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FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA
ENY RIBEIRO BORGONHONE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER FACE À LEI MARIA DA PENHA
Vitória
2008
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ENY RIBEIRO BORGONHONE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER FACE À LEI MARIA DA PENHA
Dissertação apresentada à Coordenação do Curso de
Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito de
Vitória, como requisito parcial para obtenção do grau
de mestre em Direito. Área de Concentração: Direitos
e Garantias Constitucionais Orientadora: Prof.ª Dr.ª
Eneá de Stutz e Almeida
Vitória
2008
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ENY RIBEIRO BORGONHONE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
FACE À LEI MARIA DA PENHA
BANCA EXAMINADORA
_____________________________
Prof.ª Dr.ª Eneá de Stutz e Almeida
Orientadora
_____________________________
Prof. (ª) Dr. (ª)
__________________________________
Prof. (ª) Dr. (ª)
Vitória, ____ de ________________ de _______.
DEDICATÓRIA
Ao meu amado, José Anderson, pelo apoio,
incentivo, cuidado, carinho e afeto
constantes.
Aos meus pequenos, Arthur e Ana Alissa,
cada metade do meu coração, amor maior da
minha existência, que tantas vezes sem
presença da mãe expressam compreensão
apesar de tão jovens; são mesmo heranças
do Senhor!
AGRADECIMENTOS
Primeiramente e sempre, ao Todo Poderoso
Jesus, Senhor de todas as coisas e da minha
vida, por todas as bênçãos, por Sua mão
misericordiosa a me sustentar.
À minha mãezinha, mesmo longe, seu zelo e
amor foram absolutamente fundamentais
para me dar força.
A Shir e Eliane pela amizade incondicional:
vocês são anjos de luz na minha vida; ao
apoio desprendido de Dalva, e aos demais
amigos, que, no momento, sendo impossível
nominar, caminharam junto a mim nesta
empreitada.
Aos meus colegas de mestrado, quão
gratificante foi tê-los por companhia, em
especial, Domingos e Débora, incentivadores
ferrenhos.
Meus agradecimentos, embora singelos, mas
francos, à Professora Doutora Eneá de Stutz
e Almeida, pela disposição de, chegando ao
final da caminhada, recomeçar comigo.
SUMÁRIO
RESUMO ...............................................................................................................VI
ABSTRACT ...........................................................................................................VII
INTRODUÇÃO .........................................................................................................1
1 ASPECTOS HISTÓRICOS, CULTURAIS E SOCIOLÓGICOS DAS
DIFERENÇAS DE TRATAMENTO DE GÊNERO ...................................................9
1.2 EDUCAÇÃO FEMININA – AVANÇOS EM PROL DA MULHER .....................15
1.3 FORÇA PRODUTIVA E DISCRIMINAÇÃO .....................................................19
2 O TRATAMENTO JURÍDICO PARA A QUESTÃO DE GÊNERO .................... 25
2.1 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A MULHER ATÉ O CC/1916 ..........................25
2.2 NOVA LEI - ANTIGO OLHAR SOBRE AS MULHERES ..................................28
2.3 OUTRAS LEIS - MODIFICAÇÃO DA FORMA DE TRATAMENTO ................ 32
2.4 ALGUMAS CAUSAS DE PERSISTÊNCIA DA DIFERENCIAÇÃO DE GÊNERO
NO BRASIL ........................................................................................................... 43
3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ASPECTOS DEMARCATÓRIOS ........................ 57
3.1 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL.........................................................................58
3.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA/FAMILIAR E A POSITIVAÇÃO ............................. 69
3.3 A LEI MARIA DA PENHA CUMPRIMENTO DA RECOMENDAÇÃO
INTERNACIONAL .................................................................................................76
3.4 CAUSAS DE PERSISTÊNCIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA APESAR DA LEI
PROTETIVA................................................................................... ...................... 80
4 INSUFICIÊNCIA DO TEXTO LEGAL ................................................................93
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 116
REFERÊNCIAS ...................................................................................................122
ANEXO I ............................................................................................................. 129
ANEXO II .............................................................................................................133
LISTA DE SIGLAS
CC – Código Civil
CEDAW Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de discriminação
contra a Mulher
CF – Constituição Federal
CIDH – Corte Internacional de Direitos Humanos
CLADEM Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da
Mulher
CNDM – Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
COMITÊ CEDAW – Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher
CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher
DEAM – Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher
DECLARAÇÃO DE PEQUIM Declaração da Quarta Conferência Mundial sobre
as Mulheres: Ação Para Igualdade, Desenvolvimento e Paz
FDV – Faculdade de Direito de Vitória
LMP – Lei Maria da Penha
OMC – Organização Mundial da Saúde
RESUMO
A visão da pessoa da mulher como inferior e indigna de vários direitos sempre
esteve pari passu com um tratamento diferenciado de gênero, o qual muitas vezes
chegava (e chega) a atos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Deste
ponto de partida, buscou-se abordar a violência doméstica contra a mulher em
suas raízes históricas, culturais, sociais e também legais, uma vez que, por muito
tempo, a desigualdade era institucionalizada, amparando a violência doméstica,
além da abordagem de aspectos contemporâneos, como a diferenciação salarial,
a objetificação da mulher, a persistência da violência doméstica, como resquícios
do tratamento desigual, apesar de leis equiparadoras, como a própria Constituição
Federal do Brasil. A incidência da violência doméstica em proporção alarmante e a
condenação do Brasil pela Corte Internacional de Direitos Humanos levaram à
elaboração de uma lei específica de proteção à mulher quanto a este tipo de
violência, Lei 11.340/06 (LMP), a qual se mostra deficiente para conter os casos
de violência doméstica e familiar pela falta de estrutura física para efetivação de
seus enunciados, e, principalmente, pela ótica em que é aplicada, qual seja, a
visão da lógica formalista, desconsiderando a historicidade do grave problema da
violência doméstica e familiar, bem como aspectos relevantes atuais, afastando
cada vez mais a lei da realidade material. Com isto, chega-se à conclusão que a
lógica formal, orientadora na aplicação da LMP de maneira silogística-dedutiva ou
de maneira mecanizada, não é capaz de realizar os seus intentos, atentando para
que a lógica jurídica argumentativa possa ser uma alternativa para que a LMP
alcance seus objetivos de prevenir e coibir casos de violência doméstica e familiar
contra a mulher, já que, nesta, ótica o Direito é aplicado por meio de uma decisão
pensada e refletida, tendo por base todo o entorno remoto e atual da problemática.
PALAVRAS CHAVES
: Violência doméstica, Lei Maria da Penha, Lógica
Formal, Lógica Jurídica.
ABSTRACT
The vision of the person of the woman as inferior and unworthy of several rights,
has always been pari passu with different treatment of gender, which often came
(and reached) to acts of domestic violence against women and family, from this
point of departure sought Up tackle domestic violence against women in their
historical roots, cultural, social and legal, because, for a long time the inequality
was institutionalised, supporting domestic violence, and the approach to
contemporary issues such as wage differentiation, objetificação of women, the
persistence of domestic violence as vestiges of unequal treatment, although
equiparadoras laws, as the Federal Constitution of Brazil. The incidence of
domestic violence in alarming proportions and condemnation of Brazil by the
International Court of Human Rights led the drafting of a specific law to protect
women in this type of violence, Law 11.340/06 - PML, which shows poor to contain
the cases of domestic violence and family by the lack of physical infrastructure for
effectiveness of its listed, and, above all, through the view that it is applied, that is,
the vision of the formalistic approach, disregarding the historicity of the serious
problem of domestic violence and family, as well as aspects relevant today, moving
increasingly the law of reality material. With this, you reach the conclusion that the
formal logic, guidance in the implementation of the PML-way silogística-dedutiva or
mechanized way and not capable of performing their attempts, bearing in mind that
the legal argumentative logic, can be an alternative to that PML to reach their goals
to prevent and correct cases of domestic violence against women and family,
because this perspective the law is applied by means of thought and reflected a
decision based on all the remote environment and the current problem.
KEY WORDS:
Domestic violence, Law Maria da Penha, Formal Logic, Legal
Logic.
10
INTRODUÇÃO
Uma retórica poderosa esteve presente nos debates políticos e acadêmicos nas
últimas décadas: a de se ver como humano e assegurar esta condição!
Inegavelmente, foram muitas conquistas e transformações. No campo do Direito,
por exemplo, uma igualdade formal tomou conta da legislação, a dignidade
humana foi assegurada. A despeito disso, setores vários da sociedade
permaneceram às escuras, apenas com a distante visão das conquistas em suas
vidas, como milhões de mulheres acometidas pela violência doméstica/familiar.
As pesquisas demonstram que a violência contra a mulher se em números
estarrecedores. Por exemplo, a pesquisa mais recente realizada no Brasil, em
fevereiro/2007, pelo Data-Senado, indica que em cada 100 mulheres, 15
(aproximadamente 2 milhões) estão em situação de violência ou já passaram por
alguma tipo de violência doméstica/familiar; indica ainda que maridos e
companheiros são os principais responsáveis pela situação. Embora os números
sejam estarrecedores, diz a pesquisa o ser em absolutos por causa da
invisibilidade que acomete a questão de violência doméstica e familiar, mas sim
primeiro pela falta de denúncias, segundo, pelas dificuldade de as próprias
mulheres se incluírem neste tipo de situação.
1
Foi observando este cenário melindroso dos meros desta violência e do dia-a-
dia forense que surgiu o interesse pelo tema da violência doméstica e familiar,
especialmente aquela cometida contra as mulheres.
Este tipo de violência costuma ser mais amplamente discutida em outras áreas do
conhecimento, tais como a Sociologia, o Serviço Social, a Saúde (Medicina,
1
Dados estão disponíveis em:
<www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/noticias/ultimas_noticias/not_unifem_relatori
o_violencia>. Acesso em 3 dez. 2007.
11
Psicologia, Enfermagem). A própria Organização Mundial da Saúde (OMC) trata o
assunto da violência doméstica e familiar como problema de saúde pública. Na
seara do Direito, esta violência passou a ser mais largamente debatida por
ocasião do projeto de lei que resultou na Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006,
denominada Lei Maria da Penha (LMP). Após sua promulgação, de modo geral,
debates se direcionaram a defesas, resistências, prós e contras sobre a referida
lei, sua (in)constitucionalidade, estudo de seus dispositivos no sentido de
esclarecer o texto legal, enfim, tudo o que foi salutar à discussão no campo
jurídico, já que o problema da violência doméstica tem um efeito devastador quase
incólume, por isso o debate contribui para que a visibilidade da questão aumente e
para que se receba o tratamento jurídico adequado.
Diante disso, no presente estudo, a LMP foi trabalhada dentro do contexto da
lógica formal, dando-se a problemática na indagação: A proteção à mulher
estabelecida pela lei 11.340 de 07/08/2006 (Lei Maria da Penha) atinge seu
intento, uma vez que está alicerçada num sistema formal?
Entretanto, antes de se chegar propriamente à LMP e para entender a trajetória de
descaso à mulher, da cultura da violência à mulher e, posteriormente, da
inevitabilidade da elaboração da referida lei, bem como de todo o entorno para sua
melhor aplicação, procurou-se traçar razões remotas das diferenças de tratamento
de gênero, abordando aspectos históricos, culturais e sociológicos.
Para isso, no primeiro capítulo, buscou-se apresentar raízes históricas da
diferenciação de tratamentos entre os gêneros, presente desde a concepção mais
remota de família, já determinando-se a superioridade da figura masculina, como
sacerdote, pai, marido, irmão. Mais tarde, a teologia apossou-se da diferenciação
acrescentando a característica da malignidade feminina como inata à pessoa da
mulher; esta cada vez mais relegada à inferioridade, até seu corpo, e as funções
naturais serviram de respaldo para submeter a mulher a todo tipo de vexames e
experiências. A submissão abarcou o pensar das mulheres, acabando, muitas se
julgando realmente inferiores. Depois, com essas concepções arraigadas outra
12
veio solidificar o arcabouço desrespeitoso à mulher, agora vista como alguém
fragilizado, quase débil, sem condições de gerir a própria vida, acentuando o
comando masculino, a insignificância feminina, perpetuando a supremacia dos
homens. Durante todo esse percurso, a violência contra a mulher era além de
permitida, institucionalizada, e não se restringia às surras e aos açoites, também a
desconsideração e o desamparo se reiteravam.
Procurou-se abordar ainda o tema da educação, entendida como fator essencial
para emancipação das mulheres, e que, quando acontecia, era pautada por
ensinamentos domésticos, sempre voltados para a casa, para o marido e os filhos.
A mulher se acumpliciava desses estereótipos até para obter alguma aceitação.
Salvo uma ou outra figura feminina que se opunha a tal supremacia, a trajetória da
hierarquia masculina acompanhava as mulheres.
A abordagem desses vários aspectos se fez necessária para resgatar uma
historicidade de séculos de dominação masculina perante a figura feminina, a qual
obteve terreno fértil no imaginário social, ultrapassando tempos e eras,
desaguando nos dias atuais em tratamento diferenciado, inferiorização, violência
constante em variadas formas, apesar de haver leis protetivas e equiparadoras.
A partir do exposto, exatamente o tratamento jurídico para a questão de gênero
passou a ser estudado no segundo capítulo, estabelecendo um panorama do
sistema brasileiro de proteção legal à mulher do período de colonização ao Código
Civil de 1916. Essa trajetória jurídica é indicada quando se constata que as
diferenciações de gênero estavam respaldadas pelas leis, primeiro nas
Ordenações Afonsinas, legislação alienígena que permaneceu no Brasil por
aproximadamente quatro séculos, depois pelo Código Civil de 1916, com sua
visão patriarcal, patrimonialista e discriminatória, facetas que não podem ser
desconsideradas.
Ponto interessante do capítulo se verifica no desdém português aos
acontecimentos do Brasil Colônia, rejeitando a movimentação social, usurpando
13
apenas as riquezas, numa estruturação assimétrica de poder, que foi copiada
pelas famílias, reproduzindo as relações de poder do espaço público também no
espaço privado e criando um ambiente propício para a violência doméstica contra
a mulher, por ser ela considerada, além de incapaz, um ser inferior.
Mas, lutas feministas e femininas conseguiram maior abertura. Um novo olhar foi
lançado para as mulheres, conquistas legislativas foram surgindo, também a
equiparação legal entre homens e mulheres, a com a equiparação dos cônjuges e
o abrigo a outras formas de constituição de família na Constituição Federal de
1988, o último quarto do século XX foi de grandes avanços e conquistas de
direitos na trajetória das mulheres, não apenas em âmbito nacional, mas
principalmente em âmbito internacional por meio das Convenções e Tratados
Internacionais ratificados pelo Brasil.
Desta forma, o segundo capítulo trata também da construção normativa
internacional, modificadora da situação jurídica das mulheres, buscando dar maior
ênfase a sua cidadania, pela adoção de medidas legislativas de equiparação no
trabalho, na vida doméstica, na sociedade, regulando e conclamando os Estados-
partes das convenções a adotarem posições quanto à discriminação da mulher na
vida pública e privada. Entre essas discussões, a violência doméstica era pauta
constante dos encontros internacionais.
As grandes Convenções tiveram o êxito de levar a discussão da violência contra a
mulher em nível global. Por exemplo, a Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) de 1979, foi ratificada por
185 países, sendo o Brasil um deles. Isto deve ser considerado um marco na
construção da cidadania feminina, pois, a partir daí é que o Estado Brasileiro
passa a estudar medidas efetivas para melhorar a condição de vida das mulheres,
ressaltando-se que a equiparação de gênero foi legalmente acatada em 1988,
com a Constituição Federal. Ressalva-se ainda que a lei especificamente foi
efetivada mesmo no ano passado (2006), ou seja, quase trinta anos depois da
CEDAW.
14
A partir disso, ainda no capítulo dois, procura-se visualizar as causas de
persistência das diferenças entre homens e mulheres, uma vez que, mesmo
existindo leis internacionais e nacionais de proteção à mulher e de igualdade de
gênero, a desigualdade permanece e a violência também, verificando-se que a
existência de leis se apresenta insuficiente para mudar a ambientação cultural que
“naturaliza” a violência doméstica/familiar, somente o texto legal não é suficiente
para obter mudança de comportamentos enraizados na mentalidade coletiva; por
isso, aquele que manuseia a lei
2
deve estar atento a todo este entorno.
Disto, se segue para o terceiro capítulo, demarcando conceitos a respeito da
violência doméstica propriamente, passando pelo conceito de gênero, violência de
gênero, violência doméstica e familiar contra a mulher, a fim de compreender a
complexidade dessas demarcações conceituais para se chegar à LMP, pois tais
elementos são interpretados na análise do estudo a partir da perspectiva de
gênero. Isto significa que serão lidos através da construção histórica das relações
sociais entre os sexos.
A delimitação conceitual de gênero foi trabalhada com a concepção de linha
metodológica, ou seja, gênero como um conceito socialmente estruturado, de
forma não-universal, dentro de uma dialética na construção do conceito,
analisados aspectos sociais, culturais, biológicos, políticos, legais, construindo o
conceito não no paradigma binário de homem/mulher apenas, mas
contextualizando-o para melhor compreender suas atitudes, sem, no entanto,
desprezar o conceito de patriarcado, entendido como ainda existente nos dias
atuais, apesar da modificação da estrutura da família como família nuclear em
qualquer de suas constituições.
A violência contra as mulheres foi trabalhada dentro do conceito de dominação-
exploração utilizada por H. Saffioti, num desajuste nas relações de poder entre os
2
Destaca-se em qualquer instância, cargo, função, diga-se a todo aquele que milita na área do
Direito quer como advogado, defensor, juiz, promotor, desembargador, perito, ou qualquer outro.
15
gêneros que foi ao longo do tempo embasado em crenças, religião, costumes, leis,
dominação, e vista, muitas vezes, como natural. Tal perspectiva é de suma
importância para o entendimento do que pretende a LMP, uma vez que a
perspectiva de gênero é evidenciada no seu artigo 5º, e também para a
contextualização da LMP na sistemática formal, já que pela lógica formal na
aplicação das leis todos esses aspectos são desconsiderados, aumentando as
dificuldades de intervenção prática, bem como o desenvolvimento de ações
preventivas.
Depois, o estudo caminha para a positivação protetiva como uma etapa no
processo de construção de soluções para a violência doméstica. Este assunto se
mostra de tal modo grave na sociedade brasileira que recebeu cobertura
constitucional (art. 226, § CF/88). Todavia, a produção legislativa de proteção à
mulher no Brasil se deu, principalmente, como forma de cumprimento à
condenação do Estado Brasileiro pela Corte Internacional de Direitos Humanos
(CIDH) pelo caso de violência doméstica contra Maria da Penha Maia Fernandes,
caso de repercussão internacional pela morosidade da atuação judiciária
brasileira, entendendo a Corte ser um descaso ao grave problema no país.
O Brasil, vendo-se obrigado a adaptar a legislação com os parâmetros das
Convenções signatárias, foi compelido a ter uma legislação específica de proteção
à mulher, por pressão dos movimentos feministas e dos movimentos de defesa
dos direitos das mulheres. Dessa forma, nasce a Lei 11.340 de 07 de agosto de
2006, também chamada de Lei Maria da Penha (LMP), com a intenção de prevenir
e coibir os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Constata-se, então, que, apesar das mudanças na legislação, existe um desajuste
entre a realidade vivida e a realidade das normas de direito, tanto as de
equiparação entre mulheres e homens, como as de prevenção e contenção da
violência doméstica. No plano jurídico (abstrato), a equidade entre os gêneros é
garantida constitucionalmente; ambos m direitos civis e políticos, mas isso o
foi bastante para efetivar a cidadania das mulheres a positivação não significa
16
concretização, a simbologia expressa num texto legal reflete uma etapa para a
resolução esperada.
A violência doméstica e familiar contra a mulher e a desigualdade de gênero
permanecem fincadas em raízes culturais, passadas de geração em geração por
meio de atitudes conservadoras cotidianas nas próprias famílias, pela educação
retrógrada, pela visão coisificada/objetificada da mulher nas mídias num conjunto
de fatores que contribuem para o alastramento e permanência da ótica
inferiorizada da mulher mesmo com leis equiparadoras, recaindo na forma de
tratamento dos homens para com as mulheres e delas próprias entre si.
Aliada a isso tudo, a forma de ver e aplicar o Direito, traduzido na LMP, dentro de
uma lógica formal torna ainda mais dificultoso um resultado real de melhora no
quadro da violência doméstica e familiar no Brasil, sendo este o assunto abordado
no capítulo quatro. É evidente que a LMP é um grande avanço, mas persistem as
discriminações e a violência contra a mulher na família, primeiro pelas razões
histórico-culturais tratadas anteriormente; segundo pelas práticas anacrônicas do
aparelho estatal aliadas à sistemática jurídica formalista, incompatíveis, pelo
menos, à redução da violência doméstica/familiar.
À vista disso, o estudo caminha para analisar a LMP sob a ótica da lógica formal
na qual está inserida, verificando-se insuficiente para atingir os intentos propostos
sem a observância dos aspectos culturais e sociais da sociedade brasileira, uma
vez que a lei como um mero instrumento de formalização apenas reforça o status
existente, sendo, inclusive, instrumento de desumanização.
A LMP aplicada dentro do silogismo jurídico não alcança sucesso porque o Direito
não coaduna com a lógica formal dedutiva, com o raciocínio mecanizado de
enquadramento dos fatos à norma, ademais, a situação de violência doméstica
agrega em si uma alta complexidade, impossível de ser abarcada pelo sistema
formal-positivista.
17
Por fim, defende-se que a LMP seja aplicada sob a ótica da lógica da
argumentação, pautada pela articulação da lógica formalista (necessária até certo
ponto) com a lógica jurídica, enunciada sobre uma estrutura histórica, social,
cultural, econômica que não pode ser desconsiderada.
Deste modo, o que se defende no presente estudo é um pensar o Direito
positivado em novas bases capazes de pôr em equilíbrio as situações de gênero,
exatamente por compreendê-las desde as suas raízes e na complexidade que lhe
é própria, atentando para os valores e princípios postos na sistemática
constitucional de igualdade entre os neros, de assistência aos entes familiares
acometidos pela violência doméstica, aplicando a LMP dentro da lógica jurídica e
não formal.
Acrescenta-se que, nesta pesquisa, a fim de apreender a complexidade da
violência doméstica contra a mulher, quem é o maior agressor, qual a agressão
mais comum, os motivos que levaram ao ato violento, a incidência da LMP na
prevenção dos casos de violência doméstica, foi realizado um levantamento de
dados na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) na Cidade de
Vitória/ES (justifica-se a escolha por ser a sede da Faculdade de Direito de Vitória
FDV), colhendo-se dados de 1.318 boletins de ocorrência (BO) de casos
acontecidos entre os meses de março de 2006 a março de 2007, incluindo o mês
de setembro de 2006, mês em que a LMP foi promulgada.
18
1 ASPECTOS HISTÓRICOS, CULTURAIS E SOCIOLÓGICOS DAS
DIFERENÇAS DE TRATAMENTO DE GÊNERO
Falar da mulher e do que ela representa dentro de um sistema social e jurídico
não é tarefa branda, pois, pelo caminho das mulheres passa, obrigatoriamente, o
caminho dos homens, dos filhos, da família, dos encantos e desencantos de dada
época. A mulher parece um ser incógnito aos homens; desde sempre ocupou um
papel diferenciado, continuamente disfarçado no recolhimento ou na invisibilidade.
Houve épocas em que diferenciações e crenças a respeito da mulher eram
ensejadas pela falta de conhecimento científico do funcionamento do corpo
feminino como se verá adiante, também onde a própria mulher era desprovida de
conhecimentos científicos sobre o mundo (o que lhes era negado). Se tal ficou nos
idos, a imagem da mulher e do papel que lhe cabe na sociedade não mudou tanto
na visão masculina sob vários aspectos.
Muito dos valores discriminatórios salientados séculos atrás dão o seu ar ainda
agora nesse início de século XXI, apesar de toda uma formalização de igualdade
entre os seres homem, mulher, jovem, criança, idoso, todos com proteção
garantida por leis votadas democraticamente, alcançando a todos com a
equiparação constitucional.
Embora, haja a equiparação formal, as relações nem sempre se dão de forma
equilibrada. Por exemplo, entre homens e mulheres, as diferenciações estão
presentes com freqüência na vida cotidiana. Muitas vezes papéis estereotipados
exercidos por ambos deságuam em violência. Uma violência que vem de longe,
pois muito a violência contra a mulher é vista como algo natural. Para melhor
entendimento, torna-se imprescindível um retorno sobre a visão histórico-cultural
da figura feminina entregando-a à legislação protetiva atual.
19
Desde onde se possa remexer na história, a mulher estava sob a guarda do pai ou
do marido a autoridade paterna ou marital. Aristóteles sustentava a
autoridade do pai e do marido, baseando-a na desigualdade natural existente
entre os seres. A mulher (na Grécia) vivia sem capacidade de deliberação, é
considerada personagem secundária na concepção, semelhante à terra que
precisa ser semeada, seu único mérito é ser um bom ventre”
3
(Batinder, 1985, p.
31).
Bem mais tarde, uma nova concepção elaborada pela teologia cristã reforçou a
autoridade do homem, quer pai ou marido, principalmente agregando agora à
mulher a característica da malignidade, ou seja, derivados dos relatos bíblicos, a
reconstrução de Eva e seu pecado em cada mulher transformou as mulheres em
seres malignos por natureza. Tal idéia se difundiu amplamente, difundindo-se
também as injúrias contra elas e fazendo destas seres menosprezados, conforme
se depreende do texto abaixo:
A partir do século IV, abundaram as diatribes contra as mulheres,
imputando-lhes uma malignidade natural. Elas se baseiam, mais ou
menos conscientemente, nos textos de Santo Agostinho, que evoca as
más condições da mulher: “um animal que não é firme, nem estável,
odioso, que alimenta a maldade [...] ela é fonte de todas as discussões,
querelas e injustiças”.
4
A autora segue com relatos de vocabulários dirigidos às mulheres que endossam
a figura feminina como um ser abjeto, desmerecedor de consideração e respeito,
fazendo alusão à violência contra a figura feminina:
Eram esses o vocabulário e as crenças habituais dos homens simples
em relação às mulheres, basta nos reportarmos ao texto publicado por
E. Le Roy Ladurie sobre a pequena aldeia de Montaillou, no alvorecer do
século XIV, para nos convencermos disso. Lê-se, ali, que tal marido trata
a mulher de porca, e um outro, apesar de sua afeição pela filha, declara
que a mulher é coisa vil. Um terceiro afirma que a alma feminina não
3
BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. trad. Waltensir Dutra. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 31.
4
Ibid., p. 34.
20
pode ser admitida no paraíso se não reencarnar primeiro num homem.
Um quarto diz que as mulheres são demônios, etc. Evidentemente,
esses demônios e essas porcas podiam ser espancados à vontade.
Semi-humanas, elas partilhavam da sorte dos filhos.
5
Os relatos expostos demonstram raízes das longínquas idéias que paulatinamente
formaram a cultura de que a mulher é um ser inferior que pode ser vilipendiada.
Tal cultura imergiu nas mentes masculinas (e até nas femininas que se
acreditavam desta forma), restando um traço indelével nas massas humanas por
séculos a fio.
Ainda em tempos distantes outro juízo equivocado, mas que reinou excelso por
séculos, é o da submissão feminina frente à pessoa masculina. Também derivada
de origem religiosa, tal submissão está fundamentada na tese de que assim como
o homem está submisso a Deus, a mulher deve estar submissa ao homem, por ter
sido este criado em primeiro lugar e dele originado a mulher; portanto, outra vez é
natural que a mulher ocupasse um lugar de obediência irrestrita, pecando se desta
forma não procedesse, inculcando a submissão feminina nas mentes, que, aliás,
tem respingos nas atitudes de hoje.
Aos períodos todos que se apresenta a autoridade masculina nas relações
familiares fundamentadas nesses elementos se segue o período em que a mulher
passa a ser vista como quase inválida. Os homens que não se dispunham à
presunção demoníaca da mulher cultivaram outra crença: a da debilidade, da
fraqueza da mulher, como um ser frágil, praticamente enfermo, que necessita de
cuidados especiais por ser incapaz de decidir por si só:
A partir do século XIV, aconteceu uma degradação progressiva e lenta
da situação da mulher no lar. Ela perde o direito de substituir o marido
ausente ou louco [...] Finalmente, no século XVI, a mulher casada torna-
se uma incapaz, e todos os atos que faz sem ser autorizada pelo marido
ou pela justiça tornam-se radicalmente nulos. Essa evolução reforça os
poderes do marido, que acaba por estabelecer uma espécie de
“monarquia doméstica”.
6
5
Ibid., p. 35.
6
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da Família. Trad. Dora Flasksman. 2. ed. Rio de
Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1981, tomo 3, p.18.
21
A concepção da fragilidade seguiu forte, tornando-se um item a mais na
elaboração do arcabouço formado acerca do sexo feminino. Até os médicos as
viam com muitas restrições: o fluxo menstrual, por exemplo, era considerado um
material supersticioso (identicamente maléfico, retornando ao aspecto diabólico da
mulher). A par dessa diferença, criou-se no pensamento coletivo uma espécie de
“ternura patética”:
Procuraram descrever a mulher como um ser frágil, carente de vontade,
amolengada por suas qualidades naturais que seriam a fraqueza, a
minoridade intelectual, a falta de musculatura, a presença da
menstruação. Assim, melhor submeter-se docilmente à servidão que a
própria natureza impunha ao gênero feminino.
7
Digno de interesse, a forma como se via o corpo da mulher era “como um palco
nebuloso no qual digladiavam Deus e o Diabo”.
8
Ainda, “por ser considerada um
agente de Satã, o corpo da mulher podia prestar-se a todos os tipos de
feitiçarias.”
9
Desta feita, o desrespeito, a humilhação, a submissão e o desafeto
eram constantes nas vidas das mulheres.
No século XVIII, o próprio Napoleão, a despeito dos ideais da Revolução
Francesa, fez constar no “seu Código” (artigo 212) expressamente o dever de
obediência da mulher ao marido. Tinha-se institucionalizado a autoridade marital
baseando-a na invalidez feminina e na necessidade de um gestor para a família.
Se a mulher não tinha tal capacidade, por todas as razões e construções
seculares antecedentes, por óbvio, que o homem a possuía.
Fato é que o Código Napoleônico serviu como inspiração para dezenas de outras
nações, especialmente as ibero-americanas. Importando-se a influência do
discurso francês, não foi diferente no Brasil, que recepcionou inúmeros pontos
7
BASSANEZI, Carla. Magia e medicina na Colônia; o corpo feminino. In: DEL PRIORE, Mary
(org.), História das Mulheres no Brasil. 3. ed. São Paulo, Contexto, 2000, p. 105.
8
Ibid. p. 85.
9
Ibid. p. 111.
22
com direta representação na lei civil brasileira, inclusive a fragilidade expressa da
mulher, fator que será melhor analisado adiante.
As verdades de então não podiam escapar a um modelo de família centralizado na
pessoa do chefe-pai e diretor da família, que, como gestor, tinha a incumbência de
zelar pelos seus entes e pelo seu patrimônio; “a mulher segue resolutamente a
ordem social que impõe o poder paterno.”
10
Mesmo nessas condições, o matrimônio era essencial. No arranjo da família
antiga não havia o sentimento de família, havia dois grupos: o primeiro
denominado família, composto pelos entes ligados por laço de sangue (como a
família atual); o segundo, a linhagem. Nesta estava a solidariedade dos
descendentes de um tronco ascendente, que viviam conjuntamente numa
propriedade numa espécie de posse denominada frereche ou fraternitas:
A frereche agrupava em torno dos pais os filhos que não tinham bens
próprios, os sobrinhos ou os primos solteiros. Essa tendência à indivisão
da família, que, aliás, não durava além de duas gerações, deu origem às
teorias tradicionalistas do século XIX sobre a grande família patriarcal.
11
A reciprocidade de interesses e a indivisão do patrimônio fortaleceu a linhagem,
ficando ainda mais evidente a posição do direito de primogenitura, pois o
primogênito e a herança herdada arcariam com os encargos da família. Dividir o
patrimônio era colocar em risco a sobrevivência de todos. Foi exatamente nesse
período histórico (séculos XI e XII) que os bens dos cônjuges se fundem numa
totalidade administrada pelo marido.
Tem-se daí que a concepção afetiva tanto apregoada e importante nos dias atuais
para fundamentar as relações familiares chegava a ser perto de inconveniente;
afinal, atrapalharia a preservação do patrimônio. Assim a família (com ou sem
filhos) constituía-se em bases patriarcais e patrimoniais: tinha-se como
10
BADINTER, 1985, p. 41.
11
ARIÈS, 1981, Tomo 3, p. 15.
23
preocupação a honra da linhagem e a integridade do patrimônio. O que mais
importava era
O interesse e a sacrossanta autoridade do pai e/ou do marido [...] em
lugar da ternura, é o medo que domina no âmago de todas as relações
familiares. À menor desobediência filial, o pai, ou aquele que o substitui,
recorre ao acoite. [...] a esposa faltosa era passível da mesma sanção.
É certo que tal costume foi progressivamente banido nas classes
superiores, chegando a parecer cada vez mais bárbaro no século XVIII.
Mas por muito tempo ainda a prática foi comum nas classes populares e
mesmo entre os burgueses, a acreditarmos em certas gravuras do início
do século XVII. Até o século XIX, e por diferentes motivos, a clássica
surra era corrente, mesmo que, em teoria, a condição da esposa fosse
superior à do filho e do servidor. [...] Violência e severidade eram o
quinhão da esposa e do filho.
12
A violência doméstica não se restringia às surras e aos açoites também a
desconsideração, o desamparo se reiteravam. A mulher casada de elite, por
exemplo, ficava quase todo o tempo em casa, diz Soihet:
Uma imensa população composta por familiares consangüíneos
compunha a família de elite, no interior desta, a mulher ficava restrita à
esfera do espaço privado e muitas delas nasceram, cresceram e
morreram sem nunca sair da fazenda. [...]
Isso desencorajava a mulher a se cuidar, no sertão do Brasil, por
exemplo, era costume as mulheres casadas vestirem-se de preto, não
mais se perfumarem e ficar presas ao lar, o lugar das mulheres honestas
e recatadas, não raro o desprezo e do desapreço do marido levava a
situações de humilhação e abandono.
13
.
com relação às mulheres pobres que precisavam sair para garantir o sustento
diário, o não-encerramento doméstico era agravante para a “desonestidade” delas,
assim como seus conceitos sobre honra e moralidade.
Também no aspecto sexual se desenvolve uma outra fonte de extrema violência
doméstica, o crime passional pela defesa da honra. O adultério praticado pelo
homem era aceito e entendido como natural, mas a recíproca não vale. Havia
(como de resto, ainda há) dois pesos e duas medidas. Às mulheres era negado,
12
BATINDER, 1985, p. 50.
13
SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil Urbano. In: DEL PRIORI, Mary (org.).
História das mulheres no Brasil. 3. ed. São Paulo, Contexto, 2000, p. 265 e p. 269.
24
inclusive, o direito à sexualidade; tentava-se comprovar a falta de libido delas, por
exemplo, “por sua capacidade de manter a castidade por longo tempo; atitude
impossível de exigir-se dos homens”
14
. Portanto, justificava o adultério feminino
ser punido com a morte, que as mulheres eram “desprovidas” de necessidades
sexuais; ao marido, diferentemente, era autorizado a segurança do lavar a honra;
assim, quando não a matava, espancava.
A concepção de honra se ligava à virgindade ou à prática do sexo no casamento
com o marido. O homem torna-se figura de legitimação sexual. Deste modo, como
diz Rachel Soihet: “a identidade sexual e social da mulher estava moldada para
atender a um sistema de dominação familiar e social”.
15
Como a qualidade da mulher estava no recato, na obediência, na castidade, na
realização do papel de esposa e mãe e como a família estava com suas raízes
fincadas no patrimonialismo, com o adultério feminino corria-se o risco de um
herdeiro ilegítimo participar na divisão do patrimônio, sendo uma dupla afronta.
com o adultério masculino, gerado um filho, seria mais um filho ilegítimo, sem
direito a nada do pai, continuando a família a cumprir sua missão, assegurando a
transmissão da vida, dos nomes e da propriedade.
Os aspectos apresentados compõem “matéria-prima” para a formação de um
imaginário cultural e social que permitia (e permite) o desrespeito às mulheres
antes e até os dias de hoje, pois vários deles permanecem no imaginário comum
de homens e mulheres. Mas, ainda outro aspecto que não pode ser
desconsiderado: a educação.
1.2 EDUCAÇÃO FEMININAAVANÇOS EM PROL DA MULHER
A educação, seja por ter ela o condão de romper com parâmetros dominantes,
seja por ter sido um mecanismo utilizado pelas mulheres quando da sua
14
SOIHET, Op. Cit., p. 381.
15
SOIETH, 2000, p. 390.
25
conscientização acerca de si mesmas, exerce papel relevante neste panorama
das diferenciações entre os gêneros. Pois bem, a educação das mulheres, quando
existia, estava voltada para o mundo doméstico, dos afazeres cotidianos e dos
cuidados aos entes familiares, como primordial e suficiente.
Na Europa havia a aprendizagem
16
, onde as crianças eram colocadas em famílias
distintas das suas para que aprendessem diversos ofícios antes do evento da
escolarização (não se discute aqui a validade ou não daquele ou desse tipo de
ensino). Porém, muito corriqueiramente os meninos eram levados à escolarização,
enquanto as meninas permaneciam em casa; quando muito, estas eram levadas
para pequenas escolas ou conventos, permanecendo nos ensinos básicos da vida
doméstica. Matemática, física, filosofia ficaram relegadas do ensino feminino.
muito tempo mais tarde (início do século XIX) é que a escolarização se
generalizou às filhas, mas mais tarde ainda é que a educação avançou para
elas:
É preciso lembrar que toda educação propriamente intelectual lhes era
proibida. Na escola, em casa ou no convento, evitava-se desenvolver
esses espíritos. E mesmo que houve, aqui e ali, pequenas modificações
de programa, o conteúdo do ensino das meninas foi de uma
mediocridade espantosa até a primeira metade do século XIX, pois a
finalidade era sempre a mesma: fazer delas esposas crentes, donas-de-
casa eficientes. [...]
Num internato ou num convento do século XVII, ensinava mais ou
menos a ler e escrever, mas o essencial do ensino se dividia entre os
trabalhos de agulha e os cursos de religião. Em numerosos
estabelecimentos, as moças, abandonadas a si mesmas, saíam tão
ignorantes quanto tinham entrado. E quando a sua educação se fazia
em casa, sob a suposta direção da mãe, resultados não eram muito
mais brilhantes.
17
No Brasil, a realidade era a mesma, como diz Araújo “às mulheres bastavam às
primeiras letras, visto que seu melhor livro é a almofada e o bastidor”.
18
Não é de
causar espanto que o ensino somente pudesse ser realizado em casa, na grande
16
ARIÈS, 1981, p. 188.
17
BATINDER, Op. Cit., p. 56 e 54.
18
ARAUJO, Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na Colônia. In: Del PRIORE, Mary
(org.). História das Mulheres no Brasil. 3. ed. São Paulo, Contexto, 2000, p. 50.
26
maioria, ou nos recolhimentos, costumeiramente chamados no Brasil de lugares
próprios para o ensino das meninas em regime de clausura, para que adquirissem
um mínimo de educação formal.
O ensino suscitado, em casa ou no recolhimento, estava rigidamente elaborado, a
exemplo de Pernambuco, onde existiam dois recolhimentos, por volta de 1798,
delimitando que:
O programa de estudos destinado às meninas era bem diferente do
dirigido aos meninos, e mesmo nas matérias comuns, ministradas
separadamente, o aprendizado delas limitava-se ao mínimo, de forma
ligeira, leve. Só as que mais tarde seriam destinadas ao convento
aprendiam latim e música; as demais se restringiam ao que interessava
ao funcionamento do futuro lar: ler, escrever, contar, coser e bordar; [...]
No conjunto, o projeto educacional destacava a realização das mulheres
pelo casamento, tornando-as afinal hábeis na arte de prender seus
maridos e filhos.
19
Às mulheres, portanto, era proporcionada uma educação que o lhes permita
muitas mudanças, como se constata em Telles:
A situação de ignorância em que se pretendia manter a mulher é
responsável pelas dificuldades que encontrava na vida e criava um
círculo vicioso: como não tinha instrução, não estava apta a participar da
vida pública, e não recebe instrução porque não participa dela.
20
Com isto, a aceitação dos papéis sociais preestabelecidos ia sendo internalizada,
estagnando o desenvolvimento feminino; por isso, muitas mulheres se
acumpliciavam com o seu meio para serem aceitas.
O que não é diferente nos dias atuais referente à violência doméstica. Ainda que
sofra com a violência (em qualquer modalidade), a mulher muitas vezes se cala,
para não ver desfeito o meio social íntimo criado a partir de concepções de que o
19
ARAÚJO, 2000, p. 53.
20
TELLES, Norma. Escritoras, escritas, escrituras. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das
Mulheres no Brasil. 3. ed. São Paulo, Contexto, 2000, p. 406.
27
homem é mesmo superior, ela aceita, emudece, mantém o poder hegemônico
familiar dentro dos parâmetros estipulados histórico e culturalmente.
Contudo, a imagem feminina foi se alterando com o tempo. Paulatinamente vem
sendo desfeita, refeita, reconstruída; às vezes encontra ecos na sociedade, ora
ecoa no vazio, ora encontra energia na própria força feminina, uma vez que “o
ideal do adestramento completo, definitivo, perfeito, jamais foi alcançado por
inteiro”
21
, como toda trajetória histórica, o caminhar das mulheres e das suas lutas
apresenta idas e vindas.
Fatos históricos, como guerras civis por exemplo, contribuíram para que as
mulheres se desprendessem do seu aprisionamento e realizassem atividades
tipicamente masculinas tão bem quanto os homens. Muitas se tornaram mulheres
corajosas que souberam como conservar patrimônios intactos, mesmo em tempos
difíceis, tais atos tiveram grande repercussão e influenciaram muitas mulheres,
despertando, por exemplo, a paixão pela política em algumas.
Através das atividades e do conhecimento que pouco a pouco iam conseguindo,
as mulheres continuaram a progredir, especialmente no tocante ao estudo
científico. Estudaram filosofia, física; tornaram-se autoras de crônicas. A influência
foi aumentando; os exemplos se multiplicando, e essas mulheres não eram mais
ensinadas somente para os afazeres domésticos e à família. Muitas não eram
mais amadoras no saber; mostraram autêntica intelectualidade, como a dos
homens.
Havia mulheres de destaque. Algumas conseguiram renome como escritoras de
contos, poesias, peças. A exemplo: Amélia de Freitas Bevilaqua, piauiense,
mulher de Clóvis Bevilaqua, a primeira a pleitear uma vaga na Academia Brasileira
de Letras (sem sucesso, pois a primazia coube a Raquel de Queiroz). Sua
condição de filha de desembargador e seu casamento foram, sem dúvida, aliados
21
ARAUJO, op. cit., p. 53.
28
para sua relativa projeção. Dionísia Gonçalves Pinto (Nísia Floresta Brasileira),
tida como a primeira mulher a apregoar as idéias de igualdade e independência da
mulher no Brasil. Foi educadora e escritora. Viveu anos na França de onde trouxe
suas visões renovadas e onde também faleceu.
22
Houve uma grande conquista sem dúvida, mas seria preciso mais que bons livros,
mais que uma erudição científica para romper com o antigo paradigma. Era (e
ainda é) necessário contestar os estereótipos baseados no gênero, na delimitação
de papéis desempenhados por homens e mulheres no ambiente doméstico e fora
dele para que a mulher assumisse o seu real valor na sociedade, conquistando o
respeito que lhe é merecedor e devido. A liberdade obtida melhorava a vida de
poucas mulheres. A repressão, o descaso e a violência se davam face às
dificuldades prementes da vida diária, incluindo a violência doméstica.
Ressalta-se também que a mulher sequer tinha o direito ao voto, pois, utilizando
as palavras de Telles, “a despeito de muitas vozes contrárias, o mito da fragilidade
feminina, da incapacidade física ou mental da mulher, floresceu ainda no final do
século XIX”
23
. Diga-se, ainda, percorreu boa parte do século XX o cenário
propício para a violência doméstica e familiar.
O tratamento desigual de gênero percorreu também as relações de trabalho. A
mão-de-obra feminina teve grande significância, mas não o devido
reconhecimento, tornando-se mais um motivo de discriminação.
1.3 FORÇA PRODUTIVA E DISCRIMINAÇÃO
Certo é que as mulheres no Brasil exerceram uma significativa representação na
economia desde os tempos coloniais, ou na venda de produtos manufaturados ou
quinquilharias diversas pelas ruas, ou com seu trabalho na lavoura, nas fábricas,
22
TELLES, 2000.
23
TELLES, 2000, p. 431.
29
em casa nos mais diferentes ramos, costurando, lavando roupas, nas escolas
dando aulas, enfim, a participação das mulheres se mostra ininterrupta.
Apesar disso, a força produtiva das mulheres foi também (ainda é) um motivo para
discriminação. Neste aspecto, a mulher trabalhadora pobre era (e é) duplamente
desvalorizada; primeiro, em relação às mulheres mais ricas; segundo, em relação
a sua força produtiva perante os homens. Não raro ser a mulher trabalhadora e
arrimo de família, menos raro ainda era a mulher receber pelo mesmo tipo de
trabalho desenvolvido a mesma paga, ou porque se escondia o temor da
concorrência ou porque se entendia que as mulheres tinham menos
necessidades.
Por exemplo, o trabalho da mulher era muito importante no colonato, o homem
assumia o contrato com o proprietário das terras contando com a mão-de-obra da
mulher (e filhos), que desempenhava um trabalho árduo junto com o marido.
Apesar disso, pouco contribuía para o reconhecimento dela em ambiente
doméstico. As tarefas rotineiras do lar, típicas da sua alçada, eram exercidas
exclusivamente por elas de madrugada, antes da labuta na lavoura; conquistaram
a dupla jornada. O homem persistia como chefe da família e chefe do trabalho,
assim como contratava, cuidava das finanças, que, em regra, nunca tinha parte
repassada para a mulher; surgiu o poder do marido-patrão.
Esse marido além de não compartilhar com a mulher os dividendos do trabalho
dela exigia a submissão costumeira, a conduta ilibada irrepreensível (também das
filhas), e, como um retorno ao passado, às mulheres, depois de custosas tarefas
extracasa, lhe restavam acatar o domínio do lar para mais tarefas e reclusão.
Mesmo depois com a individualização do trabalho assalariado, deixando de
agregar o contrato feito pelo marido, a condição da mulher não melhorou, aliás foi
submetida a um “processo de exploração e dominação [...] a individualização do
30
trabalho não provocou a igualdade nas relações entre homens e mulheres, e nem
a inversão na estrutura de poder.”
24
Interessante que a nova realidade mostra mais desveladamente a discriminação
contra as mulheres. Tal como antes, ela permanece um ser desvalorizado em
todos os sentidos; quando mostram que podem desenvolver atividades
profissionais tão bem quanto os homens, são indignas de salários iguais, o que se
pode constatar nas palavras de Soihet referente ao ganho do trabalho feminino:
Seus ganhos estavam na última escala, persistia a ideologia
dominante de que a mulher trabalha apenas para os seus botões,
desdobramento das concepções relativas à inferioridade feminina,
incapaz de competir em situação de igualdade com os homens. [...]
essas dificuldades se agravavam, embora muitas vezes reagissem,
porque aceitavam o predomínio masculino; acreditavam ser de sua total
responsabilidade as tarefas domésticas, ainda que tivessem que dividir
com o homem o ganho cotidiano.
25
(Grifos da autora).
A dominação com violência continuou em muitos casos. A libertação econômica
feminina acentuou um problema antigo, atualizado com o sentimento de frustração
do homem obrigado a abandonar o perfil de marido-patrão. Tornou-se, como diz
Silva “provedor defeituoso”
26
, na medida em que a mulher e os filhos são
obrigados também a se assalariar para garantir as condições básicas de
sobrevivência. Portanto, o homem estava debilitado em seu respeito próprio; o
trabalho era uma importante fonte de respeito mútuo perante os demais agentes
da sociedade. Havia desonra na dependência feminina. Assim, retoma a autora:
A independência econômica feminina não representou o término das
desigualdades entre homens e mulheres porque elas não se resumem à
esfera econômica e material. Estão presentes na cultura, nas idéias, nos
símbolos, na linguagem, no imaginário; enfim, formam um conjunto de
representações sociais que impregnam as relações. A nova realidade de
trabalho torna mais visível a discriminação contra as mulheres: salários
menores, maior freqüência do não registro em carteira, além de assédios
24
SILVA, Maria Aparecida Mores. De colona a bóia-fria. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das
Mulheres no Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 563.
25
SOIHET, 2000, p. 367.
26
SILVA, 2000, p. 563.
31
sexuais por parte dos feitores, empreiteiros e outros agentes do controle
do trabalho.
27
Enquanto trabalhadoras, as mulheres agüentavam o duro fardo do trabalho
desvalorizado, dentro e fora de casa; pois, apesar do abalo sofrido pelo homem,
em vez do reconhecimento pela ajuda, muitos perpetram a violência doméstica,
dando continuidade às relações assimétricas, à dominação e à discriminação.
Outra vez Silva é contundente:
Pode-se afirmar que essas mulheres vivenciam uma situação de dupla
ou tripla discriminação: a que marca a condição feminina, a de
trabalhadora e a de raça ou etnia [...] é justamente no entrecruzamento
dessas três situações que as experiências de submissão e resistência
são gestadas.
28
A nova tendência de participação mais efetiva no mercado de trabalho pelas
mulheres deveria ter realizado uma mudança de status. Em parte, uma mudança
positiva aconteceu, que trouxe também uma abertura para o aumento de
escolaridade feminina, especialmente para as mulheres de condição social mais
alta, algumas conseguindo se formar em assistentes sociais, enfermeiras,
professoras, advogadas, médicas, entre outras profissões. Entretanto, as
dificuldades se estabeleciam em abrir espaço para desenvolver suas atividades
profissionais. Vencidos os obstáculos da educação, encontravam muita relutância
para entrarem no ambiente do trabalho escolhido, que as profissões liberais
sempre estiveram controladas pelos homens. Além disso, precisavam
desvencilhar-se da obrigação de casar-se e do discurso reinante da valorização da
maternidade.
Para os homens, a cultura de prover abrigo, alimento e propriedade foi atingida na
sua “capacidade” de provedores pela ameaça da ascenção feminina, que
ultrapassou os domínios privados, trazendo como conseqüência um complexo de
inferioridade, pois também eles internalizaram valores patriarcais como absolutos.
27
Ibid., p. 564
28
SILVA, op. cit., p. 564.
32
De fato, quer quanto ao homem, quer quanto à mulher, como diz Sennett, a
“desigualdade consome o respeito”
29
, e os conflitos advindos da desigualdade, no
geral, são resolvidos com violência, tal é o que acontece com os homens que
atacam suas mulheres pelo medo da perda do espaço a eles reservado histórico,
cultural e socialmente, tal é o que acontece com as mulheres que permanecem
com seus maridos/companheiros mesmo sofrendo com a agressão; também elas
estão com o respeito próprio abalado, com a vergonha aflorada e expostas ao olho
nu da sociedade.
Imposições estereotipadas apoiadas em diferentes paradigmas dominantes foram
minando as consciências, as atividades diárias e a visão do outro, passando a ser
realizadas sem questionamentos. Com o feminismo reclamou-se outra posição
para as mulheres; procurou-se eliminar barreiras da postura machista, patriarcal,
opressiva, de submissão da mulher como um ser reles. Muitas vitórias
desaguaram em leis.
As leis têm o condão de reforçar ideologias, margear a cidadania, atribuir e retirar
capacidades, criar efeitos simbólicos. A dominação de dado poder, às vezes, é
respaldada por leis de caráter formalista, ou seja, aquelas que contribuem para a
conservação de opiniões preconcebidas e difundidas entre uma coletividade,
que se distancia da realidade quando de sua aplicação, irrompendo em uma
discrepância entre a seara normativa e mundo real das complexas relações
sociais.
Deste modo, por todas as razões apresentadas, necessidade de revisão das
questões que tratam das relações entre homens e mulheres, inclusive do papel
que exerce as normas para a desconstrução dos padrões (ainda) dominantes de
submissão feminina e onipotência masculina.
29
SENETT, Richard. Respeito: a formação do caráter em um mundo desigual. Trad. Ryta Vinagre.
Rio de Janeiro: Record, 2004, p.140.
33
Colocar homens e mulheres em patamares de significância equiparada criando
condições para um respeito mútuo requer mais que elaboração de leis, requer,
como nos dizeres de Sennett, que “não se considere [absolutamente] verdadeiro
aquilo que foi dito pelos poderosos porque se depende deles. É preciso julgar
racionalmente por si mesmo.”
30
A mulher precisa livrar-se da “pirâmide burocrática”
31
, uma vez que a operação
centralizada, que funciona mediante uma cadeia hierárquica, é reproduzida dentro
de casa inconscientemente. As ordens são obedecidas esquecendo-se da sua
implicação radical na vida dos envolvidos da família. No âmbito doméstico, aquele
considerado hierarquicamente inferior crê que o líder mais longe, sabe mais,
tem mesmo mais condições de liderar, por isso, se submete ao outro, sendo esta,
na maioria das vezes, a condição assumida pelas mulheres.
Terá, então, uma lei a virtude especial de influir nessa trajetória de modo a romper
com a crença internalizada em ambos os sexos? Diante disso, a trajetória
normativa será, portanto, o próximo objeto de análise.
30
SENNETT, 2004, p. 127.
31
Ibid, p. 190.
34
2 O TRATAMENTO JURÍDICO PARA A QUESTÃO DE GÊNERO
O tratamento jurídico dispensado à mulher ao longo de séculos foi o mesmo que o
tratamento recebido na esfera privada, no lar, na sua condição de ser, ou seja, um
tratamento diferenciado, depreciativo e corroborador da violência doméstica, quer
pelo pai, pelo marido, quer pelo irmão.
As mulheres ficaram à margem na legislação; não participavam nem do processo
de elaboração das leis, já que vistas como incapazes para tanto, nem como sujeito
de direito, pois eram menosprezadas a ponto de não terem direito aos direitos.
Tal situação vem desde a legislação portuguesa adotada no Brasil por falta de
uma legislação própria, o que não mudou significativamente quando da
promulgação do Código Civil Pátrio, em 1916, apesar de suas nuances liberais.
2.1 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A MULHER ATÉ O CC/1916
No extenso e sofrido percurso das mulheres pela busca de se revelarem tão
capazes quanto o homem, no Brasil, o respaldo a essa paridade teve maior
desenvolvimento dos anos de 1970 em diante, com os movimentos feministas e
suas lutas para que a mulher fosse vista como um ser tão digno quanto o homem.
35
Muito antes, têm-se notícias de leis penais se referindo à mulher. Por exemplo, na
época do chamado Brasil Holandês (primeiras décadas do século XVII), o
adultério feminino era apenado publicamente com chicotadas na mulher flagrada,
o que significava um duplo castigo, pois que normalmente não eram castigadas
em público, mas na prisão feminina.
Sem ter uma legislação civil, utilizavam-se aqui as Ordenações Filipinas (em vigor
a partir de 1.603), que traziam também matéria penal Livro V, com cominações
cruéis de pena. Estas Ordenações tiveram como diz Bueno, “importância ímpar
para a história do direito no Brasil [...] faziam expressas distinções no que se
referiam às condições pessoais dos réus, infringindo penas mais graves aos
oriundos de classes sociais mais baixas e garantindo privilégios aos nobres,
fazendo distinções em relação ao sexo dos réus.”
32
Durante os séculos de utilização das Ordenações Filipinas, criou-se uma crença
de terror, de aflição aos súditos, impondo o medo da pena, a vergonha como
forma de solução de conflitos, o que acontecia, por exemplo, com o marido que
perdoasse a esposa pelo adultério cometido, que era obrigado a usar um “capelo
com chifres”
33
que denegria sua imagem perante as outras pessoas da
comunidade, sendo motivo de chacota e humilhação; assim, a maior parte dos
homens envolvidos nessa situação preferiam que a mulher (já que “culpada”)
fosse apenada.
Em 1830, foi promulgado o Código Penal (CP) com relances liberais e que tratava
a figura da mulher classificando-a de acordo com sua “honestidade” para os
crimes sexuais (defloramento, estupro, adultério), punindo-os com rigor quando a
mulher fosse considerada mulher honesta, na conotação que lhe empregava à
época, somente aquelas que estivessem dentro dos padrões de submissão,
32
BITTAR, Eduardo C.B. (org.). História do Direito Brasileiro. In: BUENO, Paulo Amador Thomaz
Alves da Cunha. Notícia histórica do Direito Penal no Brasil. São Paulo: Atlas, 2006, p.144.
33
Idem, p. 144.
36
passividade, recato, pureza, castidade; e punição bem mais leve quando se
tratasse de prostitutas, nenhuma punição quando se tratasse de mulher escrava,
já que considerada coisa.
Quanto ao adultério, mais uma a vez a discriminação é flagrante, tal como ocorria
nas Ordenações. À mulher o adultério se consumava independentemente de
condicionantes, não mais punida com chicotadas, agora com pena de prisão e
trabalho por um a três anos; ao homem, o crime somente se considerava
impingido em pena idêntica, se tivesse concubina teúda e manteúda, mas
constata-se uma forma de benefício para as mulheres no CP 1830, não se
executava a pena de morte quando a mulher estivesse grávida, sendo poupada
por quarenta dias após o parto, havendo uma espécie de regalia em relação aos
outros apenados.
34
Em 1890, um novo Código Penal foi editado para estar de acordo com a nova
realidade face à abolição da escravatura, mas quanto à mulher nada mudou.
Permanecia a diferenciação entre mulher e homem na questão do adultério e
diferenciação quanto às mulheres prostitutas ou não, na questão do estupro.
A par disso, em matéria civil continuava-se a usar as Ordenações Filipinas, que
não impunha qualquer pena ao marido/pai que impingisse castigos físicos à
mulher e/ou filhos, uma prática comum, aliás. Previa que o marido tinha o direito
de aplicar castigos físicos ou até matá-la pelo simples boato de adultério; tinha-se
dessa forma a violência doméstica institucionalizada. Numa clara perpetuação do
pai-marido-senhor, a mulher sequer podia falar como testemunha em testamento
público. Quanto aos filhos, seguindo a mesma linha, o homem detinha
exclusivamente o poder, denominado de “pátrio” poder (poder paterno). À mulher
era proibida a tutela ou curatela. Praticamente todos os atos femininos dependiam
da autorização do marido ou do pai.
34
Ibid., p. 144.
37
Constata-se, portanto, que durante séculos a violência doméstica e familiar contra
a mulher (e filhos) foi permitida legalmente. Tal informação é relevante, pois é
também fonte de enraizamento cultural de uma prática que perdura no tempo,
apesar de não ter mais o respaldo legal.
Contudo, certo avanço se deu no período Republicano quando editado o Decreto
n.º 181, de 24 de janeiro de 1890. Apesar do rigor e apego ao formalismo quanto
ao casamento civil, com a laicização deste, retirou-se do marido o direito de impor
castigos físicos à mulher e aos filhos, mantendo, porém, o domínio patriarcal.
Assinala-se que o formalismo quanto ao casamento foi reeditado mais tarde no
sistema do Código Civil de 1916 – (CC 1916).
No Código Civil de 1916, a situação jurídica da mulher não se alterou de forma
substancial. Wolkmer diz que “a lei expressa a presença de um direito ordenado
na tradição e nas práticas costumeiras que mantêm a coesão do grupo social”
35
.
Ocorre que no Brasil esta coesão desde sempre esteve prejudicada, como o
próprio Wolkmer explica:
[...] a trajetória da historicidade jurídica nacional, quer apontando seus
mitos, falácias e contradições, quer evidenciando seu perfil e sua
natureza ideológica, tais constatações refletem a especificidade de uma
tradição legal profundamente comprometida com uma formação social
elitista, agrário-mercantil, antidemocrática e formalista.
36
Desde a primeira tentativa até a contratação de Clóvis Bevilaqua, alguns projetos
do Código Civil se anunciaram sem êxito, sendo mesmo em 1916 aprovado o
texto final. Mas, com qual concepção foi criada esta legislação? Como ficou a
situação jurídica da mulher nesse novo empreendimento do direito brasileiro? É o
que se segue.
35
WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de História do Direito. 4. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2007, p.1.
36
WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.7.
38
2.2 NOVA LEI - ANTIGO OLHAR SOBRE AS MULHERES
O CC 1916, no tocante às mulheres e sua condição jurídica não rompeu com o
passado, a mulher casada igualava-se aos menores, silvícolas e alienados; seu
status jurídico era de relativamente incapaz, pois o Código comungava com o
modelo de família patriarcal-patrimonialista ligando-a, inexoravelmente, a família-
mulher-casamento formal e solene.
Foram conservados neste diploma legal os princípios anteriores da visão do
homem como chefe da sociedade conjugal, colocando a vontade do homem acima
da vontade da mulher ou dos filhos, deixando a cargo também daquele a
administração dos bens da mulher e da prole, a representação legal da família, o
direito de fixar e mudar o domicílio da família, o direito de autorizar ou não a
profissão da mulher, etc. Na verdade, o CC 1916 colocou a mulher em total
submissão hierárquica expressando: “a mulher assume, pelo casamento, com os
apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos
encargos da família”
37
. À mulher cabia, sem honras, o segundo plano, a limitação
na esfera jurídica.
Pode-se perguntar: e o que isto tem a ver com violência doméstica e familiar
contra a mulher? Responder-se-ia: muito, pois tem a ver com o imaginário social
sendo consolidado pela lei através da continuidade da mentalidade de submissão
e desconsideração pelo ser feminino, sendo vista pelas mesmas lentes do
passado mesmo com uma lei nova (a época), derivando práticas com relação às
mulheres nos moldes também do passado, apesar, como dita a lei, não mais
admitir o castigo físico expressamente, porém permanecendo os mesmos valores
sociais, poder-se-ia administrar os corretivos usuais.
Pelo CC 1916 os papéis de homem e mulher na sociedade conjugal e social
ficaram bem definidos: o marido/pai como o senhor provedor, com livre trânsito no
37
VENOSA, Silvio de Salvo (Org.). Novo Código Civil: texto comparado Código Civil de 2002,
Código Civil de 1916. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 593/4.
39
mundo de fora e de dentro; a mulher, submissa ao patriarcalismo, com liberdade
para as lidas da casa. Na verdade, para esta legislação, a valorização da pessoa
humana dentro do Direito de Família passou despercebida, ao invés deu tintas
eminentemente patrimoniais à família. Esta significava lugar de produção de
riqueza e de prolongamento do patrimônio através do direito sucessório. O
machismo estampava-se em todas as cores com a permissão de anulação de
casamento por defloramento da mulher quando ignorado pelo marido, não
ocorrendo de forma alguma o reverso, o que se encontrava no art. 219, inciso IV
do CC 1916.
38
Interessante e enredado é o entendimento da propagação desses estereótipos,
pois mesmo as mulheres sendo relegadas, elas próprias perpetuavam os papéis,
que a elas era confiada à educação dos filhos e filhas, realizando-a com
conceitos (pré-conceitos) impostos pelas gerações passadas e por elas
arraigados, num ciclo infindável de reprodução e manutenção da submissão
feminina versus poderio masculino.
Assim, ainda que o CC 1916 o tenha expressamente permitido o castigo físico,
implicitamente a condição subalterna da mulher levava invariavelmente a este,
pois a submissão e o papel da mulher nas relações da vida permaneciam
inalterados, além de o modelo de família determinado ser um entrave para a
libertação feminina e sua condição jurídica na sociedade, porquanto o próprio
Código Civil regulava e legitimava a hierarquia de gênero.
O modelo patriarcal-patrimonialista que se impunha, inserido num enredo histórico
de aproximadamente 400 anos, com predominância do individual sobre o coletivo
consagrou o modelo de família, o modelo de homem e de mulher e também um
modelo de vida aos brasileiros.
38
Ibid., p. 594.
40
Mas, qual a razão de se insistir em falar num Código Civil do início do século
passado se este já foi revogado e em seu lugar um outro na seara jurídica
brasileira? Ora, não pode ser ignorado um diploma legal que validou o que se
assentava nas mesas e rodas da sociedade brasileira, ou seja, a autoridade
masculina e a sujeição feminina, definindo os papéis e condições jurídicas de cada
um. Essa legislação definiu tais papéis por nada menos que 85 anos; quase um
século! É pouco tempo considerados aos quase 400 anos das Ordenações
Filipinas, contudo, suficiente para enraizar mais profundamente valores sociais e
formas culturais numa sociedade marcada pela desigualdade, ainda mais
quando esses valores tenham sido corroborados pelo texto legal.
Mesmo depois de promulgada a Constituição Federal de 1988 (CF/88),
compreendida como uma Constituição Garantidora, rica em direitos e garantias
individuais, o CC 1916 permaneceu em vigor até janeiro de 2002, ou seja, 14 anos
com uma dualidade de pressupostos. A visão da pessoa da mulher perante a
CF/88 passou a ser de igualdade com relação ao homem, quer no casamento,
diante dos filhos ou com relação aos bens, apesar na lei civil infraconstitucional
que regia o país não comungar com os mesmos preceitos, mantendo os mesmos
axiomas retrógrados e discriminatórios.
Na experiência brasileira, até a aprovação do Novo Código Civil (Lei
10.406, de 10/01/2002), a ordem jurídica apresentava, de um lado, os
parâmetros igualitários da Constituição de 1988 e da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; de
outro, os parâmetros discriminatórios do digo de 1916. O texto de
1916 privilegiava o ramo paterno em detrimento do materno; exigia a
monogamia; aceitava a anulação do casamento face à não-virgindade
da mulher; afastava da herança a filha de comportamento “desonesto” e
não reconhecia os filhos nascidos fora do casamento. Por esse Código,
com o casamento, a mulher perdia sua capacidade civil plena, ou seja,
não poderia mais praticar, sem o consentimento do marido, inúmeros
atos que praticaria sendo maior de idade e solteira. Enfim, o Código de
1916 regulava e legitimava a hierarquia de gênero e o lugar subalterno
da mulher dentro do casamento civil.
39
39
PITANGUY, Jacqueline. MIRANDA, Dayse. As mulheres e os direitos humanos. In: PUGLIA,
Júnia (Coord.). O Progresso das mulheres no Brasil. Brasília: UNIFEM Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, 2006, p. 22.
41
O modelo de família e os papéis sociais e jurídicos de homens e mulheres foram
alterados formalmente pela Constituição Cidadã, daí a possibilidade de dar vazão
aos novos marcos, que identicamente como no início do século XX estão, em
parte, por todo lado na realidade fática cotidiana.
Mas como superar uma história brasileira de quase cinco séculos de submissão,
hierarquia, dominação, afronta e desapego? Não será imediatamente a
promulgação de um texto legal, ainda que constitucional, que acontecerá o
desvelamento. Os valores de antes estão arraigados nas mentes; as ações estão
impregnadas pelo pensar de outrora, inclusive dos aplicadores do Direito. A
temporalidade do CC 1916 conjugada com os intrínsecos valores positivados
regendo a sociedade repercutem nos dias presentes, repercutem em muitas
decisões judiciais, apesar das novas legislações, apesar da Constituição! Nessa
esteira, vale a pena retomar o pensamento de Pitanguy e Miranda:
É bom ressaltar que, apesar dos significativos avanços obtidos na esfera
constitucional e internacional, os quais refletem as reivindicações e os
anseios contemporâneos femininos, ainda persistem no imaginário social
brasileiro elementos sexistas e discriminatórios com relação às
mulheres, que as impedem de exercer, com plena autonomia e
dignidade, seus direitos mais fundamentais.
40
Não obstante o peso do CC 1916, as cismas sociais, as obsoletas atitudes, outras
normas deram o tom na caminhada feminina, alterando a condição de nero a
ponto de soltar várias amarras das mulheres para a inteireza de suas relações
sociais, pessoais e profissionais.
Todos esses picos demonstram como existem fortes razões históricas, culturais
e mesmo legais que ficaram no imaginário social para que o tratamento em
relação à mulher se diferenciado; dentro desta diferenciação inclui-se a
violência doméstica, fato na vida de milhões de mulheres. Isso tudo em aliança ao
sistema formal-positivista que ainda predomina na cultura jurídica brasileira se
tornam sérios obstáculos à resolução do problema da violência doméstica e
40
PITANGUY, 2006, p. 23.
42
familiar contra a mulher, e mesmo para a aplicação da LMP, pois interligação
de todo este contexto exercendo influência no pensar o Direito e realizá-lo, o que
não pode ser desconsiderado por aqueles que labutam na seara jurídica.
2.3 OUTRAS LEIS - MODIFICAÇÃO DA FORMA DE TRATAMENTO
Toda a repressão à personalidade da mulher já vinha sendo combatida na Europa,
com mais tempo na França, diz Encarnación Fernandes:
“Los pressupuestos doctrinales para la reivindicación de los derechos
de lãs mujeres fieron estabelecidos ya, según puesto de manifiesto
Maria Corrias Corono, em el último tercio del siglo XVII por el racionalista
Poullain de la Barre em sus obras De l`égalité des deux sexes (1673),
De l`éducation dês dames (1674) y De l´excellence des hommes contre
l`élalite des sexes (1675). Poullain de la barre denuncia el “prejuicio” de
la inferioridad natural de la mujer el error consiste em atribuir a la
naturaleza lo que no es sino fruro de la costumbre – y sostiene la
igualdad natural entre los sexs, em particular em el plano racional e
intelectual. Em consecuencia, se mustra partidário de uma identidad de
formación para varones y mujeres y del acceso de éstas a todas lãs
funciones sociales.
41
O desejo de liberdade, de reconhecimento, de participação na vida externa ao lar
e o anseio de mostrar-se capacitada desembocou em um clamor que trouxe
mudanças enérgicas e profundas. As mulheres ergueram a voz, exigiram direitos,
não se escusaram das obrigações, lutaram em busca do respeito que nem elas
mesmas tinham por si.
O pensamento de Sennett ilustra com precisão tal esforço:
41
BALLESTEROS, Jesús. Derechos Humanos. In.: FERNANDEZ. Encarnación. Los Derechos de
las Mujeres. Madrid: Editorial Tecnos S.A. 1992. p. 148. Tradução livre: “Os pressupostos
doutrinários para a reivindicação dos direitos das mulheres foram estabelecidos já, segundo
demonstração de Maria Corrias Corono, no último terço do século XVII pelo racionalista Poullain de
la Barre em suas obras De l `égalité des deux sexes (1673), De l `éducation s dames (1674) e
De l´excellence des hommes contre l` élalite des sexes (1675). Poullain de la Barre denúncia o
preconceito da inferioridade natural das mulheres - o erro consiste em atribuir à natureza o que não
é senão fruto de costume - e mantém a igualdade natural entre sexos, em especial em vel
racional e intelectual. Em conseqüência se mostra partidário de uma identidade de formação de
para homens e mulheres e do acesso a todas as funções sociais.”
43
[...] Fazer alguma coisa em benefício próprio, e é este elemento de
destreza que proporciona ao indivíduo um senso íntimo de respeito
próprio. Não é tanto uma questão de ganhar a dianteira, mas de sentir-
se bem interiormente.
42
Vários fatores contribuíram para esta tomada de decisão, um deles foi exatamente
a queda da família patriarcal, que cedia cada vez mais espaço para a família
nuclear, ainda que os cônjuges estivessem presos aos laços do “sagrado
matrimônio”; também as guerras, as fábricas, a perda pelo homem do status de
senhor absoluto, detentor do conhecimento e do futuro de todos da família (uma
vez que o conhecimento, muitas vezes, era suplantado pelo conhecimento dos
filhos); o trabalho fora de casa, cada vez mais crescente na vida das mulheres, a
modificação da estrutura familiar (a mãe não estava o tempo todo em casa), o
marido-pai já não supria todas as necessidades materiais, precisava da ajuda da
mulher, enfim, o movimento feminino reclamava por maior liberdade, por poder de
voto, de deliberação e participação mais efetiva.
Na Alemanha desde o século XVIII, “já se proclamava a equiparação de direitos
entre homens e mulheres”
43
, embora se continuasse o tratamento desigual, aliás
esta tem sido a ênfase contemporânea, paridade formal existe, enquanto a
substancial perde sua incidência na vida habitual, até porque a “doutrina do Direito
Natural dos séculos XVII e XVIII não tinha uma argumentação com o objetivo de
estabelecer critérios de igualdade para concretização na práxis e a influência era
percebida indiretamente.”
44
Porém, as maiores conquistas femininas começaram a surgir mesmo com o
advento da Primeira Grande Guerra, quando as mulheres eram chamadas a
exercer diversas funções antes exclusivamente dos homens, especialmente com
42
SENNETT, Richard. Respeito: A formação do caráter em mundo desigual. Trad. Ryta Vinagre.
Rios de Janeiro: Record, 2004, p. 28.
43
CAMPOS, Mirian de Abreu Machado e. Família no Direito Comparado: divisão das expectativas
de aposentadoria entre cônjuges. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 01, Legislação Geral dos
Estados Prussianos – Allgemeines Landrecht – de 1794, parágrafo 24, I, 1;
44
Ibid., p. 2.
44
desaparecimento do poder preponderante do marido o que trouxe largueza para o
desenvolvimento da mulher, que se mostrando tão hábeis e competentes quanto
aqueles.
O movimento sociopolítico de luta pela defesa dos direitos da mulher na Inglaterra
e nos EUA surgiu na primeira metade do século XIX, reivindicando direitos de
acesso ao ensino superior e ao sufrágio. Depois de alcançados os primeiros
êxitos, um hiato ocorreu e reapareceu por volta dos anos 60 com ênfase em
reivindicações mais amplas, com conotação à liberdade sexual e profissional.
Neste percurso, as vozes feministas já não falam apenas em igualdade, em
negação da condição hierárquica masculina, mas também em controle de
natalidade, violência doméstica; apregoavam uma nova identidade para as
mulheres, pois, seguindo os passos da reviravolta humanística observada nos
anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, as mulheres se deram conta de que
também faziam parte da “humanidade”.
Historicamente, a partir de então, ocorre uma mudança de concepção, um novo
conceito de humanidade mais alargado, que não diferenciava raça, gênero, idade.
O Brasil não ficou inerte; malgrado a vigência do CC/1916, o conservadorismo, a
ditadura, a segunda metade do século XX foi marcada por rupturas no tocante aos
gêneros. O ponto de partida aqui foi o Estatuto da Mulher Casada de 1962, que,
por seu turno, mudou profundamente a situação jurídica da mulher; esta deixou de
ser considerada relativamente incapaz e dependente do marido após o
casamento, o que foi um grande avanço para uma sociedade da época.
Outrossim, outro marco antecedente deve ser lembrado como baliza na trajetória
da construção da situação jurídica da mulher brasileira e o tratamento desigual
dispensado a esta: a conquista ao voto. Após muitas lutas, esse direito foi
conquistado. Até a década de 1930, somente os homens tinham o privilégio de
escolher os governantes do país. Em 24 de fevereiro de 1932, depois de uma
campanha nacional, o voto foi estendido às mulheres, com algumas restrições,
45
tais como, somente às mulheres casadas (com autorização do marido), às viúvas
e solteiras que gerissem seu patrimônio. De qualquer modo,abriu caminho para
que, em 1934, todas as mulheres pudessem votar.
45
Essa conquista é altamente
relevante no sentido de que os primeiros passos ao espaço público começavam
ser pisados de forma abrangente, todas as mulheres podiam exercer o direito de
voto!
Embora progredindo, não se pode deixar de pensar em quão penosa e demorada
são as conquistas femininas. Voltando um olhar ao passado, constata-se que a
mulher sofreu milhares de anos de opressão e somente pouco mais de quatro
décadas esta deixou de ser considerada um ser civilmente incapaz. Num olhar
mais recente, apesar da igualdade formal nas relações sociais e econômicas
conquistadas pela Revolução Liberal quase 200 anos, não houve muita
modificação no espaço familiar; conquistou-se a liberdade de ter, mas não a
liberdade de ser e merecer respeito independentemente do sexo a que pertence.
A marcha continuou a evidência da persistente diferenciação entre gêneros. Outra
lei colocou em cheque os papéis sociais definidos e abraçou mais uma fresta de
liberdade à população feminina, a Lei 6.515 de 26/12/1977 Lei do Divórcio. Esta
lei deu oportunidade aos cônjuges de pôr fim ao casamento, privilegiando a
mulher quanto à faculdade de continuar usando ou não o nome do ex-marido.
Substitui o regime de bens do regime de comunhão universal para o da separação
parcial de bens, e estabeleceu ainda o binômio necessidade-possibilidade quanto
ao pagamento da pensão alimentícia sem distinguir homem ou mulher,
condicionando à responsabilidade a quem deu causa à separação a obrigação de
prestar os alimentos.
A essa altura, o reconhecimento das desigualdades tomava fôlego. Os
movimentos feministas estavam mais vigorosos e a ONU realizou no México, em
45
PIOVESAN. Flavia. Direitos civis e políticos: a conquista da cidadania feminina.
In: PUGLIA,
Júnia (Coord.). O progresso das mulheres no Brasil. Brasília: UNIFEM Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, 2006.
46
1975, a primeira Conferência da Mulher, estabelecendo o Dia Internacional da
Mulher. No Brasil, embora, os tempos fossem de ditadura militar, Ernesto Geisel
principiou uma abertura, permitindo que as mulheres realizassem encontros e
conferências para comemoração desse dia.
Os países passaram a reunir-se para discutir e definir estratégias de combate à
discriminação de gênero, a proteção à mulher, estabelecendo novos direitos; a
sociedade se organizava através dos movimentos feministas, enfim, a mulher não
lutava mais sozinha. Novamente em 1980, foi realizada outra Conferência em
Copenhague, Dinamarca, ressaltando a importância dos Estados adequarem suas
legislações à realidade social das mulheres, a desmistificar os papéis,
preconceitos e redimensionamento das relações, tomando o Direito como alicerce
da ordem social, conferindo às pessoas direitos, deveres, faculdades, ônus,
obrigações, tirando o homem do seu exclusivismo de poder.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW), aprovada pelas Nações Unidas em 18/12/1979, colocou o
problema da discriminação em nível internacional, numa clara demonstração de
que a problemática estava em evidência, merecendo acolhimento também legal.
Tal Convenção se mostra particularmente importante para o estudo, na medida
em que trata da violência baseada no gênero; traz uma compilação dos crimes
advindos desse tipo de violência. Pela primeira vez uma lei de status internacional
evoca o problema da violência contra a mulher, incluindo a violência doméstica,
costumeiramente invisível, dada a historicidade e os aspectos culturais
envolvendo o assunto. De sorte que a Convenção franqueia a discussão sobre
uma chaga social milenar, espaçando a oportunidade de debate e revisão para o
tratamento conferido às mulheres.
A Convenção surgiu no cenário de divulgação, de solidificação dos direitos
humanos, numa relação direita com os princípios democráticos, permitindo o
47
aperfeiçoamento do próprio regime
46
A convenção estabelece o binômio: eliminar
a discriminação e assegurar a igualdade.
A CEDAW foi ratificada em 1980 por grande parte dos países signatários da
Assembléia Geral da ONU. O Brasil homologou-a em 01/02/1984, não obstante
com reservas face ao CC/1916 ainda em vigor, e aqui está um dos maiores
entraves para a implementação do tratado, a maioria dos Estados-partes fizeram o
procedimento de reservas, permitindo exceções às garantias convencionadas,
limitando as obrigações assumidas, bem dizem Faria e Melo:
A Convenção sobre a Mulher foi ratificada pela maioria dos países do
mundo. O número de Estados Partes à Convenção teria sido uma
mostra do compromisso real em terminar com a discriminação baseada
no gênero se não fosse pelas reservas submetidas por muitos Estados.
As reservas à Convenção sobre a Mulher causaram muita controvérsia
porque mais reservas a este instrumento do que a qualquer outro
tratado de direitos humanos, e muitas das reservas parecem ir contra o
objeto e a finalidade da Convenção. Algumas delas, por exemplo, são
feitas ao princípio geral de o-discriminação, enquanto outras tentam
limitar as disposições da Convenção que estabelecem direitos iguais à
mulher em relação à família, cidadania e no âmbito jurídico. Tantas
reservas substanciais m a capacidade de limitar significativamente as
obrigações assumidas pelos Estados que as apresentaram, podendo
desta forma solapar nitidamente o objetivo e a finalidade da Convenção.
47
Disto, uma constatação se segue, ora não se nega a importância dos textos
normativos, porém o meio social em que eles vigorem tem que se mostrar capaz
de internalizá-los. Os Tratados e as Convenções são experiências que, em regra,
não têm alcançado o cotidiano de homens e mulheres, pela própria inaptidão
cultural, histórica e jurídica, como foi o caso do Brasil, perante a Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).
Entretanto, como se disse, o Ocidente no Direito um fundamento para a
ordem social. Assim, novas discussões pondo em pauta os direitos das mulheres
e formas de diminuir a disparidade entre os gêneros, minimizando as formas
46
FARIA, Helena Omena Lopes de. MELO, Mônica de. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/tratado09.htm>. Acesso em 2 out. 2007.
47
Ibid., disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/tratado09.htm>. Acesso em
2 out. 2007.
48
sedimentadas de sexismo, ensejaram outras grandes discussões, elaborando-se
documentos oficiais ratificados pelo Brasil, assumindo compromisso internacional,
bem como grandes Convenções, também ratificadas e que tratam de questões
pontuais de discriminação e formas de superação da violência contra as mulheres,
tais como, Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), de 06/06/1994, ratificada pelo
governo brasileiro em 27/11/1995, considerada um marco ao definir a violência
contra as mulheres, recomendando aos Governos das três Américas que
adotassem medidas capazes de combater e prevenir tal violência, incluída a
violência doméstica baseada no gênero.
Também a Declaração de Pequim, adotada pela Quarta Conferência Mundial
sobre as Mulheres: Ação para a Igualdade, Desenvolvimento e Paz Declaração
de Pequim, de 15/09/1995, que elaborou texto no sentido de que os Estados
tomassem medidas concretas para a significativa melhora da situação das
mulheres, entre eles o Brasil, signatário da Plataforma de Ação, documento que
traz em seu bojo um capítulo específico sobre a eliminação da violência contra as
mulheres.
Ainda, entre outros, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1999, “reafirmando
a determinação de assegurar o pleno e eqüitativo gozo pelas mulheres de todos
os direitos e liberdades fundamentais e de agir de forma efetiva para evitar
violações desses direitos e liberdades”
48
, e que deu melhor regulamentação ao
Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, organismo
internacional para recebimento das comunicações e investigações de violações
aos direitos das mulheres, além da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), que atua firmemente na empreitada de resguardo dos direitos humanos
de maneira geral e das minorias, como é o caso das mulheres.
48
MAZZUOLI, Valério Oliveira (Org.). Coletânea de Direito Internacional. Preâmbulo do Protocolo
Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 622.
49
Enfim, todo o tempo de apatia estatal e jurídica ficara no passado, além das
grandes Convenções e Tratados. Por todo lado muitas organizações internas e
internacionais surgiram para amparar o processo de libertação das mulheres,
originando institutos, associações, grupos de apoio, centros de informação,
conselhos; a exemplo citam-se o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
(CNDM), conselho brasileiro que trabalha para implementar ações no sentido de
promover a cidadania feminina e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a
Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), organização empenhada em defender
os direitos das mulheres, entre outras.
Cada um dos Tratados levou os Estados a debaterem as condições de suas
mulheres, pontos positivos na então fértil caminhada feminina nos últimos anos do
século XX, o que reflete a guinada na vida e condição jurídica das mulheres, pelo
menos no plano formal.
Internamente, os países começaram a se arrumar para dar cumprimento aos
compromissos; ações que, aliadas aos movimentos feministas desaguaram em
medidas concretas. No Brasil também se progrediu, por exemplo, no que concerne
à violência doméstica as últimas décadas do século passado foram também de
avanços, especialmente com a criação das Delegacias Especializadas no
Atendimento à Mulher (DEAMs), sendo a primeira do país (e do mundo) em São
Paulo, em 1985, mecanismo fruto das convenções e do debate nacional e
internacional e que se constitui em um dos principais meios de combate à
violência de gênero, doméstica e familiar.
Na mesma década da implantação da DEAM, as mulheres tiveram outra grande
conquista: a afirmação da igualdade entre os gêneros formalizada na Constituição
Federal de 1988 (CF/88). Além da constitucionalização da proteção contra a
violência, conquistaram o direito de planejar a família e direitos e deveres comuns
aos cônjuges, o que alterou o paradigma familiar, equiparando os njuges e
estabelecendo uma sociedade conjugal simétrica e compartilhada pela primeira
vez na história legislativa e constitucional do Brasil.
50
A igualdade de direito enfim chega; se antes a igualdade de iure
49
legitimava a
subordinação, agora não mais; homens e mulheres têm direitos e obrigações
eqüitativos perante a sociedade, a família, no trabalho. As concepções dominantes
desde a colonização se esvaíram com a CF/88. Os novos conceitos se esteiam na
dignidade do ser, seja homem ou mulher; valores são redefinidos nos moldes
democráticos para pautar a relação entre as pessoas na sociedade e na família.
Aproveitam-se as colocações de Rios:
De fato essa perspectiva da Constituição rompe com o tradicional
conceito jurídico de família, cujo contorno pode ser, emblematicamente,
traçado a partir do direito de família presente no Código Civil
Napoleônico. Neste, a configuração da família amolda-se a um modelo
de Estado, comprometida com a formação dos futuros cidadãos e
proprietários. Tratava-se de fundar a ordem pública sobre a ordem
privada, a ordem social sobre a ordem doméstica, a grande pátria sobre
a pequena. Tal regulação procedia segundo certas opções normativas,
dentre as quais devem ser salientados o reforço drástico do poder
marital, a supremacia absoluta da família “legítima”, a condição jurídica
submissa da mulher e a criminalização do adultério feminino.
[...]
Hoje, além da superação do paradigma da família institucional, o
reconhecimento dos novos valores e das novas formas de convívio
constituintes das concretas formações familiares contemporâneas... fica
clara a relevância e a autonomia de cada indivíduo participante da
comunidade familiar, sem se adotar uma visão institucional” ou
“fusional” da família.
50
A questão de gênero recebe então tratamento jurídico superando as diferenças
entre homens e mulheres. A CF/88 incorporou a plena igualdade e ampliou os
direitos das mulheres, solapando de vez a família patriarcal-patrimonialista, ou
seja, suplantou submissão feminina e a hierarquização nas relações de gênero,
depois.
As novas possibilidades foram construídas e lapidadas ao longo da história, como
produto de árduas batalhas de mentes vanguardistas, humanistas e com
concepções diferentes das patenteadas como guias para todos; aliás, novos
modelos de relacionamentos já se faziam presentes no meio social há muito.
49
Expressão utilizada para denominar igualdade de direito, neste caso entre os gêneros.
50
RIOS, Roger Raupp. A Igualdade de tratamento nas relações de Família. In: SOUZA. Francisco
Loyola [et al]; A Justiça e os Direitos de Gays e Lésbicas: Jurisprudência Comentada. Porto Alegre,
2003, p. 181 e 184.
51
Ocorre que vencida a etapa da elaboração legislativa; internalizar novos
comportamentos também requer uma jornada, no ambiente doméstico
identicamente.
De fato, a CF/88 trouxe um entendimento renovado de família, abraçou uma
inovação principiológica
51
, e, por conseguinte, renovou os papéis de cada cônjuge
restabelecendo as responsabilidades no âmbito familiar e entre si.
Citam-se alguns dos novos alicerces, Princípio da Solidariedade Familiar (art. 3º,
inc. I, CF/88), reconhecido pela Carta Magna como fundamental para se alcançar
uma sociedade mais justa, já que as relações familiares devem ser permeadas por
reciprocidade de interesses tanto afetivos, como patrimoniais e psicológicos.
Outro princípio bastante divulgado e já referido anteriormente é o da Igualdade
entre os Cônjuges e Companheiros (art. 226, § 5º, CF/88), assim como a
igualdade entre os filhos. É princípio basilar na nova família; a comunhão de vida
deve estar pautada pelo apego à igualdade de direitos e deveres,
consubstanciado pelo mega-princípio da dignidade da pessoa, embora ressalva-se
que esta igualdade conjugal é melhor visualizada quando da adoção de nomes,
possibilidade de pagamento de prestação alimentícia.
Por sua vez, o princípio da Igualdade na Chefia Familiar (art. 226, §5º e art. 227, §
CF/88) pretende-se um regime de colaboração, companheirismo, diálogo entre
o casal, tirando do pai/marido o poder de dominação de outrora; suprime o pátrio-
poder pelo poder familiar; reestrutura a hierarquia masculina por um modelo em
paralelo.
Conjugando os postulados familiares redemocratizados, surge o Princípio da
Afetividade como um dos principais alicerces para as relações familiares, seja
entre o casal, seja entre este e sua prole, consangüínea ou não. uma
51
Não é objetivo neste trabalho tecer elaborado estudo sobre os princípios constitucionais que
regem a família, seus entes e o próprio Direito de Família Constitucional, porém se tece
comentários para explicitar as novas bases dos relacionamentos conjugais, o que inclui aí os casos
de violência doméstica e familiar contra a mulher.
52
valorização do sentimento, de uma comunidade estabelecida em função do afeto
que seus entes têm entre si. A inexistência de um “chefeabre espaço para a
afetividade. Sem dúvida uma nova concepção se apresenta, sugerindo o formato
da família moderna, não mais impondo, como dantes acontecia com o CC/1916.
Novamente se diz que, apesar dos prósperos avanços, é preciso salientar que
desconstruir o imaginário social, transformar comportamentos e mudar
mentalidade exigem um processo permanente de desconstrução/reconstrução, é
incumbência que unicamente textos normativos, como solução para todos os
males, são incapazes de realizar, bem como incapaz também se mostra à
aplicação da lei de maneira formal e mecanizada, sem que os aspectos
reveladores das relações entre os gêneros e a violência de gênero sejam
analisadas tendo em vista os aspectos expostos.
À vista disso, um dos maiores combates do Estado Democrático de Direito
Brasileiro, sem falar, por exemplo, de pobreza e exclusão social, focando
exclusivamente na questão de gênero, é o de desconstruir estereótipos a fim de
que as mulheres brasileiras possam exercer plenamente sua cidadania sem a
violência, pois a equiparação pretendida é apenas parcialmente comprovada na
realidade cotidiana, principalmente no que diz respeito à violência doméstica e
familiar; basta examinar as estatísticas.
Na verdade, por tanto tempo o problema da violência doméstica e familiar contra a
mulher ficou encoberto ou invisível que agora há uma consolidação legislativa
para refutá-la. Os Tratados e Convenções citados, a CF/88 e, recentemente a
LMP tratam deste tipo de violência na busca de soluções, mas o estorvo se
encontra justamente no que há de cultural, de histórico. A discriminação e a
violência contra a mulher em casa e na família (e no espaço público também)
acontece como algo natural, por razões histórico-culturais de longa data, inclusive
respaldada pelas leis existentes até pouquíssimo tempo, o que atinge o aparato
jurisdicional, pois os entraves culturais e históricos permeiam toda a sociedade,
ensejando um modo arcaico de aplicar as leis, desagregando-as do entorno do
53
problema da violência doméstica, uma contribuição ímpar para a permanência da
violência doméstica e familiar em larga escala, ainda que impedida por leis
nacionais e internacionais.
Tal perspectiva aponta para a necessidade de uma nova visão do Direito e de sua
aplicação no cotidiano social, a fim de que com novas ferramentas, como a
aplicação do Direito pelo viés da lógica argumentativa, possa se alcançar soluções
mais propícias ao problema da violência doméstica contra a mulher.
2.4 ALGUMAS CAUSAS DE PERSISTÊNCIA DA DIFERENCIAÇÃO
DE GÊNERO NO BRASIL
A família, a educação, a mídia são atualmente no Brasil os agentes mais
preponderantes na transmissão de padrões culturais e valores (não
necessariamente nesta ordem) que incidem veementemente na formação do ser
humano, no imaginário social, incutindo-lhe representações e identidades culturais
predominantes. Diz-se destes, levando em conta que em outros momentos
históricos a Igreja, por exemplo, é quem exercia o predomínio na transmissão de
valores, condutas e padrões culturais. Aliás, atualmente, parece ser a mídia a
ocupar este lugar, muito mais que a família ou a educação.
Um das primeiras causas de persisncia das diferenciações de gênero está na
própria família. Na família antiga a marca era a desigualdade entre seus
componentes, desprezavam-se uns em favor de outros que mais pareciam
capazes de assegurar o cumprimento fiel da sua função; à família moderna, outras
perspectivas se apresentavam, a igualdade entre os filhos passou a ser o distintivo
da nova família, a igualdade conjugal também, além de, ao longo do tempo, ir-se
diminuindo a fusão com o patrimônio e a reputação.
Destacam-se aqui as palavras de Ariès:
54
Outrora, vivia-se em público e em representação, e tudo era feito
oralmente, através da conversação. Agora, separava-se melhor a vida
mundana, a vida profissional e a vida provada: a cada um era
determinado um local apropriado como o quarto, o gabinete ou o salão.
[...] A reorganização da casa e a reforma dos costumes deixaram um
espaço maior para a intimidade, que foi preenchida por uma família
reduzida aos pais e às crianças, da qual se excluíam os criados, outros
parentes mais distantes, amigos. [...] Esse grupo de pais e filhos, felizes
com sua solidão, estranhos ao resto da sociedade, o é mais a família
do século XVII aberta para o mundo invasor dos amigos, clientes e
servidores: é a família moderna.
52
As idéias da família moderna, família central também ganhou espaço no meio
brasileiro. O patriarcalismo pôde, então, ser chamado aqui de patriarcalismo-
nuclear, vivido com bastante intensidade, uma vez que predominante até a CF/88.
A família patriarcal-nuclear brasileira teve suas bases enfraquecidas somente na
segunda metade do século XX, fatores como a industrialização, os movimentos
das mulheres, a urbanização acelerada, as modificações econômicas, a
contracepção, a evolução da legislação atendendo às modificações de
comportamentos, entre outros, são elementos que ruíram as fundações da família
patriarcal, mesmo nuclear.
Interessante a colocação de Bittar quanto à transformação familiar:
Com a Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, o
trabalho da mulher em fábricas e, posteriormente, em outras atividades
econômicas deflagrou o processo crescente de desagregação familiar,
acelerado com o êxodo rural que se lhe seguiu. A Revolução
Tecnológica de nosso século, os movimentos de igualização da mulher
e, mais recentemente, a denominada Revolução etária, com a liberação
dos jovens, acabaram por conferir à idéia de família a sua visão atual, de
caráter nuclear, restrita a certo número de pessoas. Assim, a família de
nossos dias é integrada apenas pelas pessoas que, com os pais,
formam o grupo submetido à comunhão de vida, de domicílio e de
patrimônio (pais e filhos não casados), em especial nos grandes centros
urbanos.
53
52
ARIÈS, 1981, p. 220.
53
BITTAR, Carlos Alberto. Novos Rumos do Direito de Família. In: BITTAR, Carlos Alberto. O
Direito de Família e a Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p.3.
55
A família atual está disposta ao modelo nuclear, considerando-se sua composição
de pais, filhos e, eventualmente, algum outro ente, ou qualquer outra composição
constitucional ou fática que se queira. É certo que a família patriarcal nos moldes
dos séculos XVII-XVIII-XIX foi suplantada. Contudo uma réstia desse modelo
continua no pensar coletivo brasileiro, qual seja o poder do antigo patriarca,
perdeu ele a extensa família, mas não perdeu o poderio.
Esta forma antiga de pensar recai na forma de tratamento das mulheres,
persistindo numa diferenciação na realidade material; e mais, reflete diretamente
na questão da violência de gênero, em especial a doméstica e familiar, porque a
permanência da imagem estereotipada faz persistir a visão conservadora de
outrora com referência à mulher, da arcaica submissão feminina, de sua
inferioridade, incapacidade e tolerância a situações de violências, porque este era
o modo se resolver conflitos familiares, através do castigo físico. Insistindo nos
estereótipos, a conseqüência, no geral, é o comportamento agressivo do homem
para com a mulher, porque ele acredita que pode agir assim, uma vez que
acredita ser dele o poder na relação conjugal e familiar.
Assim, as atitudes cotidianas dos entes familiares são como fios que conduzem à
geração mais moça as mesmas atitudes no futuro, salvo se rompida essa
condução por mecanismos de fora, atenuantes da reprodução e auxiliar na
conscientização, como é o caso da educação.
No campo da educação, no entanto, encontra-se mais um dos fatores de
persistência da diferenciação entre homens e mulheres. A educação brasileira é
por excelência reprodutora de conteúdos programáticos, de comportamentos, de
estereótipos não só sexistas, como também racistas.
Desde seus primórdios, a educação no Brasil não teve como meta desenvolver
visão crítica sobre os estigmas imputados aos próprios brasileiros e à sociedade
em geral; isso inclui a pessoa da mulher.
56
Passados por todos os reclames humanistas, pela redemocratização, ainda hoje
os livros didáticos e materiais instrucionais mostram a mulher desempenhando
papéis tidos como femininos: limpando a casa, cuidando de alguma criança;
enquanto o homem aparece de paletó e gravata, pasta na mão, cogitando o
trabalho externo ao lar, perpetuando os espaços de cada um no imaginário social
infanto-juvenil. Quando não, explora-se a imagem feminina sexual como um artigo
sexual, despersonalizando-a. Desta feita, a temática de gênero freqüentemente é
excluída do debate pedagógico em sala de aula e mesmo na formação dos
profissionais de educação, passando eles próprios a reeditar a mentalidade
preconceituosa, disseminando o sexismo. Isso desemboca na construção da
identidade feminina inferiorizada. Mais tarde, na vida profissional, os reflexos
estarão evidentes.
Uma boa via para a desconstrução da mentalidade enraizada e garantir uma
educação não discriminatória seria fomentar as contribuições das mulheres na
caminhada da humanidade, destacar a equivalência de identidades, ter uma visão
crítica a respeito dos estereótipos.
Algumas medidas são postulações feitas pelo Contra Informe da Sociedade Civil
ao VI Relatório Nacional Brasileiro à Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), período de 2001-2005,
referenciando dados que constatam a complexidade e gravidade do problema da
desigualdade sexista no Brasil, demarcando a implantação e o aperfeiçoamento
de sistemas para melhoria de desse fenômeno, que requer enfrentamento mais
apurado, conforme o Boletim Eletrônico n.º 5/2007, de 13/07/2007:
54
Sugestões de Recomendações ao Estado Brasileiro
Requeremos ao Comitê CEDAW que:
[...]
13) Conclame o Estado-parte a promover o desenvolvimento de
padrões culturais democráticos por meio de políticas sociais blicas e
de ações junto aos meios de comunicação, visando construir novos
papéis e valores sociais que promovam uma educação o-
54
Disponível em: <http://www.agende.org.br/home/Cedaw_ContraInforme_13julho_se.pdf.>
Acesso em 5 dez. 2007.
57
discriminatória e estimule a desnaturalização das desigualdades
fundadas em gênero e o compartilhamento das responsabilidades
domésticas e familiares com base na equidade de gênero e no exercício
da maternidade e da paternidade conscientes.
55
Mas não é em casa ou na escola, uma persistência da visão conservadora
sobre as mulheres também na mídia dentro da “objetificação” da figura feminina.
Segundo Dantas-Berger e Giffin, “algumas teóricas feministas apontam uma
associação direta entre a sexualidade e a situação de opressão e desigualdade, a
objetificação sexual é o processo primário de sujeição das mulheres.”
56
Há, em geral, por parte dos meios de comunicação uma exploração da imagem da
mulher, especialmente da mulher jovem, de modo depreciativo. A exibição diária
de imagens negativas da mulher contribui para o reforço dos papéis sociais
antigos, mesmo desmantelados pela CF/88. Dizem as autoras supracitadas “o
controle da sexualidade é o método por excelência do controle cotidiano das
mentes e corpos das mulheres nas culturas patriarcais”
57
. Desta forma, a
cidadania e a democratização de gênero ficam ao largo das relações rotineiras
entre homens e mulheres de todas as idades, condição social, escolaridade.
Comumente as mídias impressa, visual, auditiva, eletrônica, televisiva, veiculam
mensagens, explícitas ou não, relacionando mulheres ou meninas a temas
relativos a consumo, violência, pornografia. Apesar de as mídias, em especial a
eletrônica, ser em um canal aberto que atinge milhões a cada dia, capazes de ser
um elemento de sensibilização, divulgação de novos paradigmas não
estereotipados relativos à mulher, dando visibilidade aos problemas enfrentados
por elas, como a questão da violência contra as mulheres, a pequena participação
política, colaborando com a eqüidade de gênero, este potencial não tem avançado
neste sentido.
55
Ibid., p. 19.
56
DANTAS-BERGER, Sônia Maria; GIFFIN, Karen. A violência nas relações de conjugalidade:
invisibilidade e banalização da violência sexual? In: Caderno de Saúde Pública. Rio de Janeiro:
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, mar-abr, 2005, p. 418.
57
Ibid., p. 418.
58
Cada um dos elementos separadamente seria suficiente para a mantença da
visão arcaica sobre as mulheres. Tais elementos conjugados potencializam os
preconceitos sociais e culturais, teimando no amoldamento das personalidades de
forma arquétipa, possibilitando a persistência das diferenças entre homens e
mulheres no Brasil.
Neste contexto, a adoção de medidas em favor das mulheres que estejam além de
medidas políticas ou legislativas é necessária, pois que, comprovada a defasagem
entre as garantias constitucionais e a realidade fática, urgem medidas afirmativas
e específicas, buscando uma compensação histórica e cultural face ao construído
difícil de ruir, principalmente visando interromper essa rota, uma vez que as
“crianças introjetam o gênero, o que ajuda a construir a identidade de homem e
mulher, e o expressam obedecendo a papéis sociais [...] uma política de gêneros,
significa conviver com as diferenças”
58
, sem discriminação por ser mulher.
Outro exemplo de discriminação perseverante está na questão do trabalho.
Ficaram no isolamento as manifestações quanto à reprovação do trabalho
feminino, que nas últimas décadas a participação da mulher no trabalho fora de
casa se tornou quase uma necessidade, pois o trabalho remunerado feminino atua
ativamente no orçamento doméstico.
A História não desmente que a atividade laborativa feminina colaborou muito para
a emancipação da mulher no espaço público (e no doméstico), Aliadas à liberação
na educação, freqüentando os mais diversos cursos, ou mesmo sem eles, as
mulheres puderam demonstrar que têm as mesmas capacidades/habilidades que
os homens também a nível profissional. A velha “fragilidade” deu lugar à
confirmação de realização de tarefas com igual ou melhor resultado. Essas
58
PATARRA, Judith. Mulheres brasileiras caminhos e tendências. In: ABURDENE Patrícia.
NAISBITT, John. Mega tendências para as mulheres. Trad. Magda Lopes. 2. ed. Rio de Janeiro:
Rosa dos Tempos, 1994, p.183.
59
mudanças contribuíram para a independência financeira, para a caracterização de
uma “nova mulher” mais cônscia de si.
Dantas-Berger e Giffin afirmam que “estamos diante de uma transição de gênero.
A relativização da tradicional divisão sexual do trabalho e do controle sexual indica
que o patriarcado não é mais o mesmo, seu efeito sobre as mulheres não é
homogêneo.”
59
Realmente, a independência financeira, as novas condições legislativas sobre
guarda de filhos, pensão, entre outros, fortaleceu a mulher na batalha de sua
plena emancipação, se desvencilhando do marido/companheiro, já que deste não
mais dependia seu sustento (bem como de sua prole). Ainda assim, tal progresso
coexiste com o tratamento diferenciado em termos de remuneração e preconceito
de gênero.
Logo nos primeiros tempos de conquistas femininas, especialmente no período de
guerra, quando chamadas à frente das fábricas e dos variados setores da
economia e mercado, as mulheres sofreram o golpe do descrédito com o pós-
guerra com a volta dos homens, que reclamaram seus postos de trabalho, tendo a
mão-de-obra feminina sofrido com a depreciação dos salários àquelas que
necessitavam continuar a trabalhar; junto veio o preconceito quanto às mulheres
casadas, pois agora, com os maridos de volta, deles precisavam cuidar.
De interesse singular é o aspecto da depreciação salarial, arrastou-se do pós-
guerra aos dias atuais. No Brasil, a mulher representa grande parte da mão-de-
obra ativa; tem bons níveis de escolaridade e ainda assim os salários são
menores se comparados aos salários masculinos, reforçando a permanência do
preconceito, na visão retrógrada, escandalizada na segregação ocupacional e na
prevalência da condição de gênero como parâmetro em vez do enfoque na
qualificação.
59
DANTAS-BERGER e GIFFIN, 2005, p. 419.
60
A pesquisa Mulheres e Salário em Mercado de Trabalho Metropolitano, realizada
pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE), em março de 2007, comprova as disparidades na população
ocupacional de baixa renda, conforme se dispõe:
É comum afirmar-se que as trabalhadoras recebem menos do que os
homens porque se inserem profissionalmente em ocupações de menor
qualificação, produtividade e prestígio social. Estas reflexões são
verdadeiras, porém permanecerão incompletas se a elas não se agregar
a evidência de que os chamados guetos ocupacionais femininos
resultam de uma construção cultural, que designa o lugar das mulheres
no mundo produtivo. [...] São também acentuadamente distintas as
proporções de homens e mulheres que vivem do salário mínimo. Ainda
que, também para eles, haja grande diferenciação regional, a proporção
de homens remunerados em níveis mínimos se limitava a 34,9% em
Recife e 9,2% em Porto Alegre. (Gráfico 2).
60
Vê-se que a autonomia conseguida, estando as mulheres cada vez mais
participantes da vida econômica do país, alcançando quase todas as categorias
profissionais, incluindo-se mesmo as mais qualificadas, que alcançam postos mais
elevados, isso o se traduziu em igualdade de renda em relação aos homens.
Também o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirma o
enunciado quanto ao rendimento médio, na pesquisa Perfil das Mulheres
Responsáveis pelos Domicílios no Brasil, baseados em dados do Censo 2000:
Os números da pesquisa mostram, também, que apesar da defasagem
entre os rendimentos dos dois neros continuar diminuindo, a
remuneração média de trabalho das mulheres ainda ficou em patamar
muito inferior ao dos homens. Considerando as pessoas ocupadas com
rendimento de trabalho, a remuneração média de trabalho das mulheres
em 1992 representava 61,6% da recebida pelos homens e, em 1999,
alcançou 69,1%. Em 1991, a renda das mulheres equivalia a 63,1% da
dos homens. em 2000, esta relação atingiu 71,5%, reduzindo-se a
60
Gráfico referente a citação:
Proporção de homens e mulheres ocupados que recebem até um salário mínimo
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 2006
Belo
Horizonte
Distrito
Federal
Alegre
Recife
Salvador
São
Paulo
Homens
14,2
11,0
9,2
34,9
27,5
11,5
Mulheres
34,9
28,6
20,9
53,8
49,2
26,0
Fonte: Convênio DIEESE/Seade, MTE/FAT e convênios regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE.
61
desigualdade entre homens e mulheres. Um exemplo é o rendimento
médio mensal das mulheres responsáveis por domicílios R$ 591,00
—, inferior ao dos homens na mesma condição R$ 827,00. Metade
delas sustenta a família com menos de 1,8 salário mínimo (R$ 324,00).
A disparidade se repete em todas as regiões do país, sendo que o maior
rendimento médio feminino é encontrado no Sudeste — R$712,00 — e o
menor, no Nordeste — R$ 376,00.
61
Não é diferente quando se tratam de cargos ou postos de comando. Outro estudo
denominado Trabalho, Renda e Políticas Sociais: Avanços e Desafios,
desenvolvido por pesquisadoras da Fundação Carlos Chagas, em 2000,
demonstra que:
[...] Como em todas as profissões analisadas anteriormente, também as
diretoras de empresas do setor formal obtêm rendimentos inferiores aos
dos homens. É fundamental lembrar que a remuneração em empregos
de patamares mais altos costuma ser muito maior do que a recebida por
trabalhadores de outros níveis ocupacionais razão pela qual 59% dos
diretores de empresa analisados por Bruschini e Puppin ganhavam, em
2000, mais de 15 salários mínimos ou não declaravam seus rendimentos
(categoria ignorado). Apesar do nível elevado, o diferencial de gênero
também foi constatado entre os diretores das empresas brasileiras, nas
quais quase 70% deles, mas pouco mais de 30% delas, recebiam
remuneração média mensal superior a 15 salários mínimos.
62
A situação das mulheres negras se apresenta ainda pior:
A realidade das mulheres não-brancas, em especial as
afrodescendentes, é ainda mais dramática. De acordo com dados
mencionados no Relatório Nacional Brasileiro relativo aos anos de 1985,
1989, 1993, 1997 e 2001, apresentado ao Comitê Cedaw, os
rendimentos das mulheres não-brancas chegam a 70% inferiores aos
homens brancos e 53% inferiores aos das mulheres brancas. São
também 40% inferiores aos salários dos homens não-brancos.
63
61
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/07032002mulher.shtm.>
Acesso em 8 dez. 2007.
62
BRUSCHINI. Cristina. LOMBARDI, Maria Rosa. UNBEHAUM Sandra. O Progresso das Mulheres
no Brasil – Trabalho, Renda e Políticas Sociais: Avanços e Desafios. Disponível em:
<http://www.mulheresnobrasil.org.br/interno.asp?canal=trabalhorenda&id=bibliografia.> Acesso em
07 dez. 2007. p. 74.
63
PIOVESAN, Flávia. Direitos Civis e Políticos: A Conquista da Cidadania Feminina. In: PUGLIA,
Júnia (Coord.). O Progresso das mulheres no Brasil. Brasília: UNIFEM Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, 2006, p. 47.
62
Na verdade, a raiz da diferenciação é de identidade, como ensina Patarra:
Na vida profissional, o sentimento de despreparo é mais evidente.
Mulheres sentem-se inferiores aos homens, mesmo que tenham
estudado, com sucesso, na mesma escola. Cursos não bastam. O mal-
estar vem da identidade de ser mulher. É a interiorização da ideologia.
Uma das explicações está na convivência do modelo antigo, das avós,
com a mulher moderna. Quando as jovens entram na faculdade os
modelos se misturam, mas prevalece o da avó: ela não terá que
trabalhar, aparecerá um homem. A faculdade para a avó, significava
adquirir cultura, ter conversa. Como ler jornal. Estudar não era para ser
bem sucedida profissionalmente, com essa vivência interna, o
aprendizado é diferente. A mulher sente que seu projeto é do mundo
privado. Seu salário apenas complementaria o masculino. Mas não!
64
Assim é que a situação das mulheres brasileiras concilia escolarização crescente,
possibilidades de atuação nos mais variados campos profissionais, aceitação
social e familiar do trabalho feminino com possibilidades de carreira restrita (ainda
mais quando se fala da dupla ou tripla jornada), inferiorização de seus
rendimentos, definição de tarefas exclusivas femininas, determinadas pelo gênero
e por qualidades naturais da mulher, o que se traduz em reforço das disparidades,
do tratamento desigual e anticonstitucional.
Ainda, importa saber a razão que leva a mulher ao trabalho fora de casa. Em se
falando de necessidade de trabalho, a presença da mulher no mercado se de
forma a que ela acumule dupla ou tripla jornada. O trabalho não surge como meio
de promoção individual, como satisfação, mas principalmente por estar a mulher
compelida a manter a família como arrimo ou como renda complementar. Porém,
ainda nas atitudes cotidianas de homens e mesmo mulheres, os afazeres
domésticos pertencem a ela, como uma herança! Retomamos o entendimento de
Berger e Giffin, “tendo, agora, responsabilidades não somente na esfera
doméstica, mas também na provisão material da família, vive uma atualização das
desigualdades de gênero.”
65
64
PATARRA, 1994, p. 450/451.
65
DANTAS-BERGER, 2005, p. 423.
63
Não bastasse a diferenciação salarial nos variados graus profissionais, a mulher
ainda carrega quase que sozinha os encargos dos afazeres domésticos e
cuidados com os filhos. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD)
considerou tal aspecto, chegando aos números elevadíssimos a seguir:
Ainda segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD),
realizada pelo IBGE no país, na população de mulheres que trabalhavam,
a parcela das que também exerciam afazeres doméstico passou de 90,0%
em 1992 para 93,6% em 1999.
66
É paradoxal, o antigo modelo não serve, a mulher vê-se pressionada a trabalhar
fora de casa, pelo sustento da família, complementação de renda ou realização
profissional, mas juntamente tem de dar conta de todo o restante, filhos, escola
dos filhos, casa, alimentação, marido. O próprio sistema que antes a excluía exige
agora que ela esteja disponível às responsabilidades do trabalho, demonstrando
que pode ocupar o lugar reivindicado, mas exigindo que desempenhe qualquer
tarefa ao modo masculino, dentro do referencial masculino (sem receber como os
homens). Porém, um padrão não se encaixa no outro, como diz Bruschini a
respeito: “a mulher não é um trabalhador como outro qualquer.”
67
Além disso, o uso do referencial masculino para padronizar a mulher no mercado
de trabalho atinge a maternidade como responsabilidade da mãe. Continua o
entendimento de que a ela cabe (como a gestação) a educação dos filhos, o
que acaba em mais um entrave na equiparação social-profissional de gênero.
Retoma-se as considerações de Bruschini:
[...] A maternidade torna a mulher cidadã de segunda classe; ter filhos é
considerado empecilho ao seu crescimento na esfera pública [...] seria
preciso pensar a maternidade de forma diferente, envolvendo o homem
na maternagem.
68
66
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/07032002mulher.shtm.>
Acesso em 8 dez. 2007.
67
BRUSCHINI, Cristina. LOMBARDI, Maria Rosa. O progresso das Mulheres no Brasil Trabalho,
Renda e Políticas Sociais: Avanços e Desafios. Disponível em:
<http://www.mulheresnobrasil.org.br/interno.asp?canal+trabalhorenda&id+bibliografia.> Acesso
em: 7 dez. 2007.
68
Ibid.
64
Mas, de todas as causas possíveis de persistência das diferenças entre homens e
mulheres, destaca-se o que vai mais profundamente ao senso comum do povo
brasileiro: uma enraizada mentalidade da lógica mercantilista, a lógica do mercado
(capitalista) desmerecedora do ser, que acompanha esta Nação desde seus
remotos ideais. Se a mulher é tida na sociedade como de um valor menor, a
remuneração que recebe pode ser inferior também. A cultura
69
permite que assim
o seja. Essa gênese portuguesa foi muito bem traduzida por Faoro na contundente
demonstração do quanto a formação do Brasil está disposta ao modo do
descrédito a quem é tido de pouco valor:
[...] O primeiro golpe de vista, embaraçado com a realidade exótica,
irredutível aos esquemas tradicionais, apenas revelou a esperança de
novos caminhos dentro do pisado quadro mercantilista. O descobridor,
antes de ver a terra, antes de estudar as gentes, antes de sentir a
presença da religião, queria saber de ouro e prata.
70
O mercado, desde sempre significou o alvo no Brasil, a mantença das certezas
dos poderosos à custa do desprezo pelas gentes e, principalmente, pelas gentes
que não pudessem atender ao mercado. Claro que a situação jurídica da mulher
no final do século XX e início de XXI não se compara com a situação do
Descobrimento, da Colônia e dos períodos seguintes; mas a maneira de pensar
carrega quinhões da aprendizagem contínua de quatro séculos e meio, o insigne
Faoro diz, inclusive, que veio para não mais sair:
A ideologia coerente com a realidade seria o mercantilismo, só
tardiamente afirmado nos escritores portugueses. Veio tarde o ideário,
69
Acata-se aqui a posição de Antonio Carlos Wolker: “Deixando de lado a concepção elitista de
cultura associada à acumulação e conhecimentos, à uniformidade de padrões transmitidos e à
racionalidade individualista busca-se introduzir a noção de cultura à práxis humana e às
manifestações intelectivas da consciência criadora de um povo. [...] Aparece aqui a opção
comprometida do jurista-historiador por uma narrativa calcada na compreensão de cultura como
instrumental de significações capaz de sublinhar a historicidade das contradições entre
alienação/dependência/exploração e libertação/emancipação, que no que se refere aos indivíduos,
que no que se refere às instituições sociais.” WOLKMER, Antonio Carlos. Historia do Direito no
Brasil, ver. e atua. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 3-4.
70
FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 13. ed. São
Paulo, Globo, 1998, p. 62.
65
mas veio para não mais sair, transmitido ao Brasil, onde, apesar do
deslumbramento liberal dos séculos XIX e XX, perdurou na política
econômica, quer no setor público, quer no setor privado.
71
A formação brasileira caracterizada por um poder central muito forte, que
embaraçou o desenvolvimento de uma formação social espontânea levando em
consideração os aspectos peculiares nacionais, determinou o comportamento
social também. A relação “estamental”
72
entre Estado e povo, com privilégios para
uns e nada ou quase nada para tantos, com comandos vindos de cima para baixo
de forma piramidal, seguiu-se do público para o privado, sem separação entre
eles.
Toma-se, então, a visão de Faoro numa concepção modificada de que o privado
seja correspondente ao lar, às relações familiares, reproduzindo o formato público
de comando centralizado-privilegiado ao homem em detrimento à comandada sem
voz ativa, que seria a mulher. Por óbvio que a mulher hoje tem voz ativa, contudo
a consciência arraigada do comando assimétrico exercido dentro de casa explica
as disparidades sociais em relação à mulher em geral.
A hierarquia com vistas à obtenção da manutenção do poder e lucros é fato na
História brasileira e relevante para o entendimento das relações sociais de gênero.
Se o lucro é a principal bússola do sistema internalizado, se uma estrutura de
classes é necessária para que as ambições de autoridade e domínio sejam
mantidas e se para isso é necessário que a figura central desta conexão esteja a
salvo a figura do homem que manda, então a mulher é vista como inábil para
cumprir com as mesmas funções desempenhadas por eles, quer por considerar-se
habilitada naturalmente apenas para determinadas funções, quer por dias de
cólicas, procriação ou de aleitamento, o que leva a produzir” menos;
conseqüentemente, a diferenciação de gêneros se legitima, a remuneração inferior
também, assim como o surgimento de uma classe inferior, tornando-se um meio
de ação cultural, como expressa Alves:
71
Ibid., 1998, p. 99.
72
Expressão utilizada pelo autor Raimundo Faoro na extensão da obra citada.
66
Se atentarmos para a estrutura social, vamos verificar que as relações
que os homens guardam entre si por meio dos bens de produção
(relações estruturais) são importantíssimas para caracterizar não o
processo de produção da vida material da sociedade, mas também para
delinear os grupos sociais distintos, as classes sociais. [...] É evidente
que tais relações estruturais vão marcar fundamentalmente a vida social
e os valores sociais. E nesse sentido vão influir expressamente na
maneira de pensar dos homens, na maneira pela qual as elites e o povo
compreendem e realizam a cultura.
73
Aproveita-se do pensamento do professor paulista, transportando-o para a
situação existente quanto ao gênero, diz ele “o ditador é o mercado”
74
, a
distribuição das riquezas não obedece a um processo natural, mas social e
político, por isso o fatos que influenciam as pessoas em como enfrentam o
mundo, se articulam e se interagem, através de “forças tradicionais e
conservadoras”
75
, aproveitadas aqui como as forças do gênero masculino em
continuar no poderio, na pirâmide hierárquica de poder patriarcal, no subjulgar o
gênero feminino, que não aceitam mudanças com o fim de manter e/ou ampliar as
vantagens, fator encontrado em grande escala nas relações entre os gêneros seja
no campo profissional, doméstico, conjugal, familiar ou social, demonstrando
claramente a pretensão de dominação exercida pelo homem.
Parte das mulheres também pactuam com esta mantença de poder, mas, por
outro lado, protagonizaram mudanças sociais e legislativas profundas através de
suas lutas e reivindicações. Em conseqüência destas, tiveram maior visibilidade
assim como os problemas a elas relacionados dentro da estrutura das relações
sociais e familiares, como é o caso da violência doméstica. Ainda assim é
necessário que o questionamento dos estereótipos baseados no nero em
relação aos papéis desempenhados por homens e mulheres no ambiente público
73
ALVES, Alaor Caffé. [et. al]. O que é a Filosofia do Direito? Barueri, SP: Manole, 2004, p. 80.
74
Ibid., p. 103.
75
Ibid., p. 103.
67
e privado prossiga, pois as ciladas da diferença, como vistos nos pontos
abordados, caminham pari passu no Brasil.
O evolver legal não conseguiu estancar as disparidades. Em casa, no trabalho, na
vida pública, de modo geral, há ainda muito menosprezo pela pessoa da mulher. A
reprodução das estruturas de poder da esfera pública para o ambiente doméstico
também reflete tal menosprezo. uma espécie de resistência a mudanças de
pensamento e atitudes, sem dúvida uma forte causa de persistência das
diferenças entre homens e mulheres.
Malgrado todo o aparato legislativo e jurídico, ainda muita diferenciação entre
os gêneros. Infere-se de todo o exposto que o internalizar dos valores, do modo
de vida, de uma nova cultura, da visão respeitosa do outro é bastante paulatino,
ficando as leis como coadjuvantes, sendo auxiliares na condução da equiparação,
por isso ainda muita violência contra a mulher e muita violência doméstica e
familiar contra a mulher.
3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICAASPECTOS DEMARCATÓRIOS
As reflexões até aqui trabalhadas embasam as diferenciações de gênero no
âmbito socioculturais e jurídicas, chegando-se a uma equiparação formal não
impeditiva de que essas diferenciações se traduzam em violações aos direitos
femininos conquistados.
Como já foi demonstrado, mas é necessário frisar que a questão da agressão às
mulheres nas várias modalidades, ainda que se tenha uma legislação pertinente
para tratar o assunto, vem de uma cultura de hierarquia, de patriarcado, de
submissão da mulher, de uma visão preconcebida das mulheres e acatada sem
questionamento por séculos; por isso adota-se a posição de Saffioti quanto à
violência contra as mulheres dentro do conceito de dominação-exploração (melhor
elucidado adiante).
68
No Brasil, dada à cultura dominadora masculina fortemente marcada no senso
comum do povo brasileiro por todas as razões vistas anteriormente, a opressão à
mulher manifesta-se quase espontaneamente. O número de mulheres que sofre
todo tipo de agressão chega a ser constrangedor para a sociedade, pois a
violência contra a figura feminina não é um problema das mulheres, é um
problema dos homens e do país.
A violência contra as mulheres mostra um desajuste nas relações de poder entre
os gêneros masculino e feminino, ora foi respaldado legalmente, ora pela religião
ou pelas práticas habituais da sociedade, de modo que adentrou nos costumes
como algo comum, natural.
Mas não é natural, é social; se aprende e se reproduz. A convicção dos papéis no
cotidiano brasileiro é alimento para o tratamento desigual e agressivo, em que
pese não ser um fenômeno exclusivamente nacional, já que secular e
indiscriminado, bem como um fenômeno complexo e abrange vários aspectos,
diversificadas razões e múltiplas conseqüências, como de resto, qualquer
violência.
Não foge desses contornos a violência doméstica de gênero. Todavia, antes de
tratar diretamente deste tipo de violência, é preciso (mesmo breve) passar pelo
conceito de nero, de violência de nero, que aquela está neste universo
inserida.
3.1 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL
Como dito, a violência de gênero é resultado de uma complexa teia de fenômenos.
No Brasil, do patriarcalismo colonial à redemocratização, existem fatores que
influenciam a violência em maior ou menor grau. A expressão concentra em si
várias outras conceituações, como é o caso de gênero.
69
É tido como um conceito socialmente estruturado, de maneira não-universalizante,
usado para compreender as complexidades de ser um humano homem ou um ser
humano mulher, não apenas numa lógica estática da dicotomia sexo/homem e
sexo/mulher, há, na verdade, uma dialética na construção do conceito envolvendo
vários aspectos, tanto biológico, quanto social, cultural, enfim, o se confunde
com um conceito universal do que seja homem ou mulher; se constrói gênero a
partir do contexto histórico, social, cultural e político.
Assim, alcança a capacidade de ser um método de abordagem para as relações
entre homens e mulheres de uma dada sociedade e, especialmente, auxilia bem
na reflexão da problemática existente nas relações conflituosas entre homem e
mulher envolvendo violência doméstica e familiar, isto é, significa que este
problema será lido através da construção histórica das relações sociais entre os
sexos.
Com o uso corrente, o conteúdo ampliou-se, havendo uma certa dificuldade
76
de
conceituação; porém, importa para o presente estudo a conotação quanto à
opressão às mulheres e, por isso mesmo, como um instrumento capaz de
detectar e dimensionar as desigualdades e os conflitos entre os sexos”
77
(Teles,
2007, p. 42), uma categoria de análise das relações entre o masculino e o
feminino; uma nova maneira de pensar:
Sem dúvida não se trata apenas de um novo rótulo, mas, de uma opção
por uma mudança de ordem epistemológica, ou seja, uma via teórica, no
sentido de caracteriza uma relação, desvinculado do sexo.
78
76
Para uma visão mais ampla da diversidade de abordagens, consultar: TELES, Maria Alia de
Almeida. O que São Direitos Humanos das Mulheres. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 37-61 e
SAFFIOTI, Heleieth. Labrys Estudos Feministas, Número 1-2, julho/dezembro, 2002.
77
TELES, 2007, p.42.
78
TAVARES, Fabrício André. PEREIRA, Gislaine Cristina. Reflexos da Dor: contextualizando a
situação das mulheres em situação de violência doméstica. Revista Virtual Textos & Contextos,
n.8, ano VI, dez.2007. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile.> Acesso em 3 jan. 2008.
70
Durante muito tempo se acreditou que gênero estivesse ligado apenas às
características biológicas e naturais de cada ser (homem ou mulher), entendendo-
as inalteráveis; porém, se acrescentavam valores e comportamentos tidos como
próprios de cada sexo. Com os estudos e pesquisas interculturais mais recentes
realizados no final do século passado, ficou constatado que tais características e
comportamentos não estavam tão alheios à intervenção humana, tampouco eram
congênitos. Com isso, passou-se a englobar na construção da identidade de cada
ser:
Um além do capital genético, uma bagagem sócio-cultural, política e
histórica pessoal e coletiva [...] a identidade sexual é biológica, exclui
aspectos insignificantes nesse sentido, como: sentimentos,
pensamentos, comportamentos. Ser homem ou ser mulher é agir de
acordo com as expectativas da sociedade [...] ao mesmo tempo, é sobre
o corpo biológico, que o atribuídos os papéis e os valores de gênero,
construídos socialmente, podendo variar em cada cultura ou sociedade,
desta forma, os perfis ficam dicotômicos, estereotipados.
79
Gênero surge com a conotação de romper com essas noções binária, dualista ou
de dicotomia entre homem e mulher, trazendo a noção relacional; homem e
mulher passam a ser definidos em termos de reciprocidade. A partir de então, não
se pode entender um dos sexos sem levar em consideração a relação
estabelecida – materialmente ou não – com o outro; rejeita-se qualquer explicação
puramente fisiológica para explicar as formas de subordinação das mulheres, por
exemplo. Os papéis de ambos são, portanto, construções integralmente sociais e
culturais.
Portanto, entende-se que a categoria de nero informa sobre o
conjunto de normas, valores, costumes e práticas por meio das quais a
diferença biológica entre homens e mulheres é construída no interior de
cada cultura e simbolicamente significada e representada. A ela se
agrega uma série de outras desigualdades já identificadas: de raça/etnia,
geracional, regionalidade, religião, de condição identitária, ser um(a) ex-
dentento(a), dona de casa, analfabeto(a), portador(a) de deficiência
física, ser pobre, família, entre outras. A utilização da categoria de
gênero enfatiza a existência de um sistema de relações sociais entre os
homens e as mulheres.
80
79
FUINI, Silvana Cruz. Equidade de Gênero – Intercâmbio Goiás-Quebec, SEC-GO, 2007,
p. 87. Disponível em: <http://www.goias-quebec.com.> Acesso em 28 dez. 2007.
80
Ibid., 2007, p.88.
71
Ressalva-se que a adoção de gênero como categoria de análise não significa
dispensar o conceito de patriarcado
81
, ao contrário, toma-se de Saffioti a
confirmação para o entendimento utilizado neste estudo, de que o que se tem no
Brasil é um patriarcado de gênero, ou seja, relações sexistas alimentadas por uma
hierarquia de formação perpetrada pelos sistemas políticos escolhidos pelos
governos do Brasil ao longo de sua história, na linha de dominação-exploração
acolhido por Saffiotti.
A ordem das bicadas na sociedade humana é muito complexa, uma vez
que resulta de três hierarquia/contradições de gênero, de etnia e de
classe. O importante a reter consiste no fato de o patriarca, exatamente
por ser todo poderoso, contar com numerosos asseclas para a
implementação e a defesa diuturna da ordem de gênero garantidora de
seus privilégios. Usa-se o conceito de dominação-exploração, porque se
concebe o processo de sujeição de uma categoria social com duas
dimensões: a da dominação e a da exploração [...] exploração e
dominação não são, cada um de per se processos diferentes,
separados; prefere-se entender exploração-dominação como um único
processo, com duas dimensões complementares.
82
Para a professora Saffioti, o patriarcado está intrincado com o capitalismo
segregacional, que usa a dominação do homem adulto, branco e rico (maior
favorecido) para pôr em prática a dominação ideológica e a exploração econômica
numa cadeia que subjulga a mulher (e não só ela) para sustentar o sistema.
Porém, esta dominação-exploração, em se tratando de gênero como categoria de
análise, não pode ser entendida apenas como dominação-exploração do homem
81
A exemplo de IZUMINO, Wânia Pasinato, que entende que o paradigma do patriarcado não dá
conta mais de justificar as relações entre homens e mulheres dado as mudanças de
comportamento de ambos na sociedade, para ela pensar em dominação patriarcal nas relações de
gênero significa entender essas relações como engessadas numa fórmula de poder que não mais
existe, vez que agora, as relações de gênero se dá de maneira dinâmica. Para a autora a definição
de homem e/ou mulher tem uma interdependência, uma definição depende da outra, sem, contudo,
implicar em relações de dominação.
A professora Izumino entende haver interdependência, mas não dominação porque as mulheres
também agridem; a professora Saffioti, afirma que uma relação de hierarquizada de
dominação-exploração, sendo característica predominante nas relações de gênero. Para
aprofundamento no pensamento da autora, consultar Justiça para Todos: Os Juizados Especiais
Criminais e a Violência de Gênero, USP, 2003.
82
SAFFIOTI, Heleieth. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Disponível
em: <http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys1_2/heleieth.html.> Acesso 10 dez. 2007, p. 16-17.
72
para com a mulher, o reverso além de outras formas também é aceito, já que
a dominação-exploração pode ser exercida por quem esteja no poder exercitando
o papel de patriarca, embora não seja a regra. Ainda assim, este conceito tem
relevância para a violência doméstica e familiar porque está intrinsecamente
ligado à posição de dominação trabalhada anteriormente, e, como as próprias
estatísticas não desmentem, tal dominação é exercida, em regra, pela figura
masculina mesmo.
Por conseguinte, se entende o patriarcado não como algo estático, de perímetro
inflexível, pois nas relações de gênero a dominação masculina nos dias atuais
vem acrescida de fatores relevantes a se considerar como a capacidade da
mulher de reagir, quer nos espaços público ou privado. A figura da mulher
altamente submissa, aceitante de toda e qualquer atitude de submissão está
decaindo. Na contemporaneidade, o patriarcado é exercido muitas vezes como
pano de fundo aliado ao sistema perverso de mercado; a relação de poder está
implícita, mas há a resistência feminina.
Abrir mão do conceito de patriarcado é desmerecer uma teoria que explica a
realidade fática de diferenciação, em que pese, isoladamente, ser incapaz de
tornar inteligível as disparidades socioculturais em função da complexidade
crescente nas relações entre os gêneros e a própria sociedade, quer a conjuntura
do patriarcado, quer a de gênero.
A delimitação conceitual de gênero leva à visão de ser este uma categoria de
análise para se examinar a construção social do que é feminino e masculino de
maneira histórica e contínua. Nesta análise, não como se desvencilhar do
conceito de patriarcado, pois, que este caminha com constância na construção
daqueles. Nessa linha de pensamento, Giordani ressalta:
O termo gênero pode ser entendido como uma lente de aumento que
facilita a percepção das desigualdades sociais e econômicas entre
mulheres e homens, que se devem à discriminação histórica contra as
mulheres, percebendo a dimensão relacional das mulheres com os
73
homens e o poder tanto na sociedade brasileira como nas demais
sociedades do mundo.
83
Do conceito de gênero, portanto, deriva a expressão violência de gênero, muitas
vezes confundida com violência à mulher; porém, não o sinônimos. A primeira
engloba uma variedade de fatores, expressos acima; a segunda, uma espécie.
O que vem a ser, então, violência de gênero? Violência de gênero é uma categoria
que abarca violência contra a mulher, que, por sua vez, pode se desdobrar em
violência doméstica e violência intrafamiliar no âmbito das relações familiares
(foco de interesse do presente trabalho).
Na verdade, violência de gênero é um conceito mais amplo; traz a característica
relacional do próprio conceito de gênero, admitindo a inter-relação entre “as
próprias mulheres, entre os próprios homens, assim como as relações entre
mulheres e homens, na percepção de relações/hierarquias entre pessoas do
mesmo ou diferente sexo
84
. Assim, abrange violência também de um homem
contra homem ou praticada de uma mulher contra outra.
O que leva à crença de violência de gênero ser considerada violência apenas
contra a mulher é o número assombroso e reincidente de condutas provocadas
pelo homem à mulher na sociedade, em qualquer espaço. Uma conduta reiterada
de opressão, subordinação, dominação e agressões. Vale mencionar alguns
números:
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência contra a mulher é
responsável por aproximadamente 7% da totalidade de mortes de mulheres
jovens/adultas no mundo, quase metade assassinadas pelo marido/companheiro
atual ou ex (o que revela um dos perversos lados da violência doméstica).
83
GIORDANI, Annecy Tojeiro. Violências contra a mulher. São Caetano do Sul, SP: Yendis
Editora, 2006, p. 99.
84
TELES, Maria Amélia de Almeida. O que são Direitos Humanos das mulheres. São Paulo:
Brasiliense, 2007, 44.
74
Na América Latina e no Caribe, a situação não se modifica. O Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) divulgou, em 26 de
novembro de 2007, um relatório de 142 páginas, intitulado “Nem uma a mais.
O
direito de viver uma vida livre da violência na América Latina e no Caribe",
constatando a persistência da violência contra a mulher. Conforme o relatório,
61% dos homicídios de mulheres na Costa Rica derivam deste tipo de violência;
no Uruguai, a cada 9 dias morre uma mulher vitimada pela violência doméstica; na
Bolívia, 53% das mulheres são maltratadas fisicamente por seus companheiros.
No Brasil, a pesquisa mais recente, realizada em fevereiro de 2007, pelo Data
Senado, com foco na violência doméstica, diz que em cada 100 mulheres, 15 já
passaram ou estão passando por situação de violência. Maridos e companheiros
são os principais responsáveis pela situação. Em números significa dizer que
aproximadamente 2 miles de mulheres são espancadas por ano no Brasil, o que
equivale a 15 mulheres por segundo. São números alarmantes, mas não
absolutos. Estima-se que pode ser maior devido à dificuldade de as mulheres
assumirem esta condição. A situação é mais grave na Região Norte, onde 1 a
cada 5 mulheres afirmaram ser vítimas
85
. Mais de 40% das violências resultam em
lesões corporais dolosas, decorrentes de socos, tapas, chutes, queimaduras,
espancamentos, estrangulamentos; isso no tocante à violência física. São dados
recentes que configuram um quadro de violência doméstica extrema.
A ressonância de várias vozes, no estudo de Giordani, confirma a utilização de
violência de gênero como violência contra a mulher:
Autores como Chai (1985), Saffioti (1994ª, 1994b), Saffioti e Almeida
(1995), Fontana (1999), Vilela e Gera (2000), entre outros, abordam a
violência contra a mulher predominantemente pelo recorte de gênero,
segundo o qual os homens agridem suas parceiras por desvaloriza-las e
estas os agridem por defesa, fortalecendo, assim, as desigualdades em
uma relação hierárquica embasada na dominação, na exploração e na
opressão do homem sobre a mulher [...] as desigualdades ocorrem no
contexto de uma sociedade multicultural e multirracial como a brasileira,
devendo ser importante levar em conta a não existência de uma
85
Todos os dados estão disponíveis em: <http://www.patriciagalvao.org.br.> Acesso em 3 dez
2007. Além de disponível em:
<http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/noticias/ultimas_noticias/not_unifem_re
latorio_violencia.> Acesso em 3 dez. 2007.
75
categoria homogênea de mulheres. Além disso, a violência contra a
mulher insere-se numa cultura em que a maneira como ela vê a si
própria e é vista é um fator importante no reforço das discriminações e
dos preconceitos que vivencia, levando à violência.
86
Desta forma, um emparelhamento dos conceitos de violência de gênero e
violência contra a mulher. Contudo, é preciso atentar para o caráter científico de
ambos. Assim é que, como indicam as pesquisas, na esfera da família e dos
relacionamentos conjugais o lugar onde a mulher mais é violentada em seus
direitos. A violação também ocorre em âmbito social.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher (1994 Convenção de Belém do Pará), dentro da nova concepção define
violência contra a mulher como “qualquer ão ou conduta baseada no gênero
que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto
no âmbito público como no privado”
87
. Desta feita, a violência contra a mulher
será entendida aqui como um dos tipos de violência de gênero que afeta as
mulheres nos mais variados setores da sociedade, quer pela diferenciação de
gênero nos moldes propostos, quer pela diferenciação dicotômica sexista.
A violência contra a mulher é uma expressão que sintetiza a realidade e destaca
uma situação absurda, em que “mulheres têm seus direitos humanos violados
porque são mulheres.”
88
Por sua vez, a conceituação de violência doméstica também está posta no
Tratado quando especifica a violência contra a mulher no palco privado,
significando na família. O conceito legal se tornou mais alargado no Brasil por
ocasião da promulgação da Lei 11.340, de 06 de agosto de 2007, denominada Lei
Maria da Penha (LPM). Outros pontos (dano moral e patrimonial) de violação
foram contemplados na lei, que conceitua violência doméstica praticada contra
mulheres como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
86
GIORDANI, 2006, p.164.
87
MAZZUOLI, 2007, p. 701.
88
TELES, 2007, p. 71.
76
morte, lesão, sofrimento sico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial.”
89
Tomando-se por definição violência (em geral) como o uso da força física,
psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com
vontade, constrangendo, tolhendo a liberdade, incomodando e/ou impedindo a
outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver grave
e/ou freqüentemente ameaçada, ou até mesmo ser espancada, lesionada ou
morta
90
, tomando-se ainda as perspectivas de gênero mencionadas, a violência
doméstica definida pela lei brasileira está em harmonia com os fundamentos
científicos de gênero, portanto é possível acatar a delimitação conceitual legal.
Novamente, a própria lei dá as definições, separando-as e delimitando o campo de
atuação/omissão para se detectar se estará diante de uma ou outra. O art. 5º, inc.
I do referido diploma estabelece que a violência doméstica ocorre quando
praticada em unidade doméstica, sendo aquele espaço de convívio permanente
de pessoas, com vínculo familiar ou não, aceitando outros que estejam
temporariamente incluídas.
quanto à violência familiar, art. 5º, inc. II da LMP, assim se considerada
quando os atos ou omissões contra as mulheres se dêem no âmbito da família, ou
seja, cometida por alguém que pertença a uma comunidade formada por
indivíduos que são ou se reputam aparentados, unidos por vínculos naturais,
afinidade ou vontade expressa.
Na violência doméstica, há um acréscimo de pessoas, incluindo aquelas que
mesmo não pertencendo à comunidade familiar convivam com o agressor,
“tendendo a reconhecer neste contexto pessoas como os(as) empregados(as)
89
SOUZA, Ricardo Sergio de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba:
Juruá, 2007, p. 44.
90
TELES, 2007, p. 69.
77
domésticos”
91
; e mais, a expressão unidade doméstica deve ser entendida no
sentido de que a violência foi praticada em razão dessa unidade da qual a vítima
faz parte. A mulher agredida deve fazer parte da relação doméstica instalada
naquele local onde o agressor exerce o pátrio-poder.
No caso da violência familiar, de forma bastante atual, a relevância são os
vínculos afetivos que unam os indivíduos, abarcando todas as “estruturas de
convívio marcadas por uma relação íntima de afeto, o que guarda consonância
com a expressão que vem sendo utilizada modernamente: Direito das Famílias”
92
.
“A violência recai exclusivamente sobre membros da família nuclear, não se
restringindo ao território físico do domicílio.”
93
Não obstante a LMP ter em conta local e afetividade para as mencionadas
distinções, é preciso, sob pena de retrocesso, averiguar a extensão da expressão
violência doméstica/familiar, porque muito mais que formas ou locus da violência,
está implícito todo e qualquer ato de dominação que diminua a pessoa da
mulher enquanto sujeito de si.
A violência contextualizada no interior das famílias, nos lares das pessoas, nas
relações íntimas (mesmo daqueles que não convivam sob o mesmo teto - inc. III,
do art. 5º, LMP sendo a “relação íntima” a causa da violência), paradoxalmente,
encerra dinâmicas de afeto é bem verdade, mas igualmente dinâmicas de poder; a
mulher com todos os seus avanços é ainda quem está em posição de
desvantagem na maioria dos casos de violências no universo das famílias, como
evidenciado pelas pesquisas no Brasil e no mundo.
Por isso, é necessário não perder de vista as causas histórico-culturais dessas
violências. Não se quer dizer que as mulheres sejam agredidas; elas também
91
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: A efetividade da lei 11.340/2006 de
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007. p. 42.
92
Ibid., p. 44.
93
SAFFIOTI, 2002, p. 19.
78
são agressoras de maridos/companheiros (e de outros membros da família,
reforçando que não é de interesse agora), mas elas não têm “como categoria
social um projeto de dominação-exploração dos homens. Isso faz uma gigantesca
diferença”
94
. Elas podem perpetrar a violência doméstica/familiar contra o homem
ou mesmo outra mulher. Todavia, as circunstâncias históricas, sociais e culturais
reforçam um repensar mais profundo:
Se a ordem patriarcal é imposta, as mulheres são efetivamente vítimas
deste estado-de-coisas, pela legitimação social, os homens estão
permanentemente autorizados a realizar seu projeto de dominação-
exploração das mulheres, mesmo que, para isto, precisem utilizar-se de
sua força.
95
Nesse repensar, aproveita-se o raciocínio de Faoro outra vez, aplicando a raiz
estamentária brasileira às relações domésticas/familiares na reprodução do poder
estamental no nível privado. Também nas famílias vê-se uma ordem fechada em
si, com aquele detentor do poder agindo de maneira tal que o poder não seja
compartilhado; usando se preciso de violência em qualquer das suas
modalidades, criando uma ordem social familiar espelhada na ordem social
pública, como “donos do poder” para conservar a primazia.
Não se busca com tal afirmação colocar a mulher meramente no papel de vítima.
Os avanços já tratados revelam que a mulher conseguiu sair do estado de letargia,
e a vitimização percebe a mulher como incapaz de reagir, de se defender; adota a
posição de um conceito rígido de gênero, assumindo o essencialismo biológico ou
social próprio do feminismo inicial.
Claro que epistemologicamente o pensamento feminista de explicação das
diferenças e violências às mulheres pela sua condição fisiológica contribuiu em
muito para dar visão ao problema, mas não se pode entender que tenha parado
aí. As relações travadas entre homens e mulheres se ressignificaram, a partir
mesmo da luta feminista com a nova posição tomada pelas mulheres; as relações
94
SAFFIOTI, 2002, p.2.
95
Ibid, 2002, p. 8.
79
de gênero têm ainda perfil patriarcal sim; as mulheres são mesmo extensamente
mais acometidas pela violência doméstica/familiar, a estrutura socioeconômica
evidencia a discriminação; o machismo e a educação estereotipada também, mas
as mulheres não são mais apenas e simplesmente vítimas. Entender assim seria
renegar todas as conquistas femininas já alcançadas.
Izumino, coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, em que pese
ter posição contrária a adotada quanto ao patriarcalismo, apresenta de maneira
interessante sua posição a respeito da vitimização:
[...] É necessário relativizar o modelo de dominação masculina e
vitimização feminina para que se investigue o contexto no qual ocorre a
violência. As pesquisas sobre o tema vêm demonstrando que a mulher
não é mera vítima, no sentido de que, ao denunciar a violência conjugal,
ela tanto resiste quanto perpetua os papéis sociais que muitas vezes a
colocam em posição de vítima. O discurso vitimista não só limita a
análise desse tipo de violência como também não oferece uma
alternativa para a mulher [...] Na mesma linha de Heleieth Saffioti,
entendemos que não se pode compreender o fenômeno da violência
como algo que acontece fora de uma relação de poder (não se pode
afastar isso, colocando uma igualdade entre os parceiros).
96
Interessante notar que na pesquisa realizada na DEAM - Vitória foi constatada a
presença de várias agressoras, conforme Tabela IV (Agressor/a) do Anexo I.
Diversas são as agressoras, de mães a sogras, de “ex do namorado” a ex-
cunhada, passando por netas, patroa e colega de trabalho. Tal constatação
evidencia que a mulher é também agressora, embora o homem continue sendo o
maior ator nas cenas de violência doméstica e familiar. O marido e companheiro
são os maiores agressores; o primeiro na soma de 265, o segundo com 332
agressores, acompanhados pelos ex-companheiros, com a soma de 197
agressores, dados da mesma tabela, corroborando os dados nacionais e
internacionais.
96
IZUMINO. Wânia Pasinato. SANTOS, Cecília MacDowell. Violência contra as mulheres e
violência de gênero: notas sobre estudos feministas no Brasil. Disponível em:
<http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=1074&Itemid=96.
> Acesso em 10 dez. 2007, p.8. Relembra-se que as professoras Izumino e Saffioti, discordam
quanto à questão do patriarcalismo, mas concordam quanto à relativização da vitimização da
mulher.
80
Assim, ficam entendidos os conceitos de gênero, violência de gênero, violência
contra a mulher, violência doméstica e violência familiar, destacando a relevância
de cada um para a família, especialmente a família maltratada pela violência
doméstica/familiar. Neste propósito entender as relações de gênero, significa
entender a relação conjugal/familiar, por conseguinte, entender a família e um de
seus transtornos, entender também a sistemática das relações sociais e familiares
entre os gêneros, a fim de melhor aplicar a LMP, portanto, é preciso perquirir se
apenas a lei tem mesmo o condão de impedir que novos atos/omissões violentos
se desencadeiem dentro da família. Será o próximo passo.
3.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA/FAMILIAR E A POSITIVAÇÃO
A família, como antes mencionado, vive no Brasil um momento especial. A CF/88
dispensou abrigo para variadas formas de agrupamentos, fundando-as em bases
de solidariedade, afeto, responsabilidade mútua, entre outros princípios citados, e
a LMP ampliou a concepção da entidade familiar para além da orientação sexual.
Dos modelos familiares constitucionalizados aos existentes na vida fática, a
família, mais do que nunca, é o espaço de renovar as forças, onde os seres
humanos procuram guarida, consolo e paz; tanto que pensadores do novo Direito
de Família a definem como um ponto de referência, um ninho em que pese as
transformações ocorridas com o tempo, e independentemente das modificações
na sua formação, vêem a família como essencial em qualquer tipo de sociedade.
Sintetiza-se no que expressa Oliveira e Hironaka
97
:
O que parece ser o melhor modelo num determinado tempo já não
ocupa o mesmo privilegiado lugar logo depois, em tempo ainda próximo.
Apenas uma coisa e certa e parece não mudar jamais: as pessoas não
abandonam a preferência pela vida em família, seja de que molde ou
tipo se constitua seu núcleo familiar. Há, sim, a imortalização na idéia de
família. Mudam os costumes, mudam os homens, muda a história;
parece não mudar esta verdade.
97
Ibid, p. 6.
81
[...] Na idéia de família, o que mais importa – a cada um se seus
membros e a todos a um tempo - é exatamente pertencer ao seu
âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar
sentimentos, esperanças e valores, permitindo, a cada um, se sentir a
caminho da realização de seu projeto pessoal de felicidade. Os seres
humanos mudam e mudam os seus anseios, suas necessidades e seus
ideais, mas, quanto à família a constância valorativa da
imprescindibilidade dela enquanto ninho.
A família continua a ser vista como base, sendo objeto de amparo legal nacional
(e internacional). Dela se espera, hoje, ser um lugar de refúgio, dado o
eudemonismo instalado na nova roupagem deste instituto. Dias fala em “refrigério
do tumulto de fora”
98
, ou seja, a paz e a tranqüilidade têm conotação especial para
a família dos tempos atuais. A felicidade e o afeto são seus novos pilares,
diferente da família institucionalizada patricarcal-patrimonialista, que sofreu
ruptura com a CF/88.
O afeto é acolhido como pressuposto da família moderna; não qualquer afeto, mas
o conjugal, no sentido de conjugar vidas, intimidade, convívio, prenunciados, de
certo modo, com a elevação da maternidade, da esposa zelosa nos séculos XIX e
XX até o segundo quarto deste. A partir daí, a busca da felicidade pessoal dentro
de um núcleo familiar é marca característica da família do tempo vivido, e assim
deve ser, já que se trata de algo especial, o centro de convivência onde o respeito
mútuo deve ser exercido na forma mais alargada.
Acontece que a família harmônica, respeitosa e obediente aos direitos
fundamentais básicos, a paz almejada em contraponto à violência doméstica e
familiar, nos dizeres de Dias,: “não é uma dádiva, é uma verdadeira conquista”
99
e
depende de fatores tanto sociais, profissionais, pessoais, entre vários. Mesmo
existindo afeto e seus desdobramentos entre os entes familiares, a paz doméstica
muitas vezes não é conseguida. O respeito mútuo, alicerce para o alcance de uma
98
DIAS, Maria Berenice. Lar: lugar de afeto e respeito. Artigo Publicado no Jornal Zero Hora, Porto
Alegre, RS, 06/03/1999, p. 15. In: Conversando sobre Justiça e os crimes contra mulheres. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 67.
99
Ibid., 2004, p. 67.
82
família onde seus membros se desenvolvam de maneira plena, como indica a lei,
é transgredido.
Uma das transgressões mais flagrantes à família é exatamente a violência
doméstica/familiar contra a mulher. Esta tem o condão de esfacelar o
eudemonismo doméstico apregoado na atualidade, pois os cônjuges se vêem em
situação totalmente diversa daquela disposta. E não só o casal, uma vez que além
da mulher envolvida na agressão (qualquer que seja) sofrem todos os que estão a
sua volta, como os filhos, os parentes próximos ou aqueles que convivam no
ambiente; são respingados com a violência praticada. Num olhar mais amplo, a
violência doméstica/familiar contra a mulher esfacela a própria sociedade.
A Constituição Federal traz expressa a proteção à família também neste aspecto,
assegurando assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226,
§ 8º). Isto significa que o problema da violência doméstica/familiar, em toda sua
extensão, foi reconhecido pelo Estado, compreendida a sua magnitude e
percebida a necessária intervenção. Assim, esta proteção constitucional deve ser
entendida como um braço para o desenvolvimento da democracia, proporcionando
a existência de uma entidade familiar capaz de formar pessoas felizes e cidadãs.
A família é tutelada como formação social, “lugar-comunidade” que deve
ser propício à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus
participantes, vista sob a perspectiva da unidade familiar entendida
como comunhão de vida, a família se reveste de peculiar solidariedade
que representa implícita impossibilidade de se tutelar interesse individual
que implique negação da realização da personalidade de qualquer dos
integrantes da família.
100
Mas qual o mecanismo utilizado para alcançar este fim? A lei. A reorganização da
sociedade brasileira redemocratizada impeliu para este amparo, movimentos
importantes de organizações não-governamentais têm ganho espaço e voz junto
100
PEREIRA, Sumaya Saady Morhy. Direitos fundamentais e relações familiares. Porto Alegre,
Livraria do Advogado, 2007, p. 93.
83
ao Estado, em prol de uma vida mais digna para mulher, buscando uma vida livre
de violência.
Na verdade, o Brasil vem de sucessivas ratificações de Convenções
Internacionais na intenção de melhorar a situação da mulher brasileira. Desde a
década de 70, o contexto envolvendo violência doméstica/familiar vem sendo
trabalhado. Com a consolidação da linguagem dos direitos humanos nas últimas
décadas, a mulher entrou na pauta dessa discussão. Organismos Internacionais,
Organizações não-governamentais e países debatem a questão da cidadania
feminina, que despontou junto com outros grupos (crianças, grupos étnicos, por
exemplo).
Na base dessa linguagem atualizada, especificamente com relação à mulher, a
preocupação com a reprodução, sexualidade, trabalho, violência doméstica foram
(e são) assuntos debatidos, desembocando em documentos legais internacionais,
compostos de conferências, declarações, compromissos, acordos, tratados,
plataformas, planos de ação. Esses instrumentos legais redefinem conceitos,
estabelecem novos perfis, novos sujeitos de direitos e se tornam fontes de direitos
à população feminina.
Com os compromissos internacionais, o Brasil assumiu uma série de obrigações
específicas para dar cumprimento às disposições, ou seja, o Estado ao ratificar um
compromisso internacional o faz de maneira que coadune com sua legislação
interna, sob pena de mudanças legislativas, pois responde internacionalmente
pelo não cumprimento do convencionado. O mais importante disso é que os
instrumentos legais internacionais aceitos pelo Brasil influenciaram diretamente
nas leis brasileiras e na tomada de posicionamento do Governo quanto a que
caminho seguir, pois são considerados parâmetros:
No plano nacional, esses acordos, convenções, tratados e planos de
ação assinados pelo Estado brasileiro em arenas internacionais
estabelecem parâmetros normativos que legitimam e alicerçam a luta
84
política pelos direitos das mulheres e pela igualdade das relações de
gênero. [...]
101
Assim é que a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), aliada às forças dos movimentos e
organizações em prol da mulher, teve papel destacado na construção legal da
igualdade formal hoje existente. Contra a violência doméstica/familiar, a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher (Convenção de Belém do Pará) teve papel significativo. Outrossim, desde
1993, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos Declaração e Programa
de Ação de Viena (art. 18, 36 a 44) reconhecia a violência doméstica/familiar como
violação de direitos humanos. Vale lembrar que as Convenções definiram
violência e discriminação e declararam direitos, sendo adotadas as suas
concepções em âmbito interno.
Das estratégias elaboradas para a melhora de vida das mulheres, a adequação
legislativa era absolutamente necessária. Pelo histórico legislativo brasileiro, as
mulheres estavam em desvantagem centenas de anos. O reajuste foi preciso
num primeiro passo para endossar as mudanças já ocorridas; num segundo, para
pôr em evidência situações as quais não mais estavam de acordo com os
parâmetros democráticos adotados. Além disso, outro fator importante
prenunciava a necessidade de adequação. Em 1986, a conclamação da
Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução 52/86 aos Estados-
partes a revisarem suas leis, práticas nas esferas criminal e social, de forma a
atender melhor às necessidades das mulheres, assegurando-lhes tratamento
igualitário nos diversos seguimentos de cada Nação.
A adaptação legal era inevitável, como por exemplo, o caso do CC/1916, revogado
pelo CC/2002, CP/1940 (alterado pela Lei 11.106/2005). Mudanças na legislação
101
PITANGUY, Jacqueline. MIRANDA, Dayse. As mulheres e os direitos humanos. In: PUGLIA,
Júnia (Coord.). O Progresso das mulheres no Brasil. Brasília: UNIFEM Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, 2006, p. 28.
85
trabalhista e previdenciária, via de regra, transformações legais para dar
cumprimento às obrigações internacionais, como “as mudanças do Código Penal,
formam em grande parte, aquelas indicadas nas recomendações do Comitê da
CEDAW, por ocasião da apresentação do Relatório Nacional Brasileiro em
2004.”
102
A
crescenta-se o pensamento de Piovesan:
Na experiência brasileira, é essencial observar que os avanços no plano
internacional foram e têm sido capazes de impulsionar transformações
internas [...] O período pós-1988 é marcado, portanto, ela adesão aos
mais importantes tratados internacionais. Essa fase é também
caracterizada pela mais vasta produção normativa de direitos de toda a
história legislativa brasileira. Pode-se afirmar, sem nenhum exagero, que
a maior parte das normas de proteção aos direitos civis e políticos foi
elaborada após a Constituição de 1988.
103
Portanto, no cenário brasileiro houve mudanças importantes na área legal e
jurídica com leis relativas às mulheres ao estabelecer igualdade, romper
formalmente paradigmas antigos. Essas leis têm uma certa conotação de
“prestação de contas” internacional sim, mas o mais importante, é que são
também uma etapa na afirmação de novos valores que, paulatinamente, estão se
acomodando na sociedade brasileira.
Quanto à violência doméstica/familiar se segue o mesmo caminho; a visibilidade
tão indispensável para o enfrentamento do problema se deu com a própria Carta
Magna, constitucionalizando a questão no parágrafo 8º, do art. 226.
Nesta seara, os avanços igualmente se traduziram em legislação. É verdade
que cresce o número de estudos sobre este tipo de violência; o próprio país se
obrigado à reflexão e execução de medidas públicas para o combate a essa
arraigada violação de direitos das mulheres, face aos Relatórios que deve
apresentar ao Comitê CEDAW
104
. Mas o processo de positivação é o novo marco
102
Ibid., 2004, p. 27
103
PIOVESAN, Flávia. Direitos civis e políticos: a conquista da cidadania feminina. In: PUGLIA,
Júnia (Coord.). O Progresso das mulheres no Brasil. Brasília: UNIFEM Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, 2006, p. 36-37.
104
Os relatórios devem ser entregues pelo menos a cada quatro anos ou toda vez que o Comitê
solicitar; o primeiro relatório de ações brasileiras foi enviado ao CEDAW em outubro de 2002
86
na batalha contra violência doméstica/familiar no Brasil através da Lei 11.340 de
07 de agosto de 2006, intitulada Lei Maria da Penha (LMP), fruto também de uma
recomendação do CEDAW.
Apesar da gravidade do problema, de toda a peleja feminina, da equiparação
formal e da proteção constitucional, a renovação legislativa quanto à mulher foi
mesmo efetivada a partir dos anos 90
105
e, até 2004, por exemplo, a violência
doméstica/familiar permanecia sem um dispositivo legal específico, sendo que
em 2006 foi aprovado o necessário texto legal de tratamento especial à questão.
As leis têm um peso significativo em um Estado de Direito; este protege o
indivíduo da opressão do Estado e do próprio indivíduo; todos estão sujeitos aos
ditames da lei. Daí a importância de se regular legalmente a questão da violência
doméstica/familiar para preservar e proteger os direitos e liberdades de todas as
pessoas do clã familiar envolvidos neste tipo de violência, apesar da LMP tratar de
(lembrando que a ratificação da Convenção se deu em 1984), o relatório referiu-se aos anos de
1985, 1989, 1993, 1997 e 2001, depois em 2003 o relatório foi atualizado e, em 2005, o Brasil
entregou seu relatório governamental 2001-2005 sem atrasos. O Comitê CEDAW, é composto por
23 peritas, eleitas pelos 185 Estados-Partes da Convenção, com mandato de quatro anos,
funciona na sede das Nações Unidas em Nova York e realiza sessões regulares anuais, com
duração de duas semanas. Atualmente é presidido pela croata Dubravka Simonovic e tem na vice-
presidência, desde janeiro de 2005, a brasileira Silvia Pimentel, jurista, doutora em Filosofia do
Direito e indicada ao Prêmio Nobel da Paz, dentro do projeto Mil Mulheres pela Paz. Fonte:
<http://www.agende.org.br/convencoes/cedaw/rela_alt_2005.html.> Acesso em 22 nov. 2007.
105
Exemplificando: Decreto Legislativo 26 de 23/06/94 que retirou a s reservas à CEDAW; Lei
8.930 de 06/09/94, incluiu o estupro entre crimes hediondos; Decreto legislativo 107/95, aprovou
Convenção Belém do Pará; Lei 9.029 de 13/04/95 tipificou como crime a exigência de atestado de
esterilização e de teste de gravidez para admissão/continuação profissional; Lei 9.046 de 18/06/95,
obrigatoriedade de berçários nas prisões femininas; Lei 9.099 de 26/09/95 instituiu Juizados
Especiais Cíveis e Criminais, abarcando a competência para os crimes de menor potencial
ofensivo, em que foram consideradas a lesão de natureza leve e a ameaça como tais, abrindo
espaço para a conciliação (que mais tarde ficou evidenciado como uma lei contributiva para a
impunidade da violência doméstica); Lei 9.318 de 05/12/96, acrescentou como agravante o crime
ser cometido contra mulher grávida; Lei 9.281 de 04/06/96, revogou parágrafo único do art. 213 do
CP, aumentou penas para os delitos de estupro e atentado violento ao pudor); Lei 9.520 de
27/11/97, autorizou mulher casada a prestar queixa-crime sem anuência marital; Lei 9.455 de
07/04/1997, admitiu violência psicológica como tortura; Lei 10.224 de 15/05/2001 dispôs sobre
assédio sexual; Lei 10.778 de 24/11/2003 (diploma relevante no combate à violência
doméstica/familiar) estabeleceu notificação compulsória nacional para casos de violência contra a
mulher atendidas em serviços públicos ou privados, além de adotar a definição internacional da
Convenção de Belém do Pará para violência contra as mulheres; Lei 10.886 de 17/06/2004,
estabeleceu o tipo penal “violência doméstica”, alterou o art. 129 do CP; Lei 11.106 de 28/03/2005,
alterou diversos artigos de conotação discriminatória existentes do CP; Lei 11.340 de 07/08/06, cria
mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher; Lei 11.441 de 04/01/2007,
possibilita separação e divórcios administrativos, entre outras.
87
maneira específica a proteção à mulher. Neste caso, não como afronta ao Estado
de Direito, mas como observância do Estado Democrático de Direito fincado em
princípios e garantias humanistas, visto ter as mulheres séculos de desventura
frente aos homens, carecendo de um respaldo particular. Dentro desse panorama,
destaca-se a posição de Piovesan e Pimentel:
A lei veio sanar a omissão inconstitucional do Estado Brasileiro que
afrontava a Convenção CEDAW e sua Recomendação Geral 19, que
reconhece a natureza particular da violência dirigida contra a mulher, e a
Convenção de Belém do Pará [...] diversamente de dezenas de países
do mundo e de dezessete países da América Latina, a2006 o Brasil
não dispunha de legislação específica a respeito da violência contra a
mulher, aplicava-se a Lei 9099/95, que implicava a naturalização deste
padrão de violência, reforçando a hierarquia entre os gêneros e a
subseqüente vulnerabilidade feminina. A “Lei Maria da Penha” é
instrumento de concretização da igualdade material entre homens e
mulheres, conferindo efetividade à vontade constitucional, inspirada em
princípios éticos compensatórios.
106
Por conseguinte, as leis (em especial a LMP) constituem um passo imprescindível
e útil na trajetória de construção dos direitos das mulheres de viver livres de
violência dentro de casa e fora dela, mas não é o único. Reitera-se que apenas o
texto legal não possui a potência necessária para alterar o perfil cultural secular
radicado no senso comum.
3.3 A LEI MARIA DA PENHA CUMPRIMENTO DA
RECOMENDAÇÃO INTERNACIONAL
Dentre os milhares casos de violência doméstica/familiar um chama a atenção
pela perseverança da agredida em buscar, por mecanismos legais, a resposta
para a agressão sofrida. Maria da Penha Maia Fernandes, 63 anos, cearense,
farmacêutica aposentada, escritora, mãe de três filhas, atualmente coordenadora
da Associação dos Parentes e Amigos de Vítimas de Violência, em Fortaleza, aos
38 anos de idade ficou paraplégica em virtude da agressão cometida por seu
106
PIOVESAN, Flávia. PIMENTEL, Silvia. Lei Maria da Penha: inconstitucional não é a lei, mas a
ausência dela. Disponível em <http://www.cfemea.org.br/violencia/artigosetextos/detalhes.asp.>
Acesso em 12 dez. 2007.
88
marido, Marco Antônio Heredia Viveros, economista colombiano, naturalizado
brasileiro, que disparou um tiro na mulher enquanto esta dormia, depois, na
segunda tentativa de homicídio, tentou eletrocutá-la.
107
O caso chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA) e ao Comitê Latino-Americano e do Caribe para a
Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), pela morosidade da ação judicial e
indignação da agredida face à situação, na qual se encontrava o processo
tramitando 15 anos. A Corte Internacional de Direitos Humanos (CIDH) iniciou
investigações sobre o andamento do caso e sobre o atendimento às vítimas de
violência doméstica no Brasil.
Fato é que até 2001 o Brasil não havia se pronunciado a respeito, nem dado um
fim condizente à ão proposta. A CIDH aceitou as denúncias contra o Estado
Brasileiro, exigindo um desfecho judicial para o caso de Maria da Penha, bem
como que o Brasil adotasse medidas de combate e prevenção à violência
doméstica/familiar, pois tanto a CIDH quanto o CLADEM entenderam que, além da
grave violência sofrida impune por mais de 15 anos, se tratava também de grave
discriminação à mulher o tratamento dispensado para o caso pelas instituições
brasileiras, inclusive o Judiciário.
108
107
Disponível em: <http://www.contee.org.br/secretarias/genero/materia_23.htm.> Acesso em 10
out. 2007.
108
SANTOS, Angela. Um caso exemplar. In: PUGLIA, Júnia (Coord.). O Progresso das Mulheres
no Brasil. Brasília: UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, 2006,
p. 292. Entenda o caso: 1983 - Maio - Maria da Penha Maia Fernandes leva um tiro do marido,
Marco Antônio Heredia Viveros, enquanto dormia. Fica paraplégica. Outubro - Retorna do hospital
e é mantida em cárcere privado em sua casa. Sofre nova agressão e, com a ajuda da família,
consegue autorização judicial para abandonar a residência do casal em companhia das filhas
menores. 1984 - Janeiro - Maria da Penha seu primeiro depoimento à polícia. Setembro -
Ministério Público apresenta ação penal contra o agressor. 1986 - Outubro - A juíza da - Vara
aceita a denúncia. 1991 - Maio - Heredia vai a Júri Popular, é condenado a 15 anos de prisão.
Defesa entra com recursos apelando da sentença. 1994 - Maria da Penha publica o livro
Sobrevivi...Posso Contar. 1995 - Abril - Tribunal de Justiça do Ceará rejeita um dos recursos e
pede novo julgamento. Maio - Tribunal de Alçada Criminal do Ceará anula o primeiro julgamento.
1996 - Março - Segundo julgamento de Heredia, quando é condenado a dez anos e seis meses de
prisão. Defesa entra novamente com recurso. 1997 - Setembro - Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) recebe petição sobre o caso.
1999 - Agosto - Centro para a Justiça e o Direito Internacional e Comitê Latino-Americano e do
Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher pedem à OEA que aceite as denúncias contra o Brasil
e Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA adverte o governo brasileiro. 2000 -
89
O Brasil foi condenado internacionalmente primeiro a dar conclusão ao caso
judicial, segundo a implementar medidas recomendadas pelo CLADEM para
assegurar que novos casos como o de Maria da Penha não acontecesse, visto ter
tramitado por mais de vinte anos na Justiça Brasileira, ainda desenvolver
estratégias de combate e prevenção a novos casos de violência
doméstica/familiar, como a adoção de leis para enfrentamento do problema (sendo
que mesmo o Brasil tendo sido condenado em 2001, apenas em 2006 a lei
específica à questão foi promulgada).
Desde a condenação, o Brasil é monitorado constantemente nas questões de
violência de gênero através de envio periódicos de questionários ao governo
brasileiro ao CLADEM e ao Centro para a Justiça e o Direito Internacional. Além
desse episódio, o Comi CEDAW tinha elaborado a Recomendação Geral n.º
19, de 1992, a qual obriga o Brasil a implementar todos os princípios e normas da
Convenção CEDAW. Neste caso, a recomendação não tem força legal, mas força
política e moral, o que implica em compromisso assumido perante a Comunidade
Internacional.
O Brasil tinha tentado implementar pontos da Recomendação 19 com a
experiência judicial da Lei 9099/95, não obstante intentar a solução rápida do
conflito através da composição e da possibilidade de representação. Na verdade,
se desenhou um cenário de impunidade, pois levando em conta o caráter do
conflito e a relação de poder existente na violência doméstica/familiar, as mulheres
pouco representavam ou desistiam reiteradas vezes, elevando o descaso inclusive
policial; mais um ponto a executar, mais um motivo para a nova legislação. Diante
Outubro - Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA aprova o relatório 54/01 sobre o
caso. Em nenhum momento houve manifestação do governo brasileiro. 2001 - Março - OEA
reencaminha o relatório ao Brasil e prazo final de 30 dias para pronunciamento. Abril -
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA aceita as denúncias, torna público o
relatório e exige providências do governo brasileiro. 2002 - Março - Nova audiência sobre o caso
na OEA, quando o Brasil finalmente apresenta considerações e se compromete a cumprir as
recomendações da Comissão. Setembro - Segunda reunião na OEA. Quinze dias depois, Heredia
Viveros é finalmente preso, no Rio Grande do Norte, onde morava.
90
disso, a competência judicial para os casos de violência doméstica/familiar
passaram ao Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
criado pela Lei 11.340/06, art. 29, ficando as Varas Criminais competentes até que
os JEVDFM sejam instaurados.
Não é enfoque deste trabalho dissecar os artigos da LMP. Aqui a relevância é sua
contribuição para o efetivo combate ao problema tão grave da violência
doméstica/familiar. Contudo, anota-se que com a promulgação da LMP muito se
questiona a respeito dela, sua constitucionalidade face ao princípio da isonomia,
seu efeito puramente simbólico, o apego à punição mais severa como fator de
coibição à violência familiar, a infantilização da mulher que pode renunciar à
ação criminal na presença do juiz, como se dele dependesse para a tomada de
decisão, chegando à inócua decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul
a “declará-la inconstitucional” (27/09/2007), enfim, artigos e posições contra e a
favor da nova legislação brotam pelas mídias e, realmente, é uma lei que deve ser
interpretada de maneira criteriosa, sem conservadorismos.
Todavia, o imprescindível é que é uma lei necessária para a própria sociedade e
para o Brasil como Estado-parte é continuidade dos parâmetros agasalhados pela
CF/88, através dela o Brasil deu uma grande passada na construção de uma vida
mais digna para todas as mulheres que sofrem ou não com a violência
doméstica/familiar.
Em que pese, ter a LMP uma conotação de produto da condenação internacional,
bem como de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, não se pode
ignorar a necessidade que se tinha de uma lei que tratasse do assunto da
violência doméstica e familiar contra a mulher de forma específica, até como uma
resposta compensatória do Estado Democrático de Direito para um problema
tratado pela Constituição (art.226, § 8º) e arraigado no cotidiano brasileiro pela
longa historicidade e cultura de menosprezo à mulher, por isso a LMP longe de
aviltar o princípio constitucional da igualdade, tenta equilibrar uma situação de
vulnerabilidade na qual se encontram milhares de mulheres pela insignificância,
91
dominação e exploração que foram tratadas por séculos, valores ainda presentes
no imaginário social brasileiro.
A despeito de ser a LMP uma larga passada na construção da cidadania feminina
com respaldo internacional e constitucional, a lei reside num espaço conservador,
numa sociedade permeada de resquícios de uma cultura machista e patriarcalista.
Mesmo as normas jurídicas afirmando a igualdade de gênero, estas se chocam
com atitudes preconceituosas dos homens e até das próprias mulheres criadas
sob o sustentáculo masculino, que obstaculizam a formação do respeito mútuo,
busca maior para o ganho de todos.
Apesar dos progressos, dos compromissos internacionais para a defesa da mulher
e combate à violência contra a mesma, inclusive doméstica/familiar, persistem as
discriminações, inclusive no âmbito jurídico, no âmbito da ciência do Direito, uma
vez que muitos daqueles que se dizem juristas não estão aptos a lidar com a
aplicação da LMP e o problema da violência doméstica e familiar contra a mulher,
por desconhecimento do entorno do problema, de suas raízes ou por considerar a
violência doméstica como de somenos importância, desvinculando-se dos ditames
constitucionais, colaboram para que o problema permaneça. muito por fazer
ainda.
3.3.1 CAUSAS DE PERSISTÊNCIA DA VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA APESAR DA LEI PROTETIVA
Apesar das mobilizações, do discurso político influenciado pelos movimentos
feministas, das políticas públicas de implementação de medidas como um maior
número de Delegacias Especializada de Atendimentos à Mulher (DEAMs), da
elaboração de lei específica, a violência contra a mulher na família continua.
É desafiador para a sociedade brasileira a questão desta violência. A “realidade
empírica descreve um cenário mais pessimista com relação aos temas da
92
violência doméstica. As mudanças na legislação e as ações governamentais rumo
à eqüidade de gênero não foram suficientes para consolidar a cidadania
feminina.”
109
As leis servem como abertura, um esteio às práticas cotidianas, mas as limitações
embargam os esforços empregados e dá mais força à prorrogação da violência
doméstica/familiar, a exemplo, a própria LMP em vigor desde setembro de 2006,
quando trata da implantação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, a falta de estrutura estatal leva ao pequeno número de
instalações dos Juizados (cerca de 70 distribuídos pelos Estados Federados nos
mais de 5.500 municípios do país). As estruturas de apoio são igualmente
precárias; nas DEAMs a falta de preparo dos agentes policiais é uma marca
constatada pelo Comitê Cladem e CEDAW:
As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs)
constituem o principal mecanismo para denunciar a violência contra as
mulheres desde 1985, quando começaram a ser implantadas por
reivindicação dos movimentos feminista e de mulheres. Contudo, as 339
DEAMs hoje existentes no país permitem prestar atendimento às
mulheres em menos de 10% do total de 5.561 municípios brasileiros. Tal
desproporção também ocorre em termos regionais, havendo maior
concentração delas na região Sudeste do país e, em especial, no estado
de São Paulo. Assim, enquanto a cobertura a mulheres em situação de
violência é dada em 13% dos municípios (220) do Sudeste do país, na
região Nordeste ela é de 3% (50 municípios). A falta de capacitação de
agentes policiais no trato da violência de gênero e a insuficiência de
recursos humanos, financeiros e de infraestrutura adequada também
são fatores a dificultar a capacidade desses mecanismos de cumprir seu
papel de investigar e tipificar crimes praticados contra mulheres.
110
Essas são algumas causas que impedem que a própria lei de proteção à mulher
se faça efetiva nas relações cotidianas. Na prática, isso significa manter a situação
como está, ou até piorá-la, lembrando que o ciclo da violência, em regra, começa
com agressão verbal e sem o acompanhamento devido, pode desencadear para
agressões corporais graves e mesmo homicídios.
109
PIOVESAM, 2006, p. 30.
110
Contra-Informe da Sociedade Civil ao VI Relatório Nacional Brasileiro à Convenção CEDAW,
período de 2001- 2005, apresentado em julho de 2007. Disponível em:
<http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/noticias/ultimas_noticias/not_relatorio_
comite_cedaw.> Acesso em 22 nov. 2007.
93
As práticas anacrônicas que persistem no aparelho estatal são incompatíveis com
a solução da violência doméstica/familiar e perpetuam os estereótipos. O
compromisso de que toda denúncia discriminatória ou de violência contra a mulher
seja prontamente investigada, processada e julgada fica no papel, isso no
aspecto estrutural apenas, enquanto as estatísticas sobem desenfreadamente.
Nessa perspectiva, passar da teoria à prática, num conjunto de ações entre
Executivo, Judiciário e Sociedade é uma alternativa viável para o enfrentamento
da violência doméstica/familiar e o restabelecimento da dignidade da mulher
agredida, bem como dos demais envolvidos, uma vez que o passo legal foi
concretizado, mas por mais perfeitas que sejam as leis, não são a única solução,
como já disse Bittar:
O que se externa é uma preocupação com a transformação de discursos
em ações, de letra de lei em políticas públicas, de normas programáticas
em programas de transformação da sociedade, desde as suas mais
intrínsecas limitações, no sentido da afirmação prática e da realização
da abrangência da expressão dignidade da pessoa humana,
normalmente tida como mero expediente retórico do legislador
constitucional.
111
Por óbvio que não existe solução mágica, universal. As características de cada
sociedade precisam ser avaliadas. Há uma questão de mentalidade dos
envolvidos, da sociedade onde essas pessoas estão inseridas, das autoridades
que cuidam do problema que precisam ser examinadas cautelosamente a fim de
desarraigar opiniões preconcebidas.
No Brasil, os valores preconcebidos no imaginário social são fortes causas de
persistência à discriminação, ao tratamento diferenciado, à violência de gênero
contra a mulher, como já assinalado no capítulo 2, e, de idêntica forma, corrobora
a violência doméstica/familiar.
111
BITTAR. Eduardo C.B. Hermenêutica e Constituição: a dignidade da pessoa humana como
legado à pós-modernidade. In: PEDROSO, Antonio Carlos [et. al]. Direitos Humanos
Fundamentais: positivação e concretização. São Paulo: Edifieo, 2006, p. 48.
94
Como demonstra o estudo qualitativo realizado por Dantas-Berger e Giffin, com
mulheres do Centro Integrado de Atendimento à Mulher - RJ, intitulado A Violência
nas Relações de Conjugalidade: Invisibilidade e Banalização da Violência Sexual,
que revela que as imagens estereotipadas são freqüentes nas respostas das
entrevistadas:
A imagem da mulher virtuosa apareceu nas entrevistas em contrapartida
à imagem do homem que falha, observamos que quanto mais as
parceiras pareceram cobrar ou querer dos maridos o que eles “deveriam
dar”, segundo o padrão tradicional, como provedores, mais o conflito e
as agressões entre o casal se acentuava. Para eles, em casa como na
rua, a atuação feminina parecia revelar seu próprio “desvalor”. Em
paralelo, as mulheres expressam descontentamento em se sentirem
tratadas como objetos ou seres sem autonomia, e sua resistência foi
motivo para brigas. Nas entrevistas, manifestaram sua aspirações a
participarem mais livremente do mundo público, mas quanto mais
romperam com padrões femininos tradicionais de domesticidade e
passividade, mais o conflito conjugal se radicalizava.
112
As autoras revelam ainda que a posição das mulheres diante das agressões dos
maridos/companheiros, apesar da manutenção da mentalidade estereotipada, vem
mudando da passividade para a reação, como vislumbrado antes quando da
abordagem sobre o patriarcalismo atual. A hierarquia subsiste em grande parte, a
relação de poder igualmente, mas a tolerância à agressão não é mais plácida. A
“nova mulher”, como chamam as pesquisadoras, assentam suas realizações
pessoais nos papeis tradicionais, mas por outro lado exigem tratamento mais
respeitoso, sem violência física principalmente:
A maioria respondeu que reagia frente às agressões, mais
especificamente frente à violência sica, sempre com a intenção de se
defenderem ou evitarem a violência. Vale ressaltar que os relatos de
violência física e atentados contra suas vidas foram mais freqüentes no
caso dos maridos.
113
112
DANTAS-BERGER, Sônia Maria. GIFFIN, Karen. A violência nas relações de conjugalidade:
invisibilidade e banalização da violência sexual? In: Caderno de Saúde Pública. Escola Nacional de
Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro: 417-425, mar-abr, 2005, p. 423.
113
Ibid, 2005, p. 424.
95
Uma nova ordem está se instando, porém com características arraigadas na
consciência popular brasileira que margens a resisncias, todas as conquistas
femininas fazem da pessoa da mulher seres sujeitos de direito, mas tem feito
transparecer uma outra face: o lado do homem não mais onipotente, a mulher
ocupa um espaço que alterou a situação dela e do homem, este perdeu sua base
secular, às adaptações são para ambos.
Essa reestruturação ou de desconstrução de antigos papéis, que deveria
despontar como terreno para uma relação de gêneros mais equilibrada,
diminuindo a violência dentro das famílias, ara um canteiro para violências. O
homem vendo-se desprovido da sua identidade sedimentada, reage muitas vezes
com agressão, pela incapacidade de adaptar-se, ou seja, não é apenas a
continuação do patriarcado tradicional, mas uma reação contra a sua derrocada.”
114
Semelhante, as “novas mulheres“ também se adaptam; nem mais suportam
caladas as agressões, nem se sentem capazes de serem elas mesmas
provedoras de si e de casa (mesmo complementando renda ou arcando
integralmente com ela). O “desmonte da identidade masculina de provedor”, como
denomina Berger e Giffin, tem sido uma barreira às relações sem violência nas
famílias brasileiras.
O imaginário popular no Brasil é de que o homem deve “sustentar a casa”.
Quando não se consolida, aflora o conflito que deságua em agressões, pois
muitas mulheres, como força de trabalho atuante, não se no papel de
provedora, nem aceita ser, exigindo do homem que o seja.
[...] As expectativas de realização da maioria partiram das
representações tradicionais, mas o tradicional controle masculino
baseado em seu papel de provedor está em xeque e a resistência de
ambos parceiros à transição, radicaliza conflitos e colabora para a
ocorrência da violência, inclusive sexual, entre o casal.
115
114
DANTAS-BERGER e GIFFIN, 2005, p. 423.
115
Ibid., 2005, p. 424.
96
A divisão sexual do trabalho, portanto, aponta como uma razão substancial de
persistência da violência doméstica/familiar, e se de um lado as mulheres se
desdobram em múltiplas jornadas, recebem menos pelas mesmas funções, por
outro, também exigem que seus parceiros desempenhem funções
tradicionalmente masculinas.
Aliás, como demonstra a Tabela III (Profissão do Agressor/a) do Anexo I, se
vislumbra o alto índice de agressores “desempregados”, somando-se 245
agressores, ficando atrás somente da categoria “autônomos”, com 321
agressores, em contrapartida apenas 18 mulheres agredidas se encontravam na
categoria “desempregadas”, conforme Tabela II (Profissão da Vítima) do Anexo I,
desmistificando uma crença arraigada de que a mulher dependente
economicamente é vítima de agressão por parte do marido/companheiro,
evidenciado no Gráfico 1:
0
50
100
150
200
250
Mar/ Abr/ Mai/ Jun/ Jul/ Ago/ Set/ Out/ Nov/ Dez/ Jan/ Fev/ Mar/
Profissão do(a) agressor(a)
Total
Outros ***
Comerciário
Aposentado
Prof. Liberal
Autônomo **
Policial
Pedr, Pesc *
Empresário
Serv. g. com.
Serv. p. fed.
Serv. p. est.
Serv. p. mun.
Desempregado
97
Muitas mulheres, mesmo as economicamente independentes, têm resisncia em
incrementar sua autonomia pessoal
116
; ficam atadas a padrões de
relacionamentos hierarquizados, dependentes do homem para construção da sua
com identidade própria, fortalecendo as diferenciações, os estereótipos,
contribuindo para a permanência da violência doméstica, na qual elas mesmas, no
geral, são as diretamente atingidas, “a violência surge justificada como forma de
compensar possíveis falhas no cumprimento ideal dos papéis de gênero. Quando
um não está satisfeito com a atuação do outro.”
117
E a concepção inferiorizada
também se revela:
Acostumada a realizar-se exclusivamente com o sucesso de seu par e o
desenvolvimento dos filhos, não consegue essa nova mulher encontrar
em si o centro de gratificação própria. O medo, o sentimento de
inferioridade, de menos valia, decorrentes da ausência de pontos de
realização pessoais impuseram à mulher a lei à mulher a lei do silêncio,
nem sempre por necessidade de sustento ou por não ter condições de
prover sozinha a própria existência que ela se submete e não denuncia
as agressões de que é tima. Em seu íntimo se acha merecedora da
punição por ter desatendido as tarefas que acredita serem de sua
exclusiva responsabilidade.
118
Nessa sistemática, uma enorme defasagem entre os textos normativos, as
garantias constitucionais e a realidade, os padrões culturais e de comportamento,
quer na divisão do trabalho, quer na visão de identidade de ambos os sexos, quer
nas expectativas que cada um nutre em relação ao outro, pouco se alteraram
apesar da visão da CF/88, das reformas legislativas ocorridas em prol da mulher e
da LMP, nenhuma delas devidamente internalizados pelas pessoas.
116
PEREIRA, 2007, p.109: “É preciso entender a autonomia provada em, seu sentido mais amplo,
abrangendo a liberdade da pessoa na determinação de seu próprio comportamento, tanto na
esfera da liberdade econômica, exercida tipicamente na celebração de contratos envolvendo
direitos patrimoniais, como também no âmbito das situações subjetivas não-patrimoniais, em que a
liberdade e o poder de autodeterminação da pessoa reflete, mais diretamente, os aspectos ligados
a escolhas existenciais.”
117
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: A efetividade da Lei 11.340/2006 de
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
p. 17.
118
Ibid., 2007, p. 18.
98
Ademais, diferente da violência contra a mulher em outros ambientes públicos, na
violência doméstica/familiar uma dinâmica muito particular, “as vítimas não
consideram o sistema legal um meio apropriado para resolver seus problemas”
119
,
muitas mulheres, na verdade, não querem a prisão do agressor, mas
simplesmente que a violência acabe. Ir a uma unidade policial é expor a si mesma
o ente agressor, não raro, amado e a família. É expor a difícil e complexa relação
afetiva-conflituosa. Trata-se de relações humanas que a lei por si só não tem a
virtude de resolver.
A lógica da situação de violência doméstica é pungente, “existe desproporção
abissal entre a miudeza da causa e a devastação do efeito, basta uma camisa mal
passada, o sumiço de um objeto, a recusa a um contato físico, o atraso na volta às
compras, para a violência aflorar”
120
. Realmente fagulhas do cotidiano
desencadeiam hematomas, queimaduras, fraturas, retalhamentos, humilhação,
abuso sexual, xingamentos, depreciações e assim por diante.
Por exemplo, do levantamento de dados colhidos na DEAM de Vitória-ES,
conforme Tabela I (Tipos de Violência) do Anexo I, dos 1.318 casos
documentados nos Boletins de Ocorrência nos 13 meses pesquisados, 434 casos
de violência doméstica/familiar são de lesão corporal, inclusive com duas
tentativas de envenenamento; 541 casos de ameaças, Gráfico 2 abaixo, isto
demonstra que as mulheres vivem mesmo num estado de terror contínuo.
119
GIORDANI, 2006, p. 210.
120
GIORDANI, 2006, p. 201.
99
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Mar/ Abr/ Mai/ Jun/ Jul/ Ago/ Set/ Out/ Nov/ Dez/ Jan/ Fev/ Mar/
Tipos de violência
Outros *
Abuso sex
Aband. Mat
Assédio
Calúnia
Difamação
Injúria
Vias fato
Perturbação
Ameaça
Lesão corp.
Outro dado relevante e que demonstra que este estado de terror não atinge
apenas uma dada camada social de mulheres, como equivocadamente entendido
pelo senso comum, foi constatado na pesquisa, pois não apenas as mulheres de
classes sociais menos abastadas sofrem com a violência doméstica/familiar, aliás,
até mesmo uma certa equiparação em alguns bairros da cidade de Vitória.
Analisando os números levantados no estudo, conforme Anexo II - Tabela I, III e
IV de Localidades, os casos de violência doméstica/familiar ocorridos em Jardim
Camburi (66 casos), Jardim da Penha (75 casos), típicos bairros de classe média,
Praia do Canto (40 casos) considerado bairro de classe média alta comparados a
bairros mais periféricos e de classe econômica mais baixa, como Santo Antônio
(44 casos), Resistência (32 casos) e São Pedro (116 casos) e com o Centro (51
casos), salvo quanto ao Bairro São Pedro, onde um aumento significativo, os
demais estão inclusive com tendência à violência se manifestar em maior número
nos bairros considerados mais estruturados, conforme Gráficos 3, 4, 5 e 6:
100
0
5
10
15
20
25
30
35
mar/06 abr/06 mai/06 jun/06 jul/06 ago/06 set/06 out/06 nov/06 dez/06 jan/07 fev/07 mar/07
localidades I
Conquista
Comdusa
Centro
Caratoira
Bonfim
Boa Vista
Bento Ferreira
Bela Vista
Barro Vermelho
B. Republica
B. Engenheiro
B. do Quadro
B. do Moscoso
B. do Cabral
B. de Lourdes
B. da Penha
A. Honório
Andorinhas
Alagoano
A. Favalessa
Aeroporto
0
5
10
15
20
25
30
mar/06 abr/06 mai/06 jun/06 jul/06 ago/06 set/06 out/06 nov/06 dez/06 jan/07 fev/07 mar/07
localidades II
Jabour
Itararé
Inhanguetá
Ilha Santa Maria
Ilha do Principe
Ilha do Frade
Ilha do Boi
Ilha das Caieiras
Ilha Bela
Horto M. Cypreste
Gurigica
Grande Vitoria
Goiabeiras
Fradinhos
Forte São João
Fonte Grande
Estrelinha
Enseada do Suá
Cruzamento
Consolação
101
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
mar/06 abr/06 mai/06 jun/06 jul/06 ago/06 set/06 out/06 nov/06 dez/06 jan/07 fev/07 mar/07
localidades III
Redenção
Praia do Suá
Praia do Canto
Pontal de Camburi
Piedade
Parque Moscoso
Nova Palestina
Nazareth
Morada de Camburi
Monte Belo
Mata da Praia
Maruípe
Maria Ortiz
Mangue Seco
Jucutuquara
Joana Darc
Jesus Nazareth
Jardim da Penha
Jardim Camburi
Jaburu
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
mar/06 abr/06 mai/06 jun/06 jul/06 ago/06 set/06 out/06 nov/06 dez/06 jan/07 fev/07 mar/07
localidades IV
Vila Rubim
Universitário
Tabuazeiro
Solon Borges
São Pedro
São José
São Cristovão
São Benedito
Santos Reis
Santos Dumont
Santo Antonio
Santo André
Santa Tereza
Santa Marta
Santa Luiza
Santa Lucia
Santa Helena
Santa Cecilia
Romão
Resistência
Inclusive o Gráfico 6 (como as Tabelas do Anexo II) demonstra que outros bairros
tidos como de classe baixa têm índices ínfimos de violência doméstica e familiar,
alguns chegando à zero. O bairro de Santa Cecília conta com apenas 1 caso em
setembro/06; Sólon Borges, 1 caso em abril/06, 1 caso em janeiro/07 e 1 caso em
março/07; já o bairro Aeroporto, A. Favalessa, Santos Reis, Gurigica, entre outros,
sem ocorrência deste tipo de violência, assim como identicamente na Ilha do
Frade, considerado bairro de classe alta. Isto evidencia que as relações
assimétricas entre os gêneros desencadeando violência doméstica e familiar
102
parecem não se ligar apenas ao estado econômico das vítimas e agressores,
estando fincada em razões outras como se tem buscado demonstrar.
Os números comprovam que uma lógica árdua e perigosa nas questões de
violência doméstica e familiar, porque as verdadeiras causas não estão na camisa,
mas intrinsecamente na mentalidade e forma de agir do homem e da mulher, por
entendimentos sobrepostos e equivocados sobre o valor de cada um no espaço
público e doméstico/familiar, uma lógica marcada pela prevalência do masculino,
do poder exercido por este dentro e fora de casa, (confirmado inconscientemente
pela mulher):
Podemos considerar que o patriarcado moderno indica um modelo de
relações sociais no qual predominam valores estritamente masculinos,
fundamentados em relações de poder. O poder, por sua vez, é exercido
por meio de diversificados e complexos mecanismos de controle social
que objetivam a manutenção do modelo hegemônico, produzindo a
marginalização dos grupos considerados inferiores. Características das
relações sociais patriarcais é a dominação do gênero feminino pelo
masculino, que costuma ser marcada (e garantida) pelo emprego de
violência física e/ou psíquica.
121
Dessas situações se alimenta a perpetuação da violência conjugal-doméstica-
familiar apesar de uma lei protetiva específica, ainda mais que as vítimas muitas
vezes procuram uma função apaziguadora do Estado, que não chega pelo
despreparo de policiais, magistrados, promotores de justiça, dada as suas
formações técnico-jurídica, incapazes de desenvolver uma dinâmica jurídica que
respostas com olhar histórico-cultural, com valores relacionados entre si. Tal
incapacidade se traduz novamente em reforço ao quadro violência doméstica, na
persistência do conflito familiar violento, na fuga dos envolvidos na intenção de
resolverem sozinhos as agressões e no agigantamento deste tipo de violência.
No plano jurídico (abstrato), a eqüidade entre os gêneros está certa, ambos livres
para exercitar direitos civis e políticos, mas ações legais não foram suficientes
121
SABADEL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica: efetiva tutela de
direitos fundamentais e repressão penal. Revista dos Tribunais, ano 94, volume 840, outubro de
2005.
103
para efetivar a cidadania das mulheres; entre os gêneros pesos distintos e
medidas diversas numa sociedade abarrotada de leis e retrógrada no seu
cumprimento, especialmente, quando aplicadas dentro da silogística formal. Teles
ensina que os avanços mostram que:
Tanto a igualdade como as relações de gênero ganharam legitimidade e
visibilidade social de forma crescente, mas ainda há uma realidade cujos
dados concretos indicam uma carga de altos custos sociais, econômicos
e políticos para as mulheres.
122
A violência doméstica/familiar contra a mulher foi visualizada como grave
problema que é, obtendo resposta do Direito por meio da LMP. Mas daí, depositar
numa lei, ainda que de cunho protetivo, os anseios de resolução de conflitos
domésticos violentos tão complexos é quase simplório. Não basta pensar que o
passo da positivação já significa o passo da concretização. A simbologia expressa
num texto legal reflete uma etapa, um canal para o processo viável da
construção racional de soluções dos conflitos domésticos (e sociais). Outra vez
Teles revalida o pensamento:
As ocorrências da vida cotidiana identificadas como discriminação contra
grupos humanos alvos de preconceitos, estereótipos e, principalmente,
aquelas realizadas pela discriminação histórica contra as mulheres são,
hoje, consideradas violações de direitos humanos. Esses direitos são
devidamente incorporados não a documentos internacionais,
convenções e declarações, como também às Constituições de diversos
países, mas, o reconhecimento é apenas formal, exige, contudo, ações
contundentes para viabilizá-los.
123
Por isso, também é importante desvendar em qual estrutura jurídica a lei está
contida, afinal, os estudos de gênero provocaram discussões que culminaram na
emancipação (ainda que parcialmente no nível formal) das mulheres, agora é
mister a ampliação do debate. Somente a legalização ou criminalização do conflito
doméstico/familiar não põe fim a ele, que a lei enxertada num ordenamento
122
TELES, Maria Amélia Almeida. O que são Direitos Humanos das mulheres. São Paulo:
Brasiliense, 2007, p. 113.
123
Ibid., 2007, p.36.
104
jurídico de índole formal-positivista como o brasileiro acaba por ser uma lei de
efeito simbólico, como retratado. As situações conflitivas no âmbito familiar e,
principalmente, as situações que envolvem a pessoa da mulher excedem em
muito uma lógica formal.
4 INSUFICIÊNCIA DO TEXTO LEGAL
As estruturas jurídicas da qual emana a lei (e aqui a LMP) também são fatores
determinante para que ela atinja seu objetivo, no caso, relembra-se, coibir e
prevenir casos de violência doméstica/familiar contra a mulher. Ocorre que num
contexto de produção legislativa com acirrada característica de mercado, como o
105
vivido, considera-se primeiro os resultados, o que pode ser computado, ou seja, se
o problema existe, pode ser resolvido pela lei.
se disse da condenação internacional do Brasil pela CIDH que determinou que
medidas fossem tomadas para a não repetição de casos de violência
doméstica/familiar como o de Maria da Penha, recomendando mudanças na
estrutura legislativa, o que ensejou a Lei 11.340/06 estar em vigor. O resultado
está posto; nessa perspectiva:
O direito passa a ser algo autônomo, criador de si mesmo. O centro
passa a ser não o fator de criação material do direito, a vontade, mas
sim o resultado da criação, ou seja, a norma jurídica como tal, como
produto pronto e acabado.
124
Ressalva-se que as iniciativas governamentais e legais
125
são importantíssimas.
No caso da violência doméstica/familiar a LMP é uma lei necessária pelos séculos
de aviltamento a que as mulheres foram (e o) expostas, pelas relações nos
moldes arcaicos ainda nos dias atuais, pela incidência e reincidência dos números
teimosos das estatísticas de violência conjugal que mostram uma realidade atroz,
ainda que a mulher participe involuntariamente na mantença deste estado-de-
coisas com a aceitação dos estereótipos ou com seu silêncio sobre as agressões
sofridas.
Mas, se questiona a sistemática de produção/aplicação legislativa nos dias atuais
pautada por concepções insatisfatórias, entendidas aqui, como conservadoras da
efetiva mantença de padrões masculinos e femininos, homens e mulheres são
vitimizados por uma ordem burocrática nebulosa que transforma a lei em uma
124
ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação elementos para o discurso
Jurídico. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.52.
125
PEREIRA, 2007, p. 116 e 120: “É inegável a importância do legislador na tarefa de introduzir por
meio da legislação infraconstitucional normas que sejam capazes de apresentar mecanismos para
a garantia da eficácia dos direitos fundamentais” como são os direitos das mulheres face à
violência doméstica/familiar.
106
burla, uma vez que soluções às violências de toda ordem não se decretam; são
construídas revisando uma série de aspectos conjuntamente.
Na ordem burocrata-mercantil, a lei se torna um mero instrumento de
formalização, isto é, instrumento de permanência do sistema mercadorizado de
resultados, pautado por um discurso jurídico formal, mais um instrumento de
desumanização do que propriamente de buscar dar relevo ao humano e suas
peculiaridades, pois uma lei não tem o condão de mudar séculos de cultura da
noite para o dia, tampouco a LMP, ainda mais quando frutoda trajetória da
historicidade jurídica nacional [...] que refletem a especificidade de uma tradição
legal profundamente comprometida com uma formação social elitista, agrário-
mercantil, antidemocrática e formalista.”
126
A humanização e cidadania femininas buscadas pela LMP findam em
desumanidade pelo fato de que ela não atinge seu intento integralmente que
inserida no campo da formalidade, da sistemática silogística e mergulhada na
cultura de desvalorização da mulher. Resta a perda da fundamentabilidade, do
sentido, da significação do texto na vida das pessoas.
A sustentabilidade da lei face ao sistema formal aliado a um sistema onde as
pessoas valem por ter, ou como diz Alves, pelo “valor de troca”
127
, fica
comprometida enquanto perdurar esta:
Lógica de organizações das relações sociais em que pessoas são
julgadas pelo seu valor de troca. Sabendo-se que o Direito funciona, por
vezes, como elemento agregador da ordem, e, portanto, conservador do
status quo.
128
Por exemplo, A LMP no seu art. dispõe que a toda mulher serão “asseguradas
as oportunidades e facilidades para viver sem violência”. A disposição da lei é bem
vinda, contudo não basta que lá esteja formalizada para que as “oportunidades e
126
WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 7.
127
ALVES, Alaôr Caffé et al. O que é filosofia do Direito? Barueri, SP: Manole, 2004, p. 90.
128
Ibid., Introdução, p. XIII e XIV.
107
facilidades” se concretizem, pois a inserção desta lei num contexto de lógica
formal no campo do Direito parece obstaculizar a sua realização.
Mas, então, que lógica formal é esta na qual se insere a LMP? Bem, a lógica,
tradicionalmente chamada de lógica clássica, é compreendida como ciência formal
do pensamento
129
. Melhor entendida neste trabalho, como um modo de pensar,
de raciocinar, frisando-se aqui um modo de pensar o Direito.
Não obstante é o próprio autor que a define como “ciência das leis ideais do
pensamento e a arte de aplicá-las corretamente à busca e à demonstração da
verdade”, a lógica clássica para Alves determina “condições ideais de todo o
pensamento (...) consagra a experiência como oposta à razão, sendo esta
superior àquela”
130
. Essas leis ideais contrapõem-se às leis reais dos objetos
empíricos, mas, por outro lado, proporciona regras de como pensar,
estabelecendo parâmetros com vistas à procura e à demonstração da verdade.
Para tanto não se deverá contradizer o pensamento, e o pensamento não deve
contestar os objetos, declarando-os diferentes da realidade. Parece complexo e
contraditório, na verdade é, tanto que há séculos se estuda a lógica.
Ora, se a lógica clássica trata de proposições ideais, distintas do que é empírico,
surge uma contradição. Assim, segundo o autor acima, surge uma divisão da
lógica clássica em lógica formal e lógica material.
A lógica formal, definida como “ciência das leis do pensamento enquanto estrutura
formal”
131
, permanece na “determinação de leis gerais do pensamento (...), e a
lógica material determina leis particulares, impostos ao espírito pela natureza dos
diferentes objetos a conhecer”
132
. Por isso, quando se busca a verdade e sua
demonstração, a lógica utilizada deve ser a material, pois que o caráter empírico é
bastante relevante fugindo da alçada da lógica formal pura.
129
ALVES, 2005, p.132.
130
ALVES, 2005, p.134.
131
ALVES, 2005, p.138.
132
ALVES, 2005, p.137.
108
Alves traça um exemplo simples e elucidativo da forma de pensar dentro a lógica
formal:
A lógica formal estuda o pensamento enquanto forma que pode ser
preenchida por qualquer conteúdo oriundo da experiência (...)
analisamo-la (a estrutura formal) como se não existisse o conteúdo (...)
no plano da enumeração de objetos podemos dizer: duas bananas, mais
duas maçãs e mais uma laranja somam cinco frutas. Se abstrairmos os
objetos, que são as frutas, podemos enumerar e somar da seguinte
maneira: dois, mais dois, mais um somam cinco. Neste caso o conteúdo
enumerado foi abstraído e ficamos com a simples forma numérica
2+2+1=5 (...) esta forma poderá ser aplicada a quaisquer objetos,
podemos até estudar as propriedades aritméticas da operação de soma
independentemente do conteúdo específico ou empírico sobre o qual
caiba a operação.
133
A lógica formal se pauta no raciocínio analítico, abstrato, que se desvincula dos
acontecimentos e fatos:
A lógica formal é abstrata, prescindindo do objeto ou da matéria para
afirmar-se sua validade ou realidade, distanciando-se das latitudes do
que é concreto para fixar-se nos altiplanos das regras racionais mais
abstratas e puras, incólumes de contaminação dos fatos, dos
sentimentos, dos acontecimentos, das razões concretas, econômicas,
políticas e irracionais que conduzem e movimentam a faticidade
humana.
134
A lógica formal, enquanto meio de raciocínio estuda o pensamento pronto e ideal,
estabelecendo a razão para o como pensar (para não errar), firmando, a partir
dela, premissas que se tornam incontestáveis, já que trata de pensamentos ideais.
Mas isso pode acarretar o amordaçamento da realidade atual na qual incide o
pensamento/raciocínio, se o pensar de novas verdades é realizado em bases
predefinidas.
Esta maneira formal de ver o Direito contém impregnações da racionalidade
cartesiana baseada em idéias claras e demonstráveis analiticamente. A lógica
formal e o racionalismo “fortalecido pelas idéias de que a prova demonstrativa e o
133
ALVES, 2005, p. 83.
134
BITTAR, Eduardo C. B. SOARES, Fabiana de Menezes (Orgs.). Temas de Filosofia do Direito:
velhas questões, novos cenários. Barueri, SP: Manole, 2004, p. 153.
109
cálculo eram as únicas manifestações legítimas da razão” desembocaram no
campo jurídico na racionalidade jurídica, ou seja, também no Direito as
demonstrações devem estar pautadas pela racionalidade matemática, sob pena
de serem rejeitadas; o próprio autor exemplifica:
Reduzia-se a noção de prova a prova formal, de caráter analítico, esta
prova seria capaz de se impor a todos, de modo impessoal, neutro, de
maneira coercitiva, da qual não se poderia divergir pela vontade. Essa
maneira de conceber a prova levou a serem excluídos grandes setores
da cultura humana das formas de raciocínio tidas por legítimas, uma vez
que aqueles setores não cabiam no modo de demonstração do tipo
matemático (...) o que não podia ser demonstrado conforme a razão
analítica, pelo modo formal do pensamento, escapando da razão
absoluta, era rejeitado simplesmente como irracional.
135
Nessa perspectiva, a lógica formal tem sentido para que o pensamento se
processe corretamente, a fim de chegar ao conhecimento verdadeiro, no caso, o
resultado “5”. Mas isso é possível nas ciências exatas, já para o Direito, tal
raciocínio o reduz para uma fórmula analítica em que o caso deve submeter-se à
regra legal, tida como premissa certa e verdadeira, capaz de atender a todos os
casos por ela determinados como possível de cobrir todas as situações
vivenciadas pelas pessoas na realidade fática cotidiana.
A premissa, para a lógica formal, é idéia que se conecta com outra a ponto de com
ela estabelecer uma vinculação e desta uma conclusão, ou seja, uma idéia
inicial, largada para outra que se baseia ou se fundamenta na primeira, e de
ambas nasce a terceira idéia: a conclusão.
Para que isso se de maneira lógica é preciso obedecer a alguns princípios
básicos, chamados de princípios gicos ou princípios da razão
136
, quais sejam, o
princípio da identidade, princípio da não-contradição e princípio do terceiro
excluído.
135
ALVES, 2005, p. 163.
136
ALVES, 2005, p. 149.
110
O primeiro diz respeito à coisa, ao ser, ou seja, “uma coisa é o que é (...)
sempre identidade entre o todo e a soma de suas partes, o que é verdadeiro não
pode ser, ao mesmo tempo, falso”
137
. Não cabem pensamentos multifacetados,
assim se entende o enunciado o “que é, é” na literalidade, por exemplo, um
homem é um homem, não um menino que cresceu; para o entendimento deste
princípio se desconsidera os elementos constituintes, para vê-los, apreendê-los ou
racionalizá-los todos num único ponto (o homem), aquilo que é, por isso, a soma
das partes “é necessariamente” idêntica ao todo.
Tal raciocínio muitas vezes pode e deve ser aplicado ao Direito, por exemplo, no
Direito Processual, é premissa do processo contemporâneo a aplicabilidade do
princípio constitucional do devido processo legal. Ora, este princípio se torna uma
premissa, que da aplicação do devido processo legal tem-se o chamado
processo justo; e este é o processo que observou todas as garantias
constitucionais na busca da solução do conflito jurisdicional. uma aplicação
lógica, porém, levados a cabo tal raciocínio e tal princípio da identidade ao
processo, este possivelmente não alcançará o resultado justo, uma vez que um
outro princípio, também constitucional, componente do devido processo legal é o
princípio da isonomia, e neste se concentra o tratamento isonômico na medida das
desigualdades, assim considerando-se somente o que é e descartando os demais
aspectos, o próprio principio primário ficaria incompleto dentro da lógica formal.
Assim acontece no caso da violência doméstica/familiar e a LMP, aquilo que é,
considerando-se a mulher agredida, pode ser também mulher agressora. Pelo
princípio da identidade lógica, este aspecto seria desconsiderado, mas passa pela
necessidade de observação, sob pena de não se conseguir um resultado útil e
adequado na aplicação da lei.
O segundo princípio racional da lógica formal é o princípio da não-contradição;
princípio derivado do primeiro, que “o que é, é”. Assim torna-se impossível, sob
esta ótica, que o que seja tido como verdadeiro possa ser falso ao mesmo tempo.
137
ALVES, 2005, p. 151.
111
Segundo Alves, “o mesmo predicado não pode ser afirmado e negado no mesmo
sujeito (...), duas proposições contraditórias não podem ser verdadeiras nem
falsas ao mesmo tempo”
138
. Ora, isso revela que pelo princípio da não-contradição
usado na lógica formal, se uma idéia ou proposição foi considerada verdadeira, a
outra obrigatoriamente deve ser considerada falsa. Mas como visto, no caso da
mulher agredida, esta conclusão pode ser tanto falsa quanto verdadeira, depende
do fato em concreto, da realidade fática na qual se inserem as pessoas
envolvidas, elementos constitutivos não levados a exame nesta forma de pensar.
Interessante o que o autor citado discorre a respeito da limitação deste princípio
da não-contradição:
É preciso notar que esta questão deverá ficar estritamente no nível
formal, pois a materialidade, não pode ser considerada logicamente, (...)
a lógica permite-nos conhecer até o meio do caminho, mas não permite
saber sobre a realidade mesma (...) a lógica não alcança a materialidade
do mundo.
139
Também bastante pertinente é a contribuição de Bergel, a respeito dos raciocínios
jurídicos quanto à aplicação do Direito:
Pode-se, procurar deduzir a solução de toda situação jurídica de um
arsenal de regras jurídicas claramente definidas, das quais ela resultaria
necessariamente, pelo simples efeito de um raciocínio puramente lógico.
Mas esse procedimento formal leva ao afastamento progressivo dos
fatos, ate ao desconhecimento deles. Ora, assim que o direito se
distancia das realidades concretas que deve reger, não serve para
nada.
140
Agora, faça-se este raciocínio nos casos de violência doméstica/familiar contra a
mulher. Todos os casos deste tipo de violência se enquadrariam nas premissas da
LMP, que solucionaria os conflitos familiares matematicamente, como se por si
138
ALVES, 2005, p. 151.
139
ALVES, 2005, p. 132.
140
BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão, São
Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 351.
112
o texto legal fosse autônomo para as resoluções das situações conflitivas de
violências nas famílias, considerando o Direito apenas um conjunto de regras.
Assim, toda solução deve ser encontrada dentro desse conjunto de regras
jurídicas, sendo nele fundamentada e demonstrada validamente, através da
dedução, que as proposições da norma são consideradas verdadeiras e
aplicadas racional e formalmente ao caso concreto; enquadra-o nos limites
preestabelecidos da verdade normativa.
Alves também rebate esta lógica:
Formalizar o pensamento é desconsiderar a matéria, o conteúdo, para
ficar somente com a forma ou estrutura. É desconsiderar o contingente,
o histórico e o particular, e ficar com o invariável, o intemporal e o
necessário. (...) As formas lógicas, de certo modo, o formas redutoras
da realidade a qual é muito mais complexa e variável, Só se pode
compreender a forma lógica, precisa, clara e definitiva, dentro de um
momento do conhecimento elaborado. (...) A efetiva verdade ou
falsidade da proposição não interessa diretamente à lógica formal, se ela
não trata da realidade ou da conexão entre o discurso e a realidade, mas
sim da coerência interna do discurso em si enquanto habilitado para
justificar a verdade; é indiferente o que acontece no mundo empírico dos
fatos, por isso, a verdade lógica difere substancialmente da verdade
empírica.
141
Os aspectos históricos, culturais, sociais e mesmo legislativos de outras épocas
são menosprezados. Por conseguinte, o Direito fica mais distante da realidade,
com mais dificuldade para solucionar os conflitos. Os séculos de inferiorização da
mulher, de agressão até institucionalizada, tornam-se nada, e relevância alguma
desperta ao aplicador do Direito quando da sua realização prática. Somente
aquele caso específico e bem enquadrado/delimitado é que está sob a mira da
aplicação da lei nesta lógica formalista com seus princípios da identidade e da
não-contradição.
Mas há também o terceiro princípio da lógica, princípio do terceiro excluído. Este
princípio tem o condão de complementar o princípio da não-contradição, na
medida em que afasta a terceira proposição. Veja-se: se algo é considerado
141
ALVES, 2005, p. 88/9.
113
verdadeiro, então é” verdadeiro (princípio da identidade), portanto não poderá
esta mesma coisa ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, pois haveria uma
contradição (ou é falsa ou é verdadeira). Aqui está o princípio do terceiro excluído:
as proposições não podem ser conjuntamente ambas falsas ou verdadeiras; esta
constatação será excluída, ou seja, a proposição de que podem ser as duas
proposições anteriores, ao mesmo tempo, falsas ou verdadeiras é excluída e
explica o princípio do terceiro excluído, já que complementar dos outros dois. Põe-
se em voga o exemplo usado por Alves:
O princípio do terceiro excluído completa, de certo modo, o princípio da
contradição, tornando-o absoluto. (...) Do ponto de vista da predicação
lógica, temos, por exemplo: o sangue humano ou é vermelho (1ª
hipótese) ou não é vermelho (2ª hipótese); não pode ele ao mesmo
tempo e sob a mesma relação ser vermelho e não ser vermelho (3ª
hipótese); neste sentido a última hipótese é impensável, é impossível
logicamente, não existe tal hipótese. Exclui-se esta terceira hipótese. (...)
Pelo principio do terceiro excluído, exclui-se apenas a hipótese de que
duas proposições opostas possam ser simultaneamente verdadeiras ou
falsas.
142
A questão é que nem sempre se pode identificar ou não-contradizer tão
categoricamente e (simplesmente) excluir proposições na vida real em que se
onde incide o Direito; nem sempre é possível se fazer uma demonstração analítica
da vida, da vida das pessoas, da vida de milhões de mulheres que são agredidas
diariamente e que, apesar disso, por alguma razão não analítica-dedutiva, razão
afetiva talvez, querem e permanecem com os agressores, por exemplo.
Não como lançar mão do raciocínio lógico formal e seus princípios para aplicar
o Direito via LMP aos casos de violência doméstica contra as mulheres, de
maneira apenas silogística, desprezando todo o aparato histórico-cultural, da
cultura patriarcal-hierarquizada que regeu (e rege) grande parte das relações
familiares e se chegar a uma solução universal que atenda e resolva os
problemas.
142
ALVES, 2005, p. 154.
114
O aplicador da LMP deve estar atento a todo o entorno da problemática da
violência doméstica/familiar contra a mulher não no que diz respeito ao
passado das relações familiares no Brasil, como as diretrizes sociais que
permeavam tais relações, e que ainda, se apresentam enraizadas no imaginário
social brasileiro por todos os motivos apresentados nos capítulos anteriores, como
também ao contexto atual de paulatina mudança de paradigmas estereotipados,
mas que também é motivo de violência doméstica na família contra a mulher.
O silogismo confronta esta forma mais alargada de aplicar o Direito e de vê-lo por
ângulos outros que não apenas a lei positiva, pois, segundo Alves, silogismo é
entendido como “forma de argumentação dedutiva, pela qual de um antecedente
(duas premissas), relacionando dois termos a um terceiro, tiramos um
conseqüente (conclusão) que une esses dois termos entre si
143
. Desta maneira,
a forma do silogismo está na correta ordem das proposições; ordem esta
tradicionalmente admitida na premissa maior, premissa menor e conclusão, sendo
esta deduzida da maior por intermédio da menor.
No Direito, esse silogismo é aplicado na passagem da disposição normativa (lei)
para a aplicação desta disposição propriamente dita às situações fáticas, pela
decisão jurisdicional. A premissa maior estaria na lei; a premissa menor, no caso
concreto e a conclusão, na decisão tomada, sendo esta, por sua vez, deduzida
analiticamente da lei positivada.
Constrói-se, assim, um caráter mecanizado na aplicação do Direito, melhor, na
utilização das leis como solucionadoras de conflitos, pois que o Direito não está
contido apenas nos textos normativos. Desse aspecto, aliás, se retoma o ponto da
veracidade, pois a conclusão somente será verdadeira se as premissas também o
forem aliadas ao raciocínio válido. Sendo estes incompletos, falhos, inverídicos,
insuficientes ou qualquer outro adjetivo que alcance a imprecisão, ter-se-á uma
conclusão com os mesmos atributos.
143
ALVES, 2005, P. 264.
115
De modo que a LMP aplicada silogisticamente tem ou premissas inverídicas ou
raciocínio inválido, pois, por exemplo, a LMP trata do atendimento criterioso e
particularizado à mulher vítima de violência doméstica/familiar em vários
momentos, tais como no artigo 8º, inciso IV, traz a implementação de atendimento
policial especializado para as mulheres, em especial nas delegacias de
atendimento à mulher. No artigo 28, parte final, a LMP aborda o atendimento
específico e humanizado em sede policial ou judicial. O artigo 35, inciso III, fala na
criação de delegacias, núcleos de defensoria pública e serviços de saúde
especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica;
situação em desacordo com a realidade encontrada na Delegacia de Atendimento
à Mulher de Vitória-ES (DEAM), já no seu aspecto infra-estrutural.
A título de informação, foi verificado quando do levantamento de dados sobre
violência doméstica e familiar contra a mulher na cidade de Vitória-ES, na DEAM,
dados colhidos de 1.318 boletins de ocorrências (BOs), relativos aos meses de
março de 2006 até março de 2007, abrangendo, portanto, seis meses anteriores à
LMP e seis meses posteriores, incluindo o mês de setembro, mês de sua
promulgação, encontrou-se uma infra-estrutura a qual dificilmente atende aos
parâmetros legais de tratamento humanizado e especial estipulados pela LMP.
Ressalta-se que não se quer dizer com tal constatação que apenas a infra-
estrutura seja capaz de resolver o grave problema da violência nas famílias (por
óbvio que não, esse problema tem raiz cultural remota), mas é parte das
disposições da lei, inclusive uma parte importante, pois o acolhimento num local
adequado, com atendimento adequado é relevante para que a vítima não
contribua para a invisibilidade da questão (aliás, uma agravante na problemática
da violência doméstica).
Pois bem, pela sistemática da gica formal, da dedução, do silogismo, tem-se:
premissa maior LMP (dispositivos citados); premissa menor caso de
violência doméstica /familiar a dada mulher; conclusão acolhimento policial e
judicial conforme prescrito. Tal atendimento exige, de plano, infra-estrutura
apropriada, mas como se disse, a infra-estrutura encontrada na DEAM de Vitória-
116
ES escapa às recomendações legais, revelando-se precária logo nas instalações
rudimentares da sala de recepção (e do prédio em geral), sem acomodação
adequada quer para as vítimas da violência doméstica e os familiares
acompanhantes, quer para os próprios policiais. Chega-se à falta de materiais de
expediente os mais elementares; além do parco mobiliário, recursos instrumentais
antigos dificultam o trabalho dos policiais alocados para o atendimento
especializado.
Em plena era tecnológica, a máquina de escrever é o recurso mais utilizado
quando do atendimento às mulheres agredidas. Os boletins de ocorrência da
DEAM, em regra, são datilografados, ou mesmo manuscritos. Durante o período
de pesquisa, havia apenas dois computadores na Delegacia, um deles
permaneceu com a impressora sem tinta durante vários meses, como resultado,
os documentos eram impressos em formulários acompanhados de carbono, para
aproveitamento da segunda via, descartando a primeira, num visível esforço das
policiais e visível também descaso estatal.
Os arquivos dos boletins de ocorrência pesquisados, acondicionados em pastas,
disputavam espaço com o estreito corredor, estando a maior parte dos arquivos
armazenada numa prateleira da cozinha (lugar de refeição dos policiais;
igualmente precário, contava com uma geladeira enferrujada, um fogão antigo,
uma pequeníssima pia e pouquíssimos utensílios, sem mesa e sem cadeiras).
Ora, dispensar um atendimento especial e humanizado como realmente requer
vítimas/agressores e famílias acometidas pela violência doméstica/familiar sem a
infra-estrutura básica é, no mínimo, difícil. Tal estrutura não tinha sido
implementada na DEAM de Vitória a fim de atingir o atendimento particularizado
até o final da pesquisa em comento, em julho de 2007. Ressalva-se que o
atendimento de dava especial, na medida do possível, graças à experiência
profissional das policiais driblando as dificuldades, não pelo respaldo estrutural
estatal.
117
A dedução silogística aqui aparenta não ter dado certo. Outrossim, depositar na
LMP o refrear e o prevenir da violência doméstica sem atentar para os dispositivos
da própria lei é menos do que aplicá-la na visão formal, é chegar à conclusão de
que apenas o legislar é o suficiente. Claro que a criação de novas delegacias,
centros de atendimento, casas-abrigo, núcleos de defensorias, juizados especiais
como prevê a LMP demandam tempo, verbas e dotações orçamentárias. Mas não
se trata de um novo espaço, a DEAM de Vitória existe há anos, o aparelhamento
adequado é necessário para que o atendimento se dê da maneira como previsto
em lei e para que o texto legal não fique esvaziado.
Com relação à prevenção da violência doméstica/familiar propriamente, os
números de ocorrências nos treze meses somam 1.318 casos, conforme a Tabela
II (Profissão das Vítimas) do Anexo I, sendo que de março/2006 a agosto/2006 foi
registrado 654 casos de violência doméstica; no mês de setembro/06 89 e de
outubro/2006 a março/2007 630 casos, ou seja, comparando-se com os primeiros
seis meses, a diferença é de apenas 4,6%, ou seja, a incidência da LMP
praticamente não alterou as situações de violência doméstica quanto à prevenção.
O mês de dezembro/2006 foi o mês de menor número de ocorrências, 84. Porém
não se pode atribuir o número inferior relativamente aos meses seguintes à LMP,
pois mesmo antes de sua promulgação, no mês de maio/2006, o número de casos
registrado é exatamente o mesmo, 84.
Percebe-se, é bem verdade, que logo após a promulgação da LMP, houve uma
oscilação dos casos de violência doméstica/familiar registrados: setembro/2006
89 casos; outubro/2006 – 96 casos; novembro/2006 98 casos; dezembro/2006
84 casos; com inclinação para aumento logo em seguida: janeiro/2007 – 117
casos; fevereiro/2007 120; março/2007 115 casos, conforme pode se verificar
no Gráfico 7:
118
0
50
100
150
200
250
Mar/ Abr/ Mai/ Jun/ Jul/ Ago/ Set/ Out/ Nov/ Dez/ Jan/ Fev/ Mar/
Profissão das vítimas
Total
Outras ***
Comerciaria
Secretária
Aposentada
Estudante
Tec.enferm.
Autônoma **
Do lar
Prof. Liberal
Doméstica
Professora
Serv. g. com. *
Serv. p. fed.
Serv. p. est.
Serv. p. mun.
Desempregada
Ora, se não está havendo a prevenção proclamada pela LMP, ao contrário os
casos de violência continuam em ascensão, é possível afirmar, dentro do que se
acredita neste estudo, que a lei LMP está com premissas inverídicas ou sendo
aplicada por um raciocínio inválido, ou ambos. Sobre raciocínio jurídico, fala
Bergel:
Consiste no processo intelectual suscetível de levar à solução dos
problemas jurídicos, graças a certo número de meios racionais.
Caracterizar os raciocínios jurídicos significa determinar os métodos que
permitem encontrar essa solução. [...] sendo que o direito não pode
limitar-se apenas aos esforços do pensamento: deve permitir satisfazer-
se as exigências concretas da vida social. [...] Deve haver um
procedimento híbrido, que nem é totalmente por dedução, nem uma
análise, e cuja especificidade pode proceder do confronto entre a lógica
formal e a lógica da argumentação.
144
Pelos números mostrados é possível detectar a insuficiência do texto legal da LMP
como meio exclusivo para se resolver a grave questão da violência doméstica e
144
BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo:
Martins Fontes, 2001, p.535, 358, 360.
119
familiar contra a mulher, quando aplicada sob a ótica formalista, visão que parece
encontrar ainda bastante eco no campo jurídico brasileiro, confirmando-se outra
vez pelas palavras de Bergel:
A identificação do raciocínio jurídico com uma lógica formal lhe conferia
o rigor e a certeza que em geral lhe faltam e o poder ser percebida como
um bem, mas a redução do direito a equações é um engodo, esbarra em
insuperáveis dificuldades de métodos e na finalidade de todo sistema
jurídico. A lógica matemática supõe não uma apresentação
axiomática e uma formalização dedutiva mas também a simbolização.
Ora, esse método é inconciliável com o método jurídico. O direito é
repleto de violações das soluções lógicas deduzidas de um axioma.
Essas exceções resultam de outras preocupações, de outros princípios,
cuja, multiplicidade, cujos enredamento e intensidade, maior ou menor,
tornam impossível uma expressão do direito positivo em forma
matemática.
[...] A redução do direito a uma lógica formal seria, aliás contrária á
finalidade essencial de todo sistema jurídico. O direito tem a função de
reger a vida social e não pode ignorar as realidades concretas nem o
movimento dos fatos e das aspirações.
145
Assim se entende ser um caminho para a aplicação da LMP a fim de atingir a
prevenção e o refrear da violência doméstica e familiar, sua aplicação dentro de
uma dialética da lógica do razoável, mesclando a análise do texto legal, com os
acontecimentos fáticos, dispensando atenção ao entorno desta violência, com
olhares ao passado, buscando suas origens e desencadeamento histórico-cultural-
social, e com olhares no presente, na busca das soluções para este tempo, pois:
Enquanto o pensamento racional da lógica formal tem a natureza
meramente explicativa de conexões entre idéias, entre causas e efeitos,
a lógica do razoável tem por objeto problemas humanos, de natureza
jurídica e política, e deve, por isso, compreender ou entender sentidos e
conexões de significados, operando com valores e estabelecendo
finalidades e propósitos. O aplicador do direito, para fazer uso da lógica
do razoável, deve investigar algumas relações de congruência ou
conveniência (para a harmonia do fato com o fim em vista). O aplicador
deve se indagar: quais os valores apropriados à disciplina de
determinada realidade (congruência entre realidade social e os valores)?
Quais o os fins compatíveis com os valores prestigiados (congruência
entre valores e fins)? Quais são os propósitos concretamente factíveis
(congruências entre os fins e a realidade social)? Quais são os meios
convenientes, eticamente admissíveis e eficazes, para a realização dos
fins (congruência entre meios e fins)?
145
Ibid., 2001, p. 363/364.
120
Com as respostas a essas indagações, o aplicador do direito irá
encontrar uma solução para o caso concreto, sustentada por um
raciocínio não-formal, porém, razoável.
146
Dias diz que “o surgimento de novos paradigmas leva à necessidade de rever os
modelos preexistentes. A liberdade e a igualdade como pilares do Direito
permitem o reconhecimento da existência das diferenças”
147
. Também Wolkmer
diz que “aceitar a politização das idéias e das instituições jurídicas significa
superar todo e qualquer viés metodológico representado pelo historicismo legal de
cunho formalista, erudito e elitista”
148
e, realmente, em função da realidade o
Direito se redimensiona, por isso, a LMP pode ser absorvida neste aspecto, mas
como parâmetro suficiente para solução de conflitos domésticos no sistema
formal-legalista não se sustem como se indicou acima.
Diante da realidade que apresenta questões inter-relacionais nas famílias e entre
cônjuges, diferenciação reiterada de gênero, violência entranhada nos ambientes
domésticos, em maior ou menor grau, milhares de mulheres que continuam a ser
espancadas diariamente, a LMP aplicada pela lógica formal se torna insuficiente
ao seu propósito.
Não logra êxito porque o Direito não se harmoniza com a lógica formal dedutiva.
Com o raciocínio cartesiano e as convicções mecanicistas, o Direito harmônico
pode ser verificado com a presença da condição humana e da veia sociocultural e
histórica.
A lógica do Direito deve ser aquela que não se preocupe com demonstração
analítica-matemática, em que se dispensa a experiência para confirmar a
proposição, no sentido de apenas analisar o conteúdo para ter-se a proposição
como válida, mas sim com uma construção dialética de argumentos.
A lógica formal jamais poderá orientar a ação ética dos homens, por
conseqüência, ela não pode ser a lógica dominante nos assuntos
146
COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de lógica jurídica. 4. ed. ver. e aum. São Paulo: Saraiva, 2001,
p. 84/5.
147
DIAS, 2007, p. 22.
148
WOLKMER, 2007, p. 2.
121
humanos, devendo ser, a teoria da argumentação retórica, a única forma
de justificar os valores e os atos morais dos homens. A argumentação
retórica, ao contrário da lógica simbólica ou matemática, caracterizada
por ser universal e, por isso, impessoal, neutra e monológica, supõe
sempre o embate (dialético) de opiniões ou o confronto das ideologias e
consciências no interior de situações e circunstâncias históricas
determinadas e particulares.
149
E mais, diz o autor, “a argumentação não tolera o pensamento fechado e
impositivo, argumenta-se sempre para compor um quadro de enunciados
ponderados ou verossímeis a respeito de determinada questão.”
150
Alves ao falar a respeito do repensar das grandes questões do Direito, dita
ensinos que servem como amparo à questão abordada nesse estudo, diz ele:
[...] questões de existência, são questões existenciais de grande
significação para o homem e que não podem ser resolvidas com mera
lógica. Não é o puro pensamento gico que resolverá. E essa
concepção é muito mais abrangente, pois revela a compreensão calcada
nos valores, calcada nos sentimentos e na condução ética que, ao não
desprezar a razão, não se resume, contudo, à pura razão instrumental.
[...] A lógica do racional deve ceder lugar à lógica do razoável.
151
Na lógica do razoável, a construção do Direito não se guia pela lógica clássica, por
entendê-la insuficiente à compreensão daquele; guia-se pela coerência entre a
realidade, os valores, os fins da norma jurídica; é uma sistemática proveitosa para
a LMP, pois nos casos da violência doméstica/familiar o aplicador do Direito está
numa conjuntura que demanda a fixação de certas finalidades, qual seja, a
prevenção e o impedimento de novos casos, para isso requer um novo modo de
agir para que o ser humano não seja conduzido como numa operação
matemática.
A lógica racional-formal do positivismo, que descarta princípios e juízos valorativos
em função da neutralidade (aliás, inexistente), explica o Direito pela “materialidade
149
ALVES, Alaôr Caffé [et al]. O que é a filosofia do Direito? Barueri, São Paulo: Manole, 2004,
p.165.
150
Ibid., 2004, p. 368/9.
151
ALVES, 2005, p. 87.
122
coercitiva e concreta, Toda a sua validade e imputação fundamentam-se na
própria existência de uma organização normativa e hierarquiza.”
152
. Assim a LMP
é um reflexo e reforço do paradigma jusfilosófico positivista fincado na lei como
solucionadora dos conflitos, desatrelando-a do cotidiano histórico-cultural dessa
solução.
Tal como no período colonial, quando o Direito utilizado não se preocupou com
as relações sociofamiliares nativas e suas peculiaridades, valiam apenas as
formas e fórmulas do Direito da Metrópole. Agora as preocupações estão em um
enquadramento da realidade nas medidas propostas pelo texto legal, criando uma
situação de falibilidade face à diversidade/complexidade dos conflitos domésticos
contra a mulher; isso não apenas na problemática estudada, mas em todas as
situações sociais que carecem do Direito como meio de emancipação.
Assim é que mesmo tendo leis vanguardistas, de amparo à dignidade do ser
humano, de cidadania da mulher, são vazias de significação pela sua
aplicabilidade num sistema formalista arcaico, persistente na sociedade brasileira
que se mantém uma sociedade conservadora, herdeira de um legado de poder
verticalizado, exemplo copiado, a miúde, nas relações familiares.
Se a lógica formalista do Direito se fez presente em tempo da história e lhe
serviu como concepção avançada, revelando-se uma forma mais adequada para
as proposições da época, superando outros modelos, o mesmo acontece agora. É
necessário rever o paradigma formalista, legitimador de estruturas de poder. Não
há como ficar imune às mudanças sociais e epistemológicas:
[...] avançar na reflexão de que o conhecimento, a produção e o discurso
reinantes no Brasil, normalmente calcados na lógica da racionalidade
técnico-formal e nos pressupostos dogmáticos do cientificismo
positivista, não respondem mais com eficácia ás reivindicações e às
necessidades da etapa de desenvolvimento sócio-econômico e dos
parâmetros de evolução das instituições políticas da sociedade periférica
brasileira. [...] o discurso tradicional da experiência jurídica o poderia
continuar o mesmo [...] justifica-se, assim, colocar em discussão,
152
WOLKMER, 2007, p. 33.
123
articular e operacionalizar um projeto de cunho crítico-interdisciplinar no
Direito, ainda que se reconheçam as dificuldades de sua elaboração
política e epistemológica.
153
O Direito não pode estar no modelo fordista, da produção legislativa em série,
mecanizada, sem atentar para a realidade cultural, histórica e social. O Direito não
é estático; sua operacionalidade não está num método lógico dedutivo. E, aqui um
questionamento poderia ser feito: não é estar atento à realidade das mulheres,
promulgar uma lei de proteção especial? Aé, mas aplicada no esquema da
lógica silogística de amoldamento do fato à norma a proteção se desconfigura.
A norma jurídica não pode ser mais aplicada sem as perspectivas axiológicas,
culturais e históricas, as quais em regra o estão explícitas no texto da lei. Isso
quer dizer que um ordenamento jurídico positivo não encontra respaldo fático, se
se prende exclusivamente ao que nele posto, necessidade de extensão da
norma ao sentido da realidade. Aliás, este é um exercício inverso ao exercício
lógico-formal-silogístico.
Assim, podemos ficar numa atitude dogmática, não mudando de sistema
diante de um problema, ou podemos buscar uma atitude zetética,
procurando novos sistemas para a solução do problema, isto significa
que se o problema é resolvido segundo o sistema que temos, não há
dificuldades. Porém, se o sistema não der conta do problema, temos
duas atitudes a tomar: a primeira, dizer que o problema não um
problema, é um pseudo-problema; a segunda, procurar um novo sistema
para resolver tal problema.
[...] No plano jurídico a atitude dogmática é geralmente defendida pelo
positivismo normativista, especialmente na variante formalista. A atitude
zetética é geralmente defendida pelos realistas ou pragmatistas
jurídicos, tendo em conta outras variáveis (sociais, históricas,
teleológicas, justiça material, etc.) além das postulações das
normatividades.
154
Na realidade da violência doméstica/familiar contra a mulher, é impossível afirmar-
se ter um “pseudo-problema”. Os expressivos números e a maior visibilidade à
questão obriga o repensar; tomar a segunda alternativa é o que se mostra mais
viável, pelo menos para a diminuição da violência no Brasil.
153
WOLKER, 2007, p. 140.
154
ALVES, 2005, p. 374.
124
Não se afirma, porém, o desapego total e irredutível da lógica formal. Esta é
importante para articulação dos conceitos elaborados e utilização do
conhecimento adquirido, mas carece de constantemente ser repensada, sob
pena de um enquadramento rígido de formas e estruturas pré-elaboradas dos
conceitos jurídicos velhos e novos, e ainda cercear o desenvolvimento de outras
formas de pensar, como por exemplo, o Direito visto apenas pela ótica do
formalismo, ensinado e aplicado como algo pronto e findo, não cabendo nada
além da reprodução das fórmulas (analíticas, lógicas, esquematizadas e
mecanizadas). Na sua órbita, tem como resultado (no sentido mesmo matemático)
um pensar acrítico, passivo e conformado.
Alves ainda reconhece a importância da lógica formal:
Leibniz apresenta o sistema como sendo fechado, dedutivo, ele achava
que a jurisprudência tinha de ser dedutiva, bastava que fizéssemos uma
estrutura de conceitos definida e precisa, e a partir daí se tirariam todas
as conclusões possíveis (...) e muito do nosso Direito, passou a trabalhar
esta questão da abordagem sistêmica dedutiva, passou a trabalhar,
portanto, conceitos firmes, precisos ou rigorosos, que pudessem ser
deduzidos dentro de um encadeamento lógico-soligístico muito forte,
coisa que é negada completamente hoje pelas perspectivas de Viehweg,
de Ricasens Siches e de Perelmam. A posição verdadeira no mundo
jurídico, segundo esses autores, não pode ser esta. Embora existam
cadeias dedutivas pequenas - o que é indubitável, posto que não se
pode excluir completamente a lógica formal das estruturas jurídicas
estas são pequenas cadeias entremeadas num grande complexo de
enunciados eivados de ambigüidades, vagueza ou dúvidas.
[...] Mas é claro que, uma vez estabelecidos os pontos de vista
razoáveis, para se chegar a uma conclusão, há necessidade de um
desenvolvimento lógico, um encadeamento coerente. .
155
O fato é que a lógica formal, entendida como expressão completa da razão,
defende o sim ou não, o tudo ou nada, a lei é ou não é capaz de solver problemas.
Segundo o pensamento formalista “então tudo o que não for segundo essa forma
será irracional, arbitrário, aleatório e confuso”
156
. Mas o mundo real não
155
ALVES, 2005, p. 378/9.
156
ALVES, 2005, p. 386.
125
dimensões tão inflexíveis a ponto de ou isso ou aquilo, exatamente como Direito,
espelho das relações sociais.
A razão formal não conta de todas as situações do mundo real. Como
enquadrar numa mesma e absoluta estrutura jurídica as situações de violência
doméstica contra a mulher, que se calcam em causas remotas e próximas, mas
com variantes tão distintas?
A LMP, dentro dessa lógica, é apenas mais uma lei de pouco alcance. Neste
aspecto a posição do aplicador da lei é extremamente importante. Uutilizando-a na
lógica silogística formal não haverá decisão pensada sob ângulos diversos, mas
conclusão dedutiva. Ocorre que o Direito deve ser encarado como algo para
compreender a sociedade e transformá-la para melhor. Num caminho
emancipatório, as decisões judiciais não podem levar em conta apenas a
literalidade da forma normativa.
As decisões para resolver as questões satisfatoriamente pautam-se por
justificativas das premissas, argumentações que estarão dentro de expectativas
com maior ou menor grau de exatidão. A este exercício Alves também chama de
lógica:
Uma lógica do razoável, mais ampliada, uma lógica da argumentação,
das proposições que não são exatas e perfeitas, não são verdadeiras ou
falsas, porém mais ou menos prováveis ou verossímeis (...) uma lógica
do talvez, muito mais elástica, objetivando a adaptação reclamada pela
vida prática (...) assim, esse instrumental não é formal.
157
Para esta nova proposta é relevante a avaliação, a ponderação axiológica, a
compreensão dos fatos da vida social e jurídicos; o leque de estruturas se amplia
em grande medida.
O Direito nesta concepção trabalha com a lógica do razoável, entendida como
lógica da argumentação, é uma lógica não puramente demonstrativa, mas
157
ALVES, 2005, p. 397/8.
126
argumentativa,que se estende para uma lógica jurídica por reconhecer e dar
relevância à realidade prático-jurídica, uma realidade não disposta em arbítrio e
absurdo, também pautada na razão; razão do provável, do aceitável e, “por isso, é
também um mundo racional na precisa medida em que permite a previsão e o
controle razoável das decisões e ações humanas no plano social.”
158
As leis, portanto, atualmente não podem ser observadas, tampouco atingirem seu
intento, esquivando-se o decididor de certas condições históricas-culturais. Há
estruturas sociais que perpassam a elaboração de leis, a aplicação delas, a visão
do Direito e do mundo, independentemente da vontade individual, especificamente
no caso da violência doméstica/familiar contra a mulher, a estrutura social que
emoldura essa situação, não pode ser desconsiderada; a mulher não se submete
ao espaçamento e humilhação por simples vontade; o homem, também enlaçado
por esta mesma estrutura, repete o que lhe parece volitivo, mas não é.
estruturas sociais profundas (históricas, sociais, culturais e jurídicas) que
amoldam comportamentos, se alteram conforme a movimentação da humanidade,
mas imperceptivelmente, por isso mesmo a “inconsciência das bases sociais das
relações de vontade faz-nos pensar que estas se determinam por si mesmas, em
nós”
159
. Diante disso, ao Direito se impõe uma nova visão, o desenvolver de outra
concepção; aos aplicadores das leis se impõe desamarrar-se de tecnicismos e
fórmulas, estreitando as normas à realidade fática, para uma racionalidade mais
humanista e proveitosa.
O Direito se transforma em conformidade com as práticas sociais, ainda que seja
o Direito corporificado em letra de lei; a humanidade caminha; um novo desajuste
surge, novas leis identicamente. Um novo raciocinar do Direito, também em suas
formas de textos normativos, implica numa visão crítica da sociedade da qual ele
emana e requer uma:
158
ALVES, 2005, p. 399.
159
ALVES, 2005, p. 403.
127
Uma justificação profundamente estribada nas estruturas cio-
econômicas, culturais e axiológicas da comunidade onde se exerce a
argumentação, esta ganha plausibilidade dentro de uma atmosfera
organicamente ligada àquela realidade estrutural (...) assim, para o êxito
das argumentações na vida prática cumpre ter em conta,
permanentemente, as bases sociais em que elas se fundam.
[...] O importante, pois, não é renunciar ao pensamento formal quede
resto e extremamente útil para a ciência e para a vida prática onde se
exige a precisão ou a determinação exata das coisas, mas é dar a ela o
devido lugar como resguardo da proporção que lhe é devida, não
reduzindo toda a razão ao seu tamanho formal.
160
Destas reflexões sobressai que o próprio Direito é ambíguo, contraditório. Na
realidade forças se contrapõem. Para uma parte da sociedade interessa a
mudança, outra deseja a preservação do que está. O Direito por si não se
realiza, só lei não basta:
[...] Norma como resultado, como produto posto, mas por que foi feita a
norma? Qual o motivo? Para que é criada positivamente a norma? Com
que fim se faz a norma? Na verdade, o que interessa, para obter-se a
justiça na aplicação do Direito, é a norma procurada além de sua
estrutura lógica. É fundamental saber sobre a estrutura da base e origem
social das normas para saber sobre os motivos e os fins da produção e
da aplicação jurídica. A dinâmica da produção normativa é histórica e
social. Isso compreende justamente a necessidade de lançarmos nossos
olhos para além do próprio direito positivado, do direito posto de modo
dogmático, para buscar o direito pressuposto, um direito invisível, mas
tão real quanto o direito positivo.
161
Assim é que se a LMP não tiver amparada pelas proposições mais apuradas da
lógica do razoável a lógica jurídica e permanecer vinculada ao sistema da
lógica formalista, sem a necessária visão histórica-cultural do problema da
violência contra as mulheres, a proteção às mulheres vitimadas pela violência
doméstica/familiar estará ainda bastante distante da realidade fática desta parcela
da população, tendo conseqüências devastadoras para a construção sólida da
cidadania das mulheres na sociedade brasileira e do Estado Democrático de
Direito como um todo.
160
ALVES, 2005, p. 404/5.
161
ALVES, 2005, p. 94/5.
128
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se pretende nessas considerações traçar em itens a explanação do trabalho,
mas ressaltar alguns pontos e posições tidas como de relevância à construção do
estudo.
É preciso evidenciar que no Brasil a situação das mulheres melhorou
significativamente nas últimas décadas. De um ser esquecido, violentado,
desvalorizado e entregue a qualquer sorte, passou a ser vista como tão digna de
direitos quanto o homem, pelo menos no âmbito formal. As mudanças trouxeram
abertura na formação acadêmica, profissional, política, social e pessoal; contudo
traços fortes da cultura masculina permanecem fincados no senso comum
diminuindo a realidade das árduas conquistas.
A diferenciação de ganhos, as jornadas duplas/triplas, a objetificação sexual, a
violência milenar contra as mulheres tanto no espaço público quanto no doméstico
e familiar fazem parte do cotidiano de milhões de mulheres neste início de século,
hoje, agora; pois de acordo com as estatísticas oficiais no Brasil, uma mulher é
espancada a cada 15 segundos, são apenas 15 segundos! Como visto no
decorrer do estudo isso é algo que impressiona.
129
Dado os movimentos humanistas e feministas, essa forma tão aviltante de
menosprezo pela pessoa da mulher ganhou visibilidade, alcançando a esfera dos
Tratados Internacionais e da Constituição Federal do Brasil. Apesar disso, vários
são os desafios que se descortinam na custosa trajetória de conquistas dos
direitos da mulher, para uma vida menos sofrida, mais plena de cidadania; em
especial, uma vida livre de violências de toda ordem.
Um deles diz respeito à introjeção de preceitos e valores maleáveis a respeito de
cada ser nas mentes tanto de homens como de mulheres; apesar de tantos
séculos, é facilmente detectável e ficou largamente comprovado o quanto, ainda,
os estereótipos e a desvalorização da mulher (desde menina, pois
estatisticamente comparadas com os meninos, são as que mais sofrem punições
e abusos em casa e fora), insistem e teimam em constituir-se num grave obstáculo
a uma visão igualitária entre os seres humanos.
Apesar dos preceitos internacionais, aceitos e consagrados na CF/88, tem sido
difícil descontinuar a cadeia de valores desprestigiosos assentada no imaginário
social quanto à pessoa da mulher, inclusive e principalmente porque as estruturas
domésticas têm reproduzido as estruturas do ambiente público, com relações
hierarquizadas, masculinizadas, determinadas por uma ordem de poder patriarcal-
patrimonialista, que dá ênfase àquele que detém o poder; ordem que vem desde a
Colonização, numa pirâmide de poder extraída da esfera pública e copiada na
esfera doméstica, que tem por princípio o sistema patriarcal, em que o outro, o
diferente, é subjulgado, marginalizando os que não estejam dentro dos parâmetros
próprios de mercado e produção de riquezas conforme os estereótipos
preconcebidos pelos que governam.
Nessa ótica a legislação relegou à mulher a um plano bem inferior,
desconsiderando-a das relações socioeconômicas; deixou para ela o “domínio do
lar”, enquanto o marido não estabelecesse o contrário, porque ele tinha o
verdadeiro domínio dos bens, dos filhos, da esposa, do domicílio. Enfim, durante
quase todo o século XX, o Brasil viveu sob essa égide. Enfraquecer esses
130
estereótipos e paradigmas retrógrados e acatar os novos emancipatórios de
maneira mais alargada é um exercício que se faz presente. O imaginário social
trabalha ainda com concepções antigas, desarticulá-las, e desenvolver os
parâmetros atuais de harmonização e humanização entre os gêneros é um
caminho que não chegou ao fim.
As mulheres alcançaram sim espaços nos mais diversificados setores da
sociedade, tal como aconteceu com a educação e profissionalização, ainda que se
tenha uma educação estigmatizada, mas pelo menos elas podem buscar a
aprendizagem e as profissões com mais dignidade e respeito sem as amplíssimas
restrições de outrora.
Dentro da perspectiva de ampliação da cidadania das mulheres, as ações legais
até agora utilizadas não se adequaram a contento; especialmente ao problema da
violência doméstica, as estratégias desenvolvidas são ações pontuais e de difícil
acesso para milhares de mulheres que vivem afastadas de grandes centros
urbanos, não existindo a estrutura hábil para atendimento adequado, não
alterando a inserção diferenciada de homens e mulheres em várias áreas de
atuação.
As matrizes de gênero atribuindo papéis fixos para cada um ainda têm sido uma
constante. A cultura hierarquizada de dominação/exploração perdura firmemente
reforçando a violência contra a mulher e mais ainda a violência doméstica e
familiar. Embora conclua-se que a questão da violência doméstica/familiar contra a
mulher esteja “umbilicalmente” ligada à questão histórico-cultural da
desvalorização da mulher na sociedade brasileira, entende-se também que as leis
protetivas são uma necessidade.
No Brasil, a lei específica de proteção à mulher somente foi promulgada no ano de
2006 Lei 11.340, de 07/08/06, denominada de Lei Maria da Penha (LMP), Em
que pese o problema já ter discussão ampla internacionalmente e o Brasil ser
signatário das principais Convenções a respeito da mulher, a LMP veio, na
131
verdade, como cumprimento de uma punição da CIDH, exatamente pelo caso
Maria da Penha. Ocorre que a lei com o intento de coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher tem sido aplicada perante a ótica formalista, a
qual se mostra insuficiente para atingir o proposto.
Constatou-se que a complexidade do problema da violência doméstica/familiar e a
arraigada concepção patriarcal de dominação/exploração da mulher na cultura
brasileira são ingredientes que reforçam a existência da violência contra a mulher
na família e fora dela, em aliança com a sistemática positivista-formal da cultura
jurídica brasileira. A LMP nem previne nem coíbe novos casos de violência
doméstica/familiar.
O cenário da produção legislativa de proteção à mulher é um cenário desfavorável
na medida em que tamm permanece atado a paradigmas que não mais dão
conta da realidade existente. Tal panorama, por sua vez, também é reflexo da
historicidade jurídica brasileira, a qual construiu uma cultura jurídica baseada num
padrão de legalidade e formalismo com características excludentes, utilizando o
Direito como forma de manutenção do poder, legado de legislação alienígena
incorporada à vida jurídica brasileira, característica presente desde a Colônia.
Além disso, a não observância das particularidades brasileiras torna ainda mais
grave o problema da violência doméstica. Considerando que a LMP tem a
intenção de prevenir e coibir violência doméstica/familiar acaba por ser mais um
instrumento de desumanização, já que não atinge nem o primeiro, nem o segundo
intento. Aplicar a LMP de maneira silogística faz agravar a situação de desamparo
das mulheres que levam, às vezes, anos para denunciar a agressão e, quando o
fazem, não encontram o aparato judicial, instrumental e estrutural apto a pôr termo
à problemática.
A LMP alcança, assim, um efeito simbólico. De modo geral, as leis demonstram
algum efeito simbólico, especialmente quando buscam reforçar ou remodelar a
consciência social a respeito de determinado assunto, como é o caso. Da LMP
132
conclui-se que tal efeito simbólico se dá em duas vertentes, a primeira, por não ser
capaz de efeitos protetivos concretos imediatos devido à falta de estruturação
física e da não efetivação das medidas preventivas abrigadas pela lei (como por
exemplo, os incisos VII, VIII, IX do art. 8º, entre outros), como ficou demonstrado
no estudo; segundo, apesar desses entreves, houve uma certa apropriação da lei
por parte das mulheres, talvez devido à grande divulgação de sua promulgação (o
que aliás, merecido, pela história de dominação/exploração a que as mulheres
sempre foram expostas), criando um efeito simbólico de amparo. Na verdade, um
sentimento de maior amparo face ao desprestígio legal secular de antes; efeito
este que, como também ficou evidenciado, pelo menos nos casos de violência
doméstica familiar na cidade de Vitória, não foi suficiente para que coibisse a
prática violenta.
Assim, a cidadania das mulheres fica novamente relegada a segundo plano. Se
não houver um olhar para além da visão formalista, do enquadramento lógico-
formal-silogístico, dificilmente a LMP será capaz de prevenir a ocorrência de novos
casos de violência doméstica. Aliás desapegados do peso da história e da cultura
no circuito brasileiro, muitos aplicadores do Direito fecham os olhos para os
modelos emancipatórios da CF/88, contextualizando-os e desatualizado-os dentro
de uma razão jurídica que não serve mais como parâmetro para solução de
conflitos na atualidade.
Deste modo, o que se defende no presente estudo é um pensar o Direito
positivado em novas bases capazes, de pôr em equilíbrio as situações de gênero,
exatamente por compreendê-las desde a suas raízes e na complexidade que lhe é
própria, atentando para os valores e princípios postos na sistemática
constitucional de igualdade entre os neros, de assistência aos entes familiares
acometidos pela violência doméstica, aplicando a LMP dentro da lógica jurídica e
não formal.
Afinal, a violência doméstica/familiar é um problema que diz respeito não somente
a quem está diretamente envolvido ou da seara de outras ciências apenas.
133
Tampouco é um problema a que o Direito pode se eximir de atender. É um
problema grave, atinge a sociedade de forma amplificada, num encadeamento
perverso e devastador, que tudo tem a ver com o mundo do Direito numa visão
interdisciplinar, inclusive.
A lei é um primeiro passo para a solução, fruto de muita discussão internacional e
nacional, sem dúvida, mas não o único. Diante do panorama formal de respeito à
diversidade e às diferenças, passar da teoria à prática, com confrontações dos
aplicadores do Direito a uma nova realidade também deste, apresenta-se como
caminho.
Uma outra conclusão a que se chega é que mulheres e homens podem (e devem)
aprender a conviver respeitosamente, com diferenças inegáveis e inatas, mas com
respeito mútuo. Mantendo relações sociais que dignifique tanto um ser como o
outro, alterando a estrutura social, como outras vezes na história já foi alterada.
Apesar da sedimentação dos valores, do esquema binário de oposição entre os
gêneros, é possível a alteração. Outras grandes conquistas da humanidade em
algum momento pareceram inalcançáveis, não se busca o inimaginável, se busca
pôr em prática o que já está formalmente regulado. Os casos de
violência/doméstica e familiar podem sim diminuir se levados em conta aspectos
peculiares da sociedade brasileira e do Direito brasileiro ao aplicar as leis
protetivas à pessoa da mulher.
134
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Tipos de
violência
Mar/
06
Abr/
06
Mai/
06
Jun/
06
Jul/
06
Ago/
06
Set/
06
Out/
06
Nov/
06
Dez/
06
Jan/
07
Fev/
07
Mar/
07
T
otal
Lesão corp.
49 46 28 40 38 42 27 24 23 13 33 36 35 434
Ameaça
54 43 33 37 44 37 36 43 37 45 46 41 45 541
Perturbação
16 8 11 7 4 0 14 13 12 11 15 19 17 147
Vias fato
10 7 4 11 9 5 8 6 9 7 4 7 4 91
Injúria
14 12 3 4 11 3 1 10 12 6 9 10 11 106
Dif
amação
0 5 4 1 8 5 1 0 1 0 2 2 0 29
Calúnia
1 0 0 0 0 2 0 0 2 2 3 3 0 13
Assédio
0 0 0 0 1 2 0 0 0 0 1 2 3 9
Aband. Mat
1 0 0 0 0 0 2 0 2 0 0 0 0 5
Abuso sex
0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2
143
ANEXO I
TABELAS COM INDICATIVOS DA DEAM – VITÓRIA-ES
TABELA I – TIPOS DE VIOLÊNCIA
* Referente: 2 violações de domicílio, 1 expulsão de casa, 1 invasão de
privacidade, 2 tentativas de envenenamento.
TABELA II – PROFISSÃO DAS VÍTIMAS
Profissão das
vítimas
Mar/
06
Abr/
06
Mai/
06
Jun/
06
Jul/
06
Ago/
06
Set/
06
Out/
06
Nov/
06
Dez/
06
Jan/
07
Fev/
07
Mar/
07
Total
Desempregada
0 1 0 0 4 1 2 2 2 2 1 3 18
Serv. p. mun.
1 3 2 1 5 2 2 2 0 2 1 2 23
Serv. p. est
.
3 5 2 1 0 1 1 3 0 0 2 3 0 21
Serv. p. fed.
0 0 1 2 0 1 0 0 0 1 0 2 0 7
Serv. g. com. *
14 15 11 16 27 26 10 16 15 14 36 24 30 254
Professora
5 5 2 5 7 1 3 2 3 3 5 3 10 54
Doméstica
14 14 10 18 12 14 18 9 12 13 12 16 14 176
Prof. Liberal
4 6 5 5 5 6 2 6 4 2 4 6 5 60
Do lar
17 18 16 16 13 22 14 21 23 12 10 14 23 219
Autônoma **
8 19 17 17 21 19 21 13 26 11 9 18 12 211
Tec.enferm.
6 1 2 3 2 4 4 4 4 4 4 0 0 38
Estudante
5 7 2 4 7 4 5 8 0 0 4 6 6 58
Aposentada
2 0 1 2 4 5 0 2 3 3 1 0 3 26
Secretária
5 3 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 9
Comerciaria
16 9 1 6 0 5 5 0 0 0 0 4 4 50
Outras ***
12 0 17 11 11 8 2 0 0 0 17 11 5 94
Total
112 106 89 107 118 119 89 88 92 67 107 112 112 1
3
1
8
* Referente: balconista, atendente, garçonete, zeladora, auxiliar administrativo,
etc.
Outros *
0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 4 0 0 6
Total
145 122 84 101 116 86 89 96 98 84 117 120 115 1373
144
** Referente: cabeleireira, manicure, agropecuarista, radialista, feirante,
massoterapeuta, etc.
*** Referente: artesã, merendeira, cozinheira, babá, garota de programa,
bancária, confeiteira, gari, etc.
TABELA III – PROFISSÃO DO AGRESSOR (A)
Profissão do
(a) agressor (a)
Mar/
06
Abr/
06
Mai/
06
Jun/
06
Jul/
06
06
Set/
06
Out/
06
Nov/
06
Dez/
06
Jan/
07
Fev/
07
Mar/
07
Total
Desempregado
21 13 15 24 23 24 21 24 17 12 11 25 15 245
Serv. p. mun.
1 3 4 2 4 1 0 2 0 4 0 2 2 25
Serv. p. est.
4 0 0 2 0 1 1 1 4 3 0 1 3 20
Serv. p. fed.
1 0 3 0 0 1 3 2 1 1 0 2 0 14
Serv. g. com.
4 7 9 13 16 19 15 10 16 7 6 17 24 163
Empresário
6 15 7 6 11 4 5 4 10 8 4 9 3 92
Pedr, Pesc *
10 13 8 7 9 16 7 6 9 8 7 9 10 119
Policial
6 4 3 4 4 5 2 2 4 1 3 3 2 43
Autônomo **
36 28 24 29 27 30 25 24 18 16 8 22 34 321
Prof. Liberal
3 6 7 5 4 3 4 4 5 4 5 3 3 56
Aposentado
3 0 2 3 6 2 1 5 1 3 2 1 4 33
Comerciário
9 1 2 5 7 3 8 0 0 0 12 7 4 58
Outros ***
8 19 2 7 7 10 3 4 7 0 49 11 8 131
Total
112 109 86 107 118
119 89 88 92 67 107 112 112 1318
145
* Referente: bancário, padeiro, garçom, balconista, prestador serviços funerários,
etc.;
** Referente: pintor, eletricista, carpinteiro, músico, jardineiro, agente de turismo,
mergulhador, protético, cabeleireiro, etc.
*** Referente: flanelinha, lavador de carros, estoquista, metalúrgico, entregador de
jornais, gari, montador de móveis, guarda- vidas, etc.
TABELA IV – AGRESSOR (A)
Agressor (a)
Mar/
06
Abr/
06
Mai/
06
Jun/
06
Jul/
06
Ago/
06
Set/
06
Out/
06
Nov/
06
Dez/
06
Jan/
07
Fev/
07
Mar/
07
Total
Marido
21 32 16 18 18 18 19 18 16 14 20 23 32 265
Comp.
23 30 21 19 18 30 25 22 31 20 38 27 28 332
Namorado
2 3 0 1 5 0 0 2 3 2 2 4 2 26
Ex
-
comp.
25 23 12 11 9 23 7 16 16 6 12 20 17 197
Ex
-
namo.
3 9 6 9 7 5 10 6 4 7 5 21 9 98
Ex
-
marido
5 16 4 7 8 7 9 6 5 9 9 7 1 93
Filho
2 3 2 1 0 3 1 1 3 2 0 1 5 24
Tio
0 0 2 1 1 1 0 0 0 0 3 1 0 9
Ir
o
5 0 3 7 0 4 4 4 3 0 3 1 3 37
Pai
1 2 0 2 1 0 0 0 0 2 1 1 1 11
Mãe
2 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 4
Tia
1 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 1 2 6
Ir
1 1 2 1 2 1 2 0 0 2 1 1 3 17
Filha
0 0 1 2 1 0 1 0 0 0 0 1 0 6
Outros *
17 30 12 19 32 23 8 6 7 2 6 5 7 174
Total
108 149 81 97 104 115 88 81 88 66 100 114 110 1301
146
* Referente agressores: sobrinho, ex-cunhado, enteado, padrasto, cunhado,
patrão, colega de turma, vizinho, sócio, genro, primo, ex-patrão, ex-genro; cliente
da advogada;
*Referentes agressoras: sogra, ex do namorado, nora, professora, madrasta,
sobrinha, neta, ex-cunhada, patroa, colega de trabalho;
ANEXO II – TABELA I - LOCALIDADES – BAIRROS DE VITÓRIA
Localidades
mar/06
abr/06
mai/06
jun/06
jul/06
ago/06
set/06
out/06
nov/06
dez/06
jan/07
fev/07
mar/07
Aeroporto
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
A. Favalesa
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Alagoano
0 2 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0
Andorinhas
1 2 6 1 4 1 0 1 2 1 2 1 1
A. Honório
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Bairro da
Penha
4 1 1 4 4 4 2 2 2 6 2 3 3
Bairr
o de
Lourdes
0 3 0 0 1 0 2 0 0 0 1 1 0
Bairro do
Cabral
0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Bairro do
Moscoso
1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0
Bairro do
Quadro
3 0 0 1 4 0 1 0 0 4 0 1 1
Bairro.
Engenharia
0 2 1 0 0 2 0 0 1 0 0 0 0
Bairro
Republica
0 3 0 3 1 2 2 0 2 1 0 1 2
Barro
Vermelho
0 0 0 0 0 1 0 1 1 2 1 0 0
Bela Vista
2 3 1 2 1 2 0 0 0 2 1 1 1
Bento
Ferreira
0 0 2 1 1 2 2 1 1 0 1 0 1
Boa Vista
0 2 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Bonfim
3
2
0
3
4
4
2
4
2
0
3
2
5
Caratoira
1 4 0 1 2 1 3 2 1 1 0 3 1
147
Centro
10 3 5 3 4 3 1 5 4 3 2 4 4
Comdusa
0 2 0 2 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Conquista
0 2 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0
ANEXO II – TABELA II - LOCALIDADES – BAIRROS DE VITÓRIA
Localidades
mar/06
abr/06
mai/06
jun/06
jul/06
ago/06
set/06
out/06
nov/06
dez/06
jan/07
fev/07
mar/07
Consolação
4 0 2 5 1 2 3 0 1 1 4 1 6
Cruzamento
1 0 0 0 1 0 0 1 1 0 2 1 0
Enseada do
Suá
3 4 3 1 1 3 0 3 3 3 0 0 0
Estrelinha
0 3 0 0 0 0 1 1 1 3 0 3 1
Fonte
Grande
0 2 0 0 0 0 0 1 0 0 2 0 0
Forte São
João
1
0
2
0
1
0
1
0
2
1
3
1
Fradin
hos
1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Goiabeiras
1 1 0 2 1 4 1 1 3 0 1 2 1
Grande
Vitoria
3 6 2 0 0 1 2 3 3 0 0 4 4
Gurigica
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Horto M.
Cypreste
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Ilha Bela
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ilha das
Caieiras
0 1 1 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0
Ilha do Boi
1 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ilha do
Frade
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ilha do
Principe
0 0 0 0 3 2 1 1 0 1 2 1 0
Ilha Santa
1
1
1
2
0
0
0
0
0
2
0
2
1
148
ANEXO II – TABELA III - LOCALIDADES – BAIRROS DE VITÓRIA
Maria
Inhanguetá
1 0 1 2 2 3 1 3 1 1 0 1 1
Itararé
6 7 2 5 5 3 6 1 1 3 2 5 3
Jabour
3 2 2 3 3 1 0 2 0 0 0 2 2
Localidades
mar/06
abr/06
mai/06
jun/06
jul/06
ago/06
set/06
out/06
nov/06
dez/06
jan/07
fev/07
mar/07
Jaburu
1 4 1 1 0 1 0 0 0 0 1 0 0
Jardi
m
Camburi
4 10 1 8 6 4 9 5 5 1 5 3 5
Jardim da
Penha
5 7 6 8 7 5 5 5 7 1 4 4 11
Jesus
Nazareth
3 1 0 2 1 1 1 0 1 2 2 2 0
Joana Darc
3
2
0
0
2
0
2
4
2
2
5
1
6
Jucutuquara
2 3 3 0 1 3 3 1 1 1 3 1 1
Mangue
Seco
1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Maria Ortiz
1 4 1 1 2 3 4 1 0 1 5 1 1
Maruípe
5 1 0 2 0 1 2 1 2 3 2 5 2
Mata da
Praia
1 2 1 2 3 1 0 3 0 0 1 0 3
Monte Belo
2 0 2 3 1 0 0 1 0 0 0 0 0
Morada de
Camburi
0 0 1 1 0 0 0 0 2 2 0 0 0
Nazareth
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 0
Nova
Palestina
0 0 1 1 0 0 0 1 0 0 1 3 0
Parque
Moscoso
0 4 0 1 0 1 0 0 0 2 1 1 2
Piedade
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
Pontal de
Camburi
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
149
ANEXO II – TABELA IV - LOCALIDADES – BAIRROS DE VITÓRIA
Praia do
Canto
4 5 3 3 4 6 2 1 6 3 0 3 0
Praia do
Suá
1 0 0 0 0 0 2 2 1 1 2 0 0
Redenção
1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
Localidades
mar/06
abr/06
mai/06
jun/06
jul/06
ago/06
set/06
out/06
nov/06
dez/06
jan/07
fev/07
mar/07
Resistência
4
4
4
2
3
1
3
2
3
1
0
1
4
Romão
1 1 1 1 1 0 2 3 1 0 1 0 0
Santa
Cecilia
0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
Santa
Helena
3 0 0 0 1 2 1 0 0 0 0 0 0
Santa Lucia
1 1 1 0 1 0 0 0 0 1 0 1 2
Santa Luiza
0 11 1 0 1 2 1 1 0 1 0 0 1
Santa Marta
2 2 2 5 3 5 1 3 3 2 4 2 2
Santa
Tereza
0 1 0 1 0 0 1 0 1 1 3 3 1
Santo André
0 2 2 0 1 3 0 2 0 1 1 0 1
Santo
Antonio
0 4 3 4 5 6 3 2 4 2 3 6 2
Santos
Dumont
0 3 1 0 1 3 0 0 1 0 0 0 3
Santos Reis
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
São
Benedito
0 1 1 1 3 0 0 0 2 1 0 2 0
São
Cristovão
1 3 2 0 2 2 2 1 2 0 2 0 2
São José
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
São Pedro
7 12 9 7 11 12 11 9 7 2 7 12 10
150
Solon
Borges
0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Tabuazeiro
0 1 3 1 2 3 1 3 4 0 1 2 1
Universitário
0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 3 0 1
Vila Rubim
2 1 0 1 1 1 0 1 0 1 1 0 0
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