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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Francisco Octavio de Almeida Prado Filho
Extensão do controle jurisdicional das sanções administrativas
MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Francisco Octavio de Almeida Prado Filho
Extensão do controle jurisdicional das sanções administrativas
MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito Administrativo pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação do Prof. Celso Antônio Bandeira de
Mello.
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
Aos meus pais,
Francisco Octavio (in memorian) e Sonia,
motivos de orgulho, admiração
e exemplos de vida.
À Inês, com amor e carinho.
Em primeiro lugar, agradeço ao Prof. Dr. CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO, não apenas pelas aulas, pela forma com que conduziu as
discussões em sala, convidando à reflexão e estimulando a crítica, mas também
pela valorosa e paciente orientação. Um exemplo de Professor.
À Profa. W
EIDA ZANCANER pelo privilégio de ter sido seu assistente
nas aulas de graduação em Direito Administrativo da PUC-SP e pelo constante
incentivo.
Aos professores MÁRCIO CAMMAROSANO e CLOVIS BEZNOS pela
acolhida na equipe de professores do curso de especialização em Direito
Administrativo da COGEAE, PUC-SP.
Aos professores P
AULO DE BARROS CARVALHO, SILVIO LUÍS
FERREIRA DA ROCHA, LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO e DINORÁ ADELAIDE
MUSSETI GROTTI pelas inestimáveis lições no curso do Mestrado.
Desde o início do curso, as discussões, o apoio e a amizade dos
colegas foram fundamentais não para a atividade acadêmica, mas também
para tornar o período de estudos ainda mais agradável. Entre os amigos, destaco
ANDRÉ LUIZ FREIRE, ÂNGELO AUGUSTO COSTA, GABRIELA ZANCANER e
C
AROLINA ZANCANER ZOCKUN, juntos desde o primeiro crédito, e GABRIEL
LIRA, MAURÍCIO ZOCKUN e TAIANE LOBATO, amizades para toda vida.
Aos companheiros de escritório, RICARDO PENTEADO, MARCELO
CERTAIN TOLEDO, AMILCAR RIBEIRO, EDUARDO MIGUEL CARVALHO,
G
UILHERME CORRÊA DA SILVA, RACHEL MALHEIROS, JOANA DE CARVALHO
ALVES e, especialmente, ARNALDO MALHEIROS, meus sinceros agradecimentos
pelo apoio e pela fraternal amizade.
Ao Dr. T
ITO COSTA, pela amizade e incentivo.
RESUMO
O tema da presente dissertação envolve o estudo da
discricionariedade administrativa aplicada ao campo específico do direito
administrativo sancionador, com a indicação dos princípios e regras que
vinculam o administrador na aplicação de sanções. Aplicada às infrações e
sanções administrativas, a teoria da discricionariedade apresenta peculiaridades
não verificadas em outros campos, especialmente no que concerne aos conceitos
jurídicos indeterminados. Assim, o capítulo I trata da estrutura constitucional do
Estado brasileiro com indicação das principais funções por ele desempenhadas
na criação, aplicação e controle das infrações e sanções administrativas. O
capítulo II trata do princípio da segurança jurídica e do princípio da legalidade,
como expressão do princípio democrático e fundamento da atividade
administrativa. O capítulo III trata, particularmente, do controle jurisdicional e
discricionariedade, com explicitação dos limites ao controle jurisdicional dos
atos administrativos.O capítulo IV trata do regime jurídico aplicável às infrações
e sanções administrativas, consideradas expressão do jus puniendi estatal. O
capítulo V trata da discricionariedade aplicada ao direito administrativo
sancionador, com considerações a respeito da utilização de conceitos jurídicos
indeterminados na descrição de infrações. O capítulo VI trata de outros
princípios a serem observados na imposição das sanções administrativas, todos
eles passíveis de controle pelo Poder Judiciário. O capítulo VII trata das
excludentes da infração e da questão da transmissibilidade das sanções
administrativas a terceiros e por força da sucessão. Ao final são apresentadas as
conclusões do estudo.
Palavras-chave: legalidade, discricionariedade, infração, sanção, sancionador,
administrativo, controle, jurisdicional, tipicidade, transmissibilidade.
ABSTRACT
This dissertation deals with the study of administrative discretion
applied specifically to the legislation concerning administrative sanctions, with
regard to the principles and rules that apply to the administrator when sanctions
are used. When applied to infringement and administrative sanctions, the
discretion theory shows some unique characteristics that are not to be
encountered in other areas, especially as far as undetermined legal concepts are
concerned. Chapter One will therefore describe the constitutional structure of
the Brazilian state, showing the main functions performed by the said state in
creating, using and controlling infringement and administrative sanctions.
Chapter Two will cover the principle of legal security and the legality principle
as the expression of the democratic principle and the fundamentals of the
administration activity. Chapter Three will deal particularly with jurisdictional
control and discretion, and will explain the limits to the jurisdictional control of
administrative acts. Chapter Four will shed light on the legal regime, which may
be applicable to infringement and administrative sanctions that are considered as
an expression of the government jus puniendi. Chapter Five will address
discretion when applied to sanctioning administrative law, with considerations
on the use of undetermined legal concepts in the description of infringement.
Chapter Six will mention other principles under the control of the Judiciary
Power to be considered upon the enforcement of administrative sanctions.
Chapter Seven will deal with infringement exculpatory, as well as with the issue
of transferability of administrative sanctions to a third party by means of
succession. Finally, we will present the conclusions of this study.
Key words: legality, discretion, infringement, sanction, sanctioner,
administrative, control, jurisdictional, elements of crime, transferability.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................10
CAPÍTULO I - O ESTADO BRASILEIRO.............................................................................13
I.1. Estrutura Constitucional ...........................................................................................14
I.2. Funções do Estado....................................................................................................20
I.2.1. A Tripartição dos Poderes ................................................................................21
I.2.2. Função Legislativa............................................................................................25
I.2.3. Função Jurisdicional.........................................................................................29
I.2.4. Função Administrativa .....................................................................................32
CAPÍTULO II - SEGURANÇA JURÍDICA E LEGALIDADE..............................................35
II.1. Princípio da segurança jurídica ................................................................................35
II.2. Princípio da legalidade .............................................................................................41
II.2.1. Legalidade no Estado Democrático de Direito.................................................42
II.2.2. Legalidade como fundamento da atividade administrativa: A submissão da
administração à lei............................................................................................................46
CAPÍTULO III - CONTROLE JURISDICIONAL E DISCRICIONARIEDADE..................50
III.1. A inafastabilidade do controle jurisdicional e a discricionariedade.....................51
III.2. A Lei como fonte da discricionariedade...............................................................54
III.3. Os conceitos jurídicos indeterminados.................................................................58
III.4. Discricionariedade em face do caso concreto.......................................................67
CAPÍTULO IV - INFRAÇÕES E SANÇÕES ADMINISTRATIVAS...................................70
IV.1. A unidade do jus puniendi estatal.........................................................................70
IV.2. Infração e sanção ..................................................................................................74
IV.3. Infração como ato jurídico....................................................................................78
IV.4. Critério diferenciador ...........................................................................................79
IV.5. Estrutura da norma legal sancionadora.................................................................81
IV.6. Estrutura do ato administrativo sancionador ........................................................82
IV.7. Finalidade da sanção administrativa.....................................................................84
IV.8. Legalidade e tipicidade.........................................................................................87
IV.9. Exigência de dolo ou culpa...................................................................................90
CAPÍTULO V - CONTROLE JURISDICIONAL DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVA...94
V.1. Discricionariedade na norma sancionadora..............................................................94
V.1.2. Discricionariedade na hipótese da norma.........................................................96
V.1.3. Discricionariedade na conseqüência da norma (sanção) ................................101
V.2. Inexistência de discricionariedade in concreto.......................................................104
VI.3. Utilização de conceitos jurídicos indeterminados na descrição das infrações. ..107
CAPÍTULO VI - OUTROS PRINCÍPIOS A SEREM OBSERVADOS NA IMPOSIÇÃO
DAS SANÇÕES.....................................................................................................................111
VI.1. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade...........................................111
VI.2. Princípio do ‘non bis in idem’............................................................................117
VI.3 - Princípio da motivação.............................................................................................123
VI.4. Princípio da anterioridade e retroatividade da lei mais benéfica........................125
VI.5. Contraditório e ampla defesa no processo administrativo..................................129
CAPÍTULO VII - EXCLUDENTES DA INFRAÇÃO E A QUESTÃO DA
TRANSMISSIBILIDADE DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS ...................................133
VII.1. Excludentes da infração administrativa.............................................................133
VII.1.1. Caso fortuito e força maior.........................................................................133
VIII.1.2. Estado de necessidade, Legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal
ou exercício regular de direito........................................................................................135
VII.1.3 Doença mental................................................................................................136
VII.1.4. Coação irresistível e obediência hierárquica ..............................................136
VII.1.5 – Erro .................................................................................................................137
VII.1.5.1. Erro de tipo.............................................................................................138
VII.1.5.2. Erro de proibição ....................................................................................139
VII.2. Transmissibilidade das sanções administrativas................................................140
VII.2.1. Responsabilização de terceiros...................................................................141
VII.2.2. Transmissibilidade no caso de sucessão.....................................................144
CONCLUSÕES......................................................................................................................147
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................155
INTRODUÇÃO
O tema relativo a infrações e sanções administrativas, que até
pouco despertava reduzido interesse por parte da doutrina brasileira, mereceu,
nos últimos anos, inúmeros e valorosos estudos a demonstrar o seu crescente
prestígio entre nós.
Fato é que o estudo do direito administrativo sancionador, que tinha
sua importância ligada, fundamentalmente, ao processo administrativo
disciplinar, ganhou relevo com a ampliação da competência sancionadora da
Administração Pública acompanhada da previsão legislativa de sanções
administrativas cada vez mais graves.
De outro lado, a discricionariedade administrativa é tema que,
embora guarde intermináveis polêmicas, de há muito vem despertando
interesse da doutrina, estando razoavelmente sedimentado.
O que se pretende, sob o tema “a extensão do controle jurisdicional
das sanções administrativas”, é abordar a discricionariedade aplicada ao direito
administrativo sancionador, com indicação dos princípios e regras que vinculam
o administrador na aplicação de sanções.
Para tanto, parte-se da análise da estrutura constitucional do Estado
brasileiro e das principais funções por ele desempenhadas para a previsão,
aplicação e controle das sanções administrativas.
No capítulo seguinte, são analisados a segurança jurídica e o
princípio da legalidade, tendo a lei como expressão maior do interesse público
em razão de sua legitimidade democrática nos termos da Constituição Federal.
As anotações a respeito da estrutura constitucional do Estado, da
segurança jurídica e do princípio da legalidade afiguram-se especialmente
relevantes no momento atual em que a Constituição Federal é freqüentemente
desrespeitada e as garantias do cidadão são esgarçadas por interpretações
enviesadas, e por vezes tendenciosas, de regras e princípios constitucionais.
Parte-se, então, para o estudo do controle jurisdicional e da
discricionariedade dos atos administrativos, com a indicação de seus
fundamentos e apontamentos a respeito de seu regime jurídico.
Logo em seguida, examina-se o regime jurídico das infrações e
sanções administrativas no ordenamento jurídico brasileiro para, mais adiante,
tratar, especificamente, do controle jurisdicional das sanções administrativas,
com o exame da discricionariedade na norma sancionadora e considerações a
respeito de sua subsistência diante do caso concreto.
Em seqüência, são apresentados os princípios a serem observados
na tipificação de infrações e aplicação de sanções administrativas, todos sujeitos
a controle jurisdicional.
Por fim, são indicadas as excludentes da infração, passíveis de
reconhecimento pelo Poder Judiciário, e analisados os casos em que é possível a
transmissão das sanções administrativas a terceiros responsáveis ou por força da
sucessão.
Assim, parte-se do geral para o particular, procurando-se abordar o
tema de maneira abrangente, com a apresentação das premissas necessárias, mas
sem perder o foco daquilo que constitui o objeto central do presente estudo: a
extensão do controle jurisdicional das sanções administrativas.
13
CAPÍTULO I - O ESTADO BRASILEIRO
O controle judicial das sanções administrativas é atividade que
implica tanto o exercício da função jurisdicional quanto das funções legislativa e
administrativa.
Ocorre que, para a aplicação de uma sanção administrativa
necessidade de lei que, ao descrever as infrações e prescrever as respectivas
sanções, autoriza e ao mesmo tempo limita a atividade administrativa. Ao
Judiciário, por sua vez, cabe analisar se o exercente da função administrativa, ao
aplicar uma sanção, agiu ou não de acordo com os ditames legais.
Trata-se, em última instância, da análise da relação existente entres
as três principais funções estatais (legislativa, administrativa e jurisdicional),
aplicada ao campo específico das infrações e sanções administrativas e limitada
ao ordenamento jurídico brasileiro, objeto do presente estudo. Para tanto, faz-se
necessário analisar a estrutura do Estado brasileiro, que se adota como ponto
inicial para o desenvolvimento do presente trabalho.
E para a investigação a respeito da estrutura do Estado deve-se
partir, necessariamente, da Constituição.
Como ensina Paulo Bonavides
do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas
pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao
exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa
humana, tanto individuais como sociais
1
.
______________
1
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20ª Edição. São Paulo. Malheiros:
2007. p. 80.
14
Acrescenta o constitucionalista que “não há Estado sem Constituição”.
I.1. Estrutura Constitucional
De acordo com a Constituição a República Federativa do Brasil
“constitui-se em Estado Democrático de Direito
”2
.
Poder-se ia, partindo da norma constitucional, recorrer a conceitos
histórico-filosóficos para determinar o significado de “Estado Democrático de
Direito” e, tendo determinado, tirar as conseqüências dele decorrentes.
Embora não se negue a importância do conceito histórico, a que a
Constituição inegavelmente faz referência, o estudioso do Direito deve, em
primeiro lugar, buscar no próprio texto constitucional elementos que lhe
permitam formar o conceito sem ter que recorrer a idéias pré-existentes.
A Constituição brasileira apresenta, logo em seu artigo 1º, como
fundamentos do Estado, “a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo
político”. Dispõe também, e é essa a matriz constitucional do princípio
democrático, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente”, nos termos da Constituição.
No artigo 2º, está determinado que “são Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
______________
2
Art. 1º, caput, da Constituição Federal brasileira.
15
É a tripartição dos poderes, inicialmente proposta por Montesquieu
3
, adotada
para o Estado brasileiro. Ressalte-se, desde logo, a independência e harmonia
entre os Poderes, o que depende da constante “vigilância” de um Poder sobre o
outro e do efetivo exercício, por parte de cada um dos Poderes, das funções que
lhe foram atribuídas
4
.
Logo de início, portanto, estão consagrados em nossa Constituição,
o princípio democrático e a separação dos poderes como pilares fundamentais
do Estado Democrático de Direito.
Além dos princípios citados, são direitos e garantias fundamentais
do Estado Democrático de Direito os direitos e garantias individuais e
coletivos”, previstos no art. e seus incisos, e os “direitos sociais” previstos
nos artigos 6º a 11, todos da Constituição. São exatamente esses direitos e
garantias, ditos fundamentais, que conferem aos cidadãos uma parcela
inalienável de direitos que limitam e condicionam a atuação estatal (art. 5º) e
garantem, aos cidadãos, um mínimo de dignidade a ser obrigatoriamente
proporcionada pelo Estado através de sua efetiva atuação (arts. 6º a 11).
______________
3
En cada Estado hay tres clases de poderes: el poder legislativo, el poder ejecutivo de las
cosas relativas ao derecho de gentes, y el poder ejecutivo de las cosas que dependem del
derecho civil.
En virtud del primero, el principe o jefe del Estado hace leyes transitorias o definitivas, o
derroga las existentes. Por el segundo, hace la paz o la guerra, envía y recibe embajadas,
establece la seguridad pública e precave las invasiones. Por el tercero, castiga los delitos y
juzga las diferencias entre particulares. Se llama a esta último poder judicial, y al otro poder
ejecutivo del Estado.” (MONTESQUIEU. Del Espíritu de Las Leyes. Livro XI, Cap. VI: “De
La Constitución de Inglaterra”, trad. Nicolás Estévanez. México. Editorial Porruá S.A.: 1971)
4
De acordo com Jessé Torres Pereira Junior: “A solução foi, e ainda é, a de estabelecer freios
e contrapesos entre os Poderes, todos independentes e harmônicos entre si, mas sujeitos a
controles recíprocos, que somente a Constituição pode criar com força cogente, porque a
todos se impõe como pacto negociado pela sociedade que, a seu turno, deve ser mais
participante na definição de políticas e na cobrança de resultados.” (PEREIRA JUNIOR, Jessé
Torres. Controle Judicial da Administração Pública: Da Legalidade Estrita à Lógica do
Razoável. 2ª Edição. Belo Horizonte. Ed. Fórum: 2006. p. 20.)
16
Nos artigos 14 a 16 da Constituição estão previstos os direitos
políticos, o artigo 17 trata dos partidos políticos, ambos importantes
instrumentos de realização da democracia.
Com relação aos direitos políticos merece especial menção o artigo
14 que determina que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal
e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante: I plebiscito; II referendo; III iniciativa popular”. Com relação
aos partidos políticos cabe ressaltar a liberdade para sua criação, incorporação e
extinção e a garantia do pluripartidarismo.
A organização do Estado está prevista no Título III da Constituição,
sendo o Capítulo I relativo à organização político-administrativa que, nos termos
do artigo 18, “compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos nos termos” da Constituição.
Após tratar mais especificamente de cada um dos entes da
federação e disciplinar os casos de intervenção nos Estados, Distrito Federal e
Municípios, passa a Constituição à disciplina da “Administração Pública” nos
artigos 37 a 43.
Curioso notar, nesse ponto, que o artigo 37, caput faz menção à
“administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União” e
não apenas do Poder Executivo, a indicar, desde logo, que a atividade
administrativa é comum aos Três Poderes.
Feita a observação, cumpre esclarecer que quando faz referência
aos Poderes da União a Constituição adota um critério subjetivo, descrevendo o
conjunto de órgãos que têm sua organização e funcionamento por ela
17
determinados em capítulos próprios Do Poder Legislativo; Do Poder
Executivo e do Poder Judiciário - todos inseridos no Título IV: Da Organização
dos Poderes.
A cada um dos três Poderes foi conferido certo grau de autonomia
para tratar de sua organização administrativa interna e regime de pessoal
5
o que
reforça o entendimento de que atividades que, por sua natureza, lhes são
comuns.
Voltando à soberania popular e à democracia, curioso notar, em
relação aos Poderes da União, que tanto os membros do Legislativo, quanto o
chefe do Executivo exercem mandato e são eleitos pelo voto popular, os
integrantes do Poder Judiciário, em regra, ingressam na carreira por meio de
concurso público (art. 93, I).
Para justificar a diferença de tratamento cabe fazer referência às
lições de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello para quem a gerência dos
negócios do Estado envolveria apenas as suas ações legislativa e executiva e não
a ação judicial.
De acordo com o autor
Legislativo e Executivo constituem dois sistemas orgânicos
autônomos, por razões formais, constitucionais, porém do mesmo
poder, o político; enquanto o Judiciário constitui sistema orgânico
______________
5
Nesse sentido, cabe fazer referência aos seguintes artigos constitucionais:
- com relação ao Poder Legislativo: 49, VI e VII; 51, III e IV e 52, XII e XIII;
- com relação ao Poder Executivo: 61, §1º, I e II; 84, I, II, VI e XXV; e
- com relação ao Poder Judiciário: 93; 96, I, “a”, “b”, “c”, “d”, “e” e “f”; 96, II, “a”, “b”, c”,
“d”; 96, III; 99 e parágrafos.
18
deles separado, pela própria natureza do seu objeto, e participante de
outro poder, o jurídico
6
.
Ainda que se discorde da classificação dúplice proposta pelo autor
citado, que enxerga as ações legislativa e executiva como manifestações de uma
mesma função do Estado, dita administrativa, não se pode negar a procedência
de algumas de suas afirmações.
Como bem ressaltado pelo Prof. Bandeira de Mello as ações
legislativa e executiva “constituem, na verdade, os fins utilitários do Estado-
poder, de gerência dos seus negócios, mediante programa de ação e sua
efetivação”
7
. Já a ação judicial, para o autor, tem preocupação diversa,
a de manter a ordem jurídica em vigor, a de assegurar o direito
vigente, acaso ameaçado ou desrespeitado, que busca proteger, e a
realização efetiva da decisão, sua conseqüência lógica.
8
Sendo as ações legislativa e executiva as responsáveis pela gerência
dos negócios do Estado, por fixar as diretrizes e dar efetividade à ação estatal,
participante do poder político, constitui imperativo do princípio democrático que
aqueles em última análise responsáveis pelo seu exercício sejam eleitos pelo
voto popular. De outro lado, sendo a ação judicial participante do poder
jurídico, uma atividade técnica de proteção do direito vigente, não-responsável
pela fixação e execução de diretrizes políticas, é razoável e até desejável que a
escolha de seus exercentes seja feita mediante a comprovação da capacidade
técnica específica, através do concurso público.
______________
6
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios de Direito Administrativo. vol. I.
Edição. São Paulo. Malheiros: 2007. p. 58
7
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Op. Cit. p. 50.
8
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Op. Cit. p. 50.
19
Vale ressaltar que após determinar que o “Poder Legislativo será
exercido pelo Congresso Nacional” (art. 44) e o Poder Executivo pelo
Presidente da República, auxiliado pelos Ministros do Estado”, a Constituição
deixa de mencionar, de forma expressa, o exercício do Poder Judiciário. Ao
tratar do Poder Judiciário, inicia a Constituição pela enumeração dos órgãos que
o compõem (art. 92) sem mencionar expressamente o “exercício de um poder”.
A diferença de tratamento indica que, diferentemente do que ocorre
com o Poder Judiciário, ao tratar dos Poderes Legislativo e Executivo, embora
adotando o critério orgânico ou subjetivo, o texto constitucional faz referência a
um poder político, incumbindo seu exercício aos detentores de mandato popular
e seus auxiliares diretos.
A despeito de reconhecer as semelhanças entre as ações legislativa
e executiva do Estado, entretanto, faz-se necessário esclarecer a existência de
diferenças que justificam tratá-las como funções distintas, o que será melhor
explorado mais adiante, em tópico específico.
Inúmeras outras características foram delineadas pela Constituição,
mas uma idéia, ainda que bastante superficial, como a que acabou de ser
apresentada, sobre a estrutura constitucional do Estado brasileiro é, além de
essencial, suficiente para servir de base ao entendimento do regime jurídico das
infrações e sanções administrativas e seu controle judicial, objeto do presente
estudo.
20
I.2. Funções do Estado
Como mencionado no tópico anterior “todo o poder emana do povo
que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente”. É,
portanto, exigência do princípio democrático a titularidade do poder pelo povo.
Tira-se, daí, que aquele que exerce o poder estatal não o exerce em nome
próprio, mas sim em nome da coletividade, estando a ela vinculado.
Nesse sentido, Renato Alessi diz que “o poder estatal, considerado
como dirigido às finalidades de interesse coletivo, e enquanto objeto de um
dever jurídico em relação com sua aplicação, constitui uma função estatal”
9
.
Extrai-se, das lições de Alessi, que as finalidades a serem satisfeitas
pela atuação estatal são aquelas determinadas pelo interesse coletivo expresso
através do ordenamento jurídico. É de fundamental importância a constatação
feita pelo autor italiano de que os poderes estatais são objeto de um dever
jurídico e, portanto, apenas instrumentos necessários para a sua realização.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello
função pública, no Estado Democrático de Direito, é a atividade
exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público,
mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos
pela ordem jurídica
10
.
Não se pode perder de vista, portanto, o caráter instrumental dos
poderes estatais, que somente serão legítimos enquanto necessários ao
cumprimento das finalidades públicas a que estão predispostos. Daí porque,
______________
9
ALESSI, Renato. Instituciones de Derecho Administrativo. Trad. da edição italiana por
Buenaventura Pellisé Prats. Tomo I. Bosch. Barcelona. Casa Editorial: 1970. p.6
10
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25ª edição. São
Paulo. Malheiros: 2008. p. 29
21
seguindo as lições do Prof. Celso Antônio, em um Estado Democrático de
Direito não cabe falar em poder estatal, mas sim em dever-poder, a realçar a
importância do dever e a instrumentalidade do poder que lhe é correlato.
Dessa forma, sempre que houver referência a uma função estatal
estar-se-á evidenciando a existência de um dever de perseguir e realizar
determinadas finalidades públicas mediante a utilização de poderes que são
conferidos aos agentes públicos. O uso de tais poderes somente será legítimo
quando estritamente necessário ao cumprimento das finalidades públicas a que
se predispõem
11
.
Como conseqüência do que se acaba de expor, é preciso esclarecer,
ao menos com relação ao Estado brasileiro, a inexistência de um poder estatal
que não seja instrumento de um dever, vinculado a uma determinada finalidade,
que não seja fundado e de alguma forma limitado pela ordem jurídica.
I.2.1. A Tripartição dos Poderes
Ao tratar do Estado Liberal e suas bases ideológicas, modelo
construído em meados do século XVIII, com base no Contrato Social de
Rousseau e O Espírito das Leis de Montesquieu, Juan Alfonso Santamaría
Pastor narra que o princípio da divisão dos poderes não era apenas uma medida
de racionalização do aparato estatal, mas, antes de tudo, um instrumento de
______________
11
Sílvio Luís Ferreira da Rocha, ao tratar da função social da propriedade pública, afirma que
“a sujeição da Administração ao atendimento de um fim legal marca de tal modo o conteúdo
da função administrativa, que projeta efeitos sobre a relação jurídica de domínio,
transformando-a”. (FERREIRA DA ROCHA, Sílvio Luís. Função Social da Propriedade
Pública. 1ª edição. São Paulo. Malheiros:2005. p. 126)
22
defesa da liberdade dos cidadãos, uma aspiração burguesa como forma de
contenção do poder político que se encontrava nas mãos da nobreza
12
.
O modelo então criado, inicialmente uma aspiração burguesa de
contenção do poder nobiliárquico, teve tamanha aceitação e foram tantos os seus
méritos que, ainda hoje, continua sendo amplamente adotado.
De acordo com Geraldo Ataliba
a tripartição do poder aparece como a forma mais perfeita, para
assegurar-se o regime republicano representativo, com os seus
necessários ingredientes de responsabilidade e igualdade (ou isonomia
jurídica), diante do poder do estado. Engendra um sofisticado
mecanismo de ‘checks and balances’ como o designam os
doutrinadores norte-americanos que tende a realizar o postulado de
que ‘o poder contenha o poder
13
.
E é esse modelo, da tripartição do poder, justamente o que foi
adotado entre nós.
Como visto, o Estado brasileiro é constituído pelos chamados
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Cada um desses Poderes é, na
acepção empregada, um conjunto de órgãos estatais que recebem tratamento
específico da carta constitucional. Não se trata, portanto, de poder propriamente
dito, entendido como capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos
14
,
mas, sim, como afirmado, de conjunto de órgãos estatais que tem seu regime
jurídico delineado pela constituição federal.
______________
12
SANTAMARÍA PASTOR, Juan Alfonso. Principios de Derecho Administrativo General.
vol. I. 1ª Edição. Madrid. Ilustel: 2004. p. 44.
13
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais:
1985. p. 20.
14
BOBBIO, Norberto, MATEUCCI, Nicola e PASQUINO, G. Dicionário de Política.
Edição. Brasília. Editora Universidade de Brasília: 1983.
23
Pode-se afirmar, dessa forma, que a Constituição, ao tratar da
separação dos poderes, toma como ponto de partida o critério orgânico ou
subjetivo, descrevendo as diferentes “pessoas” - conjunto de órgãos
incumbidas do desempenho das mais variadas funções estatais.
Não se pode afirmar, entretanto, que a cada um desses conjuntos de
órgãos corresponda uma e apenas uma função
15
. O que é possível dizer,
tomando por base as lições de Alessi
16
, é que cada um dos poderes tem atribuído
a si, de forma normal e característica, o exercício de uma função. Assim, de
forma normal e característica, é atribuído ao Judiciário o exercício da função
jurisdicional; ao Executivo da função administrativa e ao Legislativo da função
legislativa.
A atribuição de uma determinada função, de forma normal e
característica, a um dado Poder não implica, entretanto, impossibilidade do
exercício de outras funções que não lhe sejam típicas, daí ser insuficiente o
critério orgânico ou subjetivo para a definição das funções estatais.
______________
15
Vale lembrar, nesse ponto, o quanto afirmado em tópico anterior (I.1) sobre a existência de
atividades que, por sua natureza, são comuns aos três Poderes.
De acordo com Agustín Gordillo: “Todo seria sencillo si las funciones legislativa,
administrativa y jurisdicional estuvieram respctiva y exclusivamente a cargo de los órganos
legislativo (Congreso), administrativos (órganos dependientes del Poder Ejecutivo) y
judiciales (órganos independientes). Pero las dificuldades surgen de que ello no es así; de
que cada órgano no se limita únicamente a la función que le corresponde y que, por lo tanto,
la separación de funciones en cuanto atribuición de éstas a órganos diferenciados se realiza
sólo imperfectamente”. (GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. Tomo 1º.
Parte General. 8ª Edición. Buenos Aires. F.D.A.: 2003. p. IX-3.)
16
Diz Alessi: Segun la teoria de la división de poderes, para conseguir la garantia de las
libertades civiles y politicas, cada una de las tres series de actividades que corresponden a
las tres funciones fundamentales antes citadas (legislativas, jurisidiccional y ejecutiva) que
deben distinguerse en el conjunto generico de las funciones etstales, ha de ser atribuida a un
orden distinto de órganos del Estado como competencia, si no absoluta, como pretendia la
formulacioon original, de la teoria (lo que seria prácticamente irrealizable y perjudicial), al
menos como competencia característica y normal”. (ALESSI, Renato. Op. Cit. p. 10.)
24
Sendo insuficiente o critério orgânico, cabe indagar se seria
possível a utilização de um critério puramente objetivo, material, para se definir
as diversas funções estatais. A resposta, mais uma vez é negativa.
Fato é que, ao invés de optar por um critério, com exclusão dos
demais, deve-se buscar, no ordenamento, o regime jurídico das atividades
estatais para, somente então, valendo-se das características comuns, agrupá-las
em conjuntos distintos, correspondentes, cada qual, a uma determinada função
estatal. A definição dos conjuntos, nesse caso, pode requerer – e de fato requer
a conjugação dos critérios orgânico e material. O essencial é que o critério
escolhido seja útil para identificar os diferentes conjuntos de atos estatais
submetidos, cada um deles, a um regime jurídico comum.
Poder-se ia, ainda, cogitar a utilização de um critério negativo ou
residual para a definição da função administrativa, justamente aquela que
apresenta maior dificuldade
17
. Nesse caso, definidas as funções legislativa e
jurisdicional do Estado através de seu regime jurídico, o restante das atividades
estatais seria considerado exercício de função administrativa.
Ocorre que é preciso considerar a possibilidade da existência de
atividades desempenhadas pelo Estado que não configuram o exercício de
______________
17
De acordo com José Luis Villar Palasi: La variedad de actividades de la Administración
pública, la multiforme acción que ésta realiza, la heterogeneidad de fines que son servidos
por la Administración hacen que, ya, intuitivamente, se evidencie la dificuldad de encuadrar
a la Administración pública en una definición científica y estable. (PALASI, José Luis Villar.
Derecho Administrativo, Introducción y Teoria de Las Normas. Madrid. Universidad de
Madrid. Facultad de Derecho. Seccion de Publicaciones: 1968. p. 39.)
25
função legislativa, jurisdicional ou administrativa
18
. A existência de atividades
que não configuram o exercício de qualquer das funções mencionadas implica,
desde logo, a ineficiência, a imprestabilidade da utilização de um critério
residual, da definição de função administrativa pela exclusão das demais
mencionadas.
Feitas as considerações gerais, passa-se à análise de cada uma das
três funções essenciais.
I.2.2. Função Legislativa
De acordo com Otto Mayer a grande novidade trazida pelo direito
constitucional moderno ao conceito de legislação foi a necessária participação
do “corpo representativo” na sua formação. De acordo com o autor a legislação,
que era o estabelecimento de regras gerais e obrigatórias para todos os súditos
pelo soberano, adquiriu um novo elemento característico. Dessa forma, para o
autor, legislação continuava a ser o estabelecimento de regras de direito pelo
poder soberano” com a diferença de que esse poder somente poderia se
manifestar com o “concurso de um corpo representativo”
19
.
______________
18
Nas lições de Otto Mayer: no es administración todo aquello que el Estado hace fuera de
la legislación y de la justicia. Como exemplo de atividades que não se enquadram em
nenhuma das três funções citadas o autor indica as atividades auxiliares do direito
constitucional e os atos de governo. (MAYER, Otto. Derecho Administrativo Alemán. Tomo
I. 2ª Edição inalterada. Buenos Aires. Ediciones Depalma: 1982. p 10)
Agustín Gordillo, por sua vez, esclarece que un criterio residual o negativo, en efecto,
solamente pode seu útil en la medida en que se pueda precisarse aquello que se excluye: no
estando aproximativamente estipulado el concepto de las funciones excluidas, no resulta
entonces clara la caracterización o descripción de lo que se identifica como residual”.
(GORDILLO, Agustín. Op. Cit. p. IX5.)
19
MAYER, Otto. Op. Cit. p. 6
26
Alessi, ao tratar da função legislativa, afirma que do ponto de vista
jurídico legislação “é a emanação de atos de produção jurídica primários,
fundados única e exclusivamente no poder soberano, do qual constituem
exercício direto e primário”
20
. Esclarece o autor que a lei não é só uma inovação
no mundo jurídico, o que a equipararia, em certa medida, ao ato administrativo,
à sentença e ao próprio negócio jurídico primário, mas também uma inovação
primária.
Tratando do ordenamento jurídico brasileiro tem-se que a
aprovação de leis é de competência exclusiva dos órgãos legislativos
21
e, nos
termos da Constituição, somente a lei pode inovar no mundo jurídico, criando
direitos e obrigações.
Ocorre que, ao lado da lei, prevê a Constituição, em seu artigo 62,
que “em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar
medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao
Congresso Nacional”.
Assim como a lei, portanto, a medida provisória pode inovar
originariamente na ordem jurídica. Cumpre esclarecer, portanto, se a edição de
medidas provisórias constitui ou não exercício de função legislativa pelo Poder
Executivo.
______________
20
ALESSI, Renato. Op. Cit. p. 7
21
É preciso esclarecer que, nos termos do artigo 68 da Constituição Federal, possibilidade
de elaboração de lei (lei delegada) pelo Presidente da República em caso de delegação pelo
Congresso Nacional, que deverá especificar o conteúdo e os termos do exercício da
competência delegada. São insuscetíveis de delegação os atos e matérias descritos no artigo
68, §1º da Constituição.
Dessa forma, é possível ao órgão legislativo, titular exclusivo da competência, delegá-la nos
termos das disposições constitucionais.
27
Nesse sentido, importante ressaltar que, além das restrições com
relação à matéria e dos requisitos constitucionais para sua edição relevância e
urgência –, as medidas provisórias são destinadas a produzir efeitos por tempo
determinado até que haja sua apreciação pelo Poder Legislativo que poderá
convertê-las ou não em lei.
Vale ressaltar, nos termos do artigo 62, §3º da Constituição Federal
que
as medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão
eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de
sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual
período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto
legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.
Tem-se, portanto, que as medidas provisórias são destinadas a
produzir efeitos por tempo limitado, cabendo ao Congresso Nacional não
decidir sobre sua conversão em lei, mas também disciplinar, por meio de
decreto, as relações jurídicas decorrentes das medidas que perderam sua eficácia
em razão de não terem sido convertidas no prazo constitucional.
Com o que se expôs é possível afirmar que a edição de medida
provisória pelo Presidente da República marca o início do processo legislativo
que pode resultar desde sua conversão até, no extremo oposto, a perda de sua
eficácia, desde o início, cabendo ao Congresso disciplinar os efeitos
produzidos.
Assim, a edição de medida provisória não dever ser entendida como
exercício acabado da função legislativa, mas, de forma diversa, como uma
espécie de iniciativa de lei proposta pelo Poder Executivo que, em razão de sua
relevância e urgência, é submetida a processo legislativo especial sendo capaz
28
de gerar efeitos desde sua edição, antes mesmo da aprovação pelo Congresso
Nacional. Somente a efetiva urgência e relevância da matéria são capazes de
justificar o uso do procedimento especial mencionado e, conseqüentemente, a
produção de efeitos imediatos, previamente à manifestação do Poder
Legislativo.
Feitas essas breves considerações iniciais, passa-se à conceituação
de função legislativa. Diz Seabra Fagundes que “pela função legislativa o Estado
edita o direito positivo posterior à Constituição, ou, em termos mais precisos,
estabelece normas gerais, abstratas e obrigatórias, destinadas a reger a vida
coletiva”
22
.
Na mesma linha, mas com diferenças, o conceito do Prof. Celso
Antônio Bandeira de Mello para quem função legislativa: é a função que o
Estado, e somente ele, exerce por via de normas gerais, normalmente abstratas,
que inovam inicialmente na ordem jurídica, isto é, se fundam direta e
imediatamente na Constituição”
23
.
De ambos os conceitos que acabam de ser apresentados, assim
como o de Alessi, pode-se dizer não têm uma maior preocupação com o aspecto
subjetivo, com os órgãos incumbidos do exercício da função. Ambos os
conceitos limitam o caráter subjetivo à menção ao Estado ou ao poder soberano.
Fazendo uso das lições de Otto Mayer, mencionadas acima, cabe
acrescentar, portanto, ao conceito, a menção ao corpo representativo, a
demonstrar a necessidade de participação dos órgãos legislativos no exercício da
______________
22
FAGUNDES, SEABRA. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário.
Edição. São Paulo. Saraiva: 1984. p.4.
23
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. Cit. p. 35.
29
função que lhes é correlata, evidenciando, dessa forma, a separação dos poderes
e a impossibilidade do exercício de função legislativa pelos demais órgãos do
Estado.
Assim, pode-se dizer, tomando por base o conceito do Prof. Celso
Antônio, mas com a alteração mencionada, que função legislativa é
a função que o Estado, e somente ele, com a participação de seu corpo
representativo (legislativo), exerce por via de normas gerais,
normalmente abstratas, que inovam inicialmente na ordem jurídica,
isto é, se fundam direta e imediatamente na Constituição.
Vale ressaltar, por fim, a despeito de estar implícito, que o exercício
da função legislativa encontra limites negativos e positivos no texto
constitucional, ao qual está diretamente vinculada.
I.2.3. Função Jurisdicional
Diz a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXXV que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. É do
Judiciário, portanto, a competência para resolver conflitos de forma definitiva.
Como bem ilustrado pelo Prof. Jessé Torres Pereira Junior
na pirâmide dos controles, o vértice é ocupado pelo Judiciário, posto
que lhe cabe dar a última palavra sobre se as normas expedidas e os
atos praticados nos mais recônditos escaninhos da ordem jurídica se
compadecem, ou não, com os princípios e normas do sistema.
24
______________
24
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Op. Cit. p. 29
30
Assim, os demais Poderes, ainda quando decidam processos
administrativos de sua competência, estão sempre sujeitos ao controle de
legalidade por parte do Poder Judiciário, daí porque não se pode dizer que têm
competência para decidir de forma definitiva o que, por si só, já é suficiente para
afirmar que sua atuação no processamento e julgamento de processos
administrativos está sujeita a regime jurídico distinta daquela exercida pelo
Poder Judiciário na solução de conflitos.
25
.
Ainda, com relação aos demais Poderes, pode-se dizer que, a
despeito do dever de imparcialidade que se lhes impõe, decidem conflitos de que
são partes enquanto o Judiciário atua como terceiro desinteressado.
A titularidade do exercício da função jurisdicional pelo Poder
Judiciário não permite, entretanto, definir a função apenas pelo aspecto
subjetivo. Ocorre que, embora seja o único Poder legitimado para exercer
função jurisdicional, é preciso lembrar, conforme demonstrado em tópicos
anteriores, que o Judiciário exerce também outras funções.
Feita a introdução, passa-se ao conceito formulado pelo Prof. Celso
Antônio Bandeira de Mello a respeito da função jurisdicional:
______________
25
Nesse sentido, as lições de Agustín Gordillo tendo por base a Constituição Argentina: El
régimem jurídico proprio de la función jurisdicional es que la decisión pueda ser definitiva y,
fundamentalmente, que sea producida por un órgano imparcial (ajeno a la contienda; un
tercero desinteressado del processo) e independiente (no sujeto a órdenes o instruciones de
nadie: por ello la primera virtud de un juez deve ser la corage). Ello nasce como exigencia
desde el art. 18 de la Constitución, cuando expressa que es inviolable la defensa en juicio de
la persona y de los derechos. Lo reafirma el art. 109 en cuanto prohibe al Poder Ejecutivo
‘ejercer funciones judiciales, arrogar-se el conocimiento de causas pendientes o restabelecer
las fenecidas’. Sería inconstitucional, a la luz de estas normas, querer atribuir a la
administración la facultad de decidir controversias entre particulares en forma definitiva, sin
posibilidad de que éstos recurran ante la justicia” (GORDILLO, Agustín. Op. Cit. p. IX, 12.)
31
é a função que o Estado, e somente ele, exerce por via de decisões que
resolvem controvérsias com força de ‘coisa julgada’, atributo este que
corresponde à decisão proferida em última instância pelo Judiciário e
que é predicado desfrutado por qualquer sentença ou acórdão contra o
qual não tenha havido recurso
26
.
A referência a decisões que resolvem controvérsias” exclui,
logicamente, a chamada jurisdição voluntária em que não conflito entre as
partes, que buscam apenas uma chancela do Poder Judiciário. A referência à
força de “coisa julgada” e ao Poder Judiciário, por sua vez, excluem da função
jurisdicional todos os casos de contencioso administrativo e funções exercidas
pelos demais poderes.
Vale ressaltar que a simples menção à solução de conflitos pelo
Poder Judiciário seria insuficiente porque o contencioso administrativo
encontra-se presente também no Judiciário, como é o caso, por exemplo, dos
processos administrativos disciplinares movidos contra magistrados ou qualquer
outro integrante do referido poder.
Tem-se, portanto, que o conceito identifica de forma satisfatória as
atividades do Estado que configuram o exercício de função jurisdicional e é aqui
adotado sem qualquer modificação para delimitar e esclarecer o tema do
presente estudo.
______________
26
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. Cit. p. 36
32
I.2.4. Função Administrativa
A função administrativa, embora típica do Poder Executivo não lhe
é exclusiva conforme já demonstrado, o que implica a imprestabilidade de
qualquer tentativa de sua definição pelo aspecto subjetivo.
Do ponto de vista subjetivo, entretanto, é importante mencionar que
das três funções principais é a única passível de ser exercida por particulares,
não integrantes do aparelho estatal, como é o caso, por exemplo, dos
concessionários de serviço público.
O aspecto subjetivo, portanto, tem importância na demonstração da
possibilidade de a função ser exercida por qualquer agente público
27
, aqui
considerado em sua acepção mais ampla, incluindo, além dos agentes políticos e
servidores estatais, os particulares em colaboração com a Administração.
A constatação é importante e não pode ser ignorada na formulação
do conceito, sob pena de se chegar a resultado restritivo, incapaz de abarcar a
totalidade dos atos expedidos no exercício da mencionada função.
O desafio, portanto, está na formulação de um conceito
suficientemente amplo para abarcar a totalidade dos atos administrativos, mas
restritivo o bastante para diferenciá-los das demais atividades do Estado.
______________
27
Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello: “essa expressão agentes públicos é a
mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que
servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda
quando o façam apenas ocasional ou episodicamente.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio. Curso de Direito Administrativo. Op. Cit. p. 242.)
33
Para se chegar a tal resultado pode-se começar afirmando que a
função administrativa, normalmente, tem por objeto a execução de lei sendo,
portanto, atividade infralegal. casos, ainda, em que a atividade
administrativa, excepcionalmente, é fundada diretamente em normas
constitucionais.
A atividade infraconstitucional somente se justifica quando, em
razão da precisa delimitação de seus elementos, a norma constitucional pode ser
aplicada diretamente, sem necessidade de lei que a regulamente.
Outra importante característica que se pode verificar a respeito da
função administrativa é que seu exercício pelos órgãos estatais, incluindo os
órgãos legislativos e judiciários, se na “intimidade de uma estrutura e regime
hierárquicos”
28
. É justamente essa uma das características que permite
diferenciar, no Poder Judiciário, os processos administrativos dos processos
judiciais.
29
______________
28
Do conceito de função administrativa de Celso Antônio Bandeira de Mello: “é a função que
o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na
intimidade de uma estrutura e regime
hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser
desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente,
infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário.”
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. 2008. Op. cit. p. 36.)
29
Na definição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, tendo por base definição formulada por
Mário Masagão hierarquia pode ser entendida como “o vínculo que coordena e subordina uns
aos outros os órgãos da Administração Pública graduando a autoridade de cada um.”
Ainda, após ressaltar a existência de órgãos administrativos nos Poderes Legislativo e
Judiciário, submetidos a um regime hierárquico, esclarece a autora, “Nos Poderes Judiciário e
Legislativo não existe hierarquia no sentido de relação de coordenação e subordinação, no que
diz respeito às suas funções institucionais. No primeiro, uma distribuição de competências
entre instâncias, mas uma funcionando com independência em relação à outra; o juiz da
instância superior não pode substituir-se ao da instância inferior, nem dar ordens ou revogar e
anular os atos por este praticados. No Legislativo, a distribuição de competências entre
Câmara e Senado também se faz de forma que haja absoluta independência funcional entre
uma e outra Casa do Congresso.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.
20ª edição. São Paulo. Atlas: 2007. p. 84)
34
Vale ressaltar que quando a função é exercida por particulares em
colaboração com a Administração não cabe falar em hierarquia.
Por fim, tem-se que a atividade administrativa, fundada na lei ou na
Constituição, estará sempre sujeita a controle de legalidade pelo Poder
Judiciário a quem, fazendo uso das citadas palavras do Prof. Jessé Torres
Pereira Junior, “cabe dar a última palavra sobre se as normas expedidas e os atos
praticados nos mais recônditos escaninhos da ordem jurídica se compadecem, ou
não, com os princípios e normas do sistema”.
Com base no que foi até aqui exposto, é possível afirmar que
função administrativa é a função que o Estado, através de uma estrutura e
regime hierárquicos, ou quem lhe faça as vezes, exerce através de atividades
fundadas diretamente na lei ou, excepcionalmente, em normas constitucionais,
quando precisos seus elementos, todos sujeitos a controle de legalidade pelo
Poder Judiciário.
A importância da definição para o presente estudo está no fato de
que seu objeto restringe-se às sanções impostas no exercício da função
administrativa, excluindo-se as demais.
35
CAPÍTULO II - SEGURANÇA JURÍDICA E LEGALIDADE
II.1. Princípio da segurança jurídica
Muito se fala de segurança jurídica sem, no entanto, dar ao
princípio a importância e o alcance que ele merece. Trata-se, contudo, como
bem ressaltado pelo Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello de um princípio
comum a todo e qualquer sistema jurídico
30
.
A constatação não se deve tanto ao fato de todos os sistemas
jurídicos terem adotado tal princípio, mas, de forma diversa, à percepção de que
não é possível existir sistema jurídico sem uma mínima garantia de segurança.
É que a própria existência de um sistema de normas postas decorre
da necessidade do ser humano em ver garantido um certo grau de certeza e de
estabilidade nas suas relações, alguma previsibilidade a respeito das
conseqüências de seus atos e uma esfera de direitos minimamente protegida.
Não é por outra razão que Márcio Cammarosano afirma que o
princípio da segurança jurídica é fundamental, constituindo-se a própria razão de
ser do Direito”
31
.
Além de se apresentar como razão de ser do Direito, no entanto, a
garantia de segurança apresenta-se, também, como sua inevitável decorrência
lógica, o que ressalta, ainda mais, sua importância.
______________
30
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Op. Cit. p. 87.
31
CAMMAROSANO, Márcio. O Princípio Constitucional da Moralidade e o Exercício da
Função Administrativa. Belo Horizonte. Editora Fórum: 2006. p. 36.
36
Qualquer sistema jurídico, por menos que trate dos direitos e
garantias fundamentais, por mais abertos que sejam seus comandos, é suficiente
para, quando aplicado, assegurar um mínimo grau de segurança àqueles que a
ele estão submetidos.
A partir do momento em que se determina que um comportamento
deve gerar uma dada conseqüência, exclui-se, para aquele dado comportamento,
qualquer conseqüência jurídica diversa daquela prevista. O fato de existir um
sistema de normas cogentes implica, inevitavelmente, alguma restrição ao grau
de incerteza e arbitrariedade a que estão submetidos os membros de uma
determinada coletividade
32
.
Falou-se, até aqui, em segurança como razão de ser do ordenamento
e, ainda, como conseqüência lógica sua. Uma noção de segurança jurídica,
entretanto, embora implícita em algumas das afirmações acima, ainda não foi
apresentada.
Nesse sentido, fazendo uso das palavras da Profa. Cármen Lúcia
Antunes Rocha “a segurança jurídica pode ser considerada como a certeza do
______________
32
Ilustrativo, nesse ponto, o exemplo imaginado por Lourival Vilanova: “Imaginemos
tribunais e juízes decidindo os litígios ao acaso, sem direito escrito algum a não ser o
minimum de direito, a regra constitucional que os pusessem como tribunais e juízes, e
distribuindo-lhes competência, não a demarcassem, fosse regra em branco, para o julgador
preencher a seu individual juízo dizemos, sem direito escrito algum, sem vinculação à
interpretação uniforme. ou decisão uniforme, sem precedentes de julgamento, pois, e teríamos
a incerteza, a imprevisão do comportamento judiciário, e os dois grandes riscos: o erro
judiciário e a injustiça.” (VILANOVA, Lourival. O Poder de Julgar e a Norma. in Escritos
Jurídicos e Filosóficos. vol. 1. São Paulo. Axis Mundi IBET: 2003. p. 358.
37
indivíduo na correta aplicação dos valores e princípios de Justiça absorvidos
pelo sistema de direito adotado em determinada sociedade”
33
.
Apresentadas considerações a respeito do valor “segurança
jurídica” cabe tecer consideração a respeito do princípio que a ele se reporta. A
extensão do princípio é dada pelo grau de proteção conferida ao valor
“segurança jurídica” em cada ordenamento.
Como bem enfatizado pelo Prof. Souto Maior Borges, “a segurança
postula, para a sua efetividade, uma especificação, uma determinação dos
critérios preservadores dela própria, no interior do ordenamento jurídico
34
.
Assim, para estabelecer o conteúdo e extensão do princípio da segurança
jurídica no Brasil, é preciso investigar quais os critérios preservadores da
segurança jurídica aqui adotados.
Observa o Prof. Almiro do Couto e Silva que “a segurança jurídica
é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica
em duas partes, uma de natureza objetiva, outra de natureza subjetiva”
35
. De
acordo com o professor a primeira parte, de natureza objetiva, é aquela relativa
aos limites da retroatividade dos atos estatais, incluindo os atos legislativos.
Como normas garantidoras da segurança jurídica em seu sentido objetivo
______________
33
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais do processo administrativo no
Direito brasileiro. Revista Trimestral de Direito Público 17/5-33. São Paulo. Malheiros:
1997. p. 7.
34
BORGES, José Souto Maior. Marcos Juruena Villela. O Princípio da Segurança Jurídica
na Criação e Aplicação do Tributo. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ Centro de
Atualização Jurídica, nº. 13. abril - maio 2002. p. 1. Disponível na Internet:
<http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 6 de maio de 2008.
35
COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança)
no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios
atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da
União (lei nº 9.784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito
Público da Bahia, nº2. abril/maio/jun 2005. p. 3. Disponível na Internet:
<http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 11 de junho de 2008.
38
estariam o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e a
irretroatividade das leis.
Ainda, de acordo com as lições do Prof. Couto e Silva, o princípio
em seu aspecto subjetivo “concerne à proteção à confiança das pessoas no
pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes
aspectos de sua atuação
36
.
Para Canotilho a proteção da confiança constitui princípio
autônomo, embora estreitamente associado à segurança jurídica. Diz o autor que
estes dois princípios segurança jurídica e proteção da confiança
andam estreitamente associados a ponto de alguns autores
considerarem o princípio da proteção à confiança como um
subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança
jurídica
37
.
De forma bastante simplificada, a proteção da confiança consiste
em reconhecer a força e a legitimidade dos atos estatais, sejam eles
administrativos, legislativos ou jurisdicionais, de forma que o administrado, ao
agir de acordo com orientação veiculada, estará isento de responsabilidade.
Dessa forma, garante-se ao administrado que, quando estiver agindo de boa-fé,
poderá seguir e tomar por verdadeiras as orientações emanadas dos órgãos e
agentes estatais sem que, posteriormente, possa ser responsabilizado por
eventual ilegalidade ou, ainda, prejudicado pelo não cumprimento daquilo que o
Estado havia se comprometido a fazer.
A “proteção da confiança”, no entanto, mereceu em nosso
ordenamento - e mesmo em nossa doutrina e jurisprudência - muito menos
______________
36
COUTO E SILVA, Almiro do. Op. Cit. p.4.
37
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Edição
(Reimpressão). Coimbra. Almedina: 1999. p. 252.
39
atenção do que o princípio da segurança jurídica visto em seu aspecto objetivo.
A despeito de ter sido pouco explorada entre nós, a “proteção da confiança” é
importante instrumento de garantia da segurança jurídica, da considerarmos
como aspecto subjetivo do referido princípio.
Rafael Munhoz de Mello, ao tratar do erro de proibição como
hipótese capaz de afastar a incidência da sanção administrativa, acaba por
aplicar o princípio da segurança jurídica em seu aspecto subjetivo, embora não
lhe faça expressa referência. Afirma o autor que o
agir dos entes administrativos pode contribuir para tornar obscura e
contraditória a interpretação das normas jurídicas” para, logo em
seguida, concluir que “parece óbvio que não se pode impor sanção
administrativa a particular que, por seguir fielmente disposição
regulamentar, pratica conduta tipificada por lei formal
38
.
Com relação ao aspecto objetivo do princípio, tem-se que a
proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada
mereceram proteção máxima entre nós, constituindo cláusula pétrea da
constituição (CF, art. 5º, XXXVI).
Além dos citados institutos, mereceram especial proteção
constitucional a irretroatividade da lei penal e a tipicidade dos delitos e das
penas, apenas para citar as mais evidentes expressões do princípio da segurança
jurídica em seu sentido formal ou objetivo.
Importante mencionar, ainda, que, embora o aspecto subjetivo do
______________
38
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo
Sancionador. São Paulo. Malheiros: 2007. p. 202.
40
princípio (proteção da confiança) sobreponha-se, por vezes, à letra da lei
39
,
dando prevalência à orientação dada pelo órgão ou agente estatal, tem-se que a
legalidade constitui um dos principais instrumentos de proteção da segurança
jurídica em seu sentido formal ou objetivo.
É através do exame das leis que, em um primeiro momento, os
cidadãos obtêm um mínimo de previsibilidade a respeito das possíveis
conseqüências de suas condutas. Em nosso ordenamento, em que somente a lei
pode inovar na ordem jurídica, a legalidade ganha ainda maior relevo, fato que
será abordado com alguma detença mais adiante, em tópico específico.
Com relação às sanções administrativas, importa, sobretudo,
ressaltar a fundamental importância da observância do princípio da segurança
jurídica na tipificação das infrações e quando da aplicação das sanções.
Impensável seria negar ao administrado o direito de saber,
previamente, as possíveis conseqüências de seus atos, de fazê-lo suportar uma
pena por ato que não tinha condições de saber ser reprovável.
Justas ou injustas as penalidades aplicáveis pelo Estado, o mínimo
que se pode esperar é que o ordenamento jurídico permita ao particular conhecer
quais os atos que as tem como conseqüentes de forma a poder evitá-los.
Fazendo uso dos ensinamentos de Heraldo Garcia Vitta afirma-se
que
______________
39
Fazemos menção à “letra da lei” porque entendemos que não ofensa ao ordenamento
jurídico, que, pelo contrário, por vezes exige que sejam desconsiderados, com relação ao
administrado, os efeitos de eventual ilegalidade praticada com base em orientação ou
entendimento emanado de órgão estatal ou, ainda, decorrente de mudança de orientação
administrativa.
41
o Direito propõe-se a oferecer às pessoas uma garantia de segurança,
assentada na previsibilidade de que certas condutas podem ser
praticadas e proporcionam dados efeitos, ao passo que outras não
podem sê-lo, acarretando conseqüências diversas, gravosas para quem
nelas incorrer
40
.
Assim, o conhecimento prévio das infrações e das sanções a elas
correspondentes é fundamental não só para que o particular possa evitar a
prática de atos reprovados pelo ordenamento, mas também para que possa,
conscientemente, praticar os atos que lhe são lícitos.
Não é por outra razão que mais adiante, em tópicos específicos,
serão examinadas a legalidade e a tipicidade das infrações e sanções
administrativas, além dos princípios a serem observados quando de sua
aplicação.
II.2. Princípio da legalidade
O princípio da legalidade será analisado sob duas perspectivas
distintas: primeiro em sua relação com o Estado Democrático de Direito, do qual
é princípio necessário e fundamental; depois como fundamento da atividade
administrativa, como expressão da vontade do Estado a ser executada por seus
agentes.
______________
40
VITTA, Heraldo Garcia. A Sanção no Direito Administrativo. Edição. São Paulo.
Malheiros: 2003. p. 40.
42
II.2.1.Legalidade no Estado Democrático de Direito
Kelsen a composição do órgão legislativo como um dos mais
importantes fatores que determinam a forma do Estado. De acordo com o
filósofo
se é um indivíduo, um monarca hereditário ou um ditador que
alcançou revolucionariamente o poder, estamos perante uma
autocracia; se é a assembléia de todo o povo ou um parlamento eleito
pelo povo, temos uma democracia.
41
Acresce o autor que
somente no caso de legislação democrática são necessárias
determinações que regulem o processo legiferante, quer dizer: a
participação na assembléia do povo ou na eleição do parlamento, o
número dos seus membros, o processo das suas deliberações, etc.
42
Tem-se, assim, que para a configuração de um Estado Democrático
de Direito não basta sua submissão à ordem jurídica, exige-se, também, que o
órgão legislativo seja formado ou pela assembléia do povo ou por legítimos
representantes da vontade popular.
Nesse sentido, Canotilho, ao falar do Estado democrático-
constitucional trata a lei parlamentar como
expressão privilegiada do princípio democrático (daí a sua
supremacia) e o instrumento mais apropriado e seguro para definir os
______________
41
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo. Ed.
Martins Fontes: 2006. p. 250.
42
KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 250.
43
regimes de certas matérias, sobretudo dos direito fundamentais e da
vertebração democrática do Estado (daí a reserva de lei).
43
Nas palavras de Juan Alfonso Santamaría Pastor,
el principio de legalidad constituye uno de los dogmas más
tradicionales y arraigados de los sistemas de signo liberal
democrático, habiéndose erigido en la manifestación primera y
essencial del Estado de Derecho
44
.
É justamente por ser elaborada com a participação de órgão
composto pelos representantes das mais variadas facções da sociedade que a lei
pode ser considerada a melhor expressão do princípio democrático, o
instrumento mais apropriado para representar os anseios de toda a sociedade. É à
lei que a Constituição confere, em primeiro plano, a prerrogativa de criar o
Direito e, dessa forma, definir o interesse público que i orientar toda a
atividade administrativa, desde que respeitadas as disposições constitucionais.
No ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do artigo 5º, II da
Constituição Federal “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei”, é dizer, somente a lei pode inovar na ordem
jurídica. Entendeu, portanto, o constituinte de 1988 ser a lei o instrumento
apropriado para definir o regime de toda e qualquer matéria, não cabendo, dessa
forma, falar em “reserva de lei”.
José Afonso da Silva, ao tratar da democracia representativa,
apresenta, como sendo a ela inerentes, os princípios da representação e da
______________
43
CANOTILHO, J.J. Op. Cit. p. 251.
Note-se que o autor tem em vista o ordenamento jurídico português ao fazer referência à
“reserva de lei”. Tais afirmações pressupõem a existência de determinadas matérias cuja
disciplina independe de lei, pressuposto que não se verifica em nosso ordenamento que adota
o princípio da legalidade em sua acepção mais ampla.
44
PASTOR, Juan Alfonso Santamaría. Op. Cit. p. 78
44
autoridade legítima. De acordo com o autor “o primeiro significa que o poder,
que reside no povo, é exercido em seu nome, por seus representantes
periodicamente eleitos, pois uma das características do mandato é ser
temporário”
45
. Ainda, de acordo com o constitucionalista
o segundo consiste em que o mandato realiza a técnica constitucional
por meio da qual o Estado, que carece de vontade real e própria,
adquire condições de manifestar-se e decidir, porque é pelo mandato
que se constituem os órgãos governamentais, dotando-os de
titularidade e, pois, de vontade humana, mediante os quais a vontade
do Estado é formulada, expressada e realizada, ou, por outras palavras
se impõe
46
.
A lógica do sistema pode ser descrita da seguinte maneira: o “povo”
elege seus representantes, responsáveis por elaborar (legislativo) e executar
(executivo) as leis de acordo com a Constituição e de forma a atender os
interesses daqueles que os elegeram. Partindo de um modelo ideal, como as leis
são elaboradas por representantes diretos da sociedade, refletem os interesses de
toda a coletividade. Ao agente público, qualquer que seja ele, cabe atuar nos
termos da lei, em busca do interesse público, assim entendidos os valores
positivados por obra dos mandatários políticos, eleitos diretamente pelo povo. A
lei, então, juntamente com a constituição federal, reflete, em última análise, a
______________
45
SILVA, José Afonso da. O Sistema Representativo, democracia semidireta e democracia
participativa. Estudos de Direito Constitucional em homenagem a Celso Ribeiro Bastos.
Revista do Advogado nº 73. São Paulo. AASP: 2003. p. 99.
46
SILVA, José Afonso da. Op. Cit. p. 99.
45
vontade comum, da coletividade, o interesse público.
47
Como disse, brilhantemente, Cármen Lúcia Antunes Rocha:
Democracia de palavra é mentira. Democracia sem palavra é ditadura.
Democracia contra a palavra feita Direito é embuste”
48
. E, ao menos no
ordenamento jurídico brasileiro, o instrumento constitucionalmente legitimado
para criar o Direito é a lei
49
, formada pelo Poder Legislativo com a participação
dos mandatários políticos, eleitos pelo povo para representá-lo.
Cabe acrescentar, ainda, que para a configuração do Estado
Democrático de Direito, nos termos definidos pela Constituição Federal
______________
47
Sobre o tema, seguem as lições de Geraldo Ataliba: “Se o povo é o titular da res publica e
se o governo, como mero administrador, de realizar a vontade do povo, é preciso que esta
seja clara, solene e inequivocamente expressada. Tal é a função da Lei: elaborada pelos
mandatários do povo, exprime a sua vontade. Quando o povo ou o governo obedecem à lei,
estão, o primeiro obedecendo a si mesmo e o segundo ao primeiro. O governo é servo do
povo e exercita sua servidão fielmente ao curvar-se à sua vontade, expressa na lei. O
Judiciário, aplicando a lei aos dissídios e controvérsias processualmente deduzidas perante
seus órgãos, não faz outra coisa senão dar eficácia à vontade do povo, traduzida na legislação
emanada por seus representantes.” (ATALIBA, Geraldo. Op. Cit. p. 96)
Pertinentes, ainda, os ensinamentos de Roberto Dromi para quem Los valores del Derecho
Administrativo som, así, objetivados por el ordenamiento jurídico administrativo, que los
selecciona como fines a alcanzar en el obrar publico, como propósitos explicativos de la
dirección finalista del Estado y del Derecho, en su confluencia con la operación de
administrar lo público, de pensar y gerenciar la cosa pública en su faz activa de realización.
(DROMI, Roberto. Derecho Administrativo. 11ª edición. Buenos Aires. Editorial Ciudad
Argentina: 2006. p. 218.)
48
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Democracia, Constituição e Administração Pública.
Revista Trimestral de Direito Público 26/60-67. São Paulo. Malheiros: 1999. p. 60
49
De acordo com Geraldo Ataliba: “O evolver das instituições publicísticas que informam a
nossa civilização culmina com a consagração do princípio segundo o qual ‘ninguém será
obrigado a fazer alguma coisa, senão em virtude de lei’ (§2º do art. 153) que, no nosso
contexto sistemático, aparece como a conjugação do princípio da supremacia da lei e
exclusividade da lei como forma inovadora e inaugural (Oswaldo Aranha Bandeira de Mello)
da vontade estatal. Daí que a lei obrigue e nada além da lei o possa fazer. Em
conseqüência, nenhuma expressão da vontade estatal será compulsória se não amparada em
lei. Se a lei obriga, tudo que não seja lei não obriga, salvo as exceções expressas, que
devem ser restritivamente interpretadas. Mas, a lei, no nosso sistema, não é ato formal do
Poder Legislativo, assim batizado. Para ser válida, a lei brasileira de ser abstrata,
isonômica, impessoal, genérica e irretroativa (quando crie ou agrave encargos, ônus, múnus).”
(ATALIBA, Geraldo. Op. Cit. p. 97.)
46
brasileira (II.1), não basta a submissão do Estado à lei produzida pelos
representantes do povo, é necessário, ainda, o respeito aos direitos e garantias
fundamentais, assim entendidos os direitos e garantias individuais e coletivos e
os direitos sociais.
II.2.2. Legalidade como fundamento da atividade
administrativa: A submissão da administração à lei.
Disse Ruy Cirne Lima
o sujeito do direito subjetivo, ao exercê-lo, terá um fim em mira; mas
o fim influirá sobre o bem ou fato, objeto do direito, mediatamente,
através do sujeito. Diversamente, a atividade administrativa ‘qua talis’
obedece a um fim, a que o agente é obrigado a adscrever-se, quaisquer
que sejam suas inclinações pessoais: o agente da atividade
administrativa não poderá, portanto, influir sobre esta, senão
mediatamente, pelo modo pessoal de persecução ou realização do fim
próprio da administração.
50
Partindo das lições de Cirne Lima pode-se afirmar que o fim
próprio da administração, a ser perseguido pelo agente em sua atividade, é
aquele determinado pela lei, que ao mesmo tempo autoriza e limita sua atuação.
Vale ressaltar que, além da adoção do princípio da legalidade em
sua acepção mais ampla, fez questão o constituinte brasileiro que não restasse
qualquer dúvida com relação à necessidade de submissão da Administração à
lei. Desse modo, previu a Constituição, expressamente, em seu artigo 37, caput,
que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá, entre outros, ao
princípio da legalidade.
______________
50
CIRNE LIMA, Ruy. O Conceito Fundamental do Direito Administrativo. Revista de
Direito Administrativo 12/59-64. Rio de Janeiro. FGV: 1948. p. 60.
47
Não é por outra razão que Seabra Fagundes, em célebre frase,
afirmou que “administrar é aplicar a lei de ofício”
51
. Acresça-se que, de acordo
com o autor, a função legislativa liga-se à formação do Direito enquanto as
funções administrativa e jurisdicional se prendem à fase de sua realização.
A idéia de função administrativa ligada à realização do Direito é
aqui tomada como ponto de partida para o que se pretende desenvolver acerca
da submissão da administração à lei. Ora, se a legislação forma o Direito e a
administração o realiza, tem-se, como premissa lógica, que a administração
somente pode realizar aquilo que o Estado, no exercício da função legislativa,
criou.
Essa a razão pela qual Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, fugindo
à classificação clássica, tripartite, das funções do Estado, enxerga tanto as ações
legislativas quanto executivas do Estado como exercício de uma mesma função
que o autor denomina administrativa. Para o autor, ambas as ações (legislativa e
executiva) envolvem a
gerência dos negócios do Estado-sociedade pela exteriorização da
vontade do Estado-poder, através de deliberação normativa e sua
execução, em atenção ao bem dos indivíduos coletivamente
considerados. Constituem, portanto, dois momentos sucessivos de
uma mesma função.
52
Assim, de acordo com o autor, a criação e a execução das leis
constituem uma mesma função, estando as duas atividades interligadas por sua
______________
51
FAGUNDES, SEABRA. Op. Cit.. p. 3.
52
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Op. Cit. p. 49.
48
finalidade. A ação executiva
53
constitui execução da vontade estatal determinada
pela deliberação normativa, estando, portanto, a ela vinculada.
Nas palavras do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello
54
o
princípio da legalidade “é a tradução de um propósito político: o de submeter os
exercentes do poder em concreto o administrativo a um quadro normativo
que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos”. Ainda, de acordo com
o Professor
pretende-se, através da norma geral, abstrata e por isso mesmo
impessoal, a lei, editada pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio
representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo
social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a
concretização desta vontade geral.
Nos dizeres do Prof. Marcello Caetano, a submissão da
administração a normas jurídicas gerais corresponde “a uma dupla necessidade:
de justiça para os cidadãos e de eficiência para a própria Administração”. Diz,
ainda, o professor que “o saber antecipadamente como proceder é, quer para os
cidadãos quer para os órgãos administrativos, uma garantia essencial de
segurança”
55
.
______________
53
Santi Romano esclarece que: la parola ‘ejecutiva’, con la quale siffata funzione si
definisce, è in verità, poco chiara se non si la interpreta in senso tecnico, ma, esattamente
interpreta, sintetizza i principali caratteri che distinguono la funzione medesima dalle altre,
mettendo in rilievo: che essa è vera e propria attività, concreta ed effetiva; che deve
esercitarsi entro i limiti dell´ordinamento giuridico, la cui fonte principale è la lege; che, a
differenza dell´attività privata, che incontra pure tali limiti, ma non perciò si dice esecutiva,
deve essere particularmente indirizzata a scopi già tracciati dalla legge e che in questa
trovano una qualche determinazione, ora specifica ora soltano generica, che bisogna
seguire.(Scritti Minori. Diritto Amministrativo. Volume Secondo. Milão. Giuffrè Editore:
1990. p. 428.)
54
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio., 2005. Op. Cit. p. 89.
55
CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Edição. Rio de Janeiro.
Forense: 1970. p. 29.
49
Nota-se, desde logo, que a questão da segurança
56
pode ser tomada
tanto do ponto de vista do cidadão quanto do agente administrativo. Para o
cidadão, o administrado, a existência de leis que regulam a atividade
administrativa garante a impessoalidade da Administração e, principalmente, a
possibilidade de saber, de antemão, como será a atuação administrativa. Já o
administrador tem na lei o fundamento de sua atividade. Sabe o administrador
que, ao agir de acordo com os ditames legais, estará agindo legitimamente, livre
de qualquer outra interferência.
Mais que garantia de segurança, entretanto, a lei representa a
vontade do Estado, razão pela qual seus agentes podem agir quando por ela
expressamente autorizados e na persecução das finalidades nela contidas.
Especificamente com relação às infrações e sanções
administrativas, fundamental destacar a aplicação do princípio previsto no artigo
5º, XXXIX da Constituição Federal, decorrente do princípio da legalidade,
segundo o qual “não crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal”.
A aplicação do citado princípio ao direito administrativo
sancionador será melhor explorada ao tratarmos, mais adiante, da legalidade e
tipicidade das infrações e sanções.
______________
56
De acordo com Daniel Coelho de Souza: “A previsibilidade das conseqüências jurídicas dos
atos humanos é essencial em qualquer regime de legalidade. E a democracia é, como nenhum
outro, um regime de legalidade estrita”. (SOUZA, Daniel Coelho de. Interpretação e
Democracia. 2ª Edição. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais: 1979. p. 191)
50
CAPÍTULO III - CONTROLE JURISDICIONAL E
DISCRICIONARIEDADE
A questão da discricionariedade diz respeito, diretamente, à
independência e harmonia entre os Poderes e, mais precisamente, entre as
funções do Estado. Em última análise, discute-se, nesse ponto, qual o grau de
liberdade conferido por lei ao agente público no exercício da função
administrativa e qual a extensão do controle realizado pelo Poder Judiciário
sobre a atividade administrativa do Estado.
Nesse sentido, discricionariedade e controle jurisdicional são temas
indissociáveis visto que a primeira representa o limite do segundo. Nenhum
sentido haveria em falar de discricionariedade se não fosse possível reconhecer,
em determinadas situações, um limite à interferência do Poder Judiciário no
exercício da atividade administrativa.
Fato é que, inúmeras vezes, a lei confere ao administrador, e apenas
a ele, a competência para decidir a respeito de determinada matéria. A
competência, entretanto, será legitimamente exercida se enquadrada nos
limites legais, sempre presentes, razão pela qual não que se falar em
liberdade plena do administrador.
Há, portanto, situações em que o Judiciário deve simplesmente
respeitar a opção feita pelo administrador, sendo-lhe vedado interferir. O que se
busca, no presente capítulo, é justamente a identificação de tais situações,
essencial para que, mais a frente, se possa tratar especificamente do controle
jurisdicional das infrações e sanções administrativas.
51
III.1. A inafastabilidade do controle jurisdicional e a discricionariedade
De nada adiantaria a submissão da Administração à lei se não
houvesse órgão investido na função de controlar a legalidade de seus atos. Fosse
a Administração submetida à lei, mas não houvesse qualquer órgão investido na
função de controle de suas atividades, estaria ela livre para cometer as maiores
atrocidades.
Como bem realçado pelo Prof. García de Enterría
57
, caso as leis não
pudessem ser impostas à Administração pelos cidadãos, perderiam sua eficácia
com relação ao Estado, sendo transformadas em meras recomendações morais,
de boa conduta, sem força vinculante para a Administração.
O controle da legalidade dos atos administrativos é, assim, condição
indispensável à configuração do Estado de Direito. É necessário, inclusive, para
que se possa falar em função estatal. Isso porque, ausente o controle, os agentes
públicos poderiam atuar exclusivamente em nome de seus próprios interesses,
sem que com isso sofressem qualquer tipo de conseqüência jurídica.
Não é por outra razão que, conforme narra Afonso Rodrigues
Queiró
58
, a instauração do que se convencionou chamar sistema de proteção e
garantia dos direitos individuais em relação ao poder executivo, se deu através
da submissão do executivo à lei, cuja observância seria assegurada por meio de
uma jurisdição, através dos tribunais ordinários ou administrativos especiais.
______________
57
ENTERRIA, Eduardo García de. e FERNANDES, Tomás-Ramón. Curso de Derecho
Administrativo II. 1ª Edição. Buenos Aires. La Ley: 2006. p. 37.
58
QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. A Teoria do Desvio de Poder em Direito Administrativo.
Revista de Direito Administrativo 6/41-78. Rio de Janeiro. FGV:1946. p. 49.
52
No Brasil, ao estabelecer que “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” o sistema constitucional adota o
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e elege, como
competentes para o exercício de tal controle, exclusivamente, os Tribunais que
compõem o Poder Judiciário.
Por força do referido princípio todo e qualquer cidadão tem o
direito subjetivo à prestação jurisdicional, ou seja, tem o direito não só de
ingressar em juízo buscando a preservação de seus direitos, mas também, ao
devido processo legal e a uma decisão fundamentada, que leve em consideração
seus argumentos e decida a questão de acordo com a ordem jurídica vigente.
59
O controle jurisdicional da Administração pública é, portanto,
atributo essencial da cidadania, constituindo a mais importante ferramenta de
que dispõem os administrados para garantir o respeito de seus direitos pelo
Estado. Como afirma Jessé Torres Pereira Junior
falar de controles sobre a Administração Pública é falar de cidadania,
se se acolher, como própria e devida, a ética humanista, que põe o
homem como princípio e fim de todos os esforços e empreendimentos
rumo à construção do que o art. 3º, I, de nossa Carta Fundamental
denomina de ‘sociedade livre, justa e solidária’
60
.
É preciso enfatizar, entretanto, que tal controle está adstrito a
questões de legalidade, não podendo extrapolar os limites estipulados em lei.
______________
59
Zaiden Geraige Neto, em obra monográfica sobre o tema, afirma que o princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional “visa a garantir ao jurisdicionado um processo célere
com a devida segurança, e efetivo com a necessária justiça, norteado à luz do due process of
law e, por conseguinte, dos princípios da isonomia, do juiz e do promotor natural, do
contraditório e ampla defesa, da proibição da prova ilícita, da motivação das decisões
judiciais, do duplo grau de jurisdição sem entrar no mérito de sua previsão Constitucional
ou não e outros.” (GERAIGE NETO, Zaiden. O Princípio da Inafastabilidade do Controle
Jurisidicional. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais: 2003. p. 29.)
60
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Op. Cit. p. 16.
53
Fosse de outra forma, estaria o órgão controlador interferindo indevidamente na
atividade administrativa.
Assim, de um lado está o Judiciário obrigado, pela função que lhe é
constitucionalmente atribuída, a realizar o controle de legalidade dos atos
administrativos, por outro lado, entretanto, lhe é negado invadir esfera de
competência exclusivamente administrativa.
A esse respeito, seguem as lições de Seabra Fagundes para quem o
mérito do ato administrativo constitui um aspecto do procedimento da
Administração, de tal modo relacionado com circunstâncias e
apreciações perceptíveis ao administrador, dados os processos de
indagação de que dispõe e a índole da função por ele exercida, que ao
juiz é vedado penetrar no seu conhecimento.
61
Prossegue o ilustre administrativista afirmando que a análise do
mérito administrativo pelo juiz configuraria exorbitância de suas funções,
“ultrapassando o campo da apreciação jurídica (legalidade ou legitimidade), que
lhe é reservado como órgão específico de preservação da ordem legal, para
incursionar no terreno da gestão política (discricionariedade), próprio dos órgãos
executivos.” Acrescenta o autor que, nesse caso, o juiz
substituir-se-ia ao administrador, quando seu papel não é tomar-lhe a
posição no mecanismo jurídico-constitucional do regime, senão
apenas contê-los nos estritos limites da ordem jurídica (controle
preventivo) ou compeli-lo a que os retome, se acaso transpostos
(controle a posteriori)
62
.
É preciso enfatizar, entretanto, que o mérito do ato administrativo –
assim considerada a parcela de competência incontrastável pelo Poder Judiciário
______________
61
SEABRA FAGUNDES, M.. Conceito de Mérito no Direito Administrativo. Revista de
Direito Administrativo 23/1-24. Rio de Janeiro. FGV: 1951. p. 1.
62
SEABRA FAGUNDES, M. 1951. Op. Cit. p. 1.
54
não se confunde com a discricionariedade conferida pela norma. Ocorre que,
quando a lei confere parcela de liberdade ao agente público para agir, o faz
como forma de possibilitar ao agente o melhor exercício de sua função, para que
melhor cumpra o dever público que lhe foi atribuído. cabe falar em mérito,
portanto, quando diante do caso concreto subsiste parcela de competência
discricionária.
Tem-se, assim, que o estudo da discricionariedade e
conseqüentemente da amplitude do controle jurisdicional - nada mais é que a
determinação dos limites da lei e do grau de liberdade conferido ao agente
público, liberdade essa que, quando exercida nos estreitos limites da lei e de
acordo com a finalidade legal que lhe preside, é insuscetível de apreciação pelo
poder Judiciário
63
. Ocorre que a determinação dos limites estipulados em lei
frente ao caso concreto não é tarefa simples, mas, pelo contrário, desperta
grande polêmica tanto nos estudiosos quanto nos aplicadores do Direito.
III.2. A Lei como fonte da discricionariedade
Se, como dito em tópicos anteriores, os agentes administrativos
somente podem agir quando expressamente autorizados por lei, é logicamente
inevitável a conclusão de que somente a lei pode conferir ao administrador
alguma margem de liberdade para agir, somente a lei pode eleger o agente
______________
63
De acordo com Ernest Forsthoff: “(...) El problema consiste aqui hablando en general y,
por de pronto, sin rigor conceptual en que la ley deja a la Administración una liberdad de
acción que no tiene paralelo en el campo de la Justicia. Mientras que el juez juzga de
acuerdo con la ley, el funcionario administrativo extrae la mayor parte de su actividad, en
parte de la ley y, en parte también, de la experiencia y juicios proprios. Cuando ocurre este
ultimo, se habla de potestad discrecional, la cual, unida a numeroso adjetivos como ‘libre’,
‘debida’, ‘técnica’, y también como ‘arbitrio administrativo’, constituye un concepto central
del Derecho administrativo.”(FORSTHOFF, Ernest. Tratado de Derecho Administrativo.
Madrid. Institutos de Estudios Politicos: 1958. p. 121.)
55
administrativo como responsável pela tomada de certas decisões com alguma
margem de apreciação subjetiva. É dizer, não discricionariedade na ausência
de lei.
Afirmar que possibilidade de livre atuação administrativa sem a
existência de lei prévia que a autorize é contrariar tudo o que foi dito a respeito
do princípio democrático, do princípio da legalidade e do exercício de função
administrativa. Como já dito, em um Estado Democrático de Direito como
definido em nossa Constituição não espaço para o exercício de um poder que
não tenha fundamento jurídico, que não esteja expressamente previsto na lei ou
na Constituição como instrumento de um dever a ser cumprido, uma finalidade a
ser alcançada pelo agente.
Fica, assim, fixada uma primeira e importante premissa, a de que
discricionariedade não significa ausência de lei, mas, pelo oposto, a lei é seu
pressuposto
64
.
Resta, portanto, não só identificar quais os casos em que a lei
confere margem de discricionariedade ao administrador, mas, também, a forma
como se tal operação. Para tanto, invoca-se as lições de Renato Alessi para
______________
64
De acordo com Almiro do Couto e Silva: “A noção de poder discricionário está ligada ao
princípio da legalidade, que é, por sua vez, conatural ao Estado de Direito e um de seus
principais pilares de sustentação. No Estado de Direito necessariamente a submissão de
toda atividade pública a uma rede ou malha legal, cujo tecido não é, entretanto, homogêneo.
Por vezes ela é composta por fios tão estreitos, que não deixa qualquer espaço aos órgãos e
agentes públicos que lhes são submetidos. Outras vezes, porém, os fios dessa rede são mais
abertos, de modo a permitir que entre eles exista liberdade de deliberação e ação.” (COUTO E
SILVA, Almiro do. Poder Discricionário no Direito Administrativo Brasileiro. Revista de
Dierito Administrativo 179/51-92, p. 51. 1980.)
56
quem
uma norma somente é precisa quando, ao determinar uma dada ação
administrativa, se utiliza da indicação de condições de fato cuja
natureza seja tal que admita apenas uma verificação de sua existência,
excluindo qualquer valoração sobre a medida em que existam visto
que insuscetíveis de existir em medida distinta e uma vez comprovada
sua existência se deve considerar, sem mais, a existência de um
interesse público capaz de legitimar a ação e, portanto, a
administração não só está facultada, como também obrigada a agir
65
.
Ainda, de acordo com o autor italiano, haveria imprecisão nos
seguintes casos:
a) se após verificar a existência de condições de fato cuja
natureza seja tal que admita apenas uma verificação de sua existência,
excluindo qualquer valoração sobre a medida, a Administração estivesse
facultada, e não obrigada, a agir;
b) se houvesse indicação de condições de fato suscetíveis não
de uma comprovação, mas também de uma apreciação da medida em
que existam, visto serem suscetíveis de existirem em diferentes graus ou
medidas;
c) se houvesse apenas uma simples indicação da especial
natureza do interesse público que a atividade estatal devesse satisfazer; e
d) se houvesse apenas uma referência, mesmo que implícita,
ao interesse público.
Indicados os casos de imprecisão brilhantemente expostos por
Alessi, pode-se afirmar que a hipótese “a” é a única em que a imprecisão não
resulta de uma indeterminação do conceito, mas, sim, de uma faculdade
expressamente conferida pela lei. Nessa hipótese, uma determinação precisa
______________
65
ALESSI, Renato. Op. Cit. p. 187.
57
das condições de fato que autorizam a ação administrativa, mas não uma
obrigação de agir imposta à Administração.
As hipóteses “b”, “c” e “d” representam casos de utilização de
conceitos jurídicos indeterminados
66
na hipótese da norma (b”) ou na descrição
de sua finalidade (“c” e “d”).
Além dos casos descritos por Alessi, ressalte-se a possibilidade de
utilização de conceitos jurídicos indeterminados para a descrição da
conseqüência da norma, ou seja, da própria atuação estatal a ser efetivada.
Há, ainda, os casos em que a lei impõe a atuação estatal, mas ao
administrador, expressamente, mais de uma opção de ação, ou seja, faculta agir
desta ou daquela maneira, utilizando uma entre as várias ações possíveis, todas
descritas na norma legal.
Em qualquer das hipóteses acima descritas a lei confere margem de
liberdade ao administrador que pode subsistir ou não diante do caso concreto.
Em se tratando de infrações e sanções administrativas, cabe indagar se é
possível a existência de discricionariedade ao nível da norma e, ainda, em sendo
possível, se é aceitável que tal margem de liberdade subsista diante do caso
concreto. A resposta a tais indagações, entretanto, depende de maior
aprofundamento da matéria e será respondida mais adiante, em picos
específicos, quando estabelecidas as premissas necessárias, a começar pelo
aprofundamento do estudo dos conceitos jurídicos indeterminados.
______________
66
Tais conceitos serão tratados com maior detença no tópico seguinte (III.3).
58
III.3. Os conceitos jurídicos indeterminados
De forma simplificada, pode-se definir “conceito”
67
como conjunto
de condições necessárias para que um dado objeto pertença a uma determinada
classe. Assim, quando é possível delimitar, com precisão, as características de
um determinado conjunto possibilitando a identificação clara dos objetos a ele
pertencentes, diz-se que o conceito é preciso ou determinado. Sempre que isso
não ocorrer, sempre que não for possível uma delimitação precisa, diz-se que o
conceito é vago ou indeterminado
68
.
A impossibilidade de delimitação precisa, entretanto, não significa
ausência de limites ou, ainda, de um mínimo de significado. Mesmo no caso dos
conceitos vagos é possível dizer, acompanhando os ensinamentos do Prof. Celso
______________
67
De acordo com Ricardo Guibourg: (...) agrupamos objetos individualoes en conjuntos o
clases, y establecemos que un objeto pertenecerá a una clase determinada cuando reúna tales
o cuales condiciones: así, cualquier mueble destinado a que nos sentemos sobre él será un
sillón si tiene brazos, y una silla si no los tiene. Con esto no sólo hemos creado (o aceptado)
las palavras ‘sillón’ y ‘silla’ sino también creado (o aceptado) los conceptos a que essas
palavras se refierem: es decir, las particulares divisiones del universo que hemos deicidido
nombrar (en este caso, mediante sustantivos comunes). Así, en distintos idiomas, las palvras
‘silla’, ‘chaise’, ‘sella’ o ‘chair’ designan aproximadamente un mismo concepto; y este
concepto agrupa idealmente una multitud de objetos, reales o imaginarios, passados,
presentes o futuros, de madera, de bronce, o de cualquier material o forma, siempre que
repondan a ciertos requisitos implícitos en el proprio conepto.” (GUIBOURG, Ricardo.
Introducion al Conocimiento Cientifico. Buenos Aires. Editoral Universitaria de Buenos
Aires: 1985. p. 38/39.)
68
Marçal Justen Filho diferencia conceitos valorativos de conceitos jurídicos indeterminados:
“O problema reside em que o conceito valorativo apresenta alguma semelhança com o
conceito jurídico indeterminado, mas também uma distinção fundamental. Trata-se da
aplicação de um valor à realidade, o que envolve a necessidade de utilização da capacidade
humana de valorar. O conceito jurídico indeterminado envolve conhecimento sobre os fatos,
enquanto o conceito valorativo exige juízos de valor. Qualificar alguém como ‘idoso’ depende
da avaliação das condições físicas do sujeito. Qualificar alguém como ‘honesto’ depende de
uma conjunção entre os valores e a situação real. Ou seja, os conceitos valorativos produzem
dificuldades muito maiores do que os conceitos jurídicos indeterminados.” (JUSTEN FILHO,
Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo. Saraiva: 2005. p. 160.). Quanto a nós,
não vemos diferença de tratamento jurídico a justificar a diferenciação.
59
Antônio Bandeira de Mello
69
, que os conceitos, mesmo que vagos ou
imprecisos, possuem uma zona de certeza positiva, dentro da qual ninguém
duvidaria do cabimento da aplicação da palavra que os designa e uma zona de
certeza negativa em que seria certo que por ela não estaria abrigada”. Quanto
mais impreciso o conceito, entretanto, maior a zona de incerteza.
De acordo com Afonso Rodrigues Queiró poder discricionário não
se confunde com os chamados conceitos vagos e indeterminados. Entende o
autor que tais conceitos são, simplesmente, o produto da impossibilidade
prática ou simples dificuldade técnica”
70
enfrentadas pelo Legislador. Diz o
autor que por mais que intervenham aspectos subjetivos na interpretação dos
referidos conceitos, a liberdade de interpretação jamais poderá ser confundida
com discricionariedade. Nesses casos somente uma solução se poderia
considerar exata e legal, sendo o poder vinculado.
Para Queiró o poder discricionário só existe quando há uma
outorga de liberdade, feita pelo legislador à Administração, numa
intencional concessão do poder de escolha, ante a qual se legitimam,
como igualmente legais, igualmente corretas de ‘lege lata’, todas as
decisões que couberem dentro da série, mais ou menos ampla,
daquelas entre as quais a liberdade de ação administrativa foi pelo
legislador confinada
71
.
Concluí-se, portanto, que para o autor as hipóteses de
discricionariedade estariam restritas àqueles casos referidos por Alessi em que a
imprecisão resulta “de uma faculdade expressamente conferida pela lei”.
______________
69
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional.
Edição. 7ª tiragem. São Paulo. Malheiros: 2006. p. 29
70
QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Os limites do poder discricionário das autoridades
administrativas. Revista de Direito Administrativo 97/1-8. Rio de Janeiro. FGV:1969. p. 2
71
QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Op. Cit. p. 2.
60
Ocorre, entretanto, que não há diferença significativa entre os casos
em que a lei expressamente concede uma liberdade de escolha ao administrador
e os casos em que se utiliza de conceitos jurídicos indeterminados. Também não
é exata a afirmação de que tais conceitos são simplesmente o produto da
impossibilidade prática ou dificuldade técnica enfrentada pelo Legislador.
Embora muitas vezes se verifique tal impossibilidade, pode-se afirmar que os
conceitos vagos ou indeterminados são comumente usados pelo legislador para,
intencionalmente, conferir certa margem de liberdade ao administrador,
possibilitando uma melhor adequação da lei ao caso concreto.
Eduardo García de Enterría, sobre os conceitos jurídicos
indeterminados, diz que a indeterminação do enunciado não se traduz em uma
indeterminação de suas aplicações, as quais permitem uma unidade de solução
justa em cada caso, que se chega mediante uma atividade de cognição e não de
volição
72
. Entende o autor ser próprio da aplicação dos conceitos jurídicos
indeterminados permitir apenas uma solução justa enquanto o exercício de
atividade discricionária permite uma pluralidade de soluções justas.
Defende o Prof. García de Enterría a possibilidade de o juiz
examinar se a aplicação do conceito jurídico indeterminado resultou, no caso
concreto, na única solução justa que a Lei permite. Argumenta o autor que a
questão acerca da aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados é pacífica
em todos os ramos do Direito
73
, não havendo porque ser diferente no Direito
Administrativo. Por se tratar de uma atividade de cognição e não de volição a
______________
72
ENTERRIA, Eduardo García de. e FERNANDES, Tomás-Ramón. Op. Cit. p. 465.
73
Así se viene entendiendo y resolviendo pacíficamente la cuestión en todas las esferas o
ramas del Derecho, a las que la técnica de los conceptos jurídicos indeterminados es común.
En todas ellas es tan notoria como antigua y, como hemos dito, pacífica su presencia.”
(ENTERRIA, Eduardo García de. e FERNANDES, Tomás-Ramón. Op. Cit. p. 466.)
61
aplicação prática dos conceitos jurídicos indeterminados admitiria apenas uma
solução justa, passível de análise pelo Poder Judiciário.
Discordando do ilustre autor espanhol, entretanto, é possível
encontrar razões suficientes para que a questão da aplicação dos conceitos
jurídicos vagos ou indeterminados mereça, no Direito Administrativo,
tratamento diverso do recebido em outras áreas, como o Direito Civil,
Processual Civil ou Comercial. O tratamento diferenciado, como restará
demonstrado, está fundado em uma peculiaridade do Direito Administrativo
frente as demais áreas, peculiaridade esta capaz não de justificar, mas
também - e principalmente - determinar a diferença de tratamento
74
.
Como dito, toda a atividade administrativa está fundada na lei.
Assim, ao contrário do que acontece nas outras áreas do Direito, a lei, para a
Administração é não um limite, mas também o fundamento de toda a sua
______________
74
Sobre a diferença entre o Direito Administrativo e as demais áreas jurídicas, interessantes
as lições do Prof. espanhol Fernando Garrido Falla: El sistema de ‘régimen administrativo’
entraña, por el contrario, una superación de aquel Estado-policía en que habíamos visto
construir la interessante doctrina del Fisco. El Estado, en cuanto Poder, se va a someter
ahora también al Derecho, pero no a la ley civil, porque ésta parte de la igualdad jurídica de
aquellos entre quienes se aplica, mientra que el régimen adminsitrativo dice HAURIOU
se condensa en una centralización de funciones administrativas bajo la autoridad jurídica del
Poder ejecutivo. Este Poder entra en relación con el particular en un trato de favor ante el
ordenamiento jurídico: se presume la legitimidad de los actos por él realizados, de donde su
consideración de ejecutivos.”
“(...)”
“Todo esto hace que haya sido legítimo decir que el Derecho Administrativo es un Derecho
especial. Efectivamente, dada la posibilidad histórica de que nos hubiésemos quedado en una
etapa de Adminsitración judicial bajo el imperio de la leu comun, hay que admitir que en sus
orígenes el Derecho administrativo es especial.(GARRIDO FALLA, Fernando. Tratado de
Derecho Administrativo. vol. I. Edição. Madrid. Instituto de Estudios Políticos: 1970. p.
87.)
62
atividade. A função administrativa é um dever-poder
75
que encontra limites e
fundamento na ordem legal.
Dessa forma, quando a lei se utiliza de um conceito indeterminado
para definir um dever-poder da administração, está, em verdade, deixando ao
administrador a incumbência de delimitar o conceito da forma que lhe parecer
mais conveniente frente ao interesse público e o caso concreto. Nota-se, aí, logo
de início, a existência de dois limites, um o próprio conceito
76
outro o interesse
público. Dentro desses limites o administrador é livre para decidir
77
. Acontece
que, como demonstrado, no Estado Democrático de Direito, cabe à
Administração, no exercício da função administrativa, aplicar a lei ao caso
concreto. Ao Judiciário cabe, apenas, verificar se havia fundamento legal para o
ato e se a Administração agiu de acordo com os limites fixados em lei.
Assim, se uma lei determina, por exemplo, que o Estado preste
serviços de assessoria jurídica gratuita às pessoas de baixa renda, caberá à
Administração definir o conceito de baixa renda para a aplicação da lei ao caso
concreto. Não se discute que a definição de “baixa renda” pela administração
encontra limites, limites esses determinados pelo próprio conceito. Há casos que
certamente se enquadram no conceito de baixa renda, outros certamente não se
enquadram. Não há, portanto, liberdade para o administrador negar atendimento
a pessoa miserável, desprovida de bens e com renda mensal inferior a meio
______________
75
Adotamos o entendimento do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello para quem “função
pública, no Estado Democrático de Direito, é a atividade exercida no cumprimento do dever
de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários
conferidos pela ordem pública”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. 2005. Op. Cit. p.
29)
76
“Um conceito tem limites, do contrário não seria um conceito” (JELLINEK, W. apud
Afonso Rodrigues Queiró. A Teoria do Desvio de Poder em Direito Administrativo. Revista
de Direito Administrativo 7/52-80. Rio de Janeiro. FGV: 1947. p. 53.)
77
Mais adiante explicitaremos, com maior precisão, quais limites entendemos estarem
impostos ao administrador na aplicação do conceito indeterminado.
63
salário mínimo. Da mesma forma, é defeso à Administração prestar assistência
judiciária gratuita a um industrial com altos rendimentos mensais.
Apresentado o exemplo, volta-se ao argumento de Enterría, de que
a questão da aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados é pacífica em
todos os ramos do Direito. De fato, é pacífica a questão com relação ao Direito
Civil ou Comercial, por exemplo. Ressalta-se, entretanto, que as questões
atinentes ao Direito Civil ou ao Direito Comercial não envolvem atos
produzidos no exercício de função pública, razão pela qual nenhuma das partes
tem por dever-poder aplicar a lei ao caso concreto.
O exercício de função pública aliado ao princípio da legalidade, na
forma como adotado pela Constituição, implica dizer que toda a atividade
administrativa encontra fundamento direto na lei, o que não acontece com o
exercício de atividade privada, em que a lei é apenas um limite. À falta de lei
que a fundamente, a atividade administrativa é ilegítima; já a atividade privada é
lícita quando não houver vedação legal.
Tem a Administração a prerrogativa de aplicar a lei ao caso
concreto, cabendo ao Judiciário apenas analisar se tal aplicação se deu nos seus
estreitos limites. No caso específico dos conceitos jurídicos indeterminados,
cabe ao Judiciário, em se tratando de matéria de Direito Civil, determinar sua
aplicação ao caso concreto como forma de decidir a lide. No caso dos atos
administrativos, cabe ao Judiciário apenas verificar se a aplicação do conceito,
64
feita pela administração, atendeu os requisitos legais
78
.
Miguel Sánchez Morón, administrativista espanhol, resiste à idéia
de que a aplicação de todo conceito jurídico indeterminado em todos os casos
somente pode resultar em uma única aplicação verdadeira e justa. Diz o autor
que essa idéia se apóia em “um conceito transcendente de Justiça e de Verdade e
em uma absoluta nas capacidades de discernimento humano”. Esclarece que
não se trata de entrar em polêmica filosófica sobre o que seja verdade
79
e se o
Homem é capaz de alcançá-la, basta, segundo ele, a constatação de que, na
maioria dos casos, da aplicação de um conceito jurídico indeterminado pode
resultar “uma pluralidade de opiniões sustentáveis com argumentos lógicos e
razoáveis, que desbordam a pura interpretação jurídica para estender-se a juízos
de tipo técnico ou puras valorações fáticas”
80
.
______________
78
Oportunas, nesse ponto, as considerações de Themístocles Brandão Cavalcanti: “O próprio
Poder Judiciário, que em nosso regime político se encontra em posição privilegiada, como
intérprete da Constituição e das leis, como órgão tutelar dos direitos individuais, tem a sua
competência limitada pela ação discricionária dos outros poderes.
E isto impõe-se para que o Estado possa realizar a sua finalidade, que é zelar não pelo
interesse individual mas, ainda, pelos interesses coletivos.
Do Poder Executivo depende, especialmente, o funcionamento de todos os serviços públicos,
da saúde, da ordem e da segurança coletiva, da vida, da subsistência, do bem-estar social de
todos os cidadãos.
Como realizar essa finalidade, se todos os seus atos, se toda a sua atividade sofrer a contínua
fiscalização, o controle permanente do Poder Judiciário, com o seu critério rígido de
apreciação dos fenômenos jurídicos, sem a capacidade de encarar as questões administrativas,
por seu aspecto superiormente político, tendo em vista apenas os interesses superiores do
Estado.” (CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Teoria dos Atos Administrativos. São
Paulo. Ed. Revista dos Tribunais: 1973. p. 112.)
79
Sobre a polêmica filosófica a respeito do que se entende por verdade, esclarecedor é o livro
de Dardo Scavino “Filosofia actual: pensar sin certezas”.
80
MORÓN, Miguel Sánchez. Discrecionlalidad Administrativa y Control Judicial. Madrid.
Editorial Tecnos: 1994. p. 118.
65
Valem os ensinamentos de Bernatzik:
existe um limite além do qual nunca terceiros podem verificar a
exactidão ou não exactidão da conclusão atingida. Pode-se dar que
terceiros sejam de outra opinião, mas não podem pretender que só eles
estejam na verdade, e que os outros tenham uma opinião falsa
81
.
Na esteira de Morón e Bernatzik pode-se afirmar que, mesmo
diante do caso concreto a aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados pode
implicar uma pluralidade de soluções igualmente sustentáveis, sendo impossível
a demonstração objetiva de sua impropriedade. Nesses casos,
discricionariedade do administrador o que significa que sua decisão,
incontrastável objetivamente, estará isenta de apreciação pelo Poder Judiciário.
Frise-se que o reconhecimento dos conceitos jurídicos
indeterminados como fonte de discricionariedade, nos termos propostos, está
longe de significar a outorga de plena liberdade ao administrador na aplicação
da lei. É preciso enfatizar que a utilização de conceitos vagos pela norma não
implica, necessariamente a existência de discricionariedade frente ao caso
concreto. O que se afirma é que, na aplicação da lei ao caso concreto, pode
haver o que não significa que - uma certa margem de liberdade ao
administrador em razão de o caso se enquadrar na zona de incerteza do conceito.
Deve-se ainda salientar que mesmo nos casos em que se reconhece
a discricionariedade, limites à sua extensão. Como adverte Celso Antônio
Bandeira de Mello
82
a interpretação dos conceitos fluidos se faz
“contextualmente, ou seja, em função de outros fatores, do plexo total de normas
______________
81
BERNATZIK apud Afonso Rodrigues Queiró. A teoria do desvio de poder em direito
administrativo. Revista de Direito Administrativo 7/41-78. Rio de Janeiro. FGV: 1947. p. 63.
82
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional.
Op. Cit. p. 30.
66
jurídicas, porque ninguém interpreta uma regra de Direito tomando-a como um
segmento absolutamente isolado”.
Ocorre que o conjunto de normas jurídicas é, como todo e qualquer
texto, formado por um conjunto de signos que se relacionam de modo a
transmitir determinado significado. o significado de cada um dos signos,
tomados isoladamente, e o significado do texto, resultado da combinação entre
os vários significados dos signos utilizados. Ao contrário do que pode parecer,
no entanto, o significado do texto completo não é o simples resultado da soma
dos significados dos signos que o compõem. Os signos lingüísticos (palavras)
componentes de um texto devem ser analisados como partes de um todo. A
combinação dos símbolos faz com que o significado de cada um deles sofra
pequenas ou grandes alterações, alargando ou restringindo a classe de objetos
por eles referidos. As palavras assumem diferentes significados dependendo do
contexto em que são utilizadas. Da mesma forma, a interpretação das normas
jurídicas como parte de um todo o sistema normativo - permite delimitar com
maior precisão o seu alcance e significado, elucidando, muitas vezes, o conteúdo
de um conceito que, isoladamente considerado, apresentaria alto grau de
imprecisão.
Além da interpretação sistemática, é preciso ressaltar, ainda mais
uma vez, que os próprios conceitos, por mais fluídos que sejam, possuem
limites, um mínimo de significado que permite reconhecer, em todo e qualquer
conceito, uma zona de certeza positiva e uma zona de certeza negativa.
Deve-se considerar que a delimitação dos conceitos indeterminados
deverá sempre levar em conta o caso concreto, a finalidade da norma e o
interesse público. Há, ainda, que se atentar para os princípios da razoabilidade e
67
proporcionalidade, não admitindo a lei interpretações absurdas ou
desproporcionais.
Por fim, a própria interpretação feita pelo Administrador serve de
limite à sua atuação, não por ser inaceitável que, em um curto período de
tempo, trate de forma diferente casos substancialmente iguais
83
, mas também
porque a partir do momento em que exterioriza sua posição, o administrador fica
a ela vinculado.
III.4. Discricionariedade em face do caso concreto
Embora se tenha feito menção a alguns argumentos que serão
aqui expostos, é importante enfatizar a diferença existente entre a
discricionariedade ao nível da norma e aquela que subsiste diante do caso
concreto, que se pode chamar de mérito do ato administrativo.
brutal diferença entre as inúmeras soluções previstas na norma,
in abstrato, e aquelas que subsistem diante do caso concreto. Quando a lei
disciplina determinada situação de modo impreciso, deixando ao administrador
mais de uma solução, tem como pressuposto a possibilidade de existência
pluralidade de situações no mundo do ser que irão demandar soluções jurídicas
distintas, todas elas passíveis de serem fundamentadas em uma mesma norma
legal. Assim, a discricionariedade abstratamente prevista na norma legal tem
como objetivo possibilitar a aplicação de soluções especialmente consideradas
para cada caso concreto, de acordo com suas peculiaridades e o uma
______________
83
Entre outras irregularidades, haveria, nesse caso, ofensa ao princípio da isonomia e da
segurança jurídica considerada em seu aspecto subjetivo.
68
pluralidade de situações distintas a um mesmo caso concreto, de acordo com o
critério subjetivo do administrador.
Como adverte Celso Antônio Bandeira de Mello
se a lei comporta a possibilidade de soluções diferentes, pode ser
porque pretende que se uma certa solução para um dado tipo de
casos e outras solução para outra espécie de casos, de modo que
sempre seja adotada a decisão pertinente, adequada à fisionomia
própria de cada situação, tendo em vista atender a finalidade que
inspirou a regra de direito aplicanda.
84
De acordo com Celso Antônio a existência de uma pluralidade de
soluções previstas na norma legal não significa que, diante do caso concreto,
todas elas mostrem-se adequadas, compatíveis com a finalidade legal. De acordo
com o autor deve o agente administrativo, diante do caso concreto, adotar a
melhor solução, aquela que melhor atende ao interesse público e à finalidade da
norma.
Tem-se, dessa forma, diante do caso concreto, uma substancial
restrição à margem de liberdade de ação pelo administrador e, portanto, uma
maior extensão do controle jurisdicional.
É preciso ressaltar, entretanto, que, dentre a pluralidade de soluções
possíveis, nem sempre é possível dizer, objetivamente, qual aquela que se
apresenta como a “melhor solução”. Mesmo recorrendo a uma interpretação
sistemática e considerando a finalidade da norma jurídica, é possível que se
depare com uma pluralidade de soluções igualmente sustentáveis, através de
argumentos lógicos e objetivos, como a melhor possível. Nesse caso, estar-se-á
diante de discricionariedade administrativa.
______________
84
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional.
Op. Cit. p. 37
69
Note-se que a referência à “melhor solução”, ao contrário do que
pode parecer, não autoriza a interferência judicial fundada em razões puramente
subjetivas do julgador. Para que se possa afirmar que a solução encontrada foi
ilegítima, é preciso demonstrar objetivamente que, naquela situação, com os
elementos de que dispunha o agente público quando da tomada de decisão, havia
uma solução mais adequada.
Feitas as considerações necessárias, adiante-se que, com relação à
tipificação das infrações administrativas, não se vislumbra a possibilidade de
existência de discricionariedade diante do caso concreto. Ocorre que, se nem
mesmo o Judiciário tiver condições de saber, objetivamente, se a conduta
praticada pelo administrado se enquadra ou não na hipótese da norma, pode-se
afirmar, da mesma forma, que também ao administrado era impossível saber da
ilicitude de sua conduta. A discricionariedade na tipificação de infrações e
aplicação de sanções será tratada adiante, de forma mais detida, em tópicos
específicos.
70
CAPÍTULO IV - INFRAÇÕES E SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
IV.1. A unidade do jus
puniendi estatal
O tema relativo às infrações e sanções administrativas é
relativamente novo entre nós, tendo apenas recentemente despertado maior
interesse dos doutrinadores.
Fato é que o maior interesse despertado na doutrina nos anos
recentes deve-se, entre outros fatores, a uma ampliação da competência
sancionatória da Administração que se deu não apenas com o aumento do
número de infrações administrativas previstas em lei, mas também com o
agravamento das sanções que lhes são correspondentes.
Por outro lado, no Direito Penal, é crescente a preocupação em
evitar o encarceramento desnecessário, daqueles que praticaram ilícitos de
menor gravidade ou que não representam perigo à sociedade. Além das penas
ditas alternativas, é crescente a criação e aplicação de penas pecuniárias de
caráter criminal.
É nesse contexto, em que materialmente uma aproximação entre
as penalidades administrativas e criminais, sendo as primeiras, em alguns casos,
tão ou mais graves que as últimas, que se pergunta se é possível separar
materialmente umas das outras e aplicar, a cada uma delas, regime jurídico
71
substancialmente distinto
85
.
Em resposta a tal indagação, a idéia de um jus puniendi único do
Estado ganhou enorme força na Espanha onde o tema das infrações e sanções
administrativas encontra-se especialmente desenvolvido pela doutrina e
jurisprudência
86
.
______________
85
Esse o entendimento de Francisco Octavio de Almeida Prado: “É oportuno observar que as
fronteiras entre o regime jurídico penal e o regime jurídico administrativo em matéria punitiva
estiveram demarcadas com maior nitidez. Com o agravamento das sanções administrativas
e sua aplicabilidade geral, aliados ao advento de novos princípios e garantias constitucionais,
observa-se que ditos regimes jurídicos, que corriam como dois rios paralelos, passam a
apresentar pontos de contato, suas águas começando a se misturar. Mas é oportuno assinalar
que o direito penal mereceu elaboração teórica minuciosa, ao passo que as infrações
administrativas muito recentemente mereceram um esforço coerente de sistematização,
ainda não consolidado em definitivo razão pela qual o intercâmbio entre as duas áreas
caracteriza-se mais pela transferência para o âmbito administrativo de princípios e garantias
tradicionalmente concebidas na esfera penal.” (ALMEIDA PRADO, Francisco Octavio de.
Improbidade administrativa. São Paulo. Malheiros: 2001. p. 28.)
Também oportunas as considerações de Ignacio Pemán Gavín: “(...) el necessario
replanteamiento del Derecho Sancionador debería realizarse a partir del reconocimiento de
que los elementos substantivos de concepto de sanción y los fines de la misma constituyen un
punto de partida como criterio de delimitación del ámbito sancionador, pero que a partir de
ello se debe reconocer que en ultima instancia el legislador tiene un amplio margen para
optar por soluciones diferentes. En esta ocasión, el Derecho Sancionador, y quizás no sólo en
esta ocasión, ha querido llegar más lejos que el proprio Derecho Penal que le sirve de
referncia.” (GAVÍN, Ignacio Pemán. El sistema sancionador español. Barcelona. Cedecs
Editorial: 2000. p. 102)
86
Nos dizeres de Alejandro Nieto: Aceptada genéricamente la existencia de la potesdad
sancionadora de la Administración, doctrina y jurisprudencia se han puesto de acuerdo en la
tesis que hoy es absolutamente dominante, a saber: la potesdad sancionadora de la
Administración forma parte, junto con la potesdad penal de los Tribunales, de un ius
puniendi superior del Estado, que además es único, de tal manera que aquéllas no son sino
simples manifestaciones concretas de éste. El enorme éxito de tal postura elevada ya a
categoria de dogma incuestionable se debe en parte a razones ideológicas, ya que así se
atempera el rechazo que suelen producir las actuaciones sancionadoras de la
Administración, de corte autoritario, y, en parte, a razones técnicas, en cuanto que gracias a
este entronque con el Derecho público estatal se proporciona al Derecho Administrativo
Sancionador un soporte conceptual y operativo del que antes carecía.” (NIETO, Alejandro.
Derecho administrativo sancionador. 2ª Edição. Madrid. Editorial Tecnos: 2000. p. 22)
72
Nas palavras de Eduardo García de Enterria
el mismo ius puniendi del Estado puede manifestarse, pues (con la
salvedad ya hecha de las penas privativas de liberdad y de otros
derechos civiles y politicos), tanto por la vía judicial penal como por
la vía administrativa
87
.
José Garberí Llobregat, após tratar da atividade sancionatória do
Estado e, mais especificamente, da Administração, conclui:
Si de todo o expuesto hasta ahora pudiera extraerse alguna
conclusión ésta sería, sin duda alguna, la constatación de la
homogeneidad ontológica de las vertientes del Derecho Sancionador.
Todos los criterios sustanciales mencionados no han servido para
trazar una línea diferencial lo suficientemente precisa como para
elaborar una Teoría General privativa de la infracción administrativa
que no esperimentara milimétricos puntos de contacto con la Teoría
Genetal del Delito
88
.
Santamaría Pastor, por sua vez, cita duas sentenças do Tribunal
Supremo Espanhol, ambas de março de 1972, como marcos de criação da
doutrina da unidade substancial dos princípios do Direito Penal e do Direito
Administrativo Sancionador, ambos manifestações de um único jus puniendi
estatal. De acordo com o autor,
la aceptación generalizada de esta doctrina, tan elemental como
revolucionaria, permitió a la jurisprudencia enmprender un processo
de traslación, lenta e paulatina, de las técnicas y principios penales al
campo de las sanciones administrativas(...)
89
.
No Brasil, cabe citar o posicionamento de Rafael Munhoz de Mello
para quem o Estado, no exercício do jus puniendi, pode optar pela criação de
ilícitos e sanções penais ou de ilícitos e sanções administrativas, sempre através
______________
87
ENTERRIA, Eduardo García de. e FERNANDES, Tomás-Ramón. Op. Cit. p. 167
88
LLOBREGAT, José Garberí. El Procedimiento administrativo sancionador. Valencia.
Tirant lo Blanch: 1998. p. 79
89
PASTOR, Juan Alfonso Santamaría. Op. Cit. p. 377
73
do exercício de função legislativa, ficando a imposição das sanções a cargo do
Poder Judiciário, no primeiro caso, e da Administração pública no segundo
90
.
Adotando posicionamento diverso, Fábio Medina Osório entende
que “a unidade da pretensão punitiva do Estado é uma frágil construção teórica,
que se situa no campo retórico e não no mundo prático das concretas relações
sociais submetidas ao crivo dos julgadores”
91
. Afirma o autor que se houvesse
uma real unidade do jus puniendi estatal, este se submeteria a um regime
jurídico único, o que não acontece na prática. Tomando como exemplo a
jurisprudência dos tribunais espanhóis, entende o doutrinador haver uma
contradição entre “o recurso retórico e a realidade” que os princípios de
direito penal são aplicados apenas como “matizes” do direito administrativo
sancionador e não em sua integralidade, com toda a sua força, a demonstrar,
dessa forma, uma diferença de regimes jurídicos.
Em resposta às críticas do Prof. Medina Osório, pode-se afirmar
que a unidade do jus puniendi estatal não implica, necessariamente, identidade
total de regime jurídico entre as suas diversas manifestações, mas, sim, apenas,
um vetor principiológico único, adotado ora com a mesma intensidade, ora com
intensidades distintas nas suas diversas manifestações.
Que há diferença de regime jurídico entre ilícitos e sanções penais e
administrativos é inegável, caso contrário nada justificaria diferenciar as duas
espécies ou mesmo tratá-las de forma específica. O que se nota, entretanto, é a
aproximação das duas espécies em seu aspecto material, substancial.
______________
90
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 45
91
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo. Ed. Revista dos
Tribunais: 2000. p. 109.
74
Em abono do que foi dito, pode-se traçar um paralelo com o
tratamento constitucional dado aos processos judiciais e administrativos, ambos
possuidores de uma série de garantias constitucionais comuns, como as garantias
do contraditório e da ampla defesa, em razão de sua proximidade material,
embora constituam manifestações de diferentes funções estatais.
Constatada a proximidade material entre as esferas penal e
administrativa sancionadora, não razão que justifique dar, a cada uma delas,
tratamento jurídico substancialmente distinto.
Afirma-se, portanto, a unidade do jus puniendi estatal, que pode ser
exercido através das sanções penais ou administrativas, de acordo com escolha
do legislador, ambas sujeitas a princípios e garantias constitucionais comuns.
IV.2. Infração e sanção
Infração e sanção são temas indissociáveis, um dependendo do
outro para a sua própria existência. Como bem anotado por Celso Antônio
Bandeira de Mello “a infração é prevista em uma parte da norma, e a sanção em
outra parte dela”
92
.
Embora a infração preceda, lógica e necessariamente, a imposição
da sanção, a apresentação do tema, a seguir, será feita de forma conjunta, pois,
mesmo sendo possível estreitar o foco do estudo sobre um dos temas, não é
possível fazê-lo sem tomar o outro como referência.
______________
92
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 2008. Op. Cit.
p. 834.
75
Tem-se, entre as atividades típicas do exercício da função
administrativa pelo Estado, a imposição de sanções àqueles que tenham
cometido infrações ditas administrativas. Assim, constatada a prática de
infração, está o Estado não autorizado, mas também obrigado a agir,
impingindo ao infrator ou responsável uma sanção, medida de caráter punitivo e,
portanto, restritiva de direitos.
Note-se a referência à prática de infração como pressuposto para a
imposição da sanção administrativa. É que, como alerta Santamaría Pastor, nem
todos os atos lícitos praticados pela Administração que produzem dano aos
sujeitos privados podem ser considerados sanção em sentido técnico. Esclarece
o autor que a sanção se caracteriza, inicialmente, por seu caráter de reação a uma
conduta ilícita, sendo esse o primeiro aspecto que a diferencia dos demais atos
desfavoráveis aos administrados praticados pelo Estado
93
.
Acrescenta o autor espanhol, entretanto, que entre as reações às
condutas ilícitas incluem-se, além das sanções, os mecanismos de reparação, que
não podem ser considerados sanção, mas meros instrumentos de restauração da
ordem normal das coisas. Feitas as ressalvas, esclarece que sanção em sentido
técnico existe quando em reação à conduta ilícita se impõe uma privação de
direitos com finalidade repressiva da infração e preventiva ou dissuasiva de
condutas similares, sem que tal privação deva guardar uma relação quantitativa
exata com o volume do dano causado
94
.
Kelsen, por sua vez, diferencia os atos de coerção estatuídos contra
uma ação ou omissão determinada pela ordem jurídica dos atos que não tem esse
caráter, não tem como pressuposto uma ação ou omissão do indivíduo
______________
93
SANTAMARÍA PASTOR, Juan Alfonso. Principios de Derecho Administrativo General.
Vol. II. 1ª Edição. Madrid. Ilustel: 2005. p. 380.
94
SANTAMARÍA PASTOR, Juan Alfonso. 2005. Op. Cit. p. 380.
76
especificada pelo ordenamento. Os primeiros seriam as sanções propriamente
ditas e, como exemplo dos últimos, cita o internamento compulsório de portador
de doença grave e contagiosa
95
.
Assim, é preciso diferenciar a sanção das medidas meramente
reparatórias tomadas pelo Estado
96
. Necessário, ainda, fazer distinção entre
sanção e o exercício de poder de polícia, que não tem como pressuposto a
prática de infração. Não é sanção, por exemplo, a determinação da devolução de
importância indevidamente recebida do Poder Público pelo particular ou, ainda,
o uso da necessária força física para dissolução de passeata que esteja causando
transtornos à ordem pública.
Fábio Medina Osório, ao tratar das diferenças entre as sanções e o
exercício de poder de polícia pelo Estado, esclarece que “quando o Estado veda
ao indivíduo um exercício de um direito para o qual não estava habilitado, não
falar-se em sanção administrativa”
97
. De fato, quando exerce o poder de
polícia não está o Estado aplicando ao particular qualquer tipo de punição em
razão da prática de ilícito, mas, de forma diversa, apenas condicionando o uso de
bens e direitos de modo a promover sua adequação à ordem jurídica e ao
interesse público. Nas palavras do Prof. Clóvis Beznos “a polícia administrativa,
além de não sacrificar direito individuais, também nada agrega à própria esfera
______________
95
KELSEN, Hans. Op. Cit. p.121.
96
Nesse sentido: Entendemos que tanto la índole reparatoria de los daños y prejuicios,
como la mevanica de su aplicación son ajenos a la materia sancionatoria.
Un hecho imputado a un administrado puede ser pasible de sanción administrativa, si
coincide con el supuesto de hecho contenido en una norma que la determina
consecuencialmente (...). Puede, concomitantemente, irrogar un daño a la Administración.
Ésta, en virtud de su potesdad sancionatoria, podrá aplicar sanciones y tendrá, asimismo,
dercecho a reclamar la separación de los daños causados. Desde un cierto punto de vista y
atendiendo al quantum, esta sanción se nos presenta como un plus respecto del daño, en los
casos en que tiene un contenido pecuniario. (LORENZO, Suzana. Sanciones
Administrativas. Montevidéu. Julio César Faira – Editor: 1996. p. 3.)
97
OSÓRIO, Fábio Medina. Op. Cit. p. 82.
77
dos direito individuais, além do lineamento geral, fornecido pelo sistema
normativo”
98
. Não se trata, assim, de restrição de direitos, mas apenas de sua
conformação ao ordenamento.
Assim, elemento importante na caracterização da sanção, capaz de
estabelecer a sua diferença com relação aos demais atos restritivos de direitos
praticados pelo Estado, é a indicação da infração como seu pressuposto. Tal
critério, entretanto, ao menos em um primeiro momento, não parecer ser
suficiente para diferenciar a sanção das medidas reparatórias, decorrentes dos
danos eventualmente causados pela prática de infração.
Nessa linha, Daniel Ferreira, após conceituar sanção como uma
reação restritiva pela atuação em desconformidade com uma peculiar
determinação legal, esclarece que qualquer “repercussão que não constituir uma
objetiva, direta e imediata resposta jurídica ao ilícito, mesmo que impondo uma
restrição à esfera de direitos do infrator” não será considerada sanção
99
.
Tomando por base tal posicionamento, pode-se afirmar que as
medidas meramente reparatórias não constituem direta e imediata resposta ao
ilícito, mas, apenas, conseqüência do dano causado. Não há, nesse caso,
qualquer tipo de punição ao causador do dano, mas apenas a imposição do dever
de reparar os prejuízos causados.
Sanção administrativa, dessa forma, é medida restritiva de direitos,
prevista em lei, que tem por pressuposto legal a prática de infração, excedendo a
mera reparação do dano eventualmente causado. O pressuposto da sanção não é
______________
98
BEZNOS, Clóvis. Poder de Polícia. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais: 1979. p. 79.
99
FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo. Malheiros: 2001. p. 25.
78
o dano causado, mas a infração praticada. As medidas reparadoras são
conseqüências do dano enquanto a sanção é conseqüência do ilícito.
IV.3. Infração como ato jurídico
Para Régis Fernandes de Oliveira
100
e Daniel Ferreira
101
a infração é
conduta antijurídica por se tratar de comportamento contrário ao estabelecido
pela ordem jurídica. Ambos os autores empregam o termo “antijurídico” como
sinônimo de “ilícito” o que, a despeito de ser de uso corrente, deixa de ressaltar
a juridicidade da infração, passando, ao incauto, a impressão de que a infração
seria um ato não-jurídico.
Como afirma Kelsen
a ação ou omissão determinada pela ordem jurídica, que forma a
condição ou o pressuposto de um ato de coerção estatuído pela mesma
ordem jurídica, representa o fato designado como ilícito ou delito, e o
ato de coação estatuído como sua conseqüência representa a
conseqüência do ilícito ou sanção
102
.
Para o autor, portanto, o ilícito não deve ser visto como um ato de
negação do Direito, mas como pressuposto de sua aplicação. Assim, o ilícito é
ato jurídico, pressuposto para a aplicação da sanção jurídica.
Adotando o mesmo posicionamento, Heraldo Garcia Vitta afirma
que “os atos ilícitos são atos jurídicos, porque têm efeitos jurídicos de acordo
com o ordenamento”
103
.
______________
100
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas. São Paulo. Revista
dos Tribunais: 1985. p. 5.
101
FERREIRA, Daniel. Op. Cit. p. 67.
102
KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 124.
103
VITTA, Heraldo Garcia. Op. Cit. p. 27
79
De fato, sendo a infração o pressuposto jurídico para a aplicação da
sanção pelo Estado, não cabe falar em conduta contrária ao Direito, antijurídica.
A prática de infração administrativa nada mais é que a conduta que se subsume à
hipótese normativa obrigando o Estado a aplicar a sanção, conseqüência prevista
na norma jurídica. Trata-se, dessa forma, de conduta jurídica que, ao se
subsumir à hipótese normativa faz incidir a conseqüência. O ilícito, para ser
ilícito, depende de norma jurídica que o qualifique como tal
104
.
IV.4. Critério diferenciador
Questão crucial, de fundamental importância para o presente
estudo, está em diferenciar as infrações e sanções administrativas das demais
classes de ilícito e sanção previstas no ordenamento jurídico.
Susana Lorenzo, administrativista uruguaia, em sua importante obra
sobre sanções administrativas, afirma existir uma diferença ontológica entre
sanções penais e administrativas, diretamente relacionada aos valores adotados
por uma dada sociedade. De acordo com a autora, el legislador no puede, en
virtud de una ley, contradecir la naturaleza manifiesta de los distintos ilícitos,
sino que su función valorativa se limitará a consagrarla
105
.
______________
104
Oportunas, nesse ponto, as lições do Prof. Lourival Vilanova acerca do fato jurídico: “(...)
o fato é jurídico porque alguma norma sobre ele incidiu, ligando-lhe efeitos (pela relação de
causalidade normativa). Suprimam-se normativamente efeitos e o fato jurídico fica tão
como fato. O direito é um processo dinâmico de juridicização e de desjuridicisação de fatos,
consoante as valorações que o sistema imponha, ou recolha, como dado social (as valorações
efetivas da comunidade que o legislador acolhe e as objetiva como normas impositivas).”
(VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. Edição. São Paulo. Editora
Revista dos Tribunais: 2000. p. 144-145.)
105
LORENZO, Suzana. Op. Cit. p 41-43.
80
Montoro Puerto, por sua vez, após defender a existência de uma
pluralidade de ordenamentos jurídicos, entre os quais o ordenamento jurídico
administrativo, defende que a natureza da infração e da sanção será dada pela
natureza do ordenamento jurídico infringido
106
.
Adotando critério formal, Daniel Ferreira, após analisar diversas
posições doutrinárias, conclui que “o fator de discriminação entre os ilícitos
penal e administrativo está no específico regime jurídico a que se subordina a
sanção correspondente”. Fundamenta sua posição principalmente no fato de
inexistir diferença essencial entre delito e infração, sendo necessário recorrer ao
ordenamento jurídico para efetuar a distinção
107
.
Heraldo Garcia Vitta
108
e Rafael Munhoz de Mello
109
também
adotam o critério formal para diferenciar as infrações administrativas dos demais
tipos de ilícito, mas, ao invés de recorrer ao regime jurídico, entendem os
autores que a natureza da infração é determinada pela autoridade competente
para aplicação da sanção que lhe é correspondente. Assim, infrações
administrativas constituem pressuposto de aplicação de sanção por autoridade
administrativa e ilícitos penais constituem pressuposto de aplicação de sanção
por juiz criminal.
De fato, a aplicação de sanção por infração penal compete
exclusivamente ao Juiz Criminal no exercício da função que lhe é própria, da
______________
106
PUERTO, Montoro. La infracción administrativa. Barcelona. Nauta S.A.: 1955. p. 116 e
seguintes.
107
FERREIRA, Daniel. Op. Cit. p. 60-61
108
VITTA, Heraldo Garcia. Op. Cit. p. 30-34.
109
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 60
81
mesma forma, a aplicação de sanção por infração administrativa é de
competência exclusiva de autoridade no exercício da função administrativa
110
.
A diferença, de fato, reside no regime jurídico, mas é a análise do
sujeito ativo competente para a aplicação da sanção o melhor critério para se
determinar qual o regime jurídico aplicável e, portanto, a natureza do ilícito e da
sanção.
Como afirmado acima, (IV.1) a criação de ilícitos e sanções penais
ou infrações administrativas e suas correspondentes sanções, é escolha do
legislador, o existindo diferenças substanciais entre as duas formas de
manifestação do jus puniendi estatal.
IV.5. Estrutura da norma legal sancionadora
De acordo com o Prof. Lourival Vilanova a “norma jurídica
apresenta composição dúplice: norma primária e norma secundária”. Aduz o
Prof. Vilanova que na norma secundária
a hipótese fática, o pressuposto é o não-cumprimento, a inobservância
do dever de prestar, positivo ou negativo, que funciona como fato
jurídico (ilícito, antijurídico) fundante de outra pretensão, a de exigir
coativamente perante órgão estatal a efetivação do dever constituído
na norma primária
111
.
Partindo das lições acima, pode-se afirmar que estão implícitas na
norma legal sancionadora, uma norma primária e uma norma secundária: a
______________
110
Vale ressaltar que tanto membros do legislativo quanto do judiciário podem ter
competência para a aplicação de sanção administrativa quando no exercício de função
administrativa.
111
VILANOVA, Lourival. 2000. Op. Cit. p. 188.
82
norma primária, dirigida ao particular, consiste na proibição da prática do ilícito,
a norma secundária, por sua vez, é dirigida ao Estado e determina que, uma vez
praticada a infração, deve-ser aplicada a sanção.
Dessa forma, a previsão legal de infração administrativa implica
dois comandos distintos, um dirigido ao particular, proibindo a prática da
conduta descrita no tipo infracional, outro, dirigido à Administração,
determinando seja aplicada a sanção ao infrator.
Do ponto de vista de sua estrutura, a norma legal sancionadora,
como as normas jurídicas em geral, é composta por hipótese, mandamento e
conseqüência. Em matéria sancionadora, a infração constitui a hipótese da
norma e a sanção sua conseqüência.
IV.6. Estrutura do ato administrativo sancionador
De acordo com a classificação proposta por Celso Antônio
Bandeira de Mello, aqui adotada, o ato administrativo apresenta, como
pressupostos de existência, o objeto” e a “pertinência à função administrativa”;
como pressupostos de validade, sujeito (pressuposto subjetivo), motivo
(pressuposto objetivo), requisitos procedimentais (pressuposto objetivo),
finalidade (pressuposto teleológico), causa (pressuposto lógico) e formalização
(pressuposto formalístico)
112
.
Aplicando a teoria ao campo específico do ato administrativo
sancionador, tem-se que o objeto do ato administrativo sancionador é o infrator,
______________
112
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Op. Cit. p.
387-405.
83
ou seja, o sujeito responsável pela prática de infração administrativa. Assim,
para a existência do ato administrativo sancionador é necessário que alguém
tenha efetivamente praticado a infração descrita na hipótese da norma. Se o ato
imputasse prática de infração a pessoa falecida anos antes da conduta indicada, o
ato seria inexistente.
Com relação à pertinência à função administrativa tem-se que a
competência para prática de ato administrativo sancionador cabe,
exclusivamente, a autoridade no exercício de função administrativa, seja ela
integrante do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário.
O sujeito ativo do ato (pressuposto subjetivo) será a autoridade
administrativa que, nos termos da lei, tem competência para a aplicação da
sanção.
O motivo do ato administrativo sancionador será sempre a prática
de infração administrativa, pressuposto de fato para a aplicação da sanção.
Como requisito procedimental pode-se indicar, como sendo comum
aos atos administrativos sancionadores em geral, a necessidade de se assegurar
ao infrator a observância do contraditório com a concessão de oportunidade para
apresentação de defesa que deverá ser efetivamente analisada pela autoridade
competente.
A causa do ato administrativo sancionador é dada pela relação
existente entre o motivo e o conteúdo do ato e sua adequação à finalidade. Em
outras palavras a prática de ato (motivo) descrito na hipótese da norma faz
incidir a conseqüência normativa (sanção) sendo necessário avaliar se tal
conseqüência, em vista do ato praticado, atende à finalidade da norma. Como
84
ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, é “no âmbito da causa que se
examinam dois tópicos extremamente importantes para a validade do ato, a
saber: a) sua razoabilidade e b) sua proporcionalidade”
113
.
Com relação à formalização, os atos sancionadores geralmente são
escritos, características comum à sua quase totalidade, sendo bastante variados
os pressupostos formalísticos exigidos para a aplicação das inúmeras sanções
administrativas previstas em lei. O essencial, no entanto, é que tais pressupostos,
previstos em lei, devem ser atendidos sob pena de nulidade do ato.
O pressuposto teleológico (finalidade) não foi mencionado
propositalmente pois merece maiores considerações e é objeto específico do
próximo tópico.
A análise cuidadosa dos pressupostos do ato administrativo
sancionador permite evidenciar eventuais vícios de legalidade do ato,
possibilitando o seu controle judicial ou administrativo, daí sua fundamental
importância.
IV.7. Finalidade da sanção administrativa
Como demonstrado nos primeiros capítulos do presente trabalho o
agente público quando atua em nome do Estado exerce função, estando
vinculado pela norma legal e pela finalidade de direito público por ela veiculada.
______________
113
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Op. Cit. p.
401.
85
A vinculação do agente público à finalidade torna de fundamental
importância o estudo da finalidade da norma sancionadora, ou, em outras
palavras, a finalidade da sanção administrativa no ordenamento jurídico.
Fábio Medina Osório após afirmar que a sanção administrativa tem
finalidade punitiva conclui que “há medidas que não estão finalisticamente
direcionadas a uma punição, mas a outros objetivos, restando, assim, excluídas
do conceito de sanção administrativa”
114
.
Embora reconhecendo o caráter punitivo das sanções
administrativas tem-se, entretanto, que a punição preordena-se a desestimular a
prática de infrações, sendo essa a principal finalidade da norma sancionadora. O
caráter punitivo é meio, instrumento para se alcançar a finalidade normativa.
Se por um lado é correto afirmar que o Direito é composto de um
dever-ser que, portanto, não se confunde com o mundo do ser
115
; é fato, de outro
lado, que o Direito tem por finalidade influir no mundo do ser interferindo sobre
as ações humanas, orientando-as em dado sentido determinado pelos valores
adotados pelo ordenamento. Não fosse o Direito capaz de influenciar o mundo
do ser ele sequer faria sentido, sendo transformado em mero exercício
intelectual.
Não é por outra razão que Heraldo Garcia Vitta esclarece que
______________
114
OSÓRIO, Fábio Medina. Op. Cit. p. 79
115
De acordo com Kelsen: “A distinção entre o ser e o dever-ser não pode ser mais
aprofundada. É um dado imediato de nossa consciência. Ninguém pode negar que o
enunciado: tal coisa é ou seja, o enunciado através do qual descrevemos um ser fático se
distingue essencialmente do enunciado: algo deve-ser com o qual descrevemos uma norma
e que da circunstância de algo ser não se segue que algo deva-ser, assim como da
circunstância de que algo deve ser se não segue que algo seja.(KELSEN, Hans. Op. Cit. p.
6)
86
a previsão de sanções existe para atemorizar os eventuais infratores
(caráter repressivo), fazendo com que os indivíduos ajustem seus
comportamentos aos padrões admitidos em Direito. Tem por fim
específico desestimular a prática de condutas proibidas pela ordem
normativa por meio de ‘desagradáveis efeitos’
116
.
Na mesma linha, os ensinamentos de Daniel Ferreira para quem a
finalidade da sanção é “desestimular a prática de condutas juridicamente
reprováveis, mediante imposição de conseqüências desfavoráveis, danosas, a
quem a lei previamente determinar incluídos os ‘castigos’ ao infrator”
117
.
Esclarece, ainda, o autor que “o castigo – se assim considerado, não é o objetivo
colimado pela sanção, mas sim um efeito de sua imposição”
118
.
Não se nega, portanto, o caráter repressivo das sanções
administrativas, o fato de que tem por conseqüência uma punição, ou, nas
palavras de Fábio Medina Osório um “mal ou castigo”. O que não se pode
aceitar é que o Estado tenha por finalidade castigar alguém ou imputar-lhe
algum mal
119
.
A verdadeira finalidade da sanção administrativa está, então, em
desestimular a prática de determinados atos, reprovados pelo ordenamento
______________
116
VITTA, Heraldo Garcia. Op. Cit. p. 65.
117
FERREIRA, Daniel. Op. Cit. p. 30.
118
FERREIRA, Daniel. Op. Cit. p. 48.
119
Nesse sentido, seguem as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello: “O Direito tem
como finalidade unicamente a disciplina da vida social, a conveniente organização dela, para
o bom convívio de todos e bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto. Donde,
não entram em pauta intentos de ‘represália’, de castigo, de purgação moral a quem agiu
indevidamente. É claro que também não se trata, quando em pauta sanções pecuniárias caso
das multas-, de captar proveitos econômicos para o Poder Público, questão radicalmente
estranha à natureza das infrações e, conseqüentemente, das sanções administrativas.”
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. 2008. Op. Cit. p. 836)
Ainda, no mesmo sentido, afirma o jurista espanhol, Ángeles de Palma del Teso que: La
finalidad del Derecho Sancionador Administrativo es la prevención de las conductas que
ponem en peligro o lesionan bienes jurídicos, y no dirigir reproches o retribuir a los
ciudadanos por comportamientos contrarios a las normas.” (DEL TESO. Ángeles de Palma.
El principio de culpabilidad en el derecho administrativo sancionador. Madrid. Tecnos:
1996. p.54.)
87
jurídico. Se por um lado é certo que para desestimular a prática de certos atos é
preciso punir quem os tenha praticado, a recíproca não é verdadeira: nem
sempre a punição leva ao desestímulo da prática dos atos.
Pode acontecer, por exemplo, que frente a uma determinada norma
proibitiva, expressa através de termos vagos, o administrado tenha dificuldade
de saber se determinada conduta é permitida ou proibida. Nesse caso pode
ocorrer que deixe de praticar ato permitido por entendê-lo vedado ou, o que é
ainda mais grave, seja punido pela prática de ato que entendeu ser permitido,
caso em que a sanção não terá cumprido sua finalidade.
Como afirma Norberto Bobbio, a sanção tem por finalidade
“aumentar a eficácia das regras institucionais e, conseqüentemente, da
instituição em seu conjunto”
120
, é dizer, tem por finalidade aumentar a eficácia
das normas jurídicas, desestimulando a prática de condutas por elas vedadas.
IV.8. Legalidade e tipicidade
Legalidade e tipicidade estão intimamente ligadas, sendo a última
uma especificidade da primeira.
______________
120
Diz o autor que: “Não há dúvida que o principal efeito da institucionalização da sanção é a
maior eficácia das normas relativas. Quando se fala em sanção institucionalizada, entende-se
estas três coisas, ainda que elas nem sempre se encontrem simultaneamente: 1) para toda
violação de uma regra primária, é estabelecida a relativa sanção; 2) é estabelecida, se bem que
dentro de certos termos, a medida da sanção; 3) são estabelecidas pessoas encarregadas de
efetuar a execução. Como se vê, trata-se de limitações que tendem a disciplinar o fenômeno
da sanção espontânea e imediata de grupo. Com a primeira limitação se assegura a certeza da
resposta, com a segunda, a proporcionalidade, com a terceira, a imparcialidade. Todas as três
limitações juntas, têm como fim comum aumentar a eficácia das regras institucionais e,
conseqüentemente, da instituição em seu conjunto. Atendo-nos a estes critérios, poderemos
dizer que o caráter das normas jurídicas está no fato de serem normas, em confronto com as
morais e sociais, de eficácia reforçada.” (BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica.
ed. rev. São Paulo. Edipro: 2005. p. 161.)
88
Nos termos do artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal, não
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Não obstante o dispositivo constitucional fazer referência expressa
aos ilícitos de natureza criminal (crime) é possível, com base no que foi
afirmado a respeito da unidade do jus puniendi estatal (IV.1), estender sua
aplicação ao direito administrativo sancionador.
O referido artigo constitucional, entretanto, não é o único
fundamento para aplicação do princípio da tipicidade ao direito administrativo
sancionador. Pode-se afirmar que o princípio da tipicidade decorre diretamente
dos princípios constitucionais da legalidade (II.2) e da segurança jurídica
(II.1)
121
.
Como afirmado anteriormente (II.1)
o conhecimento prévio das infrações e das sanções a elas
correspondentes é fundamental não só para que o particular possa
evitar a prática de atos reprovados pelo ordenamento, mas também
para que possa, conscientemente, praticar os atos que lhe são lícitos.
Considerando que a finalidade das sanções administrativas é
desestimular a prática de atos reprovados pelo ordenamento faz-se logicamente
______________
121
Nesse sentido, Rafael Munhoz de Mello afirma que “no campo do direito administrativo
sancionador o princípio da segurança jurídica origem ao princípio da tipicidade.”
(MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 134).
Fábio Medina Osório, por seu turno, afirma: “o princípio da tipicidade das infrações
administrativas decorre, genericamente, do princípio da legalidade, vale dizer, da garantia de
que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’
(art. 5º, II, CF/88), sendo certo que a Administração Pública, ademais, está submetida à
exigência de legalidade administrativa (art. 37, caput, CF/88), o que implica necessária
tipicidade permissiva para elaborar modelos de condutas proibidas e sancioná-las.” (OSÓRIO,
Fábio Medina. Op. Cit. p. 207-208.)
89
necessário, para que a norma cumpra sua finalidade, que a conduta que se
pretende evitar seja descrita com um mínimo de precisão tornando possível sua
identificação de modo a poder evitá-la.
O princípio da legalidade, na forma como adotado no ordenamento
jurídico brasileiro, exige que qualquer obrigação ou restrição a direito imposta
pelo Estado encontre-se prevista em lei previamente à sua imposição. Somente a
lei pode autorizar a Administração a aplicar sanção ao particular, devendo
indicar, de modo preciso, as circunstâncias de fato que constituem pressuposto
de sua aplicação
122
.
Não basta, dessa forma, a previsão isolada da infração ou da sanção,
é imperativo do princípio da tipicidade a existência de lei que estabeleça, para
cada infração, a correspondente sanção. Em outras palavras, ao definir uma
infração, deve a lei identificar a sanção lhe é correspondente sendo vedado
deixar à escolha da autoridade administrativa a sanção a ser imposta
123
.
O essencial é que as infrações e sanções administrativas sejam
descritas em lei de tal forma que seja possível ao particular conhecer, com
precisão, não só quais as condutas que lhe são vedadas e quais as que lhe são
permitidas, mas também a conseqüência que irá sofrer pela prática do ilícito.
______________
122
“Pouco valeria o princípio da legalidade se o administrador pudesse impor penalidades
administrativas sem que houvessem sido definidos com antecedência e de maneira exaustiva,
os comportamentos que são pressupostos das sanções. Do mesmo modo, o referido princípio
seria inócuo se, acaso, o administrador pudesse determinar as infrações por atos subalternos
da lei, ficando ao Legislativo, apenas, a enumeração das respectivas penalidades.” (VITTA,
Heraldo Garcia. Op. Cit. p. 91)
123
Nos dizeres de Alejandro Nieto: El mandato de tipificación tiene dos vertientes: porque
no sólo la infracción sino también la sanción ha de estar debidamente prevista en la norma
que, mediando reserva legal, ha de tener rango de ley.
Con remissión o sin ella, una vez realizada la tipificación de las infracciones, las normas han
de atribuirlas unas sanciones determinadas, estabeleciendo la correlación entre unas y
otras.(...)” (NIETO, Alejandro. Op. Cit. p. 310.)
90
Por fim, a tipicidade das infrações e sanções administrativas implica
a impossibilidade de aplicação das denominadas “sanções políticas” por parte de
Administração. Ora, havendo necessidade de previsão legal, tanto das infrações
quanto das respectivas sanções, não se pode admitir que, por conta da prática do
ilícito, a Administração aplique sanções outras que não aquelas expressamente
previstas em lei.
IV.9. Exigência de dolo ou culpa
Questão bastante polêmica entre os doutrinadores é se a
configuração de infração administrativa exige a comprovação de dolo ou culpa
do infrator ou apenas a voluntariedade. É fora de dúvida que quando a lei exigir
comprovação de dolo ou culpa, não cabe discussão, sendo evidente que a mera
voluntariedade, nesse caso, é insuficiente para a caracterização do ilícito.
A questão se põe quando a lei silencia ou, ainda, quando
expressamente prevê ser desnecessária a caracterização da culpa para a
configuração do ilícito.
A voluntariedade, nas lições de Régis Fernandes de Oliveira, é o
“movimento anímico consciente capaz de produzir efeitos jurídicos”
124
. Para o
autor, a mera voluntariedade do infrator é suficiente para que se possa apená-lo
administrativamente.
Apresentada a definição, ressalte-se, logo de início, a dificuldade
em vislumbrar situação em que mera voluntariedade, sem a concorrência de
______________
124
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Op. Cit. p.11.
91
culpa em sentido lato. Se voluntariedade é movimento anímico consciente,
difícil vislumbrar situação em que tal conduta, tipificada pela norma, não
configure dolo ou, quando menos, negligência, imprudência ou imperícia. A
questão, no entanto, é de fundamental importância pois a aceitação da mera
voluntariedade leva a uma responsabilização objetiva do infrator.
Ángeles de Palma del Teso, tratando do princípio da culpabilidade
no direito espanhol, após discorrer sobre a unidade do jus puniendi do Estado e
defender a aplicação criteriosa, com temperamentos, dos princípios básicos de
direito penal ao direito administrativo sancionador, afirma que a exigência de
culpa para imposição de sanções administrativas decorre do próprio modelo de
Estado Social e Democrático de Direito, a exigir uma série de limites ao
exercício do jus puniendi estatal como forma de manter o necessário equilíbrio
entre o interesse público e as garantias dos cidadãos
125
.
No mesmo sentido as lições de Heraldo Garcia Vitta que, tratando
do ordenamento jurídico brasileiro, invoca a Democracia e o Estado de Direito,
mencionando explicitamente a necessidade de observância dos direitos e
garantias fundamentais, para afirmar que não podemos conceber haja infrações
administrativas, diante de mera voluntariedade sem qualquer análise da culpa ou
do dolo do infrator”
126
.
Suzana Lorenzo, com base no princípio da presunção da inocência,
sustenta ser inaceitável a adoção da responsabilidade objetiva em matéria de
sanção administrativa. De acordo com a autora o referido princípio
constitucional determina que a Administração somente poderá sancionar quando
munida de provas suficientes para tanto, não sendo possível invocar, nesse caso,
______________
125
DEL TESO. Ángeles de Palma. Op. Cit. p.52-55.
126
VITTA, Heraldo Garcia. Op. Cit. p. 43.
92
a presunção de validade dos atos administrativos como forma de imputar o ônus
da prova ao administrado: es la Administración quien debe probar la
responsabilidad del inculpado y no éste su inocencia
127
.
De fato, não condiz com o Estado Democrático de Direito e, menos
ainda, com o princípio da presunção da inocência, a possibilidade de sancionar
alguém sem necessidade de comprovação de sua culpa.
Vale ressaltar, nesse ponto, que a Constituição, ao tratar da
responsabilidade objetiva do Estado em seu artigo 37, §6º, assegura direito de
regresso contra o responsável apenas nos casos de dolo ou culpa, fazendo, dessa
forma, expressa distinção entre a responsabilidade objetiva do Estado e a
responsabilidade de seus agentes, de natureza subjetiva.
Não obstante os argumentos acima, Daniel Ferreira entende que a
mera voluntariedade é suficiente para a caracterização da infração
administrativa. Afirma o administrativista que, silente a lei, “os ilícitos
administrativos podem ser concebidos objetivamente”
128
. Argumenta. ainda,
que
partindo-se da premissa de que a finalidade da sanção é a de
desestimular as condutas administrativamente reprováveis, e não a de
‘castigar’, ‘punir’, o infrator, demonstrada até mesmo pela
possibilidade de sua direta imposição a terceiros, não parece que em
regra tenha a lei se importado com aquele e, ainda, mais, com sua
própria vontade
129
.
Em resposta, afirma-se que a finalidade da norma não é alcançada
com a atribuição de responsabilidade objetiva por infrações administrativas. A
______________
127
LORENZO, Suzana. Op. Cit. p. 81.
128
FERREIRA, Daniel. Op. Cit. p. 65.
129
FERREIRA, Daniel. Op. Cit. p. 65.
93
bem da verdade, a responsabilidade objetiva só faz sentido para efeitos de
indenização que, como dito, difere das sanções administrativas. Somente no
caso de um desequilíbrio entre as partes, da hipossuficiência de uma parte em
relação à outra, é que faz sentido falar em responsabilidade objetiva como forma
de garantir que a parte mais fraca da relação não seja prejudicada por eventual
dano causado, obtendo o direito à reparação independente da comprovação de
culpa do causador do dano.
Em se tratando de punição pela prática de ilícito não é possível
aceitar, em um Estado Democrático de Direito, ainda mais quando previsão
expressa do princípio da presunção da inocência, que alguém seja punido sem,
ao menos, a comprovação de sua culpa.
94
CAPÍTULO V - CONTROLE JURISDICIONAL DAS SANÇÕES
ADMINISTRATIVA
Como visto anteriormente, a discricionariedade pode ser entendida
como margem de liberdade conferida por lei ao administrador público. Partindo
desse conceito e considerando tudo o que foi dito anteriormente a respeito da
segurança jurídica, do princípio da legalidade e das infrações e sanções
administrativas, especialmente sua finalidade, poder-se-ia, precipitadamente,
concluir pela inexistência de discricionariedade em matéria de infrações e
sanções administrativas.
É preciso, no entanto, estabelecer a diferença entre a
discricionariedade existente ao nível da norma e aquela que subsiste diante do
caso concreto. A última é que se confunde com o denominado mérito do ato
administrativo, margem de apreciação subjetiva do administrador insuscetível de
revisão pelo Poder Judiciário.
À parte o caso concreto, há, ainda, que se fazer distinção entre a
discricionariedade existente na hipótese da norma (descrição da infração) e na
sua conseqüência (sanção).
V.1. Discricionariedade na norma sancionadora
Em um primeiro corte, passa-se ao estudo da discricionariedade na
norma sancionadora.
Considerando um ideal de justiça e segurança jurídica seria
desejável que as normas sancionadoras fossem absolutamente precisas em seus
95
termos, não deixando qualquer margem de apreciação subjetiva a seu aplicador.
Nesse caso, teriam os administrados condições de saber, previamente e com
precisão absoluta, quais os atos considerados lícitos e quais aqueles que dariam
ensejo à aplicação de sanção. Além do tipo infracional, as próprias sanções
seriam conhecidas com precisão.
De nada adiantaria, no entanto, alcançar o ideal de normas
absolutamente precisas se não fosse possível fazê-lo através de uma linguagem
acessível a todos. Afinal, não haveria utilidade em uma norma precisa se parcela
significativa da população não fosse capaz de apreender-lhe o significado.
Fato é que a linguagem jurídica, especialmente aquela derivada do
Poder Legislativo, mistura aos termos técnico-científicos outros próprios da
linguagem natural. Nas palavras do Prof. Paulo de Barros Carvalho
as regras emanadas do Poder Legislativo, em razão de sua compostura
heterogênea, decorrência inevitável da representatividade política,
revela presença menor de termos com acepção precisa e
predominância incontestável do linguajar comum
130
.
Precisão absoluta, portanto, não existe sequer no Direito Penal, área
em que a exigência de tipicidade atinge grau máximo em razão da gravidade das
penas impostas
131
.
______________
130
BARROS CARVALHO, Paulo de. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo. Ed.
Noeses. 2008. p. 58 .
131
Nas palavras de Fábio Medina Osório: “Não dúvidas de que conceitos indeterminados,
cláusulas gerais e elementos normativos podem ser utilizados na tipificação de condutas
proibidas, seja no direito penal, seja no Direito Administrativo Sancionador, neste com maior
freqüência. Trata-se, inclusive, de um problema de linguagem, de inevitável abertura da
linguagem normativa”. (OSÓRIO, Fábio Medina. Op. Cit. p. 210/211).
96
V.1.2. Discricionariedade na hipótese da norma
Tratando de discricionariedade, difícil conceber, no ordenamento
jurídico brasileiro, a possibilidade de uma norma jurídica simplesmente conferir
ao administrador a faculdade de determinar, caso a caso, se um dado fato
constitui ou não infração administrativa.
Seria inconcebível, por exemplo, que a lei estabelecesse uma
determinada sanção a ser aplicada pelo administrador nas hipóteses em que este
julgasse conveniente e oportuna tal aplicação, de acordo com critérios
puramente subjetivos.
Também não se poderia aceitar que a lei descrevesse de forma
precisa uma determinada conduta, deixando ao administrador a liberdade de
caracterizá-la ou não como infração administrativa. Haveria, nesse caso, ofensa
aos princípios da legalidade, tipicidade e segurança jurídica, somente para citar
os mais evidentes.
Pode ocorrer, no entanto, que a lei expressamente confira à
Administração certa margem de liberdade para decidir acerca de questões
técnicas ou procedimentais que interfiram, delimitem ou integrem a hipótese
normativa sem que isso implique liberdade do administrador na aplicação da lei
ao caso concreto.
Para melhor ilustrar a hipótese aventada, tomem-se como exemplo
as infrações previstas no art. 218 do Código Nacional de Trânsito
132
:
______________
132
BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Lei 9.503 de 23 de setembro de 1997 e alterações
posteriores. Congresso Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 21 set 08. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm. Acesso em: 21 set 2008.
97
Art. 218. Transitar em velocidade superior à máxima permitida para o
local, medida por instrumento ou equipamento hábil, em rodovias,
vias de trânsito rápido, vias arteriais e demais vias:
I - quando a velocidade for superior à máxima em até 20% (vinte por
cento):
Infração - média;
Penalidade - multa;
II - quando a velocidade for superior à máxima em mais de 20% (vinte
por cento) até 50% (cinqüenta por cento):
Infração - grave;
Penalidade - multa;
III - quando a velocidade for superior à máxima em mais de 50%
(cinqüenta por cento):
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa [3 (três) vezes], suspensão imediata do direito de
dirigir e apreensão do documento de habilitação.
A simples leitura do caput do referido artigo permite concluir
que, para a sua aplicação, é necessário definir qual a velocidade máxima
permitida para o local onde se dá a conduta.
De nada adiantaria a previsão de severas penalidades para o excesso
de velocidade se não houvesse um limite máximo previamente fixado. A
ausência do limite impossibilitaria a caracterização da infração e,
conseqüentemente, a aplicação da sanção, tornando inócuo o dispositivo legal.
Continuando a tratar do exemplo citado, tem-se que a fixação do
limite de velocidade é disciplinada pelo próprio Código Nacional de Trânsito
que, logo após classificar as vias abertas à circulação, tanto urbanas como rurais,
estabelece, em seu artigo 61, que:
Art. 61. A velocidade máxima permitida para a via será indicada por
meio de sinalização, obedecidas suas características técnicas e as
condições de trânsito.
§ Onde não existir sinalização regulamentadora, a velocidade
máxima será de:
I - nas vias urbanas:
98
a) oitenta quilômetros por hora, nas vias de trânsito rápido:
b) sessenta quilômetros por hora, nas vias arteriais;
c) quarenta quilômetros por hora, nas vias coletoras;
d) trinta quilômetros por hora, nas vias locais;
II - nas vias rurais:
a) nas rodovias:
1) cento e dez quilômetros por hora para automóveis e camionetas;
1) 110 (cento e dez) quilômetros por hora para automóveis,
camionetas e motocicletas;
2) noventa quilômetros por hora, para ônibus e microônibus;
3) oitenta quilômetros por hora, para os demais veículos;
b) nas estradas, sessenta quilômetros por hora.
§ O órgão ou entidade de trânsito ou rodoviário com circunscrição
sobre a via poderá regulamentar, por meio de sinalização, velocidades
superiores ou inferiores àquelas estabelecidas no parágrafo anterior.
Nota-se que a lei fixa os limites de velocidade para as diversas vias
de circulação, mas, ao mesmo tempo, ao órgão administrativo (art. 61, §2º)
competência para regulamentar, por meio de sinalização, velocidades
superiores ou inferiores àquelas estabelecidas por lei.
Trata-se de típica competência administrativa regulamentar
133
,
exercida por meio de normas gerais e abstratas no exercício de atividade em que
é possível reconhecer certa margem de discricionariedade.
Tem-se, portanto, que a delimitação do tipo infracional pode, nesse
caso, envolver atividade administrativa discricionária. Tal atividade deverá ser
______________
133
A respeito do regime jurídico do regulamento no ordenamento brasileiro, permanece válida
e atual a observação feita por Geraldo Ataliba: “(...)é com estrema cautela que de se ler o
que no estrangeiro se escreveu sobre a matéria. É que o conteúdo, a forma e o regime do
poder regulamentar nos países cuja cultura jurídica mais contribuíram para a nossa formação
científica e política, são bem diversos dos nossos.”
“O estudioso desavisado pode facilmente incorrer em graves erronias, se não se adverte para
as distinções entre o nosso regime constitucional tradicional e o desenvolvido alhures.”
“Certos autores mais sôfregos têm cedido à fácil tentação da tradução simplista e da
transplantação acriteriosa de problemas e soluções, inadvertidos da diversidade de regimes.
Não são, certamente, os mais avisados, mas infelizmente têm encontrado fácil e inadvertido
eco.” (ATALIBA, Geraldo. Decreto regulamentar no ordenamento brasileiro. Revista de
Direito Administrativo 97/21-33. Rio de Janeiro. FGV: 1969. p. 21.)
99
exercida através de norma geral e abstrata à qual será dada publicidade por meio
de sinalização afixada no local.
Não se cogita de liberdade conferida ao administrador na tarefa de
subsunção do fato à norma, mas sim no exercício de função administrativa
regulamentar, ainda no plano geral e abstrato.
Se o órgão administrativo não fixar qualquer limite, valem os
limites legais, gozando a norma de plena eficácia. Se, de outro modo, o órgão
administrativo estipular novos limites para uma determinada via, ou trecho de
via, valem as disposições administrativas, tomadas com base em critérios
técnicos, considerando as características específicas da via.
No caso citado, o exercício da competência administrativa
discricionária se em momento anterior à aplicação da norma e não quando da
análise de uma conduta específica. A atividade administrativa discricionária,
nesse caso, interfere diretamente na hipótese normativa.
Assim, verificada a ocorrência de uma dada conduta não há
liberdade para que o administrador possa decidir a respeito de sua legalidade,
previamente determinada pela norma regulamentar, ou, na ausência dela, pela
própria lei.
Acrescente-se, na esteira do que foi dito em capítulo anterior, que a
parcela de liberdade conferida ao órgão administrativo para a fixação dos limites
de velocidade é limitada pela finalidade do dispositivo, além dos princípios da
legalidade, proporcionalidade e razoabilidade.
100
Nula seria, por exemplo, a fixação de um limite máximo de
velocidade em quarenta quilômetros por hora para o trânsito de automóveis em
rodovia de quatros faixas de trânsito em excelente estado de conservação.
Também nula a fixação de limite de 120 quilômetros por hora para o trânsito de
veículos em vias locais urbanas. Em ambos os casos haveria evidente ofensa aos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
De se reconhecer, portanto, a existência de discricionariedade na
hipótese normativa da norma administrativa discricionária nos termos acima
propostos.
Demonstrada a possibilidade de a lei conferir, expressamente, à
Administração, parcela de competência discricionária a ser exercida por meio de
normas gerais e abstratas, interferindo diretamente na hipótese normativa, em
momento anterior à sua aplicação cabe indagar a respeito da possibilidade de
utilização de conceitos jurídicos indeterminados na descrição da infração.
Em se tratando da utilização de tais conceitos na hipótese
normativa, pode-se dar que uma determinada conduta praticada se enquadre na
zona de certeza positiva do conceito. Pode-se dar, ainda, que a conduta se
enquadre na zona de certeza negativa do conceito. Em ambos os casos não
haveria qualquer margem de liberdade conferida ao administrador que, na
primeira hipótese estaria obrigado a aplicar a sanção e, na segunda, proibido de
fazer incidir a conseqüência normativa.
Há que se considerar, no entanto, que na zona de certeza positiva do
conceito inúmeras condutas podem se enquadrar o que significa dizer que a
imprecisão do conceito permite que uma única norma seja utilizada para regular
101
condutas distintas, de igual grau de reprovabilidade, visto que, nesse caso,
estariam sujeitas a uma mesma sanção.
Pode-se dar, ainda, que com a evolução dos costumes jurídicos e
sociais, as zonas de certeza positiva ou negativa do conceito sejam alargadas ou
mesmo restringidas, emprestando um certo caráter dinâmico à norma, capaz de
se adaptar às mudanças da sociedade e dos valores por ela aceitos e adotados.
Não como negar, portanto, a utilidade do emprego de tais
conceitos na formulação de normas jurídicas, inclusive as sancionadoras.
A dificuldade se põe quando uma determinada conduta se enquadra
na zona de incerteza do conceito, mas isso é tema que merece maior
aprofundamento e será tratado no último tópico do presente capítulo.
V.1.3. Discricionariedade na conseqüência da norma (sanção)
A discricionariedade na conseqüência da norma sancionadora
consiste em deixar ao administrador a escolha da sanção a ser imposta, entre
duas ou mais opções possíveis, ou, ainda, a determinação a respeito de sua
intensidade, quando passível de ser aplicada em intensidades distintas.
Cumpre analisar, portanto, se a lei pode prever múltiplas sanções
para uma mesma infração ou, ainda, uma única sanção passível de ser aplicada
em diferentes intensidades, ficando a decisão a cargo do agente administrativo.
Sendo afirmativa a resposta, cabe analisar quais os limites que devem ser
observados.
102
Poder-se-ia argumentar, nesse ponto, que a descrição precisa das
infrações administrativas seria suficiente para atender à necessidade de
segurança jurídica e ao princípio da legalidade. Conhecida a infração, teria o
administrado condições de saber a respeito da licitude ou não de suas condutas,
ficando sujeito a sanções administrativas apenas quando, deliberadamente,
praticasse conduta ilegal.
Ocorre que, além do conhecimento prévio das infrações, dos atos
sujeitos à sanção administrativa, decorre do princípio da tipicidade, da
legalidade e da garantia de segurança jurídica o direito de conhecer,
previamente, as sanções que lhes são correspondentes. Vale dizer, não só é
necessária a previsão legal das sanções, mas também a indicação da infração
cuja prática constitui pressuposto de sua aplicação
134
.
Como expresso anteriormente, em matéria de infrações e sanções
administrativas aplica-se o princípio da tipicidade, da maneira como previsto na
Constituição Federal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal”.
Não se está, com isso, querendo afirmar a impossibilidade de a lei
conferir ao administrador alguma margem de discricionariedade para, por
exemplo, decidir pela imposição de sanção em intensidade que se enquadre
dentro de limites previamente estipulados em lei, de acordo com critérios
previamente estabelecidos.
______________
134
Nas palavras de Rafael Munhoz de Mello: “Tampouco basta à satisfação do princípio da
legalidade a criação apenas do ilícito administrativo por lei formal, deixando-se a escolha da
sanção à Administração Pública. E vice-versa: não basta a previsão legal da sanção, sem que
seja descrita na lei a situação de fato que fundamenta sua aplicação. Tanto a infração quanto a
sanção administrativa devem ter previsão legal segundo o princípio da legalidade. E mais:
deve a lei estabelecer a relação entre as infrações e as sanções administrativas, de modo que o
infrator saiba exatamente a medida em que está sujeito pela prática do comportamento
ilícito.(...)” (MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 122.)
103
São inúmeros os exemplos na legislação de previsão de sanção de
multa administrativa a ser aplicada dentro de um intervalo determinado, de
acordo com critérios previamente estabelecidos. Além da multa, que pode ser
aplicada em intensidades distintas, inúmeras outras sanções podem ser
dimensionadas em sua intensidade, seja pela sua gravidade, seja pelo seu prazo
de duração.
Assim, a proibição de contratar com o poder público, a perda de
direitos, a suspensão, o afastamento temporário, entre inúmeras outras, são
sanções passíveis de serem impostas em diferentes intensidades.
A exigência que se faz é que os intervalos sejam razoáveis, sendo
desejável que a própria lei estabeleça critérios para que o administrador, dentro
do intervalo previamente determinado, escolha a sanção mais adequada a ser
aplicada.
Como bem observado por Heraldo Garcia Vitta
se o legislador estabelece liberdade amplíssima à autoridade para
impor a penalidade administrativa, nos limites de mínimo e máximo
estipulados, o particular não tem como saber, antecipadamente, qual
seria a provável e específica conseqüência de sua conduta, pressuposto
da pena.
De acordo com o autor, “isso equivaleria à inexistência de lei formal a regular a
quantidade de pena a ser imposta ao infrator”
135
.
Além da ofensa aos princípios da tipicidade e legalidade, de
configurar uma indevida delegação legislativa, que se considerar que a
______________
135
VITTA, Heraldo Garcia. Op. Cit. p. 91.
104
previsão de liberdade amplíssima” ao legislador implicaria reconhecer a
possibilidade de se sancionar uma mesma infração com penas radicalmente
distintas em sua intensidade em evidente ofensa aos princípios da igualdade,
razoabilidade e proporcionalidade a determinar a inconstitucionalidade da
norma.
Assim como ocorre com a determinação da intensidade da sanção,
pode ocorrer que a lei estabeleça, para uma única infração, sanções diversas, a
serem aplicadas de uma vez pela autoridade administrativa. Poderia, ainda,
nesse caso, deixar à autoridade administrativa a decisão sobre a aplicação da
totalidade das sanções previstas, ou apenas de parte delas, sempre de acordo
com critérios previamente estabelecidos.
Também nesse caso, pelas mesmas razões acima expostas, não se
poderia admitir fosse concedida ampla liberdade ao administrador para a escolha
entre sanções de gravidade altamente discrepante ou, ainda, dentro de um rol
contendo elevado número de opções.
V.2. Inexistência de discricionariedade in concreto
Foi adiantado que com relação à tipificação das infrações
administrativas, não se vislumbra a possibilidade de existência de
discricionariedade diante do caso concreto, resta, portanto, demonstrar a
procedência de tal afirmação.
Fato é que o reconhecimento de competência administrativa
discricionária, nessa hipótese, implicaria afirmar que, praticado o ato, caberia ao
105
administrador determinar, com alguma liberdade, se aquele ato constituiria ou
não infração administrativa.
Note-se que, nesse caso, o exercício da atividade discricionária
seria posterior à prática do ato, podendo ser traduzido como liberdade conferida
ao administrador para, imune ao controle judicial, decidir a respeito da licitude
ou não de uma conduta específica.
Tal liberdade, entretanto, implicaria grave ofensa à segurança
jurídica, além dos princípios constitucionais da legalidade e tipicidade. Isso
porque o particular, ao praticar o ato, não teria condições de saber a respeito de
sua licitude, a ser determinada, posteriormente, pelo agente administrativo.
Como conseqüência, para evitar a aplicação da pena, deveria o
particular adotar uma interpretação ampliativa da vedação legal norma
restritiva de direitos que, como tal, deveria ser interpretada restritivamente
deixando de praticar atos permitidos ou não vedados pelo ordenamento.
Caso contrário, o particular praticaria o ato e ficaria sujeito ao
julgamento subjetivo, ao arbítrio da autoridade administrativa.
Em ambos os casos, além da ofensa aos citados princípios
constitucionais, a finalidade da norma não seria atingida. Ocorre que, como
antes demonstrado, a finalidade da norma sancionadora é de desestimular a
prática de atos reprovados pelo ordenamento jurídico.
Não tendo o administrado condições de saber, de antemão, quais os
atos que lhe são vedados pois essa determinação seria feita, a posteriori, pela
106
autoridade administrativa não teria como evitá-los, frustrando, assim, a
finalidade da norma.
Tem-se, portanto, que o reconhecimento de discricionariedade na
tarefa de subsunção do fato à hipótese da norma sancionadora é lógica e
juridicamente incompatível com sua própria finalidade.
O mesmo não ocorre, entretanto, com o reconhecimento de certa
margem de discricionariedade conferida ao administrador na tarefa de imposição
da sanção ao infrator. Não como sustentar que, dentro de um intervalo de
mínimo e máximo previamente determinado pela lei seja possível, em todo e
qualquer caso, a partir de critérios objetivos, determinar com exatidão a
intensidade da pena a ser aplicada.
De qualquer modo, é preciso esclarecer que a parcela de
competência discricionária reconhecível nesse último caso é bastante limitada,
sendo estreitos os seus limites. Na aplicação da sanção, devem sempre ser
consideradas a razoabilidade e proporcionalidade da pena em face da infração
praticada, sendo plenamente possível o controle judicial nesse sentido.
Saliente-se, por fim, que em qualquer caso o particular deve ter
condições de saber, previamente, ainda que de forma aproximada, o grau de
intensidade da sanção a que estará sujeito pela prática da infração.
107
VI.3. Utilização de conceitos jurídicos indeterminados na descrição das
infrações.
Fábio Medina Osório defende a utilização de conceitos jurídicos
indeterminados na descrição de infrações administrativas e afirma que tais
conceitos
até podem implicar a chamada ‘unidade de solução justa’, mas essa
unidade não significa a inexistência de margens de apreciação, sendo
que essas margens podem ser mais ou menos elásticas, inclusive
comportando alguma discricionariedade hermenêutica
136
.
Ocorre que, se por um lado a utilização de conceitos
indeterminados possibilita a aplicação da norma a uma série de situações de fato
que se enquadram em sua zona de certeza positiva
137
, possibilitando que uma
única norma seja capaz de disciplinar um grande número de condutas; tem-se,
de outro lado, que a indeterminação do conceito seria capaz de gerar grande
insegurança jurídica.
A possível incerteza gerada pela vagueza dos termos poderia levar o
intérprete a concluir, de forma apressada, pela impossibilidade de sua utilização.
Ocorre que, como será demonstrado, é possível conciliar a utilização de tais
conceitos com a necessária garantia de segurança jurídica ao cidadão.
É admissível, portanto, ainda que com ressalvas, o uso de conceitos
indeterminados na descrição de infrações administrativas, sendo inegável sua
utilidade na criação de normas capazes de se adaptar a diferentes tipos de
______________
136
OSÓRIO, Fábio Medina. Op. Cit. p. 221.
137
Vide “III.3 Os conceitos jurídicos indeterminados”
108
situação, inclusive a novos fatos, não existentes quando de sua criação,
conferindo dinamismo ao ordenamento.
Não como admitir, entretanto, que da utilização de termos vagos
ou imprecisos na descrição da infração se tire qualquer margem de
discricionariedade ao administrador na aplicação da lei ao caso concreto.
Assim, o tratamento dado aos conceitos jurídicos indeterminados
quando utilizados na descrição de infrações administrativas não deve seguir a
regra geral que implica reconhecimento de discricionariedade diante do caso
concreto.
De acordo com Jessé Torres Pereira Junior
no tratamento do conceito indeterminado, a liberdade do aplicador se
exaure na fixação da premissa: uma vez estabelecida, no caso
concreto, a coincidência ou não coincidência entre o fato e o modelo
normativo, a solução estará predeterminada – poderá ser a da
norma se houver a coincidência; a norma não incidirá, não havendo a
coincidência
138
.
Tem razão o professor quando afirma que, uma vez fixada a
premissa a solução se encontra previamente determinada, não havendo qualquer
margem de liberdade para a aplicação ou não da conseqüência normativa.
Também não se nega a procedência da afirmação de que “a
liberdade do aplicador se exaure na fixação da premissa, apenas é preciso
anotar que, em se tratando de norma administrativa sancionadora não que se
reconhecer qualquer margem de liberdade ao administrador na fixação da
premissa.
______________
138
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Op. Cit. p. 70.
109
Assim, imaginando que uma dada conduta se enquadre na zona de
incerteza do tipo infracional, deve o administrador optar pelo não
reconhecimento do ilícito por não lhe caber julgar, na ausência de critérios
puramente objetivos, a conduta do administrado.
Se a conduta se enquadra na zona de incerteza do conceito é porque
nem o administrador nem o administrado, podem afirmar se a conduta é ilícita
ou ilícita. Nesse contexto, não se pode punir o administrado pelo fato de ter
entendido pela licitude da conduta se não é possível, nem ao administrador nem
a ninguém, demonstrar sua ilicitude através de critérios objetivos.
A aplicação da sanção administrativa, portanto, somente seria
possível quando a conduta praticada se enquadrasse na zona de certeza positiva
do conceito, não se reconhecendo competência administrativa sancionadora
baseada em sua zona de incerteza.
Ao contrário do que ocorre com os demais atos administrativos,
caberia ao Judiciário afastar a caracterização da infração sempre que se
deparasse com dúvida a respeito da subsunção do fato à hipótese normativa
descrita através de termos vagos ou imprecisos.
Não estaria o Judiciário, nesse caso, interferindo no mérito do ato
administrativo, mas apenas protegendo direitos e garantias fundamentais do
cidadão de somente ser apenado por conduta claramente descrita como infração
administrativa.
Vale anotar que, assim como acontece no controle dos atos
administrativos em geral, não cabe ao Judiciário, através de juízo subjetivo,
110
delimitar o conceito em sua zona de incerteza, mas, pelo contrário, apenas
reconhecer a incerteza e, conseqüentemente, afastar a caracterização da infração.
Em resumo, pode-se afirmar que em matéria de infrações e sanções
administrativas a incerteza aproveita ao particular, destinatário primário da
norma, e não confere competência ao agente administrativo que tem sua atuação
legitimada apenas nos casos de certeza objetiva.
111
CAPÍTULO VI - OUTROS PRINCÍPIOS A SEREM OBSERVADOS NA
IMPOSIÇÃO DAS SANÇÕES
VI.1. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
Diversos autores tratam razoabilidade e proporcionalidade como
termos sinônimos, expressões de um mesmo princípio.
Sempre reconhecendo a existência de diversos pontos de contato e
áreas em comum entre os dois princípios
139
, é possível, no entanto, reconhecer
diferenças capazes de distingui-los, tarefa da qual não se pretende desincumbir o
presente estudo, direcionado que é ao tema específico do controle jurisdicional
das infrações e sanções administrativas.
Pretende-se, aqui, demonstrar, ainda que sucintamente, a
importância e utilidade de ambos os princípios na aplicação de sanções
administrativas e seu controle pelo Poder Judiciário.
Como afirmado anteriormente, ao tratar da estrutura do
administrativo sancionador, tomando por base as lições de Celso Antônio
Bandeira de Melo é “no âmbito da causa que se examinam dois tópicos
extremamente importantes para a validade do ato, a saber: a) sua razoabilidade e
b) sua proporcionalidade
140
”.
______________
139
Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz ao falarem do princípio da proporcionalidade
asseveram: “intimamente relacionado ao princípio da razoabilidade, a ponto, até, de se
confundir com ele, está o princípio da proporcionalidade.” (DALLARI, Adilson Abreu. e
FERRAZ, Sérgio. Processo Administrativo. São Paulo. Malheiros: 2001. p. 63.)
140
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. 2008. Op. Cit. p. 401
112
Importante enfatizar, entretanto, que não é apenas o ato
administrativo, fruto da aplicação da lei ao caso concreto, que deve obedecer à
exigência de proporcionalidade, mas também a própria produção legislativa,
impossibilitada que está, por disposições constitucionais
141
, de editar normas
desproporcionais ou mesmo desarrazoadas, como se em Carlos Roberto
Siqueira Castro
142
.
Com relação à razoabilidade na interpretação dizia Carlos
Maximiliano que “deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo
que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, a ter a
conclusões inconsistentes ou impossíveis”
143
.
______________
141
Muito se discute a respeito do fundamento constitucional do princípio. Logo de partida, no
entanto, pode-se afirmar que a configuração do Estado como Democrático e Social de Direito
e o princípio da igualdade constituem sólidos fundamentos para sua aplicação. Nesse sentido,
pode-se afirmar que uma lei desproporcional é, em última análise, violadora da igualdade ao
deixar de estabelecer correlação gica entre o fator de discrímen e a desequiparação
procedida” para fazer uma analogia com a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade.
São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais: 1978. p. 47.). Assim, tratando do direito administrativo
sancionador, para que dois fatos distintos recebam a mesma sanção, é necessário que ambos
atinjam valores jurídicos com a mesma gravidade, com a mesma intensidade. Nas palavras de
Fábio Medina Osório “um dos elementos que permite ao Judiciário o exame da
proporcionalidade é, sem dúvida, a constatação de um mínimo de coerência legislativa nos
atos sancionadores” (OSÓRIO, Fábio Medina. Op. Cit. p. 178.).
142
Diz o autor em sua obra intitulada “O devido Processo Legal e os Princípios da
Razoabilidade e da Proporcionalidade”: “É digno de nota, a propósito do título escolhido ao
presente livro, que, muito embora o cânone da “razoabilidade”, suprimido na fase de
elaboração da nova Constituição do Brasil, tivesse pertinência direta com os atos
administrativos, a sua aplicação, juntamente com o princípio da proporcionalidade, à
generalidade das regras jurídicas, expressão onde se incluem as leis formais e toda sorte de
ato normativo editado pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, constituiria resultado
inafastável da interpretação extensiva e sistemática de tal dispositivo constitucional atinente à
garantia do devido processo legal.” (SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. O devido
Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Edição. Rio de
Janeiro. Forense: 2006. p. 409.)
143
MAXIMILIANO. Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 9ª Edição. Rio de Janeiro.
Forense: 1979. p.166.
113
A afirmação é lapidar e revela, na primeira metade do século
passado e de forma brilhante, preocupação com uma interpretação razoável do
Direito.
Para Recaséns Sichens
ante cualquier caso, fácil o difícil, hay que proceder razonablemente,
pércatandonos de la realidadad y del sentido de los hechos,
comprendiendo las valoraciones em que se inspira el orden jurídico
positivo, viendo el propósito de la norma en cuestión y apreciando las
valoraciones complementarias que produzca el juez en armonía con
dicho orden jurídico positivo, y, relacionando lo uno con lo otro, y lo
otro con lo uno
144
.
A “lógica do razoável”, proposta por Sichens, teve o mérito de
reconhecer a incidência de vetores axiológicos na tarefa de aplicação da norma
ao caso concreto, afastando-se, assim, da lógica puramente formal. Inegável,
portanto, a contribuição do autor para a formulação do princípio da
razoabilidade. O reconhecimento da exigência de razoabilidade na aplicação do
Direito pode ser visto como o embrião do princípio que, ao depois, veio a ser
reconhecido
145
.
Em atenção ao princípio da razoabilidade deve-se dar, à norma
sancionadora, interpretação razoável, acorde com sua finalidade e com os
______________
144
SICHENS, Luis Recaséns. Introduccion al estudio del derecho”. México. Editorial Porrúa:
1970. p. 247.
145
Para José Roberto Pimenta Oliveira “(...)a formulação do referido Autor espanhol não tinha
como servir de conteúdo para determinado ‘princípio’, até mesmo porque na época era ainda
contestada a normatividade desta categoria. Assim, a lógica do razoável não fornece,
automaticamente, o conteúdo do princípio da razoabilidade.” Mais à frente conclui o autor:
“entretanto, não dúvida de que a busca de uma razão diferenciada da dinâmica do
fenômeno jurídico, de cunho material, capaz de lidar com o seu dado axiológico, a percepção
de que a racionalidade jurídica tem seus próprios paradigmas, servirá de inspiração na
estruturação dogmática do princípio da razoabilidade, tal como desenvolvido pela Ciência
Jurídica após a instauração do Estado Democrático e Social de Direito no decorrer da segunda
metade do século XX.(...)”(OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Princípios da Razoabilidade e
da Proporcionalidade. São Paulo. Malheiros: 2006. p. 129.)
114
valores albergados pelo ordenamento jurídico. Deve haver, ainda,
proporcionalidade entre a reprovação da conduta incriminada, sua
potencialidade ofensiva e a punição aplicada.
Um bom exemplo do que se está a expor pode ser tirado do artigo
35, VIII da Lei Complementar 35/79 que estabelece, como dever imposto aos
magistrados, a obrigação de “manter conduta irrepreensível na vida pública e
particular”.
A despeito da exagerada abertura do tipo, que não será aqui objeto
de apreciação, tem-se que sua interpretação não poderia exceder os limites do
razoável. Não seria lícito, portanto, punir um magistrado administrativamente,
pelo descumprimento da mencionada obrigação, pelo fato de ter estacionado seu
veículo particular em local proibido durante o fim de semana.
A conduta do magistrado em sua vida particular, no exemplo citado,
nada teria de irrepreensível, pelo contrário, constituiria infração às normas de
trânsito. Partindo de uma interpretação literal da lei, portanto, poder-se-ia chegar
à conclusão de que o magistrado teria infringido os deveres do cargo e, dessa
forma, estaria sujeito às sanções administrativas disciplinares previstas no artigo
42 da Lei Orgânica da Magistratura.
Não seria preciso qualquer esforço, entretanto, para perceber o
absurdo de tal interpretação, seu descompasso com a finalidade da norma, sua
falta de razoabilidade e proporcionalidade.
Nesse sentido, quanto mais aberto o tipo legal, maior a importância
dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade como instrumentos para sua
delimitação.
115
Razoabilidade e legalidade, portanto, são princípios que andam
juntos, de mãos dadas, em auxílio um do outro. Busca-se, na razoabilidade, a
essência da lei, sua verdadeira finalidade em detrimento de uma interpretação
literal ou enviesada.
A proporcionalidade, pode-se dizer, é a necessária relação de
adequação entre o ato praticado, a hipótese normativa e sua conseqüência. Pode-
se, ainda, verificar a existência ou não da proporcionalidade em tese, a priori,
independente de ato concreto, apenas na relação entre hipótese e conseqüência
normativa em vista da finalidade da norma.
Precisas, nesse ponto, as lições de Adilson Abreu Dallari e Sérgio
Ferraz ao afirmar que
o princípio da proporcionalidade, especialmente por causa de sua
íntima relação com o princípio da razoabilidade, não impede apenas as
exigências exageradas; impede, sim, também exigências inúteis, que
lamentavelmente continuam sendo feitas pela Administração
Pública
146
.
Fala-se, ainda, em proporcionalidade entre princípios ou valores
adotados pelo ordenamento jurídico.
É cada vez mais freqüente a invocação do princípio da
proporcionalidade para solucionar casos em que se encontram em confronto
princípios ou valores jurídicos. Nesses casos, busca-se um equilíbrio entre os
valores conflitantes, de forma que a prevalência de um não aniquile o outro.
______________
146
DALLARI, Adilson Abreu. e FERRAZ, Sérgio. Op. Cit. p. 64
116
É preciso, no entanto, muita cautela nessa operação. Não são
poucas as vezes em que o confronto entre valores ou princípios é apenas
aparente e, não obstante, socorre-se o intérprete ou aplicador do direito do
princípio da proporcionalidade, caminho mais curto, e por vezes mais
conveniente, para a solução do pretenso conflito.
No caso de conflito entre princípios e valores constitucionais, por
exemplo, deve-se, em primeiro lugar, buscar a solução na própria constituição.
O que não se pode admitir é que o princípio da proporcionalidade
seja utilizado, por exemplo, como instrumento para a flexibilização de direitos e
garantias individuais criados, justamente, para a proteção do cidadão nas mais
extremas e complicadas situações.
De nada adiantariam os princípios constitucionais da presunção de
inocência e do devido processo legal, por exemplo, se pudessem ceder toda vez
que houvesse acusação por crime de natureza grave sob alegação de que haveria
um “interesse público” na rápida exclusão do acusado do convívio social.
Não haveria, na hipótese aventada, verdadeiro interesse público,
mas sim a utilização do princípio da proporcionalidade como forma de
justificação de medidas totalitárias, não-condizentes com a ordem
constitucional.
Retomando o tema em sua relação específica com as infrações e
sanções administrativas, tem-se que a norma sancionadora deve ser interpretada
de modo razoável, de acordo com sua real finalidade, devendo-se sempre
resguardar uma relação de proporcionalidade entre a gravidade da infração e a
sanção prevista ou aplicada, de modo a evitar excesso de punição.
117
À falta de razoabilidade ou proporcionalidade na aplicação da
sanção, pode e deve o Judiciário intervir, declarando a ilegalidade do ato ou,
ainda, a inconstitucionalidade da norma que lhe deu fundamento por ofensa aos
referidos princípios de índole constitucional.
Para finalizar com relação a este tópico, vale trazer à colação os
ensinamentos da Profª. Weida Zancaner:
um ato não é razoável quando não existirem os fatos em que se
embasou; quando os fatos, embora existentes, não guardam relação
lógica com a medida tomada; quando, mesmo existente alguma
relação lógica, não adequada proporção entre uns e outros; quando
se assentou em argumentos ou premissas, explícitas ou implícitas, que
não autorizam, do ponto de vista lógico, a conclusão deles extraída
147
.
VI.2. Princípio do ‘non bis in idem’
De acordo com Daniel Ferreira a importância do princípio do non
bis in idem está na proibição de um reiterado sancionamento por uma mesma
infração. De acordo com o autor não haveria qualquer problema na acumulação
de sanções penais e administrativas para um mesmo comportamento delituoso.
Também não haveria qualquer problema na acumulação de diversas sanções
administrativas, desde que estipuladas por lei
148
.
A impossibilidade de se aplicar reiteradas sanções por uma mesma
infração parece, no entanto, ser questão pacífica, não necessitando maiores
considerações. Aplicada a sanção administrativa, é fora de dúvida que o infrator
não poderá ser punido novamente pela prática da mesma infração.
______________
147
ZANCANER, Weida. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil
constitucional do Estado Social e Democrático de Direito. in Estudos em homenagem a
Geraldo Ataliba. org. Celso Antônio Bandeira de Mello. São Paulo. Malheiros: 1997. p. 623.
148
FERREIRA, Daniel. Op. Cit. p. 133/134.
118
Com relação à aplicação de sanções penais e administrativas para
um mesmo comportamento delituoso, também não parece haver maiores
questionamentos. Nada obsta que o legislador tipifique uma determinada
conduta como ilícito penal e administrativo, devendo o infrator responder em
ambas as esferas.
É preciso ressaltar, no entanto, a existência de uma diferença
fundamental entre a aplicação das sanções administrativas e a aplicação sanções
penais.
É que a competência para a aplicação de sanção penal decorrente de
fato delituoso é exclusiva da autoridade judiciária a quem couber o julgamento
do processo. Assim, sendo uma ou diversas as sanções criminais aplicáveis a um
mesmo fato, caberá, via de regra, ao mesmo magistrado ou órgão colegiado,
decidir a respeito de sua aplicação.
Em se tratando de sanção administrativa é preciso considerar a
pluralidade de órgãos competentes para as diversas naturezas de ilícitos
administrativos existentes. Assim, em linhas gerais, pode-se dizer que a
competência administrativa para a aplicação de sanções encontra-se
materialmente dividida entre diversas autoridades
149
, cada uma delas competente
para zelar sobre bem jurídico de especial natureza.
Pode acontecer, por exemplo, de um mesmo fato implicar a atuação
sancionadora do Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários e do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica. É preciso, nesse caso,
______________
149
Não se nega a existência de divisão de competências entre os órgãos incumbidos da
jurisdição criminal, mas, além da divisão encontrar limites mais nítidos, a competência é
menos pulverizada que entre os órgãos administrativos.
119
investigar se será possível a cada um dos órgãos citados aplicar a sanção que
lhes compete. Daí a especial importância do princípio do non bis in idem para o
Direito Administrativo Sancionador.
Para Rafael Munhoz Filho
a sanção que atende ao princípio da proporcionalidade é a prevista no
ordenamento jurídico: o legislador, observadas as normas
constitucionais, define as medidas sancionadoras adequadas e
proporcionais para cada situação de fato”. Conclui o autor que “se
estabelece a lei múltiplas sanções para uma mesma conduta, são elas
as sanções adequadas e proporcionais, não sendo sua aplicação
ofensiva ao princípio do ‘non bis in idem’
150
.
Ocorre, entretanto, que quando define infrações e sanções
administrativas, o legislador cria normas gerais e abstratas (leis) que têm por
objetivo a tutela de bens jurídicos diversos. Assim, ao estabelecer as sanções, o
legislador tem como parâmetro de proporcionalidade a gravidade da infração
cometida em face do bem jurídico protegido.
Pode ocorrer, entretanto, que uma mesma conduta configure
diversas infrações, fazendo incidir sobre o infrator, múltiplas penalidades. Nesse
caso, embora se possa reconhecer a proporcionalidade entre cada uma das
infrações e as sanções a ela correspondentes, é bastante provável que a simples
soma das sanções aplicadas seja claramente desproporcional em relação ao
ilícito.
É preciso salientar que a divisão de competências administrativas
em razão da matéria nem sempre é bem definida, podendo ocorrer superposição
de competências entre órgãos administrativos distintos.
______________
150
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 212.
120
De acordo com Alejandro Nieto, a multiplicidade de valores
protegidos não altera o regime da proibição do bis in idem, mas apenas legitima
a conduta do legislador de tipificar como infrações as ações que ocasionem lesão
a tais valores.
151
Defende o autor espanhol que a proibição do bis in idem não está
direcionada ao legislador, mas sim ao aplicador da norma, que deve analisar os
tipos legais para saber se são concorrentes ou concêntricos, assim conclui da
seguinte forma:
1º. La constatación de dos intereses protegidos agredidos elimina
ciertamente el concurso de normas (y en ello estoy de acuerdo con la
práctica judicial ordinaria). Pero 2º. lo que se produce es un
concurso ideal de infracciones, que como tal debe ser tratado, o sea,
que no habrá acumulación automática de sanciones, sino absorción o,
en su caso, exasperación. 3º. Sólo podrá apreciarse concurso real de
infracciones cuando efectivamente se constate la comisión de varios
echos
152
.
Em concordância com o autor espanhol, vale invocar a norma do
artigo 70 do Código Penal brasileiro que estabelece:
Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica
dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das
penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em
qualquer caso, de um sexto até a metade. As penas aplicam-se,
entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os
crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o
disposto no artigo anterior.
Assim, nos termos do referido artigo, as penas somente poderiam
ser aplicadas cumulativamente em caso de dolo em que houvesse desígnios
autônomos, ou seja, em que houvesse a intenção do sujeito de praticar mais de
um crime. Nesse sentido, o comentário de Damásio E. de Jesus:
______________
151
NIETO, Alejandro. Op. Cit. p. 406.
152
NIETO, Alejandro. Op. Cit. p. 408.
121
Ocorre a autonomia de desígnios quando o sujeito pretende praticar
não um crime, mas rios, tendo consciência e vontade em relação
a cada um deles, considerado isoladamente. Assim, o sujeito pode
estuprar com dupla finalidade: satisfazer o instinto sexual e transmitir
doença venérea de que está contaminando a vítima. Com uma só
conduta, realiza dois fins.
153
Ainda que se possa discutir a respeito de sua aplicabilidade, a regra
de direito penal deve, quando menos, servir como parâmetro a ser adotado pelo
administrador na imposição de sanções administrativas.
Adotando posição diversa, Heraldo Garcia Vitta defende que “o
Direito penal é especial, isto é, contém normas particulares, próprias desse ramo
jurídico; em princípio não podem ser estendidas além dos casos para os quais
foram instituídas”. Afirma o autor que “a forma de sancionar é instituída pelo
legislador, segundo critérios de discricionariedade”; acrescenta que caberia à lei
estabelecer regras a respeito da concorrência de infrações, para concluir que no
silêncio, o acúmulo material é de rigor”
154
.
Ocorre que, se no direito penal, em que se encontram os ilícitos e
penas de maior gravidade, não se admite a simples acumulação de sanções por
ilícitos decorrentes de um mesmo fato, com maior razão não se deve aceitar a
acumulação das sanções administrativas nas mesmas condições.
Tomando por base as citadas lições de Alejandro Nieto, não se
discute a liberdade do legislador na criação de infrações e sanções
administrativas, mas sim a forma de aplicação das penas previstas quando
houver a incidência de múltiplas normas sancionadoras sobre um mesmo fato.
______________
153
JESUS, Damásio. Código Penal Anotado. Edição. São Paulo. Editora Saraiva: 1995. p.
195.
154
VITTA, Heraldo Garcia. Op. Cit. p. 130.
122
Nesse sentido, pode-se afirmar que o legislador, quando cria a
norma sancionadora, descreve conduta hipotética prescrevendo-lhe uma ou mais
sanções específicas, tendo em vista a proteção de um dado bem jurídico. Via de
regra, não se preocupa o legislador com o sistema jurídico como um todo, nem
se a conduta descrita pode abarcar fatos previstos em outras leis voltadas à
proteção de valores distintos.
Constatada a incidência de mais de uma norma sancionadora sobre
um mesmo fato, cabe ao aplicador, valendo-se de critérios previamente
estabelecidos
155
, temperar a aplicação das sanções previstas tendo em vista a
gravidade das infrações e a finalidade específica das normas. Nesse contexto, o
simples acúmulo material das sanções iria de encontro à própria finalidade das
normas incidentes, ocasionando excesso de punição.
Para que haja o acúmulo material é necessária previsão legal
específica a demonstrar inequívoca vontade da lei pela imposição das sanções
em sua inteireza sem qualquer temperamento.
Vale recordar, conforme exposto em capítulo anterior (IV.1), que
tanto as sanções penais quanto as administrativas constituem expressão de um
mesmo jus puniendi estatal, havendo evidente proximidade material entre as
esferas penal e administrativa sancionadora.
Como antes afirmado, as sanções penais e administrativas, por sua
proximidade, estão sujeitas a princípios e garantias constitucionais comuns.
______________
155
A sugestão, conforme dito em parágrafo anterior, é tomar por base a disciplina da matéria
no direito penal, a menos até que se tenha estabelecido critérios específicos para o direito
administrativo sancionador.
123
A maior dificuldade, como adiantado, está na divisão da
competência administrativa sancionadora dividida entre diversos órgãos, cada
um responsável pela tutela de um bem ou valor jurídico específico.
Cabe, portanto, ao acusado, através do exercício do contraditório e
da ampla defesa, alertar a autoridade administrativa da existência de prévia
condenação pelo mesmo fato, cabendo à autoridade identificar a existência ou
não de concurso de infrações ou de sanções.
Ao Judiciário, por sua vez, cabe analisar o conjunto das sanções
aplicadas, verificando a ocorrência ou não de bis in idem, nos termos propostos.
Vale, mais uma vez, a advertência de Alejandro Nieto, para quem
el Derecho Administrativo sancionador habrá alcançado su madurez
cuando esté en condiciones de ofrecer un marco teórico de referencia
que le permita operar con la misma soltura (no exento, claro es, de
dificultades y contradicciones) con que se mueve actualmente el Juez
penal.
156
VI.3 - Princípio da motivação
A necessidade de motivação dos atos administrativos decorre
diretamente da estrutura do Estado Brasileiro, concebido como Estado
Democrático de Direito em que se adota o princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional, além das garantias do contraditório e da ampla defesa
157
.
______________
156
NIETO, Alejandro. Op. Cit. p. 409.
157
De acordo com Lúcia Valle Figueiredo: “A motivação atende às duas faces do due process
of law: a formal – porque está expressa no texto constitucional básico; e a substancial – sem a
motivação não há possibilidade de aferição da legalidade ou ilegalidade, da justiça ou da
injustiça de uma decisão administrativa.” (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito
Administrativo. 4ª Edição. São Paulo. Malheiros: 2000. p. 49.)
124
De forma mais específica, a Constituição Federal, em seu artigo 93,
incisos IX e X, determina expressamente que serão motivadas as decisões dos
órgãos do Poder Judiciário, sejam elas judiciais ou administrativas.
Ora, se cabe falar em decisões e processos administrativos no
âmbito do Judiciário é porque constituem exercício de função administrativa,
submetidos, portanto, ao regime jurídico-administrativo. Tais decisões em nada
diferem daqueles processos e respectivas decisões tomadas no âmbito dos
demais Poderes. Daí porque, não havendo razão para diferença de tratamento, a
previsão constitucional a respeito da necessidade de motivação das decisões
administrativas do Poder Judiciário deve ser estendida a todos os órgãos da
administração pública.
Vê-se, portanto, que o princípio sob comento decorre não apenas da
estrutura constitucional do Estado, mas também de disposições constitucionais
específicas, a denotar, desde logo, sua importância.
Também a lei federal de processo administrativo
158
exige sejam
motivados os atos administrativos, fazendo expressa menção, em seu artigo 50,
II, àqueles que imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções.
Para Romeu Felipe Bacellar Filho “(a) a motivação decorre do princípio da publicidade, do
contraditório e da ampla defesa; (b) tem como matriz constitucional o princípio do Estado
Democrático de Direito, comungando dos mesmos fundamentos orientadores da motivação
dos atos jurisdicionais a expressar relevante aspecto da efetividade do processo
administrativo; (c) é corolário da legalidade, impessoalidade e moralidade da Administração
no exercício da competência disciplinar”. (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo
Administrativo Disciplinar. 2ª Edição. São Paulo. Max Limonad: 2003. p. 215)
158
De acordo com o art. 50, §1º “a motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo
consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres,
informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”. (BRASIL.
Lei n.º 9.784, de 19 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal. Congresso Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF.
125
Em matéria de atos administrativos sancionadores, a necessidade de
motivação adquire especial relevância em razão de seu caráter restritivo de
direitos que impõe sejam garantidos instrumentos de controle efetivos.
A motivação é essencial para permitir o controle, tanto judicial
como administrativo, da atividade estatal, possibilitando o efetivo exercício do
contraditório e da ampla defesa, consistindo, assim, em importante instrumento
de contenção de arbitrariedades.
Para a imposição de sanções administrativas é necessário, quando
menos, que se identifique a conduta caracterizadora da infração, sua subsunção à
norma sancionadora e que se justifique a intensidade da sanção quando passível
de ser imposta em diferentes intensidades nos termos da lei.
Havendo o exercício do contraditório, deverá a autoridade
administrativa examinar todos os argumentos de defesa, acolhendo-os ou
afastando-os, de forma a demonstrar as razões que levaram a seu
convencimento.
Por fim, a motivação deve ser prévia ou contemporânea ao ato, não
se admitindo motivação superveniente. Sua falta ou insuficiência acarreta
nulidade da decisão que pode e deve ser reconhecida pelo Poder Judiciário.
VI.4. Princípio da anterioridade e retroatividade da lei mais benéfica
29 jan 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9784.htm. Acesso
em 21 set 08.)
126
Estabelece a Constituição Federal, em seu art. 5º, XL, que “a lei
penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
A irretroatividade de lei prevendo infrações e sanções
administrativas é matéria pacífica e decorre diretamente dos princípios da
legalidade e da segurança jurídica, sendo desnecessário recorrer ao mencionado
dispositivo constitucional para fundamentá-la.
Para que se possa punir alguém por infração administrativa é
necessário que a lei tenha entrado em vigor em momento anterior à prática do
ato infracional. Para efeitos de caracterização de infração administrativas, valem
as leis vigentes quando da prática do ato.
Questão controversa, entretanto, diz respeito à retroatividade da lei
mais benéfica ao infrator, que estabeleça pena menos gravosa ou, ainda, deixe
de considerar ilícita a conduta praticada.
Embora controvertida a questão, é preciso que se diga que a grande
maioria dos doutrinadores brasileiros defende a retroatividade da lei mais
benéfica em matéria de infrações e sanções administrativas. Entre os que adotam
tal posicionamento estão Daniel Ferreira, Heraldo Garcia Vitta, Sérgio Ferraz e
Adilson Abreu Dallari.
Para Daniel Ferreira
não obstante se apresente na Constituição Federal da República
Federativa do Brasil como uma aparente possibilidade, e não como
uma imposição, a retroação da lei mais benigna em matéria
sancionadora é um direito do sancionado ou, até mesmo, do acusado,
qualquer que tenha sido o ilícito praticado ou imputado
159
.
______________
159
FERREIRA, Daniel. Op. Cit. p. 138.
127
Adotando posição radicalmente distinta, Rafael Munhoz de Mello
apresenta bons fundamentos para defender a inaplicabilidade do referido
princípio de direito penal às infrações e sanções administrativas. De acordo com
o autor são razões humanitárias que justificam a retroatividade da lei penal em
virtude da gravidade das sanções impostas, especialmente a pena de prisão,
restritiva da liberdade de ir e vir do cidadão
160
.
Vale ressaltar, no entanto, que a retroatividade da lei mais benéfica
em matéria penal não se encontra restrita às penas restritivas de liberdade, a
demonstrar a insuficiência das citadas razões humanitárias como sua única
justificativa.
Assim, a par dos fundamentos invocados pelo autor, as razões
humanitárias que justificam a retroatividade da lei, é possível encontrar outros,
com validade também para o direito administrativo sancionador.
Ocorre que, se o ordenamento jurídico deixa de considerar ilícito
um determinado comportamento ou passa a puni-lo com sanções de menor
gravidade, é porque entendeu exagerada a proteção dada anteriormente, não
fazendo sentido que o infrator, após a promulgação da nova lei, continue a sofrer
as penalidades mais graves, consideradas excessivas pelo próprio ordenamento.
Assim, deve-se ter por regra a retroatividade de lei mais benigna em
matéria de infrações e sanções administrativas, sem necessidade de expressa
previsão legal nesse sentido.
Há que se atentar, no entanto, para as advertências de Fábio Medina
______________
160
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 153-156.
128
Osório no sentido de que
a mudança de normas inferiores, dos regulamentos, das portarias que
integram o preceito proibitivo primário, em regra, não retroagem seus
efeitos mais favoráveis, salvo quando se trate, comprovadamente, de
alterações radicais nos valores e conceitos que estavam debaixo das
normas punitivas, provocando profunda transformação normativa que,
à luz do critério isonômico, haveria, por critério de razoabilidade,
retroagir
161
.
Assiste razão ao autor quando afirma que a mudança de regras
inferiores, em regra, não retroage seus efeitos. De fato, imagine-se que, por
disposição administrativa, passe-se a permitir o estacionamento de veículos em
rua onde antes era proibido. É fato que o estacionamento naquele local deixou
de ser caracterizado infração, mas nem por isso aquelas pessoas que haviam sido
multadas ao tempo da proibição poderão invocar a retroatividade da norma mais
benéfica. Ocorre que, não houve, no caso, alteração nos valores jurídicos
tutelados, o estacionamento em local proibido continua sendo punido, apenas
naquela rua passou-se a permitir o que antes era proibido.
A mesma situação se verifica, por exemplo, com o aumento do
limite de velocidade em uma determinada rodovia: a norma não retroage para
beneficiar eventuais infratores.
Diferente seria, por exemplo, o tratamento dado a determinada lei
que reduzisse o valor de multa aplicada por infração urbanística ou ambiental.
Nesse caso, a norma teria efeitos retroativos para beneficiar os responsáveis por
infrações praticadas antes de sua entrada em vigor, pois haveria implícito o
reconhecimento, pelo próprio ordenamento, do excesso da sanção anteriormente
prevista.
______________
161
OSÓRIO, Fábio Medina. Op. Cit. p. 278.
129
Por fim, importante que se diga, para o caso de infrações tributárias,
que o artigo 106, II, “c” do Código Tributário Nacional expressamente prevê
que “a lei aplica-se a ato ou fato pretérito, tratando-se de ato não definitivamente
julgado, quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei
vigente ao tempo da sua prática”.
VI.5. Contraditório e ampla defesa no processo administrativo
A Constituição Federal é expressa ao determinar, em seu artigo 5º,
LV que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes”.
A Constituição, portanto, é expressa ao garantir o exercício do
contraditório e da ampla defesa não apenas nos processos judiciais, mas também
nos administrativos.
A um desavisado, entretanto, poderia ocorrer que a imposição de
sanções administrativas por vezes prescinde de processo administrativo e,
portanto, das garantias do contraditório e da ampla defesa. Como exemplo, tal
pessoa poderia invocar as multas de trânsito, geralmente aplicadas sem qualquer
procedimento prévio que garanta a oitiva das partes e o efetivo exercício do
direito de defesa.
Ocorre que, nesse caso, contraditório e ampla defesa são diferidos,
funcionando o ato de imposição da sanção como verdadeira portaria
130
instauradora de processo administrativo, termo inicial da acusação a respeito do
qual a parte poderá se manifestar.
Recebida a multa, portanto, poderá o particular interpor recurso
administrativo, oportunidade em que poderá expor as razões de sua defesa.
Para Cândido Rangel Dinamarco
a participação a ser franqueada aos litigantes é uma expressão da
idéia, plantada na ordem política, de que o exercício do poder se
legitima quando preparado por atos idôneos segundo a Constituição e
a lei, com a participação dos sujeitos interessados
162
.
Tem-se, assim, que para que sejam atendidos os mandamentos
constitucionais do devido processo legal com suas inerentes garantias do
contraditório e da ampla defesa, necessário se faz garantir às partes interessadas
a efetiva participação no processo decisório, e não oportunidade meramente
formal de participação.
É necessário, ainda, que se dê a conhecer, ao acusado, o exato teor
da acusação, com indicação precisa dos fatos tidos como ilícitos e sua subsunção
à norma sancionadora. Somente assim é que se pode falar em efetiva
oportunidade de defesa concedida ao administrado.
Nas palavras de Cármen Lúcia Antunes Rocha
o devido processo legal administrativo compreende mesmo os
princípios que informam a feitura do ato administrativo, tais como o
da razoabilidade e o da proporcionalidade, de tal modo que ele traz
não apenas a principiologia do processo, mas extrapola a forma e
compromete a substância do provimento administrativo. Afinal, o que
______________
162
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. vol. I. 2ª Edição
rev. e atual. São Paulo. Malheiros: 2002. p. 214.
131
é reto e justo constitui a essência da legitimidade de qualquer
comportamento, seja ele havido numa relação ou num ato
administrativo unilateral.
163
Contraditório e ampla defesa, portanto, não são meras garantias
formais, etapas de um procedimento a ser cumprido pela Administração como
forma de legitimar uma futura condenação. Não basta que se à parte
oportunidade de apresentar seus argumentos e razões de defesa, é preciso mais;
é essencial que tais argumentos sejam levados em consideração pela autoridade
responsável pela tomada de decisão
164
.
A existência de um procedimento formal a ser seguido, por outro
lado, facilita a identificação de eventuais vícios de ordem material, desnudando
a atividade administrativa de forma a possibilitar um efetivo controle, tanto
administrativo quanto jurisdicional.
Para Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari
o princípio do contraditório exige um diálogo; a alternância das
manifestações das partes interessadas durante a fase instrutória”. Para
os autores “a decisão final deve fluir da dialética processual o que
significa que todas as razões produzidas devem ser sopesadas
especialmente aquelas apresentadas por quem esteja sendo acusado,
direta ou indiretamente, de algo sancionável
165
.
______________
163
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Op. Cit. p. 19
164
Cabem, nesse ponto, os ensinamentos de Egon Bockmann Moreira para quem “os
envolvidos na relação processual não detêm unicamente a garantia de receber notícias, mas de
poder a respeito delas se manifestar e ter sua reação apreciada pelo órgão competente. Mais
do que isso: as intimações devem ser claras e específicas, conferindo prazos razoáveis e
proporcionais à exigências administrativas. É inerente à garantia a efetiva possibilidade do seu
exrcício”. (BOCKMANN MOREIRA, Egon. Processo administrativo: princípios
constitucionais e a lei 9.784/1999. Edição, atualizada, revista e aumentada. São Paulo.
Malheiros: 2003. p. 278)
165
DALLARI, Adilson Abreu. e FERRAZ, Sérgio. Op. Cit. p. 72
132
Verificada a inobservância das garantias constitucionais no
processo, esvazia-se a legitimidade de sua decisão, cabendo ao Judiciário
determinar sua anulação.
133
CAPÍTULO VII - EXCLUDENTES DA INFRAÇÃO E A QUESTÃO
DA TRANSMISSIBILIDADE DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
A posição adotada em capítulo anterior (IV.9) no sentido de não
se admitir a mera voluntariedade como elemento subjetivo suficiente para a
caracterização de infração administrativa e, conseqüentemente, para a
imposição de sanções administrativas, mostra-se decisiva para as posições que
se irá defender no presente capítulo.
Ocorre que, de acordo com a posição adotada, as causas
excludentes de culpabilidade devem, por questão de coerência lógica com a
posição adotada, ser consideradas como excludentes da própria infração, por
falta do elemento subjetivo necessário à sua caracterização.
Também com relação à transmissibilidade, grande relevo é dado
ao elemento subjetivo do tipo, conforme será demonstrado mais adiante.
VII.1. Excludentes da infração administrativa
VII.1.1. Caso fortuito e força maior
Tratando especificamente do direito penal, afirma Julio Fabbrini
Mirabete que “não fato típico na ocorrência de resultado lesivo em
decorrência de caso fortuito ou força maior”
166
.
______________
166
MIRABETE, Julio Fabbrini. e FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. vol. I.
São Paulo. Atlas: 2008. p. 96.
134
O digo Civil de 2002, repetindo o disposto no artigo 1.058,
parágrafo único do código anterior, define, em seu artigo 393, parágrafo único
que: “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos
efeitos não era possível evitar ou impedir”.
J. M. de Carvalho Santos, em comentário ao Código de 1916,
esclarece que “o caso fortuito é o fato imprevisto e irresistível, enquanto que a
força maior é o acontecimento que podia ser previsto, mas em compensação,
não podia ser dominado pelo devedor, dentro de suas forças e possibilidades”
para depois concluir que não haveria utilidade prática na distinção, razão pela
qual o nosso Código Civil, por isso mesmo, orientou-se bem estabelecendo a
sinonímia entre o caso fortuito e a força maior, ao defini-los”
167
.
Para Maria Helena Diniz são dois os requisitos para a
caracterização de caso fortuito ou força maior, um objetivo “que se configura
na inevitabilidade do acontecimento, sendo impossível evitá-lo ou impedi-lo”,
outro de natureza subjetiva “que é a ausência de culpa na produção do
evento”
168
.
Tem-se, portanto, que caso fortuito e força maior configuram
hipóteses em que a vontade do agente não concorre para a prática do ato,
razão pela qual afastam a própria caracterização da infração.
______________
167
SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro interpretado. v. XIV. Edição.
Rio de Janeiro. Livraria Editora Freitas Bastos: 1945.
168
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações.
v. 2. 23ª Edição. São Paulo. Saraiva: 2008. p. 366.
135
VIII.1.2. Estado de necessidade, Legítima defesa, estrito
cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito.
Diz o artigo 23 do Código Penal que “não crime quando o
agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.
Para Fábio Medina Osório inaplicável o referido dispositivo pois
as principais figuras de justificação do ilícito em matéria de direito penal não
são admitidas no direito administrativo em razão da “especial prevalência do
princípio da legalidade”.
Ocorre, entretanto, que o princípio da legalidade, especialmente
em matéria sancionadora, é voltado, principalmente, à proteção do
administrado, garantindo-lhe que somente serão aplicadas sanções quando
expressamente previstas pelo órgão legislativo, o único democraticamente
legitimado, nos termos da Constituição, a inovar originariamente na ordem
jurídica (I.2.1).
O princípio da legalidade em matéria de infrações e sanções
administrativas desempenha função bastante próxima, senão coincidente, com
aquela desempenhada em matéria criminal. Não há, portanto, razão para o não
reconhecimento das justificativas no direito administrativo.
Nesse sentido, aduz Heraldo Garcia Vitta que
o regime democrático de Direito tem reflexos importantes no
regime punitivo estatal. Além do necessário elemento subjetivo,
como vimos, e da imputabilidade do agente (que deve possuir
condições mentais de entendimento do ilícito), causas justificadoras
da conduta impedem o reconhecimento do ilícito administrativo.
136
São situações nas quais o agente não comete infração
administrativa, pois o Direito as reconhece como moralmente
legítimas. É uma das tantas matérias relacionadas à civilidade
jurídica
169
.
VII.1.3 Doença mental
A doença mental pode afetar a capacidade de discernimento da
pessoa fazendo com que se torne incapaz de compreender a ilicitude da
conduta, caso em que não poderá ser responsabilizada. Nesse caso, nem
mesmo a voluntariedade pode ser reconhecida.
Note-se que, de acordo com o Código Civil, art. 3º, o
absolutamente incapazes “os que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos”.
VII.1.4. Coação irresistível e obediência hierárquica
Diz o artigo 22 do Código Penal que “se o fato é cometido sob
coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente
ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.
O referido dispositivo trata de dois institutos diversos que, de
acordo com a dicção legal, excluem a punibilidade, são eles a “coação
irresistível” e a “estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de
superior hierárquico”.
Por coação irresistível pode-se entender o emprego de força
física ou a grave ameaça para obrigar alguém a praticar a infração. Esta
______________
169
VITTA, Heraldo Garcia. Op. Cit. p. 56.
137
ameaça pode ser de conseqüências físicas ou morais. Em qualquer caso a
coação deve ser suficiente para forçar a prática da conduta
170
.
na obediência hierárquica, o agente acredita estar cumprindo
ordem legal de seu superior, razão pela qual pratica a conduta.
Em ambos os casos há excludente de culpabilidade, sendo que no
primeiro a própria voluntariedade é afastada.
VII.1.5 – Erro
De acordo com Régis Fernandes de Oliveira o erro pode
eliminar o elemento subjetivo e excluir a culpa”
171
, razão pela qual é aqui
incluído como excludente da própria infração que, de acordo com a posição
adotada, pressupõe a ocorrência de culpa.
Faz-se necessário, entretanto, diferenciar o erro de tipo” do
“erro de proibição”, tarefa que se passa a realizar.
______________
170
MIRABETE, Julio Fabbrini. e FABBRINI Renato N. Op. Cit. p. 203.
171
Infrações e Sanções Administrativas, p. 48. Adotando o mesmo posicionamento
Ángeles de Palma del Teso afirma: si el error en que ha incurrido, fue vencible, esto es,
hubiera podido evitarse observando el debido cuidado, estaríamos ante un error
imprudente, que excluiría el dolo pero no la imprudencia. Sin embargo, si el error fue
invencible, esto es, no hubiera podido evistarse ni aun con una conduta diligente, excluiría
tanto el dolo como la imprudencia”. (DEL TESO. Ángeles de Palma. Op. Cit. p. 158.)
138
VII.1.5.1. Erro de tipo
Diz o Código Penal, em seu art. 20, que “o erro sobre elemento
constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por
crime culposo, se previsto em lei”.
Trata-se de erro relativo a circunstâncias de fato que compõem o
tipo infracional. Como exemplo, pode-se imaginar o caso de funcionário de
estabelecimento que venda bebida alcoólica a menor de idade imaginando, em
verdade, que o comprador tivesse idade superior a dezoito anos.
De acordo com Rafael Munhoz de Mello
o erro de tipo afasta o dolo, que o agente pratica a conduta típica
sem desejá-la. Mas nem sempre o erro de tipo afasta a culpa stricto
sensu, pois a falsa percepção sobre elemento da conduta pode ter
sido causada por negligência, imperícia ou imprudência do
agente
172
.
Adverte, no entanto, Alejandro Nieto que quando a atividade
delituosa é praticada no exercício de profissão ou função especializada, fica
afastada a possibilidade de invocação do erro relativo à sua área de atuação,
para o exercício da qual se pressupõe que o profissional deva ter
conhecimentos específicos que lhe permitem evitar o erro
173
.
Em todos os casos, de qualquer forma, o erro que ser
comprovado, assim como sua inevitabilidade, única hipótese em que é capaz
de excluir a culpa.
______________
172
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 197.
173
NIETO, Alejandro. Op. Cit. p.364.
139
VII.1.5.2. Erro de proibição
Embora não se possa alegar desconhecimento da lei
174
como
justificativa para seu descumprimento, é necessário que a pessoa saiba, ou
tenha condições de saber a respeito da ilicitude de sua conduta. Se o particular
tem consciência de sua conduta, mas atua sem conhecimento de sua ilicitude
de sua conduta, diz-se que incorreu em erro de proibição
175
.
Considerando o grande mero de normas que tratam de
infrações e sanções administrativas e, ainda, a falta de convergência na
interpretação que lhes é dada pelos diversos aplicadores, é possível que o erro
com relação à licitude da conduta seja plenamente justificável.
Pode ocorrer, por exemplo, que o particular pratique infração ao
seguir orientação emanada de órgãos administrativos caso em que, salvo
comprovada má-fé ou caráter manifestamente ilegal, ficam afastados dolo e
culpa, até em homenagem ao princípio da segurança jurídica em seu caráter
subjetivo (proteção da confiança).
Para Rafael Munhoz de Mello
o erro de proibição, se inevitável, afasta a culpabilidade do agente e
torna incabível a imposição da sanção administrativa. Para tanto, é
preciso que o erro de proibição tenha ocorrido apesar do atuar
diligente do indivíduo na busca da correta compreensão das normas
jurídicas
176
.
Assim, para que afaste a culpabilidade, o erro deve ser inevitável
e a inevitabilidade, assim como o próprio dano, deve ser comprovada.
______________
174
Lei de introdução ao código civil, art. 3º.
175
DEL TESO. Ángeles de Palma. Op. Cit. p. 158.
176
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 200.
140
VII.2. Transmissibilidade das sanções administrativas
Daniel Ferreira estabelece interessante ligação entre a finalidade
das sanções e a possibilidade de sua transmissão a terceiros. Esclarece o autor
que se a finalidade da sanção fosse a punição, não se poderia cogitar de sua
imposição a terceiros, daqueles que não tivessem efetivamente cometido o
ilícito ou concorrido para a sua prática
177
.
Ocorre que, de igual forma, tendo a sanção finalidade de
desestimular a prática do ilícito, não se pode conceber seja ela aplicada a
quem sequer tinha condições de evitar a ocorrência da infração.
A regra, portanto, deve ser a da intransmissibilidade das sanções
administrativas, conforme, inclusive, previsto entre os direitos e garantias
individuais e coletivos (CF, art. 5º, XLV):
nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a
obrigação de reparar danos e a decretação do perdimento de bens
ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
Nesse sentido é o posicionamento de Rafael Munhoz de Mello
para quem
a imposição ou transmissão de sanção retributiva a terceiro que não
praticou a conduta típica é medida manifestamente inadequada ao
atendimento da finalidade preventiva vinculada à competência
punitiva da Administração Pública
178
.
______________
177
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 48.
178
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 195.
141
Sob o tema “transmissibilidade das sanções administrativas”,
entretanto, duas questões distintas devem ser analisadas: i) a possibilidade da
sanção a sujeito distinto do infrator (responsabilização de terceiros); e ii) a
transmissibilidade da sanção no caso de sucessão.
VII.2.1. Responsabilização de terceiros
Diz o artigo 134 do Código Tributário Nacional:
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do
cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem
solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas
omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados
ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos
por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa
falida ou pelo concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos
tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles,
em razão do seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de
penalidades, às de caráter moratório.
Nos termos do referido artigo a responsabilidade solidária
pressupõe a intervenção do responsável no ato que deu origem à obrigação
ou, ainda, omissão de um dever que lhe tenha sido atribuído.
142
Como ensina Aliomar Baleeiro
o dispositivo repousa na presunção de que as pessoas nele
indicadas empregarão o máximo de sua diligência para uma atitude
leal em relação ao Fisco nas declarações, informações, pagamento
de tributos etc.
179
.
Importante ressaltar que o referido dispositivo legal diz respeito à
responsabilidade pela obrigação principal e não pelas penalidades dela
decorrentes. No que diz respeito às penalidades, ficam limitadas às de caráter
moratório, que tem conteúdo pecuniário.
Seguindo essa mesma linha, poder-se-ia argumentar pela
transmissibilidade das sanções reais, e intransmissibilidade das sanções
pessoais, que somente poderiam recair sobre o infrator
180
.
A distinção é válida para ressaltar a impossibilidade de, em
qualquer caso, transmitir a terceiros sanções de natureza pessoal, mas não
resolve o problema com relação às sanções reais que, embora possam ser
transmissíveis, não o são em todos os casos.
De fato, portanto, é incabível atribuir a terceiros punições de
caráter pessoal. Por outro lado, nem sempre as sanções reais poderão ser
transmitidas, ainda que por disposição legal, sendo necessário reconhecer,
com relação ao terceiro, alguma forma de responsabilidade, ainda que por
omissão.
______________
179
Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Edição. Rio de Janeiro. Forense:
1975. p. 433.
180
Adota-se, aqui, a classificação de Daniel Ferreira para quem sanções reais “são as
pecuniárias (multas) e as que, por sua natureza, gravam coisas, possuindo caráter real (por
exemplo as de perda de bens, interdição de estabelecimento e outras)” e sanções pessoais
são “todas as demais, ou seja, as que atingem a ‘pessoa’ do sujeito passivo da sanção
(infrator ou responsável), nelas se incluindo, por exemplo, as de prisão, de suspensão de
atividades, etc.” (FERREIRA, Daniel. Op. Cit. p. 46)
143
Com relação à transmissibilidade de sanções administrativas,
ainda tomando por inspiração o citado dispositivo do código tributário
nacional, que trata da responsabilidade solidária pela obrigação principal, é
possível afirmar que somente será admissível nos casos em que o terceiro
responsável tenha, de alguma forma, condições de evitar a infração ou, ainda,
nos casos em que se possa reconhecer a omissão de um dever que lhe possa
ser atribuído.
Nesse sentido, aduz Celso Antônio Bandeira de Mello que
cumpre verificar é se existe ou não, por parte de alguém diverso do
infrator, e a ser qualificado como ‘responsável’, a possibilidade de
lhe controlar a conduta ou, quando impossível tal controle, se este
terceiro dispõe de meios para constranger o infrator a suportar a
sanção pecuniária
181
.
Seria de todo incondizente com o Estado Democrático e Social
de Direito que alguém pudesse ser apenado por fato sobre o qual não tivesse
nenhum tipo de interferência ou, ainda, que não fosse capaz de evitar.
Como bem demonstrado por Celso Antônio Bandeira de Mello a
transmissibilidade da sanção não pode desnaturar sua própria finalidade, de
desestimular a prática de condutas semelhantes
182
.
Caso fosse possível a simples atribuição de responsabilidade a
terceiros, sem qualquer vínculo com o fato delituoso, ou sem a capacidade de
nele intervir para evitá-lo, estaria o Estado preocupado apenas em arrecadar
os recursos objeto das sanções pecuniárias, punindo o cidadão sem que
houvesse justificativa para tanto.
______________
181
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. 2008. Op. Cit. p. 848.
182
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. 2008. Op. Cit. p.848.
144
VII.2.2. Transmissibilidade no caso de sucessão
Como antes demonstrado, tanto a sanção administrativa quanto a
penal são expressões de um único jus puniendi estatal, estando sujeitas aos
mesmos princípios constitucionais embora guardando, cada qual,
peculiaridades capazes de as diferenciar
183
.
Assim, com relação à garantia constitucional da
intransmissibilidade das penas, não se razão para que não possa ser
aplicada também em matéria administrativa. Não se vislumbra, entre sanções
penais e administrativas, diferenças que justifiquem dar-lhes tratamento
desigual no que toca à questão da transmissibilidade nem há, no texto
constitucional, qualquer limitação à aplicação da garantia
184
.
Não como admitir, portanto, a transmissibilidade de sanções
administrativas em caso de sucessão, ainda que, quando do falecimento, se
tivesse iniciado processo administrativo contra o de cujus, objetivando
aplicar-lhe punição.
______________
183
Nesse sentido, Ángeles de Palma del Teso afirma que “la visión unitaria que la
Constitución adopta del fenómeno sancionador ha conducido al afianzamiento de la tesis
del ius puniendi único del Estado, del que es una manifestación el Derecho Sancionador
Administrativo. El ejercicio de la potestad sancionadora de la Administración está
sometido a los principios del Derecho punitivo del Estado, entre los que caba destacar el
principio de la personalidad de las sanciones”. (DEL TESO. Ángeles de Palma. Op. Cit. p.
79)
184
Nesse sentido, as lições de Rafael Munhoz de Mello que, ao tratar da
intransmissibilidade das sanções (CF, art. 5º, XLV), afirma: “Não no referido
dispositivo constitucional qualquer elemento que indique estar sua aplicação limitada à
esfera do direito pena, cabendo lembrar, ainda, que se trata de garantia constitucional
individual, cuja interpretação deve ser a mais abrangente possível, por força do princípio
da máxima efetividade.” (MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Op. Cit. p. 194.)
145
Não é por outra razão que, especificamente com relação às
sanções tributárias, espécie de sanção administrativa, Paulo Roberto Coimbra
Silva afirma que
fatos lícitos, usualmente previstos no antecedente de normas
tributárias complementares, destinadas a modificar o pólo passivo
da obrigação tributária, com, ‘v.g.’ morte, podem ensejar a
exigência de tributos não recolhidos, mas não das sanções
punitivas, porquanto sobre os quais não recai, nem pode recair,
qualquer culpabilidade pelos atos do ‘de cujus’.
185
que se diferenciar, no entanto, o regime aplicável às sanções
aplicadas ao infrator quando de seu falecimento daquelas ainda não
aplicadas ou pendentes de julgamento. Como afirma Susana Lorenzo
si la sanción administrativa tiene um contenido pecuniário, el cual
ha sido liquidado por la Administración, constituye ya un crédito
contra el particular, y em tal caso puede exigirse o reclamarse a
sus herderos
186
.
Assim, tendo sido aplicada sanção de natureza pecuniária antes
do falecimento do infrator ou responsável, o valor correspondente deve ser
tratado como crédito do Estado contra o infrator, sendo possível sua
transmissão aos herdeiros, nos limites do valor da herança
187
.
______________
185
COIMBRA SILVA, Paulo Roberto. Direito Tributário Sancionador. São Paulo.
Quartier Latin: 2007. p. 329.
186
LORENZO, Suzana. Op. Cit. p. 116
187
Nesse sentido, Maria Helena Diniz afirma que “um privilégio legal concedido aos
herdeiros de serem admitidos à herança do de cujus, sem obrigá-los a responder pelos
encargos além das forças do acervo hereditário. Os herdeiros têm, tão-somente,
responsabilidade intra viveres hereditatis. A herança é, portanto, o patrimônio do falecido,
ou seja, o conjunto de bens materiais, direitos e obrigações (CC, arts. 91 e 943) que se
transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários. O patrimônio do responsável
responderá pelo dano moral ou patrimonial”. (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito
Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. v. 6. 22ª Edição. São Paulo. Ed. Saraiva: 2008.)
146
Essa a posição adotada por Francisco Octavio de Almeida Prado
para quem se a sanção ainda não tiver sido aplicada, constituindo mera
pretensão punitiva, será impossível aplicá-la ao sucessor”
188
.
que se atentar, ainda, para a diferença, demonstrada (V.2),
entre sanção e reparação de danos, sendo a intransmissibilidade atributo
apenas da primeira.
É por expressa disposição constitucional
189
que a obrigação de
reparar danos e a decretação do perdimento de bens podem ser transmitidas
aos herdeiros, nos limites do valor da herança, pouco importando, nesse caso,
se a condenação se deu antes ou depois do falecimento.
Sintetizando a posição adotada, afirma-se ser inadmissível a
transmissão, aos sucessores, de sanções administrativas. Eventuais créditos
decorrentes de sanções aplicadas podem, no entanto, ser transmitidas aos
herdeiros nos limites do patrimônio do de cujus. Também transmissíveis as
medidas de natureza reparatória, entre as quais a obrigação de reparar danos,
sendo a transferência, em todo e qualquer caso, limitada ao valor da herança.
______________
188
ALMEIDA PRADO, Francisco Octavio de. Op. Cit. p. 143.
189
Art. 5º, XLV, da Constituição Federal.
CONCLUSÕES
1. No Estado Democrático de Direito, na forma como definido
pela Constituição Federal brasileira, não espaço para o exercício de um
poder que não tenha fundamento jurídico, que não esteja expressamente
previsto na lei ou na Constituição como instrumento de um dever a ser
cumprido, uma finalidade a ser alcançada pelo agente.
2. O controle jurisdicional das infrações e sanções
administrativas é atividade que implica o exercício das funções legislativa,
administrativa e jurisdicional, sendo necessária, para seu estudo, a análise das
relações existentes entre as três funções aplicadas ao campo específico do
direito administrativo sancionador.
3. O conhecimento prévio das infrações e das sanções a elas
correspondentes é fundamental não para que o particular possa evitar a
prática de atos reprovados pelo ordenamento, mas também para que possa,
conscientemente, praticar os atos que lhe são lícitos.
4. A análise da relação existente entre as funções legislativa e
administrativa é dada, em última análise, pelo princípio da legalidade na
forma como adotado pela Constituição Federal.
5. Por ser elaborada com a participação de órgão composto pelos
representantes das mais variadas facções da sociedade, a lei pode ser
considerada a melhor expressão do princípio democrático. É à lei que a
Constituição confere, em primeiro plano, a prerrogativa de criar o Direito e,
dessa forma, definir o interesse público que irá orientar toda a atividade
administrativa.
6. Os limites de interferência do Poder Judiciário sobre a
atividade administrativa são dados pelo estudo da discricionariedade, que
pode ser entendida como grau de liberdade conferido por lei ao agente público
para o exercício da função administrativa.
7. A discricionariedade encontra, sempre, fundamento na lei e é
por ela limitada. Inexiste discricionariedade na ausência de lei.
8. Mesmo diante do caso concreto a aplicação dos conceitos
jurídicos indeterminados pode implicar uma pluralidade de soluções
igualmente sustentáveis, sendo impossível a demonstração objetiva de sua
impropriedade. Nesses casos, espaço para a atuação discricionária do
administrador.
9. O reconhecimento de discricionariedade ao nível da norma não
implica, necessariamente, reconhecimento de discricionariedade diante do
caso concreto.
10. A imposição de sanções penais e administrativas constitui
exercício de um mesmo jus puniendi estatal. A caracterização de um fato
como ilícito penal ou administrativo constitui escolha do legislador, estando
ambos sujeitas a princípios e garantias constitucionais comuns.
11. Sanção administrativa é medida restritiva de direitos, prevista
em lei, que tem por pressuposto legal a prática de infração, excedendo a mera
reparação do dano eventualmente causado. O pressuposto da sanção não é o
dano causado, mas a infração praticada. As medidas reparadoras são
conseqüências do dano enquanto a sanção é conseqüência do ilícito.
12. A prática de infração administrativa nada mais é que a
conduta que se subsume à hipótese normativa obrigando o Estado a aplicar a
sanção. Para que determinada conduta configure infração é necessária a
existência de norma jurídica que a qualifique como tal, razão pela qual a
infração deve ser considerada conduta jurídica.
13. A diferença entre as infrações administrativas e as demais
classes de ilícitos reside no regime jurídico, mas é a análise do sujeito ativo
competente para a aplicação da sanção o melhor critério para se determinar
qual o regime jurídico aplicável e, portanto, a natureza do ilícito e da sanção.
14. A análise cuidadosa dos pressupostos do ato administrativo
sancionador permite evidenciar eventuais vícios de legalidade do ato,
possibilitando o seu controle judicial ou administrativo. Daí sua fundamental
importância.
15. A finalidade da sanção administrativa está em desestimular a
prática de determinados atos, reprovados pelo ordenamento jurídico. Se por
um lado é certo que para desestimular a prática de certos atos é preciso punir
quem os tenha praticado, a recíproca não é verdadeira: nem sempre a punição
leva ao desestímulo da prática dos atos.
16. Não basta a previsão isolada da infração ou da sanção, é
imperativo do princípio da tipicidade a existência de lei que estabeleça, para
cada infração, a correspondente sanção. O essencial é que as infrações e
sanções administrativas sejam descritas em lei de tal forma que seja possível
ao particular conhecer, com precisão, não quais as condutas que lhe são
vedadas e quais as que lhe são permitidas, mas também a conseqüência que
está sujeito a sofrer pela prática do ilícito.
17. Não condiz com o Estado Democrático de Direito e, menos
ainda, com o princípio da presunção da inocência, a possibilidade de
sancionar alguém sem necessidade de comprovação de sua culpa. A
configuração de infração administrativa exige comprovação de dolo ou culpa,
não bastando a mera voluntariedade.
18. Pode ocorrer que a lei expressamente confira à Administração
certa margem de liberdade para decidir acerca de questões técnicas ou
procedimentais que interfiram, delimitem ou integrem a hipótese normativa
sem que isso implique liberdade do administrador na aplicação da lei ao caso
concreto. Nesse caso, o exercício da competência administrativa
discricionária se em momento anterior à aplicação da norma e não quando
da análise de uma conduta específica.
19. É possível que a lei confira ao administrador alguma margem
de discricionariedade para decidir pela imposição de sanção em intensidade
que se enquadre dentro de limites previamente estipulados em lei. A exigência
que se faz é que os intervalos sejam razoáveis, sendo desejável que a própria
lei estabeleça critérios para que o administrador, dentro do intervalo
previamente determinado, escolha a sanção mais adequada a ser aplicada.
20. O reconhecimento de discricionariedade na tarefa de
subsunção do fato à hipótese da norma sancionadora é lógica e juridicamente
incompatível com sua própria finalidade. Não se admite, portanto, qualquer
margem de discricionariedade ao administrador na tarefa de subsunção do
fato à hipótese da norma sancionadora.
21. Reconhece-se, no entanto, certa margem de
discricionariedade conferida ao administrador na tarefa de imposição da
sanção ao infrator. Não há como sustentar que, dentro de um intervalo de
mínimo e máximo previamente determinado pela lei seja possível, em todo e
qualquer caso, a partir de critérios objetivos, determinar com exatidão a
intensidade da sanção a ser aplicada.
22. É admissível o uso de conceitos indeterminados na descrição
de infrações administrativas. Não como admitir, entretanto, que da
utilização de termos vagos ou imprecisos na descrição da infração se tire
qualquer margem de discricionariedade ao administrador na aplicação da lei
ao caso concreto.
23. O tratamento dado aos conceitos jurídicos indeterminados
quando utilizados na descrição de infrações administrativas não deve seguir a
regra geral que implica reconhecimento de discricionariedade diante do caso
concreto. A aplicação da sanção administrativa somente é possível quando a
conduta praticada se enquadre na zona de certeza positiva do conceito, não se
reconhecendo competência administrativa sancionadora baseada em sua zona
de incerteza.
24. Em se tratando de conceitos jurídicos indeterminados
utilizados na descrição de infrações administrativas não cabe ao Judiciário,
através de juízo subjetivo, delimitar o conceito em sua zona de incerteza, mas,
pelo contrário, apenas reconhecer a incerteza e, conseqüentemente, afastar a
caracterização da infração.
25. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade devem
ser observados tanto na criação de infrações e sanções quanto na imposição
das sanções administrativas. À falta de razoabilidade ou proporcionalidade na
aplicação da sanção, pode e deve o Judiciário intervir, declarando a
ilegalidade do ato ou, ainda, a inconstitucionalidade da norma que lhe deu
fundamento por ofensa aos referidos princípios de índole constitucional.
26. Constatada a incidência de mais de uma norma sancionadora
sobre um mesmo fato, cabe ao aplicador, valendo-se de critérios previamente
estabelecidos, temperar a aplicação das sanções previstas tendo em vista a
gravidade das infrações e a finalidade específica das normas. Nesse contexto,
o simples acúmulo material das sanções iria de encontro à própria finalidade
das normas incidentes, ocasionando excesso de punição. Aplica-se ao direito
administrativo sancionador o princípio do non bis in idem.
27. A motivação, que deve ser prévia ou contemporânea ao ato, é
essencial para permitir o controle, tanto judicial como administrativo, da
atividade estatal, possibilitando o efetivo exercício do contraditório e da
ampla defesa. Consiste, assim, em importante instrumento de contenção de
arbitrariedades. Para a imposição de sanções administrativas é necessário que
se identifique, quando menos, a conduta caracterizadora da infração e sua
subsunção à norma sancionadora. Faz-se, também, necessário que se
apresente justificativa para intensidade da sanção aplicada quando passível de
ser imposta em diferentes intensidades nos termos da lei.
28. A irretroatividade de lei prevendo infrações e sanções
administrativas é matéria pacífica e decorre diretamente dos princípios da
legalidade e da segurança jurídica.
29. Embora seja questão polêmica, deve-se ter por regra a
retroatividade de lei mais benigna em matéria de infrações e sanções
administrativas, sem necessidade de expressa previsão legal nesse sentido.
que se verificar, no entanto, para a retroatividade da lei, se houve alteração
nos valores jurídicos tutelados.
30. Contraditório e ampla defesa não são meras garantias
formais. Necessário se faz garantir às partes interessadas a efetiva
participação no processo decisório e não oportunidade meramente formal de
participação. Verificada a inobservância das garantias constitucionais no
processo, esvazia-se a legitimidade de sua decisão, cabendo ao Judiciário
determinar a anulação.
31. Considerando a posição adotada, as causas excludentes de
culpabilidade devem, por questão de coerência lógica, ser consideradas como
excludentes da própria infração, por falta do elemento subjetivo necessário à
sua caracterização.
32. Constituem excludentes da infração administrativa o caso
fortuito e a força maior; o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito
cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito; a doença mental;
a coação irresistível, a obediência hierárquica e o erro, o último quando
comprovada sua inevitabilidade.
33. Sob o tema “transmissibilidade das sanções administrativas”,
duas questões distintas devem ser analisadas: a possibilidade de a sanção ser
aplicada a sujeito distinto do infrator (responsabilização de terceiros); e a
transmissibilidade da sanção no caso de sucessão.
34. Com relação à transmissibilidade de sanções administrativas
a terceiros, é possível afirmar que somente será admissível nos casos em que
o terceiro tenha, de alguma forma, condições de evitar a infração ou, ainda,
nos casos em que se possa reconhecer a omissão de um dever que lhe possa
ser atribuído.
35. É inadmissível a transmissão de sanções administrativas aos
sucessores. Eventuais créditos decorrentes de sanções aplicadas podem, no
entanto, ser transmitidas aos herdeiros nos limites do patrimônio do de cujus.
Também transmissíveis as medidas de natureza reparatória, entre as quais a
obrigação de reparar danos, sendo a transferência, em todo e qualquer caso,
limitada ao valor da herança.
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