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Susana Beatriz Sacavino
Educação em/para os Direitos Humanos
em processos de democratização:
o caso do Chile e do Brasil
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação do Departamento de Educação da
PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para
obtenção do título de Doutor em Educação.
Orientador: Prof. Ralph Ings Bannell
Rio de Janeiro
Abril de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
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Susana Beatriz Sacavino
Educação em/para os Direitos Humanos
em processos de democratização:
o caso do Chile e do Brasil
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação do Departamento
de Educação do Centro de Teologia e Ciências
Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Prof. Ralph Ings Bannell
Orientador
Departamento de Educação - PUC-Rio
Profª. Vera Maria Ferrão Candau
Departamento de Educação – PUC-Rio
Profª. Angela Maria de Randolpho Paiva
Departamento de Sociologia – PUC-Rio
Profª Roseli Fischmann
USP
Profª. Sabrina Moehlecke
UFRJ
Prof. Paulo Fernando C. de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de
Teologia e Ciências Humanas
Rio de Janeiro, 18 de abril de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e
do orientador.
Susana Beatriz Sacavino
Possui graduação em Ciencias Politicas y Relaciones
Internacionales - Universidad Catolica de Cordoba (1982),
mestrado em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (1989) e doutorado em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2008).
Atualmente é diretora da Revista Novamerica - Nuevamerica e
da organização não governamental (ONG) - Novamerica, com
sede no Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Ciência
Política, com ênfase em Cidadania, Educação e Direitos
Humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: formação
de educadores, educação em direitos humanos, educação e
cidadania, oficinas pedagógicas e gestão institucional.
Ficha Catalográfica
Sacavino, Susana Beatriz
Educação em/para os direitos humanos em processos de
democratização : o caso do Chile e do Brasil / Susana
Beatriz Sacavino ; orientador: Ralph Ings Bannell. – 2008.
289 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Educação)–Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia
1. Educação Teses. 2. Direitos humanos. 3. Educação
em direitos humanos. 4. Redemocratização na América
Latina. 5. Educação e cidadania. I. Bannell, Ralph Ings. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Educação. III. Título.
CDD: 370
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
Agradecimentos
Ao professor Ralph Bannell, pela orientação, apoio e confiança, fundamentais
para todas as etapas deste trabalho.
Aos entrevistados e entrevistadas, que generosamente contribuíram com seus
conhecimentos e experiências de vida para a realização desta pesquisa.
À professora Vera Candau, pelo estímulo, apoio e partilha de conhecimentos. E
aos colegas do GECEC [Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e
Cultura(s)] .
A meu amigo Jorge Osorio, por seus múltiplos apoios para a realização da
pesquisa no Chile.
À equipe da Novamerica, pelo espaço estimulante de partilha de sonhos,
conhecimentos e amizade e a solidariedade sempre oportuna.
À PUC-Rio que me concedeu uma bolsa que tornou possível este estudo.
A minha família: Eli, minha mãe, Néstor, Gisela, Teresa e Malaquías, pelo
carinho, paciência e confiança incondicionais e pelo que significam na minha
vida.
A minhas amigas e amigos, que o tempo todo foram uma presença próxima,
dispostas/os a colaborar, entender, acompanhar e sempre incentivar.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
Resumo
Sacavino, Susana Beatriz; Bannell, Ralph Ings. Educação em/para os
direitos humanos em processos de democratização: o caso do Chile e do
Brasil.
Rio de Janeiro, 2008, 289 p. Tese de Doutorado – Departamento de
Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A década de 1980 na América Latina se caracteriza pelo fim das ditaduras
em vários países do continente e o início de processos de redemocratização. Nesse
contexto, inicia-se a educação em/para os direitos humanos, que envolveu no seu
processo de desenvolvimento diferentes sujeitos históricos, indivíduos, grupos e
instituições de diversos tipos, especialmente ONGs. A presença do Estado e a
elaboração de políticas públicas também foram progressivamente se afirmando. A
tese aborda essa temática a partir da compreensão da evolução da educação
em/para os direitos humanos na América Latina, tendo presente seu
desenvolvimento no contexto internacional. Analisa as inter-relações entre o papel
dos diferentes atores sociais, organizações não-governamentais e outras
instituições da sociedade civil, governo etc. na promoção da educação em/para os
direitos humanos em contextos sociopolíticos de redemocratização. Nesse sentido,
apresenta dois estudos de caso – Chile e Brasil –, privilegiando, do ponto de vista
metodológico, entrevistas realizadas com profissionais que tiveram participação
ativa nesse processo. Discute as principais questões e desafios para o
desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos no momento atual do
continente.
Palavras-chave:
Direitos humanos; educação em direitos humanos; redemocratização na
América Latina; educação e cidadania.
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Abstract
Sacavino, Susana Beatriz; Bannell, Ralph Ings (Advisor). Human rights
education in democratization processes: the Chilean and Brazilian
cases. Rio de Janeiro, 2008, 289 p. Thesis – Departamento de Educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The 1980s in Latin America were marked by the fall of dictatorial regimes
in many countries in the continent and by the installation of redemocratization
processes. Within this context, human rights education emerged. Its development
process involved different historical subjects, individuals, groups and different
types of institutions, specially non-governmental organizations. State presence
and the elaboration of public policies steadily increased. This thesis investigates
the theme with the objective of understanding the evolution of human rights
education in Latin America, focusing on its development in the international
context. It analyses the inter-relationship between the roles of different social
actors, non-governmental agencies organizations and other civil society or
governmental institutions etc. in promoting human rights education in socio-
political redemocratization contexts. In order to accomplish this, two case studies
are presented – Chile and Brazil. Special emphasis is given to interviews carried
out with professionals who were actively involved in the process. It also discusses
the main questions and challenges faced by human rights education in the
continent today.
Keywords
Human rights; human rights education; Latin America redemocratization;
education; citizenship.
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Sumário
1. Introdução ........................................................................................... 11
1.1. Nosso interesse pelo tema ............................................................... 11
1.2. Delimitação do tema: processos de democratização e educação
em/para os direitos humanos ..................................................................
15
1.3. Questões, hipótese de trabalho e objetivos da pesquisa ................. 21
1.4. Situando a pesquisa de campo: considerações metodológicas ...... 25
2. Direitos humanos e educação: um caminho em construção .............. 33
2.1. Direitos humanos: um discurso vazio? ............................................ 33
2.1.1. Direitos humanos como tema global ............................................. 34
2.1.2. Globalização/es e direitos humanos ............................................. 39
2.1.3. Direitos humanos: entre a modernidade e a pós-modernidade .... 44
2.1.4. Direitos humanos: novas dimensões e desafios ........................... 53
2.1.4.1. Miséria e exclusão: violação da dignidade humana ................... 54
2.1.4.2. Discriminação, xenofobia e racismo .......................................... 55
2.1.4.3. Terrorismo, crime organizado e corrupção: ameaças aos
direitos humanos, à democracia e à paz ................................................
56
2.1.4.4. Novos desafios para a ciência e a tecnologia ............................ 57
2.1.4.5. A tensão entre direitos da igualdade e direitos da diferença ..... 59
2.2. Direitos humanos pós-11 de setembro de 2001 .............................. 61
3. Educação em/para os direitos humanos: uma construção histórica ... 64
3.1. A educação em/para os direitos humanos nos instrumentos
internacionais ..........................................................................................
64
3.2. Educação em/para os direitos humanos na América Latina ............ 72
3.2.1. A educação em/para os direitos humanos na década de 80 ........ 73
3.2.2. A educação em/para os direitos humanos na década de 90 ........ 79
3.2.3. Principais organismos internacionais presentes no
desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos na
América Latina ........................................................................................
83
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3.3.
A
identidade da educação em/para os direitos humanos: um
processo em construção .........................................................................
90
4. Direitos humanos e educação na América Latina: estudos de caso .. 100
4.1. Tecendo a historia, articulando o presente: o caso chileno ............. 100
4.1.1. Direitos humanos e processo de democratização ........................ 101
4.1.2. Processo da educação em/para os direitos humanos no Chile .... 113
4.2. O significado da educação em/para os direitos humanos: a ótica
dos atores ...............................................................................................
124
4.2.1. “A educação em direitos humanos é um processo de
toda uma vida [...] forma parte de nossa convicção, de nossa
consciência”.............................................................................................
124
4.2.2. “Educar em direitos humanos, é gerar um processo, uma
construção coletiva do que significa a dignidade humana”......................
132
4.2.3. “Há algo que há que trabalhar e potenciar: as redes” ................ 140
4.2.4. “Educação em/para os direitos humanos como tema transversal.
O fato de ser lei tem um peso” ............................................
146
4.2.5. “Os direitos humanos são o coração da democracia”. ............... 150
4.2.6. “Não podemos ficar tranqüilos enquanto há índices de
pobreza que escandalosamente contrastam com os índices de riqueza
de alguns poucos...” ................................................................................
152
4.2.7. “Direitos de igualdade e da diferença: sim e não. No nível formal
sim, há instrumentos para isso; no nível cotidiano, não”. ............
156
4.2.8. “No caso do Chile temos estado muito sós”............................... 159
4.3. Democratização e educação em/para os direitos humanos:
avanços, dificuldades e desafios ............................................................
160
5. Tecendo a historia, articulando o presente: o caso brasileiro ............. 165
5.1. Direitos humanos e processo de democratização ........................... 165
5.2. Educação em/para os direitos humanos no Brasil ........................... 177
5.3. O significado da educação em/para os direitos humanos: a ótica
dos atores ...............................................................................................
188
5.3.1. Direitos humanos: “um terreno em que vamos trabalhar sempre” 189
5.3.2. Eu acho que houve uma evolução, mas ainda tem muito
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caminho a percorrer” ............................................................................... 197
5.3.3. No campo da educação em direitos humanos “os atores
governamentais [...] são importantes e a interlocução dessa
multiplicidade da sociedade civil com estes atores governamentais
às vezes é meio complicada, meio contraditória mas ao mesmo tempo
ela pode dar bons frutos” ........................................................................
203
5.3.4. “Sem democracia não temos direitos humanos e sem
direitos humanos não temos democracia” ..............................................
211
5.3.5. “No fundo os desafios estão ligados ao desafio da questão
democrática” ...........................................................................................
213
5.3.6. “Parece-me que não dá mais para pensar igualdade e diferença
como coisas separadas [...] são complementares” .................................
217
5.3.7. “Mudar as mentalidades é uma tarefa importante da
educação em direitos humanos” .............................................................
221
5.4. Democratização e Educação em/para os Direitos Humanos:
avanços, dificuldades e desafios ............................................................
222
6. Considerações finais: educação em/para os direitos humanos na
América Latina: tensões, sonhos, perspectivas ......................................
226
6.1. Avanço na legislação – efetivação de direitos ................................. 230
6.2. Sociedade civil – políticas públicas .................................................. 233
6.3. Educação em/para os direitos humanos – diferentes concepções .. 236
6.4. Educação para a formação de sujeitos de direito e para o
empoderamento – educação para o mercado ........................................
238
6.5. Difusão/sensibilização – aprofundamento nos processos
formativos ................................................................................................
240
6.6. Direitos da igualdade – direitos da diferença ................................... 246
7. Referências Bibliográficas ................................................................... 249
Anexos .................................................................................................... 262
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Lista de abreviaturas
ABI - Associação Brasileira de Imprensa
ANDHEP - Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-
graduação
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação
CEAAL – Consejo de Educación de Adultos de América Latina
CIDE - Centro de Investigación y Desarrollo de la Educación
CODEPU - Comité de Defensa de los Derechos del Pueblo
CNT - Comando Nacional de Trabajadores
DESC - Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
DHNET – Rede de Direitos Humanos e Cultura
ECO - Comisión Chilena de Derechos Humanos, Educación y
Comunicaciones
FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FASIC - Fundación de Ayuda Social de las Iglesias Cristianas
FOSIS - Fondo de Solidaridad e Inversión
GATS - Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços
GAJOP - Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais
IIDH – Instituto Interamericano de Derechos Humanos
IPEDEHP - Instituto Peruano de Educación en Derechos Humanos y la
Paz
MEDH - Movimento de Educadores/as em/para os Direitos Humanos
MJDH - Movimento Justiça e Direitos Humanos
MRC - Movimento de Reorientação Curricular
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
OEA – Organização dos Estados Americanos
OFCMO - Marco Curricular de los Objetivos Fundamentales y Contenidos
Mínimos Obligatorios
OFT - Objetivos Fundamentales Transversales
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PRAIS - Programa de Reparación y Atención Integral de Salud para las
víctimas de violaciones de derechos humanos
PIIE - Programa Interdisciplinário de Investigaciones en Educación
PNEDH – Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
PNDH – Programa Nacional de Direitos Humanos I
PNDH II - Programa Nacional de Direitos Humanos II
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RCNEI - Referencial Curricular Nacional para Escola Indígena
SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEPPIR - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial
SERPAJ - Serviço de Paz e Justiça
SPM - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura
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1
Introdução
O surgimento da educação em/para os direitos humanos, na década de
1980, com o fim das ditaduras militares em muitos países do continente latino-
americano e o inicio de processos de redemocratização, e sua evolução nas
décadas seguintes envolveram diversos sujeitos históricos, indivíduos, grupos e
instituições de diferentes tipos mas, especialmente, movimentos sociais e ONGs.
É nesse contexto que se situa o trabalho que desenvolvemos. Na
construção do objeto deste estudo, é necessário considerar diferentes dimensões,
tanto no que diz respeito à nossa própria trajetória acadêmico-profissional quanto
no que trata da questão dos direitos humanos e sua relação com os processos
educativos no contexto latino-americano das últimas décadas.
1.1
Nosso interesse pelo tema
O interesse pelo tema da pesquisa está intimamente relacionado à nossa
história de vida e entrelaçado com a descoberta de nossa própria cidadania como
âmbito de acesso e exercício dos direitos humanos. Esta é certamente uma
construção que foi e continua se configurando no tempo e no espaço.
Nossa escolha por estudar ciência política no curso de graduação foi
motivada pela procura de uma carreira universitária que oferecesse a possibilidade
de uma participação social que propiciasse colaborar na luta por uma sociedade
mais justa e democrática. Começamos nossa vida universitária em Córdoba,
Argentina, no mesmo ano do golpe militar que deu início à terrível experiência da
ditadura que marcaria profundamente os rumos do país e da sociedade. Foram
anos de violência, guerrilha urbana, perseguição, silêncio, desconfiança, medo,
tortura, desaparecidos, assassinatos, supressão de liberdades e direitos. Anos de
repressão, terror e controle, configurados pela Doutrina da Segurança Nacional.
Não foi fácil realizar estudos de ciência política nesse contexto, em que
tudo que não estava de acordo com o sistema era considerado inimigo e devia
desaparecer, porque se transformava numa ameaça. Essa realidade também estava
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12
presente no âmbito acadêmico e no acesso ao conhecimento, em que tudo que se
suspeitasse ter relações com a esquerda, com marxismo ou socialismo era
censurado e mesmo eliminado.
O tempo passou, entre tensões e conquistas formamo-nos, a ditadura
terminou em 1983 e começou o processo de redemocratização do país. Em 1985,
tive a possibilidade de vir para o Brasil para realizar estudos de pós-graduação no
Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Também aqui se estava
iniciando a etapa de redemocratização, depois de mais de vinte anos de ditadura.
Escolhemos esse programa porque, de todos a que tivemos acesso, era o que tinha
maior sensibilidade e abertura para a perspectiva latino-americana. Nossa
dissertação de mestrado foi: Democracia e Política Externa: a diplomacia
Argentina na ONU (1983-1987)
1
, cobrindo o período de pós-guerra das Malvinas
e sua negociação com a Inglaterra no âmbito da ONU.
A experiência da universidade e o encontro com a cultura brasileira foram,
para nós, impactantes, fortes, fonte de riqueza, crescimento, liberdade e
descoberta de direitos que até o momento nos tinham sido negados. Foi a primeira
oportunidade que tivemos de acesso a fontes de conhecimento até então
censuradas na Argentina, que enriqueceram muito a visão e o enfoque de nossa
profissão e ampliaram nossa formação, não só do ponto de vista acadêmico como
também humano-existencial.
O curso de mestrado, além de ampliar e sistematizar nossos conhecimentos
nas áreas de ciência política e relações internacionais, propiciou-nos aprofundar o
processo de pesquisa e o gosto pela aventura da produção de conhecimento. Para a
realização dos estudos, contamos com bolsa do CNPq e da Capes.
1
SACAVINO, S. Democracia e Política Externa: a diplomacia Argentina na ONU (1983-
1987). Departamento de Ciências Jurídicas, PUC-Rio. Disertação de Mestrado orientada pela
professora Sônia de Camargo, 1989.
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13
Junto com as descobertas acadêmicas que ampliavam nossos horizontes e
nos faziam descobrir o valor da cidadania e da participação social para a
construção do bem comum, inquietava-nos e nos interpelava a realidade de nosso
novo país – o Brasil –, com suas extremas desigualdades, que evidenciavam a
falta ou a precariedade da cidadania para as grandes maiorias. Também nos
preocupava nossa situação de, sendo estrangeira, poder realizar os estudos com
uma bolsa oferecida pelo governo brasileiro, quando muitos cidadãos/as do
próprio país não tinham acesso à universidade.
No Brasil, descobrimos e aprendemos que uma sociedade com dignidade e
qualidade de vida para todos/as se constrói com a participação e a colaboração de
diferentes mediações, e que tão importante quanto o governo é a sociedade civil,
com seus diferentes atores sociais.
Nossa vida sofreu grande mudança de rumo ao terminar o mestrado.
Decidimos ficar no Brasil e colocar nossa profissão a serviço dos grupos sociais
excluídos ou que vivem com sua cidadania negada, colaborando no difícil
caminho de construção da cidadania social e da afirmação da democracia.
Todas essas inquietudes e desejos se concretizaram através de um projeto
coletivo, construído com outros profissionais de ciências humanas e sociais, que
se efetivou na criação de uma organização não-governamental. No início da
década dos noventa, algumas ONGs brasileiras adquiriram especial visibilidade
depois de anos de repressão; outras nasciam procurando focalizar temas
emergentes no contexto de redemocratização do país. Todas essas organizações
estavam se afirmando e se apresentavam como uma plataforma importante e
estratégica para a formação de atores sociais.
Desde 1991, assumimos a coordenação executiva da ONG Novamerica,
que tem como finalidade:
promover a construção da democracia como estilo de vida e a participação na
sociedade civil, favorecer o desenvolvimento de uma consciência latino-americana
e de uma ética da solidariedade, estimular o reconhecimento e valorização das
diferentes culturas, no âmbito nacional e internacional, através da promoção de
processos educativos e culturais orientados à formação de diferentes agentes
sociais multiplicadores, prioritariamente pertencentes a grupos populares e
excluídos, e à capacitação de professores/as (
www.novamerica.org.br
, acessada em
30/1/2008).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
14
Durante todos esses anos, desenvolvemos nossa profissão na área da
educação em/para os direitos humanos e a cidadania, em que adquirimos ampla
experiência e formação profissional, através do trabalho na educação formal,
especialmente na formação em serviço de professores/as de escolas públicas de
diferentes municípios do Estado do Rio de Janeiro e em outros estados do Brasil
assim como em outros países da América Latina, e na educação não formal, na
formação de agentes sociais de diferentes movimentos sociais.
As atividades promovidas por essa ONG abrange diferentes dimensões:
pesquisa, sistematização, realização de processos formativos, elaboração de
materiais pedagógicos e diferentes publicações.
Nossa preocupação permanente, que perpassa todos esses âmbitos de
atuação, é colaborar na transformação social e na construção de um projeto
contra-hegemônico de sociedade, em que a democracia não se reduza a momentos
de eleição, mas seja uma prática cotidiana que perpasse as diferentes dimensões
da vida.
Nossa função dentro da ONG e nossa experiência profissional nos levaram
a participar e militar em diferentes instâncias e grupos, em níveis nacional e
internacional, ao longo de todos esses anos.
No nível pessoal, o desenvolvimento de processos educativos de formação
da cidadania de sujeitos e atores sociais nos levou a questionar novamente nossa
própria cidadania, que, por ser estrangeira, via-se cerceada, especialmente no que
se refere aos direitos políticos. A inserção de permanência no Brasil e a
identificação com o contexto sociocultural do país junto com esse questionamento
nos motivaram a tomar a decisão e opção de assumir a nacionalidade brasileira,
que se concretizou em 1999.
Além de marcar nossa trajetória profissional, o tema da educação em/para os
direitos humanos nos processos de redemocratização vem nos instigando intelectual
e experiencialmente há vários anos e em diferentes dimensões. Nesse sentido, para
aprofundar nessa perspectiva, em 2003 candidatei-me ao Doutorado em Educação
da PUC-Rio. O trabalho de pesquisa que desenvolvemos é fruto dessa trajetória.
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15
1.2
Delimitação do tema: processos de democratização e educação
em/para os direitos humanos
A democracia na América Latina apresenta-se como uma realidade
contraditória, herdeira de uma tradição de fortes contrastes. Não só o conceito de
democracia contém, em nossa região como em outras partes do mundo, o legado
universal de uma trajetória de longa duração, mas também revela, no decurso do
tempo, uma mudança de significados e de contextos tão ricos quanto persistentes,
que permitem afirmar que a democracia é o resultado de uma intensa e corajosa
experiência social e histórica que se constrói dia a dia, nas realizações e
frustrações, ações e omissões, ocupações, intercâmbios e aspirações de seus
protagonistas: cidadãos, grupos sociais e comunidades que lutam por seus direitos
e edificam incessantemente sua vida em comum (PNUD, 2004:53).
No sentido histórico-político, Botana (2004:32-33) destaca que a
peculiaridade da democracia na América Latina consiste no fato de que ela teve
que realizar, ao mesmo tempo, os propósitos de constituir o Estado, a nação, a
cidadania, a representação política e a sociedade civil. A democracia não se
produziu, na região, segundo uma seqüência diacrônica, segundo a qual o Estado
e a nação precedem ao desenvolvimento dessa forma de organização social. Por
outro lado, as mudanças e regressões dos atributos republicanos da representação
política e da cidadania não avançaram de acordo com o modelo que aos direitos
civis se superpõem posteriormente os direitos políticos e a esses se acrescentam os
direitos sociais. A metáfora de um aperfeiçoamento cronológico dos direitos,
análoga às gerações, tem na América Latina um caráter muito mais descontínuo.
Os direitos não têm cobrado forma por acumulação, e sim pela exclusão
2
.
2
Botana comenta que, em cada um desses itinerários, a presença de alguns direitos ocasionou a
negação completa ou parcial de outros. No primeiro itinerário, a manipulação dos direitos políticos
colocou a descoberto a vigência truncada dos direitos civis; no segundo, o impulso para o
desenvolvimento dos direitos sociais se afirmou em algumas oportunidades em detrimento dos
direitos civis e políticos e, no limite extremo da ditadura, levou à sua radical abolição; no terceiro,
contemporâneo com nossas circunstâncias, a expansão dos direitos políticos deve procurar a
vigência dos direitos civis e sociais, profundamente afetados pelo contexto de insuficiência
institucional e de aumento das desigualdades.
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16
Os processos de democratização a partir da década de 1980, na maioria
dos países da América Latina, deram-se junto com a aplicação e implementação
das políticas neoliberais, especialmente a partir do “Consenso de Washington”,
realizado em 1989. O Chile é uma exceção nesse processo, porque a aplicação do
modelo neoliberal, especialmente na política econômica, já tinha começado
durante a ditadura de Pinochet, iniciada em 1973, mas continuou sendo reforçada
nos diferentes governos democráticos.
Sinteticamente, podemos afirmar que as principais características desses
processos de democratização orientados pela ideologia neoliberal, que provocam
diversas mudanças estruturais, são as seguintes:
No âmbito econômico, a globalização, alinhando-se à lógica do
mercado mundial, os ajustes estruturais, a transformação produtiva, o
equilíbrio macroeconômico e o controle da inflação;
Na esfera do Estado, as reformas, privatizações, enfraquecimento e
deslocamento dos principais direitos sociais da esfera pública para o
âmbito privado e do mercado;
Na dimensão social, acentuam-se os processos de exclusão de todo
tipo, de polarização, de violência e de aumento das desigualdades;
No âmbito cultural, acontece uma acentuada segmentação, com o auge
da cultura do consumo opulento e da produção eficiente, com a
afirmação da ideologia do mérito individual, do prêmio para os
vencedores e exclusão dos que são incapazes de se afirmar na lógica do
sistema;
Na esfera política, os processos de democratização realizados sob o
esquema neoliberal estão marcados pela corrupção e apresentam a
democracia como um valor, enfocada estritamente como uma forma de
governo. Segundo Weffort (1992:97) a visão da democracia
predominante se situa:
na definição dos procedimentos que os cientistas políticos chamam de “definição
mínima” da democracia: voto secreto, sufrágio universal, eleições regulares,
competição partidária, direito de associação e responsabilidade dos executivos.
Esta ênfase no nível dos procedimentos eleitorais, afirmando a dimensão
formal, é a que alguns autores, como O’Donnell (2000), identificam como
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17
“democracia de baixa intensidade”. Nesse contexto, a democracia se apresenta
como um valor e uma prática de âmbito político, mas a articulação e a regulação
da sociedade não vão ser realizadas através dessa dimensão e, sim,
progressivamente, vão ser deslocadas para a centralidade da esfera econômica,
especialmente para o âmbito do mercado. Essas “democracias de baixa
intensidade” neoliberais na América Latina substituem uma forma de organização
e desenvolvimento social e político estruturada a partir do Estado por outra
organizada em torno do mercado, configurada a partir de sua própria lógica.
Como destaca Borón (2003:28), os governos não ficaram satisfeitos com
estabelecer uma economia de mercado: foram ainda mais longe, promovendo uma
“sociedade de mercado”, na qual os direitos dos cidadãos são redefinidos a partir
de uma lógica mercantil, produzindo por essa via a desproteção de grandes
contingentes das populações. A passagem de um modelo para o outro se dá
mediada pela capitulação do Estado e a falência de suas capacidades de
intervenção e gestão, o que coloca objetivamente o Estado e a sociedade como
reféns do mercado, e este em condições de desenvolver até o limite o darwinismo
social que permite selecionar os mais aptos e eliminar o resto.
Nesse sentido, o Relatório sobre a Democracia na América Latina
(2004:31), elaborado por um grupo de especialistas para o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) a partir de um estudo realizado em 19
países do continente, também demonstra em suas conclusões que, na década de
1990, embora muito valiosos, os avanços alcançados em termos de
desenvolvimento da democracia não foram suficientes. E afirma ser necessário
aprofundar, para avançar neste caminho, tanto a governabilidade democrática,
entendida como o fortalecimento institucional do regime, quanto – e de maneira
muito especial – a cultura política, que pressupõe a construção de espaços de
participação eqüitativa, especialmente dos mais desfavorecidos. Isso supõe
decisão política, assim como poder contar com dirigentes comprometidos com
seus países e com a região, e cidadãos e cidadãs decididos a enfrentar os
problemas e desafios para viver cada vez mais e melhor com democracia.
O relatório corrobora a afirmação já destacada, de que no continente,
especialmente na década dos noventa, a democracia foi observada essencialmente
em sua dimensão eleitoral. A política foi examinada sob o prisma da crise
expressa pelos partidos, pelas estruturas clientelistas, pela corrupção ou pelos
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regimes eleitorais, e a problemática do Estado centrou-se na questão do equilíbrio
das contas fiscais, na modernização burocrática e na diminuição de sua
interferência na economia. Tendo presente essa realidade, o documento propõe,
para a discussão do desenvolvimento da democracia, ampliar os conteúdos da
agenda, partindo da base de que a definição dos sentidos da democracia também
faz parte das tarefas que possibilitam transformá-la e enriquecê-la (PNUD,
2004:52).
Nesse contexto, em confronto com o projeto de redemocratização
neoliberal, vem se afirmando igualmente a perspectiva da democracia
participativa e popular que supera a consolidação da democracia eleitoral
sustentada pelo neoliberalismo. Este projeto se baseia especialmente na abertura e
aprofundamento de novas esferas do espaço público, especialmente através da
sociedade civil, alargando o conceito de participação política e de cidadania
(Dagnino et alli, 2006:15).
Essa visão se assenta na articulação de três eixos importantes da construção
do processo democrático no continente.
Em primeiro lugar, o reforço da consolidação de fato da democracia
eleitoral durante as últimas décadas em praticamente toda a América Latina, com
diversos graus de desenvolvimento ou precariedade institucional, o que tem
permitido que essa prática fosse se afirmando por vias constitucionais, mesmo em
países que passaram por graves crises internas.
No entanto, tem-se estendido por toda a região uma profunda insatisfação
com os resultados dessas democracias de “baixa intensidade” em termos de justiça
social, eficácia governamental e inclusão social e política. Essa realidade
configura o segundo eixo do processo. Essa decepção da cidadania com os
verdadeiros resultados das democracias realmente existentes no continente foi
muito bem demonstrada pelo Informe sobre a Democracia, do PNUD, ao qual já
fizemos referência.
O terceiro eixo refere-se a todas as experiências que se vêm realizando em
matéria de aprofundamento e inovação democrática e de alargamento do campo
da política e da construção da cidadania em vários países do continente. Essa
realidade permite ressignificar a idéia da própria democracia, demonstrando em
diferentes escalas e graus de complexidade que é possível construir outro projeto
democrático baseado em princípios de extensão e capacidades de decisão,
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19
participação política da cidadania e reconhecimento e inclusão das diferenças.
Esse debate sobre a democracia e os diferentes projetos políticos que vêm
sendo gerados a partir de experiências concretas caracteriza atualmente a América
Latina. É importante salientar que os diferentes projetos usando os mesmos
termos e discursos parecidos na realidade apresentam horizontes diferentes, o que
exige uma discussão aprofundada sem a qual corre-se o risco de considerar as
diferentes posições como confluentes.
É nesse cenário de disputas de visões e conteúdos democráticos que começa
a ser desenvolvida no continente a educação em/para os direitos humanos no final
da década de 1980, com a convicção de que:
recuperar a democracia significava capacitar-se para conhecer, defender e exigir o
respeito dos direitos humanos. Sabia-se que com a violação dos direitos humanos
não pode ser construída uma sociedade moderna e democrática. Acreditávamos que
os direitos humanos deveriam ser o fundamento ético de um novo paradigma
educativo, de uma educação libertadora, transformadora, de uma educação para a
cidadania (Magendzo, 2005:1).
No que diz respeito ao nosso tema de estudo, a relação dessas novas
democracias com os direitos humanos e, mais especificamente, com a educação
em/para os direitos humanos, três aspectos são de especial importância no período
que nos ocupa e de alguma forma qualificam esse período de democratização.
O primeiro aspecto se refere à sua relação com as violações ocorridas nas
ditaduras recentemente vividas. Os governos democráticos terão que enfrentar
essa questão, especialmente no início de cada gestão. O segundo aspecto está
relacionado à tensão entre democracia e mercado e suas conseqüências do ponto
de vista da efetivação dos direitos econômicos e sociais. Um último elemento a
ser mencionado se relaciona com as questões decorrentes da afirmação dos
direitos culturais, reivindicados pelos grupos historicamente silenciados e
excluídos, que requererão a implementação de políticas públicas específicas.
No desenvolvimento de nossa pesquisa, procuramos aprofundar e
desenvolver esses aspectos, especialmente no que diz respeito à sua relação com a
educação em/para os direitos humanos, confrontando a democracia com suas
próprias violações e contradições. Como destaca Alves (2005:154):
conforme estabelecia a Declaração e Programa de Ação de Viena 1993, a
democracia é elemento fundamental para se obter a observância dos direitos
humanos, inclusive os “de segunda geração”. Até porque, conforme ensinava
Marshall desde a década de 1940, os direitos civis e políticos sempre foram
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instrumentos importantes para a consecução dos direitos econômicos e sociais pelo
proletariado dos países que se modernizaram nos dois últimos séculos. Mas, para
quem acompanha apenas superficialmente a questão dos direitos fundamentais
nestes tempos pós-Guerra Fria, dada a acentuada assertividade dos movimentos da
sociedade civil, a total liberdade dos partidos de oposição e a extraordinária – e
salutar – exposição autocrítica das mazelas nacionais a que se dedicam os mais
importantes órgãos de imprensa livre (quando não submetida pelo sistema
econômico dominante a verdadeira lavagem cerebral, como se vê em alguns dos
países ocidentais desenvolvidos), tem-se a impressão de que países como o Brasil,
o Chile, a Argentina, a Venezuela e outros congêneres, plenamente
redemocratizados neste início de século, são mais violadores dos direitos de sua
população do que governos autoritários ignorados dos noticiários.
Como afirma O’Donnell (2004b:11) no estudo realizado pelo PNUD, já
referido, sobre a democracia na América Latina, é importante levar em
consideração, em seu desenvolvimento, os seguintes aspectos:
embora o regime democrático seja um componente indispensável
da democracia, ele é insuficiente para caracterizá-la
adequadamente. O Estado e, em alguns sentidos, o contexto social
geral, também são componentes importantes da democracia;
o estudo da democracia no mundo e, portanto, no continente, supõe
atenção à especificidade histórica de cada caso.
A democracia é mais do que um conjunto de condições para eleger e ser
eleito, identificada como democracia eleitoral. Democracia é também uma
maneira de organizar a sociedade com o objetivo de garantir e expandir os direitos
que os indivíduos possuem. Essas duas caras da democracia estão intimamente
vinculadas, e o grau de desenvolvimento de ambas incide substancialmente em
sua qualidade e sustentabilidade (PNUD:2004-53).
Nesse sentido, Vázquez (2001) destaca que o tema dos direitos humanos e
da educação em/para os direitos humanos torna-se de fundamental importância,
porque:
Ninguém (...) pode gozar completamente de nenhum direito, que supostamente
possui, se não conta com os elementos essenciais para uma vida razoavelmente
saudável e ativa. Como conseqüência, seria inconsistente reconhecer direitos
referentes à vida ou à integridade física quando os meios necessários para o
exercício e gozo desses direitos são omitidos (apud PNUD, 2004:67).
Também Weffort (1992:98) reforça essa linha de pensamento quando chama
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a atenção para a complementação entre as regras mínimas de procedimento das
novas democracias políticas e a existência de certas condições sociais mínimas
que as façam possíveis.
Embora as constituições da América Latina consagrem os direitos à
educação, à saúde e ao trabalho, estes foram seriamente comprometidos durante o
período referido, assim como outras dimensões, como a satisfação das
necessidades básicas, que continua recebendo tratamentos desiguais nos diferentes
países. Transformar essa realidade significa investir numa série de políticas
públicas precisas e focalizadas nessa direção.
Nessa perspectiva, o tema da educação em/para os direitos humanos se torna
relevante e uma mediação oportuna e apropriada para a construção dos processos
de redemocratização, como destaca Klainer (2000:39):
hoje mais que em outras épocas é necessário recuperar o ideal de cidadania
unificador que não pode ter outro horizonte ético que a cultura dos direitos
humanos, e para isso a escola joga um papel muito importante, porque se tem
convertido praticamente no único espaço público de contacto entre a sociedade e o
Estado.
Nesse contexto, surge a pergunta sobre o papel da educação em/para os
direitos humanos desde meados da década dos anos 80, quando começam as
primeiras experiências que lhe dão origem em contextos políticos de
redemocratização.
1.3
Questões, hipótese de trabalho e objetivos da pesquisa
A questão que nos move a realizar este estudo refere-se às seguintes
perguntas: que relações existem entre educação em/para os direitos humanos,
cultura política e democracia? Em que medida a educação em/para os direitos
humanos exerce função mediadora nesses processos? Como os protagonistas da
promoção da educação em direitos humanos vêm essa relação? Como se
desenvolveu a educação em/para os direitos humanos a partir da década dos 80 na
América Latina e, particularmente, nos países focalizados nesta pesquisa? Que
possibilidades e dificuldades as políticas públicas de educação em direitos
humanos têm enfrentado? Qual o papel da sociedade civil nesses processos?
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22
A hipótese orientadora de nosso trabalho é a seguinte:
A educação em/para os direitos humanos tem contribuído para a
construção democrática tendo como eixo central os direitos da igualdade. As
questões relativas aos direitos referidos às diferenças somente recentemente vêm
adquirindo, ainda lenta e fragilmente, maior visibilidade nos processos de
afirmação democrática nos países pesquisados.
Assim, nossa pesquisa foi orientada pelos seguintes objetivos:
Analisar a evolução da educação em/para os direitos humanos na
América Latina tendo presente o desenvolvimento dessa temática
no contexto internacional;
Compreender as inter-relações entre o papel dos diferentes atores
sociais, organizações não-governamentais, governo etc. na
promoção da educação em/para os direitos humanos em contextos
sociopolíticos de (re)democratização: Chile e Brasil;
Identificar as principais questões e desafios para o
desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos no
momento atual do continente.
No que diz respeito à pesquisa de campo, realizamos dois estudos de caso:
no Brasil e no Chile. Essa opção foi motivada porque os dois países apresentam
algumas semelhanças e diferenças em relação ao foco de estudo. Em ambos os
países as primeiras experiências de educação em/para os direitos humanos
começaram a ser desenvolvidas na segunda metade da década dos anos 80. No
início dos anos 90, os dois países já tinham superado as ditaduras militares e se
encontravam em franco processo de construção democrática, com eleições limpas
3
e livres, segundo a classificação do referido relatório do PNUD. Em ambos os
países a educação em/para os direitos humanos se desenvolveu com pessoas e
instituições de referência, que constituíram os sujeitos de nossa pesquisa.
Segundo alguns autores, as diferenças se apresentam fundamentalmente no
nível de consolidação das instituições e práticas que hoje reconhecemos como
3
O’Donnell caracteriza as eleições limpas como aquelas que são competitivas, livres, igualitárias,
decisivas e inclusivas (2004:22).
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23
democráticas. O Chile
4
é um dos poucos países da América Latina que seguiram
caminhos semelhantes aos dos países centrais no que se refere ao
desenvolvimento e evolução dos direitos humanos
5
(O’Donnell, 2004:55).
Hurtado (2004:392) afirma, em relação à cultura política, que o caso do
Chile é ilustrativo porque, desde que o povo colocou fim à ditadura:
sua democracia se tem caracterizado pela estabilidade de suas instituições, o
império da lei, a moderação do debate político, a procura de consensos, a vigência
de alianças perduráveis, a continuidade das políticas públicas, a presença de um
serviço público profissional e honesto, a ausência de políticas clientelísticas e
populistas, o predomínio do interesse geral e a presença de partidos políticos
representativos, atributos da democracia chilena de longa data que sua atual classe
dirigente tem resgatado.
Ao contrário do caso chileno, na maioria dos países latino-americanos,
incluído o Brasil, segundo O’Donnell
6
(2004), a seqüência foi a seguinte: primeiro
outorgaram-se alguns direitos sociais, mais limitados que nos países centrais e que
nas últimas duas décadas estão sendo profundamente fragilizados. Mais tarde,
adquiriram-se os direitos políticos através de processos passados ou presentes de
democratização política. Em terceiro lugar, e ainda hoje, os direitos civis
implantados de forma recortada e intermitente. Esse seria o padrão nacional-
populista que alcançou a conquista dos direitos políticos mas ainda falta muito
para conseguir, para todos, uma expansão satisfatória dos direitos civis e sociais.
Fato que demonstra a importância da democracia no continente como ponto de
apoio e espaço de luta para alcançar os outros direitos ainda tão limitados e
conferidos, na prática, de maneira parcial.
4
Junto com Costa Rica e Uruguai.
5
Esses países seguem o que se chama o “padrão marshalliano” de evolução de direitos civis-
políticos-sociais. Nos países centrais, a questão das capacidades que habilitam a exercer a
liberdade dos indivíduos foi encarada no âmbito dos direitos civis e sociais. A idéia que subjaz a
essas construções legais é a da eqüidade, que, em termos de capacidades disponíveis e de ausência
de coerção peremptória, considera os indivíduos como seres livres e responsavelmente capazes de
escolher. Essa visão ficou inscrita na consciência moral da humanidade pela Declaração Francesa
dos Direitos do Homem e do Cidadão. A maioria desses direitos não foi simplesmente outorgada,
eles foram conquistados por meio de múltiplas lutas, conduzidas por setores sociais oprimidos,
explorados e discriminados. Por esses caminhos complexos, aqui resumidos, é por onde nos países
centrais, foram surgindo as instituições e práticas que hoje reconhecemos como democráticas
(PNUD, p.62).
6
Pode-se ver também Murilo de Carvalho (1991) e Nun (2001), citados pelo próprio O’Donnell.
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24
Na caracterização que faz dos regimes democráticos contemporâneos na
América Latina
7
, O’Donnell também destaca que, embora existindo variações,
pode ser realizada uma classificação que mostra a diferença entre os dois países
selecionados para nossa pesquisa de campo.
Países onde o regime e o Estado característicos da democracia estão
basicamente satisfeitos. Ai se encontram: Costa Rica, Uruguai e Chile.
Países que podem ser classificados como democracias políticas ou
regimes políticos democráticos nos quais as características pertinentes
são satisfeitas a nível nacional mas há descontinuidades significativas
no alcance da legalidade do Estado em várias regiões, incluindo
características não-democráticas de alguns regimes subnacionais. Aqui
encontramos Brasil, Argentina, Bolívia e México, entre outros.
Países que podem ser classificados como “democracias políticas
condicionais”, devido ao fato de que, além de partilhar as
características do grupo anterior nos termos do alcance limitado da
legalidade do Estado, não apresenta com clareza a realização de
eleições limpas institucionalizadas. Neste caso se encontram
Guatemala e Venezuela.
O quarto item da classificação se refere a países que podem ser
considerados “regimes autoritários com base eleitoral”, que realizaram
eleições, mas não têm sido limpas e parecem não-institucionalizadas.
Neste grupo se encontram Paraguai e Haiti.
Para finalizar este item, consideramos também importante abordar o
sentido da educação em/para os direitos humanos. Educação e direitos humanos,
educação para os direitos humanos, educação em direitos humanos são expressões
que se utilizam normalmente para se referir ao nosso objeto de estudo. Parece que
são equivalentes, e que as variações lingüísticas são sem importância. No entanto,
consideramos que detrás dessas pequenas variações há visões e mentalidades
7
Segundo o autor, esses regimes, dos 19 países do continente estudados, partilham duas
características: a primeira corresponde à realização de eleições razoavelmente limpas,
institucionalizadas e inclusivas, assim como à sanção dos direitos participativos relativos a tais
eleições; a segunda se refere ao desfrute de algumas liberdades políticas, especialmente de
opinião, expressão, associação, movimento e aceso a meios de comunicação razoavelmente livres
e pluralistas.
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25
diferentes em relação à compreensão do sentido da educação em direitos
humanos. Neste trabalho, utilizaremos a expressão educação em/para os direitos
humanos porque consideramos que o ato de educar leva consigo um aspecto
importante que é saber, informar-se, compreender o conteúdo dos direitos
humanos e seu significado jurídico, histórico, social etc., mas, ao mesmo tempo,
exige uma prática determinada, uma ação, uma coerência entre o conhecer e o
fazer, que implica determinado enfoque metodológico/didático capaz de conter
todas essas dimensões.
No texto o/a leitor/a encontrará também algumas das outras expressões que
aparecerão em momentos específicos. Nesses casos, optamos por respeitar a
expressão usada pelo/a autor/a ou o/a entrevistado/a.
1.4
Situando a pesquisa de campo: considerações metodológicas
A natureza das questões que constituíram o nosso objeto de estudo e sua
abrangência exigiram um tratamento metodológico que articulasse as seguintes
dimensões: análise bibliográfica, orientada a realizar um balanço crítico da
produção pertinente, e a realização de uma pesquisa de campo na perspectiva
qualitativa, através do desenvolvimento dos estudos de caso já mencionados.
Com Serrano Blasco (1995:45), pensamos que o estudo de caso reconhece,
na singularidade individual, na particularidade, o espaço privilegiado em que a
cultura e a história se “depositam” e constituem um ser falante. A centralidade do
estudo de caso é o particular; mas este é abordado como uma conquista criativa,
sempre discursivamente estruturada, historicamente contextualizada e socialmente
produzida, reproduzida e transmitida.
Na mesma linha, André (2005:18), citando a concepção de Stake (1995)
sobre o estudo de caso qualitativo, destaca que “é o estudo da particularidade e da
complexidade de um caso singular, levando a entender sua atividade dentro de
importantes circunstâncias”, ou seja, um estudo em profundidade de um fenômeno
educacional com ênfase em sua especificidade. É nessa perspectiva que nos
situamos para desenvolver o trabalho de campo.
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André também enfatiza que o estudo de caso não é um método específico,
mas um tipo de conhecimento. O estudo de caso não é uma escolha metodológica,
mas uma escolha do objeto a ser estudado em que uma questão fundamental é o
conhecimento derivado do caso, o que se aprende ao estudar o caso (André,
2005:16).
Como fontes para a pesquisa, utilizamos dois níveis de informações. O
primeiro, centrado na análise documental e bibliográfica, em que trabalhamos a
legislação internacional, especialmente de organismos internacionais como a
ONU, a Unesco e no âmbito interamericano sobre educação em direitos humanos.
Esses documentos situam as políticas públicas em ambos os países objeto da
pesquisa, assim como as produções de autores e instituições de diferentes origens
especializados na educação em/para os direitos humanos, dando ênfase especial à
produção latino-americana e à produção dos/as profissionais entrevistados/as.
Para a análise do processo de redemocratização vivido particularmente em cada
um dois países focalizados – Chile e Brasil –, privilegiamos a produção de autores
latino-americanos.
Quanto ao segundo nível de informação, diz respeito às leituras,
concepções e perspectivas dos diferentes atores selecionados por seu especial
comprometimento com o tema nos respectivos países e no continente. Nesta
perspectiva, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, levando em conta que
a escolha do procedimento e dos instrumentais adequados é um ponto crucial para
o desenvolvimento e a fidedignidade dos resultados da pesquisa. Nesse sentido,
o/a pesquisador/a se apropria da entrevista não como uma técnica que transpõe
mecanicamente para uma situação de coleta de dados, mas como parte integrante
da construção do objeto de estudo (Zago, 2007:295).
De acordo com André (2005:51), as entrevistas, no contexto dos estudos
de caso, objetivam revelar os significados atribuídos pelos/as entrevistados/as a
uma dada situação; a utilização desse instrumento se impõe como uma das
estratégias fundamentais para esse tipo de pesquisa.
Também conforme Thompson (1992) e Burke (1977) (apud Rosa e
Arnoldi, 2006:16):
a entrevista é uma ferramenta imprescindível para se trabalhar buscando-se
contextualizar o comportamento dos sujeitos, fazendo a sua vinculação com os
sentimentos, crenças, valores e permitindo, sobretudo, que se obtenham dados
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sobre o passado recente ou longínquo, de maneira explícita, porém tranqüila, e em
comunhão com o seu entrevistador, que deverá, inicialmente, transmitir atitudes
que se transformem em transferência e troca mútua de confiabilidade.
Sabemos que a construção da problemática estudada sofre processo de
amadurecimento, demanda trabalho de fôlego, como lembra Bourdieu (1989:27),
que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de
correções, de emendas, sugeridas por esse conjunto de princípios práticos que
orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas.
Convém ainda lembrar que o método é aqui entendido não em oposição à
teoria ou como um conjunto de técnicas de pesquisa. O sentido dado é o da
orientação teórico-metodológica que sustenta e dá sentido aos caminhos adotados
pelo trabalho de pesquisa. O método, como observa Oliveira (1998:21), envolve,
sim, técnicas que devem estar sintonizadas com aquilo que se propõe; mas, além
disso, diz respeito a fundamentos e processos nos quais se apóia a reflexão.
Na realização das entrevistas, levando em consideração que o campo que
estudamos nos era bastante familiar e seguindo Van Zanten (2004:302),
procuramos fazer com que tanto a escolha do campo de estudo quanto o modo de
conduzi-las fossem guiados por três tipos de orientação: a pertinência teórica e
prática, a necessidade de negociar um marco de interação com os atores e o
controle da subjetividade.
Para selecionar o campo de estudo a ser pesquisado, foi necessário analisar
com cuidado a adequação entre ele e o tema escolhido. A eleição inicial de um
campo não resolve todos os problemas, porque não existe um único contexto
homogêneo, no interior do qual os atores constroem sua atividade social. É
importante reconstruir a pluralidade de contextos necessários para a compreensão
das práticas e atitudes observadas. Nesse processo de reconstrução, participam as
hipóteses e os centros de interesse do pesquisador, mas também o ponto de vista
dos sujeitos estudados (Van Zanten, 2004:303)
A reflexão sobre o campo de estudo deve também integrar outra dimensão
que é teórica e prática, como o grau de abertura ou fechamento do próprio campo
de estudo; daí a importância de preparar a entrada no mesmo.
O segundo elemento levado em consideração na pesquisa de campo foi a
interação com os sujeitos a serem entrevistados, preparando o momento da
entrevista. Apresentamos seus objetivos e realizamos alguns intercâmbios via
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28
correio eletrônico antes do encontro presencial. Já tínhamos alguma relação com a
maioria dos/as entrevistados/as que eram conhecidos por nós, existindo
reconhecimento mútuo no campo da educação em/para os direitos humanos.
Nesse sentido, como lembra Zago, a entrevista se desenvolve em uma
relação social, o/a pesquisador/a não pode ser interpretado/a como se ele/a não
fosse tal pessoa, não pertencesse a tal sexo, etnia e profissão ou ainda como se não
ocupasse determinado lugar na sociedade.
A entrevista expressa realidades, sentimentos e cumplicidades que um instrumento
com respostas estandardizadas poderia ocultar, evidenciando a infundada
neutralidade científica daquele que pesquisa (2007: 301).
O terceiro elemento destacado por Van Zanten e do qual depende o
sucesso do trabalho de campo e sua validade refere-se ao controle da
subjetividade e da miopia intelectual ou social do/a pesquisador/a, para o qual é
fundamental ter consciência dos limites do seu próprio “olhar” e estar aberto a
ampliá-lo, tendo presente a interação com o “outro”, o/a entrevistado/a, aspectos
que procuramos trabalhar ao longo de toda a pesquisa de campo, tendo também
presente. como afirma Bourdieu (1998:713), que:
o [pesquisador] não pode ignorar que é próprio de seu ponto de vista ser um ponto
de vista sobre um ponto de vista. Ele o pode re-produzir o ponto de vista de seu
objeto, e constituí-lo como tal, re-situando-o no espaço social, a não ser a partir
deste ponto de vista muito singular (e, num sentido, muito privilegiado) onde deve
se colocar para estar pronto a assumir (em pensamento) todos os pontos de vista
possíveis. E é somente à medida que ele é capaz de se objetivar a si mesmo que
pode, ficando no lugar que lhe é inexoravelmente destinado no mundo social,
transportar-se em pensamento ao lugar onde se encontra seu objeto (que é também
o mesmo, em uma certa medida, um alter ego) e tomar assim seu ponto de vista,
isto é, compreender que se estivesse, como se diz, no seu lugar, ele seria ou
pensaria, sem dúvida, como ele.
Um aspecto também importante que tivemos presente em relação ao
controle da subjetividade, especialmente quando o campo de pesquisa pode ser
bastante familiar, é a postura de estranhamento frente ao nosso objeto de estudo,
sabendo que o processo de estranhar o familiar torna-se possível quando somos
capazes de confrontar intelectualmente – e mesmo emocionalmente – diferentes
versões e interpretações existentes a respeito de fatos, situações e experiências.
Como nos lembra Velho (1978:126) em relação a esse processo,
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o que sempre vemos e encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente
conhecido, e o que não vemos e encontramos pode ser exótico, mas, até certo
ponto, conhecido. No entanto, estamos sempre pressupondo familiaridades e
exotismos como fontes de conhecimento ou desconhecimento, respectivamente.
A seleção dos/as entrevistados/as foi realizada levando em consideração o
critério de que fossem profissionais que tiveram ou ainda têm especial
protagonismo no desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos nos
respectivos países estudados. Na medida das possibilidades, procurou-se, na
seleção dos/as entrevistados/as, seguir o critério de atuação pessoal relacionada à
educação em/para os direitos humanos, vinculação a grupos ou ONGs que tenham
sido pioneiras na década de 1980, assim como representantes das novas gerações
que se envolveram no trabalho de educação em direitos humanos na década de
1990. Foram realizadas no total 14 entrevistas.
No Chile, realizamos entrevistas com os seguintes profissionais, cujos
perfis estão no Anexo 1:
- Abraham Magendzo
- Eduardo Rojas
- Jorge Osorio
- Marcela Tchimino
- Patrício Donoso
- Teresita Maribel Gálvez.
No Brasil, foram realizadas entrevistas com os seguintes especialistas da
área, cujos perfis estão no Anexo 1:
- Aida Monteiro
- Antonio Carlos Fester
- Carlos Plastino
- João Ricardo Dornelles
- Margarida Genevois
- Maria de Nazaré Tavares Zenaide
- Maria Victória Benevides
- Sólon Eduardo Viola
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Entrevistamos também Leticia Olguín Suárez, natural da Argentina e de
nacionalidade costarricense, que foi diretora do projeto Educação e Direitos
Humanos, promovido pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos (Costa
Rica), desenvolvido no Brasil, Argentina, Uruguai e Costa Rica na década de 1980.
O roteiro da entrevista, semi-estruturada, com um total de 20 perguntas
(Anexo 2), foi organizado a partir dos seguintes eixos:
Trajetória profissional e social e envolvimento com a educação em direitos
humanos;
Concepções e evolução da educação em direitos humanos.
Relação entre educação em direitos humanos e processos de
democratização;
Desafios para a educação em direitos humanos na atualidade;
Outros tópicos.
A maioria das entrevistas foi realizada no local de trabalho do/a
entrevistado/a em ambos países, tendo sido previamente agendada. No caso do
Chile, fizemos o agendamento a partir do Brasil em função de aproveitar ao
máximo o tempo de permanência naquele país para a realização da pesquisa de
campo. Todas as entrevistas se desenvolveram em clima de liberdade e confiança,
tendo os/as entrevistados/as evidenciado disponibilidade de tempo –cada
entrevista durou aproximadamente duas horas – para explorar os temas abordados,
assim como uma atitude colaborativa para indicar nomes de outras possíveis
pessoas a serem entrevistadas, caso fosse necessário. Neste aspecto, procuramos
atender àquilo que foi assinalado por Kaufmann em relação ao clima e o papel dos
interlocutores na entrevista:
para atingir as informações essenciais, o pesquisador deve, com efeito, se
aproximar do estilo da conversação sem entrar numa verdadeira conversação: a
entrevista é um trabalho, que exige um esforço em todos os instantes. O ideal é
romper a hierarquia sem cair em uma equivalência de posições: cada um dos
interlocutores mantém um papel diferente [...]. O pesquisador entra no mundo do
informante sem ocupar o seu lugar” (apud Zago, 2007:305).
Todas as entrevistas foram transcritas e introduzidas no programa Atlas ti,
de analise de dados para pesquisa qualitativa, a partir de categorias construídas,
tendo presente o roteiro das entrevistas e as próprias respostas dos diferentes
sujeitos. No processo de transcrição levamos também em consideração a
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afirmação de Bourdieu (1998:709) sobre a importância da fidelidade e da
legibilidade em relação ao processo que o autor da transcrição produz. Fidelidade
ao que se manifesta durante a entrevista e que não se reduz ao que é registrado na
gravação. No entanto, as leis de legibilidade que se definem em relação aos
destinatários potenciais com expectativas e competências muito diversas impedem
a publicação de uma transcrição acompanhada das notas necessárias para restituir
o que foi perdido na passagem do oral para o escrito, isto é, voz, pronúncia e
entonação, ritmo, (cada entrevista tem seu tempo particular, que não é o da
leitura), emoções, a linguagem dos gestos, da mímica e toda a postura corporal.
Finalmente, na análise e na redação deste texto levamos em conta, de
acordo com Rosa e Arnoldi (2006:8), que o/a pesquisador/a jamais poderá se
furtar à dívida de expor os meios de transformação da informação em dados e de
argumentar a favor da sua adequação, que o/a levarão à/s resposta/s do problema,
assim como o fato de que:
é impossível mostrar todo o material recolhido, e é impossível fazê-lo sem um
trabalho de seleção, de montagem e de ‘posta em cena’, necessário para que este
possa ser acessível aos leitores. É necessário também, multiplicar o recurso do
material empírico na atividade da escrita através de citações de entrevistas, dos
estratos de observação, de recensões elaboradas durante o trabalho de campo, não
só para produzir um ‘efeito de realidade’ mas para separar-se claramente a
interpretação sociológica empiricamente fundada da especulação filosófica ou de
diversas tentativas ideológicas e morais. (Van Zanten 2004:309).
É importante ter presente que, no estudo de caso, o que se pretende
apresentar, com base nos dados obtidos e na leitura do/a pesquisador/a, constitui
uma das possíveis versões do caso, deixando aberta a possibilidade de que o leitor
confirme ou conteste essa versão, com base nas evidências fornecidas. Parte-se do
pressuposto de que a reconstrução do real feita pelo/a pesquisador/a não é a única
possível ou correta, mas espera-se que ofereça elementos suficientes (provas,
indícios), de modo que o/a leitor/a possa julgar a credibilidade do relato e a
pertinência das interpretações (André, 2005:61).
Nosso trabalho está estruturado em duas partes. A primeira, Direitos
humanos e educação: um caminho em construção, inclui dois capítulos. O
Capítulo 2, intitulado Direitos Humanos: um discurso vazio?, traça um panorama
da temática no mundo atual globalizado, tentando mostrar como a teia da vida,
desde o cotidiano até a dimensão internacional, está perpassada por questões de
direitos humanos. O Capítulo 3, Educação em/para os direitos humanos: uma
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32
construção histórica, analisa a temática nos instrumentos internacionais, aborda
seu desenvolvimento na América Latina a partir da década de 1980 até o
momento atual e aprofunda no processo de construção da identidade da educação
em/para os direitos humanos.
A segunda parte, Direitos humanos e educação na América Latina: estudos
de caso, corresponde aos capítulos relativos à pesquisa empírica realizada. Está
constituída por dois capítulos. Os Capítulos 4 e 5 apresentam os estudos de caso
realizados sobre o desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos no
Chile e no Brasil a partir dos anos 1980 e no contexto de redemocratização vivido
em cada um desses países.
Por último, apresentamos as considerações finais, intituladas Educação
em/para os direitos humanos na América Latina: tensões, sonhos, perspectivas de
futuro, afirmando, junto com Zago (2007:307), que a realização desta pesquisa foi
um itinerário, um caminho que trilhamos e com o qual aprendemos muito, não por
acaso, mas por não podermos deixar de questionar nossos pontos de vista diante
das descobertas reveladas, seja pela leitura dos autores trabalhados, seja pelos
nossos entrevistados/as, que têm outras formas de marcar suas presenças no
mundo. Eles/as também nos ensinaram a olhar o outro, o diferente, com outras
lentes e perspectivas. Por isso, não saímos da pesquisa do mesmo jeito que a
iniciamos porque, como pesquisadora, fomos também ator social desse processo
de elaboração.
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2
Direitos Humanos e Educação: um caminho em construção
Os direitos humanos aparecem para nós como uma utopia a promover e
plasmar nos diferentes níveis e espaços da sociedade. Como tais,
apresentam-se como um marco ético-político que serve de crítica e
orientação (real e simbólica) em relação às diferentes práticas sociais
(jurídica, econômica, educativa etc.) na luta nunca acabada por uma ordem
social mais justa e livre (Salvat apud Magendzo, 1994:164).
2.1
Direitos Humanos: um discurso vazio?
Aprovada em dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das Nações
Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não retratou apenas, com
a reafirmação dos direitos individuais, um amplo e profundo sentimento de
indignação e repulsa da banalização do mal, provocada pelo horror da guerra e
pela barbárie totalitária.
Ela foi além, consagrando não só os esforços pela reconstrução econômica
e consecução da estabilidade nas relações internacionais como também um
passado de lutas políticas em favor da defesa dos direitos de minorias étnicas,
reconhecimento dos apátridas e proteção das vítimas de genocídios, inspirando-se
numa visão eurocêntrica que articula dignidade, justiça social e direitos humanos.
Também incorporou idéias e teses decorrentes das teorias do desenvolvimento
então em debate entre os vencedores da 2ª Guerra Mundial, no sentido de, por
meio dos governos nacionais e do planejamento estatal, tornar possível superar a
pobreza, estimular o crescimento da produção, assegurar o pleno emprego,
disseminar o bem-estar e promover a acumulação de riquezas.
Pouco mais de meio século depois, o horror da guerra continua. A barbárie
inerente às mais diversas formas de opressão continua banalizada e as violações se
multiplicam, assim como o desrespeito, a violência, o descaso e, principalmente, o
sofrimento humano, a negação da vida e da dignidade de tantos seres humanos.
Genocídios são cometidos tendo como pretexto “defesas preventivas” contra
possíveis atentados terroristas. O multilateralismo foi substituído pela vontade
unilateral do país hegemônico do mundo contemporâneo, em termos econômicos,
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tecnológicos e militares, pondo em xeque o caráter comunitário do discurso
normativo e da prática institucional associados à proteção internacional dos
direitos humanos.
Frente a esse quadro, em pleno século XXI, surge a pergunta: os direitos
humanos constituem hoje um discurso vazio?
Tudo parece apontar para que a resposta afirmativa surja sem dificuldade e
se confirme que o sonho da emancipação universal dos direitos humanos para
todos, do acesso à vida digna através do progresso, ficou soterrado com a crise do
paradigma da modernidade. Os tempos são outros e, na pós-modernidade, o
fragmento, o local e o particular são as molas construtoras através das quais esse
quebra-cabeça pode ser montado ou desmontado.
Neste capítulo, propomo-nos a abordar temas que consideramos
fundamentais, que envolvem e marcam hoje a trajetória dos direitos humanos,
tentando responder à pergunta.
2.1.1
Direitos humanos como tema global
Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o desmoronar da ordem da
Guerra Fria, terminou esse período central do Século XX, que Eric Hobsbawm
(1996) chamou “a era dos extremos”. Nesse novo contexto, os direitos humanos
foram apontados por muitos como o horizonte compartilhado de uma ordem
mundial que, finalmente, seria baseada no respeito universal pela dignidade
humana.
Na década de 1990, apesar da desordem imperante no sistema
internacional e das muitas dificuldades para sua estabilização, em relação aos os
direitos humanos, segundo Alves (2003), dois elementos podem ser identificados
como promissores para uma possível nova ordem em gestação.
O primeiro refere-se à revalorização das Nações Unidas como instrumento
para a solução de conflitos, em contraposição à situação de descrédito e
emperramento em que se encontrava nas décadas de 1970 e 1980. Na última
década do século XX, a ONU viveu uma fase de hiperatividade.
O segundo foi o surgimento de novos temas de interesse na agenda global
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35
impulsionados por essa instituição, como conseqüência do término da Guerra Fria.
Esses novos temas marcam toda a década, através da realização de conferências
mundiais promovidas pela própria ONU. Dentre todos eles, os de maior
prioridade foram os focalizados pelas duas primeiras conferências: o meio
ambiente e os direitos humanos.
Naquele momento, a ONU passava a ser encarada como a única entidade
existente capaz de promover formas de cooperação abrangentes para a solução de
problemas que se revelavam planetários. Nesse contexto surgiu a expressão
“temas globais” (Alves, 2005:188).
Não é difícil compreender as razões que, nesse momento, levaram-na a
priorizar o meio ambiente como tema global; basta lembrar algumas questões hoje
muito candentes que já nessa época começavam a preocupar a humanidade, tais
como: o crescimento do buraco na camada de ozônio, o desflorestamento
incontrolado, a degradação ambiental, a desertificação, a poluição atmosférica e
dos mares internacionais, entre outros.
Por isso, após o ensaio inicial da Cúpula Mundial da Criança, de 1990, o
ciclo das grandes conferências sociais da década começou com a Conferência
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de
Janeiro, que deu uma resposta a essas questões e ameaças com o aprofundamento
da noção de desenvolvimento sustentável e o programa final, a Agenda 21.
A Rio 92 foi a primeira conferência a buscar envolver, tanto na preparação
como durante sua realização, em instâncias paralelas, os Estados – principais
negociadores dos documentos – e uma ampla gama de atores da sociedade civil:
ONGs, militantes de movimentos sociais, associações comunitárias de base,
representantes de populações indígenas, cientistas, empresários e universidades,
entre outros atores influentes e interessados no processo de desenvolvimento.
Mais difícil de compreender foi o caminho realizado pelos direitos
humanos para sua afirmação como tema prioritário da agenda global. Por analogia
com o caráter transnacional dos fenômenos ambientais, era evidente que fortes
violações de direitos humanos têm também repercussões transnacionais, como as
emigrações em massa, com suas diferentes conseqüências, e todas as situações
decorrentes da guerra em diferentes países. No entanto, segundo Alves (2003),
não eram especificamente esses casos extremos e transfronteriços que
conformavam o objeto central da questão dos direitos humanos como tema global.
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36
É, sim, a situação dos direitos humanos dentro da jurisdição de cada Estado
em tempos de paz. E isso se deve a uma conjunção de fatores que somente
poderia realizar-se com o fim da bipolaridade da Guerra Fria (2003:3).
Com a diminuição do conflito ideológico que configurava o cenário
internacional, as situações nacionais começaram a colocar-se mais em evidência e
o estado deplorável dos direitos humanos em muitas regiões se converteu numa
significativa ameaça para a estabilidade internacional.
A afirmação dos direitos humanos como tema de interesse internacional
fundamenta-se, estrategicamente, na percepção de que violações maciças podem
levar à guerra. Também é necessário ter presentes as preocupações preventivas e
autodefensivas dos Estados, dos países ricos temerosos de serem invadidos por
levas de refugiados. Do ponto de vista econômico, os países mais ricos utilizam o
tema dos direitos humanos como condição para a assistência e a cooperação
econômica com os países mais pobres. Ao mesmo tempo, soma-se, especialmente
na década dos anos 90, a hegemonia do modelo neoliberal como única saída e a
democracia representativa como sistema de organização política. Em nosso
continente, crescem os espaços e as experiências de redemocratização.
Em paralelo com esses fatores transnacionais, consolidava-se, entre
cidadãos, ativistas e minorias nacionais, a convicção de que somente a proteção
dos direitos humanos conferiria real legitimidade aos governantes e qualificaria a
democracia.
Os principais avanços conceituais da Conferência sobre Direitos Humanos
realizada em Viena, em 1993, referem-se à reafirmação da universalidade e da
indivisibilidade dos direitos humanos; à legitimação das preocupações
internacionais com as violações; ao estabelecimento do vínculo entre democracia,
desenvolvimento e direitos humanos; ao reconhecimento do direito ao
desenvolvimento (Alves, 2005:189).
No entanto, essa conferência também não era social stricto sensu. Por mais
que os direitos econômicos e sociais estivessem entronizados na Declaração
Universal de 1948 e regulamentados pelos dois grandes pactos internacionais de
1966 (sobre direitos econômicos, sociais e culturais e sobre direitos civis e
políticos), os direitos fundamentais de todo ser humano até esse momento não
eram considerados matéria atinente às sociedades como coletividades. Até porque,
na visão ocidental liberal mais ortodoxa, eles são direitos apenas do indivíduo.
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37
Nesse sentido, o evento que pela primeira vez deu aos direitos humanos
substância claramente social foi a Conferência do Cairo, de 1994, sobre população
e desenvolvimento.
Foi nela que surgiu, entre delegados e observadores, a expressão “Agenda
Social da ONU”, amplamente utilizada. E foi o Programa de Ação do Cairo
que primeiro abordou os diferentes temas dessa agenda como um conjunto
indissolúvel de elementos reciprocamente influentes, a ser necessariamente
tratados de maneira integrada (Alves, 2005:190).
Essa conferência fortaleceu a luta pelos direitos definidos na Declaração
Universal, com ênfase nos direitos econômicos e sociais.
O elo seguinte dessa cadeia foi a Cúpula Mundial de Desenvolvimento
Mundial sobre Desenvolvimento Social, reunida em Copenhague, em março de
1995. Ela colocou em evidência a visão simplista do mundo no sentido Norte-Sul,
mostrando que tanto os países considerados em desenvolvimento têm seu “Norte”
interior, opulento, como os países desenvolvidos têm um “Sul” em crescimento,
nacional ou imigrado, necessário para os trabalhos menos nobres das sociedades
mais ricas. Convocada com muitas resistências de diferentes países, esta cúpula
abordou aspectos que pareciam preconfigurar a Conferência de Monterrey de
2002, sobre financiamento ao desenvolvimento.
Os outros dois grandes encontros sociais das Nações Unidas na década de
1990 foram a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing em
1995, essencialmente uma conferência sobre os direitos humanos da mulher em
sua especificidade, em que saiu fortalecido o conceito de empoderamento, e a
Conferência sobre Assentamentos Humanos (Habitat II), em Istambul em 1996,
que tratou dos problemas das cidades e teve como centro de controvérsias a noção
de direito à moradia como um direito humano.
Reforçando a idéia da necessidade de participação de todos os atores
interessados na administração dos assentamentos humanos, a Habitat II foi
inovadora em seu formato, porque nela, pela primeira vez, os Estados
aceitaram estabelecer, em nível de igualdade teórica com o comitê
governamental negociador dos documentos finais, um Comitê de Parceiros.
Dele participaram com intervenções formais, sugestões e testemunhos, não
somente ONGs, mas autoridades locais, sindicatos, movimentos sociais
variados e líderes comunitários leigos e religiosos (Alves, 2005:192).
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38
Vistas em conjunto, as conferências da década de 1990 mostram
tendências comuns importantes de serem destacadas, algumas das quais
permanecem até o presente:
iniciadas com o objetivo de resolver problemas de longa duração, as
conferências foram se adaptando às características da época, buscando
algum tipo de contrapeso para as dificuldades enfrentadas pelo processo
acelerado de globalização neoliberal, que provocou o enfraquecimento do
setor público, o que levou a dar força à ação da sociedade civil;
as soluções para problemas planetários foram se concentrando cada vez
mais no nível local comunitário, substituindo a dimensão macro pela
micro, o global pelo local e perdendo força;
a ênfase de todas as conferências foi para as responsabilidades nacionais,
de cada Estado e para os respectivos atores domésticos, não para a
cooperação internacional; nesse sentido, foram bem-sucedidas porque os
países democráticos passaram a levar em consideração as recomendações
sobre os temas tratados e a sociedade civil teve também crescimento na
luta e cobrança por políticas públicas;
a instrumentalização insistente dos direitos humanos como meio para a
consecução de outros objetivos acabou por trazer às conferências um
aspecto que as fazia confundir com conferências sobre direitos, não
necessariamente destinadas a promover o avanço social das coletividades e
sim do indivíduo ou dos grupos identitários e minorias existentes dentro
delas. Esse aspecto fez com que muitas instâncias econômicas
internacionais e algumas nacionais as desconsiderassem sem remorsos,
porque se tratava de matéria com exigências para outros, entendendo que
não eram matéria de exigência para organismos internacionais ou órgãos
do Estado;
a mesma insistência sobre direitos humanos, que se supunha positiva em
conferências posteriores à de Viena, associada à visão reducionista
predominante desses direitos como apenas direitos civis e políticos e à
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inflexibilidade dos países desenvolvidos para aceitar qualquer idéia capaz
de modificar o ritmo da globalização econômica acirrou a rejeição aos
próprios direitos humanos em países não-ocidentais, rotulando-os como
uma criação do Ocidente colonialista, agora imperialisticamente imposta
às demais civilizações e culturas.
À luz destes elementos, é possível afirmar que a Cúpula do Milênio,
realizada no ano 2000, com sua declaração de valores, princípios e metas a serem
alcançados até o ano 2015, assim como o Pacto Global de parceria, lançado pelo
secretário geral das Nações Unidas, configuram-se como a complementação
necessária às conferências da década de 1990.
Os últimos elos dessa corrente de eventos foram a Conferência de Durban,
contra o Racismo, a Discriminação Racial e Intolerâncias Correlatas, realizada em
2001, num ambiente conturbado e polêmico; e a Conferência de Monterrey,
realizada em 2002, que se dispôs a viabilizar a realização das Metas do Milênio
para o Desenvolvimento por meio de iniciativas de cooperação econômica.
Num olhar retrospectivo, podemos afirmar que, entre a adoção da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, com 48 votos, pela Assembléia
Geral da ONU em 1948, e a força adquirida em pouco mais de cinqüenta anos
pelos direitos humanos como tema global, o caminho que tem sido percorrido tem
sido longo e problemático.
Assim como os direitos humanos são reconhecidos desde a década de 1990
como instrumentos necessários para a obtenção de avanços no campo social, as
negociações multilaterais econômicas são também imprescindíveis à efetivação
dos direitos humanos em sua indivisibilidade intrínseca.
2.1.2
Globalização/ões e direitos humanos
A globalização é um fenômeno universal manifestado fortemente nas
últimas décadas, caracterizado por diferentes dimensões, que afeta a vida das
pessoas e dos povos de todos os continentes e contextos.
A bibliografia sobre globalização é muito ampla e extensa, assim como as
diferentes leituras e ênfases em suas várias dimensões (econômica, social,
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política, cultural, jurídica, religiosa), o que demonstra seu caráter multifacético,
que não permite uma leitura monolítica. Trata-se de um fenômeno complexo que
provoca processos de mudanças altamente contraditórios e desiguais, variáveis na
sua intensidade e até na sua direção.
Uma das tendências atuais na literatura sociológica e política é caracterizar
a globalização a partir de três afirmações básicas: 1) ela é plural (há várias
globalizações), como afirma Santos (1997); o termo globalização só deveria ser
usado no plural, pois diferentes conjuntos de relações sociais dão origem a
diferentes fenômenos de globalização; 2) não é linear, segundo Da Matta (1996);
não há etapas a vencer para chegar àquilo que seria uma instância final e
englobadora de toda a história humana; e 3) não se trata de um fenômeno recente
(o global e o local, o moderno e o tradicional coexistem há muito no espaço
social); como afirma Canclini (1996), a imposição de modelos culturais dos
vencedores é antiga na história das civilizações (Candau, 2002).
Santos (2002) também destaca que a globalização, longe de ser um
processo consensual, é um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos
sociais, Estados e interesses hegemônicos, de um lado, e grupos sociais, Estados e
interesses subalternos, de outro. Nesse sentido, o autor distingue quatro formas de
globalização.
O localismo globalizado, que consiste no processo pelo qual determinado
fenômeno local é globalizado com sucesso. Nesse modo de produção da
globalização, o que se globaliza é o vencedor de uma luta pela apropriação ou
valorização de recursos ou pelo reconhecimento da diferença. A vitória se traduz
na faculdade de ditar os termos da integração, da competição e da inclusão.
Outra forma de produção da globalização, o globalismo localizado,
consiste no impacto específico nas condições locais produzido pelas práticas e
imperativos transnacionais que decorrem dos localismos globalizados. Para
responder a esses imperativos transnacionais, as condições locais são
desintegradas, desestruturadas e, eventualmente, reestruturadas sob a forma de
inclusão subalterna.
Estas duas formas de globalização identificadas como hegemônicas,
seriam as que dão sustento às dinâmicas da globalização neoliberal. Além delas,
Santos enumera outras duas, o cosmopolitismo e o patrimônio comum da
humanidade, como formas de globalização contra-hegemônica que surgem das
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41
lutas de resistência emancipatória, realizadas em diferentes lugares e contextos, e
que apontam para a construção das novas cidadanias enraizadas no local, mas
com visão e conexão planetárias.
O cosmopolitismo abrange a organização transnacional de resistência dos
diferentes setores, regiões, classes ou grupos sociais vitimizados pelas trocas
desiguais de que se alimenta a globalização hegemônica. A resistência aponta para
a transformação das trocas desiguais em trocas mais compartilhadas e se
manifesta nas lutas contra a exclusão, a inclusão subalterna, a dependência e a
desintegração.
O patrimônio comum da humanidade consiste no movimento de
globalização de lutas transnacionais pela proteção e desmercadorização de
recursos, entidades e ambientes considerados essenciais para a sobrevivência
digna da humanidade, cuja sustentabilidade só pode ser garantida à escala
planetária.
A globalização hegemônica e a contra-hegemônica não acontecem em
paralelo, posto que são lutas que se travam no interior do campo social e cada uma
delas desenvolve uma dinâmica própria. E, em relação ao tema que nos ocupa – os
direitos humanos – cada uma delas promove e afirma dinâmicas e enfoques
específicos.
Tomando o ponto de vista da construção democrática na América Latina, a
globalização hegemônica neoliberal tem contribuído nas últimas décadas para o
reforço da democracia formal, procedimental, potencializando o enfraquecimento
do Estado através das reformas estruturais e das privatizações, deslocando o
centro de regulação social do âmbito do político, do público e do bem comum
para a esfera econômica, do mercado, do privado, do bem individual, gerando,
assim, as democracias de baixa intensidade, como alguns autores as caracterizam
(Sacavino, 2000).
A cidadania que as democracias de baixa intensidade têm promovido,
também tem sido uma cidadania de baixa intensidade. Por um lado, tem afirmado
os direitos civis e políticos, especialmente em três dimensões: a participação nos
processos eleitorais com o direito de eleger e ser eleito, o direito de livre associação
e a liberdade de imprensa e expressão. Por outro lado, porém, tem mercantilizado os
direitos sociais, colocando-os na esfera do mercado, da privatização, igualando
cidadania a consumo, excluindo dessa forma grandes contingentes de pessoas da
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42
esfera cidadã, do “direito de ter direitos” (Hannah Arendt).
À promoção de alguns dos direitos formais de primeira geração como
condição de estabilidade política, o neoliberalismo associou a demolição e negação
sistemáticas do acesso aos direitos de segunda geração à maioria da população
mundial, configurando o que Boaventura de Sousa Santos (1998) descreve como a
associação entre uma versão minimalista de democracia e uma forma de fascismo
social. Salários de miséria, precariedade do emprego, trabalhos forçados, tempos de
trabalho excessivos, utilização de mão-de-obra infantil, impedimento da prática da
sindicalização ou de outras formas de organização dos trabalhadores, exclusão
social e desigualdades crescentes associadas à acumulação de cada vez maior
riqueza em cada vez menor número de mãos são algumas das manifestações hoje
conhecidas dessa negação de direitos de segunda geração, uma negação que, ainda
que assumindo formas diferentes em diferentes partes do mundo e em relação a
diferentes setores das diversas sociedades, é hoje um fenômeno global. Desse
modo, torna-se clara a problemática compatibilização, no quadro da ordem
capitalista e, em particular, no contexto presente de globalização hegemônica
associada ao neoliberalismo, entre os direitos de primeira e os de segunda geração,
entre a realização da liberdade e da igualdade.
Nesse sentido, o golpe de misericórdia para a extinção total de todos os
serviços públicos está sendo preparado e será efetivado quando as propostas do
GATS (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços) acabem de ser negociadas
no âmbito da Organização Mundial do Comércio.
O propósito do GATS é simplesmente colocar à disposição das
corporações todos os serviços públicos do mundo, para que elas se
responsabilizem por eles e tornem o conceito de serviço público não só
inverossímil, mas provavelmente ilegal. O GATS está preparando o caminho de
abertura para as privatizações de serviços públicos através do mundo. Nada será
isento – educação, saúde, serviços sociais, serviços postais, museus e bibliotecas,
transporte público – tudo será aberto aos interesses das corporações. Todo e
qualquer serviço atualmente de responsabilidade do Estado será aberto, em nome
do bem público, às corporações privadas e colocados no âmbito do mercado
(Barlow, 2007:3).
Finalmente, os direitos de terceira geração são direitos relativos ao acesso
e usufruto de bens que pertencem em comum à humanidade. Trata-se de direitos
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43
relacionados, entre outros, com o meio ambiente, os bens culturais, os
conhecimentos, a identidade, a solidariedade. Cabem aqui os direitos baseados no
reconhecimento de diferenças que não são redutíveis às que os direitos das duas
outras gerações procuram caracterizar e garantir. De um lado, temos direitos que
são próprios de uma condição humana comum. De outro, direitos que se dirigem
ao reconhecimento da diversidade dessa condição humana.
Misturados com esses processos hegemônicos neoliberais, se dão também
para a democracia e a cidadania, como na esfera da globalização, processos
contra-hegemônicos que enfrentam o desafio de articular um duplo processo de
democratização, de fortalecimento mútuo, capaz de aprofundar a democracia no
plano doméstico (abrangendo Estado, sociedade civil, política e o mercado) e, ao
mesmo tempo, de impulsionar a ampliação radical de formas e processos
democráticos nos âmbitos regional e global (Gómez, 2000).
Nessa direção, a democracia participativa e popular tem sido impulsionada e
afirmada pelos grupos sociais críticos e emancipadores, que encontram seu lugar
especialmente em alguns espaços da sociedade civil e na força dos movimentos
sociais, mais que na própria estrutura do Estado. Esse modelo entende a democracia
não só como uma forma de governo, mas também como estilo de vida, que perpassa
todas as dimensões da organização da sociedade: política, econômica, social,
cultural etc., assim como os diferentes espaços, desde o individual ao social, desde
o local ao global e vice-versa. Coloca a ênfase no valor da democracia como um
princípio ético que gera uma forma de vida (Sacavino, 2000).
Do ponto de vista de construção da cidadania, aspira e aponta para a
vivência plena de diferentes gerações de direitos que abarcam os direitos civis,
políticos, sociais, econômicos, culturais, ambientais, os direitos da vida e da
biodiversidade etc. Dessa forma, avança na concepção de uma cidadania plural,
abrangente, inclusiva, integrada pelo que poderíamos denominar diferentes
cidadanias, abarcando diversas dimensões. Uma cidadania ativa, gerada na base, a
partir da interação social, caracterizada por ser participativa e pública, militante e
construtiva, com uma visão de espaços democráticos abertos, geradores de lutas e
conquistas, propícios à ampliação dos direitos existentes e à criação de novos
direitos. Uma cidadania multicultural que promova a articulação do princípio da
igualdade com o da diferença. Com enraizamento local e abertura e afirmação da
cidadania global.
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A construção dessas novas cidadanias que surgem do aprofundamento do
processo democrático dentro das propostas de construção de uma globalização
contra-hegemônica se apresenta atualmente como núcleo catalisador das energias
e desejos de emancipação dos diferentes grupos e movimentos sociais que
ensaiam diferentes experiências na prática, embora ainda não totalmente
conseguidas mas com espaços de concretização real. Essas novas cidadanias têm
sua máxima expressão no Fórum Social Mundial, constituído e animado pelo
conjunto de iniciativas, movimentos e organizações que, através de vínculos,
redes e alianças locais e globais, lutam contra a globalização hegemônica,
mobilizados pela aspiração a um mundo melhor, mais justo, solidário e pacífico
que acreditam ser possível, e o sentem como um direito.
2.1.3
Direitos humanos: entre a modernidade e a pós-modernidade
Segundo Hannah Arendt (1979), os direitos humanos não são um dado;
são construídos, uma invenção humana, estando em constante processo de
construção e reconstrução
8
.
Algumas das manifestações mais visíveis dessa condição dos direitos
humanos como campo de tensões e de lutas se dá em torno da pluralidade de
significados da própria expressão direitos humanos, nos debates sobre a relação
entre universalidade e diferenças culturais, assim como entre as limitações e
obstáculos à efetiva realização da universalidade dos direitos humanos (Nunes,
2004:16).
Cunha (1999:10) salienta que assumir o debate sobre os direitos humanos
sem contextualizá-lo no cerne do paradigma moderno poderia levar a equívocos.
O discurso dos direitos humanos é uma produção moderna, enraizado no
paradigma moderno de ordenação normativa da realidade social, que, por sua vez,
repousa na crença de um sujeito racional e autônomo, capaz de estabelecer uma
ordem intrinsecamente harmônica.
8
A respeito, ver também LAFER, C. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o
pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.134.
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45
Como destaca Rouanet (1993:9-45), as dimensões principais do projeto
civilizatório da modernidade são os conceitos de universalidade, individualidade e
autonomia:
A universalidade significa que ela visa todos os seres humanos,
independentemente de barreiras nacionais, étnicas e culturais. A
individualidade significa que esses seres humanos são pensados como pessoas
concretas e não como integrantes de uma coletividade e que se atribui valor
ético positivo à sua crescente individualização. A autonomia significa que
esses seres humanos individualizados são aptos a pensar por si mesmos, sem a
tutela da religião ou da ideologia, a agir no espaço público e a adquirir pelo
seu trabalho os bens e serviços necessários à sobrevivência material.
No entanto, como comentam alguns autores (Kumar, 1997; Cunha, 1999;
Santos, 2002; 2003; 2004; Alves, 2005), o projeto da modernidade no mundo
atual encontra-se em crise e se vê confrontado pela pós-modernidade. A
centralidade da universalidade cedeu lugar para diferentes particularismos, para o
reconhecimento de direitos da diferença, que nem sempre se manifestam de forma
pacífica e explodem em manifestações de violência e intolerância ou em graves
conflitos étnicos e culturais. A individualidade deu espaço ao
hiperindividualismo, em que não há respeito nem solidariedade com a figura do
outro. Indiferença ou ameaça são as visões do outro que predominam no universo
cotidiano nas sociedades competitivas. E a autonomia assumiu caráter alienante e
despreocupado com a realidade.
Também a modernidade vive sérios problemas com alguns de seus
fundamentos jurídico-políticos mais importantes, que afetam também o tema dos
direitos humanos, como, o conceito de soberania nacional fortemente colocado em
questão pelos processos de globalização e o de sujeito autônomo e racional,
senhor de suas opções e ações. Na concepção moderna, com o poder da razão, o
sujeito é entendido como aquele que pode conhecer e controlar a realidade. A
razão possibilita o cálculo e o discernimento, tornando o sujeito livre e capaz,
tanto no campo da ciência como no campo da moral. O sujeito autônomo é capaz
de responder por si mesmo e conduzir sua vontade conforme seus interesses.
Surge assim a noção de sujeito de direitos, referência de direitos e deveres
inerentes à sua natureza e posição social.
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Nesse sentido, a idéia de direitos humanos encontra um importante
pressuposto: os indivíduos, pela própria condição humana, são portadores de
direitos universais e inalienáveis que constituem não somente um patrimônio
moral mas também jurídico que deve ser protegido de qualquer arbitrariedade,
seja da sociedade ou do Estado (Cunha, 1999:16).
Esses pressupostos da modernidade dão sustento também à concepção
contemporânea dos direitos humanos destacada por Piovesan (2004:46). Essa
concepção foi introduzida com o advento da Declaração Universal de 1948 e
reiterada pela Declaração de Direitos Humanos da Conferência de Viena (1993).
Segundo a própria autora, tal concepção é fruto do movimento de
internacionalização dos direitos humanos, que constitui um movimento recente na
história, surgindo a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos
horrores cometidos durante o nazismo.
Nesse cenário, desenha-se o esforço de reconstrução dos direitos humanos
como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional
contemporânea. Se a 2ª Guerra Mundial significou a ruptura com os direitos
humanos, o pós-guerra deveria significar sua reconstrução.
Uma das principais preocupações desse movimento foi a internacionalização
dos direitos humanos, fortalecendo a idéia de que a proteção dos direitos humanos
não deveria se reduzir ao domínio dos Estados nacionais, isto é, não deveria se
restringir à competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva,
porque se revela como tema de legítimo interesse internacional.
Essa concepção inovadora traz duas conseqüências importantes. A
primeira se refere à revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado,
que passa a sofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidas
intervenções no plano nacional em prol da proteção dos direitos humanos; ou seja,
permitem-se formas de monitoramento e responsabilização internacional quando
os direitos humanos forem violados e para garantir sua efetivação.
A segunda conseqüência se relaciona à cristalização da idéia de que o
indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, na condição de
sujeito de direito.
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O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação
de um sistema internacional de proteção destes direitos. Como marco desse
processo de internacionalização, a Declaração Universal de 1948 introduz a
concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade
e a indivisibilidade.
Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos,
sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a
dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos
direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais,
econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais
também o são. Os direitos humanos compõem assim uma unidade
indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o
catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais,
econômicos e culturais (Piovesan, 2004:48).
A Declaração Universal, ao apresentar as duas categorias de direitos – os
civis e políticos e os econômicos, sociais e culturais – combina o discurso liberal e
o discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade e o valor da
igualdade, introduzindo uma inovação.
A concepção contemporânea de direitos humanos caracteriza-se, assim,
pelos processos de universalização e internacionalização desses direitos,
compreendidos sob o prisma de sua indivisibilidade.
A Declaração de Direitos Humanos de Viena (1993), aprovada por
consenso por 171 participantes, reitera a concepção da Declaração Universal,
quando, em seu parágrafo 5º, afirma:
Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-
relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos
globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma
ênfase.
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Esse princípio de universalidade dos direitos humanos assentado na visão
da modernidade se vê fortemente questionado pelas perspectivas do
multiculturalismo e do relativismo cultural, que afirmam que a Declaração
Universal é uma construção ocidental. Consideramos ser esse o maior desafio
desses novos tempos, que podemos identificar com a ótica da pós-modernidade
9
.
Entretanto, o desafio maior desses novos tempos e o golpe de misericórdia
na perspectiva determinista da ordem moderna é, sem dúvida, a quebra do
monismo e o reconhecimento do pluralismo como um fato concreto (Cunha,
1999:33).
Em todas as grandes perspectivas reguladoras, política, jurídica, moral,
religiosa, econômica etc., a idéia de um único padrão aceitável, o monismo, passa
a ser substituída pelo reconhecimento concreto de vários estilos e perspectivas de
regulação: o pluralismo. O desafio que se apresenta é adequar o discurso dos
direitos humanos a essa nova perspectiva, para retirá-los do lugar de um discurso
uniformizador, segundo um padrão monista, defensor desta ou daquela ordem
preestabelecida, e alçá-los à perspectiva de marco emancipador e libertário, por
garantir a irredutibilidade da dignidade humana diante de qualquer tipo de ameaça
local ou global, nos sentidos político, econômico e ideológico (Cunha, 1999:34).
9
Se o conceito de modernidade não é consensual, muito menos o é o de pós-modernidade. Para
diversos autores, esta é vista como uma negação da racionalidade moderna ou mesmo mero
irracionalismo. Segundo alguns, abraçar a pós-modernidade significaria renunciar às conquistas da
modernidade. Para outros, a pós-modernidade seria uma mudança comportamental estabelecida
em segmentos da sociedade e nas artes. Cunha define a pós-modernidade como a “mudança de
fundamentos na perspectiva relacional da modernidade, incluindo elementos antes excluídos, sem
por isso excluir elementos antes incluídos. Esse conceito vincula-se ao reconhecimento histórico
da produção de dilacerações na tecitura ontológica da modernidade que favorecem novas bases de
relações intersubjetivas e uma nova forma de organização do saber. Mesmo sem mensurar as
dimensões, é possível falar numa mudança, ou, ao menos, numa guinada civilizatória” (1999:30).
Também sobre este tema pode ser visto KUMAR. K. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-
Moderna. Novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. Este
autor afirma que o que continua a tornar os debates relevantes e interessantes é que eles são parte
de uma discussão muito mais ampla sobre as condições contemporâneas e a direção futura das
sociedades industriais. Originando-se sobretudo na esfera cultural, o conceito de pós-modernismo
ou pós-modernidade espalhou-se para abranger um número cada vez maior de áreas da sociedade.
Fala-se não só em pintura, arquitetura, literatura e cinema pós-modernos, mas também de filosofia
pós-moderna, política, economia, família e mesmo em pessoa pós-moderna. A sugestão é que as
sociedades industriais sofreram uma transformação tão vasta e fundamental que merecem um novo
nome. Frente a tudo isso, ele coloca a seguinte questão: estamos vivendo não apenas em uma
cultura pós-moderna, mas em uma sociedade cada vez mais pós-moderna (p.123).
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49
A questão dos direitos humanos na pós-modernidade não se liga à sua
legitimidade política ou jurídica. Trata-se do problema da gênese do pensamento e
das formas sociais que cada vez mais se deslocam dos padrões racionalizantes e
abstratos da ordem moderna. O modelo do formalismo exacerbado cultivado pela
ciência moderna foi se desgastando devido à sua incapacidade de suportar as
valorações históricas produzidas por sujeitos e grupos sociais. As pessoas se
identificam com valores mais próximos, que não são reproduzidos pela ordem
formal mas produzidos por uma ordem informal e cotidiana plural e fragmentada.
Parece não haver mais sentido em identificar-se, por exemplo, com a nação,
quando o concreto é o meu grupo étnico, de gênero e/ou social. No lugar dos
padrões comportamentais gerais, os indivíduos parecem optar por estilos soltos,
que terminam por funcionar como elementos de agregação, dando a sensação de
pertença a um grupo de iguais.
Ao invés da razão lógica e abstrata da modernidade que propõe padrões
transcendentes, é a intuição afetiva e concreta que, na pós-modernidade,
coordena a vida individual e comunitária, segundo estilos imanentes. O que
está posto em xeque é justamente a perspectiva racionalista e mecânica da
modernidade, colocada na rigidez de suas representações. Ao contrário, é a
flexibilidade simbólica que parece atrair mais sujeitos que desejam espaço
para conferir um sentido próprio ao seu mundo e sua existência (Cunha,
1999:33).
As grandes metanarrativas ordenadoras da vida social vão sendo
abandonadas. Segundo Alves (2005:31),
Vale a pena, sim, recordar que Jean-François Lyotard, em 1979, deu ao
termo pós-modernidade sua aplicação mais corrente, ao diagnosticar o fim
das Grandes Narrativas – da Razão, da Emancipação e do Progresso
humanos – como meios necessários de legitimação do conhecimento,
passando este a ter objetivos meramente “performáticos”, dentro de uma
realidade sistêmica.
Uma vez aceito o entendimento de que o homem e a mulher, em sua
realidade mental e corpórea, são seres construídos dentro da cultura em que
vivem, não tendo natureza universal, e de que o conhecimento é determinado
pelas estruturas econômicas, sociais, culturais e lingüísticas, nenhuma das quais é
comum a todos os indivíduos, a verdade se relativiza. A razão iluminista é
substituída por uma pluralidade de racionalidades.
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Sem grandes metanarrativas, explicativas ou justificativas, a história
também deixa de existir como totalidade, sendo substituída por histórias
localizadas.
O ser humano desconstruído pela psicanálise, pela lingüística e pela
etnologia – as três “contraciências” apontadas por Foucault –, pelos diferentes
jogos de linguagem e “micronarrativas” simultâneas – identificadas por Lyotard –,
pelos “textos” em que se insere, dentro de uma intertextualidade sem fim – na
interpretação de Derrida – não pode ipso facto ser sujeito. Para se autoconstituir
como indivíduo, necessita recorrer a várias identidades. A identificação privilegia
a comunidade, real ou imaginária, imposta ou selecionada, como espaço de
realização. Esse espaço já não corresponde ao Estado-nação nem às classes sociais
do marxismo (Alves, 2005:32).
Nesta realidade de crise da modernidade e surgimento da pós-modernidade,
com suas tensões e desafios para os direitos humanos, Santos (2004:240)
identifica as condições para que os direitos humanos possam ser colocados a
serviço de uma política progressista e emancipatória, destacando três tensões
dialéticas que informam a modernidade ocidental.
A primeira seria entre a regulação social e a emancipação social. Ele afirma
que o paradigma da modernidade está baseado nessa tensão dialética, presente na
divisa positivista “ordem e progresso”. Neste novo século, essa tensão deixou de
ser criativa, e as formas modernas de emancipação social colapsaram e parecem
ter arrastado consigo o colapso das formas de regulação social a que se opunham e
procuravam superar. Até o final da década de 1960, as crises de regulação social
suscitavam o fortalecimento das políticas emancipatórias. Hoje, a crise da
regulação social está simbolizada pela crise do Estado intervencionista e do
Estado-previdência; a crise da emancipação social, simbolizada pela crise da
revolução social e do socialismo como paradigma de transformação social radical,
são simultâneas e se alimentam mutuamente. A política dos direitos humanos, que
pode ser simultaneamente uma política regulatória e uma política emancipatória,
está presa nesta dupla crise, ao mesmo tempo que aparecem sinais do desejo de
ultrapassá-las.
A segunda tensão dialética ocorre entre o Estado e a sociedade civil. A
distinção e a relação entre ambos foram sempre problemáticas e até contraditórias,
sendo ambas produzidas pelos mesmos processos políticos. Por um lado, o Estado
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moderno, não obstante apresentar-se como um Estado minimalista, é
potencialmente um Estado maximalista, pois a sociedade civil, sendo o outro do
Estado, se auto-reproduz através de leis e regulamentações que dimanam do
Estado e para as quais não parece existir limites. Por outro lado, a sociedade civil,
uma vez politicamente organizada, pode usar as mesmas regras para impor ao
Estado (igualmente sem limites aparentes) que lhe devolva a capacidade de auto-
regular e autoproduzir. Nessa perspectiva, o que, em alguns momentos históricos,
era considerado domínio próprio do Estado pode passar a ser domínio próprio da
sociedade civil em outro momento. Nos últimos vinte anos, tornou-se mais claro
que a distinção entre Estado e sociedade civil, longe de ser um pressuposto da luta
política moderna, é o resultado dela. A tensão deixa de ser entre Estado e a
sociedade civil para ser entre interesses e grupos sociais que se reproduzem
melhor sob a forma do Estado e interesses e grupos sociais que se reproduzem
melhor sob a forma da sociedade civil. O âmbito efetivo dos direitos humanos se
torna inerentemente problemático.
Finalmente, a terceira tensão se dá entre o Estado-nação e a globalização.
O modelo político da modernidade ocidental é um modelo de Estado-nação
soberano, coexistindo num sistema de Estados igualmente soberanos. A unidade e
a escala privilegiada, seja para a regulação social ou para a emancipação social,
tem sido o Estado-nação. A erosão do Estado-nação com o fenômeno da
globalização coloca o tema do deslocamento para o nível global, seja da regulação
social ou da emancipação social. É nesse contexto que se fala de uma sociedade
civil global e de uma cidadania pós-nacional ou planetária. Essa realidade coloca
para a política dos direitos humanos novas tensões e desafios. A efetividade dos
direitos humanos tem sido conquistada em processos políticos de âmbito nacional,
e a fragilização do Estado-nação acarreta a fragilização dos direitos humanos,
especialmente no que se refere aos direitos econômicos e sociais. Ao mesmo
tempo, os direitos humanos aspiram também a um reconhecimento mundial e
podem ser considerados os pilares de uma emergente política pós-nacional. Nesse
caso, surge uma nova tensão com forte emergência do cultural e até do religioso
nas questões internacionais. Falar de cultura e religião significa colocar em
evidência as fronteiras, as diferenças, os particularismos.
A esse desafio Santos responde propondo um quadro referencial capaz de
reforçar o potencial emancipatório da política dos direitos humanos no duplo
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contexto de globalização, por um lado, e da pluralidade cultural e das políticas de
identidades, por outro.
A complexidade dos direitos humanos reside no fato de que eles podem ser
concebidos e praticados quer como forma de localismo globalizado quer como
forma de cosmopolitismo; ou seja, como uma globalização hegemônica ou contra-
hegemônica.
De acordo com esse autor, os direitos humanos como globalização
hegemônica ou localismo globalizado são identificados com a marca ocidental
liberal.
Colocar os direitos humanos na ótica do cosmopolitismo, de uma
globalização contra-hegemônica, significa sua reconceitualização para poder
desenvolver um diálogo intercultural baseado na hermenêutica diatópica
10
referida
também por Panikkar (2004:220). Nessa perspectiva, a troca não é apenas entre
diferentes saberes, mas entre diferentes culturas, ou seja, entre universos de
sentido diferentes e, em grande medida, incomensuráveis.
Precisamos de uma nova hermenêutica: a hermenêutica diatópica, que
pode ser desenvolvida em um diálogo dialógico. Ela nos mostraria que não
podemos tomar a pars pro toto, nem crer que vemos o totum in parte.
Devemos aceitar o que nosso parceiro nos diz: simplesmente, que tomamos
o totum pro parte, quando estamos cientes da pars pro toto, o qual é com
certeza, o que lhe responderemos sem vacilar. É a condição humana e eu não
a consideraria como uma imperfeição; mais uma vez, este é o tema do
pluralismo (Panikkar, 2004:229).
Ou, como afirma Boaventura de Sousa Santos (2003:458):
Compete à hermenêutica diatópica transformar os direitos humanos em uma
política cosmopolita que ligue em rede línguas diferentes de emancipação
pessoal e social e as torne mutuamente inteligíveis e traduzíveis. É este o
projeto de uma concepção multicultural dos direitos humanos. Nos tempos
que correm, este projeto pode parecer mais do que nunca utópico.
Certamente é tão utópico quanto o respeito universal pela dignidade humana.
E nem por isso este último deixa de ser uma exigência ética séria.
10
Para aprofundar este ponto, pode ser consultado PANIKKAR, R. Seria a noção de direitos
humanos uma concepção ocidental? In: BALDI, C. A. (Org.). Direitos humanos na sociedade
cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. Este tema também pode ser aprofundado em
SANTOS, B.de S. Uma concepção multicultural dos direitos humanos. In: Lua Nova. Revista de
cultura e política. Brasil: CEDEC, 1997, ou em SANTOS (Org.). Reconhecer para libertar. Os
caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
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53
2.1.4
Direitos humanos: novas dimensões e desafios
A globalização veio estabelecer uma tensão fundamental na concepção dos
direitos humanos, pois a liberalização da economia, a flexibilização das noções de
soberania nacional e o próprio processo de internacionalização dos direitos
humanos acabaram por colocar no centro das discussões a própria diferença entre
as culturas – que questiona a universalidade – e a flexibilização dos direitos
sociais pós-Consenso de Washington – que coloca em risco a indivisibilidade –,
características básicas do discurso dos direitos humanos até o presente momento.
Nesse contexto, é um imperativo que os direitos humanos constituam a
expressão das vozes do sofrimento humano, lutando contra todas as formas de
invisibilização, desmascarando os procedimentos que estabelecem que
determinados sofrimentos coletivos ou individuais não sejam vistos como violação
de direitos humanos. Essa reconstrução, que aponta os direitos humanos “como
gramática emancipatória da comunidade global de pessoas”, cria desafios para uma
nova cidadania e para a própria concepção de direitos humanos (Baldi, 2004:40).
No entanto, não podemos esquecer também que novos direitos se
desenham a partir das respostas aos novos problemas associados às entidades
criadas pelas intervenções científicas e tecnológicas sobre o mundo e, em
particular, sobre a vida. Aqui desenha-se o que pode ser o esboço de uma nova
geração de direitos que obriga a articular novas maneiras de pensar o diálogo
entre culturas, cosmologias e conhecimentos.
A universalidade dos direitos humanos é um postulado que contribui,
muitas vezes, para ocultar a origem histórica e a especificidade cultural e
ideológica desses direitos, tal como eles foram concebidos no Ocidente.
Tanto a diversidade cultural e a pluralidade de cosmologias como as
diferenças e potenciais tensões entre os direitos das diversas gerações colocam
hoje no centro de qualquer debate sobre os direitos humanos a questão do que
poderá ser uma política de direitos humanos capaz, por um lado, de ampliar as
concepções desses direitos de modo a evitar imposições e rejeições etnocêntricas
e, por outro, de articular as exigências de liberdade, igualdade e solidariedade, de
participação, reconhecimento e redistribuição. Como lembra Boaventura de Sousa
Santos (2004:8), o novo cosmopolitismo que resulta da interseção desses dois
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eixos não se confunde com o “velho” cosmopolitismo associado a um
“universalismo desenraizado”. Ele se refere, antes, à “solidariedade transnacional
entre grupos explorados, oprimidos ou excluídos pela globalização hegemônica”.
Nesse sentido, são muitos os obstáculos e desafios que as novas dimensões
dos direitos humanos no mundo contemporâneo apresentam. Sem pretender
exaurir o tema, apresentaremos a seguir algumas dimensões que nos parecem de
fundamental importância e que podem até se tornar uma ameaça para os mesmos.
2.1.4.1
Miséria e exclusão: violação da dignidade humana
Depois de mais de duas décadas de políticas neoliberais e do processo
acelerado de globalização capitalista já referido, um indicador alarmante dos
efeitos dessas políticas é o aumento da pobreza no planeta: um quarto da
população mundial ainda vive em condições de miséria. Cerca de 1,3 bilhão de
pessoas vivem com uma renda de menos de um dólar por dia. Quase um bilhão de
pessoas são analfabetas. Mais de um bilhão não tem acesso a água potável e mais
de 800 milhões passam fome ou enfrentam falta de alimento.
Com esse quadro, Symonides (2003:34) define pobreza como a negação
das oportunidades de ter vida longa, saudável e criativa e de desfrutar de
liberdade, dignidade e de um padrão decente de vida.
A pobreza não só não tem diminuído nos últimos anos como tem
aumentado em regiões onde já havia sido reduzida há tempos, como em países da
Europa Oriental ou na própria América Latina.
A Declaração de Viena, no seu parágrafo 2, afirma que “a miséria e a
exclusão social constituem violações da dignidade humana”. O documento
ressalta a necessidade de maior conhecimento da miséria e suas causas, a fim de
promover os direitos humanos dos mais pobres e de favorecer a participação
destes no processo decisório das comunidades em que vivem.
Pettiti e Meyer-Bisch (2003:207) afirmam que se dá muito pouca atenção à
pobreza e à miséria na lógica dos direitos humanos porque:
a pessoa pobre quase não existe e só pode reivindicar, com humildade,
direitos “de pobre”. Aos poucos nos habituamos com a idéia de que o pobre
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é alguém que perdeu todos os seus direitos. E aqueles que vivem na miséria
sequer têm existência: na melhor das hipóteses, beneficiam-se da caridade
alheia. (...) Quando não se ignora o pobre como sujeito de direito, nega-se a
ele o exercício do direito.
2.1.4.2
Discriminação, xenofobia e racismo
Racismo, xenofobia e discriminação são fenômenos de comportamento
humano historicamente conhecidos. Freqüentemente alude-se à escravidão e ao
comércio de escravos, à exploração econômica, à colonização branca, ao jugo
colonial, ao imperialismo, às práticas genocidas motivadas por perseguição
religiosa ou étnica, à migração por motivos econômicos e conflitos religiosos,
entre outros, como indicativos da existência de políticas ou atitudes racistas e/ou
discriminatórias. Entretanto, deve-se olhar também para as causas ou motivações
que levam à xenofobia e ao racismo, entre as quais se encontram, por exemplo, os
fatores econômicos e políticos, o medo de que a imigração ponha em risco a
identidade cultural, a rejeição de quem é supostamente diferente ou com quem a
comunicação parece mais difícil. Esta última motivação costuma estar nas raízes
xenófobas (Wolfrum, 2003:238).
A discriminação e a intolerância andam de mãos dadas. Os meios legais e
administrativos contra a discriminação, incluindo as sanções penais, apesar de
serem muito importantes para a eliminação e a prevenção da discriminação, não
são suficientes. Os instrumentos que fixam padrões também exigem mudanças nas
práticas tradicionais, a eliminação de estereótipos, o desenvolvimento da
educação e o uso dos meios de comunicação de massa na luta contra a
discriminação. Cabe ao Estado essa responsabilidade de combate a todas as
formas de discriminação, e não podem ser esquecidas a importância do sistema
legal internacional e a ação da sociedade civil nessa luta coletiva.
A luta contra todas as formas de discriminação e intolerância ainda está
longe de ser vencida. Avultam-se novas formas de racismo, discriminação,
intolerância, xenofobia, preconceitos e perseguições que colocam em evidência a
necessidade de intensificar todos os esforços e formas possíveis para combatê-las.
Nesse sentido, a Declaração de Durban afirma, no ponto 2:
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reconhecemos e afirmamos que, no limiar do terceiro milênio, a luta global
contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e
todas as suas abomináveis formas e manifestações é uma questão de
prioridade para a comunidade internacional e que esta Conferência oferece
uma oportunidade ímpar e histórica para a avaliação e identificação de todas
as dimensões destes males devastadores da humanidade visando sua total
eliminação através da adoção de enfoques inovadores e holísticos, do
fortalecimento e da promoção de medidas práticas e efetivas em níveis
nacionais, regionais e internacionais.
2.1.4.3
Terrorismo, crime organizado e corrupção: ameaças aos direitos
humanos, à democracia e à paz
O terrorismo não é um fenômeno novo nas relações internacionais.
Representa um teste difícil para os Estados comprometidos com políticas de direitos
humanos. O terrorismo é claramente uma ameaça à vida e à dignidade da pessoa.
O vínculo direto entre terrorismo e violação dos direitos humanos foi
reconhecido pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, que, no
Programa de Ação, parágrafo 17, especifica:
Os atos, métodos e práticas do terrorismo em todas as suas formas e
manifestações, assim como sua conexão com o tráfico de drogas em alguns
países, são atividades que visam à destruição dos direitos humanos, das
liberdades fundamentais e da democracia, ameaçando a integridade
territorial, a segurança dos Estados e desestabilizando governos
legitimamente constituídos.
O terrorismo está muitas vezes em conexão com o crime organizado
transnacional. Todas as atividades ilegais conduzidas pelo crime organizado, como
o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, dizem respeito aos seres humanos e às
sociedades. Contudo, sob a perspectiva dos direitos humanos, o tráfico de
trabalhadores migrantes e o tráfico de mulheres e crianças ganham destaque
especial. O tráfico de trabalhadores migrantes ilegais leva a vários incidentes de
caráter racista e xenófobo, bem como a atos criminosos contra essas pessoas.
O tráfico de mulheres para a exploração sexual é uma manifestação de
flagrante violência imposta à mulher e uma forma moderna de escravidão.
Acarreta a violação de direitos humanos fundamentais. Esse fenômeno ganhou
impulso e intensidade nos últimos anos, entre outros fatores, pelo aumento da
pobreza e da miséria.
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A exploração sexual de crianças é outra questão importante no debate
internacional. Ela tem sido discutida na Comissão para a Prevenção do Crime, e a
Comissão de Direitos Humanos já começou a elaborar a minuta de Protocolo
Opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança, tratando da venda de
crianças, prostituição e pornografia infantil, bem como das medidas fundamentais
para sua prevenção e erradicação (Symonides, 2003:43).
Outra ameaça para a democracia, para a observância da lei e dos direitos
humanos que nestes últimos anos tem crescido muito, é a corrupção. Ela ocorre
em todo o mundo, e nas diferentes formas de organização política, inclusive nas
democracias antigas, novas e restauradas. A corrupção sistemática compromete o
desenvolvimento social, econômico e político, gerando fortes impactos negativos
sobre a justiça social e os direitos humanos. Nos anos 1990, a corrupção passa a
ser objeto de atenção das organizações nacionais e internacionais, ingressando na
agenda das Nações Unidas e da Organização de Estados Americanos, assim como
instituições de outros âmbitos globais, regionais e nacionais.
2.1.4.4
Novos desafios para a ciência e a tecnologia
Neste novo século, os surpreendentes avanços da ciência e da tecnologia e
suas aplicações levantam questões complexas quanto a seu impacto em relação
aos direitos humanos, a dignidade e a integridade humana. Vivemos numa época
dominada pela ciência e a tecnologia, sendo esta uma nova fonte de poder. Aos
que a dominam, ela confere poder sobre o resto da sociedade, em diferentes
aspectos, fundamentais e abrangentes mais do que qualquer outro nunca antes
experimentado na longa história da humanidade.
Como todas as outras dimensões do poder, também essa deve estar sujeita
à lei. No entanto, suas descobertas e avanços têm sido tão rápidos, assim como
sua influência na vida cotidiana, que muitas das novas dimensões ainda escapam
ao controle do Direito, embora novos direitos também comecem a ser desenhados.
Essas questões têm sido discutidas nos instrumentos de direitos humanos a
partir de um ponto de vista positivo. Como proclama a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, em seu artigo 27, “todos têm o direito de usufruir do progresso
científico e de seus benefícios”; entretanto, a realidade do mundo ainda é muito
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desigual em relação a esse tema.
Como enfatiza Weeramantry (2003:307), a proteção do corpo humano, da
sociedade e do meio ambiente contra os perigos criados pela tecnologia moderna só
pode ser alcançada por meio de abordagem holística. Nem o ordenamento doméstico
nem o internacional podem oferecer sozinhos uma reação satisfatória aos desafios
tecnológicos que colocam problemas novos e graves para ambos os sistemas.
Os avanços gigantescos na biotecnologia e na engenharia genética,
algumas vezes considerados pré-requisito para uma terceira revolução industrial,
vêm causando profundo impacto sobre a problemática dos direitos humanos.
A doação ou venda de materiais orgânicos, como sangue e esperma, ocorre
há bastante tempo, mas é mais novo e marcante na evolução da medicina o
capítulo que se refere ao transplante de órgãos. Todos os avanços da engenharia
genética, como as pesquisas sobre células-tronco e todo seu potencial terapêutico,
vêm possibilitando a correção de anomalias genéticas ou de doenças adquiridas.
Esses são só alguns dos avanços científicos que, se por uma parte abrem um
mundo incomensurável de possibilidades para a vida, por outra colocam novos
desafios, com impactos diversos para os direitos humanos. A Declaração de
Viena, em seu parágrafo 11, afirma:
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos observa que determinados
avanços, principalmente na área das ciências biomédicas e biológicas, assim
como na tecnologia da informação, podem ter conseqüências potencialmente
adversas para a integridade, a dignidade e os direitos humanos do indivíduo,
e solicita a cooperação internacional para que se garanta pleno respeito aos
direitos humanos e à dignidade nessa área de interesse universal.
As novas tecnologias da informação e da comunicação, especialmente as
referidas ao sistema digital, vêm aumentando imensamente a capacidade de
armazenamento, recuperação e transmissão rápida de grandes quantidades de
informação, especialmente pela internet.
As novas tecnologias da informação já causaram profundo impacto na vida
cotidiana das pessoas, das sociedades, dos Estados e das organizações e vêm
favorecendo em diferentes aspectos a ampliação do acesso a determinados
direitos, como à informação e à aprendizagem. No entanto, não se pode ignorar as
grandes desigualdades e distâncias que geram, a nível mundial e local, no que se
refere a acesso e possibilidades de uso.
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59
Novos direitos surgem e outros se encontram ameaçados no ciberespaço,
como o direito à privacidade e o direito à proteção aos interesses morais e
materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística. A
pirataria eletrônica e a violação dos direitos e interesses dos titulares de direitos
autorais; o uso da internet para a disseminação de pornografia por pedófilos e para
a defesa do racismo, da xenofobia e da violência deflagra uma série de questões
éticas e jurídicas ligadas aos limites da liberdade de informação e expressão.
Podemos afirmar que os direitos humanos são hoje um terreno de lutas e
de tensões que passam pela confrontação entre a alegação de universalidade dos
direitos humanos e a diversidade cultural das concepções da dignidade humana e
das próprias cosmologias que permitem definir o que é ser humano, pelos esforços
de compatibilização dos direitos de várias gerações e a emergência de novos
direitos referentes ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
É importante destacar também a constituição de novos atores coletivos
capazes de promover a realização prática de um novo cosmopolitismo. Este deve
articular os imperativos de liberdade e de reconhecimento da diferença, de
igualdade e de redução ou eliminação das desigualdades e das diferentes formas
de exploração e da solidariedade.
2.1.4.5
A tensão entre direitos da igualdade e direitos da diferença
No mundo atual, a relação entre as questões relativas a justiça, superação
das desigualdades e democratização de oportunidades e as referentes ao
reconhecimento de diferentes grupos culturais se faz cada vez mais estreita. Nesse
sentido, amplia-se a problemática dos direitos humanos, muitas vezes entendidos
como direitos exclusivamente individuais e fundamentalmente civis e políticos, e
cada vez mais se afirma a importância dos direitos coletivos, culturais e
ambientais.
Uma expressão dessa problemática é destacada pelo Relatório do
Desenvolvimento Humano (2004:1), do Programa das Nações Unidas (PNUD),
que associa pela primeira vez nos relatórios anuais as questões relativas ao
desenvolvimento das culturas:
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60
o que é novo, hoje, é a ascensão de políticas de identidade. Em contextos
muito diferentes e de modos muito diversos – desde os povos indígenas da
América Latina às minorias religiosas na Ásia do Sul e às minorias étnicas
nos bálcãs e em África, até os imigrantes na Europa Ocidental – as pessoas
estão se mobilizando de novo em torno de velhas injustiças segundo linhas
étnicas, religiosas, raciais e culturais, exigindo que sua identidade seja
reconhecida, apreciada e aceite pela sociedade mais ampla. Sofrendo de
discriminação e marginalização em relação a oportunidades sociais,
econômicas e políticas, também exigem justiça social.
A implantação de políticas de ação afirmativa em vários países tem
suscitado diferentes reações e discussões tensas. A polêmica provocada por essa
questão e os argumentos utilizados para a defesa das diferentes posições – desde
aquelas que enfatizam questões relativas à igualdade formal até as posições
diferencialistas radicais – evidenciam a dificuldade da articulação de políticas de
igualdade e de identidade. Essa realidade leva Perucci (1999:7) a se perguntar:
somos todos iguais ou somos todos diferentes? Queremos ser iguais ou
queremos ser diferentes? Houve um tempo que a resposta se abrigava, segura
de si, no primeiro termo da disjuntiva. Já faz um quarto de século, porém, que
a resposta se deslocou. A começar da segunda metade dos anos 70, passamos a
nos ver envoltos numa atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova, na
qual parece generalizar-se em ritmo acelerado e perturbador a consciência de
que nós, os humanos, somos diferentes, somos diferentes de origem familiar e
regional, nas tradições e nas lealdades, temos deuses diferentes, diferentes
hábitos e gostos, diferentes estilos ou falta de estilo; em suma, somos
portadores de pertenças culturais diferentes. Mas somos também diferentes de
direito. É o chamado ‘direito à diferença’, o direito à diferença cultural, o
direito de ser, sendo diferente. The right to be different!, é como se diz em
inglês o direito à diferença. Não queremos mais a igualdade, parece. Ou a
queremos menos. Motiva-nos muito mais, em nossa conduta, em nossas
expectativas de futuro e projetos de vida compartilhada, o direito de sermos
pessoal e coletivamente diferentes uns dos outros.
Fica claro, segundo esse autor, que houve mudança de sensibilidade, de
clima social, cultural e político em torno da articulação entre igualdade e
diferença. Da ênfase na igualdade, muitas vezes silenciadora e/ou negadora das
diferenças, estas passam a primeiro plano, podendo comprometer ou eclipsar a
afirmação da igualdade. Um grande desafio, na atualidade, é como articular esses
pólos sem que um anule o outro.
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61
2.2
Direitos Humanos pós-11 de setembro de 2001
Os ataques de 11 de setembro às Torres Gêmeas e ao Pentágono,
supostamente realizados por terroristas muçulmanos, não só derrubaram símbolos
significativos do poder dos Estados Unidos como colocaram no tapete do cenário
mundial duas questões importantes para o tema dos direitos humanos. Por um
lado, a problemática abala a segurança. Esta, desde Hobbes, constitui a primeira
justificativa para a existência do Estado, por mais que sua garantia tenha sido
sempre limitada por ele. Por outro lado, colocaram em evidência que as questões
culturais tinham alcançado lugar muito importante e expressivo no cenário
político, econômico e social das novas configurações de poder que começariam a
reger o mundo após a fatídica data (Alves, 2005:167).
A linha ascendente traçada pelo desenvolvimento da ONU na década de
1990 através da realização de todas as conferências mundiais ancoradas no tema
global dos direitos humanos, que afirmavam a construção de um mundo
interdependente e multilateral, começou a ser abalada nos inícios do século XXI.
Desde janeiro de 2001, quando tomou posse, o novo governo dos Estados Unidos,
além de anunciar a intenção de retirar o país de várias operações de paz; de
exumar o projeto armamentista “Guerra nas Estrelas”; de retirar os Estados
Unidos do Protocolo de Kyoto (para o controle da emissão de gases poluentes) e
de reforçar sua rejeição ao Tribunal Penal Internacional, vinha assumindo outras
atitudes destoantes de todos os demais Estados integrantes da comunidade
internacional. No início do mês de setembro de 2001, Washington retirara sua
delegação da Conferência de Durban contra o Racismo, a Discriminação Racial, a
Xenofobia e Intolerâncias Correlatas. Nesse contexto de desrespeito da legislação
internacional sobre os direitos humanos é que se produzem os ataques do 11 de
setembro (Alves, 2005:170).
Esse ataque inusitado aos símbolos do poder financeiro e militar
estadunidense desencadeou uma forte reação do próprio governo, cujas expressões
mais contundentes e visíveis foram a realização de duas guerras –Afganistão e
Iraque –, a implantação de severos dispositivos de segurança nacional e global (de
estruturas de vigilância e controle à expansão das bases militares em distintos
países e regiões do planeta) e a formulação oficial, em setembro de 2002, da
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62
“Nova Grande Estratégia Imperial”. Nessa reformulação estratégica, os Estados
Unidos anunciaram ao resto do mundo que não admitirão que nenhum Estado
aspire à igualdade ou à supremacia militar e que eles se auto-atribuem o direito
exclusivo de usar a força militar quando o acharem necessário. Para isso, serve a
figura jurídica da “guerra preventiva” (Gómez, 2004:10).
Muita coisa mudou no mundo desde os atentados do 11 de setembro de
2001. Não é simples estabelecer a relação entre essas mudanças e o processo de
globalização. Não é difícil observar como os direitos humanos, para não falar do
Direito Humanitário, têm sido descartados das preocupações dos governos na luta
que, evidentemente, não pode ser apenas uma guerra de natureza militar contra o
terrorismo. Não é difícil também perceber como os direitos fundamentais de toda
pessoa humana passaram a segundo plano na adoção de medidas de segurança em
diversos países, inclusive nas chamadas “grandes democracias”. Desde o final do
2001, o Direito nacional e internacional tem sido distorcido de maneira a
acomodar “legalmente” ações de investigação e repressão ilegítimas. As
detenções arbitrárias por tempo que se eterniza, supostamente exclusivas de
ditaduras, já nem produzem notícia.
Por outro lado, é curioso observar como, em decorrência de preocupações
estratégicas, a instituição do Estado, tão enfraquecida pela globalização
econômica e tão desprezada pela ideologia neoliberal, volta agora a ser
valorizada.
A miséria, a fome, o terrorismo e os atos de violência de todos os tipos
evidentemente vão contra todos os direitos humanos. Filhos legítimos da
modernidade, os direitos humanos vivem situação contraditória nesta fase da pós-
modernidade. Adquiriram grande força discursiva, mas sofrem ameaças de todos
os lados. Afirmaram-se como baliza da legitimidade institucional, mas sofrem
rudes golpes da globalização econômica. Receberam, da Conferência Mundial de
Viena (1993), o selo governamental do universalismo em época de grande
exacerbação dos particularismos.
Esta tem sido, em linhas gerais, a evolução contemporânea dos direitos
humanos, uma trajetória resultante de rios de sangue e tinta, de incertezas e
definições, de avanços e recuos. Ainda não são um discurso vazio, como foi
sugerido no início deste capítulo. Como tema global ou como fragmento, unimo-
nos àqueles que afirmam que os direitos humanos continuam sendo, no mundo
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63
atual, um projeto inacabado e a base para a construção democrática.
Como afirma Alves (2005:185):
os direitos humanos de todas as categorias precisam ser, com urgência,
resgatados e reafirmados. Mas isso não pode ocorrer pela ótica do idealismo
construtivista, prevalecente no multilateralismo dos anos de 1990. Nem
porque essa constitua a melhor maneira de salvar o belo movimento
internacional pelos direitos humanos, tão assertivo até recentemente e agora
sob risco de tornar-se irrelevante. A reafirmação de todos os direitos
humanos em sua indivisibilidade concreta é necessária e urgente porque hoje
aparece como a única maneira minimamente realista de enfrentar com
solidez o terror.
Neste capítulo tentamos mostrar a complexidade e abrangência do tema
dos direitos humanos no mundo atual. No mundo globalizado, grande parte da
estrutura da vida, desde a vida cotidiana até a dinâmica da vida e das relações
internacionais, está perpassada por questões de direitos humanos. Tendo este
cenário como pano de fundo, no próximo capítulo focalizaremos nosso olhar na
construção histórica da educação em/para os direitos humanos.
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3
Educação em/para os direitos humanos: uma construção
histórica
Muitos são os enfoques e os significados que, ao longo destes últimos
anos, têm sido desenvolvidos nos diversos continentes sobre a educação em/para
os direitos humanos, sem que se possa afirmar que tenha sido alcançado consenso
entre os diferentes autores e perspectivas.
Neste capítulo abordaremos especificamente esse tema, eixo central da
nossa pesquisa, especialmente no que se refere à América Latina. Aproximar-nos-
emos dessa problemática a partir de três dimensões: da perspectiva dos
instrumentos internacionais, do desenvolvimento dessa temática no continente e
da construção da própria identidade da educação em/para os direitos humanos.
3.1
A educação em/para os direitos humanos nos instrumentos
internacionais
Um longo caminho tem sido percorrido na afirmação da importância da
educação em/para os direitos humanos desde a aprovação, em 1948, pela
Organização das Nações Unidas (ONU), da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que, em seu preâmbulo, estimula “cada indivíduo e cada órgão da
sociedade” a “esforçar-se em promover o respeito a esses direitos e liberdades através
do ensino e educação”, até a promulgação, em 2004, do Plano Mundial de Educação
em Direitos Humanos, que “tem por objeto fomentar o entendimento de que cada
pessoa partilha a responsabilidade de conseguir que os direitos humanos sejam uma
realidade em cada comunidade e na sociedade em seu conjunto” (2004:4).
Na gênese histórica da educação em/para os direitos humanos, a
Organização das Nações Unidas desempenha um papel de especial protagonismo.
Um dos objetivos importantes desse organismo é gerar uma atmosfera mundial de
respeito pela pessoa e por sua dignidade. Suas propostas pretendem ser referência
para as políticas nacionais que queiram estar em consonância com as linhas de
ação traçadas no plano internacional.
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65
Neste item destacaremos os principais documentos desse organismo em
relação à temática que nos ocupa e que constituem o enquadramento e o horizonte
a partir do qual as questões relativas à educação em/para os direitos humanos têm
se desenvolvido.
O primeiro documento é a Carta Internacional de Direitos Humanos das
Nações Unidas, considerada o documento-marco no que se inspiram todas as
iniciativas e trabalhos posteriores dessa instituição. Essa carta inclui os seguintes
textos internacionais: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (1966), o Protocolo Facultativo ao Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) e o Segundo Protocolo Facultativo
ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1989) (Ugarte, 2004:227).
No que diz respeito à questão da natureza jurídica e do alcance de cada
documento que integra a Carta Internacional de Direitos Humanos da ONU, é
importante lembrar que a Declaração Universal dos Diretos Humanos, ao ser
adotada pela Assembléia Geral em forma de resolução/recomendação, não supõe
obrigações jurídicas para os Estados-contratantes. No entanto, os diferentes pactos
internacionais mencionados, ao serem adotados em forma de convenção ou
tratado, conferem conteúdo jurídico aos direitos consagrados neles; dessa forma,
adquirem caráter obrigatório para os Estados-assinantes (Quintana, 1999:107).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) consagrou o direito
à educação, e, em seu artigo 26.2, destaca que “a educação terá por objeto o pleno
desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos
direitos humanos e às liberdades fundamentais”.
Além da Declaração Universal, a educação em/para os direitos humanos
está contemplada no artigo 13.1 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (1966)
11
, que reconhece o direito de toda pessoa à educação e
à educação em direitos humanos como um meio adequado para promover a
participação de cada pessoa na sociedade.
Esse artigo afirma:
11
Ratificado pelo Brasil pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, e
promulgado pelo Decreto nº 592, de 6 de dezembro de 1992 (Comparato, 2004:275).
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66
Os Estados-partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à
educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade, e
fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Concordam, ainda, em que a educação deverá capacitar a todas as pessoas a
participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais,
étnicos ou religiosos, e promover as atividades das Nações Unidas em prol
da manutenção da paz (Comparato, 2004:353).
Além desses documentos, a observação geral nº 13 do Pacto Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotada em 1999 pelo Comitê de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprofunda o artigo 13 sobre o direito à
educação e destaca que “a educação é um direito humano intrínseco e um meio
indispensável para realizar outros direitos humanos” (Ugarte, 2004:230).
Outro documento de especial relevância é o da Conferência Mundial dos
Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993. Os principais avanços de sua
Declaração Final (Cap. 2) dizem respeito à legitimidade das preocupações
internacionais com os direitos humanos e a interdependência entre democracia,
desenvolvimento e direitos humanos, afirmada no artigo 8: “a democracia, o
desenvolvimento e o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais
são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente”. A questão da
universalidade de tais direitos, apesar de amplamente discutida na Conferência,
sai confirmada: “a natureza universal desses direitos e liberdades não admite
dúvidas” (art. 1º). Além desses avanços, é necessário destacar também a
afirmação da interligação, interdependência e indivisibilidade entre os diferentes
direitos: “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes
e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos
globalmente (...)” (art. 5). No que diz respeito à universalidade dos direitos
humanos, essas afirmações constituem conquistas importantes.
O mesmo artigo 5 também é o que dá abertura para o reconhecimento da
diversidade cultural na segunda parte de seu enunciado, quando declara:
as particularidades nacionais e regionais devem ser levadas em consideração,
assim como os diversos contextos históricos, culturais e religiosos, mas é
dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais, independentemente de seus sistemas políticos,
econômicos e culturais.
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67
No que respeita à educação especificamente, o artigo 33 reafirma o dever
dos Estados de “orientar a educação no sentido de que a mesma reforce o respeito
aos direitos humanos e liberdades fundamentais”. A Declaração ressalta também
a importância de “incorporar a questão dos direitos humanos nos programas
educacionais”, e solicita aos Estados que procedam nesse sentido, destacando que:
a educação sobre direitos humanos e a divulgação de informações
adequadas, tanto de caráter teórico quanto prático, desempenham papel
importante na promoção e respeito aos direitos humanos em relação aos
indivíduos sem qualquer distinção.
Além disso, que deve ser incorporada às políticas educacionais, tanto no
nível nacional como no internacional. No artigo 36, destaca-se a importância do
papel desempenhado pelas instituições nacionais na promoção e proteção dos
direitos humanos e na educação em direitos humanos.
O Plano de Ação da Declaração de Viena também dedica um apartado, dos
números 78 ao 82, à educação em direitos humanos, em que reafirma a
importância da responsabilidade dos Estados e solicita que “incluam os direitos
humanos, o direito humanitário, a democracia e o Estado de direito como matérias
dos currículos de todas as instituições de ensino, em procedimentos formais e
informais” (ponto 79). Reconhece também a importância do trabalho das
organizações não-governamentais para a promoção da conscientização sobre os
direitos humanos, assim como na área de educação em direitos humanos.
Em conformidade com as recomendações da Conferência de Viena, foi
proclamado o Decênio das Nações Unidas para a educação na esfera dos direitos
humanos (1995-2004), orientado a promover “esforços de treinamento,
disseminação e informação, direcionados à construção de uma cultura universal
dos direitos humanos” (Ugarte, 2004:245).
No nível internacional, o Alto Comissionado das Nações Unidas para os
Direitos Humanos coordenou a execução do Plano de Ação do Decênio, com a
colaboração da Unesco e de outros organismos internacionais, mas a resolução da
Assembléia Geral que proclamava a Década destacava que era importante também
implicar nessa iniciativa tanto a comunidade internacional quanto a sociedade
civil, já que a educação em direitos humanos requer uma sociedade educadora.
Entre os objetivos do Decênio constava a difusão mundial da Declaração
Universal dos Direitos Humanos no maior número possível de línguas, assim
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como a elaboração e aplicação de estratégias gerais eficazes e sustentáveis de
educação em direitos humanos no plano nacional.
O último e mais recente documento do sistema ONU a ser destacado,
decorrente do Decênio, é o Programa Mundial para a Educação em Direitos
Humanos (primeira etapa, 2005-2007), proclamado pela Assembléia Geral da
ONU em 10 de dezembro de 2004.
Nesta primeira etapa, o Programa focaliza a educação formal,
especificamente o ensino fundamental e médio, e um de seus objetivos é
contribuir para forjar uma cultura de direitos humanos. Afirma que a comunidade
internacional reconhece o consenso de que a “educação em direitos humanos
contribui decisivamente para a realização dos direitos humanos” (ponto 1).
Ainda nesse ponto, declara que:
a educação em direitos humanos tem por finalidade fomentar o entendimento
de que cada pessoa comparte a responsabilidade de conseguir que os direitos
humanos sejam uma realidade em cada comunidade e na sociedade em seu
conjunto. Neste sentido, contribui à prevenção a longo prazo dos abusos de
direitos humanos e dos conflitos violentos, à promoção da igualdade e do
desenvolvimento sustentável e ao aumento da participação das pessoas nos
processos de tomada de decisões nos sistemas democráticos.
A partir de toda a legislação internacional já elaborada relativa à educação
em direitos humanos e referida neste item, este documento entende que a
educação em direitos humanos “é o conjunto de atividades de capacitação e
difusão de informação orientadas a criar uma cultura universal na esfera dos
direitos humanos mediante a transmissão de conhecimentos, o ensino de técnicas
e a formação de atitudes (...)” (ponto 3).
Destacamos até aqui as referências que consideramos mais importantes no
enfoque do tema, reconhecendo, no entanto, que não são as únicas. A ONU tem
inúmeros documentos que tratam do tema dos direitos humanos e da educação em
direitos humanos, sejam eles orientados a sujeitos específicos, como mulheres,
crianças, indígenas etc., ou a aprofundar determinadas questões, como
discriminação, intolerância, tortura etc.
Dentro do sistema ONU, o organismo que mais tem se empenhado na
educação em/para os direitos humanos é a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), fundada em 1945. Sua preocupação
com essa temática tem sido também constante, tendo desenvolvido numerosas
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atividades e ações nesse sentido e considerado o tema em seus documentos e
publicações. Também neste caso, destacaremos aqui os documentos que
consideramos de especial importância.
Para fomentar a educação em direitos humanos, a Unesco aprovou, em
1974, a Recomendação sobre a educação para a compreensão, a cooperação e a
paz internacionais e a educação relativa aos direitos humanos e as liberdades
fundamentais. A Recomendação destaca a importância “do conhecimento não
apenas dos direitos, mas também dos deveres que têm as pessoas, os grupos
sociais e as nações para com os outros” (parágrafo 4).
Para aprofundar nos conteúdos da Recomendação, a Unesco realizou três
reuniões internacionais importantes sobre o tema: o Congresso Internacional sobre
o Ensino dos Direitos Humanos (Viena, 1978), um encontro em Malta do qual
saiu a Recomendação de Malta sobre o Ensino, Documentação e Informação
sobre os Direitos Humanos (Malta, 1987) e o Congresso Internacional sobre
Educação para os Direitos Humanos e a Democracia (Montreal, 1993).
Além dessas reuniões, outro acontecimento importante para o
desenvolvimento dessa temática foi a 44ª reunião da Conferência Internacional de
Educação (1994) que afirmou “que a educação deve fomentar conhecimentos,
valores, atitudes e aptidões favoráveis ao respeito dos direitos humanos e ao
compromisso ativo com sua defesa e com a construção de uma cultura da paz e da
democracia” (Ugarte, 2004:297).
Para atingir esses fins, além do sugerido na Conferência, é necessário que
as pessoas desenvolvam hábitos, atitudes e práticas que promovam um
comportamento orientado pelos direitos humanos. Trata-se de formar cidadãos
que promovam a paz, os direitos humanos e a democracia, e essa é uma tarefa que
abrange a sociedade em seu conjunto.
Ugarte (2004) destaca que da leitura dos documentos anteriores se conclui
que ambos os organismos definem a educação em direitos humanos como o
conjunto de atividades de capacitação, difusão e informação encaminhadas para
criar uma cultura universal na esfera dos direitos humanos. Trata-se de fazer um
esforço de educação e informação para construir uma cultura dos direitos
humanos através do acesso a conhecimentos e do desenvolvimento de habilidades,
atitudes e comportamentos.
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70
A ONU e a Unesco destacam também o vínculo existente entre direitos
humanos e democracia, assim como entre educação em direitos humanos,
desenvolvimento e paz.
Em nosso continente, além do desenvolvimento das normas internacionais já
referidas a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o primeiro marco
importante sobre essa temática é a Convenção Americana de Direitos Humanos,
aprovada na Conferência de São José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969
12
.
Essa Convenção reproduz a maior parte das declarações de direitos constantes do
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, já mencionado.
Com o fim de obter a adesão dos Estados Unidos à Convenção, a
Conferência de São José da Costa Rica decidiu deixar para um Protocolo
específico o relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais. Esse Protocolo
Adicional à Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador) foi
aprovado em 17 de novembro de 1988
13
.
Segundo Comparato (2004:363), as disposições da Convenção Americana
de Direitos Humanos e do Protocolo sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais representam uma novidade em relação aos Pactos Internacionais de
1966, porque é aplicado a essas novas disposições o princípio de prevalência dos
direitos mais vantajosos para a pessoa humana, ou seja, na vigência simultânea de
vários sistemas normativos – o nacional e o internacional – ou na de vários
tratados internacionais em matéria de direitos humanos, deve ser aplicado aquele
que melhor protege o ser humano.
12
O Brasil aderiu à Convenção por ato de 25 de setembro de 1992, ressalvando, no entanto, a
cláusula facultativa do art. 45, 1, referente à competência da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos para examinar queixas apresentadas por outros Estados sobre o não-cumprimento das
obrigações impostas pela Convenção, bem como a cláusula facultativa do art. 62, 1, sobre a
jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Convenção foi promulgada
no Brasil pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro do mesmo ano (Comparato, 2004:362).
13
Este Protocolo foi aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 56, de 19 de abril de 1995
(Comparato, 2004:363).
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71
O Protocolo de São Salvador retoma o conteúdo do artigo 13 do Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966)
14
, e também em
seu artigo13
15
caracteriza mais amplamente os diferentes componentes do direito
à educação e marca como orientação básica da educação o “pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade; associa
o fortalecimento dos direitos humanos com o pluralismo ideológico, as liberdades
fundamentais, a justiça e a paz”; e estabelece para a educação um papel central na
capacitação das pessoas para participar efetivamente numa sociedade democrática
e pluralista.
Este último elemento é retomado na Carta Democrática Interamericana
(2001), que reconhece, nos artigos 16 e 27, um papel fundamental para a educação
de qualidade a que todos tenham acesso “para fortalecer as instituições
democráticas e promover a governabilidade, a boa gestão, os valores democráticos
e o fortalecimento da institucionalidade política e das organizações da sociedade
civil” (IIDH, 2002:20).
14
Ratificados pelo Brasil pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, e
promulgados pelo Decreto nº 592, de 6 de dezembro de 1992 (Comparato 2004: 275).
15
O artigo 13 afirma o seguinte: 1. Toda pessoa tem direito à educação. 2. Os Estados-partes neste
Protocolo convêm em que a educação deverá orientar-se para o pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos
humanos, pelo pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela justiça e pela paz.
Convêm, também, em que a educação deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente
de uma sociedade democrática e pluralista, conseguir uma subsistência digna, favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou
religiosos e promover as atividades em prol da manutenção da paz. 3. Os Estados-partes neste
Protocolo reconhecem que, a fim de conseguir o pleno exercício do direito à educação: a) O ensino
de primeiro grau deve ser obrigatório e acessível a todos gratuitamente; b) O ensino de segundo
grau, em suas diferentes formas, inclusive o ensino técnico e profissional de segundo grau, deve
ser generalizado e tornar-se acessível a todos, pelos meios que forem apropriados e, especialmente,
pela implantação progressiva do ensino gratuito; c) O ensino superior deve tornar-se igualmente
acessível a todos, de acordo com a capacidade de cada um, pelos meios que forem apropriados e,
especialmente, pela implantação progressiva do ensino gratuito; d) Deve-se promover ou
intensificar, na medida do possível, o ensino básico para as pessoas que não tiverem recebido ou
terminado o ciclo completo de instrução do primeiro grau; e) Deverão ser estabelecidos programas
de ensino diferenciado para os deficientes, a fim de proporcionar instrução especial e formação a
pessoas com impedimentos físicos ou deficiência mental. 4. De acordo com a legislação interna
dos Estados-partes, os pais terão direito a escolher o tipo de educação a ser dada aos seus filhos,
desde que esteja de acordo com os princípios enunciados acima. 5. Nada do disposto neste
Protocolo poderá ser interpretado como restrição da liberdade dos particulares e entidades de
estabelecer e dirigir instituições de ensino, de acordo com a legislação interna dos Estados-
partes (
www.cldh.org/basicos/base4.htm
, acessado em 14/5/2007).
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72
De tudo abordado até aqui, concluímos que desde a Declaração Universal
dos Direitos Humanos até o presente foi se constituindo um amplo marco
jurídico em nível internacional e continental que dá pleno respaldo e sustento
à educação em direitos humanos. Em alguns momentos, as normativas se
referem explicitamente à educação em/para os direitos humanos; em outros,
ela – a educação em direitos humanos – é compreendida como componente
fundamental do “núcleo central de toda educação e, por isso, forma parte do
direito à educação” (Ugarte, 2004:14).
3.2
Educação em/para os direitos humanos na América Latina
As primeiras experiências de educação em/para os direitos humanos no
continente datam da década de 1980 (Basombrío, 1992:233). Embora tenha tido
um desenvolvimento heterogêneo, dependendo de cada país, a educação em/para
os direitos humanos tem estado intimamente articulada com os processos de
construção democrática vividos nos diferentes contextos. Na gênese desse
processo de democratização, tem ocupado lugar preponderante a luta pelo respeito
e vigência dos direitos humanos, que diversos movimentos e organizações têm
levado a cabo contra as diferentes formas de autoritarismo, violência e
marginalização presentes nas sociedades latino-americanas.
Os primeiros registros de encontros sobre o tema da educação em/para os
direitos humanos se localizam na organização do I Curso Interdisciplinar em
Direitos Humanos, em 1983, na Costa Rica, do qual participam representantes de
organismos privados e governos de toda a América orientados a dar formação
básica sobre diferentes aspectos referentes aos direitos humanos.
No entanto, numa cronologia realizada por Basombrío (1992) que abarca da
década dos oitenta até o início dos anos noventa (Anexo 3), os primeiros registros
estão situados em 1984, com a realização do I Seminário Chileno sobre Educação
para a Paz e os Direitos Humanos
16
, organizado pelo Conselho de Educação de
Adultos da América Latina (CEAAL), e o II Curso Interdisciplinar em Direitos
Humanos, nesse mesmo ano.
16
Realizado em Santiago no dia 6 de abril. Desse seminário participaram 33 representantes de
organismos de direitos humanos e projetos educativos. O objetivo principal foi realizar um
primeiro intercâmbio entre as pessoas e instituições que trabalhavam nessa perspectiva.
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73
Neste processo, a educação em/para os direitos humanos tem se
desenvolvido confrontando-se com um contexto político, econômico, social e
cultural que, por uma parte, a desafia; por outra, condiciona-a e, às vezes, também
a tem limitado. Compreender e analisar criticamente esse contexto é um requisito
básico para compreender o desenvolvimento da educação em direitos humanos
(Magendzo, 2000:17) no continente.
Para essa síntese da evolução da educação em/para os direitos humanos na
América Latina, tomaremos como referências principais o estudo realizado pelo
educador peruano Carlos Basombrío (1992) com apoio do CEAAL, sobre os
inícios da educação em/para os direitos humanos na década dos oitenta e o estado-
da-arte, realizado por vários pesquisadores de diferentes países no final da década
dos noventa, promovido pelo IIDH (Costa Rica) e coordenado pelo educador
chileno Abraham Magendzo,
17
que recolheu as experiências de Argentina, Brasil,
Colômbia, Guatemala, México, Peru e Venezuela. Os estudos de caso de cada país
foram desenvolvidos por um pesquisador do próprio país, reconhecido no tema da
educação em/para os direitos humanos.
3.2.1
A educação em/para os direitos humanos na década de 80
O tema da educação em direitos humanos no continente ainda é bastante
novo. Sua história começa na primeira metade da década de 1980, quando vários
países estavam saindo de cruéis experiências de ditaduras, especialmente na
região sul, e outros viviam também experiências de violência, como no caso do
Peru. Na segunda metade da mesma década, a educação em/para os direitos
humanos começou a adquirir certo nível de sistematicidade.
Intuía-se que a educação em direitos humanos tinha papel importante nos
processos de democratização das sociedades, tão afetadas pelas violações sistemáticas
dos direitos fundamentais dos indivíduos e das instituições pelas ditaduras militares.
17
Referimo-nos à publicação de CUELLAR, R. (Ed.). Experiencias de Educación en Derechos
Humanos en América Latina. Costa Rica: IIDH/USAID/F.Ford, 2000. Participaram nessa
publicação os seguintes pesquisadores: Rosa Klainer (Argentina), Vera Maria Candau (Brasil),
Magdala Velásquez Toro (Colômbia), Manuel Salazar Tetzagüic (Guatemala), Gloria Ramírez
(México), Rosa Maria Mújica (Peru) e Soraya El Achkar (Venezuela).
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74
Nessa perspectiva, afirmava-se que os direitos humanos deveriam ser o fundamento
ético de um novo paradigma educativo, de uma educação libertadora e
transformadora para uma cidadania ativa (Magendzo, 2000:21).
Nesse mesmo sentido, também se destacava sua importância para a
construção democrática:
educação desde os direitos humanos significa contribuir para que a
democracia política tenha um correlato natural na democracia social como
forma de vida. A educação em direitos humanos aponta desta forma ao
sentimento de cidadania e à organização da mesma como comunidade de
pessoas como membros de uma nação (Lagos 1991:15)
18
.
Nesta década, segundo alguns autores, como Basombrío (1991),
Magendzo (2000), Candau (2000), Mújica (2000), Achkar (2000), foram as
organizações não-governamentais (ONGs) as instituições que assumiram o maior
protagonismo na educação em direitos humanos, juntamente com os movimentos
populares. Nesse sentido, a educação popular teve papel preponderante, dado que,
na época, de maneira desigual segundo os países, mas com significado importante
e num processo constante, foram se desenvolvendo a organização e mobilização
dos setores populares a partir da consciência de exclusão e da injustiça em que se
encontravam. Essa tomada de consciência sobre sua situação e sobre
responsabilidades históricas dos setores populares foi fundamental para sua
constituição como sujeito social e político relevante no continente. Assim, junto
com os movimentos mais tradicionais como o dos operários e os trabalhadores
rurais, nessa década começam a surgir novos atores e movimentos sociais, como
as mulheres, os jovens e as associações de moradores.
Em alguns países, também nessa década, o início de afirmação dos
processos educativos na perspectiva dos direitos humanos se articula com a
experiência de denúncia e defesa, aspectos fundamentais que vinham sendo
enfatizados desde a década anterior em contextos de repressão política e violações
atrozes. Entende-se a denúncia e a defesa como ferramentas também pedagógicas.
18
Ricardo Lagos era, nesse momento, ministro de Educação de Chile. Esta citação corresponde ao
discurso pronunciado na apresentação do livro Educación y Ciudadanía. La educación en
derechos humanos en América Latina, de Carlos Basombrío, realizado a pedido do Programa de
Educación para la Paz y los Derechos Humanos del Consejo de Educación de Adultos de América
Latina (CEAAL). A cerimônia de apresentação em que se pronunciou esse discurso aconteceu no
Centro de Extensión de la Universidad Católica de Chile, em 12 de setembro de 1991.
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75
São muito importantes, nesse sentido, instituições como a Assembléia Permanente
de Direitos Humanos, a Comissão de Justiça e Paz e o Serviço de Paz e Justiça
(Serpaj), entre outras, criadas em vários países.
No nível da educação formal, particularmente nos processos de transição
democrática, também em vários países se afirma a importância de desenvolver uma
prática sistemática de educação em/para os direitos humanos no interior da escola,
dadas as suas potencialidades para estabelecer as bases para a construção ética e
social, para o desenvolvimento da democracia e por seu efeito multiplicador.
Um aspecto importante, destacado desde o início, foi a formação de
educadores/as em direitos humanos a partir de sua prática cotidiana.
No final dessa década, já se considerava que a educação em/para os
direitos humanos não tinha que ser uma disciplina, e sim que deveria estar
incorporada transversalmente no currículo, de forma interdisciplinar, incidindo na
formação da cultura escolar.
Além disso, se insistia:
na necessidade de considerar os direitos humanos como conteúdo de
formação geral, dando importância aos conteúdos normativos nacionais e
internacionais. Também começou-se a pensar que era necessário, na
educação formal, motivar para a reflexão crítica da história recente das
violações (Magendzo, 2000:21).
As experiências mais significativas nesse período, no âmbito da educação
formal, assinaladas na bibliografia analisada, são as do Serpaj do Uruguai, as do
Instituto Peruano de Educación en Derechos Humanos y la Paz (IPEDEHP) e a do
Programa Interdisciplinário de Investigaciones en Educación (PIIE), do Chile.
Também se destacam com um caráter mais inicial algumas iniciativas na
Venezuela, na Bolívia, no Brasil, na Argentina e na América Central (Basombrío,
1991:222).
Foi possível identificar que, na década de 1980 foram realizados
seminários, oficinas, cursos, jornadas sobre educação em/para os direitos humanos
nos seguintes países da América Latina: Argentina, Brasil, Bolívia, Belize, Chile,
Costa Rica, Colômbia, Equador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Peru,
Uruguai e Venezuela. Em vários deles essas experiências tiveram várias edições;
contava-se com uma certa sistematização e, em alguns, como no caso do Peru,
existia já uma rede nacional de instituições com reflexão coletiva sobre essa
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76
temática: a Rede Peruana de Educação em Direitos Humanos e a Paz.
Nesse momento, era impensável na maioria dos países a participação do
Estado nesse tema, considerando-se, de acordo com Magendzo (2000:21), algo
não desejável, pelos legados que apresentavam dos longos períodos de
autoritarismo político e ditaduras militares vividos em muito deles.
No entanto, nem tudo era positivo e desafiante nessa aventura. Uma das
principais dificuldades enfrentadas foi a falta de financiamento, assim como a
pouca articulação e continuidade das diferentes experiências.
Basombrío (1991) identifica temas, problemas e desafios da educação
em/para os direitos humanos no final da década. Um primeiro tema se refere à
própria identidade da educação em/para os direitos humanos em relação a outras
expressões e práticas, como a educação popular e a promoção dos direitos
humanos através da defesa e da denúncia.
Outros temas mencionados pelo autor são: a concepção de direitos
humanos que tem estado na ação educativa, as contribuições que os direitos
humanos trazem como paradigma de transformação; e a questão metodológica.
Referir-nos-emos aqui brevemente a cada um desses quatro aspectos.
No final da década de 1980, a educação em/para os direitos humanos na
América Latina apresentava-se como uma prática nova, ainda à procura de sua
própria identidade. As discussões se colocavam em torno das seguintes questões:
tendo presente que os direitos humanos constituem uma perspectiva integral que
perpassa todas as dimensões da vida humana, que contribuição específica traz a
educação em direitos humanos? Ou: toda prática de educação popular é uma
prática de educação em direitos humanos?
Os educadores em direitos humanos dessa época expressavam essas
questões e tentavam respondê-las. Molina (1985), por exemplo, afirma:
Durante muitos anos, o movimento pró-direitos humanos e os movimentos
populares percorreram rotas paralelas sem chegar a tocar-se, situação que
começa a mudar ao produzirem-se encontros cada vez mais freqüentes entre
ambos. Não há dúvidas de que a contribuição mais valiosa que pode fazer o
movimento popular à educação para os direitos humanos consiste na
adequação da metodologia da educação popular para a produção de materiais
e mensagens educativas simples, orientadas não só ao conhecimento dos
problemas, mas especialmente ao desenvolvimento de atitudes pessoais e
grupais mobilizadoras (apud Basombrío, 1991:194).
Na procura de tentar definir em que consiste a educação em/para os
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77
direitos humanos, o educador chileno Jorge Osorio (1988), reconhecido como
iniciador dessa prática em seu país, destacava:
É difícil definir exatamente a educação para os direitos humanos; no entanto,
está claro que as chamadas experiências educativas em direitos humanos têm
uma origem comum, e que é no meio da ação de defesa e denúncia pública
das violações dos direitos humanos que se descobre a necessidade de
desenvolver, de forma sistemática, programas educativos capazes de criar
consciência sobre o problema das violações dos direitos humanos (apud
Basombrío, 1991:195).
Nesse sentido, entendemos que a educação em direitos humanos começa a
converter-se numa opção válida e necessária para as organizações de direitos
humanos quando se produz uma série de mudanças políticas na América Latina e são
superadas em muitos países as manifestações mais dramáticas de violação dos
direitos humanos pelas ditaduras militares, começando-se a tomar consciência
também dos limites que os novos processos de democratização podem ter sobre esse
tema. Os educadores em direitos humanos e os organismos de direitos humanos
começam a buscar novos caminhos que propiciem uma abrangência maior para a
tarefa que têm em mãos, não só no nível da denúncia e da defesa
19
mas também na
procura de criar condições sociais, culturais e políticas para que as situações contra as
quais combateram não voltem a se repetir. Essa nova forma de ação vai se concretizar
de forma privilegiada na educação em/para os direitos humanos.
Quanto ao segundo grupo de questões propostas por Basombrío, que se
refere a uma concepção integral dos direitos humanos, tanto no que diz respeito à
sua abordagem como à articulação entre os diferentes tipos de direitos e sua
abrangência em relação à construção social e política, Molina salienta que:
a ação pelos direitos humanos adquire um enfoque mais global, que integra
todas as dimensões do fazer humano. Neste sentido falamos dos direitos
humanos como corrente cultural. Isso significa que a ação pelos direitos
humanos se abre aos novos desafios que exigem as condições políticas
vigentes (apud Basombrío, 1991:201).
Sobre esse mesmo tema, Magendzo (1989:15-16) propõe uma nova atitude
de aproximação quando afirma:
19
A denúncia das violações de direitos humanos se constituíram num aspecto prioritário para as
organizações da sociedade civil durante os períodos de ditadura militar, assim como a mobilização
de dispositivos legais de proteção das pessoas ameaçadas ou que tiveram seus direitos negados.
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78
o efeito aproximar-se dos direitos humanos implica, precisamente,
abandonar os modelos dicotômicos, cartesianos, absolutistas e universalistas,
para favorecer um conhecimento integrador, experiencial, vivencial e
organizador. Neste contexto estão inter-relacionados o subjetivo e o
objetivo, a ordem e a desordem, e cabem o particular e o universal, o
individual e o social, o racional e o irracional. Os direitos humanos estão
carregados de todas as condições próprias do humano (...).
Quanto ao papel dos direitos humanos na construção de um novo projeto
de transformação sociopolítica, a dura realidade latino-americana do final da
década de 1980, com as novas experiências democráticas iniciando-se em vários
países sob a influência de um projeto de políticas neoliberais, colocava de
manifesto que muito ou quase tudo estava por ser construído na perspectiva da
justiça, da solidariedade e da democracia. Além disso, a partir de novas formas de
fazer política, da emergência de novos movimentos sociais e da mudança de
atitudes frente a temas como paz, democracia, papel do Estado, entre os mais
importantes, vislumbravam-se possibilidades de novas forças históricas para as
mudanças tão desejadas.
Nessas novas formas de conceber a transformação, os direitos humanos se
colocavam como um eixo importante para a mudança, a emancipação e a
reconstrução da utopia possível, inclusive para medir a democracia. Ravela
(1988:310) afirma:
uma sociedade é autenticamente democrática na medida em que têm
vigência nela todos os direitos humanos para todos os seus integrantes e a
tarefa da construção da democracia coincide com a tarefa da defesa e
promoção dos direitos humanos. A lucidez para este ponto é chave para a
tarefa educativa.
O quarto e último núcleo temático proposto por Basombrío aborda a questão
metodológica. Embora, nos inícios da educação em/para os direitos humanos,
alguns autores afirmassem que sua metodologia era a da educação popular, com o
passar dos anos e o desenvolvimento de experiências começou a ser delineada sua
especificidade, que se afirma no sentido de que o tema metodológico não pode ser
separado da concepção de direitos humanos que se tem nem do tipo de sociedade
que se quer construir e da articulação entre reflexão e ação, participação e
organização coletiva (Basombrío, 1991:210-211).
Magendzo (1989:17), como aspecto importante também da metodologia,
estabelece um nexo entre a vida cotidiana da qual se parte na educação em/para os
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79
direitos humanos e o processo de diálogo e construção de conhecimentos entre
educador e educando:
o educador em direitos humanos utiliza a metodologia da pesquisa
participativa e situa a intersubjetividade do processo de produção de
conhecimentos como elemento de validação. O conhecimento em direitos
humanos é construído entre vários atores: educador, educando,
participativamente, em pé de igualdade. Quem possui o conhecimento do
imediato, do natural, do cotidiano são os atores que estão inseridos na
cotidianidade. São pois os que estão dentro de uma situação, os que possuem
um conhecimento inicial sobre o real. O educador facilita, ordena para que
os atores educandos sejam sujeitos de produção de conhecimentos.
Ainda dois temas se colocam no final dessa década em relação à educação
em/para os direitos humanos: o da defesa e a denúncia e a educação em/para os
direitos humanos no sistema formal, ou seja, na escola. Sobre este último assunto,
Osório faz um balanço do final da década:
existem programas de educação em direitos humanos na educação formal.
Mas, na prática, esse é um tipo de projeto educativo que não tem uma
incidência real e massiva no sistema escolar. Todos são projetos que estão
em fases iniciais e são sustentados por organizações não-governamentais
com o apoio das agrupações sindicais do magistério. Parte-se da crítica da
organização curricular e escolar e se busca a elaboração de uma proposta de
incorporação da temática dos direitos humanos nos programas oficiais de
estudo (apud Basombrío, 1991:222).
3.2.2
A educação em/para os direitos humanos na década de 90
Na década de 1990, a educação em/para os direitos humanos sofreu
mudanças significativas, levando em consideração as diferenças entre os países.
Vale ressaltar que esse período se caracterizou por um maior interesse e
protagonismo por parte do Estado, manifestado na incorporação do tema nas
políticas públicas.
No âmbito da educação formal, a educação em/para os direitos humanos
foi considerada um componente importante dos processos de modernização
educativa, sendo o tema incorporado formalmente nos currículos de vários países,
especialmente através dos temas transversais. Na década houve também avanço
importante na quantidade e qualidade dos materiais educativos produzidos,
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80
embora ainda fossem considerados insuficientes.
Da mesma forma que na década anterior, um aspecto destacado continuou
sendo a formação e capacitação de professores na temática, fazendo-se propostas
tanto quanto aos conteúdos, especialmente nos aspectos éticos, históricos,
jurídicos e políticos, quanto nas dimensões pedagógicas e metodológicas. Em
vários países se reconhece a ausência de uma política mais sistemática de
formação por parte do Estado e são construídas políticas específicas.
No âmbito da educação não-formal, alguns países destacam a variedade de
instituições especialmente promovidas pela sociedade civil com concepção ampla
dos direitos humanos que atendem a um leque de temas. Além das ONGs
especializadas, identificam-se outras instituições como igrejas, vicarias, grêmios,
associações de moradores, movimentos sociais etc. que realizam programas
educativos nessa linha.
Nessa década, é possível também destacar as universidades, com
importantes atividades no âmbito da educação em direitos humanos,
especialmente nas faculdades de Ciências Sociais, Direito, Educação, Filosofia e
Psicologia, entre outras.
Pesquisadores de diferentes países reconhecem também o trabalho
realizado pelos organismos internacionais, tanto os relacionados diretamente à
promoção de atividades de educação em direitos humanos como aqueles
orientados ao apoio econômico do seu desenvolvimento.
Durante essa década realizaram-se também atividades no campo da
difusão e pesquisa sobre educação em direitos humanos, assim como foram
organizados cursos, seminários, reuniões e congressos de âmbito nacional,
regional e continental. Foram organizadas publicações especializadas e
constituídas várias redes nacionais e regionais.
Um aspecto importante que merece ser ressaltado diz respeito à
configuração e afirmação de uma pedagogia da educação em direitos humanos ao
longo dessa década, incorporando uma série de princípios da educação popular e
da pedagogia crítica. Nessa perspectiva, recupera-se especialmente o sentido
participativo, o enfoque problematizador, a relação com a análise da realidade e a
vida cotidiana, a importância da construção de relações horizontais baseadas na
confiança, no reconhecimento do outro e na construção coletiva de saberes e
práticas. Um eixo articulador dessa pedagogia é afirmar a relação entre a educação
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81
em direitos humanos e o empoderamento das pessoas e dos grupos sociais,
particularmente dos excluídos e marginalizados.
Essa década também apresenta muitos problemas, tensões e dificuldades
relativos ao desenvolvimento da educação em direitos humanos na América Latina.
Não se trata de um todo homogêneo, eles variam segundo os países e as realidades.
Segundo Magendzo (2000:26), as principais tensões enfrentadas eram as seguintes:
a relação entre Estado, sociedade civil e ONGs: essa tensão se expressa em
duas dimensões. Por um lado, existe forte cooptação, por parte do Estado,
dos profissionais das ONGs nas diferentes áreas, também no âmbito da
educação em/para os direitos humanos. Em alguns países se tem produzido
um deslocamento maciço dos educadores aos cargos e funções nos
diferentes ministérios, desmantelando-se as ONGs e neutralizando seu
papel crítico. Ao mesmo tempo, não houve, na década, na maioria dos
países, uma política clara por parte do Estado em relação à educação
em/para os direitos humanos;
a educação em/para os direitos humanos nessa década se desenvolveu num
forte contexto de implementação das políticas neoliberais, marcadas pela
fragmentação social e por um modelo educativo instrumental que colocava
a educação na lógica do mercado e a serviço da competitividade
internacional, esvaziando e/ou reduzindo seu compromisso com a
formação para a cidadania. Nesse sentido, as propostas de educação
em/para os direitos humanos enfrentavam dificuldades para apresentar um
modelo educativo numa lógica contra-hegemônica;
a dificuldade da coerência ética, de pensar e ensinar direitos humanos no
interior de uma história de violações e impunidade, num contexto escolar
marcado por outros interesses, como a pressão dos rendimentos
acadêmicos e das medidas dos exames internacionais;
a dificuldade de articulação, em muitas ocasiões, entre o aprofundamento
dos processos e sua massificação e difusão. Parece que a educação
em/para os direitos humanos ou fica restrita a um grupo determinado e
pouco numeroso ou sua massificação a fragiliza e superficializa sua
proposta e seus conteúdos;
a polissemia do discurso dos direitos humanos, e, em conseqüência, da
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educação em direitos humanos. Esse campo ainda não está claramente
definido, e continuam as dificuldades de conceitualização e a procura de
sua própria identidade. A expressão educação em direitos humanos é
percebida como muito forte em alguns contextos sociopolíticos e culturais
que defendem sua substituição por expressões que consideram mais
adequadas e integradoras, como educação para a democracia, para a
cidadania, para a paz ou educação em valores;
faltam quadros e instituições preparadas para trabalhar na escola e para a
formação de professores em educação em/para os direitos humanos. A
falta de formação política e de compreensão estrutural da realidade que a
maioria dos educadores apresenta dificulta o desenvolvimento de
processos de educação em/para os direitos humanos.
Entre os desafios e propostas que Magendzo sintetiza a partir do estado-
da-arte realizado, estes se relacionam com a pedagogia, as políticas públicas, com
o plano pedagógico e o ético.
A dimensão pedagógica aponta para que a educação em/para os direitos
humanos deva ser capaz de articular diferentes racionalidades aparentemente
opostas, como são a formação para o mercado de trabalho e a formação cidadã.
Outro aspecto importante a ser levado em consideração é a capacidade de educar
para o “nunca mais”, especialmente nos países que viveram os horrores das
ditaduras militares. Espera-se que essa perspectiva contribua para a afirmação da
democracia e desenvolva capacidades para o exercício da cidadania e o resgate da
memória histórica.
Quanto aos desafios e propostas em relação às políticas públicas, a
necessidade mais urgente é converter a educação em/para os direitos humanos
numa política pública, assim como a incorporação de seus conteúdos na formação
dos educadores.
No plano pedagógico, os desafios apontam para a procura de um adequado
equilíbrio entre a integralidade dos conteúdos específicos da educação em/para os
direitos humanos e a articulação com uma variedade de temas que podem ser
também focalizados a partir da ótica dos direitos humanos. Outro desafio é a
diversificação de metodologias e de materiais para abranger um maior número de
destinatários, assim como uma pluralidade de sujeitos.
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83
No plano ético, os desafios e propostas vão na linha de articular a educação
em/para os direitos humanos com os grandes temas que afetam o continente, como
a pobreza, a violência, a corrupção e a cultura da impunidade, entre outros, assim
como a urgência de estreitar mais os vínculos entre a educação em/para os direitos
humanos, a política e a ética numa perspectiva crítica e transformadora.
No entanto, não devemos esquecer o que talvez continue sendo o maior
desafio da educação em/para os direitos humanos na América Latina, dada a sua
história e a configuração social de nossas sociedades:
a formação de um sujeito de direito capaz, através de um processo de
empoderamento, de contribuir à transformação das estruturas de injustiça
que ainda perduram em nossas sociedades, nas que a pobreza crônica é a
manifestação mais severa dela (Magendzo, 2000:29).
Consideramos que muitos dos aspectos, tanto das características como das
tensões e desafios destacados na década de 1990, permanecem neste início de novo
milênio. Talvez nesta nova década os efeitos da implementação das políticas
neoliberais e seu impacto nas políticas educativas se manifestem ainda com maior
força. Outro aspecto a destacar é a dificuldade de distinguir as iniciativas de
educação em/para os direitos humanos promovidas pela sociedade civil daquelas
organizadas pelo Estado. Este período se caracteriza mais pelas ações conjuntas, as
parcerias e as colaborações entre essas duas esferas.
3.2.3
Principais organismos internacionais presentes no desenvolvimento
da educação em/para os direitos humanos na América Latina
A educação em/para os direitos humanos vem se desenvolvendo de forma
plural e diversificada no continente, de acordo com os diversos contextos locais e
os diferentes atores referidos em cada década. Não podemos deixar de mencionar
três instituições importantes, tanto na motivação como na formação e na
promoção da educação em/para os direitos humanos, de especial relevância na
década de 80, mas também presentes na década de 90 e até hoje. São elas: a
Unesco, o Instituto Interamericano de Diretos Humanos (IIDH), da Costa Rica, e
o Conselho de Educação de Adultos da América Latina (CEAAL), todas já citadas
neste capítulo. Estas duas últimas instituições desenvolveram um trabalho de
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84
alcance internacional, tanto no que se refere ao apoio quanto ao estímulo e
legitimação da educação em/para os direitos humanos em diferentes países e no
continente como um todo.
Com menor impacto, mas também com contribuição relevante na
dimensão internacional, está a Unesco. Para alguns grupos do continente, a
Recomendação sobre a Educação para a Compreensão, a Cooperação e a Paz
Internacionais e a Educação Relativa aos Direitos Humanos e as Liberdades
Fundamentais, aprovada em 1974, citada no primeiro item deste capítulo, tem
servido como referencial e marco teórico na construção da educação em/para os
direitos humanos, além de ter sido uma importante fonte legitimadora nos difíceis
contextos políticos e sociais de alguns países.
Essa recomendação foi reforçada pela Declaração Final do Congresso
Internacional de Viena sobre o Ensino dos Direitos Humanos (1978), também
promovido pela Unesco, que destaca os princípios que devem guiar esse ensino.
Os principais princípios salientados correspondem ao caráter universal e
indivisível dos direitos humanos, à incorporação ao ensino de novas realidades e
problemas e à importância de construir uma nova ordem econômica, social e
cultural internacional que garanta os direitos humanos.
Outro momento importante da incidência da Unesco no continente foi a
reunião realizada na Costa Rica, em 1981, para analisar e colocar em prática a
referida Recomendação (Basombrío, 1991:176).
Nas décadas de 1990 e 2000, a Unesco tem contribuído também para a
afirmação da educação em/para os direitos humanos através da criação das
Cátedras Unesco de Direitos Humanos em diferentes universidades do continente.
Essas cátedras têm por finalidade promover a pesquisa, a formação e a informação
nessa temática, assim como favorecer a cooperação e o intercâmbio entre
especialistas, pesquisadores, estudantes, profissionais, políticos e militantes
interessados nessa temática.
Em 2001, essa instituição organizou no México, juntamente com o
Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e o
Governo do México, uma Conferência Regional sobre Educação em Direitos
Humanos na América Latina e no Caribe. Nessa reunião participaram
representantes de organismos governamentais, instituições nacionais de proteção e
promoção dos direitos humanos, organismos não-governamentais, cátedras
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85
Unesco de direitos humanos e instituições acadêmicas.
Essa conferência teve como objetivos analisar o estado atual da educação
em direitos humanos na América Latina e no Caribe, assim como debater e adotar
recomendações concretas no âmbito nacional e regional em matéria dessa temática.
Na Declaração do México sobre Educação em Direitos Humanos na
América Latina e no Caribe
20
está expressa:
a preocupação porque no atual momento o exercício dos direitos humanos
pode estar subordinado às políticas de segurança nacional e expressa
preocupação pela possibilidade de uma imobilidade no estímulo de agendas
de avanço dos direitos humanos, concretamente, das recomendações da
Conferência de Durban (2001:1).
Também a Declaração destaca um aspecto particularmente importante:
apesar de todos os progressos realizados no continente ao longo das diferentes
décadas em relação à educação em/para os direitos humanos, ainda há grandes
obstáculos a serem superados, como a falta de vontade política, a carência de
recursos e o desconhecimento dos direitos humanos por grande parte da população.
O Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH), com sede em São
José (Costa Rica), define-se como uma instituição internacional autônoma de
caráter acadêmico. Foi fundado em 1980 por um convênio assinado entre a Corte
Interamericana de Direitos Humanos e a República de Costa Rica. É uma
instituição de ensino e pesquisa acadêmica sobre Direitos Humanos, com enfoque
interdisciplinar e ênfase na problemática do continente, com prestígio
mundialmente reconhecido.
Seu trabalho apóia o sistema interamericano de proteção internacional dos
direitos humanos. Atualmente executa mais de 50 projetos locais e regionais para
o conhecimento e afirmação desses direitos entre as ONGs e instituições públicas
do continente americano, além de realizar anualmente um curso interdisciplinar de
direitos humanos (
www.iidh.ed.cr
, acessado em 18/5/2007).
Esse curso Interdisciplinar de direitos humanos é uma das atividades que
lhe dá mais visibilidade no continente e da qual já se beneficiaram muitos
20
Declaração do México sobre Educação em Direitos Humanos na América Latina e no
Caribe. Cidade de México, 28 de novembro a 1 de dezembro de 2001. Convêm salientar que essa
Conferência foi realizada logo após o atentado realizado nos Estados Unidos, em 11 de setembro
de 2001, e sob o impacto do sucedido no contexto da política internacional.
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intelectuais e militantes dos direitos humanos, assim como funcionários
governamentais. O curso, realizado ininterruptamente desde 1983, está orientado
para fornecer formação básica sobre diferentes aspectos vinculados aos temas dos
direitos humanos, assim como ao funcionamento dos mecanismos interamericanos
de proteção previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos.
Na área de educação, tem desenvolvido seu trabalho através do
Departamento de Educação em Direitos Humanos, tanto no âmbito formal como
não-formal. Na década de 1980, realizou diferentes programas e ações orientados
a apoiar o início da educação em direitos humanos em países como Brasil,
Bolívia, Uruguai, Costa Rica, Argentina e Guatemala (Basombrío, 1991:177).
Nessa década sua contribuição central para o tema era definida
como o esforço de reconceitualizar axiologicamente a educação por meio de
uma auto-reflexão dos autores das práticas pedagógicas, a partir dos
princípios universais dos direitos humanos, que se resumem no respeito à
dignidade da pessoa, na educação para a democracia e no exercício da
soberania plena (Basombrío, 1991:177).
Nos anos 1990, devido a dificuldades de diferentes tipos, algumas mais de
caráter ideológico e outras de natureza operacional, o IIDH mudou os projetos,
assim como a direção dos apoios econômicos, em vários países que, na década
anterior, tinham contribuído para o desenvolvimento da educação em/para os
direitos humanos (Candau, 2000:94).
A partir do ano 2000, o IIDH vem complementando esse trabalho na área
da educação em direitos humanos com a realização de um estudo do
desenvolvimento da temática na América Latina a partir dos anos 1990. Os
resultados dessas pesquisas se plasmaram na publicação intitulada Informe
Interamericano da Educação em Direitos Humanos, um estudo em 19 países
21
do
continente. Até o presente, foram publicados cinco informes, que são elaborados
utilizando um enfoque de pesquisa centrado em indicadores de progresso e uma
metodologia comparativa e prospectiva que estabelece tendências de mudança
concretizadas em resultados práticos, capazes de serem medidos através de
21
O Informe Interamericano sobre Educação em Direitos Humanos se refere a 19 países que
assinaram e ratificaram o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos
em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), disponível
em www.iidh.ed.cr
, acessado em 18/5/2007.
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indicadores (Rodino, 2006:5).
O primeiro informe, de 2002, examinou o marco legal que estabelece e
caracteriza a educação em direitos humanos dentro da normativa interna dos
países que assinaram e ratificaram o Protocolo Adicional à Convenção Americana
sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(Protocolo de São Salvador).
Em 2003, o segundo informe analisou, a partir da perspectiva da educação
em direitos humanos, as variações no desenho e os conteúdos do currículo oficial,
modificações nos planos escolares e programas e conteúdos dos textos escolares
para alguns níveis educativos.
O terceiro informe, de 2004, concentrou-se nos princípios, conteúdos e
orientações pedagógicas dos professores, tanto em relação à formação inicial
como à formação em serviço.
Em 2005, o quarto informe centrou-se nos progressos alcançados nos
países da região no estabelecimento da educação em direitos humanos como uma
política de Estado, medidos no grau de avanço alcançado na elaboração dos
Planos Nacionais de Educação em Direitos Humanos.
Tendo por base os resultados dos quatro informes anteriores, o quinto
informe, do ano 2006, versa sobre dois fatores fundamentais para o propósito de
incorporar, melhorar e ampliar a educação em e para os direitos humanos e a vida
em democracia na educação formal que oferecem os Estados da região,
relacionados ao desenvolvimento dos conteúdos e espaços curriculares
correspondentes aos/às alunos/as entre 10 e 14 anos de idade.
Esses informes são uma contribuição importante tanto para o estudo como
para a elaboração de políticas públicas sobre educação em direitos humanos,
porque apresentam uma panorâmica e o estado atual dos temas tratados em grande
parte do continente, o que permite também estabelecer comparações entre
diferentes países ou regiões.
O Conselho de Educação de Adultos de América Latina (CEAAL) surge
no ano de 1982, no México, com o objetivo geral de incorporar o conceito de
educação de adultos na educação popular (Basombrío, 1991:178).
Atualmente se define como uma rede de organizações não-governamentais
com presença em 21 países da América Latina e do Caribe, que, a partir da
perspectiva da educação popular, trabalha para afirmar os processos democráticos
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nas nossas sociedades, a conquista da paz e dos direitos humanos (www.ceaal.org,
acessado em 18/5/2007).
Desde seu início, o CEAAL se organizou numa série de programas que,
com o passar dos anos, transformaram-se em redes através das quais tem
desenvolvido seus objetivos, procurando ser um espaço de intercâmbio,
sistematização e coordenação de ações comuns entre seus afiliados e com outras
instâncias da sociedade civil.
Um desses programas, criado no ano de 1983, foi o de Educação para a
Paz e os Direitos Humanos, o qual teve seu primeiro momento importante na
realização do I Seminário Latino-Americano de Educação para a Paz e os Direitos
Humanos, em Caracas (Venezuela), em setembro de 1984.
Esse primeiro seminário foi um momento de reflexão conceitual sobre o
tema da educação em direitos humanos, de construção de identidade e de difusão
dessa nova perspectiva na América Latina. Entre os participantes se encontravam
representantes de organismos de direitos humanos que começavam a encontrar na
educação uma perspectiva de trabalho, como: Serpaj de Uruguai, Chile e Bolívia,
a Vicaría de la Solidaridad de Chile, a Comisión de Defensa de los Derechos
Humanos de Equador, a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, entre outros
(Basombrío, 1991:180).
Desse seminário participaram também representantes de organizações de
educação popular com longa trajetória de trabalho acumulada. Entre os pontos que
se destacam no documento final desse I Seminário está a concepção da educação
para a paz e os direitos humanos não como uma prática alternativa à educação
popular, mas como uma dimensão dela. O documento também considera
importante aprofundar e ampliar os níveis de intercâmbio iniciados, assim como
propor a criação de uma rede de intercâmbio especialmente para a troca de
experiências e a sistematização de metodologias.
Dentro dessa etapa inicial, coloca-se também o II Seminário Latino-
Americano de Educação para a Paz e os Direitos Humanos, realizado em Buenos
Aires (Argentina) no ano seguinte, 1985, no contexto da Assembléia Mundial da
Educação de Adultos.
Nessa ocasião já se constatava que a educação em/para os direitos
humanos, embora incipiente, já estava em desenvolvimento em alguns países do
continente, através da realização de eventos sobre o tema com maior
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sistematicidade, do surgimento das primeiras redes nacionais, assim como da
formulação dos primeiros projetos que assumiam esse tema de forma mais
especializada e das primeiras tentativas teóricas de articular as práticas jurídicas à
perspectiva educativa e de introduzir a temática no mundo da educação formal.
Basombrío identifica, depois desses dois seminários, o desenvolvimento de
um segundo momento do Programa de Educação para a Paz e os Direitos Humanos
do CEAAL, que se desenvolve com a realização de Oficinas Subregionais de
Educação para a Paz e os Direitos Humanos entre 1986 e 1987. Várias atividades
foram desenvolvidas, e o balanço final dessa etapa mostra, na avaliação dos
participantes, que se tinha avançado na sensibilização da sociedade civil para o
tema dos direitos humanos e a paz, que o Programa tinha se constituído num
espaço de encontro da educação popular e os direitos humanos e tinha contribuído
para o crescimento dessa opção na América Latina.
Entre os limites destacaram, no nível metodológico, a falta de visão
multidisciplinar, pouca articulação com a realidade cotidiana e uma explicitação
ainda frágil da especificidade da educação em/para os direitos humanos em
relação a outras práticas.
Com a realização do III Seminário Latino-Americano de Educação para a
Paz e os Direitos Humanos, realizado no Chile em 1988, inicia-se a terceira etapa,
na qual é possível afirmar que vários países do continente já tinham gerado
práticas sistemáticas de educação em direitos humanos e produzido muitas
oportunidades de encontros e intercâmbios.
Nesse seminário se avança na reflexão sobre a construção das redes
nacionais e na reflexão sobre as vinculações e distinções entre a educação popular
e o trabalho de educação em direitos humanos. Também se aprofunda a dimensão
educativa da paz e os diferentes sentidos que o conceito suscita, tendo presentes as
particularidades das regiões e países.
Na década de 1990, o Programa de Educação para a Paz e os Direitos
Humanos passa a se constituir em rede, desempenhando um papel importante na
formação de educadores em direitos humanos no continente. Contribuiu também,
nessa década, para o aprofundamento da reflexão sobre as práticas da educação
em/para os direitos humanos no nível formal e não-formal, assim como para a
sistematização, elaboração e difusão de materiais didáticos.
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Nessa década, a rede sofreu o impacto das políticas neoliberais
desenvolvidas em todo o continente, a cooptação de profissionais das ONGs para
a esfera do Estado e a diminuição do financiamento internacional para este tipo de
atividade. Essa realidade provocou enfraquecimento do trabalho em rede, tanto no
nível nacional como continental.
Atualmente, a Rede de Educação para a Paz e os Direitos Humanos se
define como um espaço formado por centros afiliados ao CEAAL e outras
organizações civis que trabalham de forma conjunta em esforços de formação,
intercâmbio, pesquisa e seguimento a conferências internacionais para garantir
uma educação para a paz e os direitos humanos nos países da América Latina
(
www.ceaal.org
, acessado em 18/5/2007).
A presença daquelas três instituições no continente tem sido muito
importante para o desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos,
especialmente nos inícios na década de 1980 e na primeira metade dos anos 90. A
partir do ano 2000, a reconfiguração institucional do IIDH e da Rede do CEAAL,
a partir do impacto da diminuição dos financiamentos para apoiar a realização de
atividades nacionais e continentais dessa natureza, tem relegado ambas as
instituições a um papel com menor incidência na promoção da educação em/para
os direitos humanos no continente.
3.3
A identidade da educação em direitos humanos: um processo em
construção
Como já mencionamos, o tema da conceituação da educação em/para os
direitos humanos é uma questão que acompanha o desenvolvimento dessa
temática desde suas origens, e continua sendo objeto de muitas discussões,
reflexões e elaborações.
No esforço de aproximação com nosso objeto de estudo, consideramos
importante destacar alguns trabalhos de diferentes autores da América Latina e de
outros continentes de especial relevância na discussão dessa questão.
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Flowers (2004)
22
, especialista com ampla participação na área, num
instigante artigo que teve ampla repercussão internacional, pergunta como definir
educação em direitos humanos. Afirma que se trata de uma resposta complexa
para uma pergunta simples.
A autora parte de uma experiência realizada em 2002, em que foi
publicada uma definição sobre educação em/para os direitos humanos
23
numa lista
de discussão sobre o tema na internet e foram solicitados os comentários dos
integrantes da lista. A questão suscitou um intenso debate, com mais de três mil
intervenções de educadores/as de diferentes partes do mundo, o que ilustra as
maneiras marcadamente plurais de entender o tema em questão. Ela afirma que
ficou evidente que faltava, à época, à educação para os direitos humanos, não
apenas uma definição clara mas também uma base teórica assumida de modo
consensual, e que era pouco provável uma sem a outra.
A partir deste ponto de partida, Flowers distingue três tipos de definições
de educação em direitos humanos, segundo os próprios agentes implicados, que
caracteriza como:
agências governamentais, incluindo organizações intergovernamentais,
agências da ONU e conferências promovidas por ela;
organizações não-governamentais (ONGs);
intelectuais universitários e educadores.
Segundo essa autora, as definições governamentais se caracterizam
especialmente por colocar a ênfase na valorização de objetivos e resultados,
especialmente aqueles que preservam a ordem e o próprio Estado. Em sua
aderência a documentos legais, normalmente elaborados por diplomatas e
especialistas da área jurídica, essas definições enfatizam o aspecto “direitos” dos
direitos humanos. É freqüente encontrar nesses documentos expressões da
educação em/para os direitos humanos para promover a paz, a coesão e a ordem
22
Consultora na área de direitos humanos, com ampla experiência de trabalho tanto em ONGs
como atividades relacionadas a governos e agências internacionais. Desenvolveu redes de
educadores/as, materiais, processos de capacitação em educação em direitos humanos em
diferentes países da África, Ásia e Europa, além das atividades que realiza nos Estados Unidos.
Possui vasta produção acadêmica sobre educação em direitos humanos.
23
Essa definição foi colocada por Shulamith Koenig, da Década do Povo para Educação para os
Direitos Humanos, na lista dos associados (www.hrea.org).
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social, em oposição a comportamentos e atitudes perturbadoras dessa mesma
ordem. Palavras como paz, democracia, tolerância, desenvolvimento, justiça
social são privilegiadas em suas declarações.
Esse enfoque enfatiza também a aprendizagem sobre instrumentos
internacionais e regionais, produtos de negociações entre Estados e instituições
intergovernamentais. Indicam com freqüência que é responsabilidade dos governos
tomar providências para que a educação em direitos humanos seja realizada
adequadamente. Em geral, parece sugerir que o valor da educação em direitos
humanos baseia-se em sua instrumentalidade estratégica para a coesão social.
Da mesma forma que as definições governamentais, as definições
formuladas pelas ONGs enfatizam resultados, mas com enfoques diferentes. Se os
esforços dos governos tendem a preservar, os enfoques e objetivos das ONGs
tendem a transformar, abordando a educação para os direitos humanos como uma
ferramenta para a mudança social, para limitar o papel do Estado, proteger as
pessoas do poder do Estado e, em alguns casos, para permitir que o povo alcance
o poder do Estado. Nesse sentido, afirma Flowers, as ONGs se comprometem e
reforçam o aspecto “educação” da educação para os direitos humanos.
As definições das ONGs enfatizam expressões como poder,
empoderamento, conflito, proteção, defesa, vítimas, violações, oprimido,
opressor. Seus enfoques afirmam o potencial da educação em/para os direitos
humanos para capacitar grupos vulneráveis para se proteger e reivindicar ou exigir
direitos negados historicamente. Seu tom é muitas vezes de oposição,
confrontando o poder dominante com uma combinação de conhecimento dos
direitos, habilidades analíticas e ativismo político (Flowers, 2004:7).
Também as definições de educação em direitos humanos de muitas ONGs
enfatizam a aprendizagem para analisar e eliminar as condições que produzem
realidades como pobreza, desigualdades sistemáticas de poder e oportunidades. A
pedagogia de Paulo Freire está muito presente nesta perspectiva, em que são
enfatizados os processos de conscientização, aspecto que marca uma delimitação
importante nas concepções de educação em direitos humanos.
As ONGs enfatizam o reconhecimento da importância crescente de atores
da sociedade civil e os novos modelos de poder resultantes de sua ação. Para
muitas ONGs, o objetivo da educação em direitos humanos é a transformação
social, não apenas através de influenciar governos mas também de outras fontes
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de poder, a partir de diversos atores da sociedade civil. No entanto, para a referida
autora, essa realidade apresenta uma tensão importante para o desenvolvimento da
educação em direitos humanos, identificada em como equilibrar o que inspira e
motiva essa perspectiva com o que é prático e realizável ou, em outras palavras, a
articulação do ideal com as possibilidades reais.
O terceiro bloco de definições, segundo Flowers, corresponde aos
educadores e intelectuais, que tendem a mudar a ênfase para os valores que
constroem e informam os processos de educação em direitos humanos. Em geral,
suas recomendações para conteúdos e metodologias estão baseadas em
concepções da educação em direitos humanos como um modelo ético de aplicação
universal. Em suas definições se destacam palavras como princípios, normas,
padrões, valores e escolhas morais, mostrando que esses pensadores e educadores
consideram os direitos humanos como um sistema de valores que têm origem em
necessidades humanas e se aplicam a toda a humanidade. Para esse grupo,
segundo a referida autora, a palavra que tem maior importância é o “humano” na
educação em direitos humanos.
As definições desse grupo são de essência ética e se referem ao dever
moral e à ação moral. Na área da educação formal, os educadores demonstram
particular preocupação em relação a como localizar a educação em direitos
humanos em relação a outras formas de educação também muitas vezes referidas
no currículo, como educação para paz, educação do caráter, educação para a
cidadania, educação para a democracia. Aparece então a questão da perspectiva a
que é subordinada ou que perspectiva é a mais abrangente.
Segundo Flowers (2004:14),
os acadêmicos parecem saber o que a educação para os direitos humanos
deveria fazer, mas não sabem o que fazer com ela, e suas definições de
educação para os direitos humanos são polarizadas, indo, por um lado, na
direção de um idealismo sublime, e, por outro, na de uma acomodação
limitada ao status quo.
O enfoque e a classificação de Flowers tornam-se didaticamente
interessantes para a aproximação ao tema da educação em direitos humanos, mas
consideramos que, ao mesmo tempo, apresentam limites por seu excessivo
esquematismo. Tendo presente a evolução dessa temática na década atual, as
ações nos contextos de aplicação das políticas neoliberais não têm sido tão
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individualizadas. Os diferentes atores sociais mudam de papel continuamente e
interagem entre si. Uma característica desse contexto e dessas políticas, no que diz
respeito à educação em direitos humanos, tem sido as ações e iniciativas conjuntas
e mistas entre a esfera governamental e a sociedade civil, abrangendo muitas
vezes agências de caráter internacional, governos, ONGs e educadores e
intelectuais em parceria, como classifica Flowers. Essa configuração de atores
varia segundo a orientação político-ideológica dos diferentes governos.
Outro enfoque que consideramos interessante é o desenvolvido pelo
professor Fritzsche
24
(2004) nas suas 15 teses sobre o que significa a educação em
direitos humanos, destacamos delas os seguintes elementos, que julgamos serem
os mais relevantes do enfoque que propõe.
A educação em direitos humanos é indispensável para o desenvolvimento
dos direitos humanos. Ela não é um adendo pedagógico, mas um componente
genuíno dos direitos humanos; hoje a educação em direitos humanos constitui um
dos direitos humanos.
Objetivando tornar realidade a educação em direitos humanos, deve-se
trabalhar para que ela ocupe um lugar central no ensino e na educação, planejando-a
como uma temática interdisciplinar e transversal, fundamentada numa teoria
educacional, expressando-a nos campos científicos existentes, apoiando-a com as
novas tecnologias e avaliando suas práticas. No entanto, ela não se situa só no
ensino formal, mas também se dirige a todos os grupos profissionais que
desempenham atividades relevantes para os direitos humanos, assim como às
possíveis vítimas de violações ou aos possíveis violadores.
A educação em direitos humanos possui pré-requisitos. Os contextos
educacionais e sociais não podem deixar de ser considerados; segundo esse autor,
ela se assenta num tripé: conhecer e defender seus direitos; respeitar a igualdade
de direitos dos outros; e estar tão comprometido quanto possível com a defesa da
educação em direitos humanos dos outros. Supõe a comunicação de saberes e
valores e desenvolve uma compreensão das dimensões jurídica e política, assim
como moral e preventivo-pedagógica, dos direitos humanos. Para a educação em
24
Professor de Ciência Política e responsável pela Cátedra Unesco sobre educação em direitos
humanos na Universidade de Magdeburg (Alemanha). É membro ativo de várias associações que
trabalham questões relativas à formação para a cidadania, estudos interculturais, anti-semitismo,
preconceito e intolerância. Possui ampla produção acadêmica nessas áreas.
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direitos humanos é absolutamente necessário construir uma relação explícita entre
os direitos e sua incorporação nas constituições e nos acordos de direitos civis,
assim como com a fundação, a gênese e os atores dos direitos humanos.
Para Fritzsche, a educação em direitos humanos e o ensino da tolerância
caminham de mãos dadas. O objetivo é relacionar o reconhecimento da igualdade
de direitos e a tolerância às diferenças. Ele destaca também que a educação em
direitos humanos não pode ser reduzida à aprendizagem sobre democracia,
mesmo que esta seja a forma mais favorável à afirmação deles. Os direitos
humanos devem prevalecer inclusive nos contextos em que a democracia não
existe ou dificilmente existirá.
A educação em direitos humanos deve transmitir as histórias de sucesso do
poder deles, e sua palavra-chave é empoderamento. No âmbito da educação formal,
não se reduz a alguns temas do currículo, mas constitui uma questão da filosofia e da
cultura da escola. A educação em direitos humanos está orientada à mudança social.
O pensamento de Fritzsche em relação à conceitualização da educação em
direitos humanos assume uma perspectiva abrangente e multidimensional e
levanta questões como a articulação entre igualdade e diferença, a importância da
educação em direitos humanos para a construção democrática, o ensino dos
direitos humanos na educação formal e a multiplicidade de sujeitos destinatários
da educação em direitos humanos, entre outras.
Na América Latina, como nos referimos no ponto anterior, a questão da
conceitualização da educação em direitos humanos está presente também como
um tema em debate, sem que haja consenso entre os especialistas. Muitos são os
enfoques, as aproximações, as propostas feitas pelos educadores e educadoras nos
diferentes países do continente. Apresentamos, a seguir, alguns pontos de vista
que nos parecem especialmente significativos e iluminadores para a reflexão que
estamos desenvolvendo.
Fazendo uma revisão das diferentes formas de leitura dos direitos humanos
no continente, Silvia Fernández (1989), uma das iniciadoras do trabalho de
educação em direitos humanos no Chile, propõe quatro formas de aproximação:
os direitos humanos entendidos como instâncias protetoras da dignidade humana,
o que implica trabalhar por garantias jurídicas que tornem possível o respeito aos
direitos humanos; os direitos humanos vistos a partir do prisma da ideologia da
solidariedade: são os direitos dos pobres e oprimidos na tradição de Bartolomé de
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Las Casas; os direitos humanos como consciência ética centrada no valor da
dignidade humana, que dá sentido à norma de direitos humanos; e, finalmente, os
direitos humanos como instância crítica da convivência humana. A partir dos
direitos humanos, é possível questionar a violência, a injustiça e o formalismo das
instituições (apud Basombrío, 1991:201).
Nessa mesma época, a década de 1980, um dos fundadores da educação
em direitos humanos no Uruguai, Luis Pérez Aguirre (1986:30), se perguntava:
é realista tentar educar para os direitos humanos? Têm-se ensaiado diversas
respostas sobre esse tipo de questão na busca do aperfeiçoamento do ser
humano e das sociedades. (...) Permanência e ruptura, ordem e mudança
criativa serão sempre dimensões dialéticas dos genuínos processos
educativos em direitos humanos. (...) A educação em direitos humanos tem
que ser aprendida como um processo rico e complexo, que garanta e respeite
essa dialética que implicará sempre a conciliação necessária entre liberdade
e tolerância, entre ordem e criatividade.
Na América Latina, no final da década de 1990, um grupo de especialistas
e pesquisadores do continente assumiu a posição de que, para continuar
colaborando com a construção democrática, deveria ser promovida a educação em
direitos humanos. Nesse sentido, os seguintes elementos deveriam ser afirmados
nos diferentes âmbitos educativos: a visão integral dos direitos; uma educação
para o “nunca mais”; o desenvolvimento de processos orientados à formação de
sujeitos de direito e atores sociais; e a promoção do empoderamento individual e
coletivo, especialmente dos grupos sociais marginalizados ou discriminados
(Candau, 2005:7-8)
O primeiro aspecto assinalado se relaciona ao entendimento dos direitos
em sua globalidade e interdependência, sem reduzir seu enfoque aos direitos
individuais, políticos e civis, o que é muito presente nos contextos neoliberais. A
compreensão e exigência dos direitos econômicos, sociais e culturais é
fundamental para a construção democrática, assim como a dos chamados “novos”
direitos relacionados ao meio ambiente, ao desenvolvimento das ciências da vida
e das novas tecnologias.
A educação para o “nunca mais” promove o sentido histórico, a importância
da memória em lugar do esquecimento. Supõe quebrar a “cultura do silêncio e da
invisibilidade” e da impunidade presente na maioria dos países latino-americanos,
aspecto fundamental para a educação, a participação, a transformação e a
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construção de sociedades democráticas. Exige manter sempre viva a memória dos
horrores das dominações, colonizações, ditaduras, autoritarismos, perseguições
políticas, torturas, escravidões, genocídios, desaparecimentos. Implica saber reler a
história com outras chaves e olhares capazes de mobilizar energias de coragem,
justiça, esperança e compromisso que favoreçam a construção e exercício da
cidadania (Sacavino, 2000a:44; Magendzo, 2000:362).
O terceiro elemento se refere à formação de sujeitos de direitos para a
qual se faz necessário articular a dimensão ética com a político-social e as
práticas concretas. Ser sujeito de direitos implica reforçar no cotidiano, através
de práticas concretas, a lógica expansiva da democracia, afirmar o princípio e o
direito da igualdade estabelecidos na esfera jurídica e política e transportar essa
dinâmica igualitária para as diversas esferas da sociedade. Formação da
consciência de ser sujeito de direitos significa também poder desenvolver, na
prática e na construção da cidadania, a articulação dos direitos de igualdade com
os de diferença, assim como os direitos individuais com os direitos coletivos.
Uma educação que promova o empoderamento individual e coletivo,
especialmente dos grupos sociais desfavorecidos ou discriminados, constitui o
quarto elemento destacado. Essa perspectiva supõe potencializar grupos ou pessoas
que historicamente têm tido menos poder na sociedade e se encontram dominados,
submetidos, excluídos ou silenciados na vida cotidiana e nos processos sociais,
políticos, econômicos e culturais. O empoderamento tem duas dimensões básicas:
pessoal e social, intimamente relacionadas, que a educação em/para os direitos
humanos deve promover, afirmar e desenvolver.
A dimensão pessoal se relaciona com a potencialização do próprio ser e
integra aspectos cognitivos, criatividade, autoconceito, auto-estima e confiança
nas próprias possibilidades. A dimensão social está articulada com os mecanismos
de participação e organização, assim como com a relação entre igualdade e
diferença (Sacavino, 2000b:27).
Candau (2005) também destaca que atualmente é importante promover
processos de educação em/para os direitos humanos em que se trabalhem a
sensibilização, a consciência da dignidade de toda pessoa humana e a promoção
de uma cultura dos direitos humanos.
A autora evita definir a educação em/para os direitos humanos, mas aponta
alguns elementos relevantes que lhe são constitutivos; dentre eles destacamos os
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seguintes:
- um processo sistemático e multidimensional orientado à
formação de sujeitos de direitos e à promoção de uma
cidadania ativa e participativa;
- a articulação de diferentes atividades que desenvolvam
conhecimentos, atitudes, sentimentos e práticas sociais
que afirmem uma cultura de direitos humanos na escola
e na sociedade;
- processos em que se trabalhe, no nível pessoal e social,
ético e político, cognitivo e celebrativo, o
desenvolvimento da consciência da dignidade humana
de cada pessoa (Candau, 2005:8).
Junto com esses elementos, consideramos importante destacar ainda
alguns outros enfoques de autores latino-americanos intimamente relacionados à
construção democrática.
Magendzo (2000), autor chileno, um dos pioneiros do tema no continente,
sintetiza o sentido último que, desde o início, orientou a educação em direitos
humanos como a formação de um sujeito de direitos, capacitado através de um
processo de empoderamento para contribuir com a transformação das estruturas
de injustiça que ainda perduram em nossas sociedades, em que a pobreza crônica
é a manifestação mais severa.
Mújica (2001:5), do Instituto Peruano de Educação em Direitos Humanos
e a Paz (IPEDEHP), afirma que
educar em direitos humanos e democracia é um processo intencional
orientado ao desenvolvimento integral das pessoas e à construção de formas
de convivência centradas no respeito e na prática dos direitos humanos e de
valores democráticos.
O Instituto Interamericano de Direitos Humanos da Costa Rica, no II
Informe Interamericano da Educação em Direitos Humanos (2003:12), considera
a educação em direitos humanos como um processo de aquisição de determinados
conhecimentos, habilidades e valores necessários para conhecer, compreender,
afirmar e reivindicar os próprios direitos sobre a base de normas dispostas em
diferentes instrumentos internacionais, em conexão com a normativa nacional.
Para o Instituto, isso significa que todas as pessoas, independentemente de seu
sexo, origem nacional ou étnica e de suas condições econômicas, sociais ou
culturais, têm a possibilidade real de receber educação sistemática, ampla e de
qualidade que lhes permita compreender seus direitos humanos e suas respectivas
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responsabilidades, respeitar e proteger os direitos humanos de outras pessoas,
entender a inter-relação entre direitos humanos, Estado de direito e governo
democrático, assim como exercitar na interação diária valores, atitudes e condutas
conseqüentes com os direitos humanos e os princípios democráticos. Essas
pessoas entendem também o direito à educação em direitos humanos como parte
do direito à educação e como condição necessária para o exercício efetivo de
todos os direitos humanos.
De acordo com o II Informe Interamericano (2003:5) a educação em
direitos humanos como direito implica a obrigação do Estado de assegurar uma
prática de ensino e aprendizagem que incorpore os conhecimentos, valores,
atitudes e competências necessários para formar uma cidadania consciente de ser
sujeito de direitos e de responsabilidades.
Como já salientamos ao longo deste capítulo, depois de pouco mais de vinte
anos de desenvolvimento na América Latina, a educação em/para os direitos
humanos continua sendo uma prática dinâmica, em processo de construção de
identidade, com alguns traços já definidos e transformados em conquistas
irrenunciáveis. É de se destacar todos os esforços realizados ao longo das décadas
para fortalecer a educação em/para os direitos humanos e configurar os elementos
básicos da especificidade de uma proposta latino-americana.
Nesse sentido, nos anos 1980, a educação em/para os direitos humanos na
América Latina apresentava a tendência a ser concebida como prática preventiva
que procure defender a vida e fortalecer os processos de democratização. Nos
anos 1990, adquiriu legitimidade institucional e especialização, voltou-se para
diversos destinatários e níveis de ação. Na década atual, a educação em/para os
direitos humanos parece enfatizar a promoção de práticas que permitam às
pessoas e aos diferentes grupos sociais o conhecimento e o acesso a seus direitos,
a seu empoderamento, à consolidação de uma cultura democrática e ao
fortalecimento do Estado de direito. No entanto, convém voltar a assinalar que o
desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos é muito heterogêneo e
desigual nos diferentes países do continente.
Os dois estudos de caso, do Chile e do Brasil, nos próximos capítulos,
permitirão corroborar essa afirmação, enquanto mostrarão as especificidades e as
diferenças dos processos seguidos em cada país em relação à educação em/para os
direitos humanos.
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4
Direitos humanos e educação na América Latina: estudos
de caso
“Hacer memoria no es memorizar. Hacer memoria es pensarse, ubicarse,
inscribirse en un caminar como pueblo, colectivo múltiple y diverso, que
‘hace historia’. Por ello mismo, resulta necesario recoger el legado de
quienes en otra época estuvieron en las mismas calles.
Travesías de tiempo somos. Somos sus pies y sus bocas. Los pies del tiempo
caminan en nuestros pies. A la corta o a la larga, ya se sabe, los vientos del
tiempo borrarán las huellas. ¿Travesía de la nada, pasos de nadie? Las bocas
del tiempo cuentan el viaje” (Galeano, 1993:240).
4.1
Tecendo a historia, articulando o presente: o caso chileno
A problemática dos direitos humanos no Chile apresenta, ainda hoje,
grande complexidade, e as terríveis violações da época da ditadura estão muito
vivas na memória coletiva. Antes da ditadura militar, o termo direitos humanos
não fazia parte do vocabulário social no contexto chileno. Embora a Declaração
Universal existisse desde 1948, pouco se sabia e conhecia a seu respeito no país.
A aprendizagem de sua importância se deu de forma violenta e sofrida, a partir da
violação sistemática e institucionalizada dos direitos humanos no regime de
ditadura militar iniciado em 1973.
Este capítulo tem por finalidade analisar, de forma sintética, a
problemática dos direitos humanos no Chile nas décadas de 1980 e 1990, assim
como o desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos nesse período.
Está estruturado em quatro partes. A primeira apresenta resumidamente a situação
dos direitos humanos no país, abrangendo parte do período de ditadura militar e o
processo de redemocratização. A segunda parte desenvolve o processo de
construção da educação em/para os direitos humanos no Chile até o momento
presente, para, na terceira, apresentar o significado atribuído à educação em/para
os direitos humanos através da análise dos depoimentos dos/as entrevistados/as na
pesquisa de campo realizada. Finalmente, na última parte, discutimos alguns
avanços, dificuldades e desafios atuais para o desenvolvimento da educação
em/para os direitos humanos no atual contexto da construção da democracia no
país.
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101
4.1.1
Direitos humanos e processo de democratização
Ainda não está construída de modo sistemático a história recente dos
direitos humanos no Chile. Existem marcos de referência, cronologias, arquivos e
algumas análises, especialmente do período que nos ocupa, a partir da década dos
anos 1980. Não podemos esquecer que a ditadura militar começou no país em
1973, com o golpe que colocou na presidência o general Augusto Pinochet e se
estendeu até 1990. Segundo Garcés e Nicholls (2005:20):
enquanto os partidos da esquerda passavam para a clandestinidade e múltiplas
pessoas pediam asilo nas embaixadas para salvar suas vidas, a ditadura ia
aplicando uma repressão arbitrária e indiscriminada. O país estava modificado,
convulsionado e sob estado de sítio, que compreendia o ‘estado de guerra’
como tinha sido estabelecido pelo Decreto Lei nº 5, de 22 de setembro de
1973. Embora o setor da sociedade que tinha apoiado os militares na sua
ascensão golpista ao poder podia desfrutar da tranqüilidade e segurança que o
novo governo lhe proporcionava, a situação foi muito diferente para aqueles
que foram afetados pela violação dos direitos humanos.
Nesse contexto, uma instituição especialmente importante pelo papel
desempenhado nesse tema dos direitos humanos, nas diferentes décadas, frente à
ditadura militar e posteriormente já no período de redemocratização, é a
Fundación de Ayuda Social de las Iglesias Cristianas (Fasic), instituição de caráter
ecumênico, comprometida com a prática cotidiana dos direitos humanos e
inspirada na perspectiva cristã de libertação e dignidade das pessoas. Fundada em
1975, nasceu e desenvolveu parte significativa de sua ação no período da ditadura,
enfatizando em seus programas e iniciativas o apoio aos perseguidos e às vítimas
da repressão (Garcés e Nicholls, 2005:14).
Essa fundação tem realizado ações emergenciais para proteger a vida, a
liberdade e a dignidade das pessoas, assim como programas de promoção e defesa
dos direitos humanos no âmbito social e comunitário
25
. Consideramos
emblemática sua importância na história dos direitos humanos chilena para outras
instituições similares que foram fundadas nessa época. Segundo Villela (2005:11):
25
GARCES, M. e NICHOLLS, N. Para una historia de los derechos humanos en Chile.
Historia institucional de la Fundación de Ayuda Social de las Iglesias Cristianas FASIC
1975-1991. Chile: LOM Ediciones, 2005.
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102
[a história da] Fasic, instituição de direitos humanos, se situa dentro de um
processo maior, o processo dos direitos humanos no país. Neste sentido, é
parte do processo histórico dos direitos humanos no Chile. [...] Contar as
coisas de outro modo [não só a versão da história oficial] significa também
para a Fasic a transição desde um passado de ditadura, que ainda persiste na
‘dívida pendente’, para um presente de democracia incompleta que ainda não
termina de ser constituída.
A Fasic tem partilhado essa história com outras organizações de direitos
humanos, como a Vicaría de la Solidaridad, da Igreja Católica; as associações de
familiares de vítimas da repressão, em especial a de Familiares de Detenidos y
Desaparecidos e de Presos Políticos; o Comité de Defensa de los Derechos del
Pueblo (Codepu), o Servicio Paz y Justicia (Serpaj) e a Comisión Chilena de
Derechos Humanos
26
. Cada uma dessas instituições especializou-se num campo
de ação concreto, relacionado aos direitos humanos, defesa jurídica, denúncia
pública, apoio social etc., mas sempre existiu um campo comum de colaboração e
solidariedade referente à defesa e promoção dos direitos humanos no país. Por
exemplo, a própria Fasic passou por diferentes momentos, de acordo com as
circunstâncias históricas da evolução da própria ditadura militar. No início, a
instituição deu prioridade ao apoio aos presos políticos; quando foi promulgada a
Constituição de 1980
27
, desenvolveu um programa de apoio aos “relegados
políticos” (a maioria acabou no exílio); quando cresceram as manifestações de
protesto, na metade dos anos 1980, criou programas especiais para as pessoas
vítimas de diferentes formas de repressão, desde a tortura e a prisão até a invasão
maciça de bairros populares, especialmente na cidade de Santiago
28
.
A ação da Fasic foi possível também pelo apoio e a solidariedade da
cooperação internacional ecumênica, que financiou grande parte das atividades
desenvolvidas pela instituição, acolheu os chilenos que saíram para o exílio e,
26
Os nomes das instituições são mencionados na língua original por tratar-se de organismos
reconhecidos com forte compromisso no país na luta pelos direitos humanos.
27
Essa Constituição foi aprovada num plebiscito que se realizou sem as condições mínimas de
uma eleição livre e democrática. Os líderes da oposição denunciaram a Constituição como
ilegítima e ilegal em sua origem, espírito e conteúdo (Lira e Loveman, 2005:17).
28
Essa instituição desenvolveu diferentes programas, entre os que se destacam: apoio ao exílio e à
reunificação familiar, o programa jurídico e social que atendeu durante toda a ditadura aos presos
políticos e a seus familiares, o programa médico psiquiátrico que atendia às vítimas da tortura e da
repressão, programa de bolsas para estudantes universitários vítimas da repressão, “talleres
ocupacionais” e apoio no processo de retorno e reinserção depois de exílio prolongado, entre
outros. Além da sede de Santiago, a Fasic tinha outro endereço importante na cidade de
Valparaíso.
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103
quando foi possível, visitou o país para manifestar apoio e solidariedade ao povo
chileno.
No início dos anos oitenta, era evidente que a repressão, ao converter-se
numa prática oficial e dominante do Estado, tinha produzido uma grande
transformação nas relações sociais e políticas da sociedade. Não só as instituições
e as formas políticas se tinham modificado, mas também o conjunto das relações
sociais cotidianas no trabalho, nas universidades, escolas, no bairro e na própria
vida familiar.
Se a tortura constituía uma das relações “humanas mais aberrante”, o medo
e a perda da confiança nos vínculos e nas relações sociais eram o correlato
inevitável do conjunto de práticas de violações dos direitos humanos no país. Um
certo sentido comum, estimulado pelos meios de comunicação e pela ideologia
oficial do regime, reforçava a noção de privatização do dano e da dor produzida
pela repressão, ao afirmar que, se uma pessoa fosse detida, era “porque alguma
coisa teria feito”, “andaria em alguma coisa errada” ou “alguma transgressão à
ordem” teria cometido (Garcés e Nicholls, 2005:141-142).
A ditadura militar trouxe consigo a implementação do modelo econômico
neoliberal. O Chile foi um dos primeiros países a aplicar essas receitas e a
começar a transformação econômico-produtiva. No início da década de 1980, um
dos efeitos dessa política foi o aumento dos índices de desemprego, quase
chegando aos 20%, como conseqüência da diminuição do investimento público e
do fechamento de empresas que não se ajustavam à nova realidade de uma
economia aberta ao mercado internacional. Essa realidade também se converteu
num tema de direitos humanos, para o qual várias das instituições mencionadas
contribuíram com diferentes tipos de programas de apoio aos desempregados,
criando estímulos para projetos produtivos, empréstimos para novas iniciativas de
emprego ou desenvolvendo cursos de capacitação para diferentes serviços.
A perda do trabalho estável, de modo semelhante à violação do direito à
liberdade ou à integridade física, gerou profundas rupturas nas identidades
pessoais e sociais, assim como a forma de inserção das pessoas na sociedade.
Nessa década, já não era só o desemprego que provocava mal-estar num
significativo número de habitantes e sua marginalização econômica; também
outro conjunto de indicadores macroeconômicos de crise do modelo econômico
implementado afetava a sociedade chilena.
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104
A queda do emprego foi acompanhada da inflação, da subida da taxa do
dólar, falências de empresas importantes e intervenção no setor bancário
quando este se mostrou insolvente. O mal-estar não só comprometeu os
desempregados mas também os que tinham emprego estável e as classes
médias e profissionais. Nesse contexto de crise econômica e persistência da
repressão do Estado, finalmente o povo encontrou uma forma de expressar
seu descontentamento” (Garcés e Nicholls, 2005: 145).
O ano de 1983 foi duro para a ditadura, e a situação se foi agravando,
tornando-se cada vez mais complexa. Nesse contexto se destacam dois
acontecimentos importantes referentes à sociedade civil nos quais a população
expressou maciçamente sua oposição ao regime militar e sua vontade de recuperar
a democracia.
O primeiro deles foi a greve de fome dos “Familiares dos Detidos e
Desaparecidos”. O segundo, que daria lugar a outros eventos, foi um congresso
sindical dos trabalhadores do cobre
29
, que evidenciou que a situação social do
setor no contexto neoliberal predominante se tornava cada vez mais insustentável
e que esta realidade implicava discutir as questões de fundo, os efeitos sociais do
modelo de desenvolvimento neoliberal e a necessidade de recuperar a democracia.
Depois de muitas discussões os participantes do congresso resolveram convocar
um dia de “Protesto Nacional”
30
. Esse dia superou muito as expectativas da
oposição quanto à sua magnitude e impacto provocado na política nacional. O
“panelazo”, com a participação de cada família convocada como finalização do
protesto ao final do dia, multiplicou-se entre os vizinhos, as ruas e os bairros. O
ruído social noturno teve a participação de um vasto setor da população na noite
de 11 de maio de 1983, contribuindo para revitalizar os laços de comunicação e
confiança na sociedade.
A esse fato social se somaram outras manifestações de oposição ao regime
militar em alguns centros universitários, em bairros populares e em bairros de
classe média de Santiago.
As ações realizadas conseguiram influir e afetar uma das molas
fundamentais do autoritarismo: o medo e a desconfiança. A onipresença do
regime autoritário começou então a ressentir-se, e a oposição, a constituir-se num
29
Esta é a principal atividade exportadora do país.
30
O “Protesto Nacional” convocou o povo a não enviar os filhos à escola, não ir trabalhar durante
um dia determinado e, a partir das 20 horas, realizar um “panelazo” em cada casa.
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105
ator social e político visível e relevante na sociedade.
O êxito alcançado pelo primeiro “Protesto Nacional” levou os
trabalhadores a unificar-se num Comando Nacional de Trabalhadores (CNT) e a
convocar um segundo protesto que estendeu-se às outras regiões do país. O
governo utilizou os meios de comunicação para que associassem a participação no
protesto a ações de vandalismo, de violência e caos social.
Entre maio de 1983 e outubro de 1984 se verificaram 11 jornadas de
protestos, algumas delas de mais de um dia de duração, constituindo-se no
principal meio de expressão da oposição social e política ao regime militar.
Em outubro de 1983 foi declarado o estado de sítio, com o qual a repressão
se multiplicou, cresceu o número de presos políticos, detidos e invasão
massiva de domicílios, especialmente em bairros populares (Garcés e
Nicholls, 2005:148).
Toda essa ação repressiva não conseguiu acabar com os protestos, que
continuaram sendo realizados nos anos subseqüentes até 1986, quando foi
dissolvida a “Assembléia da Civilidade”, máxima expressão de coordenação
nacional que se tinha constituído a partir dos movimentos sociais populares e de
classe média neste período, de importância fundamental na luta pela recuperação
da democracia.
Os diferentes atores políticos que se reconstruíram no meio dos protestos
nacionais, dando origem a diversas agrupações, além de enfatizar a oposição ao
regime militar, colocavam também a possibilidade de, através do protesto, criar
condições para a saída da ditadura militar. Dessa forma, uns apostavam na
mobilização como principal meio para a recuperação da democracia – entendida
como um conjunto de normas de convivência social e acordos sobre o regime
político –, enquanto outros consideravam que o protesto, alcançando um maior
grau de protagonismo popular, poderia não só modificar o regime político mas
também o sistema econômico-social vigente.
No entanto, toda esta mobilização não conseguiu desestabilizar de forma
significativa o regime militar, que conseguiu superar suas dificuldades, tanto
mediante instrumentos políticos de cooptação dos sindicatos, introduzindo
modificações na política econômica, quanto pelo exercício aberto e maciço de
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repressão da população civil
31
.
Nessa década, o protesto abria novos espaços sociais e a repressão do
regime militar aumentava; tal situação obrigava o governo também a reconhecer o
problema do exílio e a publicar as primeiras listas de pessoas autorizadas a voltar
ao país. Era grande o número de exilados. Nas cifras oficiais, eram 30 mil
pessoas, enquanto para a Cruz Vermelha Internacional essa estimativa estava em
80 mil, e para a Comissão Chilena de Direitos Humanos esse número ascendia a
200 mil. Para o Instituto Católico de Migrações, que considerava não só o exílio
político, mas também o econômico, esse número atingia 1.200.000 chilenos, que
podiam ser listados entre os exilados políticos e os emigrantes econômicos
32
.
Quaisquer que sejam os números tomados como referência, não se pode negar que
o problema do exílio e do retorno ao país era de grande envergadura. Um dos
problemas que os que regressaram ao país tiveram que enfrentar foi o do emprego,
num contexto de elevados índices de desocupação, além de todo o processo de
reinserção familiar e social num contexto de regime de ditadura militar.
O ano de 1986 foi difícil e decisivo no processo político chileno. Depois
de três anos dos “Protestos Nacionais”, a oposição não conseguia construir uma
saída de consenso à ditadura; nesse sentido, foram de especial importância as
diferenças políticas entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista. No ano
anterior, tinha sido assinado um acordo nacional, com o aval da Igreja Católica,
que incluía uma ampla gama de partidos políticos, com exclusão do Partido
Comunista. Esse acordo, além de definir propósitos políticos e econômico-sociais
para uma transição à democracia, propunha também um conjunto de medidas
imediatas para o pronto retorno ao regime democrático, o que implicava uma
modificação no itinerário constitucional do regime militar, que contemplava um
plebiscito em 1988 e uma eventual candidatura do general Pinochet para prorrogar
por 8 anos seu mandado presidencial.
Essa situação de possibilidade de continuidade do governo militar favoreceu a
articulação entre os diferentes grupos políticos da sociedade civil, e foi formada a
31
Em 1983, foram detidas 15.077 pessoas por razões políticas; no ano seguinte, esse número
alcançou 39.429 pessoas. Quanto à tortura, em 1982 registraram-se 105 casos; em 1983, esse
número passou para 254. As formas de tortura física predominantes foram as seguintes: aplicação
de choques elétricos, torturas sexuais, posturas forçadas, socos e batidas de pés e mãos, holofotes
de luz, imersão em água etc. (Garcés e Nicholls, 2005:154-156).
32
Nessa época o país tinha aproximadamente 10 milhões de habitantes.
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Asamblea de la Civilidad, que elaborou um documento conjunto de demandas dos
movimentos sociais chamado Pliego de Chile. Novamente foi convocado um protesto
nacional. A partir desse momento, começou-se a construir progressivamente o
caminho para o plebiscito que seria realizado em 1989, com aumento na intensidade
da atividade política de organizações sociais, partidos políticos e da sociedade civil
em geral para a preparação para a votação do Não, que significava a saída do governo
militar e do general Pinochet, ainda num clima de repressão.
Atores institucionais de diversos tipos (ONGs, igrejas, movimentos
populares etc.) foram protagonistas de experiências de grande transcendência
na defesa dos direitos humanos. Se constituiu, dessa forma, um movimento
de abrangência nacional que, no final dos anos 80, articulou-se com as
mobilizações democráticas e colocou seu capital institucional, profissional e
pedagógico ao serviço da educação cidadã que o país requeria para fiscalizar
o Plebiscito de 1988, cujos resultados favoráveis aos setores democráticos
acelerou o processo de transição institucional (Osorio, 2000:1).
Depois do triunfo do plebiscito, a oposição se dispôs a unir e articular
forças para tornar possível a recuperação da democracia. Desse processo surgiu à
vida política a chamada Concertación de Partidos para la Democracia
33
, que
mobilizou os setores opositores em torno da campanha presidencial que levaria
Patrício Aylwin à presidência da República, em 1990, dando assim início ao
processo de redemocratização do país. A transição à democracia se realizou
dentro das possibilidades e limites da Constituição elaborada pelos militares em
1980, o que significou restrições de caráter institucional de grande magnitude para
a recente democracia, que nascia, assim, fortemente condicionada.
O acesso de Aylwin à presidência trouxe como conseqüência imediata uma
diminuição considerável do clima repressivo que caracterizou a década anterior e
todo o período ditatorial. No novo contexto, começou a emergir parte da verdade
sobre as violações dos direitos humanos, e foram descobertas fossas com
sepultamentos clandestinos em distintos pontos do país, ocasionando grande
impacto na cidadania.
Para esclarecer a verdade sobre as violações dos direitos humanos
ocorridas entre o 11 de setembro de 1973 e o 11 de março de 1990, o governo da
33
Fazem parte deste grupo os seguintes partidos políticos: Partido Socialista, Partido por la
Democracia y Partido Demócrata Cristiano.
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Concertación constituiu a Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación
34
. Essa
comissão deveria investigar os casos de violação e elaborar um relatório para ser
conhecido em todo o país. O Poder Legislativo, que tinha permanecido fechado
por muitos anos, com a redemocratização também voltou a exercer suas funções,
criando-se na Câmara de Deputados uma Comissão de Direitos Humanos que
levaria a cabo investigações sobre o tema.
Um ano depois, em 1991, o presidente Aylwin dava a conhecer ao país o
resultado do Informe de la Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación,
conhecido também como Informe Rettig
35
. A partir desse momento, passou a
existir um documento oficial que permitia conhecer parte da verdade da violação
dos direitos humanos no período da ditadura, mas não se conseguiu chegar a uma
investigação mais completa, como a própria Comissão esperava, particularmente
em relação aos casos de presos desaparecidos
36
. O próprio presidente Aylwin se
manifestou sobre o tema:
A consciência moral da nação exige estabelecer a verdade e fazer justiça na
medida do possível
37
. Depois se poderá fazer a reconciliação sobre essas
bases e logo poderá chegar a hora do perdão (Aylwin, 2005:21).
Era importante que o Poder Judiciário fizesse justiça, mas muitos de seus
integrantes tinham sido cúmplices passivos da ditadura, ao silenciar os excessos e
os crimes cometidos durante a ditadura, e era evidente que havia muitas
limitações para enfrentar essa problemática. Nesse sentido, os setores da
sociedade que tinham colocado suas esperanças e expectativas em que a
recuperação da democracia traria uma rápida solução e reparação dos casos de
violação dos direitos humanos defrontaram-se com a realidade de que o processo
seria lento, difícil e não tão amplo como esperavam.
Por outro lado, no âmbito social, a herança do modelo econômico supunha
a existência de cinco milhões de pobres, que depois de dois anos de governo
democrático ainda não tinham melhorado sua situação econômica e continuariam
34
Decreto de 24 de abril de 1990.
35
A Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación ficou conhecida comumente como Comisión
Rettig; foi presidida por Raú
l Rettig
.
36
Este informe evidenciou como a tortura tinha sido uma prática feroz, exercida até a morte;
identificou mais de mil pessoas consideradas “presos desaparecidos” (Lira e Loveman, 2005: 31).
37
O destaque é nosso.
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nessas condições precárias ao longo da década, segundo Lechner (1996:4-7):
A ofensiva neoliberal não só impôs a sangue e fogo uma economia
capitalista de mercado, contra toda resistência social, dando de fato lugar a
uma verdadeira sociedade de mercado. Muito mais que em outros países
latino-americanos, a sociedade chilena atual se caracteriza por ser, acima de
tudo, uma sociedade de mercado, ou seja, uma sociedade onde as regras e
dinâmicas do mercado determinam a conduta, as expectativas e preferências
das pessoas. [...] Esta mercantilização ultrapassa o âmbito econômico e
permeia todas as relações sociais, incluindo a ação política. [...] Além das
condições de miséria em que vive um amplo setor da população, chama a
atenção a fragmentação generalizada da vida social.
A aspiração do movimento democrático pouco a pouco foi sendo diluída;
esse fato trouxe como conseqüência certo silêncio social e um mal-estar cultural,
fruto da impotência e da incapacidade dos setores democráticos para desmontar as
estruturas institucionais autoritárias estabelecidas pela Constituição de 1980.
Paulatinamente, a política foi-se elitizando, os movimentos sociais perderam
força e as instituições não-governamentais experimentaram uma crise de identidade
e de financiamento muito séria, além da perda de seus quadros profissionais. O
próprio movimento de direitos humanos perdeu quadros diretivos e profissionais
importantes, que se incorporaram à esfera do governo (Osorio, 2000:2).
O Informe de la Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación
apresentava recomendações em que propunha uma política de reparação para as
famílias das vítimas e um conjunto de sugestões destinadas à implementação de
formas simbólicas de reparação na sociedade. A implementação dessas
recomendações deu origem à Lei 19.123, que criou a Corporación de Reparación
y Reconciliación e estabeleceu os benefícios que o Estado chileno outorgaria,
como medida de reparação, aos familiares das vítimas de violações dos direitos
humanos ou de violência política com assassinato. A Corporación de Reparación
y Reconciliación terminou legalmente no final de 1996. Algumas de suas funções
se mantiveram no Programa de Continuidad de la Ley 19.123.
Esse Programa foi reorganizado quatro anos depois, para responder às
necessidades surgidas das informações sobre violações dos direitos humanos
proporcionadas pelas Forças Armadas, em janeiro de 2001, como tinham se
comprometido no acordo da chamada Mesa de Diálogo
38
, que durou de agosto de
38
Decreto 1005, do Ministério do Interior, de 25 de abril de 1997.
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110
1999 a junho de 2000. O Programa de Continuidad de la Ley 19.123 passou a ser,
desde 2001, o Programa de Derechos Humanos del Ministério del Interior. Além
da Lei 19.123, os governos da Concertación estabeleceram os seguintes
programas ao longo da década dos anos 1990 e do 2000: Programa de Reparación
y Atención Integral de Salud para las víctimas de violaciones de derechos
humanos (Prais) (1990), Pensiones de gracia (1990), Programa de
Reconocimiento al Exonerado Político (1993), Programa de Reparación para los
Campesinos Exonerados de la Tierra (1995), Restitución de Propiedades e
Indeminización, Comisión Nacional sobre Prisión Política y Tortura (2003) (Lira
e Loveman, 2005:32-34).
Apesar da clareza e precisão das formulações programáticas de 1989, a
concretização de cada um desses programas viu-se afetada pelas limitações e
contradições da política mais ampla em relação às violações de direitos humanos.
A institucionalidade herdada do governo militar influenciou também as restrições
que afetaram as iniciativas de reparação.
A política de reparação implementada entre 1990 e 2003 parecia ter
coberto quase todos os problemas derivados das violações dos direitos humanos
ocorridas entre 1973 e 1990, cumprindo as promessas formuladas no programa de
governo de 1989. No final do governo de Aylwin, as expectativas de fechar o
tema constituíam um desejo explícito dos políticos de quase todos os setores,
dando por cumprida uma dívida moral com a sociedade e considerando que,
efetivamente, era um tema que poderia dar-se por terminado, mas esse desejo
manifestou-se impossível de ser realizado. No entanto, no ano de 2003, já estando
na presidência Ricardo Lagos
39
, a percepção política do problema mudou
dramaticamente com a detenção do general Augusto Pinochet em Londres, e
continuou conturbado até sua morte, em 2006. O processo de juízo que se iniciou
para definir sua extradição para a Espanha projetou internacionalmente a força
moral, legal e política que tinha tido a defesa dos direitos humanos durante a
ditadura, dentro e fora do Chile. Possibilitou que a explicitação da magnitude
39
Depois da ditadura do general Augusto Pinochet, no período de redemocratização o Chile teve
até o momento quatro presidentes, todos pertencentes à Concertación Democrática: Patrício
Aylwin (11 de março de 1990 a 11 de março de 1994); Eduardo Frei (11 de março de 1994 a 11 de
março de 2000), ambos do Partido Democrata Cristiano; Ricardo Lagos (11 de março de 2000 até
11 de março de 2006) e Michelle Bachelet (11 de março de 2006 até o presente), ambos do Partido
Socialista.
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dessas violações legitimasse o direito das vítimas a ter o devido acesso a medidas
de reparação. Também colocou em evidência as limitações e insuficiências dos
programas de reparação, o que se traduziu na apresentação de demandas civis
contra o Estado chileno.
A informação disponível depois de 1990 foi ampliando o conhecimento do
ocorrido durante o regime militar. O governo da Concertación, ao
reconhecer e assumir a responsabilidade do Estado no esclarecimento das
violações de direitos humanos e na formulação de políticas de reparação,
reavivou as resistências dos setores que se identificavam com o governo de
Pinochet. Esses setores se sentiam ameaçados em suas lealdades e
questionados em seus princípios e concepções básicas, como a honra e a
verdade. Sentiam-se acusados injustamente porque acreditavam ser os
salvadores da Pátria porque tinham impedido sua conquista pelo comunismo
internacional (Lira e Loveman, 2005:35).
Por outro lado, o país tinha ido se vertebrando em torno da mercantilização
da vida social. A extensão do crédito e a melhoria nas condições materiais de
importantes setores sociais deram lugar a uma ordem centrada no consumo e no
endividamento. De acordo com Osorio (2000:3), isso produz uma espécie de ilusão
de um país moderno, próspero, desenvolvido, com investimentos e integração,
reforçada por uma atitude trunfalista do próprio governo, que leva a sociedade a
viver uma prosperidade ambígua. Sem negar os resultados de várias políticas
sociais, avanços na erradicação da pobreza e a recuperação de um clima de
segurança e respeito aos direitos humanos em geral, os efeitos das políticas
econômicas foram mostrando que os benefícios do crescimento não eram
partilhados por todos os chilenos da mesma forma e que o desnível entre ricos e
pobres era cada vez maior.
Nesse contexto, foi se produzindo um processo de segmentação espacial e
social agudo, que criava um “duplo país”. O Chile moderno e o Chile da pobreza
foi desmistificando a imagem da integração na economia internacional
globalizada e de seus benefícios, e se inaugurou, a partir da cidadania, um debate
sobre os efeitos do modelo econômico neoliberal implementado e os limites das
políticas econômicas, assim como foi se afirmando a necessidade de uma maior
participação cidadã na construção da democracia.
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112
Esse complexo contexto econômico-social e político também se revelou
conflitivo, em 2003, em relação ao tema dos direitos humanos. Alguns setores
estimulavam a postergação do conflito, esperando que as demandas das vítimas
ficassem diluídas com o correr do tempo. Outros promoviam ou esperavam poder
contar com algum acordo político que colocasse um ponto final nos processos
judiciais ou que se aplicasse o decreto de lei da anistia de 1978, como tinha sido
previsto. Ao mesmo tempo, estava claro que os fracassos sucessivos dessas tentativas
de dar por concluído o tema dos direitos humanos referentes ao período da ditadura
tinham impedido novas iniciativas por parte do governo, a partir de 1996.
Essa situação foi progressivamente gerando, na sociedade, descrédito em
relação às possibilidades da democracia. No início da década de 1990, segundo
Lechner (1990)
40
, os discursos armamentistas [da ditadura] foram perdendo força,
e a democracia começou a ser considerada um valor em si própria, o que facilitou
o processo de transição. Quinze anos depois, apesar da alta valoração inicial do
regime democrático recentemente restabelecido, apenas metade da população
chilena se manifestava a favor da democracia como forma de governo, como
salienta o informe do PNUD (2004:253)
41
:
este é um tema preocupante. [...] Sem um fundamento cultural sólido, a
democracia encontra-se mais vulnerável para a emergência de traços
autoritários ou populistas, com o risco conseqüente de desperdiçar a
oportunidade que o país tem hoje de fazer um avanço em matéria de
desenvolvimento humano.
40
Citado em PNUD. Informe de Desarrollo Humano em Chile. El poder: para qué y para
quién? Chile: 2004.
41
O PNUD, desde 1995, a partir de um acordo com o governo chileno, realiza informes nacionais
com o objetivo de “promover a idéia de desenvolvimento humano sustentável com o governo e a
sociedade civil, levando a cabo estudos nacionais que possibilitem uma reflexão e diálogo sobre os
conteúdos essenciais do desenvolvimento humano”. O primeiro informe foi o de 1996 (PNUD.
Desarrollo Humano en Chile, 1998).
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113
Uma das razões apontadas na constatação dessa realidade da sociedade
chilena no início da década atual aponta para a dificuldade do sistema
democrático de satisfazer as expectativas dos cidadãos, particularmente no plano
socioeconômico. Por outro lado, a persistência de dinâmicas cotidianas
autoritárias e discriminadoras também corrói o significado da vida democrática.
Nesse sentido, cabe destacar que na última pesquisa realizada pelo
Latinobarómetro (2004), 32% da população chilena indicavam que no país “não
se trata a todas as pessoas igualmente; pelo fato de ser pobre se é tratado de outra
maneira [discriminado]”. Esse dado também é reforçado por pesquisas realizadas
por outras instituições em relação aos temas da discriminação e da intolerância,
como aponta também o informe já referido do PNUD (2004:254):
Viver num sistema democrático implica que as pessoas tenham iguais
direitos e que as diferenças sociais sejam respeitadas. Dificilmente a
democracia será bem avaliada pela cidadania se isso não se cumpre.
Para enfrentar esse desafio, o relatório do PNUD recomenda
fundamentalmente o aprofundamento na educação cívica e no exercício ativo de
seus direitos por parte dos cidadãos, afirmando que é uma tarefa que cabe ao
mundo da política mas também ao conjunto do sistema educativo. Frente a esse
desafio, consideramos ser necessário pensar no processo da educação em/para os
direitos humanos como uma mediação importante para essa construção
democrática, aspecto que será desenvolvido no próximo item.
4.1.2
Processo da educação em/para os direitos humanos no Chile
A educação em/para os direitos humanos no país começa a gestar-se na
metade da década dos 1980, em plena ditadura militar. O Chile foi um dos países
pioneiros, na América Latina, na educação em/para os direitos humanos. No
entanto, não há muito material produzido que sistematize esse processo. Dois
artigos serão privilegiados neste item como referências fundamentais, por sua
importância e abrangência. O primeiro corresponde à década de 1980, de Carlos
Basombrío (1991); está publicado em seu livro Educación y Ciudadanía, la
Educación en Derechos Humanos en América Latina; nele relata a experiência
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114
chilena. O segundo, de Jorge Osorio (2000), La Educación de los Derechos
Humanos en Chile durante los 90, trata do desenvolvimento da educação em/para
os direitos humanos na década dos anos 90.
Como já mencionamos, na metade da década de 80 tinha se fortalecido um
importante movimento social que expressava os anseios de recuperação
democrática de diferentes organizações políticas e sociais chilenas. Além disso, sob
o regime ditatorial se desenvolveram no país redes sociais que implementaram
projetos em torno dos direitos humanos e da cidadania, tanto na dimensão de defesa
e promoção como de educação. Nessa época, os protagonistas são diversos atores
institucionais de diferentes tipos, como ONGs, igrejas e movimentos populares,
entre outros, que desenvolveram experiências de grande transcendência na defesa
dos direitos humanos. Na segunda metade da década começaram a aparecer
também as primeiras experiências de educação em direitos humanos.
Essas experiências foram promovidas pelos principais organismos de
direitos humanos e tiveram papel fundamental na gestação da consciência
democrática da população. Pode-se afirmar que no Chile, nesses anos, o eixo
político mais importante, em torno do qual se articulou a educação em direitos
humanos, foi o direito à participação do povo em sua trajetória histórica. Dessa
forma, procurou-se articular a luta pela democracia e a luta pelos direitos
humanos em muitos setores da população (Basombrío, 1991: 95).
Nesses anos, segundo o mesmo autor, foram realizados também avanços
importantes na perspectiva da educação em/para os direitos humanos em relação à
incorporação do uso alternativo do direito na educação formal. Em termos gerais,
pode se afirmar que o elemento unificador das diferentes práticas esteve orientado
no sentido de tratar de converter os direitos humanos no paradigma cultural do
futuro da democracia.
No ano de 1984, surgiu o Plenario de Organismos de Derechos Humanos,
uma instância de consulta e coordenação política entre as principais organizações
de direitos humanos do país. Nesse mesmo ano começaram a ser realizadas
reuniões de intercâmbio sobre educação em direitos humanos, e foi realizado o I
Seminário Chileno de Educação para a Paz e os Direitos Humanos, cujo objetivo
principal foi articular, pela primeira vez, os diferentes esforços que, de maneira
incipiente, tinham começado a ser realizados sobre essa temática.
No II Encontro Nacional de Educação para a Paz e os Direitos Humanos,
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115
realizado no ano seguinte, os objetivos e o número de participantes já tinham
crescido. O mais significativo desse encontro foi o esforço por delinear
coletivamente as características específicas da educação em direitos humanos.
Entre as enumeradas destacam-se as seguintes: a busca de coerência entre a
“palavra” e a “ação”, a afirmação de sua dimensão política orientada a denunciar
o autoritarismo, a promoção de um modo alternativo de organizar relações sociais
fundamentadas na solidariedade e no respeito aos direitos humanos, a construção
de uma consciência de mudança que permita criar modos alternativos de vida
social e política, a vinculação entre o espaço cotidiano e a dimensão ética, a
capacidade de assumir a dimensão conflitiva da realidade (Basombrío, 1991: 116).
O III Encontro Chileno de Educação para a Paz e os Direitos Humanos foi
realizado no final de 1986 e teve três temas centrais: a educação em direitos
humanos no contexto da ação educativa popular, a educação em direitos humanos
na educação formal, assim como o papel do movimento de magistrados e o uso
alternativo do Direito e a capacitação jurídica popular e sua relação com a
educação em direitos humanos. Nesse encontro, um espaço importante foi
dedicado à apresentação de algumas experiências que estavam sendo já realizadas.
Também foram abordados os desafios que a situação do país apresentava para a
educação em direitos humanos.
O IV Encontro Chileno de Educação para a Paz e os Direitos Humanos foi
realizado no final do ano seguinte e se situa em continuidade aos anteriores, de
aprofundamento da reflexão sobre o tema da incorporação dos direitos humanos
na escola.
Todos esses encontros foram apoiados pelo Conselho de Educação de
Adultos da América Latina (CEAAL) e o Centro El Canelo de Nos. Sua principal
característica foi instituir um espaço de intercâmbio e aprofundamento na temática.
No entanto, não se deu com igual força o desenvolvimento de uma estratégia
comum de trabalho que se expressasse numa coordenação sistemática de esforços.
Esses encontros acabaram no final de 1987, quando se constituiu um
movimento de alcance nacional que se articulou com as mobilizações pela
democracia, realidade que demandou das instituições da sociedade civil a
colocação de seus capitais institucionais, profissionais e pedagógicos a serviço da
educação cidadã que o país requeria para fiscalizar o Plebiscito de 1989, cujos
resultados favoráveis aceleraram o processo de transição institucional, como já foi
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116
mencionado no item anterior.
Algumas das instituições destacadas nessa etapa no trabalho de educação
em direitos humanos são as seguintes: Vicaría de la Solidaridad, uma instituição
mantida pela Igreja Católica que substituiu o “Comité Pro Paz”, em 1976;
“Sevicio Paz y Justicia de Chile” (Serpaj), fundado em 1977; Programa
Interdisciplinario de Investigaciones en Educación (PIIE), fundado em 1971;
Comisión Chilena de Derechos Humanos, fundada em 1978; e o Instituto de
Educación para los Derechos Humanos.
Na década de 90 se inaugura o processo de redemocratização no país. Essa
nova etapa esteve fundada num conceito de governabilidade em que a
participação cidadã foi ancorada mais como uma ameaça de que como uma
oportunidade para fortalecer a democracia. Os espaços para a expressão social
foram se restringindo significativamente. Além disso, os partidos políticos da
Concertación tenderam a ocupar, com suas redes, todos os âmbitos de
participação cidadã, diminuindo progressivamente a vitalidade de expressões de
democracia direta e participação popular. Esse esquema foi fortalecido também
porque as tarefas prioritárias do governo democrático visavam a reduzir ao
máximo possível toda fonte de instabilidade, para resguardar a governabilidade do
novo regime e aprofundar as bases de uma economia de mercado que implicava
disciplina laboral e confiança no governo (Osorio, 2005:12).
Nessa década, a realidade das instituições que trabalhavam na década
anterior na promoção e educação em direitos humanos mudou substancialmente.
Os esforços de aglutinação, coordenação e as tentativas de trabalho em rede
realizados na década anterior se desintegraram e as instituições se fragilizaram,
tanto do ponto de vista de seus recursos humanos, porque muitos de seus
profissionais foram cooptados para os quadros do Estado, como também
economicamente, pela retirada dos apoios da cooperação internacional, uma vez
superado o regime militar e recuperada a democracia. Nesse momento, o
financiamento público é praticamente inexistente para essa área.
Segundo Osorio (2000:116), o modelo de governabilidade imposto nesse
primeiro período de redemocratização, até meados da década dos anos 90,
caracteriza-se pela:
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117
precariedade das relações cívico-militares, a defesa ativa por parte das
Forças Armadas de suas próprias demandas em relação aos temas de justiça
pelas violações dos direitos humanos, a prioridade de gerar um ambiente de
ordem e estabilidade social para acelerar a modernização econômica e a
desmobilização dos atores sociais que tinham sido protagonistas no final da
ditadura. Paulatinamente se elitiza a política, os movimentos sociais decaem
e as instituições não-governamentais experimentam crise de identidade e de
financiamento muito graves.
No entanto, convém destacar, por sua importância e por ser a primeira
iniciativa do poder público nessa área, a constituição pelo então ministro de
Educação, Ricardo Lagos, no mês de maio de 1991, de uma Comissão de
Trabalho
42
para aprofundar o estudo da temática dos direitos humanos e sua
relação com a educação formal. O objetivo específico assinalado para essa
Comissão era:
elaborar uma proposta que permita a incorporação desta temática no
currículo escolar (Ministerio de Educación. Comisión de Derechos
Humanos, 1993:1).
A composição da comissão permitiu abordar a tarefa proposta tendo
presente uma grande variedade de experiências e perspectivas. Seus membros
procediam do mundo acadêmico, da pesquisa educativa, da docência escolar, da
militância social, e de instituições não governamentais de estudo e compromisso
com a promoção e defesa dos direitos humanos. Vários de seus integrantes tinham
realizado ou realizavam experiências sobre o tema no país e no estrangeiro.
Essa Comissão elaborou um relatório, que foi entregue no ano de 1993, no
qual entendia que:
o respeito, promoção e vigência dos direitos humanos excede em muito a
capacidade educadora da escola. A família, os poderes públicos, as
organizações sociais, os meios de comunicação, em suma, a comunidade
inteira é responsável por desenvolver uma verdadeira educação e cultura em
e para os direitos humanos. No entanto, sem dúvida a escola é um espaço
privilegiado para que essa cultura se desenvolva de um modo sistemático,
permanente e intencional. As profundas raízes que criam nas pessoas as
42
Essa Comissão era integrada pelos seguintes profissionais: Alfonso Bravo Baltierra
(coordenador), Aldo Calcagni González, Juan Pablo Conejeros Maldonado, Claudio Gutiérrez
Lazo, Juan Morales, Luis Moya Santander, Enrique Pascual Nelly, Eduardo Rojas Zepeda, Luis
Cisterna Contreras, Rebeca Chamudes Urzúa, Abraham Magendzo Kolestrein, Verónica Monsalve
Anabalón, Domingo Namuncurá Serrano, Ezequiel Rivas Gutiérrez e María Teresa Rodríguez
(Ministerio de Educación. Comisión de Derechos Humanos. Los Derechos Humanos en la
Educación Formal. Chile, 1993).
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118
vivências e as aprendizagens escolares contribuem de uma forma
particularmente eficaz na formação de valores, atitudes e condutas que
acompanham o aluno durante toda sua vida. A incorporação dos direitos
humanos no processo educativo representa uma oportunidade excepcional
para ir criando essa necessária cultura em e para os direitos humanos
(Ministerio de Educación. Comisión de Derechos Humanos, 1993:1-2).
Esse relatório apresentava uma breve introdução, fundamentando a
necessidade de incorporar a educação em/para os direitos humanos em todos os
níveis do sistema escolar; em uma segunda parte, desenvolvia os critérios e
modalidades de aplicação que podem ser empregados para incorporar esta
temática no currículo escolar; na parte final, apresentava as exigências que a
educação em direitos humanos coloca para os educadores e as formas de
desenvolver processos de formação e capacitação desses profissionais para
responder a esse novo desafio.
Os direitos humanos foram incluídos legalmente no Marco Curricular dos
Objetivos Fundamentais e Conteúdos Mínimos Obrigatórios (OFCMO), nos
Programas de Estudo Ministeriais dos diferentes setores e subsetores de
aprendizagem e nos Objetivos Fundamentais Transversais (OFT). Foram assim
incorporados ao currículo nacional como tema transversal, juntamente com outros
temas como: meio ambiente, multiculturalismo, formação cívica e democrática,
tolerância e não-discriminação e respeito à diversidade social e cultural. Além
disso, a promoção e o respeito aos direitos humanos têm sido um princípio
orientador do conjunto de orientações estratégicas que emanam da política de
Convivência Escolar e de uma série de iniciativas que o Ministério de Educação
tem impulsionado, como: o Concurso Binacional sobre Microexperiências
educativas de direitos humanos nas escolas, o Programa de Informação e
Formação sobre o Direito Internacional Humanitário, o Calendário sobre os
Direitos da Criança, entre outros (Magendzo, 2003:3).
Também a partir da esfera governamental a Corporación Nacional de
Reparación y Reconciliación, que sucedeu oficialmente à Comisión Rettig,
desenvolveu até 1997 um programa de ações educativas, elaboração de materiais,
capacitação de educadores e de articulação entre organizações da sociedade civil
sobre essa temática. Através dessas ações foram aproveitadas muitas
metodologias e materiais didáticos desenvolvidos pelas ONGs durante o tempo da
ditadura, produzidos, entre outras instituições, pela “Vicaría de la Solidaridad”,
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119
pelo “PIIE” e pelo “CEAAL (Magendzo:1999)
43
.
Também a reforma educativa chilena promoveu ações de importância para
o tema nessa década. Alguns aspectos mais significativos, que, segundo Osório
(2000), poderiam ter contribuído para a criação de âmbitos propícios para a
educação em direitos humanos foram suas políticas orientadas a melhorar a
qualidade da educação nos setores mais pobres, a melhoria das condições de
trabalho do magistério, a dotação de infra-estrutura adequada para o
funcionamento das escolas, a ampliação do acesso a novas estratégias e
tecnologias educacionais e a preocupação em promover uma nova cultura baseada
na não-discriminação, na convivência respeitosa e não violenta na escola. No
entanto, esses processos, apesar de sua grande incidência, não conseguiram
resultados sistêmicos para a educação em direitos humanos, colocando um grande
dilema para a própria reforma: como abordar a educação em direitos humanos
tendo presente a cultura escolar fortemente consolidada. Referindo-se ao final da
década dos 1990, Osorio (2000:120) afirma:
na verdade a reforma chilena se escolarizou, se distanciou da cultura, se
instrumentalizou em relação à transição para uma nova economia, mas
abandonou suas exigências em relação à ‘transição de época’ que lhe exigia
assumir mudanças paradigmáticas culturais e de pensamento e esqueceu suas
responsabilidades em relação à consolidação da democracia e à reconciliação
do país com a ‘doutrina’ dos direitos humanos.
Também é importante ter presente que, nessa década, a partir do
reconhecimento formal da educação em direitos humanos como um componente
da política educativa formal, desenvolveram-se ações que devem ser avaliadas
positivamente pelo lugar que ocupa o ensino dos direitos humanos na Proposta de
Objetivos Fundamentais e Conteúdos Mínimos Obrigatórios da Educação
Básica”, especialmente no Ensino Médio, na formação de professores e na
produção de materiais didáticos.
Magendzo (1999) assim se expressa no relatório remetido ao Senado em
relação às ações desenvolvidas sobre a educação em direitos humanos:
43
Citado por OSORIO, J. La Educación de los Derechos Humanos en Chile durante los 90.
San José: IIDH, 2000.
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120
fazer dos direitos humanos um conteúdo e um objetivo transversal
44
tem
significado buscar consensos sociais. Em outras palavras, a decisão de
transversalizar os direitos humanos foi necessariamente o resultado de
deliberações e opiniões de educadores, famílias, membros da comunidade,
igrejas, diferentes correntes de opinião política, empresários, estudantes,
sindicato de professores etc. Esse processo não está isento de tensões, de
interesses e diferentes posições e contradições. É precisamente no âmbito
dos direitos humanos em sua qualidade de conteúdo e objetivo curricular
transversal que inevitavelmente têm surgido divergências e diferenças de
opiniões, que são a expressão de uma decisão pública e da sociedade de um
fazer democrático, respeitoso da diversidade
45
.
Entre as experiências mais inovadoras no âmbito da educação em direitos
humanos nessa década e que se estendem também à década de 2000, Osorio coloca
as seguintes, organizadas com coordenadas diferentes das da década de 1980:
A perda de liderança das ONGs que durante os anos 80 desenvolveram
modelos de educação em direitos humanos com incidência nos setores
sociais e eclesiais teve sua compensação na emergência e fortalecimento
de novas redes e movimentos, especialmente de mulheres e ambientalistas,
que em ambos os casos geraram processos de formação de lideranças e
capacitação jurídica, especialmente depois das reuniões da ONU
realizadas no Rio de Janeiro, Viena e Beijing. É importante destacar que
esse processo na sociedade civil não tem tido quase repercussões na
política educativa, e na esfera oficial não se observa um esforço, como em
outros países, por incorporar essas temáticas de forma nuclear, além de
reconhecê-las no marco curricular do Ensino Fundamental e Médio. Além
disso, os temas referentes aos direitos das mulheres e da eqüidade de
gênero são vistos como temáticas conflitivas, especialmente entre os
grupos políticos conservadores. O que se destaca no âmbito de geração de
novos direitos são os direitos dos consumidores, que, como movimento
social, têm tido incidência na opinião pública e obrigou o governo a criar o
Serviço Nacional do Consumidor e a Lei de Defesa do Consumidor.
44
Os objetivos transversais, em sua formulação, não só incorporavam o respeito aos direitos
humanos como estão consagrados na Declaração Universal como também vinculavam os direitos
humanos a uma série de valores que têm preocupado permanentemente na educação,
especialmente o da dignidade da pessoa. Existiam também outros objetivos vinculados
estreitamente ao tema dos direitos humanos, como: a igualdade e eqüidade de gênero, a proteção
do meio ambiente, o exercício pleno dos direitos e deveres pessoais e a valorização do trabalho.
45
Citado em OSORIO, J. La Educación de los Derechos Humanos en Chile durante los 90. San
José: IIDH, 2000.
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121
Os grupos mais emblemáticos na defesa dos direitos humanos na década
anterior e que desenvolveram programas de educação nessa década
centraram suas ações na atividade jurídica, constituindo-se em referentes
éticos reconhecidos. Colocaram em tensão os diferentes governos da
Concertación em relação às violações dos direitos humanos e a agenda
governamental para elaborar uma “Lei do Ponto Final”. No entanto, esses
grupos não têm demonstrado capacidade de fazer novas propostas e criar
novas instituições de defesa e promoção dos direitos humanos. Existe
nesse âmbito um déficit não preenchido nem pelas organizações da
sociedade civil nem pelo governo.
As universidades, também na década dos 90, não têm tido papel muito
destacado em relação a essa temática. Algumas instituições têm programas
de pesquisa jurídica que se relacionam aos direitos humanos. Praticamente
nenhuma universidade do país incorporou a seu currículo obrigatório o
ensino de direitos humanos. Na década do 2000, já fizemos referência
anteriormente, a Academia de Humanismo Cristiano, criou a Cátedra
Unesco de Direitos Humanos, em 2003. Um tema também a ser destacado
nesse âmbito são as pesquisas sobre as novas gerações de direitos,
associando-as às novas dinâmicas dos movimentos cidadãos, às demandas
da sociedade civil, trabalhando especialmente a noção de “ação de
interesse público”, que vincula processos de construção de cidadania em
nível local com ações jurídicas, educação em direitos humanos, formação
de lideranças e novas formas de conceber a relação entre o profissional de
Direito e os movimentos sociais.
Neste período, no âmbito do trabalho das ONGs tem-se aberto uma nova
frente relacionada a aspectos de discriminação que alguns grupos sofrem
por razões étnicas, de gênero, idade, opção sexual ou necessidades
especiais, desenvolvendo-se programas na linha da educação em direitos
humanos. Entre as instituições que trabalham nesta linha se destacam a
Vicaría de la Solidaridad
46
, o PIIE
47
e a Fundación Ideas
48
. Esta última foi
46
http://www.vicaria.cl/vicarias/vicaria_pastoral_social.php. Acessado em 12/1/2008.
47
http://www.piie.cl/. Acessado em 12/1/2008.
48
http://www.ideas.cl. Acessado em 12/1/2008.
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122
criada em 1988 para supervisionar o plebiscito e posteriormente reorientou
seu enfoque para os temas de educação para a não-discriminação e a
tolerância realizando um trabalho pioneiro no país.
As mobilizações das associações indígenas, especialmente os Mapuches,
têm obtido sucesso em relação à reivindicação de direitos humanos,
autonomia e educação a partir dos próprios referentes culturais, o que tem
levado algumas ONGs e universidades da região sul do país a promover
projetos de resgate da educação mapuche, de forma bilíngüe. Nesse sentido,
em nível governamental, sancionou-se em 1998 a Lei Indígena, que no seu
artigo 32 estabelece a educação intercultural bilíngüe para as diferentes
comunidades indígenas
49
. Também nestes últimos anos tem-se trabalhado
na formação de professores bilíngües e elaborado materiais didáticos e
dicionários nas diferentes línguas indígenas reconhecidas (rapanui,
kawésqar, yagán, aymara, quechua y mapudungún). No entanto, ainda não
está assumido o desafio de considerar os povos indígenas incluídos em um
processo amplo de construção de uma sociedade nacional multicultural e
pluriétnica que reconheça e valorize a existência dos povos indígenas e o
exercício de seus direitos econômicos, políticos, culturais e sociais.
No âmbito dos direitos econômicos, sociais e culturais, têm se
desenvolvido iniciativas promovidas por redes internacionais não-
governamentais, como a Novib (agência holandesa) ou o CEAAL, o que
levou à criação de uma plataforma de ação para a exigibilidade jurídica
desses direitos, constituindo-se em um espaço educativo para grupos de
cidadãos organizados exercerem o controle das responsabilidades
governamentais em temas como o direito das crianças, mulheres, os
direitos ambientais e de minorias sexuais, entre outros.
49
O artigo 32 da lei diz: “La Corporación, en las áreas de alta densidad indígena y en coordinación
con los servicios y organismos del Estado que corresponda, desarrollará un sistema de educación
intercultural bilingüe a fin de preparar a los educandos indígenas para desenvolverse en forma
adecuada tanto en su sociedad de origen como en la sociedad global. Al efecto podrá financiar o
convenir con los Gobiernos Regionales, Municipalidades y organismos privados, programas
permanentes o experimentales”. Disponível em:
http://www.conadi.cl/logros2.htm
Acessado em
12/1/2008.
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No entanto, apesar de todas estas iniciativas, para Osorio, nesta última
década a sociedade civil continuou se debilitando, a “democracia do consumo”
terminou por esgotar as energias sociais criativas, o que, junto com a
despolitização das comunidades, a involução da ação da Igreja e de uma imprensa
pluralista, terminou por provocar uma “normalização” da sociedade. A
democracia já não se apresenta como um âmbito de criatividade e de mudança,
mas como a regulação da convivência social e o campo da igualdade de
oportunidades. A atividade intelectual dos centros acadêmicos também se reduziu
e muitas ONGs perderam substantivamente sua capacidade criativa e de trabalho a
partir das realidades locais, transformadas no braço executor das políticas sociais
do governo (Osorio, 2005:15).
Concluindo este item, podemos afirmar que, depois de todos esses anos de
redemocratização, a reforma educativa chilena tem se demonstrado frágil e
insuficiente em relação à possibilidade de desenvolver uma educação destinada a
criar uma cultura dos direitos humanos.
Tem existido, por parte do governo, uma insuficiente vontade política para
fazer da reforma escolar um tema mobilizador da participação da sociedade civil
de adesão a um projeto cultural progressista. A política educativa não tem tido
suficiente capacidade para construir alianças com setores sociais estratégicos,
capazes de fazer da reforma um espaço de processamento da complexidade das
transformações vividas pelo país, especialmente no que se refere às repercussões
da política econômica em relação às classes sociais mais desfavorecidas,
mantendo-se os padrões de exclusão e discriminação. Existe um déficit nas
políticas de eqüidade, de ação afirmativa e de outras ações diretas orientadas à
distribuição dos benefícios do desenvolvimento educativo em relação aos setores
populares, aos indígenas e às mulheres, entre outros. Prova disso foram as
manifestações organizadas pelo movimento de estudantes de Ensino Médio da
escola pública a partir de abril de 2006, conhecido como “Revolução dos
Pingüins” reivindicando melhoria na qualidade da educação e denunciando a
realidade da escola atual como um produto da desigualdade social que atravessa o
país com as políticas públicas desenhadas sob a orientação do modelo econômico
neoliberal, como afirma Salvat (2006: 71-72):
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os estudantes de maneira indireta evidenciam que nossa política democrática
tem problemas, ou, para dizê-lo de maneira forte: está doente em sua cultura
e sua economia. [...] Nada conseguimos com enunciar e/ou proclamar tais
ou quais valores e virtudes como desejáveis se não promovermos ao mesmo
tempo uma educação para a democracia – em todos os níveis – que assuma
formas de experiência social e política, desde a infância, capazes de construir
outro imaginário social. Talvez no presente esse fator represente uma das
contradições mais flagrantes.
No entanto, a encruzilhada permanece: a pobreza é um desafio da
economia de mercado e a democracia tem se enfraquecido ao ser incapaz de
enfrentar esse problema. As novas formas de fazer política e uma maior
responsabilidade social da cidadania organizada parecem o caminho através do
qual a democracia pode ser revitalizada. Nossos entrevistados/as, que
apresentamos no item a seguir, fazem parte desse processo histórico, político-
social apresentado e participam também dos desafios colocados.
4.2
O significado da educação em/para os direitos humanos: a ótica dos
atores
Neste item apresentamos a análise a partir da perspectiva dos/as
entrevistados/as sobre a realidade da luta pelos direitos humanos no país, assim
como a evolução da educação em/para os direitos humanos durante o período
histórico focalizado.
4.2.1
“A educação em direitos humanos é um processo de toda uma vida
[...], é parte de nossa convicção, de nossa consciência”
Esta categoria pretende recolher sinteticamente a trajetória da vida
profissional dos/as entrevistados/as. No processo de trabalhar as entrevistas,
decidimos combinar uma análise transversal dos relatos com uma apresentação,
em grandes traços, do itinerário de vida de alguns entrevistados/as. Procuramos,
na análise desta categoria, um olhar que tentasse compreender o comum e o
específico dos/as entrevistados/as, particularmente no que se refere às questões da
pesquisa, para colocar essas questões em um quadro que mostrasse a trama da
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125
vida em que esses processos se inscrevem. Assim, decidimos incluir ao final deste
item dois relatos da vida dos/as entrevistados/as que consideramos de caráter
paradigmático, um correspondente à geração dos “fundadores” e outro dos
profissionais que se integraram às atividades da educação em/para os direitos
humanos nos anos 1990.
O grupo de entrevistados/as é composto por seis pessoas, duas mulheres e
quatro homens, com a seguinte formação acadêmica: um doutor em Educação
com pós-doutorado na área de currículo; três com mestrado, em Educação,
Filosofia e História; e duas pessoas com licenciatura, em Filosofia e em História.
Metade do grupo é integrada pelos pioneiros da educação em direitos
humanos, hoje na faixa etária dos cinqüenta a sessenta anos. Fazem parte da
geração dos “fundadores”, com forte vínculo com a educação popular e a
experiência de ter sofrido violação de direitos como conseqüência da repressão da
ditadura militar chilena. Reconhecem o início da educação em/para os direitos
humanos no país em torno da metade dos anos 1980:
yo estuve muchos años ligado a la educación popular. En cierta ocasión,
tiene que haber sido el año 84 o 85, no recuerdo bien, me convidó Daniel
50
a
una reunión donde se iba a conversar sobre educación en derechos
humanos. Pero todos los que fueron invitados allá era gente que había
sufrido severamente la represión. Estábamos todavía bajo régimen militar y
nos fuímos a un lugar que se llama Punta de Tralca que está fuera de
Santiago (José).
La historia es que yo me vine de Valparaíso a Santiago una vez que terminé
la universidad y con otros compañeros creamos en 1978 el Servicio de Paz y
Justicia (Serpaj). Coincidió con la primera huelga de hambre de la
agrupación de familiares y amigos de desaparecidos. Desde entonces
iniciamos un trabajo de derechos humanos, principalmente orientado al
mundo de las iglesias, pero luego también en el ámbito de lo que llamamos,
los poblacionales, movimiento vecinal, movimiento social. Desde esa época
empezamos a trabajar en lo que en ese momento llamábamos genéricamente
educación liberadora. (…) En el año 1984 el Secretario General del CEAAL
(Consejo de Educación de Adultos de América Latina), que era chileno, me
pidió si podía organizar una reunión porque se iba a constituir la Red de
Educación en Derechos Humanos promovida por esa institución (Daniel).
50
Os nomes das pessoas entrevistadas são fictícios; como já fizemos referência, mantivemos os
nomes reais das instituições por tratar-se de organismos reconhecidos no país por seu forte
compromisso na luta pelos direitos humanos e pela educação em direitos humanos no período
analisado.
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126
Um deles não escapou da experiência do exílio, onde pôde continuar a
vida e abrir caminhos para o estudo.
Estuve en el exilio durante 15 años. Previo al golpe del 73, yo ya estaba
titulado como profesor y trabajaba en el mundo de la educación de adultos,
en programas de alfabetización, pero también en el mundo académico.
Cuando fue el golpe estuve durante un año detenido, pero después tuve que
migrar a Suecia en donde quise hacer un postgrado, porque era la
alternativa más cercana para un recién exilado. (…) El año 88 yo pude
volver al país y me introduje por la vía del mundo de la educación en
derechos humanos (Marco).
Quanto aos outros integrantes do grupo entrevistado, correspondem à
segunda geração de profissionais da educação em/para os direitos humanos, hoje
na faixa etária dos quarenta anos. Começaram a trabalhar no final dos anos 80 ou
inícios dos 90, em diferentes organizações não-governamentais existentes já na
época da ditadura, algumas com prestígio no trabalho de defesa e denúncia dos
direitos humanos – que mais tarde ampliariam seu campo de ação para a educação
em direitos humanos – e outras instituições que começaram suas atividades já
especificamente a partir dessa perspectiva. Algumas destas organizações são: a
Vicaría de la Solidaridad, o Programa Interdisciplinario de Investigación
Educativa (PIIE), El Canelo de Nos, a Fundación Ideas.
Mi preocupación se inicia de adolescente. Crecí con el golpe militar en
Chile en 1973 y me fui enterando de algunas cosas y eso me desequilibraba
mucho. Sentía un vacío y una desprotección que tus padres no te pueden
brindar, no tenía muchas palabras para decirlo en la época, pero era una
profunda desprotección social. (…) Además todo el tema familiar, primos,
parientes, mi familia, se vivió mucha amenaza, mucho miedo. (…) Me formé
como profesora de historia y en 1989 trabajando ya en otro lado, presenté
mi currículo en la Vicaría de la Solidaridad y me llamaron. Empecé a
trabajar con un programa de educación en derechos humanos para
profesores (Camila).
Yo venía de otra institución de la Iglesia Católica. No tenía experiencia en
educación en derechos humanos. Y entré a trabajar en la Vicaría de la
Solidaridad, que era un gran organismo de la Iglesia en 1988. Gracias a los
derechos humanos conocí dos vías: la teórica y la práctica, de lo que
podríamos llamar educación en derechos humanos (Matías).
Vários dos/as entrevistados/as adquiriram posteriormente, em sua trajetória
profissional, também vínculos com o mundo acadêmico universitário; alguns, na
década dos 90, passaram a colaborar com o Estado integrando diferentes
comissões e grupos de assessorias, especialmente no Ministério de Educação, e
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alguns deles continuam exercendo essas atividades até o momento presente.
Algumas das ONGs de referência, o PIIE e a Vicaría de la Solidaridad, em
que alguns trabalharam e outros continuam ainda vinculados, são integrantes da
Rede Latino-Americana de Educação para a Paz e os Direitos Humanos,
promovida pelo CEAAL, referida no capítulo 3. Também vários deles, em sua
trajetória de formação profissional, participaram do Curso Anual de Formação em
Direitos Humanos promovido pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos
(Costa Rica); um entrevistado foi várias vezes docente convidado desse curso.
Dois deles, nesta última década, foram os responsáveis pela criação da Cátedra
Unesco
51
de educação em direitos humanos na universidade onde trabalham, que
também já mencionamos.
A maioria tem ampla produção bibliográfica sobre educação em/para os
direitos humanos e temas afins, com reconhecimento em seu país e no continente.
Alguns deles foram referência para o desenvolvimento da educação em/para os
direitos humanos em outros países do continente, assessorando experiências,
ministrando cursos e palestras, dando consultorias etc.
Estes são os relatos selecionados que considero especialmente
significativos da trajetória vivida pelos/as entrevistados/as.
Representante da primeira geração:
José relata que “nació en Chile, en la década de los treinta del siglo
pasado, en una familia de inmigrantes judíos. Mi padre fue el primer rabino de la
comunidad judía. Estos hechos me sitúan de lleno en un contexto identitario, que
sin duda han dejado huellas. En efecto, en el Chile de entonces, se palpaba la
pobreza con la crudeza extrema y dramática, mucho mayor que la que existe
todavía hoy. La miseria y el sufrimiento, en especial el de otros y otras, iba
penetrando en mi ser y me iba marcando.[…]
51
Esta Cátedra leva o nome de Harald Edelstam, o embaixador da Suécia no momento do golpe de
Estado no Chile. Foi declarado persona non-grata por defender os direitos humanos dos presos
com muita coragem. O nome foi colocado como reconhecimento de sua entrega e generosidade.
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A mediados y finales de los sesenta se comienza en Chile y en el mundo
entero a respirar aires de cambio social, cultural y político. Se cuestionan los
viejos esquemas anquilosados y la prolongada historia de injusticias,
inequidades, abusos que se reproducía y perpetuaba. Los grupos más excluídos y
desposeídos: trabajadores, estudiantes, mujeres, indígenas, sienten que ha
llegado el momento de reclamar derechos postergados por generaciones. Los
partidos políticos de centro y de izquierda interpretan estas demandas. Se inicia
primero “la revolución en libertad” y, posteriormente, con el advenimiento de la
Unidad Popular a comienzo de los setenta, se introducen cambios radicales en
los medios de producción y en algunas de las estructuras del aparato estatal.
Nadie y por supuesto yo tampoco podía quedar indiferente. Sin embargo, siendo
partidario de los cambios, sentía que los procesos se precipitaban con mucha
rapidez. Pese a las tensiones y contradicciones personales se iba generando en mí
un pensamiento y una actitud transformadora y emancipadora.
Las ansias de cambio fueron violentamente interrumpidas por la
instauración de una dictadura militar cruenta, despótica y despiadada. Los
derechos fundamentales de las personas fueron violados, se instaló un régimen de
terror y muchas personas fueron torturadas y desaparecidas. Los espacios de
libertad se agotaban, las esperanzas se iban postergando e invisibilizando.
Paulatinamente, iba tomando conciencia que las libertades básicas se
restringían. En mi trabajo en la Escuela de Educación de la Universidad Católica
sentí que me estaba autocensurando. Había miedo. Poco a poco se fueron
conociendo más casos de torturados y desaparecidos. Muchos amigos tuvieron
que abandonar el país. Las ansias de reeditar la democracia se hacía cada vez
más necesaria. La dictadura pisaba cual monstruo fuerte.
El espacio que nos dimos para repensar la democracia fue el Programa
Interdisciplinario de Investigación Educativa. Un lugar académico en el que
podíamos actuar con relativa libertad e imaginar la recuperación de la
democracia. Sabíamos que esta llegaría pero que habría que ganarla. Los
militares no la entregarían en bandeja. Aquí, entre otras cosas, inspirados en
Paulo Freire, desarrollamos proyectos de educación popular. Trabajábamos en
poblaciones empoderando a la gente, a que se sintieran y actuaran como sujetos
de dignidad y de derechos. Además comenzamos paulatinamente, gracias a la
cooperación internacional a introducirnos en el lenguaje de la pedagogía crítica.
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129
Era el preámbulo de mi incorporación a la educación en derechos humanos.
Durante la dictadura a nuestro trabajo educativo no lo denominamos
educación en derechos humanos. Este lenguaje era entonces subversivo y
peligroso. A mediados de la década de los ochenta se comenzó en América Latina
a hablar de educación en derechos humanos. En ese tiempo cuando las
dictaduras comenzaron a ceder en muchos países y en el nuestro ya se veía la luz
en el final del túnel, me llamó Daniel, un amigo, intelectual y luchador incansable
de la causa de la democracia, a impartir, en el marco de un curso de educación
popular de adultos, una conferencia en educación en derechos humanos. Nos
reunimos en Punta de Tralca, junto al mar lejos de la mirada de los militares y
las fuerzas represivas.
Los participantes al curso casi en su totalidad eran personas que habían
sufrido en carne propia humillación y la degradación de sus dignidades.
Encarcelados, torturados y amenzados. Hablaban de sus sufrimientos y dolores,
de sus pérdidas, de sus martirios y tristezas, de sus frustraciones, pero también de
sus esperanzas. Empaticé profundamente con sus sufrimientos y angustias.
Una pregunta que surgió en mi con fuerza fue por qué sólo los sufrientes
debían restaurar la democracia, por qué sólo ellos y ellas debían ser los únicos
en recomponer el cuerpo social violentado, por qué sólo ellos y ellas debían
preguntarse por los derechos humanos. Creí con mucha firmeza, que una vez
recuperada la democracia, sí queríamos que lo ocurrido no volviera a suceder,
debíamos, necesaria e imperativamente educar en derechos humanos, educar
para la “memoria” y el “nunca más”. Recordé la promesa del “recordar y no
olvidar”.
En el año 1990, repuesta la democracia, lenta, pero con convicción,
comenzamos a trabajar con docentes, a escribir, a comunicarnos con educadores
de otros países que estaban ya involucrados en la educación en derechos
humanos, comenzamos a crear redes de educadores, nos ligamos con educadores
de otras latitudes. Se iniciaba con fuerza un movimiento mundial de educadores,
de defensores, de activistas, de juristas en derechos humanos. No estábamos
solos. Por el contrario sentí que se creaba una estrecha relación efectiva, una
fraternidad de emociones y pensamiento. Un cometido común”.
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130
Representante da segunda geração:
Sara conta que “es difícil poner una fecha de cuando empezó su interés por
el tema de la educación en derechos humanos. Pero, podría decir que en los años
ochenta, cuando yo estaba en el colegio aún, y en plena dictadura y
participábamos de las protestas en fin, y tuve la oportunidad de ir a algunos
barrios pobres, populares, a ayudar, en el fondo no estaba muy claro en qué, pero
me invitaban a ayudar. Y ahí me dí cuenta de una realidad que yo desconocía
absolutamente. Es decir, una cosa era vivir en clase media y en clase alta, y otra
muy distinta era vivir en dictadura siendo pobre. Ahí se agudizó un poco la rabia,
la impotencia de la injusticia, porque ahí las injusticias eran a diario y eran
demasiado evidentes. Y me surgió este interés porque algo debía poder hacerse,
no tenía muy claro en qué, era adolescente. Y nos comenzamos a reunir con
distintas personas para hacer trabajo popular, fundamentalmente yo trabajaba
con niños más pequeños, un poco en entretenimiento y sobre todo manteniéndolos
un poco protegidos durante el día y parte de la noche de las casas de sus padres.
Porque muchas veces venían a allanar, muchas veces los manteníamos en otros
lugares, ciertas horas del día, que eran horas claves, para que no estuvieran en
casa y no presenciaran esta situación. Luego decidí estudiar pedagogía. Estudié
educación de párvulos que es pedagogía con pre escolares, también un poco por
eso, por mi acercamiento con los niños en las poblaciones y nunca me vì mientras
estudiaba trabajando en un jardìn infantil como maestra. Claramente no me veía
en eso ni como directora de un jardín, sino en el área de la investigación y con
este sentido desde la justicia y que era necesario que los niños al menos tuvieran
un espacio distinto de pensarse y de pensar su entorno. Comencé a trabajar como
voluntaria en la Unesco con una propuesta de auto aprendizaje y ahí empecé a
elaborar materiales, y empecé a introducirme más en el tema y uno empieza a
conocer gente. En el fondo yo no creo que me haya introducido en los derechos
humanos mucho por opción, como que la vida te va llevando, y por gente que uno
conoce, que uno genera vínculos y afectos, me iban invitando a un espacio y a
otro espacio. En fin y ya derechamente a esa sensación que yo tenía de injusticia,
de necesidad de paz, de libertad, a eso le pusimos nombre y apellido. Entonces,
pasó de ser una sensación a ser una vocación, una propuesta de vida. Ahí ya me
dediqué a estudiar. Entonces terminé, trabajé en la escuela varios años, ya luego
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hice un post grado en Derechos Humanos en la Haya, en el Instituto Especial de
la Haya y luego muchos cursos, y tuve el privilegio de que me llamaran del PIIE,
justamente porque existía en ese momento, ya recién recuperada la democracia,
la Corporación Nacional de Reparación y Reconciliación, que se había formado.
Ellos querían hacer un material educativo sobre derechos humanos en todos los
niveles de la escuela y lo querían hacer a través del método de las Guías de
Autoaprendizaje. Y yo ya sabía hacer eso porque ya lo había hecho en la Unesco,
entonces me invitaron al PIIE para dedicarme a eso. Ahí entré al equipo de José,
que por sí sólo eso ya fue una escuela. Estamos hablando en el año 93, 94 y en
conjunto con José también desarrollamos un material para trabajar el
holocausto judío desde los derechos humanos en la escuela. Fui transitando por
distintos proyectos y experiencias de formación, de investigación en derechos
humanos, pero me fui dando cuenta que, - y por eso ahora un poco si bien sigo en
derechos humanos cambió un poco el enfoque -, que la temática de derechos
humanos adquiere un poder y una ideología que se enfrenta a los miedos que
existen, con los profesores, con la gente. Yo te diría que hoy en Chile no hay tanto
miedo a hablar de derechos humanos pero si a contextualizar el tema. […]
El contexto mundial tampoco favorece mucho. Entonces desde ahí empecé a
pensar y me empecé a vincular con otra gente de otros países del continente. Y
junto con la Campaña de Educación para la Paz, empezamos a pensar en
trabajar la educación en derechos humanos desde la formación para la
ciudadanía global. Y en ese tema estoy ahora. Ha sido bien diversa mi
trayectoria, ha pasado como por varios temas, momentos, pero yo creo que ya
llegué a la etapa en que yo tomé mi camino. O sea, mi opción es trabajar desde
una concepción de ciudadanía, con una visión crítica frente a la globalización y
enfocado en comunidades pobres. Ese es mi foco, mi apuesta, por lo menos por
ahora, no sé en unos años más en qué vamos a estar”.
Como lembra Bourdieu (1998), “transcrever é necessariamente escrever,
no sentido de reescrever”, e esse processo de passagem do oral ao escrito põe em
jogo uma série de traduções. As trajetórias no complexo mundo da educação em
direitos humanos constituem “uma vocação, uma proposta de vida”, como afirma
uma entrevistada. É muito difícil sintetizar a riqueza dos processos vividos e
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132
grande o receio de deixar de explicitar aspectos importantes da história pessoal e
social do/a entrevistado/a.
No momento presente, todos os/as entrevistados/as afirmam continuar
vinculados ao âmbito da educação em/para os direitos humanos, com um
compromisso profissional, militante e político. O novo século trouxe novas
leituras do tema, novos sujeitos e cenários de trabalho que analisaremos nas
próximas categorias. Alguns continuam nas mesmas instituições, outros migraram
para novos espaços ou fundaram novas instituições; todos continuam recriando e
criando novos projetos, convencidos de que:
la educación en derechos humanos es un tema que no podemos dejar de
reflexionar, si nos metimos en esto, no puede ser porque yo tengo un trabajo
no más que se relaciona con los derechos humanos, si no que es un proceso
de toda una vida […] forma parte de nuestra convicción, de nuestra
consciencia (Camila).
4.2.2
“Educar em direitos humanos, é gerar um processo, uma construção
coletiva do que significa a dignidade humana”
Esta categoria inclui dois temas importantes: a evolução da educação
em/para os direitos humanos nas diferentes décadas e em que consiste seu
significado atual para os/as entrevistados/as.
Em relação ao primeiro tema, podem ser identificados três períodos ou
momentos na evolução da educação em/para os direitos humanos no continente. Um
primeiro momento, de instalação do tema, especialmente nos países do Cone Sul,
todos com experiência de longas ditaduras militares e fortes violações dos direitos
humanos. Essa primeira fase corresponde à década de 1980 e se identifica como
fundacional na sua conceitualização, definição de metodologia e de conteúdos.
Los grandes activistas de la educación en derechos humanos estaban en
Uruguay, Argentina, Perú, Chile y también Brasil. Tuvieron temas propios
de lucha contra la dictadura y la transición a la democracia.[…] los temas
eran como articulados a la educación en derechos humanos a través de la
educación popular. Con la defensa jurídica, de cómo incorporar
metodologías de defensa de derechos humanos a nivel popular. Fue también
un período de apropiación de ciertos conceptos como el de currículum
oculto y una relectura de Paulo Freire a partir de la educación en derechos
humanos (Daniel).
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Nesta primeira fase também se reconhece um movimento em torno do
tema na América Central, entendendo a educação em direitos humanos como um
componente político das lutas de libertação nacional. Através do CEAAL
começou-se a construir articulações e discussões entre diferentes regiões do
continente, especialmente a partir das questões conceituais.
A segunda fase se desenvolveu na primeira metade da década de 1990.
Coincidiu com os processos de redemocratização de vários países da América do
Sul, de pacificação na América Central, de ressignificação do sentido da política e
da “esquerda”, com a queda do Muro de Berlim, além da implementação das
políticas neoliberais em todo o continente. Um dos entrevistados afirma:
Fue interesante también en esa época, que empezamos a discutir no
solamente el tema de derechos humanos, porque para muchos compañeros
de América Central los derechos humanos seguían siendo un tema burgués,
liberal, un tema que se resolvía con la revolución y el socialismo, en fin,
entonces esos fueron los debates. Asimismo, discutimos el tema del
feminismo y el tema del medio ambiente, que eran vistos en este contexto
revolucionario como tema social demócrata o temas que se resolvían en la
unidad de la idea socialista. […] Fuimos paso a paso generando un contexto
diferente de derechos humanos en la medida que empezamos a ver la crisis
de la política, se cayó el “muro”, viene todo el proceso de renovación del
socialismo, una lectura distinta del marxismo (Daniel).
A terceira fase foi a entrada no mundo da educação formal, da escola,
reconhecendo-a como um espaço cultural importante para a educação em/para os
direitos humanos. Nesse período, situado a partir da segunda metade dos anos 90,
são as instituições do Chile e do Peru, principalmente, que assumem a liderança
da reflexão e das propostas.
Hay una tercera fase muy importante, que es el mirar la escuela y entrar en
la escuela. Quiere decir, cuando se toman esas decisiones en Chile, Perú y
en varios países de que la escuela es un espacio cultural importante, que ahí
están los niños, durante muchas horas del día y que los profesores no son
tontos (Daniel).
Um entrevistado identifica uma nova fase, no momento presente, de muita
complexidade na temática da educação em/para os direitos humanos,
especialmente marcada pelas grandes mudanças culturais da época que trazem
novas questões e novos temas.
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Yo creo que hay una etapa ahora de mucha desorientación. Estamos
viviendo una etapa en la que se abrieron ventanas, pero junto con abrirse
ventanas se formó un desorden que no lo han podido arreglar. Avizoro un
buen futuro para la educación en derechos humanos. […] Ahora tenemos
que enfrentar el ciclo de la competitividad, del conocimiento en función de
la productividad, metidos en el mercado. No podemos escapar de eso, pero
cuando haga crisis eso, dónde está la educación valórica, la educación en
derechos humanos, la educación para la ciudadanía? Vamos a empezar a
recuperarla. Creo que vá a venir esa etapa de recuperación muy importante
y deberíamos estar preparados para esa etapa (José).
Em relação ao próprio país, Chile, todos reconhecem, com algumas
variações, especialmente três momentos. Um primeiro, na década de 1980, de luta
contra a ditadura, da clandestinidade; os direitos humanos se tinham transformado
numa arma de combate, “había una efervecencia por los derechos humanos. Un
apasionamiento frente a estos temas por el contexto político que estábamos
viviendo” (Sara).
Também afirmam que, por ser um tema de origem jurídica, as pessoas de
outras áreas como a educativa tinham dificuldade com a linguagem normativa e
com a apropriação dos instrumentos legais. Essa realidade exigiu fazer todo um
trabalho de recontextualização para a educação em direitos humanos.
Yo creo que en los años 80, quizás porque teníamos más cerca el tema de la
educación popular, descuidamos un poco el tema de los instrumentos, las
convenciones, los pactos que permiten hacer judiciadiciables,
particularmente los derechos económicos y culturales (Matias).
En la década de los 80, nosotros sabíamos algo de educación popular en
América Latina, inspirados por Paulo Freire, sabíamos esa relación que
había entre poder y conocimiento, pero no lo relacionábamos con los
derechos humanos. […] Uno veía que ese tal vez fuese el primer período
donde trabajábamos en derechos humanos sin saber que lo estábamos
haciendo. Y empezamos a acumular lenguaje que después lo trasladamos a
la educación en derechos humanos. Entonces la educación en derechos
humanos no comienza “con”, es haber trasladado un lenguaje, lo que hoy
día se llama recontextualización y desconstrucción (José).
Um segundo momento, identificado com a transição democrática na
década de 90, que alguns chamam de “direitos humanos pactuados”,
especialmente pela força e o poder que continuou tendo a figura do general
Pinochet nessa nova etapa, que implicou negociar uma série de temas
fundamentais para o país poder fazer o processo de mudança de um sistema
totalitário para um sistema democrático. Uma entrevistada menciona uma frase do
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135
então presidente Patrício Eylwin para justificar esse momento que ficou
profundamente marcada nela: “vá haber justicia en la medida de lo posible”. Ela
evidencia o contexto de restrição do momento que se vivia no país: mesmo sob
um regime democrático, os limites para agir, falar, investigar estavam colocados.
Ese cambio se hizo con una transición muy pactada, en la cual se transó con
derechos y valores fundamentales y creo que eso favoreció a que se
implantara el miedo fundamentalmente. Pasamos de los ochenta en el que se
hablaba mucho de los derechos humanos, con riesgo pero se hablaba, a los
noventa a una época de silencio y de temor que es en los inicios de la
recuperación democrática, donde no era bien visto hablar explícitamente de
derechos humanos (Sara).
Outros entrevistados identificam essa década como um momento
importante, aparentemente contraditório com a visão anterior, quando o tema da
educação em direitos humanos ingressa no currículo escolar, como tema
transversal promovido pelo Ministério de Educação, com a participação de vários
dos entrevistados como membros da comissão ministerial encarregada de elaborar
uma proposta oficial de educação em/para os direitos humanos.
Terminadas las dictaduras y con la recuperación de la democracia formal
en todo el continente, nos vemos en la obligación de convertir esto en algo
de más poder dentro de la sociedad, en algo que todos los sectores
aceptaran. Un ejemplo muy claro fue la entrada de la temática de los
derechos humanos en el currículum escolar, que era una gran aspiración de
los años 80 y con la llegada de gente que provenía del mundo de los
derechos humanos al Ministerio de Educación, todos dábamos por
descontado. Yo mismo estuve en una comisión cuando Ricardo Lagos era
Ministro de Educación. El formó una comisión para que los derechos
humanos se convirtieran en un eje transversal de la educación chilena.
Hicimos un largo trabajo y en la práctica eso no se tradujo en un ingreso
real de la temática de los derechos humanos en el currículum escolar en
Chile, pero tampoco ocurrió en Perú, ni en Argentina, ni en el resto de
América Latina (Matias).
O terceiro momento corresponde ao momento atual, no qual alguns destacam
o crescimento na linha da consciência da exigibilidade dos direitos, especialmente dos
DESC, através de políticas públicas. Outros, com a abertura de temas relacionados
com a educação em/para os direitos humanos como tolerância, não-discriminação,
multiculturalismo, meio ambiente etc. Colocam o desafio especialmente na
visibilização das diferentes experiências que, tanto no âmbito da educação formal
como no da não-formal, estão sendo realizadas, mas não são socializadas nos meios
de comunicação, não são notícia e parece que não existem, num contexto adverso,
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profundamente marcado pelas conseqüências do modelo neoliberal.
Si bien en los ochenta era luchar contra la dictadura, hoy es luchar con un
sistema totalmente adverso que vá en contra de los derechos humanos. Creo
que estamos en un momento bien interesante, un momento propicio para
posicionar esos temas y sobre todo porque se está hablando mucho de la
necesidad de la participación ciudadana (Sara).
O segundo aspecto incluído nesta categoria se refere à conceitualização do
que significa hoje educar em direitos humanos. Da mesma maneira que quando
nos referimos a esse tema na revisão da literatura, é possível afirmar que não há
consenso entre os especialistas do que significa atualmente educar em/para os
direitos humanos, como acontece com os/as entrevistados/as. Várias são as
abordagens possíveis. Diferentes aproximações, diversas ênfases e abordagens
foram explicitadas.
Uma primeira ênfase privilegia a formação de sujeito de direitos, não só no
plano individual, mas especialmente coletivo. Argumentando que nos contextos
sociais latino-americanos não se tem consciência de ser sujeito de direitos,
enfatiza-se a importância desse aspecto quando se afirma que:
creo que hoy día definir educación en derechos humanos es convertir al
sujeto en un sujeto de derechos. Nosotros no somos sujetos de derechos. E
indudablemente que la educación en derechos humanos no es una educación
individual, sino una educación colectiva. Es decir si yo soy sujeto de
derechos y yo estoy al lado tuyo, y tú no eres sujeto de derechos, yo no soy
sujeto de derechos. Es decir, hay una relación dialéctica, una relación de
alteridad. […] Entonces la educación en derechos humanos es una
educación para formar sujetos de derechos colectivos, no individuales. No
es una concepción individualista (José).
Muitas vezes o próprio sujeito viola os direitos dos outros ou participa
coniventemente das violações sociais que acontecem ao seu redor. Nesse sentido,
o mesmo entrevistado destaca que “quando damos la espalda a la violación,
somos cómplices”.
Há outra aproximação nesta perspectiva que, além de destacar a formação
de sujeito de direitos, salienta a importância da formação como ator social com
possibilidades de lutar por seus próprios direitos, tendo por base uma concepção
da dignidade humana e da promoção de condições de vida dignas para todos/as.
Educar en derechos humanos no es transferir información, si no que es
generar un proceso donde hay una construcción en conjunto de lo que
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significa la dignidad humana. De lo que significan los valores que te
permitan el desarrollo de la dignidad humana a partir de tu propia historia
en conversación con el/la otro/a (Camila).
Quando isso não acontece e se chega com soluções prontas ou com
políticas públicas “de cima para baixo”, em lugar da construção de sujeitos sociais
se reforça uma atitude passiva, de objeto, receptor de benefícios, de ajudas do
Estado que o que provoca é reforçar o clientelismo fortemente arraigado nas
estruturas políticas das sociedades latino-americanas.
La educación en derechos humanos no es sólo una lucha por justicia social,
que lo es, pero es más que eso. Es una lucha por convertir a las personas
afectadas por situaciones injustas en que ellos mismos se conviertan en
actores, protagonistas de la promoción de sus propios derechos (Matias).
Outra dimensão destacada, que afirma e complementa a visão de ser sujeito
de direitos, é a que se refere ao empoderamento, tanto individual como coletivo.
Adquirir capacidade de expressão, de consciência dos próprios direitos, poder “dizer
sua palavra” num contexto democrático, quando não se está educado para isso ou se
traz experiências de silenciamento na memória provocadas pela longa ditadura. São
assinaladas também a importância da promoção de processos organizativos e a
articulação de forças entre diferentes atores para a conquista e defesa de direitos.
“Que los actores tomen consciencia de sus propios derechos y que coloquen los
instrumentos prácticos para poder llevarlos a cabo de forma organizada”.
Uma das entrevistadas destacou a mudança de ótica no significado da
educação em/para os direitos humanos em relação ao empoderamento dos atores,
salientando que, na época da ditadura, as instituições que trabalhavam em educação
em direitos humanos eram “a voz dos sem voz”. Na época atual, o trabalho de
educação em/para os direitos humanos se orienta para que “as pessoas falem com
sua própria voz”.
En el período de la dictadura, el Cardenal Silva Enriques, decía que el
trabajo que hacíamos en la Vicaría de Pastoral Social era ser la voz de los
sin voz. Pero actualmente el trabajo de educación en derechos humanos
como lo percibimos, es que las personas hablen desde su propia voz. Pero
eso no es espontáneo, para hablar con la propia voz hay que generar un
proceso que te permita hablar desde tu propia voz. Las personas no somos
formadas para eso. Otro podrá hablar, el mercado podrá hablar, la
democracia podrá hablar, pero lo que menos es que las personas hablen
desde su propia voz (Camila).
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Outra dimensão destacada é a importância do aspecto político e ético da
formação para a cidadania e para uma democracia participativa, não apenas
formal. Afirma-se também a importância da complementaridade no conhecimento
dos direitos das diferentes gerações:
Yo veo la educación en derechos humanos desde un punto de vista político.
Hacer sinónimo de educación para la solidaridad, no, creo que no es lo
mismo. Por eso que pongo el enfoque ciudadano. Es decir, no ser ciudadano
en el sentido restringido de votar, sino que ser ciudadano en el sentido de
participar de la vida de un país de manera crítica y con una no violencia
activa. Creo que ya hemos llegado a una etapa en que no basta con
quedarse con la Declaración Universal, sino que hay que enfocarlo
fundamentalmente desde los DESC, y como se ejerce la ciudadanía y como
se reclama una democracia participativa (Sara).
En una definición amplia, educar en derechos humanos, fundamentalmente
en el caso de los chilenos, es educar en una ética política, en una ética
pública que valorice la democracia, que valorice la diversidad, la no
discriminación, los derechos como un parámetro fundamental de la
convivencia, que valorice la responsabilidad, que valorice el trabajo
comunitario, la construcción de vínculos, la generación de espacios de
controversias, de resolución de conflictos (Daniel).
Outra ênfase identificada focaliza o conceito de educação em/para os
direitos humanos a uma ótica de apropriação de diferentes tipos de saberes e
conhecimentos, de caráter histórico, jurídico, filosófico, cultural, que permitam
construir argumentos ou fazer referência a um documento, a uma declaração, a um
artigo ou ainda fazer uma reflexão sobre a evolução histórica dos direitos
humanos, assim como sobre o processo nacional de violações recentemente
vivido. Nesse sentido, os entrevistados destacam que educar em direitos humanos
leva a “una apropiación cognitiva, de un conjunto de saberes que pueden ser
utilizados, en función de una acción o de una reflexión” (Marco).
Na mesma perspectiva se situa também o depoimento a seguir:
Una educación orientada a apropiarse de un patrimonio universal, jurídico,
político, cultural de toda la humanidad que tiene que ver con la Carta
Fundamental y su desarrollo contemporáneo. En ese plano identifico
educación en derechos humanos con los valores de la paz, de la
construcción de un nuevo orden internacional, con lo que implica la lucha
contra el racismo, la xenofobia, la discriminación (Daniel).
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139
Um entrevistado também amplia sua definição incorporando elementos
atitudinais e construtores da própria identidade. Ele entende que:
si la óptica se amplia, esta educación trae aparejada también una
incorporación de elementos actitudinales con predisposiciones apropiadas y
asumidas, que son coherentes con el discurso más teórico-cognitivo.
Estamos frente a un educar en derechos humanos más complejo, porque hay
que entrar en la identidad de las personas. Hay que hacer dialogar esta
nueva visión cultural que entra eventualmente, con las conceptualizaciones
que la persona trae. Son aprendizajes que tienen que ver con
emocionalidades, afectividades, sensaciones, disposiciones, condiciones que
permitan que una persona educada en derechos humanos no sea indiferente
a lo que sucede en un contexto determinado. Esa no indiferencia, la siente y
la lleva a una acción. La acción se traduce en presión, en cambio (Marco).
Ainda dois entrevistados expressam também que educar em direitos
humanos no momento presente do contexto chileno evidencia os limites da
própria construção democrática do país, no qual a educação em direitos humanos
estaria sendo proposta dentro dos limites possíveis de introduzir uma ação
educativa sem gerar conflitos ou tensões com o já estabelecido.
De tal manera que se vá transformando, en una manera un poco más
informal de lo políticamente correcto. Pero no siempre es aceptado el hecho
de que es requerible en un educar en derechos humanos un actuar dispuesto
al cambio, a la innovación, dispuesto a avanzar el límite de lo que son las
limitaciones sociales, culturales. Hacer un poco más allá de lo que está
establecido como políticamente correcto (Marco).
Essa tentativa de conceitualização da educação em/para os direitos
humanos evidencia uma vez mais, como no capítulo anterior, que se trata de um
campo de conhecimento dinâmico, multifacético e complexo, que vai acumulando
um saber historicamente construído mas que em cada momento histórico precisa
ser ressignificado pelos próprios educadores/as e especialistas. Um dos
entrevistados afirma:
Creo que hoy día la educación en derechos humanos y los derechos
humanos como tema son un concepto, un campo de trabajo super vigente.
Lo que pasa es que lo muy positivo está apropiado, mediatizado, ecualizado
por muchos movimientos diferentes (Daniel).
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140
4.2.3
“Há algo que há que trabalhar e potenciar: as redes”
Esta categoria aproxima os diferentes atores da educação em/para os
direitos humanos nas diferentes décadas. Sobre esse tema, os/as entrevistados/as
tiveram bastante confluência, tanto no reconhecimento das instituições e pessoas
quanto no que diz respeito às características e diferenças de cada década.
Em relação às instituições, reconhecem uma pluralidade de atores, de tipos
diferentes: as organizações não-governamentais, as instituições de abrangência
internacional, como o CEAAL (Conselho de Educação de Adultos da América
Latina), o Instituto Interamericano de Direitos Humanos, a Unesco, as agências
internacionais de cooperação, a Igreja Católica. Duas pessoas mencionam, na
década atual, a universidade; um único entrevistado também explicitou atores
como a escola, a família e os meios de comunicação. Todos também reconhecem
o papel do Estado.
As organizações não-governamentais (ONGs) são as que são apresentadas
como tendo tido um papel preponderante, especialmente nas décadas passadas, no
processo de implantação e desenvolvimento da educação em/para os direitos
humanos. Na década de 1980 foram muito apoiadas por agências internacionais
que financiaram projetos através dos quais foi possível elaborar pensamentos,
refletir e publicar sobre a temática da educação em/para os direitos humanos,
assim como realizar experiências e sistematizar e elaborar materiais de apoio.
Essa etapa de forte suporte internacional acabou no início dos anos 1990, na
medida em que se foi afirmando o processo democrático e as agências
internacionais começaram a se retirar. Nessa época as ONGs foram especialmente
afetadas, tanto no âmbito financeiro – pela saída das agências de cooperação –
quanto no dos seus recursos humanos – pela cooptação de profissionais para os
quadros do Estado, como foi destacado no item anterior.
Lo que pasa es que después de 1990 las ONGs y las organizaciones que
trabajaban en derechos humanos de manera regular, sistemática, con
personal, con recursos, fueron quedando todas en el camino. La cooperación
internacional bajó fuertemente y encerraron muchos proyectos. Muchos
profesionales pasaron al gobierno. Entonces las instituciones que llevaban
este tema regularmente fueron restringiendo sus programas (Daniel).
Algumas das instituições mais citadas nessa década permanecem até hoje: o
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141
Programa Interdisciplinario de Investigación Educativa (PIIE); a Vicaría de la
Solidaridad, que depois se transformou em Vicaría de Pastoral Social; El Canelo de
Nos; o Centro de Investigación y Desarrollo de la Educación (Cide); a Comisión
Chilena de Derechos Humanos, Educación y Comunicaciones (ECO) e a Fundación
Ideas. Algumas contribuíram mais na área da educação formal e outras na educação
não-formal.
Esse momento histórico marca também diferenças entre os profissionais
entrevistados da geração dos “fundadores” e os da segunda geração em duas
dimensões. Os/as entrevistados/as da primeira geração se reconhecem dando
origem à educação em direitos humanos, não só no próprio país mas também em
nível continental. Identificam-se como “fundadores”.
Creo que en Chile fuimos los primeros que sistematizamos una educación en
derechos humanos a partir de prácticas concretas de lo que era la educación
en derechos humanos durante la dictadura, fundamentalmente a través de la
educación popular y luego trabajando con el PIIE. Creo que fuimos los
primeros del punto de un trabajo formal, además fuimos los que generamos
por esta misma vía un trabajo de articulación y de búsqueda de contacto con
otros países que también estaban haciendo educación en derechos humanos.
Hubo una educación popular con contenido en derechos humanos y eso hay
que reconocerlo porque creo que parte de Chile (Daniel).
A segunda dimensão que distingue as duas gerações é a de ter tido a
possibilidade de trabalhar numa época de muitos recursos financeiros ou ter
iniciado a atividade profissional numa década de precariedade. Segundo uma
entrevistada,
Yo cuando comencé mi carrera o mi experiencia laboral, empecé en la
precariedad. Pero yo escucho a los otros, a José y a otros que me cuentan y
uno extraña. Uno también quisiera hacer ese camino, porque finalmente si
uno no lo hace en diez o veinte años más, cuál va a ser la contribución que
uno pueda hacer? Qué es lo que uno le va a dejar a las generaciones que
vienen, si uno vive en la precariedad? Siempre en la precariedad del
conocimiento, precariedad del acceso etc. (Sara).
Ser pioneiro na educação em/para os direitos humanos somente foi
possível, segundo vários entrevistados/as, porque a resistência à ditadura chilena
foi feita fundamentalmente com a defesa dos direitos humanos, impulsionado
principalmente pelos movimentos sociais da época e pela Igreja Católica, que
nesse momento desempenhou papel importante. A ditadura era questionada
utilizando-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse era o
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142
argumento ético utilizado pelos atores políticos e sociais e pela própria Igreja para
condenar o regime militar, para organizar as ações opositoras, para sair à rua, para
lutar contra a tortura e a repressão.
Un actor muy importante fue la iglesia, la de antes no la de ahora.
Prácticamente era la red en la cual se sustentó la recomposición del
movimiento social chileno. El rol que jugaban las parroquias, las capillas,
los curas, las pastorales, fue muy importante en la denuncia, así como la
canalización en la reagrupación. Eso fue bien decisivo. El discurso de la
iglesia para confrontar la dictadura y para convocar al movimiento social,
era asunto de derechos humanos (Daniel).
Com o início da década de 1990 e o começo da democracia, alguns dos/as
entrevistadas/os passaram a fazer parte de diferentes comissões organizadas pelo
governo. Nesse momento começa fundamentalmente a aparecer um novo ator
neste processo da educação em/para os direitos humanos: o Estado. O depoimento
de um dos entrevistados explicita claramente esse momento, também referido por
outros profissionais:
Al crearse la Corporación de Reparación
52
también hubo como una concesión
a que el Estado iba a tener un rol importante en la educación en derechos
humanos. Y lo tuvo por dos o tres años. Hubo mucha iniciativa de la
Corporación de Reparación en preparar materiales, en influir en el
Ministerio para incorporar temas de educación en derechos humanos pero
después eso se acabó. Tenía un mandato de tres años. La educación en
derechos humanos quedó en terreno de nadie y se fue como diluyendo en los
debates globales (Daniel).
Também é mencionado que vários dos/as entrevistados/as trabalharam no
programa de governo de Patrício Aylwin, que tinha uma grande comissão de
direitos humanos. Foi elaborado um primeiro programa de educação em/para os
direitos humanos que focalizava o tema não só no nível formal, na escola, mas
também na educação não-formal, no que atualmente se identifica como “políticas
da memória”, com propostas de resgate de lugares patrimoniais, de transformação
de centros de detenção em lugares abertos ao público com programas de educação
em direitos humanos. No entanto, as dificuldades de implementação desse
programa foram muitas e até hoje não foi adequadamente implementado.
52
A Corporación de Reparación tinha a orientação fundamental de enfrentar o tema das reparações
econômicas e culturais das pessoas que tinham sido afetadas pelas violações de direitos humanos.
Nela foi criado um programa de educação em direitos humanos.
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143
Segundo um entrevistado com ampla experiência na colaboração com o
Ministério de Educação, tendo participado da comissão dos temas transversais
desde o início da redemocratização, os diferentes governos careceram de decisão
política para assumir o tema da educação em/para os direitos humanos:
Hay unos que se están jugando [referido a outros governos de países do
continente] pero otros no. En Chile no diría yo que se está jugando por la
educación en derechos humanos. [...] No hay una decisión política de meter el
tema, hay temores, hay incomprensiones, hay ignorancias, hay de todo. Pero
no hay una decisión política de decir este es el tema, estamos hablando del
“nunca más”. Siempre hablamos entre los mismos, eso es muy triste (José).
Outros atores reconhecidos como importantes nesse processo são as
instituições que, no capítulo anterior, identificamos como principais organismos
internacionais presentes no desenvolvimento da educação em/para os direitos
humanos no continente: o Conselho de Educação de Adultos da América Latina
(CEAAL), o Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) e a Unesco.
Unanimemente mencionada foi a Rede Latino-americana de Educação para
os Direitos Humanos e a Paz, promovida pelo CEAAL, que foi criada na metade da
década de 1980. Durante essa década e a de 90 ela foi reconhecida por sua
capacidade de articulação, apoio e estímulo para o desenvolvimento da educação
em direitos humanos no Chile, especialmente porque a secretaria executiva do
CEAAL estava no Chile, mas também atuava em outros países da América Latina.
Creo que en la época de los ochenta siendo una época muy dura, nunca hubo
más florecimiento de saber, de relaciones, de intercambio, de experiencias etc.
Y en ese sentido el CEAAL fue importante. Fue importante porque fue un
componente unificador de una América Latina que estaba viviendo un proceso
muy terrible (Sara).
En América Latina la Red de Educación para la Paz y los Derechos Humanos
del CEAAL y el mismo CEAAL, con todas las redes que creó de poder local,
alfabetización, mujeres etc. Creo que fue en los años 90 el principal actor de la
difusión de la educación en derechos humanos. Jugó un rol de articulación, de
estímulo al desarrollo de experiencias en los distintos países, que ninguna otra
red estuvo a su altura. La reproducción de esa red en redes locales también dio
frutos muy interesantes, en algunos países más logrado que en otros (Matias).
Alguns/mas entrevistados/as mencionam também um curso sobre
educação em/para os direitos humanos desenvolvido na segunda metade da
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144
década de 80 pelo CEAAL com apoio de agências de cooperação
53
pelo qual
passaram muitas pessoas, aproximadamente cem, do Chile e de outros países da
América Latina, muitas das quais eram coordenadoras de ONGs e profissionais
reconhecidos da área. Esse programa durou cinco anos. Nos três primeiros anos, o
curso foi realizado no Chile; nos outros dois anos, foram desenvolvidas oficinas
em diferentes países da América Latina.
O próprio CEAAL sofreu o mesmo impacto que as ONGs em relação ao
apoio econômico internacional que afetou suas atividades, especialmente na
década atual.
Todo esse trabalho em rede, amplamente reconhecido pelos/as
entrevistados/as, ainda subsiste hoje, mas se encontra em outro momento, tanto no
Chile como no resto do continente, bastante desmobilizado e desarticulado.
Embora alguns/mas entrevistados/as reconheçam que a identificação institucional
fica já só para um grupo de iniciados, outros/as profissionais também afirmam que
a articulação em rede não só é ainda válida como necessária e urgente para
continuar produzindo conhecimento e favorecendo espaços de intercâmbio, assim
como parcerias na área da educação em/para os direitos humanos. Os dois
depoimentos a seguir expressam essas sensibilidades:
Hoy día yo diría que solamente entre especialistas podemos encontrar alguien
que identifique lo que es el CEAAL o el Instituto Interamericano de Derechos
Humanos, o sea a nivel del manejo generalizado no lo identifican (Marco).
Creo que hay algo que hay que trabajar y potenciar que son las redes. Las
redes que tenemos, la Red Latinoamericana de Educación para los
Derechos Humanos y la Paz, es una plataforma para levantar conocimiento.
Si no lo levantamos desde ahí, de dónde va a ser, si es la red por excelencia
en ese tema (Sara).
Sobre o Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) os/as
entrevistados/as já têm opinião diferente em relação a seu papel na educação
em/para os direitos humanos no Chile e na América Latina como um todo.
Reconhecem a contribuição do IIDH em alguns momentos na promoção de
atividades que permitiram o encontro entre as pessoas e algumas instituições.
Destacam o amplo reconhecimento do curso anualmente promovido pelo Instituto,
do qual alguns deles participaram. Todos concordam que poderia ter sido uma
53
Mencionam aqui o apoio do Instituto de Estudios Sociales de La Haya (ISS).
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145
instituição que, por seus recursos econômicos e humanos, poderia ter tido um
papel histórico inovador, tanto na elaboração de pensamento como na promoção
de experiências de educação em/para os direitos humanos no continente, mas que
isso não aconteceu.
El IIDH, a mi me parece, que podría haber jugado un rol señero, de abrir
caminos. Pues tenía la plata y la gente. Pero no nos dio oportunidades, no
marcó líneas, no dio luces. No lo hizo. Pero creo que ahora está
recuperando caminos y podría ser un momento muy bueno (José).
El IIDH ha sido clave en dos factores: en primer lugar porque ha sido la
institución de más peso, la más visible y también porque el curso
interdisciplinario fue un factor de formación del que tributamos
generaciones. […] Y se ha preocupado por ser un curso de gran nivel
académico y de mucha consistencia. Reconozco que tenía más expectativas
del Instituto, pensé que con esa capacidad de articulación, de recursos, se
podrían haber hecho mucho más cosas. Que su aporte teórico podría haber
sido más grande. Que podría jugar un rol más decisivo, más profundo y creo
que se fue diluyendo un poco ese esfuerzo (Matías).
No que se refere à Unesco, são unânimes em afirmar que no Chile não
houve incidência no desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos,
e alguns/mas entrevistados/as também estendem essa apreciação para o resto da
América Latina.
Creo que en ese momento [se refiere al momento fundacional] la Unesco no
tuvo nada de influencia en América Latina, a pesar de que a nivel mundial
había reuniones y estaban los documentos. Claro lo tradicional, las
declaraciones, esos documentos que siempre están, el de la Paz, de
Derechos Humanos, se llamaban de instrucciones, de declaraciones. En
Chile nunca jugó un rol importante, por lo menos la Unesco en ese campo, a
pesar de que había gente muy bien comprometida (Daniel).
Sobre os atores individuais, ou seja, as pessoas de referência na educação
em/para os direitos humanos, os profissionais mais mencionados foram: Luis Pérez
Aguirre, do Uruguai, reconhecido por ser um dos primeiros a trabalhar uma
fundamentação da educação em direitos humanos; Abraham Magendzo, do Chile,
por sua contribuição na sistematização, especialmente nas décadas de 1980 e 1990;
Rosa Maria Mújica, do Peru, pelo empenho em criar redes, articulações e estimular
iniciativas novas no continente. Vários/as entrevistados/as reconhecem, nesse
ponto, que especialmente na década de 80 o Brasil não desenvolveu interações
sistemáticas com esse processo. Posteriormente começou a ter maior presença.
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146
Finalmente, considero importante, a modo de síntese desta categoria,
destacar o depoimento de uma entrevistada referindo-se a uma dimensão
importante a ser levada em consideração hoje pelos atores da educação em/para os
direitos humanos e o papel das redes:
[Actualmente es más común] visibilizar experiencias más que levantar
conocimiento. Y no creo que ya está todo investigado y que todo se sepa, sino
que hay mucho conocimiento dando vuelta que es preciso sistematizar. Hay
una falta de eso en las redes en general, hay un más quedarse en una crítica
reivindicativa y en un mostrar experiencia, más que en levantar y posicionar
un nuevo tipo de conocimiento. Creo que de eso estamos faltos (Sara).
4.2.4
“Educação em/para os direitos humanos como tema transversal. O
fato de ser lei tem um peso”
Nesta categoria apresentarei as posições dos/as entrevistados/as no que diz
respeito à relação entre a educação em/para os direitos humanos e o processo de
democratização vivido no país. Vários depoimentos se referiram ao tema
relacionando-o com o processo de reestruturação do Estado e a promoção de
políticas públicas, uma vez recuperada a democracia. Relatam que, no início
do governo de Patrício Aylwin, sendo ministro de Educação Ricardo Lagos, foi
criada uma comissão para pensar como introduzir a educação em/para os direitos
humanos no sistema escolar e na reforma educativa, já referida no item anterior. O
depoimento a seguir se refere a esse momento histórico:
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147
Eso fue hasta el año 1991, donde todos vivíamos con optimismo, digamos
las posibilidades que se podía hacer una educación en Derechos Humanos
activa, siendo importante en la escuela. Sin embargo, ahí se produce el
quiebre, diría que fue un quiebre fundacional. Porque al final la Educación
en Derechos Humanos se transformó en un problema para la escuela.
Siendo que todos los que habíamos trabajado antes del gobierno
democrático veíamos los derechos humanos como un gran inspirador, un
gran concepto orientador del sistema educativo, de la reforma educativa y
diría de los otros temas principales (Daniel)
54
.
A reforma educativa foi construída, segundo alguns entrevistados/as, com
um conceito mais restrito em relação ao que eles identificam como a “agenda de
valores”, sendo fruto das negociações entre as diferentes forças políticas e sociais.
Essa situação não favoreceu a educação em direitos humanos, e a partir desse
momento seus conteúdos foram sempre negociados. Essa realidade pode ser
identificada não só nos temas que foram possíveis de serem incluídos ao longo
dos quinze anos de governos democráticos mas também no percentual do
orçamento destinado à implementação dos chamados “temas transversais”.
O depoimento deste entrevistado expressa claramente a ambigüidade do
processo vivido:
Cuando se recuperó la democracia se entendió que el tema de la educación
en derechos humanos debía ser incluído. Al principio no querían por esa
cuestión de los militares. Pero presionamos haciendo notar que no era
posible que si se iba a construir un nuevo currículo ese tema no apareciera
y orientamos en lo que se debía colocar de contenido en los temas
transversales. Hoy día el tema está instalado en el currículo. En las políticas
públicas se instaló el tema y sin temores ya desde 1996. El Estado se la jugó
porque sabía que recuperada la democracia si no usaba la educación como
medio para democratizar el país estaba perdido. Yo creo que el Estado no
tenía otra alternativa iba a ser una vergüenza. Ahora que después de eso el
Estado haya tomado iniciativas como muy fuertes en el asunto, dudo,
siempre ha estado en todas partes, va paseando un poco el tema de los
derechos humanos, mueve la educación cívica, la educación ciudadana, la
educación de género. Pero decir vamos a poner la educación al servicio del
“nunca más”, eso no lo va a decir ningún ministro (José).
54
O entrevistado relata que foi nesse momento, que se lançou o projeto Novecientas Escuelas, que
depois se transformou nas mil e tantas escolas a serem atendidas porque eram as mais pobres do
país. Esse projeto incluía melhoras salariais dos professores, aperfeiçoamento da infra-estrutura
das instituições e a presença de monitores e educadores populares. Nesse projeto trabalharam
muitos profissionais de duas ONGs importantes já referidas: o PIIE e o Cide. Foi uma proposta
que teve repercussão política, ocasionando desconforto entre as forças dos setores mais de
“direita” e os grupos de orientação mais transformadora, acarretando conseqüências para a reforma
educativa e ocasionando um distanciamento da aproximação da escola com a educação popular.
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148
Outro aspecto que os depoimentos destacam diz respeito às ênfases dadas
na implementação da reforma educativa. Deu-se prioridade aos aspectos de
melhoria da infra-estrutura e do salário dos professores, da produção de material
didático, construção de novas escolas e recuperação dos prédios das existentes,
assim como a melhoria da merenda escolar.
A menor focalização em relação ao tema da educação em/para os direitos
humanos em geral se deu na política como um todo e não só na área educativa.
Inicialmente, como se tratava de um tema de difícil e forte mobilização e
controvérsia do ponto de vista político, foi manejado dentro da lógica da
negociação, dentro dos limites do acordo que o governo fez para restaurar a
democracia e do cuidado que devia ter com os militares para que isso fosse
possível. Assim foi durante todo o governo do presidente Aylwin e continua até o
presente, segundo os entrevistados:
Hemos dicho muchas veces que lo importante es que pareciera que ese
modelo de gobernabilidad restringido y súper cauteloso no fue un modelo de
coyuntura de los primeros años. Hasta ahora fue un modelo permanente, un
modelo democrático más bien cauteloso que ve a la participación ciudadana
como algo amenazante. Que ciertos temas como por ejemplo el derecho
reproductivo, educación en derechos humanos, se ven más que como una
oportunidad como un factor de turbulencia en esta gobernabilidad. En este
acuerdo con la derecha y con el pasado, en esta especie de acuerdo de no
tocar las cosas. Esto ha tenido expresiones volcánicas, ya ha pasado
bastante tiempo y es imposible seguir sosteniendo este modelo sustentado
como el olvido o una especie de recuerdo “light” de lo que pasó (Daniel).
El Estado convocó en el inicio de la transición a todas las instituciones más
relevantes en esta temática [educación en derechos humanos]. Se colocó en
el primer y segundo programa de gobierno que la educación en derechos
humanos iba a ser un eje transversal articulador. Y nunca hubo interés real
porque esto se tradujera en un presupuesto ni la instrucción para que esto
entrara en los objetivos mínimos del currículo en Chile que se tiene que
cumplir. Creo que es control ideológico, ningún estado en tanto estado
desea tener el tema de los derechos humanos instalado en una categoría de
poder, de autocontrol, del poder de fiscalización y control social que
implique en la organización de los derechos humanos (Matias).
Este último entrevistado também afirma que a sociedade civil não teve
força suficiente para colocar a temática, a centralidade e a importância da
educação em/para os direitos humanos em evidência. Menciona também que
todos os esforços e compromissos realizados pela sociedade civil, especialmente
através das ONGs, na formação da população para a votação do plebiscito que
marcou o final da ditadura do general Pinochet foram se esvaziando na medida em
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149
que começou a democracia, pelo fenômeno duplo a que já fizemos referência: a
perda de financiamentos externos e a cooptação dos profissionais pelo Estado.
Essa realidade também obrigou às próprias ONGs a mudar seu foco e começar a
trabalhar com projetos financiados pelo governo, convertendo-se em instituições
prestadoras de serviço ao Estado, tendo de responder aos temas e demandas de
interesse do Estado.
Yo creo que nos autocensuramos al extremo, fue más de lo necesario. Y
perdimos la fuerza para seguir adelante con otra demanda y la sociedad
civil se diluyó en muchos aspectos y no se le ocurrió la educación en
derechos humanos. Muchas organizaciones que habían sido muy fuertes en
los años 70, 80 y 90 se autodisolvieron, se cerraron. Actualmente continua
frágil la sociedad civil, porque al no haber financiamiento externo,
particularmente las ONGs hoy en día son prestadoras de servicio para el
Estado (Matias).
Outro aspecto importante se relaciona à ênfase colocada na denúncia e
defesa dos direitos civis e políticos e à pouca sensibilidade para reivindicar e
promover os direitos econômicos, sociais e culturais, de especial importância para
a criação das políticas públicas.
Cuando comenzamos a recontextualizar el tema ví que estaba ligado
siempre a la violación de los derechos que se cometieron en las dictaduras.
Enseñanza de memorias, muy importantes. Pero era como restringir los
derechos humanos, otra vez, a los sufrientes, gloriamos mucho a la
memoria. Nadie pensaba en poder hablar de los derechos económicos,
sociales, culturales, a pesar de que esos están tremendamente violados. Pero
todo se remitía a la violación de los derechos civiles y políticos. Entonces en
Chile para toda esa gente derechos humanos es eso, y tienen razón porque
el peso de eso es tan grande. Pero cuidado el peso de la violación de los
derechos económicos, sociales y culturales también es muy grande, pero lo
otro es como más violento (José).
Embora o tema da educação em/para os direitos humanos tenha ficado sem
verdadeiramente chegar a ser uma política pública de peso, considero que o fato
de ter sido introduzido no currículo como um tema transversal não é uma questão
a ser desconsiderada e tem um efeito na sociedade que reverte em benefício da
construção democrática.
Pero al ser ley [la educación en derechos humanos como tema transversal]
tiene un peso que hay que reconocerlo. Si no hubiese esto, creo que
estaríamos peor. Sí yo creo que es importante, porque por lo menos te
permite ir a una escuela y decir aquí tienes este instrumento, usenló. Y el rol
de las ONGs, de nosotros, es mostrar como se usa, como se aplica, como se
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150
implementa. Ahora si no tuviéramos eso tendríamos que depender de la
buena voluntad de los directores de la escuela y eso sería mucho más difícil,
este trabajo se haría mucho más difícil (Sara).
4.2.5
“Os direitos humanos são o coração da democracia”
Esta categoria sobre educação em/para os direitos humanos e construção
democrática hoje inclui as perguntas referentes à relação entre educação em/para
os direitos humanos, democracia e cultura política.
No que se refere à democracia, os/as entrevistados/as são unânimes em
afirmar que a relação com os direitos humanos é fundante. Eles são o eixo para a
construção da democracia e um indicador de sua qualidade; a educação em/para
os direitos humanos é o meio para que isso aconteça numa sociedade. Não só para
a construção da democracia formal procedimental que as políticas neoliberais
promovem mas para o desenvolvimento de democracias participativas com
qualidade de vida para os/as cidadãos/ãs.
Una democracia donde el fundamento sea el respeto y el desarrollo de los
derechos de las personas. No estamos hablando solamente de los
procedimientos democráticos que permiten el cambio de autoridades y el
sistema de los tres poderes, o todo lo que significa la mirada más histórica o
legal de la democracia. Se trata de una democracia en donde efectivamente
los derechos que se reivindican como necesarios para tener una carta de
ciudadanía bien fundada en los derechos humanos, las pueda viabilizar y no
sean solamente parte de una utopía que oportunistamente se quiera lograr,
pero que no se concretan en normas, leyes, en lo que sean cambios necesarios
para lograrlo (Marco).
Os direitos humanos são parte da ética pública, formam parte do
reconhecimento do valor patrimonial jurídico universal que sustenta a democracia.
Constituem também uma visão de mundo e um horizonte ético, uma visão das
relações humanas em sociedade, então:
es para mi un test, que le da sustento a la democracia, pero también es un
horizonte ético y crítico de la propia democracia (Daniel).
A democracia é o sistema que permite que floresçam os direitos humanos,
em que possam ser reivindicados e defendidos. Não é possível construir uma
democracia sem direitos humanos; eles constituem seu sustento ético. A relação é
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151
intrínseca e fundamental, sendo importante a incorporação das diferentes gerações
de direitos, não só os civis e políticos mas também os econômicos, sociais e
culturais. No entanto, os/as entrevistados/as reconhecem que o Chile ainda está
longe dessa realidade, e os direitos humanos ainda não estão no coração da
democracia, segundo estes depoimentos:
De que democracia podemos hablar en Chile, si verdaderamente dos
millones de jóvenes no votan. Y no votan simplemente porque están
aburridos de las injusticias. La relación [entre democracia y derechos
humanos] es tan estrecha, pero los derechos humanos no están en el
corazón de nuestras democracias (José).
Habiéndose ya consolidado en el caso de Chile, la transición democrática,
todavía no podemos hablar de una verdadera democracia. Es una
democracia muy imperfecta, poco representativa y nada participativa. Ahí
es donde está el escenario de los derechos humanos, como componente
posibilitador de una lucha hacia la representatividad, hacia la
participación, hacia la defensa de los derechos, por la justicia, por las
libertades fundamentales etc. (Sara).
A educação em/para os direitos humanos se converte num aspecto
importante para a construção democrática, entendida por alguns como uma
possibilidade para revitalizar as democracias e impactar as políticas públicas, mas
também afirmam que essa educação ainda é frágil no país e na América Latina.
No hay construcción democrática sin educación en derechos humanos. Y al
estar débil la educación en derechos humanos, yo me pregunto que
construcción democrática se está haciendo en América Latina. Creo que
nuestras democracias son muy débiles, presas del populismo con poco
sentido de la responsabilidad social frente a lo que significa la
administración del Estado y con poca consciencia tanto de los derechos
cuanto de los deberes que implica un Estado de derecho. Y esa falla está
precisamente en que la educación en derechos humanos que reciben
nuestros niños es muy baja, por tanto es muy fácil ser preso al
individualismo y que cada cual se ocupe sólo de su bienestar personal y no
del bien común colectivo (Matias).
Sobre a cultura política, reconhecem que os valores produzidos pelos
direitos humanos deveriam ser os mesmos que regem a cultura política. Esta é
concebida fundamentalmente como o modo como os cidadãos vêem a si mesmos
e como constroem um espaço de convivência, de resolução de conflitos, de
diálogo social, implicando aspectos procedimentais e culturais.
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152
La cultura política la asocio con las capacidades que una sociedad tiene
para enfrentar esa convivencia, la capacidad de controvertir, de discutir, de
generar acuerdos, resolver conflictos de manera no violenta, la capacidad
de participar, de controlar la autoridad y entiendo que los derechos
humanos constituyen el marco de sustentación. […] Lo bueno es existir
como un elemento objetivo, normativo y positivo que te permite decir
cuando una institución es democrática o no, cuando la política pública es
democrática o no, como un elemento inspirador que te permite generar
dinámicas de mejoramiento de la propia democracia (Daniel).
Finalmente, como síntese desta categoria, destaco o depoimento de uma
entrevistada que salienta a importância da dimensão política da educação em/para
os direitos humanos como componente fundamental da cultura política e, nesse
sentido, também a necessidade de ressignificar os direitos humanos de acordo
com cada contexto histórico para construir a democracia.
La educación en derechos humanos tiene un componente ideológico y una
dimensión política porque se plantea un proyecto de sociedad, un proyecto de
mundo con ciertas características. Cuando habla de derechos humanos, hay
ciertas palabras que tiene que nombrar, hay palabras que otorgan sentido y
significado. Entonces desde una educación en/para los derechos humanos, yo
no puedo hablar de apremios ilegítimos. Tengo que hablar de tortura. Y eso
tiene una carga ideológica importante, una visión política que va conformando
una cultura política, una visión de sociedad que queremos construir. […] Hoy
todos hablan de derechos humanos, la derecha y la izquierda, por eso creo que
es momento de resignificar los derechos humanos (Sara).
4.2.6
“Não podemos ficar tranqüilos enquanto há índices de pobreza que
escandalosamente contrastam com os índices de riqueza de alguns
poucos...”
No que diz respeito aos desafios enfrentados pela educação em/para os
direitos humanos, podemos situar um primeiro conjunto deles em torno da
formação contextualizada. Destacam a importância de desenvolver o sentido
crítico em relação ao mundo atual globalizado e mercantilizado. Promover uma
educação em/para os direitos humanos que seja capaz de gerar nas pessoas, nas
comunidades, nos povos uma capacidade crítica e propositiva, assim como
processos que aumentem a auto-estima, a autonomia, a criatividade e a
possibilidade de promover e defender seus direitos. Esses desafios reafirmam
igualmente que a educação em/para os direitos humanos deve colaborar para o
empoderamento dos sujeitos, promovendo a participação no sistema democrático.
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153
Outro aspecto destacado se refere ao fato de a relação entre a educação
em/para os direitos humanos e a análise da realidade estar situada e referida ao
contexto, tanto local, como continental e global.
El saber, el conocimiento, tiene que ponerse en contexto y hablar de los
derechos humanos en abstracto no tiene el menor sentido si no es para
formar ciudadanos críticos.[…] Lo que pasa en mi país tiene que ver con un
contexto más global. Y como miro mi sociedad no solamente como
microcosmo sino como parte de una sociedad mucho mayor (Sara).
Um segundo grupo de desafios se colocam em relação à importância da
força jurídica e cultural acumulada pelos direitos humanos na história da
humanidade. Trata-se de uma base muito importante que lhes outorga um poder
universal, que faz com que atualmente as violações se identifiquem, no mundo e
em cada sociedade, com mais facilidade e legitimidade. No entanto, ainda em
muitas ocasiões, também se percebe a deslegitimação dos direitos humanos e a
falta de consciência da população de ser sujeito de direitos e de poder exigi-los.
Nesse sentido, esses depoimentos afirmam que:
el argumento de derechos humanos sigue siendo un argumento de
civilización fundamental, que la educación tiene que preservar, enseñar,
recordar y tiene que aplicar a las condiciones concretas de la vida social, de
las personas, del país (Daniel).
En el siglo XXI me parece que un aspecto importante es como los derechos
humanos se convierten en un elemento de poder propio. Es decir, que todos
los actores reconocen que es un elemento necesario para la sociedad y ese
poder lo da la exigibilidad de los derechos. O sea en la medida que la
población entiende que el trabajo es un derecho, la vivienda, la salud son
derechos y que si esos derechos no se cumplen yo puedo exigirlos (Matias)
O terceiro grupo de desafios enunciados se situa em relação aos processos
de educar em/para os direitos humanos nas sociedades multiétnicas e
multiculturais atuais. Especialmente quando os países, como é o caso chileno,
desenvolveram uma cultura bastante fechada ao “outro”, do ponto de vista social e
cultural, mas também econômico.
En el caso chileno actualmente es fundamental tener un discurso educativo
en derechos humanos en relación a lo que implica una sociedad como la
nuestra tremendamente inequitativa, desigual, con segmentación radical,
discriminadora. En estos últimos tiempos racista. La educación en/para los
derechos humanos la entiendo como una reivindicación, como una
propuesta que enfrenta ese tipo de problemas que tienen una relación con la
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154
propia sustentabilidad de la convivencia democrática. En Chile eso es
fundamental (Daniel).
Em relação aos temas priorizados, foi possível identificar diferentes grupos.
O primeiro refere-se ao que se desprende da própria Declaração Universal de
Direitos Humanos e do conjunto acumulado de legislação em direitos, centrados na
dignidade humana. Daí emergem questões como promoção da eqüidade, da
dignidade, da igualdade, da imunidade, assim como a implementação dos direitos
sociais: luta contra o analfabetismo, a pobreza e a exclusão.
No podemos estar tranquilos mientras haya índices de pobreza que
conocemos en América Latina y que escandalosamente contrastan con los
índices de riqueza que tienen algunos pocos en el continente. Eso no puede
ser un tema que se postergue, sino que debe ser un tema candente y
exigiendo la acción rápida del tiempo (Marco).
O segundo grupo de questões se refere à formação para a cidadania.
Destaca questões como: cidadania ativa, ampliação da cidadania, controle
cidadão, participação, fortalecimento dos movimentos sociais e da sociedade civil.
Também são mencionados a formação para a diversidade, a não-discriminação e a
interculturalidade. O último aspecto dentro deste conjunto refere-se à agenda de
como trabalhar os direitos humanos na escola e na vida cotidiana. Nesse sentido,
mencionam as “políticas da memória”, para analisar a historia recente a fim de
construir valores, acordos e afirmações fundamentais em torno do valor dos
direitos humanos.
Um terceiro grupo de temas refere-se ao Estado de Bem-estar num país
fortemente marcado pela implementação do modelo neoliberal durante quase três
décadas.
Hoy en Chile la discusión es como reponer el Estado de Bienestar. Porque
en el fondo el modelo neoliberal demuestra que en un momento los
resultados de desigualdad son irreversibles por el mismo modelo, por el
mismo mercado. Es imposible que un discurso de centro izquierda pueda
sostener ese modelo hasta el infinito. Porque lo que va a generar son dos
países, los ricos y los pobres. Entonces hoy día hay un gran debate y política
que están revirando el tema del llamado Estado de Bienestar, pero que ya
no se llama de la misma manera. Pero es un tema de construcción
democrática (Daniel).
O quarto tema se relaciona à integração latino-americana através do
desenvolvimento de uma consciência regional capaz de superar as fronteiras
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155
nacionais e a importância de continuar criando e afirmando as redes de atores
sociais, especialmente entre as ONGs.
Un gran desafío de la educación en/para los derechos humanos es saber lo que
está pasando en otros países de América Latina y como eso nos afecta. […] Si no
hay un desarrollo de una consciencia que no sea solamente la generación de una
emoción, sino de una solidaridad, que es un conocer, un saber. Es necesario
desarrollar la solidaridad entre los pueblos de América Latina que sino se reduce
finalmente a la buena voluntad de los pueblos. Yo creo que no se puede plantear
un proyecto de derechos humanos basado sólo en la buena voluntad. Creo que
tiene que ver en generar una consciencia de que cada vez más los países y la
lealtad nacional importa menos y lo que importa es ir desarrollando proyectos
más regionales, sobretodo para hacerle frente al sistema (Sara).
Un tema fundamental es revitalizar la Red Latinoamericana. Nos falta un
intercambio de experiencias, reflexiones, de saber como lo vamos haciendo, que
ideas tenemos, que propuestas hacemos. […] Esa instancia tiene la posibilidad de
crear saber, crear conocimientos (Camila).
O último grupo de temas se refere à dimensão pedagógica da educação
em/para os direitos humanos. Aqui são colocadas questões como a socialização,
chegada a mais grupos e atores, especialmente no nível da educação formal, na
escola, assim como, a didática de uma educação em/para os direitos humanos, a
avaliação, a conceitualização, a formação dos/as educadores/as, entre outros.
Em relação aos sujeitos privilegiados, houve bastante confluência no
grupo, em se referindo aos jovens. Alguns mencionam também as crianças, as
mulheres e os “adultos mayores” (terceira idade), chegando a propor uma
educação intergeracional. Uma única pessoa mencionou os/as professores/as.
Enquanto os atores institucionais mencionam as ONGs, universidades,
sindicatos, igrejas e os movimentos sociais, todos os espaços que possam
promover concientização dos grupos populares e articulação e mobilização social
para construir uma sociedade mais democrática e mais eqüitativa.
Yo tengo lo que se llama la esperanza histórica. Es decir, a lo largo del
tiempo yo estoy convencido de que esto no puede permanecer así. Y por eso
que uno ve tantas manifestaciones que se hacen desarticuladas,
desordenadas, muchas veces sin un horizonte claro pero hay una
insatisfacción en la base en nuestra sociedad que estalla. Esa insatisfacción
es la necesidad de otro horizonte ideológico y también otro modo práctico
de razonarse, otra ética concreta de relación entre las personas (Matias).
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156
4.2.7
“Direitos de igualdade e da diferença: sim e não. No nível formal,
sim, há instrumentos para isso; no nível cotidiano, não”
Esta última categoria está relacionada à universalidade dos direitos
humanos e às questões sobre os direitos da igualdade e da diferença.
Quando introduzimos essa temática, os/as entrevistados/as manifestaram
surpresa; alguns expressaram, antes de começar a responder, que se tratava de
uma pergunta complexa; outros disseram que precisariam de mais reflexão para
aprofundar o tema. Sem dúvida foram as questões nas quais ficaram menos à
vontade, especialmente com a articulação entre universalidade e diferença.
Sobre a universalidade, reconhecem que é o elemento “consustantivo de los
derechos humanos”, e é muito difícil imaginar que a Declaração Universal dos
Direitos Humanos possa aceitar culturas violadoras dos próprios direitos já
reconhecidos. Consideram essa declaração o patamar máximo alcançado pela
humanidade, depois da 2ª Guerra Mundial, na que se acordou que esses são direitos
inalienáveis e irrenunciáveis, independentemente de qualquer cultura específica.
Outra perspectiva manifestada pelos/as entrevistados/as afirma que são
direitos fundamentais que “pertenecem a todos y todos, deberíamos poder
exigirlos”. Estabelecem uma hierarquia entre os direitos, priorizando o direito à
vida, e consideram que qualquer prática cultural que prejudique esse direito é
inaceitável no atual contexto de evolução da humanidade.
Uma terceira posição considera que universalidade-diferença são pólos de
uma mesma realidade, não contraditórios e sim complementares, e argumentam:
De hecho, la riqueza de la Declaración Universal de los Derechos Humanos
es que es universal, y surge de un debate de miles de miradas. Sólo que esa
mirada a la historia concreta y como han surgido estas reivindicaciones de
los derechos humanos se dan cuenta que son fruto de encuentros. Se juntan
diversos países de Naciones Unidas a resolver sobre estos temas y se llega
a un texto, un relato, a una manera de decir algo lubricadas por miradas tan
diversas como los países que están representando. Entonces al decir sólo
están eventualmente en conflicto con lo local, es desconocer como se
construyó lo universal. Lo universal se construyó sobre la base de culturas
locales. […] Diría que es un debate o una ficción, una atención conceptual
solamente innecesaria, sino que la considero litigiosa. Creo que hay una
fundamentación detrás que la presiona un poco, no logra sostenerse
digamos con mucho peso (Marco).
Sobre a manifestação dos direitos de igualdade e de diferença na sociedade
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157
chilena, a primeira afirmação surge a partir do reconhecimento de que a sociedade
chilena está construída historicamente sobre desigualdades.
Todo el aparato está construído sobre las desigualdades y éstas se van
pronunciando cada vez más. Las desigualdades no nacieron hoy día en Chile,
están instaladas desde generaciones. Pero ahora es como que se hace patente que
es una sociedad muy desigual, muy discriminadora, muy segregadora, muy
clasista. Y la gente lo acepta como una cosa natural. Quizás hoy día la gente ya se
va dando más cuenta que las desigualdades son construcciones sociales (José).
Atualmente se pode afirmar que houve avanços em matéria dos direitos de
liberdade, de expressão, de organização etc. na perspectiva da igualdade.
Quando perguntados se os direitos de igualdade e da diferença se manifestam
na sociedade, as opiniões foram variadas desde “sí y no: en el nivel formal si hay
instrumentos para eso, en el nivel cotidiano no”; “todavía nos falta en el tema de la
igualdad, todavia no”; “están presentes como apuestas pedagógicas, valóricas, con
proyectos institucionales, están menos presentes como cultura instalada”, até “se
manifiestan y han sido motivo de controvérsias muy interesantes”.
A maioria reconhece três atores que têm colocado o tema de forma mais
desafiante: o movimento feminista, que consideram que instalou o tema “por lo
menos en la mente de las personas y el que más progresos consiguió, además del
reconocimiento de su perspectiva” (Matias).
Outros são os povos indígenas, especialmente os mapuches, na restituição
de terras e introdução do bilingüismo na escola, que são conquistas importantes; no
entanto, ainda dentro de uns marcos determinados e socialmente continuam sendo
muito discriminados, maltratados e com acesso às piores condições de emprego:
en relación con el tema de los mapuches, hay un sector que comienza a
entenderlo como un tema políticamente correcto. El tema de la diversidad, de la
interculturalidad, del bilingüismo, en fin, pero si empiezas a hablar de
pluriestado, plurinacional o plurilingüístico o normalización lingüística
mapuche o bilingüísmo. Entonces incluso en la izquierda, empiezan a aparecer
cosas así como: no si esto es una nación; no si esto es Chile; como vamos a
tener dos lenguas, como vamos a respetar tribunales indígenas (Daniel).
O terceiro ator reconhecido na luta pelos direitos da diferença são os
grupos homossexuais, mas este é um tema ainda difícil de ser promovido num
debate público no país:
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158
en el tema de la homosexualidad hay todo un debate y ahora por
prescripción de la presidenta
55
no se debate más, sobre el tema del
matrimonio homosexual (Sara).
Quando entramos no âmbito da escola, vários lembraram, em relação às
conquistas, além do bilingüismo no ensino fundamental para os indígenas, a
aprovação de uma lei que protege as adolescentes grávidas, para não serem
expulsas da escola, o que há até pouco tempo era a prática habitual.
O tema dos imigrantes, especialmente os de origem peruana, aparece em
uma dupla perspectiva: por um lado, como alvo de forte discriminação
amplamente reconhecida pela maioria; por outro, um entrevistado destaca que:
hay escuelas que practicamente el 80% de los niños en las aulas son
extranjeros, son peruanos. Entonces ha habido pasos importantes en el
reconocimiento de los derechos sociales. Se reconoce el derecho a la
educación y a la salud de los niños y los jóvenes, aunque su familia esté en
posición irregular, sean ilegales. Eso fue hace tres años y es una
demostración de un proceso que no sabemos hasta donde llega. Porque ese
proceso sigue, siguen llegando emigrantes y hay barrios completos que ya
son de ciudadanos peruanos (Daniel).
No entanto, eles afirmam também que a escola chilena é reprodutora por
excelência das desigualdades, das injustiças e da discriminação histórica e
culturalmente instaladas na sociedade.
Hay escuela para formar la elite, y hay universidades para formar la élite, y
hay escuelas para formar al pueblo. Y todo el mundo se forma. Eso sí, hay
avances en entregar la educación para todos. Pero todos los que entran al
restaurant, lo que es una gran cosa, no hay pordioseros ahí fuera mirando
como yo como. Todos entraron al restaurant, pero hay unos que comen
caviar y otros que comen m… Pero todos comen. [...] Y los miden después
con la misma vara, van a salir del restaurant, a todos les pasan los
cuestionarios y les dicen: qué tal fue la comida? Les preguntan a todos lo
mismo (José).
Nesse sentido, a maioria destaca o movimento atual dos jovens das escolas
públicas de Ensino Médio, que lutam por um ensino de qualidade com igualdade.
55
Faz referência à atual presidente, Michelle Bachelet.
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159
4.2.8
“No caso do Chile, temos estado muito sós”
Neste item procuramos resgatar a história da educação em/para os direitos
humanos no Chile, desde o período de redemocratização até o presente, através do
olhar de alguns/mas dos/as protagonistas que foram entrevistados/as. Uma história
tecida com fios de várias cores, que foram se entrecruzando através de cada uma
das categorias utilizadas. Somos conscientes de que ficam muitos fios mais para
serem identificados, tendo presente que:
a raíz de las experiencias uno piensa que es así la historia, pero la historia
no es nunca así como uno la cuenta. Andá a saber tú como es la historia!
Pero uno cree que es así, a partir de las experiencias (José).
Considero importante ainda ressaltar, da última categoria, referente aos
comentários finais, que a maioria dos/as entrevistados/as aproveitou para fazer um
fechamento ou deixar uma mensagem final. Estes dois depoimentos podem ser
considerados representativos da posição dos/as entrevistados/as:
Yo creo que actualmente en Chile hay experiencias [de educación en/para
los derechos humanos] interesantes y que están empezando a florecer. Yo
tengo la esperanza de que puedan instalarse, que tengan poder y que puedan
legitimarse como vías alternativas al sistema imperante. Pero si América
Latina no toma consciencia de lo que pasó en Chile, de los efectos a nivel de
sociedad, de pérdida de identidad, de pérdida de proyecto, de pocas
claridades, de brechas de inequidad escalofriantes. Eso va a pasar en cada
uno de los países donde el modelo neoliberal ya llegó para quedarse.
Creo que en el caso de Chile hemos estado muy solos estos años en lo que a
la educación en/para los derechos humanos se refiere. Creo que por dos
razones fundamentalmente, una porque efectivamente nos hemos estado
mirando mucho al ombligo. Y otra, porque se nos ha vendido hacia fuera
como un modelo a imitar y se nos ha olvidado que tenemos miles de temas
pendientes donde necesitamos apoyo internacional y especialmente de los
otros países de América Latina.
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160
4.3
Democratização e educação em/para os direitos humanos: avanços,
dificuldades e desafios
O final da ditadura e o início da democracia foi vivido pela sociedade
chilena como a abertura para a emancipação, como um momento que permitiria
gerar no país um novo modo de fazer política, resgatando valores do pensamento
alternativo que tinha sido engendrado na sociedade civil durante o período de
resistência ao regime militar. Desejava-se uma mudança cultural de fundo na etapa
da redemocratização que recolhesse os valores da solidariedade e da participação
que tinham alimentado a prática política contra a ditadura (Elizalde, 2005:5).
No entanto, depois de mais de quinze anos do início da redemocratização,
como percebemos nos itens anteriores e nas entrevistas, ainda continuam as
brechas que caracterizam a distribuição de recursos e direitos na sociedade. O
desequilíbrio de poder que isso gera afeta a capacidade de muitas pessoas e
grupos e coloca barreiras à capacidade de ação conjunta, convertendo-se numa
ameaça para o desenvolvimento da democracia com esses valores da solidariedade
e da participação como imaginada.
Existem também outras ameaças mais diluídas para essa construção
democrática no país, segundo aponta o Informe do PNUD (2004:17). Por uma
parte, a defesa óbvia do status quo por parte dos grupos até então hegemônicos
que não querem ceder o poder ou que o percebem como um conflito de
eliminação “total do outro”; essa atitude defensiva debilita a flexibilidade
requerida para cooperar e inovar. Por outra parte, existe também o temor de que
determinados sujeitos sociais adquiram mais poder, como as mulheres e as
organizações da sociedade civil. Desconfia-se da capacidade desses grupos sociais
para tomar decisões. Outros tem medo da ação coletiva, de que os níveis de
instabilidade social cresçam e voltem os traumas da história ainda recente. Nesse
sentido, existe o risco de que uma excessiva ênfase e preocupação com a ordem
iniba a criatividade social e política.
No entanto, também é importante reconhecer que, especialmente nos
últimos anos, houve a emergência de uma cidadania mais ativa, que aspira a
pensar a democracia com outras bases, de mais solidariedade, participação e
justiça, depois de um longo período de democracia “negociada”.
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161
O tema das violações dos direitos humanos durante a ditadura continua
sendo uma ferida aberta na sociedade e um tema que vertebra a construção
democrática do país.
As diferentes políticas de reparação implementadas a partir de 1990
expressam o reconhecimento da responsabilidade do Estado frente às atrocidades
cometidas em nome da pátria. Essas políticas formam parte da reconfiguração do
sistema político do país desde 1990. Podemos afirmar, junto com Lira e Loveman
(2005:501), que as políticas adotadas e implementadas têm sido o produto de uma
permanente luta e contra-ofensiva ideológica e política que se marca nos esforços
por escrever e reescrever o presente e a história da ditadura à democracia. No
entanto, a reconciliação política na sociedade chilena não parece depender
unicamente das políticas de verdade, justiça e reparação. Requer também uma
profunda reforma da constituição de 1980 ou a convocatória de uma assembléia
constituinte para a elaboração de uma nova constituição. É necessária a formação
de uma nova mentalidade em relação à própria concepção democrática. Trata-se
de superar uma perspectiva assim descrita por Villela (2005:12):
Democracia não só destorcida pela presença dos chamados “enclaves
autoritários” dentro do sistema político, mas ainda pela pertença
incondicional de parte dos “democratas”, a uma ideologia e prática
econômica herdada da ditadura que em sua concepção e lógica internas
levam o germe de violações de direitos das maiorias como trabalho,
educação, saúde e dignidade humana.
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162
Do ponto de vista da educação em/para os direitos humanos, tomamos
como referência, para visualizar os avanços, as dificuldades e desafios, uma
proposta de educação em direitos humanos para o “nunca mais” feita, no ano de
2003, por dez instituições
56
da sociedade civil e, apresentada por Abraham
Magendzo ao governo do Chile.
Um primeiro avanço reconhecido no momento presente é o fato de os
direitos humanos serem objeto de propostas provenientes de diversos setores da
opinião pública, inclusive de alguns setores que por muito tempo tinham negado
as violações e que participaram delas direta ou indiretamente. Argumenta-se com
pertinência que, sem verdade, justiça e reparação, é impossível o imperativo
histórico e ético do “nunca mais”. Sem dúvida, a verdade, a justiça e a reparação
são requisitos essenciais e impostergáveis para o “nunca mais”, mas não são
suficientes; se faz necessário um processo educativo orientado à construção de
uma cultura dos direitos humanos na sociedade chilena.
Outro avanço que pode ser reconhecido é o fato de que o Informe Rettig,
em uma de suas partes, afirma a importância que a incorporação dos direitos
humanos no currículo escolar tem para o processo de reconciliação, além de
recomendar ações concretas relacionadas com a formação de professores, a
preparação de materiais educativos e a promoção de debates educativos em todos
os níveis da educação formal e não-formal. Algumas dessas recomendações
foram implementadas com êxito e outras apresentaram maior fragilidade. Além
disso, foi importante também a inclusão formal dos direitos humanos no Marco
Curricular dos Objetivos Fundamentais e Conteúdos Mínimos Obrigatórios
(OFCMO), nos temas transversais e na legislação educativa já referida
anteriormente.
56
A proposta está assinada pelas seguintes pessoas representantes de instituições: Abraham
Magendzo, Coordinador de la Cátedra Unesco em Derechos Humanos de la Universidad de
Humanismo Cristiano; Sonia Lavín, directora ejecutiva y Ricardo Hervia, presidente del Programa
Interdisciplinario de Investigación en Educación (PIIE); Cecilia Leiva, rectora, de la Universidad
Academia de Humanismo Cristiano; Marcela Tchimino, coordinadora, de la Red Latinoamericana
de Educación para la Paz y los Derechos Humanos del CEAAL; Juan Altamirano, presidente, del
Foro de la Sociedad Civil de Chile; Francisco Estévez, director ejecutivo de la Fundación IDEAS;
Maribel Gálvez, encargada de formación en derechos humanos de la Vicaría de Pastoral Social;
Sergio Laurenti, director de Amnistía Internacional Chile; Jorge Osorio, secretario ejecutivo del
Fondo para las Américas; Ana María de la Jara, presidenta de Acción. Asociación Chilena de
Organizaciones no Gubernamentales.
http://www.lanacion.cl/p4_lanacion/antialone.html?page=http://www.lanacion.cl/prontus_noticias/
site/artic/20030707/pags/20030707120820.html, acessado em 13/1/2008.
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163
Também não pode ser esquecido que o Chile foi pioneiro no tema da
educação em/para os direitos humanos, com ampla produção bibliográfica e a
realização de grande número de experiências significativas. Nesse processo, as
organizações da sociedade civil, ONGs e instituições de defesa e prevenção dos
direitos humanos tiveram um papel especialmente relevante. Essas instituições
têm formado educadores/as no âmbito formal e não-formal, elaborado materiais,
organizado seminários, cursos, oficinas e criado uma rede formal em alguns
momentos históricos e informal em outras ocasiões e continuam apostando na
educação em/para os direitos humanos, apesar de estarem, no momento atual,
institucionalmente fragilizadas.
No entanto, vários são os desafios para a afirmação da educação em/para
os direitos humanos no contexto democrático chileno com perspectiva de futuro.
Ter como horizonte nos direitos humanos o “nunca mais” implica um processo
educativo capaz de proporcionar às novas gerações os conhecimentos, as
habilidades cidadãs, as atitudes e valores que conduzam a uma profunda tomada
de consciência do significado histórico, cultural, social e ético da violação dos
direitos humanos no período da ditadura, tendo em conta que o corpo social da
nação foi afetado integral e geracionalmente.
É necessário reforçar a intencionalidade política desse enfoque de educação
em/para os direitos humanos, em todo o sistema educativo formal e nas esferas da
educação não-formal. Faz-se necessário também apoiar com disponibilidade de
recursos financeiros para reforçar as assessorias, formação e elaboração de materiais.
Nessa perspectiva, as ONGs têm acumulado um capital de conhecimentos
considerável e podem oferecer projetos e programas de especial relevância.
A educação em direitos humanos deve ser entendida como uma parte
integral da democratização da sociedade. O respeito à vigência dos diferentes
direitos é parte não só da democracia política mas também da democracia social,
econômica e cultural. A educação em/para os direitos humanos se torna de vital
importância para a construção de uma sociedade democrática, numa perspectiva
que implica o reconhecimento da dignidade humana e a potenciação do tecido
sociocultural.
Um papel importante da educação em/para os direitos humanos é o resgate
da subjetividade da memória histórica. Implica reconhecer, no ato educativo, as
diferentes experiências que os sujeitos, crianças, jovens ou adultos têm em seu
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164
imaginário, assim como aqueles presentes na memória coletiva da comunidade ou
grupo social. Os direitos humanos constituem um marco ético-simbólico para
contrastar essas experiências. Nesse sentido, a educação em direitos humanos se
converte no meio para evitar que a memória histórica seja uma abstração, carente de
significado. A memória se constrói na lembrança silenciosa, em sua história única,
irrepetível. A lembrança é única em cada pessoa, mas se situa num marco comum,
histórico e sociocultural. Na lembrança da particularidade se constrói o sentido e se
descobre a interioridade da história.
Também será importante que o Estado assuma com vontade política
decidida o trabalho nessa área e apóie as ações de diferentes instituições da
sociedade civil: universidades, ONGs, igrejas e organizações, entre outras,
abrindo possibilidades de apresentação de projetos para financiamento. Outro
setor de particular importância é constituído pelos meios de comunicação social,
jornais, televisão, rádio etc. Lograr seu compromisso com a elaboração de
programas e campanhas, entre outras ações em relação à educação em/para os
direitos humanos constitui um enorme desafio.
Finalizamos este capítulo com esta citação de Magendzo (2006:1) aplicada
por ele à educação em geral no momento presente do Chile, que consideramos
poder ser igualmente referida à educação em/para os direitos humanos:
É o tempo de fazer da educação uma proposta de país; uma construção de
um “nós”; uma oportunidade de deixar que muitas vozes falem; uma ocasião
de escutarmos; de revisar, sem idéias preconcebidas e preconceitos. O que
temos avançado em matéria da educação e o que nos falta ainda por fazer; de
explorar como podemos individual e coletivamente e contribuir para fazer da
educação uma tarefa que nos convoca como cidadãos. Ninguém pode nem
deve ficar excluído nem se sentir excluído, todos são imprescindíveis. A
educação se transforma, desta forma, num momento para aprofundar uma
democracia ativa, deliberativa, inclusiva, que nos faz tanta falta.
No entanto, a história e a realidade da educação em/para os direitos
humanos continua sendo tecida nos diferentes contextos de cada país. No próximo
capítulo nos aproximaremos dessa realidade a partir do estudo do caso brasileiro.
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5
Tecendo a historia, articulando o presente: o caso
brasileiro
A questão dos direitos humanos está intimamente articulada aos diferentes
contextos socioeconômicos, políticos e culturais em que se situa.
Este capítulo está orientado para analisar o processo vivido no Brasil,
certamente de grande complexidade em relação à problemática dos direitos
humanos a partir dos anos 1980 e a situar nesta trama a emergência da
preocupação com a educação em/para os direitos humanos.
Ele está estruturado em quatro momentos. O primeiro apresenta
sinteticamente a situação dos direitos humanos nos diferentes momentos do
processo de redemocratização vivido no país no período de abrangência deste
estudo. Num segundo momento, focalizaremos o processo de construção da
educação em/para os direitos humanos no Brasil até o momento presente, para, num
terceiro passo, apresentar o significado atribuído à educação em/para os direitos
humanos através da análise dos depoimentos dos/as entrevistados/as na pesquisa de
campo realizada. Finalmente, na última parte, discutiremos alguns avanços,
dificuldades e desafios atuais para o desenvolvimento da educação em/para os
direitos humanos no atual contexto da construção da democracia no país.
5.1
Direitos humanos e processo de democratização
Assumindo como ponto de partida os anos 1980, a trajetória do Brasil tem
sido marcada pela interseção de diferentes movimentos políticos, econômicos,
sociais e culturais, internos e externos, intimamente articulados. A década de 80
está profundamente marcada pelo final do período de ditadura militar e o início da
etapa de redemocratização do país. Nessa encruzilhada se pode detectar a
permanência de algumas tensões que têm caracterizado o processo de construção da
nação brasileira, assim como a emergência de novos desafios que permitem pensar
possibilidades alternativas aos projetos hegemônicos de construção da sociedade.
Nessa perspectiva destacamos duas tensões que julgamos de especial
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166
relevância a partir da ótica do tema que nos ocupa e que permeiam a trajetória
histórica do Brasil. São elas: a relação entre crescimento econômico e
desenvolvimento social e entre o papel do Estado e da sociedade civil. Essas
tensões assumem modalidades diversas, devendo ser apreendidas a partir de sua
inserção no bojo de movimentos aparentemente contraditórios de exclusão e
inclusão, de permanências e rupturas.
Em relação à primeira delas, a articulação entre crescimento econômico e
desenvolvimento social, a década de 1980 poderia, em uma primeira leitura,
confirmar a tese da incompatibilidade entre ambos os pólos. O processo de
redemocratização iniciado no final dos anos 70, traduzido nas greves dos
operários do ABC paulista, no movimento pelas “diretas já”, na saída dos
militares do poder, na intensificação do movimento sindical de diferentes
categorias de trabalhadores, coincidiu com o início de um período de recessão
econômica. Para os defensores da implementação do projeto neoliberal, que se
torna hegemônico em termos mundiais a partir do final da década de 70, a década
de 1980 no Brasil e em quase toda a América Latina teria sido uma “década
perdida”, em função da perda de fôlego da industrialização, da crise da dívida
externa e da inflação galopante. Para outros, essa época teria sido de ganhos
políticos e sociais importantes, como mostram a reconquista de espaços de
liberdade de expressão e de organização social e a garantia de um processo
eleitoral regular.
Em relação à segunda tensão mencionada, a tensão entre o papel do Estado
e da sociedade civil e o tema dos direitos humanos, nos anos 1960 e 70 a violência
arbitrária do Estado e o desrespeito às garantias fundamentais fez com que
indivíduos e grupos se voltassem contra o regime autoritário em nome da defesa
dos direitos humanos. As primeiras Comissões de Justiça e Paz foram instituídas
pela Igreja Católica a partir da década de 70 e denunciaram a tortura e os
assassinatos de dissidentes e presos políticos, revelando as condições aviltantes
das prisões brasileiras. Nessa perspectiva, a Comissão de Justiça e Paz da
Arquidiocese de São Paulo exerceu papel especialmente significativo.
Até meados da década de 1980, o Governo Federal se limitava a negar a
existência de violações dos direitos humanos ou a negar sua responsabilidade
nessas violações, atribuindo-as a problemas relacionados ao subdesenvolvimento
do país e, nas décadas de 1960 e 70, a problemas relacionados à chamada “guerra
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167
suja” entre defensores e adversários do regime autoritário que se instalou no país
em 1964. As organizações não-governamentais se centraram na denúncia às
violações dos direitos humanos praticadas pelo Governo Federal e pelos governos
estaduais, responsabilizando-os por essas práticas. Prevalecia então uma situação
de conflito e confronto entre o poder e as organizações não-governamentais
orientadas para a denúncia, proteção e promoção dos direitos humanos (Mesquita
Neto, 1997:1).
A Constituição brasileira elaborada logo após o período ditatorial foi a
expressão dos anseios de liberdade e democracia de todo o povo; foi também o
instrumento legítimo de consagração, com força jurídica, das aspirações por
justiça social e proteção da dignidade humana de grande parte da população
brasileira, vítima tradicional de uma ordem injusta que a condenava à exclusão e à
marginalidade. Podemos afirmar que a Constituição é o elo que fecha e articula
essa transição entre o período ditatorial e a nova etapa de construção democrática.
A Constituição promulgada em 1988 é conhecida como “Constituição
Cidadã”. Inclui artigos que reconhecem a dignidade da pessoa humana, o
estabelecimento de uma sociedade livre e justa e a proteção aos direitos humanos.
Dallari (2007:29) afirma que, sem sombra de dúvida, essa Constituição, pela
intensa participação popular, assim como pelo conteúdo, é a mais democrática de
todas que o Brasil já teve. “Houve condições para dar ao Brasil uma Constituição
democrática e comprometida com a supremacia do Direito e a promoção da
justiça, e isso foi feito pelos constituintes”.
Nesse período, no espaço da sociedade civil, não podemos deixar de
mencionar por sua importância político-social o Movimento Nacional de Direitos
Humanos
57
, fundado em 1982. Este é um movimento organizado da sociedade
civil, sem fins lucrativos, democrático, ecumênico, suprapartidário, presente em
todo o território brasileiro em forma de rede, atualmente com mais de 400
entidades filiadas. Sua ação programática está fundamentada no eixo da “luta pela
vida contra a violência”; atua na promoção dos direitos humanos em sua
universalidade, interdependência e indivisibilidade e desenvolve diferentes tipos
57
http://www.mndh.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=14&Itemid=30.
Acessado em 7/1/2008.
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168
de ações: projetos de capacitação, campanhas, estudos e pesquisas, intervenção
nas políticas públicas etc.
A partir da década de 1990, em relação à primeira tensão salientada (entre
crescimento econômico e desenvolvimento social), a crise vivida pela sociedade
brasileira, marcada por um déficit tanto social como econômico, questiona o
regime democrático instaurado, apontando os limites e contradições internas do
modelo implementado, que, apesar da nova roupagem, reitera a prática das elites
políticas brasileiras de adoção de um modelo de crescimento econômico baseado
na concentração da renda, no desmantelamento dos direitos sociais e no aumento
da exclusão social. (Sacavino, 2000 c:41).
O alto grau de dependência e de subordinação ao mercado internacional
coloca a nu, especialmente na década dos 90, a fragilidade do modelo econômico
a cada crise de recessão da economia mundial. Paralelamente à transformação
produtiva produzida pelas políticas neoliberais e como conseqüência dessa mesma
política, assiste-se ao debilitamento de instâncias importantes para a democracia
política, como sindicatos e partidos políticos.
O outro lado da tensão mencionada entre o papel do Estado e da sociedade
civil, entendida como a outra cara do mesmo movimento – o aumento da
criminalidade e da insegurança, agora sob o regime democrático – leva indivíduos
e camadas significativas da sociedade a se voltar contra a defesa dos direitos
humanos, vistos como a serviço mais da proteção de criminosos e delinqüentes do
que das vítimas e da população em geral. Para essa reviravolta, certamente
contribuiu o fato de que, depois da transição política, a defesa dos direitos
humanos centrou-se na esmagadora maioria pobre, miserável, não-branca da
população. Por outro lado, todos aqueles setores identificados com a ideologia
autoritária, perdida a hegemonia do poder, encontraram na denúncia dos direitos
humanos um pretexto para, em nome da luta contra o crime e contra a
insegurança, denegrir os que defendiam os direitos humanos e a afirmação
democrática (Pinheiro e Mesquita Neto, 1998:1).
A realização dos direitos humanos [...] é essencial para a consolidação da
democracia, e para que possa ser viabilizada uma alternativa efetiva tanto ao
estado mínimo neoliberal quanto à crise e desintegração do Estado no Brasil.
[...] É a realização dos direitos humanos que pode dar a medida precisa do
grau de controle que as não-elites exercem sobre as elites, requisito
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169
primordial para uma democracia que inclua todos os cidadãos (Pinheiro e
Mesquita Neto, 1998:10).
Ao mesmo tempo, nessa década inicia-se um processo de diálogo entre o
Governo Federal e algumas organizações não-governamentais e movimentos
sociais na busca de soluções para o problema da criminalidade violenta e da
impunidade nas áreas rurais e nos grandes centros urbanos do país. Esse processo
levou à cooperação entre o Governo Federal e organizações não-governamentais
na formulação de políticas de proteção e promoção dos direitos humanos no país.
A transição para a democracia e a globalização econômica, ao mesmo
tempo que contribuiu para mudar a natureza das violações dos direitos humanos,
tornou-as mais visíveis no país e no exterior. Demandas por soluções para os
problemas de direitos humanos são crescentemente dirigidas ao Governo Federal
e a governos estaduais que, em geral, encontram-se despreparados ou pouco
preparados para a formulação e implementação de políticas de direitos humanos.
Nesse contexto, as universidades, centros de pesquisa e organizações não-
governamentais, nacionais e internacionais, progressivamente assumem papel
significativo na formulação e implementação de políticas de direitos humanos,
fornecendo o conhecimento técnico e o apoio político necessários para a adoção
de medidas visando a defesa dos direitos humanos no país (Pinheiro e Mesquita
Neto, 1997:7).
Com a nova Constituição, uma nova etapa se abre para o Brasil. Na década
de 1990, no âmbito jurídico da sociedade civil em relação aos direitos humanos,
há avanços importantes. Relacionaremos a seguir as principais instituições e
documentos que, ao longo desses anos, favoreceram uma maior consolidação da
democracia em relação à temática dos direitos humanos, apesar das contradições
entre essas políticas e a lógica neoliberal que progressivamente se impõe no país.
No âmbito institucional do Estado, uma Comissão de Direitos Humanos
foi criada, em 1995, na Câmara de Deputados, juntamente com a legislação que
estabeleceu as condições para a reabilitação e a reparação financeira das vítimas
da repressão política ou de seus familiares
58
. A Comissão, subordinada ao
Ministério da Justiça, foi encarregada de analisar, caso a caso, todos os
assassinatos cometidos por motivos políticos entre setembro de 1961 e agosto de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
170
1979. Somente mais tarde, em 2002, a lei foi estendida de modo a cobrir os casos
até 1988 (Roniger e Szanajder, 2004:22). Essas iniciativas foram efetivadas pela
luta e pressão de organizações nacionais e internacionais de direitos humanos, das
famílias das vítimas da repressão política e parlamentares comprometidos com os
direitos humanos.
Uma legislação complementar levou à criação, em 1996, do Programa
Nacional de Direitos Humanos (PNDH), juntamente com a Secretaria de Estado
de Direitos Humanos
59
, que funciona principalmente como promotores da questão
dos direitos humanos na agenda nacional. Esse Programa, elaborado pelo
Ministério da Justiça em conjunto com diversas organizações da sociedade civil,
foi lançado no dia 13 de maio do mesmo ano. Depois dos planos de ação em
direitos humanos da Austrália e das Filipinas, no continente americano o Brasil
foi o primeiro país a pôr em prática a recomendação da Declaração e Programa de
Ação da Conferência sobre Direitos Humanos, promovida pelas Nações Unidas
para comemorar os 45 anos da promulgação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, realizada em 1993, em Viena (Áustria).
O Programa Nacional de Direitos Humanos tem por objetivo identificar os
principais obstáculos à promoção e proteção dos direitos humanos no Brasil,
eleger prioridades e apresentar propostas concretas de caráter administrativo,
legislativo e político-cultural que busquem equacionar os mais graves problemas
que impossibilitam ou dificultam sua plena realização.
No Programa são abordadas iniciativas legais e de políticas públicas para
remover os entraves à cidadania plena, visando proteger o direito à vida e à
integridade física; o direito à liberdade; e o direito à igualdade perante a lei, entre
outros.
O Programa contempla igualmente iniciativas que fortalecem a atuação
das organizações da sociedade civil para a construção e consolidação de uma
cultura de direitos humanos.
58
Lei 9.140/95.
59
O Decreto nº 2.193, de 7 de abril de 1997, criou a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos -
SNDH, na estrutura do Ministério da Justiça, em substituição à Secretaria dos Direitos da
Cidadania – SDC. Em 1º de janeiro de 1999, a SNDH foi transformada em Secretaria de Estado
dos Direitos Humanos - SEDH, com assento nas reuniões ministeriais. Disponível em:
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/sobre/historico/
, acessado em
18/11/2007.
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171
Esse Programa foi elaborado e lançado no contexto de um crescente
desrespeito dos direitos humanos de vários grupos sociais, em especial dos mais
vulneráveis, da população pobre e marginalizada. Tal processo, presente ao longo
da história do país, foi reforçado pelas políticas neoliberais de estabilização da
economia, que aumentaram o papel do mercado e debilitaram o papel do Estado
no atendimento das necessidades da maioria pobre da população, aprofundando as
desigualdades econômicas e sociais.
A criação do Programa Nacional de Direitos Humanos inaugurou uma
nova dinâmica na promoção dos direitos humanos no Brasil, colocando ambos os
atores – governo e sociedade civil – respeitando a mesma gramática de proteção
de direitos e articulando esforços comuns. A partir desse momento, o Programa
passou a ser um marco referencial para as ações governamentais e para toda a
sociedade, na perspectiva da construção de novos espaços de democracia, com a
afirmação de uma nova concepção de direitos humanos como um conjunto de
direitos universais e indissociáveis, que não apenas estão definidos em
constituições e leis nacionais, mas também correspondem a obrigações assumidas
em tratados internacionais ratificados pelo Congresso Nacional.
Os direitos humanos, segundo tal concepção, são direitos definidos em
tratados internacionais que os Estados estão obrigados a garantir não apenas nas
suas relações com outras nações mas também nas relações com a sociedade e com
os indivíduos e coletividades dentro do seu próprio território (Pinheiro, 2007:1).
Outro espaço significativo em relação ao tema dos direitos humanos,
construído ao longo desses anos, são as conferências nacionais, promovidas pela
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. A primeira
conferência
60
foi realizada em Brasília, em 1996, dentro do processo de elaboração
60
Nos dias 26 e 27/4/1996, por iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, em Brasília. Essa
conferência, organizada em colaboração com o Fórum das Comissões Legislativas de Direitos
Humanos, Comissão de Direitos Humanos da OAB, Federação Nacional de Jornalistas,
Movimento Nacional Direitos Humanos, Instituto de Estudos Sócio-Econômicos e Conselho
Indigenista Missionário, discutiu a mesma versão sintetizada enviada aos ministérios do Governo
Federal. A conferência foi organizada em torno de oito grupos temáticos: crianças e adolescentes;
justiça; segurança pública; neoliberalismo; sistema penitenciário; segmentos vulneráveis; reforma
agrária e reforma urbana; meios de comunicação; eles apresentaram sugestões e propostas
posteriormente encaminhadas ao Governo Federal para serem analisadas e incorporadas ao
programa. (Mesquita Neto, P. Programa Nacional de Direitos Humanos: continuidade ou
mudança no tratamento dos direitos humanos.
http://www.cjf.gov.br/revista/numero1/mesquita.htm
, acessado em 7/1/2008.
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172
do Primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos. Atualmente está em preparação a
XI Conferência Nacional
61
, que será realizada em dezembro de 2008 e terá como
objetivo avaliar e atualizar o Programa Nacional de Direitos Humanos, o que
significa construir as bases para a Política Nacional de Direitos Humanos e a
agenda de luta pela promoção e garantia dos direitos nos próximos anos.
A criação da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, em 1999, no
âmbito do Ministério da Justiça, possibilitou maior engajamento e
responsabilidade do Governo Federal em ações voltadas para a proteção e
promoção de direitos humanos.
O PNDH, sem abdicar da compreensão integral e indissociável dos direitos
humanos, conferiu maior ênfase à garantia e proteção dos direitos civis e políticos.
Nesse sentido, o processo de revisão do PNDH constituiu um novo marco na
promoção e proteção dos direitos humanos no país. O programa, em sua segunda
versão, inclui os direitos econômicos, sociais e culturais com o mesmo patamar de
importância que os direitos civis e políticos, atendendo a reivindicações
formuladas por movimentos da sociedade civil organizada.
Na década atual, a tensão entre crescimento econômico e desenvolvimento
social continua forte e alicerçada no modelo econômico implantado no país, com
a implementação, ao mesmo tempo, de políticas compensatórias para as classes
populares. Embora tendo diminuído um pouco o índice de exclusão, os níveis de
desigualdade e de concentração de renda permanecem escandalosos no país.
Martins (2007) caracteriza esse momento da política econômica do Brasil,
referindo-se ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em relação às tensões
enfrentadas entre diferentes opções e modelos que colocam em questão as
políticas sociais, o combate à pobreza, a recuperação do setor industrial e do
desenvolvimento e a política externa, que se tornam objetivos condicionados às
metas de estabilidade macroeconômica:
Esta tensão entre as agendas social, externa e de recuperação do
desenvolvimento, de um lado, e o enfoque ortodoxo sobre a inflação, de
outro, que destina os superávits fiscais e comerciais para financiar os juros e
serviços do endividamento, constitui uma importante dimensão do governo
Lula. Entretanto, cumpre ressaltar a contradição entre esta gestão que limita
61
http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4078&Itemid=1,
acessado em 7/1/2008.
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o crescimento econômico e o ambiente internacional que o estimula. Isto
está na base das medíocres taxas de crescimento exibidas pelo Brasil em
relação ao desempenho da economia mundial, sobretudo desde 1994, quando
o diferencial de crescimento amplia-se ou, mais recentemente, em relação à
própria América Latina. Longe de ser adequada às tendências mais
dinâmicas do capitalismo mundial, estas políticas atendem, sobretudo, às
determinações internas de poder controladas pela grande burguesia e as
elites locais (Martins, 2007:1).
Em relação à tensão entre o papel do Estado e a sociedade civil, o Brasil
do final da década dos 1990 e da década atual apresenta um cenário de
diversificação e de transformação dos movimentos sociais que lutam pela
mudança, pela inclusão social, econômica, política e cultural, pelos direitos de
identidade e plena cidadania. Através das mais variadas formas de resistência,
reivindicações e iniciativas concretas, vão se delineando novos caminhos para um
país democrático e justo, não apenas nas intenções, mas especialmente nas
diferentes práticas sociais que compõem o cotidiano dos diferentes grupos da
sociedade brasileira.
Nesse sentido, a luta “pelo direito a ter direitos” (Hannah Arendt) dos
movimentos sociais se revelou uma luta política contra uma cultura difusa do
autoritarismo social, estabelecendo as bases para que vários movimentos
estabelecessem conexão entre cultura e política como constitutivas de sua ação
coletiva. Essa conexão constitui um elemento fundamental para o estabelecimento
de um campo comum de articulação entre os diferentes movimentos, como os
étnicos, de mulheres, de homossexuais, ecológicos, de defesa dos direitos das
crianças e adolescentes, pela reforma agrária, na busca de relações mais
igualitárias em todos os níveis, ajudando a demarcar uma visão mais ampliada de
democracia, reconfigurando também a própria noção de cidadania (Dagnino,
2000:83).
No âmbito do Estado, as políticas públicas no campo das compensações e
reparações apresentaram progressos significativos durante a presidência de
Fernando Henrique Cardoso. Em 2001 foi promulgado um decreto presidencial
62
que regulamenta a reparação econômica para os presos políticos que sofreram
tortura e outras formas de violações de direitos humanos. A reparação financeira
constitui um importante indicador do reconhecimento da responsabilidade do
62
Medida Provisória número 2.151.
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174
Estado na violação de direitos civis e políticos durante a ditadura militar.
No ano de 2002, foi lançado o Programa Nacional de Direitos Humanos II
(PNDH II), que incorpora ações específicas no campo de garantia do direito à
educação, à saúde, à previdência e assistência social, ao trabalho, à moradia, a um
meio ambiente saudável, à alimentação, à cultura e ao lazer, assim como apresenta
propostas voltadas para a educação e sensibilização de toda a sociedade com
vistas à consolidação e construção de uma cultura de respeito aos direitos
humanos (PNDH II, 2002:3).
No ano de 2003, já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, é criada a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos
63
, órgão da Presidência da República
que trata da articulação e implementação de políticas públicas voltadas à proteção
e promoção dos direitos humanos.
Nesse mesmo ano, essa Secretaria instituiu o Comitê Nacional de
Educação em Direitos Humanos
64
, que reúne especialistas da área e tem por
função elaborar a primeira versão do Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos (PNEDH), já referido anteriormente.
A partir do PNEDH, fica mais fácil visualizar como a sociedade civil,
organizações governamentais e não-governamentais, organismos
internacionais, universidades, escolas de educação infantil, do ensino
fundamental e médio, mídia e instituições do sistema de segurança e justiça
podem contribuir na construção de uma cultura voltada para o respeito aos
direitos fundamentais da pessoa humana (PNEDH, 2003:5).
Os organismos e documentos referidos até aqui se situam na área da
promoção e defesa dos direitos de igualdade, promovidos a partir de uma política
pública no contexto de redemocratização do país. No entanto, um dos avanços
mais significativos dos últimos anos, diz respeito a políticas públicas centradas
nos direitos à diferença. Assinalamos sinteticamente, as principais iniciativas
nessa perspectiva.
O Programa Nacional de Ações Afirmativas
65
, sob a coordenação da
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, foi lançado
63
Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003.
64
Portaria 66 de 12 de maio de 2003 da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
65
Decreto número 4.228, de 13 de maio de 2002.
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175
no ano 2002. Esse Programa contempla, entre outras medidas administrativas e de
gestão estratégica, as seguintes ações:
observância, pelos órgãos da Administração Pública Federal, de requisito
que garanta a realização de metas percentuais de participação de afro-
descendentes, mulheres e pessoas com deficiências no preenchimento de
cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores;
estimular o desenvolvimento de ações de capacitação com foco nas
medidas de promoção da igualdade de oportunidades e de acesso à
cidadania;
promover a sensibilização dos servidores públicos para a necessidade de
proteger os direitos humanos e eliminar as desigualdades de gênero e raça
e as que se vinculam às pessoas com deficiências;
articular ações e parcerias com empreendedores sociais e representantes
dos movimentos de afro-descendentes, de mulheres e de pessoas com
deficiências (Programa Nacional de Ações Afirmativas, 2002:1-3).
Outro órgão importante é a Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres
66
, criada para desenvolver ações conjuntas com todos os ministérios e
secretarias especiais, tendo como desafio a incorporação das especificidades das
mulheres nas políticas públicas e o estabelecimento das condições necessárias
para sua plena cidadania. O interesse por um espaço específico no âmbito
governamental para a problemática das mulheres como sujeito de direito surge em
1985, com a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher posteriormente
transformado em Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM),
contando esta última, em sua composição, com representantes da sociedade civil e
do governo, o que amplia o processo de controle social sobre as políticas públicas
para as mulheres
67
.
Outro importante espaço de governo para a promoção e afirmação dos
direitos da diferença é a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial (Seppir), em 21 de março de 2003
68
. A data é emblemática
66
A Secretaria foi criada através da Medida Provisória 103, no primeiro dia do governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
67
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/sobre, acessado em 18/11/2007.
68
Medida provisória nº 111.
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176
em todo o mundo, pois nela celebra-se o Dia Internacional pela Eliminação da
Discriminação Racial. A criação da Secretaria supõe o reconhecimento das lutas
históricas do Movimento Negro Brasileiro. A missão da Seppir é promover
iniciativas contra as desigualdades raciais no país.
Essa secretaria utiliza como referência política o programa Brasil sem
Racismo, que abrange a implementação de políticas públicas nas áreas do
trabalho, emprego e renda; cultura e comunicação; educação; saúde, terras de
quilombos, mulheres negras, juventude, segurança e relações internacionais. A
criação da Seppir reafirma o compromisso com a construção de uma política de
governo voltada aos interesses reais da população negra e de outros segmentos
étnicos discriminados.
O Plano de Ação aprovado na Conferência contra o Racismo, a
Discriminação Racial, a Xenofobia e formas correlatas de intolerância, realizada
em 2001, em Durbam (África do Sul), além de fortalecer o processo político para
a criação da Seppir, tornou-se uma referência importante e incide nas linhas de
atuação da Secretaria, órgão de assessoramento direto e imediato da Presidência
da República na coordenação de políticas para a promoção da igualdade racial
69
.
Concluindo este ítem, podemos afirmar que o Brasil avançou
significativamente na promoção e proteção dos direitos humanos. Os diferentes
instrumentos jurídicos criados possibilitaram sistematizar demandas da sociedade
civil com relação ao tema, assim como identificar alternativas para a solução de
problemas estruturais, subsidiando a formulação de políticas públicas e
fomentando a criação de programas e órgãos concebidos sob a ótica da promoção
e garantia dos direitos humanos. No entanto, a realidade do país continua
contraditória, e a luta pelos direitos humanos – individuais e coletivos – continua
colocando-se como necessária e legítima na conjuntura atual. Apesar dos avanços
e conquistas referidas, torna-se fundamental estar atento para o risco de
metamorfose dessa luta a fim de se adequar às exigências do projeto
neoconservador e neoliberal, contribuindo dessa forma para o fortalecimento de
uma cidadania de baixa intensidade, em lugar da afirmação de políticas que
aprofundem a democracia participativa e inclusiva.
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177
5.2
Educação em/para os direitos humanos no Brasil
Embora a educação em/para os direitos humanos, como já referimos, tenha
aproximadamente vinte anos de existência no continente e no Brasil, ainda existe
muito pouco material bibliográfico que sistematize sua evolução.
O trabalho mais consistente, como já mencionamos, é o realizado pela
professora Vera Maria Candau (2000:92) na publicação do Instituto Interamericano
de Direitos Humanos, que situa esse processo desde os anos 1980 até o final da
década de 90. Outra referência que consideramos de especial relevância é o trabalho
da professora Aída Monteiro (2005:5) em que situa o percurso da educação em
direitos humanos no país identificando quatro fases de seu processo histórico. Para
nossa sistematização do percurso da educação em direitos humanos no país
tomaremos como base as etapas identificadas por esta autora.
A primeira fase identificada por Monteiro corresponde às décadas de 1960
e 70, denominada por ela de ativismo político, porque a “educação [em direitos
humanos] era feita na clandestinidade, de forma espontaneísta e com base no
senso comum”.
No período de ditadura, de fechamento político, era muito difícil desenvolver
e explicitar práticas educativas que procurassem romper o modelo de Estado
autoritário. Nesse sentido, as iniciativas ficavam praticamente na clandestinidade.
Nesse mesmo período, foram criadas as disciplinas Educação Moral e
Cívica, Organização Social e Política do Brasil
70
, obrigatórias no então
denominado Ensino de 1º, 2º e 3º Graus, com o objetivo de reforçar a ideologia da
segurança nacional e a manutenção do modelo de Estado autoritário vigente.
As organizações da sociedade civil foram as que mais contribuíram para o
trabalho educativo, com um papel preponderante no processo de resistência e de
luta para a reconquista dos direitos civis e políticos.
A grande luta era em defesa dos presos políticos e a denúncia das violações
aos direitos humanos, o que de certa forma forjava uma educação voltada para
a conscientização dessas violações e da necessidade de mudança do regime
69
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/seppir, acessado em 18/11/2007.
70
Lei de Diretrizes e Bases Nacionais 5.692, de 1972.
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178
autoritário e da defesa da soberania nacional em relação à dependência
político-ideológica e econômica dos Estados Unidos (Monteiro, 2005:6).
Esse processo contou com o apoio importante de profissionais da área
artística, ligados à música, ao teatro, a literatura, assim como também da ala da Igreja
Católica mais progressista, especialmente das Comissões de Justiça e Paz –
particularmente a da Arquidiocese de São Paulo –, a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), instituições científicas (a
exemplo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC e a Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), entre outras.
Parece-nos que essa fase, de grande importância, ainda não pode ser
considerada propriamente como promotora da educação em direitos humanos. Sua
preocupação básica era a denúncia e proteção desses direitos, fundamentalmente
das vítimas da repressão, tortura e outras violações provocadas pelo governo
ditatorial e autoritário. Falar de educação em/para os direitos humanos significa
reconhecer a existência de intencionalidade, princípios, fundamentos teóricos-
metodológicos, práticas que a configuram, que, a nosso juízo, ainda não existiam
nesse período e que, como referimos nos capítulos anteriores, começam a ser
configuradas a partir da segunda metade dos anos 1980 no Brasil e em outros
países latino-americanos.
A segunda fase do desenvolvimento da educação em/para os direitos
humanos identificada por Monteiro se situa no processo de transição política e de
redemocratização do país. Nela, as organizações da sociedade civil redirecionam
suas ações, centrando a atuação em relação à reparação, pelo Estado brasileiro,
das violações e na sua responsabilização pelas mesmas.
Nesse contexto de transição democrática, de busca da construção de um
novo Estado de direito e de preocupação com a construção de uma nova cultura
política e uma cidadania ativa profundamente atravessada pelo reconhecimento
dos direitos humanos, surgem as primeiras experiências de educação em/para os
direitos humanos propriamente ditas.
Em 1985, vários profissionais, principalmente da área de Direito,
participaram como bolsistas do 3º Curso Interdisciplinar de Direitos Humanos
promovido pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos, na Costa Rica.
Esses profissionais eram oriundos de diferentes regiões do Brasil e, uma vez de
volta ao país, constituíram um núcleo, coordenado por João Ricardo Dornelles,
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179
professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, que deu origem às primeiras experiências de educação
em direitos humanos. Essas experiências serão descritas com mais detalhes no
item seguinte deste capítulo pelos próprios participantes entrevistados.
Interessa-nos destacar aqui que, a partir dessa experiência, foram várias as
iniciativas realizadas nesse período em que se procurou trabalhar numa perspectiva
de construção de uma rede que, além dos trabalhos realizados em diferentes partes
do país, estabelecesse relações também com organizações e profissionais de países
do Cone Sul onde também se desenvolvia o projeto, como Argentina e Uruguai.
Com apoio do IIDH, foram realizadas diferentes atividades, como cursos e
seminários em várias cidades do país, muitas das quais com o apoio de secretarias
estaduais e municipais de Justiça e Cidadania e Educação e universidades, tanto no
âmbito da graduação quanto de pós-graduação. Também foram realizadas
atividades como cursos, seminários, oficinas, encontros, mesas-redondas,
promovidas por sindicatos e organizações não-governamentais orientadas para
professores de Ensino Fundamental e Médio, líderes comunitários, organizações
populares e outros agentes sociais. Livros, cartilhas e outros materiais de apoio para
essas diferentes estratégias foram publicados (Candau, 2000:94).
No final da década de 80, com os governos eleitos através de eleições
diretas, esse processo se fortalece. Destacamos como experiências significativas
desse período as mencionadas por Candau (ibedem). Essas experiências
apresentam elementos comuns mas utilizam enfoques, metodologias e materiais
diferenciados. São as seguintes:
o trabalho promovido pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São
Paulo, de 1986 a 1992, através de seu projeto de educação em direitos
humanos, assim relembrado por Fester (2005:214), um dos especialistas
responsáveis por seu desenvolvimento:
na verdade, o Projeto Educação em Direitos Humanos, no meu entender,
chegou à Comissão por três vias que se encontraram, confrontaram e
sintetizaram. De um lado, Margarida Genevois, que, em viagem ao Uruguai
e em contato com o Serpaj, conheceu o Projeto de Educação desenvolvido
pelo jesuíta Luis Pérez Aguirre. De outro, Belisário dos Santos Júnior, que,
por força de seus trabalhos na América Latina, entrou em contato com o
Instituto Interamericano de Direitos Humanos, sediado na Costa Rica, em
especial com Letícia Olguín. E, finalmente, Marco Antonio Rodrigues
Barbosa, que contatou pessoalmente Paulo Freire, que se tornou um
colaborador precioso e um interlocutor sempre presente.
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180
Entre 1989 e 1992, o Projeto Educação em Direitos Humanos integrou o
Movimento de Reorientação Curricular (MRC) proposto pelo então secretário de
Educação do Município de São Paulo, o educador Paulo Freire. Esse projeto
trabalhava a educação em direitos humanos na perspectiva da educação
libertadora e problematizadora freiriana, enfatizando a utilização de temas
geradores e a perspectiva interdisciplinar;
de 1987 a 1991, no segundo governo de Miguel Arraes no Estado de
Pernambuco, o Projeto Escola Pública, Direitos Humanos e Conquista
Coletiva da Cidadania, desenvolvido com o objetivo de formar o cidadão
crítico, reflexivo, autônomo e capaz de interferir na sociedade em que
vive, pretendia abarcar a rede pública estadual, transformar a escola e
repensar o papel político-pedagógico dos educadores na perspectiva da
conquista coletiva dos direitos humanos;
a experiência, no Estado do Paraná, desenvolvida pelo Centro Heleno
Fragoso, a partir de 1987, promoveu atividades de educação em direitos
humanos nas áreas periféricas e/ou junto a diferentes organizações da
sociedade civil, na perspectiva da educação não-formal e, na década de 90,
no âmbito da educação formal, em parceria com a Coordenadoria de
Direitos Humanos da Secretaria Estadual de Educação e Justiça, através de
um projeto dirigido aos docentes da Rede Pública Estadual;
os trabalhos promovidos na área de educação em direitos humanos pelo
Movimento Justiça e Direitos Humanos (MJDH), sediado em Porto
Alegre, a partir de 1987, tanto na perspectiva da educação não-formal,
quanto em relação às redes de ensino público, municipal e estadual; foram
desenvolvidos no município de Porto Alegre e em outros municípios do
Estado do Rio Grande do Sul, envolvendo também escolas particulares;
as diferentes atividades promovidas no Estado de Paraíba, tanto na educação
não-formal como formal, a partir dos anos 1980 até hoje, envolvendo a
Universidade Federal da Paraíba, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
do Homem e do Cidadão e diferentes organizações da sociedade civil
71
.
Pode-se afirmar que os diferentes grupos partiam da forte convicção
71
ZENAIDE, M. N. T. (Org). Relatório Experiências de Educação em Direitos Humanos na
Paraíba. João Pessoa, sem data.
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181
militante de que era necessário construir a partir do cotidiano uma cultura dos
direitos humanos, afetar as mentalidades em profundidade e criar novas práticas
sociais para viabilizar a construção da democracia no país. Nesse sentido, o papel
da educação era visto como fundamental, como destaca Belisário dos Santos
Júnior em entrevista tendo em vista a reconstrução da trajetória da Comissão
Justiça e Paz de São Paulo:
[...] no início dos anos 1980 isso é muito sintomático [as pessoas estavam
impregnadas da necessidade], de passar do ativismo dos direitos humanos para
uma formação teórica consistente, necessidade da educação em direitos
humanos. Então, não bastava transmitir uma consciência de direitos humanos
pela militância, você precisava trabalhar a consciência (Fester, 2005:215).
É importante ter presente que nesse período foi promulgada a Constituição
Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), instrumentos
jurídicos fundamentais para a promoção e garantia dos direitos humanos.
A continuidade dos trabalhos foi um dos grandes desafios enfrentados no
final desse período, pois muitas iniciativas recebiam financiamento externo e este
foi sendo progressivamente retirado.
Apesar dessa realidade, a década de 1990, identificada por Monteiro como a
terceira fase do desenvolvimento da educação em direitos humanos, pode ser
caracterizada como a da expansão da educação em direitos humanos. Nesse
período, como já fizemos referência neste capítulo, foi elaborado o Programa
Nacional de Direitos Humanos e criada a Secretaria de Direitos Humanos,
vinculada ao Ministério da Justiça, que se constituíram em referências importantes
para essa expansão. A formação dos militantes, promotores e educadores/as de
direitos humanos, promovida pelo Governo Federal através da oferta de cursos em
níveis e instâncias variadas da sociedade, é também uma característica dessa etapa.
Candau (2000) identifica nessa década dois movimentos que se entrelaçam
em algumas iniciativas. O primeiro se situa na perspectiva da continuidade e
ampliação do realizado na década anterior; o segundo se especifica pela
incorporação de novos atores, particularmente do Governo Federal, ao qual se
incorporam, em alguns de seus órgãos, profissionais oriundos de organizações e
grupos antes mencionados, como a Comissão Justiça e Paz de São Paulo.
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182
No que se refere ao primeiro movimento, é possível afirmar que, depois de
uma pequena etapa de dispersão e falta de possibilidade de maior comunicação, os
principais atores da década dos 80 começam a tentar se rearticular. Nesse sentido,
em 1994, é realizado no Rio de Janeiro um seminário sobre Educação em Direitos
Humanos que foi o embrião do que no ano seguinte daria origem à Rede
Brasileira de Educação em Direitos Humanos. Essa iniciativa surgiu da
articulação de várias entidades; seu objetivo era estimular e fortalecer ações nessa
área. Aprofundaremos a análise dessa iniciativa no próximo item. Neste momento
nos limitamos a mencioná-la.
É impossível abarcar todas as experiências que se desenvolveram no país na
década de 1990. No entanto, gostaríamos de destacar que nesse período também
foram criadas algumas instituições e organizações não-governamentais que
permanecem até o momento presente com incidência significativa e amplo
reconhecimento pelos profissionais da área.
Destacamos em primeiro lugar a DHNET – Rede de Direitos Humanos e
Cultura
72
, de 1995, com sede em Natal (Rio Grande do Norte), que desenvolve
trabalhos de forma virtual e tem como objetivo fomentar uma nova cultura de
respeito aos direitos humanos, através de ações de mobilização, produção de
materiais audiovisuais e capacitação.
Outra iniciativa foi a criação da Novamerica
73
, no Rio de Janeiro, em 1991,
que promove um programa intitulado Direitos Humanos, Educação e Cidadania,
que desenvolve sua atuação no âmbito da educação formal e não-formal, na
formação de professores/as das redes pública e privada de ensino, assim como
lideranças comunitárias – promotores populares. Realiza também pesquisas nessa
área, elabora diferentes tipos de materiais pedagógicos e promove, desde 1999, o
Movimento de Educadores/as em/para os Direitos Humanos (MEDH). Essa
organização participa de diferentes redes sobre essa temática formadas por
organizações de diferentes países do continente latino-americano.
72
www.dhnet.org.br.
73
www.novamerica.org.br.
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183
Uma terceira iniciativa que consideramos importante mencionar é a Ação
Educativa
74
, organização sediada em São Paulo, fundada em 1994, com a missão
de promover o direito à educação e os direitos da juventude, tendo em vista a
justiça social, a democracia participativa e o desenvolvimento sustentável. Sua
área de Educação combina a atuação junto a escolas e programas educacionais à
intervenção nas políticas públicas.
A Fase
75
é uma quarta organização que destacamos; fundada em 1961,
tem por objetivo contribuir para a construção de uma sociedade democrática e
realiza programas sobre direito à segurança alimentar; direito à cidade; direito ao
trabalho e à economia popular e solidária e, desde 2004, organiza em sua sede do
Rio de Janeiro o Projeto DESC, com o propósito de difundir os direitos
econômicos, sociais e culturais e, principalmente, a sua exigibilidade.
No que diz respeito ao segundo movimento referido por Candau,
destacamos a significativa entrada do Governo Federal no cenário da educação em
direitos humanos.
Nessa perspectiva, nos referiremos em primeiro lugar, à formulação, por
parte do Ministério de Educação, dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Básico.
Nos anos 1990, o movimento de reforma curricular promovida por
diferentes organismos internacionais e incorporado pelos diferentes países latino-
americanos assume a preocupação por uma educação para a democracia e os
direitos humanos. Trata-se de um movimento articulado com os processos mais
amplos da transformação estrutural neoliberal pela qual passa o continente.
No Brasil, a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais pode ser
colocada nesse contexto. Sua elaboração se apóia na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996), que afirma no seu artigo 22 que a Educação Básica, da
qual o Ensino Fundamental é parte integrante, deve assegurar a todos “a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores”.
Os Parâmetros foram publicados em 1997, com caráter de referência
nacional para o Ensino Fundamental e orientador das diferentes ações políticas do
74
www.acaoeducativa.org.br.
75
www.fase.org.br.
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184
Ministério de Educação. Na reformulação curricular proposta, destacamos a
organização do conhecimento escolar em áreas e temas transversais.
Estes temas são propostos na perspectiva da educação para a cidadania,
como estratégia de introdução, na escola, das demandas da sociedade,
incorporando na sua dinâmica questões que fazem parte do cotidiano dos/as
alunos/as. Nessa perspectiva, os Parâmetros Curriculares Nacionais privilegiam os
princípios de “dignidade da pessoa humana”, que implica o respeito aos direitos
humanos; “igualdade de direitos”, que supõe o princípio de eqüidade;
“participação” como princípio democrático; e “co-responsabilidade pela vida
social”, que implica parceria entre os poderes públicos e os diferentes grupos
sociais na construção da vida coletiva.
Os critérios utilizados para definir os temas transversais propostos foram:
urgência social, abrangência nacional, possibilidade do ensino e aprendizagem no
Ensino Fundamental e favorecer a compreensão da realidade e a participação
social. Os temas escolhidos foram os seguintes: ética, pluralidade cultural, meio
ambiente, saúde, orientação sexual; é sugerida também a introdução de temas
locais. Nessa concepção, os conteúdos não devem ser trabalhados como uma
disciplina, mas como eixos transversais ao currículo escolar.
Em 1998, complementando os Parâmetros Curriculares Nacionais, foi
publicado o Referencial Curricular Nacional para Escola Indígena (RCNEI). O
objetivo do Referencial é oferecer, através de pontos comuns encontrados em
meio à diversidade das culturas indígenas, subsídios e orientações para a
elaboração de programas de educação escolar que melhor atendam às
comunidades. É uma proposta pedagógica de ensino-aprendizagem que valoriza a
educação intercultural e bilíngüe.
É importante assinalar que a distância entre os marcos jurídicos de
proteção e promoção dos direitos humanos e a contínua e permanente realidade de
violações aos direitos humanos continua motivando, no âmbito nacional e
internacional, uma constante produção jurídica de diferentes instrumentos, como
declarações, pactos, leis e outros documentos. No capítulo correspondente já
fizemos menção a essa produção. Neste item só vamos relembrar alguns deles,
produzidos e assinados pelo governo brasileiro nesta década e na década seguinte,
como a Declaração e o Programa de Ação de Viena (1993), que enfatizaram a
importância de incorporar o conteúdo dos direitos humanos nos programas
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
185
educacionais; a Declaração de Mérida (Venezuela, 1997), que destacou a
promoção e o fortalecimento de programas de formação para a cidadania e
educação para a democracia; o documento final da Conferência de Durban contra
o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e formas correlatas de intolerância
(2001), que contempla a educação em direitos humanos; o documento da Unesco
que estabelece a Década das Nações Unidas para a Educação em Direitos
Humanos e para uma Cultura de Paz (1995-2004); sendo esta referendada na
Declaração do México sobre Educação em Direitos Humanos na América Latina
e o Caribe (2001), que concebe a educação em direitos humanos centrada nos
sujeitos individuais e coletivos e reforça a universalidade e a indivisibilidade.
Esses documentos são antecedentes e sustento do Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos, do Governo Federal, elaborado na década do 2000 já no
período atual, considerado por Monteiro como o passo à quarta fase.
Esta fase é chamada, pela referida autora, “da profissionalização e
valorização da educação em direitos humanos”.
Uma característica da década de 2000, em relação com a educação em
direitos humanos, que teve sua origem no final dos anos 90, é a dificuldade de se
fazer um recorte, uma delimitação clara entre as iniciativas da sociedade civil e as
governamentais. Esse período se configura mais pelas ações conjuntas, as
parcerias e as associações entre ambas as esferas.
Destacamos algumas iniciativas que, a nosso juízo, são particularmente
relevantes neste período. Nesse caminho de construção de uma cultura dos
direitos humanos, um espaço a ser destacado é o da universidade. A partir da
segunda metade da década de 1990 e especialmente nestes últimos cinco anos,
foram sendo ampliadas as propostas e experiências de cursos de direitos humanos
e de educação em direitos humanos no âmbito dos cursos de graduação, pós-
graduação, especialização e extensão universitária. Nesse sentido, assinalamos
algumas experiências:
o curso de Especialização em Direitos Humanos, pós-graduação
lato sensu, promovido pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes da Universidade Federal da Paraíba, criado em 1995. Esse
curso, de caráter interdisciplinar, inclui um componente de
educação em direitos humanos, e foi o primeiro dessa natureza
realizado por uma universidade pública;
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186
a introdução de disciplinas sobre educação em direitos humanos
nos cursos de licenciatura em geral e no curso de Pedagogia.
Citamos como exemplos a experiência do Departamento de
Educação da PUC-Rio, que foi um dos primeiros a introduzir a
disciplina como eletiva no curso de Pedagogia e nos cursos de pós-
graduação, mestrado e doutorado, assim como de iniciativas na
mesma direção realizadas pela Universidade de São Paulo e a
Universidade Federal de Pernambuco, entre outras;
a criação da Cátedra Unesco de Educação para a Paz, os Direitos
Humanos e Tolerância
76
, em 1996, na Universidade de São Paulo,
a primeira em língua portuguesa;
a experiência recente da fundação da Associação Nacional de Direitos
Humanos – Pesquisa e Pós-graduação – (ANDHEP), no ano de 2003.
Sua finalidade principal é contribuir para a formação de uma
comunidade de pesquisadores especializados em direitos humanos,
seguindo o modelo de outras associações científicas similares. Possui
uma área específica de educação em direitos humanos.
No campo da Educação Básica são desenvolvidas experiências nos
sistemas de ensino, em muitos casos assessoradas por ONGs, assim como por
iniciativas de profissionais preocupados com a educação voltada para os direitos
humanos, ou através de políticas governamentais, como a Lei nº 10.639, de 2003,
sobre a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e a
elaboração do Programa Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na
sociedade. Esse programa foi promovido pelo Ministério da Educação e a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos no ano de 2004 com o objetivo de
“aprofundar ações educativas que levem à formação ética e moral da comunidade
escolar e está voltado para os alunos matriculados nas escolas de Ensino
Fundamental e Médio do país”
77
.
76
http://www.unesco.org.br/areas/dsocial/areastematicas/direitoshumanos/catedradoc/mostra_docu
mento. Acessado em 22/01/2008.
77
BRASIL. Ministério da Educação. Programa Ética e Cidadania. Secretaria de Educação Básica.
Brasília, 2004.
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187
Ainda são pouco numerosas as iniciativas na área de formação continuada
de professores/as. No entanto, nos últimos anos esse trabalho vem sendo
fortalecido através de parcerias entre agências governamentais, universidades e
ONGs. Multiplican-se os cursos, seminários e a produção acadêmica e pedagógica
para a formação de professores/as e para trabalhar na escola direitos específicos,
como direitos ambientais, direito à saúde, direitos das crianças e adolescentes e
direitos das mulheres, entre outros.
Na área da educação não-formal também é rica a oferta de possibilidades
de formação e materiais produzidos por diferentes instituições da sociedade civil,
entre eles o Movimento Nacional de Direitos Humanos, em muitas ocasiões
também em parceria com os órgãos governamentais, focalizando direitos
específicos. Nesse aspecto convém ressaltar a preocupação com a formação dos
policiais na área de direitos humanos, dado o aumento da violência no país.
Um espaço também importante para a educação em direitos humanos é o
que se refere à aglutinação, associação e articulação de forças interinstitucionais.
Diferentes redes, foros e movimentos surgiram nesta última década, promovidos
por iniciativas de instituições da sociedade civil e, em algumas ocasiões,
juntamente com organismos governamentais.
Também no âmbito da educação não-formal, têm se desenvolvido
diferentes campanhas educativas, com temas como: desarmamento; violência
urbana; violência doméstica; paz; racismo; discriminação étnica, de gênero e
sexual; trabalho infantil, turismo sexual e exploração de crianças e adolescentes;
deficientes etc. Essas campanhas podem ser de âmbito local, regional ou nacional.
Em muitas ocasiões, são veiculadas por meios de comunicação social como a
televisão e o rádio e produzem significativo impacto social.
Não podemos deixar de mencionar também todos os trabalhos e esforços
realizados pelos diferentes movimentos sociais em defesa de direitos específicos e
na luta pela inclusão social e nas políticas públicas, com diferentes tipos de
impacto e conquistas.
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188
Para finalizar, queremos salientar a relevância da criação, por parte do
Governo Federal, do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos
78
, que
reúne especialistas da área com diversas atribuições, uma das quais a elaboração do
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, atualmente em sua segunda
versão (2006). No primeiro PNEDH, afirma-se que o governo, responsável por sua
elaboração criou o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, que tem
como prioridade e eixo fundamental das políticas públicas a educação em direitos
humanos (PNEDH, 2003:6). A citação expressa esse compromisso:
o quadro grave de violações somente será alterado se conseguirmos formar
cidadãos mais conscientes de seus direitos, dos meios para a sua proteção e
voltados para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e da cultura
da paz (PNEDH, 2003:6).
Apesar de todos os avanços realizados no tema da educação em/para os
direitos humanos, tanto por parte das políticas públicas como pela sociedade civil
organizada, estes continuam sendo frágeis, tanto do ponto de vista de provocar
uma mudança de mentalidades centrada na construção de uma cultura impregnada
pelos direitos humanos quanto pela abrangência do próprio trabalho, que ainda
atinge somente alguns segmentos da população, por mais estratégicos que possam
ser considerados.
O que foi abordado até este momento neste capítulo nos coloca no cenário
em que foram realizadas as entrevistas com os profissionais selecionados sobre a
educação em/para os direitos humanos no Brasil na pesquisa de campo, que
apresentamos no próximo item.
5.3
O significado da educação em/para os direitos humanos: a ótica dos
atores
Neste item apresentamos a análise da perspectiva dos/as entrevistados
sobre a realidade da luta pelos direitos humanos no país, assim como a evolução
da educação em/para os direitos humanos durante o período histórico focalizado.
78
Instituído pela Portaria 66 de 12 de maio de 2003, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
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189
5.3.1
Direitos humanos: “um terreno em que vamos trabalhar sempre”
O grupo de entrevistados/as do Brasil é composto por oito especialistas,
quatro mulheres e quatro homens, com idades entre 48 e 80 anos. Um dos/as
entrevistados/as nasceu na década de 1920-1929; dois entre 1940-1949; e cinco
entre 1950-1959. São todos/as profissionais com formação universitária, com
graduação nas áreas de Ciências Humanas (Pedagogia, Letras e Psicologia) e
Ciências Sociais (História, Direito, Ciências Sociais e Sociologia e Política). Dois
possuem mestrado, um em Letras e outro em Serviço Social; este atualmente está
realizando o doutorado em Educação; cinco possuem doutorado em Educação,
Sociologia, História, Serviço Social e Ciências Políticas.
A origem do grupo é também variada abrangendo o Estado do Rio Grande
do Sul (1), o Estado de São Paulo (3), o Estado do Rio de Janeiro (2), o Estado de
Pernambuco (1) e o Estado da Paraíba (1). Todos/as possuem ampla trajetória de
envolvimento e militância na área de direitos humanos.
No caso brasileiro, não foi possível manter um de nossos critérios de
seleção, correspondente à primeira e segunda geração de profissionais do campo.
Neste caso, todo o grupo se situa na primeira geração, tendo iniciado sua trajetória
na educação em/para os direitos humanos na década de 1980; alguns já eram
militantes em direitos humanos antes mesmo dessa década. Foram poucos os
profissionais que identificamos como da segunda geração da educação em/para os
direitos humanos no país, levando-se em consideração o fato de evidenciarem um
reconhecido protagonismo na área. Optamos por não incluí-los em razão de quase
todos manterem vínculos de relação pessoal e/ou profissional com a pesquisadora.
Entre os/as entrevistados/as, a metade identificou a origem do interesse pelo
tema da educação em/para os direitos humanos a partir da influência familiar, na
figura materna ou paterna, através da profissão ou da sensibilidade social,
reconhecendo que na época não era utilizada nem conhecida a expressão
educação em direitos humanos.
Os seguintes depoimentos são bastante significativos e explicitam essa
realidade:
A educação é algo que eu já nasci nesse meio, porque minha mãe era
professora, minha avó também, então era uma família de professores. (...)
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190
Direitos humanos também foi algo que nasceu no berço, apesar de que na
época não se usava essa expressão, porque minha mãe era uma pessoa com
uma capacidade enorme de indignação. Por outro lado, como eu sou de
origem alemã por parte de pai, eu tive parentes que sofreram as
conseqüências da 2ª Guerra Mundial, inclusive chegaram aqui nesse contexto,
praticamente fugindo da Alemanha; então, sempre esteve presente essa
questão do respeito aos direitos fundamentais, o problema da discriminação
sempre esteve muito presente. Isso é uma coisa da infância (Vicente).
Eu sempre fui muito ligada a direitos humanos. A gente olha para trás e
procura entender, porque é difícil se auto-analisar, mas eu acho que era o
ambiente de casa. Papai era um grande advogado, então a justiça era uma
coisa muito importante na vida. [...] Havia um ambiente dentro de casa em
que a justiça e os direitos eram uma coisa sagrada, então isso influi (Cecília).
Outros três entrevistados evocam as raízes de sua trajetória na militância
política, na década de 1970, nos movimentos estudantis contra a ditadura no país e
em outros países do Cone Sul e, posteriormente, na participação no movimento
pela anistia, ligado especialmente aos direitos políticos e civis, como destacam
estes relatos:
Na minha geração os direitos humanos chegam no momento da
desarticulação da sociedade civil brasileira. Chegam quando não há espaço
de participação de jeito nenhum. Eu fazia parte do movimento estudantil e
tínhamos que enfrentar uma repressão muito grande, os diretórios
acadêmicos foram fechados, ou seja, a inexistência da liberdade (Augusto).
Como estudante e já no término do meu curso de Direito, no final dos anos
70, estava vinculado aos movimentos contra a ditadura, e principalmente ao
movimento pela anistia, que estava dentro de uma concepção de discussão,
debates, envolvimento e militância na luta contra a ditadura, a questão dos
direitos humanos, das violações existentes e na luta pela anistia (Luiz).
Eu acho que houve a necessidade inicial de responder ao desafio e
especialmente à luta pelos direitos humanos em países que ainda estavam
submetidos a ditaduras. (...) Minha geração também participou, visto desde
hoje, de um delírio messiânico. A idéia de que estávamos às portas de um
processo revolucionário e que haveria a possibilidade de mudança radical,
destruição do capitalismo mesmo, então o mundo deveria ser um mundo de
direitos humanos quase espontaneamente afirmados (Alexandre).
Finalmente, uma única entrevistada identifica o início de seu interesse
pelos direitos humanos a partir do seu exercício profissional na área da Sociologia
e da Ciência Política, vinculadas à formação de professores num sentido amplo,
como o da formação para a cidadania:
O objetivo da educação era a formação para a cidadania. Mas que
cidadania? Qualquer regime político tem interesse em formar cidadãos, mas
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191
cidadãos em função mesmo de uma proposta ideológica, como foi o caso
clássico do nazismo e do fascismo, que mobilizaram muito seus cidadãos,
começando com as crianças bem pequenas. Tinham projetos educacionais
extremamente intervencionistas, porque eles queriam formar seus cidadãos
fascistas ou nazistas.
Então, a partir da idéia do que era educar para uma cidadania efetivamente
democrática, se reforçou muito a convicção de que educar para uma
cidadania democrática era educar em direitos humanos (Luciana).
Quanto à trajetória no tema da educação em/para os direitos humanos, a
maioria dos/as entrevistados/as faz referência à participação em diferentes instituições
e espaços sociais, realidade que se prolonga até o momento atual. Nos últimos quatro
anos, metade do grupo tem participado do Comitê Nacional de Educação em Direitos
Humanos. Cinco entrevistados/as participaram também na fundação da Rede
Brasileira de Educação em Direitos Humanos, em 1994, no Rio de Janeiro. Três
profissionais foram também membros e/ou colaboraram com o trabalho realizado
pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo durante vários anos.
Através dessa Comissão, participaram ativamente da proteção de pessoas ameaçadas
e da denúncia das violações dos direitos humanos durante a época da repressão.
Estiveram também diretamente ligados à educação em direitos humanos,
especialmente ao projeto implementado no município de São Paulo quando Paulo
Freire foi Secretário Municipal de Educação. Duas das entrevistadas participam
atualmente de um projeto chamado Escola de Governo
79
, que se desenvolve em São
Paulo e em outras cidades do país. Uma entrevistada ocupa pela segunda vez
80
um
cargo na gestão superior da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco,
trabalhando em programas de educação e cidadania. Outra foi, durante quatro anos,
membro da Cátedra Unesco de Educação para a Paz, a Democracia, os Direitos
Humanos e a Tolerância, da USP (Universidade de São Paulo).
79
A idéia da criação da Escola de Formação de Governo surgiu em São Paulo, em 1991, tendo à
frente diversos intelectuais e professores da USP e da Universidade Mackenzie, destacando-se
Fábio Konder Comparato, Claudineu de Melo, Celso Lafer, Maria Victória Benevides e Marco
Antonio Rodrigues Barbosa, entre outros. As escolas de governo não são escolas de administração
pública. São sociedades civis sem fins lucrativos, sem nenhum vínculo político-partidário.
Propõem-se a formar quadros qualificados de dirigentes e governantes para exercer as relevantes
tarefas de direção pública.
http://www.infonet.com.br/edgse/escolas.htm, acessado em 16/12/2007.
80
A primeira vez foi de 1987 a 1991, durante o segundo governo de Miguel Arraes.
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192
Outras instituições às quais os/as entrevistados/as também estiveram
vinculados de alguma forma são: o Núcleo de Direitos Humanos do Departamento
de Direito da PUC-Rio; o Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio
Grande do Sul; e o Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba.
A maioria dos/as entrevistados/as participou, a partir da segunda metade da
década de 1980 até o início da década de 90, do projeto de Educação e Direitos
Humanos realizado no Brasil, Argentina e Uruguai, coordenado e financiado pelo
Instituto Interamericano de Direitos Humanos da Costa Rica. Parece-nos que esse
projeto pode ser identificado como o embrião do trabalho de educação em/para os
direitos humanos no Brasil. O depoimento a seguir relata assim esse momento inicial:
Em 1985, fui indicado para ir à Costa Rica para o Curso do Instituto
Interamericano de Direitos Humanos, e lá conheci outras pessoas do Brasil
e de outras partes da América Latina; estava começando um projeto
coordenado pela Letícia Olguín, que na época estava no Instituto, sobre
educação em direitos humanos. Inicialmente estava localizado na Costa
Rica, Panamá, Argentina e Uruguai, [...] mas se achou interessante
incorporar também o Brasil e iniciamos esse processo. [...] Na volta ao país,
marcamos uma reunião no começo de 86, aqui no Rio de Janeiro, com
pessoas que vieram da Paraíba, de Recife, de São Paulo e nós do Rio.
Algumas dessas pessoas estão trabalhando na educação em direitos
humanos até hoje (Luiz).
Seis dos oito membros do grupo entrevistado desenvolveram sua trajetória
profissional sempre trabalhando como professores universitários em diferentes
instituições do país. Nenhum deles mencionou alguma vinculação profissional
sistemática com alguma organização não-governamental (ONG).
Vários dos/as entrevistados/as possuem produções bibliográficas sobre a
educação em/para os direitos humanos no Brasil (artigos, livros e capítulos de
livros).
Estes são os relatos selecionados que evidenciam de modo significativo a
trajetória vivida pelos/as entrevistados/as:
Claudia relata: “na verdade eu acho que o meu interesse pelos direitos
humanos tem uma relação muito forte com o trabalho de minha mãe. Se formos
ver lá para trás, a raiz, como a coisa surge. Ela era uma educadora e tinha uma
preocupação muito grande, naquela época não se falava em direito à educação,
mas principalmente com as pessoas que não eram alfabetizadas. Minha casa, na
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193
verdade, sempre era palco da escola, inclusive quando passavam as pessoas e ela
tinha oportunidade de conhecer, de saber se as pessoas eram realmente
alfabetizadas e aí formava grupos de alfabetização no terraço lá de casa. Isso
sempre foi muito forte e tem essa raiz. Por outro lado, a minha própria formação,
o colégio católico de freiras onde a gente estudava tinha um trabalho muito
interessante com as comunidades mais carentes. Minha adolescência foi
permeada por essas histórias e, profissionalmente, quando eu me envolvi com a
temática de uma forma mais direta, mais sistemática, foi no período que fui para
a Secretaria da Educação do Estado, de 87 a 91, segundo governo Arraes, que
justamente tinha uma diretriz do Plano Estadual de Educação que era a educação
enquanto instrumento de formação da cidadania. Eu lembro que naquela época
mal se falava aqui no Brasil em educação na perspectiva de direitos humanos, de
cidadania. Nós começamos a discutir na rede, com os colegas professores,
justamente o que realmente poderia significar educar para cidadania em uma
rede estadual, uma rede de ensino. Tratava-se de uma política de rede. Na
verdade nós estávamos preocupados porque toda ação que nós fazíamos na
secretaria, fazíamos enquanto política, embora soubéssemos que isso não
chegava, essa teia, vamos dizer assim, de conhecimentos, de ações não chegava a
todas as escolas ao mesmo tempo. O propósito era esse, de atingir o máximo que
pudéssemos. Elaboramos um projeto que denominamos Escola Pública Direitos
Humanos e a conquista coletiva da Cidadania. Já naquele momento tínhamos
clareza que a formação, o exercício da cidadania é um exercício que se dá
principalmente no coletivo. Quanto ao trabalho das escolas, orientamos as
escolas para que realmente elas pudessem tecer projetos político-pedagógicos e
nesse projeto fossem incorporados esses conteúdos. Isso era muito embrionário
ainda, porque era um momento, um processo de abertura política no país e
exatamente as primeiras experiências dos governos que tinham preocupação com
o fortalecimento do regime democrático. Naquela época falávamos muito mais
dos direitos civis e políticos que dos direitos sociais no sentido mais amplo.
Fizemos um trabalho muito interessante onde discutíamos nos fóruns itinerantes,
percorrendo todo o estado. Fizemos três fóruns de todo o estado e colaboramos
na orientação para que isso fosse trabalhado no currículo. Naquela época já
tinha clareza de que não deveria ser uma disciplina, mas sim um conteúdo
interdisciplinar. Foi muito interessante pelo fato de na época estar se discutindo
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194
a Constituição. Introduzimos no currículo da educação básica o estudo da
Constituição, porque a partir desse estudo a gente fazia os links com o conjunto
de direitos. Tivemos também um apoio do Instituto Interamericano de Direitos
Humanos. Eles tiveram conhecimento desse trabalho e isso também nos ajudou.
Nós estamos entre 87 e 91. Quando muda o governo, há um certo refluxo desse
movimento no Estado. Eu já estava me preparando para sair para o doutorado e
quando eu cheguei em São Paulo me envolvi com a criação da Rede Brasileira de
Educação em Direitos Humanos. Essa preocupação permeou a minha tese de
doutorado; fiz a pesquisa de campo em quatro escolas em Recife, exatamente
para verificar as possibilidades ou não de uma formação nessa perspectiva de
uma cidadania democrática na escola pública. Naquele momento tinha muita
clareza de que era necessária a formação de professores, então o movimento foi
por aí. Quando voltamos do doutorado, instituímos uma disciplina no Programa
de Pós-Graduação. Na verdade, minha história era estar envolvida; aí vem o
Governo Federal, o governo cria o Comitê de Educação em Direitos Humanos e
fui chamada, como vários outros colegas, a fazer parte desse comitê. É quando
temos a oportunidade de elaborar o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos. Em 2003 o estávamos lançando e nesse movimento de implementação,
de discussão, socialização do plano, tivemos uma participação muito ampla. [...]
Agora cheguei na Secretaria de Educação do Estado novamente e me deparei
com o programa do governo atual para 2007/2010 sobre educação e cidadania.
Em termos de Brasil, ainda temos muito o que fazer, mas, ao mesmo tempo, se
compararmos com a década de 70/80, avançamos bastante. Ao mesmo tempo que
esse avanço se dá, o Governo não tem ainda um programa de políticas sociais
forte, enquanto Governo Federal. [...] É meio contraditório, se formos pensar
assim num campo isolado, sem contextualizá-lo... Se avança nessas discussões,
nas normas, nos impactos nas leis, tudo isso, mas, ao mesmo tempo, há ainda
uma não-incorporação de fato dessa concepção de direitos humanos no conjunto
das políticas públicas”.
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195
Luiz conta que sua vinculação com o tema da educação em direitos
humanos aconteceu a partir de “dois momentos. Um ainda como estudante e já no
término do curso de Direito, no final dos anos 70, relacionado aos movimentos
contra a ditadura e, principalmente, ao movimento pela anistia, que se
desenvolveu dentro de uma concepção, discussão, debates, envolvimento e
militância na luta contra a ditadura e a questão dos direitos humanos. [...] Esse
momento é o momento inicial de envolvimento e me despertou toda essa
colocação, muito no campo da militância política, como prática política mesmo,
em 78, 79 e, posteriormente, em meados dos anos 80. Precisamente em 1984,
estava trabalhando na OAB, no Departamento de Pesquisa. Nesta época, o
departamento era dirigido pelo Nilo Batista e eu era o coordenador do grupo de
pesquisa; nós tínhamos alguns estagiários. Começamos uma série de pesquisas
nessa área de direitos humanos e, nesse momento, além da pesquisa na OAB, eu
me envolvi numa outra pesquisa coordenada pelo Prof. José Maria Gómez, sobre
o papel de entidades da sociedade civil na luta pelos direitos humanos no
processo de democratização no Brasil, na Argentina e no Uruguai. Fazíamos
parte eu, Plastino, Gómez e a Eliane Junqueira. Assim, tive um envolvimento
maior ainda, não somente com a militância, mas até de estudar, ler sobre essa
temática. Em 1985, fui indicado para ir à Costa Rica para um curso, um
seminário de direitos humanos do Instituto Interamericano de Direitos Humanos,
e lá, nesse encontro na Costa Rica, conheci pessoas do Brasil e de outras partes
da América Latina. Estava começando um projeto coordenado pela Letícia
Olguín, que na época estava no instituto, era um Projeto de Educação em
Direitos Humanos e estava inicialmente localizado na Costa Rica, se não me
engano, Panamá, Argentina e Uruguai, mas com a presença de alguns brasileiros
acabou se achando interessante incorporar o Brasil também. Tivemos uma série
de reuniões paralelas ao curso interamericano e avançamos esse processo.
Marcamos uma reunião para o começo de 86, aqui no Rio de Janeiro, com
pessoas que vieram da Paraíba, Recife, São Paulo e nós aqui do Rio. Algumas
dessas pessoas estão trabalhando na educação em direitos humanos até hoje, em
Pernambuco, São Paulo, pessoas ligadas à Comissão Justiça e Paz, a Margarida
Genevois, o Belisário Santos Junior, na Paraíba, José Maria Tavares de
Andrade, e mais um monte de gente que encaminhou esse projeto e começou essa
trajetória. Nesse momento, como a reunião foi feita no Rio, fui designado para
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196
ser uma espécie de articulador, até se falou de coordenador nacional, mas era
muito mais alguém que fazia a ponte entre o Instituto Interamericano e esses
grupos no Brasil. Entre 1986 e 1990, se não me engano, 90, 91, houve esse
processo que se ampliou, inclusive incorporou o Rio Grande do Sul,
posteriormente o Paraná e outros estados e articulou algumas alianças com a
experiência da Argentina e do Uruguai e teve, para a época, um bom
desenvolvimento. Em 1990, 1991, houve uma certa pulverização, uma certa
fragmentação. Essa foi a primeira etapa. Depois, no começo dos anos 90, houve
um certo recuo nas atividades e, se não me engano, em 94 ou 95 houve uma série
de reuniões, inclusive lá na Novamerica, para tentar articular uma rede de
educação em direitos humanos. Eu participei de algumas reuniões com a idéia
de, no Departamento de Direito, começarmos um projeto mais articulado, mais
orgânico. Assim surgiu o Núcleo de Direitos Humanos, em 2002. De qualquer
maneira, antes íamos tendo uma série de articulações, trabalhos com
organizações não-governamentais, trabalhos acadêmicos, enfim, houve um
avanço muito grande, principalmente a partir de 2002.
No momento presente, a grande maioria dos/das entrevistados/as afirma
que continua militando e trabalhando no campo da educação em/para os direitos
humanos; uns se reconhecem como sujeitos diretamente envolvidos e outros como
colaboradores, como salienta o depoimento que apresentamos em seguida, mas
todos afirmam que se trata de uma luta que não pode parar, na qual se tem de
“trabalhar sempre”:
Este é um terreno em que temos de continuar. A questão dos direitos
humanos é muito interessante, porque é uma dialética que é a seguinte:
quando alguma questão é tomada pelo movimento de direitos humanos e
colocada no cenário, discutida, a tendência é que ela se integre na vida
social e deixe de ser pensada somente como uma questão de direitos
humanos: isso é bom porque foi assimilada. Ao mesmo tempo, a
especificidade da luta dos direitos humanos não pode parar, há sempre uma
coisa nova que vai aparecer. Então é um terreno no que a gente vai
trabalhar sempre. Alguns com um papel mais protagônico, outros como eu,
num papel mais de auxiliar apenas, nesse momento (Alexandre).
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197
5.3.2
“Eu acho que houve uma evolução, mas ainda tem muito caminho a
percorrer”
Esta categoria corresponde às concepções e à evolução da educação
em/para os direitos humanos desde os anos 1980 até o momento atual.
A maioria dos/as entrevistados/as explicitou uma concepção da educação
em direitos humanos entendida como um processo educativo complexo, não se
reduzindo apenas a uma questão pontual de transmissão de alguns conhecimentos
ou informações. “Educar em direitos humanos é formar pessoas, não é informar.
Eu vejo como um processo de formação” (Vicente). Trata-se também de um
processo interativo através do qual “se ensina e se aprende ao mesmo tempo”
(Augusto).
Tendo como referência essa compreensão geral, podemos destacar três
aproximações diferentes do conceito. A primeira coloca a ênfase num processo
cultural de mudança de mentalidades, enquanto as demais salientam um enfoque
ético ou destacam a importância da transformação do conhecimento em práticas
sociais construtoras de uma cidadania ativa. Alguns entrevistados/as
complementam sua visão integrando a perspectiva de mudança cultural com o
exercício da cidadania participativa ou o enfoque ético com uma cidadania ativa.
Nesse sentido, o exercício de classificação que fazemos a seguir é simplesmente
um recurso didático para melhor visualizar as diferentes posturas explicitadas.
O primeiro grupo corresponde à metade dos/as entrevistados/as.
Apresenta uma visão da educação em/para os direitos humanos como um processo
de transformação cultural que atinge mentalidades, valores, atitudes, crenças,
implicando também uma desconstrução de preconceitos profundamente
arraigados na sociedade. Esse enfoque considera a educação em/para os direitos
humanos, tanto no âmbito formal como não-formal, essencial para a construção de
um projeto de transformação social, de ampliação da cidadania e das liberdades
democráticas, promotor de justiça social. Essa perspectiva pode ser percebida nos
seguintes depoimentos:
A educação em direitos humanos pressupõe um processo de transformação
cultural no sentido mais profundo. (...) É uma transformação radical de
aspectos cruciais de uma cultura no Brasil, mas também nos outros países
da América Latina, ainda marcada por profundas desigualdades sociais,
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198
econômicas, culturais. Portanto, nesses países uma mudança cultural pode
ser chamada de revolucionária, porque se for para valer mesmo, vai ter que
ir muito fundo, há mentalidades arraigadas que tendem a naturalizar e,
portanto, a banalizar as desigualdades sejam elas do tipo que for (Luciana).
Educar em direitos humanos é transmitir a possibilidade de uma outra
forma de se pensar o ser humano e a sociedade, porque é precisso
desnaturalizar algumas questões que configuram a sociedade. (...) Me
parece que é uma luta ideológica, no sentido de acreditar que outro mundo
é possível (Alexandre).
O segundo grupo de entrevistados/as se situa a partir da dimensão ética,
destacando a importância de o individuo se descobrir como pessoa, como um ser
humano com dignidade, de se reconhecer como sujeito de direitos. Assim o
expressam alguns depoimentos:
A primeira concepção é aprender que o ser humano é ser humano, e se ele é
um ser humano, ele é um ser que tem direitos (Augusto).
Essencialmente é fazer as pessoas despertarem para seus direitos, o mote
desse trabalho tem que ser a dignidade da pessoa. As pessoas não sabem
nem se respeitam como ser humano (...) então, a primeira coisa é mostrar às
pessoas a sua própria dignidade (Cecilia).
A educação em direitos humanos se dá em todos os níveis, todos os
momentos, porque viver os direitos humanos é uma postura de vida, é uma
ética, é algo muito amplo e abrangente. (...) Educar em direitos humanos é
formar para ser gente! (...) Direitos humanos são aqueles necessários para
que uma pessoa seja uma pessoa, são indispensáveis para que uma pessoa
tenha sua dignidade assegurada e respeitada (Vicente).
Para estes entrevistados/as, não se trata apenas de descobrir-se como ser
humano, sujeito de direitos; essa realidade exige também o reconhecimento do
outro/a, da alteridade, pessoas com dignidade e direitos, membros da sociedade e
construtores de cidadania:
Educar em direitos humanos é formar para uma vida de respeito à
alteridade, uma vida de paz, de ética (Vicente).
Cada ser humano é único, não existe no mundo outro igual; então você tem
que respeitar e agir de acordo como uma pessoa que merece respeito. Os
outros têm a mesma dignidade que você e também tem que ser respeitados.
E cada um tem uma responsabilidade social, ninguém pode viver
egoisticamente e todos somos responsáveis pela sociedade. (...) Educar em
direitos humanos é ter conhecimento de seu valor como cidadão e suas
obrigações e direitos como cidadão (Cecília).
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199
Ainda outras duas entrevistadas, que constituem o terceiro grupo,
entendem a educação em/para os direitos humanos como um processo
multifacético, com múltiplos espaços, tempos e conhecimentos que se
transformam em práticas sociais que levam à reivindicação dos direitos e da
cidadania e a uma luta para a construção de novos direitos. Afirmam:
Educar em/para os direitos humanos passa necessariamente por um
processo cognitivo, de conhecimento, de incorporação de informações, ou
seja, de um campo de conhecimentos na área de direitos humanos; ao
mesmo tempo, é trabalhar valores, culturas, comportamentos e incentivar,
motivar, fazer com que as pessoas exercitem os direitos, exercitem a
reivindicação de novos direitos, uma cidadania ativa. Incorporam esses três
pilares: a apropriação do conhecimento, a formação de hábitos e atitudes e
uma prática, uma vivência que se dá em múltiplos espaços, ou seja, ela é
uma luta (Claudia).
Em relação à evolução da educação em/para os direitos humanos e suas
características nas diferentes décadas até o momento presente, nem todos/as os/as
entrevistados/as se sentiram com conhecimento suficiente para responder a essa
questão. As pessoas que responderam consideram que houve avanço no tema ao
longo das décadas, mas que ainda é insuficiente ou um tanto ambíguo o processo
vivido, no qual se ganha e se perde constantemente:
Eu acho que houve uma evolução, já se fala muito mais do que antes, mas
ainda tem muito caminho a percorrer, porque quando interessa eles aceitam,
mas se mexe um pouco com os privilégios eles acham que é absurdo (Cecília).
Acho que avançou, mas não o suficiente. Eu acho que essa luta a gente ganha
e perde constantemente, não é só no Brasil, mas num contexto global,
mundial, e atuar nisso daí é fundamental (Luiz).
Este entrevistado destaca especialmente o avanço no sentido da
compreensão da complexidade do tema:
Houve um avanço no sentido de se adquirir uma idéia de uma maior
complexidade da questão. Em geral temos uma maior consciência de que a
coisa é muito mais complexa do que na perspectiva teórica de 30 anos atrás.
Nesse sentido, acho que sim, estamos mais informados, parece que estamos
com um arcabouço teórico mais forte, mais complexo, com mais recursos
teóricos e talvez estejamos também mais cientes de que estamos num
processo de formiga, um trabalho de formiguinha na questão fundamental,
do que tem que ser feito e vai se fortificando (Alexandre).
No sentido da evolução histórica da educação em/para os direitos
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200
humanos, a década de 1980 é considerada por alguns/mas dos/as entrevistados/as
como de sensibilização em relação ao tema, no momento em que o país estava
passando pelo processo de transição democrática. Esse contexto de construção
democrática abria um espaço importante para inovar e fazer novas experiências.
No entanto, ainda não se pode afirmar que se tratava do que hoje se considera
educação em direitos humanos:
Nos anos 80 existia toda uma discussão em relação a direitos humanos e
educação que estava ligada à sensibilização. O que existia antes era toda uma
prática, uma concepção, relações ligadas ao que vinha dos regimes militares,
então era um processo em que a abertura política democrática possibilitava
experimentos, mas era um momento de experimentação mesmo, através dos
movimentos sociais, das organizações da sociedade civil, dos governos
quando eram mais sensíveis às questões de direitos humanos (Luiz).
Eu não caracterizo a década de 80, com raras exceções, ainda como
educação em direitos humanos nessa concepção que a gente hoje trabalha.
Eu diria que foi mais um processo de sensibilização, até porque naquele
momento ainda estávamos tentando construir essas concepções, mas não
tínhamos muita clareza naquele momento (Claudia).
Sobre a década de 1990, os depoimentos coincidem no destaque da
importância, como principal ator neste campo, da sociedade civil organizada e
reconhecem especialmente o papel das ONGs no trabalho formativo. Também se
salienta, no âmbito do Estado, a elaboração do primeiro Plano Nacional de
Direitos Humanos, em 1996, que deu lugar ao surgimento da Secretaria de
Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Justiça, com a possibilidade de
implementação de uma política pública relacionada ao tema. Os depoimentos a
seguir abordam esses aspectos:
Nessa década percebo o início de uma profissionalização, principalmente
das ONGs. Elas tiveram um papel fundamental de alavancar esse
movimento, embora considerando sempre o Brasil com sua extensão, suas
dificuldades, as marcas próprias de cada região. Percebe-se esse
movimento muito puxado pela sociedade civil organizada. Começava a
preocupação pela formação de sujeitos. Algumas ONGs começaram a se
preocupar em fazer capacitação e pensar na formação nessa perspectiva da
educação em direitos humanos (Claudia).
Os direitos humanos, pela primeira vez na história brasileira, entraram na
agenda de políticas de Estado com o Plano Nacional de Direitos Humanos,
em 1996. Para isso contribuiu muito o trabalho de várias entidades que
começaram na época da ditadura e depois foram se diversificando, mas
continuaram atuando com a temática de direitos humanos (Luciana).
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201
Alguns/mas dos/as entrevistados/as mencionam diferentes concepções
presentes no campo de trabalho nessa década de 1990 até o momento atual. São
destacadas as seguintes visões:
a da educação em direitos humanos como mera informação da
existência das declarações e diferentes documentos nacionais e
internacionais;
a educação em direitos humanos entendida como um estudo
acadêmico sem contacto com a realidade, especialmente nas
universidades e no âmbito do direito;
a educação em direitos humanos como educação em valores;
a educação em direitos humanos como denúncia, defesa e
promoção dos direitos;
a educação em direitos humanos na conflitualidade da construção
democrática.
Uma das entrevistadas situa assim as principais concepções:
Existe uma visão da educação em direitos humanos que fica na questão dos
valores e não questiona a realidade, nem as práticas, nem as relações de
poder. Existe a abordagem que se contrapõe a essa e a tensiona, a que
enfoca a educação em direitos humanos desde o conflito. A conflitualidade é
positiva, é no conflito que se constrói a democracia e é no conflito que a
gente vai questionar o que está aí para transformar (Ana).
Além dessas visões, outro entrevistado destaca duas dimensões que
considera centrais na educação em/para os direitos humanos. Uma primeira,
chamada de emergencial, “S.O.S. dos direitos humanos”, é a atuação imediata
contra as violações da pessoa que está sendo vítima ou perseguida. Nessa
perspectiva, movimentos sociais e diferentes instituições da sociedade civil e o
próprio Estado se mobilizam para garantir a vida e a superação das violações dos
referidos direitos. Essa é uma dimensão muito importante, corresponde ao que
comumente se identifica como denúncia e defesa dos direitos humanos, e pode
exercer uma função mediadora para uma segunda dimensão, a da educação
em/para os direitos humanos, assim caracterizada por esse entrevistado:
Isso daqui (denúncia, defesa) é muito importante, salva pessoas, tira pessoas
de situação de violência, de violações de direitos. Só é possível existir se
fundamentar, se aprimorar e avançar, se tiver por detrás toda uma estrutura
de discussão, de aprofundamento, que está ligada à educação. Aqui é que se
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202
dão os elementos, que se fornecem os instrumentos, a fundamentação, a
prática que vai exatamente possibilitar avançar nas conquistas de direitos
humanos. E, por outro lado, também formular propostas da sociedade como
um todo. Justamente através da educação em direitos humanos é que você
vai possibilitar estar constantemente vislumbrando situações novas de
transformação (Luiz).
Não se pode esquecer que nos anos 1990 a implementação sistemática de
políticas neoliberais no Brasil e na maioria dos países do continente produziu uma
fragilização progressiva de muitas conquistas de direitos humanos,
correspondentes principalmente aos direitos econômicos e sociais. Toda essa
situação teve também ampla repercussão na educação em/para os direitos
humanos, especialmente no que se refere à interdependência e indivisibilidade dos
direitos. Assim se expressa o mesmo entrevistado:
Ao mesmo tempo que se avançava e aprofundava nas discussões e debates,
começava outro momento histórico nos anos 80 e se aprofundaria em parte
dos 90, que desmontava muita coisa ou pelo menos dava uma leitura em
relação ao tema dos direitos humanos limitada, restringindo-se os direitos a
seu aspecto de direitos individuais e declaratórios. Está lá declarado que
existem direitos formais relacionados a alguns direitos individuais, tirando
desse campo essa integralidade, essa integração referente a direitos
humanos. Muita gente ficou perdida. E eu acho que afetou, na passagem dos
anos 90, intensamente, a atuação dos projetos de educação em direitos
humanos e de direitos humanos (Luiz).
A década atual é identificada como a de maior espaço para o tema,
especialmente com sua incorporação no nível do Estado e das políticas públicas, o
que configura uma nova realidade e cenário no tema da educação em/para os
direitos humanos, atuando o Estado muitas vezes em parceria com os movimentos
sociais e a sociedade civil em geral:
No final dos anos 90 começaram a existir alguns espaços mais amplos, a
conjuntura mudou e novas pautas foram colocadas em relação a direitos
humanos e, principalmente, na questão da educação em direitos humanos.
Acho que houve necessidade de articular melhor essas dimensões [referidas
anteriormente], o que antes eram movimentos sociais, passou a ser
movimentos sociais e políticas públicas, no âmbito nacional, estadual ou
municipal. Acho que houve essa dimensão nova que passou a trazer uma
realidade que nos obriga a saber como intervir melhor (Luiz).
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203
5.3.3
No campo da educação em direitos humanos, “os atores
governamentais [...] são importantes e a interlocução dessa
multiplicidade da sociedade civil com esses atores governamentais
às vezes é meio complicada, meio contraditória, mas ao mesmo
tempo ela pode dar bons frutos”
Este item abrange as questões referentes aos diferentes atores e à relação
entre os processos de democratização e a educação em/para os direitos humanos.
Os/as entrevistados/as reconhecem diferentes atores importantes nas últimas
três décadas. Em primeiro lugar, a sociedade civil em seus diversos espaços, e, nos
últimos dez anos, também as universidades e o Estado. Algumas pessoas também
mencionam as igrejas e pessoas de referência no tema como atores individuais.
No que se refere ao espaço da sociedade civil, muito variado e plural,
apontam diversas organizações que promovam a perspectiva de transformação da
sociedade. Assim se expressam os/as entrevistados/as:
Eu acredito muito na atuação da sociedade civil organizada, que pode ser de
vários tipos, não apenas ONGs voltadas especificamente para a educação,
como entidades da sociedade civil, mas que estão profissionalmente ligadas a
uma área de atividades, como por exemplo os cursos de direitos humanos que
se dão na área da magistratura (Luciana).
A sociedade civil contra-hegemônica ou popular, diversos segmentos da
sociedade civil organizada, movimentos sociais, ONGs, que estejam
preocupados com direitos humanos e educação em direitos humanos, mas
com uma proposta transformadora da realidade. Que olhe esse mundo, que
olhe esse projeto neoliberal, que olhe essa concepção de existência que nós
temos, com suas instituições, com o tipo de escola, com o tipo de prática
social e fale ‘não é isso’ (Luiz).
Foram mencionadas as seguintes instituições: a Comissão Justiça e Paz de
São Paulo, a Novamerica (Rio de Janeiro), o Centro de Defesa dos DDHH D.
Helder Câmara (Recife), o Ibase (Rio de Janeiro) e o Gajop (Recife), entre outras.
Uma entrevistada destaca que:
as ONGs se lançaram muito mais, até porque elas têm mais agilidade e mais
autonomia para fazer proposições que no campo das instituições políticas,
que são muito amarradas em função de direções político-partidárias, não
diria só política, que as vezes isso dificulta você a fazer proposições ali
dentro. (...) Há um fortalecimento não somente em termos de expansão do
trabalho das ONGs, mas também da qualidade, e aí elas são fundamentais
nesse processo (Claudia).
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204
No âmbito universitário, são citados os núcleos de direitos humanos, o
Núcleo da Violência da Universidade de São Paulo; o Núcleo de Direitos
Humanos do Departamento de Direito da PUC-Rio; a Cátedra Unesco de
Educação para a Paz, a Democracia, os Direitos Humanos e a Tolerância, da USP;
todo o trabalho de extensão universitária desenvolvido pela Universidade Federal
da Paraíba, entre outros espaços mencionados com menor freqüência.
Ainda no âmbito da sociedade civil, uma entrevistada destaca também
como ator importante todo o trabalho realizado pelos sindicatos, não só na ótica
da reivindicação dos direitos mas também na linha da capacitação dos/as
associados/as:
Os sindicatos trabalharam muito com a questão da capacitação. Eles
avançaram não somente na perspectiva das reivindicações, eles não ficaram só
nisso, eles procuraram trabalhar na capacitação interna e para fora (Claudia).
São mencionados também alguns movimentos sociais, especialmente o
Movimento dos Sem Terra e o Fórum Social Mundial, como um espaço de
articulação de diferentes movimentos e com uma agenda de temas importantes em
relação aos direitos humanos.
No espaço da sociedade civil, consideramos importante referirmos, neste
momento duas experiências significativas para a educação em/para os direitos
humanos. A primeira é um projeto desenvolvido na década de 1980 com apoio do
Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH), da Costa Rica, e a segunda
é a que dá origem à Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos.
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205
Como já fizemos referência, mais da metade dos/as entrevistados/as
participou, na década de 1980 e até início dos anos 90, de um projeto de educação
e direitos humanos promovido pelo IIDH com apoio financeiro de agências
européias que queriam acompanhar o fortalecimento das novas democracias nos
países da América do Sul. O projeto incluiu os seguintes países: Argentina, Brasil,
Uruguai, Panamá e Costa Rica
81
. Uma questão importante que se colocava nesse
momento era como fortalecer os direitos humanos em contextos profundamente
marcados pelas ditaduras militares, em que o tema dos direitos humanos tinha
sido interpretado com a conotação de “subversivo” e estava assim introjetado na
representação social da população. Nesse sentido, este projeto colocou a exigência
de que os/as participantes deveriam ser ativistas dos direitos humanos, não
podiam ser pessoas que não tivessem tido nenhum envolvimento anterior com a
causa dos direitos humanos. O projeto tinha três linhas de trabalho: realizar uma
pesquisa sobre o tema dos direitos humanos para ver de que forma se poderia
fortalecer a democracia em cada um dos países; trabalhar o conteúdo de direitos
humanos, especialmente nos âmbitos formais da educação; e articular as
instituições que trabalhavam o tema no âmbito de cada país e entre os países para
o fortalecimento mútuo. Esse tema da articulação era especialmente importante
porque partia da percepção de que durante a repressão, uma estratégia utilizada
pelos governos ditatoriais tinha sido precisamente a desarticulação do tecido
social e institucional. Esse é um elemento que dará origem, posteriormente, à
organização em rede, como aponta este depoimento:
O Instituto Interamericano de Direitos Humanos contribuiu muito para nós,
nos termos dessa concepção de rede, pois naquela época, nos finais dos
anos 1980, não se falava de rede. Mas ele contribuiu porque fomentou e
apoiou várias ações e programas aqui no Brasil; ele tinha uma coisa muito
interessante, quando tinha um trabalho, por exemplo, em Pernambuco,
chamava os outros estados que também estavam fazendo esse mesmo
trabalho. Então a gente foi interagindo e isso na verdade funcionou no final
dos anos 80 como se fosse uma rede, embora informal, mas funcionou bem
assim (Claudia).
81
Neste ponto da história das origens da educação em direitos humanos no Brasil a partir do
desenvolvimento dessa experiência, além do relato dos/as entrevistados/as do Brasil, realizamos
também uma entrevista com Letícia Olguín, que coordenou o projeto promovido pelo Instituto
Interamericano de Direitos Humanos.
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206
Como já foi mencionado, esse projeto foi desenvolvido de 1983 a 1989, e
articulou instituições e pessoas participantes de diferentes estados e regiões do país.
Os contatos do grupo brasileiro participante do projeto com o IIDH se
estenderam até o início da década dos anos 90, quando essa instituição modificou
seu enfoque em relação aos parceiros de trabalho e algumas pessoas da equipe,
entre elas Letícia Olguín, deixaram a instituição.
Consideramos que essa experiência de educação em direitos humanos foi o
embrião do que posteriormente viria a ser desenvolvido como educação em
direitos humanos no Brasil. Apesar da experiência ter terminado, muitas pessoas e
instituições participantes continuaram conectadas entre si através dessa rede
informal já referida.
Esta é a única presença e referência do IIDH reconhecida pela maioria
dos/as entrevistados/as em relação ao desenvolvimento da educação em/para os
direitos humanos no Brasil. As pessoas reconhecem especialmente o espaço dos
cursos interdisciplinares promovidos pelo IIDH, dos quais algumas participaram,
como especialmente significativos para ampliar os conhecimentos e estabelecer
relações. Também valorizam todo o apoio inicial ao projeto desenvolvido no
Brasil, que permitiu a realização de muitas e diferentes atividades, especialmente
de formação de educadores/as. No entanto, as mudanças de enfoque por parte do
IIDH no início da década de 1990, com orientação mais conservadora, afastaram a
possibilidade de constituição de novas parcerias. Assim o expressam esses
profissionais quando perguntados sobre a contribuição do IIDH para o
desenvolvimento da educação em direitos humanos no país:
O IIDH foi crucial no início. Muito, muito importante! Todos os nossos
primeiros cursos foram apoiados pelo IIDH. Depois nós tivemos algumas
divergências em relação à metodologia, uma discussão política, mas
certamente nós não teríamos avançado nos nossos projetos sem esse apoio
inicial do IIDH (Luciana).
Acho que o IIDH presta primeiro um grande serviço trazendo o tema, as
discussões, possibilitando os debates. As vezes acho o Instituto muito oficial.
Penso que a produção intelectual é uma produção normativa, que é
importante, desperta, mas que não é o suficiente. O drama da América
Latina está além da normatização, ele pressupõe consciência e participação
da população para resolver (Augusto).
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207
De uma forma muito ambígua. Eu acho que o Instituto foi bom enquanto
contacto, mas acrescentou muito pouco enquanto metodologia e concepção.
O Instituto tem um viés conservador (Vicente).
Outro espaço significativo também mencionado pela maioria dos/as
entrevistados/as é à Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos.
A gestação da Rede começou em abril de 1994, com a realização de um
seminário sobre Educação em Direitos Humanos no Rio de Janeiro, na sede da
Novamerica. Essa iniciativa contou com a presença de representantes das
seguintes instituições: Comissão Justiça e Paz de São Paulo; Novamerica;
Movimento Nacional de Direitos Humanos – Regional Leste 1, do Rio de Janeiro;
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis (RJ); Centro Heleno
Fragoso do Paraná; e Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande
do Sul. Contou também com a presença de profissionais da área dos direitos
humanos que fazem parte do grupo dos/as entrevistados/as nesta pesquisa: João
Ricardo Dornelles, da PUC-Rio; Maria Victória Benevides, da Universidade de
São Paulo; e Aída Monteiro, da Universidade Federal de Pernambuco. Participou
também do seminário o então coordenador da Red Latinoamericana de Educación
para la Paz y los Derechos Humanos (CEAAL – Consejo de Educación de
Adultos de América Latina), Fernando González, da Colômbia. Esse encontro
teve por objetivo promover um intercâmbio de experiências e dar os primeiros
passos para a constituição da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos.
Um ano depois, em abril de 1995, foi constituída a Rede Brasileira de
Educação em Direitos Humanos, tendo assumido a coordenação geral Margarida
Genevois, da Comissão Justiça e Paz de São Paulo. Em seus estatutos, a Rede se
apresenta como “um espaço de encontro, apoio, intercâmbio, articulação e
coordenação de organizações que desenvolvam trabalhos sistemáticos na área de
educação em direitos humanos no Brasil”.
A Rede permaneceu ativa até 2002, e atualmente se encontra em fase de
reconfiguração.
Uma única entrevistada, quando perguntada sobre a incidência das
instituições internacionais no desenvolvimento da educação em direitos humanos
no Brasil e na América Latina, fez referência à participação na Red
Latinoamericana de Educación para la Paz y los Derechos Humanos” (CEAAL –
Consejo de Educación de Adultos de América Latina). Alguns/mas dos/as demais
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entrevistados/as, quando nos referimos a esse espaço, explicitaram não conhecê-lo.
No que se refere às pessoas reconhecidas pelos/as entrevistados/as como
atores e por sua produção bibliográfica no tema, foram citados: Paulo Freire, Vera
Maria Candau, Maria Victória Benevides, Aída Monteiro, do Brasil; e Luis Pérez
Aguirre, do Uruguai, e Abraham Magendzo, do Chile. Um entrevistado associou
as origens da educação em/para os direitos humanos à educação popular e cita,
além de Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Miguel Arroyo e Moacyr Góis.
Em relação à atuação do Estado, a primeira experiência destacada, iniciada
na década de 1980 prolongando-se até 1991, é a da Secretaria de Educação do
Estado de Pernambuco, que tinha como uma das diretrizes do Plano Estadual de
Educação a educação enquanto instrumento de formação de cidadania e, a partir
deste referente, foi elaborado o projeto denominado Escola Pública, Direitos
Humanos e a Conquista Coletiva da Cidadania, já mencionado.
Também nessa década, em nível federal, foi destacada a elaboração da
Constituição, em 1988, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, no início dos
anos 90. É lembrado também o primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos, no
ano de 1996, já referido, como um tempo de construção democrática em que os
direitos humanos entram no cenário público como uma política de Estado, assim
valorizado por esta entrevistada:
O fato de a temática dos direitos humanos ter entrado na agenda do Estado
com o Plano Nacional e depois vários planos estaduais e mesmo municipais,
esta intervenção governamental, mesmo com todas as críticas que se fazem,
de que foi incipiente, que muita coisa não saiu do papel, o que é verdade, mas
seria injusto negar o papel extraordinário que isso teve, no sentido de que
abriu portas e legitimou no plano da política essa atividade que continua
tendo muitos opositores, continua sendo muito polêmica, muito mal entendida,
mal compreendida, mas está não apenas com o estatuto de política
governamental, mas legitimada pela quantidade enorme de instituições da
sociedade civil que estão sendo chamadas a participar (Luciana).
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209
Na década atual, além de ser mencionado o segundo Plano Nacional de
Direitos Humanos, de 2002, é especialmente citado o trabalho realizado pela
Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal e a criação do
Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos
82
, em 2003, ao que já
fizemos referência no item anterior, vinculado à própria secretaria do qual
participam vários dos/as entrevistados/as. Esse Comitê teve a seu cargo a
elaboração da primeira versão do Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos (PNDEH) e, posteriormente, o processo de consulta pública e
participação da sociedade civil, destacado neste depoimento:
Em 2003, nós estávamos lançando o PNEDH e esse movimento de
implementação, de discussão, socialização do plano, nós tivemos uma
participação muito ampla. Eu fui a 10 estados, inclusive fui 3 vezes a alguns
estados para discutir o PNEDH (Claudia).
Alguns entrevistados/as reconhecem que, sendo este um passo importante
para a implementação de políticas públicas, ainda não é suficiente. Afirmam:
Embora eu ache que a centralidade [do tema da educação em direitos
humanos] é uma conquista política, mesmo tendo um Comitê Nacional de
Educação em Direitos Humanos, mesmo tendo um Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos, ainda não é a educação em direitos
humanos a centralidade. Nós ainda não entramos nos orçamentos do MEC,
ainda não entramos nos orçamentos do Ministério de Justiça. Nós ainda
estamos construindo um processo inicial de fazer com que a justiça e a
educação incorporem o Plano Nacional como uma ação de governo. Esse é
um grande desafio que nós temos hoje no Brasil. (...) Nós estamos ainda
num processo de conquista. A educação em direitos humanos ainda não
ocupa um lugar central (Ana).
Se avança nessas discussões, nas normas, nos impactos, nas leis, tudo isso,
mas ao mesmo tempo se tem ainda uma não-incorporação de fato dessa
concepção de direitos humanos no conjunto das políticas públicas (Claudia).
82
O comitê, quando foi iniciado, em 2003, era composto pelos seguintes integrantes: Aida
Monteiro Silva, Eliane dos Santos Cavalleiro, Flávia Piovesan, Herilda Balduino de Sousa, Iradj
Eghrari, José Antônio Peres Gediel, José Antônio Teixeira, Márcio Marques Araújo, Margarida
Genevois, Maria Martins Salomão, Maria de Nazaré Zenaide, Martonio Barreto Lima, Nair
Bicalho de Sousa, Paulo Domingues, Ricardo Balestreri, Roberto Monte, Sólon Viola, Vera Maria
Candau, representante da Unesco, Representantes do MEC, Representantes da SEDH. No ano de
2007, o comitê era integrado por: Aida Monteiro Silva e Ricardo Henriques, na coordenação;
representantes nacionais: Eliane dos Santos Cavalleiro, Herilda Balduino de Sousa, Iradj Eghrari,
José Antônio Peres Gediel, João de Salles Pupo, Márcio Marques Araújo, Margarida Genevois,
Maria de Nazaré Zenaide, Nair Bicalho de Sousa, Paulo César Carbonari, Ricardo Balestreri,
Roberto Monte, Sólon Viola, Vera Maria Candau; representante da Unesco, representantes do
MEC, representantes da SEDH.
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210
Alguns/mas entrevistados/as também salientam a nova configuração do
cenário sobre o tema, especialmente na década presente, com a inter-relação de
atores da sociedade civil e governamentais, o que gera um novo momento, que
muitas vezes não é fácil de ser administrado pelas instituições atuantes no campo.
Como expressa este profissional:
Estão também os atores governamentais, os espaços institucionais, seja do
Executivo, do Legislativo, políticas públicas do governo, são atores que
estão presentes nesse campo e são importantes, e a interlocução dessa
multiplicidade da sociedade civil com esses atores governamentais, às vezes,
é meio complicada, meio contraditória, mas ao mesmo tempo ela pode dar
bons frutos. Ela pode se traduzir em políticas de intervenção real (Luiz).
Sobre a incidência das instituições internacionais é mencionada a Unesco,
mas a maioria dos/as entrevistados/as não lhe reconhece um papel significativo na
implementação da educação em/para os direitos humanos no país. Somente os
membros do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, no qual a Unesco
também está representada, reconhecem seu papel. Uma das entrevistadas afirma:
A Unesco, na implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos, tem um papel político. Ela está junto com a Secretaria de Direitos
Humanos numa relação de cooperação para monitorar a implementação do
plano. Ela dialoga com a equipe da Secretaria, é parte do comitê, assessora
na relação com os órgãos internacionais. Se posiciona politicamente para
fazer com que a Secretaria dê atenção e centralidade à questão da educação
em direitos humanos (Ana).
Para finalizar este ponto, parece-nos importante destacar esta apreciação
de uma entrevistada, quando perguntada sobre os atores, instituições e produções
importantes na área da educação em/para os direitos humanos no país:
Essa questão é interessante porque avançamos muito em termos de movimento,
mas em termos de produção, ainda deixa muito a desejar (Claudia).
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211
5.3.4
“Sem democracia não temos direitos humanos e sem direitos
humanos não temos democracia”
Esta categoria agrupa as respostas sobre a educação em/para os direitos
humanos e a construção democrática hoje, especialmente no que se refere à
relação com a democracia e a cultura política.
Todos/as os/as entrevistados/as são unânimes em afirmar a relação estreita
entre democracia, direitos humanos e educação em direitos humanos. Algumas
afirmações mais destacadas foram: “É uma relação direta e fundamental. Onde há
direitos humanos há democracia”. “Sem democracia não temos direitos humanos
e sem direitos humanos não temos democracia”.
Consideram importante tanto a dimensão formal da construção
democrática, a divisão dos três poderes, as eleições periódicas, as garantias
individuais, entre outros aspectos, quanto a democracia participativa como espaço
de criação de novos direitos, como salienta este depoimento:
Parece-me fundamental, porque, se por um lado nós aprendemos nessas três
décadas que o que chamamos democracia formal é essencial, é essencial ter
um parlamento, que tenhamos eleições periódicas, garantias individuais
vigentes, também sabemos que é insuficiente. Tem que ir além. E para ir
além é fundamental um protagonismo crescente das diversas expressões da
sociedade civil, e isso nós só vamos conseguir na medida em que o discurso
de direitos humanos se torne explícito. Por outro lado, a democracia supõe
uma criação permanente de direitos (Alexandre).
Outro aspecto destacado é a importância da educação em/para os direitos
humanos como mediação fundamental para construir a democracia, afirmação
assumida pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, como apontam
estas duas entrevistadas:
A relação entre educação em direitos humanos e democracia é intrínseca.
Trabalhar com a questão da educação em direitos humanos é
necessariamente trabalhar com o conceito de democracia, com o conceito
de Estado, com o conceito de sociedade, e não pode ser desvinculado. A
educação em direitos humanos tal como está no PNEDH supõe trabalhar na
perspectiva do fortalecimento de fato da democracia (Claudia).
Parto da seguinte definição: a democracia é aquele regime de soberania
popular, com amplo pluralismo, afirmação dos direitos políticos e respeito
à proteção e à promoção dos direitos humanos, entendidos como direitos e
liberdades individuais, sociais, econômicos, culturais e ambientais. [...] Sem
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um envolvimento efetivo nos processos educativos não teremos nem
democracia nem direitos humanos. A única maneira de educar em
democracia e em direitos humanos é pelo exemplo e pela prática (Luciana).
Vários entrevistados/as reconhecem também que ainda falta à população
em geral formação sobre o que realmente significa democracia, assim como sobre
a importância do monitoramento em relação às políticas públicas, como afirma
este depoimento:
Acho que a democracia ainda é um conceito muito frágil. Assim como não
sabem [referindo-se à população em geral] direito o que são direitos
humanos, também não sabem direito o que é democracia (Vicente).
Sobre a relação entre educação em/para os direitos humanos e cultura
política, os/as entrevistados/as reconhecem também uma íntima vinculação, mas
afirmam que a cultura política brasileira ainda é frágil, com pouca consciência de
responsabilidade social, como salienta esta entrevistada:
A cultura política brasileira é marcada por 300 anos de escravidão que não
fazem parte de um passado longínquo [...] define uma relação de poder e
define uma relação de superior e inferior, existe uma profunda
discriminação em relação aos negros e seus descendentes porque são
considerados inferiores. [...] Discriminação da mulher em relação ao
homem, discriminação dos pobres. [...] Está marcada pelo racismo nas
suas mais variadas formas e pela aceitação da transformação da diferença
em desigualdade (Luciana).
Alguns depoimentos, como veremos a seguir, consideram fundamental os
processos educativos e participativos para a construção de cultura política
democrática, afirmação dos direitos humanos e ampliação da consciência
individual e social:
Acho que passa pela relação básica que tem a ver com a restauração da
consciência sobre a responsabilidade subjetiva de cada um de nós. Isso me
parece fundamental. Nós vivemos uma democracia de massa hoje em dia,
mas a única maneira que poderia crescer em qualidade é se no interior
desse processo de democracia de massa existir também o crescimento das
subjetividades, tanto singulares como de grupos, em questões de interesse
da sociedade civil. Agora, tudo isso é um processo educativo (Alexandre).
Cultura política é entendida em diversas dimensões. Uma delas, no sentido
de consciência, não só social, mas uma consciência de que nós somos atores
políticos, não só individuais, mas somos atores coletivos, atores sociais,
sujeitos coletivos. [...] A questão da educação em direitos humanos cumpre
um papel muito importante, especialmente na educação formal, na escola.
São importantes pautas pedagógicas, educacionais que avancem nesse
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213
sentido e práticas também. Entendo que essa escola está dentro dessa
sociedade e a sociedade tem formas variadas de divulgar valores, formar
consciências, experimentar práticas determinadas e que essa ida e volta é
uma relação dialética. Eu não tenho a menor dúvida de que isso tem um
papel potencializador e importante no sentido de ampliação de consciência
social, política, da percepção de ser agente coletivo no mundo
contemporâneo (Luiz).
Fechamos este item com este depoimento, que salienta a importância dessa
temática na perspectiva de mudança da concepção de sociedade, de sujeito e das
relações sociais:
diria que a discussão sobre os direitos humanos é uma discussão sobre
aquilo que é essencial na democracia. Talvez a definição básica de
democracia seja o reconhecimento da alteridade. Se eu não posso mandar
sozinho, é porque há outro que tem tanto direito para decidir quanto eu.
Portanto, democracia é ter como essência reconhecer o outro como igual a
mim. Os direitos humanos são isso, reconhecer em cada um de nós um
conjunto de direitos que lhe vem pelo fato de ser humano, pelo fato de
pertencer à humanidade (Alexandre).
5.3.5
“No fundo os desafios estão ligados ao desafio da questão
democrática”
Este item inclui as categorias relativas aos desafios assim como às
prioridades, temas e sujeitos que deveriam ser privilegiados no momento presente.
Os/as entrevistados/as destacam vários desafios para a educação em/para
os direitos humanos no mundo atual. O primeiro, que foi mencionado pelo maior
número de depoimentos, faz referência à conscientização do significado e
conteúdo dos direitos humanos nos diferentes setores da sociedade e no âmbito do
Estado, com vistas à mudança de mentalidades. Destaca a importância de os
setores vulneráveis da sociedade compreenderem que são sujeito de direitos e que
isso significa poder exigir, lutar e reclamar seus direitos, e não ser meros
beneficiários de favores e de benevolências, como está enraizado na cultura
política escravocrata e coronelista dominante. Os seguintes depoimentos se situam
nessa perspectiva:
Um desafio muito importante é todo um trabalho político de convencimento,
que acho que já está muito melhor do que há 20 anos, no meio mais carente
de direitos, no sentido de que direito é direito e, portanto, é inalienável e é
exigível. Acho que isso vai junto com a educação na democracia, (...) para
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quebrar algo que também é muito importante na nossa cultura política, que
vem de nossa formação escravocrata, caciquista, de se considerar que um
bem, um serviço público é uma concessão, um favor, uma benevolência e
tem que ser agradecido, e não um direito que tem que ser conquistado e
exigido. (...) Essa não-consciência do direito é muito grave. É um desafio
grande que nós temos que enfrentar e saber como lidar com isso (Luciana).
Um desafio importante da educação em direitos humanos é ajudar para que
cada pessoa reconheça no outro um sujeito de direito, porque há uma
cultura de exclusão muito forte (Ana).
Os/as entrevistados/as também consideram importante, dentro desse
processo de conscientização, a formação da consciência cívica, da
responsabilidade social no sentido de construção de modelos sociais mais
centrados na construção do coletivo, do “nós”, da cidadania, do que no mero
desenvolvimento individual e na mentalidade dominante da cultura neoliberal, do
“salvar-se a se próprio”, como apontam estes entrevistados:
É transmitir a idéia de que o lema que este modelo social quer nos impor,
que é cada um por si, isso é suicídio coletivo. Com o cada um por si
ninguém se salva. A idéia então é defender os direitos humanos, defender a
singularidade de cada um de nós. O direito que cada ser humano tem na
sociedade de maneira livre, de escolhas livres e tudo o mais. O maior
desafio é mostrar teoricamente, mostrar no sentido político que essa
singularidade só pode existir, só pode ser respeitada, se cada um de nós é
uma parte indissociável do coletivo (Alexandre).
Difundirmos o que são direitos humanos, por incrível que pareça, já seria
algo importante. A gente sempre volta ao mesmo núcleo: a formação da
consciência cívica, da responsabilidade social, que ninguém é uma ilha e
que você tem que participar (Cecília).
Para ser efetivo e eficiente, este processo de conscientização implica o
desenvolvimento de um processo formativo e educativo, capaz de formar
educadores/as em/para os direitos humanos em diferentes âmbitos e dimensões,
como afirma uma das entrevistadas:
Eu diria que tanto para o Brasil como para a América Latina, no momento
presente o desafio é formação. Formação inicial e continuada, que, de certa
maneira, apesar de nós termos já cursos instalados, de especialização,
alguns já entrando com mestrados, enfim, mas a gente não tem ainda uma
base de sustentação, de formação, para dar conta do Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos. Minha grande preocupação é de que
realmente a gente tem que ter, como dizia Paulo Freire, paciência
impaciente, no sentido de que precisamos avançar, mas, ao mesmo tempo,
temos que ir com cautela porque é necessário um processo de formação que
ainda está por acontecer. [...] Os professores têm muita boa vontade,
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querem trabalhar nessa direção [da educação em direitos humanos], mas
falta para eles o lastro básico que é justamente essa sistematização do
conhecimento, da informação específica dos direitos humanos (Claudia).
Dentro desse processo de formação, a maioria também destaca como um
desafio fundamental a formação dos dirigentes políticos e dos quadros de
funcionários públicos do Estado nos diferentes âmbitos, federal, estadual e
municipal, como apontam os depoimentos a seguir:
Quando a Unesco diz que a educação em direitos humanos tem que ter
centralidade na elaboração das políticas públicas, isso a gente ainda
precisa fazer, precisamos conquistar esse estágio. Ainda há muita
resistência nos ministérios, há muita ignorância a respeito da história dos
direitos humanos, há muita desinformação. Precisamos trabalhar a
formação dos gestores para que eles entendam o papel da educação em
direitos humanos (Ana).
É necessário que a gente mobilize, conscientize, desde o Ministério de
Educação como um todo. O fato de você ter um ministro que assina um
documento como o PNEDH, para mim, não significa que o ministério está
assumindo essa perspectiva no seu todo. Entendo que é um processo que vai
se conquistando. A mesma coisa se dá nas secretarias do estado, nas
municipais, tem aquela intenção, mas até chegar de fato na ponta, na escola,
para trabalhar, há um longo caminho e eu acho que é um desafio (Claudia).
Outro desafio importante destacado pelos/as entrevistados/as é o que se
refere aos meios de comunicação social, tanto em relação à sua utilização quanto
à formação dos comunicadores, como salienta esta entrevistada:
Um desafio é conseguir uma aceitação e um envolvimento daqueles que têm
mais poder e no que consideramos hoje o poder por excelência, que é o
poder das comunicações. Nós precisamos ter meios mais eficazes de
comunicação, comunicação de massa, ou seja, nós temos que ter mais
acesso à televisão, ao rádio a todos os meios de comunicação de massa,
tanto audiovisuais como das novas tecnologias, internet etc. As cartilhas são
importantes, mas nada substitui um bom programa de televisão (Luciana).
Finalmente, um último desafio também apontado se refere à criação de
uma cultura dos direitos humanos como meio de construção da democracia, em
contraposição à cultura da violência tão presente hoje na sociedade:
Outro desafio é enfrentar a cultura de violência institucional. A violência
institucional está na escola, está no presídio, está na polícia, está na
universidade; as pessoas estão banalizando a violência das instituições e
não aceitam que são violentas. [...] Discutir essa violência que está
arraigada nas relações institucionais, no Estado, nos órgãos públicos é um
grande desafio; para afetar a cultura como um todo, é necessário entrar na
escola (Ana).
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Desafio das resistências que existem de práticas e modelos que já estão
implementados há muito tempo. [...] No campo da sociedade, romper alguns
espaços nós conseguimos, mas constantemente nós perdemos com algumas
concepções que desqualificam o que são direitos humanos. Por exemplo,
toda a discussão em relação a segurança, terrorismo, segurança criminal,
seja no contexto local ou global, acabam solapando muito as conquistas da
sociedade como um todo. [...] Aparecem todos os impulsos para as práticas
e concepções que são autoritárias, violentas, violadoras de direitos. No
fundo, os desafios estão ligados ao desafio da questão democrática (Luiz).
Como democratizar a democracia parece ser o grande desafio do momento
presente, que implica todos os outros já referidos. Nessa perspectiva, a educação
em/para os direitos humanos se converte numa mediação fundamental.
Quanto às prioridades e os temas destacados, os/as entrevistados/as
responderam de forma bastante ampla. Mencionaram os seguintes temas e
aspectos que consideram importantes: a defesa das políticas sociais a partir do
ponto de vista dos direitos humanos; as questões relativas à reforma política para
afirmar a democracia; a superação da cultura da violência e de banalização da
vida; a articulação entre o global e o local em relação ao tema dos direitos
humanos; a dialogicidade como construção de significados e visões
compartilhadas, no sentido destacado neste depoimento:
Dialogicidade no sentido que Paulo Freire dá. Porque normalmente você
tem diálogos em que A se encontra com B e A não vê a hora de B calar a
boca para poder enunciar seu discurso. Então A fala A, e B fala B, e vão
embora A e B, dois monólogos. Os diálogos normalmente são assim, com
poucas exceções. Na concepção a que me refiro, A encontra B e
conversando eles vão elaborando conhecimentos que, quando eles vão
embora, um é E e outro F, porque já passaram pelo C e pelo D. Então eles
construíram um novo conhecimento juntos e ambos saem modificados. Isso é
fundamental na educação em direitos humanos, esse conceito de
dialogicidade nesse sentido (Vicente).
Em relação aos sujeitos, o primeiro grupo a ser privilegiado, de acordo
com a maioria dos/as entrevistados/as, são os professores dos diferentes níveis
escolares, especialmente os do Ensino Fundamental, tanto do sistema público
como do sistema particular, como afirma uma das entrevistadas:
Nós vamos para a escola pública porque é quem está nos abrindo as portas,
ate mesmo por causa dos planos governamentais, e é onde se encontra a
grande maioria carente de direitos, mas nós temos que entrar nas escolas
particulares, porque formam aqueles que vão legislar, julgar, dominar,
governar etc. (Luciana).
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Outros sujeitos privilegiados são também todos os que, de uma ou outra
maneira, são excluídos e vulneráveis por alguma diferença física, étnica, sexual,
de gênero, religiosa etc. Também foram mencionadas as mulheres e os jovens
como sujeitos a serem privilegiados, ambos vítima de muita violência na
sociedade, assim como a necessidade de formação de agentes multiplicadores nos
diferentes âmbitos sociais e políticos.
Foi mencionada também a importância de a educação em direitos humanos
estar inserida no projeto político-pedagógico das escolas, o que afeta diferentes
sujeitos: alunos/as, professores/as, funcionários, famílias, comunidade.
Outra prioridade mencionada foi a importância da elaboração de materiais
pedagógicos de apoio:
Hoje eu me preocupo muito com a formação. Uma coisa que eu acho muito
séria também é que nós não temos material para trabalhar. Estamos
pautando uma política, mas vamos ter que pautar os materiais também na
linha de elaboração de materiais de vários níveis, desde o áudio até o texto
e outros tipos, para que possam respaldar esse processo (Ana).
Tendo presentes os depoimentos dos/as entrevistados/as, podemos afirmar
que a formação, tanto no âmbito da educação formal como não-formal, assim
como a democratização da democracia, são os grandes desafios destacados para
continuar avançando nos processos de educação em/para os direitos humanos
orientados a construir uma cultura dos direitos humanos na sociedade brasileira.
5.3.6
“Parece-me que não dá mais para pensar igualdade e diferença
como coisas separadas; [...] são complementares”
Esta categoria abrange as questões referidas à relação entre universalidade,
direitos da igualdade e da diferença. Frente a essa problemática, o grupo de
entrevistados/as demonstrou ter uma reflexão com diferentes níveis de elaboração e
aprofundamento, apresentando também uma pluralidade de olhares e enfoques
sobre o tema. Os/as entrevistados/as reconhecem que esse é um tema relativamente
novo e complexo, que ainda não apresenta consenso entre os especialistas:
Esse é um tema que ainda apresenta muita divergência dentro do próprio
grupo (Claudia).
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As posições oscilam entre aquelas mais relativistas e aquelas que
predominam, conscientes da tensão entre universalismo e relativismo, mas que
defendem a importância de afirmar a universalidade no tratamento das questões
relativas aos direitos humanos:
Nos últimos 30 ou 40 anos, acho que foi muito benéfica essa discussão, mas
teve uma conseqüência séria, que nos levou a um relativismo total; se não
há uma referência universal, vale tudo, o que a cultura diz é o que vale.
Frente a isso, eu tenho uma postura teórica diferente, a partir de uma
discussão mais filosófica, epistemológica. Penso que, se não há uma
referência racional que possa se tornar universal, há referências vinculadas
àquilo que é fundamental na gente, que é a afetividade, que, sim, pode se
tornar universal (Alexandre).
Uma entrevistada destaca o princípio da universalidade dos direitos
humanos e acrescenta que, caso contrário, não são direitos humanos. Coloca o
centro no direito à vida, que não pode ser violado. Salienta o avanço na
consciência moral da humanidade em relação à conquista de determinados
direitos, que já não aceita mais que sejam violados, como a inferioridade da
mulher frente ao homem, o que não significa a não-aceitação em uma determinada
cultura específica, mas a negação de seu caráter absoluto. Assim se expressa:
Eu parto do princípio de que os direitos humanos são universais ou não são
direitos humanos, são direitos de alguns humanos, mas não direitos humanos.
Eu estou acompanhando bastante a polêmica sobre essa universalidade e
compreendo perfeitamente os choques que provocam quando falamos nessa
universalidade, mesmo reconhecendo o direito à cultura. A minha posição tem
sido no sentido de, compreendendo as diferenças culturais, que não tomo
como desigualdade, há uma hierarquia óbvia quando se fala em direitos
humanos que tem a ver com seu núcleo fundamental, que é o direito à vida.
Ou seja, tudo aquilo que, em nome de uma prática cultural, viola o direito à
vida, o direito à integridade física e psíquica, deve ser enfrentado como uma
violação de direitos humanos, mesmo que se compreenda o dado cultural. [...]
Eu vejo a universalidade dos direitos humanos como algo que está em
processo, que vai acompanhando esse aprofundamento da consciência moral
da humanidade (Luciana).
Também há aqueles que destacam o sentido histórico das conquistas dos
direitos humanos, enfatizando que a universalidade é uma conquista histórica:
É ainda um tema bem polêmico. Eu acredito que definir os direitos humanos
como universais é uma conquista histórica dada em determinado momento
histórico. [...] Acho que é importante a noção de universalidade, mas ela
não é jusnaturalista. Não é uma noção que parte de uma idéia de que existe
uma realidade dada e acabada (Luiz).
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219
O mesmo entrevistado, junto com dois outros, fazem referência também à
necessidade no mundo atual de realizar um diálogo intercultural para chegar a
aproximações do que seria a dignidade humana para outras culturas não
ocidentais, na perspectiva do que propõe Boaventura de Sousa Santos (2003).
Esses depoimentos se situam nesta linha:
Existe todo um campo dado pelo multiculturalismo que apresenta a
necessidade de um diálogo intercultural, de pontos que podem se tornar
universais. [...] Quando se construiu a universalidade se fez a partir de um
olhar europeu: esses são os direitos, isso é dignidade humana. Eu posso até
concordar que boa parte disso ou tudo isso é assim, mas como isso é
entendido por um chinês, um indígena ou um islâmico? Não
necessariamente é entendido dessa forma. Os direitos que se tornaram
universais são direitos surgidos da noção de indivíduo, que é uma noção que
em muitas sociedades não é a fonte primária da existência da dignidade
humana. [...] Construir universalidade ou concepções universais só pode
ser viável a partir desse diálogo (Luiz).
Por outro lado, na América Latina temos que pensar os direitos universais,
mas pensar direitos humanos próprios, nossos. O direito humano à
soberania, por exemplo. Não só de cada nação, mas latino-americano, ou
quem sabe uma nova independência que nos possibilite construir não a
subordinação de um país a outro, de uma nação a outra, mas laços de uma
grande configuração latino-americana, como Bolívar projetava, não nas
dimensões do século XIX, mas do século XXI, com todas as questões
decisivas para nossos povos, alimentação, respeito à pluralidade cultural
etc. (Augusto).
Quando perguntados sobre as manifestações dos direitos de igualdade e de
diferença, os/as entrevistados/as também voltaram a fazer referência a Boaventura
de Sousa Santos quando trata da articulação dessas duas dimensões:
Eu prefiro ficar com a posição de Boaventura Sousa Santos, quando, ao
defender uma visão multicultural dos direitos humanos, respeitando e
aceitando a universalidade, diz o seguinte: apelo ao meu direito à
identidade, ao exercício da minha identidade quando o não-reconhecimento
desta identidade me causa algum dano, mas, ao mesmo tempo, apelo para a
universalidade dos direitos humanos quando alguma diferença da minha
identidade me leva a ser discriminado. São os dois lados da mesma moeda.
São os dois lados dos direitos humanos que nos permitem uma igualdade
diante da lei, uma igualdade diante dos direitos fundamentais, econômicos,
culturais, sociais, ambientais e políticos, mas também a igualdade de se
expressar e de ter uma identidade diferente, porém não desigual. Diferente
em termos de fenótipo, de língua, de cultura, de orientação sexual, religiosa,
política etc. (Luciana).
A maioria reconhece que, apesar de a sociedade brasileira ter ainda
bastante caminho a percorrer para a afirmação dos direitos da igualdade e da
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220
diferença, existe também uma série de conquistas que vêm sendo feitas para a
incorporação de políticas públicas orientadas a diferentes grupos socioculturais. O
papel dos movimentos sociais tem sido fundamental nessa perspectiva, como
afirmam os seguintes depoimentos:
Na sociedade brasileira, a questão da diferença está presente como em toda
sociedade contemporânea. E ela começa, de alguns anos para cá, a partir
das reivindicações, das demandas, das lutas vindas de muitos movimentos
sociais (Luiz).
Nós [no Brasil] temos um discurso mais complexo, porque se por um lado
somos um país com muitos pobres, com muitas necessidades básicas, por
outro, somos um país muito rico e uma parte da população usufruímos de
uma capacidade de acesso a bens e serviços muito grande. Por um lado,
temos a necessidade de trabalhar muito fortemente o regime da igualdade, o
que basicamente supõe a defesa de direitos básicos: econômicos, sociais e
também políticos. Por outro lado, temos que expandir também a questão dos
direitos à diferença e vamos ter que trabalhar os dois registros. Parece-me
que não dá mais para pensar igualdade e diferença como coisas separadas,
muito menos impostas; são complementares (Alexandre).
A maioria dos/as entrevistados/as menciona diferentes aspectos em que se
percebe o avanço da legislação em relação a essa problemática. São destacados o
Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do idoso, a Lei Maria da Penha
(em relação à violência contra a mulher), as políticas de cotas para assegurar o
ingresso nas universidades de negros, indígenas e da população de baixa renda e a
lei de incorporação da História da África no currículo escolar, entre outras.
Também reconhecem que ainda falta avançar muito mais para construir
verdadeiramente uma sociedade plural, como salienta este entrevistado:
A gente está começando a avançar hoje e eu acho que os movimentos sociais
estão começando a fazer esse processo e atuando em relação a diferentes
áreas da sociedade. Não basta só levantar a questão das diferenças e
garantir direitos através da lei, mas é necessário que passe a existir uma
sociedade realmente plural. [...] A sociedade brasileira tem que avançar
num processo inclusivo em que não exista um único padrão (de homem
branco, católico, de origem européia, urbano, etc.) (Luiz).
Quando perguntados por essas questões em relação à educação formal e,
especificamente, à escola, a maioria dos/as entrevistados/as se sentiu mais distante
do tema e sem muita competência para abordá-lo. Reconhecem que essa questão
também é nova para a escola e que há ainda um longo caminho a ser percorrido,
como salientam estas duas profissionais:
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221
Na escola, eu diria que ainda é muito incipiente, por conta de que temos
uma escola muito preconceituosa, e nós, enquanto sujeitos, também o
somos. Nós somos preconceituosos, nós discriminamos, nós não respeitamos
as pessoas e isso se reflete na escola. Agora, se a escola se abre a trabalhar
a questão da tolerância, da solidariedade, da não-discriminação, aí muda
de figura, aí a educação tem um papel fundamental nessa mudança
(Claudia).
Os professores, na maioria das vezes, tendem a negligenciar aquele que é
diferente, até por um motivo óbvio: ele dá mais trabalho! [...] Acho que
ainda temos um caminho longo pela frente (Luciana).
Finalizamos esta categoria com a apreciação deste entrevistado, que parece
que recolhe a complexidade atual do tema da articulação dos direitos da igualdade
e da diferença na escola:
A tendência da sociedade contemporânea é à massificação e à
homogeneização, e um país como o Brasil perderia muito se isso se fizer
passando por cima da diversidade. Ao mesmo tempo que há uma tendência à
equalização – a universalização da internet, que é prioritária, tem que
universalizar isso na escola –, até que estamos atrasados em relação a isso.
Por outro lado, deve-se ter muito cuidado em preservar a singularidade das
regiões, os costumes, as práticas, as experiências regionais, toda a riqueza
do país (Alexandre).
5.3.7
“Mudar as mentalidades é uma tarefa importante da educação em
direitos humanos”
Até aqui tentamos fazer uma leitura junto com os/as protagonistas da
educação em/para os direitos humanos no Brasil. Entrecruzamos olhares,
experiências, vivências de cada um/a dos/as entrevistados/as e da pesquisadora,
numa tentativa de construção de interlocução. Há ainda muito para ser dito,
olhado, sistematizado, como alguns dos/as entrevistados/as afirmaram:
Eu acho que mudar as mentalidades é uma tarefa importante e a educação
em direitos humanos está nesse campo. Estamos no começo, e como fazer
são “outros quinhentos”... (Cecília).
Neste item recolhemos alguns comentários finais em que a maioria dos/as
entrevistados/as reafirmou alguma das idéias já explicitadas. Destacamos as que
consideramos mais relevantes:
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222
Acho que são dois motes importantes [para a educação em direitos
humanos]: ‘não há educadores nem educandos’ e ‘os seres humanos se
educam em comunhão’. Você tem aqui a questão da igualdade, inclusive a
do saber, do diálogo, do saber formal, mas respeitando o saber informal do
aluno e não querendo colonizar o aluno. [....] O professor também tem medo
do novo, às vezes mais que o aluno. Isso que eu gostaria de complementar:
de um lado a dialogicidade e de outro a solidariedade (Vicente).
A gente hoje fica muito mais motivada, porque nós temos vários parceiros
[na educação em direitos humanos] com quem podemos contar. [...] O que
falta é trabalhar mais esse lastro de formação, uma formação que é inicial,
contínua, produção de material didático, e avançar na mídia, porque a
mídia é que trabalha com a subjetividade das pessoas. Então, se a gente
conseguir atingir uma parte dessa mídia, nem digo sua totalidade, aí eu digo
que é o grande salto de qualidade que temos de dar (Claudia).
Concluímos este item com estas duas entrevistadas, que em seus
comentários finais destacaram o horizonte de sentido da educação em/para os
direitos humanos no qual acreditam e que as mantém atentas e alertas nessa longa
caminhada:
Eu acredito nesse projeto [educação em/para os direitos humanos], eu acho
que é por aí que temos que mudar as mentalidades, fazer alguma coisa na
prática. Mudar a política, mas como? Mudando a cabeça dos políticos.
Vamos fazer isso com a educação em direitos humanos agora, como fazer
essa educação que é o desafio para nós que acreditamos nisso. Se não
mudarmos as cabeças, será muito esforço para pouco resultado (Cecília).
Eu costumo dizer aos meus alunos que sou professora, logo otimista. Que
por pior que esteja a situação, quem se dedica à educação e aos direitos
humanos tem que continuar com aquela máxima do Gramsci ‘que podemos
ser pessimistas no diagnóstico, mas otimistas na vontade e na ação’. Se nós
acharmos que não adianta, eu nem entro em sala de aula. Para que vou
discutir política, se eu acho que não adianta nada, se acho que política é
uma porcaria, que não vale a pena... Às vezes ficamos desanimados, mas
considero que, num país como o nosso, com tantas desigualdades, o
otimismo da vontade é uma posição revolucionária (Luciana).
5.4
Democratização e educação em/para os direitos humanos: avanços,
dificuldades e desafios
Segundo Carvalho (2005:193), os brasileiros iniciaram o que se chamou
Nova República com o sentimento de terem participado de uma grande
transformação nacional e de terem colaborado na criação de um país novo.
No entanto, depois de mais de vinte anos de processo democrático no país, a
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223
democracia continua sendo bastante frágil em várias dimensões. Recente pesquisa
do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre a
democracia na América Latina, realizada em 18 países do continente e divulgada
em 2004, revelou que 54,7% das pessoas entrevistadas aceitariam um regime
autoritário se ele resolvesse os problemas econômicos do país. Da mesma forma,
56,3% desse contingente acha mais importante ter desenvolvimento econômico do
que democracia. Nesse universo, o Brasil ocupa a 15ª posição entre os 18 países da
pesquisa, em relação à adesão da população aos princípios democráticos.
O país continua apresentando elevados índices de pobreza e de
desigualdade, que restringem o acesso à justiça, reforçam a criminalidade e a
insegurança e limitam a participação e os processos de organização da cidadania.
É nesse contexto que se dá o percurso da educação em/para os direitos
humanos no Brasil. Fica evidenciado, tanto nas entrevistas como na análise realizada
das políticas públicas e na ação da sociedade civil, que no período referido neste
estudo houve avanços consideráveis na afirmação da importância de uma educação
em/para os direitos humanos. É possível perceber nesse processo ações localizadas
mais no campo da sensibilização e informação do que no campo do desenvolvimento
de processos formativos que permitam mudanças de mentalidades, valores,
comportamentos e atitudes dos diferentes sujeitos que deles participam.
Convém ter presente que esse cenário não é monolítico, mas está
atravessado por tensões, numa correlação de forças marcada pela assimetria. Por
outra parte, numa república federativa como a brasileira convivem diferenças e
conflitos entre diferentes níveis de governo – federal, estadual e municipal –,
assim como nas relações entre o Estado e os movimentos organizados da
sociedade civil.
No entanto, fica claro que esse reconhecimento e a concretização dos
direitos para todos os cidadãos só são possíveis com a implementação de políticas
públicas de qualidade. Para que isso se realize, a sociedade civil tem papel
imprescindível no monitoramento, acompanhamento e cobrança da execução das
próprias políticas.
Tendo presente este cenário atual, de acordo com Candau (2000:113),
assinalaremos alguns desafios e tensões especialmente significativos para o
desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos.
Um primeiro aspecto diz respeito à fragmentação, tanto das ações como
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224
dos sujeitos privilegiados, cada vez mais diversificados. As equipes de trabalho e
as instituições vêm sendo obrigados a especializar-se em determinados temas,
como direitos das crianças e adolescentes, das mulheres, dos indígenas, dos
negros, dos idosos, relacionados à moradia, saúde, terra, meio ambiente etc. Ainda
que essa especialização possa dar mais consistência e profundidade ao trabalho
realizado, corre-se o risco de produzir uma grande fragmentação e dispersão,
dificultando a articulação de lutas e demandas mais coletivas e globais.
Por outro lado, a tensão entre colaboração e cooptação representa um
importante desafio. A parceria entre órgãos públicos e instituições da sociedade
civil, especialmente ONGs, vem se intensificando. Sem dúvida as políticas
públicas devem incorporar os diferentes agentes sociais em função de sua própria
função pública. No entanto, essa colaboração não deve ser unicamente no
momento da execução dos programas e planos. Deve se dar na participação em
todo o processo, desde o momento da concepção até o final da implementação e
da avaliação. Em muitos casos, as ONGs, pressionadas por questões financeiras,
fazem parcerias assimétricas com os órgãos públicos, transformando-se no braço
executivo de políticas públicas e inibindo seu potencial crítico e propositivo.
Um terceiro aspecto a ser assinalado se relaciona à polissemia do discurso e
diferentes marcos de referência da educação em direitos humanos. Especialmente
nas dimensões político-ideológica e pedagógica, convivem diferentes concepções,
que vão do enfoque neoliberal, centralizado nos direitos individuais, civis e
políticos, até os enfoques histórico-críticos de caráter contra-hegemônico, nos quais
os direitos humanos são uma referência no processo de construção de uma
sociedade diferente, justa, solidária e democrática, em que a redistribuição e o
reconhecimento se articulam, tendo como centro a indivisibilidade e
interdependência das diferentes gerações de direitos. Essa diversidade de enfoque
exige um contínuo discernimento, imprescindível para manter a coerência entre os
marcos teóricos assumidos e as práticas desenvolvidas.
Construir uma cultura dos direitos humanos constitui outro desafio
permanente. A sociedade brasileira está profundamente marcada pelo autoritarismo
e pela lógica do apadrinhamento e do privilégio. Criar condições que permitam
afetar as mentalidades e favorecer processos para o desenvolvimento de uma cultura
permeada pelos direitos humanos é ainda um grande desafio. Sem dúvida a
educação, tanto no âmbito formal como no não-formal, é um elemento importante
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225
para a construção de sujeitos que internalizem e expressem essa cultura em
comportamentos e ações cotidianas.
A formação de educadores/as constitui um de seus principais alicerces para o
desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos. Nessa área foram feitos
avanços, especialmente na última década, mas ainda é frágil a introdução dessa
temática na formação inicial e continuada de professores/as e educadores/as em geral.
Poucas são as organizações que trabalham sistematicamente nessa temática. No
entanto, trata-se de uma questão fundamental se queremos construir uma cultura dos
direitos humanos que contribua para afirmar a democracia e seus processos.
Nos últimos anos, vem emergindo com força a necessidade de incorporar a
questão das diferenças culturais nos processos educativos. Os movimentos sociais
que se desenvolveram tendo como foco principal as identidades específicas
favoreceram, em toda a sociedade, uma maior consciência dos diferentes grupos
socioculturais presentes no tecido social do país e do continente. No entanto, a
cultura dominante nos processos educativos ainda é extremamente
homogeneizadora e monocultural. A educação em/para os direitos humanos
favorece o reconhecimento de diferentes grupos sociais, étnicos e culturais, assim
como de diferentes formas de produzir conhecimentos, saberes e racionalidades,
gerando espaços para que sejam assumidos pela educação tanto no âmbito formal
como não-formal e favorecendo o diálogo intercultural.
Articular os direitos de igualdade com direitos da diferença é uma questão
fundamental no momento presente. Atualmente não podemos falar de igualdade
sem incluir as questões relativas à diversidade, nem podemos falar de diferença
dissociada da afirmação da igualdade. A igualdade não se opõe à diferença, e sim
à desigualdade. Diferença se opõe à padronização e à uniformidade. No mundo
atual, não podemos pensar a igualdade sem incorporar o reconhecimento das
diferenças, o que supõe lutar contra todas as formas de desigualdade, preconceitos
e discriminação.
Como afirma Nancy Fraser (2004:250),
devemos encontrar uma maneira de combinar a luta por um
multiculturalismo anti-essencialista com igualdade social. Somente então
poderemos desenvolver um modelo de democracia radical que inspire
credibilidade e uma política adequada para nossa época; um lema
prometedor para esse projeto seria: ‘não há reconhecimento sem
redistribuição’.
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6
Considerações finais
Educação em/para os direitos humanos na América Latina:
tensões, sonhos, perspectivas
Embora a educação em/para os direitos humanos tenha sua origem no
continente na segunda metade da década dos anos 1980, no final das ditaduras
militares que afetaram dramaticamente vários países, é nos contextos de
redemocratização que vai se desenvolver e construir sua identidade.
Este trabalho não teve por objetivo analisar os processos de re-
democratização, e sim situar nesse contexto o aprofundamento de nosso objeto de
estudo: a educação em/para os direitos humanos. Nesse sentido, podemos afirmar
que os processos de redemocratização constituíram um pano de fundo para o
desenvolvimento da pesquisa. Entendemos nosso objeto de estudo como o
resultado de uma intensa e corajosa experiência social e histórica, que se constrói
e tece no cotidiano de seus protagonistas: cidadãos/ãs, grupos sociais e
comunidades que lutam por seus direitos e constroem juntos sua vida em comum.
Os estudos de caso do Chile e do Brasil mostraram que essa experiência
social, política e cultural no período estudado teve alguns pontos em comum e
muitos caminhos próprios e particulares em cada país.
Dentro dos pontos em comum, uma afirmação do Relatório do PNUD
(2004:12) sobre a democracia na América Latina fica evidenciada pelo processo
vivido em ambos países: “não há problemas com a democracia, mas há problemas
na democracia”.
Com maior ou menor rejeição, o sistema democrático tem sido, em
princípio, assumido pela população em geral, mas as dificuldades, os desconfortos
e as decepções aparecem com a democracia realmente existente, que, depois de
quase vinte anos, não tem conseguido diminuir as desigualdades sociais e, ainda
reconhecendo-se que constitui um passo importante para a superação das
ditaduras militares, não tem conseguido caminhar do modelo de uma democracia
representativa e “delegativa” para uma democracia participativa, promotora de
uma cidadania ativa. No entanto, como lembra o próprio Relatório do PNUD
(2004: 21-22),
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227
os déficits, as lacunas, as ciladas que se lançam sobre nossas democracias não
deveriam levar-nos a esquecer que deixamos para trás a longa noite do
autoritarismo. Foram-se as histórias dos temores, dos assassinatos, dos
desaparecimentos, das torturas e do silêncio esmagador que tem a falta de
liberdade. A história, em que uns poucos se apoderaram do direito de
interpretar e decidir o destino de todos, ficou para trás. Temos problemas,
numerosos e alguns muito graves, mas guardamos a memória desse passado, e
desejaríamos que ele não se esgotasse em nós, para que nossos filhos saibam
que a liberdade não nasceu espontaneamente; que protestar, falar, pensar e
decidir, com a dignidade de mulheres e homens livres, foi uma conquista
árdua e demorada. Precisamos ser críticos com a nossa democracia, porque
essas lembranças nos obrigam a custodiá-la e aperfeiçoá-la.
Outro ponto comum em ambos os países em relação aos atores
entrevistados, protagonistas do processo e fundadores da educação em/para os
direitos humanos, é a concepção e o convencimento de que para construir um
projeto realmente democrático a educação em/para os direitos humanos é uma
mediação fundamental, como expressa Benevides
82
:
só assim teremos uma base para uma visão mais global do que seja uma
educação democrática, que é, afinal, o que desejamos com a educação em
direitos humanos, entendendo ‘democracia’ no sentido mais radical – radical
no sentido de raízes –, ou seja, como o regime da soberania popular com
pleno respeito aos direitos humanos.
No entanto, ainda não foi possível concretizar, até o momento presente,
esse horizonte ético-político e cultural de concepção democrática nos processos
vividos em ambos os países, devido aos limites e contingências dos projetos
desenvolvidos. De certa forma, os dois países podem ser paradigmas dos projetos
que se vêm desenvolvendo no continente, com suas tensões e contradições: o
neoliberal e o participativo popular.
Nesse sentido, o processo chileno de recuperação da democracia assumido
pelos governos da Concertación a partir de 1990 tem-se configurado dentro do
esquema de manutenção e aperfeiçoamento das reformas econômicas neoliberais.
Nessa perspectiva, foi modificado parcialmente o marco constitucional
estabelecido no governo do general Pinochet, a reconstrução política se fez
através dos partidos tradicionais que formaram a Concertación e a construção da
www.dhnet.org.br
82
BENEVIDES, M. V. Educação em direitos humanos: de que se trata? Disponível em
, acessado em 29/1/2008.
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228
democracia vem se desenvolvendo dentro dos limites da negociação político-
social possível, podendo ser afirmado que se trata de uma democracia negociada.
O eixo do mercado como centro regulador da sociedade e das políticas tem
transformado os sucessivos governos em provedores de serviços e ao cidadão em
usuário e “cliente”, esvaziando de sentido e força política as demandas sociais.
Percebe-se, no processo analisado, que a força organizativa e de luta social e
política que a sociedade civil chilena tinha adquirido no final dos anos 1980 para
superar a ditadura e reconstruir a democracia vai sendo desarticulada e
desmobilizada, nas décadas seguintes, pouco a pouco, pelo próprio caminho
democrático negociado, que foi debilitando sua força política, participativa e
reivindicativa, como expressam vários dos/as entrevistados/as.
Como afirmam Dagnino et alii (2006: 72), o Chile é lembrado nas análises
político-sociais como o caso de sucesso do modelo econômico neoliberal, em que a
noção de participação cidadã tem se despolitizado e reduzido aos aspectos mais
instrumentais da oferta de serviços. Nesse contexto, somente alguns pequenos
núcleos isolados da sociedade civil tentam construir novos espaços de participação.
Uma situação um pouco diferente se apresenta no caso do Brasil, em que uma
série de atores civis e políticos convergiram, na metade da década de 1980, em torno
de um projeto democrático-participativo que significou uma ruptura qualitativa com a
matriz política anterior e conseguiu abrir e assegurar a participação da sociedade civil
em decisões governamentais, o que culminou com a elaboração da nova Constituição,
em 1988. Consagrados nessa Constituição, o princípio e o direito à participação, se
bem ainda não plenamente alcançados, têm se concretizado ao longo das diferentes
décadas na criação de diferentes espaços públicos e instâncias de participação e
configuração das políticas públicas relacionadas aos direitos humanos em diferentes
níveis – local, estadual e federal –, referidas nos capítulos anteriores, especialmente
na segunda metade da década dos 1980 e início da década de 1990. Dagnino et alii
(2006:82) assim expressam esse momento:
Nessa conjuntura propiciada por uma correlação de forças favoráveis à
promoção da participação como instrumento de uma maior igualdade e
justiça social, a aposta da sociedade civil por uma atuação conjunta da
sociedade e o Estado propiciou uma ocupação dos âmbitos
institucionalizados de participação paritária e também de colaboração ativa
entre a própria sociedade civil organizada e alguns funcionários que se
sentiam identificados com o projeto democrático participativo.
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229
Consideramos que essa é uma diferença importante nos caminhos
percorridos por cada um dos países analisados. Embora essa referência de política
participativa no Brasil tenha sido uma realidade, do ponto de vista da política
econômica também se tem afirmado, a partir da década de 1990, o modelo
hegemônico neoliberal implementado pelos diferentes governos, realidade que
aproxima o país da experiência chilena. Nesse sentido, nos dois países, as
políticas relacionadas à universalização dos direitos fundamentais para toda a
cidadania como instrumentos de construção da igualdade, que tinham sido uma
longa conquista dos diferentes segmentos sociais ao longo do século XX, foi
sendo profundamente afetada. Esse debilitamento dos direitos pode ser observado
em diferentes dimensões, especialmente na perda das frágeis conquistas em
relação aos direitos econômicos e sociais, que foram sendo deslocados para a
esfera do mercado e o âmbito privado.
Neste sentido, a concepção de cidadania passa a ser vista pela ótica do
consumo, colocando em risco a própria sustentabilidade da vida, como destaca
Borón (2001:1):
a avassaladora tendência à mercantilização de direitos e prerrogativas
conquistados pelas classes populares ao longo de mais um século de luta,
convertidos agora em ‘bens’ ou ‘serviços’ adquiríveis no mercado. A saúde,
a educação e a previdência social, por exemplo, deixaram de ser
componentes inalienáveis dos direitos cidadãos e se converteram em
mercadorias trocadas entre ‘provedores’ e compradores à margem de toda
regulação política. E uma coisa de particular interesse para muitos de nós, o
meio ambiente também tem sofrido um acelerado e gravíssimo processo de
mercantilização que não só coloca em questão a justiça e a iniqüidade de
uma ordem econômica como a capitalista mas também deteriora
radicalmente a sustentabilidade da vida no planeta.
No entanto, é neste contexto de grande complexidade e perpassado por
contradições que se deu o desenvolvimento da educação em/para os direitos
humanos.
Retomando as perguntas iniciais que fizemos na introdução quando
começamos o caminho da pesquisa e nossa hipótese de trabalho, assinalaremos
algumas tensões que consideramos de especial relevância, tendo o objetivo de
destacar perspectivas para o desenvolvimento da educação em/para os direitos
humanos no continente.
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230
6.1
Avanço na legislação – efetivação de direitos
A primeira tensão destacada se situa entre os avanços na legislação sobre
direitos humanos e sua efetivação na prática de cada contexto.
Um dos fatos marcantes do momento atual é a força que a questão dos
direitos humanos adquiriu na agenda e nos discursos, tanto no âmbito
internacional como nacional. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos,
realizada em Viena, em 1993, teve papel especial nesse processo, mas toda a
década de 1990 foi de especial importância pela realização de diferentes
conferências mundiais promovidas pela ONU, que, como já fizemos referência no
segundo capítulo, promoveram os direitos humanos como tema global.
Tanto pelo aspecto jurídico como pela dimensão política, os diversos
instrumentos de direitos humanos promovidos e adotados pela ONU e pelos
sistemas regionais modificaram de maneira profunda a visão e o sistema das
relações internacionais em relação com o tema. Como afirma Alves (1997:17):
independentemente das posturas individualizadas de certos governos sobre o
assunto, o fato é que hoje os direitos humanos não são mais juridicamente
confinados ao domínio reservado das jurisdições nacionais, sobre as quais a
comunidade internacional, em princípio, não se poderia pronunciar.
Outro aspecto também importante em relação aos avanços, especialmente
da década de 1990, foi a assinatura e ratificação, por parte de muitos países do
continente, entre eles o Chile e o Brasil, de vários dos documentos internacionais
sobre o tema, o que levou progressivamente à sua incorporação nos corpos
normativos nacionais na mesma década.
No entanto, uma das mais visíveis contradições dessa época reside na
simultaneidade com que se afirmam e se incorporam nos instrumentos legais os
direitos humanos e a aplicação de políticas econômicas e sociais neoliberais que
geram exclusão e desigualdade e afetam de modo substantivo os direitos
econômicos e sociais.
Se, por um lado, do ponto de vista normativo os direitos humanos acham-
se agora conceitualmente universalizados, os mecanismos internacionais de
controle legitimados e todo esse conjunto de diferentes elementos jurídicos do
sistema internacional compõem uma arquitetura protetora dos direitos
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231
fundamentais de todos os seres humanos, por outro, as ameaças concretas a esses
mesmos direitos vêm crescendo de forma assustadora. Continuam os fanatismos e
fundamentalismos de todo tipo, as discriminações, intolerâncias e preconceitos,
além do crescimento da pobreza e da exclusão, como reconhece o Secretário de
Direitos Humanos do Brasil, Paulo Vanucci (2006:1):
o grande paradoxo dos direitos humanos é o de que há um avanço na
compreensão, nas institucionalidades que os países constroem. Mas há uma
grande distância entre essas institucionalidades e a realidade concreta das
violações diárias de direitos humanos.
Embora a Declaração e o Programa de Ação de Viena (1993) tenham
estabelecido a interdependência entre democracia, direitos humanos e
desenvolvimento, essa articulação ainda constitui um grande desafio.
Nos dois países analisados, por mais que se tenha avançado nas políticas
de direitos humanos, e certamente houve um avanço significativo, essa articulação
ainda é frágil, tanto do ponto de vista da implementação de políticas públicas
como de constituírem, como propõem os/as entrevistados/as, um eixo importante
para medir a qualidade da democracia e em relação à sua importância para a
construção de novas mentalidades capazes de promover uma cultura dos direitos
humanos, como destaca Benevides (2000:28):
quando se fala de uma cultura em direitos humanos, se pensa na mudança
cultural, na formação de uma nova mentalidade que possa efetivamente
mexer com tudo aquilo que, enraizado em nossa cultura, orienta
preconceitos, discriminações, não-aceitação da igualdade de direitos e das
diferenças. Mudança também que possa implicar a transformação das
estruturas econômicas, sociais e políticas injustas.
Do ponto de vista da formação das mentalidades, continua muito presente
na sociedade a identificação entre direitos humanos e direitos civis e políticos,
com a eliminação da tortura, das desaparições, perseguições e assassinatos, assim
como com a recuperação dos direitos da liberdade de expressão, participação e
associação. Com menor incidência, também é identificada a expressão direitos
humanos com os direitos à moradia, à educação, à saúde, ao emprego etc.
Em relação à implementação de políticas públicas sobre direitos humanos
e sua articulação com o desenvolvimento da democracia, nos estudos de caso foi
possível identificar algumas diferenças entre o Chile e o Brasil. No Chile, o tema
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232
dos direitos humanos continua sendo um eixo de tensão na construção
democrática. Embora tendo sido implementadas inúmeras medidas reparadoras
das violações cometidas durante a ditadura, essa questão continua não sendo
adequadamente resolvida para a sociedade e continua sendo uma forte tensão em
relação à construção democrática, que os diferentes governos do período estudado
parecem não ter tido força suficiente para enfrentar de modo radical.
O Brasil tem enfrentado as questões relativas às violações cometidas pela
ditadura, e, apesar de não terem sido ainda plenamente resolvidas, esse tema não
ocupa lugar central no cenário político. O país tem avançado nas questões
normativas referentes aos direitos humanos, com a elaboração dos diferentes
programas e instrumentos já mencionados, mas, na prática, o nível de violações e
contradições em relação à efetivação dos diferentes direitos para toda a população
ainda é muito grande e distante de se constituir em um elemento qualificador da
democracia.
Da mesma forma que toda a legislação sobre os direitos humanos, em sentido
amplo, tem avançado, como mostramos nos capítulos anteriores, também a
legislação em relação à educação em/para os direitos humanos tem dado passos
significativos. No entanto, o que foi argumentado sobre a distância entre o
arcabouço jurídico e a efetivação real dos direitos humanos pode também ser
aplicado no caso específico da educação em/para os direitos humanos. Como
registra o Informe Interamericano da Educação em Direitos Humanos (2002: 10),
do Instituto Interamericano de Derechos Humanos da Costa Rica:
há indícios da formulação de políticas públicas que favorecem a educação
em direitos humanos em vários países, mas estas não têm se consolidado
como políticas de Estado, se limitam a formar uma constelação,
freqüentemente muito dispersa, de programas e projetos temporários, e o
desenvolvimento institucional é desigual.
No caso do Chile, vimos que o tema dos direitos humanos entrou na
reforma educativa como um tema transversal no primeiro governo democrático e
se mantêm até o presente, mas os/as próprios/as entrevistados/as reconhecem que
ainda não foi assumido como uma política de Estado com determinação capaz de
provocar mudanças sociais e afetar as mentalidades.
No Brasil, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, formulado
na presente década, é certamente um passo importante, do ponto de vista político,
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233
mas os/as entrevistados/as, ao mesmo tempo que reconhecem sua importância,
manifestam que falta muito para ser considerado uma verdadeira política de Estado,
assumida pelos ministérios correspondentes, tanto no enfoque como na
disponibilidade de verbas.
Sem dúvida essa tensão entre os avanços na legislação e a verdadeira efetivação
dos direitos na realidade de cada país e no continente constitui um desafio
fundamental para o desenvolvimento da educação em/para os direitos humanos.
6.2
Sociedade civil – políticas públicas
A segunda tensão destacada se coloca entre o papel e a importância que a
sociedade civil tem para o desenvolvimento da educação em/para os direitos
humanos e a implementação de políticas públicas sobre esse tema por parte do
Estado.
Certamente o surgimento e o início do desenvolvimento da educação
em/para os direitos humanos na América Latina se deram através da sociedade
civil, e as ONGs tiveram papel especialmente importante. Nesse processo, há uma
vinculação inicial bastante forte no interesse que o tema tinha para os
profissionais que tinham sido vítimas das violações dos direitos humanos no
período das ditaduras. No entanto, alguns/mas entrevistados/as manifestam a
importância de ampliar o foco do entendimento dos direitos humanos,
ultrapassando as questões relativas à denúncia e à defesa, afirmando-se as
questões relativas à promoção e educação como um eixo norteador para a
construção de sociedades democráticas e justas.
Uma característica importante, que pode ser identificada desde o início, é o
trabalho e a articulação em rede para o apoio mútuo, intercâmbio de experiências e
fortalecimento institucional. Essa promoção de redes nos países pesquisados se dá
mediante o apoio de instituições continentais e de outros continentes, que financiam a
promoção da educação em/para os direitos humanos e desenvolvem um papel
fundamental, especialmente na década de 1980.
No caso brasileiro, foi o Instituto Interamericano de Direitos Humanos
(IIDH), da Costa Rica, que deu o apoio profissional e econômico até o início da
década de 90. A partir dessa data, as instituições da sociedade civil e os
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234
profissionais engajados do país continuaram trabalhando nesse campo, mas houve
um debilitamento dos laços interinstitucionais; posteriormente, foram novamente
articulados através da criação da Rede Brasileira de Educação em Direitos
Humanos.
Até hoje, consideramos que continuam sendo importantes as iniciativas
das instituições da sociedade civil, especialmente das ONGs que trabalham nessa
temática e têm acumulado um capital de reflexão e experiência profissional, bem
como elaborado diferentes materiais e publicações.
No Chile, foi o Conselho de Educação de Adultos da América Latina
(CEAAL) que desempenhou o papel de promotor e aglutinador de esforços e
mantém até o presente o seu apoio, embora debilitado pela diminuição do
financiamento da cooperação internacional, através da Rede Latino-Americana da
Educação para a Paz e os Direitos Humanos. Várias ONGs em que trabalham os
profissionais entrevistados são membros dessa rede.
A origem da educação em/para os direitos humanos se dá quase
simultaneamente em vários países do continente, especialmente do Cone Sul,
juntamente com a luta pela superação das ditaduras militares. No entanto,
podemos reconhecer no Chile um núcleo de profissionais que iniciam uma
reflexão sistemática sobre o conteúdo da educação em/para os direitos humanos e
que podem ser considerados “fundadores”. Esses profissionais desenvolveram
uma trajetória profissional referida a essa temática reconhecida em seu país e no
continente, e, até o momento, alguns deles continuam sendo uma referência
fundamental para o aprofundamento na educação em/para os direitos humanos,
como expressa Magendzo (2005:1) referindo-se ao início desse processo:
falar então deste tema [a educação em direitos humanos] não só era muito
perigoso, mas também os espaços de interlocução eram muito escassos.
Existiam temores reais. No entanto, devemos reconhecer que algumas
instituições, alguns professores e professoras e ativistas dos direitos
humanos, desafiando o contexto repressor e apoiados na solidariedade
internacional, se organizaram e promoveram oficinas de educação em
direitos humanos, especialmente no âmbito da educação popular. Foram as
ONGs e os movimentos populares os que tiveram um papel central.
Devemos reconhecer, no entanto, que preferentemente falavam os que
tinham sido golpeados física, moral e psicologicamente.
Um aspecto que nos chamou a atenção foi o papel desempenhado pela
Unesco. Sendo esta uma instituição do sistema ONU, referência no tema da
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235
educação em/para os direitos humanos através dos documentos e atividades que
promove, como destacamos no terceiro capítulo, nos países pesquisados não foi
identificada como uma instituição de referência destacada pelos/as entrevistados/as.
Pelo contrário, foi assinalada sua ausência e pouca relevância, a não ser nestes
últimos anos no Brasil, como membro do Comitê de Educação em Direitos
Humanos, promovido pelo Governo Federal, e pelo apoio financeiro que tem dado
para a realização do referido Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
No âmbito do Estado, a formulação de políticas públicas na área da
educação em/para os direitos humanos na América Latina começou na década de
1990. Como já fizemos referência, o Chile, desde o início do processo de
redemocratização, estabeleceu uma comissão ministerial para a discussão do tema e
sua incorporação no currículo escolar através dos temas transversais. Vários
integrantes dessa comissão vinham do âmbito das ONGs e consideravam o tema de
fundamental importância, uma mediação importante para a nova construção
democrática, oferecendo outras bases para a formação de uma cidadania ativa,
consciente do “nunca mais”, depois de quase vinte anos de ditadura. No entanto,
como os/as entrevistados/as reconhecem, não houve o impacto esperado, faltou
força e determinação política por parte do Estado, tendo sido a educação em direitos
humanos implementada de modo frágil e limitado. Magendzo (2005:2) identifica
essa questão nos seguintes termos:
um problema que a educação em direitos humanos tem enfrentado é a
marcada tendência a aceitar o discurso oficial e as políticas públicas em
educação de forma acrítica. Existe um silêncio, um conformismo, uma
complacência, uma condescendência, consciente ou inconsciente. A
educação em direitos humanos entra necessariamente em conflito, em tensão
com este discurso oficial porque é em essência crítica, questionadora,
problematizadora.
No Brasil, no âmbito das políticas públicas, a educação em/para os direitos
humanos é assumida somente nesta última década. Essa temática vem
acompanhada por todo o trabalho prévio e as políticas em relação aos direitos
humanos que foram criando uma arquitetura normativa, primeiro através da
Constituição de 1988 e, posteriormente, pelos Programas Nacionais de Direitos
Humanos e suas decorrências, até chegar ao atual Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos (PNEDH). Esse processo permite afirmar que existe no país
um arcabouço normativo que pode ser identificado como um dos mais avançados.
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236
Essa realidade tem permitido implementar uma série de políticas públicas, mas
ainda se está longe de poder afirmar que a educação em/para os direitos humanos
se converteu numa mediação importante para a construção democrática. Ainda se
situa mais na esfera do sonho cheio de potencialidades do que da concretização
apontada pelo PNEDH (2007:18) em seus objetivos gerais:
destacar o papel estratégico da educação em direitos humanos para
o fortalecimento do Estado Democrático de Direito; [...]
enfatizar o papel dos direitos humanos na construção de uma
sociedade justa, eqüitativa e democrática [...].
Em ambos os países, a relação entre as ONGs e as políticas públicas na
década presente se configura pela ambigüidade entre as possibilidades de parceria
e de cooptação por parte do Estado. Sem dúvida, é importante somar esforços e
articular ações, mas sempre que isso não signifique perda de autonomia e de
liberdade institucional, ou que, no modelo das políticas neoliberais, não
transforme as ONGs no braço civil do Estado para executar políticas
governamentais sem que as ONGs e outros atores da sociedade civil tenham
participado de sua elaboração.
Finalmente, um aspecto que consideramos importante destacar em relação
aos/às profissionais entrevistados/as de ambos países, é a constatação de que a
educação em/para os direitos humanos é muito mais do que uma atividade
profissional; pode ser identificada como uma trajetória de vida que, uma vez
escolhida e assumida, marca a subjetividade e é muito difícil de se abandonar,
apesar de os caminhos profissionais tomarem novas direções.
6.3
Educação em/para os direitos humanos – diferentes concepções
A terceira tensão a que vamos nos referir se constitui entre a educação
em/para os direitos humanos e a polissemia de expressões que são utilizadas
relacionadas ao seu conteúdo.
A educação em/para os direitos humanos tem se desenvolvido utilizando
expressões que podem aparentar ser semelhantes, mas de fato apresentam sentidos
diferenciados. Na medida em que a educação em/para os direitos humanos tem
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237
conquistado espaço, como seu conteúdo não é neutro e tem forte dimensão crítica
e de denúncia, dependendo dos contextos políticos, foram emergindo diferentes
expressões, como: educação para a cidadania, educação para a paz, educação para
a democracia, educação cívica, educação em valores, educação para a tolerância,
educação para a diversidade etc. que são utilizadas segundo as circunstâncias e as
concepções educativas privilegiadas.
Essa polissemia denota uma delimitação do campo ainda não muito definida
e uma identidade em construção. Essa situação pode ser interpretada como um
risco de debilitamento de sua especificidade. Nesse sentido, tanto na produção
teórica como nas entrevistas, é afirmado que a especificidade e a identidade da
educação em/para os direitos humanos têm sido construídas de acordo com os
processos e as circunstâncias histórico-sociais, mas que essa construção exige
definição e não aceita ambigüidades, especialmente quando se trata de violação dos
direitos humanos. Reafirma-se que uma das características da educação em/para os
direitos humanos é sua orientação para a transformação social, a formação de
sujeitos de direitos e, nesse sentido, pode ser considerada na perspectiva de uma
educação libertadora e para o empoderamento dos sujeitos e grupos sociais
desfavorecidos, promovendo uma cidadania ativa capaz de reconhecer e reivindicar
seus direitos.
As políticas neoliberais atuais oferecem muita resistência ao
reconhecimento desse tipo de cidadania. Tendem a conceber a cidadania articulada
à esfera do mercado e a considerar os setores sociais mais vulneráveis como
“carentes” e objeto de políticas públicas “solidárias”, “caritativas”, criando
diferentes tipos de programas baseados em subsídios, como o Fondo de Solidaridad
e Inversión (Fosis), no Chile, o Programa Bolsa-Família, no Brasil ou,
anteriormente, o Programa Comunidade Solidária. Nessa perspectiva, também são
transferidas responsabilidades às organizações da sociedade civil, desenvolvendo-se
a filantropia e o voluntariado social. Nesse contexto, falar de educação em/para os
direitos humanos resulta muito forte, porque questiona o enfoque das ações, e
prefere-se utilizar outras das expressões mencionadas, mais orientadas a minimizar
algumas situações sociais dentro do modelo vigente. Pérez Aguirre
83
identifica
83
PEREZ AGUIRRE, L. Educar para os direitos humanos: o grande desafio contemporâneo.
Disponível em www.dhnet.org.br
, acessado em 29/1/2008.
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238
assim essa situação:
o discurso sobre direitos se caracteriza por abuso de linguagem. Conceitos
fundamentais como ‘povo’, ‘desenvolvimento’, ‘liberdade’ e ‘paz’ não têm o
mesmo sentido quando empregados nos decretos e leis. Assistimos a uma
ocupação da linguagem, a um emprego totalitário da linguagem que, pondo
‘em moda’ os direitos humanos, usa-os com o fim de torná-los triviais e
neutralizar seu conteúdo. [...] Os direitos humanos se convertem em
maquiagem de sociedades que querem ocultar a nudez do despojado e o grito
do pobre violado na sua dignidade.
A educação em/para os direitos humanos é uma educação ética e política,
que articula a educação com os problemas da realidade atual de nossos países,
como a corrupção, a pobreza, a injustiça social, as democracias de “baixa
intensidade”, a discriminação, a intolerância etc., que se convertem em grandes
obstáculos para a formação de sujeitos de direito. Nesse sentido, Magendzo
(2005:3) destaca:
afirmamos que se desejamos ‘ingressar’ e ‘transitar’ para uma sociedade
democrática temos que reconhecer que a dignidade humana é central e que há
necessidade de potenciar o tecido intercultural de nossas sociedades. [...] Sobre
essa base é possível a construção de uma cidadania na qual o sujeito é um ser
produtor e não só consumidor de sua experiência e de seu entorno social.
6.4
Educação para a formação de sujeitos de direito e para o
empoderamento – educação para o mercado
A quarta tensão apontada se coloca entre a concepção de uma educação
em/para a formação de sujeitos de direito e o empoderamento e a educação para o
mercado.
Como já mencionamos, um aspecto central da educação em/para os
direitos humanos é a formação de sujeitos de direitos. Várias são as condições e
habilidades que se requerem para uma pessoa ou grupo se reconhecer como
sujeito de direitos.
A primeira condição é o desenvolvimento de um conhecimento básico dos
corpos normativos relacionados aos direitos fundamentais com capacidade de
aplicá-los para promover seus direitos e os das outras pessoas. O conhecimento
desses dispositivos legais se converte num instrumento de exigência e vigilância
na perspectiva de garantir a efetivação dos direitos humanos.
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239
Além disso, outra condição é o conhecimento básico das instituições
protetoras dos direitos, especialmente de seu entorno, às quais se pode acudir em
caso de violações. Nesse sentido, conhecer os corpos normativos e as instituições
ligadas à proteção dos direitos não é um conhecimento somente acadêmico, mas
algo que confere mais possibilidades de ação e que dá mais poder para intervir na
promoção e defesa dos direitos próprios e das outras pessoas e grupos.
Uma terceira competência importante que deve ser desenvolvida na
formação de um sujeito de direitos é o uso da palavra e a capacidade argumentativa,
para ter condições de defender com consistência seus direitos e os das outras
pessoas e grupos. Fazer uso do poder da palavra e não da força, da persuasão e não
da imposição é uma habilidade importante de ser cultivada. Todas estas capacidades
empoderam o sujeito, desenvolvem sua auto-estima e auto-afirmação como cidadão
comprometido com o bem comum e o sentido do público.
Finalmente, um sujeito de direitos se constitui como tal quando é capaz de
fazer uso de sua liberdade, de reivindicar a igualdade reconhecendo a diversidade e
de valorizar a solidariedade desenvolvendo uma atitude de respeito mútuo. Ou seja,
ser capaz de aceitar o outro como um ser diferente, legítimo em sua forma de ser e
autônomo em sua capacidade de agir e exigir que outros respeitem a alteridade.
Para desenvolver todas essas capacidades, o papel da educação formal é
fundamental. Nesse sentido, alguns autores destacam a importância de
desenvolver uma “pedagogia do empoderamento”, entendida como uma
pedagogia crítica e democrática orientada à mudança pessoal e social. Esse
enfoque considera a pessoa como um ser ativo, cooperativo e social. O centro
desse enfoque pedagógico é relacionar o crescimento individual à dinâmica social
e a vida pública, desenvolvendo habilidades, conhecimentos e atitudes de
questionamento crítico em relação às injustiças e desigualdades, às relações de
poder, às discriminações e à mudança social.
Essa educação para a formação de um sujeito de direitos e o empoderamento
encontra diariamente obstáculos nas políticas neoliberais hegemônicas e no avanço
de reformas que acentuam a marginalização e a exclusão, em nome da abertura dos
mercados e da modernização, em que o papel da educação prioriza formar sujeitos
capazes de responder às exigências da sociedade dominante, definidas pelas
necessidades do aparelho produtivo e pelo mercado. O sistema educativo deve se
ajustar a essas necessidades. A educação fica, assim, reduzida a uma finalidade
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240
fundamentalmente econômica, de capacitar o "capital humano" necessário para as
mudanças nos sistemas de produção, formar empreendedores e consumidores. Essa
é a visão que, com diferentes matizes e revestida de linguagens plurais, vem
formando as políticas educativas de caráter neoliberal. Seu anseio é que os
processos educativos tragam respostas às necessidades percebidas, especialmente às
do mercado e às dos grupos sociais hegemônicos (Candau, 2007:48-52).
6.5
Difusão/sensibilização – aprofundamento nos processos formativos
Esta é uma tensão muito importante, que tem se manifestado praticamente
desde os inícios da educação em/para os direitos humanos e continua até o
momento presente.
O primeiro passo de um processo educativo, tratando-se de um conteúdo
pouco conhecido como são os direitos humanos, é sua difusão, que geralmente vai
acompanhada de um processo de sensibilização, aproximação da realidade,
descoberta de que o tema dos direitos humanos afeta a todos, pelo único fato de
sermos humanos.
Tanto nos processos desenvolvidos pelas ONGs como através das políticas
públicas, essa aproximação se realiza geralmente através de diferentes estratégias,
como campanhas, ciclos de palestras, cursos, edição de materiais educativos.
Estas são atividades quase sempre delimitadas no tempo, de curta duração e sem
previsão de continuidade. São importantes porque atuam como uma sensibilização
para o tema, uma tomada de consciência de sua importância e suas implicações
para a dinâmica social. No entanto, sabemos que, especialmente no mundo atual, a
vida cotidiana está cheia de apelos visuais e sensitivos para um amplo leque de
outros assuntos e questões, e que nos acostumamos a consumir informações que,
com muita rapidez, são substituídas por outras de maior impacto e novos apelos.
A tendência das políticas públicas orientadas a atingir o maior número
possível de sujeitos é conceber projetos de curta duração, centrados mais na
sensibilização e na difusão do que nos processos de aprofundamento e formação.
Essas atividades são, em geral, de dois tipos: dirigidas para o conhecimento de
direitos referidos a determinados sujeitos ou âmbitos de ação, como os direitos
das mulheres, das crianças e adolescentes, da educação etc.; ou para um processo
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241
de análise da problemática atual dos direitos humanos na sociedade como um todo
e a sensibilização para o exercício de práticas voltadas para a comunidade, a
participação e o desenvolvimento de uma cidadania ativa.
Quando se pensa no aprofundamento dos processos formativos,
ultrapassando o nível da difusão e sensibilização, leva-se em consideração outras
características essenciais da educação em/para os direitos humanos, assim
destacadas por Benevides:
a educação em direitos humanos parte de três pontos essenciais: primeiro, é
uma educação de natureza permanente, continuada e global. Segundo, é uma
educação necessariamente voltada para a mudança social; e, terceiro, é uma
inculcação de valores e hábitos para atingir tanto a razão como a emoção, a
mente e o coração.
Além dessas características, consideramos também importante ter
presentes outros aspectos para aprofundar os processos formativos, que
consideramos fundamentais na educação em/para os direitos humanos.
O primeiro deles é a referência ao espaço cotidiano como centro gerador
de vida e onde acontece e se constrói a existência de cada sujeito, comunidade e
grupo social. Nesse sentido, o cotidiano como referência permanente da ação
educativa é um eixo fundamental. O Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos, do Brasil (2003:19), reconhece sua importância e se expressa assim, em
uma de suas propostas:
Trabalhar questões relativas aos direitos humanos e temas sociais nos
processos de formação continuada de educadores, tendo como referência
fundamental as práticas educativas presentes no cotidiano escolar.
Desenvolver atenção permanente ao espaço cotidiano implica a capacidade
de interrogar-se sobre o sentido dos acontecimentos que a cada dia impactam
muitas vezes de forma dramática – nosso tecido vital e nossas consciências. Para
transformar a realidade, é necessário trabalhar o cotidiano em toda a sua
complexidade. É no tecido diário de relações, emoções, perguntas, socialização,
produção de conhecimentos e construção de sentidos que criamos e recriamos
continuamente nossa existência (Candau et alii, 1995:109).
O autor peruano Sime (1991) afirma que uma proposta educativa que
assuma como eixo central a vida cotidiana tem que desenvolver de modo criativo
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242
três dimensões básicas: uma pedagogia da indignação, uma pedagogia da
admiração e uma pedagogia de convicções firmes. Todas essas dimensões
contribuem para a construção democrática, pois esta exige que a consciência dos
direitos humanos, tão massacrados de diferentes maneiras na nossa sociedade, seja
continuamente alimentada, renovada e atualizada, penetrando nas diferentes
práticas sociais, entre as quais a educativa.
Nesse sentido, Santos (1995) afirma a necessidade da formação de
subjetividades inconformistas e rebeldes comprometidas com a ação
transformadora e de subjetividades democráticas como elementos determinantes
das possibilidades de democratização da sociedade.
Ressalta também a indissociabilidade entre democracia e emancipação,
entendida como:
um conjunto de lutas processuais, sem fim definido. O que distingue de
outros conjuntos de lutas é o sentido político da processualidade das lutas.
Esse sentido é, para o campo social da emancipação, a ampliação e o
aprofundamento das lutas democráticas em todos os espaços estruturais da
prática social conforme estabelecido na nova teoria democrática (1995:277).
Outro aspecto que consideramos também essencial nos processos
formativos de educação em/para os direitos humanos, destacado por vários/as
dos/as entrevistados/as, é a criação de uma cultura que tenha os direitos humanos
como referência fundamental, tanto no nível teórico como no prático. Nesse
sentido, é muito importante o investimento no/a educador/a como agente
disseminador e multiplicador dessa cultura. Ao abrirmos espaços de ação-
reflexão-ação sobre os direitos humanos na educação formal e não-formal,
estamos reforçando o compromisso com a construção da democracia participativa
e com uma cidadania ativa, nutrindo a esperança de todos/as aqueles/as
dispostos/as a desenvolver uma prática educativa participativa e dialógica,
aprofundando o campo político em todos os espaços de interação social. Essa
visão da democracia participativa leva à necessidade de ampliação do conceito de
cidadania para além do princípio da reciprocidade e simetria entre direitos e
deveres. A cidadania não é identificada somente com a obrigação política entre
cidadãos e Estado, mas também como uma ação política entre cidadãos/as, o que
leva à revalorização do princípio da comunidade e, com ele, à idéia de igualdade,
autonomia e solidariedade e respeito à diferença (Oliveira, 2006:69).
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243
Os conteúdos propostos nos processos formativos se situam na linha de
construção de um conhecimento emancipador, a partir da ótica dos direitos
humanos, que contribua para o fortalecimento da democracia participativa, num
mundo dominado pelo conhecimento como regulação. Essa construção só pode
ser realizada enfrentando o conflito também no plano epistemológico, como
expressa Santos (1996:25):
o projeto pedagógico consiste em reconstruir o conflito entre o conhecimento-
como-regulação e o conhecimento-como-emancipação. O conflito pedagógico
será, pois, entre duas formas contraditórias de saber, entre o saber como ordem
e colonialismo e o saber como solidariedade e como caos. Estas duas formas
de saber servem de suporte a formas alternativas da sociabilidade e da
subjetividade. Ao campo pedagógico compete experimentar, pela imaginação
da prática e pela prática da imaginação, essas sociabilidades e subjetividades
alternativas, ampliando as possibilidades do humano até incluí-las a todas e até
poder optar por elas.
Uma terceira dimensão importante a ter presente em relação aos conteúdos
da educação em/para os direitos humanos é a que se refere à assimetria entre as
diferentes culturas, ao predomínio da estruturação do conhecimento tendo como
centro a cultura ocidental, realidade que tem marcado os currículos escolares com
muita força. O modelo curricular dominante tende a hierarquizar as relações entre
culturas segundo critérios tidos como universais, ainda que sejam específicos de
um determinado universo cultural. Tendo esta realidade como referência, é
fundamental um enfoque libertador/descolonizador que desestabilize esse tipo de
relacionamento entre culturas, valorizando os conhecimentos, práticas e
expressões de diferentes grupos culturais, particularmente dos marginalizados,
excluídos e silenciados. Essa dinâmica desestabilizadora estimulará a explicitação
de diferentes saberes, a construção de outros conhecimentos e a criação de um
espaço pedagógico intercultural, que reforce a construção da democracia
participativa e popular (Santos, 1996:30).
Essa perspectiva de formação de educadores/as capazes de promover uma
educação em/para os direitos humanos que contribua para o fortalecimento da
democracia participativa e popular supõe a formação de sujeitos históricos ativos,
críticos e propositivos, capazes de ser gestores co-responsáveis da própria
sociedade.
Correlativo a esse enfoque formativo, consideramos importante articular a
dimensão cognitiva e os aspectos socioafetivos, simbólicos e celebrativos, assim
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244
como com práticas concretas de compromisso cotidiano. Essas práticas e essa
formação não se realizam, nem são passíveis de serem desenvolvidas somente
através da promoção de eventos nem de processos de curta duração, por mais
impactantes que eles sejam, nem com um ensino de tipo expositivo e frontal.
Exigem um cuidadoso processo capaz de gerar agentes multiplicadores
comprometidos com a construção cotidiana de uma cultura dos direitos humanos.
Como afirma Santos (1996:29-30):
um projeto educativo [libertador] tem de colocar o conflito cultural no centro
de seu currículo. As dificuldades para o fazer são enormes, não só devido à
resistência e à inércia dos mapas culturais dominantes, mas também devido
ao modo caótico como os conflitos culturais têm vindo a ser discutidos no
nosso tempo [...].
O projeto educativo [libertador] tem, pois, nesse domínio, responsabilidades
acrescidas. Tem de, por um lado, definir corretamente a natureza do conflito
cultural e tem de inventar dispositivos que facilitem a comunicação.
Uma grande carência percebida nos estudos de caso em ambos os países,
em relação ao momento presente e à incorporação da educação em/para os direitos
humanos nas políticas públicas, é o número reduzido de educadores/as
preparados/as nessas temáticas. Por essa razão, destacam que, além da decisão
política e da disponibilização de verbas orçamentárias, há todo um processo
educativo no interior do próprio aparelho do Estado a ser desenvolvido em relação
à compreensão do significado, do alcance e da importância da educação em/para
os direitos humanos. No Brasil, outro desafio que o PNEDH (2007) salienta é a
importância do trabalho educativo com os profissionais dos sistemas de justiça e
segurança e a mídia, além da Educação Básica, da Educação Superior e da
educação não-formal.
Essa tensão entre a difusão e a sensibilização e o aprofundamento nos
processos formativos remete a outra tensão decorrente dessa temática: entre o
impacto dos processos formativos em grupos específicos constituídos por poucos
integrantes e a massificação. Essa tensão se vê refletida na constatação de que,
depois de vinte anos de desenvolvimento da educação em/para os direitos
humanos na América Latina, constata-se que se trabalhou muito, desenvolveram-
se muitas experiências, produziram-se muitos materiais pedagógicos, mas o
impacto é ainda muito reduzido.
Na medida em que a educação em/para os direitos humanos tem sido
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245
promovida por iniciativas da sociedade civil, especialmente pelas ONGs, como já
referimos, sua difusão e seu alcance têm ficado restritos às potencialidades e
possibilidades dessas instituições e seus recursos humanos e financeiros, em geral
limitados. Por outro lado, as características desses processos formativos supõem e
exigem grupos limitados de sujeitos, e dificilmente poderão alcançar públicos
muito numerosos. Somente poderíamos falar de um alcance maciço quando a
educação em/para os direitos humanos penetrasse nas políticas públicas de modo
consistente e articulado com estratégias e recursos adequados. No entanto,
também foi possível perceber, através dos estudos de caso, que não existe
correlação direta entre ser objeto de uma política pública e sua massificação. É
necessária ainda uma série de meios e vontade política para maximizar seu
alcance. Pérez Aguirre
84
, no início do desenvolvimento da educação em/para os
direitos humanos, expressava essa tensão – e consideramos que seu pensamento
ainda é muito atual:
os progressos realizados pelos direitos humanos na educação são frágeis e
lentos, porque estes direitos pressupõem uma exigência que desemboca
inexoravelmente em uma opção de essência política. Não só os governos
repressivos se opõem a qualquer intento de educação em prol dos direitos
humanos, mas também os sistemas repressivos na própria educação, vigentes
em muitos Estados democráticos.
No entanto, Benevides
85
também destaca que, quando se trata de processos
de educação formal, desde a Educação Básica até a universidade, e principalmente
no sistema público de ensino, resultará mais viável sua massificação se contar
com o apoio dos órgãos oficiais, tanto ligados diretamente à educação como
ligados à cultura, à justiça e à defesa da cidadania. Afirma:
é por isso que valorizamos os planos oficiais, de educação em direitos
humanos na escola, tanto no nível federal como nos níveis estadual e
municipal, embora nem sempre vejamos seus resultados ou mesmo sua
aplicação no quotidiano escolar. Constatamos que a escola pública é o lócus
privilegiado, pois, por sua própria natureza, tende a promover um espírito
mais igualitário.
84
PEREZ AGUIRRE, L. Educar para os direitos humanos: o grande desafio contemporâneo.
Disponível em: www.dhnet.org.br, acessado em 29/1/2008.
85
BENEVIDES, M. V. Educação em direitos humanos: de que se trata? Disponível em
www.dhnet.org.br
, acessado em 29/1/2008.
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6.6
Direitos da igualdade – direitos da diferença
Esta é a última tensão destacada e neste item retomaremos especialmente a
hipótese orientadora do nosso trabalho, embora ela tenha perpassado todos os
capítulos de nosso estudo:
a educação em/para os direitos humanos tem contribuído para a construção
democrática tendo como eixo central os direitos da igualdade. As questões
relativas aos direitos referidos às diferenças somente recentemente vêm
adquirindo, ainda lenta e fragilmente, maior visibilidade nos processos de
afirmação democrática nos países pesquisados.
Como aprofundamos no segundo capítulo, os direitos humanos são uma
construção da modernidade. Nesse sentido, estão localizados no tempo e no espaço
e marcados pela matriz político-social predominante nesta época, com ênfase nos
direitos individuais e sua universalidade, tal como foi consagrada pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948). Nessa perspectiva estão orientados
fundamentalmente a construir a igualdade em suas diferentes dimensões.
Na época em que surge a educação em/para os direitos humanos na América
Latina, como já fizemos referência, a luta contra as ditaduras militares, a restituição
dos direitos da igualdade, especialmente os civis e políticos, eram o centro
orientativo da ação e da organização em prol da recuperação da democracia.
Esses processos de redemocratização nos diferentes países do continente,
especialmente nos dois países estudados – Chile e Brasil –, aconteceram
articulados à aplicação de políticas neoliberais que enfatizam alguns aspectos dos
direitos civis e políticos, gerando democracias e cidadanias de “baixa
intensidade”. Dessa maneira, em ambos os países, a primeira metade da década de
1990 continua fortemente marcada pela afirmação dos direitos civis e políticos e
pelo desgaste e fragilização das obrigações do Estado em relação aos direitos
econômicos e sociais, que passam à esfera do mercado com a substituição do
direito pelo serviço.
A educação em/para os direitos humanos, como foi evidenciado ao longo
desta pesquisa, tem se desenvolvido nesse contexto e consideramos que, tanto na
sua dimensão de denúncia, defesa e promoção como no aspecto específico dos
processos educativos, tem contribuído, embora limitada e especialmente em
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algumas circunstancias, para o fortalecimento dos processos democráticos. No
entanto, não se chegou a concretizar o sonho dos/as entrevistados/as, de uma
incidência mais maciça e politicamente comprometida através de políticas públicas
implementadas sistematicamente. No que diz respeito às ONGs, sua orientação e
compromisso têm favorecido o fortalecimento de um modelo de democracia
participativa e popular mais do que para a democracia neoliberal que tem sido
denunciada e colocada em confronto em muitas situações.
Tanto no desenvolvimento teórico da reflexão sobre a educação em/para os
direitos humanos como nas políticas públicas, os direitos da diferença,
especificamente os relativos aos direitos culturais, começam a aparecer a partir da
segunda metade da década de 1990 e têm sido afirmados com maior intensidade
na presente década, colocando em tensão a construção da igualdade, assim
expressada por Nunes (2004:25):
A reivindicação da igualdade [...] surge, com freqüência, em tensão com os
direitos que se referem à identidade e à diferença. Essa tensão reaparece
hoje, sob várias formas, no debate [...] sobre a relação entre políticas de
reconhecimento e políticas de redistribuição.
Nesse sentido, percebe-se uma marcada diferença entre os dois países em
que foram realizados os estudos de caso. No Chile, o reconhecimento da diferença
nas políticas públicas está centrado especialmente nos grupos indígenas, mas
ainda podem ser identificadas muitas restrições no nível das políticas e das
mentalidades sociais para reconhecer o caráter multiétnico e multicultural do país
e do Estado. As questões de gênero e de opção sexual, de acordo com os/as
entrevistados/as, são silenciadas e não enfrentadas publicamente.
O Brasil tem desenvolvido um amplo arcabouço normativo no nível de
implementação das políticas públicas e de programas específicos, tanto em
relação a grupos étnicos quanto a questões de gênero, pessoas deficientes,
combate ao racismo, à homofobia e à exploração sexual de crianças e
adolescentes, entre outras. Essas ações caracterizam-se especialmente pelo
reconhecimento e pelo estabelecimento de diferentes dispositivos e mecanismos
para garantir o acesso e permanência, na área da educação ou das funções públicas
e diferentes serviços, fato muito importante para a construção dos direitos da
diferença e para qualificar os processos democráticos, tornando-os mais plurais e
participativos. Nessas conquistas, os movimentos sociais e a sociedade civil têm
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tido papel muito importante.
Todo esse desenvolvimento de ações e políticas públicas não significa
ainda uma mudança de mentalidade por parte da sociedade em seu conjunto. A
sociedade brasileira é muito ambígua em relação a essa temática, e muitas
manifestações de discriminação ficam ainda encobertas pelo discurso e pela
mentalidade da democracia racial. Referindo-se a essa problemática, Rios
(2004:468) se expressa assim:
desvelar o racismo subjacente às práticas havidas é tarefa que exige prudente
trabalho. Para tanto, é preciso enxergar além das aparências. Seja por que
motivo for (ingenuidade, cinismo, hipocrisia, ignorância ou má-fé), é difícil
à generalidade das pessoas perceber por detrás de condutas e falas tidas por
‘normais, corriqueiras e inocentes’ práticas e concepções discriminatórias e
racistas.
Nesse sentido, é possível afirmar que nossa hipótese de trabalho foi
confirmada. No entanto, como afirmamos na introdução deste trabalho, somos
conscientes de que o olhar do/a pesquisador/a é um possível olhar, não o único. Nesse
sentido, levantamos uma questão que talvez possa ser o elo de continuidade deste
trabalho com outras investigações: as conquistas referidas aos direitos da diferença
não continuam sendo justificadas na perspectiva da afirmação da igualdade?
Somos conscientes de que tanto a diversidade cultural como as potenciais
tensões entre os direitos das diferentes gerações colocam no centro do debate atual
sobre os direitos humanos a questão da construção de uma política de direitos
humanos capaz, por um lado, de ampliar a efetivação desses direitos e, por outro,
de articular as exigências de liberdade, igualdade, solidariedade, participação,
reconhecimento e redistribuição. Como afirma Nunes (2004:30):
os direitos humanos são, hoje, um terreno de lutas e de tensões [em que se]
deve articular os imperativos de liberdade e de reconhecimento da diferença,
de igualdade e de redução ou eliminação das desigualdades e das diferentes
formas de exploração e da solidariedade.
Talvez essa tensão entre direitos da igualdade e direitos da diferença nos
acompanhe permanentemente nessa aventura de construção de uma democracia
participativa e popular, inclusiva, solidária e igualitária, na qual a “educação
em/para os direitos humanos constitua um olhar para o futuro”, como afirmou o
secretário dos Direitos Humanos do governo brasileiro, Paulo Vanucci (2006:1).
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sem data.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
262
ANEXOS
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
263
Anexo 1
Perfil dos Profissionais Entrevistados do Chile e do
Brasil
CURRICULO
DADOS PESSOAIS
Nome
ABRAHAM MAGENDZO KOLSTREIN
Década de Nascimento
1930 - 1939
Nacionalidade
Chilena
FORMAÇÃO ACADÊMICA
1985
Postdoctorado en Currículo (Instituto de Educación
Universidad de Londres, Inglaterra)
1966 - 1969
Doctorado en Educación (Universidad de California – UCLA,
USA)
1960 - 1963
Master en Educación e Historia (Universidad Hebrea
Jerusalem, Israel)
1956 - 1960
Profesor de Estado en Educación (Universidad de Chile)
1956 - 1960
Consejero Educacional y Vocación (Universidad de Chile)
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
86
2007
Coordinador de los Objetivos Fundamentales Transversales.
Integrante de la Unidad de Currículo y Evaluación del
Ministerio de Educación de Chile
2007
Director coordinador del Programa de Doctorado en Educación
(Programa Interdisciplinario de Investigación en Educación
PIIE/UAC)
2007
Investigador adjunto de la Fundación Idea
2007
Miembro fundador de la Cátedra Unesco en Educación y
Derechos Humanos coordinada desde la Universidad
Academia de Humanismo Cristiano
2007
Asesorías Pedagógicas y en Educación en Derechos
Humanos en varios países de América Latina
2007
Consultor Educacional: Unesco, OEA, Fundación Ford
86 Fizemos uma seleção dos dados da experiência de trabalho destacando o mais significativo ao
nosso critico sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos
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264
CURRICULO
DADOS PESSOAIS
Nome
Eduardo Javier Rojas Zepeda
Década de Nascimento
1960 – 1969
Nacionalidade
Chilena
FORMAÇÃO ACADÊMICA
Profesor de Estado en Filosofía (U. Metropolitana de Ciencias de la Educación,
titulado en 1987)
Licenciado en Ciencias del Desarrollo (Instituto Latinoamericano de Estudios
Sociales, Ilades, titulado en 1984)
Licenciado en Filosofía (Universidad de Chile, egresado en 1982)
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
87
2007 a la fecha
Director de Relaciones Institucionales, Universidad
Católica Cardenal Silva Henríquez
1993 a 2006
Vicaría de Pastoral Social, Secretario Ejecutivo
2003 a la fecha
Representante de los Organismos de Refugio de la
Región Sur de América ante el Comité Ejecutivo del Alto
Comisionado de Naciones Unidas para los Refugiados,
ACNUR, Ginebra
2000 a la fecha
Consejo Episcopal Latinoamericano (CELAM), Bogotá.
Asesor en derechos humanos y materias sociales
1988 - 1992
Vicaría de la Solidaridad, Jefe del Departamento de
Educación. Elaboración de Programas de Educación en
Derechos Humanos, Educación en Derechos del Niño,
Formación de Agentes Pastorales en Solidaridad
87
Fizemos uma seleção dos dados da experiência de trabalho destacando o mais significativo ao
nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos
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265
CURRICULO
DADOS PESSOAIS
Nome
JORGE OSORIO VARGAS
Década de Nascimento
1950 –1959
Nacionalidade
Chilena
FORMAÇÃO ACADÊMICA
2005
Diploma Psicología de Jung (Universidad Católica
de Chile)
1985
Diploma de Derechos Humanos y Desarrollo
(Institute of Social Studies (ISS), La Haya)
1979
Licenciado en Historia (Universidad Católica de
Valparaíso)
1975
Bachiller en Historia y Geografía (Universidad
Católica de Valparaíso)
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
88
1997 - 2007
Secretario Ejecutivo del Fondo de las Américas-Chile
2003 - 2007
Director Ejecutivo de la Fundación Ciudadana para las
Américas.
2003 - 2007
Director del Consorcio del Receptor Principal del Fondo
Global de Lucha contra el Sida en Chile
1997 - 2000
Presidente del CEAAL (Consejo de Educación de Adultos
de América Latina)
1995 - 1997
Presidente de la Fundación IDEAS
1995 - 1997
Coordinador de la Plataforma Latinoamericana de
Derechos Humanos, Democracia y Desarrollo-NOVIB
1990 - 1997
Secretario General del Consejo de Educación de Adultos
de América Latina, CEAAL (organización no
gubernamental internacional que asocia a 202
organizaciones no gubernamentales de América Latina,
cuya Secretaría General tiene su sede en Santiago de
Chile)
1988 - 1990
Coordinador de Programas del Consejo de Educación de
Adultos de América Latina (CEAAL)
1985 - 1988
Coordinador del Programa de Educación para los
Derechos Humanos. Centro El Canelo de Nos
1979 - 1984
Coordinador Ejecutivo del Servicio Paz y Justicia.
Santiago de Chile
88
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nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos
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266
CURRICULO
DADOS PESSOAIS
Nome
MARCELA TCHIMINO NAHMÍAS
Década de Nascimento
1960 – 1969
Nacionalidade
Chilena
FORMAÇÃO ACADÊMICA
1999 – 2000
Programa de Liderazgo para el Desarrollo Sustentable y
Mercosur. PROLIDES – Universidad Bolivariana
1996
Development, Law and Social Justice, Institute of Social Studies.
La Haya, Holanda (18 abril al 5 junio)
1995 - 1997
Magíster en Educación con Mención Curriculum y
Comunidad Educativa, Facultad de Ciencias Sociales,
Universidad de Chile
1986 - 1990
Educación Parvularia, Instituto Profesional de Providencia
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
89
2003-2004
Coordinadora Red Latinoamericana de Educación para la
Paz y los Derechos Humanos - CEAAL
2003 - 2004
Presidenta del Foro de la Sociedad Civil
2003
Miembro del directorio de la Fundación Ideas
1999-2003
Miembro de la Red Latinoamericana de Derechos
Humanos
1994 - 2003
Investigadora y docente del Programa Intedisciplinario de
Investigaciones en Educación - PIIE
DOCÊNCI
A
2004
Tutora de tesis de pre-grado. Universidad Academia de
Humanismo Cristiano
2004
Tutora de tesis de post-grado. Universidad Academia de
Humanismo Cristiano
2005
Coordinadora Nacional, proyecto Education for Global
Citizenship. Comunidad Europea, 2003 - 2006
2005
Coordinadora Proyecto Modelo Metodológico
Intersectorial Comunitario. PIIE
89
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267
CURRICULO
DADOS PESSOAIS
Nome
PATRICIO DONOSO FERNÁNDEZ
Década de Nascimento
1940 – 1949
Nacionalidade
Chilena
FORMAÇÃO ACADÊMICA
1982
Master en Filosofía (Universidad Uppsala, Suecia)
1971
Profesor de Filosofía (Universidad Católica de Chile)
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
90
1998 - 2007
Director de la Escuela de Educación de la Universidad
Academia de Humanismo Cristiano, y jefe de la Carrera
de Pedagogía en Educación Básica
2007
Socio del Programa Interdisciplinario de Investigaciones
en Educación (PIIE)
2007
Profesor invitado y tutor de tesis en la Maestría en
Investigación Educativa de la Universidad Academia
Humanismo Cristiano
2007
Evaluador de proyectos Fondecyt
2007
Coordinador de la red RIPU (red de innovación
Pedagógica Universitaria) que congrega a las Escuelas
de Educación de las siguientes Universidad: U. Central,
U. Diego Portales, U. Arcis, U. Católica Silva Henríquez,
U. Alberto Hurtado y U. Academia de Humanismo
Cristiano)
2007
Miembro fundador de la Cátedra Unesco en Educación y
Derechos Humanos coordinada desde la Universidad
Academia de Humanismo Cristiano
1996 - 2007
Docente universitario de la Universidad Academia
Humanismo Cristiano
90
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nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos
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268
CURRICULO
DADOS PESSOAIS
Nome
TERESITA MARIBEL GÁLVEZ PARKES
Década de
Nascimento
1950 – 1959
Nacionalidade
Chilena
FORMAÇÃO ACADÊMICA
2001 - 2002
Magister en Género (Universidad de Chile)
1998
Estudios Avanzados en Género y Políticas Sociales
(Universidad de Chile)
1988 - 1989
Licenciada en Doctrina Social de la Iglesia y Ciencias del
Desarrollo (Instituto Latinoamericano de Doctrina y
Estudios Sociales – Ilades)
1983 - 1987
Magister en Historia (Universidad Católica de Valparaíso)
1975 - 1981
Profesora de Estado en Historia y Geografía (Universidad
de Chile)
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
91
1993 - 2007
Vicaria de Pastoral Social (coordinadora de diferentes
proyectos de educación en derechos humanos en
educación formal y no formal)
1991 - 1993
Vicaría de la Solidaridad (encargada del programa de
derechos humanos para la formación en la escuela)
1989 - 1990
Infocap (profesora en los temas de derechos de la mujer y
derechos humanos)
1989 - 1991
DIAL – Ilades (monitora de educación popular)
1983 –
1987
PRE-UCIEP (pre-universitario poblacional – coordinadora
del área de Historia de Chile)
1980 - 1985
Serpaj (encargada de talleres de educación popular)
CURRICULO
92
91
Fizemos uma seleção dos dados da experiência de trabalho destacando o mais significativo ao
nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos
92
Informações retiradas do Currículo Lattes
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269
DADOS PESSOAIS
Nome AIDA MARIA MONTEIRO SILVA
Década de Nascimento
1950 – 1959
Nacionalidade
Brasileira
FORMAÇÃO ACADÊMICA
1995 - 2000
Doutorado em Educação. Universidade de São Paulo -
USP, Brasil
1997 - 1997
Curso para Governantes. (Carga horária: 120h). Escola de
Governo - EG, Brasil
1989 - 1989
Curso Interdisciplinario de Direitos Humanos. (Carga
horária: 120h). Instituto Interamericano de Derechos
Humanos da Costa Rica, IIDH, Costa Rica
1979 - 1982
Mestrado em Educação. Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, PUC/RJ, Brasil. Ano de Obtenção:
1983
1969 - 1972
Graduação em Licenciatura em Pedagogia. Universidade
Federal de Pernambuco, UFPE, Brasil
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
93
Atual Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Educação
Secretaria Nacional de Dirietos Humanos, SNDH, Brasil
2003 - Atual
Vínculo: Livre, Enquadramento Funcional: Assessor
07/2003 - Atual
Conselhos, comissões e consultoria, Secretaria Nacional
de Educação em Direitos Humanos
Assessoria à SEDH para implementação do Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos
05/2004 - 09/2004
Conselhos, Comissões e Consultoria, Unesco
Elaboração do PRODOC para implementação do Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos
93
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270
CURRICULO
94
DADOS PESSOAIS
Nome
ANTONIO CARLOS RIBEIRO FESTER
Década de Nascimento
1950 - 1959
Nacionalidade
Brasileira
FORMAÇÃO ACADÊMICA
2000
Formado pela Escola de Governo da Associação
Brasileira de Formação de Governantes, SP
1988
Bolsista do VI Curso Interdisciplinar de Direitos Humanos,
do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, em São
José da Costa Rica
1986
Mestre em Letras (Literatura Brasileira) pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo
1977
Licenciado em Letras (Português) pela F.F.L.C.H. – USP
1976
Bacharel em Letras (Português), pela F.F.L.C.H. - USP
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
95
1996
Professor de Moral Social, no 2º ano do Curso de Teologia
do Instituto Pio XI, filiado à Universidade Pontifícia
Salesiana de Roma, em São Paulo
1989 - 1992
Coordenador do Projeto Educação em Direitos Humanos
da Secretaria Municipal de Educação, São Paulo/SP, pela
CJP/SP, conforme convênio entre as duas entidades
Coordenador dos 12 Cursos de Educação em Direitos
Humanos para S.M.E.
Integrante dos seguintes grupos:
- no Dptº de Orientação Técnica de 1º e 2º graus;
- Grupo de Reorientação Curricular pela via da
Interdisciplinaridade;
- Grupo de Coordenação dos Núcleos de Ação Educativa-
NAEs.
94
Informações retiradas do Currículo Lattes
95
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PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
271
CURRICULO
96
DADOS PESSOAIS
Nome
CARLOS ALBERTO PLASTINO
Década de Nascimento
1940 – 1949
Nacionalidade
Argentina
FORMAÇÃO ACADÊMICA
1993 - 1994
Doutorado em Ciências Políticas. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, PUC/RJ, Brasil
1988 - 1991
Mestrado em Teoria Psicanalítica. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil
1975 - 1976
Mestrado em Planejamento de Desenvolvimento.
Rijsuniversiteit Antwerpen, R.A., Bélgica
1973 - 1975
Graduação em Ciências Econômicas. Universite Catholique
de Louvain, U.C.L., Bélgica. Bolsista do(a): Organisation de
Cooperation Developpement Economique, O.C.D.E.,
Bélgica
1970 - 1973
Mestrado em Ciências Políticas Relações Internacionais.
Universite Catholique de Louvain, U.C.L., Bélgica
1960 - 1966
Graduação em Direito. Universidade Nacional de La Plata,
U.N.L.P, Argentina
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
97
atual
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Centro
Biomédico, Departamento de Políticas e Instituições de
Saúde
atual
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-
Rio, Brasil
atual
Pesquisa e desenvolvimento , Departamento de Direito,
PUC-Rio – Linha de pesquisa: Ética, dignidade humana e
construção da subjetividade
1999 - 2000
Colaborador do Ibase
1983 - 1994
Colaborador da Fundação Getúlio Vargas
1987 - 1989
Direção e administração, Centro de Ciências Sociais,
Instituto de Relações Internacionais
1983 - 1986
Colaborador da CLACSO
96
Informações retiradas do Currículo Lattes
97
Fizemos uma seleção dos dados da experiência de trabalho destacando o mais significativo ao
nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
272
CURRICULO
98
DADOS PESSOAIS
Nome
JOÃO RICARDO WANDERLEY DORNELLES
Década de Nascimento
1950 – 1959
Nacionalidade
Brasileira
FORMAÇÃO ACADÊMICA
1997 - 2001 Doutorado em Serviço Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
UFRJ, Brasil
1980 - 1984 Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, PUC/RJ, Brasil
1985 - 1985 Especialização em Interdisciplinário de Derechos Humanos.
Instituto Interamericano de Derechos Humanos, IIDH, Costa
Rica
1974 - 1979 Graduação em Direito. Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, PUC-Rio, Brasil
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
99
atual
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Centro de
Ciências Sociais, Departamento de Direito
Associação de Juristas Pela Integração da América Latina, AJIAL,
Brasil
Associação Nacional de Pesquisa Em Direitos Humanos, ANPDR,
Brasil
Instituto Carioca de Criminologia, ICC, Brasil
98
Informações retiradas do Currículo Lattes
99
Fizemos uma seleção dos dados da experiência de trabalho destacando o mais significativo ao
nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
273
CURRICULO
DADOS PESSOAIS
Nome
MARGARIDA B. P. GENEVOIS
Década de Nascimento
1920 – 1929
Nacionalidade
Brasileira
FORMAÇÃO ACADÊMICA
1969 -1972
Ciências Sociais – Escola de Sociologia e Política – São Paulo
1940 -1941
Biblioteconomia – Rio de Janeiro
1941
Enfermagem de Guerra – Escola Ana Nery – Rio de Janeiro
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
100
2004 - atual
Comissão Nacional de Educação em Direitos Humanos –
Secretaria Especial de Direitos Humanos. Governo Federal
2003
Vice-Presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos
– Prefeitura de São Paulo
1984 - 2003
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – Governo Federal
2002
Prêmio de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo
2001
Ordem do Rio Branco – Ministério de Relações Exteriores –
Brasília
1990 - 2000
Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos -
Fundadora e coordenadora
1999
Conselho da Comunidade Solidária – Programa de
Capacitação Solidária. Governo Federal
1998
IV Prêmio Nacional de Direitos Humanos - Governo do Brasil
1998
Medalha da Independência – Governo do Brasil
1998
IV Prêmio Mundial Comunidade Baha’ai do Brasil – Brasília
1985
Comissão Teotônio Vilela
1972 - 1992
Comissão Justiça e Paz de São Paulo - Presidente (1990-
1992)
1974 - 1992
VERITAS Centro de Formação Cultural e Promoção Social -
Fundadora e diretora
1974 - 1979
FEBEM – fundação estadual do Bem Estar do Menor -
Assessora técnica da presidência
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
274
CURRICULO
101
DADOS PESSOAIS
Nome
MARIA DE NAZARÉ TAVARES ZENAIDE
Década de Nascimento
1950 – 1959
Nacionalidade
Brasileira
FORMAÇÃO ACADÊMICA
2006
Aluna do Doutorado em Educação. Universidade Federal
da Paraíba - UFPB, Brasil
1982 - 1986
Mestrado em Serviço Social. Universidade Federal da
Paraíba - UFPB, Brasil
1982 - 1986
Especialização em Especialização Em Análise Sócio
Institucional do S. Universidade Federal da Paraíba -
UFPB, Brasil
1980 - 1981
Especialização em Especialização Em Saúde Pública.
Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Brasil
1975 - 1980
Graduação em Psicologia. Universidade Federal da
Paraíba - UFPB, Brasil
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
102
atual
Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências
Humanas Letras e Artes - Campus I, Departamento de
Serviço Social
2005 - Atual
Secretaria Especial dos Direitos Humanos, SEDH, Brasil.
- Vínculo: Servidor Público, Enquadramento Funcional: DAS
1014
2005 - Atual
Direção e administração, Subsecretaria de Promoção e
Defesa dos Direitos Humanos.
- Cargo: Coordenadora-Geral de Educação em Direitos
Humanos
100
Fizemos uma seleção dos dados da experiência de trabalho destacando o mais significativo ao
nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos.
101
Informações retiradas do Currículo Lattes.
102
Fizemos uma seleção dos dados da experiência de trabalho destacando o mais significativo ao
nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
275
CURRICULO
103
DADOS PESSOAIS
Nome
MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES SOARES
Década de Nascimento
1940 – 1949
Nacionalidade
Brasileira
FORMAÇÃO ACADÊMICA
1982 - 1983
Pós-Doutorado. Social Sciences Research Counsil, SSRC,
Estados Unidos. Bolsista do(a): Social Sciences Research
Council, SSRC, Estados Unidos. Grande área: Ciências
Humanas / Área: Ciência Política / Subárea: Estado e
Governo / Especialidade: Instituições Governamentais
Específicas
1976 - 1980
Doutorado em Sociologia. Universidade de São Paulo -
USP, Brasil
1972 - 1975
Mestrado em Sociologia. Universidade de São Paulo - USP,
Brasil
1969 - 1971
Graduação em Ciencias Sociais. Universidade de São
Paulo - USP, Brasil
1962 - 1963
Graduação em Sociologia e Política. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro - PUC/Rio, Brasil
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
104
atual
Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação,
Departamento de Filosofia da Educação e Ciência da
Educação
103
Informações retiradas do Currículo Lattes
104
Fizemos uma seleção dos dados da experiência de trabalho destacando o mais significativo ao
nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
276
CURRICULO
105
DADOS PESSOAIS
Nome
SOLON EDUARDO ANNES VIOLA
Década de Nascimento
1950 - 1959
Nacionalidade
Brasileira
FORMAÇÃO ACADÊMICA
2000 - 2005
Doutorado em História. Universidade do Vale do Rio dos
Sinos - UNISINOS, Brasil
1994 - 1996
Mestrado em História. Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, UNISINOS, Brasil
1982 - 1982
Especialização em História do Rio Grande do Sul.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Brasil
1976 - 1981
Graduação em História. Universidade Federal do Rio Grande
do Sul - UFRGS, Brasil
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO
106
atual
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Centro de
Ciências Humanas, Área de Conhecimento e Aplicação de
Sociologia, Ciência Política e Antropologia
1998 - 1999
Direitos Humanos: um estudo comparado de culturas
políticas dEC – Projeto de pesquisa
1991 - 1991
Desemprego e Alternativas do Movimento Sindical: caso
dos Sinuras políticas dEC – Projeto de pesquisa
105
Informações retiradas do Currículo Lattes
106
Fizemos uma seleção dos dados da experiência de trabalho destacando o mais significativo ao
nosso critério sobre o tema da Educação em/para os Direitos Humanos.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
277
Anexo 2
Roteiro de entrevista
EIXOS PERGUNTAS
1.Trajetória profissional e
social e envolvimento com
a educação em direitos
humanos.
1) Quando começou seu interesse pelo tema da educação em
direitos humanos? Qual foi sua trajetória? Quais as principais
questões enfrentadas? Tensões e conflitos? Conquistas?
2) No momento atual, qual é sua relação com a educação em
direitos humanos? Quais são suas atividades nessa perspectiva?
2.Concepções e evolução
da educação em direitos
humanos.
3) Que significa, para você, educar em direitos humanos?
4) Houve mudanças na concepção e características da educação
em direitos humanos em seu país nas diferentes décadas: 1980,
1990, 2000? Como ela tem sido caracterizada? Qual evolução
houve no seu país? Em relação a temáticas privilegiadas?
Objetivos? Sujeitos implicados?
5) Que atores, organizações e produções você considera
especialmente importantes para o desenvolvimento da educação
em direitos humanos no seu país?
6) E na América Latina?
7) Os organismos internacionais tiveram incidência? Por exemplo,
a Unesco? Outros? E o IIDH? Que papel teve a rede de educação
para a Paz e os DDHH do CEAAL?
3.Relação entre educação
em direitos humanos e
processos de
democratização.
8) Que relação houve entre a educação em direitos humanos e os
diferentes cenários sociopolíticos, econômicos e educacionais nos
diferentes momentos históricos?
9) Que papel têm tido o Estado e as políticas públicas no
desenvolvimento da educação em direitos humanos?
10) E as organizações da sociedade civil, movimentos, ONGs
etc.?
11) Como você vê a relação entre educação em direitos humanos
e a construção da democracia no seu país? Estão inter-
relacionadas? Em que medida?
12) E no continente latino-americano?
13) Entre educação em direitos humanos e cultura política, existe
alguma aproximação?
4. Desafios para a
educação em direitos
humanos no mundo atual.
14) Quais são os principais desafios para a educação em direitos
humanos hoje em seu país? E no continente latino-americano?
15) Quais são as prioridades, os temas, as questões, os sujeitos
que deveriam ser privilegiados?
16) Como você hoje a questão da universalidade dos direitos
humanos? Que relação ela tem com a questão das diferenças
culturais?
17) Na sua sociedade, os direitos de igualdade e os direitos da
diferença, se manifestam? De que forma? Quais são suas
principais expressões?
18) As questões dos direitos da igualdade e dos direitos da
diferença se manifestam no âmbito educacional em geral? E na
escola? De que modo?
5. Outros.
19) Você indicaria alguma outra pessoa que seria importante
entrevistar para este tema em seu país? Qual seu e-mail?
20)Você gostaria a fazer algum outro comentário ou acréscimo à
nossa entrevista?
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
278
Anexo 3
Cronologia da Educação em Direitos Humanos na América Latina
1983 - 1991
107
ANO
PAÍS
108
ATIVIDADE ORGANIZADOR PARTICIPANTES
1984
Chile I Seminario Chileno
sobre Educación para la
Paz y los Derechos
Humanos
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL)
Participaram 33 representantes de
organizações de direitos
humanos e projetos educativos
Venezuela I Seminário
Latinoamericano de
Educación para la Paz y
los Derechos Humanos
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL)
Assistem representantes de
diversos projetos de educação
popular da América Latina
Costa Rica II Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem representantes de
governos e organizações da
sociedade civil de toda América
1985
Costa Rica Taller sobre la situación
de los derechos
humanos en Costa Rica
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA) y
Colectivo
Centroamericano de
Educación Popular
(ALFORJA)
Costa Rica I Seminario de
Capacitación en
Derechos Humanos de
Asesores del Ministerio
de Educación Pública
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 48 funcionários de todo
o país
Costa Rica II Seminario de
Capacitación en
Derechos Humanos de
Asesores del Ministerio
de Educación Pública
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 33 funcionários de
diferentes lugares do país
1985
Argentina Seminario Internacional
Educación para la
Comprensión
Internacional, la Paz y
los Derechos Humanos
en América Latina
Federación Mundial de
Asociaciones por las
Naciones Unidas
Costa Rica Seminario
Interamericano sobre
Enseñanza de los
Derechos Humanos
Instituto Blaustein e
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem representantes de
Ministérios de Educação e
especialistas no tema
107
Fonte; BASOMBRÍO, C. Educación y ciudadanía. La educación en derechos humanos en
América Latina. Santiago: CEAAL, 1991.
108
Nas colunas referentes ao país, atividade e organização mantivemos os nomes na língua
original, na coluna de participantes colocamos em português.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
279
1985
Costa Rica III Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 75 pessoas de
diferentes países da América
Costa Rica I Taller
Centroamericano de
Metodologia Educativa
em Derechos Humanos
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA) y
Colectivo
Centroamericano de
Educación Popular
(ALFORJA)
Participam 18 representantes de
organizações de direitos
humanos da região
Chile Segundo Encuentro
Nacional de Educación
para la Paz y los
Derechos Humanos
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL)
Assistem educadores e membros
de organizações de direitos
humanos de todo o país
Costa Rica III Seminario de
Capacitación en
Derechos Humanos de
Asesores del Ministerio
de Educación Pública
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 55 assessores
regionais de todo o país
Bélice Taller sobre la situación
de los Derechos
Humanos en Bélice
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA)
Assistem representantes de
organizações de trabalhadores,
sociais, cívicas e educadores
Argentina II Seminario
Latinoamericano de
Educación para la Paz y
los Derechos Humanos
Programa de Educación
para los Derechos
Humanos y la Paz del
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL) y el
Consejo Internacional de
Educación de Adultos
(ICAE)
Assistem representantes de
Bolivia, México, Equador,
Colômbia, Chile, Argentina,
Brasil, Costa Rica e Uruguai
1986
México Primer Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Academia Mexicana de
Derechos Humanos
Panamá I Seminario de Derechos
Humanos en la
Enseñanza Universitaria
Universidad de Panamá e
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 53 pessoas
Costa Rica IV Seminario de
Capacitación en
Derechos Humanos de
Asesores del Ministerio
de Educación Pública
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 30 assessores
regionais de todo o país
Argentina Seminario Educación y
Derechos Humanos en
la Enseñanza
Universitaria
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam especialistas de
diferentes disciplinas
Uruguay Primer Seminario Taller
sobre la Enseñanza de
los Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Venezuela Taller Subregional para
la Paz y los Derechos
Humanos
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL)
Assistem representantes de
Máxico, Costa Rica, Guiana,
Venezuela e Colômbia
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
280
1986
Honduras
Primer Seminario de
Educación en Derechos
Humanos para
Profesores de Educación
Media
Comisión de Derechos
Humanos
Costa Rica I Seminario Taller
Centroamericano para la
Defensa de los Derechos
Humanos
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA) y
Colectivo
Centroamericano de
Educación Popular
(ALFORJA)
Perú Taller Andino de
Educación para la Paz y
los Derechos Humanos
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL),
Instituto de Pedagogía
Popular e Instituto
Peruano de Educación en
Derechos Humanos y la
Paz (IPEDHEP)
Participam representantes de
organizações de educação em
direitos humanos de Equador,
Bolívia, Chile e Peru
Costa Rica IV Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 180 participantes de
todos os países da América
Costa Rica II Taller de Metodologia
Educativa en Derechos
Humanos
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA)
México Taller Preparatorio del
Taller Regional México
Centroamericano para la
promoción de
estrategias que vinculen
la educación popular y
las prácticas de
denuncia y promoción
de los derechos
humanos y la paz
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL),
Academia Mexicana de
Derechos Humanos,
CLAIP y Praxis
Uruguay II Seminario Taller
sobre Enseñanza de los
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 202 pessoas
Chile III Encuentro Nacional
de Educación para la
Paz y los Derechos
Humanos
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL), y
Centro el Canelo de Nos
Assistem 60 representantes de
organizações chilenas
Venezuela III Encuentro
Venezolano de
Educación para la Paz y
los Derechos Humanos
Costa Rica I Taller Elaboración y
Uso de Medios
Informativos para los
Derechos Humanos
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA) y
Colectivo
Centroamericano de
Educación Popular
(ALFORJA)
Participam 20 membros de
organizações de direitos
humanos de Centro América
encarregados desta área de
trabalho
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
281
Panamá I Seminario de Derechos
Humanos en la
Enseñanza Universitaria
Universidad de Panamá e
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 36 especialistas
México II Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Academia Mexicana de
Derechos Humanos con
la colaboración de la
Coordinación de
Humanidades de la
Universidad Nacional
Autónoma de México
1986
Uruguay Taller Subregional de
Educación en Derechos
Humanos para el Cono
Sur
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL) y el
Servicio de Paz y Justicia
de Uruguay (Serpaj)
Assistem delegados de
Argentina, Chile, Paraguay,
Brasil e Uruguay
1987
Colombia Primer Encuentro
Colombiano de
Educación en Derechos
Humanos
CODECAL y CINEP Assistem representantes de
diferentes regiões do país
Ecuador Primer Encuentro
Ecuatoriano de
Educación para la Paz y
los Derechos Humanos
Comisión Ecuménica de
Derechos Humanos
(CEDHU) y al comisión
por la Defensa de los
Derechos Humanos
(CDDH)
Participam 35 representantes de
organizações do país
Brasil Seminário de Direitos
Humanos e
Universidade
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 36 pessoas
representantes de instituições tais
como: Comissão Justiça e Paz de
São Paulo, Gajop (Recife),
Universidade Federal da Paraíba
Chile Primer Curso
Latinoamericano de
Educación para los
Derechos Humanos
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL)
Participam educadores de
Honduras, Costa Rica, Colômbia,
Equador, Bolívia, Brasil,
Paraguai, República Dominicana,
Peru, Panama e Chile
Honduras Segundo Seminario de
Educación en Derechos
Humanos para
Profesores de Educación
Primaria y Media
Comisión de Derechos
Humanos
Perú I Encuentro de
Participantes a Cursos
en Derechos Humanos
Instituto de Defensa
Legal
Assistem 60 pessoas
Chile I Encuentro Nacional de
Servicios Legales
Populares
Quercus con el apoyo del
Instituto
Latinoamericano de
Servicios Legales (ILSA)
Costa Rica IV Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 100 participantes de
todos os países da América
Argentina Primer Curso de
Postgrado en Derechos
Humanos
Instituto Argentino de
Derechos Humanos y de
los Pueblos
Assistem 50 profissionais
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
282
Perú I Encuentro Peruano de
Educación en Derechos
Humanos y la Paz
Instituto Peruano de
Educación en Derechos
Humanos y la Paz
(IPEDHEP) con apoyo
del Consejo de
Educación de Adultos de
América Latina
(CEAAL)
Participam 40 pessoas e criam a
Red Peruana de Educación em
Derechos Humanos y la Paz
Brasil
Primeiro Seminário
Educação e Direitos
Humanos
Secretaria de Educação
da Prefeitura de Recife, a
Secretaria do Governo de
Pernambuco e o Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
1987
Brasil Seminário Educação em
Direitos Humanos para
professores
Comissão Justiça e Paz
de São Paulo, Secretaria
de Educação do Estado
de São Paulo e o Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 14 pessoas
Uruguay Tercer Seminário Taller
sobre Enseñanza de los
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Costa Rica Taller La Denuncia y al
elaboración de los
medios informativos
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA)
Costa Rica I Jornada de
Sistematización de
Experiencias Educativas
en Derechos Humanos
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA)
Chile Taller Educación
Formal y Derechos
Humanos
Programa
Interdisciplinario (PIIE)
y el Consejo de
Educación de Adultos de
América Latina
(CEAAL)
México III Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Academia Mexicana de
Derechos Humanos
México Taller de Educación
para la Paz y los
Derechos Humanos
Programa
Interdisciplinario (PIIE)
y el Consejo de
Educación de Adultos de
América Latina
(CEAAL)
Chile IV Encuentro Nacional
de Educación para la
Paz y los Derechos
Humanos
Programa
Interdisciplinario (PIIE)
y el Consejo de
Educación de Adultos de
América Latina
(CEAAL) y El Canelo de
Nos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
283
Chile III Encuentro Nacional
de Educación popular
del SERPAJ
Servicio de Paz y Justicia
(Serpaj)
Participam 10 representantes de
equipes regionais de Serpaj
1988
Chile Primer Programa de
Formación em Derechos
Humanos para el Cono
Sur
Programa
Interdisciplinario de
Investigación Educativa
(PIIE) y el Consejo de
Educación de Adultos de
América Latina
(CEAAL), Servicio de
Paz y Justicia América
Latina (SERPAJ) y el
Instituto de Estudios
Sociales de La Haya
Assistem delegados de Brasil,
Bolívia, Paraguai, Uruguai,
Argentina, Peru e Chile
Brasil Seminário de
Capacitação em
Educação e Direitos
Humanos
Secretaria de Educação
do Estado de
Pernambuco e o Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 405 pessoas
Brasil Seminário sobre
Direitos Humanos na
Educação
Movimento Justiça e
Direitos Humanos, a
Secretaria do Estado do
Rio Grande do Sul e o
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 492 pessoas
1988
Brasil Seminário Internacional
sobre o Ensino Jurídico
dos Direitos Humanos
Faculdade de Direito da
Universidade de Santa
Maria e o Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 237 pessoas
Argentina I Seminario Taller
Nacional para la
Formación de
Coordinadores
Sub Comisión de
Educación de la
Asamblea Permanente de
los Derechos Humanos
Participam 37 professores
Costa Rica III Taller
Centroamericano de
Metodología Educativa
para los Derechos
Humanos
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA) y
Colectivo
Centroamericano de
Educación Popular
(ALFORJA)
Assistem 14 membros das
unidades de educação da
Comisión Nacional de Derechos
Humanos
Peru Semana de los Derechos
Humanos
Polo coordinador de la
Red Peruana de
Educación para la Paz y
los Derechos Humanos
Brasil Seminário sobre
Educação e Directos
Humanos
Universidade Federal de
Paraíba (Extensão
universitária) e o
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 150 pessoas
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
284
Argentina Seminario de Derechos
Humanos
Interfacultades
Universitarias
Universidad de Rosario y
el Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 120 especialistas
Uruguay I Seminario Taller de
Elaboración de
Experiencias Educativas
en Derechos Humanos
Chile III Seminario
Latinoamericano de
Educación para la Paz y
los Derechos Humanos
Red de Educación en
Derechos Humanos y la
Paz del Consejo de
Educación de Adultos de
América Latina
(CEAAL)
Assistem 35 representantes de
organizações de educação em
direitos humanos de 13 países da
região
Costa Rica VI Curso
Interdisciplinario em
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 132 pessoas de todos
os países da América
Bolivia Taller Nacional sobre el
Perfil del Educador
Popular en Derechos
Humanos
Asamblea Permanente de
Derechos Humanos
Assistem educadores das
diferentes regiões do país
Paraguay I Taller de Educación en
Derechos Humanos
Coordinadora de
Derechos Humanos del
Paraguay
Participam 40 pessoas
Perú II encuentro Peruano de
Educación en Derechos
Humanos
Red Peruana de
Educación en Derechos
Humanos y la Paz
Assistem 50 pessoas de
diferentes regiões do país
Brasil Seminário sobre
Direitos Humanos,
Violência e Educação
em Direitos Humanos
Universidade de Caxias
do Sul e o Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 105 pessoas
1988
Perú II Encuentro Nacional
de Participantes a
Cursos em Derechos
Humanos
Instituto de Defensa
Legal
Assistem 120 pessoas de
diferentes regiões do país
Argentina Seminario Educación
en Libertad y Derechos
Políticos y Protección
del medio ambiente
Colegio Nicolás
Avellaneda y el Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 53 pessoas
Bolivia Reunión Nacional de las
comisiones
Departamentales de
Educación popular de la
Asamblea Permanente
Asamblea Permanente de
los Derechos Humanos
de Bolivia
Venezuela I Taller de Educación en
Derechos humanos para
Maestros de la
Asociación Venezolana
de Educación Católica
Provea y Paz Presente
(ONGs)
México IV Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Academia Mexicana de
Derechos Humanos
Chile
II Escuela de Derechos
Humanos de la Zona Norte
Servicio de Paz y Justicia
Antofagasta (Serpaj)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
285
1989
Perú Taller Técnicas
Participativas para la
Educación en Derechos
Humanos
Red Peruana de
Educación en Derechos
Humanos y la Paz
Brasil Segundo Seminário
Educação em Directos
Humanos na Escola
Movimento Justiça e
Direitos Humanos,
Secretaria de Educação
do Estado do Rio Grande
do Sul e o Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 150 educadores
Bolivia Primer Colectivo
Nacional de Educación
Popular
Asamblea Permanente de
los Derechos Humanos
Perú I Taller Nacional de
Formación de
Promotores en
Educación en Derechos
Humanos
Red Peruana de
Educación en Derechos
Humanos y la Paz
Participam 120 pessoas
Brasil Seminário
Interamericano
Pedagogia e Didática da
Educação em Direitos
humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 34 representantes de
organizações não governamentais
de 10 países da região
Brasil II Seminário Educação
em Direitos Humanos
na Escola
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 146 pessoas
Chile Segundo Curso Taller
de Formación em
Derechos Humanos para
América Latina
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL),
Servicio Paz y Justicia
América Latina y el
Instituto de Estudios
Sociales de La Haya
Participam 26 pessoas de toda
América Latina
1989
Panamá Primer Taller sobre
Técnicas de
Investigación
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA), el
Centro de Capacitación
Social y la Comisión
Nacional de Derechos
Humanos de Panamá
México Segundo Curso Taller
Regional para
Representantes de
Organizaciones
Indígenas de México e
Centroamérica
Academia Mexicana de
Derechos Humanos
Assistem representantes das
principias étnias da região:
maias, nahuals, mazahuals,
miskitos etc.
Bolivia II Colectivo Nacional de
Educación popular
Asamblea Permanente de
Derechos Humanos de
Bolivia
Costa Rica VII Curso
Interdisciplinario de
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
286
Costa Rica Seminario La Radio
como instrumento
educativo para la
educación en derechos
humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 32 representantes de
14 países
Perú III Encuentro Peruano
de Educación en
Derechos Humanos
Red Peruana de
Educación en Derechos
Humanos y la Paz
Assistem 60 educadores de
diferentes regiões do país
Bolívia III Colectivo Nacional
de Educación popular
Asamblea Permanente de
Derechos Humanos de
Bolivia
Costa Rica Segundo Taller
Seminario de Defensa
Jurídica
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA)
Perú I encuentro de
Experiencias
Universitarias de
Educación en Derechos
Humanos
Comisión Andina de
Juristas
Ecuador Segundo Encuentro
Latinoamericano de
Organismos
Ecuménicos de
Derechos Humanos
Consejo Mundial de
Iglesias y la conferencia
de Iglesias del Caribe
Bolivia Seminario Diagnóstico
de la Educación en
Derechos Humanos en
Bolivia. Situación actual
y perspectivas
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Guatemala Seminario La Educación
en Derechos Humanos
en Guatemala
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 20 delegados de
organizações não-
governamentais do país
México V Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Academia Mexicana de
Derechos Humanos
Uruguay Seminario Educación
para las Nuevas
Generaciones: un
encuentro por sus
derechos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 80 especialistas
1989
Perú III Encuentro Nacional
de Participantes a
Cursos de Derechos
Humanos “Manuel Soto
y Víctor Lozano”
Instituto de Defensa
Legal
Participam 180 pessoas de todo o
país
Argentina Seminario Presente y
Futuro de los Derechos
Económicos de América
Latina
Ministerio de Relaciones
Exteriores, Subsecretaría
de Derechos Humanos y
el Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 52 especialistas
Guatemala Seminario La Educación
en Derechos Humanos
en Guatemala
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 20 pessoas de
diferentes regiões do país
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
287
Peru Primer Taller Nacional
sobre Educación en
Derechos humanos en
Zonas de Emergencia
Red Peruana de
Educación en Derechos
Humanos y la Paz
Assistem 30 pessoas
Costa Rica II Jornada de
Sistematización de
Experiencias Educativas
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA) y el
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL)
1990
Bolivia IV Colectivo Nacional
de Educación Popular
Asamblea Permanente de
los Derechos Humanos
de Bolivia
Chile Primer Reencuentro de
Participantes al
Programa de Formación
en Derechos Humanos
Servicio Paz y Justicia
Perú III Taller Nacional de
Formación de
Promotores de
Educación en Derechos
Humanos
Red Peruana de
Educación en Derechos
Humanos y la Paz
Bolivia Seminario Taller
Democracia Formal y
Educación en Derechos
Humanos
Asamblea Permanente de
los Derechos Humanos
de Bolivia
Participam 70 educadores de
todo o país
Costa Rica Foro Latinoamericano
de Diagnóstico de la
Capacitación en
Derechos Humanos
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA)
Chile Seminario sobre
Educación en Derechos
Humanos y Democracia
Programa
Interdisciplinario de
Investigación Educativa
(PIIE) y el Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Bolivia
II Seminario sobre
Educación para la Paz, la
Democracia y los
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 91 pessoas
1990
Guatemala II Seminario La
Educación en Derechos
Humanos en Guatemala
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Perú
Taller Regional de
Derechos Humanos en
Iquitos
Um grupo de ONGs
peruanas
Brasil
Seminário A Educação
em Direitos Humanos em
Minas Gerais: situação
atual e perspectivas
Faculdade de Direitos da
Universidade do Estado de
Minas Gerais e o Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos (IIDH)
Participam 57 especialistas
Colombia
Seminário Por uma
Cultura de Derechos
Humanos: el papel
protagónico de la escuela
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 127 pessoas
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
288
Perú IV Encuentro Peruano
de Educación en
Derechos Humanos y la
Paz
Grupo de ONGs
peruanas (CAAAP, CAJ,
CEAS, IDL, CEAPAZ e
IPEDHEP)
Chile Tercer Curso Taller para
formadores em
Derechos Humanos em
América Latina
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL),
Servicio Paz y Justicia
América Latina y el
Instituto de Estudios
Sociales de La Haya
Panamá Seminario La Educación
en Derechos Humanos
en Panamá: análisis y
perspectivas
Ministerio de Educación
y Cultura y el Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 62 especialistas
Costa Rica VIII Curso
Interdisciplinario en
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Nicaragua Seminario Los Derechos
Humanos en la
Educación de Hoy
Ministerio de Educación
Pública y el Instituto
Interamericano de
Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 61 especialistas
Ecuador II Curso Taller en
Derechos Humanos para
Dirigentes Indígenas
Comisión Andina de
Juristas
Uruguay II Seminario Educación
para las Nuevas
Generaciones: un
encuentro por sus
derechos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH) y el Instituto
Interamericano del Niño
Participam 39 especialistas
Costa Rica Foro Evolución,
Perspectivas y Retos de
la Educación Popular en
América Latina
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA)
Costa Rica III Jornada de
sistematización de
Experiencias Educativas
en Derechos Humanos
Comisión de Derechos
Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA)
1991
Panamá Seminario Taller para la
Implementación de los
Derechos Humanos en
el Currículum,
Pedagogía y Textos
Escolares
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 40 especialistas
1991
Bolivia VII Colectivo de
Educación popular
Comisión de Educación
de la Asamblea
Permanente de Derechos
Humanos Bolivia
Perú
IV Encuentro Nacional
de Participantes a Cursos
en Derechos humanos
Instituto de Defensa
Legal
Participam 80 pessoas
Bolivia Seminario Nuestros
Pueblos en la Escuela
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 76 educadores
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
289
Bolivia Seminario Derechos
Humanos y Derecho
Penal. Nuevas
perspectivas y alcance
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Costa Rica I Seminario
Latinoamericano sobre
Discapacidad y
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 83 especialistas
Brasil I Encontro de
Educadores em Direitos
Humanos
Comissão Justiça e Paz
de São Paulo
Participam professores de 10
escolas piloto com as que já
estavam trabalhando
Costa Rica Taller Subregional sobre
Capacitación en
Derechos Humanos
Servicio Universitario
Mundial y Comisión de
Derechos Humanos de
Centroamérica
(CODEHUCA)
Perú Semana de los Derechos
Humanos de Huacho
Grupo de ONGs
(CODEH HUACHO,
CAJ, CEAS, IDL,
CEAPAZ e IPEDEHP)
Costa Rica III Congreso Infantil de
Informática Educativa
“Los niños, las niñas y
los derechos humanos”
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Participam 500 pessoas
Guatemala Seminario Taller El
Estado y la Enseñanza
de los Derechos
humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Assistem 72 pessoas
Brasil Curso de Educação em
Direitos Humanos para
Professores da Rede
Pública do Estado de
São Paulo
Comissão Justiça e Paz
de São Paulo e Secretaria
de Educação do Estado
de São Paulo
Costa Rica IX Curso
Interdisciplinario de
Derechos Humanos
Instituto Interamericano
de Derechos Humanos
(IIDH)
Perú IV Taller Nacional de
formación de
Promotores en Derechos
Humanos
Grupo de ONGs (CAJ,
IDL e IPEDHEP)
Chile VI Seminario para
estudiantes de Derecho
hacia el uso Alternativo
del Derecho
Quercum
Perú V Encuentro Peruano de
Educación en Derechos
Humanos y la Paz
Grupo de ONGs
(CAAAP, CAJ, CEAS,
IDL, CEAPAZ e
IPEDHEP)
Paraguay Reencuentro del Tercer
Curso Taller para
Formadores em
Derechos humanos em
América Latina
Consejo de Educación de
Adultos de América
Latina (CEAAL),
Servicio Paz y Justicia
América Latina y
Instituto de Estudios
Sociales de La Haya
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410360/CA
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