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Waldemir de Araújo Filho
Cinema e Ensino de História
na Perspectiva de Professores de História
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação do
Departamento de Educação da PUC-Rio.
Orientador: Profª. Rosália Maria Duarte
Rio de Janeiro
Agosto de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510449/CA
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Waldemir de Araújo Filho
Cinema e Ensino de História
na Perspectiva de Professores de História
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação do
Departamento de Educação do Centro de
Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Profª. Rosália Maria Duarte
Orientadora
Departamento de Educação - PUC-Rio
Profª Maria Inês G.F. Marcondes de Souza
Departamento de Educação - PUC-Rio
Profª. Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro
UFRJ
Prof. Paulo Fernando C. de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de
Teologia e Ciências Humanas
Rio de Janeiro, 02 de agosto de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510449/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e
do orientador.
Waldemir de Araújo Filho
Waldemir de Araújo Filho graduou-se em História pela UFRJ em
1985. De 1986 a 1989, trabalhou no projeto de Aceleração da
Escolaridade e Qualificação Profissional voltado para jovens da
Maré, de iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ. Desde
então, é professor do Colégio de Aplicação desta universidade,
onde atua na formação de professores. Em 2007, concluiu o
curso de Mestrado em Educação na PUC-Rio apresentando a
dissertação "Cinema e Ensino de História na Perspectiva de
Professores de História".
Ficha Catalográfica
Araújo Filho, Waldemir de
Cinema e ensino de história na perspectiva de
professores de história / Waldemir de Araújo Filho ;
orientador: Rosália Maria Duarte. – 2007.
117 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2007.
Inclui bibliografia
1. Educação – Teses. 2. Cinema e ensino de história. 3.
Ensino de história. 4. Cinema e educação. 5. Educação
básica. I. Duarte, Rosália Maria. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. III.
Título.
CDD: 370
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Agradecimentos
Agradeço, em primeiro lugar, a minha querida companheira, Rosa, amor de minha
vida, que realegrou meu coração e, assim, me fortaleceu para superar as
dificuldades e resgatar esse projeto, além de ter me apoiado, de maneira prática,
em todas as fases de produção do trabalho.
À querida vovó Alzira, pelo acolhimento, afeto e orações que me fortaleceram e
permitiram seguir em frente.
A minha mãe, pelo afeto inicial; a meu pai, por ter me apresentado ao fascínio do
cinema.
À minha orientadora, professora Rosália Duarte, que com sua generosidade,
confiança e competência me apoiou incansavelmente no rumo da finalização deste
trabalho. Sem suas sugestões e orientações acadêmicas não me teria sido possível
superar as inúmeras dificuldades que se apresentaram e às quais ela iluminou com
lucidez e rigor intelectual, combinados com flexibilidade de alma.
Aos professores de História entrevistados, pela acolhida com que receberam o
projeto de trabalho e o oferecimento de suas reflexões acerca do uso do filme em
suas aulas.
Às professoras Alícia Bonamino e Maria Inês Marcondes pela confiança inicial
depositada e pelos renovados incentivos ao longo do curso. Eles me foram tão
preciosos quanto as contribuições intelectuais que também me foram oferecidas.
Às professoras Tânia Dauster, Isabel Lelis e Ana Waleska pela oportunidade dos
aprendizados e dos diálogos sobre educação.
A meus colegas de curso, debatedores entusiastas dos caminhos e descaminhos de
nossa educação brasileira, em especial, os queridos Fernando, Gilda, Lúcia, Zé
Roberto, Roberta, Francis, Verena e Cristina. Aos dois primeiros, minha eterna
gratidão pelo estímulo a que procurasse a professora Rosália Duarte.
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Aos funcionários do Departamento, representados, na atenção e paciência de
Patrícia, meu reconhecimento pelo profissionalismo e apoio recebido, em geral,
em momentos aflitivos.
À Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pelo apoio inestimável que
representou a bolsa de isenção, sem a qual não teria condições de me beneficiar do
Programa de Pós-graduação em Educação desta instituição.
Aos queridos Ana Andrade e Michel Robin, pelo trabalho profissional que
acreditando na beleza dos movimentos da vida permitiu me reerguer e reescrever
minha própria história.
Ao doutor Eduardo Campello, por seu competente cuidado clínico e sensibilidade
humana, sem os quais não teria as condições de saúde para ter concluído essa
dissertação.
Aos queridos amigos Filipe Porto e Ana Girão, irmãos de vida, por terem estado
ao meu lado em momentos especialmente difíceis e pelo incentivo a que
retomasse meus estudos.
Ao querido mano Zé, irmão de sangue e coração, com minha torcida para que
também possa concluir seus estudos.
A Dona Luci e Seu Alberto, meus queridos sogros, pelo apoio permanente e
incondicional aos quais sou profundamente agradecido e a quem retribuo,
desejando o bem e a saúde.
A Renato, Maurício, Mônica Cox e Vicente, também queridíssimos amigos, que
nunca me faltaram com o incentivo a que resgatasse estes estudos.
Aos colegas e amigos Américo Freire, Hilton Meliande e Emílio Di Bernadi, meu
agradecimento, aos dois primeiros, pelo apoio ao assumirem turmas minhas,
reduzindo minha carga de trabalho, e a todos, pelas observações e sugestões
preciosas.
Aos colegas Daniel, Andréa, Vânia e Militza, pela compreensão, em um momento
dificílimo, com a necessidade de afastar-me do colégio para poder cuidar da saúde
e finalizar meu trabalho.
A todos os demais que, de um modo ou de outro, me possibilitaram refazer esta
história, minha gratidão.
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Resumo
Araújo Filho, Waldemir de; Duarte, Rosália Maria. Cinema e Ensino de
História na perspectiva de professores de história. Rio de Janeiro, 2007,
117 p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Educação, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este trabalho de pesquisa teve como objetivo principal descrever e analisar
práticas de uso de filmes por docentes de história da educação básica, tendo como
eixos centrais as seguintes questões: O que leva professores de história a fazer uso
de filmes em suas aulas? Que concepções esses professores têm de cinema e de
ensino de história? Que critérios utilizam para selecionar os filmes que exibem?
Que uso eles fazem dos filmes no espaço escolar? Como avaliam os resultados das
atividades que desenvolvem? Tendo em conta o objetivo e questões mencionadas,
optei por um perfil de pesquisa de base qualitativa e, nesta, por trabalhar com
entrevistas estruturadas. Foram entrevistados professores de história das redes
pública e privada de ensino básico da cidade do Rio de Janeiro, selecionados em
sistema de rede, ou seja, a partir de um ego-focal – informante qualificado, que
conhece bem o campo em estudo e se dispõe a ser o primeiro de possíveis
entrevistados – cada entrevistado indica outros possíveis informantes naquele
campo configurando assim uma rede de “especialistas” no tema que está sendo
investigado. O estudo tomou como ponto de partida, o fato de que apesar do filme
se fazer presente de maneira expressiva nas aulas de história do ensino
fundamental e médio, ainda não haver um volume significativo de estudos que
busquem descrever e analisar o que leva os docentes dessa disciplina a fazer uso
do filme e que usos são estes.
Palavras-chave:
Cinema e Ensino de História; Ensino de História; Cinema e Educação;
Educação Básica.
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Abstract
Araújo Filho, Waldemir de; Duarte, Rosália Maria (Advisor). Cinéma et
l’enseignement d’histoire à la perspective des professeurs d’histoire. Rio
de Janeiro, 2007, 117 p. MSc. Dissertation – Departamento de Educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Cette recherche a eu comme objectif principal de décrire et analiser les
pratiques de l’usage des films par les professeurs d’ histoire de l’éducation
élémentaire ayant comme arguments topiques les questions suivantes: Pourquoi
les profeseurs d’ histoire utilisent-ils des films en classe? Que pensent-ils sur le
cinéma et l’enseignement d’histoire? Quels sont les critères de séléction des films
à projeter? Comment ils utilisent ces mêmes films à l’école? Comment sont
évalués les résultats des activités développées? En raison de l’objectif et des
questions mentionnées, je me suis décidé pour une recherche de base qualificative
et sur celle-ci travailler avec des entrevues structurées. Des professeurs d’histoire
des réseaux publics et privés de l’éducation élémantaire de la ville de Rio de
Janeiro, selectionnés par un système d’indication à partir d’un “ego-focal” –
informateur qualifié lequel doit avoir une bonne connaissance de ce champ
d’étude et disposé à être le premier des interwievés – chaque interwievé indiqué,
indique d’autres possibles informateurs dans ce champ en organisant ainsi un
réseau de “spécialistes” dans ce genre de recherche. L’ étude a pris comme point
essentiel le fait que malgré la présence expressive du film en classe d’histoire de
l’éducation élémentaire et moyenne, on n’y trouvait pas encore un volume
significatif d’études qui cherche à décrire et analiser tout ce qui mène les
professeurs de cette discipline à faire usage du film et quel est cet usage.
Mots-chef:
Cinéma et l’Enseignement d’Histoire; L’Enseignement d’Histoire; Cinéma
et l’Éducation; L’Éducation Élémentaire.
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Sumário
1. Apresentação ...................................................................................... 10
2.Introdução ............................................................................................ 15
2.1. Cinema e Ensino de História: situando o problema ......................... 15
2.2. Interlocutores privilegiados .............................................................. 17
2.3. Definição de objeto e problema de pesquisa ................................... 22
2.3.1. Relevância do tema para a educação e para a pesquisa ............. 22
3. Metodologia ......................................................................................... 24
4. Análise Temática ................................................................................. 32
4.1. Concepção de ensino de história ..................................................... 32
4.2. O significado do cinema para os professores de história ................ 37
4.3. Relação entre cinema e ensino de história ...................................... 40
4.4. Motivações para o uso do filme ....................................................... 47
4.5. A escolha dos filmes ........................................................................ 52
4.6. Critérios adicionais adotados na seleção dos filmes ....................... 54
4.7. Definição dos objetivos do uso do filme ........................................... 58
4.8. O uso dos filmes nas aulas de história ............................................ 59
4.9. Avaliação do uso do filme junto aos alunos ..................................... 71
4.10. Dificuldades enfrentadas para fazer uso do filme na escola .......... 75
4.11. Disponibilidade de acervo nas instituições escolares .................... 82
4.12. Desafios do uso do filme junto aos alunos ..................................... 84
4.13. Avaliação geral sobre o uso do filme ............................................. 87
5. Considerações Finais .......................................................................... 97
6. Referências Bibliográficas ................................................................... 102
Anexos .................................................................................................... 106
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“Considero que, aquilo que é válido para todo
processo educacional, também funciona na
utilização das imagens. Apesar de vivermos uma
civilização da imagem, é sempre bom dizer que a
equação-chave da educação continua sendo o
professor e o aluno; tudo será inútil, ilusório,
diversionista, alienante e equívoco se desprezarmos
essa equação”
(Saliba, 2007, p.95-96)
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1
Apresentação
Nas últimas décadas os produtos audiovisuais vêm sendo regularmente
utilizados pelos docentes como recursos pedagógicos disponíveis para o trabalho
em sala de aula. Entre estes recursos, os filmes têm aparecido com destaque no
ensino de história realizado na educação básica, entre outras razões, por sua
potencialidade para resgatar o tempo em suas múltiplas dimensões (modos de ser,
viver, agir, sentir, pensar etc), tanto no plano da vida privada quanto no plano da
vida social; por sua capacidade para mobilizar o imaginário e a emoção como
elementos presentes na construção humana, ou ainda, pela ampla liberdade que o
campo da temática histórica oferece de ser articulado tanto ao âmbito do filme de
ficção como ao de não-ficção (documentário). Deste modo, o estudo do lugar que
o cinema tem ocupado no ensino de história justifica-se como objeto de estudo na
educação.
Por sua vez, a relação cada vez mais estreita entre educação e mídias e o
uso cada vez mais freqüente das Tecnologias da Informação e da Comunicação
com finalidades educativas vêm exigindo da Educação a configuração de linhas de
pesquisa especificamente voltadas para esta temática. Uma das frentes em que a
pesquisa educacional tem investido nos últimos anos, diz respeito ao mapeamento
e análise de práticas de uso das mídias em contextos educativos, de modo a
compreender melhor as possibilidades, os limites e as implicações dessa interação.
Este trabalho vem se somar às iniciativas já implementadas nesse campo de
estudos, procurando descrever e analisar como o filme vem sendo utilizado no
espaço escolar.
A escolha do tema deve-se a três elementos que se somaram ao longo de
minha vida pessoal. Uma educação para o cinema na adolescência, fruto da
convivência familiar. A percepção paralela dos aprendizados que o cinema me
oferecia na construção de um determinado conhecimento histórico, confirmado ao
longo da vida adulta e profissional. Finalmente, o retorno positivo como docente
da exploração pedagógica do cinema no ensino de história em meus anos de
trabalho em sala de aula atuando com adolescentes, jovens e alunos do curso de
licenciatura em história.
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Ao procurar iniciar esta apresentação fui aos recôncavos de minhas
memórias pessoais e imagéticas, investigar qual teria sido a primeira imagem que
tive do cinema, empreendimento que, de forma consciente, nunca havia feito
antes.
O que encontrei foram cartazes, presos a cavaletes, dos filmes de faroeste e
de terror que iriam passar naquela ocasião em um dos pouquíssimos cinemas,
senão único, da pequena cidade nordestina em que nasci e vivi até os sete anos.
Como criança sem recursos para adentrar aquele espaço, ele permaneceu
para mim, por um longo período, como um templo de mistérios e de sonhos
impossíveis... Vejo hoje, que não estava de todo enganado.
Foi preciso uma longa e perigrinosa viagem, o que parece ser a sina de
uma boa parte de nordestinos que conseguem sobreviver, e de uma nova morada,
agora no que se chamava à época com enorme convicção de Cidade Maravilhosa,
para um dia, já na adolescência, ter o prazer, de fato, de ser apresentado à magia
da sala escura e ao impacto da tela grande e, junto com elas, a “O gordo e o
magro”, o genial Carlitos, “2001, Uma odisséia no espaço”, a Jack Nicholson de
“Um estranho no ninho” e tantos outros.
Embora tendo usufruído muitos prazeres na vida escolar, entre eles, as
aulas de história, para a qual decidi vir a ser professor com doze anos de idade,
filmes não fizeram parte deles. Posso perdoar meus professores de então, pois não
se tinha na década de 70 os meios tecnológicos de que dispomos hoje para o uso
de filmes na escola. Se o cinema não vinha à escola, nós, alunos, íamos ao
cinema.
Assim, com os colegas e amigos de colégio, o cinema saía, aos poucos, da
seara familiar e tornava-se um espaço onde, junto com os filmes, partilhávamos
congraçamento, amizade, brincadeira e, mesmo que ainda de uma forma
embrionária, conhecimento.
À medida que o tempo passava e meus vinte anos se aproximavam fui
cada vez mais incorporando obras fílmicas mais complexas e que, de algum
modo, se remetiam a cenários históricos como “Corações e mentes” sobre a
Guerra do Vietnam; “Outubro” sobre a Revolução Russa; “1900” sobre a história
da Itália em boa parte do século XX; etc. Enfim, o cinema foi ganhando presença
em minha vida como fonte de leituras a respeito da História, incluindo aí, aquelas
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que traziam referências acerca da história da sociedade brasileira, como “Vidas
secas”; “Os anos JK”; “Jango”; “Cabra marcado para morrer” e tantos outros.
De certa forma, ao escolher estudar História em um curso universitário,
percebia que carregava comigo a experiência de ter no cinema uma fonte de
estímulos e de conhecimentos sobre essa área do conhecimento humano, ainda
que em sua livre expressão artística.
O ambiente acadêmico que pude usufruir não se demonstrou sensível à
arte cinematográfica. Não tenho sequer uma única referência que pudesse indicar
alguma lembrança de articulação ou estímulo de minha formação universitária ao
universo daquela forma de expressão artística, seja como reflexão estritamente
teórica seja tomando filmes como suporte de trabalho dos professores.
Desta vez, não podia nem julgar que isso se desse por ausência de meios
tecnológicos. Então, primeira metade da década de 80, já tínhamos as fitas VHS e
o videocassete propiciando o uso de filmes em sala de aula. Mais uma vez,
repetia-se a máxima do período de formação escolar: se o cinema não vinha à
universidade, nós alunos, entre eles, grandes amigos, íamos a uma de nossas
fontes estéticas.
Esse foi um momento de contato especial em minha vida com a produção
cinematográfica. Tudo que tinha condições e atração por assistir, me permitia ser
levado. Federico Fellini, Luis Buñuel, Andrzej Wadja, Kieslowski, Woody Allen,
Peter Greenaway, Bernardo Bertolucci, Akira Kurosawa, Dennis Arcand, Eduardo
Coutinho, Ettore Scola, Stanley Kubrick, Emir Kusturica, Theo Angelopoulos,
Giuseppe Tornatore, os irmãos Tavenier, Pedro Almodóvar, Ken Loach, Sergio
Leone e tantos mais, sempre assistidos nas insuperáveis salas sagradas de cinema.
A abertura do, hoje, Estação Botafogo, e suas preciosas programações e festivais
de cinema sempre me foram à época uma fonte renovada de contato com o que
julgava ser o melhor do cinema distribuído no Brasil.
Como amante do cinema nunca tive qualquer preocupação especial com
que o filme devesse se remeter a temas históricos, ainda que também a esses
ficasse atento e desejasse conhecê-los, em especial, a partir do momento em que
iniciei minha vida profissional como docente do ensino fundamental e médio,
além de trabalhar, a partir de um determinado período, também com licenciandos
de História.
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Aliás, foi como licenciando que iniciei minha trajetória de uso do filme no
espaço escolar. Ao realizar minhas aulas no Colégio de Aplicação da UFRJ com
vistas a concluir a formação de licenciatura, escolhi como uma das minhas
atividades explorar o filme “Revolução de 30” de Sylvio Back. De alguma forma,
estava realizando ali o encontro de duas paixões pessoais: o cinema e o ensino de
história para adolescentes e jovens.
Lembro-me que em meus primeiros anos já como docente daquele colégio,
movido por puro encantamento e a percepção de que aquilo poderia dizer alguma
coisa à garotada, sempre iniciava as aulas de segunda-feira, no ensino médio,
estimulando os alunos a assistirem aos belos filmes que havia saboreado no final
de semana. Mesmo sem obviamente contar-lhe as histórias, muitos demonstravam
no brilho dos olhos o contágio por meu prazer e o desejo de conhecer aquelas
obras fílmicas. Inúmeras vezes, o movimento se invertia e eram os alunos que me
informavam de uma nova e preciosa descoberta naquela arte.
Em meio a esse movimento, ao longo dos anos fui trazendo para a sala de
aula com a regularidade possível, o que encontrava de filmes que julgasse com a
qualidade exigida por mim para que pudesse trabalhar com os alunos articulando-
os aos conteúdos de história e, outras vezes, me permitindo trabalhá-los em
função de algum tema que entendesse valioso para sua formação humana, ainda
que não tivessem uma relação tão estreita com a programação de história, de
modo especial, filmes que me permitissem trabalhar questões relativas à
construção de valores que tem a ver com a formação e o exercício da cidadania e
também ao respeito e a defesa dos direitos humanos.
No entanto, o que foi e tem sido mais comum nesses anos até a presente
data é poder combinar os dois propósitos, ao trabalhar os conteúdos de história
articulá-los à construção de valores e, assim, ao exibir os filmes que escolho,
trabalhar esses campos temáticos interligados.
Encaminhando-me para finalizar esta apresentação, faço alguns registros.
O primeiro deles, que este exercício e trajetória de trabalho com filmes, apesar de
ter uma marca muito pessoal, se beneficiam das condições de trabalho que me tem
sido oferecidas por minha equipe e pela instituição pública na qual exerço minhas
atividades docentes, além das contribuições de meus próprios alunos e
licenciandos.
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O segundo registro é que a perspectiva de estudar a presença do cinema na
escola, assim como, a presença da escola no cinema, é algo que comparece em
meu imaginário há muitos anos, seja por estímulo do contato com o cinema seja
por inspiração de meu trabalho no espaço escolar, portanto, aqui, a primeira
possibilidade se materializa na forma de um esforço de debruçar-se sobre a
perspectiva de professores de história a respeito da presença da arte
cinematográfica no ensino de história que se dá na educação básica.
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2
Introdução
2.1
Cinema e ensino de História: situando o problema
Com a difusão no Brasil do VHS e do videocassete na década de 1980 e
mais recentemente do DVD, definitivamente os filmes ganharam presença
marcante no espaço escolar, sendo utilizados por professores dos diversos setores
curriculares. Entre estes docentes, segundo Duarte (2002), os professores de
História têm se destacado entre aqueles que mais exibem filmes nas aulas e
participam de projetos institucionais que articulam cinema e escola (p.93).
De acordo com Tendler (2001):
“Desde sempre, imagem e imaginação fazem
parte do conhecimento da História
” (p.7). Essa é uma das razões que explicam o fato
de professores de História valorizarem o cinema. Penso que outras se relacionam
à capacidade da linguagem cinematográfica de resgatar o tempo passado ou
testemunhar o tempo presente a partir da perspectiva da criação artística e, por
outro, fazer isto mobilizando o imaginário e a emoção.
O paradoxo, a meu ver, está no fato de que o uso do filme pelos
profissionais de História que atuam na Educação Básica, ainda não seja objeto de
reflexão significativa em dissertações e teses defendidas no território nacional.
Ao fazer um levantamento no Portal de Teses da Capes, em janeiro de
2006, encontrei aproximadamente 265 trabalhos sobre “cinema e história”, no
entanto, sobre “cinema e ensino de história” não passaram de onze, e destes
apenas dois referiam-se à Educação Básica
1
.Vale o registro de que, nos meses de
fevereiro e outubro do mesmo ano, duas novas contribuições vieram se somar
àquelas por meio das dissertações defendidas, respectivamente, por Sérgio
Augusto Leal de Medeiros intitulada “O cinema na ‘fala de aula’ do professor de
História” e Sandro Nandolpho de Oliveira sob o título “Formação e práxis dos
1
“Cinema Novo: uma contribuição para o ensino de História do Brasil” de Maria Isabel Urbina
Flores, defendida em 2003, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de São Carlos e “O filme como elemento sensibilizador na Educação de Jovens e Adultos,
mediado pelo professor de História”, defendida por Reinaldo Vicentini Júnior, no ano de 2002,
junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação de Universidade Nacional de Brasília.
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professores de História: o discurso cinematográfico e o ensino-aprendizagem da
História”, ambas atualmente com seus dados presentes naquele Portal.
Em um levantamento sobre o tema em livros
2
, publicados entre 1983 e
2004, que fazem reflexões sobre o ensino de história, em apenas um deles
encontrei artigos que relacionavam cinema e ensino de história.
Nos anais do V Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História:
Sujeitos, Saberes e Práticas, realizado em 2004 no Rio de Janeiro, encontrei duas
comunicações a respeito do tema.
Nos anais do VI Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de
História, realizado em Londrina, em 2005, que teve como tema central “Dez Anos
de Pesquisas em Ensino de História”, há três trabalhos que sob perspectivas
diversas dão conta do tema.
Em resumo, apesar do filme se fazer presente de maneira expressiva nas
aulas de História do ensino fundamental e médio, ainda não há um volume
significativo de estudos que busquem descrever e analisar o que leva os docentes
de História a fazer uso do filme e que usos são estes. Valiosas publicações como
“A História vai ao Cinema” (2001), organizado pelos professores Jorge Ferreira e
Mariza Carvalho Soares, e “Como usar o cinema na sala de aula” (2003), de
Marcos Napolitano têm propósitos específicos: no primeiro caso, analisar vinte
filmes brasileiros a partir do olhar de um elenco de conceituados historiadores, no
segundo, indicar filmes e modos de uso dos mesmos, incluindo a área de História.
Em nenhuma das duas situações é possível encontrar referências à temática que
expus acima, que usos os professores de história que atuam na educação básica
fazem dos filmes em suas aulas.
2
As publicações a que me refiro são: Bittencourt, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula.
SP: Contexto, 2004; Fonseca, Thais Nivia de Lima. História e Ensino de História. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004; Karnal, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
SP: Contexto, 2003; Abreu, Martha e Soihet, Rachel (orgs.). Ensino de História: conceitos,
temáticas e metodologia. RJ: Casa da Palavra, 2003; Nikitiuk, Sônia Leite (org.). Repensando o
ensino de História. SP: Cortez, 2001; Davies, Nicholas (org.). Para além dos conteúdos de história.
Niterói: EDUFF, 2000; Pinsky, Jaime (org.). O ensino de história e a criação do fato. SP:
Contexto, 1988; Cabrini, Conceição et al. O ensino de História: revisão urgente. SP: Brasiliense,
1987; Silva, Marcos A. (org.). Repensando a História. ANPUH-Núcleo de São Paulo. RJ: Marco
Zero, 1983.
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2.2
Interlocutores privilegiados
Este trabalho tomou como autores privilegiados outros trabalhos
acadêmicos que discutem a relação entre cinema e educação e cinema e ensino de
história.
Ao examinar o tema, Duarte (2002), chama a atenção para a necessidade
do campo educacional estar atento e compreender o que nomeia como “a
pedagogia do cinema
”, ou seja, um conjunto de estratégias e recursos de que se vale
a arte cinematográfica para conquistar um contingente significativo de
apreciadores, em especial, jovens (p.21).
Entendo também como uma contribuição dessa autora, a afirmativa de que
assistir a filmes tem tanta relevância para a formação cultural e educacional das
pessoas quanto a leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas (p17), e ainda,
a percepção de que o maior interesse que o cinema tem para o campo educacional
é sua natureza eminentemente pedagógica (p.19).
Uma outra temática que não poderia deixar de estar presente neste trabalho
é, sem sombra de dúvida, a que envolve a relação entre cinema e história. Com
este intuito, convoquei algumas das contribuições de dois clássicos nesse campo
de reflexão: Ferro (1992) e Sorlin (1994). Do primeiro autor, tomo como
referência seu acolhimento pleno do filme como fonte documental para a história,
superando uma certa tradição que fazia do documento escrito fonte sagrada, quase
única e inquestionável desse universo de conhecimento, assim como sua
preocupação com que o exame da obra fílmica seja associado ao mundo que o
produz (p.86). Em Sorlin busquei a discussão sobre o que significa a imagem em
nosso mundo e como os profissionais que lidam com o conhecimento histórico
podem contar e mostrar a história através de imagens, entre elas, a imagem fílmica
(p.81). Nesse sentido, tem lugar sua reflexão a respeito do quanto as imagens são
“enganosas”, ao mesmo tempo que, “indispensáveis”, como testemunhas da história
(p.91).
Ainda sobre as relações entre cinema e história, acolhi o exame feito por
Kornis (1992), quando afirma que o filme pode tornar-se um documento para o
profissional de história, na medida em que articula ao contexto histórico e social
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que o produziu um conjunto de elementos intrínsecos à própria expressão
cinematográfica, dessa forma, permitindo com que seja visto como uma
construção que, como tal, altera a realidade através de uma articulação entre a
imagem, a palavra, o som e o movimento (p. 239).
A contribuição de Schvarman (2006) esteve presente com sua atenção ao
valor que a História Cultural tem atribuído ao cinema como forma de
conhecimento (p12). De acordo com a autora, se antes ele era visto
com desconfiança ou desinteresse pelo historiador, por não passar de uma
diversão popular, por construir justamente mundos autônomos, fantasiosos e de
escape, ganha um outro relevo: é lugar das construções e projeções do
imaginário, da aferição de sensibilidades e práticas sociais, lugar da
representação
(p.2).
O terceiro tema, razão de ser desta pesquisa, reúne cinema e ensino de
história. Nesse sentido, as reflexões de três estudiosos iluminaram, de alguma
forma, o diálogo com as percepções, escolhas e práticas dos docentes
entrevistados: Saliba (1993, 2004, 2007); Abud (2003) e Ramos (2005).
De acordo com Saliba (1993), ao fazer uso do filme no ensino de
“humanidades”, o esforço do professor deve estar voltado a mostrar que,
à maneira do conhecimento histórico, o filme também é produzido – também ele
irradia um processo de pluralização de sentidos ou de verdades e, da mesma
forma como na História, é uma construção imaginativa que necessita ser pensada
e trabalhada interminavelmente (p.94).
Através desse paralelo, o autor nos lembra de algo central ao lidar com a arte
cinematográfica: o fato de que também ela, assim como o conhecimento histórico,
é resultado de uma construção, ainda que de uma construção específica, aquela
que se dá por meio da criação artística. Portanto, não cabe qualquer ingenuidade
que desconheça seu caráter de intervenção humana, assim, carregada de assinatura
e de tudo que isso implica de marcas pessoais e sociais.
Apesar de Saliba considerar o processo de desvelamento da construção
fílmica uma tarefa complexa e que, em sua plenitude, exige um esforço
interdisciplinar, “
quase impossível na prática de ensino das nossas escolas”, sendo
realizado, ele “
pode constituir-se em um guia heurístico de grande valia para se
entender, de forma aberta e dinâmica, como a história é construída na narrativa fílmica
(p.95).
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19
Em outra advertência, o autor afirma que chamar a atenção para o processo
de construção subjetiva da história no interior da narrativa fílmica “não significa
concluir que os dados históricos possam ser ‘inventados’ ou utilizados arbitrariamente
”,
pois, a seu ver, o abandono por completo da precisão, leva a que a história perca
suas referências e qualquer coisa passe a valer (p.98).
Lembra também que não importa se documentário ou ficção, o fato é que a
construção da história presente nestes artefatos é mais do que mera interpretação
da História, na medida em que gera significados para o presente, lançando o
realizador da obra cinematográfica em contextos ideológicos que ele não domina
em sua totalidade. Assim, reconhecer a subjetividade da História na narrativa
fílmica significa ter em conta a memória coletiva como terreno comum da arte
cinematográfica e da historiografia (2004: p.120).
Em trabalho recente, Saliba (2007) afirma ter como propósito
“mostrar a
importância do professor de história no seu esforço de desmistificar as chamadas imagens
canônicas
”, segundo ele, imagens-padrão que estão de tal forma impregnadas em
nosso imaginário coletivo, que as identificamos rapidamente (p.87).
Neste texto, o autor defende a idéia de que, em uma atmosfera em que nos
vemos
“intoxicados pelas imagens”, o papel do professor, em especial ao ensinar
história,
“é operar, em primeiro lugar, um ordenamento temporal de tais imagens” e
adverte que, com isso, está supondo:
uma operação crítica, exercícios de aproximação, identificação e distanciamento
das imagens e dos seus significados. Operar criticamente as imagens significa
sobretudo começar a quebrar com o efeito de real que elas provocam
(p.90).
Para Saliba, não é possível adotar critérios objetivos para escolher filmes
ou imagens, canônicas ou não, porque
“nossa relação com as imagens em movimento
é uma relação emocional
”, no entanto se permite uma concessão se quisermos um
critério: “os melhores filmes e as melhores imagens são aqueles capazes de nos
provocar uma reação emocional, fugindo à banalização e à seriação das imagens
canônicas
” (p.95).
Ao examinar a utilização do cinema como um recurso didático para o
ensino de História, Abud (2003) afirma que “entre todos os meios de
comunicação, tem sido o cinema o que mais tem despertado o interesse dos
professores por sua utilização em sala de aula” (p.183).
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20
No entanto, reconhece a autora, esse acolhimento por parte dos docentes
não tem tido correspondência em termos de uma discussão mais ampla sobre o
uso do cinema nas aulas da educação básica, embora, seja ele “um dos elementos
constitutivos de uma nova metodologia para o ensino de História” (p.183).
Após resgatar parte da história do uso dos recursos audiovisuais e do
cinema na educação brasileira, lembrando, entre outros, a defesa que os
educadores ligados à Escola Nova faziam da utilização daqueles artefatos nas
primeiras décadas do século XX, e a criação do Instituto Nacional do Cinema
Educativo (INCE) em 1937, a autora afirma que,
não deixa de ser instigante o fato de que décadas antes de os historiadores
aceitarem o cinema entre suas fontes, professores de História já pensassem nas
possíveis utilidades do cinema em sala de aula (p.187).
Ainda para essa autora, as imagens legitimam-se como instrumento de
trabalho em sala de aula à medida que seu uso provoca
uma atividade psíquica intensa feita de seleções, de relações entre elementos da
mesma obra, mas também com outras imagens e com representações criadas e
expressas por outras formas de linguagem. A imagem fílmica situa-se em relação
à outra, ausente, que se relaciona com a realidade que se supõe representada
(p.188).
Ao defender a incorporação das
“linguagens artísticas” ao ensino de
História, Ramos (2005) afirma que
é ainda embrionária, entre nós, a reflexão a respeito da utilização do Cinema e
particularmente do Teatro como suporte/estímulo para práticas educativas no
âmbito do Ensino de História (p.177).
Para o autor, os profissionais da área que lidam com as questões didático-
pedagógicas ainda se encontram, em sua grande maioria, envolvidos no esforço de
dar conta de dois problemas: “os possíveis usos do livro didático (...) e com a produção
de conhecimento/textos nas salas de aula
” (p.177).
Apesar de reconhecer que estas preocupações são plenamente justificadas,
o autor entende que esta discussão encontra-se consolidada, assim como a
possibilidade dela interferir decisivamente no trabalho de sala de aula já se
mostrou válida e pertinente. Portanto, ele encoraja aqueles profissionais a
mergulharem em
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21
novos problemas e, particularmente, voltarem-se para as questões atinentes à
incorporação das linguagens artísticas no ensino. Elas são urgentíssimas e –
ninguém pode colocar em dúvida – vieram para ficar. Isto não significa que os
historiadores devam pura e simplesmente abandonar suas preocupações
rotineiras. Na realidade elas são necessárias, mas não são mais suficientes
(p.178).
Ao examinar as propostas dos Parâmetros curriculares nacionais – 5ª a 8ª
séries – História, no que toca à utilização do cinema, este autor destaca duas
possibilidades de trabalho decorrentes da leitura do documento: a primeira, a
problematização da linguagem hoolywoodiana”, ou seja, o exercício da crítica das
formas de reconstituição cinematográficas dominantes no mercado exibidor. A
segunda, também ressaltada por Saliba (1993, p.94), a proposta de que o professor
invista em mostrar aos alunos que, à maneira do conhecimento histórico, o filme
também é produzido.
Tanto no trato destas possibilidades de trabalho quanto em outras,
relacionadas ao uso do cinema no ensino de História, Ramos afirma que “
o estudo
da linguagem cinematográfica não é apenas valioso, mas antes de tudo, essencial
(p.183). Mais ainda, os Parâmetros deveriam ter enfatizado a “
indissociabilidade
entre forma e conteúdo, entre linguagem cinematográfica e diálogo com as fontes e a
historiografia
” (p.184).
De acordo com o autor, para que o uso do cinema na escola possa ter êxito
é preciso ter em conta algumas exigências: a primeira, que o trabalho com filmes
privilegie
“materiais cinematográficos complexos”, ficcionais ou documentários,
produzidos não necessariamente com fins didáticos, de modo a exigir do professor
o aprofundamento do tema; a segunda, que, sempre que possível, um tema ou
período da História seja trabalhado por mais de um filme, de modo a favorecer,
entre outros, a pluralização de leituras historiográficas. A terceira, o investimento
do professor em uma formação específica na linguagem cinematográfica, que
permita a ele decodificar a mensagem audiovisual, nem sempre transparente ou de
entendimento imediato (p.185).
No entanto, ele adverte que é preciso que esse esforço venha acompanhado
de modificações profundas nas condições de trabalho dos professores do ensino
fundamental e médio, de maneira que a introdução de novas formas de trabalho
não signifique apenas a incorporação de novidades e a permanência do essencial,
de forma precária, na educação brasileira (p.185).
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Além destes autores, especificamente no campo do cinema, Carrière
(2006) me foi uma referência importante com seu convite a que na relação com as
imagens e a arte cinematográfica, cada um de nós se permita
“a abrir um pouco
mais os olhos”
procurando ter com essas, uma atitude crítica e ativa (p.13). É ele
que nos adverte:
A ‘verdade’ de uma foto, ou de um cinejornal, ou de qualquer tipo de relato, é,
obviamente, bastante relativa, porque nós só vemos o que a câmera vê, só
ouvimos o que nos dizem. Não vemos o que alguém decidiu que não deveríamos
ver, ou o que os criadores dessas imagens não viram. E, acima de tudo, não
vemos o que não queremos ver (p.55).
2.3
Definição de objeto e problema de pesquisa
Esta proposta tem como objetivo descrever e analisar o uso de filmes no
ensino de história por professores da educação básica, tendo como eixos centrais
as seguintes questões: O que leva professores de história a fazer uso de filmes em
suas aulas? Que concepções esses professores têm de cinema e de ensino de
história? Que critérios adotam para selecionar os filmes que exibem? Que usos
fazem dos filmes no espaço escolar? Como avaliam os resultados das atividades
que desenvolvem?
2.3.1
Relevância do tema para a educação e para a pesquisa
Considero importante mapear e descrever práticas cotidianas de ensino,
pois isso ajuda a compreender o modo como as relações de ensino-aprendizagem
estão se dando no espaço concreto da sala de aula, o que nos permite repensá-las.
Considero também relevante avaliar a contribuição que a obra
cinematográfica tem oferecido ao exercício do ensino de história, já que é
amplamente utilizada, de forma a trazer mais elementos para a reflexão sobre a
eficácia e/ou adequação do uso de filmes na construção do conhecimento escolar.
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23
Destaco, por fim, a importância de identificar práticas de uso do cinema
por professores de história que lecionam na educação básica, assegurando, desta
forma, uma possível ampliação de uma área de estudos ainda por consolidar-se.
Objetivos
a) Geral: descrever e analisar práticas de uso de filmes por docentes de
história da educação básica.
b) Específicos:
- descrever e analisar a concepção de cinema e de ensino de história que
possa estar fundamentando este professor em seu cotidiano na sala de
aula;
- levantar critérios que os professores adotam para a seleção dos filmes
que exibem em suas aulas ;
- descrever estratégias adotadas pelos professores ao usar o filme como
recurso pedagógico no ensino de história.
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3
Metodologia
Tendo em conta os objetivos e questões anteriormente explicitadas, optei
por um perfil de pesquisa de base qualitativa, e nesta, por trabalhar com
entrevistas estruturadas. Nesse contexto, entrevistas são um instrumento de
pesquisa que contribuem para mapear escolhas e práticas, permitindo ao
pesquisador mergulhar na descrição e compreensão da lógica que orienta as
opções e ações dos atores sociais.
Cabe ressaltar que a escolha por trabalhar com entrevistas esteve
estritamente vinculada à opção por ouvir professores de história da educação
básica. De acordo com Goodson (1992), a pesquisa educacional que pretenda
conhecer as prioridades dos professores deve começar por “assegurar que a voz do
professor seja ouvida, ouvida em voz alta e ouvida articuladamente” (p.66-67). De
outro modo, significa dizer que as estratégias de pesquisa devem “facilitar,
maximizar e, em sentido real, surpreender a voz do professor” (p.69).
Neste sentido, foram entrevistados oito professores de história das redes
pública e particular de ensino básico da cidade do Rio de Janeiro, levando-se em
conta, no entanto, o “ponto de saturação”, ou seja, a situação em que as
informações coletadas nas entrevistas passam a ser recorrentes e repetitivas. As
entrevistas, com duração aproximada de quarenta minutos foram realizadas a
partir de um roteiro estruturado, ou seja, previamente elaborado, que teve como
objetivos identificar concepções de cinema e de ensino de história, critérios de
escolhas de filmes e as práticas pedagógicas utilizadas pelo professor ao fazer uso
de filmes na escola (o roteiro das entrevistas encontra-se em anexo).
Para evitar escolhas arbitrárias, a seleção dos professores entrevistados foi
feita em sistema de rede, no qual a partir de um ego focal - informante
qualificado, que conhece bem o campo em estudo e se dispõe a ser o primeiro de
uma série de possíveis entrevistandos - cada entrevistado indica outros possíveis
informantes naquele campo, configurando assim uma rede de “especialistas” no
tema que está sendo investigado. Um critério que esteve presente na seleção foi
que o professor tivesse um razoável tempo de uso regular de filmes em suas aulas,
considerando para tal, um uso em torno de cinco anos. Buscou-se, à medida do
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25
possível, manter um equilíbrio entre o número de professores de escolas públicas
e de escolas particulares no conjunto das entrevistas.
Como se deram as entrevistas
A pesquisa de campo foi realizada ao longo do segundo semestre de 2006.
Como relatado acima, esteve centrada nos depoimentos de oito professores de
história das redes pública e privada que atuam na educação básica na cidade do
Rio de Janeiro. No conjunto, à época, esses professores trabalhavam em dezenove
instituições escolares diferentes.
Registro, de início, a dificuldade que foi lidar com minha imensa timidez
ao fazer os contatos com cada entrevistado. Em princípio, me sentia invadindo a
vida pessoal dos professores a serem entrevistados e, principalmente, seus
preciosos tempos. O que me ajudou a lidar melhor com esse sentimento foi a
compreensão, que aos poucos impregnei, de que também estava oferecendo algo
àqueles profissionais, principalmente, a oportunidade de explicitarem suas
reflexões a respeito de suas motivações e dos usos que fazem de filmes no ensino
de história. De uma certa forma, a pesquisa também era uma forma de
reconhecimento do trabalho destes docentes. Essa perspectiva me animou a aceitar
meu lugar de pesquisador e, assim, em determinadas circunstâncias, o papel de
“invasor”.
Destacarei a seguir alguns aspectos que foram comuns às situações de
entrevistas realizadas para esse trabalho.
Fui muito bem acolhido como pesquisador, assim como encontrei
receptividade e interesse por parte dos professores em contribuírem para dar conta
das questões que propunha para sua reflexão e posicionamento, o que facilitou de
maneira significativa meu trabalho.
Como quase todos os professores preferiram que as entrevistas ocorressem
em seus locais de trabalho ou nas proximidades, sempre convivi de minha parte
com uma preocupação com o tempo de realização da entrevista, de maneira que
ela não viesse a prejudicar as atividades de rotina dos entrevistados, ainda que eles
tenham, na medida do possível, sempre buscado encaixá-la em algum horário que
tivessem um pouco mais de flexibilidade.
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26
Após esclarecer os objetivos da pesquisa e fazer acordos quanto ao
andamento da entrevista, procurei ter como postura apenas interromper o
entrevistado quando precisasse da confirmação de alguma de suas informações ou
um maior esclarecimento a respeito da lógica de seu raciocínio.
Considerando a metodologia assumida para o trabalho, o sistema de rede,
após definir o primeiro professor entrevistado (entrevista em anexo), que ainda
pude escolher, entrei em contato com este. Na verdade, uma professora, de quem,
apesar de não ter conhecimento mais próximo até então, tinha referências através
de uma ex-aluna sua e de um colega de trabalho, também professor de história e
seu ex-licenciando. Além disso, trata-se de uma profissional respeitada entre seus
pares por seu trabalho não só no ensino de história da educação básica, mas
também na formação de professores desta área, portanto, indiretamente, também
já conhecida por mim.
Meus “informantes” iniciais reforçavam o estímulo a tê-la como primeira
entrevistada, por a considerarem uma docente que em suas atividades de aula
costumava fazer um uso elogiável de filmes, além de a reconhecerem como uma
profissional com uma experiência amadurecida de trabalho no espaço escolar.
Vale registrar que, apesar dos recorrentes estímulos, tive uma resistência
inicial por saber que se tratava de uma docente muito requisitada
profissionalmente, portanto, não só temia sufocá-la em sua carregada agenda, mas
também não conseguir dar conta de minha tarefa acadêmica. No entanto, desafiei
meus temores e, hoje, lamento já não ter dialogado com ela sobre as alegrias e
dilemas de nosso trabalho no ensino de história há mais tempo.
Em meados de agosto de 2006, realizei, enfim, a primeira entrevista, que
ocorreu na instituição pública em que trabalha a docente. Ela se deu em uma
pequena sala, a partir da qual a entrevistada coordenava à época um projeto de
trabalho. Como a sala fica em um dos andares onde ocorrem as aulas dos alunos
de ensino fundamental e médio, mesmo com a porta fechada, era comum durante
a entrevista, entrar o som da energia juvenil gravador à dentro, ainda que isso em
nenhum momento tenha prejudicado a qualidade da troca com a entrevistada e
nem tornado a gravação inaudível, apenas, em alguns trechos, a transcrição se fez
mais trabalhosa.
Como fruto deste bom ambiente de primeira entrevista e das trocas
realizadas com a professora, me permiti adicionar duas novas questões às que
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27
havia levado inicialmente, o que também, nesse aspecto, contei com sua
percepção. Ou seja, esse primeiro contato me serviu para consolidar o universo de
questões que passaram a estar presentes nas entrevistas até o último depoimento,
além, de maneira definitiva, ter me reforçado a validade e relevância das
proposições que levava ao campo. Vale lembrar ainda que, recebi dela três
indicações de docentes como possíveis entrevistados.
Este primeiro depoimento me marcou pela forte preocupação da professora
com que seu exercício docente no ensino de história esteja articulado a reflexões e
práticas que tenham em conta as questões do âmbito formativo.
Das indicações recebidas, todas resultaram em entrevistas realizadas,
embora, uma delas eu tenha precisado descartar em função da pequena freqüência
de uso de filmes informada pelo professor entrevistado. Das duas outras, uma das
entrevistas não me gerou novas indicações, o que foi compensado pelo fato de ter
recebido duas novas sugestões do outro entrevistado.
Ainda daquelas três primeiras indicações, vivi algumas situações curiosas
e aflitivas tendo em conta o tempo curto para a pesquisa. Quando liguei para um
dos futuros entrevistados na véspera do que havia sido combinado como dia do
encontro, para relembrá-lo, fui informado pelo próprio de que havia esquecido da
entrevista e marcado um médico naquela mesma hora. Até que realmente nos
encontrássemos foram três semanas sem que eu pudesse avançar nas entrevistas,
pois dependia para tal desse depoimento e de uma possível indicação que daí
viesse. Fiquei com uma forte impressão de que, na verdade, o futuro entrevistado
de então, havia superdimensionado aquela situação, imaginando inclusive precisar
de um tempo maior para preparar-se para a entrevista.
O segundo depoimento me revelou um docente de sólida e refinada base
cultural, além de um convicto defensor do documento como elemento estratégico
do trabalho do professor no ensino de história realizado na educação básica,
incluindo nesta perspectiva o próprio filme.
Como se tratava de um docente com encargos de coordenação na
instituição em que trabalha, fiquei especialmente preocupado em não extrapolar o
tempo planejado para a entrevista, pois sabia de sua margem menor de
flexibilidade no horário. Apesar desta situação ter me trazido alguma ansiedade,
em função dos limites do tempo, a capacidade de elaboração e concisão desse
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28
professor acabou fazendo com que o depoimento se tornasse produtivo e
esclarecedor de seus olhares a respeito das questões postas.
Como o primeiro depoimento, esse segundo aconteceu em uma pequena
sala mais reservada da instituição.
A terceira entrevista se deu com uma jovem professora, que me chamou a
atenção não só por ter sido a única que em sua formação teve um curso eletivo,
durante a graduação na UFF, envolvendo Cinema e História, mas também por sua
forte preocupação e, até mesmo, uma certa angústia com os caminhos e
descaminhos do ensino de história e dos currículos escolares na educação básica.
Realizamos a entrevista nas proximidades de uma de suas escolas, no
banco de uma calçada de uma pequena travessa entre duas outras escolas, em
absoluta tranqüilidade e silêncio. O verde de uma praça próximo e de uma mata,
certamente, contribuiu para o ambiente favorável, além do fato, dos estudantes
naquele momento estarem em horário de aulas.
Na quarta entrevista novamente estive com uma professora, também em
um espaço público e dessa vez acompanhados por alunos de uma escola próxima
a da entrevistada, que se mostravam muito curiosos sobre quem seria aquela
pessoa que era entrevistada tão cedo da manhã. Percebi que todo o tempo eles
esticavam os ouvidos à busca do que se passava ali, até porque uma vez ou outra
entendiam que estávamos tratando de algo que tinha a ver com eles, pois
falávamos de “alunos”, “filmes na escola”, “ensinar história”, etc. Vale lembrar,
que apesar da enorme curiosidade, mantiveram-se, enquanto acompanharam a
entrevista, em uma atitude respeitosa e de uma comovente solidariedade.
A professora se demonstrou uma docente orientada a incentivar o contato
dos alunos com um leque amplo de linguagens que, na medida possível, possam
dialogar entre si e serem mutuamente estimulantes uma a outra. Além disso, se
caracterizou por ter sido uma das entrevistadas mais preocupadas com questões do
âmbito da formação de valores de seus alunos.
Sem dúvida, as tiradas de bom humor desta professora tornaram essa
entrevista muito agradável. Um último registro que me impressionou: ela é sócia
de onze videolocadoras de filmes na cidade do Rio de Janeiro, isso sem falar em
São Paulo, quando em uma temporada por aquela cidade, se associou para assistir
lá o que não encontrava aqui.
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O quinto depoimento se deu na biblioteca de uma escola confessional,
localizada no quarto andar do prédio. Aparentemente, tinha tudo para ser um oásis
de tranqülidade, no entanto, como nela há uma pequena arena onde ocorrem
atividades de leitura com as crianças menores e, ao lado, no andar térreo, uma
quadra de educação física que àquela hora estava em pleno uso, durante um certo
tempo, a entrevista conviveu com um razoável nível de ruído. Nesse caso,
também, foi difícil recuperar alguns trechos. O paradoxo foi constatar que uma
entrevista realizada em uma biblioteca pode ser mais barulhenta do que uma que
se dê na rua, como as duas anteriores.
Apesar das adversidades iniciais, aliviadas após um tempo com o
encerramento da atividade dos pequenos, a entrevista fluiu satisfatoriamente,
enriquecida pela emoção, sensibilidade e seriedade da professora entrevistada.
Não tenho dúvidas, que tenha sido o depoimento mais emocionado que colhi,
provavelmente, pelo cinema estar tão presente na alma de uma docente que fez
formação como atriz e ainda cultiva o sonho de assim atuar. A seriedade a que me
refiro deve-se, sobretudo, ao fato de apesar de manifestar seu desejo de ainda
trabalhar como atriz, essa professora investir plenamente na atividade docente que
exerce nesse momento. Em cada fala, ela me transmitia uma profunda integridade
e envolvimento com suas atuais atividades.
Vale registrar que esta mesma professora teve um papel chave no
andamento da pesquisa, pois ela não só esforçou-se para obter acesso a um
professor indicado por ela, como ainda me ofereceu uma segunda indicação
preciosa.
O professor indicado por dois entrevistados anteriores, foi de uma enorme
gentileza: propôs-se a ir a minha casa para que eu pudesse colher seu depoimento.
Colhido, e ouvindo a gravação alguns minutos após sua saída, percebi um grave
problema que gerei: ao apertar indevidamente o gravador a certa altura da
entrevista, perdi três das questões respondidas por ele. Expliquei o que havia
ocorrido e para meu alívio, o professor se disponibilizou não só para voltarmos
àquelas três questões, mas, a retornar a minha casa.
Seu depoimento foi marcado por uma rigorosa preocupação com que a
presença do cinema na escola e, particularmente, no ensino de história, se firme
como um instrumento de reflexão. Também presente de uma forma singular, a
atenção a que o docente ao planejar o uso de um filme prepare, de maneira
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adequada, o ambiente em que os alunos conhecerão a obra fílmica. Por último, foi
o único entre os entrevistados, em que tive menção ao uso de filmes em um curso
de mestrado em História, nesse caso, realizado na UERJ.
A penúltima entrevista ocorreu na sala de professores de uma escola
confessional durante o primeiro tempo de aulas, em um ambiente tranqüilo,
acompanhados apenas de um casal de periquitos e de um colega do entrevistado,
também professor de história, que chegou um pouco depois à sala, mas que
manteve um silêncio respeitoso durante as trocas.
O professor entrevistado, descobri então, é um cinéfilo clássico. Difícil
imaginar o que ele já não tivesse visto de filme na vida. Muito tranqüilo e solícito,
só mudava o tom quando referia-se a ausência de uma cultura cinematográfica
refinada entre os jovens de hoje. Nesses instantes, chegava a demonstrar uma
certa irritação e frustração. No entanto, assume como docente a tarefa de
contribuir com que seus alunos possam ter acesso a filmes como bens culturais. O
percebi como um dos entrevistados que mais demonstrou atenção ao uso do filme
como instrumento formativo.
Finalmente, em fins de novembro de 2006, consegui realizar o que se
configuraria como a última das entrevistas para essa pesquisa. Ela aconteceu em
uma pequena sala de aula, sem uso naquele momento, embora tendo a seu lado
algumas outras, ainda em razoável atividade, o que significava sermos
relativamente acompanhados por uma alegre energia juvenil do lado de fora. Em
alguns poucos casos, também aqui, encontrei dificuldades na hora de transcrever a
entrevista, sem, no entanto, haver alguma situação em que não tenha podido
recuperar a fala do docente.
O entrevistado, um professor muito tranqüilo, me impressionou pela
fluência teórica e por defender de maneira muito precisa seus pontos de vista,
além de ter me deixado a impressão de que, entre os entrevistados, tivesse sido um
dos que mais tenha demonstrado em seu relato, uma firme atenção com a busca
por realizar uma prática que implique em um uso plural de linguagens em suas
aulas. Sempre procurou enfatizar, o quanto a linguagem cinematográfica
comparece em suas atividades como uma das linguagens exploradas.
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Quadro de dados dos professores entrevistados.
Nome Idade Formação
Tempo de
Magistério
Tempo
de uso
do
filme
Freqüência
de uso
anual
Rede de
ensino
em que
atua
Nível de
ensino em que
atua
Helena
Araújo
44
anos
Mestrado em
Educação
21 anos 21 anos 3 a 4 Pública
e
Privada
Fundamental e
Médio
Luís
Afonso
42
anos
Graduação em
História
22 anos 17 anos 16 Privada Fundamental e
Médio
Renata
Augusta
36
anos
Mestrado em
História
12 anos 12 anos 4 Pública
e
Privada
Fundamental e
Médio
Ana
Lúcia
39
anos
Especialização
em História
13 anos 13 anos 8 a 9 Pública
e
Privada
Fundamental e
Médio
Ana
Carolina
27
anos
Mestrado em
História
7 anos 7 anos 3 a 4 Pública
e
Privada
Fundamental e
Médio
Hilton
Meliande
33
anos
Mestrado em
História
7 anos 7 anos 8 Pública
e
Privada
Fundamental e
Médio
Jorge
Luiz
40
anos
Graduação em
História
8 anos 7 anos 2 Pública
e
Privada
Fundamental e
Médio
Wagner
Pinto
44
anos
Graduação em
História
23 anos 21 anos 3 Privada Fundamental e
Médio
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4
Análise temática
4.1
Concepção de ensino de história
A maior parte dos professores entrevistados relacionou o ofício de ensinar
história ao objetivo de levar seus alunos a exercitar a “compreensão”, o
entendimento”, ainda que isso tenha vindo acompanhado de focos singulares ao
trabalho de cada um. De acordo com o professor Luís Afonso, por exemplo:
“O estudo da história, assim como o estudo de outras ciências, mas eu acho que
a história de uma forma singular e muito forte, ela possibilita o refinamento, a
construção e o refinamento de uma lógica compreensiva. Uma lógica
compreensiva em relação ao outro, que eu acho que é uma pré-condição para
uma lógica compreensiva em relação a si próprio... Eu trabalho principalmente
com jovens de onze, doze anos, e isso é um elemento que auxilia muito no esforço
de descentração desses jovens”.
Já a professora Renata Augusta considera relevante que as pessoas possam
construir dentro delas categorias históricas importantes para entender o mundo
em que vivem”. A seu modo, uma outra professora, Ana Carolina, encara o ensino
de história como um espaço de “compreensão de pessoas que viveram antes de
nós e que compuseram a vida que nós temos hoje”. Ana Lúcia, por sua vez, pensa
que “o ensino de história se faz necessário para a compreensão mesmo da nossa
realidade... No momento em que a gente entende a história, começa a
compreender os nossos passos”. Jorge Luís, ao marcar o que percebe como
significativo no ensino de história praticado na educação básica, refere-se à
questão da compreensão que a gente trabalha hoje”. E ainda o professor Wagner
Pinto, que lembra que um de seus objetivos é o de “dotar realmente os alunos de
instrumentos que permitam que eles possam entender melhor as coisas”.
Ou seja, de um modo ou de outro, esses professores afirmam que
encontram como uma das motivações para seu trabalho como docentes do ensino
de história da educação básica a escolha por uma prática que incentive as crianças,
adolescentes e jovens, a compreender sua relação com a época e o mundo em que
vivem a partir de uma perspectiva histórica. Assim, recusam práticas puramente
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instrumentais como aprender para fazer provas ou para responder a questões do
vestibular, ou mesmo um trabalho que se circunscreva à transmissão e
memorização de fatos e eventos, ou ainda, algo que pudesse sugerir um aprender
por aprender, pois o aprendizado é entendido nesse contexto como expressão de
um exercício de reflexão crítica sobre as relações dos seres humanos com o tempo
e o espaço. Essa perspectiva encontra eco no olhar de Bezerra (2003) sobre o
sentido do estudo da história:
“O objetivo primeiro do conhecimento histórico é a compreensão dos processos e
dos sujeitos históricos, o desvendamento das relações que se estabelecem entre os
grupos humanos em diferentes tempos e espaços” (p.42).
Um segundo elemento que para parte desses professores de história
legitima seu trabalho nas instituições escolares é a busca por tornar acessível aos
alunos uma parcela do conhecimento e da cultura elaborados pelos seres humanos
ao longo do tempo. É do que trata a professora Helena Araújo ao defender como
uma das tarefas do ensino de história “trabalhar... numa democratização de um
acesso ao saber, do conhecimento mais sistematizado, que é uma obrigação da
própria escola”. É o que também reivindica o professor Wagner, a partir de uma
reflexão do historiador e editor Jaime Pinsky:
Uma das funções do professor de história é passar a herança do patrimônio
cultural que o homem veio construindo ao longo do tempo e tentar fazer com que
esse patrimônio cultural possa fazer sentido para o aluno dentro de seu universo
cultural”.
Uma outra concepção de ensino de história traz a idéia de que seu
conhecimento possa servir como ferramenta de mudança. Isso apareceu na fala de
Renata:
“A história tem um papel transformador na vida de qualquer pessoa, então acho
importante as pessoas terem noção deste processo histórico... Para entender o
mundo em que vivem, e até para modificar esse mundo... Eu acho que a história
ainda tem esse papel transformador”.
Ana Lúcia compartilha essa visão: “Acho que entendendo melhor a história, a
gente pode compreender que pode mudar e que o destino desse país está em
nossas mãos”.
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35
Ao examinar propostas curriculares de história do ensino fundamental de
praticamente todos estados brasileiros no período de 1990 a 1995, a professora
Circe Bittencourt (2004) chegou a conclusões que, de algum modo, podem ser
identificadas com o depoimento dessas professoras:
“As introduções dos textos oficiais reiteram, com insistência, que o ensino de
História, ao estudar as sociedades passadas, tem como objetivo básico fazer o
aluno compreender o tempo presente e perceber-se como agente social capaz de
transformar a realidade, contribuindo para a construção de uma sociedade
democrática” (p.19).
Acredito que um ponto de contato entre os depoimentos anteriores está na
preocupação, expressa por Helena, de que o trabalho com os alunos deve buscar
ampliar seu horizonte enquanto cidadão... na sua dimensão política, para que
ele possa se posicionar no mundo de uma forma mais consciente, mais crítica”.
Na opinião dessa professora, a educação básica não tem como objetivo formar
historiadores, “o sentido da história na educação básica é trabalhar em uma
ampliação da cidadania”.
A meu ver, as três professoras expressam em suas falas o desejo de que o
ensino de história, de alguma forma, contribua para a formação de uma jovem
cidadania sensível e comprometida com as questões de seu tempo. Em um exame
do tema nos PCNs, Magalhães (2003) encontrou uma visão semelhante:
“Na questão da cidadania, os PCNs partem do pressuposto de que o ensino de
história favorece a formação do estudante como cidadão no sentido de ter uma
atitude crítica diante da realidade” (p.176).
Uma forma de atuação no ensino de história, lembrada por dois dos
profissionais entrevistados, refere-se à formação dos jovens no sentido de
capacitá-los para ler e analisar criticamente a produção cultural, acadêmica ou
não, com a qual são confrontados no mundo contemporâneo, incluindo aí os
textos e documentos oriundos do esforço dos historiadores para explicar tanto o
tempo passado como a época presente. Assim, Helena Araújo coloca como uma
das tarefas dos profissionais que atuam nessa área trabalhar na formação “do
consumidor e do leitor crítico, mais consciente de suas escolhas, de suas escolhas
políticas, pessoais, em todos os sentidos”. Para Wagner, uma das funções de seu
ofício junto aos estudantes
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“é dar instrumentos de análise, de percepção de leitura... Isso é até um dos
motivos de se utilizar outras formas de linguagem, como a imagem, o cinema...
Ah, e além do mais, como qualquer professor de qualquer disciplina, ajudar a ler
e escrever, não é? Tem a leitura... os textos, a percepção, ficam muito mais
aguçados com uma boa leitura”.
Três dos docentes entrevistados relacionaram o ensino de história ao tema
da vida. Foram recorrentes expressões como as que se seguem: “ensinar história é
ensinar sobre vida”;
mostrar como se vive afinal de contas, a história como coisa viva”;
compartilhar sentimentos, saberes, emoções e aprender nesse jogo, nesse
interesse da relação com os alunos e com as pessoas que estão em volta”.
Para Helena, uma das razões de ensinar história é “para que a gente possa
trabalhar com uma memória com nossos alunos”. Essa é uma preocupação
destacada também por Hobsbawn (1995) em seu estudo sobre o século XX:
“A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam
nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais
característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje
crescem numa
espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com
o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é
lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim
do segundo milênio” (p.13).
Tema igualmente analisado por Martins (2004) no texto “História e ensino
de História: memória e identidades sociais”
3
, no qual a professora lembra que:
“Os estudos sobre memória se universalizaram no momento em que, como
nunca, o passado está distante do presente, quando as pessoas não mais
identificam sua herança, pela perda dos antigos padrões de relacionamento social
e desintegração dos antigos laços entre as gerações” (p.2).
3
Apresentado no V Encontro Nacional “Perspectivas do Ensino de História: Sujeitos, Saberes e
Práticas” realizado no Rio de Janeiro de 26 a 29 de julho de 2004.
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37
4.2
O significado do cinema para professores de história
Nesse ponto, o que inicialmente chama a atenção nos depoimentos dos
professores entrevistados é sua forte identificação com esse tema:
Eu adoro cinema desde pequena... Cinema é uma coisa assim que me
encanta, muito antigo” (Helena)
O cinema é um espaço de prazer, é um espaço de diálogo” (Luís)
Eu sou cinéfila, adoro cinema, vou muito a cinema” (Renata)
Pessoalmente, o cinema sempre compôs uma linguagem fascinante desde
a infância” (Ana Carolina)
Olha, eu amo cinema... Então, eu me emociono com o cinema” (Ana
Lúcia)
Para mim representa vida... É emoção, é transformação, é o cotidiano, é
a magia...” (Hilton)
Antes de tudo, eu sou cinéfilo. Cinéfilo, mesmo, de carteirinha” (Jorge)
Eu sempre curti muito cinema” (Wagner)
Sem dúvida, o fato desses professores terem se prontificado a falar sobre
as relações entre cinema e ensino de história e terem sido indicados por seus pares
como alguém que poderia dar um depoimento sobre o tema, já era um forte
indício do perfil desses professores. As entrevistas confirmaram uma presença
significativa do cinema na vida e trabalho desses profissionais, o que, a meu ver,
indica que a escolha pelo uso de filmes em sala de aula guarda vinculação com a
vida pessoal. Para esses docentes, a prática de exibir filmes no espaço escolar se
deve à presença forte do cinema em suas vidas.
Dentre as trajetórias de ligação com o cinema, a do professor Jorge Luís
apresenta contornos muito particulares: de acordo com seu depoimento, houve
momentos em que chegou a assistir a cinqüenta filmes em vinte dias (por
exemplo, na mostra de cinema organizada, nos anos 1980, pelo Cineclube Banco
Nacional de Cinema, atual Estação Botafogo). Por outro, como foi proprietário de
uma locadora durante oito anos, catalogava, escrevia, “dava cotação”, fez o
registro de mais de cinco mil filmes. Além disso, por ter trabalhado na Fox,
também atuou na venda de filmes. Portanto, um percurso muito singular de
contato com a produção cinematográfica seja como “cinéfilo de carteirinha” seja
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38
como profissional que alugava e vendia filmes, anos antes de optar por fazer sua
formação em história. A professora Ana Lúcia, que se comoveu ao falar do
significado do cinema, cultiva com este um flerte antigo. Tendo sido formada em
Artes Cênicas pela CAL (Centro de Artes de Laranjeiras), confidencia: “Eu tentei
seguir essa carreira de atriz, sei que cinema é mais difícil, mas sinceramente, eu
gostaria de buscar esse lado”.
Pelo que me relataram os demais docentes, todos passaram a fazer uso do
filme em sala de aula a partir de uma trajetória de expectadores entusiastas do
cinema.
A propósito de como vêem o cinema, a percepção mais recorrente é de que
ele é uma forma de arte, “uma linguagem da arte dentro de um campo amplo da
cultura” (Helena); “uma arte sintética... que tem muito a feição do nosso tempo...
das possibilidades e dos limites do nosso tempo” (Luís); “uma arte que me deixa
estasiada assistindo... reúne música, imagem, textos; (...) a arte contemporânea.
Uma das mais fortes” (Ana Lúcia).
De acordo com Bernardet (2004), ao examinar o nascimento do cinema em
fins do século XIX e início do XX, uma arte que surge paralelamente à
consagração da burguesia como classe e que fortalece um universo cultural que
expressa seu triunfo e imagem. Para esse autor:
“A burguesia pratica a literatura, o teatro, a música, etc., evidentemente, mas
essas artes já existiam antes dela. A arte que cria é o cinema. Não era uma arte
qualquer. Reproduzia a vida tal como é – pelo menos essa era a ilusão. Não
deixava por menos. Uma arte que se apoiava na máquina, uma das musas da
burguesia. Juntava-se a técnica e a arte para realizar o sonho de reproduzir a
realidade” (p.15).
O cinema como campo da cultura, também encontra eco nas palavras de
Renata Augusta: “Ele é o produto cultural de um tempo, de uma sociedade, de
uma cultura”.
Para Jorge Luís,
cinema é atitude: é ver o filme além; ver fotografia; ver roteiro; ver se
houve falha. Tanto que eu não gosto de ver um filme uma vez. Ainda mais
se é um filme que eu gosto”.
Este professor atribui ao cinema um papel formativo:
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“Voltando à questão da cultura, me parecem que são duas coisas que se
ligam. O cinema é totalmente... Não só o cinema, como o teatro, claro, até
mesmo a televisão, em algum sentido, é que dão cultura a uma pessoa”.
Ana Carolina vê nessa arte
“uma maneira diferente de se contar uma história... uma vida de uma
pessoa, um acontecimento, alguma coisa... Eu sempre tive muita
curiosidade sobre as outras pessoas e essa curiosidade leva você a buscar
uma maneira de entendê-las. O livro era uma e o cinema era outra”.
Em suas reflexões, lembra que apesar da imagem parecer óbvia, ela
permite múltiplas interpretações, o que para essa professora, também é
característico de todas outras artes, como a música, por exemplo.
Essa fala me remete a uma observação feita pelo escritor e roteirista Jean
Claude Carrière (2006) sobre o ofício de fazer filmes: “
Quem faz cinema é herdeiro
dos grandes contadores de histórias do passado e mantenedor da tradição deles
” (p.182).
Para Carrière, isso corresponde, ainda hoje, a “uma verdadeira necessidade, a nossa
necessidade de ouvir histórias
” (p.184) que não se dá apenas ao nível dos indivíduos,
mas, muitos acreditam, também por parte de uma sociedade:
“Não ser mais capaz de contar a própria história, de se situar satisfatoriamente
dentro do tempo, poderia realmente iniciar o processo de desaparecimento de
povos inteiros, desligados de si mesmos pela falha de uma memória em se
renovar e em continuar a se renovar. Desligados de si mesmos e talvez levados à
loucura” (p.185).
O professor Hilton afirma que, encontra no cinema uma fonte capaz de
registrar “os momentos de mais pura felicidade ou então de mais pura reflexão...
É a fonte de jovialidade do espírito, do ensino e do trabalho...”. Além de se
constituir, para ele, em um hobbie.
Retomo a professora Renata e suas preocupações com o contexto
histórico-cultural de produção de um filme. De acordo com ela, é instantâneo sair
do cinema e querer entender
que sociedade produziu aquele filme? Quais as intenções daquele diretor? Por
que esse filme está sendo produzido nesse tempo e não em outro? Com o que ele
está dialogando? Quais são as referências?”.
Nesse ponto de contato com as percepções dos professores entrevistados
sobre o cinema, vale a pena registrar modos próprios de dois deles lidarem com a
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40
produção cinematográfica. Enquanto Wagner não se vê entre aqueles que
acreditam na máxima de “cinema é a maior diversão”, Renata não descarta
aquele cinema de pura diversão”, apesar de dizer que acredita na possibilidade
de se extrair uma mensagem histórica ou uma mensagem cultural de um filme.
Wagner vê o cinema muito mais como expressão de arte:
Eu acho bonito quando você percebe na feitura, na maneira de fazer o filme,
não só na estória, não só no enredo, mas você percebe o cuidado com a imagem
e o que se pode ver a partir daquilo”.
E declara:
Os filmes que eu gosto mais de ver não são aqueles utilizáveis em sala de aula,
porque... Às vezes ficam com uma linguagem mais diferente, alguma coisa
assim... Mas, o que eu acho bom é também apresentar filmes para os alunos, nem
que seja apenas por sugestão muitas vezes. Filmes que fujam daquele enredo
começo, meio e fim, coisa assim. Eu vejo realmente o cinema como uma sétima
arte, como uma outra forma de arte, mais que diversão”.
Acerca dessa última discussão, penso que caiba a lembrança de que na
história do cinema não necessariamente arte e diversão caminharam separadas.
Dois exemplos clássicos em contrário, apreciados por milhões de amantes do
cinema, entre eles muitos professores de história, são “Tempos Modernos” e “O
Grande Ditador” de Charles Chaplin. Reconhecidas como das melhores
expressões da arte cinematográfica do século XX, ao mesmo tempo em que são
lembradas por sua capacidade não só de fazer rir, mas, inclusive, de ao fazê-lo,
estimular a reflexão sobre temas cruciais da vida e da história humana.
4.3
Relação entre cinema e ensino de história
A ligação mencionada pela maior parte dos professores faz referência à
contribuição que a imagem em movimento traria para o processo de conhecer e
ensinar história e à força da imagem como “reconstrução” ou representação do real:
“O cinema traz a possibilidade de uma concretude a nossos alunos,
principalmente, de quinta a oitava, num momento em que a história ainda
é uma das disciplinas mais abstratas” (Helena)
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41
“É a possibilidade da visualização de determinados dados de que eu falo
em sala. Eu acho que ele enriquece com a possibilidade de uma
linguagem visual. Diferente da linguagem do livro didático e diferente da
linguagem do livro paradidático, que é um outro recurso que eu acho
fundamental” (Ana Carolina)
“Determinados filmes, ainda que não sejam filmes históricos, eles
abordam determinados aspectos da vida do ser humano, que eu acho que
sensibiliza muito mais através da imagem do que, muitas vezes, você
falando numa aula expositiva” (Ana Lúcia)
“O cinema é uma grande ferramenta para a gente mostrar como os fatos
acontecem... e como a gente pode construir a própria história através de
imagens... a gente sabe que esses meninos hoje tendem muito para o lado
audio-visual” (Hilton)
“... a imagem é muito forte. O próprio aluno com a imagem consegue
conhecer melhor do que só a gente falando” (Jorge)
“Existem relações que são mais imediatas, mais evidentes, quando você
pode fazer uso de um filme histórico, digamos, e você pode apresentar
para eles mais do que simplesmente um conteúdo, mas que eles possam
visualizar... Se fazer presente através da imagem...” (Wagner)
Ou seja, esses professores encontram na imagem fílmica um aliado para o
trabalho em sala de aula ensinando história para crianças, adolescentes e jovens.
Acredito que a fala da professora Helena Araújo expressa de algum modo o olhar
dominante nesse grupo, qual seja, de que o filme permite aos professores tornar
concretos através da imagem em movimento conteúdos, conceitos, expressões da
vida cotidiana, trabalhados no ensino de história que, para os mais jovens, podem
ser extremamente abstratos. Tendo em conta os estudos de Piaget, essa professora
lembra que é o caso, por exemplo, do conceito de tempo:
“... a noção de tempo é a mais difícil da criança concretizar, ela ainda
vem depois da de espaço. Então, ter a habilidade da reversibilidade
temporal, nem sempre, antes dos doze, treze anos, está concretizada nos
nossos alunos. É claro que tem as questões culturais que envolvem, mas
existe também este dado que a gente não pode menosprezar... E o filme
nos traz a possibilidade deste resgate no imaginário, mesmo que às vezes
não seja tão perfeito quanto os historiadores gostariam, mas a gente pode
trabalhar com isso. Então, acho que isso incentiva muito os alunos, eles
gostam, eles têm prazer e isso educa muito”.
Penso que a professora Helena Araújo toca em pontos importantes: a
receptividade, em geral, positiva que os alunos têm do uso do filme no ensino de
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história, o prazer que deriva do contato com uma obra cinematográfica de
qualidade e o quanto isso incentiva o aprendizado e a formação dos alunos.
Como educador, me encontro entre aqueles que crêem na impossibilidade
do processo pedagógico poder de todo excluir momentos de aridez e de árduos
desafios aos educandos, no entanto, em minha perspectiva, essa compreensão só
reforça a importância central que deva ter a busca pelo prazer nas atividades
relacionadas à aquisição, construção e reconstrução de saberes.
Portanto, como Helena, vejo como um aspecto auspicioso o fato de, em
geral, os alunos relatarem terem satisfação com o uso do filme no ensino de
história, percepção também muito presente entre os demais professores que
entrevistei para esse trabalho. De certo modo, entendo que isso demonstra o
quanto o prazer pode ser um elemento vital na formação de crianças, adolescentes
e jovens.
De outro, a afirmação da professora Helena Araújo de que trabalhar com
filmes tem um componente educativo, de certa maneira, também é partilhada pela
professora da PUC-Rio, Rosália Duarte, estudiosa das relações entre cinema e
educação. Ao discutir o papel social do cinema, essa docente afirma que, entre
outras, também as relações que se estabelecem entre espectadores e filmes são
profundamente educativas (p.17). Portanto, segundo Duarte (2002):
“Ver filmes, é uma prática social tão importante, do ponto de vista da formação
cultural e educacional das pessoas, quanto a leitura de obras literárias,
filosóficas, sociológicas e tantas mais”(p.17).
Ou seja, ter contato com uma obra cinematográfica pode tanto favorecer o acesso
ao conhecimento e ao aprendizado quanto o mergulho em outras tantas fontes de
saber. Assim, para a autora, “esse é o maior interesse que o cinema tem para o campo
educacional – sua natureza eminentemente pedagógica
” (p.19).
Um segundo tema presente nos depoimentos foi a atenção de três desses
professores ao contexto histórico-cultural de produção fílmica, questão já
antecipada pelas professoras Renata e Helena em item anterior. Aqui, Renata a
nomeia como “condições de enunciação do filme”, que dizem respeito, ao
momento em que ele foi produzido, quais as intenções do roteirista, do diretor,
produtor, entre outros. De acordo com seu depoimento, Renata teve contato com
essa discussão em um curso sobre cinema, ministrado pela professora Mariza de
Carvalho Soares, durante sua graduação no departamento de História da UFF.
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43
No entanto, lamenta que em sua prática de sala de aula ainda não tenha
explorado plenamente essa perspectiva de trabalho com o filme, que acredita ser
mais viável a partir da oitava série. Sua experiência tem sido mais
“de usar o filme, como se ele tentasse mostrar algum conteúdo trabalhado
em sala de aula... como se fosse uma segunda voz, um reforço ou então
alguma coisa que vai incentivar, despertar para um determinado conteúdo
que vem depois... Mas, em geral, é assim: como se o cinema pudesse
mostrar com imagens, alguma coisa que a gente apontou em sala de aula
ou virá a apontar. E em cima do filme, eu faço depois uma discussão... Aí,
até falo da questão da autoria, da direção, dos atores, por que... Mas
sempre tentando obedecer à maturidade de cada série”.
Helena, considera:
sempre importante ao docente situar com os filmes que se trabalha em
sala: de quando é a produção, quem é o cineasta, diretor, em que país este
filme foi produzido, para que os alunos tenham a noção de que este filme
também traz uma história com ele. Ele se faz dentro de um contexto
cultural”.
Ao examinar as relações entre história e cinema, Kornis (1992), de algum
modo, toca no tema discutido por esses últimos professores, quando afirma:
“o que é importante registrar é que hoje se admite que a imagem não ilustra nem
reproduz a realidade, ela a reconstrói a partir de uma linguagem própria que é
produzida num dado contexto histórico” (p.2).
Tema igualmente presente nas reflexões de Sorlin (1994). Esse autor lembra que,
se quisermos entrar na inteligência da imagem precisamos compreender que ela
não é feita por qualquer um. Ela é feita por um homem que ganha a vida fazendo
imagens e que obedece a um certo número de regras
” (p.85).
Nessa mesma linha, Saliba (2007) defende a idéia de que todo o esforço
didático do professor deve ser no sentido de mostrar “como os filmes (ou imagens)
são produzidos
” (p.97). Em texto anterior, esse autor (2004) já havia chamado a
atenção para o fato de que à maneira do conhecimento histórico, o filme que é
produzido também irradia um processo de pluralização de sentidos e verdades,
portanto, é preciso ter-se em conta que “o filme é uma construção imaginativa que
necessita ser pensada e trabalhada interminavelmente
” (p. 120).
Acredito que esses autores, cada um a seu modo, de uma certa maneira,
corroboram as preocupações de parte dos professores entrevistados ao indicarem a
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importância de que o leitor de imagem, aí incluída a imagem fílmica, esteja atento
a reconhecer os diversos contextos nos quais uma obra desse tipo é produzida,
sem o que, fracassará, pelo menos em parte, o projeto de tê-la como algo passível
de ser entendida em sua profundidade.
Para educadores que trabalham com crianças, adolescentes e jovens, essa
responsabilidade aumenta, na medida em que desses profissionais, de certa forma,
dependem os educandos para construírem a capacidade de se alfabetizarem para
lidar de uma maneira, no mínimo, menos ingênua com o artefato audiovisual,
entre eles, o filme.
Por uma outra via, Luís Afonso, ao dar conta de que em sua prática de
sala de aula tem o cinema como um documento, traz para sua fala o historiador
francês Marc Ferro, ao considerar que uma das duas entradas do filme como
leitura da história passa por ele permitir “ler o tempo no qual ele foi criado, ele foi
pensado, ele foi filmado”. Portanto, não só é possível
revisitar a época ali trabalhada, mas pensar, por que será, digamos, que
na década de 1980, 1950, um cineasta pensou em visitar essa temática, e
de que forma ele a visitou e de que outras formas essa temática foi
revisitada em outros momentos por outros cineastas”.
Lembra o professor Luís Afonso, que trabalhar o cinema como documento
faz parte de uma opção de trabalho em que, mais do que um objetivo, o exercício
de leitura de documentos “é uma das estratégias, fundamentais para a construção
de um conhecimento histórico”. Isso implica, segundo esse professor, em um
investimento que deve ser feito na escola para “desenvolver uma série de práticas,
de condutas, para a gente pode ler”, já que não se pode de antemão considerar os
educandos prontos para fazer esse tipo de leitura, muitas vezes, de menor
familiaridade do que a leitura e interpretação de um documento escrito. Em sua
prática específica, ele realiza esse trabalho especialmente com alunos do terceiro
ano do ensino médio, em um curso intitulado “História e Cinema” que, articulado
ao programa da série, acontece em horário fora das aulas regulares.
De acordo com Kornis (1992), a possibilidade de se ter o cinema como
documento começou a ganhar força nas décadas de 1960 e 1970, quando o debate
historiográfico deu destaque à importância da diversificação das fontes a serem
utilizadas na pesquisa histórica. Em um primeiro passo significativo, a chamada
Nova História ampliava o conteúdo do termo documento, incluindo aí a imagem e
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o som, entre outros, além de chamar a atenção para a importância da crítica ao
documento.
Em um segundo momento, no âmbito da própria Nova História, os
historiadores ligados à história das mentalidades passam a tomar a iconografia
como fonte privilegiada, relativizando o domínio quase absoluto até então da
fonte escrita. Segunda essa autora, nesse contexto de reflexões,
“o filme adquiriu de fato o estatuto de fonte preciosa para a compreensão dos
comportamentos, das visões de mundo, dos valores, das identidades e das
ideologias de uma sociedade ou de um momento histórico” (p.239).
O cinema como documento também esteve presente nas observações do
professor Wagner Pinto:
“Às vezes o filme todo se for analisado em termos históricos, ele não vai
passar por uma avaliação mais criteriosa, então eu posso usar o filme
apenas em um pequeno trecho, como uma ilustração, ou na verdade como
se fosse uma imagem a ser analisada. Da mesma forma que a gente pode
usar um quadro, uma pintura, e eu costumo fazer isso, a gente analisa a
pintura e percebe os valores da época, coisa assim... Como uma certa
ilustração. Eu acho que o cinema, por um lado, pode ser usado assim... E
obviamente há outros filmes que você pode usar de uma forma mais
completa. Como um enredo que permita substituir mesmo, digamos, uma
aula expositiva pela maneira de apresentar que aquele filme trouxe.
Então, eu posso ver um filme como se fosse uma narrativa de um fato;
posso ver um filme como uma imagem, que me permita um tipo de leitura;
eu posso ver um filme como um documento histórico – é o momento em
que ele foi produzido, por que aquela forma – então, depende na verdade
do assunto, vai depender da turma, do momento... Às vezes, funciona em
uma turma e, na mesma série, em outra turma, eu já prefiro nem utilizar...
Então, depende realmente daquele objetivo. Mas eu acho que são essas
possibilidades: a narrativa; a imagem que é analisada; e também os
documentos históricos”.
Ana Carolina justifica o uso do cinema na escola como uma oportunidade
de “dar ao aluno uma certa completude de linguagem, de visões...”, lembrando
que utiliza todos os recursos que possa propiciar aos alunos o contato com um
universo amplo de linguagens.
Ramos (2005) afirma que a entrada mais sistemática do cinema e do teatro
no espaço escolar favorece a incorporação das “linguagens artísticas” ao ensino,
fenômeno para o qual os profissionais de história que trabalham com questões
didático-pedagógicas devem estar atentos por suas potencialidades, desde que
devidamente orientado para desdobramentos efetivamente inovadores (p.178).
Seu temor em relação ao uso do videocassete/DVD é que isso signifique tão
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somente o acréscimo de mais um suporte material para o oferecimento de
informações, sem que se modifiquem “os aspectos essenciais e perversos do
processo de ensino-aprendizagem dominante” (p.179).
Ana Carolina acrescenta: “Eu sei que é editado, eu sei que é recortado, eu
sei que tem às vezes problemas em termos históricos, mas o filme permite que o
aluno viaje”.
Esse problema da avaliação do filme em termos históricos, também foi
objeto de observação de Helena nos seguintes termos:
“Com todas as críticas que a gente possa trazer, muitas vezes àquela
produção que historicamente não está tanto do gosto da gente, dos
historiadores... Eu acho que sempre tem mais pontos positivos do que
negativos, porque a gente pode trabalhar o cinema no seu lado crítico,
também na análise do que a gente possa discordar do filme”.
Parece-me que essa concepção dos três professores acerca da
possibilidade de se depararem nos filmes trabalhados no espaço escolar com
problemas de tratamento da história, revela uma capacidade de relacionar-se de
forma crítica com a produção fílmica, o que penso, seja um elemento importante
no modo de qualquer cidadão, estudante ou docente lidar com os produtos
culturais. No caso dos educadores, entendo que o exercício da crítica rigorosa e
fundamentada deva ser uma obrigação de ofício, além de uma atitude
pedagogicamente relevante à formação de seus educandos. Desse modo, os
problemas detectados em um filme, em termos de correção e precisão históricos,
são também uma oportunidade de se trabalhar o cinema em uma perspectiva
crítica, que leve em conta as diversas leituras da história que circulam em uma
sociedade.
Ana Lúcia, em seu depoimento, referiu-se ao fato de ser automático ao
assistir a um filme pensar na sua aplicabilidade: “Nossa, como aquilo ali
potencializa determinado tema, como aquilo sensibiliza!”. Dessa forma, afirma,
teve a atenção chamada para a possibilidade de uso do filme no ensino de história.
De acordo com o professor Hilton,
“o cinema vem trazer uma nova forma de se compreender, analisar,
trabalhar e ensinar a própria história... Eu gosto muito, eu uso muito o
cinema, como uma forma de reflexão... acho que o cinema traz o que é
mais importante que é a reflexão, o discurso, o diálogo, então para mim
cinema e história andam juntos”.
Para o professor Jorge Luís,
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cada matéria que a gente dá, para quem gosta de cinema como eu,
graças a Deus, tem um filme pelo menos. Pelo menos! Dificilmente, você
vai ter um que não tenha uma relação”.
No entanto, faz questão de frisar, não basta “passar o filme”, é preciso “aliar à
história, mostrar o que aquilo representou... sempre tendo um debate”. Ao referir-
se à presença da imagem-movimento em sala de aula, afirma que “mal ou bem,
ela segura”, em especial quando se tratam de alunos, inicialmente, menos
interessados no conhecimento da história.
Para finalizar esse tópico, retomo Helena Araújo. A partir de uma
intervenção do educador Tomaz Tadeu – “
toda pedagogia é cultural e toda cultura é
pedagógica
” – a professora defende que o cinema
evidentemente educa, ensina, quer a gente queira ou não, como a
televisão também. Mas o filme, especificamente, quando é um filme
histórico que a gente possa trabalhar na nossa sala, ele nos permite
através desta educação - muitas vezes, de formação de identidade, da
subjetividade daqueles sujeitos - inter-relacionar com os fatos históricos
que o aluno sente mais vivo, mais próximo, mais representado, mesmo que
a gente venha até discutir algumas representações que o filme venha a
colocar”.
4.4
Motivações para o uso do filme
Foi unânime entre os docentes entrevistados a justificativa de uso do filme
em sala de aula por razões de ordem metodológica, ainda que alguns desses
professores tenham apresentado outros motivos que se somam a esse. De acordo
com Abud (2003), a utilização de filmes tem sido, sem sombra de dúvida, “um
dos elementos constitutivos de uma nova metodologia para o ensino de História”
(p.183).
Tomo como ponto de partida, os depoimentos dos professores Helena
Araújo e Luís Afonso por se identificarem com a idéia de terem o filme como
uma fonte da história:
Eu acho que ele é uma ferramenta fundamental: como a história oral, a
música de época, os textos primários e secundários, etc. Então, eu vejo o
filme muito mais como uma fonte” (Helena Araújo)
No curso de quinta série, um curso curricular, o filme aparece aí,
sobretudo os documentários recentemente produzidos, que na verdade são
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uma reunião de uma série de fontes... Como mais uma fonte” (Luís
Afonso)
Ainda de acordo com esse professor, o filme é uma fonte muito
interessante:
porque ela está muito presente na nossa vida, não é? Assistir a filmes é
uma prática nossa, nós professores, nós alunos. Eu acho que ele é
interessante pela riqueza dele: um filme pode trazer uma série de
possibilidades de leituras de uma sociedade numa determinada época.
Além disso, eu acho que é importante que, ao assistirmos ao filme
encarando como um documento, esse olhar em relação ao filme – que
transcenda, única e exclusivamente, o deleite que ele possa nos provocar
– possa ser exercitado, e aí, poder esse mesmo caminho ser trilhado na
nossa vida mundo a fora”.
A afirmação inicial do professor Luís Afonso também é partilhada por
Duarte (2002):
“de um modo ou de outro, o cinema está no universo escolar, seja porque ver
filmes (na telona ou na telinha) é uma prática usual em todas as camadas sociais
da sociedade, seja porque se ampliou, nos meios educacionais, o reconhecimento
de que, em ambientes urbanos, o cinema desempenha um papel importante na
formação cultural das pessoas” (p.86).
Para Helena,
o uso do filme na sala de aula vem num sentido, não só metodológico,
mas filosófico, que eu acho que é o mais importante. Não é usar o filme
pelo filme, para matar o tempo ou distrair os alunos. Mas usá-lo numa
proposta construtivista de construir o conhecimento histórico”.
Frisa, que o uso do filme no espaço escolar, muitas vezes, encontra
resistências:
“Ainda, lamentavelmente, na maioria das escolas que a gente trabalha,
isto nem sempre é bem visto pelas coordenações pedagógicas. Ainda há
um rótulo de que o professor que está passando filmes está enrolando”.
Essa percepção foi reiterada por alguns dos outros entrevistados. Em pelo
menos alguma circunstância ao longo de suas experiências profissionais, alguns
desses docentes enfrentaram situações de desconfiança em relação à legitimidade
do uso de filmes no espaço escolar, inclusive por parte dos alunos. Por outro, foi
unânime entre esses depoentes a avaliação de que essa reserva vem seguidamente
perdendo força.
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A professora Renata Augusta, expressou sua preocupação de “tentar
humanizar” o processo histórico que ela, como professora, tenta construir com o
aluno
acho que... a imagem, a fotografia, a pintura e o filme, por excelência,
até pela questão da dinâmica, da fala, está vivo, não é? Com o cinema
parece que realmente você humaniza e deixa vivo alguma coisa que você
está querendo falar. Então, acho isso importante. Eu tenho essa
preocupação de humanizar aquilo... a história. Porque às vezes parece
uma coisa muito distante, a gente só fala de mortes... Então, você, de
alguma forma, tenta mostrar para o aluno que ela fez parte de um
cotidiano, que aqueles personagens envolvidos, de repente, eram pessoas
que nem eles, entendeu? Se relacionavam com outras pessoas. Eu acho
que, às vezes, e é uma coisa que eu me bato muito nessa questão até do
próprio texto do livro didático, de outros textos também que a gente faz
uso, eles não dão conta dessa dimensão humana da história. Eu acho uma
falha”.
Para uma outra docente entrevistada, Ana Carolina:
dependendo do tema da série, o uso do filme - como um documentário,
por exemplo - pode servir tanto para sistematizar, como para permitir
uma visão, das cidades antigas, em determinadas circunstâncias, pois é
muito mais fácil, às vezes, você entender uma cidade grega, uma cidade
romana, visualizando-a. Nesse caso é mais fácil perceber isso
tridimensionalmente”.
De acordo com Carrière (2006),
“Se o trabalho do filme estiver bem feito (...) a resultante visualização da
História pode não só ser envolvente, mas também pode nos ajudar – pelas
atitudes, representações, ações e até sons – a nos aproximar do passado” (p.59).
Ana Carolina também chama a atenção para o fato de que
quando você passa um filme de ficção, que não documentário, você cria
identificação com os personagens, fazendo com que o aluno, muitas vezes,
se interesse muito mais pela matéria, pois é a partir dos personagens que
você chega à parte histórica”.
Ao discutir os fatores que atuam na relação do espectador com os filmes,
Duarte (2002) aponta a identificação como um dos mais importantes:
“No que diz respeito ao cinema, identificar-se com a situação que está sendo
apresentada e reconhecer-se, de algum modo, nos personagens que a vivenciam é
o que constitui o vínculo entre o espectador e a trama. Os cineastas costumam
dizer que sem identificação não há filme, ou seja, nada daquilo funciona. Para
que a história faça sentido e conquiste a atenção do espectador, até o final, é
preciso que haja nela elementos nos quais o espectador possa reconhecer e/ou
projetar seus sentimentos, medos, desejos, expectativas, valores e assim por
diante” (p.71)
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Ainda de acordo com a professora Ana Carolina, o filme é um recurso que
você tem que utilizar, porque o interesse dos alunos no mundo de hoje é muito
visual. Boa parte deles e de suas atividades cotidianas estão marcadas pelo contato
permanente com o computador e a televisão. Assim,
você fala de teatro, livro, você atinge, mas não chega ao cerne deles.
Quando você junta isso com o filme, você consegue trazer interesse para o
texto, para o teatro”.
Desse modo, esta professora entende que está propiciando uma experiência de
formação humana mais completa e voltada a alcançar seu objetivo, ou seja, o de
que os estudantes comecem a gostar de todas as linguagens e a se interessar por
todos os temas. Afirma ainda que, para ela, estes são “recursos para você criar
elos afetivos”.
Tomo a avaliação de Ana Carolina sobre a forte vinculação dos atuais
educandos com o mundo imagético para trazer ao texto uma reflexão de Saliba
(2007). Segundo esse autor, o preocupa como educador a “intoxicação de
imagens” que nossa sociedade vive e uma possível reprodução acrítica dessa
situação por parte da escola. Nesse sentido, defende que o interesse disseminado
pelas imagens seja canalizado para finalidades educacionais.
Para esse historiador, planejar um curso inteiro com filmes pode ser muito
sedutor, mas pouco crítico. Ao final, se estaria repetindo o que já ocorre fora da
escola: uma avalanche de imagens. Portanto, a seu ver, é preciso que os
professores não percam de vista a necessidade de estimular seus alunos a
exercitarem uma “atenção discriminatória”, ou seja, que saiba selecionar o que
seja significativo em termos de imagens, daquilo que pouco ou nada tem de
relevante, segundo o autor, processo fundamental para qualquer aprendizagem.
Em última instância, lembra, “temos que nos esforçar para introduzir novos
pontos de referência e outras grades de leitura neste oceano de imagens não-
hierarquizadas” (p.90).
A professora Ana Lúcia indicou como maior motivação para o uso do
filme na escola, a oportunidade de trabalhar a sensibilização para os temas do
campo da história. Assim como a professora Ana Carolina, para ela: “nós somos
seres tomados pela questão da visibilidade”. Por outro lado, afirma que esse é um
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caminho que atrai a atenção do aluno, fazendo com que “mergulhe de cabeça
naquilo que está sendo trabalhado. Além disso, acredita que o filme permite
iniciar um determinado assunto; uma conclusão; desenvolve de forma
brilhante, muitas vezes, uma idéia que você está trabalhando e que o
aluno ainda não entendeu profundamente ou não se sensibilizou”.
De acordo com Hilton Meliande, o uso do filme, além de permitir a
reflexão sobre a temática histórica, favorece a que se possa transformar o que era
um registro escrito ou mesmo o que parecia não ter importância em algo que
através de uma cena, através de um olhar, ganha uma infinidade de sentimentos
e reflexões”. Assim, fazendo com que a história seja percebida como “muito mais
presente do que se imagina”.
O professor Jorge Luís indicou sua forte ligação com o cinema e a história
e sua convicção na possibilidade de articulá-los, como a motivação primeira que o
leva a trazer o filme para a sala de aula. No entanto, mais de uma vez, fez questão
de afirmar que tem como estímulo maior para seu uso, propiciar aos jovens o
acesso à produção cinematográfica como bem cultural. Em seus termos: “o que
eles gostam é pancadaria, aventura... a gente tem que mostrar o outro lado”.
Em seu depoimento, Wagner Pinto informou fazer uso do filme como um
instrumento que possa, de alguma maneira, “facilitar ou a compreensão dos
alunos em determinado assunto ou que suscite algum tipo de discussão, um
debate...”. Esclarece, que isso também ocorre tendo como suporte um conto, por
exemplo. Cita “Sonhos Tropicais”, ambientado na Primeira República, como um
filme “que serve como uma narrativa, porque é bem muito bem contado, há uma
boa reconstituição da época...”. Portanto, a definição do que possa encaixar-se
melhor em suas aulas – se um texto literário, uma pintura ou um filme –
dependerá do que se adeque melhor ao objetivo que ele tenha no momento.
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4.5
A escolha dos filmes
Metade dos professores entrevistados referiu-se ao perfil da turma como
um aspecto importante a ser levado em conta no momento de fazer a escolha por
um filme a ser trabalhado em sala de aula, como exemplificam estas falas:
Tem a questão de você tentar passar um filme que, de alguma forma, a
turma vai assimilar” (Renata Augusta)
É tudo muito referenciado na turma: a duração do filme; o tipo de
estória; o tipo de filme” (Ana Carolina)
Depende da turma. Eu posso sentir que naquele ano, naquela turma, não
vai dar. Não vão segurar um filme como ‘O ovo da serpente’ ” (Wagner
Pinto)
As professoras Helena Araújo e Renata Augusta fizeram uma relação
direta entre o ato delas próprias assistirem a filmes e a escolha para uso no ensino
de história:
“Ao assistir, evidentemente, eu já tenho um olhar trabalhado de pensar
em que aula eu posso encaixar aquele filme, em uma proposta não só
dentro do ensino de história, mas, muitas vezes, formativa, educativa”
(Helena)
“O primeiro critério é eu já ter visto o filme e ter lembrado que, de algum
modo, ele trata de conteúdo (curricular)” (Renata)
Para Helena, de início, suas escolhas acabam sendo mais pessoais. Renata
procura filmes que proporcionem um olhar mais crítico ao aluno sobre os temas
trabalhados em sala. No entanto, afirma, seja por falta de tempo seja por
comodidade, de alguma maneira, acaba se apoiando em alguns clássicos sobre o
assunto que, na opinião dela, “não necessariamente são os melhores”.
De acordo com o professor Luís Afonso, no curso “História e Cinema” que
ministra para alunos do terceiro ano do ensino médio, a escolha dos filmes se faz
em um diálogo com os professores de origem daqueles alunos. Para ele, os filmes
devem dar conta de temáticas que estão sendo trabalhadas em sala de aula. Os
critérios de escolha podem variar, no entanto, o perfil da turma sempre é o
elemento chave. Luís Afonso lembra que, na medida em que os alunos vão
evidenciando um compromisso e um interesse maior com o curso, por vezes, eles
também intervêm na definição dos filmes.
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Em seu depoimento, a professora Ana Carolina foi enfática ao firmar sua
convicção de que mais importante do que a faixa etária, como critério de escolha
de um filme a ser usado no espaço escolar, é a adequação ao perfil da turma:
Tem turma que me permite um filme mais criativo, uma metáfora,
criação de paralelos. Tem turmas que são literais: então, o filme tem que
ser só sobre aquele tema; curto; um documentário...”.
Cita como exemplo dessa situação, o fato de já ter tido turmas de quinta série em
que sentiu a possibilidade de passar um filme como “Tróia”, diferente de outras,
em que a exigência de uma concretude maior não permitiu o uso desse filme.
Segundo a professora Ana Lúcia, o amplo leque de ofertas de filmes que
podem ser usados no ensino de história, muitas vezes, torna-se um elemento de
dificuldade, pois coloca ao docente o desafio permanente de ter que fazer
escolhas. Já para o professor Jorge Luís, a existência de um número bastante
significativo de opções de filmes no ensino de história gera facilidades para o
trabalho em sala de aula, na medida em que dá uma razoável garantia de poder
encontrar um filme que possa adequar-se ao objetivo pretendido com seu uso.
De acordo com esse docente, em geral, suas escolhas recaem sobre obras
que possam contribuir, através do suporte da imagem fílmica, para o
entendimento de conteúdos que julga apresentarem um maior grau de dificuldade
para seus alunos.
Ana Lúcia afirma que, em determinadas circunstâncias, é oferecida
também aos alunos a possibilidade de participarem da seleção dos filmes a serem
exibidos, dentro de um conjunto organizado previamente por ela. Cita como
exemplo, o dilema que viveu à época em que a entrevistei entre passar em uma
série “A lista de Shindler” ou o “O pianista”: ao conversar com os alunos sobre as
alternativas, descobriu que uma parte deles tinha assistido ao segundo, por ser
mais recente, e a grande maioria não tinha visto o primeiro, o que acabou
prevalecendo como elemento de definição, aliado à curiosidade e ao entusiasmo
demonstrado pelos alunos em assistí-lo.
Essa professora lembra, ainda, que parte das dificuldades para a escolha de
um filme surge de problemas que não são relacionados diretamente aos filmes,
mas sim a “limitações que a gente encontra no dia a dia nas escolas”, como a
disponibilidade de tempo de aula para a exibição ou mesmo a ausência de um
espaço específico na escola para que ela aconteça. Assim, afirma: “Alguns filmes
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eu tenho que descartar. Não porque não tenham excelência, mas porque eu não
posso passá-los”.
O professor Hilton Meliande afirma escolher os filmes para o trabalho em
sala de aula tomando como referência o conteúdo a ser trabalhado, sempre tendo
em conta
“explorar o roteiro de análise e fazer uma discussão prévia e a posteriore
para tentar amarrar esse conteúdo e dar uma idéia de continuidade entre
a própria aula e o filme, as imagens em si”.
O professor Wagner Pinto descarta como opção de uso, em especial, no
ensino médio, “filmes muito hollywoodianos, que são absolutamente anacrônicos,
que vão colocando no passado os valores, os sentimentos de nossa época”.
Admite, no entanto, que alguns trechos desse tipo de filme possam ser utilizados
no ensino fundamental.
Afirma, que essa sua perspectiva tem a ver com uma preocupação com a
forma com que se apresenta o tema. Como exemplo de problema dessa ordem,
cita o filme “Carlota Joaquina”. Seu incômodo se dá pelo que caracterizou como
uma maneira “de ridicularizar, de caricatura”, que entende, de algum modo,
pretendia “consagrar uma forma de a gente se relacionar com a nossa própria
história”. E declara: “esse é um filme que eu bani completamente. Eu não uso”.
4.6
Critérios adicionais adotados na seleção dos filmes
Como alguns dos critérios adotados pelos professores entrevistados foram
antecipados por esses no tópico anterior, aqui enfatizarei as contribuições que, de
algum modo, indicaram novos elementos para o entendimento do processo de
seleção dos filmes por parte desses docentes.
Dois critérios apareceram mais de uma vez no depoimento dos
entrevistados: o critério de qualidade e a articulação com o conteúdo – esse,
brevemente sinalizado pelo professor Hilton Meliande:
Se ele é um bom filme; como é colocado pela crítica” (Helena Araújo)
Critério de qualidade que tem a ver com minhas escolhas... pessoais e,
digamos assim, acadêmicas” (Ana Carolina)
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Tem um que é a premissa... tem que estar conectado exatamente com o
que a gente está trabalhando” (Ana Lúcia)
Eu penso realmente nisso: a adequação ao conteúdo que a gente
trabalha” (Wagner Pinto)
Para a professora Helena Araújo, no exercício do magistério na educação
básica, seu critério inicial é que os filmes escolhidos sejam “dramas históricos”.
Ou seja, filmes que tenham como referência central um “cenário histórico”, como
por exemplo: “1492”; “Danton” e “Germinal”. De acordo com Tendler (2001),
“desde o nascimento do cinema, a história é sua fonte. ‘O nascimento de uma
nação’, de David Griffith, nos Estados Unidos, e ‘O encouraçado Potemkim’, de
Sergei Eisenstein, na União Soviética, são alguns dos filmes em que, através de
cowboys, carruagens, reis e rainhas, a história está presente” (p.7).
Para Carrière (2006),
“nossa visão do passado e talvez até nosso sentido de História nos chegam agora,
principalmente, através do cinema (...) Imagens cinematográficas se gravam em
nós sem que percebamos, como máscaras fixadas sobre os séculos passados”
(p.60).
Helena afirma que, em geral, consegue mais alternativas de filmes para
trabalhar com o ensino médio do que com o ensino fundamental e que, de acordo
com sua avaliação, não é tarefa fácil obter-se filmes “com uma consistência
histórica interessante, de qualidade” que possam ser usados em sala de aula.
Essa primeira percepção da professora Helena Araújo, mesmo não tendo
sido explicitada dessa forma por outros entrevistados, me parece recorrente nas
práticas docentes, na medida em que o uso de filmes no ensino de história se dá de
maneira predominante no ensino médio. Acredito, como hipótese, que isso
aconteça muito em função de boa parte da produção cinematográfica relacionada à
história, disponível em vídeolocadoras em nosso país, serem obras originalmente
endereçadas a adolescentes e adultos. Portanto, uma produção mais adequada à
faixa etária dos jovens que se encontram no ensino médio.
O professor Luís Afonso apontou dois critérios “bem práticos”: a
disponibilidade de alguns dos filmes com os quais tem a intenção de trabalhar,
pois nem sempre os encontra com facilidade, e o estado de conservação da cópia,
quando ainda se trata de VHS, dada a deterioração mais rápida da fita em
comparação com o CD do DVD.
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A professora Renata Augusta lembrou um elemento que já levou em conta
ao selecionar um filme: a possibilidade dele ser explorado para além de aspectos
estritamente históricos, o que ela define como “licença poética”. Foi o caso, por
exemplo, do filme “11 de Setembro”, no qual 11 cineastas produziram 11 olhares
sobre os atos terroristas de 2001 nos EUA.
De acordo com seu relato, ela não só aproveitou o filme para trabalhar o
olhar do diretor inglês Ken Loach sobre a deposição do governo Salvador Allende
no Chile de 1973, mas ofereceu aos alunos também o curta de outro diretor, Sean
Peen, sobre os fatos ocorridos em 11 de setembro de 2001, que chamou de um
olhar “inusitado... poético”, uma oportunidade para os alunos de “despertarem
para outras coisas”.
A professora Ana Carolina revelou sua preferência, na seleção dos filmes,
por alguns diretores, o que atribuiu a uma inspiração mais cinéfila. E foi
categórica:
“Eu jamais passaria um filme que quando assistisse me desse vontade de
dormir, morrer ou ir embora. Porque eu fico imaginando que dificilmente
esse filme vai atrair a atenção de alguém”.
Para essa professora, ao contrário, alguns diretores têm uma maneira melhor de
contar uma história, o que a conquista para querer trabalhar com suas produções.
Ela afirma que reconhece o direito do diretor do filme de “viajar”, de criar
algo que não existiu: “a gente pontua que aquilo não existia e ponto”. No entanto,
considera que não são aceitáveis para o trabalho escolar, imprecisões históricas
graves em um filme, pois, nesse caso, o processo de ensino-aprendizagem não terá
tido nenhum ganho expressivo com seu uso.
Segundo a professora Ana Lúcia, o que norteia suas escolhas é, em
primeiro lugar, o que o filme possa oferecer em termos de esclarecimento,
sensibilização e fortalecimento de determinadas idéias, que considera preciosas no
âmbito do que pretende trabalhar com os alunos. Em segundo lugar, a certeza de
que seu uso possa contribuir para que a atividade atinja os objetivos desejados por
ela.
Lembra que, em determinadas situações, tem propósitos tão específicos
que opta por não passar o filme inteiro e sim uma cena. Dá, como exemplo, o
filme “Amistad”: “Eu só passo a cena do tráfico para tratar da escravidão. Não o
passo inteiro”.
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O professor Hilton Meliande indicou como critério inicial de seleção, a
forma como o filme é construído. Em seus termos, buscar fatos ou símbolos,
imagens, que possam facilitar seu trabalho de dar conta de determinados
acontecimentos ou conteúdos no ensino de história, o que, a seu ver, apresenta
uma primeira dificuldade: encontrar filmes que possam adequar-se melhor a tais
objetivos.
Um segundo elemento que leva em conta são as indicações de colegas que
costumam também fazer uso do filme no ensino de história.
Fez menção também ao fato de estar sempre tentando ver em cinematecas
ou na rede de cinemas o que esteja em cartaz, para fazer suas avaliações sobre a
oportunidade futura de uso de um filme e de beneficiar-se das indicações de
algumas publicações didáticas que relacionam filmes possíveis de serem
trabalhados no ensino de história.
Ao referir-se aos documentários, Hilton declarou tê-los em conta, pois os
considera, em geral, produzidos a partir de um “enfoque histórico muito forte”, no
entanto, em sua experiência de trabalho, percebe uma aceitação menor desse tipo
de filme por parte dos alunos que, muitas vezes, os têm como um formato “chato
ou cansativo”.
O professor Jorge Luís afirma que seus critérios de seleção estão
intimamente articulados a seu objetivo mais amplo de trabalho, ou seja, o de
oferecer a seus alunos oportunidades de acesso à cultura: “Se você perguntar na
sala de aula quem gosta de cinema, quem gosta de ver sempre, é a minoria.
Então, eu acho que a gente tem que ajudar o jovem”.
Nessa perspectiva, ele trabalha desde filmes estritamente articulados à
temática histórica, nas aulas da disciplina história, até filmes como “Matrix”, que
possibilite trabalhar outros temas e conteúdos, nesse caso, em um projeto
extracurricular. A seleção, portanto, adequa-se aos objetivos de cada uma dessas
atividades.
Para o professor Wagner Pinto, um critério é o de que o filme selecionado
traga um outro tratamento daquilo que está trabalhando,
uma outra forma de apresentar, que seja diferente, que seja oposta,
àquilo que a gente está fazendo, porque serve também, obviamente, para
discutir a própria construção da história”.
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4.7
Definição dos objetivos do uso do filme
De um modo geral, os docentes entrevistados revelaram definir seus
objetivos para o uso do filme de uma forma que estou nomeando como “muito
prática”: ou por meio da elaboração de um roteiro escrito de observação entregue
previamente ou através de orientações, solicitações e (ou) questões que servem
para nortear o contato dos alunos com a produção a ser assistida.
Pude perceber na fala desses professores a preocupação de que o uso do
filme seja sempre antecedido de uma reflexão acerca dos objetivos da atividade.
Em seu depoimento, a professora Helena Araújo afirmou que gosta de usar
o filme como uma incentivação a um tema a ser dado, portanto, como “um
disparador de conhecimento” para a construção de novos conhecimentos e, nesse
momento inicial do trabalho, ela fala muito pouco sobre o tema para o qual o
filme foi selecionado.
De acordo com essa docente, em sua perspectiva de uso “o filme faz parte
do desenvolvimento de uma determinada unidade até o final”.
O professor Luís Afonso afirma que, em geral, antes da projeção do filme
apresenta algumas informações que acredita serem relevantes e em seguida
propõe algumas questões: “Ou seja, eu peço que eles busquem assistir ao filme
focando, especialmente, essa ou aquela temática, essa ou aquela questão”.
A professora Renata Augusta declara que antes de passar o filme esclarece
aos alunos como o filme se encaixa no conteúdo que está sendo trabalhado: “Quer
dizer, o objetivo de passar o filme seria a gente apontar tais e tais aspectos...
Faço isso de uma forma oral”.
A professora Ana Carolina, assim como os demais entrevistados, afirma
que logo que tem selecionado o filme que irá trabalhar com os alunos, define os
objetivos de seu uso: “o que vou querer tirar do filme”. Sobre isso também fala a
professora Ana Lúcia, que foi enfática ao afirmar que sempre define os objetivos
da atividade previamente, pois, segundo ela:
se eu chego com um filme e acabou... isso nunca vai cumprir a função do
cinema, do filme, na sala de aula. Então, eu tenho que sempre considerar:
o que eu preciso com esse filme nesse momento? De repente, vou passar o
mesmo filme em duas séries diferentes e os objetivos vão ser distintos (...)
sempre o aluno que assiste tem um roteiro...”.
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O professor Hilton, também diz que gosta de elaborar um roteiro de
observação para, de algum modo, orientar o olhar e também combater a idéia de
assistir-se ao filme pelo filme. Assim, pretende fortalecer a necessidade de que os
alunos façam uma observação e análise atenta da obra exibida.
Segundo o professor Jorge Luís, sempre é lembrado aos alunos que o
objetivo de exibir um filme é oferecer-lhes uma fonte a mais de conhecimento
sobre a matéria trabalhada, em particular, a oportunidade de acesso à imagem
fílmica.
Em geral, prefere fazer isso ao final do tema estudado, ainda que, por
vezes, inverta, como incentivo a que os alunos possam levantar hipóteses de
futuras articulações com o conhecimento que, de maneira mais detalhada, em
seguida será trabalhado pelo professor.
Como a maioria dos outros docentes entrevistados, ele elabora um roteiro
com orientações do que deseja que os alunos atentem durante a exibição do filme
para posteriores trocas.
O professor Wagner Pinto, afirma que em especial quando trabalha com a
oitava série, primeiro ano do ensino médio, em ocasiões que fará uso do filme
inteiro, em geral, antes da exibição, ele entrega um roteiro para que eles assistam
ao filme “prestando atenção a determinados aspectos”.
Portanto, declara, “realmente eu tenho, na hora de utilizar, objetivos
previamente definidos; às vezes, já previamente anunciados aos alunos”. No
entanto, de acordo com Wagner, ele se reserva a não antecipar aos alunos antes,
no caso de séries mais avançadas e em situações que o interessa que os alunos
sejam desafiados a que apresentem o que consideraram importante no filme. E
justifica: “Tudo mastigadinho, eu acho que é ruim”.
4.8
O uso dos filmes nas aulas de história
De acordo com a professora Helena Araújo, como relatei no tópico
anterior, ela gosta de utilizar o filme abrindo uma unidade. Por exemplo, se vai
iniciar uma sobre “expansão marítima e comercial” exibe “1492”.
Helena afirma, que gosta de passar o filme inteiro, sem cortes, pois
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é um crime cortar ‘Tempos Modernos’ do Chaplin, por exemplo, (...)
Não tem uma aula de história que o substitua”. E lembra: “é bom que eles
possam ver, até porque a gente sabe que muitos deles não terão a
oportunidade em casa ou em outros lugares de assistir a esse filme, com o
qual eles vão aprender muitas coisas: ou um outro olhar, uma outra
mensagem”.
Segundo essa professora, já na sala de vídeo, ela contextualiza o cineasta,
o ano de lançamento do filme, o país em que foi produzido, dá uma idéia geral da
sinopse e começa o filme.
Durante a exibição, considera importante ajudar os alunos a desenvolver
um olhar crítico e, mesmo evitando parar o filme, em alguns momentos, faz
algumas observações, em outros, “quando acho muito importante, em casos
excepcionais, dou uma paradinha no vídeo ou no DVD e faço algum comentário,
tiro alguma dúvida”.
De acordo com Helena, ao final de dois ou três tempos de exibição, ela
promove um debate tendo como referência um roteiro que servirá também como
um trabalho a ser produzido pelos alunos em dupla ou trio, lembrado com ênfase:
Vale nota, sim! Faz parte da construção do conhecimento”. Sobre os dois ou três
tempos de exibição, afirma:
Como costumamos ver o filme inteiro, eu brinco com os alunos que meus
filmes são como novela: começam em um dia e acabam em outro.
Dependendo do tempo de aula, chegamos a três dias
”.
Acerca da discussão do filme, Helena afirma não tomar muito tempo, pois em
geral as questões vão surgindo ao longo da projeção: “é muito rico o que surgem
de perguntas. Acho que eles não esquecem mais
”.
Visto e discutido, segundo o depoimento dessa professora, parte-se para o
trabalho com um texto teórico que “serve para amarrar o conhecimento, fazendo
sempre alusão ao filme”.
De acordo com um outro professor, Luís Afonso, ao iniciar a projeção ele
faz uma breve apresentação do filme e indica algumas questões. Ao longo da
exibição, reconhece sempre conviver com um dilema: interromper ou não o filme?
A seu ver, sua tendência é de sempre interromper mais do que se questiona, no
entanto, entende que o questionamento é importante: “até que ponto essa
interrupção agride a integralidade da obra?”.
Informa, que nesse aspecto o combinado com os alunos é o seguinte:
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o filme pode ser interrompido, a pedido deles, quando houver quaisquer
dúvidas acerca do que foi falado; quando há alguma dúvida em relação à
tradução, pois, muitas vezes, muitos desses alunos são versados em
línguas e as traduções não são fidedignas; eu também interrompo nesses
casos; interrompo, quando acho que é muito importante algum dado,
alguma informação, em torno da atitude tomada por um personagem ou
da importância histórica dele ou de alguma palavra, sobretudo, de algum
conceito que possa ser ou não do domínio deles, está certo? E, por vezes,
eu interrompo para propor algumas questões que podem estar
relacionadas, na verdade, esmiúçam aquelas questões anteriores (...) Ou
seja, parar em determinada cena, pedir que aquela questão seja percebida
com mais atenção em relação a um aspecto, digamos, mais específico.
Geralmente, é isso”.
Encerrada a projeção, de acordo com Luís Afonso, inicia-se uma discussão
sobre o filme. Ainda que, ressalve, muitas vezes, os alunos interrompam para
discutir durante a exibição. Nesse caso, ele não concede essa possibilidade, pois
ao longo da projeção a maior preocupação é inibir o que considera sua própria
tendência de cortar em demasia o filme para realizar trocas. E retoma a questão
inicial: “Eu me preocupo muito em saber o quanto essas interrupções podem
fracionar e dificultar que eles possam perceber a obra como um todo”.
Sobre possíveis diferenças entre o uso do filme no curso “História e
Cinema”, voltado para alunos do terceiro ano do ensino médio, e o que se dá em
suas turmas de quinta série, para além da óbvia diferença de faixa etária, afirma o
professor Luís Afonso, que o “jovem mais velho” já está um pouco mais à vontade
em reconhecer o filme enquanto um documento passível de leitura e de crítica.
Como exemplo, cita o caso da exibição do filme “Lutero”, quando esses alunos
tomaram a iniciativa de formular uma crítica à obra: “Eles gostaram muito do
filme, mas expressaram reservas em relação a um viés, talvez, demasiadamente
presentista, ao gosto do século XXI, com o qual o diretor apresentou a figura do
Lutero”.
Em relação aos alunos da quinta série, sua percepção é de que há um
interesse muito grande na atividade, mas, de início, o que considera natural, a
tendência é de assistirem ao filme como o fazem em casa. Luís Afonso relatou-me
que nesse caso sua reação tem sido: “Ah, não! Vamos pegar um caderno para
fazer apontamentos! Vamos ter um roteiro, ao qual todos vão ter o cuidado de
prestar atenção para depois discutir”.
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A professora Renata Augusta afirma que, ao longo da exibição de um
filme, há momentos em que ela interfere, em especial, em determinadas situações
“em que tenho uma sensibilidade de que o aluno pode perder alguma
informação ou algum dado a mais que é importante ele saber sobre o
próprio contexto, sobre alguns códigos de relações interpessoais da época
(...) Isso, mais nas séries iniciais do segundo segmento”.
Por outro lado, de acordo com Renata, há ocasiões em que tem que abrir
mão de algumas cenas, já que entre outras coisas, enfrenta as limitações dos
tempos de aula e de uso da sala de exibição de filmes. Nesses casos, declara: “Eu
faço uma coisa horrível para quem gosta de cinema, porque (...) eu narro um
pouco certas coisas”.
Além disso, a professora lembra que, durante o filme, costuma apontar aos
alunos aspectos que considera importante que eles percebam, pois “a gente não
está ali, só tendo o prazer de ver o filme (...) Eu não me furto disso... eu acho que
faz parte”.
O mesmo procedimento é adotado pela professora Ana Carolina que
informa, também, que, dependendo do tema, solicita aos alunos que anotem o que
julgarem mais importante e, como fechamento, realiza alguma das seguintes
atividades: debate; trabalho; “um pequeno teste”; ou uma argüição. Ou seja:
alguma cobrança em relação ao filme, se não... a tendência dos alunos é
não prestar atenção ou achar que o filme ali é um momento de tempo
vago. Então, você tem que ter algum trabalho, não só para que os alunos
levem a sério, mas também para que o filme fique e se consolide como um
conhecimento deles. E para que eles entendam que o filme não é tempo
vago. Ele é uma forma de se estudar história
”.
De acordo com Ana Carolina, esclarecer que o filme para ela é um
instrumento de trabalho é uma preocupação que ela tem não só com os alunos,
mas com todos os sujeitos que compõem o universo escolar, inclusive,
coordenadores e diretores. Dessa forma, pretende deixar explícito que, em sua
prática, ele comparece como um recurso didático, e não para preencher uma
lacuna entre duas aulas.
Em seu depoimento, relatou um episódio que ocorrera em uma turma de
quinta série, poucos dias antes da entrevista, para mostrar como muitas vezes
demandas surgidas de discussões com os alunos a estimulam a alterar sua opção
inicial de filme a ser trabalhado.
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Durante uma aula que tratava de Grécia Antiga, surgiram as seguintes
questões, de acordo com Ana Carolina: “Professora, as mulheres iam para a
guerra? E os gays, iam para a guerra?”. A professora entendeu que, de alguma
modo, já tendo aparecido duas outras vezes, o que estava interessando aos alunos
era compreender a própria sexualidade deles. Diante disso, estava inclinada a
abandonar a idéia de exibir um documentário, como havia pensado inicialmente,
por julgar que o filme “Tróia” lhe permitiria trabalhar melhor as questões que a
turma vinha solicitando e justificou sua preocupação:
Uma das funções da história e uma das minhas como educadora é
mostrar que outras culturas levam a outros valores, esses por sua vez
levam a uma outra moral e que a nossa moral não é certa nem inata”.
Sua expectativa é, desse modo, estimular seus alunos “a pensar em seus próprios
valores, em sua própria moral e em seus próprios comportamentos sociais”.
Na linha de preocupações e escolhas da professora Ana Carolina, Duarte (2002)
afirma que
“o cinema é um instrumento precioso (...) para ensinar o respeito aos valores,
crenças e visões de mundo que orientam as práticas dos diferentes grupos sociais
que integram as sociedades complexas” (p.90).
Assim como outros entrevistados, a professora Ana Lúcia afirma que ao
iniciar o uso de um filme volta a lembrar aos alunos o tema que vem sendo
trabalhado e, em seguida, localiza o contexto de produção da obra, sempre
alertando o fato de que ela reflete uma visão, entre outras, sobre a história. Em
seus termos: “o filme não é história, é uma escolha, uma seleção de partes dessa
história. São determinados focos, determinados filtros. Isso tudo eu falo para
eles”.
Segundo esta professora, ao trabalhar um filme o roteiro pode aparecer de
duas formas: ou ele é produzido e entregue por ela, algumas vezes, previamente,
de modo a orientar a observação dos alunos, ou então, ele é produzido por esses a
partir de suas próprias observações e anotações solicitadas pela professora. Assim,
Ana Lúcia justifica essa última opção: “se não, alguns alunos acham... que o filme
é o intervalo da aula. Quando não é: é parte integrante e fundamental dela”. Uma
percepção próxima a que foi explicitada pela professora Ana Carolina, ao afirmar
a idéia de que assistir a um filme na escola não pode ser entendido como um
momento de tempo vago.
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Ana Lúcia me deu alguns exemplos de como ocorre o uso do filme em
suas aulas. No primeiro caso, referiu-se a “Hans Staden”. De acordo com seu
relato, após trabalhar o tema da escravidão nas Américas inglesa, espanhola e
portuguesa, ela exibe o filme e em determinada cena, em que retira o som,
combina sua exploração com a audição de parte do poema “Navio negreiro” de
Castro Alves, musicado por Caetano Veloso.
Na avaliação da professora, ao entrar em contato com a imagem do filme
imediatamente o poema é decodificado, “quase como se fosse uma luz mesmo (...)
como se eles conhecessem as entranhas do que aconteceu”.
Ainda sobre o uso e a exploração do filme junto aos alunos, essa
professora afirma que, por exemplo, ao assistirem a “Mississipe em Chamas” e
“Assassinato em Mississipi” propôs aos alunos escolherem um personagem e
narrarem o filme a partir dos personagens escolhidos. Para Ana Lúcia, isso
permitiu desenvolver algumas questões: “Por que o personagem escolhido
praticou determinada ação? Por que certa cena aparece daquela forma e não de
outra? O que justifica a escolha do diretor?”. Dessa maneira, entende, os alunos
compreendem melhor as ações dos personagens e seus significados no filme e no
entendimento do tema em estudo.
De acordo com o professor Hilton Meliande, ao realizar uma atividade
com filme sempre se preocupa com dois aspectos preliminares: a preparação do
ambiente no qual será exibido o filme e, por outro, da turma que assistirá.
Em relação ao primeiro, considera importante que se tenha uma sala
apropriada para esse tipo de trabalho; em seus termos, “uma sala direcionada
para o filme” na qual, por exemplo, sendo possível, se reduza a quantidade de luz.
No segundo caso, compreende relevante estabelecer-se uma troca prévia com os
alunos que possa comprometê-los com a atividade e, em especial, com a
perspectiva de um trabalho que sem o abandono do lúdico, tem seu foco na busca
de uma observação atenta e na análise crítica da obra, articulando-a aos temas
históricos que estão sendo estudados.
Segundo o professor Jorge Luís, ele procura trabalhar com filmes em aulas
de dois tempos, no entanto, como em geral os filmes de ficção exigem três tempos
e, muitas vezes, ele prefere passa-los de uma vez só, é comum “negociar” com um
colega da próxima aula essa oportunidade, em especial, quando a atividade se dá
em uma instituição que já trabalha há algum tempo.
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Para esse professor é muito difícil no espaço escolar, ele ter a possibilidade
de exibir filmes sobre a Antiguidade (Grécia, Roma, etc) devido à longa duração
que em geral têm essas produções, algumas alcançando três ou quatro horas. Ele
lamenta, pois muitos desses filmes poderiam ser trabalhados em uma quinta série.
O professor Jorge Luís afirma que gosta de exibir filmes na íntegra, sem
cortes ou seleção:
eu não vejo o por que de evitar uma cena se hoje em dia a televisão
mostra tudo, os desenhos são ultraviolentos... Então, isso eu compro briga
mesmo. Até porque (...) aquilo é uma arte, uma expressão, nada é
gratuito”.
Como exemplo de uma situação que para alguns pode parecer
problemática, cita o uso na quinta série do filme “Guerra do fogo” e, em
particular, as cenas que se referem à vivência sexual. Jorge dá suas razões para a
defesa da exibição integral:
Porque elas são importantes para a compreensão do próprio filme, já
que ocorrem duas vezes e mostra a diferença na forma. A primeira é um
ato um tanto animalesco e a segunda uma mudança de comportamento. E
isso vai ser discutido, entendeu? Eu não vejo problema nenhum”.
O professor Jorge Luís entende que selecionar cenas compromete a
integridade da obra como bem cultural, o que a seu ver, deve ser garantido aos
alunos conhecer a obra o mais fielmente possível.
De acordo com o professor Wagner Pinto, enquanto para os alunos até a
primeira série do ensino médio ele costuma elaborar um roteiro de observação,
nas séries seguintes é mais comum antes do filme ele falar a respeito e chamar a
atenção para certos momentos, diálogos, etc. Cita, como exemplo, a exibição do
filme “Mauá, o Imperador e o Rei” e uma das recomendações feitas aos alunos:
Vocês vão notar que em determinado momento há uma conversa entre o
Visconde de Feitosa e Mauá, em que é possível perceber claramente o que
é a mentalidade da aristocracia e nela o lugar da terra, do escravo, etc.
Então, prestem atenção nisso!”.
Em linhas gerais, afirma Wagner que o uso que faz do filme varia bastante,
em especial, se ele vai passar o filme inteiro ou não. Lembra que como trabalha
História do Brasil no terceiro ano do ensino médio, usa regularmente
documentários como os do cineasta Sílvio Tendler, “Os anos JK” e “Jango”.
Segundo este professor, nessa série e, especificamente, em uma das
escolas em que trabalha, em geral, a exibição dos filmes se dá em um telão, no
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auditório da instituição. As três turmas do terceiro ano assistem juntas e, algumas
vezes, o professor de geografia também participa, em ocasiões em que as duas
disciplinas estão trabalhando um tema semelhante.
De acordo com Wagner, nesse caso, os dois professores fazem uma
apresentação da obra e durante a exibição, com o apoio de um microfone,
intervêm sem interromper o filme.
Em outras séries, segundo Wagner, às vezes a exibição ocorre na própria
sala de aula. Nesse caso, afirma, é muito comum interromper o filme para chamar
a atenção para alguma situação, discutir uma cena, etc.
Isso só não ocorre com a mesma freqüência, nas séries em que produz e
entrega previamente um roteiro que, de algum modo, já antecipa muitas das
situações que exigiriam uma intervenção sem ele. Nesse caso, afirma, tudo o que
fala é: “Olha só, é esse pedaço; é nessa conversa”.
O professor afirma que, em geral, quando a exibição ocorre em sala de
aula, ele não usa o filme inteiro, prefere usar trechos e deixa a apresentação
completa do filme para o auditório, “porque aí é com tela grande (...) assistir com
legenda na televisão é bem complicado”.
Recorrências
Faço, agora, um levantamento do que considero tenha sido marcante na
descrição de uso do filme feita pelos professores entrevistados, sem com isso ter
em conta qualquer tipo de hierarquia entre os elementos alencados.
Uma questão que esteve presente nesses depoimentos foi o do momento
em que o uso do filme aparece como atividade: se no início, durante ou ao final de
um tema. Como a maior parte das atividades docentes, essa definição, de acordo
com os relatos desses professores, em geral, depende do tema que está sendo
trabalhado com os alunos e dos objetivos que os docentes pretendem alcançar com
a exibição de determinado filme. Portanto, o que pude perceber foi uma variação
de momento de uso não só entre os entrevistados, mas muitas vezes podendo
ocorrer na prática de um mesmo professor.
Dentre aqueles que explicitamente referiram-se a essa questão foi mais
presente indicarem o durante e ao final do trabalho com um tema, como o
momento em que preferem fazer uso do filme. Por outro, foi mais rara a menção a
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abrir um tema com esse tipo de atividade, ainda que quando tenha ocorrido tenha
se dado de uma forma fundamentada, sustentada na idéia de que ao abrir um tema
ou uma unidade o filme pode assumir o papel de detonador de um processo de
conhecimento em construção.
A meu ver essa diversidade de caminhos expressa escolhas legítimas,
sobretudo por estarem apoiadas em uma reflexão e uma fundamentação
consistente que têm como ponto de partida os objetivos de trabalho de cada
docente e aquilo que sua prática de sala aula vai indicando como o melhor
caminho, tendo em conta suas escolhas pessoais, os temas de trabalho e as
características de seus alunos e turmas.
Uma outra questão presente nos depoimentos dos professores que
entrevistei foi relativa a exibir-se um filme na íntegra ou parcialmente. Três
docentes mostraram-se defensores de que o filme trabalhado possa ser exibido, o
mais que seja possível, em sua inteireza. Um dos argumentos é de que não fazê-lo,
pode implicar em comprometer que o aluno possa conhecer a obra em sua forma
original, na medida em que, de algum modo, o professor estaria antecipando uma
escolha pelo aluno, de outro, se estaria de certa forma mutilando a obra enquanto
bem cultural ou expressão artística.
Dois professores expressaram sua opção, em determinadas situações, por
trabalhar com cenas ou trechos dos filmes selecionados por desejarem, nesses
casos, discutir um aspecto muito localizado da obra e não ela em seu todo.
Nas entrevistas também foi mencionada a necessidade, por vezes, da
compactação” de trechos de filmes por razões estritamente relacionadas às
dificuldades enfrentadas pelos professores para exibirem nos limites dos tempos
escolares.
Em nenhum dos depoimentos houve qualquer relato de que o professor
pudesse tomar a iniciativa ou aceitasse algum tipo de corte de cena ou trecho do
filme por outras razões que não as de ordem pedagógica, já expostas. No entanto,
isso não significa a ausência de tensões, especialmente nas relações de professores
com familiares, coordenações e direções de escolas. Nos depoimentos, essas
tensões apareceram associadas a instituições privadas de ensino e, em um único
caso, a uma de natureza confessional. Pelos relatos, em geral, isso ocorre em
ocasiões em que nos filmes escolhidos apresentam-se cenas que fazem referência
à sexualidade humana e a situações de violência. Segundo os professores
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entrevistados, esses episódios de modo geral são resolvidos com base na
lembrança, àqueles que expõem suas reservas, do contexto em que essas cenas
ocorrem nos filmes exibidos.
No entanto, tive ao longo das entrevistas, um relato do que em meu
entendimento é algo muito mais grave. Tratou-se de um episódio em que o diretor
de uma socialmente prestigiada instituição escolar privada, da zona sul do Rio de
Janeiro, sugeriu à equipe de história que não fosse passado determinado filme, por
esse apresentar um olhar sobre a História do Brasil que conflitava com sua leitura
da época. De acordo com esse relato, apesar da recomendação e do
constrangimento gerado aos docentes, o filme foi exibido pela equipe.
Um tema também abordado pelos professores entrevistados refere-se à
questão de interromper ou não a exibição para discutir aspectos do filme com os
alunos. Pelos relatos que tive, apesar de ser unânime a percepção desses
professores quanto ao imperativo de interromper, fiquei com a forte impressão de
que esse seja um dos maiores dilemas que viva o docente ao fazer uso do filme em
sala de aula.
O centro da questão é exatamente o quanto interromper. Em boa medida a
dificuldade deve-se ao fato, compreensível, de que alguns desses professores ao
mesmo tempo em que precisam interromper a exibição para apoiar o contato dos
alunos com o filme em questão, por outro, temem que, excedendo, penalizem a
“integralidade” da obra ou orientem em demasia o olhar dos discentes.
Parece-me que seja difícil um caminho preciso para essa questão, a não ser
o do bom senso e da sensibilidade do docente que lhes indique o quanto cabe de
interrupção ou não em cada caso, tendo-se em conta que também aqui entram
variáveis como os objetivos da atividade, estilo do professor e os já famosos perfis
das turmas.
Ainda sobre esse tema, gostaria de lembrar que nos depoimentos alguns
dos professores fizeram referência ao fato de, muitas vezes, as interrupções
poderem ser combinadas com intervenções dos docentes sem implicar em algum
tipo de pausa da exibição.
Um procedimento de consenso entre os docentes entrevistados como
importante ao iniciar-se o uso de um filme no espaço escolar é a apresentação da
obra não só quanto aos dados de produção, mas também em relação ao contexto
histórico com o qual dialoga.
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Outra unanimidade nesses depoimentos foi a importância que os
professores dão a que a atividade com a imagem fílmica seja ladeada por um
roteiro de observação ou a indicação de elementos do filme para os quais os
alunos devem atentar, ou ainda, questões que inspirem as trocas durante e após a
atividade. Em alguns relatos, a forma escrita de um roteiro aparece como maior
preocupação desses professores, quando a atividade se dá com as crianças e
adolescentes do ensino fundamental.
Alguns desses docentes fazem do roteiro de observação do filme uma
referência para um posterior trabalho com os alunos. Em alguns casos, o próprio
roteiro já aponta questões a serem desenvolvidas pelos discentes.
A realização de uma discussão sobre o filme após a exibição também
esteve presente de forma unânime no depoimento dos professores. A ressalva se
dá apenas quanto ao fato de que, alguns desses docentes, chamaram a atenção de
que é comum que esse debate, de uma certa forma, já se inicie ainda durante o
desenrolar do filme, em geral, em função de solicitações dos próprios alunos.
Um elemento muito presente na fala de alguns entrevistados dá conta de
sua preocupação com que o uso do filme no espaço escolar seja entendido e aceito
como “parte integrante da aula” e não como “intervalo” ou “tempo vago”. Essa
atenção estende-se não só em relação aos alunos, mas também aos demais
membros da comunidade escolar.
Penso que possa caber a seguinte questão: a que se deve a persistência de
um imaginário em sentido contrário à perspectiva desses professores? Levanto
algumas hipóteses: a permanência em algumas instituições escolares de um
excessivo domínio da cultura letrada e verbal, em contraponto a admissão da
partilha de outras formas de linguagem, nesse caso, incluída a imagem e a
imagem fílmica; a forte vinculação construída no plano da cultura hegemônica e
da indústria cinematográfica do artefato filme como meio de entretenimento; o
uso inadequado, pois com pouca ou nenhuma consistência pedagógica, feito por
parte de alguns professores, o que tem contribuído nessas situações para
fortalecer, em especial, nos alunos, a percepção de realização de uma atividade
muito mais para cobrir uma lacuna do que articulada ao programa de trabalho
docente.
Reconheço que esse último problema, em alguns casos, pode-se dever a
um desconhecimento por parte de alguns docentes de como explorar de forma
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proveitosa o filme em sala de aula, na medida em que ainda são localizados os
registros dessa preocupação nos cursos de formação de professores, embora, no
caso específico do ensino de história, devam ser mencionados os esforços
empreendidos naquele sentido pelas professoras Helena Maria Araújo e Ana
Maria Monteiro no exercício docente junto à cadeira de Prática de Ensino de
História, respectivamente, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O conjunto dos depoimentos me permite afirmar que, invariavelmente, o
uso do filme no exercício docente desses professores entrevistados sempre é
combinado com outros procedimentos e recursos didáticos, tais como, exposição
do tema pelo professor; trabalho com textos teóricos; exame de documentos de
época; exploração de textos literários; audição de música e discussão da letra; etc.
Ou seja, o filme se faz presente na composição de um trabalho que busca, em
geral, ancorar-se em mais de uma fonte, sendo o filme, portanto, uma delas.
Uma inquietação bastante presente entre os professores entrevistados ao
referir-se à atividade com filmes no espaço escolar é a pertinente aos limitados
tempos escolares para dar conta desse tipo de trabalho. Os poucos casos em que
não percebi uma queixa maior foi em situações em que o uso se dá fora do horário
regular das aulas, em geral, em projetos extraclasse, como os coordenados pelos
professores Luís Afonso e Jorge Luís, realizados em instituições em que cada um
desses docentes trabalha.
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4.9
Avaliação do uso do filme junto aos alunos
Dos professores entrevistados para esse trabalho, três apontaram o debate
realizado após a exibição como a forma privilegiada de avaliar o uso do filme
junto aos alunos:
Para mim, o mais importante (...) é o debate que vem logo depois. Mais
importante!” (Ana Carolina)
O que acho primordial é a discussão do filme” (Hilton Meliande)
O debate é o que me satisfaz (...) Para mim é o fundamental” (Jorge Luís)
Os demais professores, ainda que tenham a discussão sobre o filme como
um momento dessa atividade, apontaram uma série de modalidades escritas
também como uma forma que encontram para ter um retorno do aluno sobre a
atividade com filmes. Algumas das citadas foram: a formulação de questões de
provas articuladas aos filmes exibidos; a realização de exercícios; em alguns
casos, exercícios que derivam do próprio roteiro de observação e (ou) discussão;
trabalhos; etc.
De acordo com a professora Helena Araújo, realizado o debate sobre o
filme os alunos passam a produzir em dupla ou trio um roteiro de trabalho, que
serve como um dos instrumentos de avaliação da turma.
Segundo o professor Luís Afonso, tratando-se de uma prática que ocorre
em uma série curricular, o filme “não é visto como um corpo fora do curso ou
como apenas um algo a mais, não!”. Dessa forma, como os demais documentos
que são trabalhados, afirma, ele tanto vai ser referência para as aulas futuras como
poderá aparecer em um exercício ou outra forma de avaliação “como elemento
constitutivo”.
Esse professor frisa que, ao assistirem a filmes, as informações
apresentadas e discutidas em torno delas são, no geral, bastante incorporadas
pelos alunos. Segundo Luís Afonso, “até mesmo pelo apelo do filme, do cinema”.
Para a professora Renata Augusta, o “papo de corredor” no trânsito da
sala de exibição para a sala de aula da turma é um momento em que, de algum
modo, através dos comentários dos alunos ela começa a ter um retorno sobre a
atividade com o filme: “Nesse momento você consegue pegar umas falas que vão
tentando montar até a própria relação do professor com o trabalho com o filme”.
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No entanto, em um plano mais formal, Renata afirma que, em algumas
situações, ela trabalha aspectos que aparecem no filme em provas ou outras
formas de avaliação.
De acordo com a professora Ana Carolina, realizada a discussão sobre o
filme, ela procura consolidá-la através de algum procedimento que implique no
uso da linguagem escrita. Entre eles, cita: um trabalho; teste; questionário para
casa; ou até mesmo algum tipo de redação que tenha em conta a obra assistida.
Sobre o debate, afirma que ele começa no “gostaram ou não gostaram?” e
chega a “conseguiram perceber aquilo? Conseguiram visualizar aquela outra
situação que estávamos falando? Como é que vocês viram...”. Em um
determinado momento, segundo Ana Carolina: “eu jogo um pouco de fogo e deixo
pegar fogo, porque em geral os alunos são palhas secas. Ao final de um filme,
eles são palhas secas sempre!”.
Tendo em conta sua experiência em trabalhar filmes, afirma que, se ao
final da exibição, aos alunos serem perguntados se gostaram, vier como resposta a
indiferença ou o silêncio, o melhor que o professor tem a fazer é parar, escolher
outro filme ou pensar em outra forma de trabalho, porque, de acordo com essa
professora, não funcionou, não surtiu o menor efeito. Em seus termos: “é um filme
pastel, só tem vento dentro. Não serviu para nada”.
Ou seja, ainda de acordo com Ana Carolina, em outras palavras, o melhor
é reavaliar o uso daquele filme. Lembra que, como professora, esse tipo de
problema ainda não aconteceu. Credita essa situação, ao fato de sempre estar
atenta ao perfil da turma e com ele aos interesses dos alunos. E cita como ela
opera essa questão:
Turmas muito bélicas, filme de guerra; turmas muito filosóficas... E às
vezes eu brinco com o oposto. Turmas muito bélicas, um filme
filosófico...”.
Ao conceder-me seu depoimento, a professora Ana Lúcia, me deu um
exemplo de como à época vivia a situa de avaliar o uso do filme “1492”. De
acordo com essa professora, naquele momento, sua opção tinha sido a de formular
questões relativas ao filme que comporiam uma avaliação mais ampla do tema
trabalhado.
Portanto, segundo Ana Lúcia,
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os alunos têm uma cobrança também disso. Não fica só uma coisa ‘Olha,
vimos e acabou’, não! Eles serão checados em relação a isso. Afinal de
contas, todos os instrumentos utilizados visam um determinado
aprendizado (...) Então, a gente objetiva: eles sabem que vão assistir a um
filme; que eles serão cobrados no que diz respeito a uma atividade com
texto para casa; de um roteiro em sala de aula; e depois, em uma
avaliação, eles terão questões sendo cobradas (...) Isso não é surpresa.
Eles já assistem sabendo exatamente o que vão fazer
De acordo com o professor Hilton Meliande, na discussão do filme sua
intenção é que ela favoreça a que os alunos possam ir além do desenhado pelo
roteiro de observação. Por outro, entende, sempre é uma oportunidade que tem
como docente de perceber que tipo de leitura os alunos puderam fazer e que olhar
histórico pode ter resultado do contato com a obra.
Além do debate, segundo Hilton, ele costuma solicitar algum trabalho ou
formular algumas questões para a prova, que relacione o conteúdo que vem sendo
trabalhado ao filme. No entanto, ressalta apreciar mais a troca sobre o filme, sem
o peso de nota.
O professor Jorge Luís, defensor do valor do debate como um momento
chave da relação dos alunos com o filme e de oportunidade para ele ter um retorno
da atividade, me relatou sempre lembrá-los que a principal contribuição que esse
artefato pode oferecer é o de “abrir a mente para um outro tipo de estudo, aquele
que se dá através da imagem”, permitindo dessa forma, a seu ver, “uma outra
visão da história”.
A preocupação de Jorge Luís me remete às reflexões de Sorlin (1994), ao
examinar as relações entre imagem e história. De acordo com o autor, o primeiro
ponto a lembrar é o quanto a imagem pode ser enganosa, não digna de crédito e
até mesmo mentirosa, apesar disso, afirma, é preciso reconhecer que ela hoje é
fonte da história, não só no sentido de ser fonte para o historiador, mas fonte da
própria história. Portanto, a seu ver, a história que vivemos é condicionada pela
imagem.
O segundo ponto de suas observações dá conta de que essa mesma imagem
carregada de problemas é indispensável, pois
“não é mais possível, hoje em dia, fazer, escrever, tentar pôr em cena a história
sem passar pela imagem (...) admitamos de uma vez por todas esse fato e
tentemos, juntos, realizar um trabalho sobre a imagem” (p.91).
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A meu ver, as reflexões de Sorlin podem ser trazidas para o campo da
educação e do ensino de história, pois se a imagem tem uma incidência sobre a
história, não há como não tê-la como instrumento de trabalho e objeto de reflexão
no espaço escolar, dentro de condições que são específicas aos objetivos e sujeitos
que nessas instituições estudam e trabalham. Nesse sentido, entendo o esforço do
professor Jorge Luís, assim como de outros entrevistados, de estar atento a esse
tema em suas aulas.
Isso não significa, afirma Jorge, que despreze o apoio que a imagem em
movimento possa dar no sentido de ajudar os educandos a compreender um
conteúdo específico do ensino de história e até mesmo a responder, de algum
modo, a demandas mais imediatas dos alunos, como a preparação para os exames
de acesso ao ensino superior. O que faz questão de firmar é que o uso a que se
propõe do filme em sala de aula, não se restringe a uma perspectiva puramente
instrumental:
Eu explico a eles o seguinte: ‘gente, também não é que, especificamente,
você vai ter uma pergunta que vai estar relacionada principalmente ao
filme trabalhado – claro que não! – e que você vai saber responder”.
De acordo com o professor Jorge Luís, a discussão sobre a obra exibida o
satisfaz como forma de avaliar o uso do filme junto aos alunos. Assim, afirma:
Eu não peço, por exemplo: ‘Ah, agora faça um relatório sobre...’. Eu não vejo
essa necessidade”.
Segundo o professor Wagner Pinto, algumas vezes, tomando como
referência o roteiro de observação recebido pelos alunos, ele formula questões que
esses fazem como exercício em torno do filme. Em geral, afirma, é mais comum
que esse tipo de formalização se dê com “os pequenos”:
“até mostrando a eles que aquele roteiro que eu fiz, o qual tive que
assistir ao filme previamente (...) é o tipo de acompanhamento que eles
podem fazer... por conta própria (...) E eles se acham especiais quando
conseguem... Vão assistir a alguma coisa e voltam depois dizendo: ‘Ah,
mas aquele filme eu percebi quando...’. E eu: ‘Ah, que ótimo! Você está
usando, então..
.”.
Com os “maiores”, lembra, isso acontece de uma maneira mais informal.
Quando é possível realiza alguma troca ainda na própria aula em que ocorreu a
exibição, no entanto, em geral, é mesmo na seguinte que retoma imagens de
quando inicialmente fez uma breve apresentação do filme.
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Recorda Wagner, que naquele momento solicita aos alunos que anotem
durante a exibição - para isso deixa alguma luz acesa - aquilo que consideram
importante e que gostariam de discutir após o filme. Portanto, afirma, a aula
seguinte é uma retomada disso: “Já aproveito para a continuação do conteúdo,
utilizando o que eles destacaram e eu mesmo vou fazendo isso”.
O professor Wagner Pinto faz questão de frisar que o filme apresenta-se
em seu exercício docente não como um preenchimento de lacuna:
Nunca é algo como: ‘Ah, está acabando o ano, eu não tenho mais
matéria, vou passar um filmezinho’. Não! Não é o meu barato”.
4.10
Dificuldades enfrentadas para fazer o uso do filme na escola
Dos oito professores entrevistados para essa pesquisa, três afirmaram não
enfrentar dificuldades, mesmo assim, destes, dois indicaram algum nível de
problema vivido no cotidiano. Entre os demais, três consideraram a questão do
tempo como a maior dificuldade que vivem para dar conta desse tipo de atividade
no espaço escolar, dois fizeram alusão à desconfiança de coordenadores e
diretores com o uso pedagógico do artefato e dois indicaram o início da carreira
profissional como o momento em que foi mais difícil superar esse tipo de reserva,
inclusive por parte dos alunos.
Cabe lembrar, que algumas das dificuldades apresentadas pelos
professores nesse tópico, foram em alguns casos inicialmente mencionadas ao
longo das discussões de outros temas, aparecendo aqui mais uma vez, quando for
o caso, para efeito de sistematização. Acredito que, pelo mesmo motivo, alguns
desses docentes, aqui, tenham preferido referir-se a outros problemas que não os
indicados, em determinadas situações, nos tópicos anteriores.
De acordo com a professora Helena Araújo, ao iniciar a vida profissional,
em alguns momentos, viveu situações relativas ao uso do filme que a geravam
insegurança. Cita, como exemplo, algumas falas de alunos: “Você vai passar um
filmezinho hoje?”; “Vou poder dormir?”.
Nesse sentido, acredita que a primeira dificuldade que muitos docentes
vivam seja a de construir uma outra mentalidade junto aos alunos, no sentido de
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fazê-los ver que “o filme pode ser uma coisa prazerosa e séria para trabalhar o
conhecimento histórico”.
Uma segunda dificuldade apontada é quebrar, às vezes, o que Helena
considera como uma rigidez de certas coordenações, expressa em falas como:
Será que você não está perdendo tempo?”. Ao que, de acordo com seu relato, ela
responde: “o ‘perder tempo’, eu ganho tanto à frente, que vocês não imaginam!”.
Para a professora Helena Araújo, nesses casos, o melhor é mostrar a essas
coordenações e instituições que o que está em jogo é uma metodologia de trabalho
que tem como propósito a construção de conhecimento no campo da história.
Acredita que, dessa forma, seja possível ao docente ganhar a confiança das
coordenações para esse tipo de trabalho:
O que eu percebo nas escolas novas aonde chego, é que tanto os alunos
quanto os coordenadores olham meio desconfiados. Ao final de um ano, a
tendência é eles adorarem. Até lá mostro os roteiros, dou algumas
explicações sobre a importância dessa atividade, muitas vezes, para
suprir a falta de clareza teórica. E aí, os alunos já me conhecem como
uma professora que passa filmes. ‘Qual é o filme que você vai passar esse
mês?’, eles perguntam”.
Tendo experiência de trabalho nas três esferas da área pública e na rede
privada, segundo Helena Araújo, é nessa última que mais identifica o tipo de
dificuldade relatado acima. Mesmo assim, afirma, algumas vezes, colegas da área
pública “por curiosidade” comentam: “Mas os alunos não fazem muita bagunça?
ou “Não vale a pena passar, porque eles fazem muita bagunça e dá muito
trabalho”.
De acordo com a professora Helena Araújo, dá trabalho sim, há turma que
não sabe assistir a filmes, no entanto, acredita que seja uma boa oportunidade
para ensinar que tem que saber calar a boca. Não é possível que em nenhum
filme o aluno consiga parar de falar”. A seu ver, é preciso educá-lo em um
sentido mais amplo: “Nesse caso, dá trabalho”.
Na instituição pública em que trabalha, segundo Helena, como desde o
primeiro segmento do ensino fundamental as crianças já vivem a prática de
assistir a filmes, ao chegarem ao ensino médio, poucos são os “problemas de
disciplina” para ver um filme: “Já há um hábito. E isso eu acho que é uma coisa
legal. Já faz parte da cultura deles”.
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De acordo com o professor Luís Afonso, no curso “História e Cinema”,
com certeza não enfrenta nenhuma dificuldade. Acredita que isso se deva ao fato
de que, desde o início do projeto, nos anos noventa, ele ter sido muito bem aceito
e, após uma interrupção, sua volta ter se dado por solicitação da própria
instituição escolar na qual trabalha.
No âmbito da prática curricular, segundo esse professor, as dificuldades
que surgem são “superáveis” e existem a priori. Entre elas, cita: o fato da duração
de um filme poder exceder o tempo de aula, o que Luís Afonso considera exigir
do docente pensar nesse horário com antecedência; a necessidade de requerer o
material para a exibição do filme; por vezes, o imperativo de alterar a disposição
da sala.
Nas classes curriculares, lembra o professor Luís Afonso, por vezes, ele
trabalha com a possibilidade de selecionar um conjunto específico de cenas.
Nesses casos, indica que os alunos assistam ao filme em suas casas, o que implica,
de sua parte, na atenção a que a obra escolhida seja de fácil acesso nas locadoras.
Frisa, que essa opção de trabalho varia de acordo com o objetivo proposto para a
leitura do documento.
Segundo a professora Renata Augusta, em geral, ela não encontra
dificuldades em realizar esse tipo de atividade no espaço escolar. As duas escolas
municipais nas quais trabalha no bairro da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro,
afirma, dispõem de vídeo, DVD, sendo necessário apenas o docente marcar
previamente o uso da sala. Lembra ainda, a existência de um bom acervo de
filmes nessas escolas.
Para Renata, nas escolas particulares em que trabalha o uso do filme
encontra condições ainda melhores, pela maior facilidade de programar a
atividade.
De acordo com a professora Ana Carolina, muitas vezes, a maior
dificuldade com que se depara para trabalhar com filmes na escola está na
disponibilidade da sala de exibição: “Porque, em geral, é uma sala, com uma TV,
um vídeo, que nem funciona direito... Às vezes, não tem nem DVD”. Ou seja,
segundo essa professora, a dificuldade é de ordem física, material, enfim, de
infraestrutura.
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Tendo trabalhado como professora substituta em um colégio da rede
federal e outro do âmbito estadual, a impressão que ficou dessas instituições
públicas no tocante às condições de realização dessa atividade foi a seguinte:
É uma dificuldade enorme para você conseguir uma sala, quando
consegue, não tem tomada, quando tem tomada, não tem luz, quando tem
luz, o vídeo não está funcionando, o cabo foi roubado, alguém levou o
cabo para não ser roubado...”.
Quanto às instituições particulares, Ana Carolina afirma que, às vezes, a
direção pergunta que filme será trabalhado e pede para o professor falar sobre ele.
Por outro lado, relata, temas polêmicos geram muitos problemas entre direções e
pais dos alunos,
que ficam muito nervosos e ansiosos que você passe um filme que... possa
gerar polêmica. Enfim, o aluno vai chegar em casa, vai perguntar, eles
vão ter que responder, vão ter que cumprir função de pai e aí é muito
chato, não é? Porque... eles vão ter que cumprir função de educadores e
eles não querem nada disso, eles querem que seus filhos sejam educados,
mas conformados. Muitos pais querem, não é?
Para a professora Ana Lúcia, as escolas estão cada vez mais abertas ao uso
do filme, desde as mais inovadoras até as mais tradicionais, no entanto, percebe
alguma variação no humor quando se trata das temáticas abordadas pelas obras,
apesar de ressaltar, pessoalmente, nunca ter vivido algum tipo de repercussão em
seu trabalho.
Ana Lúcia cita dois filmes que, em princípio, a exigem um cuidado
especial ao exibi-los. Em “Rainha Margot”, afirma, há uma cena em que
personagens vivem uma relação sexual e ao lado, presente, um crucifixo. Uma
outra parecida, lembra, também faz parte do filme “Em nome de Deus”. Segundo
essa professora, “são cenas picantes”:
Se você coloca e deixa rolar, evidentemente que os alunos vão levar isso
para casa. E os pais que não estavam aqui, seja porque não estavam ou
mesmo por serem conservadores, vão entender isso de uma forma errada.
E vão trazer de uma forma negativa para a escola e querer um respaldo
da instituição. E isso gera problema
De acordo com a professora Ana Lúcia, para evitar essa situação, ela busca
contextualizar previamente ao aluno qualquer cena que possa gerar algum
incômodo posterior:
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“Olha só, existem cenas que vão ocorrer dessa forma, e eu estou
acreditando que vocês têm maturidade para assistir, pois entendo que o
objetivo não é a cena em si, mas compreender tal coisa”.
Ana Lúcia reafirma, nunca ter tido esse problema, mas ao mesmo tempo,
reconhece saber que ele existe, por isso prefere tomar todas as precauções para
evitá-lo.
Em relação a um dos filmes citados, “Rainha Margot”, recorda já ter
vivido a situação de exibí-lo em uma escola bastante tradicional em termos de
mentalidade, de filosofia de escola, no entanto, não teve qualquer problema.
Segundo Ana Lúcia, muitas vezes, a dificuldade não está na instituição, mas no
aluno que assiste, por isso, defende a idéia de que o educando precisa ter uma boa
orientação do docente, de forma a localizá-lo no cenário em que determinada obra
será trabalhada no espaço escolar.
No entanto, a professora Ana Lúcia aponta a questão do tempo como o
maior “problema prático” que enfrenta para dar conta dessa atividade no
cotidiano da escola.
Relembra, que sua estratégia para minorar essa limitação, quando possível,
é fazer “parcerias” com outros professores. Nesse caso, por exemplo, a avaliação
sobre o filme trabalhado pode ser feita em conjunto pelos docentes das disciplinas
envolvidas.
O professor Hilton Meliande afirma que hoje enfrenta menos dificuldade,
mas logo que começou a carreira profissional, chegou a ouvir comentários como:
“Filme não é aula”; “Para que filme?”; “E o conteúdo?”. Seu sentimento é de
que muitas dessas pessoas tinham realmente preconceito com a entrada do cinema
na escola.
De acordo com Hilton, é curioso observar que em pleno século XXI,
enquanto todos consideram ser a internet um dos maiores focos de disseminação
de informação e divulgação de conteúdo, o cinema, arte centenária, continua
sendo encarado por muitos como um mero divertimento, o que de algum modo
dificulta sua legitimação como uma fonte de conhecimento. A percepção desse
professor sobre como, em parte, é vista a obra fílmica, encontra eco nas palavras
de Duarte (2002):
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“embora valorizado, o cinema ainda não é visto pelos meios educacionais como
fonte de conhecimento. Sabemos que arte é conhecimento, mas temos dificuldade
em reconhecer o cinema como arte (com uma produção de qualidade variável,
como todas as demais formas de arte), pois estamos impregnados da idéia de que
cinema é diversão e entretenimento” (p.87).
Segundo Hilton, por uma questão “até de bom convívio”, pessoalmente,
ele consegue superar as dificuldades, apesar de não possuir, em especial, nos
colégios particulares em que trabalha, um espaço apropriado para essa atividade.
No entanto, sua percepção mais geral é de que continua a ser difícil realizar esse
tipo de trabalho nas escolas. Apesar de avanços em termos de aceitação, considera
que ainda há diretores, coordenadores e pedagogos que vêem com reserva o uso
do filme.
Apesar dos percalços, afirma que hoje, dependendo da instituição, já até
consegue convidar alguns coordenadores para assistir às obras que trabalha com
os alunos.
O professor Jorge Luís credita a “um pouco de sorte” não ter problemas
para realizar atividades com filmes nos três colégios particulares em que trabalha.
A seu ver, os colegas que encontram dificuldades, têm uma boa chance de terem o
uso comprometido pelas limitações. Nos três colégios, Jorge Luís tem acesso a
salas específicas para exibição, vídeo e DVD e, em geral, consegue telão para
projetar os filmes.
Apesar das boas condições que relata dispor, o professor Jorge Luís aponta
a grade de história, ou seja, os tempos disponíveis para as aulas da disciplina,
como uma restrição para o trabalho com filmes, ainda que reconheça não ser um
problema exclusivo desse campo do saber escolar:
A grade de história como a de geografia são eternamente pequenas e se
você ficar passando filme, inclusive, vai ser considerado enrolão, como eu
já ouvi”.
Em função dessa dificuldade, Jorge Luís afirma ser um exagero o professor exibir
mais de dois filmes, em uma mesma turma, durante o ano letivo. Em sua prática, o
filme aparece como um apoio e, em extrema necessidade, quando considera
importante. No entanto, lembra, havendo tempo, passa a ser obrigatório.
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A restrição da grade a que faz alusão, leva a que esse professor afirme ter
sempre como objetivo, sendo possível, exibir filmes fora do horário regular de
suas aulas. Em um dos colégios em que leciona, pelo segundo ano seguido,
exercita essa sua perspectiva através de um projeto intitulado “Cineclube Debate”,
especialmente voltado para o ensino médio e, em particular, o terceiro ano, série
na qual trabalha na instituição.
Segundo Jorge Luís, nessa experiência, não existe um compromisso
necessário com a programação das turmas em que trabalha. Afirma que seu objetivo
específico é levar os jovens a verem o cinema de uma “forma diferente”. Significa,
de acordo com esse docente, não apenas ver o filme, mas sobretudo, aprender a lê-
lo. Perceberem, por exemplo, que o sujeito que escreveu o roteiro tem uma
intenção. Enfim, em seus termos, “eles terem conhecimento, mesmo, de cinema”.
De acordo com o professor Wagner Pinto, ele não encontra maiores
dificuldades. Comenta que, em uma das escolas nas quais trabalha, há uma
orientação no sentido de que se procure, de algum modo, respeitar a indicação da
faixa etária recomendada no próprio filme, no entanto, afirma, isso nunca
implicou em alguma interferência ou censura às escolhas de filmes feitas por ele.
Para Wagner, eventualmente, esse cuidado pode ser válido no que tange a obras
indicadas para serem assistidas em casa, sem o acompanhamento, naquele
momento, do professor.
Em uma outra instituição, já fez uso do filme “Xica da Silva” de forma
editada, pois entendeu que as cenas de nudez iriam desfocar dos aspectos que gostaria
de privilegiar, que eram a relação de escravidão e a vida na área de mineração.
Segundo o professor, os problemas que algumas vezes enfrenta são de
ordem técnica, como a televisão ser pequena demais ou não poder fazer uso do
telão em função do grande número de solicitações, no mesmo sentido, por parte
de outros colegas. Frisa, nunca ter vivido qualquer problema quanto à freqüência
com que trabalha com filmes.
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4.11
Disponibilidade de acervo nas instituições escolares
Dos docentes entrevistados, cinco informaram que as escolas em que
trabalhavam à época não possuíam acervo de filmes, dois outros afirmaram dispor
com alguma facilidade de acervo em suas instituições e um afirmou que a
disponibilidade depende do colégio em que ele está trabalhando.
A solução encontrada pelos professores que não têm à disposição um
acervo da instituição, em geral, é a de alugar o filme quando precisa fazer uso ou
mesmo fazer uma cópia. No entanto, alguns chegam a tomar a iniciativa de
comprá-lo, passando então a fazer parte de seu acervo pessoal. No primeiro caso,
a maioria relatou não ser reposto pela escola o custo realizado pelo professor com
a locação.
A meu ver, esse quadro indica que no universo pesquisado, o trabalho com
filmes ainda depende em boa medida da iniciativa do professor, ainda que as
instituições venham garantindo, nos casos citados, a infraestrutura inicial, ou seja,
a existência de TV ou telão, vídeo ou aparelho de DVD.
Chamou-me a atenção nos depoimentos dos professores, o fato de que
quando os indaguei acerca das dificuldades que enfrentavam para fazer uso de
filmes nas escolas, apenas um professor fez referência explícita à ausência de
acervo nas instituições, no entanto, quando os questionei diretamente sobre
acervo, a maioria afirmou não dispor do mesmo em seus locais de trabalho. Minha
questão, portanto, é: por que os professores não arrolaram a indisponibilidade de
acervo como uma dificuldade? Minhas hipóteses: uma naturalização da situação
de ausência de acervo que não leva o professor a vê-lo como uma limitação para o
trabalho; articulado a isso, a percepção de que ele, como professor, é que deve
assumir a responsabilidade de ter os filmes que precisa para o trabalho em sala de
aula; em meio às inúmeras precariedades com que o exercício da docência em
educação básica se defronta em nosso país, o sentimento de que essa é uma
questão menor, portanto, nem como dificuldade chega a ser nomeada.
A professora Helena Araújo afirma que adoraria ter um acervo nas
instituições em que trabalha, no entanto, como essa não é a realidade, a saída que
tem adotado para viabilizar a atividade com filmes tem sido alugar, comprar ou
fazer cópias.
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83
Lembra, que desde 1989, quando então teve uma passagem pela rede
municipal, as escolas, pelo menos as da zona sul da cidade, já possuíam televisão
e vídeo, o que já era “meio caminho andado, pois tinha a possibilidade de
trabalhar com filmes”.
Segundo informação da professora Renata Augusta, antecipada no tópico
anterior, nas escolas municipais em que trabalha, nessa mesma região da cidade,
não só aquela infraestutura referida pela professora Helena Araújo mantém-se,
incorporando agora o aparelho de DVD, mas hoje em dia possuem um
significativo acervo de filmes.
De acordo com o professor Luís Afonso, na ausência de um acervo
permanente, algumas vezes, ele sugere à escola em que trabalha, que seja copiado
ou adquirido um filme que tenha a intenção de exibir aos alunos.
Segundo Ana Carolina, o que encontra disponível na escola em que
trabalha são oito documentários em VHS: “Não são ruins, são legais, mas são
vídeos, não são DVDs e oito não compõe acervo, não é?”.
Em geral, os filmes que usa nas aulas de história, ou são alugados por ela
em locadoras ou fazem parte de seu acervo pessoal.
A professora Ana Lúcia relatou-me que nas escolas em que trabalha, até a
pouco elas tinham o videocassete, mas não possuíam acervo de filmes em VHS,
agora renovaram-se, já possuem o aparelho de DVD, no entanto, só uma delas
solicitou uma lista de filmes que serão adquiridos no formato compatível.
Afirma que, como gosta muito de assistir a filmes e de revê-los, sempre
adquire alguns daqueles que podem ser usados em sala de aula, no entanto, não
possuindo os aluga, e lembra: “as escolas não cobrem isso”.
Segundo o professor Hilton Meliande, as únicas experiências em que
encontrou acervo de filmes nas escolas se deu em instituições públicas, uma
federal e outra, no âmbito estadual.
Hilton lembra, que nem sempre é fácil encontrar os filmes que precisa para
o trabalho em sala de aula, seja pelo fato de algumas boas locadoras não se
localizarem próximas aos locais em que leciona, seja por alguns desses filmes
serem muito “pontuais”, em outras palavras, serem obras que, muitas vezes, não
são encontradas em locadoras de perfil puramente comercial.
O professor Jorge Luís afirma que, o fato da escola possuir algum acervo
não significa, necessariamente, atender ao perfil de filmes que gosta de trabalhar
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com os alunos. Na maior parte das vezes, ele mesmo tem que levar as obras que
pretende exibir: “Em alguns casos, eu tenho que tirar do bolso, não tem jeito”.
De acordo com o professor Wagner Pinto, ele sempre teve facilidades em
ter acesso aos filmes que precisa para o trabalho, especialmente, em uma das
instituições em que leciona. Nesse caso, ao solicitar um filme para exibição,
funcionários da instituição se “mobilizam, procuram e trazem”, o que Wagner
atribui ao fato de haver um setor de audiovisual que assume a tarefa e que
funciona tão bem quanto a biblioteca da escola.
Quando necessário, ele também pode dispor da possibilidade de solicitar
que seja copiado um filme ou gravado da televisão.
Em escolas que, porventura, não ofereçam essas facilidades, ele prefere
montar um acervo próprio, de forma a não depender somente de escolhas prévias,
assim podendo, de acordo com o desenrolar do trabalho, decidir de imediato
lançar mão de um filme para exibir aos alunos. No entanto, afirma, normalmente,
as escolas nas quais trabalha, buscam propiciar condições para a atividade com
filmes.
4.12
Desafios no uso do filme junto aos alunos
Os desafios mais apontados pelos professores entrevistados giram em
torno de duas questões muito próximas: uma refere-se à necessidade que esses
professores sentem de educar o olhar dos alunos para lidar com a imagem fílmica,
a outra tem a ver com a dificuldade inicial, sentida por uma parte dos educandos,
de aceitar o tipo de filme proposto para o trabalho no ensino de história.
Segundo a professora Helena Araújo, seu maior desafio no trabalho com
filmes em sala de aula é incentivar os alunos a ouvir e ver, “mas o ver observando
o filme, entrando na história, aprofundando. E neste sentido é saber ficar
calado”.
Para ela, as turmas estão cada vez mais barulhentas, o que acredita possa
ser um sintoma, um mal, da sociedade neoliberal: “todo mundo fala sem parar e
ninguém se ouve”. Nesse sentido, afirma, o professor é muito mais exigido se tem
o propósito de trabalhar o filme seriamente, de modo a propiciar aos alunos o
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85
contato com novos conhecimentos, e não apenas aceita “fechar a porta da sala de
exibição e deixar todo mundo falar”. Apesar dessas dificuldades, Helena faz
questão de frisar: “a mim não me faz desistir de passar filmes não!”.
De acordo com o professor Hilton Meliande, o maior desafio é fazer o
aluno superar a idéia de que assistir a filmes no espaço escolar se confunde com
um momento de lazer” ou “extensão do recreio”. Assim, para Hilton, é
fundamental o investimento em educar o olhar, de forma a esse jovem entender
que um filme “é muito mais que simples imagens”.
Para tal, reafirma sua convicção na importância da troca sobre o filme com
os alunos como uma oportunidade do professor oferecer novos olhares sobre a
obra e o tema em estudo, desvelando as entrelinhas: “O que vem na nota de
rodapé e a gente deixa passar”.
Em uma perspectiva que guarda aproximações com o professor Hilton
Meliande, o professor Jorge Luís afirma que, seu primeiro desafio é superar o
desconhecimento dos alunos sobre a arte cinematográfica, incentivando-os a
construir uma cultura nessa direção:
Se ele gosta de filme de guerra, aventura, que ele veja, mas que ele veja
como cinema. Não é ver só como diversão (...) é ver o além: saber que
alguém escreveu o roteiro; alguém dirigiu o filme; então, tem uma
intenção sim!”.
Assim, segundo Jorge, o desafio passa a ser o de “fazer com que ele
consiga enxergar (...) enxergar algo mais”.
Em relação à questão da resistência dos alunos a determinados filmes, a
professora Renata Augusta afirma que, muitas vezes, ela se dá seja pelo fato dos
filmes trabalhados serem “mais longos” e com um ritmo diferente do que os
alunos estão acostumados, seja por determinadas obras conterem uma linguagem
que ainda não faz parte de seu cotidiano.
Para a professora Ana Carolina, é comum ocorrer uma resistência por parte
dos alunos a filmes de que eles não tenham uma referência prévia. Algumas vezes,
segundo ela, reagem: “Ah, vai passar uma coisa chata! Um troço antigo...”. Essa
professora atribui a reserva inicial “à memória que eles têm, provavelmente, de
outros professores”.
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Assim, seu desafio é mostrar aos alunos que o contato com filmes no
ensino de história pode ser “prazeroso e cultural, no sentido de trazer
conhecimento, trazer reflexão”.
A resistência que a professora Ana Carolina faz referência, a professora
Ana Lúcia explica como fruto da ausência de oportunidade dada anteriormente ao
aluno para conhecer aquele tipo de obra, em geral, trabalhada pelos docentes de
história. Para esta docente, é preciso que os professores assumam como tarefa sua
ajudar a formar esse hábito”: primeiro, os familiarizando com o tipo de filme,
para depois, começarem a gostar.
Cita como um caso típico de dificuldade, a exibição de filmes brasileiros:
Os alunos dizem: ‘Ah, filme brasileiro é? Que saco!’. Mas eles não
conhecem. Falam algo que desconhecem, entendeu? Então, eu acho que a
gente tem que formar pessoas que saibam assistir a filmes”.
Para o professor Luís Afonso, o desafio não está tanto junto ao aluno, mas,
pessoalmente, na dificuldade em obter informações mais específicas sobre o
filme, que ele possa disponibilizar nas trocas com os educandos. Não exatamente
a ficha técnica da obra, mas o contexto na qual ela se insere: “Não há um material
muito abundante com relação a isso. Então, correr atrás disso, às vezes, é muito
complicado”.
O professor Wagner Pinto não vê maiores dificuldades no uso com os
menores”, especialmente, se os filmes trabalhados forem “mais comerciais”. Em
relação a uma pequena parte dos demais o que relata ocorrer, por vezes, é um
certo desânimo”, que atribui ao perfil desses jovens:
São meninos de dezessete anos, que saíram na noite anterior, chegaram
tarde em casa, você está no primeiro tempo e ele diz: ‘Pô, estou morrendo
de sono’ ”.
Ou seja, de acordo com Wagner, não seria uma resistência ao uso do filme
ou mesmo a um filme especificamente, mas uma decorrência do ambiente pessoal
do aluno.
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4.13
Avaliação geral sobre o uso do filme
A avaliação dos docentes entrevistados para esse trabalho é unânime
quanto a reconhecer como positiva a contribuição que a atividade com filmes traz
como instrumento de conhecimento no ensino de história realizado em escolas da
educação básica.
A única preocupação apresentada nesse tópico por um dos docentes,
porém mais de uma vez reiterada, por diferentes professores, foi a exposta pelo
professor Wagner Pinto, ao criticar o uso inadequado de filmes por parte de
alguns docentes, que utilizam o filme “como substituição da aula,
simplesmente...”. Considera que um contraponto a essa prática, seja o de “pensar
o cinema como um instrumento (...) e não simplesmente como um filme que você
usa, por exemplo, para preencher dois tempos de aula”.
A professora Helena Araújo considerou dois aspectos em seu balanço: o
primeiro, especificamente ligado ao ensino de história, lembra que uma das
experiências mais profícuas possibilitada pelo uso do filme é o de proporcionar
aos alunos uma “vivência” de algum momento histórico ao qual eles têm que se
remeter e fazer o que o historiador Jacques Le Goff chama de reversibilidade
temporal, ou seja, a capacidade de um indivíduo de se debruçar sobre um outro
tempo. Assim, para Helena:
quando ajudamos nosso aluno e ele consegue dar mostras de
reversibilidade, o filme é tudo de bom. Porque vai ajudar a construir
raciocínio histórico, a entender o processo histórico, a entender
conjunturas, estruturas, simultaneidade”.
O segundo aspecto considerado pela professora refere-se a uma reflexão a
partir de seu lugar de educadora. Helena afirma que a atividade com filmes
permite trabalhar diversos aspectos significativos na formação humana: o olhar; a
estética; a filosofia; a mentalidade; ter acesso a outras culturas, povos, formas de
pensar, outras épocas; etc. Dessa maneira, segundo esta professora, o aluno
amplia substancialmente seu horizonte de partida, especialmente, na formação de
sua identidade: “mais crítica, mais aguçada, com maior capacidade de
observação e análise sobre o outro, sobre aquele diferente”.
Para o professor Luís Afonso, ainda existe uma distância abismal entre as
condições oferecidas aos alunos para assistirem a um filme na escola e as
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encontradas por esses em uma sala de projeção comercial ou em suas próprias
casas.
A seu ver, o próprio fato do trabalho com filmes já estar incorporado à
prática cotidiana das escolas deveria merecer por parte dessas, uma atenção maior
em termos de oferecer um conforto à altura da relevância dessa atividade na
programação escolar.
Nas escolas em que trabalha, afirma Luís Afonso, isso ainda é feito de
uma forma muito artesanal. Ainda que entenda ser uma questão “periférica”, a
seu ver, não é de menor importância.
Em termos positivos, ele vê muitos aspectos, mas destaca o fato de os
jovens, sentirem-se mais à vontade em relação a esse documento, mais próximos
destes do que de outros. Reflexão também compartilhada pela professora Renata
Augusta que afirma, não só que o filme é muito bem aceito pelos jovens, mas
também que permite ao professor uma aproximação com esse grupo, sem perder
os vínculos com o aspecto intelectual e cultural que a arte cinematográfica pode
propiciar.
De acordo com Luís Afonso, isso se deve ao fato desse artefato retratar
com muita força a nossa forma de ser: o cinema, a imagem, está muito
presente em nossa sociedade, ainda que não tenhamos uma prática
cotidiana de leitura mais sistemática dela”.
Assim, também considera, que a atividade com filmes favorece a possibilidade de
interação e participação mais ativa dos alunos.
Renata, por sua vez, afirma que o filme, de alguma forma, revela, constrói
ou desperta algo que não necessariamente o livro didático ou mesmo o
paradidático consegue, até mesmo, por conta do distanciamento da leitura e da
literatura em uma sociedade cada vez mais visual como a nossa.
Assim, para a professora Renata Augusta, o retorno que a atividade com
filmes traz para o trabalho com os alunos, em termos metodológicos, não tem
comparação com quaisquer outras. No entanto, lembra, o entusiasmo dos alunos
com essa atividade, não se dá apenas porque eles percebam o resultado
pedagógico do uso do filme, muitas vezes, até o fato de sair do espaço de sua sala
de aula e ir para um outro, o de exibição de filmes, gera aos alunos razão de
satisfação: “Ele nem sabe direito o que vai ver lá e já está gostando”.
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Renata ainda lamentou a falta de maior liberdade curricular que permitisse
que o filme se fizesse mais presente no espaço escolar, e assim, “que a gente,
realmente, pudesse estruturar um curso em cima do cinema”. A seu ver, o
currículo do ensino médio encontra-se excessivamente voltado a atender à
preparação dos alunos para o vestibular, o que acaba limitando o universo de
abordagens, perspectivas e documentos possíveis de serem trabalhados,
questionamento que também esteve presente na fala do professor Jorge Luís. Para
Renata:
“A gente sai da universidade querendo dar conta de muitas coisas... E aí,
você chega em uma escola e tem que usar recursos como o livro didático,
que para quem trabalha na rede privada não tem como fugir: o pai cobra
o uso, pois comprou! (...) ainda não dá conta de a gente fazer essa história
bacana que aprende na academia”.
O professor Luís Afonso, conclui sua avaliação, afirmando que
assistir a um filme com uma determinada postura, com uma determinada
perspectiva e, sobretudo, com questões, é algo que pode valer tanto
quanto ler um capítulo de um livro (...) É também uma forma de estudar,
de conhecer o sentido da história”.
Penso que o professor Luís Afonso toca em algo essencial no trabalho de
docentes com o uso de filmes em sala de aula: como atividade que se dá no
âmbito de uma relação que pressupõe a construção e reconstrução de
conhecimento, ela deve estar guiada por questões que orientem e instiguem as
trocas sobre o filme e suas representações da história, em torno dos temas que
estejam sendo discutidos em sala de aula. De algum modo, essa menção articula-
se ao olhar, em tópico anterior, do professor Hilton Meliande, quando afirmou sua
opção por trabalhar com filmes como um instrumento que, sobretudo, favoreça e
estimule a reflexão.
Quanto à postura de que fala Luís Afonso, ela me remete à defesa de
Carrière (2006) a respeito da necessidade de constituição de um espectador atento
frente às imagens. Segundo esse autor:
“basta estar alerta, ter uma lúcida compreensão da linguagem cinematográfica
(...) Podemos olhar, então, com novos olhos, para as imagens que nos
bombardeiam (...) Nossa habitual passividade pode dar lugar à observação, à
curiosidade, à um olhar crítico. Uma atitude necessária, salutar e – sem dúvida,
por essa mesma razão – permanentemente ameaçada” (p.58).
Segundo a professora Ana Carolina, um dos aspectos positivos do uso do
filme é sua capacidade, como linguagem, de perdurar na memória dos alunos. Em
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seus termos, o conhecimento adquirido através do contato com filmes é algo que
eles não perdem. Essa mesma avaliação se faz presente nas observações da
professora Ana Lúcia, para quem o filme é um artefato poderoso e eficaz tanto
quanto um instrumento de conhecimento que tem como qualidade ser duradouro,
no sentido do que oferece como material para ser trabalhado: “não fica só para a
sala de aula. Porque acho que a educação é algo que se faz para a vida e quando
a gente exibe um filme, estamos abrindo janelas”.
Quanto a essa capacidade da imagem fílmica ser duradoura, Saliba (2007)
afirma:
“As imagens dos filmes flutuam durante muito tempo em nós, como certas
músicas que, sem conhecê-la de cor, reconhecemos imediatamente a melodia”
(p.91).
Da mesma forma, segundo Abud (2003),
“estudos sobre o tema asseguram que os dados provenientes da visão e audição
correspondem a 50% do que é retido pelos alunos. Audição e visão são também
responsáveis pela retenção mais duradoura daquilo que os alunos aprendem”
(p.188).
Para Carrière (2006), desde o início da aventura cinematográfica,
“os cineastas perceberam que a memória de imagens pode, às vezes ser mais forte
e duradoura do que palavras e frases” (p.22).
Ana Carolina encerrou sua avaliação se queixando quanto às dificuldades
que já enfrentou para levar os alunos a sessões nos cinemas da cidade. Primeiro,
de parte das próprias escolas em que tem atuado, pois não incentivam esse tipo de
atividade, alegando ser desnecessário na medida em que dispõem de equipamento
de vídeo. De acordo com essa professora, a possibilidade dos alunos serem
levados ao cinema sequer é cogitada como atividade curricular, o que ela gostaria,
como oportunidade de torna-la uma experiência educativa.
Por outro, em relação aos cinemas, segundo a professora, falta uma
política de incentivo a sessões voltadas para as escolas: “Quando você liga, eles
não são muito receptivos”. Lembrei-lhe que o Estação Botafogo e o Espaço de
Cinema costumam ter projetos nesse sentido.
De acordo com o professor Hilton Meliande, ele não consegue mais hoje
separar sua aula da possibilidade do trabalho com filmes. Afirma, que a obra
cinematográfica tornou-se positivamente um elemento de sedução, referência e de
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proximidade com os alunos, criando condições positivas para o estudo das
temáticas relacionadas ao ensino de história.
Hilton percebe melhorias em termos de interesse e desempenho dos alunos
como resultado do uso do filme em sala de aula. Atribui isso ao fato dos alunos se
sentirem mais estimulados a estudar, a poder entender e a interpretar de forma
diferente daquelas que habitualmente são associadas ao processo de aprendizagem
escolar.
Além desses aspectos, esse professor afirma que para compreender história
é essencial mobilizar a capacidade de fazer articulações entre os fatos, eventos, o
que, de algum modo, não só o filme estimula, mas também oferece em sua leitura
da história.
De acordo com o professor Jorge Luís, um sinal de que os docentes de
história da educação básica, de um modo geral, têm feito um uso significativo de
filmes nas instituições escolares é o fato de uma boa parte dos livros didáticos de
história virem, hoje, acompanhados de sugestões de filmes a serem trabalhados.
Para ele, não fossem as enormes limitações de tempo para dar conta do ensino de
história no espaço escolar, a atividade com filmes, de apoio que é, poderia se
tornar uma prioridade.
Segundo o professor Wagner Pinto, como ele gosta de explorar diferentes
linguagens em sala de aula, o cinema lhe oferece muitas possibilidades, por incluir
a narrativa, a imagem, a trilha sonora, essa, muitas vezes, tornando-se um
personagem do filme. Portanto, afirma Wagner, “o cinema traz essa riqueza de
instrumentos. Uma matéria-prima muito grande, que você pode utilizar em sala
de aula”.
Wagner concluiu a avaliação, apresentando sua preocupação quanto a que
os professores possam dispor de experiências de formação que os instrumentalize
de maneira adequada a trabalhar com o cinema na escola. Segundo ele, até porque
o ensino de história na educação básica não tem sido um objeto de atenção nos
anos de formação na graduação. Em seus termos: “algum espaço para discutir,
trocar experiência (...) conhecer mais cinema, a linguagem, escapar das
indicações do Oscar!”.
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Quadro síntese
Apresento, a seguir, uma síntese da análise das falas dos professores
entrevistados, organizada a partir dos eixos temáticos que a nortearam. Aqui
foram priorizadas recorrências e diferenças identificadas na reflexão que os
professores fizeram acerca do tema central deste estudo.
1. O que pensam os professores entrevistados sobre ensino de história;
cinema; e ensino de história e cinema
a) Ensino de história.
Predominante:
. os professores relacionaram o ofício de ensinar história aos seguintes
objetivos: levar os alunos a compreender sua relação com a época e o mundo em
que vivem a partir de uma perspectiva histórica; tornar acessível aos alunos uma
parte do conhecimento e da cultura elaborados pelos seres humanos ao longo
tempo; fazer do conhecimento histórico um instrumental na formação de uma
jovem cidadania sensível e comprometida com as questões de seu tempo;
capacitar seus alunos a ler e analisar criticamente a produção cultural e científica
de sua época;
. o ensino de história esteve associado ao tema da vida, das formas de
viver e da própria história como algo viva.
Diferente
:
. associar o ensino de história ao trabalho com uma memória coletiva.
b) Cinema.
Predominante
:
. os professores entrevistados têm uma trajetória de expectadores
entusiastas e vêem o cinema como uma forma de expressão de arte; também
esteve presente a percepção do filme como um bem cultural e do próprio
entrevistado como um cinéfilo.
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Diferente:
. o percusso de cinéfilo e de profissional que atuou alugando e vendendo
filmes do professor Jorge Luís e de formação como atriz, aspirante a atuar no
cinema, da professora Ana Lúcia;
. a menção ao cinema como hobbie;
. a percepção do cinema como instrumento de formação cultural;
. a idéia de que o contato com a arte cinematográfica implica em um
conjunto de atitudes, geralmente, associadas ao universo dos chamados cinéfilos.
c) Cinema e ensino de história.
Predominante
:
. os professores entrevistados fizeram referência à contribuição que a
imagem fílmica traria ao processo de conhecer e ensinar história e à força da
imagem como “reconstrução” ou representação do real; nesse sentido, esses
docentes entendem que o filme permite tornar concretos, através da imagem em
movimento, conteúdos, conceitos, expressões da vida cotidiana, trabalhados no
ensino de história que, para os mais jovens, podem ser extremamente abstratos;
. demonstraram preocupação com que as obras fílmicas utilizadas no
espaço escolar sejam devidamente localizadas em seu contexto histórico-cultural
de produção;
. a possibilidade e a opção de trabalhar o filme como documento;
. a preocupação dos professores com os problemas de tratamento da
história nos filmes trabalhados no espaço escolar, em particular, em termos de
correção e precisão históricos.
Diferente
:
. a idéia de que o filme permite ao aluno imaginar.
2. O que leva os professores entrevistados a fazer uso de filmes nas aulas de
história da educação básica
Predominante
:
. a justificativa do uso por razões de ordem metodológica.
Diferente:
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. o uso de filmes também foi justificado tendo em conta a opção por uma
determinada filosofia da educação, nesse caso , o construtivismo;
. um outro tipo de motivação indicada foi o de propiciar aos alunos o
acesso à produção cinematográfica como bem cultural.
3. Como os professores entrevistados fazem uso de filmes em suas aulas
Predominante:
. preferem fazer o uso do filme durante e ao final do trabalho com um
tema;
. optam por exibir os filmes em sua integralidade;
. aceitam fazer algum tipo de corte de cena ou trecho de filme, apenas, por
razões estritamente pedagógicas;
. afirmam ser importante interromper a exibição dos filmes seja para
chamar a atenção dos alunos para aspectos da obra seja para tirar dúvidas;
. o reconhecimento da necessidade de interromper, vem acompanhada do
dilema do quanto interromper;
. consideram importante que a atividade com a imagem fílmica seja
acompanhada de um roteiro de observação ou da indicação de elementos do filme
para os quais os alunos devam estar atentos, ou ainda, questões que inspirem
debate;
. ao iniciar-se a exibição de um filme no espaço escolar é necessária a
apresentação da obra não só quanto aos dados de produção (ano; país; diretor;
etc), mas também em relação ao contexto histórico com o qual dialoga;
. a defesa de realização de uma discussão sobre a obra após a exibição;
. o uso do filme no espaço escolar deve ser entendido e aceito por alunos e
demais membros da comunidade escolar como “parte integrante da aula” e não
como “intervalo” ou “tempo vago”;
. o uso do filme deve ser combinado com outros procedimentos e recursos
didáticos, portanto, ele aparece na composição de um trabalho que busca, em
geral, ancorar-se em mais de uma fonte, sendo o filme, uma delas;
. preocupação com os limitados tempos escolares para dar conta desse tipo
de atividade.
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Diferente:
. a menção a abrir um tema ou uma unidade com esse tipo de atividade;
. em algumas situações, alguns desses professores selecionam cenas ou
trechos dos filmes por desejarem, nessas situações, discutir um aspecto localizado
da obra e não ela em seu todo;
. a compactação de trechos dos filmes por limitações no tempo de aula;
. certos professores fizeram referência ao fato de, muitas vezes, as
interrupções poderem ser combinadas com intervenções dos docentes sem
implicar em algum tipo de pausa;
. alguns desses docentes fazem do roteiro de observação do filme uma
referência para um posterior trabalho com os alunos. Em certos casos, o próprio
roteiro já aponta as questões a serem desenvolvidas pelos discentes;
. alguns dos entrevistados chamaram a atenção para o fato de que é
comum, em suas aulas, que a discussão sobre a obra assistida já inicie-se durante a
exibição, em geral, em função de demandas dos próprios alunos;
. a queixa quanto ao tempo disponível para exibir filmes só não apareceu,
quando a atividade ocorre fora do horário regular das aulas, em geral, em projetos
extraclasse.
4. Que avaliação geral esses professores entrevistados fazem sobre o uso do
filme no ensino de história
Predominante:
. reconhecem como positiva a contribuição que a atividade com filmes
traz como instrumento de conhecimento no ensino de história que se dá na
educação básica;
. vêem o filme como uma linguagem e um documento mais aceito pelos
jovens do que outros e, de um modo geral, atribuem isso ao fato do cinema se
fazer muito presente em nossa sociedade, em especial, nas grandes áreas urbanas,
mas também por conta do distanciamento da leitura e da literatura em sociedades
cada vez mais visuais como a nossa;
. consideram que a atividade com filmes favorece a possibilidade de
interação e participação mais ativa dos alunos nas aulas de história;
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. crêem na capacidade da linguagem cinematográfica ser “duradoura”, ou
seja, se fazer presente por um longo tempo como registro no aluno;
. vêem como positivo o fato da linguagem cinematográfica incorporar
outras linguagens em seu interior através da presença da narrativa, da imagem e
da trilha sonora;
. consideram que o uso do filme, proporciona aos alunos o contato com a
representação de um determinado momento histórico, ao qual eles têm que se
remeter, muitas vezes, tendo de debruçar-se sobre um outro tempo diferente da
sua época.
. afirmam que assistir a filmes é também uma forma de conhecer e estudar
a história, assim como são outras outras fontes do saber historiográfico, como a
literatura, a pintura, a música e tantas mais.
Diferente:
. um aspecto salientado referiu-se à possibilidade da atividade com filmes
permitir o trabalho com diversos elementos significativos na formação humana,
tais como: o olhar; a mentalidade; o contato com outras culturas; etc; o que
contribuiria, nessa perspectiva, para a formação de uma identidade “mais crítica”;
. a lembrança de que o trabalho com filmes deveria merecer por parte das
instituições escolares uma atenção maior, em termos de oferecer um conforto para
sua realização compatível com a relevância dessa atividade na programação
escolar;
. a avaliação de que o retorno que a atividade com filmes traz para o
trabalho com os alunos, em termos metodológicos, não tem comparação com
quaisquer outras;
. a percepção de melhorias em termos de interesse e desempenho dos
alunos como resultado do uso de filmes no ensino de história;
. o estímulo que a obra fílmica oferece para que o aluno mobilize sua
capacidade de fazer articulações entre fatos, eventos, essencial para a
compreensão da história;
. a observação de que, não fossem as enormes limitações de tempo que os
professores de história enfrentam no espaço escolar para dar conta de seus
programas, a atividade com filmes, de apoio que é, poderia se tornar uma
prioridade.
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Considerações Finais
Tendo em conta os objetivos e questões centrais que nortearam esse
trabalho, seu caráter exploratório e o movimento, crescente, no entanto, ainda
embrionário das reflexões realizadas por profissionais de História a respeito da
presença do cinema no ensino de História que se dá na educação básica, entendo
que esta pesquisa permitiu produzir um painel de práticas de uso de filmes nesse
campo do saber escolar, assim como trazer algumas reflexões inspiradas por esses
usos.
Dito isto, permito-me fazer algumas observações e leituras que
resultaram deste esforço de mergulhar, especialmente, nos significados que os
professores de história entrevistados dão à presença do cinema em suas aulas.
O primeiro registro que faço diz respeito à coerência, de um modo geral,
presente nos depoimentos destes professores, entre o que eles relacionam como
seus objetivos de trabalho no ensino de história, como vêem o cinema, a ligação
que estabelecem entre cinema e ensino de história e as motivações que relataram
levá-los a fazer uso de filmes em suas atividades letivas.
Guardadas as legítimas diferenças entre suas percepções, o que domina
é uma lógica que torna compreensível e que faz justificar plenamente a adoção
dessa modalidade de trabalho no espaço escolar. Nela, portanto, as atividades com
filmes comparece de forma unânime na prática dos docentes entrevistados, no
âmbito do que Abud (2003) considera como
“um dos elementos constitutivos de uma
nova metodologia para o ensino da História
” (p.183).
É bom lembrar, no entanto, que outros motivos foram apresentados para
justificar a presença do cinema nas aulas de história, somando-se às razões
propriamente de ordem metodológica, como a escolha estar associada à opção por
uma determinada filosofia da educação ou como elemento que propicie aos alunos
o acesso à produção cinematográfica como bem cultural.
Neste último caso, entendo, está implícita uma atitude que reconhece e
deseja assegurar aos educandos o acesso à arte cinematográfica, não só como
fonte de fruição estética, mas também como direito e instrumento de formação
cultural, na medida que para parte das crianças, adolescentes e jovens brasileiros,
por diversos motivos, entre eles, problemas sócio-econômicos ou mesmo relativos
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à direção em que se move a indústria cultural hegemônica, não está dada a
possibilidade de contato com uma filmografia diversificada, plural e na qual, de
algum modo, os educandos possam se sentir representados.
Vale ressaltar que, de acordo com o depoimento destes docentes, o
cinema se faz presente em suas aulas como decorrência de sua forte presença em
suas vidas, portanto, tendo um valor intrínseco, mesmo antes de tê-lo como uma
possibilidade e opção de instrumento de trabalho na educação básica. Esta
trajetória me remete a uma intervenção de Teixeira e Lopes (2003), quando
afirmam que,
“o cinema é importante para a educação e para os educadores, por ele mesmo,
independentemente de ser uma fonte de conhecimento e de servir como recurso
didático-pedagógico” (p.11)
Por outro,
“a constatação da importância do cinema por si só, qual seja, a necessidade de
‘formar’ a sensibilidade e as capacidades das crianças e jovens para melhor
usufruírem e sentirem esta arte (...) não desconhece nem desconsidera seu
caráter pedagógico e até mesmo didático” (p.11).
Saliento também que, tendo no cinema uma forma de expressão de arte,
ao incorporá-lo ao ensino de história, os professores entrevistados o percebem
como portador de conhecimento tanto quanto outras fontes de saber, respeitadas
suas peculiaridades como linguagem.
Ao tratarem da relação cinema e história, considero que merece destaque
a avaliação destes docentes de que a imagem fílmica traz, de um modo geral, uma
contribuição ao processo de conhecer e ensinar história na educação básica, em
especial, pela força da imagem como “reconstrução” ou representação do real.
Desse modo, eles entendem que o filme permite tornar concretos, através da
imagem em movimento, conteúdos, conceitos, expressões da vida cotidiana,
trabalhados no ensino de história que, para os mais jovens, podem ser
extremamente abstratos.
A isto, alia-se a possibilidade para alguns e a opção explícita para outros
de contar com o filme como um documento de trabalho em sala de aula, seja
dando conta da época em que foi produzido seja “revisitando” um tempo
passado.
Vale reiterar que, de acordo com os depoimentos que colhi, a estes
docentes não são desconhecidos os possíveis problemas de tratamento da História
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nos filmes trabalhados no espaço escolar, em particular, em termos de correção e
precisão históricos, no entanto, assim como eu, alguns dos entrevistados
compreendem que, mesmo nesses casos, tendo em conta certos limites, é possível
trabalhar-se a obra fílmica em uma perspectiva crítica, inclusive como elemento
para discutir a própria construção da História nesse tipo de narrativa.
Quanto à utilização que os profissionais entrevistados fazem do filme em
sala de aula, destaco alguns dos aspectos relatados.
O uso do filme, no exercício docente destes profissionais, vem
combinado com outros procedimentos e recursos didáticos, portanto, ele aparece
na composição de um trabalho que busca, em geral, ancorar-se em mais de uma
fonte, sendo o filme, uma delas.
A meu ver, essa é uma opção bastante saudável, pois, do contrário, na
hipótese de uma utilização excessiva e sem diálogo com outras linguagens, corre-
se o risco de se estar, ainda que não seja o propósito, reforçando o que Saliba
(2007) nomeia como um processo de
“intoxicação de imagens”, nada diferente do
que já se dá fora dos espaços escolares. Situação na qual, ainda de acordo com o
autor, perde-se a oportunidade de contribuir para que os alunos possam exercitar
uma “atenção discriminatória” das imagens (p.90).
Na busca por legitimar a presença do cinema na escola, uma
preocupação presente entre os professores entrevistados é de que esse uso deve ser
entendido e aceito por alunos e demais membros da comunidade escolar como
“parte integrante da aula” e não como “intervalo” ou “tempo vago”.
Acredito que, apesar de já ser uma dificuldade superada para parte destes
docentes, sua recorrência revela que ainda é um incômodo não transposto por
outros em suas instituições escolares, além de sua expressão demonstrar uma
atitude de rigor profissional destes professores.
Uma outra preocupação marcante dos entrevistados foi quanto às
limitações de tempo para a atividade com filmes no espaço escolar, o que leva
muitas vezes a que alguns desses professores sejam obrigados a abrir mão de
exibir obras que seriam relevantes para o trabalho com os alunos, por absoluta
impossibilidade de encaixá-los nos horários disponibilizados. Alguns também
relacionaram esse problema, especificamente, no ensino médio, ao conteúdismo
que resulta, entre outros, do investimento excessivo de muitas escolas nos
programas dos vestibulares.
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Nesse ponto, acredito que seja necessária não só uma permanente,
renovada e séria discussão que atualize e adeque os currículos, programas e
tempos escolares às necessidades de nossa época e às demandas de cada
comunidade escolar, mas que assim fazendo, examine o lugar e a dimensão que
devem ter a incorporação, das nomeadas por Ramos (2005),
“linguagens artísticas”,
na educação básica e, neste caso, no ensino de história.
Pessoalmente, entendo, que um debate deste tipo, em hipótese nenhuma,
deve se permitir ser agendado e constrangido pelos objetivos específicos e
restritos dos exames de seleção para o ensino universitário.
O relato dos professores entrevistados me deixou a convicção de que,
para este grupo, o uso do filme no ensino de história está fortemente vinculado a
uma perspectiva que o concebe como um instrumento que contribui para a
reflexão crítica sobre a temática histórica e aspectos que dizem respeito à
formação humana de seus alunos. Penso que essa seja uma das razões que os faz
defender de forma firme e entusiasta, o valor das discussões sobre as obras
fílmicas durante e (ou) após sua exibição.
Em se tratando de profissionais que trabalham com o ensino de história,
esteve bastante presente a percepção de que a exibição de qualquer obra fílmica
precisa ser acompanhada de uma apresentação, não só quanto aos dados de
produção (ano; país; diretor; etc), mas também do contexto histórico específico
com o qual dialoga.
Como os professores entrevistados, acredito que esse deva ser um
princípio elementar do uso do filme no ensino de história, sem essa
contextualização perde-se inteiramente o sentido de sua utilização nesse campo
específico do saber escolar, além de se estar, desta forma, negando aos alunos
uma ferramenta poderosa para a crítica da obra como representação da história.
A respeito da avaliação que os professores entrevistados fazem do uso
do filme no ensino de história, levanto alguns pontos.
Foi predominante perceberem o filme como uma linguagem e um
documento mais aceito pelos jovens do que outros e, de modo geral, atribuírem
isto ao fato do cinema se fazer muito presente em nossa sociedade, em especial,
nas grandes áreas urbanas, mas também por conta do distanciamento da leitura e
da literatura em sociedades cada vez mais visuais como a nossa.
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Vale recordar, que uma professora relatou fazer do interesse dos alunos
pelo filme uma ponte para também resgatar o interesse pelo texto escrito, pelo
livro. De minha parte, somo uma outra lembrança, a de que, em geral, um bom
filme é o produto também de um bom roteiro, portanto, um texto de qualidade, o
que talvez caiba ser reiterado aos alunos, como estímulo ao valor que o devido
equilíbrio entre imagens e textos escritos, livros, deva ter em suas formações e
vidas. Como afirma Saliba (2007), “a solução prática é saber dosar imagens e livros
(p.94).
De todo modo, o diagnóstico dos professores me parece ter uma forte
conexão com os efetivos lugares reservados, de um modo geral, às imagens e os
textos escritos na cultura juvenil dominante, ainda que, também ao que percebo,
essa não seja uma marca somente deste grupo da sociedade brasileira.
Uma outra avaliação que julgo valha a pena mais uma vez registrar é a
de que estes professores consideram que a atividade com filmes favorece a
possibilidade de interação e participação mais ativa dos alunos nas aulas de
história.
Considerando o que me foi relatado, isso se deve em boa medida a um
conjunto de referências e estímulos oferecidos pelos professores ao convocar seus
alunos para assistirem a obras fílmicas no ensino de história, entre eles, o fato de
buscarem filmes com algum parâmetro de qualidade e que levem em conta o perfil
da turma.
Encerro estas considerações finais, lembrando o que talvez seja o mais
importante, o de que para este grupo de professores de história entrevistados, é
unânime a avaliação de que a atividade com filmes, devidamente acompanhada de
um olhar crítico, traz uma significativa contribuição como instrumento de
conhecimento nesse campo do saber escolar, assim como, sob diversos aspectos,
para a formação humana mais ampla dos educandos.
“O filme jamais substituirá um professor, uma sala de aula... o que o filme faz é
resgatar uma memória presente” (cineasta Sérgio Rezende, Semana de História,
Auditório Padre Anchieta, PUC-RJ, 20/09/2006)
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ROCHA, Antônio Penalves. O filme: um recurso didático no ensino da
história? Coletânea Lições com Cinema. São Paulo: FDE, 1993, p. 69-86.
SALIBA, Elias Tomé. As imagens canônicas e a História. In: Capelato,
Maria Helena (et al.). História e cinema. São Paulo: Alameda, 2007, p. 85-
96.
SALIBA, Elias Tomé. Experiências e representações sociais: reflexões
sobre o uso e o consumo de imagens. In: Bittencourt, Circe (org.) O saber
histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004, p.117-127.
SALIBA, Elias Tomé. A produção do conhecimento histórico e suas
relações com a narrativa fílmica. Coletânea Lições com Cinema. São
Paulo: FDE, 1993, p.87-107.
SALIBA, Elias Tomé. História e Cinema: a narrativa utópica no mundo
contemporâneo. Coletânea Lições com Cinema. São Paulo: FDE, 1993,
p.61-82.
SETTON, Maria da Graça. Cinema: instrumento reflexivo e pedagógico.
In: Setton, Maria da Graça (org.). A cultura da mídia na escola: ensaios
sobre cinema e educação. São Paulo: Annablume: Usp, 2004, p. 67-78.
SCHVARZMAN, Sheila. História no cinema/ História do cinema. In: Anais
do XXIII Simpósio Nacional da ANPUH. Disponível em
http://www.mnemocine.com.br
-acessado em 07/02/2006.
SOARES, Mariza de Carvalho; FERREIRA, Jorge. A História vai ao
Cinema. Rio de Janeiro: Record, 2001, p.7-15.
SOARES, Mariza de Carvalho. Cinema e História ou Cinema na Escola. In:
Primeiros Escritos, Laboratório de História Oral e Imagem – UFF, nº 1, julho
– agosto, 1994.
SORLIN, Pierre. Indispensáveis e enganosas, as imagens, testemunhas
da história. In: Estudos Históricos, RJ, vol. 7, nº 13, 1994, p. 81-95.
TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro & LOPES, José de Souza Miguel
(orgs.). A escola vai cinema. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 9-24.
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ANEXOS
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Filmografia citada pelos professores entrevistados (ano, país, diretor):
A batalha de Argel: 1965, Itália/Argélia, Gillo Pontecorvo.
1492 A conquista do Paraíso: 1992, ESP/FRA/ING, Ridley Scott.
Agonia e êxtase: 1965, EUA, Carol Rud.
A guerra do fogo: 1981, FRA/CAN, Jean-Jacques Annaud.
A lenda do tesouro perdido: 2004, EUA, Jon Turteltaub.
A lista de Shindler: 1993, EUA, Steven Spielberg.
Amistad: 1997, EUA, Steven Spielberg.
A outra história americana: 1998, EUA, Tony Kaye
Arquitetura da destruição: 1992, Suécia, Peter Cohen.
Carlota Joaquina, Princesa do Brasil: 1995, Brasil, Carla Camurati.
Casanova e a Revolução: 1982, Itália, Ettore Scola.
Cidade de Deus: 2002, Brasil, Fernando Meirelles.
Danton, o processo da Revolução: 1982, FRA/Polônia, Andrzej Wajda.
Dança com lobos: 1990, EUA, Kevin Costner.
Deus e o diabo na terra do sol: 1964, Brasil, Glauber Rocha.
Elisabeth: 2000, EUA, Shekhar Kapur.
Em nome de Deus: 2002, Inglaterra, Peter Mullan
Germinal: 1993, França, Claude Berri.
Guerra de Canudos: 1997, Brasil, Sérgio Rezende.
Hans Staden: 2000, Brasil, Luiz Alberto Pereira.
Hotel Ruanda: 2004, EUA/Itália/ África do Sul, Terry George.
Indochina: 1992, França, Régis Wargnier.
Jango: 1984, Brasil, Silvio Tendler.
Johnny vai à guerra: 1971, EUA, Dalton Trumbo.
Lutero: 2003, Alemanha/EUA, Eric Till.
Matrix: 1999, EUA, Andy Wachowski e Larry Wachowski.
Mauá, o imperador e o Rei: 1999, Brasil, Sérgio Rezende.
Mississipi em chamas: 1988, EUA, Alan Parker.
Nós que aqui estamos por vós esperamos: 1988, Brasil, Marcelo Masagão.
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O cálice sagrado: 1954, EUA, Victor Saville.
O feitiço do tempo: 1993, EUA, Harold Ramis.
O Gladiador: 1965, EUA, Ridley Scott.
O Grande Ditador: 1940, EUA, Charles Chaplin.
O homem da máscara de ferro: 1998, EUA, Randall Wallace.
O incrível exército de Brancaleone: 1965, Itália, Mário Monicelli.
O jardineiro fiel: 2005, EUA, Fernando Meirelles.
O jarro: 1994, Irã, Ebrahim Foruzesh.
O outro lado da nobreza: 1995, EUA, Michael Hoffman.
Outubro: 1927, URSS, Serguei Eisenstein.
O ovo da serpente: 1977, Alemanha/EUA, Ingmar Bergman.
O pianista: 2002, França, Roman Polanski.
O triunfo da vontade: 1934, Alemanha, Leni Riefenstahl.
Os anos JK: 1980, Brasil, Sílvio Tendler.
Queda- as últimas horas de Hitler: 2004, Alemanha/Itália, Oliver Hirschbiegel.
Queimada: 1969, Itália/França, Gillo Pontecorvo.
Rainha Margot: 1994, ALE/FRA/ITA, Patrice Chéreau.
Revolução de 30: 1980, Brasil, Sylvio Back.
Sonhos Tropicais: 2002, Brasil, André Sturm.
Tempos Modernos: 1936, EUA, Charles Chaplin.
Tróia: 2004, EUA, Wolfgang Petersen.
Xica da Silva: 1976, Brasil, Carlos Diegues.
Zuzu Angel: 2006, Brasil, Sérgio Rezende.
11 de setembro: 2002, França, Alejandro González Iñarritu (México), Youssef
Chahine (Egito), Amos Gitai (Israel), Shohei Imamura (Japão), Claude Lelouch
(França), Ken Loach (Reino Unido), Samira Makhmalbaf (Irã), Miranair (Índia),
Idrissa Ouedraogo (burkina- Faso), Sean Penn (EUA) e Danis Tanovic (Bósnia –
Herzegovina).
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Roteiro das entrevistas.
1. Por que ensinar História?
2. Qual o significado do cinema para você?
3. Que relações você estabelece entre cinema e ensino de história?
4. O que o leva a fazer uso de filmes em sala de aula?
5. Como você escolhe os filmes que vai exibir aos seus alunos?
6. Que critérios você adota na seleção?
7. Você define previamente os objetivos da atividade? Em geral, como faz isso?
8. Como se dá o uso dos filmes em suas aulas? O que você faz? Você pode
descrever detalhadamente?
9. De que forma você avalia o resultado dessas atividades junto aos seus alunos?
10. Você enfrenta dificuldades para fazer esse tipo de trabalho na escola? De que
tipo?
11. Você dispõe de acervo nas escolas em que trabalha?
12. Qual o maior desafio que você vive para fazer uso de filmes junto aos alunos?
13. Qual sua avaliação geral sobre os resultados do uso que você faz dos filmes
em suas aulas?
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Entrevista com a professora Helena Araújo.
1. Por que ensinar História?
- Esta pergunta é a pergunta que não quer calar nunca, a gente se faz a vida inteira,
não é? Para que serve o ensino de história, por que a gente ensina história... Para que
a gente possa trabalhar com uma memória com nossos alunos, para que a gente possa
formar um leitor e um consumidor crítico no mundo atual, para que a gente possa
ampliar seu horizonte enquanto cidadão... Na sua dimensão política, para que ele
possa se posicionar no mundo de forma mais consciente, mais crítica. Na minha
opinião, na educação básica a gente não vai formar pequenos historiadores, o sentido
da história na educação básica é trabalhar numa ampliação da cidadania, numa
democratização de um acesso ao saber, do conhecimento mais sistematizado, que é
uma obrigação da própria escola. Então, este é o sentido da história. E principalmente
trabalhar esta coisa do consumidor e do leitor crítico, mais consciente de suas
escolhas, de suas escolhas políticas, pessoais, em todos os sentidos.
2. Qual o significado do cinema para você?
- Eu adoro cinema desde pequena, me lembro de ir ao Metro Tijuca com meu pai
assistir sessão de Tom e Jerry, domingo de manhã. Então, cinema é uma coisa assim
que me encanta, muito antigo. E particularmente no ensino de história, com todas as
críticas que a gente possa trazer, muitas vezes àquela produção que historicamente
não está tanto do gosto da gente, dos historiadores... Eu acho que sempre tem mais
pontos positivos do que negativos, porque a gente pode trabalhar o cinema no seu
lado crítico, também na análise do que a gente possa discordar do filme. Mas ele
sempre traz a possibilidade de uma concretude, num momento em que nossos alunos,
principalmente, de quinta à oitava, a história ainda é uma das disciplinas mais
abstratas. E aí, segundo Piaget, a noção de tempo é a mais difícil da criança
concretizar, ela ainda vem depois da de espaço. Então, ter a habilidade da
reversibilidade temporal, nem sempre, antes dos doze, treze anos, está concretizada
nos nossos alunos. É claro que tem as questões culturais que envolvem, mas existe
também este dado que a gente não pode menosprezar. Eu não sou piagetiana, mas
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acho que a gente tem que conhecer isso. E o filme nos traz a possibilidade deste
resgate no imaginário, mesmo que às vezes não seja tão perfeito quanto os
historiadores gostariam, mas a gente pode trabalhar com isso. Então, acho que isso
incentiva muito os alunos, eles gostam, eles têm prazer e isso educa muito.
3. Que relações você estabelece entre cinema e ensino de história?
- Eu acho que é sempre importante a gente situar com os filmes que trabalha em sala:
de quando é a produção, quem é seu cineasta, diretor, em que país este filme foi
produzido, para que os alunos tenham a noção de que este filme também traz uma
história com ele. Ele se faz dentro de um contexto cultural. Sobre esta questão eu
tenho quase como um mestre o Tomaz Tadeu que, no “Documentos de identidade”,
tem um texto que fala “toda pedagogia é cultural e toda cultura é pedagógica”. Então,
através das manifestações culturais, eu vejo o cinema como uma linguagem da arte
dentro de um campo amplo da cultura, que evidentemente ele educa, evidentemente
ele ensina, quer a gente queira ou não, como a televisão também. Mas o filme,
especificamente, quando ele é um filme histórico que a gente possa trabalhar na nossa
sala, ele nos permite através desta educação, muitas vezes, de formação da
identidade, da subjetividade daqueles sujeitos, a gente interrelacionar com os fatos
históricos que o aluno sente mais vivo, mais próximo, mais representado, mesmo que
a gente venha até discutir algumas representações que o filme venha a colocar.
4. O que o leva a fazer uso de filmes em suas aulas?
- Esta é uma questão polêmica. Eu me sinto muito segura da minha escolha por
filmes. Ainda, lamentavelmente, na maioria das escolas que a gente trabalha, isto nem
sempre é bem visto pelas coordenações pedagógicas. Ainda há um rótulo de que o
professor que está passando filmes está enrolando, entre aspas. Eu sou muito segura e
tenho a certeza de que não é este o caminho. O uso do filme na sala de aula vem num
sentido, não só metodológico, mas filosófico, que eu acho que é o mais importante.
Não é usar só o filme pelo filme, para matar o tempo ou distrair os alunos. Mas usar o
filme numa proposta construtivista de construir o conhecimento histórico. E aí eu
acho que ele é uma ferramenta fundamental: como a história oral, a música de época,
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os textos primários e secundários, etc. Então, eu vejo o filme muito mais como uma
fonte.
5. Como você escolhe os filmes que vai exibir aos seus alunos?
- Em um primeiro momento, as escolhas acabam sendo mais pessoais. Na verdade, eu
vou ao cinema, muitas vezes, quando um filme é lançado. Por exemplo, agora,
sábado, eu recebi um convite para assistir “Zuzu Angel” no Unibanco Artplex, às 11
horas, e o cineasta e o Gilberto Dimenstein vão estar discutindo o filme com uma
platéia, que parecer ser, só de professores, e eu por sorte recebi um convite na outra
escola em que trabalho. Então, muitas vezes é assim: eu vou porque recebi um
convite; porque leio a sinopse no jornal e gosto; eu sou freqüentadora de cinema. O
cinema faz parte da minha vida, como eu já falei: eu gosto muito. Normalmente é
assim: ao assistir esses filmes, evidentemente, eu já tenho um olhar trabalhado de
pensar como é que eu posso usar isso na aula. Então, eu começo a pensar em que aula
eu posso encaixar aquele filme, em uma proposta, não só dentro do ensino de história,
mas muitas vezes formativa, educativa. Por a gente trabalhar num colégio e com
formação de professores há muitos anos, como professora de Prática de Ensino de
História, a gente sempre está procurando caminhos para melhorar o aprendizado, o
ensino de história. E aí eu começo a descobrir filmes. Muitas vezes eu aprendo muito
com meus estagiários que trazem filmes bons, que me recomendam. E como eu sou
antenada e gosto disso, eu procuro os filmes para ver previamente e poder passar nas
turmas. Inclusive eu tenho um catálogo do Cap-UFRJ de vídeo, muito bom, feito por
vocês, com análise.
6. Que critérios você adota na seleção?
- Primeiro, que sejam filmes dramas históricos. Isto é básico. Se eu estou trabalhando
numa turma da pedagogia ou de políticas públicas, aí é diferente. Eu vou ampliar meu
leque e trabalho até “O jarro” para discutir a relação aluno-professor, autonomia,
avaliação... Aí é um outro caminho. Mas, na Educação Básica, como professora de
história, eu vou pensar um filme que trás um cenário histórico. Então, é “1492”,
“Danton”, “Germinal”... Filmes que iriam na linha histórica, de um drama histórico.
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Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto seria se ele é um bom filme; como ele é
colocado pela crítica; qual é a qualidade do filme; e a adaptação à faixa etária,
evidentemente. Eu acabo conseguindo mais filmes para o ensino médio do que de
quinta à oitava, muitas vezes. Recentemente, eu consegui comprar no sebo do
Unibanco “O incrível exército de Brancaleone” que eu acho fantástico para trabalhar
Idade Média, Cruzadas... Mas é mais difícil a gente ter um filme histórico, com uma
consistência histórica interessante, de qualidade, que a gente possa usar. Então, os
critérios são basicamente esses: o primeiro, ser um filme histórico; depois, a
qualidade do filme, o que há de crítica sobre ele; e o terceiro, a adaptação ou não à
faixa etária que eu estou trabalhando naquele momento.
7. Você define previamente os objetivos da atividade? Em geral como faz isso?
- Eu sempre penso o filme como uma incentivação a um tema a ser dado. Sei, e
sempre discuti isso com os alunos de prática (de ensino de história), que há
professores que vão trabalhar, por exemplo, movimentos de contestação ao
capitalismo; então, eles vão dar todos os movimentos para depois passar um filme. E
o filme, neste caso, serviria para a fixação de um conteúdo ou crítica sobre o filme a
partir do conteúdo que eles deram. Particularmente, não gosto de usar assim. Eu gosto
sempre de usar o filme como uma incentivação. Eu falo muito pouco sobre o tema.
Na hora em que já estamos na sala de vídeo, eu contextualizo o cineasta, o ano do
filme, o país em que ele foi feito, dou uma idéia geral da sinopse e começo o filme,
pois eu acho bacana assim. Portanto, para mim, o filme é um disparador de
conhecimento, digamos assim, para você construir conhecimento. Depois que
acabamos de ver o filme, e por isso eu não gosto de cortar, eu gosto de passar o filme
dois, três tempos, pois é um crime cortar “Tempos Modernos” do Chaplin, por
exemplo. Eu falo assim: “Quem sou eu!”. Não tem uma aula de história que substitua
um “Tempos Modernos”. E o bom é que eles possam ver, até porque a gente sabe que
muitos deles não terão oportunidade de em casa ou em outros lugares de assistir
aquele filme, com o qual eles vão aprender muitas coisas: ou um outro olhar, uma
outra mensagem. E depois a gente faz um debate, trabalha-se com um roteiro sobre o
filme, que é um aspecto metodológico que eu sempre trabalho. Todo filme tem
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roteiro. O roteiro é feito em dupla ou trio. Vale nota, sim. Faz parte da construção do
conhecimento. E depois, a gente vai para um texto teórico, que aí sim, serve para
amarrar o conhecimento, fazendo alusão sempre ao filme. Então, o filme faz parte do
desenvolvimento daquela unidade até o final.
8. Como se dá o uso dos filmes em suas aulas? O que você faz? Você pode descrever
detalhadamente?
- Como já falei, tanto aqui na escola pública ou em uma particular, eu gosto muito de
utilizar ele, num primeiro momento, para abrir uma unidade. Se vou abrir uma
unidade sobre Expansão marítima e comercial, eu começo com “1492”. A gente vê o
filme inteiro, eu comento. Acho importante que durante a exibição a gente ajude os
alunos a trabalhar um olhar crítico. Eu evito estar parando o filme toda hora porque é
muito chato: os alunos ali empolgados e o professor parando o filme de cinco em
cinco minutos! Mas eu tento, em alguns momentos, ir falando algumas coisas durante
a exibição do filme. E, quando acho muito, muito importante, em casos excepcionais,
eu dou uma paradinha no vídeo ou no DVD e faço algum comentário, tiro alguma
dúvida e a gente retorna ali. No final do filme a gente sempre discute, não muito
tempo, pois em geral as perguntas vão acontecendo. E como costumamos ver todo o
filme, eu brinco com os alunos que meus filmes são como novela: começam num dia
e acabam no outro [risos]. Dependendo do dia, chegamos a três dias. Mas é muito
rico o que surgem de perguntas. Acho que eles não esquecem mais.
9. De que forma você avalia o resultado dessas atividades junto aos seus alunos?
- Como a gente não pode entrar num laboratório, algo como um túnel do tempo, que
seria um laboratório de história, o filme traz um pouquinho desse resgate da memória
através de imagens que, evidentemente, são construídas, são representações sociais,
mas que se não tivéssemos ficaria tudo mais árido. Isso eu percebo na prática. Não
adianta a gente negar o quanto vivemos num mundo imagético. E o professor tem que
começar a dar conta disso, cada vez mais. Então, essa é uma questão. Mas existe um
outro lado, como educadora, como formador e transformador de subjetividade e
formador de identidade, como diz o Tomaz Tadeu, que não podemos esquecer: é o
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prazer de ver um bom filme, o prazer de ver uma boa produção, a alegria desse aluno,
entender que isso é pedagógico, que isso educa. Não é só está falando, com texto em
sala de aula, o quadro. Uma aula tradicional é importante em vários momentos. Uma
aula expositiva bem dada, clássica, que amarra um conteúdo, em alguns momentos, é
importante. O que não dá, é ficar só nisso. Aí eu acho que o filme é um grande aliado,
um grande parceiro.
10. Você enfrenta dificuldades para fazer esse tipo de trabalho na escola? De que
tipo?
Quando somos mais novos ficamos mais inseguros, porque há um discurso dos
próprios alunos até conhecerem nosso trabalho que é: “você vai passar um filmizinho
hoje?”, “Vou poder dormir?”. Aí ele começa a ver que não é bem assim. Que o filme
traz um monte de discussões; que ao final do filme tem um roteiro e que ele tem que
responder várias questões sobre o filme; que isso vale nota também, que é tão
importante quanto o outro trabalho, o outro teste ou a outra prova. Então, você
começa a criar uma outra mentalidade com os meninos, os alunos, de que ver filme é
prazeroso sim, mas que a gente aprende muitas coisas também. A primeira quebra de
mentalidade tem que ser dentro do próprio alunado. Constituindo uma mentalidade de
que filme pode ser uma coisa prazerosa e séria para trabalhar o conhecimento
histórico. O segundo ponto é quebrar às vezes a rigidez de algumas coordenações que
encaram assim: “Será que você não está perdendo tempo?”. Eu falo deste modo: “o
perder tempo, entre aspas, eu ganho tanto à frente, depois, que vocês não imaginam!”
E começar a provar às vezes para novas coordenações ou instituições novas que você
esteja trabalhando, de que isso faz os alunos produzirem; mostra o roteiro, que vale
nota; que isso faz parte de uma unidade; que é uma metodologia que está sendo
trabalhada, junto a uma construção de conhecimento. Então, você começa a ganhar
confiança dessa coordenação. O que eu percebo nos lugares novos aonde chego, é que
tanto os alunos quanto os coordenadores olham meio desconfiados. Ao final de um
ano, a tendência é eles adorarem. Até lá mostro os roteiros, dou algumas explicações
sobre a importância disso, muitas vezes, para suprir a falta de clareza teórica. E aí os
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alunos já me conhecem como uma professora que passa filmes. “Qual é o filme que
você vai passar esse mês?”, eles perguntam.
Extra. Essa dificuldade a que se refere, você tende a identificar mais na área pública
ou na área privada?
- Na escola particular. Trabalhei na rede municipal, fui contratada na área federal e
trabalho aqui no colégio há 20 anos. Esta maior preocupação, digamos assim, ela é
muito marcada na escola particular. Na escola pública, muito pouco, mais assim
alguns colegas que às vezes até por curiosidade falam assim: “Mas não fazem (os
alunos) muita bagunça?” ou “Não vale a pena passar porque eles fazem muita
bagunça e dá muito trabalho!”. Eu acho que dá sim, tem turma que não sabe assistir
filme, então é uma boa hora para a gente começar a ensinar que tem que saber calar a
boca. Não é possível que em nenhum filme o aluno consiga parar de falar. Então, a
gente educa num sentido maior mesmo. Aí dá trabalho. Aqui no colégio, como há
uma prática desde a quinta série, e mesmo antes, com os pequenos, quando os alunos
chegam no ensino médio, temos muito poucos problemas de disciplina para ver um
filme. Já há um hábito. E isso acho que é uma coisa legal. Já faz parte da cultura
deles.
Extra. Nos locais em que trabalha, você dispõe de acervo?
- Eu adoraria ter um acervo! O acervo acaba sendo assim: eu brincava com meus
alunos de Prática, que um dia eu vou ser presa, de tanta fita pirata! E outras que eu
pago mesmo. Alugo nas locadoras, porque eu acredito nisso e faz parte do meu
trabalho. Eu já não sei mais trabalhar sem isso. O que achei um ganho... Eu me
lembro, que desde 1989 quando eu entrei no município, as escolas, pelo menos as da
Zona Sul, já tinham televisão e vídeo. Então, isso já era meio caminho andado, pois
tinha a possibilidade de passar. E aí, alguns filmes que eu passava muito, comecei a
tentar comprar. Ás vezes era difícil. Por exemplo, “O incrível exército de
Brancaleone” e “Nós que aqui estamos por vós esperamos”, eu consegui comprar.
Mas tem vários que eu tenho mesmo em fitas piratas. Ás vezes, os estagiários me
davam de presente. É o caso de “O outro lado da nobreza” e “Rainha Margot”.
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11. Qual sua avaliação geral sobre os resultados do uso que você faz dos filmes em
suas aulas?
- Eu teria uma resposta de duas amplitudes. Uma, específica no ensino de história,
pensando no que esse filme proporciona a eles- uma vivência, entre aspas, de algum
momento histórico que eles têm que se remeter e fazer essa reversibilidade temporal
que o próprio Le Goff tem uma fala linda: “Entender o tempo é dar mostras de
reversibilidade”. Está no texto “Calendário”, da “Enciclopédia Einaudi”. Então,
quando ajudamos nosso aluno e ele consegue dar mostras de reversibilidade, o filme é
tudo de bom. Porque vai ajudar a construir esse raciocínio histórico, a entender o
processo histórico, a entender conjunturas, estruturas, simultaneidade. Então, eu acho
ele maravilhoso. No sentido mais amplo, pensando como um educador em geral, eu
acho que o filme trabalha o olhar, a estética, a filosofia, a mentalidade, a ver outras
culturas, outros povos, outras formas de pensar, outras épocas. E isso, amplia o
horizonte do indivíduo de uma forma que a gente não tem nem dimensão. Mais nesta
dimensão da formação de sua identidade: mais crítica, mais aguçada, com maior
capacidade de observação e de análise sobre o outro, sobre aquele diferente.
Extra. Qual o maior desafio que você vive para dar certo o uso do filme em suas
aulas?
- Cada vez mais na cultura e na sociedade que a gente vive, os nossos alunos terem a
capacidade de ouvir e ver. Ouvir e ver, mas o ver observando o filme, entrando na
história, aprofundando. E neste sentido é saber ficar calado. Cada vez mais as turmas
são mais barulhentas. Acho que isto é um sintoma, é um mal, da sociedade neoliberal:
todo mundo fala sem parar e ninguém se ouve. Então o filme ajuda. E aí é um
exercício enorme, dá mais trabalho sim. Trabalhar com o filme seriamente. Quando
você não quer fechar a sala e deixar todo mundo falar. Você quer que os alunos
entrem no filme, que o filme traga novos conhecimentos para eles. Você tem trabalho
com a disciplina, com a questão de ele saber ouvir, ver alguma coisa, ficar calado. Eu
acho isso um grande desafio para gente, mas a mim não me faz desistir de passar
filmes não. E vou passar mais [riso].
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