17
em assuntos políticos das comunas e das ordens religiosas, organizações essas
que, por vezes, tinham na prática um poder verdadeiramente político
17
.
Outra circunstância a observar é que, em várias partes da Europa medieval,
decretos locais atribuíam aos bispos o conhecimento de causas que versassem
sobre conflitos entre parentes em matéria de partilha ou de tutela
18
.
Três razões, segundo Taube, explicariam o enorme sucesso da arbitragem na Idade
Média. Em primeiro lugar, havia reiterada prática arbitral no seio da Igreja Católica
romana, na sua jurisdição eclesiástica, que era bastante extensa, dado ao fato de
que os clérigos eram proprietários de grandes áreas de terra. Explica-se a origem de
tal prática arbitral pelo fato de ser mais fácil a uma comunidade resolver os litígios
entre os seus membros por maneiras não judiciais, especialmente em face das
proibições do apóstolo Paulo, em sua primeira carta aos coríntios, de não recorrerem
à justiça romana (I Cor. VI, 1 e segs.). Como registrou Luciano Braga Lemos,
Em segundo lugar, houve o surgimento de arbitragens intermunicipais, à
semelhança da existente na Grécia antiga, para resolução de litígios
territoriais, em contraposição à justiça oferecida pelo Sacro Império romano-
germânico, que pesava profundamente sobre as comunas; natural, pois,
que, à medida que se descobria o direto romano, se aplicassem as soluções
pragmáticas de direito privado àquelas questões que hoje seriam de direito
público. Em terceiro lugar, o sistema feudal, com a atomização do poder,
concentraria na figura dos proprietários de terras, hierarquicamente
superpostos e ligados entre eles mesmos e ao rei, um sistema de direitos
recíprocos, onde não haveria distinção entre público e privado; o recurso à
arbitragem pelo superior hierárquico, para resolver questões privadas, seria
igualmente uma solução para assuntos hoje de pertinência do direto
internacional público.
19
Como bem registrou Landrau, foi na idade Média que surgiu um novo tipo de
arbitragem: a arbitragem comercial
20
. Nas feiras, onde se reuniam comerciantes de
várias nacionalidades, funcionavam tribunais arbitrais, que, na verdade, eram mais
expeditos que os tribunais judiciários locais, que deveriam, caso a eles recorressem,
aplicar leis estranhas ao foro, num sistema onde imperava a extrema personificação
da lei e a mais ampla extraterritorialidade dos estatutos pessoais. A arbitragem
17
Ibidem. p. 34.
18
Catalano, Gaetano. Arbitrato: arbitrato pontifício. In: CALASSO, Francesco (Org.). Enciclopedia
del diritto. Milão, 1958, v. 2, p. 994-1001.
19
Lemos, Luciano Braga. op. cit. p. 32.
20
Landrau, Marguerite. L’arbitrage dans lê droit anglais et français comparés. Paris: Arthur
Rousseau, 1923. apud Lemos, Luciano Braga. op. cit. p. 33.