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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO
ULBRA
A COLISÃO ENTRE A PRIVACIDADE DO EMPREGADO E A
LIVRE INICIATIVA NO MONITORAMENTO DA INTERNET
PELO EMPREGADOR
GUSTAVO FRIEDRICH TRIERWEILER
CANOAS, RS, MAIO DE 2008.
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2
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO
A COLISÃO ENTRE A PRIVACIDADE DO EMPREGADO E A
LIVRE INICIATIVA NO MONITORAMENTO DA INTERNET
PELO EMPREGADOR
GUSTAVO FRIEDRICH TRIERWEILER
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós – Graduação em Direito da
Universidade Luterana do Brasil para
obtenção do título de Mestre em
Direito
Orientador: Dr. Luciano Benetti
Timm
CANOAS, RS, MAIO DE 2008.
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3
A COLISÃO ENTRE A PRIVACIDADE DO EMPREGADO E A
LIVRE INICIATIVA NO MONITORAMENTO DA INTERNET
PELO EMPREGADOR
POR
GUSTAVO FRIEDRICH TRIERWEILER
Dissertação submetida ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Luterana do Brasil, como parte dos requisitos
necessários para obtenção do título de
Mestre em Direito
Área de Concentração: Direitos Fundamentais
Orientador: Prof. Dr. Luciano Benneti Timm
Comissão de Avaliação: Dra. Denise Estrella Teellini
Dr. Gerson Luiz Carlos Branco
Dr. Gilberto Stümer
Prof. Dr. Wilson Steinmetz
Coordenador do PPGDir
4
RESUMO
Esta dissertação considera a possibilidade de controlar o uso da Internet, pelo
empregador, no âmbito da relação de emprego, relativamente ao respeito aos direitos
fundamentais de ambas as partes. Para atingir este objetivo, analisa-se os direitos
fundamentais em seus pormenores, especialmente no que diz respeito à vinculação das
empresas privadas ou indivíduos aos direitos fundamentais. Em seguida, examina-se os
direitos fundamentais do empregador e do empregado, tais como o direito à privacidade,
propriedade privada, sigilo das comunicações eletrônicas, respeito a boa reputação,
comportamento e honra, resultantes do controle dos usos da Internet durante a relação entre
empregador e empregado. Além disso, aprecia-se as condições para uma ponderação entre os
direitos fundamentais e o monitoramento do uso da Internet pelo empregador à luz do
entendimento sobre o assunto dos especialistas em direito. Finalmente, especifica-se
considerações sobre a analise jurídica a respeito da possibilidade do empregador controlar a
Internet usada pelo empregado bem como os limites deste controle de tal modo que ele
necessariamente se atenha a observância dos direitos fundamentais eventualmente envolvidos
nestas limitações.
Definição de termos: [direitos fundamentais/monitoramento/internet/empregado/empregador].
5
ABSTRACT
This work takes into consideration the control of the use of Internet by the employee
on the sphere of relationship between employer-employee, regarding the respect for
fundamental rights by both sides. To achieve this aim, the fore mentionned work analyses the
fundamental rights in details, especially in what concerns binding private enterprises or
individuals to fundamental rights. Afterwards, the work examines fundamental rights of
employers end employees, such as the right for privacy, private ownership, electronical
communication secrecy, respect for good reputation, behaviour and honourableness, resulting
of the control of Internet uses during relationship between employer and employee. Besides,
the work examines the conditions of a comprommise between fundamental rights and
monitoring the use of Internet by the employer on the face of the understanding of the matter
by experts in law. At last, the work specifies considerations on juridical analysis of the
possibility for the employer of controlling Internet used by the employee as well as the limits
for this control in such a way that it shall necessarily abide to fundamental rights eventually
involved into these limitations.
Key words: [fundamental rights/Monitoring/Internet/ Employee/ Employer].
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 08
1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A VINCULAÇÃO DOS
PARTICULARES.................................................................................................................. 11
1.1 Contextualização histórica dos direitos fundamentais ...................................................... 11
1.2 A delimitação da idéia de direitos fundamentais .............................................................. 21
1.3 Características dos direitos fundamentais ......................................................................... 27
1.4 As famílias dos direitos fundamentais .............................................................................. 32
1.4.1 Crítica à nomenclatura “gerações de direitos fundamentais” ........................................ 32
1.4.2 As famílias dos direitos fundamentais ........................................................................... 34
1.5 A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ................................................. 37
1.5.1 Os direitos fundamentais como limites aos abusos de poder ......................................... 37
1.5.2 O exercício do poder na relação de emprego: o jus variandi ......................................... 40
1.5.3 Os fundamentos para vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ............... 44
1.5.4 Formas de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais (e a vinculação do
empregador)............................................................................................................................. 45
2. OS ATORES DA RELAÇÃO DE EMPREGO E SEUS DIREITOS
FUNDAMENTAIS ENVOLVIDOS NO MONITORAMENTO DA INTERNET ......... 52
2.1 A relação de emprego e seus atores .................................................................................. 52
2.1.1 O empregado .................................................................................................................. 53
2.1.2 O empregador ................................................................................................................. 55
2.2 A internet e seus impactos na relação de emprego ........................................................... 57
2.2.1 O que é a internet ........................................................................................................... 57
2.2.2 A popularização da internet ........................................................................................... 59
2.2.3 A internet é ambiente público ou privado? .................................................................... 60
2.2.4 A internet e a relação de emprego .................................................................................. 62
2.2.5 A internet, a relação de emprego e as questões jurídicas ............................................... 65
2.3 Os direitos fundamentais do empregado envolvidos no monitoramento da internet pelo
empregador .............................................................................................................................. 69
2.3.1 A noção de dignidade da pessoa humana ....................................................................... 70
2.3.2 O direito de privacidade, a intimidade e a vida privada ................................................. 76
2.3.3 O sigilo de correspondência e das comunicações .......................................................... 83
2.4 Os direitos fundamentais do empregador envolvidos no monitoramento da internet no
ambiente de trabalho ............................................................................................................... 87
2.4.1 A livre iniciativa ............................................................................................................. 89
2.4.2 A propriedade privada (e o poder de direção) ................................................................ 93
7
2.4.3 A imagem e a honra do empregador .............................................................................. 96
2.5 A perspectiva do intérprete na análise do conflito de direitos fundamentais envolvidos no
monitoramento da internet pelo empregador .......................................................................... 98
3. A PONDERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃO DE
EMPREGO........................................................................................................................... 101
3.1 Considerações iniciais ..................................................................................................... 101
3.2 A limitação de direitos fundamentais .............................................................................. 102
3.3 As possíveis conseqüências da aniquilação de direitos fundamentais em colisão no
monitoramento da internet na relação de emprego ............................................................... 105
3.3.1 A aniquilação dos direitos fundamentais do empregado e algumas de suas possíveis
conseqüências ........................................................................................................................ 105
3.3.2 A aniquilação dos direitos fundamentais do empregador e algumas de suas possíveis
conseqüências ........................................................................................................................ 109
3.3.3 A impossibilidade de aniquilação dos direitos fundamentais ...................................... 115
3.4 A ponderação dos direitos fundamentais na relação de emprego ................................... 118
3.5 Como os juristas vêm entendendo o monitoramento da internet na relação de emprego
................................................................................................................................................ 123
3.5.1 O posicionamento contrário ao monitoramento da internet pelo empregador ............. 123
3.5.2 O posicionamento favorável ao monitoramento da internet pelo empregador ............ 126
3.5.2.1 A publicidade e boa-fé na conduta do empregador ................................................... 130
3.6 A proposta de uma conjugação de elementos ................................................................. 133
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 138
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 142
8
INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios da atualidade é a relação entre os avanços tecnológicos e as
tutelas das liberdades. A globalização acarreta a necessidade de planejamento a respeito da
relação entre direitos individuais e as novas tecnologias, notadamente a decorrente da
revolução cultural e social propiciada pela internet, pois em razão dessa revolução, a cada dia,
o mundo está mais próximo e rápido.
Atualmente, entre todas as formas que as novas tecnologias adotam, com segurança, a
internet representa o grande fenômeno na atualidade. A internet é um passo decisivo no
avanço dos sistemas de informática e comunicação para a escala planetária (globalizada), pois
possibilita a comunicação instantânea com o mundo todo, no mesmo minuto e sem sair de
casa.
A globalização propiciada pelas novas tecnologias torna necessário que a sociedade
estabeleça padrões mínimos de direto e valores como garantias universais. Assim, as
novas tecnologias criam novos paradigmas ou, pelo menos, obrigam a sociedade a adequá-los
ao tempo atual.
Pérez Lunõ salienta que “Una de las cuestiones de mayor actualidad y relavancia es la
que se hace patente la exigencia de la ‘consciencia tecnológica’ de los juristas y politólogo
auspiciada por Frosini, es la evaluación del impacto de Internet en los sistemas jurídicos
actuales. Dicha ‘conciencia tecnológica supone una actitud reflexiva crítica y responsable ante
los nuevos problemas que, en las diversas esferas del acontecer social suscita la tecnología, y
ante los que ni el derecho ni los derechos humanos pueden permanecer insensibles’”
1
.
1
2005, p. 9-10.
9
A Internet, portanto, ao mesmo tempo em que propicia constante atualização e troca
de informações, oculta perigos capazes de violar direitos fundamentais, notadamente o direito
à privacidade e ao sigilo de comunicações e, assim, a própria dignidade da pessoa.
E todo esse contexto se reproduz no âmbito da relação de emprego. Nesta,
especificamente, o assunto em voga são a possibilidade do empregador monitorar a internet
e suas ferramentas concedidas ao empregado no âmbito da relação de emprego e, em sendo
possível, os limites da atuação patronal. É justamente sobre isso que versa o presente trabalho.
Para atingir sua finalidade, o estudo será dividido em 03 capítulos, com enfoque não
apenas jurídico, mas também social e filosófico.
No primeiro capítulo, serão abordadas questões gerais a respeito dos direitos
fundamentais (contextualização e delimitação dos direitos fundamentais) e a possibilidade de
vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, além das possíveis formas de
vinculação.
Na segunda parte, tratar-se-á a respeito de quem são os atores da relação de emprego
o empregado e o empregador –, sobre a internet e seus impactos na sociedade, notadamente na
relação de emprego e, por fim, a respeito dos direitos fundamentais de empregados e de
empregadores – separadamente – em conflito no ato de monitoramento da internet pelo
empregador.
A terceira e última parte versará a respeito da ponderação de direitos fundamentais,
enfatizando a impossibilidade de preterição isolada dos direitos fundamentais de empregados
em detrimento dos direitos fundamentais do empregador e vice-versa. Apresentará, ainda,
uma visão crítica a respeito dos argumentos ventilados a favor e contra o monitoramento da
internet pelo empregador para, ao final, apresentar as considerações particulares a respeito da
possibilidade e eventuais limites ao monitoramento da internet pelo empregador.
A intenção não é analisar simplesmente se pode haver o monitoramento ou não, mas, à
luz do exame do conflito entre os direitos fundamentais de empregados e empregadores
envolvidos no monitoramento da internet, justificar a posição. Isto é importante porque,
considerando as características dos direitos fundamentais, em especial a irrenunciabilidade,
10
não poderia ser válido um ato de “renúncia” ou mesmo uma “normatização” privada se
efetivamente se tratar de uma violação aos direitos fundamentais do empregado o
monitoramento da utilização da internet.
O mérito do presente trabalho é a aproximação entre a teoria dos direitos fundamentais
e o direito do trabalho. Nesse sentido, a ambição é aproximar a teoria geral dos direitos
fundamentais e o direito do trabalho e, por sua vez, oxigenar a fundamentação jurídica em
torno da possibilidade de monitoramento da internet pelo empregador, em especial no enfoque
constitucional, mas também mediante o destaque de questões e princípios específicos do
direito do trabalho, maximizando a interlocução entre esses ramos do direito.
Não se está aqui, por óbvio, a querer sustentar uma justificativa absoluta ou
irrefutável, especialmente se considerarmos a grande controvérsia e a novidade do tema, mas
apenas a revisar conceitos e idéias que, ao analisar determinadas questões, são ignorados ou
mesmo aplicados de forma imperfeita, em especial na seara do direito do trabalho. A partir
disso, pretende-se expor conclusões próprias, visando acrescentar mais um prisma para a
análise do conflito envolvendo os direitos fundamentais em confronto no monitoramento da
internet pelo empregador.
11
1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES
1.1 Contextualização histórica dos direitos fundamentais
O histórico dos direitos fundamentais se desenvolve e se transforma na medida das
modificações sociais e, conseqüentemente, estatais. E, para que seja possível entender o
porquê dos direitos fundamentais, a sua atualidade e especular sobre o seu futuro em termos
de concretização se faz necessário observar a evolução social e a modificação dos modelos
de Estado
2
.
Até chegarmos no modelo de Estado atual
3
, a organização estatal passou por
significativas modificações. De acordo com os ensinamentos de Maluf
4
, a classificação da
evolução histórica estatal é dividida em quatro épocas: a Idade Antiga, a Idade Média, a
Renascença e a Idade Moderna. Considerando o objetivo momentâneo – analisar o surgimento
dos direitos fundamentais – pretende-se abordar os modelos de Estado dentro da Idade
Moderna, visto que é a época histórica que marca o surgimento dos direitos fundamentais.
2
“A maioria dos autores sustentam que os direitos fundamentais têm uma longa história. quem vislumbre
suas primeiras manifestações no direito da Babilônia desenvolvido por volta do ano 2000 a.C., quem os
reconheça no direito da Grécia Antiga e da Roma Republicana e quem diga que se trata de uma idéia enraizada
na teologia cristã, expressa no direito Europeu Medieval. Estas opiniões carecem de fundamentos históricos.”
(DIMOULIS; MARTINS, 2007. p. 23) De acordo com Dimoulis e Martins (2007. p. 24) “para se falar em direito
fundamentais, deve-se constatar a presença de três elementos”: Estado, indivíduo e texto normativo regulador
entre Estado e indivíduos.
Nesse sentido, Ferreira Filho (2006. p 12) destaca que a Magna Carta (1215), formalmente outorgada por João
sem Terra, é resultado de um acordo entre esse rei e os barões revoltados, apoiados pelos burgueses. Consiste
“na enumeração de prerrogativas garantidas a todos os súditos da monarquia. Tal reconhecimento de direitos
importa numa clara limitação do poder, inclusive com a definição de garantias específicas em caso” de sua
violação. Estabelecia, por exemplo, a exigência do “crivo do juiz relativamente à prisão de homem livre”,
liberdade de ir e vir, a propriedade privada, a graduação da pena à importância do delito.
3
“O Estado contemporâneo nasce, no final do século XVIII, de um propósito claro, qual seja o de evitar o
arbítrio dos governantes.” (FERREIRA FILHO, 2006. p. 1) Era o descontentamento contra um poder que atuava
sem lei nem regras. Assim a primeira meta foi estabelecer um governo de lei e não de homens. Surge então o
Estado de Direito que “significa que o Poder Político está preso e subordinado a um Direito Objetivo, que
exprime o justo.” (FERREIRA FILHO, op. cit. p. 2). O “legislador humano – e isto se aplica ao Poder
Legislativo da doutrina da Separação dos Poderes – apenas declara a lei, não a faz.” (FERREIRA FILHO, op. cit.
p. 2).
4
1995. p. 92-93
12
Em oposição ao Estado do absolutismo monárquico, do período da Renascença, houve
reações chamadas de antiabsolutistas
5
(lutas contra o absolutismo), comandadas
intelectualmente principalmente por John Locke
6
. É nesse contexto que emerge a Idade
Moderna; sobretudo, a Idade Moderna consolidou-se através da afirmação dos direitos
naturais do homem.
Desta luta, através da Revolução Francesa, foi implantada a primeira forma de Estado
Moderno: o Estado Liberal.
Com esta evolução social, da superação do absolutismo monarca
7
(onde a figura
divina do monarca concentrava o poder absoluto, com poder de decisão em todos os aspectos
políticos, econômicos, jurídicos, etc), houve a pregação da limitação da autoridade real pela
soberania do povo.
Foi concomitante a estes fatos históricos que o povo sentia a ausência da garantia dos
seus direitos, ocasião em que o Estado reconheceu
8
os direitos fundamentais
9
aos indivíduos.
Como bem define Barroso
10
:
A Constituição liberal, que deu o primado à sociedade, com os direitos
fundamentais [...] fez o Estado cair sob a égide da separação de poderes, um
princípio organizatório derivado do conceito de liberdade e estabelecido
como valor para instituir a hegemonia da Sociedade sobre o poder estatal.
Dentro da Sociedade liberal, os direitos fundamentais eram os direitos da
5
Os movimentos político-sociais que influenciaram foram: Revolução Inglesa, Bill of Rights, em 1689,
fortemente influenciada por John Locke; Revolução Americana, declaração da independência, em 1776;
Revolução Francesa, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, fortemente influenciada por
Rousseau. Frise-se, para caracterizar um Estado democrático é necessário: supremacia da vontade popular,
preservação da liberdade e igualdade de direitos.
6
Segundo Maluf (1995. p. 121) “A obra de Locke é a justificação doutrinária da revolução de 1688, e, ao mesmo
tempo, o alicerce do magnífico sistema parlamentarista que vigora na Inglaterra desde 1695”.
7
“O Estado Moderno nasceu absolutista e durante alguns culos todos os defeitos e virtudes do monarca
absoluto foram confundidos com as qualidades do Estado [...]” (DALLARI, 2005. p. 278).
8
FERREIRA FILHO (op. cit. p. 22) afirma que “Os direitos enunciados não são ai instituídos, criados, são
‘declarados’, para serem recordados.”
Neste sentido, leciona Carl Schmitt (1996, p. 169), que “en el Estado burgués de Direcho son derechos
fundamentales sólo aquellos que pueden valer como anteriores y superiores al Estado, aquellos que el Estado, no
es que otorgue con arreglo a sus leyes, sino que reconoce y protege como dados antes que él”.
9
É necessário ter cautela para não confundir direitos fundamentais com direitos humanos, conforme se
distinguirá no item 1.2 a adiante.
10
1985. p. 342-343.
13
liberdade, traçados segundo uma imagem isolante e individualista, pertinente
à liberdade pessoal, à propriedade, à inviolabilidade do domicílio e da
correspondência, às liberdades de opinião, assembléia, reunião e crença
religiosa, entre outras. Tinham, pois, todos esses direitos uma função
delimitadora, defensiva, específica, de resistência ou oposição ao Estado.
Eram, para assim dizer, concebidos primacialmente nessa linha clássica do
pensamento liberal como direitos subjetivos públicos de defesa, tendo-se em
vista as eventuais acometidas do Estado contra a liberdade e a propriedade.
Com a instituição do Estado Liberal
11
, o individualismo passa a preponderar, pois na
verdade, a sociedade da época buscava do Estado a igualdade, a proteção da liberdade para
gerar riquezas e proteção da propriedade destas riquezas. Neste mesmo sentido, Dallari
12
:
[...] O Estado Liberal, resultante da ascensão política da ‘burguesia’, organizou-se
de maneira a ser o mais fraco possível, caracterizando-se como o Estado mínimo
ou o Estado polícia, com funções restritas quase que à mera vigilância da ordem
social e à proteção contra ameaças externas. Esta orientação política favoreceu a
implantação do constitucionalismo e da separação dos poderes, pois ambos
indicavam o enfraquecimento do Estado e, ao mesmo tempo, a preservação da
liberdade de comércio e de contrato, bem como do caráter basicamente
individualista da sociedade.
Desta forma, verifica-se que foi no modelo de Estado Liberal que surgiram os direitos
fundamentais; entretanto, apenas os direitos fundamentais na sua forma negativa (de
abstenção), como direitos de defesa do indivíduo contra o estado. A pretensão social era que o
Estado interviesse o mínimo possível, sem ingerência na esfera da vida privada (economia e
sociedade), apenas tendo a função de proteger e garantir as liberdades individuais.
Scott
13
ensina que o liberalismo, modelo econômico do Estado Liberal, prega a
liberdade plena mediante uma visão individualista:
O liberalismo, tão essencial à caracterização do Estado ocidental moderno, nasceu
como uma nova visão global do mundo, advinda da conjugação do racionalismo dos
séculos XVII e XVIII das diretrizes racionalistas que situaram o homem no centro
11
“Embora existam, residualmente, áreas infensas a uma regulação formal, a resposta é afirmativa. O próprio
constitucionalismo moderno surgiu para dar feição jurídica ao liberalismo burguês, no acerto de contas com a
monarquia absolutista, que naquela fase do desenvolvimento capitalista tornara-se um empecilho ao casamento
final e indissolúvel entre o poder econômico e o poder político, o que vale dizer, à conquista do Estado pela
burguesia. Surge assim, um Direito Constitucional normativo e eficaz, como técnica de proteção da liberdade e
da propriedade, limitando o poder monárquico, despersonalizando o direito e regulando o processo
representativo” (BARROSO, 1996. p. 68).
12
2005. p. 280.
13
2000. p 40.
14
da sociedade, levando-o a se opor contra o absolutismo com o liberalismo
econômico de Adam Smith, tornando-se a expressão revolucionária de uma ética
individualista voltada para a noção de liberdade plena e servindo de elemento
essencial à composição da nova estrutura social empregada na satisfação das
necessidades econômicas do homem moderno: a estrutura capitalista.
A crítica seria que, apesar do Estado Liberal ser teoricamente realizável, em muito se
afastou da realidade. Poderia ser sustentado que o liberalismo desconsiderou, especialmente, a
revolução industrial iniciada na Inglaterra em 1770 (sendo possível defender que ao
contrário o liberalismo contribuiu para o capitalismo individual), a qual modificou
drasticamente a realidade social dos países, criando problemas sociais até então
desconhecidos.
Neste mesmo sentido Scott
14
:
Segundo as regras do pensamento econômico liberal, o Estado deveria assumir os
deveres de legislar, gerir o próprio patrimônio, prover às suas despesas, proteger a
sociedade da invasão e violência externa, proteger um membro da sociedade da
opressão do outro, garantir o rigor na administração da justiça, erigir e manter certas
obras e serviços que, necessários sob o ponto de vista da sociedade, jamais
conseguiriam, em razão da sua natureza, compensar economicamente os esforços
empreendidos por um particular ou grupo de particulares. Como conseqüência, dessa
visão, a organização estatal se manteve afastada do universo dos indivíduos, da sua
plena liberdade econômica.
O problema
15
se deu, especialmente, porque o Estado Liberal assegurava os mesmos
direitos e oportunidade a todos, ainda que estas pessoas fossem completamente diferentes,
como defende Maluf
16
[...] Perante o Estado não havia fortes ou fracos, poderosos ou
humildes, ricos ou pobres [...]”. Ou seja, havia uma igualdade formal neste modelo de Estado
e não uma igualdade material, a qual deveria tratar de forma desigual os desiguais para neste
momento atingir a igualdade.
14
2000. p 41.
15
“Mas por outro lado, faltaria perspectiva histórica ao diagnóstico de que a tentativa de juridicizar o avanço
social fracassou. É fato que indícios ostensivos sugerem tal conclusão, como a progressiva pauperização das
massas, sobretudo no Terceiro Mundo. A matéria, todavia não comporta um juízo precipitado. Basta ter em vista
que muitos culos se passaram entre o surgimento da burguesia, pouco antes do término da Idade Média, e sua
final ascensão ao poder, com a Revolução Francesa, inaugurando o constitucionalismo liberal. O
constitucionalismo social data de pouco mais de meio século. Ademais, o processo de juridicização dos fatos
político-econômico, sem desprender-se de seu indispensável ímpeto transformador, não pode perder a sintonia
com a realidade, num avanço teórico ineficaz” (BARROSO, 1996. p. 69).
16
1995. p. 131.
15
Conforme afirma Carlos Weis
17
:
[...] deplorável situação da população pobre das cidades industrializadas da Europa
Ocidental, constituída sobretudo por trabalhadores expulsos do campo e/ou atraídos
por ofertas de trabalho nos grandes centros. Como resposta ao tratamento oferecido
pelo capitalismo industrial de então, e diante da inércia do próprio Estado Liberal, a
partir de meados do século XIX floresceram diversas doutrinas de cunho social
defendendo a intervenção estatal como forma de reparar a iniqüidade vigente.
A partir dos fatos acima narrados, Ana Paula Tauceda Branco
18
identifica que:
[...] os direitos fundamentais sociotrabalhistas nascem no século XIX, no seio dos
países europeus industrializados, e são adotados pela doutrina constitucional,
fazendo parte da segunda dimensão dos direitos humanos que se materializa nos
Direitos Sociais, Econômicos e Culturais “DESC´s”, quando, no cenário acima
descrito, a Encíclica Rerum Novarum e as obras de Karl Marx surgem como forte
influência de crítica ao pensamento liberal, denunciando que o tão veemente
propagado direito à igualdade, na verdade, restou conquistado em nível meramente
formal.
[...] a sociedade que se formou demonstrava claramente ser necessária a luta por
uma outra plataforma emancipatória, que havia restado inviabilizado o exercício
substancial do direito à liberdade e somado ao fato da constatação de um descaso
absoluto com igualdade material, diagnosticava-se, no seio desta mesma sociedade,
que, na prática, tais direitos formalmente declarados somente estavam servindo
como instrumentos de manipulação da burguesia para [...] contratar a tudo e a todos
a seu bel-prazer, tendo em vista que, à época, o que imperava nas sociedades das
nações européias industrializadas era uma enorme contradição entre os ditos direitos
divulgados de forma clara e formal nas Declarações de Direitos Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão na França de 1793, na Constituição Francesa de
1881 e a prática da realidade social vivenciada por uma ampla maioria do povo
e, especialmente, dos trabalhadores uma vez que os referidos valores não eram
reconhecidos a todas as pessoas, o que acabou por levar sindicatos e partidos
operários a reivindicarem a intervenção Estatal na vida econômica e social,
regulamentando o mercado de trabalho.
Em apertada síntese, podemos resumir o que até aqui foi exposto da seguinte forma:
no inicio, era a nobreza e o clero quem dominava as demais classes. Posteriormente, na fase
do Estado Liberal, o capitalismo ascende e, para combatê-lo, reações não apenas das
classes anteriormente dominantes (realeza e igreja), mas do proletariado (que deseja ser
reconhecido e ter acesso a melhores condições de vida). A repercussão para a sociedade
decorrente do contexto histórico da época em especial as péssimas condições de vida e
sociais – são explicitadas por Ana Paula Tauceda Branco
19
:
17
1999. p. 38-39.
18
2007. p.42
19
2007. p. 43.
16
[...] se estava diante de uma crise social sem precedentes, [que] não interessava a
ninguém nem mesmo à burguesia, que sem dúvidas tinha ciência de que num
eventual episódio de contestação não pacífica e organizada do proletariado operário
em relação às condições de trabalho às quais estava submetido, era ela quem seria a
primeira vitima, seja no que concerne à provável depredação de seu patrimônio, seja
quanto às suas vidas e de seus familiares –, uma vez que o mencionado caos
certamente não se sustentaria por mais muito tempo, o século XIX acaba por se
tornar um momento histórico fértil para divulgar e propagar as idéias do movimento
socialista, bem como para que o Estado assumisse alguns direitos sociais em favor
do proletariado – e demais necessitados [...]
Diante de todos estes acontecimentos, perante o desequilíbrio e conflitos sociais, o
Estado Liberal nada fez, limitando-se a garantir a ordem pública, deixando perceber a
falibilidade dos conceitos de igualdade e liberdade. Em face desta realidade, a população
passou a reagir violentamente contra as injustiças sociais, obrigando o Estado Liberal,
ameaçado pelo totalitarismo do fascismo e nazismo, a optar entre a sua reforma ou seu
perecimento
20
. Compartilhando do mesmo posicionamento, Dallari
21
afirma que“[...] Foi isso
que estimulou, no século XIX, os movimentos socialistas e, nas primeiras décadas do
século XX, um surto intervencionista que já não poderia ser contido”.
Desta forma, nos locais onde o Estado permaneceu inerte houve a transformação
violenta, desaparecendo o Estado Liberal e apontando o Estado revolucionário, como na
Rússia, na Itália, na Alemanha, na Polônia, na Turquia, entre outros. E, nos locais onde o
Estado se modificou paulatina e pacificamente, através de reformas constitucionais e medidas
legislativas, houve a evolução e harmonização do Estado Liberal
22
para o Estado social-
democrata
23
.
A partir do contexto histórico, Ferreira Filho
24
explica que:
Ao término da primeira Guerra Mundial [...] novos direitos foram reconhecidos. São
os direitos econômicos e sociais que não excluem nem negam as liberdades públicas,
mas a elas se somam. Consagra-os a Constituição alemã de 1919, a Constituição de
Weimar, por isso ganhou imortalidade.
20
MALUF, 1995. p. 131.
21
2005. p. 281.
22
“[...] Do Estado Liberal caracterizado primordialmente pela sua destinação exclusiva à preservação da
ordem, segurança e paz – passamos ao que se convencionou chamar, em traços largos, Estado Social – quando se
concebe como instrumento de justiça social e desenvolvimento” (GRAU, 1981. p. 18).
23
MALUF, 1995. p. 133.
24
2006. p. 41.
17
Assim, dada a concepção teórica originada da crítica socialista e sociológica da
necessidade de desenvolver um Estado atuante na seara social, ampliando os direitos
fundamentais (que no Estado Liberal estavam limitados a esfera negativa), visando a
restabelecer a harmonia e a paz da sociedade, a minimizar a esfera individual e dilatar a
social, inclusive através dos direitos fundamentais na sua esfera positiva, é que surgiu o
Estado Social
25
.
Corroborando com este entendimento, Barroso
26
:
Os direitos econômicos, sociais e culturais, identificados, abreviadamente, como
direitos sociais, são de formação mais recente, remontando à Constituição mexicana,
de 1917, e à de Weimar, de 1919. Sua consagração marca a superação de uma
expectativa estritamente liberal, em que se passa a considerar o homem para além de
sua condição individual. Com eles surgem para o Estado certos deveres de
prestações positivas, visando à melhoria das condições de vida e à promoção da
igualdade material. A intervenção estatal destina-se a neutralizar as distorções
econômicas geradas na sociedade, assegurando direitos afetos à segurança social, ao
trabalho, ao salário digno, à liberdade sindical, à participação no lucro das empresas,
à educação, ao acesso à cultura, dentre outros. Enquanto os direitos individuais
funcionam como um escudo protetor em face ao Estado, os direitos sociais operam
como barreiras defensivas do indivíduo perante a dominação de outros indivíduos.
Acerca da criação dos direitos fundamentais sociais a prestação, decorrência da
“evolução” do Estado Social, convém analisar a lição de Scott
27
“Os influxos da ideologia
socialista tiveram tamanha repercussão sobre o sistema econômico dos países de estrutura
econômica capitalista que acabou se tornando a principal causa do surgimento do [...] Estado
Social”. No mesmo sentido é o entendimento de Barroso
28
, que destaca: A Constituição
alemã de Weimar, em 1919 [...] foi o princípio do Estado Social, [...] provocando a aparição
dos chamados direitos sociais”.
De acordo com Scott
29
:
25
O Estado social está assentado em três documentos históricos: Constituição Mexicana, de 1917; Constituição
Alemã, de 1919; Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, advinda da Rússia revolucionária
(socialista), de 1917-1918.
26
1996. p. 99.
27
2000. p. 53.
28
1985. p. 343.
29
2000. p. 54-55.
18
Desde o fim da primeira guerra mundial quando os interesses sociais passaram a
exigir o disciplinamento da liberdade econômica em favor da coletividade,
determinando, dentre outras conseqüências, a manutenção da técnica do
planejamento, intensamente utilizada durante aquele período belicoso se
verificava, nos diversos países da Europa, uma tendência no sentido do
intervencionismo estatal no domínio econômico, objetivando não apenas a simples
correção do mercado, das suas falhas e arbitrariedades, mas a sua ordenação, sua
humanização, com influxos diretos nos processos sociais, visando à realização de
determinadas finalidades públicas e a concretização de um modelo estatal de todas
as classes e não apenas de uma elite.
Verifica-se que o Estado Social é o modelo que prioriza os direitos sociais, ao
contrário do Estado Liberal que visava a atender o individualismo e atuava estritamente no
plano político-jurídico, sem disciplinar a ordem social-econômica
30
. Segundo a conclusão de
Barroso
31
no “[...]Estado Social, a busca desesperada de reconhecimento e efetivação dos
direitos sociais parece representar a tarefa mais árdua e importante daquela forma de Estado
[...]”.
Assim, é o paradigma constitucional do Estado Social: direitos fundamentais sociais e
coletivos, objetivando tratamento privilegiado do indivíduo social ou economicamente mais
fraco. É o abandono da ótica individualista dos liberais, minimizando a esfera individual e
ampliando a social. É, portanto, importante ressaltar que não houve apenas um acréscimo de
direitos, mas também uma redefinição dos direitos individuais, que teve como preocupação a
sua materialização, pois anteriormente eram apenas formais. O Estado Social caracterizou-se,
sobretudo, por uma maior intervenção estatal nas relações econômicas e sociais. A inspiração
maior se concentra na justiça, na igualdade real, na liberdade, no estabelecimento da paz
social e na cessação do conflito de classes.
De acordo com Bonavides
32
“O Estado Social [...] é intervencionista, que requer
sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais”. Isto porque a intervenção
estatal tem como objetivo e dever, através dos direitos fundamentais sociais, neutralizar as
distorções sociais.
30
“[...] O Estado passa a ser responsável pelo processo econômico e, definindo políticas, a dirigi-lo. A ‘mão
invisível’ de Adam Smith é então substituída pela mão visível do Estado, conformadora da ordem econômica”
(GRAU, 1981. p. 18).
31
1985. p. 254.
32
2008. p. 188.
19
Desta forma, o Estado Social oferece ao cidadão não apenas os direitos fundamentais
na sua forma negativa ou de proteção (que foi implantado pelo Estado Liberal e mantido no
Estado Social), como também ampliou o leque e passou a oferecer ao cidadão estes direitos na
sua forma positiva ou prestacional. Paulatinamente, desde o surgimento dos direitos
fundamentais, o rol dos direitos colocados à disposição do cidadão vem aumentando.
Geralmente este aumento do rol se juntamente com a evolução social e de acordo com as
exigências sociais
33
.
Ressalta-se que este modelo de Estado o Estado Social foi implantado em alguns
países, entre tantos, no Brasil
34
. Tanto que Baracho
35
, ao discorrer acerca da Constituição
Federal vigente no país, aduz que “A Constituição de 1988 é basicamente em muitas de suas
dimensões essenciais uma Constituição do Estado Social [...]
36 e 37
.
Posteriormente, houve uma mudança de paradigma no modelo de Estado de Direito
democrático, no qual o Estado evolui e deixa de ser um provedor, passando a ser também um
gestor, ou seja, uma solidarização da responsabilidade social. Isto quer dizer, chamam-se
33
O Estado Providência desempenha funções fundamentais: de um lado, desenvolve uma política econômica
ativa, com intervenção direta na economia; de outro lado, este desenvolvimento gera crescimento com ampliação
dos programas sociais, gerando o bem-estar social, garantindo a dignidade da pessoa humana. O Welfere é um
Estado econômica e socialmente ativo (pensamento Keynesiano).
E, se de um lado, o Estado Social tem como pretensão a melhoria da qualidade de vida do cidadão e a
conseqüente redução de desigualdades originadas pela economia; de outro lado, o rol destes Direitos
Fundamentais de defesa e prestacionais estavam, e estão, cada vez mais extensos e custosos, culminando em uma
verdadeira crise, conforme alerta a doutrina especializada. Esta situação gerou, e gera, problemas de toda ordem.
34
É manifesto que o objetivo primordial de algumas Constituições modernas, especialmente a Constituição
brasileira de 1988, é a promoção do bem-estar do indivíduo mediante os direitos fundamentais
34 e 34
, visando a
assegurar condições dignas. Claro resta, portanto, que este bem-estar social se pelo vasto elenco de direitos
individuais, inclusive de direitos fundamentais sociais, os quais configuram o Welfere State.
De acordo com Streck (2002, p. 44), o Estado do Bem-Estar Social ou Estado Providência (welfare state) foi
instituído para compatibilizar as promessas da modernidade com o desenvolvimento capitalista.
“Uma das grandes conquistas do homem moderno são os direitos fundamentais. São instrumentos jurídicos,
políticos e éticos a serviço da liberdade, da igualdade e da dignidade humana. São direitos aos quais a civilização
não deve renunciar, porque representam a garantia da própria civilização contra a barbárie. O esforço
permanente deve ser no sentido de [...] torná-los cada vez mais efetivos” (STEINMETZ, p. 80-81).
35
2002. p. 336.
36
“A Constituição é a égide da paz, a garantia da ordem, sem a qual não há progresso nem liberdade”
(MAXIMILIANO, 1996. p. 312).
37
“[...] O dizer de Ferrajoli é correto, então o constitucionalismo – na sua versão instituidora do Estado
Democrático de Direito não é somente uma conquista e um legado do passado; é, certamente, o legado mais
importante do século XX e ainda será no século XXI. Mas a Constituição, enquanto conquista, programa e
garantidora substancial dos direitos individuais e sociais, depende fundamentalmente de mecanismos que
assegurem as condições de possibilidade para a implementação do seu texto [...]” (STRECK, 2002).
20
todos os atores sociais (Estado, sociedade e mercado) para efetivar e garantir
38
estes direitos
fundamentais
39, 40, 41 e 42
. Mas, ainda assim, o Estado continua sendo o protagonista para
concretizar os direitos fundamentais, principalmente como o gestor da co-responsabilidade
dos demais agentes.
Dúvidas não restam de que hoje estamos vivendo uma nova fase mundial, pois
estamos na era da globalização, que se perfectibiliza objetivamente através da internet
43
.
Desta forma, observa-se, resumidamente, que os direitos fundamentais iniciaram como
uma obrigação de abstenção do Estado (1ª família
44
) para assegurar a liberdade, passaram a
exigir obrigações positivas do Estado (2ª família) visando, em apertada síntese, a igualdade
dos povos e, após, a fraternidade (3ª família), não apenas do cidadão, mas de todos os povos.
45
Nas palavras de Ferreira Filho
46
:
38
“Portanto, os direitos fundamentais, no marco do Estado constitucional contemporâneo, continuam operando
como limites ao poder do Estado” (STEINMENTZ, 2004, p 82).
39
É indispensável que seja dado a máxima efetividade às normas constitucionais, ou seja, a uma norma
constitucional tem de ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê dentro do sistema constitucional.
40
O princípio da máxima efetividade ou “princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode ser
formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe
dê [...]" (CANOTILHO, 2002. p. 1208).
41
“Além disso, já se verificou que boa parte dos direitos fundamentais sociais (as assim denominadas liberdades
sociais) se enquadra, por sua estrutura normativa e por sua função, no grupo dos direitos de defesa, razão pela
qual não existem maiores problemas em considerá-los normas auto-aplicáveis [...]. Ainda que para estes direitos
fundamentais também se aplique o princípio da aplicabilidade imediata” (SARLET, 2005. p. 94).
42
“Para além disso (e justamente por este motivo), cremos ser possível atribuir ao preceito em exame o efeito de
gerar uma presunção em favor da aplicabilidade imediata e plena eficácia (e efetividade) das normas definidoras
de direitos e garantias fundamentais, de tal sorte que eventual recusa na outorga da plenitude eficacial (que não
implica a negativa de eficácia e, portanto, de efeitos e aplicabilidade) a determinada norma de direito
fundamental, em virtude da ausência de ato concretizador, deverá ser necessariamente fundamentado, à luz do
caso concreto e da norma em exame. Cuida-se, em verdade, de operação eminentemente hermenêutica, que,
em última análise, caberá ao intérprete a tarefa, considerando os limites mínimos do texto e a razoabilidade, de
aferir qual a eficácia possível a ser impressa às normas constitucionais. De como se poderá imprimir
operatividade ao princípio (fundamental) da imediata aplicabilidade e plena eficácia (jurídica e social) das
normas definidoras de direitos e garantias fundamentais [...]” (SARLET, 2003).
43
Para aprofundar o assunto, verificar Manuel Castells (A sociedade em rede – A Era da Informação. Vol. 1).
44
“família” é aqui utilizado, por fins de metodologia, que será explicitado no item 1.4 infra, em substituição a
expressão “geração”, ainda adotada pela maior parte da doutrina.
45
Restando assim preenchida a trilogia proposta pela Revolução Francesa de 1789: liberdade, igualdade e
fraternidade.
46
2006. p 15.
21
[...] doutrina dos direitos fundamentais revelou uma grande capacidade de incorporar
desafios. Sua primeira geração enfrentou o problema do arbítrio governamental, com
as liberdades públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com os direitos
econômicos e sociais, a terceira, hoje, luta contra a deterioração da qualidade da vida
humana e outras mazelas, com os direitos de solidariedade.
Poder-se-ia cogitar que, na atualidade, os direitos fundamentais avançam no sentido
preconizado pela idéia da supremacia ou prevalência dos direitos fundamentais. A respeito do
assunto, é de destaque a lição de Ferreira Filho
47
a partir do exame da idéia expressa no art. 16
da Declaração de 1789:
A supremacia do Direito espelha-se no primado da Constituição. Esta, como lei das
leis, documento escrito de organização e limitação do Poder, é uma criação do
século das luzes. Por meio dela busca-se instituir o governo não arbitrário,
organizado segundo normas que não pode alterar, limitado pelo respeito aos direitos
do Homem.
Canotilho
48
, analisando as declarações de direitos sintetiza: “[...] os direitos
fundamentais constituem uma esfera própria e autônoma dos cidadãos, ficam fora do alcance
dos ataques legítimos do poder e contra o poder podiam ser defendidos”. Avançando nesta
idéia, Dimoulis e Martins
49
, após analisarem as declarações de direitos do final do século
XVIII, expõem o norte dos direitos fundamentais na atualidade:
Em suma, pode-se dizer que uma evolução muito rápida permitiu que, no último
quarto do século XVIII, fossem redigidas declarações de direitos fundamentais,
tanto no ‘velho’ como no ‘novo’ mundo, e que fossem reconhecidas como
fundamento da ordem estatal-constitucional, devendo ser respeitadas pelo legislador
comum, pela Administração Pública e pelos tribunais.
Esta é a idéia da supremacia ou da prevalência dos direitos fundamentais que
atualmente se encontra no direito constitucional de praticamente, todos os países do
mundo.
Desenvolvendo um pouco mais esse mesmo raciocínio, poder-se-ia supor que não
apenas o legislador comum, a administração pública e os tribunais deveriam render respeito à
Constituição, mas os próprios particulares poderiam ser incluídos entre aqueles que devem
respeitar os direitos fundamentais, conforme se verá adiante, ao final deste capítulo.
47
2006. p. 3.
48
2002. p. 111.
49
2007. p. 32.
22
1.2 A delimitação da idéia de direitos fundamentais
diversas e variadas expressões que são comumente utilizadas pela doutrina para se
referir ao que se denomina direitos fundamentais na presente investigação. Inclusive, verifica-
se que a denominação varia, ou pode variar, de país para país
50
.
Destaca-se, entre outros: direitos naturais, direitos humanos, direitos (ou liberdades)
individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades públicas, liberdades fundamentais,
direitos constitucionais, direitos da pessoa humana, direitos subjetivos. Muitos desses termos
são utilizados, inclusive, em nossa Constituição
51
.
Muitos doutrinadores tratam os termos apenas como meros sinônimos. Outros criticam
tecnicamente uma, algumas ou todas as denominações, considerando-as precárias e
impróprias, aos mais variados fundamentos.
De inicio, devem ser rejeitadas as expressões direitos naturais e direitos humanos,
pois, conforme bem advertem Dimoulis e Martins
52
, estes termos “não indicam os direitos
positivados na Constituição, mas sim os direitos pré-positivos (direitos naturais) ou supra-
positivos (direitos humanos).”
Ao analisar o conceito de direitos fundamentais, José Afonso da Silva
53
afasta
qualquer confusão com os direitos naturais ao advertir:
Não se aceita mais com tanta facilidade a tese de que tais direitos sejam naturais,
provenientes da razão humana ou da natureza das coisas. São direitos positivos, que
encontram seu fundamento e conteúdo nas relações sociais materiais em cada
momento histórico. Sua historicidade repele, por outro lado, a tese de que nascem
pura e simplesmente da vontade do Estado, para situá-los no terreno político da
50
Neste sentido, Romita (2005. p. 48): “Em sua gênese e no desenvolvimento histórico das respectivas noções,
inexite distinção essencial entre a doutrina dos direitos naturais (natural rights), de origem anglo-saxônica, dos
direitos fundamentais (Grundrechte), de origem alemã, e dos direitos do homem e liberdades fundamentais
(droits de l´homem et libertes fondamentales), de origem francesa.”
51
Conforme arrolam Dimoulis e Martins (2007.52-53).
52
2007. p. 54.
53
1997. p. 174-175.
23
soberania popular, que lhes confere o sentido apropriado na dialética do processo
produtivo.
Não é possível confundir os direitos fundamentais com os direitos humanos, tampouco
é aceitável utilizar as duas denominações como se sinônimos fossem. Corroborando com esta
distinção, pode-se destacar três teorias básicas.
A primeira teoria, extremante formalista, entende, basicamente, que os direitos
humanos seriam os previstos em atos internacionais; enquanto os direitos fundamentais
seriam os definidos no texto constitucional. Em que pese esta teoria utilize um critério
singelo, já denota uma nítida distinção entre os direitos fundamentais e os direitos humanos.
A segunda teoria defende que direitos humanos são aqueles integrantes da natureza
humana, ou seja, inerentes à condição de ser humano em qualquer época, tempo, ambiente e
cultura, tais como a liberdade de consciência, a vida, a honra, a dignidade; ao passo que os
direitos fundamentais seriam os direitos que dependem de positivação, restringindo-se a uma
necessidade própria de uma determinada época face ao seu estágio sócio-cultural.
A terceira teoria não faz uma distinção drástica entre direitos fundamentais e humanos,
limitando-se a defender que todos os direitos previstos no texto constitucional (implícita ou
expressamente) são direitos fundamentais porque considerados essenciais àquele Estado pela
Constituição. E que os direitos fundamentais seriam um espectro mais amplo de direitos, onde
os direitos humanos (que são aqueles destinados exclusivamente às pessoas humanas)
estariam incluídos, especialmente se considerar que direitos fundamentais extensíveis às
pessoas jurídicas (e que, de forma alguma, poderiam ser consideradas humanas e, assim, não
usufruem dos direitos humanos). De tudo o que foi dito a respeito desta teoria, resume-se que
todos os direitos humanos seriam direitos fundamentais, porém o inverso não é verdadeiro,
pois os Direitos humanos seriam os direitos fundamentais de titularidade exclusiva da pessoa
física
54
.
54
Para melhor compreensão, destaca-se as disposições contidas no art. 7º da CF: “São direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social [...]”. Como estão previstos na
Constituição Federal são direitos fundamentais. O trabalho que se protege aqui é o trabalho humano e, portanto,
que somente é titularizado por pessoas físicas. Assim, o rol previsto no artigo da Constituição Federal,
concomitantemente, é uma previsão de direitos fundamentais e direito humanos.
24
É de grande auxílio a síntese de Willis Santiago Guerra Filho
55
, mediante uma análise
histórica, da distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais:
De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os direitos
fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um
corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais,
devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão
para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos
enquanto pautas ético-políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva,
deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas
especialmente aquelas de direito interno.
Entende-se que a adoção da expressão direitos individuais como sinônimo de direitos
fundamentais também é inadequada porque, além de contrário à idéia de coletividade (que a
vida em sociedade pressupõe), contraria a característica de universalidade dos direitos
fundamentais. Enfim, a idéia de direitos individuais traz ínsita uma concepção individualista.
Aliás, como bem acentua Romita
56
ao apresentar suas críticas:
Seriam os direitos do indivíduo isolado, noção incompatível com a natureza social
do homem: este é um animal político, destinado a viver em sociedade. Não obstante,
a denominação é utilizada pela Constituição brasileira de 1988 (Capítulo I do Título
II, art. 5º), ao lado da categoria dos direitos coletivos, que não se confundem com os
direitos sociais (arts. 6º a 11).
Também é lúcida a crítica de Romita
57
: “A denominação direitos subjetivos públicos
(ou direitos públicos subjetivos) também só é autorizada à luz da concepção do Estado liberal,
que privilegia a noção individualista do homem.” Poder-se-ia ir além para apontar que direitos
subjetivos dão idéia de que os direitos sociais podem ser apropriados por indivíduos e não por
sujeitos coletivos. E isso seria equivocado.
José Afonso da Silva
58
esclarece:
Direitos públicos subjetivos constituem um conceito técnico-jurídico do Estado
liberal, preso, como a expressão ‘direitos individuais’, à concepção individualista do
homem; por isso também se tornara insuficiente para caracterizar os direitos
fundamentais. Direito subjetivo conceitua-se como prerrogativas estabelecidas de
55
1997. p. 12.
56
2005. p. 42.
57
2005. p. 42.
58
1997. p. 175.
25
conformidade com regras de Direito objetivo. Nesse sentido, seu exercício, ou não,
depende da simples vontade do titular, que deles pode dispor como melhor lhe
parecer, até mesmo renunciá-los ou transferi-los, além de serem prescritíveis,
situações essas incompatíveis com os direitos fundamentais do homem. Cunhou-se,
depois, a expressão direitos públicos subjetivos para exprimir a situação jurídica
subjetiva do indivíduo em relação ao Estado, visando colocar os direitos
fundamentais no campo do direito positivo.
Ainda seguindo a lição de Romita
59
:“As liberdades individuais ou liberdades
fundamentais são os direitos naturais ou civis, para cujo desenvolvimento e respeito formou-
se a sociedade”. O conceito de liberdades fundamentais é restritivo, enquanto o de liberdades
públicas é mais amplo. As liberdades públicas variam no tempo, mas podem ser agrupadas em
duas grandes categorias: pessoais a liberdade individual: ir, vir e ficar, não ser
arbitrariamente preso, não ser agredido em sua integridade física ou em sua intimidade,
liberdades espirituais e de imprensa, liberdade econômica (trabalho, comércio e indústria),
liberdade de ensino e coletivas (liberdade de reunião, associação, sindical, direito de greve).
Carlos Alberto Bittar
60
, dissecando o termo “liberdades públicas”, explica que alguns
dos direitos da personalidade, “quando enfocados sob o aspecto do relacionamento com o
Estado e reconhecidos pelo ordenamento jurídico positivo, recebem o nome de ‘liberdades
públicas’”. Complementa sua posição explicando que “São, pois, os mesmos direitos, mas
examinados em planos distintos: de uma pessoa em relação a outras, e frente ao Estado”.
Conclui asseverando que “sempre que apreciados sob o prisma das relações privadas, esses
direitos chamam-se ‘direitos de personalidade’”.
Acrescenta José Afonso da Silva
61
que “liberdades públicas”:
[...] é empregada pela doutrina francesa, onde não faltam esforços para dar-lhe
significação ampla abrangente dos direitos fundamentais em geral, especialmente
jogando com os conceitos liberdade-autonomia (igual aos direitos individuais
clássicos) e liberdade-participação (também chamada liberdades políticas, que
correspondem ao gozo livre dos direitos políticos). [...] É um conceito ainda pobre
de conteúdo, muito ligado à concepção dos direitos públicos subjetivos e dos
direitos individuais na sua formulação individualista.
59
2005. p. 47.
60
2008. p. 3.
61
1997. p. 176.
26
doutrinadores, ainda, que defendem que a expressão “liberdades públicas” é
imprópria, porque não traduz seu exato significado, uma vez que representaria oposição às
chamadas liberdades privadas e excluiria de sua conceituação os direitos que exigem uma
prestação positiva do Estado, como os direitos difusos. Entretanto, a questão parece superada
considerando a fundamentação acima apresentada por Carlos Alberto Bittar.
Ferreira Filho
62
critica a expressão “liberdades públicas” porque:
[...] passou a ser preferida, no meio jurídico pois no meio político jamais o foi
quando o jusnaturalismo cedeu lugar ao positivismo. Tais liberdades seriam
prerrogativas reconhecidas e protegidas pela ordem constitucional. [...] expressão
serve para designar os direitos declarados em 1789 e noutras declarações de espírito
exclusivamente liberal [...] é pouco adequada num mundo que reconhecem entre as
referidas ‘prerrogativas’ direitos no plano econômico e social que vão bem mais
longe do que meras liberdades.
Por outro lado, Ferreira Filho
63
afirma que, “Na visão contemporânea, as liberdades
públicas, ou, como por muito tempo a elas se chamou no Brasil, os direitos individuais,
constituem o núcleo dos direitos fundamentais”, ainda que com elas não se confundam.
Em resumo, poder-se-ia conceituar as liberdades públicas como sendo aqueles direitos
que antecedem ao próprio Estado, como bem ensina Carlos Alberto Bittar
64
.
Diante de tudo o que foi exposto, tomam-se emprestados os ensinamentos de Dimoulis
e Martins
65
para justificar a nomenclatura padrão “direitos fundamentais” doravante adotada
porque:
(a) correspondem ao vocabulário da Constituição Federal de 1988, mesmo que esta
escolha não tenha sido seguida com rigor em todo o seu texto. Os direitos garantidos
na Constituição são fundamentais porque se encontram no texto que regulamenta os
62
2006. p 15.
63
2006. p 28.
64
“Esses direitos – muitos dos quais não configuram ou não são suscetíveis de configurar ‘liberdades públicas’ –
existem antes e independentemente do direito positivo, como inerentes ao próprio homem, considerado em si e
em suas manifestações. Quando ganham a Constituição, passando para a categoria de liberdades públicas,
recebem todo o sistema de proteção próprio.” Destaca o autor, ainda, que “O mesmo acontece com respeito ao
campo privado, em que a inserção em códigos ou em leis vem conferir-lhes proteção específica e mais eficaz – e
não lhes ditar a existência desde que identificados e reconhecidos, em vários sistemas , muito antes mesmo de
sua positivação” (BITTAR, 2008, p. 8).
65
2007. p. 54-55.
27
fundamentos da organização política e social. (b) É bastante genérico, podendo
abranger os direitos individuais e coletivos, os direitos sociais e políticos, os direitos
de liberdade e os de igualdade. (c) Indica que nem todos os direitos reconhecidos no
ordenamento jurídico são tratados no âmbito do direito constitucional. Aqui
interessam apenas os direitos que gozam de proteção constitucional, isto é, de
peculiar força jurídica que lhes oferece a supremacia das normas constitucionais,
retirando-os da disposição do legislador ordinário. Os direitos fundamentais
constituem um mínimo de direitos garantidos, podendo o legislador ordinário
acrescentar outros, mas não tendo a possibilidade de abolir os tidos como
fundamentais.
No mesmo sentido, Romita
66
advoga que:
[...] deve ser adotada a denominação direitos fundamentais pelos seguintes motivos:
é mais precisa que a expressão direitos humanos e não revela a ambigüidade
que esta supõe; 2º abarca as duas dimensões contidas na expressão direitos
humanos, sem incorrer nos reducionismos iusnaturalista ou positivista; é mais
adequada do que os termos direitos naturais ou direitos morais, que mutilam os
direitos humanos de sua faceta jurídico-positivista; é mais adequada do que os
termos direitos públicos subjetivos ou liberdades públicas, que podem perder de
vista a dimensão moral e restringir o sentido à faceta de consagração pelo
ordenamento; por sua aproximação com direitos humanos, mostra-se sensível a
uma imprescindível dimensão ética.
Portanto, a referência a direitos fundamentais que doravante se adota não se confunde
com qualquer uma das demais expressões acima referidas (tais direitos naturais, direitos
humanos, direitos ou liberdades individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades públicas,
etc). É necessário, contudo, ter cautela com relação às expressões ao examinar as citações
colacionadas, cuja terminologia não pode ser modificada.
1.3 Características dos direitos fundamentais
É digno de registro que os direitos fundamentais possuem características específicas
que os distinguem e especificam
67
, porém, a doutrina não é unânime a seu respeito, variando
seu rol de acordo com cada autor
68
. No presente trabalho, pretende-se abordar apenas as
características mais relevantes ao objeto da investigação.
66
2005. p. 45.
67
Neste sentido é a Declaração de Viena, em seu item “5. Todos os Direitos do homem são universais,
indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional tem de considerar globalmente os
Direitos do homem, de forma justa e eqüitativa e com igual ênfase. Embora se devam ter sempre presente o
significado das especificidades nacionais be regionais e os antecedentes históricos, culturais e religiosos,
compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas político, econômico e cultural, promover e proteger
todos os Direitos do homem e liberdades fundamentais”.
68
A título de exemplo, verifica-se que José Afonso da Silva (1997. p. 179-180) arrola como características dos
direitos fundamentais a historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade. Romita (2005. p.
28
Entre as variadas características que a doutrina aponta para os direitos fundamentais,
merecem destaque: universalidade, indivisibilidade, interdependência, internacionalização,
historicidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. Reitera-se, não se
ignora a existência de outras características, e, sim, almeja-se valorizar os elementos de
interesse ao adequado estudo e desenvolvimento da relação de emprego na nova realidade
social advinda especialmente a partir do alargamento da utilização da ferramenta da internet.
Ainda em relação às características dos direitos fundamentais, Romita
69
ensina que:
Para a eficaz proteção da pessoa humana, tais direitos devem revestir-se de
características especiais, a fim de impedir que o ordenamento jurídico deles despoje
o respectivo titular.
No que tange a estes elementos universalidade, indivisibilidade, interdependência,
internacionalização, historicidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade
convém que haja o devido esclarecimento de cada qual, para que seja possível extrair a sua
máxima efetividade.
Quanto à característica da universalidade
70
, significa que os direitos fundamentais
assistem a todos os homens, sem distinção de raça, sexo, cor, nacionalidade ou qualquer outra
espécie.
Como este elemento é de extrema importância, é oportuno ter cautela com a sua
definição. A universalidade dos direitos fundamentais tem como objetivo atingir a todas as
pessoas dentro de um determinado ordenamento jurídico; desta forma, os direitos
fundamentais não podem ser entendidos como invariáveis de um sistema para outro.
Neste mesmo sentido, Romita expõe:
62-77) reconhece a universalidade, indivisibilidade e independência, internacionalização, historicidade e
unidade. Ferreira Filho (2006. p. 22-23) refere que são naturais, abstratos, imprescritíveis, inalienáveis,
individuais e universais.
69
2005. p. 62.
70
A respeito da universalidade, merece destaque a síntese de Bobbio (1992. p. 30): “os direitos do homem
nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente
encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais”
29
É certo que o conteúdo desses direitos não é invariável: depende das circunstancias
que distinguem umas sociedades das outras, porém, é certo que a existência de um
mínimo de direitos é hoje reconhecida universalmente, a atestar o caráter de
universalidade dos direitos fundamentais
71
.
[...]
Em certo grau, impende reconhecer a ocorrência de variações culturais na aceitação
dos direitos fundamentais por parte dos diferentes Estados, porém não se pode
afastar a idéia de que eles revestem caráter de universalidade, que consagram
valores inerentes à dignidade humana, válida em todos os quadrantes do universo,
cujo respeito se impõe superiormente à margem de qualquer consideração
contingente amparada em diversidades culturais.
72
No que tange aos segundo e terceiro elementos, refira-se que é necessário uma análise
conjugada destas características, visto a sua estreita relação. Por indivisibilidade, entende-se
que os direitos fundamentais não podem ser analisados isoladamente; por interdependência,
entende-se que os direitos fundamentais devem ser considerados em conjunto.
Teoricamente, os direitos fundamentais podem ser examinados individualmente e
independente dos demais direitos; entretanto, no plano concreto, para obter a efetividade dos
direitos fundamentais, é imprescindível esta articulação conjunta.
Assim, cada um dos direitos fundamentais possuindo a sua própria importância –
quando individualmente considerado seu efeito máximo somente é adquirido quando
contemplado dentro de um conjunto. Em outras palavras, os direitos consagrados como
direitos fundamentais se complementam e inter-relacionam, emergindo, destarte, as
características de indivisibilidade e de interdependência.
Como esclarece Flávia Piovesan
73
: “todos os direitos humanos constituem um
complexo integral, único e indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente
inter-relacionados e são interdependentes entre si”.
Sucintamente, Romita
74
define estes elementos:
71
2005, p. 65.
72
2005, p. 67-68.
73
2002. p. 151.
74
2005, p. 68.
30
Os direitos fundamentais são indivisíveis e interdependentes, no sentido de que
mesmo as liberdades negativas de matriz liberal adquirem eficácia máxima
quando concorrem os direitos econômicos, sociais e culturais. Seres necessitados
não são livres. Por seu turno, o exercício dos direitos sociais depende do
reconhecimento dos direitos de liberdade.
Um direito fundamental só alcança plena realização quando os demais direitos
fundamentais são respeitados. A violação de um dos direitos fundamentais importa
vulneração de algum ou de alguns dos outros. Não importa para a validade dessa
assertiva que se trata de direitos civis ou políticos ou de direitos econômicos, sociais
ou culturais: a realização de uns pressupõe a realização simultânea dos demais.
A explicação para o caráter de indivisibilidade dos direitos fundamentais é simples:
a indivisibilidade vincula-se ao respeito da dignidade da pessoa humana. A
dignidade é indivisível: se privada das liberdades públicas, a pessoa não desfruta
direitos econômicos e sociais, tornando-se inviável o reconhecimento da liberdade e
da igualdade.
Em relação ao quarto item, a internacionalização, quer dizer que a pessoa é titular de
direitos fundamentais em qualquer lugar, seja no âmbito nacional ou internacional. Inclusive,
em razão desta definição, muitos autores tratam os diretos fundamentais como sinônimo de
direitos humanos.
No entanto, é importante anotar que o fato de se internacionalizar os direitos
fundamentais não quer dizer padronização ou mesmo invariabilidade do rol de direitos
fundamentais de um país para outro
75
; portanto, o presente trabalho não se filia à doutrina que
considera direitos fundamentais sinônimo de direitos humanos, ainda que tenha uma estreita
relação.
Por historicidade (quinto elemento) de se compreender como o processo de
evolução histórica. Assim, os direitos fundamentais foram, inicialmente, positivados e, após,
sofreram a generalização para, por fim, sua internacionalização
76
(especialmente após a
Segunda Guerra Mundial, a noção de direitos fundamentais se internacionaliza, passando da
esfera nacional para a internacional).
Bobbio
77
ensina:
75
Isto decorre, sobretudo, do conjunto das características dos direitos fundamentais, em especial da
historicidade. Convém “registrar a ocorrência de oposições, entre as quais se salientam as provenientes do Islã e
de certas correntes políticas extremistas” (ROMITA, 2005. p. 74) que prevêem: castigo para os apóstatas,
superioridade do homem sobre a mulher e combate aos infiéis, por exemplo.
76
BOBBIO, 1992, p. 32.
77
1992, p. 32.
31
[...] Os direitos do homem são direitos históricos, que emergem gradualmente das
lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das
condições de vida que essas lutas produzem. [...] os direitos ditos humanos são o
produto não da natureza, mas da civilização humana; como direitos históricos, eles
são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação.
Portanto, ainda no que se refere à historicidade, é mister ter cautela, pois, nas palavras
de Bobbio
78
:“o que parece fundamental numa época histórica, e numa determinada civilização
não é fundamental em outras épocas e em outras culturas”.
Neste sentido, Romita
79
adverte:
[...] A evolução histórica da noção de direitos fundamentais não se expressa pela
simples incorporação de novos direitos aos anteriormente consagrados.
Determinados direitos passam a apresentar nova feição. Assim, por exemplo, o
direito de propriedade passa de direito individual e sagrado a exercer uma função
social [...].
Aplicando o que foi dito sobre o elemento historicidade nesta investigação, destaca-se
a noção de intimidade e privacidade relacionado ao ambiente de trabalho. Anos atrás, sequer
se cogitava da existência da internet, após não se imaginava a amplitude que a ferramenta da
internet alcançaria, muito menos que seria possível hoje existir esta discussão de direitos e
limites de fiscalização de e-mails e páginas visitadas na web e tempo de utilização destas
ferramentas.
A irrenunciabilidade é, possivelmente, para os fins ora almejados, a característica mais
importante dos direitos fundamentais. Para compreendê-la, o melhor é partir da definição de
renúncia, segundo as palavras de Caio Mario da Silva Pereira
80
: “a abdicação que o titular faz
do seu direito, sem transferi-lo a quem quer que seja. É o abandono voluntário do direito”
A irrenunciabilidade, assim, pode ser considerada como a indisponibilidade absoluta
do direito, ou seja, o bem protegido recebe a proteção máxima em razão do interesse público
que sobre este paira. Convém distinguir, por oportuno, a renúncia ao direito e a renúncia ao
78
1992, p. 19.
79
2005, p. 76.
80
1997, p. 300.
32
exercício do direito. Somente esta última (renúncia ao exercício do direito) é possível, mas
jamais a renúncia ao direito fundamental em si.
Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva
81
esclarece: “Não se renunciam direitos
fundamentais. Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas
não se admite sejam renunciados”.
No particular, ainda no que se refere à distinção entre renúncia ao direito e renúncia ao
exercício do direito, é necessário considerar que a renúncia ao exercício do direito de ter
sempre caráter temporário. Ora, a renúncia ao exercício do direito em caráter permanente, em
termos fáticos e práticos, equivaleria à renúncia ao próprio direito, pois em ambas as situações
(renúncia ao direito e renúncia permanente ao exercício do direito) atingiríamos o mesmo fim:
a ineficácia dos efeitos do direito (seja pela renúncia ao próprio direito ou pela ausência eterna
de seu exercício)
82
.
A partir do que foi exposto acima, por lógico, os direitos fundamentais são também
inalienáveis, ou seja, além de não possuírem conteúdo econômico-patrimonial, não podem ser
alienados, inclusive, porque são indisponíveis. Assim resumem as palavras de José Afonso da
Silva
83
:
São direitos instranferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-
patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode
desfazer, porque são indisponíveis.
Por último, para abordar a oitava característica (imprescritibilidade), toma-se
emprestada a lição de José Afonso da Silva
84
, especialmente em razão da habilidade de
associar as três últimas características apontadas de forma concatenada:
O exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre no fato de existirem
reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que
81
1997, p. 180.
82
É possível considerar que o ato de renúncia permanente e total ao direito fundamental “afrontaria o núcleo
essencial desse preceito fundamental, a ponto de, para o titular, esse direito perder o significado, além de violar o
princípio da dignidade da pessoa humana” (VIEIRA, 2007, p. 134).
83
1997. p. 179.
84
1997, p. 179.
33
importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois
prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade
dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos,
ainda que não individuais, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não
há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade
pela prescrição.
Sem olvidar a existência de outras características dos direitos fundamentais, portanto,
os principais elementos que interessam ao presente estudo são universalidade,
indivisibilidade, interdependência, internacionalização, historicidade, irrenunciabilidade,
inalienabilidade e imprescritibilidade, consoante se verificará adiante.
1.4 As famílias dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais são organizados pela doutrina em diversos grupos, que
recebem as mais diversas denominações, conforme cada autor, tais como gerações (que é o
mais usual), dimensões, categorias, espécies, famílias e naipes.
Aliás, verifica-se com facilidade que a doutrina diverge até mesmo a respeito de
quantos seriam, afinal, os possíveis grupos em que os direitos fundamentais podem ser
sistematizados.
1.4.1 Crítica à nomenclatura “gerações de direitos fundamentais”
Em que pese ser a nomenclatura mais difundida, na atualidade, a doutrina vem
criticando duramente a utilização da expressão “geração” para designar os vários
agrupamentos dos direitos fundamentais. Neste sentido é a forte crítica de Dimoulis e
Martins
85
quanto à utilização do termo “gerações”:
Tal opção terminológica (e teórica) é bastante problemática, já que a idéia das
gerações sugere um substituição de cada geração pela posterior enquanto no âmbito
que nos interessa nunca houve abolição dos direitos das anteriores ‘gerações’ como
85
2007, p. 34-35. No mesmo sentido são as críticas de Piovesan (2002, p. 150) e Romita (2005, p. 89).
34
indica claramente a Constituição brasileira de 1988 que incluiu indiscriminadamente
direitos de todas as ‘gerações’.
Além disso, o termo ‘geração’ não é cronologicamente exato. Sem se aprofundar nos
aspectos históricos, pode-se indicar que já havia direitos sociais (prestações do
Estado) garantidos nas primeiras Constituições e Declarações do século XVIII e de
inícios do século XIX.
Ingo Sarlet
86
também é adepto da crítica à palavra “geração”, externando sua
preferência por “dimensão”:
Desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituições, os direitos fundamentais
passaram por diversas transformações, tanto no que diz com o seu conteúdo, quanto
no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetivação. Costuma-se, neste contexto
marcado pela autêntica mutação histórica experimentada pelos direitos
fundamentais, falar da existência de três gerações de direitos, havendo, inclusive,
quem defenda a existência de uma quarta geração. Num primeiro momento, é de se
ressaltarem as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo
“gerações” por parte da doutrina alienígena e nacional. Com efeito, não como
negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o
caráter de um processo cumulativo de complementariedade, e não de alternância, de
tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da
substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual quem prefira o
termo “dimensões” dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por
perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina.
Dimensão também não parece ser a melhor forma de exprimir o fenômeno em questão.
Neste sentido, acertadamente, Dimoulis e Martins
87
também criticam a utilização do
termo “dimensões”:
Fala-se em “dimensão” para indicar dois ou mais componente ou aspectos do
mesmo fenômeno ou elemento. No caso aqui relevante, grupos de direitos
fundamentais cuja finalidade e funcionamento são claramente diferenciados em
âmbito jurídico.
Portanto, recomenda-se utilizar os termos ‘categoria’ ou ‘espécies’ de direitos
fundamentais [...]. Reservar-se-á o termo ‘dimensão’ para indicar dois aspectos ou
funções dos mesmos direitos fundamentais, isto é, o objetivo e o subjetivo.
Em sentido semelhante, analisando o sentido da palavra, Romita
88
critica que
dimensões “imprimem ao mesmo direito existente diferentes significados e função distinta,
segundo a nova óptica pela qual são considerados”. Como exemplo, refere o direito de
86
2005, p. 53.
87
2007. p. 35.
88
2005, p. 89.
35
propriedade que, conforme sua dimensão, “passa de direito individual, inviolável e sagrado, a
exercer uma função social e, após, uma função ambiental”
89
.
Prefere-se a adoção das expressões família, naipe, grupo
90
, categoria ou espécie
91
, que
serão utilizadas indistintamente como sinônimos, em detrimento de gerações (em razão das
críticas acima apresentadas) e dimensão (que será utilizada no sentido defendido por Romita,
Dimoulis e Martins).
1.4.2 As famílias dos direitos fundamentais
Não é pacífico na doutrina quantas são as famílias dos direitos fundamentais.
Reconhece-se um mínimo de três famílias e um máximo de seis famílias.
Ferreira Filho
92
reconhece expressamente a existência de três famílias, afirmando que,
no final do séc. XVII, surge a “primeira geração dos direitos fundamentais: as liberdades
públicas. A segunda virá logo após a primeira Guerra Mundial, com o fito de complementá-la:
são os direitos sociais. A terceira, ainda o plenamente reconhecida, é a dos direitos de
solidariedade”. Esclarece Ferreira Filho
93
que “Na verdade, não se cristalizou ainda a doutrina
a seu respeito. Muita controvérsia existe quando a sua natureza e a seu rol”. Ferreira Filho
94
ensina, ainda, a respeito dos direitos da terceira família que:
Quatro são os principais desses direitos: o direito à paz, o direito ao
desenvolvimento, o direito ao meio ambiente e o direito ao patrimônio comum da
humanidade. A eles alguns acrescentam o direito dos povos a dispor deles próprios
(direito à autodeterminação dos povos) e o direito à comunicação.
89
Romita, 2005, p. 90.
90
Consoante Romita (2005. p. 90).
91
Dimoulis e Martins (2007. p. 35).
92
2006, p. 6.
93
2006, p. 57.
94
2006, p. 58.
36
Dimoulis e Martins
95
, avançam e reconhecem uma quarta família, referindo-se aos
direitos fundamentais relacionados ao cosmopolitismo e a democracia universal. No mesmo
sentido é a lição de Paulo Bonavides
96
, para quem “A quarta se divisa no horizonte; com
ela subiremos ao patamar da terceira modalidade de Estado constitucional: o Estado
constitucional da Democracia participativa”.
José Alcebíades Oliveira Júnior
97
refere a existência de uma quinta categoria,
associada às questões tecnológicas.
Romita
98
faz referência a seis famílias, ainda que reconheça a incipiência dos estudos
das três mais recentes. Neste sentido:
Cogita-se basicamente da existência de três famílias de direitos fundamentais: a
das chamadas liberdades negativas; a dos direitos econômicos e sociais; a
dos direitos coletivos e difusos. Estas famílias de direitos são bem conhecidas e
acham-se perfeitamente identificadas e estudadas.
[...]
Esse processo de multiplicação dos direitos fundamentais não cessa. Novas famílias
são acrescentadas, principalmente por força da revolução tecnológica e da
globalização. [...] As três primeiras famílias, hoje em dia, já não bastam para
albergar a totalidade dos direitos individuais. Reconhece-se atualmente a existência
de mais três famílias que, agregadas às três iniciais, podem ser designadas como a
quarta, a quinta e a sexta. É certo que , a respeito destas últimas famílias, os estudos
ainda se encontram em fase inicial.
A quarta família, segundo Romita, seria “constituída por aqueles [direitos] que
encontram sua fonte no biodireito”
99
. Seria uma família “composta pelo direito ao patrimônio
genético e todas as suas manifestações”
100
, contemplada no artigo 196 da Constituição Federal
de 1988. O quinto grupo “envolve os direitos relacionados com a utilização dos
conhecimentos fornecidos pela cibernética e pela informática. São direitos de reconhecimento
recente, como recentes são os saberes com os quais se enlaçam”
101
. A sexta família de direitos
95
2007, p. 34.
96
2007, p 51.
97
Teoria jurídica e novos direitos, Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2000.
98
2005, p. 92.
99
2005, p. 104.
100
2005, p. 106.
101
2005, p. 107.
37
fundamentais seria “os decorrentes da globalização, nomeadamente os direitos à democracia,
à informação correta e ao pluralismo”
102
.
A controvérsia a respeito de quantas são, ao total, as famílias dos direitos
fundamentais pode ser ilustrada pelo exame da lição de Dimoulis e Martins em contraponto
aos ensinamentos de Romita. Em que pese ambos reconhecerem um “quarto” grupo de
direitos fundamentais, discordam a respeito de seu conteúdo.
De qualquer forma, a importância de delimitar a existência de três ou seis famílias,
para o estudo em exame, é identificar a localização dos direitos fundamentais dos empregados
e empregadores que adiante serão examinados.
Particularmente, percebe-se que as três famílias mais recentes (ou seja, da quarta,
quinta e sexta espécies), nada mais são do que uma especialização de alguma das três famílias
iniciais, que são reconhecidas de forma unânime e bem definidas. Em outras palavras: é
possível deduzir os supostos direitos fundamentais pertencentes aos três últimos grupos a
partir dos três primeiros grupos. Assim, a quarta família encontraria sua origem na primeira
espécie (direitos de liberdade, que visam à proteção da dignidade da pessoa humana), a quinta
família a partir dos direitos fundamentais do segundo grupo (notadamente os direitos de
privacidade e intimidade). A última espécie (sexta família), seria deduzia a partir dos direitos
fundamentais de primeira e de terceira espécies.
A crítica ao reconhecimento de novas famílias de direitos fundamentais é explícita no
discurso de Ingo Sarlet
103
ao combater os supostos “direitos fundamentais de quarta
dimensão”:
[...] não nos parece impertinente a idéia de que, na sua essência, todas as demandas
na esfera dos direitos fundamentais gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos
tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade
(solidariedade), tendo, na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa.
Assim, fixa-se uma posição mais conservadora para defender o entendimento de que
apenas três famílias de direitos fundamentais, recusando-se a existência de outras
102
2005, p. 110.
103
2005. p. 59.
38
(independentemente de serem consideradas como uma quarta, quinta ou sexta família) por
entender que são apenas especializações das três famílias iniciais e, especialmente, porque os
estudos a seu respeito ainda são muito incipientes e resultam em contradições.
1.5 Vinculação dos particulares aos direitos fundamentais
O fenômeno da vinculação dos particulares a direitos fundamentais
104
é tema bastante
difundido na doutrina de alguns países, ainda que uns poucos não a aceitem. No Brasil, seu
estudo vem crescendo, observando-se o aumento da produção científica e a ampliação do
interesse da doutrina, jurisprudência e estudiosos do direito. Contudo, ainda é muito
incipiente, conforme alerta Virgílio Afonso da Silva
105
:
No Brasil, contudo, ao contrário do que ocorre em países como Alemanha, Espanha,
Itália, Israel, África do Sul e Portugal, entre outros, a doutrina constitucional ainda
não tem dado a devida atenção aos efeitos dos direitos fundamentais para além da
relação cidadão-Estado. E isso não somente devido a uma demasiada atenção aos
direitos fundamentais de cunho liberal. Mesmo nas análises dos direitos de outras
“gerações”, ou seja, dos direitos fundamentais pós-liberais, o foco costuma se
manter única e exclusivamente na relação cidadão-Estado.
Para a melhor compreensão do fenômeno da vinculação dos particulares a direitos
fundamentais, é necessário resgatar a evolução histórica exposta no inicio do presente
capitulo.
1.5.1 Os direitos fundamentais como limites aos abusos de poder
Os direitos fundamentais foram concebidos, originalmente, com o intuito de proteção
do indivíduo contra possíveis excessos do Estado. Posteriormente, no Estado Social de direito,
a situação se altera, pois, conforme Sarlet
106
:
104
A doutrina utiliza a expressão “efeito horizontal dos direitos fundamentais”como sinônimo da vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais, distinguindo-se, dessa forma, dos “efeitos verticais dos direitos
fundamentais” (que são aqueles existentes na relação entre o particular e o Estado). A doutrina e a jurisprudência
adotam como sinônimos de “vinculação dos particulares aos direitos fundamentais”, ainda, as expressões
“eficácia privada”, “eficácia em relação a terceiros”, “eficácia externa”, “eficácia horizontal”, conforme alerta
Sarlet (2000, p. 114).
105
2005. p. 18.
106
2000, p. 118.
39
[...] com a ampliação crescente das atividades e funções estatais, somada ao
incremento da participação ativa da sociedade no exercício do poder, verificou-se
que a liberdade dos particulares assim como os demais bens jurídicos
fundamentais assegurados pela ordem constitucional não careciam apenas de
proteção contra ameaças oriundas dos poderes públicos, mas também contra os mais
fortes no âmbito da sociedade, isto é, advindas da esfera privada.
Explica Wilson Steinmetz
107
que os direitos fundamentais ainda hoje têm e devem ter
como função a defesa de direitos subjetivos básicos das pessoas ante a atuação do Estado
(cujos poderes se manifestam de diferentes formas: político, econômico e ideológico). Na
atualidade, contudo, não é apenas o Estado quem detém tais poderes. diversos sujeitos
sociais (ex. megagrupos comerciais, industriais, financeiros, mídia, associações e sindicatos,
organizações criminosas, igrejas, ONGs, ambientalistas, MST) que o exercem. Esses novos
sujeitos sociais, em regra, surgiram para lutar pela efetividade dos direitos fundamentais (ou
seja, são contrapoderes privados ou não estatais), mas, não raras vezes, a ação desses sujeitos
pela concretização de seus direitos colide com o exercício de direitos fundamentais de
primeira geração (ex. liberdade e propriedade) de outros particulares.
Os direitos fundamentais podem ser tratados como um constante acontecimento
jurídico e social (inclusive na modernidade) e, portanto, vinculados à evolução da própria
sociedade.
Ao longo de sua afirmação, os direitos fundamentais evoluíram e, progressivamente,
ampliaram seu âmbito de atuação. Por exemplo, podemos citar a positivação dos direitos
fundamentais na Constituição, que ocorreu com o intuito de propiciar maior segurança para a
sociedade, permitindo a publicização e, ao mesmo tempo, impedindo que autoridades
extinguissem direitos arduamente conquistados ao longo de muito tempo.
E não se pode desprezar, analisando a atual Constituição Federal brasileira, que o
legislador constituinte atribuiu tratamento diferenciado aos direitos fundamentais,
especificamente, ao prever sua aplicação imediata no parágrafo primeiro do artigo 5°.
108
107
2004, p .83-90.
108
Neste sentido, ensina Wilson Steinmetz (p. 122-123), ao analisar o Princípio da aplicação imediata dos
direitos fundamentais, que “Os direitos fundamentais são uma categoria de direitos com força especial e que por
isso devem ser tomados a sério”, inclusive pelos particulares, mormente por força da Constituição Federal ser
uma estrutura normativa básica e dirigida a todos indistintamente.
40
Ainda, conclui-se que são fatores relevantes à valorização dos direitos fundamentais,
além de outros, a própria internacionalização e o acúmulo de famílias: família (direitos
civis e políticos ou “direitos de liberdade”), família (direitos sociais) e a família (direitos
difusos e coletivos), sem ignorar aqueles que defendem a existência de famílias adicionais.
Em decorrência da progressiva ampliação, naturalmente, aos direitos fundamentais
atribuíram-se múltiplas funções.
Inicialmente, os direitos fundamentais tinham apenas a chamada função clássica.
Constituíam-se em direitos de defesa em relação ao Estado. Eram direitos com “função
negativa”.
Após, foi adicionada aos direitos fundamentais a “função positiva”. Por esta, exige-se
uma atuação positiva do Estado por meio dos direitos fundamentais sociais, pelos direitos e
instituições de direito privado tais como família, herança e propriedade e pelos direitos à
organização e procedimento.
Atualmente, os direitos fundamentais passaram a exercer, inclusive, a função de
proteção do particular perante terceiros (direitos à proteção para o particular e dever de
proteção pelo Estado). A ampliação e a multifuncionalidade dos direitos fundamentais,
portanto, são uma exigência do desenvolvimento social, o que é cada vez mais intenso e
veloz, características que se propagam para os direitos fundamentais. Assim, os direitos
fundamentais necessitam sofrer constantes adequações (inclusive pelo desenvolvimento de
novas dimensões
109
) visando sua eficácia na sociedade, de acordo com a característica
específica de cada caso e determinado momento histórico-cultural.
Por sua vez, Ingo Wolfgang Sarlet (2000, p. 108) salienta que, “de acordo com a vontade expressa do nosso
Constituinte, as normas definidoras de direito e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art. 5°, § 1°, da
Constituição de 1988), o que, por si só, bastaria para demonstrar o tratamento diferenciado (e privilegiado)
que os direitos fundamentais reclamam no âmbito das relações entre Constituição e Direito Privado.”
109
É válido lembrar que a expressão “dimensões” é utilizada no sentido proposto por Romita (2005, p. 89), ou
seja, “imprimem ao mesmo direito existente diferentes significados e função distinta, segundo a nova óptica
pela qual são considerados”.
41
Nessa linha de raciocínio, poder-se-ia dizer que a vinculação dos particulares aos
direitos fundamentais e a forma como o fenômeno ocorreria se consubstanciaria em mais uma
etapa dessa evolução.
No Brasil, a estrutura da Constituição Federal de 1988 apazigua um pouco a discussão
em torno da irradiação dos direitos fundamentais nas relações privadas, pois o Diploma
Constitucional vincula de forma expressa os particulares, ao menos na parte relativa aos
direitos sociais dos trabalhadores, conforme se verifica da leitura do caput do artigo 7º. De
qualquer forma, ainda haveria a necessidade da doutrina nacional debater se ou não a
vinculação dos particulares aos demais direitos fundamentais, a saber, aqueles que a
Constituição Federal de 1988 silencia a respeito de sua aplicação aos particulares. Além disso,
uma vez reconhecida e aceita a vinculação dos particulares à relação de emprego (o que é
especificado em razão dos limites traçados para esta pesquisa), seria mister definir a forma
como os direitos fundamentais projetariam seus efeitos nas relações privadas.
1.5.2 O exercício do poder na relação de emprego: o jus variandi
Avançando na investigação que se propõe, é necessário aplicar o raciocínio supra à
relação de emprego para concluir se nesta relação poderes que poderiam (ou até
necessitam) ser limitados pelos direitos fundamentais. Em outras palavras, questiona-se: o
empregador é um particular que poderia ter seus poderes limitados mediante a irradiação dos
direitos fundamentais na relação de emprego? E o direito fundamental de livre iniciativa e de
que forma isso poderia lançar luz ao direito trabalhista? De que forma a falta de flexibilização
da CLT pode estar emperrando o desenvolvimento econômico, a livre iniciativa? Vejamos:
A relação de poder (opressor ou não) está presente no âmbito das relações intra-
estatais e das relações entre Estado e pessoas (ou mesmo grupos de pessoas), denominadas
relações verticais. Ainda, há poder no âmbito das relações interprivadas (de pessoas e grupos),
denominadas de relações horizontais. Como sintetiza Wilson Steinmetz
110
:
110
2004, p. 89.
42
[...] o poder não é somente fenômeno político em sentido estrito, cuja manifestação
se nas relações inter-estatais e entre Estado e particulares. O poder é fenômeno
social em sentido amplo, porque se manifesta nas múltiplas relações sociais, sejam
elas verticais, sejam elas horizontais.
Na definição de Wilson Steinmetz
111
: o poder é a capacidade que um sujeito tem de
condicionar, restringir ou eliminar a liberdade de outrem em uma determinada esfera ou
âmbito da vida”.
No âmbito da relação de emprego, não é diferente, pois também existe uma relação de
poder. Em sendo o empregador quem assume os riscos da atividade, é seu direito escolher a
forma como deverá ser conduzido o negócio para alcançar as metas idealizadas, ou seja, o
empregador é o responsável por determinar quem, como e onde deverão ser executadas as
tarefas necessárias ao bom andamento da atividade empresarial.
A toda evidência, isso é uma manifestação da relação de poder no âmbito das relações
inter-privadas. Mais: é uma desigualdade perfeitamente válida, cuja legitimidade é atribuída
pelo próprio ordenamento jurídico brasileiro, o qual investe o empregador do chamado Poder
Diretivo
112
ou jus variandi, como forma de outorga de mecanismos para proteção e
desenvolvimento da atividade produtiva.
Destaca-se que a previsão legal do poder diretivo está inserta no artigo 2º da CLT
113
.
Em razão do empregador assumir os riscos da atividade econômica (ao admitir e
assalariar os empregados, além de correr por conta própria e exclusiva os riscos de qualquer
negócio) lhe é concedido o poder de dirigir a prestação do trabalho realizado por seus
empregados.
111
2004, p. 87.
112
O poder diretivo pode ser dividido, singelamente, em poder de organização, regulamentar, de controle e
disciplinar, os quais possuem limites externos (decorrentes da lei, da moral, dos instrumentos normativos e das
decisões administrativas) e internos (delineados pelo contrato de trabalho, regulamento da empresa, etc).
Vilhena (1999, p. 473) justifica a existência do Poder de Direção aduzindo que “A intervenção do poder jurídico
do empregador na conduta do empregado (exercício do poder diretivo) explica-se em função direta e exclusiva
da manutenção e da adequação da atividade deste em favor da empresa.”
113
Artigo da CLT “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo o risco da
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
43
Impõe-se lembrar, ainda, que um dos elementos fundamentais caracterizadores da
relação de emprego decorre justamente do poder de direção do empregador, qual seja, a
subordinação do obreiro em relação ao empregador
114
.
Dito de modo diferente: se por um lado a legislação trabalhista impõe ônus ao
empregador de arcar com todos os riscos do seu negócio (proibindo-o de repassá-los ou
mesmo dividi-los com os empregados), por outro, legitima o dever de obediência do
empregado às ordens (desde que lícitas, razoáveis e morais) do empregador.
Para melhor esclarecer o que seria o poder diretivo do empregador, toma-se
emprestado de Simone Cruxên Gonçalves
115
seu conceito
116
de jus variandi. E porque
também engloba a integralidade dos elementos envolvidos no caso em debate, reproduzimos
com destaque o conceito jus variandi de Inácio Garzon Ferreyra
117
:
[...] é uma faculdade unilateral, condicionada somente a uma ‘necessidade da
empresa’ e que se justifica em função de motivos especiais e racionalmente
apreciados, tendentes ao desenvolvimento da empresa e da produção, sem ocasionar
prejuízo ao trabalhador.
A partir dos conceitos acima, podemos observar que o poder diretivo se desmembra
por diversas facetas, podendo ser manifestado pelo poder de controle (fiscalização de
horários, por exemplo), pelo poder de punição (disciplinar, aplicar advertência, suspensão),
poder de organização (estabelecer qual atividade será desenvolvida), entre outros. Conforme
114
Martins (2001, p. 95) explica que “o obreiro exerce sua atividade com dependência ao empregador, por quem
é dirigido. O empregado é, por conseguinte, um trabalhador subordinado, dirigido pelo empregador. Essa
subordinação pode ser econômica, técnica, hierárquica, jurídica ou até mesmo social”.
115
Gonçalves (1997, p. 48) defende “[...]consistir o jus variandi na faculdade do empregador, exercida em
virtude de seu poder diretivo, de introduzir, unilateralmente e dentro de limites, modificações nos aspectos
circunstanciais referentes à prestação de serviço do empregado e à organização da empresa”.
116
O conceito é obtido após a analise da definição proposta por outros doutrinadores. Vale transcrever
literalmente os conceitos:
“Para Délio Maranhão ‘consiste na faculdade outorgada ao empregador de alterar, de forma não substancial, as
condições do contrato de trabalho, em virtude de seu poder diretivo’.
Para Hugo Gueiros Bernardes ‘constitui um complexo de atos necessários ao funcionamento da empresa’. (...) ‘É
a parte do poder diretivo patronal que se caracteriza pela discricionaridade, sob os limites da lei e do contrato;
porque destina a possibilitar o regular desenvolvimento da atividade empresarial’.
Para Guilhermo Cabanellas ‘é o resultado direto da execução do contrato que impõe, em certas condições, alterar
e variar as prestações. Porém as inovações, por isso mesmo, não podem ser substanciais nem tampouco reger-se
por mero capricho’”.
117
1977, p. 674.
44
leciona Vilhena
118
: “a ordem jurídica, ao reconhecer o poder diretivo do empregador e ao
tutelá-lo, nada mais fez do que assegurar-lhe os meios do regular desenvolvimento de sua
atividade”.
Dessa forma, empregado e empregador desenvolvem uma relação na qual não se
aplica a igualdade jurídica presente via de regra no âmbito do direito civil, na medida em
que uma das partes do contrato de trabalho (empregado) é dirigida e subordinada à outra
(empregador).
Não obstante, deve-se ter em mente que a relação jurídica trabalhista não pode ser
vista como parte independente do direito, valendo-se o empregador da indigitada prerrogativa
de direção para violar qualquer espécie de direito do empregado ou mesmo exercer seu poder
de direção de forma abusiva.
A partir do conceito de Inácio Garzon Ferreyra (acima transcrito), conclui-se que são
vedadas as alterações que acarretem prejuízos aos empregados. Em verdade, essa restrição
decorre de normas de ordem pública, previstas em lei, como o artigo 468 da CLT
119
, por
exemplo. Além disso, também é limitador do jus variandi o próprio contrato de trabalho, que
institui para as partes (empregado e empregador) normas de natureza dispositiva, sempre
mediante respeito aos requisitos do artigo 104 da lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
Em resumo, verifica-se que a relação de emprego é embasada em uma nítida relação
de poder e, em que pese legalmente legitimada, poderá resultar em excessos. A dúvida que
permanece seria: os direitos fundamentais também atuam como limitadores do poder diretivo
do empregador? Ou, em outras palavras, os atores da relação de emprego empregado e
empregador – estão vinculados aos direitos fundamentais?
Especificamente em relação à vinculação dos particulares – atores da relação de
emprego – aos direitos fundamentais, José Antonio Peres Gediel
120
responde positivamente:
118
1999, p. 216.
119
Dispões o artigo 468 da CLT que “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas
condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao
empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”
120
2006, p. 157.
45
A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, por sua vez, também é
exigência do projeto político e da normatividade constitucional assumidos pela
sociedade brasileira em 1988. Essa vinculação se manifesta, de modo especial, nas
relações contratuais de trabalho para exigir dos cidadãos comportamentos que,
concomitantemente, sejam a expressão de sua liberdade econômica e de respeito aos
seus concidadãos [...].
É essa vinculação – seu fundamento e formas – que analisaremos a seguir.
1.5.3 Os fundamentos para a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais
A partir das questões expostas ou mesmo de uma rápida reflexão a respeito das
relações que diariamente mantemos, não restam dúvidas que particulares tão poderosos
quanto o próprio Estado. Quiçá, há particulares mais poderosos que o próprio Estado.
No caso da relação de emprego, como antes demonstrado, é o empregador quem
detém os meios de produção e, em razão disto, e porque é o empregador quem assume os
riscos do negócio jurídico – representando pelos lucros e prejuízos a legislação lhe atribui o
jus variandi, ou seja, o poder para determinar a condução do contrato de emprego.
É no contexto do jogo de poderes que, visando coibir excessos e
desproporcionalidades, determinados direitos fundamentais têm ou devem ter eficácia nas
relações jurídicas interprivadas. Partindo-se desta premissa, foi desenvolvida a idéia da
vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.
Sarlet
121
fundamenta a vinculação de particulares a direitos fundamentais porque (i)
“os direitos fundamentais, na qualidade de princípios constitucionais e por força do postulado
da unidade do ordenamento jurídico, aplicam-se relativamente a toda ordem jurídica,
inclusive privada” e (ii) “a necessidade de se proteger os particulares também contra atos
atentórios aos direitos fundamentais, provenientes de outros indivíduos ou entidades
particulares”.
121
2000, p. 119.
46
Steinmetz
122
sustenta a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, em
apertada síntese, no princípio da supremacia da Constituição, no postulado da unidade
material do ordenamento jurídico, na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, no
princípio constitucional da dignidade da pessoa, no princípio constitucional da solidariedade e
no princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e das garantias fundamentais.
Independentemente de qual a fundamentação eleita, é fato cristalino que a questão
envolvendo a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas e, portanto, na relação
de emprego, não é tão singela. Entre as dificuldades ou problemas, identifica-se que os
enunciados da Constituição Federal informam o quê são os direitos fundamentais, mas (i) não
há enunciados determinando o como (o modo, a forma) ocorrerá eventual vinculação, (ii) nem
há explicações positivadas sobre em que medida (o alcance, a extensão) ocorrerá a vinculação.
Em outras palavras, a ausência de suporte textual normativo imediato prejudica a incidência
da norma constitucional de forma simplificada.
Disso, emerge um novo desafio: estudar, ainda que brevemente em razão do objetivo
traçado para esta pesquisa, as possíveis formas de vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais.
1.5.4 Formas de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais (e a vinculação do
empregador)
Partindo-se da origem, a questão envolvendo a vinculação de particulares a direitos
fundamentais pode ser aceita ou negada, o que marca duas formas básicas e antagônicas de
interpretação do fenômeno em exame. Aqui, é importante registrar que apenas a minoria dos
estudiosos do direito negam a possibilidade de vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais.
122
2004, p. 295.
47
De outra banda, ao aceitar a possibilidade de vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais, discutir-se-iam a(s) forma(s) pela(s) qual(is) os direitos fundamentais
irradiariam efeitos nas relações entre particulares
123
.
Sinteticamente, ensina Virgílio Afonso da Silva
124
que há:
[..] distinção entre 02 modelos distintos de compreensão da vinculação dos
particulares aos Direitos Fundamentais o modelo direto e o indireto e também a
separação entre esses modelos e um não-modelo, que é a negação de efeitos dos
Direitos Fundamentais às relações entre particulares.
Avançando o raciocínio a respeito dos modelos que admitem a vinculação dos
particulares, Virgílio Afonso da Silva
125
explicita a seguinte distinção:
o modelo direto sustenta uma aplicabilidade das normas de Direitos Fundamentais às
relações jurídicas entre particulares, enquanto o modelo indireto preconiza apenas
uma influência das normas de Direitos Fundamentais na interpretação das normas de
direito infraconstitucional.
A doutrina também denomina tais modelos, em virtude de partirem de um conceito de
eficácia diverso, como “teoria da eficácia direta”
126
e “teoria da eficácia indireta”
127
.
123
De modo geral, nos países em que o tema vinculação dos particulares a direito fundamentais é aceito e mais
estudado, costuma-se fazer menção, a pelo menos, dois modelos distintos: o de efeitos diretos e o de efeitos
indiretos. Há outros modelos ou teorias, contudo, que não examinaremos por fugir ao escopo do presente estudo.
Daniel Sarmento (2006, pp 220-224), faz referência a teorias desenvolvidas por Jürgen Scwabe e Robert Alexy,
por exemplo. Além disto, variações das teorias, como a proposta por Virgílio Afonso da Silva, em relação à
teoria de Robert Alexy, na sua tese de livre docência intitulada “A constitucionalização do direito”.
124
2005. p. 58.
125
2005. p. 58. Explicita Virgílio Afonso da Silva (2005. p. 59) que o que quer “dizer com eficácia direta é a
produção direta de efeitos nas relações entre privados”, que chama de “aplicabilidade”. Por outro lado, no
“modelo indireto, a despeito de haver uma produção – indireta – de efeitos por meio da reinterpretação do direito
infraconstitucional, não há uma verdadeira aplicação da norma de direitos fundamentais às relações entre
particulares”.
126
É conhecida como a Teoria da Eficácia Imediata (ou Direta) dos Direitos Fundamentais nas relações privadas.
Em síntese, esta teoria admite que os direitos fundamentais sejam invocados por particulares e contra
particulares, “independentemente de qualquer mediação por parte do legislador, revestindo-se de oponibilidade
erga omnes(Sarmento, 2006, p. 204). Entretanto, ao contrário do que se imagina inicialmente, não se trata de
uma doutrina radical, conforme conclui Daniel Sarmento (2006. p. 205), pois os adeptos desta teoria “não negam
a existência de especificidades nesta incidência, nem a necessidade de ponderar o direito fundamental em jogo
com a autonomia privada dos particulares envolvidos no caso”.
127
É conhecida como a Teoria da Eficácia Mediata (ou Indireta) dos Direitos Fundamentais nas relações
privadas.Nesta situação, conforme Daniel Sarmento (2006. p. 198), “os direitos fundamentais não ingressam no
cenário privado como direitos subjetivos, que possam ser invocados a partir da Constituição. (...) A teoria da
eficácia mediata nega a possibilidade de aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas porque,
48
Em atenção aos modelos acima sugeridos, resumidamente, explica Virgílio Afonso da
Silva
128
, que, quando se (i) negam os efeitos dos Direitos Fundamentais nas relações entre
particulares, não se nega a eficácia da norma nas relações verticais (entre Estado e
particulares), mas tão somente nas relações horizontais (entre particulares); (ii) quando se fala
em efeitos indiretos é caso de “mera reinterpretação do direito infraconstitucional” e,
portanto, de inaplicabilidade (direta) dos Direitos Fundamentais nas relações entre
particulares; (iii) nos efeitos diretos, admite-se a aplicação imediata das normas de Direitos
Fundamentais.
Ao aceitar a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, seja por meio da
eficácia mediata
129
ou da eficácia imediata
130
, verifica-se que teorias intermediárias, dentro
segundo seus adeptos, esta incidência acabaria exterminando a autonomia da vontade, e desfigurando o Direito
Privado, ao convertê-lo numa mera concretização do Direito Constitucional”.
128
2005. p. 59.
129
04 matizes (graus) de aceitação da teoria da eficácia mediata, consoante estudos de Steinmetz (2004, p.
148-151). A primeira
sustenta que a eficácia de normas de direitos fundamentais nas relações entre particulares
está condicionada exclusivamente à concretização legislativa (ou seja, se um direito fundamental não foi objeto
de regulação específica do legislador de direito privado, então este direito fundamental não vincula os
particulares). A segunda
defende que, apesar de ser tarefa preferencialmente do Legislativo, o Poder Judiciário
pode, através das cláusulas gerais de direito privado, buscar a aplicação dos direitos fundamentais (mas se assim
não conseguir, o direito fundamental em questão não vincula os particulares). Contudo, da mesma forma que a
legislação é deficiente em suas definições, as próprias cláusulas gerais de direito privado também são (ou seja,
ambos são imprecisos, vagos e dão margem a diferentes interpretações, pois têm elevado grau de
indeterminação), tornando-se a tarefa excessivamente complexa. A terceira
, indo um pouco mais longe, adverte
que, na impossibilidade de solução através da aplicação das cláusulas gerais do direito privado e desde que
configurado um caso concreto de desigualdade fática relevante ou uma relação desigual de poder entre os
particulares ou seja, em casos muito excepcionais as normas de direito fundamental devem ser aplicadas
imediata ou diretamente. Para essa segmentação, a eficácia tanto maior deverá ser quanto maior for a
desigualdade (propõe uma hierarquização das lesões de direitos fundamentais tendo como critério quem lesou e
não a lesão mesma: a mais grave na relação desigual, a menos grave na relação entre iguais). Contudo, incorre
em equívoco esta teoria porque “um particular, sem poder econômico e/ou social pode causar lesões a direitos
fundamentais tão ou mais graves do que um particular com poder econômico e/ou social” (lesão a direito
fundamental sempre será lesão a direito fundamental; logo é inconstitucional e, conseqüentemente, razão
suficiente para impedir/anular/invalidar, total ou parcialmente qualquer ato, inclusive um ato de autonomia da
vontade). A quarta
e última matize entende que, “na ausência de desenvolvimento legislativo e na
impossibilidade de decidir o caso pelo recurso a cláusulas gerais, aplica-se e isto como exceção
imediatamente as normas de direitos fundamentais, independentemente de se ou não uma relação fática de
poder desigual. Portanto, as matizações vão desde uma versão forte (severamente restritiva) até uma versão fraca
(menos restritiva), sendo as duas primeiras mais compatíveis com o Estado (legislativo) de Direito do século
XIX (direitos fundamentais somente tinham força vinculante se reconhecidos em lei). Para as duas primeiras, a
Constituição não ordena a vinculação dos particulares a direitos fundamentais, mas apenas permite.
130
Também norteado nos estudos de Steinmetz (2004, p. 169-171), identifica-se 03 matizes de aceitação da
teoria da eficácia mediata. A versão “forte” (pressupõe eficácia absoluta, de forma geral, plena e indiferenciada.
Contudo, esta corrente é frágil porque (i) ignora o fato da discussão cingir a respeito da colisão de direitos
fundamentais, então é necessário analisar cada caso individualmente para decidir qual prevalecerá e porque (ii) a
autonomia privada, princípio fundamental do privado, também é um bem constitucionalmente protegido,
49
de cada um desses modelos, para justificar o grau de vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais.
A maioria da doutrina e dos estudiosos do tema aceita o fenômeno da vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais, propugnando pela incidência indireta dos efeitos nas
relações entre particulares.
Partindo-se apenas do pressuposto que é aceitável a vinculação dos particulares aos
direitos fundamentais independentemente da forma como se concretiza o fenômeno é
importante considerar, entretanto, a relevância de decisões precipitadas quanto à vinculação
ilimitada dos particulares a direitos fundamentais.
Entre as mais temidas implicações da aplicação exacerbada dos direitos fundamentais
nas relações privadas estão a (i) restrição insuportável ou até mesmo eliminação da autonomia
privada (e, conseqüentemente, ao Direito Fundamental da Liberdade) e a (ii) banalização do
direito constitucional, além da (iii) perda da autonomia (assim entendida a identidade e o
próprio sentido) do existir e da função dos diversos ramos do direito privado (civil, comercial,
trabalhista, etc).
No plano prático, Sarlet
131
exalta (iv) “o problema do acesso por parte dos
particulares, em face de ofensas a direitos fundamentais oriundas de outros sujeitos privados,
aos órgãos supremos encarregados da Jurisdição Constitucional, que poderá implicar no
risco “de transformar as Cortes Constitucionais em Tribunais de revisão de conflitos de
natureza eminentemente privada”, assunto que “encontra-se intimamente vinculado à
problemática da sobrecarga de processos nos Tribunais Constitucionais”.
ocorrendo conflito de princípios de hierarquia igual/constitucional), a versão “fraca” (há eficácia imediata entre
os particulares, sobretudo nas relações marcadas pela desigualdade fática de supremacia econômica/social.
Entretanto, esta versão se revela ambígua, pois ora aparece como versão autônoma/exceção à teoria da eficácia
mediata/(sub)variação da versão “intermediária” da eficácia imediata) e a versão “intermediária” (a eficácia é
imediata, porém não de forma ilimitada, incondicional e indiferenciada. Por ser o problema da eficácia uma
questão de colisão de direitos fundamentais, bem como em virtude da autonomia privada ser um bem
constitucionalmente assegurado, a solução é obtida pela aplicação do princípio da razoabilidade e da análise de
cada caso concreto individualmente).
131
2000, p. 110-111.
50
Conclui-se que o desafio envolto no exame da vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais é uma questão de comunicação dos diversos ramos do direito
132
. Nesse sentido,
dependendo da forma como a vinculação do particular aos direitos fundamentais ocorresse,
poder-se-ia cogitar de uma interpretação sistemática do ordenamento (quando aceita a
aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas) ou mesmo (quando trilhado
o caminho dos efeitos indiretos dos direitos fundamentais nas relações privadas) de uma
interpretação jurídica através das cláusulas gerais
133
e princípios gerais do direito.
Por qualquer caminho que se optasse seguir, o objetivo final seria obter a máxima
eficácia dos direitos fundamentais, tanto nas relações verticais (entre Estado e particulares)
como nas relações horizontais (entre particulares), de forma a afetar ao mínimo a autonomia
privada, que é o elemento caracterizador das relações particulares.
Particularmente, entende-se que a vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais pode ocorrer de ambas as formas (direta e indiretamente). Ocorrerá de forma
direta em relação aos direitos fundamentais da primeira família, pois implicam em mera
atitude de “não fazer”, que não implicará custos nem prejuízo à livre iniciativa e ao mercado.
Por outro lado, quanto às demais famílias de direitos fundamentais, ou seja, aquelas
que exigem uma prestação positiva do devedor” (a saber, os direitos fundamentais inclusos
na segunda e terceira família) a vinculação do particular, notadamente na relação de emprego,
ocorrerá de forma indireta.
Neste sentido, exemplifica-se com o disposto no art. 203, IV, da Constituição
brasileira de 1988, que dispõe:
132
Nesse sentido é a conclusão de Virgílio Afonso da Silva (2005, p. 17), ao introduzir o leitor na sua tese de
livre docência.
133
Virgílio Afonso da Silva (2005, p. 78-79) explica que o “principal elo de ligações entre os direitos
fundamentais como sistema de valores e o direito privado, segundo o modelo de efeitos indiretos, são as
chamadas cláusulas gerais. Essas são cláusulas que requerem um preenchimento valorativo na atribuição de
sentido, pois são, para usar uma expressão difundida na doutrina jurídica brasileira, conceitos abertos, cujo
conteúdo será definido por uma valoração do aplicador do direito. essa valoração não pode ser, contudo, ao
contrário do que muitos ainda pensam, uma valoração baseada em valores morais extra ou supralegais. Essa
valoração deve ser baseada, e aqui se revela o elo de ligação, no sistema de valores consagrados pela
Constituição”.
51
Art. 203, CF A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração à vida comunitária;
Em que pese ser uma obrigação da seguridade social (e, portanto, da autoridade
pública) a integração das pessoas portadores de deficiência à vida comunitária, esta também é
estendida aos particulares, por meio da Lei 8213/91, que impõe:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher
de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários
reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados............................................................................................2%;
II - de 201 a 500......................................................................................................3%;
III - de 501 a 1.000..................................................................................................4%;
IV - de 1.001 em diante. .........................................................................................5%.
§ 1 A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de
contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no
contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto
de condição semelhante.
§ 2 O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas
sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes
habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades
representativas dos empregados.
O fato é que o Estado compartilha com o particular muitos de seus ônus sociais,
porém, não pode impor tal ônus de forma direta, necessitando a intermediação do legislador
ordinário e a aplicação das cláusulas gerais.
Em suma, conclui-se que a vinculação dos particulares da relação de emprego
(empregado e empregador) aos direitos fundamentais ocorre das duas maneiras preconizadas
pela doutrina, ou seja, tanto de forma direita como indireta, inclusive porque não qualquer
impedimento na coexistência dos dois sistemas. Assim, com relação a determinados direitos,
“auto-aplicáveis”, a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ocorrerá de forma
direta (ex. intimidade, vida privada, a maior parte do rol previsto no art. 7º). Com relação a
outros direitos, seria necessária a intervenção do legislador, visando fixar o modo como
ocorrerá (ex. integração da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho, aviso
prévio proporcional).
A vinculação dos particulares a direitos fundamentais na relação de emprego ocorre
tanto de forma direta como indireta (e um não exclui o outro). Quanto a regras gerais, ocorre
de forma direta (como ocorre quando a jurisprudência impede a despedida discriminatória do
52
empregado aidético); porém, em relação a ações positivas (ou direitos fundamentais que
exigem prestações), ocorre de forma indireta (como no caso da inserção da pessoa portadora
de deficiência física no mercado de trabalho, que é imposta por lei).
É importante concluir que, em relação ao monitoramento da internet no ambiente de
trabalho, o empregador tem unicamente a obrigação de abstenção, ou seja, de não ferir os
direitos fundamentais incidentes na relação. Não se pode, jamais, de forma direta, pretender
exigir do empregador uma atitude de concretização destes mesmos direitos.
E isso – a postura e a relação entre o empregado e o empregador– será melhor
explicitado a seguir, a partir da compreensão do conceito de empregado, empregador e de
seus direitos fundamentais envolvidos no monitoramento da internet no âmbito da relação de
emprego.
53
2 OS ATORES DA RELAÇÃO DE EMPREGO E SEUS DIREITOS FUNDAMENTAIS
ENVOLVIDOS NO MONITORAMENTO DA INTERNET
2.1 A relação de emprego e seus atores
O objetivo primordial delineado a seguir é definir do que e de quem se trata uma
relação de emprego e, assim, quem pode ser considerado o empregado e o empregador
(portanto, titulares de direitos fundamentais na relação de emprego) a partir dos elementos
clássicos definidos pela doutrina trabalhista.
A seguir, demonstrar-se-á os reflexos da internet nessa relação com o fito de
compreender a colisão de direitos fundamentais que essa ferramenta propicia.
Por conta disso, por último nesse capítulo, serão analisados alguns dos principais
direitos fundamentais que incidem na relação de emprego cuja colisão é potencializada pela
internet, notadamente aqueles que interessam ao desenvolvimento da investigação que se
propôs (dignidade da pessoa, privacidade e sigilo de comunicações pelo prisma do
empregado –, além de livre iniciativa, propriedade, direito à imagem e à honra pelo prisma
do empregador).
É importante referir, para evitar imprecisões técnicas, que relação de trabalho não é
sinônimo de relação de emprego, em que pese, no cotidiano, ambas as denominações serem
tratadas como sinônimos, inclusive pela doutrina especializada. A distinção ganha maior força
a partir da recente Emenda Constitucional nº 45/2004, que alterou a competência da Justiça do
Trabalho
134
.
134
Até a Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência da Justiça do Trabalho era – basicamente – restrita à
solução de conflitos envolvendo empregados e empregadores. A partir de sua promulgação, houve a ampliação
da competência da Justiça do Trabalho para solucionar os conflitos decorrentes da relação de trabalho, nos
termos da atual redação do art. 114 da CF88.
54
Genericamente, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas no sentido de reconhecer
que relação de trabalho
135
é gênero, do qual a relação de emprego é uma de suas variadas
espécies, juntamente com todas as demais formas de trabalho conhecidas, como o trabalho
autônomo, o eventual, o avulso, o cooperativismo, bem como a relação de estágio, por
exemplo
136
.
Define-se a relação de emprego a partir dos ensinamentos de Maurício Godinho
Delgado:
[...] a relação empregatícia, enquanto fenômeno sociojurídico, resulta da síntese de
um diversificado conjunto de fatores (ou elementos) reunidos em um dado contexto
social ou interpessoal. Desse modo, o fenômeno sociojurídico da relação de emprego
deriva da conjugação de certos elementos inarredáveis (elementos fático-jurídicos),
sem os quais não se configura a mencionada relação.
Os elementos fático-jurídicos componentes da relação de emprego são cinco: a)
prestação de trabalho por pessoa física a um tomados qualquer; b) prestação
efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; c) também efetuada com não-
eventualidade; d) efetuada ainda sob subordinação ao tomador dos serviços; e)
prestação de trabalho efetuada com onerosidade.
Para que seja possível atingir o desiderato do presente trabalho, necessário se faz tratar
com mais especificidade de empregados e empregadores, o que se fará nos itens abaixo.
2.1.1 O Empregado
O empregado, em síntese, pode ser conceituado como a pessoa física que presta
serviços de natureza não-eventual ao empregador, em relação jurídica onerosa e de
subordinação. Esses serviços podem ser de natureza técnica, intelectual ou manual,
integrantes das mais diversas categorias profissionais ou diferenciadas
137
.
135
Em recente estudo, embasado por notórios doutrinadores trabalhistas, tanto autores clássicos como de
vanguarda, Carvalho (2008, em especial, pp. 47-49) detalha a amplitude do termo relação de trabalho”, bem
como os elementos que usualmente a caracterizam, sentenciando que “os limites da ‘relação de trabalho’
encontram-se pautados apenas no fator essencial do labor ser prestado por pessoa física, com certa dose de
pessoalidade, embora esta não necessite ser tão rigorosa como a da ‘relação de emprego’” (p. 48).
136
Sobre a distinção entre relação de trabalho e suas espécies, ver Barros (2007, pp. 216-228) e Delgado (2004,
p. 321-346).
137
“Categoria profissional diferenciada é a que tem regulamentação específica do trabalho diferente da dos
demais empregados da mesma empresa, o que lhe faculta convenções ou acordos coletivos próprios, diferentes
55
O conceito legal de empregado é extraído do art. da CLT
138
. Por ser incompleto o
citado dispositivo, deverá ser analisado conjuntamente com as disposições do caput do art.
do mesmo diploma legal
139
. É assim, a partir da interpretação sistemática da CLT, que se
identificam os elementos componentes da figura jurídica do empregado: pessoa física, não-
eventualidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade e alteridade.
Devido a importância da compreensão do conceito da figura jurídica empregado,
convém analisar, individualmente, cada um dos elementos referidos
140
.
A pessoalidade é a exigência de execução das atividades contratadas por uma pessoa
(física) em específico, sem a possibilidade de se fazer substituir.
A não-eventualidade pode ser traduzida pela exigência de que os serviços sejam de
natureza não-eventual, isto é, necessários à atividade normal do empregador
141
. Aliás, sequer
é necessária a prestação diária de serviços, aceitando-se freqüências bastante relativas,
conforme a natureza da atividade do empregador e do serviço prestado pelo empregado.
A onerosidade traz ínsita a idéia de contraprestação, pelo empregador, dos serviços
prestados (pouco importando a forma, desde que respeitadas as normas de ordem pública de
proteção ao salário dispostas na CLT, sob pena de caracterização de ilícito nas esferas
jurídico-trabalhista e administrativa).
dos que possam corresponder à atividade preponderante do empregador, que é a regra geral” (CARRION, 2007.
p. 425).
138
Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário.
139
Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica,
admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
140
Não é necessário comentar a condição de “pessoa física” do empregado, devido a racional dedução de sua
extensão, bastando salientar, contudo, que o objeto da análise, a luz da legislação trabalhista e dos princípios que
norteiam esse ramo especial do direito, é a existência de pessoa física como prestador dos serviços. Dito de outra
forma: pouco importa para o direito do trabalho que a formalização da relação seja feita por intermédio de outras
figuras jurídicas (ex. contrato de prestação de serviços). Se identificado a permanente prestação de trabalho pelo
mesmo indivíduo, o que será analisado no plano fático e não jurídico-formal, estará presente um elemento
caracterizador da figura do empregado.
141
Pouco importa, no particular, se for a atividade-fim ou a atividade-meio do empregador.
56
Por último, observa-se a subordinação como o traço distintivo e marcante da relação
de emprego. O empregado prestará seus serviços sob um estado de dependência real criado
pelo direito de o empregador comandar, dar ordens, dirigir e fiscalizar sua atividade. É em
função da subordinação jurídica que nasce para o empregador a possibilidade de aplicar
penalidades ao empregado, desde que observado os limites estabelecidos normativamente.
É importante exaltar que, em razão da informalidade que orienta o direito do trabalho,
a contratação do empregado pode ocorrer, inclusive, de forma tácita
142
(mediante a mera
aceitação da prestação de serviço, sem qualquer formalização, desde que reunidos todos os
elementos acima elencados). O conteúdo da prestação do empregado é qualquer obrigação de
fazer, desde que física e juridicamente possível.
2.1.2 Empregador
A noção jurídica de empregador está essencialmente relacionada à de empregado, ou
seja, existindo a figura deste (empregado) no vínculo laboral pactuado por um tomador de
serviços, este último assumirá, automaticamente, o caráter de empregador na relação jurídica
consubstanciada.
É por causa disso que a CLT equipara ao empregador “para os efeitos exclusivos da
relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações
recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como
empregados” (par. 1º, art. 2º). Enfim, é empregador a pessoa física, jurídica ou ente
despersonificado que contrata com uma pessoa física a prestação de seus serviços (quando
efetuados com pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e sob sua subordinação).
Quanto aos elementos característicos do empregador, o art. 2°, caput, da CLT,
descreve o empregador como aquele que “assumindo os riscos da atividade econômica,
142
Nesse sentido, dispõe a CLT em seu art. 442 Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso,
correspondente à relação de emprego.
57
admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Em paralelismos ao procedimento
eleito no item precedente, analisa-se cada um dos elementos.
Sobre a assunção dos riscos da atividade econômica, Sérgio Pinto Martins
143
leciona:
O empregador, por natureza, assume os riscos da sua atividade econômica. Não pode
[...] querer passar os riscos da sua atividade ao empregado. Mostra a teoria do risco
do Direito civil. A empresa assume os riscos da atividade econômica. Assume o
empregador tanto os resultados positivos (os lucros), como os negativos (os
prejuízos).
É o empregador, ainda, quem contrata, ou seja, acolhe o empregado na empresa (ainda
que indiretamente, mediante outros empregados e prepostos, por delegação). Destarte, não é
essencial que o empregador (proprietário da empresa), pessoalmente, admita o empregado,
podendo fazê-lo por intermédio de terceiro. A legislação não exige que seja um ato
personalíssimo.
O assalariar remete ao caráter oneroso da relação de emprego (sob o prisma do
empregado, que sempre será contraprestado, de alguma forma, consoante os limites e
condições estabelecidos na própria CLT e no contrato de trabalho, pela disponibilização de
sua força de trabalho em prol do empregador). O empregador necessariamente pagará
(salários em numerários ou utilidades) ao empregado. Em regra, será considerado parte
integrante da remuneração tudo aquilo que o empregador conceder ao empregado como
contraprestação aos serviços, ainda que sob denominação diversa. Se não houver expectativa
de contraprestação (ou seja, se tratar de uma relação gratuita), conseqüentemente, não haverá
relação de emprego (mas outra relação de trabalho, como ocorre com o trabalho voluntário,
por exemplo, disciplinado na Lei 9.608 de 1998).
Por último, insta enaltecer que, é justamente a capacidade de dirigir a atividade do
empregado, consubstanciado no poder de direção (em contrapartida à subordinação do
empregado), a característica determinante da relação de emprego (sob o enfoque do
empregador). Sua importância é de destaque à investigação que se propõe, pois é este
elemento que restringe a autonomia da vontade do empregado, deixando-o condicionado às
ordens e limites impostos pelo empregador.
143
2007, p. 6.
58
2.2 A internet e seus impactos na relação de emprego
A sociedade que vivemos é a sociedade globalizada, da informação e em rede
144
.
Evidenciado resta que esse novo modelo de sociedade afeta a relação de emprego e de seus
atores, empregador e empregado.
O objetivo a partir daqui, tendo em vista as considerações já apresentadas a respeito da
relação de emprego, empregado e empregador, é destacar os principais dos impactos que o
desenvolvimento da internet acarretou no âmbito da relação de emprego.
Para tanto, inicia-se a partir de uma análise a respeito do que é a internet, seu
desenvolvimento e popularização, além de divagações a respeito de questões peculiares na
atualidade a respeito do tema, com foque, em especial, na relação de emprego.
2.2.1 O que é a Internet
Internet seria “qualquer conjunto de redes de computadores ligadas entre si por
roteadores e gateways
145
, como, por exemplo, aquela de âmbito mundial, descentralizada e de
acesso público, cujos principais serviços oferecidos são o correio eletrônico, o chat e a web, e
que é constituída por um conjunto de redes de computadores interconectas por roteadores que
utilizam o protocolo de transmissão TCP/IP
146
147
. Pereira
148
complementa o conceito para
144
Para aprofundar o tema, Manuel Castells (A sociedade em rede – A Era da Informação. Vol. 1).
145
Gateways ou router são dispositivos (computadores ou hardwares) que se encarregam de distribuir o tráfego
de informações entre as redes.
146
Transmission Control Protocol/Internet Protocol. São programas (softwares) responsáveis pela fragmentação
e recomposição da informação transmitida pela Internet. TCP é o responsável pela organização (fragmentação,
numeração, supervisão) e transporte das informações através da Internet. IP é o responsável pela identificação do
remetente e destinatário.
147
Novo Dicionário Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro, 1999. p. 1126.
148
2004. p. 34.
59
esclarecer que Internet não é apenas “qualquer conjunto de redes de computador”, mas
justamente o conjunto global das redes conectadas entre si.
Internet é, efetivamente, a rede mundial de computadores, ou seja “é uma rede de
informações (e serviços) distribuída” porque as “informações não se encontram reunidas em
um único ponto (servidor ou computador), mas sim, estão distribuídas em milhões de
computadores (servidores) ao largo de todo o mundo”
149
.
Internet é diferente de web
150
. A Internet é um conjunto de ferramentas, dentre as quais
se incluem a web (que seria a junção da Internet com as técnicas de hipertexto
151
). Também
são ferramentas disponíveis na Internet o correio eletrônico
152
(eletronic mail ou e-mail),
utilidades de conversação
153
, etc.
De forma simplificada e adaptada à atualidade, a Internet, especificamente em relação
à web, funciona da seguinte maneira: ao informarmos um endereço (URL
154
) em nosso
navegador, é formulado um pedido ao servidor a respeito de determinada informação (texto,
som, imagem, etc). Ao concluir a troca de informações, teremos a página web, cuja
visualização somente é proporcionada por causa do HTTP
155
. As demais ferramentas da
internet, ressalvadas suas peculiaridades, funcionam de maneira semelhante.
149
Pereira (2004, p. 45-46).
150
www = world wide web
151
HTML (Hypertext Markup Language) é uma linguagem de programação utilizada para a criação de páginas
na web com informações em formato de hipertexto. Sua transmissão ocorre mediante a utilização do protocolo
HTTP.
152
Para acessar o correio eletrônico é necessário possuir uma conta de correio eletrônico, a qual poderá ser
administrada, basicamente, de duas formas: (i) de seu próprio computador ou (ii) diretamente do servidor do
correio eletrônico. A distinção básica entre as duas formas é que, no primeiro caso, após o recebimento das
mensagens no computador particular, em princípio, as mensagens são apagadas do servidor do correio
eletrônico, ao passo que no segundo caso as mensagens permanecem armazenadas para consultas futuras, até o
usuário apagá-las. Utilizam, respectivamente, os protocolos POP (Post Office Protocol) e SMTP (Simple Mail
Transport Protocol).
153
Pode ocorrer através de som, imagem, texto (chat) ou mesmo uma composição a partir destas formas (som e
imagem ou texto e imagem, por exemplo). Citamos como exemplos IRC (Internet Relay Chat), telefonia através
da Internet e videoconferência.
154
URL não se confunde com os protocolos porque é o endereço eletrônico. Pereira (2004, p. 49) explica que o
URL é um formato estandartizado em nível mundial, o qual permite atribuir ‘endereços’ a todos os servidores
conectados à rede”. Timm (RDC 38. p. 86) explica que, normalmente, o URL será formado, basicamente, a
partir da seqüência (1) protocolo htpp, (2) nome (www + nome de domínio secundário (identificação da
instituição) + nome de domínio primário (natureza da atividade a que se destina; ex. gov, com, org)).
Opcionalmente, pode-se informar o path (caminho) adicional ou alcançá-lo através de links.
60
2.2.2 A popularização da internet
No inicio da década passada, sequer era imaginável para a maioria da população que a
internet se tornaria um instrumento tão popular, a ponto de, praticamente, na atualidade, todos
fazerem uso e, inclusive, ser disponibilizada, em alguns casos, de forma gratuita para a
população. Atualmente, toda a repartição pública ou mesmo empresa privada utiliza internet,
a qual, sem dúvida, se tornou num dos meios mais comuns e ágeis de comunicação.
Por causa deste contexto diferenciado propiciado pela internet, até pouco tempo atrás,
não existiam preocupações a respeito de como seriam tratados os aspectos jurídicos
relacionados a esse novo instrumento. Em outras palavras: não se discutia o que seria
permitido e o que seria proibido quando se falava em internet.
Não é possível ignorar que a utilização da internet é algo habitual no dia a dia de
qualquer pessoa e tal costume somente tende a se ampliar. Nessa seara, também não se pode
ignorar os inúmeros benefícios e facilidades que a tecnologia da internet (representada pelo e-
mail e pela web, principalmente) agrega para a sociedade, tais como maior velocidade na
realização de tarefas, o cil acesso a informações, a instituições públicas e particulares de
interesse comum e a natural economia de tempo proporcionada pelo seu uso. Para tanto, basta
lembrar o tempo desperdiçado no passado em filas de banco, por exemplo.
A internet acarretou, antes de mais nada, uma revolução social e mudança de
comportamentos
156
, a qual necessita, como toda inovação, um regramento propício.
Bacellar
157
destaca que:
155
De forma diferente que o TCP/IP, o HTTP (Hipertext Transport Protocol) conduz o usuário por atalhos que
levam a outros textos, imagens, sons, programas (etc), ou seja, ir de uma página a outra da web com um mero
clique do mouse. Em outras palavras, “http é o protocolo utilizado para a transmissão de páginas web
(PEREIRA. 2004, p. 49).
156
E isto é facilmente perceptível quando consideramos a popularização da informação e dos próprios meios de
comunicação que a explosão da internet propiciou, por exemplo. Ainda, a própria forma de consumo de bens foi
alterada em razão da popularização da internet.
157
2003. p. 80.
61
hoje é possível fazer quase tudo pela internet, ver televisão, ouvir música, comprar
produtos do mundo todo, realizar toda espécie de negócios desde de uma simples
compra de livro ou cd até a realização de atos criminosos
Para ilustrar as facilidades permitidas pela internet, basta considerar: quem imaginou,
alguns anos atrás, a possibilidade de qualquer pessoa, a partir de um computador e internet,
manter relacionamentos a distâncias ou contato a qualquer momento inclusive visual com
uma pessoa do outro lado do globo e em tempo real? Quem acreditaria na possibilidade de
fazer compras sem sair de casa? Melhor, na possibilidade de adquirir qualquer bem ou
serviço, desde uma refeição até um carro ou uma viagem, apenas utilizando um computador e
internet?
Essa nova realidade social implicou mudanças de comportamento de toda a sociedade
e, por natural, inclusive, na relação de emprego. Por conseqüência, é necessário desenvolver
uma concepção específica para propiciar segurança aos usuários da internet, ou seja, a toda
sociedade.
2.2.3. A internet é ambiente público ou privado?
Nessa linha de pensamento, é oportuno verificar se a Internet se caracteriza como um
ambiente público ou privado para, posteriormente, verificarmos o grau de incidência das
disposições constitucionais, notoriamente as que tratam de privacidade da pessoa
158
. Para
responder essa pergunta, é necessário examinarmos a questão de forma um pouco mais
detalhada, a fim de melhor definir o que seria um ambiente privado e o que seria um ambiente
público.
As disposições constitucionais da vida privada e da intimidade são de aplicação
indistinta e indiscutível em ambiente notoriamente particular (ou privado), assim entendido a
casa da pessoa, por exemplo. Por extensão, também seriam aplicáveis a outros locais, desde
que restasse caracterizado um ambiente particular. Então, pergunta-se: como surgiria dita
situação e quais elementos a propiciariam?
62
É difícil estabelecer uma definição prévia, perfeitamente delimitada e absoluta sobre o
que é público e privado, seja no ambiente físico ou na Internet. Quando se analisa esta
distinção e acrescenta como variáveis o elemento relação de emprego e, ainda, o advento
das novas tecnologias, a definição é mais difícil ainda, consoante salienta Tatiana Malta
Vieira
159
ao analisar a natureza pública ou privada das comunicações no local de trabalho
mediante a utilização da internet:
[...] resta ressaltar a artificialidade da distinção entre comunicação pessoal e
comunicação profissional, pois atualmente o trabalho humano, em âmbito cada vez
mais virtual, já oferece a possibilidade de realização das tarefas em domicílio ou em
qualquer outro ambiente, tendo em vista o advento do teletrabalho e a possibilidade
de utilização de recursos tecnológicos, como telefones celulares, notebooks e acesso
remoto à empresa pela internet, sendo extremamente complexo distinguir quando o
empregado se encontra em um ambiente institucional e quando se encontra em um
ambiente privado.
Independentemente da forma ou mesmo do local em que o trabalho é realizado, a
diferenciação entre os dois ambientes é perfeitamente possível através da lição de Maria
Cláudia Cachapuz
160
, porque “a distinção entre privado e público está situada na oposição de
visibilidade que tais espaços oferecem a determinado fenômeno: mínima em relação ao que é
privado, máxima em relação ao que é público”.
Ainda, conforme destacam Dimoulis e Martins
161
ao analisar o inicio e o fim dos
direitos fundamentais, “o exercício dos direitos depende de qualidades do titular que podem
mudar no tempo, tendo como conseqüência a perda da possibilidade de exercício do
respectivo direito.” Poder-se-ia continuar e acrescentar que, além da qualidade do titular, o
fator local, assim entendido o espaço (físico ou virtual) é uma influência importante,
especialmente se considerarmos a lição de Maria Cláudia Cachapuz acima reproduzida.
158
A título de ilustração, destacam-se os incisos X e XII do art. 5º, da Constituição Federal.
159
2007, p. 141.
160
2006, p. 287.
161
Dimoulis e Martins, (2007, p. 101) ilustram seu pensamento exemplificando “com os estrangeiros que,
conforme o caput do art. 5º, da CF, podem exercer os direitos especificados nos incisos do artigo somente
63
Nessa linha de raciocínio, não se pode desprezar a própria autonomia da vontade como
elemento de forte influência para a caracterização de um ambiente como público ou privado.
Tatiana Malta Vieira
162
, comentando as lições de Gomes Canotilho e Jónatas Machado, alerta:
expressões como “intimidade” e “vida privada” devem ser interpretadas na sua
dependência contextual pelo caráter variável e passível de mudanças no tempo e no
espaço. Dependendo da evolução da mentalidade em uma época, da identidade das
pessoas envolvidas, de seu papel social e do estilo de vida dos interessados; o
conceito de privacidade pode adquirir maior ou menor elasticidade [...]
Ao aplicar essa idéia ao caso em estudo – o monitoramento da internet no ambiente de
trabalho, conclui-se que, para alcançar a distinção entre público e privado na internet, é
necessário que o usuário tenha consciência dos limites de sua privacidade (ou não) ao utilizá-
la, o que seria materializado através de algumas características que devem ser salientadas. Por
exemplo, se o usuário acessa um site bancário para fazer um pagamento ou aplicação
financeira, acredita-se que o ambiente seja privado, mormente se levarmos em consideração a
segurança exigida para o ato.
Por outro lado, ao participar de um chat (sala virtual de bate-papo) ou comunidades
públicas na Internet (ex. Orkut), não seria razoável a expectativa de privacidade que outras
pessoas utilizarão, concomitante ou posteriormente, o mesmo site e terão acesso às mesmas
informações (que, aliás, serão expostas de livre vontade pela própria pessoa-usuário).
Neste caso, não há dúvida que a privacidade oferecida, se é que existe, é bastante restrita. São
estas premissas que, a priori, adotamos para definir a natureza privada ou pública do
ambiente.
Portanto, verifica-se que, apesar do ambiente da Internet possuir elementos que lhe
atribuem um caráter pseudo privado, em virtude do sentimento de “isolamento” que provoca
em alguns usuários (possivelmente decorrente da “utilização solitária” do computador), essa
condição não é absoluta. É necessária extrema cautela para avaliar, conforme o caso, os
elementos presentes para não obter uma conclusão equivocada ou distorcida a respeito do
ambiente ser público ou privado.
enquanto tiverem a qualidade de ‘residente’ no Brasil [...]. A perda dessa qualidade implica perda dos direitos. O
mesmo ocorre com vários outros direitos, como, por exemplo, com a maioria dos direitos do trabalhador”.
162
2007, p. 128.
64
2.2.4 A internet e a relação de emprego
A internet impactou diretamente todo o mundo econômico, promovendo profundas
mudanças e, por conseqüência, atingiu as relações de emprego.
José Pastore
163
é enfático a respeito dos impactos das novas tecnologias para a relação
de emprego:
As tecnologias da informação e das telecomunicações adentraram o mundo do
trabalho de forma ampla. Neste campo elas resolvem alguns problemas e criam
outros.
A popularização do computador, bem como da internet e suas ferramentas permitiram
que o trabalho se tornasse mais rápido e dinâmico, ampliando sensivelmente a produtividade e
estreitando as fronteiras.
Assim, a internet propiciou que os trabalhadores possam laborar em suas casas
(economizando tempo e reduzindo despesas com deslocamento residência-trabalho e vice-
versa) ou em qualquer lugar de sua livre escolha e/ou a qualquer momento. A respeito do
tema, Bacellar
164
, ao analisar a influencia da internet no local de trabalho, conclui que o
resultado imediato é a valorização do contrato de trabalho a domicílio
165
, que:
passou a ser um contrato bastante utilizado, principalmente com o advento da
internet, que exige cada vez menos a presença física do empregado na sede do
empregador, podendo utilizar seu próprio espaço doméstico para por seu trabalho a
disposição da empresa.
163
2007, p. 60.
164
2003. p. 19.
165
Martins (2007, p. 27) explica que “O trabalho em domicílio é originário do trabalho artesanal, da pequena
indústria caseira. A confecção era feita em casa, por vários membros da família, sendo vendida ao consumidor
final ou intermediários que a revendiam. O empregado tanto pode trabalhar na sede do empregador como no seu
próprio domicílio. É certo que em seu domicílio poderá fazer o horário que desejar, mostrando que a
subordinação pode ser menos intensa”.
65
Da mesma forma, a internet permite, ainda que entre pessoas localizadas em cidades e
até países diferentes, reuniões de trabalho “em tempo real” a custos irrisórios, ou mesmo a
troca de materiais de produção intelectual em poucos segundos.
Alexandre Agra Belmonte
166
, oportunamente, ressalta os avanços propiciados pela
internet e, por sua vez, especula a respeito das possíveis conseqüências, especificamente para
o direito do trabalho:
no último século a tecnologia invadiu as atividades fundamentais da existência do
ser humano, levando o trabalho a ser desempenhado muitas vezes à distancia e de
forma puramente virtual, fragilizando o modo conhecido de coletivização e
ensejando um novo modelo sindical, com atuação voltada para novas estratégias
instrumentos, na busca da sobrevivência e da negociação nas soluções para uma
economia global em crise.
Em razão do advento da internet e seus impactos para a relação de emprego, sintetiza
Alexandre Agra Belmonte
167
:
As novas tecnologias podem gerar graus distintos de influencia nas relações de
trabalho, conforme a intensidade de sua utilização. O acesso à internet e as demais
possibilidades modernas de comunicação à distância têm modificado as noções de
tempo e espaço tradicionais, porque permitem a prestação de serviço fora da sede
das organizações, muitas vezes em tempo real. Podem se limitar ao uso do correio
eletrônico para as comunicações internas (trabalho tradicional com o auxílio da
tecnologia) e podem chegar à prestação do próprio trabalho à distância, quer o
tradicional, executado fora do estabelecimento com auxílio tecnológico, quer, como
ocorre no teletrabalho, o executado de forma não presencial, pelo envio de dados por
meio tecnológico. Relativamente ao teletrabalho, o escritório tradicional cede espaço
ao escritório virtual e ao trabalhador se propicia a ampla oportunidade de trabalhar
em qualquer parte do mundo, por meio da utilização de equipamentos para conexão
a longa distância, bem como seus acessórios: scanner, celular, câmara digital,
pagers, PDAs, telefone via satélite, notebook, palmtops, etc. que atuam sob o fluxo
da mobilidade, além de aparelhos ainda mais sofisticados que concentram funções
antes executadas por dois ou três, tais como os celulares multifunção, os pagers two
ways ou bidirecionais e outros que serão criados com o tempo.
Enfim: a internet permitiu meios de comunicação variados, todos céleres e de
baixíssimo custo, tais como o correio eletrônico (eletronic mail ou e-mail), a troca de
mensagens instantâneas e mesmo comunicações por voz e/ou vídeo. E isso tudo tem
influência no ambiente de trabalho, pois, como bem observa Roldão Alves de Moura
168
:
166
2004, p. 13.
167
2004, p. 20.
168
2004. p. 61.
66
A vida do homem gira em torno do trabalho. Não como desvinculá-lo dessa
atividade, independentemente de ser remunerada ou não. Faz parte de sua
sobrevivência.
Por outro lado, a internet não acrescentou apenas facilidades.
Passado algum tempo da popularização de sua utilização comercial, verificam-se
problemas que acabaram por afetar a produção (na contramão da intenção inicial quando de
sua implementação). Assim, observou-se, por exemplo, que muitos empregados deixavam de
exercer as atividades para as quais foram de fato contratados em razão da utilização
indevida das inúmeras ferramentas inerentes à internet. Muitos “navegavam” pela internet,
mas em busca de assuntos dissociados do trabalho (uma viagem, uma curiosidade casual, etc).
Outros, combinavam eventos com amigos ou mesmo trocavam material ou informações
divorciadas da relação de emprego. Alguns, em violação ao dever de fidelidade que rege a
relação de emprego, enviavam material restrito da empresa (inclusive para concorrentes).
É de extrema relevância registrar que não se está aqui a cogitar ou mesmo a pregar a
vedação total do empregado utilizar a internet no local de trabalho para fins particulares.
É necessário reconhecer que o acesso a determinados serviços (públicos, bancários,
etc) precisam ser feitos em horário que coincide com o expediente de trabalho regular e,
assim, interferem no trabalho e na produção do empregado. Analisando-se a questão sob esse
enfoque, é no mínimo razoável que seja permitido ao empregado o acesso a esses serviços
essenciais que são também acessíveis pela internet, mormente porque isso vai ao encontro do
interesse do empregador, que passa a ter um empregado disponível por mais tempo e que, ao
solucionar rapidamente questões pessoais, poderá focar melhor suas atividades laborais se
dedicar de maneira mais satisfatória ao interesse do empregador, que eliminou suas
pendências e preocupações (que, apesar particulares, por certo, é natural e aceitável que
interfiram em sua produção).
2.2.5 A internet, a relação de emprego e as questões jurídicas
Não dúvidas, a partir dos poucos questionamentos até aqui explorados, que a
evolução do tempo e dos meios tecnológicos influenciaram e continuarão a influenciar a
67
sociedade. Conseqüentemente, o direito não pode permanecer inerte e precisa se adaptar a esta
nova realidade. Entretanto, é fato notório que o legislativo não consegue editar as leis de
forma tão dinâmica quanto a sociedade clama.
Tanto isto é verdade que, na atualidade, para suprir a necessidade e atender o
desconhecido frente à internet, as pessoas de forma individual e/ou coletiva aos poucos
estão se “auto-organizando” e, conforme a política de cada grupo
169
, criam normas “do bom
viver” no espaço virtual.
Frente a esta situação, torna-se ônus dos operadores do direito ambicionar soluções
aos novos casos que a tecnologia e o transcurso do tempo fazem surgir
170
. Em relação a isto,
alguns até poderiam argumentar que, através da internet, realizamos de forma virtual os
mesmos atos realizáveis na vida real, ou seja, que a internet não possibilitou a inovação “do
que fazer”, mas apenas do “como fazer”. E, partindo desta premissa, pleitear singelamente a
aplicação da legislação existente para a solução de eventuais conflitos. Mas seria esta uma
solução adequada?
171
Talvez sim, mas pensamos que não é a única ou, pelo menos, não pode ser considerada
de forma onipresente.
intima relação entre o tempo, assim entendida a evolução da sociedade, e o direito,
o que não pode ser ignorado e que, a toda evidência, sugere a inadequação da aplicação cega
da legislação antiga a fatos novos. Não se pretende argumentar de forma alguma que
necessidade de criar uma nova legislação para solucionar os conflitos envolvendo a internet,
mas que é missão do intérprete analisar os casos envolvendo a utilização da internet à luz das
condições atuais e não de forma estanque através da aplicação da “letra fria” da legislação
169
A referência a “grupo” teve por intenção – justamente – a adoção de uma expressão o mais genérica possível,
visando exatamente abarcar as mais variadas formas de congregação de pessoas
170
“Nas histórias contadas e pleiteadas no Tribunal, tecem-se a cada dia novas intrigas que são como a mediação
entre a ficção oficial do Código e as ficções urdidas pelos personagens singulares da vida real. Não é raro, nessas
condições, que um demandador obstinado ou um litigante imaginativo obtenha o beneficio de uma interpretação
inovadora ou mesmo de uma reorientação da jurisprudência, que anunciará talvez uma mudança da própria lei”.
(OST, 2005, p. 20)
171
Apenas a título de reflexão, poder-se-ia, pura e simplesmente, equiparar o email a uma correspondência e,
partir disto, solucionar um caso envolvendo violação de email como se violação de correspondência fosse? Ou
será que há alguma particularidade a ser observada que possa influenciar na solução do conflito proposto?
68
elaborada alhures e sob condições completamente diversas. É dever do hermeneuta considerar
na aplicação da lei as conseqüências da solução proposta e os impactos para a sociedade sob
os mais variados enfoques, sem o que não estará dizendo o direito.
Portanto, uma das funções do jurista e do direito é criar institutos e adequá-los ao
tempo. É institucionalizar determinados valores, mas com a consciência de que em algum
momento estes valores ficarão ultrapassados. Os valores são provisórios, as situações mudam,
os valores de hoje poderão no amanhã não valer mais nada ou, pelo menos, não valer da
mesma forma. E todo este processo (de evolução e desenvolvimento) está vinculado a uma
noção de tempo para examinar e decidir. O direito, pois, obrigatoriamente, tem de
acompanhar a evolução social no tempo e no espaço.
Rocha
172
lembra que o “direito é um mecanismo de controle do tempo, que o direito
tem sua existência vinculada com o tempo”, o direito é uma instituição temporal.
Ost
173
salienta que “o tempo é uma instituição social, antes de ser um fenômeno físico
e uma experiência psíquica”, eis que o “tempo que não permanece mais exterior às coisas,
como continente formal e vazio, mas que participa de sua própria natureza”. De qualquer
forma, não se pode desprezar que “a função principal do jurídico é contribuir para a
instituição do social”, ou seja, o “direito é um discurso performativo, um tecido de ficções
operatórias que redizem o sentido e o valor da vida em sociedade”, é “oferecer aos indivíduos
as marcas necessárias para a extração do estado natural e sua violência ameaçadora, sob o
ângulo de sua capacidade de instituição”.
Ost
174
conclui que “um laço potente se estabelece entre temporização do tempo e
instituição jurídica da sociedade”, ou seja, “o direito afeta diretamente a temporização do
tempo, ao passo que, em troca, o tempo determina a força instituinte do direito”. Em outras
palavras: “o direito temporiza, ao passo que o tempo institui”. Tempo e direito estão
intimamente ligados porque “não é possível ‘dizer o direito’ senão ‘dando tempo’”. A par do
que foi exposto, conclui-se que, a instituição “tempo” é tanto ruptura quanto ligação (pois
172
2003. p. 314.
173
2005, pp. 12-14.
174
2005, pp. 13-14.
69
cria e destrói concomitantemente novos modelos). O tempo é marcado por ligações e
desligamentos, continuidade e rupturas.
Em resumo, aplicando-se o que foi dito à investigação proposta, conclui-se que os
casos envolvendo a utilização da internet pelos empregados no ambiente de trabalho não
possuem uma normatização. Assim, apresentam-se a priori, pelo menos, duas possibilidades
básicas: (i) utilizar a legislação aplicável às situações tradicionais ou (ii) ignorar o fato como
se nada tivesse ocorrido em face da ausência de normatização específica. Em outras palavras,
questiona-se: seria mais adequado, respectivamente, buscar e, simplesmente, aplicar a
legislação tradicional para solucionar o caso ou ignorar os novos fatos como se não tivessem
influência para a sociedade?
Particularmente, não se concorda com nenhuma dessas duas posições simplistas e
extremistas – acima sugeridas.
É preciso ter em mente que os tempos são outros e que, talvez, a solução de simples
aplicação da legislação tradicional não seja a mais indicada para se perpetuar no tempo, não
neste caso, ao menos. A simples ausência de lei específica jamais foi justificativa para
abandonar a solução de qualquer conflito
175
e muito poderia ser neste caso. Então, restam
afastadas as duas hipóteses inicialmente sugeridas.
Seguindo esta linha de raciocínio, o que se pretende, neste ato, é questionar alguma
alternativa para alcançar uma solução para os casos envolvendo a utilização da internet no
ambiente de trabalho que não exclusivamente a lei, ou seja, desenvolver o direito na busca da
promessa de uma outra forma de visualizar a solução que não exclusivamente a lei.
Neste sentido, lembramos que o hermeneuta contribui eficazmente para a ligação
intertemporal do direito porque “é requisitado para decidir casos de hoje com a ajuda de
textos de ontem, sempre tendo em mente o precedente que sua decisão poderia representar
para o amanhã [...] Reinterpretando doutrinas antigas à luz das questões da atualidade, ele
175
Ao contrário, é a lei que impõe a busca por uma solução justa e adequada, como se depreende do artigo 126
do Código de Processo Civil e artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho.
70
vida a soluções que não tinham esgotado todas as suas promessas; traçando novos caminhos
com a ajuda de textos que criam autoridades, ele restitui à tradição seu verdadeiro alcance”
176
.
Outrossim, importante verificar que um mesmo fato aplicado ao âmbito da presente
pesquisa poder-se-ia dizer: um mesmo e-mail, por exemplo pode ter mais de uma
interpretação. Dependendo da posição do intérprete, este mesmo e-mail pode repercutir de
forma diversa a cada leitor; isto é, para o empregador pode ser considerado como abusivo e
para o empregado pode ser considerado como um inofensivo exercício regular de um direito.
Para um terceiro, alheio à relação de emprego, o mesmo e-mail pode ter uma conotação
completamente diferente daquela atribuída por empregado e empregador.
Consciente de todos estes cenários, das mudanças e das conseqüências que as
inovações tecnológicas propiciadas pela internet refletem na relação de emprego, Alexandre
Agra Belmonte
177
sentencia:
[...] cabe ao Direito do Trabalho regulamentar novas relações de trabalho que
garantam o justo equilíbrio entre as possibilidades do capital e necessidades do
trabalho e ao mesmo tempo coíbam os abusos aos direitos fundamentais do
trabalhador e representem para as partes do contrato um benefício a custo razoável.
Trilhando este caminho, analisaremos a seguir a situação em debate (utilização da
internet no ambiente de trabalho) à luz dos direitos fundamentais dos próprios atores do
conflito: empregados e empregadores.
2.3 Os direitos fundamentais do empregado envolvidos no monitoramento da internet
pelo empregador
O Estado Democrático de direito tem como um de seus fundamentos a dignidade da
pessoa humana, consoante previsão do artigo 1º, III da Constituição Federal. Por essa razão,
visando a concretização e manutenção da dignidade da pessoa humana, o legislador
constituinte consagrou uma série de direitos, entre os quais a intimidade e a vida privada,
176
Ost, 2005, p. 30.
177
2004. p. 19.
71
como direitos e garantias fundamentais, consoante se depreende do rol constante no art. 5º, da
Carta Magna.
Portanto, partindo-se do valor fundamental da dignidade da pessoa humana, por
exemplo, é assegurada ao indivíduo a não intervenção do Estado ou de qualquer terceiro na
sua esfera privada, tudo isso visando a preservação das garantias mínimas necessárias para
seu desenvolvimento físico, social e intelectual. Assim, a normatização dos direitos
fundamentais, ocorrida principalmente a partir da revolução Francesa, teve intuito manifesto
de proteger formalmente a dignidade humana, o que se reproduz nos diversos relacionamentos
que os indivíduos mantêm na sociedade, inclusive na relação de emprego.
Romita
178
, de forma clara e precisa, enfatiza que:
[...] na execução do contrato de trabalho, o empregado reúne a dupla qualidade de
titular de direitos fundamentais que lhe assistem como cidadão e de titular de
direitos fundamentais aplicáveis estritamente no âmbito da relação de emprego. Ao
inserir sua atividade laborativa na organização empresarial, o trabalhador adquire
direitos decorrentes dessa nova posição jurídica, sem perder, contudo, aqueles de
que era titular anteriormente. Em suas relações com o empregador, o trabalhador
tem direitos que lhe assistem como pessoa.
A seguir, o objeto a ser tratado é, justamente, o exame de alguns dos direitos
fundamentais, notoriamente aqueles que são essenciais sob a ótica do empregado para o
deslinde das questões que embasam o presente estudo. Devido a sua importância, inicia-se
pelo exame da dignidade da pessoa humana para, a seguir, examinar o direito à privacidade,
intimidade e vida privada, além do sigilo de correspondência tendo em vista o objeto traçado
para a investigação.
2.3.1 A noção de dignidade da pessoa humana
A noção de dignidade da pessoa humana parte de uma recente valorização da
pessoa
179
, assim entendido como “homem” em seu sentido mais amplo (sexo masculino ou
178
2005, p. 187.
179
O conceito de pessoa surgiu apenas na era moderna, ou seja, os antigos desconheciam tal concepção, em
termos jurídicos.
72
feminino, menor ou maior de idade, idoso, etc), com vistas a enaltecer os atributos inerente ao
ser humano (pprios em si mesmo). Sua importância vem sendo constantemente reconhecida
e enfatizada, merecendo belíssimos estudos por parte da doutrina
180
.
Edílson Pereira de Farias
181
lembra que a “importância da pessoa como categoria
filosófica avulta-se no mundo contemporâneo tendo em vista que muitas vezes é o próprio
valor do ser humano que está posto em causa”. A partir dessa afirmação, Farias
182
analisa,
sinteticamente, a evolução na sociedade histórica da idéia de pessoa, visando a melhor
compreensão de dignidade da pessoa humana, o que não será aprofundado em razão das
delimitações ora impostas, para concluir:
A pessoa humana é hoje considerada como o mais eminente de todos os valores
porque constitui a fonte e a raiz de todos os demais valores. Representa la fonte
principale di arricchimento e di dinamismo della società”. Por conseguinte, a pessoa
humana expressa a fonte e a base mesma do direito, revelando-se, assim, critério
essencial de legitimidade da ordem jurídica.
Essa idéia de valorização da pessoa, no âmbito jurídico, evoluiu para o “eminente
princípio fundamental da dignidade da pessoa humana”
183
, que exprime, sinteticamente, o
ideal de “primazia da pessoa humana sobre o Estado”
184
. Mesmo diante de tal relevância, a
dignidade da pessoa humana somente foi positivada e protegida nas Constituições
recentemente, conforme informa Sarlet
185
:
A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana é,como habitualmente
lembrado, relativamente recente, ainda mais em se considerando as origens remotas
a que pode ser reconduzida a noção de dignidade. Apenas ao longo do século XX e,
ressalvada uma ou outra exceção, tão-somente a partir da Segunda Guerra Mundial,
a dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente nas
Constituições, notadamente após ter sido consagrada pela Declaração Universal da
ONU de 1948.
180
Nesse sentido, merece destaque os estudos de Ingo Sarlet, em especial, a obra Dignidade da Pessoa Humana e
direitos fundamentais.
181
1996, p. 45.
182
1996, p. 45-47.
183
Farias, 1996. p. 49.
184
A definição é de Daniel Sarmento (2006, p. 87), que completa: “A consagração do princípio importa no
reconhecimento de que a pessoa é o fim, e o Estado não mais do que um meio para garantia e promoção dos seus
direitos fundamentais”.
73
A definição precisa do conceito de dignidade da pessoa humana, em que pese de
fundamental importância à sua compreensão, é tarefa complexa em razão de seu conceito
aberto e variável
186
, no tempo
187
e mesmo no espaço geográfico
188
. Mais: é necessário
considerar, ainda, a influência dos valores pessoais e culturais na busca de uma definição (o
que comprova o subjetivismo do conceito). De qualquer forma, adota-se, para fins de singela
orientação e melhor compreensão de tudo o que se sustenta adiante, o conceito de Sarlet
189
,
especialmente em razão da notória dedicação do autor ao tema, mas sem prejuízo de outras
definições igualmente relevantes:
[...] a qualidade intnseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e considerão por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste
sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto
contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participão ativa e co-responsável nos destinos da própria exisncia e
da vida em comuno com os demais seres humanos.
Também tratando da idéia de dignidade da pessoa humana, são válidas as palavras de
J. J. Gomes Canotilho
190
, principalmente em razão da simplicidade e objetividade de sua
conclusão ao enfocar a subjetividade envolta no princípio da dignidade da pessoa humana:
Trata-se do princípio antrópico que acolhe a idéia pré-moderna e moderna da
dignitas-hominis (Pico della Mirandola), ou seja, do indivíduo conformador de si
próprio e da sua vida segundo o seu próprio projecto espiritual (plastes et fictor).
Em verdade, o que interessa compreender, mais do que a conceituação, é a essência do
princípio da dignidade humana, que pode ser resumida na análise de sua característica e
funcionalidade fundamentais, como bem identifica Edilsom Pereira de Farias:
185
2004. p. 62.
186
“O princípio em epígrafe é um princípio semântico e estruturalmente aberto, de ‘abertura valorativa’, o que
faz com que o mesmo seja em grande parte colmatado pelos agentes jurídicos no momento da interpretação e
aplicação das normas jurídicas. Assim, em razão de o princípio da dignidade da pessoa humana ser uma
categoria axiológica aberta, considera-se inadequado conceitua-lo de forma ‘fixista’. Além do mais, uma
definição filosoficamente carregada, cerrada, é incompatível com o pluralismo e a diversidade, valores que
gozam elevado prestígio nas sociedades democráticas contemporâneas” (Farias, 1996, p. 50).
187
A idéia de dignidade da pessoa, na época da escravatura, por exemplo, é impraticável na atualidade.
188
Cita-se como exemplo alguns países que admitem a mutilação de parte do órgão sexual feminino ou mesmo
os Estados Unidos da América, em que determinados Estados admitem a pena de morte e outros não.
189
2004. p. 59-60.
74
Característica fundamental do princípio jurídico da dignidade da pessoa humana que
o sobreleva em importância e significado é que ele assegura um minimum de
respeito ao homem pelo fato de ser homem, uma vez que todos os homens são
dotados por natureza de igual dignidade e tienem derecho a llevar una vida digna
de seres humanos Vale dizer: o respeito à pessoa humana realiza-se
independentemente da comunidade, grupo ou classe social a que aquele pertença
191
.
[...]
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana refere-se às exigências
básicas do ser humano no sentido de que ao homem concreto sejam oferecidos os
recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma existência digna, bem
como propiciadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas
potencialidades. Assim, o princípio em causa protege várias dimensões da realidade
humana, seja material ou espiritual
192
.
Superada a definição de dignidade da pessoa humana, de fato, o que interessa ao
momento e à continuidade do pensamento que se desenvolve é, sobretudo, enfatizar a
importância da dignidade da pessoa humana no contexto jurídico e social atual, o que é bem
sintetizado por Romita
193
:
Os direitos fundamentais repousam sobre o valor básico do reconhecimento da
dignidade da pessoa humana. Sem este reconhecimento, inviabiliza-se a própria
noção de direitos fundamentais.
É importante deixar claro que a doutrina é unânime no sentido de reconhecer a íntima
relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e todo o rol de direitos
fundamentais, divergindo, contudo, a respeito da forma e grau que tal fenômeno ocorre
194
.
190
2002. p. 225.
191
Farias, 1996, p. 49.
192
Op. cit. p. 51-52.
193
2005, p. 37.
194
Farias (1996, p. 54) entende que “O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um
relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. Aquele
princípio é o valor que unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Dessarte, o extenso rol de
direitos e garantias fundamentais consagrados pelo título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma
especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Em suma, os
direitos fundamentais são uma primeira e importante concretização desse último princípio, quer se trate dos
direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), dos direitos sociais (arts. a 11) ou dos direitos políticos
(arts. 14 a 17). Ademais, aquele princípio funcionaria ainda como uma cláusula ‘aberta’ no sentido de respaldar
o surgimento de ‘direitos novos’ não expressos na Constituição de 1988 mas nela implícitos [...]”. Em sentido
contrário, Sarlet (2004, p. 78-79) advoga que “Se, por outro lado, considerarmos que há como discutir
especialmente na nossa ordem constitucional positiva a afirmação de que todos os direitos e garantias
fundamentais encontram seu fundamento direto, imediato e igual na dignidade da pessoa humana, do qual seriam
concretizações, constata-se, de outra parte, que os direitos e garantias fundamentais podem em princípio e
ainda que de modo e intensidade variáveis –, ser reconduzidos de alguma forma à noção de dignidade da pessoa
humana, já que todos remontam à idéia de proteção e desenvolvimento das pessoas, de todas as pessoas
[...]”.Vieira de Andrade (1987, p. 101-102) defende, em apertada síntese, que a dignidade da pessoa humana está
na essência de todos os direitos fundamentais, porém, pondera que isso ocorre de formas diferenciadas, ou seja,
por vezes, a dignidade da pessoa humana atua como inspiração dos direitos fundamentais e, em outras
75
De toda a forma, o que interessa constatar é que a evolução histórica e social de
valorização e reconhecimento da dignidade da pessoa humana seria inútil se o houvesse
preocupação com os meios de efetivá-la e protegê-la. Em razão disso, ganhou importância a
preocupação com a sua efetividade, ou seja, os meios necessários a torná-la realizável perante
a sociedade, abandonando-se o mero discurso acadêmico-filosófico.
No ordenamento jurídico nacional, atribuiu-se à dignidade da pessoa humana a
proteção máxima, mediante sua positivação na Constituição Federal de 1988
195
, elevando-a ao
status de fundamento do Estado Democrático de Direito, mediante sua inserção no art. 1º, III,
da Carta Magna
196
, ou seja, como um princípio fundamental da República Federativa do
Brasil. Sendo assim, possui caráter jurídico-normativo e plena eficácia na ordem
constitucional
197
.
Analisando a disposição constitucional referida (art. 1º, III, CF88), Eros Roberto
Grau
198
, advoga que “a dignidade humana não é apenas o fundamento da República, “mas
também o fim ao qual se deve voltar a ordem ecomica”. Esse prinpio compromete “todo o
exercício da atividade econômica”, sujeitando os agentes econômicos (do setor blico e do setor
privado), sobretudo as empresas, a se pautarem dentro dos limites impostos pelos direitos
humanos. Qualquer atividade econômica que for desenvolvida no nosso país deve se enquadrar
no princípio mencionado, “sob pena de violação do prinpio duplamente contemplado na
Constituição.
oportunidades, como o objeto a ser defendido. No mesmo sentido é a conclusão de Daniel Sarmento (2006. p.
89), que credita ênfase, ainda, ao seu papel “revelador” de novos direitos.
195
Daniel Sarmento (2006. p. 86) assevera que “a dignidade da pessoa humana é o princípio mais relevante da
nossa ordem jurídica, que lhe confere unidade de sentido e de valor, devendo por isso condicionar e inspirar a
exegese e aplicação de todo o direito vigente, público ou privado”.
196
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III a dignidade da
pessoa humana.
197
Em razão disso, Farias (1996, p. 51) destaca que “Qualquer ação do Poder Público e seus órgãos não poderá
jamais, sob pena de ser acoimado de ilegítima e declarada inconstitucional, restringir de forma intolerável ou
injustificável a dignidade da pessoa. Esta poderá sofrer constrição para salvaguardar outros valores
constitucionais”.
198
2007, p. 196-197.
76
Maria Celina Bodin de Moraes
199
vai além e, analisando o conceito filosófico-político
de dignidade a partir de Kant, estabelece:
Enquanto o preço representa um valor exterior (de mercado) e manifesta interesses
particulares, a dignidade representa um valor interior (moral) e é de interesse geral.
As coisas têm preço; as pessoas dignidade. O valor moral se encontra infinitamente
acima do valor da mercadoria, porque, ao contrário deste, não admite ser substituído
por equivalente. Daí a exigência de jamais transformar o homem em meio para
alcançar quaisquer fins. Em conseqüência, a legislação elaborada pela razão prática,
a vigorar no mundo social, deve levar em conta, como sua finalidade máxima, a
realização do valor intrínseco da dignidade humana.
Nessa seara, Sarmento
200
traz a tona a idéia de despatrimonialização
201
, que traduz
como “o reconhecimento de que os bens e direitos patrimoniais não constituem fins em si
mesmos, devendo ser tratados pela ordem jurídica como meios para a realização da pessoa
humana”.
Trilhando o caminho que se propõe a investigar e, para tanto, transportando-se a idéia
de dignidade da pessoa humana para o âmbito da relação de emprego, observa-se que a
doutrina nacional reconhece, de forma pacífica, que “a obrigação de respeitar a personalidade
moral do empregado na sua dignidade absoluta de pessoa humana”
202
compõe os deveres
assumidos pelo empregador, inerentes ao contrato de trabalho.
A respeito da importância da dignidade da pessoa humana e sua contextualização nas
obrigações inerentes à relação de emprego, leciona Romita
203
:
Esta é, de fato, a obrigação básica do empregador, decorrente do reconhecimento da
existência de direitos fundamentais do trabalhador, como sujeito de um contrato de
trabalho. No âmbito da relação de trabalho os direitos fundamentais correspondem à
projeção da dignidade da pessoa humana na disciplina jurídica do contrato.
O dever que tem o empregador de dispensar tratamento digno ao empregado esna
raiz da obrigação de respeitar os direitos fundamentais do obreiro. Esta obrigação
tem por conteúdo o respeito aos direitos inerentes à dignidade da pessoa, que se
relacionam com os direitos fundamentais, considerados de maneira genérica. O eixo
ideológico desta construção doutrinária não é outro senão o reconhecimento da
199
2006, p. 115-116.
200
2006. p. 91.
201
Daniel Sarmento (2006. p. 90) atribui o termo ao Prof. Carmini Donisi.
202
Süssenkind; Maranhão; 2002, p. 253.
203
2005, p. 191.
77
Drittwirkung, ou seja, da eficácia em face do empregador dos direitos fundamentais
do empregado na execução do contrato de trabalho.
Ainda que manifesta a importância da dignidade da pessoa humana como vetor social,
jamais se pode desprezar que isso não é sinônimo de absolutismo e ausência de limites para a
sua efetivação.
Neste sentido, Sarlet
204
, mesmo reconhecendo a essencialidade da dignidade da pessoa
humana para a sociedade em geral e para o ordenamento jurídico, deixa claro que também
limites à sua aplicabilidade:
[...] impede reconhecer que mesmo prevalecendo em face de todos os demais
princípios (e regras) do ordenamento, não como afastar [...] a necessária
relativização (ou, se preferirmos, convivência harmônica) do princípio da dignidade
da pessoa em homenagem à igual dignidade de todos os seres humanos.
No mesmo sentido, Farias
205
registra que, a respeito da dignidade da pessoa humana
ser um valor importante, deve ser ponderado, ou seja, que não é um valor absoluto:
A despeito de a pessoa humana encontrar-se alçada ao vértice dos valores
normativos ou jurídicos, contudo, ela não deve ser vista como um valor absoluto no
sentido de prevalecer sempre sobre os outros em todas e quaisquer circunstâncias. É
necessário compatibiliza-la com outros valores sociais e políticos. E aqui nos
encontramos perante tema nevrálgico de que se ocupa a filosofia prática e a política
e que desafia a argúcia humana: encontrar o ponto de equilíbrio no tenso
relacionamento entre indivíduo e sociedade.
Faria
206
reconhece que esse equilíbrio poderia ser buscado de três formas diversas
207
,
mas que, sobretudo, “Essa compatibilização será alcançada caso a caso e o que cabe ao todo.
Reconhece-se, assim, que a harmonização da ordem social com o bem de cada indivíduo está
mediatizado pelo valor da pessoa humana”.
204
2004, p. 70.
205
1996, p. 47.
206
1996. p. 48.
207
As três formas referidas por Farias (1996, p. 47-48) são, basicamente, as posições extremadas (“priorização
dos valores individuais em detrimento dos valores sociais” ou “interesses e valores sociais que devem prevalecer
sobre os dos indivíduos”) e algo intermediária entre as duas (“que busca uma conciliação entre as concepções
anteriores).
78
É justamente o espírito dessa posição intermediária livre de extremismos
conscientes, pelo menos – que norteará o exame deste estudo a respeito do conflito de direitos
fundamentais de empregados e empregadores na utilização da internet.
2.3.2 O direito de privacidade, a intimidade e a vida privada
Inicialmente, é necessário distinguir o direito de privacidade, de intimidade
208
e, por
sua vez, ambos e entre si, da idéia de vida privada. Para tanto, socorre-se das explicações de
Tatiana Malta Vieira
209
, para quem:
[...] o direito à privacidade traduz-se na faculdade inerente a cada pessoa de obstar a
intromissão de estranhos em sua intimidade e vida privada, assim como a de
controlar as próprias informações, evitando-se acesso e divulgação não autorizados –
observa-se que o direito à privacidade evidencia, em seu âmbito de proteção, dois
atributos, existindo certa distinção entre ambos.
Intimidade reflete os pensamentos do indivíduo, suas idéias e emoções,
relacionando-se a uma zona mais estrita da pessoa, àquilo que deve ser mantido em
sigilo por revelar o íntimo do indivíduo; vida privada, de outro lado, é a vida pessoal
e familiar do indivíduo, que pode ser de conhecimento daqueles que desfrutam de
sua convivência. Percebe-se, pois, que a última tem maior abrangência do que a
primeira [...].
Ainda com apoio na pesquisa de Tatiana Malta Vieira
210
, é oportuno resgatar que:
[...] o direito à privacidade gradualmente foi sendo incorporado às legislações
criminais e civis de cada país, até ser reconhecido como direito fundamental previsto
na maior parte das constituições modernas. Na área civil, protege-se o direito à
privacidade incluindo-o na categoria dos direitos da personalidade juntamente com a
proteção do corpo, da honra, da imagem e do nome.
[...] os direitos da personalidade fazem incidir o foco de proteção no indivíduo em si,
conferindo-lhe um direito subjetivo de exigir dos outros o respeito a seu ser, sem o
que não poderia livremente desenvolver sua personalidade.
208
“No campo do direito à intimidade são protegidos, dentre outros, os seguintes bens: confidências, informes de
ordem pessoal (dados pessoais); recordações pessoais; memórias; diários; relações familiares; lembranças de
família; sepultura; vida amorosa, ou conjugal; saúde (física e mental); afeições; entretenimentos; costumes
domésticos e atividades negociais, reservados pela pessoa para si e para seus familiares (ou pequeno circulo de
amizade) e, portanto, afastados da curiosidade pública” (Bittar, 2008. p. 111-112)
209
2007. p. 35-35.
210
2007. p. 45.
79
Por óbvio, intimidade e vida privada não são sinônimos, especialmente se
considerarmos as técnicas mais básicas de interpretação constitucional e lembrarmos que não
existem palavras inúteis no texto constitucional. Dito de forma diferente: se o legislador
constitucional fez uso de ambas, é porque reconhece a existência de diferentes significados e
de suas respectivas extensões.
Em sentido semelhante, Alexandre Agra Belmonte
211
aponta:
“Como o art. 5º, incisos X e XII, da Constituição da República, se refere, de forma
destacada, à vida privada, à intimidade e ao sigilo, convém o enfoque fracionário
desses direitos. Está claro que a Carta Política não acolheu a idéia de que vida
privada, intimidade e segredo ou sigilo sejam facetas de um mesmo direito”.
Do conjunto de tudo o que foi exposto, conclui-se que a atual Constituição
brasileira
212
, ao que tudo indica, atribuiu à intimidade e a vida privada
213
“valores
aproximados, permeados pela noção de privacidade, gênero do qual são espécies”
214
. Mais: ao
consagrar na Constituição tais valores, elevando-os à condição de direitos e garantias
fundamentais, deu-lhes a posição de máxima proteção no ordenamento jurídico pátrio. Além
disso, o legislador estabeleceu formalmente uma prestação positiva e negativa do Estado, esta
ao garantir a não intervenção, ou seja, uma abstenção do Estado, aquela no sentido de exigir
uma efetiva prestação estatal. Além disso, por ser norma máxima na ordem jurídica, em tese,
tais direitos não estariam sujeitos à modificação, ou, na pior hipótese, submetidos a processo
de alteração mais complexo, na forma que dispõe o artigo 60 da Constituição Federal.
211
2004. p. 35.
212
“Como fonte inspiradora da distinção constitucional entre intimidade e vida privada, além da teoria tedesca
das esferas da intimidade, pode-se mencionar a práxis jurídica francesa, que considera o direito à intimidade
apenas como um aspecto mais restrito do direito à vida privada, denominado de intimidade da vida privada pela
Lei francesa de 17.7.1970” (Farias, 1996, p. 118).
213
Conforme explica José Afonso da Silva (1997. p. 202-203), “Não é fácil distinguir vida privada de
intimidade. Aquele, em última análise, integra a esfera íntima da pessoa, porque é repositório de segredos e
particularidades do foro moral e íntimo do indivíduo. Mas a Constituição não considerou assim. Deu destaque ao
conceito, para que seja mais abrangente, como conjunto de modo de ser e viver, como direito de o indivíduo
viver sua própria vida. Parte da constatação de que a vida das pessoas compreende dois aspectos: um voltado
para o exterior e outro para o interior. A vida exterior, que envolve a pessoa nas relações sociais e nas atividades
públicas, pode ser objeto das pesquisas e das divulgações de terceiros, porque é pública. A vida interior, que se
debruça sobre a mesma pessoa, sobre o membros de sua família, sobre seus amigos, é a que integra o conceito de
vida privada, inviolável nos termos da Constituição.”
214
João de Lima Teixeira Filho (1996, p. 1174).
80
A vida privada e a intimidade são direitos individuais considerados de primeira
geração. Ambos são conceitos abertos e, portanto, apresentam extrema dificuldade de
conceituação
215
, pois em muito se relacionam, acabando, por vezes, sendo apresentados como
sinonímia e, freqüentemente, confundidos pelos operadores do direito, na medida em que são
considerados como espécie do gênero “direito ao resguardo” ou direito de privacidade.
De consenso, e tendo em vista os limites traçados para esta investigação, observa-se
que a idéia de intimidade estaria circunscrita pelo conceito de privacidade
216
, constituindo-se
215 José Afonso da Silva (1997, p. 202-203), lembra que “Segundo René Ariel Dotti a intimidade se caracteriza
como ‘a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais’, o que é
semelhante ao conceito de Adriano de Cupis que define a intimidade (riservatezza) como o modo de ser da
pessoa que consiste na exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à pessoa mesma”, concluindo
que o direito de intimidade “Abrange, nesse sentido mais restrito, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo de
correspondência, o segredo profissional.”
Moraes (2002, p. 80) diferencia as duas garantias ao explicitar que “intimidade relaciona-se às relações
subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve
todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, como relações comerciais, de trabalho, de
estudo etc ”.
Bittar (2008, p. 106-108) entende que o direito à intimidade “Consubstancia-se em mecanismo de defesa da
personalidade humana contra injunções, indiscrições ou intromissões alheias.” Observa, ainda, que “Esse direito
vem assumindo, paulatinamente, maior relevo, com a contínua expansão das técnicas de comunicação, como
defesa natural do homem contra as investidas tecnológicas e a ampliação, com a necessidade de locomoção, do
circulo relacional do homem , obrigando-o à exposição permanente perante os mais distintos, em seus diferentes
trajetos, sociais, negociais ou de lazer.” Por último, ao abordar as características, informa que “Esse direito
reveste-se das conotações fundamentais dos direitos da personalidade, devendo-se enfatizar a sua condição de
direito negativo, ou seja, expresso exatamente pela não exposição a conhecimento de terceiros de elementos
particulares da esfera reservada do titular. Nesse sentido, pode-se acentuar que consiste no direito de impedir o
acesso de terceiros aos domínios da confidencialidade. Trata-se de direito, aliás, em que mais se exalça a vontade
do titular, a cujo inteiro arbítrio queda a decisão sobre a divulgação.”
Vogel Neto e Fernando Sogdu Martins (2000, p. 682-683) resgatam que o “vocábulo privacidade é cognato de
privado (do latim privatus, a, um, que significa particular, próprio, reservado; vida própria) acrescido do sufixo –
dade (qualidade, modo de ser, estado propriedade). Pode-se entender, assim, a privacidade como propriedade
daquilo que se refere à vida particular de uma pessoa.
Idéia gêmea de privacidade é a de intimidade. Intimidade provém do latim intimus, a, um (íntimo, interno,
interior, recôndito), seguido do elemento morfológico –dade. Quer dizer: propriedade daquilo que concerne ao
recôndito humano.
[...]
que a lei não deve conter palavras ociosas, nem mesmo como reforço de linguagem, procuram os juristas
diferenciar os sentidos peculiares das expressões intimidade e vida privada (privacidade), que, a rigor, se
equivalem, ou que encerram conteúdo análogo.
[...]
Assim sendo, enquanto privacidade exclui a interferência alheia na vida de um ser humano, a intimidade impede
que se procure desvendar o âmago do indivíduo, a face mais esconsa do que ele é do que ele faz”.
216
Nesse sentido, “a teoria alemã, debruçando-se sobre o conteúdo do direito à intimidade, vislumbra a
existência de três esferas: (a) Privatsphärei (esfera da vida privada) a mais ampla das esferas, abarcando todas
as matérias relacionadas com as notícias e expressões que a pessoa deseja excluir do conhecimento de terceiros.
Ex. imagem física, comportamentos que mesmo situados fora do domicílio, só devem ser conhecidos por aqueles
que travam regularmente contacto com a pessoa. (b) Vertrauensphärei (esfera confidencial) incluindo aquilo
que o indivíduo leva ao conhecimento de outra pessoa de sua confiança, ficando excluído o público em geral e as
pessoas pertencentes ao ciclo da vida privada e familiar. Ex. correspondência, memoriais, etc. (c)
Geheiemsphärei (esfera do segredo) compreendendo os assuntos que não devem chegar ao conhecimento dos
81
a intimidade no núcleo da privacidade, ou seja, um âmbito mais restrito, individual e, quiçá,
exclusivo da pessoa. De modo geral, intimidade tem relação com o interior da pessoa (seus
pensamentos, emoções, referências). A vida privada, a seu tempo, seria aquela parte da vida
pessoal que o individuo permite que dela conheçam e participem apenas sua família, amigos e
algumas outras pessoas por ele selecionadas.
Pontes de Miranda
217
afirma que “Todos têm o direito de manter-se em reserva, de
velar a sua intimidade, de não deixar que lhes devassem a vida privada de fechar o seu lar a
curiosidade pública”. Desse trecho, verifica-se que o autor também entende pela existência de
diferença(s) entre a intimidade e a vida privada.
Na distinção de Alexandre Agra Belmonte
218
:
Intimidade é o direito ao segredo pessoal ou de não ter certos aspectos íntimos de
sua personalidade conhecidos pelos outros. É a esfera secreta e livre de intromissão
estranha.
Caracteriza a intimidade aquilo que o individuo sente, pensa e deseja (caráter
interno). O modo como vive, com quem se relaciona e o que possui (caráter
externo), tem pertinência com a sua vida privada.
Bacellar
219
, enfatizando com profundidade a idéia de intimidade
220
, assevera:
O direito à intimidade consiste no direito que toda pessoa tem de se resguardar dos
sentidos alheios, ou seja, o direito de salvaguardar os aspectos íntimos de sua vida
abrangendo a proteção da vida pessoal e familiar e à intimidade do lar dos
indivíduos.
outros devido à natureza extremamente reservada dos mesmos” (Farias, 1996, p. 113-114). A respeito do tema,
ainda, merecem destaque as considerações de Cachapuz (2006, p. 99-116).
217
1983, p. 125.
218
2004. p. 36.
219
2003, p. 60.
220
A intimidade recebe amplo respaldo no direito internacional humanitário, conforme se verifica na Declaração
Universal de Direitos Humanos (art. 12: Ninguém será sujeito à interferência, na sua vida privada, na de sua
família, no seu lar ou na sua correspondência, sem a ataques à sua honra e reputação), na Convenção
Interamericana sobre Direitos Humanos (art. 11: § Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao
reconhecimento de sua dignidade. § Ninguém pode ser objeto de ingerência arbitrárias ou abusivas em sua
vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra
ou reputação), no Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU (art. 17, § 1º: Ninguém será objeto
de imiscuições arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, da sua família, no seu domicílio ou da sua
correspondência, nem de atentados ilegais à sua honra e à sua reputação).
82
Talvez a mais simplória forma de se conceber a intimidade seja como o direito de
ser deixado em paz, de não ser importunado pela curiosidade ou pela indiscrição
alheia, é o momento que pertencemos apenas a nós mesmos quando podemos baixar
as máscaras utilizadas para o convívio em sociedade, no local de trabalho, no local
de lazer e por vezes, inclusive, no seis da própria família.
Pela precisão e importância para o fim almejar neste estudo, reproduz-se com destaque
a idéia de intimidade definida por Farias
221
, com especial ênfase para seu fundamento:
A intimidade, como exigência moral da personalidade para que em determinadas
situações seja o indivíduo deixado em paz, constituindo um direito de controlar a
indiscrição alheia nos assuntos privados que só a ele interessa, tem como um de seus
fundamentos o princípio da exclusividade [...]. Esse princípio, visando a amparar a
pessoa dos riscos oriundos da pressão social niveladora e da força do poder político,
comporta essencialmente três exigências: “a solidão (donde o desejo de estar só), o
segredo (donde a exigência de sigilo) e a autonomia (donde a liberdade de decidir
sobre si mesmo como centro emanador de informações)”.
Independentemente da distinção e limites entre intimidade e vida privada, é possível
observar, e isto tem relevância direta para o presente trabalho, que os dois conceitos variam
no tempo e no espaço de forma a se adaptar à evolução da própria sociedade, a cultura e
mentalidade dominante em eventual época. Dito de outra forma, conclui-se que o próprio
comportamento da pessoa e a evolução do tempo afetam a abrangência do conceito de
intimidade e privacidade. Nessa linha de raciocínio, percebe-se que, inclusive, adaptação
das formas de violação desses direitos fundamentais. Nos dias atuais, os direitos à privacidade
e à intimidade são suscetíveis de violações de diferentes e variadas formas (escutas
telefônicas, fotos tiradas a distância, uso indevido de dados eletrônicos, etc) em comparação a
momentos alhures (quando o maior risco era uma fofoca realizada pela vizinha ou assuntos
nem sempre verídicos debatidos em rodas nos ambientes de encontro social, por exemplo).
De toda e qualquer forma, o ponto principal e que, portanto, jamais pode ser
esquecido – é que a questão também deve ser examinada à luz da dignidade da pessoa
humana (cujas dimensões, igualmente, são estabelecidas e/ou alteradas por diversos fatores
222
,
221
1996, p. 113.
222
Entre os fatores referidos, cita-se, a título de ilustração, o tempo e o próprio espaço físico ou territorial. A
idéia de dignidade da pessoa humana ou mesmo dos próprios direitos fundamentais não é estática e, em assim
sendo, varia de época para época (lembrando que o conceito de dignidade da pessoa humana, na época da
escravatura, era muito diferente do praticado atualmente). Além disso, os fatores culturais de determinado povo,
interferem na caracterização e delimitação do ideal de dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais
no que tange ao espaço físico ou mesmo territorial de determinado país ou comunidade. A respeito do assunto,
ainda, Bobbio (A Era dos Direitos).
83
inclusive pela própria pessoa, consoante exposto anteriormente no tópico “2.2.1 A Noção de
Dignidade da Pessoa Humana”). Partindo dessa premissa, constata-se que o fato de uma
pessoa se expor em público de determinada maneira poderá afetar (ou mesmo ofender) à
dignidade de outras pessoas, ainda que na concepção do “expositor” não se identifique
problema ou malícia alguma. Dito de outra forma, a concepção de privacidade, intimidade e
vida privada poderá ter diferentes vertentes, inclusive, por força da dignidade da pessoa
humana (que varia dentro de cada um de nós).
Conclui-se, portanto e em suma, que estes direitos fundamentais (intimidade e
privacidade) traduzem o mesmo direito subjetivo, visando a proteção do cidadão e a garantia
de não ser exposto a terceiros aspectos individuais e familiares, além da preservação de sua
imagem e de situações pessoais, como gostos, preferências, aspectos físicos. Assim, os
direitos mencionados são inerentes à personalidade do indivíduo, que jamais desaparecem no
tempo e que não se separam do seu titular. Por essa razão, são garantias que existem em
qualquer esfera do direito e em todas as relações jurídicas e, naturalmente, também são
aplicáveis à relação de emprego, mesmo após a expansão da internet.
Partindo destas premissas é que, de modo geral, aqueles que defendem os empregados
se opondo à intromissão do empregador quanto à utilização e fiscalização da internet no
local de trabalho sustentam sua posição. As argumentações mais comuns são a respeito do
empregador ter acesso a informações pessoais como extratos bancários, relacionamentos,
interesses (etc), o que não guardaria nexo com a relação de emprego e, assim, fugiria ao
interesse do empregador.
É válido desde logo enfatizar que, apesar dos direitos em referência possuírem
respaldo na própria Carta Magna, isso não lhes atribui caráter absoluto em relação a outras
normas, sendo imprescindível a manutenção de uma interpretação sistemática do ordenamento
jurídico e o exame do caso concreto para, somente então, avaliar a extensão abrangida pela
garantia constitucional do inciso X do artigo 5º, por exemplo.
84
Nesse sentido, Moraes
223
e Bittar
224
lembram os casos dos artistas, dos políticos e
outras figuras públicas, que recebem tratamento diferenciado em virtude das particularidades
inerentes à sua atividade ou modo de vida. É partindo de um raciocínio análogo a esse que se
desenvolve o presente trabalho, haja vista que as peculiaridades envolvendo a relação de
emprego atrai verdadeira exceção à regra.
Por fim, é imperativo lembrar que, na relação de emprego, os limites atinentes à
intimidade e à vida privada são bastante restritivos, especialmente se considerarmos os limites
circunscritos e a incidência preponderante do poder diretivo do empregador
225
(o jus variandi
examinado no item “1.5.2 O Exercício do Poder na Relação de Emprego: o jus variandi
supra). Nesse sentido, lembramos os ensinamentos de Edílson Pereira de Farias que, estribado
na lição de Darcy Arruda Miranda, conclui:
Assim, propõe-se que devem ser considerados como pertencentes à vida privada da
pessoa, “não os fatos da vida íntima, como todos aqueles em que seja nenhum o
interesse da sociedade de que faz parte”
226
.
[...] convém anotar que embora reconhecida por todos a necessidade de l avie
privée doit être murée”, não se deve perder de vista que para a delimitação do
âmbito da vida privada é de curial importância o comportamento da pessoa, bem
como a sua inserção na vida social
227
.
223
Moraes (2002, p. 80-81) entende que em virtude das situações que lhe são peculiares, esses casos merecem
uma “interpretação mais restrita, porém, não afasta a proteção constitucional contra ofensas desarrazoadas,
desproporcionais e, principalmente, sem qualquer nexo causal com a atividade profissional realizada”.
224
“Excepciona-se da proteção a pessoa dotada de notoriedade e desde que no exercício de sua atividade,
podendo ocorrer a revelação de fatos de interesse público, independentemente de sua anuência. Entende-se que,
nesse caso, existe redução espontânea dos limites da privacidade (como, ocorre com os políticos, atletas, artistas
e outros que se mantêm em contato com o público com maior intensidade) Mas o limite da confidencialidade
persiste preservado. Assim, sobre fatos íntimos, sobre a vida familiar, sobre a reserva no domicílio e na
correspondência não é ilícita a comunicação sem consulta ao interessado” (Bittar, 2008, p. 112). O mesmo autor
conclui dizendo que “Isso significa que existem graus diferentes na escala de valores comunicáveis ao público,
em função exatamente da posição do titular, dentro dos círculos referidos. Assim, que da esfera privada
separar-se ações que se encartam no plano relacional e que se dimensionam em função da condição de
notoriedade da pessoa, se, de um lado, comum ou, de outro, político, artistas, ou desportistas, abrindo-se mais o
leque com respeito às últimas. Na esfera privada propriamente dita, tem-se a pessoa em seu interior ou em sua
intimidade (esfera da confidencialidade ou do segredo, reservada ao intelecto próprio) e, portanto, inatingíveis
por ação arbitrária de terceiro”.
225
É oportuno lembrar que o jus variandi não é absoluto e também sofre limitações, em especial quanto à
dignidade da pessoa humana.
226
Colisão de direitos...1996. p. 118.
227
Op. cit. p. 119.
85
Ora, se o requisito da privacidade é a ausência de interesse da sociedade (leia-se:
grupo no qual a pessoa se insere), por óbvio o âmbito de privacidade no local de trabalho é
por demais reduzido, especialmente quando consideramos o interesse amplo do empregador
por tudo aquilo que ocorre em suas dependências (em razão da defesa de seus próprios
direitos fundamentais, necessidade premente de produção, responsabilidade civil, etc).
2.3.3 O sigilo de correspondências e das comunicações
Outro argumento comumente utilizado por aqueles que defendem a impossibilidade do
monitoramento da internet, notoriamente em relação ao correio eletrônico, baseia-se no inciso
XII
228
, do artigo Constitucional, o qual, em virtude de sua natureza, também se reveste de
todas as garantias mencionadas no tópico anterior, que por economia não serão repetidas.
Analisando a garantia constitucional de sigilo das correspondências, leciona Mario
Antonio Lobato de Paiva
229
que a proteção é bastante ampla, protegendo não apenas o
conteúdo propriamente dito a fim de evitar o conhecimento por terceiros, mas inclusive a
possibilidade do conteúdo se tornar público, ou seja, a mera abertura da correspondência. Na
mesma linha, porém sob enfoque diferente, é a posição de José Afonso da Silva
230
.
228
Artigo 5º...
XII é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;
229
Paiva (2002, p. 15) explica que “Uma série de normas nacionais e internacionais dão proteção a
inviolabilidade do correio. No Brasil o artigo art. 5o, inc. XII da Constituição da República reza que ‘é inviolável
o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no
último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal’. O bem constitucionalmente protegido é a liberdade das comunicações e a reserva
sobre a comunicação emitida, com independência do contido na mesma. O direito abarca tanto a interceptação
em sentido estrito (que supõe a apreensão física do suporte da mensagem – com conhecimento ou não do mesmo
ou captação, de outra forma, do processo de comunicação) como pelo simples conhecimento antijurídico do
comunicado (abertura da correspondência alheia guardada por seu destinatário, por exemplo)”.
230
José Afonso da Silva (1997, p. 203) explica que “O sigilo de correspondência alberga também o direito de
expressão, o direito de comunicação, que é, outrossim, forma de liberdade de expressão do pensamento”.
Termina o autor explicitando, em relação ao sigilo de correspondência, que ”nele é que se encontra a proteção
dos segredos pessoais, que se dizem apenas aos correspondentes. é que, não raro, as pessoas expandem suas
confissões íntimas na confiança de que se deu pura confidência.”
86
Para fins de garantir a inviolabilidade da correspondência, uma vasta gama de
tratados e convenções internacionais disciplinando a matéria como, por exemplo, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de dezembro de 1948
231
, o Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos
232
, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem
233
, o Pacto de São José da Costa Rica
234
e a Convenção Européia de Direitos
Humanos
235
.
Em países europeus, como a Itália
236
, a Alemanha
237
e Espanha
238
e em países
americanos como Estados Unidos da América
239
, Equador
240
, Chile
241
e Colômbia
242
, por
231
O artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que “Nada será objeto de ingerências
arbitrárias em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques a sua honra
ou a sua reputação. Toda a pessoa tem direito a proteção da lei contra tais ingerências ou ataques”.
232
O artigo 17 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe que “Nada será objeto de
ingerências arbitrárias em sua vida privada, sua vida familiar, seu domicílio ou sua correspondência, nem de
ataques ilegais a sua honra e reputação.
2. Toda a pessoa tem direito a proteção da lei contra essas ingerências ou esses ataques”.
233
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem garante no artigo 10 que “Toda a pessoa tem
direito a inviolabilidade e circulação de sua correspondência”
234
O Pacto de São José da Costa Rica consagra no artigo 11 a “Proteção da honra e da dignidade.
2- Nada pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu
domicílio ou em sua correspondência, nem de ataques ilegais a sua honra e reputação.
3- Toda a pessoa tem direito a proteção da lei contra essas ingerências ou esses ataques.”
235
A Convenção Européia de Direito Humanos estabelece no artigo 8 que “8.1. Toda a pessoa tem direito ao
respeito de sua vida privada e familiar, de seu domicílio e de sua correspondência”
236
O artigo 15 da Constituição Italiana preserva “A liberdade e o segredo da correspondência ou de qualquer
outra forma de comunicação são invioláveis.”
237
A Constituição Alemã, no artigo 10, aduz que “1. Será inviolável o segredo da correspondência
(Briefgeheimnis), assim como o do correio e telégrafos.”
238
A Carta Magna Espanhola, já adaptada à Era da Informática, consagra no artigo 18 que “... 3- Será garantido
o segredo das comunicações, e, em especial, a dos postais, telegráficos e telefônicos, salvo resolução judicial. 4-
A lei limitará o uso da informática para garantir a honra a intimidade pessoal e familiar dos cidadãos e do pleno
exercício de seus direitos.”
239
Na IV Emenda da Constituição Americana é garantido “O direito dos indivíduos a estarem protegidos contra
as buscas não razoáveis a sua pessoa, casa, documentos e efeitos pessoais não serão violados. Nenhuma ordem
judicial poderá ser emitida sem causa provável apoiada por declaração juramentada, e deverá descrever
expressamente o lugar a ser registrado e as pessoas que serão detidas.” A seguir, a V Emenda do mesmo
Diploma estabelece que “Nenhuma pessoa.... será compelida em nenhum caso criminal, a ser testemunha contra
si mesmo.”
240
No Equador, o artigo 23 da Constituição prega que “Sem prejuízo dos direitos estabelecidos em sua
constituição e em seus instrumentos internacionais vigentes, o Estado reconhecerá e garantirá as pessoas o
seguinte: ... 13- A inviolabilidade e o segredo da correspondência. Esta poderá ser retida, aberta e examinada
87
exemplo, também garantia constitucional acerca da inviolabilidade da correspondência.
Analisando as particularidades presentes nas diferentes fontes de direito acima citadas, à luz
das conclusões de Paiva
243
e de Morais
244
, observa-se que a posição adotada por ambos é
idêntica, variando apenas o foco, eis que o primeiro valoriza a regra geral, ao passo que o
segundo explora a existência de exceções. Entretanto, é nítida a preocupação comum de todos
os países referidos com a garantia de inviolabilidade das correspondências, porém, não de
forma absoluta, até mesmo para permitir a coibição de abusos em potencial, tal qual a
ocultação de crime.
Sérgio Gonçalves
245
, interpretando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal
sobre a matéria, identifica como tendência a diferenciação entre correspondência postal e
eletrônica, estando a última protegida, conseqüentemente, tão-somente pelo disposto no inciso
X
246
do artigo 5º constitucional, ou seja, genericamente, pelo direito de privacidade. O
referido autor endossa a posição do Supremo Tribunal Federal, aludindo que “o e-mail o
está entre os objetos descritos na Lei 6.538/78, que dispõe sobre os serviços postais e em
nos casos previstos na lei. Será guardado em segredo os assuntos alheios ao feito que motivem seu exame. O
mesmo princípio será observado com respeito a qualquer outro tipo de forma de comunicação.”
241
O artigo 19 da Constituição Chilena assegura “A inviolabilidade de violar de toda a forma de comunicação
privada. A violação poderá ser feita nas comunicações e documentos privados interceptando-se, abrindo-se
nos caso e formas determinados pela lei.”
242
A constituição Colombiana consagra no artigo 15 que “A correspondência e demais formas de comunicação
privada são invioláveis. Só podem ser interceptadas ou registradas mediante ordem judicial, e nos casos e com as
formalidades estabelecidas em lei.”
243
Paiva (2002, p. 18) sustenta que “o direito a privacidade no que concerne ao envio de correspondência é regra
comum nas legislações e tratados da grande maioria dos países e que por isso deve ser respeitada”.
244
Moraes (2002, p. 84/85) aduz que “A análise do direito comparado reforça a idéia de relatividade dessas
inviolabilidades. O art. 72 da Constituição do reino da Dinamarca, promulgada em 5-6-1953, expressamente
prevê que qualquer violação do segredo de correspondência postal, telegráfica e telefônica somente poderá
ocorrer se nenhuma lei justificar exceção particular, após decisão judicial. O art. 12 da Lei Constitucional da
Finlândia prevê que se inviolável o segredo das comunicações postais, telegráficas e telefônicas salvo as
exceções estabelecidas em lei. Igualmente, o art. 15 da Constituição Italiana prevê que a liberdade e o segredo da
correspondência e de qualquer forma de comunicação são invioláveis. Sua limitação pode ocorrer somente por
determinação da autoridade judiciária, mantidas as garantias estabelecidas em lei”.
245
Sérgio Gonçalves (2002, p. 72-73), a partir de julgamento relatado pelo Ministro Nelson Jobim, afirma que o
STF deverá “considerar a violação do e-mail não como violação de correspondência (inciso XII do artigo da
Constituição Federal), mas da privacidade (inciso X do mesmo artigo), mostrando a tendência de não se
equiparar o e-mail a carta em nosso sistema legal”.
246
Art. 5º, CF – [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
88
seu artigo 7º, parágrafo relaciona o que é passível de ser chamado de ‘objeto de
correspondência’’.
Morais
247
, seguindo corrente oposta, defende que a correspondência eletrônica
equipara-se ao correio tradicional, entendimento este diferente do exposto pelo Ministro
Nelson Jobim e endossado por Sérgio Gonçalves, com o que não se concorda.
Analisando-se a questão à luz da Constituição da República, merece destaque o
disposto no art. 21, X, o qual reserva à União a manutenção do serviço postal e o correio
aéreo nacional. Partindo desse pressuposto, haveria claro impedimento da exploração dos
serviços de correio por provedores de acesso à internet. Mais: poder-se-ia taxar de
inconstitucional qualquer raciocínio que resultasse na equiparação do correio eletrônico ao
correio tradicional.
Distinguindo as figuras do correio tradicional do correio eletrônico, sentencia
Alexandre Agra Belmonte
248
:
[...] o chamado correio eletrônico não é um serviço postal e o depósito de mensagens
não é, tecnicamente, uma caixa postal. Trata-se, tão-somente, de um meio de
comunicação ou de correspondência eletrônica, sendo o e-mail apenas um depósito
de mensagens eletrônicas enviadas para um endereço virtual.
Para os efeitos da relação de emprego, o e-mail corporativo é uma ferramenta de
trabalho, porque destinado à realização do serviço.
Particularmente, é essa a posição que se adota: a correspondência eletrônica não pode
ser equiparada à correspondência tradicional
249
, ainda que aquela receba ou por que não
dizer, ambas recebam – a proteção do direito de privacidade instituída pelo art. 5º, X, da CF.
247
2002. p. 85. Por outro lado, adota-se na íntegra o posicionamento de Morais (2002, p. 84) quando, também
amparado em julgamento do Supremo Tribunal Federal, defende a existência de limites para a garantia
constitucional em comento, aduzindo que “nenhuma liberdade individual é absoluta, sendo possível, respeitados
certos parâmetros, a interceptação das correspondências e comunicações telegráficas e de dados”, principalmente
quando “as liberdades públicas de salvaguarda de práticas ilícitas”. Posicionamento idêntico foi anteriormente
explicitado no presente estudo, sendo esse o parâmetro que o norteia.
248
2004, p. 64.
249
É salutar considerar a possibilidade de equiparar a correspondência eletrônica ao cartão postal que, por sua
vez, não se confunde com a correspondência postal. A respeito do tema, explica Ana Amélia Menna Barreto de
Castro Pereira (Correio eletrônico corporativo aspectos jurídicos, in Revista de Direito do Trabalho n. 110,
abril/junho 2003, p. 12) que, “Traçando-se um paralelo, a correspondência eletrônica encontraria alguma
semelhança com a definição de cartão postal, uma vez que a mensagem circula na rede despojada de qualquer
envoltório ou lacre, vale dizer em termos tecnológicos, sem proteção de segurança”. A correspondência
89
Nunca é demais lembrar, ainda, que a legislação nacional, além de proibir
constitucionalmente, classifica como ilícito penal a violação de correspondência quando
impõe pena de detenção para quem “Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência
fechada, dirigida a outrem” (artigo 151 do Código Penal).
2.4 Os direitos fundamentais do empregador envolvidos no monitoramento da internet
no ambiente de trabalho
direitos fundamentais que também são extensíveis às pessoas jurídicas, conforme
referido no título “1.2 A delimitação da idéia de direitos fundamentais”, ao distinguir
direitos humanos de direitos fundamentais. Mais: ressalvadas as considerações apresentadas
no item referido, de considerar que a própria legislação civil vigente estende às empresas
os direitos da personalidade
250
, não existindo motivo justo ou razoável para pensar
diferentemente.
E, para alcançar tal conclusão, pode-se começar pela própria análise dos conceitos
jurídicos ínsitos no espírito de cada um dos direitos fundamentais.
Tomemos como exemplo as idéias referentes aos direitos fundamentais de
propriedade, livre iniciativa, honra e imagem adiante analisados em itens específicos.
É fácil lembrar de empresas que mantêm propriedades. Aliás, toda empresa é
proprietária de algum bem, nem que sejam os móveis que compõem o seu fundo de comércio.
Outrossim, a empresa, por si só, já é um exemplo de livre iniciativa, cuja sua imagem e honra
têm o condão de fortalecê-la perante seus pares e até projetá-la para o mercado, no âmbito
nacional e internacional. E se o bom nome da empresa é “manchado” – seja por fatos
verdadeiros ou meros boatos inverídicos ou não provados por certo a confiabilidade que a
empresa transmite restará abalada ou, dito de outra forma, sua honra e imagem perante a
eletrônica, contudo, segundo a autora, seria mera ferramenta trabalho e não seria agraciada com os benefícios da
Lei 6.538/78, especificamente porque não circula pelo sistema de serviço postal legalmente instituído.
250
Art. 52, CCB – Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
90
comunidade que utiliza de sua produção (independentemente de que natureza seja) restará
abalada.
E tudo isso que foi dito em relação à empresa poderia ser dito, tomando como titular
de tais direitos, uma pessoa física. E isso não mudaria em nada a seqüência dos fatos ou
mesmo os fundamentos, a lógica e os exemplos apresentados, ressalvadas singelas
adaptações.
É bom registrar, antes de tudo, que não se está aqui a pregar que todos os direitos
fundamentais são extensíveis às pessoas jurídicas. Isso, de forma alguma seria admissível,
bastando considerar, para derrubar eventual afirmação nesse sentido, alguns dos incisos
contidos no artigo da Constituição Federal, como, por exemplo, I (igualdade entre homens
e mulheres), III (proibição de tortura, tratamento desumano e degradante), XV (livre
locomoção) e XLVII até L (relativo às penas e sua forma de cumprimento), além de LI e LII
(relativos à extradição). O que se está aqui a demonstrar é que as pessoas jurídicas também
são titulares de direitos fundamentais, ainda que o seu rol de direitos seja, por óbvio, muito
mais restrito.
Vieira
251
, ao analisar os direitos fundamentais em colisão envolvidos no
monitoramento do correio eletrônico pelo empregador, reconhece expressamente a
titularidade de direitos fundamentais pelo empregador, o que é comprovado no trecho abaixo:
[...] o rastreamento das mensagens dos empregados se insere no âmbito de proteção
do direito à propriedade, à autogestão, e à livre-iniciativa da empresa e, ainda, que se
configura como um meio adequado para se garantir a proteção da imagem da
organização [...].
Assim, reconhecido que o empregador seja pessoa física ou jurídica também é
titular de (alguns) direitos fundamentais, resta analisá-los para, oportunamente, averiguar as
possíveis colisões que ocorrem no curso de uma relação de emprego.
2.4.1 A livre iniciativa
A livre iniciativa é a mola propulsora da sociedade mundial na atualidade,
considerando o regime capitalista predominante, pois assegura às pessoas a liberdade de
251
2007, p. 139.
91
atuação no mercado para produzir e transformar, comprar e vender, bens e serviços (e,
inclusive, a própria força de trabalho), sem a interferência do Estado
252
ou, pelo menos,
mediante sua interferência mínima.
E não dúvidas de que a livre iniciativa é um direito fundamental. A partir dos
ensinamentos de Timm, pode-se afirmar com segurança que a livre iniciativa se constitui em
um direito fundamental porque:
[...] está umbilicalmente ligado ao direito de liberdade em sentido lato. Ele
representa o valor e o princípio preponderante na ordem constitucional, pois, ao
contrário do que preconiza a voz dominante entre os constitucionalistas, representa a
essência de uma economia de mercado, cuja eficiência é por ele garantido
253
.
[...]
É, portanto, a livre iniciativa, descrita dessa forma, um direito fundamental contra o
Estado, um verdadeiro direito de abstenção contra o Poder Público
254
.
Por sua vez, a importância da livre iniciativa na atualidade, a partir da perspectiva da
Nova Economia institucional, é claramente identificada por Timm
255
:
As instituições conformam o desenvolvimento econômico de um país e é com sólido
compromisso daquelas instituições com o sistema eficiente de mercado que garantirá
o caminho do desenvolvimento. E a livre iniciativa (e a livre concorrência) são a
base do mecanismo de funcionamento do mercado e por isso deve ser o princípio
condição dos demais princípios constitucionais.
Trilhando esse raciocínio, Timm
256
conclui que “[...] a livre iniciativa emerge como
um direito fundamental inerente ao sistema e à própria dignidade da pessoa humana”.
Partindo-se dessas premissas, poder-se-ia ir além e estabelecer, mediante analogia, a
importância da livre iniciativa para a sociedade. Assim, comparando a importância da
dignidade da pessoa humana para os direitos fundamentais inerentes aos cidadãos, poder-se-ia
252
Por óbvio, a livre iniciativa, como qualquer direito, sofre limitações. Timm (2007. p. 98) é enfático ao
analisar o assunto: “Evidentemente que não se trata de um direito absoluto, recebendo limitações no próprio
texto constitucional como a necessidade de cumprimento de leis sanitárias, ambientais, municiais, etc. A livre
iniciativa ainda requer hoje um controle positivo do Estado para garantir o funcionamento do mercado, evitando
abusos de poder econômico em situações definidas em lei”.
253
Timm, 2008, p. 97.
254
Op. cit. p. 105.
255
2008, p. 97.
256
2008, p. 112.
92
concluir que a livre iniciativa está para os direitos fundamentais do empregador (seja pessoa
física ou pessoa jurídica) da mesma forma que a dignidade da pessoa humana está para os
empregados. E, a partir disso, sendo a dignidade da pessoa humana um termômetro para os
limites dos direitos fundamentais da pessoa física, a livre iniciativa pode ser considerada a
medida correspondente para o exame dos direitos fundamentais dos empresários (sejam
pessoas físicas ou jurídicas).
E não dúvidas de que a referida equiparação entre dignidade da pessoa humana e
livre iniciativa é possível, tanto que uma decorre da natural e necessária lembrança e
manutenção da outra! Conforme enfatiza Timm
257
:
Em realidade, em uma economia de mercado, não há como existir dignidade humana
sem liberdade econômica. Se num regime democrático a liberdade se manifesta na
participação do cidadão pelo voto, no sistema capitalista é o seu acesso ao mercado
que lhe garantirá dignidade e outros direitos fundamentais como o trabalho.
E, por certo, em um mundo sem dignidade da pessoa humana, não como se cogitar
de livre iniciativa (que pressupõe liberdade e, portanto, respeito à dignidade da pessoa
humana). Enfim, clara e íntima relação entre livre iniciativa e dignidade da pessoa
humana
258
, o que se extrai do próprio discurso de Timm
259
.
Aproximando o direito fundamental à livre iniciativa ao objeto do presente estudo,
lembra-se que as relações de trabalho, historicamente, se desenvolveram a partir do binômio
“capital x trabalho”. E essa relação de interdependência e importância mútua é reconhecida
257
2008, p. 104-105.
258
Entende-se que uma equiparação de importância e funcionalidade para ambas (livre iniciativa e dignidade
da pessoa humana) e que, a priori, é impossível determinar ao analisar eventual embate exclusivamente no
plano teórico qual deve prevalecerá e qual declinará, exceto mediante o exame do caso concreto. Aliás, é
condenável a pré-concepção de alguns renomados juristas que entendem pela prevalência constante da dignidade
da pessoa humana em detrimento da livre iniciativa, mormente porque desprezam o exame das peculiaridades
eventualmente identificadas em cada caso concreto (nesse sentido, Eros Roberto Grau, 2007. pp. 195-198; José
Afonso da Silva, 1997, p. 762), pois desprezam o caso concreto e fecham os olhos para as inúmeras
possibilidades e variáveis que os fatos sociais e jurídicos nos permitem identificar.
259
Essa conclusão é extraída com facilidade na parte final a seguir reproduzida: “A desculpa de maior
intervenção do Estado no domínio econômico não deve obscurecer a importância desse princípio da Constituição
Federal, inerente ao um sistema econômico capitalista ou de mercado. Diante da opção de todas as economias
ocidentais contemporâneas, desde o século XVII com exceção de regimes ditatoriais de esquerda e de direito
por um sistema de mercado, bem se percebe que a livre iniciativa se funde com outros princípios constitucionais
como o do trabalho e da dignidade da pessoa humana” (Timm, 2008, p. 106).
93
pela legislação pátria, tanto a especializada
260
como a própria Constituição Federal
261
, que
sempre apresentam tais elementos (capital e trabalho) de forma conjunta.
Analisando as disposições constitucionais a respeito da livre iniciativa, José Afonso da
Silva
262
ensina:
A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho
humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro lugar quer dizer
precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza
capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em
segundo lugar significa que, embora capitalista, a ordem econômica prioridade
aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de
mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o
sentido de orientar a intervenção do Estado, na economia, a fim de fazer valer os
valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o
fundamento o da ordem econômica, mas da própria República Federativa do
Brasil (art. 1º, IV).
No mesmo sentido, porém, mediante uma maior valorização da interdependência entre
o capital e o trabalho, são as afirmações de Ana Paula Tauceda Branco
263
:
Referindo-se aos fundamentos do Estado brasileiro, o inciso IV do art. da Carta
Republicana enuncia, por sua vez, num mesmo dispositivo legal, estar ele sustentado
tanto no valor social do trabalho como na livre iniciativa. Isso significa que restam
elevados à condição de Princípios constitucionais dois valores advindos da Teoria
Constitucional dos Direitos Fundamentais, nascidos em duas fases diversas, quais
sejam: a segunda e a primeira etapa, respectivamente e, portanto, advindos de duas
plataformas emancipatórias diferentes, que enquanto o princípio constitucional da
livre iniciativa apresenta-se como um corolário natural do direito fundamental à
liberdade (incisos II, XIII e XVII do art. 5º), o princípio constitucional do valor
social do trabalho, por seu lado, se por conhecer por via da igualdade (caput do
art. 5º). Na verdade, isso serve para robustecer a posição do constituinte
originário de abarcá-los de modo a integrar todas as dimensões dos Direitos
260
A CLT, ao definir quem é o empregado e o empregador, registra: art. Considera-se empregador a
empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço. [...] art. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
261
Conforme dispõe a Constituição Federal, em seu art. A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: I a soberania; II a cidadania; III a dignidade da pessoa humana; IV os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V o pluralismo político. Em sentido semelhante, também
dispõe a Constituição Federal em seu art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: [...] Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
262
1997, p. 764.
263
2007, p. 72.
94
Fundamentais do Homem, numa postura de plena harmonia com a doutrina que
aponta como sendo algumas das características desses direitos a indivisibilidade e a
universalidade.
É importante ter em mente, sempre, que capital e trabalho não são “inimigos capitais”.
Ao contrário, ambos são interdependentes e precisam conviver em harmonia/sintonia,
caracterizando uma verdadeira relação de mutualismo, como bem identifica Jussara Farias
Fialho
264
ao afirmar que é necessário:
[...] desfazer o “antagonismo” entre capital e trabalho, como se fossem interesses
inconciliáveis, ou duas categorias conflitantes. Na verdade representam os dois
lados, ou os dois pólos da mesma relação jurídica. Assim como não existe crédito
sem débito ou vice-versa, não existe capital sem trabalho nem trabalho sem capital.
Isso torna inócua qualquer discussão, que responsabilize o sistema capitalista de
produção como o causador, o vilão, do atual “conflito” capital/trabalho. – Nem seria
sensato ou lógico atribuir responsabilidade a um sistema de produção, por razões
óbvias, que parece desnecessário citá-las. Se existe conflito nesta relação, ele o
decorre da oposição entre ambos, é a oposição que possibilita a relação e estabelece
sua natureza jurídica.
A par disso, conclui-se que qualquer medida extrema seja para eliminar o capital ou
o trabalho trará um efeito reflexo e imediato ao que inicial e aparentemente resistisse: a
sua condenação (brevemente) ao mesmo destino.
E isso é uma conclusão lógica, especialmente quando lembramos que a geração e
desenvolvimento do capital tem íntima relação com a livre iniciativa. É com base na livre
iniciativa que alguém se dispõe a produzir (e gerar capital). Essa produção, ao trilhar os
caminhos do sucesso, implica no crescimento do trabalho e, por conseguinte, na necessidade
mão-de-obra para atender à demanda. Sendo a capacidade do homem – individualmente
considerado restrita, é necessário que o trabalho seja dividido com outros homens, seja
mediante a geração de emprego ou outras formas de trabalho.
Compreendendo essa sistemática, conclui-se que, ao sufocar qualquer um desses dois
elementos (capital ou trabalho), estar-se-á sepultando o outro, o que seria um verdadeiro
retrocesso econômico e social.
Do conjunto de tudo o que foi exposto, conclui-se que a livre iniciativa é um direito
fundamental e como tal é tratado neste estudo, reputando-se – desde logo inadequada toda e
qualquer afirmativa no sentido de prevalência absoluta da dignidade da pessoa humana em
264
2003, p. 179.
95
detrimento da livre iniciativa. Tal conclusão despreza por completo todas as regras de
interpretação constitucional e ponderação de bens e direitos, incorrendo em grave equívoco:
negar efeito a direitos fundamentais, notadamente o direito fundamental à livre iniciativa e à
própria dignidade da pessoa humana, ainda que indiretamente.
Apresentada a idéia geral de livre iniciativa que baliza a presente investigação, é
mister, por decorrência lógica e razoabilidade, examinar, ainda que brevemente, o direito
fundamental à propriedade. A relação entre os dois direitos é exposta por Timm
(2008, p.
106
):
O princípio da livre iniciativa é complementado pelo direito de propriedade (outro
direito fundamental, ainda que mitigado pela função social). Este último garantirá a
apropriação dos resultados obtidos com o exercício de uma determinada atividade
econômica, gerando estímulos ao swet of the brow. De nada adiantaria uma garantia
de livre atuação no mercado se o produto disso vertesse para terceiros (inclusive
para o Estado) justamente pelo caráter de direito individual da livre iniciativa.
Vale acrescentar que “A propriedade não é garantia em si mesma, mas como
instrumento de proteção de valores fundamentais”
265
, entre os quais, repita-se, a livre
iniciativa e a própria dignidade da pessoa humana.
Assim, também é oportuno o exame do direito de propriedade, sobretudo em razão de
sua importância para o direito do trabalho, pois legitima o poder de direção do empregador. É
o que se propõe a seguir.
2.4.2 A propriedade privada (e o poder de direção)
Historicamente, o homem sempre buscou o direito de propriedade sobre os bens no afã
de garantir a satisfação de suas necessidades, seja para propiciar o próprio sustento, seja para
impor uma relação de poder perante a sociedade.
Nas palavras de Fábio Konder Comparato, analisando a valorização e proteção da
propriedade, partindo da importância de documentos políticos históricos como o Bill of
265
Comparato (1998, p. 86).
96
Right e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
266
até os ideais vigentes na
sociedade atual, sintetiza:
[...] apresentam a propriedade, juntamente com a liberdade e a segurança, como
“direitos inerentes” a toda pessoa, ou “direitos naturais e imprescritíveis do homem”.
Sob esse aspecto de garantia da liberdade individual, a propriedade passou a ser
protegida constitucionalmente em sua dupla natureza, de direito subjetivo e de
instituto jurídico. Não se trata, apenas, de reconhecer o direito subjetivo do
proprietário, garantindo-o contra as investidas dos demais sujeitos privados ou do
próprio Estado. Cuida-se, também, de evitar que o legislador venha a suprimir o
instituto, ou a desfigurá-lo completamente, e seu conteúdo essencial.
267
[...]
Seja como for, é dentro dessa perspectiva institucional que se pôs, no bojo do
constitucionalismo liberal, a questão do direito de todo indivíduo à propriedade, ou
seja, o direito à aquisição dos bens indispensáveis à sua subsistência, de acordo com
os padrões de dignidade de cada momento histórico. A lógica do raciocínio tornou
incoercível o movimento político reivindicatório. Se a propriedade privada era
reconhecida como garantia última da liberdade individual, tornava-se inevitável
sustentar que a ordem jurídica deveria proteger não apenas os atuais, mas também os
futuros e potenciais proprietários. O acesso à propriedade adquiria, pois,
insofismavelmente, o caráter de direito fundamental da pessoa humana.
A evolução sócio-econômica ocorrida a partir de fins do século passado veio, porém,
alterar o objeto dessa garantia constitucional. Doravante, a proteção da liberdade
econômica individual e do direito à subsistência não dependem unicamente nem
principalmente, da propriedade de bens materiais, segundo o esquema do ius in re,
mas abarcam outros bens de valor patrimonial, materiais ou imateriais, objeto ou não
de um direito real.
268
Aliás, a importância do direito de propriedade é tal que, entre as diversas garantias
previstas na Constituição Federal brasileira de 1998, a previsão expressa de respeito ao
direito de propriedade
269
. Ao lado dos direitos à vida, liberdade, igualdade e segurança, o
direito de propriedade é considerado símbolo do Estado Liberal e representa a essência da
não-intervenção do Estado na esfera privada dos cidadãos
270
.
Diga-se de passagem que a proteção à propriedade privada é um elemento essencial da
estrutura econômica e social do Estado. Desta feita, o direito de propriedade é garantido pela
266
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu item II, estabelece: O fim de toda associação
política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; esses direitos são: a liberdade, a
propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
267
Comparato, 1998, p. 77.
268
Op. cit. p. 78-79.
269
Art. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade;
270
Simon, 2000, p. 112.
97
Constituição Federal, mas isto não autoriza sua utilização de forma descabida ou mesmo
desproporcional, sendo mister o respeito à sua função social (que inclusive atua como seu
próprio limitador).
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, porém aplicada à relação de emprego
271
que é o enfoque deste estudo – é conveniente resgatar os ensinamentos de Belmonte
272
:
o fato de o empregador deter a propriedade do equipamento utilizado pelo
empregado para a prestação dos serviços, por si só não autoriza o exercício de poder
diretivo absoluto: o direito de propriedade de ser exercido nos limites de sua
função social, assim como o contrato de emprego deve cumprir a sua função social.
Convém lembrar o que foi exaltado no capítulo inicial: no âmbito das relações de
trabalho, é o empregador quem detém a propriedade dos meios de produção; é quem assume o
risco da atividade empresarial; é quem controla o complexo de bens que guarnecem a
empresa; é o responsável pela estrutura jurídica do empreendimento e por sua direção; é quem
determina a força de trabalho, etc. Portanto, o empregador possui o direito de propriedade
273
sobre o negócio que comanda, podendo atribuir-lhe o destino que julgar mais conveniente.
Nesse sentido, é faculdade do empregador alienar e adquirir bens (seja matéria prima ou
qualquer forma de ativo), aumentar ou diminuir o quadro de empregados, escolher os clientes
que deseja atender ou mesmo recusá-los.
Nesse mesmo sentido, bem sintetiza Bacellar
274
:
A proteção constitucional dada ao direito de propriedade [...] apresenta-se
atualmente bem ampla introduzindo assim uma nova concepção desse direito.
Conseqüentemente, todos os meios de produção pertencentes ao empregador e que
se materializam na empresa (englobando tanto bem imóvel como móvel) integram o
objeto do seu direito de propriedade, sendo, desta forma, passíveis da proteção
constitucional dada pelo artigo 5º, inciso XXII da Constituição da República.
271
Convém salientar, inclusive para não induzir em erro o leitor, que, tendo em vista da delimitação do presente
estudo, restringiremos a analise do direito de propriedade sob o enfoque do empregador na relação de emprego.
272
2004. p. 58.
273 Na Constituição Federal, verifica-se que o proprietário tem o direito de usar, gozar e dispor sobre os seus
bens, sendo-lhe garantido os frutos da coisa que o pertence.
274
2003, p. 53.
98
Em virtude de todo esse poder e responsabilidade que lhe é concentrado, é destinado
ao empregador o lucro obtido com o negócio, assim como eventuais prejuízos (sendo vedado
transferir esse último aos empregados). Aliás, todo e qualquer fruto da atividade pertence, a
princípio, ao empregador
275
.
Em contrapartida a isto, é do empregador toda e qualquer responsabilidade em razão
dos impactos sócio-ambientais de sua atividade, bem como em razão dos atos praticados por
seus empregados e demais prepostos, tudo isso na forma da legislação nacional vigente
276
.
É dentro desse contexto de análise da propriedade privada do empregador e seus
consectários que se sustenta o possível direito do empregador fiscalizar a internet
disponibilizada ao empregado para a execução nas atividades inerentes ao contrato de
trabalho pactuado.
2.4.3 A imagem e a honra do empregador
É comum, de modo geral, a referência à preocupação com a imagem
277
e a honra
apenas do empregado (ou seja, da pessoa física), porém, é indiscutível que o empregador
mesmo quando pessoa jurídica – também tem uma imagem e honra a serem protegidas.
275
Lembra-se que a lei 9.279 de 14 de maio de 1996, em seu artigo 88, dispõe que pertence exclusivamente ao
empregador os inventos desenvolvidos pelo empregado decorrentes do contrato de trabalho. Da mesma forma,
prevê a lei 9.609 de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de
programas de computador, ao definir em seu artigo 4º: Salvo estipulação em contrário, pertencerão
exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de
computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente
destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor
seja prevista, ou, ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.
276
A respeito do tema, entre outras disposições, prevê o Código Civil Brasileiro: Art. 931. Ressalvados outros
casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de
culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. Art. 932. São também responsáveis pela
reparação civil: [...] III o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício
do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo
antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali
referidos.
277
“No direito positivo brasileiro, não havia proteção expressa à imagem antes de o atual texto constitucional
dispor que a imagem da pessoa é um bem inviolável, assegurado direito à indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação (CF, art. 5º, X). Os Tribunais brasileiros entendiam, entretanto, que o direito à
própria imagem tinha amparo no art. 666, X, do Código Civil. Posteriormente, a Lei 6.988, de 1973, que trata
99
Nesse sentido, enfatiza Manoel Jorge e Silva Neto
278
que:
Se outorga de proteção constitucional à imagem do empregado, é irrecusável
reconhecer-se, por simetria, a possibilidade de tutela da imagem da empresa.
Atualmente, gastam-se valores extraordinários com o objetivo de consolidação de
uma imagem de empresa eficiente, responsável pela produção de bens ou prestação
de serviços de qualidade. Em suma: é crescente a preocupação dos grupos
empresariais com a construção de uma “boa” imagem perante os consumidores.
Corroborando tal conclusão, basta analisar os conceitos jurídicos de imagem e honra
para perceber que não justificativas plausíveis para afastar esse direito fundamental da
pessoa jurídica do empregador.
No particular, é importante deixar claro que, no caso do empregador, a imagem
possível é a “imagem-atributo”, enquanto, nos casos envolvendo a pessoa física e, portanto, o
empregado (ou mesmo do empregador pessoa física), seria mister considerar, ainda, a
“imagem-retrato”
279
, que não será abordada em razão do interesse em foco.
A imagem-atributo pode ser definida, nas palavras de Araújo
280
, como:
[...] conseqüência da vida em sociedade. O homem moderno, quer em seu ambiente
familiar, profissional ou mesmo em suas relações de lazer, tende a ser visto de
determinada forma pelo sociedade que o cerca. Muitas pessoas não fazem questão de
serem consideradas relaxadas, meticulosas, organizadas, estudiosas, pontuais ou
impontuais. São características que acompanham determinada pessoa em seu
conceito social.
É oportuno, ainda, distinguir imagem de honra. Nesse sentido, João de Lima Teixeira
Filho
281
esclarece:
Os conceitos de honra e imagem se aproximam na medida em que implicam um
juízo formulado por outrem, por um grupo de indivíduos ou à vista da sociedade.
Honra é a estimativa devotada às virtudes de alguém.
sobre o direito do autor, no seu art. 49, I, ‘f’, versando sobre o mesmo tema, derrogou o citado dispositivo do
Código Civil” (Farias, 1996, p. 126).
278
2003, p. 168.
279
É aquela decorrente da fotografia, retrato ou filmagem, por exemplo.
280
1996. p. 21.
281
1996, p. 1177.
100
Ainda consoante a lição de João de Lima Teixeira Filho
282
, o equivalente à imagem-
atributo seria a “boa reputação pessoal ou profissional que o indivíduo construiu no meio em
que convive e frente a terceiros. [...] esta, é eminentemente ética e resta violada por atos
degradantes”.
Após analisar os sentidos (objetivos e subjetivos) da honra, Edílsom Pereira de Farias,
também é partidário do reconhecimento da honra de pessoas jurídicas:
[...] no sentido objetivo, a honra é a reputação que a pessoa desfrute ante o meio
social em que está situada; no sentido subjetivo, a honra é a estimação que a pessoa
realiza da sua própria dignidade moral
283
.
[...]
A proteção da honra também alcança, em geral, as pessoas jurídicas. Conquanto
estas não possuam o “sentimento da própria dignidade”, contudo, podem ter a sua
reputação ofendida por estimativas desabonadoras
284
.
A par de tudo o que foi dito, verifica-se com segurança que o empregador pessoa
jurídica a empresa tem como direitos fundamentais a imagem e a honra, ainda que em
dimensões diferentes daquelas hipóteses em que o empregado (ou mesmo o empregador
pessoa física) a detém e exerce. Assim, a imagem e honra do empregador são direitos
fundamentais que devem ser ponderados em colisões ocorridas no âmbito da relação de
emprego quando confrontado com eventuais direitos fundamentais (estabelecidos conforme o
caso concreto) atinentes aos empregados.
2.5 A perspectiva do intérprete na análise do conflito de direitos fundamentais
envolvidos no monitoramento da internet pelo empregador
O tempo tem influência direta na sociedade e, por sua vez, no próprio direito que a
regulará. Assim, não há dúvida que o direito é dinâmico e deve ser adaptado às novas
necessidades da sociedade, sob pena de haver o caos. E tendo em vista a impossibilidade do
legislativo, devido aos trâmites burocráticos entre outras questões, manter uma produção
282
1996, p. 1178. Teixeira Filho também reconhece que a imagem pode ter duas dimensões, em semelhança ao
entendimento de Luiz Alberto David Araújo anteriormente exposto.
283
Farias, 1996, p. 109.
284
Op. cit. p. 110.
101
legislativa adequada à necessidade da sociedade e sua dinâmica, concentra-se o ônus de
solucionar os conflitos modernos para os hermeneutas.
Não é apenas o tempo, contudo, que interfere no direito. A própria perspectiva do
intérprete influencia objetivamente na conclusão do hermeneuta. Dependendo do enfoque que
for dado ao caso concreto, podemos tender a uma solução ou outra. Disto, conclui-se que o
mais saudável é o hermeneuta abastecer-se do máximo de informações a respeito do assunto
antes de decidir, evitando retratações e aumentando a segurança para a sociedade.
É desta forma que, ao se analisar o conflito entre os direitos fundamentais do
empregado e do empregador na utilização da internet, se conclui aparente e inicialmente
pelo empate técnico, pois os principais argumentos invocados por ambas correntes partem de
direitos fundamentais, ou seja, possuem idêntica hierarquia normativa. Desta feita é que, a seu
turno, da mesma forma que a visão obreira, os patrões também possuem uma série de
argumentos (principais e secundários) que sustentam o pretendido direito de controlar a
internet utilizada pelos empregados no local de trabalho. A título de exemplo, cita-se a própria
responsabilidade civil do empregador pelos atos de seus prepostos
285
e, em especial, os
aspectos econômicos
286
, ou melhor, os prejuízos pela utilização do equipamento para o
empregador.
Em resumo, verifica-se que o fato analisado em uma visão ampla é o mesmo (a
utilização da internet para fins diversos daquilo que é o objeto do contrato de trabalho), seja
285 A utilização da internet, bem como eventuais conseqüências decorrentes do manuseio incorreto, deve ser
tratada da mesma forma que outras ferramentas que comumente são disponibilizadas pelo empregador para o
empregado concretizar sua tarefa, como um veículo, por exemplo. Assim, são de aplicação as disposições do
código civil: Art. 932 São também responsáveis pela reparação civil: ... III o empregador ou comitente, por
seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; Art. 933 –
As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão
pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
286
Em apertada síntese, lembramos que, se o empregado estiver utilizando a internet para fins particulares, com
segurança, não estará produzindo, ou seja, não estará cumprindo sua parte no contrato de trabalho. Pior: poderá
tornar necessária a realização de horas extras desnecessariamente, onerando o custo da produção. Além disso, a
utilização inadequada da internet poderá resultar em perigo desnecessários de contaminação com vírus, o que a
toda evidência implicará em ônus desnecessários ao empregador. Por outro lado, sob a ótica do empregado, é
inegável que a possibilidade de utilização da internet para fins particulares em caráter eventual e para a
realização de atividades inadiáveis é salutar, pois permitirá ao empregado o retorno mais rápido às suas
atividades, o que sempre é do interesse da categoria econômica (e a doutrina denomina de “uso social” da
internet).
102
sob a perspectiva do empregado ou do empregador. Contudo, a interpretação e os elementos
considerados em cada uma das análises são completamente diferentes.
Não há dúvidas que os argumentos invocados por aqueles que defendem a livre
utilização da internet, sem a interferência e/ou fiscalização do empregador são bastante
razoáveis e convincentes. Por outro lado, o mesmo deve ser dito em relação àquelas
justificativas invocadas em defesa do interesse do empregador fiscalizar a utilização da
internet no local de trabalho.
Em resumo, observa-se que, analisados isoladamente, nenhum dos dois pontos de vista
podem ser taxados a priori como errados, sendo ambos procedentes, mais do que isto, sendo
cada ponto de vista decorrente da condição/possibilidade/necessidade/posição de seu
intérprete. No caso prático, contudo, surge um moderno conflito de direitos fundamentais, que
necessita ser solucionado pelo hermeneuta da forma mais salutar e eficiente possível.
É isso que se propõe a analisar a seguir.
103
3 PONDERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃO DE EMPREGO
3.1 Considerações iniciais
A respeito de todo e qualquer assunto é possível, basicamente, a adoção de três
posições distintas. A aceitação ampla e irrestrita, a negação total e a preferência por uma
corrente intermediária, a qual tenta equilibrar as correntes extremas (desprezando-se as
matizações possíveis quanto à esta terceira hipótese).
O objetivo doravante é, inicialmente, considerar e analisar as possibilidades de
solução para os conflitos de direitos fundamentais de empregados e empregados envolvidos
na colisão decorrente do monitoramento da internet.
Posteriormente, cogitar-se-á a respeito da aniquilação dos direitos fundamentais
envolvidos no monitoramento da internet (primeiramente em relação ao empregado e, a
seguir, do empregador). Por bem, não será ignorada a apreciação de, pelo menos, algumas das
possíveis conseqüências de uma (inviável diga-se, antecipadamente) aniquilação dos
direitos fundamentais em debate, consignando, porém, que o objetivo primordial, ao assim
agir (e cogitar da aniquilação dos direitos fundamentais) é demonstrar a impossibilidade de
aceitação de posições extremistas.
Por fim, após tecer comentários a respeito da necessidade de solução por meio da
ponderação dos direitos fundamentais envolvidos na colisão decorrente do monitoramento da
internet pelo empregador, bem como expor as principais conclusões daqueles que se propõem
a debater o tema, apresentar-se-á uma proposta própria de análise dos elementos envolvidos
nesse moderno conflito de direitos fundamentais.
3.2 A limitação de direitos fundamentais
É possível se cogitar, simplificadamente, de 03 formas de limitação dos direitos
fundamentais.
104
A primeira forma seria a instituída no art. 188 do CCB
287
. Assim, em que pese
ocorrer, nas hipóteses referidas nesse dispositivo a limitação de direitos, uma justificativa
legal e plausível para considerar a legitimidade da restrição.
A segunda forma seria através do consentimento da parte
288
. A respeito desta
hipótese, exemplifica Pontes de Miranda
289
que o consentimento descaracteriza uma eventual
violação do direito de intimidade, pois:
todo o direito é efeito de fato jurídico; todo fato jurídico supõe suporte fáctico. No
suporte fáctico está o elemento intimidade; se A consentiu em que lhe devassasse a
vida privada, a intimidade deixou de existir: o consentimento atuou como pré-
excludente.
Ainda a respeito da segunda forma de limitação dos direitos fundamentais, a saber, o
consentimento da parte, são pertinentes as considerações de Tatiana Malta Vieira
290
:
A decisão de auto-restrição do próprio titular do direito será válida, desde que,
observados os seguintes requisitos: (a) a restrição não pode afetar o núcleo essencial
do direito fundamental, ou seja, aquela parcela mínima necessária à preservação da
dignidade da pessoa humana, sob pena de total descaracterização do preceito; (b) a
limitação deve ser temporária, sendo inconstitucional a limitação permanente, pois
isto representaria renúncia à própria titularidade do direito e não apenas ao seu
exercício; (c) ainda que exista assimetría de forças na relação jurídica, esta
desigualdade material não pode implicar a ausência de autonomia real da parte mais
fraca, porque sua decisão tem que ser tomada de forma livre e autodeterminada.
Por fim, a terceira situação seria diante do confronto entre direitos de igual ou
diferente hierarquia em que, no caso concreto, apenas um prevalecerá ou prevalecerá de
forma preponderante. Por óbvio, ainda que o confronto envolva os mesmos direitos, não se
287
Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um
direito reconhecido; II a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover
perigo iminente
288
É importante considerar, para esta situação, que o consentimento da parte pode ser matizado, ou seja, não é
necessário considerar apenas as posições extremadas de permitir ou proibir. É possível cogitar, ainda, toda e
qualquer variação entre esses dois extremos.
Ainda, não é demais enfatizar que, tendo em vista o objetivo traçado, não se esta a cogitar das hipóteses
envolvendo as várias formas de vício de consentimentos, mas considerando apenas a manifestação livre e
consciente.
289
1983, p. 125.
290
2007, p. 132.
105
alcançará sempre o mesmo resultado, que poderá sofrer alterações, conforme os elementos
fáticos e concretos que se verifiquem em cada caso.
Outrossim, é preciso considerar que o existe direito absoluto. Nenhuma norma em
nosso ordenamento, quiçá, seja de aplicação absoluta, havendo ressalvas e exceções, de
diferentes e inimagináveis hipóteses, que os operadores do direito somente se defrontam em
casos práticos e inusitados.
É útil lembrar, ainda, que sempre haverá um interesse maior, que poderá variar de
acordo com o caso concreto, no tempo e no espaço, diante do qual se quedará o interesse de
menor proporção (que, por conseqüência lógica, também é relativo e, desta feita, poderá
variar de acordo com a situação a ser enfrentada).
A título de ilustração, é possível fazer referência aos direitos fundamentais acima
mencionados (previstos nos incisos X e XII, do artigo da CF
291
) que, mesmo possuindo
natureza constitucional, não se sobrepõem de forma absoluta a outras normas de nosso
ordenamento. Há, isso sim, uma aplicação sistematizada da lei, principalmente porque outras
regras de idêntica hierarquia podem incidir em uma mesma oportunidade, como o direito de
propriedade (inciso XXII, do artigo da CF)
292
, que foi abordado na forma de contraponto
em tópico anterior nesse estudo.
Trilhando esse caminho, compartilha-se da posição de Bittar
293
sobre a
predominância do interesse coletivo sobre o particular como um dos elementos que devem ser
considerados para nortear a decisão mais adequada a cada caso concreto a ser desvendado.
291
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[...]
XII é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;
292
XXII – é garantido o direito de propriedade;
106
E não se pode desprezar que a própria Consolidação das Leis do Trabalho atua como
agente limitador das liberdades individuais para valorizar a coletividade. A título de exemplo,
cita-se os artigos 482 e 483 Celetistas, que limitam o exercício desenfreado da vontade, tanto
do empregado como do empregador
294
.
Partindo dessas premissas basilares, o objetivo a seguir é ponderar, de inicio,
conforme já anunciado, as conseqüências a respeito da adoção de idéias extremistas no caso
que se propõe a investigar, basicamente, as considerações a respeito do empregador fiscalizar
a internet fornecida ao empregado irrestritamente ou ser proibido de fazê-lo. Posteriormente,
demonstrar-se-á os benefícios acerca da adoção de uma posição mediana, sobretudo com
vistas à obtenção da máxima eficácia dos direitos fundamentais em colisão.
Mais do que isso: demonstrar-se-á que, para buscar a solução para casos práticos,
envolvendo a utilização da internet disponibilizada pelo empregador ao empregado para o
desempenho da atividade contratada, não basta a compreensão integral dos assuntos
abordados nesse estudo ou em outros trabalhos enfrentando a matéria, é imprescindível que o
operador do direito proceda a uma interpretação universal do ordenamento jurídico. E, para
atingir tal fim, é salutar a utilização adequada dos princípios do direito, tais como:
razoabilidade e boa-fé; além de princípios norteadores do direito do trabalho, especificamente,
o princípio da primazia da realidade, que é fundamental na apreciação das condições fáticas
que circunscrevem os casos e, por conseqüência, possibilita alcançar uma solução justa e
adequada.
293
“Deve-se ter em mente, a respeito, a predominância do interesse coletivo sobre o particular, cabendo
verificar-se, em cada caso, o alcance respectivo, a fim de não se sacrificar, indevidamente, a pessoa e, com isso,
permitir-lhe a reação jurídica compatível” (Bittar, 2008, p. 115).
294
Vogel Neto e Fernando Sogdu Martins (2000, p. 684) lembram que “a sociedade moderna não admite
qualquer culto à individualidade absoluta. O homem é um ser social, e como tal de se conduzir na busca do
bem social; sua felicidade de estar de acordo com os valores ou necessidades do grupo em que vive. Dessa
forma, alguns dos direitos listados como exclusivos da pessoa têm limitações, como se depreende, p.e., do teor
dos arts. 482 e 483 da Consolidação das Leis do Trabalho”.
107
3.3 As possíveis conseqüências da aniquilação de direitos fundamentais em colisão no
monitoramento da internet na relação de emprego
A seguir serão analisadas, em separado, as conseqüências decorrentes de uma
eventual aniquilação dos direitos fundamentais. Primeiramente, analisar-se-ão alguns dos
possíveis impactos decorrentes da aniquilação dos direitos fundamentais dos empregados e,
posteriormente, em relação à figura do empregador.
A intenção, ao proceder dessa forma, é ilustrar os malefícios decorrentes da adoção
de teses extremas, que inclusive negam toda e qualquer eficácia a direitos fundamentais,
aniquilando-os, o que é inaceitável à luz da melhor interpretação constitucional (que orienta
no sentido de buscar a máxima eficácia de todos os dispositivos constitucionais na
interpretação
295
).
É isto que se demonstrará por último: a impossibilidade de aniquilação de quaisquer
direitos fundamentais na relação de emprego, seja de empregados ou de empregadores.
3.3.1 A aniquilação dos direitos fundamentais do empregado e alguma de suas possíveis
conseqüências
Ao analisar o conflito de direitos fundamentais envolvidos no monitoramento da
internet disponibilizada na relação emprego e decidir pela prevalência cega dos direitos
fundamentais que tocam ao empregador (livre iniciativa, direito de propriedade, direito à
imagem e à honra, etc), em detrimento absoluto dos direitos fundamentais ínsitos ao
empregado (dignidade da pessoa humana, privacidade e seus desdobramentos, bem como o
sigilo de correspondência e das comunicações) estar-se-á à admitir variadas situações
inconcebíveis em nosso ordenamento jurídico.
295
É preciso ter cautela e não confundir a busca pela máxima efetividade de um direito fundamental com a sua
incidência forçosa em um ambiente impróprio ou, dito de outra forma, a busca da efetivação do princípio da
máxima efetividade não pode ser tratado como sinônimo de incidência obrigatória em todo e qualquer lugar,
sendo ônus do intérprete apreciar, de inicio, se possibilidade de incidência ou não do direito fundamental e,
somente então, caso positivo o ambiente para o exercício do direito, buscar a sua máxima efetividade.
108
A questão que se propõe a analisar neste ato – jurídica e faticamente – são as
conseqüências de o empregador exercer seu poder sem limites, de forma a aniquilar os
direitos fundamentais do empregado.
Em primeiro lugar, haveria violação (ainda que indireta) à Constituição Federal. Isto
porque, a negativa de eficácia a seus dispositivos implica, sobretudo, em contrariedade aos
princípios específicos da interpretação constitucional, especialmente o princípio da máxima
efetividade
296
.
Em segundo lugar, tem-se que também não seria possível a hipótese de desprezar
ampla e totalmente os direitos fundamentais dos empregados no conflito envolvendo o
monitoramento da internet pelo empregador, aniquilando-os, se considerarmos as
características que lhe são ínsitas, consoante explanado no item “1.3 Características dos
direitos fundamentais” supra. No particular, convém lembrar, especialmente, que os direitos
fundamentais não possuem natureza patrimonial e, portanto, são imprescritíveis. Além disso,
há de ser considerada a sua irrenunciabilidade.
Em terceiro lugar, no plano prático, é preciso considerar que, ao aceitar a incidência
tão somente dos direitos fundamentais patronais, estar-se-á não apenas a admitir, mas a
legitimar toda e qualquer espécie de excessos patrocinados pelo empregador, pois o seu poder
não teria – no plano teórico, ao menos nenhuma espécie de limitação, excetuando-se a auto-
limitação decorrente do próprio bom senso do empregador.
A título de exemplo desta última situação, poder-se-ia pensar que, se não direito
fundamental à privacidade do empregado no local de trabalho, estaria o empregador
autorizado a implantar câmeras em quaisquer lugares, inclusive em banheiros e vestiários.
Poderíamos ir além para dizer que, diante da existência apenas de direitos fundamentais do
empregador (e da completa ausência de limitações fixadas por direitos fundamentais de
empregados), este estaria legitimado a proceder a toda e qualquer forma de revista, inclusive
296
“O princípio da efetividade ou da máxima efetividade é, seguramente, um dos mais importantes na
interpretação dos direitos fundamentais. Sem o imperativo da efetividade, os direitos fundamentais seriam
reduzidos a meras declarações políticas ou exortações morais, a uma retórica tão impressionante quanto vazia,
com pretensão de dar ares de civilidade a uma sociedade não-civilizada. Sem efetividade o que se tem é ou uma
Constituição nominal ou uma Constituição semântica” (STEINMETZ, 2001, p. 97-98); jamais uma Constituição
verdadeira.
109
as de natureza íntima, que são repudiadas pela jurisprudência e doutrina pátria
297
especializada.
A conclusão que se alcança a partir dessas ilações é clara: é indiscutível que o poder
do empregador em relação ao empregado não é absoluto, sofrendo limitações das mais
diversas ordens, como limitações constitucionais, legais e contratuais, além daquelas
decorrentes da incidência dos princípios norteadores do direito (em geral e específicos do
direito laboral)
298
.
E é oportuno sublinhar que eventuais excessos patronais não guardam relação –
direta, ao menos – com o simples monitoramento do empregado através da internet ou
qualquer outro meio tecnológico atual ou futuro.
Nesse sentido, não se ignora, conforme alerta Alexandre Agra Belmonte
299
, que com
o desenvolvimento e popularização da internet foram “ampliadas as possibilidades de controle
patronal, antes delimitadas pelo espaço do trabalho e que este avanço da informática
possibilitou o surgimento de formas de vigilância quase que totais, sem a necessidade de uma
presença ‘física’ do empregador”.
Também se concorda com as ponderações de Romita
300
:
As novas tecnologias de informação e de comunicação proporcionam ao empregador
meios de exercer minucioso e eficaz controle da atividade do empregado,velha
aspiração patronal, em toda parte. Sem dúvida, as novas tecnologias ampliaram
enormemente as possibilidades de controle do empregado por parte do empregador,
no interior da empresa e até mesmo fora dela.
297
Neste sentido, ver Alice Monteiro de Barros (Proteção à Intimidade do Empregado) e Sandra Lia Simon (A
Proteção Constitucional da Intimidade e da Vida Privada do Empregado).
298
“A subordinação jurídica do empregado [...] não implica que ele tenha de se sujeitar a qualquer tipo de
ordenamento do empregador, pois o poder de direção deste não é ilimitado. Importante frisar que o empregado
poderá insurgir-se contra o jus variandi, não apenas quando o ato patronal alterar as condições de trabalho de
forma a gerar prejuízos ao empregado, mas também quando se tratar de ordem ilícita, imoral, vexatória ou
ofensiva à ordem pública, podendo, o empregado, valer-se, nestes casos, do jus resistentiae (BACELLAR,
2003, p. 56-57.).
299
2004. p. 27.
300
2005, p. 189.
110
As formas mais modernas de controle, desta feita, não podem ser consideradas como
o marco para estabelecer eventuais abusos patronais. Para alcançar essa conclusão, basta
considerar que não há diferença alguma entre o “chefe” passar o dia todo vigiando a pessoa de
forma “ocular” “ao vivo” ou diretamente e utilizar câmeras para tal fim. Dito de outra
forma, em qualquer uma dessas hipóteses meios de vigilância, que diferenciam-se apenas
em razão da forma como são realizadas. Por outro lado, nada justifica que em qualquer uma
das duas situações mencionadas (“ao vivo” ou mediante a utilização da internet ou outro meio
tecnológico moderno) isso ocorra dentro de um banheiro, por exemplo. Em outras palavras:
não é o fato de existir vigilância (independentemente do meio pelo qual esta é feita) por si
que viola a privacidade em qualquer uma de suas espécies, mas, sobretudo, é o local e o rigor
das condições de realização que caracterizará eventual abuso e, destarte, potencial ou efetiva
violação de um direito fundamental do empregado.
Analisando o tema controles visuais e novas tecnologias, João de Lima Teixeira
Filho
301
ratifica:
são considerados lícitos os controles visuais, partindo da premissa de que não
maiores limitações legais para observar diretamente, através de supervisores, a
atuação funcional e o comportamento dos trabalhadores. O limite é a dignidade e a
intimidade do trabalhador, que deve ser preservada. A aparição de telas ou circuitos
fechados de televisão é resultado da incorporação de meios tecnológicos que antes
não existiam. Esse controle não pode ser usado em banheiros e vestiários.
Desenvolvendo a linha de raciocínio sugerida por João de Lima Teixeira Filho,
ratifica-se com segurança absoluta que não é a internet em si que demarca a violação de
direitos fundamentais dos empregados na relação de emprego, ainda que não se ignore o
potencial ofensivo da internet aos direitos fundamentais
302
. Conclui-se, isso sim, que é o local
e o rigor das condições de realização da fiscalização que caracterizará eventual violação a
direitos fundamentais, independentemente do meio de fiscalização utilizado (se real ou
virtual). Dito de outra forma, é vedado ao empregador “ultrapassar os limites do jus variandi,
‘segundo o standart jurídico ditado pelas condições de meio e de momento’”
303
.
301
1996, p. 1174.
302
Nesse sentido, para aprofundar, ver Marcelo Cardoso Pereira (Direito à intimidade na Internet) e Tatiana
Malta Vieira (O direito à privacidade na sociedade da informação).
303
Bacellar, 2003, p. 57.
111
O parâmetro a ser considerado é a dignidade da pessoa do trabalhador e não a
simples adoção de meios modernos de controle.
Aliás, em consideração à dignidade da pessoa humana, verifica-se que esse é o
elemento nuclear para averiguar as violações aos direitos fundamentais, inclusive nos casos de
monitoramento da internet pelo empregador. Se o monitoramento da internet, sob
determinados aspectos e condições fáticas razoáveis, violentar a dignidade da pessoa humana,
por certo estaremos diante de excessos, o que não poderá passar despercebido pela sociedade
e, principalmente, pelo Poder Judiciário Trabalhista (quando provocado) e demais autoridades
de fiscalização (como a Delegacia Regional do Trabalho e o próprio Ministério Público do
Trabalho).
Em resumo ao que se verificou, afirma-se que a supremacia descontrolada dos
direitos fundamentais patronais e, em contrapartida, uma (impossível) aniquilação dos direitos
fundamentais dos empregados no monitoramento da internet ou de qualquer outra situação
análoga ocorrida na relação de emprego é inaceitável! Se assim não fosse, estar-se-ia atacando
a própria dignidade da pessoa humana, ou seja, destruindo um dos pilares do Estado
Democrático de Direito do Brasil.
3.3.2 A aniquilação dos direitos fundamentais do empregador e alguma de suas possíveis
conseqüências
Expostas no item precedente algumas das possíveis conseqüências decorrentes da
aniquilação dos direitos fundamentais profissionais envolvidos no monitoramento da internet,
cumpre estabelecer agora o contraponto. Por questão de obviedade e de economia, bem como
por ser mera repetição, deixa-se de abordar as duas primeiras situações consideradas no tópico
precedente (afronta à Constituição Federal ao negar eficácia a direitos fundamentais e
desrespeito aos elementos essenciais à caracterização dos direitos fundamentais). Por se tratar
de questões exclusivamente jurídicas e próprias dos direitos fundamentais, são aplicadas em
iguais modos e parâmetros, tanto a direitos fundamentais de empregados como de
empregadores, sem a necessidade de qualquer espécie de adaptação ou distinção.
112
Reservam-se forças, assim, para, neste momento, focar nos aspectos práticos que a
aniquilação dos direitos fundamentais do empregador envolvidos no monitoramento da
internet implicariam. Visando a sistematização da análise das repercussões práticas, pode-se
contabilizar a própria (1) descaracterização da relação de emprego, (2) o aspecto econômico e
a (3) responsabilidade civil do empregador.
Quanto ao primeiro aspecto, não se pode esquecer que, ao considerar exclusivamente
os direitos fundamentais dos empregados no monitoramento da internet ou seja, lembrar
apenas da dignidade, da privacidade e do direito ao sigilo do empregado e aniquilar os
direitos fundamentais do empregador, estar-se-á a descaracterizar a própria relação de
emprego.
Isso porque o poder de comando do empregador é calcado na livre iniciativa e,
sobretudo, no direito de propriedade. Ao afastar completamente a incidência desses direitos
fundamentais no monitoramento da internet, poderemos estar diante de qualquer outra relação
(civil ou de trabalho), porém jamais de uma relação de emprego. Dito de outra forma, é
inarredável o direito do empregador de exercer os direitos fundamentais de livre iniciativa e
de propriedade, que se projetam na relação de emprego como o poder diretivo (ou jus
variandi), sob pena de fulminar a própria essencia da relação que conecta empregado e
empregador.
Desenvolvendo-se essa mesma linha de raciocínio, alcança-se o segundo argumento:
o aspecto econômico.
Ao anular completamente os direitos fundamentais do empregador em favor
exclusivo dos direitos fundamentais dos empregados, ataca-se a própria empresa e, quiçá
coloca em risco a sua manutenção (e, inclusive, ainda que via de conseqüência indireta, sua
própria função social).
Para ilustrar, basta pensar: como funcionará a empresa se cada empregado não
exercer suas respectivas funções? como uma empresa produzir se os empregados
dedicarem suas forças exclusivamente para atividades alheias ao contrato de trabalho (no
113
período em que foram contratados para trabalhar)? Estas respostas, formulados sob a ótica do
empregador, podem ser identificadas no discurso de Bacellar
304
:
Importante ressaltar que para as empresas trabalho é sinônimo de produtividade, o
relevante é o produto final da mão de obra, somente este tem valor econômico para o
empregador. Desta forma, se não produtividade por parte do empregado, se este
está apresentando uma prestação de serviço “defeituosa”, não gera lucratividade,
pois “tanto não trabalha quem não usa sua energia, como quem, usando-a, nada
produz, ou ainda que produza o faz defeituosamente”.
No que tange ao desperdício associado à utilização irregular da internet no ambiente
de trabalho especificamente, diversas estatísticas e pesquisas publicadas pela mídia
informando detalhes a respeito do tempo que os empregados desperdiçam no local de trabalho
utilizando a internet para assuntos divorciados da sua atividade laboral
305
. Mais: verifica-se
que os números são surpreendentes e alarmantes. Dito de outra forma, se fosse permitido ao
empregado o pleno e absoluto exercício de seus direitos fundamentais e a aniquilação
completa dos direitos fundamentais dos empregadores no monitoramento da internet esvaziar-
se-ia por completo o objeto do contrato de emprego: o trabalho a ser realizado pelo
empregado. Nessa situação hipotética, o empregado poderia fazer o que bem quisesse e o
empregador sequer poderia se opor, mas teria o dever de pagar os salários e demais
consectários legais típicos da relação de emprego, inclusive as eventuais horas extras que,
em tese, poderiam ser um produto do próprio tempo que o empregado desperdiçou na internet
ao invés de trabalhar, postergando as atividades para as quais fora efetivamente contratado e
majorando desnecessariamente os custos da produção para o empregador.
É no sentido de combater tudo o que foi dito que Belmonte
306
destaca que, segundo o
empresariado:
[...] o monitoramento tem por fim combater o desperdício de tempo no ambiente
profissional e, especificamente, bloquear textos obscenos, piadas preconceituosas,
correntes, acesso a sites de conteúdo pornográfico.
[...]
Dizem as empresas que assim como podem controlar o uso do telefone e da
copiadora, sendo seu o equipamento podem, igualmente, controlar as mensagens e
os acessos à internet. [...] uma das razões que levam ao rastreamento das navegações
e e-mails diz respeito à associação do mau uso ao bom nome e à boa imagem da
empresa.
304
2003, p. 75.
305
Belmonte (2004, p. 24 e seguintes); Bacellar (2003, p. 72 e seguintes).
306
2004, p. 24.
114
Particularmente, defende-se que a fiscalização da atividade do empregado não é
apenas uma questão de produtividade ou mesmo uma singela análise de custos relacionados
diretamente à produção. O desvio de finalidade na utilização das ferramentas conferidas pelo
empregador ao empregado para a realização do trabalho poderá gerar outras conseqüências,
ainda mais graves e, comumente, não cogitadas.
E sobre isso repousa o terceiro fundamento a ser analisado: a responsabilidade civil
do empregador em razão dos atos praticados pelo empregado mediante a utilização da internet
que lhe é disponibilizada em razão da relação de emprego.
Esse é um assunto extremamente polêmico e que, com muita razão, atraí a atenção e
o medo do empregador porque é de sua responsabilidade todos os atos de seus empregados e
demais prepostos. A previsão legal remete atualmente ao inciso III do artigo 932 do
Código Civil (Lei 10.406 de 10 de janeiro/2002)
307
.
Como referido, ao empregado cumpre obedecer às ordens do empregador, tendo
em vista o poder diretivo inerente ao patrão. E, em virtude disso, desde que no desempenho
do contrato de trabalho, os atos e decisões do empregado obrigam o empregador perante
terceiros. Isso pode ocorrer sob um foco positivo (se considerarmos que é para o bom
desenvolvimento do negócio e.g. realização de uma venda) ou negativo (se considerarmos
que o empregador é responsável civil e administrativamente pelos atos de seus
empregados no desempenho da função contratada).
Assim, o empregador, na qualidade de detentor dos meios de produção (o que é
inerente aos direitos fundamentais à livre iniciativa e de propriedade), é o responsável pelo
307
Não se pode olvidar de mencionar que, com o advento do atual Código Civil em janeiro/2002, a
responsabilidade do empregador por atos do empregado ganhou dimensões mais amplas e claras, solucionando
antigos conflitos de interpretação apontado por Caio Mario da Silva Pereira (às folhas 93-96 da obra
Responsabilidade civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001). A legislação atual dispõe:
Art. 932 – São também responsáveis pela reparação civil: ... III – o empregador ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; Art. 933 As
pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que o haja culpa de sua parte, responderão
pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
A seu tempo, a legislação anterior previa:
Art. 1521 - São também responsáveis pela reparação civil: ... III – o empregador ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; Art. 1523
115
complexo de bens e direitos que envolvem a empresa, bem como pelos atos cometidos pelo
preposto, conforme estabelecido no artigo 1178
308
do Código Civil (Lei 10.406/02). Portanto,
em termos processuais, é o empregador parte legítima para responder solidariamente com seu
empregado por eventual ilícito cometido, conforme cada situação concreta.
Nunca podemos esquecer, como bem ilustra Sérgio Gonçalves
309
, que a utilização da
internet e suas ferramentas, bem como eventuais conseqüências decorrentes do manuseio
incorreto ou visando o dano a outrem
310
, devem ser tratadas da mesma forma que outras
ferramentas que comumente são disponibilizadas pelo empregador para o empregado
concretizar sua tarefa, como um veículo, por exemplo.
É também nesse contexto que ganha vulto o interesse do empregador em fiscalizar
diretamente e com cautela os atos e o bom desempenho dos empregados. Mais do que
interesse em manter a produção e a qualidade de seu produto (o que, por si só, poderia
legitimar o ato aos olhos de alguns), o empregador tem interesse e necessidade de manter o
controle sobre os atos do empregado porque é responsável pelos ilícitos civis e
administrativos cometidos no desempenho das atividades. Destarte, no momento que o
Excetuadas as do artigo 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no artigo 1.522,
provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte.
308
Art. 1178 Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos, praticados nos seus
estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que não autorizados por escrito.
309
Sérgio Gonçalves (2002, p. 72) lembra que “a empresa, dona do equipamento que acessa a rede, da conta que
permite a conexão e empregadora de quem está navegando ou mandando e-mails, é responsável pelos atos desta
pessoa, tanto quanto o é pelos do motorista que, ao volante de um caminhão de sua propriedade, atropela e mata
alguém. Se um funcionário, através do e-mail da empresa onde trabalha, remete uma mensagem com vírus para
terceiros e causa prejuízo, sua empregadora poderá ser obrigada a ressarcir os danos, materiais e morais da
mesma maneira, sem contar a questão relativa à publicidade negativa que isso trará para seu nome”.
310
Examinando um caso judicial, que tramita em segredo de justiça, de mensagem eletrônica com conteúdo
supostamente racista envolvendo uma empresa multinacional, Watanabe (Uso indevido do e-mail corporativo
por funcionário gera ão contra a Gessy. Jornal Valor Econômico de 09 de julho de 2002) refere que o
empregador deve reforçar suas preocupações relacionadas a responsabilidade social decorrente da utilização
dos correios eletrônicos. É destacado, ainda, a proporção geométrica com que as mensagens eletrônicas,
independentemente de seu conteúdo, se propagam por computadores, inclusive de pessoas desconhecidas entre
si. Dessa forma, tanto mensagens de conteúdo inocente ou maliciosa podem, com facilidade, ser recebida por
pessoas que se sintam ofendidas (sob as mais diversas formas e fundamentos). Para melhor compreensão do
poder propagador de informações da internet, é comparada a situação de envio de e-mails como a de uma piada
em papel timbrado da empresa chegasse a 300 locais diferentes”, exaltando que nenhum outro meio de
comunicação detém poder semelhante na atualidade. O diferencial do e-mail é que perda total sobre a
mensagem eletrônica enviada. O e-mail chega a uma dúzia de pessoas. Elas tendem a repassá-lo a outra dezena
de destinatários. Em pouquíssimo tempo a mensagem surge na tela de centenas de indivíduos, a maior parte de
desconhecidos entre si”. É oportuno esclarecer que a empresa em questão tornou-se alvo direto da ação porque
o funcionário usou o endereço eletrônico corporativo que contém o nome da empresa. Aquele e-mail que segue
o formato ‘fulano@empresa.com.br’”.
116
empregado age no exercício da atividade comercial, não o faz em seu nome propriamente
dito, mas em nome da pessoa que o contratou, autorizando, conseqüentemente, não apenas o
dever, mas o direito de conhecer os limites das obrigações que estão sendo contraídas em seu
nome (porque responde por todas e seus respectivos consectários).
Assim, ao negarmos todo e qualquer efeito aos direitos fundamentais do empregador
no monitoramento da internet, estaremos a criar uma situação de extrema injustiça e
incompatibilidade do ordenamento pátrio. Explica-se: a lei impõe ao empregador a
responsabilidade civil objetiva (em razão dos atos do preposto, consoante prevê o art. 931 e
932, CCB) e (caso admitida) a aniquilação de seus direitos fundamentais (pelos direitos
fundamentais dos empregados) resultaria na extinção de toda e qualquer forma de prevenção
(mediante o monitoramento da internet utilizada pelo empregado, por exemplo), porém
perpetuação de sua responsabilidade independentemente de culpa (ou seja, sua
responsabilidade objetiva).
Se fosse válida, na questão envolvendo o monitoramento da internet, a aniquilação
de direitos fundamentais do empregador pelos direitos fundamentais do empregado,
estaríamos diante de uma situação visivelmente injusta, sobretudo à luz da legislação civil que
imputa a responsabilidade empresarial
311
objetiva pelos atos dos prepostos. Se assim fosse,
por medida de equilíbrio e justiça, teríamos que, necessária e obrigatoriamente, afastar toda e
qualquer responsabilidade do empregador pelos atos de seus prepostos (o que é impossível
em razão da legislação atual, notoriamente os arts. 931 e 932, CCB).
Sob ótica diversa, poder-se-ia dizer, então visando a compatibilização da
aniquilação dos direitos fundamentais do empregador (o que repita-se, é dito exclusivamente
para fins de argumentação) e as disposições legais a respeito da responsabilidade civil que
estaríamos diante de um ato privativo do empregado (mediante o reconhecimento do caráter
311
Cavalieri Filho (2000, p. 117) ensina que “Modernamente, tem-se preferido falar em responsabilidade
empresarial, dando-se mais ampla projeção á antiga responsabilidade do patrão, dado que o desenvolvimento da
empresa deu nova dimensão ao fenômeno. Entre as teorias que justificam essa responsabilidade, a mais aceita é a
da substituição, que pode assim ser resumida: ao recorrer aos serviços do preposto, o empregador está
prolongando a sua própria atividade. O empregado é apenas o instrumento, uma longa manus do patrão, alguém
que o substitui no exercício das múltiplas funções empresariais, por lhe ser impossível desincumbir-se
pessoalmente delas. Ora, o ato do substituto, no exercício de suas funções, é ato do próprio substituído, porque
praticado no desempenho de tarefa que a ele interessa e aproveita, pelo quê a culpa do preposto é como
conseqüência da culpa do comitente. Além disso, o patrão ou preponente assume a posição de garante da
indenização perante o terceiro lesado, dado que o preposto, em regra, não tem os meios necessários para
indenizar”.
117
privativo do ato). Seguindo esse caminho, estará afastada a responsabilidade patronal à luz da
legislação civil, porém, também, estará descaracterizada a própria relação de emprego (ao
menos naquele lapso em que durar o ato do empregado).
Em resumo, o que se observa é que, se o empregador é responsável pelos atos do
empregado (preposto), o mínimo da contrapartida de seu direito é poder conhecer quais são as
obrigações e responsabilidades que estão sendo contraídas em seu nome para ser capaz de
adotar uma postura preventiva ou mesmo defensiva. Ao negar esse direito, estaremos
exaltando a injustiça da punição sem direito de prevenção ou mesmo defesa ou, então, a
descaracterizando a própria relação de emprego (já que rompido o liame que uniria
empregado e empregador).
3.3.3. A impossibilidade de aniquilação dos direitos fundamentais
Por óbvio, nem todos os direitos fundamentais incidem em um mesmo fato ou
acontecimento, pois isto dependerá do exame da cada caso concreto (individualmente) para
permitir a identificação (mais precisa) de quais são os direitos fundamentais relacionados e
úteis à ocasião. E, nesse sentido, é preciso distinguir duas situações diferentes: a (i) não
incidência e a (ii) aniquilação dos direitos fundamentais atuantes em determinado caso real.
Na primeira situação, não aplicabilidade de um ou mais direitos fundamentais,
simplesmente, porque o fato não guarda relevância para a sua aplicação. Em outras palavras,
não é caso de incidência porque o fato não admite a fruição daquele direito naquela ocasião
ou naquele momento.
Na outra situação (segunda hipótese), os direitos fundamentais têm influência,
eficácia e efetividade se aplicados, porém, seus efeitos são restringidos de forma matizada,
até mesmo ao extremo de não produzir qualquer efeito, desde que temporariamente.
Por lógico, a primeira situação é factível porque, naturalmente, nem todos os direitos
fundamentais são aplicáveis indistintamente a todo e qualquer caso.
118
Por sua vez, a segunda situação carece de uma análise mais meticulosa, mormente
quando nos socorremos das características inerentes aos direitos fundamentais para obter
referida conclusão. Ora, os direitos fundamentais são irrenunciáveis e, portanto, são sempre
aplicáveis quando compatíveis com o caso, podendo variar apenas o seu grau de incidência (e,
assim, sua eficácia e efetividade). A negação total e completa de seus efeitos a um caso de
incidência, porém, é algo delicado, inclusive quando o hermeneuta sabe que sempre deve
buscar o máximo de efetividade dos dispositivos constitucionais.
Seguindo esse raciocínio, se a própria pessoa titular dos direitos fundamentais dele
não pode dispor para negá-lo (aceitando-se apenas, de forma temporária, a renúncia ao
exercício do direito), quem dirá seria possível cogitar a situação de um terceiro definir o grau
de incidência de determinado direito fundamental a ponto de anulá-lo, o que, de fato e ao
final, teria o mesmo efeito da renúncia pelo titular do direito em consideração. O contrário, o
terceiro esforçar-se para ampliar os efeitos da norma fundamental, é aceitável e adequado.
Por oportuno ao que se fundamenta, é válido lançar como expediente o famigerado
“caso do arremesso de anão”, conforme narrativa e comentários patrocinados por Romita
312
:
Em duas célebres decisões, conhecidas como “arrêts Commune de Morsang-sur-
Orge e Ville d´Aix-em-Provence”, proferidas em 1995, o Conselho de Estado da
França julgou legais as medidas adotadas pelos prefeitos daquelas cidades, que
proibiam espetáculos de “arremesso de anão” (lancer de nain).
Os fatos ocorreram em outubro de 1991. Empresas de diversão noturna organizaram
naquelas cidades espetáculos de arremesso de anão, que consistiam em lançar um
deficiente físico (individuo de baixa estatura) de um ponto para outro da sala. No
exercício de suas funções de responsáveis pela ordem pública, os prefeitos proibiram
o espetáculo, com apoio em preceito legal que os autoriza a adotar providências,
como limitações ao exercício de direitos, sempre que necessário à preservação da
ordem pública. Basearam-se também no art. da Convenção Européia dos Direitos
do Homem (Convenção de proteção dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais, Roma, 1950), em cujos termos “ninguém será submetido à tortura
nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes”.
Inconformados, a empresa e o deficiente sico ajuizaram ação com o objetivo de
anular os atos dos prefeitos. Em primeiro grau, a ação foi julgada procedente, sob o
argumento de que o espetáculo não perturbava a ordem pública. Em grau de recurso,
porém, o Conselho de Estado decidiu pela legalidade dos atos administrativos, com
os seguintes fundamentos: 1º – para legitimar a intervenção dos prefeitos como
autoridades de polícia municipal, o conselho afirmou que “o respeito à dignidade da
pessoa humana é um dos componentes da ordem pública”; para legalizar a
proibição do espetáculo de arremesso de anão, mesmo na ausência de circunstancias
locais particulares, o Conselho entendeu que, “por seu próprio objeto, o espetáculo
ofende a dignidade da pessoa humana”.
312
2005, p. 168-169. Também tratando do assunto, é interessante a análise de Gustavo Tepedino (Direitos
humanos e relações jurídicas privadas).
119
A decisão do Conselho de Estado é, sem dúvida, inovadora, porque despreza
alegações a bem dizer irrespondíveis: as da empresa, no sentido de que sua atividade
era lícita e de que o espetáculo não violava a norma de preservação da ordem
pública, pois dele não resultava o risco da ocorrência de distúrbios de ordem
material; as do deficiente físico, segundo as quais ele não considerava aviltante
aquela atividade sob o aspecto de sua dignidade pessoal e, além disso, a proibição da
atividade representava para ele a privação do exercício de um direito fundamental, o
direito ao trabalho, o que redundava em perda de seu meio de subsistência.
A dignidade da pessoa humana, segundo o Conselho de Estado da França, torna-se
em conseqüência um conceito absoluto, que, ao integrar o conceito de ordem pública
como seu quarto componente (ao lado de tranqüilidade, segurança e salubridade),
não deixa de revelar certa incoerência, à vista da insustentável coexistência com
noções relativas e contingentes. A dignidade da pessoa humana, como valor
absoluto, destaca-se do mundo da relatividade e da contingência, porquanto a
consciência coletiva local não e mais levada em linha de conta: o respeito à
dignidade se impõe em qualquer caso para a manutenção da ordem pública. Ele
responde a uma inspiração nitidamente iusnaturalista, que arreda o homem do centro
do ordenamento jurídico e coloca em seu lugar a humanidade. Ora, a humanidade se
situa em um plano diverso daquele em que pairam os direitos do homem (de
inspiração individualista) e, neste caso, a dignidade escapa à esfera dos mesmos
direitos do homem, para integrar um direito natural supranacional. [...]
Para concretizar o raciocínio a partir do “caso de arremesso de anão” acima exposto,
basta lembrar a relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais,
conforme examinado em tópico específico anteriormente.
E não se pode esquecer que nem mesmo o Estado pode se impor indistintamente em
relação ao cidadão, aniquilando seus direitos fundamentais. Adotando essa linha de
raciocínio, é conclusão razoável considerar que, se o Estado (que é hierarquicamente superior
a tudo e a todos), no exercício de seu poder, não pode violar direitos fundamentais do
cidadão; e nem o empregado pode a eles renunciar; o empregador (que é hierarquicamente
inferior ao Estado e sequer dispõe do direito para se cogitar de renúncia) também não poderá
negar eficácia e efetividade às normas de direitos fundamentais.
De tudo o que foi dito, conclui-se pela impossibilidade de aniquilação de quaisquer
dos direitos fundamentais (de empregados e de empregadores) incidentes na relação de
emprego e, em especial, quando do monitoramento da internet pelo empregador. É preciso ter
em mente que, ao contrário disso, é possível, até, que haja a incidência de vários desses
direitos fundamentais referidos tanto de empregados, como de empregadores no
monitoramento (ou até mesmo de todos os direitos fundamentais aludidos no capítulo 1),
porém, com suas eficácias e efetividades matizadas, mediante sua ponderação à luz do caso
concreto. É o exame desta ponderação que é objeto a ser tratado a seguir.
120
3.4 A ponderação dos direitos fundamentais na relação de emprego
Em que pese todas as pessoas físicas e jurídicas serem titulares de direito (no
sentido mais amplo da acepção jurídica da palavra), é impossível que todas exerçam seus
variados direitos concomitantemente. Se assim fosse, haveria o caos social, pois, o direito de
um confrontaria ao direito alheio (em razão da ausência de limites), criando-se toda a espécie
de conflitos, quiçá, em maior proporção acaso a ordem jurídica fosse desconhecida.
Trilhando esse raciocínio, a partir da idéia expressa no art. 4º da Declaração de 1789,
leciona Ferreira Filho:
A vida em sociedade exige o sacrifício que é a limitação do exercício dos direitos
naturais. Não podem todos ao mesmo tempo exercer todos os seus direitos naturais
sem que daí advenha a balbúrdia, o conflito. [...] vida em sociedade presume uma
coordenação do exercício por parte de cada um de seus direitos naturais. Direitos
que ninguém abre mão, exceto na exata e restrita medida imprescindível para a vida
em comum.
313
[...]
Reconhece a Declaração que o exercício concomitante dos direitos fundamentais por
todos e cada um dos homens exige uma coordenação, uma regulamentação que
impeça as colisões. O estado social, portanto, reclama um mínimo de disciplina no
gozo dos direitos naturais. [...] O exercício dos direitos naturais de cada homem não
tem por limite senão os que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo
dos mesmos direitos.
314
Mas esta regulamentação, para ser legítima, não pode ser arbitrária, deve ser justa.
Por isso, apenas a lei pode estabelecê-la, somente a lei pode limitar o exercício da
liberdade. É a parte final do art. 4º: “Estes limites não podem ser estabelecidos senão
pela lei”.
Duas razões principais militam nesse sentido: (i) a lei é “– na concepção prevalente
– necessariamente a expressão da justiça, com os corolários de que é geral e abstrata,
aplicando-se a todos os casos, sem levar em conta os envolvidos, além de igual para
todos os seres humanos”; (ii) “A lei é a expressão da vontade geral” (Rousseau)
315
.
Por vezes, por motivos de diferentes ordens, entretanto, não há lei para disciplinar
todas as situações e solucionar todos os conflitos, especialmente em uma sociedade que cresce
313
Ferreira Filho (2006, p. 4).
314
Op. cit., p. 25.
315
Op. cit., p. 26.
121
na velocidade imprimida pela Era da Informação
316
. É nesse contexto que ganha importância
a figura do intérprete e, assim, de sua atuação na solução da colisão de direitos fundamentais.
A colisão de direitos fundamentais, nas palavras de Edílson Pereira de Farias
317
:
É o que, a princípio parece ocorrer com o direito a intimidade (art. 5º, inciso X) e o
poder diretivo do empregador, o qual, de acordo com a doutrina está embasado no
direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII da Constituição).
Desenvolvendo o raciocínio a partir do exemplo referido por Edílson Pereira de
Farias, verifica-se que não lei disciplinando a colisão entre o direito à intimidade do
empregado e o poder diretivo do empregador. Ainda assim, não dúvidas a respeito da
existência da colisão, muito menos quanto à necessidade de obter uma solução jurídica e
socialmente satisfatória.
Analisando o evento jurídico que designamos colisão de direitos, Gomes
Canotilho
318
anota:
Concorrência de direitos fundamentais existe quando um comportamento do mesmo
titular preenche os pressupostos de fato de vários direitos fundamentais.
Uma das formas de concorrência de direitos é, precisamente, aquela que resulta do
cruzamento de direitos fundamentais: o mesmo comportamento de um titular é
incluído no âmbito de proteção de vários direitos, liberdades e garantias. O conteúdo
destes direitos tem, em certa medida e em certos sectores limitados, uma “cobertura”
normativa igual.
Outro modo de concorrência de direitos verifica-se com a acumulação de direitos:
aqui não é um comportamento que pode ser subsumido no âmbito de vários direitos
que se entrecruzam entre si; um determinado “bem jurídico” leva à acumulação, na
mesma pessoa, de vários direitos fundamentais.
Conforme Canotilho, portanto, a colisão de direitos pode ocorrer quando (i) o
exercício de um direito choca-se com o exercício de outro direito (ex. propriedade do
empregador x intimidade do empregado) ou (ii) o exercício de um direito entra em confronto
com um bem jurídico (coletivo ou do Estado) protegido pela Constituição (ex. saúde público e
livre locomoção).
316
Para aprofundar o tema, Manuel Castells (A sociedade em rede – A Era da Informação. Vol. 1).
317
1996, p. 93.
318
2002, p. 1253.
122
Identificado um caso de colisão de direitos, torna-se necessário harmonizar os
direitos (ou o direito e o bem jurídico) em confronto. Por vezes, a própria legislação apresenta
a solução
319
. Em outras situações, porém, sequer como o legislador prescrever as soluções,
dada a multiplicidade de situações (e de possíveis soluções) que o efetivo exercício do direito
resulta, o que somente poderá ser avaliado mediante exame do caso concreto. Para essa última
hipótese (em que não uma solução predefinida pelo legislador), impõe-se a realização de
um “juízo de ponderação”, “valoração de prevalência” ou “balanceamento”
320
.
Ana Paula de Barcellos
321
define a ponderação como “a técnica jurídica de solução
de conflitos que envolvem valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas
hermenêuticas tradicionais”. Esclarece Barcellos
322
que “os elementos ponderados são
dispositivos normativos vigentes que, a rigor, em um Estado de direito, devem ser aplicados
uma vez que se verifique sua hipótese de incidência, mas que, no caso, parecem estar em
colisão a ponto de se excluírem reciprocamente”. Através da ponderação, seria possível
submeter enunciados a uma forma de exame objetivo para “verificar a conveniência de sua
aplicação ao caso”.
Segundo Sarmento
323
, o método da ponderação é “a técnica da decisão que, sem
perder de vista os aspectos normativos do problema, atribui especial relevância às suas
dimensões fáticas”. Desta feita, defende Sarmento
324
que a “ponderação de bens não pode ser
controlada exclusivamente mediante o uso de critérios de lógica formal, uma vez que o que
impera neste domínio é a ‘lógica do razoável’
325
”. Explica Sarmento
326
que, na ponderação, “a
319
O exemplo clássico sempre lembrado é a liberdade de associação (art. 5º, XVII. CF) que deve ser considerada
em harmonia com o bem “segurança pública”. Nesse sentido, o próprio legislador constituinte veda a associação
com caráter paramilitar. casos, ainda, em que o legislador constituinte delega à lei ordinária a solução de
eventual colisão, como ocorre na hipótese do art. 5º, XII, CF inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal),
regulamentado pela Lei nº 9.296/96.
320
Consoante Canotilho (2002, pp. 1222 e seguintes).
321
2005. p. 18.
322
Barcellos, 2005, p. 06.
323
2001, p. 55.
324
2001, p. 56.
325
Sarmento (2001, p. 56) explica que “SICHES, Luis Recaséns cunhou a expressão lógica do razoável,
definindo-a assim: ‘La lógica de lo humano e de lo razonable es uma razón impregnada de puntos de vista
123
decisão judicial é tomada através de um processo em que são examinadas todas as normas e
valores envolvidos na questão, sendo o objetivo maior do intérprete o de lograr, na medida do
possível, a ‘concordância prática’ entre os mesmos, de modo a que cada um deles seja
restringido no estrito limite necessário à garantia dos demais”.
Nesse sentido, a solução para a colisão de direitos fundamentais deverá ser norteada
pelos ideais da máxima observância e da mínima restrição dos direitos fundamentais.
E de forma alguma se pode olvidar os princípios elencados por Farias
327
para a
solução da colisão de direitos fundamentais: (a) o princípio da unidade da Constituição (em
que o texto constitucional devem ser interpretados como um todo e não isoladamente); (b) o
princípio da concordância prática (a interpretação das normas constitucionais deve visar a
concretização máxima dos direitos envolvidos, objetivando efetiva harmonização); e (c) o
princípio da proporcionalidade (a prevalência de um direito em detrimento de outro deve
ocorrer nos limites necessários para a solução da colisão existente, de forma a obter sempre a
máxima eficácia de todos os direitos em confronto).
A ponderação é, portanto, a tentativa do intérprete acomodar, dentro de um mesmo
evento, o máximo de direitos possíveis, ainda que colidentes, respeitadas as suas
particularidades e efeitos. É, por causa disso, a técnica de interpretação mais avançada e
importante, especialmente porque as demais se mostram insuficientes para a solução
adequada do conflito entre normas.
O desafio da técnica da ponderação é que exige muito do intérprete, pois é necessário
avaliar e sopesar entre diferentes enunciados – sendo todos válidos – para se obter um
resultado adequado. Em outras palavras, a técnica da ponderação exige racionalidade
(conexão da decisão com o sistema jurídico) e capacidade de justificação (motivação e
fundamentação das razões quanto à escolha realizada), pois por meio da ponderação analisar-
estimativos, de critérios de valorización, de pautas axiológicas, que además leva a sus espaldas como
allecionamiento lãs ensinanzas recebidas de la experiencia (...)’ (Tratado General de Filosofia del Derecho.
Cidade Del México: Porrua, 1959, p. 642)”.
326
2001, p. 66.
327
1996, p. 98-99.
124
se-á a possibilidade de extensão de cada princípio e direito (sob o enfoque jurídico de
confronto com outros direitos de importância equivalente, ainda que de hierarquia diversa).
Segundo Borowski
328
, a ponderação (de princípios constitucionais) é importante
porque é uma forma de instrumentalizar a determinação e o conteúdo dos direitos
fundamentais, de acordo com o caso concreto. Sarmento
329
, por sua vez, entende que “o
método da ponderação de bens potencializa em alto grau a idéia da Constituição aberta, na
medida em que tal método objetiva justamente possibilitar o convívio entre valores e
princípios constitucionais antagônicos”.
Ávila
330
entende que qualquer norma (independente de ser regra ou princípio) é
passível de ponderação. O que variaria é, dependendo do caso examinado, a forma e a
intensidade de ponderação:
O relacionamento entre regras gerais e excepcionais e entre princípios que se
imbricam não difere quanto à existência de ponderação de razões, mas isto, sim, –
quanto à intensidade da contribuição institucional do aplicador na determinação
concreta dessa relação e quanto ao modo de ponderação: no caso da relação entre
regras gerais e regras excepcionais o aplicador porque as hipóteses normativas
estão entremostradas pelo significado preliminar do dispositivo, em razão do
elemento descritivo das regras possui menor e diferente âmbito de apreciação,
que deve delimitar o conteúdo normativo da hipótese se e enquanto esse for
compatível com a finalidade que a sustenta; no caso do imbricamento entre
princípios o aplicador porque, em vez de descrição, o estabelecimento de um
estado de coisas a ser buscado possui maior espaço de apreciação, na medida em
que deve delimitar o comportamento necessário à realização ou preservação do
estado de coisas.
É oportuno, ao desenvolvimento das idéias que se propõe, por último, o destaque de
Ana Paula de Barcellos
331
a respeito de que:
leis mais recentes têm empregado em seus textos expressões gerais como, e.g.,
boa-fé e função social do contrato –, de conteúdo fluido e sentido não inteiramente
determinados. Ao utilizar conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais, o
legislador acaba transferindo a delimitação do sentido e alcance dos enunciados
normativos para o interprete.
328
2006, p. 23 a 109.
329
2001, p. 66.
330
2006, p. 56.
331
2005, p. 13.
125
Ciente das idéias que norteiam a técnica da ponderação de direitos, o objetivo a
seguir é verificar como e de que forma vem sendo interpretada e solucionada – pela doutrina e
pela jurisprudência a colisão entre os direitos fundamentais de empregados e de
empregadores no bojo da relação de emprego, em específico no que se refere ao
monitoramento da internet pelo empregador.
3.5 Como os juristas vêm entendendo o monitoramento da internet na relação de
emprego
Na atualidade, este tema intimidade do empregado na utilização da internet no
ambiente de trabalho – gera divergência de grande monta, pois sequer a doutrina ou a
jurisprudência conseguiram encontrar o consenso. Ao contrário, os argumentos são díspares, o
que gera maior conflito na questão.
Importante ressaltar que os juristas que defendem a possibilidade do monitoramento,
ainda divergem a respeito da forma e limites de eventual fiscalização. Por outro lado, aqueles
que são contrários ao monitoramento também divergem nos seus fundamentos. Enfim, o
consenso é algo muito distante.
A seguir, examinaremos algumas das principais idéias que gravitam em torno do
tema.
3.5.1 O posicionamento contrário ao monitoramento da internet pelo empregador
O argumento precípuo contrário ao monitoramento da internet pelo empregador é o
que defende a dignidade da pessoa humana do trabalhador, conseqüentemente a defesa do
sigilo de suas comunicações e da vida privada do trabalhador.
Este argumento é baseado no fato do procedimento ser uma afronta aos direitos
fundamentais do empregado, o qual tem os seus direitos constitucionalmente garantidos e,
portanto, estes devem ser respeitados.
126
A partir desta idéia não se aceita que digam que tais direitos possam ser renunciáveis,
pois não são, já que se trata de direitos indisponíveis e, portanto, não são passíveis de
renúncia
332
.
Apesar da correção desta afirmação da impossibilidade de renúncia aos direitos
fundamentais, entende-se, contudo, que esta situação de ofensa aos direitos fundamentais
não encontra suporte fático no monitoramento da internet pelo empregador.
Em primeiro lugar, a mera fiscalização por si não ofende a dignidade do ser
humano. Seria necessário que a fiscalização realmente tivesse o caráter e objetivo de afronta à
dignidade do trabalhador ou que esteja imbuída de excessos; o que não é o caso obviamente,
pois com tal conduta o empregador objetiva apenas o singelo controle da internet e de suas
ferramentas para bem desenvolver a sua empresa.
Tatiana Malta Vieira
333
, contrária ao monitoramento da internet pelo empregador,
sustenta que, existindo outros meios de fiscalização (em oposição ao rastreamento de
mensagens), o direito à privacidade não pode ser desconsiderado pelo empregador,
especialmente porque:
[...] a empresa, na qualidade de proprietária dos recursos computacionais e gestora
de todas as atividades, tem condições de aferir a produtividade de seus empregados,
bem como a vinculação de sua imagem, utilizando-se de meios menos invasivos, tais
como a auditoria periódica de todos os equipamentos, considerando-se que estes
guardam registros de todos os sites acessados pelos empregados. Pode-se ventilar,
ainda, a adoção de uma política interna de conscientização de todos os empregados a
respeito do uso correto do correio eletrônico, demonstrando-se que os abusos
decorrentes do mau uso dessa ferramenta de trabalho implicarão na aplicação de
penalidades.
Por certo, a sugestão de Tatiana Malta Vieira a respeito de uma fiscalização indireta
é salutar e deve ser levada em consideração pelo empregador como forma de preservação da
intimidade e privacidade do empregado.
Ainda assim, é necessário considerar antes de coibir uma fiscalização mais incisiva
ou optar por formas alternativas ou mais brandas de controle se, efetivamente, a internet se
332
Sabe-se que é aceitável a renúncia temporária ao exercício do direito, mas jamais a renúncia ao direito.
333
2007, p. 139.
127
encontra circunscrita à privacidade do empregado (o que foi feito no item supra) e, até
mesmo, os custos – para o empregador – de preservar uma privacidade ou mesmo uma
intimidade que não é juridicamente exigível. Disso, decorre a dúvida: como vincular o
empregador ao dever de efetivação do direito fundamental de privacidade do empregado?
Mais: como obrigá-lo a amparar e desenvolver tal direito em um espaço que, a priori,
sequer lhe seria próprio ou mesmo natural?
Particularmente, entende-se que não como impor tal ônus ao empregador,
especialmente porque, à luz do princípio da razoabilidade, não se verifica qualquer risco à
dignidade do empregado e, sob um ângulo diametralmente oposto, haveria um encargo
excessivamente desproporcional ao empregador.
Em segundo lugar, também não se verifica qualquer ofensa ao sigilo das
comunicações do empregado, especialmente se considerarmos que o empregado foi
contratado para, durante o horário de expediente, ficar à disposição do empregador e,
portanto, prestando seu trabalho; não sendo adequado utilizar este período, que está recebendo
inclusive contraprestação financeira, para atividades diversas das quais fora contratado.
Mais do que isto, o empregado, enquanto a serviço do empregador, o está
representando, sendo o seu preposto, inclusive falando em nome da empresa. Tal situação
conduz à conclusão de que as comunicações realizadas são de autoria e destinadas à atividade
empresarial o que, eventualmente, pode inclusive trazer danos à imagem da empresa se
houver alguma mensagem eletrônica divorciada dos fins sociais da empresa.
Outrossim, estas mensagens eletrônicas circuladas durante o horário de expediente e
através dos equipamentos da empresa podem ser consideradas como destinadas ao trabalho e,
desta forma, de interesse do empregador. Ainda mais se for expressa e publicamente
334
334
Ainda, conforme entendimento de Bacellar (2003, p. 82-84): “[...] ao ser contratado, o empregado, quando da
assinatura do contrato, deverá ser cientificado, através de cláusula contratual, que terá seu e-mail, assim como,
acesso a páginas da internet monitoradas, a fim de se verificar se o empregado está utilizando o material a ele
fornecido, assim como, dispondo de seu tempo de trabalho para fins afeitos a sua atividade. [...]. Acreditamos
que o empregador deve dar prévia ciência ao empregado de tal prática diretiva, como também de todo o
procedimento adotado, inclusive, das conseqüências de tal sistema de controle no contrato de trabalho, bem
como, deve o empregador promover um trabalho de conscientização perante os empregados a fim de coibir o uso
indevido da Internet, assim como, do e-mail”.
128
proibido pelo empregador a prática de utilização dos seus equipamentos e do seu horário de
contratação para que o empregado circule mensagens eletrônicas.
Mais do que isso, como defende Tatiana Malta Vieira
335
, ao comentar o direito da
pessoa ao livre desenvolvimento da personalidade, afirma que o indivíduo “deve deter o poder
de autodeterminar-se e de conduzir seus projetos de vida”, apontando dois elementos-limites
para balizar essa conduta: a (i) dignidade da pessoa humana e a (ii) autonomia do indivíduo
no momento da deliberação de eventual restrição. A respeito do tema, Tatiana Malta Vieira
336
adverte:
Para se avaliar a auto-restrição, classificá-la como pertinente ou não, deve-se aferir
também além da afetação do núcleo essencial da garantia, ou seja, o preceito da
dignidade da pessoa humana a existência da autonomia do indivíduo no momento
da deliberação da restrição. A autonomia revela a capacidade de o sujeito determinar
o próprio comportamento individual e de governar as relações jurídicas que lhe são
próprias, ou seja, de decidir de forma livre e autodeterminada. Essa autonomia,
entretanto, não se confunde com a verificação da igualdade ou da desigualdade
material das partes, uma vez que, mesmo em situação de extrema desigualdade
material e de poder, ainda assim, pode restar preservada a autonomia dos
envolvidos. Errônea, portanto, a adoção de um critério geral de que sempre que
houver desigualdade material ou de poder entre as partes, deverá ser mitigado o
nível de influência da autonomia privada, devendo-se verificar o grau de autonomia
real das partes.
Em terceiro lugar, o ambiente de trabalho não é um local privado da pessoa do
empregado e, assim, não há margem ao exercício do direito de privacidade neste local. Pois, o
ambiente de trabalho é sim o local privativo do empregador, pois é a sede da sua empresa o
que é a exteriorização da sua propriedade.
Dito de outra forma: não se verifica no local de trabalho a tamanha amplitude do
direito à privacidade que podem querer atribuir na proibição do monitoramento da internet.
3.5.2 O posicionamento favorável ao monitoramento da internet pelo empregador
Reitera-se, mesmo entre aqueles que admitem a fiscalização da internet pelo
empregador, há divergência a respeito da forma e limites acerca de eventual fiscalização.
335
2007, p. 130.
336
2007. p. 131.
129
A fiscalização indiscriminada pelo empregador da internet disponibilizada no local
de trabalho não é aceitável pacificamente, sobretudo em virtude das garantias constitucionais.
Ao mesmo tempo, não é razoável aceitar que o empregado desvirtue a finalidade das
ferramentas fornecidas pelo empregador para o desempenho da atividade contratada sem
qualquer tipo de fiscalização e ainda atraindo a responsabilidade (civil e, inclusive, penal – de
acordo com o caso) conjunta do empregador sobre seus atos, inclusive mediante desrespeito
ao direito de propriedade.
Neste mesmo sentido, Bacellar:
O monitoramente se faz necessário, além de permissível pelo nosso ordenamento
(art. 5ª, inciso II da Constituição Federal), não apenas como forma de proteger o
patrimônio do empregador impedindo divulgação de informação sigilosa como
também a fim de coibir o mais uso dos equipamentos que são colocados à disposição
do empregado para fins de melhor produtividade e execução do trabalho, tentando,
assim, evitar o consumo de tempo de serviço com atividades particulares
desenvolvidas através do uso da internet, o que por muitas vezes trás a necessidade
do empregado ficar até depois de sua hora ou não terminar determinado trabalho por
justamente ter gasto seu tempo com atividades que não dizem respeito ao objeto de
seu trabalho.
337
[...]
A fidelidade é também expressão da boa-fé com que deve ser executado o contrato
de trabalho e se manifesta, principalmente, pela proibição de difundir notícias que
possam implicar dano moral ou patrimonial ao empregador e a empresa, praticar
atos de concorrência à atividade econômica exercida por esta ou ainda deixar de
prestar os serviços contratados durante o horário de expediente com atividades
alheias ao emprego, gerando prejuízos a empresa.
O trabalhador ao utilizar-se dos meios de informática por conta da empresa, em
grande número de ocasiões, para fins alheios a sua atividade e comprometendo a
atividade laboral não de outros empregados como a própria, transgride a boa-fé
contratual que se impõe ao empregado.
[...]
Proibir o empregador de fiscalizar um dos meios de comunicação e instrumento de
trabalho mais importantes dos dias modernos equivale a proibir o empregador de
verificar se a força produtiva contatada está ou não sendo empregada de forma
correta e producente o que equivale a destruir os alicerces do direito laboral.
O empregador tem uma preocupação legítima de que seu empregado, no local de
trabalho, utilizando as máquinas, programas, tempo de conexão, da empresa, não
divulgue informações confidenciais, transmita e-mail de conteúdo não apropriado,
que não seja relacionado ao trabalho, ou piadas para não sobrecarregar o sistema da
empresa causando a perda da conexão, resultando no não recebimento de arquivos
importantes ou na necessidade de aquisição de placas para ampliação da capacidade
do sistema. Fora o risco de recebimento de vírus que podem vir anexados a e-mails e
que podem causar danos irreparáveis [...]
338
.
337
Bacellar, 2003. p. 75-76.
338
Op. cit., p. 82.
130
Enquanto o legislador pátrio não elaborar uma lei específica para dirimir os conflitos
entre empregado e empregador decorrente da utilização das ferramentas eletrônicas, poderão
as partes se valer da livre estipulação, conforme autoriza o artigo 444
339
da Consolidação das
Leis do Trabalho, desde que observados os limites pré-estabelecidos pelas normas públicas e
que não resulte em restrição ilegal de direitos. Entende-se que essas hipóteses restariam
afastadas se os critérios propostos fossem orientados pelos princípios da razoabilidade, boa-fé
e publicidade.
No entanto, quem defenda, como Tatiana Malta Vieira
340
, que seria
desproporcional e, portanto, condenável o “rastreamento generalizado das comunicações de
todos os empregados e não apenas daqueles em relação aos quais se identificou suspeita de
má conduta dentro da empresa”.
Como medida alternativa, mas que entendemos juridicamente imprópria, Alexandre
Agra Belmonte
341
defende a implantação de uma cláusula contratual de invasão de
privacidade:
Como a lei é silente a respeito e as normas particulares e coletivas podem regular o
contrato de trabalho (art. 444, da CLT), nada impediria a defesa da validade de
cláusula de invasão de privacidade, sob a alegação de que se o empregado ou o
sindicato permitirem o monitoramente da utilização da rede, poderá o empregador
evitar, como detentor do equipamento e da organização produtiva, o uso do
computador para fins particulares em meio à jornada de trabalho.
Ocorre que também existe a possibilidade de vislumbrar na cláusula uma violação à
norma constitucional, que garante o sigilo de correspondência, e então caberia a
alegação de que somente com autorização judicial seria possível monitorar a
atividade eletrônica do empregado no trabalho.
A referida cláusula, contudo, analisada sob a ótica da irrenunciabilidade dos direitos
fundamentais, de nenhum valor teria, pois o empregado-cidadão não pode renunciar à sua
privacidade. A respeito do tema, Tatiana Malta Vieira
342
esclarece:
339
As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo
aquilo que não contravenha as disposições de proteção ai trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam
aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
340
2007, p. 139.
341
2004, p. 14.
342
2007, p. 139.
131
Nos casos de contratos de trabalho, os empregados subordinam-se ao poder de
direção do empregador e ao cumprimento dos atos normativos emanados no âmbito
da organização, o que lhes retira a autonomia real, sendo inconstitucional a limitação
de direito fundamental que afete o núcleo essencial da garantia.
Ratifica-se, que a situação em particular, em que pese ser considerado “invasão de
privacidade” por muitos doutrinadores, com tal não pode ser confundida, sob pena de ser
considerada nula toda e qualquer cláusula que lhe cerceia ou restrinja seus efeitos.
A jurisprudência ainda não se pacificou a respeito do tema, porém, os primeiros
julgamentos demonstram a inclinação dos Tribunais
343
em favor do empregador, permitindo o
monitoramento da internet disponibilizada ao empregado. Analisando, especificamente, a
primeira decisão proferida pelo TST, Tatiana Malta Vieira
344
é crítica ao afirmar que a
decisão:
[...] representa um perigoso retrocesso no estudo da teoria geral dos direitos
fundamentais, e, em especial, do direito à privacidade. Diante de um típico conflito
entre dois direitos fundamentais – direito à propriedade, à imagem e à livre iniciativa
da empresa, em contraposição aos direito à privacidade dos empregados – o Tribunal
sequer ventilou os princípio basilares aceitos pela doutrina e pelas Cortes
Constitucionais de todo o mundo para a resolução de referidas colisões, quais sejam:
princípio da unidade da Constituição; princípio da concordância prática ou da
harmonização; e princípio da proporcionalidade em sentido amplo.
É necessário analisar as críticas de Tatiana Malta Vieira acima reproduzidas sob duas
óticas diferentes: a primeira, de ordem processual; a segunda, de ordem constitucional.
Quanto à ordem processual, olvidou-se a autora de considerar que todo e qualquer
julgamento está adstrito aos fundamentos deduzidos pelas partes, sob pena de violação a
diversos princípios constitucionais (tais como ampla defesa e contraditório, sob pena de
julgamento extra petita e conseqüente nulidade do julgado). Assim, não é possível concordar
343
Em princípio, a matéria envolvendo a legalidade do monitoramento da internet pelo empregador ainda é nova
e, portanto, há poucos julgados tratando do assunto. Ao que se identificou, apenas quatro Tribunais Regionais do
Trabalho apreciaram processos envolvendo o tema, a saber, o TRT de São Paulo (nos processos nº: 2000034734-
001130-2004-047-02-00-4 e 02771-2003-262-02-00-4, por exemplo), TRT do Rio Grande do sul (no processo
00782-2002-023-04-00-9), TRT do Pará (acórdão 1118/2000 Turma, em 22/08/2001 ) e o TRT do Distrito
Federal (acórdão 054/2002-08-06). No âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a instância máxima da
Justiça do Trabalho, houve apenas a apreciação do caso inicialmente julgado pelo TRT do Distrito Federal
(BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 1Turma. Proc. TST-RR-613/2000-013-10-00.7. Relator Ministro
João Orestes Dalazen. DJ 10 jun. 2005) em que, após a análise do juízo de admissibilidade, no mérito, houve a
confirmação da decisão do Tribunal Regional da 10ª Região.
344
2007, p. 138.
132
com a suposta falha do TST em ventilar “os princípio basilares aceitos pela doutrina e pelas
Cortes Constitucionais de todo o mundo para a resolução de referidas colisões” entre direitos
fundamentais. Há, isso sim, uma restrição da lide imposta pelas próprias partes.
De outra parte, quanto às considerações de ordem constitucional, antecipa-se que a
decisão do TST, contrariamente ao afirmado pela autora, respeita os princípios da unidade da
Constituição e da concordância prática ou harmonização (tornando-se desnecessário a
aplicação do princípio da proporcionalidade). Em razão da especificidade das considerações
de natureza constitucional, estas serão detalhadas a seguir, em capítulo especialmente
dedicado ao tema.
3.5.2.1 Publicidade e boa-fé na conduta do empregador
Conforme referido no item supra, a vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais uma vez reconhecida a sua possibilidade poderia ocorrer de forma direta ou
de forma indireta. Ainda, alertou-se para a possibilidade de vinculação dos particulares aos
direitos fundamentais ocorrer das duas formas concomitantemente, ou seja, uma vinculação
de forma direta aos direitos fundamentais negativos (que exigem uma abstenção ou um “não-
fazer”) e de forma indireta em relação aos direitos fundamentais que exigem prestações
positivas (ou seja, um fazer). Ainda conforme exposto no referido capítulo, verificou-se a
importância das cláusulas gerais para a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.
No particular, interessa-nos os princípios gerais da publicidade e boa-fé, que são
elementos essenciais de qualquer relação contratual e, portanto, não podem ser desprezados
ao se abordar o tema da relação de trabalho.
Defende-se que o controle da internet pode ser realizado pelo empregador, inclusive
de forma a ser definida unilateralmente, ou seja, a revelia do endosso do empregado. Por
outro lado, a imposição do monitoramento pelo empregador não pode ser confundido com
abuso. Em outras palavras: em hipótese alguma o monitoramento poderia ocorrer de forma
desproporcional e, tal medida, poderá ser balizada à luz dos princípios da publicidade e boa-
fé.
133
O magistério de Romita
345
vai nesse sentido, especialmente quando explica que:
A sofisticação dos meios de espionagem não trégua ao empregado, que sofre, em
conseqüência, intrusão em sua vida particular. Cabe, porém, ao empregador a
obrigação de respeitar a vida privada do trabalhador. Os princípios de confiança
recíproca e de execução de boa-fé do contrato de trabalho impõem-lhe o dever de
revelar ao empregado os meios de vigilância utilizados. As ações secretas,
suscetíveis de ferir os direitos e as liberdades individuais do empregado, são
condenáveis. O empregador não pode, sob pena de vulnerar os mencionados
princípios, invadir a intimidade do empregado, violando-lhe a vida privada. Em
contrapartida, ao empregador é facultado adotar medidas de segurança para a
proteção tanto do fluxo de entrada quanto de saída de dados do interesse da empresa,
mediante a instalação de dispositivos técnicos adequados e bem assim a
promulgação de normas disciplinares destinadas à proteção do material e da rede de
informática.
A publicidade e boa-fé restariam caracterizadas no momento em que o empregador
informa o empregado a respeito da prática de monitorar a utilização da internet, ainda que seja
omisso a respeito de maiores detalhes sobre a forma que utilizará.
Por outro lado, caso o empregador atue de forma velada ou clandestina, por certo,
haverá violação a direitos fundamentais da privacidade do empregado, pois ele seria
surpreendido, sobretudo, porque não teria como cogitar que suas atividades estariam sendo
acompanhadas pelo empregador. Dito de forma diferente: o empregador propiciaria ao
empregado condições de cogitar se tratar a internet fornecida no local de trabalho de um
ambiente privado (e, portanto, seguro para expor suas intimidades), porém estaria sendo
vigiado. Nesta situação, seria claro o induzimento do empregado em erro ao lhe conferir uma
“pseudo-privacidade”.
Aplicando-se na prática o que foi dito, conclui-se que, nos casos em que o
empregador age com publicidade e de boa-fé, comunicando ao empregado de forma clara
que procederá ao acompanhamento da utilização da internet fornecida em razão do contrato
de trabalho, ainda que à revelia de sua autorização ou mesmo sem informar os meios que
serão utilizados resta caracterizado que o empregador não tem como interesse a violação
dos direitos fundamentais do empregado (a intimidade, privacidade, sigilo de
correspondência, etc). E sim, que o empregador tem interesse apenas no exercício regular de
345
2005, p. 189-190.
134
um direito (assim entendido o exercício do jus variandi, do direito de propriedade, defesa de
seu bom nome e imagem, etc).
Nesta situação, o fato de o empregado revelar algum segredo ou intimidade poderia
ser interpretado como uma autorização cita (e, portanto, excludente de uma potencial
violação de direitos fundamentais) ou mesmo um lapso, mas jamais como uma violação de
seu direito fundamental pelo empregador.
Nesse sentido, cabe lembrar que “somente à própria pessoa cabe o julgamento de se
expor ou de não se expor e, ainda mais importante, até que limite deseja se expor”
346
. Para a
opção do empregado ser consciente, contudo, é necessário que tenha conhecimento, pelo
menos, da possibilidade de exposição e, partir de então, possa decidir os limites de exposição
que julga interessante ou mesmo razoável, consoante o direito de liberdade que rege todas as
opções das pessoas. Conforme enfatiza Tatiana Malta Vieira
347
:
Uma pessoa que decide tornar públicos comportamentos normalmente protegidos
pelo direito à privacidade não está a renunciar o exercício desse direito; mas apenas
a exercê-lo autonomamente de acordo com suas próprias preferências. Nesse
sentido, a privacidade deve ser analisada sob a concepção do próprio titular do
direito e não de acordo com uma visão unidimensional e heterônoma que ignore as
antagônicas e incomensuráveis visões de mundo características das sociedades
pluralistas.
É preciso cuidar, contudo, que o fato do empregado (consciente e, portanto, de forma
voluntária) expor sua privacidade ou intimidade ao empregador não autoriza esse último a
divulgá-la no local de trabalho. Em assim agindo, por certo, estará violando um direito
fundamental do empregado (que, em uma análise restrita, teria permitido o conhecimento de
sua privacidade, mas não autorizado o empregador a torná-la pública). Neste caso sim, não
restam dúvidas. Exemplificando: o fato do empregador poder ter acesso (em razão da
exposição consciente do empregado) a determinado email não o autoriza a reproduzir para
público ou fixá-lo em local de acesso comum para que os demais tenham conhecimento.
Nesta situação, haveria violência aos direitos fundamentais do empregado em razão da
publicidade não autorizada, jamais pelo simples conhecimento do empregador a respeito da
comunicação (em razão do consentimento, ainda que tácito, do empregado).
346
Vieira, 2007. p. 128.
347
2007, p. 128.
135
Da mesma forma, haveria violação a direitos fundamentais nas hipóteses de atuação
sorrateira do empregador, que não agiu com publicidade e boa-fé, já que, nestas condições (de
ignorância do empregado quanto a ausência de privacidade), concederia ao empregado um
falso ambiente de segurança ou privacidade, deixando-o à vontade para liberar informações
pessoais que jamais faria se conhecesse a atuação do empregador. Em outras palavras, o
empregado seria induzido em erro e, somente por isto, estaria expondo informações,
pensamentos e desejos que jamais revelaria acaso conhecesse a verdade dos fatos (que foram
omitidos pelo empregador, a saber, que sua atuação na internet está sendo monitorada pelo
patrão). É neste bojo que restaria caracterizada uma postura de má-fé do empregador (ainda
que eventualmente não dolosa) e, assim, os direitos fundamentais do empregado expostos a
constantes violações pelo empresário (ainda que o motivo do monitoramento da internet
proteção aos direitos patronais de propriedade, imagem, honra, etc – seja razoável e amparado
pela legislação).
A palavra-chave para a solução dos problemas envolvendo o monitoramento da
internet na relação de emprego é a “conscientização”. Se o empregado estiver consciente da
finalidade da internet, jamais poderá considerar – o ato do empregador de monitorar a internet
– como uma ameaça a seus direitos fundamentais. Quando muito, embasado em tudo o que foi
dito, caracterizaria uma hipótese de consentimento do empregado acerca do monitoramento
(pois a concessão do equipamento ocorreria de uma forma “condicionada”, o que, salvo
melhor juízo, não encontraria impedimento na legislação vigente ou princípios que regem o
direito do trabalho ou mesmo o direito constitucional).
3.6 A proposta de uma conjugação de elementos
É necessário analisar, inicialmente, se é justa ou injusta a restrição aos direitos
fundamentais do empregado no monitoramento da internet. De início, não se verifica
nenhuma injustiça.
136
Segundo Alice Monteiro de Barros
348
:
[...] a mesma Constituição assegura o direito de propriedade; logo, no ambiente de
trabalho, o direito à intimidade sofre limitações, as quais não poderão, entretanto,
ferir a dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, convém fazer uma analogia e questionar: o fato do empregador limitar
a utilização do automóvel que disponibiliza aos empregados ou mesmo de requerer
informações a respeito dos locais onde o veículo transitou, afeta a dignidade do empregado?
Acreditamos que não e, a par disso, é necessário especular: por que, então, o monitoramento
da internet afrontaria a dignidade do empregado?
O fato é que a dignidade da pessoa humana é um conceito invariável quando
confrontada a condição de cidadão e a condição de empregado (posição de subordinação) da
pessoa, consoante o magistério de Romita
349
, exposto. O mesmo não ocorre, contudo, em
relação ao direito fundamental à privacidade (e seus desdobramentos) ou mesmo o direito
fundamental ao sigilo de correspondência e das informações. No local de trabalho, estes
últimos direitos fundamentais referidos são bastante restringidos, não alcançando a dimensão
que muitos pretendem lhe atribuir.
A conclusão que se deseja transmitir tem suporte, por analogia, na lição de Alice
Monteiro de Barros
350
:
[...] a redução da esfera de privacidade do empregado, admitida pela legislação
ordinária, ao reconhecer o poder diretivo do empregador, do qual são corolários o
poder de controle e o poder de fiscalização, autoriza, em princípio, os procedimentos
visuais, auditivos e revistas pessoais, por necessidade técnica (funcionamento dos
meios de produção) para melhor funcionamento do sistema operacional ou para
segurança da empresa e do próprio empregado. Esses procedimentos devem ser
usados com o conhecimento do empregado e nunca de forma clandestina, a título de
espionagem, sob pena de se ferir a dignidade do indivíduo, menosprezando o seu
senso de responsabilidade. [...] Assim, os procedimentos de controle citados
anteriormente, introduzidos de forma sorrateira, a fim de tomar conhecimento de
todos os atos, palavras e movimentos do empregado, são considerados abusivos e
não encontram respaldo no poder diretivo, tampouco na posição de subordinação
jurídica em que se encontra o trabalhador, por ferir a sai intimidade, aspecto de
dignidade humana.
348
1997, p. 32-33.
349
2005, p. 187.
350
1997, p. 82-83.
137
Em analogia, poder-se-ia traçar o seguinte paralelo: na casa de uma determinada
pessoa (um empregado qualquer, por exemplo), prevalecerá quase que de forma
inegavelmente absoluta – o seu direito de privacidade e de sigilo de comunicação. Na
empresa, que é a “casa do empregador”, na mesma medida, deverão prevalecer os seus
direitos fundamentais ínsitos de livre iniciativa e de propriedade. Isso não é sinônimo de
ausência ou mesmo impossibilidade acerca da incidência de outros direitos fundamentais
nesses locais, mas reconhecimento de que, acaso ocorresse, seria de forma (bastante) ínfima
por não ser o local apropriado de exercício de tais direitos fundamentais
351
.
Para corroborar tal conclusão, poder-se-ia cogitar: pode o empregador exercer seu
poder de direção dentro da casa do empregado?
352
Então, por que poderia o empregado
exercer como se em sua casa estivesse seus direitos fundamentais associados à
privacidade no local de trabalho?
O que se está a sustentar é que os direitos fundamentais (sejam atinentes a empregados
ou a empregadores) não podem ser analisados isoladamente, mas de forma conjunta,
principalmente em decorrência das características que lhes são próprias de indivisibilidade e
de interdependência.
Aliás, ao que parece, no exame do conflito entre direitos fundamentais decorrentes do
monitoramento da internet pelo empregador, as características dos direitos fundamentais vem
sendo ignoradas e, assim, conclusões equivocadas são alcançadas. É desta feita que há autores
sustentando a renúncia do empregado ao direitos fundamentais de privacidade ou, outros,
considerando apenas de forma unilateral os direitos fundamentais próprios da categoria
profissional (dignidade da pessoa humana, privacidade, sigilo de comunicação), em total
351
Visando inclusive a delimitação do tema, a referência aqui apresentada se refere à relação de emprego
tradicional, executada no âmbito da empresa. o se cogita, na ilustração sugerida, os casos de teletrabalho,
principalmente porque não se pretende (e seria necessário para tanto) analisar as características singulares que
revestem a singularidade do trabalho executado à distância.
352
Por certo, o questionamento leva em conta a forma mais tradicional de execução do contrato de trabalho, ou
seja, o trabalho executado na empresa sede do empregador. Não se cogita, no particular, daquele trabalho
exercido em domicílio, especialmente em razão das particularidades que disso advém, em especial relacionadas
ao elemento subordinação, que sofre uma atenuação e apresenta características próprias adaptadas à essa
realidade.
138
desprezo à indivisibilidade e à interdependência, características que marcam os direitos
fundamentais (como um todo, independentemente de seu titular ser pessoa física ou jurídica).
No momento em que o empregador monitora a utilização da internet pelo empregado –
desde que, repita-se, a conduta patronal esteja amparada nos princípios da publicidade e da
boa-fé o patrão não está a impor ao empregado uma renúncia aos direitos fundamentais que
incidem na relação de emprego, nem mesmo a exigir uma mitigação de seu exercício. O
empregador está, isso sim, conscientizando o empregado de que a internet e suas ferramentas
não são destinadas a fins particulares, mas apenas ao fiel exercício e cumprimento do contrato
de trabalho
353
ou seja, não há violência aos direitos fundamentais inerentes à figura do
empregado, que continuam intactos.
É oportuno registrar que não se está aqui a pregar que não existe no local de trabalho
nenhum espaço ou mesmo a noção constitucional de privacidade ou de intimidade do
empregado também. É evidente que há. Exemplificando sob o caso concreto, compreende-se
claramente a noção de privacidade e intimidade, por exemplo, no banheiro, no armário
particular e, inclusive, ao próprio corpo do empregado, no que respeita à revista íntima física
da pessoa ou mesmo de sua sacola ou bolsas.
Assim, é importante fazer esse paralelo entre o monitoramento da internet e as demais
situações vivenciadas na relação de emprego acima referidas para demonstrar que tais
situações não podem ser – singelamente – equiparadas.
Corroborando com o entendimento de ponderação dos direitos, Bacellar
354
:
“Portanto, o grande balizamento da compatibilidade entre o direito de propriedade
do empregador e o direito à intimidade e à vida privada do empregado está na
dignidade da pessoa humana.
Desta forma, podemos afirmar que no contrato de trabalho virtual poderá o
empregador se utilizar de programas de computador que possam monitorar o
trabalho de seu empregado, verificando se o mesmo não está utilizando seu tempo
em atividade estranhas ao seu trabalho. no entanto, é importante ressaltar que
referido controle poderá ser feito quando o empregador der conhecimento prévio
353
Poder-se-ia fazer uma analogia e dizer que o empregador fornece a internet ao empregado para a boa
execução do contrato de trabalho, da mesma forma que poderia fornecer um carro, telefone móvel, ferramentas,
uniforme, etc.
354
2003, p. 66-68.
139
a seus empregados de referido controle, pois do contrário estaria violando o direito à
intimidade do trabalhador.
O mesmo se aplica ao caso dos e-mails, ou seja, o empregador poderá abrir o e-mail
do empregado se quando da concessão do correio eletrônico este foi informado que
deveria utilizá-lo somente para o trabalho não podendo ser empregado em qualquer
outra finalidade, sendo certo, no entanto, que para tanto é necessário não somente o
conhecimento do empregado como também sua aceitação de forma expressa
355
.
A grande demarcação, portanto, da compatibilização entre o direito de propriedade
do empregador e o direito à intimidade e a vida provada do empregado está nos
limites do Direito à Intimidade sem se perder de vista a dignidade da pessoa
humana.”
O que se pretende é manter o equilíbrio da relação, não podendo aniquilar os direitos
fundamentais nem do empregador e tampouco do empregado, mas tampouco pode-se exigir
que o empregador seja obrigado a efetivar um direito fundamental que ele, por lei, apenas tem
a obrigação de não infringir; entretanto, parâmetros mínimos que devemos observar até
para não descaracterizar a relação de emprego.
Destarte, esses direitos fundamentais incidem de forma bastante restritiva na relação
de emprego, prevalecendo a natureza de ambiente público-privado no local de trabalho – é um
ambiente público, sobretudo, pela necessidade impositiva de co-existência com as demais
pessoas e, ao mesmo tempo, é um ambiente privado por se tratar da sede da empresa.
Além do mais, justamente por se tratar de uma relação de emprego e para que assim
se mantenha caracterizada, é importante o respeito aos direitos fundamentais do empregador –
de livre iniciativa e de propriedade que projetam na relação de emprego, notadamente o
poder diretivo, que é um traço inarredável deste tipo de relação.
Verifica-se, portanto, que esta conclusão atende e respeita perfeitamente a
manutenção e resolução das colisões, através da ponderação dos direitos fundamentais,
inclusive a efetividade cogente e permitindo a máxima eficácia dos direitos fundamentais do
empregado e do empregador a respeito da utilização e monitoramento da internet no ambiente
de trabalho. É necessário analisar a questão sob este ângulo, sob pena de descaracterização e
sepultamento da própria relação de emprego. Até porque no local de trabalho há espaço para a
reprodução de todos os aspectos de uma sociedade e, como tal, os ideais de privacidade e
propriedade dos atores sociais, desde que respeitados os direitos fundamentais de todos os
atores envolvidos na relação, inclusive os direitos fundamentais do empregador.
140
CONCLUSÃO
A análise jurídica do monitoramento da internet pelo empregador pode ser considerada
sob os mais diversos enfoques. Por vezes, visões parciais e radicais, que impedem uma
análise academicamente neutra do tema. Outras vezes, conceitos e características são
ignorados ou desprezados, implicando em fundamentações frágeis ou mesmo conclusões
equivocadas.
Do conjunto de tudo o que foi analisado, é possível concluir que o monitoramento da
internet pelo empregador é mais que uma questão de conflito de direitos fundamentais. Isso
porque, além do conflito entre a dignidade do empregado – que está permanentemente
presente a todo o momento da relação de emprego e os direitos fundamentais do
empregador, nem sempre direitos fundamentais envolvidos na extensão que alguns juristas
defendem, especificamente no que se refere aos direitos fundamentais do empregado à
privacidade e de sigilo de comunicações, no âmbito do local de trabalho.
Dito de forma diferente, não se identifica juridicamente um ambiente privado
quando o empregado utiliza a internet, nem o sigilo de correspondência em relação ao email.
Dignidade da pessoa humana sempre haverá em qualquer âmbito, porém não é afetada no
monitoramento da internet pelo empregador em regra porque não a incidência dos
direitos fundamentais do empregado (intimidade, privacidade, sigilo de correspondência, etc)
na extensão ventilada por aqueles que atacam o controle da internet pelo empregador.
Por outro lado, direitos fundamentais do empregador que devem ser defendidos,
porém não podem ser utilizados ainda que legítimos de forma abusiva. Nessa linha de
355
Faz-se a ressalva de que o nosso entendimento é diverso, não sendo necessário a anuência do empregado para
fins de regularidade do monitoramento da internet pelo empregador.
141
raciocínio, o fato dos particulares se vincularem aos direitos fundamentais seja de forma
direta, indireta ou, concomitantemente, de ambas as formas, conforme afirmado no capítulo
inicial – é de extrema importância à solução dos conflitos noticiados a respeito da utilização e
monitoramento da internet no local de trabalho.
É importante, em especial, por dois prismas diferentes e complementares.
No primeiro, porque reflete no dever do empregador respeitar os direitos fundamentais
do empregado – em toda e qualquer hipótese, especialmente porque estes são irrenunciáveis.
No segundo, porque limitações ao poder (de direção) do empregador, o que é feito
de forma indireta ou reflexa mediante a aplicação dos princípios da publicidade e da boa-fé,
sob pena de caracterizar o abuso de poder e, assim, agir o empregador como potencial
violador de direitos fundamentais de seus empregados.
O que se observa, na defesa da proibição do monitoramento é, muitas vezes, a
tentativa, forçosa e equivocada, de expandir a privacidade e intimidade do empregado de
forma exacerbada e ilógica, fazendo com que o indivíduo – mediante sua autonomia da
vontade e a revelia dos direitos fundamentais do empregador, da lei e do costume social
(re)defina o espaço de sua intimidade em restrição ao coletivo e ao parâmetro tradicional.
Aceitar que privacidade e intimidade do empregado, ao utilizar a internet no local de
trabalho, sobretudo quando o empregador, agindo de boa-fé, publiciza o monitoramento da
ferramenta, seria o mesmo que a pessoa comparecer em logradouro público de grande
circulação, despir-se voluntariamente, e crer que espaço privado ou íntimo. Mais: seria o
caso dessa pessoa, em claro abuso de direito, exigir que ninguém a observe, em que pese ser o
espaço coletivo, restringindo o direito de outrem e de toda a coletividade que o rodeia.
Não se está aqui a sustentar que jamais haverá violação da intimidade ou privacidade
do empregado quando o empregador monitorar a internet, mas a afirmar que a violação não
ocorre de forma tão singela. Para haver violação da privacidade seria necessário que o
empregador (i) não informasse o monitoramento da internet ou, mesmo após informar e o
empregado contrariasse a ordem, (ii) de forma desproporcional e sem qualquer justificativa, o
empregador vasculhasse informações privadas do empregado, para além do necessário à
confirmação do descumprimento contratual, ou expusesse a informação ao público. Dito de
142
outra forma e exemplificando o que foi dito: identificado pelo empregador que o empregado
utilizou a internet indevidamente no local de trabalho (o que seria, no exemplo, proibido) ou
utilizando o email corporativo para fins divorciados do trabalho (da mesma forma, ato que
seria vedado), bastaria a identificação do fato em si para punir o empregado, sendo
prescindível o exame do conteúdo da mensagem (sob pena de excesso e, portanto, de
potencial violação a direitos fundamentais do empregado).
Situação completamente diferente seria se, acidentalmente, contudo, o empregador
tivesse acesso ao conteúdo, porque coincidiu de monitorar no exato momento em que o
empregado acessava na internet algo privativo ou proibido (por exemplo). Nesse contexto,
não restaria caracterizada eventual violação aos direitos fundamentais do empregado, sendo
que tal verificação far-se-ia à luz do princípio da boa-fé, da publicidade e, inclusive, do
princípio da primazia da realidade.
Não se pretende defender, tampouco, que é exclusivamente o jus variandi (poder de
direção do empregador) que determinará o espaço a ser considerado público ou privado no
âmbito da relação de emprego. Ao contrário, afirma-se que não pode é o empregado ao
sabor de uma privacidade ou sigilo de comunicação que sequer é existente (amplamente, pelo
menos) no local de trabalho – ampliar desproporcionalmente os limites de seus direitos
fundamentais, mormente quando tal ampliação interfere diretamente na atividade do
empregador (e, portanto, restringe os direitos fundamentais deste último) e na própria
sociedade (se considerarmos que, naturalmente, ao ampliar a privacidade de um, o espaço
público e a própria privacidade de outras pessoas restará diretamente atingida, ou seja, haverá
violação de direitos fundamentais de terceiros injustificadamente).
É justamente essa “vida em sociedade”, notadamente no ambiente de trabalho, que
ao natural reduz os limites dos direitos fundamentais dos empregados à privacidade e ao
sigilo das comunicações.
Desta feita, conclui-se que direitos fundamentais do empregado que incidem no
âmbito da relação de emprego, porém, dado às características assimétricas dessa relação
onde o empregador detém poderes muito superiores aos do empregado a mitigação dos
direitos fundamentais do empregado, que quedam diante dos direitos fundamentais do
empregador. E isso se reproduz no caso do monitoramento da internet pelo empregador.
143
Sendo a internet uma ferramenta de trabalho disponibilizada pelo empregador e,
portanto, propriedade da empresa, é possível que o empregador a controle, desde que sem
abusos e em respeito aos princípios da publicidade e da boa-fé, que regem todas as relações
contratuais e, como tal, a relação de emprego. Trilhando esse caminho, em regra, acredita-se
que não haverá violação a qualquer direito fundamental do empregado.
144
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