ULTIMAMENTE venho sendo consumidor forçado de drágeas,
comprimidos, cápsulas e pomadas que me levaram a meditar na
misteriosa relação entre a doença e o remédio. Não cheguei ainda a
conclusões dignas de publicidade, e talvez não chegue nunca a
elaborá-las, porque se o número de doenças é enorme, o de
medicamentos destinados a combatê-las é infinito, e a gente sabe o
mal que habita em nosso organismo, porém fica perplexo diante dos
inúmeros agentes terapêuticas que se oferecem para extingui-lo. E de
experiência em experiência, de tentativa em tentativa, em vez de
acertar com o remédio salvador, esbarramos é com uma nova moléstia
causada ou incrementada por ele, e para debelar a qual se apresenta
novo pelotão de remédios, que, por sua vez.
De modo geral, quer me parecer que o homem contemporâneo está
mais escravizado aos remédios do que às enfermidades.
Ninguém sai de uma farmácia sem ter comprado, no mínimo, cinco
medicamentos prescritos pelo médico ou pelo vizinho ou por ele
mesmo, cliente. Ir à farmácia substitui hoje o saudoso hábito de ir ao
cinema ou ao Jardim Botânico. Antes do trabalho, você tem de passar
obrigatoriamente numa farmácia, e depois do trabalho não se esqueça
de voltar lá. Pode faltar-lhe justamente a droga para fazê-lo dormir,
que é a mais preciosa de todas. A conseqüente noite de insônia será
consumida no pensamento de que o uso incessante de remédios vai
produzindo o esquecimento de comprá-los, de modo que a solução
seria talvez montar o nosso próprio laboratório doméstico, para ter à
mão, a tempo e hora, todos os recursos farmacêuticos de que pode
necessitar um homem, doente ou sadio, pouco importa, pois todo
sadio é um doente em potencial, ou melhor, todo ser humano é
carente de remédio. Principalmente, de remédio novo, com
embalagem nova, propriedades novas e novíssima eficácia, ou seja,
que se não curar este mal, conhecido, irá curar outro, de que somos
portadores sem sabê-lo.
Em que ficamos: o remédio gera a doença, ou a doença repele o
remédio, que é absorvido por artes do nosso fascínio pela droga,
materialização do sonho da saúde perfeita, que a publicidade nos
impinge? Já não se fazem mais remédios merecedores de confiança?
Já não há mais doentes dignos de crédito, que tenham moléstias
diagnosticáveis, e só estas, e não, pelo contrário, males absurdos, de
impossível identificação, que eles mesmos inventaram, para desespero
da Medicina e da farmacopéia?
Há laboratórios geradores de infecções novas ou agravadores das
existentes, para atender ao fabrico de drogas destinadas a debelá-las?
A humanidade vive à procura de novos males, não se contentando
com os que já tem, ou desejando substituí-los por outros mais
requintados? Se o desenvolvimento científico logrou encontrar a cura
de males tradicionais, fazendo aumentar a duração média da vida
humana, por que se multiplicam os remédios, em vez de se lhe
reduzirem as variedades? Se o homem de hoje tem mais resistência
física, usufrui tantas modalidades de conforto e bem-estar, por que