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Luciana Mello Ribeiro
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS:
SEUS VALORES E A OPÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Educação Brasileira da PUC-Rio como requisito
parcial para obtenção do título de Doutor em
Educação.
Orientadora: Hedy Silva Ramos Vasconcellos
Rio de Janeiro, abril de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA
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LUCIANA MELLO RIBEIRO
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: SEUS
VALORES E A OPÇÃO DA EDUCAÇAO
AMBIENTAL
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do
grau de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em
Educação do Departamento de Educação do Centro de
Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
Profª. Hedy Silva Ramos de Vasconcellos
Orientadora
PUC-Rio
Profª. Tânia Dauster Magalhães e Silva
PUC-Rio
Profª Maria de Lourdes Spazziani
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Profª Diva Lopes da Silveira
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ
Prof. Vilson Sérgio de Carvalho
Universidade Cândido Mendes
Profº PAULO FERNANDO CARNEIRO DE ANDRADE
Coordenador Setorial do Centro
Teologia e Ciências Humanas - PUC-Rio
Rio de Janeiro, ____/_____/____.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora, e do orientador.
Luciana Mello Ribeiro
Graduou-se em Ciências Biológicas pela UNESP (1995), é
especialista em Meio Ambiente (1997), mestre em
Educação Brasileira pela PUC-Rio (2003). Sua área de
pesquisa é a Educação Ambiental, tendo desenvolvido
diversos projetos e artigos, organizado e participado de
eventos na área. Atua também em programas de pós-
graduação, inclusive no formato educação à distância.
FICHA CATALOGRÁFICA
Ribeiro, Luciana Mello
Professores universitários : seus
valores e a opção da educação ambiental /
Luciana Mello Ribeiro ; orientadora: Hedy Silva
Ramos Vasconcellos. – 2008.
309 f. : il. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Educação)–
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia
1. Educação – Teses. 2. Educação
ambiental. 3. Docentes universitários. 4.
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Aos que desejam se renovar para melhor e renovando-se renovam
também ao mundo.
Aos que, fazendo o melhor que podem, ainda conseguem ampliar sua
lucidez e através dela se reposicionarem na grande espiral evolutiva
que é a vida, atualizando-se para si mesmos e para todos aqueles com
quem tenham tido ou mantenham relações.
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Agradecimentos
Em breves linhas pouco se traduz dos memoráveis e providenciais auxílios que
recebi durante a feitura desta tese. Procurarei me ater à menção do imprescindível,
ficando aqui registrado que meu reconhecimento vai muito além destas palavras e
nomes principais. Há necessidade da informalidade para melhor expressar estes
agradecimentos.
Gratidão, de acordo com o Houaiss, significa “reconhecimento de uma pessoa por
alguém que lhe prestou um benefício, um auxílio, um favor etc.; agradecimento”.
Falar sobre os benefícios reconhecidos é insuficiente para expressar os pequenos e
grandes favores que devo a tantos colaboradores. De modo que me vejo obrigada
a contar com a compreensão de quem me lê para com a limitação das palavras.
Em primeiríssimo lugar minha gratidão a minha orientadora, Hedy Vasconcellos e
à coordenação da Pós-Graduação, na pessoa de Rosália Duarte, que souberam
compreender os desafios e percalços pelos quais passei, temperando seu auxílio
com as doses necessárias de solidariedade e firmeza. Aos demais professores e aos
colegas, sou grata pelo conhecimento compartilhado e por abrirem novas trilhas
em meu pensamento. À banca examinadora, pela atenção e cuidado.
Ao Marcos, agradeço a partilha dos doze anos de aprendizado mútuo.
Devo muito de minha saúde ao amparo de minha fonoterapeuta, Regina Camillo,
cuja intervenção lúcida e acolhedora tem sido importante apoio. A você meu
carinho e reconhecimento. Da mesma forma, pelo socorro e cuidados à minha
coluna, agradeço a minha querida e competente fisioterapeuta, Michelle Pontes,
que me permitiu recuperar fôlego suficiente para estar em pé, me centrar,
trabalhar e equilibrar relacionamentos de todas as naturezas. Você chegou no
momento certo e tem sido valiosa!
Na estruturação deste tipo de trabalho muitos são os detalhes e quase infinitas as
tarefas que passo a passo configuram o que chamamos de tese. Por isso, passo
agora à lista dos agradecimentos aos auxílios operacionais e materiais:
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antes dos demais, agradeço aos educadores(as), que muito amavelmente me
receberam e se disponibilizaram a ceder seu escasso tempo para compartilhar um
pouco de seu aprendizado sobre a vida;
agradeço o apoio na transcrição das 28 fitas cassete de entrevistas, que
recebi de Flávio Amaral, Kathy Homonnay (minha mãe), Aline Dalsgaard, Renata
Ferreira, Daniel Corrêa, Alba Cardoso e Roseane Delgado.
foi indispensável o amparo, nos momentos em que necessitei de traduções,
oferecido por minha irmã Elisa, por minha mãe, por meu pai, pelo amigo Renzo
Rocha e pela amiga Ana Paula Wauke.
fico especialmente grata pela acolhida carinhosa e generosa todas as vezes
que precisei ir ao Rio para concluir alguma etapa do trabalho que me exigia a
presença física ali. Sem o apoio de Tereza Ribeiro, Letícia Schelb, Fernanda
Insfrán, Pedro Halbritter e dos manos Régis e Leonel Tractenberg, as entrevistas,
pesquisas de biblioteca, reuniões de orientação teriam sido mais difíceis e
custosas.
fundamental foi a solidariedade dos amigos Rafael Franco – que me emprestou
um monitor quando o meu queimou – Antonio Fontenelle e Renzo Rocha, que
providenciaram um laptop para a fase final da tese, quando necessitei ter maior
mobilidade para complementação das pesquisas e para a redação. Nos últimos
dias da escrita ainda contei com o presente inesperado de um novo monitor, desta
vez LCD. Família, obrigada!
preciosas foram as involuntárias e voluntárias dicas de leitura de Waldo
Vieira, Tomas Heidt, Alexandre Zaslavski, Ione Basílio, das irmãs psi Cristiane e
Tânia Ferraro e da amiga de todos os momentos, Eloiza Neves.
e, claro, imprescindíveis as inspiradas conversas e reflexões acerca do tema,
especialmente com Thais Lima, Michelle Pontes, Paulo Abrantes, Cristiane e
Tânia Ferraro, cujas experiências me foram exemplares.
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pela busca e envio de livros não encontrados em Foz do Iguaçu, obrigada
Elisa e Paola. E obrigada a Thais Lima, Ana Paula Wauke, Ana Paula Abreu,
Daniel Corrêa e Daniela Seabra por tentarem encontrá-los nas bibliotecas
universitárias de Foz.
por formatar o texto, sou grata a Daniel Corrêa.
A Eloiza e à secretaria (EDU), pelos procedimentos finais de entrega da tese.
Aos muitos amigos que permaneceram próximos, estando em Foz, São Paulo,
Rio, ou mesmo mais longe, enquanto meu pai se recuperava da cirurgia. Agradeço
especialmente a Maludy Pekin, amparadora de primeira hora nos socorros a meu
pai e a Áurea Andriolo, amiga de excepcional solidariedade e presença. E muito
especialmente a Elisa.
Aos meus companheiros de convivência doméstica mais próximos, a amiga Ana
Paula Wauke e Daniel Corrêa. Pela paciência e ajuda na organização da vida
prática, contribuindo para reverter tempo para a escrita.
Aos franceses, ingleses, chineses, italianos, gregos e alemães, cujas peculiares
formas de pensar propiciaram maior percepção de mim mesma, de minhas raízes,
das diretrizes de meu trabalho e de aspectos seus que andam a requerer renovação.
A identificação destas afinidades remodelou e ampliou minha atuação existencial
no esforço pela organização/ construção de uma sociedade mais lúcida e saudável.
Recuperar a memória de aprendizados e valores possibilita escolhas mais
acertadas.
Por fim, agradeço à CAPES por ter viabilizado através do programa de bolsas
estes quatro anos de estudo, incluindo a participação em congressos e eventos de
intercâmbio.
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In memorian: mesmo após sua passagem faço questão de reiterar minha gratidão
ao Floriano, pela confiança no trabalho e por me propiciar a oportunidade de
inserção na UDC, faculdade que me recebe agora ao finalizar a tese.
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Resumo
Ribeiro, Luciana Mello. Professores universitários: seus valores e a
opção pela Educação Ambiental. Rio de Janeiro, 2008. 309p. Tese de
Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
A Educação Ambiental (EA), um novo paradigma educacional, vem
enfrentando uma série de desafios em seu processo de institucionalização no
Brasil e no mundo, nestes seus pouco mais de 30 anos de trajetória. Desde 1999, a
Lei Nacional de EA garante a obrigatoriedade de sua difusão em todas as
instâncias sociais, seja nos meios de comunicação, nas empresas, no campo, ou
em cada nível do ensino formal. Sua natureza interdisciplinar fez com que se
propusesse incorporá-la de modo transversal nos processos educativos.
Considerando as dificuldades de ordem cultural, burocrática, política, e mesmo
psicológicas e sociais, tal proposição, com todos os avanços que se fez, segue
ainda distante do horizonte desejado. A universidade, idealmente, deveria ser um
dos locus transformadores da realidade, já que se propõe ser um espaço para
formação educacional em diversos sentidos. Entretanto, sendo tradicionalmente
conservadora em termos de práticas, não manifesta situação melhor quanto à EA.
Ainda assim, existem docentes universitários que arrostam as dificuldades e
desenvolvem práticas educativo-ambientais de fato engajadas e transformadoras.
O que os motiva e mobiliza nesse sentido é a questão que orientou esta pesquisa.
Tomou-se por hipótese serem os valores pessoais o fator decisivo nesta opção.
Neste caso, que meios e experiências morais teriam produzido tais valores? De
que forma? Como se expressam? Em busca de entender esta motivação lançou-se
mão da história oral, através de sua modalidade conhecida por depoimentos
pessoais, colhidos estes por meio de entrevistas. Mesclando memórias, práticas
cotidianas e escolhas, a entrevista percorreu a trajetória pessoal e profissional
destes docentes, procurando ir além da mera teorização em torno de valores
desejados. Assim, foram confrontadas a prática e os ideais de cada docente, sendo
tomados por indicadores de alinhamento entre discurso e valores a coerência e a
vergonha. A riqueza dos relatos indica forte relação entre os valores principais de
cada professor e sua prática social. Em comum, tais professores têm um perfil
idealista e gosto pela vida, valorizando a justiça, a solidariedade, a gratidão, a
relação humana e a responsabilidade, elementos aos quais conseguem dar corpo
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através de grande engajamento e dedicação ao trabalho, entendido e buscado
enquanto meio de realização de seu projeto de vida. Idéias inatas, experiências
familiares, sócio-culturais e educativas parecem ter contribuído para as escolhas
existenciais dos docentes estudados. Espera-se que a identificação destes perfis e
experiências formadoras possa inspirar a criação de processos educativos, iniciais
ou continuados – tendo em vista a generalização do saber ambiental e do sujeito
ecológico. Pretende-se, por fim, que a presente tese venha a contribuir para o
debate acerca do processo pedagógico formador de valores no âmbito da
Educação Ambiental.
Palavras-chave
Educação ambiental, docentes universitários, depoimentos pessoais,
instituições de ensino superior, valores, projeto de vida, formação profissional,
sociedades sustentáveis.
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Abstract
Ribeiro, Luciana Mello. University Professors: their values and the
option for the Environmental Education. Rio de Janeiro, 2008. 309p. PhD
Thesis – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro.
Environmental Education (EE), a new educational paradigm, has been
facing several challenges during its institutionalization process in Brazil and in the
world over its thirty years trajectory. Since 1999, the Brazilian EE National Law
made mandatory its diffusion in every social instance, such as the media,
enterprises, countryside municipalities, and within each formal education level.
The EE interdisciplinary nature has indicated its inclusion through a transversal
approach within educational processes. Considering the difficulties within
cultural, bureaucratic, politic and even psychological and social instances, such
proposition continues – besides many developments achieved -, far from its goal.
The institution of higher education, ideally, should be a social changing locus, as
it has the purpose of being a place for educational development in many ways.
However, being traditionally conservative within its practices, it is not doing well
concerning EE. Even so, there are professors whom, despite difficulties, develop
educative-environmental practices truly committed with social change. The
reasons which motivate and mobilize them in this direction are the key matter that
guided this research. By hypothesis, this work proposes that personal values are
decisive factors leading these university teachers into this option. In this case,
what means and moral experiences have produced such values? How was it? How
are they regularly expressed? In order to understand their motivation it was
applied the oral history research approach through personal depositions, obtained
through interviews. Mixing memories, daily practices, and choices, the interviews
explore university teacher’s personal and professional trajectory, trying to proceed
beyond simple theorizations about required values. Furthermore, their practice and
educational ideals were compared, being taken the coherence and the shame as
alignment indicators between their speeches and values. A large quantity of
stories indicates a strong relation between the main values of each teacher and
their social practice. Yet, as a common characteristic, such professors share an
idealistic profile and taste for life, valuing justice, solidarity, gratitude, human
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relationship and responsibility, elements which they develop by great commitment
and dedication to work, understood and pursued as life project accomplishments.
Innate ideas, family background, educational and social-cultural experiences also
seem to have contributed to the life choices of our research’s participants. It is
expected the investigation of these personal profiles and experiences may inspire
the development of learning processes, within initial or further education levels, in
order to disseminate the Environmental Knowledge and the Ecological Subject
matter. It is intended, ultimately, this thesis can contribute to the discussion about
value-maker pedagogical processes within the Environmental Education field.
Key-words
Environmental education, university teachers, institution of higher
education, personal depositions, values, life project, professional development,
sustainable societies.
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Sumário
1 Introdução 16
2 Constituição e Instituição da Educação Ambiental 26
2.1. O enraizamento 29
2.1.1. O terceiro setor 32
2.1.2. O meio empresarial 33
2.1.3. Os meios de comunicação de massa 34
2.1.4. O campo ambiental, o sujeito ecológico e o contexto da pesquisa 34
2.2. A universidade educando ambientalmente: como anda este processo
38
3 Implicações pedagógicas da Educação Ambiental 54
3.1. A consciência moral 62
3.2. Valores na educação ambiental 71
4 Sobre a natureza dos valores 78
4.1. Ética e moral 78
4.2. Aspectos históricos do estudo dos valores 82
4.2.1. Na filosofia 82
4.2.2. Na psicologia social 85
4.3. Definindo valores: tipos e estrutura 92
4.4. A percepção de valor 108
4.5. A faculdade de apreciar ou o ato de dar valor 109
4.6. Valores enquanto sistema 112
5 Estrutura da pesquisa 117
5.1. Delimitação do problema 119
5.2. Estratégias e público a pesquisar 122
5.3. Critérios de escolha 131
5.4. Indicadores 132
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6 Os entrevistados(as): quem são, o que querem e como vivem 135
6.1. Caracterização 135
6.2. As entrevistas 137
6.3. Análise dos dados 138
6.3.1. Os entrevistados(as): quem são 140
6.3.2. Os entrevistados(as): o que querem 141
6.3.2.1. Projetos de vida: opção pela EA 141
6.3.2.2. Projetos de vida: efeitos do trabalho 152
6.3.2.3. Projetos de vida: mudanças no mundo 158
6.3.2.4. Projetos de vida: comportamento 160
6.3.2.5. Projetos de vida: perspectivas 162
6.3.3. Os entrevistados(as): como vivem 164
6.3.3.1. Práticas existenciais: valores em operação 164
6.3.4. Uma palavra sobre os meios de experiência moral 192
7 Utopias: por uma proposta de sociedades sustentáveis 202
7.1. Recapitulando... 202
7.2. A EA enquanto estratégia utópica 203
7.3. Ensinar valores? A universidade como espaço formador 205
7.4. Para formar educadores ambientais/ a pessoa construtora da utopia
sustentabilista 214
8 Conclusões 220
9 Referências Bibliográficas 226
9.1. Webgrafia 232
9.2. Apêndices 233
9.2.1. A1 - Roteiro de entrevista 233
9.2.2. A2 - Mini-Inventário Pessoal: (roteiro de auto-observação) 235
9.2.3. A3 – Lista de Siglas 236
9.2.4. A4 – Lista de Quadros 238
9.2.5. A5 – Lista de Ilustrações 239
9.2.6. A6 – Lista de Esquemas 240
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Acho que os sentimentos se perdem nas palavras. Todos
deveriam ser transformados em ações, e em ações que
tragam resultados.
Florence Nightingale
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1
Introdução
A princípio, peço licença aos leitores para uma apresentação de caráter
pessoal. A linguagem, informal, que adoto nestas primeiras páginas pretendeu
contribuir para contextualizar a motivação que me conduziu a realizar este estudo,
aproximando o leitor do tema dos valores através de parte da minha história, aqui
mencionada ao modo de “cobaia”, de maneira, ainda, a ilustrar a forma como
pude compreender os educadores pesquisados. Estudar professores(as) e seus
valores na escolha e exercício do ofício educativo significou também resgatar e
reler minha própria trajetória. A história de vida, recurso metodológico da
pesquisa, oportunizou maior aproximação do universo do indivíduo “docente
universitário educador(a) ambiental”, e, certamente, de mim mesma também. Este
fato reafirmou o acerto de minhas escolhas para esta pesquisa – bem como para os
rumos existenciais definidos. E é no sentido, então, de apresentar a um só tempo o
perfil de indivíduos estudados na tese, a forma e o tema, que começo por mim
mesma.
Crises constantes de (re)definição do devir pessoal e profissional. Tudo era
novo e se renovava rapidamente. As pessoas, as informações, os problemas, os
contextos, os aprendizados. O período de graduação, vivido numa universidade
pública de período integral numa pequena cidade do interior de São Paulo poderia
ser resumido em duas palavras: revolução pessoal.
Internamente, intensas foram as mudanças. Havia, é claro, vários tipos de
contribuições, como o fato de ter saído de casa e deixado o emprego de professora
numa promissora escola privada para ir estudar, a 400 km de distância e nenhum
dinheiro. A convivência com pessoas que vinham de todas as partes do país,
trazendo seus costumes, crenças, medos, músicas, palavras e comidas
impossibilitou a continuidade de qualquer convicção, fosse de ordem política,
moral, estética ou profissional, sem que houvesse uma rigorosa e saudável
revisão. Penso que toda pessoa deveria ter a oportunidade de passar por uma tal
experiência...
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Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental
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Pelas circunstâncias, os laços que se criavam eram intensos e sinceros. O
mundo de repente aumentou muito de tamanho, em todos os sentidos... A
geografia percorrida a pé, de carona ou em ônibus se estendeu para além das
fronteiras estaduais e mesmo nacionais. As possibilidades de atuação ficaram mais
concretas – e os sonhos um tanto mais ousados.
Foi então, num certo dia no quarto ano da faculdade, que me dei conta de
uma opção que influenciaria definitivamente minha trajetória. Sempre me sentira
atraída pelas disciplinas, digamos, sistêmicas: ecologia, evolução, etologia,
metodologia/filosofia/história da ciência, embriologia, fisiologia, etnobotânica,
ética, psicologia/sociologia da educação... Era apaixonada pelo estudo do
comportamento animal (incluindo os humanos). Então, dirigindo-me a mais uma
aula de Etologia, me questionei sobre minhas atividades profissionais futuras. Que
caminho deveria tomar? Se fora apenas por gosto e curiosidade intelectual
certamente teria buscado um estágio e uma pós-graduação nesta área. Mas então
já havia passado por um projeto de extensão, no qual convivera durante dois anos
com comunidades ribeirinhas quilombolas... participara do centro acadêmico
viajando pelo estado todo e fora membro discente do Conselho de Curso – que na
época redesenhava a graduação em Biologia... participava de um projeto para
eliminação do lixão da cidade... organizara algumas Semanas da Biologia e
Semanas de Recepção aos Calouros... convivera três anos com as atividades
científico-culturais do PET (Programa Especial de Treinamento, da CAPES). Não
poderia fazer de conta que não entendia como funcionava a universidade, que não
sabia dos principais problemas sociais, que não conhecera lugares e pessoas em
situações muito diversas. Também não era preciso ser muito esperta para saber
que poucas pessoas se mobilizavam por algo de interesse coletivo. E foi ganhando
dimensão crescente a vontade de fazer diferença, de contribuir, ser útil mesmo.
Coisa de adolescente, dirão – mas treze anos depois essa vontade persiste, se
renova e se reinventa a cada dia. Duas pontas um pouco obscuras acenavam e
pediam para ser entrelaçadas. Soube, num átimo, que eu gostaria de juntar, de
alguma forma, Educação e Meio Ambiente, duas grandes áreas que me
encantavam e que eu sentia, um pouco vagamente, que poderiam potencializar-se
mutuamente, alavancando mudanças sociais necessárias.
Restou um sentimento mesclado de júbilo e de renúncia a algo importante e
interessante. Interessante... mas não prioritário! Passara pela encruzilhada, a
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Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental
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decisão fora tomada e eu sabia que não ficaria feliz escolhendo algo que
redundasse apenas em prazer intelectual. O maior alcance vislumbrado para
minhas potencialidades, esse era o que eu queria.
Enfim, a nova escolha me levou ao Rio de Janeiro um ano e meio depois,
onde experiências diversificadas no terceiro setor fortaleceram cada vez mais a
resolução pela educação ambiental enquanto estratégia profissional e, em grande
parte, existencial.
A Educação Ambiental (EA) questiona diversos paradigmas a um só tempo
(CARVALHO, 2002; LEFF, 1999; TOZONI-REIS, 2004; LOUREIRO, 2004),
propondo a renovação da forma de pensar e sentir surgida com a Modernidade e
uma transformação radical das estruturas sociais e de nossas relações entre
humanos e entre humanos e os demais seres da Terra.
Cinqüenta anos antes já Adorno (2000) criticava a racionalidade
instrumental e sua entranhada persistência na educação, na ciência, na cultura.
Para ele, era o caminho da barbárie. Caminho a que se haveria de dar meia volta o
quanto antes. Concorda com ele e propõe rumos Edgar Morin (2003). Para ele,
seria preciso, em prol da civilização mundializada,
“que acontecessem grandes progressos do espírito humano não tanto em relação a
suas capacidades técnicas e matemáticas, não somente no conhecimento das
complexidades, mas na sua interioridade psíquica. (...) A necessidade dessa
reforma interior dos espíritos e das pessoas, tão indispensável à política, é
evidentemente invisível aos políticos (...) As duas vias de uma reforma da
humanidade chegaram a um mesmo impasse. A via interior, a dos espíritos e das
almas, da ética, da caridade e da compaixão, não conseguiu, até agora, reduzir
radicalmente a barbárie humana. A via exterior, a da mudança das instituições e
das estruturas sociais, culminou com o extremo e terrível fracasso, pelo qual a
erradicação da classe dominante e exploradora provocou a formação de uma nova
classe dominante e exploradora, pior que a antecedente. Certamente, as duas vias
precisam uma da outra. Seria necessário combiná-las. Como?” Morin prossegue a
discussão, defende a esperança e a vontade. “Embora quase ninguém, tenha ainda
consciência, jamais existiu causa tão grande, tão nobre, tão necessária quanto a
causa pela humanidade para poder, ao mesmo tempo e inseparavelmente
sobreviver, viver e humanizar-se” (MORIN, 2003, p.18-20).
A perspectiva assinalada pela Educação Ambiental, se bem entendida,
criativa e articuladamente praticada, persegue a combinação indicada por Morin, o
que obviamente não será possível realizar solitariamente, uma vez que a educação
é parte de uma complexa rede de relações sociais. Mas, uma vez viabilizada sua
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Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental
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existência e sua difusão na sociedade, certamente derivarão alternativas diversas
para superarmos esse momento de crise civilizatória.
De acordo com Leff (1999, p.111), a crise ambiental entra na história
contemporânea, assinalando os limites da racionalidade econômica, ao mesmo
tempo em que emerge o pensamento da complexidade, “como resposta ao projeto
epistemológico positivista unificador do conhecimento e homogeneizador do
mundo.”
Também a bióloga-antropóloga Fátima Branquinho discute razões para a
configuração da racionalidade moderna. Ela retoma os estudos de Latour,
apontando que as principais conclusões a que ele chegou lhe permitiriam
“afirmar que as sociedades modernas acreditam que conseguem separar suas
representações do mundo subjetivo, mítico, enfim, os valores, do mundo que a
ciência, a técnica e a economia lhes permitem conhecer, isto é, os fatos. Como
conseqüência dessa crença no sucesso da separação entre a natureza e a sociedade,
conquistada por meio do fazer científico, os modernos se pensam diferentes das
demais culturas: aquelas que misturam as estrelas às famílias, o cosmos ao
parentesco, construindo uma segunda separação, dessa vez entre nós e eles (Latour,
1991). Mas, não haveria aí um equívoco? Essas separações não são tão evidentes
como nos acostumamos a pensar, uma vez que nossas sociedades modernas
relacionam, de um modo bastante elaborado e íntimo o DNA à paternidade, o
átomo às guerras, as plantas medicinais à biopirataria e ao direito de patentes, o
clone humano à identidade, a inseminação artificial à família, o buraco na camada
de ozônio à produção de aerossóis e ao uso obrigatório de protetores solares, as
baleias ao Greenpeace” (BRANQUINHO, 2004, p.5).
Desta forma, a crise ambiental se caracterizaria como civilizacional,
marcada pelos seguintes aspectos:
a) “Os limites do crescimento e a construção de novo paradigma de produção
sustentável;
b) O fracionamento do conhecimento e a emergência da teoria de sistemas e o
pensamento da complexidade;
c) O questionamento à concentração do poder do Estado e do mercado, e as
reivindicações da cidadania por democracia, eqüidade, justiça, participação e
autonomia.
Estes pontos de ruptura questionam os paradigmas do conhecimento, bem como os
modelos societários da modernidade, defendendo a necessidade de construir outra
racionalidade social, orientada por novos valores e saberes; por modos de produção
sustentados em bases ecológicas e significados culturais; por novas formas de
organização democrática.
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Esta mudança de paradigma social leva a transformar a ordem econômica, política
e cultural, que, por sua vez, é impensável sem uma transformação das consciências
e dos comportamentos das pessoas” (LEFF, 1999, p. 112).
Por derivar desse processo, a Educação Ambiental se fundamenta em dois
pilares: em primeiro lugar, “uma nova ética que orienta os valores e comportamentos
para os objetivos de sustentabilidade ecológica e a eqüidade social”; em segundo, “uma
nova concepção do mundo como sistemas complexos, a reconstituição do conhecimento e
o diálogo de saberes.”
(LEFF, 1999, p.113) Daí a necessidade da
interdisciplinaridade ser o princípio metodológico da EA.
Em sua análise, perceber a questão ambiental como um problema do
desenvolvimento e entender a interdisciplinaridade enquanto método para um
conhecimento integrado são, na verdade, respostas complementares à crise da
racionalidade da Modernidade.
“Com a emergência da interdisciplinaridade e da complexidade, também surgiu
uma filosofia da natureza e uma ética ambiental. Essas ecosofias vão desde a
ecologia profunda (NAESS, 1989) e o biocentrismo que defende os direitos da vida
ante a intervenção antrópica da natureza, até a ecologia social que imprime novos
valores democráticos à reorganização da sociedade a partir dos princípios de
convivência, solidariedade, integração, autonomia e criatividade, em harmonia com
a natureza. (BOOKCHIN, 1991). A consciência ambiental se manifesta como uma
angústia de separação e uma necessidade de reintegração do homem na natureza. A
ecologia, como organização sistêmica da natureza, aparece como o paradigma
capaz de preencher o vazio que deixa a ciência moderna para reordenar o mundo”
(LEFF, 1999, p.117).
Da mesma forma, outros autores apontam para a compreensão ainda
superficial da questão ambiental, retomando o debate da vinculação íntima entre
sociedade e psique.
“A conotação da ecologia deveria deixar de ser vinculada à imagem de uma
pequena minoria de amantes da natureza ou de especialistas diplomados. Ela põe
em causa o conjunto da subjetividade e das formações de poder capitalísticos (...)”
(GUATTARI, 1995, p. 37, grifo nosso).
Menezes (2000) discorda da denominação de crise ambiental para designar
os problemas legados pela Modernidade. Para ela, a crítica à herança iluminista e
ao vazio moral da civilização individualista burguesa decorreriam da adoção da
vertente explicativa pela “crise”. Tal abordagem, contudo, seria insuficiente, pois
vaga. Analisando os resultados da lógica individualista capitalista parece-lhe
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21
chegar mais próximo das causas que devem ser combatidas para superar o atual
estado de coisas:
“Por exemplo, a economia política clássica tem como pressuposto o fato de que a
procura egoística do próprio interesse por parte dos indivíduos conduz, por uma
harmonia implícita (a mão invisível), ao interesse geral. A indiferença axiológica
(Goldmann, citado por Lowy, 1995:184) do capitalismo resumir-se-ia, quando
ameaçado, adaptar-se tão bem ao fascismo e à barbárie como às formas mais
civilizadas do sistema democrático. O resultado da lógica individualista radical e
da ausência de forças éticas, capazes de subordinarem a utilização da natureza aos
fins de uma comunidade, nos parecem elementos mais indicativos na busca de
soluções para as contradições entre o meio ambiente e o desenvolvimento do que
prolongados debates sobre a finitude do planeta e a ‘crise ambiental’” (MENEZES,
2000, p.42).
Menezes coloca, portanto, o enfrentamento da questão nos ombros da
discussão ética. E de uma ética que questione o individualismo. De toda forma,
continua tratando-se de transformar certa lógica de viver: insensível a quais
valores apóia e sustenta. Tal lógica, penso, produz a doença da apatia e do
conformismo coletivos, que acabam por, involuntariamente, manter e reforçar a
mesma lógica, num círculo vicioso.
Como educadora, mas também como ativista, a mesma pergunta sempre me
inquietava, desde os primeiros tempos de faculdade: como as pessoas aprendem?
Isto é, o que faz diferença para elas, como as experiências são capazes de gerar
mudança (de preferência, para melhor)? Fui testando respostas variadas no plano
pedagógico, mas também, claro, na vida pessoal.
Certamente, a resposta é múltipla, e hoje, graças ao período de estudos
organizados, no mestrado e agora no doutorado, sei algo mais sobre as influências
bio-psico-sociais na aprendizagem. Sobre a identidade e a cultura. Sobre as
representações sociais. Sobre as formas de funcionamento cerebral. Sobre as
influências da modernidade e da “pós-modernidade”. Mas a mais importante
descoberta, acessada por diferentes vias simultâneas, foram os valores.
Em minha dissertação de mestrado procurei descobrir que representações de
ambiente, educação e informação conduziam o trabalho de ecojornalistas e de
professoras que haviam optado pela perspectiva da Educação Ambiental (EA).
Queria saber quais eram, como se formavam e como modulavam as escolhas
destes profissionais. Acabei descobrindo que juntamente com as representações
havia algo mais forte e presente, que interagia com elas e as modulava... os
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22
valores. Mas então, com o curso já no fim não me era mais possível explorar este
neo-aspecto.
Restava retornar à pesquisa, de modo que me debrucei sobre os estudos,
dando-me esta oportunidade através do programa de doutorado. Novamente com a
ajuda de Puig (1998), que já muito contribuíra na época do mestrado, além de
alguns novos companheiros de jornada.
Tenho trabalhado com a formação ambiental de professores e outros
profissionais. Os valores estão no cerne da proposição da Educação Ambiental,
mas, mesmo agora, 30 anos depois de seu aparecimento (DIAS, 1992), continuam
sendo uma discussão menor neste campo. Há, claro, bastante discurso, mas
pesquisa e propostas acerca do tema são de fato poucas. E nesse sentido, concordo
com Menezes quanto à centralidade dos valores para a superação do que se
convencionou chamar questão ambiental.
Escolhi a universidade como cenário do meu novo estudo. Desde a época
em que decidi trabalhar com a questão ambiental tive clareza de que sua urgência
pedia estratégia. Assim, os primeiros públicos destinatários de um trabalho
formativo ou ao menos de sensibilização deveriam ser os que, entendo, alcançam
maior capilaridade social: jornalistas, professores, gestores públicos, empresários,
coordenadores de ONGs, chefes de Unidades de Conservação, agricultores.
Trabalhar com eles, contudo, requer antes melhor compreendê-los.
Se escolhi os jornalistas e professoras do ensino fundamental para o
primeiro estudo, neste segundo priorizo os docentes universitários, especialmente
por seu papel estratégico na formação profissional das elites brasileiras e também
dos atores sociais relevantes acima mencionados.
A questão ambiental é ainda pouco compreendida na sociedade, apesar de
eventuais estardalhaços na TV ou nos jornais sobre algum problema do momento.
Somente há pouco, em 2007, com o filme de Al Gore, “Uma Verdade
Inconveniente”, e, na seqüência, com a divulgação do relatório do Painel
Intergovernamental da Convenção Climática (IPCC/ ONU), começam a se fazer
mais presentes notícias e medidas de caráter ecológico na sociedade. Certamente
trazer o tema à baila e fazê-lo perdurar há mais de um ano é um mérito e é
louvável. Entretanto, isso apenas não garante melhor entendimento sobre a
dinâmica complexa da questão ambiental.
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23
A Educação Ambiental teve um difícil parto e há não muito tempo vem
conseguindo se institucionalizar no país. Na verdade, o campo ambiental
(CARVALHO, 2002) é recente. Estes fatos e uma série de outros fatores
contribuem para que a universidade ainda não tenha encampado a prática da EA
como seria desejável e necessário.
No entanto, alguns professores universitários praticam, estudam e
pesquisam sobre este novo paradigma educacional (LEFF, 1999). Considerando
as dificuldades, que podem ser de ordem burocrática, epistemológica, cultural e
cronológica, entre outras, que tipo de motivações os teria mobilizado? Sentia-me
intrigada a este respeito e minha faceta educadora considerava que talvez
compreendendo melhor tal aspecto fosse possível aproveitá-lo produtivamente na
formação de novos professores e mesmo na formação continuada.
Minha aposta ou hipótese inicial foi que os valores destes educadores os
colocavam nesta situação de vanguarda (renovação paradigmática) na
universidade. Mas, sendo assim, que valores seriam esses e como se formariam?
Como seriam mobilizados nas situações concretas? Uma questão naturalmente
levava a outra e procuramos respondê-las ao longo deste trabalho, uma vez que as
tomamos por objetivo geral da pesquisa.
“na perspectiva de uma ética ambiental, o respeito aos processos vitais e aos limites
da capacidade de regeneração e suporte da natureza deveria ser balizador das
decisões sociais e reorientador dos estilos de vida e hábitos coletivos e individuais.
Aqui, juntamente com uma ética, se delineiam também uma racionalidade
ambiental e um sujeito ecológico que se afirmam contra uma ética dos benefícios
imediatos e uma racionalidade instrumental utilitarista que rege o Homo
oeconomicus e a acumulação nas sociedades capitalistas. O campo ambiental,
portanto, busca afirmar-se na esfera das relações conflituosas entre éticas e
racionalidades que organizam a vida em sociedade, buscando influir numa certa
direção sobre a maneira como a sociedade dispõe da natureza e produz
determinadas condições ambientais” (CARVALHO, 2002, p.37).
Se lembrarmos, com Isabel Carvalho, da existência de certo perfil que
marca o sujeito ecológico – incluindo os educadores ambientais do espaço
universitário – certamente faz diferença aos que trabalham com processos
formativos em educação ambiental saber como se constitui este perfil. Carvalho
(2002) mostrou as tendências históricas que contribuíram para isso. Nosso
interesse, porém, centrou-se nos aspectos individuais – nem por isso menos
históricos, contudo trazendo o foco para as biografias. Ainda que estejamos
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24
estudando um recorte pequeno (docentes acadêmicos e seus valores), o impacto da
atuação deste público no tempo e no espaço justifica investir na compreensão
desse processo, já que dele podemos extrair lições pedagógicas para futuras
práticas educativas da formação inicial e continuada.
Iniciei a nova pesquisa, sabendo que respostas relativas aos valores, sua
formação e atuação, exigem uma compreensão maior do contexto histórico da
pessoa e de sua trajetória. Daí a escolha investigativa através de histórias de vida,
metodologia cujo uso vem sendo cuidadosamente retomado (NÓVOA, 2000) nas
ciências humanas. Nesta investigação adotamos uma vertente deste método,
intitulada depoimentos pessoais, centrada em buscar fragmentos significativos das
biografias estudadas.
Há certamente um paralelo entre o estudo das vidas de educadores e da vida
no planeta. Além do que, ser bióloga me instiga a compreender os seres vivos,
particularmente essa espécie a qual pertencemos.
A tese divide-se em sete capítulos, além desta introdução, ligeiramente
apresentados a seguir. No próximo capítulo, o segundo, elencamos aspectos
marcantes na constituição da Educação Ambiental a partir da idéia do campo
ambiental (de Isabel Carvalho), promotor de seu nascimento. Enfocamos,
sobretudo, o período mais recente, procurando relacionar a situação atual ao
interesse por esse tema e objeto de pesquisa. Quisemos também situar a
universidade nesta investigação, mostrando sua relação com a EA. Ao final do
capítulo, recolocamos a questão orientadora da investigação presente. Localizado
o leitor, passamos a abordar, no terceiro capítulo, as implicações pedagógicas de
práticas educativas consoantes aos fundamentos e espírito proposto: fazer EA
implica atuar sobre os valores e, conseqüentemente, sobre a consciência moral do
indivíduo. De modo que no quarto capítulo tornou-se necessário apresentar as
formas como vêm sendo efetuados os estudos acerca de valores. Dedicamos o
quinto capítulo a detalhar a forma como foi realizada a pesquisa e o sexto a
caracterizar nossos entrevistados. Por fim, no sétimo e oitavo, ensaiamos uma
discussão sobre a necessidade pedagógica de trabalhar com valores na Educação
Ambiental enquanto uma das ferramentas construtoras de sociedades sustentáveis,
aventurando-nos a propor algumas sugestões didáticas. Nos apêndices e anexos,
os leitores encontrarão o roteiro das entrevistas e duas delas a título de exemplo,
além das listas de siglas, quadros, ilustrações e esquemas.
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Ser proativo é mais do que tomar a iniciativa. É
reconhecer que somos responsáveis pelas nossas próprias
escolhas e que temos a liberdade de escolher com base em
princípios e valores, mais do que em circunstâncias e
condições. As pessoas proativas são agentes da mudança e
escolhem não ser vítimas, não ser reativas, nem por a
culpa nos outros.
Stephen Covey
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2
Constituição e Instituição da Educação Ambiental
Decorridos 31 anos do evento que fundou os objetivos, finalidades e
características da Educação Ambiental Tbilisi (DIAS, 1992), seu processo de
institucionalização caminha, tendo alcançado diferentes níveis conforme cada
país. No Brasil, muito recentemente atingiu o plano das leis de modo
operacional. Data de 1999 a Lei Nacional de EA, cuja regulamentação
1
ocorreu
três anos depois, em junho de 2002, juntamente com a criação do Órgão Gestor.
Mas apenas a partir de 2003 essa instância começa a funcionar, fazendo com que
os Ministérios do Meio Ambiente e da Educação passassem a trabalhar
conjuntamente, de modo inédito, pela Educação Ambiental, superando a
dispersão, sobreposição e até mesmo certo antagonismo de esforços antes
existente.
Estando o Órgão Gestor à frente da Política Nacional de Educação
Ambiental (PNEA), cabe-lhe definir as diretrizes, articular, coordenar e
supervisionar programas e projetos de EA, assim como participar e contribuir nas
negociações de financiamentos à EA. O Programa Nacional de Educação
Ambiental (ProNEA), proposto pelo governo, em 1994, foi amplamente divulgado
para ampliar a participação da sociedade. Este programa, após as atualizações
recebidas, foi refeito em 2002 e publicado em 2003 pelo Ministério do Meio
Ambiente passando a ser designado como ProNEA. um comitê composto por
diferentes setores da sociedade, a quem cabe assessorar o Órgão Gestor
2
1
A coordenação da Política Nacional de Educação Ambiental está a cargo do Órgão Gestor, criado
com a regulamentação da Lei no 9.795/99 por intermédio do Decreto no 4.281/2002, que é
dirigido pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Educação, tendo como referencial programático
o documento ProNEA, e assessorado pelo Comitê Assessor, consultado quando necessário,
conforme o organograma: (MMA, www.mma.gov.br, acessado em 09/01/06, às 19h22)
2
Em sua composição o Comitê Assessor é integrado por um representante de cada um dos
seguintes órgãos, entidades ou setores:
Setor educacional-ambiental, indicado pelas Comissões Estaduais Interinstitucionais de Educação
Ambiental;
Setor produtivo patronal, indicado pelas Confederações Nacionais da Indústria, do Comércio e da
Agricultura, garantida a alternância;
Setor produtivo laboral, indicado pelas Centrais Sindicais, garantida a alternância;
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27
juntamente com os Colegiados (Comissão Intersetorial de Educação Ambiental,
Câmara Técnica de Educação Ambiental do CONAMA e Comissões
Interinstitucionais de Educação Ambiental nos Estados e no Distrito Federal),
cada qual com sua própria composição, finalidade e competência.
O organograma do Órgão Gestor permite compreender melhor a estrutura.
Ilustração : Organograma do Órgão Gestor da EA
Fonte: MMA, 2006.
Até que a EA chegasse a ser reconhecida enquanto ação necessária em cada
país houve um longo caminho e não fosse o trabalho continuado da ONU, através
da UNESCO e PNUMA, o processo teria sido bem mais lento ou quiçá não teria
alcançado o plano mundial. Estes dois braços da ONU elaboraram o Programa
Organizações Não-Governamentais que desenvolvam ações em Educação Ambiental, indicado
pela Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais;
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
Municípios, indicado pela Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente;
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência;
Conselho Nacional do Meio Ambiente, indicado pela Câmara Técnica de Educação Ambiental;
Conselho Nacional de Educação;
União dos Dirigentes Municipais de Educação;
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA);
Associação Brasileira de Imprensa;
Associação Brasileira de Entidades Estaduais de estado de Meio Ambiente.
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28
Internacional de EA, através do qual foi realizada uma série de eventos e
encontros internacionais, nacionais e regionais, promovendo o debate, o
intercâmbio e a articulação em torno do tema. Como diz Isabel Carvalho (2002,
p.79) o
“ambiental, diferentemente de outros campos, já nasce ‘mundializado’. É fruto de
um momento de forte debate internacional que permite tanto a difusão e a
articulação de experiências da sociedade civil em diferentes países quanto o
crescimento de uma certa ordem internacional baseada na articulação dos
governos, para o estabelecimento de acordos, políticas e financiamentos
internacionais.”
Desde 1975, a Educação Ambiental tornou-se um campo reconhecido,
quando se realizou o I Seminário Internacional de Educação Ambiental, em
Belgrado. Apesar das críticas, Loureiro (2004, p.70) considera que o grande
mérito deste evento foi
“reforçar a necessidade de uma nova ética global e ecológica, vinculada aos
processos de erradicação de problemas como fome, miséria, analfabetismo,
poluição, degradação dos bens naturais e exploração humana, por meio de um novo
modelo de desenvolvimento e do entendimento de que tais problemas estão
estruturalmente relacionados. Para isso, enfatizou-se a Educação Ambiental como
processo educativo amplo, formal ou não, abarcando as dimensões políticas,
culturais e sociais, capaz de gerar novos valores, atitudes e habilidades compatíveis
com a sustentabilidade da vida no planeta.”
Seguidamente, foram tratados temas relacionados à constituição da EA
propriamente dita. Assim, em 1976 (Chosica) e em 1977 (Tbilisi) foram definidas
suas características, diretrizes e a necessidade metodológica interdisciplinar. Em
função das medidas propostas, Tbilisi lança a EA no contexto internacional
definitivamente, tornando-se sua Declaração um grande marco até os dias de hoje.
Em 1979 (Costa Rica) e 1988 (Argentina) incluiu-se o patrimônio cultural na
preocupação ambiental e enfatizou-se o papel estratégico da mulher na promoção
de culturas ecológicas, e em 1997 (Thessaloniki), a necessidade das redes e da
formação de profissionais técnicos.
Logo depois tivemos a ECO-92, quando em paralelo à Conferência
Intergovernamental reuniu-se o Fórum Global de ONGs e transcorreu a Jornada
Internacional de EA, durante a qual foi elaborado o documento de maior destaque
após Tbilisi: o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global. Dois aspectos podem ser ressaltados em relação à
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29
importância deste documento. Além da forma como foi concebido, contando com
a participação de educadores de todo o mundo, sua proposta contrasta-se e diverge
da Agenda 21, o documento principal gerado pelo acordo entre as nações durante
a Rio-92. Enquanto a Agenda 21 concentra-se no ajuste do atual modelo
econômico a partir da tecnologia e traz um discurso evasivo, o Tratado sugere
medidas concretas reforçando a necessidade de transformar a estrutura das
relações que produzem a degradação ambiental, da qual faz parte a injustiça
social.
Após este período, deu-se continuidade ao ciclo de eventos cuja
preocupação se centrava na relação desenvolvimento-meio ambiente, mas os
encontros voltados exclusivamente para a EA passaram a se dar em nível local e
regional, dentro dos países ou pelo menos dos continentes.
2.1.
O enraizamento
Passada a fase de articulação e de sensibilização para o tema, iniciou-se o
chamado processo de enraizamento. Termo que significa colocar em prática os
acordos internacionais a partir de medidas governamentais. Muitas vezes esse
processo efetuou-se pela pressão social, freqüentemente de ONGs. Apenas em
2003 foi realizado o I Congresso Mundial de Educação Ambiental, previsto desde
1992, e que início, então, a uma nova série de encontros, ainda apoiados pelo
PNUMA, mas agora destinados a compartilhar experiências. O II e o III
Congressos ocorrem nos anos seguintes e a partir de 2005 o evento passou a ser
bienal.
Enquanto isso, multiplicaram-se as iniciativas e grupos interessados em EA.
Os rendimentos da década de 90 foram bastante significativos no Brasil, com a
inauguração de cursos de pós-graduação, o lançamento de publicações, a criação
da Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA) e uma diversidade de outras
pequenas e médias redes, algumas temáticas, outras regionais. Timidamente, a
universidade foi se aproximando do tema e incorporou-o em suas pesquisas.
Desde 2001, existe a Rede Universitária de Programas de Pesquisa em EA para
Sociedades Sustentáveis, RUPEA. Na ANPED (Associação Nacional de Pós-
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30
Graduação e Pesquisa em Educação) aos poucos se desenvolveu um grupo de
trabalho (GT) específico, frutos do primeiro lustro do século XXI. Mas, ainda
assim, a EA continua sendo vista de modo marginal por muitos docentes
acadêmicos, quase sempre desconhecedores dos fundamentos e propostas deste
novo paradigma educacional.
Recentemente, a RUPEA elaborou um mapeamento da situação da EA no
meio acadêmico. Merecem registro alguns dados levantados por essa pesquisa,
por explicitarem o nível de engajamento da universidade para com a EA. De
acordo com os respondentes, 70% das instituições afirmam não possuir órgão ou
coordenação responsável pela EA, sendo os 30% restantes bastante diversificados
quanto à abrangência e atribuições. Poderíamos comemorar esse percentual já
engajado não fosse o fato da maioria desses 30% não ter sido
“criada com o propósito explícito e abrangente de acompanhar o processo de
inserção da EA no projeto geral da instituição, não estando articulados [tais órgãos]
com as realidades locais, nem comprometidos socialmente ou ligados às suas ações
concretas. De maneira geral, os órgãos não apresentam um vínculo direto com a
estrutura administrativa da instituição (pró-reitorias ou diretorias)” (RUPEA,
2005).
O que também implica, provavelmente, um baixo nível de reconhecimento e
de poder de intervenção na estrutura acadêmica. A relevância disso é que,
segundo o mesmo documento, as experiências de ambientalização da educação
superior
“realizadas na Espanha, na Costa Rica e no Reino Unido tiveram início com a
criação de órgãos (comissões ou grupos de trabalho) que foram incumbidos de
planejar, promover e avaliar a inserção da EA nas respectivas instituições
acadêmicas, a partir da formulação de políticas, de ações de educação permanente
para o corpo docente, da divulgação de publicações e outros materiais, e da criação
de espaços para a construção de alternativas metodológicas por docentes de
diversas áreas do conhecimento” (RUPEA, 2005).
Além disso, os participantes da pesquisa reforçam a necessidade da
articulação e apoio institucional no empreendimento ambientalizador:
“A falta de políticas públicas e institucionais é apontada pelos informantes como
um obstáculo para a implementação de programas de EA nas IES. Caberia
perguntar-se que fatores estão na origem desse atraso e buscar meios para sua
superação” (RUPEA, 2005).
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31
Embora reconhecendo a necessidade de compreender os fatores impeditivos
da EA na universidade, a presente pesquisa preferiu centrar-se no pólo oposto,
verificando as razões da adesão da minoria mencionada. Tanto mais que a
iniciativa de absorção da EA pela universidade brasileira vem se mostrando
dependente de indivíduos específicos, não havendo ainda uma adesão institucional
generalizada, como ilustra a passagem abaixo do mesmo relatório.
“Em várias situações, esses órgãos devem sua origem à dedicação e à experiência
acumulada de acadêmicos e grupos de professores que vêm buscando incorporar a
EA na formação profissional (ROJAS et al., s/d), e cuja atuação em redes
favoreceu a difusão de uma cultura ambiental em suas respectivas instituições
(THOMAS, 2004)” (RUPEA, 2005).
Por outro lado, em sendo assim, o fato dos educadores atuarem em rede
amplia as possibilidades de espraiamento da ambientalização. O quadro, portanto,
é alentador no sentido de haver progresso. Contudo, é inevitável registrar a
lentidão desse avanço face à necessidade de sua ampliação. Corroboram essa
afirmação algumas das diretrizes citadas no relatório da RUPEA, no capítulo das
Recomendações:
“Entre suas diretrizes, uma política pública de EA para a educação superior
deveria prever que as IES:
- estimulem a crescente incorporação de preocupações ambientais entre o
conjunto das disciplinas e atividades formadoras oferecidas em seus diversos
cursos, promovendo a formação de um profissional ambientalmente
responsável;
- internalizem nos seus planos pedagógicos e nas demais definições
institucionais, bem como em todas as suas políticas e decisões, a
preocupação ambiental, tendo em vista a realização plena de seu potencial
educador para todos aqueles que nela se formam e trabalham;
- comprometam-se com a oferta de disciplinas e outras atividades curriculares
complementares em EA nos cursos de formação de professoras/es e
educadoras/es, atendendo à PNEA;
- contemplem, em suas políticas de gestão, os objetivos de uma gestão
ambientalmente sustentável em todos os níveis de suas atividades (gestão de
resíduos, conforto e salubridade ambientais com um consumo mínimo de
energia, oferta de programas de incentivo à cidadania ambiental de alunos,
professores e funcionários);
- promovam programas de formação de recursos humanos necessários para a
realização das metas anteriormente descritas; (...)” (RUPEA, 2005; destaques
nossos).
Essas ações, entre outras, estão por ser conquistadas. Gostaríamos de
destacar a importância dessas informações para a presente investigação. Num
espaço onde estão sendo dados os primeiros passos em termos de Educação
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32
Ambiental, como é a academia, e onde as dificuldades ainda são muitas, parece-
nos bastante relevante compreender a motivação que impulsiona os docentes
pioneiros, responsáveis por este início de ambientalização. Esse tipo de
compreensão contribui para inspirar processos que estimulem a geração de outros
grupos de trabalho com objetivos semelhantes.
O mapeamento realizado pela RUPEA teve um caráter exploratório, não
podendo ser generalizado para o universo acadêmico do país como um todo.
Entretanto, já que os respondentes investiram tempo em responder ao questionário
da pesquisa, é razoável supor que tais instituições são interessadas e priorizam a
prática da EA. De modo que, apesar de não corresponderem ao conjunto das
universidades brasileiras, de certa forma o representam. Aquelas que não
devolveram o questionário respondido provavelmente têm menor interesse e
prioridade neste aspecto.
Se estas instituições, interessadas e atuantes, trazem demandas básicas como
a inclusão da preocupação ambiental nos currículos, na política e na gestão
universitária, que dizer da situação daquelas instituições onde ainda não nasceu a
preocupação ambiental? Resta muito ainda por fazer.
Durante o V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental, realizado em
Goiânia, em 2004, foram divulgados dados de uma pesquisa coordenada pela
pesquisadora Isabel Carvalho, realizada pela REBEA, com apoio do FNMA
(Fundo Nacional de Meio Ambiente). Os resultados indicam o papel fundamental
assumido pelas Secretarias de Meio Ambiente (e em menor escala pelas de
Educação) e pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis) na promoção de ações educativo-ambientais e na formação
de pessoas para atuar sob esta perspectiva.
Além da universidade, outros setores sociais investiram na realização de
projetos de Educação Ambiental e em sua difusão.
2.1.1.
O terceiro setor
O Terceiro Setor prossegue sendo um dos mais ativos, realizando projetos e
estabelecendo parcerias entre governos, universidades, associações comunitárias e
empresariado na realização de suas ações. uma grande diversidade de
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trabalhos neste campo, incluindo desde as organizações mais voltadas à denúncia
e mobilização da opinião pública, ao modo do Greenpeace, passando pelas que se
dedicam a ações e projetos variados (pedagógicos, editoriais, fiscalizadores, de
articulação) até as que se dedicam à pesquisa e a uma decorrente proposição de
diretrizes políticas e legais.
2.1.2.
O meio empresarial
A experiência vivida no meio ambientalista revela que as empresas foram
dos últimos atores sociais a aderir. Inicialmente havia uma postura mais
combativa e antagônica à discussão ambiental, que a pressão social cobrava
maior nível de responsabilidade por parte das empresas no processo produtivo. Ao
mesmo tempo, a EA parte de uma compreensão de mundo que critica a estrutura
econômica tal como vem se apresentando, em função dos problemas
socioambientais decorrentes. E neste sentido, as empresas costumam ser
identificadas como o coração mantenedor do sistema e suas mazelas. Um tanto
desgastadas com os enfrentamentos de diversas ordens, algumas delas mudaram
de perspectiva, buscando ajustar-se às novas legislações ambientais e à exigência
da sociedade, seja ela direta ou indireta. Estas pioneiras tiveram ganhos de
imagem e economia de recursos, ainda que a princípio fossem vistas com certa
desconfiança por um público acostumado a considerá-las inimigas. Aos poucos se
iniciam novas relações entre empresas e ONGs e/ou órgãos do governo, buscando
ações articuladas. Em 1997 constitui-se o Conselho Empresarial para o
Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), representante brasileiro do World
Business Council for Sustainable Development (WBCSD), do qual participam
185 grupos multinacionais. O CEBDS integra uma rede global de mais de 50
conselhos nacionais que entendem estar trabalhando para disseminar no planeta
uma nova maneira de fazer negócios.
No decorrer da primeira década do segundo milênio cresce o discurso da
sustentabilidade empresarial e a idéia de Responsabilidade Socioambiental.
Assim, no diversificado cenário atual, após a implantação de medidas de ajuste
ambiental (licenciamentos, recuperação ambiental, adoção de tecnologias mais
corretas ecologicamente, criação de programas de reciclagem e de economia de
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34
água e energia, entre outras), algumas empresas apóiam projetos de EA de outras
instituições, outras realizam suas próprias atividades, seja com o público interno,
seja com a comunidade na qual estão inseridas. Não é de se estranhar que seus
projetos tenham um perfil mais informativo e pontual, dado que não têm um papel
que tematize a estrutura social. Mas ainda assim, há ganhos.
2.1.3.
Os meios de comunicação de massa
Os meios de comunicação de massa em geral tratam da questão ambiental,
porém, ainda de modo pouco articulado, pontual e, geralmente, sem grandes
questionamentos às razões da problemática. Apesar disso, alguns anos existe
uma corrente que, embora minoritária, faz diferença são os jornalistas
ambientais ou ecojornalistas. No Brasil, eles constituíram uma rede também, que
atua articulada e troca informações. Contudo, o trabalho realizado por eles, em
geral, não encontra espaço nos grandes jornais, mas nos meios especializados e
nas chamadas nanomídias (boletins eletrônicos, revistas temáticas, certos
programas de rádio, blogs e sites específicos).
2.1.4.
O campo ambiental, o sujeito ecológico e o contexto da
pesquisa
Todos estes são elementos indicativos de constituição do que Isabel
Carvalho (2004) chama de campo ambiental. Sua pesquisa sobre isso aponta para
a formação de subjetividades específicas, por ela denominadas de sujeito
ecológico, cuja identidade indica a diversidade de perspectivas que alimentam o
profissional educador ambiental e o militante ambientalista, da mesma forma que
aponta para certo ideário em comum, vocabulário, crenças e valores
compartilhados. Em particular, as representações de natureza e sociedade exercem
influência significativa sobre as interpretações, interesses e alianças estabelecidas
entre os sujeitos ecológicos, formando um campo que, ao mesmo tempo, sustenta
conflitos e diálogo. Assim, diferentes ambientalismos informam diferentes
práticas de Educação Ambiental. Não se pode imaginar que o mundo visto pelo
empresariado seja o mesmo concebido pelos movimentos sociais. O que se
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35
entende por ambiente saudável, sociedade justa e as formas de alcançá-la são
certamente concepções distintas. Em 2004, a Diretoria de Educação Ambiental do
MMA mapeou as diferentes práticas de EA no Brasil e sua pesquisa resultou num
livro, distribuído gratuitamente e intitulado: Identidades da Educação Ambiental
Brasileira. Nele estão registradas as principais tendências teórico-práticas, de
modo que o leitor pode não apenas localizar-se, mas também identificar os
possíveis conflitos entre as diferentes práticas.
Para Isabel Carvalho (2002, p.34), o educador ambiental seria:
“um intérprete dos nexos que produzem os diferentes sentidos do ambiental em
nossa sociedade. Ou, ainda, em outras palavras, um intérprete das interpretações
socialmente construídas. Desse modo, a EA, como prática interpretativa que
desvela e produz sentidos, contribui para a constituição do horizonte compreensivo
das relações sociedade-natureza e para a invenção de um sujeito ecológico”.
Em sua pesquisa, Isabel Carvalho correlaciona as trajetórias dos educadores
ambientais com os fatos históricos, constatando a formação de um campo
ambiental que resulta dessas trajetórias ao mesmo tempo em que as conforma. A
existência de pesquisa e produção bibliográfica na área, a instituição de pós-
graduações, algumas disciplinas de graduação e diversos eventos, assim como o
surgimento de legislação específica foram fatores fundamentais para a
consolidação desse campo ambiental, organizado em torno de um problema
específico, entendido como a
produção e reprodução da crença na natureza como um bem. Algo que se deveria
respeitar, admirar e cuidar para além dos interesses imediatos das sociedades.
Trata-se de uma problemática eminentemente ética e, uma vez que, na
modernidade, se tornou impossível assegurar uma idéia única de bem viver, esse
ideal ético busca legitimar-se sobre bens particulares. (...) a constituição de uma
ética orientadora das relações sociedade-meio ambiente (...) torna-se distintiva de
um campo social específico, o campo ambiental. Assim, o campo social é o
universo em que as formulações éticas encontram legitimidade e a partir do qual
podem exercer suas pretensões de universalidade, disputando reconhecimento para
além de seu campo específico. Na dinâmica conflitiva da sociedade, os campos
sociais buscam ampliar a capacidade de influência de seus princípios sobre outros
campos. Configura-se, dessa forma, o jogo das disputas pela legitimação de idéias
de bem orientadoras das ações morais e políticas de uma determinada época”
(CARVALHO, 2002, p. 36; destaques meus).
Apesar da existência de obrigatoriedade legal na incorporação
interdisciplinar da EA em todos os níveis de ensino, ainda é raro vermos
disciplinas de (introdução ou fundamentos de) Educação Ambiental na
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36
universidade
3
, quanto mais um projeto grupal e interdisciplinar de todo o corpo
docente ao conjunto dos cursos e alunos, como já indicam os dados do relatório da
RUPEA.
E, no entanto, como introduzir a EA na sociedade de modo consistente, tal
como preconizado pela Lei 9795/99, se o período de preparação profissional das
novas gerações não atende à demanda? Como irão os professores, jornalistas,
engenheiros, médicos, advogados, administradores, economistas, turismólogos,
sociólogos, psicólogos, filósofos, comunicadores e tantos outros profissionais
incorporarem a dimensão ambiental em seu trabalho, sem conhecê-la e valorizá-
la? E as profissões técnicas e pessoas que lidam com ocupações informais, cuja
formação escolar básica é talvez a única oportunidade de estudo e que têm por
meios de acesso à informação apenas a televisão ou rádio? Sem bons professores e
jornalistas, habilitados a promover reflexões civilizatórias, tais pessoas
dificilmente acessarão a complexa forma de pensar do saber ambiental.
Apesar de não ser uma prática expandida, existem indivíduos na Academia
que realmente adotaram a pesquisa e a docência perspectivadas pela EA.
Considerando que a questão ambiental é antes de tudo um dilema ético,
perguntamos: terão sido seus valores que os encaminharam a isso?
Com esta questão-guia nos dirigimos ao público de nossa pesquisa, os
docentes acadêmicos acima caracterizados. Dada a importância da universidade
na formação profissional e seu papel humanizador, teoricamente de vanguarda,
investigamos valores que orientam esses docentes universitários favorecendo suas
práticas educativo-ambientais, além de buscarmos compreender também o
processo de constituição ou de consolidação destes valores. Nesse sentido,
verificamos na pesquisa da RUPEA uma convergência com nossa perspectiva
3
De acordo com a pesquisa da RUPEA (2006), nas universidades pesquisadas existem 38
disciplinas relacionadas à questão ambiental de modo geral, distribuídas em 25 cursos, sendo 10
graduações em Ciências Biológicas, 6 em Turismo e 5 em Pedagogia. Pouco mais da metade
dessas disciplinas tem caráter obrigatório, o restante divide-se em optativas e eletivas. Do total de
22 IES respondentes, treze possuem um curso de especialização em meio ambiente. Apenas para
contextualizar, recordamos haverem 93 universidades públicas no país, de acordo com
informações do MEC, sendo metade (47) federais e outra metade dividida entre estaduais (35) e
municipais. Em síntese, então, temos 23,7% do total de universidades respondendo à pesquisa e
14% apresentando cursos relacionados à questão ambiental. Em termos proporcionais, são 59%
dos respondentes. De toda forma, esse total não traduz a quantidade de iniciativas relativas à EA,
mas à questão ambiental de forma mais geral.
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37
quanto ao papel estratégico da universidade na formação de uma sociedade mais
responsável e conseqüentemente mais próxima da utopia sustentabilista.
“As IES constituem um dos principais loci geradores de conhecimentos e têm a
responsabilidade social de constituir-se em espaço educador, bem como
contemplar, em suas políticas e serviços, as demandas de formação da sociedade. A
formação ambiental, associada a um contexto de participação cidadã favorece um
diagnóstico dos problemas sócio-ambientais bem como a necessária implicação
individual e coletiva em sua superação.
As IES representam um importante espaço social para reflexão, formação e difusão
de novas concepções de desenvolvimento e sustentabilidade, participando numa
perspectiva mais ampla do estabelecimento de sociedades mais justas, solidárias e
ambientalmente sustentáveis.
Por ter como missão a educação profissional e a formação de educadores, este setor
desempenha um papel fundamental na sustentação do processo de incorporação da
EA nos demais níveis de ensino, por meio da formação inicial e continuada, e dos
programas de extensão e pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado). A
EA nos currículos e nas práticas universitárias possui um sentido estratégico na
ambientalização da educação e da sociedade” (RUPEA, 2006).
A escolha pelo estudo dos valores também se demarcou por ser recorrente
a afirmativa da formação ou da revisão de valores como propósito de projetos
educativo-ambientais. Também o relatório da RUPEA indica essa recorrência:
“Dadas as expectativas usualmente colocadas para a EA, de “revisão de valores
ou do “resgate de valores”, talvez os cursos devessem recorrer mais a disciplinas
específicas desse campo [ética, epistemologia, complexidade] para ampliar os
referenciais e as possibilidades metodológicas do trabalho de EA com valores.
Embora defendamos que a dimensão valorativa não deva ser exclusivamente
trabalhada em disciplinas, elas podem significar ocasiões propícias para
questionamentos relativos a valores” (RUPEA, 2006).
Neste caso, perguntaríamos, como promover essa formação/ revisão? É
preciso conhecer um pouco mais acerca desse processo e este foi o interesse da
pesquisa. Concordamos com o trecho anterior do relatório: certamente o espaço de
debates sobre valores, proporcionado por disciplinas voltadas a este foco seria
uma oportunidade formativa. Mas, ainda assim, será melhor aproveitado se além
da discussão teórica sobre a importância dos valores, o(a) docente souber conduzir
didaticamente processo que contribua para sua efetiva formação. E isto depende
da compreensão do metabolismo valorativo.
Estudar os valores de docentes universitários constitui uma aproximação
dessa necessidade, tanto no sentido de melhor compreender tal metabolismo,
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38
como na perspectiva de extrair lições para configurar propostas pedagógicas para
a formação ou questionamento de valores através da EA.
Nesse sentido, interessa compreender melhor o funcionamento da
universidade e sua relação com a educação ambiental. Passo seguinte deste
capítulo.
2.2.
A universidade educando ambientalmente: como anda este
processo
Boaventura de Sousa Santos (2004) faz uma análise aguda e objetiva da
crise universitária. Para ele, são três as crises de hegemonia
4
, de legitimidade
5
e
institucional
6
cuja solução depende de um enfrentamento integrado, conjunto e
simultâneo, por meio de amplos programas de ação internos e externos à
universidade. O grande problema, diz ele, foi a ação apenas reativa da
universidade, conforme as pressões, e a “incorporação de lógicas sociais e
institucionais exteriores (dependente) e sem perspectivas de médio ou longo prazo
(imediatista)” (SANTOS, 2004, p.10).
O pesquisador explica o processo de construção de cada uma das crises
detalhadamente, mas podemos resumir suas causas a dois fatores: o
desinvestimento do Estado na universidade pública e a globalização mercantil da
universidade. Ambos fazem parte de uma política global “destinada a mudar
profundamente o modo como o bem público da universidade tem sido produzido,
transformando-o num vasto campo de valorização do capitalismo educacional”
(Santos, 2004: p.18). Em última instância e resumindo, a universidade é altamente
4
Crise de Hegemonia: de acordo com o autor resulta da contradição entre as funções tradicionais
da universidade (produção da alta cultura, pensamento crítico e conhecimentos exemplares,
científicos e humanísticos necessários à formação da elite) e as novas atribuições que foram sendo
incorporadas ao longo do século XX (produção de padrões culturais médios e de conhecimentos
instrumentais, úteis na formação de mão de obra qualificada exigida pelo desenvolvimento
capitalista). Sem poder desempenhar a contento estas funções contraditórias, tanto Estado como
agentes econômicos passam a procurar fora da universidade meios de alcançar esses objetivos.
Não sendo mais a única fonte do ensino superior, entra numa crise de hegemonia.
5
Crise de Legitimidade: para ele, esta crise se deve à “contradição entre a hierarquização dos
saberes especializados (...) e as exigências sociais e políticas pela democratização da universidade
e da reivindicação da igualdade de oportunidades para os filhos das classes populares”. (Santos,
2004: p. 9)
6
Crise Institucional: derivada de outra contradição: por um lado a reivindicação por autonomia na
definição dos valores e objetivos da universidade e, por outro, a pressão para submetê-la a critérios
de produtividade empresarial ou de responsabilidade social.
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39
dependente da existência de um projeto de nação e tal projeto tem sido combatido
ao longo dos últimos 20 anos pelo avanço da globalização calcada em bases
neoliberais, pois é entendido como uma grande barreira à expansão do capitalismo
global. Santos considera que o único modo eficaz e emancipatório de enfrentar a
globalização neoliberal é contrapor-lhe uma globalização alternativa, contra-
hegemônica. O que no caso da universidade enquanto bem público significa que
“as reformas nacionais da universidade pública devem reflectir um projecto de país
centrado em escolhas políticas que qualifiquem a inserção do país em contextos de
produção e de distribuição de conhecimentos cada vez mais transnacionalizados e
cada vez mais polarizados entre processos contraditórios de transnacionalização, a
globalização neoliberal e a globalização contra-hegemónica. Este projecto de país
tem de resultar de um amplo contrato político e social desdobrado em vários
contratos sectoriais, sendo um deles o contrato educacional e, dentro dele, o
contrato da universidade como bem público” (SOUSA, 2004, p.55).
Para ele, o objetivo central da reforma seria atender a demanda pela
democratização radical da universidade, de modo a findar com a exclusão de
grupos sociais e seus saberes. Historicamente, na medida em que a universidade
especializa-se na produção do conhecimento científico e apenas a ele reconhece
como legítimo, contribui para a desqualificação de muitos conhecimentos de
outras origens, com isso marginalizando grupos sociais cujas únicas fontes de
conhecimento eram outras que não a academia. Particularmente esse processo
atinge países pobres em conhecimento científico, que o viram
“sob a forma da ciência económica, destruir as suas formas de sociabilidade, as
suas economias, as suas comunidades indígenas e camponesas, o seu meio
ambiente. Sob formas muito diferentes, algo semelhante se passa nos países
centrais onde os impactos negativos ambientais e sociais do desenvolvimento
científico começam a entrar nos debates no espaço público, forçando o
conhecimento científico a confrontar-se com outros conhecimentos, leigos,
filosóficos, de senso comum, éticos e mesmo religiosos. Por esta confrontação
passam alguns dos processos de promoção da cidadania activa crítica” (SANTOS,
2004, p.77).
O autor denomina “ecologia de saberes” ao processo de convivência ativa
entre saberes, partindo-se do pressuposto de que o diálogo pode enriquecê-los
mutuamente. Processo esse que seria um primeiro passo para a construção de uma
postura interdisciplinar e do pensamento complexo. Ambas as posturas constituem
pilares estruturais da EA, seja quando pensamos na proposição histórica de
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40
Tbilisi, seja tomando como referência o Tratado de EA para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global, ou, ainda, incorporando o debate
levantado por Enrique Leff (1999) sobre o saber ambiental.
Como se depreende, uma universidade cujo sentido de existência vem sendo
esvaziado e que tem problemas no relacionamento com outras áreas da sociedade,
agora ainda agravados pelo avanço do capitalismo, certamente enfrenta
dificuldades para incluir o saber ambiental, tal como proposto por Leff (1999).
Este passo é essencial na viabilização de processos de implantação da Educação
Ambiental no meio acadêmico.
Uma das características mais importantes da universidade enquanto bem
público “reside em ser ela a instituição que liga o presente ao médio e longo prazo
pelos conhecimentos e pela formação que produz e pelo espaço público
privilegiado de discussão aberta e crítica que constitui” (SANTOS, 2004, p.114).
Assim sendo, Santos pergunta qual seria o retorno social de pensar o longo
prazo, dispondo de espaços públicos de pensamento crítico e produção de
conhecimentos além daqueles exigidos pelo mercado. Ele mesmo responde que,
se a resposta fosse na lógica do Banco Mundial, certamente seria que
“o retorno é nulo, se existisse seria perigoso e, se não fosse perigoso, não seria
sustentável, pois estaria sujeito à concorrência dos países centrais que têm neste
domínio vantagens comparativas inequívocas. Se esta lógica global e externa não
encontrasse o terreno propício para ser apropriada local e internamente, não seria
por certo tão perigosa” (SANTOS, 2004, p.116).
A responsabilidade pela formação de novos profissionais, que determinarão
os rumos futuros e, por vezes, redirecionarão ou reforçarão os atuais também
(pense-se na pós-graduação), não permite que, eticamente, a universidade se furte
ao seu dever formador. Tem prevalecido a dimensão da técnica nos estudos
formais acadêmicos, e pouco espaço se tem dado à reflexão ética e ao
investimento na criticidade. Falar sobre isso na academia chegar a soar quase
como uma superficialidade, veleidade de quem não tem preocupações sérias.
Desperdício de tempo, com tanto conteúdo a ser ministrado... Mas a Educação
pressupõe formação integral do ser humano, em seus aspectos físico, emocional,
intelectual e moral. E o preparo profissional não pode estar isento de uma
dimensão humanizadora, que auxilie as pessoas não apenas a bem
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41
desempenharem procedimentos técnicos, mas saberem a serviço de que o fazem,
com que custos e conseqüências.
Há tempos a universidade vem se isolando das necessidades sociais. Em seu
mundo quase à parte a vida transcorre como se a realidade se resumisse a ela
mesma. Quando ousa romper essa letargia quase sempre o faz no intuito de
atender a necessidades demandadas pelo mercado, mas então, se subsumindo à
lógica fragmentária e utilitarista e colocando-se na posição de que deve obedecer
às normas do mercado. Certo, é preciso haver um diálogo entre as demandas
imediatas da vida prática e o pensar acadêmico, repetidas vezes tão teórico apenas
que acaba por ser rechaçado pelo pragmatismo mercantil. Mas, se viver de teoria é
insuficiente para o preparo dos postos de trabalho atuais, focar tão somente na
técnica, sem reflexão sobre seu papel social, sua função existencial, seu caráter
ético ou problemático leva a lançar na sociedade profissionais hemiplégicos.
Incapazes de pensar criticamente, de estabelecer relacionamentos empáticos, de
solucionar problemas criativamente em prol de uma sociedade melhor e,
sobretudo, indiferentes quanto à sua inevitável responsabilidade em contribuir
para a construção de uma cultura mais ética, justa, que valorize a vida em sua
plenitude.
Não apenas a universidade foge da complexidade dessa tarefa, também a
escola muitas vezes se oculta atrás de simplificações inconseqüentes. Coles (1998)
investigou por anos a fio a formação da consciência moral em crianças de escolas
americanas. Relata um caso pico, que poderia se passar na cidade do Rio de
Janeiro tanto quanto em qualquer outra. Uma menina de dez anos, tida por sua
classe, professora e família como excelente aluna, foi denunciada por motivo de
cola por um colega de turma durante uma prova. A professora ignorou-o
completamente, recusando-se a admitir que sua aluna predileta estaria colando.
Com isso, a garota se sente confiante e o esnoba. A classe o ridiculariza. Dias
depois, ainda incomodado com a situação e com o comportamento provocativo da
garota, o menino queixa-se com os pais para que tomem providências. Ao verem
que o incômodo não arrefece com o passar dos dias os pais vão ao encontro da
professora da classe, que faz questão de ignorar solenemente o assunto. O tema
chega à direção e ao psicólogo da escola (o autor) que promovem uma série de
encontros entre a família, bastante influente, a professora e as crianças. Os pais e a
professora tendem a justificar a postura da criança em função da doença terminal
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42
do avô. A menina atribui as denúncias à mera inveja, defendendo-se friamente e
negando qualquer acusação ainda que outras crianças tenham se somado à
primeira em suas denúncias, que a situação se repetiu outras vezes
posteriormente. Alguns colegas, inclusive, confessaram em particular, que a
menina já procedia assim desde o início do ano, bem antes da doença do avô. Fica
claro ainda que a garota trapaceia nos esportes também e os pais chegam a admitir
que ela exagera nos fatos, conta “mentiras inocentes e detesta perder”. Mesmo
assim, nem a professora nem a família querem tomar qualquer tipo de providência
e o caso prossegue assim. É provável que seu temperamento e competitividade
tenham permanecido desta forma e talvez crescido com o tempo, que o
comportamento ficou impune mesmo com repetições posteriores. Neste caso,
temos uma pessoa que justifica quaisquer ações a pretexto de manter seu status e
reconhecimento em alta, ainda que seja a custo de enganar a si e aos demais. Ora,
tal situação não está longe da postura adotada pela universidade em relação à
formação profissional e a ética. Legitima-se a falta de ética (de outros tipos) em
função da técnica. uma certa condescendência com os erros morais desde que
haja o acerto intelectual. E com isso, vamos criando uma sociedade moralmente
frágil, cujos reflexos se estendem à estrutura política e econômica. São as
condições favorecedoras da barbárie, como dizia Adorno (1995).
Por natureza e circunstâncias de nascimento a Educação Ambiental
questiona o contexto civilizatório em que vivemos, suas causas, efeitos e possíveis
formas de superação. Critica a mentalidade engendrada na Modernidade em sua
lógica instrumental, que coloca a vida e a ciência a serviço do lucro. Em seu
conteúdo (a questão ambiental, o projeto de sociedade, de vida e de ser humano
que queremos) e em sua forma (a interdisciplinaridade, o pensamento complexo, a
ética da sustentabilidade) a EA vai contra o estado de coisas estabelecido e a
tradicional forma de funcionar da universidade. Em que pese tal situação
incômoda, existe espaço para que esse estado de coisas seja questionado (como
vem sendo) e mesmo para que sejam efetuadas propostas em contrário, que,
dialeticamente, além de ser um espaço de reprodução social é também brecha para
superação do status quo.
Assim, embora de acordo com a Lei 9795/99 (BRASIL, 1999), todos
tenham direito à Educação Ambiental, cabendo às instituições educativas (nelas
incluídas as universidades) integrar a EA aos seus programas educacionais, não é
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de se estranhar a pequena presença da academia neste processo. problemas de
ordem externa (como as pressões do capitalismo à estrutura e função universitária)
e interna (ligados à história do fazer científico conservador e ao elitismo da
universidade).
A determinação legal que mencionamos reforça-se no artigo 10:
“Art. 10. A Educação Ambiental será desenvolvida como uma prática educativa
integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino
formal.
§ 1o A Educação Ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no
currículo de ensino.
§ 2o Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto
metodológico da Educação Ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a
criação de disciplina específica.
§ 3o Nos cursos de formação e especialização técnico-profissional, em todos os
níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética ambiental das atividades
profissionais a serem desenvolvidas” (BRASIL, 1999. Grifos nossos).
Apesar de já estar claro que esta determinação se refere a todas as profissões
(sejam técnicas ou acadêmicas), a formação de professores recebe atenção
especial, dedicando-se a ela o artigo 11:
“Art. 11. A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de
professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas.
Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber formação
complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender
adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de
Educação Ambiental” (Brasil, 1999. Grifos nossos).
Mesmo assim, poucos são os cursos universitários que atendem a esta
norma. Apenas para citar um exemplo próximo, considerando exclusivamente os
cursos de licenciatura das universidades públicas do município do Rio de Janeiro,
somente encontramos a Educação Ambiental, e como disciplina eletiva, nos
cursos de Biologia e de Pedagogia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ)
7
. Afora isso, apenas seis professores dessa universidade, sendo dois da
área de Educação, um da Ecologia, duas da Psicologia e uma da Biologia, são
7
Conforme consta nos programas disponibilizados em seu site.
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reconhecidos na universidade como educadores ambientais. Na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), dentre as 24 opções de licenciatura, apenas
quatro professores afirmam estar trabalhando com EA.
Tomando como exemplo a licenciatura plena em Pedagogia da UERJ,
verificamos entre suas diretrizes político-pedagógicas os dois pontos a seguir
8
:
“A formação do educador é concebida como uma tarefa social, historicamente
situada, comprometida com a maioria da população e com as questões relevantes
da educação e da sociedade.
A formação, pressupondo a preparação para um pensamento crítico, deve ser
centrada na unidade teoria-prática como alternativa pedagógica, na denúncia dos
problemas e no estímulo à capacidade de propor mudanças.”
A questão ambiental é uma problemática atualíssima e crucial de nosso
tempo. A dificuldade de resolvê-la deve-se ao fato de que os recursos naturais são
objeto de conflito quanto a sua posse e/ou uso e as divergências e lutas daí
originadas refletem a estrutura econômica e social de nossos tempos. Não
pessoa ou grupo que independa do funcionamento ecológico do planeta, que
dele são extraídos todos os recursos com os quais vivemos. Entram nessa equação
as formas de exploração do trabalho e dos ecossistemas, os modos de destinação
dos resíduos (lixo, poluição, esgoto...), o transporte e a geração de energia, as
possibilidades de lazer (estético, aventura etc.) e até mesmo de interação religiosa,
freqüentemente ocorrida em relação direta com a terra, montanhas, arvoredos,
mares e lagos. A pertinência desta temática no âmbito das diretrizes citadas fica
evidente. Sua ausência reflete desconhecimento da questão ou dificuldade de
estabelecer vínculo entre as questões tradicionalmente vistas como “sociais” e a
materialidade do planeta, a começar pela biologia de nossos corpos.
O mesmo vale para os aspectos citados a seguir, retirados da proposta para
formação do educador (do mesmo curso):
“Ressalta-se como questão central a formação do homem como ser
político, cuja consciência coletiva decorre das relações que se estabelecem
entre a formação educativa e o contexto social do qual faz parte. O homem
é o ser ativo que, pelo trabalho, domina as forças naturais, humaniza a
natureza e se cria a si mesmo, tornando-se construtor da sociedade e sujeito
da sua própria história.
8
In: www.uerj.br, acessado em 02/09/05, às 12h59.
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Na concepção dialética adotada para o curso, trata-se de conciliar a
capacitação técnica com a formação política, tomada esta última no sentido
de que o futuro educador seja capaz tanto de compreender quanto de
intervir na realidade social que o cerca.”
Os problemas ambientais não são marginais ao cotidiano da universidade.
Pelo contrário. Estão intrinsecamente ligados a todos os aspectos da vida a cada
momento. Sua invisibilidade se deve, quiçá, à falta de formação para vê-los, à
fragmentação do pensamento e ao distanciamento dos processos ecológicos, que
produz um entendimento distorcido sobre a inserção humana na biosfera e sobre
os ciclos que regulam a vida. Que o professor possa intervir na realidade é o
propósito do curso. Sendo assim, a incorporação da EA não pode ficar de fora
deste programa.
Dentre os princípios norteadores da graduação em Pedagogia, agora da
UFRJ
9
, destacamos:
“Propõe-se a análise metódica dos aspectos e elementos contraditórios do
contexto sócio-econômico-cultural que permita a produção, o
desenvolvimento e a crítica de políticas relativas à escola pública, a
valorização das atividades pedagógicas.
Defende-se uma concepção democrática da educação como possibilidade
de instrumentalizar trabalhadores para o domínio da complexidade do
processo de produção e de organização do trabalho.”
Novamente, se tratam das mesmas questões. Este último princípio,
particularmente, teria rico material na questão ambiental, que o contexto do
trabalho reflete intensamente os problemas ambientais, muitas vezes sem que seus
usuários se dêem conta. O próprio processo produtivo é o núcleo do problema, tal
como ele é concebido hoje em dia.
Quanto aos objetivos do curso, encontramos:
“Situar o aluno em seu momento social e histórico.
Trabalhar pedagogicamente a realidade dos alunos, da escola e da
comunidade, no sentido da consciência crítica e da ação coletiva
responsável.
Capacitar o aluno para uma leitura crítica do mundo do trabalho, para
compreensão e intervenção.
9
www.ufrj.br
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46
Formar um professor que responda aos questionamentos da sociedade
brasileira em seu momento histórico atual; [e que] desenhe projetos
pedagógicos que contemplem a pluralidade de demandas de uma sociedade
complexa, a multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem e a
diversidade da sua história de vida e a de seus alunos.”
Não contexto hoje que exclua a questão ambiental. Estimular o senso
crítico passa por também conhecê-la e posicionar-se perante ela. De mais
importância se reveste tal ação se considerarmos o efeito-halo produzido pela
universidade na sociedade a partir de seus profissionais fator mais significativo
quando se trata do profissional docente.
Apesar da pequena iniciativa carioca, outras regiões do Brasil estão
incorporando a EA em seus cursos, ainda que lentamente.
Uma das mais antigas tentativas de incluir a EA no âmbito da extensão,
ensino e pesquisa universitários se deu no Mato Grosso do Sul, com o trabalho da
pesquisadora e escritora Michèle Sato. Ali se encontra uma das mais fortes e
consolidadas redes de Educação Ambiental do país, a Rede Aguapé.
Michèle Sato descobriu parceiros em alguns colegas, mas não há uma
política de EA da universidade. A pesquisadora é bastante conhecida na região,
devido aos bons resultados obtidos com o projeto de extensão que coordena e que
alia EA e comunidades há mais de treze anos.
Uma iniciativa bem mais recente ocorre na UFSCar (Universidade Federal
de São Carlos) a partir do trabalho coordenado pela Professora Haydée Torres de
Oliveira. Ela estudou e propôs a implantação na universidade do processo
denominado ambientalização. Encontramos três artigos (2003) em que
diagnostica o grau de ambientalização curricular do ensino, pesquisa, extensão e
gestão da universidade, e estuda a relação entre o contexto político-pedagógico e a
construção de características para implantar a ambientalização curricular nas
graduações. Este tipo de processo vem sendo debatido e testado em algumas
universidades européias, tendo sido apresentado em âmbito internacional durante
o III Congresso Mundial de Educação Ambiental, realizado na Itália, em outubro
de 2005.
Na pesquisa de Tozoni-Reis (2004), foi possível constatar que outras
universidades públicas paulistas trabalhando com a EA. Sua preocupação foi
descobrir qual a perspectiva adotada. Tanto no que tange às representações de
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47
ambiente como nas de educação os achados convergem para a mesma
classificação, já anteriormente apresentada: natural, racional e histórica.
A primeira delas (natural), considerada mais ingênua, aponta para a busca
de um mundo orgânico e a autora analisa diversas implicações pedagógicas e
políticas para esta proposta. Reconhece potencial crítico e contestatório desta
perspectiva, e mostra que suas limitações ao recusar o mecanicismo na ciência e
na organização social se devem à busca de superar a modernidade por sua
negação. Por isso, considera insuficientes as idéias desta concepção para formar
educadores ambientais, que pressupõem um homem puro e a-histórico
juntamente com uma natureza equilibrada e também a-histórica. Levanta, ainda, o
risco de políticas sustentadas nesta perspectiva tornarem-se autoritárias ou
recorrerem a buscas de retorno a concepções naturalistas e romantizadas.
No caso da concepção racional ocorre uma supervalorização dos
conhecimentos científicos, tanto na mediação ser humano-natureza como nos
fundamentos da educação. A base é o racionalismo que fundou a ciência moderna.
A natureza aqui é mecânica. Apesar do rompimento com a Igreja e da
subserviência a ela, promovido pelo racionalismo, a autora considera que houve
grande influência religiosa na formação deste modo de pensar e sua ética
antropocêntrica. Deus sai do centro do palco, mas o ser humano o assume na
condição de ser forjado a sua imagem e semelhança.
Tozoni-Reis lembra que o racionalismo constitui a base da educação
moderna, desde Comênio.
Esta vertente levaria a uma EA voltada para a transmissão de informações
sobre os processos ecológicos, cujo pressuposto é o controle por meios adequados
do comportamento ambientalmente correto. Indivíduos “conscientes” construiriam
uma sociedade equilibrada ambientalmente. Há, portanto, uma crença na ciência
enquanto organizadora da sociedade. De toda forma, esta perspectiva inviabiliza a
EA, pois prioriza pensar, separada e objetivamente, o mundo, ocultando-se com
isso sua complexidade e interdependência.
Por fim, a última tendência descoberta recebeu o nome de histórica, por
identificar as relações sociais historicamente produzidas enquanto definidoras da
relação ser humano-natureza e educação. O principal referencial epistemológico
dessa visão residiria no pensamento marxista. Nossa autora traz à cena as
propostas educativas de Gramsci, Vygotsky e diversos autores que incluíram o
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48
mundo material em suas reflexões, a partir de suas perspectivas históricas. Nesse
sentido, a problemática ambiental seria
“o conteúdo histórico-social e cultural da educação ambiental. A perspectiva de
superação da forma predatória com que os seres humanos se vêm relacionando com
o ambiente pode ser praticada (pensamento e ação crítica e consciente) numa
sociedade que, intencionalmente, venha a transformar as formas materiais de
relação social alienadoras dos sujeitos – em instrumentos sociais igualitários
(conhecimentos, tecnologia) conquistados na diversidade” (TOZONI-REIS, 2004,
p.118).
É preciso esclarecer que nenhuma destas tendências se mostrou “pura” e
completa. Tozoni-Reis conclui que estamos num momento de transição de
paradigmas, que se reflete nas concepções dos professores e que aponta para uma
necessidade de superação de entendimentos racionalistas para tratar a questão
ambiental. Em todos os casos, a pesquisadora encontrou uma valorização dos
conhecimentos na determinação da relação ser humano-natureza.
Assim, para ela, no intuito de enfrentar a problemática ambiental é preciso
superar a lógica antropocêntrica e ao mesmo tempo a dominação do homem pelo
homem. De tal forma que a análise da transição paradigmática requer examinar o
campo dos paradigmas científicos (conhecimento) e o dos paradigmas
socioculturais (organização das relações sociais). Ou seja, propõe a
inseparabilidade das dimensões ciência e sociedade. Da mesma forma, o
“confronto entre as dimensões informativa (conhecimentos) e formativa (valores e
atitudes) da educação e da educação ambiental” também se refere a esta reflexão
(TOZONI-REIS, 2004, p.119).
Resumindo, uma prática educativa ambiental em universidades paulistas
de ordem diversa, mas que retrata as fraturas do pensamento moderno, disputa
legitimidade e encontra-se em transição, havendo ainda grande valorização dos
conteúdos, como instrumento de sensibilização.
O mais provável é que o contínuo e constante questionamento às práticas
pedagógicas destas universidades e o debate, relacionando teoria e ações
concretas, leve a uma renovação e qualificação do entendimento da proposta da
EA, suas dificuldades e desafios. A partilha e o intercâmbio também certamente
serão benéficos para a construção de modos de vida que acolham o potencial
transformador ilustrado pela EA.
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49
De acordo com o mapeamento realizado pela RUPEA (2005), nas
universidades que realizam trabalhos na vertente da EA, predominam projetos
pontuais, sendo mais raras as políticas de ambientalização da universidade:
“(...) a predominância de projetos de EA sobre políticas institucionais de
ambientalização da educação superior pode indicar a existência de resistências por
parte dos setores mais conservadores no meio universitário, contrários a um debate
cujo êxito poderia resultar em rearranjos políticos e institucionais, ou ainda de
dificuldades objetivas (organizativas e infra-estruturais) para a
formulação/implementação de uma política ou de um plano de ambientalização
institucional” (RUPEA, 2005).
O mesmo relatório discute a falta de infra-estrutura e de espaços adequados
e facilitadores para a conquista da ambientalização das IES. Por isso mesmo,
considera que:
“Se considerarmos que podem constituir-se em uma primeira base para o
desenvolvimento de projetos interdisciplinares e para a integração das atividades de
pesquisa, ensino, extensão e gestão nas IES, somos levadas a concluir que a criação
e a estruturação de espaços educativos dedicados à EA não apenas são desejáveis,
mas devem tornar-se objeto privilegiado da atenção de políticas institucionais e
públicas de ambientalização da educação superior” (RUPEA, 2005).
Observou-se também na pesquisa da RUPEA maior regularidade nos cursos
de extensão oferecidos do que nos de especialização. No geral, apenas os de
extensão foram oferecidos gratuitamente e com parcerias variadas (UCs,
empresas, ONGs, grupos de estudo). Em termos de projetos, prevaleceram aqueles
relacionados à pesquisa e aqueles que combinavam mais de uma ênfase das quatro
possíveis (extensão, gestão, pesquisa e ensino). Atribui-se essa preponderância à
forma de avaliação do profissional acadêmico, centrada na pesquisa. Novamente,
este ponto indica a necessidade de maior articulação entre as esferas de atuação da
universidade para que o processo de ambientalização possa efetivamente se dar, o
que significaria, por suposto, enfatizar estratégias políticas na obtenção deste
intuito. Elencamos, a seguir, os pontos mais relevantes do relatório quanto às
dificuldades de implementação da EA no vel superior de ensino, mostrando o
estágio atual de institucionalização da educação ambiental na academia.
“Entre as dificuldades para a implementação de programas de EA, os informantes
apontam resistências de diversa natureza, atribuídas, em parte, à imaturidade” da
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50
EA como disciplina
10
que ainda não possui arcabouço teórico e metodológico
consolidado; por outro lado, não se enquadraria na estrutura científica tradicional
nem nas rotinas acadêmicas, tendendo inclusive a suscitar preconceitos na medida
em que freqüentemente se encontra associada a atividades de extensão universitária
de caráter comunitário (...).
Entre as prioridades de uma política pública de EA para a educação superior,
consta a ampliação de recursos financeiros para a implementação de programas de
institucionalização da EA (que abarquem todas as instâncias: ensino, pesquisa,
extensão e gestão) em todas as IES, além de projetos de pesquisa, intervenção e
formação de educadores ambientais.
Uma outra estratégia para o fortalecimento da EA corresponderia à criação de
parcerias intra e interinstitucionais (entre IES e outras instituições sociais) que
visem articulações políticas e intercâmbios, com a aposta de que tais parcerias
poderiam favorecer a realização e o desenvolvimento de trabalhos cooperativos e
interdisciplinares.
As respostas exibem certa preocupação com o desconhecimento (e
descumprimento) da legislação sobre EA por parte da comunidade acadêmica; por
outro lado, defende-se a autonomia dos docentes para propor diferentes formas de
ação educativa (conteúdos, métodos, etc.), recomendando-se que as iniciativas para
a institucionalização da EA na educação superior preservem a ‘flexibilidade para a
ação’” (RUPEA, 2005).
Até este ponto, as dificuldades são de ordem política, financeira, cultural e
administrativa. Na continuidade são abordados elementos facilitadores, uma
síntese das dificuldades e aventadas algumas possíveis causas para o quadro.
“Entre os elementos facilitadores, indica-se, por fim, a necessidade de estruturas ou
órgãos responsáveis pela gestão ambiental da IES, ao mesmo tempo em que
participem da formulação/execução de políticas ambientais municipais e regionais.
Reiteraria-se, desta forma, o apenas a exigência de que a EA atravesse todas as
atividades acadêmicas, inclusive as ações de gestão dos campi, mas também seu
compromisso com demandas sociais externas. (...)
Entre as dificuldades apontadas pelos informantes, contam-se: a
departamentalização da universidade, juntamente com a burocratização,
fragmentação, hierarquização, hiper-especialização e desarticulação dos
conhecimentos; a conseqüente “territorialização” da epistemologia ambiental; e a
dificuldade para a formação de equipes interdisciplinares, devida não ao
desinteresse e ao despreparo da maioria dos docentes, mas também à inexistência
de oportunidades objetivas para o diálogo, tais como espaços para a prática da
10
Toulmin (1972 apud PORLÁN, 1998) define as disciplinas como “empresas racionais em
evolução” que m como características: a) um conjunto de problemas específicos conceituais ou
práticos; b) a existência de uma comunidade profissional crítica; c) um ponto de vista geral e
compartilhado sobre a disciplina (metas e ideais); d) estratégias e procedimentos aceitos; e e)
populações conceituais em evolução vinculadas a problemas específicos. Uma disciplina se diz
madura apenas quando reúne todos os requisitos.
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inter/transdisciplinaridade e disponibilidade de carga horária para os docentes se
envolverem em atividades cooperativas.
A essas dificuldades, agregam-se outras de natureza mais subjetiva, tais como: a
falta de interesse e motivação por parte de alunos e docentes - concomitante ao
descaso da sociedade civil que não teria favorecido a constituição de uma
‘cultura de pesquisa e extensão’. (...)
Os informantes acusam que as práticas de EA tenderiam a sofrer da falta de
fundamentação teórica e metodológica.
Por um lado, acreditam alguns, não se tem suficiente clareza com relação à
epistemologia ambiental; desconhecem-se as interfaces disciplinares com a EA;
não se percebe (nem se compreende) a configuração contemporânea da questão
ambiental. Na vertente metodológica, as práticas educativas em EA se ressentiriam
da falta de reflexão e ‘práxis; da dicotomia entre competências técnicas e
pedagógicas; da incapacidade de enxergar, e conseqüentemente operar, a
transversalidade da temática ambiental; e, por fim, das dificuldades didáticas em
tratar-se de conteúdos ambientais” (RUPEA, 2005).
Por mais que a proposta educativa da EA seja contra-hegemônica e nesse
sentido paradigmática, todos vivemos ainda sob o domínio da herança Moderna.
Aprender a pensar, sentir e agir de modo distinto daquele em que fomos
culturalmente educados exige empenho e autoconsciência. À medida que se
difunde a idéia da EA para um público mais extenso, também se torna mais
distante no tempo a percepção de sua origem e pressupostos epistemológicos.
Formar pessoas capazes de lidar com o desafio levantado pela EA não é algo que
ocorra espontaneamente. Demanda reflexão e experimentação.
Nessa direção, o relatório também pontua a relação de íntima dependência
entre a qualidade/ efetividade das práticas educativas e a coerência entre as
dimensões epistemológica e metodológica. O que significa embasar as abordagens
didáticas em considerações conceituais, filosóficas e, sobretudo, éticas.
Por fim, para encerrar o tópico da institucionalização, é necessário dizer que
as prioridades listadas pelo relatório para elaborar políticas públicas de EA no
universo das Instituições de Ensino Superior (IES) ultrapassam a valorização,
reconhecimento e apoio às ações educativo-ambientais em curso, referindo-se
enfaticamente à necessidade de criar instrumentos para avaliar, sistematizar e
divulgar a prática. Neste mesmo sentido, é pertinente pensar a questão dos valores
no âmbito da EA. Sem compreender sua dinâmica na pessoa, as estratégias
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pedagógicas que pretendam dar conta de estimulá-los, reelaborá-los ou apenas
refletir sobre eles, tornam-se inócuas ou no mínimo amadorísticas.
Considerando o fato de a apresentação dos citados aspectos conjunturais ter
sido efetuada por docentes de instituições onde a ambientalização já está em
curso, as quais não são maioria no país, pensamos ter demonstrado o estágio
inicial em que ora se encontra a institucionalização da EA na universidade.
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O caminho mais curto e mais certo para viver com
honradez neste mundo é ser, de verdade, aquilo que
aparentamos ser. Todas as virtudes humanas crescem e se
fortalecem pela prática e pela vivência delas.
Sócrates
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3
Implicações pedagógicas da Educação Ambiental
Conhecer os fundamentos da Educação Ambiental traz inquietações e
desafios. Colocá-la em prática requer, pelo menos: a) um agudo senso de
observação da realidade e do comportamento humano; b) formação genérica em
diversas áreas, a fim de compreender a problemática ambiental e dialogar com os
diferentes profissionais que atuam na área; além de c) constantes revisões
internas, a fim de viabilizar práticas que realmente levem aos objetivos
pretendidos pela EA.
A Educação Ambiental constitui importante perspectiva educativa na
atualidade. Fruto da compreensão coletivamente construída no planeta de que a
relação entre os países é intensamente afetada pela forma como são tratadas suas
sociedades e ecossistemas
11
, a EA pretende ser instrumento de entendimento da
interdependência a qual estamos submetidos, e também agente transformador das
relações, de tal modo que a cidadania seja planetária. O que nos permite a ousadia
de supor ser ela um dos instrumentos possíveis para o estabelecimento dos marcos
de um futuro Estado Mundial, que começa vagamente a se desenhar. Os
documentos de nascimento da EA oficializam uma visão complexa de meio
ambiente. A Declaração de Tbilisi (UNESCO, 1980) é um dos clássicos
fundadores dentre estes documentos.
11
Durante as décadas de 50 e 60 diversos problemas e catástrofes ambientais ocasionadas pela
poluição, por uma produção industrial descuidada e pela quase completa ausência de processos de
gestão ambiental, levaram a ONU a convocar reuniões internacionais a partir da década de 70, que
auxiliassem a refletir sobre a relação entre meio ambiente e desenvolvimento. Sobretudo a água e
o ar, ao serem veículos portadores da poluição, completamente alheios à existência de fronteiras
geopolíticas, evidenciaram a necessidade de um pensamento sistêmico na criação de políticas
econômicas.
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55
Considerando as diretrizes da Educação Ambiental
12
, propostas em Tbilisi, e
considerando ainda seus objetivos
13
, assentados pela Lei Nacional de Educação
Ambiental (9795/99), percebe-se que a tônica da EA recai sobre a íntima
associação entre aprendizagem, valores, cidadania e participação. São invocadas
as necessidades de estimular e fortalecer o senso crítico, a alteridade, a
responsabilidade, a integração do ser humano consigo próprio e com a biosfera
como um todo. Freqüentes são os discursos enfocando a formação de valores para
a sustentabilidade e o objetivo, difuso, de alcançar uma “nova ética”.
14
E aqui entra o impacto da subjetividade dos conceitos tratados nos
documentos. Como critica Loureiro (2004), o generalismo da análise e a ausência
de uma discussão mais aprofundada acerca das implicações ocasionadas sobre as
políticas públicas e ações em EA pelo modo de produção capitalista levam a
“recomendações vagas sem maiores efeitos práticos, sendo muitas destas
12
Facilitar aos indivíduos e coletividades os meios de interpretar a interdependência desses
diversos elementos [do ambiente] no espaço e no tempo, a fim de promover uma utilização mais
reflexiva e prudente dos recursos do universo para a satisfação das necessidades da humanidade;
Contribuir para que se perceba claramente a importância do meio ambiente nas atividades de
desenvolvimento econômico, social e cultural;
Favorecer em todos os níveis uma participação responsável e eficaz da população na concepção e
aplicação das decisões que põem em jogo a qualidade do meio natural, social e cultural;
Difundir informações acerca das modalidades de desenvolvimento que não repercutem
negativamente no meio, além de fomentar a adoção de modos de vida compatíveis com a
conservação da qualidade do mesmo;
Mostrar com toda clareza as interdependências econômicas, políticas e ecológicas do mundo
moderno, no qual as decisões e comportamentos de todos os países podem ter conseqüências de
alcance internacional. (UNESCO, 1980).
13 " I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e
complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,
econômicos, científicos, culturais e éticos;
II - a garantia de democratização das informações ambientais;
III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e
social;
IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do
equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor
inseparável do exercício da cidadania;
V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em veis micro e macrorregionais,
com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da
liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade;
VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia;
VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como
fundamentos para o futuro da humanidade." (Lei 9795/99)
14 A “velha ética” é aquela correspondente ao projeto societário instaurado na modernidade e
ainda vigente, que permite a superexploração de pessoas e ecossistemas no intuito de garantir a
lucratividade de um pequeno punhado de poderosos. A formação de valores para a
sustentabilidade estaria, portanto, ligada ao esforço de construção de um novo modelo de
sociedade, que viabilize uma forma de estar no mundo afim aos ritmos ecossistêmicos, respeitosa
com a vida de modo geral, significativa existencialmente e saudável em todos os sentidos.
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56
compatíveis com a ética liberal e com a economia de mercado” (LOUREIRO,
2004, p.74), como ocorre com as mencionadas iniciativas empresariais. Neste
seu livro, o autor analisa a multiplicidade de interpretações e práticas decorrentes
das recomendações dos documentos para os conceitos de participação e
interdisciplinaridade – ambos considerados pilares da Educação Ambiental.
Neste sentido, é preciso identificar de que se fala ao propor a
interdisciplinaridade e a participação enquanto estratégias. Proceder a uma análise
filosófica verificando a coerência entre os objetivos pretendidos e a pedagogia
derivada das concepções de sustentabilidade (objetivo da EA) que estejam
sustentando o projeto de EA.
Deluiz e Novicki (2005) apontam para três linhas de pensamento quanto à
noção de sustentabilidade e as matrizes filosóficas de onde provêm. Cada matriz
orienta a ação pedagógica a um rumo diferente.
Para estes autores, há necessidade de articular meio ambiente, educação e
trabalho na construção de uma proposta crítica de EA, comprometida com uma
vida de qualidade, socialmente justa e solidária. E nesta articulação, consideram
imprescindível a posição dos atores sociais mais afetados pelos efeitos da
problemática ambiental. Tais pesquisadores defendem a perspectiva da
sustentabilidade democrática, em que a educação é formadora de um sujeito
crítico, que reivindica igualdade e justiça social e articula os três fatores
mencionados a fim de desvelar os aspectos ideológicos, sociais, políticos,
econômicos e culturais que levam à precarização do mundo do trabalho e à
degradação ambiental. Para eles, é preciso superar a ecoeficiência e a auto-
suficiência enquanto sinonímias para desenvolvimento sustentável. Em suas
palavras:
“Na perspectiva de uma Educação Ambiental crítica, torna-se fundamental discutir
as várias concepções de desenvolvimento econômico em disputa e as matrizes
discursivas que as fundamentam (ideologias, valores, comportamentos), tendo em
vista a superação da alienação homem-natureza e a construção de um modelo
alternativo de desenvolvimento contra-hegemônico, apoiado na sustentabilidade
democrática’ e na superação da desigualdade e da exclusão social, que se reflita nas
concepções e práticas educacionais. Desta forma, entendemos que é necessário
superar a concepção de desenvolvimento sustentável defendida pelo capital
(ecoeficiência/tecnicismo), que não coloca em questão as formas de produção,
trabalho e consumo do modo de produção capitalista, e na qual a educação volta-se
estritamente para as necessidades do mercado de trabalho, assumindo uma
perspectiva produtivista-instrumental
4
(SINGER, 1996). Da mesma forma, nesta
matriz discursiva de desenvolvimento, a Educação Ambiental pauta-se em uma
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abordagem reducionista, preservacionista, configurando-se como um
“adestramento ambiental” (BRÜGGER, 1994), que tem como horizonte
unicamente a mudança de comportamento individual e não de valores culturais.
Esta ausência de crítica ao modo de produção capitalista direciona a educação para
uma ética “comportamentalista-individualista”, que privilegia a performance
individual (GUIMARÃES, 2000; LAYRARGUES, 1999), culpabilizando os
sujeitos pela sua situação no mundo do trabalho (desemprego/ precarização do
trabalho) ou pela degradação ambiental. Consiste numa abordagem educacional
acrítica e numa leitura conservadora sobre o mundo do trabalho e a problemática
ambiental. Torna-se necessário, igualmente, superar a concepção de
desenvolvimento sustentável na lógica da auto-suficiência e da auto-regulação, na
qual a relação trabalho e meio ambiente aponta para a subsunção do trabalho à
natureza numa perspectiva arcaica e romântica de volta a um passado ultrapassado
pelo desenvolvimento científico e tecnológico e pelas necessidades crescentes de
melhoria das condições de trabalho e vida das populações. Tanto a primeira
concepção de educação quanto a segunda não se pautam por uma ação pedagógica
crítico-transformadora, contribuindo para a conservação das atuais relações de
dominação” (DELUIZ; NOVICKI, 2005, p.13-14).
Outra autora preocupada com a perspectiva pedagógica adotada conforme
os referenciais teóricos assumidos é Marília Tozoni-Reis (2004). A pesquisadora
estudou a prática de professores dos cursos de Biologia, Química e Geografia das
universidades públicas do estado de São Paulo. Identificou também três
tendências (de certa forma correspondentes às tendências propostas por Deluiz e
Novicki), a seguir apresentadas:
Natural (que corresponderia à auto-suficiência): essa versão compreende a
relação dos sujeitos com o restante do ambiente em que vivem como se pudesse
ocorrer sem a mediação da cultura e da sociedade. Aqui se entende que
necessidade de igualdade entre os elementos da natureza para voltar ao equilíbrio
natural. Os sujeitos “são representados como vilões que precisam reencontrar seu
lugar, naturalmente determinado. (...) [trata-se de] uma concepção romantizada, na
qual a idéia de integração é sugerida pela volta ao paraíso perdido(TOZONI-
REIS, 2004, p.33). O efeito prático imediato deste modo de ver é o esvaziamento
dos componentes político e social dessa relação. Uma Educação Ambiental
pautada nesta compreensão pretende adaptar o sujeito à natureza, sendo
instrumento de sensibilização em busca de uma relação dita natural com o mundo.
Racional (correspondente à ecoeficiência): nesta perspectiva quem media
esta relação é a razão, expressa pela supervalorização do conhecimento técnico-
científico na vida dos sujeitos no ambiente. Sendo a razão instrumental entendida
como organizadora da sociedade, a prática educativa reduz-se a transmissão de
informações das ciências ambientais, o tradicional ensino de ecologia. Desta
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concepção vem o famoso lema “conhecer para preservar”, pois se entende que
bastaria o conhecimento (razão) para que uma atitude diferente se manifestasse.
De acordo com Tozoni-Reis (2004, p.34), essa tendência revela-se utilitarista:
“saber (conhecimentos técnicos e científicos) usar, para poder usar mais e sempre,
mas sempre usar.”
Histórica (equivalendo à sustentabilidade democrática): aqui a relação entre
seres humanos e o restante da natureza é marcada pela intencionalidade dos
sujeitos, estando presentes as condições políticas, sociais, históricas econômicas e
culturais. Neste caso, não se diminui a importância do conhecimento técnico-
científico, mas a ele não se atribui um caráter mecânico e direto de transferência
para o comportamento. Segundo esta tendência, a crise civilizatória atual é uma
produção histórica. O descompromisso das pessoas com a resolução dos
problemas ambientais teria sido algo forjado pelas relações sociais historicamente
estabelecidas e abrigaria, dialeticamente, a possibilidade de superação rumo à
construção de sociedades sustentáveis. Na Educação Ambiental, o efeito desta
concepção é a
“valorização do indivíduo em sua dimensão coletiva, de compreensão das relações
sociais como tarefa da educação e da Educação Ambiental. (...) a forte presença das
idéias de integração, de trabalho coletivo, de interdisciplinaridade na organização
do ensino em todos os níveis. (...) os conhecimentos têm, então, função de
mediação entre o homem e o ambiente. (...) [destaca-se a] dimensão política da
educação (...) e a valorização da formação geral, quando comparada à educação
profissional. A expressão da intencionalidade da ação humana no ambiente e do
processo educacional, a percepção da dimensão reflexiva do processo educacional
e os sinais de valorização do pensar e do agir autônomo como objetivo do processo
educativo são também indicadores da abordagem social, histórica e cultural da
educação. [há] um movimento de busca de novos paradigmas para as ações
educativas(...)” (TOZONI-REIS, 2004, p.78).
Com relação à adoção de abordagens não-históricas da EA lembramos, com
Carvalho (2002, p.32) que o problema
“de um discurso ambiental desacoplado das injunções sócio-históricas é que muito
facilmente pode alinhar-se a posições politicamente conservadoras, na medida em
que não mobiliza a percepção das diferenças ideológicas e conflitos de interesses
que se defrontam no ideário ambiental. Ao contrário, convida a um consenso de
observadores, não-implicados ou impotentes diante do problema que se
apresenta.”
Uma das características essenciais da Educação Ambiental, conforme já
proposto em Tbilisi, é justamente o uso da resolução de problemas (ambientais),
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59
principalmente ao modo de tema gerador, enquanto estratégia pedagógica de
acesso ao pensamento complexo, à postura interdisciplinar e ao exercício da ética
da sustentabilidade. Ora, se os problemas não são percebidos/analisados
contextualizadamente sua resolução fracassará, por atingir apenas os efeitos
desses problemas e manter uma visão fragmentada daquilo que, na realidade, é
sistêmico. Ademais, pela mesma razão, a eficácia pedagógica de tal estratégia
também se reduz.
Tanto Marília Tozoni-Reis (2004), como Isabel Carvalho (2002), Neise
Deluiz e Vitor Novicki (2005), discutem a questão ambiental enquanto crise dos
referenciais epistemológicos, filosóficos e políticos que sustentam a Modernidade,
isto é, uma crise paradigmática. O que por si delineia o desafio pedagógico
assumido pela Educação Ambiental.
Nesse sentido, Leff (1999, p.126) apresenta uma boa síntese do debate que
viemos construindo até aqui:
“A racionalidade ambiental conjuga uma nova ética e novos princípios produtivos
com o pensamento da complexidade que problematiza as ciências para incorporar o
saber ambiental emergente. Isto leva a arraigar a sustentabilidade ao nível local, a
articulá-la com a democracia e com processos de reapropriação da natureza, da
vida e da produção (Leff, 1995). Esta perspectiva da sustentabilidade requer um
programa de Educação Ambiental compreensivo e complexo, aberto a um amplo
espectro de atividades e atores.”
Consultando Puiggrós (1999), Valentin (2005, p.1) constata que esse autor,
ao
“elaborar um panorama da educação latino-americana, no século XX, ressalta seu
início marcado pela influência da cultura européia como modelo pedagógico, a
esperança depositada na educação e na sua capacidade para produzir progresso. Os
movimentos populares nacionalistas, a teoria do desenvolvimento, os movimentos
ligados à teologia da libertação, os regimes autoritários e, posteriormente, os
governos com tendências neoliberais tentaram converter em realidade essas
expectativas com alguns avanços e muitos retrocessos.”
Os desafios da Educação em nosso país apresentam-se redobrados para a
Educação Ambiental, uma vez que esta ainda não é plenamente reconhecida
enquanto necessidade nem pelos governos nem pela academia. Some-se a isso o
fato de lidar obrigatoriamente com conflitos ambientais e buscar fazer uso de um
novo paradigma. Ainda Valentin, citando Moraes (2002, p.42), recorda a
vinculação da EA com a política:
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60
“Ao colocarmos em pauta os problemas ambientais específicos da América Latina
e do Brasil, somos levados a pensar que a ‘questão ambiental está de início
imbricada com a questão democrática’. Nosso País sempre foi pensado como um
espaço a se ganhar e não como uma sociedade. Os problemas ambientais
ultrapassam as barreiras biológicas, estendendo-se às questões social, econômica,
cultural e política.”
No Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global
15
fundamenta-se também a origem dos problemas
socioambientais na estrutura socioeconômica abraçada pela ampla maioria dos
países na atualidade:
“As causas primárias de problemas como o aumento da pobreza, da degradação
humana e ambiental e da violência podem ser identificadas no modelo de
civilização dominante, que se baseia em superprodução e superconsumo para uns e
subconsumo e falta de condições para produzir por parte da grande maioria.”
Entre seus princípios educacionais, destacamos alguns para comentários:
1- A educação ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de formar
cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos
povos e a soberania das nações.
Aqui pressupõem-se habilidades cognitivas e valorativas, que resultem em
comportamentos propostos a superar a herança da Modernidade. Da mesma forma
que nos princípios 3, 4, 5, 6, 9, 10, que envolvem, ainda, aspectos como
diversidade cultural e entendimento sistêmico, como segue:
3- A educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a
relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar.
4- A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito
aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as
culturas.
5- A educação ambiental deve tratar as questões globais críticas, suas causas e
interrelações em uma perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico.
Aspectos primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, tais
como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome, degradação da
flora e fauna, devem ser abordados dessa maneira.
6- A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos
processos de decisão, em todos os níveis e etapas.
15
Em: www.mec.gov.br e www.mma.gov.br
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9- A educação ambiental valoriza as diferentes formas de conhecimento. Este é
diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo ser patenteado ou
monopolizado.
10- A educação ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas a
trabalharem conflitos de maneira justa e humana.
Os princípios 11, 13 e 14 são voltados mais diretamente ao enfrentamento
das raízes do problema, culminando na conclusão de estarmos vivenciando uma
questão, antes de tudo, ética, valorativa:
11- A educação ambiental deve promover a cooperação e o diálogo entre
indivíduos e instituições, com a finalidade de criar novos modos de vida, baseados
em atender às necessidades básicas de todos, sem distinções étnicas, físicas, de
gênero, idade, religião, classe ou mentais.
13- A educação ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes
e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas de
sociedades sustentáveis.
14- A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre
todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus
ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres
humanos.
Em que pesem as críticas a pouca operacionalidade dos enunciados dos
documentos oficiais da EA, vale a pena refletir sobre formas pedagógicas
democráticas e críticas de viabilização de seus princípios e objetivos. O ideal
jamais será real ou próximo dele sem esforço de reflexão e de ação para diminuir
a incoerência, aproximando teoria e prática naquilo que é possível. Um dos
princípios da Declaração de Tbilisi, aqui escolhido especialmente para este
esmiuçamento proposto, enuncia como tarefa básica da EA a de construir as bases
cognitivas e afetivas de uma sociedade ambientalmente saudável (MAZZOTTI,
1997).
Levando em conta a concepção de ambiente adotada pela EA (totalidade
que inclui aspectos ecológicos, sócio-econômicos, culturais, políticos, estéticos,
científicos, psicológicos, morais e éticos), como conjugar a saúde de tantos fatores
simultaneamente?
Esta tarefa requer um intercâmbio da EA com outras áreas do conhecimento
que se dedicam a compreender o ser humano. Interferir na cognição e afetividade
de modo a que as pessoas manifestem saúde nas relações significa, no mínimo,
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atuar sobre a percepção e valores dos indivíduos. Aproveitar as pesquisas acerca
da construção do juízo moral constitui exemplo de intercâmbio possível no
sentido de qualificar e embasar este tipo de atuação.
3.1.
A consciência moral
Se, como dissemos anteriormente, o campo ambiental se organizou em torno
do problema da produção e reprodução da crença segundo a qual a natureza seria
um bem, e isso constitui uma problemática de ordem ética cujos sentidos em
disputa buscam se legitimar na sociedade, orientando ações morais e políticas
então compreender a forma como são produzidas estas ações morais é
fundamental. Pesquisas de Josep Puig (1998) tratam da formação da personalidade
moral e dentro dela, da consciência moral. Quando falamos de valores estamos
tratando de um aspecto, uma das ferramentas de que dispõe a consciência moral.
De acordo com este pesquisador, a moralidade se refere à regulação dos
conflitos interpessoais e sociais, de modo que os comportamentos morais buscam
solucionar conflitos de convívio, atuais ou futuros.
A criação destas soluções que facilitam a adaptação a si mesmo e à
sociedade provém de reguladores morais. Entretanto, devido aos diferentes níveis
de esforços exigidos conforme a complexidade da situação, o tipo de regulador
moral chamado a entrar em ação pode variar. Em termos evolutivos (histórico-
biológico-adaptativos), existe uma hierarquia de reguladores. O regulador moral é
basicamente uma “disposição do sujeito, de índole funcional, que lhe permite
combinar o significado conflitivo da informação moral que recebe do meio com
um tipo de juízo e ações que dão resposta adequada às problemáticas
sociomorais” (PUIG, 1998, p.90).
As pesquisas de Puig indicam que o desenvolvimento sociomoral da espécie
e de cada pessoa se ancora na construção de três reguladores morais: o genoma, o
cérebro e a consciência, sendo cada um deles adequado para as situações
específicas em que foram desenvolvidos.
Isto significa que o genoma será eficiente para organizar o convívio de
pequenos grupos, quase que reduzidos apenas ao convívio familiar, cuja
acumulação cultural seja parca. Neste caso, as condutas geneticamente pré-
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programadas de altruísmo, agressão, proibição do incesto, territorialidade,
acasalamento e outras afins são suficientes para regular a vida. Quando se
desenvolve um nível mais complexo de meio social e cultural, tornando os
agrupamentos humanos densos e diversificados, o cérebro assume a tarefa de
regulador do comportamento moral, a partir do programa cultural estabelecido
pela sociedade intergeracionalmente para regular os inevitáveis conflitos
decorrentes da convivência grupal. Entretanto, esta habilidade cerebral depende de
dois fatores: a) de um processo de socialização que tenha preparado o cérebro
para lidar com problemas em situações complexas e móveis; e b) do nível da
complexidade e diversidade social não chegar ao ponto da necessidade de mediar
normas cujas soluções propostas aos problemas sejam contraditórias. Ao atingir
este ponto é mobilizado o terceiro tipo de regulador, a consciência moral, que
permite a cada sujeito o diálogo consigo próprio e com os demais para tratar das
problemáticas. A consciência moral não traz soluções concretas, mas apresenta
mecanismos que permitem idealizá-las.
De toda forma, o uso dos reguladores não é mutuamente excludente, eles se
superpõem conforme a necessidade, cada qual regendo parte de nossas condutas.
No caso de haver demanda para a consciência moral as condutas pré-programadas
e as socializadas podem ser reinterpretadas, revisadas ou mesmo modificadas.
Nesta hierarquia a influência dos reguladores mais primitivos vai se diluindo com
o uso correto do regulador superior. Sintetizando, Puig afirma que a “consciência
moral não é incondicionada nem onipotente, mas que pretende gerar posições
morais que vão além das programações e dos processos de socialização” (PUIG,
1998, p.94).
Neste processo, a consciência adquire maior flexibilidade e autonomia
conforme ocupa um lugar superior na hierarquia dos reguladores, o que gera,
contudo, perda de segurança e firmeza. Os reguladores inferiores são estáticos e
seguros. a consciência está sujeita ao auto-engano e a criar expectativas pouco
adequadas, conduzindo a erros maiores.
A construção da consciência moral parte e se nutre da história social. Com
isso, fica evidente que o surgimento das modalidades tanto heteronômica como
autônoma da consciência se alicerça na inter-relação. É da relação que se origina
um espaço próprio de reflexão, ainda que sempre alimentada pelo contato social.
Revendo Piaget, Puig lembra que as relações de coerção originam uma
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consciência moral heteronômica, enquanto as relações de cooperação produzem
formas morais autônomas. Entretanto, na continuidade do estudo e avançando
além dessa compreensão, propõe, apoiado em Habermas e Mead, que a construção
da consciência moral depende fundamentalmente da mediação efetuada pela
linguagem. É mediante esta que logramos sair de nós mesmos e nos vermos da
perspectiva de outros. Num diálogo, por exemplo, antecipamos as respostas que
suscitamos nos outros, isto é, assumimos seu papel.
A formação da consciência moral estaria ligada, portanto, a dois efeitos da
socialização: levar o indivíduo a agir conforme se espera dele, e, levá-lo a
individualizar-se, construindo a si mesmo. Nas palavras de Puig (1998, p.99-100):
“o sujeito faz suas as diferentes e talvez contraditórias pautas sociais, mas se
obrigado a generalizar o que é esperado dele e a construir um centro interior, de
onde enfrenta as controvérsias e regula seu comportamento de acordo com critérios
gerais de valor. (...) a consciência moral autônoma não é a volta a um si mesmo
auto-reflexivo, mas supõe o reconhecimento da primazia da intersubjetividade
lingüística (...), [o que] supõe a adoção de todos os pontos de vista que podem ser
emitidos a propósito de um problema, sua consideração justa e também a adoção de
pautas normativas que levem em conta as necessidades e perspectivas de todos os
implicados.”
Esperamos ter esclarecido a posição de Puig (1998, p.178), para quem a
consciência moral não constitui “uma instância que se impõe de dentro de cada
um de nós, mas uma oficina onde se forja a deliberação moral”. Ela se configura
num instrumento de trabalho e, assim, é responsabilidade do sujeito direcionar os
trabalhos da consciência para elaborar os próprios ditames. No processo formador
da consciência moral intervêm elementos socioculturais preexistentes e também o
próprio sujeito de modo responsável, autônomo e criativo. O sucesso desse
desenvolvimento depende em larga medida do tipo e da quantidade de problemas
sociomorais que o sujeito é capaz de perceber nos meios de experiência em que se
encontra. A forma como interage com os desafios vai delineando suas
capacidades.
Esta é uma informação importante para a EA, que a questão ambiental é
amplamente privilegiada em termos de problemas sociomorais.
A educação moral, na visão de Puig, se propõe a ensinar o indivíduo a viver
em comunidade através da ajuda de outros humanos para elaborar estruturas de
personalidade que permitam a integração crítica do sujeito em seu meio
sociocultural. Neste sentido, a EA tem a aprender com a experiência angariada
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neste ramo do saber. Embora seja propalado este mesmo objetivo geral para a
Educação, abrangendo, portanto, também a própria educação ambiental, é certo
que na atualidade a educação formal pouco se debruça sobre esta questão de
maneira prática. É incomum encontrar instituições educativas que estejam
avaliando seu processo pedagógico no sentido de verificar o alcance deste
objetivo. Conseqüentemente, mais rara ainda será a existência de ajustes e
esforços deliberadamente concentrados nesta direção. Aparentemente, as
instituições absorveram tal objetivo enquanto algo que inerente e
espontaneamente se daria através de suas práticas cotidianas, não sendo necessário
um espaço e tempo próprios para refletir sobre ações específicas ou técnicas nesse
sentido. É como se a educação moral fosse compreendida enquanto processo
naturalmente intrínseco ao ato de educar.
Outro pesquisador, o brasileiro Ives de La Taille (2002) entende o
desenvolvimento moral enquanto algo que se ao longo de toda a vida,
abrangendo fatores intelectuais (juízo moral) e afetivos. A capacidade de
abstração (relativa ao juízo moral) está diretamente relacionada à capacidade de
escolha e responsabilidade. Entretanto, segundo o pesquisador, não basta saber o
correto para desejar fazê-lo. Influenciam diretamente nesse querer as emoções. Se
o desenvolvimento das emoções que afetam o agir moral for bem sucedido, a
moralidade se torna parte da identidade. Organizamos o quadro seguinte para
sintetizar as concepções de La Taille (2002) acerca do desenvolvimento da
moralidade. Na primeira coluna elencamos as emoções originais relativas ao
comportamento moral. Na segunda, as características/ comportamentos em que se
transformam da adolescência em diante, caso tenham sido bem estruturadas.
Quadro 1 – Desenvolvimento da moralidade (La Taille)
Inicialmente, na infância surge Posteriormente, na adolescência, se bem
desenvolvida, a emoção se torna
a obediência às regras em função do medo ou
do amor que se tenha a figuras de autoridade
culpa e/ou vergonha, independente de
autoridades, quando alguma violação moral é
cometida
a empatia ou capacidade de comover-se com os
sentimentos alheios
Generosidade
o auto-interesse ou julgamento acerca do
merecimento, direito pessoal
percepção do próprio direito e do de outrem
a confiança ou necessidade de acreditar que
boas regras e atrás delas boas pessoas
necessidade de ser merecedor de confiança,
fidelidade
Fonte: autora
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La Taille (2002) ressalta que se a criança sentir incoerência entre o que se
propõe a ela como agir moral e o que se faz, ela não desejará submeter-se a regras.
É provável que ela então se torne uma pessoa rebelde, indisciplinada, leniente ou
dissimulada.
Josep Puig (1998) considera a formação da personalidade moral dependente
de 1) meios e 2) recursos morais, cada qual contendo fatores que os estruturam, e
ambos somados resultando numa ação moral. No próximo diagrama, também
criado por nós, representamos esse processo, esquematizando as informações de
sua proposição. A seguir, detalhamos cada tópico ligeiramente a fim de
contextualizar o(a) leitor(a).
Ilustração 2: Formação da personalidade moral conforme Puig
Fonte: autora
Um mesmo ambiente pode apresentar distintas experiências de
problematização moral, que desencadeiam processos conscientes, voluntários e
autônomos de construção da personalidade moral a partir do uso dos recursos
morais (conforme ilustração 2).
Em termos de experiência de problematização moral trata-se da apreensão
imediata de um conflito, antecedendo o juízo reflexivo. “O importante para
compreender a experiência humana não é ver como é ‘objetivamente’ a situação
que a provoca, mas como é capaz de vivenciá-la cada sujeito” (PUIG, 1998,
p.165). As experiências ganham significado na medida em que nos sentimos
desafiados por um problema que nos leva a buscar uma nova solução. Formam-se
com isso as capacidades de reflexão e ação moral.
Meios sociais
experiências morais
problemas morais
+
Recursos morais procedimentos da consciência moral (capacidades psicomorais)
guias culturais de valor (elementos culturais)
Ação sociomoral
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O reconhecimento de um problema moral inicia o processo formativo que
visa resolver o conflito e transformar alguns elementos da personalidade. Ocorre
uma reelaboração dos critérios, valores e atitudes. Vivenciar o problema é
oportunidade para melhor compreendê-lo. No âmbito dos problemas ambientais,
os dilemas suscitam questões de alteridade e também de identidade. A tulo de
exemplo citemos a questão do consumo. Há critérios pessoais na escolha dos itens
que consumimos, mas inúmeros critérios de ordem social, que chegam a ser
sutilmente impostos a partir dos meios de comunicação e das relações sociais.
Questionar a natureza, a necessidade, os efeitos e o impacto socioambiental do
próprio consumo pode se configurar tema de um problema moral.
Há contextos diversos portadores de dificuldades valorativas (problemas
morais), alguns deles particularmente ricos em termos de influências sociais,
culturais e históricas. A interação dessas dificuldades e influências faculta a
formação moral da pessoa são os chamados meios de experiência moral, como
família, escola, trabalho, lazer, mídia. Também podem ser definidos assim: “(...)
um espaço constituído por uma cultura moral, que se expressa em elementos de
natureza muito variada, dentre os quais cabe destacar, por exemplo, os valores, as
normas ou as formas estabelecidas de inter-relação” (PUIG, 1998, p.154). Cabe,
porém, destacar que a influência do meio
“é uma condição da autonomia do sujeito. O meio de experiência moral exerce
influência sobre o sujeito, mas também se deixa transformar pelo sujeito. (...) A
autonomia é a construção de um projeto biográfico próprio a partir dos
condicionamentos socioculturais oferecidos pelos meios de experiência” (PUIG,
1998, p.153).
Os meios de experiência moral constituem-se de elementos como: metas,
possibilidades de comportamento, formas de relação e regulação, guias de valor e
dispositivos físicos. Para melhor visualização, a estrutura dos meios de
experiência moral pode ser descrita esquematicamente, como segue:
Esquema 1: Estrutura dos meios de experiência moral
Estrutura
Metas
possibilidades de comportamento – atividades, ações, operações
formas de relação e regulação – normas, papéis, inter-relações
guias de valor
dispositivos físicos
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Fonte: autora
Olhando um pouco mais detalhadamente para cada componente, temos:
Metas: funções, conhecidas ou desconhecidas que devem ser cumpridas
num determinado meio.
Possibilidades de comportamento: tipo de coisas que podem ou que devem
ser feitas num meio. A maneira como o sujeito organiza essas possibilidades
permite classificá-las em atividades, quando se trate de um projeto pautado por
uma meta típica do meio; em ações, quando se tratar de algum tipo de acordo
dentro do projeto por meio da palavra; em operações, quando se referir a hábitos.
Formas de regulação e relação: refere-se ao modo de organizar os
intercâmbios pessoais, podendo ser, por exemplo, normas (regras e padrões de
conduta), papéis (pautam formas de expressar valores e formas de viver, sendo,
por exemplo, atitudes, comportamentos e relações esperados de alguém que ocupa
determinada posição e esperada das outras pessoas em relação a esta) ou inter-
relações (laços de atenção, interesse, ação, carinho etc.).
Guias de valor: produtos culturais que ajudam os sujeitos a pensar,
comportar-se e construir-se moralmente.
Dispositivos: situações que organizam a vida no interior do meio (ex:
reuniões escolares, o surgimento da agricultura...).
Em termos de problemáticas sociomorais, é especialmente esclarecedor o
conceito de campos de problematização moral. Pretende designar no conjunto,
nas palavras de Puig, tipos homogêneos de problemáticas morais sobre as quais se
prioriza a moralização dos membros de uma sociedade e a aquisição de formas
concretas de organização da sobrevivência e da convivência coletiva (PUIG,
1998: p.170-171). Exemplos disso são questões como o uso da natureza, a
sexualidade, o tratamento diferenciado em função do gênero de uma pessoa,
dentre outras.
São estes campos que configuram nosso modo de vida e nossas opções, a
construção de formas de convivência. Apesar disso, é possível refletir, discutir e
projetar uma conduta moral nos campos de problematização. Em que pese a
recorrência temática, o conteúdo dos campos depende das circunstâncias
históricas da situação e do momento em que eles surgem.
Até aqui tratamos dos meios de experiência moral. Lembrando da fórmula
sintética segundo a qual meio de experiência moral + recursos para enfrentar a
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experiência moral = ação moral, nos resta abordar agora o fator seguinte –
recursos.
Constroem a identidade do sujeito os recursos para enfrentar a
experiência moral (PUIG, 1998), quais sejam:
a) os guias culturais de valor (normas, valores e idéias morais); e
b) as capacidades/ procedimentos da consciência moral, tais como juízo (elabora
critérios e princípios), compreensão (integra razão e sentimento) e auto-regulação.
Ao mesmo tempo, esta identidade fornece o conteúdo e direciona o
processo de ação sociomoral. Dentre os recursos destacam-se quatro
procedimentos marcantes no contexto da EA: a) autoconhecimento: fonte da
responsabilidade moral e da coerência pessoal; b) conhecimento dos outros
(empatia); c) disposições para a comunicação e o diálogo: chegando a acordos
justos, racionais e sem pressão dos mais fortes ou influentes; d) auto-regulação
(dela depende a coerência entre o juízo e a ação moral e também a própria
construção voluntária do caráter).
No âmbito dos recursos para enfrentar a experiência moral nos interessam
para a tese os guias culturais de valor, particularmente os próprios valores. Puig
lista cinco tipos de guias: as idéias morais, as tecnologias do eu, os modelos, as
pautas normativas e as instituições sociais.
As idéias morais são elementos simbólicos que descrevem a vida moral,
lhes dão sentido, avaliam-na, projetam-na e pautam sua transformação. Tais
conceitos tratam do “que é” a realidade, “o que deveria ser” ou de como saber “o
que deveria ser”. A forma de ver a realidade acaba sendo também a forma de
vivê-la. As máximas e os valores morais são dois tipos singulares de idéias
morais. As máximas ou provérbios/ ditados funcionam qual muleta ou lembrete
do que devemos e como devemos fazer. Os valores agem como critérios de
julgamento, dizendo como devem ser as coisas. Seu conteúdo torna-se
característica, signo ou regra que permite reconhecer a retidão dos atos,
instituições ou idéias humanas. Os valores oferecem certezas na determinação do
correto, assim como objetivos e motivação para a conduta humana” (PUIG, 1998,
p.200), embora nem por isso, como afirma o pesquisador catalão, permitam
resolver todos os conflitos.
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Os demais guias não serão detalhados aqui, por não serem o foco deste
trabalho. No entanto, mencionaremos exemplos de cada um para que o leitor
possa se contextualizar.
Tecnologias do eu: práticas de construção reflexiva de si mesmo,
voluntariamente realizadas pela pessoa, requerendo atenção e vontade, voltadas à
transformação pessoal, como: exame de consciência, diário, meditação, leitura,
oração, cuidado corporal, terapia psicológica, a auto-observação conductual, entre
outras.
Modelos: toda construção simbólica tencionada a exemplificar princípios ou
comportamentos éticos, como histórias, filmes, biografias públicas.
Pautas normativas: descrições claras de condutas que uma coletividade
oferece a si própria, transmitindo-a a todos os seus membros. Tais condutas
devem ser ou evitadas ou seguidas, estando seus receptores obrigados a isso. São
exemplos os costumes sociais, regras, normas, leis e acordos.
Instituições sociais: formas sociais que dirigem e garantem a atividade
humana e cujas finalidades justificam sua existência. Estabelecem “formas de se
conduzir nos campos do trabalho (empresa ou escola), da convivência (família ou
parlamento) e da realização pessoal (igreja ou centros de lazer)” (PUIG, 1998,
p.206). Agem como cristalizadoras de valores e princípios em formas sociais.
A natureza social dos guias culturais orienta a ação sociomoral de modo
inexato, apontando mais para “onde” se deve dirigir. Isto é, orientam, mas não
determinam a ação. Por serem produtos culturais configuram espaço privilegiado
das diferenças e semelhanças morais e permitem a compreensão mútua das
distintas posições culturais. Sobre eles uma incessante atividade de crítica e
transformação, tanto espontâneas como decorrentes de grandes e deliberados
esforços de melhoria.
Em síntese, podemos dizer que nos meios de experiência moral nos
deparamos com os problemas (desafios morais), cujo enfrentamento é feito a
partir dos recursos sociomorais.
A ação sociomoral é intencional, difere de hábitos e resulta da orquestração
entre os procedimentos da consciência moral, apoiados na combinação de guias
culturais de valor, ao enfrentar dilemas morais. Garante a convivência conforme
critérios de justiça e felicidade (auto-expressão), a partir do diálogo reflexivo.
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3.2.
Valores na educação ambiental
Vê-se que os valores em si fazem parte dos denominados guias culturais de
valor, funcionando qual ferramenta para a ação sociomoral, a exemplo do que
ocorre no espaço do trabalho. A superação da crise ambiental depende da
organização coletiva em torno de ações político-econômico-culturais que auxiliem
a enfrentar a raiz geradora dos problemas ambientais. Mas tanto esta organização
quanto a adesão às medidas propostas a partir de iniciativas coletivas depende do
nível de desenvolvimento da consciência moral que as pessoas tenham alcançado.
Entender como nascem os valores, partícula deste processo de desenvolvimento,
possibilitará ações educativas mais efetivas no trabalho dos educadores
ambientais.
Sendo a questão ambiental um campo de problematização moral
16
(Puig,
1998) bastante ativo em nossa época, importa saber de que maneira os valores
morais vêm sendo articulados no referido campo. Pudemos verificar, em pesquisa
realizada por ocasião do mestrado em Educação, que jornalistas ambientais e
professoras os empregam buscando construir uma sociedade sustentável, plena de
sujeitos participativos, que se respeitem entre si e aos demais seres da Terra,
valorizem a si próprios e a tudo que existe, buscando conviver da forma mais
harmoniosa possível (RIBEIRO, 2003). Evidentemente, outros atores sociais, não-
ambientalistas, organizarão sua conduta em torno dos conflitos e problemas
ambientais de maneiras condizentes com seus interesses e histórias. Em termos de
compreensão da moralidade deste contexto histórico trata-se de um rico campo de
estudos, aberto e à espera de investigação.
Tome-se em consideração que os campos de problematização oferecem
experiências morais, cujos dilemas são vividos e enfrentados pelos
procedimentos
17
da consciência moral, isto é, instrumentos psicológicos úteis
para analisar os problemas morais, planejar vias de otimização da realidade,
16
O campo de problematização moral também pode ser entendido enquanto conjunto de conteúdos
e problemas do âmbito da vida do sujeito que se articulam com os valores morais; espaços sociais
de reflexão e ação moral nos quais se produz certa quantidade de saber normativo ou guias de
valor que norteiam o comportamento.
17
Relembrando, são eles: Conhecimento (desdobrado em: autoconhecimento e conhecimento dos
outros); Pensamento (Juízo moral, Compreensão crítica, Disposições para a comunicação e o
diálogo); Sentimento (Capacidades emocionais e de sensibilidade); Atuação (Auto-regulação).
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avaliar as conseqüências de cada opção proposta, decidir da melhor forma
possível uma solução e, enfim, pô-la em prática (PUIG, 1998, p.173). Cabem,
então, as seguintes perguntas: a Educação Ambiental, que como educação se
propõe a ser formadora de valores, e, vivendo através da dimensão ambiental, o
faz utilizando o meio ambiente como campo de problematização moral, conhece a
natureza dos procedimentos da consciência moral? E dos guias culturais de valor?
Sabe trabalhá-los? Parece-nos tratar-se de uma implicação pedagógica, necessária,
do trabalho educativo ambiental.
A consciência moral é ferramenta de trabalho que não vem pronta. Requer
esforço aprender a utilizá-la. A questão ambiental exige posicionamento, o tempo
todo. Posicionar-se representa optar entre valores numa dada situação. Trata-se,
pois, de excelente oportunidade metodológica para a EA. O único consenso em
torno da metodologia da EA até o momento parece ser a resolução de problemas
(proposta em Tbilisi), através da interdisciplinaridade e do uso de projetos,
desenvolvidos a partir de temas geradores com todas as divergências que ainda
se encontram neste campo teórico, acerca da natureza e funcionamento da
interdisciplinaridade. Diversas atividades são apresentadas e utilizadas em práticas
de educação ambiental, geralmente de maneira assistemática, mas freqüentemente
com o título equivocado de “metodologia” por parte de educadores ambientais
pouco versados em Educação. De outra parte, existem tentativas de criar
metodologias específicas, embora sejam raras as discussões e intercâmbios nesta
área.
Compreender a formação da consciência moral e aprender a estimular o
desenvolvimento de seus recursos pode ser a base para a constituição de uma
metodologia mais consistente, que congregue as discussões, propostas e práticas
realizadas até o momento.
Nossa contribuição nesse sentido é o estudo dos valores que movem
educadores ambientais. É possível que a melhor compreensão deste tema viabilize
experiências formadoras de novos educadores ambientais mais efetivas e
contundentes. Trata-se da recapitulação de nossa própria história, de nossas
biografias, a fim de reescrever nossa forma de trabalho. De abrir novas
possibilidades criadoras. De nos relendo, reler a sociedade, e a própria prática
nossa de educadores. A grande tendência com a institucionalização de um novo
saber (o ambiental) em busca de atender novas demandas (superação
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paradigmática) é a acomodação em estruturas existentes (como a universidade),
com seus modos de proceder já estabelecidos e pouco móveis. Assim, se os
primeiros educadores ambientais tiveram de se fazer, a partir do desafio histórico-
cultural posto (meio de experiência moral), por meio de si próprios e das relações
que mantinham, sobretudo pelo autodidatismo e pelo engajamento prático
ambientalista, os novos educadores ambientais ou candidatos a isso contam agora
com um acervo bibliográfico razoável (produzido pelos primeiros), alguns cursos
de pós-graduação, diversos projetos de extensão, de ONGs ou de órgãos
governamentais em que se mirar, participar, com os quais debater. Contudo, a
formação ofertada pelas pós-graduações nada tem de interdisciplinar, pouquíssimo
de pedagogia de projetos e menos ainda de resolução de problemas. Então, como
formar valores para sociedades sustentáveis se nem ao menos discutimos e
criamos condições para a identificação e revisão dos valores daqueles que se
propõem a educar ambientalmente? Parece-nos que sem experiências práticas, em
si didáticas, como foram as formações dos pioneiros educadores ambientais, esta
formação torna-se empobrecida, pouco problematizadora e desafiadora de
reflexões. Por demais teórica e fragmentada para organizar ações de fato rumo à
sustentabilidade. Os dilemas concretos da vida exigem conjugação de esforços
mentais, emocionais, sociais, econômicos e culturais, resultando em aprendizado.
Por que não aproveitá-los para a reflexão formadora de valores?
Decisões serão tomadas ainda que desconheçamos ou ignoremos qual foi o
valor motivador na ocasião, lembrando que valores funcionam ao modo de
critérios. Mas, se sequer formos capazes de identificar nossos valores, como
qualificar nossa atuação educadora de maneira satisfatória? Preconizar valores é
ineficiente para ensiná-los. Pesquisas nessa área (a exemplo de COLES, 1998; e
de GARDNER, 1999) apontam para a necessidade de exemplificá-los, colocar as
situações dilemáticas em debate.
É importante lembrar que não são os valores almejados ou considerados
adequados que realmente mobilizam o indivíduo, pois geralmente certa
distância entre valores reais (já adquiridos e consolidados pela experiência) e
valores idealizados (aqueles que o sujeito admira, deseja possuir, mas ainda não
desenvolveu). Freqüentemente, práticas escolares e mesmo dos movimentos
sociais pretendem difundir valores pelo discurso, pela busca de convencimento
ideológico. E nesse sentido, pouco proveito se obtém, justamente porque os
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valores ideais, não sendo reais, não mobilizam o comportamento no sentido
esperado. Além disso, reconhecer um valor real, um valor em transição (pelo qual
estamos nos esforçando) ou um valor ideal, ainda não quer dizer identificá-lo em
ação, que todo sujeito constrói uma escala hierárquica de seus valores. Qual o
valor que está operando naquela determinada situação? Um complicador a mais é
o fato de que essa escala de priorização pode ser alterada, conforme o que está em
jogo no momento ou também de acordo com os feedbacks fornecidos pelas
renovadoras e constantes experiências do viver (VICENZI, 1999).
Sabendo de toda esta complexidade parece-nos necessário, voltamos a dizer,
que os educadores ambientais convertam em tema de estudo os processos que
desenvolvem o juízo moral. Os valores constituem pequena peça deste jogo, peça
que pretendemos aqui auxiliar a elucidar. Contribuir para criar uma sociedade
ambientalmente saudável (tal como almejado pela EA) implica, pela lógica que
viemos construindo até aqui, fomentar valores que permitam/favoreçam uma
interação sadia do indivíduo consigo mesmo, dele com os outros humanos e
destes com os demais seres vivos. Daí a necessidade de melhor compreender o
tema.
Anteriormente, realizamos pequena incursão no campo deste estudo. É
possível, perguntamos, verificar a existência de valores em comum ao examinar
indivíduos originários de níveis sócio-culturais, profissões e atuações diferentes,
mas cuja relação com o ambiente tenha em comum o fato de ser engajada e ativa?
De acordo com nossa pesquisa de mestrado há indicativos positivos. Pudemos
constatar que jornalistas ambientais e professoras atuando na perspectiva da
Educação Ambiental têm por valores em comum a solidariedade e a
responsabilidade. Outros valores foram identificados, coincidentes no circuito
intragrupal (isto é, apenas entre ecojornalistas e somente entre professoras) e,
claro, também ocorreram valores exclusivamente individuais. O que importa
ressaltar é que estes valores são em boa parte responsáveis pelos posicionamentos,
opções e conduta destes profissionais. Observamos que as circunstâncias de vida e
as experiências vividas pelos sujeitos estudados foram significativas para
constituir, reforçar ou renovar seus valores. Na investigação realizada os fatores
família, universidade, trabalho e convivências da infância em si mostraram-se
importantes meios de experiência moral para problematizar a questão do meio
ambiente. Nestes meios desenrolaram-se experiências morais relevantes para estas
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pessoas, resultando valores que coincidentemente a Educação Ambiental prioriza.
Esta experiência inspirou-nos na escolha da técnica de investigação eleita para
esta pesquisa, ou seja, a análise de trajetórias de vida.
Pareceu-nos que além destes meios de experiência moral, significativa deve
ser a interação que neles se desenvolveu, as experiências morais e as conversas
ocorridas sobre estas experiências diálogos e questionamentos entre amigos e
familiares e também os embates internos, fruto da reflexão pessoal. Que tipo de
oportunidades houve neste sentido nas biografias estudadas? O que fez a
diferença: a reflexão sobre as experiências? As próprias? Os meios onde elas se
desenrolaram? A influência dos companheiros?
“(...) os estudos que se referem aos ambientes de formação ou ao que temos
chamado meios de experiência moral são escassos. Ainda não temos uma visão
suficientemente clara quanto ao papel que desempenha o meio na construção da
personalidade moral. Também não temos muito claras as idéias sobre a natureza e
as qualidades dos diversos meios de experiência moral” (PUIG, 1998).
De modo que este é um campo merecedor de maiores estudos. Mais ainda se
considerarmos, como o faz Carvalho (2002, p.37), a constituição do campo
ambiental necessariamente marcada pela disputa pelo “poder simbólico de nomear
e atribuir sentido ao que seria a conduta humana desejável e um meio ambiente
ideal.”
Com esta introdução acerca a) da consciência moral, e, em seu bojo, dos
valores, e b) da relação entre a filosofia da EA e a natureza da questão ambiental,
pensamos ter apontado para a localização nuclear dos valores no âmbito da
Educação Ambiental.
Veiga-Neto, apud Tozoni-Reis (2004, p.10, grifos nossos) “destaca as
relações entre conhecimento técnico-científico, as propostas educacionais e as
decisões morais sobre o ambiente como ponto de partida para a reflexão sobre a
Educação Ambiental.”
Ou como também já afirmado por Carvalho (2002, p.18) “o ambiental tem-
se apresentado como uma questão catalisadora de um importante espaço
argumentativo acerca dos valores éticos, políticos e existenciais que regulam a
vida individual e coletiva.”
Tratando-se, então, de valores e uma vez que se torna pouco exeqüível
ensinar valores sem praticá-los, pretendemos com esta pesquisa compreender que
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valores aproximaram (e mantiveram próximos) professores universitários da
Educação Ambiental. E que meios e experiências morais teriam produzido tais
valores. De tal sorte que possamos refletir acerca de processos formadores da
sensibilidade ambiental aproveitando o que foi encontrado nas trajetórias de vida
analisadas.
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4
Sobre a natureza dos valores
4.1.
Ética e moral
Moral e ética são conceitos geralmente empregados como sinônimos,
ambos referindo-se a regras e condutas entendidas como obrigatórias. A existência
de duas palavras deve-se ao fato de as termos importado de origens etimológicas
distintas: ética veio do grego ethos, significando comportamento, modo de ser;
moral tem origem no latim, morales, e refere-se a conduta e aos costumes.
Entretanto, convencionou-se diferenciar ética de moral, atribuindo à moral
um caráter mais prático e rígido. Por outro lado, à ética caberia estudar a aplicação
das normas. Ou seja, configura-se moral como aquilo pertencente às regras,
estabelecido em forma de leis ou incorporado como costumes na sociedade
através da história e cultura, ao passo que a ética constituiria a forma pela qual nos
relacionamos com essas regras a partir dos vínculos estabelecidos com a
sociedade em geral. Assim, a moral estaria posta. A ética, pensada e filosofada.
Para Silvano
18
(2008)
“Moral é um conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em
sociedade, e estas normas são adquiridas pela educação, pela tradição e pelo
cotidiano. Durkheim explicava Moral como a “ciência dos costumes”, sendo algo
anterior a própria sociedade. A Moral tem caráter obrigatório. a palavra Ética,
Motta (1984) define como um “conjunto de valores que orientam o comportamento
do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo,
outrossim, o bem-estar social”, ou seja, Ética é a forma que o homem deve se
comportar no seu meio social.”
Para sintetizar, recorremos a Vásquez
19
(1998), para quem a Ética é teórica e
reflexiva, enquanto a Moral é eminentemente prática. Uma completaria a outra,
18
SILVANO, Thiago Firmino: http://www.coladaweb.com/filosofia/moral.htm
19
VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 18. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
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interrelacionando-se. A Moral não é somente ato individual, é também um
empreendimento social. Vasquez (1998) cita Moral como um
“sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as
relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira
que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livres e
conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica,
externa ou impessoal”.
O Dicionário Aurélio vem confirmar o dito anteriormente. Em sua definição
ética é "o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana
susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente
à determinada sociedade, seja de modo absoluto”.
Também para La Taille (2007)
20
existe diferença e complementaridade
quando tratamos de moral e ética. Em entrevista concedida ao Jornal ExtraClasse,
o psicólogo responde:
“EXTRA CLASSE – O que é moral e o que é ética?
YVES DE LA TAILLE A definição habitual de moral e ética refere-se à questão
dos princípios e regras de conduta. Moral diz respeito aos deveres; ela regra os
princípios inspirados pelos ideais de dignidade, de justiça e de generosidade. São as
respostas à pergunta existencial que todos nós nos fazemos: “Como devemos
agir?”. Ética é outra coisa; remete à dimensão da vida boa, da felicidade, a aspectos
existenciais da vida. É a diferenciação que eu tenho trabalhado. A pergunta da ética
é “Que vida eu quero viver?”. Somente merece o nome de ética um projeto de vida
que inclua a dimensão moral; portanto, o respeito pela dignidade alheia e pela
justiça”
21
.
Há quem
22
diferencie ética e moral das seguintes maneiras:
“1. Ética é princípio, moral são aspectos de condutas específicas;
2. Ética é permanente, moral é temporal;
3. Ética é universal, moral é cultural;
4. Ética é regra, moral é conduta da regra;
5. Ética é teoria, moral é prática.”
20
Entrevista concedida ao Jornal Extra Classe - Porto Alegre www.sinprors.org.br março de
2007.
21
http://www.contee.org.br/docente/materia_6.htm
22
http://www.mundodosfilosofos.com.br/vanderlei18.htm
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80
Campos et al.(2002) considera que o início da ética no Ocidente inicia-se
com Sócrates, para quem o corpo seria a prisão da alma, e desta forma, seria
preciso superar e dominar as paixões e desejos do corpo a fim de viabilizar o
acesso ao conhecimento da alma, morada do “bom em si”, isto é, de uma ética
apriorista.
Aristóteles subordinava a ética à política, na forma da ordem vigente.
Para ele, na prática ética somos o que fazemos, visando a uma finalidade boa ou
virtuosa. Assim, agente, ação e finalidade do agir seriam inseparáveis.
Separando a reflexão moral da especulação teorética, Aristóteles traz à
filosofia da moral um estatuto próprio. No pensamento filosófico antigo, os seres
humanos aspiram ao bem e à felicidade, o que poderia ser alcançado com uma
conduta virtuosa. Para ser ético seria preciso estar com contato com a própria
essência, visando à perfeição. Esta ética essencialista possuía três aspectos: a) agir
em conformidade com a razão; b) agir conforme a natureza e caráter natural de
cada pessoa; c) união permanente entre ética (conduta do indivíduo) e política
(valores da sociedade). Com o cristianismo, nega-se a virtude a partir da relação
com a cidade ou com os outros. A referência é o relacionamento com Deus, o
único mediador entre os indivíduos. O auxílio para a melhor conduta é a lei
divina, surgindo a idéia de dever.
Com a Modernidade uma nova visão de ética emerge, segundo a qual os
seres humanos devem sempre ser tratados enquanto fim da ação e jamais como
meio para alcançar seus interesses. Novamente, porém por motivos diferentes,
para sermos morais seria preciso dominar apetites e paixões, pois a natureza nos
induziria ao mal e ao egoísmo. Hegel, no século XIX, complementa esta
abordagem, propondo que a vontade subjetiva deva ser submetida à vontade
social. O encontro de ambas determinaria a vida ética. Na atualidade, ambas as
visões se fundiram. Nem o ser humano é totalmente livre, nem totalmente
determinado pelas leis da natureza.
Se a ética é o estudo do julgamento de bem e de mal, ou seja, do que vale
mais ou vale menos para que a vida mereça ser vivida, o estudo dos valores se
situa neste campo. A questão ambiental se constituiu como questão ética, muito
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mais do que ecológica, desde o princípio. E também nesse sentido ouvimos La
Taille na continuidade de sua entrevista
23
.
“EC Com relação ao meio ambiente, o superpovoamento, as cidades cada vez
menos habitáveis, as tragédias urbanas, como o senhor o futuro da humanidade
dentro de uma perspectiva moral e ética?
YVES Essa é uma questão ética, e não moral. Está essencialmente ligada ao
futuro no planeta Terra, às perspectivas da humanidade, à relação entre as diversas
gerações. Claro que é uma questão moral de respeitar a vida e as futuras gerações,
mas as ões são dificilmente regradas pela moral. Qual é a regra? Então eu não
compro mais carro. Eu não ando mais de avião que polui mais ainda, não uso mais
aerossol. É difícil você regrar isso. Mas você pode regrar de outra forma: não mato,
não minto, ajudo o próximo. A questão da poluição do planeta pode ser colocada
em figuras jurídicas, que dizem respeito às empresas. Cada empresa deverá instalar
seus equipamentos para reduzir a emissão de poluentes, mas não é uma decisão
individual. Do ponto de vista ético, é um belíssimo tema. Para que o planeta não vá
de mal a pior, é preciso mudar o estilo de vida, e não apenas deixar de fazer meia
dúzia de coisas. É o estilo de vida que tem de mudar. Os valores devem mudar. É o
valor do consumo. E esses valores não são morais, são éticos: devem dar conta de
questões como “Que vida eu quero viver?”, “O que é ser feliz?”. É ter um carro,
um microondas, um celular? Acho que a questão do meio ambiente, do planeta, que
pelo jeito ninguém descobre, em relação ao clima, essa hipótese de que a Terra está
esquentando foi feita em 1967, antes de o homem ir à lua. Mas ela foi concertada
durante muito tempo, por lobbys, que estavam interessados em aumentar, e não em
reduzir os poluentes. Agora uma unanimidade em relação ao superaquecimento
da Terra. Surge uma outra questão: esse planeta não agüenta. Se todos quiserem
viver com o padrão de vida dos Estados Unidos, será necessário meia dúzia de
planetas Terra. Essa é uma questão radicalmente nova, e as questões novas são
interessantes, porque dificultam as velhas idéias, que devem ser reinterpretadas,
repensadas.”
Entretanto, por buscarmos compreender como a pessoa constrói
biograficamente essa capacidade de julgar o bem e o mal para si e como essa
capacidade opera com os valores no cotidiano, também temos de fazer incursões
no campo da moral. Como diz La Taille
24
, e com ele concordamos,
psicologicamente essas duas dimensões (moral e ética) se complementam, ou seja,
alguém vai realmente tornar-se um ser moral se isso fizer sentido existencial
para o indivíduo. Ou dito de outra maneira, “somente respeita outrem (moral) a
pessoa que interpreta este ato como auto-respeito, portanto, como elemento
essencial de uma vida que vale a pena ser vivida (ética).”
O estudo dos valores vem sendo tema de reflexão desde a Antigüidade.
para ficar nos filósofos mais conhecidos podemos mencionar Sócrates, Platão e
23
(http://www.contee.org.br/docente/materia_6.htm)
24
(http://www.ip.usp.br/docentes/ytaille/index.htm)
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Confúcio. Entretanto, a ocorrência de estudos sistemáticos sobre a natureza, os
tipos, ou as origens dos valores é algo recente. Na Filosofia, de acordo com
Mondin (2005), foi o último grande problema a surgir e deu origem a um novo
campo, a Axiologia.
4.2.
Aspectos históricos do estudo dos valores
Os valores vêm sendo estudados pela Filosofia longo tempo, mas outras
áreas também se interessaram por eles posteriormente, como a Sociologia, a
Antropologia e mais recentemente a Biologia (sociobiologia) e a Psicologia
Social. Procuraremos nos ater às abordagens da filosofia e da psicologia social
neste trabalho. Vejamos, então, um breve resumo de ambas as abordagens.
4.2.1.
Na filosofia
Uma dificuldade da Axiologia, ou teoria dos valores, é a falta de acordo
entre suas diversas escolas, não havendo ainda a proposição de uma síntese.
Decorre daí outra dificuldade: uma conceituação única de valor requereria
abranger todos eles, convergindo e sendo conveniente às várias categorias nas
quais se dispersam, como: a honra, o dinheiro, o belo, o dever, o direito etc.
A discussão sobre o que seria “intrinsecamente bom”, e, portanto, de valor,
gerou respostas variadas, conforme a perspectiva adotada. Por exemplo, para os
hedonistas seria o prazer, para os humanistas a auto-realização harmônica, para os
cristãos, o amor a Deus, e assim por diante. Isto quer dizer que a classificação dos
valores dependerá do critério adotado de bem.
Apesar dessas considerações, a Axiologia aborda o estudo dos valores de
modo ampliado, expandindo seu significado e articulando questões econômicas,
éticas, estéticas e lógicas, tradicionalmente consideradas em separado conforme
aponta a Enciclopédia de Filosofia (2008). Recuperando em breves linhas a
composição deste campo de estudos, temos que:
“Originalmente, o termo valor referia-se principalmente ao valor de troca, como na
obra do economista inglês do século XVIII Adam Smith. Durante o século XIX, o
termo passou a ser empregado em outras áreas do conhecimento, sob a influência
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de diversos pensadores e escolas: os neokantianos Rudolf Lotze e Albrecht Ritschl;
Friedrich Nietzsche, autor de uma teoria sobre a transposição dos valores; e Eduard
von Hartmann, filósofo do inconsciente que usou pela primeira vez o termo
axiologia no título de uma obra, Grundriss der Axiologie (1909; Esboços de
Axiologia). Hugo Münsterberg, considerado o fundador da psicologia aplicada, e
Wilbur Urban, autor de Valuation, Its Nature and Laws (1909; A valoração, sua
natureza e suas leis) divulgaram as novas concepções nos Estados Unidos, onde o
livro General Theory of Value (1926; Teoria geral do valor), de Ralph Perry, foi
considerado a obra máxima sobre a nova disciplina. Perry definiu valor,
inicialmente, como "qualquer objeto, de qualquer interesse", e logo explorou os
oito domínios do valor: moralidade, religião, arte, ciência, economia, política, lei e
costumes. Alguns autores distinguem valor instrumental de valor intrínseco, ou
seja, o que é bom como meio e o que é bom como fim. John Dewey, em Human
Nature and Conduct (1922; A natureza e a conduta humanas) e Theory of
Valuation (1939; Teoria da valoração) tentou, sob um enfoque pragmático, acabar
com a distinção entre meios e fins. Seu propósito, na verdade, era afirmar que
existem, na vida das pessoas, coisas como saúde, saber e virtude que são boas em
ambos os sentidos. Outros autores, no caminho inverso, multiplicaram as
categorias de valor e opuseram, por exemplo, o valor instrumental (ser bom para
alguma finalidade) ao valor técnico (ser bom para fazer alguma coisa) e o valor
contribuinte (ser bom como parte de um todo) ao valor final (ser bom como um
todo). (...) Enquanto as ciências descritivas como a sociologia, a psicologia e a
antropologia procuram determinar com critérios práticos o que é dotado de valor e
as qualidades do que é valorizado, a filosofia permanece dedicada à tarefa de
questionar a validade objetiva daqueles critérios.” (Enciclopédia de Filosofia,
disponível em: http://br.geocities.com/sidereusnunciusdasilva/index.htm)
Mondin (2005) também resgata, com um pouco mais de detalhe, a história
dos estudos axiológicos, a qual procuraremos trazer nos parágrafos restantes desta
seção
25
, de acordo com a visão deste autor. Para ele, é Nietzsche o pai da
Axiologia, ainda que tenha sido Lotze o propositor. Isto porque Nietzsche, com
sua crítica, buscou derrubar todos os valores absolutos da Lógica (Verdade), da
Moral (Virtude), da Metafísica (Ser) e da Religião (Deus), apontando para sua
decadência e alienação. Em seu lugar propôs o dinamismo do valor da Vida, uma
vida que aceita a si em todas as suas expressões.
Lotze defendeu o estudo de três campos do saber: os fatos, as leis universais
e os valores, sendo que estes se refeririam aos fins, enquanto os dois primeiros aos
meios. Os meios poderiam ser estudados pela razão analiticamente e
25
Lamentavelmente não foi possível inserir as datas das referências apresentadas
por Mondin, já que ele mesmo não as cita nem apresenta bibliografia destas em seu
livro. Talvez por destinar este livro a um público não necessariamente acadêmico e
por ser autor de diversos outros livros, além de livre docente e diretor da Faculdade
de Filosofia da Pontifícia Universidade Urbaniana, em Roma.
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mecanicisticamente. Os valores, contudo, somente seriam apreendidos através dos
sentimentos e de uma perspectiva espiritualista. A ele seguiram autores como
Rickert, Eucken e Hartmann.
Hartmann entende que os valores não se fundamentam nem em Deus (que,
em sendo o ser humano livre, não existiria), nem nas pessoas, mas em si mesmos,
de modo semelhante ao mundo das idéias, de Platão. Assim, o valor existe
independentemente de ser reconhecido, o que nesta lógica leva à conclusão de que
não são os valores que variam, mas a percepção deles.
Opuseram-se a Hartmann alguns filósofos alemães, como Ehrenfelds, para
quem os valores seriam simples estados subjetivos (desejo e desiderabilidade). Ou
melhor, uma relação entre um objeto e um sujeito desejante. Max Scheler (1874-
1928) refuta categoricamente a proposição de que os valores sejam meros estados
subjetivos. Recebeu grande influência de Husserl e do método fenomenológico.
Sua análise afasta as teorias do nominalismo, psicologismo, pragmatismo,
formalismo kantiano, idealismo neokantiano, positivismo e outras tendências do
século XIX. Para ele, os valores são objetivos e dispostos em uma ordem eterna e
hierárquica. Para Perry, na mesma linha de Ehrenfelds, algo tem valor porque é
desejado. Já para objetivistas como Hartmann, ocorre o oposto: algo é desejado
justamente porque tem valor. Em ambos os casos, se atribui uma propriedade
cognitiva aos juízos de valor, havendo divergência em relação à inerência do valor
nos objetos. Os não-cognitivistas afirmam que os juízos de valor têm uma função
emocional, em vez de cognitiva. Já aos existencialistas parece não haver qualquer
relação lógica ou ontológica entre fato e valor, pois que o último seria tão somente
um resultado de escolhas individuais.
Além da Alemanha, a Axiologia também despertou interesse
sucessivamente na Itália (com Stefanini e Prini), na França (com Lavelle e Le
Senne), na Espanha (com Ortega e Gasset), Argentina (Derisi), Inglaterra
(Moore), EUA (Dewey) etc.
Lavelle considera que valor e bem não se identificam, pois sua relação é
análoga a da existência com o ser. O ser, para ele, é ato, fonte de toda
determinação e valor.
“Como a existência é o ser enquanto se encarna e se torna concreto, assim o valor é
o bem, enquanto referido a um objeto que usamos, a uma vontade que se esforça
por captá-lo. Como a existência é o ser, enquanto recebe uma forma interior e
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individual, assim o valor é o bem, que implica uma atividade que tende a realizá-lo.
(...) Portanto, o valor não é uma propriedade estática, mas fortemente dinâmica que
provoca o sujeito e o arrasta à ação. O erro mais grave é pensar que o valor seja um
objeto que se contempla, enquanto, ao contrário, ele é sempre uma ação que se
deve fazer, uma prática que se deve seguir” (MONDIN, 2005, p.183).
Os filósofos neotomistas
26
defendem a objetividade dos valores, excluindo
tanto a interpretação psicologista que os reduz a sentimentos pessoais, quanto a
ultra-realista que faz dos valores realidades em si, semelhantes às idéias
platônicas. Sua objetividade reside em ser fundada no ser, mas não enquanto
propriedade transcendental do ser, distinta do bem. Para eles, o valor somente se
revela no ato em que é efetivamente amado, desejado.
4.2.2.
Na psicologia social
Poderia ser interessante percorrer historicamente as tendências da Psicologia
Social enquanto ciência, para localizar o leitor. Entretanto, consideramos esta
tarefa por demais extensa para a missão que cumpriria, ao ser apenas um detalhe
contextual. Assim, ativemo-nos aqui à forma como os valores vêm sendo
abordados nesta área de pesquisa.
Entretanto, importa pontuar que o estudo de valores tem recebido diversas
influências na Psicologia Social, sobretudo do Positivismo e da Fenomenologia,
acrescentando-se posteriormente o Cognitivismo, de Varela. Silva (2008, p.40)
recapitula algumas definições de valores:
“Segundo Rodrigues (1975, p. 404):
Valores são categorias gerais dotadas também de componentes cognitivo, afetivos
e predisponentes de comportamento, diferindo das atitudes por sua generalidade.
Uns poucos valores podem encerrar uma infinidade de atitudes. O valor religião,
por exemplo, envolve atitudes em direção a Deus, à Igreja, a recomendações
específicas da religião, à conduta dos encarregados das coisas da Igreja, etc. etc.
Rokeach (1967) propõe que o estudos dos valores recebam maior ênfase em
psicologia social, de vez que, por sua generalidade e número reduzido, fornecem ao
psicólogo maiores facilidades de estudo que as atitudes, que são inúmeras e por
demais específicas.[...] A característica de generalidade dos valores e de
especificidade das atitudes faz com que uma mesma atitude possa derivar de dois
valores distintos. Assim, por exemplo, uma pessoa pode ter uma atitude favorável a
26
Maritain, Rintelen, De Finance, Derisi e outros.
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dar esmola a um pobre por valorizar a caridade, e outra por valorizar o desejo de
mostrar-se potentado e superior.”
Apesar de ambos (valor e atitude) possuírem componentes cognitivos,
afetivos e comportamentais, a atitude é mais específica do que um valor e pode ser
uma derivação de um ou mais valores. Na continuidade ela aborda a definição de
Krüger,
para quem
o tema “valores” é um dos mais significativos
da atualidade
:
“Alguns filósofos, notadamente os que se localizam no terreno da Axiologia,
avocam a si a análise dos valores, sendo o estatuto ontológico destes considerado o
primeiro e o mais importante dos problemas. Que são valores? Seriam entidades
exteriores à nossa consciência ou teriam sido gerados por nós mesmos? A verdade
é que os valores não se rendem facilmente ao escrutínio dos filósofos; [...].
Contudo, ao menos num momento, a interpretação filosófica encontra-se de acordo
com a de psicólogos: os valores pressupõem uma orientação preferencial,
afetivamente positiva em relação a um conjunto de objetos, pessoas, situações,
condutas e estados finais. Valores são o Belo, a Verdade, o Bem, a Virtude e a
Justiça. Não os seus opostos (KRÜGER, 1986, p. 38). [...]
[...] São os valores que nos orientam e fornecem parâmetros para o julgamento,
avaliação e adoção de condutas, doutrinas, crenças, ideologias e culturas. Esta é a
razão pela qual o tema dos valores desfruta de uma particular atenção junto aos
psicólogos. Uma das alternativas psicológicas disponíveis para o entendimento dos
valores é a que se alicerça no Cognitivismo. Sob esse prisma, os valores são
dotados de uma estrutura atitudinal, mas com a característica, que já assinalamos,
de não se aplicarem a objetos particularizados. A rigor, sob esse ângulo de
apreciação, as atitudes denotam valores, pois, manifestando-se em relação a objetos
mais claramente delineados, extraídos (ao menos logicamente) do campo de
aplicação do valor correspondente, ensejam ilações quanto àqueles. Convém
ilustrar: a reprovação ou condenação da má qualidade do ensino oferecido a
pessoas de poder aquisitivo mais limitado, eventualmente manifestada por alguém,
permite a conclusão de que, provavelmente, nessa pessoa deve haver uma
inclinação favorável à justiça social ou, o que talvez seja mais pertinente afirmar, à
crença na igualdade de oportunidades a todos. A atitude, como se está a perceber, é
congruente com o valor. Quer dizer, neste caso tem-se acesso à atitude, mas, a
partir dela, pode-se chegar, pela inferência, ao valor (KRÜGER, 1986, p. 39).
Citando Rokeach, Krüger mostra que o teórico define valor de outro modo:
[...] interpreta-os como crenças duradouras a respeito de condutas e estados finais
da existência classificados como desejáveis (KRÜGER, 1986, p. 39).
Krüger complementa:
Em seus estudos, Rokeach (1981, cap. 7) preservou a diferença entre valores
instrumentais (que se referem a formas de ação admitidas como desejáveis) e
valores terminais, concernentes a estados futuros imaginados como preferíveis a
utros. Um mundo de paz, por exemplo (KRÜGER, 1986, p. 40; grifos do autor).”
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Finalmente, Silva (2008) tratando de valores e necessidades, mostra que
muitos pesquisadores os tratam como sinônimos: Maslow (1959), Murray (1938),
White (1951), French e Kahn (1962), todos citados por Rokeach (1973, p. 19).
Entretanto, Rokeach (1973, p.20) os diferencia com o exemplo de um rato: ele
tem necessidades, porém não se pode afirmar ter valores. Para ele, valores são
representações e transformações cognitivas das necessidades e o homem é o único
capaz de fazer tal representação e transformação.
Embora tenha início no século XX (Thomas; Znaniecki, 1918), o tema dos
valores humanos em Psicologia Social vem se constituindo objeto de pesquisa
científica de modo mais concreto nos últimos 30 anos. Segundo Gouveia (2001, p.
133-134), a publicação do livro The nature of human values, de Milton Rokeach,
em 1973, assentou quatro grandes realizações:
“(1) propôs uma abordagem que reuniu aspirações de diversas áreas, como a
Antropologia, a Filosofia, a Sociologia e, por suposto, a Psicologia; (2) diferenciou
os valores de outros construtos com os quais costumavam ser relacionados, como
as atitudes, os interesses e os traços de personalidade; (3) apresentou um
instrumento que, pela primeira vez, tratava de medir os valores como um construto
legítimo e específico; e (4) demonstrou sua centralidade no sistema cognitivo das
pessoas, reunindo dados sobre seus antecedentes e conseqüentes.”
Ainda seguindo o raciocínio de Silva (2008), observa-se que Rokeach
(1973) formulou sua definição baseado em cinco suposições:
“a) o número total de valores que uma pessoa possui é relativamente pequeno; b)
todos os seres humanos possuem os mesmos valores em diferente graduação; c) os
valores são organizados em sistemas de valores; d) os antecedentes dos valores
humanos podem ser rastreados através da cultura, sociedade e suas instituições e
personalidade; e) as conseqüências dos valores humanos se manifestarão em,
virtualmente, todo fenômeno que os cientistas sociais possam considerar digno de
investigação e compreensão.”
Para ele, segundo Silva (2008), essas suposições representam razões para
sustentar que o conceito de valor, mais que qualquer outro, possa ocupar uma
posição central para todo o campo das ciências sociais sociologia, antropologia,
psicologia, psiquiatria, ciências políticas, educação, economia, e história. Sua
definição de valor, então, é:
“um valor é uma crença persistente em um modo de conduta específica ou um
‘estado final’ (ou meta final) de existência, sendo estes, pessoalmente ou
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socialmente, preferíveis a outros modos opostos (ou inversos) de conduta ou estado
final de existência. Um sistema de valores é uma organização de crenças
persistente (ou resistente) que diz respeito a modos preferíveis de conduta ou
estados finais de existência através de um ‘continuum de considerável
importância” (ROKEACH, 1973, p. 5).
Rokeach (1973) detalha cada parte da definição. Nas palavras de Silva
(2008, p.45-47, destaques nossos):
“a) O valor é persistente ou resistente: ele considera que se os valores fossem
completamente estáveis e firmes, mudanças individuais e sociais seriam
impossíveis. Por outro lado, se fossem instáveis, a continuidade da personalidade e
da sociedade estaria em risco. Qualquer definição de valor, para ser frutífera,
precisa levar em conta a característica de persistência (ou resistência) dos valores
assim como a de possibilidade de mudança. Ele propõe que o motivo desse
paradoxo está relacionado a aprender-se valores separadamente. Apresenta uma
analogia, dizendo que pensa-se, fala-se e tenta-se ensinar aos outros os valores
pessoais, como se fossem absolutos, relacionados a algum momento específico
pelo qual vive-se, esquecendo-se dos outros. Porém, para compreender-se o
comportamento de uma pessoa em uma determinada situação é preciso considerar
que há um conjunto de valores ativos e concorrentes no direcionamento deste;
b) O valor é uma crença: ele considera que existam três tipos de crenças:
- crenças descritivas ou existenciais que podem ser falsas ou verdadeiras;
- crenças avaliativas: cujo objeto da crença é julgado como bom ou mau;
- crenças prescritivas ou proscritivas: que dão significado ou o objetivo final das
ações e as julga como desejáveis ou indesejáveis.
Um valor é uma crença do terceiro tipo (prescritiva ou proscritiva). Assim com as
crenças, para Rokeach, valores têm componentes cognitivos, afetivos e
comportamentais e explica:
a) um valor é uma cognição sobre o que é desejável;
b) um valor é afetivo, visto que é possível sentir uma emoção sobre ele,
ser afetivamente a favor ou contra ele, aprovar quem apresente exemplos
positivos ou desaprovar aqueles que demonstram exemplos negativos;
c) um valor tem um componente comportamental por ser uma variável
interveniente que conduz a ação quando ativado.
c) o valor refere-se a um modo de conduta ou ‘meta final de existência: Rokeach
explica que na definição, ao considerar que valores dizem respeito a modos de
conduta ou estados finais de existência, ele refere-se a dois tipos de valores:
instrumentais e terminais. Ou seja, para ele, uma distinção entre valores-
instrumentais (de mediação) e valores-finais (relativos a objetivos ou metas
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existenciais finais). Ele cita vários autores que observaram essa diferenciação e
comenta sobre alguns que concentraram sua pesquisa exclusivamente e um desses
dois tipos. Entre os mais conhecidos, Rokeach considera que Kohlberg e Piaget se
focaram mais naqueles valores relacionados ao modo de vida; enquanto Allport,
Vernon e Lindzey, e Maslow focaram-se mais sobre os valores terminais,
representantes de metas ou objetivos finais na vida.
Ele considera essa distinção muito importante, não podendo ignorá-la. Razões: o
número total de valores terminais não é necessariamente o mesmo que o total de
valores instrumentais, além disso, existe uma relação funcional entre eles que não
pode ser ignorada.
Ele sugere que, entre várias classificações possíveis, uma precisa ser especialmente
mencionada, a de que: valores terminais podem ser autocentrados ou
sociocentrados, com foco intrapessoal ou interpessoal. Por exemplo: metas finais
de salvação ou paz de espírito são intrapessoais enquanto paz mundial e
fraternidade são interpessoais.
Outra distinção ocorre entre os valores instrumentais. Geralmente, eles variam em
um eixo entre valores morais e valores de competência. O conceito de valor moral
é muito próximo do conceito geral de valor, mas difere deste, pois eles se referem
principalmente aos tipos de comportamentos e não necessariamente dizem respeito
a estados finais ou metas finais da existência. Por outro lado, valores morais
referem-se somente a alguns tipos de valores instrumentais, ou seja, àqueles que
têm foco interpessoal, os quais quando violados, provocam pontadas na
consciência ou sentimentos de culpa por ter feito ‘a coisa errada’. Outros valores
instrumentais são chamados de competência ou valores de auto-realização, têm um
foco mais pessoal que interpessoal e não parecem dizer respeito especificamente a
moralidade. Sua violação (ou transgressão) conduz a sentimentos de vergonha
sobre sua inadequação pessoal mais que a sentimentos de culpa ou estar fazendo ‘a
coisa errada’. Assim, agir honesta e responsavelmente conduz a pessoa a sentir que
está agindo moralmente, enquanto agir lógica, inteligente e criativamente a faz
sentir que está sendo competente. Uma pessoa pode sentir conflitos entre dois
valores morais (ex.: agir honestamente ou com amor), entre dois valores de
competência (como criativo e logicamente), ou entre um valor moral e um de
competência (como: agir polidamente e oferecer suas críticas intelectuais);
d) o valor é uma preferência assim como uma noção do que é preferível: esse
tópico fala da importante diferença entre a concepção do que seja desejável e
meramente desejado. Ele ressalta a dificuldade de acordo em torno do que seja
desejável;
e) o valor é uma noção de alguma coisa que é pessoal e socialmente preferível.
Rokeach comenta que uma das mais interessantes propriedades dos valores é que
parecem poder ser empregados com extraordinária versatilidade no dia-a-dia das
pessoas. Ao mesmo tempo em que, de fato, sabe-se muito pouco sobre as
condições que permitem que os valores sejam aplicados tão diversamente.
Explicando sobre a criação dos sistemas de valores, ele propõe que após um valor
ser aprendido ele se integra em um sistema de valores no qual cada valor é
ordenado por prioridade com relação a outros valores. Dessa forma, com essa
concepção de valores relativizada é possível definir mudança como uma
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reordenação de prioridades e, ao mesmo tempo, observar que o sistema completo
de valores como relativamente estável todo o tempo. É um sistema estável o
suficiente para refletir persistência e continuidade de uma única personalidade
socializada com um padrão dado pela cultura e a sociedade, e ainda instável o
suficiente para permitir rearranjos de prioridade de valores como resultado de
mudanças na cultura, na sociedade e pela experiência pessoal.
Variações nas experiências pessoais, sociais e culturais podem não somente gerar
diferenças individuais nos sistemas de valores, mas também diferenças na sua
estabilidade. Ambos os tipos de diferenças individuais podem razoavelmente serem
esperados como um resultado de diferenças em cada variável como
desenvolvimento intelectual, grau de internalização de valores culturais e
institucionais, identificação com papéis de gênero (feminino/masculino),
identificação política e educação religiosa.”
Silva acompanha a discussão de Rokeach acerca do número de valores
instrumentais e terminais (estes em uma dúzia, apenas); da relação entre estes dois
tipos de valores (sistemas separados, porém interconectados); da função de guias
cotidianos dos valores e de planos de decisão e resolução de conflitos do sistema
de valores. Concorda com ele quanto à forte correlação entre valores e motivação,
pois os valores devem dar expressão às necessidades básicas humanas. Assim,
conclui mostrando as funções dos valores, atribuídas por Rokeach (1973):
“a) motivacional;
b) de adaptação (ou ajustamento);
c) autodefesa (ou defesa do ego);
d) de conhecimento ou auto-atualização, pois muitas pessoas buscam sentido, ou a
necessidade de compreender a vida, a tendência para através de uma melhor
organização de sua percepção e crença prover clareza e consistência” (SILVA,
2008, p.50).
Silva indica que Rokeach diferencia o modo como define valores do modo
utilizado por Maslow, afirmando que este utiliza o conceito de valor mais ou
menos como um sinônimo de necessidade, sem distinção ente valores
instrumentais e terminais, relacionando valores muito mais a estados finais do que
a formas de comportamento. Apesar disso, Rokeach enfatiza a possibilidade de
uso da classificação entre valores básicos e elevados.
Apesar da pequena quantidade de valores de cada pessoa, suas combinações
são enormes, havendo por isso grandes variações de sistemas de valores.
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Considere-se, por exemplo, fatores como cultura, sociedade, instituições,
personalidades.
Porém, acredita Silva (2008), a influência cultural pode ser forte o suficiente
para modelar os sistemas de valores de quem vive sob a mesma cultura. Ela
recorre ao próprio Rokeach para quem as semelhanças poderiam advir ainda de
similaridades de sexo, idade, classe social, raça, identificação política. Uma
mesma sociedade e época tenderia a proporcionar experiências afins e
necessidades semelhantes, reduzindo as diferenças.
Nesse sentido, o conceito de campo ambiental e de sujeito ecológico, de
Isabel Carvalho (2002), mostra-se novamente útil, podendo auxiliar a identificar a
semelhança entre os valores de nossos sujeitos.
Vários pesquisadores seguiram Rokeach (BRAITHWAITE; LAW, 1985;
FEATHER, 1984; SCHWARTZ; BILSKY, 1987). Contudo, as críticas
(GOUVEIA, 1998; MOLPECERES, 1994; TAMAYO, 1997) à estrutura de sua
pesquisa levaram à formulação de outros modelos teóricos (GOUVEIA, 1998),
dentre os quais se destaca o modelo de Shalom H. Schwartz e seus colaboradores
(SCHWARTZ; BILSKY, 1987, 1990; TAMAYO; SCHWARTZ, 1993; GRAD,
ROS, ÁLVARO; TORREGROSA, 1993). (In: SILVA, 2008)
O modelo teórico de Schwartz é uma extensão do modelo proposto por
Rokeach, porém, buscando corrigir falhas encontradas em sua perspectiva
experimental. Uma das correções é a ênfase que passa a ser dada na base
motivacional para explicação da estrutura dos valores. Outra, bastante relevante, é
a sugestão da universalidade da estrutura e do conteúdo dos tipos motivacionais
de valores. Para os psicólogos sociais este modelo tem se mostrado parcimonioso,
e consistente, inclusive quanto à sua validade transcultural (SCHWARTZ;
SAGIV, 1995). Análises intraculturais são também favoráveis, como se constatou
no Brasil (TAMAYO, 1994; TAMAYO; SCHWARTZ, 1993) e em outros países
de padrão cultural próximo, como Espanha (ROS; GRAD, 1991; VERA;
MARTÍNEZ, 1994), México (BILSKY; PETERS, 1999) e Portugal (MENEZES;
CAMPOS, 1997) (GOUVEIA et al., 2001).
Os experimentos da Psicologia Social tornaram mais compreensíveis a
natureza e a estrutura dos valores, de modo que passaremos a explorar estes
aspectos a seguir.
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4.3.
Definindo valores: tipos e estrutura
De acordo com Mondin (2005, p. 27; 29), valor é “a dignidade de uma
coisa” e esta dignidade provoca a estima, nos leva à valorização. (...) Assim como
o verdadeiro nasce da relação do ser com o conhecimento, o belo de sua relação
com a admiração, assim o valor nasce de sua relação com a estima”, e desta sua
natureza relacional depreendem-se duas dimensões: a subjetiva e a objetiva. O
valor é objetivo na medida em que “está radicado no ser, é um dos seus aspectos
fundamentais.” Mas, para entender a natureza do valor é preciso também
considerar sua dimensão subjetiva, ou seja, a estima, o respeito por parte do ser
humano. Nas palavras de Mondin (2005, p. 30):
“Como não brota a beleza sem a admiração, nem a bondade sem a vontade, assim
também, não floresce a dignidade de um ser ou de um ente sem a estima. De fato, o
valor emerge no momento em que surge um sujeito, o homem, que realiza um ato
positivo de valorização, de estima, e que, assim, reconhece a dignidade de uma
coisa, de uma pessoa ou de uma ação (...).”
Para o filósofo citado, os valores podem ser classificados em três grupos:
econômicos (relativos à preservação da vida, saúde, prazer do corpo), culturais
(que contribuem para o cultivo mental), espirituais (que auxiliam o
aperfeiçoamento do espírito). A referência para proceder a esta divisão é a idéia
de projeto, projeto de ser humano, projeto de humanidade, que cada pessoa tenha.
Isto porque os valores não são vividos por uma natureza humana abstrata, mas por
pessoas concretas, históricas. Assim, cada pessoa, para a “realização do próprio
projeto de humanidade, pode estar mais interessada em alguns valores
(econômicos, culturais, espirituais) que em outros” (MONDIN, 2005, p.36).
Entretanto, o autor ressalta que a utilização desta idéia não faz desaparecer a
distinção entre valores absolutos (que merecem respeito e têm dignidade em si
mesmos) e valores instrumentais (cuja dignidade e mérito de estima dependem da
ajuda que conferem à realização dos valores absolutos).
Mondin afirma reconhecer a escala de valores proposta por Scheler, cuja
divisão permite distinguir os vários graus dos valores (hedonistas, vitais,
espirituais e religiosos). Porém, aponta sua inadequação funcional para determinar
as grandes áreas axiológicas, propondo, então, uma classificação empírica, que
pretende sistematizar tudo que possua uma dimensão axiológica. Tais grupos de
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valores são: ônticos, pessoais, sociais, econômicos, culturais, somáticos, noéticos,
estéticos, morais, religiosos. Em sua tipologia, cada grupo tem um valor principal,
ao redor do qual são dispostos vários outros. Por exemplo, no grupo dos valores
morais, teríamos como valor primário a bondade, e ao redor dela estariam
dispostos numerosos outros, como prudência, justiça, coerência, generosidade,
perdão, amor, entre muitos outros.
Entrando na perspectiva da Psicologia Social, para Rokeach (1973), uma
relação direta entre valores e necessidades. Assim, os valores básicos seriam
categorias de orientação desejáveis, baseadas nas necessidades humanas e nas
pré-condições para satisfazê-las. A adoção destas categorias de orientação, ou
valores, pode variar em sua magnitude e nos elementos que as constituem.
A idéia de categoria de orientação pressupõe o entendimento de valor como
algo distinto de crença ou atitude. Existem inúmeras definições para a atitude, mas
a maioria considera ser ela composta de:
“a) um componente cognitivo (a convicção ou pensamentos da pessoa quanto a
objeto social);
b) um componente afetivo (ou os sentimentos que se tem com relação à alguém ou
algum objeto social);
c) o componente comportamental (ou a predisposição para a ação que se tem
quanto ao mesmo objeto social) (WEITEN, 2002, p. 483; HUFFMAN et al., 2003,
p. 616)” (SILVA, 2008, p.39).
Silva (2008) lembra que, para Rokeach (1973), uma das funções
psicológicas das atitudes é a expressão de valores. Rokeach (1973, p. 18)
diferencia valor de atitude da seguinte forma:
“a) considerando que a atitude se refere a uma organização de várias crenças sobre
um objeto ou situação específica; enquanto, um valor se refere a uma única crença
de um tipo muito específico;
b) um valor transcende objetos e situações, enquanto uma atitude é focada sobre
um objeto ou situação;
c) uma terceira diferença ainda pode ser observada: um valor é um padrão mas uma
atitude não é padronizada. Avaliações favoráveis ou desfavoráveis de numerosas
atitudes diante de objetos e situações podem se basear em um número
relativamente pequeno de valores que servem como padrão (ou princípios
norteadores);
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d) uma pessoa tem tantos valores quanto ela possa ter aprendido, crenças
concernentes a modos de conduta desejáveis e estados finais de existência, e tantas
atitudes quanto tenha direta ou indiretamente experimentado com objetos e
situações específicas. Por isso se estima que as pessoas tenham uma dúzia de
valores, enquanto o número de atitudes pode girar em torno de milhares;
e) valores ocupam uma posição mais central que as atitudes na constituição da
personalidade e sistema cognitivo de uma pessoa, e eles são por isso determinantes
das atitudes assim como do comportamento;
f) valor é um conceito mais dinâmico que atitude, tendo uma conexão mais direta
com motivação” (ROKEACH, 1973 citado por SILVA, 2008).
Trata-se de conceber os valores como construtos latentes, tais como a
inteligência e os traços de personalidade, fazendo-se perceber no comportamento
cotidiano das pessoas. Portanto, são ferramentas que capacitam as pessoas a
viverem em sociedade. Esta definição vem ao encontro das proposições de Puig
quanto à natureza da consciência moral.
O fato de ser desejável significa serem eles corretos ou justificáveis do
ponto de vista moral ou racional, podendo se referir tanto a um desejo pessoal
como a uma orientação socialmente desejável. As pré-condições de satisfação das
necessidades guiam o comportamento no sentido de evitar a predominância de
interesses estritamente pessoais em questões que possam ameaçar a harmonia
social.
Entretanto, pontua Gouveia (2003, p.433, destaque nosso), o
“fato dos valores serem representações das necessidades não significa que estes são
construtos isomorfos (Kluckhohn, 1951). Embora o número de valores seja
limitado, devido à natureza claramente social e cultural que têm, eles superam o
número de necessidades. Os valores são uma conseqüência mais do processo de
socialização do que um resultado estrito das condições de escassez vividas pelo
homem (Inglehart, 1990). Isso significa que as pessoas não dão importância apenas
ao que não têm, mas também ao que é reconhecido como sendo importante para
suas vidas e o que elas desejam ou receiam perder. (...) [Sendo] construtos latentes,
os valores podem ser operacionalizados por diferentes itens, e isso pode levar a
construir um banco de itens facilmente adaptável para um contexto cultural ou
interesse específico de pesquisa.”
A questão do reconhecimento enquanto critério para definição de um valor
aproxima, neste aspecto, a abordagem psicológica social da abordagem filosófica
de Mondin, para quem a essência dos valores é a dignidade reconhecida de algo.
Todavia, reconhecer a dignidade, isto é, que algo seja merecedor de
respeito, é uma abordagem mais genérica, que leva a classificar inúmeras coisas
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como valor, sejam elas traços, atitudes, crenças, entre outros itens. Reconhecer
uma necessidade é algo um pouco distinto, porque prioriza as categorias de
orientação a partir de fatores de influência inevitável na existência humana.
Tratar valor como categoria de orientação desejável, baseada nas
necessidades humanas e nas pré-condições para satisfazê-las implica explicitar de
que tipo de necessidades se está falando. Gouveia (2001), em seu experimento,
lança mão da Teoria das Necessidades de Maslow, no que se refere à sua lista de
necessidades humanas, que incluem, nesta ordem, necessidades fisiológicas, de
segurança, de amor, de pertença, cognitivas, estéticas, de estima e de auto-
realização, bem como as pré-condições para satisfazê-las
27
.
Na pesquisa de Gouveia, um conjunto de 24 valores básicos foi identificado
a partir destes critérios. Com isso não se pretende dizer que os valores humanos
sejam universais individualmente, mas que
“seriam universais as motivações que os sustentam. Estas dariam origem aos tipos
de valores ou tipos motivacionais, os quais são tratados em termos do seu conteúdo
e da sua relação dinâmica de compatibilidade e conflito entre si” (GOUVEIA,
2001, p.135).
Identificar os valores básicos tem sido um esforço de pesquisa de diversos
pesquisadores e filósofos. Por isso, esta expressão, valores básicos, tem sido
usada para descrever diferentes atributos dos valores: grau de generalização
(valores culturais, valores universais), número de valores que são adotados pelos
indivíduos, ênfase em processos básicos que representam (necessidades, motivos)
ou existência de alguma ordem dimensional (tipos de valores, valores de primeira
ou segunda ordem).
Gouveia (2001) investigou a existência e natureza de valores básicos da
humanidade, classificando-os tipologicamente conforme sua correspondência a
27 “Maslow o ser humano como eternamente insatisfeito e possuidor de uma série de
necessidades, que se relacionam entre si por uma escala hierárquica na qual uma necessidade deve
estar razoavelmente satisfeita, antes que outra se manifeste como prioritária. Nesta hierarquia, o
indivíduo procura satisfazer suas necessidades fisiológicas, fundamentais à existência, e
necessidades de segurança, antes de procurar satisfazer as necessidades sociais, as necessidades de
estima e auto-realização.
O conceito de auto-atualização tem relevante papel na teoria de Maslow que o definiu como o uso
e a exploração plenos de talentos, capacidades, potencialidades etc (FADIMAN, 1979). Para
Maslow, auto-atualizar significa fazer de cada escolha uma opção pelo crescimento, escolha esta
que depende de o indivíduo estar sintonizado com sua própria natureza íntima, responsabilizando-
se por seus atos, independentemente da opinião dos outros.” (ALVES, BIANCA.
http://www.existencialismo.org.br/jornalexistencial/biancamotivacao.htm, 28/03/08).
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necessidades fundamentais ou condições para satisfazê-las. Para isso, considerou
(e criticou) pesquisas e tipologias propostas anteriormente por Braithwaite, Law
(1985); Braithwaite, Scott (1991); Chinese Culture Connection (1987); Coelho
Júnior (2001); Inglehart (1990); Kraska, Wilmoth (1991); Lapin (1997); Lee
(1991); Levy (1990); Parra (1983); Reeve, Sickenius (1994); Rokeach (1973);
Schwartz (1992); Schwartz, Bilsky (1987); Walsh et al. (1996).
28
A partir daqui, importa esclarecer que trabalhamos com a perspectiva de
Gouveia, que nos pareceu mais adequada às necessidades desta pesquisa.
Listamos a seguir os valores básicos, encontrados por Gouveia (2001),
apresentados na respectiva categoria de necessidade ou de pré-condição.
Necessidades Fisiológicas (água, sol, alimento, oxigênio, sexo, moradia)
a) Sobrevivência. O valor sobrevivência representa as necessidades mais
básicas, como comer e beber. A privação dessas necessidades por um longo
período de tempo é fatal. Evidentemente funciona ao modo de princípio-guia na
28 Braithwaite, V. A., & Law, H. G. (1985). Structure of human values: testing the adequacy of
the Rokeach Value Survey. Journal of Personality and Social Psychology, 49, 250-263.
Braithwaite, V. A., & Scott, W. A. (1991). Values. In J. P. Robinson, P. R. Shaver & L. S.
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vida daquelas pessoas socializadas em um contexto de escassez, mas também na
daquelas que atualmente vivem sem os recursos econômicos básicos.
b) Sexual. Este valor representa a necessidade fisiológica de sexo,
comumente encontrado enquanto padrão de orientação para jovens ou pessoas que
foram/são privadas deste estímulo.
c) Prazer. Corresponde à necessidade orgânica de satisfação, em sentido
amplo. Apesar de relacionado com o valor anterior, difere deste porque a fonte da
satisfação é inespecífica.
d) Estimulação. Representa a necessidade fisiológica de movimento,
variedade e novidade de estímulos. Enfatiza o estar ocupado e em atividade
permanentemente, e descreve alguém que é impulsivo.
e) Emoção. Representa a necessidade fisiológica de excitação e busca de
experiências arriscadas. Difere do valor anterior devido à ênfase dada ao risco,
que necessita estar sempre presente. As pessoas que adotam este valor são menos
conformadas às regras sociais. Este é considerado como parte do valor
estimulação ou estimulação social.
Necessidade de Segurança (estar livre do medo e das ameaças, de não
depender de ninguém, de autonomia, de não estar abandonado, de proteção, de
confidencialidade, de intimidade, de viver num ambiente equilibrado)
a) Estabilidade Pessoal. A necessidade de segurança é parcialmente
representada por este valor. Enfatiza uma vida planejada e organizada. As pessoas
que assumem esta orientação tentam garantir sua própria existência.
Provavelmente configure o tipo motivacional de segurança, e pode ser relacionado
com itens específicos, tais como ter um trabalho estável e segurança econômica.
b) Saúde. Este também representa a necessidade de segurança. A pessoa
que adota este valor lida com um drama pessoal originado na incerteza implícita
na doença. Assim, o indivíduo se orienta a manter um estado ótimo de saúde,
evitando coisas que possam ameaçar sua vida. Também inclui a busca genérica
por bem-estar.
c) Religiosidade. Este valor também representa a necessidade de segurança.
Independe de qualquer preceito religioso. É reconhecida a existência de uma
entidade superior, através da qual se pode lograr a certeza e a harmonia social
requeridas para uma vida pacífica.
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d) Apoio Social. Este valor representa a necessidade de segurança. Expressa
a segurança no sentido de não se sentir sozinho no mundo e receber ajuda quando
a necessite. Recebe diferentes rótulos: amigos próximos que me ajudem,
solidariedade com os demais e contato social.
e) Ordem Social. Este valor completa a lista daqueles que representam a
necessidade de segurança. Implica uma escolha de alguém orientado a padrões
sociais que assegurem uma vida diária tranqüila, um ambiente estável. A exemplo,
os seguintes itens podem representá-lo: ordem nacional, proteção da propriedade
pública e segurança nacional.
Necessidade de amor e pertença (afiliação, afeto, companheirismo,
relações interpessoais, conforto, comunicação, dar e receber amor).
a) Afetividade. Este valor e o seguinte representam a necessidade de amor e
afiliação. As relações próximas e familiares são enfatizadas, assim como a partilha
de cuidados, afetos e pesares. Relaciona-se com a vida social. Geralmente é
representado por itens como amizade verdadeira, amigo próximo, íntimo, ou
satisfazer relações interpessoais.
b) Convivência. Enquanto o valor anterior descreve uma relação direta
pessoa-pessoa, com ênfase na intimidade, este é centrado na dimensão pessoa-
grupo e tem um sentido de socialização (por exemplo, pertencer a grupos sociais,
conviver com os vizinhos).
c) Êxito. Este valor e os dois seguintes representam a necessidade de
estima. O êxito enfatiza ser eficiente e alcançar metas. As pessoas que adotam este
valor têm uma idéia clara de sucesso e tendem a se orientar nessa direção.
Em nossa sociedade, a tendência no enfoque da vivência dos dois valores
seguintes é de uma perspectiva patológica, embora existam exceções, claro.
d) Prestígio. Enfatiza a importância do contexto social. Não é uma questão
de ser aceito pelos demais, mas de ter uma imagem pública. Os indivíduos que
assumem este valor reconhecem a importância dos demais, desde que isso resulte
em seu próprio benefício. O fator posição social tem um conteúdo similar a este
valor, mas considera um aspecto de autoridade que define o valor poder.
e) Poder. Este valor é menos social do que o anteriormente tratado. As
pessoas que lhe atribuem importância podem não ter a noção de um poder
socialmente constituído. É provavelmente o valor menos socialmente desejado
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entre aquelas pessoas com uma orientação social horizontal (por exemplo,
estudantes universitários).
Necessidade de auto-realização (auto-expressão, utilidade, criatividade,
produção, diversão e ócio)
Maturidade. A necessidade de auto-realização é representada por este valor.
Enfatiza o sentido de auto-satisfação de uma pessoa que se considera útil como
um ser humano. Os indivíduos que priorizam este valor tendem a apresentar uma
orientação social que transcende pessoas ou grupos específicos. Apesar de certos
elementos como auto-respeito e sabedoria serem incluídos em seu conteúdo, a
idéia central é de crescimento pessoal, sendo expresso no fator auto-realização.
Necessidades cognitivas (saber, inteligência, estudo, compreensão,
estimulação, valia pessoal)
Conhecimento. As necessidades cognitivas são representadas por tal valor,
de caráter extra-social. As pessoas orientadas por este valor buscam atualização
constante e saber mais sobre temas pouco compreensíveis. Esta definição
corresponde a diferentes descrições (por exemplo, imaginativo, criativo,
intelectual, curioso, instruído, estudioso, conhecedor, informado).
Necessidades de estética (realização de possibilidades, autonomia
pessoal, ordem, beleza, intimidade, verdade, objetivos espirituais)
Beleza. Representa as necessidades de estética. Evidencia uma orientação
global, sem uma definição precisa de quem se beneficia com o quê; não significa
apreciação de objeto ou pessoa específica, mas a beleza como um critério
transcendental. Este valor tem sido relacionado com a natureza e os espaços
físicos específicos. Inclui a idéia geral de estética.
Os valores básicos citados
29
foram classificados a partir da seleção de
necessidades fundamentais. Entretanto, temos ainda os valores relativos às pré-
condições (numeradas a seguir) para satisfazer necessidades:
1- Pré-condição: liberdade
29
Relembrando: Beleza, conhecimento, maturidade, poder, prestígio, êxito, convivência,
afetividade, ordem social, apoio social, religiosidade, saúde, estabilidade pessoal, emoção,
estimulação, prazer, sexo, sobrevivência.
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a) Autodireção. Este e o valor seguinte representam a pré-condição de
liberdade para satisfazer as necessidades. Adotar este valor implica em um
reconhecimento de auto-suficiência. Alguns valores são encontrados na literatura
com uma etiqueta similar, tais como liberdade, autodeterminação, autonomia e
independência.
b) Privacidade. Um espaço privado é necessário no sentido de diferenciar
os diversos aspectos da vida pessoal. Aqueles que adotam este valor não rejeitam
ou subestimam os demais; apenas reconhecem os benefícios de ter seu próprio
espaço íntimo.
2- Pré-condição: justiça
Justiça Social. Este valor representa a pré-condição de justiça ou igualdade
para satisfazer as necessidades. As pessoas que dão importância a este valor
pensam nos outros enquanto membros a mais da espécie humana. Cada um tem os
mesmos direitos e deveres que capacitam uma vida social com dignidade. Em
geral é mencionado com esta denominação ou como igualdade.
3- Pré-condição: honestidade
a) Honestidade. Representa a pré-condição de honestidade e
responsabilidade para satisfazer as necessidades. Enfatiza um compromisso em
relação aos demais, permitindo manter um ambiente apropriado para as relações
interpessoais. As relações em si são consideradas metas.
4- Pré-condição: disciplina
a) Tradição. Este valor e o próximo representam a pré-condição de
disciplina no grupo ou na sociedade como um todo para satisfazer as
necessidades. Sugere respeito aos padrões morais seculares e contribui para
aumentar a harmonia social. Os indivíduos sentem necessidade de respeitar
símbolos e padrões culturais.
b) Obediência. Este valor evidencia a importância de cumprir os deveres e
as obrigações diárias, além de respeitar aos pais e aos mais velhos. É uma questão
de conduta individual; os membros da sociedade assumem um papel e se
conformam à hierarquia social
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c) tradicionalmente imposta. Tal valor é típico de pessoas mais velhas ou
que receberam uma educação tradicional.
Para melhor visualização do leitor, elaboramos um quadro-resumo com os
valores básicos descritos.
Quadro 2 - Relação entre valores, necessidades e condições para realização das
necessidades
Condições Necessidades Valores
Fisiológicas
Sobrevivência Sexo Prazer Estimulação Emoção
Segurança
Estabilidade Saúde Religiosidade Apoio social Ordem social
(segurança)
Afeto ou
pertença
Afetividade Convivência Êxito Prestígio Poder
Cognitivas
Conhecimento
Estéticas
Beleza
(natureza e
espaços
específicos)
Auto-
realização
Maturidade
Liberdade
Privacidade Autodireção
Justiça
Justiça social
Honestidade
Honestidade
Disciplina
Tradição Obediência
Fonte: autora
Os valores básicos expressam um propósito em si mesmos, configurando
categorias-guia que transcendem situações específicas, mas assumidos em
magnitudes distintas que emergem associados às experiências de socialização e
dependem do contexto sociocultural de cada pessoa.
Os 24 valores descritos por Gouveia formam um sistema baseado em três
critérios de orientação, cada qual subdividido em duas funções psicossociais:
1- pessoal: a) experimentação e b) realização;
2- central: a) existência e b) suprapessoal;
3- social: a) interacional e b) normativa.
Estes três critérios são apresentados ao modo de solução para um longo
embate analítico entre posições dicotômicas indivíduo x coletividade. A partir daí
Gouveia cria um modelo segundo o qual haveria um grupo compatível de valores
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tanto com aqueles classificados como pessoais quanto com os sociais, daí a
denominação valores centrais. Aproximam-se dos chamados valores mistos, do
modelo de Schwartz, porém diferindo destes por não indicarem oposição.
Gouveia esclarece que no tocante às funções estabelecidas para cada critério
dois tipos de relação social enfatizados, anteriormente classificados em outros
modelos com a nomenclatura liberdade x igualdade (ROKEACH, 1973) ou
também orientação vertical x horizontal (TRIANDIS, 1995)
30
. Assim, as funções
psicossociais de experimentação, suprapessoal e interacional representam a
dimensão horizontal, visto que primam pelo princípio de igualdade entre as
pessoas. Por outro lado, as funções de realização, existência e normativa
correspondem à dimensão vertical, indicando que as pessoas são diferentes em
suas capacidades e condições de vida. Em síntese, cada critério tem duas funções,
uma relacionada ao princípio da igualdade e outra ao princípio da diferença, como
visualizado a seguir no quadro que criamos:
Quadro 3 – Modelo de Gouveia para organização do Sistema Básico de 24 Valores
Critério de orientação Função psicossocial Dimensão da
relação
Princípio
da
1- Pessoal 1a) Experimentação
2- Central 2b) Suprapessoal
3- Social 3a) Interacional
Horizontal
Igualdade
1- Pessoal 1b) Realização
2- Central 2a) Existência
3- Social 3b) Normativa
Vertical Diferença
Fonte: autora
O modelo proposto por ele diferencia-se do proposto por Triandis (1995)
por sua ênfase nos valores em lugar das atitudes e ao considerar inexistente a
oposição entre as orientações pessoal e social. Esta abordagem origina um
conjunto de valores que atende às aspirações pessoais sem comprometer a
estrutura social.
30
Triandis, H. C. (1995). Individualism and collectivism. Boulder, Colorado: Westview Press.
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Ao adotar princípios-guias (ou valores) em suas vidas, as pessoas seguem
um padrão típico que implica os critérios de orientação anteriormente
mencionados e descritivamente apresentados a seguir.
1- Valores Pessoais. As pessoas que assumem tais valores mantêm
habitualmente uma relação pessoal contratual, visando alcançar metas pessoais,
buscando garantir seus próprios benefícios ou condições em que estes possam ser
obtidos. Considerando suas funções psicossociais, podem ser divididos em:
a. Valores de Experimentação: descobrir e apreciar estímulos novos,
enfrentar situações arriscadas e buscar satisfação sexual são aspectos centrais
destes valores (emoção, estimulação, prazer e sexual); e
b. Valores de Realização: além da experimentação de estímulos novos, o ser
humano deseja também ser importante e poderoso, uma pessoa com identidade e
espaço físico próprios (autodireção, êxito, poder, prestígio e privacidade).
2- Valores Centrais. Figuram entre e são compatíveis com os valores
pessoais e sociais. Atendem a interesses individuais e coletivos. Tomando em
conta suas funções psicossociais, os valores centrais podem ser divididos em dois
grupos:
a) Valores de Existência: o marco central é garantir a própria existência
orgânica (estabilidade pessoal, saúde e sobrevivência). A ênfase recai sobre a
existência individual, não sobre a individualidade. De modo que os valores de
existência se compatibilizam com os pessoais e sociais. São importantes para
todas as pessoas, principalmente em contextos de escassez econômica; e
b) Valores Suprapessoais: as pessoas que vivem sob estes valores procuram
alcançar seus objetivos independentemente do grupo ou da condição social em
que estejam. São indivíduos maduros, com preocupações menos materiais, que
não se atêm a traços específicos para iniciar uma relação ou promover benefícios.
Tais valores (beleza, conhecimento, justiça social e maturidade) enfatizam a
importância de todas as pessoas, não exclusivamente daqueles indivíduos que
compõem o endogrupo. Com isso, são compatíveis com os valores pessoais e
sociais.
3- Valores Sociais. Assumir estes valores significa primar pela convivência.
O perfil de pessoa que adota os valores sociais é de indivíduos que gostam de ser
considerados, desejam ser aceitos e integrados no endogrupo ou pelo menos
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manter um nível essencial de harmonia entre os atores sociais em um contexto
específico. A partir de suas funções psicossociais, podem ser divididos em:
a) Valores Normativos: enfatizam a vida social, a estabilidade grupal e o
respeito por símbolos e padrões culturais duradouros. A ordem é valorizada acima
de qualquer coisa (obediência, ordem social, religiosidade e tradição); e
b) Valores Interacionais: estes focalizam o destino comum e o compromisso
com os demais. A pessoa entende serem os companheiros fundamentais para
assegurar sua própria felicidade. Sua especificidade repousa no interesse em ser
amado, ter uma amizade verdadeira e uma vida social ativa (afetividade, apoio
social, convivência e honestidade).
Esta teoria tem sido desenvolvida e testada nos últimos anos, por Gouveia e
colaboradores (2001; 2003), diferindo da teoria de Schwartz (1992) nos seguintes
aspectos: (1) apresenta uma visão benévola da natureza humana, desconsiderando
a idéia de valores negativos ou contra-valores; (2) considera uma teoria específica
sobre as necessidades humanas, qual seja a de Maslow, permitindo tanto derivar
um conjunto de valores potencialmente universais como incluir alguns valores
negligenciados na literatura, como sobrevivência; (3) evita incluir valores
irrelevantes, raramente considerados em análises posteriores, com isso
possibilitando maior parcimônia; e (4) não assume incompatibilidade entre os
valores sem referência a variáveis externas.
Apesar das diferenças os modelos de Gouveia e de Schwartz convergem
devido à natureza motivacional dos valores humanos.
No modelo de Schwartz (1992), com o qual Gouveia debate, existem dez
tipos motivacionais universais de valores: autodireção, estimulação, hedonismo,
realização, poder, benevolência, conformidade, tradição, segurança e
universalismo. Cada um destes origem a um grupo de valores, conforme
explicitado no quadro por nós elaborado e a seguir apresentado.
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Quadro 4 - Tipos motivacionais universais de valores, segundo Schwartz
Autodireção (AD) Independência no pensamento e na tomada de decisão, criação e
exploração (criatividade, independente, liberdade).
Estimulação (ES) Ter excitação, novidade e mudança na vida (ser atrevido, uma
vida excitante, uma vida variada).
Hedonismo (HE) Prazer ou gratificação sensual para a própria pessoa (desfrutar
da vida, prazer).
Realização (RE) Êxito pessoal como resultado da demonstração de competência
segundo as normas sociais (ambicioso, capaz, obter êxito).
Poder (PO) Posição e prestígio social, controle ou domínio sobre pessoas e
recursos (autoridade, poder social, riqueza).
Benevolência (BE) Preservar e reforçar o bem-estar das pessoas próximas com
quem se tem um contato pessoal freqüente e não casual
(ajudando, honesto, não rancoroso, ter sentido na vida).
Conformidade (CO) Limitar as ações, inclinações e impulsos que possam prejudicar
a outros e violar expectativas ou normas sociais (autodisciplina,
bons modos, obediência).
Tradição (TR) Respeitar, comprometer-se e aceitar os costumes e as idéias que
a cultura tradicional ou a religião impõem à pessoa (devoto,
honra aos pais e mais velhos, humilde, respeito pela tradição,
vida espiritual).
Segurança (SE) Conseguir segurança, harmonia e estabilidade na sociedade, nas
relações interpessoais e na própria pessoa (ordem social,
segurança familiar, segurança nacional).
Universalismo (UN) Compreensão, apreço, tolerância e proteção em direção ao bem-
estar de toda a gente e da natureza (aberto, amizade verdadeira,
igualdade, justiça social, protetor do meio ambiente, sabedoria,
um mundo em paz, um mundo de beleza).
Fonte: adaptação de Schwartz (1992)
Para ele, tais tipos de valores derivam de três requerimentos humanos
universais: as necessidades básicas (organismo), os motivos sociais (interação) e
as demandas institucionais para o bem-estar e a sobrevivência dos grupos. Em
função de quem se beneficia quando a pessoa adota ou se comporta de acordo
com cada tipo de valor, são definidos os diferentes interesses que podem cumprir:
individualista (poder, realização, hedonismo, estimulação e autodireção),
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coletivista (tradição, conformidade e benevolência) ou misto (segurança e
universalismo). Outra classificação no mesmo sentido pode ser efetuada em
função das suas dimensões de ordem superior, representadas nos eixos:
autopromoção x autotranscendência e abertura à mudança x conservação (ver
ilustração 3).
Ilustração 3. Estrutura Bidimensional das Quatro Categorias de Tipos
Motivacionais
Fonte: adaptado por Gouveia de Schwartz (1992)
A abertura à mudança, representada no lado esquerdo da ilustração 3,
refere-se à tendência das pessoas a a) seguir seus interesses (quando predomina a
autopromoção) ou b) a se manter conforme as normas sociais (quando predomina
a autotranscendência). a conservação, representada no lado direito da
ilustração, refere-se à motivação das pessoas para a) promover seus interesses,
mesmo em detrimento dos outros (quando predomina a autopromoção), ou b)
transcender os interesses pessoais, promovendo o bem-estar dos outros e da
natureza, quando predomina a autotranscendência (SCHWARTZ, 1992).
Tomando como base a raiz motivacional dos valores, Schwartz postula
existirem dois tipos básicos de relacionamento entre eles: compatibilidade e
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conflito. Pela ilustração 3, observa-se compatibilidade quanto aos valores que são
limítrofes e conflito com valores em oposição na figura.
Este modelo foi utilizado para explicar atitudes e comportamentos pró-
ambientais, o uso de preservativo, o trabalho de equipe, a exaustão emocional, o
comprometimento organizacional e para comparar os valores de presidiários e
agentes penitenciários (COELHO, 2006).
Apesar de bastante interessante a proposta de Schwartz, o modelo de
Gouveia atende melhor às necessidades desta pesquisa e foi tomado enquanto
referência para nossa análise de dados.
Nas pesquisas brasileiras, têm-se utilizado bastante o modelo de Schwartz.
Tamayo et al. (1998) consultados por Silva (2008, p. 75-76) explicam as
tendências da pesquisa em valores no Brasil, classificando-as em duas grandes
abordagens:
a) avaliação de prioridades axiológicas usando agrupamento de valores, tais
como: estéticos, econômicos, religioso, políticos, teóricos e sociais; cuja
classificação tinha uma base teórico-filosófica sem relação direta com o indivíduo.
A teorização sobre quais valores cada grupo deveria ter, incluindo a prática
profissional, isto é: sacerdotes enfatizando valores religiosos; homens de negócio,
valores econômicos; advogados, os valores políticos; revelava mais sobre a
natureza da própria profissão do que sobre as reais prioridades axiológicas do
indivíduo;
b) uso de algum instrumento de medida em forma de listagens de valores. A
escala mais utilizada tem sido a Escala de Valores de Rokeach (1967) e vários
instrumentos de medida posteriores nele se basearam. Nessa escala os valores são
estudados individualmente, pois não existe vínculo estrutural entre eles. É
possível observar se um ou mais valores se relacionam com determinado grupo
(ou profissão), contudo, as atitudes e o comportamento não são determinados pela
prioridade dada a um valor particular, mas pela dinâmica existente entre os
múltiplos valores implicados simultaneamente na orientação de um
comportamento ou atitude.
Os vinte anos de pesquisa de Tamayo acerca dos valores, pontua Silva
(2008), recontam a história da pesquisa sobre os valores no Brasil. Abordando
aspectos históricos desse tipo de pesquisa no país, ela também resgata Porto
(2005, p. 99), que recorda serem as medições por ordenamento (ou ranking) ou
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avaliação (ou rating) antigo debate na área de medida de valores quanto às
prioridades axiológicas A exemplos dos dois tipos de medições
31
cita:
a) ordenamento: na Escala de Valores de Rokeach (1973);
b) avaliação: utiliza uma escala Likert, ou adaptação desta, atribuindo pesos
e investigando a importância de cada valor que faz parte de uma lista.
Nesta investigação, optamos por outro tipo de análise, conforme descrito no
próximo capítulo.
4.4.
A percepção de valor
De que modo o indivíduo poderia perceber o valor de algo é questão
também discutida por diversos filósofos. Para alguns, trata-se de uma disposição
de sentimento, para outros é uma intencionalidade objetiva, enquanto para outros,
ainda, a faculdade perceptiva dos valores é a intuição.
Na visão de Mondin (2005), todas estas propostas têm sua razão de ser, mas
são limitadas. Para ele a percepção dos valores é algo que depende da capacidade
de estimar, faculdade que abrange aspectos afetivos e intelectuais
simultaneamente sem reduzir-se a nenhum deles. Esta faculdade axiológica
funcionaria de diferentes modos conforme o grau dos valores em análise, ou seja,
cada tipo de valor sofreria um tipo diferente de estimação. Ao modo de exemplos,
cita a análise de valores materiais a partir da intuição e/ou do raciocínio, para a
análise de valores absolutos subsistentes (como Deus) seria preciso lançar mão da
fé, e já para valores morais o mais comum é recorrer à empatia.
Ele avalia que a empatia é uma espécie de julgamento por conaturalidade,
isto é, os valores seriam percebidos pela afinidade, sintonia, correspondência com
nosso projeto de humanidade e, por isso, poderiam conduzir-nos plenamente a sua
realização.
A faculdade de estimar teria três funções: a de captar valorativamente, a de
preferir, estabelecendo uma hierarquia, e, a de aspirar, que descobre valores
novos.
31
SILVA (2008, p.76) gentilmente indica as referências para um aprofundamento nos tipos de
medição e nas pesquisas desenvolvidas pelos grupos de Brasília e de Goiânia.
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Mondin entende que a educação é fundamental e necessária para a
percepção e vivência dos valores, mas não para todos os graus. O que ele
denomina de valores vitais (ar, água, alimento) receberiam uma estimação
instintiva, mas valores culturais e espirituais exigiriam cultivo, investimento
educacional, ainda que houvesse um impulso empático inicial para a manifestação
destes.
4.5.
A faculdade de apreciar ou o ato de dar valor
Mondin defende que valor pode existir onde exista predisposição e
preparação para acolhê-lo, reconhecê-lo. Nesta concepção, as coisas têm valor em
si. Perceber é que depende do indivíduo. Ou seja, a dignidade das coisas é
objetiva, mas “para captá-la é necessária uma adequada educação da faculdade de
apreciação por parte do sujeito”. (MONDIN, 2005, p.31, destaque meu).
Sendo valor algo só perceptível pelo uso da capacidade de apreciar, importa
considerar as implicações desta capacidade, e, para isso, suas características e seu
desenvolvimento.
Podemos compreender melhor a estrutura dessa capacidade ao ver sua
definição. De acordo com os dicionários eletrônicos Michaelis (2001) e Houaiss
(2002), respectivamente, apreciar é:
- “Dar apreço a; estimar, prezar. 2. Avaliar, julgar. 3. Considerar.
- Fazer estimativa de; avaliar, julgar; pôr sob exame; considerar, examinar,
ponderar; dar valor a, ter em apreço, estimar, prezar; ter consideração por;
deleitar-se com; admirar”.
Considerando estas definições, educar a faculdade de apreciação seria,
portanto, ensinar a prezar, a avaliar ou ponderar, a admirar. O que, em termos de
desenvolvimento desta faculdade, nos leva às seguintes questões práticas:
a) como se aprende a prezar? E antes ainda: o que é prezar? Segundo
Michaelis significa “ter grande estima (afeição) ou simpatia por; estimar; ter em
grande consideração (importância); respeitar (honrar: dignificar; / reverenciar)”.
Tomando dos aspectos mencionados, ao modo de idéias-eixo, que reúnem a
essência do ato de prezar, a afeição, a importância, e o respeito que são dados a
algo, somos levados a problematizar o fazer pedagógico em termos de contribuir
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para a formação de pessoas que prezem seu estar no mundo da maneira mais
amplamente respeitosa (saudável). Com isso, prezando conseqüentemente
atitudes, valores e modos de ser que sejam pilares para sociedades sustentáveis. E
voltamos à questão inicial: o que nos faz ter estima por algo? Em tese, poderíamos
dizer que ao menos conhecer, ter familiaridade com a coisa em questão
(conviver), acostumar-se a ela. Provavelmente, também, ter experiências de
retorno afetivo positivo em relação ao tópico analisado. No caso de nossos
entrevistados(as), verificamos que a convivência com belas paisagens (e aqui
entra a interferência da estética: o belo levando ao afeto) e/ou com problemas
socioambientais (tais como favelização, discriminação, desmatamento: a reflexão
crítica pode levar à convocação à ação por perceber-se a importância daquele
tema) mobilizou-os a interessar-se, querer compreender e atuar sobre a questão
ambiental. A dar valor a coisas que sustentam o que hoje se chama discurso/ação
ambientalista: democracia, solidariedade, justiça, cuidado... o respeito ao
ambiente muitas vezes ocorreu por meio da admiração, do impacto causado pela
magnitude da expressão dos fenômenos naturais ou pela compreensão de sua
lógica de funcionamento (não à toa, muitos são biólogos e geógrafos). Ou pela
admiração resultante da força ou exemplo de pessoas inseridas num contexto de
conflito ou problema ambiental e até mesmo pela sensação de impacto ao
perceber esse tipo de contexto. E aqui entra a empatia. Aprender a ter algo em
consideração, dar-lhe importância, pode relacionar-se com o tipo de experiências
vividas e reflexões que suscita (ex: conflitos e desigualdade levando à priorização
da busca de justiça social, da paz, da equanimidade).
b) como se aprende a avaliar? Lembrando que avaliar (em Michaelis) é
reconhecer a grandeza, a intensidade, a força; calcular o merecimento de;
verificamos que isso pressupõe tomar contato com o fenômeno em análise e
entender seus efeitos e desdobramentos.
De toda forma, parece que o conceito de empatia consubstancia em si ambas
as necessidades inerentes ao ato de estimar (apreço e avaliação). De acordo com
Houaiss, empatia é “a capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o
que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela
apreende”. É também o “processo de identificação em que o indivíduo se coloca
no lugar do outro e, com base em suas próprias suposições ou impressões, tenta
compreender o comportamento do outro”.
O que, é claro, se tornará tão mais fácil
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quanto mais superações tenha feito a pessoa no âmbito do que experimenta o
indivíduo analisado. A compreensão depende do autoconhecimento.
Em ambas as situações, se trata de perceber o outro, seja assimilando-o por
uma habilidade afetiva e energética, seja por uma via mais teórica racionalizada.
Fica evidente o problema para a Educação quando se contrasta a natureza do
aprender a valorizar com a forma defendida - e vivida - pelas sociedades
contemporâneas. Nestas, em vez de se buscar o valor das coisas pela ponderação
(juízo crítico) e pelo sentimento empático, busca-se fazê-lo precificando, ou seja,
reduz-se a existência ao valor de troca e à posse. Ilusão resultante da armadilha
paradigmática cujo domínio se estende por esse tipo de sociedade (urbano-
industrial-capitalista), na qual a medida de todas as coisas é o dinheiro e o poder.
Em síntese, tomando como válida a proposição de Mondin quanto à
necessidade de aprender a apreciar (ou estimar) para determinar o valor de cada
coisa enquanto guia que orienta nossas escolhas na vida, podemos concluir que
desenvolver um valor depende da capacidade de ponderar e de dedicar afeição a
uma dada realidade.
Mondin (2005) avalia que a hierarquia de valores varia muito, tanto na
prática, quanto nos estudos filosóficos. Uma vez que os valores não são coisas
abstratas, mas dimensões da realidade, relações essenciais para o ser humano, é
preciso haver um critério para estabelecer hierarquia entre os valores. E para
Mondin, o critério é a contribuição que a coisa, pessoa, ão pode dar para a
concretização do projeto humano. Assim, as diferenças propostas para as
hierarquias se devem a diferentes projetos de humanidade. O autor exemplifica
citando três filósofos e os ápices que geram e sustentam as respectivas hierarquias
de valores correspondentes aos seus projetos: Nietzche e a vontade de poder,
Marx e o trabalho, Freud e o prazer.
Apesar das proposições de Gouveia e de Mondin diferirem entre si,
pensamos poder aproveitar ambas as definições conjugadamente. Assim, valor
seria, para nós, um atributo baseado em nossa capacidade de estimar, isto é,
estabelecer relações empáticas com determinados projetos de humanidade em
busca de satisfazer determinadas necessidades.
É possível que a capacidade de estimar seja utilizada para o
desenvolvimento de valores novos, aqueles que se encontram no campo do
almejado, em fase de exercitação que pressupõe maior nível de
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autoconsciência. Atrevemo-nos a dizer que os valores reais, aqueles que de fato
mobilizam comportamentos e ações concretas, são aqueles bem sucedidos no
atendimento às necessidades, resultantes de aprendizado já consolidado.
Auxiliar cada pessoa a identificar os próprios valores, avaliá-los em termos
de satisfação pessoal e de adequação ao próprio projeto existencial (e de
humanidade, conforme diria Mondin) e, enfim, analisá-lo sob a luz da necessidade
de mudança paradigmática é ponto de partida para uma educação libertadora.
Contudo, a formação de sujeitos ecológicos e de educadores ambientais passa não
apenas pelo desenvolvimento e/ou qualificação da empatia, da ponderação, e da
qualificação das necessidades, mas também pelo desenvolvimento e/ou
fortalecimento dos demais recursos da consciência moral.
Nesta pesquisa, para efeito de análise dos dados, adotamos a tipologia de
valores de Gouveia. Ressaltamos, entretanto, que uma compreensão completa do
comportamento humano não é possível tomando em consideração apenas uma
variável (como valores). O ser humano é complexo e dinâmico. Nenhuma linha da
Psicologia ou do conhecimento conseguiu ainda apresentar uma visão global do
ser humano, de modo que cada qual busca explicitar a ênfase que lhe interessa.
Destacamos a análise dos valores em função do recorrente discurso no seio
da educação ambiental quanto à necessidade com a qual concordamos, mas sem
restringirmo-nos a ela de investir na formação, revisão e reformulação de
valores em prol da sustentabilidade.
Isto posto, pensamos ser necessário compreender a dinâmica de
manifestação dos valores para sermos capazes de contribuir educativamente neste
sentido.
4.6.
Valores enquanto sistema
Algumas pesquisas indicam haver relação entre formação de valores e
atitudes pró-ambientais.
“As atitudes podem ser definidas sucintamente como “uma organização duradoura
de crenças e cognições em geral, dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto
social definido, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos
relativos a este objeto” (RODRIGUES, ASSMAR, JABLONSKI, 1999, p.100).
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113
Assim, as atitudes ambientais podem ser consideradas como sentimentos
favoráveis ou desfavoráveis acerca do meio ambiente ou sobre um problema
relacionado a ele, e têm sido definidas como percepções ou convicções relativas
ao ambiente, inclusive fatores que afetam sua qualidade (por exemplo,
superpopulação, poluição). Estas atitudes podem se referir a experiências
subjetivas e aprendidas, apresentando em sua composição as crenças relacionadas
ao objeto atitudinal (neste caso, o meio ambiente) expressas através do
comportamento. São atitudes que se correlacionam significativamente com índices
de comportamento pró-ambiental. No estudo de Coelho (2006), uma menção a
uma medida avaliadora de atitudes pró-ambientais, desenvolvida por Thompson e
Barton. A partir dfoi proposta a existência de dois tipos de atitudes ambientais:
ecocêntricas e antropocêntricas. Cada uma delas expressa a preocupação
ambiental e o interesse em preservar a natureza e seus recursos por motivos
distintos.
“O antropocentrismo tem como base motivacional o interesse em manter a
qualidade de vida, a saúde e a existência humana, e, para tanto, faz-se necessário
preservar os recursos naturais e o ecossistema; havendo assim uma relação de
troca, em que o homem preserva a natureza para seu benefício. Já para o
ecocentrismo, a natureza é uma dimensão espiritual e de valor intrínseco que é
refletida nas experiências humanas relacionadas com os sentimentos sobre o
ambiente natural; o homem está conectado à natureza e a valoriza por si mesma.
Em outras palavras, atitudes antropocêntricas estão baseadas nos efeitos que os
problemas ambientais estão causando nos seres humanos, enquanto as ecocêntricas
se baseiam em valores intrínsecos da natureza” (COELHO, 2006, p.201-202).
Coelho (2006) recorda-nos acerca da existência da relação entre valores,
atitudes e comportamentos pró-ambientais, a partir da argumentação de Rokeach
(1968/1981) para quem as crenças, atitudes e valores estão atrelados, formando
um sistema cognitivo funcionalmente integrado. De modo que uma mudança em
qualquer parte deste sistema afetará outras partes e culminará em mudança
comportamental. Considerando este aspecto, Coelho comenta os estudos de Stern
e Dietz, que tomaram em conta a orientação segundo a qual valores podem afetar
as crenças e atitudes, e, portanto, o comportamento. Para eles, as normas morais
podem ser ativadas não só por valores socioaltruísticos, mas também por valores
egoístas e biosféricos o que comprovaram empiricamente: correlação positiva
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114
dos comportamentos pró-ambientais com valores biosféricos, e negativa com
valores egoístas (COELHO, 2006, p.202).
Este tipo de estudo revela que o estudo de valores também pode ser
estratégico para melhor compreensão das relações entre sujeitos e demais
componentes do ambiente, repercutindo na formulação de processos educativos
para educadores ambientais e/ou pessoas sensíveis e ativas quanto ao cuidado
ambiental.
“Karp (1996), em seu estudo sobre os valores e seus efeitos sobre o comportamento
pró-ambiental, utilizou a tipologia proposta por Schwartz (1992, 1994) e verificou
que, das quatro categorias de valores sugeridas por este autor, autotranscendência
e abertura à mudança apresentaram influência positiva no comportamento pró-
ambiental, enquanto autopromoção e conservação apresentaram direção inversa.
Schultz e Zelezny (1999) encontraram resultados semelhantes ao utilizar os tipos
motivacionais de valores de Schwartz (1992, 1994) como preditores de atitudes
ambientais. Mesmo considerando construtos diferentes, os resultados são
comparáveis aos previamente descritos. Concretamente, estes autores verificaram
que o tipo motivacional universalismo, que faz parte da categoria
autotranscendência, foi o mais forte explicador das atitudes ambientais
ecocêntricas. Mais detalhadamente, através de análises de regressão, estes autores
verificaram que o tipo motivacional universalismo predisse positivamente as
atitudes ecocêntricas, enquanto os tipos motivacionais poder e tradição o fizeram
negativamente. Por outro lado, as atitudes antropocêntricas foram preditas
positivamente pelos tipos motivacionais poder, tradição, conformidade e
segurança, e negativamente, por benevolência” (COELHO, 2006, p. 203)
Estes estudos, porém, trabalham com valores no plano teórico, isto é, na
intenção do sujeito em agir desta forma. Por existir muitas vezes uma distância
entre o que a pessoa diz ou deseja fazer e o que realmente faz, analisar sua história
de vida ou fazer análises experimentais vivenciais pareceu-nos ser mais preciso. O
próprio Coelho confirma esta hipótese:
“Hines e cols. (1987) verificaram que a forma de mensuração destes
comportamentos (através de verificação do comportamento real ou através de auto-
relatos) atenua a correlação entre atitudes e comportamento; assim, as correlações
são maiores quando o comportamento real é mensurado. Por isso, recomenda-se o
uso de outros métodos, tais como a observação direta ou os traços de
comportamento (CORRAL-VERDUGO; PINHEIRO, 1999)” (COELHO, 2006,
p.204).
De acordo com Coelho (2006), no contexto brasileiro também se verificou
que a melhor explicação para o ecocentrismo era o tipo motivacional
universalismo, que representa compreensão, apreço, tolerância e proteção do bem
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115
estar dos indivíduos e da natureza. Pessoas que assumem esta orientação
valorativa tendem a apresentar atitudes, crenças e compromissos em favor do
meio ambiente em maior medida do que aqueles que não priorizam tais valores.
Ele sugere que o ensino de valores que contemplem a dimensão
universalismo (justiça social, sabedoria, igualdade, um mundo em paz, harmonia
interior, um mundo de beleza, união com a natureza, proteção do ambiente e
abertura) pode favorecer o desenvolvimento de atitudes ecocêntricas e, portanto,
comportamentos pró-ambientais. De fato, corroborando com isso e antecipando
algo dos resultados, em nossa pesquisa ficou constatado haver um predomínio do
tipo motivacional universalista, especialmente na categoria autotranscendência.
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Anseio por executar uma tarefa grande e nobre, mas é meu
dever principal executar tarefas humildes como se fossem
grandes e nobres. O mundo é movido não pelos
vigorosos empurrões dos seus heróis, mas também pelo
conjunto dos pequenos empurrões de cada trabalhador
honesto.
Hellen Keller
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5
Estrutura da pesquisa
Ao buscar saber que tipo de pesquisas vinha sendo realizado na área da
Educação Ambiental nos deparamos com um artigo de Valentin (2004), cujo
objetivo era exatamente esse. Embora o trabalho da pesquisadora não seja de
âmbito nacional, pareceu-nos indicar tendências freqüentes de fato.
Ela toma como fontes preliminares os Encontros intitulados “Pesquisas em
Educação Ambiental”, ocorridos em 2001 e 2003, e promovidos pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade de São Paulo (USP) e
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ao examiná-los constata que a
maioria das pesquisas foi ou está sendo realizada no ensino formal, geralmente
levantando as concepções, práticas, procedimentos e objetivos da EA para
professores e alunos. Porém, ela verifica que poucos trabalhos revelam o processo
de ensino e aprendizagem da Educação Ambiental que os professores
desenvolvem em suas práticas. Considera necessária a análise de três dimensões
que parecem presentes nas várias abordagens sobre EA: a natureza dos
conhecimentos, a dimensão valorativa (valores éticos e estéticos) e a dimensão
política.
Até o momento, poucos são os trabalhos que analisem, especificamente, os
valores em relação à educação ambiental, o que, mais uma vez, reforça a
importância deste tipo de estudo.
Valentin retoma a discussão proposta por Mazzotti e Gewandsznajder, que
destacam a pobreza teórico-metodológica na abordagem dos temas de pesquisa
educacional no Brasil, que muitas vezes se restringem a estudos puramente
descritivos e/ou “exploratórios”. Ao realizarem um debate sobre os modelos de
pesquisa em educação, na atualidade, considerados como sucessores do
positivismo: o pós-positivismo, a teoria crítica e o construtivismo, em seus
pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos, apontam para a
possibilidade de acomodação entre eles. Eles observam que as pesquisas
costumam fazer coexistir características e conhecimentos atribuídos a diferentes
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118
formas de pesquisa. Consideram, é claro, que embora a análise de tais
conhecimentos deva se dar de acordo com a
“metodologia adotada na pesquisa que os gerou, dificilmente um pesquisador pode,
ao construir seu problema de pesquisa ou ao comentar seus resultados, ignorar o
conhecimento acumulado por pesquisas anteriores na mesma área, pelo fato de
estas estarem vinculadas a outros paradigmas. Além disso, uma posição não-
compatibilista radical traria enormes dificuldades à realização de Congressos por
área de conhecimento, tal como hoje existem, pois não haveria possibilidade de
diálogo entre os adeptos de diferentes paradigmas” (Mazzotti e Gewandsznajder,
2001, p.143 apud Valentin, 2004).
Valentin prossegue em seu levantamento dos tipos de pesquisa realizados
em EA e concorda com Gayford, que identifica como principais linhas
investigativas:
a) “Pesquisa derivada da prática de ensinar. Pode ter sua origem no currículo
oficial, na investigação da interpretação de professores ou alunos de certos
assuntos, como os alunos aprendem ou aspectos da metodologia. Geralmente são
pesquisas de observação e análise.
b) Declarações e pontos de vista que descrevem a situação atual, com o propósito
de formular futuras instruções para o desenvolvimento do currículo nas escolas.
Geralmente relacionam-se com a política e com práticas atuais.
c) Pesquisa relacionada a pensamentos sobre a natureza e propósitos da Educação
Ambiental. Apresenta uma dimensão filosófica que considera questões, tais como:
a natureza do conhecimento, a influência do pensamento pós-moderno, o propósito
da educação e a noção de sustentabilidade. Tais pesquisas, geralmente, tornam-se
estudos, que objetivam o estímulo ao debate.
d) Pesquisa-ação, cuja finalidade é freqüentemente iniciar mudanças, encorajando
o processo de reflexão para, posteriormente, promover a transformação.
e) Experiências significativas de vida e seu impacto na formação dos educadores
ambientais.
f) Pensamentos e perspectivas que as pessoas possuem em relação ao futuro do
meio ambiente, com a intenção de superar a tendência natural em relação ao
desânimo e impotência dos alunos. São pesquisas para criar atitudes mais otimistas
em relação ao meio ambiente, direcionado ao ‘empowerment’.” (Valentin, 2004)
Analisando estas tendências podemos dizer que a presente pesquisa inclui as
preocupações das linhas a, b, c e principalmente e.
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119
Valentin conclui que não mais é possível alegar que um único paradigma de
pesquisa em educação possa proporcionar conhecimentos confiáveis, no que
concordamos, feita a ressalva de que é preciso verificar e apontar os pontos em
que são compatíveis e em que momento cabe o uso de cada um.
5.1.
Delimitação do problema
Como dissemos, pela legislação (BRASIL, 2002), a Educação Ambiental
deve ser incorporada pelas universidades, mídia, sociedade civil organizada,
escolas, empresas e outras instâncias. Apesar da aprovação da lei ser de 1999 é
recente sua regulamentação (2002) e mais recente ainda a organização em
estruturas políticas que a viabilizem. Somado a isso, a falta de preparo
profissional e de entendimento acerca do tema na sociedade, o preconceito
acadêmico e a confusão freqüente do leigo entre EA e ensino de ecologia
contribuem para tornar mais lenta a implementação desta forma de educação nas
diversas instâncias sociais.
Mas, apesar das dificuldades e contratempos, pessoas e grupos foram se
apropriando da Educação Ambiental e buscando torná-la realidade. Algumas delas
buscaram o apoio de uma formação acadêmica através de mestrados e doutorados
em diversas universidades e regiões do país (conforme VASCONCELLOS, 2000;
ALVES, 2006). Contudo, uma boa parte das pessoas buscou concretizar a EA de
modo autodidata. Devido às representações de ambiente e de educação e a
projetos de sociedade diferenciados, as práticas realmente executadas tomaram
caminhos um tanto diversos. Tanto assim, que da mesma forma que hoje se fala
em ambientalismos, também é preciso falar em vertentes da Educação Ambiental,
uma vez que esta lhes é tributária. Uma das contribuições atuais do Ministério do
Meio Ambiente (MMA) foi exatamente compilar tais tendências a partir de alguns
eixos classificadores e organizar este levantamento em um livro, gratuitamente
distribuído. Reunidos sob nomes distintos encontramos, grosso modo, dois
grandes grupos: aqueles que pretendem atuar de modo transformador (tanto no
que diz respeito à proposta pedagógica, como relativamente à utopia social) e
aqueles cuja intenção é promover um ajuste comportamental, sendo sua prática
educativa mais conservadora e voltada apenas ao fornecimento de informação.
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120
Pesquisas de Vasconcellos (2002) indicam a existência também de escolas
que estão realizando processos de Educação Ambiental, sem se dar conta disso.
Ou seja, atuam justamente na formação de valores contribuintes para uma vida e
relacionamentos sadios, além de informarem corretamente os alunos quanto a
aspectos ecológicos, políticos, econômicos e sociais. Ainda que estejam longe de
ser maioria no cenário brasileiro, estas escolas são um alento, mostrando que
sensibilidade para problemas atuais do mundo.
Contudo, é importante ressaltar que no mais das vezes voltam-se à EA
profissionais cujo tema de trabalho é diretamente o meio ambiente. A pequena
participação de pedagogos e educadores atesta uma percepção social ainda fraca
da EA enquanto educação. A falta de pertencimento explícito à área de Educação
ocasiona a realização de atividades e a tomada de atitudes denominadas
educativas, que de fato não o são. Decorre daí certa confusão: a de que explicar
coisas sobre o meio ambiente ou promover a sensibilização ecológica seria o
mesmo que EA. Ainda que ambas as medidas (sensibilizar e informar) sejam
necessárias, a educação ambiental se propõe a muito mais do que isso.
Esclarecemos, então, que a perspectiva de ambiente a ser utilizada por nós
na pesquisa está de acordo com Leff (2002, p.95), para quem meio ambiente não é
simplesmente o meio que circunda as espécies e as populações biológicas, mas
sim
“(...) uma categoria sociológica (e não biológica), relativa a uma racionalidade
social, configurada por comportamentos, valores e saberes, bem como por novos
potenciais produtivos. Neste sentido, o ambiente do sistema econômico está
constituído pelas condições ecológicas de produtividade e regeneração dos recursos
naturais, bem como pelas leis termodinâmicas de degradação de matéria e energia
no processo produtivo. O ambiente estabelece potenciais e limites às formas e
ritmos de exploração dos recursos, condicionando os processos de valorização,
acumulação e reprodução do capital.” (destaque nosso)
A questão ambiental, com sua complexidade, gerou a necessidade de
integrar os saberes. Produzir conhecimento é tarefa normalmente tomada a cargo
da academia. Sua estrutura facilita a difusão do que produz devido às publicações,
eventos e à formação contínua de novos profissionais. Certamente, um canal
influente intergeracional que poderia levar à construção desse novo tipo de saber
requisitado pelos nossos tempos. Tal necessidade, entretanto, parece ter sido
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121
pouco compreendida e mal dimensionada no espaço universitário,
caracteristicamente conservador.
O mesmo autor (LEFF, 2002, p.103) esclarece o caráter desse novo saber,
denominado ambiental:
“a ‘retotalização do saber’ exigido pela problemática ambiental não é a soma nem
a integração dos conhecimentos disciplinares disponíveis. (...) o saber ambiental
problematiza o conhecimento, porém sem desconhecer a especificidade das
diferentes ciências historicamente constituídas, ideologicamente legitimadas e
socialmente institucionalizadas. (...) O saber ambiental tampouco constitui uma
‘dimensão’ neutra e homogênea para ser assimilada pelos paradigmas atuais de
conhecimento. Pelo contrário, o saber ambiental depende do contexto ecológico e
sociocultural no qual emerge e se aplica. É um saber que nasce diferenciado, em
relação com o objeto e o campo temático de cada ciência, questionando e
induzindo uma transformão desigual de seus conceitos e métodos. (...) Nesse
processo vai se definindo o ‘ambiental’ de cada ciência centrada em seu objeto de
conhecimento, que leva a sua transformação para internalizar o saber ambiental que
emerge em seu entorno. São esses corpos transformados de conhecimentos os que
se estendem para uma articulação interdisciplinar do saber ambiental.” (destaques
nossos)
A variedade e a concentração de áreas de estudo na academia favoreceriam
um entendimento rico da questão ambiental. Considerando o papel formador e
profissionalizante da Universidade, podemos inferir que a adoção real da
perspectiva educativo-ambiental neste espaço teria grande capilaridade na
sociedade, contribuindo para disseminar a EA de maneira qualificada em diversas
áreas de atuação. Se isso ainda não ocorreu parece-nos que além dos fatores já
mencionados pode haver resistências devido à demanda de posturas
interdisciplinares, participativas, autobuscadoras e autotransformadoras,
necessárias para que a EA se viabilize para além do discurso. Talvez mesmo as
concepções de educação de nossos professores estejam empobrecidas um
aspecto que pode ser bastante relevante, uma vez que a formação para a entrada
no meio acadêmico brasileiro jamais priorizou a docência, atividade considerada
menos nobre entre as atividades universitárias. A pesquisa, sim, configurou-se
desde o início passaporte para o exercício acadêmico. Ainda que grande parte do
tempo de nossos pesquisadores seja consumida em atividades docentes muitas
vezes não desejadas, apenas toleradas como obrigações protocolares.
De toda forma, apesar do conservadorismo e da dificuldade de enfrentar a
retotalização do saber há casos de Educação Ambiental na universidade. O que
nos leva diretamente à questão desta pesquisa: o que ocorre com estes poucos
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122
indivíduos da Academia que adotaram a pesquisa e a docência sob a perspectiva
da EA: terão sido seus valores que os encaminharam a isso? Que meios e
experiências morais os teriam produzido? E de que forma?
Em síntese, dada a importância da universidade na formação profissional e
seu papel humanizador, teoricamente de vanguarda, quisemos investigar que
valores norteariam docentes universitários, de maneira a favorecer práticas
educativo-ambientais; além de buscar saber também de que maneira eles foram
construídos. Como dissemos, conhecer este processo pode contribuir para futuras
ações formadoras de profissionais portadores de um ethos ecológico.
Concordamos com Habermas, integrante da segunda geração da teoria crítica, de
Frankfurt, para quem “a prática
científica deveria intervir na realidade social, o
conhecimento científico precisaria estar engajado na transformação ativa da sociedade”
(SILVA, 2008, p.80).
Considerando o espírito que originou o nascimento da EA, tomamos por
base nesta pesquisa predominantemente aqueles educadores ambientais adeptos de
uma prática transformadora (conforme LOUREIRO, 2004), o que por si indica
estarem eles em melhores condições para enfrentar o desafio paradigmático
proposto pela EA.
5.2.
Estratégias e público a pesquisar
Dada a natureza do objeto de pesquisa valores e nossa intenção de
compreendê-lo de modo processual e contextual foi conveniente adotar uma
abordagem qualitativa.
Apresentaremos a seguir a perspectiva metodológica utilizada, os recursos
de busca dos dados e uma breve descrição do perfil do público estudado no que
tange a sua inserção no campo ambiental pela via dos valores.
Alves-Mazzotti (1999) analisa as diferentes possibilidades metodológicas no
âmbito da pesquisa qualitativa e encontra em Patton o denominador comum a esta
classe de pesquisa:
“a principal característica das pesquisas qualitativas é o fato de que estas seguem a
tradição ‘compreensiva’ ou interpretativa. Isto significa que essas pesquisas partem
do pressuposto de que as pessoas agem em função de suas crenças, percepções,
sentimentos e valores e que seu comportamento tem sempre um sentido, um
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123
significado que não se dá a conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado.”
(ALVES-MAZZOTTI, 1999, p.131)
A autora desdobra em três as características decorrentes desta natureza de
estudo: visão holística, segundo a qual a compreensão de um fenômeno só é
possível a partir do entendimento das inter-relações presentes num certo contexto;
abordagem indutiva, na qual o pesquisador parte de observações livres, deixando
que as dimensões e categorias de interesse emerjam progressivamente com a
coleta e análise de dados; e investigação naturalística, ou seja, aquela na qual a
intervenção do pesquisador no contexto observado se reduz ao mínimo.
Dentre as três grandes possibilidades presentes no campo da pesquisa
qualitativa, construtivismo social, pós-positivismo e teoria crítica, nos
identificamos principalmente com as preocupações da teoria crítica. Nesta
abordagem, procura-se
“investigar o que ocorre nos grupos e instituições relacionando as ações humanas
com a cultura e as estruturas sociais e políticas, tentando compreender como as
redes de poder são produzidas, mediadas e transformadas. Parte-se do pressuposto
de que nenhum processo social pode ser compreendido de forma isolada, como
uma instância neutra acima dos conflitos ideológicos da sociedade” (ALVES-
MAZZOTTI, 1999, p.131).
Nosso olhar por certo se inspirou nessa perspectiva. E identifica sua adoção
por Isabel Carvalho (2002) em recente pesquisa sobre o sujeito ecológico, quando
a pesquisadora buscou compreendê-lo em sua imbricação com a formação do
campo ambiental, por sua vez também conformador das identidades do sujeito
ecológico, numa rede de mútuas influências. Para ela, o auto-relato “é o locus
desse encontro entre a vida íntima do indivíduo e sua inscrição numa história
social e cultural” (CARVALHO, 2002, p.71).
Em apoio a esta visão de inter-relação e mútua influência geradora entre
sociedade e indivíduo, recorremos também a Zaia Brandão (2002), que, discutindo
sobre a tensão objetivismo/ subjetivismo, agentes/ estruturas terreno espinhoso
da sociologia afirma a tendência atual dessas oposições serem superadas pelas
novas sociologias, cuja posição é defender que o
“coletivo é individual e que os níveis microssociais constroem gradativamente
padrões de ações e representações que se consubstanciam em estruturas de níveis
macrossociais. Essas novas sociologias propõem perspectivas teóricas que podem
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elucidar tanto os processos que vão das estruturas sociais às interações, como os
que vão das interações às estruturas sociais.”
Dentre as possibilidades metodológicas, afigurou-se-nos adequado
instrumento de coleta de dados a técnica dos depoimentos biográficos, uma vez
que permite acompanhar o processo de formação do indivíduo, as experiências
que lhe foram significativas, a construção do significado da vida e do mundo e de
sua localização pessoal neste a partir de um projeto de vida.
Tendo em vista que nosso interesse principal é a constituição de valores dos
indivíduos, que os tenham direcionado a um engajamento educativo-ambiental,
tomaremos como pano de fundo as idéias de Puig (1998) quanto à construção da
consciência moral e a proposta filosófica de Guattari (1995), por ele denominada
Ecosofia. Segundo este autor, para que seja eficaz, a articulação entre ética e
política deve integrar os três registros ecológicos: ambiental
32
, das relações sociais
e da subjetividade humana. Para ele, não haverá
“verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a
condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural
reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Esta
revolução deverá concernir, portanto, não às relações de forças visíveis em
grande escala mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de
inteligência e de desejo” (GUATTARI, 1995, p.9).
Guattari considera que a valorização das atividades humanas passa hoje por
dois pólos principais e dominantes: o controle das relações sociais e
internacionais pelo meio policial e militar, e, o império do mercado mundial,
responsável pela fragmentação dos sistemas particulares de valor e por tornar
equivalentes bens materiais, bens culturais e paisagens naturais.
Nesse sentido, docentes que optaram por uma proposta pedagógica
participativa e interdisciplinar, que abriga e estimula o pensamento complexo e a
ética da sustentabilidade (LEFF, 1999) e, além disso, que se volta para a formação
da autonomia, de uma coletividade cidadã emancipada e contextualizada
ambientalmente e, por isso mesmo, solidária e de atitude respeitosa para com a
vida, parecem ser profissionais cujos valores se chocam com a realidade
majoritária. Fariam parte, de certa forma, de uma contracultura forjada ao longo
32
Esclarecemos que em nosso entendimento o termo ambiental abarca também a subjetividade e
as relações sociais, além das interações ecossistêmicas. Entretanto, para sermos fiéis à
terminologia adotada por Guattari, mantivemos o vocábulo na classificação.
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125
dos últimos 40 anos a partir de diversas perspectivas (CARVALHO, 2002):
aproximação do paradigma oriental (unidade mente-corpo, homem-natureza), a
atualização da sensibilidade romântica (contestando a racionalidade instrumental
da modernidade, seu materialismo e belicismo, sem contudo deixar de valorizar a
outra face da modernidade, como o desenvolvimento de valores éticos e
democráticos e uma educação virtuosa do sujeito) e a politização da vida privada,
perspectiva segundo a qual a “mudança pessoal tende a ser vista como contraface
da mudança social, e o auto-aperfeiçoamento como simultaneamente o
aperfeiçoamento do coletivo” (CARVALHO, 2002, p. 60).
Isabel Carvalho entende que o ecologismo contribuiu para trazer à esfera
pública a crítica aos valores do capitalismo industrial ao mesmo tempo em que
promovia um ideário emancipatório o marco fundador da história política do
campo ambiental. Em seu estudo definiu o sujeito ecológico como aquele “tipo
ideal que alude simultaneamente a um perfil identitário e a uma utopia societária”
(p.71), oferecendo-se à sociedade como modelo ético para o estar no mundo à
medida que o campo ambiental vai se legitimando.
A abrangência da proposta utópica ambientalista pode ser compreendida
também pelo olhar de Guattari (1995, p.15), para quem as principais questões
(racismo, falocentrismo, desastres “legados por um urbanismo que se queria
moderno”, “uma criação artística libertada do mercado”, “uma pedagogia capaz
de inventar seus mediadores sociais etc.”) de nossos tempos são atravessadas
transversalmente por uma mesma perspectiva ético-política. Trata-se, para ele, da
produção da existência humana em novos contextos históricos.
Segundo Guattari (1995, p.24),
“não é justo separar a ação sobre a psique daquela sobre o socius e o ambiente. A
recusa a olhar de frente as degradações desses três domínios (...) confina num
empreendimento de infantilização da opinião e de neutralização destrutiva da
democracia.”
E é este sujeito ecológico, portador de uma busca social firmada na vida de
qualidade, que na situação de docente universitário, constitui o público que nos
interessou.
Especialmente, como nos avisa Nóvoa (2000, p.9-10), porque hoje se
sabe que
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“não é possível separar eu pessoal do eu profissional, sobretudo numa profissão
fortemente impregnada de valores e de ideais e muito exigente do ponto de vista do
empenhamento e da relação humana. (...) É que ser professor obriga a opções
constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar, e
que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser.”
Nóvoa falava de professores. Se no contexto docente isso é verdade e é
que dizer então da situação de educador(a) ambiental, cuja missão docente (auto-
proposta) se soma à transformação de paradigmas, mentalidades e
comportamentos (inclusive o seu próprio) tendo em vista a saúde das relações
entre os seres vivos?
De modo geral, Isabel Carvalho encontrou em sua pesquisa um espectro de
atributos e valores que traduzem as múltiplas faces do sujeito ecológico. Em sua
percepção, ele pode ser visto em três versões:
grandiosa, como um sujeito heróico, vanguarda de um movimento histórico,
herdeiro de tradições políticas de esquerda, mas protagonista de um novo
paradigma político-existencial; em sua versão new age é visto como alternativo,
integral, equilibrado, harmônico, planetário, holista; e também em sua versão
ortodoxa, na qual é suposto aderir a um conjunto de crenças básicas, uma espécie
de cartilha ou ortodoxia epistemológica e política da crise ambiental e dos
caminhos para enfrentá-la” (CARVALHO, 2002, p.74)
Assim, pensamos que os valores compartilhados pelos educadores
ambientais também constituem elemento da identidade de sujeitos ecológicos.
Estes valores poderão ser melhor compreendidos em seu processo de construção
através de uma abordagem histórico-pessoal, que contemple o desenvolvimento
da pessoa, relacionando-o aos meios de experiência moral com os quais conviveu.
Nesse sentido, cabe explicar como foram abordadas as histórias das pessoas.
Uma técnica antiga para este tipo de pesquisa, em seus primórdios denominada
apenas como “relato”, é a história oral e, dentro dela, a assim chamada história de
vida. Maria Isaura Queiroz (1988) conta que foi uma técnica bastante utilizada
pelos sociólogos nos primeiros 50 anos do século XX. Com o crescimento do uso
dos métodos quantitativos praticamente houve um esquecimento da história de
vida como recurso de pesquisa, até que fosse novamente resgatada anos e anos
depois pela Psicologia Social.
Segundo Queiroz, a história oral pode registrar a história de um só indivíduo
ou de uma coletividade, quando busca-se
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127
“uma convergência de relatos sobre um mesmo acontecimento ou sobre um
período do tempo. A história oral pode captar a experiência efetiva dos narradores,
mas também recolhe destes tradições e mitos, narrativas de ficção, crenças
existentes no grupo, assim como relatos que contadores de histórias, poetas,
cantadores inventam num momento dado” (QUEIROZ, 1988, p.19).
A pesquisadora classifica em quatro tipos principais os relatos da história
oral: história de vida propriamente dita, depoimentos pessoais, biografias e
autobiografias. Cada vertente dessas possui características singulares. Enquanto
as biografias e autobiografias priorizam a história de uma pessoa, principalmente
naquilo que ela tem de único e específico (no caso da biografia buscando
compreender a formação daquela personalidade), as histórias de vida e
depoimentos retratam a pessoa, sim, mas através dela se pode compreender
melhor as relações “com os membros do seu grupo, de sua profissão, de sua
camada social, de sua sociedade global” (QUEIROZ, 1988, p.20). E em nosso
caso específico, os meios de experiência moral e os problemas morais.
O que nos interessa apontar agora são as diferenças entre história de vida e
depoimento pessoal: e a principal delas está na condução da entrevista pelo
pesquisador. Enquanto na história de vida o informante fala sobre o que quiser e é
preciso muito tempo, no depoimento, temos o uso de uma entrevista dirigida ou
semidirigida pelo pesquisador, que colhe da vida de seu informante os aspectos
que se refiram ao seu problema de estudo especificamente. É possível realizá-la
num único encontro, o que seria bem mais difícil no caso das histórias de vida
clássicas. Outro ponto importante se refere à forma de organização dos dados: no
caso dos depoimentos e até das histórias de vida, quando utilizadas com um olhar
sociológico ou antropológico, é possível fazer recortes e decompor a entrevista em
fragmentos. Já quando as histórias de vida são utilizadas com fins de estudo
psicológico esse procedimento não é recomendável, da mesma forma que ocorre
com as biografias.
Queiroz (1988) indica uma série de cuidados na realização e transcrição das
entrevistas, na organização dos dados, na combinação com outros meios de coleta
de dados e mesmo no momento oportuno durante a pesquisa para utilização da
técnica. Entretanto, seja qual for o momento da aplicação da técnica chega-se com
ela
“aos valores inerentes aos sistemas sociais em que vivem os informantes, que
dados como os estatísticos certamente não fornecem. (...) O indivíduo é também
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128
um fenômeno social. Aspectos importantes de sua sociedade e do seu grupo,
comportamentos e técnicas, valores e ideologias podem ser apanhados através de
sua história. (...) [da mesma forma] o pesquisador colhe dados que indicam como
se formou a personalidade de um indivíduo, através de seqüências de experiências
no decorrer do tempo. (...) [ a técnica] se encontra apoiada em duas disciplinas, a
psicologia e a sociologia. A história de vida é portanto a técnica que capta o que
sucede na encruzilhada da vida individual com o social (QUEIROZ, 1988, p.28,
35,36).
Em certa medida, Carvalho (2002) com sua pesquisa acerca do campo
ambiental traçou alguns destes contornos. Em nossa pesquisa, pretendemos
enfatizar o aspecto da formação dos valores, visto serem eles uma das raízes da
Educação Ambiental.
A análise de Demartini (1988) quanto aos cuidados, às dificuldades e ao
tempo necessário para o estudo através das histórias de vida, somada aos
interesses específicos desta pesquisa, levou-nos a optar pelo uso dos depoimentos
biográficos através de entrevistas semi-estruturadas.
Lembramos, com Moita (2000, p. 116-117) que
“só uma história de vida permite captar o modo como cada pessoa, permanecendo
ela própria, se transforma. Só uma história de vida põe em evidência o modo como
cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para
ir dando forma à sua identidade, num diálogo com os seus contextos. Numa
história de vida podem identificar-se as continuidades, as rupturas, as coincidências
no tempo e no espaço, as ‘transferências’ de preocupações e de interesses, os
quadros de referência presentes nos vários espaços do quotidiano.”
Reforça essa opção a experiência de Duarte (2004), que em sua análise
sobre instrumentos em pesquisas qualitativas, julga as entrevistas fundamentais
“quando se precisa deseja/mapear práticas, crenças, valores e sistemas
classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados,
onde os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados (...)”
(DUARTE, 2004, destaque meu).
Para a pesquisadora citada, as entrevistas constituem recurso trabalhoso,
demandando preparo teórico e competência técnica. Para melhor esclarecer, a
autora sugere uma série de requisitos mantenedores do rigor necessário:
1. Ter os objetivos de pesquisa bem definidos e introjetados;
2. Conhecer razoavelmente bem o contexto onde será realizada a
investigação;
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129
3. Introjetar o roteiro de entrevista, bem como testá-lo antes de partir para
as entrevistas válidas;
4. Ter segurança e autoconfiança;
5. Manter certa informalidade, sem perder os objetivos de vista;
6. Cuidados na apresentação pessoal, escolhendo roupa neutra que não
induza o entrevistado a falas e comportamentos;
7. Pontualidade.
8. Na análise sugere cuidados relativos à interpretação, à construção de
categorias e com a tendência ainda comum de utilizar apenas os dados que
“confirmem” as hipóteses do pesquisador ou ilustrem teorias que ele absorveu.
Propõe atenção à interferência da subjetividade do pesquisador(a), assumindo-a,
como parte do processo investigativo.
Inicialmente, além das entrevistas, tínhamos também a proposta
complementar de elaboração de um diário (o mais cotidiano possível), durante o
período de uma quinzena, em que os docentes registrariam suas anotações a partir
da seguinte orientação:
enquanto educador(a) ambiental, registre as decisões e escolhas
tomadas neste período, contextualizando a situação, os sentimentos, reflexões e
motivações que o(a) levaram a cada opção.
Entretanto, dada a intensa atividade e rotina de viagens dos professores
pesquisados optamos por substituir esta estratégia pelo uso de um mini-inventário,
de ordem mais pessoal, o qual na maioria das vezes foi incorporado na entrevista,
a pedido do entrevistado. Nas conversas preliminares à entrevista apresentamos os
instrumentos da pesquisa e solicitamos a cada entrevistado(a) que decidisse se
preferia escrever sobre os tópicos do mini-inventário para enviá-lo por escrito ou
se seria melhor incorporar os temas à entrevista – opção geralmente adotada.
O mini-inventário também permite, de modo semelhante ao do diário,
identificar possíveis valores que possam ter orientado as decisões, pois parte de
escolhas realizadas e suas motivações.
As instruções temáticas para registro no mini-inventário foram as seguintes:
Liste temáticas dos pensamentos no cotidiano
Relacione as emoções e sentimentos recorrentes e mais freqüentes do dia
a dia
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130
Elenque as principais decisões tomadas na vida
Identifique as principais motivações pessoais
Critérios que embasam suas escolhas
Avalie o perfil pessoal de gastos
Omissões deficitárias e superavitárias
Comente situações em que teve vergonha de si mesmo(a) ou se sentiu
culpado(a)
Escala de Prioridades (reais) da sua vida e sua base
Hierarquize seus valores a partir da análise realizada neste inventário
Todas elas remetem às escolhas pessoais e à forma como este processo
ocorre: suas motivações, campos de ação, graus de importância, nível de
coerência. São questões alicerçadas no cotidiano e nas ações concretas do sujeito,
de maneira a ir além das idealizações e daqueles valores situados no campo do
almejado.
Estamos cientes das dificuldades deste tipo de proposta e de que a
“qualidade do material produzido depende do grau de implicação de cada
participante, do desejo e capacidade de fazer memória de sua vida para a encontrar,
exprimir e analisar. Esta implicação gera-se a partir de um ‘contrato de confiança’,
de uma negociação clara em torno dos objetivo do trabalho e do que se espera de
cada um dos participantes. Esta clarificação contém também as condições
deontológicas que se impõem e que dizem respeito ao ‘destino’ do material
recolhido e ao eventual anonimato dos intervenientes.” Da mesma forma, sabemos
que o tipo de relação “a manter com os narradores é caracterizado pela
colaboração, pela partilha, pela escuta empática, por uma atitude que reflecte uma
situação de paridade” (Moita, 2000: p.117 e 118).
Na estrutura das entrevistas
33
também procuramos incorporar questões as
quais permitissem identificar valores subjacentes às práticas educativo-
ambientais, além de acontecimentos da vida do educador(a) que possam ter
originado ou consolidado os valores que o (ou a) levaram a atuar com a educação
ambiental. Neste sentido, selecionamos alguns tópicos (família, escola,
universidade, trabalho, formação continuada) que podem evidenciar meios de
experiência moral, conforme Puig (1998). Apenas recordando, este autor
classifica os meios de experiência moral em categorias, como: a família, que
impregna valores e normas de convivência fundamentais; a escola, que propicia
33
Roteiro de entrevista no Apêndice.
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131
relações variadas com iguais, com adultos, com normas e tarefas; os âmbitos de
preparação para o trabalho, que abrem um novo horizonte de problemas micro e
macro-éticos; os espaços cívicos, os quais indicam a percepção de novos tipos de
problemas, além de trazer um novo tipo de experiência de ajuda e
responsabilidade; o trabalho; o lazer adulto; a formação da própria família, que
geram novos meios de vida e, portanto, de experiências morais; os meios de
comunicação de massa, que possibilitam relacionar as demais experiências com a
oferecida por esta via.
5.3.
Critérios de escolha
Para resolver que docentes fariam parte da pesquisa decidimos pelo uso de
um sistema constituído na legitimação pelo reconhecimento dos pares.
Considerando que as pessoas a serem estudadas assumem o perfil de sujeitos
ecológicos, pareceu-nos bastante adequada a indicação em rede. O critério
reputacional tem sido usado em pesquisas realizadas na área ambiental. Um caso
bastante conhecido é o levantamento do ISER intitulado “o que o brasileiro pensa
do meio ambiente” (CRESPO, 1992, 1997, 2002). Assim, o primeiro professor
entrevistado, de atuação reconhecida no campo ambiental, enquanto docente,
autor, pesquisador e ativista, membro do corpo pedagógico da UFRJ, deveria
indicar um segundo(a) docente, visto como educador(a) ambiental, para o
prosseguimento da coleta de dados.
Convém esclarecer que a pesquisa não pretendeu esgotar o repertório de
educadores ambientais de todo o Brasil, como também não se circunscreveu
especificamente a um município, em função do caráter indicativo de busca dos
sujeitos em estudo. Foi interrompida a cadeia de entrevistas quando se observou
certo padrão e repetição de informações. No caso desta pesquisa, provavelmente
em decorrência do público estudado compor um perfil específico e minoritário na
sociedade e talvez por sua identidade de sujeitos ecológicos, este padrão surgiu
logo no início das entrevistas (na sétima estava configurado). No entanto, por
uma questão de cuidado, demos prosseguimento às interlocuções, entrevistando 6
pessoas a mais, a fim de nos assegurarmos acerca da identificação correta quanto
à recorrência dos dados.
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132
5.4.
Indicadores
Na busca de compreender a escolha profissional destes docentes
revisitamos, também, os significados das palavras escolha e valores. Começando
pelo dicionário Houaiss eletrônico (2000), a escolha é a “preferência que se a
alguma coisa que se encontra entre outras; predileção; opção entre duas ou mais
coisas; ato de eleger; eleição; capacidade de escolher bem, de escolher com
discernimento.”
Se a escolha é uma preferência, implica em posicionamento, na aposta de
algo enquanto se abre mão de outro algo. As escolhas, portanto, têm relação direta
com intenção, discernimento, criticidade, sensibilidade.
Ocorre que valor é a escolha consolidada, isto é, um guia recorrente e
introjetado historicamente no percurso do indivíduo, indicando uma tendência ou
preferência no campo das decisões. Trata-se antes de tudo do reconhecimento e
reafirmação daquilo que importa para uma pessoa.
Com a chancela do dicionário Houaiss, seguimos agora com a palavra
valores:
“importância, destaque em uma escala comparativa; reconhecimento, de um ponto
de vista afetivo, da importância ou da necessidade (de algo ou alguém); conjunto de
traços culturais, ideológicos ou institucionais, definidos de maneira sistemática ou em sua
coerência interna; no pensamento moderno de tendência relativista, cada um dos preceitos
ou princípios igualmente passíveis de guiar a ação humana, na suposição da existência de
uma pluralidade incontornável de padrões éticos e da ausência de um Bem absoluto ou
universalmente válido, qualidade humana de natureza física, intelectual ou moral, que
desperta admiração ou respeito (...)”.
Mas valor também traz a idéia de utilidade (“capacidade de satisfazer
necessidades; utilidade, préstimo, serventia”), de legitimidade (“qualidade do que
apresenta validade, do que é legítimo, válido, veraz”), de coragem (“ausência
completa de medo; valentia, coragem, intrepidez”) e de bem-fazer (“qualidade do
que alcança a excelência, do que obtém primazia ou dignidade superior”). É
sinonímia de coragem (“moral forte perante o perigo, os riscos; bravura,
intrepidez, denodo, fimeza de espírito para enfrentar situação emocionalmente ou
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moralmente difícil”). Trata-se, portanto, de uma ferramenta de trabalho no ofício
inevitável e intransferível de viver.
Assim, consideramos estes aspectos também ao modo de indicadores da
presença de valores ao rever o discurso de nossos entrevistados(as).
Em síntese, tais indicadores são: priorização (referente à acepção: destaque
em uma escala comparativa); apego/paixão/motivação (referente ao
reconhecimento afetivo da importância ou necessidade); ser referência (pois trata-
se de um traço cultural, princípio-guia); tendência à firmeza, intrepidez e busca de
legitimidade nas escolhas.
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Muitas pessoas têm uma idéia errada sobre o que constitui
a verdadeira felicidade. Ela não é alcançada por meio da
gratificação pessoal, mas através da fidelidade a um
objetivo que valha a pena.
Hellen Keller
Quem tem por que viver pode suportar quase qualquer
como.
Friedrich Nietzche
O homem que jura fidelidade a uma causa impõe-se
limitações mais fortes do que a de qualquer escravo,
porque deu seu coração.
Harry Emerson Fosdick
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6
Os entrevistados(as): quem são, o que querem e como
vivem
Saber quem são e o que querem nossos entrevistados implica compreender a
existência de um horizonte existencial onde se desenvolve certo projeto de vida e
se manifestam desejos. O aspecto referente a como vivem traduz a prática
existencial concreta, as realizações e dificuldades destas pessoas. Tal prática
operacionaliza o projeto de vida dos(as) docentes e a ele subjazem valores.
Conheçamos, então, um pouco melhor estas pessoas.
6.1.
Caracterização
Para brevemente caracterizar o público estudado, apresentamos a seguir
alguns aspectos básicos, organizados ao modo de uma ficha, com um quadro-
resumo ao final.
Procedência. Ao todo foram 13 entrevistados(as), estando representadas
através deles as seguintes universidades: UERJ (Universidade Estadual do Rio de
Janeiro), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), UFRRJ (Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro), UFF (Universidade Federal Fluminense),
UNIRIO (Universidade do Rio de Janeiro), PUC-Rio (Pontifícia Universidade
Católica), Faculdade Católica de Petrópolis, UNISO (Universidade de Sorocaba),
USP (Universidade Estadual de São Paulo), nove ao total.
Gênero. Dos 13, quatro pertencem ao gênero masculino e nove ao feminino.
Localização. Em termos de residência, oito são moradores do município do
Rio de Janeiro, dois da cidade de São Paulo, um de Niterói e duas de Petrópolis.
Formação inicial. Dos 13, seis se graduaram em Ciências Biológicas, uma
em Enfermagem, um em Geografia, uma em Teologia, um em História, uma em
Filosofia, uma em Serviço Social. Três destes profissionais possuem duas
graduações: Teologia e Psicologia, Biologia e Pedagogia, Biologia e Psicologia.
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136
Formação continuada. Todos realizaram especializações e mestrado e
apenas duas não concluíram seus doutorados. As áreas de estudo na pós-
graduação convergiram para a questão socioambiental, sempre havendo
preocupação com as mazelas sociais.
Faixa etária. A maioria encontra-se próxima dos 40 anos (sete pessoas),
duas pessoas têm cerca de 60 anos e os quatro restantes por volta de 50.
No quadro seguinte apresentamos a situação geral dos(as)
entrevistados(as), identificando-os nominalmente por estrelas e constelações.
Quadro 5 – Quadro geral do perfil docente
Docentes Procedência Formação
inicial
Formação
continuada
Gênero Faixa
etária
Localização Local da
entrevista
Perseu (UFRJ) Biologia Doutorado M 40 RJ Universidade
Polux (UFRRJ) Geografia Doutorado M 40 RJ Residência
Auriga (UERJ) Biologia e
Pedagogia
Doutorado F 40 RJ Universidade
Carena (UNIRIO) Biologia e
Psicologia
Mestrado F 50 Petrópolis Universidade
Aquarius (UFF) História Doutorado M 50 Niterói Universidade
Lira (UERJ) Biologia Pós-
Doutorado
F 50 RJ Universidade
Andrômeda
(PUC) Biologia Doutorado F 40 RJ Universidade
Vega (UFF) Filosofia Doutorado F 60 RJ Residência
Polaris (Católica de
Petrópolis)
Teologia e
Psicologia
Doutorado
(em curso)
F 40 Petrópolis Universidade
Órion (UNISO) Biologia Doutorado M 50 SP Residência
Aldebaran (USP) Serviço
Social
Livre-
docência
F 60 SP Residência
Capella (UNIRIO) Biologia Doutorado F 40 RJ Universidade
Antares (UNIRIO) Enfermagem Doutorado F 40 RJ Universidade
Fonte: autora
Além destes 13 entrevistados(as) havia outros dois indicados na lista de
candidatos a entrevistas, com os quais não foi possível conversar. O primeiro,
morador das cercanias de Itaboraí, encontrava-se em viagem e com excesso de
trabalho, e apesar de seu interesse, ao longo de rios meses não houve
disponibilidade concreta. O segundo, de Petrópolis, não foi localizado.
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137
6.2.
As entrevistas
As entrevistas foram realizadas no primeiro semestre de 2007, geralmente
no espaço de trabalho dos professores(as), na universidade, mas quatro deles (dois
homens e duas mulheres) preferiram receber-nos em sua própria casa e outra no
restaurante ao lado da universidade (para aproveitar o horário de almoço). O
agendamento sempre foi realizado diretamente com o informante, através de
contato telefônico e, eventualmente, através de e-mails.
Foi utilizado um gravador cassete, portátil, para registrar as entrevistas,
sempre pessoalmente e sem auxiliares. Ao todo, foram 28 fitas. Também tomamos
notas acerca do ambiente onde se deu o encontro e das circunstâncias da conversa.
Freqüentemente as entrevistas ocorreram em ambiente acolhedor e informal,
que observamos fazer parte do “estilo” do público estudado. A título de exemplo,
um dos entrevistados(as) presenteou-nos com seus últimos livros; em três casos,
recebemos convite para permanecer no ambiente após a entrevista a fim de
compartilhar a próxima refeição; em dois outros casos foi oferecida carona para o
retorno após a conversa, havendo também a situação de permanecer em contato
por e-mail durante seguidos dias, devido à recém identificada afinidade mútua.
Todas estas manifestações foram espontâneas e posteriores ao encerramento da
gravação.
Quando a entrevista se deu no ambiente de trabalho, observamos que as
salas eram compartilhadas com outras pessoas e, por vezes, fomos interrompidos
momentaneamente para resolução ou encaminhamento de questões do trabalho
(projetos, reuniões, viagens, publicações, estágios). Quando ocorreu na residência
dos entrevistados(as), geralmente fomos recebidos na sala. Uma das vezes,
contudo, a entrevista se deu nos jardins próximos à piscina do edifício onde mora
o professor.
Todas as entrevistas foram transcritas e digitadas, sem edição. A princípio a
idéia era começar com uma única pessoa de referência, mas em função do tempo
reduzido optamos por utilizar três pontos de partida, tomando, porém, o cuidado
de manter os mesmos critérios. Convergentemente, cada um dos três pontos de
partida indicou os outros dois, de modo que a escolha destes pontos acabou por
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138
ser novamente referendada no campo. Abaixo, o fluxograma das indicações em
rede, incluindo em tracejado as duas entrevistas que não puderam ser aproveitadas
e as duas indicações com quem não conseguimos efetuar as entrevistas.
Esquema 2: Fluxograma das indicações em rede
Fonte: autora
Das treze entrevistas, consideramos onze para fins de análise, em virtude
das circunstâncias de sua realização. Encontrar Carena na UNIRIO requereu certa
persistência e tempo, em função de suas viagens e da dificuldade de acesso a ela.
Ao buscar informações para contato junto à sua diretoria foram-nos oferecidas
também, além dos novos dados de Carena, duas indicações de docentes daquela
universidade, atuantes em EA. Realizamos estas entrevistas antes de
conseguirmos contato com Carena. Entretanto, em função da indicação de Capella
e de Antares ter sido efetuada por outra via que não a prevista pela metodologia,
estas entrevistas não foram consideradas na análise. Ainda assim e por isso
mesmo, importa ressaltar a convergência de seus relatos com os demais.
6.3.
Análise dos dados
Embora uma primeira classificação proposta para os dados ocorra
costumeiramente a partir de suas semelhanças e diferenças e tenhamos tido em
conta o panorama das idéias de Puig e de Gouveia como eixos orientadores,
entendemos necessário utilizar a reflexão compreensiva na análise, a partir da
associação livre. Segundo Appolinário (2006, p. 40 e 61), citado por Silva (2008
,
p.89), a pesquisa qualitativa seria aquela que
:
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139
“prevê uma coleta de dados que parte da interação social entre pesquisador e
fenômeno pesquisado ou participante do estudo. Ele destaca ainda que esse tipo de
pesquisa prevê que a análise dos dados coletados baseie-se na hermenêutica do
próprio pesquisador (ou seja, na capacidade do pesquisador em interpretar os fatos
e dar-lhes sentido).”
Certamente é necessário fazer-se acompanhar de muita leitura, reflexão,
testagem das próprias compreensões e questionamento dos pressupostos pessoais
para viabilizar uma desconstrução, que permita, então, a construção de algo novo.
Devido à riqueza dos dados e às várias possibilidades de análise a que se
prestam, privilegiamos as questões da entrevista diretamente relacionadas com a
motivação dos(as) docentes na configuração de seu projeto de vida, uma vez que
as escolhas resultam de valores. Num segundo momento, foi a vez de olhar para
as questões relativas às influências recebidas nas escolhas de vida destas pessoas.
A partir daí, valores e trabalho foram correlacionados, de maneira a verificar o
modo como interagem. Estes três aspectos correspondem às questões da pesquisa
(quais valores se relacionam com a escolha da EA? Como se formaram? Como
atuam?) Entretanto, como as coisas ocorrem organicamente, de modo integrado, à
medida que os dados foram sendo apresentados, as três questões foram também
sendo consideradas.
O mini-inventário e diversas perguntas da entrevista atendem a este objetivo
identificatório dos valores, elencadas na seqüência: 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14,
18, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30. Das questões listadas as mais relevantes
se encontram em negrito. As demais foram utilizadas em consultas quando houve
necessidade de verificação ou confirmação de uma informação.
Classificamos estas questões nas seções seguintes: opção pela EA; intenção;
comportamento e perspectivas.
Esclarecemos, ainda, que no diálogo com os dados optamos por utilizar
diretamente (evitando citações que poluiriam o texto) os conceitos já apresentados
de Carvalho (2002): campo ambiental e sujeito ecológico; de Puig (1998): meios
de experiência moral, experiência moral, consciência moral; e a tipologia de
valores de Gouveia. Isso significa que os conceitos, já introjetados, operaram
enquanto pano de fundo da análise. Conforme os dados se apresentem,
oportunamente e, muitas vezes, de modo combinado, identificaremos valores,
mostraremos sua forma de operar e a maneira que se formaram ou consolidaram.
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6.3.1.
Os entrevistados(as): quem são
Pessoas que compartilham desejos, modos de ser e de estar no mundo,
traços de personalidade e prioridades. Diferem no modo de concretizar estes
desejos e prioridades, imprimindo aí sua singularidade pessoal, mas se aproximam
na articulação possível e negociada para ações conjuntas (reuniões, eventos,
livros, projetos, negociações). O elo que os une é o ethos de sujeitos ecológicos,
para usar o dizer de Isabel Carvalho.
Em comum, o perfil de líderes determinados, persistentes, altruístas,
abnegados e workaholics, resultando em grande engajamento, dedicação e
produtividade. Na biografia, partilham idéias inatas quanto às necessidades de
auxílio à humanidade e à vida como um todo, traduzidas pela atenção e cuidado
planetários, além de acontecimentos marcantes na infância ou juventude
desencadeadores de uma série de escolhas relacionadas a posicionar-se quanto a
esta tendência de assistir a outrem e ao modo de fazê-lo. Demonstraram importar-
se e ocupar-se na vida com coisas como gratidão, solidariedade, justiça, trabalho,
estudo, família, relacionamentos interpessoais sadios, amorosidade, cuidado,
respeito. Estas palavras foram mencionadas repetidamente em diversos momentos
da entrevista, por ensejos variados.
São pessoas decididas, comprometidas, que gostam da vida e a significam
principalmente pelo trabalho, escolhido ao modo de estratégia para viabilizar
intervenções sociais relativas à necessidade de cuidado planetário, nele incluídas
as pessoas e relações. As declarações são convictas, entusiásticas, firmes:
“Esse trabalho é o trabalho da minha vida, pro resto da minha vida, vou me
aposentar e continuar nele” (LIRA).
“Então acho que um educador ambiental tem que se posicionar muito claramente
nesse sentido de ser defensor da mudança, de não ser acomodado, de explicitar seu
compromisso. E tem amor, eu acho que tem aí uma coisa mais subjetiva, esse amor
maior pela vida. (...) se você pegar isso que eu falei antes, essa minha inquietação,
essa minha não aceitação, ela é muito de um amor, de uma paixão pela vida que me
moveu muito, eu sou um apaixonado pela vida. (...) você tem que viver
intensamente, em todos os sentidos, se você não sentir prazer da vida, né, [tem que]
fazer a história” (PERSEU).
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141
Destaca-se um aspecto de compromisso pessoal para com a mudança do
mundo a partir da própria ação articulada.
“Eu acho que a vida e a história é um processo e depende de muitas coisas,
inclusive da nossa ação. Acho que não adianta ficar muito sonhando, acho que a
gente tem que ir se engajando nas coisas, não é de uma forma pragmática, mas
colocando no horizonte lutas que são possíveis, que são necessárias e se engajando
nesses trabalhos. Se eu quero melhorar algo o adianta sonhar com uma coisa. A
gente tem que ver como é que eu faço historicamente, praticamente, como é que eu
me engajo nisso, que papel eu desempenho nisso, quanto que eu consigo fazer, os
limites disso também que estão postos dentro da educação, mas principalmente fora
da educação. (...) Bem, acho que tenho uma prioridade que tem duas faces. Eu
diria, assim, que esta é a prioridade que orienta minha vida. Que é uma prioridade
de compromisso com os outros. Então ela tem uma face privada, que é o meu
compromisso com a minha família, e a minha face social, que é o meu
compromisso com a sociedade na qual eu vivo. Acho que compromisso é uma
prioridade número um. Ninguém tem o direito de ser descompromissado, de se
desfazer da sua parcela de responsabilidade em qualquer situação. Nós não estamos
soltos no mundo. O Sartre diria ‘nós estamos condenados a ser livres’. E, portanto,
nós devemos exercer nossa liberdade com responsabilidade, que implica sempre
numa relação com outras pessoas” (VEGA).
6.3.2.
Os entrevistados(as): o que querem
Analisar o que querem os entrevistados é olhar como se expressam, que escolhas
fazem, a que direcionam seus esforços – e, logo, que valores os movem. Para isso, nada
melhor do que examinar os indícios de projetos existenciais.
6.3.2.1.
Projetos de vida: opção pela EA
A opção pela educação ambiental pode ser traduzida na expressão “escolha
de vida”, utilizada pela maioria dos entrevistados(as). As questões respondidas
nesta seção foram a de número 6) por que você é educador(a) ambiental?; e a de
número 4) como se tornou educador ambiental?
A questão “Por que você é educador ambiental?” pretendeu remeter à
motivação que levou a esta escolha. No geral, parece haver um inconformismo
com a situação atual, descrita como de injustiça, desigualdade, degradação,
afastamento de si próprio e dos demais. Como demonstram as afirmativas
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142
seguintes, fazendo eco a quase todas as demais, cujo mote é que algo tem de ser
feito para que as coisas mudem:
“eu sou um educador ambiental porque sou uma pessoa que não aceita o que aí.
Essa coisa pra mim, assim, chega a ser insuportável. Absolutamente insuportável.
Sofro demais. Sofro. Sou uma pessoa inquieta, que normalmente não aceita a idéia
de que o que esta aí, é [no sentido de que tenha de ser assim]. Alguma coisa tem
que ser feita para ser diferente” (PERSEU).
“Por que eu sou uma educadora ambiental...? Porque eu penso que o Marx tem
razão, que nós somos seres da natureza, que intercambiar com a natureza é um
intercâmbio com nós mesmos, que o trabalho faz essa mediação entre nós e a
natureza, sobretudo na produção capitalista, levou essa relação a uma relação de
espoliação tão gigantesca que nós perdemos a responsabilidade social com a vida,
com a sobrevivência. Então, aquilo que Marx chamou da falha metabólica, essa
separação do homem com a natureza, a compreensão que o homem tem e que
levou a uma alienação progressiva do ser humano em relação aos impactos que ele
exerce sobre si mesmo, se entendendo como natureza. Isso é de responsabilidade
social muito importante, enfim, eu acho que alguém tem que se ocupar disso. Eu
acho que todos m que se ocupar, mas na medida em que todos não estão se
ocupando disso e que uma inviabilidade de se ocupar disso radicalmente, sobre
o modo de produção capitalista, porque o capital não pode fazer essa reflexão, mais
radical, porque senão ele se auto-inviabiliza, eu acho que, enfim, é meu papel,
formada e preparada, e longos anos discutindo o mundo do trabalho, eu acho
que quem tem uma reflexão sobre o mundo do trabalho tem que necessariamente
se ocupar da questão ambiental” (VEGA).
A fala de VEGA pressupõe que além de manifestar desgosto pelo mundo
como está, pode-se fazer algo. Aliás, deve-se. Por uma questão de
responsabilidade. Há uma espécie de autoconvocação para a ação.
As respostas a esta questão evidenciaram o valor justiça, traduzido na
indignação e na assunção de responsabilidades, através do trabalho. Algumas
características se expressam a partir dessa mobilização: engajamento, dedicação,
comprometimento, cooperação.
Outro valor que se evidenciou foi a vida, enquanto algo que vale a pena
experimentar em sua plenitude, tendo sido apresentado de diferentes formas:
Porque eu gosto da vida. Acho que a vida tem um valor, enfim... (ÓRION)
Por que eu não sei, eu sei que sou. Acho que porque acredito em projetos
coletivos. Educadora Ambiental nunca trabalha só, é impossível, então sempre
trabalhei com pesquisa-ação, (...) eu sou uma Educadora Ambiental porque eu
acredito na Educação Ambiental, eu acho que é isso. Eu acredito que as pessoas
possam se comprometer com uma melhora da qualidade de vida (LIRA).
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143
Os dois próximos depoimentos não se encaixam inteiramente em nenhuma
das categorias de valor
34
propostas por Gouveia. Além do valor vida, que ocorre
como nos depoimentos anteriores, evidenciado na descrição da importância do
processo da vida, na natureza da vida e da morte, denominamos de evolutividade
outro aspecto valorizado por POLARIS, algo semelhante a uma mescla dos
valores maturidade e afetividade, resultando em uma vontade de assistir ao outro:
“Eu não me sinto uma educadora ambiental, eu me sinto uma educadora. Agora, eu
não consigo imaginar porque que o ambiente não está dentro, acho que é o
contrário: por que você é uma educadora? Porque eu tenho paixão pelo ser
humano e pela capacidade de transformação dele. Tem um autor que diz “que
educar não é encher com cântaro, mas é acender um fogo”. Eu acho que o
psicólogo tamm faz isso, é acender um fogo, mostrar que pode ser diferente. Eu
acho que a educação vem por aí, agora o enfoque é que procura ser mais
abrangente. Mas eu não sei se eu seria uma educadora onde aparecesse uma
disciplina chamada de educação ambiental. Eu não sei se eu gostaria de estar neste
lugar, sem falar da morte. Todos os processos para mim são muito interligados.
Uma das práticas em aula que eu tenho dentro da educação ambiental é fazer uma
visita ao cemitério, que é lidar com a morte. A natureza o tempo inteiro morre,
renasce, tem os ciclos, e nós saímos desse processo. Eu acho que vamos ter que
trabalhar estas questões todas” (POLARIS).
Ao passo que a resposta de POLUX remete a uma motivação de ordem
vocacional, cujas origens também podem se remeter à justiça, mas tendo em
mente o perfil de POLUX (que o leitor conhecerá ao longo da análise), referem-se
ainda à afetividade e maturidade.
“nasci assim. Na verdade comecei muito cedo, nunca pensei em fazer outra coisa.
Pensar até pensei, até comecei uma outra faculdade, mas eu era tão novinho, 16
anos, quando comecei, acho que não estava ainda muito formado. Quando comecei
a fazer a formação, isso já estava muito introjetado em mim. É meu mesmo”
(POLUX).
Correlacionando esta resposta com as demais de POLUX deduzimos que
esta motivação tenha relação com os valores da justiça, honestidade e maturidade.
Para a questão “como se tornou educador ambiental?se evidenciaram os
valores da justiça e conhecimento. Com esta questão pretendemos conhecer parte
34
Relembrando (conforme tabela 2): sobrevivência, sexo, prazer, estimulação, emoção (relativos a
necessidades fisiológicas); estabilidade, saúde, religiosidade, apoio social, ordem social (relativos
à necessidade de segurança); afetividade, convivência, êxito, prestígio, poder (relativos à
necessidade de afeto ou pertença); conhecimento (relativo à necessidade cognitiva); beleza
(relativo à necessidade estética); maturidade (relativo à necessidade de auto-realização);
privacidade e autodireção (relativo à pré-condição de liberdade); justiça social (relativo à pré-
condição de justiça); honestidade (relativo à pré-condição de honestidade); tradição e obediência
(relativos à pré-condição de disciplina).
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da trajetória que levou a escolher o caminho da educação ambiental, tanto no que
tange a motivações como relativamente a aspectos da biografia pessoal.
PERSEU retrata bem a motivação pela justiça e é possível perceber em sua
trajetória a influência de meios de experiência moral que originaram problemas
morais suficientemente desafiadores para motivar uma escolha profissional
engajada, sobre a qual foi investido seu projeto de vida.
o começo da educação ambiental é o meu próprio começo em termos
profissionais, e em termos de opção de vida, tanto é que pra mim nunca houve essa
separação entre relação profissional, de compromisso enquanto pessoa, foi uma
opção de vida mesmo. A educação ambiental pra mim é isso, uma opção de vida,
que eu comecei com... na verdade assim, desde pequenininho, eu, criança, tinha
toda uma preocupação com essa questão da natureza, e o modo como eu observava
as coisas... não aturava, não conseguia compreender certas coisas que eu via, tanto
na relação entre as pessoas quanto a relação com o mundo, e isso foi me motivando
muito cedo a me envolver com as discussões ambientais, e com as questões sociais,
e com os movimentos sociais, e com os trabalhos em comunidade... isso muito
cedinho mesmo” (PERSEU).
As primeiras experiências morais dilemáticas motivaram para um
aprofundamento na questão. O que PERSEU faz em seguida, envolvendo-se em
movimentos sociais variados e enfrentando, a partir daí novas experiências
morais.
E com 16 para 17 anos eu comecei a atuar na APEDEMA, em formação de
grupos ambientalistas aqui no Rio, participei de vários naquela época, e aí, assim
que entrei na universidade, já via que a Biologia era importante mas não dava conta
dessa discussão, das minhas inquietações, e comecei a puxar para mesmo,
pra Educação. Fazia licenciatura e bacharelado juntos, naquela época. E aqui
conheci um pessoal da Sociologia da Educação, e isso foi facilitando esse trânsito
da educação, e da educação e biologia, e eu comecei a formular efetivamente
sobre educação ambiental, isso em 86 mais ou menos, por aí. (...) E daí pra frente
foi crescendo, porque aí já me envolvi com a construção das redes, formei o
primeiro grupo aqui, o GEA, na época era o primeiro grupo de educação ambiental
em universidade, nos anos 90. E aqui sempre teve muita gente de ONG,
movimentos sociais, sindicato, pessoal de universidade, tanto é que os primeiros
encontros estaduais surgem daqui, das nossas reuniões, e a rede estadual surge
daqui... Enfim, aí me envolvi na organização de vários eventos, inclusive a jornada
internacional, na época da confecção do Tratado, o primeiro [encontro] latino-
americano, e aí, na definição da política nacional, do PRONEA, com esses
documentos todos eu tive uma ligação, e circulava bastante pelo país, e isso foi
crescendo, crescendo, crescendo, até gostaria de pular esse ponto, porque você
sabe (risos...) (PERSEU)
Como se pode depreender, nos meios de experiência moral vividos por
PERSEU (trabalhos em comunidade, grupos ambientalistas, a universidade,
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movimentos sociais), significativa interação se desenvolveu. As experiências
morais e as conversas ocorridas sobre estas experiências – sejam questionamentos
interpessoais, sejam embates internos certamente alimentaram o fortalecimento
desse senso de justiça e modo de encarar a realidade, definindo, e depois,
reforçando, a escolha profissional.
“Eu diria assim, que no início eu não me via como educador ambiental. No início
das minhas reflexões, me via como ambientalista, pura e simplesmente, mas
realmente foi quando a gente começou a ver a importância da educação nessas
questões, e quando eu comecei a fazer Biologia, e via que a Biologia o atingia,
não chegava a essas pessoas... foi assim: ‘falta aqui a educação!’ Aí quando a gente
começou a montar esse trabalho com menino de rua, aí...: ‘é a educação ambiental
mesmo!É aquilo que reúne todas essas questões e que pode estar atuando nesse
processo de conhecimento, de ação, de reflexão, ali é que comecei a me ver como
educador ambiental” (PERSEU).
CARENA ilustra a escolha embasada pelo valor conhecimento. Escolhe e
aplica este conhecimento de modo autodidata.
Estudando sozinha, porque quando eu fiz Biologia no Fundão isso nem existia,
nunca nem ouvi falar lá... fui estudando sozinha, lendo... eu sempre tive vontade de
ler coisas diferentes sobre as questões ambientais...então eu lia... eu sempre estudei
sozinha, nunca fiz nenhum curso de educação ambiental. Eu vim fazer curso de
educação ambiental quando o MEC mandou pra para a universidade um convite
para eu fazer parte de um grupo de multiplicador de educação ambiental lá em
Uberlândia, mas formação de pós-graduação, de mestrado, nunca. Eu sempre
estudo sozinha, porque eu acho que a questão ambiental é uma questão de leitura,
abertura, filosofia... [pra] entender a questão da sustentabilidade a pessoa tem que
estudar a filosofia. A filosofia para mim é a base da educação ambiental, senão fica
em ecologia e não tem nada a ver. Você levar a ética pela obrigatoriedade, pela lei
de 1999, levar pensadores modernos...levar a ética sob a ótica de diversos
pensadores isso é uma coisa bem interessante pros alunos que nunca viram
filosofia, nunca nem ouviram falar de ética, não sabiam que existia isso”
(CARENA).
Trata-se de um valor e estratégia de mobilização simultaneamente.
CARENA imperceptivelmente toma sua experiência por modelo e busca
reproduzir sua motivação nos alunos, oportunizando-lhes percorrer trajeto
semelhante ao dela, qual seja, o do conhecimento. Sua atuação orienta-se no
sentido de que seus alunos também se mobilizem a partir do conhecimento. Da
mesma forma que ALDEBARAN:
Se você consegue convencer a pessoa a incorporar certos conhecimentos, ela
passa a lutar por aquilo, e buscar transformar a sociedade, numa visão de bem
comum. Eu acho que a educação tem papel importantíssimo, é o que me motiva
nesta área. É impossível trabalhar simplesmente com meio ambiente ou saúde sem
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trabalhar a educação, que é o que transforma as pessoas, é a partir daí que elas vão
transformar o entorno. Claro que não é a gente que transforma a pessoa, ela se
transforma, mas o que quero dizer é que vem de dentro para fora... primeiro a
pessoa se transforma, para depois transformar o entorno. Isso na educação
ambiental (EA) é importantíssimo. Se as pessoas não incorporarem novas idéias e
não passarem a atuar em função destas idéias... Eu digo aos meus alunos que não
existe EA teórica” (ALDEBARAN).
Embora para ALDEBARAN haja diferença de expectativa. Como se vê, o
conhecimento para ela deve estar explícita e diretamente a serviço da justiça, do
bem comum. Existe para mudar o mundo, viver a própria proposta.
Sou nascido no interior de SP, fui a SP para estudar Biologia, também trabalhava
na Sabesp. Era um trabalho externo, muito bom pra me fazer conhecer a periferia
de SP. Me marcou muito. Comecei depois a militar no movimento estudantil,
ecológico. Foi no final dos anos 70 e início de 80. Por acidente comecei a dar aulas
e me interessei por educação. Minha sogra era professora de Biologia, fez cirurgia
um pouco complicada e teve de deixar algumas aulas. Não havia professor. Eu
estava no ano. Conversou com o diretor e me chamou pra dar aula no período
noturno. Foi do tipo, que não tem ninguém, vem você. Traz o estudante.
Comecei, então, a dar aula para o colegial. O programa deles era Ecologia, na
época. Para mim foi muito bom. Muitos dos meus alunos, ou tinham a minha idade
ou eram mais velhos, o que me foi um desafio, são os marcos da minha trajetória.
Não foi uma gentileza, nada disso. Aquilo também me provocou. Ali foi uma...
você se torna professor” (ÓRION).
O conhecimento, evidentemente importante para ÓRION que se mudou
para a capital apenas para estudar, com todas as dificuldades que isso supõe foi
também porta para diversas experiências morais, como o primeiro desafio docente
anteriormente citado. O resultado dessas vivências iniciais foi o envolvimento
maior com a educação:
Fui fazer licenciatura, um período muito chato... a Educação é uma coisa muito
chata... mas acho que as leituras no período, do Paulo Freire, foram muito
importantes. Não as leituras que eu fiz do Paulo Freire, mas as leituras das
pessoas com as quais eu convivia. Isso me ajudou muito. E encontrei muita gente
pra me apoiar nesta formação. Da biologia, fui fazer o mestrado em Filosofia da
Educação, e não encontrei ninguém fazendo este percurso. Até poderia ter, poucos
anos depois encontrei colegas neste percurso... mas não eram pessoas da minha
convivência, então eu tinha mais possibilidade de encontrar barreiras do que
apoios. E encontrei muitos apoios, e isso foi legal. Então... tem essa coisa de
assumir-se professor como uma identidade, mas também assumir-se professor
profissionalmente. Não ser um professor qualquer, eu acho que eu não sou um
professor qualquer” (ÓRION).
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A influência do meio teve sua relevância, mas dentro dele parece ser o
contato com os companheiros (pessoas/ leituras) o que realmente fazia diferença
em suas reflexões.
Também para ÓRION conhecimento e justiça se articulam em sua história,
embora de outro modo. Da mesma forma que para PERSEU os meios de
experiência moral que o influenciaram estão relacionados com os movimentos
sociais, especialmente pelo contexto nacional na década de 80.
Fui para a PUC, estava muito envolvido com a educação, participei do movimento
de democratização estudantil, a volta dos exilados, o Gabeira, o Paulo Freire. São
Paulo fervia naquela época. Eu participava ativamente disso. Decidi fazer mestrado
de Educação. Fui à PUC, estudar com Paulo Freire. Da PUC fui à Bélgica. Quando
voltei para o Brasil, depois de acabar o Doutorado, o Brasil estava nos preparativos
para a RIO-92. Eu cheguei com formação sólida, num momento bem interessante,
como este. Mas eu não tinha perspectiva da Educação Ambiental, que iria ter a
importância e a difusão que tem hoje. Era algo que eu queria estudar, mas era
muito intuitivo. Acho que marcou bastante e marca ainda o meu trabalho esta coisa
da percepção, da intuição, da sensibilidade, do que vai acontecer” (ÓRION).
O mesmo se passou com AQUARIUS, no Rio de Janeiro. Formado em
história, também adquiriu conhecimentos em geografia, psicologia e arquitetura.
Chegou à Educação através de uma experiência semelhante à de ÓRION, através
de um convite ocasional para lecionar, só que neste caso no ensino infantil.
Tomou gosto pela educação e a convivência simultânea com problemas
ambientais e com colegas de uma escola alternativa foi forjando um interesse cada
vez maior pela questão ambiental. Como antes, aqui também as experiências de
problematização moral geradas pela interação com os alunos e com a realidade
escolar contribuíram decisivamente para delinear a educação ambiental enquanto
projeto existencial. AQUARIUS conta que uma de suas experiências
fundamentais nesse sentido se deu quando professor numa escola estadual da zona
rural. Dando aula de geografia, se deparou com a desistência de uma aluna em
função de uma gravidez não planejada. O fato o mobilizou de tal forma que ele
mudou o programa de geografia física para demografia, população, métodos
contraceptivos. Sua impertinência, como ele se refere, de explicar a anatomia e
fisiologia humanas aos alunos da sétima série, custou-lhe a reprovação dos demais
professores, que não entenderam sua atitude. Mas, como disse ele, não podia
sonegar este tipo de informação.
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“Nesse esforço de me fazer entender, porque minha intenção não era de agredir
ninguém, era de orientar os alunos, eu achava que a escola não podia sonegar essas
informações todas, eu comecei a perceber o fosso que existia entre as pautas
curriculares tradicionais e as demandas educacionais latentes dos alunos. Isso me
provocou um impacto importante na minha perspectiva como professor mesmo. Eu
comecei a ter coragem de desobedecer mais a ordem escolar e comecei a ter mais
firmeza, porque o conflito o foi pequeno. Eu lembro de uma figura que era
evangélica e ela assistiu a esse negócio horrorizada. Passou o resto do ano se
benzendo toda vez que encontrava comigo…(AQUARIUS)
Esta experiência, somada a outras, relativas a demandas reais dos alunos em
contraposição ao conservantismo escolar, levou AQUARIUS a perceber a
necessidade de desobedecer a escola para ser fiel a si mesmo. Mas, também a criar
alianças no âmbito escolar de modo a viabilizar o trabalho. Falando de outro
momento e de um trabalho sobre saneamento básico que desenvolveu com a
quinta série, devido à presença de um valão a céu aberto defronte a escola, conta
sobre o aprendizado dessa necessidade, pois neste projeto não conseguiu fazer a
exposição temática que desejava, aberta para a comunidade.
Mas foi frustrante, porque percebi a seriedade dos limites com que a gente
trabalha em escola, entendeu? Isso me exigiria outros cuidados, políticos até, pra
pensar em projetos futuros. Ou bem eu tinha que construir uma aliança interna que
me permitisse fazer tais afrontamentos ou eu ia ficar morrendo na praia o tempo
todo, entendeu? Então isso me ensinou um pouco sobre a necessidade de buscar
alianças internas e de vencer uma coisa que é complicada que é a cultura
pedagógica tradicional, que é conservadora, positivista. Mas também isso me
ajudou a compreender o fato de que pensar em EA na escola significa também
pensar em uma estratégia de combate com relação a esta cultura tradicional. Foi
uma situação importante. Fiquei um pouco abatido durante um certo tempo até
digerir essa história…” (AQUARIUS)
O fazer docente, então, configurou-se um grande fornecedor de desafios,
requerendo escolhas e posicionamentos frente às experiências morais. Outros
desafios ocorreram, isto é, experiências morais, ainda no mesmo meio de
experiência moral: o trabalho. Mas em circunstâncias diversas, quando consultor
de uma grande estatal para a área ambiental, depois como professor de uma
pequena cidade do interior de Minas, também na militância partidária e na
ambientalista e, finalmente, na docência universitária.
Em todas estas situações, evidenciou-se o valor da justiça e da maturidade
enquanto catalisadores importantes de renovações, aprendizados e fios condutores
da própria vida. O trabalho, neste caso, constitui mero instrumento de
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contraposição à injustiça e de contribuição tanto para angariar novos combatentes
lúcidos como para diretamente eliminar a injustiça.
LIRA, por sua vez, representa os três valores conjugados entre si: vida,
justiça e conhecimento.
Desde quando eu fazia Biologia eu trabalhava nestas classes populares dando
aula. Desde sempre eu achei que o ensino simples da biologia estava a serviço de
uma discussão sobre a questão ambiental e da saúde. Não haveria conceitos soltos,
quer dizer, os conceitos serviriam para entender melhor o ambiente, entender
melhor a saúde. Depois que eu fiz Biologia fiz pós-graduação para ser melhor
educadora e não bióloga. Depois, eu fui fazer justamente doutorado em Ciências
Sociais na Unicamp para ser uma educadora melhor e não bióloga. Eu fui chegando
perto das Ciências Sociais, mas sempre para ser uma Educadora melhor, sempre
pra tentar fazer com que as pessoas pudessem compreender melhor o seu corpo e o
seu meio, para ter uma melhor qualidade de vida e [para] que pudessem contribuir
para projetos sustentáveis” (LIRA).
Neste caso, a qualidade de vida seria uma questão de justiça. Poderia ser
alcançada mediante conhecimento, e este, desenvolvido através da prática
educativa, sendo o corpo e o meio pautas do processo pedagógico. Trata-se do
mesmo tipo de situação ocorrida com AURIGA. Inicialmente, AURIGA
desenvolve seu trabalho, ignoradamente com perfil de EA, de maneira intuitiva,
por um senso de dever e de justiça.
Deixa eu te dizer por que falo isso... eu comecei a trabalhar no Estado em 1976 e
fui trabalhar numa área muito carente, que era São João de Meriti, na Baixada
Fluminense e eu trabalhava com crianças de primeira a quarta série e quinta a
oitava... nessa época eu era professora de primeira a quarta, mas tinha feito um
curso de estudos adicionais. (...) E eu era a única professora de ciências na escola,
uma escola numa área que não tinha asfalto, não tinha esgotamento sanitário, que a
água era precária, tinha muito valão aberto... então eu comecei a fazer muito
trabalho com as crianças, voltado para a realidade delas... eu saía com as crianças
pra que elas olhassem o entorno, a gente deu muita aula em volta do valão do
esgoto, conversando com a comunidade sobre como é que era o valão antes... e eu
não sabia que estava fazendo diagnóstico socioambiental, que eu estava
recuperando memórias... eu não sabia nada disso naquela época... tinha 18 anos,
tinha acabado de sair do curso normal, ia fazer 19 anos. Eu achava que aquilo era
importante, que as crianças precisavam saber o que era aquilo, como é que tinha
sido, o que a gente poderia fazer pra melhorar... A gente fez muita feira de ciências,
na época era ditadura militar e eu não sabia nem o risco que estava correndo
porque eu insistia em fazer a feira de ciências na praça próxima à escola...
carregava as carteiras e ia fazer feira na praça... e todo mundo achava que era uma
grande loucura fazer feira numa praça. Mas eu queria que fosse porque não
adiantava fazer feira de ciências dentro da escola porque a comunidade o ia.
Como a comunidade não ia na escola eu achei que eu tinha que sair da escola.
Então eu convenci alguns loucos, isso em 78, 77, a levar as crianças pra fora e a
gente fazia isso” (AURIGA).
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Sua auto-assunção enquanto educadora ambiental se deu muitos anos depois
de estar trabalhando nesta perspectiva, quando começou a estudar o tema por meio
da pesquisa universitária.
Eu acho que na verdade quando eu comecei a ler sobre educação ambiental,
comecei a estudar... Acho que na época do mestrado isso ficou mais claro, comecei
a perceber isso de uma forma mais teórica, comecei a me envolver com os teóricos,
com legislação, comecei a trabalhar nessa área como pesquisadora, tentar levantar
referenciais teóricos e fui perceber que aquilo que eu fazia muito tempo era
educação ambiental” (AURIGA).
A justiça e a vida foram ainda o mote de POLARIS, porém sua inserção nos
movimentos sociais se deu por outra via: a Teologia da Libertação, de Leonardo
Boff, de quem foi aluna e com quem ainda trabalha.
E mais ou menos nos anos 90, 92, nós começamos a questionar essa questão de
direitos humanos. Por que direitos humanos? Começamos a falar dos direitos
sociais, econômicos culturais e ambientais. (...) Então nós começamos a perceber a
importância da questão ambiental, mas não também numa perspectiva
ambientalista, e hoje a gente tenta fazer estes diálogos todos, em todas as
dimensões. A categoria que a gente usa nem é ambiente, é ecologia, ecologia é
entendida como a ciência das intro-retrorrelações, ou seja, busca entender que tudo
tem a ver com tudo em alguns sentidos, em alguns pontos, e que precisamos olhar a
vida a partir desta integralidade. Então é muito mais a ecologia integral do que
propriamente uma preocupação ambiental. Na verdade a gente começou a se
interessar por estas questões. As questões da ecologia estão sempre aí, a questão é
que a gente é que tem um olhar fragmentado, uma vez que você olha com outro
olhar você começa a relacionar todas as questões. Numa primeira fase, nós não
trabalhamos com um projeto de ecologia, a gente teve até um projeto que não
deu certo, então a gente começou a perceber que tanto a cultura da paz quanto a
ecologia eram eixos, e que deviam atravessar as práticas como um todo”
(POLARIS).
A perspectiva democrática atravessa seu trabalho, de modo que os temas
não são propostos aos grupos, ao contrário, eles emergem das comunidades ou dos
alunos. Devido a sua própria formação em Teologia e Psicologia, diferentemente
da maioria, POLARIS não veio de uma origem ambientalista, mas de movimentos
sociais que relacionam seus fundamentos à espiritualidade. De modo que sua
prática ambiental encontra-se impregnada por esta matriz.
3 anos eu fui convidada para ajudar a pensar em um curso de pós-graduação
com os franciscanos de Petrópolis, eles têm um Instituto Teológico Franciscano,
eles têm uma das maiores bibliotecas da América Latina e queriam começar a fazer
este diálogo. Então comecei a ajudar a pensar e isso se concretizou através de um
curso de pós-graduação chamado Educação, Ecologia, Espiritualidade - uma
abordagem transdisciplinar. Eu fiquei com a parte de Educação e Ecologia, mas
havia muita liberdade para se criar algo, tanto que no primeiro módulo eu trabalhei
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151
as questões do paradigma. O mais legal do curso é que vieram pessoas do Brasil
inteiro, elas ficavam hospedadas durante 20 dias e depois iam embora. A
primeira turma terminou em janeiro deste ano. E outras universidades tentaram
disputar este curso como Bragança Paulista, outras universidades dos franciscanos.
Mas se decidiu que ela vai ficar no Instituto Teológico porque ali ela teve
características mais alternativas que dentro de uma universidade formal talvez ela
não pudesse ter. O instituto é uma universidade, mas ele não tem os cursos
regulares de uma universidade, trabalha mais com os cursos da Teologia”
(POLARIS).
Percebe-se que também o conhecimento e a religiosidade atravessam sua
prática como algo valioso, sendo o exemplo anterior mera amostra.
Em POLARIS o valor justiça mobiliza traços de personalidade, como:
criticidade, anticonvencionalismo, afetuosidade, pragmatismo. Que se traduzem
num comportamento engajado, sensível e idealista.
Observamos que os valores agem na escolha dos conteúdos e na forma de
abordá-los e interagem entre si nesse processo. Por exemplo, a justiça tem sido
uma motivação básica, levando a uma prática educativa democrática e
participativa, valorizada por POLARIS e AURIGA. Interagindo justiça com vida,
resultou na importância atribuída por LIRA ao corpo e à morte, por POLARIS.
POLUX também vivenciou meios de experiência moral ligados ao
ambientalismo (no contexto carioca) desde sua juventude, tal como PERSEU e
AQUARIUS. Mas sua motivação inicial está ligada à estética e ao afeto, devido à
convivência:
Minha primeira grande influência para me tornar um educador ambiental foi
minha avó. Ela tinha um tio em Nova Friburgo, em Muri, que era um lugar
paradisíaco e era paradisíaco por conta dela, por ela ser uma pessoa voltada para a
natureza, ter mil caprichos, era tudo lindo, impecável, o jardim maravilhoso e era
por conta do zelo dela, da paixão dela pela natureza. Eu vivenciei muito essa
paixão dela e obviamente isso me influenciou muito. Certamente, isso teve uma
importância bastante grande, não pela EA, mas por essa paixão por tudo que esteja
relacionado à questão da natureza. Depois disso, quando entrei na universidade,
motivado por essa questão, eu tive um momento em que deu clique com essa coisa,
numa Semana do Meio Ambiente, acho que a primeira do curso da UFRJ, em 84. E
na preparação da Semana, comecei a me envolver como aluno, tinha na época
como professor o Carlos Minc, que hoje é secretário de Estado. Naquela época ele
estava vindo da Europa, tinha sido exilado, junto com outros tantos e naquele
momento estava se constituindo o Partido Verde aqui no Brasil e, particularmente,
no Rio. Tinha o Gabeira, o Minc, o Sirkis e na universidade ficou meio um
nucleozinho dessa coisa e eu já me encantando por essa história, acho que ali foi o
momento mesmo de decidir que realmente queria profissionalmente ingressar na
EA. A partir dali realmente comecei a procurar alguma coisa ligada à EA e já foi
alguma coisa pensando em EA porque eu estava na faculdade de geografia e eu
queria ser professor. Muitos colegas fizeram bacharelado, eu nem fiz, já queria ser
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realmente professor e nesse momento pensei em conciliar a geografia com a EA
e já comecei a procurar” (POLUX).
Idealista, POLUX quando se formou quis viver no interior e trabalhar com
escolas rurais ou excluídas. Essa experiência gerou importantes frutos: diversos
projetos com a comunidade e dois livros. Os livros, e sua trajetória em seguida,
voltando à academia para o mestrado e doutorado, revelam também ter ele por
valor o conhecimento articulado de uma forma prática, sempre gerando
resultados, como novos livros. Eis um exemplo de como atuam os valores. Ao
mesmo tempo, revela-se em seu depoimento anterior, a importância de um
ambiente favorável e da convivência com os companheiros de jornada.
O Pedrini, com seus alunos, que quando me apresenta fala que tenho uma
formação de doido, geografia, ciências ambientais, ciências sociais e educação,
mas na verdade ela tem um norte que é a EA, todos os meus trabalhos foram
orientados para isso e na verdade para a EA essa abordagem é interessante porque
me deu uma visão de diferentes campos do conhecimento e isso agrega para essa
visão mais ampla da EA” (POLUX).
Além do conhecimento e da justiça, POLUX parece ser movido pelo senso
de fraternidade. É pessoa afetuosa e bem humorada, que explicitamente gosta da
vida e do ser humano, dedicando-se, por isso, à busca de melhor qualidade de vida
para todos. Olhando sua trajetória faz-se necessário acrescentarmos à lista de
valores de POLUX a beleza e a maturidade, ambos relacionados com a escolha da
educação ambiental.
Compromisso com a mudança para melhor parece ser o foco comum do
grupo estudado. O que pode ser confirmado ao observarmos as respostas às
questões do bloco intenção, quais sejam: 4)O que você gostaria de ver em seus
alunos como efeitos de seu trabalho? 9) “Que mudanças você espera que seu
trabalho promova no mundo?”
6.3.2.2.
Projetos de vida: efeitos do trabalho
Considerando o grupo como um todo dois aspectos que se sobressaem
como efeitos desejados do trabalho: a sensibilização e o engajamento na
militância ecológica. Um total de 60% do grupo para cada aspecto mencionado,
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isto é, pequena faixa de sobreposição, pois AQUARIUS e POLUX alimentam
ambas as expectativas.
No grupo da militância encontramos PERSEU, ALDEBARAN, VEGA,
ÓRION, POLUX e AQUARIUS. A militância para eles não tem valor em si
mesma, mas trata-se de ferramenta para a transformação social, correspondendo,
portanto, ao valor justiça social. A expectativa quanto à forma de expressar esse
engajamento na transformação social, entretanto, varia conforme as tendências
pessoais de cada docente. No caso de PERSEU a ênfase recai sobre a necessidade
de ação e reflexão conjugadas.
“ah, eu gostaria de ver os alunos, todos, o separando teoria de prática, que acho
que é terrível nas pessoas, ou vão muito pro praticismo ou vão muito pro
teoricismo, o que não leva a lugar nenhum, as duas coisas não levam a lugar
nenhum. Talvez essa seja uma marca minha também. As pessoas dizem que tenho
uma densidade teórica muito grande, na minha densidade teórica vem uma carga de
vivência que poucas pessoas tiveram. Eu acho que isso é um diferencial
importante, eu quero ver os meus alunos com essa característica também, pessoas
que vão pra prática, mas que não se satisfazem só com a prática, e que sabem fazer
a reflexão do mundo, mas tendo vivenciado o mundo. Então, isso eu falo com
muito orgulho até, não tem praticamente nada da educação ambiental no Brasil que
eu não tenha participado de alguma forma, então eu falo de dentro, e acho isso
muito bom. Eu quero ver isso, os meus alunos todos engajados, pessoas que não
separam teoria da prática, e que se envolvam com o mundo. Isso é uma coisa que,
se pudesse, seria perfeito” (PERSEU).
Evidentemente, isso tem a ver com sua própria forma de ser, crítica,
coerente, mas também com os valores do conhecimento, do êxito (ligado à justiça)
e da maturidade. O aspecto auto-realização (maturidade) e o êxito relativo à
transformação social também são destacados por ALDEBARAN, este último
expresso pelo sucesso na conquista de políticas públicas.
Eu tenho visto os resultados ao longo dos 25 anos, e quase 15 anos trabalhando
com a EA propriamente dita. Pois considero EA uma abordagem de educação.
Tenho visto muito bons resultados. Não pessoas se transformarem por conta do
meu trabalho, mas por um trabalho delas próprias, e vislumbrarem oportunidade de
mudança pessoal e do seu espaço, e das comunidades. Principalmente, algumas
políticas públicas que têm sido viabilizadas com os trabalhos que temos feito a
partir destes alunos. Vários alunos foram responsáveis por mudanças importantes a
partir de suas pesquisas, tanto nas áreas municipais até a área federal. Isto me traz
satisfação... e também ver a forma como os alunos estão trabalhando, por exemplo,
a questão da pobreza (isso é o lado assistente social que a gente nunca perde).
Tenho estado em vários estados brasileiros com pesquisa e temos visto algumas
coisas acontecerem, ainda de forma pontual, mas mesmo assim, com poucas
pessoas, tenho visto esta mudança acontecer e isso me satisfaz bastante”
(ALDEBARAN).
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Com ÓRION também encontramos a valorização do êxito e da maturidade,
especialmente através do conhecimento e da atuação por meio do espaço
acadêmico, que considera uma responsabilidade. Sua personalidade séria, coerente
e rigorosa marca sua atuação.
Digo pra eles: após 10 anos não vou mais ser professor, vou estar em outros
projetos. Então vocês m que perceber que são meus orientandos, são meus
herdeiros. Não é que são pupilos, mas eu tenho que formar gente. Estou numa
instituição. Está institucionalizado este tipo de atividade. É uma responsabilidade
social. Se eu não deixar pessoas que futuramente possam ocupar estes lugares, com
as características delas evidentemente, meu trabalho está incompleto. Eu falo isso
pra eles muito. Eu acho que estou conseguindo montar, numa universidade
desconhecida, 9 anos, com a formação que eu tenho, mas por eu o fazer
concessões, não entrei em determinados espaços de capital simbólico acadêmico
mais elevados. É dali que estou fazendo este grupo. Estão aí... publicando, estão
conscientes do que é fazer trabalho em EA, não é obter certificado, se for
isso, procurar outro orientador. Comigo não, comigo precisamos estudar
[conhecimento], aprofundar e intervir [êxito]. Nem todos têm condições de fazer
isso, mas são as exigências que me coloco e coloco pros meus orientandos. E eles
acatam. É uma coisa de engajamento... Sem dúvida. ...e de intervenção, do que eles
estão pensando e onde podem intervir. Uns com dimensão mais ampla. Outros mais
restrita. Não é o tamanho. Não pra medir. Mas é a intensidade, a honestidade, a
responsabilidade, a pertinência, acho que isso são os conceitos básicos comuns dos
meus orientandos e de que eu não abro mão” (ÓRION).
AQUARIUS repete, como ÓRION, os valores do êxito, da maturidade e da
justiça, vislumbrando também a expressão deles através do conhecimento, isto é,
dos produtos acadêmicos lançados por seus alunos, uma resultante de seu
trabalho.
São as ambições que a gente tem sempre, né... concretamente falando, você
sensibilizar um grupo de alunos, que a essa altura não é pequeno e que estão
transformando suas preocupações em projetos, monografias de final de curso...
academicamente falando, nós temos um impacto que não é pequeno, não. Uma
porção de gente que já está sinceramente preocupado e ocupado com isso, ou então
amadurecendo preocupações nesse sentido. A gente tem conseguido que as pessoas
não se desencantem em relação às temáticas ambientais, mas que percam a sua
ingenuidade, ganhem mais criticidade [conhecimento], mais consistência [êxito] no
trabalho que elas fazem, mais compromisso [justiça] com as questões
socioambientais pra além do que as escolas tradicionalmente fazem, que é evocar o
desejo da natureza ser preservada... e acho que a gente alcança moderadamente o
objetivo nesse sentido. Então estamos criando um campo de interesses nesse
sentido! Tem monte de alunos que está começando a arrumar a discussão, leituras e
transformando isso em produtos acadêmicos, em monografias, enfim... trabalhos,
preocupações. ...eu cruzo com eles por aí e eles me contam o que estão fazendo, me
chamam pra ir nas escolas conversar com as equipes, isso tem acontecido com
alguma freqüência. Então eu acho que a gente está se tornando uma referência pros
alunos em relação às questões ambientais, que é o que a gente pode desejar
[maturidade], né?” (AQUARIUS)
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Para ele, como para PERSEU, a criticidade é um ponto muito importante.
VEGA, porém, provavelmente seja o exemplo mais emblemático quanto à ênfase
na justiça social, como sendo o coração dos desejos do grupo cuja expectativa se
traduz na militância.
Eu acho que quem tem uma perspectiva de que a sociedade na qual nós vivemos
não é uma boa sociedade, tem a perspectiva de que essa sociedade se transforme
numa outra, eu acho que o sonho de todo professor é que seus alunos sejam mais
competentes, tenham mais clareza da realidade e nessa medida se movam em
direção à transformação social. Então, todo meu empenho seja na área social, seja
na área ambiental, seja nas outras áreas nas quais eu atuo em educação, tenho essa
perspectiva, de que o discípulo supere o mestre. De que eles venham a fazer muito
mais, trabalhos mais consistentes, competentes, coerentes do que eu própria
consegui fazer. E que esse movimento nessa medida se amplie e possa disputar
politicamente, ideologicamente e também no campo da ética um outro projeto
societário. Que mude esse paradigma da corrupção humana, que não seja mais uma
produção voltada para o lucro, para a mercantilização da natureza e dos próprios
seres humanos, mas que a gente conviva dentro de uma outra perspectiva de
sociedade” (VEGA).
De todo modo, é recorrente o nível de seriedade com que encaram seu
trabalho e que esperam de seus alunos.
As diferenças de abordagem são pequenas, no geral havendo uma
convergência de modos de atuar e de expectativas. Verifica-se ainda a existência
de traços em comum: a seriedade, a criticidade, o rigor, a coerência, só para
mencionar alguns.
Sintetizando, para este subgrupo, bastante coeso, a justiça social enquanto
valor maior atua conjuntamente com outros valores importantes: o conhecimento,
provavelmente pela natureza do trabalho que realizam; o êxito, bastante ligado à
própria justiça, mas também ao terceiro valor relevante aqui, a maturidade ou
sentido de auto-realização.
No subgrupo da sensibilização, temos CARENA, LIRA, POLARIS,
AURIGA e novamente POLUX e AQUARIUS. A tônica deste subgrupo parece
ser a importância dada ao valor da vida e ao nível de integração (enquanto
estratégia mobilizada pelo valor) alcançado pelas pessoas: consigo mesmas, com
os demais humanos e seres vivos no geral, com a própria Terra. Pensa-se na
justiça, mas tendo como pano de fundo a vida, a necessidade de preservá-la e de
bem viver. Como ocorre com CARENA e LIRA.
A expectativa é que eles gostem de realizar e que eles se sensibilizem em relação
às questões ambientais, é a minha simples expectativa... a questão ambiental é uma
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questão de sobrevivência... não o olhar antropocêntrico, mas a questão da
natureza mesmo... precisamos sensibilizar pela vida, muito mais que pela questão
humana o meu enfoque é pela vida...” (CARENA)
Eu espero, sobretudo, que [os alunos] saibam que o conhecimento não é uma
coisa livresca, não está nos livros, que o conhecimento está a serviço de uma
melhoria de compreensão da relação que a gente tem com a Terra, com a Natureza,
com o nosso dia-a-dia, nosso trabalho, que estas coisas não são dissociáveis, que o
conhecimento que eles aprendem é algo que é parte deles tal qual as células são
parte deles, não é uma coisa separada que está na estante, espero que eles se
sintam como parte da Terra como o conhecimento é parte deles, eu espero isso.
Espero que eles tenham uma relação diferente com o conhecimento a serviço do
quotidiano, da vida deles, relação cultura com o ar, mar...” (LIRA)
Mas para, de fato, concretizar este trabalho de sensibilidade, LIRA destaca a
necessidade de recorrer a outros recursos, que ultrapassam o conhecimento
acadêmico convencional e que atuam mais diretamente sobre a sensibilidade. Para
ela, sem isso não se consegue atingir a compreensão cognitiva da questão
ambiental e muito menos mobilizar-se para a ação transformadora.
(...) Porque é o sentimento, mais do que os conceitos, que faz com que você se
sinta parte. O que estamos trabalhando muito agora faz com que você ache (sinta)
que a Natureza não está fora de você, que a Natureza está dentro. Você é a
Natureza. É mais um sentimento do que conceitos. Eu dei aula anos sobre fatores
bióticos, ecossistema... sempre com a maior boa vontade, mas o que se revela
sempre um fracasso completo. Isso não faz as pessoas mudarem o comportamento,
mas quando você faz com que as pessoas sintam que ao respirarem a sua energia
vital muda, elas se sentem melhor, então a coisa mudou de escala pra mim. Então
hoje trabalho com Tai Chi Chuan, com meditação, outro tipo de sentir,
sensibilidade. Cito exemplos, mas se a gente consegue mexer com a sensibilidade
mais do que com o cognitivo, você mexe com o cognitivo a partir da sensibilidade,
vários ensaios aparecem no campo cognitivo a partir da sensação, então a gente
está investindo nisto agora. Parece nada a ver com a Antropologia da Ciência,
Estudos Sociais da Ciência, mas tem também(LIRA).
A mudança de estratégia didática revela que os comportamentos são
mobilizados pelos valores, neste caso, vida.
POLARIS, de modo semelhante a LIRA, prioriza o estímulo ao afloramento
e desenvolvimento da sensibilidade produtora de subjetividades mais afins a um
projeto de mundo sustentável.
O que eu vejo é assim, todo o meu método de trabalho é para colocar em crise,
desde os meus primeiros textos de trabalho, se você sai incomodada, para mim é
que o meu objetivo foi atingido. Porque eu tenho a sensação dentro dessa visão
ecológica que a gente precisa interromper o trabalho. Não mais, a gente não vai
mais construir um modo de vida sustentável. O meu projeto aqui do doutorado é
subjetividade sustentável, eu vim para para estudar subjetividade, então eu acho
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que existe um tipo de subjetividade que ela vai ser superimportante para que o
mundo sustentável aconteça. No momento nós não temos isso, a gente tem projetos
sustentáveis com pessoas que reproduzem paradigmas que não correspondem mais.
Então o meu trabalho é quase epistemológico, é de interromper o que dado, a
grande coisa que eu trabalho é “tá bem, nós sabemos que somos parte, da Terra e
do universo”, mas entre saber que a gente é parte e a gente sentir que é parte é uma
distância muito grande, é importante a gente sentir, então (...) o meu trabalho é
isso, é fazer com que as pessoas possam sentir de novo, uma vez que elas sintam,
elas estão convencidas. Agora o racional, o ensinar alguma coisa, esse
método eu não acredito” (POLARIS).
O mesmo se passa com ANDRÔMEDA, cujo foco da ação pedagógica
também é gerar crises. Enfatiza o trabalho miúdo do dia a dia para sensibilizar os
alunos a partir da chamada de atenção para perceber coisas que sempre estiveram
lá e nunca foram observadas por eles. Considera seu trabalho bem sucedido
quando eles começam a se incomodar com o que percebem e se dispõem a tomar
iniciativas, por menores que sejam, no sentido de solucionarem os problemas.
Mais ainda, quando começam a exercer a sensibilidade sozinhos, tendo
conquistado mais autonomia para a percepção e ação.
Em AURIGA vemos uma priorização da formação ética, a ênfase à
sensibilidade é dada pelo compromisso humanista formador, de termos pessoas
integralmente formadas, não apenas intelectualmente.
eu acho que tem mais a ver com esse compromisso, social, político... com o outro
do que com relação a qualquer outra coisa. Quero que eles sejam bons
pesquisadores, sim. Bons professores, sim. Mas acho que eles só serão bons
professores e bons pesquisadores se esta dimensão humana deles estiver bem
desenvolvida também. Não adianta... por exemplo, tenho muitos problemas lá no
centro de pesquisa com excelentes pesquisadores, excelentes professores, mas que
não são tão excelentes pessoas... então... isso é complicado!” (AURIGA).
E POLUX, pertencente aos dois subgrupos, tanto espera que os alunos
desenvolvam a sensibilidade no tocante à vida, como a articula com a militância,
ao modo de um pré-requisito.
Basicamente, como todo educador ambiental, a princípio a gente espera que eles
se sensibilizem pela questão ambiental, para que eles percebam isso como algo
fundamental pra vida deles e pra vida como um todo, perceber não só no sentido de
entender, mas de um sentir sensível a isso. E assim, essa é uma primeira
expectativa nesse sentido, mas a expectativa maior é que essa sensibilidade reverta,
que eles se tornem militantes também dessa mesma causa, porque é algo que
precisa ser militado, as pessoas precisam estar num processo de exercício, de
cidadania, com essa perspectiva” (POLUX).
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Sucintamente, no subgrupo dos sensibilizadores encontramos a vida
enquanto valor principal, ao qual se articula a justiça também. Outros valores
relacionados a este principal parecem ser a afetividade (ampliada para relações
planetárias), a estética e a maturidade (aqui vinculadas à necessidade de
integração) e a honestidade, que trata do valor que se dá às relações em si
enquanto compromisso existencial.
Interessante observar a variável gênero nestes subgrupos. Entre os militantes
encontramos quatro homens e duas mulheres, o oposto do que ocorreu entre os
sensibilizadores, isto é, cinco mulheres e dois homens, sendo que estes dois
homens também fazem parte do grupo militante. Talvez possamos dizer que o
papel de educar para as emoções e para as relações ainda é percebido mais pelas
mulheres, enquanto o cuidado com o mundo através da priorização da política e
da intelectualidade ainda é mais recorrente entre os homens. Nesse sentido, vemos
a complementaridade necessária para o sucesso no desenvolvimento de projetos.
Equipes mistas são ricas, pois ambas as dimensões, a subjetividade e a
objetividade, são trabalhadas. Excelente oportunidade para a conjugação de
esforços em trabalhos deliberadamente dedicados a explorar ambos os aspectos e
extrair da riqueza da convivência novas experiências morais para todos os
envolvidos.
6.3.2.3.
Projetos de vida: mudanças no mundo
No bloco intenção ainda temos a questão relativa às expectativas de
mudança geradas pelo trabalho de cada um no mundo. Novamente sobressai-se a
justiça enquanto valor predominante, especialmente alcançada através da melhoria
da criticidade e da responsabilidade do coletivo humano.
permanente questionamento crítico de tudo, a construção, a consolidação da
educação ambiental com esse viés crítico, onde as pessoas não se acomodem muito
diante de coisa alguma” (PERSEU).
Tal desejo quanto ao resultado de seu trabalho com os alunos pode ser
resumido nas palavras-síntese: engajamento e transformação social. Como
expressado também por ALDEBARAN, para quem fazer a EA chegar a diferentes
espaços é sinônimo de oportunizar mudanças locais e novas políticas públicas.
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Pelo menos assim tem sido em suas experiências com seus alunos, cujos esforços
têm frutificado por todo o país com os mais variados projetos, os quais m sido,
inclusive, premiados por ministérios: saneamento básico em comunidades
indígenas, enfrentamento da violência contra a mulher, atendimento a crianças
portadoras de necessidades especiais, a formação de professoras em pesquisa,
atuação da medicina veterinária...
Para AURIGA não se pode pretender mudar pessoas, por isso se contenta
com o esforço de sensibilizar e informar, cujos resultados seriam imprevisíveis,
segundo ela. O mesmo se passa com ANDRÔMEDA, que pensa ser suficiente
sensibilizar e incomodar seus alunos (futuros engenheiros) a ponto de que eles
façam diferença nas empresas onde trabalharão.
Tanto POLUX como POLARIS pensam que seu trabalho se destina a somar
com outros, contribuindo para a transformação da realidade, isto é, a vivência
exemplar e coerente daquilo que acreditam alimenta o processo de transição em
que nos encontramos na atualidade.
Eu acho que o meu trabalho é uma sementinha junto com os outras, mas para mim
ele me interessa, porque na medida em que eu consigo vivenciar aquilo que eu
acredito, seja na minha casa, seja na instituição, para mim o mundo é diferente.
Agora, infelizmente, a psicologia me ajudou a pensar isso, as pessoas não mudam
pelo amor, pela alegria, elas mudam pela dor, é incrível, não que tenha que ser
assim, mas é assim. Enquanto não morre alguém, enquanto não fica doente,
enquanto não perde alguém... Eu acho que a questão ecológica ela também passa
por aí, se com a questão do último relatório do IPCC, as pessoas ainda olham
para isso e pensam assim... que é para frente. Mas na hora que as pessoas
começarem a experimentar o que significa não ter, perder... eu, por exemplo,
trabalhei numa comunidade no Ceará que não tinha água, eu ganhava um balde
de água por dia para fazer tudo. Quando eu experimentei esta privação a minha
visão da água mudou, então eu acredito que quando o mundo esbarrar com essa
crise ele vai pensar em outras saídas” (POLARIS).
espero, na verdade que esse meu trabalho entre num processo, que contribua com
o processo de transformação dessa realidade. O que meu trabalho vai transformar
eu não tenho grandes pretensões, que eu consiga ver o que meu trabalho resultou
numa transformação, não tenho essa expectativa, acho que não se deve nem
alimentar, falo inclusive até disso com meus alunos. Acho que nós, educadores, a
gente não tem que ter a perspectiva da finalidade do processo, a gente tem que ter a
perspectiva de estar alimentando o processo, essa é a nossa finalidade, alimentar o
processo de transformação, para que esse movimento ganhe força pra poder de fato
causar transformões. Mas são transformações processuais, né? Por isso que eu
até condeno muitas vezes a perspectiva de trabalhar a EA a partir da solução de
problemas” (POLUX).
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Por fim, AQUARIUS gostaria que os alunos (licenciandos) predispostos se
inserissem no enfrentamento da questão ambiental a partir das escolas,
aprendendo a pensar a educação em tempos de crise e a tornar as escolas algo que
seja mais significativo nas vidas das pessoas, algo que pudesse contribuir para
mudar o modelo de sociedade em que ainda vivemos.
“(...) Minha idéia é tentar não formar peritos no sentido burocrático de alguém que
saiba administrar uma ação curricular. Mas de alguém que soma com alguma
coragem e tem a capacidade de estar transformando as coisas numa coisa mais
significativa pra ele e pros seus alunos. A escola não é o lugar onde os alunos
podem aprender, os professores tem que estar aprendendo tamm, né? A sair dos
impasses que a escola cria. As escolas são muito áridas, estão muito empobrecidas,
muito amesquinhadas. Acho que pra sobreviver em escola é preciso trabalhar um
pouco na contra-hegemonia, né? (...) Cresce na população de um modo geral um
certo senso de risco. Como eu acho que nós não estamos ainda completamente
desumanizados acredito que os homens são capazes de resgatar esse fim de
humanidade que nos resta ainda pra conseguir um desenho societário mais bacana,
né?" (AQUARIUS).
É preciso ressaltar que todos os informantes disseram não ter a pretensão de
mudar o mundo, mas de fazer esforços no sentido de contribuir para isso.
6.3.2.4.
Projetos de vida: comportamento
Em termos de comportamento, buscamos verificar as ações recorrentes dos
entrevistados(as), uma vez que os hábitos decorrem daquilo que costumamos
priorizar e as prioridades estão intrinsecamente ligadas aos valores. Importante
mencionar que os hábitos listados na tabela seguinte são autodeclarados, não
decorrendo de observações nossas ou de questões elaboradas para esta inferência.
Vejamos:
Quadro 6 – Relação entre comportamento, traço e valor
Docente Hábito, comportamento Traço Valor
PERSEU
Workaholicismo Obstinação Justiça
CARENA
Ler, desvendar Autodidatismo Conhecimento
Defender quem é vulnerável Justiça
ALDEBARAN
Priorizar o bem comum acima do
bem estar pessoal
Solidariedade
Altruísmo,
abnegação
Religiosidade
Apoio social
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Docente Hábito, comportamento Traço Valor
ANDRÔMEDA
Impetuosidade no trato
Levar tudo com bom humor
Impulsividade
Sagacidade
Segurança
Convivência
Honestidade
VEGA
Dificuldade em delegar, ir sempre
conferir as tarefas delegadas
Controle,
perfeccionismo
Estabilidade
LIRA
Integração (“pausa para conectar-
se com a natureza e fluxo do
cosmos”)
Coerência
Universalismo
Religiosidade
Honestidade
Beleza
Saúde
AURIGA
Evitar confrontos desnecessários
POLUX
Conciliar
Ponderação
Honestidade
Convivência
Ordem social
POLARIS
Repensar, consertar relações
eternamente
Dispersão
Insegurança
Honestidade
Afetividade
Justiça
Cria rotinas na freqüência a
lugares de onde vive e hábitos (por
exemplo, toda terça comer
panqueca no restaurante tal),
buscando fazer seu próprio pequeno
mundo
Sistematicidade Estabilidade
Apoio social
Leitura e estudo sobre ética e
cidadania na política
Autodidatismo Justiça
Conhecimento
Diversão contracultural Rebeldia Prazer
Autodireção
Gratidão à vida Generosidade Religiosidade
ÓRION
Atenção aos amigos Cuidado
Afetuosidade
Afetividade
Honestidade
Apoio social
Fonte: autora
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Em ordem decrescente os valores que marcaram o grupo se reúnem em
quatro conjuntos quanto à freqüência com que ocorrem:
a) justiça;
b) religiosidade/apoio social;
c) conhecimento/convivência/afetividade;
d) segurança/ honestidade/estabilidade/beleza/saúde/ordem
social/prazer/autodireção.
Mais uma vez se evidencia a justiça enquanto valor predominante,
confirmando os dados anteriormente apresentados.
6.3.2.5.
Projetos de vida: perspectivas
Em termos de perspectivas de futuro questionamos acerca dos planos de
cada um, que os anelos costumam corresponder a coisas que as pessoas
consideram importantes para si. A questão efetuada (“quais são seus sonhos?”)
indicou as seguintes priorizações de valor, com sobreposições: 50% no campo da
afetividade (cinco pessoas em dez), 40% igualmente para justiça e para
maturidade (quatro em dez), e 20% para segurança (duas em dez).
No que tange à afetividade, a preocupação principal era ter mais tempo para
a família (AQUARIUS), garantir a boa formação dos filhos (POLARIS,
ANDRÔMEDA), ter convivência mais próxima com os filhos (POLUX) e
pessoas queridas (ÓRION) e encontrar parceiros(as) afinizados(as) com quem
partilhar a vida (POLARIS, POLUX, ANDRÔMEDA).
No tocante à justiça, trata-se de criar uma sociedade não-capitalista
(AQUARIUS) ou uma sociedade melhor (POLARIS), se engajar em lutas justas
participando do que for possível (VEGA, AQUARIUS), reconhecimento da área
com destinação de recursos para o trabalho (ALDEBARAN).
Para maturidade, os anseios se vinculam à auto-realização e tem a ver com
projetos específicos (LIRA, por exemplo, com o projeto da pós-graduação em
meio ambiente e com o projeto de gênero, diversidade cultural e biodiversidade)
ou formas de trabalhar almejadas (VEGA com a vontade de ter mais liberdade pra
dedicar-se ao ambientalismo no formato e tempo adequados, ao invés de
submeter-se a modelos impostos pela universidade; POLARIS com o anelo de
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escrever; e CARENA com o anseio de dedicar-se à arte e à clínica psicoterápica).
De toda forma, tais desejos continuam vinculados ao trabalho, como ocorre com
as priorizações relativas à justiça.
Com relação à segurança, temos o valor ordem social, representado pelo
desejo de morar fora do Rio de Janeiro, num lugar tranqüilo (AURIGA e
POLUX).
dois grandes pólos registrados nesses quatro valores: a vida afetiva e o
mundo do trabalho, enquanto significador da existência e instrumento de
construção de uma vida melhor e mais justa.
Considerando que a estatística sobre a priorização valorativa neste tópico se
efetuou com sobreposições, em números absolutos podemos dizer que o trabalho
assume maior relevância que a afetividade, se considerarmos a aglutinação das
preocupações e desejos relativos ao trabalho nos itens maturidade e justiça.
Não é à toa que a questão 21) “Quais as dúvidas e dilemas comuns na sua
vida?” teve como dilema básico (para 80% dos entrevistados(as), isto é, oito
pessoas em dez) o que priorizar: justiça ou afetividade? Existe uma grande dúvida
sobre o grau de utilidade (em termos de êxito no processo de transformação
social) de todo o trabalho que cada um está fazendo e sobre a validade dos
sacrifícios impostos aos entes queridos e de convívio próximo em função deste
mesmo trabalho. Trata-se do ideal, do trabalho, da militância versus a família, os
amigos, e o tempo para si mesmos (para a saúde, por exemplo). um certo
sentimento de impotência por vezes, de limitação diante de tanta dificuldade e
complexidade, que coloca em xeque o valor de todo o esforço realizado em prol
do idealismo, por roubar tempo afetivo.
Tem momentos que você olha e fala assim: caramba, (eu) não tenho mais jeito,
por um lado, sou muito grato por tudo o que me aconteceu [na carreira], mas
quando a gente pensa assim “meu Deus do céu, olha o que acontecendo no
mundo! Não tem mais saída”, isso realmente gera uma angústia muito forte, e
também tem uma questão pessoal no sentido de conseguir equilibrar isso com
família. Essa sempre é uma dificuldade das pessoas que atuavam em militância e
política, e muitas abriram mão de casar, de ter filhos, ou casaram e fracassaram
nesse sentido, e eu sempre achei que não, que é possível, continuo achando que é
possível, mas entendo cada vez mais porque que é tão difícil conciliar uma coisa
com a outra. E claro, isso muitas vezes gera angústia de às vezes não estar tão perto
da esposa, estar perto das meninas, até que ponto isso é justo? Será que vale a pena
lutar pelo mundo e sacrificar... Se for eu me sacrificando, até podia ser, mas
como fica o sacrifício delas? Não necessariamente vivemos os mesmos ideais.
Enfim, então claro que isso gera uma certa angústia, uma certa (re)pressão, de
saber se a gente não sendo injusto, em alguma medida, com aqueles que estão
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mais próximos, né. Mas, eu tento sempre superar lembrando que a gente taí nessa
construção mesmo e enfim, que as coisas que acontecem comigo são tão duras, que
eu não posso paralisar [as ações militantes]” (PERSEU).
De toda forma, também se constata aí uma relação com a justiça.
As demais questões postas a si referem-se à auto-realização: onde ser mais
útil? Que atividade gerará ao mesmo tempo mais prazer?
Enfim, a perspectiva de futuro continua gerando conflito por haver dois
valores bastante fortes em disputa, um no plano da intimidade, pessoal (a
afetividade) e outro mais relativo ao mundo, de significação existencial mais
ampla (a justiça). Por ser o trabalho a via por onde se expressa a preocupação com
a justiça e a significação da própria vida, o trabalho se converte também em fator
de auto-realização, de modo que seu apelo acaba por vencer a disputa na
concretude diária da agenda. Mas não sem preço. A culpa acompanha a maioria
dos docentes, pois gostariam de conseguir dar mais atenção e prioridade à vida
afetiva (um exemplo da distância entre valores ideais e valores reais: gostariam
que família viesse antes, mas de fato não tem prioridade. No confronto com a
realidade diária isso se evidencia e torna-se conflito). A tendência ao auto-
sacrifício predomina, faltando o equilíbrio que lhes garantiria a saúde, em sentido
lato, para estenderem sua colaboração por mais tempo e em melhores condições
rumo às bases de um planeta mais saudável. O senso de urgência, talvez, move
cada entrevistado a esta escolha existencial.
6.3.3.
Os entrevistados(as): como vivem
Com relação ao cotidiano, isto é, a vida prática fazendo uso dos valores,
pode ser melhor compreendida a partir do mini-inventário
.
6.3.3.1.
Práticas existenciais: valores em operação
Selecionamos do mini-inventário os tópicos relativos aos itens: decisões,
motivações, critérios das escolhas, gastos, e prioridades. Tanto as decisões como
os critérios e os gastos remetem a uma priorização. As motivações e prioridades
ocorrem em função da importância atribuída aos fatores que as originam. Sendo
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165
assim, estes tópicos registram adequadamente a preferência valorativa de
nossos(as) entrevistados(as). Procuraremos temperar a identificação dos valores
com as lições aprendidas a partir do modo como pareceram se formar, para
extrairmos possibilidades de aplicação pedagógica.
a) Decisões
No que tange às decisões, cuja questão era “elenque as principais decisões
tomadas na vida”, temos a seguinte situação: como anteriormente identificado,
um predomínio de decisões tomadas em função dos valores da afetividade e da
justiça, ambos estando empatados em 85%
35
, ou seja, seis em sete pessoas. Esta
informação corrobora o que encontramos no tópico dilemas e justifica os
conflitos, já que ambos estão cotados na mesma intensidade.
Interessante pontuar que as pessoas que mais vivem conflitos entre
afetividade e justiça são as mesmas cujas decisões existenciais se apoiaram nestes
dois valores, a saber: LIRA, AURIGA, AQUARIUS e PERSEU.
Em seguida, temos também empatados com 28,5% (duas pessoas em sete),
os valores da maturidade, do conhecimento e da segurança.
As decisões relacionadas à afetividade referiram-se em todos os casos aos
relacionamentos de casal (casamento e separação) e aos filhos.
“A minha profissão, casar, filhos. Foi uma luta escolher a escola deles, eu me
lembro disto como uma coisa angustiante até hoje, eu queria que fosse uma coisa
muito especial, a minha menina estudou numa escola onde as pessoas tomavam
decisões de modo coletivo desde pequena” (LIRA).
“Principais decisões? (...) Certamente a decisão de casar foi forte pra mim, ter
filhos. O que de mais importante tem? Acho que essas foram as decisões mais
fortes...” (AQUARIUS)
as relacionadas à justiça estão relacionadas à escolha da educação
ambiental, da profissão e às escolhas políticas.
“Bem, não ser infeliz, lutar pelo que eu acredito, não consigo compactuar com
coisa errada, com injustiça... tentar ser justa o mais possível, tentar aceitar meus
limites e meus erros e não me xingar muito por isso. Eu me cobrava muito porque
eu não podia fazer coisa errada, hoje eu sei que eu tenho o direito de errar e me
perdôo por isso. Ser professora, trabalhar com a questão ambiental... são decisões
importantes” (AURIGA).
35
Uma vez que cada entrevistado pode mencionar suas principais decisões na vida, houve sempre
dois ou três valores identificados como mais relevantes para cada pessoa. Com isso, temos o
somatório de 85% para dois valores diferentes.
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O conhecimento foi a base das decisões relativas à profissão (para os
entrevistados(as) que não a escolheram em função da justiça). A maturidade foi
responsável por decisões referentes a ajustes, tanto na carreira profissional, como
nos relacionamentos. Também subsidiou a produtividade escrita. A exemplo,
trazemos as falas de ALDEBARAN e POLUX.
"(...) A segunda decisão importantíssima, tinha os filhos criados, foi quando
decidi ir pra [trabalhar na] faculdade de Saúde Pública na Década de 80. Até então
era só meio período, e ficava com os filhos mais. Quando os filhos estavam
grandes peguei o período integral. Minha filha mais nova tinha 7 anos. Lógico, eu
podia fazer isso, meu marido também podia manter a casa. Mas sempre fui de
cuidar dos próprios filhos, e não delegar aos outros. Outra decisão foi largar a
prefeitura, optando por trabalho mais efetivo, com continuidade, e qualidade de
vida. Foi em 1998, embora ganhando a metade. Mas meus filhos eram adultos e
trabalhavam, não precisavam mais contar comigo tanto e eu podia ser feliz (risos).
Optei pela felicidade” (ALDEBARAN).
Note-se que para ALDEBARAN a felicidade está mais ligada à satisfação
do trabalho (auto-realização) do que ao dinheiro recebido por ele.
“(...) Outra decisão importante foi quando estava lá na escola de Lumiar e decidi ir
pra fora. No sentido de que aquilo que eu fazia lá, que me satisfazia muito, eu
decidi que era algo que precisava ter um alcance maior. Foi quando decidi fazer a
publicação, corri atrás, fiquei um ano tentando arrumar lugar pra publicar e que de
fato acabou gerando toda uma conseqüência de fazer com que hoje eu tenha uma
atuação mais ampla do que era uma atuação localizada na época como professor.
Outra decisão importante foi agora, quando terminei esse meu primeiro casamento
e me permiti viver uma série de coisas novas que estou vivendo. Inclusive um
(segundo) casamento que também já acabou... foi importante pessoalmente me
permitir várias coisas que precisava me permitir pra me conhecer melhor e estou
experimentando agora. Acho que foram estes os momentos mais marcantes de
decisão” (POLUX).
Por fim, a segurança esteve relacionada à aquisição de bens que garantam
uma sobrevivência tranqüila, como apartamento e casa própria.
“Talvez comprar o apartamento, casar, ter filhos, escolher a profissão certa, não
desistir dela e acreditar que eu fosse para frente. Acho que só” (ANDRÔMEDA).
b) Prioridades
A questão sobre prioridades (“elabore uma escala de prioridades (reais) da
sua vida”) confirmou a importância conferida ao trabalho pelos entrevistados(as),
muitas vezes ocasionando dilemas internos pela competição do tempo do trabalho
com o tempo da família.
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167
“prioridade pra mim é educação ambiental (risos). É o que eu faço. Essa luta que
eu faço no Brasil todo, essa luta política, teórico, prática. Segundo... Família, né?
(risos). Minha mulher diz assim: primeiro é o trabalho, segundo é o trabalho,
terceiro é o trabalho, quarto é o trabalho, quinto as filhas e sexto é ela (risos). Não
diria exatamente assim... Na verdade, primeiro de fato é isso, né, o trabalho, no
sentido mais amplo. Não tem como dizer que não, quem me conhece cinco minutos
sabe disso, não vou mentir, mas a família tentaria botar junto. Mas não consegui
ainda botar no mesmo nível. Enfim, que vem em segundo lugar, se precisa fazer a
hierarquia. Eu sou do mundo, então minha família o as pessoas. Então nunca me
dei muito direito de estar perto da família, não tempo. Em terceiro lugar é a
minha saúde, até uma coisa que eu gosto muito é fazer artes marciais (...) eu
continuo na formação de algumas artes e algumas lutas, coreanas e chinesas, é um
estilo, enfim, muito denso, o tem em academia, e é o que faço até hoje e não
pretendo largar, nunca. Então essa questão da disciplina, do respeito, da honra, são
coisas que eu carrego muito em função disso, se (...) eu prometer alguma coisa tem
que cumprir, não existe a possibilidade de eu não cumprir, isso é uma desonra total,
e isso é uma coisa que eu trago muito por causa dessas artes marciais, de respeito,
do abrir mão de si para proteger ao outro. Isso pra mim é muito visível (...). E o
quatro diria que seria o restante da família. Então seria o trabalho, minha família do
centro, nuclear, e terceiro seria eu, esse eu marcial, e o quarto a família como um
todo” (PERSEU).
Justiça (representada pelo trabalho, no caso de PERSEU), afetividade
(família) e segurança (saúde) emergem deste depoimento. De fato, PERSEU não
foi o único a priorizar o trabalho.
“O trabalho é uma grande prioridade. E tenho tentado alterar essa prioridade, mas
ainda não consigo. Queria de repente que fosse a família e eu não consigo colocar a
família como prioridade ou eu mesma, marido, filho... O filho não foi uma
prioridade, os netos não são uma prioridade, o marido não é uma prioridade. Não
que eu o cuide deles, mas não estão na primeira... nem eu mesma estou na
primeira... aliás, eu estou depois deles, estou bem pior, porque normalmente
quando sobra algum tempo eu cuido deles. É muito complicado, até porque pra eu
ter trabalho e cuidar deles eu tinha que colocar pelo menos eu... não posso ser a
última...!” (AURIGA).
Em ambos os casos o trabalho representa a maneira de lutar contra a
injustiça, e sendo esta luta o guia existencial de AURIGA e de PERSEU, a
dificuldade em priorizar a família fica clara como decorrência. O caso de
ALDEBARAN é semelhante, mas por estar em outro momento de vida,
próxima à aposentadoria, o conflito minimiza-se. O tempo demandado nos
cuidados com a família é menor.
“Minha família me acha workaholic. Isso me satisfação, e sou workaholic por
que meu trabalho me muita satisfação. Não faço questão de domingo ler textos,
corrigir teses, fazer projetos, escrever artigos... porque isso me muita satisfação.
Minhas prioridades são relacionadas ao trabalho e principalmente à família, e hoje
os meus netos. Dar uma atenção especial pra cada um deles e ajudar na formação
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168
deles. Porque a base da família é essencial. Os outros grupos complementam”
(ALDEBARAN).
Neste item, prioridades, destacaram-se os valores da afetividade e
maturidade, empatados em primeiro lugar com 66% (seis pessoas em nove). Em
seguida vem a justiça com 44% (quatro em nove) e logo depois, também
empatados, temos conhecimento e segurança, com 22% (duas em nove), e êxito e
honestidade, com 11% (uma em nove).
Com LIRA e POLUX surge no campo a necessidade de equilíbrio. No caso
deles, o trabalho representa o valor maturidade, estando intrinsecamente ligado à
auto-realização. Também para eles a justiça é importante, mas a relação
construída com o trabalho diverge das anteriormente apresentadas. Talvez por
fazerem parte do grupo mais voltado à sensibilidade, o equilíbrio desponte.
“Eu quero ver se eu chego aos 120, pra fazer bastante coisa ainda, uma das minhas
prioridades é fazer tudo isso que eu faço com o maior grau de equilíbrio possível.
Parece que é um exagero, então parece que é paradoxal com relação à saúde, mas
não é não. Eu faço estas coisas dentro de parâmetros de segurança com relação ao
meio ambiente. Para poder manter o equilíbrio existem estratégias, todo dia, se eu
não estiver dentro da piscina estou caminhando, até porque tenho pressão alta
(lógico que acabei com pressão alta, óbvio, porque algum dia não soube como
administrar esta paixão pela educação, essa quantidade enorme de tarefas e mais a
família, os filhos, os cursos, fiz o mestrado, doutorado, pós-doutorado, oriento
alunos, dou aulas na pós, na graduação, dou entrevista...)” (LIRA).
“Primeiro é ser feliz (risos). Tem uma coisa que acaba sendo prioritária pra ser
feliz, que é aquela coisa de viver amando e sendo amado, vida a dois pra mim é
uma coisa importante, por isso que eu tentando... Viver isso de uma forma
serena, tranqüila, buscar construir esse ambiente. Acho que é isso. E repetir isso na
minha atuação profissional, de um educador que transmita essa felicidade de viver
e por conta disso queira uma vida melhor” (POLUX).
Da fala de VEGA depreendem-se os valores da maturidade e da afetividade,
comparecendo também a justiça e a honestidade, esta traduzida no compromisso
com os relacionamentos. Tais valores mobilizam em VEGA um comportamento
altruísta, responsável, e solidário.
“Bem, acho que tenho uma prioridade que tem duas faces. Eu diria, assim, que
esta é a prioridade que orienta minha vida. Que é uma prioridade de compromisso
com os outros. Então ela tem uma face privada, que é o meu compromisso com a
minha família e a minha face social, que é o meu compromisso com a sociedade na
qual eu vivo. Acho que compromisso é uma prioridade número um. Ninguém tem
o direito de ser descompromissado, de se desfazer da sua parcela de
responsabilidade em qualquer situação. Nós não estamos soltos no mundo. O Sartre
diria “nós estamos condenados a ser livres”. E, portanto, nós devemos exercer
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nossa liberdade com responsabilidade, que implica sempre numa relação com
outras pessoas. Acho que esse é um valor importante. E acho que os valores da
justiça, procurar ser justo consigo mesmo e com os outros. E isso não é você que
tem esse critério da justiça, esse critério vai se construindo nas suas relações
sociais. A sociedade vai meio que delineando esse ideal de justiça, não é uma coisa
que sai do nada, ele sai das suas relações sociais e de certos balizamentos de
convívio. Dentro desses balizamentos, as pessoas têm que... pra mim esse é um
valor, o valor da justiça. De que as coisas ocorram de uma forma correta e justa.
Isso exige que você exerça sempre esse critério do recuo pra olhar as situações e
pesar. A justiça tem a ver com isso. É por isso que eu peso as situações. Quando
pesamos as situações é bem a balança da justiça. Se você não pesa as situações, não
tenta olhar o outro lado, e o que o outro pode estar pensando, ou fazendo, ou
dizendo ou tendo a intenção, você pode cometer injustiças. Bom, e depois acho que
os valores da solidariedade, da amizade, são coisas que fazem a vida valer a pena,
senão também as relações sociais se tornam muito duras, ainda mais numa
sociedade como a nossa, que já não é muito pautada por esses princípios” (VEGA).
A maturidade é também a preocupação de fundo de AQUARIUS, traduzida
na busca por sabedoria, autoconhecimento. Esta prioridade organiza todo o
restante da vida de AQUARIUS.
“Bom, tentar ser feliz, né? Em primeiro lugar. Mesmo que o ambiente mais
imediato não concorra pra isso. Buscar sabedoria. É um exercício que eu tento me
impor. Digamos assim: tentar distinguir o bom combate do combate inútil, focar
minhas energias no que é fundamental, aprender a distinguir o que é aparência e o
que é essência. São preocupações que eu procuro considerar pra hierarquizar meus
movimentos. Mas, sobretudo isso, tentar ser feliz até onde isso é possível no
contexto que a gente vive. Às vezes isso não é possível” (AQUARIUS).
c) Critérios
Em termos de critérios foi solicitado aos entrevistados(as) que listassem
aqueles critérios que embasam suas escolhas. Do ponto de vista quantitativo,
tivemos os seguintes resultados: honestidade, com 81% (nove pessoas em onze);
justiça, com 54% (seis em onze); autodireção, com 45% (cinco em onze);
maturidade, afetividade, êxito e estabilidade empatados com 27% (três em onze);
estética e prazer, com 18% (duas em onze); e estimulação, com 9% (uma pessoa).
O fato de honestidade ter sido o critério mais utilizado mostra o quanto é
vivo e forte o compromisso em relação às pessoas. Certamente a justiça, tão
evidenciada em todas as outras questões, é um valor que decorre dessa
importância que se ao compromisso com o outro. Nesse sentido, a honestidade
enquanto valor esclarece também o freqüente comportamento altruísta no público
estudado.
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A honestidade se viabiliza através de diversos traços de personalidade. Em
VEGA explicita-se imediatamente a capacidade de ponderação.
Eu acho que eu faço um esforço de hierarquizar as questões, sempre me colocar a
pergunta: que questões são efetivamente prioritárias no sentido das conseqüências
que elas têm, da responsabilidade que elas implicam. Porque às vezes questões que
nos são muito próximas, muito imediatas, parecem ser grandes questões com as
quais nós deveríamos nos preocupar muito, mas se você pára um pouco pra pensar,
você se conta de que numa escala de valores, elas realmente não eram
prioritárias, parecem prioritárias. Eu tendo a não ficar sempre querendo apagar
incêndio. Tomar um pouco de distância das coisas e verificar em que medida elas
são prioritárias ou eu deva me empenhar tanto nelas. Em que medida elas fazem
apenas parte de uma circunstância às vezes até emocional, tanto sua, como do
grupo no qual você está envolvido e que então elas assumem proporções maiores
do que elas efetivamente têm. Esse é um critério pra mim: tomar um pouco de
distância e ponderar as questões antes de enfrentá-las” (VEGA).
Além da honestidade no acervo de nossos educadores também está presente
a generosidade e o cuidado com o outro, como se nos dois depoimentos a
seguir.
A felicidade é extremamente importante. Tanto a minha quanto a dos outros.
Acho impossível viver sobre as infelicidades dos outros. Tenho tendência grande
em partilhar minhas coisas, minhas vantagens, doar meu tempo, contribuir, adoro
dar presentes, isso é da minha natureza, me faz bem. Acho que também tentar lutar
por o que queremos, estimular as pessoas a crescerem...” (ALDEBARAN).
É o que estou sentindo. É vago, né? Deixe eu sentir o que é pra fazer, sentir o que
é mais importante por alguma razão, o que diz respeito à vida de alguém, acho que
é isso mesmo, tem a ver com a vida de alguém. A vida, tem a ver com a vida”
(LIRA).
A honestidade também transparece na busca de relações democráticas e
autênticas, consigo mesmo e com os demais, como ocorre com AQUARIUS e
POLUX, de modos diferentes:
...pauta ...diário, não tenho o menor saco pra essas coisas! Fazer plano de curso
detalhado. Sempre confiei muito no meu instinto, podia entrar pra turma de mãos
vazias e conseguir organizar o meu trabalho a partir do contato com os alunos. Em
geral os professores fecham muito antes seus planos de curso e chegam com o
pacote fechado, por exemplo. É mais seguro, é racionalmente mais defensável pros
coordenadores. Eu sempre apostei numa situação de risco, apostei numa construção
mais coletiva das coisas que eu faço. Tem os riscos que isso implica, às vezes isso
não muito certo. Mas é o que eu estou te falando, não gosto muito de contrariar
minha alma... eu confio um pouco no meu instinto, nas coisas que eu sinto, que eu
olho, não sei por que. E a nossa razão está notada numa outra... obedecendo a
outras necessidades às vezes. Então o que você está chamando de instinto é a
sua percepção, sua intuição... Sim, a intuição. Isso nos associa ao mundo animal,
né? E a gente não gosta muito de se aproximar muito dele, mas eu acho que sou
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171
animal numa certa medida e acho que não me contraria isso, pelo contrário. Isso até
me aproxima um pouco da espiritualidade tamm, num certo sentido.
Espiritualidade não tem nada a ver com a razão. Num certo sentido eu acho que os
ambientes educativos formais não compreendem os movimentos da alma. Porque
se baseiam em princípios científicos pra regular o comportamento e a produção
humana. E eu desde cedo desconfiei de que isso é muito... que não devia ser a
única maneira que a gente tinha de perceber. Então acho que o instinto é uma coisa
importante” (AQUARIUS).
Se para AQUARIUS o importante é equacionar instinto e razão, para
POLUX a prioridade é a saúde emocional. A honestidade consigo neste aspecto é
fundamental porque confere maturidade a outras escolhas, repercutindo inclusive
no seu fazer educativo.
Primeiro é ser feliz. Tem uma coisa que acaba sendo prioritária pra ser feliz, que é
aquela coisa de viver amando e sendo amado, vida a dois pra mim é uma coisa
importante, por isso que eu tentando... Viver isso de uma forma serena,
tranqüila, buscar construir esse ambiente. Acho que é isso. E repetir isso na minha
atuação profissional, de um educador que transmita essa felicidade de viver e por
conta disso queira uma vida melhor. Acho que critério é ser coerente com essas
necessidades minhas, né? Quer dizer, quando decido alguma coisa é pra tentar ser
coerente com essa perspectiva de ser feliz, essa perspectiva de que essa decisão
permita com que eu viva amorosamente as minhas relações, que eu consiga com
essas opções refletir isso na minha atuação de educador de uma forma mais plena.
Acho que os critérios estão atrelados a isso, sempre buscando ser coerente com
essas opções” (POLUX).
Certamente não seriam pessoas de tanta iniciativa não fosse seu senso de
autonomia, demonstrado pelo valor autodireção. Para propor-se um trabalho de
contra-hegemonia e sustentá-lo com todas as dificuldades que isso implica, tanto
de ordem pública como pessoal, é preciso realmente dispor de recursos íntimos
fortalecidos, como a autonomia. Não é à toa que a coragem é algo patente na
postura da maioria absoluta dos professores e professoras estudados. A fala
anterior de AQUARIUS demonstra um razoável nível de autonomia. Como
também a que se segue:
(...) nós vivemos eternamente, por conta da formação da gente, do nosso processo
civilizatório também, a gente vive experimentando tensões entre razão e instinto.
Então são duas fortes motivações. Às vezes a razão se sobrepõe ao instinto. Mas eu
não gosto muito de fazer o meu instinto silenciar. Todas as vezes que eu fiz isso eu
me arrependi de racionalizar demais uma coisa e as condições estão falando num
outro sentido. Isso me perturbou até um certo tempo. Mas acho que hoje eu
consigo, digamos assim, temperar minhas decisões. Não tão racionais, nem tão
instintivas. Não gosto muito de contrariar minha alma. E às vezes a gente é
obrigado a fazer isso, por pragmatismo, mas isso nem sempre vale a pena. Então,
meus critérios, acho que transitam de um lado pro outro. Às vezes eu sou mais
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racional, mas às vezes não vale a pena. A decisão, por exemplo, de sair de Viçosa e
vir pra sem emprego nenhum não tinha nada de racional. Foi uma sensação de
asfixia, de “não quero ficar aqui mais tempo”, entendeu? Havia coisas mais
subjetivas que foram fortes pra me decidir. Pode não ter sido uma coisa muito
ajuizada, com 3 filhos voltar sem ter emprego, sem trabalho nenhum, mas não me
arrependi, porque acreditei que eu tinha força pra recomeçar do zero, reconstruir de
fato e acabei conseguindo fazer isso. Mas também não o decisões fáceis. (...)
Existe um peso burocrático muito grande no que a gente faz. Eu não vejo muito
sentido nessas coisas, sou obrigado a fazer algumas coisas que pra mim o tem a
menor relevância. Minha alma não gostaria de estar fazendo, mas sou obrigado a
fazer, e procuro usar esse movimento pendular entre razão e instinto pra também
não me aviltar muito, mas também não me expor desnecessariamente a ataques
desnecessários” (AQUARIUS).
O exemplo mais sintético de autodireção veio de POLARIS. Sua
personalidade forte e crítica sustenta essa auto-suficiência.
Os critérios são muito claros. O primeiro e mais forte é sempre a questão: a
serviço de quem ou de quê faço isso? Isso que faço ou escolho é ético, justo? Isso
que faço ou escolho tem algum significado à luz da minha morte iminente? Isso
que faço ou escolho me alegria e prazer? São esses os critérios pessoais. Não
faço algo que, se morresse hoje, não me daria plenitude” (POLARIS).
Como se percebe, esta fala também demonstra os valores da justiça e da
maturidade.
Afetividade, maturidade, justiça têm sido fatores recorrentes até aqui. O
novo indicador contundente surgido neste último item foi a honestidade. Mas que
nada tem de incongruente com os demais, que de toda forma se trata da relação
saudável com o outro. Pelo contrário, a honestidade é fundamento para a justiça e
para a afetividade. A maturidade, enquanto auto-realização, também exige sua
cota de honestidade, desta vez da pessoa consigo própria.
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Quadro 7 – Critérios: relação entre valores, comportamentos e traços
entrevistado
tópico em
análise
valores depreendidos comportamentos Traços
1- Aldebaran
Justiça
Maturidade
Honestidade
Afetividade
Êxito
Autodireção
Concessões (o bem comum antes do eu), produtividade
(trabalho),
partilha, lutar pelo que se quer (idealismo/ realização),
incentivar o crescimento alheio
Persistência, altruísmo
2- Carena
Prazer, Saúde, Maturidade,
Beleza, Autodireção,
Honestidade,
Êxito, Estimulação
Avaliação constante de tudo; verificando até que ponto gosta
ou não, quer ou não aquela opção, dá conta ou não, pode se
expressar ou não; selecionar pela qualidade; renovação
autocrítica
honestidade consigo,
criticidade, auto-respeito,
criatividade
3-
Andrômeda
Estabilidade, Honestidade
Auto-esclarecimento quanto aos motivos que levaram à
escolha (“tem que ter uma lógica”); controle da
impetuosidade alternado com momentos de impulsividade;
brincadeiras para amenizar posicionamentos drásticos
Controle, racionalidade, bom
humor, cuidado, segurança
4- Vega
Critérios
para
decisões
Justiça, Ordem Social, Ponderação, distanciamento, visão prospectiva, escolher a Logicidade,
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entrevistado
tópico em
análise
valores depreendidos comportamentos Traços
Honestidade prioridade quanto aos efeitos e à responsabilidade responsabilidade, respeito
5- Lira Afetividade, Honestidade Autopercepção, análise, cuidado com o outro, intuição
Respeito, sensibilidade,
autoconfiança
6- Perseu Justiça Priorização do trabalho (ideal de luta), estudo constante
Posicionamento firme,
coerência, obstinação,
determinação,
intelectualidade,
compromisso
7- Aquarius
Autodireção, Honestidade,
Justiça
Autopreservação, inclusão, partilha, concessão, apostar na
intuição e na construção coletiva (inclusão, co-
responsabilidade, participação, democracia)
Autoconfiança, ponderação,
respeito, empatia,
responsabilidade, ousadia
8- Órion Autodireção, Honestidade,
Beleza, Afetividade, Saúde,
Êxito, Maturidade, Estabilidade,
Prazer
Análise, participação, experimentação de coisas novas,
rotinas prazerosas, acolhimento, verificação do nível ético, da
qualidade, pertinência, bem-estar, beleza, radicalidade,
encontro
Disponibilidade, abertura,
honestidade, criticidade,
posicionamento, coerência,
lealdade,
auto-respeito, lisura,
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175
entrevistado
tópico em
análise
valores depreendidos comportamentos Traços
generosidade, rigor
9- Auriga
Justiça, Honestidade Concessão, ir além dos próprios limites, análise
responsabilidade, franqueza,
exemplarismo, coerência,
persistência,
comprometimento, ansiedade
10- Polaris
Justiça, Maturidade (Auto-
Realização), Autodireção
verificação da intencionalidade, ponderação, análise da
relevância e do grau de plenitude nas ações
Criticidade, lisura, coerência,
respeito, alegria
Fonte: autora
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d) Gastos
Os gastos demonstram aqueles aspectos valorizados pelas pessoas, as coisas concretas com que se importam. Os itens de consumo
denunciam as preferências e canalizam as energias, tempo e recursos disponíveis. Daí serem escolhas tão significativas para este estudo.
Quadro 8 – Gastos: relação entre traços, valores e comportamentos
Entrevistado
Tópico em
análise
Artigo/
Valores depreendidos
Comportamentos Traços
1- ALDEBARAN
Cultura, trabalho/
Conhecimento, beleza
Compra de roupas artesanais em viagens como recordação
cultural. Gastos com livro, roupa e viagem.
Curiosidade, intelectualidade
2- CARENA Qualidade de vida, bem-estar/Saúde
Desfazer-se de uma coisa antiga ao adquirir outra do
mesmo gênero, questionar-se quanto à necessidade e
utilidade antes da nova aquisição, verificar se não vai
atrapalhar.
Criticidade, ponderação,
comedimento, parcimônia
3-
ANDRÔMEDA
Perfil de
gastos
Conforto, manutenção da
vida/Estabilidade
Não passar necessidade, poupança
Priorização, parcimônia,
dignidade
4- VEGA
Bens culturais: livros, jornais, revistas,
viagens/Estabilidade e Conhecimento
Poupança, valorizar as pessoas e o dinheiro pelo trabalho Parcimônia, intelectualidade
5- LIRA
Viagens/Prazer, Conhecimento Viajar rotineiramente
Curiosidade, prodigalidade,
hedonismo, impulsividade
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177
Entrevistado
Tópico em
análise
Artigo/
Valores depreendidos
Comportamentos Traços
6- PERSEU
Plano de saúde e esportes, estudo e
trabalho (livros, escola), casa própria,
conforto/Afetividade, Saúde,
Conhecimento, Estabilidade
Fuga de lojas, não come fora, pouco sai, prioriza as
necessidades da família
Intelectualidade, previdência,
autoconfiança, empenho,
cuidado, dedicação, autonomia,
desapego
7- AQUARIUS
Itens relativos à segurança, saúde, cultura,
trabalho/Estabilidade, Saúde,
Conhecimento
Lamento quanto à insuficiência de recursos, investimento
na recuperação da saúde, busca de recursos para casa
própria
Intelectualidade, priorização
8- ÓRION Livros, CDs, Viagens/Conhecimento
Doa livros regularmente, inclusive para bibliotecas; Passa
horas ouvindo música; quando viaja gosta de caminhar
sozinho pelos lugares cotidianos observando o modo de
vida das pessoas
Intelectualidade, sensibilidade
estética, curiosidade,
impulsividade, prodigalidade
(generosidade)
9- AURIGA Comida, roupa/Estabilidade, prazer Desperdício
Impulsividade, ansiedade,
desorganização
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Entrevistado
Tópico em
análise
Artigo/
Valores depreendidos
Comportamentos Traços
10- POLARIS
Gastos de sobrevivência, saúde, livros,
decoração, família/Estabilidade, Saúde,
Justiça, Beleza, Afetividade
Não pechincha, gosta de pagar o justo às pessoas. Com os
extras, investe em livros e objetos de decoração rústica
Quase não compra roupas e acessórios
Sensibilidade estética,
prodigalidade, intelectualidade
11- POLUX
Fase nova: companhia (namorada),
viagem, comida/Afetividade e Prazer
Permite-se viajar quando dá vontade, para ver a namorada
que mora longe, sai com amigos, tem relaxado no
planejamento financeiro
Impulsividade, hedonismo,
afetuosidade
Fonte: autora
Os itens de consumo em comum e mais freqüentes foram os relativos à sobrevivência, viagens, livros e bens culturais em geral, indicando a
priorização dos valores conhecimento e estabilidade. Em seguida vem saúde, depois afetividade e prazer empatados. Os itens parecem
acompanhar a pirâmide de necessidades de Maslow: necessidades fisiológicas, de segurança, de afeto, cognitivas, estéticas de auto-realização.
Excetuando-se o valor do conhecimento que atende a necessidades cognitivas e que neste levantamento se equiparou às necessidades de
sobrevivência (fisiológicas e de segurança). Este dado já era esperado, uma vez que o conhecimento é instrumento básico de trabalho e que o
trabalho assume uma dimensão dominante na vida destes educadores.
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179
Os motivos que ocasionaram os gastos e a forma como eles são efetuados se
referem a: trabalho, cuidados com a família, lazer, segurança, saúde,
conhecimento, justiça, aperfeiçoamento. Pudemos classificar os respondentes em
três perfis principais, a saber: emotivo-impulsivo (LIRA, POLUX, POLARIS,
ÓRION, AURIGA); parcimonioso (ANDRÔMEDA, CARENA, AQUARIUS,
VEGA); classe média (ALDEBARAN, PERSEU).
A forma de gastar se relaciona ao aprendizado familiar no uso do dinheiro,
como bem ilustra VEGA, cuja família é de imigrantes europeus, camponeses, que
viveram a cultura do trabalho enquanto algo positivo.
“(...) a experiência de vida dos imigrantes foi de pessoas que perderam tudo e
quando vieram pro Brasil lutaram com muitas dificuldades, tiveram que começar
do nada, vamos assim dizer. Então, sempre nós vivemos numa cultura da
economia, da poupança. Eu desde criança aprendi que a gente não faz gastos
supérfluos, que a gente tem que viver com o que é possível, que a gente tem que
aprender a viver com menos do que é possível, pra que sobre alguma coisa pros
momentos em que não se tem. Então, venho de família que aprendeu a poupar e
aprendeu a dar valor ao dinheiro como fruto do trabalho” (VEGA).
Não à toa, o tema de pesquisa de VEGA é justamente o trabalho.
Em termos de educação ambiental, vemos que saber o valor real das coisas a
partir do esforço que se faz, é algo que contribui para criar formas de viver
parcimoniosas, sem desperdício. Uma vez que nossa intenção é estudar os
educadores ambientais pensando também na formação de novos educadores
ambientais, pode ser interessante aproveitar esta experiência no sentido de criar
oportunidades aos estudantes e educadores em formação para que experimentem,
durante certo período, organizar seu consumo a partir de uma cota limitada
proposta e aceita por todos. Isto poderia ser feito, por exemplo, num curso de
imersão e não necessariamente envolveria dinheiro, mas a relação de troca para
atendimento das necessidades. Toda troca deveria ocorrer apenas a partir de certo
esforço de trabalho. A reflexão sobre essa experiência poderia nos indicar quão
apropriada ela foi, mas parece-nos que este é um dos aspectos fundamentais
dentre aqueles a serem desenvolvidos por educadores ambientais, que,
querendo ou não, o exemplo de tais pessoas inspira e legitima novas práticas.
e) Motivação
“Identificar as principais motivações pessoais” foi a instrução dada para o
levantamento de motivos e razões que movem nossos entrevistados(as)(as). Esta
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180
questão acaba trazendo não apenas os valores, mas também os contextos
motivadores, fazendo emergir mais aspectos da história de vida de cada um. Ao
perceber isso, percorremos novamente as entrevistas, buscando os trechos em que
a palavra motivação surgia.
Ou seja, ultrapassamos, neste tópico, o espaço da questão em si,
incorporando informações relativas à motivação dos respondentes, mesmo que
estivessem em outras partes da conversa. Com isso, esta seção será destinada
também a analisar a influência dos meios de experiência moral que contribuíram
na conformação dos valores.
o que me motiva sempre é o que eu te falei, toda vez que eu canso eu lembro o
que é que tem do lado. Isso é o permanente. Então, assim: ah, tô cansado. Uma
criança acabou de tomar um tiro. Alguém morreu de fome. Estão destruindo a
Amazônia, estão derrubando uma árvore. Isso é permanente” (PERSEU).
Esta pessoa mostra-se tomada por um senso de urgência, dado pelos fatos da
realidade cotidiana. Sente-se compromissada, convocada a agir. Neste ponto está
óbvia a motivação a partir da injustiça. Mas, PERSEU também tem outras
motivações:
E tomo como exemplo algumas pessoas. Pô, hoje em dia, às vezes a gente
reclama de estar aqui no computador. [Antes, se] Ficava escrevendo no papel,
numa situação difícil pra caramba! Marx mesmo foi um cara perseguido, foi prum
monte de país, sem dinheiro, o cara era persona não grata, filho morrendo de fome,
perdeu três assim, e o cara escreveu o que escreveu. Sartre na II Guerra lá escreveu
em papel de pão. Rosa Luxemburgo, perseguida pelo exército, enfim, posso citar
aqui um milhão deles. Então, eu vou reclamar que estou aqui no computador,
comendo, com a família e tudo?! Não é também pra jogar fora, os exemplos e a
realidade, o mundo real, o mundo real me motiva, sim” (PERSEU).
A junção de problemas em contraste com o exemplo de pessoas que
passaram por situações extremamente difíceis e não só as superaram, mas legaram
ao mundo novas idéias e realizações relevantes, compõe um desafio moral a
PERSEU. Ver que é possível enfrentar o que parece ser o mundo contra, que
houve casos de sucesso antes, é estimulante, desafiador.
Pensando em termos da formação do educador ambiental, percebe-se a
relevância dos meios de experiência moral, que propiciam problemas
suficientemente desafiadores para motivar o engajamento de personalidades cujas
tendências sejam favoráveis a este tipo de enfrentamento. Entre estas tendências,
pelo que vimos até aqui, parece ser fundamental a consideração pelo outro como
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181
alguém digno, cujas necessidades são legítimas. Esta propensão leva à atitude de
respeito, de relacionamentos honestos, não importando se na divergência ou na
concordância. Essa mesma consideração fundamenta a vivência do valor da
justiça, que aparece claramente direcionando as escolhas profissionais e sua forma
de vivê-las. Mas para além dos meios de experiência moral, conhecer as
experiências morais de outras pessoas também parece ser fator mobilizador, pelo
exemplo, ainda que involuntário. Nesse sentido, podemos pensar num uso
pedagógico de biografias, como fonte de inspiração e debate acerca das
experiências morais e dos recursos com que se conta para enfrentá-las nos dias de
hoje.
PERSEU traz outro aspecto a esta análise, não relacionado com a influência
intencional da família no sentido formador de certa espécie de sensibilidade, mas
que se vincula também à vivência de problemas que aguçam uma sensibilidade
existente. PERSEU conta que quando criança era especialmente sensível a
qualquer tipo de agressão ou desrespeito que presenciasse, revelando ser
possuidor latente do valor da justiça e da vida.
“interessante que isso não teve uma relação direta com meu pai e minha mãe não,
meu pai é militar, e são pessoas relativamente duras em relação a muita coisa. Ver
alguém brigando com outra pessoa, isso me afetava, ver o desrespeito com o negro,
e outras cenas assim, desse tipo, de chegar no mercado com a minha mãe, era
época de natal, e ver um monte de animal pendurado pelo pescoço, chorava
desesperadamente: “porque tinham que pendurar o bicho daquele jeito?”, devia ter
6 anos, 7 anos, e de pra foi consolidando isso e dando a densidade teórica,
digamos, pra sustentar o porquê sou assim, mas é uma coisa muito minha, sem
dúvida nenhuma” (PERSEU).
no período da adolescência, buscando expressar com mais liberdade suas
próprias tendências, PERSEU se deparou com conflitos familiares:
“Ter essas minhas convicções de esquerda na minha família era meio complicado.
Nossa mãe, falar de Che Guevara era morte, e era algo importante pra mim. Tinha
uma coisa que era importante pra mim, franciscana mesmo, hoje isso se afastou
muito de mim, mas isso também não me abalava não, até porque a família me
respeitava, tinha uma discordância, mas respeitava. Porque eu fui muito sempre
certo, correto, não tinha o que falar mal, como falar mal. Discordar era opção,
nunca fiz bobagem, pelo contrário. Até pra fazer essas coisas que seria o normal da
minha geração, de classe média, de sair, beber, e fazer bobagem... eu tive até muita
afinidade com essas pessoas que eram mal vistas, até amigo de escola, e me
misturava com eles, mas não fazia as mesmas coisas, mas [estava lá] no sentido de
mostrar que de certa forma entendia o que eles estavam fazendo...” (PERSEU).
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Suas tendências anti-injustiça encontraram no pensamento de esquerda
espaço para se expressarem e viabilizarem em ações concretas. Mas PERSEU
contava com outros recursos. Seu temperamento, a coerência, a retidão de caráter,
tudo isso o auxiliava a enfrentar as experiências e desenvolver-se nesses primeiros
meios de experiência moral. Até mesmo o estar no contrafluxo dos
comportamentos típicos da adolescência evidencia certo esforço de
autoconstrução já em andamento, a escolha crítica e refletida, e talvez, outro
valor, também latente, a saúde. O fato de andar em companhia dos “mal vistos”
também pode ser indicativo de sua tendência de incluir (excluir seria injustiça),
mas andar próximo a partir de suas próprias regras também demonstra maturidade
e autodireção, valores que mais tarde serão marcantes em sua trajetória e que
acionam comportamentos solidários, assistenciais justos, mobilizando ainda traços
como a empatia e a compaixão.
Sabemos que além dos guias culturais de valor, o indivíduo conta com
outros recursos para a formação da consciência moral, como os procedimentos da
consciência moral (Puig, 1998). No caso de PERSEU estão exemplificados os
procedimentos de compreensão, juízo e auto-regulação, mostrando-se claramente
em ação. Entretanto, por não ser este o objeto da análise desta pesquisa, apenas
sinalizamos aqui a riqueza potencial de um aprofundamento nestas biografias,
considerando todo o acervo que conforma a consciência moral.
Com PERSEU vemos ainda outro fator motivador, que é a gratidão. A
gratidão, neste caso, parece resultar do amor à vida, mas também seria uma
questão de justiça. E a mobilização gerada por ela levou a um engajamento e à
necessidade de compreensão teórica do contexto para melhor poder enfrentá-lo,
apontando também para outro valor, o conhecimento.
“Sempre procuro demonstrar gratidão pelo que os outros fazem, e pelos lugares,
quer dizer, até o lugar que eu fui criado, que é um lugar lindo. Eu sempre sentia
gratidão pela Ilha, e achava que gente tinha que fazer alguma coisa pela ilha, tanto
é que se pegar esse iniciozinho meu da iniciação do movimento ambientalista ele
se muito na (floresta da) Tijuca, foram situações específicas, movimentos da
Tijuca, mas que estavam ligados à baía de Guanabara, movimento Baía Viva, a
APEDEMA. Eu entrei por esse viés de discussão do grupo da baía de Guanabara, e
essas (instituições) me motivaram pra essa idéia de gratidão, Paquetá me acolheu,
eu tenho que fazer alguma coisa por ela. Não sei se para entender essa
maluquice. A gente começou a se envolver, e a gente que eu falo é que minha
mulher também, se envolvia até antes de mim, com a associação de moradores,
criação de uma ONG ambientalista lá, rádio comunitária, e tudo o que tinha de
movimento. Até hoje (a gente é imortal da ilha). Isso foi um fator importante
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183
porque fez eu entrar em alguns movimentos ambientalistas mesmo. Não foi
procurando assim do nada, foi muito motivado pela Baía de Guanabara”
(PERSEU).
Isto é, motivado por um problema concreto, configurado como experiência
moral. Interessante observar que esta experiência reunia diversos fatores
convergentes: a vivência prática de enfrentamento do problema num contexto
dilemático, conflituoso, que implicava interesses diversos e por isso mesmo
demandava clareza de posicionamento e fundamentação para este
posicionamento; o afeto dedicado ao lugar em questão, alvo dos conflitos; a
reflexão e debate acerca das experiências, que se tratava de um movimento
coletivo. A justiça, neste caso, foi um valor convocado a partir de outro, a
afetividade.
Este exemplo pode inspirar a criação de contextos didáticos na formação da
sensibilidade ambiental ou ethos ecológico: um problema a enfrentar
coletivamente, relativo a um espaço, paisagem ou situação a que se vota afeto.
Não basta então ser um contexto para aplicar a resolução de problemas como mote
para projetos, preconizada pela EA tradicionalmente. Mas é relevante que sejam
problemas que convoquem também a expressão afetiva dos alunos(as). Pode ser
especialmente interessante resgatar esse senso de gratidão à vida, às coisas que
recebemos, aos lugares e pessoas que nos receberam e que contribuíram para que
sejamos como somos.
As motivações de POLARIS estão todas relacionadas ao trabalho, que se
organiza em torno de três valores: conhecimento, justiça e saúde.
Minhas motivações são estudar, escrever, trabalhar com grupos, tudo sempre na
perspectiva de contribuir para uma mudança qualitativa, uma transformação, um
resgate de uma capacidade de resiliência. Todas as minhas ações convergem para
um desses princípios que me motivam” (POLARIS).
Quando criança se sentia pessoa fraca, que não sabia o que fazer do mundo,
mas se reconhecia boa observadora, especialmente das relações. Deduz ela que
seu interesse pela Psicologia veio daí. Esta percepção aguçada chamava desde
cedo sua atenção para pessoas em situações de dificuldade e a mobilizava muito:
“Estava num lugar e percebia que tinha uma pessoa pobre que estava sem dinheiro,
eu ia numa festa e via que tinha uma pessoa triste, e isso sempre me chamou a
atenção, isso é uma coisa minha. Ia em parque de diversões e via que a criança não
tinha dinheiro para comprar o ingresso, eu perguntava a minha mãe: “como é
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184
que pode?” E até hoje eu sou assim, e faço da minha filha assim também, o tempo
inteiro eu mostro para ela...e ela começa a fazer umas conclusões interessantes...
“mãe, quer dizer que isso é assim...é injusto, né...” “é isso mesmo, é injusto e a
gente tem que mudar, mas não na perspectiva da crítica, mas na perspectiva da
intervenção” (POLARIS).
Com esta fala POLARIS não deixa dúvida, o valor principal, raiz de suas
motivações, é a justiça, mas articulado a partir de outros: conhecimento e saúde.
Novamente vemos experiências morais agindo sobre a formação da consciência
moral, demandando resolução de dilemas internos a partir de um posicionamento
claro.
ALDEBARAN partilha com POLARIS da preocupação com a justiça
social, preocupação canalizada para o trabalho. Motiva-se pela própria educação
enquanto ferramenta capaz de auxiliar a transformar a sociedade para o bem
comum. A educação, em sua concepção, motiva a pessoa a se autotransformar, o
que decorre posteriormente em mudanças de ordem estrutural na sociedade. Daí a
importância atribuída por ela à coerência. A educação deve ser algo que promova
essa capacidade. Falar disso é falar de trabalhar as capacidades ou procedimentos
da consciência moral, especificamente a auto-regulação. A preocupação de
ALDEBARAN, que é certamente também a preocupação de inúmeros outros
educadores ambientais, nos leva a pensar que os processos formadores precisam
levar em conta muito além dos valores, a própria formação da consciência moral
como um todo. A questão ambiental é antes de tudo uma questão ética. De modo
que não se trata de obter novas tecnologias ou acordos políticos tão somente. São
aspectos que têm seu lugar e relevância, contudo são acessórios em relação ao
âmago da transformação necessária para que tais acordos se viabilizem ou para
que as tecnologias adequadas de fato entrem em uso.
Para ela, assim como para VEGA, a disparidade de realidades econômicas
com que convivia motivava a uma ação imediata. Criança, ainda, ALDEBARAN
alfabetizava as pessoas que trabalhavam em sua casa, dava-lhes aulas de religião...
Acabou se tornando assistente social. A justiça, aparentemente, também já era um
valor latente para ela desde a infância. A forma de auxiliar poderia ser de qualquer
tipo. No entanto, ela escolhia a educação, o que revela precocemente o valor do
conhecimento também para ALDEBARAN. Outro valor denunciado nesta prática
é a religiosidade, que as aulas poderiam ser sobre qualquer tema, e este foi o
escolhido. Justiça, religiosidade e conhecimento acionavam o traço da
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solidariedade e com isso, mais uma vez fica claro que a realidade problemática e
desafiadora moralmente demanda mais da pessoa quando isso implica algum nível
de afeto.
Ainda na infância, VEGA relata que a desigualdade social era para ela um
grande incômodo. A primeira experiência que a fez atentar para isso se deu no
jardim de infância, quando outras crianças queriam comer sua merenda. O fato de
ter continuado a estudar em escola pública
36
por toda a vida apenas reforçou essa
primeira experiência com muitas outras similares e aguçou sua observação do
mundo. Ela sintetiza assim:
“talvez estudar na escola pública a vida toda tenha me marcado muito. Mais do que
qualquer outra coisa. Mais até do que as coisas que eu aprendia dentro da minha
casa. Uma coisa é o discurso do pai e da mãe. Outra coisa é a realidade do mundo.
E eu acho que eu aprendi muito com a realidade do mundo pelo fato de ter sido
aluna da escola pública” (VEGA).
E com isso voltamos ao tema do discurso versus a realidade. Embora possa
parecer óbvio, a realidade é melhor mestra do que qualquer indução discursiva.
Ela nos convoca à ação, provoca todos os sentidos, exige uma resposta moral. O
discurso, no mais das vezes, mexe apenas com a intelectualidade. Por mais
sensível e sensato que seja atinge o intelocutor apenas num plano teórico. LIRA e
POLARIS têm razão. uma enorme necessidade de integração no mundo. Sem
que as informações, a crítica e a sensibilidade se conjuguem na interpretação do
mundo teremos apenas respostas estereotipadas, insuficientes para formar pessoas
saudáveis e ativas na construção de sua própria história, individual e coletiva.
Assim, afigura-se de capital importância criar estratégias metodológicas na
formação de educadores ambientais cujas bases estejam na formação dessa
capacidade integradora, já chamada por Puig de auto-regulação. Trabalhar os
valores, fornecendo oportunidades de viver experiências morais e debatê-las é
essencial. Mas, neste exercício, é preciso estimular ambos, a razão e a
sensibilidade. Por isso tanto falham ou são limitados projetos que busquem tão
somente informar ou exclusivamente sensibilizar quanto aos problemas
ambientais. Esperar que as pessoas se mobilizem à ação transformadora apenas
36
Certamente a escola pública da infância de VEGA guarda diferenças de qualidade e de público
com as atuais. Entretanto, o que nos interessa avaliar é o modo como o confronto com um meio
problematizador, dilemático, pode afetar a formação dos valores de um sujeito.
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porque se encontram emocionalmente sensibilizadas ao problema é ingenuidade.
Se tais pessoas não tiverem em seu acervo pessoal recursos intelectivos e de
relacionamento também desenvolvidos, pouco poderão fazer além de protestos.
Por outro lado, aguardar uma mobilização apenas porque algumas informações
contundentes acerca da degradação ambiental, ou pelo contrário, porque
informações e curiosidades a respeito do funcionamento ecológico foram
transmitidas, também se constitui expectativa fora da realidade. A teoria é
absolutamente insuficiente para mobilizar a grande maioria das pessoas. Enquanto
o sujeito não se depara com um problema concreto que lhe exija reflexão,
posicionamento, que estimule seus sentidos, pouco se pode esperar de suas ações.
“eu acho que a escola pública, mesmo aquelas que são consideradas as boas escolas
públicas, que muitas pessoas dizem que são escolas elitistas, acho que mesmo
essas, expressam muito claramente as diferenças sociais, expressam as
contradições da sociedade e elas têm a liberdade de trabalhar com vários enfoques,
várias visões de mundo. Aquilo que a gente espera que uma boa universidade
pública viabilize, que é um debate de paradigmas, um confronto de idéias, de
referenciais teóricos, acho que a escola pública, toda ela, ela permite essa
pluralidade. E acho que isso me marcou muito, porque oportunizou ver a realidade
sob vários enfoques, sob várias perspectivas. E conviver com as várias classes e
subclasses da sociedade. (...) Então, estudei com as pessoas pobres e as pessoas
ricas da minha cidade. Convivi com culturas diferentes, com formas diferentes de
se inserir na escola, com as pessoas que precisavam da escola porque lá era o lugar
aonde elas iam se alimentar e ganhar os livros, cadernos, uniformes. Mas também
com as pessoas que não precisavam de nada disso, que estavam lá porque era uma
boa escola. Acho que a escola pública me marcou sempre por essa perspectiva, da
necessidade de nós termos visões diferenciadas sobre a realidade pra com isso
oportunizar às pessoas a formulação de um pensamento próprio pelo confronto das
idéias e a oportunidade de vivenciar as diferentes realidades sociais e econômicas,
pra tamm confrontar as suas idéias com a realidade, pra ver em que medida elas
têm uma articulação, elas dizem da realidade ou são pura imaginação. (...) Então,
esse foi um elemento importante da minha trajetória escolar, ter essa compreensão
e essa valorização do espaço público, como um espaço de liberdade, de expressão
de idéias, de confronto de idéias e de confronto de idéias com a realidade concreta.
O que na escola particular nem sempre é possível” (VEGA).
Essa experiência calou tão fundo na vida de VEGA que ela e o marido
decidiram que os filhos também estudariam apenas em escolas públicas. E assim
se deu. Mas este relato chama a atenção por outros valores evidenciados. Trata-se
do conhecimento e da liberdade para construí-lo, a autodireção. A questão do
conhecimento era valorizada por VEGA desde o jardim de infância, quando
teimou em sair da escola porque o jardim não lhe ensinava a ler. Seu objetivo era
esse e não sendo cumprido, não lhe interessava estar ali. A determinação
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certamente era um traço pessoal também já manifesto desde cedo e acionada em
outros momentos que o valor autodireção demandasse.
“(...) porque eu não gostava do jardim, achava que eu não aprendia nada de
novo, eu queria aprender a ler e a escrever, e no jardim eles não queriam me
ensinar isso, então eu fui rebelde, fiquei pouquinho tempo no jardim, minha mãe
teve que me tirar da escola, porque eu disse (veemente): aqui eu não fico porque eu
não tenho nada pra aprender aqui, quero ir pra um lugar em que eu aprender a
ler!” (VEGA).
Outra motivação para ela são os próprios relacionamentos, em todas as
instâncias. Sua postura compromissada com todos traz à tona o valor da
honestidade e torna nítido seu temperamento responsável e crítico.
“Ih, as coisas que me motivam são as questões que dizem respeito às minhas
relações na sociedade, tanto as relações de foro íntimo, familiares, de amizades,
quanto às relações sociais e políticas, quer dizer, o meu enfrentamento diário, a
minha situação de professora, de militante política, de mãe, de dona de casa, essas
questões nos motivam permanentemente, eu acho” (VEGA).
Por fim, vale a pena pontuar outro valor patente nesta fala, a maturidade.
Ninguém que não tenha interesse em crescimento pessoal, em se melhorar
enquanto pessoa investiria seu tempo em “enfrentamentos diários”. Trata-se
também de um dos recursos da consciência moral, incluído nos guias culturais de
valor e denominado de tecnologias do eu (Puig, 1998). A auto-avaliação mostra-se
precioso recurso formativo da personalidade. De modo que renovamos nossa
sugestão de incluí-lo nos processos formadores da sensibilidade ecológica,
particularmente se estivermos falando de educadores ambientais em formação.
Exercitar-se, como VEGA, na auto-avaliação de seus mais diferentes papéis
desempenhados pode ser rica e imprescindível experiência, possibilitando
compreender a própria postura, desempenho, comportamento, sentimentos,
compreensões. Pode utilizar diversas técnicas e favorece a integração a auto-
regulação, de cuja importância tratamos há pouco.
ANDRÔMEDA considera estudar sua grande motivação, dividindo-se entre
o trabalho e a família. Por seu relato, a família toda, excetuando-se seus pais, é de
professores. Certamente um meio de experiência moral em que o estudo é
valorizado favorece um relação de apreço com o conhecimento. Mas
ANDRÔMEDA não foi a única.
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ÓRION tem outras preocupações e motivações, mas soma-se a
ANDRÔMEDA na priorização do conhecimento e do afeto. Para ele, o que
importa é não ser um farsante, isto é, estudar muito para continuar a ser um
educador profissional de excelência. Importa-se com as pessoas queridas e desde
menino faz questão de desobedecer a ordem estabelecida:
“Foi uma característica pessoal de desobedecer esta ordem estabelecida. No
sentido de se não me respondesse, eu não ficaria satisfeito. Isso me marcou com
profundidade. Não me venha com respostas óbvias ou simples, que não vai me
convencer” (ÓRION).
Conhecimento, honestidade, afetividade e autodireção são, portanto, valores
para ÓRION. Apesar da diferença de motivações, vê-se que os valores continuam
convergindo com os dos demais educadores ambientais entrevistados(as).
Para LIRA o conhecimento desde sempre foi um valor assumido. Quando
criança, por causa disso, sempre era presenteada com livros. Inquirida sobre suas
motivações, enfatizou o estudo, a intelectualidade, o trabalho, mas destacou
também a intuição de perceber o que seja importante para a vida das pessoas com
quem está envolvida. O cuidado com a vida em si importa para ela. E viajar!
Viajar parece ser uma válvula de escape para a intensa rotina de LIRA, mas
parece-nos que também tem relação com seu valor mais evidente, o
conhecimento. Do mesmo modo que ocorre com LIRA para AURIGA
importavam muito a leitura e o estudo quando criança e desde então. Como não
havia recursos para comprar os livros, ela os lia emprestados da biblioteca ou dos
vizinhos. O conhecimento sempre a seduziu.
Mas AURIGA, assim como AQUARIUS, trazem um novo rumo às
motivações observadas até o momento. Foi fator de sensibilização para ambos
poder usufruir livremente das brincadeiras de infância. AURIGA brincava entre os
meninos, exercitando já os valores da autodireção e do prazer. AQUARIUS
brincava em seu próprio quintal. Para ele importava a convivência com os bichos
e plantas, as artes que ali fazia com os irmãos. Tinha um temperamento irrequieto
e rebelde, mas era também bastante observador, passando horas em cima das
árvores à escuta de passarinhos, cujo canto aprendia, assim, a identificar. Trata-se
de um tipo de experiência diferente das anteriores, no sentido de que não foram
situações sociais de injustiça que o mobilizaram nesta fase. Na adolescência e
juventude, sim. Mas na infância o que parece ter sido mais significativo foi o
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prazer da convivência, a curtição da beleza ecológica de seu quintal e da liberdade
usufruída ali. Emergem, então, os valores da autodireção (liberdade), da beleza,
do prazer, da estimulação e do conhecimento, expresso na curiosidade e
movimento para aprender sobre os passarinhos.
Este relato revela a importância de também se oferecer pedagogicamente
não apenas experiências de conflito moral, mas experiências de prazer, de cultivo
da sensibilidade a partir da estética, do belo, da liberdade de experimentação dos
sentidos. O corpo tem sido um grande esquecido nos trabalhos educativos. E
muito embora sejam freqüentes as atividades ao ar livre quando se trata de
educação ambiental, raramente elas têm a intenção deliberada de fortalecer a
autopercepção corporal, e de assim exercitar a autodeterminação, capacidade que
se fortalece também à medida que a pessoa se apropria do próprio corpo.
Outra pessoa cuja motivação nasceu de experiências afetivas e estéticas
intensas é POLUX. Ele passou sua infância e juventude tendo como referência
principal de vida sua avó, residente em um sítio na cidade serrana de Friburgo.
Para POLUX o cuidado e capricho que esta avó tinha com o sítio fazia com que
eles, os netos, tivessem grande prazer em estar ali nas férias, feriados e finais de
semana. Para ele, foi uma experiência de viver a harmonia e a afetuosidade, que
consolidou fortes laços entre os primos até hoje, mesmo que atualmente estejam
distantes fisicamente. Quando adulto e formado POLUX decide começar seu
trabalho docente e como educador ambiental é para Friburgo que ele se muda.
Continua a conviver com esta avó, de modo bastante próximo durante os cinco
anos em que viveu em Muri (distrito de Friburgo, RJ). Hoje, tem duas grandes
motivações: sua atuação profissional e o autoconhecimento.
a minha profissão é minha motivação grande, quer dizer, minha atuação
profissional. Uma motivação grande que eu tenho é a de me descobrir. De vivendo,
me descobrir como pessoa, me conhecer melhor e pra isso vivenciar coisas novas,
diferentes. É algo que me motiva. Gosto de vivenciar coisas novas. Apesar de ter
essa aparência mais conservadora, mais tímida, gosto da coisa nova. Nesse sentido
até sou bastante ousado, não me assusta experimentar coisas novas, isso é uma
coisa que me motiva muito. E fazer isso pra me conhecer, entendeu? Experimentar
pra me conhecer” (POLUX).
POLUX reúne em si motivação para atuar transformadoramente no mundo
externo e interno. Talvez essa forte referência, como diz ele, que foi a convivência
com a avó e com o belo sítio, tenha ancorado nele forças para buscar retorno ao
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190
porto da harmonia. Assim, isso é buscado no próprio amadurecimento pessoal e
em sua atuação profissional. Em outro momento POLUX se refere à sua
necessidade de viver as relações todas do modo mais amoroso (em sentido amplo)
possível, de maneira que tal satisfação de viver transpareça e inspire seus alunos.
Deste relato podemos extrair importante lição para a formação de
educadores ambientais. Aparentemente, pessoas cuja vida inicial se estruturou
com base em alguma referência positiva tendem a querer ser úteis, reconstruindo
esta realidade referencial em si e no mundo. Considerando que tanto o ambiente
afetivo, como a apreciação estética da paisagem estiveram garantidos e que estas
não são condições fáceis de garantir na atualidade, podemos, ao menos, enquanto
educadores, oferecer ambientes acolhedores aos nossos alunos, tanto do ponto de
vista do sentimento e da reflexão, como da estética (beleza, harmonia) e do prazer
de estar em contato com plantas, animais, rios, lagoas ou mar
37
. LIRA e
POLARIS afirmaram a necessidade da integração para formar subjetividades
capazes de construir a utopia da sustentabilidade. Pois, aparentemente, temos
aqui, nos exemplos existenciais de POLUX e AQUARIUS, elementos importantes
para oportunizar tal integração.
Finalmente, no caso de CARENA, suas motivações de infância estiveram
relacionadas com a arte. Tocava violão, cantava no coral, fazia aula de argila... sua
escola tinha uma oficina experimental de artes, a qual era parte do lazer de
CARENA no período em que não estava estudando. aprendia também outros
idiomas e coisas da vida prática, como culinária e calcular o imposto de renda.
Houve, contudo, um outro processo que legou marcas ao promover o
reconhecimento de sua própria singularidade, temas que a acompanharam ao
37
Ainda que estas condições pareçam difíceis de garantir em situações de pobreza, é justamente
nestas condições que farão mais diferença, por constituírem-se em um novo referencial. A
criatividade e a psicologia ambiental podem fornecer importante auxílio para a construção de
espaços acolhedores e favorecedores de uma identidade positiva. A título de inspiração
recomendamos aos interessados neste processo conhecer a Escola da Ponte (criada pelo educador
José Pacheco, em Portugal: http://www.eb1-ponte-n1.rcts.pt/html2/portug/local/local.htm) e os
filmes O triunfo; Vem Dançar; e, Escritores da Liberdade, todos biográficos, abordando os
desafios encontrados por professores atuantes em contextos de miséria e violência. O
amadurecimento profissional e a criatividade levam estes professores a superarem tais condições
extremamente restritivas. Também é possível analisar as motivações e valores destes professores.
Fica bastante explícito o perfil idealista e a intenção de realmente ajudar os alunos a
amadurecerem. O sucesso destas iniciativas pode ser estudado em seus desdobramentos, já que os
exemplos destas pessoas multiplicaram-se em alcance, à medida que tornaram-se
institucionalizados. Para mais informações sobre as instituições derivadas destes trabalhos iniciais
relatados nos filmes visite: http://www.freedomwritersfoundation.org;
http://www.ronclarkacademy.com/ ; pesquise tambémo nome de Pierre Dulaine no Google.
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191
longo de toda a vida. Aprender matemática, na infância, foi a experiência que a
marcou por descobrir através disso que ela era uma pessoa única, com raciocínio e
forma de ser peculiar. Apesar do medo cultural da matemática, partilhado com os
colegas, CARENA aprendia com facilidade, mas jamais seguia os procedimentos
indicados. Construía um raciocínio próprio que a levava à solução das operações
matemáticas, mas que ela mesma não sabia explicar. Foi isso que a fez concluir
que cada pessoa tem seu próprio jeito. Tal descoberta teve um forte efeito de
autovalorização para ela.
Em suas práticas educativas CARENA procura sempre inovar na forma e no
conteúdo, o que para ela é uma necessidade e faz questão de continuar
trabalhando na perspectiva da arte-educação, sua maior fonte de satisfação. Em
termos de valores está claro que para ela o conhecimento, a beleza, o prazer são
fundamentais. É inevitável pensar na relação entre sua formação escolar e seu
generalismo bióloga, psicóloga, arte-educadora e fez o mestrado e doutorado
em filosofia) e forte valorização da arte e da estética como um todo.
Assim, esta experiência nos faz refletir sobre a necessidade de cultivar mais
a dimensão do prazer no enfrentamento da questão ambiental. São tantos os
conflitos e problemas ambientais e tão generalizados que, no geral, os educadores
ambientais acabam assumindo a postura, necessária, porém limitadora, de abordar
a questão apenas pelo viés da justiça e do conhecimento, restando menor atenção
aos aspectos afetivos e estéticos. O que se reflete em nossa amostra, que a
predominância dos valores, em termos de motivação, foi o conhecimento, com
90,9% de incidência, a autodireção, com 45% e a justiça com 36%.
Manter um lado combativo, militante, que disputa espaços de significação e
legitimação na solução da questão ambiental é fundamental, porém extremamente
desgastante em termos de saúde e afetividade para os educadores. E não muito
convidativo para uma grande quantidade de estudantes.
Estamos supondo que promover experiências integrativas pode ser mais
eficiente e mais convidativo a novas adesões para o enfrentamento que propõe a
transformação paradigmática da realidade. Entender a realidade de modo
complexo requer esta integração. A atuação nesse sentido é coisa que precisa ser
aprendida, experimentada, testada. Certamente precisará contar com os talentos e
habilidades de educadores e educadoras de perfis diversos.
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6.3.4.
Uma palavra sobre os meios de experiência moral
Até aqui, podemos dizer, em síntese, que as experiências morais
favorecedoras da formação desse ethos ecológico de nossos educadores
ambientais estiveram relacionadas com questões de injustiça social, de estudo e de
convivência prazerosa e afetiva com a beleza natural. Em todos os casos foram
importantes as interlocuções desenvolvidas, que enriqueceram os debates e as
reflexões íntimas. A formação da consciência moral é complexa e, pelo menos no
caso dos valores, parece mesmo requerer ambas as coisas: o enfrentamento de
dilemas com auxílio de companheiros de reflexão e com espaço mental para o
aprendizado decorrente da vivência refletida.
Silva (2008, p.66) analisando o modo como se internalizam os valores
converge com o que dissemos, recorrendo a Moscovici (2003, p. 156), para quem
é durante o processo de socialização que a criança internaliza valores, códigos
para se comunicar (como a linguagem) e atitudes sociais. Ela aprende a se
comportar observando os modelos dos adultos e colegas. Adulta, participaria cada
vez mais ativamente do grupo que a preparou para pertencer a ele. Nesse
momento podem surgir dificuldades de adaptação, caso a pessoa o tenha
assimilado de modo apropriado ou não tenha compreendido bem os princípios
norteadores do grupo ou sua aplicação adequada.
Para ele, as pessoas aprendem umas com as outras.
“[...] Os valores não o somente utopias ou apêndices inúteis; os ideais de justiça,
verdade, liberdade e dignidade fizeram viver e morrer pessoas que viram neles a
razão de não aceitar, indistintamente, qualquer tipo de vida ou morte. É difícil
entender por que nós deveríamos esquecer, junto com os psicólogos sociais de
hoje, que os processos de revolução, de inovação, de irredutibilidade do conflito,
constituem uma parte inerente da evolução dos grupos humanos. (MOSCOVICI,
2003, p. 163, citado por SILVA, 2008”, p.66).
Ainda sobre a aprendizagem e a formação de crenças e valores, Moscovici
(2003, p. 175-176 citado por SILVA, 2008, p.67) considera que:
“[...] quase tudo o que uma pessoa sabe, ela o aprendeu de outra, seja através de
narrativas, ou através da linguagem que é adquirida, ou dos objetos que são
empregados. Tais coisas constituem, em geral, o conhecimento ligado ao tipo mais
antigo, cujas raízes estão submersas no modo de vida e nas práticas coletivas das
quais todos participam e que necessitam ser renovadas a cada instante. As pessoas
sempre aprenderam umas das outras e sempre souberam que isso é assim. Tal fato
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193
não é exatamente uma descoberta. A importância dessa proposição, para a nossa
teoria é que conhecimento e crenças significativas m sua origem de uma
interação mútua e não são formadas de outro modo.”
Observamos haver uma espécie de experiência fundante para cada pessoa,
que desencadeou um processo continuado, e ainda em curso, formador (ou
reforçador) de valores mobilizadores para a prática da educação ambiental. Tal
experiência obedece a três categorias, referentes ao que dissemos pouco: a)
conflito social sensibilizador; b) apreciação estético-afetiva continuada; c)
convivência com pessoas já mobilizadas que atuaram ao modo de influência
favorável.
Os meios de experiência moral onde as experiências fundantes ou de reforço
ocorreram encontram-se nesta ordem de influência: trabalho, faculdade, escola,
família.
Quadro 9 – Relação entre docentes e meios de experiência moral
Meios de experiência
moral
Professores que tiveram experiências fundantes ou
de reforço de seus valores, impulsionadores para a
EA
trabalho AQUARIUS, ÓRION, LIRA, CARENA, POLARIS,
VEGA, AURIGA
faculdade ANDRÔMEDA, PERSEU, ÓRION, AQUARIUS,
POLUX, AURIGA
escola ALDEBARAN, VEGA, AURIGA, CARENA
família POLUX, ALDEBARAN, VEGA
Fonte: autora
O trabalho ofereceu o encontro com a educação, com companheiros, com a
literatura, com dificuldades valorativas desafiadoras, principalmente nas escolas.
A formação de graduação propiciou vivências de movimento social,
movimento estudantil, exemplos através de colegas e professores, projetos,
espaços acolhedores em termos de afeto e de estética.
A escola ofertou situações de riqueza e intercâmbio sócio-econômico-
cultural, situações dilemáticas a enfrentar, apoio ao desenvolvimento de traços e
valores latentes.
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A vida em família trouxe experiências de valorização do conhecimento, da
parcimônia financeira, da harmonia e da estética, de conflito ou de valorização
quanto à assistência em função das diferenças sociais.
Obviamente, cada um destes espaços proporcionou experiências diversas a
cada pessoa. Absolutamente não estamos afirmando que todas as famílias/
escolas/ faculdades/ trabalhos ofereceram a cada pessoa todos os itens elencados.
Mas procuramos fazer uma síntese do que encontramos, a seguir, para que o leitor
tenha melhor visão de conjunto.
A escolha profissional de LIRA, AQUARIUS e ÓRION se deu de modo
quase casual. Cada um deles foi convidado para fazer a substituição de um
docente, levando-os a trabalhar com a questão ecológica e a tomar gosto por
ambas as coisas, pela educação e pelo ambientalismo.
O trabalho, enquanto espaço de realização de um ideal transformador,
partilhado com companheiros afinizados, trouxe inúmeras experiências morais aos
professores(as). Mostrou-se duplamente rico: pela renovação permanente de
estímulos propiciada pela renovação de alunos, projetos, ambientes e desafios, e
pela experiência de reflexão intercambiada dos educadores(as). O trabalho
oportuniza a realização de projetos em conjunto (sejam de pesquisa, sejam de
intervenção), ações militantes, grupos de estudos, eventos e outras formas de
partilha do saber e da experiência. A própria reflexão sobre cada experiência
profissional, tida como hábito pelos educadores, levou a um aprendizado e
renovação permanente de suas práticas e formas de atuação.
“É, foi renovando minha forma de trabalhar. Porque foi me criando questões que
fui respondendo com as pesquisas. Foi gerando perguntas e eu fui tentando
melhorar profissionalmente a partir das questões. O trabalho de extensão que eu
tinha no Vigário Geral é um fracasso completo. A gente tinha um trabalho
magnífico com base na história da ciência mesmo, fotossíntese, por exemplo. As
crianças adoravam a história... não mudavam o comportamento delas em nada,
nada, domingos jogados fora. Teatro, a gente fazia tudo lúdico, mas ninguém
mudava nada no comportamento, descobri que eles sabiam lidar com a saúde e
foi daí que fiz antropologia, não adiantava explicar como Verdade, eles tinham os
seus pontos de vista. O fracasso foi em cima de uma surdez, de uma
incompreensão. Se servia para aquele grupo servia para outros tantos. A ciência
tem como discurso muito monobloco, né? (...) se não tentarmos fazer direito as
coisas, a gente vai viver dizendo que o mundo é plural e não que ele é comum, se
não estabelecermos a ponte a gente nunca vai conseguir. Aí fui fazer Antropologia,
meu trabalho começou a fazer algum sentido. Ainda assim falando em mudança
de comportamento de pessoas, ainda assim é muito difícil, mesmo trabalhando o
nível de sensibilidade e mesmo trabalhando com as categorias das pessoas porque
não é isso que faz as pessoas mudarem o comportamento. muitas outras
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coisas que nem sei ainda quais são. Mas melhorou. Já não é lúdico, já toca, já
cai pra pensar em ganhar dinheiro com aquilo, já posso juntar as latas, cato lixo, me
livro do lixo, ainda ganho um dinheirinho e ainda pra fazer a coleta seletiva,
entendeu? Mas ainda não é o ideal. Não são partes. Ainda não se sentem parte da
natureza. Eles são excluídos. Tem a Justiça Ambiental que é uma exclusão sócio-
espacial, tem várias coisas envolvidas que dependem de uma boa aula de Educação
Ambiental” (LIRA).
A renovação é permanente, porque os desafios também se renovam.
Enquanto LIRA aprendeu a mudar a partir do retorno dado pelo público com que
trabalhava e das pesquisas que desenvolvia, POLUX foi se construindo no
trabalho coletivo, partilhado com colegas de outras áreas e projetos de consultoria.
“Ao longo desse processo eu comecei a trabalhar numa empresa de consultoria,
que eu trabalho até hoje, e foi um trabalho importante porque foi quando eu
comecei a trabalhar em equipe pra EA. Essa consultoria em particular é uma
consultoria pra empresas, são projetos de empresas de EA, normalmente projetos
da empresa para a comunidade, trabalhando com a comunidade, com a escola.
Quer dizer, apesar de ser empresa, o público que a gente trabalhava era professor e
escola. E foi nessa experiência que eu comecei a trabalhar em equipe. Trabalhava
com outros colegas ao mesmo tempo, dávamos cursos juntos, isso foi bastante rico
porque pude vivenciar outras formas de trabalhar, de outros colegas e trabalhar
junto também. Uma experiência bastante interessante que me influenciou muito no
que eu faço hoje. Por essas duas perspectivas: por ter vivenciado outras formas de
trabalho a partir da inserção desses outros colegas e por ter essa perspectiva de
estar trabalhando junto. E mais, poder ver essas outras formas de trabalhar que
outros colegas têm, porque como era uma equipe multidisciplinar. Por exemplo,
tinha um professor que era da área de sociologia, mas tinha toda uma formação em
teatro, então ele tinha uma coisa muito de dinâmica. Tinha outros professores da
área de história que tinham um olhar diferenciado. Então acho que essa diversidade
foi legal, me enriqueceu no jeito que eu trabalho. Mesmo quando eu estou
trabalhando sozinho. Eu gosto de trabalhar em equipe, de dividir o espaço da sala
de aula, da formação, com outras pessoas, me sinto muito à vontade” (POLUX).
diversas outras formas, além destas relatadas, encontradas no grupo para
o aprendizado, renovação ou consolidação das formas de ser e de agir.
A faculdade, enquanto espaço formador, mostrou sua riqueza pelo ambiente
oferecido, também rico em trocas e diferenças de todos os tipos. A convivência
solidária e cooperativa na academia foi aspecto relevante na vida de LIRA. A
existência de professores engajados foi motivo de inspiração, como ocorreu com
ÓRION, ANDRÔMEDA e POLUX. A oportunidade de ingressar em movimentos
sociais ou partidários ou pelo menos conviver com eles também fez diferença
(PERSEU, ALDEBARAN, AQUARIUS, POLUX). O espaço para o diálogo entre
os saberes foi fundamental para a maioria dos respondentes.
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Para POLUX, foi importante a vivência no próprio campus da universidade
e sua estrutura, bastante rica em bosques, que reforçava sua experiência afetiva
ecológica antes desfrutada com a avó.
Para alguns, ir para a faculdade foi também o momento de sair de casa,
experimentar gerenciar a própria vida, por vezes partilhá-la em repúblicas ou
mesmo encontrar um par. Uma iniciação à adultidade.
A escola revelou-se importante em alguns casos, por dois motivos básicos:
num primeiro caso, quando oferecia algo semelhante ao que dissemos a respeito
do trabalho e da faculdade, isto é, diversidade cultural, econômica, social, entre
outras, como já apontado no depoimento de VEGA. Num segundo caso, por
professores que se destacavam em meio à monotonia escolar, fazendo diferença
para as reflexões e significações existenciais. Para POLARIS, essa diferença foi o
professor de história, no ensino médio. Para AURIGA, foram dois fatores: no
ensino fundamental as atividades de laboratório, com professores de ciências que
atuavam em projetos de valorização da ciência no país, e depois, o ensino médio
em si, pois na época em que fez o Normal o curso era referência, era valorizado.
Afirma ter aprendido a ser professora no Normal, muito mais do que na
licenciatura, no mestrado ou no doutorado. Sua formação ali foi mais abrangente
do que apenas o cumprimento de grade curricular. Havia a preocupação com a
formação da pessoa em si e das qualidades que caracterizariam uma boa
professora: postura, higiene, vestimenta, forma de lidar com os alunos etc. Da
mesma forma, o curso Normal foi significativo para VEGA, que o cursou numa
época em que a profissão docente tinha status e reconhecimento social. Para ela, a
organização da escola e a forma como os professores se moviam na escola davam-
lhe a sensação de ser a educação algo extremamente importante, motivando-a a
permanecer naquele tipo de espaço e formar-se para trabalhar nele.
A escola também foi marcante quando ofereceu espaços de crescimento e de
manifestação da singularidade individual, como ocorreu com CARENA e as
oficinas de artes. De modo diverso, o mesmo se passou com ALDEBARAN, para
quem a escola foi extremamente significativa. Sua família dava grande
importância à assistência social, especialmente a partir do trabalho da igreja.
“Tive complementação da formação que veio da família, de estar sempre
preocupada com o outro. Trabalhávamos com comunidades em periferia. A missão
da nossa escola era trabalhar com pessoas mais pobres e dar um pouco do que
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estávamos recebendo. Desde comecei a trabalhar numa periferia de Campinas.
Dava aula de religião, cuidava das crianças, brincava com as crianças, foi bem
planejado, trabalhei 7 anos e daí resolvi fazer o Serviço Social. A partir da
formação que fui recebendo procurei estudar e planejar minha vida.”
(ALDEBARAN)
A escolha profissional de ALDEBARAN, portanto, está intimamente ligada
à experiência continuada de prestar assistência tanto no âmbito familiar como na
formação escolar.
Uma quarta forma de relevância escolar se deu em função da personalidade
do estudante. LIRA, por exemplo, gostava muitíssimo de estudar, de fazer tudo
corretamente, de manter o caderno caprichado, tirar boas notas... Ganhava muitas
medalhas. Neste sentido, apenas funcionou como espaço de acolhimento às
tendências existentes, não sendo em si uma experiência que tenha aportado
questionamentos valorativos.
A formação de ÓRION foi truncada e dificultada pelas constantes mudanças
domiciliares, pela falta de livros e por estudar à noite. Mesmo assim, conseguiu
extrair daí a vantagem de conviver com lugares e pessoas bastante diferentes. Essa
síntese cultural baliza sua formação desde a infância e prossegue na academia,
anos depois.
“Estudar em colégio noturno nos anos 70, Jarbas Passarinho ministro da Educação,
era o mesmo que nada. tinha que colocar a opção A, B, C, D. À noite era
qualquer coisa. Mas acho que sempre marcou a formação foi o prazer da leitura, da
literatura, da poesia, da filosofia... os existencialistas. A música, a contracultura, o
rock and roll. A cultura caipira, o circo, tudo isso misturado. Eu acho isso, ao
mesmo tempo em que tinha acesso e gosto de coisas muito populares, também fui a
espaços muito eruditos, sofisticados. (...) Quando vejo de onde meus colegas
vieram, a base social, escolaridade da família, a minha é completamente diferente,
e acho isso muito digno. Isso está presente no que eu escrevo, nas minhas aulas.
Por exemplo, essa universidade é antiga. Depois fui pra Genebra, Frankfurt,
Londres, estive em universidade que estão entre as 100 mais dos rankings. Não
sou oportunista, cheguei pela competência, e permaneci por isso, enfrentando a
situação de não ser filho da elite, que tem comportamento padrão, que os
professores estão acostumados a receber. Mas é interessante ver o mundo deste
lugar que é o meu, e faço questão de enfatizar isso” (ÓRION).
O confronto foi experiência recorrente e de forte significado na formação de
ÓRION, reforçando o que dissemos sobre o valor da vivência prática de
experiências morais diversificadas. A diversidade que VEGA encontrou na escola,
ÓRION viveu no espaço universitário, ao completar sua formação, sobretudo no
exterior.
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“Eu aprendi muito fora do Brasil, me obrigou a refletir sobre minha trajetória.
Escrevi, está publicado. Mas nesse confronto em países, culturas, classes sociais,
diferentes, aprendi que você tem que se respeitar, de onde você vem. Você passa a
ser respeitado, mesmo se as pessoas não concordam [com o que você diz]”
(ÓRION).
Ao que tudo indica, criar espaços formativos em EA que proporcionem a
experiência da diversidade, no máximo de sentidos possível, refletindo sobre ela,
pode ser recurso pedagógico significativo. Vários autores, como Tristão (2004),
apontam para a necessidade da inclusão deliberada do multiculturalismo nas
práticas educativo-ambientais. Por mais que a própria natureza complexa da
educação ambiental devesse ter essa abordagem quase naturalmente, na prática
ainda encontramos certa dificuldade entre os educadores ambientais para lidar
com essa questão da diferença de modo intencional, produtivo, reflexivo e prático.
Estudar apenas na teoria da EA faz parecer um tema bonito, necessário até, mas
pouco se vislumbra de como tratá-lo. A diversidade é inerente à natureza. Nós,
humanos, somos também natureza, inescapavelmente, e nossa diversidade precisa
ser discutida, compreendida, enfrentada, negociada e vivida respeitosamente.
Na família, encontramos fontes formativas variadas. Na família de
POLARIS as mulheres, desde sua avó, são fortes e realizadoras de grandes
mudanças. Na de POLUX, como dissemos, a referência era sua avó, que cultivava
belos jardins no tio e aglutinava a família. Na de AURIGA, o pai, ex-lavrador,
tinha por ocupação ser mecânico no cais, fazia questão de trabalhar de dia e de
noite para que todos os filhos fossem “doutores”. Em casa, havia todo tipo de
bicho e uma horta, cuidada por AURIGA, sua mãe e seus irmãos. O que foi o
jardim da avó para POLUX foi a horta e o quintal para AURIGA. A família de
ÓRION era de pouca escolaridade e de vida simples. O que o marcou nesse
âmbito foi a necessidades de muitas mudanças. Com AQUARIUS a dificuldade
era o relacionamento com o pai, severo e ex-seminarista. O temperamento rebelde
de AQUARIUS não facilitava o convívio, cheio de divergências. Mesmo assim,
AQUARIUS seguiu a formação do pai, professor de história. LIRA e
ANDRÔMEDA tiveram família pequena, com pessoas que se entendiam e
apoiavam mutuamente. Esse foi o fator mais importante da vida familiar, que
persiste ainda hoje, mudando apenas o tipo de apoio fornecido. Já CARENA, pelo
contrário, vivia num edifício construído pelo avô, no qual compartilhava as
brincadeiras e brigas da infância com quinze primos e primas. Na época, esse tipo
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de convívio foi bastante importante, mas afirma que atualmente seria impossível
viver ali, em função da falta de senso comunitário, do excesso de individualismo
existente.
VEGA soube aproveitar os exemplos tanto do pai como da mãe em sua
convivência familiar. Com o pai, engenheiro, aprendeu a valorizar a razão e a
crítica, entender o conhecimento enquanto elemento emancipador, o esforço
pessoal no sentido de construir a própria trajetória:
“A idéia de que as pessoas podem fazer suas trajetórias, de que as pessoas se
apropriando do conhecimento e desenvolvendo um pensamento lógico (esta sempre
foi uma marca da forma dele se comportar diante da realidade) isso seria sempre
um elemento que daria ao ser humano uma autonomia e uma igualdade. Que,
portanto, os valores materiais, o que eu tenho ou não tenho não deveria privilegiar
ninguém e ninguém deveria se sentir inferiorizado por não ter bens materiais. Que
a cultura seria um elemento equalizador na sociedade. Ele sempre valorizou muito
a educação e a cultura” (VEGA).
Mais tarde, ao estudar a relação entre trabalho e desigualdade incorporou
suas próprias conclusões a respeito deste pensamento do pai. Importa, no entanto,
aqui, para nós, a influência que esta lição exerceu sobre ela quanto ao valor do
conhecimento e da solidariedade. Com a mãe, dona de casa de pouco estudo
formal, que vinha de uma grande família camponesa, aprendeu o autodidatismo, a
curiosidade intelectual, o gosto pela leitura. Foi uma pessoa
“que me mostrou que não necessariamente a escolarização regular é que às
pessoas cultura. Que a cultura vem de muitos lugares. Então acho que isso me
serve na minha prática educativa a ficar atenta ao conhecimento que os nossos
alunos têm, sejam eles de que nível de escolaridade for, porque todas as pessoas
têm conhecimentos. Que, portanto, nós não partimos da tábula rasa. Pude vivenciar
isso em minha casa desde a minha infância e não aprender isso como teoria
educacional aprendida na universidade apenas, mas vivenciar isso desde a minha
infância, de que as pessoas fazem suas trajetórias de apropriação da realidade e
com isso constroem conhecimento e cultura, para além dos bancos escolares”
(VEGA).
ALDEBARAN teve uma vida familiar que valorizava o estudo, detentores
que eram de um nível cultural mais elevado do que a média de sua cidade.
Conversas e leituras eram sempre incentivadas. Havia diversos professores na
família, muitos dos quais mais tarde ajudaram a criar a UNICAMP. Os pais
possuíam uma tendência humanista e escolheram para ela uma escola católica
francesa progressista, que estava em sintonia com a educação familiar. Foram
reforçados, com isso, os valores do conhecimento, da religiosidade e da justiça.
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Com cada um destes meios de experiência moral podemos aprender algo
sobre a formação dos educadores ambientais.
Observamos que quando a experiência fundante esteve ligada à apreciação
estético-afetiva era promovida por fatores relativos à família e ainda na infância.
Talvez um estudo com educadores ambientais mais jovens trouxesse outro tipo de
aportes familiares e provavelmente não traria este, já que atualmente é mais
comum a vida em apartamentos, e mais raro haver quintais, sítios e lugares de
beleza destinados ao convívio familiar. Mas de toda forma, parece ser interessante
promover este tipo de situação em cursos para formação em educação ambiental.
As experiências relativas a conflitos sociais mobilizadores aconteceram em
diferentes tempos e meios de experiência moral para diferentes pessoas.
Freqüentemente, se deram no trabalho, mas também ocorreram durante a infância,
na vida cotidiana, situações atentamente observadas, sobretudo porque a criança
saudável encontra-se desperta para entender o mundo, pronta para questionar
tudo. Algumas vezes se deram a partir de projetos e movimentos no âmbito
universitário. E raras vezes se deram a partir da escola. Este é um aspecto a se
lamentar, pois estivesse a escola cumprindo seu papel de problematizar a
realidade, oferecer espaço e oportunidades de reflexão e de ação, teríamos mais
pessoas responsáveis, críticas e solidárias no planeta.
Quando a experiência vinculou-se a pessoas-exemplo mobilizadas, quase
sempre se deu ou no âmbito do trabalho ou durante a formação acadêmica. Pode
ser interessante a publicação de biografias que possam inspirar as novas gerações
de educadores ambientais, não apenas compartilhando os desafios enfrentados e
métodos utilizados, como também os valores, a coragem, a curiosidade, o amor e
a gratidão pela vida. No mesmo sentido, parece-nos sumamente relevante levar
essas pessoas para conversas informais com estudantes, “ao do fogo”, apenas
histórias sendo partilhadas. Nesta troca também se formam pessoas, o contraste
das experiências entre mim e o outro amplia as possibilidades de pensar, sentir e
agir.
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201
Deixe quem desejaria mudar o mundo primeiro mudar a si
mesmo.
Sócrates
Podemos escolher recuar em direção à segurança ou
avançar em direção ao crescimento. A opção pelo
crescimento tem que ser feita repetidas vezes. E o medo
tem que ser superado a cada momento.
Abraham Maslow
A maior descoberta da minha geração é que podemos
modificar a situação em que estamos mudando nossa
atitude mental.
William James
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7
Utopias: por uma proposta de sociedades sustentáveis
7.1.
Recapitulando...
Ao longo deste trabalho buscamos responder por que razões certos docentes
universitários escolheram atuar através da perspectiva da EA, uma vez que esta
opção encontra tantas dificuldades. Nossa hipótese, aqui corroborada, atribuía tal
escolha aos valores destes professores. Mas além dos valores, evidenciou-se
também a atuação dos demais procedimentos da consciência moral na reafirmação
dessa escolha. Estes outros aspectos, contudo, apesar de sua relevância, não foram
analisados, por não serem objeto deste estudo. Registramos este fato por tratar-se
de ponto merecedor de aprofundamento, que abre perspectivas para uma próxima
pesquisa.
Outrossim, esta investigação ambicionou descobrir como atuariam tais
valores e de que modo teriam se formado caso a hipótese dos valores se
confirmasse. Nossa intenção, assumida desde o princípio, ao buscar resposta a
essas questões, foi estimular o debate acerca dos valores na prática da EA, de
maneira a qualificar o trabalho dos educadores e educadoras ambientais. Instigar
esses agentes transformadores a conhecer processos que formam ou fortalecem
valores, a fim de que possamos aprender a usá-los pedagogicamente.
Nesse intuito, apresentaremos neste capítulo final a perspectiva de
sociedades sustentáveis enquanto utopia do presente, a que nos dirigimos
principalmente através da EA; e retomaremos o papel estratégico da universidade
nesse sentido, recapitulando seu atual estado de funcionamento e algumas
alternativas facilitadoras do rompimento com este modelo, limitado e insuficiente.
Como nosso objetivo é qualificar a prática da EA, estudar personagens influentes
socialmente, como os docentes acadêmicos, trouxe-nos idéias para colaborar com
a formação de sujeitos ecológicos, aproveitando o aprendizado gerado por essas
biografias. Assim, a partir dos resultados, reconstituímos sinteticamente o perfil
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203
dos educadores estudados, com o objetivo de, aproveitando suas experiências,
propor diretrizes possíveis para uma prática educativo-ambiental mais proveitosa.
7.2.
A EA enquanto estratégia utópica
Não foram poucas as vezes em que a humanidade procurou criar um projeto
societário melhor. As utopias variaram conforme o contexto. Algumas se
restringiram a idéias publicadas, que inspiraram novas idéias e realizações, e
outras encontraram meios de estruturar-se concretamente. A grande dificuldade é
que a maioria das utopias sociais ou foi imposta ditatorialmente ou ficou no plano
das idéias.
A sociedade sustentável, enquanto utopia do presente, busca viabilizar-se
por meio de uma construção coletiva, que atinja tanto a estrutura social em termos
de política, cultura e economia, como às pessoas individualmente, a partir de
autotransformações. Nesse sentido, inova e avança, lembrando a crítica de Morin
(2003) citada no início da tese, segundo a qual até o momento a humanidade não
foi capaz de criar transformações sociais que atingissem ambas as dimensões
equilibradamente, a subjetiva, individual e a estrutural da organização social.
Entretanto, este tipo de sociedade utópica, cujo objetivo fundamental é a vida e
sua qualidade para todos os seres que compartilhamos a Terra exige uma ruptura
paradigmática com a Modernidade. E rupturas desse tipo levam tempo, requerem
o trabalho de algumas gerações.
A educação ambiental foi delineada por pessoas de todo o planeta, com
esforços e reflexões coletivas, com o fim de instrumentalizar essa ruptura
paradigmática. Mas, então, nos deparamos com a necessidade, para viabilizá-la,
de que os educadores promovam primeiramente essa ruptura em si mesmos, no
modo de pensar, sentir e agir. Educar ambientalmente tem sido um aprendizado.
Se no plano teórico as idéias estão bem definidas, na prática a experiência vem
ensinando a cada educador em que consiste este exercício. Quando nos deparamos
com pessoas cujas propensões apontam para uma vida de ruptura com o modo
mecanicista-cartesiano de viver e interpretar o mundo, a prática educativo-
ambiental se torna mais natural, mais ajustada e coerente. Como ocorre com os
educadores(as) estudados(as) neste trabalho. Quando este não é o caso, surgem
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204
práticas distorcidas em relação aos objetivos propostos. Por vezes, então, os
educadores vão aprendendo com a interação, com os desafios e dilemas. Mas
muitas outras vezes, os candidatos a educadores ambientais acabam apenas
usando a denominação de educação ambiental, equivocadamente. Daí a
importância de investirmos tanto na formação específica de novos educadores
ambientais, como na formação de sujeitos ecológicos em geral, por toda parte,
através dos mais diferentes trabalhos. A pesquisa revelou ser bastante útil para a
formação de valores problematizar os meios de experiência moral vividos, como,
por exemplo, os meios de comunicação. De modo que, extrapolando, esta poderia
ser uma diretriz para processos pedagógicos em EA.
No tocante à preparação de novos educadores, trata-se de valorizar a riqueza
da experiência humana e auxiliar a expressar os melhores potenciais de cada
pessoa. Com o fito de ultrapassar a estrutura segmentada de pensamento da
Modernidade, refletida na universidade, e ao mesmo tempo, pretendendo
aproveitar os meios de experiência moral vivenciados, pensamos que os formatos
preparatórios em EA devam escapar dos tradicionais cursos com disciplinas
fragmentadas. A formação educativo-ambiental poderia se dar em projetos
concretos, com uma espécie de tutoria ou acompanhamento, que estimulasse a
reflexão sobre si e sobre a prática desempenhada. Outra possibilidade é a
realização de cursos de imersão ou mesmo cursos modulares, mas sempre
organizados em torno da prática, da integração das pessoas consigo, com os
demais membros da turma e com os projetos em si. Sem priorizar as estruturas
cognitivas e afetivas relativas à superação da formatação deste paradigma é quase
inviável pensarmos em educação ambiental. E neste sentido, aprendemos com
nossos pesquisados que enfocar o tema dos valores, a partir dos meios de
experiência moral e dos debates reflexivos acerca das próprias experiências
morais, torna-se fundamental.
A universidade pode desempenhar um papel estratégico na ruptura, devido a
sua função social de inserir novos profissionais no mercado, aperfeiçoar os que
se encontram nele, analisar os problemas da atualidade e propor soluções a eles,
fomentar a reflexão e o espírito crítico, intervir socialmente por meio de projetos,
experimentar coisas novas. Evidentemente, para isso, necessitará rever-se a si
própria, ao seu modus operandi como um todo.
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205
7.3.
Ensinar valores? A universidade como espaço formador
Pudemos verificar o caráter da universidade (na perspectiva de locus de
estudo) enquanto meio de experiência moral. Entre nossos entrevistados(as) ela
perde para o espaço do trabalho em termos do oferecimento de oportunidades
formativas de valores relacionados à educação ambiental.
Com todas as limitações que podem existir na academia em função de seu
conservadorismo, ainda assim, a diversidade inerente a ela, os movimentos que se
delineiam em seu interior, o exemplo de pessoas que ali convivem, a disputa de
sentidos, fornecem, no conjunto, ensejo a reflexões de ordem moral. A
possibilidade de conviver com pessoas de procedências variadas e de se relacionar
de tantas maneiras distintas na vida universitária, como ocorre em projetos de
extensão, estágios, aulas, laboratórios, centros e diretórios acadêmicos, festas,
reuniões, repúblicas, visitas técnicas, grupos de pesquisa, núcleos
interdisciplinares, espetáculos culturais, entre outros, é passaporte para a vivência
de confrontos e resoluções que forjam ou fortalecem a consciência moral. As
entrevistas apontaram para a requisição de diversos procedimentos da consciência
moral, mas indicaram também a existência de experiências marcantes em termos
de valores. Na universidade, o encontro com os companheiros e o enfrentamento
real de problemas parece ser o aspecto mais relevante nesse sentido.
Assim, consideramos inadiável a necessidade de a universidade assumir sua
função educadora quanto aos valores. Sim, certamente a universidade os ensina,
como também os demais meios de experiência moral o fazem. Mas diversamente
disso, estamos propondo que o faça deliberadamente, com projetos pedagógicos e
de gestão elaborados com este fito. Que a universidade ultrapasse o nível do
ensino involuntário de valores e sua omissão frente a promoção de um debate
aberto e franco sobre isso na formação profissional, passando a uma postura
assumida, clara, firme e responsável em fazer este debate. argumentos
justificadores dessa necessidade: a) é inerente à universidade esse papel social,
enquanto instituição educadora que é; b) existe uma demanda de nossos tempos
para que ela o desempenhe; c) vimos pelos depoimentos de nossos educadores
que ela é também um espaço privilegiado para o fortalecimento de valores.
Ademais, pensando pela perspectiva da Educação Ambiental, que no Brasil se
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206
propõe legalmente a ser transversal à estrutura acadêmica e, considerando sua
natureza e finalidade, não como recusar o imperativo moral de tratar da
formação e discussão de valores na universidade. Fazendo eco aos nossos
argumentos, encontramos em La Taille (2007) um bom aliado. Tratando da
mesma questão, porém no âmbito da escola, diz ele, em entrevista:
“ExtraClasse – O senhor afirma que há queixas dos educadores em relação à
indisciplina e falta de limites por parte dos alunos. Quais são os mecanismos
explícitos a que o senhor se refere como adequados para melhorar as relações no
ambiente escolar?
YVES Entre os vários possíveis, vejo pelo menos três. No campo da moral e da
ética, projetos de vida que podem ser trabalhados explicitamente pela escola, e não
apenas nas entrelinhas ou de forma isolada. Este é o primeiro ponto: que a questão
da ética e da moral seja trabalhada explicitamente. Segundo, que seja feita,
sobretudo no caso da moral, de maneira institucional. O que acontece na prática é
que cada professor lida com seus problemas de convivência em sala de aula do seu
jeito, acha que está autorizado a se ater aos seus próprios valores prescindindo de
uma visão de mundo. É como se cada professor ensinasse um conceito diferente de
moral e ética. Tem de haver um trabalho institucional para que o aluno possa ter na
sua frente um quadro claro do que ele vive e do que esperam dele. E também
porque a discussão entre colegas é extremamente rica para esclarecer conceitos,
confrontar as idéias, e o trabalho em equipe favorece isso. O terceiro ponto é que
de nada adianta deixar um tema claro e até trabalhar isso institucionalmente se a
escola não for, ela mesma, uma espécie de micromundo onde a moral de fato vale.
Às vezes, a moral fica muito centrada na questão professor-aluno. E a relação com
os funcionários da escola, que muitas vezes não são respeitados? A moral é
universal, vale para todos, e não apenas para determinadas categorias de pessoas. A
escola tem de ter o máximo possível de expressão daquilo que ela própria afirma
ser bom, ser correto(http://www.contee.org.br/docente/materia_6.htm, destaques
nossos).
As dificuldades, então, posto que se aceite a incumbência, são de ordem
epistemológica e paradigmática. A estrutura universitária, em que pesem as
melhorias conquistadas nos últimos dez anos, continua fragmentada, desarticulada
e dependente do pensamento reducionista da racionalidade positivista. O grande
desafio da questão ambiental é justamente a necessidade de pensar, sentir e
interagir no mundo dentro de outra lógica, a da complexidade, visando à
sustentabilidade. A universidade está sendo chamada a auxiliar nesse processo de
transição, enquanto meio de problematização moral, a formar pessoas preparadas
a enfrentar este desafio da atualidade. Martha Tristão (2004) o diz de forma
bastante elucidativa:
“O/A professor/a universitário/a, em sua maioria, ainda é resistente à mudança que
a dinâmica do conhecimento exige neste início de século. Entretanto, as dinâmicas
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207
das instituições também são comprometidas dentro de uma lógica parcelada e
fragmentada o que implica a necessidade de uma mudança estrutural interna.
Continua atrelada ao pensamento analítico racionalista, provocando sérias
conseqüências nas estratégias de organização, nas relações que se desenvolvem e
na própria estrutura da instituição, estabelecida dentro de uma lógica
desagregadora do ambiente e de promoção do individualismo.” (TRISTÃO, 2004,
p. 77).
Tristão insiste em apontar a limitação da universidade em função do debate
entre ciências naturais e sociais, cuja premissa básica é que o conhecimento
científico seja das ciências naturais, que objetificam a natureza, simplificando seu
estudo. Ela invoca a análise de Souza Santos quanto a este modelo, lembrando das
tendências que animam tal debate. Interessa-nos a segunda delas, que propõe um
estatuto metodológico e epistemológico próprio para as ciências sociais a partir
das especificidades do ser humano. A relevância de trazer este debate, pensa
Tristão, está ligada à crise de conhecimento na universidade e aos obstáculos
referentes à inserção da EA, cuja proposta é romper com as dicotomias. Ela adota
a premissa de Souza Santos (2004), segundo o qual todo conhecimento científico-
natural é científico social, e reafirma a necessidade de se captar a dimensão
ambiental por múltiplas vias e intercruzamento de saberes. A questão ambiental é,
pois, mote para se aprender a pensar a complexidade do mundo.
Mas, acrescentar disciplinas temáticas no currículo não altera a lógica
fragmentária dos saberes. É distinto de introduzir a dimensão ambiental no
currículo, pois a simples contratação de especialistas em meio ambiente
“não interfere, de modo algum, em uma mudança de concepção, na ruptura com as
dualidades consagradas entre as ciências refletindo em tantas outras. Os sentidos
produzidos ainda continuam sendo de um conhecimento teórico e funcional
orientado a uma simplificação das análises dos fenômenos sociais. É lógico que
uma mudança de paradigma, como requer a complexidade (...) não é tarefa fácil,
pois propõe repensar valores e reorientar a formação para uma nova racionalidade
que valoriza o sentimento, a intuição e o pensamento(TRISTÃO, 2004, p. 81,
destaques nossos).
Considerando que entre os valores de nossos entrevistados(as) predominam
a justiça e a afetividade, percebe-se a formação de um ethos que busca conjugar os
três aspectos pontuados por Tristão. Tanto assim, que nos momentos em que esse
equilíbrio falha nossos professores(as) encontram-se em conflito.
Mas esta é uma questão delicada na universidade, de fato. Falando sobre
isso, AQUARIUS comenta sua percepção, no trecho seguinte da entrevista, acerca
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208
dos tentames de superação da lógica reducionista. Para ele, ainda há necessidades
que não estão sendo consideradas.
AQUARIUS: (...) Eu tenho embates históricos com a esquerda, é interessante as
provocações a que ela me leva, porque a crença de que a razão é a única
possibilidade do homem resolver sua existência é enormemente discutível, somos
razão, mas somos alma também, matéria e espírito. E então vencer essa crença
cartesiana que a gente tem, também é um dogma, e as escolas não diferenciam,
porque a escola não muda, isso também é uma marca muito forte. A crença
racionalista é uma doença, acho que um aleijão que a gente tem. E acho que a gente
precisa buscar uma espiritualização dos nossos esforços nesse sentido e isso não é
uma coisa muito fácil de se fazer, com os paradigmas que muita gente tem,
colocados, que orientam a organização dos espaços de saber, das escolas e
universidades. Aprender a fazer isso é um puta desafio. Como é que a gente
reinventa as nossas experiências educativas em novos paradigmas, tentando buscar
uma nova maneira da razão se reconciliar com o espírito, entendeu? Porque acho
que disso depende um pouco a nossa… se existe ainda alguma chance da gente ter
alguma saída pro beco em que a gente está, eu acho que a gente precisa fazer isso.
Isso é um outro tema de estudo que eu tenho de fazer ainda… ainda não tive forças,
pernas, pra dar conta ainda, quer dizer, como é que fica essa tensão entre a razão e
o espírito, né? É uma coisa que eu quero mobilizar pra trabalhar, me desafia muito
e eu estou muito cru ainda pra isso, preciso crescer em algumas leituras ainda pra
dar conta disso, mas acho que é uma questão crucial. Não significa que eu esteja
desconsiderando outras questões de ordem material, nada disso. Mas é porque o
tempo que a gente tem é muito precioso nesse sentido.
Luciana: É um assunto do qual as pessoas falam veladamente, falam e desviam
AQUARIUS: Faz parte da nossa doença. E que é sério. Mas ainda quero fazer esse
movimento. Porque não acredito que a gente possa encontrar uma saída pra uma
outra sociedade civilizatória se a gente não resolver esse problema que a
Modernidade nos criou. É um desafio fundamental. A Ciência tem feito isso, não
digo a Ciência como um todo, mas alguns campos científicos têm feito sérios
esforços nesse sentido. Eu tento acompanhar um pouco esses movimentos, mas não
tenho tempo pra poder ler, me relacionar com essas questões. Mas ainda estou
aquém de poder comprar essa discussão com a urgência que ela merece. Não é em
qualquer ambiente que eu levanto essa questão.
Luciana: As pessoas sofrem represálias, né?
AQUARIUS: É. É delicado mesmo. Essa coisa da laicidade, que representa uma
conquista inegável da Modernidade, da forma como ela é vivida hoje está nos
trazendo um buraco existencial muito grande. Eu participo do LIEAS também, mas
é uma questão que a gente não está maduro pra enfrentar ainda. Pelas fidelidades
teóricas que a gente tem. Mas não acho uma impossibilidade. A gente tem que
buscar mesmo algumas rupturas. Talvez a crise nos ajude nesse sentido. Isso vai
doer.”
Outros entrevistados aludiram ao mesmo tema de modo semelhante, porém
não quiseram fazê-lo com o gravador ligado, de modo que não publicamos aqui
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209
seus comentários. Estas pessoas não apenas discutiram filosoficamente a questão,
como também se referiram a experiências pessoais, digamos, transcendentes
38
,
demonstrando a cotidianidade do assunto em suas vidas. Para nós, este fato
silenciado revela a necessidade urgente de haver uma quebra de tabus quanto ao
tratamento desta temática no meio acadêmico. O cartesianismo levou a grandes
avanços tecnológicos, mas também a uma existência calcada no materialismo,
sendo tachados aqueles que extrapolam esta forma de pensar de, no mínimo,
ingênuos, quando não enfermos psiquiátricos. Sem excluir estes casos, que
também ocorrem, é claro, vemos que realmente não se trata da regra.
Historicamente, a experiência humana lidou com os aspectos não materiais da
vida a partir das religiões e mitologias. Entretanto, isto se deveu a uma limitação
paradigmática. Não havia ferramentas, nem epistemológicas nem tecnológicas que
nos permitissem agir de modo mais avançado. No momento atual, contudo, esta
forma de proceder vem se tornando anacrônica. Se estamos de fato interessados
em viver conforme uma ruptura paradigmática que nos conduza a uma vida ampla
e generosa, fraterna e interessante, que seja uma ruptura mais completa. O
pensamento complexo é um grande avanço nesse sentido. Nesta encruzilhada
histórica, porém, podemos ir mais além. Existem iniciativas ao redor do planeta
cuja meta tem sido esta. No Brasil, por exemplo, a UNIPAZ (Universidade da
Paz) tem buscado cumprir este objetivo. diversas formas de buscar este
enfrentamento. Na falta de ferramentas adequadas, no geral, tem se buscado
resgatar conhecimentos humanos de outros povos e épocas para tratar dos
aspectos imateriais da existência. Com isso, assistimos por um lado a tentativas
frustradas de atender a esta necessidade humana através do uso de drogas. Por
outro, a uma revitalização planetária do xamanismo indígena, a uma
popularização do orientalismo (incluindo ioga, filosofias e religiões), a uma moda
mística e new age, a mesclas irracionais de conhecimentos científicos e tradições
ultrapassadas. Mas também acompanhamos o surgimento de novas áreas e campos
de pesquisa, como tem se dado com a Teoria dos Campos Mórficos (do biólogo
inglês Rupert Sheldrake), com a Psicologia Transpessoal (de Grof, Wilber, Frankl
38
Como precognições, experiências fora do corpo, retrocognições, percepções energéticas do
ambiente e das pessoas, entre outras. Vale dizer que buscam formas de expressar e atender a
necessidade de entender e/ou viver a transcendência, por exemplo, através de exercícios de
meditação, de Tai-chi ou de outras lutas chinesas, do estudo da arteterapia, do budismo, de
vertentes da psicologia ou da filosofia e até de práticas sincrético-religiosas.
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210
e diversos outros), com a Bioenergética (Lowen, Reich), com a Psicossíntese
(Assagioli) e com a Conscienciologia (Vieira, 1994). Sem entrar no mérito e
limitações de cada uma destas iniciativas, interessa-nos ressaltar que é possível
ultrapassar de vez o materialismo, sem retroceder ao domínio religioso. Fica o
convite aos dispostos e interessados a enfrentar o desafio. A necessidade é
patente. Uma lástima que seja tratada de modo oculto e dissimulado ainda.
É curioso que justamente os educadores por nós classificados como
sensibilizadores, tenham mais afinidade com esta discussão. São pessoas que
estão buscando formas de integração, tanto na vida pessoal, como em sua prática
pedagógica.
Informalmente, observamos existir, também no cenário nacional, no que
tange aos praticantes da educação ambiental, duas grandes tendências recorrentes
quanto a este tópico: pessoas que priorizam uma abordagem mobilizadora, política
e de participação social; e, pessoas que priorizam práticas destinadas a
sensibilizar, aumentar a consciência corporal, integrar o sujeito consigo mesmo e
com o restante do ambiente. Neste último caso, são comumente adotadas
dinâmicas de grupo, adaptações de práticas meditativas e psicológicas.
Entendemos serem ambas as abordagens necessárias e complementares, porque
temos necessidades de ordem subjetiva e de ordem material, social. A
transformação paradigmática exigida pela questão ambiental tem essas duas faces:
a transformação do indivíduo e a da sociedade.
Mas, se ainda não conseguimos dar conta dessa integração mais profunda e
necessária, ao menos para iniciar o processo é possível que os princípios da
sustentabilidade estimulem, como se propõem e como nos lembra Tristão, a
reavaliação das bases do conhecimento e do próprio desenvolvimento da
sociedade.
Pelos motivos expostos, isto é: a) a necessidade histórica de reformulação
paradigmática, urgente, em função da gravidade dos problemas ambientais, uma
vez que o cartesianismo revela-se incapaz de resolvê-los, pois sua solução requer,
por natureza, um pensamento complexo; b) o estratégico papel social
humanizador da universidade; e c) e a força da universidade enquanto meio de
experiência moral favorável ao questionamento, debate e reestruturação de
valores, conforme identificado nesta pesquisa; necessidade de investimento de
esforços em projetos e políticas voltados de fato à formação de valores. É
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211
provável que inicialmente este processo seja mais fácil nos cursos de licenciatura,
e, de certa forma, mais estratégico também. Mas as discussões sobre as formas de
promover a reestruturação universitária já se fazem tardias. Provavelmente terão
de partir justamente de pessoas inseridas na universidade cujas atuações se
pautam pela educação ambiental, angariando aliados entre colegas sensíveis ou
que desenvolvam trabalhos em áreas também exigentes quanto à necessidade do
pensar complexo.
Para enfrentamento do reducionismo universitário e da omissão acadêmica
quanto à formação integral da pessoa, como consta na definição mesma de
Educação, uma proposta possível é a de Celso Wilmer (2004), que conjuga duas
idéias: a de Nova Universidade e a de Metrologia Qualitativa. A Nova
Universidade é uma alusão à necessidade de uma perspectiva ampla e
humanizadora na execução do papel da universidade. Tomando a avaliação como
um de seus aspectos-chaves, Wilmer sugere que passemos a utilizar, além da
tradicional metrologia quantitativa empregada na verificação do conhecimento do
aluno, uma Metrologia Qualitativa, que cuidaria de dar ao aluno condições de
avaliar a qualidade dos demais aspectos de sua relação com a vida, especialmente
consigo e com sua comunidade. A crítica principal é que a universidade tem se
preocupado apenas com o desenvolvimento da intelectualidade e não da
sabedoria. Na metrologia qualitativa as medidas são dadas por qualidades:
Quadro 10 – Metrologia Qualitativa
Relação Medida de qualidade
Social Cidadania
Planetária Participação ecológica
Com a verdade Racionalidade
Com o transcendente Espiritualidade
Consigo Consciência de si
Fonte: autora, adaptado de Wilmer (2004)
Wilmer (2004) destaca a importância desta última medida de qualidade, a
consciência de si, no meio acadêmico. Na consciência de si está incluída a
consciência corporal, emocional e de raciocínio. O ponto de partida é o exercício
de tornar-se presente em si a cada momento. Ele considera que objetivamente o
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212
ser humano existe e se expressa num universo espaço-temporal dinâmico, quadri-
dimensional. De modo que o sistema metrológico da nova universidade deve ser
igualmente dinâmico. Exemplifica criticando as tradicionais provas e testes, que
não consideram o momento presente do aluno, suas condições físicas e
emocionais no dia da verificação. Pontua, então, a necessidade de uma
complementação no sistema de avaliação, ou mesmo sua substituição. Mas, de
qualquer forma, para um sistema que considere outros aspectos da existência
humana.
“Aliás, não compreendo por que deveria ser da Universidade este papel de
determinar quem são os melhores alunos. Que interesse à causa pedagógica tem a
avaliação externa, qual seu mérito? Considero que saber quem são os melhores
alunos (do ponto de vista puramente de cérebros, diga-se bem) talvez interesse
mais ao mercado de trabalho do que à causa educacional, e que cabe portanto a ele
a tarefa de apontar os “melhores alunos”, segundo seus próprios interesses. À
Universidade caberia a tarefa de ajudar o aluno a produzir sempre o melhor de si,
como ser humano completo. (...) Seria mais rica a experiência do aluno, e mais
formadora de seu caráter, se a Universidade, no lugar desse papel tanto punitivo
quanto paternalista de juiz do aluno, o ajudasse a produzir dando o melhor de si, e a
ser responsável por seu destino, dispondo para tal de ferramentas de auto-
avaliação, por exemplo” (WILMER, 2004, p.10).
Essa ponderação vem diretamente ao encontro das necessidades de
reformulação da universidade a que aludimos para que seja viável uma
perspectiva paradigmática mais ampla. Wilmer não está nesta preocupação.
Traz como seu aliado de diálogo Joseph Campbell, citando o seguinte trecho:
“O
que estamos aprendendo em nossas escolas não é sabedoria de vida. Estamos aprendendo
tecnologias, estamos acumulando informações. uma curiosa relutância de parte da
administração universitária em indicar os valores de vida de seus assuntos”
(CAMPBELL, 1990, citado por WILMER, 2004).
Levando em consideração que a meta da Nova Universidade seja aumentar a
medida de qualidade do aluno com os diversos aspectos da vida (verdade, beleza,
consigo etc.) tal meta imprimiria sua marca nos critérios acerca do quê ensinar,
como ensinar e como avaliar. Wilmer cita alguns exemplos de aplicação destas
idéias na universidade: estimular a apreciação estética do pensamento científico
(atenuando a tendência tecnocrática da ciência); ofertar atividades físicas
integradoras de múltiplos aspectos de si (ele cita o Tai chi chuan como exemplo);
adotar a cooperação como forma de trabalho, pois sendo os humanos sistemas
isomorfos essa postura aumentaria em cada um dos participantes de uma relação
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213
os valores de suas medidas de qualidade (conhecimento, auto-estima...); favorecer
a empatia em lugar do egoísmo; usar mais freqüentemente a auto-avaliação do
estudante, orientado pelo professor, pois aumentaria o valor da medida de
qualidade da relação consigo, a consciência de si; avaliar para admissão e não
para reprovação
39
.
Um movimento nesse sentido implica iniciativa e esforço de mudança
daqueles predispostos que se encontram em serviço na universidade. Mas requer
também fortalecimento e continuidade, sendo importante, então, investir na
formação de docentes.
E como diz Martha Tristão (2004, p.70),
“partindo do pressuposto de que a formação de professores/as é um importante
contexto a ser explorado porque participa de outros, como a política educacional, a
pesquisa e a formação continuada dos professores/as em serviço (...) a formação
ambiental, então, entra nesse cenário exigindo um redimensionamento das práticas
pedagógicas, de outras diretrizes para um saber ambiental que não é apenas
livresco, mas articulado com a prática social e com uma estreita relação entre
investigação, ensino, difusão e extensão do conhecimento.”
Por isso mesmo, mais relevante ainda se tornam as abordagens anteriores
que trouxemos, de Wilmer, AQUARIUS e da educação em valores. Como afirma
Tristão inspirada em Maturana “estar vivo é estar em permanente estado de
aprendizagem” (TRISTÃO, 2004, p.69) Daí sua insistência em
“criar espaços
pedagógicos que possibilitem a expressão, a criação, a reapropriação do saber, as
diferenças, o equilíbrio, o desequilíbrio, a solidariedade e a experiência de conhecer
outras lógicas do conhecimento” (TRISTÃO, 2004, p.67).
39
“Avaliar um aluno para sua admissão em Cálculo 2 é mais compatível com a meta acima do que
avaliar sua aprovação em Cálculo 1. Pois isso favorece uma melhor relação do aluno com o
professor, que desaparece a principal fonte de atrito com este, que são as notas que este precisa
lhe conferir ao longo do curso. Também desaparece a obrigatoriedade alienante do aluno marcar
presença em sala: a classe voltaria s ser para aqueles que vêem no professor um aliado que pode
fornecer-lhe os conhecimentos necessários na admissão ao curso seguinte. Desse modo, melhora
ainda a relação do aluno com seus colegas e com o próprio conhecimento” (Wilmer, 2004: p.14).
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214
7.4.
Para formar educadores ambientais/ a pessoa construtora
da utopia sustentabilista
Se relembrarmos as diretrizes da EA e seus objetivos lembraremos também
que ela associa estreitamente aprendizagem, valores, cidadania e participação.
Para isso, a proposta é trabalhar com a criticidade, alteridade, responsabilidade,
integrando o ser humano consigo mesmo e com a biosfera. Torna-se bastante
complicado e pouco producente trabalhar com os outros aspectos que ainda não
desenvolvemos. Por isso, queremos ressaltar a presença dessas características em
nosso público pesquisado. Além de seus valores, é provável que parte de seu
sucesso enquanto educadores ambientais se deva ao fato de realmente serem
críticos, participativos (engajados), responsáveis, estudiosos e solidários, o que
lhes possibilita promover ações educativas relativas a estes aspectos com a força
da coerência pessoal. Como sabemos, o exemplo é o melhor mestre.
“A qualidade moral de sujeitos e coletividades depende da qualidade moral de seus
guias de valor. Daí, a importância em reconhecer que os guias podem evoluir, que
na sua evolução participam de maneira consciente os seres humanos e, enfim, que
tal participação pode ser impulsionada pela força de vontade e por critérios de
valor assumidos responsavelmente” (PUIG, 1998, p.208).
A educação por valores, portanto, depende da qualidade moral dos que se
dispõem a ensiná-los ou questioná-los. Importa ter clareza da possibilidade de
modificação dos valores e da imprescindível deliberação de esforço do interessado
ou interessada. Estes dois aspectos nos dizem do processo educativo, tanto sobre o
perfil do educador(a) como da disposição do aprendente. uma necessidade
básica de que ambos os lados, educador e educando, tenham a intenção de
desenvolver-se moralmente.
Não é recente a preocupação com o desenvolvimento moral. Há quase 2.500
anos Confúcio dizia que “não fazer o que é certo demonstra falta de coragem”.
E que “um homem benevolente com certeza é corajoso” (CONFÚCIO, 2007). O
pressuposto de Confúcio, estudioso da essência da moral, é que
“o único objetivo que um homem pode ter e também a única coisa válida que pode
fazer é tornar-se um homem tão bom quanto possível. Isso é algo que tem de ser
perseguido somente pelo próprio valor intrínseco e com completa indiferença
quanto ao sucesso ou fracasso” (CONFÚCIO, 2007, p.15)
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Também para ele a justiça e o conhecimento (“amar a benevolência sem
amar o aprendizado pode levar à tolice”) eram dois valores extremamente
importantes e deveriam estar presentes nos governantes. A melhor maneira de
fazer com que o povo desenvolvesse alto senso moral era o exemplo.
“Obrigações e punição podem, na melhor das hipóteses, garantir um aparente
conformismo. O povo vai ficar longe de problemas não porque tenha vergonha de
fazer algo errado, mas porque tem medo da punição. Em contraste a isso guie-o
pela virtude, mantenha-o em dia com os ritos, e o povo, além de ser capaz de sentir
vergonha, reformará a si mesmo. (...) Se um homem é correto, então haverá
obediência sem que ordens sejam dadas; mas se ele não é correto, não haverá
obediência, mesmo que ordens sejam dadas. (...) alimento e armas não são as coisas
mais importantes que o povo deve ter. Sobretudo, é preciso que eles tenham
confiança no governante e é preciso que vejam nele um exemplo” (CONFÚCIO,
2007).
De outro modo, mas na mesma direção, também Platão (2007) defende, em
sua República, que sejam os governantes um exemplo moral de justiça e
conhecimento. Entre os gregos antigos o “bom, o belo e o verdadeiro” eram
defendidos enquanto ideal de vida. Tanto esses valores como o trinômio
liberdade-igualdade-fraternidade da Revolução Francesa continuam em pauta no
mundo atual e voltam a ser resgatados de modo mais detalhado pela proposta da
construção de sociedades ditas sustentáveis. Os contextos mudam, mas uma certa
demanda moral permanece a mesma na humanidade, mostrando que ainda não foi
atendida e quando surgem oportunidades volta a pedir voz e vez. Curiosamente,
os principais valores vividos por nossos entrevistados e entrevistadas são a
afetividade (inclusive por meio de seus parentes próximos, a honestidade e a
convivência), a justiça e o conhecimento. Ou seja, aparentemente, os fatos atuais
confirmam as asserções confucianas e gregas. Realmente, a coerência com estes
valores promove vidas significativas em termos de melhoria social e pessoal.
As questões da entrevista que suscitaram esta conclusão são aquelas
referentes às ações recorrentes, às decisões e ao perfil de gastos, pois o estas
que apontam para a realidade vivida. As demais questões nos dizem de ideais e de
referências buscadas pelos docentes no cotidiano. Mesmo entre estas, tais valores
(afetividade, justiça e conhecimento) se destacam, porém em proporções distintas,
porque nos falam do desejo, do esforço por viver de uma determinada forma.
Revelam-se fortes coadjuvantes os valores da maturidade e da autodireção, que
traduzem a autonomia e a busca de ter uma vida útil, significativa.
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Dentre os três critérios
40
(pessoal, central, social) embasadores dos 24
valores básicos propostos por Gouveia (2003), observamos haver, no público
estudado, uma incidência majoritária de valores relativos à função suprapessoal
(inseridos no critério central), isto é: justiça, conhecimento, maturidade e beleza.
No âmbito do critério social destacam-se os valores da função interacional
(afetividade e honestidade) e no que tange ao critério pessoal, evidencia-se um
valor cuja função é a realização, qual seja, a autodireção. Lembremos que as
funções suprapessoal e interacional correspondem ao princípio da igualdade, ou
seja, ocorrem em pessoas cuja predisposição é valorizar a condição da igualdade.
Por outro lado, é curioso que o critério de nível pessoal, no caso de nossos(as)
entrevistados(as), traga a função da realização, relativa ao princípio da diferença.
Isto quer dizer que a valorização da diferença por nossos educadores(as) está
vinculada à (capacidade de) realização (leia-se, portanto, valor da autodireção, ou
seja, em última instância, autonomia).
Em poucas palavras podemos sintetizar afirmando que nossos e nossas
docentes tendem a construir, em função de seus valores, relações horizontais. Um
perfil propenso ao altruísmo. A valorização da individualidade se pela
necessidade e fortalecimento da autonomia existencial.
Apesar de termos nos concentrado na tipologia de Gouveia, é interessante
pontuar a classificação motivacional correspondente no sistema de Schwartz e
isso por um único motivo: auxilia a elaborar diretrizes educativas. Em primeiro
lugar revelou-se o tipo motivacional universalista, em segundo, o da autodireção
e, em terceiro, o da benevolência. A própria denominação destes três tipos já
evidencia o perfil dos educadores: universalistas, autônomos e benévolos.
Conseguintemente, vêm à luz campos de investimento educativo moral que
poderíamos priorizar.
40
Conforme quadros 2 e 3 (este último reproduzido abaixo e destacadas em negrito as funções a
que os valores obedecem no público estudado).
Critério de orientação Função psicossocial Dimensão da relação Princípio da
1- Pessoal 1a) Experimentação
2- Central
2b) Suprapessoal
3- Social
3a) Interacional
Horizontal
Igualdade
1- Pessoal
1b) Realização
2- Central 2a) Existência
3- Social 3b) Normativa
Vertical Diferença
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Gostaríamos de recordar ainda que, dentre os recursos
41
para enfrentar a
experiência moral (PUIG, 1998), destacam-se quatro procedimentos mais
relevantes quando se trata de EA: a) autoconhecimento: fonte da responsabilidade
moral e da coerência pessoal; b) conhecimento dos outros (empatia); c)
disposições para a comunicação e o diálogo: chegando a acordos justos, racionais
e sem pressão dos mais fortes ou influentes; d) auto-regulação (dela depende a
coerência entre o juízo e a ação moral e a própria construção voluntária do
caráter).
Foi interessante notar que além de valores relacionados com a questão
ambiental, nossos(as) docentes dispõem desses quatro procedimentos da
consciência moral destacados.
Para Puig, boa parte dos resultados da construção da personalidade moral e
da organização da convivência não são universais. Mas, lhe parece possível falar
de universalidade quanto a alguns procedimentos e valores que permitem encarar
conflitos, respeitadas as diferenças e ressaltando o mínimo permitido por seres
humanos que visam compartilhar a vida e projetar formas de convivência justas e
solidárias. Esta reflexão nos levou a questionar que valores seriam minimamente
necessários para uma convivência solidária e respeitosa com o restante da
natureza.
Estamos, é claro, com este inventário, traçando um perfil de sujeito
ecológico educador. Sabemos que toda tentativa de formatação ou padronização,
quando se trata de ser humano, limita e restringe. Embora não tenhamos a
intenção de excluir perfis ou criar um modelo ideal único, queremos, sim, ressaltar
a importância de alguns pré-requisitos para o fazer educativo-ambiental.
Coerência com o que se quer ensinar é um deles. Saber que a experiência
problematizada e refletida contribui para a formação da consciência moral e
incorporar este procedimento na prática educativa é outro. O hábito de relacionar-
se empaticamente e de buscar a autotransformação e autoqualificação contínua
completam os principais itens aprendidos com as biografias dos educadores
estudados nesta pesquisa.
Entender a educação moral como construção
41
Para mais detalhes, rever páginas 65 (ilustração 2) e 68 (sobre os recursos da consciência
moral).
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“implica um processo para o qual convergem: a sensibilidade para as experiências
conflitivas que apresenta a realidade; o uso dos procedimentos morais para
trabalhar tais conflitos; e a ajuda dos guias culturais de valor para mediar a
atividade sociomoral que o sujeito realiza. (...) [neste sentido os educadores(as)
têm] a grande responsabilidade de não cair em uma pura transmissão impositiva.
Devem saber dosar seu compromisso com os guias de valor fundamentais com o
respeito à autonomia moral de seus alunos e alunas” (PUIG, 1998, p.209).
Mas, se propor experiências dilemáticas ou analisar aquelas que se vive
pode configurar uma estratégia pedagógica, por outro lado é preciso lembrar que a
simples existência de conflitos de valor não garante nenhum processo formativo.
É necessário o enfrentamento das experiências morais problemáticas com a
consciência moral de cada sujeito.
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Por vezes, quando reflito sobre as tremendas
conseqüências que resultam das pequenas coisas... fico
tentado a pensar que não existem pequenas coisas.
Bruce Barton
Você vê coisas e diz: “Por quê?” Mas eu sonho com coisas
que nunca existiram e digo: “Por que não?
George Bernard Shaw
A convicção é inútil, a menos que se transforme em
conduta.
Thomas Carlyle
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8
Conclusões
Aprendemos com a pesquisa sobre a importância dos valores para a escolha
e reafirmação da escolha pela Educação Ambiental enquanto trabalho e,
simultaneamente, projeto de vida para docentes universitários.
Foi possível identificar os valores mais presentes nesta opção: justiça,
conhecimento, maturidade, honestidade, autodireção.
Ainda, pudemos verificar modos de atuação destes valores no cotidiano do
público estudado, ora estimulando-o a avançar, ora gerando conflitos internos. Os
valores revelados na pesquisa levam nossos(as) docentes a priorizar o trabalho
antes de todo o restante da vida, e conforme a hierarquia de seus valores, a optar
por uma estratégia educativa mais sensibilizadora e integradora do indivíduo
consigo e com os demais ou a enfatizar estratégias mobilizadoras da articulação
política e confrontadora da ordem estabelecida. De toda forma, conformam
relações de generosidade, de engajamento, de gratidão e de curiosidade para com
a vida todos os aspectos de que ela se mostra portadora. Os valores operam de
modo a que eles não se acomodem a situações consideradas injustas, requerendo
deles, pelo contrário, intensa participação na resolução dos problemas percebidos.
Finalmente, com respeito à terceira questão levantada (como se formaram
tais valores?), descobrimos alguns fatores que desencadeiam experiências
formativas e a natureza dos meios de experiência moral onde mais freqüentemente
se encontram oportunidades de experienciar dilemas formativos que contribuem
para a formação do sujeito ecológico.
Nas vidas destes(as) educadores(as) entrevistados(as) nos deparamos com
alguns tipos de experiência marcantes, que levaram ao desenvolvimento e/ou
fortalecimento de algumas formas de ser:
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Quadro 11 – Tipos de experiências morais e seus efeitos
Experiências Efeitos Valores
relacionados
De diversidade e
confronto
(escola de VEGA,
universidade de ÓRION)
Posicionamento, coragem,
criticidade
Respeito a si e aos demais, auto-
afirmação
Justiça, Maturidade
Autodireção,
Honestidade
De sensibilização social
(PERSEU, POLARIS)
Solidariedade, comprometimento,
estudo, ação
Justiça, Conhecimento,
Maturidade
Estético-afetivas
(AQUARIUS, POLUX,
AURIGA)
Integração, afeto, busca de
harmonia
Honestidade,
Afetividade,
Autodireção, Beleza
De restrição na infância
(AURIGA, ÓRION,
VEGA)
Parcimônia, criteriosidade,
valorização do trabalho,
dedicação ao que faz, motivação
para fazer diferença
Sobrevivência,
Estabilidade,
Autodireção
Justiça, Êxito
De incentivo ao estudo na
infância
(LIRA, AURIGA)
Intensificação da curiosidade,
criticidade, hábito de estudar,
priorização do conhecimento
enquanto ferramenta de trabalho
Conhecimento
De convivência com
pessoas-exemplo
(PERSEU com as
biografias e
companheiros de
movimento social,
AQUARIUS, POLUX,
ALDEBARAN)
Fortalecimento da necessidade e
motivação para agir, auto-
sacrifício
Justiça, Maturidade,
Convivência, Êxito,
Autodireção
Fonte: autora
Os tipos de experiências citados foram importantes para o desenvolvimento
ou para acionar os traços e valores correlacionados no quadro 11. Talvez, contudo,
estes efeitos tenham ocorrido porque os valores mencionados (ou parte deles) já
existiam de modo latente nos atores estudados.
Inspirados nestas experiências, podemos criar novas situações didáticas, a
exemplo das listadas abaixo:
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de confronto: por exemplo, debates, participação de audiências públicas e
reuniões com comunidades, empresários ou outros grupos implicados em algum
problema/conflito ambiental em análise, observação da elaboração de EIA-RIMA,
viagens, entre outros;
de sensibilização: visita a locais de conflito ambiental instalado ou onde
existam problemas ambientais, entrevistas com os envolvidos, estágios de
vivência;
estético-afetivas: criação de um espaço de encontro acolhedor (para aula
ou reunião de projetos), com plantas, se possível paisagismo e diversidade
artístico-cultural; visitas a jardins botânicos, parques, tios; vivências corporais
de autopercepção e de sensopercepção nesses espaços; Trilha da Vida (Matarezzi,
2003), criação de hortas, pomares, jardins, terrários e outras experiências afins,
etc.;
de restrição: vivências de imersão ou não em que haja cotas de uso dos
recursos disponíveis, as quais devem ser acompanhadas de registros de auto-
observação quanto aos pensamentos e sentimentos decorrentes da experiência,
com posterior debate;
de incentivo ao estudo: disponibilização de livros, revistas, softwares,
jogos, mapas, laboratórios, que sejam utilizados a partir de demandas específicas e
também espontâneas;
de convivência: leitura de biografias, entrevistas ou debates com pessoas
de referência, estágios, filmes.
De toda forma, importa que o conjunto das ações permita reflexão e ação
associadas, que o exercício da auto-observação torne-se prazeroso hábito, para
que as mudanças pessoais sejam fruto de trabalho, mas sem perder seu aspecto
lúdico e motivador. No mais das vezes uma crença generalizada de que mudar
significar sofrer. Mudar para melhor é algo que se reveste de prazer e alívio.
Buscar mudanças pessoais de modo punitivo é decorrência cultural de ordem
religiosa, que pode ser ultrapassada e dispensada. A maior liberdade de qualquer
ser humano é a de autotransformação. Autodeterminação, a fonte dessa liberdade,
é sinal de maturidade. Quanto mais esta prática for incorporada às nossas vidas
mais chances teremos de amadurecer paulatinamente também a estrutura social.
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Estas sugestões iniciais buscam atender ao anseio de demonstrar a
possibilidade de aproveitar o conhecimento haurido no corrente processo
investigativo a serviço pedagógico da EA, inter-relacionando os valores
descobertos, seu processo de atuação e suas estratégias de construção ou
fortalecimento. Sendo a disposição da EA, desde o início, renovar a sociedade em
favor de uma vida mais digna e saudável, e tendo ela enfatizado o papel central
dos valores nesta tarefa, é preciso, então, abrir um debate mais intenso e profundo
com esta intenção. Pensamos estar participando das primeiras etapas deste
caminho, que esperamos longo e frutífero e ao qual convidamos educadores e
educadoras a enriquecer.
Construir a utopia da sustentabilidade implica uma série de passos não
lineares. Por um lado, é fundamental investir na negociação política para o avanço
do encaminhamento de conflitos e problemas ambientais em curso. Por outro, é
preciso estimular nas pessoas a formação de um ethos ecológico, de uma
subjetividade da sustentabilidade, como diz POLARIS. Nisso se resume parte da
proposta do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis (1992):
“Consideramos que são inerentes à crise a erosão dos valores básicos e a alienação
e a não-participação da quase totalidade dos indivíduos na construção de seu
futuro.” Temos uma conjugação de ambas as coisas, a participação política e a
construção de valores. Entre os princípios do Tratado, os itens 6, 8 e 12 tratam
diretamente da necessidade de valores, traços e comportamentos específicos
requeridos para a convivência.
“A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos
direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as
culturas”. (6)
“A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos
processos de decisão, em todos os níveis e etapas”. (8)
“A educação ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas a trabalharem
conflitos de maneira justa e humana”.(12)
Esses tópicos abordam basicamente os valores da justiça e honestidade,
decorrendo os comportamentos desejados da mobilização destes valores. Os itens
13 e 10 cuidam das formas de concretização de novos modos de organização
social a partir do empoderamento da população, do diálogo e da cooperação, e
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nesse sentido entram em cena, ao modo de pré-requisitos, os valores da
honestidade, convivência, justiça, autodireção.
“A educação ambiental deve promover a cooperação e o diálogo entre indivíduos e
instituições, com a finalidade de criar novos modos de vida, baseados em atender
às necessidades básicas de todos, sem distinções étnicas, físicas, de gênero, idade,
religião, classe ou mentais.” (13)
“A educação ambiental deve estimular e potencializar o poder das diversas
populações, promover oportunidades para as mudanças democráticas de base que
estimulem os setores populares da sociedade. Isto implica que as comunidades
devem retomar a condução de seus próprios destinos.” (10)
Os itens 15 e 7 falam da necessidade de crítica, pensamento complexo e
aproveitamento de experiências para um aprendizado orientado à construção de
sociedades sustentáveis. Os valores implicados aqui são o conhecimento, a justiça,
a ordem social.
“A educação ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e
ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas de sociedades
sustentáveis.” (15)
“A educação ambiental deve tratar as questões globais críticas, suas causas e inter-
relações em uma perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico.
Aspectos primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, tais
como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome, degradação da
flora e fauna, devem ser abordados dessa maneira.” (7)
Finalmente, o item 16 traz a questão nuclear em termos de epistemologia e
prática e atinge em cheio o valor da convivência, entendido de maneira ampliada
às relações planetárias:
“A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre
todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus
ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres
humanos.” (16)
Estamos diante de um desafio ético de nosso tempo. Para que a EA possa
ser mais do que apenas um discurso interessante e da moda faz-se necessário
assumir todo o seu potencial. Oxalá, as experiências compartilhadas das vidas de
nossos educadores(as) possam inspirar nossa criatividade realizadora, rumo às
autotransformações oportunas e a práticas educativas cada vez mais generosas.
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Aquilo que prende a atenção determina a ação.
William James
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Aquilo que prende a atenção determina a ação.
William James
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233
9.2.
Apêndices
9.2.1.
A1 - Roteiro de entrevista
1. Como você se tornou educador ambiental? Em algum momento de sua vida
houve mudanças na trajetória profissional? Houve momentos de maior
investimento pessoal na carreira? Se sim, quando? Houve momentos de
desânimo? Em que situações?
2. Você acha que é exemplo de que na sua vida?
3. Como gostaria de ser lembrado(a)?
4. O que você gostaria de ver em seus alunos como efeitos de seu trabalho?
5. Na sua visão, que valores predominam na sociedade?
6. Por que você é educador ambiental?
7. O que na sua vida foi marcante para esta escolha?
8. Qual sua perspectiva de EA? Dê um exemplo da sua ação prática.
9. Que mudanças você espera que seu trabalho promova no mundo?
10. A experiência profissional exerceu alguma mudança na sua forma de
trabalhar, no seu jeito de entender e se relacionar com o mundo? Qual? Por quê?
11. Fale um pouco de sua família de origem: onde você nasceu? Onde morava na
infância? Quais eram suas preocupações mais importantes naquela época? Em que
você estava interessado? Durante a sua infância e juventude, que experiências em
sua vida familiar foram importantes para a escolha da profissão?
12. O que o fez decidir (diferencial) trabalhar com a questão ambiental na
universidade?
13. Como você trabalha a questão ambiental na universidade onde atua?
14. Como você imagina uma universidade preocupada com o meio ambiente?
15. Como era a escola em que estudou? Houve fatos, situações e pessoas que
influenciaram sua escolha profissional ou marcaram o seu jeito de ser professor?
16. E a faculdade, como era? O que foi marcante?
17. Você tem o hábito de fazer cursos para a formação continuada? (quais?
onde? periodicidade) Por que?
18. Quais você considera serem os seus valores principais? Como você os
descobriu?
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19. Como você imagina que se construíram estes valores? O que influenciou?
20. Como eles o ajudam na sua prática de educador(a) ambiental?
21. Quais as dúvidas e dilemas comuns na sua vida?
22. Que tipo de ação costuma ser recorrente em seu comportamento?
23. Como se com relação ao trabalho que realiza? Como crê que é visto pelos
outros (colegas, direção, aluno)?
24. Como concilia a vida profissional com a vida pessoal?
25. O que você acha que estará fazendo daqui a 10 anos?
26. Quais são seus sonhos?
27. Se não fosse professor(a), qual seria a sua profissão?
28. Que significa formar/instruir gente?
29. Quais são as exigências e as características inerentes a um trabalho que tem
esse objetivo e esse “objeto”?
30. Que valores você considera importantes para vivermos num meio ambiente
mais saudável? Como eles podem ser adquiridos/ desenvolvidos?
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9.2.2.
A2 - Mini-Inventário Pessoal: (roteiro de auto-observação)
Listar temáticas dos pensamentos no cotidiano
Relacionar as emoções e sentimentos recorrentes e mais freqüentes do dia-a-
dia
Elencar as principais decisões tomadas na vida
Identificar as principais motivações pessoais
Critérios que embasam suas escolhas
Avaliar o perfil pessoal de gastos
Omissões deficitárias e superavitárias
Comentar situações em que teve vergonha de si mesmo(a) ou se sentiu
culpado(a)
Escala de Prioridades (reais) da sua vida e sua base
Hierarquize seus valores a partir da análise realizada neste inventário.
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9.2.3.
A3 – Lista de Siglas
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
ECO-92 o mesmo que Rio-92, apelido dado à Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), ocorrida em 1992 na
cidade do Rio de Janeiro
FNMA – Fundo Nacional para o Meio Ambiente
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável
IES – Instituições de Ensino Superior
IPCC – Painel Intergovernamental de Conferência Climática
ISER – Instituto de Estudos da Religião
MEC – Ministério da Educação
MMA – Ministério do Meio Ambiente
ONG – Organização não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PET – Programa Especial de Treinamento
PNEA – Política Nacional de Educação Ambiental
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PRONEA – Programa Nacional de Educação Ambiental
REBEA – Rede Brasileira de Educação Ambiental
RUPEA Rede Universitária de Programas de Pesquisa em EA para Sociedades
Sustentáveis
SP – São Paulo
UCs – Unidades de Conservação
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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UNIPAZ – Universidade da Paz
UNIRIO – Universidade do Rio de Janeiro
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
WBCSD – World Business Council for Sustainable Development
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9.2.4.
A4 – Lista de Quadros
Quadro 1 – Desenvolvimento da moralidade (La Taille) ...................................... 65
Quadro 2 - Relação entre valores, necessidades e condições para realização das
necessidades......................................................................................................... 101
Quadro 3 Modelo de Gouveia para organização do Sistema Básico de 24
Valores ................................................................................................................. 102
Quadro 4 - Tipos motivacionais universais de valores, segundo Schwartz......... 105
Quadro 5 – Quadro geral do perfil docente ......................................................... 136
Quadro 6 – Relação entre comportamento, traço e valor .................................... 160
Quadro 7 – Critérios: relação entre valores, comportamentos e traços ............... 173
Quadro 8 – Gastos: relação entre traços, valores e comportamentos .................. 176
Quadro 9 – Relação entre docentes e meios de experiência moral ..................... 193
Quadro 10 – Metrologia Qualitativa .................................................................... 211
Quadro 11 – Tipos de experiências morais e seus efeitos .................................. 221
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9.2.5.
A5 – Lista de Ilustrações
Ilustração 1: Organograma do Órgão Gestor da EA Fonte: MMA, 2006. ............ 27
Ilustração 2: Formação da personalidade moral conforme Puig Fonte: autora ..... 66
Ilustração 3. Estrutura Bidimensional das Quatro Categorias de Tipos
Motivacionais Fonte: adaptado por Gouveia de Schwartz (1992) ...................... 106
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9.2.6.
A6 – Lista de Esquemas
Esquema 2: Estrutura dos meios de experiência moral ......................................... 67
Esquema 3: Fluxograma das indicações em rede Fonte: autora ......................... 138
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9.2.7.Anexos – Duas entrevistas
Entrevistada: VEGA
Datas: 22 e 29 de maio de 2007, sábados. Período: manhã.
Local: residência da entrevistada, RJ.
Você poderia começar se apresentando...?
Bem, eu sou formada em Filosofia, fiz o mestrado em Filosofia da Educação
pela Getúlio Vargas e doutorado em Filosofia da Educação pela UFRJ. Eu estou
ligada ao campo temático de pesquisa da área Trabalho e Educação, 22 anos já
e paralelamente às discussões do mundo do trabalho eu venho me ocupando das
questões referentes a meio ambiente por um caminho que, pouco a pouco, eu
estou fazendo com que eles possam se aproximar cada vez mais, mas eles foram
durante muito tempo dois caminhos um pouco paralelos. Então, ao mesmo tempo
em que eu sou 15 anos professora da universidade, sempre responsável por
disciplinas e orientação de alunos na graduação e na pós-graduação, mestrado e
doutorado, na área de Trabalho e Educação, eu trabalhei nos anos 90 no Centro de
Ciências do estado do Rio de Janeiro, coordenando uma equipe que realizava um
trabalho de formação continuada de professores no ensino fundamental e do
ensino médio, escola normal, na busca de pensar o ensino de ciências e
matemática como um espaço onde se deveria interdisciplinarizar os
conhecimentos. De forma que os professores do ensino fundamental, que não têm
a formação disciplinar específica na área de ciências, pudessem enfrentar esse
desafio com mais tranqüilidade. E nós desenvolvemos toda uma metodologia,
quer dizer, com a professora Letícia Parente, que era doutora em Química,
professora da PUC, e que infelizmente ainda quando diretora do centro de ciências
faleceu, desenvolvemos todo um trabalho baseado em centros de interesse ou em
trabalhos que buscavam um tema transversal para discutir os conteúdos das
diversas ciências. E nós trabalhávamos, por exemplo, a cidade, o campo, os
grandes ecossistemas, o mar, o campo pensando a terra, trabalhamos os setores de
serviços, como, por exemplo, o tratamento da água, o setor industrial, analisando
algumas indústrias em Nova Friburgo, mas sempre dentro da perspectiva
ambiental. Ou seja, como é que nós poderíamos abordar os conteúdos específicos
de primeira a quarta série ou da escola de formação de professores
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transversalizando os conhecimentos das ciências exatas e da natureza e a
matemática? A partir de temas que fizessem referência à relação homem-natureza.
Então, são muitos anos trabalhando também dentro dessa perspectiva. Também
tive uma experiência muito interessante, durante muitos anos, de uma interlocução
com os professores de física, que sempre me convidavam pra escola de verão de
física, que eles fazem para os professores de sica. Então solicitavam alguma
conversa, uma palestra, alguma coisa que abordasse a filosofia da educação de
forma que nós pudéssemos pensar a formação do professor de física, à luz de uma
perspectiva mais ampla, não restrita ao campo da física. Então essas foram
experiências que eu fui fazendo, que foram me aproximando cada vez mais das
discussões em torno da questão ambiental. Por outro lado, no campo Trabalho e
Educação, eu tenho na minha formação, desde o tempo que eu concluí a
graduação em Filosofia, uma perspectiva de análise da realidade brasileira, onde
eu venho sempre discutindo os modelos e as perspectivas e as concepções de
desenvolvimento e de progresso que a sociedade brasileira vem priorizando pra
estabelecer o seu modelo de industrialização, a sua forma de inserção no
capitalismo internacional, é a maneira como o Brasil por ora, em certos momentos
parece que adere completamente ao capitalismo mundializado, outras horas parece
que resiste buscando um caminho próprio e todos esses momentos são, por assim
dizer, atravessados por uma concepção de desenvolvimento. E essa concepção de
desenvolvimento está muito baseada numa perspectiva de trabalho e, portanto, da
atividade humana, que se exerce nessa relação homem-natureza dentro de uma
perspectiva de que o Brasil é um país muito rico em natureza, de uma natureza
inesgotável e que, portanto, nós podemos nos aventurar livremente sobre os
recursos naturais. Então, esta perspectiva que de alguma forma está presente no
mundo do trabalho no Brasil é alguma coisa que também eu venho me
preocupando desde sempre. E aí, a questão do meio ambiente entra pelo lado
Trabalho e Educação. Então, minha aproximação com a EA é menos com a EA e
mais com a relação trabalho-educação-meio ambiente. Como é que o mundo do
trabalho contempla ou não as questões ambientais e em que medida isso se reflete
nas nossas propostas educacionais. Não nas propostas de EA, mas também nas
propostas de educação tecnológica, de educação geral, em que medida esses temas
relacionados ao meio ambiente são uma questão ou não. E me dou conta de que
não são uma questão! Tanto que no nosso curso de Pedagogia, eu oito anos
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venho oferecendo uma atividade, que na universidade o professor XXX já deve ter
explicado isso pra você, nós temos disciplinas obrigatórias, eletivas, optativas
como todos os cursos m e nós temos alguma outra coisa que outros cursos não
têm que nós chamamos componentes curriculares que têm uma outra
característica e um componente curricular “atividade” que tem a característica de
buscar dar aos alunos do curso de Pedagogia uma formação mais ampla do ponto
de vista social e cultural, que alargue a sua visão de mundo e que lhe permita
trabalhar temas que normalmente não estão contemplados no nosso currículo. E
foi dentro dessa perspectiva que eu criei essa atividade de Meio Ambiente e
Educação e que eu partilho com o AQUARIUS até hoje. Depois que ele fez o
concurso e entrou na nossa faculdade como professor, começamos a trabalhar
juntos. Essa preocupação de novo vem porque eu acho que as universidades são
justamente as mais renitentes, as mais difíceis, as mais impermeáveis a mudanças,
porque são justamente os espaços onde há uma demarcação muito clara dos
espaços próprios de cada área do conhecimento e então uma luta política até
pela importância de cada área, pelo destaque de cada área, e isso se reverte depois
na disputa também pelos recursos pra pesquisa. Então, acho que a universidade é
mais engessada, ela tem mais dificuldade de aceitar temas novos, de trabalhar de
forma interdisciplinar, de compreender a complexidade da realidade, de
compreender que essas múltiplas determinações do real precisam de sínteses mais
amplas. Parece contraditório síntese e amplidão, mas acho que a complexidade da
realidade exige essas mudanças. Isso pra mim foi ficando muito evidente na
minha participação, por exemplo, das reuniões anuais da SBPC. Onde
apresentação de trabalhos sobre EA vinham fundamentalmente dos professores do
ensino fundamental e médio. Não vinham das universidades. Durante muitos
anos, os trabalhos apresentados na SBPC que diziam respeito ao meio ambiente e
especificamente EA vinham dos professores do ensino fundamental, Porque eles
têm uma perspectiva de trabalho mais integrado. Pra eles era mais fácil
compreender essa integração e trabalhar com ela do que aos professores
universitários. E acho que embora todos, se você fizer uma pesquisa eles dirão: “a
EA é fundamental, a questão ambiental é importantíssima”, no entanto, se você
olhar os currículos dos cursos de pedagogia no Brasil você não vai encontrar essa
temática organizada curricularmente. Nem ela é uma disciplina, porque já é uma
proposta consolidada no Brasil de que a EA não seja uma disciplina, mas ela
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poderia na universidade até ter se transformado numa disciplina e se nós
pensarmos num tema transversal também nós o vamos encontrar, a não ser da
mesma forma que encontramos no segundo grau, é uma atribuição do professor de
Biologia, a prática de ensino de ciências ou didática de biologia. Então, as pessoas
atribuem a este professor, e a este campo do conhecimento tratar das questões
ambientais.
E como você imagina que seja uma universidade preocupada
ambientalmente? Que saísse dessa perspectiva...
Bem, eu vejo essa possibilidade no momento em que nós
compreendermos que o nosso modelo de desenvolvimento, a nossa compreensão
do que seja o desenvolvimento das forças produtivas, do que sejam as relações de
produção e no momento em que nós tivermos uma mudança da organização da
sociedade é que nós vamos efetivamente ter uma universidade preocupada com as
questões ambientais. Porque enquanto nós pautarmos toda atividade humana pela
perspectiva do capital e, portanto, pela mercantilização de todos os espaços da
vida, a natureza sempre será um objeto comercializável e explorável nessa
perspectiva. Então eu o vejo que a universidade se tornar ambientalmente
correta porque as ciências não trabalham ainda nessa perspectiva e não trabalham
porque a realidade do mundo produtivo não espelha essa preocupação. Mesmo
hoje quanto o tema do Aquecimento Global e outros temas referentes, preservação
das florestas etc se tornam um tema possível e, portanto um tema amplamente
explorado na mídia, ele se tornou possível e amplamente explorado no
momento em que o capital conseguiu mercantilizar essa temática. Através das
ISOs, através dos selos verdes, através do valor agregado aos produtos, dizendo
“este é um produto ambientalmente correto”, “esta é um produto que se preocupa,
esta é uma empresa que se preocupa com meio ambiente” e isso agregou valor aos
produtos, tornou no mercado esses produtos mais competitivos, com diferencial
para o consumo de uma classe social mais alta, mais escolarizada, mais
intelectualizada. Enfim, neste momento é que estes temas se tornaram temas
pra todo mundo. Todos abraçam a questão ambiental, mas principalmente porque
conseguem tirar algum proveito disso. Então, acho que é muito difícil que a
universidade venha a se tornar... a utopia dos educadores ambientais é que
desapareça a EA, que a educação ela seja toda ela ambiental, que toda educação se
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compreenda como responsável pelas questões ambientais. Mas acho que isso
implica numa mudança de um paradigma societal no qual nós vivemos. Que é o
paradigma da mercantilização de todos os espaços da vida. no momento em
que nós mudarmos essa perspectiva, que de alguma forma retomemos uma
perspectiva de que a natureza é o espaço no qual nos movemos e que nós próprios
somos natureza e que nesse intercâmbio com a natureza nós produzimos bens de
uso pra nossa sobrevivência, pra nosso processo de humanização, que ela se torna
um valor nesse sentido, diferente do valor mercadoria, é que nós vamos trabalhar
seriamente, responsavelmente e também de uma forma congruente, porque nós
dizemos uma coisa e fazemos outra, nós defendemos certos princípios em relação
ao meio ambiente enquanto sociedade humana, mas nós na verdade nos
comportamos de uma maneira totalmente conflitiva com essa perspectiva. Então,
são discursos propalados, mas não objetivados, não concretizados. E eu sou muito
cética em relação a isso. Agora acho que a universidade tem um papel importante,
acho que é estratégico que exista no Brasil um grupo de professores universitários,
pesquisadores que a despeito de saberem que eles se constituem numa minoria e
durante muito tempo foi olhada até como uma minoria às vezes exótica, às vezes
ecochata e às vezes romântica, mas acho que hoje uma compreensão maior
de que essa é uma temática importante e, portanto acho que é estratégico esse
trabalho que nós fazemos. Embora ainda seja um trabalho muito pontual, muito
isolado, mas se eu penso assim, se eu faço um cálculo numérico, assim: sendo
professora da universidade 15 anos, passaram pela minha sala de aula em
torno de 3500 professores, futuros professores, acho que isso tem de alguma
forma alguma repercussão. E se nós nos multiplicamos no Brasil a gente abrange
um número bastante significativo de futuros formadores. Estamos formando
futuros formadores de pessoas, de jovens, de crianças, então acho que isto também
tem alguma influência. Agora com certeza a educação nem resolve as coisas
sozinha, e acho que nesse momento nem ela é a mais importante se ela se isolar
apenas como um espaço de produção do conhecimento, que não tem associado à
produção do conhecimento a ação prática e política.
O que significa pra você essa questão de formar pessoas?
Acho que formar pessoas é um compromisso social, ético e político de
disponibilizar pra um número maior de pessoas aquele conhecimento ao qual você
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teve acesso. E possibilitar, dar instrumentos de análise da realidade, contribuir pra
que essas pessoas construam seu próprio conhecimento. Porque na verdade, nós
não formamos as pessoas no sentido de que nós produzimos um conhecimento
que nós repassamos pra essas pessoas. Nós disponibilizamos um conhecimento e
acho que esse é o compromisso e acho que um servidor público tem esse
compromisso de uma maneira mais ampla pelo fato de ser um servidor público em
primeiro lugar e depois pelo fato de ser um professor, de disponibilizar com o
máximo de competência e de compromisso possível esse conhecimento. E
viabilizar que num trabalho coletivo as pessoas construam seus próprios
conhecimentos, seus próprios referenciais, enfim, e façam leituras do mundo cada
vez mais agudas; mais pertinentes, mais profundas, mais complexas, de forma que
elas possam se situar no mundo também como produtoras de conhecimento e
como pessoas engajadas nas transformações sociais. Acho que esta é que é a
responsabilidade de quem está nos espaços formativos, sejam eles espaços
formais, sejam espaços não-formais.
E quais seriam as exigências e as características de um trabalho desse
tipo?
Acho que a primeira exigência eu vejo que é nós fazermos o máximo de
empenho possível pra nos capacitarmos, ou seja, estarmos abertos aos
conhecimentos que a humanidade produz, dialogarmos com estes conhecimentos,
dialogarmos de uma forma, digamos orientada por uma perspectiva ético-política,
que eu acho que o conhecimento não pode ser diletante, acho que nenhum
conhecimento na verdade é diletante, aqueles que acham que o conhecimento é
neutro, é diletante, ele não deve ter uma função imediata, na verdade essa é uma
perspectiva de produção do conhecimento, então ela em si não é neutra.
Expressa uma concepção de mundo. Como eu acho que o conhecimento tem que
estar a serviço de uma transformação da realidade, naqueles aspectos da realidade
com os quais eu não concordo então acho que ele tem que viabilizar essa minha
inserção na realidade de uma forma não-neutra, de uma forma onde sempre tomo
partido, onde sempre me posiciono, onde sempre expresso uma postura diante da
realidade. Por isso acho que a produção do conhecimento implica primeiro nesse
empenho pessoal de sempre buscar uma participação maior, depois acho que a
compreensão de que nós fazemos parte de uma sociedade que não é uma
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sociedade homogênea, que é uma sociedade dividida em classes, que é uma
sociedade onde as pessoas têm acesso diferenciado aos bens sociais, culturais,
econômicos... e que portanto, nós também temos que nos posicionar em relação a
esses interesses da sociedade a acho que um trabalho coletivo é que
potencializa esse nosso conhecimento pessoal. O trabalho isolado tem seus
méritos, mas acho que ele muitas vezes é inócuo. Acho que só o trabalho coletivo
é que realmente faz avançar o conhecimento. Até porque hoje nós vivemos num
mundo que produz e que amplia os conhecimentos exponencialmente. Nenhum de
nós nunca vai, quer dizer, os sonhos dos enciclopedistas e do Iluminismo ficaram
pra trás. Nós podemos pensar nas idéias da Modernidade, como o
conhecimento sendo um elemento libertador do ser humano, que vai nos propiciar
uma vida melhor, um avanço de nossa capacidade de nos humanizarmos se nós
compreendermos que esse avanço é um avanço de um sujeito que é coletivo.
esse avanço desse sujeito coletivo é que vai permitir que os sujeitos individuais
também avancem. Porque as lutas individualizadas, acho que elas o levam
muito longe.
E foi por isso que você escolheu o espaço universitário como o espaço de
trabalho dessa questão?
Acho que o espaço universitário é um espaço, mas eu não descuidei de
outros espaços. Eu estou inserida no espaço universitário, mas eu, na medida do
possível (eu digo na medida do possível porque a universidade como espaço de
trabalho, como parte do mundo do trabalho é prisioneira de todas as outras
características que afetam o mundo do trabalho hoje em geral, que é a exigência
da produtividade, a ampliação da exploração dos tempos de trabalho que faz com
que nós estejamos cada vez mais absorvidos dentro da universidade), mas eu faço
o possível pra me integrar também em outros espaços de participação política
onde o conhecimento que eu trago da universidade se potencialize em outros
espaços. Então, movimentos sociais, no próprio movimento político-acadêmico
nas associações de pesquisa, junto com a Hedy, com o Marcos Reigota, lutamos
pra que os próprios educadores ambientais acreditassem que era importante
disputar o espaço da academia e se dispusessem a criar o GT de EA. Existia muita
resistência das pessoas, “a universidade não é um locus importante, porque
um elitismo, porque o trabalho militante do educador ambiental não tem
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espaço”, então foi uma época assim, de convencimento. Foi uma discussão muito
grande no IV Fórum, lá me Guarapari, pra que isso se materializasse. Até o
Marcos Reigota um depoimento sobre isso num relatório que ele faz a
existência do GT. Então acho que essa é uma dimensão política. Vem da
universidade, mas não se restringe à universidade. É uma disputa política
ideológica na sociedade brasileira. A participação nos fóruns, a participação no
MST, a participação nos espaços não-formais. Nós fizemos duas semanas um
encontro no jardim Botânico, um encontro de espaços não-formais de educação
que se prestam a trabalhos de EA, como o núcleo de EA do Jardim Botânico, o
Museu de Astronomia, o Museu da Vida da FIOCRUZ... são espaços onde
também nós disputamos uma determinada concepção de EA. E são espaços que
também divulgam, difundem essa questão. Enfim, acho que tem muitos lugares.
Eu própria sou fundadora da associação de moradores do bairro do Jardim
Botânico, onde a questão ambiental é sempre presente. Em todas as disputas que
nós tivemos e foram disputas muito acirradas, porque essa é uma região onde
pessoas muito poderosas vivem, com grande poder de difusão de suas idéias e
também com grande poder econômico, como por exemplo, a rede Globo. Os
grandes supermercados, o Jockey Clube, o Clube dos Militares... então, nós
tivemos vários embates sobre a poluição, sobre o problema do transporte, a
criação que foi prevista de uma via expressa na rua Jardim Botânico, da
construção de muitos prédios na encosta da rua Benjamin Batista, da criação de
um hipermercado na Jardim Botânico onde hoje é o lar Monjope, a criação de um
shopping center embaixo do hipódromo... foram lutas gigantescas, em que nós
tivemos que contratar advogados, contratar laudos técnicos de universidades, que
tivemos de solicitar na Assembléia Legislativa audiências públicas... justamente
pra brecar que por motivos econômicos não só se descaracterizasse o bairro mas
alterasse o regime de águas dentro do Jardim Botânico ou da Lagoa Rodrigo de
Freitas, quer dizer o controle sempre da poluição, dos esgotos clandestinos, da
água com sabão do Toalheiro Brasil. Acho que são outros espaços onde tenho
historicamente me inserido sempre dentro dessa perspectiva de disputa. Acho que
faltou falar de uma coisa que nós criamos em noventa e dois, noventa e três, na
universidade, que foi uma pós-graduação lato sensu em EA. Foi uma parceria de
duas universidades, infelizmente houve uma turma. Havia uma demanda
gigantesca, muita gente nos procurou ainda por muitos anos para que nós
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fizéssemos uma outra turma. Agora estamos repensando. Naquele tempo quem
coordenava o curso éramos eu e Roberto Leher (pela universidade B), também
Ronaldo da B e depois o PERSEU que passou a integrar esse grupo no sentido
de que... a idéia era que nós fizéssemos uma turma na universidade A e a turma
seguinte na B, e depois fôssemos alternando. Só que esbarramos na universidade
B, naquele momento, com uma certa vontade do nível central, com as pós-
graduações lato sensu. Já existia essa idéia de que a lato sensu não é tão
importante, de que ela deveria ser autofinanciada. não abrimos mais nenhuma
turma, depois disso também cada um de nós esteve ocupado com outras coisas, o
Carlos Frederico foi fazer o doutorado. O Roberto Leher foi pouco a pouco
assumindo a liderança sindical da universidade, terminou sendo presidente do
ANDES, enfim, nós, fomos também em certa medida nos assoberbando com
outras atividades na universidade e acabamos não restaurando o curso. Mas é
nossa idéia agora, a partir até dessa nossa rearticulação em torno do LIEAS,
retomarmos a preparação de uma pós-graduação lato sensu, que esteja aberta aos
professores em geral e a outras pessoas que trabalham com a questão ambiental e
que tenham interesse em aprofundar suas discussões. Nós estamos pelo LIEAS
agora, por conta de um curso com o CEP. Enfim, estamos com algumas iniciativas
que a gente pensa que possam consolidar o grupo e disponibilizar de forma mais
ampla, as pesquisas e os trabalhos que cada um de nós faz na sua instituição de
origem. Nós somos seis instituições federais públicas representadas messe grupo.
O que você imagina ou gostaria de ver como efeito do seu trabalho com
os alunos, enfim, com qualquer tipo de público com o qual você trabalhe?
Eu acho que quem tem uma perspectiva de que a sociedade na qual nós
vivemos não é uma boa sociedade, tem a perspectiva de que essa sociedade se
transforme numa outra, eu acho que o sonho de todo professor é que seus alunos
sejam mais competentes, tenham mais clareza da realidade e nessa medida se
movam em direção à transformação social. Então, todo meu empenho seja na área
social, seja na área ambiental, seja nas outras áreas nas quais eu atuo em
educação, tenho essa perspectiva, de que o discípulo supere o mestre. De que eles
venham a fazer muito mais, trabalhos mais consistentes, competentes, coerentes
do que eu própria consegui fazer. E que esse movimento nessa medida se amplie e
possa disputar politicamente, ideologicamente e também no campo da ética um
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outro projeto societário. Que mude esse paradigma da corrupção humana, que não
seja mais uma produção voltada para o lucro, para a mercantilização da natureza e
dos próprios seres humanos, mas que a gente conviva dentro de uma outra
perspectiva de sociedade.
Nesse tipo de sociedade que a gente vive, que valores você acha que
predominam?
Primeiro, são valores absolutamente individualistas e egoístas, depois os
valores amparados nos princípios da propriedade privada de todos os bens, não só
dos bens materiais, como também dos bens imateriais. Quer dizer, a disputa pelos
espaços de educação, pelos espaços de cultura... se nós formos ver desde o mapa
da cidade até qualquer outros parâmetro, nós vamos ver que para determinadas
categorias da sociedade, pra uma classe social, certas coisas estão próximas das
suas residências, estão disponíveis e outras regiões da cidade não dispõe de
absolutamente nada. O próprio entorno das moradias, a urbanização, enfim, a
gente tem vários indicadores de como essa sociedade se organiza e o que é que ela
valoriza.
E por outro lado, que tipo de valores seriam necessários ou
desenvolvidos ou adequados a uma sociedade que fosse mais saudável?
Acho que um primeiro valor são os valores igualitários, acho que o direito
de todos ao acesso aos bens naturais, aos bens sociais, aos bens culturais deveria
ser um valor. E, portanto, isso implica nos valores da solidariedade, de uma
participação coletiva nas decisões dos rumos que a sociedade tem que tomar.
Então, não tem valores que se estabelecem, digamos assim, abstratamente. Acho
que a sociedade tem que ter clareza de como ela se estrutura e propor seus
próprios valores. E nessa medida lutar por eles. Então eu não sei que sociedade...
o que no futuro será considerado uma boa sociedade. Mas eu tenho clareza que a
sociedade na qual nós vivemos é uma sociedade extremamente perversa, na
medida em que ela... mesmo pra aqueles poucos que supõem que têm uma boa
vida porque são proprietários de muitos bens, porque têm acesso a uma boa
escola, uma escola que lhes permite muito êxito social, muito êxito no mercado de
trabalho, também uma ilusão, porque é uma sociedade que vive atormentada
pelo medo das suas propriedades e até, hoje, da sua vida. Portanto, essa suposta
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qualidade de vida é muito questionável, mesmo pra aqueles que a gente aponta
como sendo os poucos que têm acesso a uma boa qualidade de vida. Acho que
mesmo esses não têm uma boa qualidade de vida. E também estão subsumidos a
esta mesma lógica produtivista, a essa mesma aceleração dos tempos, a esse
mesmo grau de competição. Então isso, embora para alguns se reverta em ganhos
salariais e em maior acúmulo de bens, não dá a eles o que eu penso que as pessoas
julgariam que é uma boa vida.
Nessa sua trajetória profissional, você consegue identificar momentos
de mudança, coisas que afetaram a sua forma de trabalhar e se relacionar
com o mundo?
Bem, eu acho que o fato de eu ter feito um curso de filosofia, e você até
como bióloga vai achar isso engraçado, porque quando eu fui fazer vestibular eu
tinha muita dúvida se eu faria um vestibular para Filosofia, que era uma coisa que
me chamava muita atenção a partir da escola Normal onde estudei Filosofia da
Educação, que era a idéia de nós podermos refletir sobre a realidade com vistas a
uma mudança dessa realidade e por outro lado, eu tinha uma imensa curiosidade
de estudar Botânica. Então eu cheguei a pensar em estudar Biologia, mas confesso
que a Zoologia me desanimou. Como eu sou do tempo em que o vestibular
implicava em provas específicas já das áreas e das áreas eu fiquei desanimada.
E acho que acabei fazendo uma escolha que pra mim acabou sendo extremamente
positiva, porque diferentemente das ciências que buscam sempre avançar no
conhecimento a filosofia sempre repõe as mesmas perguntas: quem eu sou, de
onde eu venho, pra onde eu vou. Cada época histórica teve as suas respostas, elas
não são melhores nem piores umas do que as outras. Elas só são mais adequadas a
me permitir compreender a realidade. Umas são mais adequadas, são mais
potentes pra responder a realidade do que outras. Mas as teorias no campo da
Filosofia não é propriamente que elas evoluam. Elas se transformam
historicamente e nessa medida elas respondem de uma maneira mais satisfatória
ou menos satisfatória a essas perguntas. Então acho que o curso de Filosofia pra
mim foi muito importante. Principalmente marcado pela figura do professor Gerd
Borheim, que mais para o final da sua vida foi uma pessoa que também teve
uma influência na área ambiental, porque ele tinha uma reflexão muito
interessante sobre os compromissos ético-políticos que as pessoas tinham ao
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longo das suas trajetórias com as mudanças da realidade. E que nós não podemos
transferir para os outros as responsabilidades que temos historicamente. Então, ele
vai na contramão daquela famosa frase de: “vamos formar as gerações futuras”, o
compromisso com as gerações futuras, vamos promover uma EA que leve as
gerações futuras a ter um outro comportamento “... Acho que o Gerd sempre se
contrapôs a essa perspectiva, porque ele sempre defendeu na sua postura filosófica
que nós não podemos abrir mão, não podemos nos livrar, não temos o direito de
nos livrar de nossas responsabilidades históricas! Cada um é responsável pelo
momento em que vive e pelo que faz de sua vida. Acho que essa foi uma coisa
muito importante na minha vida. Perder o Gerd foi uma perda irreparável
(chorando...), mas ele formou muita gente no Brasil todo. Por outro lado, eu fui
uma pessoa que tive o privilégio de trabalhar em alguns projetos que foram
pioneiros, que mesmo não tendo durado muito tempo eles significaram desafios à
realidade instituída. Por exemplo, o projeto dos CIEPs foi um projeto
completamente diferente, um projeto polêmico, mas eu acho que ninguém que
trabalhou no projeto dos CIEPs aqui no Rio de Janeiro, entrou e saiu do mesmo
jeito. Porque foi um projeto que disse “a escola pode ser diferente, os filhos da
classe trabalhadora têm direito a uma escola de horário integra, tem direito a ter
uma biblioteca que não tenha apenas livro didático, mas que tenha livros da
procura geral, que as crianças cujas famílias não tem condições de que as crianças
possam ir pra escola e ficar na escola, e que estão em situações de emergência,
pudessem, por exemplo, morar na escola sob a orientação de um pai social”. Acho
que foram desafios, propostas que criaram grandes celeumas, criaram grandes
atritos, muitas discussões, geraram muitas teses de doutorado, porque também a
ciência da educação teve que se ocupar dessa proposta, acompanhar essa proposta,
verificar em que medida ela deu certo, em que medida ela deu errado, que vai
desde a arquitetura do prédio até a proposta pedagógica... então, acho que tive
muito privilégio de poder ter participado desse programa. Um outro programa que
foi muito importante foi o do Centro de Ciências. Formação continuada de
professores da rede. Chegamos a atender 35 municípios do interior do Rio de
Janeiro e aprendemos muito com os professores que freqüentavam o curso!
Porque aprendemos de realidades que a gente não imagina. Nós vivemos na
capital e não temos noção do que é o interior do Rio de Janeiro! De professores
que vinham e aproveitavam que estavam em Nova Friburgo pra comprar um
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jornal de domingo porque na sua cidade não tinha nenhum jornal! Tinha uma
professora que quando perguntamos se ela queria um kit de ciências pra escola ela
disse “não, eu quero livros de história, porque eu copio os livros de história pras
crianças, copio à mão, porque na minha escola não tem livros de história.” Das
professoras que viam naquele curso oportunidade não de aprender coisas
novas, mas de serem respeitadas como profissionais. Elas diziam assim: “ai, aqui
é tão bom”,elas ficavam sexta, sábado e domingo na escola, “que eu posso me
sentar pra almoçar e pra jantar e sou servida. Na minha casa eu como de pé,
porque eu como no intervalo das aulas da manhã e da tarde, servindo meu marido
e meus filhos, então eu não posso sequer me sentar.” Então acho que foi uma
experiência, muito importante porque o professor não é o que ensina, é o que
aprende também, né? Se ele não aprender ele não ensina nada. Foi uma
experiência muito interessante. Acho que uma terceira experiência que pra mim
foi fundamental também foi logo que eu ingressei na universidade. A universidade
estava fazendo sua reforma curricular do curso de Pedagogia. E estava fazendo
sua reforma curricular em Niterói a partir de uma proposta inovadora, pioneira, de
formação de professores em Angra dos Reis. Um convênio com a prefeitura de
Angra dos Reis. E que foi um curso que está agora infelizmente se extinguindo
por embates com a prefeitura que não quer mais, porque acho que até a nossa
capacidade de resistência dentro da universidade meio que se esgotou, mas que foi
um curso emblemático, mostrando também que era possível organizar
curricularmente um curso de Pedagogia de outra forma, articulado a uma
problemática local, comprometendo o poder político local com os direitos dos
trabalhadores da educação. Porque para que nós fizéssemos o curso lá em Angra a
prefeitura se comprometeu com plano de carreira, com salário adequado, com
liberação de professores, com uma série de quesitos que acho que deram aos
professores um respeito social diferenciado. E oportunizaram pra esses
professores uma formação de nível superior numa universidade pública, coisa que
o município não dispunha. De nenhuma universidade! Então, a nossa inserção em
Angra dos reis, que dura 15 anos praticamente foi também um trabalho muito
interessante, porque foi um trabalho muito articulado. Os professores tinham e
tem a prática de uma reunião semanal de planejamento, uma reunião semestral
com a totalidade dos alunos e dos professores, a avaliação do que ocorreu naquele
período e de proposição do período subseqüente. Então de avaliação e
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planejamento coletivo. Acho que essas questões todas, pra mim, foram muito
importantes. Foram três experiências que eu vivi aqui no Rio de Janeiro muito
interessantes.
Mas que mudaram o que em você?
Acho que elas foram me dando uma compreensão mais madura dos
diferentes aspectos do processo educativo, das várias faces que o processo
educativo tem. Acho que essa é uma questão. E por outro, acho que nessas
experiências eu pude conviver com profissionais formados em diversas áreas do
conhecimento. Então isso pra mim também foi enriquecedor. Porque pude
trabalhar com profissionais dos diferentes níveis de ensino, do fundamental até a
pós-graduação, mas também com diferentes áreas do conhecimento. Eu também
trabalhei como professora no mestrado em Ciências Ambientais, da universidade.
Ajudei a construir aquele mestrado. Também foi uma experiência importante, a
lato sensu em EA também foi importante. Mas acho que esses três grandes
programas, justamente porque eles eram programas coletivos, que tinham um
impacto diferenciado numa realidade, eles nos permitiram compreender a
realidade educacional de uma forma diferenciada. Fora momentos muito
significativos. E depois eu acho que uma coisa que atravessa minha vida, desde o
tempo em que eu estava no segundo grau, que é uma militância política. Eu hoje
faço parte da diretoria de nosso sindicato. Então sou uma pessoa que tem um
inserção dentro da universidade, não apenas do ponto de vista acadêmico, como
professora, mas me compreendo, fiz uma opção, eu acho, de vida, não
propriamente por ser uma professora, mas por ser uma servidora pública. Então,
eu trabalhei em vários espaços públicos com essa perspectiva de me constituir
como uma servidora pública. E nessa medida tenho um compromisso ético-
político com o serviço público. Então, desde que ingressei na universidade sempre
tenho militado no nosso sindicato dentro dessa perspectiva mais ampla, de que
não represento os interesses, de que não me agrego aos interesses específicos dos
docentes, mas dos servidores públicos em geral. E nessa medida, trabalho
juntamente com os servidores administrativos e com os estudantes. Porque o
serviço público se consolida não pelo trabalho daqueles que ficam sempre,
professores e funcionários, mas também pela presença dos alunos. A forma como
os alunos se inserem no espaço público modifica o espaço público. Garante o
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espaço público, não garante o espaço público. Ajuda a privatizar o espaço
público. Porque os estudantes estão e eles têm uma vida efêmera como
estudantes, mas eles são representantes da sociedade brasileira. Então expressam
também uma perspectiva do papel que a universidade tem que desempenhar na
sociedade.
Você estava falando da sua opção pelo serviço público, antes da
universidade com que você trabalhava?
Bom, eu fui professora concursada do estado, da área de Filosofia e
trabalhei então na Secretaria de Educação do Município, na Secretaria de
Educação do estado, na Secretaria de Ciência e Tecnologia, através do ensino de
ciências. Então pude também participar dos níveis decisórios. Trabalhei na
FAPERJ, assessorando a presidência da FAPERJ. E antes ainda de fazer concurso
pro estado como professora, eu trabalhei durante um tempo na EMBRATEL. No
tempo em que a EMBRATEL não havia sido privatizada, junto à vice-presidência
da EMBRATEL, num lugar que tinha sob a orientação dessa vice-presidência a
área de recursos humanos. Então trabalhei nos cursos que buscavam dar aos
profissionais da EMBRATEL uma visão mais ampliada da responsabilidade do
setor das Telecomunicações para o desenvolvimento do país. Então, era um setor
que buscava trabalhar conhecimento sobre a história do Brasil, sobre a história da
industrialização brasileira, sobre a história da cultura brasileira. Foi um período
muito interessante também, e naquele período, isso foi nos anos 80, nós chegamos
a realizar alguns trabalhos do uso da informática na educação, com a rede pública
do Distrito Federal, e também com algumas experiências em regiões faveladas do
Rio de Janeiro. Como as crianças se apropriavam do uso do computador e em que
medida isso poderia ser uma estratégia interessante dentro da escola e era uma
necessidade se nós quiséssemos ampliar as possibilidades sociais do povo
brasileiro de partilhar de uma sociedade mundial altamente tecnologizada. Então
também foi um período muito interessante este de vivenciar a vida de uma
empresa nacional que trabalhava com conhecimento de ponta e altamente
estratégico, que é o das telecomunicações. Transmite, enfim, as comunicações do
país inteiro, responsável por uma forma de integração nacional muito interessante.
Se no tempo do Juscelino as estradas tinham esse papel e era objetivo ao criar a
Belém-Brasília, a Transamazônica no período militar, enfim, se as vias físicas
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eram importantes e eram entendidas como integradoras, as vias da comunicação
são absolutamente estratégicas hoje. Então também foi uma experiência... apesar
de muito curta, dois anos, mas foi muito interessante também. Que vinha de uma
situação de afastamento do Brasil. Porque eu depois que terminei a universidade
fui embora do Brasil, fiquei sete anos na Alemanha.
Por que? Foi estudar...?
Não. Eu e meu marido éramos militantes políticos e aquele momento foi um
momento extremamente complicado pra nós, vários dos nossos professores foram
cassados, inclusive o Gerd e saímos do Brasil numa situação bastante complicada
e ficamos sete anos. Então, eu pude também vivenciar uma outra realidade
social, uma outra forma de organização da sociedade, da educação, da produção
material da vida, dos espaços culturais, que aquela sociedade desfrutava, porque
isso foi no período dos anos 70, então foi um momento em que a sociedade
européia desfrutava do chamado welfare state. Então a classe trabalhadora tinha
conseguido obter ganhos de qualidade de vida, acesso a serviços públicos, toda a
educação gratuita, saúde gratuita, postos de saúde, o atendimento das creches,
enfim, uma série de bens que eram bastante coletivos naquele momento na
Alemanha. E também pude, lá, vivenciar o surgimento dos partidos verdes.
Porque o Partido Verde alemão é um partido pioneiro no mundo, que se constituiu
como uma força política muito importante, a partir da conferência de Estocolmo e
da discussão da questão ambiental no sentido mais amplo. Essa também
certamente não é uma questão menor na minha sensibilização pra temática
ambiental. O fato de nos anos 70 eu ter sido alertada pra estas questões a partir
dessa discussão intensa que houve na Alemanha a respeito, por exemplo, das
fontes de energia, como Angra 1 e Angra 2, e agora Angra 3. Enquanto lá se
contestava a energia atômica como uma forma de energia, o Brasil estava
comprando da Alemanha essas centrais. Pude viver esse conflito de posições. A
indústria alemã vendendo alguma coisa que a sociedade alemã contestava. Acho
que essas foram vivências que me auxiliaram a ficar alerta pras questões
ambientais.
Sua família é alemã, não?
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É... é o sobrenome do meu marido, que é um sobrenome alemão, mas eu, de
origem, sou neta de alemães, italianos e franceses. Por parte de mãe eu sou 100%
italiana. Por parte de pai eu sou 50% alemã e 50% francesa. Então é uma mistura
muito comum no Rio Grande do Sul. Neta de imigrantes que vieram no final do
século XIX para o Brasil.
Falando de família, como é que era sua infância, sua relação com a sua
família, o que que foi importante...?
Acho que falar de família relacionado com as questões educacionais e mais
ao tema que você está abordando acho que poderia dizer o seguinte: o meu pai,
sendo engenheiro, teve uma formação científica e tecnológica que me fez atribuir
à razão e à capacidade crítica, um valor. O fato de meu pai ter essa formação fez
com que ele nos ensinasse que o conhecimento é um elemento emancipador, é um
elemento libertador, porque quanto mais eu conheço, quanto mais eu compreendo
a realidade, mais eu tenho autonomia pra interferir nessa realidade. Então eu diria
que, se eu quisesse sintetizar com uma palavra este tipo de influência, que ele é
um homem que defendeu muito os valores liberais. A idéia de que as pessoas
podem fazer suas trajetórias, de que as pessoas se apropriando do conhecimento e
desenvolvendo um pensamento lógico (esta sempre foi uma marca da forma dele
se comportar diante da realidade) isso seria sempre um elemento que daria ao ser
humano uma autonomia e uma igualdade. Que, portanto, os valores materiais, o
que eu tenho ou não tenho não deveria privilegiar ninguém e ninguém deveria se
sentir inferiorizado por não ter bens materiais. Que a cultura seria um elemento
equalizador na sociedade. Ele sempre valorizou muito a educação e a cultura.
Acho que esta é uma coisa que marca essa minha trajetória e provavelmente tem
alguma influência no fato de eu ter escolhido o campo da educação. Por outro
lado, do lado da minha mãe, que vinha de uma família muito grande, de uma
família camponesa, de uma família que vivia da terra, ela compreendia que a
realidade do campo era uma realidade que se por um lado garantia a sobrevivência
física das pessoas, por outro lado não era um espaço onde as pessoas pudessem
partilhar o conhecimento. E ela embora não tenha tido uma escolaridade regular,
foi uma autodidata e ela ao longo da vida sempre procurou novos conhecimentos.
Então, era uma pessoa que lia muito, que sempre fez muitos cursos, era uma dona
de casa, mas ela não se restringia ao espaço da casa, o que era uma coisa
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surpreendente pra geração dela, pro meio do qual ela vinha. Então era uma pessoa
que não procurou fazer aqueles cursos típicos da mulher do lar, de culinária,
costura, bordado, ela sabia todas essas coisas, como ela foi aprender encadernação
de livros, outras coisas que se distinguiam das coisas do lar. Como depois foi
fazer curso de francês, de inglês, ela lia um pouco de italiano, era uma pessoa que
tinha uma curiosidade intelectual. Que me mostrou que não necessariamente a
escolarização regular é que às pessoas cultura. Que a cultura vem de muitos
lugares. Então acho que isso me serve na minha prática educativa a ficar atenta ao
conhecimento que os nossos alunos têm, sejam eles de que nível de escolaridade
for, porque todas as pessoas têm conhecimentos. Que, portanto, nós não partimos
da tabula rasa. Pude vivenciar isso em minha casa desde a minha infância e não
aprender isso como teoria educacional aprendida na universidade apenas, mas
vivenciar isso desde a minha infância, de que as pessoas fazem suas trajetórias de
apropriação da realidade e com isso constroem conhecimento e cultura, para além
dos bancos escolares. Acho que esses são dois elementos familiares que me
trouxeram alguns valores em relação ao conhecimento, à cultura, à educação, à
autonomia, que eu acho que isso também foi importante pela minha condição de
mulher. Porque eu também sou de uma geração que nos anos 60 vai lutar pela
emancipação da mulher, pela igualdade de direitos etc, mas que luta com isso até
hoje como uma luta que não pode cessar porque essa igualdade não se estabeleceu
e se ela não existe hoje quarenta, cinqüenta anos atrás ela existia menos ainda.
Então, acho que eu venho de uma casa e de uma família que incentivavam esses
valores da autonomia da mulher, dos direitos da mulher e da necessidade da
mulher, enfim, ter o seu espaço próprio na sociedade, ser um ser autônomo que se
coloca diante da sociedade, que tem a sua própria forma de pensar, que não se
subordina ao homem e isso eu aprendi tanto do meu pai, quanto da minha mãe.
Então, acho que essas coisas também são valores que estão subjacentes não na
minha trajetória educacional, profissional apenas, mas na minha trajetória de vida.
E em que você estava interessada, preocupada nessa época de criança?
O que chamava sua atenção?
Olha, eu acho que a questão da desigualdade social sempre foi pra mim um
problema. Desde a minha infância. Desde o meu jardim de infância. Então, por
exemplo, o pouquinho tempo em que estive no jardim de infância... porque eu não
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gostava do jardim, achava que eu não aprendia nada de novo, eu queria
aprender a ler e a escrever, e no jardim eles não queriam me ensinar isso, então eu
fui rebelde, fiquei pouquinho tempo no jardim, minha mãe teve que me tirar da
escola, porque eu disse: aqui eu não fico porque eu não tenho nada pra aprender
aqui, quero ir pra um lugar em que eu aprender a ler! Eu tinha o sonho de
aprender a ler. Mas a minha vivência do jardim que eu me lembro era de crianças
querendo comer a merenda que eu tinha levado de casa. Porque eram coisas que
eles não tinham na casa deles. Então aquilo, desde essa época, a questão da
desigualdade social pra mim é uma questão que me chama a atenção. E como eu
sempre estudei em escola pública, acho que foi... talvez estudar na escola pública
a vida toda tenha me marcado muito. Mais do que qualquer outra coisa. Mais até
do que as coisas que eu aprendia dentro da minha casa. Uma coisa é o discurso do
pai e da mãe. Outra coisa é a realidade do mundo. E eu acho que eu aprendi muito
com a realidade do mundo pelo fato de ter sido aluna da escola pública.
Por que? Como que a escola foi marcante pra você?
Eu acho que a escola pública, mesmo aquelas que são consideradas as boas
escolas públicas, que muitas pessoas dizem que são escolas elitistas, acho que
mesmo essas, expressam muito claramente as diferenças sociais, expressam as
contradições da sociedade e elas têm a liberdade de trabalhar com vários
enfoques, várias visões de mundo. Aquilo que a gente espera que uma boa
universidade pública viabilize, que é um debate de paradigmas, um confronto de
idéias, de referenciais teóricos, acho que a escola pública, toda ela, ela permite
essa pluralidade. E acho que isso me marcou muito, porque oportunizou ver a
realidade sob vários enfoques, sob várias perspectivas. E conviver com as várias
classes e subclasses da sociedade. Porque estudei em escolas públicas. Estudei no
Instituto de Educação. Fiz escola normal, fiz o ginásio no Instituto de Educação.
Em Porto Alegre. Então, estudei com as pessoas pobres e as pessoas ricas da
minha cidade. Convivi com culturas diferentes, com formas diferentes de se
inserir na escola, com as pessoas que precisavam da escola porque lá era o lugar
onde elas iam se alimentar e ganhar os livros, cadernos, uniformes. Mas também
com as pessoas que não precisavam de nada disso, mas que estavam lá porque era
uma boa escola. Acho que a escola pública me marcou sempre por essa
perspectiva, da necessidade de nós termos visões diferenciadas sobre a realidade
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pra com isso oportunizar as pessoas a formulação de um pensamento próprio pelo
confronto das idéias e a oportunidade de vivenciar as diferentes realidades sociais
e econômicas, pra também confrontar as suas idéias com a realidade, pra ver em
que medida elas têm uma articulação, elas dizem da realidade ou são pura
imaginação. Enfim, acho que isso também balizou muito a decisão que eu e meu
marido tomamos de que os nossos filhos estudariam em escolas públicas. E os
dois só estudaram em escolas públicas! Então, esse foi um elemento importante da
minha trajetória escolar, ter essa compreensão e essa valorização do espaço
público, como um espaço de liberdade, de expressão de idéias, de confronto de
idéias e de confronto de idéias com a realidade concreta. O que na escola
particular nem sempre é possível.
E aí, como foi essa sua opção pelo curso Normal?
Eu hoje não saberia dizer exatamente o que me moveu em direção ao curso
normal. Eu penso que de alguma forma a compreensão de que a educação é um
elemento, tem uma dimensão emancipadora. Acho que pensar que você pode
formar as pessoas pra que elas se emancipem, ganhem mais autonomia, sejam
mais protagonistas das suas vidas. Agora, até que ponto eu naquele momento
podia ter consciência disso é difícil dizer. Essas trajetórias nem sempre são tão
claras pra nós, como elas se organizam... talvez pelo fato de que eu tenha ido pro
Instituto de Educação na quinta série... porque a minha família me apresentou
duas possibilidades quando eu terminei o primário (vou usar agora a terminologia
da minha época). Quando eu terminei o primário eu tinha a possibilidade de ir
para uma escola, que até talvez fosse condizente com a minha posição social, uma
escola particular de freiras, ou ir para uma escola pública, portanto, laica. E eu
disse: pra escola religiosa não vou em hipótese alguma! E até sou formada dentro
de uma família católica. Mas essa separação entre a igreja, que é da esfera privada
e a cultura e a educação que são da esfera pública, isso era demarcado, talvez mais
pela influência do meu pai e então eu disse “pra escola religiosa não vou em
hipótese alguma”. Me habilitei talvez pro vestibular mais difícil que eu fiz na
minha vida, que foi disputar uma vaga no Instituto de Educação. Pra ir pra quinta
série, fazer o famoso “admissão”. Então, acho que o ambiente do Instituto de
Educação, o fato de ser uma escola enorme, de ser uma escola que tinha o ginásio
e a escola normal, me mostrou o mundo da educação assim muito interessante, ele
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era muito imponente, o próprio prédio era muito imponente, a forma como as
pessoas se moviam dentro da escola, os professores eram pessoas muito
respeitadas, eles tinham um status social. Não do ponto de vista econômico, mas
do ponto de vista social, porque a educação era respeitada, as pessoas que estavam
ali significavam, elas o eram o que elas eram como pessoas, mas o que elas
significavam na sociedade e a educação era uma coisa que parecia pela forma
como a escola se organizava, aquilo parecia ser uma coisa importante pra
sociedade brasileira. Então, talvez isso tenha me movido a permanecer dentro
daquela escola e enfim, ingressar na escola normal.
Teve algum momento que você sentiu que se dedicou mais a construir
ou modificar deliberadamente sua trajetória profissional?
Na medida em que eu tive uma trajetória de vida um tanto atípica eu acho
que quando eu voltei pro Brasil eu fui fazer minha trajetória pós-graduação e
acho que eu também já estava numa fase em que meus filhos estavam numa idade
que não precisavam tanto de mim. O fato de eu ter ficado fora do Brasil muito
tempo, isso afasta muito as relações sociais, o fato de eu estar fora do lugar onde
vivia minha família fez com que eu também como unidade familiar fosse uma
unidade muito restrita. Não contava com os apoios tradicionais no Brasil, da
sogra, da mãe, da tia, da vizinha, disso, daquilo. Achei que era também meu
compromisso, atender, cuidar dos meus filhos na sua fase inicial de vida.
Quando vocês viajaram eles eram pequenos...
Não, quando nós viajamos eles não existiam. Voltei da Alemanha com um
filho de três anos. quando nós chegamos meu marido fez concurso pra uma
universidade em Belo Horizonte e nós moramos um ano em BH. Nosso segundo
filho nasceu em Belo Horizonte. Então de novo foi uma mudança. Depois em
seguida nós viemos pro Rio. Então, nós fomos sempre nos desenraizando. Isso
exigia um mínimo de estabilidade, eu achava, pras crianças. E acho que fiz certo.
Então, depois que eles realmente entraram no primeiro ano da escola regular é
que eu achei que poderia daí investir realmente na minha carreira profissional.
fui fazer concurso. Pro estado, depois pra universidade e consolidar a minha
carreira. Por isso a minha carreira é uma carreira tardia. Estou chegando num
ponto que os meus colegas de turma da faculdade estão todos aposentados.
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Porque aqueles sete anos que eu fiquei fora do Brasil são anos que não contam pra
minha trajetória profissional. Contam em termos qualitativos, mas não contam na
trajetória profissional para aposentadoria, direitos sociais, essas coisas, né. Então,
nesse sentido acho que foi a partir daquele momento que eu pude efetivamente
consolidar uma direção.
E teve algum momento em que você se sentiu desanimada ou isso não
fez parte?
Olha, acho que faz parte da trajetória humana momentos de muitas dúvidas
sobre os caminhos a seguir e depois na medida em que eu sempre fui uma pessoa
engajada politicamente claro que todo o período da ditadura foi um período muito
desanimador numa série de momentos, uns maiores outros menores, mas enfim, a
idéia de que o país se mantinha sob uma ditadura tanto tempo e que nós na
nossa ingenuidade de militante logo depois do golpe achávamos que aquilo não se
sustentaria por mais do que alguns meses, quando aquilo não se estendeu por
meses como por vários anos isso foi bastante desalentador. Todos nós vivemos
momentos de desânimo. Mas por outro lado, a própria militância, dialeticamente
pensando, por outro lado também diz o seguinte: as nossas trajetórias individuais
são importantes, mas elas se realizam plenamente no sentido da transformação
no campo do coletivo e o coletivo é histórico. Então, não podemos pensar em
tempos muito curtos. A gente sempre tem que pensar numa perspectiva histórica
de prazos mais longos. Então nessa medida a gente sempre é impulsionado a viver
e a buscar concretizar a esperança de um outro mundo. Possível, necessário,
realizável, embora talvez não se realize durante o tempo de vida histórico de um
sujeito, mas se realize no tempo de vida histórico de várias gerações. Então, claro
que eu vivi vários momentos de desânimo e de descrença... “será que vai ser
possível, quando que vai ser possível? Será que nós vamos voltar a fazer alguma
coisa que faça sentido? Será que nós vamos encontrar outras pessoas que pensem
da mesma maneira? Porque você tem momentos em que parece que uma
sociedade toda pensa por um determinado lado, né? Isso nunca é verdade, mas
tem momentos em que se obscurecem as outras alternativas. Então, acho que
vivemos no mundo vários momentos. Quando houve o que a gente chama
emblematicamente de a época da queda do muro de Berlim, quer dizer, o fim da
perspectiva socialista, então será que isso é um fim definitivo? Será que esta
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perspectiva utópica nunca mais vai se colocar pra humanidade? E a gente que
são visões de mundo que continuam em disputa, que continuam presentes, que
continuam postas para a humanidade, como perspectiva histórica, mas são
momentos em que as forças sociais sofrem revezes. A minha geração viveu
muitos revezes, porque nós fomos assim... claro, todas as gerações, as gerações
que viveram a primeira guerra mundial, a segunda guerra mundial, também devem
ter tido uma sensação de fim de mundo, a minha geração viveu a guerra do
Vietnã, viveu o fim do muro, viveu as ditaduras todas da América Latina.
Vivemos vários momentos muito aflitivos. Hoje vivemos um período das guerras
declaradas, como a do Iraque, mas também vivemos a guerra do desemprego em
massa, da violência, continuamos vivendo a guerra da exploração do trabalho
infantil, dos maus tratos às mulheres, enfim, todas as gerações têm lutas que são
muito maiores do que o indivíduo consegue pensar e se posicionar diante delas.
Cada geração tem seus desafios e em certos momentos parecem avassaladores,
que você nunca vai dar conta daquilo, que nunca vai chegar o dia seguinte, mas
acho que são momentos que passam, felizmente. Não sou uma pessoa desanimada
da vida, pelo contrário. (risos)
E os seus dilemas e as suas dúvidas, quais são?
Eu tenho me perguntado muito em função das reformas educacionais que
estão em curso no país onde nós deveríamos investir melhor as nossas energias.
Tem momentos que parece que é nos dedicando integralmente à educação, por
exemplo, no âmbito da graduação, formar os professores. Outros momentos
parece que no âmbito da pesquisa e da política científica e tecnológica do país.
Em outros momentos parece que deveríamos investir o melhor das nossas energias
nos movimentos sociais. Nas lutas políticas mais explícitas e mais específicas.
Então, acho que esses o dilemas que eu vivo pessoalmente, mas que expressam
também dilemas de uma certa geração e de certos grupos políticos. Acho que
dentro da universidade a gente vivencia um pouco desse dilema hoje, quer dizer,
essas reformas todas que estão vindo e que vão afetar profundamente a escola e
agora mais especificamente a universidade, acho que isso traz a perspectiva de
que talvez a gente viver ainda um tempo grande sendo pautados pelos
paradigmas produtivistas, de que não importa o que você faz, mas quanto você
faz. Como você quantifica o que você faz. Quantas horas, quantos trabalhos
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escritos, quantos livros publicados, quantos, quantos, quantos... sem a gente
refletir sobre o impacto dessa nossa produção, sua relevância social, em que
medida o que nós fazemos pela sociedade se reverte numa melhoria da educação,
ou numa melhoria da vida das pessoas ou seja lá o que for. Então acho que esse,
por exemplo, é um dilema grande. Ao que devemos dedicar as nossas melhores
energias nesse momento? Onde? Qual o lugar mais estratégico, mais importante?
Não acho que tem uma resposta só. Cada pessoa, no lugar aonde estiver, tem que
fazer o melhor que puder.
Você acha que você é exemplo do que na sua vida?
Essa é uma pergunta muito complicada. Acho que não somos nós que temos
de responder do que nós somos exemplo. (Risos...) Acho que são os outros, se é
que somos exemplo de alguma coisa, é que vão dizer do que somos exemplo. Eu
não sei, realmente não saberia dizer.
Não, não é que seja um exemplo intencional, mas querendo ou não as
pessoas convivem e se observam mutuamente. Então, sempre se acaba sendo
exemplo de coisas.
Eu não sei, acho que talvez o que me incomode mais seja a palavra
exemplo. Porque acho que o exemplo, talvez de uma forma equivocada de minha
parte, eu veja como modelo a ser seguido. Mas eu acho que não se trata disso.
Mas talvez uma característica que as pessoas me atribuam é que eu sou uma
pessoa que busco incessantemente coerência entre teoria e prática. Então, procuro
não dizer por palavras nem por textos escritos, coisas que eu não pratico. Então
acho que a coerência teórico-prática talvez seja uma característica que as pessoas
me atribuam. Depois uma outra característica que também as pessoas me atribuem
e que eu própria me atribuo e me esforço por é ser uma pessoa militante naquilo
que eu faço e acredito, é ser uma pessoa que transcendo meu espaço individual e
procuro no coletivo me entrosar politicamente e procuro nessa medida influenciar
a direção que as coisas tomam. Acho que o nosso grupo LIEAS hoje busca
direcionar pra uma perspectiva de apreensão e de definição do que seja EA. Nesse
sentido nós estamos influindo, não estamos sendo neutros e dialogando
fraternalmente com as outras posições. Acho que nós temos uma posição,
afirmamos esta posição e disputamos essa posição no campo da EA. Então, acho
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que sou uma pessoa que disputo posições no campo acadêmico. E aí, eu diria que
sou reconhecida pelas funções que as pessoas me atribuem. as pessoas me
atribuem coordenação disso, participação naquilo, eu acho que as pessoas fazem
essa leitura.
E como você acha que as pessoas vêem o seu trabalho?
Acho que as pessoas vêem o meu trabalho como um trabalho sério,
competente, como um trabalho, talvez por parte dos alunos, os alunos da PG
sempre têm muita dúvida da minha permanência na PG. Pelo fato da PG estar
sendo pautada cada vez mais por critérios produtivistas, com os quais eu não
concordo. Então, eu sempre me pergunto, eu sou professora da PG há 14 anos, se
eu devo continuar ou abandonar a PG. E o que me mantém na PG até hoje é o
retorno dos alunos de mestrado e doutorado que vêem em mim uma professora
que se ocupa desses trabalhos deles de uma maneira muito criteriosa, de uma
maneira exigente, mas de uma maneira extremamente respeitosa. Com isso não
dizendo que os outros professores não sejam extremamente respeitosos também.
Mas que, não sei por que motivo, eu teria uma característica que eu conseguiria
ver nos trabalhos deles coisas que eles próprios às vezes não vêem, eles mesmos
não valorizam. Acho eu sou valorizada por esse aspecto pelos alunos da PG,
muito mais por este aspecto do que pela minha produção bibliográfica que nem é
grande. Mas a maneira como eles insistem, por exemplo, para que participe das
bancas ou de projetos, bancas de dissertação, bancas de tese, como eles insistem e
valorizam que eu coordene uma disciplina que nós temos na PG, que nós do
campo de pesquisa trabalho e educação chamamos de orientação coletiva, que é a
construção do objeto de pesquisa, mas que nós fazemos coletivamente. Porque
eles acham que eu tenho uma forma de ler os trabalhos deles que ajuda. Então,
acho que essa é uma característica do meu trabalho que eu meço dessa maneira, a
partir do retorno dos alunos e que me mantém na PG. Então, acho que toda pessoa
tem uma certa especificidade de forma de ser, que vai evidenciando
características, que são qualidades, mas não são essas qualidades exemplares.
São características que outros colegas têm porque são excelentes orientadores do
ponto de vista da metodologia, outros porque têm textos que se constituem na
nossa bibliografia básica, por exemplo. Então eles têm esse valor de terem escrito
textos que se tornam clássicos na área. Então, acho que da sua pergunta o que me
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incomodou foi a palavra modelo, quer dizer, exemplo. Exemplo pra mim é assim
um pouco de modelo e acho que isso ninguém quer ser, modelo pra ninguém.
E como você mesma vê o seu trabalho?
Eu acho que o nosso trabalho assim... eu não vejo primeiro o meu trabalho
descolado do trabalho coletivo. Tanto é que tenho dificuldade de dizer assimmeu
trabalho”. Mas pra dizer o meu trabalho ele tem méritos, no sentido de que eu
sou uma professora que procura se capacitar sempre mais pra realizar um trabalho
de melhor qualidade, porque eu sou muito atenta aos alunos, porque eu procuro
através do meu trabalho fortalecer a instituição na qual estou inserida, garantindo
a qualidade do espaço público. Mas eu acho que também tem momentos em que a
gente tem a sensação de um certo esgotamento da nossa capacidade de trabalho e
que a gente precisa se reciclar, por assim dizer. Precisa se afastar daquele
trabalho, ter uma interlocução maior com o trabalho de outros, pra se realimentar
e voltar a ser interessante. Então, eu acho que eu vivo momentos em que eu acho
que fico meio repetitiva, meio desinteressante porque a gente começa a entrar
numa rotina de trabalho que eu acho que não é boa. Por exemplo, eu estou agora
entrando com uma solicitação no meu departamento pra fazer uso de uma licença
que é assegurada aos servidores públicos de que a cada 5 anos eles têm direito a
três meses de afastamento para capacitação. Então, estou entrando com este
pedido pra ver se de setembro a novembro eu me afasto pra poder me dedicar
mais a uma pesquisa nova, poder me afastar fisicamente do prédio da
universidade, porque chega uma hora que a gente trabalha tanto, tanto, tanto, que
fica a sensação de que a gente não sai de dentro daquele prédio de segunda a
segunda, porque sábado e domingo você traz as teses e dissertações pra ler em
casa, então a sala de trabalho de lá fica prolongada na sala da sua casa. Então, essa
sensação de que não consigo sair dali vai me dando uma sensação de afogamento.
E eu não gosto disso. Você pela minha trajetória que eu não sou a filha de um
único lugar. Eu às vezes escuto colegas assim: “ah, eu estou aqui toda minha vida,
porque fui aluna aqui na graduação, depois na pós-graduação, depois virei
professora, depois me aposentei e continuei aqui”. Então se a pessoa teve a
trajetória ligada a uma instituição, ou a uma cidade... Eu morei em muitas
cidades, em muitas casas, em mais de um país, fiz muitas coisas, convivi com
grupos muito diferenciados e acho que tudo isso foi de uma riqueza muito grande.
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Eu aproveitei muito essa possibilidade dessa diferenciação de enfoques, de
perspectivas, de espaços institucionais e não-institucionais. Então, eu nesse
momento me ressinto disso, de até por motivos familiares, de doença da minha
mãe, do meu pai, precisei ficar no Rio de Janeiro o tempo todo nos últimos anos e
isso pra mim agora está se tornando um peso. Eu sinto que eu tenho necessidade
de voltar a ter essa interlocução mais abrangente com o mundo. Respirar.
E como você faz pra conciliar essa vida profissional agitada com a vida
particular?
Do jeito que todas as mulheres fazem, cinco jornadas de trabalho... (risos)
...é isso, é uma sobrecarga de trabalho que no longo prazo é uma loucura... Isso eu
acho que não é exemplo pra ninguém! Acho que essa forma como estamos
organizando a nossa vida ela não é um mérito, não é alguma coisa que deve nos
botar no pedestal dos mártires! Eu acho isso um horror. Acho que devemos
organizar a nossa vida de forma que nós possamos diversificar as coisas que
fazemos, devemos ter espaços diferenciados de vivência no cotidiano que não se
resumam ao nosso trabalho, que não subsumam todas as nossas esferas da vida ao
trabalho, que os nossos amigos não se reduzam aos nossos colegas de trabalho,
porque acho que isso não nos enriquece, isso nos empobrece, porque isso vai
tornando as nossas próprias reflexões muito endógenas, muito fechadas num certo
grupo. Então, eu gostaria de poder trabalhar menos, de me organizar melhor de
forma que eu pudesse separar melhor essas esferas das minhas vivências. Isso não
é bom, ter essas jornadas. E depois é situação própria de quem vive em
megacidades. Qualquer cidade que tenha mais de dois milhões de habitantes é
ingerenciável. Por todos os motivos. Eu acho que é um absurdo que eu gaste todos
os dias três a três horas e meia no trânsito, indo do Jardim Botânico ao campus do
Gragoatá e voltando ao Jardim Botânico. Todos os dias, três horas e meia de
vários ônibus é um absurdo, e mesmo que fosse carro, seria a tensão de estar
dirigindo, do medo de ser assaltada, de ficar num engarrafamento, de andar
sozinha, então eu acho que existem problemas que não são da esfera pessoal, são
da esfera de organização da vida social que são desastrosos, pra nós e pra toda a
população que vive sob essas condições, eu acho isso intolerável.
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O que você acha que é uma característica sua muito marcante, uma ação
recorrente do seu comportamento?
Eu não parei pra pensar nisso. Por que você... isso seria uma coisa do
campo da psicologia! Uma análise psicanalítica.
Não tenho essa pretensão, nem é da minha área. Mas não é tão difícil da
gente observar também. Existem certas atitudes, certos tipos de
comportamento que a gente tende a repetir, né?
Talvez eu seja uma pessoa muito controladora. Em que sentido? Na medida
em que eu fui vendo que a relação teoria-prática na minha vida não se desarticula,
eu tenho sempre a necessidade de saber o que está se passando, pra me orientar
como eu vou me conduzir e pra refletir sobre a minha forma de me conduzir.
Então, isso se reveste pra mim às vezes de um sentimento de uma certa
insegurança se eu não tenho clareza de todos esses aspectos. Então, isso me
sobrecarrega muito de trabalho, porque eu sou uma pessoa que tenho uma certa
dificuldade de delegar tarefas, porque eu delego e vou conferir. Então eu faço os
dois trabalhos, um, delegar e depois conferir, que é quase fazer de novo. Eu até
acho que nem é uma característica, eu apontaria essa característica, no sentido
que você deu à característica, de algum comportamento que se repete, como um
defeito! É uma coisa que não me faz bem e acho que não faz bem aos outros
também! Então... mas é uma característica. Porque se mesmo tendo consciência de
que ela não é uma coisa sempre positiva... é claro que em algumas situações ela é
positiva porque me antecipo a certas coisas, eu evito certos problemas. Mas acho
que no geral funciona mais negativamente porque me mantém num estado alerta,
de tensão, maior do que se eu não fosse assim e imagino que é uma característica
na medida em que embora ciente e consciente de que isso nem sempre é positivo
eu não consigo alterar isso muito. Acho que já alterei um pouco, mas ainda
preciso completar.
É, esse tipo de exercício às vezes é de longo prazo mesmo.
Às vezes é de longuíssimo prazo! (risos)
Como você gostaria de ser lembrada?
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Eu acho que essa pergunta eu passo. Eu acho que ninguém vive a vida, e
nem é produtivo viver a vida na expectativa de ser lembrado por isso ou aquilo.
Acho que é uma, não vou dizer que é uma dimensão indevida pro ser humano,
mas eu acho que seria uma perspectiva que amesquinharia o que a gente faz. Acho
que na medida em que você tiver essa intencionalidade, você vai limitar sua ação,
vai direcionar sua ação, por um motivo que ainda que seja legítimo, acho que ele é
menor. Então, não faz parte de minhas expectativas. Por isso eu digo que eu
passo. Eu nem tematizaria essa pergunta.
O que você imagina estar fazendo daqui a uns dez anos?
Acho que tendo liberdade pra me dedicar às mesmas coisas as quais eu me
dedico, e que hoje eu me sinto obrigada a fazer. Então não é mudar de trajetória,
não é assim: eu tive um sonho e no dia em que eu me aposentar eu vou fazer. Não!
Eu faço exatamente o que eu gosto de fazer, só que eu acho que hoje eu não tenho
a liberdade de fazer. Sou obrigada a fazer em tempos que eu não acho que sejam
os melhores, nos formatos que eu não acho que sejam os melhores. Eu acho, por
exemplo, que eu gostaria de me dedicar à questão ambiental de uma maneira mais
militante, mais política. E no entanto eu sou obrigada, pelo meu contrato
profissional, meu contrato de trabalho, a transformá-la numa questão acadêmica.
A academicizar demais a questão, que pra mim nesse momento o espaço da
disputa não é o espaço acadêmico o mais importante, é o espaço político. Eu acho
que, por exemplo, o embate que nós temos hoje em torno da questão do IBAMA
mostra que tem uma dimensão política muito importante, que nós precisamos
nos capacitar muito teoricamente pra fazer esse debate, mas que nós não podemos
transformar isso primeiro em não sei quantos papers, avaliados por não sei
quantos comitês científicos, pra daí isso se tornar uma questão importante. Eu
acho que a gente tem uma urgência histórica que nos levaria a uma outra ação,
que não dispensa a teoria, mas que trabalha com a teoria de outra forma. Então eu
acho que no momento em que eu puder ter um pouco mais de liberdade pra
transitar de uma coisa pra outra, eu vou me sentir mais feliz.
Quais seriam seus sonhos?
Eu sou uma pessoa que não tem sonhos. Eu tenho expectativas de mudanças
e me empenho nessas mudanças. Eu não tenho sonhos assim “ah, coisas
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grandiosas vão acontecer”. E eu acho que quem trabalha radicalmente a questão
ambiental tem a mesma perspectiva que eu e um grupo de pessoas trabalhamos
nas Ciências Ambientais, que, portanto, pensamos na materialidade da vida... acho
que sonho fica uma coisa meio desfocada. Primeiro que se nós nos
compreendermos como natureza, nós fazemos parte de uma natureza, de um
planeta, de um universo, que tem uma temporalidade histórica tão
gigantescamente maior que a nossa que, enfim, temos de nos contentar com a
nossa insignificância. Eu brinco muito com meus alunos hoje que a gente tem
colocado a questão ambiental de uma maneira muito equivocada: “Temos que
salvar o planeta!” Não temos que salvar o planeta, porque o planeta não precisa
ser salvo, ele foi de várias formas e continuará existindo da mesma forma
depois da nossa ilustre presença. Nós temos é que garantir a viabilidade da nossa
sobrevivência no planeta. E isso interessa a nós, não ao planeta. Vamos colocar os
termos nos seus devidos lugares! Mas por outro lado, eu acho que a história da
humanidade, ela tende e ela se enfrenta com problemas (isso é próprio de cada
momento histórico) onde existem lutas grandiosas, mesquinharia... existe de tudo!
Eu acho que é importante que as pessoas se compreendam no momento em que
vivem e lutem coletivamente pela melhoria dessa vida. Então, se isso a gente pode
chamar de sonho, o meu sonho é que eu consiga, enquanto tiver condições, me
engajar em lutas que me pareçam justas. Mas eu não tenho um sonho assim: que
tal coisa vá se realizar. Eu acho que a vida e a história é um processo e depende de
muitas coisas, inclusive da nossa ação. Acho que não adianta ficar muito
sonhando, acho que a gente tem que ir se engajando nas coisas, não é de uma
forma pragmática, mas colocando no horizonte lutas que são possíveis, que são
necessárias e se engajando nesses trabalhos. Se eu quero melhorar algo não
adianta sonhar com uma coisa. A gente tem que ver como é que eu faço
historicamente, praticamente, como é que eu me engajo nisso, que papel eu
desempenho nisso, quanto que eu consigo fazer, os limites disso também que
estão postos dentro da educação, mas principalmente fora da educação.
Se você não fosse professora, você seria o que?
Olha, eu já pensei, não ao invés de ser professora. Pensei até ainda enquanto
professora. Pensei em ter uma carreira política formal. Não apenas em me
constituir enquanto um ser político que somos todos, queiramos ou não, mas eu
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pensei até em uma carreira política. Um dia conversando sobre essas coisas aqui
na minha casa com meu filho, ele foi me perguntando: mãe você pensou que
um vereador quando ele se elege vereador, ele tem que conhecer o município, ele
tem que conhecer todas as leis, ele tem que... e ele foi me arrolando, ele era
bem menino, foi arrolando tantas coisas que um vereador precisava saber, e disse:
“você imaginou que os recursos públicos, pagos pelo povo, pagam o salário
desse vereador durante quatro anos e ele ainda vai ter que aprender tudo isso?
Quanto dinheiro desperdiçado! Então, se você não está preparada, se você não tem
todas essas condições, eu acho que não é justo você se candidatar!” Eu estava
fazendo uma brincadeira, não era nem uma coisa séria, quer dizer, foi uma época
que, isso tem uns dez anos, que não sei, havia toda uma disputa aqui no Rio de
Janeiro e a gente falando que os partidos estavam ruins, ninguém sabia em quem
ia votar, não valia a pena votar, os vereadores eram uns ignorantes, faziam tudo
errado... nem se falava da corrupção ainda violenta que temos hoje. Essa é uma
preocupação que eu tenho até hoje, por exemplo, é uma coisa que se eu tivesse
mais tempo eu gostaria de me dedicar, à formação política da classe política. Eu
acho que um vereador no seu município, se ele não tiver uma compreensão do
papel social que ele desempenha é um desserviço à população brasileira. Então,
essa é uma questão que formalmente ou informalmente sempre me acompanha.
Uma preocupação de como se o exercício político mesmo com todas as
limitações de uma democracia que a gente sabe que é uma democracia meramente
formal, que ela não garante os direitos de todos, que a história de que somos todos
iguais perante a lei não é verdade, de que todos votamos e seremos representados
pelos representantes do povo lá no Congresso, que eles não representam o povo
coisa nenhuma, mas ainda assim eu acho que é o que nós temos e o que nós temos
é da pior qualidade. Seria muito bom se nós pudéssemos fazer com que essa classe
política fosse de melhor qualidade, que essas pessoas tivessem um espaço onde
elas pudessem se formar mais e melhor que é uma tarefa que os partidos políticos
não exercem, abriram mão, formar os seus quadros políticos. Os próprios partidos
também estão nessa salada, nisso que ninguém sabe muito bem o que é. As
pessoas trocam de partido de A pra B de B pra C sem nenhum sentimento de
culpa, porque tanto faz como tanto fez.
Por fim, por que você é uma educadora ambiental?
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272
Por que que eu sou uma educadora ambiental...? Porque eu penso que o
Marx tem razão, que nós somos seres da natureza, que intercambiar com a
natureza é um intercâmbio com nós mesmos, que o trabalho que faz essa
mediação entre nós e a natureza, sobretudo na produção capitalista, levou essa
relação a uma relação de espoliação tão gigantesca que nós perdemos a
responsabilidade social com a vida, com a sobrevivência. Então, aquilo que Marx
chamou da falha metabólica, essa separação do homem com a natureza, a
compreensão que o homem tem e que levou a uma alienação progressiva do ser
humano em relação aos impactos que ele exerce sobre si mesmo, se entendendo
como natureza, que isso é de responsabilidade social muito importante, que enfim
eu acho que alguém tem que se ocupar disso. Eu acho que todos têm que se
ocupar, mas na medida em que todos não estão se ocupando disso e que uma
inviabilidade de se ocupar disso radicalmente, sobre o modo de produção
capitalista, porque o capital não pode fazer essa reflexão, mais radical, porque
senão ele se auto-inviabiliza, eu acho que, enfim, é meu papel, formada e
preparada, e há longos anos discutindo o mundo do trabalho, eu acho que quem
tem uma reflexão sobre o mundo do trabalho tem que necessariamente se ocupar
da questão ambiental. Então não é propriamente da EA, é da questão ambiental.
Como é que a questão ambiental hoje entra na universidade? Ela está entrando
via EA e a passos muito pequenos, de tartaruga, na produção do conhecimento. Eu
acho que a Física tinha que estar preocupada com isso. A química, a biologia, a
história. Todas elas estão construindo o seu conhecimento a partir de determinada
concepção da relação sujeito-objeto que é uma concepção equivocada, é uma
concepção que não leva essa dimensão em consideração. Então não é uma tarefa
dos educadores. Acho que é uma tarefa dos produtores de conhecimento
sistematizado.
Será que você poderia falar um pouco dos tipos de pensamento que te
ocupam no cotidiano?
Eles variam, mas eles estão sempre presos ao mesmo espaço, que são as
tarefas do dia a dia e do trabalho. Então, como organizar as tarefas de forma a me
desempenhar delas e nelas corretamente e sem me descuidar principalmente
daquelas que envolvem outras pessoas, meus alunos, colegas. Não descuidar dos
compromissos com as pessoas.
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Além do trabalho tem mais alguma coisa que seja comum pra você?
Além do trabalho nós temos o cotidiano do país, que interfere sempre nas
nossas vidas, noticiários, eventos, acontecimentos que condicionam o tempo todo
e facilitam ou impedem muitas vezes que você realize seus propósitos da maneira
que você gostaria. Essa é uma preocupação recorrente, tanto as preocupações
referentes à cidade, o fato de morar numa cidade grande tem muitos intervenientes
que a todo momento você tem que se deparar com eles, quanto os eventos
nacionais que vão interferindo nas políticas públicas, as perspectivas que você tem
sempre de se enfrentar com mudanças não previstas e muitas vezes não
desejáveis.
E em termos de motivação, quais são as coisas que te motivam
pessoalmente?
Ih, as coisas que me motivam são as questões que dizem respeito às minhas
relações na sociedade, tanto as relações de foro íntimo, familiares, de amizades,
quanto as relações sociais e políticas, quer dizer, o meu enfrentamento diário, a
minha situação de professora, de militante política, de mãe, de dona de casa, essas
questões nos motivam permanentemente, eu acho.
Você chegou alguma vez a pensar quais são os critérios que te ajudam
tomar decisões?
Eu acho que eu faço um esforço de hierarquizar as questões, sempre me
colocar a pergunta: que questões são efetivamente prioritárias no sentido das
conseqüências que elas têm, da responsabilidade que elas implicam. Porque às
vezes questões que nos são muito próximas, muito imediatas, parecem ser grandes
questões com as quais nós deveríamos nos preocupar muito, mas se você pára um
pouco pra pensar, você se conta de que numa escala de valores, elas realmente
não eram prioritárias, só parecem prioritárias. Eu tendo a não ficar sempre
querendo apagar incêndio. Tomar um pouco de distância das coisas e verificar em
que medida elas são prioritárias ou eu deva me empenhar tanto nelas. Em que
medida elas fazem apenas parte de uma circunstância às vezes até emocional,
tanto sua, como do grupo no qual você está envolvido e que então elas assumem
proporções maiores do que elas efetivamente têm. Esse é um critério pra mim:
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tomar um pouco de distância e ponderar as questões antes de enfrentá-las. Quer
dizer, este é um critério, nem sempre a gente segue os critérios. Mas pelo menos
eu acho que é um critério bom, que ajuda. Não é muito fácil, mas acho que a gente
tem que fazer este exercício, acho que a gente evita muito aborrecimento e evita
criar mal entendidos. Vou só te dar um exemplo. No uso da informática, da
internet, eu me dou conta que as pessoas se comunicam de uma forma muito
pouco pensada, muito pouco refletida. E dizem coisas das quais depois elas se
arrependem. Porque ao comunicar... não é mais a forma tradicional de uma escrita
manual, uma carta, um telegrama, um bilhete. Você por outro lado, também não
está falando e ouvindo a voz do outro. Você não está interagindo diretamente.
Portanto, você não tem o retorno do outro, seja através da voz, da entonação da
voz você se apercebe do sentimento que você está causando no outro, que faz com
que você então modere o que está dizendo ou pensando ou fazendo, ou o olhar do
outro ou o gesto do outro. Então, acho que a internet dá uma pseudoliberdade pras
pessoas meio de fazerem e dizerem o que querem e isso é muito impulsivo e gera
muitas vezes mal entendidos. Quando a gente as mensagens das redes, a gente
quantas situações às vezes constrangedoras se criam a partir de um mal
entendido porque a pessoa se precipitou em entrar na conversa, por assim dizer,
respondendo imediatamente, sem parar pra pensar sobre aquilo, se aquela era
efetivamente a sua posição. Este é um exemplo de uma situação que quando você
não toma distância, não para pra refletir, não amadurece o mínimo sobre aquilo,
você acaba fazendo uma coisa que você não quer. Aquilo que parece que está
facilitando a sua vida, às vezes está complicando a sua vida. Evito muito isso.
Em termos de decisões, quais teriam sido as suas principais decisões ao
longo da vida?
Acho que as decisões, da minha geração pelo menos, foram coisas muito
marcantes. Tomar uma decisão de escolha profissional, pra minha geração, que
viveu um mundo do trabalho bastante mais estável, em que as pessoas mudam
menos de profissão e de postos de trabalho e de atividades dentro do próprio
trabalho, decidir a profissão foi uma coisa importante, que teve conseqüência.
Depois, certamente as minhas escolhas políticas também definiram muito o rumo
da minha vida. Tive que arcar com as conseqüências dessas decisões. Acho que
estamos sempre redefinindo, quando você escolhe enveredar por um campo de
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pesquisa, isso termina também lhe propiciando encontros e desencontros, não
apenas teóricos, mas também pessoais, profissionais. Eu acho que os educadores
ambientais, por exemplo, nos seus locais de trabalho, eles têm uma especificidade,
são vistos com uma certa singularidade, uma certa diferença, então também é uma
escolha que faz uma diferença na vida das pessoas.
Você incluiria também nesse rol de decisões a viagem que vocês fizeram
para fora do Brasil, esse tipo de coisa...?
Ah, sim, sem dúvida. Isso também foi um momento de decidir. Não sei se
tivesse sido num outro momento a decisão fosse a mesma. Mas havia toda uma
conjuntura política nacional que nos pressionava a tomar uma decisão daquele
tipo, por um lado. Por outro lado também você aos 23 anos toma decisões que às
vezes são um pouco intempestivas, você não têm muitos parâmetros de
comparação com outras decisões, porque você ainda não tomou grandes decisões
na vida. Então, certamente foi uma decisão que fez uma diferença radical na
minha vida, da qual eu fui ter conseqüências para sempre. O fato de ter vivido
dentro de uma outra cultura, de ter aprendido uma outra língua, de ter conhecido
pessoas de muitas outras partes do mundo, de ter saído de perto da minha família
e ficado sete anos longe e portanto, tido de me organizar e conviver em outras
situações sem nenhum tipo de apoio familiar, ter vivenciado os meus primeiros
anos do meu casamento destas influências familiares, que para o bem e para o mal
ajudam e atrapalham. Enfim, em todos os âmbitos da minha vida, essa foi uma
decisão que me impactou muito.
Você se pegou alguma vez numa situação de omissão? Seja de
omissão superavitária ou deficitária?
Eu muitas vezes tenho essa sensação de omissão, mas eu diria que não o
coisas de grande relevância. Eu não tenho assim alguma coisa da qual eu me
arrependa, radicalmente que eu digo. Aquilo eu devo a mim mesma e devo aos
outros, ter me omitido diante daquela situação. Porque eu acho que eu não sou
uma pessoa com esse perfil de me omitir ou de me acovardar diante das situações.
Acho que eu faço o esforço de enfrentar. Uma coisa que leva muitas à omissão é
quando a pessoa mede ou pesa o quanto ela poderá perder pelo fato de tomar
aquela decisão, aquele partido, por exemplo. O quanto ela estará se expondo e o
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que isso pode implicar pra ela em termos de perdas pessoais, seja perda de
reconhecimento social, de estima, de conceito, profissional etc. Como eu acho que
as coisas que nós fazemos individualmente têm importância, mas elas têm uma
importância que também é relativa porque elas têm que estar articuladas com o
coletivo, acho que eu tenho menos essa preocupação, isso não tolhe as minhas
ações. Eu me expus em muitas situações bastante arriscadas que outras pessoas
na minha posição, social, profissional, não tomariam e não tomaram. Por conta
disso. Porque se viam quase como uma intimidade muito inseparável, portanto,
aquilo pra elas poderia ter um significado negativo muito forte, então as pessoas
preferiram se omitir em certas situações. Acho que eu não tenho assim, coisas que
eu considere dívidas por omissão.
Às vezes nem são dívidas, às vezes é o melhor a se fazer mesmo, porque
pode ser que a pessoa não esteja num momento bom pra ouvir ou...
Com certeza. Mas acho que também não é uma omissão. Talvez eu não
tenha referido as coisas nesse sentido. Quando você age de uma forma mais
ponderada e você não se impõe numa situação. Porque às vezes você quer impor
ou a sua posição ou o seu ponto de vista ou... numa relação de poder que é muito
comum nas relações de trabalho, você querer se fazer valer apenas porque você
está disputando um poder. Nesse sentido você ponderar e recuar muitas vezes é o
mais sábio, na mesma direção daquilo que eu falei da internet. Pra você tomar
realmente uma certa distância das coisas e ver no que aquilo realmente está
contribuindo, ou se aquilo é uma exposição meramente às vezes até quase que
exibicionista, né? Na ânsia de se fazer presente. O que às vezes não leva a nada e
às vezes leva a coisas muito ruins, como no exemplo que você deu, você pode
magoar uma pessoa simplesmente porque você fez questão de manifestar sua
opinião. Às vezes as pessoas dizem assim: ah, mas eu sou muito franca. Ah, sou
franca, mas às vezes essa franqueza é agressiva, desmedida, inoportuna...
Pensando na sua vida inteira, de criança até hoje, teve alguma situação
em que você se envergonhou de você mesma? Não precisa nem ser nada
importante mas alguma situação que te trouxe essa sensação e que não foi
por exposição.
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Acho que da mesma forma que a omissão. Eu passei muitos
constrangimentos, fiquei encabulada até por uma situação, isso tem a ver com a
história de vida, família e tudo mais, acho que por ser a primeira filha, pela forma
de ser dos meus pais, eles sempre tiveram muita expectativa com relação a mim.
Então isso sempre significava que se você não fazia o mais bem feito ou o melhor
significava uma falha. Talvez não fosse nem que eles vivenciassem como falha,
mas eu reconhecia dessa maneira. Então, eu sou uma pessoa que sempre me
cobrei muito, procuro sempre as coisas da melhor forma, então, isso gera, é claro,
muita insegurança. Muitas vezes eu tenho a sensação “será que vou dar conta
desse treco? Será que isso não é algo maior do que eu posso, maior do que eu?”
Essas são questões que geram pra você,quando você pensa que uma
expectativa em relação a você, um constrangimento.
E em termos de sentimentos, o que são as coisas mais comuns pra você
no dia a dia?
Acho que sou uma pessoa excessivamente preocupada, com tudo e com
todos. Talvez por alguma coisa que eu falei pra você na outra vez, essa
impressão de que ao ter compromisso com os outros você tem certas
responsabilidades, o que causa uma preocupação de você não... de você se
precaver pra evitar que aconteçam os problemas, que as coisas não ocorram como
devem ocorrer, então isso gera uma preocupação permanente.... você nunca fica
assim totalmente relaxada, “ah, se aconteceu, aconteceu, se eu me atrasei não tem
problema, se não entreguei no prazo, não tem problema”. Essas coisas me
deixam, sempre, por um lado preocupada, e por outro lado, é um tipo de tensão
permanente, que acho que é uma coisa ruim, que não tem uma justificativa real.
Ela é uma percepção, vem do subjetivo, muitas vezes não se confirma na
realidade, mas que você verifica isso a posteriori. Você não fez aquilo no
prazo e tá-tá-tá. fica naquela tensão e ansiedade. Ansiedade é o outro lado
dessa preocupação. você se conta de que ninguém tinha feito, de que não
tinha importância. Que o prazo foi mudado. Então eu nunca pressuponho que vai
ser assim, eu sempre acho que o último dia é o último dia, que tal coisa pode
ser feita daquela maneira. Isso em faz ser uma pessoa preocupada e ansiosa.
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E em termos de uso do dinheiro, como é o seu perfil de gastos, como são
direcionados os seus recursos?
Bem, aí tem um componente familiar cultural. As pessoas, porque eu vim do
sul do Brasil, que são fundamentalmente netos de imigrantes, são pessoas que
aprenderam... que viveram primeiro a cultura do trabalho, o trabalho é um valor
positivo na vida, não é um valor negativo, e aí não uma separação, uma
hierarquização entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, tal como a cultura
dominante no Brasil coloca. A marca da escravidão no Brasil foi muito forte e fez
com que o trabalho manual fosse muito desqualificado. Tanto que pros europeus
não essa mesma perspectiva. Então, primeiro a cultura do trabalho, que é um
valor e que agrega valor pra pessoa, o ser humano que trabalha tem um valor
nele mesmo, ele não depende tanto dos bens que ele tem pra se valorizar. Por
outro lado, a experiência de vida dos imigrantes foi de pessoas que perderam tudo
e quando vieram pro Brasil lutaram com muitas dificuldades, tiveram que
começar do nada, vamos assim dizer. Então, sempre nós vivemos numa cultura da
economia, da poupança. Eu desde criança aprendi que a gente não faz gastos
supérfluos, que a gente tem que viver com o que é possível, que a gente tem que
aprender a viver com menos do que é possível, pra que sobre alguma coisa pros
momentos em que não se tem. Então, isso vem dessa origem, dessas levas de
milhares de pessoas que saíram da Europa porque ficaram na miséria, porque
eram camponeses, basicamente, os que vieram pro Brasil eram lavradores e que
saíram de porque não tinham mais onde trabalhar, não tinham mais terra, não
tinham como sustentar suas famílias, lutaram com muita dificuldade quando aqui
chegaram. Então, venho de família que aprendeu a poupar e aprendeu a dar valor
ao dinheiro como fruto do trabalho. Portanto, a não se envolver e não ter
necessidade de coisas supérfluas. Claro que o supérfluo é uma coisa muito
subjetiva e muito marcada pela classe social. Certamente que pra classe
trabalhadora brasileira que vive com dois dólares por dia, tudo que eu tenho ou
quase tudo que eu tenho seria considerado pra eles supérfluo, uma casa com três
mil livros certamente é uma coisa absolutamente supérflua num país semi-
analfabeto. Então, perfil de gastos, afora os gastos básicos da sobrevivência, nós,
por um perfil profissional, consumimos muito dos nossos recursos em livros e
consumos culturais, que são os livros, jornais, as revistas, o cinema, algumas
viagens, que tem sempre essa dimensão de você se aprimorar, se aperfeiçoar
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naquilo que é fundamental pro seu trabalho. Um professor que tem uma cultura
mais ampla, em várias áreas do conhecimento, sempre estará mais preparado para
o seu trabalho. Então, é fundamentalmente isso. Nós somos uma família muito
regrada. Mesmo os meus filhos que nasceram numa condição muito melhor do
que a minha e a do meu marido quando éramos crianças, encontraram uma
situação muitíssimo melhor, mesmo eles têm uma vida extremamente espartana,
eu diria, em termos de consumo. Gastos muito moderados, uma vida muito
simples, sem exigências, sem nenhum fascínio pelas marcas e símbolos de status.
As suas prioridades, se você fosse fazer uma escala com as prioridades
de fato, não aquelas que a gente idealiza, quais seriam?
Bem, acho que tenho uma prioridade que tem duas faces. Eu diria, assim,
que esta é a prioridade que orienta minha vida. Que é uma prioridade de
compromisso com os outros. Então ela tem uma face privada, que é o meu
compromisso com a minha família e a minha face social, que é o meu
compromisso com a sociedade na qual eu vivo. Acho que compromisso é uma
prioridade número um. Ninguém tem o direito de ser descompromissado, de se
desfazer da sua parcela de responsabilidade em qualquer situação. Nós não
estamos soltos no mundo. O Sartre diria “nós estamos condenados a ser livres”. E,
portanto, nós devemos exercer nossa liberdade com responsabilidade, que implica
sempre numa relação com outras pessoas. Acho que esse é um valor importante. E
acho que os valores da justiça, procurar ser justo consigo mesmo e com os outros.
E isso não é você que tem esse critério da justiça, esse critério vai se construindo
nas suas relações sociais. A sociedade vai meio que delineando esse ideal de
justiça, não é uma coisa que sai do nada, ele sai das suas relações social e de
certos balizamentos de convívio. Dentro desses balizamentos, as pessoas têm
que... pra mim esse é um valor, o valor da justiça. De que as coisas ocorram de
uma forma correta e justa. Isso exige que você exerça sempre esse critério do
recuo pra olhar as situações e pesar. A justiça tem a ver com isso. É por isso que
eu peso as situações. Quando pesamos as situações é bem a balança da justiça. Se
você não pesa as situações, não tenta olhar o outro lado, e o que o outro pode estar
pensando, ou fazendo, ou dizendo ou tendo a intenção, você pode cometer
injustiças. Bom, e depois acho que os valores da solidariedade, da amizade, são
coisas que fazem a vida valer a pena, senão também as relações sociais se tornam
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muito duras, ainda mais numa sociedade como a nossa, que já não é muito
pautada por esses princípios.
Falando das prioridades você identificou os valores... estava
pensando aqui... como esses valores te ajudam na sua prática de educadora?
Acho que o compromisso, por exemplo, me ajuda. Não posso delegar a
ninguém a responsabilidade de ser uma professora competente. Acho que houve
um momento em que foi retirada até dos professores esta responsabilidade, com a
criação dos especialistas dentro da escola, do orientador, do supervisor, das tarefas
técnicas, né?, do livro didático. Um pouco foi como se o professor... tivesse se
diluído a responsabilidade dele enquanto educador. Acho que faz parte do
compromisso do educador ele ser competente e exercer dignamente a sua tarefa.
Acho que essa é uma questão importante, que interfere diretamente na minha
forma de me comportar. Compromisso de me preparar para as aulas, levar a sério
o trabalho que eu faço, levar a sério o que os alunos fazem. Por outro lado, essa
preocupação com ser justo, interfere muito na minha forma de avaliar, acho que
esse é um do exercício profissional do magistério, o processo de avaliação.
Porque nós falamos assim, um médico pode matar o paciente. Mais recentemente
nós falamos: os economistas podem matar as pessoas com as suas políticas
econômicas. Eu acho que os professores podem matar os alunos na sua
criatividade, na sua disponibilidade pra aprender, de se relacionar com coisas
novas, pra buscar dentro de si capacidades. Então, acho que se nós não formos
bastante cautelosos na avaliação, o que não significa ser frouxo, nem pouco
exigente. Eu ontem participei de uma banca de uma professora que está 34
anos no magistério, terminando uma dissertação de mestrado que eu até avaliei
como uma das poucas que eu diria essa é uma tese de doutorado, de tão boa que
ela está. E ela num momento disse assim: não, eu vou explicar isso aqui, antes
que a professora VEGA me puxe as orelhas (risos). Eu tive até que rir, porque os
alunos até acham que eu sou uma pessoa muito suave, mas muito rigorosa. Então,
me chamou a atenção essa brincadeira dela. Então a questão da justiça, esse valor
interfere na forma como avalio e me relaciono com meus alunos. Como é que eles
percebem a aprendizagem deles, por que eles se dedicam a certas coisas e não a
outras, em que medida eu sou co-responsável pelo que eles aprendem e também
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pelo que eles não aprendem? Então, acho que essas coisas são exemplos de como
esses valores interferem no dia a dia.
Se você fosse fazer uma hierarquia dos seus valores, como seria?
É tão difícil, eu acho, hierarquizar, porque eu falei dois ou três valores e
são tão grandes. Por exemplo, o valor da responsabilidade, o valor da justiça, o
valor do respeito, da solidariedade... são valores que pra mim é difícil separá-los.
Pra você poder hierarquizar é supor que você pode exercer um sem o outro. Acho
que eles são meio indissociáveis. Como você pode ser solidário com o outro se
você não tem o critério de compromisso com o outro? São formas diferentes da
mesma coisa. E como você exerce isso se você não procura ser justo? Acho que
compromisso e solidariedade podem ser coisas muito piegas se você não tem um
critério de também avaliar dentro da sociedade o que é mais justo. Então, não sei.
Não saberia hierarquizar esses três valores. É claro que a gente também tem
muitos outros valores, mas, enfim... os valores da harmonia, da estética, do
acolhimento. São valores, por exemplo, que estão na minha esfera privada... claro
que se manifestam também na minha esfera mais pública, mas se manifestam
de formas diferentes.
VEGA, obrigada.
Nada. Que você tenha muita sorte no seu trabalho.
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Entrevistado: POLUX, 08 de maio de 2007, terça-feira. Período: tarde.
Local: pátio do prédio onde reside, RJ.
Você poderia se apresentar...
Bom, sou POLUX, hoje sou professor da universidade XXX, trabalho com
EA muitos anos, minha formação de graduação é a geografia, depois as
formações complementares foram todas na área de EA. Na verdade, não na área
porque não tinha, mas meus trabalhos foram direcionados para isso desde que saí
da universidade na década de 80 e trabalho com EA desde essa época. No início
em paralelo com minha profissão que era professor de geografia, mas hoje quase
que exclusivamente trabalho com EA ou coisas correlatas com a EA, gestão
ambiental...
Como você considera que se tornou um educador ambiental?
Isso é interessante, me perguntaram outras vezes. Minha primeira grande
influência para me tornar um educador ambiental foi minha avó. Ela tinha um
sítio em Nova Friburgo, em Muri, que era um lugar paradisíaco e era paradisíaco
por conta dela, por ela ser uma pessoa voltada para a natureza, ter mil caprichos,
era tudo lindo, impecável, o jardim maravilhoso e era por conta do zelo dela, da
paixão dela pela natureza. Eu vivenciei muito essa paixão dela e obviamente isso
me influenciou muito. Certamente isso teve uma importância bastante grande, não
pela EA, mas por essa paixão por tudo que esteja relacionado à questão da
natureza. Depois disso, quando entrei na universidade, já motivado por essa
questão, eu tive um momento em que deu clique com essa coisa, numa Semana do
Meio Ambiente, acho que a primeira do curso da UFRJ, em 84. E na preparação
da Semana, comecei a me envolver como aluno, tinha na época como professor, o
Carlos Minc que hoje é secretário de Estado, naquela época ele estava vindo da
Europa, tinha sido exilado, junto com outros tantos e naquele momento estava se
constituindo o Partido Verde aqui n Brasil e particularmente no Rio, tinha o
Gabeira, o Minc, o Sirkis e na universidade ficou meio um nucleozinho dessa
coisa e eu me encantando por essa história, acho que ali foi o momento mesmo
de decidir que realmente queria profissionalmente ingressar na EA. A partir dali
realmente comecei a procurar alguma coisa ligada à EA e foi alguma coisa
pensando em EA porque eu estava na faculdade de geografia e eu queria ser
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professor, muitos colegas fizeram bacharelado, eu nem fiz, queria ser realmente
professor e nesse momento já pensei em conciliar a geografia com a EA e
comecei a procurar. Durante a faculdade teve também o primeiro encontro em
nível nacional que discutiu educação e meio ambiente, que foi promovido pela
FBCN, que foi em 85. Nesse encontro várias pessoas que estão hoje atuando
estiveram presentes, porque foi legal, teve muita gente bacana que veio,
palestrantes, foi um reforço bom. quando saí da faculdade saí com esse
objetivo mesmo de trabalhar com as duas coisas. Mas tinha um projeto de sair
do Rio, uma coisa meio bicho-grilo, da época, de ir pra uma cidade do interior.
Eu tinha me colocado como opção buscar essa coisa, então o primeiro ano depois
que me formei eu fiquei aqui no Rio trabalhando em escolas particulares,
esperando que tivesse concurso público no estado, queria ser professor do estado,
e foi então no ano seguinte ao que me formei. tinha me casado, me casei
com uma professora também, colega de faculdade e aí, então, a gente tinha feito
essa opção de sair do Rio. nós dois fizemos concurso, passamos, fomos pra
Friburgo e morei em Friburgo e trabalhei numa escola em Friburgo. Quando fiz a
opção da escola, escolhi a escola que ninguém queria, eu tinha tirado primeiro
lugar, então eu podia escolher a melhor escola, mas escolhi a de Lumiar, que pra
todo mundo era a pior porque era a mais longe, mais afastada. Mas eu tinha ido
com essa opção, né? De trabalhar em escolas mais afastadas, alternativas, um
pouco rural. Eu fiquei 5 anos nessa escola, foi uma experiência ótima,
superimportante porque lá eu tive liberdade de trabalhar nessa perspectiva de
professor de geografia que trabalha com EA, eu cheguei a implementar projetos
de EA nessa escola, tinha apoio da comunidade, as pessoas me incentivavam
bastante nisso, a direção da escola... e fiquei 5 anos nessa escola até que ao longo
da experiência nessa escola eu fiz uma especialização em Ciências Ambientais e
fiz minha monografia em EA. Durante essa escola, por conta dessa coisa que
querer fazer EA eu fui preparando materiais de trabalho e disso acabei juntando
esse material e publicando dois livros, um de histórias infantis e outro meio
paradidático, com propostas de atividades pra trabalhar em escola, fruto dessa
experiência lá. A monografia transformei depois num livro, meu primeiro livro
pra público universitário, educadores ambientais. Foi A Dimensão Ambiental na
Educação. Acabou sendo um livro que teve muita saída. E em 92, eu saí dessa
escola, por conta de... primeiro porque minha mulher estava querendo voltar pro
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Rio e ao mesmo tempo eu também comecei a me interessar em fazer mestrado.
Entrei no mestrado em Educação na UFF, em 93, em Educação, comecei a
trabalhar com ensino superior, a princípio particular, fiz doutorado, em ciências
sociais, mas sempre voltado para EA e hoje estou menos de um ano fiz o
concurso pra Federal e estou lá trabalhando nessa área.
Uma trajetória já desde o início marcada...
Já, desde o início. O Pedrini, com seus alunos, que quando me apresenta fala
que tenho uma formação de doido, geografia, ciências ambientais, ciências sociais
e educação, mas na verdade ela tem um norte que é a EA, todos os meus trabalhos
foram orientados para isso e na verdade para a EA essa abordagem é interessante
porque me deu uma visão de diferentes campos do conhecimento e isso agrega
para essa visão mais ampla da EA.
Então você se reconhecia como educador ambiental desde essa época
da graduação...
Eu me reconhecia como educador ambiental, desde que comecei a
trabalhar, quando saí da faculdade como professor, me reconhecia como
educador ambiental, em 87. Mal se falava de EA nessa época, por isso hoje me
chamam de dinossauro... não é à toa...
Enquanto você percorreu essa trajetória toda, teve alguma coisa que
você identifica que foi mais marcante na construção do seu jeito de trabalhar
com EA?
Olha, tem sim. Ao longo desse processo eu comecei a trabalhar numa
empresa de consultoria, que eu trabalho até hoje, e foi um trabalho importante
porque foi quando eu comecei a trabalhar em equipe pra EA. Essa consultoria em
particular é uma consultoria pra empresas, são projetos de empresas de EA,
normalmente projetos da empresa para a comunidade, trabalhando com a
comunidade, com a escola. Quer dizer, apesar de ser empresa, o público que a
gente trabalhava era professor e escola. E foi nessa experiência que eu comecei a
trabalhar em equipe. Trabalhava com outros colegas ao mesmo tempo, dávamos
cursos juntos, isso foi bastante rico porque pude vivenciar outras formas de
trabalhar, de outros colegas e trabalhar junto também. Uma experiência bastante
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interessante que me influenciou muito o que eu faço hoje. Por essas duas
perspectivas: por ter vivenciado outras formas de trabalho a partir da inserção
desses outros colegas e por ter essa perspectiva de estar trabalhando junto. E mais,
poder ver essas outras formas de trabalhar que outros colegas têm, porque como
era uma equipe multidisciplinar. Por exemplo, tinha um professor que era da área
de sociologia, mas tinha toda uma formação em teatro, então ele tinha uma coisa
muito de dinâmica. Tinha outros professores da área de história que tinha um
olhar diferenciado. Então acho que essa diversidade foi legal, me enriqueceu no
jeito que eu trabalho. Mesmo quando eu estou trabalhando sozinho. Eu gosto de
trabalhar em equipe, de dividir o espaço da sala de aula, da formação, com outras
pessoas, me sinto muito à vontade.
Além de momentos de renovação profissional, teve alguma época em
que você se sentiu desanimado?
Não, eu tenho uma motivação grande pra EA. Às vezes até vejo alguns
colegas desanimarem um pouco, mas não tenho isso muito, não, sabe? Eu vejo as
dificuldades como fazendo parte do processo, então isso não chega a me causar
desmotivação. Às vezes você está muito atribulado com muito trabalho você fica é
meio emperrado mesmo. Mas não desmotivado, às vezes você tem dificuldade de
resolver algumas coisas, mas desmotivação realmente não senti, não. Até porque
eu acho que sempre fui muito feliz, a vida sempre me deu muita oportunidade
com essa coisa da EA, talvez até por eu ter começado tão cedo, eu sempre tive
muitas oportunidades boas de trabalho com EA, então não posso reclamar disso
mesmo não... boas possibilidades, trabalhos motivantes.
E dentro desse trabalho teve algum momento em que você sentiu que
estava fazendo um investimento maior?
Eu na verdade, me considero muito mais... pensando na formação de s-
graduação, mestrado, doutorado, normalmente as pessoas normalmente fazem
mestrado e doutorado pensando como pesquisador, eu fiz me pensando muito
mais como educador. Eu agora como professor universitário tenho que
desenvolver pesquisa, mas por identidade dou educador. O que gosto mesmo é
estar em sala de aula, fazendo estas intervenções. O que procuro hoje é aliar a
pesquisa com minha prática, o que procuro fazer hoje é pesquisar esta minha
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prática, podendo fazer servir isso como objeto de estudo, o que me leva a ter de
estar fazendo isso também. Então este processo de formação foi com este
princípio também, de me capacitar mais pra me tornar um educador melhor.
Como era sua época de criança, com que você estava preocupado, como
era sua relação com sua família?
A relação com minha avó é uma relação muito forte na minha vida. Na
verdade, em família a gente percebe como a minha avó foi importante pra todos
nós, netos dela, aliás, somos A forma como ela lidava, particularmente com este
sítio, este sítio é uma referência muito grande, porque o nosso contato com ela, o
principal era lá, de férias, fim de semana... e ela tinha toda essa preocupação de
fazer com que aquela coisa fosse super harmoniosa, a gente vivenciou muita
harmonia nesse lugar, era uma coisa que sempre trouxe muita satisfação. Então
não era motivo de preocupação, muito pelo contrário, conviver com ela, viver
naquele lugar, era sempre motivo de muita satisfação, pude experimentar muita
harmonia. Então isso foi uma coisa importante mesmo nessa fase e que gerava
inclusive nessa coisa familiar uma coisa legal, da família, pelo menos naqueles
momentos, viver de uma forma bastante harmoniosa. Esses laços perduram. Esses
primos, apesar de cada um estar num canto, a gente tem laços bastante sólidos.
São pessoas que eu continuo em contato apesar de tantos anos e de cada um ter
tomado um rumo. São laços fortes que ficaram consolidados desta época.
Sua vó morava no Rio mesmo...
Ela morava no Rio, mas grande parte da vida dela ela praticamente morava
no sítio. Chegou uma época em que ela não tinha nem mais apartamento aqui.
Quando ela vinha pro Rio ela ficava no apartamento da minha tia. Ela vivia
grande parte da vida dela no sítio.
E o sítio era...?
Em Friburgo, Muri. Por isso que eu escolhi Friburgo também. Em Muri que
é meio de caminho para Lumiar. Lumiar era uma referência por conta dessa
minha vivência lá.
Foi um resgate...
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É... quer dizer, não foi nem um resgate, porque eu nunca me afastei. Até na
época de faculdade eu tinha todo esse convívio, sempre que podia eu estava no
sítio junto com minha avó. E depois, quando me casei, a princípio a gente foi
morar enquanto não arrumava lugar pra morar. Então morei uns meses no sítio
com ela, depois que a gente arrumou um apartamento pra morar. Na minha
vivência em Friburgo também ela estava muito presente, quer dizer, ela ainda
era viva nessa época. Então eu morava lá, mas tinha o sítio como referência e o
sítio continuou ainda até depois enquanto ela estava viva ainda, quer dizer, depois
de eu voltar para o Rio ela ainda estava lá no sítio. Essa referência foi minha vida
toda praticamente.
E aqui no Rio, você morava aonde?
Ih, agora... em um monte de lugar... resumindo, morei uma época em
Botafogo, quando voltei de Friburgo; depois fui morar em Niterói, na época do
mestrado; depois voltei de novo pra Botafogo; depois voltei pra Niterói, construí
uma casa lá em Niterói, fui morar lá com minha mulher e meus filhos; me separei,
continuei morando em Niterói; me casei de novo, me separei de novo e agora
estou morando aqui... Já morei no Rio em vários lugares, mas sempre assim, Rio -
Niterói, e essa passagem de 5 anos em Friburgo. E quando criança, (nasci em
Niterói, mas) fui criado no Rio, na Tijuca. Até casar morava na Tijuca.
E vocês eram em quantos irmãos?
Eu e minha irmã só.
Da sua família, seu pai, sua mãe, o pessoal com quem você morava, o
que era importante pra você quando era criança nessa relação?
Tive uma família muito normalzinha, sabe? Às vezes acho isso ruim, às
vezes acho bom. A gente famílias que dão cada pepino, né? A minha família
sempre foi muito normalzinha, aquele tipinho padrão assim, classe média, com
aqueles valores de classe média, sem muitas discrepâncias... o que não quer dizer
que tenha sido perfeita, porque meus pais depois se separaram quando eu era
adulto. Mas durante minha infância e adolescência minha família sempre foi
muito normal, sem grandes conflitos ou problemas. Não tem nada muito marcante
da vida familiar. Por outro lado é bom, porque também não tem nada marcante de
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ruim, que muitas famílias têm. De família o que é marcante é minha avó. Pra
todos nós.
E ainda nesse período de criança, a vida escolar teve alguma coisa
marcante?
Também não, eu sempre fui um aluno mediano, nunca fui um aluno
brilhante. Principalmente no início. No segundo grau comecei a me destacar um
pouco mais. Mas nunca fui também um grande aluno. Não tem nada de mais.
Você falou sobre o evento, dos projetos que vocês fizeram... o que a
universidade contribuiu pra você enquanto ser humano?
Eu me formei na UFRJ, mas na verdade tive uma passagem que foi
importante, marcante na Rural, comecei minha vida universitária na Rural, onde
hoje sou professor. Fiz um ano e meio de Geologia na Rural. E o que foi marcante
pra mim não foi o curso, pelo contrário, o curso até nem gostei muito, tanto que
depois mudei pra Geografia, já na UFRJ. Mas assim, a vida universitária, foi uma
experiência de vida importante essa ida pra Rural. Porque eu fui novo, com 17
anos, fui morar em república, então a saída da família, foi uma coisa importante
na minha vida. E a Rural tem uma aura muito legal ligada a essa coisa do natural,
da natureza, que foi marcante também, quer dizer, acho que reforçou também essa
coisa que já vinha da minha avó... eu comecei essa vida universitária nesse
ambiente da Rural, experimentando uma coisa nova, uma vivência nova, de viver
mias sozinho, mais responsável por mim, morando em república que foi uma
experiência interessante, que era uma coisa de coletivo... foi uma experiência
bacana. Quando fui pra UFRJ fui com uma perspectiva meio de me formar,
mais focado nessa coisa do trabalho, tinha essa preocupação de ter uma
formação pra uma atuação mais profissional. A UFRJ como experiência de vida
não foi tão rica como a Rural, mas ela me propiciou esta formação, este encontro
mais específico com a EA. O curso de Geografia é um curso que eu acho muito
interessante pra esta perspectiva da questão ambiental, não da EA, mas pra
questão ambiental como um todo. É um curso que dá uma visão também ampla. A
geografia não é focada, ela tem até essa coisa da geografia física e humana, que
por um lado pra Geografia sempre foi complicado, mas pra questão ambiental é
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uma coisa que enriquece o olhar do geógrafo. Então, essa formação achei bacana,
como formação profissional achei boa.
depois, no mestrado e doutorado, essa convivência não era mais
tão importante...?
É. Não, no mestrado e doutorado a gente está muito sozinho mesmo, a
gente faz aquelas disciplinas... está muito focado. Acho que a experiência
universitária é mesmo na graduação.
E a pesquisa em si, a convivência com outros pesquisadores, teve algum
impacto ou não?
A própria pesquisa, como comecei cedo, quando entrei na especialização,
mas principalmente no mestrado e no doutorado, tive que fazer muita coisa
sozinho, porque você não tinha orientação específica de EA. Os primeiros
doutores em EA estão chegando agora na universidade. Então eu sempre tive
orientadores em outras áreas que se sensibilizavam pela minha proposta e me
pegavam como orientado. Então, a minha pesquisa sempre foi muito solitária. Até
o próprio orientador não era muito parceiro por não ser da área, tinha dificuldades
também. Minha orientadora de mestrado foi superbacana, obviamente me deu
apoio, algumas orientações importantes, mas a discussão dela não era essa área.
Da mesma forma o doutorado. Acho até engraçado que eu me formei como
educador nessa coisa do coletivo e na pesquisa como uma coisa solitária. Talvez
até isso me leve a não ter uma visão que me encante tanto na pesquisa quanto me
encanta como educador. Talvez por conta dessa coisa solitária que eu não gosto
muito. Mas eu me formei dessa forma, então hoje tenho até uma certa dificuldade,
procuro até participar de grupos de pesquisa, mas é uma coisa de me forçar,
porque a minha prática de pesquisador é uma prática muito solitária...
E você pensando em você como educador; você já constatou que é
exemplo de quê?
A gente vai chegando numa idade que a gente começa a perceber que... é até
engraçado, quando a gente está na graduação, a gente está ali começando, então a
gente até tem uns referenciais, uns ícones, né? Professores, professores sempre
são referências. E hoje começo a me perceber como referência pra quem está
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começando, isso é uma coisa interessante. Ás vezes até me surpreende um pouco
isso, porque você tem de deixar de ter aquela percepção (que era a que você tinha
quando estava começando) pra você ter outra percepção. Então você tem de
abandonar aquela percepção anterior, porque às vezes até te surpreende por que
você se ainda pensando daquela forma. Então, às vezes percebo que tem muita
gente nova, começando, e como eu tenho livros publicados as pessoas me vêem
como referência, e chegam a mim com essa postura. Mas pra mim sempre foi
muito importante a relação com o aluno. O momento de sala de aula, o momento
de trabalho como educador sempre foi uma coisa muito motivante pra mim
mesmo. E muito por conta dessa relação com o aluno. Isso eu acho que é uma
coisa meio de vocação. Sempre tive facilidade, apesar de ser muito tímido desde o
início, sou ainda, lógico, hoje muita coisa superada, mas no início eu era muito
tímido, mas eu entrava em sala de aula e essa coisa não era um empecilho, porque
tinha uma coisa de vocação nessa relação professor aluno, sempre foi muito boa
minha relação com os alunos. E isso é uma coisa que me satisfaz, é uma coisa que
eu procuro manter, fazer com que essa coisa não se perca. Então, se eu tenho um
grau, um modelo a estabelecer por mim mesmo, é um pouco isso, essa boa relação
com meus alunos, de respeito, de humildade, frente a eles, de aproximação,
porque eles têm muita aproximação comigo. Até hoje, por exemplo, ao me
perceber algo assim como uma referência, é uma coisa que pra mim tem de ser até
mais intencional porque essa coisa cria um certo afastamento, de ícone, de ídolo e
acaba gerando essa coisa que eu falei. Mas eu consigo quebrar isso com muita
facilidade num ambiente de aula, então isso é uma coisa que pra mim é
importante, ter isso, viver dessa forma.
E depois que você faz seu trabalho com os alunos o que você espera que
mude?
Basicamente, como todo educador ambiental, a princípio a gente espera que
eles se sensibilizem pela questão ambiental, para que eles percebam isso como
algo fundamental pra vida deles e pra vida como um todo, perceber não no
sentido de entender, mas de sentir sensível a isso. E assim, essa é uma primeira
expectativa nesse sentido, mas a expectativa maior é que essa sensibilidade
reverta que eles se tornem militantes também dessa mesma causa, porque é algo
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que precisa ser militado, as pessoas precisam estar num processo de exercício, de
cidadania, com essa perspectiva.
Como você gostaria de ser lembrado?
Ixi…! (risos) Aqui jaz... (risos) Gostaria de ser lembrado como uma pessoa
boa. Mais que isso é muito, né? Uma pessoa que tentou fazer o melhor, tanto
pessoalmente como profissionalmente e que isso possa até servir de alguma forma
pra contribuir de algum jeito para o mundo ter se tornado um pouquinho melhor.
Acho que é essa minha razão.
Quais os valores que você acha que a sociedade manifesta hoje?
Isso é nítido, a nossa sociedade é muito individualista, as pessoas são muito
focadas em si, a perspectiva do coletivo é muito secundarizada, as pessoas têm
isso como não prioritário, a prioridade são os interesses individuais, particulares...
a coisa da competição, que está atrelada, né? Porque as pessoas são
individualistas, estão interessadas em si, então elas entram em competição pra se
apropriar daquilo que interessa a elas, menosprezando a coisa mais coletiva.
Então, isso ainda é muito forte na sociedade, faz parte da própria racionalidade da
sociedade, estar focada no indivíduo e este indivíduo não se percebendo
pertencente a esse coletivo, isso faz parte desta racionalidade e isso é muito
arraigado e incentivado e tem ficado cada vez mais evidenciada essa postura, esse
valor. Ao ponto que a gente tem hoje uma crise socioambiental que em muito é
fruto disso. A sociedade realmente está se dissolvendo na perspectiva individual.
A sociedade é um coletivo, mas se a gente está tão focado no indivíduo que a
sociedade está enfraquecendo, perdendo seus laços e eu acho que o fortalecimento
destes laços sociais deve ser uma perspectiva mais solidária, a solidariedade é que
reforça esses laços e a gente não tem essa perspectiva. Tem a perspectiva da
competição que faz com que a solidariedade seja sempre uma coisa secundária.
Então, acho que esses valores levam a sociedade a ser o que ela é hoje, vem
atrelado a isso a idéia de consumo, voltado pra atender esses interesses que são
criados por essa sociedade com interesses individuais, em que as pessoas vivem
pra buscar esses valores e esses interesses. Então tudo isso reforça uma sociedade
que é muito, muito individualista e tem uma série de mazelas por conta disso,
sociais, ambientais, de saúde pública, as pessoas enlouquecendo, se sentindo
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psicologicamente fragilizadas, síndrome do nico, as pessoas no meio da
multidão se sentem solitárias, depressão... são mazelas desse próprio modelo de
sociedade, que está levando a isso tudo.
Dentro disso, qual sua perspectiva de EA?
Acho que é a denúncia dessa realidade, desses referenciais, eu trabalho com
a idéia de paradigmas, e esses paradigmas dessa sociedade precisam ser
desvelados pra se tornarem conscientes, porque hoje eles estão inconscientes,
influenciam nossa vida, nosso jeito de ser de forma inconsciente, então tornar isso
consciente é papel da educação, fazer com que as pessoas percebam essa
realidade, como está se estruturando e a influência que isso tem na sua própria
vida e na sua prática, o individual, mas na prática social, fazendo com que a
gente acabe reproduzindo na nossa vida esses referenciais sem perceber. Porque
está tão introjetado, referenciado em nossa visão de mundo que a gente olha pro
mundo dessa forma, compreende dessa forma e age dessa forma, por estar
inconsciente. Então acho que primeiro o papel da educação é desvelar isso, para
que se torne consciente e seja possível buscar fazer alguma coisa diferente, poder
fazer alguma coisa diferente. Agora o que acho que faz parte desse processo
educativo é demonstrar pras pessoas também, fazer com que elas percebam, que
não basta apenas elas também estarem conscientes dessa realidade, que pra essa
realidade se transformar e para que ela própria possa se transformar também, esse
processo de transformação se dá numa perspectiva de atuação política, que é
coletiva. Então, faz parte do processo educativo, desvelar, tornar isso consciente,
nesse processo de conscientização fazer com que as pessoas... permitam a elas
irem pra uma prática diferenciada disso que está aí como normal. Mas pra que elas
possam ter essa prática diferenciada, elas também tem que se perceber como
sendo pertencentes a um coletivo que quer essa diferença. Com essa ação coletiva,
política, é que a gente tem condições de começar a transformar a sociedade e nos
transformarmos ao mesmo tempo. Conforme a gente está participando disso a
gente tem condições de abrir outras opções, outros leques, outras formas de ver,
de entender, é aquela coisa que a gente fala: você estar se transformando no
próprio mundo, vo interage com o mundo pra poder se transformar
individualmente. Interagir com o mundo é interagir com os outros. Acho que
nesse processo coletivo você tem chance de se transformar e de causar uma força
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suficiente nessas relações sociais pra que você gere uma visão contra-hegemônica,
diferente da que predomina, da que é dominante, pra então você poder nessa
contraposição, nesta posição que não é a dominante, gerar pressão pra que alguma
coisa mude. Acho que é assim que as coisas mudem. O que eu vejo da EA é isso,
desvelar e ao mesmo tempo instrumentalizar o educando pra que ele se torne esse
sujeito coletivo, agente de transformação da realidade, em prol de um ideal que a
gente está construindo em cima da idéia de sustentabilidade, que ainda é uma
perspectiva ideal, mas que é a perspectiva ideal que a gente está arrumando, nossa
referência de rumo e é no dia a dia, nesse cotidiano, nesse fazer diferenciado que a
gente vai construindo também essa sustentabilidade, nessa contraposição contra o
que está aí. A sustentabilidade, a meu ver, é a perspectiva ideal. A perspectiva real
é justamente essa contraposição que faz com que as coisas se transformem em
direção a essa sustentabilidade ideal. E a gente vai tendo as transformações. As
conquistas e às vezes retrocessos. Mas é sempre nessa disputa, nesse embate que
se coloca entre forças hegemônicas e contra-hegemônicas. É a forma como
enxergo a constituição da realidade.
Você poderia dar um exemplo de como é um trabalho seu nessa
perspectiva?
Por exemplo... a gente hoje... eu, como indivíduo, cidadão, professor...
poderia estar trabalhando nas minhas aulas, com meus alunos, exercendo essa
perspectiva nesse meu lado profissional de professor na relação com meus alunos.
Sei lá, acho que é importante, eu procuro fazer isso na minha relação com meus
alunos. Mas, além disso, eu acho que é fundamental criar uma perspectiva de
militância de estar me constituindo com o coletivo. Então, eu procuro estar me
inserindo em coletivos que estejam se organizando com essa perspectiva. De certa
forma, em uns momentos mais, em outros menos, eu estou, estou envolvido com a
formação de redes de educadores ambientais. Hoje, mais particularmente, eu estou
bastante envolvido com a formação de um grupo acadêmico, que envolve várias
instituições, como a UFF, a Rural, a FIOCRUZ, o Pedro II e vários alunos de Pós-
Graduação. O grupo, LIEAS, está sediado na UFRJ e é interinstitucional, e tem
como objetivo formar um coletivo que defende, que tem uma identidade de
pensamento, teórica, e que procura se constituir como um grupo para fortalecer
essa identidade e fazer com que essa identidade se reflita na constituição dessa
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realidade socioambiental que a gente está vivendo. Acho que isso é um exemplo
de militância nessa perspectiva de um sujeito coletivo. E é uma coisa que eu busco
fazer, embora ache difícil uma atuação da escola pública, a gente sempre tem a
esfera privada. Tem momentos que você consegue mais, outros menos. Nesse
momento eu estou me dedicando mais a este grupo do que à própria constituição
das redes. Venho participando desde o início, em alguns momentos mais, outros
menos. Neste momento estou menos atuante.
E como exemplo de ação pedagógica...?
De ação pedagógica, participar em projetos Agora mesmo, o LIEAS, ele fez
uma articulação com o sindicato de professores do estado do Rio de Janeiro, o
SEPE. E a gente está trabalhando na formação de lideranças no sindicato. A gente
está começando cursos com eles, no sábado passado foi o primeiro curso e a idéia
é que esse grupo faça esse processo de formação dessas lideranças por
entendermos que seria importante passar esta nossa perspectiva pra essas
lideranças sindicais do professorado estadual, para que eles estejam sensíveis a
isso e incorporem isso na militância política sindical deles. A gente considerou
isso importante e como grupo a gente está atuando nesse processo de formação
deles.
Na universidade, eu tenho procurado constituir... eu estou recém chegado
nessa universidade, estou oito meses e por isso ainda estou tomando da
situação. O campus de expansão ainda é muito desestruturado, tem muitas
deficiências, a gente está ainda num lugar provisório, numa escola municipal, tem
dificuldade mesmo de espaço, então, assim, essa atuação na universidade ainda
está meio prejudicada, mas o cenário é de constituição de grupos também. A gente
tem um grupo de EA, que é o da Rural, da sede, e a idéia é que eu esteja
fazendo também com que esse grupo tenha uma área de influência na Baixada
Fluminense, porque eu estou nessa área de Nova Iguaçu, a universidade está
abrindo esse campus novo... então que esse grupo se expanda pra Baixada,
através da minha participação, das minhas ações. Estou também desenvolvendo
pesquisa, atualmente eu estou liderando um grupo de pesquisa dentro desse
instituto que eu tô, que é o LIEME, do campus de expansão em Nova Iguaçu. É
um grupo de pesquisa que ainda está se estruturando, as pesquisas estão
começando. É um grupo não de EA, mas de estudos ambientais, mas que tem
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uma linha de EA exatamente pela minha participação, que é minha área de
atuação. Então, dentro das minhas limitações eu tenho procurado criar estes
espaços em que a EA possa estar sendo pensada numa perspectiva de pesquisa,
docência, extensão, tentando ganhar espaço dentro da universidade, porque essa
perspectiva de EA (a EA como um todo, mas essa perspectiva mais crítica em
particular) está em um movimento de embate dentro do espaço acadêmico. Então,
me percebo também como um militante dentro da minha própria instituição, junto
a outros colegas, também sensíveis a isso, está buscando criar espaço pra EA
dentro dessa perspectiva, assim como vários colegas estão fazendo em suas
instituições. E eu acho que, por exemplo, o LIEAS, tem essa perspectiva de
reforçar também essa atuação dentro de cada uma dessas instituições, pra que a
gente tenha mais peso, mais poder político de pressão, pra fazer com que a EA se
institucionalize dentro de nossas instituições, mas com esse caráter mais crítico.
O LIEAS é composto só por universidades...
A FIOCRUZ, que tem esse caráter de pesquisa, o Pedro II, que tem um
departamento de pesquisa por ser um colégio federal, mas também muito em
particular porque a pessoa do Pedro II era interessada na PG, fez um mestrado na
UFF, estava interessada no doutorado da Educação e este ano acabou de entrar no
doutorado do EICOS, se eu não me engano, da UFRJ. Então, por conta do próprio
interesse dela levou o Pedro II, mas o Pedro II tem esse departamento de pesquisa.
E é um grupo que pega só universidades do Rio de Janeiro?
É, hoje ele é só Rio de Janeiro. Na plataforma LATTES ele é visto como um
grupo da UFRJ. Por questões burocráticas ele ficou sediado lá, coordenado pelo
Fred, mas, desde o início, ele se reuniu... inclusive no início eu participava não
como universidade federal, mas como universidade privada (da qual eu fazia
parte), então hoje ele tem realmente as universidades públicas, mas não são
todas, a UERJ não está presente, a UENF, a UNIRIO. Na verdade, assim, são
pessoas dessas instituições que tem esse interesse, que se reuniram, se aglutinaram
em torno do LIEAS, mas com a intenção de transformar as mesmas em um grupo
interinstitucional. Inclusive na própria plataforma LATTES do CNPq, mas por
enquanto a gente ainda está caminhando assim como um grupo da UFRJ e os
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outros professores são pesquisadores colaboradores. deve estar chegando
próximo dos dois anos.
Você estava falando da sua postura enquanto pesquisador, militante,
professor... e na sala de aula, você tem um exemplo de como funciona este
trabalho que ao mesmo tempo é de denúncia desse paradigma e de
articulação das pessoas em prol da militância?
Por exemplo, em turmas de graduação, minha perspectiva, até pelo pouco
tempo (a gente tem seis meses e depois perde o contato), tem sido mais a de
desvelar e estimular pra que eles busquem essa militância. Mas na disciplina
propriamente, até por questões práticas mesmo, das dificuldades do dia a dia de
articular (já há muitos anos trabalho com graduação noturna, já na época da
privada e agora também na pública), a gente tem certa dificuldade em fazer com
que esses alunos tenham uma atuação mais sistematizada para além da sala de
aula, muitos trabalham... então, assim, meu trabalho em sala de aula é muito mais
de estar denunciando, desvelando e estimulando pra que eles entrem na militância
como sujeitos, cidadãos. Mas não ofereço, em si, por exemplo, um projeto em que
eles possam estar se inserindo de forma articulada pra estar fazendo alguma coisa.
Isso eu faço ao nível dos projetos que eu participo, e chamando alguns alunos,
aqueles que mais se destacam, que têm maior interesse... participam de projetos de
pesquisa, projetos de extensão, estágio...
O que você espera que esse trabalho seu promova de mudança no
mundo?
Espero, na verdade que esse meu trabalho entre num processo, que
contribua com o processo de transformação dessa realidade. O que meu trabalho
vai transformar eu não tenho grandes pretensões, que eu consiga ver o que meu
trabalho resultou numa transformação, não tenho essa expectativa, acho que não
se deve nem se alimentar, falo inclusive até disso com meus alunos. Acho que
nós, educadores, a gente não tem que ter a perspectiva da finalidade do processo, a
gente tem que ter a perspectiva de estar alimentando o processo, essa é a nossa
finalidade, alimentar o processo de transformação, para que esse movimento
ganhe força pra poder de fato causar transformações. Mas são transformações
processuais, né? Por isso que eu até condeno muitas vezes a perspectiva de
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trabalhar a EA a partir da solução de problemas. Eu não gosto muito desse termo,
que é muito usado em EA. Porque acho assim, que isso gera uma preocupação,
uma expectativa no professor que não é pra gerar. Aí é comum, trabalho de escola,
né? Trabalho de EA vai trabalhar com a questão do lixo, do saneamento, o
problema da escola é o valão que tem ao lado. Pô, o professor vai identificar
aquilo como um problema. Ele vai solucionar aquilo ali? Não vai, né?! Entendeu?
vai gerar uma ansiedade nele...! Agora, se ele pegar aquele problema e usar
aquilo ali como motivação pra todo um processo pedagógico, de discussão, de
questionamento, problematização, ele está atingindo a finalidade dele, que é levar
as pessoas a perceberem isso, se tornarem sensíveis e ativos no sentido de
questionar e politicamente se articular pra poder mudar aquela realidade. Se a
gente consegue fazer isso, acho que a gente atingiu a finalidade. Então, não
tenho realmente a pretensão de que a minha ação mudar alguma coisa. Que eu
consiga ver concretamente “ah, isso mudou por conta do que fiz”, mas as
mudanças como um todo, estou participando desse processo, acho que é o papel
do educador.
Uma coisa mais de correnteza do rio, né? De fazer o rio engrossar.
É, eu uso muito a analogia do rio, mas justamente ao contrário, porque eu
falo assim que a correnteza do rio é um pouco a correnteza paradigmática, do
pensamento mínimo, tipo assim, se você entrar nesse rio e ficar boiando você vai
ser carregado por ele na direção da correnteza. Eu falo justamente que o
movimento é um movimento de contra-correnteza, a gente criar esse movimento
de contra-correnteza pra nessa posição, sim, a gente criar um novo equilíbrio
daquela situação e buscar a partir dali uma síntese que seria diferenciar aquela
realidade. Gosto muito da analogia da contra-correnteza, não da correnteza.
Você hoje tem uma idéia de quais são os seus valores principais?
Eu estou num momento pessoal assim de vida, que eu tenho como valor
muito importante a questão da felicidade, entendendo que a felicidade não se faz
sozinha. Não consigo ser feliz sozinho. Então, acho que um valor importante pra
mim, hoje, é que eu possa estar propiciando coisas boas pra que eu faça os outros
felizes e pra eu possa ser feliz também. Na minha vida pessoal e na minha vida
profissional. Meu valor maior é o de buscar ter uma boa intenção. O que não quer
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dizer que se efetive sempre em bons resultados. Mas eu acho que ter a boa
intenção é fundamental, e entra uma perspectiva ética. Eu, eticamente, procuro
estar sempre atuando da melhor forma, com uma boa intenção, de buscar estar
reforçando valores que eu acredito que são valores que possam estar agregando a
uma nova realidade, a qual eu defendo. Então, assim, a questão da solidariedade, é
algo importante de ser estimulado, incentivado; as relações amorosas, amorosas
no sentido mais amplo, das pessoas resgatarem a questão da afetividade com o
Outro, outro-indivíduo, outro-espécie. Na verdade, estabelecer uma relação de
afetividade. Desfocar dessa coisa tão centrada na gente, em nós próprios, e focar
na relação. E que essa relação seja uma relação afetiva. Então isso pra mim é uma
valor importante. É uma coisa que eu tenho procurado fazer, em mim como
pessoa, e na minha própria atuação, estabelecer isso como um valor importante de
ser estimulado e trabalhado.
Como você imagina que esses valores foram sendo construídos em
você?
Olha, acho que isso faz parte da trajetória de vida mesmo. Vem bem coisa
familiar mesmo, desde o início. Eu posso dizer que, desde essa perspectiva eu sou
privilegiado, sempre tive condições de ter uma vida sem grandes dificuldades
materiais, dificuldades psicológicas, emocionais. Então, acho que isso vem bem
desde esse início, mas ao longo desse processo também, com a minha própria
experiência de vida, estudantil, profissional, nas minhas relações pessoais... acho
que isso foi sendo consolidado. Realmente, não consolidado, mas como
também percebido e buscado. Muitas vezes procurando construir mesmo, pra que
essa coisa se aflorasse mais, essa coisa da afetividade, por exemplo, é uma coisa
que eu senti necessidade de construir porque eu, por características pessoais
minhas, talvez até por timidez, no início eu tinha essa dificuldade pessoal de ter
uma relação mais afetiva. Por conta dessa timidez... uma coisa mais rígida. Então,
isso foi uma coisa a ser construída em mim. Pessoal, mas também refletindo no
profissional, então, na minha relação com os alunos... faz parte dessa trajetória
mesmo.
Se você não fosse professor, o que você seria?
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299
Difícil... eu não sei se eu seria, mas acho que eu gostaria de ser artista,
cantor, por exemplo, mas não sei se eu conseguiria. Acho aquela coisa do show
business bacana. A coisa da apresentação... eu falo isso porque eu participei do
coral da universidade. Então, assim, eu adorava as apresentações. É uma coisa
assim que me dava êxtase, me estimulava muito. Acho que é uma coisa que eu
gostaria, não sei se eu conseguiria, mas eu gostaria. (risos)
Quais que são seus sonhos, o que você tem em mente pra futuro...?
Eu sou pouco ambicioso com essa coisa de sonhos... eu sonho de ter uma
vida sossegada. Vida sossegada pra mim significa morar num lugar tranqüilo,
num esquema que eu consiga construir um lar, e lar que eu entendo, é família,
família é uma coisa importante apesar de dois casamentos, é uma coisa que eu
considero importante, eu tentando, né? Então, eu tenho como sonho conseguir
construir um lar que tenha como característica essa coisa da tranqüilidade, do
sossego e aí, isso passa por uma coisa externa que é, por exemplo, morar num
lugar melhor do que esse que eu moro hoje. Isso é um sonho que na verdade já era
desde o passado, que é essa coisa de sair do grande centro, morar num lugar mais
sossegado. Eu continuo alimentando isso, essa minha ida pra Niterói é um pouco
essa tentativa de conciliar essa necessidade profissional de estar aqui, mas ao
mesmo tempo não estar no meio do furacão... mas acho que eu tenho ainda o
sonho de me afastar mais um pouco, morar num lugar mais sossegado e construir
essa coisa de família, de laços, aí a família até numa perspectiva mais ampla, laços
de afetividade onde eu estiver, criar esses laços de afetividade, relação de
amizade, onde eu estiver. Eu tenho grandes amigos, estão aqui no Rio. (risos)
Podia tentar fazer uma comunidade fora... (risos)... então assim, na verdade, é um
processo de construção. É uma busca também. Nas próprias relações profissionais
hoje eu tenho grandes amigos na área profissional. Acho que faz parte desse
processo criar novas relações afetivas. Acho que meu sonho é esse. Na verdade
não tenho grandes sonhos. Materiais não tenho grandes sonhos. É de ter um lugar
tranqüilo. Certamente, nessa sociedade, ter um lugar mais tranqüilo significa você
ter uma casinha própria, sem ser ameaçado de ser despejado (risos). Você ter
possibilidades de locomoção, de ir e vir, que de alguma forma seja sem grandes
transtornos. É basicamente isso.
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300
O que você imagina estar fazendo daqui uns dez anos?
Estar trabalhando com EA, dando aula... (risos) ...até porque daqui a dez
anos eu não devo estar aposentado. Mas assim, quando eu me penso na velhice, eu
me penso trabalhando, trabalhando como educador ambiental, não sei se na
universidade, mas de alguma forma trabalhando.
Como você faz pra conciliar sua vida profissional, que é tão agitada
com viagens, cursos e rede, com a vida pessoal?
Isso é um drama, né?, que acho que essa nossa sociedade moderna está
fazendo com que a gente tenha que lidar. A questão do tempo é uma coisa que
acaba oprimindo. Na falta de tempo pra tudo, na verdade acaba faltando tempo pra
tudo, até pro aspecto profissional, pro aspecto pessoal... é algo que me oprime e
que eu ainda não consegui lidar muito bem, eu volta e meia escuto conversas de
pessoas e vejo que é uma ansiedade de muitos e que muitos também não estão
sabendo lidar muito com isso. A gente tem cada vez mais uma demanda maior de
trabalho. As tecnologias que facilitam também nos enchem de sobretrabalho, de
tempo extra pro trabalho, a gente em casa e sempre trabalhando... o que
obviamente compromete o lado pessoal, né? Eu tenho procurado fazer assim,
entrar num movimento que é muito oscilante, às vezes você se dedica mais a uma
coisa, menos a outra, depois você tenta compensar, mas eu tenho tentado não ficar
workaholic, ter momentos pra mim, pra namorar, pra estar com meus filhos... mas
é duro, é difícil, viu? Uma coisa que eu tenho conseguido, não tem nem sido
muito intencional, mas tenho visto como sendo uma coisa que ajuda é namorar
pessoa da área, que você trabalha junto. (risos) Mas isso não é muito bom, não,
porque aí você acaba trabalhando em vez de namorar... (risos)
Fora o tempo, quais são suas vidas, os dilemas mais comuns na sua
vida...?
Grandes dilemas na minha vida...? acho que um dilema seria essa coisa da
gente às vezes se achar incapaz de conseguir mudar essa realidade. Eu geralmente
sou muito otimista, mas às vezes você se pega meio assim questionando a sua
impotência, não a sua, mas a impotência de transformar essa situação. Mas eu
rapidamente me vejo...(risos) acho que é até meio um papel do educador, acho que
a gente não pode fraquejar nisso, se a gente fraquejar a gente pára, então
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rapidamente me vejo numa posição otimista de que é possível, é possível
transformar. Mas é difícil, tem situações bem difíceis... mas... (risos) o tenho
mesmo esse dilema... acho que não tenho dilemas.
Nem como pessoa, nem como profissional?
Acho que hoje não.
A gente pode dizer que você é... bem resolvido?
(Risos) ...nem tanto, né? Senão eu tava casado...(risos) mas acho que não,
acho que até isso fez parte, foi uma experiência importante de crescimento, de
entender melhor a vida, pessoal. Não sei, acho que na verdade eu não sou bem
resolvido, mas eu estou tentando me resolver bem. Conforme vai caminhando, né?
Não sei, daqui pra frente de repente posso me deparar com uma situação em que
eu não me veja bem resolvido, mas por enquanto eu estou me sentindo sem
grandes problemas pra enfrentar as coisas que eu preciso enfrentar.
Que tipo de ação você vê que é recorrente no seu comportamento?
É uma perspectiva conciliatória, que nem sempre é... nem toda situação é
desejável. Às vezes essa perspectiva conciliatória me leva a ter menos força em
momentos que eu preciso ter mais força. Acho que isso é uma coisa que é
recorrente, é muito forte, eu sempre fui muito por essa linha de conciliação,
buscar... mas isso de certa forma se contradiz até com a linha teórica que eu
acredito e que eu milito, que é a do embate, nesse embate tem momentos em que
você precisa mesmo ir pra força, uma posição de força, de resistência. Então essa
posição conciliatória é uma questão que eu às vezes preciso me policiar pra poder
ficar coerente com isso eu estou propondo. Acho que isso é forte.
Tem mais alguma? Marca pessoal registrada do POLUX?
Acho que às vezes, até por essa coisa da timidez, às vezes de me isentar de
alguns posicionamentos, acho que às vezes eu necessitava me posicionar mais.
Não que eu não faça, às vezes eu faço, mas muitas vezes eu me percebo por conta
de uma expectativa que as pessoas têm em mim. Isso me leva a me posicionar,
mas é uma coisa meio, que eu preciso fazer de forma intencional, me forçar a
fazer isso. A minha situação de conforto é realmente ficar na minha, quietinho,
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sem confronto, sem estar muito exposto, essa é uma tendência minha, mas eu vejo
que em certos momentos isso é necessário, é um esforço que eu tenho que fazer.
Essa tendência é recorrente. Não quer dizer que eu vou ser sempre assim. Mas
muitas vezes acabo pecando de não fazer porque isso é uma situação de conforto.
E como você acha que as outras pessoas vêem o seu trabalho?
Acho que essa idéia de conciliador é muito vista pelos outros, porque rias
vezes já vi as pessoas falando assim: “ah, chama o POLUX pra resolver isso aqui,
a situação está complicada, então o POLUX é que vai pra poder não criar mais
problema, não criar mais briga...” Acho que essa visão eu carrego. As pessoas
percebem. pra perceber porque realmente é uma postura muito forte. Mas eu
mesmo muitas vezes condeno, acho que não é a todo momento que ela é
importante. Mas acho que muitas vezes sou visto dessa forma, como conciliador
mesmo, pessoa que não está muito nessa perspectiva do confronto. E por isso
também eu sou bem aceito nos diferentes grupos, por não ter muito confronto,
né?, de certa forma eu consigo circular muito nos diferentes grupos, nas diferentes
opções. Tem o lado bom e o lado ruim. As pessoas vêem isso também como não-
posicionamento, em cima do muro. O que de certa forma, não deixa de ser
também. Não é o tempo todo, mas às vezes eu não me posiciono.
E você, como você se vê em relação ao seu trabalho?
Olha, eu me vejo assim também. Eu assumo essa minha postura menos
confrontacionista, de buscar conciliar, buscar consensos. Mas assim, por
experiência ao longo da vida, eu vejo que isso nem sempre é possível. E em
alguns momentos eu me coloquei, até à frente pra puxar algumas posições mais de
força. Então, assim, eu no meu trabalho me percebo assim, como tendo essa
característica. Mas, hoje, por conta da experiência, acho que eu consigo um
pouco, em determinados momentos, ir exercendo isso de uma forma mais
coerente, pelas coisas que eu defendo. Mas isso é fruto da experiência, da minha
trajetória, porque de início o que prevalecia era essa postura mais de acordo,
conciliador. Eu me vejo assim. E acho que é importante também ter essa pessoa
que consiga circular entre diferentes grupos, pra conseguir consensos, conseguir
avançar, às vezes você precisa de coisas assim.
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303
E os seus valores, aqueles que você citou, outros que você lembra,
como que eles te ajudam na sua prática de educador ambiental?
Eles na verdade não me ajudam, eles na verdade estão presentes na minha
prática, se não estivessem presentes não seriam valores, poderiam ser retórica.
Mas acho que se eu consigo no meu trabalho de educador, de certa forma tocar os
outros, e eu acho, modestamente falando, eu acho que eu consigo muitas vezes, é
porque eu consigo ser verdadeiro nisso. Se eu não fosse eu não teria esse retorno
que tenho dos meus alunos. Então, acho que eles estão presentes na minha prática
e eu procuro ser o máximo possível fiel a esses valores na minha prática. Acho
que eles estão presentes na minha prática e acho que é fundamental como
educador voter essa prática coerente com aquilo que voestá falando. Acho
isso muito importante, pra um educador acho isso muito importante. E eu procuro
fazer isso (ênfase). Nem sempre isso é possível, mas eu procuro. Minha tentativa é
essa, fazer com que a minha prática seja coerente com meus valores, com a minha
fala, meu discurso, minha postura mesmo. E a coerência acho que é um valor que
eu persigo muito. Ser coerente. Tudo que eu faço eu procuro muito buscar o
sentido da coisa, do que está acontecendo, que estou vivendo. E ao construir esse
sentido, procuro ser coerente com esse sentido que eu construí. É uma coisa que
eu busco sempre, em todos os sentidos, pessoal, profissional. Posso até estar
errado, mas estou sendo coerente com aquilo que eu estou acreditando e que
procuro inclusive expor pra que os outros entendam com o que eu estou sendo
coerente. Acho que de certa forma, isso é uma forma também de as pessoas
viverem uma relação mais transparente. Isso gera uma confiabilidade maior,
mesmo as pessoas discordando. Pra um educador isso é importante.
Nesse sentido, que valores você acha que são importantes pra uma
sociedade que tenha uma relação mais saudável com o ambiente?
Acho que o valor de ser solidário com o outro é fundamental. Ser solidário
com o outro é ter esse olhar pra fora, inverter o olhar que a gente está hoje, pra
dentro, e colocar pra fora. Isso se dá a partir de valores que prezam a questão da
solidariedade, a questão do sentimento de pertencimento ao todo, ao coletivo, uma
perspectiva de vida mais ampla... valores que levem as pessoas a mudar o olhar
mesmo, de estar priorizando a relação com o outro, não é nem priorizar o outro,
mas a relação com o outro. A gente rompeu muito essa coisa de estabelecer as
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304
relações, por conta dessa coisa tão focada no indivíduo. Então, assim, a gente
resgatar essa perspectiva de viver olhando pra relação é uma forma nova de você
viver e vem tudo. A relação é afetividade, relação de amor, de solidariedade,
companheirismo, amizade. Tudo isso que leva à perspectiva de relação deve ser
valorizado.
E como é que isso pode ser formado, construído?
Acho que num processo educativo é levando as pessoas primeiro a perceber
que estão vivendo nessa perspectiva, a meu ver, focada pra dentro e fazer com que
elas percebam a necessidade de voltar pra fora. E praticar isso, ou seja, criar no
processo pedagógico possibilidades. Esse desconstruir essa perspectiva pra
construir uma nova se justamente no fazer, no experimentar, no estar
vivenciando isso de alguma forma dentro do próprio processo pedagógico. Então,
assim, ações de EA têm que ter a questão da prática. A prática é fundamental. Mas
desde que seja uma prática reflexiva, que repute essa reflexão que leve a se
perceber a necessidade de se fazer diferente. E ter a oportunidade de fazer
diferente é fundamental. Criar um ambiente educativo que oportunize se fazer
diferente, eu acho que é extremamente pedagógico. Nessa perspectiva de você
estar desconstruindo isso. Porque essa desconstrução não é uma desconstrução
teórica, é uma desconstrução na práxis. Acho que é por aí.
Se você fosse resumir, por que você é um educador ambiental?
Nasci assim. Na verdade comecei muito cedo, nunca pensei em fazer outra
coisa. Pensar até pensei, até comecei uma outra faculdade, mas eu era tão
novinho, 16 anos, quando comecei, acho que não estava ainda muito formado.
Quando comecei a fazer a formação isso estava muito introjetado em mim. É
meu mesmo.
Que tipo de coisas você costuma estar pensando no seu cotidiano, o que
são pensamentos recorrentes... temas que sempre voltam...?
Na própria questão profissional, a questão ambiental é muito recorrente.
Está sempre presente na minha prática e, portanto, no meu pensar também. A
questão ambiental é muito recorrente. A questão da violência também é recorrente
porque a gente vive no cotidiano, a gente hoje precisa estar se precavendo porque
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305
a violência social é muito recorrente... a temática da educação em si também, por
conta profissional, da minha atuação como professor universitário, é também
presente... é... acho que é isso... eu não fujo muito disso porque isso me ocupa
muito, né? Eu vivo muito a minha profissão, né? Acabam sendo também as
questões mais presentes na minha vida pessoal...
Em termos de emoções, de sentimentos, o que você identifica que é mais
comum com você?
Emoções? Depois de dois anos de casamento e descasamento acho que as
emoções estão bastante mexidas, né? Algumas coisas hoje passam pela emoção,
que são fortes. Tem essa questão da busca de uma outra pessoa, de uma
companheira, né? Isso faz parte desse momento de vida assim, que foi forte,
vários momentos de união e ruptura. Isso é uma coisa forte, está presente. Uma
emoção muito presente na minha vida é a emoção dada pela música, é uma coisa
que me emociona muito, me toca muito... Eu sinto muita paixão pela vida, sabe?!
De viver, por viver. A vida é uma coisa que eu vivo com certo prazer, às vezes até
as dificuldades, entendeu? A experiência de vida é uma emoção que me
satisfação, me dá sentido de realização. Sinto muito sentido de realização ao longo
da minha vida, mesmo nos momentos mais difíceis, obviamente que tem também.
Sei que assim na hora que você está vivendo um momento difícil é complicado,
mas quando passa eu geralmente consigo perceber um sentimento de realização
que me essa satisfação, esse prazer, de viver a vida, experimentar. Esse tipo de
emoção tenho vivenciado de forma bastante intensa. E aí, em alguns momentos,
me gera algum sentimento de êxtase por perceber essa satisfação. Em outros
momentos, em certas dificuldades, claro que vivencio assim, emoção de
insegurança... mas que faz parte do movimento. E acaba entrando nessa
perspectiva de olhar para trás, que isso fez parte. Uma emoção que acho que é
muito presente também por conta da nossa vida cotidiana é a própria insegurança.
A insegurança física mesmo, não aquela insegurança psicológica. É uma coisa
muito presente. Mas acho até que eu lido bem, porque eu vejo colegas na
faculdade que estão apavorados, Baixada Fluminense, à noite, as pessoas se
mobilizam todas por conta disso. Eu não sou lá tanto, mas momentos em que é
uma preocupação.
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Em relação a coisas que você já tenha vivido que você sinta vergonha ou
culpa, insatisfação consigo mesmo...?
Atualmente acho que é... não me arrependo muito das coisas que eu fiz, não,
sabe? Mas assim, hoje, por exemplo, eu tô vivendo uma coisa mais... com a
separação, da minha mulher, dos meus filhos, eu sinto um sentimento meio de
afastamento com os meus filhos. Isso às vezes me gera essa sensação de... até por
conta daquela coisa de tempo que a gente falou, me sinto meio culpado de não
estar conseguindo corresponder ou lidar bem com essa situação ao ponto que
muitas vezes eu sinto esse afastamento deles e por parte deles em relação a mim,
às vezes minha em relação a eles também. Isso às vezes me incomoda um pouco,
até por conta disso, de eu estar tão voltado pra essa coisa da afetividade e por
conta da situação que eu estou vivendo eu às vezes sinto um pouco esse
distanciamento, a mim me incomoda.
E em termos de gastos, como é o seu perfil?
De dois anos pra minha vida mudou de ponta-cabeça. Eu sempre fui... no
meu primeiro casamento, que foi um casamento estável, longo, 18 anos, eu
sempre fui uma pessoa extremamente comedida, até porque minha mulher
também era certinha, organizada, comedida. Então, até dois anos atrás se você me
perguntasse eu ia falar, olha, eu gasto o necessário, tudo planejado. Mas de dois
anos pra eu meio me descontrolei, me permiti também, na verdade, não ficar
uma coisa assim tão gida de planejamento. Mas assim, eu não sou consumista.
Não sou consumista de bens materiais. Hoje eu sou consumista de bens imateriais.
Então, hoje, se eu estou apaixonado por uma pessoa do outro lado do Brasil, então
vou pro outro lado do Brasil quando me dá vontade porque eu me permito. Depois
tenho que lidar com essa coisa. Agora, bens materiais eu nunca fui muito ligado.
Carro, por exemplo. Agora estou com um carro novo porque era mais vantajoso
ter um carro novo, mais econômico, mas não ligo pra carro assim, ter um carro
bacana...
Mas que tipo de coisa você gasta normalmente? Não que seja demais ou
de menos, é só o tipo de coisa.
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O que eu gasto é saindo pra comer, me divertir com amigos, namorada,
viajar. Isso é que eu gasto. Muito telefone (risos)... a namorada é de longe...
pouquíssima roupa...
Em termos de omissões, você poderia dar algum exemplo de alguma
que você já tenha feito? Ou deficitária ou superavitária...
Essa minha postura muito reclusa tem a tendência a me omitir, tipo
deficitária. Peco por me omitir, não estar participando de forma mais ativa. Às
vezes, assim, por exemplo, pra não gerar um conflito entre eu e outra pessoa ou
um grupo, às vezes acabo me omitindo de dar opinião, de colocar uma posição
mais firme e algumas vezes acabo me arrependendo... o contrário ocorre menos.
Me colocar além do que deveria colocar, dificilmente acontece isso.
E em termos de motivações, quais são as suas principais?
A minha profissão é minha motivação grande, quer dizer, minha atuação
profissional. Uma motivação grande que eu tenho é de me descobrir, de vivendo,
me descobrir como pessoa, me conhecer melhor e pra isso vivenciar coisas novas,
diferentes, é algo que me motiva. Gosto de vivenciar coisas novas. Apesar de ter
essa aparência mais conservadora, mais mida, gosto da coisa nova, nesse sentido
até sou bastante ousado, não me assusta experimentar coisas novas, isso é uma
coisa que me motiva muito. E fazer isso pra me conhecer, entendeu?
Experimentar pra me conhecer.
Vai ver que vem daí o seu prazer de viver...
É, eu tenho isso. Pra mim isso é muito claro. Eu tenho prazer em viver. Vejo
pessoas que não têm. Pra quem a vida é uma coisa pesada. Pra mim a vida é uma
coisa muito leve. Mas ao mesmo tempo eu não sou uma pessoa que vive em
êxtase. Eu sou uma pessoa que vive muito na linha média do estado psicológico.
Não tenho grandes euforias, mas também nunca tive uma depressão na vida. Não
sei o que é ser deprimido. Mas contabilizando, tenho uma satisfação de viver
grande, me sinto satisfeito na vida.
E na vida, no geral, quais foram suas grandes decisões?
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Acho que a primeira grande decisão foi quando realmente decidi ser
professor. Teve um dia marcado. Foi o dia que eu abandonei o curso de Geologia
e entrei na Geografia pra ser professor, pra trabalhar... nesse dia já pensei na coisa
de sair do Rio, foi uma decisão importante, que virou um projeto de vida.
depois disso conheci a minha primeira mulher, na época da faculdade, que
também fazia geografia e que levou inclusive a ela entrar nesse meu projeto de
vida e a gente a sair juntos do Rio... depois a gente acabou descobrindo que o
projeto era meu, não era dela, por isso ela também não se adaptou tanto. Essa foi
uma decisão importante. Outra decisão importante foi quando estava na escola
de Lumiar e decidi ir pra fora. No sentido de que aquilo que eu fazia lá, que me
satisfazia muito, eu decidi que era algo que precisava ter um alcance maior. Foi
quando decidi fazer a publicação, corri atrás, fiquei um ano tentando arrumar
lugar pra publicar e que de fato acabou gerando toda uma conseqüência de fazer
com que hoje eu tenha uma atuação mais ampla do que era uma atuação
localizada na época como professor. Outra decisão importante foi agora, quando
terminei esse meu primeiro casamento e me permiti viver uma série de coisas
novas que estou vivendo, inclusive um casamento que também acabou (risos)...
Foi importante pessoalmente me permitir várias coisas que precisava me permitir
pra me conhecer melhor e estou experimentando agora. Acho que foram estes os
momentos mais marcantes de decisão.
E a sua escala de prioridades...?
Primeiro é ser feliz (risos). Tem uma coisa que acaba sendo prioritária pra
ser feliz, que é aquela coisa de viver amando e sendo amado, vida a dois pra mim
é uma coisa importante, por isso que eu tentando... Viver isso de uma forma
serena, tranqüila, buscar construir esse ambiente. Acho que é isso. E repetir isso
na minha atuação profissional, de um educador que transmita essa felicidade de
viver e por conta disso queira uma vida melhor.
Então, o que você toma como critérios pra essas suas decisões?
Acho que critério é ser coerente com essas necessidades minhas, né? Quer
dizer, quando decido alguma coisa é pra tentar ser coerente com essa perspectiva
de ser feliz, essa perspectiva de que essa decisão permita com que eu viva
amorosamente as minhas relações, que eu consiga com essas opções refletir isso
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na minha atuação de educador de uma forma mais plena. Acho que os critérios
estão atrelados a isso, sempre buscando ser coerente com essas opções.
Depois dessa sabatina toda (risos), como você hierarquizaria seus
valores?
Eu tenho dificuldade de nomear os valores. Acho que hoje o mais
importante é o estabelecimento de relações amorosas com a vida, bem amplo.
Hoje é o aspecto mais importante que eu vejo da minha tentativa, minha busca.
Isso entraria em primeiro lugar. Em segundo lugar... um elemento que eu
consideraria importante... faz parte do que eu falei antes, no primeiro lugar, mas é
estar militando por uma causa que eu acredito que é uma posição de vida mesmo.
Então, assim, eu poder estar exercendo isso nos diferentes ambientes que eu
circulo, então, a militância dessa posição, pra mim, hoje, é uma coisa importante,
é uma busca que eu tenho como sendo importante. Defender as posições que eu
acredito como posições válidas, hoje é uma coisa que me move a fazer o que eu
faço no meu dia a dia.
Então, em primeiro lugar, as relações; em segundo, a militância...
Essa militância nessa perspectiva, militância por esse ideal, essa forma de
vida. Em terceiro...? Não sei... isso é tão abrangente que acaba pegando tudo...
tenho dificuldade de dizer o que é valor... não sei... acho que essas duas coisas são
tão abrangentes que acabam abrangendo meu comportamento como um todo.
É? (pausa) Então, tá, vou deixar você em paz... risos... Obrigada!
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