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Universidade Federal de Minas Gerais
Escola de Belas Artes
Mestrado em Artes Visuais
CANTEIRO DE OBRAS
uma deriva sobre uma cidade-pesquisa
habitada por práticas artísticas no espaço público
Brígida Campbell
Belo Horizonte, 2007
CANTEIRO DE OBRAS
deriva sobre uma
cidade-pesquisa
habitada por práticas
artísticas no espaço público
BRÍGIDA CAMPBELL
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Brígida Moura Campbell Paes
CANTEIRO DE OBRAS
deriva sobre uma cidade-pesquisa habitada por
práticas artísticas no espaço público
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes da UFMG
2008
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação da Escola de Belas Artes da Universidade
Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do título de Mestre em
Artes.
Área de concentração: Arte e Tecnologia da Imagem.
Orientadora: Profª. Dra. Maria Angélica Melendi.
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Agradecimentos
Agradeço à Piti, pela disponibilidade, atenção e carinho;
Ao Marcelo Terça-Nada! pelas infinitas conversas esclarecedoras;
Aos colegas do Centro de Comunicação da UFMG, pela compreensão e incentivo;
Aos amigos, pela sempre animada torcida.
Resumo
O presente trabalho analisa as práticas artísticas no espaço público e examina
as relações existentes entre os coletivos artísticos, o ativismo político, as ações
efêmeras e o trabalho do Poro - dupla de artistas de Belo Horizonte. A pesquisa se
desenvolve a partir da concepção da cidade como rizoma e do mapa como entidade
fragmentada e dinâmica onde os artistas inserem obras/experiências.
Résumé
Le travail ci present analyse les pratiques dans l’espace publique at examine
les rapports existants entre las collectifes artistiques, l’activisme politique, les
actions éphemères et l’ouvre du Poro - couple d’artistes de Belo Horizonte. La
recherche se développe à partir de la conception de la ville tant que rizome at
de la carte tant qu’institution fragmentée at dinamique òu les artistes inserent
leurs ouvres/expérience.
SUMÁRIO
INSTRUÇÕES PARA LER HABITAR A CIDADE-PESQUISA...............................................06
CANTEIRO DE OBRAS ..............................................................................................................11
Cartografias subjetivas, mapas subjetivos ..........................................................12
Derivas ..........................................................................................................................16
As cidades ................................................................................................................... 22
ANOS 60 .................................................................................................................................... 26
Hélio Oiticica ............................................................................................................. 32
Cildo Meireles............................................................................................................. 35
Artur Barrio ................................................................................................................ 38
TERRITÓRIO DAS PRÁTICAS ARTÍSTICAS.............................................................................41
COLETIVOS .................................................................................................................. 44
Transição Listrada ...................................................................................... 48
Grupo de Interferência Ambiental ......................................................... 51
Urucum ......................................................................................................... 60
DESVIO ......................................................................................................................... 68
Culture Jamming ........................................................................................ 70
ATIVISMO .................................................................................................................... 77
Reclaim the Streets ................................................................................... 81
Grupo de Arte Callejero ........................................................................... 85
Frente Três de Fevereiro ......................................................................... 91
ÍNFIMOS E EFEMÊROS........................................................................................................... 95
Chintia e Marilá ..........................................................................................................97
PORO ..........................................................................................................................................101
Depoimento...............................................................................................................103
Trabalhos ....................................................................................................................116
TRANSBORDAR .......................................................................................................................126
GLOSSÁRIO 01..........................................................................................................................130
GLOSSÁRIO 02 .......................................................................................................................133
REFERÊNCIAS .........................................................................................................................138
6
INSTRUÇÕES PARA HABITAR A CIDADE-PESQUISA
01. A cartografia se define como uma ciência-arte que busca conhecer um
determinado lugar inscrevendo sobre ele uma representação.
02. Nesta cidade-pesquisa optei por uma seqüência não linear de idéias; o mapa é
aberto e tem múltiplas saídas e entradas, não se totaliza.
03. Este lugar será um texto-cidade habitado pelas ações artísticas no espaço
público, por ações coletivas e por uma arte ativista em expansão, transformação e
res-significação contínuas, cuja dinâmica impõe formas diferentes de analisar os
trabalhos, diferentemente das “gavetas” tradicionais.
04. Aos moldes de uma Deriva Situacionista, faremos incursões sobre o texto-
cidade, de forma que não haja capítulos, mas sim paradas, onde observaremos
os “habitantes” e o entorno desse local, artistas, grupos e movimentos que se
entrecruzam, formam as linhas do rizoma e explodem em linhas de fuga.
05. A cidade é construída enquanto escrevo. O leitor pode se perder neste texto ou
pode guiar-se pelo fluxo do impulso e escolher em quais locais quer passar mais
tempo.
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07. Um glossário com definições de termos usados na pesquisa e a ela relacionados
se encontra no final do texto. Será uma espécie de guia que fará a imersão do leitor
nas redes e nos conceitos pelos quais a pesquisa se move.
08. A lógica desta cidade-pesquisa é a das trajetórias pedestres, nas quais
a dimensão sensorial e subjetiva pode ser ampliada, distorcida e recortada por
diversas tecnologias.
09. Nesta cidade-pesquisa busca-se investigar movimentos distintos, trânsitos
sobrepostos, deslocamentos incongruentes que marcam a experiência dos sujeitos,
homens e mulheres, ocupantes e realizadores das cidades. A pluralidade deste
espaço se desvela em muitos lugares estranhos, familiares, contraditórios, visíveis
ou apagados.
10. Boa leitura!
06. No esquema abaixo, apresento um pequeno roteiro para guiar o leitor:
8
9
Escrever nada tem a ver com significar,
mas com agrimensar, cartografar,
mesmo que sejam regiões ainda por vir.
Gilles Deleuze e Félix Guattari
10
As palavras pertencem àqueles
que as usam apenas até que alguém
as roube de volta
Hakim Bey
11
CANTEIRO DE OBRAS
A cidade se espelha em milhões de olhos
O urbanismo não procura modelar o espaço como
uma obra de arte. Nem segundo razões técnicas,
como pretende. O que o urbanismo
elabora é um espaço político
Henri Lefebvre
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CARTOGRAFIAS SUBJETIVAS, MAPAS SUBJETIVOS.
Aos moldes de uma artista-arquiteta planejarei, aqui uma cidade, com praças,
ruas, avenidas, encontros, cruzamentos e esquinas. A cidade é construída
enquanto escrevo o texto. Assim como o pensamento, linhas de mapas vão
sendo traçadas junto às palavras, de forma que uma série de elementos
passam a coexistir neste espaço virtual aqui criado.
Será preciso não seguir uma ordem linear, um encadeamento. É necessário
falar das obras sem traí-las, montando, desmontando e remontando. Agindo
de forma a fragmentar e aglutinar.
.....
Saber se orientar numa cidade não significa muito. No entanto, para perder-
se numa cidade como alguém que se perde numa floresta, é necessário
instrução e astúcia. Nesse caso, o nome das ruas deve soar para aquele que
se perde como o estalar de um graveto seco ao ser pisado, e as vielas do
centro da cidade devem refletir as horas do dia nitidamente (BENJAMIN,
1987: 95).
Usarei a metáfora da cidade para conectar pontos. O texto será um canteiro
de obras” e um lugar de Derivas, pois a partir do texto se criará o mapa de uma
cidade: um mapa onde as idéias se cruzam e se entrelaçam. Um dos pontos
importantes será a idéia de esquina, pois será nela um lugar de grandes
encontros. As esquinas também farão parte de grandes cruzamentos. Não
haverá centro, pois todo centro sempre prevê uma periferia. Esta será uma
cidade rizomática, cuja principal característica será suas múltiplas entradas
e saídas. Nela os pontos poderão ser ligados a qualquer momento. Não será
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prevista uma leitura linear, mas sim uma leitura nômade como todos os
habitantes desta cidade.
Para nos perdermos nesta cidade-pesquisa, pegaremos emprestado o
conceito de rizoma, criado por Gilles Deleuze e Felix Guattari: em Botânica,
chama-se de rizoma um tipo de caule, que algumas plantas possuem, que
crescem horizontalmente, muitas vezes subterrâneos, embora possam ter
porções aéreas. Certos rizomas, como as gramíneas, servem como órgão de
reprodução vegetativas ou assexuadas, desenvolvendo raízes e caules aéreos
nos seus nós.
O conceito desenvolvido por Gilles Deleuze e Félix Guattari amplia muito
essa definição justamente pelo fato de o conceito da botânica não comportar
a multiplicidade, limitando-se a definir um tipo específico de caule. Para
Deleuze e Guattari, esse tipo de caule em conjunto com a terra, o ar, animais,
a idéia humana de solo, a árvore etc. formariam o rizoma, não limitado
apenas à pura materialidade, mas também incluindo imaterialidade de uma
máquina abstrata que o arrasta. Rizoma é portanto, um conceito ao mesmo
tempo ontológico e pragmático de análise.
O rizoma é um tipo de conjunto de linhas que não está ligado a pontos, numa
ordem binária, subordinado à verticalidade e à horizontalidade (linhas que
formam sistemas binários, arborescentes, circulares e segmentários) mas sim
a um conjunto de elementos vagos, nômades e difusos. Qualquer ponto do
rizoma pode ser conectado a outro. “Um rizoma pode ser rompido e quebrado
em um lugar qualquer, mas também retoma segundo uma de suas linhas ou
segundo outras linhas” (DELEUZE E GUATTARI, 2004: 33).
Um rizoma não fixa pontos nem ordens, apenas linhas e trajetos. Cada vez
que há uma ruptura no rizoma, as linhas segmentares explodem numa linha
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de fuga que também são parte do rizoma: as linhas não param de remeter
umas às outras.
Porque o mapa é um rizoma, ele é aberto, conectável em todas as suas
dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações
constantemente. Ele pode ser rasgado, adaptar-se a montagens de qualquer
natureza.
Para Boaventura Souza Santos:
“os mapas são um campo estruturado de intencionalidades,
uma língua franca que permite a conversa sempre inacabada
entre a representação do que somos e a orientação que
buscamos. A incompletude estruturada dos mapas é a
condição da criatividade com que nos movimentamos entre
seus pontos fixos. De nada valeria desenhar mapas se não
houvesse viajantes para os percorrer” (SANTOS, 2002: 22).
Para Hakim Bey:
“o “mapa”, é uma malha política abstrata, imposta pelo
Estado, até que para a maioria de nós o mapa se torne
o território - E ainda assim o mapa continua sendo uma
abstração, porque não pode cobrir a Terra com a precisão
1:1. Dentro das complexidades da geografia atual, o
mapa pode detectar apenas malhas dimensionais” (BEY,
2004:22).
Imensidões embutidas e escondidas escapam da fita métrica.
Para definir as redes do mapa, Bey, criou uma idéia de “internet” e web”,
esta seria a contra-net”, para ele a internet seria como uma rede de pesca e
a web as teias de aranha tecidas entre os interstícios e rupturas da rede. Em
termos gerais, Hakim Bey emprega a palavra web para designar a estrutura
aberta, alternada e horizontal de troca de informações, ou seja, a rede não-
hierárquica. A net, a web e a contra-net são partes do mesmo complexo, e se
mesclam em inúmeros pontos.
Semelhantemente aos Situacionistas, com o desenvolvimento da idéia de
Deriva, Hakim Bey defende o conceito “Psicotopografia” como uma ciência”
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alternativa àquela da pesquisa e criação de mapas e “imperialismo psíquico”
do Estado. Para Bey, somente a Psicotopografia seria capaz de desenhar
mapas da realidade em escala 1:1, porque apenas a mente humana tem
complexidade suficiente para modelar o real (BEY, 2004:22).
Essa imagem de um mapa em escala 1:1 é construída por Borges em um
conto onde o mapa ganha tanto detalhamento que chega ao tamanho real
encobrindo a cidade que representa. Mas um mapa 1:1 não pode “controlar”
seu território, porque é completamente idêntico a ele.
Nesse ponto é que a investigação artística atua, nos pontos milimétricos que
escapam da estrutura do mapa entendida como afirmação de um espaço
de poder e formalização do comportamento, ou nas redes da web, traçando
linhas entre estruturas rígidas. Nesse sentido, a metáfora da internet
serve para designar o espaço cartográfico aqui apresentado. O mapa como
rizoma ou rede de pesca, e as práticas artísticas como se fossem aranhas
que desenham entre a malha correta do mapa (da cartografia oficial) uma
segunda rede. Essa rede tende a romper com estruturas arcaicas e fechadas
do sistema ou, ao menos, criar novos modos de percorrer e de se relacionar
com essas estruturas.
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DERIVAS
As ruas são a morada do coletivo. O coletivo é um ser eternamente
desperto, eternamente agitado que vivencia, experimenta, reconhece e imagina
tantas coisas entre as fachadas quanto os indivíduos no abrigo de suas quatro paredes.
Para esse coletivo, as brilhantes e esmaltadas tabuletas de firmas comerciais são uma
decoração de parede tão boa, senão melhor, quanto um quadro a
óleo o é para o burguês em seu salão, muros com o “Proibido colar cartazes”
são sua escrivaninha; bancos são a mobília de seu dormitório e
o terraço do café, a sacada de onde ele observa seu lar.
Walter Benjamim
Enquanto escrevo este texto, Belo Horizonte, a cidade na qual moro, passa
por um número enorme de obras no espaço público: duplicação de avenidas,
construção de viadutos, alargamento de ruas etc. As pessoas passam horas
no trânsito, dentro de ônibus ou de carros, e é quase inviável sair de casa nos
horários de rush. A invasão dos automóveis e a pressão da indústria fazem
do carro e da velocidade uma obsessão.
Os Situacionistas se preocupavam na década de 1960 com o planejamendo
das cidades em relação ao trânsito, que, para eles, é a organização do
isolamento de todos, é o avesso do encontro”. Esse grupo defendia o
conceito de “Urbanismo Unitário”, que, além de ser uma crítica ao urbanismo
tradicional, “pretendia constituir uma unidade total do meio humano, no
qual as separações do tipo lazer/trabalho e coletivo/vida privada serão
dissolvidos”. Para eles, o trânsito é um mal, pois reduz a “jornada de vida” e
cria uma “sobre-jornada de trabalho”
1
, devido ao tempo perdido entre sua
casa e o local onde você trabalha.
O interesse dos Situacionistas sobre as questões urbanas veio em decorrência
de pensar a cidade como meio importante de ão e de produção de novas
formas de lutar contra a monotonia. Eles se opunham à espetacularização
da vida, ou seja, o-participação, alienação e passividade da sociedade. Para os
situacionistas a principal forma de lutar contra isso seria a atuação em todos os
campos da vida social, principalmente no cultural (JACQUES, 2003: 22).
1 - Para os Situacionistas, a
vida do trabalhador, que ven-
de seu tempo livre ao capita-
lismo, fica dividida entre uma
jornada de trabalho, o tempo
em que se passa trabalhando,
e uma jornada de vida, as
horas que os trabalhadores
têm para viver.
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A idéia de um Urbanismo Unitário não propôs novos modelos de formas
urbanas, mas sim experiências efêmeras de apreensão do espaço da
cidade. Entre os diversos procedimentos situacionistas para chegar a uma
construção total do ambiente pelo Urbanismo Unitário, eles criaram uma
prática ou técnica que recebeu o nome de Psicogeografia: “Estudo dos
efeitos exatos do meio geográfico, conscientemente planejado ou não, que
agem diretamente sobre o comportamento afetivo dos indivíduos”(JACQUES
2003: 65). Ela está intimamente ligada a uma outra prática chamada Deriva,
modo de comportamento experimental ligado às condições da sociedade
urbana, técnica de passagem rápida por vários ambientes: a deriva seria uma
apropriação do espaço urbano pelo pedestre através da ação de andar sem
rumo. Os Situcionistas pretendiam estudar o espaço urbano e, através dessa
experiência, tentavam mapear os diversos comportamentos afetivos diante
dessa ação básica de caminhar na cidade.
O ato de derive foi concebido como um exercício para revolucionar o dia-
a-dia, uma espécie de nomadismo visionário urbano que, pela sua duração,
Painel de Guy Debord
18
introjetaria na mente dos praticantes uma propensão a experimentar o
maravilhoso, através de insights, perigos e inspiração.
O psicogeógrafo seria aquele que pesquisa e transmite as realidades
geográficas e manifesta a ação direta do meio geográfico sobre a afetividade.
Sendo assim, essa nova geografia proposta seria uma geografia afetiva e
subjetiva que buscaria cartografar as diferentes ambiências psíquicas
provocadas basicamente pelas deambulações urbanas, as Derivas. Cartografias
subjetivas e mapas subjetivos chegaram a ser materializados em colagens e
fotografias.
Intimamente ligado a essas idéias situacionistas sobre a arquitetura e o
urbanismo, também Michel de Certeau, em seu livro A Invenção do Cotidiano,
aponta o poder dos pedestres em criar as cidades:
Os jogos dos passos modelam os espaços. Tecem os lugares.
Sob esse ponto de vista, os movimentos dos pedestres
formam um desses “sistemas reais cuja existência faz
efetivamente a cidade”. Elas [as trajetórias pedestres] não se
localizam, elas se espacializam. Os processos de caminhar
podem reportar-se em mapas urbanos de maneira a
transcrevêr-lhes os traços e as trajetórias (CERTEAU, 1994:
176).
Esse autor cria também uma relação muito interessante entre o ato de
caminhar e o ato de falar:
O ato de caminhar está para o sistema urbano como a
enunciação es para a língua. O pedestre se apropria do
sistema topogfico, assim como o locutor se apropria e
assume a língua, é uma realizão espacial do lugar, assim
como a palavra é uma realização sonora da língua. Caminhar
é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente
e à procura de um próprio. A errância, multiplicada e reunida
pela cidade, faz dela uma imensa experiência social da
privação de lugar, criando um tecido urbano, e posto sob o
signo do que deveria ser, enfim, um lugar, mas é apenas um
nome, a Cidade (CERTEAU, 1994: 177).
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Essa errância, de que fala Michel de Certeau, poderia ser pensada como a
Deriva dos Situacionista. Embora eles não tivessem uma pretensão artística
para essa prática, a Deriva é um exercício de entender a cidade afetivamente,
criar mapas subjetivos, reconhecer espaços, situações e ambientes, criar
ações diretas ou proposições para aqueles espaços. Todo trabalho artístico
realizado no espaço público pressupõe essa cartografia do lugar, pois, como
pensa Michel de Certeau, o próprio pedestre desenha as linhas que formam
as cidades e cria trabalhos que se relacionam com a dinâmica do local
escolhido.
Paola Berenstein, apresenta na introdução de Apologia da Deriva, livro
organizado por ela, uma linha do tempo demarcando esse tipo de experiências
de apreensão afetiva do espaço público. A autora traça uma linha artística
e teórica que começa em Baudelaire, com a idéia de flanêur, passando
pelas excursões urbanas dos Dadaístas em lugares banais, as deambulações
aleatórias, organizadas por Aragon, Breton, Picabia e Tzara, entre outros.
Continuaria com os Surrealistas liderados por Breton, pela experiência física
da errância no espaço real urbano que foi base dos manifestos surrealistas.
Walter Benjamin retomou a idéia do flâneur de Baudelaire e começou a
trabalhar a idéia de flânerie, ou seja, de flanâncias urbanas, da investigação
do espaço urbano pelo flâneur:
O flanêur completo é um bohémien, um desenraizado.
Ele não se move em casa em sua classe e sim apenas na
multidão, isto é, na cidade. A fantasmagoria do flâneur.
O ritmo do trânsito em Paris. A cidade como paisagem e
como aposento (BENJAMIN, 2006: 983).
Além disso Benjamin descreve a experiência do flâneur como uma espécie
de embriaguês que se apodera daquele que, por um longo tempo, caminha
20
a esmo pelas ruas. “A cada passo, o andar adquire um poder crescente; as
seduções das lojas, dos bistrôs e das mulheres sorridentes vão diminuindo,
cada vez mais irresistível torna-se o magnetismo da próxima esquina”
(BENJAMIN, 2006: 462). E ainda: a rua conduz o flâneur em direção a um
tempo que desapareceu” (BENJAMIN, 2006: 461).
Essas idéias se desenvolveram também no meio artístico após os situacionistas.
Logo em seguida o grupo Neo-Dadaísta Fluxus também propôs experiências
parecidas; foi a época dos happenings no espaço público.
No Brasil, podemos destacar alguns artistas que trabalharam com a idéia de
Deriva: Flávio de Carvalho, com trabalhos como Experiência nº2 (1931), em
que, com uma espécie de boné cobrindo a cabeça, andava na direção oposta
a uma procissão de Corpus Christi pelas ruas de São Paulo
2
, ou Experiência
3 (1953), quando o artista saiu pelas ruas vestido com uma roupa criada por
ele, que seria uma nova proposição de vestuário para o verão, ele chamada
de “o traje para o novo homem dos trópicos.” Essa roupa serviria tanto para
homens quanto para mulheres e era composta por uma espécie de saia, blusa
de náilon e chapéu transparente.
Flávio de Carvalho,
Experiência nº 3
1953.
2 - Ação que causou a ira
entre os fiéis que seguiam a
procissão. Quando a polícia
o prendeu o artista, ele disse
que estava realizando uma
pesquisa sobre a psicologia
humana.
21
Os Tropicalistas também tiveram algumas idéias semelhantes às dos
Situacionsitas, no campo das ações urbanas. Uma das principais foi o Delírio
Ambulatorium de Hélio Oiticica:
O Delírio Ambulatório é um delírio concreto. Quando
ando e proponho que as pessoas andem dentro de um
penetrável com areia e pedrinhas, estou sintetizando
minha experiência da descoberta da rua através do andar,
do espaço urbano através do detalhe de andar, do detalhe
da síntese do andar (1978 sp).
Também Arthur Barrio com o trabalho 4 Dias 4 Noites, em maio de 1970.
Realizou uma Deriva pela cidade do Rio de Janeiro, que não foi registrada em
imagens, apenas em sua memória e, posteriormente, em um texto:
“Na continuidade da trajetória iniciada no solar da Fossa
passei pela Praça Mauá e Rodoviária e depois voltei ao
centro da cidade. Nesse processo não existia o sentido
do vagar sem rumo, mas ao mesmo tempo inexistia ou
inexistiam objetivos pré-determinados, pois ao chegar a
um local fazia uma associação direta com outro local e
assim sucessivamente” (BARRIO, 1970:56)
Dentro do contexto da arte contemporânea, vários artistas trabalharam no
espaço público de forma crítica ou com questionamento teórico. Entre vários
outros, além dos citados acima, podemos listar: Krzysztof Wodiczko, Daniel
Buren, Barbara Kruger, Jenny Holzer e Francis Alÿs.
22
AS CIDADES
Apenas na aparência a cidade é homogênea. Até mesmo seu nome assume
um tom diferente nos diferentes lugares. Em parte alguma, a não ser em sonhos,
é ainda possível experienciar o fenômeno do limite de maneira mais original
do que nas cidades. Entender esse fenômeno significa saber onde passam
aquelas linhas que servem de demarcação, ao longo do viaduto dos
trens, através das casas, por dentro do parque, à margem do rio;
significa conhecer essas fronteiras, bem como os enclaves dos diferentes
territórios. Como limiar, a fronteira atravessa as ruas; um novo
distrito inicia-se como um passo no vazio; como se tivéssemos
pisado num degrau mais abaixo que não tínhamos visto.
Walter Benjamin
O que são as cidades? Elas atraem para si tudo aquilo que é criado pela
natureza e pelo trabalho. A cidade não existe sem troca, sem aproximações
e sem proximidade. Ou seja, a cidade cria relações. As ruas não são apenas
um lugar de passagem, são também o lugar do encontro. Seja em espaços
preciamente reservados a isso, como cafés, teatros, praças ou simplesmente
em encontros fortuitos pelas ruas, o movimento, a mistura são elementos da
vida urbana. Esta sob sua aparente desordem, constrói uma ordem superior
que às vezes pode converter a experiência urbana em mero espaço para
a mercadoria. O espaço público tem se transformado em cenário da luta
de interesses privados que o exploram e monopolizam a carga simbólica
veiculada nas ruas. A metrópole contemporânea é principalmente um espaço
complexo, dinâmico e em permanente mutação.
O espaço urbano reúne diferenças. “Caminhar é ter falta de lugar”
(CERTEAU,1994:177), e o trabalho artístico no espaço público, em geral,
busca aquela mesma ligação afetiva com os espaços que buscavam os
Psicogeógrafos Situacionistas, além de propor novas formas de percepção de
espaços que se tornaram invisíveis pela vida acelerada nos grandes centros
urbanos.
23
Inserindo-se no rizoma urbano, o artista, com sua obra/experiência, atua no
espaço-tempo do lugar, deslocando-o e conferindo a ele uma qualidade nova.
O lugar é o mesmo de sempre e, no entanto, é outro. Com sua intervenção
urbana, o artista cria um campo que valoriza a passagem do tempo na cidade,
e tudo o que nela se manifesta como transformação e acontecimento.
Em passeios pela cidade, os artistas podem absorver todo tipo de sonoridades,
melodias, odores, que retorna para as obras como matéria intensa, pois é o
olhar que humaniza os bens urbanos e freqüentemente deixa os sentidos
todos em alerta.
Mesmo que os materiais utilizados sejam “pobres” ou precários, ou os
procedimentos sejam simples, trabalhos realizados nas ruas, agem como
uma espécie de imantação do lugar. No decorrer da intervenção, o tempo se
suspende e são propostos valores do fluxo de vida que não remetem a uma
idéia fixa de arte, ainda que a presença da obra seja temporária. O que se
coloca em questão é a relação da arte com a cidade. Pode-se interferir no
espaço urbano para, por exemplo, criar zonas de cor no cinza de viadutos
e avenidas, discutir o embrutecimento da vida e propor a permanência da
descoberta de novos desejos.
Para muitos artistas interessados em construir vínculos, o sistema de mercado-
objeto, com sua ênfase no individualismo e na propriedade, pode ser visto
como inimigo. Para fugir desse sistema, alguns artistas começam por atuar em
outras esferas. Alguns pontos que podemos perceber nesse tipo de atuação são:
as realizações coletivas, a divisão da autoria ou seu compartilhamento pelos
membros do grupo, o caráter efêmero ou definitivamente desmaterializado
de suas obras e o uso de práticas que se confundem com as práticas ativistas.
Assim esse modo de trabalho se apresenta como um modelo viável, não-
24
hierárquico, e menos restritivo, atuando numa esfera que transcende a
mercantilização da obra de arte.
Hélio Oiticica chamou de Interferência Ambiental a reunião indivisível de
todas as modalidades em posse do artista ao criar”. Para ele, é o uso de todas
as antigas modalidades de expressão: pintura, desenho, escultura etc, que
possibilita uma manifestação total, íntegra do artista nas suas criações.
uma total liberdade de meios, que seriam proposições para a participação
do espectador. A abertura dessas proposições “não remetem à arte, mas a
vivências descondicionantes” (FARAVETTO, 2000: 127).
A obra de arte tem efeito de um golpe que desloca o observador: como
que uma suspensão de evidência do mundo e o despertar de um espanto
diante de um novo fato. O objeto artistico, opera uma mudança na visão de
mundo que desenraíza o observador. E a experiência estética introduz o novo
como possibilidade construtiva de existência.
Por não serem produzidos apenas para a contemplação, os objetos artísticos
dessas ações não estão comprometidos com a durabilidade. Aspiram a uma
forma de permanência potencial, pois podem ser registrados mediante a
fotografia, a literatura e/ou a memória. A ação despreza a criação de uma obra
permanente e aponta para ela como um fato multiplicável ou transmissível.
Um exemplo disso seria a obra de Artur Barrio, que procura a permanência
através de anotações e registro fotográfico: Ele exige do trabalho artístico que
seja antes de qualquer coisa experiência, sem limitações e condicionamentos.
E ainda aponta que: o novo é uma palavra velha, o que importa é construir a
obra que existirá mesmo que ninguém a veja”. (BARRIO, 2000: 118).
25
Segundo Vera Pallamin,
Uma das afirmações da noção contemporânea de recepção
estética consiste na noção de que o significado é gerado no
devir de seu processo de fruição e leitura e não depositado
nela de antemão, numa plena totalidade. Diluem-se,
assim, certas fronteiras na consideração do que seja obra.
(PALAMIM, 2006: 97).
Dessa forma, o trabalho artístico, quando colocado no espaço urbano,
não está mais exposto aos “olhos estáticos” dos iniciados, mas sujeito ao
entorno. Pode assim, receber todo o tipo de interpretação, inclusive o não
reconhecimento de que aquela ação seja uma obra de arte.
O denominador comum entre esses artistas e suas ações urbanas seria o
fato de que eles vêem a cidade como campo de investigação artística e de
novas possibilidades sensitivas, Eles acabam dessa forma mostrando outras
maneiras de analisar e estudar o espaço urbano, através de suas obras/
experiências.
26
ANOS 1960/1970 – ANOS DE INVENÇÃO
A palavra “experimental” é apropriada, não para ser
entendida como descritiva de um ato a ser julgado
posteriormente em termos de
sucesso e fracasso, mas como um ato cujo
resultado é desconhecido.
HO - Experimentar o Experimental
Hoje podemos orientar nossas capacidades criativas
no sentido de adquirir (formar) um comportamento
voltado para dois itens: 1 – não jogar sobre ninguém e
não deixar ninguém jogar sobre;
2 – não ter nada, nada a perder.
Cildo Meireles
27
Em uma das linhas do rizoma, muitos teóricos vêem na passagem da década
de 1960 para 1970 as origens de uma arte intervencionista e ativista,
enxergando-a, às vezes, como uma continuidade das propostas elaboradas
durante esse período ou então como uma retomada dos ideais sessentistas,
quando muitos artistas contemporâneos ressignificariam suas práticas
contestatórias.
Os anos de 1960 foram marcados em todo o mundo ocidental pela eclosão
de movimentos de contracultura e pelo espírito de contestação. Essa década
foi palco de reivindicações sociais e culturais as mais diversas, como o
nascimento do Movimento Hippie nos Estados Unidos, a Revolução Cubana,
os Black Panters, a luta pelos direitos das mulheres; e os protestos pacifistas
contra a Guerra do Vietnã; e até mesmo manifestações revolucionárias, a
exemplo das revoltas estudantis de maio de 1968 na França, cujas idéias se
disseminaram pelo globo. No Brasil, o Golpe de 64 e a implantação da ditadura
marcaram radicalmente a cultura e a arte nacional apartir daquela década,
pela existência de censura, a dificuldade de livre expressão, o cerceamento
de liberdades elementares, o exílio e o patrulhamento de atitudes e posições
no meio artístico e universitário.
Nas artes plásticas, podemos perceber um retorno aos ideais modernistas, de
re-ligão da arte com a vida e com outras esferas da experiência coletiva.
Quando artistas como Malevith e Mondrian (1915-1920) defendiam a
autonomia da arte, por efeito de um ímpeto upico, pretendiam tirar partido
de uma situão histórica que permitiria ao artista o poder de utilizar a
arte como instrumento de luta pela transformação social, agenciando o
experimentalismo, o inconformismo estético e a crítica cultural que juntos,
comporiam uma atitude estético-política (FAVARETTO, 2000: 20). Assim esses
28
artitas pretendiam desligar a arte das ilusões transcendentais, evidenciando
a materialidade dos processos.
As “novas” vanguardas diferem das vanguardas do início do século e
demonstram tendência a exercitar a criação de novos estilos e técnicas para
a arte, rompendo com as antigas modalidades artísticas e seus suportes. A
pintura, a escultura, a música se misturam em um espaço estético aberto,
onde vemos surgir novas modalidades, como o happening e a performance.
O que estava por trás dessas manifestações era o desejo cada vez mais forte
de promover a diluição da arte com a vida e com o real, arruinando a noção
costumeira de arte, criando espaços para experimentação e acabando com
a idéia de arte como objeto. Foi necessário submer a arte a uma espécie de
morte para dar a ela uma nova forma de vida.
Esses artistas desenvolveram estratégias contra o sistema político e
contra o sistema da arte, ao deslocar a arte, da galeria para as ruas. Esses
artistas estvam em busca de um imaginário revolucionário e da fuga das
categorizações artísticas, como pintura e escultura. Com o deslocamento da
arte das galerias para as ruas.
Questionamentos sobre a visão de museu, sobre autonomia mercantil da arte, a
quebra da aura, das noções de artista e arte, des-individualização, transposição
de limites, fronteiras, contorno entre o objeto e a experiência, o desaparecimento
dos limites entre real e imaginário, a diminuição pelo interesse da conservação
futura da obrae a re-apropriação do espaço público, foram, entre tantas outras,
as principais questões que perpassavam a arte nessa época.
Foi nesse período que surgiu o Fluxus: liderado pelo artista George Maciúnas,
o grupo começou a atuar no final dos anos de 1950 e início dos anos de1960
29
em Nova Iorque, Toquio e várias cidades alemãs, e configurou-se como uma
comunidade informal de músicos, artistas plásticos e poetas radicalmente
contrários ao status quo da arte” (ZANINI, 2004: 11). Dentre os integrantes,
desse grupo encontram-se nomes como Dick Higgins, Yoko Ono, George Brecht,
Nam June Paik, Wolf Vostell, Ken Friedman, Joseph Beuys, Shigeko Kubota,
Yasunao Tone, Ben Vautier, entre muitos outros. A maioria dos integrantes do
Fluxus era formada por norte-americanos, europeus ou japoneses.
Tendo como referências o Futurismo, o Dadaísmo, o Surrealismo, o
Construtivismo russo, a filosofia Zen e o trabalho de nomes como John Cage,
o grupo assumia uma posição contrária ao sistema artístico da época. Fluxus
problematizava até seus próprios meios de expressão (exposições, concertos,
publicações, happenings, performances), considerados transitórios e
temporários, até o momento em que as Belas Artes pudessem ser totalmente
banidas (ao menos em suas formas institucionais) e os artistas [encontrassem]
outra ocupação” (ZANINI, 2004: 12).
Fluxus defendia uma “produção anti-individualizada” o que o insere dentro
do campo da criação coletiva - e a rejeição da obra de arte enquanto objeto
único e acabado ou enquanto bem não funcional a ser vendido para o
sustento do artista. O que Maciunas pretendia, nas palavras de Zanini, era criar
“uma arte feita de simplicidade, antiintelectual, que desfizesse a distância
entre artista e não-artista, uma arte em estrita conexão com a normalidade
da vida e segundo princípios coletivos e finalidades visceralmente sociais”
(ZANINI, 2004: 12).
Dentre as produções mais marcantes do grupo, estão os happenings ou
concertos: atos cênicos de inspiração conceitual, em que se exploravam os
sons produzidos por objetos cotidianos, associando-se elementos da música,
30
do teatro, da poesia e do vídeo. As performances tinham sua base na
“música” e na anti-música” que criaram com revolucionário caráter teatral,
visual e sonoro” (ZANINI, 2004: 13). Destacam-se ainda as edições das caixas
Fluxus, que continham trabalhos e objetos achados; as experiências do grupo
em arte postal e também suas publicações.
Embora o grupo já não exista mais – depois da morte de Maciunas em maio
de 1978 –, muito acreditam que um ‘estado de espírito’ ou uma ‘atitude
Fluxus’ não deixou de existir” (ZANINI, 2004: 19-20).
Outro grupo de artistas de grande expressão no período foi a Internacional
Situacionista (IS), que se formou na Itália, em 1957, reunindo poetas, escritores,
críticos, cineastas e grupos como a Internacional Letrista, de Guy Debord, e
o Movimento Internacional por uma Bauhaus Imaginista (MIBI). Em comum,
esses grupos buscavam o entendimento de que a prática artística era um
ato político e que por meio da arte se poderia realizar a revolução (DEMPSEY, 2003:
213). Nas palavras de Debord, tido como o fundador da IS, os situacionistas partiam da
idéia de que era preciso mudar o mundo. Queremos a mais libertadora mudança da
sociedade e da vida em que estamos aprisionados (DEBORD, 2003: 43).
Influenciada pelo Futurismo, pelo Dadaísmo e pelo Surrealismo (o qual veio
Philip Corner
atividade no piano - 1962
31
a ser questionado posteriormente), a IS rejeitava a sociedade de consumo
e lutava contra a cultura do espetáculo, ou seja, contra a alienação e a
passividade da sociedade. Nesse sentido, os situacionistas entendiam que
JACQUES, 2003: 13).
Os situacionistas propunham uma arte diretamente ligada à vida, coletiva
e anônima, com foco no diálogo e na interação. Isso seria o início de uma
revolução permanente da arte através da vida cotidiana, o que justifica o
grande interesse desses artitas pela reflexão sobre a cidade. “Eles perceberam
que esta arte total seria basicamente urbana e estaria em relação direta com
a cidade e com a vida urbana em geral” (JACQUES, 2003: 19).
Os Situacinistas são responsáveis pela criação de duas práticas muito
recorrentes entre os jovens artistas, o Détournement Desvio e a Teoria
da Deriva, além da construção de situações”, definida por Debord, como “a
construção concreta de ambiências momentâneas da vida, e sua transformação
em uma qualidade passional superior” (DEBORD, 2003: 54). Trata-se de inserir,
na seqüência cotidiana de situações fortuitas, indiferenciadas e insonssas,
situações potentes e plenas de vida.
No Brasil, alguns eventos se destacaram dentro desse contexto: Opinião 65
(Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - 1965), com os Parangolés;
Apocalipopótese (1968), no Rio de Janeiro; Do Corpo à Terra (1970), em
Belo Horizonte. Participaram artistas de destaque nesse período, como Hélio
Oiticica, Cildo Meireles e Artur Barrio; todos eles matriciais para a experiência
contemporânea de arte urbana no Brasil, esses artistas deixaram uma forte
tradição para a arte brasileira: Hélio Oiticica, por pensar a obra como
experiência: Cildo Meireles, pelo teor político de todas as suas ações e Barrio,
pela utilização do espaço urbano para realizar suas obras - experiências.
32
HÉLIO OITICICA – ARTE COMO EXPERIÊNCIA E PARTICIPAÇÃO
Podemos pensar na trajetória de Oiticica partindo da experiência visual pura
até as manifestações de ordem ambiental. Esse artista participa do Grupo
Frente em 1955 e 1956 e, a partir de 1959, integra o Grupo Neoconcreto, .
Embora Oiticica fosse seu integrante mais jovem mas obteve grande destaque
por suas obras e por seus questionamentos sobre a planaridade.
Hélio Oiticica fez parte do Tropicalismo, movimento artístico surgido em
1967 que recebeu o nome de uma de suas obras (Tropicália – 1967). Com ela
Hélio concretiza o programa ambiental e determina o sentido ético de sua
experimentação. O artista carioca rnvolveu-se com música, cinema, teatro,
arquitetura e artes visuais e, junto de Lygia Clark (1920-1988), outra artista
de igual imporncia para o peodo, revolucionou a compreeno do que se
considera arte. As propostas de Hélio Oiticica e Lygia Clark traziam a interação
da arte com o público, que passava a ser, também, um propositor arstico, ao
se ver envolvido nos experimentos sensoriais promovidos pela dupla.
Hélio Oiticica transformou a história da arte no Brasil com a criação de obras
sensoriais e interativas em que é necessário que o público as vista, as toque e
as sinta para que elas existam. Bólides, Capas, Parangolés, Estandartes, Tendas
e Penetráveis e suas Manifestações Ambientais: Grande Núcleo, Tropicália,
Éden, Sala de Sinuca, Cara de Cavalo, Ninhos e Cosmococas escreveram um
capítulo importante na história da arte.
Esse artista se inscreve nas artes plásticas como um propositor de ações, ou um
motivador para a criação. Esse deslocamento aponta para uma nova inscrição
de estético: a arte como intervenção cultural. Seu campo de ão não é o
sistema da arte, mas a visionária atividade coletiva que intercepta subjetividade
e significação social (FAVARETTO, 2000: 124).
33
Oiticica afirma ainda que a criação se completa pela participação dinâmica
do expectador, considerado por ele um “participador”. uma proposição
de elevar o espectador ao nível de criador” que na verdade, não cria”, mas
experimenta a criação”. Assim, juntos, ele e o artista atuam frente a uma
necessidade latente de criação coletiva, cujos participantes “recriam-se ao
mesmo tempo como sujeitos” (FAVARETTO, 2000:127).
O Parangolé é a estética da cor e do movimento e define uma posição
específica de Oiticica em seu Projeto Ambiental da estrutura-cor no espaço,
principalmente no que se refere a uma nova definição do que seria nessa
experiência o objeto plástico, ou seja, a obra. Essa experiência se desloca
dos Bólides para o que seria a imanência do potencial expressivo do corpo,
realçando os movimentos e a cor. Andar, carregar, dançar, penetrar, percorrer,
vestir são atos que são extensões do corpo.
Tudo o que era antes fundo, ou também suporte para o
ato e a estrutura da pintura, transforma-se em elemento
vivo; a cor quer manifestar-se íntegra e absoluta nessa
estrutura quase diáfana, reduzida ao encontro dos planos
ou à limitação da própria extremidade do quadro (OITICICA,
1986:50)
No caso do Parangolé, o vestir é a experiência da obra, que tem como
núcleo central o próprio corpo; ou seja, o corpo é a estrutura da obra, o
espectador vivencia uma transformação que ocorre da obra para a vivência
do espaço, em que o espectador é próprio motor dessa experiência.
Assim, as Manifestações Ambientais de Helio Oiticica, além de trazerem
para o universo das Artes Plásticas a superação do quadro e a transposição
do objeto à experiência criadora, pretendem-se como um caminho para
efetivar a idéia de artista como um ser que pensa a vida coletiva e a grande
necessidade de tomar posições críticas diante de problemas políticos, sociais
e éticos.
34
Hélio Oiticica - Tropicália
PN2, PN3, abril de 1967
Hélio Oiticica - Nildo da
Mangueira veste Parangolé 1,
capa 1, 1964
35
CILDO MEIRELES – TRADIÇÃO POLÍTICA
Ao longo de mais de três décadas, Cildo Meireles desenvolveu, a partir de 1969
umas das mais consistentes e inventivas trajetórias da arte contemporânea
brasileira, o que tornou sua obra conhecida e admirada internacionalmente.
Em textos escritos na primeira metade da década de 1970, o artista definiu
as bases do seu processo criativo, uma arte engajada, combativa e politizada
que questionava o sistema das artes plásticas e a idéia romântica de artista.
Meireles defendia a idéia de que poderia existir uma arte verdadeira se
esta estivesse fora do mercado:
Hoje em dia corre-se inclusive o risco de fazer um trabalho
sabendo quem é que vai se interessar por ele. A noção de
público, ampla e generosa, foi substituída (por deformação)
pela noção de consumidor, que é aquela parte do público que
teria poder aquisitivo (MEIRELES apud BRITO, 1981:24).
Meireles afirmou ainda que era “necessário incorporar ao processo de
produção de 60 a 70% da realidade circundante”. Assim, o artista identificou
a existência de amplos sistemas de circulação nos quais seria possível inserir
informações contrárias aos próprios interesses que fundamentam esses
sistemas, dando origem a uma série de trabalhos que chamou de Inserções
em Circuitos Ideológicos.
Inserções em Circuitos Ideológicos 1 Projeto Coca-Cola consistia da
impressão, em garrafas vazias de Coca-Cola, que nessa época eram feitas de
vidro e retornáveis ao fabricante para reaproveitamento, de mensagens como
o conhecido slogan de repúdio à intervenção econômica, política e cultural
norte-americana, yankees, go home. Esse trabalho continha instruções sobre
como o público deveria proceder para inserir as próprias opiniões críticas no
espaço consagrado onde vivia e do qual a Coca-Cola seria símbolo.
36
Cildo Meireles
Inserção em Circuitos
Ideológicos
Projeto Cola Cola - 1970
37
O Projeto Cédula, por sua vez, consistia de ações em que Meireles serigrafava
ou, como o artista passou a fazer posteriormente, carimbava sobre cédulas
de dinheiro circulante, instruções e mensagens semelhantes às impressas nas
garrafas, inserindo-as, no circuito das trocas monetárias, muito mais extenso
e veloz do que o circuito de trocas de vasilhames de Coca-Cola.
Entre as mais conhecidas mensagens que veiculou ao longo dos anos está a
frase: Quem matou Herzog?”, numa referência às causas não esclarecidas
da morte do jornalista Wladimir Herzog enquanto este se encontrava detido
pelos órgãos de repressão política durante a ditadura militar no Brasil.
Para o artista, esses trabalhos seriam o avesso da operação por meio da qual
Marcel Duchamp criara o ready-made quase seis décadas antes: em vez de
subtrair um objeto do campo mercantil e colocá-lo no campo consagrado da
arte, Cildo Meireles propunha a inserção de informações ruidosas no campo
em que as mercadorias circulam e se trocam:
A arte teria uma função social e teria de ser mais ou menos
densamente consciente. Maior densidade de consciência
em relação à sociedade da qual emerge. E o papel da
indústria é exatamente o contrário. Tal como existe hoje, a
força da indústria se baseia no maior coeficiente possível
de alienação. Então as anotações sobre o projeto Inserções
em Circuitos Ideológicos opõem precisamente a arte à
industria.
(MEIRELES apud BRITO, 1981:24)
A participação do público (efetiva ou potencial) desempenharia, desde então,
papel fundamental no desenvolvimento da obra do artista. A idéia é que
o indivíduo possa exercer seu poder sem o controle de macroestruturas
institucionais. A aspiração do artista é que o autor deste trabalho, enquanto
sujeito, seja o maior número possível de pessoas.
3 - MEIRELES, Cildo apud:
BRITO, Ronaldo. Cildo
Meireles. Rio de Janeiro:
Funarte, 1981, pág 24
38
ARTUR BARRIO – AS EXPERIMENTAÇÕES URBANAS
A produção artística de Artur Barrio inicia-se em 1969, juntamente
com o manifesto Contra as categorias de arte, contra os salões, contra as
premiações, contra os júris, contra a crítica de arte. Barrio defendia que o uso
de materiais caros era uma imposição de uma elite que pensa de cima para
baixo. Portanto, ele adotou o uso de materiais baratos, como papel higiênico,
lixo, carne, etc, como meio de sua ação artística. O uso desses materiais se
tornou fundamental à sua poética, em trabalhos que contestavam o tempo
todo o sistema e a inscrição econômica da arte.
Suas obras relacionam-se a questões de caráter político e a experimentações
estéticas. A maior parte de seu trabalho dessa época diz respeito a obras de
caráter efêmero, registradas por meio de fotografias e anotações em seus
cadernos-livros, uma espécie de atelier portátil onde o artista registrava
inúmeras idéias, textos e reunia imagens e desenhos.
Barrio criou uma série de ações que ele próprio denominou de Situações,
eventos em que se podia vivenciar a arte como experiência, momentos
precários ligados a uma criatividade instantânea. Era o desejo de experimentar
o que o artista chamou de “trabalho aventura”, “trabalho risco”.
Trouxas Ensangüentadas (1970), fora uma dessas ações mais significativas, e
foi realizado no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte durante o evento Do Corpo
a Terra. Na ação realizada em Belo Horizonte, foram jogadas no Rio Arrudas,
que na época cortava o Parque Municipal da cidade, várias trouxas feitas
com carne, ossos, lixo, sangue, Essas trouxas ficaram à mercê de transeuntes
que se tornavam co-autores da obra na medida em que manipulavam ou
recriavam a situação. Quando as pessoas que passavam pela rua viram as
39
trouxas boiando no rio, pensaram que se tratava de corpos humanos, então
chamaram a polícia e logo se formou um enorme rebuliço em torno das
trouxas.
Também as Situações incluíam feixes de pães deixados nas ruas da cidade ou
papéis higiênicos jogados ao mar, em enormes linhas brancas que criavam
desenhos no ar.
Artur Barrio
Trouxas Ensanguentadas
Belo Horizonte - 1970
Artur Barrio
P...........H..............
Livro de artista - 1969
40
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A passagem da década de 1960 para 1970 foi marcada por inúmeros
acontecimentos que transformaram a maneira como podemos entender a
cultura e a idéia de participação política. Os artistas dessa época estavam
engajados numa militância política através da arte, e buscavam radicalizar
os limites dela. Mas também, alguns tinham um engajamento real nas lutas
políticas, como era o caso do artista Carlos Zílio que participou de milícias
armadas, e por isso foi, inclusive, preso por dois anos.
Devido a essa extrema politização e luta num período violento de censura,
de alguma maneira, essa época se tornou uma década mítica, que continua
até hoje a inspirar as pessoas. Há sem dúvida na produção artística
contemporânea uma forte referência a essas operações, que por ressurgem
como outros meios em virtude também de novos questionamentos. Através
de uma descrença na macropolítica, os artistas de hoje se preocupam com
a criação de micropoliticas e buscam atuar fora da esfera da arte, criando
novas estratégias, novas trajetórias e ocupando espaços.
O trabalho artistico realizado atualmente ressignifica as práticas passadas,
retomando seus objetivos e revalorizando–os. Contestam situações pontuais,
assinalando o sucateamento das instituições culturais institucionais, a
voracidade do mercado de arte e outros problemas que transitam nas diversas
áreas da experiência humana. Hoje a luta ocorre no campo do imaginário, e
os artistas de hoje buscam menos a politização da arte e mais a estetização
da política, através da dissolução da arte na vida, solicitando novos meios
simbólicos e poéticos dentro da sociedade de controle.
41
TERRITÓRIOS DAS PRÁTICAS ARTÍSTICAS
A cidade como campo de atuação artística
A principal característica do rizoma é que ele
sempre possui múltiplas entradas.
Gilles Deleuze e Felix Guattari
“As cidades são imensas máquinas produtoras de subjetividade individual
e coletiva. Engendram, por meio de equipamentos materiais e imateriais,
a existência humana sob todos os aspectos em que se queira considerá-
las” (GUATTARI, 1992: 172). Sendo assim, podemos pensar nos trabalhos
que se seguem como formas de restaurar a “Cidade Subjetiva”, termo criado
por Félix Guattari para designar a subjetividade em meio ao processo de
desterritorialização pelo qual os habitantes das cidades contemporâneas
passam. O termo une os níveis singulares das pessoas a níveis mais coletivos,
42
já que nossos territórios não estão dispostos em pontos específicos da Terra,
mas se dispersam em redes e espaços, num rizoma urbano que envolve o
planeta.
Para se perder nessa cidade, criamos avenidas, ruas e esquinas. Esse esquema
funciona para agruparmos algumas manifestações artísticas no espaço
público. Os artistas ou grupos tratados aqui foram escolhidos por critérios de
afinidade, proximidade e por terem uma produção embasada nos princípios
aqui discutidos, além da suas intenções estarem voltadas para o espaço
público.
Não se pretende criar aqui um panorama da produção artística, mas sim
apontar algumas iniciativas ou trabalhos que de alguma forma alimentam a
discussão. Para tanto, criei quatro maneiras de intervir no espaço público, as
AVENIDAS. São elas:
- DESVIO (OU DÉTOURNEMENT);
- COLETIVOS;
- ATIVISMO POLÍTICO;
- CARÁTER EFÊMERO.
Sabemos que essas categorias são provisórias e nômades, e funcionam como
uma orientação para observamos os trabalhos. Elas não pretendem fechar
sentidos, apenas orientá-lo, como se fizéssemos uma pausa na caminhada.
Esses lugares recriam as formas com as quais nos relacionamos com as
cidades, buscando uma re-ligação afetiva com esses espaços.
43
Cortando as avenidas estão os artistas, os trabalhos ou grupos que formam as
RUAS da cidade. Eles, por sua vez, cruzam as várias avenidas, e é nas esquinas
que eles se encontram, criam contaminações, miscigenações, cruzamentos
criativos e de tendências.
A seguir, apresentarei as observações sobre cada uma dessas regiões, e. ao
final, falarei sobre o trabalho do Poro, que se localiza entre essas inúmeras
práticas, avenidas e ruas. A mim me interessa ainda o fato dessa produção
migrar facilmente de uma categoria a outra, como ruas que cortam várias
avenidas, assim como as linhas que tecem as redes do rizoma.
44
COLETIVOS
A arte é feita de reuniões arriscadas, caóticas de signos
e de formas. Hoje os artistas começam por criar os
espaços em cujo interior o encontro pode acontecer.
A Arte atual não apresenta mais o resultado de um
trabalho, ela é o trabalho em si ou o trabalho futuro.
Nicolas Bourriaud
O individualismo saturou. Há uma necessidade
básica de se agrupar, que os meios eletrônicos tendem
a facilitar. Sai a rubrica egocêntrica do “gênio criador”
e entra a voz coletiva do anonimato criativo e compartilhado.
Ricardo Rosas
45
Os coletivos surgem, se desfazem, se mantêm, se replicam, vão e voltam,
de forma independente e espontânea. Atuam nas sombras, nas brechas
ou na luz do dia. Não é de hoje que o desejo de falar através de uma voz
coletiva povoa a mente dos artistas. atuavam coletivamente os artistas do
Construtivismo e Surrealismo, no século XX, o grupo CoBrA, a Internacional
Situacionista, Fluxus, Art and Language; e outros nos anos 1960, como o
Group Material e Grand Fúria; nos anos 1980, The Guerrilha Girls, Critical Art
Ensemble etc.
No Brasil, a tradição do coletivismo artístico remonta ao século XIX, com
o grupo dos românticos em São Paulo; os grupos de poetas simbolistas;
os modernistas da década de 1920, entre eles o grupo antropofágico; os
concretistas nos anos 1950, o coletivo Rex na década seguinte e Tupi Não
Dá, 3Nós3, Manga Rosa na década de 1970. A partir dos anos 90, vimos
surgir um número grande de coletivos artísticos. Para Ricardo Rosas:
Um ponto básico, em se tratando de entender os coletivos
brasileiros, é sua freqüente atuação fora dos meios culturais
institucionalizados, isto é, aqueles que na sociedade em
geral validam o que pode ser tido como arte” ou não.
Cada vez mais, as ações destes grupos (...) se diluem em
atos efêmeros, inefáveis, ou pontuais e marcantes, de
acordo com a filosofia própria de cada grupo, mas que
supostamente questionam todo um circuito instituído de
exposição-público-mercado (ROSAS: 2005, sp).
Para o autor, o que diferencia esses novos grupos dos antigos seria o caráter
político de suas ações, e também o uso que esses fazem da internet e da
tecnologia. Enquanto na Europa e nos EUA, a fusão de arte e política
estava presente nos dadaístas e surrealistas, no Brasil, sem uma forte tradição
política, os coletivos atuam nos interstícios das práticas artísticas instituídas
e passaram a criar fora das instituições estabelecidas com performances,
intervenções urbanas, festas, tortadas
4
, vídeo-ativismo, ocupações, trabalhos
com movimentos sociais, culture jamming e ativismo de mídia.
4 - A tortada é uma ação
realizada pelo grupo
Confeiteiros Sem Fronteira,
cujo principal foco são
políticos e pessoas da
mídia, que geralmente são
atacadas” durante palestras
ou entrevistas, onde recebem
de forma inesperada uma
torta de chantili no rosto.
46
Os três coletivos aqui tratados, Transição Listrada, de Fortaleza; Grupo de
Interferencia Ambiental, de salvador; e Urucum de Macapá, elegeram o espaço
urbano como foco para suas ações, ressignificando-o, re-simbolizando-
os, e mantem também publicações, sites e veículos/formas de trabalhos
colaborativos.
As particularidades de cada lugar imprimem nesses grupos suas características
próprias, e estes protagonizam ações que alargam o conceito de arte e
relativizam o discurso crítico tradicional. Apresentarei, aqui, alguns trabalhos
de três desses grupos que fazem parte da nova geração de artistas brasileiros
e se encontram fora do eixo de legitimação cultural. Sua recente produção,
ainda pouco conhecida, corresponde ao mesmo tempo ao espírito de nossa
época e a uma genealogia de artistas, que começa com as experiências de
Flávio de Carvalho, a participação do público e a integração entre arte e vida,
propostas por Lygia Clark e Hélio Oiticica, passando pela crítica institucional
de Nelson Leirner, as situações e experiências de Artur Barrio até as Inserções
em Circuitos Ideológicos, de Cildo Meireles.
O conceito de partilha do sensível”, do filósofo Jacques Rancière, junto
com grande parte da produção de arte brasileira nos anos 1960/1970 e o
conceito de “interstício social”, trabalhado por Nicolas Bourriaud, ajudam a
criar aproximações do trabalho do GIA, do Transição Listrada e do Urucum
como possíveis formas de experiências políticas na arte contemporânea.
47
Uma noção de política
nos anos 1970, o artista plástico Cildo Meireles apontava o deslocamento da arte
do campo estritamente específico da sua linguagem para o campo da política: (...)
uma vez que o se que faz hoje tende a estar mais perto da cultura do que da arte,
é necessariamente uma interferência política. Porque se a estética fundamenta a
arte, é a política que fundamenta a cultura
(MEIRELES, 1981: 75).
A estetização generalizada do fazer artístico e a perda da radicalidade do
experimentalismo artístico foram paralelas à perda da radicalidade política,
isso também ocorreu, em grande medida, com um retorno aos interesses e
às regras do mercado de arte
5
e ao seu sistema tradicional de constituição e
funcionamento:
Não podemos mais limitar a arte política contemporânea
como forma de engajamento e protesto, como ocorreu nos
anos 60/70. Nos anos 80 e 90 predominou um discurso que
a única forma de se pensar uma “arte política” seria aquela
que combate a ditadura. (GOTO, 2005:sp)
Em seu texto: A (outra) arte contemporânea brasileira: intervenções urbanas
e micropolíticas”, Fernando Cocchiarale aponta que:
se o caráter político da arte na década de 60 e 70 decorria
do fato de que todas as formas de oposição atingiam a
um alvo comum, que as unificava numa única e grande
luta, atualmente eles se manifestam contra alvos não tão
facilmente designáveis, posto que difusos, que podem estar
situados em quaisquer esferas do campo ético, político
e estético, indiscriminadamente, conforme objetivos
provisórios (traço que revela e traz à tona a crise do sujeito
no mundo contemporâneo) (COCCHIARALE, 2005).
Essas modificações no campo da atuação política se deram mais pela
globalização que pelo intercâmbio de idéias entre artistas e ativistas do mundo
inteiro. Isso possibilitou a crião de uma espécie de consciência global, em que
as lutas passaram a ser direcionadas a poderes intangíveis. Podemos dizer que
houve uma politização do espo público e que as ruas se tornaram espos
de reivindicação e afirmação artísticas.
5 - O mercado da arte bra-
sileiro tem sua história bas-
tante curta, praticamente só
se efetiva e ganha força no
final dos anos 1970 e começo
dos 1980, o que havia antes
era um comércio rarefeito
entre produtor e consumidor,
quase sempre na ausência de
intermediários.
48
TRANSIÇÃO LISTRADA
Numa grande exposição de arte contemporânea no Centro de Arte Dragão
do Mar, o Transição Listrada, formado pelos irmãos Renan Costa Lima e Vitor
César e Rodrigo Costa Lima, apresenta uma obra coletiva que se consistia
em os artsitas encherem de cal a sala para eles reservada. No vernissage, a
movimentação dos convidados levantava a poeira e, aos poucos, preenchia
todas as salas do museu com uma névoa branca. Como a cal invadiu o sistema
de ventilação. O museu foi imediatamente fechado e assim permaneceu
durante três dias. Se considerarmos a interdição do museu como parte da
obra, esse trabalho pode simbolizar o estado de espírito dos grupos de artistas
da geração 2000: que tem a crítica institucional e o ativismo político como
principais características.
A cidade é um espaço humano de cultura e comunicação. A cultura é o
cultivo das potencialidades humanas, e a comunicação, a troca dessas
potencialidades. A cidade permitiu e generalizou a experiência de proximidade,
mas ao mesmo tempo parece organizar-se a partir das divisões do espaço.
Para pensar sobre essas divisões, o vídeo Escada, do Transição Listrada,
aponta para uma solução irreverente ao problema dos meios de segurança
particular das cidades. No vídeo, uma pessoa caminha pela calçada com uma
escada que usa para ver o que há do outro lado de um muro alto da cidade.
A ação se repete várias vezes em diferentes lugares. Pensando nos limites
entre o público e o privado, o trabalho acontece a partir de uma situação
muito característica de Fortaleza e outras capitais: a construção de muros na
cidade, faz com que esta, tenha seu espaço público desarticulado com uma
rápida transformação da paisagem urbana.
49
Em outro trabalho do Transição Listrada, esse sem título, ocorre a seguinte
ação: de repente, num local muito movimentado da cidade, duas pessoas
correm em direções opostas, ambas esticando uma fita branca de 200m,
tornando visível o caminho percorrido. A ação, feita rapidamente, cria um
momento de suspensão em que as pessoas no entorno
não compreendem bem
o que está acontecendo. A desestabilização dos padrões de conduta naquele lugar
pode alterar sua forma de percepção e de ação no espaço público.” diz Vitor César,
membro do grupo
6.
6 - Depoimento retirado do
site www.corocoletivo.org,
em junho de 2006
Transição Listrada - frame do
vídeo Escada
Fortaleza - 2004
50
Transição Listrada
Sem Título - 2004
51
GRUPO DE INTERVENÇÃO AMBIENTAL - GIA
O GIA é um grupo baiano formado por Ludmila Britto, Everton Marcos, Pedro
Marighella, Tiago Ribeiro, Cristiano Píton e Mark Daives, que se conheceram
no curso de Belas Artes da UFBA, em 2002. Desde então eles vêm realizando
uma série de trabalhos cujo principal foco na ocupação do está no espaço
público.
As propostas do GIA questionam a natureza convencional do objeto artístico,
encurtando a distância entre arte e cotidiano. É através do absurdo que
esse grupo re-propõe a vontade dadaísta de aniquilamento dos mecanismos
artísticos tradicionais de produção de significados, revela um entendimento
da obra de arte como entidade subjetiva, fragmentária, aberta e instável.
Suas intervenções, utilizando-se da provocação e da ironia, distorcem o
prestígio social e o valor mercadológico da obra de arte tradicional.
Um dos trabalhos do GIA que eu gostaria de destacar aqui é a série: Caramujos
na qual, o grupo, utilizando lonas amarelas e cordões, cria espaços para
convivência, nos moldes das improvisações das habitações urbanas de rua,
criando arquiteturas efêmeras e coloridas. Essa série questiona a estrutura
primária do abrigo e as divisões dos espaços das cidades, onde grandes
arranha-céus dividem lugar com casas de papelão dos moradores de rua.
Essa habitação improvisada se aproxima da poética dos Parangolés e
Penetráveis de Hélio Oiticica, no sentido de desejar que a arte seja experiência,
pela cor, pela textura. Cada Caramujo é um espaço para a convivência e
experimentação, além de ser lugar para a criação de novas amizades e
relacionamentos.
Produzido durante a Manifestação Internacional de Performance em Belo
52
Horizonte, o Caramujo foi habitado pelos integrantes do GIA por toda a
semana em que o evento aconteceu: seja dormindo, lendo, tomando café, ou
conversando e decorando o espaço. A construção-caramujo integrou-se na
arquitetura da Casa do Conde. Bem na entrada, todas as pessoas que chegasse
à casa tinha que passar por ele, e era necessário pular os cordões amarelos
que ligavam a Casa ao Caramujo. As pessoas, entre uma performance e outra,
passavam ali para descansar ou matar o tempo; aproveitavam para conversar
sobre arte e outros assuntos.
Também um pequenino Caramujo foi produzido num ponto de ônibus na
cidade de Salvador, criando sombra onde as pessoas esperam a condução. O
trabalho busca uma forma de se relacionar com a cidade, tornando-a mais
confortável para seus habitantes. É interessante também o fato de que as
pessoas que estão ali, muitas vezes, não sabem que aquilo pode ser uma obra
de arte simplesmente por elas se relacionarem com aquela interferência.
Em outro trabalho, o Não-Propaganda, o GIA utilizou faixas amarelas vazias,
cor que identifica o grupo, criando situações em que existe uma subversão
de veículos publicitários de venda de produtos e serviços, faixas de rua ou
homem-sanduíche, que não carregam dizeres, porém espaços vazios, como
se fosse possível preenchê-los, seja com mensagens, textos, ou imagens da
nossa própria imaginação. Cria espaços para subjetivações, além de ser uma
brincadeira bem humorada, que promove um estranhamento, do tipo: “o que
esse cara está fazendo com esse cartaz em branco, fazendo propaganda
de nada?”.
Numa outra versão do mesmo trabalho, o grupo se insere em um bloco do
circuito principal do carnaval de Salvador. Várias pessoas durante o carnaval,
que acabam participando do trabalho, carregando faixas como se fosse uma
53
grande passeata pela “não-propaganda”. Os registros da ação entram para
dar uma nova dimensão ao trabalho e dão a impressão de que todas aquelas
pessoas estavam participando da ação. Nesse contexto o conteúdo destacado
é o da alegria, sentimento estereotipado de Salvador, capital da alegria, do
verão e do calor”.
Não-Propaganda aponta para questões do uso que a publicidade faz do
espaço público para fins privados e que além de esgotar nosso olhar pelo
excessivo aparato midiático de imagens, nos sufoca, pela insistência em
consumir, criando desejos superficiais, que podem ser, às vezes, facilmente
realizados nas prateleiras dos shoppings.
Também nessa linha, o GIA realiza o que talvez seja um dos seus trabalhos de
maior cunho político: Balões Vermelhos, ação realizada em 2003, durante os
ataques dos Estados Unidos ao Iraque. Foram jogados do alto de um prédio
residencial bem conhecido da cidade de Salvador inúmeros balões vermelhos
com tiras de papel presas a eles. Na medida em que os balões iam caindo,
e as pessoas os iam pegando em baixo, lia-se, nas tiras de papel, frases
como: “E se fosse uma arma química?”, “E se fosse uma bomba?”.
A imagem do trabalho brinca com a imagem festiva e inofensiva de balões de
festa sendo jogados pela janela, mas logo a intervenção se transforma num
ato de protesto diante de uma realidade que pode parecer distante, mas que
todos conhecem. Ela traz um sentimento muito grande de vulnerabilidade, ao
qual estamos todos submetidos. Os Balões Vermelhos podem ser uma maneira
de mostrar que o medo e a negação de uma vida compartilhada globalmente,
nos trazem uma grande necessidade de lutar por uma consciência global dos
problemas que enfrentamos.
O trabalho Presente, do GIA é uma ação na qual são deixados nas ruas
54
presentes abandonados. Ao realizar esse trabalho, o GIA alimenta-se das
inúmeras possibilidades improváveis sobre qual será o fim desses embrulhos,
ampliando sua capacidade poética de desviar o enfadonho ritmo do dia-
a-dia anonimamente. O acaso será determinante sobre que reações esses
presentes irão desencadear nas pessoas que os receberem. E quem receberá
o presente? E o que fará essa pessoa com ele? Um sentimento misto de
curiosidade e desconfiança paira sobre esses belos embrulhos. Penso nessa
ação como um trabalho realizado para uma pessoa, quase como uma
obra exclusiva para aquele que receberá o presente aleatório. Criando uma
situação que desloca de vez a pessoa de seu ritmo cotidiano e favorecendo
as relações humanas, uma vez que o GIA oferece o presente e recebe o
improvável, funda-se também novas zonas de comunicação.
O trabalho Fila é uma ação desenvolvida pelo GIA, onde seus integrantes
criam uma fila em locais locais inusitados, como: em frente a um quadro
de Volpi, a alguns trabalhos do Salão de Arte da Bahia ou em frente ao pôr-
do-sol no cais em Salvador. Esse deslocamento da fila é uma brincadeira
bem-humorada com uma situação que faz parte da vida de um grande
número de brasileiros, seja para o acesso a serviços públicos (do transporte
ao atendimento médico, da matrícula escolar à compra de ingresso para
o futebol) ou privados (do banco, do supermercado, do cinema). A fila é
uma apologia à perda de tempo, e cria falsas burocracias para situações
contemplativas, como ver um quadro num museu ou ver o pôr-do-sol. A Fila
cria grande curiosidade nos outros e chama uma enorme atenção para uma
obra em um salão, como se aquela obra fosse mais importante que todas as
outras. É também uma alusão ao turismo cultural, pois ao ver a Fila, em frente
a um Volpi, por exemplo, logo temos em mente situações como o quadro da
Monalisa, em que uma multidão disputa espaço para tentar vê-lo.
55
Grupo de Interferência
Ambiental
Balões Vermelhos, 2003
56
Grupo de Interferência
Ambiental
Caramujos - 2003
57
Grupo de Interferência
Ambiental - Fila - 2003
58
Grupo de Interferência
Ambiental
Não Propaganda - 2002
59
Grupo de Interferência
Ambiental - Presente - 2004
60
URUCUM
O Coletivo Urucum, criado por volta do ano de 1996, formou-se a partir da
experiência de divisão de ateliê. Arthur Leandro, um de seus integrantes,
conta que atualmente o coletivo tem formação variada, funcionando como
uma espécie de grife onde, dependendo da proposta e do interesse dos seus
membros, pode haver formação diferenciada”. As intervenções do grupo são
realizadas primordialmente nas ruas e em locais públicos da cidade. Trata-
se de buscar espaços de atuação em que a experiência artística não seja
mediada pelas dinâmicas institucionais curadoria, técnicas expositivas,
ação educativa, cuidados com a integridade dos trabalhos, etc –, nem esteja
impregnada da carga simbólica conferida aos trabalhos pelos tradicionais
espaços de exibição. Para o grupo, a rua é entendida como o local propício
para a experimentação sem mediação, uma metáfora na qual pouco espaço
é permitido para a representação de realidade. Ao contrário, são trabalhos
que partem do real para o real e para um público que, em última análise, não
espera a experiência artística: é “pego de assalto”. Afirma Arthur Leandro em
entrevista
7
.
............
No fim da tarde, milhões de andorinhas lotam os fios elétricos de uma das
esquinas mais movimentadas de Macapá. Os Catadores de Orvalho Esperando
a Felicidade Chegar é uma ação do Urucum em que eles, os catadores”,
usando óculos e toucas de natação, recolhem, em vários penicos coloridos,
o “orvalho” das andorinhas. O nome do trabalho é uma brincadeira com um
hábito muito comum no norte do país, em que no final da tarde, depois de
dar um banho nas crianças, as mães as colocam sentadinhas na porta de
casa e dizem: “fiquem aí quietinhos, esperando a felicidade chegar”.
7 - Entrevista feita por
Fernanda Albuquerque, 2005
61
Outro trabalho do grupo é Divisão Imaginária: ao meio dia, quando o sol
passa pelo meio do mundo, o grupo sentou-se no marco zero da linha do
equador, em Macapá, e bordou com linhas vermelhas as palavras “imaginária”
e “divisória” em lenços brancos. A divisão imaginária do globo em países do
norte e do sul - ou em outras palavras os ricos e os pobres - foi a questão
trabalhada pelo Grupo Urucum durante esse equinócio de setembro de 2003.
Talvez o que os artistas do Grupo Urucum queiram mesmo, seja essa tomada
de consciência de que a divisão mundial também é uma construção cultural, e,
portanto, faz parte do imaginário tanto quanto a latitude zero que atravessa
Macapá. A linha é divisória por motivos econômicos e culturais.
Na passagem de 2002 para 2003, o Grupo Urucum realizou o trabalho
Mensagens Vazias. Situados próximos à Fortaleza de São José, junto ao
centro urbano de Macapá, os integrantes do grupo se puseram a abordar
os passantes, pedindo que lhes confidenciassem seus desejos em pequenos
bilhetes que seriam lançados ao Rio Amazonas dentro de garrafões. A
intervenção estimulava os passantes a se deterem por um momento, em
meio às festividades muitas vezes eufóricas que caracterizam a passagem
do ano, e se interrogarem sobre os seus sinceros anseios e aspirações,
compartilhando-os com os artistas e, eventualmente, com outros participantes
da comemoração. Tratava-se de propôr uma experiência que possibilitasse
ao público romper com a mesmice dos rituais de ano-novo, não para o ano
que estava por vir, mas para a vida que se encontrava em curso.
62
Urucum - Linha Imaginária
Macapá - 2004
63
ESTÉTICO E POLÍTICO
Muitas podem ser as formas de se fazer uma arte politicamente engajada na
contemporaneidade. O teórico francês Jacques Rancière vem criando uma
reflexão, procurando construir uma via de compreensão da noção atual do
Estético, conceito que pode nos ajudar a identificar e a entender inúmeros
desses trabalhos de arte contemporânea. Ranciere define esse conceito como
um “modo de articulação entre maneiras de fazer, formas de visibilidade
dessas maneiras de fazer e modos de pensar suas relações”. “A política ocupa-
se do que se e do que se pode dizer sobre o que é visto de quem tem
competência para ver e qualidade para dizer, das propriedades do espaço e
dos possíveis do tempo” (RANCIÈRE, 2005:17). Compreendendo o sensível
como domínio do estético e do político simultaneamente.
O Sensível é considerado o solo primeiro sobre o qual as ações se dão. O
Modo de participação que neste se opera é definido pela noção de “Partilha
do Sensível”, isto é,
partilha de espaços, tempos e tipos de atividades que
determinam propriamente a maneira como as pessoas se
prestam à participação, e como uns e outros tomam parte
dessa partilha (...). É a partir dessa estética primeira que se
pode colocar a questão das “práticas estéticas”, no sentido
em que entendemos, isto é, formas de visibilidade das
práticas da arte, do lugar que ocupam, do que “fazem” no
que diz respeito ao espaço comum
(RANCIÈRE, 2005:15).
As práticas artísticas são maneiras de fazer que intervêm nessa distribuição
geral do sensível, nas suas formas de visibilidade e modos de ser. Além disso,
criam novos modos de sentir e induzem novas formas de subjetividade
política.
As artes, segundo o teórico, nunca emprestam mais do que podem às
táticas de dominação ou emancipação. O que ambas têm em comum são
as repartições do visível, as funções da palavra. A questão da relação entre
64
o estético e o político coloca-se no cerne desse recorte sensível comum das
formas de sua visibilidade e de sua disposição, das funções das palavras, dos
movimentos e das ações.
De acordo com Nicolas Bourriaud, a tarefa da arte contemporânea é criar
espaços livres, cujo ritmo atravesse aqueles que organizam a vida cotidiana;
é favorecer relacionamentos intrapessoais diferentes daqueles que nos impõe
a sociedade da comunicação. Ele aponta para as “utopias de aproximação”,
práticas artísticas que pretendem agir, gerando novas percepções e novas
relações de afeto, num mundo regulado pelo isolamento individual.
Para Borriaud, a arte contemporânea desenvolve um projeto político,
enquanto se esforça em problematizar a esfera relacional. Ele trabalha
o conceito de arte como “interstício social”, termo criado por Marx para
categorizar comunidades de troca, que escapam do modelo da econômia
capitalista. O interstício é um espaço de relações humanas que se insere de
forma aberta, sugerindo outras possibilidades de trocas que não aquelas em
vigor no sistema.
65
ESPAÇOS ALTERNATIVOS PARA A PRODUÇÃO DA ARTE
A Base, criada pelo Transição Listrada em janeiro de 2002, é um espaço
de mídia e de artes plásticas em Fortaleza. Essa casa funcionava como um
local de produção, de exposições e debates. Em algum tempo, a Base se
transformou num ponto de encontro entre artistas de todo o Brasil, que além
de expor seus trabalhos participavam de palestras, projeções de filmes etc.
As atividades da BASE visaram estabelecer e intensificar
a comunicação entre artistas de vários pólos artísticos do
Brasil, principalmente daqueles pontos fora dos centros
hegemônicos. Todos os artistas que participaram desse
projeto pertencem a uma nova geração e contribuíram
muito para a construção do discurso artístico e para o
desenvolvimento da arte contemporânea nas suas cidades
respectivas (catálogo da exposição Vizinhos).
No mundo cada vez mais interligado em que vivemos hoje, espaços reais
e virtuais como redes de comunicação oferecem um campo para novos
meios artísticos, como o Salão de M.a.i.o, organizado pela primeira vez em
2004 pelo GIA. O evento era um salão de intervenções urbanas, totalmente
auto-gestionado, onde pessoas do Brasil inteiro eram convidadas a enviar
propostas de ações que seriam executadas pelo grupo na cidade de Salvador.
Muitos artistas se deslocaram até a cidade para colaborar com a execução.
Os trabalhos utilizam os mais diversos suportes, como lambe-lambes, ações
performáticas, panfletos, instalações públicas, projeções etc. O evento
possibilitou grande troca de informações e experiências entre jovens artistas
do Brasil. Muito se aprende com esse procedimento, um artista executando
o trabalho de outro. Para todas as pessoas que trabalharam na execução das
propostas, é um desafio receber trabalhos e realizá-los, pois cada contexto
acrescenta nos trabalhos diferentes leituras.
66
A partir do Salão de M.a.i.o, uma rede de amizades foi criada com pessoas
de Salvador que realizaram as ações, artistas que mandaram propostas ou
aqueles que viajaram para para participar do evento. O modelo do Salão
pôde ser facilmente realizado em outras cidades, se expandindo e gerando
eventos similares, como por exemplo, o EIA Experiência Imersiva Ambiental
– que aconteceu em São Paulo e já teve três edições, a primeira em 2004, a
segunda em 2005 e a terceira em 2006. Outros eventos que aconteceram sob
os mesmos moldes do Salão de M.a.i.o foram o MultilpliCidade, em Vitória,
2006 e o Intervenções Urbanas, em Fortaleza, em 2007.
O que me parece interessante nesses casos, é o fato de que qualquer pessoa
pode organizar um Salão, executando todas as funções como, por exemplo,
as de curador, produtor e crítico. O que relativiza o peso legitimador das
esferas institucionalizadas da Arte e apresenta outras formas de veiculação
que não as tradicionais. Cada evento desse tipo reforça ainda mais as redes
entre os artistas.
Para esses artistas, a alternativa é discutir seus trabalhos acima de qualquer
regra mercadológica imposta, criando espaços coletivos e independentes,
onde se misturam as atividades de criação, exposição e circulação. Eles estão
experimentando criar instituições novas, ou seja, ter o poder de mostrar ou
selecionar em suas mãos, além de estarem experimentando formatos de
articulação e de veiculação de trabalhos.
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atuação desses grupos, baseada na experimentação e nas ações efêmeras,
busca o espaço público como espaço privilegiado para as ações artísticas. A
alegria e a amizade são sentimentos que emergem de sua prática coletiva.
Os três grupos tratados neste texto são formados por amigos e as principais
questões talvez sejam trabalhar junto, dividir experiências e pensar
coletivamente o espaço no qual eles se inserem. Com poéticas e cogitações
distintas, guardam em comum entre si e as cidades a dissolução de fronteiras
e de significados entre as categorias artísticas, o autor e o espectador, a arte
e a vida.
Da mesma forma como o conceito e as práticas políticas são reinventadas ao
longo das histórias, também as concepções políticas da arte são recriadas,
vindo a construir distintas estratégias de inserção e contextualização da
arte nas tramas sociais: a arte de crítica institucional, o artista curador
8
, o
engajamento social e as manifestações coletivas são algumas possibilidades
dessa concepção.
PROCURE OUTRO CAMINHO” essa era a frase que estava escrita em
lambe-lambes colados pelo Transição Listrada na cidade de Fortaleza. Esse
trabalho é um convite a fugir da rotina, além de nos fazer pensar a respeito
da necessidade real de se criarem meios e espaços alternativos ao Museu/
Galeria, que podem ser distintos dos do circuito tradicional, pois viabilizam
outros artistas, idéias e processos.
Porém, esse “trabalhar nas ruas” não significa colocar-se à margem do sistema
de arte, mas sim tomar uma posição crítica diante do circuito, trabalhar
fora para afirmar a existência de uma arte além daquela estabelecida pelo
mercado.
8 - Artista-etc. (Artista-
Curador, Artista-Produtor,
Artista-Escritor), é uma ex-
pressão cunhada por Ricardo
Basbaum para designar a
pluralidade de papéis sociais
desempenhada por um artista
nos dias atuais. Artistas
gerem espaços expositivos,
escrevem textos a respeito do
próprio trabalho ou de outros
artistas, organizam curado-
rias, entre outras atividades.
68
DESVIO
Se a arte morreu, ou o público desapareceu,
então nos encontramos livres de dois pesos mortos.
Em potencial, todos nós somos algum tipo de artista –
e potencialmente todo público recuperou sua inocência,
sua capacidade de tornar-se a arte que experiencia.
Hakim Bey
69
O détournement ou desvio é um conceito criado pelos Situacionistas numa
crítica à arte institucionalizada e na defesa da criação de situações. Buscaria
despertar, através do choque, a espontaneidade perdida do cotidiano (DEBORD,
1956). E para desviar esse ritmo, se propunha a inserção de elementos de
estranheza. Uma tradução de détournement seria “desvio”, mas o termo
também carrega o sentido de “rapto” ou “subversão”.
Um dos exemplos mais conhecidos do grupo: pegar uma história em
quadrinhos e inserir textos marxistas sobre os balões
9
. Em outro exemplo,
um Situacionista subiu ao altar da catedral de Notre Dame (Paris) vestido
como monge dominicano e proferiu um sermão para os fiéis presentes sobre
como a Igreja Católica sugava suas vidas em favor de um Paraíso vazio”,
logo depois proclamando que Deus estava morto
10
. Esses pequenos atos de
arte/sabotagem visavam provocar um choque que despertasse reflexões
sobre as expectativas com o cotidiano – vive-se em formas pré-concebidas,
esperadas, e quebrá-las pode despertar a espontaneidade e a criatividade
que os Situacionistas julgavam necessárias para a vida liberta.
Assim como os coletivos citados no capítulo anterior utilizam uma espécie
de détournement, criando obras efêmeras que desviam o ritmo cotidiano, os
ativistas-artistas também utilizam essa técnica no espaço público.
9 - Ver exemplos em
http://picturebook.
nothingness.org/pbook/
situgraphics/ (acesso em:
02 dez.2005).
10 -
Citado em ASSIS,
Érico. Táticas lúdico-
midiáticas no ativismo
político contemporâneo.
Dissertação de Mestrado.
São Leopoldo, UNISINOS,
2006
70
CULTURE JAMMING
A culture jamming é a prática de parodiar peças publicitárias e usar outdoors
para alterar suas mensagens. O termo jamming é uma gíria da língua inglesa
associada com a prática de interferir em transmissões de rádio com ruídos
ou sobreposição de transmissões. Vem do verbo to jam, que é utilizado com
diversos significados, como entupir, perturbar e confundir. Uma tradução
aproximada de culture jamming seria, portanto, causar confusão na cultura”
(ASSIS, 2006: 175). O termo foi cunhado em 1984 pela banda de áudio-
colagem Negative Land de São Francisco, embora seja praticamente impossível
apontar as raízes da culture jamming porque essa prática é, em si mesma,
uma mistura de grafite, arte moderna, filosofia punk etc. Usar outdoors como
uma tela de militância tampouco é uma nova tática revolucionária, que
por exemplo a Billbord Liberation Front tem alterado propagandas há vinte
anos.
Podemos pensar a culture jamming a partir do conceito de “guerrilha
semiológica” – de Umberto Eco: uma guerra que se daria através de
imagens, por meio da deturpação de signos e significados, uma ação para
impelir o público a controlar a mensagem e suas múltiplas possibilidades de
interpretação. (ECO, 1968: 174)
Em ações como a da Billboard Liberation Front (Frente de Libertação dos
Outdoors) - os ativistas colavam novos elementos sobre as peças publicitárias
de forma a alterar, deturpar ou sabotar o sentido delas. Sobre um outdoor de
marca de cigarro que associava o machismo ao tabagismo, por exemplo, foi
colado um sutiã rosa sobre o peito nu do modelo
11
ou da Barbie Liberation
Organization – ativistas que trocavam chips de voz entre bonecos Comandos
em Ação e bonecas Barbie e levavam os brinquedos de volta à loja; as
11 - http://www.billboar-
dliberation.com/turk.html
(acesso em: 2 dez. 2005).
71
Outdoors alterados
San Francisco - 1987
72
meninas compravam Barbies que diziam frases como a vingança é minha!”
e meninos ganhavam soldados de plástico que gritavam “vamos planejar
nosso lindo casamento!” A intenção era questionar a identidade de gênero
estereotipada que os brinquedos propunham, através da manipulação das
expectativas, dos signos, associados aos produtos.
ADBUSTERS
Os jammers, enquanto versão contemporânea dos Situacionistas e de
seus détournements, apropriam-se da estética do mercado (dos logotipos,
da qualidade fotográfica, dos textos impactantes, do design experimental,
do pop) para contestar os valores que o próprio mercado promulga. Isso
diferencia daquelas ações realizadas diretamente na publicidade com sprays
ou tintas, pelo seu alto nível de qualidade gráfica, dando a impressão real de
que é o mesmo anúncio impresso com uma outra mensagem.
A Adbusters Media Foundation (Caça-Propagandas) descreve-se como
“uma rede global de artistas, ativistas, escritores, brincalhões, estudantes,
educadores e empreendedores que querem levar adiante o movimento de
ativismo social da era da informação”
12
. A ONG foi fundada em Vancouver,
Canadá, em 1989, por ativistas ambientais que propunham uma mudança de
foco: em lugar de criticar diretamente o tratamento da natureza, deveriam
ser criticados o consumismo e a promoção dele (a publicidade), que causam
o desperdício de recursos naturais e “danos ao meio ambiente mental”.
12- Em http://www.adbus-
ters.org/network/about_
us.php
73
Capas da revista Adbusters
74
Criticar publicidade com mais publicidade e exigir ética dos veículos na
disponibilização de espaços comerciais na TV tornaram-se características
permanentes na filosofia da organização. A Adbusters alcançou fama como a
face mais organizada e popular do movimento culture jamming especialmente
através de paródias de anúncios publicitários famosos, com um viés crítico.
Entre eles há, por exemplo, séries de anúncios que transformam Joe Camel,
garoto-propaganda dos cigarros Camel, em Joe Chemo, hospitalizado com
câncer terminal (“Chemo” remete a chemotherapy, quimioterapia). Podem
ser citados também anúncios que lembram os perigos do álcool, como
dirigir alcoolizado e violência caseira, “esquecidos” pela campanha da vodka
Absolut, ou que mostram o palhaço Ronald McDonald com um adesivo com
a palavra “Gordura” sobre a boca.
Além do website www.adbusters.org, atualizado diariamente com notícias
sobre os mesmos temas e carregado de recursos para comunicação entre
os vários colaboradores da organização, os Adbusters mantêm a Adbusters
Magazine, que traz artigos, produções artísticas e notícias relacionadas a
poder nas grandes corporações, consumismo, contestação e outras questões
relacionadas aos males do capitalismo contemporâneo.
A revista, além de fonte de renda (não a única, pois, como fundação, a
organização recebe diversas doações), é a face mais conhecida da Adbusters:
tem circulação de 120 mil exemplares por toda a América do Norte e
distribuição (por assinatura) para todo o mundo. Cabe comentar seu projeto
editorial diferenciado: à semelhança de revistas experimentais, como a
Colors, a Adbusters Magazine muda seu projeto gráfico e estrutura a cada
número, adaptando-se ao tema central da edição. seções fixas, mas a
temática guia o conteúdo da edição nas últimas edições ticeram como
destaque: o narcisismo da arte contemporânea, formas de estimular jovens a
75
produzir sua própria mídia, não-violência e guerra, os limites da ciência; falta
de perspectivas ecológicas. Anualmente, uma edição dedicada às melhores
idéias para melhorar o mundo – guia o conteúdo da edição.
Além das paródias publicitárias, os Adbusters mantêm campanhas. As mais
conhecidas promovidas pela fundação são: o Buy Nothing Day (“Dia Sem
Compras”) e a TV Turnoff Week (“Semana da TV Desligada”).
O Buy Nothing Day consiste em promover ações de rua que convençam
pessoas a não comprar nada no dia seguinte ao Dia de Ação de Graças (toda
última sexta-feira de novembro), quando tradicionalmente na América
do Norte a população aproveita o feriado para fazer as compras de Natal.
Promovido desde o início dos anos 1990, em 2005 o evento foi realizado em
25 de novembro, quando ativistas em 60 países desenvolveram ações anti-
consumo em lojas, shopping centers e outros espaços comerciais.
A TV Turnoff Week propõe que todas as televisões fiquem desligadas
durante a semana na qual emissoras dos Estados Unidos avaliam os índices
de audiência para definir preços de espaço comercial para o resto do ano.
Promovida desde meados dos anos 90, em 2005 a campanha ocorreu entre
25 de abril e de maio. Desde 2004, ela está centrada na promoção do
aparelho TV-B-Gone (Suma, TV!), uma espécie de controle remoto universal,
do tamanho de um chaveiro, que desliga qualquer televisão, e tem como
proposta desligar televisões em TV Walls, lojas, bares, restaurantes etc e esse
aparelho é vendido no website da Adbusters.
A última campanha de destaque da organização foi a criação do tênis
Blackspot quando a Adbusters passou a ser uma empresa fabricante de tênis
para o mercado jovem. A intenção é criticar as práticas anti-trabalhistas
da Nike e outras empresas do setor, criando um produto manufaturado em
76
fábricas com sindicato forte e envolto em princípios de “comércio ético”. A
marca do tênis é um círculo preto rabiscado à mão, o “black spot”. Como
parte da campanha, a Adbusters estimula todo jovem a rabiscar o “black
spot” sobre tênis de todas as marcas.
Propaganda do tênis
Black Spot
77
ATIVISMO POLÍTICO E AÇÕES DIRETAS
Mas “embaixo”, a partir dos limiares que cessam a visibilidade,
vivem os praticantes ordinários da cidade. Forma elementar
dessa experiência, eles são caminhantes, pedestres,
cujo corpo obedece aos cheios e vazios de um
texto urbano que escrevem sem poder lê-lo.
Michel de Certeau
78
O termo “tática”, criado por Michel de Certeau, poderia ser considerado um
termo chave para tratarmos das práticas ativistas no espaço público e suas
relações com o universo da arte, seja pela forma de articulação, seja pela
prática colaborativa.
A Tática seria uma hábil utilização do tempo, das
circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção
transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos
que mudam a organização do espaço, às relações entre
momentos sucessivos de um golpe (CERTEAU 1994: 45).
Podemos dizer que as mudanças ocorridas na cultura, a partir do crescimento
da globalização, criaram uma espécie de consciência global dos problemas
que vivemos, e a possibilidade do contato e do intercâmbio entre artistas e
ativistas em todo o mundo.
Desde Seattle (1999) e Gênova (2001), sem esquecer o levante do Ejército
Zapatista de Liberación Nacional no México, em janeiro de 1994, uma nova
dinâmica de politização se disseminou pelas gerações mais jovens. A partir
de então, as lutas não se dirigem mais a um poder ou governo específico,
mas contra intangíveis e abstratas organizações do poder global, como a
OMC Organização Mundial do Comércio ou o FMI Fundo Monetário
Internacional, ou o Fórum Econômico Mundial, em Davos. Trata-se da
tomada de consciência, sobre o desejo e a responsabilidade de fornecer novos
modelos de significação produzidos ativamente, criando modelos utópicos
de mudanças sociais e participação política.
Ao pensar em utopias, podemos nos remeter ao pensamento do geógrafo
brasileiro Milton Santos. Para ele a utopia não é algo inatingível ou irrealizável,
mas sim a possibilidade real de mudanças. Baseados nisso, podemos pensar
que a utopia política não seria obsoleta nos dias hoje, não é algo que tenha
nõa deva ser considerado mas, naturalmente, em alguns aspectos, tem que
79
ser diferentes das utopias do passado. É necessário se repensar os modelos
utópicos e criar novos. Mais do que nunca, é necessário que as utopias
políticas não sejam hierárquicas nem prescritivas, no sentido de que dita às
pessoas o que fazer, criando uma espécie de “gaiola” ideológica, se fizessem
isso, não seriam utopias livres.
A arte pode ser uma ferramenta muito potente para transgredir conceitos,
pois propõe uma forma de perceber o mundo diferentemente da lógica que o
sistema capitalista nos impõe. A arte propõe uma vivência sensível das coisas
que nos cercam. É um olhar apaixonado e sem preconceito sobre a vida e é
um discurso baseado no desejo de se criar relações com o mundo e com os
outros - um desejo de transgredir, não numa ótica panfletária, mas de forma
sensível. Assim uma estética revolucionária pode ter a função de despertar o
espectador para o conteúdo das idéias que estão sendo discutidas.
A arte gera contra-informação, pois tem um substrato valioso e contaminante:
cultura. Contaminado por cultura, o homem dirá “sim” àquilo que
reconhecer como parte desse seu novo multi-universo de compreensão, o
pensador Hakim Bey, nos anos 1980, defendia que o “levante” é mais eficaz
que a guerra. É como diluir a ação revolucionária no espaço-tempo, em
uma ação elástica, distendida, pontuada por pequenas ações, distribuídas
durante muito, muito tempo. Isso faz com que se minem progressivamente
as resistências, oferecendo momentos libertários, nos quais se pode viver
plenamente a própria realidade (BEY, 2004:25).
Ricardo Rosas, em seu texto NOTAS SOBRE O ATUAL ESTADO DO COLETIVISMO
ARTÍSTICO NO BRASIL, aponta que: “Se a arte conceitual tradicional
transformou em Arte” a rua e elementos incompatíveis, temporários e
cotidianos, atualmente o sentido não é transformar esses lugares e coisas em
80
“Arte” mas diluir-se com arte” neles. E aponta que ações pontuais como a
mudança do nome da Avenida Roberto Marinho por avenida Vladimir Herzog
pelo Centro de Mídia Independente, em São Paulo (2005)
13
, pode não ser
considerado “Arte”, mas seu poder simbólico é tal que serve para inspirar
táticas conceituais que desmantelem o ideal simbólico dominante.
Na seqüência, serão apresentados o trabalho de três grupos cujas obras tocam
os limites entre as artes e o ativismo político. Reclaim the Street (Europa),
Grupo de Arte Callejero (Argentina) e Frente Três de Fevereiro (Brasil).
13 - No dia Pela
Democratização da
Mídia, o Centro de
Mídia Independente fez
um ato de re-batismo
popular da Av. Jornalista
Roberto Marinho para
Av. Jornalista Vladimir
Herzog em São Paulo.
O re-batismo foi uma
reação contra a mudança
de nome da antiga Av.
Água Espraiada para
Av. Jornalista Roberto
Marinho, que buscava
homenagear o empresário
recém falecido. A ação
aconteceu por volta das
14h30 com a mudança
da primeira placa na
esquina da Av. Santo
Amaro com a Av. “Vladimir
Herzog”. Ao todo foram
modificadas cinco placas,
até o momento em que
começou uma ação
policial, que encaminhou
alguns manifestantes para
a delegacia.
81
RECLAIM THE STREETS
Lute pelo direito de festejar!
Festeje o direito de lutar!
(Hino da banda Bestie Boys)
Formado originalmente em Londres, no outono de 1991, o Reclaim the
Streets (RTS) surgiu como um pequeno grupo que se juntou a cultura rave,
a ecologistas radicais, anarquistas e artistas plásticos, ou artistas de circo
para retomar as ações diretas
14
contra os carros. Foi o movimento de mais
rápido crescimento desde maio de 1968 em Paris. Nas suas próprias palavras,
eles estavam fazendo uma campanha: “Por caminhadas, pedaladas e por
transporte público barato ou de graça e CONTRA carros, estradas e o sistema
que os criou”. Para eles os carros e o trânsito “são elementos que dominam
as nossas cidades, poluem, congestionam e dividem as comunidades”. Eles
isolaram as pessoas umas das outras e tornaram as ruas meros meios para
veículos motorizados passarem sem qualquer respeito pelas pessoas. Os carros
criaram vazios sociais ao dispersar e fragmentar atividades cotidianas e ao
aumentar o anonimato social.” (LUDD, 2002:42).
O tema comum que começou a ser discutido entre essas contraculturas
era o direito ao espaço não colonizado para morar, para as árvores se
desenvolverem, para as pessoas se reunirem, para dançar. O grupo tem como
meta retomar as ruas para as pessoas, o que significa libertar as ruas do
controle das corporações e seus anúncios, dos carros e do controle estrito do
governo. O RTS acredita que se nos livrarmos do carro poderemos recriar um
ambiente mais seguro e mais atrativo para viver, devolveremos as ruas para
as pessoas.
A forma encontrada pelo RTS para se manifestar foi ocupar as ruas organizando
grandes festas, jogos de futebol, plantando árvores, bloqueando estradas,
14 - Ação direta é uma forma
de ativismo, que usa métodos
imediatos para produzir
mudanças desejáveis ou
impedir práticas indesejáveis
na sociedade, em oposição
a meios indiretos, tais como
as eleições de representantes
políticos. Existem grupos
que se tornaram famosos
pelo uso da Ação direta,
como o Greenpeace e
alguns movimentos anti-
globalização, como os Blacks
Blocks e Movimento dos
Sem-Terra.
82
pintando clandestinamente faixas para ciclistas, intervindo nos cartazes
de publicidade. Desde 1995, eles vêm seqüestrando ruas movimentadas,
cruzamentos importantes e até trechos de rodovias para reuniões espontâneas.
O local da festa é mantido em segredo até o dia em que acontece e milhares
de pessoas se reúnem no lugar escolhido.
Antes de a multidão chegar, uma van equipada com um potente aparelho de
som estaciona no lugar a ser resgatado. Em seguida, são planejadas algumas
formas teatrais de bloquear o trânsito por exemplo: dois carros velhos
batem e uma falsa briga entre os motoristas começa. Outra técnica é plantar
andaimes de seis metros de altura no meio de uma rodovia com um corajoso
militante pendurado no alto as bases do andaime evitam que os carros
passem, mas ao mesmo tempo permite que as pessoas circulem livremente.
Com o trânsito bloqueado, a rodovia é declarada uma “rua aberta” e são
erguidas placas com frases como: “Respire”, “Sem Carros” e “Resgate o
Espaço”. Assim, a festa começa, num imenso carnaval com homens com
perna de pau, ravers, tambores, caixas de areia, piscinas rasas, sofás, tapetes,
redes de vôlei.
A mídia quase sempre descreveu as ações do RTS, como protestos anti-
carros. Mas a maioria dos membros do grupo defende que isso é uma posição
simplista em relação ao movimento. Dizem eles: “O carro é o símbolo. A
manifestação mais tangível é a da perda de espaço comunitário, ruas onde se
possa caminhar e lugares de livre expressão” (LUDD, 2002:42). O RTS sempre
tentou abordar a questão do transporte e do carro como uma crítica mais
ampla da sociedade para sonhar com o resgate do espaço para o uso coletivo
do povo. O ataque do RTS aos carros não pode se desligar de um amplo
ataque ao próprio capitalismo:
83
Como os Adbusters, os participantes do RTS têm transposto
a linguagem e as táticas da ecologia radical na selva
urbana, exigindo espaços não comercializados na cidade,
bem como áreas naturais no país ou nos mares”(KLEIN,
2003: 340).
Como base de suas intervenções, RTS continuou a se concentrar nos carros,
mas isso tem se tornado algo simbólico, e não específico. O RTS procura
inicialmente criar debates sobre as lutas contra as estradas, questionar o
custo social e ecológico do sistema de carros:
Os carros que ocupam as ruas estreitaram os pavimentos...
(Se) os pedestres… quiserem olhar uns aos outros, eles vão
ver carros no fundo, se eles querem olhar para o prédio do
outro lado da rua eles vão ver carros pela rua: não existe
um único ângulo de visão onde os carros não sejam vistos,
de trás, pela frente, dos dois lados (KLEIN, 2003: 351).
Em um momento que o RTS estava preocupado com o teor crítico das festas
de rua, que poderiam ser facilmente identificadas apenas como diversão,
começaram a aparecer nas reuniões e nas listas de discussões a idéia de uma
grande festa que aconteceria em vários países do mundo simultaneamente.
A organização de algo deste porte poderia parecer bastante improvável, mas
em seis meses foi elaborada a primeira Global Street Party. Eles estavam
certos de que a base política dessa festa deveria ser forte e para isso
marcaram a festa para o dia 16 de maio de 1998 dia em que os líderes
do G8 fariam a reunião de sua cúpula em Birmingham, na Inglaterra, e
dois dias antes deles seguirem para Genebra para celebrar os 50 anos de
aniversário da Organização Mundial do Comércio. As festas ocorreram em
vinte países diferentes, com militantes de todos os tipos. A primeira Global
Street Party aconteceu num movimento internacional contra as corporações
internacionais e a globalização econômica. Essa festa definitivamente não
tratou só de carros.
84
O RTS pode ser apresentado como um grupo que luta por uma sociedade melhor
numa época onde a maioria das pessoas se sente alienada e preocupada com
o sistema atual:
O que temos percebido é que todos aqueles eventos e ações
tinham uma coisa em comum: RESGATAR. Estejamos nós
resgatando a estrada dos carros, (..) resgatando os campus
universitários como lugar de protesto e teatro, resgatando
nosso ambiente visual dos outdoors, sempre estivemos
resgatando. Queremos devolver o poder às pessoas como
coletividade. Queremos resgatar as ruas. (RTS Toronto)
(KLEIN, 2003: 351)
O sucesso do RTS vem da ingenuidade em encorajar as pessoas, na persistência
em articular diferentes discussões e na capacidade de inspirar.
Festa do Reclaim the Streets
85
GAC (GRUPO DE ARTE CALLEJERO)
A Razão do Trabalho é o Desejo
No final dos anos de 1990, a Argentina, que se redemocratizara em 1983,
viu-se mergulhada numa profunda crise. Em dezembro de 2001, milhões de
pessoas saíram às ruas com diversos objetivos e ideologias e, em comum,
todos repudiavam o governo, a incapacidade dos partidos políticos e a
corrupção na Justiça.
No Brasil, na América Latina e em todo o mundo, vemos surgir novamente
neste começo de século uma discussão a respeito das relações entre a arte
e o ativismo político. Neste contexto, a arte propõe aos atores sociais uma
criativa e pacífica forma de protesto social. Os artistas, na maioria das vezes,
elegem formas de trabalhar em que o confronto direto com a sociedade é
o foco principal. Eles interferem no espaço público com cartazes, panfletos,
performances etc., na tentativa de conscientizar os cidadãos dos problemas
políticos que enfrentamos. Nessa prática, fazem questão de uma atuação
autônoma à margem do sistema/circuito de arte e assim as obras produzidas
por esses artistas geralmente são vistas por um espectador casual que se
encontra transitando pelas ruas.
O grupo argentino GAC Grupo de Arte Callejero, é formado por artistas,
fotógrafos e designers, em sua maioria filhos e parentes de pessoas
perseguidas durante o regime militar que governou o país entre 1976 e 1983.
O grupo desenvolve trabalhos que buscam minimizar as fronteiras entre a
arte, a vida e a atuação política, desafiando os limites e os conceitos pré-
estabelecidos entre arte e militância. Dessa forma, seus trabalhos adquirem
um valor maior como mecanismos para a denúncia e as possibilidades de
confrontação real.
86
Uma de suas obras mais importantes é uma série de placas de sinalização,
que mostram a proximidade das casas onde estão vivendo os torturadores
que atuaram durante a ditadura militar e não foram punidos pela justiça. As
placas dizem: a 5 km vive um genocida”, a 2 km vive um genocida” até
chegar às casas, onde se sinaliza: Aqui vive um genocida” e, juntamente
com uma multidão de pessoas jogam tintas vermelhas nas paredes das casas
dessas pessoas que foram assassinos durante a ditadura. Além das placas, o
GAC desenvolveu uma cartilha com os endereços, telefones e identidades de
todos esses torturadores, para que isso se torne público.
Os trabalhos que o grupo realiza apontam principalmente para a subversão
das mensagens institucionais vigentes, como, por exemplo, placas de
sinalização, propagandas publicitárias e estética da televisão em suas ações.
Sua produção busca infiltrar-se nesses sistemas e criar ali pequenas quebras,
falhas e alterações para desmascarar e tornar evidente os jogos de poder e
dominação.
A ação “Invasão”, realizada pelo GAC, ocorreu no dia 19 de dezembro de
2001, em Buenos Aires, e consistiu no lançamento de dez mil soldadinhos
de chumbo com pequenos pára-quedas vermelhos, do alto de um prédio no
centro da cidade.
Essa ação tomou parte de um projeto que o GAC vinha realizando com a
intenção de evidenciar as relações existentes entre a estratégia de mercado
e a estratégia militar. Para isso, elaboraram uma espécie de campanha
publicitária para intervir em outdoors, placas e propagandas da cidade nos
dias previstos para ação. Os ícones criados para essa campanha foram: um
soldado, um míssil e um tanque de guerra, todos sobrepostos a um alvo
87
vermelho e branco. O texto dos cartazes e panfletos trazia as seguintes
mensagens:
Multinacionais - Empresas que dominam o consumo, os
bens, os recursos naturais, a economia, e a política de um
país.
Mídia de Massa - Formadores de opinião pública. Como
suporte para a publicidade influencia o mercado.
Sistema de Segurança - Encarregado de vigiar, controlar
e dissuadir por meio da força, para prevenir toda forma
desestabilizadora do sistema econômico.
Além dessas peças publicitárias, no dia marcado, num local no centro da
cidade de Buenos Aires, foram jogados centenas de soldadinhos de brinquedos,
presos a pequenos pára-quedas vermelhos, que iam caindo lentamente sobre
as pessoas que passavam pelas ruas, isso criava uma mancha de cor na cidade
e dava a sensação de que uma invasão estava acontecendo.
A aparente simplicidade da ação traz em si uma mensagem ácida a respeito
do processo de militarização e dominação em que vivemos no mundo
contemporâneo. O grupo criou uma metáfora que associa um desejo quase
infantil de brincar, de observar as coisas, de soltar pipa, ameaças concretas
de guerras imperialistas em todo o mundo e na América Latina.
Em julho de 2004, o GAC participa, em São Paulo, de uma iniciativa chamada
Zona de Ação, em que alguns grupos realizam ações, workshops, debates etc,
em zonas pre estabelecidas da cidade. O GAC repetiu sua ação Invasão na
avenida Paulista. Dessa vez, utilizaram pára-quedas amarelos com mensagens
como: “Seja feliz!”, ou “A TV domina você.” etc.
A Paulista é o coração econômico do país, com grandes empresas, bancos
e multinacionais. Aqueles pequenos pára-quedas atrapalharam o trânsito e
mudaram toda a relação do tempo daquele espaço acelerado ao contrapô-lo
88
ao tempo dos pára-quedas que iam lentamente voando sobre a cidade e as
pessoas. Os pedestres quase brigavam para pegar os soldadinhos: havia quem
precisasse correr para pegar os bonecos, e também aqueles que recebesse
bem nas mãos. Esse trabalho do GAC criou ali um misto de resistência, com
poesia e beleza.
As mensagens são codificadas diferentemente em cada lugar, a ação dos
soldadinhos caindo sobre nossas cabeças parecia mais uma ação poética do
que uma ação denunciatória. E os soldadinhos remetiam mais a uma lembrança
de brincadeira da infância do que a uma realidade posvel para nós.
GAC - Aqui vivem genocidas
- 2001
89
GAC - Invásion
Buenos Aires - 2001
90
GAC - Invásion
São Paulo - 2004
91
FRENTE TRÊS DE FEVEREIRO - NO PAÍS DO FUTEBOL
No dia 03 de fevereiro de 2004 o jovem negro Flávio Ferreira Sant’Ana foi
morto por seis policiais militares na zona norte da cidade de São Paulo. Ele
foi assassinado com dois tiros e, de acordo com os policiais, foi confundido
com um ladrão. Nesse caso, assim como em muitos outros, podemos dizer
que houve racismo policial. Uma pesquisa comprovou que 91% dos jovens
negros do estado de São Paulo foram abordados pela polícia (Datafolha
2004).
A Frente Três de fevereiro surge como grupo para protestar contra a morte de
Flávio e, a partir de então, iniciaram uma série de proposições para repensar
o racismo no Brasil, especialmente o racismo policial.
A Frente 3 de Fevereiro associa maneiras artísticas de interagir com o espaço
urbano à resistência da cultura afro-brasileira. O grupo ficou conhecido por
intervenções de abertura de bandeiras gigantes na partida final da Copa
Libertadores da América entre São Paulo e Atlético Paranaense, em 2005. As
bandeiras estampadas com dizeres como “Zumbi somos nós”, “Brasil Negro
Salve” ou “Onde estão os negros?”.
Esse trabalho surgiu a partir de um caso sem precedentes no Brasil: o
jogador argentino Desábato, do clube Quilmes, foi preso durante dois dias
por ‘injúria qualificada por preconceito, durante um jogo. As ofensas racistas
foram dirigidas ao jogador Grafite do São Paulo Futebol Clube. A sociedade
se manifestou revelando jogos ideológicos para além do futebol.
A situação foi ponto de partida para a investigação da Frente 3 de Fevereiro: a
multidão e sua força; as transmissões em cadeia nacional; arquivos televisivos;
textos publicados; mesas de debate; depoimentos de jogadores, torcedores,
92
diretores de clubes, juizes; e a construção de apelidos - internalização indolor
do preconceito.
O documentário Zumbi Somos nós registrou a intervenção realizada em
Berlim, durante a abertura da Copa do Mundo de 2006, quando a Frente Três
de Fevereiro, pensando a condição do imigrante na Comunidade Européia,
uniu-se a coletivos locais em uma passeata de protesto ao espancamento de
um alemão de origem etíope por grupo neonazista. Na passeata foi aberta
uma enorme bandeira de 20x5 m com a inscrição “Know Go Area”, numa
referência à região central de Berlim, evitada por imigrantes por causa do
risco de violência.
93
Frente Três de Fevereiro
São Paulo
2005/2006
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para pensar e agir em uma realidade em constante transformação, permeada
por transformações culturais de diversas escalas e sentidos, se fazem
necessárias novas estratégias.
“Se como acreditamos, as obras de arte refletem conceitos, pontos de vista
sobre a realidade, a função social do artista deve ser deduzida da influência
que possa ter o significado global de sua obra no processo social” (GULLAR,
1965: 43). Tendo em vista os conceitos que Ferreira Gullar coloca, o GAC
e a Frente Três de Fevereiro cumprem então a função social do artista ao
denunciar, com poesia, as relações de poder e de dominação. Ao romper
com os valores e as atitudes do artista acadêmico trabalhando fora de um
circuito de arte viciado, elitista e desvinculado do contexto social no qual
vivemos. Rompem também com os interesses das instituições que garantem
a existência do artista na sociedade, mas com certo controle sobre sua
produção cultural.
95
ÍNFIMOS E EFÊMEROS
Mosca dependurada na beira de um ralo –
Acho mais importante do que uma jóia pendente.
Os pequenos invólucros para múmias de passarinhos
que os antigos egípcios faziam
Acho mais importante do que o sarcófago de Tutancâmon.
As coisas que não têm dimensões são muito importantes.
Assim, o pássaro Tu-you-you é mais importante por seus
pronomes do que por seu tamanho de crescer.
É no ínfimo que eu vejo a exuberância.
Manoel de Barros
96
As ruas estão cheias de pessoas que, sem saber, tecem a geografia das
cidades. Debaixo de seus pés um rizoma humano enorme se forma através
de inumeráveis linhas que se movem e recobrem o espaço urbano.
A arquitetura, o movimento, a luz são guias desses habitantes fascinados
pelas cidades, pois o habitante, perdido entre o movimento do rizoma humano
e as escalas monumentais das cidades, pode encontrar também o mínimo.
Manoel de Barros escreveu: “É no ínfimo que vejo a exuberância”. A arte
tratou de captar o ínfimo. Para alguns artistas, a cidade é vista como campo
de investigações artísticas e de novas possibilidades sensitivas, para mostrar
através de suas obras, novas formas de se relacionar com o espaço urbano.
A rua conduz a arte em direção a um tempo que desapareceu, e alguns
artistas procuram encontrar/mostrar o ínfimo na cidade. Porque o trabalho
de arte na cidade cria um campo que valoriza a passagem do tempo e tudo o
que nela se manifesta como transformação e acontecimento.
Alguns trabalhos, de alguma forma, se diluem na dinâmica da cidade ao mesmo
tempo que aproveita de todas as possibilidades de fruição e descontrole que
o ambiente urbano oferece, pois a cidade tem um ritmo que se sobrepõem
à obra de arte. Cartazes são colados uns sobre os outros em pouquíssimo
tempo, panfletos distribuídos caem no esquecimento.
A beleza, então, começa a se desenvolver a partir de pequenos espaços entre
as coisas. Essas obras contrariam o princípio da obra de arte duradoura que
pretende-se efêmera, multiplicável ou transmissível.
O trabalho se desmonta em infinitas linhas de fuga, instância corporal do
afeto.
97
CÍNTHIA E MARILÁ
A dupla de artistas Cínthia Marcele e Marilá Dardot tem o espaço público
como lugar privilegiado para suas ações. Elas constroem obras que se
relacionam com o espaço urbano, mas ao mesmo tempo buscam interlocução
com instituições de arte, onde veiculam seus trabalhos através de registros
fotográficos ou em vídeo.
Irmãs foi um trabalho realizado pela dupla em agosto de 2003, quando as
artistas saíram pelas ruas de Belo Horizonte colocando flores de papel crepom
embaixo dos ipês que florescem entre julho e setembro, e costumam colorir o
chão de toda a cidade. Vestidas com roupas iguais: jeans idênticos, Marilá com
uma camiseta roxa, Cínthia com uma camiseta amarela, ambas carregavam,
uma mochila transparente onde Marilá levava as “flores amarelas” e Cinthia
as “flores roxas”. Então, debaixo dos ipês roxos eram colocadas as flores em
papel crepom amarelo, enquanto nos ipês amarelos eram colocadas as flores
roxas do mesmo papel.
Isso criava um estranhamento poético no ritmo do cotidiano do pedestre ou
do motorista que se deparava inesperadamente com as flores roxas sobre a
árvore amarela: elas flores propuseram um novo olhar sobre flores reais e
artificiais.
Em pouco tempo, provavelmente, essas flores foram espalhadas ao vento,
recolhidas ou simplesmente desapareceram, diluindo-se - entre o movimento
acelerado dos carros que atravessam as ruas. A ação foi registrada em um
pequeno livrinho que mostra imagens do trabalho, tornando-o, assim, duradouro
e possibilitando novas experiências para quem tem contato com a obra através
apenas do registro fotográfico. Esse livrinho ainda traz uma proposição para
98
que a ação seja reproduzida por outras pessoas interessadas: “Escolher seu par.
Compartilhar o fazer das flores. Passear pela cidade, encontrar as árvores. Nas
amarelas deixas as flores roxas e mas roxas, amarelas”.
No Parque Municipal de Belo Horizonte, uma toalha de xadrez vermelho
forra o gramado para receber um lindo piquenique com frutas, sucos e outros
objetos, todos eles compõem uma cena que tem as mesmas tonalidades.
Esse piquenique se espelha em outro, que aconteceu na Praça Paris, no Rio
de Janeiro, porém no Rio os objetos escolhidos tinham todos a tonalidade
amarela. Dessa forma foi feito este outro trabalho da dupla: Hotel Belo Rio,
de 2004: as artistas deixavam em lugares públicos de Belo Horizonte e do
Rio de Janeiro, praças, parques, objetos, como um guarda-sol, uma rede, uma
escada, um colete salva-vidas, ou mesmo um piquenique montado.
Esse trabalho foi registrado em forma de postais, que apresentam uma
paisagem onde existe uma espécie de perturbação, imagem recorrente da
paisagem de Belo Horizonte, a Praça da Liberdade, ganha um ar de estranheza
ao receber uma escada amarela no meio de sua paisagem principal.
Chintia e Marilá
Irmãs - Belo Horizonte
2003
99
Interessante pensar que trabalhos como esses poderiam facilmente se
diluir na dinâmica da cidade. Porém, o registro a eles uma durabilidade
potencial. E a possibilidade do trânsito das artistas e das obras entre os
espaços institucionais da arte (já que esses postais são comercializados em
Galerias) e a experiência ordinária da vida cotidiana.
Além disso, essas obras nos permitem uma diferente fruição do objeto artístico,
que não se dá em forma de exposição, como é a maneira mais comum de ver
a arte, mas sim em registros que fezem parte da cultura do impresso. Em
forma de postais ou pequenos livros, a obra de arte perde seu cater de coisa
transcendente e passa a fazer parte de um universo muito próximo de nós.
Chintia e Marilá
Hotel Belo Rio
2003
100
Chintia e Marilá
Hotel Belo Rio
2003
101
PORO – ENTRADA E SAÍDA DA CIDADE
Atuação nas bordas de espaços sem geografias.
A arte conta maravilhosas mentiras que se tornam realidade.
Hakim Bey
O Poro é uma dupla de artistas formada por Brígida Campbell e Marcelo
Terça-Nada! Essa dupla é entrada e saída da cidade-pesquisa. É seu trabalho
que impulsiona a pesquisa que, por sua vez, o alimenta, pois o Poro está
conectado a todas as linhas do rizoma construídas aqui e integra este enorme
cruzamento de idéias e maneiras de fazer.
Por que escrever um capítulo, nesta pesquisa, sobre o Poro? Essa idéia surgiu
na intenção de contribuir para aqueles que têm interesse em saber como
pode funcionar o trabalho de arte em grupo ou dupla e também registrar
pensamentos, maneiras de agir dessa dupla, da qual faço parte e cujas ações
circulam nas bordas de espaços sem geografias.
Os trabalhos do Poro são executados em várias cidades diferentes, como Rio
de Janeiro, São Paulo, Salvador, Mumbai (na Índia), Rosário (na Argentina) etc.
102
Essas oportunidades foram geradas através do contato com outros grupos e
redes virtuais e reais, como o Coro
16
, um site que pretende ser um coletivo de
coletivos, o Projeto de Interferência Ambiental (PIA)
17
, o EIA
18
, Reverberações
19
,
etc. O fato de o trabalho circular em tantas cidades, em lugares diferentes,
pode apontar para o fato de que, independente do lugar, as cidades e seus
habitantes passam por problemas ou discussões semelhantes.
O Poro pratica interveões no espo urbano de maneira a poetizar por meio
de ações mínimas, micros ou efêmeras o cotidiano das pessoas que transitam
pelas ruas da cidade. Dentro do trabalho do Poro, podemos perceber que a
valorização da natureza, a questão política e ptica são pontos importantes.
Buscando sempre uma abordagem poética para temas, sejam eles, cienficos,
como a questão das sementes transgênicas, ou bem-humorada da propaganda
política, como no caso do panfleto Propaganda Política dá Lucro.
Dentro de suas proposições, o poro enumera assim seus objetivos:
1. Apontar sutilezas;
2. Criar imagens poéticas;
3. Trazer à tona aspectos da cidade que se tornam invisíveis pela vida
acelerada nos grandes centros urbanos;
4. Estabelecer discussões sobre problemas da cidade (falta de cor,
crescimento não sustentável, concreto/vegetação etc);
5. Refletir sobre as possibilidades de relação entre os trabalhos em
espaço público e os espaços expositivos “institucionais” como galerias,
museus etc;
6. Lançar mão de meios de comunicação popular para realizar trabalhos:
cartazes tipo lambe-lambe, panfletos tipo milheiro (cartomantes,
compro ouro) etc;
7. Reivindicar as cidades como espaço para a arte.
16- Coletivos em rede e
ocupação disponível em:
www.coro.coletivo.zip.net
acesso em junho de 2007
17 - Projeto de Interferência
Ambiental disponível em:
www.piacucaune.org
acesso em março de 2006
18 - Experiência Imersiva
Ambiental, projeto semelhan-
te ao Salão de M.a.i.o
19 - Projeto de arte coletivo
realizado simultaneamente
ao Fórum Cultural Mundial
em São Paulo, em 2004,
contou com a participação de
diversos coletivos brasileiros
que ocuparam as diversas
sedes do Serviço Social do
Comércio (SESC) com propo-
sições artísticas e debates.
103
DIÁLOGO COM O PORO: 2005-2007
O texto que segue, em forma de depoimento, pretende discorrer um pouco
a respeito da história, procedimentos e posturas da dupla. Essas respostas
trazem uma grande quantidade de discussões que perpassam a produção do
Poro.
Na sequência, uma breve descrição de alguns dos seus principais trabalhos.
Por que trabalhar como um coletivo
O Poro é derivado de outras formações coletivas. Marcelo Terça-Nada!
e eu começamos a trabalhar juntos buscando formas de potencializar
nossos projetos. Quando se trabalha em grupo cada um contribui com sua
experiência e os trabalhos ficam mais interessantes na medida em que vão
sendo construídos. Além disso, há trabalhos cuja realização só seria possível
com a participação de várias pessoas. Também, paralelamente ao Poro, temos
nossas produções individuais. Nessas produções, cada um desenvolve mais
sua própria linguagem e sua forma mais pessoal de construir seu trabalho.
A idéia de interferência/intervenção urbana
As motivações dos artistas podem ser as mais diversas, porém podemos
pensar que de alguma forma todos os artistas buscam dividir com os
outros sua forma de perceber e interagir com o mundo. Nossos trabalhos
são recortes de várias realidades que percebemos ou criamos. E eles então
passam a ser essa ponte que pretende mostrar alguns pontos de conflitos que
existem em várias esferas, no campo político, ético, poético, ou mesmo na
alimentação, na natureza etc. Nesse sentido, nosso trabalho é bem diverso.
Nossas preocupações são nômades, e transitam em inúmeros espaços, desde
a questão dos alimentos transgênicos, como a camiseta que fizemos como
104
paródia a Monsanto, até mesmo a falta de cor nas cidades, como no trabalho
Imagem cor. Ou ainda a vontade de compartilhar idéias bem-humoradas que
rompem com a nossa rotina, como no caso dos Aquários Suspensos.
Para nós, as intervenções servem como uma forma de interromper o
cotidiano, desconstruindo a rotina. Pensamos que todos os espaços podem
ser utilizados de modo crítico ou poético. Exemplo que liustra bem esse
nosso modo de pensar é uma ação de autoria anônima que vimos certa vez
em Belo Horizonte: nas caixas backlights dos pontos de ônibus, a publicidade
era retirada e em seu lugar eram colocadas radiografias e o seguinte dizer:
“Todo espaço mal utilizado será roubado”.
A publicidade ocupa os espaços transformando o espaço público em espaço
de consumo, transformando o cidadão em mero consumidor. Por que não
se pode ocupar esses mesmos espaços com interferências questionadoras?
Os atos mais radicais de anti publicidade são muito interessantes, pois, no
mínimo, geram discussão sobre essa questão.
Consideramos a publicidade um inimigo grande demais frente a nossas
possibilidades, mas buscamos agir na escala mínima, no contato de um pra
um. Se a publicidade ocupou essa escala gigantesca, com propagandas do
tamanho de prédios, e é extremamente abrangente, sendo veiculada em
todos os lugares, inclusive dentro de nossas casas, no celular etc. Procuramos
trabalhar na contra-mão disso, trabalhar na escala do humano.
Relação com o sistema das artes
Acreditamos que podem co existir no mesmo espaço diferentes acepções
sobre a arte, desde a arte contemporânea mais tecnológica em grandes
instituições culturais, até mesmo os pintores naifs. Nós nos ocupamos de
105
trabalhar num eixo da arte onde temos autonomia para produzir, dentro
de uma definição de arte como uma espécie de ferramenta que, através da
visualidade ou experiência, é capaz de criar relações entre as pessoas e de
romper com certa carga simbólica veiculada nas cidades. Acreditamos que
as instituições são muito importantes para difusão e preservação da cultura,
inclusive para profissionalizar uma área que no Brasil é ainda um pouco
esquecida.
O Poro não se identifica com uma forma de arte elitista, “para especialistas”
e cheia de estruturas de poder” corruptas. No entanto, não é nosso foco de
crítica utilizar a arte para falar mal dela mesma. Podemos dizer que não
concordamos com esse sistema atuando principalmente nas suas bordas,
através de redes e espaços alternativos que não negam a arte, mas afirmam
outras possibilidades. Parcerias com instituições podem viabilizar projetos
que seriam muito difíceis de se realizar de maneira auto-financiada, mas é
vital que essas parcerias não firam nossos princípios.
Relação com o público
Qualquer pessoa com um olhar mais atento é bem-vinda como público. Em
geral, podemos dizer que quando realizamos o trabalho na rua, não estamos
preocupados em direcionar uma leitura do trabalho, nem mesmo estamos
preocupados se o trabalho vai ser visto ali na hora. Como diria Artur Barrio:
“o que importa é construir a obra que existirá, mesmo que ninguém a veja”.
Sabemos também que na maioria das vezes nosso trabalho é observado
posteriormente”, através dos registros que fazemos e divulgamos Isso é
interessante pois essas pessoas vão ter outras reações ao trabalho, diferntes
daquelas que viram o mesmo na rua. Sabemos também que temos um público
muito variado. Recebemos mensagens e somos visitados por um número
106
enorme de pessoas de universos bastantes distintos, como da street art, do
grafite etc, desde jovens universitários até artistas, passando por jornalistas
ou pesquisadores.
Como trabalhamos com fatos multiplicáveis, idéias que usam materiais
baratos, gostamos de incentivar as pessoas a fazerem também alguma
forma de intervenção no cotidiano. Essa seria uma maneira de pensar que
arte não é algo distante de nós, mas faz parte das manifestações humanas.
Interessa-nos mesmo deixar esse convite “no ar””, “dar uma espetada” e abrir
possibilidades.
Escolha dos materiais
Usar materiais baratos acaba sendo uma postura que nós assumimos por
várias razões. A maior parte dos nossos trabalhos são patrocinados por
nós mesmos, se não fosse a opção por materiais baratos, muitos deles não
poderiam ser realizados ou refeitos (algumas vezes mandamos proposições
para serem realizadas em outros lugares por outras pessoas).
Durabilidade das obras
No nosso caso específico, a maioria dos trabalhos é extremamente efêmera.
Mas para nós isso não é problema. O fato dos trabalhos desaparecem no fluxo
da cidade tem ligação com o que pensamos em relação à questão da sutileza,
do silêncio. Pois a cidade é assim: uma pessoa cola um cartaz em cima do
outro, vem a chuva e rasga. Plantamos um jardim de flores de papel, algumas
pessoas tiram flores daí e plantam em outros jardins, um ou dois dias depois
os garis passam e recolhem tudo. Para nós é mais importante gerar diálogos
e possibilidades de significação do trabalho do que criar objetos duráveis.
107
Registros
O registro de trabalhos não tem de ser privilégio das linguagens convencionais,
como pintura ou escultura, pois se fossem, as ações experimentais estariam
fadadas ao esquecimento. para citar dois movimentos importantíssimos
para o imaginário da arte contemporânea, o que saberíamos dos happenings
dadaístas se não fossem os registros? Da Land Art, por exemplo, nos restam
as fotos-registro e relatos. Pensamos que através dos registros podemos
potencializar aquelas ações cujo tempo de duração às vezes foi muito curto,
além de possibilitar que um número maior de pessoas experencie aquela
ação.
Sobre o papel unificador da tecnologia tanto em relação à produção
artística quanto ao ativismo político
A tecnologia é apenas ferramenta, de suas aplicações surgem os meios, como
a internet. Os usos das ferramentas e apropriações dos meios dependem das
pessoas. O que achamos maravilhoso nos dias de hoje é o alcance e gama de
possibilidades que a tecnologia proporciona. Exemplos são os sites, fóruns e
grupos de discussão da sociedade civil, que servem de ferramenta/meio para
articulação entre pessoas e organizações em torno de assuntos de interesse
comum. A teconologia gera canais nos quais se pode saber mais e produzir
conhecimento crítico, canais que estimulam a circulação de idéias e facilitam
a articulação entre pessoas. Além de informar e reunir os individuos em
torno de seus interesses, essas ferramentas (sites, fóruns e listas de e-mail)
ajudam os cidadãos a se mobilizarem. No contexto atual, vemos surgir e se
desenvolver vários projetos muito interessantes que vão ao encontro de um
papel mais humano para a tecnologia, ou pelo menos que impedem que a
tecnologia “jogue” contra” nós. Um exemplo é o movimento do Software
108
Livre, ou aplicações de sua filosofia em projetos como o Metareciclagem,
além de outros projetos colaborativos de criação e compartilhamento.
Sobre as relações entre arte e engajamento social
O trabalho do Poro é artístico, não temos dúvida em relação a isso. O
engajamento político faz parte de nós, e esse traço da nossa personalidade
naturalmente produz ecos na nossa produção, em certos trabalhos isso
acontece com mais força que em outros.
Sobre outros grupos de artistas que realizam intervenções urbanas no
país
Alguns grupos que admiramos bastante são: GIA (Grupo de Interferência
Ambiental), Urucum e Esqueleto Coletivo.
Sobre a volatilidade dos coletivos de arte
As pessoas se aproximam (e formam os coletivos) devido à vontade de
ftrabalhar em grupo ou por afinidades que levam à atuação conjunta. O
que percebemos é que acontecem rearranjos entre os grupos um se dilui
e os integrantes vão participar de outras coisas ou que em determinado
momento as pessoas partem para outro tipo de atuação no mundo: seja
trabalhando numa ONG, seja cuidando da sua vida particular. Acontece
também de pessoas se juntarem para projetos específicos e depois do projeto
realizado, partirem para outras atividades. E de um certo modo, acreditamos
que a existência de tantos coletivos tenha se dado muito em contrapartida
ao espaço que a mídia, especializada ou não, vem dando a esse tipo de
manifestação. Existem muitos grupos por aí, mas e os trabalhos? Se tem
valorizado mais o rótulo de coletivo do que a produção dos mesmos.
109
Sobre o fato de os coletivos terminarem com facilidade, isso não é um problema
não. Historicamente sempre foi assim, depende muito da disponibilidade e
do desejo das pessoas, e esses estão em constante transformação. Por isso
essa mobilidade.
Transição do GRUPO para o Poro em 2002 e as mudanças entre essas duas
experiências
Como muitos grupos, o GRUPO (formado na época por Brígida Campbell,
Marcelo Terça-Nada!, Rafael Martins, Wagner Vila Nova, Daniel Saraiva e
Anderson de Araújo, todos, na época, estudantes da Escola da Escola de
Belas Artes da UFMG) não teve uma duração muito longa. Realizamos
principalmente conversas em mesas de bar, onde, entre uma cerveja e outra,
planejávamos vários trabalhos, alguns foram realizados. Um deles chamamos
de Setas: desenhávamos setas que apontavam para plantinhas que nascem
em meio ao concreto. Esse trabalho foi realizado em São Paulo e reproduzido
algumas vezes depois pelo PIA. Além disso, realizamos também uma exposição
na Casa da Grazi - Centro de Contracultura de São Paulo, na qual fizemos
uma residência de uma semana. produzimos trabalhos, vivências e uma
mostra.
A transição foi um processo natural. O GRUPO acabou por dispersão de seus
integrantes. Um foi para um mosteiro budista no Rio Grande do Sul, outro foi
trabalhar no Rio de Janeiro, outro mudou-se para o interior de Minas de volta
às suas raízes, e assim por diante. Um pequeno núcleo continuou interessado
em trabalhar junto fazendo intervenções. Um tempo depois se diagnosticou
que o GRUPO não existia mais. Escolhemos um nome diferente para nos
chamar e batizar a nova fase: Poro. No GRUPO, por reunir um número muito
maior de pessoas e com poéticas diversas, acabava sendo muito difícil, às
110
vezes, definir uma estratégia de atuação. Tudo precisava ser muito discutido
antes de ser realizado e por isso muitos projetos não saíram do papel ou do
campo das idéias.
A importância de eventos como Salão de M.a.i.o ou Multiplicidade
O Multiplicidade é um evento derivado do Salão de M.a.i.o realizado em 2004
e 2005 pelo GIA, grupo de Salvador. O modelo proposto pelo Salão de M.a.i.o
é muito interessante e agregador. Dele surgiram outros eventos como o EIA
(Experiência Imersiva Ambiental) realizado em São Paulo em 2004, 2005 e
2006. Esses eventos são muito importantes em dois sentidos: criar um circuito
autônomo de veiculação de trabalhos e uma rede de pessoas interessadas em
trabalhos de intervenção urbana. A cada evento como esse, novas pessoas
chegam para participar e a rede de contatos e amizades se reforça. A cada
evento o “modelo” é aperfeiçoado ou adaptado para o contexto onde será
realizado. Participar desses eventos foi e é muito importante para o Poro
para desenvolver trabalhos para as cidades onde serão realizados, para ter
mais uma oportunidade de veiculação do trabalho e também para trocar
experiências, fazer novos amigos, discutir diversas questões relativas à arte
em espaço público etc.
O Coro desde sua primeira proposta, é uma rede atuante de pessoas e coletivos.
Foram realizados três encontros por eles: Reverberações (São Paulo, 2004),
Encontro de Coletivos Chave Mestra (Rio de Janeiro, 2005) e Reverberações
(São Paulo, 2006). Cada um desses encontros teve tanto momentos de debate
e palestras quanto viabilizações de trabalhos de intervenção. O grupo de
discussão na web é apenas uma das faces do Coro, talvez a mais caótica, mas
com forte função de rede.
111
A troca e fluxos de informações proporcionados por esses eventos e
redes são muito importantes, pois várias iniciativas surgiram a partir dos
contatos realizados dentro deles. Tanto os eventos quanto as redes e seus
desdobramentos configuram modos autônomos de circulação de trabalhos e
de propostas de idéias.
Sobre a questão da sutileza
Talvez a resposta seja “pescar” alguma atenção, um deslocamento
momentâneo e silencioso do olhar.
Sobre adulterar ou parodiar outdoors e anúncios de grandes corporações
espalhados pelo espaço público
Temos a maior vontade de fazer isso. Certa época até fizemos uma série de
reuniões com outro grupo de Belo Horizonte para tentar atacar os mega
outdoors que cobrem as laterais dos prédios. Nossa vontade esbarrou em um
grande obstáculo: não encontramos nenhuma estratégia para atingir essas
mega propagandas que não demandasse muito recurso financeiro. Pensamos
também que a poética do Poro está mais para pequenas ações, simples e
poéticas, do que para um ataque assim tão incisivo sobre algo, mesmo que seja
a publicidade que a gente tanto detesta. A camisa que parodia a Monsanto
talvez seja menos um ataque à empresa e mais um posicionamento diante
do que está acontecendo na agricultura e sobre o que estas empresas estão
fazendo com a natureza. Ainda bem que existem os Adbusters, eles sim são
bons em deturpar as mensagens das grandes corporações!
112
A divulgação dos trabalhos pela internet
A internet é um veículo incrível. A maior vantagem é que na internet a
veiculação acontece de modo descentralizado (não dependemos que nenhum
veículo da grande mídia, o seu aval para fazer nosso trabalho circular) e
aleatório (as mais diversas pessoas com os mais diversos interesses passam
pelo site, seja via Google, seja via algum link que alguém colocou para o
nosso site).
Outra vantagem de disponibilizar o trabalho pela internet é o custo para se
publicar que é muito baixo. Nós somos responsáveis pelo site, gastamos
com a manutenção do domínio e com a taxa de hospedagem, mas criamos
um domínio para colocar outros sites à medida que fazemos: o <www.
redezero.org>. Tornamos o redezero.org um domínio compartilhado entre os
sites que tínhamos e os novos que fizemos. para se ter uma idéia: o
custo de fazer um catálogo como o do Poro para manter o domínio com
os sites no ar por 50 anos!
Outro ponto interessante é que o site é uma publicação onde podemos colocar
o que quisermos: as matrizes dos nossos trabalhos para quem quiser baixar
e reproduzir, textos que consideramos importantes para o pensamento da
arte e do ativismo, links para sites que gostamos. Recentemente tivemos a
experiência de colocar a versão digital do Catálogo do Poro para download e,
apesar de ser um arquivo relativamente grande (2Mb), foi muito baixado.
20
O trabalho do Poro como street art?
Localizamos nosso trabalho num espaço entre” linguagens. um limite
muito tênue que separa as ações artísticas das ações ativistas ou das
intervenções gráficas. Sem entrar em uma discussão de valor, hierarquia ou
20 - no dia 26 de julho de
2005, quando respondemos
a essa pergunta, o catálogo
já tinha sido baixado 211
vezes (considerando que a
tiragem impressa foi de 600
exemplares, esse
número de downloads é um
grande presente)
113
importância, gostamos de localizar nosso trabalho dentro do universo das
artes plásticas, e não nos sentimos muito pertencentes a esse universo da
street art, stickers, stencils etc. Embora às vezes utilizemos de adesivos e
cartazes como meio de veiculação de trabalhos, essas linguagens para nós
estão mais ligadas ao repertório das mídias de comunicação popular, como
panfletos, cartazes do tipo “compro ouro” ou lambe-lambes.
Valorização ou destaque em relação às artes de rua nos últimos tempos
Num certo sentido, é boa essa exposição/valorização feita pela mídia, pois
faz com que cada vez mais pessoas se interessem, o que por sua vez, faz com
que se aumente a produção algo que pode ser bem legal. Como todas as
manifestações humanas, uma boa parte dessa nova produção não tem muita
qualidade, mas acreditamos que, quando essa “onda” passar, as pessoas
cujo”s trabalhos sejam mais interessantes vão continuar, e quem apenas
estava seguindo a moda vai ter desistido e deixado as intervenções.
Disputa visual nas ruas
Concordamos que a maioria das interferências que estão presentes nas
ruas são desinteressantes e muitas vezes despreocupadas com a própria
mensagem. Veiculam um discurso esvaziado que ajuda a poluir e sujar
ainda mais a cidade (incluindo aqui muitos trabalhos de street art). Tentamos
agir dentro de espaços de sutilezas, em contrapartida à brutalidade e falta de
cor a que as cidades estão submetidas.
Exposição Desvios no Discurso - Galeria de Arte da CEMIG
21
- 2005
Desde o início do Poro sempre tivemos claro que possíveis parcerias com
instituições poderiam viabilizar alguns de nossos projetos.
21 - A galeria fica na sede
da Companhia Energética de
Minas Gerais.
114
Um primeiro aspecto importante de ter realizado a exposição é que a CEMIG
financia um catálogo para cada exposição que acontece em sua galeria. Esse
processo acontece de um modo muito interessante: ficamos responsáveis
pela criação e produção gráfica do catálogo e eles pagam a gráfica. Bom,
considerando que a exposição durou vinte dias e o catálogo continua
circulando, isso é de extrema importância, pois viabilizou um grande desejo
nosso: poder compartilhar os registros dos nossos trabalhos através de uma
publicação impressa, fora do ambiente digital. tínhamos experimentado
fazer em CD-ROM uma versão off-line do nosso site para distribuir para as
pessoas, mas não é todo mundo que está habituado a ler no computador.
Outro aspecto importante foi fazer um apanhado da nossa produção e a
organizamos em formato de exposição de registros. Isso foi bom para fazer
um balanço do que fizemos e ver boa parte dos trabalhos reunidos num
mesmo lugar. Foi interessante também que até aquele momento nossas
propostas não eram muito conhecidas aqui em Belo Horizonte, mesmo que o
trabalho do Poro tenha circulado de diversas formas: através das intervenções
multiplicáveis (proposições, panfletos, carimbo, adesivos, lambe-lambe), site,
por e-mail, CD-ROM e publicando textos a respeito dos trabalhos. Foi muito
bom ver a identificação e ressonância de idéias causadas pelos trabalhos nas
pessoas que foram à exposição e/ou que receberam o catálogo.
Um terceiro aspecto é o da ocupação de espaço. Do mesmo modo que podemos
ocupar um jardim abandonado com uma intervenção poética, encaramos uma
exposição de registros de intervenções+proposições como uma ocupação.
Um lugar que normalmente apresenta exposições de linguagens mais
tradicionais como pintura ou desenho foi ocupado com nossas proposições,
vídeos e fotos de ações.
115
Outro aspecto é o fato de exercitar as possibilidades de diálogo entre o
espaço institucional e o espaço público, que é uma das questões que sempre
nos interessou e é um desafio. Como criar um curto-circuito entre esses
universos distintos? Os trabalhos conseguiram interlocução tanto com os
executivos que vão ter reuniões no prédio da CEMIG quanto com pessoas
que foram resolver problemas em sua conta de luz, ou ainda com pessoas
do meio da arte. Mesmo que tenhamos apresentado registros, os trabalhos
mantinham a força e as pessoas adoraram!
Muitos que foram à exposição e que trabalham com educação voltaram
levando suas turmas. Um poeta de Belo Horizonte, Renato Negrão, estava
dando um curso de escrita como ferramenta para mobilização social e
abordava na época o “terrorismo poético” foi um desses educadores. Todo
mundo que foi à exposição ganhou catálogo (o que fez com que os catálogos
se esgotassem).
Em algumas vezes que fomos à exposição (quase ninguém sabe quem é o
Poro), pudemos ouvir leituras muito interessantes dos trabalhos e ficamos
satisfeitos que eles tenham conseguido comunicar com os mais diferentes
tipos de pessoas.
116
ALGUNS TRABALHOS DO PORO
/// PASSARINHOS - Rio de Janeiro - 2005
As árvores me começam
Manoel de Barros
O Poro foi convidado para apresentar um trabalho para uma exposição que
iria acontecer no Rio de Janeiro, no Parque das Ruínas. Seria um evento à
noite e o trabalho derveria se relacionar com o espaço do parque, árvores,
jardins, plantas, praças. Queríamos trabalhar com pássaros e criamos uma
instalação onde havia uma projeção de pássaros nas árvores. A projeção de
slides era acompanhada pelo som do canto dos pássaros.
Montamos o projetor num pequeno suporte e escondemos o aparelho de
som em meio às folhagens do jardim. O primeiro contato que as pessoas
tinham com o trabalho era através do som, em seguida, ao se aproximarem
mais observavam as imagens projetadas. As imagens de vários pássaros
foram retiradas de livros de biologia, eram desenhos com um traço bastante
científico, que se alternavam projetadas na copa de uma grande árvore
enquanto o som tocava.
Passarinhos, Poro, 2005
117
/// JARDIM - Belo Horizonte - 2004 – São Paulo - 2005
Só aqui é possível pintar.
As ruas possuem tantos tons de cinza...
Walter Benjamin
A falta de cor, o crescimento não sustentável dos centros urbanos, sempre
foram questões que nos incomodaram. Para esse trabalho, produzimos
centenas de flores de papel celofane vermelho e as plantamos em um canteiro
abandonado em uma das principais avenidas de Belo Horizonte, a avenida do
Contorno. A idéia era, além de discutir uma série de questões, como a falta
de espaços arborizados, a relação entre natural, artificial e também construir
uma grande mancha de cor.
Dependendo do meio de deslocamento e da velocidade com que as pessoas
passavem pelo trabalho, ocorreram experiências diferentes: para quem passava
de carro em alta velocidade o trabalho se apresentava como uma grande
mancha vermelha. Para quem passava caminhando, eram flores de papel.
Além das diversas apropriações e ressignificações do trabalho, como, por
exemplo, o caso que ficamos sabendo através de amigos que moram perto
do local da intervenção: algumas flores foram vistas em outros canteiros
próximos; algumas pessoas se apropriaram delas e saíram replantando em
outros lugares.
Ao participar de um evento, algum tempo depois, em Santo Amaro, uma periferia
de São Paulo, repetimos o trabalho. Para tanto, decidimos fazer as flores com a
ajuda de outras pessoas. Passamos o dia num Poupa Tempo (lugar que centraliza
diversos serviços públicos e onde as pessoas podem tirar documentos como
RG, carteira de motorista etc.) e fizemos as flores com a ajuda de pessoas que
passavam algum tempo esperando os documentos ficarem prontos.
118
A idéia era construir um canteiro com flores feitas por todo mundo, mas
tamanha foi a surpresa quando saímos para procurar o espaço destinado
ao jardim e perceber a completa ausência desse lugar. Essa é uma região
com alto grau de degradação humana e social, de muito movimento, com
inúmeros vendedores ambulantes, ônibus, poluição, comércio, sujeira.
que não encontramos nenhum lugar apropriado para montarmos o jardim,
decidimos então criar pequenos canteiros em volta de algumas árvores que
havia em frente ao Poupa Tempo. O interessante foi que, ao andar um pouco,
fomos percebendo que as árvores iam ficando mais raras e onde havia alguma
o cimento subia do chão pelo tronco. Passamos a procurar então alguma
terra, e era aterrorizante perceber que não havia praticamente nada de terra,
apenas algumas pequeninas frestas que apareciam quando havia alguma
rachadura no cimento. Depois de andar um bom tempo pelas ruas do bairro,
em meio à multidão de pessoas, carros e ônibus, encontramos em frente a
uma obra do metrô espaços reservados a uma futura árvore. Terminamos o
trabalho por ali enquanto algumas pessoas que passavam diziam para nós:
“Isso mesmo, precisamos de jardins!”, “A cidade está muito feia” e coisas
semelhantes.
Através dessa ação conseguimos fazer uma imersão nesse ambiente urbano
predominantemente cinza. Esse trabalho foi uma intervenção singela, ao
mesmo tempo, sutil e gritante e resgata um espírito ativo e poético de querer
tornar a cidade um lugar melhor.
119
Jardim, Poro, 2004-2005
120
/// ESPAÇOS VIRTUAIS - Belo Horizonte São Paulo São Luis Rio de
Janeiro - desde 2002
Esse trabalho se refere a uma série de fotografias que pretendem ser uma
espécie de iconografia do chão das cidades. São fotos de bueiros e tampas
metálicas de redes subterrâneas (redes elétrica, de telefonia, de TV a cabo
etc) impressas em adesivo e coladas no chão de ambientes internos, como
casas e galerias.
Pelo estranhamento, as pessoas passam a perceber os bueiros e a reparar no
chão por onde andam, como se os bueiros perdessem sua invisibilidade.
Espaços Virtais,
Poro, desde 2002
121
/// AQUÁRIOS SUSPENSOS – Rio de Janeiro - 2007
A beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela.
Manuel de Barros
Esse é um trabalho bem-humorado e muito poético que brinca com um tipo de
luminária urbana muito comum. Transformamos os globos de luz em aquários,
colando neles imagens de peixes feitas em vinil recortado. Realizado em
praças, os vários aquários apresentam um espaço em suspensão. O trabalho
cria uma ilusão que desloca o olhar acostumado a essas luminárias para um
olhar lúdico sobre peças do mobiliário urbano.
Aquários, Poro, 2007
122
/// DESENHANDO NO VENTO – Salvador – Belo Horizonte - 2005
Trabalho arduamente para fazer o que é desnecessário
Manoel de Barros
Decidimos que o melhor lugar para a realização desse trabalho seria o Edifício
Niemeyer, na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. de cima teríamos
uma visão privilegiada na cidade e o vento ajudaria a desenhar as linhas no
céu.
Juliana Alvarenga nos acompanhou até o terraço do prédio na experiência
de jogar as tiras de papel para que com elas o vento desenhasse. Resultaram
do trabalho muitas fotos e um vídeo, que mostram as tiras de papel em
movimento no céu. Brincamos que Artur Barrio estava feliz com nosso
trabalho, pois essa ação, embora tenha registros muito interessantes, se
define melhor enquanto experiência: jogar o papel na velocidade certa,
esperar o momento mais adequado, rir daqueles que dão errado, observar
o movimento, observar a queda, medir as distâncias, criar momentos de
silêncios. E, acima de tudo, encarar o céu como uma folha vazia para se
começar um desenho. Um desenho fluído que não adere à superfície, mas
confere inúmeras possibilidades à linha.
Desenhando no vento,
Poro, 2005
123
/// SIGA SEM PENSAR – Belo Horizonte - 2005 - São Paulo 2005 – Vitória 2006
O abandono me protege
Manoel de Barros
O panfleto Siga sem Pensar foi pensado para ser distribuído em locais de
grande circulação de pessoas. É uma brincadeira com uma frase de duplo
sentido que, ao mesmo tempo, pode significar: continue seguindo sem pensar,
ou algo como “siga sem medo”, encare os desafios” etc. O mais interessante
desse panfleto é que quem o recebe toma um verdadeiro susto ao ler aquela
mensagem. Automaticamente começam a pensar: por que seguir, como
seguir, para onde... As reações são sempre as mais engraçadas.
Siga sem Pensar,
Poro, 2005-2006
124
/// ENXURRADA DE LETRAS – Rio de Janeiro - 2004
Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Manoel de Barros
Percorremos as ruas do bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro colando letras
coloridas, como se estivessem escorrendo de dentro dos canos e escoadouros
de água que existem nos muros e nas calçadas, o que criava a imagem de
que uma enxurrada de letras estava começando. Realizamos esse trabalho
em vários pontos do bairro, tanto em ruas movimentadas quanto naquelas
com pouca circulação. Somente os olhares muito atentos perceberam a
intervenção.
Mais tarde, circulando pelo bairro, vimos que várias letras que deixamos,
tinham sido apropriadas pelos moradores, que escreveram pequenos textos
nas paredes e postes, espalhando palavras soltas pela rua.
Enxurrada de Letras,
Poro, 2004
125
/// FMI FOME E MISÉRIA INTERNACIONAL REVISITANDO CILDO
MEIRELES – desde 2002
O carimbo com os dizeres: FMI Fome e Miséria Internacional, foi usado
para carimbar notas de dinheiro.É uma forma de re-visitar as Inserções em
Circuitos Ideológicos de Cildo Meireles. O carimbo foi amplamente difundido,
tendo sua matriz na internet para quem quisesse baixar e fazer uma cópia, ou
nos diversos carimbos que fizemos e enviamos para outros grupos e amigos
de outras cidades. Na Bienal de Cultura da União Nacional dos Estudantes
(UNE), que aconteceu em Recife em 2002, todo o dinheiro que circulou no
evento, nas barracas de comida, água e bebidas, foram carimbadas, o que
criou uma enorme circulação dessa idéia.
O grupo argentino Pobres Diablos fez contato conosco para reproduzir o
carimbo na Argentina. Eles fizeram uma versão do trabalho em espanhol
para carimbar as notas em seu país, que também sofreu com as políticas
econômicas do FMI. Algum tempo depois o mesmo trabalho foi feito no
Chile, por um outro grupo de artistas.
FMI - Fome e
miséria internacional,
Poro, desde 2002
126
TRANSBORDAR
Os caminhos que se respondem nesse entrelaçamento,
poesias ignoradas de cada corpo, é um elemento
assinado por muitos outros, escapam à legibilidade.
Michel de Certeau
Parti com uma pergunta em mente: como os artistas habitam as cidades?
Comecei a investigar os inúmeros processos e possibilidades de atuação
artística no espaço público, suas interlocuções com outras áreas sociais e
culturais, para então traçar o mapa dessa cidade através de um pensamento
geográfico.
127
Observei a cidade e desenhei linhas, traços, trajetos. Caminhei com um mapa
na mão, como um turista que traz consigo uma representação do lugar o
qual visita.
O primeiro momento seria manter sempre o ponto de vista do pedestre,
aquele ser errante, andante, que pratica os caminhos das cidades. Aquele
que observa o movimento, o tempo e a luz na cidade. E se falar está para a
língua, assim como andar está para a geografia, seria importante conectar
os verbos.
Transitar - transitório: aquela palavra significa movimento, enquanto a
outra significa algo não durável. Assim podemos pensar no andar como algo
também fugaz, de caminhos e percursos frágeis.
Num certo momento mudei o ponto de vista, que passou então a uma visão
aérea do espaço. A cidade-pesquisa vista de cima ou o texto visto como
espaço geográfico, ambos materializados em plantas arquitetônicas que
transbordam suas linhas para além do papel.
Não poderia traçar as maneiras de utilizar o espaço urbano de uma forma
linear, histórica, com um desencadeamento de fatos em seqüência. Deleuze
e Guattari apontam que “quando um rizoma é fechado, arborificado, acabou,
do desejo nada mais passa; porque é sempre por rizoma que o desejo se move
e produz (DELEUZE E GUATTARI, 2004: 23).
Portanto, pretendi criar um CRUZAMENTO congestionado de idéias, práticas,
maneiras de perceber e utilizar o espaço urbano. A idéia da cidade/mapa
enquanto rizoma serve para ilustrar um rizoma urbano e artístico ainda
maior.
128
As inúmeras práticas artísticas e ativistas explodem para todas as linhas
desse rizoma e se entrecruzam, se esbarram e se encontram nas esquinas
desta cidade-pesquisa. É importante pensar nos eixos/categorias criadas
como maneiras de atuar e pensar. Os grupos e artistas aqui citados circulam
por entre as categorias de forma a criar relações e ampliar ainda mais o
limite tênue que separa a arte, a vida e o ativismo político.
Tanto os grupos e artistas, quanto as categorias, poderiam ser considerados
nômades, transeuntes, cortando e flanando entre avenidas largas, ruas
históricas e praças movimentadas.
Mas o mapa aqui criado é apenas uma pequena parte desse enorme rizoma
e as categorias criadas aqui: o Desvio, os Coletivos, Ativismo Político e as
Ações Efêmeras, são categorias flexíveis e intercambiáveis, criadas apenas
para orientar o passeio pelo texto e aglomerar outras formas de atuação.
Os grupos citados na primeira parte do texto, o GIA, o Transição Listrada
e o Urucum se movem em direção às outras categorias. Seus trabalhos,
na maioria das vezes, buscam uma desconstrução do cotidiano, em graus
diferentes mas sempre com um teor político nas suas ações. Os Adbusters
e o GAC, por exemplo, também são coletivos, assim como o Reclaim the
Streets e a Frente Três de Fevereiro. Ou seja, essas ações habitam a cidade
tomando-a como espaço de atuação política e artística.
Nenhum dos grupos ou artistas aqui citados ficam estanques nas categoria
que criei para eles. O movimento deles é contínuo e as linhas, infinitas, ligam
uns aos outros.
129
Instituindo-se em todo e qualquer suporte da cidade, ruas, outdoors, muros,
viadutos, sons etc, esses artistas utilizam diferentes estratégias de ocupação
e transgressão do espaço urbano via ocupação poética, mesmo que essas
intervenções utilizem diferentes técnicas e estratégias de acordo com o
propósito de cada um.
As ações se cruzam no espaço real e no espaço imaginário desta cidade-
pesquisa. Assim como existem outros vários pontos que se tocam, se afastam
e se completam e criam um horizonte de atividades, resistências e vontades
que recusam uma ordem, propondo linhas de fuga, e criando outros itinerários
alternativos. O que todas as ações têm em comum é o desejo de diluir a arte
na vida, criando campos relacionais que transcendem a idéia de arte como
algo estático e distante, propondo novos modelos estéticos que modificam
os modos de sentir e induzem a novas formas de subjetividade políticas e
poéticas.
130
GLOSSÁRIO 01
TRÂNSITO
sm 1 trajeto, percurso, rota. 2 PASSAGEM, MUDANÇA, trânsito. Ex: Trânsito da saúde para a
enfermidade. 3 EM SENTIDO GERAL movimento, freqüência, circulação. Ex: Havia muito trânsito
de vendedores ambulantes naquele dia. 4 DE VEÍCULOS E PEDESTRES tráfego, tráfico. Ex: Devemos
obedecer às leis de trânsito. 5 acesso, aceitação. Ex: Ter trânsito na cúpula da administração; essa
teoria tem trânsito entre os estudiosos das artes.
ENCRUZILHADA
sf cruzamento, ENTRONCAMENTO.
PASSAGEM
sf 1 DE TEMPO transcurso, decurso. 2 transição, mudança, TRÂNSITO. Ex: A passagem da adolescência
para a idade adulta. 3 TRANSFERÊNCIA, TRANSMISSÃO, ENTREGA. Ex: Passagem de cargo. 4
corredor, passadiço, galeria. 5 bilhete. Ex: Passagem de trem. 6 tarifa. Ex: A passagem de ônibus
aumentou ontem. 7 trecho, FRAGMENTO, extrato. Ex: Uma passagem do texto. 8 acontecimento,
fato, episódio. Ex: Sua história tem passagens interessantes.
PASSAR
vtd 1 ATRAVESSAR, cruzar, CORTAR. Ex: Passar o rio. 2 transferir, TRANSMITIR, entregar. Ex: Passou
o cargo. 3 pular, transpor, galgar. Ex: Passar um obstáculo. 4 padecer, sofrer, sentir. Ex: Passar
dificuldades. 5 expedir, mandar, transmitir. Ex: PASSAR UMA MENSAGEM. 6 levar, ter, viver. Ex:
Passavam uma vida de rei. 7 coar, filtrar. Ex: Passar o café. vlig+vi 8 DE SAÚDE ir, estar, achar-se.
Ex: Como passou a noite? vti 9 exceder, ultrapassar, extrapolar. Ex: Passar dos limites. vti+vi 10
transitar, andar por, percorrer. Ex: PASSAR POR UM LUGAR. vi+vpr 11 TEMPO decorrer, transcorrer,
perpassar. Ex: Passaram-se alguns anos, e ela RETORNOU À CIDADE. 12 ACONTECER, suceder,
ocorrer. Ex: Vamos ver o que se passa ali. 13 bandear(-se) para. Ex: O traidor passou(-se) para o lado
do adversário.
TRANSITÓRIO
adj 1 breve, passageiro, EFÊMERO. A: duradouro. 2 mortal. A: imortal.
PENSAR
sm 1 opinião, conceito, PONTO DE VISTA, pensamento. Ex: Seguiu o pensar dos pais. 2 prudência,
cautela, cuidado. A: imprudência. vtd 3 supor, crer, acreditar. Ex: Penso que tudo se resolverá em
breve. vti+vi 4 meditar, refletir, cogitar, matutar. Ex: Não conseguia pensar em mais nada além da
viagem; pensou durante uns minutos e respondeu.
CRUZAMENTO
sm 1 encruzilhada, entroncamento. 2 MESTIÇAGEM, miscigenação. Ex: Este cão é um cruzamento
de pastor alemão e dinamarquês.
131
CAMINHO
sm 1 estrada, VIA, trilha. Ex: Siga este caminho e chegará à PRAÇA. 2 rumo, direção, rota. Ex:
Seguimos no mesmo caminho. 3 maneira, modo, jeito. Ex: Este é o único caminho para conseguirmos
o que desejamos. 4 Rel. via de salvação. Ex: Jesus disse: eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. *
Caminho de ferro: ferrovia, estrada de ferro. * Caminho de Santiago Astr.: Via-láctea, Galáxia.
MARCHA
sf 1 caminhada, jornada, PERCURSO. 2 ritmo, ANDAMENTO, curso. Ex: Nessa marcha, terminaremos
logo. 3 progresso, desenvolvimento, evolução. Ex: A marcha de uma enfermidade. 4 Astr. movimento.
* Marcha à ré Autom.: ré.
PEDESTRE
s m+f 1 peão. Ex: Os pedestres atravessam a rua. adj m+f 2 Fig. humilde, MODESTO, singelo. A:
luxuoso.
CIDADE
sf 1 urbe, povoação. 2 CENTRO (da cidade). Ex: Fomos à cidade, fazer compras. A: periferia.
PERIFERIA
sf 1 perímetro, CONTORNO, âmbito; DE FIGURA CIRCULAR circunferência, CIRCUITO. 2 DA CIDADE
Ex: Moramos na periferia de São Paulo. A: centro.
ESTRADA
sf 1 via, caminho. 2 direção, RUMO, rota. 3 expediente, meio, jeito. * Estrada de ferro: ferrovia, via
férrea.
TRANSBORDAR
vtd+vi 1 expandir(-se), espalhar(-se), ESTENDER(-SE), trasbordar. 2 trasbordar, extravasar,
DERRAMAR, ENTORNAR. Ex: A sopa transbordou o prato; o rio transbordou. vti 3 exuberar,
superabundar de. Ex: Transbordar de alegria. vi 4 sobrar, sobejar, superabundar. A: faltar. 5 PASSAR
DOS LIMITES: descontrolar-se, descomedir-se.
POVO
sm 1 nação, gente. Ex: Povo brasileiro. 2 população, HABITANTES pl, povoação. Ex: O povo de São
Paulo. 3 plebe, vulgo. Ex: Ele não gosta de se misturar com o povo.
GEOMÉTRICO
adj Fig. regular, simétrico, harmonioso, harmônico. A: irregular.
ARQUITETAR
vtd 1 edificar, construir. Ex: Arquitetar um edifício. 2 Fig. PLANEJAR, idealizar, imaginar. Ex: OS
PRESOS ARQUITETAVAM UM PLANO DE FUGA.
PLANO
sm 1 superfície plana. 2 planta, DESENHO, traçado. Ex: O plano de uma casa. 3 projeto, programa,
esquema. Ex: PLANO DE FUGA. 4 intento, intenção, desígnio. Ex: Seu plano é convencê-la a sair.
5 lugar, condição, situação. Ex: Colocar algo em primeiro plano. 6 V. planície. adj 7 liso, raso, chão,
plaino. Ex: Superfície plana. A: irregular. 8 Fig. claro, compreensível, acessível. A: confuso.
PLANTAR
vtd 1 cultivar, semear. Ex: Plantar café. 2 cultivar, lavrar, arar. Ex: Plantamos alguns alqueires. 3
fincar, enterrar, cravar. Ex: PLANTOU UMA ESTACA NO TERRENO. 4 criar, fundar, estabelecer.
Ex: Os portugueses plantaram colônias na África. 5 incutir, INSPIRAR, infundir. Ex: PLANTOU A
DESCONFIANÇA NO CORAÇÃO DOS HOMENS. vpr 6 parar, estacionar, estacar. Ex: Plantou-se ali
e não queria sair de jeito nenhum.
RASGAR
vtd 1 TECIDO esfarrapar, esfrangalhar, esbandalhar. 2 lacerar, dilacerar, ferir. Ex: As cordas rasgavam
sua pele. 3 Agr. arar, lavrar, sulcar. Ex: RASGAR A TERRA. vtd+vpr 4 abrir(-se), ROMPER(-SE),
fender(-se). 5 afligir(-se), atormentar(-se), torturar(-se). Ex: A decepção rasgava sua alma. A:
aliviar(-se).
132
RESVALAR
vti 1 roçar, perpassar por. vti+vi 2 escorregar, deslizar. vi 3 FUGIR, ESCAPAR, escapulir.
DESVIO
sm 1 curva, VOLTA, SINUOSIDADE. 2 deslize, erro, falta. Ex: Perdoem meu desvio. A: acerto. 3 Dir.
peculato. Ex: Desvio de verbas, de bens públicos. 4 afastamento, DISTANCIAMENTO, apartamento.
Ex: Desvio da rota. A: aproximação. 5 EXTRAVIO, perda, sumiço. Ex: Desvio da correspondência. A:
encontro.
DISTÂNCIA
sf 1 INTERVALO, espaço. 2 lonjura, longitude. 3 separação, afastamento. A: aproximação.
METRÓPOLE
sf 1 cidade importante. 2 Hist. Ex: Os produtos das colônias eram levados para a metrópole. A:
colônia. 3 centro, sede, NÚCLEO. Ex: Atenas foi uma das metrópoles da civilização na Antigüidade.
4 centro de comércio: mercado, entreposto, empório.
MEIO-FIO
sm GUIA (da calçada).
133
GLOSSÁRIO 02
1. Adbusters: É uma organização não-governamental canadense que edita uma
revista e um web site (www.adbusters.org) dedicados a implodir a mídia a partir
de suas próprias armas. A ONG defende a “ecologia mental” contra a poluição
publicitária, o consumismo desenfreado e o trabalho sem sentido do mundo
contemporâneo. Em seus artigos, ensaios fotográficos e subvertisements
(anúncios antipublicidade), denunciam com muito senso de humor as grandes
corporações como Coca-Cola, Nike, McDonald’s, Calvin Klein etc.
2. Ambiental: De acordo com Hélio Oiticica, arte ambiental é a derrubada de
todas as antigas modalidades de expressão: pintura, escultura etc. É a reunião
indivisível de todas as modalidades em posse do artista ao criar.
3. Anonimato: Estado no qual não se identifica o autor ou a identidade ou em
que há uma dissolução da autoria em produções coletivas.
4. Arte: De acordo com Nicolas Bourriaud, a arte é uma atividade que consiste em
produzir relações com o mundo com a ajuda de signos, de formas, de gestos ou
de objetos.
134
5. Arte pública: A arte pública não diz respeito aos monumentos instalados
em espaços públicos, na maioria das vezes sem significado íntimo para a
população.
6. Articulação: Articular é uma forma de potencializar as ações. Consiste-se na
criação de uma rede de pessoas e iniciativas que, unidas, são mais fortes e
formam laços de solidariedade concretos.
7. Ativismo: Historicamente, o ativismo e a arte vêm flertando. Recentes eventos
demonstram que a mistura entre a arte e o ativismo afirma o potencial da arte
como força revolucionária, como agente de mudanças, e também refletem as
antigas e nostálgicas formas de ação direta que ocorreram efetivamente em
1968.
8. Autoria: Nos anos de 1960 houve uma crítica ao fenômeno do artista estrela”,
uma desconfiança em relação à mídia e o carreirismo. Grupos se esforçam em
marcar uma identidade dos produtores e declaram suas autorias coletivas.
9. Bicicletada: Movimento que ocorre no Brasil e em Portugal inspirado no
movimento Massa Crítica, em que ciclistas se juntam para reinvidicar seu espaço
nas ruas. Os principais objetivos da Bicicletada são divulgar a bicicleta como
um meio de transporte, criar condições favoráveis para o uso deste veículo e
tornar mais ecológicos e sustentáveis os sistemas de transporte de pessoas,
principalmente no meio urbano.
10. Capital cultural: Pierre Bordieu trabalha a noção de capital cultural como
um conjunto de normas, valores e significados que os artistas desenvolvem
trabalhando juntos e ao relacionar seu trabalho à realidade.
11. Centro de Mídia Independente (CMI): É um espaço experimental não
coorporativo de mídia independente criado em 1999 para cobrir o que se
passava pelas ruas de Seatle, quando aconteceu a famosa manifestação contra
a Reunião da Organização Mundial do Comércio. Em pouco tempo o CMI se
transformou na maior rede de ativistas de mídia, e tem sedes em todo o mundo.
O site - www.midiaindependente.org é a principal forma de divulgação de
idéias do grupo.
135
12. Colaboração: Uma colaboração genuína ocorre quando um grupo de pessoas se
reúne para criar algo que seria impossível fazer sozinho. Mas para isso também
é necessário haver diálogo, comunicação, concessões. Verdadeiros trabalhos
colaborativos de arte são aqueles em que as pessoas se envolvem, no tempo
e no espaço, formando uma rede de interesses comuns. A colaboração, e seus
termos irmãos, como livre-cooperação, comunidade, interação e rede são
palavras-chave para uma transformação que está se dando em escala global.
13. Coletivo: Termo usado para descrever grupos de artistas envolvidos em práticas
coletivas.
14. Comunidades: Tradicionalmente aplicado em situações para designar grupos
de pessoas unidas por uma situação local, amizade, interesses etc.
15. Contra-Informação: É quando grupos ou artistas se apropriam das práticas
comunicacionais da publicidade de forma a distorcer as mensagens, além de
deslegitimar o seu presente estado de poder.
16. Culture jamming: É o ato de interferir nas mídias de comunicação de massa,
para que ela produza comentários negativos sobre si própria, usando o método
de comunicação do meio original. É uma forma de ativismo que geralmente
está em oposição ao comercialismo e aos vetores da imagem corporativa. O
objetivo da culture jamming é criar constraste entre as imagens corporativas e
as realidades da corporação.
17. Democracia: o termo inclui noções de participação e representação.
18. Deriva: A Deriva era vista como um modo de comportamento experimental
ligado às condições da sociedade urbana: técnica da passagem rápida por
vários ambientes. Ou seja, chamamos de Deriva a prática de andar sem rumo
pela cidade. Pode designar também a duração de um exercício contínuo dessa
experiência.
19. Détournement: O Détournement (ou Desvio) é um conceito criado pelos
Situacionistas numa crítica à arte institucionalizada e na defesa da criação de
situações. Buscaria despertar, através do choque, a espontaneidade perdida do
cotidiano. Para desviar esse ritmo, proe a inserção de elementos de estranheza.
136
20. Documentação/Registro: Inclui muitas formas de materiais impressos, vídeos,
áudios, correspondências. A documentação e o registro levam parte dos projetos
a outros espaços e tempos, permitindo sua ressignificação ou servindo como
matéria bruta ou referência para outros projetos e reflexões.
21. Espetáculo: Para os Situacionistas o espetáculo é a alienação e a passividade
da sociedade. Nesse sentido, os Situacionistas entendiam que o principal antídoto
contra o espetáculo seria o seu oposto: a participação ativa dos indivíduos em todos
os campos da vida social, principalmente no da cultura” (JACQUES, 2003: 13).
22. Glossário: Elenco de palavras explicadas de um texto; vocabulário.
23. Grupo: Um grupo serve, entre outras coisas, para viabilizar projetos que os
membros não conseguiriam realizar sozinhos. Num grupo se busca compartilhar
os processos e socializar os resultados. É um núcleo de produção em que a
questão da autoria se dissolve. Ver: Coletivo.
24. Inserções em Circuitos Ideológicos: As Inserções tomaram forma como dois
projetos do artista Cildo Meireles: O Projeto CocaCola e o Projeto Cédula.
Nasceram da necessidade de criar um sistema de circulação, de intercâmbio
de informações que não dependesse de nenhum tipo de controle centralizado.
Consistia na inserção de mensagens como “Quem Matou Herzog” ou “Ianques
Go Home” em cédulas de dinheiro ou nas garrafas de Coca-Cola.
25. Internacional Situacionista: Criada em 1957 numa conferência em Cosio
d’Aroscia, Itália, por membros da Internacional Letrista e do Movimento por
uma Bauhaus Imaginista, a Internacional Situacionista (IS) constituiu uma
vanguarda artística que pretendeu - e exigiu aos seus membros - a ultrapassagem
das formas vigentes de arte e a disposição de todas as energias ao serviço da
revolução. O tédio era olhado como a pior das coisas, como forma de patologia
social que conduz a humanidade à pior escravidão.
26. Intervenção: Ação modificadora de algum espaço ou contexto. Esse termo
é usado quando objetos, imagens ou informações são colocadas em certos
contextos (museus, jornais ou na rua) interrompendo a percepção da arte e
chamando atenção para a crítica naquele contexto.
137
27. Livre Informação: A defesa da livre informação caminha num sentido de
democratizar a informação, por acreditar que é fundamental para o exercício
sadio da cidadania a livre expressão do pensamento e o conhecimento
verdadeiro dos fatos. Busca-se combater a grande mídia que veicula apenas o
que é de interesse de uma pequena parte do poder e que cria situações falsas
para desmoralizar certos grupos, ações e pessoas.
28. Massa Crítica (Critical Mass): É um evento que ocorre tradicionalmente na
última sexta-feira do mês em muitas cidades do mundo, em que ciclistas,
skatistas, patinadores e outras pessoas com veículos movidos à propulsão
humana ocupam seu espaço nas ruas.
29. Psicogeografia: Seria uma geografia afetiva, subjetiva, que buscava cartografar
as diferentes ambiências psíquicas provocadas basicamente pelas deambulações
urbanas que eram as Derivas Situacionistas.
30. Relacional: Para Nicolas Bourriaud, relacional é o conjunto de práticas artísticas
que tomam como ponto de partida, teórico e prático o conjunto das relações
humanas e seu contexto social, em vez de considera-las em um espaço
institucional e privativo.
31. Tática: Michel de Certeau recriou o termo tática, o que para ele, seria uma
hábil utilização do tempo, das circunstâncias que o instante preciso de uma
intervenção transforma em situação favorável com a rapidez de movimentos
que mudam a organização do espaço, e as relações entre momentos sucessivos
de um golpe.
32. Urbanismo Unitário: Criado pelos Situacionistas, não era uma proposta de
urbanismo, mas sim uma crítica a ele. É uma teoria urbana crítica que buscava o
emprego conjunto de artes e técnicas que concorrem para a construção integral
de um ambiente em ligação dinâmica com experiências de comportamento.
33. Utopia: De acordo com Milton Santos, a utopia não é algo inatingível,
irrealizável. Mas sim a possibilidade real de mudança.
138
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Textos em catálogos
Democracy – Royal College of Art – May 2000
MAM Rio de Janeiro, Artur Barrio A Metáfora dos Fluxos 2000/1968, 2000
Catálogos:
The Interventionists, User´s manual for the Creative Disruption of Every Day
Life. Massachusetts Museum of Contemporary Art and Massachusetts Institute of
Technology . 2004
Sites
http://integracaosemposse.zip.net
http://www.abrigolaranja.blogspot.com
http://www.bijari.com.br
http://www.capacete.net
http://www.ceia.art.br
http://www.corocoletivo.org
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http://www.linhaimaginaria.hpg.com.br
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http://www.rizoma.net
http://www.superflex.net
http://www.transmissiongallery.org
http://www6.ufrgs.br/escultura
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Filmes e Documentários:
A Batalha do Chile (La Batalla de Chile)
Cuba/Chile/França/Venezuela, 1975, 1977 e 1979. De Patricio Guzmán. Duração:
272 minutos. Distribuição: Videofilmes.
Surplus
Suécia, 2003 Um filme de Erik Gandini
Música Original: Gotan Project, David Österberg, Johan Söderberg
Gênero: Documentário
Duração: 50 min
The Corporation
EUA, 2003. 145 mins. Direção: Jennifer Abbott e Mark Achbar. Com participações
de: Noam Chomsky, Steve Wilson, Jane Akre, Naomi Klein, Michael Moore,
Vandana Shiva.
Composto pela fonte Agfa Rotis Sans Serif e
impresso a laser em papel Reciclato 75g
Belo Horizonte, dezembro de 2008
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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