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FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA – FDV
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
LUCIANO BRAVIN
A ARBITRAGEM COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA E
AMENIZAÇÃO DA CRISE JURÍDICA: UMA NECESSÁRIA
MUDANÇA DA CULTURA ACADÊMICA
Vitória
2008
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FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA – FDV
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
LUCIANO BRAVIN
A ARBITRAGEM COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA E
AMENIZAÇÃO DA CRISE JURÍDICA: UMA NECESSÁRIA
MUDANÇA DA CULTURA ACADÊMICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação
stricto sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da
Faculdade de Direito de Vitória FDV, como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Direito.
Orientador Professor Doutor Carlos Henrique Bezerra Leite
Vitória
2008
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LUCIANO BRAVIN
A ARBITRAGEM COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA E
AMENIZAÇÃO DA CRISE JURÍDICA: UMA NECESSÁRIA
MUDANÇA DA CULTURA ACADÊMICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direitos e Garantias
Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória, como requisito para obtenção do grau
de Mestre em Direito.
Aprovada em
Comissão Examinadora
___________________________________
Prof. Doutor Carlos Henrique Bezerra Leite
Faculdade de Direito de Vitória
Orientador
___________________________________
Prof. Doutora Carolina Esteves Bonadiman
Faculdade de Direito de Vitória
Examinador
___________________________________
Prof.
Examinador
Agradeço a Deus por me dizer: “Esforça-te”.
Agradeço aos meus pais pela base
proporcionada. Sou grato a minha amada
esposa Pricila pelos momentos de força.
Também sou grato ao Doutor Carlos Henrique
Bezerra Leite, mestre paciente e sábio,
verdadeiro exemplo de integridade.
RESUMO
A sociedade depende do direito de acesso à justiça, por isso é considerado direito
constitucional fundamental no Brasil. A Constituição da República do Brasil prevê o
amplo acesso à Justiça e o considera um dos mais importantes dos direitos
fundamentais, pois através da possibilidade de acesso torna-se possível tutelar os
demais direitos. Expomos e defendemos que existe forma de jurisdição na subespécie
privada, sendo essa a arbitragem; e esta é, por excelência, veículo de acesso à Justiça,
muito embora não tão estudada, divulgada e creditada quanto se deveria. Carência
essa que nos faz acreditar que tão forte resistência na inserção da arbitragem e demais
meios extrajudiciais como disciplina obrigatória do curso de direito é um dos motivos
para a generalizada crise jurídica se alastra pelo Brasil. Muitos esforços têm sido
efetuados em prol da amenização dessa crise, no entanto, diminuir as demandas
instauradas não cessará o caos jurídico que se apresenta, mas o ideal é mudar e
difundir a mentalidade da prevenção dos conflitos, bem como formas outras de resolvê-
los fora do âmbito do Judiciário.
Palavras-chaves: Jurisdição Privada; Arbitragem; Crise Jurídica; Ensino Jurídico.
ABSTRACT
The society depends on the right of access to justice, therefore basic constitution law in
Brazil is considered. The Constitution of the Republic of Brazil foresees the ample
access to Justice and it considers it one of most important of the basic rights, therefore
through the access possibility it becomes possible to tutor the excessively right ones.
We display and we defend that form of jurisdiction in the private subspecies exists, being
this the arbitration; e this is, par excellence, vehicle of access to Justice, much even so
not so studied, divulged and credited how much if it would have. Lack this that in makes
to believe them that so strong resistance the insertion of the arbitration and excessively
half extrajudicial as it disciplines obligator of the right course is one of the reasons for
the generalized legal crisis if it spreads over Brazil. Many efforts have been effected in
favor of the reduction of this crisis, however, to diminish the restored demands will not
cease the legal chaos that if presents, but the ideal is to change and to spread out the
mentality of the prevention of the conflicts, as well as forms others to decide them is of
the scope of the Judiciary one.
Keys-words: Private jurisdiction; Arbitration; Law crisis; Law education.
SUMARIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................07
1. ELEMENTOS HISTÓRICOS DA ARBITRAGEM................................................10
ARBITRAGEM NA GRÉCIA ANTIGA..................................................................11
ARBITRAGEM NO PERÍODO ROMANO............................................................12
A DECADÊNCIA NA ARBITRAGEM EM ROMA.................................................13
A ARBITRAGEM NA IDADE MÉDIA, NO ABSOLUTISMO E NA REVOLUÇÃO
FRANCESA.........................................................................................................15
2. A ARBITRAGEM EM ALGUNS ORDENAMENTOS ESTRANGEIROS ........... 19
NO MÉXICO ...................................................................................................... 19
NA ITÁLIA .......................................................................................................... 19
NA ALEMANHA ................................................................................................. 20
EM PORTUGAL ................................................................................................. 20
NA FRANÇA ...................................................................................................... 21
NOS ESTADOS UNIDOS .................................................................................. 22
3. A PREVISÃO DA ARBITRAGEM NA CONSTITUIÇÃO DE 1988......................26
AS CRÍTICAS EXISTENTES À LEI DA ARBITRAGEM...................................... 28
4. A CRISE JURÍDICA NO BRASIL........................................................................32
A CRISE DOS DIAS ATUAIS E O PAPEL DA CONSTITUICÃO DA REPÚBLICA DE
1988...............................................................................................................36
5. A (DE)FORMAÇÃO NO ENSINO JURÍDICO E O ACESSO NA PERCPECTIVA
DA ARBITRAGEM.............................................................................................. 43
ELEMENTOS HISTÓRICOS NO ENSINO GERAL NO BRASIL........................ 45
A EVOLUÇÃO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL......................................... 47
SURGE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA EM 1988..................................... 50
PARADIGMAS NA EDUCAÇÃO JURÍDICA E A CRISE JURÍDICA NO
BRASIL................................................................................................................51
ROMPIMENTO DOS PARADIGMAS NO ENSINO DO DIREITO........................53
A IMPORTÂNCIA DA CULTURA DA PREVENÇÃO E A SOLUÇÃO PACÍFICA DOS
CONFLITOS............................................................................................... 56
6. JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM.......................................................................... 60
ACESSO A JUSTIÇA E A JURISDIÇÃO............................................................ 60
ARBITRAGEM COMO ATIVIDADE JURISDICIONAL.........................................63
DA NATUREZA JURISDICIANAL DA ARBITRAGEM.........................................65
7. ASPECTOS PROCESSUAIS NA ARBITRAGEM: ALCANCES E
LIMITES................................................................................................................71
REQUISITOS OBJETIVOS NA LEI DE ARBITRAGEM.......................................71
DISCRIÇÃO, DILIGÊNCIA E INDEPENDÊNCIA DO ÁRBITRO..........................75
DAS RESPONSABILIADADES DO ÁRBITRO JULGADOR................................78
8. DA SENTENÇA ARBITRAL COMO ESCOPO JURISDICIONAL.......................80
A NECESSIDADE DE UMA NOVA CONCEPÇÃO DE ARBITRAGEM...............80
A SENTENÇA ARBITRAL....................................................................................83
DAS NULIDADES DA SENTENÇA ARBITRAL...................................................87
SENTENÇA ARBITRAL, CITRA PETITA, EXTRA PETITA E ULTRA
PETITA.................................................................................................................90
9. CONCLUSÃO.......................................................................................................94
10. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS....................................................................96
7
INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira está passando por um momento turbulento em diversos
setores: econômico, social, político e principalmente jurídico. Seria possível
identificá-los e explicá-los, porém, para isso, teríamos que adentrar nos meandros da
sociologia, filosofia, psicologia e demais ciências que fugiriam certamente do nosso
enfoque central. Sendo assim, traçamos um corte metodológico nessa crise
generalizada. Portanto, neste presente trabalho, analisaremos a possibilidade da
jurisdição privada arbitragem viabilizar o acesso à Justiça e, com isso, amenizar
a crise instalada no âmbito jurídico.
Colocamos de forma proposital esse termo “âmbito jurídico”, uma vez que, dentro
dos parâmetros dessa problemática, discutimos a crise jurídica, a crise do judiciário
e a crise do processo e da lei no âmbito pátrio.
Costuma-se adotar o termo crise jurisdicional para envolver tanto os aspectos
deficitários do Judiciário, quanto os aspectos legais. Entretanto, atualmente,
adotamos por conveniência diferenciar tais problemas, pois os fatores e as
distinções primárias da chamada crise do Poder Judiciário são umas e as da crise da
Lei ou do processo são outras. Entretanto, podemos salientar que, desse ponto
de vista, as conseqüências finais serão convergentes, ou seja, os efeitos produzidos
por tais crises se encontrarão na insatisfação social generalizada, oriunda da
absurda morosidade na prestação da tutela “garantida” pelo Estado.
Diante de tais premissas concernentes à crise jurídica, pergunta-se: Qual a
correlação do ensino jurídico com a crise jurídica crise jurisdicional e crise
processual – pela qual o Brasil está passando?
uma dicotomia quanto à natureza jurídica da arbitragem no ordenamento jurídico
brasileiro. Assim, o presente trabalho pretende esboçar as correntes existentes no
Brasil, apontando seus argumentos e se filiando à natureza jurisdicional da
arbitragem. Essa pretensão está retratada na primeira parte do título do trabalho.
8
Utilizando-se do método dedutivo-indutivo, com pesquisa bibliográfica e documental,
verificaremos neste trabalho o direito de acesso à justiça, que é defendido como um
dos “direitos sicos do Homem” e é considerado um dos mais importantes direitos
fundamentais. A relevância desse direito em relação aos demais ocorre porque ele é
imprescindível para a viabilização da eficácia dos demais, bem como propicia a
garantia de uma organização social justa e democrática.
Assim, como escopo maior, há de se evidenciar que, hodiernamente, o que se
compreende por Jurisdição se apresenta em duas subespécies: a jurisdição estatal
(clássica) e a jurisdição privada (exercida na forma da arbitragem). Apesar de não
muito largo o ponto convergente, restam as seguintes opções ao sujeito de direitos:
dispor do seu direito não o exigindo, efetivar a própria auto-tutela, a negociação, a
mediação, acessar à justiça através do Judiciário, ou, ainda, acessar à justiça por
meio do mecanismo privado, ou seja, a arbitragem.
No primeiro capítulo, são apresentados os elementos históricos da arbitragem,
desde a prática da auto-tutela à utilização concreta da arbitragem, fazendo menção
à sua origem na Grécia Antiga, passando pela restrita recepção no Período Romano.
No segundo capítulo, registramos a arbitragem em alguns ordenamentos jurídicos
estrangeiros que tem proximidade com o mecanismo da arbitragem aplicado no
Brasil.
No terceiro capítulo, analisamos a arbitragem na Constituição da República de 1988,
bem como seu tratamento a posteriori. Ainda nesse capítulo, estão presentes
algumas críticas construtivas e destrutivas elaboradas sobre o instituto da arbitragem
no Brasil, bem como as argumentações jurídicas que rechaçam as críticas que nada
acrescentam ao instituto.
O quarto capítulo expõe a crise jurídica que se alastra pelo Brasil, dando ênfase ao
clamor da sociedade em busca da facilitação do acesso à Justiça, da segurança e
da celeridade no método. Contudo, não tem sido esse o papel desenvolvido pelo
Estado, não por sua exclusiva vontade, mas pela acelerada evolução social,
crescimento demasiado da tecnologia e massificação de consumo. Na verdade, tudo
9
isso ocasionou o grande aumento das demandas, e, na contramão, o legislador
nacional, priorizando a máxima segurança jurídica, criou uma série composta de alto
número de recursos e meios de impugnações. Conseqüentemente, os processos
não têm duração razoável, proporcionando abarrotamento do Poder Judiciário,
apesar das louváveis intenções retratadas em campanhas em prol da conciliação e
das últimas reformas do diploma processual civil em nítida perseguição à mudança
do quadro do processo brasileiro.
o quinto capítulo procura demonstrar que a crise jurídica tem como gênese a
mentalidade dos operadores do Direito, desde a sua formação, voltada a travar
longas e brilhantes batalhas, com voltas e reviravoltas no deslinde processual. No
entanto, buscamos demonstrar que essa cultura passada na educação jurídica
formadora é equivocada e prejudicial não somente ao operador, mas ao Judiciário,
e, conseqüentemente, a toda a sociedade. Apontamos, ainda, a necessidade de
uma atual mudança no ensino jurídico, uma vez que poucas o as faculdades de
Direito que oferecem na sua grade curricular matérias relativas ao acesso à Justiça,
à mediação e à arbitragem.
No sexto capítulo, analisamos a interface jurisdicional do instituto da arbitragem e
que a discussão que se trava quanto à natureza jurídica não está, simplesmente, no
surgimento do termo Jurisdição, mas, principalmente, na análise da evolução desse
conceito. Isso porque, em compasso com a realidade social e jurídica hodiernas, é
mister a superação da dogmática absoluta no direito brasileiro, seja no âmbito
constitucional ou processual civil, do entendimento quanto ao monopólio da
atividade jurisdicional pelo Estado.
No sétimo capítulo, o abordados os aspectos processuais existentes no
mecanismo arbitral, pois, como demonstraremos, o método da arbitragem ainda não
está completo. Como todo avanço não se faz por inteiro e integral, a Lei da
Arbitragem confere excelentes pontos para a atuação processual, mas ainda é
campo inacabado.
O oitavo e derradeiro capítulo aborda a sentença arbitral sob um manto jurisdicional,
apresenta as de nulidades e as conseqüências nas sentenças citra petita, extra
10
petita e ultra petita na arbitragem, com o intuito principal de enfatizar o efetivo meio
de acesso à Justiça.
11
1 ELEMENTOS HISTÓRICOS DA ARBITRAGEM
A palavra “jurisdição”, etimologicamente, significa dizer o direito, é proveniente do
latim jus dicere. No entanto, o alcance científico de jurisdição é demasiadamente
importante para o direito constitucional e o direito processual.
Mesmo anterior ao conceito sociológico de justiça, ainda inexistente o Estado-juiz, os
conflitos eram resolvidos pelo mecanismo privado, isso desde os idos de 3000 a.C.
1
na Babilônia, na Grécia antiga e em Roma.
No entanto, a pacificação dos conflitos sociais, apesar de paradoxal, acontecia por
meio da auto-tutela, e por vezes até pela violência. Isso porque a sociedade arcaica
não possuía qualquer meio eficaz de proteção ao direito, a não ser o emprego da
força para garantir a proteção de um interesse ou direito, imperando a vontade
unilateral, comumente despida de justiça.
Sabe-se que o homem o simplesmente existe, mas sim coexiste. E para que essa
coexistência formasse uma sociedade possível, foi identificada a necessidade de se
evoluir no setor político-organizacional, ou seja, uma nova mentalidade no
tratamento das relações individuais, em que não havia mais condições da existência
da justiça pela força. Eis que surge o método da autocomposição.
A autocomposição se apresenta sob algumas formas. Uma delas é a renúncia à
pretensão, a submissão - situação em que o sujeito, a quem é requerido algum
direito, aceita a pretensão do requerente e se submete ao seu interesse. E, ainda,
a transação, que é uma forma de composição em que os envolvidos no conflito,
de alguma forma, cedem em seus interesses até chegar numa posição confortável
para ambas as partes findarem o conflito. Além disso, a mediação, que é forma
de solucionar um conflito com a presença de um terceiro, desprovido de qualquer
poder decisório, denominado mediador, que zela pela aproximação das partes a fim
de elaborar o consenso entre elas.
12
Anteriormente à jurisdição estatal, apresentou-se como forma imparcial para solução
de conflitos o método em que partes contendidas escolhiam um julgador de
confiança que com autonomia e imparcialidade direcionava a prevalecência do
direito. Eis, então, a arbitragem instaurada e efetivada como forma de se resolver
conflitos, solucionar litígios. Esse método de resolução de disputas, dizendo-se o
direito jus dicere -, desde o seu início, é o nosso objeto de estudo e definição pela
natureza jurídica da arbitragem.
Entrementes, o termo jurisdição somente surge com a formação do Estado,
adquirindo a exclusividade, o monopólio, para a pacificação dos conflitos sociais.
Pregava o próprio Estado e seus defensores que a vontade estatal era a legal e a
legítima em situações litigiosas, em que o Estado tripartido, através do judiciário,
exercia, então, a atividade jurisdicional.
1.1 Arbitragem na Grécia Antiga
A história grega é demasiadamente interessante, não só pelo apego à religo
politeísta, mas pelo protecionismo aos cidadãos gregos, privilegiando os gregos em
detrimento aos estrangeiros.
Concernente ao universo do direito, mais precisamente às vias resolutórias de
conflitos, eram fornecidos aos gregos os meios para as soluções pacíficas das
contendas com um indivíduo pertencente à mesma comunidade de valores
2
.
Entretanto, com a evolução e especificação da sociedade grega, o tratamento do
estrangeiro se abranda, e, conseqüentemente, as soluções por meio de
negociações, bons ofícios e arbitragens se tornam freqüentes.
Os primeiros passos do direito internacional privado se deram na Grécia antiga, ao
passo que, como excelentemente considerou Michel De Taube
3
, “nos tratados de
1
Figueira Junior, Joel Dias. Arbitragem: jurisdição e execução: análise crítica da Lei 9307 de
23.09.1996 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2
ª
ed. 1999, p. 24.
2
Lemos, Luciano Braga e Lemos, Rodrigo Braga. A arbitragem e direito. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2003. p. 22.
3
Taube, Michel de. Les origines de l’arbitrage internacional: antiquité et moyen âge. Cours de
L’Académie de Droit Internationale de la Haye. 1932, v. 4, t. 42. apud Lemos, Luciano Braga e Lemos,
Rodrigo Braga. A arbitragem e direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 23.
13
paz ou de comércio se inseriam cláusulas de estipulações de não cometer injustiça
ou para não mais praticar atos arbitrários”.
Em tratados internacionais, considerou-se uma completa igualdade entre os
cidadãos, surgindo um sistema jurídico único comum a toda a Grécia, ampliando a
utilização da arbitragem para além das cidades gregas. Nesse momento,
aceitavam “a instituição dos árbitros públicos para contendas privadas, em Atenas,
devia, p. ex., suscitar, cedo ou tarde, imitações na esfera das relações de Estado a
Estado”
4
.
A arbitragem na Grécia entre cidadãos, estrangeiros ou cidades gregas era firmada
por meio de um pacto especial, o qual gerava compromisso, seja em contratos ou
tratados. Visualiza-se a via arbitral como faculdade, mas com total compromisso e
respeito ao pacto, o que ousamos comparar, nos dias atuais, com a cláusula
compromissória entre interessados.
A escolha dos árbitros competia às próprias partes que privilegiavam, além do
conhecimento de causa, o bom e respeitável relacionamento desses nos locais em
contento. Quanto à sentença arbitral, Luciano Braga Lemos teceu interessante
comentário em sua obra:
Quando prolatada em assuntos intermunicipais, era, à semelhança dos
tratados, gravada em muros de templos, em estelas ou no sopé de estátuas,
razões por que abundantes informações sobre a prática da arbitragem
intermunicipal na Grécia antiga.
5
1.2 A Arbitragem no Período Romano
Direcionada aos particulares, a arbitragem romana foi extremamente salutar, visto
que lapidou o instituto com importantes princípios de direito, passo esse que
aperfeiçoou e agregou respeitabilidade ao procedimento arbitral.
Como na Grécia, a arbitragem romana entre particulares tinha como natureza
jurídica o pacto. Seu alicerce era exclusivamente contratual, inclusive nesse contrato
4
Taube, Michel de. Op. cit., p. 37. apud Lemos, Luciano Braga Lemos. op. cit. 24
5
Lemos, Luciano Braga. ob. cit. p. 22.
14
de cláusula especial os interessados convenientemente assinavam o compromisso
de respeitar a decisão imposta pela arbitragem.
Segundo Lemos,
Para fazer respeitar o compromisso ou a cláusula compromissória, o pretor
concedia uma ação, arbiter in causis bonae fidei. No caso de haver
estipulação de penalidade inserida no compromisso ou no contrato,
stipulatio poenae, havia a ação conditio ob rem dati re non secuta, para a
restituição da soma devida pela parte que não permitisse a constituição do
juízo arbitral e recorresse à jurisdição togada. Em qualquer julgamento
arbitral, o pretor impunha a obrigação ao árbitro de aceitar julgar a
controvérsia, receptum arbitri. A sentença era irrecorrível aos tribunais,
inexistindo, contudo, meios legais de compelir o seu cumprimento.
6
Importa salientar a forma como Cícero distinguiu o juízo arbitral do juízo togado,
registrado na obra de Marguerite Landrau: “vem-se a julgamento para perder ou para
ganhar todo o processo, tomam-se árbitros com a intenção de não perder tudo ou
não ganhar tudo”
7
.
Observa-se que, no período de dominação romana, a aplicação da arbitragem nas
relações entre particulares evoluiu e se inclinou às práticas comerciais, mas o
pode ser visualizada de mesma forma na arbitragem pública.
1.3 A Decadência da Arbitragem em Roma
Sálvio de Figueiredo Teixeira relatou em seu estudo, realizado para identificar a
arbitragem em diversos ordenamentos dos povos antigos, a seguinte manifestação:
Historicamente, a arbitragem se evidenciava nas duas formas do processo
romano agrupadas na ordo judiciorum privatorum: o processo das legis
actiones e o processo per formulas. Em ambas as espécies, que vão desde
as origens históricas de Roma, sob a Realeza (754 a.C.) ao surgimento da
cognitio extraordinária sob Diocleciano (século III d.C.), o mesmo esquema
procedimental arrimava o processo romano: a figura do pretor preparando a
ação, primeiro mediante o enquadramento na ão da lei e, depois,
acrescentando a elaboração da fórmula, como se na exemplificação de
Gaio, e, em seguida, o julgamento por um iudex ou arbiter, que não
integrava o corpo funcional romano, mas era simples particular idôneo,
incumbido de julgar, como ocorreu com Quintiliano, gramático de profissão e
6
Lemos, Luciano Braga. ob. cit. p. 23.
7
Landrau, Marguerite. L’arbitrage dans droit anglais et français comparés. Paris: Arthur
Rousseau, 1923, p. 11. apud Lemos, Luciano Braga. op. cit. p. 28.
15
inúmeras vezes nomeado arbiter, tanto que veio a contar, em obra clássica,
as experiências do ofício.
8
Surge, então, o juiz como órgão estatal e, a reboque, como destacou lvio
Figueiredo Teixera, “a jurisdição em sua feição clássica, poder-dever de dizer o
Direito na solução dos litígios. A arbitragem, que em Roma se apresentava em sua
modalidade obrigatória, antecedeu à própria solução estatal jurisdicionalizada”
9
.
Pedro A. Batista Martins
10
, em valiosa pesquisa sobre a prática da arbitragem nos
povos antigos, afirma que a arbitragem foi “utilizada pelos povos desde a mais
remota antigüidade, quando a desconfiança recíproca e as diferenças de raça e
religião tornavam prerias as relações entre os povos.” Desse estudo sobre a
evolução histórica da arbitragem, firmou-se a convicção de que a arbitragem é um
instituto que existiu e produziu efeitos, mesmo antes que surgisse o legislador e o
juiz estatal.
A seguir, de acordo com Martins, explicitamos a presença da arbitragem, nos
séculos pretéritos:
a) na Grécia antiga, em face de ter constatado que o “tratado firmado entre Espanha
e Atenas, em 455 a.C., continha cláusula compromissória, o que evidencia a
utilização desse instituto por aquele povo e, também, a sua eficácia como meio de
solução pacífica dos conflitos de interesse”
11
;
b) na Roma antiga, em razão do sistema adotado de se estimular o iudicium
privatum-judez (lista de nomes de cidadãos idôneos), com o objetivo de solucionar,
em campo não judicial, os litígios entre os cidadãos
12
;
c) nas relações comerciais assumidas durante o Séc. XI, pela posição dos
8
Teixeira, Sálvio de Figueiredo. A arbitragem no sistema jurídico brasileiro. (Coletânea) A
Arbitragem na Era da Globalização, coordenação de José Maria Rossini Garcez, Rio de Janeiro,
Forense, 1999. p. 25.
9
Texeira, Sálvio Figueiredo. Op. cit. p, 25.
10
Pedro A. Batista Martins. Arbitragem através dos tempos. obstáculos e preconceitos à sua
implementação no Brasil. (Coletânea) A arbitragem na Era da Globalização, coordenação de José
Maria Rossini Garcez, Rio de Janeiro, Forense, 1999, págs. 35 e segs.
11
Ibidem, pg. 36.
12
Ibidem.
16
comerciantes de resolver os seus conflitos fora dos tribunais, com base nos usos e
nos costumes
13
.
No entanto, a arbitragem clássica enfraqueceu-se com a publicização do Estado
romano, admitindo o poder absoluto e a concentração do poder, permanecendo
dessa forma até a queda do Império romano.
Diante do novo sistema político romano, o Estado avocou integralmente a atividade
de resolução da lide. Suprime-se o iudex ou arbiter, e as fases in jure e apud judicem
se enfeixam nas mãos do pretor, como detentor da auctoritas concedida do
Imperador - donde a caracterização da cognitio como extraordinária, isto é,
julgamento, pelo Imperador, por intermédio do pretor, em caráter extraordinário,
como bem salientou Teixera
14
.
E, por fim, Sálvio Figueiredo Teixeira deixou registrado:
Com as naturais vicissitudes e variações históricas, veio ela também a
decair importância no Direito europeu-continental, ou civil-law, persistindo
forte a técnica de composição puramente estatal dos conflitos. Mas subsistiu
como técnica, em razoável uso, paralelamente à negociação e à mediação,
no âmbito do common law, o direito anglo-americano - marcado por
profunda influência liberal.
15
1.4 A Arbitragem na Idade Média, no Absolutismo e na Revolução
Francesa
Durante a Idade Média, “a arbitragem pelo Imperador ou pelo Papa era o julgamento
do superior (temporal ou espiritual)”
16
. Acrescenta-se que tal julgamento ocorria não
somente por meio das arbitragens de caráter público, mas também acontecia nas
outras formas de soluções pacíficas de controvérsias. Por exemplo, os conciliadores
13
Ibidem.
14
Texeira, Sálvio Figueiredo. Op. cit. p, 26.
15
Ibidem. p. 26.
16
Rousseau, Charles. Droit international public. 6. ed., Paris: Dalloz, 1971, p. 300. Apud Lemos,
Luciano Braga. ob. cit, pg. 34.
17
em assuntos políticos das comunas e das ordens religiosas, organizações essas
que, por vezes, tinham na prática um poder verdadeiramente político
17
.
Outra circunstância a observar é que, em várias partes da Europa medieval,
decretos locais atribuíam aos bispos o conhecimento de causas que versassem
sobre conflitos entre parentes em matéria de partilha ou de tutela
18
.
Três razões, segundo Taube, explicariam o enorme sucesso da arbitragem na Idade
Média. Em primeiro lugar, havia reiterada prática arbitral no seio da Igreja Católica
romana, na sua jurisdição eclesiástica, que era bastante extensa, dado ao fato de
que os clérigos eram proprietários de grandes áreas de terra. Explica-se a origem de
tal prática arbitral pelo fato de ser mais fácil a uma comunidade resolver os litígios
entre os seus membros por maneiras não judiciais, especialmente em face das
proibições do apóstolo Paulo, em sua primeira carta aos coríntios, de não recorrerem
à justiça romana (I Cor. VI, 1 e segs.). Como registrou Luciano Braga Lemos,
Em segundo lugar, houve o surgimento de arbitragens intermunicipais, à
semelhança da existente na Grécia antiga, para resolução de litígios
territoriais, em contraposição à justiça oferecida pelo Sacro Império romano-
germânico, que pesava profundamente sobre as comunas; natural, pois,
que, à medida que se descobria o direto romano, se aplicassem as soluções
pragmáticas de direito privado àquelas questões que hoje seriam de direito
público. Em terceiro lugar, o sistema feudal, com a atomização do poder,
concentraria na figura dos proprietários de terras, hierarquicamente
superpostos e ligados entre eles mesmos e ao rei, um sistema de direitos
recíprocos, onde não haveria distinção entre público e privado; o recurso à
arbitragem pelo superior hierárquico, para resolver questões privadas, seria
igualmente uma solução para assuntos hoje de pertinência do direto
internacional público.
19
Como bem registrou Landrau, foi na idade Média que surgiu um novo tipo de
arbitragem: a arbitragem comercial
20
. Nas feiras, onde se reuniam comerciantes de
várias nacionalidades, funcionavam tribunais arbitrais, que, na verdade, eram mais
expeditos que os tribunais judiciários locais, que deveriam, caso a eles recorressem,
aplicar leis estranhas ao foro, num sistema onde imperava a extrema personificação
da lei e a mais ampla extraterritorialidade dos estatutos pessoais. A arbitragem
17
Ibidem. p. 34.
18
Catalano, Gaetano. Arbitrato: arbitrato pontifício. In: CALASSO, Francesco (Org.). Enciclopedia
del diritto. Milão, 1958, v. 2, p. 994-1001.
19
Lemos, Luciano Braga. op. cit. p. 32.
20
Landrau, Marguerite. L’arbitrage dans lê droit anglais et français comparés. Paris: Arthur
Rousseau, 1923. apud Lemos, Luciano Braga. op. cit. p. 33.
18
permitiu o recurso à eqüidade e à aplicação de usos e costumes vigentes para as
partes, constituindo-se, por tais razões, um meio de solução pacífica de litígios mais
condizente com o mundo dos negócios.
Promovendo salto no período histórico do absolutismo, a solução pacífica de litígios
é irrigada e bem valorizada por novas doutrinas, principalmente através das obras
que buscavam entabular condicionantes para a perpetuação da paz. Tal concepção
era, destacadamente, visível nas relações entre Estados, uma vez que a diplomacia
e constantes alianças e ligações entre as famílias dominantes propiciaram métodos
pacíficos para a composição de divergências.
O marco de maior representação foi a Revolução Francesa, conforme ressalta Braga
Lemos: “arbitragem é meio mais razoável de terminar uma contestação entre
cidadãos e, por decreto, os legisladores não puderam mais baixar nenhuma
disposição que diminua, seja o favor, seja a eficácia do compromisso”
21
.
A Constituição francesa de setembro de 1791 (Título III, Capítulo V, art. 5
0
)
descrevia que o direito dos cidadãos de terminar definitivamente suas contestações
pela via da arbitragem não poderia ser acometido de qualquer lesão pelos atos do
poder legislativo. O prestígio da arbitragem aumentava consideravelmente,
multiplicando-se os casos em que se inclinava à obrigatoriedade da arbitragem entre
entes particulares.
21
Figueira Junior, Joel Dias. Arbitragem: jurisdição e execução: análise crítica da Lei 9307 de
23.09.1996 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2
ª
ed. 1999, p. 35.
19
2. A ARBITRAGEM EM ALGUNS ORDENAMENTOS ESTRANGEIROS
Atualmente a arbitragem é instituto utilizado com êxito em vários países. Dentre os
diversos países que se valem da arbitragem elegemos alguns para referenciarmos
no trabalho devido à proximidade com o sistema arbitral aplicado no Brasil.
2.1 No México
No México, a arbitragem encontra-se regulada no Código de Procedimentos Civiles
de 1932, modificado em 1994, precisamente nos artigos 609 a 636, a arbitragem
civil. já a arbitragem comercial regula-se pelo Código Comercial Mexicano, adotando
como modelo o padrão da arbitragem comercial internacional.
Como bem concatenou Joel Dias Figueira Júnior, no México pode ser apreciado e
solucionado por vias arbitrais litígios que tenham por objeto situações que:
Não envolvem o estado e capacidade das pessoas. As demandas
decorrentes de relações de família de cunho eminentemente patrimonial,
são todavia, admitidas; assim como aquelas em que tutores poderão optar
pelo juízo arbitral para decidir questões negociais de seus tutelados, desde
que haja previamente consentimento judicial, salvo se os incapazes forem
herdeiros de quem celebrou o compromisso. Os juízos concursais de
falências e concordatas poderão ser submetidos à arbitragem desde que
verificada a concordância de todos os credores.
22
2.2 Na Itália
A Itália tem na Lei 25 de 1994 a previsão regulamentar da jurisdição arbitral, que
inclusive ratificou e completou o movimento de reforma no direito italiano, quanto à
arbitragem, isso desde os idos de 1983. Expressamente contemplado no códice di
rito civile (art. 805-840)
23
.
Quanto à matéria versada por arbitragem, na Itália aplica-se a possibilidade de que
todas as causas que suportam transação, excluindo litígios trabalhistas. Notável e
22
Figueira Junior, Joel Dias. Arbitragem: jurisdição e execução: Análise crítica da Lei 9307. De
23.09.1996 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2
ª
ed. 1999, p. 62
23
Fazzalari, Elio. Intituzioni di diritto processuale, Pandova: Cedam, VIII edizione, 2001. p. 492.
20
importante destacar uma peculiaridade do sistema arbitral italiano, o que difere dos
demais países, a autoridade arbitral na Itália o tem competência para concessão
de medidas acautelatórias, sendo necessário que a parte peticionante se dirija ao
Estado, no juízo que contenha a competência para o litígio originariamente. Nesse
compasso coexistirão duas demandas, a primeira que não se extingue e perdura na
esfera privada e o pedido acautelatório que se processará perante a esfera pública,
decidindo este o pedido, faz cumprir e remete a demanda a esfera de origem
24
.
2.3 Na Alemanha
A arbitragem na Alemanha é prevista na ZivilprozeBordnung – ZPO, especificamente
nos parágrafos 1025 a 1048, contidos no Livro Décimo, regulando não somente a
aplicação da arbitragem nacional, mas também os procedimentos para a validação
da sentença arbitral estrangeira.
As demandas que podem ser objeto do procedimento arbitral são as que possuem
direitos disponíveis, até mesmo demandas trabalhistas, diferenciando-se do sistema
italiano, o que se requer a existência de cláusula ou compromisso que opte por tal
via resolutória, consequentemente, quedar-se-á excluída a apreciação da matéria
pelo Estado.
2.4 Em Portugal
No sistema Português a previsão da arbitragem se ampara no Decreto-lei 44.129 de
1961, especificamente o Livro IV do Código de Processo Civil.
Interessante o que dispõe o artigo 1
º
da Lei 31/86, in verbis:
Art. 1
O
- Desde que por lei especial não seja submetido exclusivamente a
tribunal judicial ou arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a
direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes mediante convenção
de arbitragem, à decisão de árbitros.
24
Ibidem. p. 65.
21
Destarte pode-se observar que além de pessoas capazes, naturais ou jurídicas, seja
de direito privado ou público, podem convencionar o sistema arbitral para solução
dos impasses. Destaca-se, claramente, que até mesmo o Estado tendo por objeto de
conflito relações de direito privado ou mediante autorização por lei especial, pode se
valer do método eficaz da arbitragem.
Outro dispositivo notadamente interessante é o artigo 38 da Lei 31/86, in verbis:
Art. 38 - O Governo definirá, mediante decreto-lei, o regime da outorga de
competência a determinadas entidades para realizarem arbitragens
voluntárias institucionalizadas, com especificação, em cada caso, do caráter
especializado ou geral de tais arbitragens, bem como as regras de
reapreciação e eventual revogação às autorizações concedidas, quando tal
se justifique.
Portugal criou mecanismo para um certo controle das entidades realizadoras da
arbitragem, o que se deve, repete-se, deve existir para evitar a proliferação
desenfreada de tais “órgãos”, mas o referido assunto será tratado mais ao final da
presente.
2.5 Na França
Na França o Code de Procédure Civile, rege a arbitragem, precisamente nos artigos
1442 a 1507, inclusive a arbitragem internacional. A matéria que pode ser pautada
pela arbitragem será toda a que possuir natureza contratual, ressalvados os litígios
trabalhistas, assim como na Itália. Excetua-se na França, além da matéria
trabalhista, as que tocam a capacidade e o estado das pessoas, questões relativas à
dissolução do casamento, falência e demandas sobre marcas e patentes.
Ponto diferenciador da arbitragem em relação aos demais países é que na França é
possível a prática da recorribilidade para se impugnar as sentenças arbitrais,
consideradas “de piso”, e remetê-las a um tribunal arbitral de segunda instância, mas
destaca-se tal possibilidade mediante opção oportuna dos litigantes, e claro, tal
forma de processamento da demanda será vvel nos órgãos especializados que
possua em seus regimentos a previsão do recurso da sentença arbitral, o que Carlos
22
Alberto Carmona e Joel Dias Figueira Junior compararam ao “duplo grau de
jurisdição”.
Propositalmente os diletos juristas foram citados porque pronunciaram
posicionamentos distintos sobre esse ponto no sistema francês.
Carlos Alberto Carmona, de forma intensa, criticou a postura adotada na França,
esclarecendo que o procedimento adotado vai contra a celeridade na resolução do
litígio, ponto primordial da via optativa.
Joel Dias Figueira Junior, defende posição adversa à do mestre Carmona, contra-
argumentando não vislumbrar problemas a esse respeito, à medida que a
possibilidade de haver recurso na demanda é procedimento convencionado pelos
demandantes, destarte poderão fazer ou deixar de fazer a escolha pelo sistema
instrumental com possibilidade de recurso de apelação.
Acrescento ainda, ao posicionamento de Figueira Júnior, que as razões que fizeram
os demandantes optarem pela recorribilidade da sentença não é a perseguição
furiosa pela celeridade, mas sim, uma celeridade abrandada pela segurança jurídica,
ao passo que, até mesmo com o mecanismo recorrível é ainda mais célere que a via
estatal. Importa ainda mensurar que alguns demandantes têm como ponto primordial
na arbitragem o cunho privatístico, ou seja, o processo corre em segredo. Em
palavras resumidas, a celeridade não é o único ponto favorável da jurisdição
privada, somada a discricionariedade das partes de eleger ou não a via permissiva
de recurso, entendo não caber críticas negativas ao operante sistema francês.
2.6 Nos Estados Unidos
A arbitragem nos Estados Unidos da América é bastantemente expressiva, a
utilização do sistema privado para solução dos conflitos é amplamente utilizada e
difundida. A arbitragem é estruturada pela Uniform Arbitration Act UAA. Esse ato
uniforme de arbitragem traça as diretrizes à legislação Norte Americana.
23
Nos EUA existem diversas leis, federais e estaduais, que tratam do processo arbitral,
no entanto a maioria dos Estados regulam o sistema arbitral pelo Uniform Arbitration
Act.
Como asseverou Joel Dias Figueira Junior:
Em termos gerais, essas Acts têm por escopos principais validar os acordos
de arbitragem, tornar efetivo o respectivo processo, fornecer as
salvaguardas necessárias à sua consecução e prover um processo eficiente
quando for necessária a assistência judicial.
25
Registrou ainda o autor citado:
a utilização da arbitragem nos Estados Unidos da América não é
absolutamente intensa como também a Supreme Court, em diversas
oportunidades, tem se manifestado de forma favorável à solidificação e
difusão desse instituto
26
.
Nos EUA, as demandas de natureza criminal e quaisquer outras, outrora transitado
em julgado não poderá versar o sistema da arbitragem, o que, notadamente amplia
por demais, a atuação em jurisdição privada, ressaltando sempre: que a matéria
pertinente será concernente a direitos disponíveis.
As Class Actions ou as demandas coletivas, a princípio não podem ser resolvidas
pelo mecanismo da arbitragem, pois há carência de vontade, ou como bem destacou
Brunella Brunelli
27
: “por falta de acordo e manifestação dos interessados para este
fim”, as mínimas exceções são hipóteses em que há manifestação de vontade,
consequentemente, expressa concordância dos litigantes.
Importante destacar que o due process of law é observado no processar do sistema
arbitral instaurado; preservando, mesmo na amplitude do método privado acato aos
princípios de igualdade das partes e do contraditório.
25
Figueira Junior, Joel Dias. op. cit. pg. 85
26
Ibidem. p. 85.
27
Brunelli, Brunella. L’arbitrato commerciale negli Stati Uniti e i metodi di risoluzione alternativa
delle controverie, Rivista Trimestralle de Diritto Procedura Civile, 1987.
24
Como destacado, o mecanismo originado do due process of law assiste ainda a
possibilidade do árbitro ou tribunal, nos EUA, tem poder para deferir ou indeferir
concessão de medidas cautelares e de urgência. Não obstante ausência de previsão
legal para esse poder dos árbitros, a jurisprudência repetidas vezes tem se inclinado
admitindo o poder do árbitro, foi o que presenciou no famoso caso Stakli versus
Pyramid Eletric Company
28
.
Como ressaltado, nos EUA, a prática da arbitragem é muito intensa, e inúmeros
são os órgãos ou entidades especializadas que têm por finalidade a resolução de
conflitos, duas se destacam pela qualidade e dimensão, a National Arbitration Forum
Fórum Nacional de Arbitragem, e a Amercan Arbitration Association AAA
Associação Americana de Arbitragem.
José Maria Rossine Garcez, discorreu sobre as regras de arbitragem do “American
Arbitration Association - AAA”:
A prática da arbitragem se expandiu invulgarmente nos Estados Unidos
graças ao trabalho que desenvolve naquele país a American Arbitration
Association - AAA, que conta com um grupo de mais de 57.000 árbitros e 35
sedes físicas que oferecem a logística adequada para o desenvolvimento
dos procedimentos arbitrais em todos os estados norte-americanos. A AAA
é uma instituição privada, sem fins lucrativos, que oferece serviços ao
público na administração de arbitragens, em que têm sido predominantes os
casos laborais e de responsabilidade civil, além das disputas em questões
internacionais de natureza comercial.
As regras de arbitragem internacional da AAA foram revisadas e se
encontram em vigor desde de março de 1992, dispondo, em 37 artigos,
sobre os procedimentos a serem adotados nessas arbitragens.
No preâmbulo, o Regulamento recomenda que as partes que queiram
submeter suas controvérsias às regras administradas pela AAA introduzam
em seus contratos uma cláusula cuja redação indique, simplesmente, que
se aplicam à solução controvérsias deles originadas as International
Arbitration Rules of the America Arbitration Association. As partes, segundo
sugere a AAA, podem ainda acrescentar: a) o mero de árbitros que
atuarão (um a três); b) o local onde a arbitragem se realizará (cidade e/ou
país); c) a língua em que a arbitragem será expressada.
29
Continua o autor na memorável obra:
Sob as regras da AAA as partes acham-se livres para adotar qualquer
acordo mutuamente aceitável para a indicação futura dos árbitros ou
podem, desde logo, nomear tais árbitros. Podem as partes indicar também
28
Stakli versus Pyramid Eletric Company, N.Y, 1959.
29
Garcez, José Maria Rossini. Arbitragem Internacional, A Arbitragem na Era da Globalização,
Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999, pg. 162.
25
que a controvérsia será resolvida por um árbitro único ou por um tribunal de
três ou mais árbitros, sempre em número ímpar. Elas também podem
preferir que a AAA designe os árbitros, ou que cada parte escolha um
árbitro e que estes, entre si, nomeiem um terceiro, verificando a AAA se o
tribunal arbitral assim formado está conforme as regras aplicáveis. Podem
também as partes ajustar que a AAA submeta a elas uma lista de árbitros,
da qual elas retirarão os nomes que lhes pareçam inaceitáveis, ou, ainda,
podem delegar à AAA a escolha dos árbitros, sem exigir lhes que seja
submetida qualquer lista.
De acordo com o art. das Regras da AAA, os procedimentos da
arbitragem começam na data em que o requerimento da parte que deseja
iniciá-lo é recebido pelo administrador da AAA, o qual enviará comunicado
às partes a respeito, dando-lhes ciência deste início. A defesa deverá então
ser apresentada nos 45 dias seguintes. Conforme o art. 15, o tribunal
arbitral tem o poder de decidir sobre a existência ou validade da Convenção
de Arbitragem, ou de determinar sobre a validade do contrato no qual a
cláusula arbitral tenha sido inserida, dispondo ainda tal artigo que as
objeções à arbitrabilidade de uma reclamação devem ser apresentadas num
prazo não superior a 45 dias do início do procedimento arbitral.
Conforme o art. 29 o tribunal arbitral aplicará a lei substantiva que as partes
tenham designado para a solução da controvérsia e na hipótese de não ter
sido indicada qualquer lei ou caso o tenha sido feita imperfeitamente, o
tribunal poderá aplicar a lei que julgar conveniente. De acordo com o
mesmo artigo, no numeral 2, nas arbitragens envolvendo contratos o
tribunal decidirá de acordo com os termos do contrato, levando em
consideração a feição dos negócios ao mesmo aplicáveis. O tribunal não
decidirá como compositor amigável (amiable compositeur) ou ex aequo et
bono exceto se as partes assim o autorizem.
Na conformidade do art. 31, dentro de 30 dias da ciência da decisão, a parte
poderá requerer ao tribunal que a interprete ou que corrija algum defeito
decorrente da atividade da secretaria, erro tipográfico ou de computação, ou
que apresente uma decisão aditiva à mesma sobre pontos requeridos mas
não abrangidos pela decisão.
30
O que se pode concluir que nos EUA a arbitragem possui grande credibilidade, e por
isso uma imensa dimensão e campo de atuação, o que torna ainda mais esse
método privado para resolução de conflitos eficiente e interessante.
30
Garcez, José Maria Rossini. Ob. cit. pg. 162-163.
26
3 A PREVISÃO DA ARBITRAGEM NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988 E DEMAIS LEIS DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
A atual Constituição da República é conhecida como a Constituição Cidadã. Em
dezembro de 1987, o congresso iniciou a elaboração da Constituição e foi
promulgada em outubro de 1988.
No contexto histórico, o País acabara de passar por nebuloso período, em que
perseguições, arbitrariedades e nítidas injustiças eram praticadas com a pseudo
legitimidade das autoridades que estavam no Poder.
Grandiosa vitória foi a virada da Constituinte com a vigente Constituição Federal, em
que, segundo os Direitos Fundamentais e as Garantias Constitucionais ali previstos
no artigo 5
0
, inciso XXXV, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça ao direito. Assim, observa-se que o princípio da inafastabilidade de
acesso à justiça apresenta-se como um direito fundamental e está previsto no
supracitado dispositivo constitucional.
É importante ressaltar que o espaço angariado não foi somente a partir da recente
constituição, pois era expresso nas Constituições anteriores. Como bem salientou
Mario Louzada Carpena,
Na realidade, foi registrado pela primeira vez na Constituição Federal de
1946 (art. 141, parágrafo quarto), sendo repetido na Carta Magna de 1967
(art. 150, parágrafo quarto) e na Emenda Constitucional n. 1de 1969 (art.
153, parágrafo quarto), com redação apenas um pouco mais restritiva que a
constante na atual Constituição
31
.
E continuou o autor, corroborando com o raciocínio que empregamos:
Na oportunidade em que foi positivado primeiramente na Carta de 1946,
vivia o Brasil um regime ditatorial, tendo o constituinte da época,
cautelosamente, tratado de assegurar, de forma proficiente e clara, a dita
garantia, principalmente por causa de certas tendências políticas e
legislativas da época, que excluíam da apreciação jurisdicional
determinadas situações fáticas em prejuízo do cidadão e da Justiça
32
.
31
Porto, Sérgio Gilberto. Organizador. As garantias do cidadão no processo civil. relações entre
constituição e processo. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2003, p. 13.
32
Ibidem, p. 13.
27
Procedendo à necessária interpretação histórica do dispositivo acima referido,
constatamos que o objetivo da previsão constitucional é impedir que as
arbitrariedades de outrora, as injustiças e as perseguições, que não foram distantes,
voltassem a se repetir.
Diante desse contexto, é possível perceber que de 1946 até o presente momento,
no Brasil, a questão de ser impedido afastar lesão ou ameaça de direito do serviço
jurisdicional tem despertado destacadamente a atenção dos estudiosos do tema.
O dispositivo tem por escopo impedir que sejam criados, por lei, obstáculos sem
legitimidade ou antidemocráticos à efetiva tutela jurisdicional. É a cristalina garantia
do direito de acesso à justiça por meio da prestação jurisdicional.
É de bom alvitre elucidar a presença direta da arbitragem na Constituição da
República. Além do amplo acesso à Justiça, a Constituição manifesta no artigo 114,
§§ e 2º, a viabilidade de se resolver conflitos de ordem social, ou seja, direitos
trabalhistas. Tópico este que será abordado no subcapítulo 2.1 deste trabalho.
Importa destacar um ponto favorável à técnica empregada pelo legislador no inciso
XXXV do artigo 5º do Diploma Magno, pois ao positivar a questão da inafastabilidade
do Judiciário lesão ou ameaça a direitos, parece-nos razoável que houve uma
preocupação da autoridade em não delimitar ou especificar quais seriam esses
direitos.
Assim, a expressão absoluta “direitos” pode ser entendida em seu sentido mais
amplo, abrangendo direitos individuais, coletivos ou difusos. Ainda que, nos
ordenamentos que antecederam a atual Constituição , após muitas críticas, retirou-
se a imensa delimitação terminológica individual. Permanecendo a forma mais
abrangente que se possa entender para a expressão “lesão ou ameaça a direitos”,
prevista na Constituição de 1988. Desde a aprovação da lei que regulamenta a
arbitragem no Brasil, em outubro de 1996, o referido instituto foi alvo de duras e
acintosas críticas destrutivas.
28
3.1 As Críticas Existentes à Lei de Arbitragem
As críticas, em demasia, foram disparadas em detrimento do mecanismo arbitral por
diversos operadores do direito, principalmente, por julgadores togados que não
pouparam esforços na tentativa de combater a via alternativa para a solução dos
conflitos.
De forma incisiva, Antônio Souza Prudente, juiz do TRF da 1ª Região, manifestou-se
em artigo científico:
A Lei 9.307 que pretende instituir a justiça privada do tribunal arbitral é
visceralmente nula, porque atenta contra a alma do povo, que se revela nos
postulados fundamentais de nossa Constituição Federal. Não devemos
permitir que o Congresso Nacional ignore a Constituição a pretexto de
servir, não ao Povo, que o legitima como Poder, mas a ideologias do
neoliberalismo capitalista, sem rumos referenciais à pessoa humana dos
cidadãos
33
.
E, ainda, o mesmo magistrado salientou que a arbitragem relaciona-se aos “apelos
cênicos da globalização econômica, que rompe o monopólio estatal de distribuição
de Justiça”
34
.
Fazendo coro às observações do referido artigo, Francisco Wildo Lacerda Dantas,
também juiz federal, destacou:
Creio que, se a arbitragem fosse, de fato, considerada como verdadeira
jurisdição com todas as conseqüências que dadviriam, se estaria diante
de uma flagrante inconstitucionalidade (...) Penso, no entanto, que,
diversamente do que se possa imaginar e apesar dessas modificações
introduzidas, o legislador não criou uma verdadeira jurisdição arbitral, senão
uma forma que se poderia considerar, com perdão dos que pensam em
contrário, uma parajurisdição
35
.
33
Prudente, Antônio Souza. Revista Tribuna da Magistratura. Caderno de doutrina, outubro de 1996,
p. 81 e 82.
34
Ibidem. p. 82.
35
Dantas, Francisco Wildo Lacerda. Revista dos Tribunais, n. 743, 86º ano, setembro de 1997, p.
741.
29
Como registrou Paulo de Tarso Santos, os posicionamentos proferidos por
magistrados de diversas regiões do Brasil não exprimem a posição oficial do Poder
Judiciário
36
.
Na verdade, o que estamos captando em profundidade é a busca da
identidade perdida, porquanto a idéia concebida na atualidade de que a
função jurisdicional, na sua inteireza, deve ficar sob a responsabilidade do
Estado, não frutificou como uma natural evolução desse processo, mas
surgiu da função jurisdicional com a intenção de exercer um maior controle
sobre o jurisdicionado e de suprimir outras jurisdições comunitárias, que
pudessem naturalmente surgir da liberdade dos particulares de resolverem
suas pendências, na órbita privada, com auxílio de árbitros.
37
Na mesma esteira de raciocínio, acrescentou que
É natural uma certa hesitação em implantar o novo, em aceitar inovações
que fujam ao esquema de poder preestabelecido e sedimentado na
sociedade, mas essas resistências têm que ser removidas, em prol dos
avanços sociais. Nesse sentido parecem evidentes as melhorias que a
arbitragem pode trazer (...).
38
Concluiu, afirmando que “se a convenção entre particulares é a causa principal
geradora de direitos e obrigações na ordem jurídica privada, parece mesmo lógico
que possam também utilizá-la para resolvê-los ou extingui-los”
39
.
Portanto, com a vigência da lei da arbitragem (Lei n. 9.037/96) surgem combatentes
contrários e favoráveis do recente microssistema. Os contrários, sob a inflexível
argumentação da existência de inconstitucionalidade na lei, o que foi alvo de
grandes discussões e embates, culminando finalmente com o posicionamento do
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental de Sentença
Estrangeira (Espanha) n. 5206 Rel. Min. Sepúlveda Pertence DJU 19.12.2001,
inclusive destacado pelo Min. Marco Aurélio. Talvez esse tenha sido um dos mais
importantes julgamentos ocorridos no País, onde venceu definitivamente o
entendimento de que a Lei de Arbitragem em nada é inconstitucional, não afronta
dispositivos da Magna Carta, pelo contrário, até mesmo auxilia na efetivação do
direito fundamental de acesso à justiça.
36
Santos, Paulo de Tarso. Arbitragem e poder judiciário. mudança cultural. São Paulo, LTr, 2001,
p. 70.
37
Ibidem, p. 71.
38
Santos, Paulo de Tarso. ob cit.pg. 71.
39
Ibidem.
30
Nesse aspecto, não é forçoso salientar que tal discussão deixou de ser relevante no
ordenamento jurídico, tanto no campo prático, quanto nos embates científicos.
Importa tornar evidente que a Constituição de 1988 garante o acesso ao Poder
Judiciário, mas não o impõe no sentido de obrigar como via exclusiva.
Vale ressaltar que a arbitragem é prevista no artigo 114, parágrafos primeiro e
segundo da Constituição, assim, concluímos que, se a própria Constituição a prevê
para conflitos coletivos, seria paradoxal afirmar a inconstitucionalidade da via em
debate. Convém registrar o citado artigo:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre
sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o
ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista,
ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da
relação de trabalho;
VII as ões relativas às penalidades administrativas impostas aos
empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII a execução de ofício das contribuições sociais previstas no art. 195, I,
a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da
lei.
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à
arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio
coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir
o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao
trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão
do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio
coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. (negrito
nosso)
O registro desse dispositivo salienta o entendimento atual da viável possibilidade de
opção entre demandantes, pois se permite às partes de acordo com a autonomia de
vontade, quando frustrada a negociação coletiva, eleger árbitros para a solução.
Importa dizer que o artigo 114 da Constituição da República trata da competência da
Justiça do Trabalho, que lida, por regra, com direitos sociais, isso nos permite fazer
a seguinte reflexão lógica: se a Constituição prevê o método da arbitragem para
31
solucionar conflitos coletivos em matérias de direitos sociais, quanto mais a
possibilidade de se solucionar os chamados direitos patrimoniais disponíveis
expressamente previstos na Lei de Arbitragem.
Assim como na Constituição de 1988, a arbitragem tem larga previsão em nosso
ordenamento jurídico, tais como na Lei de sociedade anônima, em que o § do
artigo 129 da Lei 6.404/74 faculta a possibilidade da arbitragem. Assim como o
Decreto Lei 2.065/83 originou o Sistema Nacional de Relações de Trabalho.
Outro ponto que se deve destacar é a Lei de Greve nos artigos 3º e da Lei n.
7.783/89 que amplia o acesso para soluções dos conflitos, também, por arbitragem.
Ainda prevê, no inciso II do artigo da Lei 10.101/2000, a arbitragem de ofertas
finais para solucionar os conflitos relativos à participação nos lucros ou resultados.
Consta de nosso ordenamento, nos dissídios de competência da Justiça do
Trabalho, a alternativa de o Ministério Público do Trabalho atuar como árbitro, caso
seja solicitado pelas partes envolvidas. Esse fato pode ocorrer mediante interesse
comum, dispensando, inclusive, cláusula compromissória, previsão disposta no
inciso XI do art. 83 da Lei Complementar n. 75 de 1993.
O Judiciário mais uma vez fica em plano secundário na apreciação da lide quando
haja prévio e expresso interesse entre as partes sobre a delegação de um árbitro,
tendo este, de acordo com a Lei 9.307/96, a missão de analisar e julgar a demanda
proferindo a necessária resolução.
As opções por mecanismos diferentes do Judiciário ocorrem em conseqüência do
amplo descrédito que ele vem sofrendo, com patamares críticos de insatisfação da
sociedade. O Estado não mais comporta os anseios sociais retratados nos acúmulos
de demandas, gerando evidente crise jurídica que advém de obstáculos não
vencidos no Judiciário somados aos problemas decorrentes da legislação
extremamente formalista.
32
4 A CRISE JURÍDICA NO BRASIL
É notório que o assunto da crise do judiciário – também denominada crise do
processo tem sido amplamente debatido e pontuado, mas seus fatores e nuances
primárias não são recentes. Entretanto, registrando, desde o início, que as causas
da chamada crise do Poder Judiciário são umas e as da crise do processo o
outras, não obstante ouvir as como sinônimos.
Soa curioso o presente título, talvez pela dúvida despertada em se ver correlação
entre a crise vivenciada tempos no Brasil. Antes de expor a dialética do tema,
vale reproduzir as palavras de Alberto Nogueira:
É nessa instigante epopéia do direito que o homem intenta construir sua
verdadeira morada democrática, no ápice de sua construção jurídica. O
reino da verdadeira e palpável liberdade
40
.
liberdade para o cidadão que vive no emaranhado sistema jurisdicional
brasileiro? A “não-efetividade” de direitos limita a liberdade do sujeito? A resposta
não virá em palavras expressas no presente texto, mas sim deverá ser refletida e
concluída individualmente.
Comungando desse raciocínio, Mauro Cappelletti salientou que:
O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito
fundamental – o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico
moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os
direitos de todos.
41
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite,
A efetividade da tutela jurisdicional é um dos apanágios da proteção dos
direitos humanos. Ressalta-se que o artigo 5º, XXXV, da Constituição
Federal, assegura que a lei não pode excluir da apreciação do Judiciário
qualquer lesão ou ameaça ao direito. A garantia é constitucional, mas o
meio de efetivá-la é processual, através do direito de ão. Esse direito de
ação somente pode ser exercido através do processo. Disso resulta a
importância do processo civil, na defesa e proteção dos direitos humanos.
Toda a defesa dos direitos humanos na órbita civil, de passar pelo crivo
do direito processual civil.
42
40
Nogueira, Alberto. Direito constitucional das liberdades públicas Rio de Janeiro: Renovar,
2003. p 403.
41
Cappelletti, Mauro. ob.cit. p. 12.
42
Leite, Carlos Henrique Bezerra – O acesso à justiça do trabalho na pós-modernidade e a
proteção dos interesses meta individuais dos trabalhadores, São Paulo: Ltr, 2002.
33
Sustentou o mestre processualista José Carlos Barbosa Moreira, retratando alguns
pontos chaves da evidente problemática “efetividade do processo”, que
... a problemática essencial da “efetividade” que ousaríamos resumir no
seguintes pontos:
a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na
medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de
vantagem) contemplados no ordenamento, quer resultem de expressa
previsão normativa, quer se possam inferir do sistema;
b) ...;
c) ...;
d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo
de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica
utilidade a que faz jus segundo o ordenamento;
e)
cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo de
dispêndio de tempo e energias
43
.
Em página posterior, afirmou o jurista: “o tópico e traz à mente, de imediato, o coro
universal das lamentações acerca da excessiva complexidade e duração dos
processos, com todo o cortejo e de suas nefastas conseqüências”
44
.
No mesmo sentido, continuou Barbosa Moreira:
A excessiva demora dos processos tem causas tão numerosas, tão
complexas que seria ambição querer encontrar no puro receituário
processual remédio definitivo para a enfermidade. Entra em jogo longa
série de questões: falhas da organização judiciária, deficiências na
formação profissional de juizes e advogados, precariedade das condições
sob as quais se realiza a atividade judicial na maior parte do país, uso
arraigado de métodos de trabalho absoletos e irracionais, escassos
aproveitamento de recursos tecnológicos.
45
Bastante apropriado é trazer à lume o pensamento de Marinoni sobre o que ele
denomina duração razoável do processo:
O Estado tem o dever de prestar a justiça em prazo razoável e o cidadão o
direito de obter a tutela jurisdicional de modo tempestivo, a Emenda
Constitucional n. 45/2004 agregou ao art. 5º inciso que institui o direito
fundamental à duração razoável do processo e aos meios que garantam a
celeridade da sua tramitação. Diz esse inciso (CF, art. 5º, LXXVIII) que a
todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua
tramitação”.
46
43
Barbosa Moreira, José Carlos. Notas sobre o problema da “efetividade” do processo, 1986. p.
29.
44
Ibidem, p. 29.
45
Ibidem, p. 27.
46
Marinoni, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. v. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
p. 463.
34
O citado autor também ressaltou sobre a preocupação do constituinte com a
“duração razoável do processo”, o que culminou nas recentes modificações.
Ainda que a boa e adequada interpretação do inciso XXXV do art. 5º
impusesse a conclusão de que o tempo do processo deve ser repartido
igualitariamente entre as partes, e nessa perspectiva iluminasse a
compreensão da tutela antecipatória fundada em abuso do direito de
defesa, não dúvida de que agora, diante da expressa dicção do inciso
LXXVIII do art. 5º, não mais como fugir à idéia de que o legislador tem o
dever de instituir técnicas processuais voltadas à divisão do tempo
processual e o juiz o dever de adequadamente compreendê-las e de
sobretudo bem utilizá-las.
47
Afirmamos que não é correto dizer que a crise do processo ocorre somente no
Brasil, isso porque não nessa nação que se instauraram os contratempos
formadores de celeumas traumáticas, mas como passamos a discorrer, isso vem ao
longo de toda a história dos países ocidentais. Nesse contexto, o “poder” era
idealizado e esquadrinhado a fim de propiciar o bem-estar e a felicidade de um povo.
Na Inglaterra, em 1689, por meio da Revolução Gloriosa, o processo é consolidado e
passa a incorporar de forma precursora idéias basilares aludidas pelos pregadores
do Direito Natural, principalmente sobre a limitação do poder da realeza. No período
das luzes, século XVIII, as colônias norte-americanas tornaram-se independentes
perante a Inglaterra, fato ocorrido em 1776. Naquele momento, o estado da Virgínia
proferia a consagração jurídica dos “direitos fundamentais do homem”, conforme
ressaltou Gisele Leite
48
.
Posteriormente, ocorreu na França o movimento da “universalização dos direitos do
homem”, com a Revolução Francesa. Com importante influência dos pensadores
Montesquieu, Voltaire e Rousseau
49
.
Novos ideais surgiram, modificando e aperfeiçoando o mecanismo estatal. Emergiu
a “igualdade formal”, criada com a exclusão do Estado nos assuntos sociais,
ocasionando a queda do mercado livre e o Estado não mais intervindo. A revolução
47
Marinoni, Luiz Guilherme. Ob. cit. p. 463.
48
Leite, Gisele. O acesso à justiça na sistemática processual brasileira. Disponível em
http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1559. Acesso em 06/10/06.
49
Ibidem.
35
burguesa proporcionou a “separação dos poderes”, a “igualdade formal”, o “princípio
da legalidade”, ganhando força a autonomia privada.
Nesse compasso, as idéias de um novo Estado, nação e poder popular remodelam e
formam um novo conceito de Estado Nacional, cuja identidade será registrada na
Carta Magna que expressa o sentimento e a homogeneidade do ideal que passa a
prescindir o poder de coerção.
O Estado liberal predominante no século XIX evidenciou graves desigualdades
sócio-econômicas, causou a concentração de riquezas na classe burguesa industrial
determinando o surgimento de questões sociais da mais alta relevância
50
.
A partir da segunda metade do século XIX até o século XX, surge uma nova disputa:
burguesa versus proletariado. Esse fato se deve principalmente à influência do
marxismo, de fundamental importância para uma série de conquistas sociais que se
seguiram, justamente pelas mazelas do capitalismo, da concentração da riqueza, da
exploração dos trabalhadores e o grande empobrecimento da maioria do povo. As
reivindicações marxistas, em especial no âmbito trabalhista, serviram de marco
histórico para a rediscussão do significado de acesso à justiça enquanto proteção ao
trabalhador
51
.
O Estado liberal encontrou necessidade de intervenção para assegurar direitos no
campo social. Assim surge o Estado Social, com o objetivo de assegurar a igualdade
formal e material, permitindo que os menos favorecidos tivessem acesso às
necessidades sociais. O Estado passa a administrar com mais rigor e alto grau de
proteção e o Judiciário almeja uma atuação mais efetiva do controle do poder
52
.
O número de demandas progrediu de forma geométrica, ocasionando,
expressivamente, excesso de litígios. Isso proporcionou maior visibilidade social e
política aos tribunais das dificuldades que a oferta da tutela judicial teve.
50
Leite, Gisele. Op. cit. p. 07
51
Ibidem.
52
Leite, Gisele. Op. cit. p. 07.
36
Destarte, deteve o monopólio jurisdicional o Poder Judiciário, inclusive alcançando
destaque na busca para a efetivação dos direitos. Nesse período, que já faz parte da
história, o mecanismo público de soluções foi enfatizado, o Judiciário brilhava como
antes nunca visto. Timidamente, o sistema privado de resolução de conflitos era
utilizado, com enfoque quase exclusivo às causas internacionais.
4.1 A Crise dos dias atuais e o papel da Constituição da República de
1988
Notória é a crise jurídica no Brasil, que se subdivide em “crise judiciária” e “crise
processual”. É importante ressaltar que, muitas vezes, elas são confundidas, talvez
por haver uma correlação final entre elas lentidão na prestação da justiça. No
entanto, os aspectos formadores são diversos.
Na crise judiciária, evidencia-se o caos oriundo de um Estado obsoleto e em
descompasso com a evolução social e tecnológica, podendo apontar, também, a
deficiência de pessoal no âmbito qualitativo e quantitativo. a crise do processo se
instaura em decorrência do excesso burocrático que paira no sistema processual
civil, o que é obstáculo para a efetivação das pretensões dos jurisdicionados.
Como bem ressaltou Joel Dias Figueira Junior,
Essa realidade não é apenas brasileira, porquanto o mesmo fenômeno tem
ocorrido em diversos países desenvolvidos, de forma mais ou menos
acentuada. Todavia, inquestionável é a circunstância em que se encontra o
nosso Poder Judiciário, o qual por inúmeros fatores não consegue reduzir o
tempo da prestação e efetivação de sua tutela estatal, de forma sintonizada
com os valores segurança e justiça da decisão.
53
Na realidade, o que deveria ocorrer, e aos poucos está acontecendo, é que a
prestação da justiça prevista constitucionalmente deve ser redimensionada para
atender ao interesse social, ou seja, às realidades e às necessidades da fase
hodierna.
Principalmente na fase contemporânea, conflitos têm sido gerados como uma
indústria de alta produção, conflitos individuais, coletivos, difusos e todas as demais
53
Figueira Junior, Joel Dias. Ob. cit. p. 108.
37
classificações que os doutrinadores adoram manejar. Contudo, o que nos preocupa
é que cada vez mais a sociedade de massa tem exigido respostas rápidas e
eficientes.
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos destacar as palavras de José Eduardo
Faria
54
, ao afirmar que
Apesar dos dispositivos constitucionais relativos a garantias individuais,
controles políticos e liberdades públicas, o regime transformou o direito em
simples meio de governo. Desse modo, a crescente utilização da legislação
dispositiva esvaziou o equilíbrio entre os poderes, a hierarquia das leis, o
controle de constitucionalidade, o princípio de legalidade e a segurança
jurídica, configurando, no limite, um quadro de “inutilidades de leis”. Quanto
mais a intricada manipulação de decretos, das portarias, das resoluções e
das instruções normativas converteu-se num mecanismo kafkiano capaz de
propiciar soluções conjunturais para conflitos estruturais, aprisionando o
cidadão comum nas malhas do cipoal legislativo, menos a legislação
ordinária e constitucional passou a ser respeitada por parte dos governantes
logo, mais se enfraquecem os tradicionais princípios jurídicos subjacentes
ao modelo liberal de organização política e administrativa do Estado.
A problemática que se enfrenta não é nova. Como bem afirmou José Joaquim
Gomes Canotilho
55
: “As Constituições oitocentistas procuraram resolver algumas
questões da eficácia da ordem dos direitos fundamentais constitucionalmente
plasmada na ordem judica civil nos moldes típicos da Política”
Continuou o constitucionalista:
A organização racionalizada das relações sociais encontrou nos
documentos constitucionais da modernidade expressões importantes. A
afirmação da igualdade de todos os indivíduos, a supressão da
hereditariedade dos cargos públicos e, sobretudo, a proibição da
escravatura podem considerar-se como exemplos radicais da eficácia direta
dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada”
56
Registra-se que, até a década de 80 do século XX, a legislação brasileira
apresentava tendências sócio-políticas de cunho largamente intervencionista do
Estado e comumente institucionalizadas nos países desenvolvidos.
54
Faria, José Eduardo. A crise constitucional e a restauração da legitimidade, Porto Alegre:
Sérgio Fabris Editor, 1985, p. 33.
55
Canotilho, José Joaquim Gomes. Civilização do direito constitucional ou constitucionalização
do direito civil? A eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídico-civil no contexto do
direito pós-moderno. In: GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santiago (org.) Direito
Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 108.
56
Canotilho, José Joaquim Gomes. Op. cit. p. 108-115.
38
Tratando-se de Brasil, é de bom alvitre concordar que a Constituição da República
de 1988 trouxe no âmbito dos Direitos Fundamentais e Garantias Constitucionais
inovações no tocante ao amparo às tutelas todas, deixando margem inclusive para a
consolidação de vias alternativas para impulsionar a sociedade no que diz respeito à
resolução de conflitos.
As reivindicações em prol dos direitos fundamentais e da possibilidade de exercitá-
los tomam corpo, exigindo do Judiciário os meios e os modos de resolver as lides
em consonância com o novo mundo que se forma. Essa nova forma de vida tem se
preocupado com direitos fundamentais, sejam eles no plano individual, sejam eles
no plano da coletividade. E assim a Constituição Cidadã pretendeu.
Objetivos foram alcançados e resultados se corporificaram na democratização do
acesso à justiça, com a crescente concretização dos direitos individuais, sociais e
coletivos. nítida dificuldade do sujeito individualmente prejudicado, em virtude de
fato comum, buscar reparação de seu prejuízo, seja pela falta de informação, seja
pouca monta indenizatória, ou até mesmo pelo temor de perder a causa.
De suma importância e com lugar destacado no ordenamento, há a Defensoria
Pública, que viabiliza o acesso àqueles desprovidos na forma da lei, bem como,
ainda em destaque, as leis da Ação Civil Pública (LACP 7.347, de 24 de julho de
1985), aperfeiçoada pelo Código de Defesa do consumidor (Lei 8.078, de 11 de
setembro de 1990), propiciando condições para defesa de direitos difusos, coletivos
e individuais homogêneos em geral. Posteriormente, e de extrema importância
também foi a criação dos Juizados Especiais pela Lei 9.099/95 e a Lei de Arbitragem
9.307/96.
Recentemente, além das reformas do Código de Processo Civil que vagarosamente
se introduzem no sistema, desde a Lei 10.352
57
e 10.358
58
, ambas de 2001,
podemos apontar as alterações processuais advindas da Lei 10.444
59
de 2002.
57
Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, referentes
a recursos e ao reexame necessário.
58
Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, relativos
ao processo de conhecimento.
39
Importantíssimo salientar o poder da Reforma do Judiciário com a Emenda
Constitucional 45/2004, e as modificações seqüenciais advindas das leis 11.187 e
11.232
60
, ambas de 2005, além das leis 11.276
61
, 11.277
62
, 11.280
63
e 11.382
64
,
todas de 2006, com o intuito de ampliar o acesso e propiciar celeridade na prestação
jurisdicional estatal.
Pontos cruciais do processo constitucional foram alvo de debates e modificações no
último mês do ano 2006. A Lei 11.418 de 2006, que regulamenta o artigo 102, §
da Constituição da República, insere um novo requisito de admissibilidade ao
recurso extraordinário: a existência de repercussão geral do assunto.
A citada lei apresenta-se no contexto da “Grande Reforma”, consolidada, como
salientado supra, pela Emenda Constitucional 45/2004. Nesse aspecto, ao
enxertar os artigos 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil, essa lei não apenas
regula o parágrafo do artigo 102 da Constituição, mas, cristalinamente, faz
emergir a eficácia do princípio fundamental à razoável duração do processo e aos
métodos que corroboram para sua celeridade (artigo 5°, inciso LXXVIII).
Interessante revelar os resultados da pesquisa "A Justiça em Números - Indicadores
Estatísticos do Poder Judiciário Brasileiro" que evidenciaram as principais causas de
litigiosidade no Poder Judiciário no Brasil.
59
Altera a Lei n
o
5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
60
Altera a Lei n
o
5.869, de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil, para estabelecer a fase
de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogar dispositivos relativos à
execução fundada em título judicial, e dá outras providências.
61
Altera os arts. 504, 506, 515 e 518 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo
Civil, relativamente à forma de interposição de recursos, ao saneamento de nulidades processuais, ao
recebimento de recurso de apelação e a outras questões.
62
Acresce o art. 285-A à Lei n
o
5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo
Civil.
63
Altera os arts. 112, 114, 154, 219, 253, 305, 322, 338, 489 e 555 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro
de 1973 - Código de Processo Civil, relativos à incompetência relativa, meios eletrônicos, prescrição,
distribuição por dependência, exceção de incompetência, revelia, carta precatória e rogatória, ação
rescisória e vista dos autos; e revoga o art. 194 da Lei n
o
10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código
Civil.
64
Altera dispositivos da Lei n
o
5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, relativos ao
processo de execução e a outros assuntos.
40
O objetivo foi diagnosticar os problemas do Judiciário, para, posteriormente, conferir-
lhe maior eficiência. Desse modo, constatou-se o pasmático dado estatístico
65
de
que os recursos extraordinários junto aos agravos de instrumento representariam
mais de 90% dos litígios levados ao Supremo Tribunal Federal.
Outro forte e polêmico alvo de alteração foi a criação da Súmula Vinculante. Em
entrevista, a então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Ellen Gracie,
destacou que, além de reduzir drasticamente o número de ações enviadas ao
Supremo, deve-se, ainda, reduzir a demanda da Justiça Federal em até 80%.
Confirmando as palavras da Ministra, o secretário da Reforma do Judiciário,
Pierpaolo Cruz Bottini, destacou que mais de 60% dos processos que tramitam no
Supremo dizem respeito a apenas 45 temas. “A idéia é atacar as matérias repetitivas
e, aos poucos, transformar o Supremo numa corte constitucional”, disse o
secretário
66
.
E como mecanismo de agilização, na tentativa de amenização da crise jurídica, foi
criada a lei que regulamenta a informatização de processos no Judiciário, também
conhecida como “desburocratização do Judiciário”, visando a informatizar desde o
protocolo da ação até a divulgação do resultado final, fato que acontece em parte
da Justiça de alguns estados do País. Segundo essa lei, a transmissão de
informações por computador deve valer para atos dos processos civis, penais e
trabalhistas, em todos os graus de jurisdição, com a dispensa dos documentos
originais.
Esse novo enfoque manifesta um processo mais efetivo e legítimo, capaz de
proporcionar uma solução ética, célere, justa e útil, incorporando os princípios da
acessibilidade, da operosidade, da proporcionalidade e da utilidade.
Segundo Mauro Cappelletti,
Para que o Poder Judiciário se justifique, diante da necessidade social da
justiça célere e eficaz, é imprescindível que os próprios juízes sejam
capazes de ‘crescer’, erguendo-se à altura dessas novas e permanentes
65
Perfil das maiores demandas do Supremo Tribunal Federal. Relatório final da pesquisa realizada de
1º/1/2002 a 30/6/2004 pela DATAUnB. Disponível em http://www.stf.gov.br/seminario/. Acesso em
10.01.07.
66
Revista Consultor Jurídico, Tribunal multiportas, em 19 de dezembro de 2006.
41
aspirações, que saibam, portanto, tornar-se eles mesmos protetores dos
novos direitos ‘difusos’, ‘coletivos’ e ‘fragmentados’, tão característicos e
importantes da nossa civilização de massa, além dos tradicionais direitos
individuais.
67
Somente com o pleno acesso ao Poder Judiciário e aos demais meios de resolução
de conflitos poderá se cogitar um acesso a uma “ordem jurídica justa e a uma
“efetividade do processo”, no qual o Estado deve garantir aos jurisdicionados
condições formais e materiais adequadas e efetivas, almejando, assim, o equilíbrio
entre as partes, independentemente de qual seja ela, incluindo o próprio Estado.
Pode-se concluir que o Judiciário, por si só, nunca conseguirá suportar o
crescimento social, por melhor que seja a sua adequação, as suas inovações
tecnológicas, o seu aparato de pessoal e campanhas, como a última bem recente
“Conciliar é Legal”. Essa campanha ocasionou uma mobilização por todo o território
nacional, e pode ser considerada uma iniciativa louvável, pois os índices alcançados
foram espetaculares. No entanto, a credibilidade de todo o sistema judiciário, não
referente apenas aos magistrados, mas a toda operacionalização do direito, será
difícil conquistar. Além disso, mesmo que avance o Judiciário, a sociedade aumenta
em ordem crescente maior, por isso, o Judiciário o vencerá essa luta sozinho.
Estamos diante de crises no judiciário e crises no processo, ou seja, grande
parcela de culpa no legislativo. Medidas legais e eficientes foram e estão sendo
tomadas, mas não podem ser consideradas como solucionadoras.
Nesse espeque, afirmou Canotilho, seguindo assim seus dizeres:
Seria, porém, científica e pedagogicamente redutor ensinar apenas o direito
positivo sem fornecer algumas propostas quanto aos modos de interpretar e
aplicar as normas de uma lei fundamental. Quem quiser ser um verdadeiro
jurista não pode desconhecer a metódica constitucional. O último patamar
do saber é fornecido pela teoria da constituição(...)
68
.
É exatamente na Constituição, nas suas bases teóricas, que podemos encontrar
soluções, ou melhor, permissões para medidas eficazes e não paliativas, tais como a
conscientização da conciliação, como fez o Judiciário, e, ainda, o incentivo à
67
Cappelletti, Mauro. Ob. cit. p. 46
68
Canotilho, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina,
1998, p. 21.
42
mediação e à real possibilidade da jurisdição privada arbitragem como
excelentes mecanismos de acesso e de distribuição da justiça.
Por isso, podemos constatar que a crise em análise não surge por uma simples
tendência do tempo presente, pois o que se verifica agora é o desaguar do longo rio
da formação jurídica, em sentido amplo, uma vez que, como passaremos a
tratar, a cultura jurídica restrita, fechada e imutável é prejudicial ao desenvolvimento
do ordenamento jurídico, o que leva a existência de uma crise nesse setor da
sociedade.
Assim enfatizou Luiz Fux,
A crise hoje vivenciada tem dupla ratio essendi: a "dissintonia entre a lei e
os anseios sociais'" e a "ineficiência da realização da justiça". A lei, como
regra de conduta, no seu amplo espectro de regulação das atividades
humanas, tem-se revelado afastada das expectativas da comunidade. A
justiça, por sua vez, se apresenta ineficiente e incapaz de cumprir o sumo
postulado enunciado pelos jurisconsultos romanos de perpetua voluntas
unicuique suum tribuendi (a vontade perpétua de dar a cada um o que é
seu), quer pelas desigualdades que encerra, quer pela tardança da
prestação jurisdicional, quer pela qualidade da resposta judicial. Cada uma
dessas questões deve ser enfrentada, para que se possa anunciar as
perspectivas do mundo jurídico no limiar do terceiro milênio.
69
E esse autor continuou seu pensamento concatenando a crise instalada com as
influências do ensino jurídico.
A experiência jurídica nos seus momentos de produção e de aplicação
trazem de volta à cena os nossos dois grandes astros: a Lei e a Justiça. As
crises enfocadas quanto a ambos, subsumidas na neutralidade do homem
jurídico em relação às expectativas da comunidade, têm como estuário
comum a inegável influência do ensino jurídico. É através deste que o
operador do direito, na acepção ampla do vocábulo, adquire a sua visão do
prisco e de suas configurações.
70
69
FUX, Luiz. Uma nova visão do universo jurídico. Revista da EMERJ, v. 4, n.15, p. 142-156, 2001.
70
Ibidem.
43
5 A (DE)FORMAÇÃO NO ENSINO JURÍDICO E O ACESSO À
JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DA ARBITRAGEM
A educação é a base da sociedade, por meio dela se constrói uma população
equilibrada e ciente de seus direitos e deveres. Especificamente, no que diz respeito
à educação jurídica, é imperioso ressaltar que ela é vital à idônea construção de
uma sociedade jurídica preparada e adequada a enfrentar os embates sociais. É
exatamente o que se passa no Brasil, no entanto, sem o devido preparo que deveria
ser realizado há dezenas de anos.
Salientou Montesquieu que
As leis da educação são as primeiras que recebemos. E, como elas nos
preparam para sermos cidadãos, cada família particular deve ser governada
segundo o plano da grande família que compreende todas as outras. ... As
leis da Educação serão diferentes em cada espécie de Governo. Nas
monarquias, terão por objeto a Honra; nas Repúblicas, o Patriotismo; no
Despotismo, o Temor.
71
Montesquieu, ao fazer uso do termo “grande família”, afirmou que maior seria o
interesse ou plano do Governo, em detrimento dos particulares. Dessa forma,
constatamos que muito tempo ocorre a manipulação dos conteúdos e métodos
educacionais impostos e controlados pelos Estados.
Continuou o escritor em página seguinte:
No Governo Republicano é que se precisa de todo o poder da Educação. O
Temor dos Governos Despóticos nasce por si, em meio à ameaças e
castigos; a Honra das Monarquias é favorecida pelas paixões, e por seu
turno as favorece. Mas o Patriotismo é uma renúncia a si mesmo, coisa
sempre muito penosa
72
.
Montesquieu escreveu com propriedade, porque sabia que para a sobrevivência da
República deveria existir a preferência do interesse público sobre o particular.
71
Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de, O espírito das leis: as formas de governo: a
divisão dos poderes. Introdução, tradução e notas de Mota, Pedro Vieira São Paulo: Saraiva, 1987,
pg 109.
72
Ibidem, 110.
44
Mas qual a correlação dessas palavras com a educação? Essa correlação não é
muito nítida, mas existe. O governo tem total interesse no sistema educacional dos
seus cidadãos. É por meio do ensino que se formam as mentes, criam-se
pensadores, ou o contrário, tolhem conclusões e abafam pensamentos. Tudo se
relaciona com a fase, com o tempo, com o interesse do próprio governo.
Atualmente, a educação é direito básico do indivíduo e a evidência dos direitos
humanos é extraordinária. Assim, com extremado direito galgado pelos cidadãos do
mundo, a educação passou a ser direito de todo cidadão. Por isso, o que era apenas
alterado ou melhorado de acordo com a fase ou interesse do governo, passou a ser
reivindicação do cidadão. A própria sociedade clama por melhorias educacionais,
avanços no ensino, na abordagem, na metodologia, ou seja, evolução educacional.
O clamor por avanços na educação concentrou-se, principalmente, nas
necessidades do acesso ao ensino superior, no entanto, apesar das tentativas de
melhorias, o que se verificou ao final dessa jornada foi uma intensa crise
institucional, como relatou Boaventura de Souza Santos:
A concentração na crise institucional foi fatal para a universidade e deveu-se
a uma pluralidade de fatores, alguns evidentes no início da década de
noventa, outros que ganharam peso enorme no decorrer da década. A crise
institucional era e é, desde pelo menos dois séculos, o elo mais fraco da
universidade blica porque a autonomia científica e pedagógica da
universidade assenta na dependência financeira do Estado.
73
O Estado ao ser responsável por garantir a educação deveria promover e sustentar
financeiramente os cursos superiores necessários ao desenvolvimento do País.
Entretanto, ao contrário disso, o ensino superior público ficou órfão de seu provedor,
gerando uma crise institucional. Boaventura de Souza Santos registrou em sua obra
“A Universidade do Século XXI” que
Enquanto a universidade e seus serviços foram um inequívoco bem publico
que competia ao estado assegurar esta dependência não foi problemática, à
semelhança do que se passa, por exemplo, com o sistema judicial, em que
a independência dos tribunais não é beliscada pelo fato de serem financiado
pelo Estado. No entanto, porém, em que o Estado, ao contrário do que se
passou com a justiça, decidiu reduzir o seu compromisso político com as
universidades e com a educação em geral, convertendo esta, num bem que,
sendo público não tem de ser exclusivamente assegurado pelo Estado, a
73
SANTOS, Boaventura de Souza, A universidade do século XXI: São Paulo, Cortez, 2005, p. 08.
45
universidade pública entrou automaticamente em crise institucional. Se esta
existia antes, aprofundou-se. Pode-se dizer que nos últimos trinta anos.
74
Edivaldo Machado Boaventura sintetiza os fatos ocorridos na educação do Brasil:
“Avanço econômico e atraso social como é notório, o Brasil, apesar de adiantar-se
na economia industrial, sendo como dizem a oitava no mundo ocidental, atrasou-se
consideravelmente no bem-estar social, especialmente, em saúde e educação”
75
.
Trazendo o foco do problema educacional para o mundo jurídico, constata-se
evidente necessidade de mudanças. Porém, o questionamento: mudanças após
décadas de evolução? O curso de direito evoluiu no seu aspecto de acesso, ou seja,
total abertura de possibilidade do interessado cursar. Contudo, quanto à perspectiva
do ensino jurídico propriamente dito, seria possível afirmar o mesmo? Essa
deficiência no ensino jurídico não seria uma das causas da crise jurídica tanto a
crise do processo, quanto a crise do Judiciário – que o Brasil atravessa? São
indagações que pretendemos enfrentar ao longo deste capítulo.
Inúmeras são as causas da crise jurídica, defende-se que ela se encontra fortemente
ligada a fatores sociais, econômicos e políticos. Não forçoso registrar a afirmação de
Eugênio Zaffarone
76
que tal crise não é recente, mas sim é observada
prolongadamente na história.
5.1 Elementos Históricos do Ensino Geral no Brasil
Na história do Brasil, ocorreu uma evolução do sistema educacional, desde a
concepção de acesso à educação, até a metodologia empregada na formação dos
educandos.
No Brasil-Colônia, a educação era de estrita responsabilidade dos jesuítas, o
primeiro grupo chegou no Brasil em 1549, juntamente com o primeiro governador-
geral, Tomé de Souza, este com objetivo político e aqueles com objetivos
74
Ibidem.
75
Boaventura, Edivaldo Machado. A educação brasileira e o direito. Belo Horizonte. Nova Alvorada,
1997, p. 143.
76
Zaffaroni, Eugênio, Poder judiciário, crise, acertos e desacertos. Tradução brasileira Juarez
Tavares, São Paulo RT, 1995.
46
missionários. Iniciaram o percurso pelo Brasil começando de Salvador. Em 1759,
tinham 36 missões e 18 estabelecimentos de ensino secundário, localizados nos
pontos mais importantes do Brasil
77
.
As Escolas de Primeiras Letras tinham como objetivo ensinar aos índios a leitura e a
escrita, por conseguinte, o idioma e costumes de Portugal, para que assim
pudessem convertê-los. Os jesuítas mostraram grande capacidade de adaptação.
Penetravam com facilidade na casa-grande dos senhores de engenho, na senzala
dos escravos e nas aldeias indígenas.
Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal), primeiro-ministro de
Portugal (1750-1777), conflitou com os jesuítas sobre o sistema de administração,
acusados de opor-se ao controle do governo português. Em decorrência do conflito,
chegou ao rompimento (Alvará de 28 de julho de 1759), suprimindo as escolas
jesuíticas de Portugal e de todos os seus domínios
78
.
Com o objetivo maior de implementar diversas reformas em Portugal, visando a sua
adaptação ao mundo moderno, ocorreu em 1759 a expulsão dos jesuítas,
conseqüentemente, deixaram de existir 25 escolas de ler e escrever e 18
estabelecimentos de ensino secundário. O Estado assumiu a educação em Portugal
e no Brasil, buscando melhorias nos campos político, econômico e cultural, este
último com forte influência do pensamento europeu que se caracterizou pela ênfase
na experiência e na razão, idéias próximas do Iluminismo.
Esse período formou importantes pensadores para o Brasil, intelectuais
reconhecidos, influenciados pelo Iluminismo.
Em 1807, o ensino no Brasil se alterou em profundidade, pois com a vinda da família
imperial, D. João VI, no Rio de Janeiro, iniciou uma série de cursos
profissionalizantes, tanto em nível médio como superior
79
.
77
Ghiraldelli, Paulo. Filosofia e história da educação brasileira, São Paulo, Ed. Manole, 2002, pg.
14.
78
Ibidem, p. 14.
79
Ghiraldelli, Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira, São Paulo, Ed. Manole, 2002.
p.14
47
O sistema educacional, apesar de tais alterações, ainda se fazia muito carente, não
havia uma formação científica suficiente e, além disso, o aparato institucional era
quase todo voltado para o jovem, não se investindo nas crianças.
Interessante que os cursos superiores se regionalizaram devido ao escasso número
de ofertas. Assim, aquele que buscava cursos jurídicos os encontraria em São Paulo
e Olinda (11 de agosto de 1827); os cursos de medicina alocavam-se na Bahia e no
Rio de Janeiro; e a engenharia limitava-se à Escola Politécnica do Rio de Janeiro
80
.
5.2 A Evolução do Ensino Jurídico no Brasil
Da criação à afirmação, o ensino jurídico no Brasil pouco mudou. Prega-se e repete-
se o mesmo sistema metodológico no estilo aula-conferência, conhecido como
exposição de conteúdos.
Teoricamente, podem-se distinguir períodos no transcorrer da evolução do ensino
jurídico brasileiro. Tais períodos, encarados como fases, delimitam-se nos modelos
de Estado Liberal, Social e Neoliberal.
Retorna-se, então, à gênesis do ensino jurídico no Brasil, onde se relata que sua
idealização ocorrera pelos brasileiros que estudavam na Faculdade de Direito de
Coimbra, culminando com o surgimento dos cursos de Direito em São Paulo e
Olinda em 11 de agosto de 1827.
No afã da pregação do modo liberal, percebeu-se que essas duas faculdades não
mais comportavam o anseio social por profissionais do Direito. A proclamação da
República e o estouro do café proporcionaram, apesar de tardiamente,
transformações econômicas e demandas sociais.
Nesse período, a sociedade civil clamava ao Estado por uma reforma educacional
do Ensino Jurídico. E assim ocorreu a criação de uma nova faculdade na Bahia, em
80
Ibidem. p. 14.
48
1891, e, pouco depois, como dizem os historiadores, iniciou-se o período do ensino
livre, por alguns considerado o período da “Ilustração Brasileira”. O objetivo era
desenvolver o pensamento de que a educação era a peça chave para a expansão
ideal da sociedade
81
.
Entretanto, surgem correntes contrárias e as primeiras críticas a tal pensamento
liberal se deram devido à constatação de indiscriminada expansão dos cursos de
Direito, naquele período. Vale ressaltar que na mesma época surge a denominação
“fábricas de bacharéis”, graças ao aumento indiscriminado de vagas no Ensino
Jurídico. O que mais provocou os críticos foi o fato de não haver, paralelamente,
melhorias no sentido da qualidade. Desse modo, em 1927, no primeiro centenário da
criação dos cursos de Direito no Brasil, no findar da República Velha, existiam
mais de 3000 alunos, distribuídos nos 14 cursos de Direito
82
.
O ensino jurídico, no início do culo XX, deixou evidente que os currículos
ideologicamente preparados permaneceram, de forma geral, estáticos, somente
poucas alterações ocorreram, por uma necessidade de mercado, com a extinção do
Direito Eclesiástico e das Ciências Naturais, e maior carga nas disciplinas de Direito
Privado.
A manutenção da pedagogia tradicional ocorreu, obviamente, pelo comodismo
instalado, ao passo que toda tentativa de evolução pedagógica foi inócua e
fracassada. Isso ocorreu devido a não exigência qualitativa para a função de
professor de Direito, sendo considerado como bom professor aquele que tinha
evidente sucesso profissional na carreira jurídica, lecionando, conseqüentemente, os
melhores práticos.
Assim, a academia jurídica no Brasil apenas obteve superficial desenvolvimento
quanto à legislação, isso no limiar das codificações. Como se sabe, tal período foi de
triste isolamento no âmbito do conhecimento jurídico, inclusive com o sistema
metodológico único de mera transmissão ou exposição do conhecimento, expôs, sim
o mecanismo industrial de “fábrica de bacharéis”.
81
Bastos, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. 2. ed. RJ: Lumen Juris, 2000. p. 27.
82
Ibidem. p. 28.
49
Uma nova fase para o Brasil desponta no final da década de 30 do século XX, por
emergir uma outra realidade social. Com o declínio oligarquias agrícolas, surge a
novíssima classe dominante baseada no comércio e na industrialização do País,
desenvolvendo os centros urbanos.
Com o surgimento do Estado Social e a intervenção mínima do Estado Liberal na
sociedade civil era dever do Estado agir em favor do bem estar social. Entre 1930 e
1945, no Brasil, muitas transformações ocorreram no campo político, paralelamente
a estagnação do ensino jurídico se perdurou.
É importante ressaltar que tivemos atrasadas e raras mudanças legais significativas.
O Código Civil de 1916, adaptado à época, e todas as produções e codificações
efetivadas posteriormente no Estado Novo almejavam uma reestruturação do
sistema brasileiro, ocasionado um rompimento em todos os níveis dos resquícios do
Império e da República Velha. O Código de Processo Civil, Código Penal, Código de
Processo Penal e uma nova Lei de Introdução ao Código Civil foram exemplos dos
estatutos jurídicos criados numa nova fase.
No entanto, nesse período, não ficou latente a preocupação do Estado no que tange
à qualidade dos cursos de Direito, quedando livre o modelo, mas galgado na
pedagogia tradicional.
No período do autoritarismo dos militares, principalmente depois do Golpe Militar de
1964, a direção dos cursos superiores se confrontou com o momento da valorização
do tecnicismo. O objetivo era suprir e atender o crescimento econômico financiado
por outras nações, intitulado “milagre brasileiro”, fase em que houve um sobressalto
quantitativo de faculdades, tendo em vista que de 61 instituições em 1964, alcançou-
se o patamar de 122, isso dentro de dez anos, conforme registrou Venâncio Filho
83
.
O período foi considerado como um dos mais críticos na história do ensino jurídico
brasileiro, pois a crise estava generalizada, estando instaladas as crises
83
Venâncio Filho, Alberto. Análise histórica do ensino jurídico no Brasil. In: Universidade de
Brasília. Encontros da UNB. Ensino jurídico. p. 34.
50
organizacionais, didáticas, metodológicas e curriculares
84
. O autoritarismo militar
focado no tecnicismo tolheu a formação de pensamentos livres, conseqüentemente,
produtivos, estagnando e modelando os bacharéis de direito de acordo com as
necessidades deles.
Somente com a Resolução 03, do Conselho Federal de Educação, iniciou-se em
curtos passos uma desencadeada reformulação curricular dos cursos de direito (com
resultados duas décadas posteriores), em de 1972, quando havia forte limitação
pedagógica e diversos obstáculos à implantação de soluções na metodologia do
ensino jurídico
85
.
5.3 Surge a Constituição da República em 1988
A democracia foi instalada com a promulgação da Constituição da República em
1988, fator extremamente favorável às transformações substanciais no ensino
jurídico. Inovações foram experimentadas, outras implantadas, pois a Constituição
Cidadã proporcionou um melhor cumprimento dos direitos fundamentais e das
garantias constitucionais.
Assim, o ideal era a formação de profissionais com conteúdo superior ao
proporcionado pelo ensino jurídico tradicionalista, pois novas demandas se
apresentariam, novos direitos surgiriam e, conseqüentemente, mecanismos mais
complexos deveriam ser estudados para a solução de tais conflitos, tudo isso
ocasionado pelo florescer da Constituição Cidadã.
A partir de então, diversos procedimentos foram adotados para a implantação da
qualidade nos cursos jurídicos brasileiros, um dos marcos iniciais foi a revogação da
Resolução 03 de 1972 do CFE com a vigência da Portaria 1.886/94 do MEC,
passando a regular as diretrizes curriculares mínimas para os cursos de Direito no
Brasil. As transformações oriundas da Portaria 1.886/94 repercutiram positivamente
84
Martinez, Sérgio Rodrigo. A evolução do ensino jurídico no Brasil . Jus Navigandi, Teresina, ano
10, n. 969, 26 fev. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8020>. Acesso
em: 29 jun. 2007.
85
Bittar, Eduardo C.B. Direito e ensino jurídico. Legislação educacional.o Paulo: Atlas, 2001.p.
78.
51
no cenário educacional do Direito, isso porque se alcançou reforço da política estatal
de fiscalização e avaliação periódica das Instituições de Ensino Superior
86
.
A Portaria 1.886/94 inovou em diversos aspectos, principalmente em relação ao
conteúdo (implantação do curriculum mínimo) e à estrutura (biblioteca mínima e local
para prática jurídica, estágio). No entanto, ainda perdurava o fantasma do modelo
pedagógico liberal, pois a aprendizagem em si não foi alvo de inovação.
Outras normas vieram reforçar a portaria de 94, medidas importantíssimas que
deram continuidade e aperfeiçoamento aos novos rumos qualitativos. Nesse passo,
surgem em 1995 e 1996, respectivamente, o Exame Nacional de Cursos (Lei
9.131/95) e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96),
implantando um sistema de avaliação do ensino superior sob a égide do Estado. A
avaliação se concentra tanto no desempenho discente, quanto nas condições de
ensino das instituições.
5.4 Paradigmas na Educação Jurídica e a Crise Jurídica no Brasil
Apesar das leis apontadas, tendo a qualidade como alvo principal a ser perseguido,
podemos constatar que mudanças foram implementadas, mas a cultura não foi
modificada, já que a mentalidade do formador e, por conseguinte, do formando
quedam-se limitadas ao formalismo legal exacerbado.
E assim caminham os cursos jurídicos, até os dias atuais, muitos ainda apegados ao
sistema pedagógico tradicional, muitos preocupados apenas com a transmissão
indiscriminada de leis e doutrinas, o que leva à indagação inicial: Qual a correlação
do ensino jurídico com a crise jurídica (crise jurisdicional e crise processual) pela
qual o Brasil está passando?
uma forte correlação, pois a cultura enraizada no meio jurídico é que “ainda” o
Estado detém o monopólio de solucionador de conflitos. Inclusive, alguns alunos dos
86
Bittar, Eduardo C.B. Op. cit. p. 48.
52
últimos semestres do curso de direito pouco ou sequer ouviram explicações sobre a
mediação ou arbitragem.
Na verdade, não simplesmente incutido na mentalidade dos operadores e dos
estudantes, mas uma cultura limitada, uma mentalidade restrita voltada apenas para
demandas, litígios solucionados exclusivamente pelo Judiciário.
Há bem pouco tempo, as aulas de processo civil eram as mais freqüentadas, pois ali
se podia, e ainda se pode, aprender como procrastinar uma demanda usando dos
próprios meios legais, da mesma forma que se aprendem mecanismos para
antecipar o bem perseguido. Observa-se que o curso de direito no Brasil gira em
torno do Judiciário, salvo raríssimas exceções. Os exemplos construídos pelos
docentes são instintivamente baseados na atuação desse poder.
E o que ocorre diante dessa pequena visão do acesso à justiça é que quanto mais
profissionais do direito atingirem o mercado, sempre repetirão o que aprenderam,
com as mesmas falas, exemplos, técnicas e dicas. Sabe-se que qualquer ação,
freqüentemente repetida, convalesce em padronização.
E com esse repasse de mentalidade persistente por séculos, pode-se afirmar que a
cultura jurídica brasileira é estreita, e, infelizmente, limitada. Vale salientar que a
limitação da qual estamos tratando, em hipótese alguma, deverá ser imaginada
como limitação vertical do conhecimento, mas sim uma limitação horizontal, pois,
literalmente, os horizontes do acesso à Justiça estão limitados pela nossa postura
jurídica cultural, em que é extremamente mais fácil darmos prosseguimento ao
habitual a aceitarmos inovações que rompem com paradigmas seculares.
Acertadamente, preleciona Warat que
A prática dos juristas unicamente será alterada na medida em que mudem
as crenças matrizes que organizam a ordem simbólica desta prática. A
pedagogia emancipatória do Direito passa pela reformulação e seu
imaginário instituído
87
.
87
Warat, Luís Alberto et al. O poder do discurso docente das escolas de direito. Florianópolis,
UFSC, Sequência, n.2, 1980. p. 146.
53
Ou seja, o ensino jurídico deve se libertar das amarras tecnicistas que perduram
pelo comodismo gerado e incutido na cultura jurídica.
5.5 Rompimento dos Paradigmas no Ensino do Direito
Devemos ter por ideal a construção da mentalidade de que o profissional do direito
não é meio de mero combate, mas sim meio para prevenir os litígios, assegurar
medidas judiciais e não judiciais para a resolução de conflitos. O que contrariamente
é praticado, principalmente em escritórios de advocacia que se assemelham aos
quartéis, onde os advogados são os soldados, sempre armados e preparados para
“batalhas” jurídicas, muitas vezes, não aplicando a tentativa de evitar o contencioso.
Horácio Wanderley Rodrigues organiza cuidadosamente as palavras de Roberto
Lyra Filho que tratam da necessidade de maior implementação do contexto social.
Ou seja, apreende-se que é desastroso centralizar o ensino jurídico para as práticas
combativas de operadores, esquecendo-se da necessária visão sociológica, disse o
autor:
Para Lyra Filho o Direito em globo só pode ser apreendido, na sua dinâmica
social, através da dialética. Apenas uma visão sociológico-dialética, que
enfatize o devir e a totalidade, será capaz de apreender a síntese jurídica -
a positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais,
expressão da justiça social atualizada. (...).
O Direito é um fenômeno bem mais complexo do que se postula, ainda hoje,
no debate sobre o seu estudo e ensino. (...).
O que se deve fazer, neste momento, é colocar-se como partícipes do
ensino jurídico, na busca da construção de uma sociedade democrática e
humana, recuperando no Direito o seu aspecto libertário e colocando-o a
serviço da justiça social efetiva”.
88
É necessário rever e repensar os paradigmas que norteiam o atual ensino jurídico.
Atualmente, o ponto de partida na formação é a
Premissa que se criam normas porque se sabe que alguém irá burlá-las e,
conseqüentemente, haverá uma norma violada, e em posterior momento
surgirá um conflito, e o operador do direito, limitado pelo sistema
acomodado, surge para resolvê-lo.
89
88
Rodrigues, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico e direito alternativo, São Paulo: Editora
Acadêmica, 1993. p. 206.
89
Sunakozawa, Lúcio Flávio. O ensino jurídico no limiar dos paradigmas ético-jurídicos (atuais e
antigos) para (pré-)soluções de conflitos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3799>. Acesso em: 27 nov. 2006
54
As palavras de Lúcio Flávio Sunakozawa
90
ensinam claramente que a
necessidade de modificação no ensino jurídico,
Pois assim, diretamente, "humanizar o ensino jurídico" é preciso!!! Os
reflexos são inevitáveis. Banindo-se a frieza das leis e a começar de nós
mesmos, operadores do direito, o que o significa desprezar o sistema jus
positivista (vigente em nosso meio), com finalidade de atender os
verdadeiros preceitos éticos-juridicos que se espera, doravante e
principalmente, dos novos juristas que devem primar pela paz social,
fraternidade entre os homens e justiça, sobretudo. Conclusivamente, urge
nos cursos jurídicos em geral, interna corporis, um novo rumo... mais
criativo, refletido e humano! Portanto, em suma, mais justo e mais fraterno!
Ético!
Estamos, inegavelmente, atravessando uma crise do direito, comumente conhecida
como crise jurídica, fortemente influenciada por diversos fatores de naturezas
diferentes. Estamos diante da crise do direito como expressão de diversas crises,
tais como: da modernidade e dos paradigmas; do próprio princípio de legalidade; do
próprio Estado de Direito, levando ao desequilíbrio entre os poderes; da codificação
ou a "era da descodificação" e do paradigma privatista, pois ainda existe a
resistência quanto às questões de direitos individuais homogêneos, coletivos ou
difusos, num termo, conflitos supra-individuais. Essa questões serão melhor
analisadas no sexto capítulo deste trabalho.
Registra-se, ainda, a perdurada crise do Judiciário, tendo seus pontos cruciais a
estrutura organizacional e de pessoal, o não acompanhamento do crescimento
tecnológico e de informação da sociedade, e, também, em progressão geométrica, a
evolução dos números das demandas sociais.
Perante a situação atual, algumas considerações e sugestões pontuais foram
tecidas com o intuito de proporcionar mais eficiência ao sistema jurídico brasileiro e,
por conseguinte, amenizar a crise que abala a Nação, destacando, através do
ensino, eficientes mecanismos de resolução de conflitos, colaborando, finalmente,
para o desenvolvimento social brasileiro.
90
Ibidem.
55
Umas das principais sugestões é o aumento e propagação de todos os mecanismos
judiciais ou alternativos de solução de litígios, principalmente, a arbitragem e a
mediação com ampla elaboração de manuais e sítios na Internet, disponibilizando
aos cidadãos toda ordem de informações dos mecanismos judiciais ou não de
acesso à Justiça.
Prioristicamente, projetar a educação jurídica para a preponderância do direito
material sobre o direito processual e para a difusão da mentalidade não contenciosa,
voltada para a prevenção e resolução do conflito de forma extrajudicial.
É o que vem ocorrendo hoje às pressas, numa tentativa urgente de socorro ao
Judiciário no Brasil, por meio de campanhas, movimentos e estudos, com objetivos a
curto prazo, funcionando como meros paliativos diante da crise. O Superior Tribunal
de Justiça iniciou uma importante campanha para a pacificação de conflitos, o
resumo do artigo segue:
25/08/06 Juiz contemporâneo deve ser um pacificador, defende a ministra
Fátima Nancy do STJ
“A função precípua do juiz contemporâneo não é julgar, mas pacificar. O juiz
hoje é um serenador de almas e, para serenar o espírito, as partes em
conflito precisam ter a noção de que, se cada um não abrir mão um
pouquinho do seu direito, eles não irão chegar a um denominador comum".
A opinião é da ministra Fátima Nancy, do Superior Tribunal de Justiça, e foi
externada durante o evento Conciliar é Legal- Movimento pela Conciliação,
patrocinado pelo Conselho Nacional de Justiça e realizado nos dias 24,25 e
26 de agosto.
Para a ministra Nancy, a conciliação é uma maneira de manter o vínculo
social ou negocial das pessoas envolvidas em um conflito, ao contrário da
sentença, que irá sempre desgostar uma das partes. "Esse aspecto
psicológico, emocional é um aspecto firme e seguro para a paz social",
salienta. Ela disse, ainda, que luta e sempre lutará para que a conciliação
seja o instrumento mais utilizado pelos juízes, "mais do que a caneta e a
sentença", conclui.
De caráter nacional, o evento reúne juízes, conciliadores, advogados e
demais profissionais da justiça com o objetivo de capacitar multiplicadores
quanto às técnicas de conciliação e mediação. A proposta é viabilizar a
instalação de pólos de conciliação nas atuais comarcas, varas ou unidades
jurisdicionais, estabelecendo alternativas de fácil acesso às populações e
meios capazes de dar solução rápida aos conflitos. Autor(a):Ana Gleice
Queiroz Fonte: STJ
91
No entanto, é notório que o sistema jurídico brasileiro encontra-se engessado no que
tange ao ideal evolutivo, inclusive vale lembrar as palavras do professor Warat que a
91
Queiroz, Ana Gleice. Notícias do site www.stj.gov.br, acessado em 05/02/2007.
56
prática dos juristas somente mudará se modificadas as matrizes que organizam a
ordem simbólica do sistema jurídico, quão complexa é a mudança da concepção
jurídica instaurada. Sabe-se que modificar uma cultura não é algo instantâneo,
mas demanda árduo caminho que deverá ser trilhado por longos anos
92
.
5.6 A Importância da Cultura da Prevenção e Solução Pacífica de
Conflitos
É importante deixar registrado que as conhecidas, mas não difundidas
possibilidades para amenização da crise atual são a arbitragem e a mediação. Tais
práticas existem tempos na história, portanto, não são, como se imagina,
inovações do sistema de solução dos conflitos. É apontada como origem da
mediação os tempos de Confúcio, na China, isso quatro séculos antes do
nascimento de Cristo, como meio adequado para a solução dos litígios.
Como afirmou Paulo de Tarso Santos, em obra específica:
No contexto ocidental, as tendências em direção à mediação obtêm cada
vez mais espaço como alternativa para a solução dos conflitos. Na União
Européia, seu maior destaque está na tratativa de uma Diretiva Comunitária
a respeito da Mediação de Conflitos. Especificamente, na França, a década
de 90 foi considerada a década da mediação, caracterizada pelo fato e valor
que o método alcançou em diversos setores e direções
93
.
Tecnicamente, a ideologia da mediação pretende alcançar os fundamentos do
conflito, os quais ficam encobertos pelo jogo de interesse mascarado pelo
antagonismo natural dos adversários. Para tanto, conhecimentos em outras áreas,
além da jurídica, são eficientes, como exemplo a psicologia ou a sociologia. Assim, o
mediador trilhará os caminhos que o levarão a encontrar subsídios à atuação para a
paz. Para tanto, esse mecanismo decorre da propositura de novas formas de
capacitação e de formação da mentalidade do operador do Direito, com o objetivo de
se implantar a cultura da prevenção de conflitos.
92
Warat, Luís Alberto, op. cit. p. 146.
93
Santos, Paulo de Tarso. Arbitragem e poder judiciário: mudança cultural. São Paulo: LTr, 2001,
p. 19.
57
No Brasil, temos, por marco inicial regulamentar, a vigência da Lei 9.307/96 que
possibilita a resolução de conflitos, que tenham como cerne determinado o direito
patrimonial disponível, de maneira privada, ou seja, sem a participação direta do
Estado, visto que a indireta deve permanecer para fins de manter a ordem quando
necessário
94
.
Pelo mecanismo arbitral que poderá ser instaurado, o procedimento também fica a
critério das partes e a solução final deverá ser apresentada por sentença em no
máximo seis meses. Isso se as partes forem maiores e capazes, estiverem em
comum acordo e indicarem um árbitro ou mais para resolver o conflito instaurado.
Vale ressaltar que a sentença na arbitragem tem força de coisa julgada perante o
Judiciário, pois no âmbito privado não se concebe o poder coercitivo para efetivação
das condenações. Assim, se não cumpridas as sentenças arbitrais,
conseqüentemente, pode se fazer cumprir a sentença até mesmo utilizando, se
necessário, a coerção pelo Judiciário. É, sem espaço para dúvidas, um imenso
avanço no assunto do acesso à Justiça. Notadamente, o avanço é tão grande que
alguns juristas ainda resistem a esse mecanismo facilitador.
Paulo de Tarso Santos, citando Thomas Luckmann (Universidade de Frankfurt), que
estudou “as origens da institucionalização”, asseverou que
Toda atividade humana está sujeita ao hábito. Qualquer ação
freqüentemente repetida torna-se moldada em um padrão, que pode em
seguida ser reproduzido com economia de esforço (...) oferecendo um
fundamento estável no qual a atividade humana pode prosseguir com o
mínimo de tomada de decisões
95
.
Prosseguiu, com o raciocínio, Santos ao afirmar que “o juízo estatal tem a seu favor
um hábito que criado ao longo dos anos, e é mais fácil aderir a esse hábito que
aceitar a cultura nova da arbitragem...”
96
. E continuou o autor:
No intuito de aplicar essa reflexão à alternativa, válida para certas situações,
entre Poder Judiciário e Juízo Arbitral, é preciso reiterar que os sujeitos da
prestação jurisdicional podem decidir por uma das duas opções. Mas isso
94
Por exemplo nos casos de sentença arbitral viciada, a sua anulação será feita pelo Judiciário.
95
Santos, Paulo de Tarso. ob. cit., p. 77.
96
Ibidem. p. 77.
58
contraria o hábito de se aceitar a jurisdição estatal, cuja condição de
jurisdição única está agora legalmente superada quanto às controvérsias
sobre direito patrimonial disponível.
97
Assim, podemos entender, sem dúvida, que a arbitragem é veículo de
modernização, relevante no contexto de mudança social, mas tolhido pelo hábito,
conseqüentemente, pouco percebido pela própria sociedade, caracterizando essa
modernidade com a diminuição da tutela do Estado e conseqüente aumento dos
poderes da cidadania.
Segundo Cristiane M. H. de Souza Coutinho, a arbitragem no Brasil enfrenta
obstáculos de “fatores sócio-culturais” e “agravados pela falta de divulgação do
instituto”. Salientando a autora, inclusive, “a mentalidade injustificadamente
conservadora de muitos”
98
que prezam as críticas.
Como afirmou Maristela Basso:
Não basta a oportunidade e conveniência da nova Lei: precisamos retomar
o tema da arbitragem através de uma visão realista, prática e dinâmica,
onde a realização do homem é a meta, e isso exige, fundamentalmente, a
mudança de espírito do operador jurídico.”
99
Como defendido, a educação transforma vidas. o seria diferente o ensino jurídico
transformar a sociedade, obtendo uma nova mentalidade em sua formação, criando,
acima de tudo, operadores cientes e tendentes à resolução de conflitos, seja pelo
Judiciário, seja por outros meios extrajudiciais, o que de certo amenizaria a crise
jurídica que assola o Brasil.
No que diz respeito ao Estado do Espírito Santo, averigua-se que dos 35 cursos de
Direito oferecidos
100
, apenas 05 têm disciplinas específicas de acesso à Justiça ou
97
Ibidem.
98
Coutinho, Cristiane Maria Henriques de Souza. Arbitragem e a lei 9.307/96, Forense, 1999, p. 39.
99
Basso, Maristela. Lei nova revitaliza a arbitragem no brasil como todo alternativo-
extrajudicial de solução de conflitos de interesse. Revista dos Tribunais. São Paulo, nº 733, a. 85,
1996, p. 23.
100
http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL10169-5604,00.html, OAB: Número de cursos de direito
quase dobrou em dois anos. Segundo a entidade, existem 1.038 cursos em funcionamento no país.
Pesquisa realizada em julho de 2007.
59
meios alternativos de solução de conflitos. Essa realidade retrata o desinteresse em
apresentar e formar bacharéis cientes do que é o verdadeiro acesso à Justiça.
60
6 JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM
6.1 Acesso à Justiça e Jurisdição
Sabe-se que o direito de acesso à justiça é um dos direitos básicos dos homens,
talvez um dos mais importantes direitos fundamentais, pois grande é sua relevância
em se tutelar os demais direitos. Assim, não é apenas imprescindível para viabilizar
a prestação dos demais direitos, mas, também, como garantia de uma organização
justa e democrática. Para tanto, este trabalho pretende, em um primeiro momento,
definir os direitos fundamentais, para, em um segundo momento, enquadrar o
acesso à justiça como direito fundamental.
Afirmou Canotilho a respeito dos direitos fundamentais:
A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: 1.
constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa
para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências
destes na esfera jurídica individual; 2. implicam, num plano jurídico-
subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais
liberdade positiva e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a
evitar agressões lesivas por parte dos mesmos – liberdade negativa.
101
Os direitos fundamentais correspondem ao conjunto de direitos e liberdades do
homem - ser humano - positivados no âmbito constitucional de determinado Estado.
Desse modo, os direitos fundamentais originam-se e desenvolvem-se com a
Constituição onde foram sacramentados e garantidos.
Mauro Cappelletti expõe de forma minuciosa sobre o tema “acesso à justiça”,
visualizando-o, inclusive, como movimento universal e destacando que tal fenômeno,
sendo objeto de pesquisa pela ciência do direito e no direito positivo de muitos
países, assume uma nova interface teórica com a qual se repudia o formalismo
jurídico enquanto sistema que identifica o direito sob a perspectiva exclusivamente
normativa – e se preconiza a inserção de outros componentes reais, como os
sujeitos, as instituições e os processos, tudo em sintonia com a realidade e o
contexto social.
102
101
Canotilho, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra, Almedina, 1993, p. 541
102
Cappelletti, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do
movimento universal de acesso à justiça. Revista Forense 326, p. 121.
61
A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, aprovada em
unanimidade pela Assembléia Geral das Nações Unidas, preconizou em seu texto
que “Artigo VIII - Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições
nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais
reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.
Foi nesse sentido que discorreu Carlos Henrique Bezerra Leite sobre o novo sentido
de acesso à justiça, assim ensinando: “no sentido integral, acesso à justiça assume
caráter mais consentâneo, não apenas com a teoria dos direitos fundamentais, mas
também, com os escopos jurídicos, políticos e sociais do processo”
103
.
Acrescentando, ainda, que o
Acesso à justiça significa também acesso à informação e à orientação
jurídica, e a todos os meios alternativos de composição de conflitos, pois o
acesso à ordem jurídica justa é, antes de tudo, uma questão de cidadania.
Trata-se da participação de todos na gestão do bem comum por meio do
processo.
104
Sobre o mesmo tema registrou Luiz Guilherme Marinoni:
Deixe-se claro, porém, que o direito de acesso à justiça não depende
somente da eliminação dos óbices econômicos e sociais que impedem ou
dificultam o acesso. Ele salienta a sua existência, visando a sua
superação, mas constitui apenas uma faceta do direito fundamental à
tutela jurisdicional efetiva. Esse último tem várias faces, garantindo, entre
outros, o direito de pedir a tutela jurisdicional (o clássico direito de ação), o
direito de acesso à justiça e o direito ao uso da técnica processual
adequada às necessidades do direito material. De modo que o direito de
acesso à justiça, além de garantir o acesso ao Poder Judiciário a todos,
independentemente de suas condições econômicas, igualmente garante a
técnica processual idônea à tutela do direito material.
105
Diante de tais observações, verifica-se que o direito que o indivíduo possui em
acessar a Justiça lhe é garantido como um de seus direitos fundamentais. Dessa
forma, compreende-se que esse acesso queda-se impróprio se limitado apenas ao
Judiciário, que este é apenas um dos elementos que constituem o verdadeiro
103
Leite, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. ed. São Paulo: LTr,
2006. p. 128.
104
Ibidem. p. 130.
62
sentido atual do acesso, conforme apregoado. Por tal motivo, destacamos que o
entendimento do termo “jurisdição” está em crise.
O próprio conceito de jurisdição causa divergência doutrinária. Isso porque, para
alguns, é ato exclusivo do Estado, conseqüentemente, a conceituação é formulada
unicamente sob autoridade estatal. Por outro lado, defensores que proclamam
que jurisdição, fundamentando-se na origem do termo, é atividade que elimina a lide,
concretizando o direito.
Dessa forma, trava-se um problema desde o título deste trabalho, uma vez que,
presentemente, apesar de apontar as posições existentes na atualidade, inclinamos
nosso entendimento para admissibilidade da arbitragem como função jurisdicional
perfeita, válida e eficaz. Daí o porquê do título “Jurisdição Privada”, a medida que
completamos nosso entendimento de haver ato jurisdicional não pelo Estado,
mas, também, por ente particular.
Desde e sempre, registramos e respeitamos posições contrárias, fato esse
deveras importante, tendo em vista que, se não fosse assim, de nada valeriam as
pesquisas científicas.
Os fundamentos contrários à concepção da jurisdicionalidade da arbitragem são
estanques às doutrinas antigas e às legislações ultrapassadas, pois com o advento
da Lei 9.307 de 1996 abre-se nítido e largo caminho ao entendimento da ruptura do
monopólio estatal na atividade jurisdicional. Isso porque a partir do momento que se
emana da sentença arbitral a força, de coisa julgada, impondo solução à demanda
instaurada, é nítido entender que a prestação da arbitragem é atividade jurisdicional.
No entanto, a doutrina tradicional brasileira herdou a tendência da processualística
italiana e considera, majoritariamente, que jurisdição é ato exclusivo do Estado.
Assim, confrontamos tais entendimentos.
105
Marinoni. Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. v. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006. p. 462/463. Trata o autor da universalidade do acesso à justiça.
63
Galeno Lacerda traçou seu conceito de jurisdição: “É atividade pela qual o Estado,
com eficácia vinculativa plena, elimina a lide, declarando e/ou realizando o direito em
concreto”
106
. Seu argumento principal é a chamada eficácia vinculativa plena,
reportando-se ao fato da sentença de mérito fazer coisa julgada interpartes,
vinculando-as e revestindo-as de definitividade, ou seja, imutabilidade.
Percebemos, assim, que o objetivo final é a solução da lide, é função essencial da
jurisdição. Como ressaltou José Frederico Marques, “a jurisdição pressupõe uma
situação contenciosa anterior e é exercida pela aplicação do direito objetivo em
relação a uma pretensão”
107
.
Clávio de Melo Valença Filho, citando Arnoldo Wald, registrou em sua obra que
A visão errônea e totalitária da jurisdição como atividade exclusiva do
Estado sedimentou-se entre nós, a partir da influência do ordenamento
jurídico fascista italiano na formação do nosso direito processual civil
moderno.
108
6.2 Arbitragem Como Atividade Jurisdicional
A atividade jurisdicional é “atividade pública”, afirmou Athos Gusmão Carneiro.
Constitui no sistema jurídico brasileiro monopólio do Poder Judiciário, salvante os
restritíssimos casos de jurisdição anômalas”
109
.
Segundo Alexandre Freitas Câmara, o árbitro, embora exerça função pública, não
exerce a atividade jurisdicional, a qual permanece como monopólio do Estado
”110
.
Confirma seu posicionamento o jurista citado ao declarar que “a Jurisdição é
106
Lacerda, Galeno. Instituições de direito processual civil, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1962,
v. 1, p. 133.
107
Ibidem. p. 120.
108
Wald, Arnoldo. Le droit compare au brésil. Revue internationale de droit compare. Paris, n. 4,
dez.1999, p. 825. apud Valença Filho, Clávio de Melo. Poder judiciário e sentença arbitral. Curitiba.
Editora Juruá, 2002, p. 47.
109
Carneiro, Athos Gusmão. Jurisdição e competência.o Paulo: Saraiva, 2000, p. 08. (o autor se
refere ao julgamento dos processos de impeachment, o Tribunal de Contas e o Tribunal Marítimo) p.
13.
110
Câmara, Alexandre Freitas, Arbitragem. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1997, p. 88.
64
monopólio do Estado, não podendo ser exercida pelo árbitro, o qual é um ente
privado”
111
.
No mesmo sentido, Arruda Alvim ensinou que o “requisito formal da jurisdição é,
assim, a existência de um órgão integrante do Poder Judiciário”
112
. E, mais uma vez,
ponderou Athos Gusmão Carneiro que “a atividade jurisdicional é indeclinável, e
somente pode ser exercida, caso a caso, pelo juiz natural”
113
. Continuou o autor
114
:
Taxativamente proibidos em questão, pela Lei Maior (art. 5º. XXXVII), os
“juízos” e Tribunais de exceção”, a jurisdição somente pode ser exercida
por pessoa legalmente investida no poder de julgar, como integrante de
algum dos órgãos do Poder Judiciário, previstos no art. 92 da Constituição
Federal: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais
Regionais Federais e Juízes Federais, Tribunais e Juízes do Trabalho,
Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares, Tribunais e
Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
Em consonância com o princípio do juiz natural, a pretensão deverá ser provocada
“perante um julgador cuja competência foi abstratamente fixada, em geral, por regra
legal prévia”, destarte, de forma cristalina, ensinou Castro Mendes
115
.
Então, indagamos: A arbitragem, praticada pelos árbitros julgadores, tem poder
fixado em regra legal prévia? A resposta é pronta, sim. É exatamente para isso que
a Lei 9.307 de 1996 foi promulgada.
Mas a fundamentação para se admitir a arbitragem como atividade jurisdicional não
é exclusivamente a regra legal prévia. É o que passamos a discorrer.
Voltando ao ponto da “eficácia vinculativa plena”, obtida através de sentenças de
mérito, perfazendo autoridade de coisa julgada material, constata-se que não
somente a sentença do juiz togado contém esse poder, mas a decisão do árbitro
julgador também.
111
Ibidem. p. 11.
112
Alvim, Arruda. Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, v.
1, p. 41.
113
Carneiro, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 10.
114
Idem. p. 11.
115
Mendes, Aluisio Gonçalves de Castro, Competência cível da justiça federal. São Paulo: Saraiva,
1998, p. 20.
65
Como na arbitragem foi provocada uma pretensão, instaurada uma demanda,
aplicado o contraditório, analisado o direito posto ao caso concreto e aplicado o
melhor direito para resolver a lide, a solução emanada da sentença proferida por
árbitro julgador é definitiva e tornar-se-á imutável sob força da “coisa julgada material
e formal”.
Situação essa que será projetada para fora do processo onde tal sentença foi
proferida, quedando imutável a sentença
116
, isto é, “eficácia vinculativa plena”, algo
que só atividade jurisdicional produz.
6.3 Da Natureza Jurisdicional da Arbitragem
Doutrinadores diversos forçam contornar essa evidente situação delineando a
arbitragem como um “equivalente jurisdicional”, expressão de Carnelluti, ou
“substitutivo da jurisdição”, termo empregado originalmente por Lopes da Costa,
como bem registrou Athos Gusmão Carneiro
117
.
Essas considerações são defendidas, principalmente, sob o argumento de que
determinados atos, embora não provindos de autoridade judiciária, conduzem, sob
certas condições, ao mesmo resultado, ou seja, à composição definitiva da lide, que
seria obtido mediante o uso das vias jurisdicionais
118
.
Verifica-se contraditório não considerar a arbitragem como jurisdição, ou apenas lhe
conferir o título de substitutivo jurisdicional. Contraditório porque o próprio significado
e resultado explicado pelo doutrinador são próprios de atividade jurisdicional.
Atribuir o titulo de substitutivo da jurisdição, sem sequer esclarecer a natureza ideal
do instituto, reflete concreta intencionalidade de exclusão da arbitragem do mundo
116
“Para se facilitar a conclusão sobre esta matéria, impõe-se, preliminarmente, distinguir os
conceitos de efeitos, eficácia e conteúdo da sentença. O conteúdo da sentença, conforme é assente
na doutrina, corresponde ao pronunciamento do juiz acerca da matéria decidida. a eficácia da
sentença consiste na sua aptidão para produzir efeitos. Esses, por sua vez, correspondem à
manifestação externa do julgado, o que dele emana para o mundo fático, podendo ser: constitutivo,
declaratório, condenatório, executório e mandamental”. IN: SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e
Coisa Julgada, 2. ed., Porto Alegre: Fabris, 1998, págs. 483 e ss.
117
Carneiro, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. Saraiva, São Paulo, 2000, p. 43.
118
Ibidem. p. 43.
66
jurídico, mantendo, tradicionalmente, o monopólio histórico do judiciário como fonte
única da jurisdição. O que é, evidentemente, pregar contra a evolução social e
jurídica pela qual o mundo está passando.
Importa destacar outro relevante argumento tecido em corrente contrária à natureza
jurisdicional da arbitragem. Trata-se do ponto lógico de previsão existente na Lei da
Arbitragem a possibilidade para decretação da nulidade da sentença arbitral,
dependendo para tal ato o acesso ao judiciário.
Cristalinamente, tal argumentação não ergue confiança, pois considerar que a
sentença arbitral pode ser anulada por vícios taxados em lei, serve para
descredenciá-la de sua função jurisdicional. Assim, como se explica as sentenças
judiciais reformadas, as sentenças judiciais nulas, e por excelência o efeito da ação
rescisória?
Novamente, as teses formuladas no sentido de desconsiderar a arbitragem como
função jurisdicional não convencem. É importante destacar que o debate sobre a
natureza jurídica da arbitragem não é recente, provavelmente persistirá,
dependendo dos interesses políticos envolvidos.
Com o objetivo de esclarecer o motivo pelo qual se sustenta o debate, Welber Barral
elabora clara explicação:
O prolongado debate sobre a natureza jurídica da arbitragem separa dois
lados contendores e irreconciliáveis. Os denominados contratualistas vêem
no instituto uma obrigação criada por contrato, circunscrevendo-se sua
natureza às conseqüências derivadas dos pactos em geral. Do outro lado,
os jurisdicionalistas persistem em afirmar a natureza jurisdicional da
arbitragem, sustentando sua equivalência com a função do juiz estatal
119
.
Vale ressaltar que os jurisdicionalistas pretendem revisar os elementos que
constituem o conceito de jurisdição, sustentando, principalmente, que o juris dicere
é protagonizado pelo árbitro”
120
.
119
Barral, Weber. Arbitragem lei brasileira e praxe internacional. (Obra Coletiva. Coordenada
Casella, Paulo Borba) 2ª. ed. São Paulo: Editora LTr, 1999. p. 164.
120
Ibidem. p. 165.
67
Corroborando com esse último entendimento, Batista Martins afirmou que
Os árbitros, não obstantes nomeados por particulares, exercitam atos de
jurisdição ao aplicar a regra geral ao caso concreto, têm responsabilidades
análogas às dos juízes togados e pronunciam verdadeiras sentenças. (...)
Na realidade, o fim atingido pela arbitragem não difere daquele alcançado
pelo poder estatal, qual seja, o de aplicar o direito ao caso determinado
121
.
No entanto, além dos argumentos citados pelos detratores da arbitragem, os que
entendem ser contratual a natureza jurídica da arbitragem afirmam que a “arbitragem
existe por convenção; o árbitro não é órgão judiciário, não compõe a estrutura do
Poder; o árbitro não tem todos e poder para assegurar o cumprimento de seu
julgamento, ou seja, não tem coercibilidade assegurada na sentença arbitral”
122
.
Por fim, defender a pretensão de atribuir à arbitragem um caráter jurisdicional
constitui uma violação do princípio da tripartição de Poderes do Estado. Além disso,
a tentativa de atribuir a particulares, ainda que parcialmente, a jurisdição, que
deveria ser monopólio do Estado, constitui verdadeira ameaça às garantias políticas
conquistadas após árduo processo de democratização
123
. Essas constatações não
se tratam de argumento base, mas receio final.
Conforme frisado, trata-se de receio, bem como de preconceito face à arbitragem.
Isso porque emana da própria Constituição Federal de 1988 que “todo o Poder
emana do povo”. Portanto, se todo o Poder emana do povo, é correto concluir que o
Poder Judiciário é jurisdição delegada, e não originária, como se alega em defesa do
monopólio estatal de jurisdição.
Constituição da República Federativa do Brasil, publicada no Diário Oficial
da União n. 191-A, de 05 de outubro de 1988, Título I Dos Princípios
Fundamentais, artigo - A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
121
Martins, Pedro Antonio Batista. Aspectos da reforma do código de processo civil, Revista de
Processo, 1998, p. 31.
122
Barral, Welber. op. cit., p. 165.
123
Barral, Welber. op. cit., p. 167.
68
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição. (Grifo nosso)
Ressaltamos que a origem popular do poder não é recente, posto que já era
fundamento básico das Constituições. Rezava a de 1934, art. 2º - “Todos os poderes
emanam do povo e em nome dele são exercidos”; a de 1937 no art. - “O poder
político emana do povo e em seu nome será exercido”; ainda, a Constituição de
1967, na Emenda Constitucional n. 01 de 1969, proferiu no parágrafo do art. -
“Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”; por fim, a atual
Constituição, como evidenciado acima, redige e se fundamenta no mesmo princípio.
Destarte, fica muito clara a intenção de proteger as “pseudos” prerrogativas
jurisdicionais exclusivas do Poder Judiciário. Conferindo à arbitragem o rótulo de
método temeroso, pois inúmeras demandas passariam a ser julgadas por
particulares não constituídos das garantias da magistratura.
Inclusive, para muitos, tal situação permitida seria uma potente arma para
“desmontagem do Estado Social. Segundo essa visão, a arbitragem constituiria a
privatização da justiça”
124
.
Por outro ângulo, o que se deve entender dessa evolução sócio-cultural não é a
“privatização da justiça”, mas a “redefinição do âmbito privado” ou da “tutela estatal
sobre direitos particulares”. Pois como asseverou Welber Barral: “Resguardar esta
tutela sobre os direitos indisponíveis é pressuposto para a manutenção dos
interesses coletivos”
125
.
Continuou o autor: “Pretender que a tutela estatal sobre os direitos privados é
melhor, ou mais efetiva, constitui opinião ideológica, não necessariamente
corroborada pela análise de eficácia da solução estatal dos litígios”
126
.
Desse modo, é inegável o anseio social por alternativas alheias aos órgãos estatais,
fato esse incentivado, principalmente, pela lentidão enraizada no Estado. Como
124
Barral, Welber. op. cit., p. 169.
125
Ibidem, p. 167
69
destacado, é inegável tal anseio diante de uma sociedade que cresce a passos
largos e velozes, além da multiplicação da complexidade das causas, massificação
do consumo e das relações privadas, fatos que tendem, sim, à estagnação do
judiciário.
Ainda corroborando com o entendimento de que a arbitragem tem natureza
jurisdicional, o legislador confere no Código de Processo Civil institutos que
asseguram a concreta aplicabilidade da arbitragem e seus julgamentos. A título de
exemplificação, podemos apontar o artigo 267, VII, que versa sobre a extinção do
processo judicial sem análise e resolução do mérito quando houver entre as partes
convenção de arbitragem. Além do artigo 475-N que reconhece como título
executivo judicial a sentença arbitral, comparando para todos os efeitos a sentença
arbitral à sentença judicial.
Observando os apontamentos e características formais da arbitragem, torna-se
encantador seu processo, que se evidencia na especialização da matéria, na
celeridade, na escolha e na confiança das partes no julgador. Aspectos tão
empolgantes e encantadores que a o Procurador-Geral da República destacou
como “recomendável aos interessados, diante do acúmulo de processos judiciais e
do formalismo excessivo que têm gerado a lentidão das demandas judiciais”
127
.
Destarte, como ressaltou Joel Dias Figueira Junior
Diferentemente do juiz togado, falta ao árbitro jurisdição ancorada em
imperium, ou seja, aquela representada pelo poder de dizer e fazer exercer
compulsoriamente o direito afirmado. No mais os poderes de ambos se
equivalem, inclusive quanto aos efeitos das sentenças por eles
proferidas
128
.
Importa dizer que a presença do quesito imperium não é essencial à formação de
atividade jurisdicional, pois elemento próprio, essencial e irredutível da jurisdição é
aplicar o direito, normas gerais e abstratas, com fulcro eliminar solucionando a
demanda apresentada.
126
Ibidem, p. 170.
127
Brindeiro, Geraldo. Parecer n. 8062. Sentença estrangeira n. 5026-8/246 STF. MVB
Commercial versus Resil Ltda.
70
Categoricamente, o mesmo autor estancou discussões circundantes, registrando
que
O juízo arbitral instituído pela Lei 9.307/96 apresenta natureza jurisdicional.
Está-se, portanto, diante de verdadeira jurisdição de caráter privado. Aliás, o
novo microssistema que contempla o juízo arbitral não permite, ao nosso
entender, outra conclusão.
129
Como se apresentou, a arbitragem possui natureza jurídica jurisdicional, nítida
jurisdição de caráter privado. É sempre preciso lembrar que o objetivo magno da
arbitragem é propiciar o amplo acesso à justiça. Isso para atender os clamores
sociais que emergem de uma crise sem precedentes e sem previsão de terminar.
128
Figueira Junior, Joel Dias. Arbitragem: jurisdição e execução: análise crítica da Lei 9307 de
23.09.1996 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2
ª
ed. 1999. p. 156.
129
Ibidem. p. 157.
71
7 ASPECTOS PROCESSUAIS DA ARBITRAGEM: ALCANCES E
LIMITES
Como esboçado no capítulo referente à jurisdição e à arbitragem, o ponto máximo
comparativo entre o processo desenvolvido por arbitragem e o desenvolvido pelo
judiciário é que ambos culminam na formação de coisa julgada.
No entanto, antes de se alcançar esse ponto culminante da coisa julgada, diferentes
caminhos são percorridos pelas vias citadas. Obstáculos maiores e menores se
apresentam em diferentes graus. É o que, no presente capítulo, pretendemos
analisar.
7.1 Requisitos e Objetivos da Lei da Arbitragem
Inegavelmente, a regulamentação da arbitragem no Brasil, conferida pela Lei 9.307
de 1996, teve como propostas não somente a regulamentação propriamente dita,
mas estabelecer vantagens e segurança para o incentivo e o convencimento do
procedimento arbitral.
A escolha da via arbitral, como bem frisou Petrônio Muniz, pressupõe a observância
mínima de dois pressupostos: a) a compatibilização dessa forma alternativa com a
casuística da disputa e b) modificação do comportamento das partes
130
.
Quanto ao primeiro pressuposto apontado pelo autor, evidencia-se que para o eficaz
resultado da arbitragem imprescinde um fato vital: a bona fide
131
.
Segundo Muniz,
Preexistindo o objetivo comum de ser posto termo a uma controvérsia
oriunda de relação jurídica, sem a tutela jurisdicional do Estado, a “lógica do
razoável” pressupõe coexistir a disposição dos signatários do acordo de
vontades em cumprir o avençado. Quando, onde e se preciso for. Do
contrário, desnecessária a opção por uma forma alternativa de justiça
derrogatória da jurisdição estatal.
132
130
Barral, Welber. op. cit., p. 101.
131
Ibidem. p. 103.
132
Ibidem. p. 103.
72
Direto, mas extremo, é o pensamento do autor citado, pois, realmente, a confiança e
a boa-fé são sustentáculos do perfeito funcionamento da arbitragem, no entanto,
quanto ao extremado raciocínio no cumprimento do julgado, basta fazer uso do que
diz a própria legislação.
Quanto ao primeiro pressuposto apontado, aos capazes de contratar é garantida a
faculdade de resolver através de arbitragem os conflitos que tenham por objetos
direitos patrimoniais disponíveis. Diante dessa premissa estabelecida pela Lei de
Arbitragem, no seu artigo primeiro, às partes é conferida a possibilidade de
livremente escolher o procedimento que regrará a demanda. Cristalinamente,
percebe-se que a LArb exalta expressamente o princípio da autonomia da vontade.
Um dos principais argumentos que elevam a utilização da arbitragem em detrimento
do judiciário é a celeridade. Conforme se extrai do artigo 23 da LArb
133
, o prazo legal
para a duração do processo arbitral tem o limite de 06 (seis) meses. Essa
determinação é o grande atrativo da via arbitral, no entanto, tal vantagem não está
livre de ataques.
É razoável se entender que o prazo legal de 06 meses é exíguo para dar uma
solução segura e preenchida de certeza jurídica. Mas nos contrapomos informando
que tal prazo é visto dessa forma se for comparado ao tempo médio de duração do
processo judicial, que é incomparavelmente maior, fato este que causa o descrédito
da sociedade. Sendo assim, o tempo de duração para o processo arbitral conferido
pelo legislador é razoável se analisados por estes prismas.
Primeiramente, o árbitro é eleito pelas partes, a lei exige, mediante o artigo 13
134
,
que seja de confiança das partes, e entendemos que esse atributo “confiança” está
claramente relacionado à capacidade técnica e científica para julgar o entrave
133
Lei 9.307 de 1996 - Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes.
Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado
da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro. Parágrafo único. As partes e os árbitros, de
comum acordo, poderão prorrogar o prazo estipulado.
134
Lei 9.307 de 1996 - Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das
partes. § 1º. As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear,
73
apresentado. Ou seja, o julgador será autoridade com estrito conhecimento da
matéria da causa.
Para simples ilustração, extremamente prático seria a escolha de um contador para
julgar os fatores de correção, juros e índices aplicados em um contrato bancário. O
que em demanda judiciária seria imprescindível a nomeação de perito,
conseqüentemente, assistentes técnicos das partes e seus desdobramentos
procedimentais.
Analisando por esse ângulo, percebe-se que o tempo fixado pela lei não é exíguo e
temerário, pois, além da possibilidade de prorrogação pelas partes, árbitro julgador
detém especialidade mínima exigida para conferir a celeridade imposta e a
segurança necessária na causa em julgamento.
Nessa mesma esteira de pensamento, afirmou Joel Dias que
O requisito objetivo responsável pelo bom desenvolvimento dos trabalhos
encontra-se na formação do árbitro em determinado ramo do conhecimento
humano que sirva diretamente para o deslinde da causa
135
.
Essa é a competência assinalada pelo legislador no parágrafo sexto do artigo 13 da
LArb. Por isso, ser o árbitro julgador profissional específico para as demandas é fator
extremamente relevante, mas não indispensável, para observância da segurança e
duração no julgamento. O que se deve ressaltar é o método da arbitragem por
eqüidade dispensar nosso pensamento particular aqui expressado.
A imparcialidade, que consta do mesmo dispositivo, está totalmente atrelada às
regras processuais comuns pertinentes ao impedimento e à suspeição do julgador,
expressamente orientado pelo artigo 14 da LArb.
136
É valido trazer à luz o que está
disposto no Código de Processo Civil:
também, os respectivos suplentes. § 6º. No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder
com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.
135
Figueira Junior, Joel Dias. ob. cit. p. 200.
136
Lei 9.307 de 1996 - Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham,
com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os
casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-lhes, no que couber, os mesmos deveres e
responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.
74
CAPÍTULO IV – DO JUIZ
SEÇÃO II - DOS IMPEDIMENTOS E DA SUSPEIÇÃO
Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso
ou voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito,
funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como
testemunha;
III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido
sentença ou decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu
cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou
na linha colateral até o segundo grau;
V - quando njuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes,
em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica,
parte na causa.
Parágrafo único. No caso do IV, o impedimento se verifica quando o
advogado estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao
advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.
Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de
parentes deste, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar
alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para
atender às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.
Art. 136. (...)
Art. 137. Aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição aos juízes de
todos os tribunais. O juiz que violar o dever de abstenção, ou não se
declarar suspeito, poderá ser recusado por qualquer das partes (artigo 304).
Nesse sentido, havendo ocorrência de suspeição ou impedimento de árbitro, a parte
que se sentir prejudicada deverá impetrar a correlata exceção, que será apresentada
ao árbitro ou presidente do tribunal arbitral. Se acatado o pleito, ficará afastado o
árbitro suspeito ou impedido, prosseguindo o processo com árbitro substituto.
É de se notar que a decisão de haver ou não questões para afastabilidade do árbitro
caberá a ele mesmo, ponto que entendemos ser negativo, pois se o árbitro
nomeado, em primeiro momento, aceita nomeação, mas em segundo é forçado a se
afastar, parece-nos uma situação inusitada e constrangedora. De certo, a questão
não tem necessidade de ir ao Poder Judiciário para ser resolvida, por outro lado,
deixar a critério exclusivo do próprio julgador já é abertura demasiada.
75
Como bem observou Carmona, “A decisão que acolhe a exceção, com afastamento
do árbitro, espelha decisão íntima que não está sujeita a controle algum”
137
.
Além disso, segundo esse autor:
a rejeição da exceção merece outro tratamento: se o árbitro não
reconheceu sua parcialidade, o procedimento arbitral terá normal
prosseguimento, podendo a parte que se julgar prejudicada levantar
a questão após a prolação da sentença, através da demanda de que
trata o art. 33.
138
Importa destacar o caput do artigo 33 da LArb citado pelo doutrinador: “A parte
interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação
da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei”.
O que faz concluir que mesmo diante do apego ao princípio da celeridade, se o
procedimento arbitral não percorrer os caminhos da mais completa imparcialidade,
poderá ser mais prejudicial que a própria prestação jurisdicional estatal.
Diante do apresentado, podemos concluir que a arbitragem tem como objetivo maior
o acesso à justiça, mas promovida de uma forma célere, que atenda os anseios dos
demandantes, e claro, um julgamento que, acima de célere, seja seguro, podendo
estar lastreado de precisão técnica do conhecimento material do julgador. Sendo
esse, no processo, sujeito ético e imparcial, como ordena o preceito, sob pena de
quebrar todo o ideal fundado na confiança para implantação da arbitragem.
7.2 Discrição, Diligência e Independência do Árbitro
Conforme anteriormente mencionado, sem boa-fé o se atinge o proveito em grau
máximo da arbitragem, seja no cumprimento dos julgados, como supra referido, seja
até mesmo no que diz respeito aos árbitros. A Lei da Arbitragem foi clara e direta
quando registrou a necessidade de se proceder a arbitragem com imparcialidade,
independência, competência, diligência e discrição, apesar de não necessário deixar
137
Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 42.
138
Ibidem. p. 42.
76
expresso em lei, pois a Constituição exige tais pressupostos em forma de
princípios.
A discrição apega-se ao princípio do sigilo empregado na via arbitral, o que muitas
vezes é perseguido pelas partes que não pretendem expor seus nomes, marcas,
registros e outros ao público, como o é na via judiciária, excetuados os casos de
segredo de justiça.
A diligência é pressuposto precedente e formador da celeridade e segurança, pois
de nada adiantaria um julgador lere proferindo uma sentença duvidosa, assim
como um julgamento extremamente seguro, do ponto de vista da certeza jurídica,
mas que não fosse proferido em tempo adequado, seja no exigido pela lei, ou até
mesmo na prorrogação acordada pelas partes.
Nesse sentido, a diligência está relacionada com a prática de atos necessários ao
efetivo andamento do processo arbitral, com fulcro de impulsionar o feito à solução
adequada dentro das expectativas das partes demandantes.
Em relação à independência do julgador, a necessidade do árbitro estar
totalmente desprendido de qualquer fato apontado no caso, bem como a total
ausência de nculo com alguma das partes, pois o remeteria ao pressuposto da
imparcialidade.
Enquanto que no judiciário os processos são distribuídos por sorteio entre os juízes
competentes, na arbitragem as partes elegem o julgador. Cabe então a indagação
se a eleição direta do árbitro, pela parte, macularia a estrutura fundamentada na
independência e na imparcialidade do julgador eleito.
Comenta com propriedade Clávio de Melo:
Ora, o processo de escolha de indicação de árbitros, sobretudo nas
arbitragens ad hoc, normalmente lhes compromete a independência, em
77
relação às partes, e a sua imparcialidade, em relação à lide, ao menos na
forma exigida dos juízes estatais
139
.
E ponderou o autor em continuidade ao tema que
Ocorre que os árbitros unilateralmente indicados acabam agindo como se
fossem instrumentos de fiscalização inseridos no tribunal arbitral, a serviço
da parte que o indicou. Tal inserção contribui sobremaneira para reforçar a
eficácia da sentença arbitral a ser proferida, haja vista o árbitro merecer a
confiança da parte que o indicou; ademais, por não se constituir seu
advogado, examina as questões despojado do espírito contencioso, o que
normalmente leva o conjunto de árbitros a decidir por unanimidade e
incrementa a credibilidade da parte em relação à sentença.
140
Dessa forma, constata-se que a LArb conferiu à arbitragem, na pessoa do árbitro,
total credibilidade, verdadeiro tratamento escorreito e de lisura irrepreensível sempre
baseada em posturas éticas em constante observância.
Ainda, Joel Dias, citando Selma Maria Ferreira Lemes, registrou quais são os
parâmetros éticos exigidos.
Verdadeiros princípios deontológicos a serem observados, seja perante a
jurisdição estatal ou privada, onde o juiz ou árbitro aparecem como
instrumentos de realização da justiça, sendo que para o cumprimento desse
munus, hão de estar presentes os valores éticos aqui salientados, que
tratam seu padrão de conduta ideal
(...) o Principio da Autonomia da Vontade é a mola propulsora da arbitragem
em todos os seus quadrantes, desde a faculdade de as partes em um
negócio envolvendo direitos patrimoniais disponíveis disporem quanto a
esta via opcional de conflitos, até como será desenvolvido o procedimento
arbitral, no que pertine à forma de indicação dos árbitros, seja material ou
formal, desde que não viole os bons costumes e a ordem pública.
141
Mediante as exposições, observa-se que, como registrado, o fator que sempre
será exigido dos julgadores, na arbitragem, será a ética, lastreada na boa-fé e
dignidade da posição assumida. O que for praticado fora desses parâmetros se
objeto de responsabilidade e punições administrativas (para os que compõem
órgãos) e legais (tanto no âmbito cível, quanto criminal).
139
Valença Filho, Clávio de Melo. Poder judiciário e sentença arbitral. Curitiba: Editora Juruá,
2002, p.32.
140
Ibidem, p.33.
141
Lemes, Selma Maria Ferreira. Princípios e origens da lei de arbitragem. AASP/Revista do
Advogado nº 51, p. 32
78
7.3 Das Responsabilidades do Árbitro Julgador
A Lei 9.307/96, nos artigos 17 e 18, apresenta a responsabilidade dos árbitros
quanto à sua função. Assim diz a lei no art. 17: “os árbitros, quando no exercício de
suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para
os efeitos da legislação penal”. E no art. 18: “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a
sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder
Judiciário”.
Não precisou tratar a específica lei quanto à responsabilidade dos árbitros, pois
bastou afirmar que eles, exercendo as funções ou em razão delas, equiparam-se a
funcionários públicos, tratando aqui da responsabilidade criminal. Diante desses
termos, apontam-se alguns tipos penais próprios: a prevaricação, a concussão e a
corrupção passiva.
Concussão
142
é o ato de exigir para si ou para outrem vantagem indevida em razão
de função. Prevaricação
143
é o ato criminoso de protelar ou não praticar, sem
motivação, ato de oficio, ou, ainda, procede com essa prática, para satisfazer
sentimento ou interesse pessoal, ferindo disposição legal expressa. E a corrupção
passiva
144
é solicitar, receber ou aceitar promessa de tal vantagem, seja para si ou
outrem, direta ou indiretamente, mediante função que exerça. Sendo assim, pode o
árbitro incorrer em todos esses tipos penais apontados.
No âmbito cível, a responsabilidade do árbitro pode ser contratual ou extracontratual.
Para gerar a responsabilidade contratual, deve ocorrer a inadimplência, ou seja,
142
Concussão: Código Penal Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão,
de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
143
Corrupção passiva: Código Penal: Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. §
1º. A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário
retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º. Se o
funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional,
cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou
multa.
144
Prevaricação: Código Penal: Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício,
ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena
- detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
79
quebra do contrato estabelecido entre as partes, no caso em análise
responsabilidade civil dos árbitros. A parte que se sentir prejudicada pela
inadimplência da prestação contratada pelo árbitro terá todo amparo legal para
resolver o contrato e, inclusive, pleitear perdas e danos oriundos da inadimplência.
O que deve ser evidenciado é que a função de árbitro é tão dotada de
responsabilidade quanto a do juiz estatal. Talvez, engendrando no campo da prática,
até mais ria, pois o árbitro responde pessoalmente, e o juiz estatal
administrativamente, pois a reparação recairá na pessoa do Estado.
80
8. DA SENTENÇA ARBITRAL COMO ESCOPO JURISDICIONAL
8.1. Necessidade de uma Nova Concepção da Arbitragem
É notório que, na sociedade atual, impulsionada pelo consumo em massa e excesso
de informações, os conflitos nela gerados precisam de vazão urgente. Apenas com a
tutela judiciária, como longamente discorrido no presente trabalho, não como se
suportar adequadamente esses conflitos sociais.
Também é notório que o legislativo tem, freqüentemente, criado e demonstrado
tentativas de soluções, para minimizar as dores causadas pelo excesso de crise
jurídica que o Brasil vivencia.
Diante de tais situações, importante criação legislativa de cunho processual foi a
possibilidade de o juiz antecipar a tutela pretendida, se enquadrado fosse o caso nos
requisitos impostos pela lei. Daí a criação de medida antecipatória pela própria
necessidade social, como ensina Luiz Guilherme Marinoni:
A suposição de que o direito à ampla defesa não poderia permitir a tutela de
um direito com base em probabilidade foi deixada de lado quando se
constatou que determinados direitos, principalmente os de conteúdo não-
patrimonial, poderiam ser transformados em muito pouco (ou nada) se não
fosse possível a sua tutela de imediato. Na realidade, os “novos direitos”
evidenciaram que os argumentos que rodeavam o antigo procedimento
ordinário clássico deveriam ser temperados comas novas necessidades de
tutela e que, assim, deveria ser admitida uma técnica que viabilizasse a
tutela do direito antes da realização plena do direito de defesa
145
.
A necessidade dessa implantação no sistema jurídico se deu pelo reconhecimento
da inefetividade das sentenças. Ao passo que, com o largo tempo em demanda,
muitas vezes a busca da segurança jurídica prejudicava o interesse, tornando a
procedência da pretensão inócua.
Assim, registramos mais uma vez as palavras de Marinoni:
...a percepção de que o processo não estava correspondendo à
necessidade de tutela do direito material obrigou a doutrina a pensar em
termos de ‘efetividade do processo’, consciente de que ‘efetividade’ seria o
145
Marinoni, Luiz Guilherme. Tutela Específica. 2ª ed. rev. – São Paulo : Editora Revista dos
Tribunais, 2001, p. 51.
81
encontro do resultado devido ao autor, em consonância com as normas de
direito substancial, no menor espaço de tempo e com o mínimo de esforço
possíveis
146
.
O que se observa é a impossibilidade de negar a crise também instaurada em
âmbitos processuais, seja pelo excesso de demandas ou de incidentes processuais
criados e recriados.
Tudo isso diante de uma novíssima realidade social brasileira que se transformou
em necessidade. Essa necessidade social, para Mauro Cappelletti, relaciona-se a
Desenvolver alternativas aos métodos e remédios, tradicionais, sempre que
sejam demasiado caros, lentos e inacessíveis ao povo; daí o dever de
encontrar alternativas capazes de melhor atender às urgentes demandas de
um tempo de transformações sociais em ritmo de velocidade sem
precedente
147
.
Foi o que registrou Ovídio A. Baptista, com outras palavras, sobre o desacordo na
aplicabilidade estrita das teorias processualistas “... formadas há mais de um século,
perseverem em manter-se alheias à realidade social e às expectativas históricas de
uma sociedade em constante e profundas transformações”
148
. O que se observa é a
ávida busca do legislador em transpor a prolongada e complexa duração dos
processos judiciais, em maioria.
Conjugando duas das medidas legislativas possibilidade de antecipar a tutela e
arbitragem – criadas para transpor a deficiência no acesso à justiça, podemos
concluir que a primeira existe na segunda. Portanto, entende-se, não unânime, que
são viáveis provimentos antecipatórios, cautelares e de urgência no processo
arbitral.
Segundo Joel Dias,
No momento em que as partes convencionam a arbitragem como forma
única de solução dos seus conflitos, porventura decorrentes do próprio
contrato, apenas a jurisdição privada é que será competente para decidi-los,
146
Marinoni, Luiz Guilherme. op. cit, p. 33.
147
Cappelletti, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do
movimento universal do acesso à justiça. RePro 74.
148
Silva, Ovídio A. Baptista da. Curso de direito processual civil. v. III, Porto Alegre, Ed. Fabris,
1990, p. 61.
82
inclusive as lides acautelatórias deles decorrentes e outras medidas de
urgência relacionadas com o mesmo objeto conflituoso
149
.
No entanto, é mister esclarecer que aos árbitros caberá decidir sobre os provimentos
antecipatórios, ou seja, deferir ou indeferir, analisando se direito de fundo para
ser amparado, o que não significa que do deferimento emane coerção.
Foi o registrado pelo legislador na Lei 9.307 de 1996, precisamente no parágrafo
quarto do art. 22.
Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das
partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras
provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de
ofício.
§ 2º. Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para
prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em
consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença;
se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o
árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária
que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da
convenção de arbitragem.
§ 4º. Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas
coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder
Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.
Assim, o árbitro decidirá quanto à medida requerida, no entanto, não tem o poder de
fazer cumprir, pois o ideal é que do deferimento haja o cumprimento, uma vez que o
árbitro foi eleito pelas partes, mas em caso de resistência, a decisão arbitral
necessitará ser lastreada de outro comando judicial, ordem essa que será expedida
pelo juízo que seria competente para julgar a lide originalmente.
É de bom alvitre informar que o juiz estatal estará vinculado à ordem proferida pelo
árbitro, ou seja, não gozará de discricionariedade de admitir ou não o provimento.
Assim sendo, deverá o magistrado executar o provimento do árbitro, galgando-se em
seu poder de imperium, como afirmou Figueira Júnior “salvo violação da ordem
pública e dos bons costumes”
150
. Cabendo, portanto, ao Judiciário apenas fazer
valer o provimento arbitral.
149
Figueira Junior, Joel Dias. ob. cit. p. 222.
150
Ibidem. p. 223.
83
8.2 A Sentença Arbitral
A sentença é considerada ato jurisdicional magno, ou seja, “aquele em que a função
jurisdicional realiza a sua tarefa mais nobre e significativa”
151
.
Segundo o Ministro Luiz Fux, “Sentença é ato pelo qual o juiz cumpre a função
jurisdicional, aplicando o direito ao caso concreto, definindo o litígio e carreando a
paz social pela imperatividade que a decisão encerra”, e na mesma linha continuou
o autor: “A sentença como ato encarta a atividade de “concreção” por força da qual o
juiz torna concreto o preceito abstrato da norma, para regular o caso sub judice
152
.
No entanto, atualmente, foi proposto um novo conceito de sentença, pois
o conjunto das reformas que o CPC já experimentou, as sentenças
constituem, na verdade, o elemento essencial para, no mesmo processo
(sem extingui-lo, portanto), permitir a realização de atividades judiciais
executivas (satisfativas), conforme se verifica, apenas para exemplificar,
com o estatuído no art. 475-J.
A sentença (de mérito, é verdade) não apenas deixa de extinguir o processo
em primeiro grau, como o “arma”, o “equipa” para a realização prática de
seu conteúdo condenatório colocando a propalada autonomia existente
entre os dois modelos de processos (de conhecimento e de execução) em
situação de exceção.
153
Proposto pelo próprio legislador no art. 162 do Código de Processo Civil, a sentença
é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269
dispositivos que tratam da extinção do processo sem resolução de rito e com
resolução de mérito, respectivamente.
A Lei de Arbitragem denomina que o documento decisório final que extingue a
demanda é a sentença arbitral. Fazendo extensivo o raciocínio anteriormente
apregoado, em se entender a função do árbitro como atividade jurisdicional, perfeita
está a denominação atribuída pelo legislador. Principalmente, pois, consoante com o
que afirmado no capítulo 5, que trata da sentença arbitral, especificamente o
151
Bellinetti, Luiz Fernando. Sentença civil: perspectivas conceituais no ordenamento jurídico
brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 86.
152
Fux, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 788.
153
Vigliar, José Marcelo. O novo conceito de sentença. Revista Jurídica Ultima Instância. 9 de
junho de 2006.
84
disposto no art. 23 e 26 da Lei de Arbitragem, verificamos que não restam vidas
quanto ao emprego do termo “sentença”.
Especificamente com artigo 26, que trata dos requisitos obrigatórios da sentença
arbitral, constatamos o cuidado que teve o legislador de garantir o processo da
arbitragem como uma forma alternativa de solução de conflitos, equiparando,
inclusive, com a sentença judicial. Assim, traçou como requisitos formais da
sentença arbitral
154
os mesmos da sentença judicial.
Delimitando o assunto quanto à esfera da arbitragem, temos que a sentença arbitral
é ato proferido pelo árbitro, que constando dos requisitos obrigatórios legais,
extingue o conflito apresentado, produzindo efeitos interpartes.
Clávio de Melo definiu sentença arbitral sob outro ângulo: “é norma jurídica individual
de origem privada [...] resulta de atividade jurisdicional privada, cuja origem é
contratual”
155
.
Basicamente, exigiu o legislador requisitos essenciais à validade do ato. Ao passo
que impôs, pelo artigo 26, a necessidade do relatório, da fundamentação e do
dispositivo.
Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio;
II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato
e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por
eqüidade;
III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem
submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for
o caso; e
IV - a data e o lugar em que foi proferida.
Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos
os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou
alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar
tal fato.
O relatório é o apontamento dos fatos que envolvem a lide, verdadeiro histórico do
procedimento arbitral, como exigiu a lei, bem como deverá conter o nome dos
154
São requisitos formais da sentença arbitral: relatório, fundamentação, dispositivo, local e data.
Estes dois últimos diferenciam das sentenças judiciais no campo das exigências formais, uma vez
que mister as presenças desses requisitos nas sentenças arbitrais para determinar sua origem
nacional ou estrangeira – e seu tempo de prolatação.
85
envolvidos. Nesse tópico, de constar qualquer incidente ocorrido, medidas
providas ou improvidas, as provas que foram carreadas e produzidas nos autos,
procurando esgotar ao máximo os fatos existentes não só quanto ao direito material,
mas, também, quanto ao procedimento seguido.
Na fundamentação, são evidenciadas as questões fáticas e jurídicas que emergiram
da arbitragem que sejam relevantes à solução da lide. É nesse ponto que o árbitro
preenche o documento decisional de motivos e fundamentos jurídicos que
culminarão em convencimento formado. Isso é inerente ao princípio do devido
processo legal e da constitucional garantia do contraditório.
É inclusive, nessa fase da sentença, que o árbitro fará constar se tomou por forma o
julgamento por eqüidade, como destaca o artigo 26, II, da referida Lei.
Ainda, como terceiro requisito obrigatório, deverá conter na sentença arbitral o
dispositivo que deverá vir concatenado com os apontamentos processuais do
relatório, bem como com as premissas estabelecidas na parte da fundamentação da
sentença, conseqüentemente, o julgamento do árbitro delimita-se ao objeto da
demanda, nada mais ou menos.
Vale dizer que ainda constarão do dispositivo da sentença os apontamentos quanto
aos custos, aos honorários e quaisquer outras verbas necessárias, conforme se
depreende do artigo 27 da LArb.
A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das
custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de
litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção
de arbitragem, se houver.
O dispositivo da sentença é que vincula as partes quanto à imutabilidade da coisa
julgada, pois consta do dispositivo da sentença a procedência ou improcedência do
pleito, quedando em coisa julgada
156
o que fora ali apresentado. Como bem
apresentou Figueira Junior.
155
Valença Filho, Clávio de Melo. Poder judiciário e sentença arbitral. Curitiba: Editora Juruá,
2002, p. 97.
156
“A coisa julgada é instituto cuja função é a de estender ou projetar os efeitos da sentença
indefinidamente para o futuro. Com isso pretende-se zelar pela segurança extrínseca das relações
86
É a parte da sentença em que residirá o comando da decisão arbitral de
mérito, juntamente com acolhimento ou rejeição do pedido. É justamente na
parte dispositiva que o árbitro ou tribunal arbitral irá declarar, constituir,
desconstituir, condenar ou ordenar à parte sucumbente que faça ou deixe
de fazer alguma coisa, devolva ou entregue coisa certa ou incerta
157
.
Vale registrar que deverá conter a data e o local da sentença, pois mesmo que
sejam ausentes, apesar de obrigatórios, podea sentença ser corrigida, inserindo
tais elementos quando verificada a ausência. Diferentemente ocorre com os
requisitos obrigatórios, como relatório, fundamentação e dispositivo, pois quando um
desses se fizer ausente, se nula a sentença, de acordo com o artigo 32, III, da
LArb
158
.
Quanto à assinatura do árbitro ou dos árbitros, “a sentença arbitral será assinada
pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na
hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou o querer assinar a sentença,
certificar tal fato”, conforme exigido no parágrafo único do artigo 26.
A Lei de Arbitragem tratou de apontar os requisitos obrigatórios, mas se deve ter em
mente que não o os únicos, pois, como salienta a boa doutrina, são elementos da
decisão a clareza, a certeza, a exaustão e a adequação.
A clareza está relacionada à transparência do comando, à facilidade na
compreensão do decisório, uma vez que o pronunciamento do julgador deve ser
inteligível. A certeza é a qualidade de precisão da sentença arbitral, a sentença
sempre deve ser certa, pois, como a arbitragem trata de direitos patrimoniais, será
sua sentença documento executável
159
.
jurídicas, de certo modo em complementação ao instituto da preclusão, cuja função primordial é
garantir a segurança intrínseca do processo, pois que assegura a irreversibilidade das situações
jurídicas cristalizadas endoprocessualmente. Esta segurança extrínseca das relações jurídicas
geradas pela coisa julgada material traduz-se na impossibilidade de que haja outra decisão sobre a
mesma pretensão”. Wambier, Terese Arruda Alvim e Medina, José Miguel Garcia. O dogma da coisa
julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 21. Atualmente,
entende-se ser a coisa julgada uma qualidade da sentença.
157
Figueira Junio, Joel Dias. ob cit. p. 253.
158
Art. 32. É nula a sentença arbitral se: III - não contiver os requisitos do artigo 26 desta Lei;
159
Imperioso anotar que após a reforma processual civil brasileira em 2005, o título executivo judicial
da sentença arbitral, passa a ser cumprido judicialmente. Para as sentenças judiciais propriamente
ditas, oriundas do processo de conhecimento, quando o processo de execução tornou-se sincrético
passaram, as sentenças judiciais, a serem cumpridas numa nova fase do mesmo processo.
Registramos as alterações oriundas e necessárias do sistema processual civil, no entanto, para a
87
Ainda quanto à exaustão, o litígio, por completo, deve ser decidido na arbitragem.
Seja a integralidade de direito material, seja a integralidade de direito processual,
ambas necessárias à resolução eficaz do conflito.
A adequação da sentença arbitral relaciona-se aos elementos que foram levados
para o julgamento, é a nítida delimitação do objeto pelo que foi convencionado,
sendo inadmissível o escape do julgamento quando proferido em descompasso com
a cláusula compromissória ou compromisso arbitral.
Nesses meandros, observa-se que os requisitos criados pela doutrina são de
extrema relevância à boa praxe decisional, bem como os requisitos obrigatórios de
previsão legal. Inclusive, na ausência destes, a sentença arbitral se torna inexistente.
8.3 Das Nulidades da Sentença Arbitral
verificados os requisitos e salientada a existência e importância do procedimento
arbitral, seja de cunho interlocutório ou final, importa destacar, ainda, que, apesar da
arbitragem gozar da autonomia e independência do árbitro, como dito, a sentença
deverá conter os requisitos obrigatórios elencados objetivamente da própria LArb.
Contudo, também deverá seguir o procedimento arbitral certos parâmetros
estabelecidos, sob pena de nulidade da sentença proferida.
Desse modo, extrai-se a grande margem de autonomia do procedimento arbitral
esculpida na LArb no artigo 21, o qual preconiza que a arbitragem obedecerá ao
procedimento estabelecido pelas próprias partes na convenção de arbitragem, que
poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade
especializada, facultando-se, ainda, às partes, delegar ao próprio árbitro ou ao
tribunal arbitral regular o procedimento.
sentença arbitral a situação fática perdura, pois não processo sincrético, consequentemente, não
continuidade em fases processuais, mas sim há, no campo dos fatos, um processo de execução
de um título executivo judicial, que é a sentença arbitral. Conclusão que extraímos do parágrafo único
do artigo 475-N, do CPC.
88
E, em continuidade, o parágrafo segundo do citado artigo estabelece que sempre
serão respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da
igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento, ou
seja, os mesmos princípios constitucionais que regem todos os julgamentos
legítimos. Porém, quando eles não forem observados, proporcionarão prejuízo
implícito ou explícito à parte, a qual poderá invocar a nulidade do provimento final.
Em seqüência ao texto da lei, o legislador foi generoso ao expor diversos motivos
para nulidade da sentença arbitral, como: 1) for nulo o compromisso; 2) o árbitro não
conter os requisitos do artigo 26 da Lei; 3) for proferida fora dos limites da
convenção de arbitragem; 4) não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; 5) for
comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; 6)
for proferida fora do prazo, respeitado o disposto no artigo 12, inciso III, da Lei; e 7)
forem desrespeitados os princípios de que trata o artigo 21, § 2º desta Lei.
Diante de tal ilegalidade, como prevê a lei
160
, a parte interessada poderá pleitear ao
órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral,
nos casos previstos na Lei. Já no Judiciário a demanda para a decretação de
nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de
Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o
recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento.
Assim, para os casos de nulidade do compromisso arbitral, entende-se que a
sentença emanou de quem não poderia ser árbitro; está comprovado que foi
proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; a sentença foi proferida
fora do prazo entabulado; e, ainda, foram desrespeitados os princípios do
contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre
convencimento. Ou seja, a sentença arbitral será nula nos casos do artigo 32,
incisos I, II, VI, VII e VIII.
160
Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação
da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei. § 1º. A demanda para a decretação
de nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo
Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da
sentença arbitral ou de seu aditamento.
89
Quanto aos incisos III, IV e V (III - o contiver os requisitos do artigo 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V - não decidir todo o
litígio submetido à arbitragem) é cabível a determinação que o árbitro ou o tribunal
arbitral profira novo laudo, ao invés de promover o apontamento direto de nulidade
da sentença.
Segundo Clávio de Melo Valença Filho,
São rescindíveis apenas as sentenças arbitrais imperfeitas cujos vícios não
as impeçam de transitar em julgado, mas sejam graves o suficiente para
justificar a opção axiológica de fazer prevalecer a justiça da decisão sobre a
segurança jurídica a que a coisa julgada visa proteger.
161
E continuou, o autor, sua linha de raciocínio ao afirmar que
São nulas as sentenças arbitrais proferidas em desconformidade à ordem
pública brasileira ou inobservância à regra de direito destinada à sua
proteção, tenha natureza material ou adjetiva. São juridicamente
inexistentes as sentenças proferidas sem que se verifique a ocorrência dos
pressupostos de existência da relação jurídica processual que lhe deu
origem. São inexistente, juridicamente e de fato, as sentenças que, mesmo
proferidas a partir de relação processual existente, não contenham
elementos necessários à conformação material
162
.
Da mesma forma, importante juntar as palavras de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro
quanto às possibilidade de vícios na prestação arbitral, destacando que
Existem outros vícios anteriores à sentença arbitral, incompetência do juiz,
invalidade da própria convenção de arbitragem, inobservância do
contraditório, cerceamento de defesa etc., que poderiam, a partir de uma
interpretação lógica da sei, ensejar, desde logo, a propositura da ação de
que trata o artigo 33 da nova lei...
163
.
Portanto, é possível banir os efeitos da sentença nula em relação ao ordenamento
estatal, mormente se forem levados os apontamentos de nulidade ao conhecimento
do Judiciário.
Assim, proferida a sentença, exaurindo o procedimento com ausência de vícios,
encerra-se o processo da arbitragem, quedando revestida a sentença com a
autoridade de coisa julgada.
161
Valença Filho, Clávio de Melo. ob. cit. p. 98.
162
Ibidem.
90
Podemos concluir que, no Brasil, apesar de toda a autonomia conferida ao
procedimento arbitral, continua existente o controle judiciário da sentença arbitral,
proferida no seu território, uma vez que o juiz estatal tem a obrigação de zelar pela
ordem pública, afastando os efeitos incompatíveis com os padrões de moralidade e
de justiça da sociedade.
8.4 Sentença arbitral citra petita, extra petita e ultra petita
Exceto por estabelecimento particular das partes para reexame, na sentença arbitral
não cabe recurso para reforma de mérito. Assim, ou a sentença é nula, fato que se
resolverá por ão própria denominada de ação anulatória, ou a sentença é válida
em todos os seus termos, produzindo plenamente seus efeitos.
Grande dúvida paira nas hipóteses do presente sub capítulo, uma vez que
discordamos com relevante doutrina nacional, na conjugação entre o fato da
existência da sentença, seus efeitos e sua validade quando ela se apresentar fora
dos limites da lide.
Diretamente registra o artigo 32 no inciso IV e V que é nula a sentença arbitral se for
proferida fora dos limites da convenção de arbitragem e não decidir todo o litígio
submetido à arbitragem.
Entendemos que o inciso IV está se referindo às sentenças extra e ultra petita, pois
dizer que está fora dos limites da convenção de arbitragem é entender que não foi
julgado o objeto previsto e esperado, seja porque se julgou a mais que devido, seja
porque se julgou fora do devido.
Os conceitos foram depreendidos da tradicional doutrina processualista, tal como se
constata da obra de Cândido Rangel Dinamarco:
163
Carneiro, Paulo Cezar Pinheiro. Aspectos processuais da nova lei de arbitragem. Arbitragem
A nova lei brasileira e a praxe internacional (Coletânea). 2ª. ed. São Paulo: Editora LTr, 1999, p. 313.
91
A sentença ultra petita é assim denominada por concederão autor bens em
quantidade maior que a pedida, o que é vedado (...) O vício extra petita
existe quando o juiz concede ao autor uma sentença “de natureza diversa
da pedida” ou quando ele lhe atribui “objeto diverso do que lhe foi
demandado”
164
Registramos, oportunamente, que o posicionamento aqui defendido vai de encontro
aos clássicos autores brasileiros do tema da arbitragem, tendo em vista que figuras
como Carlos Alberto Carmona, J.E. Carreira Alvim, Joel Dias Figueira Júnior, Clávio
de Melo Valença Filho e outros importantes autores do tema específico entendem
que a sentença extra petita deve ser anulada, no entanto, a ultra petita apenas
fulminada no seu excedente; retratando as lições processualistas maciças da
doutrina nacional.
Carlos Alberto Carmona ensina em sua obra que “submete-se ao regime de nulidade
tanto o laudo extra petita quanto o laudo ultra petita, embora não se possa deixar de
dar a um caso e a outro tratamento distinto”
165
. E continuou seguidamente:
A nulidade da sentença extra petita e a nulidade da parte da sentença ultra
petita do laudo está calcada no fato de que, se uma das partes propõe
questão que fuja dos limites da convenção de arbitragem, não faz nascer,
com tal demanda, o poder-dever do árbitro de julgar, e se o árbitro, por
desatenção ou desídia, examina e decide a questão, provocará a
nulidade
166
.
Carreira Alvim demonstra o mesmo entendimento, ao afirmar, em sua obra, no que
se refere ao inciso IV do dispositivo citado, que
A sentença deve conter-se nos limites do compromisso; se for proferida fora
desses limites, será extra petita. O preceito em questão fala apenas “fora
dos limites”, não compreendendo a sentença ultra petita
167
.
Continuou o autor:
A sentença extra petita é, literalmente, nula porque decidiu outro litígio (...).
A sentença ultra petita, ao contrário, será apenas ineficaz na parte em que
sobejar o compromisso, devendo o juiz da demanda de nulidade pô-la nos
seus devidos limites
168
.
164
Dinamarco, Cândido Rangel. Capítulos da sentença. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 87/88.
165
Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 323.
166
Ibidem, p. 324.
167
Carreira Alvim, José Eduardo. Tratado geral da arbitragem. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000,
p. 156.
92
Primeiramente, discordamos dos renomados autores em virtude de entendermos
que julgar fora dos limites da convenção é julgar objeto divergente do que se propõe
a lide, assim como julgar transpondo-se o limite da lide. E como diretamente
apregoado pelo legislador, será nula a sentença na sua integralidade se julgada fora
dos limites da convenção, ou seja, extra ou ultra petita.
Outro ponto em desacordo se refere às conseqüências desses fatos, pois, como
acima mencionado, entendeu Carreira Alvim que na sentença ultra petita, apenas a
parte que sobejar o compromisso será inválida, devendo o Judiciário acertar dentro
dos parâmetros devidos.
No entanto, com devida vênia, temos convicção diversa ao entender que seja extra
petita, seja ultra petita, a sentença do árbitro será anulada pelo Judiciário e deverá o
árbitro proferir novas sentenças em quaisquer das ocasiões. Ao passo que, se
vício na sentença arbitral, imprestável ela será. Cabe ao Judiciário apenas o dever
de anular ou não o instrumento decisional, não cabendo acertá-lo, alterá-lo ou outra
coisa que interfira no mérito da sentença.
Quanto à sentença citra petita não paira dúvida, sendo clara tanto na previsão legal,
quanto nas explicações doutrinárias. Será citra petita a sentença que o apreciar
todo o litígio, ou seja, julgamento incompleto da lide.
Para tanto, foi bem claro o legislador ao regrar no inciso V que é nula a arbitragem
quando não decidir todo o litígio submetido à arbitragem.
Cabe deixar claro que se o que ficou pendente na sentença, for alvo de pedido de
correção, espécie de pedido semelhante aos embargos declaratórios, o ponto
omisso poderá ser sanado pelo árbitro, em o sendo, partir-se-á para anulação da
sentença defeituosa.
Dessa forma, em continuidade ao raciocínio do legislador, a sentença que for
proferida fora dos limites da convenção ou não julgar todo o litígio (incisos IV e V, do
168
Carreira Alvim, José Eduardo. op. cit., p. 156.
93
Art. 32 da LArb) poderá ser anulada pelo Poder Judiciário que obrigará o árbitro ou
tribunal arbitral, que proferiu a sentença nula, a proferir outra em seu lugar.
Entendemos que não deva ser aplicado às sentenças arbitrais julgadas em excesso
ultra o mesmo entendimento que lhes é conferido pelo processo civil tradicional,
pois, apesar de toda a equiparação entre árbitro e juiz estatal, um não pode interferir
no julgamento do outro. Ademais, como o árbitro é o sujeito processual que propicia
a máxima segurança no julgamento, não pode este cometer tais vícios na decisão e,
posteriormente, adaptar ao teor certo.
A sentença arbitral deve ser precisa, juridicamente segura e perfeita. o
margens para emendas ou adaptações, seja pelo mesmo árbitro, outro árbitro,
menos ainda pelo Judiciário, pois como destacado, caberá a este a decisão de
nulidade ou não.
94
CONCLUSÃO
A partir das questões expostas, é possível identificar neste trabalho que a arbitragem
é um método de resolução de conflitos de natureza jurisdicional em virtude de uma
moderna definição de jurisdição. Constatamos que a arbitragem não tem como fonte
exclusiva o Estado, mas sim o povo, do qual emana todo o poder.
Por isso, evidenciamos que, atualmente, rompendo com a tradicional doutrina
processual, a jurisdição é um gênero que tem como espécies a jurisdição pública e a
jurisdição privada. A primeira é a fluente prestação judiciária conferida pelo Estado, a
segunda é a forma de solucionar conflitos através da aplicação do direito por um
particular eleito pelas partes.
Este trabalho buscou deixar clara a não existência do monopólio jurisdicional do
Estado em consonância ao novo entendimento de jurisdição, bem como pretendeu
refutar a tese de ser contratualista a natureza jurídica da arbitragem, mas sim, como
apregoado, jurisdicional.
Alvos de estudo foram os aspectos processuais da arbitragem, os quais,
evidenciados em detalhes, culminaram com o ideal proposto por este trabalho, que é
a existência de uma jurisdição privada. Nesse ponto, pontuamos que a Lei 9.307 de
1996 atribuiu à sentença arbitral a equiparação da sentença proferida por juiz
estatal, inclusive pelo fato de um não ter poder para alterar a substância da sentença
do outro.
No que diz respeito às sentenças, foi possível entender, principalmente, que as
sentenças arbitrais são dotadas das mesmas características e requisitos das
judiciais, acrescendo de local e data, visto que a lei exigiu esses requisitos objetivos
e subjetivos para sua existência e validade no mundo jurídico.
Destacamos, inclusive, os motivos pontuais evidenciados em lei que geram nulidade
da sentença arbitral, que poderá ser declarada pelo Judiciário. Essa é uma
intervenção que ficará restrita a decidir sobre a nulidade ou não da sentença arbitral,
nunca interferindo em seu mérito.
95
Foi possível entender que resistência cultural no Brasil, principalmente quanto à
credibilidade da arbitragem. Esse fato pode ser considerado o maior obstáculo à
concreta implantação desse sistema, que vai de encontro às necessidades
sociais. O sistema da arbitragem é um mecanismo de acesso à justiça, o qual se
propõe, inclusive, a desviar do Judiciário inúmeras ações que agravam ainda mais a
crise no Judiciário enraizada no País.
Por isso, concluímos que, além de ser sistema jurisdicional, também de ordem
privada, a arbitragem é forma de acesso à justiça e amenização da crise jurídica
vivida no Brasil. Crise essa que, como evidenciado, tem suas bases na própria
formação jurídica dos profissionais do direito, os quais poderiam ser educados e
formados para se prevenir ou arbitrar um litígio instaurado, apresentando, portanto, o
completo sentido do que se denomina acesso à Justiça.
96
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constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. in
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