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Quanto à ameaça do psicologismo, constante alvo de combate dos fenomenólogos, esta não
poderia deixar de ser enfrentada também no campo da reflexão estética. Aliás, foi a doutrina
psicologista contraponto e opositor constante do pensamento de Husserl. Enfim, a
fenomenologia nasce no contexto de uma acirrada polêmica contra o psicologismo, nele
identificando limitações que deveriam ser evitadas e superadas pela investigação
fenomenológica.
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No âmbito da reflexão estética, ocupar-se, unicamente, da atividade criadora, do fazer
artístico, mede forças com o risco de não escapar da inútil tentativa de penetrar os meandros
da atividade do gênio, reduzindo todo o fenômeno estético à atividade psicológica do autor da
obra de arte. Erro de perspectiva, tendencialmente psicologista, a ser evitado, pois estreita as
possibilidades da investigação, lançando-a no turbilhão das tentativas de se apoderar das
intenções da obra, presentes na psique do autor.
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Husserl polemizou, vivamente, contra uma tendência teórica por ele denominada psicologismo. Foi no contexto
do movimento de superação dos limites da corrente psicologista e, de algum modo, sempre em confronto com
estes limites, que floresceram as bases que conduziram Husserl à elaboração das Idéias. Esclarece J. F. Lyotard
que “o psicologismo contra o qual Husserl luta identifica sujeito do conhecimento e sujeito psicológico.”
(LYOTARD, Jean-François. A fenomenologia. São Paulo: Difusão Européia do Libro, 1967. p.13). Assim, sob a
denominação psicologismo, na verdade, poderiam ser encartadas diversas tendências intelectuais que, embora
distintas, guardam em comum as mesmas limitações: tais são o relativismo, o ceticismo e o subjetivismo. Todos
têm uma tendência a considerar a razão dependente, de algum modo, de algo não-racional. Em sua época, pelo
menos na leitura de Husserl, a psicologia, entendida como fonte de estudo de motivação não-racional, tendia a
relativizar a razão ou a torná-la dependente de algo distinto de si mesma. Assim, se compreende que o
psicologismo representasse mais uma tendência do que, propriamente, um tipo específico de teoria. Para usar
certas expressões husserlianas, seria conveniente pensar que, por exemplo, qualquer concepção que fizesse
dependentes “as categorias” de um “estado de desenvolvimento humano” ou da “constituição psico-física da
espécie homo” mereceria ser dita psicologista. Husserl defende que não se pode fazer confusão entre o ato
mental e a intenção deste mesmo ato. Aqui a chave da polêmica. Não podemos prosseguir indicando a solução
husserliana. Interessa registrar que a idéia de intencionalidade, herdada da freqüência de Husserl a Brentano,
aliada a um controle rígido das fontes do erro psicologista, conduzem Husserl à defesa da “filosofia como
ciência de rigor” e à tentativa de construção de uma “lógica transcendental”. Com isto, estariam superadas as
ameaças psicologistas. Como bem esclareceu José Luiz Furtado, trata-se de uma tentativa de combater a
“inconsistência do ceticismo psicologista”. Assim, continua, “compreendemos porque o primeiro tomo das
‘Investigações’ será dedicado a precisar a noção de essência em conexão com o ideal de rigor que anima a
investigação fenomenológica nascente” (FURTADO, José Luiz. Introdução à fenomenologia de Husserl.
Apostila destinada ao uso dos alunos do mestrado em estética e filosofia da arte, Universidade Federal de Ouro
Preto, 2006. p. 9) e, talvez, acrescentaríamos, perdurando estas aquisições como verdadeiras armas de combate
às constantes investidas da vertente psicologista. Por tudo, interessa aqui marcar o contexto em que emerge a
noção de intencionalidade, cuja releitura, levada a cabo por Dufrenne, na esteira da fenomenologia francesa,
forneceria os fundamentos para a defesa da hipótese segundo a qual a experiência estética comporta uma
significação ontológica.