girando em torno de uma série de aspectos obsessivos e de uma violência inerente a ela
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Mostrando, por meio da obra de arte, não só os sintomas de indivíduos desequilibrados,
numa cidade que passou a viver um clima de opressão política após 1964, mas também a
inserção numa sociedade de massas e as insatisfações que permeiam a condição humana do
indivíduo que nela vive. Ou seja, de um homem sem perspectivas quanto ao seu futuro
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Se bem que, como iremos mostrar ainda neste capítulo, a problemática da discussão de uma estética da
violência, a partir de Rubem Fonseca foi aprofundada por Alfredo Bosi, em 1975. Este autor foi o primeiro a
cunhar a expressão brutalista para designar na literatura de Rubem Fonseca a inauguração da representação
de uma violência inerente à sociedade de massas que passou a se desenvolver no Brasil, na década de 1960.
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A discussão da condição do homem a que nos reportamos numa sociedade de massas a partir da recepção à
obra, foi por nós embasada nas teorizações do assunto por Hannah Arendt em seu livro A Condição Humana.
Nesse livro, a autora, baseando-se em uma revisão do arcabouço teórico marxista, analisa a condição humana
do homem moderno partindo da conceituação ao longo do tempo dos três aspectos que englobam a existência
materialista da chamada vida activa e que são respectivamente o labor, o trabalho e a ação. Assim, tendo
apreendidas as diferenças entre as esferas pública e privada na polis grega, a autora chegou à conclusão de
que o lugar natural da ação política dos homens se dava na esfera pública, e do labor e do trabalho na esfera
privada do chamado oikos. A condição para a participação dos indivíduos na esfera política da polis estava
totalmente ligada a um distanciamento desses das atividades tanto do labor como do trabalho, respectivamente
atividades ligadas aos escravos, às mulheres e, de outro lado, aos artesãos livres, bem como aos grandes
proprietários de terras que estavam mais preocupados com seus negócios privados. E, embora os gregos
diferenciassem o labor do trabalho, entendendo que labor, segundo Hannah Arendt, constitui-se em uma (...)
atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujos crescimento espontâneo,
metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no
processo da vida.. Dessa forma, a condição humana do labor é a própria vida; e já o conceito de trabalho
estaria relacionado a (...) atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência essa
não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cuja mortalidade não é compensada por este
último.( ) A condição humana do trabalho é a mundanidade ( ) ambas atividades consideradas degradantes
do ser. Uma por aproximar os homens dos animais e a outra por distanciar o homem das coisas da polis.
Ambas ligadas às necessidades de sobrevivência impostas pela esfera da vida social dos homens. Dessa
forma, a condição para a ação que se dava naturalmente na esfera pública – ação que, no entender de Hannah
Arendt, é sempre política porque é a única atividade que corresponde à condição humana da pluralidade que
é, por natureza, a condição de toda a vida política, e que revela dentro dela também as diferenças entre os
homens - era possuir liberdade, por ser proprietário de escravos, e, assim, estar distante tanto do labor como
do trabalho. Entretanto, com o avanço no mundo moderno da esfera privada, devido ao também avanço do
animal laborans, que passou a ser um resultado da disseminação da produção industrial e de sua divisão
social do trabalho e, portanto, constituindo-se numa realidade que se projeta na esfera social das necessidades
de sobrevivência humanas, tal esfera social passou a avançar sobre a esfera pública em detrimento da esfera
da ação política. Daí resultando que os interesses privados de uma sociedade de operários, sejam estes
dominantes ou dominados, passam a dominar a esfera pública que, aos poucos, perde sua função política ao
estar subordinada a uma esfera social que dissemina cada vez mais o animal laborans que, alienado, não se
reconhece como resultado de uma produção e de um consumo que passam numa sociedade de consumidores a
estarem ligados cada vez mais diretamente ao desejo desse mesmo animal laborans de satisfação de sua ânsia
por trabalho e de consumo. Assim, a satisfação do seu desejo de trabalho e consumo passou a estar
diretamente relacionado às suas necessidades de sobrevivência na sociedade capitalista moderna. Numa tal
sociedade, esse animal laborans abre mão de sua liberdade e não faz do espaço político o espaço para a
realização da ação entendida por Hannah Arendt como um local para o exercício da liberdade, como ocorria
na polis grega, e limita-se a reproduzir cada vez mais uma sociedade de trabalhadores consumidores sem
trabalho. Nas palavras de Celso Lafer, que prefacia a obra de Hannah Arendt: A era moderna trouxe consigo
a glorificação teórica do trabalho, e resultou na transformação efetiva de toda a sociedade em uma
sociedade operária. Assim, a realização do desejo, como sucede nos contos de fadas, chega num instante em
que só pode ser contraproducente. A sociedade que está para ser libertada dos grilhões do trabalho é uma