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Roberta de Barros do Rego Macedo
As Orientações Pedagógica e Psicopedagógica no
Contexto da Escola de Demonstração do Inep no Rio de
Janeiro, nas Décadas de 1950/1960
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre pelo
Programa de Pós-graduação em Educação do
Departamento de Educação da PUC-Rio
Orientador: Profa. Ana Waleska Pollo C. Mendonça
Rio de Janeiro
Abril de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510446/CA
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Roberta de Barros do Rego Macedo
As Orientações Pedagógica e Psicopedagógica no
Contexto da Escola de Demonstração do Inep no Rio de
Janeiro, nas Décadas de 1950/1960
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre
pelo Programa de Pós-graduação em
Educação do Departamento de Educação
do Centro de Teologia e Ciências
Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof
a
Ana Waleska Pollo Campos Mendonça
Orientadora
PUC-Rio
Prof
a
Isabel Alice Oswald Monteiro Lelis
Presidente
PUC-Rio
Prof
o
Marcus Vinicius da Cunha
USP
Prof
o
PAULO FERNANDO CARNEIRO DE ANDRADE
Coordenador Setorial do Centro de teologia e Ciências
Humanas
PUC-Rio
Rio de Janeiro, 25 de Abril de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510446/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e da orientadora
Roberta de Barros do Rego Macedo
Graduou-se em Pedagogia pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (2000) e cursou Psicopedagogia no IBMR,
em 2004. Atualmente trabalha como Orientadora
Educacional na Secretaria Municipal de Educação de Duque
de Caxias, é psicopedagoga da UNIGRARIO e professora
contratada da Faculdade de Educação da Baixada
Fluminense (FEBF/UERJ)
Ficha Catalográfica
CDD: 370
Macedo, Roberta de Barros do Rego
As orientações pedagógica e psicopedagógica no
contexto da Escola de demonstração do INEP no Rio
de Janeiro, nas décadas de 1950/1060 / Roberta de
Barros do Rego Macedo ; orientador: Ana Waleska
Pollo C. Mendonça. – 2007.
113 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2007.
Inclui bibliografia
1. Educação Teses. 2. Orientação pedagógica.
3. Orientação psicopedagógica. 4. Escola de
demonstração. 5. INEP. 6. Período 1950/1960. . I.
Mendonça, Ana Waleska Pollo C. II. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Educação. III. Título.
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Ao meu filho Yuri que é o sentido da minha existência.
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Agradecimentos
A minha orientadora professora Ana Waleska pela paciência e estimulo
para a realização desse trabalho
Ao CNPq e PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais esse
trabalho não poderia ter sido realizado
Aos meus pais pelos erros e acertos que possibilitaram a minha formação
A Annamaria Wolter pela admiração, estimulo e credibilidade que sempre
depositou
A Daniella e Sue pela a atenção e carinho de todas as horas
As minhas amigas Bernadete e Miriam pela parceria, carinho e
acolhimento
A professora Alicia Bonamino pela confiança, pelas orientações e
palavras de apoio
Ao professor Bruno Bontempi pelas importantes contribuições
A Professora Terezinha de Albuquerque pela disponibilidade e simpatia
Aos amigos do Núcleo Duro - Edson, Indira, Fernando, Lúcia, Gilda,
Roberto, Tininha - pelas reflexões e diálogos
A todos os funcionários da PUC-Rio, em especial para Patrícia, pela ajuda
A todos os professores do Departamento de Educação PUC-Rio pelos
ensinamentos
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Resumo
Macedo, Roberta de Barros do Rego; Mendonça, Ana Waleska Pollo
Campos. As orientações pedagógica e psicopedagógica no contexto da
Escola de demonstração do INEP no Rio de Janeiro, nas décadas de
1950/1060. Rio de Janeiro, 2007, 113p. DissertaçÃo de Mestrado
Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
Esta dissertação tem como objetivo compreender as Orientações
Pedagógica e Psicopedagógica que possibilitaram a construção da experiência
educativa da Escola Guatemala, instituição de caráter experimental, vinculada ao
Departamento de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM) do Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais (CBPE/INEP), com sede no Rio de Janeiro, à época,
Distrito Federal. Por ser tratar de uma pesquisa no campo da História da
Educação, elaborada sob a perspectiva da História Cultural, recorremos a
entrevistas e à análise documental dos arquivos pessoais de Lúcia Marques
Pinheiro e Terezinha Lins de Albuquerque, Supervisora Pedagógica do INEP e
Coordenadora do Serviço de Orientação Psico-Pedagógica (SOPP),
respectivamente. Partindo de uma interlocução permanente com Marcus Vinicius
Cunha, foi possível apreender os tipos de orientação que os docentes desta escola
receberam durantes os anos de 1955 a 1968, período compreendido como o final
do movimento da Escola Nova no Brasil. Se, de um lado, a orientação pedagógica
norteava a prática docente e, por sua vez, limitava as possibilidades de
manifestação da subjetividade destes que ensinavam, do outro, a orientação
psicopedagógica proporcionava a criação de um clima favorável e propício junto
aos professores para que, assim, as propostas pedagógicas pudessem ser colocadas
em prática. Deste modo, no primeiro capítulo buscamos caracterizar o contexto
político e educacional que marca o período; no seguinte, descrevemos a maneira
pela qual a escola se organizava e desenvolvia suas ações pedagógicas durante o
referido período; no terceiro capítulo, nos aproximamos do pensamento
educacional de Lúcia Marques Pinheiro, para, por fim, evidenciar o Serviço de
Orientação Psicopedagógico, por intermédio de sua coordenadora Therezinha, e
situá-lo dentro da perspectiva de formação de professores que vem sendo
discutida no Brasil nos últimos vinte anos.
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Palavras-chave
Orientação Pedagógica Orientação Psicopedagógica Escola de
Demonstração – INEP – Período de 1950/1960.
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Abstract
Macedo, Roberta de Barros do Rego; Mendonça, Ana Waleska Pollo
Campos. The Pedagogical And Psycho-Pedagogic Orientations In The
School Context Of Demonstration Of The Inep In Rio De Janeiro, In
The 1950/1960 Decades. Rio de Janeiro, 2007, 113p. Departamento de
Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This dissertation has as objective to understand the Pedagogic and Psycho-
Pedagogic Orientations that made possible the construction of the educative
experience of the Guatemala School, experimental institution tied with the
Departmento de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM) of the Centro Brasileiro
de Pesquisas Educacionais (CBPE/INEP), with headquarters in Rio de Janeiro,
when it was Federal District. For being a research in the field of the History of the
Education, elaborated under the perspective of Cultural History, we appeal to
interviews and to the documentary analysis of Lúcia Marques Pinheiro and
Therezinha Lins e Silva personal files, Pedagogical Supervisor of the INEP and
Coordinator of the Serviço de Orientação Psicopedagógico (SOPP), respectively.
Starting of a permanent interlocution with Marcus Vinicius Cunha, it was possible
to learn the types of orientations that the professors of this school had received
during the years from 1955 to 1968, period understood as the end of the
movement of the New School in Brazil. If by one side, the pedagogical orientation
guided the practical teaching and, in this way, it limited the possibilities of
manifestation of the subjectivity of these that taught, of the other side the psycho-
pedagogic orientation provided the creation of a favorable and propitious climate
next to the professors so that the pedagogical proposals could be placed in
practical. In this way, in the first chapter, we search to characterize the
educational and political context that marks the period; in the following one, we
describe the way for which this school was organized by itself and developed its
pedagogical action during the period; in the third chapter, we approach to the
educational thought of Lúcia Marques Pine, for, finally, to evidence the Service of
Psycho-Pedagogic Orientation, through its coordinator Therezinha.
keyword
Pedagogical orientation Psycho-pedagogic Orientation - School of
Demonstration - INEP - Period of 1950/1960
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Sumário
1. Introdução 10
2. O INEP no âmbito das políticas do MEC, nos anos de 50/60 15
2.1 Questões metodológicas 23
3. A Escola Guatemala 26
4. A orientação pedagógica da professora Lúcia M. Pinheiro 37
5. A orientação psicopedagógica da profa Terezinha Lins 57
de Albuquerque: a trajetória do Serviço de Orientação
Psicopedagógica (SOPP)
6. Considerações finais 77
7. Referência bibliográfica 81
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Abreviaturas
ABE - Associação Brasileira de Educação
CBPE/INEP - Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
CPDOC/FGV - Centro de Pesquisa e Documentação em História
Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro
DAM - Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério
DDIP - Divisão de Documentação e Informação Pedagógica
DEPE - Divisão de Pesquisa Educacional
DEPES - Divisão de Pesquisa Social
DF - Distrito Federal
EG - Escola Guatemala
FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
IBMR - Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação
INEP - Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
ISEB/MEC - Instituto Superior de Estudos Brasileiros
JK - Juscelino Kubitscheck
MEC - Ministério da Educação e Cultura
SOPP - Serviço de Orientação Psico-Pedagógico
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura
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Introdução
Este trabalho encontra-se vinculado à pesquisa “O INEP no contexto das
políticas públicas do MEC, nos anos 1950/1960”, desenvolvida no âmbito da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC- Rio), financiada pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ), sendo coordenada pela professora Dra. Ana Waleska Mendonça. A
equipe de pesquisa se debruçou sobre a atuação do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP)
1
, mais específicamente ao longo da gestão de Anísio Teixeira
(1952-1964).
Durante a investigação foi possível captar, além de outros aspectos, a
filosofia que informava o INEP, assim como as estratégias desenvolvidas por esse
órgão para a intervenção nos sistemas de ensino no país - o que procurarei
contemplar no primeiro capítulo deste trabalho.
De antemão é importante aclarar que, ao dar início ao desenvolvimento
desta dissertação, em primeiro plano tinha o objetivo de buscar compreender o
papel do Serviço de Orientação Psicopedagógica (SOPP) da escola de
demonstração do INEP - Escola Guatemala (EG) - instituição de caráter
experimental, vinculada à Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM) do
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE/INEP), com sede no antigo
Distrito Federal (DF).
Cabe destacar que o interesse pelas questões relativas ao campo da
psicopedagogia surgiu ainda no momento da minha graduação em Pedagogia,
quando a atuei diretamente em espaços escolares vinculados, de um lado, à
alfabetização de adultos e, de outro, ao segundo segmento do Ensino
Fundamental. Ao término do curso latu-sensu em Psicopedagogia, pelo Instituto
Brasileiro de Medicina e Reabilitação (IBMR) (2001-2004), surgiu a ocasião
favorável de desenvolver estudos sobre a avaliação Piscopedagógica focalizando,
principalmente, a importância da contextualização do ambiente escolar no
1
Atual Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
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processo de diagnóstico da dificuldade de aprendizagem, temática alvo da
monografia final daquele curso.
Tanto na esfera da minha formação acadêmica, quanto no decorrer da
minha atuação profissional, fui fortemente motivada a indagar sobre a atuação do
psicopedagogo junto às equipes multidisciplinares das redes de ensino dos
municípios fluminenses. Esse importante aspecto acabou por, preliminarmente,
determinar a escolha da temática a ser enfocada pela pesquisa que pretendia
desenvolver ao ingressar no curso de Mestrado da PUC-Rio.
Ao tomar conhecimento da pesquisa acima referida, coordenada pela
Professora Ana Waleska Mendonça, tive a oportunidade de conhecer o Serviço de
Orientação Psico-Pedagógica (SOPP) da EG e, ao entrar em contato com a
documentação deste Serviço, surgiu o interesse em buscar compreender esta
iniciativa, principalmente, no que diz respeito à natureza do trabalho ali
desenvolvido.
Nesse sentido, meu primeiro passo foi em direção às fontes documentais do
arquivo pessoal de Anísio Teixeira, localizado no Centro de Pesquisa e
Documentação em História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas do Rio
de Janeiro (CPDOC/FGV), no período em que Anísio Teixeira se encontrava à
frente da direção do INEP.
Lá encontrei importantes documentos que faziam referencia ao SOPP,
como, exemplo, o relatório comemorativo dos 10 anos do Serviço. Para a pesquisa
que desejava realizar, esse documento se configurou como a porta de entrada para
a compreensão preliminar a respeito da experiência desta Escola, pois as
informações que ali se encontravam detalhavam algumas das mais importantes
questões do seu cotidiano, principalmente, a relação mantida pelos professores no
que diz repeito à proposta que se pretendia ali desenvolver.
Esta Escola, enquanto instituição vinculada ao INEP/CBPE, construiu o seu
projeto pedagógico e filosófico influenciada pelo pragmatismo de John Dewey,
filosofia que, naquele momento, determinava os rumos das políticas
implementadas neste órgão.
Ao pensar em uma política educacional que tivesse como um de seus pilares
de sustentação a fomentação de uma nova cultura pedagógica que não se
restringisse à esfera legal, o INEP procurou, por meio da formação do professor e
da reformulação dos métodos de ensino, colocar em prática este seu intento.
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Nos anos de 1950 e 1960, a Escola Guatemala tornou-se o locus
privilegiado para a implementação destas novas medidas, transformando-se em
um espaço de fermentação de novos métodos de ensino, assim como em um
centro de formação de professores que nelas estagiavam, com o objetivo de
levarem para os seus respectivos Estados a experiência que ali haviam vivenciado.
No entanto, na medida em que o trabalho ia progressivamente avançando no
aprofundamento sobre as fontes documentais, fui sentindo a necessidade de uma
interlocução com os integrantes desta rica experiência, o que motivou a
localização dos participantes da equipe do serviço em tela, justificando
necessariamente a expectativa de tentar melhor compreender as ações do SOPP.
Determinei como método para tal conhecimento entrevistar primeiro a
Profa. Maria Helena Novaes, docente aposentada do Departamento de Psicologia
da PUC-Rio e antiga psicóloga do SOPP. O encontro com essa profissional foi
importantíssimo, pois, por seu intermédio consegui entrar em contato junta à ex-
coordenadora do Serviço, Profa. Terezinha Lins de Albuquerque.
Ao encontrar-me com a Profa. Terezinha da equipe do SOPP fui acolhida
com carinho o que me motivou a penetrar, cada vez mais, na experiência da
equipe do SOPP. Estimulou-se, principalmente, a respeito do cotidiano da EG.
Profa. Terezinha, que concedeu-me uma entrevista e gentilmente me colocou à
disposição o seu arquivo pessoal, contendo todo o seu material que fora produzido
ao longo dos anos em que esteve à frente da equipe de psicopedagogia – material
que pode ser tomado como riquíssimo e de grande importância para historiografia,
não apenas da referida escola e de sua experiência particular, mas, em geral, para
a educação brasileira no período.
Além de alguns documentos oficiais assinados pela Profa. Terezinha, os
documentos que compõem o seu arquivo são compostos pelos seguintes itens: 16
cadernos em que a referida professora teve a oportunidade de registrar os seus
quase 13 anos de trabalho na Escola (1955 a 1968), relatórios de professores,
encaminhamentos de alunos, e ainda, o total de 23 livretos da Campanha de
Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES) para a formação de
Orientadores Educacionais.
Cabe aqui destacar que, conforme ia me aproximando cada vez mais da
experiência do Serviço, fui sentindo, em paralelo, a necessidade de igualmente
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aprofundar a compreensão a respeito do tipo de Orientação Pedagógica oferecida
ao professor da EG.
Deste modo, os documentos do arquivo pessoal da Profa. Terezinha Lins de
Albuquerque foram somados aos documentos do arquivo pessoal da Profa. Lúcia
Marques Pinheiro - Supervisora Pedagógica da EG e diretora da DAM/CBPE no
período –, que se encontra na Associação Brasileira de Educação (ABE) e que, até
os dias atuais, foi pouquíssimo explorado pelos pesquisadores da área.
Este conjunto de fontes me proporcionou uma visão mais próxima do
cotidiano da Escola, assim como favoreceu o entendimento das dificuldades
enfrentadas pelo professores, as estratégias utilizadas para minimizar os efeitos da
implementação de uma proposta pedagógica ousada e bastante inovadora no
contexto educacional do país.
Do ponto de vista desta dissertação, no primeiro momento disserto sobre o
contexto de criação da escola, ou seja, empenho-me em retratar o cenário
educacional do período a partir do qual ela emerge, situando a Escola no projeto
do INEP. Nas outras partes integrantes do trabalho, caracterizo a EG e, em
seguida, de um lado analiso as orientações pedagógicas realizadas pela Profa.
Lúcia Marques Pinheiro e, de outro, busco compreender o SOPP por intermédio
das ações desenvolvidas pela coordenadora, Profa. Terezinha Lins de
Albuquerque.
Por fim, nas considerações finais, recupero o debate em torno da formação
continuada de professores para enquadrar o SOPP no interior de uma perspectiva
de aperfeiçoamento docente que vem sendo discutida no Brasil nos últimos vinte
anos.
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2
O INEP no âmbito das políticas do MEC, nos anos de
1950/1960.
No início dos anos 50 circulava no país um clima otimista contagiado,
principalmente, pelo projeto nacional-desenvolvimentista
1
que ganhava cada vez
mais fôlego ao longo do governo de Juscelino Kubitscheck (JK) (1956-1961).
Era um tempo marcado pela bossa nova, o cinema novo e a Novacap: “em
41 meses, uma cidade futurista surgia no meio do nada e o presidente era um
sujeito jovial e sorridente, alto e boa-pinta: o presidente bossa-nova” (Bueno,
1996).
No movimento do rápido avanço nacional, da marcha pela urbanização e
da abertura democrática, observa-se, também nesta década, a incorporação da
classe trabalhadora na sociedade organizada - tanto no sistema político partidário
quanto no mercado cultural - e a consolidação de uma visão dual do país: de um
lado o meio urbano, o progresso e o desenvolvimento e, do outro, o meio rural e o
atraso.
Percebe-se ainda, no contexto social brasileiro dos anos de 1950
2
, a
reivindicação pelo acesso à escolarização por diferentes segmentos da sociedade,
favorecendo a retomada da crença na educação como meio de ascensão social e
desenvolvimento nacional.
A questão da reconstrução social proporcionou à escola um novo sentido,
passando a ser muito almejada pela população, tanto urbana, quanto rural do país.
Dentro dessa demanda por educação escolar, diversas camadas sociais buscaram
atingir níveis de escolaridade cada vez mais altos para o ingresso nas organizações
burocráticas e para progredirem em suas ocupações, alcançando salários melhores,
prestígio e poder (XAVIER, 1999a).
Pautados na visão dualista da realidade brasileira, os debates dos
intelectuais reforçavam o argumento da educação como meio mais seguro para a
1
De acordo com Mendonça et. al. (2006), genericamente o desenvolvimentismo era visto como
uma estratégia política utilizada para a condução de determinado modelo econômico para o país,
enfatizando, principalmente, a industrialização como requisito central para a consolidação de uma
política de autonomia econômica para a nação.
2
Os anos de 1956 a 1961 constituíram o período áureo do desenvolvimento econômico brasileiro,
aumentando as possibilidades de emprego e instaurando um clima de otimismo para o progresso
nacional.
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16
mobilidade social individual ou de grupos, pois a compreendiam como
mecanismo de redução das desigualdades sociais.
No entanto, apesar das significativas mudanças que vinham ocorrendo no
cerne da estrutura social do país e da crescente demanda pela universalização do
ensino, Xavier (1999a) nos chama a atenção para as lentas modificações que
ocorreram no aparelho de administração da educação. De acordo com esta autora,
“os órgãos ligados ao MEC funcionavam, ainda nos anos 50, com base no modelo
centralizador forjado durante a Era Vargas por suas lideranças principais:
Francisco Campos e Gustavo Capanema” (XAVIER, 1999a. p. 74), e a legislação
vigente não permitia variações nas práticas pedagógicas, obstaculizando a criação
e a experimentação de teorias novas no âmbito educacional.
Este cenário, marcado pela valorização social da educação e pela
necessidade da reformulação do sistema de ensino, era favorável à retomada de
um campo de disputa que tinha como pauta de debate a definição do modelo de
escola e de ensino apropriados ao desenvolvimento nacional.
Temas como o analfabetismo, a universalização do ensino primário, a
expansão da obrigatoriedade do ensino para o atendimento da população infantil
dos 7 aos 14 anos, a reformulação da legislação e o ajustamento da organização
escolar, dos métodos e do currículo à realidade local, foram trazidos à tona e
impregnaram os debates educacionais do período em análise.
Durante o Governo JK, o planejamento educacional apontava para a
expectativa de articular o sistema escolar ao projeto de modernização e atribuía à
educação formal o objetivo de formar mão-de-obra qualificada e quadros técnicos
competentes para gerir a economia do país de forma racional, orientando as
decisões políticas nacionais com base em critérios científicos (XAVIER, 1999ª).
Segundo Xavier (1999ª, p.81), em síntese:
as finalidades estabelecidas para educação no planejamento do
Governo JK apontavam para a necessidade de assegurar, para
educação primária, não só a posse de elementos fundamentais da
cultura (ler, escrever e contar) mas também a habilitação mínima para
os deveres da produção e convivência social; considerava fundamental
apagar o caráter do ensino intermediário entre o primário e o superior
do qual se revestia o ensino secundário; postulando para o ensino
superior uma maior flexibilidade em face da diversificação crescente
da economia e das ocupações, (superando o sistema tradicional de
escolas compartimentadas e cursos estanques) a fim de ajustar os
planos de estudos às demandas da sociedade.
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No período, é possível identificar também uma significativa mobilização
por parte dos intelectuais para criação de instituições que pudessem vir a
assessorar as políticas públicas educacionais, assim como possibilitar a estreita
ligação entre dois processos que impulsionavam o cenário: a institucionalização
das ciências sociais e a autonomização do campo educacional.
Assim, como afirmam Brandão et. ali (1997, p. 20), se nos anos de 1920 e
1930, a aproximação entre ciências sociais e educação encontrava-se ligada a um
projeto mais “amplo de procura de um estatuto científico para os estudos
superiores em educação (Universidade do Distrito Federal/ Universidade de São
Paulo)”, nas décadas de 1950 e 1960, o que parecia relacionar-se a essa
“reaproximação era a necessidade de uma base mais segura – científica- para as
propostas de intervenção nos sistemas educacionais da perspectiva de
planejamento educacional” (id).
Entretanto, já nos anos de 1930, de acordo com Mendonça (1997, p. 31),
Anísio Teixeira defendia a reorganização da escola fundamentada no
conhecimento científico disponível para que esta se tornasse um instrumento de
reorganização social. Essa autora afirma que no pensamento do educador, tal
empreendimento suporia principalmente:
aplicar o conhecimento em três níveis de atividades educativas: na
organização e gestão dos serviços escolares, na formação dos
professores e, por fim, no interior mesmo da escola, onde era preciso
introduzir o que Anísio chamava de espírito científico, percebido
quase que como sinônimo de espírito experimentalista, de
investigação, de pesquisa (id).
Para Mendonça (1997), nos anos de 1950, já à frente do Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos (INEP), Anísio Teixeira conseguiu constituir o
desdobramento de uma meta que vinha sendo elaborada desde a década de 1930:
Fundar em bases científicas a reconstrução educacional do Brasil. E foi com a
criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE/INEP) que esse
educador deu início ao seu antigo projeto, buscando dar condição científica à ação
educativa pela via deste órgão.
Nos anos de 1950, Anísio Teixeira pretendia aproximar o campo
educacional ao científico e, a um só tempo, introduzir uma postura investigativa
na atividade educativa de modo a afetar qualitativamente o sistema brasileiro de
ensino. Nas palavras do educador Anísio Teixeira (1957, p. 22):
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18
Os Centros de Pesquisas Educacionais foram criados para ajudar a
aumentar os conhecimentos científicos que assim possam ser
utilizados pelos educadores – isto é, pelos mestres, especialistas e
administradores educacionais – para melhor realizarem a sua tarefa de
guias a formação humana, na espiral sem fim de seu indefinido
desenvolvimento.
Acreditava, principalmente, que por intermédio de uma intervenção na
formação e re-formação dos professores, e na re-organização do sistema escolar, a
situação do ensino público brasileiro tomaria novos rumos. Para tanto, a ciência
cumpriria o papel de subsidiar projetos que poderiam gerar mudanças sociais,
enquanto que a educação estaria comprometida com o engajamento selado entre o
pesquisador, a realidade social e o desenvolvimento científico.
Assim, como destaca Xavier (2000), o que se propunha era a articulação
entre ciência, educação e política, isto é, entre o conhecimento e ação, entre
prática social e pesquisa educacional.
Uma vez inauguradas as reflexões e as pesquisas no campo educacional,
Anísio Teixeira esperava que a prática educativa sofresse alterações com a
aplicação dos resultados de pesquisas (MENDONÇA, 1997). Para esse educador,
a introdução do espírito científico nas escolas brasileiras demandaria o
entrosamento entre a educação e as chamadas ciências-fontes (psicologia,
sociologia e antropologia) e possibilitaria uma oxigenação e re-formulação do
ensino no país. Assim, podemos notar nas palavras do próprio Anísio (1957, p. 8):
Com o método cientifico, vamos submeter as “tradições” ou as
chamadas “escolas” ao crivo do estudo objetivo, os acidentes às
investigações e verificações confirmadoras e o poder criador do artista
às análises reveladoras dos seus segredos, para a multiplicação de suas
descobertas; ou seja, vamos examinar rotinas e variações progressivas,
ordená-las, sistematiza-las e promover, deliberadamente, o
desenvolvimento contínuo e cumulativo da arte de educar
Esse aspecto intervencionista, como bem sinaliza Mendonça (1997),
encontrava-se claramente presente na estrutura e objetivos do CBPE.
Segundo Xavier (1999a), o CBPE, ao se tornar um centro de pesquisa e de
assessoria técnica para assuntos educacionais, se encaixava perfeitamente na
perspectiva desenvolvimentista que circulava na nação na década de 1950. Seu
pressuposto de racionalizar os serviços associados ao sistema oficial de ensino e o
seu modo de planejamento dos projetos educacionais reforçam essa tese.
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Cunha (1999) nos chama a atenção para o fato de que o discurso da
renovação pedagógica no Brasil prescrevia ser imprescindível planejar toda e
qualquer intervenção a ser realizada na escola. Para este autor, a criação dos
Centros de Pesquisa do INEP representam a melhor tradução do ideário
racionalizador, científico e moderno, essência do ideário desenvolvimentista que
imperou no Governo JK.
De antemão, cabe ainda destacar que, segundo Mendonça et al.(2005, p.3),
apesar de não se apresentar como pensamento homogêneo do período em análise,
o desenvolvimentismo, no que diz respeito às estratégias no âmbito da educação,
“constituiu-se em um solo fértil para a retomada e a expansão do ideário da Escola
Nova e particularmente do pragmatismo deweyano entre os educadores
brasileiros”.
Para esses autores, as políticas desenvolvidas pelo Ministério da Educação
e Cultura (MEC) apontam para o fato de que tanto o INEP, quanto o Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) representam importantes órgãos de
disseminação do pragmatismo de John Dewey e do desenvolvimentismo no país,
respectivamente.
De acordo com Moreira (1997), as interpretações sobre o modo como a
filosofia, ciência e educação se relacionam na obra de John Dewey são bastante
controversas. Para nós interessa sinalizar para o ponto de que Anísio Teixeira,
considerado um expoente das formulações de Dewey no Brasil, buscou
desenvolver no CBPE: uma mentalidade experimentalista tributária de uma
tradição filosófica e educacional que se desenvolveu principalmente nos Estados
Unidos da América.
No final do século XIX, na Universidade de Chicago, o educador John
Dewey, em conjunto com outros pesquisadores, desenvolveu o que se tornou
conhecido como pragmatismo, com destaque para reflexões no campo da
filosofia, sociologia e psicologia aplicadas à educação. Boa parte dos
conhecimentos elaborados e investigados por este educador foram construídos a
partir de pesquisas empíricas na Laboratory School daquela Universidade e
tiveram, como plano central, o desenvolvimento de seu método empírico-
experimental (MOREIRA, 1997).
Para Mendonça et. al. (2005), a apropriação do pragmatismo na década de
1950, no país, se fez a partir de três perspectivas: o método científico, no que diz
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respeito à sua concepção de ciência, o modo de vida democrático e a escola
progressiva, está sendo concebida como um agente de mudança cultural.
Anísio Teixeira, desde a década de 1920, já era um seguidor do
pragmatismo filosófico e educacional de John Dewey e, nos anos de 1950, ao
inaugurar o CBPE conseguiu difundir, segundo Mendonça et. al. (2005), o
pragmatismo deweyano por intermédio das publicações (livros, periódicos e
material didático)
3
, do oferecimento de cursos, da realização de conferências e,
também, através da criação das escolas experimentais.
Deste modo, posto em funcionamento no ano de 1956, o CBPE, além de
ter favorecido a especialização e autonomização do campo educacional
(XAVIER, 1999b), se transformou numa importante entidade destinada à
promoção de pesquisa científica, com o objetivo de auxiliar as políticas públicas
educacionais no país.
Segundo Mendonça (2002), diante do favorável quadro de captação de
recursos externos, Anísio Teixeira cria esse Centro com verba da Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) que originalmente
tinha como destino um programa de formação de agentes para a educação rural.
O Centro, em sua estrutura organizacional, se distribuía em Divisões
autônomas destinada à Pesquisa Educacional (DEPE), à Pesquisa Social
(DEPES), à Documentação e Informação Pedagógica (DDIP) e ao
Aperfeiçoamento do Magistério (DAM).
Assim, com a mesma estrutura de funcionamento, e ligados diretamente ao
CBPE, encontravam-se os Centros Regionais de Pesquisa Educacional que se
localizavam em Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife, São Paulo e Rio
de Janeiro (sede do Centro Nacional) e formavam uma rede articulada onde se
desenvolviam estudos referentes ao levantamento das condições econômicas,
sociais, políticas e culturais de cada região (MENDONÇA, 2002).
De acordo com Xavier (1999b), a qualificação de professores era uma
forte preocupação do CBPE e, por isso, ocupava um lugar central no projeto deste
Centro. Na Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM) eram promovidos
cursos para o aperfeiçoamento de docentes, especialistas em educação,
3
A vasta produção do referido Centro se apresenta refletida nos estudos pedagógicos, guias de
ensino e levantamentos bibliográficos, além da publicação do periódico Educação e Ciência
Sociais e da continuidade da publicação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos do INEP.
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orientadores educacionais, entre outros. Destacavam-se, também, os cursos
oferecidos à formação de professores para as escolas experimentais
4
.
Além destes cursos, esta divisão tinha o objetivo de criar escolas e classes
que pudessem vir a proporcionar um espaço de pesquisa e experimentação, pois
por intermédio destas instituições poderiam testar os novos métodos pedagógicos
e desenvolver pesquisas científicas sobre questões escolares. Xavier (1999b)
sinaliza para o fato de que as escolas experimentais seriam destinadas a servir de
laboratório de testagem, possibilitando o desenvolvimento de estudos e pesquisas
sobre o específico escolar.
A idéia inicial era que cada Centro Regional tivesse a sua própria escola
para a observação e obtenção de informações dos problemas do ensino primário
no país. No entanto, somente os Estados da Guanabara (hoje Estado do Rio de
Janeiro), com a Escola Guatemala, e da Bahia, com o Centro Educacional
Carneiro Ribeiro, foram beneficiados com a criação de escolas com esta natureza.
Como o estudo que se pretende desenvolver visa a Escola Guatemala,
consideraremos aqui os aspectos relativos a esta instituição, deixando de lado o
Centro Educacional Carneiro Ribeiro.
De antemão, é importante salientar que Teixeira, nos anos 1930, enquanto
Diretor do Departamento de Educação do antigo DF, já havia utilizado o
procedimento de criação de escolas experimentais
5
. Acreditava que se deveriam
instalar alguns centros escolares que promovessem novas maneiras de ensinar e, a
um só tempo, funcionassem como espaços de formação de professores em um
ambiente educacional moderno e adequado (CHAVES & MACEDO, 2007).
No ano de 1950, com a criação dessas escolas experimentais, em paralelo a
outras estratégias, o CBPE vai por em prática o seu intento de dar cientificidade
ao campo educacional. Essas escolas se transformariam em locus privilegiado
para a implementação de medidas que visassem, principalmente, as mudanças na
organização e no funcionamento da educação brasileira, além, é claro, das
políticas de valorização do magistério.
Deste modo, de acordo com Macedo & Chaves (2006), se a experiência a
ser colocada em prática pela Escola Guatemala foi um ato do INEP, pode-se
4
A relação dos cursos oferecidos pela DAM se encontra no anexo I
5
Sobre esse assunto ver CHAVES, Miriam Waidenfeld – A escola anisiana dos anos 30:
fragmentos de uma experiênicia - a trajetória pedagógica da Escola Argentina no antigo Distrito
Federal (1931-1935), Tese (Doutorado em Educação), PUC- Rio de Janeiro, 2001.
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concluir que, mesmo duas décadas após a implantação das Escolas Experimentais
Argentina, Bárbara Ottoni, México, Estados Unidos e Manuel Bonfim, Anísio
Teixeira continuava com o firme propósito de transformar o perfil das escolas
primárias brasileiras. Ainda sonhava em vê-las como verdadeiras casas de
educação
A EG tornou-se o laboratório de experimentação pedagógica da DAM e
funcionava como um espaço formal de experimento das novas metodologias de
ensino, testando novos programas, currículos e materiais didáticos. Nesse sentido,
transformou-se num espaço privilegiado de demonstração de procedimentos
pedagógicos do INEP, uma vez que se constituiu em um celeiro de fermentação
de novas metodologias e, a um só tempo, um centro de formação de professores,
assim como, de multiplicadores das experiências ali desenvolvidas (XAVIER,
1999b).
A análise das rotinas e variações progressivas dessa escola possibilitaria
transformá-la em um campo de pesquisa científica relacionada a métodos e
recursos de ensino, a programas para o curso primário, assim como a análise do
tipo de sistema de promoção. O conhecimento ali produzido serviria de base à
melhora e ao estímulo da prática docente em todo país e, de modo conseqüente, ao
melhor desenvolvimento das aprendizagens dos discentes.
Cabe destacar que a Escola recebia alunos-bolsistas de outras localidades do
Brasil para acompanhar o experimento ali desenvolvido. De acordo com Lima
(2004, p. 28), esses participavam intensamente do cotidiano da escola, pois
tomavam parte de todas as atividades que eram discutidas, pesquisadas e
orientadas pelas técnicas do INEP. Com o estágio oferecido pela EG, as bolsistas
tinham “a oportunidade de estar em contato direto com uma experiência
educacional nova, experimental, que poderia servir de exemplo bem sucedido para
a generalização em todo o país”.
No entanto, diante da incumbência de organizar uma escola de
demonstração para a aplicação de métodos de ensino de acordo com o propósito
político do CBPE, DAM buscou desenvolver uma estrutura organizacional e um
arcabouço específico de ações dentro do interior da EG.
Era de responsabilidade desta divisão a criação de estratégias que pudessem
viabilizar o projeto de profissionalização do magistério. Dirigida pela Profa. Lúcia
Marques Pinheiro, a DAM promovia cursos de formação de professores e
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supervisores, estudos sobre programas de ensino primário, publicação de diversos
guias de ensino e material de apoio para o professorado, tudo com o objetivo de
que se inaugurasse no país uma nova mentalidade pedagógica.
O eixo de atuação desses cursos centrava-se na especialização em estágios
de aperfeiçoamento de professores primários, em recreação e jogos, em estágio de
preparação de professores para excepcionais, na especialização em arte infantil e
etc.
Deste modo, na expectativa de traçar as características do percurso
percorrido para a construção e reconstrução dessa escola experimental,
buscaremos, no próximo capítulo, refletir acerca da estrutura organizacional da
escola, assim como suas orientações pedagógicas e rumos metodológicos.
2.1 Questões metodológicas
Por intermédio dos documentos que compõem os arquivos pessoais da
Profa. Lúcia Marques Pinheiro e da Profa. Terezinha Lins de Albuquerque
pretendemos compor parte da história da Escola Guatemala, tendo como foco o
SOPP. Para tanto, optamos em promover um estudo de abordagem histórica,
situando o nosso objeto de modo mais específico na perspectiva da Nova História
Cultural.
Isso significa que partimos das análises de Clifford Geertz e Robert Darton
para compreendermos a História Cultural como uma ciência interpretativa, na qual
a decifração do significado, “mais do que inferência de leis causais de explicação,
é assumida como a tarefa fundamental” (DARTON Apud HUNT, 2001).
Com isso, compreendemos que a relevância do passado se dá por
intermédio da interpretação e da avaliação dos historiadores, ou seja, a
reconstrução da história, para que seja feita com rigor, deverá se aproximar por
intermédio de suposições das vivências e experiências daqueles que atuaram em
épocas anteriores. Assim, como destaca LeGoff (1984a, p.167), em história as
explicações são mais avaliações do que demonstrações, mas “incluem a opinião
do historiador em termos racionais, inerentes ao processo intelectual de
explicação”.
Sem deixarmos de atentar para a questão da parcialidade e da
incompletude da interpretação histórica, tendo, também, o objetivo de se buscar
minimizar o caráter monumental da construção discursiva e ideológica dos
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24
documentos (LEGOFF, 1984b), procuraremos promover uma análise pautada no
permanente diálogo entre os arquivos pessoais, as entrevistas concedidas e o
referencial teórico, uma vez que coadunamos com a tese de que os documentos
“não são textos inocentes e transparentes, foram escritos por autores com
intenções e estratégias” e, por isso, cabe ao historiador criar suas próprias
estratégias para lê-los (HUNT, 2001, p. 18).
Cabe também ressaltar o fato de que optamos por trabalhar com a análise
de fontes que compõem arquivos pessoais. Deste modo, estamos em sintonia com
o pensamento de Heymann (2001, p. 266) ao afirmar que estes retratam “a atuação
do personagem que o acumulou, apresentando registros capazes de reconstruir a
sua trajetória”.
Assim, como sinaliza esta autora:
um arquivo pessoal é constituído pela documentação acumulada por
uma pessoa física no exercício de suas atividades, sejam elas de
natureza pública ou privada. É esta pessoa, que a partir de seus
critérios e interesses, que vai funcionar como eixo de sentido no
processo de constituição do arquivo.
Com isso, entendemos que os arquivos que foram explorados durante a
elaboração desta dissertação refletem a atuação de duas profissionais que foram
fundamentais para a implementação do projeto da EG, cujos olhares pretendemos
integrar neste trabalho.
As fontes que compõem os dois arquivos são de natureza oficial e pessoal.
Os documentos pessoais trazem a riqueza do cotidiano e as posições pessoais do
acumulador do arquivo. No caso da Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, os
documentos do seu arquivo pessoal foram ainda enriquecidos com o seu
depoimento.
No que diz respeito aos documentos oficiais, que são a maioria –
particularmente no caso do arquivo pessoal da Profa. Lúcia Marques Pinheiro -
estes traduzem os procedimentos oficiais da EG, assim como os critérios de
trabalho que foram desenvolvidos na instituição em tela.
No primeiro momento para a elaboração da presente dissertação somamos
à produção do grupo de pesquisa da PUC-Rio um levantamento bibliográfico
acerca das pesquisas na área que fazem referência não apenas às políticas
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educacionais do período em análise (1950-1960), mas, principalmente, à temática
em questão.
Em um segundo momento partimos para as análises das seguintes fontes:
i) documentos do arquivo pessoal da Profa. Lúcia Marques Pinheiro, tendo como
recorte o período em que atuava como supervisora do INEP na escola; ii)
relatórios de trabalho produzidos pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque
durante sua atuação como coordenadora do SOPP.
As duas entrevistas concedidas para pesquisa, da Profa. Maria Helena
Novaes e da Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, foram fundamentais para a
elaboração deste trabalho, pois conduziram o processo fornecendo elementos
importantíssimos para a problematização das fontes coletadas.
Na expectativa de melhor compreender a experiência de uma instituição
educacional cujo pensamento político, pedagógico e filosófico teria um caráter
inovador, no que tange ao contexto educacional da época, pretendemos, nesta
dissertação, analisar o passado da EG tendo em vista as questões do presente
(LEGOFF, 1984a), ou seja, temos a clara intenção principal de contribuir com os
debates atuais em torno da área da formação dos professores que buscam
compreender as dimensões teóricas, técnica e pessoais dos docentes,
incorporando-as nas ações que visam o seu aperfeiçoamento.
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3
A Escola Guatemala
Em 1954, a EG inicia suas atividades sob a gestão da Secretaria de
Educação do Governo do DF. No ano seguinte, por intermédio de um convênio
firmado com o INEP, torna-se o 1° Centro Experimental de Educação Primária
deste órgão, funcionando, com este caráter, até dezembro do ano de 1975, por
ocasião da transferência do Instituto para Brasília.
Localizada no bairro de Fátima, encontrava-se situada em prédio próprio na
Praça Aguirre Cerda n. 55, área central do município do Rio de Janeiro. E
funciona até os dias de hoje, no mesmo local, como escola pública da rede de
educação do município desta cidade.
A estrutura física de seu prédio era dividida em três pavimentos e seu
espaço livre era considerado pequeno, devido ao terreno íngreme em que fora
construído, fato que dificultava as atividades de recreação e de educação física
quando ainda era um centro de investigação de métodos pedagógicos.
No primeiro andar funcionava o refeitório que, com freqüência, era utilizado
para as reuniões e atividades de recreação; no andar acima, as salas de aula;
enquanto que, no terceiro, o espaço encontrava-se reservado para as atividades
artísticas – o que refletia a valorização da educação pela arte no currículo
pedagógico da instituição.
Cabe ressaltar que administrativamente a EG estava subordinada à
Secretaria de Educação - o que implicava no envio mensal para este órgão de sua
relação de pessoal, dos alunos matriculados e do resultado das avaliações – e
pedagogicamente atendia às orientações do INEP, que por meio da Profa. Lúcia
Marques Pinheiro, diretora da DAM, definia os rumos da experimentação na
escola.
Passível de ser considerado pioneiro, o trabalho desta instituição refletia-se
em sua estrutura organizacional, que possuía um quadro técnico pedagógico
composto por uma diretora, duas subdiretoras, uma orientadora pedagógica geral,
cinco orientadoras pedagógicas
1
, dezoito professores regentes
2
, sete professores
1
Consideradas como a elite pedagógica, estas eram responsáveis pela orientação de cada uma das
cinco séries do primário da escola.
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27
especialistas em atividades complementares (música, artes e etc.) e um Serviço de
Orientação Psico-Pedagógica (SOPP) responsável pelos atendimentos aos alunos,
mas, principalmente, aos docentes.
Na expectativa de romper com a escola tradicional, a EG se integrava ao
plano de turno único de seis horas e, posteriormente, de sete horas e meia. Deste
modo, os alunos permaneciam na escola até as quinze horas e, em seguida, dava-
se início aos cursos de atualização pedagógica e às reuniões de orientação para os
professores.
Freqüentavam a instituição cerca de oitocentos alunos, divididos em quatro
turmas de alfabetização, três de 2ª e 3ª séries e duas 4ª e 5ª séries, cada uma com o
número máximo de 35 alunos. As crianças eram distribuídas pelas turmas de
acordo com a faixa etária – não sendo submetidas a nenhum tipo de teste de
conhecimento – e a avaliação se baseava no “Sistema de Avanço Progressivo”,
que privilegiava o ritmo individual de cada aluno, buscando compreendê-lo no seu
sentido mais amplo, aspecto que será abordado com maiores detalhes no próximo
capítulo.
Como a proposta pedagógica da escola objetivava a criação de novos
hábitos e valores em seus alunos, seu projeto educacional previa que o papel
social da instituição escolar se constituísse na formação de atitudes, ultrapassando,
com isto, a idéia de uma formação fragmentada e dissociada da vida cotidiana.
Consequentemente buscava-se instaurar uma prática pedagógica por intermédio
da pesquisa, o que proporcionava a aplicação do chamado “Método de Projetos”.
Acreditava-se que a partir do “Método de Projetos” poder-se-ia estimular
“a transformação total da pessoa”, assim como incentivar a colaboração e
solidariedade entre os grupos. O que se observa é que havia uma preocupação
fundamental em assegurar a aprendizagem da criança e, ainda, “as atividades que
pudessem realizar com esforço interessado e com sucesso”
3
.
2
Os professores da instituição exerciam dupla função dentro do horário escolar: pertencia à rede
municipal de ensino e, ao mesmo tempo, eram bolsista do INEP para o desenvolvimento das
pesquisas na área educacional. Ao serem incorporados ao projeto da EG estavam preparados para
uma ação pedagógica em escolas da rede pública do ensino, ou seja, eram todos egressos do curso
normal do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, sendo a maioria apenas com dois anos de
formação. O critério de seleção dos professores se baseou em seu desempenho durante o período
de formação neste instituto (Passos, 1996).
3
Métodos e Recursos de Educação Primária da Escola Guatemala, INEP, 5 de agosto de 1957
(Arquivo Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
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28
Deste modo, a proposta do método buscava privilegiar a criação de
práticas educativas mais dinâmicas e “com maior valor educativo e social
”4
, além
de dispor ao progresso de um tipo de aprendizagem que levasse o aluno a
desenvolver hábitos de estudo, pesquisa e leitura.
Na expectativa de romper com a aula tradicional, essa metodologia era
tomada como meio capaz de proporcionar aos discentes experiências mais
participativas que viessem a envolver as turmas em um único trabalho
(organização de uma biblioteca de classe) ou em atividades individuais, mas
idênticas para todo o grupo (atividades artísticas).
Nos primeiros meses de funcionamento da escola os projetos eram de
construção (de bairros, fazendas, circos, estantes), mais tarde passaram a se
constituír em projetos de estudos (museu e biblioteca), o que demonstra certa
evolução do próprio trabalho com o método
5
.
No primeiro ano, por exemplo, era realizado um conjunto de atividades de
projetos que remetiam “aos interesses das crianças por animais, jogos,
dramatização e histórias (Jardim Zoológico, Fazenda, Animais desmontáveis em
prateleiras para enfeitar a sala, Loja de Brinquedos, Painel sobre o fundo do mar,
painel sobre a floresta com animais, Casa de Bonecas etc)”
6
.
Esse recurso pedagógico traria para dentro da sala de aula uma “atmosfera
de vida” na medida em que as atividades “levariam a criança a sentir a ligação
necessária entre viver e aprender”; ou ainda, “por se realizarem em uma situação
real, essas atividades favoreceriam a aplicação do aprendido nas situações da
vida”
7
.
Além dos aspectos acima citados, acreditava-se que o “Método de
Projetos” também proporcionaria outras vantagens: daria a chance para que a
criança planejasse, ouvisse e considerasse as opiniões alheias; imaginasse
situações e soluções; vencesse as dificuldades; valorizasse as diferenças
favorecendo o “aprendizado dos mais genuínos princípios democráticos” e, acima
de tudo, daria a chance para que se incentivassenão apenas das capacidades
4
Métodos e Recursos de Educação Primária da Escola Guatemala, INEP, 5 de agosto de 1957
(Arquivo Pessoa Lúcia Marques Pinheiro)
5
ATFilme14F0278-0287 – Métodos e Recursos da Educação Primária na Escola Guatemala,
CBPE/INEP, 1957.
6
ibid, p. 15
7
ibid, p. 5
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29
intelectuais, mas de todos os tipos de qualidades, inclusive as de bom convívio e
espírito de camaradagem”
8
.
Depois de dois anos de sua aplicação, percebeu-se o que teria levado as
crianças a desenvolverem uma série de interesses: “pesquisas, leitura informativa
e de recreação, dramatização, participação em jogos e danças, gosto por conhecer
o Brasil, por estudar e por atividades de trabalho”
9
.
Ao que tudo indica, o “Método de Projetos” possibilitava que o cotidiano
escolar fosse oxigenado, pois proporcionava um tipo de ensino que, ao mesmo
tempo em que se mantinha organicamente conectado à vida fora da escola,
também incentivava um tipo de inteligência de caráter mais prático, não se
restringindo assim a um ensino intelectualista e elitista, conforme críticas de
Anísio Teixeira (CHAVES & MACEDO, 2007).
Entendemos igualmente que o trabalho pedagógico implícito ao “Método
de Projetos” poderia estar contribuindo para a fermentação de uma escola que
tivesse como princípio a alteração das relações de aprendizagem, no sentido de
torná-las mais dinâmicas, democráticas e participativas (idem).
É importante relembrar, também, que os fundamentos do método se
pautavam numa filosofia baseada no ideal proposto por John Dewey e, deste
modo, caberia à educação escolar proporcionar a sistematização do processo de
transformação humana, a partir de instrumentos considerados “fundamentais para
uma vida útil, mais digna e feliz, dentro da sociedade brasileira”
10
.
De acordo com um dos documentos analisados esses instrumentos
envolveriam:
técnicas de leitura, escrita e cálculo, dirigidas num sentido de
participação social eficaz; conhecimentos de ciência aplicada que
permitem a compreensão e utilização esclarecida dos fenômenos
naturais mais ligados à vida humana e, principalmente, a atitude
científica de permanente inquérito, seriedade, análise crítica,
sistematização e aplicação; de estudos sociais suficientes para dar à
criança os elementos básicos para sua boa integração na vida social;
recreação e arte, possibilitando um melhor desenvolvimento
8
ibid, p. 14
9
ibid, p.15
10
Escola Experimental do INEP XII Conferencia Nacional de Educação, Salvador, Bahia, julho de
1956 (Arquivo Pessoal Lucia Marques Pinheiro), p. 1
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30
emocional e fornecendo elementos para o aproveitamento das horas de
lazer, e formação de hábitos e atitudes desejáveis ao grupo
11
.
Na EG, esperava-se do aluno uma nova atitude que o levasse,
principalmente, ao entusiasmo em relação às causas sociais, ao equilíbrio quanto a
defesa dos próprios direitos, à boa vitalidade – “ser ativo e ter senso prático”, à
capacidade de realizar a auto-critica, ao saber agir reflexivamente – “planejando,
organizando, criticando os resultados, considerando as conseqüências e
procurando interpretar os fatos tendo em vista suas causas”, à atitude progressista,
ter simpatia humana, ser responsável, ter equilíbrio emocional e saber usar bem os
momentos de lazer, dispondo de recursos de recreação e de arte
12
.
Quanto aos professores, a orientação da DAM era para que o método
pedagógico que vinha sendo experimentado não fosse imposto de maneira rígida
aos alunos, mas, ao contrário, que se respeitassem as diferenças e o ritmo de cada
classe, sem perder de vista os seus possíveis aspectos negativos, tais como: “não
favorecer o caráter de continuidade e graduação que toda aprendizagem deveria
possuir; não facilitar a fixação dos conteúdos devido a própria natureza do
método; utilizar um tempo superior ao dos demais recursos pedagógicos;
dificultar a sistematização das experiências e, conseqüentemente, inviabilizar uma
aprendizagem sistematizada”
13
.
No entanto, cabe ressaltar que, de acordo com Passos (1996), durante a
implantação do novo modelo metodológico não houve, dentro da EG, uma mera
transposição de princípios derivados das idéias escolanovistas de John Dewey, e
sim uma integração proposital e intencional ao projeto educacional de Anísio
Teixeira, do currículo, da experiência e das propostas da própria escola.
Assim, Passos afirma que, valendo-se de certa autonomia concedida pelo
INEP e, a um só tempo, de seu apoio institucional, a EG poderia dar cor local à
proposta pedagógica que vinha sendo desenvolvida naquele momento, ou seja,
embora se tenha evidenciado “adaptações e transformações em escala reduzida,
tentando preservar as características do modelo adotado, constatou-se a
preocupação em dar “cor local” [grifo da autora] ao modelo, na tentativa de
11
id
12
Escola Experimental do INEP XII Conferencia Nacional de Educação, Salvador, Bahia, julho de
1956 (Arquivo Pessoal Lucia Marques Pinheiro), p.2
13
ibid, p. 6 e 7
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510446/CA
31
adequá-lo aos objetivos, recursos, condições e clientela, por exemplo”(PASSOS,
1996, p. 166).
Deste modo, o corpo docente, ciente da rica experiência que estava
vivendo, pôde confrontar as demandas da nova metodologia com a realidade de
sala de aula ao longo de toda a implantação do experimento pedagógico, sendo
observado que, de ano para ano, alguns ajustes viessem a ser efetuados para que
assim as dificuldades, que não foram poucas, pudessem ser minimizadas.
Com isso, na expectativa de construir uma nova prática escolar, o INEP
buscou organizar um programa de aperfeiçoamento docente articulado à realidade
da EG para que, assim, o docente pudesse se familiarizar com as experiências do
novo pressuposto teórico-metodológico.
De início, cabe destacar que, de acordo com Lima (2004, p. 37), a política
de formação e aperfeiçoamento do magistério desenvolvido no interior da EG
privilegiava a construção de uma postura “reflexiva frente às questões cotidianas
da escola, aproximando-se daquilo que conhecemos nos dias atuais como
“professor-pesquisador”
14
.
Para essa autora, a ação mais importante empreendida para o
aperfeiçoamento docente na EG consistia nos cursos ministrados pelo CBPE, pois
“traziam ao alcance dos professores as mais avançadas teorias, pesquisas e
estudos educacionais” (LIMA, 2004, 38) desenvolvidos nesse Centro.
Vale sinalizar que, nos primeiros anos de implantação do projeto, os
professores, ao mesmo tempo em que o colocavam em prática, recebiam as
instruções de como deveriam encaminhá-lo em sala de aula. Assistidas pelas
técnicas do INEP, esses professores
15
recebiam os mais variados tipos de
assessoramento: eram preparados por meio de aulas, palestras e seminários em
que se estudavam os aspectos relativos à filosofia da proposta pedagógica,
abordavam-se as dimensões históricas e os fundamentos do método e seus
problemas de aplicação.
No entanto, apesar de todos os esforços para uma melhor aplicação da
nova metodologia e das orientações do DAM quanto à capacitação docente, as
14
Para discutir mais sobre assunto, ler: GARCIA, R,; ALVES, N. Conversar sobre pesquisa. In:
Professora-pesquisadora: uma práxis em construção. Rio de Janeiro: DP&A / ESTEBAN, M. T.
ZACCUR, E. A pesquisa como eixo de formação docente. In: Professora -pesquisadora: uma
práxis em construção. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
15
Os professores permaneciam uma média de duas horas diárias sem as suas turmas para
receberem a sua formação.
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32
dificuldades e resistências parecem ter sido rotineiras durante, pelo menos, os
cinco primeiros anos de funcionamento experimental da EG.
Lima (2004, p. 26) nos chama a atenção para a existência dessas
resistências por parte dos professores nos anos iniciais da EG. Segundo essa
autora, os docentes ali lotados “não se adaptaram ao trabalho experimental
provavelmente por não estarem preparadas para atuar num experimento que
requeria competências específicas e tempo disponível de estudo”.
Passos (1996)
16
também sinaliza para o fato de que, diante das
repercussões de mudanças pedagógicas, foi verificado, além de certa instabilidade
ou insegurança dos professores na atuação profissional, uma precariedade quanto
a preparação dos alunos para as transformações a serem implantadas. Afirma
ainda que a falta de comunicação foi de tal ordem que as professoras ficaram
perplexas diante de mudanças tão radicais, fazendo com que os alunos
respondessem com atitudes de indisciplina.
Passos (1996, p. 139) ainda constata que existiam entre os professores certo
receio e ambivalência em relação às orientações pedagógicas provenientes do
INEP. Tal perspectiva é reforçada por um dos depoimentos obtidos com
professores da escola: “A orientação dada pelo INEP, através da Profa. Lúcia
Marques Pinheiro, foi muito abrangente e trouxe preocupações, inseguranças e
dúvidas à escola como um todo.” (Profa. Jane Faria da Veiga). Mais adiante a
entrevistada afirma:
E a Lúcia Pinheiro durante todo o tempo passava uma hora, duas
horas na nossa sala, assistindo aula. Então, cá entre nós, era o mais
difícil de tudo. Porque a Lúcia assistindo aula ali, não era fácil!
Bolsista a gente aceitava muito bem, estava ótimo! Agora, quanto a
Lúcia ficava e pegava um papelzinho desse tamanho e ficava
escrevendo(id).
Ao que tudo indica os novos procedimentos pedagógicos não foram aceitos
com tanta facilidade por aqueles que se encontravam envolvidos no processo
experimental da escola.
16
Essa autora, por intermédio da análise de depoimentos da história de vida dos profissionais e
alunos que participaram desse experimento e, também, apoiando-se em fontes documentais,
compôs a ação didático-pedagógica na expectativa de delimitar seu objeto de investigação, que era
o processo de construção do currículo da Escola Guatemala no contexto de inovações
metodológicas.
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33
Ainda de acordo com Passos (1996, p.169), aconstrução e a
implementação do currículo da escola não se processou monoliticamente”, já que
pôde constatar espaços conflitantes gerados tanto por resistências externas, quanto
por mecanismos internos da própria escola. Constata, também, que, se por um
lado as alianças estabelecidas podem ser “decodificadas sob a forma de
negociações que se efetuavam entre os níveis micro e macro, por outro, as
resistências – muitas vezes nem percebidas pelo grupo como tal – apareciam
camufladas pelas ações de controle que se diluíam na estrutura de poder emanada
pelo sistema”.
Partindo desta análise, a autora aponta para o fato de que a experiência ali
realizada só foi possível pela via dos mecanismos de poder exercidos pela última
diretora da escola de demonstração do INEP, Profa. Almira Sampaio Brasil da
Silva .
Cabe ressaltar que, no período 1955-1958, a Escola teve três diretoras: as
duas primeiras foram escolhidas pelo INEP e tiveram grandes dificuldades em
levar adiante a proposta experimental da escola, pois não contaram com a
participação espontânea do corpo docente (PASSOS, 1996). A terceira
permaneceu no cargo até o ano de 1975, marco final do experimento pedagógico
em tela. Profa. Almira, que era técnica do INEP e já havia exercido a função de
Orientadora Pedagógica na própria escola, conseguiu, segundo Passos (1996),
desenvolver ações que viessem a possibilitar o estimulo e a adesão do grupo em
relação ao projeto educacional ali em implantação.
Para essa autora, o cotidiano da EG, ainda que permeado de resistências e
alianças, contava com o apoio da direção que “investida de poder e merecedora do
apoio docente, desempenhava, com eficiência, o papel de neutralizadora dos
impactos” advindos das orientações do INEP. A diretora conseguiu, nas palavras
de Passos (1996, p. 170), “estabelecer um clima de segurança e equilíbrio, através
de sua habilidade na condução das atividades docente e discente”.
Afirma ainda que o clima na EG “não era tão espontâneo como parecia,
mas, sim, fruto de pressão exercida pelo poder”, e nos sugere uma indagação: “até
que ponto estavam embutidas intenções repressivas e controladoras nas visitas do
diretor e da supervisora geral do INEP, às salas de aula?” (PASSOS, 1996, p.
171).
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34
No ano de 1958, a nova diretora entra em ação possibilitando, ao que tudo
indica, uma melhor aceitação das professoras à nova proposta. Se anteriormente,
durante os três primeiros anos, a escola mais parecia uma Torre de Babel, na qual
ninguém se entendia e os conflitos eram constantes, com a entrada da nova
liderança (assim identificada por PASSOS, 1996) as alianças são estabelecidas e o
desenvolvimento do trabalho começa a tomar rumos mais fluídos.
Concordamos com a tese de Passos (1996, p. 154) de que a diretora da
Escola, Profa. Almira Sampaio Brasil da Silva, logrou viabilizar a experiência
educativa, favorecendo na construção de um “clima de segurança e equilíbrio”
dentro da Escola.
No trabalho dessa autora, os estímulos da dirigente transparecem nas falas
dos professores entrevistados durante a pesquisa, o que podemos constatar a
seguir:
As crianças estavam perdidas. E foi quando chegou d. Almira e
conseguiu acertar as coisas, porque estava todo mundo solto / A
diretora não impunha, sugeria e eles aceitavam / A Escola Guatemala
tinha uma direção única, havia uniformidade (id).
Deste modo, entendemos que a liderança efetiva e reconhecida na figura
da Profa. Almira foi um importante fator para a construção da bem sucedida
experiência da EG, pelos menos nos seus dezessete últimos anos.
No entanto, compreendemos que este não se constituiu em o único
elemento viabilizador da nova proposta pedagógica da EG, tendo em vista que,
em que pesem as pressões exercidas pelo INEP, o próprio apoio institucional
deste órgão - com seus assessoramentos pedagógicos, cursos e materiais - se
tornou um meio importante para a consolidação do experimento ali realizado
(LIMA, 2004).
Aqui, nesta dissertação, levantamos a hipótese de que também o Serviço
de Orientação Psico-Pedagógica (SOPP) foi uma estratégia fundamental para a
consolidação do projeto desta instituição.
Numa primeira aproximação com os documentos que compõem o arquivo
pessoal de Anísio Teixeira, no CPDOC/FGV, pudemos identificar algumas fontes
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35
que nos permitiram avançar um pouco mais na análise desta instituição, como, por
exemplo, o relatório comemorativo dos dez anos de existência do SOPP
17
.
Nesta fonte identificamos que as ações desenvolvidas neste Serviço
contribuíram para minimizar os impactos decorrentes das orientações do INEP,
proporcionando um clima ameno e propício entre os professores.
Deste modo, na expectativa de nos debruçarmos ainda mais sobre o
pioneiro trabalho empreendido neste centro de experimentação pedagógica,
algumas questões preliminares foram então elaboradas para o norteamento da
pesquisa, a saber:
Como se deram as orientações pedagógicas no interior da escola?
Por que os professores se apresentaram resistentes às orientações
do INEP?
As ações daqueles que estavam à frente da proposta foram
realmente repreensivas e controladoras?
Até que ponto as orientações pedagógicas da Profa. Lúcia Marques
Pinheiro contribuíram para que as inseguranças do corpo docente
fossem intensificadas?
Diante das resistências dos professores, quais outras estratégias a
escola desenvolveu para a construção de seu projeto pedagógico,
além daquelas aqui já destacadas?
Quais foram as contribuições do SOPP para a construção do
trabalho empreendido?
Diante dessas indagações, conseguimos inventariar um conjunto de fontes
que possibilitaram a realização de uma análise mais aprofundada sobre a forma
pela qual a EG se organizava frente aos novos desafios de tornar-se a escola de
demonstração do INEP.
Neste sentindo, cabe ressaltar que entendemos que as fontes utilizadas por
Passos (1996)
18
se mostraram insuficientes para responder às questões aqui
formuladas, inicialmente, pelo fato desta autora ter percorrido um outro percurso
no desenvolvimento de sua pesquisa.
17
Anexo II: capa do livreto.
18
As fontes utilizadas pela autora foram os documentos do arquivo oficial do INEP -
especialmente os correspondentes a DAM (currículos, programas e arquivos da Escola Guatemala)
e entrevistas e depoimentos de docentes, ex-alunos, orientadoras pedagógicas da escola e do INEP.
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36
Na intenção de responder aos questionamentos anteriormente elencados,
analisamos um agrupamento de fontes pertencentes aos arquivos pessoais da
Profa. Terezinha Lins de Albuquerque (coordenadora do SOPP) e da Profa. Lucia
Marques Pinheiro, sendo este último localizado na Associação Brasileira de
Educação (ABE).
Identificamos, até o presente momento, que existia entre os professores
certo receio e ambivalência em relação às orientações pedagógicas provenientes
do INEP, ou seja, os novos procedimentos pedagógicos não foram aceitos com
tanta facilidade por aqueles que se encontravam envolvidos no processo
experimental da escola.
Deste modo, com o objetivo inicial de compreendermos o tipo de
orientação oferecida aos professores, analisaremos no próximo capítulo as ações
desenvolvidas pela Profa. Lúcia Marques Pinheiro no interior da escola, assim
como seu pensamento pedagógico, uma vez que entendemos ter sido este o grande
norteador das práticas educativas desenvolvidas no interior da EG.
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4
A Orientação Pedagógica da Profa. Lúcia Marques Pinheiro
Profa. Lúcia Marques Pinheiro (1948), sete anos antes da inauguração da
EG, publicou um artigo
1
na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, no qual se
faziam presente suas maiores preocupações relativas ao campo educativo.
Para a autora, a concepção de um projeto para a educação implicaria
necessariamente realização de finalidades, isto é, a busca pela eficiência
qualitativa e quantitativa na formação do educando (PINHEIRO, 1948, p. 82). Em
primeira instância, Profa. Lúcia acreditava que pela via de ações e de meios
necessários à realização de objetivos, a escola conseguiria superar o seu maior
problema: o rendimento escolar.
O trabalho escolar visa à obtenção de um rendimento cada vez maior.
O problema da Escola é o problema do rendimento, e tudo serão
aspectos dessa questão única. Toda contribuição ao trabalho escolar
terá de ser um meio de melhorar o rendimento dessa mesma escola.
Na expectativa de encontrar o “meio” para minimizar tal problema, a
autora em questão defendia o controle das ações escolares por intermédio do
planejamento, da organização, da execução e do controle propriamente dito. Nesse
trabalho, Profa. Lúcia deixa claro que no projeto de organização escolar os fins
educativos deveriam ser antes de tudo, previstos e bem definidos.
No momento da publicação de seu artigo, a autora já se aliara à idéia de
estudar experimentalmente a educação. Com isso, propunha que com o auxílio da
biologia e da psicologia educacional, somadas à estatística aplicada à educação,
seria possível desenvolver ações que proporcionassem o aumento do rendimento
no “maquinismo escolar” (id).
Diante da expectativa de transformar a educação numa prática científica,
Profa. Lúcia defendia a mensuração objetiva dos métodos pedagógicos, do
desenvolvimento das aprendizagens, do processo formativo do educando e, de um
modo geral, hábitos motores, de conhecimentos, de atitudes, de normas e ideais de
ação. Ressaltava ainda que o controle dos objetivos, da distribuição de tarefas, da
1
Esse artigo foi fruto de um trabalho monográfico apresentado no Concurso Técnico de Educação,
no ano de 1940, pelo D.A.S.P. PINHEIRO, L. M. (1948).
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38
execução, verificação e interpretação das ações, se tornava imprescindível para o
estudo experimental da educação (PINHEIRO, 1948).
Como analisa Cunha (1995), esse tipo de pensamento expõe um modelo de
organização escolar que impõe necessidades de fixação de metas e meios
racionais para a execução do trabalho docente. Assim, a ênfase recai
principalmente no planejamento e na organização da “máquina”
2
escolar.
No que diz respeito à orientação ministrada à EG, como supervisora do
INEP, Profa. Lúcia
3
procurou propagar e esclarecer a importância de estudar
experimentalmente a escola pela via do conhecimento científico, conforme
atestam suas palavras:
No setor de educação, como em muitos outros, ainda não venceu a
idéia de que o investimento em pesquisa é dos mais produtivos, pois
permite a renovação e o progresso e evita comprometer por vezes todo
um sistema escolar adotando medidas cujo efeito ainda não foi
suficientemente estudado.
Entretanto, cabe aqui uma indagação: na expectativa de solucionar o
problema do rendimento escolar, quais foram os “meios” desenvolvidos
experimentalmente no interior dessa escola?
De início, ao fazer um balanço da experiência de renovação pedagógica da
escola de demonstração do INEP, nossa autora tratou em específico do que
considerava o aspecto de maior importância para o país:o problema de
produtividade do ensino primário, por meio do aumento de flexibilidade do
curso”
4
.
O objetivo era tornar o aluno mais rendoso e proveitoso, no sentido de
explorar ao máximo o seu potencial, assim como sua condição de aprendizagem.
Deste modo, para o alcance deste fim buscar-se-ia a “produtividade do ensino”
que, no entendimento da supervisora, deveria se dar pela via do investimento nas
reorganizações de turmas, na dosagem adequada dos programas escolares à
realidade do aluno, nas orientações dos professores e na mudança de métodos
5
.
Nesse documento, fica claro que Profa. Lúcia buscava desenvolver ações
que privilegiassem tanto os objetivos norteadores do projeto, quanto a realidade
2
Termo utilizado por Lúcia Marques Pinheiro para referir-se a escola naquele artigo.
3
Uma experiência de Renovação Pedagógica: a Escola Guatemala no Rio (Arquivo Pessoal Lúcia
Marques Pinheiro)
4
id
5
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39
da escola, sem perder de vista, no entanto, a promoção da pesquisa científica no
interior desta.
Nessa perspectiva, considerava fundamental a elaboração de ações que
levassem a criança ao contínuo aperfeiçoamento pessoal e à apropriação dos
valores da sociedade democrática. Para tanto, defendia a idéia de que se
elaborassem “linhas mais eficazes de atuação
6
para o alcance dos ideais que
buscavam:
De modo geral, favorecer o desenvolvimento mais completo,
harmonioso e acorde aos valores humanos e democráticos de nossos
alunos, por meio de aquisição de conhecimentos e instrumentos
mínimos de ação necessários à vida social e às necessidades de
prosseguirmos, em nível mais alto, de educação (...)
Os “meios” necessários para a organização do experimento ali realizado
também se estendiam à realização dos cursos para a formação do corpo docente e
às orientações quanto à metodologia a ser seguida. Assim, destaca que “o
aprender a trabalhar conforme linhas mais ou menos definidas pareciam-nos
importante como base para um trabalho mais livre, futuro”
7
.
Deste modo, as linhas de atuação estavam concentradas no “Sistema de
Avanço Progressivo” e em mais duas vias estratégicas: o “Método de Projetos” e
o “Método de Alfabetização”.
Na expectativa de se inaugurar uma nova postura entre os alunos e
professores, assim como, de se incentivar hábitos de pesquisa na escola, adotou-se
o “Método de Projetos” como estratégia para reverter a passividade na sala de
aula. Como trabalhado no capítulo anterior, acreditava-se que a partir dessa
metodologia poder-se-ia estimular a “transformação total da pessoa”, além de
incentivar a colaboração e solidariedade entre os grupos. Para tanto, era
fundamental assegurar a intenção de aprendizagem da criança, assim como
promover “atividades que pudessem ser realizadas com esforço interessado e com
sucesso”
8
.
6
Métodos e Recursos de Educação Primária da Escola Guatemala, INEP, 5 de agosto de 1957
(Arquivo Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
7
id
8
id
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40
A outra experiência pioneira desta instituição foi a criação e aplicação do
“Método da Abelhinha”, resultado de estudos do método fônico de alfabetização,
trazido da Itália por professores que estagiaram naquele país
9
.
Esta metodologia foi criada dentro da EG e, frente às dificuldades dos
alunos no processo de alfabetização, os professores buscavam refletir acerca dessa
metodologia que alfabetizava as crianças a partir da chamada História da
Abelhinha (PASSOS, 1966; LIMA, 2004). Em 1968 foi publicado, pela
Companhia Editora Nacional, o livro “Método Misto de Ensino e Leitura e da
Escrita e História da Abelhinha” (LIMA, 2004, p. 35), assinado por Profa. Almira
Sampaio Brasil da Silva (Diretora da EG), Profa. Lúcia Marques Pinheiro
(Supervisora do INEP), Profa. Risoleta Ferreira Cardoso (Orientadora Pedagógica
da EG).
Em que pese algumas críticas que hoje podem ser feita sobre este método,
o fato de ter sido re-significado na escola, adaptado à nossa realidade e, o que é
bastante significativo, amplamente conhecido e utilizado no Brasil nas décadas de
1960-70, com um índice de alfabetização superior aos anteriormente verificados,
merece ser considerado.
No que diz respeito à promoção da criança na escola, a solução elaborada
foi o “Sistema de Avanço Progressivo” que, de acordo com a Profa. Lúcia, levava
em conta as condições de desenvolvimento dos discentes. De acordo com a
supervisora, o processo de promoção vigente no país era considerado rígido e
buscava compreender “a criança apenas do ponto de vista dos conteúdos obtidos
ou, no máximo, de seu nível mental”
10
.
As conseqüências desse “Sistema Seriado de Promoção”, adotado no
antigo DF, desencadeavam na repetência do aluno; na desordem de idades em
cada série; na dificuldade de adaptação do ensino à criança e a seu ritmo de
desenvolvimento; e na rejeição dos “alunos menos dotados, devido ao caráter
seletivo do sistema”
11
.
9
Embora as porcentagens daqueles que se alfabetizavam na Escola Guatemala em um ano fosse
superiores à média do Estado da Guanabara e à do Brasil (entre 71 e 91%), o novo método chegou
a atingir um resultado de 100%. SILVA, A. S. B., PINHEIRO, L. M., CARDOSO, R.F. (1968).
10
Métodos e Recursos de Educação Primária da Escola Guatemala, INEP, 5 de agosto de 1957
(Arquivo Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
11
A Organização da Escola Primária e o Problema da Promoção, março de 1958 (Arquivo Pessoal
Lúcia Marques Pinheiro)
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41
Na expectativa de diminuir os altos índices de reprovação e evasão no
país
12
, Profa. Lúcia buscava orientar um novo sistema de avanço de séries no
interior da EG. Sua proposta era criar condições de experiências diversificadas
para as crianças, “dentro de seus interesses e de seu nível de desenvolvimento,
(...) o mais ricas possível, no sentido de conduzir aos resultados em vista”
13
.
De antemão, é importante destacar que, em sua perspectiva, não se tratava
de um tipo de sistema baseado “num psicologismo que fizesse da criança –
entregue a suas incertezas e caprichos, sem visão prospectiva - o centro da vida
escolar”
14
, mas de uma proposta que, devidamente guiada pelo professor,
“simplifica a direção de objetivos cada vez mais altos, do ponto de vista do
desenvolvimento humano, para a integração social, através de experiências
sempre mais ricas, que reconstroem e renovam experiências anteriores”
15
.
Entendemos que o “psicologismo” ao qual a supervisora faz referência
encontra-se relacionado a uma concepção pedagógica muito difundida por Carl
Roger, no mesmo período. Mais conhecida como Pedagogia Não-Diretiva, esta
tendência educativa sugere que a prática pedagógica deverá ter o aluno no centro
da relação de ensino-aprendizagem e o professor como um facilitador deste
processo. Segundo Libâneo (1985), dentro dessa perspectiva, acentua-se a busca
pela auto-realização do aluno e a ênfase do trabalho pedagógico recai,
principalmente, no desenvolvimento das relações e da comunicação entre os
discentes, privilegiando-se a auto-avaliação, assim como o favorecimento de um
clima de auto-conhecimento e realização pessoal. Cabe ainda destacar que essa
vertente busca atribuir à experiência pessoal e subjetiva as bases sobre as quais
qual o conhecimento deverá ser construído, no entanto, fundamenta as explicações
sobre o psiquismo humano de forma parcial e fragmentada, isto é, tende a negar o
caráter histórico e social dos indivíduos.
Cunha (1995, 1998) nos chama a atenção para o fato de que o
psicologismo pode ser entendido como uma categoria de discurso passível de ser
empregada para definir os fins a serem atingidos pela educação. O predomínio da
psicologia sobre outras áreas faz com que o educando seja visto e tratado como
12
Em 1956 quase 8.000 crianças deixaram a escola antes de alcançar sequer a primeira série e
15.634 sem completar a terceira série.
13
A Organização da Escola Primária e o Problema da Promoção, março de 1958 (Arquivo Pessoal
Lúcia Marques Pinheiro)
14
id
15
id
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42
ser psicológico à parte das determinações sociais, culturais e políticas que o
cercam, além de propor à escola uma adequação de todo o processo pedagógico -
programas de ensino, métodos, relação professor-aluno etc. – no âmbito de
finalidades estritamente ligadas à satisfação de necessidades do psiquismo do
educando (CUNHA, 1995).
Longe de tal perspectiva, Profa. Lúcia nos deixa claro que o entendimento
dos aspectos sociais e individuais do aluno é fundamental para a estruturação do
trabalho pedagógico e, do mesmo modo, o aperfeiçoamento do docente para o
progresso da prática educativa.
Em sua análise, o importante é que o professor adquira “conhecimentos e
técnicas úteis para o desempenho de sua função”
16
, pois é imprescindível que ele
tenha atenção para os aspectos que influenciam seu trabalho, ou seja, além das
condições emocionais e de inteligência que influem na aprendizagem dos alunos,
o docente deverá também ter em mente a condição social do discente, sendo
portanto essa uma variável igualmente determinante para o seu desempenho na
escola.
Ao refletir sobre educação primária, a supervisora destaca ainda que
caberia à escola a formação de atitudes nos alunos para a construção de uma vida
social democrática, pois, em sua avaliação, deveria o aluno:
ser capaz de entusiasmar-se por causas sociais, pelo enriquecimento e
progresso da existência humana e de tornar esse entusiasmo um
motivo de iniciativas, desenvolvidas com esforços e perseverança
sempre maiores
17
.
A escola não poderia jamais perder de vista o interesse social, uma vez
que, de um modo geral, o objetivo principal da educação era favorecer o
desenvolvimento mais completo, harmonioso e acorde aos valores humanos e
democráticos
18
. Em suas palavras era necessário que a criança crescesse:
no sentido de autonomia e independência de decisões, tendo em vista
o interesse social, e no sentido de libertar-se da necessidade de
elementos disciplinares externos, conservando, porém, a sensibilidade
16
A Escola Experimental do INEP no Rio, INEP, 956 (Arquivo Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
17
id
18
Métodos e Recursos de Educação Primária na Escola Guatemala INEP, 5 de agosto de 1957
(Arquivo Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
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43
à desaprovação social como base para uma consideração mais
profunda dos próprios atos, em sua motivação e conseqüência
19
.
Entendemos, assim, que na perspectiva da Profa. Lúcia a escola é
compreendida como uma instituição socializadora adequada para por em prática o
projeto de uma sociedade democrática.
Segundo Cunha (1995, p. 15), o sentido da socialização, para os
renovadores da educação, implicaria ematribuir à escola a tarefa de formar a
personalidade do aluno, levando em conta as características do grupo social de
que ele se origina e em sintonia com metas socialmente definidas como
desejáveis”. Deste modo, o ideal maior era restaurar a sociedade vigente e, para
tanto, a atuação sobre os indivíduos tenderia a priorizar a sua formação para essa
nova ordem social mais democrática.
Partindo desta perspectiva e diante das mudanças sociais decorrentes do
progresso e do desenvolvimento nacional, Profa. Lúcia defendia a reformulação
da escola brasileira.
Em sua avaliação a instituição educativa deveria atender às demandas da
rápida transformação social, pois, tendo em vista os complexos avanços e os
novos desafios da sociedade industrializada, a atuação da escola tenderia a
assegurar de maneira sistemática a formação do aluno. Ainda afirmava que, diante
do quadro de mudanças sociais, “a família não mais atue como uma instituição
completa”
20
na formação de seus filhos.
Deste modo, ao analisarmos o pressuposto acima, compreendemos que a
supervisora também coadunava com outra perspectiva comum entre alguns dos
intelectuais defensores da renovação educacional. Foi possível identificar nos
relatórios da EG vestígios de um pensamento que buscava atribuir à escola a
tarefa de promover uma educação mais completa, enquanto à família promovia o
enfraquecimento de tal responsabilidade.
Voltando as análises de Cunha (1996), dentro do pensamento social
renovador existia uma perspectiva na qual as famílias haviam se tornado
incapacitadas para a educar seus filhos, devendo à escola esta responsabilidade, ou
seja, Roberto Moreira, Lourenço Filho, Anísio Teixeira, dentre outros, defendiam
a idéia de que determinadas instituições educativas - dentre elas, a família e a
19
A Escola Experimental do INEP no Rio, INEP, 1956 (Arquivo Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
20
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44
igreja - que outrora cumpriam a tarefa de transmitir o conhecimento, agora, diante
dos novos desafios sociais, não se encontravam mais aptas a cumprir tal função.
Para esses intelectuais, a família apenas se preocupava com questões
relacionadas a instâncias particulares ou locais. Com isso, perdiam de vista as
exigências da nova ordem social que no momento do desenvolvimento nacional
demandavam ações igualitárias em benefício do país.
Cunha (1998) também nos ajuda a entender que durante todo o período em
que os preceitos da Escola Nova estiveram presentes no Brasil - período
compreendido entre as décadas de 1930 e 1960 - o discurso “histórico-
sociológico” era utilizado para justificar as relações entre escola e família, uma
vez que com freqüência era particularmente usado para mostrar as razões
determinantes da perda do poder decisório da família no âmbito educativo.
Cabe ressaltar que, durante a analise das fontes, verificamos que em alguns
momentos Profa. Lúcia buscava deslocar para o meio familiar a responsabilidade
por determinadas causas do mau desempenho escolar do aluno - o que será visto a
seguir. Todavia, em que pese o fato de reconhecer as limitações da família na
promoção da educação formal, a supervisora não justificou, e tampouco
aprofundou, a incapacidade do meio familiar diante da execução de tal tarefa nas
fontes analisadas. Apenas deixou-nos explícito que, em sua avaliação, a relação
com a família é de “grande valor”, devendo a escola se envolver mais com a
instituição familiar, para que assim atue como um “centro educativo da
comunidade. Neste sentido, defendia que caberia à escola: “informar-se sobre as
condições da vida da criança no lar, em particular os recursos educativos adotados
e influir para que os pais sejam melhores orientados nas maneiras de educar os
filhos”
21
.
Ou seja, seria também de responsabilidade da escola a tarefa de auxiliar e
orientar as famílias no que diz respeito a educação de seus filhos, portanto, nos
parece que a Profa. Lúcia também tinha a intenção de esclarecer a família,
trazendo-a para mais próxima da EG.
Identificamos, igualmente, nas análises de Cunha (1998) que durante o
movimento renovador, a escola não poderia deixar de estar atenta à organização
das famílias. Assim, a instituição educativa deveria buscar uma aproximação com
21
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45
os pais, colocando-os como colaboradores da educação desempenhada pelos
professores, tendo em vista que para os renovadores:
a família era reconhecida como o espaço originalmente responsável
pela constituição das características psicológicas e intelectuais básicas
do indivíduo. Além disso, em se tratando da criança escolarizada,
admitia-se que o meio familiar representava um referencial de valor
para estabelecer os padrões de vida do educando.
Profa. Lúcia acreditava ter o ambiente familiar certa parcela de
responsabilidade no desempenho escolar do aluno. Com isso, a supervisora
também nos leva a crer que considerava as condições sociais e culturais do aluno
variáveis importantes que determinavam o nível educacional da criança. Assim,
nos indica tal perspectiva ao escrever num relatório que:
Se você [professor] tem uma turma de crianças de nível
socioeconômico e cultural baixo, pense nas condições inferiores que
tais crianças trazem para a escola e procure superá-las da melhor
maneira. Tais crianças, possivelmente, além de pouco interessadas nas
atividades comuns da escola, têm deficiência de linguagem –
pronunciam mal certas palavras, têm vocabulário reduzido, fazem
construções erradas
22
.
Deste modo, entendemos que as reflexões da Profa. Lúcia até aqui
discutidas aproximam-se da perspectiva “histórico-sociológica”, no entanto, a
idéia contida na citação acima nos permite avançar um pouco mais em nossa
análise.
Compreendemos que no pensamento da supervisora o professor deveria
superar com o seu trabalho as “condições inferiores” advindas do meio “cultural
baixo” do aluno. Isto nos revela que a supervisora responsabilizava o meio
familiar pelo insucesso da criança durante o seu processo formativo, ou seja,
notamos em seu discurso vestígios de um pensamento que fundamenta as causas
dos problemas de adaptação escolar e de dificuldade de aprendizagem do aluno a
partir do seu meio sócio-cultural. Com isso, entendemos que no pensamento da
supervisora estavam abertas as portas para a Teoria da Carência Cultural, que
relacionava as incapacidades do aluno na escola ao grupo familiar e social de
convívio e de desenvolvimento.
22
ATFilme14F0437-0456 - Regência de Classes (CPDOC/FGV)
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46
No entanto, em que pese à predisposição da Profa. Lúcia à perspectiva
acima, entendemos que as suas reflexões - ora analisadas durante a leitura das
fontes - consideravam o desenvolvimento intelectual da criança como algo
dependente do meio de subsistência da família.
Identificamos, também, uma outra abordagem que merece ser destacada.
Num estudo realizado a partir de entrevistas com as crianças da EG, Profa. Lúcia
pôde verificar que “o desejo de aprovação dos pais fôra a razão determinante de
sua conduta anti-social”. Constatou ainda que são freqüentes casos de alunos
repetentes que “vivem sob contínua tensão criada pelos pais”, pois se encontram
“temerosos” pelo fracasso de seus filhos e, por isso, “criam certas condições
emocionais que as impedem de se entregarem eficazmente às tarefas escolares,
com a atitude necessária para terem satisfação no trabalho, elemento importante
para o êxito na aprendizagem”
23
.
Partindo dessa perspectiva, a supervisora defendia não apenas uma
aproximação entre a família e a escola no sentido de orientá-las quanto ao
processo educativo de seus filhos, mas, fundamentalmente, sustentava o
argumento de que era necessário reformular com urgência o sistema de avanço
entre as séries escolares.
Destacava claramente que a reprovação é negativa tanto para o
desenvolvimento emocional da criança, quanto para o seu desenvolvimento social,
uma vez que promove no aluno:
(...) atitudes de revolta, indiferença e insegurança, que atuam
negativamente, não só no próprio trabalho escolar, criando problemas
de indisciplinas, mas também na formação de atitudes sociais de
interesse pelo bem comum, colaboração, solidariedade, que estão
entre os objetivos principais da educação
24
.
De acordo com a supervisora, as repetências representam um “traumatismo
na vida da criança”, pois, uma vez vivenciado o fracasso na escola, sua
autoconfiança diminui, passando a adquirir umaatitude de defesa determinada
pelo temor de outros fracassos”
25
. Para Profa. Lúcia, “a criança que sofre
fracassos escolares diminui a confiança em si mesma, que é a básica para a
23
A Organização da Escola Primária e o Problema da Promoção, março de 1958 (Arquivo Pessoal
Lúcia Marques Pinheiro)
24
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25
id
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47
formação de atitudes sociais de colaboração, solidariedade, iniciativa, do interesse
social (...)”
26
Deste modo, entendemos que na perspectiva da supervisora a reformulação
do sistema de promoção na escola seria útil não apenas para diminuir os índices
de reprovação na Educação Primária, mas, principalmente, para solucionar um
problema que poderia inviabilizar a construção de uma nova ordem social: o
fracasso escolar.
O número de reprovados impede cada vez mais o Estado de atender à
massa crescente de crianças que o procuram, na oportunidade única,
em muitos casos, de adquirirem o mínimo de educação necessária à
vida numa sociedade democrática.
Pela criação do sistema de 3 e até 4 turnos, recurso a que geralmente
leva a necessidade de atender à massa dos reprovados, o atual sistema
de promoção destrói a possibilidade de o professor dar atenção
necessária ao problema de formação das atitudes sociais básicas (que
exige tempo como condição primordial) [grifo do autor]
27
Foi então, partindo deste ponto de vista, que buscou desenvolver com mais
ênfase a sua terceira linha de atuação na EG: o “Sistema de Avanço Progressivo”.
Esse novo sistema de avanço de séries levaria em conta as condições do
desenvolvimento da criança, sem promover a “seleção dos mais capazes e a
rejeição dos demais em razão de insucesso na escola”
28
. Cada criança seria vista
diante de suas condições e de seu ritmo, reconhecendo, principalmente, as
experiências anteriores e as atuais.
Para a implementação desse sistema, inicialmente, tornar-se-ia
fundamental reorganizar as turmas por idade cronológica, o que, segundo Profa.
Lúcia, favoreceria aofator de homogenização de interesses e maturidade social e
geral”
29
. Justificava ainda que:
pela identidade básica de experiência de desenvolvimento psicológico
e por assegurar um tempo de experiência idêntico, a idade cronológica
é, de todas as condições da criança, tomadas de por si, a que mais
favorece o trabalho escolar.
26
id
27
id
28
id
29
Conclusões da Experiência de promoção na EG, DAM/CBPE/INEP, março de 1958 (Arquivo
Pessoal Lúcia Marques Pinheiro).
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Afirmava ainda que em cada período psicológico infantil existem
evidências especiais que se sucedem de maneira regular, revelando identidades e
volumes de experiências comuns.
Em que pese às características que são próprias dos períodos da infância,
ressaltava que o desenvolvimento varia de acordo com cada criança, já que
dependerá de seu ritmo pessoal e de suas condições sociais o seu desempenho:
Nesse sistema, podem as crianças ter avanços diferentes dentro do
grupo e mudar de grupo, desde que as condições de seu
desenvolvimento se alterem, pela superação ou interferência de fatores
desfavoráveis, ou pelas próprias condições pessoais de seu
desenvolvimento
30
Dentro do sistema sugerido eram esperados diferentes resultados nos
vários subgrupos de crianças. A reclassificação do aluno nas séries poderia
ocorrer a cada ano ou no semestre ou, até mesmo, a cada trimestre escolar. Nesse
caso, o que determinava era a situação particular de cada indivíduo. Com isso, as
avaliações estariam vinculadas aos projetos elaborados por intermédio do
Método de Projetos e caberia ao orientador pedagógico, em conjunto com o
professor regente, a promoção do aluno, mesmo tendo sido este reprovado nas
provas realizadas pela prefeitura do DF
31
.
Para aqueles alunos que se encontravam fora da idade-série
correspondente, e também para os que se revelavam “altamente deficitários”
durante o ano letivo, Profa. Lúcia sugeria a criação de classes de aceleração. Essas
turmas eram montadas durante as férias escolares, no período de um mês, e com
uma duração máxima de três horas diárias. Ali, as crianças recebiam atendimento
individual da orientadora de série ou da professora. Nas palavras da Profa. Lúcia:
Receberam eles um mínimo de auxílio quanto à parte de
aprendizagem de conhecimentos. Por um sistema de fichas com
exercícios graduados, iam realizando trabalhos sempre mais difíceis e
por eles próprios buscados e controlados. O orientador de grupo se
30
A Organização da Escola Primária e o Problema da Promoção, março de 1958 (Arquivo Pessoal
Lúcia Marques Pinheiro)
31
Mesmo sendo aprovadas de acordo com os critérios adotados pela EG, as crianças eram
submetidas as avaliações do DF, mas sem efeito para a sua promoção de série. Somente os alunos
do último ano realizavam as provas da Prefeitura do Distrito Federal para fins de obtenção do
certificado do curso primário. Ver anexo III (A organização da Escola Primária e o problema da
promoção /ABE - Arquivo Pessoal Lucia Marques Pinheiro)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510446/CA
49
limitava, quase que exclusivamente, a mostrar interesses pelo que ia
sendo realizado
32
.
Afirmava que esses alunos “eram principalmente carentes de atenção
esclarecida”
33
, no entanto, nos diz em sua observação que em pequeníssimos
casos as justificativas para a condição do atraso escolar estavam relacionadas ao
distúrbio emocional e à questão de intelectualidade da criança. Em sua avaliação o
desempenho da criança tinha o meio social familiar como um fator determinante,
contudo, aquele que mereceria maior atenção dos dirigentes pedagógicos era o
próprio sistema escolar.
Deste modo, entendemos que a Profa. Lúcia culpabilizava a má
organização escolar pelo baixo índice de rendimento dos alunos, ou seja, o
sistema avaliativo e de promoção de série adotado nas escolas brasileiras, além de
responsáveis pelas sucessivas repetências, geravam traumas que afetavam
diretamente a auto-estima da criança e seu desempenho escolar.
Profa. Lúcia era enfática ao culpar o sistema de ensino vigente no país pelo
o desencadeamento do insucesso do aluno. Para a supervisora o “Sistema Seriado
de Promoção” adotado nas escolas brasileiras é excludente por favorecer apenas
os conteúdos a serem dominados e por acentuar os aspectos intelectualistas da
educação.
Em sua análise, os problemas de conduta das crianças eram atribuídos em
grande parte às reprovações sofridas ao longo do período escolar, sendo assim,
destaca que:
[os adultos] valorizam o aluno inteligente e capaz e desaprovam o que
não obtém sucesso, malgrado, por vezes, e esforço que despende,
atuando implicitamente como se tratasse de mérito ou culpa moral,
pelo qual a criança fosse plenamente responsável
34
.
Patto (1996, p. 92) nos chama a atenção para o fato de que é possível
identificar certa ambigüidade no discurso pedagógico da Profa. Lúcia Pinheiro.
Mesmo sendo enfática na importância da dimensão pedagógica no processo
escolar, afirma num artigo publicado no ano de 1971 na Revista Brasileira de
32
A Organização da Escola Primária e o Problema da Promoção, março de 1958 (Arquivo Pessoal
Lúcia Marques Pinheiro)
33
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34
A Organização da Escola Primária e o Problema da Promoção, março de 1958 (Arquivo Pessoal
Lucia Marques Pinheiro)
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50
Estudos Pedagógicos
35
, que as crianças “menos dotadas, as repetentes em
potencial, as birrepetentes, as trirrepetentes (...) merecem, porém, um tratamento
que leve em conta suas condições”. A contradição sugerida se encontra, de acordo
com Patto (1996), no fato de priorizar os aspectos das ações pedagógicas para o
sucesso do aluno e, a um só tempo, coadunar com a idéia de ser a criança a
responsável pelo seu insucesso, ou seja, de atribuir o desinteresse do aluno a uma
“suposta deficiência da criança” (id).
A nosso ver não se trata aqui de uma contradição, mas provavelmente de
certa coerência de um pensamento pedagógico defendido pela supervisora da E.G.
Sendo assim, cabe esclarecer que o destaque dado pela Profa. Lúcia a questão
psicológica ou individual do aluno, para argumentar determinado insucesso
escolar, não deverá ser interpretado como uma supressão e uma anulação dos
programas de ensino em seu pensamento pedagógico.
No momento em que estava à frente da E.G., pudemos identificar no
relatório sobre a experiência do “Sistema de Avanço Progressivo” o argumento de
que apenas os fatores de “saúde, imaturidade psicológica geral e desadaptação
social justificam a retenção”
36
do aluno na série. No entanto, esses se encontravam
presentes numa minoria da população escolar brasileira, apenas 5% de acordo
com a supervisora.
As crianças não promovidas segundo o critério adotado pela Escola
Guatemala apresentavam, geralmente, problemas de saúde, com
repercussão sobre a freqüência escolar, deficiência de inteligência e
problemas de desajuste familiar graves, não raro com efeitos
acumulados sobre a mesma criança.
37
No mesmo relatório, mais adiante, sugere como solução para o avanço
desses alunos a criação de classes especiais temporárias para crianças com QI
inferior a 50, e o agrupamento desse total de 5% dos discentes em turmas com
crianças de idade inferior, “visto que delas se aproximam mais do que das de sua
idade”
38
.
35
PINHEIRO, L. Por que tanta repetência na 1 série ? Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos. Rio de Janeiro, n.57 (122), p. 242-253, abr./jun, 1971.
36
Conclusões da Experiência de promoção na EG, DAM/CBPE/INEP março de 1958 (Arquivo
Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
37
Conclusões da Experiência de promoção na EG, DAM/CBPE/INEP março de 1958 (Arquivo
Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
38
id
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O fundamental é perceber que não se trata de uma ambigüidade em seu
discurso. Até a presente leitura, notamos que em nenhum momento Profa. Lúcia
retira a responsabilidade do compromisso educativo da escola. Além disso, como
visto anteriormente, não há um isolamento dos condicionantes socioculturais dos
indivíduos em suas análises.
Deste modo, sendo a Profa. Lúcia difusora das idéias da Escola Nova,
tendemos uma vez mais a concordar com a análise de Cunha (1995, p.98). Para
esse autor, os educadores envolvidos com a renovação educacional entendiam o
indivíduo “como uma parte do continuum sociocultural, jamais um ente psíquico
puro e isolado de seus condicionantes; investigar os componentes que formam a
personalidade e respeitar tendências e aptidões constituía uma estratégia a serviço
da organização social e política”.
Como visto anteriormente, reafirmamos nas análises da Profa. Lúcia que
caberia a Escola Primária desenvolver no aluno interesses sociais sempre mais
amplos, assim como “atitudes favoráveis a uma evolução individual e social mais
satisfatória”
39
:
Os interesses profundos da criança correspondendo às grandes
necessidades do homem, através de soluções que a humanidade foi
conquistando através dos tempos e que justamente cabe à educação
fazer a criança adquirir de maneira mais sistemática e eficaz, não
haveria oposição entre programas e objetivos em vista e interesses
infantis
40
.
O interesse da criança seria o ponto de partida do trabalho; os objetivos
sociais e humanos a meta a alcançar e caberia ao professor criar as condições para
que os alunos fossem formados em seu desenvolvimento, “adquirindo
instrumentos que habilitassem a cada vez mais progredir no sentido individual e
social”, pois:
que a todos é assegurada a possibilidade de realizarem experiências
graduadas, progressivas, do ponto de vista do desenvolvimento
humano, de maneira ou menos lenta ou mais ou menos rica, de acordo
com suas condições pessoais, que são o único fator restritivo das
39
A Escola Experimental do INEP no Rio, INEP, 1956 (Arquivo Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
40
Métodos e Recursos de Educação Primária da Escola Guatemala, INEP, 5 de agosto de 1957
(Arquivo Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
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52
oportunidades individuais. Atende-se, pois, ao princípio básico de
democracia que é o da igualdade de oportunidade
41
.
Em que pese o fato de dar relevância ao terreno científico da psicologia
para justificar os fatores relativos à aprendizagem do aluno, Profa. Lúcia, diante
do material coletado, tende a enfatizar os processos pedagógicos, principalmente o
sistema de promoção, para o enfrentamento do problema do rendimento escolar
do aluno. Nas palavras da supervisora:
A reprovação decorrente de um sistema rígido de promoção além dos
efeitos psicológicos prejudiciais à criança e sobre a família e os
professores, por seu caráter de frustração, vem criando no Brasil uma
completa desordem na organização escolar, pela mistura, em quase
todas as turmas, de crianças de diferentes idades cronológicas, e,
consequentemente, de vários níveis de maturidade social e dos mais
variados interesses. Não é raro encontrarem-se até mesmo
adolescentes na escola primária, o que vem dificultando, sobremodo, a
implantação de hábitos favoráveis a bom regime de vida, em nossas
escolas
42
.
Deste modo, entendemos que para a Profa. Lúcia a questão central que
obstaculizava o sucesso escolar não estaria necessariamente no próprio aluno ou
no seu meio social familiar, mas nas ações pedagógicas direcionadas ao
rendimento do processo de ensino-aprendizagem, isto é, na forma pela qual a
escola primária se organiza.
Para entendermos um pouco mais do pensamento pedagógico da Profa.
Lúcia retornaremos a alguns pontos discutidos anteriormente. Estava clara a idéia
de funcionalidade
43
do sistema escolar no modo pelo qual a técnica organizava as
ações no interior da escola.
No início do presente capítulo foi possível identificar também que, para
minimizar o problema do rendimento escolar, a supervisora considerava
41
A Organização da Escola Primária e o Problema da Promoção, março de 1958 (Arquivo Pessoal
Lúcia Marques Pinheiro)
42
Conclusões da Experiência de promoção na EG, DAM/CBPE/INEP, março de 1958 (Arquivo
Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
43
Abordagem funcionalista na década de 1950 foi utilizada para justificar a importância da
educação como instituição social promotora do consenso social, assim como, correlacionando uma
relação direta com os sistemas econômicos e políticos. Nessa perspectiva a educação formal é um
poderoso meio de integração na sociedade, tanto do ponto de vista moral como ocupacional. Cabe
à educação contribuir para a manutenção da ordem social; garantir a coesão social pela
transmissão de normas de conduta e cultura; promover um consenso em torno dos valores e das
crenças, deste modo, selecionando e qualificando os recursos humanos adequados para o sistema
em expansão.
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53
fundamental o planejamento, a organização e o controle das ações pedagógicas,
sem perder de vista os fins educativos - estes sendo bem definidos e previstos.
Deste modo, para viabilizar e orientar as ações pedagógicas no interior da
EG buscou convergir para dentro da instituição uma prática científica,
principalmente a partir da promoção de estudos sobre a criança baseados nas áreas
da psicologia e da sociologia.
Profa. Lúcia conseguiu deixar transparecer em seu discurso um
pensamento muito comum no final do período que compreende o movimento
educacional renovador, ou seja, 1950/1960. Segundo Cunha (1998), a idéia de
convergir para a educação os conhecimentos científicos, assim como a intenção de
colocar a escola como agência de transformação da sociedade aqueciam os
debates dos renovadores no campo educacional desde os anos de 1930.
No entanto, ainda de acordo com o autor, no final da primeira metade do
século XX, algumas descrenças já eram notadas. Durante o Simpósio de 1959
44
,
tornou-se patente essa percepção da falência do movimento genericamente
denominado escolanovista”
45
. No conjunto das críticas às ações educativas
realizadas em décadas anteriores, os pesquisadores presentes nesse encontro
apontavam novos rumos para a área, principalmente, pela via de “um discurso que
colocava o processo educacional como passível de sofrer ações planificadoras e
que sugeria o predomínio de procedimentos racionais e objetivos em todos os
âmbitos da educação”
46
.
Segundo Cunha (2004), durante o referido evento, Florestan Fernandes
apresentou o texto “A ciência aplicada e a educação como fatores de mudança
cultural provocada”, no qual discutia os desafios das ações integradoras entre
educadores e cientistas sociais no planejamento racional das políticas
educacionais·. O autor identifica no discurso de Fernandes uma perspectiva que
buscava privilegiar um modelo de ação planificada e de planejamento para
transformar a escola brasileira em um agente de mudança cultural
47
.
44
Nesse ano, na cidade de São Paulo, foi realizado, nos primeiros dias do mês de setembro, no
Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo (CRPE-SP), o Simpósio sobre
Problemas Educacionais Brasileiros, no qual Fernando de Azevedo foi o presidente e Anísio
Teixeira o presidente de honra. Para saber mais sobre o tema consultar CUNHA, 1998.
45
Id
46
Id
47
Cabe aqui destacar que Cunha (2004, p. 124) identifica em Florestan Fernandes à metáfora
percurso determinado, uma vez que reconhece no sociólogo uma tendência em utilizar o
conhecimento científico a partir de um contexto de controle, racionalidade e planificação, onde os
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54
Controle, racionalidade e planificação são palavras decisivas no
itinerário imaginado por Fernandes para alterar os rumos da escola
brasileira, a qual só contribuirá para o equilíbrio e o progresso da vida
social quando for abordada segundo modalidades práticas racionais de
tratamento dos problemas educacionais (CUNHA, 2004, p.124).
Sobre esse aspecto, consideramos proximidade com o pensamento da
Profa. Lúcia, principalmente no que diz respeito à aplicação da ciência na área
educacional. Determinado grupo dos renovadores defendia a idéia de utilizar a
pesquisa científica não apenas para a solução e resolução dos problemas escolares,
mas, sobretudo, para produzir uma mudança na estrutura escolar de maneira
prevista, planejada, controlada e dirigida.
A ênfase era colocada nos procedimentos científicos como fontes e meios
para a obtenção do saber prático. Com isso, o emprego da ciência possibilitaria
controlar racionalmente os objetos e os métodos de investigação. Essa nova
inclinação mostrava que o conhecimento aplicável a situações práticas - o "saber
para alguma coisa" – devia ser regido agora primordialmente pela racionalidade
inscrita no território da ciência, formulação que sepultava definitivamente as
práticas e os discursos baseados no senso comum e em valores extracientíficos
(CUNHA, 1998).
Para Profa. Lúcia a utilidade dos estudos dos programas de ensino
primário se daria como elemento para orientação do professor na consecução dos
objetivos educacionais, para tanto acreditava ser necessário concentrar os estudos
na dosagem e distribuição dos assuntos de significação social pelas várias séries e
níveis de idade.
Nesse sentido, a organização de programas experimentais deveria se pautar
nos resultados escolares revelados nas provas de fim de ano, aplicadas na vigência
dos programas que eram desenvolvidos na EG. Deste modo, afirma que:
Procurar-se-á, depois, verificar as causas dessas situações: questões
ensinadas de maneira inadequada, falta de exercício e de tempo para
fixação, necessidade de um nível de desenvolvimento superior ao
comum na série em que são ensinadas, ausência de ligação com os
interesses infantis ou problemas reais e etc
48
.
resultados aplicáveis da ciência são visto como independentes do processo que os geram, buscando
assumir feições deterministas.
48
A Organização da Escola Primária e o Problema da Promoção, março de 1958 (Arquivo Pessoal
Lucia Marques Pinheiro)
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55
Fundamental que os estudos e seus resultados fossem:
críticos nos sentidos que nos esclarecem a Psicologia, atendendo às
possibilidades e limitações da criança, e a Filosofia da Educação e a
Sociologia, tendo presentes as condições da vida atual, os sentidos
para as quais se dirige e o papel a desempenhar dentro dela pela escola
primária, a fim de que atenda ao papel que lhe cabe
49
.
Identificamos que na expectativa de alcançar os objetivos de estudo e
pesquisa no interior da EG, Profa. Lúcia buscava fixar metas e meios racionais
para o trabalho docente que, ao que nos parece, limitavam, por vezes, as
possibilidades de manifestação subjetivas dos professores.
Compreendemos que a supervisora privilegiava um modelo de organização
escolar no qual a prática pedagógica deveria obedecer a um planejamento
preestabelecido. Assim, na expectativa de dar cientificidade à educação, as
medidas adotadas eram entendidas como previsíveis e livres de flutuações de
personalidade. Isto se pôde constatar quando a Profa. Lúcia disserta sobre a
necessidade de se modificar o sistema de promoção vigente no antigo DF. Nas
palavras da professora:
Se torna importante, antes de mais nada, uma reforma de programas
básicos para orientação de ensino para as crianças de diferentes
capacidades e como meio de controle do trabalho do professor,
evitando a negligência de alguns
50.
A análise das medidas adotadas no interior da EG dependia tanto da
verificação das condições materiais, quanto do controle das ações exercidas pelos
educadores. Na expectativa de mensurar objetivamente as ações pedagógicas a
serem adotadas, privilegiava a interpretação do rendimento dos alunos na intenção
de avaliar a organização e realização do plano pedagógico pré-estabelecido,
perdendo de vista alguns aspectos subjetivos do professor diante de sua prática
docente.
Num outro relatório assinado pela Profa. Lúcia foi possível compreender
como interpretava as inseguranças dos professores diante dos novos desafios
metodológicos. A técnica classificava essas reações como um “perigo” que
poderia invalidar uma das principais vantagens que as novas abordagens
49
id
50
id
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56
certamente proporcionariam: “habilitar a trabalhar com eficiência,
concentramento, num objetivo, até alcançá-lo”. Assim, sustentava que para a
concretização das benesses que a escola produziria:
Tornar-se-ia necessário um permanente controle, a fim de guardarmos
as condições que permitissem a obtenção de vantagens, evitando
perigos a que poderiam levar as atividades, desde que conduzidas por
mãos menos experientes e, ainda, para completá-las com recursos
destinados a compensar inconvenientes que pudessem surgir
51
.
Entendemos que a documentação produzida pela Profa. Lúcia Marques
Pinheiro que chegou até nós é bastante rica. Obviamente nesse trabalho não se
pretendeu esgotar as possibilidades de leituras que esse acervo representa. No
entanto, pode-se inferir preliminarmente que as ações da supervisora na Escola
Guatemala buscaram, fundamentalmente, enfatizar quatro ações básicas: o
planejamento, a orientação, a execução e o controle da prática educativa.
Ao que tudo indica, tais ações geraram impactos não previstos no
desenvolvimento do trabalho docente. Um dos mais significativos talvez tenha
sido a tensão criada entre os professores. Isso porque as estratégias desenvolvidas
na EG pressupunham uma nova postura por parte dos docentes. Em outras
palavras, fazia-se necessária uma prática pedagógica organizada e racionalizada
para que a nova metodologia pudesse ser testada.
Como bem destacou a coordenadora do Serviço de Psicologia Escolar da
E.G., observou-se ao longo da experiência “que muitos professores tinham a
preocupação do método e não da filosofia da educação”
52
. Tal preocupação girava
em torno do desempenho docente, isto é, “se [a prática] estava certa ou não” e
qual a melhor e mais eficaz maneira de proceder diante dos novos desafios
53
.
Deste modo, na expectativa de avançar um pouco mais na análise desta
instituição, no próximo capítulo buscaremos responder quais as contribuições do
Serviço de Orientação Psico-Pedagógica (SOPP) para a construção do trabalho
empreendido.
51
Métodos e Recursos de Educação Primária da Escola Guatemala, INEP, 5 de agosto de 1957
(Arquivo Pessoal Lucia Marques Pinheiro)
52
Reuniões e entrevistas – Escola Guatemala – SOPP, ano de 1956 (Arquivo Pessoal Profa.
Terezinha Lins de Albuquerque).
53
Caderno de anotações “Entrevista e reuniões com as professoras, Escola Guatemala, ano 1957”
(Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
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5
A Orientação Psico-Pedagógica da Professora Terezinha
Lins de Albuquerque: a trajetória do Serviço de Orientação
Psico-Pedagógica (SOPP)
De início, consideramos importante aclarar que, diante da limitação de
nosso objeto de estudo, não temos a pretensão de promover um levantamento
histórico da constituição do campo da Psicologia Educacional e, tampouco, de
analisar o desenvolvimento da Psicologia no Brasil, mas gostaríamos de traçar,
nesse primeiro momento do capítulo, de um lado, algumas questões que
consideramos centrais referentes ao campo da psicologia no período em análise e,
de outro, mais adiante, situar o contexto no qual o SOPP da EG fora pensado.
Entendemos que a produção das idéias psicológicas no Brasil e no mundo
foi resultado das exigências de uma sociedade em transformação. De acordo com
Antunes (2005, p.32), em face às necessidades que se diversificavam e impunham
novos modelos, o conhecimento psicológico foi se aperfeiçoando ao longo do
tempo. Em seu entendimento:
As transformações econômicas, com suas conseqüências para o
incremento do processo de urbanização, acabaram por trazer à tona
novos problemas ou a explicitação de problemas antigos, que o país
não se encontrava preparado para resolver. Nesse contexto, a medicina
e a educação foram chamadas para a solução dos problemas,
incluindo-se aí a preocupação com o fenômeno psicológico em várias
dimensões (id).
Ainda segundo essa autora, as preocupações com aquilo que hoje
conhecemos como fenômenos psicológicos já eram motivo de preocupação para
os intelectuais das áreas de Teologia, Filosofia, Moral, Pedagogia e Medicina.
Com a vinda da corte portuguesa para o país, e ao longo de todo o Império, a
produção do pensamento psicológico aumentou no âmbito das obras filosóficas e
teológicas utilizadas pelos seminários e escolas secundárias
1
. Nesse período, as
maiores preocupações foram projetadas nas produções teóricas vinculadas às
instituições recém-criadas no país, como, por exemplo, as Faculdades de
Medicina no Rio de Janeiro e Bahia (ANTUNES, 2005).
1
Ao deixar de ser colônia, o Brasil sofre mudanças e avanços sociais, criam-se no período vários
cursos de ensino superior e inicia-se uma forte produção de material impresso no qual discutiam-se
as soluções para os problemas nacionais, assim como seu desenvolvimento.
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Já no início do regime republicano mudanças novas surgiram e
impulsionaram o pensamento da psicologia. Para Antunes, o ideal de uma
modernização nacional motivado pelo processo industrial lançou bases para que
as idéias psicológicas pudessem se constituir como uma ciência autônoma e, com
isso, ganhassem corpo teórico mais específico para a área.
Deste modo, em que pese às especificidades que marcam o desenvolvimento
da área, nos interessa sinalizar para o fato de que entendemos que o campo
educacional se constituiu num terreno fértil para o desenvolvimento do saber
psicológico no país. Ainda nos apropriando do pensamento de Antunes,
identificamos que o próprio contexto de ascensão dos preceitos da Escola Nova
pode servir de exemplo para notarmos a evolução da área da psicologia no Brasil.
Nas palavras de Antunes:
O escolanovismo e a psicologia foram fatores mutuamente
determinantes. Isso é demonstrado pelo fato de que, a partir das
décadas iniciais do século XX, a educação tornou-se um dos
principais substratos para o desenvolvimento da psicologia em termos
teóricos, práticos e de formação profissional no Brasil (ANTUNES,
2005, p. 107).
Na concepção dessa autora, a psicologia já explicitamente reconhecida
como ciência autônoma muito contribuiu para área educacional, uma vez que se
constituiu como instrumental técnico e de conhecimento científico que,
juntamente com outros campos, forneceu bases científicas ao campo educativo.
Cabe ressaltar que, no período, a educação encontrava-se em busca de sua
cientificidade e por isso procurou nas ciências afins o fundamento necessário para
atingir seus fins educacionais.
No entanto, Cunha (1998b) nos chama a atenção para o fato de que
“nenhuma das matrizes disciplinares da Psicologia foi criada com o intuito de
responder a questões formuladas no terreno da educação em geral e, muito menos,
no campo específico da educação escolar”. Como exemplo, nos informa que a
própria Psicanálise foi desenvolvida “para atender a demandas oriundas da clínica
psicológica, sendo seu propósito inicial encontrar um meio eficiente para curar
neuroses”. Partindo deste pressuposto, afirma que paradigmas psicológicos não
nasceram para solucionar problemas educacionais, mas acabaram se envolvendo
com o campo educativo e puderam transpor suas formulações para o âmbito da
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escola, como é o caso das formulações comportamentalistas de Skinner que
puderam elaborar:
sugestões de elevado interesse para organizar o processo de ensino e
aprendizagem escolar. Uma das teses fundamentais desse paradigma
diz que o organismo – seja ele animal inferior ou superior – responde
a estímulos ambientais, o que permite ver o comportamento como
resultado de arranjos no meio em que se localiza o indivíduo. O
Comportamentalismo ensina como instalar respostas novas e
modificar padrões de respostas já existentes, o que o torna, em suma,
um paradigma facilmente aplicável à educação. A tal ponto que o
próprio Skinner, em seu livro Tecnologia do Ensino (Skinner, 1972)
elaborou propostas bem delineadas para o ambiente escolar, como o
"ensino programado" e o emprego de "máquinas de ensinar"
(CUNHA, 1998b).
Para Cunha (1998b), torna-se extremamente arriscado a vinculação direta de
uma vertente do pensamento educacional a conceitos extraídos de uma teoria
psicológica, “como se algum saber deste terreno fosse responsável exclusivo pelas
práticas contidas naquele”. Esse autor reconhece que alguns paradigmas possuem
determinados preceitos de interesse inegável para os educadores, como é o caso
das formulações de Skinner que, ao reconhecer que “o comportamento do
educando é passível de controle por meio dos estímulos fornecidos em sala de
aula”, coloca o professor numa perspectiva comportamentalista sem, no entanto,
obrigá-lo “a concordar que a escola deva ser composta por alunos diante de
máquinas de ensinar”.
Em última análise, Cunha (1998b) defende certaindependência entre as
formulações de um paradigma científico e as aplicações do mesmo à Educação” e
afirma ainda que a escolha de determinado paradigma a ser adotado no campo
educativo encontra-se relacionado aos fins que se deseja atingir, ou seja, de
acordo com esse autor:
É diante das finalidades almejadas para o empreendimento
educacional que se dá a decisão quanto ao melhor paradigma
psicológico a empregar, e a escolha – ou criação, quando for o caso –
da maneira específica pela qual as formulações paradigmáticas serão
transformadas em métodos de trabalho pedagógico, recontextualizadas
de modo a constituir o discurso e as práticas escolares(CUNHA,
1998b).
É partindo das análises de Cunha (1998b) e Antunes (2005) que nos
deteremos nesse capítulo. Entendemos que o envolvimento da psicologia com o
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campo educativo no período compreendido pelo movimento dos renovadores
educacionais impulsionava o desenvolvimento da psicologia e, a um só tempo,
fornecia bases para que a educação pudesse atingir suas finalidades.
Partindo desta perspectiva, buscaremos não perder de vista que a
justificativa pela apropriação de determinado paradigma psicológico por parte dos
renovadores encontrava-se relacionada aos fins educacionais que se desejava
atingir, ou seja, a composição de uma nova sociedade mais democrática.
Em paralelo, num movimento pela busca da cientificidade, entendemos que
as pesquisas no âmbito da psicologia evoluíram e foram seguindo rumos novos à
procura do fortalecimento da autonomia do campo - questão esta que não será
tratada nesse trabalho.
Sendo assim, compreendemos que os defensores da Escola Nova, movidos
pela idéia de se conhecer melhor o homem, procuravam no conhecimento da
psicologia instrumentos que possibilitassem a verificação do desenvolvimento e
do crescimento de cada indivíduo para melhor construir a nação.
No entanto, como sinaliza Cunha (1995), tal prática acabou por favorecer ao
campo educativo, além de outros fatores, uma tendência às preocupações
relacionadas aos resultados considerados observáveis no processo de ensino.
Segundo esse autor, desde as primeiras décadas do século XX, o uso de
testes no Brasil era bem visto pelos renovadores da educação. Argumentava-se ser
necessário “observar os educandos para melhor captar a expressão das
particularidades de cada indivíduo, por meio do que se concretizaria a finalidade
político-social de reorganizar a hierarquia da sociedade” (CUNHA, 1995, p. 82).
Deste modo, a psicologia acabou sendo muito procurada no afã de se encontrar os
melhores meios para aproveitar “as energias do indivíduo”.
Esperava-se que os instrumentos da psicologia - seus testes - fornecessem
explicações científicas quanto à questão do rendimento dos alunos, assim como
quanto às diferenças de desempenho entre eles. Como sinaliza Souza (1999), as
crianças eram frequentemente diagnosticadas como inaptas e, na expectativa de se
garantir a justificativa da igualdade de base, buscava-se analisar o
desenvolvimento infantil para que se pudessem promover diferentes tipos de
normalização no ponto de partida de cada indivíduo.
Acreditava-se que as oportunidades deveriam estar igualmente ao alcance de
todos. A psicologia, nesse contexto, contribuía para “a sedimentação desta visão
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de mundo, (...) reforçando a tese que os mais capazes ocupavam os melhores
lugares sociais” (PATTO, 1996, p. 40).
Existiria uma entusiasmada crença na possibilidade de se identificar e
promover socialmente os mais aptos, independentemente de sua etnia ou de sua
origem social (PATTO, 1996), e foi em torno dessa crença que psicólogos e
pedagogos se uniram em prol de uma sociedade de classes igualitária e mais
democrática.
No período, observa-se que parte das pesquisas foi convergida para a
constituição de uma psicologia educacional que subsidiasse métodos educacionais
compatíveis às crianças, colocando, deste modo, “a psicologia na medula
explosiva do futuro do sistema escolar” (SOUZA, 1999, p. 79).
Buscava-se privilegiar as investigações quanto à inaptidão dos alunos no
ambiente escolar, o que acabou facilitando a entrada dos testes psicológicos nas
escolas. Cabe também destacar que a crescente preocupação com os fenômenos
psíquicos proporcionou ainda à criança um espaço privilegiado no interior da sala
de aula e, ao mesmo tempo, à escola o redirecionamento dos conteúdos a serem
ensinados aos seus alunos.
É notável no pensamento de Lourenço Filho a idéia de lançar mão de
recursos de medidas psicológicas para uma apreciação objetiva do rendimento do
aluno, assim como nas idéias pedagógicas da Profa. Lúcia Marques Pinheiro
também é possível identificar tal perspectiva, pois incentivava a avaliação da
situação intelectual dos alunos por intermédio de testes psicológicos para que
assim pudessem elaborar métodos mais adequados ao discente.
É nesse contexto que o SOPP da EG fora pensado. Esse setor, no momento
de sua criação, se empenhou de forma sistematizada na função de aplicar a
tecnologia dos testes nos alunos da EG, principalmente na expectativa de tanto
apreender o desempenho do educando, quanto criar subsídios para o estudo
experimental realizado nessa instituição.
Assim, nos esclarece Profa. Terezinha Lins de Albuquerque que, ao assumir
a coordenação, no final do ano de 1955, afirma ter encontrado em “atividade a
psicóloga Nícia Bessa, que tinha a seu cargo a aplicação de testes psicológicos
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visando a investigação de nível intelectual e a orientação dos alunos, conforme
objetivo do plano piloto”
2
. Nas palavras da coordenadora:
Quando eu chego à escola eu encontro a Nicia Bessa, que era do
ISOP, já tinha aplicado teste em todos os alunos da escola, para ter o
conhecimento psicológico do aluno para levar ao professor um
esclarecimento a mais dentro do plano do que o professor deveria
saber
3
.
De início procedeu-se à avaliação psicológica das crianças que
apresentavam problemas de rendimento escolar, dificuldades de
adaptação escolar ou de comportamento, através de aplicação de testes
de inteligência, de personalidade, de aptidões que serviam de base
para a elaboração do diagnóstico psicológico
4
.
Ao analisarmos o plano de trabalho para o ano de 1955, foi possível
compreender que, em primeira instância, as provas psicológicas deveriam apenas
servir como complementação dos estudos e pesquisas relacionadas ao interesse da
criança, pois deveriam ser estas também estudadas em suas “atividades sociais,
em música, trabalho manuais, atividades artísticas”. O importante, segundo o
documento, era “fixar a diferenciação dos interesses pelas várias idades e fixar
alguns fatores que neles influam: meio familiar, classe social, nível intelectual,
aptidões especiais etc”
5
.
Ainda de acordo com este mesmo documento, aquelas crianças que
apresentavam “dificuldades especiais” e que se encontravam em condição de
atraso passariam por um estudo intelectual, afetivo e médico, que poderia servir
“de base para a utilização dos meios que pareçam mais aconselháveis em cada
caso”. Pontua ainda que:
pela constituição de grupos menores de trabalho, por meio de estudo
dirigido, pela dosagem mais adequada de matéria, pela adoção de
padrões mais flexíveis que os utilizados geralmente, procurar-se-á que
esses alunos progridam na própria velocidade, caminhando mais lenta,
mas seguramente, ou que vençam em parte seu atraso escolar,
conforme cada caso
6
.
2
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
3
Entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins, outubro de 2006.
4
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos, p. 5 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
5
Projeto de uma Escola Primária Piloto do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, INEP,
1955, p. 8 (Arquivo Pessoal Lucia Marques Pinheiro)
6
ibid, p. 22
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63
A análise desta fonte nos permite entender que os estudos psicológicos
elaborados nesse primeiro momento – juntamente com as outras pesquisas -
tinham o propósito de criar subsídios para a construção de recursos educacionais
mais compatíveis com as crianças, ou seja, a tecnologia dos testes aplicada no
primeiro ano da escola poderia fornecer uma visão mais objetiva do desempenho
do aluno e, com isso, favorecer o estudo experimental ali realizado.
O SOPP iniciou suas atividades no ano de 1955, no contexto do
cumprimento do convênio firmado entre o INEP e a Secretaria Geral de Educação
e Cultura.
De acordo com o relatório de revisão dos 10 anos de seu funcionamento
seus principais objetivos eram:
(1) contribuir para um ajustamento satisfatório da criança ao meio
ambiente (...); (2) colaborar com o corpo docente e direção da Escola
no sentido de ser conseguida uma unidade de orientação junto aos
alunos; (3) propiciar um maior entrosamento entre Escola, a Família e
a Comunidade; (4) apresentar pesquisas e trabalhos relacionados às
suas atividades específicas dentro da Psicologia Educacional,
Evolutiva e Cliníca
7
.
Nessa época a equipe já era composta por duas psicólogas - responsáveis
pela aplicação de testes de inteligência, de aptidões e de personalidade, de
avaliação e diagnósticos psicológicos; pelos encaminhamentos para orientações
clínicas dos casos relacionados tanto aos alunos, quanto aos professores; pela a
realização de estudos e pesquisas - uma assistente social - responsável pelo
atendimento às famílias - e um médico - responsável pelo exame psicossomático
do discente.
No entanto, foi ao longo do processo evolutivo do serviço que os objetivos
acima foram construídos. Compreendemos que a própria mudança de nome do
Gabinete de Psicologia Escolar para Serviço de Orientação Psico-Pedagógica
(SOPP) reflete a criação da equipe, assim como a definição dos novos objetivos.
Sendo assim, na medida em que a Profa. Terezinha Lins assumia a
coordenação do SOPP os testes foram postos num segundo plano, utilizados
apenas em casos muito específicos, em que se identificava no aluno algum tipo de
dificuldade de inteligência.
7
ATFilme14F0341-044 – Serviço de Orientação da Escola Guatemala, p. 3 (CPDOC/FGV)
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De acordo com a coordenadora, após a aplicação dos testes o professor
então era chamado e o Serviço:
lhe dava alimento, situava o aluno, mas não dizia o que ele fazia, o
resultado do teste. Eu não ia dar aquela arma em suas mãos, iam ter
peninha do aluno que tem problema, proteger e não era educativo.
Não provocar a criança nas potencialidades, mesmo diante dos seus
limites? Isso era claro para mim, eu nunca tive dúvidas disso. Na
medida em que via os professores cada vez mais
8
.
Em seu entendimento, os testesnão iam ajudar em nada”
9
os professores,
pois estes poderiam, além de forjar uma visão particularizada do aluno, se isentar
de suas funções diante de tais resultados. Verificou-se então que o “simples
levantamento dos dados psicológicos e a formulação do diagnóstico” psicológico
deveriam vir “acompanhados de um trabalho específico com os professores”
10
.
Como a própria direção esperava do antigo Gabinete a aplicação dos
mesmos, então foram mantidos, sem serem divulgados na íntegra pela equipe de
psicologia:
Continuou a aplicação dos testes, mas ficavam para mim. O Gabinete
surgiu para fazer o teste, é algo assim. Eu tinha que ter um jogo de
cintura e também uma clareza
11
.
A partir deste momento passaram a atribuir um grau menor de importância
aos testes
12
, apenas o aplicavam a pedido da direção, que solicitava com
freqüência para análise do experimento pedagógico.
No decorrer dos anos de 1955 e 1956, o Gabinete ainda atendia aos alunos e
professores de forma precária, possuía apenas uma sala muito pequena para a
mensuração intelectual do aluno.
8
Trecho entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, Outubro de 2006.
9
id
10
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
trabalho de 10 anos (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
11
Trecho entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, Outubro de 2006.
12 Segundo a coordenadora, para a avariguação do nível mental do aluno foram realizadas
experiências com o teste Mosaico de Gille, a escala de Wachsler, Cubos de Kohs, testes de
Goodenough, testes de grafismo, de nível perceptivo – ABC, Bender, sendo aplicados individual
ou coletivamente, conforme o tipo de teste. Para aqueles alunos com dificuldade de
comportamento e problemas de personalidade ulizava-se testes projetivos como o Rorschach,
CAT, Madeleine Thomas, Fábulas de Duss, Koch, de desenho e outro. Para os que apresentavam
dificuldades de aprendizagem escolar procuravam aplicar testes de inteligência, de atenção,
concentração, de lateralidade, de organização perceptiva, de ritmo, de memória, objetivando situar
as áreas que comprometiam o seu rendimento escolar (Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da
Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do trabalho de 10 anos - Arquivo Pessoal Profa.
Terezinha Lins de Albuquerque).
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65
Ao longo desse primeiro ano a coordenadora exclusivamente observava os
professores. Incerta também dos novos desafios que a escola poderia lhe
proporcionar, Profa. Terezinha mantinha uma escuta atenta para com as queixas e
os problemas que surgiam no dia-a-dia da escola e, cada vez mais, buscava a
compreensão do comportamento do professor na relação com aluno, assim
percebemos em sua fala a seguir:
Eu escutava porque não tinha o que dizer, mesmo que eu quisesse
falar não podia, eu não tinha que dizer.
Começo a participar, não diretamente, mas a observar. Eu almoçava
na escola e não ficava na mesa da diretora, eu ficava no meio dos
professores, cada dia eu ia numa mesa e ia ouvindo a ansiedade, a
dificuldade, entender os professores de ter a resposta clara e o medo
também de fazer.
Na medida em que eu ouvia as perguntas que me faziam, eu realmente
não as respondia, mas faziam as perguntas, alguma coisa esclarecia
13
.
Profa. Terezinha se formou em pedagogia pela Faculdade de Filosofia da
Universidade de Recife, e tinha no seu currículo a experiência de cinco anos de
atendimento clínico no Centro de Orientação Juvenil (COJ)
14
. Quando assumiu o
SOPP, em 1955, a coordenadora não tinha tido ainda experiência semelhante
àquela da EG e, junto com os professores, foi desenvolvendo seu trabalho
experimentalmente. É o que nos reforça o seguinte trecho:
Comecei a sentir que o meu trabalho deveria ser com as professoras,
mas eu não tinha respaldo, eu tinha ido lá para chefiar o gabinete. Eu
li no projeto da escola que o trabalho com o professor era o
aperfeiçoamento e por aí fui indo
15
.
Nesse momento inicial Profa. Terezinha pode observar que os professores,
por não estarem familiarizados com a nova metodologia e com todo o
13
Trecho entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, Outubro de 2006.
14
O COJ, atualmente pertencente ao Instituto Fernandes Figueira/ FIOCRUZ, foi fundado em
1946, pelo Departamento Nacional da Criança, por Helena Antipoff junto com o professor e
psicólogo Emílio Mira Lopes. Este Centro, conhecido como a primeira clínica de psicologia do
Rio de Janeiro, já nessa época, tinha o objetivo de estudar técnicas de trabalho, demonstração e
treinamento de pessoal de orientação psicológica, atendendo não apenas as crianças e jovens, mas
também seus pais e responsáveis. Abordava a criança inserida em sua família e comunidade,
apesar de ter uma fundamentação de trabalho marcada pela Psicanálise. Buscava promover, nesse
período, o estudo e a observação de casos clínicos, mas com a interlocução de forma
multidisciplinar com médicos, assistentes sociais, psicólogos e professores.
15
Trecho entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, Outubro de 2006..
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empreendimento experimental - que exigia uma participação mais ativa da criança
e demandava uma postura mais dinâmica dos docentes – encontravam-se
inseguros em relação a sua prática pedagógica.
Um caso reflete bem o estado emocional em que os docentes procuravam a
coordenadora: por não conseguir colocar em prática a proposta pedagógica da
escola, inadvertidamente, uma professora acreditava que toda a turma precisaria
de alguma ajuda ou apoio psicológico para que, assim, pudesse posteriormente
desenvolver de modo satisfatório as suas habilidades profissionais. Assim, Profa.
Terezinha destaca num relatório, que um dia foi:
procurada por uma professora, dizendo-se desesperada. Abriu a porta
de nossa sala, nem nos cumprimentou, e foi falando da necessidade de
toda a turma ser estudada: ‘todos são uns casos; não agüento mais, não
consigo nada com eles; não me obedecem; não se agrupam; cada um é
cada um’ [grifo do autor]. Nesse tom, falou meia hora sem parar
16
.
Algumas páginas adiante nos conta que, na manhã seguinte, esta professora
entra na pequena sala do antigo Gabinete mais calma e reconhecendo que nem
todos os alunos precisariam do “atendimento especial”, sendo ela, ao contrário,
quem passaria a visitar semanalmente Profa. Terezinha.
As angústias do professor em tentar colocar em prática as propostas da
escola não eram poucas. Experiências semelhantes também são reproduzidas
nesse mesmo documento, como exemplo, este a seguir:
[a professora] entra meio sem graça e vai dizendo que a turma não vai
bem: ‘acho que sou eu’, diz ela. Nesse momento, tem os olhos cheios
de lágrimas. Relata que não consegue disciplina. Entra em detalhes:[e
fala] ‘participação excessiva dos alunos. Todos falam ao mesmo
tempo. Acho que é excesso de motivação. É ótimo, mas é uma
confusão”
17
.
Diante do quadro de insegurança dos professores e na expectativa de tentar
minimizar os efeitos do despreparo profissional, a coordenadora buscou
desenvolver na instituição um trabalho de “reeducação pessoal”
18
do corpo
docente da EG, que se baseava na formação profissional e pessoal do professor.
16Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos, p. 25 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
17
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos, p. 26 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
18
ibid, p. 28
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No final do primeiro ano a equipe era composta apenas pela Profa.
Terezinha Lins e Nícia Bessa e já se tinha em mente uma proposta de trabalho que
pudesse privilegiar o aperfeiçoamento do docente, principalmente as atitudes do
professor frente à formação do aluno, às relações com família e à comunidade em
geral.
Por esse período um episódio foi decisivo para que a coordenadora pudesse
por em prática o trabalho que aos poucos ia sendo amadurecido durante as
observações. De acordo com Profa. Terezinha, o furto de um aparelho de retro-
projetor na escola escandalizou a comunidade e mobilizou aqueles que se
encontravam envolvidos com o projeto educacional da instituição.
Esse menino que retirou o material e depois então houve um
escândalo, um escândalo público: “um aluno da escola rouba o
material, o que vamos fazer com esse aluno?”
Então a diretora, a orientadora pedagógica e a professora entraram em
pânico e me procuraram. Aí eu fui procurada como Profa. Terezinha
psicóloga, foi aí quando eu defini e comecei a fazer alguma coisa
19
.
A comunidade exigia da EG a expulsão do responsável pela retirada do
material: um menino que cursava a quarta série, que tinha 11 anos de idade e
alguns problemas familiares. Por sua vez, a coordenadora do Gabinete, certa da
dificuldade do aluno e convicta da necessidade de protegê-lo, procurou
sensibilizar a direção para a possibilidade de encaminhá-lo para o atendimento
psicológico. Durante a entrevista que nos fora concedida lembrou ter se
expressado numa reunião com a diretora e com os orientadores da seguinte forma:
Olha, eu tenho a impressão que a gente tem que olhar o menino,
ninguém faz isso sem estar com alguma dificuldade. Agora, para dar
satisfação a quem tá exigindo, isso não, nós somos adultos para
proteger a criança, e a escola, educar. A única coisa que eu posso fazer
é procurar a família desse menino. E eu me proponho a atender esse
caso, para ver como é ele e o que nós podemos fazer
20
.
Esse aluno foi encaminhado ao COJ e passou a ser atendido pela Profa.
Terezinha nesse Centro.
É importante destacar que, mesmo após ser convocada para assumir o
SOPP, a coordenadora não deixou de dialogar com os profissionais que
19
Trecho entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, Outubro de 2006
20
Trecho entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, Outubro de 2006.
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compunham o COJ, manteve uma interlocução permanente com psicólogos,
assistentes sociais e médicos que pensavam a respeito do comportamento da
juventude brasileira.
Através de encontros semanais com a equipe do Centro buscou enriquecer o
seu entendimento sobre o comportamento dos professores e alunos, além de
incorporar à EG importantes sugestões, como, por exemplo, a ampliação do
Gabinete com a entrada da assistente social
21
e do médico
22
, logo após o
acontecimento do furto:
Foi quando então eu fui ao Dr. Anísio pedir uma assistente social para
atender às famílias. Aqueles alunos com dificuldades com os
professores eram feitos testes. Mas nós não tínhamos chamado a
família, ficávamos juntando elementos na medida do possível junto ao
professor, junto à direção
23
.
Logo em seguida à composição da nova equipe houve a mudança do nome
do Gabinete de Psicologia Escolar para Serviço de Orientação Psico-Pedagógica
(SOPP). De acordo com Profa. Terezinha, o termo psicopedagogia surge para
favorecer “a compreensão psicológica na educação”
24
e, assim, nos esclarece na
entrevista que:
Um Gabinete de Psicologia não tinha sentido, precisavam de uma
orientação psicopedagogica e eu precisava sistematizar o
conhecimento.
Todo educador deveria ter conhecimento das fases do
desenvolvimento da criança. Ter o conhecimento da psicologia do
desenvolvimento para compreender melhor os alunos
25
.
Sistematizar o conhecimento significava organizar de forma clara todas as
informações referentes ao aluno para, em seguida, “alimentar” o professor,
contribuindo assim para a sua formação
26
.
21
O trabalho da assistente social se baseava no atendimento às famílias dos alunos da EG. Na
perspectiva adotada, esse profissional buscava levar “a mãe a neutralizar parcialmente suas
dificuldades pessoais”, integrando, assim, novos conhecimentos e adquirindo mudanças na relação
com o filho. Nas palavras da assistente social Anna Maria Nunes de Souza, buscava-se
desenvolver um trabalho de caráter eminentemente preventivo, oferecendo os meios para
minimizar as dificuldades em relação à criança tais como, alimentação, castigo, desobediência e
outras.
22
A médica Dra. Ana C. Pinheiro Ramos atuou junto à equipe até o ano de 1964 e desenvolvia a
sondagem do estado físico, do comprometimento psicossomático e emocional dos alunos.
23
Trecho entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, Outubro de 2006.
24
Trecho entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, Outubro de 2006.
25
id
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De acordo com a coordenadora, para orientação do corpo docente era
necessário captar na criança determinados aspectos considerados imprescindíveis:
o pedagógico - fornecidos pela professora; o psicológico – visto por intermédio de
testes, dependendo da natureza do caso (personalidade ou de inteligência); o
social – colhido de informações fornecidas pela família (evolução da criança,
interesses, atitudes dos pais, relação entre irmãos). Afirma ainda que:
O caso visto por todos esses ângulos possibilitava-nos oferecer dados
à professora da criança em várias áreas. Isso poderia explicar o motivo
de suas reações na Escola.
27
Assim, partindo da análise dos aspectos acima sinalizados, a reação da
criança poderia ser interpretada e melhor entendida pelos professores.
Como o tema central continuava sendo o docente, as informações serviram
de base fundamentalmente para o seu aperfeiçoamento, ou seja, para o trabalho de
“reeducação pessoal” do professor que a equipe do SOPP começava a
empreender.
Para a coordenadora, faltava ao corpo docente “a experiência pessoal do
dinamismo psicológico para valorizar ou filtrar os elementos subjetivos e
objetivos na obra educativa”
28
, além de uma “má compreensão do ‘compreender a
criança” [grifo do autor] acrescida com a desorganização interna em decorrência
da “situação nova, método novo, problemas pessoais vindos à tona, gerando
insegurança pessoal”
29
.
E, na expectativa de proporcionar mudanças de atitudes e conceitos por
parte dos professores, desenvolveram duas grandes frentes de atuação: a
promoção de cursos e grupos de estudo englobando a temática da psicologia do
desenvolvimento e o atendimento individual ao professor.
Em 1957, foi solicitado ao docente uma observação mais atenta de todas as
crianças
30
. Nas palavras da coordenadora:
26
Segue no anexo IV a Folha de Rosto do SOPP utilizada para a identificação dos alunos.
27
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos, p. 30 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
28
Trecho entrevista concedida pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, Outubro de 2006.
29
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos, p. 31 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
30
No anexo V encontra-se a ficha para a professora que servia como guia para a observação dos
alunos.
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70
Começamos a pedir também observação da criança. Como elas,
professoras, viam o aluno e o seu comportamento. O objetivo dessa
observação tinha para nós grande importância.
Queríamos constatar até onde elas tinham se tornado mais objetivas.
Reagiam muito. Não sabiam escrever. Notava-se aqui resistência a
substituir uma atitude interna.
Não queríamos somente delas aquelas informações pedagógicas
relatadas verbalmente, quando entrevistadas por nós. Isso era
importante, mas o essencial é que fossem capazes de assumir a sua
posição de professoras, vendo e entendendo o aluno de uma maneira
objetiva, falando e escrevendo também sobre o seu aluno.
31
Diante da análise das observações dos professores, afirma ter verificado a
extensão e a profundidade da formação desses profissionais, tendo em vista que a
maioria, por lançar mão de antigos conceitos, voltava “ao tempo de sua
formação”. Pôde observar ainda que muitas apresentavam dificuldades para
escrever como viam o aluno e o que pensavam dele. Na análise buscou atribuir
tais dificuldades a dois motivos essenciais:
1) medo de assumir a responsabilidade de que tinham recebido
(informação acadêmica)
2) dificuldade de fazerem uma síntese do que tinham recebido
(informação acadêmica) e do trabalho que estava se processando nelas
(maior conhecimento de suas reações, o porquê delas, dando lugar ao
início de uma nova atitude)
32
.
Na opinião da coordenadora fazia-se necessário substituir conceitos e
modificar as atitudes das professoras:
A exigência de uma mudança de atitude dessas professoras, não
suficientemente preparadas, torna evidente a necessidade de um apoio
lento e compreensivo. Uma substituição de conceitos acadêmicos por
conceitos dinâmicos seria a resposta para um encontro entre a
professora e o aluno, permitindo a “nova atitude” [grifo do autor]
33
.
Nestes termos, o SOPP buscava promover reuniões e grupos de estudos
objetivando que estes não apenas reconhecessem os problemas enfrentados pelos
31
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos, p. 34 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
32
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos, p. 34 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
33
Relatório do Trabalho Feito com as Professoras, p. 4 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de
Albuquerque)
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71
seus alunos, mas, principalmente, que se defrontassem com as suas próprias
aflições no campo profissional. De acordo com Profa. Terezinha:
O programa seguido nas reuniões se prendia a 2 aspectos – disciplina
(mola central de como entender tudo), a criança em grupo e
individualmente [grifo do autor], grande preocupação de todas
34
.
E dentro destes dois aspectos, todo um compêndio de psicologia vinha
à tona: a criança, sua evolução; suas características e necessidades
diversas; reações diversas, fruto de grupos sociais diferentes.
35
Os assuntos estudados pelo grupo de professores com o pessoal do SOPP
foram:
¾ Estudo do comportamento da criança;
¾ Interesse da criança;
¾ Relações entre pais e professores;
¾ O problema social influindo no comportamento da criança;
¾ Atuação do professor junto ao aluno;
¾ Objetivo atual da educação
36
.
Assim, a coordenadora nos afirma que se promovia um mergulho nas
motivações do comportamento da criança, pois “o seu significado psicológico”,
assim como seus aspectos sociais interessavam, principalmente, à professora que
o utilizaria como base para “uma atitude interna adequada”
37
frente à criança.
A outra iniciativa importante articulada pela equipe do SOPP para
minimizar o despreparo profissional e, a um só tempo, enriquecer a experiência
pessoal dos docentes foi o atendimento individual.
Este tipo de trabalho intensificou-se no decorrer do ano de 1957 e tomou
como ponto de partida as necessidades individuais de cada profissional. De acordo
com a psicóloga, este teria sido o ano “mais pesado” para o serviço, pois, aos
poucos, se deram conta da necessidade de se criar a “atitude terapêutica” dentro
do SOPP, ou seja, nas palavras da coordenadora: “Informar, esclarecer,
acompanhar a professora tinha sido o nosso roteiro até então. Mas isso não
34
ibid, 16
35
id
36
No anexo VI encontra-se a lista dos livros utilizados durante os grupos de estudo
37
Relatório do Trabalho Feito com as Professoras, p. 17 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins
de Albuquerque)
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bastava. Vinha à tona o problema pessoal e problemas não resolvidos. Que fazer?
A nossa ajuda tinha limites”
38
.
O atendimento individual crescia progressivamente, e este se centrava na
área da pessoa do professor, ou seja, nos seus vários aspectos: “preocupação de
casa, educação de filhos, ligação e encaminhamento de outras pessoas de suas
relações”. De acordo com a coordenadora, durante esses encontros foi possível
realizar “um aprofundamento pessoal de cada uma das professoras, preocupação
maior com suas atitudes de esposas, mães, mobilizadas pelas referências do
comportamento do aluno”
39
.
Para Profa. Terezinha, merecia urgência o investimento na pessoa do
professor. Nas palavras da coordenadora, “era indispensável um trabalho pessoal,
uma tomada de consciência das dificuldades de cada uma, uma localização do
porquê de cada qual e um aceitar trabalhar com elas”
40
.
Sendo assim, diante do incentivo constante a uma postura reflexiva,
acreditava-se ser possível que o professor reconhecesse suas dificuldades e
aquelas enfrentadas por seus alunos. Assim relata uma professora da Escola:
Um sino tocou dentro de mim, querendo acordar-me. Fui procurada
pela psicóloga, no momento em que ia procurá-la; contei-lhe minhas
dificuldades e necessidades. Contei-lhe minha vida, pois sabia que
minhas reações estavam sempre ligadas a ela. Depois de algumas
entrevistas fui por ela encaminhada a uma ajuda pessoal – estou em
análise. Sinto-me quase parte do grupo da Escola; vejo que meu
trabalho tem seu valor, que não é inferior ao das outras. Procuro ver as
crianças como crianças, procuro não transferir seus problemas para
mim, pois assim poderei ajudá-las e creio que em alguns casos tenho
feito por intermédio do SOPP
41
.
Ao que tudo indica, a ajuda psicológica à professora se fazia presente nos
encontros individuais promovido pela coordenadora, no entanto, foi possível
identificar que em muitos casos, Profa. Terezinha se via limitada para realizar esse
tipo de atendimento e, consciente das fronteiras de sua atuação, afirmava:
não podemos fazer uma terapia, o tipo de relação é diferente (...)
Fizemos 5 encaminhamentos para terapia. Todas elas forma aceitas.
38
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos, p. 23 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
39
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965) Revisão do
Trabalho de 10 anos, p. 38 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
40
ibid, p. 38
41
ibid, p. 42
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Apoiamos e assistimos durante algum tempo, tendo chegado o
momento de esclarecer as necessidades delas, fazendo-as ver o nosso
limite de ajuda na Escola. Situando a nossa finalidade dentro da
Escola e como poderíamos ajudá-las, dentro da Escola
42
.
Por intermédio da auto-reflexão, da visão do conjunto dos conflitos
ocorrentes no dia-a-dia da escola e da compreensão da psicologia do
desenvolvimento acreditava-se que o corpo docente pudesse agir de forma mais
segura e de acordo com os parâmetros defendidos pela instituição. Pretendia-se,
principalmente, que o professor assumisse a sua responsabilidade profissional, ou
seja, sua posição enquanto docente.
Segundo Profa. Terezinha, era com freqüência que os professores além de
responsabilizarem a família do aluno pelo insucesso da criança, se isentavam de
uma reflexão mais profunda dos acontecimentos do cotidiano da Escola, pois
“havia uma expectativa em torno dos problemas e uma exigência de respostas
prontas [grifo do autor] para os problemas apresentados”
43
.
Ao que tudo indica os efeitos do trabalho de “reeducação pessoal”
empreendido pelo SOPP foram positivos e conseguiram aos poucos mudar a
atitude das professoras da EG. É o que podemos notar na fala a seguir:
É impressionante como aprendi a pensar. Até como mãe, sou
diferente. Estou tranqüila. Sei esperar. Devo a vocês isso.
44
Somos bem diferentes – pensamos diferente e o que é pior, agimos de
maneira diferentes. Exigimos, às vezes, de nossos alunos e que nós
não lhes transmitimos realmente. Depois, quando não conseguimos,
apontamos como fator de nosso fracasso a família
45
.
Segundo a supervisora, como resultado dessa assistência especial verificava-
se uma mudança de atitude do professor face aos “alunos-difíceis”, ocorrendo, de
modo conseqüente, um decréscimo de encaminhamentos
46
ao SOPP.
42
Relatório do Trabalho Feito com as Professoras, p. 18 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins
de Albuquerque)
43
Relatório do Trabalho Feito com as Professoras, p. 2 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de
Albuquerque)
44
ibid, p. 13
45
ibid, p. 20 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins de Albuquerque)
46
Em ordem de incidência, os motivos dos encaminhamentos dos alunos ao Gabinete de
Psicologia eram: problemas de comportamento, falta de rendimento nos estudos, problemas de
saúde, econômicos e familiares (no anexo VII quadros com os motivos dos encaminhamentos e o
levantamento daqueles que indicaram os casos de 1955 a 1965).
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Entendemos que na avaliação da Profa. Terezinha a chave para o problema
da Escola estaria na atitude do professor, ou seja, não bastava lançar mão de
recursos pedagógicos para melhorar o rendimento do aluno. Acreditava que, por
intermédio do “crescimento pessoal e aperfeiçoamento profissional do professor, a
Escola teria a resposta adequada para as suas dificuldades”.
Com isso, compreendemos que o SOPP, ao pensar na formação do
professor, passou a desenvolver dois trabalhos simultâneos: de um lado a sua
capacitação profissional e, do outro, o fortalecimento de sua auto-estima. Houve,
como sinaliza Profa. Terezinha, “uma atuação dupla junto ao corpo docente –
informação dinâmica dos conceitos psicológicos, dentro de uma ajuda
psicológica, conforme suas necessidades”
47
.
Entendemos ainda que a coordenadora, ao trazer para dentro da EG a
relação entre a dimensão pessoal e profissional do professor, buscou focar tanto a
sua saúde, quanto a sua formação acadêmica, na expectativa de modificar a
prática educativa dentro da Escola e, a um só tempo, minimizar os efeitos
causados pelo estresse ocupacional
48
que vinham sofrendo.
Na perspectiva da Profa. Terezinha, o modo de vida pessoal do professor
interfere significativamente em seu campo profissional e pensar nessa relação é
fundamental para a formação deste profissional. Em suas palavras:
Nenhuma professora crescerá profissionalmente sem antes ter
localizado as suas dificuldades e limitações como pessoa humana.
Todo o cuidado está em apoiá-la, nesses momentos, dando-lhe os
elementos indispensáveis para o seu desenvolvimento (...), dentro de
certa fundamentação básica.
Partindo deste enfoque, entendemos que seu trabalho de “reeducação
pessoal” do corpo docente poderia se enquadrar dentro da perspectiva de
formação continuada que, nos últimos vinte anos, vem fomentando os debates na
área da educação.
47
Relatório do Trabalho Feito com as Professoras, p. 20 (Arquivo Pessoal Profa. Terezinha Lins
de Albuquerque), p. 29.
48 De acordo com Reis et. al.(2005), o estresse ocupacional constitui experiência extremamente
desagradável, associada a sentimentos de hostilidade, tensão, ansiedade, frustração e depressão,
desencadeados por estressores localizados no ambiente de trabalho. Os fatores contribuintes para o
estresse ocupacional vão desde as características individuais de cada trabalhador, passando pelo
estilo de relacionamento social no ambiente de trabalho e pelo clima organizacional, até as
condições gerais nas quais o trabalho é executado.
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Nos dias atuais, nas pesquisas no campo de formação de professores, alguns
consensos já podem ser notados no que diz respeito à requalificação profissional
do professor. De acordo com Lelis (2001), identifica-se no campo a necessidade
de “afirmar a importância das dimensões teóricas, técnicas e pessoais do trabalho
docente, assim como, relacionar os saberes de referência da profissão a partir da
reflexão dos próprios professores sobre sua prática” (p. 47).
Pensando na formação em serviço e na mudança profissional e pessoal dos
professores, Gatti (2005) sinaliza para o fato de que a interação de diversos fatores
“molda as concepções sobre educação, ensino, papel profissional, e as práticas a
elas ligadas” dos professores, ou seja, no processo de formação continuada - que
buscam mudanças em cognições e práticas – “os novos conhecimentos são
incorporados ou não, em função de complexos processos não apenas cognitivos,
mas socioafetivo e culturais”.
Nas palavras desta autora:
A cultura, os significados partilhados e o meio social permeiam as
experiências individuais, construindo as referências com as quais ou
em contraposição às quais as pessoas agem. O conhecimento é
enraizado na vida social, expressando e estruturando a identidade e as
condições sociais dos que dele partilham. Por isso, ações sociais ou
educacionais precisam estar engrenadas com meio sociocultural no
qual as pessoas, os profissionais, que serão abrangidos por essas
ações, vivem. Metaforicamente, diríamos que a alavanca tem que se
integrar ao terreno para mover o que pretende mover (Id).
Em última análise, Gatti destaca que a realização de mudanças em
concepções e práticas educacionais de professores, que demanda iniciativas que
“visam a inovação educacional, aperfeiçoamentos e atualizações, tenham um
entrelaçamento concreto com a ambiência psicossocial em que esses profissionais
trabalham e vivem”.
Essa autora nos ajuda a entender que a formação continuada dependerá,
além de outros fatores, de uma “ambiência de apoio” sustentada por laços
sociocognitivos, afetivos e motivacionais daqueles que promovem a formação.
Em sua análise:
É preciso ver os professores não como seres abstratos, ou
essencialmente intelectuais, mas, como seres essencialmente sociais,
com suas identidades pessoais e profissionais, imersos numa vida
grupal na qual partilham uma cultura, derivando seus conhecimentos,
valores e atitudes dessas relações, com base nas representações
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constituídas nesse processo que é, ao mesmo tempo, social e
intersubjetivo (Id).
Partindo da análise desta autora, compreendemos que o trabalho de
formação do professor empreendido pela equipe do SOPP se empenhou em
promover um entrelaçamento com a ambiência psicossocial do professor, na
medida em que desenvolveu estratégias que não apenas valorizavam os seus
aspectos cognitivos, mas, sobretudo, suas condições sócio-psicológicas.
Por fim, nos apropriamos da metáfora de Gatti para afirmar que o SOPP se
tornou uma alavanca integrada ao terreno que atuou, favorecendo, deste modo, a
modificação de conceitos e práticas dos profissionais de ensino da EG e, a um só
tempo, a criação de um clima de trabalho propício para a implementação do
experimento educacional que o INEP buscava ali desenvolver.
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Considerações finais
Nesta dissertação analisamos a experiência educativa e experimental da
Escola Guatemala e concluímos que a sua rica trajetória constituiu-se num
privilegiado percurso para a implementação do ideário pedagógico da Escola
Nova que, mesmo no seu apagar das luzes, ainda se mantinha presente no
pensamento daqueles educadores que lá estavam e se empenharam para
desenvolver o ambicioso projeto de construir uma escola de caráter experimental,
ou seja, uma escola-laboratório.
Neste trabalho buscamos compreender as orientações que marcaram e
definiram os rumos do experimento ali realizado. Analisamos as ações
desenvolvidas no campo pedagógico e no Psico-Pedagógico no interior desta
escola, que subordinada ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), se
transformou num celeiro de experimentação e pesquisa de novos métodos
pedagógicos, assim como de outras questões sobre o específico escolar.
Concluímos com a compreensão de que, se de um lado, as ações
desenvolvidas no campo pedagógico pela Profa. Lúcia Marques Pinheiro
direcionavam as práticas dos docentes desta instituição e, por sua vez, limitavam
as possibilidades de manifestação da subjetividade dos que ensinavam, do outro, a
orientação Psico-Pedagógica coordenada pela Profa. Terezinha Lins de
Albuquerque proporcionava a criação de um clima favorável e propício junto aos
professores para que as propostas pedagógicas pudessem ser colocadas em
prática.
O Serviço de Orientação Psico-Pedagógica (SOPP) se tornou uma estratégia
de fundamental importância para o desenvolvimento do projeto pedagógico da
Escola Guatemala, pois tendo em vista o quadro de insegurança dos professores e
os efeitos do despreparo destes profissionais, buscava desenvolver na instituição
um trabalho de “reeducação pessoal” que se baseava na formação profissional e
pessoal do professor.
Foi possível apreender que, na avaliação da Profa. Terezinha Lins de
Albuquerque, a chave para o problema da Escola estaria em um investimento na
mudança de atitude do professor, ou seja, não bastava lançar mão de recursos e
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planos racionais do trabalho pedagógico para melhorar o rendimento do aluno,
mas por intermédio do aperfeiçoamento profissional e pessoal do professor a
Escola Guatemala encontraria a resposta adequada para as dificuldades
enfrentadas.
Elaborando este trabalho de “reeducação pessoal” o SOPP oferecia saberes
para a formação profissional do professor, principalmente por intermédio da
transmissão de conhecimentos específicos do campo da psicologia do
desenvolvimento, e, a um só tempo, empenhava-se em valorizar “os saberes da
experiência” dos docentes, ou seja, reconhecia no momento do aperfeiçoamento
profissional dos professores os saberes fundados no seu trabalho cotidiano e,
principalmente, no seu meio social de convívio.
Os “saberes da experiência” formam um conjunto de representações a partir
das quais “os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e
sua prática cotidiana em todas as suas dimensões” (Tardiff et. all., 1991, p.228),
fornecendo certezas relativas no seu contexto de trabalho, na medida em que são
“partilhadas e partilháveis nas relações entre os pares”. Estes adquirem certa
objetividade tanto por intermédio das relações entre saberes produzidos pela
experiência coletiva dos professores, quanto, “em sua relação crítica com os
saberes curriculares das disciplinas e da formação profissional” (idem, p. 231).
Partindo desta análise, entendemos que o SOPP, ao reconhecer os “saberes
da experiência” dos profissionais no decorrer do trabalho de “reeducação pessoal”
do corpo docente, possibilitava que o professor refletisse sobre seu momento de
formação, manifestando suas idéias sobre os outros saberes docentes que lá
circulavam, os saberes das disciplinas, os saberes curriculares e os saberes de sua
própria formação profissional – ideologia pedagógica (Tardiff et. all., 1991) – sem
deixar de atentar para relação destes com os seus “saberes de experiência”. Este
trabalho de “reeducação pessoal” do corpo docente desenvolvido pela equipe do
SOPP se enquadraria à perspectiva de formação continuada que vem aquecendo
os debates na área da educação nos últimos anos.
Foi possível compreender que as dimensões teórica, técnica e pessoal do
trabalho docente são de fundamental importância para o aperfeiçoamento do
professor. Identificamos também que há, na área de formação de professores, a
necessidade de relacionar os saberes de referência da profissão a partir da reflexão
dos próprios professores sobre sua prática (LELIS 2001).
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Lelis (2001, p. 48) trabalha com a hipótese de que:
a dimensão pedagógica do trabalho se relaciona a outras esferas da
vida social, isto é, as práticas que professores realizam não são
assépticas no sentido de estarem livres das posições que ocupam no
espaço social. Suas disposições profissionais são síntese viva de um
conjunto de experiências relativas às marcas de escolarização a que
foram submetidos, aos processos de formação prévia, à cultura da
organização escolar na qual construíram uma forma de ser professor,
pessoal e intransferível.
Por estas características, não existiria “um único profissionalismo”, mas
formas diferentes e subjetivas de viver o trabalho, nem sempre visíveis, mesmo no
que diz respeito à formação inicial (id).
Assim, também temos a compreensão que o “caráter polissêmico” do
trabalho docente deverá ser o eixo para a elaboração de políticas públicas
educacionais voltadas para a valorização social do magistério nos seus vários
significados (LELIS, 2001).
Em se tratando da formação continuada e de projetos de implementação de
programas ou cursos de aperfeiçoamento docente, as iniciativas desenvolvidas no
Brasil, em geral, promovem suas ações oferecendo conteúdos e trabalhando a
racionalidade dos profissionais, considerando que o domínio de novos
conhecimentos promoverá mudanças de posturas e formas de agir do professor.
Entendemos que tal concepção é limitada, uma vez que os novos conteúdos só são
incorporados pelos profissionais de ensino em função de complexos processos não
apenas cognitivos, mas sócioafetivos e culturais (GATTI, 2003).
As ações sociais ou educacionais que visam mudanças em concepções e
práticas de ensino precisam estar engrenadas ao meio sociocultural no qual as
pessoas, os profissionais que serão abrangidos por essas ações, vivem. Em última
análise, o sucesso na formação continuada dos profissionais dependerá, além de
outros fatores, de uma ambiência de apoio integrada e sustentada por laços sócio-
cognitivos, afetivos e motivacionais.
Finalizamos esta dissertação reconhecendo o SOPP da Escola Guatemala
como um serviço de formação continuado integrado ao terreno de ação, ou seja,
compreendemos que o trabalho de “reeducação pessoal” logrou êxito no projeto
de aperfeiçoamento dos profissionais daquela instituição na medida em que se
empenhava em promover um entrelaçamento com a ambiência psico-social do
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professor, valorizando seus saberes de experiência e os relacionando com os
outros saberes relativos à prática docente.
Por fim, consideramos pertinentes estudos posteriores que, dentro da
perspectiva da História da política de formação de professores, venham dar foco
ao trabalho empreendido pela equipe do SOPP, analisando com mais
detalhamento as ações que foram desenvolvidas, principalmente relacionando-as
no âmbito das formulações de políticas públicas de formação e das iniciativas de
aperfeiçoamento do magistério no país.
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ATFilme14F0278-0287 – Métodos e Recursos da Educação Primária na Escola
Guatemala, CBPE/INEP, 1957.
ATFilme14F0341-044 – Serviço de Orientação da Escola Guatemala.
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Anexos
Relação de cursos ministrados através da DAM/CBPE de 1953 até 1960
1
1
Fonte retirada de PASSOS, Cléo de Oliveira. Escola Guatemala: uma conversão do olhar para a
construção do currículo de uma escola experimental, 1996, 284f. Tese (Doutorado em Educação) –
Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, 1996 p. 222.
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Capa do Livreto
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2
Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965)
Revisão do Trabalho de 10 anos (Aruivo Pessoal Terezinha Lins de Albuquerque)
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Promoções na Escola Guatemala 1º centro experimental de educação
primária da secretaria de educação do Estado da Guanabara em colaboração com
o inep
3
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A Organização da Escola Primária e o Problema da Promoção, março de 1958
(Arquivo Pessoal Lúcia Marques Pinheiro)
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Escola Guatemala – Serviço de Orientação Psico-Pedagógica – Folha de Rosto
4
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ATFilme14F0341-044 – Serviço de Orientação da Escola Guatemala (CPDOC/FGV)
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Escola Guatemala – Ficha para a Professora5
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ATFilme14F0341-044 – Serviço de Orientação da Escola Guatemala (CPDOC/FGV)
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Livros escolhidos pelas professoras para o grupo de estudo
6
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Serviço de Orientação Psico-Pedagógico da Escola Guatemala (1955 a 1965)
Revisão do Trabalho de 10 anos (Aruivo Pessoal Terezinha Lins de Albuquerque)
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Quadro com o Levantamento dos casos encaminhados ao SOPP considerando-se
por quem foi feita a indicação no período de 1955 – 1965 / Motivos dos
Encaminhamentos feitos ao SOPP durantes o Período 1955 - 1965
7
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Relatório do Trabalho Feito com as Professoras (Arquivo Terezinha Lins de
Albuquerque)
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Escola Guatemala – Serviço de Orientação Psico-Pedagógica
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ATFilme14F0341-044 – Serviço de Orientação da Escola Guatemala (CPDOC/FGV)
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