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técnico, que com os sistemas de objetos se relaciona num constante processo de
mútua determinação)
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Com efeito, Milton Santos, qualificando as leis, impostos, relações trabalhistas, etc, como meios técnico-
científico-informacional (SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e emoção. São
Paulo:Edusp, 2002, p. 247-8), integrando o que ele qualifica de sistema de ações, em concurso com o que ele
qualifica de sistema de objetos, ambos integrando a conformação do espaço (Ibid., p. 213-43), explica que o
sistema de ações tanto é integrado por uma tecnoesfera (meios técnicos existentes) quanto por uma psicoesfera
(“reino da idéias, crenças, paixões e lugar de produção de um sentido”), ambos compondo o meio ambiente - ou,
como ele diz, a materialidade do teritório (ibid., p. 255-6). Explica, ainda, que toda forma é, também,
conteúdo, de tal modo que o que existe, geograficamente, são formas-conteúdos, onde “[...] o significado do
objeto provém de sua função [...]” e que, por isso mesmo, “Forma e causa, forma e vida, devem ser tomadas em
sua unidade. Buscar interpretá-la separadamente pode conduzir a graves erros de julgamento, já que nem a
forma, nem a vida têm existência autônoma [...] [implicando na] inseparabilidade do continente e do conteúdo
[...] [cuja] separação destrói a unidade de um e de outro. A lógica do objeto provém da sua unidade.” (Ibid., p.
99-100). Desse modo, “Se o espaço é – diz ele - [...] um resultado da inseparabilidade entre sistemas de objetos e
sistemas de ações, devemos causticar [...] o equívoco epistemológico, herdado da modernidade, de pretender
trabalhar a partir de conceitos puros [...]”. A separação entre um poder ciêntífico como afetado às coisas e de um
poder político afetado aos sujeitos, paradoxo sobre o qual se assenta a modernidade e que, em última instância,
conduz à “[...] separação total entre natureza e cultura” é descabida e “Já que a realização concreta da história
não separa o natural e o artficial, o natural e o político, devemos propor um outro modo de ver a realidade,
oposto a esse trabalho secular de purificação, fundado em dois pólos distintos. No mundo de hoje, é
freqüentemente impossível ao homem comum distinguir claramente as obras da natureza e as obras dos homens
e indicar onde termina o puramente técnico e onde começa o puramente social. De fato, os objetos técnicos com
que diariamente lidamos “não são carne nem peixe”, eles são um ente intermediário em que se associam
“homens, produtos, utensílios, máquinas, moedas”” (ibid., p. 101). Espacialmente falando, portanto, a forma-
conteúdo de que fala Milton Santos é um ser híbrido, um misto de técnica e cultura, que, inserida num processo
dialético de determinação e determinabilidade mútua, “A cada evento, a forma se recria. Assim, a forma-
conteúdo não pode ser determinada, apenas, como forma, nem apenas como conteúdo. Ela significa que o
evento, para se realizar, encaixa-se na forma disponível mais adequada a que se realizem as funções de que é
portador. Por outro lado, desde o momento em que o evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe ganha uma
outra significação, provinda desse encontro. Em termos de significação e de realidade, um não pode ser
entendido sem o outro, e, de fato, uma não existe sem o outro” (ibid., p. 102-3). “A idéia- de forma-conteúdo –
diz Milton Santos - une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o
natural e o social [...] [pressupondo] o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistemas
de obejtos e sistemas de ações” (ibid., p. 103). Nesse conjuto, por fim, duas questões devem ser tidas como
capitais para a adequada complexidade da materialidade social que Milton Santos tanto insiste em firmar e que
nós consideramos fundamentais para que, como operadores do direito, não nos percamos em um presente
metafísico: 1º) o espaço deve ser visto como “um sistema de valores”; 2º) o espaço deve ser vito como, “uno e
múltiplo” (Ibid., p. 104). A essas duas premissas fundamentais, deve-se aditar, ainda, que: 1º) o espaço,
justamente por ser uno e múltiplo, não pode ser visto como um plano (como sucessão ou tempo histórico), e,
sim, como rugosidade, significando que “[...] ao que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem,
o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam
em todos os lugares [...]. Em cada lugar, pois, o tempo atual se defronta com o tempo passado, cristalizado em
formas [que são, também e sempre, conteúdo]” (ibid., p. 140). Ou seja, o espaço, o presente, não é uma espécie
de síntese de tempos passados mas, sim, um acúmulo desigual de tempos, que implica uma “[...] forma de ver
o tempo como simultaneidade: pois não há nenhum espaço em que o uso do tempo seja idêntico para todos os
homesns, empresas e instituições” (ibid., p. 159); 2º) como conseqüência, o evento deve ser tido como um
instante espacial (ibid., p. 144-5), um ponto no espaço-tempo, de tal modo que “[...] não há evento [como
elemento ou conjunto (situações)] senão no lugar preciso em que estou e no instante preciso em que o
reconheço” (DIANO, Carlo.
Forme et événement, principles por une interpretation du monde grec. Paris:
L’Eclat, 1994, p. 67-79 apud SANTOS, op. cit. p. 154); 3º) do mesmo modo, considerando que os eventos não
só supõem a ação humana como que se dão num espaço assente no concurso de sistemas de objetos e de ações,
“Os eventos são idéias e não apenas fatos” (SANTOS, op. cit., p. 147-8); e 4º) se os eventos são idéias, então, a
realidade, o espaço, visto como o aqui e o agora, prenhe de virtualidades, “[...] inclui a ideologia e a ideologia é
também real. A ideologia, outrora considerada como falsa, portanto não-real, de fato não é algo estranho à
realidade, nem é aparência apenas. Ela é mais do que aparência, porque ela é real. Quando, num lugar, a essência
se transforma em existência, o todo em partes e, assim, a totalidade se dá de forma específica, nesse lugar a