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PEDRO EGÍDIO WARKEN
LEITURA E ESCRITA NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS
DISCURSIVOS:
CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO SIGNIFICATIVO POR
MEIO DO CONTO DE ASSOMBRAÇÃO
Londrina
2008
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PEDRO EGÍDIO WARKEN
LEITURA E ESCRITA NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS
DISCURSIVOS: CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO
SIGNIFICATIVO POR MEIO DO CONTO DE
ASSOMBRAÇÃO
Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação
em Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual
de Londrina, como um dos requisitos para a obtenção
do título de Mestre.
Orientadora: Prof
a
. Dra. Regina Maria Gregório
LONDRINA
2008
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PEDRO EGÍDIO WARKEN
LEITURA E ESCRITA NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS
DISCURSIVOS: CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO SIGNIFICATIVO
POR MEIO DO CONTO DE ASSOMBRAÇÃO
Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação
em Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual
de Londrina, como um dos requisitos para a obtenção
do título de Mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Orientador
Prof
a
. Dra. Regina Maria Gregório
Universidade Estadual de Londrina
______________________________________________
Prof. Componente da Banca
Prof
a
. Dra. Alba Maria Perfeito
Universidade Estadual de Londrina
______________________________________________
Prof. Componente da Banca
Prof
a
. Dra. Sonia Aparecida Lopes Benites
Universidade Estadual de Maringá
Londrina, 20 de novembro de 2008.
12
Dedico este trabalho àqueles que todos os dias se
levantam para tornar esse mundo melhor.
13
AGRADECIMENTOS
À Regina Gregório, minha estimada orientadora que com dedicação e paciência me
acompanhou em todos os passos do trabalho, além de me inspirar pelo exemplo de
determinação e alegria de viver.
À Alba Perfeito, minha professora, que além de me ensinar muito em suas aulas, contribuiu
com orientações e inspirou o projeto dessa pesquisa .
À Elvira Nascimento, minha professora, que abriu um caminho novo na concepção do ensino
de língua, contagiando-me com o seu entusiamo.
À Loredana, minha professora, que tão discreta e sabiamente me fez ver o mundo pela
semiótica, além de dedicar um tempo para uma boa conversa.
À Carla, minha querida companheira de todas as horas, que motivou e acalentou o sonho da
presente conquista.
À Cristina, que não poupou esforços em ajudar nas horas de sufoco assessorando-me em
diversos momentos.
Aos alunos da série A e B do Colégio Estadual José Aloísio Aragão – Aplicação da UEL –
que se dispuseram a participar com muita alegria desta pesquisa.
14
O homem é um vivente com palavra. E isto não
significa que o homem tenha a palavra ou a
linguagem como uma coisa, ou uma faculdade, ou
uma ferramenta, mas que o homem é palavra, que o
homem é enquanto palavra, que todo humano tem a
ver com a palavra, se em palavra, está tecido de
palavras, que o modo de viver próprio desse vivente,
que é o homem, se dá na palavra e como palavra.
(Larrosa)
15
WARKEN, Pedro Egídio. Leitura e escrita na perspectiva dos gêneros discursivos:
construção de um percurso significativo por meio do conto de assombração. 2008. 118 f.
Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) Universidade Estadual de Londrina,
Londrina.
RESUMO
O presente trabalho trata de uma pesquisa-ação de cunho etnográfico, realizado com uma
turma de alunos de sétima série do Colégio de Aplicação da UEL, com o objetivo de
investigar o desempenho de leitura e escrita desses alunos. A pesquisa tem como bases
teóricas a concepção interacionista de linguagem; a vertente bakhtiniana de gêneros
discursivos, com opção pelo viés do estudo de gêneros organizado por Dolz e Schneuwly
(2004) no que se refere ao domínio social, a tipologia e as capacidades de linguagem; os
trabalhos de Barbosa (2003) e Perfeito (2005) que organizam simultaneamente categorizações
dos gêneros em grupo e também das características de um gênero em particular; e autores que
tratam da leitura como ensino-aprendizagem, tais como Geraldi, Menegassi, Ângelo, Perfeito,
Dell’Isola e Brandão, entre outros. Como principal estratégia metodológica aplicou-se um
conjunto de seqüências didáticas a partir de cinco contos fantásticos de assombração e por
meio de leitura, exercícios de análise, produção de textos, levantaram-se dados para interferir
no trabalho dos alunos participantes da pesquisa, dimensionar e qualificar suas leituras. O que
resultou dessa trajetória foi uma nova postura do pesquisador ante o estudo da concepção
interativa de linguagem e a experiência pedagógica na perspectiva do trabalho com os gêneros
discursivos e sua aplicação em sala de aula e aos alunos uma nova visão no aprendizado de
língua portuguesa. Houve resultados pelo avanço no aprendizado da leitura e escrita dos
estudantes ao se assumir as teorias acima expostas.
Palavras-chave: Leitura; escrita; interação; gênero discursivo; conto fantástico.
16
WARKEN, Pedro Egídio. Reading and writing from the perspective of discoursive
gender: construction of a meaningful journey through the wonder tale. 2008. 118 f.
Dissertation (Master in Language Studies) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina.
ABSTRACT
This work deals with a research-action of ethnographic stamp, conducted with a group of
seventh grade students, at the Colégio de Aplicação da UEL, with a view to investigate the
reading and writing performance of these students. The research has as theoretical bases the
interactionist conception of language; the bakhtinian vertent of discoursive genders,with an
option for organized genders of study bias by DOLZ and Schneuwly (2004) with regard to the
social sphere, the typology and the capacity of language ; the work of Barbosa (2003) and
Perfeito (2005) that organizes simultaneously categorizations of a group of genders and also
the characteristics of a particular gender; and authors who deal with the reading and teaching-
learning, like Geraldi, Menegassi, Ângelo, Perfeito, Dell’Isola e Brandão, among others).As
the main methodological strategy had been applied with a set of teaching sequences from five
fantastic wonder tales and through reading,analysis exercises, texts production, data had been
surveyed to interfere in the students work who participated in the research, scale and qualify
their readings. The results of this trajectory where a researcher’s new position before the
analysis of the interactionist conception of language and the pedagogical experience with the
prospect of discoursive work genders and its application in the classroom and the students
new view of portuguese language learning. There where results by the students progress of
reading and writing learning taking up the theories above exposed.
Keywords: Reading; writing; interaction; discursive gender; fantastic tale.
17
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Organização dos gêneros discursivos.................................................................... 40
Quadro 2 - Descrição do conto de assombração...................................................................... 42
Quadro 3 - Esquema da seqüência didática............................................................................. 50
Quadro 4 - Entrevista sobre os hábitos de leitura dos colaboradores da pesquisa.................. 53
Quadro 5 - Abreviaturas e legendas das entrevistas................................................................ 55
Quadro 6 - Descrição dos gêneros discursivos........................................................................ 59
Quadro 7 - Análise de textos de diferentes gêneros discursivos.............................................. 60
Quadro 8 - Análise da produção inicial de Marcelo................................................................ 72
Quadro 9 – Análise da produção final de Marcelo.................................................................. 76
Quadro 10 - Análise da produção inicial de Ana Lúcia .......................................................... 79
Quadro 11 - Análise da produção final de Ana Lúcia.............................................................. 82
Quadro 12 - Análise da produção inicial de Camila................................................................ 85
Quadro 13 - Análise da produção final de Camila................................................................... 87
Quadro 14 – Análise da produção inicial de Yago.................................................................. 89
Quadro 15 – Análise da produção final de Yago..................................................................... 91
Quadro 16 - Análise da produção inicial de Rafaela............................................................... 93
Quadro 17 - Análise da produção final de Rafaela...................................................................95
18
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9
1. CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E LEITURA.................................................... 13
1.1. A linguagem como expressão de pensamento....................................................... 13
1.2. A linguagem como instrumento de comunicação.................................................... 15
1.3. A linguagem como forma de interação.................................................................... 17
1.4. As concepções de leitura nos documentos oficiais.................................................. 24
1.5. A avaliação da leitura.............................................................................................. 27
1.6. Gêneros do discurso e gêneros textuais................................................................... 30
2. O CONTO DE ASSOMBRAÇÃO............................................................................. 33
2.1. O conto e sua trajetória histórica............................................................................. 33
2.2. Afinal, o que é o conto?........................................................................................... 35
2.3. O conto fantástico.................................................................................................... 36
2.4. Descrição do conto de assombração........................................................................ 39
3. ENCAMINHAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS..................................... 47
3.1. A Pesquisa-ação (pesquisa qualitativa/etnográfica)................................................ 47
3.2. Apresentação da intervenção (ou da pesquisa-ação)............................................... 48
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS................................................................ 71
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 98
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 101
ANEXOS...................................................................................................................... 107
INTRODUÇÃO
Quando fazemos coisas com as palavras, do que se trata é
de como damos sentido ao que somos e ao que nos
acontece, de como correlacionamos as palavras e as
coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que
sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos.
(Larrosa)
O universo do ensino encerra uma problemática social e política que sempre exigirá
compromisso, criatividade e ciência do poder público, da sociedade como um todo, e do
educador. O que ocasionou a presente pesquisa foi a reflexão em torno do papel do professor
de Língua Portuguesa: que concepção de ensino de língua adotar? Que práticas pedagógicas
assumir para a efetiva tarefa do ensino/aprendizagem com foco na leitura e na produção de
texto no interior da escola? Inserido na Rede Pública de Educação do Estado do Paraná,
especialmente no Ensino Fundamental e Médio, vinte e dois anos, as dificuldades do
processo ensino-aprendizagem levaram-me à observação das condições do ensino, à busca por
uma vertente pedagógica a ser adotada no ensino de língua materna e à procura por descobrir
o que na intermediação entre professor e aluno que compromete o desempenho de um ou
de outro no binômio ensino/aprendizagem, especialmente em relação à leitura em sala de aula.
O papel do ensino de língua materna na escola está na reflexão acerca de seu uso na
vida e na sociedade, como forma da garantir a participação ativa do indivíduo na vida social.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Médio (BRASIL, 1999, p. 142)
propõem que o ensino de língua materna possibilite ao aluno compreender a língua
portuguesa “como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais e como representação
simbólica de experiências humanas manifestadas nas formas de sentir, pensar e agir na vida
social”. Neste sentido, ela deve ser entendida também como geradora de significação e
integradora da organização da sociedade e da construção de sua identidade.
Historicamente a leitura sofre mudanças de “status” e isso reflete significativamente
no seu ensino no chão da escola. No Brasil, especialmente a partir da década de 1980,
diversas outras disciplinas, tais como a Análise do Discurso, a Psicolingüística, a
Sociolingüística, a Teoria Literária e a Pedagogia, passaram a contribuir com o ensino de
línguas. Concomitantemente a essa renovação no âmbito intelectual, quando o Brasil se alinha
às pesquisas de outros países, alguns problemas que comprometem o desempenho da leitura
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se instauraram em nível nacional. Um deles é a “crise da leitura”, nomenclatura dada para
definir a seguinte problemática: de um lado as dificuldades pelas carências no setor
educacional, ao lado da deficiência na alfabetização escolar, a carência da leitura de textos na
escola, a pouca qualidade dos textos ainda lidos; de outro a participação sufocante da mídia
que desvia ainda mais o público do texto escrito, desencadeando outros hábitos que
comprometem a relação do leitor com os valores sociais e culturais.
Quando se trata da atuação da escola e do professor, mudanças no entendimento do
ensino de língua trouxeram impactos que por um lado ocasionaram avanços, por outro
contribuíram com danos e desvios no “caminho” da compreensão do ensino-aprendizado da
leitura. Exemplificando, nos anos de 1980 o quadro da educação assim se apresentava: o
professor baseava suas ações na metodologia tradicional ou no estruturalismo, como quando
se ocupava em combinar signos das menores unidades às construções sintáticas mais
complexas, dedicava-se a ensinar aos alunos essas combinações, na crença de que, ao
assimilar esses encadeamentos, poderia se tornar um bom leitor. Tais oscilações na
compreensão do ensino de língua na escola, ainda que comprometam ao longo da trajetória o
trabalho na educação, também fazem parte do processo de amadurecimento que vem de longa
data. Não se pode perder de vista, contudo, a capacidade de perceber em cada momento
histórico o sentido que esse saber traz e que melhor responda aos anseios e necessidades de se
compreender o mundo por meio da ação comunicativa da linguagem.
Diante disso o papel da escola é o de assegurar a ética e a estética no ensino da língua,
que é entendida como conhecimento de mundo em interação; e promover a reflexão de que
por meio da linguagem pode-se transformar o mundo no âmbito social, cultural e pessoal;
fazer entender pela linguagem a complexidade humana; respeitar as diferentes manifestações
e falas por meio das vozes sociais que ajudam no desenvolvimento humano. Kaufman (1995,
p. 3) diz que “É dever indubitável da escola que todos que egressem de suas aulas sejam
‘pessoas que escrevem’, isto é, sejam pessoas que, quando necessário, possam valer-se da
escrita com adequação, tranqüilidade e autonomia”.
A teoria que fundamenta esta pesquisa tem origem em Bakhtin (1997), nos estudos de
Bronckart (2003), Dolz e Shneuwly (2004), Barbosa (2005) e Perfeito (2005). E no que tange
às discussões em torno das concepções de leitura trazem-se reflexões de autores como:
Brandão, Coracini, Dell’isola, Geraldi, Indursky, Kato, Kleiman, Kock, Leffa, Menegassi,
Orlandi, Perfeito, Silva, Smith, Soares, Zilberman, entre outros.
Este trabalho se define primeiramente como uma ação pedagógica pela epistemologia
da construção de sentido do texto a partir da concepção interacionista da linguagem, dos
11
gêneros discursivos mediante suas implicações de contexto de produção, conteúdo temático,
organização geral do gênero e das marcas lingüísticas e enunciativas. É pertinente no
presente estudo a proposta na perspectiva dos gêneros discursivos uma vez que, diferente da
pedagogia tradicional, aquela contempla uma leitura e análise de texto de forma mais
abrangente, pois considera ao mesmo tempo o contexto de produção e as marcas lingüísticas
que garantem o sentido do texto. Isto porque, ancorado nos estudos bakhtinianos, os gêneros
não são inventados a cada instante da comunicação, mas estão presentes nas diferentes esferas
sociais, o que vale dizer com Barbosa (2005) que o gênero remete ao contexto social,
histórico e cultural enquanto circula no meio social.
Na perspectiva interacionista a concepção de leitura e de seu ensino considera o
trinômio autor-texto-leitor em que texto não é mais objeto de enigma a ser desvendado pelo
leitor por saber das intencionalidades do autor somente; de outro lado o leitor também
contribui na construção do sentido do texto, fazendo inferências de acordo com sua
cosmovisão; e o autor/enunciador, por sua vez, não tem o monopólio do entendimento do
texto, mas é aquele que toma a iniciativa da transação dialógica no processo da leitura autor-
texto-leitor. É importante no ensino de Língua Portuguesa o movimento da prática da leitura,
produção de texto e análise lingüística, visto que assim se completa o ciclo do trabalho do
professor de língua. O gênero é o objeto central do ensino, e é no processo da leitura que se
revela como o produtor do texto/discurso mobiliza recursos expressivos para construir os
sentidos desejados. A leitura, conseqüentemente, é que pode promover a reflexão acerca do
mundo e da própria língua como instrumento de interação nos contextos sociais.
Com base na teoria acima, o objetivo geral desse trabalho é observar o fator ensino-
aprendizagem na perspectiva de avaliar o grau de sucesso e insucesso da leitura realizada
pelos alunos por meio dos textos produzidos por eles, e interferir no processo de produção por
meio de orientações sustentadas pela vertente dos gêneros discursivos e seu ensino.
Os objetivos específicos nesta pesquisa, ao estudar diferentes textos do gênero conto
fantástico e a produção de contos pelos alunos, foram os seguintes: a) identificar os diversos
aspectos inerentes ao contexto de produção; b) reconhecer no texto o seu conteúdo temático;
c) verificar no texto a sua organização geral e entender sua configuração; d) refletir sobre a
linguagem do texto por meio das marcas lingüístico-enunciativas.
Fundamentada em Moita Lopes (2000) e Triviños (1994), a orientação metodológica
seguida no presente estudo é o de viés investigativo de intervenção, obedecendo uma vertente
de abordagem de pesquisa qualitativa especialmente de natureza etnográfica. E o instrumento
utilizado para fins de levantamento de dados é o da pesquisa-ação.
12
Realizada com alunos de série do Ensino Fundamental em uma escola pública de
Londrina, a pesquisa efetivou-se com a elaboração de um projeto de vinte e quatro aulas com
seqüências didáticas utilizando o gênero discursivo de contos fantásticos de assombração. As
SDs, constituídas de exercícios de interpretação, foram construídas a partir de cinco textos do
gênero discursivo contos de assombração de autores consagrados.
No processo de desenvolvimento das seqüências didáticas ocorreram, no início e no
fim delas, produções textuais por parte dos alunos com o propósito de melhor entender da
problemática do ensino/aprendizagem na área de Língua Portuguesa, no sentido de tentar
levantar dados mais concretos no tocante ao fator epistemológico da leitura em sala de aula.
Dados trazidos para esta dissertação através de análises realizadas com a participação dos
alunos nas suas diversas produções enquanto durou o projeto.
O primeiro capítulo apresenta uma descrição e discussão de dados teóricos no âmbito
dos Estudos da Linguagem, trazendo uma panorâmica histórica das concepções de linguagem,
entre elas as que fundamentam os documentos oficiais (Parâmetros Curriculares Nacionais e
Diretrizes Curriculares Estaduais) para o Ensino de Língua Portuguesa; as idéias dos
principais autores da concepção interacionista de linguagem; uma abordagem a cerca dos
gêneros discursivos.
O segundo capítulo traz um histórico do gênero conto de assombração, bem como uma
descrição deste, elaborada a partir dos estudos sobre os gêneros discursivos empreendidos por
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).
No terceiro capítulo é apresentada a metodologia do trabalho realizada em forma de
pesquisa-ação, constituída por duas produções textuais dos alunos - início e fim do processo -,
vinte e quatro aulas a partir de cinco textos de contos de suspense e assombração e uma
pesquisa sobre as motivações dos alunos em relação à leitura.
No quarto capítulo, realiza-se a discussão dos dados levantados na pesquisa com os
alunos mediante as categorias organizadas por Bronckart (2003) e Barbosa (2005), adaptado
por Perfeito (2006), com os seguintes aspectos: a) contexto de produção; b) conteúdo
temático; c) organização geral; d) marcas lingüísticas e enunciativas.
Este trabalho pode contribuir com o estudo e a reflexão em torno do ensino de língua
materna e com a formação de um aluno crítico e capaz de interagir no mundo, bem como de
uma nova postura por parte do educador. Algumas das reflexões suscitadas neste trabalho são
apresentadas no último capítulo.
13
1. CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E DE LEITURA
A nossa linguagem pode ser vista como uma velha
cidade: um labirinto de ruas estreitas e praças, de
casas antigas e novas e de casas com reconstruções
de diversas épocas; tudo isso rodeado de uma
multiplicidade de bairros novos com ruas
regulares e casas uniformes. (Wittgenstein)
A investigação em torno da leitura e escrita, não pode dispensar uma visão panorâmica
acerca de concepções de linguagem, visto que elas interferem decisivamente na percepção e
compreensão do fenômeno da aquisição de uma língua e suas leituras, objeto desta pesquisa.
Embora uma nova teoria supere ou aperfeiçoe a anterior, na prática, elas muitas vezes “co-
existem”, e orientam o trabalho de professores, determinando suas escolhas. Conscientizar-se
destas concepções é fundamental é um dos primeiros passos a ser dado quando se pretende
refletir sobre a própria atuação como educador e construir estratégias adequadas ao ensino de
qualquer disciplina.
Alguns autores organizam as diversas concepções de linguagem em três grandes
grupos: como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como forma de
interação (GERALDI, 1984, 1997; TRAVAGLIA, 1985, 2005; CARDOSO, 1999). De modo
geral, diz Geraldi (1984, p. 43) “estas três concepções correspondem às três grandes correntes
dos estudos lingüísticos: a) a gramática tradicional; b) o estruturalismo e o
transformacionalismo; c) a lingüística da enunciação”. De modo semelhante, Castilho (1998)
identifica três grandes modelos teóricos: a ngua como atividade mental, a língua como
estrutura e a língua como atividade social.
1.1 A linguagem como expressão de pensamento
A concepção da linguagem como expressão do pensamento tem sua origem na
tradição gramatical dos antigos gregos, passando pelos latinos, a Idade Média e a Moderna,
sendo superada, teoricamente, somente com Saussure (1995) em meados do século XX.
14
Nesta concepção a linguagem é entendida como expressão direta do pensamento, fruto
da produção do interior da mente de cada indivíduo. Essa capacidade humana de organizar
logicamente o pensamento depende da manifestação exterior que se dá por meio da linguagem
articulada e organizada. A linguagem é considerada, assim, a “tradução” do pensamento
(TRAVAGLIA, 2005).
Tal concepção fundamenta os estudos tradicionais de língua partindo da hipótese de
que é racional a natureza da linguagem, pois os homens pensam conforme regras universais
organizando classificações, divisões e segmentações.
Segundo Leroy (1971, p. 18), Aristóteles foi o primeiro a empreender uma análise
precisa da estrutura lingüística. Suas idéias, e de seus seguidores, foram aperfeiçoadas pelos
alexandrinos e o modelo elaborado por Dionísio, o Trácio, nos séculos II e I a. C., foi
utilizado por séculos.
No século XVII, a Gramática Geral e Racional de Port Royal, de Arnauld e Lancelot
(1660), consolida a concepção greco-alexandrina dos séculos II e I a.C. Esta gramática
procura demonstrar que a linguagem, expressão do pensamento, se funda na Razão, e procura
estabelecer princípios universais, construindo, conforme o paradigma cartesiano, “uma
espécie de esquema de linguagem, ao qual, de bom ou mal grado, as múltiplas aparências da
língua real devem se submeter” (LEROY, 1971, p. 25).
Como se postula a existência de princípios gerais e racionais norteadores da
organização do pensamento e da linguagem, passa-se a ter uma postura de exigência de
clareza e precisão dos falantes, que as regras a “serem observadas” são as do “bem falar e
do bem escrever”.
Dessa forma o ensino de língua é orientado pela gramática teórico-normativa, isto é, a
de conceituar, classificar, para se compreender seguindo prescrições no que tange a
concordância, regência, acentuação, pontuação e ortografia. Em conseqüência, o que se
observa nos livros didáticos é a presença dos itens gramaticais como conteúdos
preponderantes, como eixos de progressão curricular.
Neste contexto, a leitura deve levar à extração dos sentidos, muitas vezes fixados pelo
autor, ou por uma voz de autoridade, havendo, portanto, uma única interpretação lida: a do
autor do texto, dada pelo professor ou pelo autor do livro didático (PERFEITO, 2005, p.5).
Conforme Perfeito (2005), esta concepção orientou o ensino de língua materna no
Brasil até a década de sessenta, e mesmo atualmente é possível perceber sua influência.
15
1.2 A linguagem como instrumento de comunicação
Na concepção de linguagem como instrumento de comunicação, a língua é entendida
como código, responsável pela transmissão de uma mensagem entre um emissor e um
receptor, sem consideração por sua utilização ou determinações sócio-históricas. Ler é
decodificar e a interpretação do leitor deve coincidir com a do autor do livro didático. A esse
respeito, dizem Menegassi e Ângelo (2005, p. 16):
[...] a leitura não era vista como um processo ativo em que o leitor busca no
texto as informações que lhe interessam, mas como um processo passivo de
simples reconhecimento de palavras e idéias, em uma tida demonstração de
capacidade de copiação de informações textuais.
Saussure (1995) é o responsável por romper com a concepção de linguagem como
expressão do pensamento no princípio do século XX, quando estabelece distinção entre a
Langue (Língua) e a Parole (Fala). Ele conceitua a Langue “como sistema de signos (um
conjunto de unidades que estão organizadas, formando um todo), de caráter social,
homogêneo, abstrato internalizados na mente do falante” (PERFEITO, 2005, p. 7).
A Parole, entendida como manifestação individual concreta dos falantes, e sujeita a
variações não é considerada no estudo de Saussure, que se dedica ao funcionamento interno
da língua, desprezando o contexto de produção ou as determinações históricas e sociais.
A língua não constitui, pois, uma função do falante: é o produto que o
indivíduo registra passivamente; não supõe jamais premeditação, e a
reflexão nela intervém somente para a atividade de classificação [...]. A fala
é, ao contrário um ato individual de vontade e inteligência, no qual convém
distinguir: 1º, as combinações pelas quais o falante realiza o código da
língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2º, o mecanismo
psíco-físico que lhe permite exteriorizar essas combinações (SAUSSURE,
1995, p. 22).
De acordo com Perfeito (2005, p. 8), Jakobson (1973), ampliando a visão saussureana
e a perspectiva estruturalista, reconhece três funções básicas de linguagem: que recaem no
emissor (função expressiva/emotiva); com incidência no receptor (função apelativa/conativa)
ou no referente/contexto (função referencial/informativa). Para Jakobson, há ainda outros
fatores que podem intervir na comunicação verbal: a mensagem, o canal e o código.
16
Quando da promulgação das Leis de Diretrizes e Bases 5692, em 1971, o
estruturalismo, a teoria da comunicação e o estudo das funções de linguagem forneceram as
bases para um modelo de ensino de língua portuguesa no Brasil.
Nessa perspectiva, em que a linguagem é compreendida como código, há ainda grande
ênfase no ensino da gramática, embora as atividades com leitura e a produção de texto já
ganhem importância no interior da escola.
Outro fator importante a ser considerado é a influência do tecnicismo durante o
período da ditadura militar, que valoriza a idéia de reforço, uma vez que a aprendizagem é
entendida como um processo de internalização inconsciente de hábitos, conforme a teoria
comportamentalista/behaviorista (PERFEITO, 2005).
que se considerar ainda as influências do gerativismo, outra teoria da linguagem
que, no final a década de 1950, redefine o objeto da lingüística defendendo a idéia de que a
linguagem é uma capacidade inata do indivíduo. Os estudos de Chomsky, um dos principais
representantes desta teoria, voltam-se para a competência o falante ideal, sem consideração
pelas situações reais de uso da língua, mais uma vez.
Processamento ascendente e descendente
Em relação à prática de leitura, ainda nesta concepção de linguagem como
comunicação, observa-se uma tendência que dá ênfase ao texto (processamento ascendente),
ancorada no estruturalismo, e outra que ênfase ao leitor (processamento descendente),
sustentada pelo gerativismo.
O modelo de processamento ascendente (bottom-up) vai do texto para o leitor, e supõe
que o leitor parta das unidades (palavras, frases) para se chegar ao todo. Por esse prisma o
texto, fonte única de sentido, cria vida própria, independentemente da enunciação: o leitor
seria, assim, o que recebe o saber presente no texto, parcela a ser capturada para edificar o
sentido. Neste caso se constrói o sentido como Saussure preconizava: juntando-se os menores
elementos para se construir uma unidade maior com significado (SAUSSURE, 1995). Os
dados existentes no texto são o ponto de partida para a sua compreensão.
Tal modelo de processamento exerceu e ainda exerce grande influência no ensino de
língua materna desde as primeiras séries escolares, perceptível principalmente nos métodos de
alfabetização.
De acordo com Menegassi e Ângelo (2005, p. 21), Leffa (1999) aponta três grandes
motivos para as críticas dirigidas a este modelo: “ênfase no processamento linear da leitura;
17
defesa da intermediação do sistema fonológico da língua para acesso ao significado;
valorização das habilidades de nível inferior, como reconhecimento de letras e palavras.”
De forma inversa, no modelo de processamento descendente (top-down) a construção
de sentido vai do leitor ao texto e não se de forma linear, mas conforme a contribuição do
leitor, ou seja, a partir de seus conhecimentos prévios. Aqui o leitor é o eixo principal da
leitura, ao passo que o texto tem um papel secundário.
Orientados pela psicologia cognitivista, Goodman (1997) e Smith (1998) são os
principais estudiosos desta perspectiva, segundo a qual, ler é atribuir significado ao texto.
Conforme esses pesquisadores, o bom leitor é capaz de acionar o que Rumelhart (apud
KATO, 1987) denomina de esquemas verdadeiros pacotes de conhecimentos estruturados,
acompanhados de instruções para seu uso. Essa terminologia acionar pacotes de
conhecimentos – advém dos estudos da inteligência artificial.
Goodman (1997) explica que, daquilo que lê, o leitor seleciona o que lhe convém, os
dados mais relevantes, uma vez que o aparelho perceptivo ficaria sobrecarregado com as
informações desnecessárias, dificultando a compreensão. A partir daí, o leitor infere,
complementando a informação disponível com os conhecimentos (esquemas) que possui, e
avança mais rapidamente na leitura.
Aqui o leitor assume uma postura ativa, utilizando-se de diversas estratégias, tais
como antecipação, inferência e verificação, a fim de controlar o que vai sendo lido, tomar
decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos e
validar no texto suposições feitas. Por esse motivo, Smith (1998, p. 38) diz que: “A leitura
depende mais daquilo que está por trás dos olhos da informação não-visual do que da
informação que está diante deles”.
Algumas das críticas que esta perspectiva tem recebido dizem respeito principalmente ao
fato de desprezar os aspectos sociais e, na prática, acabar aceitando como válida qualquer
interpretação de texto feita pelo aluno e incentivar leituras apressadas e superficiais (LEFFA,
1999; KATO, 1986; MENEGASSI e ÂNGELO, 2005).
1.3. A linguagem como forma de interação
Diferente das concepções anteriores, a que concebe a linguagem como forma de
interação deixa de estudá-la como um sistema acabado e fechado em si mesmo e passa
18
considerá-la em seu contexto de uso e de produção, uma vez que ela vai se constituindo e se
modificando historicamente na interação social. A linguagem é “lugar de interação humana,
de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma
dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico”, diz Travaglia
(2005, p. 23),
Aqui o ensino de língua se distancia daquele que analisa uma frase isoladamente e fora
de seu contexto. O sujeito é tomado como foco da comunicação interativa e o leitor ocupa um
espaço tão importante quanto o autor e o texto. O que caracteriza, pois, a linguagem por essa
ótica é a decisiva presença do diálogo, foco da comunicação.
Esta proposta da linguagem como interação sustenta-se com a contribuição de
diferentes correntes teóricas que, segundo Travaglia (2005, p. 23), podem ser reunidas sob o
rótulo de lingüística da enunciação: Lingüística Textual, a Teoria do Discurso, a Análise do
Discurso, a Análise da Conversação, a Semântica Argumentativa, e os estudos ligados à
Pragmática.
Mas são principalmente as idéias de Bakhtin (1986), disseminadas na década de 1980,
que orientam os trabalhos sobre o processo de ensino-aprendizagem de ngua materna no
Brasil, dentro desta terceira concepção. O autor propõe que, ao se analisar a linguagem na
perspectiva dialógica, se estude a língua no âmbito, não mais da frase isolada, mas
contemplando um texto por inteiro, introduzindo os gêneros como componentes de
organização do processo discursivo.
Pela ótica dialógica de Bakhtin (1986) a palavra (signo social e ideológico) adquire
sentidos diversos, de acordo com o texto, através da interação verbal que se dá entre a língua e
o sujeito falante, pelos textos anteriores e posteriores.
Nesta perspectiva, o homem é considerado um ser histórico e social, carregado de
valores, e se constitui pela língua, como reflexo das relações estáveis entre os falantes. E
ainda, conforme a época e os grupos sociais e em algumas circunstâncias concretas,
predomina uma variante lingüística em relação à outra, havendo, então, maneiras diversas de
dizer algo. “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no
sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”
(BAKHTIN, 1986, p. 124).
O modo de dizer de cada indivíduo é realizado de acordo com o que a língua pode
oferecer. E isso pode ser concretizado utilizando-se os gêneros discursivos. “Qualquer
enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da
19
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos
gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1997, p. 279).
No Brasil, é possível perceber três vertentes para o ensino de língua materna que se
fundamentam nesta concepção de linguagem como forma de interação: a vertente sócio-
cognitiva, a vertente discursiva e a vertente cognitivo-discursiva ou sócio-discursiva. Sem a
pretensão de esgotar este tema, elas serão abordadas brevemente, com uma ênfase na terceira,
na qual se insere este trabalho.
A perspectiva interacionista de base cognitiva ou sócio-cognitiva
Na perspectiva interacionista uma inter-relação entre os processamentos
ascendentes e os descendentes, ou seja, entre o texto e suas informações –, e o leitor e as
informações trazidas por ele. No ato da leitura, o leitor aciona seus conhecimentos prévios
(esquemas mentais) socialmente adquiridos e os confronta com os dados do texto,
construindo, assim, o sentido. Por esse prisma o bom leitor é aquele que é capaz de trilhar
pelas pegadas deixadas pelo autor para culminar na formulação de suas idéias e
intencionalidades. Aqui, o texto tem importância fundamental, uma vez que é na sua leitura
literal que o leitor deve encontrar os indícios para significados não literais.
Analisando as diferentes posturas teóricas, Kato (1987) observa que esta abordagem
vem sanar, em parte, o impasse criado pela abordagem cognitivista, que tira de foco o papel
do texto na leitura (processamento descendente). Afinal, este é o elemento que delimita a
gama de interpretações possíveis, algumas das quais podem não ter sido planejadas pelo
próprio autor” (KATO apud CORACINI, 1995, p.15).
Há outros autores, como Cavalcanti (1992) e Kleiman (1995), que consideram a
possibilidade de se recuperar o verdadeiro sentido do texto, bem como as intenções do autor,
pelas marcas que o sujeito enunciador imprimiu no momento da escrita.
Cavalcanti (1992, p. 223) conclui que é possível estabelecer a convergência a partir da
identificação das pistas textuais e do potencial de conhecimento partilhado. Ela sugere que a
convergência seja construída em sala de aula juntamente com os alunos leitores, de tal forma
que o professor considere a leitura de cada aluno e a sua própria leitura em contraposição às
pistas textuais.
Na comunicação oral, observa Kleiman (1995) os elementos do contexto auxiliam no
entendimento: gestos, objetos circunstanciais, assim como o conhecimento entre si dos
interlocutores, tudo compõe elementos que dão sustentação à compreensão.
20
Por outro lado, na interação via texto, a responsabilidade, tanto do autor quanto do
leitor, é de extrema importância: o autor porque faz uso da palavra e por um longo turno,
como num monólogo, precisa ter informação para ser consistente, deve ser igualmente claro e
relevante. Deve deixar ainda suficientes rastros no seu texto para possibilitar ao leitor a
reconstituição do caminho por ele percorrido. Isto não significa que seja explícito sempre,
porém o implícito deve poder ser percebido, ou porque o texto o pede ou pela exigência de
outras fontes de saber. O leitor, por conseguinte, precisa crer que o autor tem revelações
importantes expressas no texto e que o fará clara e coerentemente. Ao aparecerem
obscuridades e inconsistências, o leitor fará um esforço na tentativa de resolvê-las,
procurando em sua cosmovisão, lingüístico, textual, a convicção de que deve incluir à
atividade de leitura o conjunto de palavras discretas que forma um texto coerente, ou seja, há
uma unidade responsável para que as partes se encaixem umas às outras perfazendo uma
totalidade.
Assim, o texto-produto é constituído por um conjunto de pistas a serem seguidas para
recapitular as estratégias do autor e, através delas alcançar os seus objetivos. Cabe ao leitor
“inferir”, acionando esquemas e interagindo com os dados do texto.
Porém essa atividade se vê tolhida por um objeto autoritário ao qual se atribui a
existência de um núcleo de sentido apenas, sem considerar a circunstância; aceitam-se
somente as leituras que não firam o núcleo de sentido levantado no texto. Aqui reside grande
parte das críticas que essa perspectiva tem recebido: ao fato desta conceber a língua mais
como uma atividade mental do que social (LEFFA, 1999; MOITA LOPES, 2000;
MENEGASSI, ÂNGELO, 2005). Para Coracini (1995), esta perspectiva parece mais um
prolongamento da abordagem ascendente, que leva em consideração os dados do leitor, mas
ainda é o texto que autoriza e limita certo número de leituras, ou seja, o texto tem primazia
sobre o leitor.
A perspectiva discursiva
Coracini (1995) se insere em uma perspectiva de leitura ancorada na Análise do
Discurso, elaborada por Pêcheux no final da década de 1960, e que considera o ato de ler
como um processo discursivo no qual se incluem os sujeitos produtores de sentido – o autor e
o leitor – um e outro sócio-historicamente determinados e ideologicamente constituídos.
Conforme a autora, o texto não pode ser o receptáculo fiel do sentido, ele também não
pode ser controlado a não ser pelos sujeitos submersos num determinado contexto sócio-
21
histórico (ideológico), responsável pelas condições de produção. Já que estas nada mais são
do que o imaginário discursivo que habita o sujeito e que determina o seu dizer. De acordo
com Foucault (apud CORACINI, 1995) o discurso é um conjunto de enunciados possíveis
numa dada formação discursiva, em que os sujeitos determinam as condições de exercício da
função enunciativa, ao mesmo tempo em que são por elas determinados. Nesse sentido, a
linguagem é entendida como uma série infinita de jogos convencionais, cujas regras são
partilhadas por uma comunidade cultural, interpretativa, que determina a produção do sentido
e os textos, como “conjuntos amorfos de sinais gráficos, incapazes de reter sentido fora do
jogo lingüístico” (WITTGENSTEIN apud CORACINI, 1995, p. 17).
As convenções anônimas e sociais, as instituições, as modalidades discursivas,
denominadas por Foucault (apud CORACINI, 1995) de modalidades estatuárias, sejam elas
um texto religioso, jurídico ou científico, em consensos, é que tornam possível a comunicação
e a relação intercompreensiva. Somente dessa forma é possível encontrar regularidades,
pontos comuns nos textos, fruto dos diferentes processos de leitura. A leitura pode assumir
diferentes sentidos para um mesmo leitor ao longo de sua vida: o sentido de um texto, por ser
produzido por um sujeito em constante mutação e, portanto, nunca pode ser o mesmo. Como
observa Foucault (apud CORACINI, 1995, p. 16),
[...] tudo é comentário: o dizer é inevitavelmente habitado pelo já-dito e se
abre sempre para uma pluralidade de sentidos, que, por não se produzirem
jamais nas mesmas circunstâncias, são, ao mesmo tempo, sempre e
inevitavelmente novos.
Baseada nas idéias de Wittgenstein, Coracini (1995, p. 170) adota a noção de texto
segundo a qual, independente da formação discursiva, os textos “são conjuntos amorfos de
sinais gráficos, incapazes de reter sentido fora do jogo lingüístico”. Produto do processo
discursivo, o texto, seria uma forma convencional consensualmente reconhecida de
comunicação social.
Os textos “não passam [...] de grafismos empilhados sob a poeira das bibliotecas,
dormindo um sono profundo em direção ao qual não pararam de deslizar desde que foram
pronunciados, desde que foram esquecidos e que seu efeito visível se perdeu no tempo, diz
Foucault (apud CORACINI, 1995, p. 17). Em vista do exposto, apenas uma nova situação de
enunciação (leitura) poderá dar um novo sentido a esses sinais gráficos permutando-os em
sinais lingüístico-textuais.
22
O processo de leitura implica na construção de um outro texto pelo leitor, que nunca
corresponde exatamente ao texto lido, produzido por determinado autor. Conseqüentemente,
analisa Coracini (1995), não faz sentido procurar descobrir quais são as idéias principais do
texto ou quais foram as intenções do autor, como se propunha na perspectiva anterior
interacionista , pois o leitor pode apenas imaginar quais foram elas. Elas vão ser sempre e
inevitavelmente construções, resultado da interpretação de um determinado leitor, num
determinado tempo e espaço.
Na escola, o texto é o lugar instituído do saber e em vista disso, funciona
pedagogicamente como objeto onde se revela, objetivamente a verdade, que é entendida como
atemporal e definitiva. Verdade a ser decifrada e assimilada pelo estudante; consistindo nisto
a aprendizagem a ser avaliada em função do maior ou menor grau de assimilação.
Nas aulas de línguas, o texto é, na maioria das vezes, usado como pretexto para o
estudo da gramática, do vocabulário ou de outro aspecto da linguagem que o professor (ou o
livro didático) entende como importante ensinar. O texto, então, partindo do material didático,
perde o seu papel fundamental que é o de provocar efeitos de sentido no leitor-aluno,
reservando-lhe apenas o lugar de reconhecimento de unidades e estruturas lingüísticas cuja
funcionalidade parece não ter sujeitos. Aprender a ler, por esta visão pedagógica é descobrir o
significado dos termos do texto, proceder corretamente com a pronúncia deles, encontrar as
idéias principais do texto conforme entendimento do autor (CORACINI, 1999).
Por esse viés entende-se que não é o texto que determina a leitura, porém o sujeito,
não na acepção idealista de indivíduo, uno, coerente, dotado de razão, como queria Descartes,
capaz de controlar conscientemente a linguagem e o sentido; mas enquanto participante de
uma determinada formação discursiva, sujeito heterogêneo, perpassado pelo inconsciente, no
qual se inscreve o discurso. Autor e leitor são produtores de sentido, mas nem um nem outro
podem ser considerados como fonte de sentido, uma vez que não são completamente livres e
independentes no seu dizer, mas afetados pelas idéias de outrem, pelo imaginário coletivo,
pelo contexto sócio-histórico-ideológico de seu tempo. Esse efeito discursivo, na acepção de
Orlandi (1993) redunda no eclipsar do sujeito. Somente nesta ótica de sujeito é que se pode
dizer que o leitor é o ponto de partida da produção de sentido.
Diante da concepção denominada discursiva, não espaço para escolhas lexicais da
ordem do sentido literal ou metafórico, pois o que é literal (objetivo, científico) numa dada
formação discursiva pode não ser em outra. E o que é metafórico para uma pode não valer
para outra.
23
A perspectiva sócio-discursiva ou cognitivo-discursiva
Alguns autores propõem uma integração entre os enfoques cognitivista e discursivo
para o ensino da leitura, resultando em uma perspectiva cognitivo-discursiva (RITTER, 1999;
DELL’ISOLA, 1996), que segundo Menegassi e Ângelo (2005) poderia ser chamada de
interacionista-sócio-cognitiva.
Dell’Isola (1996) põe em relevo a leitura como produção ativa, ao dar ao texto uma
nova vida, desencadeando um processo criativo de compreensão e interpretação, quando o
leitor é a meta e é tomado como participante na produção do texto. No intuito de concretizar
essa co-enunciação, se faz necessário impulsionar uma operação de significado, além de
abrangente, complexo, incluindo desde a percepção do texto visualmente, pelo cérebro,
fazendo-se inferências, até a interpretação.
A autora (1996) postula a leitura como uma ação pessoal, definida pelas circunstâncias
sociais, históricas, afetivas do leitor. Essa situação é variável em função da lacunaridade do
texto, incompletude que o leitor deverá preencher segundo seu entendimento, promovendo
diferentes leituras do mesmo texto, diferentes formas de ler variando, já que a conexão
leitor/mundo/contexto é suscetível de mudanças e “[...] as novas experiências pessoais
interferem nas impressões que se tem sobre a realidade, sobre o modo de ver, de estar e viver
no mundo” (DELL’ISOLA, 1996, p.168).
Geraldi (1997) e Brandão (1997) são outros autores que endossam a idéia de que o
texto é marcado por sua inconclusão. No ato da leitura, as lacunas deixadas pelo texto são
preenchidas de forma diferenciada pelo leitor. Ele é o outro que completa o texto, fazendo-o
funcionar, diz Brandão (1997).
Nesse entendimento, cria-se um sentido por inteiro do texto que não carrega o
propósito nem do autor, nem do leitor, porém o que resulta do labor dialógico dos dois. Tal
trabalho de reedificação do texto se faz em função da mobilização dos saberes anteriores -
lingüísticos, textuais e de mundo - do leitor e que completam os espaços textuais, através dos
rastros de interpretação, deixados pelo autor. Essa perspectiva faz ver que a ação de ler não se
traduz em uma simples veiculação de informações do texto verbal para o intelecto do leitor,
que decifraria códigos; mas que o leitor, por meio de artefatos textuais, elabora sua
interpretação, imprimindo seu cunho pessoal.
Para Perfeito (2002), a leitura é um fator de ampliação de constituição da
subjetividade, assim como também é passível de insucesso. Desta forma a autora entende a
leitura como implementadora de diálogos na dimensão espaço-temporal, favorecendo distinta
24
cosmovisão, diferentes modos de avaliar o mundo e de perceber o outro. Pensa, igualmente,
que o ato de ler seja uma operação entre a competência do leitor e a aquela que o texto requer.
Umberto Eco (1993) compreende que, ainda que o autor mobilize recursos expressivos
no esforço de interagir com o leitor, a leitura, propriamente dita, subordina-se a fatores
lingüísticos e não-linguísticos: daí, ser o texto uma potencialidade significativa, que, contudo
carece da mobilização cosmovisiva de conhecimento do outro – o leitor – para ser atualizado.
Eco (1993) diz que um texto é suscetível de mais de um sentido, porém, tal não
significa que possa admitir todos, adverte o autor. Possenti (1991) defende inclusive ser
possível haver leituras erradas. O autor fundamenta sua posição com o argumento de que as
línguas são indeterminadas, fazendo valer a prerrogativa de contribuições de aspectos verbais
e não verbais no processo de compreensão textual. Esses aspectos conclusivamente “[...]
podem ser desconhecidos, em determinado momento por determinado leitor e permitir erro”
(POSSENTI, 1991 p. 720).
Em função disso, não se pode privilegiar uma leitura singular, de outro lado não se
deve aceitar qualquer leitura, “como se o texto não fosse condição necessária à leitura e como
se neste o autor não mobilizasse recursos expressivos, em busca de uma leitura possível
(GERALDI, 1997, p. 112).
No trabalho de interação texto-leitor, Brandão e Micheletti (1997) frisam que um texto
bem construído - o que considera aspectos lingüísticos, semânticos e pragmáticos carrega,
inicialmente, a expectativa em relação ao seu público alvo que se manifesta sob dois foros: o
de nível pragmático e de nível semântico.
1.4. As concepções de leitura nos documentos oficiais
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) tratam da leitura como o
processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a
começar pelos seus objetivos, pelo domínio que tem do assunto acerca do autor, de seu
entendimento sobre a linguagem, etc. O trabalho aqui não é o da extração de informação, da
decodificação unidade por unidade. A atividade é constituída de planos de seleção,
antecipação, inferência e verificação, condição sine qua non para que haja proficiência. São
essas ações que poderão controlar o que vai sendo lido, possibilitando tomada de decisões
25
frente aos obstáculos de compreensão, avançar na procura de orientações e confirmar
hipóteses levantadas no texto.
Os conteúdos de Língua Portuguesa estão articulados nos PCNs em três eixos:
compreensão e produção de textos, que se relacionam com o eixo do uso da linguagem, e
análise lingüística, ligada ao eixo da reflexão sobre a linguagem. Mediante um estudo dos
conteúdos sugeridos, assim como dos objetivos assinalados, pode-se facilmente ver que “a
teoria” que sustenta a proposta tem como alicerce a “lingüística textual e discursiva”.
O documento do MEC (BRASIL, 1998, p. 52), ao tratar da prática da compreensão de
textos, nos fornece uma definição de leitor competente: “Um leitor competente é capaz de ler
as entrelinhas, identificando elementos implícitos a partir do que está enunciado,
estabelecendo relações entre o texto e outros textos já lidos”.
No tocante aos conteúdos de Ensino de Língua Portuguesa, é preciso ressaltar o que
diz respeito à compreensão de textos escritos no tópico seguinte:
Articulação entre conhecimentos prévios e informações textuais, inclusive as
que dependem de pressuposições e inferências (semânticas, pragmáticas)
autorizadas pelo texto, para dar conta de ambigüidades, ironias e expressões
figuradas, opiniões e valores implícitos, bem como das intenções do autor
(BRASIL, 1998, p. 42).
A concepção de língua que norteia os Parâmetros Curriculares Nacionais é a da
reflexão sobre a experiência em ação, da vivência das emoções, da revelação dos desejos, do
escancarar das necessidades, do despertar pela cosmovisão, da sensibilidade aos valores, do
discernimento dos pontos de vista. A linguagem é, pois, viva, não se encontrando nela
passividade.
De acordo com Marcuschi (1996), na esfera da compreensão, assim como no
entendimento da leitura, em conseqüência da formação do leitor, o trabalho é mais o de
provocar a resposta ativa e a flexibilidade dos sentidos na polissemia dos signos, do que de
orientar o aluno a perceber, encontrar e memorizar o que os textos querem dizer: exercícios de
cópia no lugar de compreender os textos.
Suassuna critica duramente o modo como os PCNs foram propostos “ou impostos” aos
educadores, que no país inteiro ficaram de fora da participação efetiva de sua elaboração,
contrariando os princípios de linguagem e leitura. Arrematando, assim se pronuncia esta
autora:
26
[...] conclui-se que o processo através do qual os PCNs foram propostos (ou
impostos) não permitiu o confronto de interpretações e representações
característico da produção de linguagem. Não se deu tempo, não se
demarcou o espaço de elaboração de contrapalavra. Se considerarmos,
concordando com Geraldi, que devolver e aceitar a palavra do outro como
constitutiva de nossas próprias palavras é uma exigência do próprio objeto
de ensino – a língua no caso -, veremos que os PCNs são a negação do texto
e do leitor. Estáticos e absolutizados, concluídos à revelia do movimento
social, estabelecendo um corte entre o passado/ideologia e o futuro/utopia,
negam, em última instância, a própria história (SUASSUNA apud COSTA,
2002, p. 55).
Em contrapartida, Costa (2002), argumenta que se trata de um “currículo mínimo”,
que são parâmetros e não programas de ensino, embora reconheça razões na crítica de
Suassuna. E salienta que os PCNs representam um avanço, que enfocam e se fundamentam
em uma concepção enunciativo-discursiva.
A leitura estende-se da habilidade de traduzir em sons sílabas destituídas de sentido à
habilidade de absorver significados; a faculdade de compreender um contínuo de idéias ou
fatos, exemplos, metáforas, correspondências complexas, repetições; bem como a capacidade
de efetuar previsões no início da leitura em torno do sentido textual, com o fito de edificar
significado que coadune conhecimentos prévios com o que o texto informa, monitorando
entendimentos e mudando previsões iniciais se preciso, de pensar em torno do significado da
leitura feita no sentido de tirar conclusões e fazer juízo do conteúdo (SOARES apud COSTA,
2002).
Segundo Costa (2002), é necessário que a crítica se volte também para o modo como
esses parâmetros são implantados. Muitas vezes a condução da leitura e produção escrita
praticadas no interior da escola se apóia em uma concepção de alfabetização como
assimilação de tecnologias, uma ótica de cunho tecnicista. Tal ótica se revela nos encontros de
formação dos professores. Nesses momentos o que parece é que os educadores procuram
receitas prontas, reduzindo a leitura e a escrita a um mero domínio de técnicas, limitando o
ensino-aprendizagem a um apanhado de tarefas escolares sem contexto. E, talvez em função
disso, os alunos produzam textos como se fosse um amontoado de palavras e expressões sem
se configurar com texto nenhum.
Ao invés firmarem-se nesse pragmatismo, professores de língua poderiam debruçar-se
mais na pesquisa e estudo das teorias que discutem as concepções de linguagem e a vigente,
assim como estudar pela orientação dos documentos oficiais.
Nas Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa para os Anos Finais do
Ensino Fundamental e Ensino Médio (PARANÁ, 2008), a leitura é tratada de forma pontual
27
como uma ferramenta de produção de sentido pelo viés da concepção interacionista do ensino
de língua em que ela é tida como forma de interação social e de relação dialógica que ocorre
no trinômio autor/texto/leitor.
As DCNs destacam o aspecto experiencial do leitor, que em contato com o texto, faz
previsões e inferências, graças aos seus conhecimentos prévios. Ele, então, passa a edificar
um significado mais abrangente pelo texto, buscando pistas formais, constrói e reconstrói
possibilidades, percebe conclusões, utiliza de modos diferentes de trabalho, sustentados em
seu saber lingüístico, bem como de suas práticas sócio-culturais de uso de linguagem.
O documento paranaense ainda sustenta a sua discussão pela linha defendida por
Yunes (1995), indicando as seguintes abordagens para a leitura: memória, intersubjetividade,
interpretação, fruição e intertextualidade. A memória seria o armazém do qual se lança mão
de dados, mas também no qual se encerram as utopias, os posicionamentos e a cosmovisão do
leitor. Ler é um exercício do pensar. A intersubjetividadade é concebida como linha que
percebe a leitura como interação leitor/texto, porém também pela percepção das diferentes
vozes sociais manifestadas no texto. Pela interpretação entende-se que memória e
subjetividade são responsáveis conjuntamente pela interpretação. As perguntas organizadas
pedagogicamente para se estudar um texto ficam incompletas se a percepção do leitor
individual é preterida. Pela linha da fruição o ato de ler não se esgota com a sua finalização
pensada e sentida. um prazer além daquele que termina fugazmente na ação da leitura, é
aquele que advém de “uma percepção mista de necessidade e prazer [...]” (YUNES, 1995,
p.194); Por fim, por meio da intertextualidade conclui-se que o ato de ler depende do
intercâmbio entre muitos textos e linguagens diferentes, presentes no mundo da comunicação,
dando origem a uma rede de referências e criações novas através do léxico, da sonoridade, do
colorido, de imagens, de versos, ritmos, títulos, gestos, vozes, entre outros. D que
intertextualidades são recuperadas, pela memória, na ação da leitura.
1.5. A avaliação da leitura
Os PCNs (BRASIL, 1997) referem-se à avaliação de leitura como instrumento
fundamental para a formação de um leitor competente. Antes de vigorar essa concepção é
preciso saber o que houve em termos de avaliação de leitura na escola, ou seja, de sua
postura no ensino tradicional de língua e o que norteia a nova vertente - disseminada pela
28
academia. O ensino tradicional se pautava pelos questionários e a leitura oral, instrumentos
que serviam como forma de avaliação, enquanto que a concepção atual a sócio-
interacionista de linguagem pressupõe a realidade social e histórica para a compreensão do
texto, sendo assim o foco desta última a avaliação formativa. Por este viés do ensino de leitura
o aluno “é avaliado como leitor em formação, no decorrer do processo em que o conteúdo está
sendo ainda ensinado, não como leitor pronto, maduro” (MENEGASSI, 2005).
Segundo Colomer e Camps (2002) pela concepção interacionista de ensino de língua,
a avaliação da leitura envolve também o aluno no meio do processo e não fica mais centrado
nas mãos do professor. Nesse sentido, o erro do aluno, não mais visto como falta de
compreensão e determinando o processo, passa a revelar dados da sua situação na
compreensão do processo da leitura, além de fazer o professor perceber as diferenças de
aprendizagem entre os estudantes. E ainda, ocorre uma diversificação dos instrumentos de
observação e medida quando se integra à avaliação no processo de ensino aprendizagem.
Solé (1998) defende a avaliação formativa como forma a possibilitar ao professor e ao
aluno as seguintes situações: a observação da situação real de leitura, com suas
peculiaridades; a auto-observação para tomar consciência do próprio processo de leitura; a
observação do resultado da própria atuação na leitura; permite ao professor analisar o
funcionamento do seu planejamento com o trabalho de leitura junto aos alunos, além da
tomada de decisões por parte do docente por continuar ou não a intervenção do mesmo modo.
Decorrente disso o critério básico para a avaliação formativa, entendida como o rompimento
com o critério principal da avaliação tradicional, é a noção de “diversificação de instrumentos
avaliativos”, isto é, que se permita o acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem
da leitura tanto pelo professor quanto pelo aluno.
Diante da nova concepção do ensino de língua - a leitura com um caráter de avaliação
formativa - o professor não abandona simplesmente os instrumentos historicamente utilizados
pela escola, mas, comprometido com a nova postura, os adapta à nova realidade. Com o
objetivo de analisar o processo e o controle da leitura do estudante, sugere-se algumas
atividades para a avaliação de leitura: a análise dos erros cometidos durante uma leitura em
voz alta; análise das autocorreções feitas pelo próprio leitor; o nível de consciência do leitor
sobre seus erros e autocorreções durante a leitura em voz alta; a hipótese levantada pelo leitor
para preencher os espaços que exigem inferências no texto - o que exige por parte do aluno
uma explicação oral ou escrita da hipótese que levantou para construir a inferência no texto;
as estratégias adotadas pelo leitor para localizar, explicar ou corrigir erros encontrados no
texto propositadamente oferecidos pelo professor; a utilização de textos completos - não
29
apenas fragmentos; a realização de leituras próximas das situações reais da sociedade; a
verificação do comportamento no progresso de cada um nas diferentes leituras; as diferentes
interpretações dos alunos para um mesmo texto; a consideração do conhecimento prévio do
leitor com situações que desviem do significado do texto ou apenas de acordo com o seu
tema; o trabalho com a atribuição do título e a confecção de resumos de textos trazidos para
leitura; a identificação das questões principais do texto; perguntas e respostas de inferência ao
texto; a produção de texto em diferente gênero e em outros formatos como legendas,
diagramas, ou ainda oral.
Menegassi (2005), nessa discussão também trata das questões feitas pelo professor e
que orientam a leitura dos alunos na perspectiva da compreensão deles. Em um estudo
realizado com crianças que vivem em um meio não escolarizado, Terzi (apud MENEGASSI,
2005) observa que, de acordo com a forma como são direcionadas as perguntas tanto na
oralidade como na escrita, é possível levar os alunos a um conjunto variado de progressos na
leitura. Contudo, nos livros didáticos os textos vêm interpretados através das questões
exigindo muito pouco raciocínio do aluno, enquanto que o papel do professor é de mera
intermediação prescritivamente do trabalho entre o livro didático e a atividade do aluno.
Por este entendimento de avaliação de leitura a interação professor/alunos não ocorre,
pois o fio condutor da discussão não é o das vozes do professor e do aluno, mas a voz ausente
do autor do livro didático. Diante desse quadro, o raciocínio original, a reflexão própria dos
agentes em sala, bem como a sua criatividade e criticidade, ficam comprometidos.
Faz parte de uma tradição religiosa a leitura em voz alta realizada nos templos e
igrejas para fins de reflexão dos textos sagrados. Também na escola instaurou-se a leitura em
voz alta, aqui inicialmente, para fins avaliativos. espaços definidos na sociedade para a
realização de leitura em voz alta: lê-se assim nos templos, nos tribunais; fazem-se
conferências e apresentações nas academias entre outros. É, porém, bem menor o número de
eventos sociais em que ocorre a leitura em voz alta em relação à leitura silenciosa. Na escola
ficou bem evidente o papel da leitura em voz alta para fins de avaliação e promoção do aluno
para a série subseqüente. O critério era: quanto maior o número de acertos na pronúncia,
menor dificuldade na pontuação - e assim, certa a aprovação. Mesmo o professor sabendo que
a criança nada tinha entendido, ela merecia ser promovida por ter realizado a operação da
leitura, ainda que mecanicamente. Também havia técnicas para preparar os alunos para a
avaliação: a primeira consistia em treinar leitura – técnicas vocais, postura e conduta de voz; a
segunda tratava da seleção de textos – não era qualquer texto que se prestava para a leitura em
voz alta na sala de aula; e por fim, a apresentação em público era necessário que o aluno se
30
apresentasse publicamente para aprender a se portar diante do público, demonstrando ser
capaz de enfrentá-lo e fazendo a sua leitura ter sentido.
Outro papel da leitura em voz alta, além de tudo, é que ela se revela mediadora entre
leitor e platéia a qual ouvindo o texto também entende o sentido dado pelo locutor. Há que se
considerar ainda o aspecto da oralização no que tange a leitura. A oralização, segundo
Menegassi (2005), é a discussão decorrente do texto lido a partir do qual os leitores, refletem,
tiram conclusões, revelando-se o texto um mediador do diálogo.
1.6. Gêneros do discurso e gêneros textuais
A idéia de gênero a partir de Platão e Aristóteles é uma preocupação constante.
Todorov (2007), diz que a idéia de gênero constitui uma problemática de muitas questões,
dentre as quais podemos citar: a) teríamos o direito de discutir um gênero sem ter estudado
(lido) todas as obras que os constituem?; b) haveria somente alguns gêneros (poético, épico,
dramático) ou muitos outros?; c) seria inútil falar de gêneros (tragédia, comédia, etc.) se a
obra é fundamentalmente única, singular, vale pelo que tem de inimitável, de diferente de
todas as outras obras e não por aquilo que as torna idênticas?
Respondendo à primeira questão, Karl Popper (apud Todorov, 2007), diz que “de um
ponto de vista lógico não se justifica inferirmos proposições universais a partir de proposições
singulares, por numerosas que sejam, pois qualquer conclusão tirada desta maneira poderá
sempre revelar-se falsa”. Não é pertinente, pois, a quantidade das observações, porém a
coerência lógica da teoria.
Em segundo lugar, a tradicional (clássica) diferença entre prosa e poesia, distinção
assaz global, conseqüentemente problemática, se dá, devido ao equívoco em relação ao
sentido do termo prosa, abranger tanto a prosa literária quanto o que não o é.
Em terceiro, os gêneros lírico, épico e dramático, se revelam distintos desde Platão
como as três formas fundamentais ou mesmo “naturais” da literatura, caracterização que se
mantém até nossos dias. O rico relaciona-se às obras nas quais apenas o autor se manifesta,
no gênero dramático, somente os personagens se revelam e no épico, autor e personagens
falam conjuntamente.
Muito antiga é a caracterização que distingue comédia e tragédia. Esta se manifesta
pela sua ação séria, com personagens honrados e de feliz desfecho; enquanto a comédia pauta
31
seu enredo em ações triviais, personagens depauperados e também final feliz. Mais uma
diferença tradicional (clássica) é a da concepção dos três estilos: humilde, médio e elevado
que tem origem nos tempos medievos (Barthes, 1970). Distinção de cunho literário (escolha
lexical e edificações lingüísticas) é também sociológica, visto que é representativa de classes
sociais como a dos camponeses, pastores e guerreiros.
Dessa maneira o gênero foi sempre um tema de interesse do mundo antigo, mas que se
estende aos atuais estudos da linguagem, bem como de áreas afins como a da semiótica, teoria
lingüística e história da retórica. Os conhecimentos diversos em torno dos gêneros
acarretaram igualmente diferentes concepções acerca deles. Muitas vezes utilizam-se sem
distinção as expressões gêneros, tipos, modos e modalidades de organização textual.
Gêneros do discurso ou discursivos
Segundo Rojo (2005, p.194), tanto no Brasil quanto na literatura francesa a
designação de gêneros do discurso ou discursivos é adotada por bakhtinianos. A acepção de
gêneros de que se fala a partir de Bakhtin é de uma versão mais recente de Os Gêneros do
discurso, de 1953, com publicação em 1979.
As abordagens anteriores, exemplificando Bakhtin, elucidam de forma mais
complexa e completa a noção de gêneros. A idéia em torno da terminologia encontrava-se
presente mesmo não se tendo decidido pela adoção de gêneros entre a teoria literária e o
formalismo russo, empregando a terminologia forma de discurso (social), forma de
enunciação etc.
Entra nessa discussão ainda a questão dos gêneros lingüísticos acerca do que “cada
época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-
ideológica” (ROJO, 2005, p. 195). Ou seja, a cada tema debatido no grupo, um discurso
social correspondente. Ou ainda, a forma de comunicação está associada à forma de
enunciação. Daí a forma de enunciação também vir alicerçada às formas de comunicação
verbal.
Antes qualificada de gênero lingüístico, que se opunha ao literário ou poético,
explica-se na forma de discurso (social), na forma da enunciação e sujeitando-se às formas da
comunicação de cunho verbal, social e ideológico. Primeiramente, gênero caracteriza-se como
forma de enunciação/discurso. Resulta como conseqüência dessa terminologia, que a
finalidade de um enunciado vivo é o tema ou a significação aliada à ideologia, mais a
apreciação valorativa. Daí diz-se, forma de discurso e não de texto.
32
Gêneros do discurso e gêneros textuais
Os neros do discurso e textuais
são
considerados importantes
por Rojo (2005, p. 184),
que
divide os trabalhos publicados no Brasil a partir de 1995 em duas perspectivas
metateoricamente diferentes, às quais chama de “teoria de gêneros do discurso ou
discursivos” e “teoria de gêneros de texto ou textuais”. Tais vertentes estão fundamentadas
em diferentes releituras do que Bakhtin deixou, de tal forma que a primeira teoria dos
gêneros do discurso tinha o seu cerne principalmente na análise “das situações de produção
dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos”. A segunda – teoria dos
gêneros dos textos (1995) revela-se na descrição do aspecto material do texto. Enquadram-
se na primeira perspectiva autores como o próprio Bakhtin e seu círculo, além de
comentadores como Holquist, Silvestre e Blank, Brait, Faraco, Tezza, Castro, etc. Já na
segunda vertente, as principais referências são Bronckart e Adam, mas também Authier-
Revuz, Adam, Charaudeau, Ducrot, Kerbrat-Orecchioni, Maingueneau, entre outros (ROJO,
2005).
O gênero textual trabalha com uma descrição mais próxima da materialidade do texto,
bem como de sua lingüística, ou mais funcional/contextual, ao se tratar da abordagem do
gênero, sobrando pouco espaço para tratar da significação, excetuando-se a condição do
conteúdo temático.
Já o texto ou enunciado resulta a manifestação do gênero discursivo em alguma
instância discursiva. É, portanto, o sentido, a significação, o tema do enunciado. O gênero
discursivo caracteriza-se, pois, por tratar da busca da significação, da acentuação valorativa e
do tema, por meio das marcas lingüísticas, pelo estilo, pela composição do texto.
A vertente do gênero discursivo contempla também os fatores de análise que
compreendem a questão da significação, da acentuação valorativa e do tema; a investigação
das marcas lingüísticas; a percepção do estilo da autoria textual; além de estudar a forma de
composição do texto.
Portanto, por ser a proposta do gênero discursivo de caráter mais abrangente,
contemplando aspectos que melhor resolvem a complexidade da compreensão da língua e seu
ensino, foi questão decisiva para a sua escolha nesta pesquisa.
33
2. O CONTO DE ASSOMBRAÇÃO
Ao lado da literatura, do pensamento intelectual
letrado, correm as águas paralelas, solitárias e
poderosas, da memória e da imaginação popular. O
conto é um vértice de ângulo dessa memória e dessa
imaginação (Câmara Cascudo).
2.1. O conto e sua trajetória histórica
Contar vem do latim computare, significando contar alguma coisa, tanto no sentido
matemático de computar, quanto no sentido de relatar algo acontecido. Relatar, por sua vez,
significa que o que ocorreu seja trazido novamente, ou seja: re, que significa outra vez, mais
latum que quer dizer: trazido. Pode ser trazido por alguém que foi testemunha do acontecido
ou por alguém que teve notícia dele.
Na forma oral, o conto estava presente nas sociedades mais primitivas. Como esse
tipo de narrativa tem origem em um tempo em que ainda não havia a escrita, é impossível
precisar o seu início. Ao longo do tempo mudaram os assuntos e as formas, mas os contos
estiveram presentes no cotidiano de várias culturas de modo que, como observa Gotlib (1990,
p. 6): “Enumerar as fases da evolução do conto seria percorrer a nossa própria estória”.
Imagina-se que, no início, os homens falavam das coisas que aconteciam no dia-a-dia
enquanto observavam os fenômenos da natureza, o meio em que habitavam e em vista disso
se questionavam em torno de suas origens e o papel a exercer no mundo. A compreensão e a
interpretação do estar no universo lhes eram preenchidas em forma de narrativas. E o humano
contava suas histórias para outro humano que as ouvia e também as reinterpretava,
transformava e as ajustava à sua condição. Este, por sua vez contava ainda a um outro e assim
o ciclo se renovava e as histórias iam se espalhando por todos os lugares.
O conto portanto, não tem necessariamente que ser fiel ao acontecido, porque sempre
há de ter algo de invenção. O próprio fato de tratar-se de uma representação de algo já o torna
fictício, observa ainda Gotlib (1990). Para a autora, este critério de invenção é que caracteriza
o conto literário, e o diferencia das primeiras manifestações orais:
Antes, a criação do conto e sua transformação oral. Depois, seu registro
escrito. E posteriormente, a criação por escrito de contos, quando o narrador
34
assumiu esta função: de contador-criador-escritor de contos, afirmando,
então, o seu caráter literário (GOTLIB, 1990, p. 13).
As primeiras narrativas escritas carregam marcas da oralidade porque o
compilações de estórias ouvidas que foram ampliadas, modificadas ou que, no mínimo,
sofrem grande influência delas. A história de Abel e Caim possui uma estrutura bem definida
de conto. O Antigo e também o Novo Testamento carregam inúmeras histórias com essa
estrutura. Os episódios de José e seus irmãos, a história de Sansão e Dalila, Ruth, Suzana,
Judith, Salomé, são igualmente classificados nesse mesmo modelo. Da mesma forma ainda o
são as parábolas: a do bom samaritano, a do filho pródigo, a da figueira estéril, a do semeador,
etc.
Segundo Magalhães Jr. (1972), Partênio de Nicéia foi um dos primeiros a compilar
contos da civilização grega. Capturado pelos soldados romanos, teria sido professor de
Virgílio em Roma. Os textos literários do mundo clássico greco-latino como Ilíada e Odisséia
de Homero VI a.C., os do Oriente, Pantchatantra, também no século VI a.C., além de Luciano
de Samosata (125-192), também são bons exemplos de obras de criação oral que foram
transpostos para a forma escrita, conservando características da oralidade. Outro nome
relevante é Caio Petrônio, no século I, tendo escrito Satiricon, livro com reedições nos nossos
dias, terminando a primeira fase com As mil e uma noites surgidas na Pérsia do século X da
era cristã.
Como apontou Gotlib (1990), no século XIV ocorre uma importante transição, quando
o conto começa a se firmar como categoria estética. Sem perder o tom de narrativa oral,
Decameron de Giovanni Bocaccio (1313-1375), demonstra uma preocupação com a
elaboração artística. Além de ter estruturado o conto nos moldes que vigoram até hoje,
Bocaccio influenciou autores como Charles Perrault, Hans Sachs, Geoffrey Chaucer, La
Fontaine, Lope de Vega, Moliére, Shakespeare, etc.
No século XVII surgem as novelas de Miguel de Cervantes (1547-1616). Outro autor
importante é Francisco Gómez de Quevedo y Villegas (1580-1645), que em Os sonhos faz
troças à sociedade de seu tempo. Por volta de 1700, Canterbury e Chaucer (1340?-1400)
publicam Os contos. E Perrault (1628-1703) publica O barba azul, Cinderela, O gato de
botas, O soldadinho de chumbo entre outros. Por fim, Jean de La Fontaine (1621-1695) é
indiscutivelmente dos melhores contistas de fábulas, entre elas, A cigarra e a formiga, A
raposa e as uvas, A tartaruga e a lebre, além de muitas outras. Voltaire (1694-1778), mestre
35
em contar, escreveu obras relevantes no universo da literatura como Cândido e Zadig, no
século XVIII.
No século XIX o conto ganha novo fôlego por meio da imprensa escrita,
modernizando-se e ganhando espaço nas inúmeras revistas e jornais. O Romantismo busca
valorizar o passado nacional e um grande interesse pelas coisas autênticas do povo, pelas
histórias tradicionais e, consequentemente pelas narrativas de tradição oral. Os irmãos
Grimm (Jacob, 1785-1863 e Wilhelm, 1786-1859) são nomes importantes na valorização das
manifestaçes artísticas popular. A Bela Adormecida, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho,
O Gato de Botas, O Pequeno Polegar, Rapunzel, são algumas de suas estórias que
influenciaram toda a Europa.
Segundo Magalhães Jr. (1972, p, 65), no século XIX há um renascimento deste
gênero, ao qual um grande número de autores passa a se dedicar, criando estórias que
conduziam o leitor a um mundo fascinante ou aterrador. Entre eles, o autor destaca o trabalho
do escritor alemão Ernst Theodor Amadeus Hoffmann (1776-1822?), cujas estórias
fascinantes e cheias de imaginação foram logo chamadas de contos fantásticos. Hoffmann
exerceu enorme influência sobre os escritores franceses, tais como Edgar Allan Poe e Hono
de Balzac; ingleses, como Mary Shelley, autora do romance Frankenstein; bem como sobre
os brasileiros Álvares de Azevedo e Machado de Assis.
2.2. Afinal, o que é o conto?
As diversas formas de narrar, conforme determinadas características que venham a
apresentar, constituem-se em gêneros, tais como, os romances, os poemas ou os dramas, por
exemplo. Ao longo da história, a classificação e delimitação dos gêneros é bastante clara em
determinados períodos; em outros, porém, esses limites se dissolvem e dificultam a
classificação, gerando também novas terminologias. Na Idade Média, por exemplo, conto,
anedota, parábola, exemplos morais, fábula, novela e romance se confundiam e muito
mais tarde é que surgiram diferenciações entre o conto, a novela e o romance, exemplifica
Magalhães Jr. (1972, 10-11).
Reis (1984) observa que, na Língua Portuguesa, o termo “conto” se aplica tanto à
forma popular, oralmente transmitida de geração a geração e, portanto, criação coletiva de
linguagem; quanto à forma artística, literária, de caráter individual. Esta última, segundo a
36
autora, “é uma forma aberta a experimentalismos e inovações, ganhando sempre como arte e
esgueirando-se, cada vez mais, de concepções fechadas, normativas e estanques” (REIS,
1984, p. 17).
Em busca de uma distinção do conto em relação a outras formas, vários autores se
referem à sua brevidade. O conto seria uma narrativa curta. Em relação a esta questão,
Magalhães Jr. (1972, p. 10) apresenta uma definição que pretende ser menos simplista: “O
conto é uma narrativa linear, que não se aprofunda no estudo da psicologia dos personagens
nem nas motivações de suas ações.”
Diante da difícil tarefa de definir o conto, Mário de Andrade nos apresenta sua bem-
humorada definição: “[...] sempre será conto aquilo que o autor batizou com o nome de
conto” (apud GOTLIB, 1990, p. 9).
2.3. O conto fantástico
Ao procurar o significado da palavra fantástico no dicionário, verifica-se que ela
designa tudo quanto seja fantasioso, fantasmagórico ou mero produto da imaginação; em
suma, o oposto do real. Real, em contrapartida, não é somente aquilo cuja existência pode ser
testada pelos nossos sentidos, porém, além de tudo o que ninguém nega ser verdadeiro. Na
medida, então, em que uma narrativa explora a oposição entre o real e o fantástico, pode-se
dizer que se trata de uma narrativa fantástica.
“O fantástico é a hesitação experimentada por um ser que conhece as leis naturais,
face a um acontecimento aparentemente sobrenatural”, define Todorov (2007, p. 31). É a
hesitação entre o natural e o sobrenatural que cria o fantástico. O fantástico deve manifestar
uma dúvida insolúvel na alma do leitor, um misto de uma explicação natural e uma
sobrenatural frente a eventos estranhos narrados. “Num mundo que é exatamente o nosso,
aquele que conhecemos, sem diabos, sílfides nem vampiros, produz-se um acontecimento que
não pode ser explicado pelas leis deste mesmo mundo familiar” (TODOROV, 2007, p. 30).
A ambigüidade se mantém até o fim da aventura: será verdade ou ilusão? O fantástico,
segundo o autor, ocorre nesta incerteza. Cabe ao leitor optar por uma das duas soluções
possíveis:
37
[...] ou se trata de uma ilusão dos sentidos, de um produto da imaginação e
nesse caso as leis do mundo continuam a ser o que são; ou então o
acontecimento realmente ocorreu, é parte integrante da realidade, mas nesse
caso esta realidade regida por leis desconhecidas para nós (TODOROV,
2007, p.30).
Em um conto fantástico o leitor não perde a noção de realidade. Por isso, há a surpresa
diante dos eventos estranhos, incomuns ou, ainda, aparentemente sobrenaturais que
subitamente parecem desmascarar a consistência do mundo real até então revelada no conto.
A surpresa e a perplexidade são os principais ingredientes da literatura fantástica.
Buscando uma definição do fantástico, Todorov (2007) chegou a três características ou
condições que devem ser atendidas:
a) que o texto obrigue o leitor a considerar o mundo das
personagens como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre uma explicação natural e
uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados; b) que o leitor real se identifique
com alguma personagem; c) que o leitor adote uma certa atitude para com texto, recusando
tanto a interpretação alegórica quanto a interpretação poética.
Na literatura do fantástico encontra-se o gênero do suspense, que procura criar uma
expectativa crescente no leitor, alimentada no desenvolvimento do conto até o desfecho da
narrativa. Edgar Allan Poe assim se pronuncia sobre este fenômeno:
[...] todo enredo, digno desse nome, deve ser elaborado para o desfecho,
antes de se tentar qualquer coisa com a caneta. É somente com o desfecho
constantemente em vista que podemos conferir a um enredo se indispensável
ar de conseqüência, ou causalidade, fazendo com que os incidentes e,
principalmente, em todos os pontos, o tom tendam ao desenvolvimento da
intenção (apud GOTLIB, 1990, p. 36-37).
Gotlib (1990) entende, que através da técnica do suspense, a narrativa adia a resolução
do conflito, acarretando uma “perturbação lógica” que alimenta a expectativa do leitor. A esse
respeito, diz Julio Cortazar (apud GOTLIB, 1990, p. 37): “Um conto é uma verdadeira
máquina literária de criar interesse”.
Em toda narrativa encontra-se presente o recurso do suspense em maior ou menor grau
de intensidade. Embora sendo um gênero por si só, é preciso dizer que ele se constitui
também como coadjuvante presente em outras narrativas, principalmente como as do próprio
conto de assombração e também nas de enigma, entre outras.
Todorov (2007) diz ser o fantástico o elemento da perplexidade diante do fenômeno
no qual não se pode acreditar, trata-se de um titubear frente a uma explicação racional e
realista e a aceitação do aspecto sobrenatural. O autor reforça isso afirmando que o caráter
38
extraordinário narrado pelo conto precisa permitir uma chance de um entendimento racional,
mesmo que seja de base onírica ou de alucinação.
O autor ainda se refere ao conto maravilhoso, diferente do fantástico, quando o
maravilhoso admite a possibilidade do inverossímil e do inexplicável a exemplo do que
acontece nas fábulas das Mil e uma noites. O entendimento desta diferença na terminologia
francesa é que o fantastique normalmente tem relação com elementos macabros tal como
aparições de fantasmas de outro mundo. Enquanto que a concepção italiana está ligada à idéia
de “fantasia”.
Calvino (2004) afirma que o conto fantástico tem origem no início do século XIX,
com o romantismo alemão. A temática norteadora é a relação do universo habitado pelo ser
humano e por ele conhecido, e a realidade do pensamento humano.
Essência da literatura fantástica, a questão está na realidade que se percebe através dos
cinco sentidos, mais os fenômenos extraordinários que seriam possíveis: alucinações
imaginadas pela mente humana e elementos corriqueiros camuflados sob uma outra natureza
misteriosa, inquietante, assombrosa.
Em meados do século XVIII, o romance inglês (“gótico”) já havia explorado inúmeros
temas, espaços e efeitos principalmente cruéis, apavorantes, macabros, fonte da qual os
escritores românticos teriam bebido à exaustão. Dos franceses, o conto leva a “pompa
espetacular” e o desenho linear do “conto filosófico” voltairiano.
No contexto do idealismo germânico, o conto fantástico nasce com a intenção de
representar a realidade subjetiva da mente e o universo interior, a força da imaginação, dando
a ela equivalente valor ou maior do que o dado à objetividade dos sentidos. É igualmente
filosófico, o conto fantástico, destacando-se um autor por excelência entre todos nesse gênero:
Hoffmann.
Segundo Calvino (2004), dada a difusão e influência de Hoffmann nas diversas
literaturas da Europa, pode-se afirmar que o conto fantástico, pelo menos em meados do
século XIX, identifica-se com a criação desse autor. A maior representação está em O Homem
de Areia, conto no qual imagens e personagens, da pacata vida, transformam-se em espectros
grotescos, diabólicas, assustadoras, feito pesadelos.
Seguido de Hoffmann, vem Edgar Allan Poe, com maior influência acerca do
fantástico da Europa. Os efeitos malditos” e macabros de sua obra tiveram melhor recepção
pela sua descendência do que sua inteligência, traço característico desse escritor.
A sugestão visual é um fator comum entre os diferentes escritores, observado por Ítalo
Calvino (2004). Segundo ele, “o verdadeiro tema do conto fantástico do século XIX é a
39
realidade daquilo que se vê: acreditar ou não acreditar nas aparições fantasmagóricas,
perceber por trás da aparência cotidiana um outro mundo, encantado ou infernal” (CALVINO,
2004, p. 13). Assim como se o conto fantástico, especialmente entre outros gêneros
narrativos, quisesse “dar a ver”, edificando-se em uma seqüência cinematográfica depositando
sua força comunicativa à capacidade de revelar “figuras”. Aqui, o valor maior está na
evidência de uma cena complexa e insólita e não no jogo da manipulação das palavras na
busca de suscitar a abstração do pensamento. O “espetaculoso” é o fator principal da narração
fantástica, aliás, não é por menos que o cinema tenha bebido tanto dessa fonte.
Se, contudo, na maioria das vezes a imaginação romântica está permeada de aparições
visionárias, existe, por outro lado, o conto no qual o fenômeno sobrenatural fica opaco, ou
seja, é possível mais “sentir” do que “ver”, fazendo parte de uma esfera interior na condição
de estado de espírito ou ainda como hipótese.
É nesse contexto da literatura fantástica que se insere o conto de assombração,
subgênero do conto de suspense, com o qual trabalhamos e que será descrito a seguir na
perspectiva da descrição de gênero discursivo.
2.4. Descrição do conto de assombração
O conto de assombração pertence ao campo da literatura de ficção uma vez que,
essência da literatura fantástica, conforme Calvino (2004), encontra-se na oscilação de veis
de realidades inconciliáveis.
No quadro de exemplos de gêneros orais e escritos segundo os estudos de Dolz,
Noverraz e Schneuwly (2004), o conto de assombração deve enquadrar-se como gênero na
literatura do conto e em particular do conto fantástico. A narrativa fantástica, de acordo com
Todorov (2007), inicia com uma situação natural para culminar no sobrenatural e, diante de
um evento aparentemente sobrenatural, o fantástico é a hesitação experimentada por um ente
que conhece somente as leis naturais.
Os gêneros discursivos de acordo com Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), podem ser
organizados em cinco grupos, a saber: a) gêneros da ordem do expor; b) gêneros da ordem do
relatar; c) gêneros da ordem do argumentar; d) gêneros da ordem do instruir ou do prescrever;
e) gêneros da ordem do narrar.
40
A seguir apresenta-se um quadro panorâmico de exemplos dos gêneros discursivos
respectivamente às cinco ordens e em relação aos domínios sociais de comunicação, aos
aspectos tipológicos e às capacidades de linguagem dominantes:
1. Domínios sociais de comunicação
2. Aspectos tipológicos
Capacidades de linguagem dominantes
Exemplos de gêneros orais e escritos
1. Cultura literária ficcional
2. Narrar
3. Mimeses da ação através da criação da
intriga no domínio do verossímil
conto maravilhoso
conto de fadas
fábula
lenda
narrativa de aventura
narrativa de ficção científica
narrativa de enigma
narrativa mítica
sketch ou história engraçada
biografia romanceada
romance
romance histórico
novela fantástica
conto
conto de assombração
1
crônica literária
adivinha
piada
1. Documentação e memorização das
ações humanas
2. Relatar
3. Representação pelo discurso de
experiências vividas, situadas no
tempo
relato de experiência vivida
relato de viagem
diário íntimo
testemunho
anedota ou caso
autobiografia
currículum vitae
...
notícia
reportagem
crônica social
crônica esportiva
...
histórico
relato histórico
ensaio ou perfil biográfico
biografia
1
Inserção minha
41
...
1. Discussão de problemas sociais
controversos
2. Argumentar
3. Sustentação, refutação e negociação
de tomada de posição
textos de opinião
diálogo argumentativo
carta de leitor
carta de reclamação
carta de solicitação
deliberação informal
debate regrado
assembléia
discurso em defesa (advocacia)
discurso de acusação (advocacia)
resenha crítica
artigos de opinião ou assinados
editorial
ensaio
...
1. Transmissão e construção de saberes
2. Expor
3. Apresentação textual de diferentes
formas dos saberes
texto expositivo (livro didático)
exposição oral
seminário
conferência
comunicação oral
palestra
entrevista de especialista
verbete
artigo enciclopédico
texto explicativo
tomada de notas
resumo de textos expositivos e
explicativos
resenha
relatório científico
relatório oral de experiência
...
1. Instruções e prescrições
2. Descrever ações
3. Regulação mútua de
comportamentos
instruções de montagem
receita
regulamento
regras de jogo
instruções de uso
comandos diversos
textos prescritivos
...
Quadro 1 - Organização dos gêneros discursivos
Fonte: Adaptado de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 121).
De acordo com estes autores, dentre os domínios sociais de comunicação, o conto de
assombração classifica-se como cultura literária ficcional. Já no que se refere às capacidades
42
de linguagem dominantes aspectos tipológicos - insere-se no mundo do narrar através da
mimese da ação e mediante a reconstrução de intriga ou conflito no campo do verossímil.
Acerca de sua descrição básica como narrativa, o conto de assombração, segundo
Jacqueline Barbosa (2001) e outros autores, como Van Dijk e Labov, é estruturalmente um
gênero textual que apresenta um cenário, incluindo a descrição de personagens,
acrescentando-se os elementos de espaço, de tempo, além da estruturação da narrativa com a
situação inicial ou a introdução do conflito; em seguida as complicações, então, as resoluções
intermediárias e, por fim, a resolução conclusiva.
O quadro a seguir apresenta a configuração do conto de assombração:
1. Contexto de produção
Autor/enunciador:
Se o sujeito, de acordo com Bakhtin, se constitui na e pela linguagem, situando
seu discurso em relação ao discurso do outro, no conto de assombração observa-se que
o autor/enunciador coloca-se na perspectiva do leitor/destinatário com o objetivo de
provocar nele fortes emoções. Em vista disso decorrem inúmeras situações de tensão:
aflição, hesitação, angústia, perigo, pânico; mas a intenção do narrador/enunciador não
é nada mais que divertir, entreter.
Para conseguir seu intento, o autor/enunciador, utiliza os mais diversos recursos:
faz escolhas lexicais; utiliza termos avaliativos; faz opção por 1ª ou 3ª pessoa na
perspectiva da sua intenção, trabalha com tempos verbais de acordo com a situação;
revela suas intencionalidades por meio das descrições, através de ironias ou outros
comportamentos dos personagens ironias aliás, que o próprio locutor considera
absurdo segundo Ducrot (1980) apud GUIMARÃES (2000); e ainda, conduz o leitor à
compreensão responsiva; ele pode ser um narrador coletivo quando utiliza a moral
social como referência, por exemplo, ou seja, o autor enunciador é também relator da
memória coletiva.
Destinatário:
Quando se trata do público alvo da narrativa, o conto de assombração é dirigido,
na maioria das vezes, aos adolescentes e jovens, visto que tais histórias condizem com o
comportamento psicológico dessas faixas etárias. Contudo há as que se dirigem também
às crianças e desta forma têm um caráter mais ameno do que aqueles destinados aos
jovens, carregados de uma dose maior de emoção ou dispositivos motivadores de medo,
pavor ou mistério. Com um interesse menor, mas também os adultos são alvos dessas
histórias.
Objetivo:
O objetivo das narrativas dos contos fantásticas de assombração é o entretenimento de
seu público através da leitura de histórias que provoquem intensas emoções.
Suporte:
Livros e internet
43
2. Conteúdo temático
O conteúdo temático dos contos de assombração é o mistério, o estranhamento,
o sobrenatural, o sinistro, o fantástico, o medo, o pânico, o terror e o assombro
propriamente dito. O tema do conto fantástico, entendido assim por Calvino (2004,
p.9), “é a relação entre a realidade do mundo que habitamos e conhecemos por meio da
percepção e a realidade do mundo do pensamento que mora em nós e nos comanda”.
3. Construção composicional e marcas lingüístico-enunciativas:
Título:
A partir do título já se delineia o tom da narrativa, além de encerrar a idéia geral
ele deve chamar atenção pela expressividade. Os contos de assombração têm
igualmente esse caráter.
Recursos fraseológico-lexicais e gramaticais
As marcas do gênero fantástico conto de assombração apresentam-se, mediante o
trabalho do autor/enunciador, pelas seguintes regularidades:
Na organização geral do gênero, o conto de assombração se constitui como
gênero por se tratar da ordem do narrar e que inicia, como qualquer narrativa, por um
título. O conto de assombração é constituído de um enredo estruturado em uma
seqüência narrativa mediante os seguintes passos: a situação inicial, a complicação ou a
instalação do conflito, as ações, a resolução intermediária, nova complicação, novas
ações e a resolução final. O final é geralmente ambíguo, dúbio, para que o leitor
complete a lacuna deixada pelo autor/enunciador. As histórias são curtas como qualquer
conto; o número das personagens é também reduzido. O conto de assombração que se
insere na literatura do fantástico, se caracteriza, segundo Castex (apud Todorov, 2004)
“por uma intromissão brutal do mistério no quadro da vida real”. Também Roger
Caillois (apud Todorov, 2004) define o fantástico como “ruptura da ordem estabelecida,
irrupção do inadmissível no seio da inalterável legalidade cotidiana”. “O que distingue
o “fantástico” narrativo (conto) é precisamente uma perplexidade diante de um fato
inacreditável, uma hesitação entre uma explicação racional e realista e o acatamento do
sobrenatural”, diz Todorov (2004, p. 31).
O suspense, embora se trate de outro gênero, insere-se no conto fantástico de
assombração como um subgênero, já que as ações de assombro ganham realce e
importância maior pela espera angustiada e pelas insinuações dos eventos.
Quanto aos tipos de discursos presentes no conto fantástico é preponderante o
indireto, porém o discurso direto também aparece com muita freqüência, com a mesma
perspectiva de outras narrativas.
Os seus personagens são tipos comuns (homens, mulheres, crianças, animais),
que têm uma vida comum, mas que experimentam um fato sobrenatural ou o de uma
realidade de limite entre o natural e não-natural.
O espaço e outros aspectos, embora façam parte da vida natural, são trazidos
para a narrativa propositalmente como indicação de um evento sinistro (cemitério,
escada velha de um quarto cheirando a creolina, ossos de um anão, formigas, noite
estrelada, floresta escura, vidro vazado, etc.) contribuindo para o sugestionamento do
leitor, bem como para a criação de um clima propício de mistério, suspense e assombro.
O tempo enquanto momento histórico pode se situar em qualquer contexto,
44
porém sendo o gênero conto de assombro um tipo relativamente novo, tem se ocupado
de explorar também aspectos sinistros de épocas a partir da Idade Média até a
Contemporaneidade com ingredientes da área médica, religiosa entre outros aspectos
culturais e folclóricos. Quanto ao tempo da duração do conflito, é semelhante aos
outros contos, isto é, perdura por algumas horas, não passando de poucos dias.
A verossimilhança não se opõe absolutamente ao fantástico, segundo Todorov
(2007), uma vez que ela é uma categoria relacionada à coerência interna com submissão
ao gênero, enquanto que o fantástico se refere à percepção ambígua do leitor e da
personagem. No conto de assombração ela é considerada para garantir a crença do leitor
de que se encontra no nível da realidade, pois no transcurso da narrativa vai se
extrapolar essa realidade. E esse jogo, entre uma realidade e outra, precisa ser
conduzido pelo enunciador de tal forma que não se perca o leitor.
Adjetivos
O narrador do conto de assombro é inevitavelmente onisciente que a escolha dos
fatores constituintes do enredo devem ser premeditados por ele em função do que se
deseja para o desfecho da narrativa. Se se posiciona, fazendo parte da história, ou
assistindo os fatos, observando-os de fora, trata-se da escolha de cada autor. O
narrador/locutor utiliza termos avaliativos que se propõem a um julgamento positivo ou
negativo, classificados como avaliativos do tipo axiológico. Encontramos assim
adjetivos que remetem a avaliação apreciativa ou depreciativa do ser denotado, verbos
que valorizam ou desvalorizam as atitudes do ser descrito, bem como outras categorias
de palavras como advérbios, indicadores de atitude ou estado psicológico que
constroem a imagem de um personagem, por exemplo. E, além de tudo, esses
elementos revelam a competência do enunciador que encoraja o leitor à interpretação
presente na situação enunciativa.
Modo e tempo verbal
Como nas demais narrativas, também na deste estudo encontram-se
predominantemente os indicativos perfeito e imperfeito. Mas como os modos e tempos
verbais se caracterizam no gênero conto de assombração? Pelo tempo verbal
asseguramos os fatos naturais e também os sobrenaturais no enredo.
Os tempos do pretérito perfeito - que manifestam um tempo concluso - e o
pretérito imperfeito inconcluso, não são distintas de outras narrativas, mas a escolha
lexical pode determinar alguma singularidade, pois ela vai aproximar da temática do
assombro; assim alguns exemplos: cravou, arrancou, paralisou, zumbia, demoliram,
cavaram, gritou, suplicou, agarrou-a, morderam, fugiu, mexeu, escapou, espiei, travei).
Inseridos no diálogo, os verbos de fala e os que não são também têm o mesmo
comportamento nas demais narrativas.
Uso de advérbios
indiscutivelmente a presença apropriada de advérbios nestas narrativas.
Assim são freqüentes os advérbios e locuções de modo (lentamente, levemente, bem
devagar, mais que depressa, muito agilmente, igualmente, de tal maneira, rapidamente,
etc.); de tempo (depois, em seguida, ontem, hoje, naquela hora, naquela noite, certo dia,
sempre, durante certo tempo, quando, imediatamente, sempre assim, numa dessas
manhãs, certa ocasião etc.); de lugar (de aldeia em aldeia, sobre os ombros, desde que,
à aldeia, onde, de um canto para o outro, no lugar, pela floresta, no céu, lá); de
intensidade (tão, esquisitíssimo, intensa, mais, pouco a pouco, quase, maior, depressa,
45
tão, intenso, já).
O uso de pronomes
Os pronomes (ele, elas, me, senhor, esta, tudo, ninguém, etc.) em uma narrativa
ajudam garantir a coesão do texto. Isoladamente dele, não como caracterizá-los por
uma ou outra narrativa. Neutras por si sós, somente agregam sentido especial no
contexto em que estão inseridas.
Seleção lexical
A seleção lexical indica mais uma maneira de configurar a narrativa fantástica
pela escolha de adjetivos e locuções adjetivas específicas (noite fria, escura, chuvosa,
tempestuosa, de lua cheia, tenebrosa, etc.); e assim os verbos específicos de contos de
mistério (escureceu, penetrou, sangrou, rangeu, morreu, golpeou etc.). Não somente a
escolha lexical por parte de adjetivos remete à avaliação apreciativa ou depreciativa do
ser descrito, mas os verbos também podem fazer esse papel - esse uso axiológico é
importante porque confirma a intencionalidade do narrador/locutor.
Expressividade pela pontuação
Na escrita os sinais de pontuação organizam o pensamento e facilitam a
compreensão de quem lê, substituem a expressividade oral pela entonação da voz, das
pausas, dos gestos, das mímicas, etc. Além disso, a expressividade pela pontuação
(travessão, reticências, pontos de exclamação...) é inerente a qualquer narrativa que
expressa emoções. Ora qualquer história vem carregada de alguma emoção que nela
personagens se relacionam e vivem ações e emoções. O conto de assombração é
declaradamente envolto de emoções das mais variadas, daí se constituir fator
fundamental a pontuação que demarca tais emoções, tanto para marcar diálogo quanto
para enfatizar determinados elementos.
Apreciações/depreciações valorativas
As apreciações/depreciações valorativas (infelizmente, lamentavelmente,
usando de má fé, etc.) povoam as narrativas enunciadas pelo autor e sua personagens. O
narrador/locutor frequentemente utiliza também termos avaliativos através de seus
personagens em que propõe julgamentos positivos ou negativos classificados como
avaliativos do tipo axiológico. Além disso, essa avaliação passa pela caracterização
apreciativa ou depreciativa dos tipos (personagens) criados pelo autor. Segundo
Brandão (2000, p.102), “a presença desses indicadores axiológicos destaca a
competência ideológica do locutor que encoraja nossa interpretação, inserida na
situação da enunciação.
Intensificadores e superlativos
Os intensificadores e superlativos (muito, demais, importantíssimo, etc.) aliados
ao fator das apreciações/depreciações valorativas caracterizam a narrativa pela
expressividade e emoção, emitindo também juízo de valor.
Circunstancializadores
Os circunstancializadores de tempo e lugar (nesta noite, naquela mesma hora,
naquele lugar fatídico) situam o leitor em relação à coesão temporal no texto narrativo e
também no conto de assombração.
Quadro 2 - Descrição do conto de assombração
46
O conto fantástico de assombração acima descrito, de acordo com as regularidades das
condições de produção e as dimensões de um gênero discursivo historicamente situado
mediante os autores deste gênero exige, para fins de estudo, uma caracterização também a
partir de sua linguagem. Descrever o conto assombração pela especificidade da linguagem nele
utilizada, propicia aos leitores e pesquisadores um entendimento mais acertado para distingui-
lo dentre as outras narrativas denominadas contos.
47
3. ENCAMINHAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
3.1. A Pesquisa-ação
O presente trabalho segue a orientação de pesquisa de intervenção em que o foco é a
investigação de uma possibilidade de modificar a situação existente em sala de aula neste
caso, em torno da problemática da leitura e da escrita, e conseqüentemente de se compreender
o sentido dos textos na perspectiva do gênero discursivo. Fundamentado em Moita Lopes
(2000), é possível perceber, pela vertente investigativa de intervenção, uma tendência para o
uso de abordagens de pesquisa qualitativa, notadamente de natureza etnográfica. De acordo
com Triviños (1994), por sua origem no campo da antropologia, a pesquisa qualitativa muitas
vezes é conhecida como investigação etnográfica, sendo comumente usadas ambas as
expressões para a mesma atividade.
Trazido para o contexto da educação, esse tipo de pesquisa implica uma descrição
narrativa dos padrões característicos do que ocorre no dia-a-dia com os sujeitos no universo
escolar ou no chão da sala de aula no intuito de compreender o processo de ensino-
aprendizagem de leitura no ensino de língua. Isso requer do professor pesquisador algumas
tarefas como escrever relatórios, entrevistar alunos, gravar aulas em áudio etc., e a partir daí
buscar descobrir: o que está havendo neste contexto; como se organizam esses
acontecimentos; o que tais eventos significam para os alunos; e que comparativos pode-se
fazer entre essas organizações em outros contextos de aprendizagem. Esse tipo de pesquisa,
conclui-se, não se conduz por categorias pré-estabelecidas antes de se iniciar a investigação,
mas a partir de uma questão de pesquisa que dirigirá o estudo.
Atualmente ainda, no campo da pesquisa etnográfica, uma preocupação
preponderante com a natureza da interação no cotidiano da sala de aula como lugar de
aprendizagem. Há um interesse fundamental pelo estudo dos processos sociointeracionistas na
condição de fatores geradores da construção do conhecimento, ou seja, da cognição - essa é a
linha deste trabalho. Tal preocupação pelo estudo da interação no contexto de aprendizagem
ou no contexto de ação de sala de aula de língua, integra um interesse mais amplo em várias
áreas de investigação (análise do discurso, estudos cognitivistas, educacionais etc.) pela
questão de interação, calcando-se na premissa de que o significado, a compreensão e a
aprendizagem precisam ser definidos em relação a contextos de ação (HANKS apud MOITA
48
LOPES, 2000) em que atores reais fazem parte da construção do significado, do
conhecimento e da aprendizagem, isto é, ambos, aprendizagem e significado, são entendidos
como modos de co-participação social.
Na área das abordagens qualitativas, a pesquisa participante põe o pesquisador no
meio da cena estudada, atuando na trama da peça. De modo que
[...] privilegia a prática e o propósito transformador do conhecimento que se
adquire da realidade que se procura desvendar em seus aspectos essenciais e
acidentais, [...] e realiza através da ação um processo de transformação da
realidade que interessa (TRIVIÑOS, 1987, p. 125).
A denominação metodológica deste trabalho é a da pesquisa-ação, que se caracteriza
por uma intervenção por parte do pesquisador e não de mera observação. O investigador é o
professor-pesquisador que interage com os demais atores da pesquisa os estudantes no
intuito de observar o modo como se o processo de ensino e aprendizagem no contexto em
que acontecem.
3.2. Apresentação da intervenção
O que originou a pesquisa
O que originou a presente pesquisa, que toma por foco o campo de Estudos da
Linguagem - mais especificamente o da leitura, compreensão e interpretação textual - é a
problemática da leitura na escola, fruto da observação e questionamento no exercício do
magistério.
Ler é uma das competências mais importantes a serem trabalhadas com o aluno.
Segundo Aguilera (2002), pesquisas recentes apontam estar no âmbito da leitura um dos
principais focos de deficiência no hábito e no aprendizado do estudante brasileiro. E para se
proceder com uma interferência pedagógica eficaz é preciso entender o que por trás do
ensino de leitura na história escolar.
A leitura serve como instrumento de avaliação, porém tem seu papel definido na
escola quando se pode concebê-la como de caráter e elemento formativo de um leitor
competente. O que se deseja a partir dessa reflexão e especialmente nesta pesquisa é buscar
formas e vivenciar experiências na perspectiva de explorar e descobrir a competência do
49
aluno leitor em consonância às teorias abraçadas neste projeto e frente à nova vertente do
ensino de língua que se funda a partir do círculo de Bakhtin, passando pelo grupo de Genebra,
que se estabelece também na academia e finalmente adentra ao espaço escolar.
Seqüência didática
Esta pesquisa tem como bases teóricas a concepção interacionista de linguagem; a
vertente bakhtiniana de gêneros discursivos, com opção pelo viés do estudo de gêneros
organizado por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) no que se refere ao domínio social, a
tipologia e as capacidades de linguagem; e o trabalho de Barbosa (2003) e Perfeito (2005) que
organizam simultaneamente categorizações dos gêneros em grupo e também das
características de um gênero em particular.
A proposta de trabalho com os gêneros discursivos na escola, aqui assumida como
plataforma para a pesquisa, considera a linguagem de natureza social e interacional e se pauta
em Bakhtin (1986; 1997) para quem o gênero discursivo é a materialização da interação entre
os sujeitos que no uso da língua elabora formas mais ou menos estáveis de discursos
revelando a esfera social a que pertencem.
Para a consecução dos trabalhos da pesquisa e elaboração com os alunos de um
percurso significativo de leitura por meio da pedagogia do gênero discursivo, procurou- se
observar como se constroem os sentidos dela de forma mais concreta e partir do paradigma
bakhtiniano de estudo da língua, ou seja, por meio dos três elementos: conteúdo temático,
estilo e construção composicional. De acordo com Perfeito (2005), a elaboração de sentidos
de um texto na perspectiva dos diferentes gêneros discursivos é promovida por meio da
construção composicional, as marcas lingüístico-enunciativas vinculadas às condições de
produção.
No âmbito escolar, segundo Barbosa (2003), a pedagogia com os gêneros discursivos,
como objeto de ensino/aprendizagem de língua materna, tem se mostrado eficaz dado o
resultado com experiências à base de seqüências didáticas que se revelam produtivas, pois
uma sensível melhora na compreensão e na produção oral e escrita dos alunos.
As seqüências didáticas surgem da necessidade de se realizar a transposição didática,
que pode ser definida como processo de passagem de um conteúdo de saber preciso para um
de epistemologia didática.
Os saberes a serem ensinados precisam ser didatizados; contudo, mesmo intimamente
relacionados entre si a transposição didática e a didatização não podem ser considerados a
50
mesma coisa. A didatização é a abordagem, por meio da seqüência didática, dos saberes e
objetos de um determinado conhecimento. No caso da presente pesquisa é o da língua
materna, no que tange os gêneros discursivos e seus elementos estruturais, lingüísticos e
estilísticos concretizados nos usos da língua viva a serem ensinados e aprendidos na escola.
A seqüência didática (SD) na concepção de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) é um
conjunto de atividades escolares organizados sistematicamente em torno de um gênero
textual/discursivo. A SD obedece, segundo os autores, a uma estrutura de quatro componentes
como fases para a abordagem pedagógica tão logo é definido o gênero.
Apresentação
da situação
Produção
inicial
Módulo 1 Módulo 2 Módulo 3 Produção
final
Quadro 3 - Esquema da seqüência didática
Fonte: Adaptado de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 98).
O primeiro estágio tem o papel de apresentar aos alunos uma questão comunicativa a
ser resolvida, mediante um texto oral ou escrito. Segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004)
este momento serve para preparar a produção inicial e ao mesmo tempo possibilita a escolha
do gênero que será trabalhado nos módulos. Decorrente desse trabalho o professor levanta
dados em torno do que os alunos sabem sobre o determinado gênero para então preparar os
passos da seqüência didática conforme os objetivos do ensino. Essa é a hora de fornecer aos
alunos as informações necessárias para se construir o gênero discursivo contemplado
mediante a sua linguagem e composição geral.
Em segundo lugar vem o passo da produção inicial em que o aluno produz um texto do
gênero escolhido, o qual servirá de instrumento/diagnóstico do professor para saber do
potencial dos alunos e assim elaborar outras atividades. O aluno, por sua vez, tem a
oportunidade de descobrir os problemas em torno da produção do gênero em questão.
O terceiro passo tem a finalidade de fornecer condições para resolver as dificuldades
com o gênero, em vista dos problemas percebidos na produção inicial. As atividades dos
módulos são organizadas pelo professor a fim de solucionar cada problema. Este momento é
importante no ensino de língua materna no sentido de perceber que o efeito de sentido nos
textos está vinculado à abordagem das questões de leitura, produção de texto e que estes
integram os aspectos lingüísticos e sua análise.
51
A última parte da seqüência didática, conforme os autores, propõe a produção final, na
qual o estudante elabora um texto com base em noções fornecidas e instrumentos
disponibilizados nos módulos e, em companhia do professor, pode mensurar os progressos
feitos mediante as atividades no processo da ação pedagógica. A produção final,
conseqüentemente, dá condições ao professor de avaliar o processo de ensino/ aprendizagem e
a partir daí organizar novas seqüências didáticas. Isso propicia o trabalho em espiral,
possibilitando aos alunos dominarem outros gêneros na esteira dos que vão sendo trabalhados,
melhorando seu desempenho em vista do aumento do grau de complexidade dos mesmos
gêneros e suas leituras.
É importante, além de tudo, proporcionar a circulação dos textos produzidos pelos
alunos no sentido de que a artificialidade de sua produção seja minimizada e isso concorra
para que se concretize o intento interacionista da concepção de linguagem, evitando que o
professor seja o único interlocutor do autor do texto da sala de aula.
Schneuwly e Dolz (2004) consideram importante no trabalho com os gêneros
discursivos, a escola:
[...] colocar os alunos em situações de comunicação que sejam as mais
próximas possíveis de verdadeiras situações de comunicação, que tenham um
sentido para eles, a fim de melhor dominá-las como realmente são, ao mesmo
tempo sabendo, o tempo todo, que os objetivos visados são (também) outros
(SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p. 81).
Procedimentos da pesquisa e intervenção
Para o desenvolvimento deste trabalho foi elaborada uma seqüência didática a partir
do gênero conto de assombração, uma vez que este gênero é bastante apreciado por jovens e
adolescentes em geral, e faz parte de seu repertório de filmes e leituras. A seqüência propõe
leitura, análise interpretativa de cinco contos do mesmo gênero e diferentes autores,
exercícios orais e escritos discutidos nas aulas, as produções inicial e final por parte dos
alunos, as devidas intervenções por parte do professor e, finalmente, a circulação dos textos
produzidos.
No primeiro momento apresentou-se aos alunos a proposta de se trabalhar com o
gênero discursivo de conto fantástico de assombração e foram feitas as devidas orientações de
como se desenvolveria a proposta. Na seqüência, deu-se a produção inicial em que os alunos
escreveram a narrativa de assombro, segundo o seu conhecimento, ou seja, sem maiores
52
orientações quanto ao gênero. Esta produção inicial serviu de instrumento/diagnóstico para o
professor desta pesquisa (eu) com o objetivo de saber do potencial dos alunos e, a partir daí,
elaborar atividades que concorressem para o aperfeiçoamento dos alunos no domínio do
gênero.
No terceiro momento, a partir dos problemas percebidos na produção inicial,
procedeu-se com as orientações das condições para a solução das dificuldades com o gênero.
As atividades dos módulos com base em cinco contos de suspense/assombração, para os quais
se organizou um rol de questões norteadas pela proposta de Perfeito (2005), estão expostas no
quadro 2 neste capítulo.
No quarto momento da seqüência didática, da produção final, os alunos escreveram
um texto fundamentado em noções fornecidas acerca da compreensão e configuração do
gênero estudado para o qual foram preparados e instrumentalizados pelos módulos da
seqüência didática. Por meio dessa produção procurou-se levantar elementos para a avaliação
do progresso conseguido frente às atividades no processo da ação pedagógica, assim como
organizar outras propostas e novas seqüências didáticas para o domínio de outros gêneros.
Finalmente, proporcionou-se a circulação dos textos produzidos pelos alunos através
de um blog
2
criado como suporte de divulgação, publicação e apreciação das produções do
aluno/autor/enunciador pela comunidade escolar, além de amigos e familiares dos escritores.
Isso primeiramente para fugir da artificialidade da produção escolar e em segundo lugar,
entretanto como objetivo principal, para verdadeiramente se concretizar a intenção
interacionista da ação comunicativa.
Colaboradores da pesquisa
Os colaboradores desta pesquisa são alunos da rede pública de ensino do Paraná,
matriculados no Colégio Estadual Professor José Aloísio Aragão/Colégio de Aplicação da
Universidade Estadual de Londrina. Esta escola oferece Ensino Fundamental, Médio e
profissionalizante e está situada na região central da cidade de Londrina. Os alunos em
questão, em número de trinta e seis, integravam uma classe para a qual o professor
pesquisador (eu) já ministrava aulas, dado que concorreu para a sua escolha.
Ao final do processo foi realizada uma entrevista por escrito com a participação de 49
alunos de 7ª série do mesmo colégio, com o objetivo de delinear o perfil dos colaboradores da
2
Disponível em <http://circulacaodetextos.blogspot.com>
53
pesquisa e avaliar possíveis mudanças a partir do trabalho realizado. O quadro a seguir
apresenta os resultados das respostas dadas às cinco primeiras questões, relativas aos hábitos
de leitura.
1. Você gosta de ler?
Dentre quarenta e nove (49) alunos entrevistados, trinta (30) responderam que gostam
de ler; treze (13) disseram que não e seis (06) afirmaram que gostam mais ou menos de
ler.
2. O que você lê em sua casa?
a) Dezoito (18) alunos revelaram que lêem histórias em quadrinhos; b) vinte e seis (26)
responderam que lêem livros; entre os gêneros mais apreciados estão: narrativas de
assombro, comédias, narrativas de suspense, histórias românticas, diários, dramas,
aventuras, romances, animações, Harry Poter, Código da Vinci, narrativas de bruxaria,
de amor, de histórias, científicos, infanto-juvenis, astrologia e poemas. c) dezessete (17)
responderam que lêem revistas (de moda, armas, curiosidades, bandas de rock, esportes
e pornográficas). Foram mencionadas as revistas: Atrevida, Caras, Superinteressante,
Veja, Witch e Capricho. d) quatorze (14) responderam que lêem jornal. Entre as colunas
lidas estão as de: anúncios, esportes, vendas, classificados, cruzadinhas, notícias,
novelas, ciência e notícias locais. e) Entre outras modalidades de leitura estão: sites,
palavras cruzadas, notícias e anime e mangás (HQ japonesas).
3. Com que freqüência você lê?
Dezoito (18) alunos responderam que lêem todos os dias; dez (10) lêem duas vezes por
semana; seis (06) lêem uma vez por semana; oito (08) lêem uma vez por mês; e também
oito (08) somente quando o professor pede.
4. Você acha importante ler?
Quarenta e sete (47) alunos responderam que acham importante e dois (02)
responderam que não; os que optaram pela negativa não justificaram e os do sim,
quatorze (14), responderam que a leitura é aprendizado em diversos sentidos; onze (11)
declararam ser a leitura fonte de conhecimento de mundo e aquisição de cultura, nove
(09) disseram ser a leitura importante para o conhecimento da língua e, sobretudo, de
aprendizado de novas palavras; cinco (05) consideraram a leitura uma forma de
exercício; dois (02) consideraram a leitura fonte de imaginação; e dois (02) disseram
que a leitura seria importante para o mundo do trabalho.
54
5. Quem motiva as suas leituras?
Entre os quarenta e nove alunos entrevistados vinte e cinco (25) disseram que os pais
são responsáveis pela motivação de leitura; os irmãos são responsáveis, de acordo com
dois (02) alunos; os amigos e colegas são responsáveis, conforme seis (06) alunos; os
professores são responsáveis, conforme doze (12) alunos; a biblioteca da escola é
responsável, segundo dois (02) alunos; você mesmo (o aluno crê que a motivação esteja
nele próprio) conforme vinte e oito (28) alunos; outros fatores são responsáveis pela
motivação (novidades) são apontados por (10) dez alunos.
Quadro 4 – Resultado da entrevista sobre os hábitos de leitura dos colaboradores de pesquisa
A escolha dos textos
Os contos, elencados a seguir, foram escolhidos por serem emblemáticos no universo
literário, oriundos de continentes e países diferentes, revelando assim aspectos de diferentes
culturas, além da brasileira:
1. Encurtando caminho de Ângela Lago, de origem brasileira (anexo 1);
2. Maria Angula de Jorge Renan de la Torre, de origem equatoriana (anexo 2);
3. O fantasma útil de Daniel Defoe, originária do Reino Unido (anexo 3);
4. A menina e o barril de Júlio Emílio Braz, de origem africana (anexo 4);
5. As formigas de Lygia Fagundes Telles, também do Brasil (anexo 5).
Cada conto foi entregue em uma folha digitada, contendo também algumas
informações sobre os autores, os quais contribuíram com a discussão sobre o contexto de
produção.
Estratégias metodológicas
Todas as aulas, em número de vinte e quatro, foram registradas mediante gravação
com aparelhos MP3 e MP4, ambos utilizados ao mesmo tempo na sala de aula, em distâncias
diferentes do professor e dos alunos, para assim assegurar a maior fidelidade possível na
documentação dos eventos. Simultaneamente a esse registro, também ocorria o da transcrição
das gravações na seqüência das aulas.
55
Outro recurso que auxiliou no trabalho de explicitação nas aulas foi o aparelho de data
show, especialmente utilizado para falar do contexto de produção do gênero discursivo
estudado em uma retrospectiva histórica desde sua origem.
Para a realização de uma aula em que o texto a ser estudado apresentava-se
demasiadamente longo, para a leitura ser audível e inteligível para todos os alunos, contou-se
também com um amplificador e microfone que, além de resolver a dificuldade de audição, fez
superar um pouco do pudor diante da platéia e revelar a voz de alunos midos que antes não
se faziam ouvir.
Adotou-se também uma legenda para a organização dos dados da transcrição das
aulas, para efeito de identificação das falas dos participantes:
Aa: aluna
Ao: aluno
P: professor
V: vários alunos
Quadro 5 – Abreviaturas e legendas das entrevistas
Encaminhamento das ações
A primeira aula foi destinada à produção inicial de um conto de suspense e
assombração, na dimensão de vinte a trinta linhas. Discorreu-se brevemente sobre tais
histórias com os alunos para que eles organizassem, conforme seu entendimento, a estrutura
dessa narrativa, bem como suas características. Com o intuito de que a produção fosse a mais
espontânea possível, demonstrando o domínio de conhecimentos e condições de produção
escrita que o aluno tinha até aquele instante, não foram dadas maiores informações nem
encaminhamentos, como os que estavam previstos para as ações posteriores à primeira
produção. Foi proposto que os alunos escrevessem uma história a partir do que eles próprios
entendiam da configuração desse gênero.
No desenrolar dessa aula ocorreram perguntas dos alunos em relação à adequação
vocabular para seus enunciados e sua utilização em suas produções como forma de valorizar o
texto pela escolha lexical. Assim, é possível observar, na transcrição abaixo, as consultas
feitas pelos alunos e respostas dadas por eles próprios ou pelo professor:
Aa: Professor, como se chama aquele que vende casa?
Ao: Corretor.
P: Isso, corretor de imóveis.
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ao: Professor, como se chama onde se põe a pessoa morta?
V: Tum-ba!
P: Túmulo, cova.
Aa: Professor, como é o nome daquele cara da lâmpada?
V: Thomas Édison.
Ao: Professor, como chama a rainha das flores?
V: Ro-sa!
Os alunos também brincaram com as expressões (frames) que principiam as histórias
dando-lhes conotação absurda. Esse comportamento jocoso lembra as paródias que se faz de
poemas, letras de canções ou outros textos, presentes na literatura e nos hábitos
contemporâneos ao se imitar textos antigos.
Ao: Certo dia numa noite! (risos)
Aa: Certo dia numa noite de sol laranja, vermelho, amarelo! Uuuuu!
Ao: Certo dia uma menina feia....
Escrita a produção inicial que deveria revelar aos estudantes e ao professor
pesquisador as representações que eles possuíam do gênero conto de assombração, pôde-se
proceder às intervenções que indicassem os elementos que definem a narrativa de
assombração e a sua composição geral. Os textos escritos pelos alunos serviram para se
proceder com a seqüência didática por meio da análise, a partir da observação das
dificuldades e oferecer fundamentação a eles.
Após a produção, solicitou-se aos alunos que realizassem leituras de contos fantásticos
de assombração em livros emprestados na biblioteca da escola e leitura prescrita pelo
professor como tarefa de casa, a fim de dar sustentação ao trabalho pedagógico pela efetiva
participação dos estudantes na tarefa de ler, apreciar as histórias e também criar gosto pela
leitura.
Orientações sobre a concepção de gênero discursivo
que a teoria dos gêneros discursivos não é ainda do conhecimento dos alunos,
optou-se por discutir a sua concepção, bem como os conceitos de gênero, de discurso e de
texto, por um período de duas aulas de cinqüenta minutos.
57
Iniciou-se pela construção do conceito de gênero de forma muito genérica, procurando
descobrir o que os alunos entendiam sobre a terminologia, especulando ao mesmo tempo em
que meio a empregam e que idéia dela fazem nas suas diferentes acepções:
P: [...] o que vocês entendem por gênero?
Aa: Gênero de música.
P: Isso! gênero de música! (escrevendo no quadro)
Ao: Gênero de filme!
Aa: Gênero é tipo enquadramento de uma coisa, categorizar, enquadrar.
Ao: Gênero e espécie.
P: O que é espécie?
Aa: Tem espécie animal.
P: O cachorro é gênero?E quando se trata do ser humano?
Aa: Feminino e masculino!
Ao: Homossexual! (risos)
Aa: Heterossexual!
Esgotadas as possibilidades de definição de gênero, passou-se a discutir o gênero
discursivo no sentido da produção escrita conforme os estudos de origem bakhtiniana e a sua
diversidade e denominação nos agrupamentos de textos. Eis um excerto da discussão:
P: [...] vamos conversar sobre o gênero discursivo. Existe um grupo de Genebra,
Suíça, que estuda isso a partir também dos estudos de um russo chamado Bakhtin.
Agora os estudos chegaram ao Brasil e em Londrina. Quando se trata de ensino de
língua, nós, por sermos muito práticos, entendemos melhor a língua e a comunicação
na medida em que identificamos um tipo de gênero. O que seria, então, um gênero
discursivo de forma bem prática?
Aa: Artigo de jornal!
P: Isso.
Ao: Poema!(...)
P: Também.
Aa: Música! (...)
P: Você quer dizer a letra da música? Certo.
Ao: Fábula!(...)
P: Ótimo!
Aa: Comercial,
Ao: Classificado.
Aa: Propaganda, por exemplo.
Ao: Logotipo é também um gênero discursivo.
Aa: Homilia!
P: ou sermão. O que mais... (é gênero textual)?
Ao: MSN.
Aa: orkut!
P: certo.
Ao: blog.
P: muito bom.
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Aa: out door!(...)
Conforme os alunos apresentavam suas concepções, elas eram escritas na lousa com a
finalidade de se ter uma idéia da diversidade pelos exemplos dos gêneros. Observa-se ainda
pelas repostas dos alunos, que eles não têm dificuldade em entender os gêneros mencionados
já que configuram um todo comunicativo e concreto pelos quais acontece a comunicação.
Orientação e concepção de gênero do discurso
O trecho transcrito a seguir é extraído das aulas nas quais foi discutido o conceito de
discurso de acordo com a terminologia do gênero discursivo. Além disso, procurou-se refletir
com os alunos sobre a origem dos gêneros discursivos, ou seja, em que esferas sociais estão
inseridos.
P: Alguém tem alguma idéia do que seria discurso?
Aa: Explicação também.
Professor escrevendo no quadro: jornalístico, político, religião, cotidiano ou familiar,
escolar, científico, artístico, filosófico.
P: A partir deste quebra-cabeças, o que vocês pensam que eu quero falar? E agora, o
que vocês me dizem? A gente chama isso de esferas. Isso não é uma hierarquia.
Ao: Familiar é o da família.
Aa: O discurso religioso é o que tá na religião.
P: E agora, por que eu coloquei todas essas palavras como esferas?
Ao: Quando o Roberto vem aqui ele faz sermão... Ele fala de mapeamento, ele fala de
aluno, ele chega aqui e fala dos alunos da escola. Professor ele chega e fala do
mapeamento, “porque vocês fazem muita bagunça, porque...”
P: Certo, mas isso não é o sermão como o do padre. É maneira de dizer quando se dá
bronca. (...)
Aa: Científico é o da ciência?
P: Os cientistas defendem o quê?
Ao: Eles defendem uma tese.
P: É, defendem uma tese, uma idéia sobre uma experiência.
Aa: A igreja defende uma idéia?
Ao: Fé.
P: O que a família defende?
P: Tem um discurso atrás de cada tipo de esfera. O político defende o quê?
Aa: A política defende o pobre.
Ao: Eles defendem o deles!
P: Mas e a política de forma correta?
aa: Valores morais, interesses de uma nação.
Diante das falas acima se percebe que a concepção de discurso foi assimilada
superficialmente, mas ficou claro de que discurso trata da defesa de uma idéia.
59
Instrumentos de análise
O quadro a seguir é uma adaptação do trabalho de Barbosa sobre as categorias a serem
trabalhadas para análise do gênero em pauta. É por meio dos quatro itens gerais do quadro que
se procedeu primeiramente à descrição do gênero discursivo conto fantástico de assombração
e suspense na literatura de modo geral. Em um outro momento, essas categorias serviram para
analisar os contos produzidos pelos alunos na seqüência didática.
1. Contexto de produção
Autor/enunciador
Destinatário
Objetivo
Local de publicação
2. Conteúdo temático
3. Construção composicional e marcas
lingüístico-enunciativas
Título
Recursos fraseológico-lexicais e
gramaticais
Modo e tempo verbal
Uso de advérbios
O uso de pronomes
Seleção lexical
A expressividade pela pontuação
Apreciações/depreciações valorativas
Intensificadores e superlativos
Circunstancializadores
Quadro 6 – Descrição dos gêneros discursivos
Fonte: BARBOSA (2003, p. 12-13).
Na seqüência, foram dedicadas dezoito aulas à leitura e análise dos contos
selecionados, a partir de um trabalho dialógico e interativo entre professor e os alunos. O
trabalho de leitura e análise dos cinco textos baseou-se na categorização realizada por Perfeito
60
(2005, p. 62) dos gêneros em grupos e na sua caracterização de acordo com o contexto de
produção, o conteúdo temático, a forma de composição e o estilo. A proposta da autora tem
origem nos estudos de Bronckart (2003) e Barbosa (2003), e se presta aos trabalhos de análise
dos textos no ensino de língua, como é o caso deste trabalho:
Contexto de produção e relação autor/leitor/texto observação de aspectos
relativos ao/à: autor/enunciador, destinatário, provável objetivo, local e época de
publicação e de circulação; exploração: das inferências, das críticas, das emoções
suscitadas; criação de situações-problema e de transformações, vinculadas a efeitos
de sentido do texto, etc.
Conteúdo temático - temas que são tratados em textos pertencentes ao gênero em
questão.
Organização geral (construção composicional) a antiga estrutura textual,
redimensionada .
Marcas lingüísticas e enunciativas características do gênero (lingüísticas) e do
autor (enunciativas), o qual vincula-se ao texto, fundamentalmente, em
determinados gêneros (recursos lingüístico-expressivos mobilizados).
Quadro 7 – A
nálise de textos de diferentes gêneros discursivos
Fonte:
Perfeito (2005, p. 62)
Atividades da seqüência didática
Para cada um dos textos escolhidos, que se encontram em anexo, foram elaboradas
questões para serem discutidas e escritas pelos alunos a partir dos dois aspectos presentes no
quadro de número 2. Ao se formular as perguntas para a análise dos contos fez-se uso de
todas as categorias do quadro acima. Porém, na discussão das questões decorrentes de cada
texto optou-se por destacar algumas categorias em cada um dos contos, uma vez que cada
uma das narrativas apresenta de forma relevante esses aspectos. A descrição desta fase é
apresentada a seguir, a partir dos textos:
TEXTO 1 - ENCURTANDO CAMINHO, DE ÂNGELA LAGO (anexo 1)
1. Você já ouviu alguma história parecida com essa? Se sim, relate uma.
2. Para quem tia Maria conta esta história?
3. Descreva Maria quando menina.
61
4. Como era a outra personagem, a menina a quem Maria acompanhou?
5. uma seqüência dos fatos do episódio, como em qualquer história. Escreva dentro da
organização abaixo os fatos que faltam na narrativa.
a. Tia Maria conta um episódio de quando era criança teria se atrasado na saída da
escola.
b. ...............................................................................................................................
c. Maria apressa o passo e puxa conversa com a outra menina.
d. ...............................................................................................................................
6. A narrativa transcorre muito normalmente sem que se pense que haja algo de sinistro na história.
Há, no entanto, alguns momentos dão pistas para o final da história. Quais?
7. Embora houvesse alguns sinais ao longo da narrativa, o desfecho era previsível? Por quê?
8. Em vista da configuração dessa história, podemos classificá-la como uma narrativa:
( ) policial ( ) de crônica ( ) de notícia
( ) conto popular ( ) de assombração/suspense
9. Para quem possivelmente foi escrita esta essa história, isto é, para que público? Quais foram os
elementos da leitura que fizeram você chegar a essa conclusão?
10. Que recursos o autor utilizou para fazer dessa narrativa uma história de assombro para o referido
público?
11. Atitudes banais podem dar a idéia de mistério. Experimente você, a exemplo de Ângela Lago,
transformar em ações de mistério a dos seguintes personagens:
a) Priscila andava no corredor do colégio com um pirulito na boca.
b) Um menino vai ao barbeiro cortar o cabelo.
12. Há alguém contando essa história. Que tipo de narrador é? Ele participa da história ou apenas
conta percebendo os fatos de fora, como se estivesse filmando?
13. O narrador conta a história em que pessoa, primeira ou terceira? Justifique.
14. Leia o trecho a seguir: Tia Maria, quando criança, se atrasou na saída da escola, e na hora em
que foi voltar para casa começava a escurecer. dois tempos verbais (pretérito perfeito e
pretérito imperfeito) que remontam ao passado. Que idéia o autor passa com a história ao utilizar
esses tempos verbais?
15. Na mesma história um trecho em que os verbos estão no presente do indicativo. Qual é a
intenção do autor ao utilizá-los nesse tempo agora?
16. A história começa falando de Tia Maria quando era menina. Embora o texto seja curto, em
nenhum momento mais se repete o nome da personagem, mas ele vem implícito nos verbos.
Quais?
17. Nas quatro últimas linhas do texto a presença de travessões. Travessão serve para quê? Nas
quatro últimas linhas, de quem são as vozes marcadas pelos travessões?
18. Que outro título você daria para essa história?
19. Faça uma breve pesquisa sobre a autora dessa história. Onde vive? Um pouco de sua história.
62
No primeiro texto estudado considerou-se de modo especial a categoria personagens
na discussão das atividades. O personagem é, como em qualquer narrativa, elemento
fundamental no gênero da ordem do narrar, contudo, o destaque desta categoria na análise do
primeiro conto deve-se à economia deste enredo quanto aos outros elementos da narrativa
os personagens nesse conto não dependem muito dos outros aspectos, que a narrativa é
curta, a descrição do espaço é mínima, o tempo é fator coadjuvante e o enredo é pequeno.
TEXTO 2 - MARIA ANGULA, DE JORGE RENAN DE LA TORRE (anexo 2)
1. Na primeira parte da narrativa a personagem principal, Maria Angula, é descrita. Como ela é
caracterizada?
2. No desenrolar do episódio Maria Angula ganha mais atributos, que não são descritos, mas que o
autor nos revela pela atitude da personagem, fazendo apreciações indiretas dela. Assim
acabamos fazendo uma imagem e um juízo dela. Como essa personagem nos é apresentada?
3. Pode-se dizer que Dona Mercedes era uma pessoa má, perversa e aproveitou-se, de certa forma
da ingenuidade de Maria ou simplesmente pensou em pregar uma peça sem pensar nas
conseqüências? Justifique.
4. Maria Angula é um conto de tradição oral equatoriana. Essa versão foi escrita por Jorge Renan
de la Torre, a partir de um relato que lhe fez Maria Gómez, uma mulher de mais de setenta anos,
que vive no povoado de Otan. Para quem, possivelmente, esta história era contada nos povoados
do Equador?
5. Quando as situações de assombro iniciam nesta história?
6. Mencione alguns trechos que revelam suspense nesta narrativa.
7. Retire do texto trechos que são de assombro.
8. Complete a seqüência de fatos:
a) Maria Angula, a personagem principal nos é apresentada pelo autor.
b)........................................................................................................................................................
c) Quando Maria Angula se casou começaram os seus problemas.
d)........................................................................................................................................................
e) E Maria Angula lembrou que tinha uma vizinha que era cozinheira de mão cheia.
f).........................................................................................................................................................
g)Como isso acontecia todas as manhãs, dona Mercedes acabou se enfezando.
h)........................................................................................................................................................
i) E num piscar de olhos lá estava ela esperando pelo defunto mais fresquinho.
j) .........................................................................................................................................................
l) Nessa mesma noite, enquanto Maria Angula e o marido dormiam, escutaram-se uns gemidos
nas redondezas
m) .......................................................................................................................................................
n) Maria Angula sentou-
se na cama, horrorizada, e, com os olhos esbugalhados de tanto medo.
o) ........................................................................................................................................................
p) Quando Manuel acordou, não encontrou mais a esposa
9. Quando Maria Angula chama a vizinha de dona Mercedinha, podemos dizer que essa expressão
é:
( ) irônica ( ) carinhosa ( ) um jeito envergonhado
63
10. De acordo com o contexto, qual é o significado das seguintes expressões?
a) cozinheira de-mão-cheia
b) leva-e-traz
c) tumba
d) ímpetos
e) macabra
f) zumbia
g) semblante rígido
11. O que você entende pelas seguintes expressões do texto:
a) Fez-se um minuto eterno de silêncio
b) grito surdo
12. A protagonista dessa história recebe quatro denominações durante toda a narrativa. Quais?
13. Enquanto não é chamada por nenhum nome, ela aparece na desinência do verbo, ou seja, a
personagem principal esconde seu nome na parte final dos verbos. Mencione quatro verbos que
revelam a ação dela.
14. Este texto, além de ser uma história, conta com um outro aspecto da ordem do narrar que é o
diálogo. Quais são as marcas desse discurso que chamamos de direto?
15. Em que tempo verbal predominante é narrado esse episódio? três exemplos que provem sua
resposta.
16. Em vista da configuração dessa história, podemos classificá-la como uma narrativa:
( ) teatral ( ) policial ( ) romance
( ) de novela ( ) de assombração
17. O escritor/autor fala de Maria Angula como uma mulher que deveria cuidar da casa e servir ao
marido. Isso faz parte da mentalidade dele somente ou podemos dizer que ele reproduz um
pensamento do seu meio social?
18. Faça uma breve pesquisa sobre contos de assombro no Equador. Se fizer a pesquisa na internet
utilize os seguintes termos: contos de tradição equatoriana. Maria Angula. Jorge Renan de la
Torre. Mas na biblioteca há livros de contos latino-americanos também.
Das questões relevantes abordadas nas atividades a partir do conto Maria Angula
revelaram-se as de como o autor/enunciador trabalha com a caracterização das personagens, a
marca enunciativa das vozes (machismo) e como enreda o suspense e assombração. Foi dito
aos alunos que o autor manipula as personagens e imprime nelas características das quais se
serve no propósito de veiculação de idéias e no enriquecimento do enredo. Mas também, pelas
suas intencionalidades, procura conduzir e persuadir o leitor. Diante disso, os alunos assim se
manifestaram enquanto respondiam às questões da seqüência didática:
P: Na narrativa qual era a descrição de Maria Angula?
Aa: Ela era linguaruda alegre e viva.
Aa: Alegre, viva, linguaruda, fofoqueira.
Aa: Ela se fazia de esperta. Ah, mas isso eu já sabia!. .
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P: e dona Mercedes, você não acredita que ela seja pessoa má?
Aa: Eu acho que dona Mercedes pregou uma peça. Todo dia zoando com a boa
vontade dela. Paciência tem limite.
Aa: D. Mercedes pregou uma peça, mas não imaginou que a outra fosse fazer tudo
aquilo.
Aa: Dona Mercedes pregou uma peça nela, mas nada a ver de a Maria Angula fazer o
que fez.
A discussão acerca do machismo surgiu porque a personagem, Maria Angula, teve sua
vida atribulada após o casamento, ou seja, o narrador mostras do caráter social que deseja
imprimir na mulher da história. E na continuidade da narrativa, a única ocupação da
personagem era a de cozinhar para o marido que não se manifesta falando, mas a sua voz é
marcante em vista do escrúpulo da esposa em trabalhar esmeradamente para servi-lo. Eis
algumas falas da discussão:
P: O que você entendeu?
Ao: Que a mulher deve ficar em casa, mulher do lar.
P: O autor é machista, ou ele só passa a mentalidade de um povo?
Ao: Que ele ta só reproduzindo, só. Mas antes era assim.
P: Como ele caracteriza esse machismo?
Ao: Ela só cozinhava.
P: Além do machismo, como ele pinta essa mulher?
Ao: Ela é fofoqueira, leviana...
O suspense e o assombro marcam de modo especial essa narrativa de caráter
espetacular e macabro. E a análise realizada com os alunos reuniu os diversos momentos
caracterizados, primeiramente pelo suspense e então, pelo assombro:
Aa: Quando vai ao cemitério, o vento zumbia misteriosamente na janela.
Aa: Rangido na escada.
P: Certo, rangidos na escada.
Ao: Ela some.
P: E o que aconteceu em seguida?
Aa: Viu a porta se abrir lentamente e viu uma figura luminosa.
Ao: O morto chega no quarto dela.
Aa: O machadinho no cemitério.
Aa: Quando começa tirar as tripas do morto.
Ao: A mulher perdeu a fala.
Aa: O fantasma apareceu na frente dela.
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Intervalo para o assombro
Os alunos foram organizados em grupos de quatro e cinco, para elaborarem efeitos
sonoros e visuais de assombro. Os resultados, apresentados na aula seguinte, traziam rangidos
de porta, gritos histéricos, roupas e objetos relacionados a cenas de terror e suspense por meio
de pequenos enredos encenados. Os alunos demonstraram grande envolvimento na realização
desta proposta.
TEXTO 3. O FANTASMA ÚTIL, DE DANIEL DEFOE (anexo 3)
1. De acordo com o texto explique o sentido dos seguintes termos:
a) Mistificação:
b) Enxofre:
c) Lampejos:
d) Displicência:
e) Árduo:
f) Mosteiro:
g) Aldeões:
h) Monjas:
2. Escreva nesse espaço outras palavras cujo significado você desconhece.
3. Quem é o personagem mais importante dessa narrativa? Descreva-o.
4. Qual seria um possível motivo pelo qual o autor dessa história não ter atribuído nomes aos
personagens?
5. Que nome você daria para o cavalheiro, o protagonista da história?
6. Descreva em algumas linhas como você imagina o mosteiro.
7. Quais foram os recursos que o cavalheiro, dono do mosteiro, utilizou para fazer os camponeses
acreditarem que o mosteiro era mal-assombrado?
8. Preencha os espaços a seguir que devem completar a seqüência dos fatos da narrativa acima:
a. Um cavalheiro residente no campo, possuía na sua área um antigo mosteiro.
b. .....................................................................................................................................
c. O plano surtiu seu efeito e o cavalheiro fantasiou ainda mais...
d. .....................................................................................................................................
e. Eles acabaram concordando e puseram mão à obra. A primeira coisa que demoliram
foram as chaminés – um trabalho árduo.
f. .....................................................................................................................................
g. Para o cavalheiro estava tudo resolvido a custo reduzido.
9. Que outro título você daria a essa história?
10. Para que público Daniel Defoe teria escrito esse conto?
11. Considerando as seguintes expressões: cavalheiro - aldeia - antigas moedas de grande valor
camponeses aldeões - velhas monjas ou frades, quando e onde você acha que essa história foi
escrita?
66
12. Esse texto é caracteristicamente escrito na modalidade de língua: coloquial/popular ou padrão?
Comente.
13. Graças à sua fértil imaginação, que mudanças conseqüentes o cavalheiro proprietário do
mosteiro conseguiu a partir do seu problema inicial até os fatos derradeiros?
14. A atitude do proprietário do mosteiro pode ser considerada como de:
( ) exploração ( ) esperteza ( ) injustiça
( ) sovina ( ) mediocridade ( ) abuso da fé alheia?
15. Justifique a sua escolha na alternativa acima?
16. Faça uma breve pesquisa do autor desse conto, Daniel Defoe, onde nasceu e viveu e o que mais
escreveu além dessa história.
O elemento espaço na narrativa e a atribuição de outro tulo ao conto por parte dos
alunos, foram os aspectos relevantes das discussões do conto Fantasma Útil. Quanto ao
elemento do espaço presente na história, dessa seqüência didática, é preciso dizer que é de
fundamental importância porque o foco da narrativa é o lugar dos fatos. Mesmo que o enredo
aconteça, os personagens se revelam coletivamente, mas o espaço é que determina os rumos
do conflito. A seguir uma fala de aluno considerando o espaço na narrativa:
Aa: Ele comprou um mosteiro velho, caindo os pedaços. E ele queria demolir mas não
tinha dinheiro para fazer. Então ele contratou um homem pra se vestir de fantasma e
jogou umas moedas de ouro no mosteiro pra chamar a atenção das pessoas...
O título é outro aspecto que ocupou a discussão em torno da análise neste conto. O que
aqui se considerou com os alunos é que o título deve resumir, em uma expressão, o texto todo
de maneira clara, sem ser amplo demais, e que pode ser de forma poética. Segue trecho da
transcrição da aula:
P: Que título você deu?
Ao: Cavalheiro.
Ao: O velho mosteiro.
Ao: O fantasma de mentira.
P: Gente, título tem que ser o resumo do texto. Quem colocou só cavalheiro ficou
muito vago.
Ao: Fantasma no mosteiro.
Ao: O mosteiro assombrado
TEXTO 4. A MENINA E O BARRIL, DE JÚLIO EMÍLIO BRAZ (anexo 4)
1. Qual foi o motivo que desencadeou o conflito e os demais acontecimentos nessa narrativa?
67
2. Quantas vezes aparecem referências à protagonista na história?
a) Que diferentes nomes ela ganha ao longo da narrativa?
b) Quais pronomes são utilizados para se referir a ela?
3. Como era o duende? Descreva-o em algumas linhas.
4. O autor da história caracteriza-o de forma que passe uma imagem negativa ao leitor. Que
expressões fazem já um pré-julgamento do duende?
5. Cite trechos que fazem apreciações da jovem e que a caracterizam de maneira positiva.
6. O que o escritor/enunciador do texto faz para que o leitor se afeiçoe e goste da jovem?
7. Houve basicamente três conflitos no desenrolar dos fatos nessa narrativa. Quais foram?
Conflito 1..................................................................................................................................
Conflito 2. ................................................................................................................................
Conflito 3. ................................................................................................................................
8. Faça uma breve descrição do espaço, palco desses acontecimentos.
9. Que expressões de sentimentos provocados por efeitos de sentido são veiculados no texto, ou
seja, que emoções são nele veiculadas e suscitadas?
10. Quem seria o possível destinatário dessa história? Em outras palavras quem é o público alvo?
11. Qual seria o provável objetivo do autor dessa história em transmiti-la oralmente ou escrita?
12. Leia as seguintes expressões tiradas do texto: aldeia - concha - temendo os espíritos -
costumavam vagar pela floresta duende - meteu-a dentro de um barril - vagar de aldeia em
aldeia trocando uma refeição por um bocado de boa música - aquela voz melodiosa mas triste
que emergia do barril - dentro do barril colocaram abelhas e formigas guerreiras, das mais
ferozes que encontraram.
Levando em conta as expressões acima, em que lugar e época podem ter ocorrido esses fatos?
13. Esse texto, trata-se de um conto:
( ) de fadas ( ) fábula ( ) pilhérias e anedotas
( ) assombração e suspense ( ) ficção científica
14. Justifique sua escolha em relação à questão acima.
15. Que outros sentidos não explícitos na narrativa e nem questionados pelo professor você pôde
inferir enquanto lia a história?
16. Posicione-se à questão da exploração de mão-de-obra barata, viver às custas do sofrimento
alheio.
17. Essa História retrata as Lendas Negras que fazem parte da literatura africana. Escrita por Júlio
Emílio Braz, completa a obra que foi considerada altamente recomendável, pela FNLIJ, em 2001,
e selecionada para o acervo da Biblioteca Internacional da Juventude, em Munique, na
Alemanha.
Faça uma pequena pesquisa em torno de Lendas Negras na literatura africana.
Este texto suscitou discussão sobre a exploração social no trabalho, que a narrativa
trata de uma personagem que, para a sua sobrevivência, explora a arte ou o trabalho de outro.
Comentou-se a respeito de crianças no Brasil ainda exploradas no trabalho sem ter tempo para
brincar nem estudar, embasado no que dizem os PCN (BRASIL, 1999): “dar espaço para a
68
verbalização, da representação social e cultural” e da “sistematização da identidade de grupos
que sofrem processos de legitimação social”.
Ao: O duende era mau, mas não quis ser mau...
P: As pessoas geralmente são más sem querer ser más.
Ao: Por causa de seu egoísmo.
Ao mesmo tempo tratou-se da caracterização da personagem, no caso o duende, por
parte do narrador/enunciador que utilizava termos avaliativos do tipo axiológico
comprometendo a imagem do explorador, enquanto que a outra personagem explorada era
avaliada positivamente. A seguir trecho dessa discussão em sala:
P: Caracterize o duende com as apreciações do autor.
Aa: Manhoso, guloso, comilão, etc.
P: Que outra característica, além de sorriso manhoso?
Aa: Criatura infeliz.
P: Caracterize a jovem de acordo com o texto.
Ao: Jovem muito bonita, voz muito linda! Voz melodiosa.
Uma aula de leitura de contos de suspense e assombração em sala de aula.
Os alunos, de posse de suas carteirinhas de associados da biblioteca da escola, foram
orientados pelo professor a tomar emprestados livros de contos de assombração para fazer
leitura silenciosa em sala de aula (por uma aula) e depois em casa, que o empréstimo vale
por uma semana. O procedimento de indicação de leitura é de praxe na escola e por hábito do
professor, mas em especial, a leitura de contos de assombração ou de terror, evidenciou o
interesse dos alunos por essas narrativas visto que se pôde observar uma verdadeira disputa
pela escolha dos títulos de maior interesse dos estudantes.
TEXTO 5. AS FORMIGAS, DE LYGIA FAGUNDES TELLES (anexo 5)
1. Quem eram as personagens principais dessa história e o que faziam naquele local?
2. Ao apresentar no início as personagens, o narrador faz uma apreciação da senhora, dona da
pensão, um juízo de valor e construindo uma imagem dessa mulher ao leitor. Em sua opinião,
que idéia passa dela o narrador ao leitor?
3. Dentre as meninas uma delas mostrava-se mais corajosa. Qual? Por quê?
4. O que faz pensar que a menina mais destemida no episódio contribui para a sustentação da idéia
de que aquela casa era realmente mal-assombrada?
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5. Quando as meninas, estudantes de Direito e de Medicina, chegam à pensão à noite, a dona da
pensão mostra a elas o quarto onde ficariam. Enquanto a senhora subia com elas as escadas e
explicava como deveriam ocupar aquele quarto, as moças quase arrependidas iam observando o
lugar. Descreva você como era aquela pensão e o dormitório.
6. Devia estar pensando em outra coisa quando soltou uma baforada tão densa que precisei desviar
a cara. O que será que a velha estaria pensando?
7. Escolha algumas palavras utilizadas pela autora que preparam a narrativa para o suspense e
passam a idéia de espanto.
8. Leia o seguinte trecho que é o último do conto: No céu, as últimas estrelas empalideciam.
Quando encarei a casa, só a janela vazada nos via, o outro olho era penumbra.
Este trecho, arremata, conclui o conto. Comente sobre como ele se encaixa na narrativa, ou seja,
o que ele tem a ver com a história.
9. Nesse mesmo trecho ao menos duas expressões de sentido figurado. A figura de linguagem
denomina-se prosopopéia ou personificação. Identifique quais são as expressões e explique o
sentido figurado delas.
10. Faça um levantamento das palavras que você o entendeu e escreva-as neste exercício para
discutirmos o seu sentido no texto.
11. Como se explica que uma escritora renomada utilize expressões da ngua coloquial em seus
textos sem demarcá-las com grifo diferenciado?
12. Essa narrativa se caracteriza pelo suspense. Retire do texto trechos que vão construindo esse
suspense ao longo da história.
13. A impressão que se tem é que essa história realmente tivesse acontecido. Denomina-se
verossimilhança quando se trata dos elementos da narrativa literária.
Você concorda que essa narrativa se confunde com a realidade? Se você responder sim, extraia
do texto um excerto que comprove isso.
14. Quem seria o possível público-alvo desse conto? Justifique.
15. Onde e quando provavelmente circulou essa história?
16. Que emoções ou sentimentos permeiam essa longa narrativa de suspense e assombro?
17. Que outros sentidos você pôde inferir ou perceber não explícitos no texto?
18. A moça, estudante de Direito, ao chegar no quarto cola com durex uma gravura de Grassman.
Quem seria ele? Faça uma breve pesquisa sobre esse artista; qual é a sua especialidade? Dizia
o cronista Rubem Braga, sobre o trabalho de Marcelo Grassmann: que ele “tinha completa
autoridade para fazer o que bem quisesse”...
19. Dê a sua opinião sobre essa história de assombração. É razoável, boa ou muito boa? Comente.
Sem profundidade de discussão o que se comentou como relevante a partir desse
conto, mais do que o assombro, foi o suspense muito bem construído pela autora Lygia
Fagundes Telles. A seguir, um trecho da aula:
P: Na primeira parte: as primeiras estrelas brilham no céu...?
Ao: Não. Não acho que seja.
70
P: Muitas histórias começam aparentemente de um jeito inocente, a exemplo das
histórias de terror com bonecas caindo do guarda-roupa no início do filme... É
próprio de Lígia Fagundes Telles utilizar expressões como: crianças brincando de
roda... estrelas brilham no céu.
Produção do texto final
Neste momento os alunos escreveram novamente um conto de assombração e
suspense. Desta vez, uma produção embasada pelas categorias que configuram tal narrativa.
Um texto no qual utilizaram os conhecimentos adquiridos por meio das orientações teóricas e
as discussões em torno dos textos dos contos dos autores acima mencionados. Uma produção
com ciência de como manipular personagens, construir espaço e tempo, bem como manifestar
as intencionalidades explícitas ou implícitas do autor, manifestar juízos de valor através da
descrição e atitudes das personagens, além de terem consciência de incluir vozes sociais que
podem transitar e se revelar na história.
As características do conto de suspense/assombração deveriam ser as marcas das
narrativas escritas pelos alunos. Assim, o mistério, o sobrenatural, o estranhamento, o sinistro,
o fantástico; o ingrediente do suspense; e ainda o dispositivo para causar o susto, o medo, o
pânico, a repugnância, o terror e o assombro propriamente dito, etc.; enfim, a utilização do
recurso do ritornelo (a história, no final, dá sinais de que os fatos devem se repetir).
É importante dizer aqui também, que aluno e professor não são escritores-artistas, isto
é, literatos, mas estudiosos do gênero em questão, por isso escrevem não intuitivamente como
aqueles, porém procurando ter consciência do uso dos diferentes caracteres da narrativa,
aspectos estudados no decorrer das aulas na perspectiva de ter domínio de leitura e escrita.
71
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
A investigação feita junto aos alunos utilizou três estratégias para o levantamento e a
análise dos dados obtidos. A primeira é uma breve pesquisa acerca das preferências nas
leituras dos trinta e seis estudantes participantes do processo, apresentada no capítulo anterior;
a segunda reúne dados sobre as atividades e discussões das seqüências didáticas a partir de
cinco contos de suspense e assombração aplicados nas vinte e quatro aulas, também
apresentada no capítulo anterior; a terceira, é uma comparação entre a produção inicial e a
produção final de cinco estudantes, num total de dez textos, escolhidos aleatoriamente. Os
nomes destes estudantes colaboradores da pesquisa são fictícios para preservar a identidade
dos sujeitos da pesquisa.
Os dados para a primeira análise são extraídos das narrativas de conto de assombração
produzidas pelos alunos. Estes textos consistem na produção inicial e final dos participantes
da pesquisa-ação. Dentre os textos dos trinta e seis alunos que participaram da pesquisa,
foram escolhidos aleatoriamente dez textos de cinco alunos, ou seja, a produção inicial e
afinal de cada aluno, para serem objeto de análise deste trabalho.
É importante declarar inicialmente que em uma análise do ponto de vista quantitativo,
os cinco alunos apresentaram os seguintes resultados pela redação de seus textos: a primeira
produção, de autoria de Marcelo, apresentou cento e quarenta e três (143) palavras, enquanto
que na produção final rendeu quatrocentas e cinco (405) palavras; Ana Lúcia redigiu o
primeiro texto com trezentas e oito (308) palavras e o segundo evoluiu para quinhentas e
quatro (504); Camila escreveu o primeiro texto totalizando trezentas e vinte e oito (328)
palavras e o segundo o fez com trezentas e oitenta e duas (382); Yago produziu a primeira
narrativa perfazendo cento e setenta (170) palavras, já o segundo lhe rendeu trezentas e
quarenta e cinco (345); Rafaela, no princípio, compôs o seu texto em número de cento e
sessenta e oito (168) palavras e na produção final o concretizou com trezentas e noventa (390)
palavras. Estes dados já demonstram melhor elaboração por parte dos alunos.
Os textos produzidos pelos alunos foram transcritos na íntegra, ou seja, sem as devidas
correções ortográficas e de acentuação. São apresentados a seguir, acompanhados da análise
realizada sob o arcabouço teórico assumido para os trabalhos da presente pesquisa.
Encontram-se registradas, a partir dos textos dos alunos/autores, as intervenções
realizadas acerca da primeira produção de cada aluno. Em seguida a análise em consonância
com as orientações dadas em sala de aula quanto às categorias (contexto de produção,
72
conteúdo temático, organização geral e marcas lingüísticas e enunciativas) que serviram de
sustentação às seqüências didáticas com o gênero discursivo do conto de assombração no
estudo dos textos dos alunos.
Considerando que as informações que constituem o contexto de produção são as
mesmas em cada caso analisado, esta categoria não será mencionada nos quadros que
apresentam as análises dos textos produzidos pelos alunos. Tal contexto assim se constitui:
a) autor/enunciador - o aluno/escritor é um estudante de série de uma escola
pública na cidade de Londrina, PR.
b) destinatário - o público alvo da narrativa é o professor com o qual se estuda o
gênero conto fantástico e também os colegas que poderão ler a história em um blog
criado para a circulação dos textos produzidos.
c) objetivo - o objetivo da produção é escrever um conto fantástico de assombração.
Marcelo - texto 1
O MENINO ESTRANHO
Em uma escola chamada Manoel Simas, estudava um menino muito estranho que não falava,
não percebia, tinha atitudes que eram de se duvidar.
Não fazia educação física, nem olhava para os lados.
Nunca vinha com o uniforme, mas sempre com roupas fúnibres e escuras.
Sua bolsa estava sempre muito cheia, porém, nunca trazia o material escolar.
Certa vez Luiza, recebeu um bilhetinho que dizia:
“ME ENCONTRE NO BANHEIRO FEMININO, ANTES DA ENTRADA, ASS: Beatriz”
Beatriz era a melhor amiga de Luiza, e obviamente, ela foi sem desconfiar.
No outro dia foi até o local marcado, mas quando chegou no banheiro viu mais um bilhete
que dizia:
“VOCÊ SEMPRE FEZ COMENTÁRIOS MALDOSOS SOBRE MIM, AGORA INFELIZMENTE,
TERÁ QUE ACABAR ASSIM”
Daí Luiza pergunta:
— “Ué”, assim como?
Então é decapitada com um golpe de machado. O menino estranho era um...
PSICOPATA!
O quadro a seguir apresenta uma análise da produção inicial de Marcelo:
1. Contexto de produção
2. Conteúdo temático
73
O conteúdo temático desta narrativa compreende o fantástico e a assombração dos contos,
pois nela estão presentes os elementos do mistério, do estranhamento, do sinistro, do terror e
do assombro. O aluno relata os fatos e o comportamento das personagens que parecem não
ter sentimentos, próprios de uma alma psicopata. Nem mesmo a vítima expressa medo, não
desconfia, nem reage, morrendo inesperadamente. Esse ingrediente reforça a característica
do conto de assombração.
3. Construção composicional e marcas lingüístico-enunciativas
Título: O Menino Estranho
Marcas lingüístico-enunciativas:
O narrador onisciente conta em pessoa a história, observando os fatos à distância, e
manipula o leitor com o suspense construído sob a performance do protagonista. O narrador
dispõe de diversos recursos que concorrem para garantir o suspense: ao apresentar a
personagem (estudava um menino muito estranho); pela personalidade da personagem
principal (Não fazia educação física, nem olhava para os lados. Nunca vinha com o
uniforme, mas sempre com roupas fúnibres e escuras. Sua bolsa estava sempre muito cheia,
porém, nunca trazia o material escolar); e sustentar a curiosidade do leitor com artifícios
como a de um recado (Certa vez Luiza, recebeu um bilhetinho que dizia...)
No plano geral, a história em questão possui um narrador-observador apresentando
três personagens (o menino psicopata, Beatriz e Luiza). O protagonista era um aluno sem
nome e de comportamento estranho aos demais (não olhava para os lados, não usava
uniforme, não trazia material escolar - embora sua bolsa estivesse sempre cheia, e também
não falava - já que para se comunicar utilizava-se de bilhetes de recados). A configuração e
a descrição da personagem realizam o suspense da narrativa. Quanto à outra personagem,
Luiza, não há muita preocupação com a sua descrição.
Não descrição do espaço físico em que os fatos acontecem, apenas a
referência: Em uma escola chamada Manoel Simas. Isto se explica em virtude de o foco da
narrativa estar na personagem, e, portanto, o ambiente escolar, lugar tão comum ao
narrador, dispensa comentários.
Na introdução do conflito, a descrição da primeira personagem (um aluno) que se
apresentava com jeito e atitudes estranhas em relação aos outros estudantes, considerando
sua forma de se vestir, não freqüentava aulas de Educação Física nem olhava para os
lados. Tal descrição é típica das narrativas que dão pistas ao leitor, alertando-o do que este
tipo de personagem pode fazer no avançar da história. Em seguida, inadvertidamente, é
introduzida a segunda personagem, por nome Luiza, como se todos a conhecessem, um
lapso do narrador: certa vez Luiza, recebeu um bilhetinho que dizia: (...) e que teria recebido
um bilhete com a seguinte mensagem: me encontre no banheiro feminino, antes da entrada,
ass.: Beatriz.
No desdobramento do conflito, Luiza, a moça convidada através da mensagem no
bilhete e a melhor amiga da remetente, teria ido ao encontro marcado.
A estratégia de suspense se reafirma com um novo bilhete anônimo no local
marcado para o encontro das supostas meninas, que assim se registrava: você fez
comentários maldosos sobre mim, agora infelizmente terá que acabar assim.
O clímax do episódio é marcado pela pergunta coloquial interrompida de Luiza: “ué,
assim como?”.
O desfecho se quando a personagem vítima, inadvertidamente é decapitada com
um golpe de machado e isso para justificar o caráter do algoz.
O aluno relata os fatos e o comportamento dos personagens com ausência de
sentimentos, próprios de uma alma psicopata. Nem mesmo a vítima expressa medo, não
74
desconfia, nem reage, morrendo inesperadamente. Esse ingrediente reforça a característica
do conto de assombração.
O texto enquadra-se na descrição de conto fantástico, especialmente de suspense e
assombro, com a exploração dos elementos da narrativa, com ênfase na personagem
principal e um enredo construído sob o suspense, culminando em desfecho trágico.
Modo e tempo verbal:
Os fatos em torno da protagonista são narrados inicialmente no pretérito imperfeito
(estudava um menino, que não falava, não percebia, não fazia Educação Física...),
caracterizando uma ação remota contínua de um período escolar. Ao se armar o conflito
propriamente dito o tempo verbal muda para o pretérito perfeito (Luiza recebeu um bilhete,
no outro dia foi ao local marcado, quando chegou no banheiro, viu), revelando a cada passo
um novo tempo da ação de forma pronta e acabada.
Uso de advérbios:
O advérbio melhor (a melhor amiga), determina a idéia de que o psicopata age fria e
calculadamente, mas com inteligência, ao escolher a melhor amiga como isca de
emboscada.
O uso de pronomes:
O autor/narrador utiliza os pronomes possessivos, de tratamento e pessoal (mim me
sua você ela), respectivamente. É curioso perceber que o protagonista - personagem que
promove o suspense e que é sinistro - não leva pronome, apenas o possessivo mim que ainda
deveria ser assumido por outra suposta personagem. Esta marca lingüística possivelmente
indica a intenção do narrador em deixar a personagem ainda mais anônima, já que seu nome
não é explicitado. Contudo, indica o locutor, já que é dêitico.
Uso de artigo:
O artigo indefinido uma (uma escola) assinala o espaço demasiado comum no
universo do narrador, que deixa de defini-lo.
Seleção lexical:
A escolha da palavra decapitada tem a intenção de mostrar a ação no desfecho e um
clímax condizente com a personagem descrita; a partir do título O menino estranho, revela-
se a expressão do suspense; e psicopata, é termo que justifica o comportamento da
personagem misteriosa, sinistra e violenta na narrativa.
Expressividade pela pontuação:
O texto narrativo revela emoções, pois as histórias de vivências humanas, são
permeadas de sentimento. O diálogo, marcado pelo travessão, revela a interação também
emotiva na comunicação. Do mesmo modo a interrogação: — “Ué”, assim como?
as reticências que indicam a suspensão da verbalização, ainda assim permitem ao leitor
completar a leitura do texto de maneira pensada e sentida: O menino estranho era um...
O ponto de exclamação é, por excelência a sinalização da emoção: O menino
estranho era um... psicopata!
Expressividade pela grafia:
Palavra em caixa alta utilizadas pelo autor, é sinal de que ele deseja dar ênfase à
idéia por ela veiculada: PSICOPATA!
75
Intensificadores e superlativos:
As palavras intensificadoras melhor amiga (Beatriz era a melhor amiga de Luiza),
tem o papel de garantir a credibilidade da mensagem dada pelo protagonista à sua vítima; a
expressão muito cheia (Sua bolsa estava sempre muito cheia) tem a intenção de despertar a
curiosidade e levantar suspeitas sobre a personagem, além de constituir uma gradação ou
intensificação; e muito estranho (um menino muito estranho), é expressão que reforça a
idéia de que a personagem apresentava comportamentos acentuadamente diferentes.
Circunstancializadores:
O circunstancializadores nunca vinha, mas sempre (nunca vinha com uniforme,
mas sempre com roupas fúnebres), acentuam a diferença estranha daquela personagem,
assinalando um comportamento do qual se descortina um futuro sombrio.
O circunstancializador sempre (sempre fez comentários maldosos sobre mim),
denotam o ressentimento alimentado pelo dono da ameaça, pela insistência da vítima em
maldizê-lo. Isto consistência aos motivos que levaram a personagem vilã concretizar sua
ação criminosa.
Operadores argumentativos:
O operador argumentativo obviamente (obviamente foi sem desconfiar) corrobora a
idéia do advérbio melhor (melhor amiga), considerando que numa relação de amizade não
se admite desconfiança. E sob essa crença se constrói o enredo e o conflito.
Presença de linguagem oral:
A expressão “ué!” da personagem vítima denota a coloquialidade da linguagem.
Enunciados curtos:
O autor apresenta um texto com enunciados breves, possivelmente influência do
comportamento de ngua oral, a exemplo dos contos recentes do paranaense Dalton
Trevisan. A seguir trechos do texto do aluno que ilustram a brevidade dos enunciados:
Não fazia educação física, nem olhava para os lados. Nunca vinha com o uniforme, mas
sempre com roupas fúnibres e escuras.
Sua bolsa estava sempre muito cheia, porém, nunca trazia o material escolar.
Quadro 8 - Análise da produção inicial de Marcelo
Marcelo – texto 2
O DRAGÃO E O MENINO
Pugin era um menino muito espoleta que morava numa floresta cheia de lendas, mitos e
assombrações. O tal menino tinha cara de tigela, baixinho de olhos azuis e cheio de sardas no rosto...
Bem, só a cara era de anjo.
Certo dia, Pugin deixou todos os porcos de seu pai escaparem floresta a dentro, e quando Sr.
Domingos voltou do seu sofrido trabalho na roça, tratou logo de pregar um belo de um castigo em seu
filho. O castigo era: Pugin teria que ficar uma noite inteira na floresta, sem comer nem beber.
Ele falava que não tinha medo mas, na verdade, tremia nas bases de imaginar nas lendas
sobre bruxas, assombrações e dragões da floresta.
Quando a noite caiu, o menino já com medo, enchia os olhos d’água sendo levado pelo seu pai
até uma clareira bem no centro da floresta.
76
as 9:00 da noite Sr. Domingos sentia no coração o choro do menino então resolveu levar
uma maça de bicicleta para ele.
Quando viu o pai chegando, se alegrou mas não quis dar o braço a torcer, continuou
imponente e com uma cara de birra e logicamente com seu gênio encapetado, não aceitou a maça. A
reação de seu pai, foi apenas deixar a fruta em cima de uma rocha próxima ao menino, e ir embora.
Escurecia, o se enxergava mais nada, o vento batia nas árvores sombrias e escutava-se a
risada macabra dos espíritos escondidos da mata.
Sr. Domingos, as 10:00 da noite, levou um lampião para seu filho e mais uma vez o garoto
desprezou-o de forma fria.
Passou-se mais um tempo e o menino já começava a ter alucinações horríveis!
Como seu pai gostava muito dele e não ligava para o desprezo do garoto, levou uma violinha
que o menino adorava tocar. A clareira era longe, e quando o Sr. Domingos voltou para casa sem
pretender voltar a clareira aonde estava seu filho, escutou o grito de horror do garoto! Saiu com sua
velha bicicleta enferrujada como um fuguete atômico.
Quando chegou lá viu o dragão enorme das velhas lendas de seu avô e imaginou:
— “Meu Deus, meu filhinho está lá dentro da barriga”!
Passou rapidamente a mão em seu facão e atirou no pescoço daquela besta soltando fogo pelas
ventas.
Quando abriu a barrida do Dragão estava o Pugin, comendo uma macãzinha, segurando
uma lampiãozinho e tocando uma violinha.
O quadro a seguir apresenta uma análise da produção final de Marcelo:
1. Contexto de produção
2. Conteúdo temático
No conteúdo temático desta narrativa, próprios do conto fantástico de assombração,
estão presentes os elementos do mistério, do estranhamento, do sinistro, do assombro e
principalmente o do suspense. Neste conto o autor/enunciador introduz o aspecto cômico
das personagens e também do enredo característica das narrativas e filmes
contemporâneos.
3. Construção composicional e marcas lingüístico-enunciativas
Título: O Dragão e o Menino
Marcas lingüístico-enunciativas:
O aluno/autor é narrador onisciente em terceira pessoa e apresenta três personagens, porém
o protagonista da história (menino peralta, comportamento próprio de moleque e que
morava numa floresta) é demoradamente descrito, pois é a partir de sua personalidade e
comportamento que se desencadeiam os acontecimentos. O espaço apresentado pelo
narrador é de uma floresta em que circulavam lendas e mitos de assombração. Esse é o
ambiente propício que completa com o personagem e o enredo o caráter de suspense e
assombro dessa narrativa.
O conflito se desencadeia quando (Pugin), a personagem principal, deixou todos os
porcos de seu pai escaparem pela floresta. O conflito alcança o clímax quando o pai escuta o
grito de horror do garoto. E o desfecho fantástico e hilário, ao mesmo tempo, se dá quando o
pai entra em cena novamente no final ao deparar-se com a seguinte cena: quando abriu a
barriga do dragão lá estava o Pugin comendo uma maçãzinha, segurando um lampiãozinho
e tocando uma violinha.
77
a presença do discurso direto apenas em um monólogo do pai ao exclamar: meu
Deus, meu filhinho está dentro da barriga!, dialogia que dá um caráter de conivência
personagem/leitor na vivência do episódio.
O suspense e a assombração, presentes também neste conto fantástico, são
trabalhados com caráter de descrição literária, quando o autor faz a seguinte descrição:
Escurecia, não se enxergava mais nada, o vento batia nas árvores sombrias e escutava-se a
risada macabra dos espíritos escondidos na mata.
Modo e tempo verbal:
Os verbos se alternam entre o tempo imperfeito (aparece duas vezes o verbo era);
primeiro para caracterizar o personagem e o segundo para se pronunciar pelo tipo de
castigo; os verbos no pretérito imperfeito (quinze verbos: morava, tinha, falava, tremia,
enchia, sentia, escurecia, enxergava, batia, escutava-se, começava, gostava, ligava,
adorava, estava,) dão um caráter de ação remota contínua às ações das personagens; os
verbos no pretérito perfeito, em maior número (vinte e um verbos: deixou, voltou, tratou,
caiu, resolveu, viu, alegrou, continuou, aceitou, foi, levou, desprezou-o, passou-se, escutou,
saiu, chegou, imaginou, passou, atirou, abriu.), expressam idéias acabadas pela
dinamicidade dos fatos; e o verbo no presente do indicativo (uma vez: está) manifestado
somente no momento dialógico do discurso direto, que tem a intenção de atualizar os fatos
para causar impacto pelo envolvimento do leitor; há, ainda os verbos no gerúndio, no fim da
narrativa (três vezes: comendo, segurando, tocando), que imprimem à cena uma idéia de
desenvolvimento da ação, contribuindo também para a suspensão da tensão causada no
leitor.
Uso de advérbios:
Os advérbios (a dentro, quando, uma noite, da noite, tempo, longe e rapidamente),
determinam de forma exata e pontual as diferentes circunstâncias de lugar, de tempo e de
modo em que os fatos ocorrem.
O uso de pronomes:
Os pronomes servem como elemento de coesão e de retomada, a exemplo de ele. E
especialmente neste texto, os pronomes de tratamento, os possessivos, os do caso reto e o
oblíquo (sr., seu, sua, ele, o, apresentam-se em número reduzido, pois o autor prefere
atribuir nomes a pronomes, principalmente quando se trata da personagem principal.
Seleção lexical:
A escolha lexical feita pelo escritor deve-se, primeiro, ao caráter de assombro e
suspense que quer imprimir à sua narrativa (velha bicicleta enferrujada, grito de horror,
clareira, alucinações horríveis, um lampião, 10:00 da noite, risada macabra, árvores
sombrias, escurecia, gênio encapetado, numa floresta cheia de lendas, mitos e
assombrações); em contrapartida o conto revela-se hilário, e por isso utiliza expressões
como: comendo uma macãzinha, segurando uma lampiãozinho e tocando uma violinha, ou
ainda, o tal menino tinha cara de tigela, baixinho de olhos azuis e cheio de sardas no
rosto...
Expressividade pela pontuação:
A emoção da narrativa se expressa na escrita que se dá especialmente com os pontos
de exclamação: escutou o grito de horror do garoto! E “Meu Deus, meu filhinho está
dentro da barriga”!
78
Apreciações/depreciações valorativas:
As apreciações valorativas aparecem nas referências que o autor faz ao protagonista
deste modo: O tal menino tinha cara de tigela, baixinho de olhos azuis e cheio de sardas no
rosto... Bem, a cara era de anjo. outras: imponente, gênio encapetado, de julgamento
e de avaliação.
Operadores argumentativos:
Com o operador argumentativo bem (bem, só a cara era um anjo), o autor ensaia um
diálogo explicando ao leitor que a descrição do menino era contraditória em relação as suas
atitudes. E o operador argumentativo mas (quando viu o pai chegando se alegrou, mas não
quis dar o braço a torcer), reforça a idéia de que o menino tinha uma personalidade nada
maleável.
Circunstancializadores:
O circunstancializador quando a noite caiu, demarca um momento em que o menino
passa a temer o que lhe vai acontecer e prepara para o caráter de assombro, próprio desse
conto. E o circunstancializador já às 9:00 h da noite e o senhor Domingos sentia no
coração o choro do menino, revela a preocupação do pai com a prole, embora tivesse
imputado ao filho o castigo. Um e outro assinalam ao leitor os vários momentos em que as
personagens sofrem as ações ou se mobilizam para desencadear outras.
Quadro 9: Análise da produção final de Marcelo
Pela análise empreendida, observou-se que, na primeira produção do aluno a descrição
dos personagens poderia realçar o enredo e o conflito apresentados e descritos de modo mais
meticuloso. Já, na segunda produção, a categoria personagem recebeu melhor tratamento em
relação à primeira narrativa.
Comparando-se os dois textos, observa-se uma mudança em relação à temática:
enquanto a primeira narrativa apresenta-se mais cruel, apavorante e macabra, também é mais
rude, carregada de clichês e com caráter de senso comum; enquanto a segunda é mais
elaborada, extensa e se revela mais sofisticada.
A descrição do espaço físico, inexistente no primeiro texto, ganha importância na
produção final por um ambiente caracterizado por informações que despertam e povoam a
imaginação do leitor.
Considerando a especificidade do conto fantástico com os aspectos do suspense e do
assombro, percebe-se uma melhor elaboração em torno do item suspense na segunda
narrativa, pois ao menos quatro situações oportunamente preparadas no desencadear dos
fatos para proporcionar a angústia e o prazer do leitor pelo suspense.
Em relação à descrição das categorias de análise do gênero, feita a partir dos cinco
contos dos autores consagrados, observou-se que o aluno, autor de narrativas de contos de
79
suspense e assombração, escreveu garantindo, em última análise, a configuração do gênero
em pauta.
Ana Lúcia – texto 1
RIACHO
Um dia em um triste sítio, onde moravam pessoas humildes, uma menina, chamada Rosana,
sai para brincar com seu irmão mais novo, Carlos. Foram em um riacho e começaram a pular na água,
até que a pobre menina ouve uma voz estranha que falava “De novo, de novo”. Um tanto quanto
apavorada, pois sabia que lá só morava sua família e não reconhecia a voz, foi correndo ver quem era.
Meio de longe avistou um cara “peludo” comendo carne cru. Assustada, sai correndo ao
encontro do irmão, que se divertia no riacho, e contou sobre o acontecido. O menino cai em
gargalhadas, e fala para ela parar de se preocupar e ir se divertir. A menina, mesmo preocupada, finge
esquecer e vai brincar. Até que no meio da noite, quando todos estavam dormindo, ela ouve
novamente De novo, de novo” e corre para o quarto de sua mãe, que sabendo do acontecido ri e a
manda parar de imaginar coisas. Assim, Rosana, chateada, pois ninguém a levava a sério, dorme. Até
que Rosana resolve passar o dia fora e seu irmão resolve ir sozinho brincar no riacho. O menino não
voltava mais e sua mãe preocupada foi ver o que houve. Chegando lá, não vê nada e começa a chorar.
Rosana, que acabara de chegar, se assusta com o estado da mãe que chorando, contava do
desaparecimento do irmão. Ela desconfiou que tinha a ver com a voz que ela ouvia. Então foi correndo
junto com a sua mãe ao mesmo lugar onde antes tinha visto o “cara” e o vê comendo seu irmão.
As duas choraram muito, e no mesmo dia foram para a cidade na casa de um compadre, e
nunca mais tiveram coragem de voltar. E há quem diga, que aquele homem assombra todos os riachos
distantes. Então, quando ouvir algo suspeito, seja cauteloso.
O quadro a seguir apresenta uma análise da produção inicial de Ana Lúcia:
1. Contexto de produção
2. Conteúdo temático
No conteúdo temático dessa narrativa, próprios do conto fantástico de assombração,
estão presentes os elementos do mistério, do sinistro, do assombro, do terror e do suspense.
É ficção, embora no seu desfecho haja um conselho da autora para que o leitor tome
cuidado com os riachos distantes onde tal fantasma possa realmente se manifestar. Em
última análise, a autora foge do gênero.
3. Construção composicional e marcas lingüístico-enunciativas
Título: Riacho
Marcas lingüístico-enunciativas:
O texto começa com a descrição do espaço físico da narrativa: um dia em um triste
sítio, onde moravam pessoas humildes. Pela expressão triste sítio a autora tenta aliar a idéia
da vivência das personagens em relação ao que o espaço passou a representar para elas.
No plano geral, a autora apresenta as personagens ... pessoas humildes, uma menina,
chamada Rosana sai para brincar com seu irmão mais novo, Carlos, sem descrevê-las.
O conflito é introduzido no trecho a pobre menina ouve uma voz estranha que falava
80
De novo, de novo.
Com a expressão pobre menina a autora quer adiantar o drama e o sofrimento pelos
quais a personagem deverá passar, embora não seja ainda momento para fazê-lo.
No desdobramento dos fatos assim a autora tenta intensificar o conflito, trazendo
matéria palpável para o espanto: meio de longe avistou um cara peludo comendo carne cru.
Por meio do enunciado: O menino cai em gargalhadas, e fala para ela parar de se
preocupar e ir se divertir, a autora usa de um clichê próprio das histórias de assombração
em que se desmerece e se deprecia a preocupação da personagem dando evidências ao
espectador dos fatos vindouros. Também a gargalhada quase histérica do menino sinais
de terror.
No excerto: Assim, Rosana, chateada, pois ninguém a levava a sério, dorme. È
estratégia utilizada pela escritora para intensificar a tensão a ser vivida pelo espectador.
O conflito culmina com a seguinte passagem: Então foi correndo junto com a sua
mãe ao mesmo lugar onde antes tinha visto o cara e o vê comendo seu irmão.
A narrativa despretensiosa durante o seu curso, surpreende no final quando pretende
uma espécie de moral: Então, quando ouvir algo suspeito, seja cauteloso. Neste mesmo
trecho há uma interação com o leitor, como forma de envolvimento dele na trama.
Modo e tempo verbal:
Entre os tempos verbais desta narrativa vêm os verbos no pretérito perfeito (avistou,
contou, houve, desconfiou, foi, choraram, foram e tiveram) que dizem respeito aos
acontecimentos de um passado próximo, dando dinamicidade ao conflito; os verbos no
pretérito imperfeito (voltava, falava, divertia, reconhecia, morava e moravam) têm um
sentido de mera apresentação da história remota das personagens para se entender o
momento em que os fatos passam a ocorrer; aparece o mais-que-perfeito acabara (Rosana,
que acabara de chegar), diferente do usual pretérito perfeito que imprime um tempo remoto
mais estável; e os verbos predominantemente no presente do indicativo (sai, ouve, sai, cai,
fala, finge, vai, ouve, corre, manda, dorme, resolve, começa, assusta, vê e assombra),
mesmo sem a presença de diálogo, têm a intenção de chamar para a participação efetiva do
leitor e aproximar os fatos. Outro aspecto a se considerar é o chamado presente com sentido
de passado que caracteriza essa narrativa.
Uso de advérbios:
O advérbio de modo assim, em assim Rosana, chateada, a autora reforça o modo
como a personagem se sentia.
Os circunstancializadores:
O circunstancializador um dia em um triste sítio imita a expressão era uma vez das
histórias de contos de fadas, mas também é o marco temporal de um episódio, próprio das
narrativas. O circunstancializador até que no meio da noite, é escolha de um momento que
serve para cumprir um recurso de suspense e assombração. Os circunstancializadores no
mesmo dia e nunca mais caracteriza o medo pelo qual as personagens foram tomadas para
não ficarem mais um dia e jamais tornar àquele lugar. O circunstancializador o menino
não voltava mais sinaliza com o desfecho da narrativa em que se concretiza o pavor das
personagens que, dado o tempo transcorrido, não havia esperança em encontrar irmão/filho
vivo.
Os modalizadores:
O modalizador conclusivo pois em pois ninguém a levava a sério, responde pela
frustrante conclusão a que a personagem chegou por não ser digna de crédito. E o
81
modalizador temporal então em então foi correndo junto com a sua mãe, demarca o
momento em que, com medo, a menina foi procurar amparo. O também marcador
conversacional então em então, quando ouvir algo suspeito, além de sinalizar para uma
conclusão, encerra uma interação com recomendação ao leitor que diante de algo parecido
também esteja precavido.
Variantes padrão/coloquial:
O texto todo apresenta linguagem da norma culta exceto com a presença do
vocábulo cara, que é gíria, ou seja, da língua coloquial.
Quadro 10 - Análise da produção inicial de Ana Lúcia da Silva.
Ana Lúcia – texto 2
SOLIDÃO
Num triste anoitecer de outono, caminhava Juca, um triste operário voltando do trabalho. Ele
se sentia mal, seus braços arrepiados de frio tremiam, e ele sentia seus batimentos cardíacos nas
pontas dos dedos. se aproximando de sua casa, ele passa por um lago, desse lago sai sombras e um
calor anormal, como se ele pegasse fogo em silêncio, pois nenhum ruído se ouvia, a não ser dos ratos
brigando perto do pé de Juca e dos morcegos voando na escuridão do céu. Ele se sentia tãonaquele
cenário, como se todos os seres humanos tivessem morrido, e só sobrasse ele e aqueles seres da terra.
Quando chega em sua casa, encontra sua esposa, ela o conta que passou muito mal e que
vomitava muito até não sentir mais o gosto de vomito em sua língua. Juca preocupado preferiu não
contar o ocorrido e nem a dor que sentia, pois mesmo obscuro ele gostava daquele sentimento, na
verdade ele nunca se sentira assim, tão com ele, sem a necessidade de se comunicar com nenhum
humano na verdade ele sentia que estava mudando. Nessa noite eles dormiram juntos e em paz, mas
Juca não sentia sua esposa ao seu lado, e nem um boa noite não disse, se não sentiu necessidade, é
como se ele não quisesse mais nada, além daquele silêncio infinito do seu quarto.
No dia seguinte, logo após acordar, ele se olha no espelho, e o seu reflexo, diante disso
ele fica sem reação paralizado na frente do espelho. Em seguida a sua mulher se aproxima, e seu corpo
extremesse e ele sente que vai desmaiar.
- amor! Grita a mulher assustada ao ver que os olhos do seu marido estavão vermelhos.
Juca não responde, e nem podia, pois sua boca sangrava tanto que ele precisava engolir o
próprio sangue. A mulher desesperada chama o médico, pois seu marido não se mexe, ele aparenta
estar inconsiente.
Assim que o médico se aproxima, os infermeiros já o cedam e o enxem de remédios. O médico
se assusta com a falta de reação do Juca e com a dureza de seu corpo, ele parecia morto, mas seu
coração ainda batia.
- Senhora! Vou ter que pesquisar com muita cautela o estado de seu marido, mas pode
descansar em paz, ele já esta medicado. – Diz o médico para a esposa de Juca.
E foi o que a mulher, já um pouco mais calma, fez, dormiu até o outro dia de manhã.
Quando acordou, olhou para o lado da cama onde seu marido tinha dormido, e encontrou
um boneco preto, de olhos vermelhos e cabelos rouxos como uma pluma. Nesse instante a mulher
sente seu corpo queimando e começa a subir sombras como no lago, e ela vê o boneco se aproximando
e a mordendo no pescoço.
Naquela longa noite todos nós ouvimos gritos e suspiros de dor, e no dia seguinte não
encontramos nada, a casa estava totalmente vazia e fria, e nunca mais vimos nenhum ser humano por
lá.
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O quadro a seguir apresenta uma análise da produção final de Ana Lúcia:
1. Contexto de produção
2. Conteúdo temático
A narrativa de cunho sinistro e assombroso apela para a crença da presença de alienígenas
fantasmagóricos. Diante do excerto Juca preocupado preferiu não contar o ocorrido e
nem a dor que sentia, pois mesmo obscuro ele gostava daquele sentimento, na verdade ele
nunca se sentira assim, tão com ele, sem a necessidade de se comunicar com nenhum
humano..., a escritora faz crer que Juca não fosse um humano, mas um extraterrestre. Isto
se confirma por outro trecho do conto que assim se enuncia: ... e só sobrasse ele e aqueles
seres da terra.
3. Organização geral
Título:
Solidão
Marcas lingüístico-enunciativas:
A aluna/autora inicia a narrativa com uma breve descrição/relato em que
caracteriza o protagonista: Num triste anoitecer de outono, caminhava Juca, um triste
operário voltando do trabalho. Ele se sentia mal, seus braços arrepiados de frio tremiam,
e ele sentia seus batimentos cardíacos nas pontas dos dedos.
Embora a descrição inicial tenha dado mostras da problemática vivida, o
conflito principia no trecho: Já se aproximando de sua casa, ele passa por um lago, desse
lago sai sombras e um calor anormal, como se ele pegasse fogo em silêncio, pois nenhum
ruído se ouvia, a não ser dos ratos brigando perto do de Juca e dos morcegos voando
na escuridão do céu. A narrativa com fenômenos surreais “desse lago sai sombras e um
calor anormal”, prepara o leitor para o desfecho também fantástico da história.
O título Solidão está ligado ao seguinte trecho: Juca preocupado preferiu não
contar o ocorrido e nem a dor que sentia, pois mesmo obscuro ele gostava daquele
sentimento, na verdade ele nunca se sentira assim, tão com ele, sem a necessidade de se
comunicar com nenhum humano na verdade ele sentia que estava mudando. Nessa noite
eles dormiram juntos e em paz, mas Juca não sentia sua esposa ao seu lado, e nem um
boa noite não disse, se não sentiu necessidade, é como se ele não quisesse mais nada,
além daquele silêncio infinito do seu quarto; que remete ao estado de espírito da
personagem principal, estando na dimensão terrena encontra-se distante de uma outra
realidade a que estaria atavicamente sujeito.
O trecho descritivo pois nenhum ruído se ouvia, a não ser dos ratos brigando
perto do de Juca e dos morcegos voando na escuridão do céu, exprime um caráter
lúgubre e mórbido que prepara para o assombro.
O conflito culmina na passagem seguinte: Juca não responde, e nem podia, pois
sua boca sangrava tanto que ele precisava engolir o próprio sangue. A mulher
desesperada chama o médico, pois seu marido não se mexe, ele aparenta estar
inconsiente; além do problema que levou o personagem ao hospital, soma-se à estranheza
do médico frente ao quadro do paciente sobre o qual assim se pronuncia: - Senhora! Vou
ter que pesquisar com muita cautela o estado de seu marido, mas pode descansar em paz,
ele já esta medicado.
Com contradição relativamente ao horário, no fim da narrativa, a autora arremata
o conto assombroso fazendo mistério com a origem e o destino dos personagens: Naquela
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longa noite todos nós ouvimos gritos e suspiros de dor, e no dia seguinte não
encontramos nada, a casa estava totalmente vazia e fria, e nunca mais vimos nenhum ser
humano por lá.
A autora expressa alguns sentimentos através de seus personagens, porém um
tanto estranhos porque camuflados de humanos. Desta forma, os sentimentos se
manifestam nas expressões: Num triste dia, tão só, ele gostava daquele sentimento
(solidão), desesperada, se assusta, gritos e suspiros de dor.
Pelo trecho: No dia seguinte, logo após acordar, ele se olha no espelho, e não vê
seu reflexo, diante disso ele fica sem reação paralizado na frente do espelho, a autora
utiliza de uma idéia comum (senso comum), segundo a qual os vampiros ou os
reencarnados não seriam espelháveis.
Modo e tempo verbal:
A aluna/autora utiliza o pretérito imperfeito (caminhava, se sentia, tremiam,
sentia, sentia, vomitava, gostava, sentia, estava, sentia, estavam, precisava, podia,
sangrava, sentia, parecia, batia, estava, era); no pretérito perfeito (passou, preferiu,
dormiram, disse, sentiu, dormiu, acordou, olhou, encontrou, ouvimos, encontramos e
vimos; e o pretérito-mais-perfeito composto com uma presença tinha dormido); é
importante destacar que a autora utiliza corretamente o tempo verbal do pretérito mais-
que-perfeito sentira (ele nunca se sentira assim); e no presente do indicativo, que aparece
em maior número (passa chega , encontra, conta, olha, se aproxima, estremece, sente,
vai, responde, chama, mexe, aparenta, aproxima, cedam, enchem, Diz, assusta, sente,
começa e vê). Embora o discurso dialógico seja reduzido no texto, a predominância pelo
tempo presente tem a intenção de fazer o interlocutor participar mais efetivamente da
trama e não simplesmente ouvi-la e percebê-la de longe. Além disso é preciso considerar a
presença do presente histórico no verbo conta (ela conta que passou muito mal); em maior
número, depois do presente do indicativo, está o pretérito imperfeito que detém a função
narrativa do texto. Enquanto que o pretérito perfeito, geralmente em maior número nos
enredos, aqui tem um papel secundário, apenas pontuando momentos pretéritos que
poderiam estar no presente do indicativo, ou seja, o presente desempenha o papel de
pretérito.
Circunstancializadores:
As expressões temporais seguintes fazem a progressão no texto: 1ª parágrafo: num
triste anoitecer de outono; parágrafo quando chega em sua casa; parágrafo no dia
seguinte logo após acordar; parágrafo quando acordou; 10º parágrafo naquela longa
noite.
Uso de adjetivos:
O uso dos adjetivos ajuda na construção e caracterização dos personagens e da
circunstância, desempenhando também um papel de circunstancializador: “um triste
operário”, “Juca preocupado”, a mulher assustada”, “a mulher desesperada”, ele
aparenta estar inconsiente”, “ a falta de reação do Juca e com a dureza de seu corpo, ele
parecia morto”, a mulher, um pouco mais calma”, um boneco preto, de olhos
vermelhos e cabelos rouxos como uma pluma”, “naquela longa noite”.
Mudança da pessoa do verbo:
Curioso, neste texto é a mudança do uso da pessoa no fim da narrativa,
especialmente no último parágrafo em que a troca da terceira pessoa do singular para a
primeira pessoa do plural em que o narrador se inclui na narrativa. Isto pode ter um
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sentido de dramaticidade aos fatos relatados. Naquela longa noite todos nós ouvimos
gritos e suspiros de dor, e no dia seguinte não encontramos nada, a casa estava
totalmente vazia e fria, e nunca mais vimos nenhum ser humano por lá.
Quadro 11 – Análise da produção final de Ana Lúcia da Silva.
A categoria da organização geral ou a configuração do conto de assombração
interpretada por essa aluna se cumpre de modo geral, porém, há equívocos, entre outras
coisas, como a afirmação em forma de mensagem no fim da narrativa que não condiz com o
gênero, isto é, ela faz uma mistura de gêneros: Então, quando ouvir algo suspeito, seja
cauteloso. Diante disso, a interferência se deu pela orientação à organização geral do gênero,
ou seja, pela não traição a sua configuração. na segunda produção a aluna não cumpre
com a completa organização do gênero, quanto trabalha melhor a verossimilhança
comprometida também no primeiro texto.
Em razão de a segunda produção ser mais extensa, possibilitou à autora construir um
enredo que trabalha de forma mais elaborada o suspense, ingrediente importante na narrativa
fantástica. Esse elemento é introduzido a partir da escolha lexical no início do conto,
predispondo o leitor a seguir com a leitura pelo adjetivo atribuído à personagem e ao
ambiente: Num triste anoitecer de outono, caminhava Juca, um triste operário voltando do
trabalho.
Essa narrativa mistura aspectos de fenômenos sobrenaturais presentes nas narrativas
fantásticas, com a crença existente no imaginário das pessoas, da evidência de seres extra-
terrestres. Neste aspecto a autora traz para o interior da narrativa uma voz da esfera social da
ciência dos estudiosos da ufologia. A categoria das marcas enunciativas é agora tratada não
mais intuitivamente, mas de modo consciente, por parte da estudante, como manifestação das
vozes sociais presentes nas histórias.
Camila – texto 1
CEMITÉRIO NUNCA MAIS!
Havia uma menina que se chamava Amanda, ela era uma pessoa muito fechada, não falava
com ninguem e tinha poucos amigos e esses não eram muito normais, ela era assim meio esquizita,
porque na sua infância ela era muito judiada pela sua vó, pois seus pais haviam morrido num horrivel
acidente de carro.
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Ela e seus “amigos” gostavam de ir à noite no cemitério para ficar vendo os túmulos e
inventar histórias para aquelas mortes. Ela fazia isto todas as noites, pois achava muito engraçado.
Numa dessas noites ela estava saindo do cemitério e ouviu uma voz, ela ficou meio assustada
e foi ver o que era pois a voz não parava de falar. Ela chegou perto do tumulo, que eles tinham falado
esta noite, começou a sentir um cheiro horrivel, ela foi ficando zonza”, e foi ficando, e acabou que
desmaiou, quando ela acordou ela estava amarrada a uma cama, num lugar muito escuro,
desarrumado e sujo, e tinha um homem que seu corpo tinha 5 tiros.
Ela ficou muito assustada quando aquele homem começou a falar:
Você sabe quem sou eu? Eu sou aquele morto de quem vocês caçoaram hoje, você já
percebeu que eu morri porque levei 5 tiros na cabeça, mori na hora. E você acha engraçado contar
piadas sobre a morte dos outros?!
Não foi essa a intenção disse Amanda morrendo de medo. avisa meus amigos eu tenho
certeza que eles viram trás de mim.
— está bem vou mandar instruções para eles virem até aqui.
Depois de três dias nada de amigos. Quando de repente eles apareceram. Quando eles a viram
amarrada, com um cara apontando uma arma na cabeça dela, eles ficaram desesperados e foram bater
nele, que era tarde demais ele havia dado 5 tiros na cabeça dela, e os seus amigos morrerão de
susto.
Depois de cinco anos muitos outros adolescentes zoaram com o túmulo deles, o que aconteceu
“o feitiço virou contra o feiticeiro”.
O quadro a seguir apresenta uma análise da produção inicial de Camila:
1. Contexto de produção
2. Conteúdo temático
A temática dessa narrativa é a do assombro, do terror, aliada à violência, porém com
uma pitada de humor.
3. Construção composicional e marcas lingüístico-enunciativas
Título:
O título Cemitério Nunca Mais é irônico, pois dos que freqüentavam o cemitério
ninguém sobrou vivo e tudo indica que os outros jovens que freqüentavam depois o
cemitério, tiveram a mesma sorte. Assim se comprova no trecho a seguir: ele havia dado
5 tiros na cabeça dela, e os seus amigos morreram de susto. Depois de cinco anos muitos
outros adolescentes zoaram com o túmulo deles, o que aconteceu o feitiço virou contra o
feiticeiro”.
Marcas lingüístico-enunciativas:
A autora inicia a narrativa pela descrição da personagem Amanda, caracterizada de
tal forma que prepara o caráter do conto assombroso. Segue-se o trecho descritivo: Havia
uma menina que se chamava Amanda, ela era uma pessoa muito fechada, não falava com
ninguem e tinha poucos amigos e esses não eram muito normais, ela era assim meio
esquizita, porque na sua infância ela era muito judiada pela sua vó, pois seus pais haviam
morrido num horrivel acidente de carro.
O conflito da narrativa se inicia quando a personagem, sozinha, teme o que não
deveria temer: ouvir vozes no cemitério ao qual visitava à noite em companhia dos amigos.
Eis o trecho: Numa dessas noites ela estava saindo do cemitério e ouviu uma voz, ela ficou
meio assustada e foi ver o que era pois a voz não parava de falar.
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O clímax da narrativa se com a chegada do socorro para Amanda, porém
frustrado. Daí o enunciado comprobatório que encerra também fato cômico, isto é, os
amigos morrem de susto: Quando eles a viram amarrada, com um cara apontando uma
arma na cabeça dela, eles ficaram desesperados e foram bater nele, que era tarde
demais ele já havia dado 5 tiros na cabeça dela, e os seus amigos morrerão de susto.
As características das histórias de assombração ficam evidentes nas passagens
seguintes: Ela e seus amigos” gostavam de ir à noite no cemitério para ficar vendo os
túmulos e inventar histórias para aquelas mortes... Ela chegou perto do tumulo, que eles
tinham falado esta noite, começou a sentir um cheiro horrível... num lugar muito escuro,
desarrumado e sujo, e tinha um homem que seu corpo tinha 5 tiros... Eu sou aquele morto
de quem vocês caçoaram hoje,... você percebeu que eu morri porque levei 5 tiros na
cabeça, mori na hora.
O arremate da história segue o esquema do ritornelo, ou seja, a repetição dos fatos
em que outros jovens continuem a freqüentar o cemitério como forma de diversão mórbida,
sendo novamente alvos do mesmo castigo impetrado ao primeiro grupo. A passagem a
seguir comprova a afirmação. Depois de cinco anos muitos outros adolescentes zoaram com
o túmulo deles, o que aconteceu “o feitiço virou contra o feiticeiro”.
As possíveis emoções, ingredientes veiculadas nas narrativas apresentam-se nesta como:
medo, susto, pânico, impotência, esperança e prazer mórbido.
Modo e tempo verbal:
Os verbos neste conto se apresentam: no pretérito imperfeito (havia, tinha, estava,
tinham, parava, estava, achava, fazia, gostavam, haviam, tinha, falava, chamava, havia,
era, eram) com a função, em sua maioria, de situar o leitor da história pregressa dos
personagens para se entender o que se passa no passado mais próximo, período em que
ocorrem os fatos; e no pretérito perfeito (ouviu, ficou, foi, chegou, começou, acabou,
desmaiou, acordou, caçoaram, percebeu, morri, levei, morri, apareceram, viram, ficaram,
morrerão, zoaram, aconteceu e virou). A predominância deste último nesta narrativa se
deve ao fato de a história ser narrada em disjunção, isto é, em caráter distante dos fatos
ocorridos para o leitor ouvinte, mas com a função de mostrar a dinamicidade das
ocorrências; e ainda, o presente do indicativo sou, acha, avisa e vou que estão diretamente
ligados aos diálogos tendo um papel interativo junto ao leitor.
Uso de adjetivos:
Os adjetivos caracaterizam os personagens e ao mesmo tempo criam um clima para
o suspense e o assombro da narrativa. Assim: esquisita, judiada, escuro, assustada,
desesperados (
meio esquizita, muito judiada, muito normais, lugar muito escuro, muito assustada, ficaram
desesperados
).
Quadro 12 - Análise da produção inicial de Camila.
Camila - texto 2
O FALSO FANTASMA
Dn Lurdes era zeladora de uma escola há 15 anos, ela trabalhava de manhã e à tarde ajudando
a cuidar dos alunos e como não tinha mais tempo só limpava a escola à noite.
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Certa noite um aluno teve que ficar até mais tarde no colégio para fazer uma pesquisa na
biblioteca, só que ele perdeu a noção da hora e quando se deu conta tinham fechado ele na biblioteca.
Ele ficou desesperado, não sabia o que fazer não tinha telefone, estava tudo fechado e ainda era uma
noite de lua cheia e sem estrelas e ficou aquela escuridão.
Ele ficou desesperado, começou a entrar em panico e a chorar, que ele lembrou que Dn
Lurdes ficava à noite para limpar o colégio, então ele começou a gritar-la. Ele gritou, gritou, gritou,
mas de nada adiantou.
Depois de muito tempo Dn. Lurdes começou a ouvir um ruído, uma voz a lhe chamar. Ela
ficou muito assustada pois nunca tinha outra pessoa , ainda mais sem ela, ela continuava a ouvir a
voz e ele continuava a gritar.
Ela achou que fosse um ladrão que ela pensou melhor e, viu que o ladrão não a conhecia e
não ficaria a gritar, então ela pensou, não, ela teve certeza que era um fantasma, um espírito de uma
pessoa que havia morrido no colégio antes dela chegar.
Cada hora que passava ela ficava muito mais assustada com a aquela voz rouca lhe
chamando.
Até que certa hora ela resolveu ir buscar de onde vinha a voz, ela foi seguindo-a e viu que
vinha da biblioteca, tomou coragem pegou a vassoura, para caso ela tivesse que se defender, e abriu a
porta e quando viu o que estava gritando levou um grande susto, um menino caido no chão sem
forças nenhuma, ela ficou totalmente chocada com a cena, levou-o para á sua casa deu comida a ele, e
deixou-o dormir.
No outro dia ela foi conversar com ele, e quando ele lhe contou o ocorrido ela se sentiu
culpada por se deixar levar pelo medo e não pela razão, e te-lo confundido com um fantasma quando
ele só estava tentando fazer uma pesquisa.
Depois de toda essa conversa eles ficaram muito amigos e ela nunca mais se deixou levar pelo
medo.
O quadro a seguir apresenta uma análise da produção final de Camila:
1. Contexto de produção
2. Conteúdo temático
Mais suspense do que assombro, essa narrativa trabalha com os equívocos e os
medos da personagem principal que em as circunstâncias criam idéias no lugar de fatos.
3. Construção composicional e marcas lingüístico-enunciativas
Título:
O Falso Fantasma
Marcas lingüístico-enunciativas:
A autora principia o texto descrevendo uma das personagens: Dn Lurdes era
zeladora de uma escola 15 anos, ela trabalhava de manhã e à tarde ajudando a
cuidar dos alunos e como não tinha mais tempo só limpava a escola à noite.
O início do conflito da narrativa se quando a segunda personagem fica presa:
Certa noite um aluno teve que ficar até mais tarde no colégio para fazer uma pesquisa
na biblioteca, só que ele perdeu a noção da hora e quando se deu conta tinham fechado
ele na biblioteca.
O desdobramento do conflito, sob suspense e assombro, fica nos pedidos de
socorro da personagem (aluno) e o medo da outra (zeladora da escola).
O clímax do enredo acontece quando a zeladora supera o medo e descobre a
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vítima da clausura, o que se comprova no seguinte trecho: tomou coragem pegou a
vassoura, para caso ela tivesse que se defender, e abriu a porta e quando viu o que
estava gritando levou um grande susto, um menino caido no chão sem forças nenhuma.,
ela ficou totalmente chocada com a cena, levou-o para á sua casa deu comida a ele, e
deixou-o dormir.
Os mecanismos enunciativos se revelam na narrativa quando a autora faz um juízo
de valor em torno da personagem dona Lurdes, fazendo constantemente uma apreciação
positiva dela ao longo da narrativa. Os excertos a seguir podem comprovar: Dn Lurdes
era zeladora de uma escola 15 anos, ela trabalhava de manhã e à tarde ajudando a
cuidar dos alunos e como o tinha mais tempo limpava a escola à noite... ela ficou
totalmente chocada com a cena, levou-o para á sua casa deu comida a ele, e deixou-o
dormir... No outro dia ela foi conversar com ele, e quando ele lhe contou o ocorrido ela
se sentiu culpada por se deixar levar pelo medo e não pela razão, e te-lo confundido
com um fantasma quando ele estava tentando fazer uma pesquisa... Depois de toda
essa conversa eles ficaram muito amigos e ela nunca mais se deixou levar pelo medo.
Modo e tempo verbal:
Os verbos desta narrativa se apresentam com base nos seguintes tempos: pretérito
imperfeito, cujo tempo inicia o conto: Dn Lurdes era zeladora de uma escola 15
anos, aparecendo mais uma vez: ela teve certeza que era um fantasma com a idéia de
apresentar a personagem; O pretérito imperfeito com os verbos: trabalhava, tinha,
limpava, tinham, sabia, tinha, estava, ficava, tinha, continuava, continuava, conhecia,
havia, ficava, vinha e estava; O pretérito perfeito por meio dos verbos: começou, ficou,
achou, pensou, viu, pensou, resolveu, foi, viu, tomou, pegou, abriu, viu, levou, ficou,
levou, deu, deixou, foi, contou, sentiu, tê-lo, ficaram e deixou. Tais tempos verbais se
enquadram perfeitamente na configuração do texto narrativo, sendo uma narrativa em
terceira pessoa, de forma disjunta, isto é, o narrador conta os fatos imprimindo a idéia de
que eles tenham ocorrido remotamente, sem que o ouvinte/leitor possa participar ou
interagir. Isto se comprova também pelo fato da ausência do presente do indicativo. Este
tempo se manifesta quando a presença do discurso direto, evidentemente ausente no
conto.
Circunstancializadores:
Os circunstancializadores temporais: 15 anos, Certa noite, Cada hora que
passava, Até que certa hora, No outro dia, Depois de toda essa conversa; funcionam
como modalizadores no enredo, dando fluxo a cada etapa da narrativa.
Quadro 13 - Análise da produção final de Camila.
Se o primeiro conto tem um misto de horror, terror sórdido e situação hilária: dado 5
tiros na cabeça dela, e os seus amigos morrerão de susto, na segunda narrativa a autora
mudou a produção para uma história de suspense e um enredo mais sóbrio.
A aluna/autora surpreende pela mudança da temática dentro do conto de suspense e
assombro, uma vez que, barbarizando na primeira narrativa com uma história ocorrida em
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cemitério, conta na segunda produção, um episódio em uma escola, com um conflito inocente.
Essa mudança de tema e, sobretudo, a construção do enredo, sinais de refinamento em sua
produção final. Isso possivelmente se deve ao fato de a aluna ter vivenciado mais o gênero
com leituras entre outras experiências, o que a fez abandonar o aspecto sórdido presente em
sua primeira produção.
De acordo com o contexto de produção a autora destinou o seu conto para um público
na primeira produção e para outro na segunda narrativa, sendo que a primeira é alvo para
adolescentes da segunda fase e principalmente meninos, enquanto que a produção final é mais
apropriada ao público infantil.
Yago – texto 1
A CASA ASSOMBRADA
Havia uma menina que se chamava Luzia. Ela gostava muito de ler livros e assistir filmes de
terror, e normalmente tinha pesadelos. Em um de seus pesadelos ela teve a visão de uma casa velha e
assustadora. Ao acordar não se importou muito com o seu sonho, mas no mesmo dia, ao voltar da
escola, se deparou com ela, perto de onde estudava, mas nunca a havia notado. Achou aquilo muito
estranho e resolveu investiga-la no próximo dia seguinte, que era um sábado.
No outro dia, depois de tomar seu café-da-manhã, Luzia foi até a casa de seu pesadelo.
Chegando lá, percebeu que a porta não estava trancada, e resolveu entrar. dentro eviu muitos
móveis antigos e uma grande escada. No alto da escada ela viu passar um vulto, e resolveu seguilo.
Ela passou por vários corredores atráz daquela estranha figura, até que ela entrou por uma porta, com
marcas de sangue. Sem se importar, Luzia também entrou pela porta. Ninguém nunca mais viu Luzia.
O quadro a seguir apresenta uma análise da produção inicial de Yago:
1. Contexto de produção
2. Conteúdo temático
O tema dessa narrativa é o mistério
3. Organização geral
Título:
A Casa Assombrada
Marcas lingüístico-enunciativas:
O autor principia com a descrição da única personagem denominada Luzia,
cujo nome aparece quatro vezes na narrativa.
O aluno/escritor utilizou de uma coincidência de sonho/pesadelo para construir o
conflito em sua narrativa, procurando dessa forma passar a impressão de
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verossimilhança ao leitor. Eis o trecho: Em um de seus pesadelos ela teve a visão de
uma casa velha e assustadora. Ao acordar não se importou muito com o seu sonho, mas
no mesmo dia, ao voltar da escola, se deparou com ela, perto de onde estudava, mas
nunca a havia notado.
O escritor elabora um itinerário pelo qual conduz o leitor curioso pelo desfecho
da história e no clímax termina abruptamente a narrativa sumindo com a personagem
como num passe de gica. Assim se revela o trecho final do episódio: Ela passou por
vários corredores atráz daquela estranha figura, até que ela entrou por uma porta, com
marcas de sangue. Sem se importar, Luzia também entrou pela porta. Ninguém nunca
mais viu Luzia.
É possível perceber o objetivo da interação, isto é, efeito pretendido com o texto
pelo impacto de mistério e terror que o autor tentou provocar no leitor. Situação do
texto: No alto da escada ela viu passar um vulto, a resolveu seguilo. Ela passou por
vários corredores atráz daquela estranha figura, até que ela entrou por uma porta, com
marcas de sangue. Sem se importar, Luzia também entrou pela porta. Ninguém nunca
mais viu Luzia.
Modo e tempo verbal:
Os verbos no pretérito imperfeito (Havia, chamava, gostava, tinha, estudava,
havia, estava, era) no início da narrativa têm o propósito de relatar o que acontecia em
um passado com um caráter de ação habitual às ações vividas pelas personagens; os
verbos no pretérito perfeito, em número de quatorze (teve, importou, deparou, achou,
resolveu, foi, percebeu, resolveu, viu, resolveu, passou entrou, entrou, viu) indicam
uma série de ações iguais terminadas no passado, caracterizando a dinamicidade dessas
ações porque ainda ocorrem.
O uso de pronomes:
O pronome ela, elemento coesivo referente à personagem, revela-se sete vezes,
na tentativa da coesão textual de comportamento coloquial, nem sempre bem sucedido.
Circunstancializadores:
Os circunstancializadores temporais Havia uma menina, no outro dia e ninguém
nunca mais, marcam o início, a continuidade e o fim da narrativa pelos aspectos
coesivos de demarcação ou balizamento do texto.
O circunstancializador espacial , (chegando lá), indica uma dinamicidade pelo
deslocamento do personagem para o lugar crítico, responsável pelo suspense da
narrativa.
Quadro 14 - Análise da produção inicial de Yago
Yago – Texto 2
A IGREJA
Em uma cidade havia uma antiga igreja, onde ninguém mais entrou desde quando aconteceu
um terrível acidente; um coroinha varria ao chão, e sem querer derrubou uma vela acessa, que acabou
incendiando toda a igreja. Nunca encontraram seu cadáver, e desde então diz-se que toda noite um
vulto passa pelas janelas.
Jorge, um menino que não acreditava nessas histórias, chamou dois de seus amigos para
passarem a noite na igreja, e provar a todos que aquilo era apenas besteira. No horário marcado, os
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três estavam em frente a grande porta, respiraram fundo e abriram-na. dentro era muito escuro, e
tudo estava coberto de poeira. Colocaram as mochilas onde traziam comida no banco mais próximo
do altar. Enquanto Jorge procurava sua lanterna em uma das mochilas, um de seus amigos resolveu
entrar na antiga sala de confissão. Quando a porta fechou-se atraz dele, ouviu-se um grito agudo; e
todos correram para o confessionário, e o que viram foi apenas um monte de cinzas, como se algo
tivesse sido queimado recentemente ali.
Ele deve estar fazendo alguma brincadeira com a gente. disse Jorge Deve estar
querendo nos assustar.
Derrepente ouviram um barulho, como se alguém estivesse varrendo a escada de uma das
torres. O amigo de Jorge foi até e ouviu-se outro grito. Jorge correu até as escadas e encontrou
apenas outro monte de cinzas. Pensando que seu amigo estava no alto da torre, ele subiu até lá. Na
torre havia um grande sino enferrujado e uma janela, de onde se via toda a cidade. Jorge ouviu outra
vez o barulho da vassoura, e virou-se dando de cara com um pequeno menino, com os cabelos
arrepiados. Era pálido, tinha os olhos amarelados, segurava uma vassoura e se vestia como um
coroinha, que com as roupas um pouco queimadas. Ele se aproximou, Jorge assustado, recuava.
Chegava cada vez mais perto, e Jorge cada vez mais próximo a janela. Quando estava muito perto,
Jorge tropeçou, caiu pela janela. Um homem passa e o corpo de Jorge esticado no jardim da igreja:
estava morto.
O quadro a seguir apresenta uma análise da produção final de Yago:
1. Contexto de produção
2. Conteúdo temático
O texto deste autor apresenta um problema de coerência. A igreja descrita foi
destruída por um incêndio, no entanto os fatos subseqüentes se passam no interior dela.
Trata-se, portanto de ruínas, isto é, do que sobrou da igreja ou é um lapso do enunciador.
Quanto à temática, essa narrativa pode se enquadrar como suspense
acompanhada de mistério.
3. Organização geral
Título:
A Igreja
Marcas lingüístico-enunciativas:
Dos quatro personagens da narrativa um apenas tem nome, Jorge, manifestado
dez vezes. O personagem fantasma recebe apenas a caracterização de coroinha e
pequeno menino. Os outros dois, anônimos, são chamados de amigos de Jorge, já que
figuram como pano de fundo da narrativa.
O texto inicia situando o leitor através de dois fatos, um acontecido no passado e
o outro que dá, conseqüentemente, continuidade na atualidade. Está posta a situação
para o conflito: Em uma cidade havia uma antiga igreja, onde ninguém mais entrou
desde quando aconteceu um terrível acidente; um coroinha varria ao chão, e sem
querer derrubou uma vela acessa, que acabou incendiando toda a igreja. Nunca
encontraram seu cadáver, e desde então diz-se que toda noite um vulto passa pelas
janelas.
O conflito se arma quando os atuais personagens ousam desvendar o mistério:
Jorge, um menino que não acreditava nessas histórias, chamou dois de seus amigos
para passarem a noite na igreja, e provar a todos que aquilo era apenas besteira. No
92
horário marcado, os três estavam em frente a grande porta, respiraram fundo e
abriram-na.
O aluno/escritor constrói o conflito em um crescendo em que os personagens,
um a um vão sendo eliminados, embora eles entendam que um esteja fazendo troça com
o outro, como se fosse uma brincadeira de esconde-esconde. Assim se apresenta o
trecho ilustrativo: Quando a porta fechou-se atraz dele, ouviu-se um grito agudo; e
todos correram para o confessionário, e o que viram foi apenas um monte de cinzas,
como se algo tivesse sido queimado recentemente ali. Ele deve estar fazendo alguma
brincadeira com a gente. – disse Jorge – Deve estar querendo nos assustar.
Eliminados dois, restando apenas um, surge novamente o personagem do
passado, apresentando-se ao terceiro menino, como se completasse um ciclo articulado
pelo autor. Jorge ouviu outra vez o barulho da vassoura, e virou-se dando de cara com
um pequeno menino, com os cabelos arrepiados. Era pálido, tinha os olhos amarelados,
segurava uma vassoura e se vestia como um coroinha, que com as roupas um pouco
queimadas.
E o desfecho da história se apresenta como se houvesse acontecido meramente
uma fatalidade em que o menino teria caído da torre da igreja, fato que a comunidade
enxergou como acidente, mas dá continuidade ao mistério aos olhos do leitor. A seguir o
trecho comprobatório da explicitação: Ele se aproximou, Jorge assustado, recuava.
Chegava cada vez mais perto, e Jorge cada vez mais próximo a janela. Quando estava
muito perto, Jorge tropeçou, caiu pela janela. Um homem passa e vê o corpo de Jorge
esticado no jardim da igreja: estava morto.
O aluno/autor traz o esquema do ritornelo para o fim da narrativa quando o
menino reaparece depois de anos queimado na igreja. O texto insinua, pois, que os que
invadirem aquele espaço podem também ser vítimas do fantasma.
Ingredientes para o mistério compõem o caráter de suspens, e assombração neste
episódio: o espaço físico na igreja, dentro era muito escuro, e tudo estava coberto de
poeira, a hora passarem a noite), os recursos sonoros quando a porta fechou-se atraz
dele, ouviu-se um grito agudo, a descrição da personagem um pequeno menino, com os
cabelos arrepiados. Era pálido, tinha os olhos amarelados, segurava uma vassoura e se
vestia como um coroinha, só que com as roupas um pouco queimadas. Ele se
aproximou, Jorge assustado, recuava, a atitude estranha de um menino sem medo diante
do outro maior e assustado Chegava cada vez mais perto, e Jorge cada vez mais
próximo a janela. Quando estava muito perto, Jorge tropeçou, caiu pela janela.
Modo e tempo verbal:
O tempo verbal no pretérito imperfeito (havia Em uma cidade havia uma antiga
igreja) inicia a narrativa de forma tradicional, situando o leitor quanto à existência do
dito lugar, em um passado remoto, funcionando como pano de fundo. Já no pretérito
perfeito os verbos (entrou e aconteceu em onde ninguém mais entrou desde quando
aconteceu um terrível acidente), ação que caracteriza um dado momento da história
daquele lugar que teria mudado de forma abrupta, interrompendo a situação de inércia
daquela localidade.
Circunstancializadores:
O circunstancializadores temporais de repente ouviram um barulho e Quando
estava muito perto e o espacial em uma cidade havia, são elementos demarcadores ou
balizadores que organizam a seqüência textual ao longo da narrativa.
Quadro 15 - Análise da produção final de Yago
93
O trabalho de interferência na primeira produção desse aluno incidiu sobre as
categorias discutidas na seqüência didática, porém com uma passagem pelo fator da coerência
do texto, especialmente no trecho: Ao acordar não se importou muito com o seu sonho, mas
no mesmo dia, ao voltar da escola, se deparou com ela, perto de onde estudava, mas nunca a
havia notado, em que ocorre uma incompletude associativa. E no desfecho da história, no
excerto: Sem se importar, Luzia também entrou pela porta. Ninguém nunca mais viu Luzia,
pela forma abrupta com que a história acaba, o desfecho apresenta-se primário, muito
diferente na segunda produção, que se revela digno de um literato.
Um dos aspectos que chama a atenção em sua produção final é o encadeamento dos
fatos que provocam no leitor a ansiedade do suspense. Além disso elabora um conflito num
crescendo, chega ao clímax da narrativa para resolver em parte a trama, deixando o leitor
novamente no suspense no desfecho da narrativa.
Este aluno/autor trabalhou de forma primorosa os tempos verbais, na categoria das
marcas lingüísticas, sobretudo na segunda produção. Caracterizou a história de uma
localidade utilizando o pretérito imperfeito para uma situação de normalidade para
interromper com um episódio que desencadeia uma série de fatos pontuais, utilizando para
isso o pretérito perfeito.
Rafaela – texto 1.
SEXTA-FEIRA 13
Naquele dia eu estava triste em meu quarto, chovia muito lá fora e era uma sexta-feira 13. Que
por sinal eu o ligava muito nessas supertições e eu achava muito engraçado. Do nada as luzes se
apagam e fica escuro e os trovões aumentam não havia ninguém la em casa e eu era muito medrosa e
gritei muitas vezes.
Até que eu fui anda pela casa procurando uma vela p/ acender, derrepente eu esBarro numa
cadeira e uma voz susurra, É hoje que você morre” e eu fiquei sem ação naquele momento, como eu
não acreditava nisso fiquei bem quieto, e gritei “se eu morrer minha mãe me mata” e dei risada, muita
risada...
Me arrependi porque logo em seguida a luz voltou e eu vi uma menina no meu quarto deitada
com meu telefone conversando com alguem, e ela dizia: Não tenha medo, porque eu passei por isso,
e me arrependi de não acreditar na sexta-feira 13. logo após morri. E eu fiquei arrepiada e acordei!
O quadro a seguir apresenta uma análise da produção inicial de Rafaela:
1. Contexto de produção
94
2. Conteúdo temático
A narrativa, embora seja de mistério e assombração, apresenta-se contraditória
quando a autora introduz a palavra engraçado (eu achava muito engraçado). Decorrente
disso a temática da narrativa está entre o fantástico de assombro e o verossímil, com uma
sensível dose de humor. Outra contradição revela-se quando a autora se confessa descrente
em relação à superstição (que por sinal eu não ligava muito nessas coisas superstições), e
em outro momento se pronuncia pouco objetiva, fazendo crer que seja realmente
supersticiosa (do nada as luzes se apagam...).
3. Construção composicional e marcas lingüístico-enunciativas
Título:
Sexta-feira 13
Marcas lingüístico-enunciativas:
A autora inicia o texto com ingredientes que preparam uma narrativa de tema
sombrio: Naquele dia eu estava triste em meu quarto, chovia muito lá fora e era uma sexta-
feira 13.
Para dar crédito à história, a escritora se posiciona com ceticismo em relação a
assuntos de superstição. Assim se registra: Que por sinal eu não ligava muito nessas
supertições e eu achava muito engraçado.
O conflito propriamente dito ainda não começou, mas fatos naturais aliados ao medo
da personagem preparam o clima para o pânico: Do nada as luzes se apagam e fica escuro e
os trovões aumentam não havia ninguém la em casa e eu era muito medrosa e gritei muitas
vezes.
O medo instalado, o conflito se intensifica quando a personagem se depara com um
fantasma sussurrando, mas entre o pânico e a descrença passa a rir feito louca no delírio:
derrepente eu esBarro numa cadeira e uma voz susurra, “É hoje que você morre” e eu
fiquei sem ação naquele momento, como eu não acreditava nisso fiquei bem quieto, e gritei
“se eu morrer minha mãe me mata” e dei risada, muita risada...
O conflito no escopo, a personagem o fantasma em sua cama conversando ao
telefone. A personagem em seguida se percebe morta e acorda de um pesadelo: a luz voltou
e eu vi uma menina no meu quarto deitada com meu telefone conversando com alguem, e
ela dizia: Não tenha medo, porque eu passei por isso , e me arrependi de não acreditar
na sexta-feira 13. logo após morri. E eu fiquei arrepiada e acordei!
O propósito da interação é provocar emoção ao público através do espanto: Do nada
as luzes se apagam e fica escuro e os trovões aumentam não havia ninguém la em casa e eu
era muito medrosa e gritei muitas vezes. Derrepente eu esBarro numa cadeira e uma voz
susurra, “É hoje que você morre”.
As emoções veiculadas nesta narrativa compreendem às do medo, susto, delírio,
pânico e alívio.
O excerto Que por sinal eu não ligava muito nessas supertições e eu achava muito
engraçado veicula, através do posicionamento da personagem, a descrença de um segmento
social em relação às superstições.
Modo e tempo verbal:
Os verbos no pretérito imperfeito (estava, chovia, ligava, achava, acreditava)
caracterizam a descrição do lugar e o estado de espírito da personagem; enquanto que no
pretérito perfeito (arrependi, voltou, vi, passei, arrependi, morri, fiquei, acordei, dei, gritei,
fiquei, fiquei e gritei) narram os fatos propriamente ditos. Já dos cinco verbos no presente
95
do indicativo, três fazem a vez do futuro do presente (morre, é, mata) e os outros dois
substituem o pretérito perfeito.
Circunstancializadores:
Os fatores circunstancializadores temporais Naquele dia, até que, logo em seguida,
acordei, funcionando como demarcadores ou balizadores, marcam as fases da narrativa.
Norma padrão:
A linguagem obedece à língua padrão, com caráter formal do início ao final.
Narrado na primeira pessoa do singular, o conto traz o narrador que é também personagem e
personagem onisciente.
Quadro 16 - Análise da produção inicial de Rafaela
Rafaela - texto 2
O TELEFONE
Era uma noite fria e uma escuridão como nunca havia visto. As árvores balançavam de um
lado para o outro sem parar. Da janela dava prá se escutar as folhas caindo no chão e se espalhando
com o vento.
Com tanto barulho resolvi me levantar, e acordei minha prima que estava dormindo ao meu
lado, a gente estava numa viagem, e por isso durmimos aquela noite em um hotel.
Eu chamava ela diversas vezes, ela não acordava ai me lembrei que ela normalmente tomava
remédio para dormir, então cansei de chama e fui beber água, nisso eu vi uma janela aberta e resolvi
fecha-la estranho eu não me lembro de ter deixado qualquer janela aberta. Depois que eu bebi aquela
água esperta fui pro quarto novamente tentar durmir. Quando cheguei lá, minha prima não estava
mais no quarto, me assustei; nisso o telefone tocou, mas quando eu fui atender ele parou. Era aquele
telefone que em todo quarto de hotel tem, que liga p/ a equipe de serviço e tals.
Fiquei muito preocupada e resolvi ligar meu celular p/ ligar no celular dela talvez por um
acaso ela tinha levado... Só dava caixa postal. Eu fiquei desesperada e fui ao banheiro lavar meu rosto.
Quando chego ao banheiro o telefone toca e uma voz estranha e misteriosa diz do outro lado da linha:
— camareira. hahaha porque fechar a janela?
E eu sem reação desliguei o telefone e tirei da tomada e joguei-o contra a parede.
Nervosa e com medo, fui até aquela janela e abri ela novamente e olhei p/ baixo, estava
minha prima, caída na calçada no meio das folhas. Eu gritando gritando desci correndo quando
cheguei lá havia um papel na mão dela escrito “viu no que dá visitar minha casa”.
Não intendi nada hoje eu estava aqui em casa, se passou 1 ano da morte dela e eu descobri
que naquele hotel, um dia foi a casa de uma garota que foi morta pelos tios, por causa da prima, e sabe
mais o que eu descobri as duas eram minhas primas e os tios que a matou eram os pais da menina,
“minha prima” que estava durmindo aquela noite ao meu lado.
Ah. Antes de acabar, sabe como a mataram? fizeram ela beber milhares de pirulas p/ durmir!
Ninguém até hoje nunca intendeu... FIM.
O quadro a seguir apresenta uma análise da produção final de Rafaela:
1. Contexto de produção
2. Conteúdo temático
O conteúdo temático é o mistério e o assombro, com um caráter de narrativa policial.
96
3. Construção composicional e marcas lingüístico-enunciativas
Título:
O título, O telefone, é o objeto da dificuldade de comunicação, sinal de mau
presságio, instrumento de tortura para a personagem que ao tocar causa pânico.
Marcas lingüístico-enunciativas:
A descrição do espaço e principalmente da circunstância prepara o leitor na
perspectiva do suspense e do assombro: Era uma noite fria e uma escuridão como nunca
havia visto. As árvores balançavam de um lado para o outro sem parar. Da janela dava prá
se escutar as folhas caindo no chão e se espalhando com o vento.
O conflito se inicia e trabalha com a preocupação em relação ao barulho do vento e o
medo da personagem em ficar acordada sozinha: Eu chamava ela diversas vezes, ela não
acordava ai me lembrei que ela normalmente tomava remédio para dormir, então cansei de
chama e fui beber água, nisso eu vi uma janela aberta e resolvi fecha-la estranho eu não me
lembro de ter deixado qualquer janela aberta. Depois que eu bebi aquela água esperta fui
pro quarto novamente tentahr durmir. O conflito se intensifica quando o medo adquire
razão mais concreta e o fantasma se manifesta: Quando chego ao banheiro o telefone toca e
uma voz estranha e misteriosa diz do outro lado da linha: camareira. hahaha porque
fechar a janela? E o desfecho da trama se com a morte da segunda personagem (a
prima) junto à qual havia uma misteriosa mensagem: estava minha prima, caída na
calçada no meio das folhas. Eu gritando gritando desci correndo quando cheguei havia
um papel na mão dela escrito “viu no que dá visitar minha casa?”.
O propósito da interação, como nos demais contos, é causar fortes emoções no
público leitor pelo suspense e assombro da narrativa. Eis um dos trechos: Quando chego ao
banheiro o telefone toca e uma voz estranha e misteriosa diz do outro lado da linha:
camareira. hahaha porque fechar a janela?
As emoções veiculadas, marcas das narrativas, nesta são as de medo, de espanto, de
susto, de preocupação, de desespero, e de estranhamento.
Modo e tempo verbal:
Os verbos no pretérito imperfeito - ação em seu curso no passado ou ação habitual
no passado - têm a função de descrever as circunstâncias (estava, estava, chamava,
acordava, tomava, estava, estava, estava; os verbos no pretérito perfeito intendeu, fizeram,
mataram, matou, descobri, foi, intendi, cheguei, desci, olhei, abri, fui, joguei, tirei,
desliguei, fiquei, resolvi, fiquei, parou, tocou e assustei) narram efetivamente as ações do
episódio; aparecem verbos no infinitivo por cinco vezes, talvez na tentativa de sintetizar o
texto; os verbos no presente do indicativo têm a função de caracterizar a perenidade dos
elementos como em: que em todo quarto de hotel tem, que liga p/ a equipe de serviço,
enquanto que os demais apenas substituem o pretérito perfeito: Quando chego ao banheiro
o telefone toca e uma voz estranha e misteriosa diz do outro lado da linha; duas
manifestações do pretérito imperfeito: Era uma noite fria.
Circunstancializadores
Os circunstancializadores de tempo Era uma noite fria, até hoje nunca intendeu e
Ah. Antes de acabar, organizam a narrativa como demarcadores ou balizadores da seqüência
narrativa.
Os circunstancializadores de modo Com tanto barulho, Nervosa e com medo,
também demarcam o texto de forma a se perceber o clima e o ambiente na trama.
97
Norma padrão/coloquial:
A linguagem apresenta traços de coloquialidade: água esperta, equipe de serviço e
tals, Só dava caixa postal, abri ela,“viu no que dá visitar minha casa?”, fizeram ela.
Quadro 17 - Análise da produção final de Rafaela
Pela categoria das marcas lingüísticas, a escolha lexical das expressões superstições e
sexta-feira 13, são determinantes para efeito da construção do conflito, porém a título de
interferência, discutiu-se que a primeira narrativa não caracteriza exatamente uma história de
assombração, mas de relato de um sonho assombroso ou pesadelo, acarretando fuga ao tema.
Na segunda produção a narrativa enquadrou-se na temática bem como na organização geral
do gênero.
Se a escolha lexical no primeiro conto contribuiu para a construção do conflito, a
segunda narrativa começa a ser construída com suspense pela descrição cinematográfica do
espaço e da circunstância: Era uma noite fria e uma escuridão como nunca havia visto. As
árvores balançavam de um lado para o outro sem parar. Da janela dava prá se escutar as
folhas caindo no chão e se espalhando com o vento. Fator que distinguiu significativamente
as duas narrativas para melhor desempenho na última.
A autora introduz na segunda produção o discurso indireto livre: eu vi uma janela
aberta e resolvi fecha-la estranho eu não me lembro de ter deixado qualquer janela aberta.
Pela categoria do contexto de produção, a enunciadora/personagem envolve o leitor não
somente pelo relato dos fatos com ela ocorridos, mas também no que ela revela pelo
pensamento. Esse recurso enriquece o enredo e visibilidade ao que se passa
introspectivamente com a personagem. Percebe-se, portanto, na segunda produção um texto e
uma narrativa mais elaborada em relação à primeira.
98
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objeto de estudo da pesquisa em questão toma por foco a leitura como trabalho de
construção de sentido do texto pela vertente interacionista de linguagem e a teoria dos gêneros
discursivos. Tal problemática procura discutir o quanto essa pedagogia da linguagem pode
contribuir para fazer do estudante um leitor e produtor de texto mais eficaz, levando-o a
ampliar sua visão de mundo, pelo conhecimento da realidade através da leitura e do domínio
dos gêneros discursivos advindos das diversas esferas sociais.
O objetivo desse trabalho é verificar a qualidade da leitura e escrita dos alunos
mediante a observação e interferência no processo de sua produção sob a orientação das
teorias mencionadas. Analisando as discussões com os alunos no desenvolvimento das
seqüências didáticas e comparando as duas produções escritas realizadas pelos alunos, é
possível afirmar com Barbosa (2003) que, com o emprego da pedagogia dos gêneros
discursivos nas aulas de língua materna, “há uma melhora sensível na produção e
compreensão de textos orais e escritos por parte dos alunos”.
O ensino de língua materna, pelo viés da concepção interacionista da linguagem,
ganha uma nova perspectiva e uma nova postura do educador. Quando o ensino da língua se
pauta pela meticulosa análise de frases isoladas, um exercício exaustivo e enfadonho que
pouco estimula o aluno a encarar o estudo da língua como objeto de sentido, veículo de
conhecimento e fonte de prazer, instala-se no âmbito escolar um marasmo que atrofia a
disciplina como instrumento do conhecimento, do pensar e do sentir estético. Porém quando a
concepção da linguagem se pauta pela interação, abre-se um horizonte novo, pois a ação
comunicativa ganha outra dimensão. Uma dimensão inaugurada por Bakhtin que assim se
pronuncia: “Na realidade, toda palavra comporta duas faces... Ela constitui justamente o
produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em
relação ao outro”. (BAKHTIN 1986, p. 113). Diante disso de se olhar por outro ângulo o
ensino de língua.
O trabalho com gêneros discursivos pode promover uma forma de conhecimento mais
complexa e contextualizada. Isso porque o conceito de gênero, longe de considerar somente
os aspectos formais e estruturais do texto, o amplia, pois incorpora elementos de caráter social
e histórico e cada gênero é tratado como oriundo de uma esfera social ideologicamente
significativa, que prevê um momento social e histórico, um enunciador, um destinatário, uma
99
intenção. E é preciso compreender o gênero sempre como fator ligado ao seu contexto social,
histórico e cultural.
O gênero de assombração, que serviu de suporte para essa pesquisa, contribui para o
aluno ler e escrever melhor. Esse gênero é conhecido e muito apreciado pelos participantes da
pesquisa-ação adolescentes de seus treze anos. Ao estudá-lo, diferente de apreciá-lo no
cinema ou na TV, experienciou-se o gênero pela dramaturgia dos alunos, pela leitura de
contos em livros da biblioteca, através da leitura e análise de cinco contos fantásticos de
assombração durante as aulas da pesquisa e pela sua produção escrita. A vivência pela leitura
desse gênero ajudou o aluno a entendê-lo como entretenimento, e também como
conhecimento de mundo e manifestação artística e literária.
A pesquisa organizada a partir da seqüência didática mostrou-se eficaz pelas seguintes
razões: primeiro porque os exercícios são organizados e pensados pelo próprio professor
regente, de tal forma que a interação com os alunos se torna muito mais significativa e
coerente, visto que é a voz do mestre que se manifesta em todo o complexo da organização
pedagógica, diferente da presença do livro didático em que o professor apenas prescreve as
orientações do autor do livro. Segundo porque o gênero a ser estudado é escolhido com vistas
ao público de alunos conforme suas características e necessidades e as atividades da seqüência
didática respondem novamente às dificuldades desses alunos. A seqüência didática ainda
permite que se trabalhe com agrupamentos de gêneros discursivos relacionados a diferentes
domínios sociais, tais como a literatura, ciência, arte, documentos, mídias, etc.
Na análise realizada pela observação das aulas através das seqüências didáticas, pode-
se considerar que: a leitura e a reflexão a partir dos contos escolhidos que integraram as SDs
contribuíram para motivar a leitura dos alunos, compreender palavras, conhecer contextos
sócio-históricos e culturais, discutir temáticas, reconhecer e escrever o gênero conto de
assombração pela sua configuração ou organização, pensar sobre os mecanismos enunciativos
pelas intencionalidades do enunciador e seus personagens, além de refletir sobre a linguagem
do gênero em pauta. A partir das duas produções escritas é possível afirmar que os textos
produzidos pelos alunos melhoraram quantitativa e qualitativamente, considerando
essencialmente o segundo aspecto, caráter dessa pesquisa. Respeitadas as categorias, os textos
apresentaram o seguinte desempenho na direção do aperfeiçoamento: no contexto de
produção personagens receberam maior cuidado pela descrição e caracterização com requinte
de avaliação axiológica; o espaço físico teve tratamento esmerado em algumas produções
finais, dada a sua importância em certas narrativas e isso com a consciência do autor; o
destinatário é outra categoria que se revelou como item importante para pensar e escrever o
100
conto; o recurso do suspense no interior da narrativa de assombração ocupou destaque nas
produções, uma vez que os alunos/escritores aprenderam que o trunfo para escrever esse
gênero está em criar um clima de espera angustiante antes do desfecho da história. A
categoria do conteúdo temático, em menor ocorrência, também figurou nas mudanças entre a
primeira e a segunda produção, para melhor na última. Quanto à categoria organização geral,
apenas um aluno revelou dificuldades na produção inicial. Na categoria marcas lingüísticas e
enunciativas, o destaque ficou primeiro com a utilização dos verbos não somente para marcar
o tempo, mas para sinalizar o movimento da ação dos personagens nos episódios. E, ainda, a
escolha lexical foi entendida por alguns alunos como fator importante de manipulação ou
indução a idéias.
Enfim, acredita-se que, além do resultado vislumbrado e exposto através das análises
dessa pesquisa, a importância desse trabalho seja a experiência realizada com os alunos, as
discussões realizadas na academia e o envolvimento com leituras dos inúmeros estudiosos da
área. Com tudo isso, o estudo e a descrição de mais um gênero discursivo pode servir de
referência aos professores interessados em criar as condições para que o estudante seja ao
mesmo tempo um leitor eficaz e um produtor de texto competente. Conseqüentemente, formar
um leitor crítico e cidadão, colaborar para que ele possa ampliar os seus horizontes e exercer a
cidadania da forma mais plena.
101
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107
Anexo 1
Encurtando caminho
Ângela Lago
Tia Maria, quando criança, se atrasou na saída da escola, e na hora em que foi voltar
para casa começava a escurecer. Viu uma outra menina passando pelo cemitério e resolveu
cortar, fazendo o mesmo trajeto que ela.
Tratou de apressar o passo até alcançá-la e se explicou:
- Andar sozinha no cemitério me um frio na barriga! Será que você se importa se
nós formos juntas?
- Claro que não. Eu entendo você – respondeu a outra. – Quando eu estava viva, sentia
exatamente a mesma coisa.
LAGO, Ângela. Sete histórias para sacudir o esqueleto. São Paulo: Companhia das
Letrinhas, 2002.
Sobre a autora
Ângela Lago
Ângela Lago nasceu em Belo Horizonte, em 1945. Já morou na Venezuela, na Escócia
e faz vinte anos que escreve e ilustra livros para crianças. Expôs seus trabalhos em muitos
países e teve livros publicados até no Japão. Ganhou prêmios na França, Espanha, Eslováquia,
Japão e Brasil, inclusive o Jabuti, com o ABC Doido. Única ilustradora brasileira selecionada
para integrar uma obra que reúne autores de vários países, Ângela recebeu uma homenagem
especial da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil durante o Salão FNLIJ do Livro
para Crianças e Jovens no MAM. Dois anos depois, em 2006, durante o Oitavo Salão FNLIJ,
a Coleção Virando onça - assinada por ela e publicada pela Rocco Jovens Leitores - recebeu o
selo Altamente recomendável na categoria Reconto.
Adaptado de:
<http://www.scipione.com.br/mostra_livro_paradidatico.asp?bt=2&id_livro=1355>. Acesso
em: 08 out. 2008.
108
Anexo 2
Maria Angula
Jorge Renan de la Torre
Maria Angula era uma menina alegre e viva, filha de um fazendeiro de Cayambe. Era
louca por uma fofoca e vivia fazendo intrigas com os amigos para jogá-los uns contra os
outros. Por isso tinha fama de leva-e-traz, linguaruda, e era chamada de moleca fofoqueira.
Assim viveu Maria Angula até os dezesseis anos, dedicada a armar confusão entre os
vizinhos, sem ter tempo para aprender a cuidar da casa e a preparar pratos saborosos.
Quando Maria Angula se casou começaram os seus problemas. No primeiro dia, o
marido pediu-lhe que fizesse uma sopa de pão com miúdos, mas ela não tinha a menor idéia
de como prepará-la.
Queimando as mãos com uma mecha embebida em gordura, acendeu carvão e levou
ao fogo um caldeirão com água, sal e colorau, mas não conseguiu sair disso: não fazia idéia de
como continuar.
Maria lembrou-se então de que na casa vizinha morava dona Mercedes, cozinheira de
mão-cheia, e, sem pensar duas vezes, correu até lá.
- Minha cara vizinha por acaso a senhora sabe fazer sopa de pão com miúdos?
- Claro, dona Maria. É assim: primeiro coloca-se o pão de molho em uma xícara de
leite, depois despeja-se este pão no caldo e, antes que ferva, acrescentam-se os miúdos.
- Só isso?
- Só, vizinha.
- Ah – disse Maria Angula -, mas isso eu já sabia!
E voou para a sua cozinha a fim de não esquecer a receita.
No dia seguinte, como o marido lhe pediu que lhe fizesse um ensopado de batatas com
toicinho, a história se repetiu:
- Dona Mercedes, a senhora sabe como se faz o ensopado de batatas com toicinho?
E como da outra vez, tão logo a sua amiga lhe deu todas as explicações, Maria Angula
exclamou:
- Ah! É só? Mas isso eu já sabia! – E correu imediatamente para casa a fim de prepará-
lo.
Como isso acontecia todas as manhãs, dona Mercedes acabou se enfezando. Maria
Angula vinha sempre com a mesma história: “Ah, é assim que se faz o arroz com carneiro?
Mas isso eu sabia! Ah, é assim que se prepara a dobradinha? Mas isso eu sabia!”. Por
isso a mulher decidiu dar-lhe uma lição e, no dia seguinte...
- Dona Mercedinha!
- O que deseja, dona Maria?
- Nada, querida, só que meu marido quer comer no jantar um caldo de tripas e bucho e
eu...
Ah, mas isso é fácil demais! disse dona Mercedes. E antes que Maria Angula a
interrompesse, continuou:
- Veja: ao cemitério levando um facão bem afiado. Depois espere chegar o último
defunto do dia e, sem que ninguém a veja, retire as tripas e o estômago dele. Ao chegar em
casa lave-os muito bem e cozinhe-os com água, sal e cebolas. Depois que ferver uns dez
minutos, acrescente alguns grãos de amendoim e está pronto. É o prato mais saboroso que
existe.
- Ah! – disse como sempre Maria Angula. É só? Mas isso eu já sabia!
E, num piscar de olhos, estava ela no cemitério, esperando pela chegada do defunto
mais fresquinho. Quando não havia mais ninguém por perto, dirigiu-se em silêncio à tumba
escolhida. Tirou a terra que cobria o caixão, levantou a tampa e... Ali estava o pavoroso
109
semblante do defunto! Teve ímpetos de fugir, mas o próprio medo a deteve ali. Tremendo dos
pés à cabeça, pegou o facão e cravou-o uma, duas, três vezes na barriga do finado e, com
desespero, arrancou-lhe as tripas e o estômago. Então voltou correndo para casa. Logo que
conseguiu recuperar a clama, preparou a janta macabra que, sem saber, o marido comeu
lambendo-se os beiços.
Nessa mesma noite, enquanto Maria Angula e o marido dormiam, escutaram-se uns
gemidos nas redondezas. Ela acordou sobressaltada. O vento zumbia misteriosamente nas
janelas, sacudindo-as e de fora vinham uns ruídos muito estranhos, de meter medo a qualquer
um.
De súbito, Maria Angula começou a ouvir um rangido nas escadas. Eram os passos de
alguém que subia em direção ao seu quarto, com um andar dificultoso e retumbante, e que se
deteve diante da porta. Fez-se um minuto eterno de silêncio e logo depois Maria Angula viu o
resplendor fosforescente de um fantasma. Um grito surdo e prolongado paralisou-a.
- Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da
minha santa sepultura!
Maria Angula sentou-se na cama, horrorizada, e, com os olhos esbugalhados de tanto
medo, viu a porta se abrir, empurrada lentamente por essa figura luminosa e descarnada.
A mulher perdeu a fala. Ali, diante dela, estava o defunto, que avançava mostrando-
lhe o seu semblante rígido e o seu ventre esvaziado.
- Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da
minha santa sepultura!
Aterrorizada, escondeu-se debaixo das cobertas para não vê-lo, mas imediatamente
sentiu umas mãos frias e ossudas puxarem-na pelas pernas e arrastarem-na gritando:
- Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da
minha santa sepultura!
Quando Manuel acordou, não encontrou mais a esposa e, muito embora tenha
procurado por ela em toda parte, jamais soube do seu paradeiro.
EDICIONES EKARÉ-BANCO DEL LIBRO (Coord.). Contos de Assombração. Co-edição
Latino-americana. São Paulo: Ática, 1986.
Sobre o autor
Jorge Renan de la Torre
“Maria Angula” é um conto de tradição oral equatoriana. Esta versão, foi escrita por Jorge
Renan de la Torre, a partir de um relato que lhe fez Maria Gómez, uma mulher de mais de
setenta anos, que vive no povoado de Otan. Jorge Renan de la Torre nasceu em Quito, em
1945, e já publicou contos, fábulas e obras de teatro infantil. A ilustradora Mariana Kuonqui
nasceu em Bahia de Caraquez, em 1951. Estudou na Escola de Artes Plásticas da
Universidade Central do Equador. Especializou-se em desenho e ilustração de livros infantis
e já recebeu vários prêmios em seu país.
EDICIONES EKARÉ-BANCO DEL LIBRO (Coord.). Contos de Assombração. Co-edição
Latino-americana. São Paulo: Ática, 1986.
110
Anexo 3
O FANTASMA ÚTIL
Daniel Defoe
Um cavalheiro residente no campo possuía na sua área um antigo mosteiro, em
ruínas, e resolveu demolir o que restava dele. Logo surpreendeu-se com os custos da
demolição e a remoção dos materiais. Astuto, ele imaginou uma estratégia para espalhar a
notícia de que a casa era mal-assombrada. Em pouco tempo todos os moradores da região
começaram a acreditar no fantasma, pois o cavalheiro contratara um cidadão para atravessar
correndo pelo interior das ruínas, envolvido num lençol branco, sempre que os moradores por
ali passassem nas noites escuras.
Foi grande o número de pessoas que ouviram aquelas histórias e, apesar de não
poderem distinguir de que se tratava, passaram a crer na mistificação imaginada pelo
proprietário. O contratado divertia-se também, fazendo com enxofre e outros materiais de
média combustão, a formação de lampejos de fogo e fumaça.
O plano surtiu seu efeito e o cavalheiro fantasiou ainda mais, passando a idéia de que
naquelas fundações haviam antigas moedas de grande valor. Então o contratado,
compreendendo a idéia do contratante, a cada saída fazia barulho com os pés parecendo estar
cavando. Na verdade o cavalheiro se mostrava indiferente com relação às moedas e alguns
cidadãos da aldeia não percebendo essa fingida displicência, propuseram fazer a escavação,
desde que lhes entregasse parte das moedas. Ávidos e certos do sucesso, propuseram pôr a
casa abaixo se ficassem com o dinheiro.
No entanto, o cavalheiro não concordou e achou a proposta injusta. Consentiria a
escavação, desde que transportassem todo o material e o lixo, empilhassem os tijolos e as
madeiras no pátio junto da casa, e se contentassem com a metade do dinheiro encontrado.
Eles acabaram concordando e puseram mão à obra. A primeira coisa que demoliram
foram as chaminés - um trabalho árduo. Temendo que desistissem, o cavalheiro escondeu
vinte e sete moedas de ouro num buraco, que fechou com tijolos. Quando encontraram o
dinheiro se entusiasmaram e correram para o cavalheiro, que se mostrou generoso e deixou
que todas as moedas fossem distribuídas entre eles, mas acrescentou que a partir dali as
moedas encontradas seriam divididas com ele.
Portanto, esse primeiro bocado fez com que os camponeses passassem a trabalhar com
redobrada dedicação. Tiveram ainda mais empenho quando descobriram vários objetos de
valor, assim considerados por eles originários da primitiva condição de mosteiro. E assim,
entre sonhos e a realidade, se animaram de tal forma que arrancaram do chão as raízes e
cavaram nos alicerces na busca das moedas.
Para o cavalheiro estava tudo resolvido a custo reduzido. No entanto, tão forte era a
convicção de que encontrariam mais dinheiro, que os aldeões continuavam a trabalhar
ininterruptamente, como se as almas das velhas monjas ou frades estivessem ainda
resguardando algum tesouro escondido, sem lhes permitir o repouso eterno, temendo que
tantos anos depois ele pudesse ser encontrado naquelas ruínas de duzentos anos.
DEFOE, Daniel. Contos de fantasmas. Porto Alegre: L&PM, 1997.
111
Sobre o autor
Daniel Defoe
Daniel Defoe (1660, Londres – 21 de Abril de 1731, Londres) foi um escritor e
jornalista inglês, famoso com o seu romance Robinson Crusoe, nascido como Daniel Foe,
provavelmente na paróquia de St.Giles Cripplegate.
Foi aluno de Charles Morton, cujo estilo, juntamente com aqueles de John Bunyan e
da oratória da época, poderá tê-lo influenciado construtivamente. Depois de acabados os
estudos, Defoe tornou-se comerciante, embora a sua tendência para a especulação não tenha
favorecido essa carreira.
Defoe escreveu panfletos famosos, muitos deles favoráveis a Guilherme III. Para além
disso, fundou e incrementou o jornal periódico The Review quase sozinho, desenvolvendo um
trabalho que viria a favorecer a afirmação dos famosos The Tatler e The Spectator.
Contudo, foi graças a Robinson Crusoe de 1719 que ficou famoso. Os críticos
consideram geralmente que a forma moderna do romance nasceu com esse texto narrativo,
que, partindo das memórias de alguns viajantes, nomeadamente do marinheiro escocês
Alexander Selkirk, configura um relato cuja verdade depende sobretudo da acumulação de
pormenores concretos.
Neste romance narra-se a história do único sobrevivente de um naufrágio que o isola
numa ilha aparentemente deserta. Assim se figura o percurso de uma personagem que, tudo
fazendo para conservar os valores da sua humanidade básica, afirmando-os sobre uma
natureza hostil e frequentemente incompreensível, acaba por ser adoptada pela História das
Ideias como um arquétipo dessa condição.
Em Moll Flanders de 1722, Daniel Defoe continuou a problematizar narrativamente os
percursos de personagens solitárias e em crise. Uma outra obra significativa é A Journal of the
Plague Year também de 1722, na qual constrói um relato de uma epidemia de peste com
admirável e original realismo.
Adaptado de: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Daniel_Defoe> Acesso em: 08 out. 2008.
112
Anexo 4
A menina e o barril
Júlio Emílio Braz
Ninguém sabe mais quanto tempo aconteceu, mas conta-se na aldeia que numa
certa ocasião havia entre nós uma jovem muito bonita. Ela e as amigas costumavam brincar
na praia e por vezes passavam grande parte do dia. Numa dessas manhãs, no vaivém das
ondas, encontraram uma bonita concha. Imaginando que poderiam encotrar outras tão ou mais
bonitas do que aquela, passaram um bom tempo procurando-as. De tal maneira entregaram-se
àquela tarefa que quando perceberam já se fazia noite e as primeiras estrelas brilhavam no
céu.
Preocupadas, todas partiram de volta para a aldeia. No entanto no meio do caminho, a
jovem lembrou-se da concha que deixara sobre algumas pedras e pediu às amigas que
voltassem à praia com ela. Temendo os espíritos que costumavam vagar pela floresta com a
chegada da noite, todas se recusaram. Teimosa e encantada com a beleza da concha, a jovem
resolveu ir sozinha. Tinha medo da escuridão, era bem verdade, e, para afugentar seus
temores, passou a cantar. Ao ver a praia, caminhou depressa para as pedras onde, segundo se
lembrava bem, deixara a concha. No entanto, qual não foi a sua surpresa ao encontrar no lugar
não a concha desejada, mas um duende, uma criatura pequena e de sorriso manhoso, que, ao
vê-la, apressou-se em dizer:
- Você tem uma voz muito linda, menina...
Cante para mim!
- Minha concha... – A jovem, com medo, quis correr.
- Cante para mim e eu lhe digo onde está a sua concha.
Ainda assustada, mas igualmente interessada em reaver a bela concha, ela o atendeu.
- Chegue mais perto para que eu possa ouvir melhor – pediu o duende.
A jovem se aproximou e foi se aproximar que ele, muito agilmente, agarrou-a e
meteu-a dentro de um barril. Em vão, ela gritou, suplicou e chorou, pedindo que ele a soltasse.
Presa e presa continuou.
Mais que depressa o duende colocou o barril nas costas e pôs-se a vagar de aldeia em
aldeia, trocando uma refeição por um bocado de boa música. Era sempre assim: ele chegava à
aldeia, fazia sua proposta e, aceita a proposta, batia no barril. Imediatamente, mesmo sem
saber o que estava acontecendo, mas com medo do que o duende poderia fazer-lhe de ruim, a
jovem punha-se a cantar.
Todos ficavam encantados com aquela voz melodiosa mas triste que emergia do barril.
Aliás, o encantamento era tamanho que as pessoas ofereciam mais e mais comida para que ele
não se fosse com o barril. O duende se enchia de comida até não poder mais e apenas as
sobras ficavam para a jovem, isto é, quando havia sobras.
O duende continuou indo de um canto para o outro durante um certo tempo. Sempre
com o barril nas costas e sempre tirando dele aquela música que encantava a todos e o
empanturrava de comida. Certo dia, os dois, duende e barril, acabaram chegando à aldeia
onde nascera e vivera a jovem prisioneira.
Desta vez, e como vinha acontecendo desde que colocara o barril sobre os ombros e
começara a ir de aldeia em aldeia, não foi nem preciso fazer a proposta. As pessoas pediram-
lhe para serem entretidas. Cheio de si e já antevendo uma farta refeição, o duende apressou-se
em atendê-los. No entanto os pais da jovem estavam entre os que ouviam e, mal ela começou
a cantar, eles reconheceram sua voz.
- É a nossa filha! Disse a mãe, emocionada, a alegria dando lugar à preocupação.
Como vamos fazer para tirá-la daquele barril?
113
Rapidamente o pai teve a idéia de, como a aldeia cobrira o duende de comida para que
ele não parasse a música, dar-lhe uma bebida bem forte. Assim fizeram com que bebesse até
dormisse. Enquanto ele dormia os pais da jovem a salvaram e em seu lugar dentro do barril
colocaram abelhas e formigas guerreiras, das mias ferozes que encontraram.
E se foi o duende sem de nada suspeitar, até que entrando na próxima aldeia e feita
sua proposta, ele bateu no barril. Formigas e abelhas se lançaram furiosamente sobre a infeliz
criatura e morderam, morderam, morderam. O duende fugiu para a mata e, depois disso, nem
ele nem o barril foram vistos.
BRAZ, Júlio Emílio; DANSA, Salmo. Lendas Negras: Histórias dos povos africanos. São
Paulo: Editora, 2006.
Sobre o autor
Júlio Emílio Braz
O conto A Menina e o Barril é uma versão escrita por Júlio Emílio Braz, a partir de
um conto africano de tradição oral. Nascido em abril de 1959, o autor é mineiro de
Manhumirim. Aos cinco anos mudou-se para o Rio de Janeiro. É autodidata, aprendeu a ler
sozinho revistas de terror a partir dos seis anos. A sua carreira de escritor começou por acaso.
Perdeu o emprego quando um amigo que trabalhava em uma editora insistiu que Julio
procurasse o editor das revistas de terror da Editora Vecchi e oferecesse seus trabalhos, o que
deu certo e até hoje há histórias em quadrinhos publicadas em várias editoras brasileiras e em
países como Bélgica, Cuba, EUA, França, Holanda e Portugal. Mais tarde passou a escrever
livro de bolso de bangue-bangue com 39 diferentes pseudônimos. Ganhou em 1986 o prêmio
Ângelo Agostini de melhor roteirista de quadrinhos e em 1988, publicou seu primeiro infanto-
juvenil, Saguairu, pela Editora Atual, rendendo-lhe o prêmio Jabuti de autor revelação no ano
de 1989. Publicou ainda 77 livros em 14 editoras diferentes, além de ter escrito roteiros para
o humorístico Os Trapalhões, da TV Globo e algumas mininovelas para a televisão do
Paraguai. Além disso, ganhou o prêmio Austrian Children Book Award, na Áustria, pela
versão alemã do seu Crianças na Escuridão (Kinder in Dunkeln); e, pelo mesmo livro, o Blue
Cobra Award, do Swiss Institute for Children’s Book.
Adaptado de: <http://www.moderna.com.br/catalogo/encartes/85-16-03512-3.pdf.>. Acesso
em: 08 out. 2008.
114
Anexo 5
As formigas
Lygia Fagundes Telles
Quando minha prima e eu descemos do táxi, era quase noite. Ficamos imóveis
diante do velho sobrado de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por
uma pedrada. Descansei a mala no chão e apertei o braço da prima.
- É sinistro.
Ela me impeliu na direção da porta. nhamos outra escolha? Nenhuma pensão nas
redondezas oferecia um preço melhor a duas pobres estudantes com liberdade de usar o
fogareiro no quarto, a dona nos avisara por telefone que podíamos fazer refeições ligeiras com
a condição de não provocar incêndio. Subimos a escada velhíssima, cheirando a creolina.
- Pelo menos não vi sinal de barata - disse minha prima.
A dona era uma velha balofa, de peruca mais negra do que a asa da graúna. Vestia um
desbotado pijama de seda japonesa e tinha as unhas aduncas recobertas por uma crosta de
esmalte vermelho-escuro, descascado nas pontas encardidas. Acendeu um charutinho.
- É você que estuda medicina? - perguntou soprando a fumaça na minha direção.
- Estudo direito. Medicina é ela.
A mulher nos examinou com indiferença. Devia estar pensando em outra coisa quando
soltou uma baforada tão densa que precisei desviar a cara. A saleta era escura, atulhada de
móveis velhos, desparelhados. No sofá de palhinha furada no assento, duas almofadas que
pareciam ter sido feitas com os restos de um antigo vestido, os bordados salpicados de
vidrilho.
Vou mostrar o quarto, fica no sótão -- disse ela em meio a um acesso de tosse. Fez um
sinal para que a seguíssemos. -- O inquilino antes de vocês também estudava medicina, tinha
um caixotinho de ossos que esqueceu aqui, estava sempre mexendo neles.
Minha prima voltou-se:
- Um caixote de ossos?
A mulher não respondeu, concentrada no esforço de subir a estreita escada de caracol
que ia dar no quarto. Acendeu a luz. O quarto não podia ser menor, com o teto em declive tão
acentuado que nesse trecho teríamos que entrar de gatinhas. Duas camas, dois armários e uma
cadeira de palhinha pintada de dourado. No ângulo onde o teto quase se encontrava com o
assoalho, estava um caixotinho coberto com um pedaço de plástico. Minha prima largou a
mala e, pondo-se de joelhos, puxou o caixotinho pela alça de corda. Levantou o plástico.
Parecia fascinada.
- Mas que ossos tão miudinhos! São de criança?
- Ele disse que eram de adulto. De um anão.
- De um anão? é mesmo, a gente vê que já estão formados... Mas que maravilha, é raro
a beça esqueleto de anão. E tão limpo, olha aí - admirou-se ela. Trouxe na ponta dos dedos um
pequeno crânio de uma brancura de cal. - Tão perfeito, todos os dentinhos!
- Eu ia jogar tudo no lixo, mas se você se interessa pode ficar com ele. O banheiro é
aqui ao lado, só vocês é que vão usar, tenho o meu embaixo. Banho quente extra. Telefone
também. Café das sete às nove, deixo a mesa posta na cozinha com a garrafa térmica, fechem
bem a garrafa recomendou coçando a cabeça. A peruca se deslocou ligeiramente. Soltou uma
baforada final: - Não deixem a porta aberta senão meu gato foge.
Ficamos nos olhando e rindo enquanto ouvíamos o barulho dos seus chinelos de salto
na escada. E a tosse encatarrada.
Esvaziei a mala, dependurei a blusa amarrotada num cabide que enfiei num vão da
veneziana, prendi na parede, com durex, uma gravura de Grassman e sentei meu urso de
pelúcia em cima do travesseiro. Fiquei vendo minha prima subir na cadeira, desatarraxar a
115
lâmpada fraquíssima que pendia de um fio solitário no meio do teto e no lugar atarraxar uma
lâmpada de duzentas velas que tirou da sacola. O quarto ficou mais alegre. Em compensação,
agora a gente podia ver que a roupa de cama não era tão alva assim, alva era a pequena tíbia
que ela tirou de dentro do caixotinho. Examinou- a. Tirou uma vértebra e olhou pelo buraco
tão reduzido como o aro de um anel. Guardou-as com a delicadeza com que se amontoam
ovos numa caixa.
- Um anão. Raríssimo, entende? E acho que não falta nenhum ossinho, vou trazer as
ligaduras, quero ver se no fim da semana começo a montar ele.
Abrimos uma lata de sardinha que comemos com pão, minha prima tinha sempre
alguma lata escondida, costumava estudar até de madrugada e depois fazia sua ceia. Quando
acabou o pão, abriu um pacote de bolacha Maria.
- De onde vem esse cheiro? - perguntei farejando. Fui até o caixotinho, voltei, cheirei
o assoalho. - Você não está sentindo um cheiro meio ardido?
- É de bolor. A casa inteira cheira assim - ela disse. E puxou o caixotinho para debaixo
da cama.
No sonho, um anão louro de colete xadrez e cabelo repartido no meio entrou no quarto
fumando charuto. Sentou-se na cama da minha prima, cruzou as perninhas e ali ficou muito
sério, vendo-a dormir. Eu quis gritar, tem um anão no quarto! mas acordei antes. A luz estava
acesa. Ajoelhada no chão, ainda vestida, minha prima olhava fixamente algum ponto do
assoalho.
- Que é que você está fazendo aí? - perguntei.
- Essas formigas. Apareceram de repente, já enturmadas. Tão decididas, está vendo?
Levantei e dei com as formigas pequenas e ruivas que entravam em trilha espessa pela
fresta debaixo da porta, atravessavam o quarto, subiam pela parede do caixotinho de ossos e
desembocavam lá dentro, disciplinadas como um exército em marcha exemplar.
- São milhares, nunca vi tanta formiga assim. E não tem trilha de volta, de ida -
estranhei.
- Só de ida.
Contei-lhe meu pesadelo com o anão sentado em sua cama.
- Está debaixo dela - disse minha prima e puxou para fora o caixotinho. Levantou o
plástico. - Preto de formiga. Me dá o vidro de álcool.
- Deve ter sobrado alguma coisa nesses ossos e elas descobriram, formiga descobre
tudo. Se eu fosse você, levava isso lá pra fora.
- Mas os ossos estão completamente limpos, eu disse. Não ficou nem um fiapo de
cartilagem, limpíssimos. Queria saber o que essas bandidas vem fuçar aqui.
Respingou fartamente o álcool em todo o caixote. Em seguida, calçou os sapatos e
como uma equilibrista andando no fio de arame, foi pisando firme, um pé diante do outro na
trilha de formigas. Foi e voltou duas vezes. Apagou o cigarro. Puxou a cadeira. E ficou
olhando dentro do caixotinho.
- Esquisito. Muito esquisito.
- O quê?
- Me lembro que botei o crânio em cima da pilha, me lembro que até calcei ele com as
omoplatas para não rolar. E agora ele está no chão do caixote, com uma omoplata de cada
lado. Por acaso você mexeu aqui?
- Deus me livre, tenho nojo de osso. Ainda mais de anão.
Ela cobriu o caixotinho com o plástico, empurrou-o com o pé e levou o fogareiro para
a mesa, era a hora do seu chá. No chão, a trilha de formigas mortas era agora uma fita escura
que encolheu. Uma formiguinha que escapou da matança passou perto do meu pé, ia
esmagá-la quando vi que levava as mãos à cabeça, como uma pessoa desesperada. Deixei-a
sumir numa fresta do assoalho.
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Voltei a sonhar aflitivamente mas dessa vez foi o antigo pesadelo em torno dos
exames, o professor fazendo uma pergunta atrás da outra e eu muda diante do único ponto que
não tinha estudado. Às seis horas o despertador disparou veementemente. Travei a campainha.
Minha prima dormia com a cabeça coberta. No banheiro, olhei com atenção para as paredes,
para o chão de cimento, a procura delas. Não vi nenhuma. Voltei pisando na ponta dos pés e
então entreabri as folhas da veneziana. O cheiro suspeito da noite tinha desaparecido. Olhei
para o chão: desaparecera também a trilha do exército massacrado. Espiei debaixo da cama e
não vi o menor movimento de formigas no caixotinho coberto.
Quando cheguei por volta das sete da noite, minha prima estava no quarto. Achei-a
tão abatida que carreguei no sal da omelete, tinha a pressão baixa. Comemos num silêncio
voraz. Então me lembrei:
- E as formigas?
- Até agora, nenhuma.
- Você varreu as mortas?
Ela ficou me olhando.
- Não varri nada, estava exausta. Não foi você que varreu?
- Eu?! Quando acordei, não tinha nem sinal de formiga nesse chão, estava certa que
antes de deitar você juntou tudo... Mas então quem?!
Ela apertou os olhos estrábicos, ficava estrábica quando se preocupava.
- Muito esquisito mesmo. Esquisitíssimo.
Fui buscar o tablete de chocolate e perto da porta senti de novo o cheiro, mas seria
bolor? Não me parecia um cheiro assim inocente, quis chamar a atenção da minha prima para
esse aspecto mas estava tão deprimida que achei melhor ficar quieta. Espargi água-de-colônia
flor de maçã por todo o quarto (e se ele cheirasse como um pomar?) e fui deitar cedo. Tive o
segundo tipo de sonho que competia nas repetições com o sonho da prova oral: nele, eu
marcava encontro com dois namorados ao mesmo tempo. E no mesmo lugar. Chegava o
primeiro e minha aflição era levá-lo embora dali antes que chegasse o segundo. O segundo,
desta vez, era o anão. Quando restou o oco de silêncio e sombra, a voz da minha prima me
fisgou e me trouxe para a superfície. Abri os olhos com esforço. Ela estava sentada na beira
da minha cama, de pijama e completamente estrábica.
- Elas voltaram.
- Quem?
- As formigas. Só atacam de noite, antes da madrugada. Estão todas aí de novo.
A trilha da véspera, intensa, fechada, seguia o antigo percurso da porta até o
caixotinho de ossos por onde subia na mesma formação a desformigar lá dentro. Sem
caminho de volta.
- E os ossos?
Ela se enrolou no cobertor, estava tremendo.
é que está o mistério. Aconteceu uma coisa, não entendo mais nada! Acordei pra
fazer pipi, devia ser umas três horas. Na volta senti que no quarto tinha algo mais, está me
entendendo? Olhei pro chão e vi a fila dura de formiga, você lembra? não tinha nenhuma
quando chegamos. Fui ver o caixotinho, todas trançando dentro, lógico, mas não foi isso o
que quase me fez cair pra trás, tem uma coisa mais grave: é que os ossos estão mesmo
mudando de posição, eu desconfiava mas agora estou certa, pouco a pouco eles estão...
estão se organizando.
- Como, organizando?
Ela ficou pensativa. Comecei a tremer de frio, peguei uma ponta do seu cobertor.
Cobri meu urso com o lençol.
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- Você lembra, o crânio entre as omoplatas, não deixei ele assim. Agora é a coluna
vertebral que está quase formada, uma vértebra atrás da outra, cada ossinho tomando seu
lugar, alguém do ramo está montando o esqueleto, mais um pouco e... Venha ver!
- Credo, não quero ver nada. Estão colando o anão, é isso?
Ficamos olhando a trilha rapidíssima, tão apertada que nela não caberia sequer um
grão de poeira. Pulei-a com o maior cuidado quando fui esquentar o chá. Uma formiguinha
desgarrada (a mesma daquela noite?) sacudia a cabeça entre as mãos. Comecei a rir e tanto
que se o chão não estivesse ocupado, rolaria por ali de tanto rir. Dormimos juntas na minha
cama. Ela dormia ainda quando saí para a primeira aula. No chão, nem sombra de formiga,
mortas e vivas, desapareciam com a luz do dia.
Voltei tarde essa noite, um colega tinha se casado e teve festa. Vim animada, com
vontade de cantar, passei da conta. na escada é que me lembrei: o anão. Minha prima
arrastara a mesa para a porta e estudava com o bule fumegando no fogareiro.
- Hoje não vou dormir, quero ficar de vigia - ela avisou.
O assoalho ainda estava limpo. Me abracei ao urso.
- Estou com medo.
Ela foi buscar uma pílula para atenuar minha ressaca, me fez engolir a pílula com um
gole de chá e ajudou a me despir.
- Fico vigiando, pode dormir sossegada. Por enquanto não apareceu nenhuma, não está
na hora delas, é daqui a pouco que começa. Examinei com a lupa debaixo da porta, sabe que
não consigo descobrir de onde brotam?
Tombei na cama, acho que nem respondi. No topo da escada o anão me agarrou pelos
pulsos e rodopiou comigo até o quarto, acorda, acorda! Demorei para reconhecer minha prima
que me segurava pelos cotovelos. Estava lívida. E vesga.
- Voltaram - ela disse.
Apertei entre as mãos a cabeça dolorida.
- Estão aí?
Ela falava num tom miúdo como se uma formiguinha falasse com sua voz.
- Acabei dormindo em cima da mesa, estava exausta. Quando acordei, a trilha
estava em plena. Então fui ver o caixotinho, aconteceu o que eu esperava...
- Que foi? Fala depressa, o que foi?
Ela firmou o olhar oblíquo no caixotinho debaixo da cama.
- Estão mesmo montando ele. E rapidamente, entende? O esqueleto está inteiro,
falta o fêmur. E os ossinhos da mão esquerda, fazem isso num instante. Vamos embora daqui.
- Você está falando sério?
- Vamos embora, já arrumei as malas.
A mesa estava limpa e vazios os armários escancarados.
- Mas sair assim, de madrugada? Podemos sair assim?
- Imediatamente, melhor não esperar que a bruxa acorde. Vamos, levanta.
- E para onde a gente vai?
- o interessa, depois a gente vê. Vamos, vista isto, temos que sair antes que o anão
fique pronto.
Olhei de longe a trilha: nunca elas me pareceram tão rápidas. Calcei os sapatos,
descolei a gravura da parede, enfiei o urso no bolso da japona e fomos arrastando as malas
pelas escadas, mais intenso o cheiro que vinha do quarto, deixamos a porta aberta. Foi o gato
que miou comprido ou foi um grito?
No céu, as últimas estrelas já empalideciam. Quando encarei a casa, só a janela vazada
nos via, o outro olho era penumbra.
TELLES, L. F. Os melhores contos. 5.ed. São Paulo: Global, 1988.
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Sobre a autora
Lygia Fagundes Telles
Lygia Fagundes Telles nasceu na capital paulista, em 19 de abril de 1923. No Instituto
de Educação de Campos foi aluna do professor Silveira Bueno de quem recebeu os primeiros
incentivos para a carreira literária. Formada em Educação Física, estudou na Faculdade de
Direito de São Paulo onde participou ativamente da vida literária universitária, integrando a
comissão de redação das revistas Arcádia e XI de Agosto.
Como funcionária pública, veio a
ser Procuradora do Estado. Foi presidente da Fundação Cinemateca Brasileira em São Paulo
durante quatro anos e também vice-presidente da União Brasileira de Escritores. Acostumou-
se a ouvir histórias contadas pelas pajens e por outras crianças. Em pouco tempo, começou a
criar seus próprios contos e, em 1931, alfabetizada, escreveu nas últimas páginas de seus
cadernos escolares as histórias que iria contar nas rodas domésticas. As primeiras narrativas
que ouviu falavam de temas aterrorizantes, com mulas-sem-cabeça, lobisomens e
tempestades. Em 1949, seu volume de contos O Cacto vermelho recebeu o Prêmio Afonso
Arinos da Academia Brasileira de Letras. Segundo o professor Antônio Cândido, seu romance
Ciranda de Pedra, publicado em 1954, seria o marco da sua maturidade intelectual. Sua obra
tem merecido a melhor crítica no Brasil e no exterior, com livros publicados com grande
sucesso. A presença de Lygia Fagundes Telles na vida literária brasileira é constante também
pela sua participação em congressos, debates e seminários.
Adaptado de: TELLES, L. F. Os melhores contos. 5.ed. São Paulo: Global, 1988.
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