nome”.
“Nossa! A minha filha está feliz, graças a
Deus!”
R., mãe de menino de
seis anos
6/10/2007
“Vó, ah, eu quero tanto aquele coleginho
ali...”.
R., avó de menina de
nove anos
8/2/2008
Para questões abertas, Bardin sugere que “a partir de uma ‘leitura flutuante’
podem surgir intuições que convém formular em hipóteses” (1977, p. 60), para
posterior classificação. Assim, após leitura das transcrições, pareceu-nos que o fator
determinante para levar essas crianças ao C. E. Lima´s foi a ausência de escolas
públicas voltadas à educação infantil, no bairro. Já, os motivos declarados para a
permanência e até mesmo o eventual retorno dessas crianças a ela parece estar
ligado a uma espécie de conforto. Os pequenos estão ali, bem perto de casa, em um
pequeno espaço azul, entre muros e portões fechados, atendidos por pessoas a
quem a responsável pode ter acesso a qualquer momento. Rapidamente, essa
sensação de conforto, se confunde com a posição de destaque, diante do seu grupo
social, anteriormente presumida. A criança não está no meio de “todos” os que
estão na escola pública, principalmente porque na escola pública, pelo menos
simbolicamente, os portões agora são abertos.
Outra observação interessante é que nenhuma das es colocou em dúvida
a capacidade dos professores da escola pública. Uma entrevistada até citou que é
que estão os bons professores. É possível que isso se deva à credibilidade que os
concursos públicos conquistaram nos últimos anos. Segundo funcionários antigos da
Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, os concursos para a área de educação
foram instituídos no município no início da década de 1980. O mais recente foi
67
realizado em 2006, organizado pela Fundação Getúlio Vargas. Foi bastante
concorrido. Muitos professores, moradores do município, alguns que atuam em
escolas particulares participaram do processo seletivo e não foram aprovados. A
comunidade tem conhecimento desse fato e não tem como colocá-lo em dúvida.
“Não é que não tem professores
capacitados... na maioria das vezes os
professores de o até mais
capacitados do que num particular,
entendeu? Por que? Porque eles têm
que prestar concurso e tudo mais... Mas
é porque, eu não sei o quê que acontece,
se é norma, se aquilo é norma para eles
passarem aquilo, ou se é falta de... sei
lá... falta de vontade de querer ensinar,
eu não sei o quê que acontece.”
R., mãe de menino de
seis anos
6/10/2007
Excetuando esse fato, todas as vezes em que a escola pública foi citada
durante as entrevistas, estava em desvantagem sobre a escola privada. Não houve
um só elogio a essa instituição, não houve uma só responsável que afirmasse
desconhecimento ou indiferença. Todas, mesmo aquelas responsáveis que
afirmaram não ter nenhum contato com ela, se achavam aptas para, de alguma
forma, desqualificar e escola pública.
Um segundo modo de ver, igualmente freqüente e equivocado, nos faz
acreditar que a autovalorização é possível como resultado da
desvalorização de uma outra pessoa ou grupo. O reconhecimento de que o
valor do próprio grupo pode ser aumentado sem diminuir o valor de um
outro grupo ainda não esmuito difundido. E no entanto existem muitas
maneiras de ganhar valor sem perda do valor dos outros. (ELIAS, 2000, p.
209)
Recentemente, houve uma briga envolvendo dois alunos de uma das escolas
municipais próximas ao Parque Fluminense. Quando presenciou a cena, uma
senhora, bem idosa, que passava declarou que os alunos dessa escola sabem
brigar”. Estranhamente, ela parecia não enxergar as outras dezenas de crianças
que, depois da aula, caminhavam tranqüilas para casa. Aqueles dois meninos que,
quando perguntados, mal souberam responder porque tinham brigado, foram
visíveis, ao contrário de seus colegas, que apenas enchiam as ruas e os ônibus com
seus sorrisos.
68
Esse tipo de expectativa em relação a um grupo é extremamente perigoso.
Notadamente quando transparece aos jovens que podem, instintivamente, tentar
perpetuar a imagem negativa de seu grupo. Para Elias, quando um grupo tem uma
reputação ruim “é provável que ele corresponda a essa expectativa” (2000, p. 30).
3.3 Uma possibilidade de leitura dos relatos a partir da análise do conteúdo
das entrevistas
Ao final de cada entrevista era perceptível que as responsáveis traziam
consigo um desejo, legítimo, de oferecer a melhor educação possível a seus filhos.
O material transcrito confirma essa impressão. Esse desejo de boa educação,
estranhamente, se manifestou sem a presença de elementos culturais que não
fossem filmes, em vídeo. Não houve referência a passeios voltados a atividades
culturais, como teatros ou museus, que existem em Duque de Caxias. Também não
houve referência ao hábito da leitura, na família ou em desenvolvimento pela própria
criança. Isso levou-nos a concluir que essas famílias estão buscando, nessa escola
particular, que ela cumpra funções propedêuticas. Foi com essa função que a
escola nasceu, essa é, talvez, uma tarefa simples de ser cumprida.
Se para Souza e Silva:
A maioria das famílias dos setores populares afirma um comportamento em
relação “a escola na qual esta se revela como uma inevitabilidade,
decorrente de um difuso sentimento de obrigação social. No contexto da
sociedade urbana brasileira, a universalização das primeiras séries do
ensino fundamental faz-se presente em todas as redes sociais. Ela tornou-
se, efetivamente, um elemento intrínseco do jogo social. Assim, os filhos
vão para a escola da mesma forma que as outras da sua rede social. No
entanto, as necessidades afirmadas na maioria dos grupos familiares são
externas ao espaço escolar. (2003, p.135)
Esse grupo de crianças tem, efetivamente, uma posição privilegiada dentro do
seu grupo social. Elas estão sendo levadas à escola por quem está disposto a
investir, financeira e emocionalmente, em um projeto para seu futuro. Essa
expectativa, transformada em atitudes, pode ser fundamental para esse grupo, por
um argumento, já usado anteriormente, sob um novo ângulo: no que se refere a uma
expectativa positiva de um grupo, também “é provável que ele corresponda a essa
expectativa” (ELIAS, 2000, p. 30).
No que se refere à educação pública, o olhar da comunidade escolar do
Centro Educacional Lima´s parece incidir sobre um senso comum: a imagem
69
fragilizada da escola blica atual. Em alguns casos, parece um verdadeiro
massacre, principalmente por parte da mídia. As histórias de insucessos, de
problemas enfrentados por educadores e estudantes que ocupam jornais e
noticiários incidem sobre a opinião pública. Assim como algumas das entrevistadas,
algumas pessoas que não têm nenhuma ligação com a escola pública têm sempre
uma opinião negativa ou um pré-conceito para expor. Ao nos apresentarmos como
professor de escola pública, não raramente encontramos um olhar de espanto ou
admiração. Imagens, não necessariamente verdadeiras, de alunos violentos, prédios
depredados e professores apáticos ou vitimizados parecem povoar o imaginário
sobre as escolas públicas atuais.
O fato de ter bons professores, ao qual pode ser somado o fato de fazer uso
de livros analisados e recomendados pelo MEC, parece entrar em contradição com
a concepção de que a escola pública é ruim. O que é uma escola boa? As mães do
C. E. Lima´s podem ter deixado algumas pistas sobre as quais poderemos seguir
mais adiante. Nesse momento parece fundamental perguntar quem ocupou a escola
pública no Brasil, ao longo das últimas décadas, para isso os caminhos percorridos
serão os das nossas leis de diretrizes e bases da educação nacional.
70
CAPÍTULO 4
A CONQUISTA DE UMA ESCOLA PARA TODOS
Tenho o amanhã o amor e a poesia
posso caminhar sem medo
Há uma bandeira
movida pelo sinaleiro do caminho
eu vou tranqüilo
ouvindo um coro de vozes humanas
cantando a canção que é para todos
Solano Trindade(IV)
Uma educação, realmente, voltada para todos, em um país de realidades tão
distintas como o nosso, o poderia mesmo ser uma aquisição imediata. Ela faz
parte de um processo contínuo, marcado por mudanças que, às vezes, se
confundem entre perdas e ganhos. Para Arroyo “o Brasil está fazendo algo que
outros países fizeram, que é a construção do direito à educação básica por si
mesma” (In: COSTA, 2007, p.121).
4.1 As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional refletindo “quem”
ocupou a escola pública no Brasil
As leis, inicialmente, existem para impor um comportamento, uma norma.
Entretanto, se deitarmos sobre elas um olhar mais atento, percebemos que algumas
vezes refletem situações estabelecidas previamente, são apenas a confirmação
do que já está aceito pela sociedade.
Até o momento, foram duas as Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. A própria existência de uma LDB demonstra que, a partir de 1961, já havia
um sistema educacional definido no Brasil. Cada uma dessas leis traz consigo
informações sobre forças, interesses, lutas e resistências. Traz também uma idéia,
às vezes clara, às vezes vaga, sobre quem ocupou, e ocupa, a escola pública em
cada momento da história recente da educação brasileira.
IV In: ARAÚJO, Ivon Alves de. OS POETAS DA BAIXADA FLUMINENSE. RJ : I A Araújo, 2002.
71
4.1.1 Lei 4.024 de 1961
A nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
apresentava passagens contraditórias. Embora a educação fosse considerada um
direito de todos, abria espaço para cobranças sobre a freqüência da escola apenas
para funcionários que ocupassem cargos, de alguma forma, ligados ao governo,
mesmo assim, abria a possibilidade de que essa educação fosse dada no lar, sem a
freqüência escolar. Também abria espaço para que outras crianças não chegassem
à escola por motivos que independiam de sua vontade.
Art. 30. Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprêgo em
sociedade de economia mista ou emprêsa concessionária de serviço público
o pai de família ou responsável por criança em idade escolar sem fazer
prova de matrícula desta, em estabelecimento de ensino, ou de que lhe está
sendo ministrada educação no lar.
Parágrafo único. Constituem casos de isenção, além de outros previstos em
lei:
a) comprovado estado de pobreza do pai ou responsável;
b) insuficiência de escolas;
c) matrícula encerrada;
d) doença ou anomalia grave da criança. (BRASIL, 1961)
No que se refere a funcionários de empresas privadas, a obrigação de
oferecer educação básica era repassada, do governo para o empregador:
Art. 31. As emprêsas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem
mais de 100 pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuíto para
os seus servidores e os filhos desses. (BRASIL, 1961)
A inclusão no sistema escolar de alunos com algum tipo de necessidade
especial, naquele momento conhecidos como “excepcionais”, já surgia, tímida, como
se desejasse, efetivamente, passar o encargo para alguma instituição privada que
pudesse fazer isso no lugar da escola:
Art. 88. A educação de excepcionais, deve, no que fôr possível, enquadrar-
se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade.
Art. 89. Tôda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos
estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá
dos poderes blicos tratamento especial mediante bôlsas de estudo,
empréstimos e subvenções. (BRASIL, 1961)
Também transparecia, nessa legislação, um desejo, de repassar a educação
rural a quem desejasse se ocupar dela:
72
Art. 105. Os poderes públicos instituirão e ampararão serviços e entidades,
que mantenham na zona rural escolas ou centros de educação, capazes de
favorecer a adaptação do homem ao meio e o estímulo de vocações e
atividades profissionais. (BRASIL, 1961)
Essa era uma lei pródiga em bolsas de estudo, o que permitia que instituições
privadas fizessem o papel do poder público, muitas vezes, com uso do dinheiro
público:
Art. 31. § Quando os trabalhadores não residirem próximo ao local de
sua atividade, esta obrigação poderá ser substituída por instituição de
bôlsas, na forma que a lei estadual estabelecer.
[...]
Art. 93. Os recursos a que se refere o art. 169, da Constituição Federal,
serão aplicados preferencialmente na manutenção e desenvolvimento do
sistema público de ensino de acôrdo com os planos estabelecidos pelo
Conselho Federal e pelos conselhos estaduais de educação, de sorte que
se assegurem: [...]b) as de concessão de bôlsas de estudos;
[...]
Art. 94. A União proporcionará recursos a educandos que demonstrem
necessidade e aptidão para estudos, sob duas modalidades: a) bôlsas
gratuitas para custeio total ou parcial dos estudos; [...] § Os recursos a
serem concedidos, sob a forma de bôlsa de estudos, poderão ser aplicados
em estabelecimentos de ensino reconhecido, escolhido pelo candidato ou
seu representante legal. [...] § O Conselho Federal de Educação
determinará os quantitativos globais das bôlsas de estudos e financiamento
para os diversos graus de ensino, que atribuirá aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Territórios. (BRASIL, 1961)
Uma leitura atenta dessa lei parece mostrar uma escola pública preocupada
com filhos de funcionários públicos, ou de empregados da iniciativa privada,
residentes em áreas urbanas, sem problemas de saúde. Um estranho conceito de
“todos”, que se mostrava mais sincero em seu artigo 93, que tinha como proposta
assegurar “o acesso à escola do maior mero possível de educandos”. Talvez, a
possibilidade de uma escola para todos tenha sido sufocada em seus muitos artigos
e parágrafos vetados.
4.1.2 A Lei 5692 de 1971 reforma o ensino de primeiro e segundo graus
Talvez como um sinal, no primeiro artigo da Lei 5692/71, a expressão
“qualificação para o trabalho precedia e expressão “preparo para o exercício
consciente da cidadania”. Era uma lei preocupada, basicamente, com a formação
para o trabalho.
Passou a valer uma nova divisão entre o primeiro grau, dos sete aos catorze
anos, e o posterior segundo grau, com duração de três anos. O governo se obrigava
a oferecer o ensino de primeiro grau, entretanto havia sérios limites impostos ao
73
segundo grau, o que veio a criar uma imagem bastante difundida de que a educação
era uma espécie de “funil”, por onde os alunos iam entrando em determinada
quantidade e saindo em quantidades menores.
Art. 44. Nos estabelecimentos oficiais, o ensino de grau é gratuito dos 7
aos 14 anos, e o de veis ulteriores sê-lo-á para quantos provarem falta ou
insuficiência de recursos e não tenham repetido mais de um ano letivo ou
estudos correspondentes no regime de matrícula por disciplinas. (BRASIL,
1971)
O apoio aos colégios privados prosseguiu com a distribuição de bolsas,
embora, mais voltadas ao segundo grau, e tivessem um caráter mais seletivo na sua
distribuição:
Art. 45. As instituições de ensino mantidas pela iniciativa particular
merecerão amparo técnico e financeiro do Poder Público, quando suas
condições de funcionamento forem julgadas satisfatórias pelos órgãos de
fiscalização, e a suplementação de seus recursos se revelar mais
econômica para o atendimento do objetivo.
Art. 46. O amparo do Poder Público a quantos demonstrarem
aproveitamento e provarem falta ou insuficiência de recursos far-se-á sob
forma de concessão de bôlsas de estudo. (BRASIL, 1971)
O apoio aos colégios particulares mais efetivo, não era declarado. Havia um
perverso sistema de seleção ao final do primeiro grau, que durante um período foi
marcado por provas, que excluía impiedosamente os alunos do sistema público. Aos
que, embora expelidos desses sistemas, desejassem concluir o segundo grau,
restavam os colégios particulares, que se multiplicavam pela cidade. Como a
profissionalização no segundo grau era obrigatória, havia uma larga oferta de cursos
que exigiam pouca, ou nenhuma, instalação de laboratórios como administração e
contabilidade.
Essa possibilidade de oferta não criteriosa de cursos, infelizmente, no capítulo
V dessa lei, atingiu em cheio a formação de professores. Para a formação da
primeira a quarta série, passou a ser exigida apenas a formação profissional no
segundo grau. Para atender a demanda das ries posteriores, havia uma
complementação rápida. Também abriu, em seu capítulo VIII, duas portas perigosas:
uma por onde, na falta de professores habilitados, pessoas que tivessem concluído
as oito primeiras séries, poderiam se formar professores mediante um curso
intensivo e estariam aptos a atuar nas seis séries iniciais; e uma outra porta por
onde profissionais liberais poderiam, quase imediatamente, se transformar em
professores, bastando cursar uma complementação. Essa legislação pode ser
74
considerada uma das responsáveis pela desqualificação da carreira docente, pois
fez descer, a níveis muito baixos, as exigências para a formação do magistério.
Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério:
a) no ensino de grau, da à séries, habilitação específica de grau;
b) no ensino de grau, da à séries, habilitação específica de grau
superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de grau
obtida em curso de curta duração;
c) em todo o ensino dee graus, habilitação específica obtida em curso
superior de graduação correspondente a licenciatura plena.
§ Os professôres a que se refere a letra a poderão lecionar na e
séries do ensino de grau se a sua habilitação houver sido obtida em
quatro séries ou, quando em três mediante estudos adicionais
correspondentes a um ano letivo que incluirão, quando fôr o caso, formação
pedagógica.
[...]
Art. 77. Quando a oferta de professôres, legalmente habilitados, não bastar
para atender às necessidades do ensino, permitir-se-á que lecionem, em
caráter suplementar e a título precário:
a) no ensino de grau, aa série, os diplomados com habilitação para
o magistério ao nível da série de grau;
b) no ensino de grau, aa série, os diplomados com habilitação para
o magistério ao nível da série de grau;
c) no ensino de 2º grau, até a série final, os portadores de diploma relativo à
licenciatura de grau.
Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de professôres, após a
aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo, poderão ainda lecionar:
a) no ensino de grau, aa 6ª série, candidatos que hajam concluído a
série e venham a ser preparados em cursos intensivos;
b) no ensino de grau, até a série, candidatos habilitados em exames
de capacitação regulados, nos vários sistemas, pelos respectivos Conselhos
de Educação;
c) nas demais séries do ensino de grau e no de grau, candidatos
habilitados em exames de suficiência regulados pelo Conselho Federal de
Educação e realizados em instituições oficiais de ensino superior indicados
pelo mesmo Conselho.
Art. 78. Quando a oferta de professôres licenciados não bastar para atender
às necessidades do ensino, os profissionais diplomados em outros cursos
de nível superior poderão ser registrados no Ministério da Educação e
Cultura, mediante complementação de seus estudos, na mesma área ou em
áreas afins, onde se inclua a formação pedagógica, observados os critérios
estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação. (BRASIL, 1971)
Foi organizado um sistema de supletivo para os alunos que não estavam
dentro da faixa etária adequada, com cursos diferenciados e avaliações chamadas
de “exames”. Era uma tentativa de inserir no sistema escolar aqueles que não
passaram por ele, ou aqueles que talvez tivessem sido excluídos dele.
Memórias de infância que também moveram esse trabalho vem do período
dessa lei. São lembranças de colegas que, por dificuldades financeiras da família ou
por repetência, foram excluídos da escola. Havia, então, por parte da comunidade
escolar, embora essa expressão ainda não fosse usada, uma aceitação desse fato
como “natural”. Um novo e mais rigoroso filtro, foi ainda reservado ao fim do primeiro
75
grau, aos colegas que não foram aceitos, ou aprovados, para cursar o segundo grau
no ensino público, restou o ensino privado. Alguns desses colégios eram mantidos
por políticos que eram pródigos em bolsas de estudo, integrais ou parciais, para
manter suas bases eleitorais. No caso de não conseguir nenhuma dessas
alternativas, e não ter como arcar com as despesas de um colégio, o jovem era
abandonado a própria sorte e, aguardaria o ano seguinte para nova tentativa, ou
talvez se encaixasse, em clara desvantagem, no mercado de trabalho.
Embora o ensino se tornasse obrigatório, dos sete aos catorze anos, essa lei
promoveu o agravamento de uma forma de dualidade conhecida na educação
brasileira: a formação profissional, efetiva ou precarizada, voltada aos que
chegassem a ela, agora, transpondo algumas barreira; e a formação propedêutica
destinada a uma parte privilegiada dos estudantes. A esses caberiam as vagas nas
universidades, principalmente, nas universidades públicas.
É claro que na nossa época de juventude tínhamos uma melhor qualidade
de ensino, isso com certeza. Mas também havia rias pessoas que não
iam para a escola, e ninguém se preocupava com isso. Era uma educação
elitista. É claro que a democratização do acesso amplia os problemas
também, de atendimento, de demanda. (LIBANÊO, In: COSTA, 2007, p. 44)
Em um primeiro momento, a escola recebia a todos que conseguiam se
matricular, mas ia, gradualmente fazendo suas exclusões. Ficavam, se não os
melhores, os que melhor se adaptassem ao seu sistema, e assim, aos poucos, a
maior parte ficava pelo caminho.
4.1.3 Lei 9394 de 1996
A lei atual tornou tão forte as expressões “Lei de Diretrizes e Bases” e “LDB”
que as referências são feitas a ela como se a anterior não tivesse existido. Nela,
talvez como um novo sinal, a expressão “preparo para o exercício da cidadania”
precede a expressão “qualificação para o trabalho”.
Como grandes modificações em relação a legislação anterior, podem ser
citadas: a inclusão do segundo grau, agora ensino médio, na educação básica; a
separação formal entre a educação fundamental e a educação profissional,
mantendo uma relação de articulação entre elas; o reconhecimento da diversidade
do povo e do território brasileiro, oferecendo flexibilidade de organização do tempo
escolar, inclusive no que diz respeito ao calendário; reconhecimento da importância
de todas as instâncias da formação do povo brasileiro, incentivando o estudo das
76
diferentes culturas e etnias que o formaram, notadamente o índio e o negro que
sempre foram colocados como coadjuvantes de uma colonização eurocêntrica.
O desejo manifesto de “igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola” (LDB, Art. 2, I) é a síntese do que tem sido solicitado à escola,
principalmente à escola pública. Crianças, jovens, adultos, alunos com necessidades
especiais, enfim, ela reflete o desejo, ou a necessidade, de que seja criada,
efetivamente, a “escola para todos”. Esse não poderia ser um trajeto simples ou
anódino. Transformar a escola, e a permanência na escola, que sempre estiveram
reservadas a poucos em um direito de “todos” é um trabalho que está apenas
começando.
4.2 Escola privada X Escola pública - Uma improvável comparação
As crianças nascidas nas últimas décadas no Brasil, notadamente nas áreas
urbanas, têm garantido seu acesso a educação. Segundo os dados do Censo
Escolar de 2006, 90% das crianças matriculadas no ensino fundamental no Brasil
estão na escola pública e apenas 10% estão na escola particular. No Estado do Rio
de Janeiro, a porcentagem de alunos do ensino fundamental matriculados na escola
pública é superior a 92%, em São Paulo, a porcentagem é superior a 86% (MEC,
INEP, 2006). Apesar das pequenas porcentagens, é nesses estados do sudeste
que a participação das escolas particulares nas estatísticas é mais expressiva,
7,51% e 13,61% dos alunos, respectivamente. Em onze estados brasileiros a
participação da educação pública é superior a 99%: Piauí, Alagoas, Amazonas,
Sergipe, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Tocantins, Amapá, Acre e
Roraima.
Esses dados nos fazem perceber a importância da escola pública, nesse
momento. Nove, em cada dez crianças brasileiras, estão lá. Essa instituição,
necessariamente, apresenta contornos diferenciados em cada um dos seus espaços
e sobre ela não deveriam caber generalizações.
Também parece estar se formando uma outra perigosa generalização onde a
escola particular passou a significar “boa escola”. Como mostram as estatísticas,
falar em escola particular, significa, apenas, falar de uma pequena parte dos
estudantes brasileiros. Como foi observado nas entrevistas com as responsáveis por
alunos do C. E. Lima’s, lá encontramos uma parcela da população que está disposta
a investir, financeira e emocionalmente na educação de seus filhos. Esse parece ser
77
o principal diferencial da escola particular: ela está ali para atender a demanda de
um público específico, com um perfil socioeconômico definido, e com objetivos mais
claros.
4.3 A qualidade e as qualidades da educação pública
A palavra qualidade vem sendo constantemente usada nas últimas décadas.
Entretanto, é necessário que tome contornos diferentes, de acordo com a área de
atuação. É preciso cuidado, principalmente em relação à educação, uma vez que,
por sua própria origem, o conceito de qualidade se reveste de um tecnicismo,
algumas vezes, exacerbado.
4.3.1 O conceito de qualidade
O conceito de qualidade teve seu início com o desenvolvimento industrial e,
nessa área, dava os primeiros passos no início do século XX. Foi a partir do final
da II Guerra Mundial, em 1945, que se desenvolveu de forma mais expressiva
que tanto os Estados Unidos quanto o Japão precisavam recuperar suas economias
e usaram os conceitos de qualidade para o máximo aproveitamento de seus parcos
recursos materiais e humanos. Mais tarde, esse conceito se estendeu a outras
áreas como o comércio e o serviço. O estabelecimento de normas e padrões aceitos
mundialmente, abriu espaço para criação de um mercado para empresas, algumas
transnacionais, especializadas em disseminar, implantar e acompanhar os
chamados “sistemas de qualidade”.
Para mensurar a qualidade de qualquer produto, serviço ou instituição faz-se
necessário o estabelecimento de critérios uniformes e de indicadores. É a partir
desses indicadores que será avaliado se a instituição está dentro do padrão de
qualidade desejado.
4.3.2 Os indicadores da qualidade em educação
O Ministério da Educação tem avaliado a educação a partir do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica SAEB, que começou a ser
desenvolvido na década de 1980 e teve sua implantação efetiva em 1990. Esse
sistema, inicialmente, veio gerar dados sobre os sistemas educacionais do Brasil nas
esferas federal e estadual, trabalhando com provas aplicadas, por amostragem, aos
78
alunos das séries escolares que marcam finais de percurso como a quarta série do
ensino fundamental (atual quinto ano de escolaridade), oitava série (atual nono ano
de escolaridade) do ensino fundamental e no terceiro ano do ensino médio, em
escolas públicas e privadas.
A partir de 2005, esse sistema passou a ser complementado pela Prova
Brasil, que é censitária e acrescenta dados sobre os municípios e as unidades
escolares. Essa prova também é aplicada aos alunos de quartas e de oitavas séries
do ensino fundamental, respectivamente, quinto e nono anos de escolaridade.
Desde 2007, as duas avaliações estão sendo realizadas simultaneamente e os
dados, organizados estão disponíveis para consulta por professores,
administradores e toda a comunidade escolar.
No ano de 2008 foi implantado também o chamado “Provinha Brasil”, que vem
a ser uma avaliação das crianças que estão um ano na escola. Essa avaliação
ainda toma contornos meramente informativos para o professor, a administração da
escola e a administração municipal. Entretanto, não há dúvida de que passará,
depois de sistematizada, a compor esse sistema de avaliação oficial.
No que se refere ao sistema de avaliação do Ministério da Educação, não são
poucas as vozes que se levantam contra. Entretanto, para avaliação de qualquer
sistema, faz-se necessário ter indicadores e os resultados das provas tem oferecido
esse subsídio. A avaliação feita através de provas traz alguns problemas: ao longo
do tempo, possivelmente, todo o trabalho passa a se voltar para a realização da
prova, deixando de lado alguns outros aspectos que podem ser mais significativos;
também fica muito caracterizado uma espécie de ranking, que qualifica ou
desqualifica as instituições a partir de um único conjunto de critérios.
Apesar da divulgação de dados oficiais pelo Ministério da Educação, as
famílias, particularmente nas classes populares, ainda não se orientam por esses
indicadores oficiais. Existem, entretanto, outros indicadores, não oficiais, que podem
ser levados em conta na hora de avaliar o desenvolvimento de um aluno ou de um
grupo de alunos. De maneira geral, as famílias observam, a quantidade física de
material que o aluno utiliza: “muitas folhinhas”, “caderno cheio” e “dever difícil” o
indicadores informais que são considerados “bons indicadores” pelas família.
Sabedores disso, alguns colégios particulares estabelecem aos professores,
verdadeiras cotas de “folhinhas” de exercício, de acordo com a série.
79
No que se refere aos anos finais do ensino fundamental, os colégios
particulares estabelecem, entre eles, uma espécie de ranking informal” a cada
concurso para o acesso a níveis mais altos de ensino, ou a determinadas escolas.
Alunos aprovados para Escolas Técnicas Federais são verdadeiros troféus que
algumas escolas exibem, algumas vezes em galerias de fotos.
Em relação ao ensino médio, porta de acesso para a universidade, os
primeiros colocados no ranking costumam ser divulgados pela imprensa, num tom
que oscila entre a superficialidade e a propaganda, como na reportagem “O boletim
dos campeões do Enem” (MEDINA; ALMEIDA; MORAES, 2008, p. 20). As escolas
particulares menos famosas, quando obtêm bons resultados, também fazem
divulgação através de anúncios em jornais, jornais de bairro, revistas, além das
tradicionais galerias de fotos de ex-alunos aprovados para educação superior,
principalmente nas universidades públicas.
O Ministério da Educação vem tentando mudar o perfil dessas avaliações.
Entretanto, em qualquer uma dessas ocorrências, ainda pode ser observado o valor
da instrução, da capacidade de armazenamento de um conhecimento específico,
que pode ser colocado em uma escala, com valores exatos, para ser comparado a
outros valores, igualmente medidos.
4.3.3 Educação e instrucionismo
A educação é facilmente confundida com instrucionismo, quando esse, pode
ser considerado apenas uma parte do processo de educação. O ato de transmitir
conhecimentos, com um objetivo técnico, específico, não é a única tarefa da
educação.
As responsáveis entrevistadas durante o estudo de caso parecem acreditar
no instrucionismo, assim como as professoras que mantêm seus filhos nas escolas
particulares. E essa crença parece legítima, se observarmos que, até o momento, o
que permite acesso a outros níveis de educação, a alguns trabalhos e alguns outros
elementos da vida de um cidadão são provas. Nessas provas encontramos,
geralmente, perguntas objetivas em busca de uma única resposta certa. É pelo
instrucionismo que se decidem os vestibulares, alguns empregos, os concursos
públicos e até mesmo a habilitação para dirigir automóveis.
Observando apenas o município do Rio de Janeiro, ao final do ensino
fundamental, para cursar o ensino médio, encontramos vários processos seletivos
80
orientados por provas: Escolas Técnicas Federais, Colégio Militar, Escola
Politécnica de Saúde (FIOCRUZ) e Escola Naval, entre outros. Demo denuncia que
o instrucionismo “avassala as escolas” (2007, p. 202), entretanto, parece
conveniente afirmar que o instrucionismo avassala, ainda, os sistemas de avaliação
no nosso país. Ao longo da vida cidadã, convivemos sempre com “provas”. Mesmo
as três escolas mais bem colocadas no ENEM, também exigem a realização de
provas de seleção para entrada no seu ensino médio. Um dado interessante é que,
apesar de toda oferta de escolas na cidade do Rio de Janeiro, esses lugares foram
ocupados por escolas confessionais: Colégio o Bento, Colégio Santo Agostinho e
Colégio Santo Inácio. Todos são colégios bastante antigos com 150, 62 e 104 anos,
respectivamente, e as mensalidades podem chegar a R$ 1.700,00, o que
corresponde a mais de quatro salários mínimos nacionais (MEDINA; ALMEIDA;
MORAES, 2008).
Assim sendo, uma das tarefas da escola continua sendo, inegavelmente,
preparar para o trânsito por essas provas com as quais as crianças futuramente
conviverão. Movimentos para mudar essa realidade esbarrarão na antiga “lei da
oferta e da procura”. Sempre haverá mais alunos desejando uma vaga numa boa
escola onde possam cursar o ensino médio do que vagas para acesso a essa
mesma escola. Seleções por provas resolvem os problemas de grandes demandas
por quantidades pequenas de oferta de vagas. A escola, de maneira geral, convive
naturalmente com essa forma de seleção, pois os próprios educadores passam por
inúmeros concursos durante sua vida profissional.
Tanto uma pequena escola particular de uma comunidade quanto uma
escola que pertença a um dos grandes grupos de ensino as chamadas grifes de
educação, sabem, pelo menos por enquanto, qual é a sua função.
4.3.4 As qualidades da Escola Pública
Marisa Vorraber Costa, em recente publicação, fez a vários educadores a
mesma pergunta: “A escola tem futuro?” (2007). A resposta de Miguel Arroyo foi
categórica: “acredito sim, piamente, fielmente e cada dia mais” (In: COSTA, 2007, p.
147). Depois de conversar com as responsáveis por crianças da pequena escola
privada do Parque Fluminense, havia uma pergunta no ar: e a escola pública, tem
futuro? Acredito que a resposta dada por Arroyo, também é bastante apropriada.
81
A concretização de uma educação para todos, passa, necessariamente pela
escola pública. A educação básica é um direito que, eventualmente, se confunde
com um dever, uma vez que a família pode responder legalmente por não levar uma
criança para a escola. As crianças dessas famílias serão levadas para a escola
pública, e permanecerão, sob o olhar atento dos educadores. Alguns dos
responsáveis por essas crianças tratam a escola com indiferença. Quando cobrados
sobre freqüência, alegam argumentos fúteis, vazios, que demonstram apenas que
não se preocupam com isso. Não cabe fazer julgamentos, uma vez que uma parte
da população enxerga a escola apenas como uma espécie de escada para alcançar
um emprego, e, assistindo ao desemprego e a desvalorização do trabalho formal,
comuns ao nosso tempo, acabam se desapontando.
As atividades atuais da escola pública superam, muito tempo, as funções
de preparação para o mercado de trabalho. Elas estão, em muitos casos, ligadas ao
reconhecimento da condição humana.
Certamente a escola não é importantíssima por ser um passaporte, uma
chave para tudo; ela é importantíssima porque somos sujeitos de direito e
temos direito ao conhecimento, ao saber, à formação, ao trabalho, e isso é
outra lógica. (ARROYO. In: COSTA, 2007, p.121)
A escola pública reconhece seu aluno como possuidor de direitos, e a um
educador dessa escola pode causar estranhamento a declaração de uma educadora
da escola privada que afirma que “A escola, acima de tudo, é uma empresa”
(DANTAS, 2008). A escola pública não é uma empresa, ela é, antes de tudo, um
espaço de reconhecimento dos direitos fundamentais e da cidadania, e é dentro dela
que se encontram 90% das crianças matriculadas no ensino fundamental.
É uma grande, e recente, conquista que nela possam estar as crianças que
não passaram por nenhuma experiência pré-escolar, as crianças de famílias que não
podem comprar livros e cadernos. É uma grande conquista, também, que nela
estejam, gradativamente, sendo incluídas as crianças portadoras de deficiências e
as crianças que vivem em condições precárias e, por vezes, desumanas. O grande
paradoxo que se instala é que esse modelo de escola, ainda hoje praticado, não
nasceu para atender a essa demanda e a essa diversidade.
82
O problema é que nossa infância e nossa adolescência populares são
condenadas aos limites mais desumanos da sobrevivência, e nem a
pesquisa, nem a teoria pedagógica, nem as didáticas acumularam análises
e saberes para instrumentalizar os docentes e gestores das escolas
populares para educar, humanizar essa infância e adolescência. (ARROYO.
In: COSTA, 2007, p.138)
Entretanto, não é verdade que dentro da escola pública estão apenas
crianças com um perfil determinado por carências e necessidades. mais de vinte
anos atrás, um livro bastante difundido na área de educação afirmava que a escola
foi projetada para uma criança “que não trabalha, uma criança que fala ‘bonito’, uma
criança que pode estudar em casa com calma” (CECCON; OLIVEIRA; OLIVEIRA,
1984, p. 48). Felizmente, essa “criança ideal” (Idem), também está na escola pública.
São crianças que têm atenção da família, seus responsáveis comparecem às
reuniões, elas trazem seus materiais escolares arrumados, seus lápis apontados e
seus cadernos encapados. Estar na escola pública é direito de todos. E essa escola
propicia convívio e interação entre crianças bem diferentes.
Os problemas existem, não como negá-los. Fala-se muito, mas reflete-se
muito pouco sobre as novas condições de trabalho dessa instituição e algumas
questões parecem fundamentais.
É necessário delimitar o espaço de atuação da escola, pois existem
problemas que podem ser resolvidos no seio da família, outros podem ser
resolvidos pelas instâncias legais. Há questões que antecedem a escola, e há
questões que transcendem a ela. Quando necessário, é possível que a escola
articule os problemas, assessorando seus alunos, mas que saiba exatamente quais
são os seus limites. É preciso discernimento para identificar os problemas e
repassá-los a quem possa, efetivamente, resolver sem que isso signifique fracasso
para a escola pública. Para Nóvoa, os educadores brasileiros apresentam um certo
“voluntarismo” (2005), observação sensível do pensador. Esse sentimento é comum
nos educadores, que, atônitos diante de algumas situações, se propõem a tentar
resolvê-las, muitas vezes, sem sucesso. Para isso, é fundamental que a interação
da escola com as outras instâncias do Estado se de forma efetiva.
Encaminhamentos para áreas de saúde, conselhos tutelares e atendimentos
especializados precisam de respostas satisfatórias.
No que se refere a formação dos professores, também é necessária uma
preparação mais adequada. Para Libâneo, “grande parte do nosso professorado
carrega a herança da baixa qualidade do ensino que tomou conta do país a partir da
83
década de 1960” (In: COSTA, 2007, p.47). Somado a isso, existe um baixo salário
que exige que o professor se desdobre entre duas ou três escolas, o que dificulta o
acesso e a permanência em especializações, mestrados, doutorados e, algumas
vezes, até mesmo em graduação. As exigências dessa “educação para todos” são
muito recentes, e seria muito valiosa a publicação de relatos e experiências de
educadores que atuam nas escolas públicas, assim como seria igualmente
importante eles terem acesso a seminários, congressos, bibliografia, enfim, a uma
maior formação intelectual. A atividade de professor das séries iniciais é muito
importante na educação, notadamente na alfabetização, que deveria merecer o
status de especialização. Mas ela não é tratada como uma carreira, o salário de uma
professora recém empossada em concurso público difere muito pouco do salário que
profissionais que estão muito tempo em atividade. Devido a isso, o trabalho nas
séries iniciais passou a servir apenas como uma ponte para que o profissional,
atravesse até conseguir um outro nível de atuação, dentro ou fora da educação.
No que se refere a formação dos novos educadores, ainda não houve tempo
para uma adaptação dos currículos dos cursos de formação de professores para
esses novos tempos. E não uma articulação direta entre as escolas formadoras
de educadores e as escolas onde as crianças, efetivamente, se encontram. Essa
formação, mais perto do campo de trabalho, somada a uma forte base teórica,
poderia ser um passo decisivo na formação dos profissionais de educação. É
fundamental que essa instituição receba em seus quadros profissionais bem
preparados, e que dêem continuidade à sua capacitação através de cursos,
palestras, grupos de estudos, acesso a literatura e a outros produtos culturais.
Um outro grande facilitador do ensino fundamental seria a universalização da
educação infantil. O problema, bastante observado na comunidade do Parque
Fluminense, pode ser considerado comum em muitas outras localidades. Crianças
que não passaram pela educação infantil, quando entram na escola, aos seis anos,
provavelmente, apresentarão rendimento e adaptação inferior aos que passaram
essa experiência. Não por incapacidade, ou por incompetência, mas porque não
foram apresentados aos elementos comuns do ambiente escolar. Esse foi um dos
fatores que pesaram na opção pela escola particular de grande parte das
responsáveis ouvidas no estudo de caso.
84
CONCLUSÃO
Ao longo desse trabalho, procuramos compreender porque tantas vozes se
levantam contra a escola pública atual. Não era nosso desejo fazer apenas uma
defesa apaixonada e vazia dessa instituição, mas compreender os caminhos
percorridos para que essa imagem negativa tenha se instalado.
Um contato mais próximo com a escola pública apresentou boas surpresas.
Nela, encontramos profissionais qualificados, livros modernos e uma busca efetiva
de atendimento a todos, incluindo um profundo respeito aos direitos dos estudantes.
Assim, fomos ouvir um grupo de pessoas com baixo poder aquisitivo, que
reserva uma parcela significativa de seu orçamento mensal para manter seus filhos
em uma escola particular em um bairro pobre do município de Duque de Caxias no
Estado do Rio de Janeiro. Mais do que uma necessidade de se destacar em seu
grupo social, essas pessoas também apresentaram as incertezas comuns de nosso
tempo. Se algumas décadas atrás a escola podia garantir um emprego e alguma
mobilidade social, hoje ela não pode. Resta-lhe acenar com a possibilidade de um
trânsito mais fácil pelos caminhos sombrios do nosso novo mercado de trabalho.
Entretanto, uma nova realidade se apresenta: a tão desejada “educação para
todos”, que estava presente no Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, em
1932, parece estar nascendo.
Percorridos os caminhos da história, percebemos que a educação no Brasil
sempre esteve marcada pela dualidade: uma mais perversa, que não permitia que
uma parte da população chegasse até ela; outra, mais discreta, que permitia seu
acesso e criava uma bifurcação onde os mais pobres caminhavam para uma rápida
profissionalização e permaneciam reservados para uma elite os níveis mais altos de
escolarização.
A partir da década de 1990, notadamente a partir da implantação da Lei 9394
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, foram estabelecidas
mudanças que permitiram o acesso de um novo público à escola. Era aquele mesmo
público que, anteriormente, ficava do lado de fora dos seus muros. Novas demandas
se estabeleceram, e além da dimensão propedêutica, a escola pública precisou se
revestir de uma dimensão mais humana.
O crescimento das responsabilidades não foi acompanhado pelo crescimento
dos recursos materiais ou da formação adequada de profissionais. Mesmo assim,
85
elas estão se incorporando ao dia a dia da escola e, dessa maneira, entre surpresas,
desgastes e descobertas, está nascendo a “educação para todos”.
As críticas negativas que a escola pública vem sofrendo por parte da mídia e
da opinião pública escondem, algumas vezes, um certo estranhamento pela
chegada de um público que, até recentemente, não era visto como digno de estar na
escola.
O cuidado que deve ser tomado é para não transformar a escola blica na
“escolha dos que não tem escolha”. É fundamental refletir sobre essas novas
demandas, definir os limites de atuação da escola e estabelecer novas condições de
trabalho e de formação profissional. É importante que ela seja uma escola para
todos, onde as crianças com necessidades especiais e as crianças sem nenhum tipo
de necessidade especial convivam. É igualmente importante que crianças de
condições financeiras diferenciadas convivam e que usem os mesmos materiais
didáticos, o mesmo uniforme, os mesmos espaços e que tenham as mesmas
condições para se desenvolver. Um grande facilitador para o sucesso dessa nova
escola seria, sem dúvida, a universalização da educação infantil.
É preciso aceitar que esse novo público veio para ficar, para ocupar um
espaço que sempre foi seu, embora lhe tenha sido negado durante um longo
período da nossa história.
Os profissionais da educação precisam ser mais bem preparados em sua
formação, mas também precisam ser ouvidos, não entre eles, mas pela
sociedade. No momento atual, injustamente, as instituições não governamentais e o
voluntariado parecem estar sendo mais valorizados do que as escolas e os
profissionais efetivos da educação. A partir da reflexão, do convívio e da troca de
experiências, é possível que nasça uma escola boa para todos, e que daqui a alguns
anos, ninguém precise evitar a escola pública.
Aconteceu, ao longo da nossa história, uma “educação para poucos”. O
caminho para a construção de uma “educação para todos” começa a se delinear e
passa, diretamente, pela escola pública.
86
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ANEXO
Transcrição das entrevistas
92
Primeira Entrevista:
DATA: 06/09/2007
Fátima – Eu estou mais nervosa que você, porque é a minha primeira
entrevista, assim, de pesquisa. Seu nome é Rose, né?
Rosemary – Isso, Rosemary.
Fátima – Depois eu vou trazer um papel, informando o que é a pesquisa,
porque hoje eu estou mesmo começando.
Rosemary – Tá legal.
Fátima – O aluno que estuda aqui teu é um menino ou uma menina?
Rosemary – Um menino.
Fátima – Ele está em que série?
Rosemary – Está no segundo ano, no caso, primeira série.
Fátima – Ele está com quantos anos?
Rosemary – Seis.
Fátima – Seis aninhos. Como é que é a tua casa, a tua família? Como é que é?
Quem é que mora na casa?
Rosemary – Meu marido e os dois filhos.
Fátima – Ah, você tem dois?
Rosemary – É, o outro também já estudou aqui.
Fátima – São dois meninos?
Rosemary – Dois meninos.
Fátima – O outro é mais velhinho?
Rosemary – É.
Fátima – A escolaridade de vocês, de você e seu marido?
Rosemary Eu tenho o segundo grau completo e o meu marido é professor de
matemática, tem faculdade.
Fátima – Ele trabalha aqui em Caxias mesmo?
93
Rosemary – Trabalha dando aula no São Jorge...
Fátima – Ah, no São Jorge?
Rosemary – E lá no Almeida Barros, Lote XV.
Fátima – Ah, legal! E, assim, quando vocês não estão trabalhando, o que vocês
gostam de fazer normalmente?
Rosemary – Geralmente a gente vai para o shopping ou para a igreja.
Fátima Ah, vai pro shopping? Você vai na mesma igreja que as meninas
daqui?
Rosemary – Eu sou, ele não.
Fátima – Tem uma colega que trabalha comigo lá que também é... a Eliane.
Rosemary – Ele é da Nova Vida.
Fátima A Eliane, professora de Educação Especial. Não sei você conhece.
Foi ela que me indicou aqui a escola. E o teu outro menino está estudando
aonde agora?
Rosemary – No São Jorge.
Fátima No São Jorge, né? Bom, a minha pergunta básica é a seguinte...
vocês moram aqui no Parque Fluminense, né?
Rosemary – É.
Fátima Por quê que quando vocês escolheram a escola para as crianças,
vocês escolheram a escola particular?
Rosemary – O meu mais velho estudava lá no Minas.
Fátima – Onde eu trabalho.
Rosemary É. Ele estudou a primeira série dele lá, porque a minha casa estava em
obras, a gente estava começando a construir, o gasto era demais, não dava para
pagar o colégio. Até dava, mas a gente ia passar um pouco de sufoco, a gente optou
em colocar no Minas. Mas teve um professor de lá, melhor não citar nomes, que ele
me chamou e falou: “Olha, seu filho não dá pra estudar aqui; aqui não vai ter ensino
para ele”. Ele me chamou e conversou isso comigo. eu falei: Mas, por que? Ele
falou: “Porque aqui ele está adiantado e os outros alunos estão bem abaixo dele”.
94
Porque ele veio de um colégio particular; ele fez o jardim, o C.A., tudo em colégio
particular. Aí, na primeira série eu joguei ele para o Minas por causa dessa obra. Aí,
então, ele já sabia ler, ele já sabia escrever, e os outros alunos foram para lá crus.
Fátima – Esse é o teu outro menino, né?
Rosemary O outro; esse nunca estudou em colégio blico não. Aí, foram para
crus, os outros. Aí, ele estava além, e não pode passar ele, tem que...
Fátima – Por causa da idade.
Rosemary Tem que seguir as regras. Aí, eu deixei ele terminar a primeira série lá,
não tinha mais como... quando ele veio me avisar era o meio do ano. Aí, eu
peguei, me informei pelos colégios. eu conheci uma pessoa que estudava aqui,
me indicou, e eu coloquei eles aqui.
Fátima É, mas assim, de uma maneira mais geral, assim, você matriculou os
dois na escola...
Rosemary Matriculei um, o mais velho num colégio público. Até porque o meu
objetivo era esse; era deixar eleaquele ano por causa da minha obra, da obra da
minha casa. O meu objetivo era esse mesmo. E depois pagar um colégio.
Fátima E você acha então, assim, que o ensino particular, a diferença que
você vê...
Rosemary – Eu vi.
Fátima – Você viu?
Rosemary Eu vi, porque quando ele estava na primeira série ele cobria,
ligava e separava as sílabas. Agora o meu filho está na primeira. Você pega o
caderno dele da primeira, você vai ver o que ele faz... Às vezes nem eu: Meu Deus,
o que houve com essa criança? Às vezes eu ligo pra ela: O quê que tem aqui, que
nem eu, nem Paulo, nem ninguém está entendendo? Aí, ela: “É assim, assim,
assim”. Eu: Ah, tá! Entendeu? Não é que não tem professores capacitados... na
maioria das vezes os professores de lá são até mais capacitados do que num
particular, entendeu? Por que? Porque eles têm que prestar concurso e tudo mais...
Mas é porque, eu não sei o quê que acontece, se é norma, se aquilo é norma para
eles passarem aquilo, ou se é falta de... sei lá... falta de vontade de querer ensinar,
eu não sei o quê que acontece.
95
Fátima Então, eu acho que é isso. O meu trabalho vai ser em cima disso, tá?
Eu também não tenho respostas ainda e eu queria só te agradecer muito.
Rosemary – De nada.
Fátima E aí, qualquer coisa que seja preciso de rever... por isso que eu pedi
que a primeira pessoa fosse uma pessoa que a gente tivesse facilidade de
acesso.
96
SEGUNDA ENTREVISTA
DATA: 08/02/2008
ENTREVISTA SIMONE
Fátima Vamos lá! Deixa eu te perguntar uma coisa: Você tem uma menina
né?
Simone – É, a Vitória. Uma menina.
Fátima – Quantos anos tem a Vitória?
Simone – Nove.
Fátima – Ela está em que série?
Simone – Terceira.
Fátima – Terceira série ou terceiro ano de escolaridade?
Simone – Terceira série.
Fátima Quarto ano de escolaridade, né? Aí, a primeira coisa que eu gostaria
de saber é assim, como é que é a tua casa, a tua família, quantas pessoas
moram... Você, a Vitória, mais alguém? Quantas pessoas moram?
Simone – É eu, a Vitória e meu marido.
Fátima – Você só tem ela?
Simone – Só.
Fátima – E ela estuda aqui desde pequenininha?
Simone – Desde pequenininha, eu coloquei a Vitória aqui com três aninhos.
Fátima Agora, como é que é a escolaridade tua e do teu marido? Estudou até
onde?
Simone Eu estou estudando ainda, fazendo a sexta série. E o meu esposo ele já é
formado já.
Fátima – Em?
Simone – Administração.
97
Fátima Ih, ele é meu colega. Eu, antes de fazer Pedagogia, fiz Administração.
Me diz uma coisa: de uma maneira geral, o quê que vocês costumam fazer,
assim, como lazer quando não está preocupado com escola?
Simone – Ah, a gente sai muito com a Vitória!
Fátima – Ah, é? A Vitória sai muito?
Simone – Todo mês tem que... todo mês, no pagamento, a Vitória tem que passear.
Fátima – Ah, que legal! E vocês vão onde?
Simone Ah, ela gosta muito do Mc Donald’s, adora! Adora passear no shopping.
Ela fala: “Pai, é final do mês, recebeu?” , o Marcelo fala: “Já”. Então, vamos....
paga as contas e sobra um dinheirinho pra Vitória.
Fátima – Hum...
Simone – É todo mês.
Fátima Olha só, agora eu vou te fazer uma pergunta que é a base, assim, da
minha pesquisa, tá? Você, num determinado momento, em que você teve a
opção de colocar a Vitória numa escola particular ou numa escola pública, né?
Chega num determinado momento em que você tem essa opção. Por quê que
você optou por colocar a Vitória numa escola particular?
Simone – Pra mim, é o ensino.
Fátima – O ensino? Você acha que é mais forte?
Simone Eu acho. Porque eu pego os cadernos da Vitória, abrindo assim, essas
coisas, e vejo dos meus sobrinhos, né? É totalmente diferente. A Vitória está muito
mais avançada do que no colégio público. Então, eu me preocupo muito com a
educação dela, né? E acho que a educação é fundamental. Então, muitos pais hoje
em dia... antigamente não tinha muito isso de botar em colégio particular. Hoje em
dia os pais preferem diminuir o orçamento e manter os filhos num colégio particular
por causa do ensino,? Porque o ensino é melhor. Eu acho também que, até para
a gente chegar até à escola e fazer aquela cobrança, de ir no professor, de você
falar, entendeu? Eu acho que é importante também, a gente tem mais oportunidade.
No colégio público, acho que você não tem essa integração de chegar, falar,
reclamar. Você está entendendo? Tipo assim, nossos direitos, mas você não está
98
pagando? Aquela coisa, né? Assim, no meu ponto de vista. A Vitória não, a Vitória
está adiantadíssima, ela gosta também da escola, eu também gosto do ensino. Até
por ser um colégio pequeno; não é porque eu estou na frente delas não, eu acho o
ensino excelente. Eu gosto. Tanto que a minha ficou até um ano, eu tirei a minha
filha. Por quê? Não por causa da escola, eu tinha me confundido, porque aqui é a
a quarta série, mas eu pensei que ia até a terceira série, entendeu? Coloquei ela
numa escola maior... O quê que aconteceu?
Fátima – Também particular?
Simone Também particular. Mas, assim, a Vitória voltou totalmente para trás. A
reintegração da Vitória foi mais difícil com outros colegas... Todo dia ela chegava:
“Ai, mãe, eu quero voltar para o Lima´s”. Mas como ela tinha acabado aquele ano
todo, eu fui, tirei ela agora. Nossa! A minha filha está feliz, graças a Deus! Eu
tenho uma integração com essas professoras que na outra escola maior eu não
tinha; e eu acho muito importante para os pais, entendeu? Você chegar, conversar,
você ter aquela atenção da pessoa ouvir você, se preocupar com o seu filho. Porque
aqui é a segunda casa da Vitória, né? Então, eu me preocupo também com o que
eles vão passar para ela. Então, eu conheço o trabalho delas, eu sei que elas são
corretíssimas; no trabalho delas aqui eu não tenho nada o que dizer. Os filhos da
minha prima também estudam aqui, e o meu outro sobrinho também estudou aqui,
né? Então, tipo assim, é como se fosse minha casa. Encontrei. Tipo a Vitória
também encontrou, sabe? “Ah, mãe, a escola é minha! Ah, eu estou tão feliz!”
Nossa! Aí, eu e o pai dela estamos no maior orgulho, né? Porque ela está bem.
Junta as duas coisas.
Fátima – E como é que ela está? Ela está lendo tudo?
Simone – Tudo.
Fátima – Escreve direitinho? Escreve bem? Escreve correto?
Simone – Escreve.
Fátima – Você procura acompanhar, assim, ver?
Simone É mais o pai. Porque eu trabalho dentro de casa, eu tenho um pequeno
salãozinho dentro de casa. Aí, eu faço cabelo, faço unha, tem que arrumar a casa,
99
eu lavo a louça... Eu procuro dar atenção para ela, mas essa coisa mesmo é o pai. O
pai chega do trabalho...
Fátima – Ah, eu esqueci de perguntar o seu nome, desculpe.
Simone – Simone. Ele chega, ele pega os cadernos, ele vê. Se ela estiver acordada,
ele beija ela para acordar. “Ah, eu não estou vendo a minha filha!” Ela acorda cedo,
leva ele até à porta, ela se preocupa muito com o pai. Nossa Senhora, ela é louca
pelo pai! Por mim também, né?
Fátima – (risos)
Simone – Não sei se é porque ela é menina...
Fátima – É, é sempre assim.
Simone Sabe? (comentários incompreensíveis) Todas as atividades dele que ele
faz, ele procura fazer em função da Vitória.
Fátima Eu tenho uma sobrinha só, e é assim, eles se identificam mais, é
engraçado.
Simone – Identifica, é... ela se preocupa.
Fátima – Então tá bom, Simone, obrigada.
Simone – De nada.
Fátima – Qualquer coisa, eu peço para elas te avisarem.
Simone – Então, tá bom.
Fátima – Às quintas-feiras, normalmente, eu vou estar por aqui. Obrigada.
Simone – Tá bom. Tenha um bom dia.
Fátima – Obrigada, Simone.
100
TERCEIRA ENTREVISTA
DATA: 08/02/2008
Fátima – A senhora é mãe do aluno?
Rubenita – Avó do aluno.
Fátima – Ah, é avó do aluno? O nome da senhora é...?
Rubenita – Rubenita.
Fátima – O seu... é menino?
Rubenita – Menina.
Fátima Menina também? Hoje é menina que aqui. Sua menina tem
quantos anos?
Rubenita – Nove anos.
Fátima – Nove também. Ela está em que série?
Rubenita – Quarta série.
Fátima – É o Quinto ano de escolaridade?
Rubenita – É.
Fátima É porque a gente está mudando agora por causa da legislação, e a
gente ainda fica meio... a gente mesmo fica, não precisa se preocupar não. Eu
acho que vai normalizar mesmo a partir dessa turma que está entrando
agora. Bom, então deixa eu ver uma coisa aqui. Como é que é o nome da
criança?
Rubenita – Ariele.
Fátima – Então, eu não sei se a senhora escutou, eu estou fazendo uma
pesquisa, não tem nada a ver com esta escola, é um mestrado em Educação,
tem a ver com a imagem de escolas. Então, como é que é a sua casa?
Rubenita Na minha casa mora eu, o avô dela e ela. E ela é filha de pais
separados.
Fátima – E ela tem outros irmãos?
Rubenita – Tem mais dois.
101
Fátima – Tudo de mãe? Tudo de pai?
Rubenita – Tudo de mãe.
Fátima Em relação a esses irmãozinhos dela, eles são pequenininhos? Eles
estudam?
Rubenita – Não, uma tem quatro anos, ela está no jardim, e tem o outro que fez dois
anos agora em fevereiro.
Fátima – Essa de quatro anos estuda em escola particular também?
Rubenita – É particular. Escolinha, né?
Fátima E como é que é a escolaridade, assim, do seu marido, da senhora, da
sua filha? Como é que foi mais ou menos?
Rubenita Olha só, a minha filha estudou até o segundo grau. Agora, eu e meu
marido nós sabemos o nome da gente, porque morava em roça e a gente não
tinha tempo, assim, para o colégio, porque os pais não tinham emprego. Então,
sei muito mal assinar meu nome, ele também.
Fátima – E assim, a Ariele, quando ela não está estudando, o quê que ela gosta
de fazer? O quê que vocês costumam fazer?
Rubenita – Olha, a Ariele gosta muito de brincar de boneca.
Fátima – Ah, é?
Rubenita Ela é caseira, não gosta muito de estar saindo. Então, às vezes, quando
tem condições, porque ele é assalariado, não tem como ficar passeando, né? Então,
a gente leva ela para passear na casa da mãe, às vezes ela vai no pai. Mas o mais
dela é em casa brincando mesmo.
Fátima Bom, então deixa eu fazer uma pergunta para a senhora, que é a
pergunta fundamental do meu trabalho. Chegou um determinado momento que
a senhora foi matricular a menina, e a senhora tinha opções aqui no bairro:
escola pública e escola particular. Ela estuda aqui desde muito tempo?
Rubenita – Já. Devia ter uns quatro anos, por aí.
Fátima Então, num determinado momento, a senhora colocou numa escola
particular. Por quê que a senhora fez essa opção?
102
Rubenita Olha só, é pelo seguinte: é porque o colégio público, conforme tem aqui,
falta muita aula, eles não têm aula, o pessoal vai e volta, e ela ficou também: “Vó,
ah, eu quero tanto aquele coleginho ali...”. É bom que é aqui do lado, porque eu
moro aqui pertinho. E eu trabalho assim, eu sou costureira particular; tem dia que eu
tenho serviço, tem dia que eu o tenho (FALA INCOMPREENSÍVEL). Então, eu
optei por essa parte aí, por causa que eu achei bem melhor aqui, e a Ariele também
se dá bem com todo mundo aqui. E nem ela quer sair daqui.
Fátima – Pois é, mas agora...
Rubenita – Ela gosta muito daqui (FALA INCOMPREENSÍVEL).
Fátima – E em relação ao ensino, assim, a senhora sente alguma diferença?
Rubenita – Não, pra mim está tudo ótimo.
Fátima Não. Eu estou falando assim, a senhora conhece alguma criança que
esteve na escola pública?
Rubenita A maioria das crianças que está no colégio público aí, as mães falam
assim: “Poxa, a Ariele bem, sabe ler, sabe tudo, sabe escrever cartinha e
tudo. A minha filha, na mesma série, não sabe fazer nada”. E eu dou graças a Deus
de ter ela na escola aqui.
Fátima – E a senhora tem mais filhos do que a mãe dela, ou só tem ela?
Rubenita – Eu tenho uma outra que mora em São Paulo.
Fátima – Ah, então não tem muito contato.
Rubenita Não. A outra mora lá, desde que casou mora lá, tenho até dois bisnetos
já.
Fátima Caramba! Então tá bom, dona Rubenita. A menina é Ariele, né?
Obrigada, é isso que eu estou fazendo mesmo aqui, entrevistando as pessoas.
Rubenita – Tá legal.
Fátima – Obrigada.
Rubenita – Bom dia para você.
103
QUARTA ENTREVISTA
DATA: 08/02/2008
Fátima – Bom, deixa eu te falar uma coisa, meu nome é Fátima, eu faço
mestrado na Universidade Federal, e as meninas estão deixando eu fazer uma
pesquisa aqui. A pesquisa não tem nada a ver com o Lima’s, tem a ver com o
meu trabalho mesmo. Como é que é o seu nome mesmo?
Denise – Denise.
Fátima – Você é novinha, né, Denise?
Denise – Tenho vinte e três anos.
Fátima – Meu Deus do céu!
Denise – Já viu minha filha?
Fátima – Não.
Denise – Nossa, ela está imensa!
Fátima Meu Deus do céu! Às vezes eu me espanto assim. Outro dia chegou
um pai, porque eu dou aula aqui no Zitão, chegou o pai de um aluno meu. O
menino é enorme, tem quase a minha altura. Aí, chegou o pai. Aí, quando eu
olhei, eu falei: Não, você não é pai...
Denise Se você vê, então, a minha prima, você não diz. Ela tem vinte e um ou
vinte e dois, e tem quatro filhos.
Fátima – Com muito boa vontade, vocês são irmãos. O seu é menino?
Denise – Menina.
Fátima Menina também? Ih, hoje estou entrevistando mãe de menina.
Quantos anos ela tem?
Denise – Tem seis.
Fátima – primeira série?
Denise – Isso.
Fátima – Ela entrou aqui esse ano?
Denise – Ano passado.
104
Fátima Ano passado, né? Segundo ano de escolaridade. Bom, primeira
pergunta: Como é que é, assim, a sua casa, a casa que a criança vive? Tem
você, tem mais quem?
Denise – É eu, meu marido e ela.
Fátima – Ela se chama...?
Denise – Beatriz. É Ana Beatriz, mas eu chamo mais de Beatriz.
Fátima – Como é que é a escolaridade, assim, tua e do teu marido?
Denise – Eu já terminei e ele está fazendo faculdade.
Fátima – Ele faz faculdade de...?
Denise – Farmácia.
Fátima – E você estudou o quê?
Denise – Eu terminei o terceiro ano do ensino médio.
Fátima Ensino médio, né? E, assim, quando vocês não estão comprometidos
com o trabalho, no fim de semana, o quê que vocês gostam de fazer como
lazer?
Denise – Ou ficar em casa, ou passear, uma piscina, sair um pouco da rotina, né?
Fátima – Mas vocês têm o hábito, assim, de ir para esses lugares?
Denise – Tem, quando a gente não está trabalhando, a gente sempre vai. É lei!
Fátima Então, deixa eu te fazer a pergunta assim, fundamental do meu
trabalho. Num determinado momento que você teve que matricular a Beatriz, aí
você teve a opção... Eu costumo dizer que: felizes os que têm opção... de
colocar numa escola pública ou numa escola particular. Aí, você fez a opção
da escola particular. Aí, eu queria saber por que isso?
Denise – Por quê?
Fátima – É.
Denise – Eu vou ser bem sincera.
Fátima – É para isso mesmo que eu estou aqui.
105
Denise Assim, comparando uma coisa com outra. Minha irmã sempre estudou em
colégio particular desde pequena, desde os três anos de idade. Então, a minha irmã
nunca estudou... quando ela veio estudar, ela ficou um período de seis meses onde
eu coloquei a minha filha. Nesse período de seis meses ela aprendeu muita coisa, e
quando foi para o colégio particular não aprendeu nada; o pouco que ela aprendeu,
já esqueceu.
Fátima – Não! Vamos lá! Você tem uma irmã. Essa irmã é mais nova que você?
Denise – É, é mais nova, vai fazer oito anos.
Fátima – Ela tem oito anos, tá.
Denise – Isso. Assim, antes, com sete...seis, com seis anos eu paguei escola pra ela
durante seis meses.
Fátima – Escola particular?
Denise Isso. Ela aprendeu o que tinha que aprender durante seis meses, não foi
muita coisa, mas aprendeu. Depois, no caso, no ano passado a minha mãe colocou
ela no colégio público, onde ela esqueceu tudo que ela havia aprendido.
Fátima – Aqui em Caxias mesmo?
Denise – Aqui em Caxias, no colégio Minas Gerais.
Fátima – Onde eu trabalho (risos).
Denise Ela não aprendeu nada. Não aprendeu nada, nada, nada. Ao contrário, o
que ela sabia ela esqueceu tudo.
Fátima – E ela está lá ainda?
Denise – Não, tirou de lá e colocou no FEUDUC, tem colégio público lá dentro.
Fátima – É.
Denise ela está lá. Agora ela está aprendendo, pelo que eu sei, melhor do que
lá. Não é querer...
Fátima – Não, não, não! Tudo bem.
Denise – Então, entre optar por uma escolha de ensinamento...
Fátima Como eu te falei, isso aqui é para o meu mestrado, não tem nada ver
nem com lá, nem com aqui; isso aqui é uma pesquisa minha.
106
Denise – Então, o quê que acontece? Entre piorar ou melhorar minha filha, eu prefiro
melhorar. Porque, assim, eu sempre estudei em colégio público; do pouco que eu
aprendi, eu aprendi de alguns colegas que foram prá me ensinar o que eu sei.
Agora, o terceiro ano, eu fui muito bem.
Fátima – Você sempre estudou em escola pública?
Denise Sempre estudei em colégio público; eu nunca na minha vida tive a
oportunidade de estudar em colégio particular.
Fátima – Você estudou aqui no Parque mesmo? Você é daqui do Parque?
Denise – Do Parque Fluminense?
Fátima – É
Denise Eu estudei, vamos supor, porque a minha mãe é meio cigana, na outra
encarnação foi cigana, a gente vivia se mudando. Então, eu estudei em Jardim
H, estudei no Brizolão, que a maior parte dos meus estudos foram lá; e um
pouquinho que não serviu pra nada, e vim terminar meus estudos num CIEP, no 118
e no 201. Terminei ali.
Fátima Bom, agora, independente, não tem nada a ver nem com a pesquisa,
você não tem vontade de dar uma seguida, não?
Denise – Não, eu já terminei!
Fátima – Não... terminou, mas tem outras possibilidades.
Denise o, claro! Eu quero, assim, eu ia começar minha faculdade de nutrição,
eu quero ser nutricionista, por dois motivos: eu fui gordinha, consegui emagrecer,
graças a Deus, e a outra é por engordar a minha filha, porque a minha filha é baixo-
peso. Ela tem 16 kg com sete anos, vai fazer sete. Ela não aumenta de peso de jeito
nenhum. A minha luta é querer ser nutricionista pra ajudar ela e me ajudar mais
ainda, né? Mas se eu não tiver essa oportunidade, eu estou procurando outras
áreas. Trabalhar pra ajudar tanto em casa quanto ela, porque ajudando meu marido,
eu vou ajudar ela, né?
Fátima É, porque eu tenho visto aqui algumas coisas interessantes em
termos de faculdade, eu acho que aqui na Baixada está tendo muita coisa
agora, né?
107
Denise Isso, mas assim, a área que eu... eu ia fazer Farmácia junto com o meu
marido. Aí, eu desisti, não é a minha praia, porque é muita coisa, apesar de que eu
vou ter que mexer com morto também; mas... aí eu pulo essa etapa.
Fátima – Bom. Então, você acha que essa tua opção recaiu... Ela nunca passou
por escola pública?
Denise – Não, ela nunca passou. Então, eu me espelhei mais na minha irmã. Porque
se você a sua piorando, repetindo, não sabe nem ler, minha filha sabe mais...
Sabe o que é botar as duas pra ler um livro e a minha o dela? Matéria de primeira
série, segunda série, ela está lendo o que a minha irmã não sabe. Então, eu não vou
atrasar a minha filha por conta de colégio, eu não vou mesmo. Enquanto tiver
condições de apertar de um lado, eu vou apertar. Ela tem muita dificuldade, assim,
com leitura, a minha Irmã. Eu não queria pra minha irmã, mas que eu não tenho
pra pagar para as duas, eu pago pra minha; porque a minha mãe não tem
condições, senão estava aqui. Até tinha explicado uma vez à Adriana, que eu ia
botar ela aqui, ela ia ter que voltar tudo de novo...
Fátima – A Adriana é tua irmã?
Denise – É ela (alguém ao lado).
Fátima – Ah, é você?! Ela estava falando da irmã... Então, tá bom, obrigada.
Denise – Só isso?
Fátima – Só isso.
Denise – Se precisar de novo, estou aqui.
Fátima – Obrigada.
108
QUINTA ENTREVISTA
DATA: 13/03/2008
Fátima – Bom, primeiro eu preciso explicar, que aí eu explico para todo mundo
de uma vez, que é o seguinte, o que eu estou fazendo não tem nada a ver com
a escola, tá? Eu faço mestrado em Educação na Universidade Federal, eu
estou fazendo uma pesquisa (INTERRUPÇÃO)... Eu trabalho aqui perto,
também não tem nada a ver com o meu trabalho, eu sou funcionária do
município, também não tem nada a ver com o trabalho, tem a ver só com a
minha pesquisa do mestrado mesmo. Aí, eu vou fazer algumas perguntas só
sobre a escola. Aí, eu vou começar por ela. O seu aluno é um menino ou uma
menina?
Leila – Menino.
Fátima – Menino? Tá. Qual a idade dele?
Leila – Cinco.
Fátima – Cinco? Ele está em que série?
Leila – C.A..
Fátima – C.A., né? Como é que é a sua família, a sua casa? Quem é que mora?
Leila – Na minha casa mora só eu e ele.
Fátima – Tá. Só tem ele?
Leila – Só.
Fátima – E como é que é a tua escolaridade? O que você estudou?
Leila – Fui até à oitava série.
Fátima – E o quê que vocês gostam de fazer como lazer, assim, quando não
está trabalhando, quando está no fim de semana?
Leila – Ah, eu vejo DVD...
Fátima – Ele gosta?
Leila – Gosta.
109
Fátima – Bom, a minha pergunta fundamental é a seguinte... Como é o nome
dele?
Leila – Misaque.
Fátima – Chegou uma hora que você foi colocar o Misaque na escola, né? E aí,
você optou por colocar ele numa escola particular. É claro que aí, tem um
encargo, tem um custo envolvido. Por quê que você fez essa escolha de
colocar ele numa escola particular, em vez de colocar ele numa escola do
município?
Leila Não, não foi nem uma questão de uma escolha. Foi porque eu trabalho em
escola. Sou funcionária da escola. Então, eu tenho direito de...
Fátima – Você trabalha aqui na escola?
Leila – Trabalho.
Fátima – Ah, tá... E como é que ele está? Ele está bem? Está feliz?
Leila – Tá.
Fátima – Ah, então tá bom. Com você eu acho que é só isso. Obrigada. Você
é...?
Leila – Leila.
Fátima – Ah, é, Leila. Ela estava falando. Obrigada.
110
SEXTA ENTREVISTA
DATA: 13/03/2008
Fátima – Quem é a próxima? Ih, está todo mundo aqui na prioridade. Vamos lá,
mesma coisa eu vou falar com você. Você é...?
Silvana – Silvana.
Fátima – Silvana, eu estou gravando, tá? Se vocês tiverem alguma coisa
contra, eu desligo. Até porque a entrevista é só sobre a escola mesmo. Você
tem aqui matriculado na escola um menino ou uma menina?
Silvana – Um menino.
Fátima – Um menino? E como é que é a sua casa? A sua família? A casa que
vocês moram como é que é? Mora você...?
Silvana – Mora eu, meus dois filhos e o meu marido.
Fátima – O seu menino está com quantos anos?
Silvana – Tem sete.
Fátima – Está na segunda série?
Silvana – Isso.
Fátima – Mora você, o pai e os dois meninos?
Silvana – Isso.
Fátima – Esse outro já está na escola?
Silvana – Ainda não, estou tentando colocar.
Fátima – E como é que a escolaridade, sua e de seu marido? Vocês
estudaram?
Silvana – Eu até à sexta série, meu marido até à quinta.
Fátima – Seu marido trabalha em que?
Silvana – Meu marido, ele trabalha com obra, ele é pedreiro.
Fátima – E o quê que vocês gostam de fazer, assim, como passeio, lazer?
Silvana – A gente costuma muito ir na praça com eles.
111
Fátima – Vocês moram aqui perto, né?
Silvana – Moro aqui perto.
Fátima – Mais alguma coisa?
Silvana – É isso, no final de semana eles assistem muito desenho, televisão.
Fátima – Ah, é?
Silvana Final de semana a gente leva eles para praça, leva eles pra lanchonete,
essas coisas...
Fátima – Bom, a mesma coisa que eu perguntei pra ela, né? Quer dizer, chegou
um determinado momento... Como é o nome do menino?
Silvana – Vitor.
Fátima – Chegou uma hora que teve que matricular o Vitor, né? Então, por que
você fez uma opção por uma escola particular e não por uma escola pública?
Silvana Porque, na época que eu quis botar o Vitor, o Vitor tinha dois anos, no
caso, escola pública ainda não pega, né? E aí, eu quis botar ele cedo, pra poder ele
terminar também mais cedo, se for o caso. Eu botei, fui deixando porque eu, desde
que eu botei, eu gostei muito do ensino, eu gosto muito, e eu fui gostando, vi que
ele estava bastante adiantado. E aí, eu fui me esforçando cada vez para tentar
deixar ele o máximo que eu puder pagar uma escola para ele ficar. Aonde eu
puder pagar, eu estou deixando.
Fátima – E em relação ao menorzinho. Como é o nome dele?
Silvana – Esse aqui é o Andrew.
Fátima – E em relação ao Andrew, o quê que você pretende?
Silvana – Botar também esse ano, porque ele tem dois anos e cinco meses... Porque
eu botei o Vitor, no caso, com dois anos e seis meses. Eu estou tentando botar esse
aqui. que no momento, agora, as coisas estão meio apertada, eu estou me
esforçando mais com o Vitor e vou... Mas esse daqui estou tentando esse ano ainda
colocar ele também.
Fátima – Ah, e vocês moram aqui perto mesmo, né?
Silvana – Moro, moro ali na frente.
112
Fátima – Ah, então tá bom.
Silvana Por enquanto, eu vou colocar esse daqui numa escolinha mais perto da
minha casa, mais barato, e quando for lá pelo C.A., primeira série, que eu coloco ele
aqui.
Fátima – Ah, então tá bom. Obrigada, Silvana.
113
SÉTIMA ENTREVISTA
DATA: 13/03/2008
Fátima – E você é a... ?
Lucinéia – Lucinéia.
Fátima – Lucinéia? Você tem um menino ou uma menina?
Lucinéia – Eu tenho menino. O Marlon.
Fátima – Menino também? Hoje é o dia do menino. Semana passada foram três
meninas. Hoje é dia dos meninos. O Marlon está com quantos anos?
Lucinéia – O Marlon fez oito.
Fátima – Está no segundo ano também?
Lucinéia – Não, está na primeira.
Fátima – As perguntas são basicamente as mesmas. Como é que é a sua casa?
Lucinéia Mora eu e dois filhos. E o Marlon é adotado. Não é adotado, ele mora
com a gente desde três anos.
Fátima – Mora você, ele e mais um...
Lucinéia – E mais dois, um de vinte e sete e um de vinte e quatro.
Fátima – Ah, espera aí? Dois filhos, um de vinte e sete...
Lucinéia – E um de vinte e quatro.
Fátima – E um de vinte e quatro. Aí, quando você já estava com dois filhos
grandes...
Lucinéia – Aí apareceu o Marlon na minha vida.
Fátima – Bom, os seus filhos, os outros estudaram em escola particular?
Lucinéia – Depois que cresceram estudaram, mas na época foi municipal.
Fátima – Os seus filhos ainda estudam, esses grandes, ou formaram?
Lucinéia – O meu mais velho faz Meio Ambiente...
Fátima – Está na faculdade?
114
Lucinéia O outro saiu do quartel agora, ele tem o segundo grau incompleto, vai
voltar a estudar agora de novo.
(OUTRA MÃE INTERROMPE E FAZ UM RELATO SOBRE O COMPORTAMENTO
DO FILHO QUE ESTÁ NA SALA BRINCANDO COM UM BONECO)
Fátima – Bom, como que é a sua escolaridade?
Lucinéia – Eu tenho o segundo grau completo, ensino médio.
Fátima – E, o quê que você faz com ele, assim, quando está no fim de semana?
O quê que ele faz pra se divertir?
Lucinéia – Olha, eu mesma não vou na praça porque eu não gosto, não vou naquela
praça de jeito nenhum. , ele vai para a lan house, fica jogando jogos em casa no
computador. Às vezes, meu filho sai com ele, assim, vai para a praia, vai para a
cachoeira, vai pro Mac Donald’s; ele leva mais.
Fátima – É impressionante como as crianças gostam do Mc Donald’s, né?
(FALAM FÁTIMA E MAIS DUAS MÃES AO MESMO TEMPO). Bom, a pergunta
que eu vou te fazer é a seguinte, você, num determinado momento, teve que
matricular o Marlon, e você optou por escola particular. Por que isso?
Lucinéia – Eu coloquei o Marlon primeiro aqui. Mas aí meu filho ficou desempregado,
não estava trabalhando, e quem pagava a escola era o meu filho. Como ele ficou
desempregado, eu tirei ele daqui. Aí, coloquei ele no Município, né? No Minas
Gerais. que deu uma caída nele, ele regrediu muito. Aí, eu peguei e botei ele pra
cá de novo.
Fátima – Ele ficou quanto tempo lá no Minas?
Lucinéia – Ele ficou um ano no Minas.
Fátima – Foi agora?
Lucinéia – Foi! No ano passado.
Fátima – Ah, é? Eu devo conhecer ele, eu trabalho lá. Eu sou orientadora de lá.
Lucinéia – A professora dele era a Denise.
Fátima – Ah, então ele estudava lá embaixo.
Lucinéia – Lá no anexo. Ele regrediu muito.
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Fátima – Ele fez qual série lá?
Lucinéia ele fez o C.A. Porque foi assim, ele fez o C.A. aqui e passou pra
primeira rie. Quando foi pra ele não tinha idade, não tinha vaga e não tinha
idade, botaram ele para o C.A. de novo.
Fátima – Entendi.
Lucinéia – Entendeu?
(INTERRUPÇÃO, CONVERSA PARALELA À ENTREVISTA).
Fátima Então, o Marlon voltou pra ? E aqui ele está fazendo o quê? A
segunda série de novo?
Lucinéia – Não, ele está fazendo a primeira série.
Fátima – A primeira série, né? O segundo ano de escolaridade, né?
Lucinéia – Isso.
Fátima – Então, tá bom, querida. É isso. Obrigada por vocês terem participado
da minha pesquisa.
Lucinéia – Tá bom, obrigada.
Fátima – Tchau! Obrigada mesmo.
116
OITAVA ENTREVISTA
DATA: 20/06/2008
Fátima Bom, meu nome é Fátima, eu sou estudante da Universidade Federal
e estou fazendo mestrado em Educação, e eu estou fazendo uma pesquisa
sobre escola pública, de uma maneira geral, sobre a escola pública. E as
meninas deixaram eu fazer a pesquisa aqui, tá? E eu queria te perguntar uma
coisa: É seu filho que estuda aqui?
Jussara – É minha filha.
Fátima – É uma menina, então, né?
Jussara – É.
Fátima – Ela tem quantos anos?
Jussara – Tem seis.
Fátima – Seis aninhos?
Jussara – É.
Fátima (Interrompe por causa do equipamento). Bom, então, ela está em que
série? Deve estar na primeira, né?
Jussara – É.
Fátima – Primeiro ano de escolaridade. Seu nome é?
Jussara – Meu nome é Jussara Martins.
Fátima – Tá. Bom, primeira coisa, Jussara, como é que é a tua casa? Como que
é a sua família? Quem é que mora lá?
Jussara – Eu e ela.
Fátima – Mora mãe e filha?
Jussara – Isso.
Fátima – Você só tem ela?
Jussara – Só.
Fátima E como é a tua escolaridade? Até onde você estudou? Está
estudando ainda? Como é que é?
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Jussara – Segundo grau completo.
Fátima Ensino médio. O quê que vocês gostam de fazer, assim, quando você
não está trabalhando, no fim de semana? No lazer, assim, o quê que vocês
gostam de fazer?
Jussara – Geralmente eu levo ela para o McDonald’s.
Fátima Ah, o McDonald’s? (risos) A pergunta principal que eu quero te fazer
é a seguinte: quando chegou a época de matricular a Isabele na escola, você
podia escolher; aqui no bairro você tem as escolas públicas e tem as escolas
particulares, né? Aí, você optou por colocar a Isabele aqui, que é uma escola
particular. Por quê que você escolheu?
Jussara Não, porque a Isabele desde dois anos, né? Com um ano ela era muito
pra frente, essas coisas assim... Aí, eu falei: essa menina vai aprender muito rápido,
né? Aí, esperar até seis, sete anos para entrar, era melhor botar ela na escolinha,
essas coisas assim... Aí, como o colégio estava em reforma, eu passava aqui e
falava: deve ser colégio. Então, falei: vou colocar a Isabele aqui porque é mais perto,
próximo daqui de casa. foi assim. Mas ela nunca teve problema assim de deixar
ela aqui.
Fátima – Se você tivesse que esperar até seis anos, ela só ia começar a
estudar agora, né?
Jussara – É, só ia estudar agora. Exatamente.
Fátima Ah, então, tá. Então, foi assim uma questão de que ela começou
cedo?
Jussara Porque na escola fica mais ativa, né? convive com as crianças,
porque eu só tenho ela só, né? Eu brinco com ela, né?
Fátima – Ah, mas você também é nova, né?
Jussara – É.
Fátima – Ah, então, tá bom. Assim, e você planeja que ela continue aqui?
Jussara Continue sempre. Eu sei que vai aumentar, vai ter mais séries aqui. Mas
já prefiro deixar ela aqui, senão vai ficar mudando, estilos diferentes. Aí atrapalha um
118
pouco a criança, né? Eu sei que aqui é bom, porque com quatro anos ela começou a
escrever o nome dela, essas coisas assim, né? As professoras são ótimas.
Fátima – E hoje, o quê que ela já faz que chama, assim, a sua atenção?
Aquelas coisinhas que a gente conta pra todo mundo... porque eu também
conto, eu tenho uma sobrinha de cinco que eu conto tudo. O quê que ela faz
aqui na escola que você fica orgulhosa?
Jussara É... porque ela: “Mãe, aprendi mais coisas na escola”. Ela vai, sai daqui,
conta em casa. Adorei, então, você estuda, presta atenção, porque aí você vai
chegar lá.
Fátima Mas tem alguma coisa, assim, que ela faça que você: Ah, está
fazendo isso! Está lendo!
Jussara – Não...
Fátima – Ela ainda não está lendo?
Jussara – Não, está lendo já! Já, lê, já. As vezes você ensina, e ela: “Mãe, isso aí eu
já sei”. Então, tá bom...
Fátima – Tá bom, Jussara. Obrigada. Era o que eu precisava.
Jussara – De nada.
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