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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUCSP
Ana Carolina Scopin Charnet
A dedutibilidade no contexto do Imposto de Renda Pessoa Jurídica
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO – SP
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUCSP
Ana Carolina Scopin Charnet
A dedutibilidade no contexto do Imposto de Renda Pessoa Jurídica
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Direito (área de
concentração Direito do Estado e subárea de
Direito Tributário), sob a orientação do
Professor Doutor José Artur Lima Gonçalves.
SÃO PAULO – SP
2008
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Banca Examinadora
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
Ao João e à pequena Isabella, com todo meu
amor.
RESUMO
Regulado por regras esparsas e complexas, o Imposto de Renda é, sem dúvida, um
dos principais tributos no Brasil, alcançando tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas.
Justamente por conta dessa sua amplitude é que, via de regra, as discussões concernentes a
esse tributo despertam o interesse dos estudiosos e dos próprios contribuintes, sempre
interessados em averiguar se a exigência a que estão submetidos está em conformidade com
as regras do sistema e, de outra parte, se embasamento para eventuais contestações. Dentre
essas discussões, mostra-se relevante aquela relacionada à definição do conceito de “renda”,
ou seja, a que busca precisar os limites do que seja “renda” para fins de tributação. Para tanto,
imprescindível se faz a investigação sobre o sentido e alcance do vocábulo “renda”, o que
resta viável a partir da análise dos fatos que compõe esse conceito, os acréscimos versus os
decréscimos, as entradas versus os dispêndios. Numa perspectiva prática, notamos especial
complexidade nas regras aplicáveis ao Imposto de Renda no âmbito das pessoas jurídicas,
dado que a questão, nessa esfera, mistura-se a conceitos próprios da contabilidade,
dificultando ou, no mínimo, tornando mais complexa a atividade do operador do direito.
Cientes dessas características é que objetivamos, no presente trabalho, fazer uma abordagem
da materialidade do Imposto sobre a Renda, no âmbito das pessoas jurídicas, buscando
formular nosso conceito de renda, analisando-se o sistema sob a perspectiva dos dispêndios.
Daí a importância que se revela, para o presente estudo, a definição do conceito de “despesas
necessárias”. Vale dizer, ademais, que para que possamos alcançar esse objetivo, partiremos
da verificação das normas constitucionais, eis que, a nosso ver, é na Constituição Federal que
estão as diretrizes básicas do conceito de “renda”, equilibradas pelos princípios que
asseguram direitos fundamentais aos contribuintes. Finalmente, salientamos que a nossa
motivação quanto à escolha do tema ora tratado decorre das questões que são suscitadas no
campo prático, que, por vezes, se refletem nos posicionamentos jurisprudenciais, denunciando
a necessidade de uma maior reflexão sobre o tema.
Palavras-chave: Imposto sobre a Renda Pessoa Jurídica. Conceito constitucional. Renda.
Despesas necessárias. Dedutibilidade.
ABSTRACT
The Income Tax is ruled by complex and sparse rules, indeed one of the most
important tributes in Brazil, reaches both natural persons and legal entities. On account of this
amplitude, as a rule, the discussions concerning this tribute raise the interest of studious
people and contributors as well, who are always interested in verifying whether the demand to
which they are being subject is in accordance to the rules of the system, and, on the other
hand, whether there is basis to eventual contestations. Among such discussions the relevant
one is related to the definition of “income”, in other words, the one that aims at specifying
limits to the meaning of “income” for taxation purposes. Therefore, it is necessary to
investigate the meaning and understanding of the word “income”, what is viable from the
analysis of facts that form this concept, the increases versus the decreases, the entries versus
the expenditures. Under a practical perspective we notice a special complexity in the rules
applied to the Income Tax concerning legal entities, due to the fact that in this field,
individual concepts of accounting mix, making it more difficult or, at least, making the
activity of the Legal Professionals more complex. Being aware of these features our objective
in this present work is to broach the materiality of the Income Tax, regarding legal entities,
aiming at formulating our concept of income, analyzing the system under the expenditures
point of view. Thenceforth comes the importance that reveals itself, for the present study, of
the definition of the concept of “necessary expenses”. It is worth mentioning, in addition, that
in order to reach this goal we will start from the verification of constitutional statutes, once, in
our view, it is in the Federal Constitution the basic guidelines of the concept of “income”,
balanced by the principles that assure fundamental rights to contributors. Finally, we highlight
that our motivation as to the choice of the topic now dealt with comes from the questions that
are raised in the practical field, which, sometimes reflect on the jurisprudence positioning,
denunciating the need for a deeper reflection on the topic.
Key-words: Income Tax. Legal Entities. Constitutional concept. Income. Necessary expenses.
Expenditures.
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................................ 12
Capítulo 1
NOÇÕES FUNDAMENTAIS: FIXANDO PREMISSAS..................................... 15
1.1 A linguagem do legislador constitucional.................................................................... 15
1.2 Planos semióticos......................................................................................................... 19
1.2.1 Definições jurídicas: problema de ordem lingüística................................................ 19
1.3 Sistema jurídico............................................................................................................ 21
1.3.1 Definição................................................................................................................... 21
1.3.2 Características do sistema jurídico brasileiro............................................................ 24
1.3.3 Sobre o (sub)sistema constitucional tributário........................................................... 25
1.4 Norma jurídica como produto da interpretação: norma jurídica em sentido amplo
e em sentido estrito........................................................................................................ 27
1.4.1 Regra-matriz de incidência tributária......................................................................... 30
1.4.2 Das funções da base de cálculo como elemento componente do critério quantitativo
da norma jurídica em sentido estrito........................................................................ 33
1.5 Competência tributária................................................................................................. 35
1.6 Princípios..................................................................................................................... 38
1.6.1 Noções gerais............................................................................................................ 39
1.6.2 Princípios constitucionais gerais.............................................................................. 43
1.6.2.1 Princípio da separação dos poderes...................................................................... 43
1.6.2.2 Princípio da justiça................................................................................................ 43
1.6.2.3 Princípio da segurança jurídica.............................................................................. 43
1.6.2.4 Princípio da certeza do direito............................................................................... 44
1.6.2.5 Princípio da igualdade........................................................................................... 44
1.6.2.6 Princípio da legalidade........................................................................................... 45
1.6.2.7 Princípio da propriedade......................................................................................... 45
Capítulo 2
IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA:
REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA E PRINCÍPIOS INFORMADORES.... 47
2.1 Impostos: delimitação do conceito................................................................................ 47
2.2 Competência tributária para criação do Imposto sobre a Renda (
IR
) e Proventos de
Qualquer Natureza e as disposições da legislação complementar................................ 48
2.3 Princípios informadores do Imposto de Renda (
IR
)..................................................... 51
2.3.1 Legalidade e tipicidade tributária............................................................................... 52
2.3.2 Princípio da anterioridade ......................................................................................... 54
2.3.3 Princípio da irretroatividade ..................................................................................... 55
2.3.4 Princípio da igualdade .............................................................................................. 56
2.3.5 Princípio da capacidade contributiva........................................................................ 57
2.3.6 Princípio do não-confisco......................................................................................... 59
2.3.7 Mínimo vital.............................................................................................................. 60
2.3.8 A pessoalidade do Imposto sobre a Renda (
IR
) ........................................................ 61
2.3.9 A progressividade do Imposto sobre a Renda (
IR
).................................................... 62
2.3.10 Princípios da universalidade e da generalidade ...................................................... 63
2.4 Regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda (
IR
) e Proventos de
Qualquer Natureza........................................................................................................ 65
2.4.1 Antecedente da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda (
IR
) ............ 66
2.4.1.1 Critério material...................................................................................................... 66
2.4.1.2 Critério espacial....................................................................................................... 69
2.4.1.3 Critério temporal..................................................................................................... 70
2.4.2 Do conseqüente da regra-matriz de incidência do
IR
................................................. 76
2.4.2.1 Critério pessoal........................................................................................................ 77
2.4.2.2 Critério quantitativo................................................................................................ 78
2.5 Síntese da regra-matriz de incidência do Imposto de Renda (
IR
)................................. 83
2.6 Imposto de Renda (
IR
) na legislação ordinária............................................................ 84
Capítulo 3
CONCEITO DE RENDA.................................................................................................... 89
3.1 Considerações preliminares........................................................................................... 89
3.2 Evolução do conceito de renda: teorias econômicas e fiscais....................................... 92
3.2.1 Teorias econômicas.................................................................................................... 92
3.2.2 Teorias fiscais............................................................................................................ 93
3.2.2.1 Teorias da renda-produto (source income theory) .................................................. 94
3.2.2.2 Teorias da renda-acréscimo patrimonial (increment of wealth theory)................... 94
3.2.2.3 Teorias legalistas..................................................................................................... 94
3.2.3 Importância da exposição das teorias sobre o conceito de renda............................... 95
3.3 Conceito de renda.......................................................................................................... 95
3.3.1 Existe um conceito constitucionalmente pressuposto de renda no sistema
constitucional tributário pátrio? ................................................................................. 96
3.3.2 Análise das posições doutrinárias e conclusões preliminares.................................... 100
3.4 Conceito de renda constitucionalmente pressuposto..................................................... 106
3.4.1 Definição do conceito de renda pela negativa ou por exclusão.................................. 107
3.4.2 Renda versus proventos: diferenciações pertinentes................................................. 109
3.4.2.1 O vocábulo renda.................................................................................................... 109
3.4.2.2 Sobre o vocábulo proventos e a locução de qualquer natureza.............................. 112
3.5 Construção do nosso conceito de renda........................................................................ 114
Capítulo 4
DEDUTIBILIDADE NO CONTEXTO DO IMPOSTO DE RENDA PESSOA
JURÍDICA (IRPJ).......................................................................................................... 115
4.1 Conceito de renda e o problema da pesquisa................................................................. 115
4.2 Fatos-decréscimos ante os princípios informadores do Imposto sobre a Renda (
IR
) ....... 119
4.2.1 Dedutibilidade como elemento de salvaguarda dos princípios da igualdade,
capacidade contributiva, vedação do uso de tributo com efeito de confisco,
segurança jurídica, mínimo existencial...................................................................... 121
4.2.2 Dedutibilidade como elemento de salvaguarda do princípio da progressividade...... 125
4.3 Despesas no âmbito do Imposto de Renda Pessoa Física (
IRPF
): breves considerações...... 126
4.4 Despesas no âmbito do Imposto de Renda Pessoas Jurídicas (
IRPJ
) .......................... 133
4.4.1 Custos e despesas....................................................................................................... 135
4.4.2 Embasamento legal e requisitos para dedutibilidade no âmbito das pessoas jurídicas .. 138
4.4.2.1 Requisito n. 1: dispêndio deve ser necessário......................................................... 141
4.4.2.2 Requisito n. 2: dispêndio deve ser usual/normal..................................................... 144
4.4.2.3 Requisito n. 3: dispêndios devem ter sido pagos ou incorridos............................... 145
4.4.3 Retorno à noção de linguagem e apontamento dos requisitos correlatos
para a identificação das despesas: escrituração/comprovação documental e débito no
período-base competente............................................................................................ 151
4.5 Impossibilidade de o legislador infraconstitucional definir o conceito de despesas,
vedando, restringindo ou condicionando sua dedutibilidade......................................... 157
4.6 Construção do nosso conceito de dispêndios dedutíveis.............................................. 163
4.7 Identificação e conclusões sobre os dispositivos legais que vedam ou restringem a
dedutibilidade de despesas............................................................................................ 166
4.8 Alguns problemas de ordem prática............................................................................. 170
4.8.1 Indedutibilidade das provisões e os depósitos judiciais de tributos controversos..... 170
4.8.2 Indedutibilidade das contraprestações de arrendamento mercantil e do aluguel
de bens móveis ou imóveis, exceto quando relacionados intrinsecamente
com a produção ou comercialização dos bens e serviços.......................................... 174
4.8.3 Indedutibilidade das despesas de depreciação, amortização, manutenção,
reparo, conservação, impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens
móveis ou imóveis, exceto se intrinsecamente relacionados com a produção
ou comercialização dos bens e serviços..................................................................... 174
4.8.4 Indedutibilidade de valores despendidos com alimentação dos sócios, acionistas e
administradores.......................................................................................................... 175
4.8.5 Indedutibilidade das contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a
custear seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados
aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes
da pessoa jurídica....................................................................................................... 175
4.8.6 Indedutibilidade das doações ...................................................................................... 177
4.8.7 Indedutibilidade das despesas com brindes................................................................. 178
4.8.8 Indedutibilidade da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (
CSLL
) do lucro
real (e de sua própria base de cálculo) ...................................................................... 179
4.9 Incompatibilidade da vedação, restrição ou condição da dedutibilidade
de despesas frente ao ordenamento jurídico pátrio....................................................... 182
Considerações finais ........................................................................................................... 184
Referências.......................................................................................................................... 187
A finalidade de todo o conhecimento e de
toda atividade é a virtude. Isso é
especialmente verdade em relação às
atividades mais importantes, a do Estado
e a do cidadão. No Estado, a virtude
objetivada é a justiça; e isso significa
justiça para toda a comunidade. Está
muito claro que a justiça, numa
comunidade, significa igualdade para
todos.
ARISTÓTELES
, Política
12
Introdução
OBJETO E MÉTODO DA DISSERTAÇÃO
Toda pesquisa científica pressupõe a delimitação de um objeto de estudo e a
especificação de um método que oriente a investigação. Não cremos haver um modelo pré-
determinado a ser seguido, mas reconhecemos que objeto e método têm de estar,
necessariamente, especificados para que fique visível a vinculação entre premissas e
conclusões. No caso desta pesquisa, o objeto consistirá na parcela do direito relativa ao
Imposto sobre a Renda (
IR
) das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, sobretudo
a materialidade e a base de cálculo dessa exação, com destaque para o elemento “despesas
necessárias”. Convém dizer que, aqui, não descuidaremos das lições do professor Geraldo
Ataliba,
1
que, sendo responsável pela (re)construção de um “direito constitucional tributário”,
ressaltava a importância de se tomar o Texto Magno como ponto de partida para a solução de
controvérsias atinentes à tributação.
Nesta dissertação, buscamos construir um discurso científico embasado na regra que
atribui à União competência para instituir o
IR
a fim de, à luz do sistema constitucional pátrio
e dos princípios e das diretrizes que o norteiam, analisar os limites semânticos a serem
atribuídos ao vocábulo renda e à locução proventos de qualquer natureza como grandezas
tributáveis. Enfocamos com mais ensejo os elementos que conformam essas realidades
renda e proventos de qualquer natureza —, em especial os fatos denominados despesas, os
quais, conforme elucidaremos no decorrer deste trabalho, participam ativamente do processo
de construção de tais realidades. Noutros termos, desvendaremos o conteúdo semântico do
1
“As definições jurídicas devem tomar por ponto de partida o dado jurídico supremo: a lei constitucional. A
partir do desenho constitucional dos tributos é que o jurista deve construir o seu conceito; deve ater-se
exclusivamente aos aspectos normativos constitucionalmente prestigiados.”
ATALIBA
, Geraldo. Hipótese de
incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 126.
13
vocábulo “despesas” ou, numa linguagem técnica, fatos-decréscimos —, avançando sobre
a análise quanto à eventual liberdade do legislador ordinário para restringir esse conceito,
tendo em vista as características de sistema constitucional brasileiro. Ao final, e objetivando à
efetiva aplicação do modelo teórico formulado, apresentaremos algumas questões de ordem
prática, para enfatizar a importância de um sistema de dedutibilidade eficaz, que permita
cogitar uma tributação em conformidade à Constituição Federal, no que se refere ao
IR
.
A constatação de que é difícil enfrentar na prática questões relativas à dedutibilidade
na ótica das pessoas jurídicas foi o que suscitou nosso interesse no assunto desta pesquisa.
Com efeito, embora os enunciados referentes às “despesas necessárias” possam,
aprioristicamente, parecer completos, a pragmática nos revela o oposto. Dito de outro modo,
situações que geram dúvidas e nos fazem refletir sobre o conteúdo semântico da expressão
despesas necessárias e, logo, de termos como renda, proventos, ingressos e outros correlatos.
Sabe-se que o tema escolhido é provocativo: despertou o interesse de muitos autores, tanto
brasileiros quanto estrangeiros, que se debruçaram no estudo do conceito de “renda” (em
sentido amplo), visando definir a materialidade e, por conseqüência lógica, a base de cálculo
do
IR
.
Parece-nos, todavia, que ainda há muito a se avançar nessa trilha, sobretudo porque a
dinâmica da sociedade, somada à complexidade cada vez mais marcante das relações jurídicas
que nela se entabulam, demanda uma evolução ininterrupta do pensamento sobre questões
como a que aqui analisamos para que, assim, seja possível abarcar, tanto quanto possível, as
relações jurídicas emergentes. Este estudo não pretende exaurir o assunto, mas tão-somente
contribuir para uma definição da materialidade do IR, em especial a realidade denominada
despesas necessárias. Como essa questão se vincula estritamente à definição de conceitos,
2
recorremos ao método do construtivismo hermenêutico e, na tentativa de solucionarmos o
2
Consideraremos o vocábulo definição aqui como operação mental que demarca o âmbito de um conceito, ou
seja, da representação mental de um objeto.
14
problema proposto, partiremos da análise da linguagem empregada pelo legislador
constituinte. Embora saibamos que não se trata de uma tarefa fácil, esperamos avançar na
investigação da materialidade do
IR
nesta empreitada científica.
O trabalho se estrutura em quatro capítulos.
No primeiro, fixamos as premissas que subsidiam a investigação, realçamos a
importância da semiótica e analisamos as características básicas de sistema jurídico pátrio,
bem como conceitos fundamentais como norma jurídica, competência e princípios jurídicos.
No segundo, tratamos especificamente do
IR
, destacando sua compostura no sistema
jurídico e indicando os princípios que o informam diretamente.
Como esta dissertação se relaciona com um componente do conceito de renda os
fatos-decréscimos —, o terceiro capítulo enfoca esse fato signo-presuntivo de riqueza: nele,
apresentamos teorias relativas ao conceito de renda, buscando identificar em que moldes ele
foi adotado por nosso sistema jurídico e, nesse contexto, quais são os limites para a atuação
do legislador ordinário na sua delimitação.
No quarto capítulo, averiguamos a realidade dos fatos-decréscimos, sobretudo as
despesas necessárias, como componentes da materialidade e base de cálculo do Imposto de
Renda Pessoa Jurídica (
IRPF
); também pomos em pauta discussões fundamentais — tais como
os requisitos para se caracterizarem as despesas, a margem de liberdade de que dispõe o
legislador infraconstitucional para definir esse conceito e levantamos problemas
fundamentais referentes à dedutibilidade.
Feitos esses esclarecimentos, iniciemos, pois, nossa investigação.
15
Capítulo 1
NOÇÕES FUNDAMENTAIS: FIXANDO PREMISSAS
1.1 A linguagem do legislador constitucional
“O direito é linguagem no sentido de que sua forma de expressão consubstancial é a
linguagem verbalizada suscetível de ser escrita”.
3
A afirmação de Gregório Robles nos leva
ao elemento constitutivo da realidade do direito a linguagem e adotando-se por
referencial o sistema jurídico pátrio, a linguagem escrita.
4
Com efeito, seja em referência ao
direito
5
como complexo de enunciados que compõem o ordenamento jurídico (direito posto)
ou à ciência que estuda esse complexo de enunciados (ciência do direito), estaremos sempre,
inexoravelmente, envoltos em linguagem. Assim, o direito se exterioriza pela linguagem.
Susy Gomes Hoffmann transmite, com objetividade e precisão, a idéia da linguagem como
meio de manifestação do direito ao afirmar que:
Essa linguagem própria do direito é usada para regular as condutas dos
homens em sociedade. E somente os fatos que adentrarem pela linguagem
própria do direito farão parte de seu campo de conhecimento, de tal forma
que tudo aquilo que não estiver relatado na linguagem admitida pelo direito
não será por ele conhecido.
6
3
ROBLES
, Gregório. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Barueri:
Manole, 2005, p. 2.
4
O referencial mencionado é o sistema jurídico trio, em que prevalece o direito posto, embora mesmo nos
sistemas consuetudinários verifiquemos predominância da versão falada da linguagem.
5
O vocábulo direito tem diversas acepções, das quais destacamos duas de uso mais recorrente: 1) direito com
sentido de “direito positivo” ou “direito posto” complexo de normas válidas em dado país; 2) direito com
sentido de ciência do direito conjunto de proposições que ordenam, hierarquizam, enfim, estudam o direito
positivo. O professor Paulo de Barros Carvalho ressalta a importância de estabelecermos as diferenças entre
realidade do direito positivo e da ciência do direito porque são materializadas por diferentes tipos de linguagem e
submetidas a lógicas diversas ver
CARVALHO
, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 19. ed. São
Paulo: Saraiva, 2007. Doravante, empregaremos o vocábulo direito com sentido de direito posto e cujos
sinônimos serão ordenamento jurídico, ordem jurídica e sistema jurídico.
6
HOFFMANN
, Susy Gomes. Teoria da prova no direito tributário. Campinas: Copola, 1999, p. 32.
16
Nesses termos, toda tentativa de conhecer a realidade do direito deve se guiar pelas
coordenadas da linguagem; e o resultado desse contato haverá de ser vertido em linguagem.
Quando pensamos no produto do processo legislativo a legislação em sentido
amplo — e nas decisões do Poder Judiciário ou na produção doutrinária jurídica — os
componentes da ciência do direito —, o que temos são textos, compostos por frases, que, por
sua vez, compõem-se por palavras e vocábulos. Em última análise, temos linguagem. Tércio
Sampaio Ferraz Júnior reforça esse entendimento ao acentuar que o direito é “[...] um dos
mais importantes fatores de estabilidade social
7
para, em seguida, afirmar que, para o
alcançar essa sua finalidade precípua a regulamentação dos comportamentos visando ao
prestígio de valores consagrados no seio social —, o direito usa palavras.
Ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos
lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Esse uso
oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para
a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, sua significação
normativa. Os dois aspectos podem coincidir, mas nem sempre isso ocorre.
8
Tendo em vista essas afirmações, reiteramos a pretensão deste trabalho: aprofundar
no estudo do conceito de renda e proventos de qualquer natureza, com enfoque no conceito de
despesas (os dispêndios ou fato-decréscimos que auxiliam na conformação da renda) pela
ótica das pessoas jurídicas. Nossa análise partirá do texto constitucional, porque tais
expressões consubstanciam grandezas afetas ao Imposto de Renda; logo, seus conteúdos
semânticos mínimos deverão ser extraídos da Lei Maior. Nesse sentido, é importante
identificarmos a linguagem empregada pelo legislador, sobretudo o constitucional, e, mais
que isso, desvendarmos as inconsistências resultantes de interpretações distorcidas dos
enunciados constitucionais, as quais, em geral, culminam em dificuldades pragmáticas de
emprego das diretrizes veiculadas pela Lex Mater.
7
FERRAZ JÚNIOR
, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2007, p. 32.
8
FERRAZ JÚNIOR
, 2007, p. 255.
17
Em geral, o legislador busca na linguagem natural termos que veiculem as regras, as
quais vão direcionar as condutas humanas. Com isso, queremos dizer que a construção do
direito positivo como complexo de normas jurídicas ocorre mediante o uso de palavras do
discurso ordinário, da comunicação cotidiana já dotadas de significação, embora quando
empregadas nos textos legislativos lhes seja atribuído um sentido técnico. Noutros termos, seu
conteúdo é definido com mais rigor, pois, sem nos olvidarmos de que a função do direito é
regular os comportamentos viabilizando o convívio harmônico e seguro de todos os
administrados, faz-se necessário que os termos empregados nesse processo comunicacional o
sejam de forma a possibilitar a compreensão clara e objetiva da mensagem deôntica pelos
seus destinatários.
Como ressalta o professor Paulo de Barros Carvalho,
9
isso se justifica porque as
casas legislativas e a própria Assembléia Constituinte da qual se originou nossa Carta
Constitucional têm uma composição eclética: seus integrantes têm origem e formação
diferentes, ou seja, têm ideologia e bagagem cultural diversas. Não há nem poderia haver, sob
pena de ofensa à democracia, exigência de formação jurídica para o parlamentar em nosso
sistema político. Por isso, o emprego da linguagem ordinária é conseqüência direta dessa
espécie de organização político-administrativa.
A opinião de Tércio Sampaio Ferraz Júnior segue a mesma direção:
O legislador, nesses termos, usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana,
mas freqüentemente lhes atribui um sentido técnico, apropriado à obtenção
da disciplina desejada. Esse sentido técnico não é absolutamente
independente, mas está ligado de algum modo ao sentido comum, sendo, por
isso, passível de dúvidas que emergem da tensão entre ambos.
10
Ora, é fato incontroverso que, mesmo na linguagem natural, todos os termos têm
conteúdo semântico mínimo, por isso um tipo de “consenso social” quanto à maneira de
9
CARVALHO
, 2007, p. 4; 5.
10
FERRAZ JÚNIOR
, 2007, p. 255.
18
usá-los, que é determinado pela forma de uso ou pelo próprio sistema em que estão inseridos.
Todavia, não podemos dizer que haja em todos eles uma delimitação precisa de conteúdo, de
modo que, quando se transferem determinados termos lingüísticos do discurso ordinário para
o discurso técnico isto é, o discurso dos enunciados normativos —, tem-se como resultado
o emprego do mesmo termo em diferentes acepções. Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz
Júnior, instala-se uma “tensão”, decorrente ou da indefinição de seu campo de referência
vagueza —, ou da multiplicidade de significados que a palavra enseja — ambigüidade.
11
A articulação das palavras mediante regras gramaticais permite que uma mensagem
com sentido seja extraída do texto. Portanto, a existência de vagueza e ambigüidade no
discurso legislativo acarreta distorções na apreensão da mensagem legislada, ou seja,
problemas de interpretação, o que reflete diretamente na própria aplicação do direito, das
normas jurídicas. Nesse contexto, não como se negar o desafio posto à frente do cientista
do direito, a quem caberá superar tais entraves e extrair dos textos legais a interpretação que
lhe parecer mais coerente com nosso sistema jurídico.
O escopo deste trabalho pressupõe uma verificação do sentido das palavras
empregadas pelo legislador constitucional, em especial as do artigo 153, III da Carta Magna,
para que, assim, possamos definir seus respectivos conteúdos semânticos nimos. Uma vez
convictos de que estes estão definidos mesmo em linhas gerais, buscaremos explicitá-los com
base no Texto Constitucional para, depois, elucidarmos as conseqüências decorrentes da
assunção da premissa de que há um conceito constitucionalmente pressuposto de renda (como
materialidade do Imposto sobre a Renda), em especial quanto à margem de liberdade do
legislador infraconstitucional para o exercício de sua competência.
Assim, embora desenvolvamos este trabalho tendo em vista as definições de
conteúdos, não descuidaremos do aspecto prático decorrente das conclusões alcançadas.
11
Do ponto de vista da lingüística, a vagueza e a ambigüidade comprometem o uso das palavras: uma resulta da
imprecisão semântica do vocábulo; outra, da multiplicidade de significados.
19
Afinal, estamos cientes de que a finalidade última do direito é regular condutas, e para isso
será essencial testar a aplicabilidade prática dos modelos teóricos construídos. Nessa análise,
serão valiosos recursos definidos pela teoria geral dos signos: a semiótica, de que tratamos
brevemente a seguir.
1.2 Planos semióticos
Haja vista que o direito, seja como complexo de normas ou como ciência,
materializa-se por uma linguagem, temos como premissa que seu estudo deve ser orientado
pela ciência que estuda os signos: a semiótica.
12
Nesse sentido, para chegarmos ao conteúdo,
ao sentido e ao alcance dos signos no contexto que o direito os emprega, é fundamental
percorrermos três planos da investigação semiótica: o sintático — que estuda as relações entre
os signos; o semântico — que analisa a relação dos signos com os objetos que eles significam;
e o pragmático que busca determinar a forma como os signos são empregados por seus
usuários. Esses planos estão presentes no âmbito do direito positivo e no âmbito da ciência do
direito, embora atuem diversamente em um e outro campos. A linguagem, portanto, assume
diferentes roupagens, dependendo da realidade a que se relacione.
1.2.1 Definições jurídicas: problema de ordem lingüística
Embora possamos não perceber de início a relevância de se percorrer essa trajetória
com cautela e atenção, uma análise simples de questões mais latentes na ordem jurídica atual
não demora a elucidar que a maioria delas está ligada a problemas semânticos, isto é,
problemas na determinação de conceitos. Com efeito, tendo em vista as ponderações feitas até
aqui, não é novidade a assertiva de que o direito cria suas realidades. Dito de outro modo,
nem sempre os conceitos empregados pelo direito correspondem exatamente àqueles usados
12
A semiótica é a teoria geral dos signos; estuda os elementos que compõem o processo de comunicação ver:
GUIBURG
, Ricardo;
GUIGLIANI
, Alejandro;
GUARINONI
, Ricardo. Introducción al conocimiento científico.
Buenos Aires: Eudeba, 1985.
20
no cotidiano, na linguagem ordinária, pois muitas vezes o direito tem de se valer de criações
próprias para manter incólume sua ação. Por conta dessa necessidade, o conteúdo semântico
de expressões como bem imóvel que tem significação própria e específica na linguagem
ordinária é ampliado na linguagem jurídica, pois inclui, por exemplo, navios e aviões.
Igualmente, palavras como isonomia e renda mais comuns no campo semântico da
tributação podem ter, no âmbito jurídico, significações não convergentes àquelas adotadas
no mundo social ou mesmo na realidade particular de outros ramos da ciência.
Ante essa constatação, ficam claros os problemas em torno da determinação precisa
do conteúdo semântico de termos empregados na linguagem do direito, pois, como vimos,
este é responsável direto pela regulamentação das condutas intersubjetivas. Aliada à própria
evolução da sociedade, a imprecisão de certos termos, que resulta em alterações no alcance
dos vocábulos do idioma, distorce o processo intelectivo de construção das normas jurídicas,
e assim origina muitos problemas verificáveis no âmbito do direito, realidade que nos
interessa neste estudo. Divergências na determinação do conteúdo de qualquer termo
empregável pelo direito positivo bastam para criar empecilhos intransponíveis, seja para se
interpretar o enunciado prescritivo que compõe o texto legal em análise ou viabilizar sua
aplicação isto é, materializar a positivação do direito a fim de fazer com que as condutas
humanas se sujeitem, efetivamente, aos efeitos das normas jurídicas.
Desse modo, para cumprir o que nos propusemos, partiremos da análise dos textos
existentes no direito positivo que estejam, de alguma forma, relacionados com o imposto
sobre a renda para, então, buscarmos a construção mais adequada, a nosso ver, da regra-
matriz de incidência desse imposto. De imediato, convém assinalar a relevância atribuída aos
componentes da materialidade desse imposto no âmbito das pessoas jurídicas sujeitas à
tributação com base na sistemática do lucro real, sobretudo as denominadas despesas
necessárias, cujo conceito tentaremos delimitar neste trabalho. Julgamos pertinente enfrentar
21
essa problemática por conta da vagueza e imprecisão que a locução despesas necessárias
assume às vezes; ela denuncia a existência de incompatibilidades lingüísticas no âmbito dessa
temática que precisam ser superadas, e isso requer reflexões mais apuradas. Dito isso, para
evitar equívocos que impeçam ou dificultem o bom transcurso de nossa empreitada,
esclarecemos a seguir um conceito-base recorrente neste trabalho: o de sistema jurídico.
1.3 Sistema jurídico
A noção de sistema se revela parte essencial de nosso objeto de estudo, pois analisar
a materialidade e base de cálculo do IR supõe considerar o conceito de norma jurídica,
indissociável do conceito de sistema. Vejamos!
1.3.1 Definição
Geraldo Ataliba, sob a égide da Constituição Federal de 1946, escreveu importante
obra, na qual apresenta sua idéia de sistema:
O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o
caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as
realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade
científica e conveniência pedagógica, em tentativa do reconhecimento
coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo
unitário, integrado em uma realidade maior. A esta composição de
elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema.
13
No dizer de Joana Lins e Silva todo sistema é composto por “[...] um repertório
(elenco dos elementos que o compõem) e uma estrutura (modo como os elementos se
relacionam entre si e com o todo), sempre reunidos em função do objetivo do sistema”.
14
Sistema, portanto, é a reunião ordenada de partes diversas que formam um todo
organizado logicamente. Num sistema, todas as partes se subordinam a um vetor comum, uma
13
ATALIBA
, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 4.
14
SILVA
, Joana Lins e. Fundamento da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 40–1.
22
referência determinada, que orienta as regras de relacionamento que se estabelecem entre as
partes do sistema.
Estamos cientes de que a realidade do direito positivo e a da ciência do direito se
organizam sistematicamente; logo, seus elementos normas jurídicas e proposições
científicas elaboradas pelos estudiosos do direito, respectivamente devem estar
organizados segundo critérios racionais. Como nosso objeto de estudo é o sistema do direito
positivo como complexo de normas também denominado ordenamento jurídico ou,
simplesmente, direito positivo
15
—, considerar o ordenamento jurídico como sistema significa
reconhecer que ele se compõe de unidades individualizadas (repertório), relacionadas entre si
segundo uma disciplina específica, pré-determinada (estrutura), que lhe unidade e
coerência. Na espécie, as normas jurídicas compõem o repertório, e a estrutura representa as
relações entre as unidades do repertório, orientadas por diretrizes agasalhadas pelo próprio
ordenamento jurídico.
As regras de relacionamento que se estabelecem entre os elementos de um sistema
são analisadas pelo professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a quem, uma vez mais,
recorremos:
Um ordenamento, como sistema, contém um repertório, contém também
uma estrutura. Elementos normativos e não normativos (repertório) guardam
relações entre si. Por exemplo, quando dizemos que as normas estão
dispostas hierarquicamente, umas são superiores, outras inferiores, estamos
pensando em sua estrutura. Hierarquia é um conjunto de relações,
estabelecidas conforme regras de subordinação e de coordenação. Essas
regras não são normas jurídicas nem são elementos não normativos, isto é,
não fazem parte do repertório, mas da estrutura do ordenamento. [...]
Bastante importante é a questão do ordenamento como sistema unitário, isto
é, sua concepção como repertório e estrutura marcados por um princípio que
organiza e mantém o conjunto como um todo homogêneo. Esse princípio
recebe em Kelsen o nome de norma fundamental.
16
15
Embora estejamos denominando o sistema jurídico de ordenamento, em nome da fluência do discurso cumpre-
nos destacar a diferença entre essas realidades: ordenamento jurídico é o texto jurídico propriamente dito;
sistema jurídico é construído, pela dogmática, com base nesse texto bruto nesse sentido, confira-se:
HORVATH
, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 13.
16
FERRAZ JÚNIOR
, 2007, p. 177.
23
É com apoio na doutrina de Hans Kelsen
17
que conseguimos identificar a
homogeneidade e unicidade do sistema jurídico. Pela assunção da premissa de que uma
norma fundamental — como a idealiza o Mestre de Viena —, identificamos o referencial para
estabelecer a hierarquização e homogeneidade do sistema, visto que a norma fundamental
mencionada outorga o fundamento de validade à Constituição Federal e, por decorrência, às
demais normas componentes do ordenamento jurídico que, com ela, compatibilizem-se,
funcionando como sustentáculo de todo o sistema.
Com o rigor científico que lhe era peculiar, Lourival Vilanova analisou em detalhes o
sistema jurídico e reconheceu essas características do sistema. Afirma esse autor:
O que confere homogeneidade a todas as regras do Direito positivo é a sua
normatividade. O ponto de partida é normativo: a norma fundamental, para
tomarmos o modelo kelseniano de explicação. Consiste essa homogeneidade
estrutural no modo constante de relacionar os dados ou elementos (fatos ou
condutas) da experiência. [...] se o nexo é de dever-ser, temos a imputação.
[...] Não somente a unidade do sistema, mas a unicidade do ponto de partida
caracterizam o sistema do Direito positivo.
18
Mais recentemente, Humberto Ávila contribuiu para a compreensão do
funcionamento do sistema jurídico, em particular das relações que se estabelecem entre as
normas jurídicas. Ao explanar o que denomina de postulados, ele os define como as condições
essenciais que viabilizam a apreensão do direito como objeto de estudo,
19
pois estabelecem
condições para sua interpretação e aplicação. Na categoria dos postulados, ele discrimina os
postulados hermenêuticos (por exemplo, o da unidade do ordenamento jurídico, o da
coerência e o da hierarquia), “[...] cuja utilização é necessária, embora, por óbvio, não
exclusiva, à compreensão interna e abstrata do ordenamento jurídico”,
20
e os postulados
aplicativos (tais como o da razoabilidade, o da proporcionalidade e o da proibição de
17
KELSEN
, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 215–7.
18
VILANOVA
, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais; Educ, 1977, p. 110.
19
ÁVILA
, Humberto. Sistema constitucional tributário, de acordo com a emenda constituição n. 53, de
19/12/2006. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 41.
20
ÁVILA
,
2008,
p. 43.
24
excesso), definidos como condições que “[...] se aplicam para solucionar questões que surgem
com a aplicação do Direito”.
21
Nesses termos, resta-nos concluir que os postulados atuam na
estrutura do ordenamento porque direcionam as relações que se estabelecem entre suas
unidades as normas jurídicas —, quer no plano abstrato (postulados hermenêuticos) ou no
concreto (postulados aplicativos).
1.3.2 Características do sistema jurídico brasileiro
A institucionalização do poder como necessidade da vida em sociedade resultou na
constituição do Estado, definido como forma específica de organização política.
22
Após a
proclamação da República, o Estado brasileiro optou pela sua organização sob a forma
federativa, de modo que nele se garante autonomia política, administrativa e financeira aos
entes componentes da Federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alcançar
essa autonomia supõe delimitar as competências legislativas desses entes no caso
brasileiro, a delimitação cabe ao Texto Constitucional, que exaure o campo de atuação de
cada um. Na ordem jurídica atual, a adoção do federalismo como forma de Estado se expressa
no artigo da Carta Constitucional vigente — que se refere à República Federativa do Brasil
— e é erigida à condição de cláusula pétrea: segundo o artigo 60, § 4º, não se admite alteração
dessa estrutura sequer por emenda constitucional.
Como características básicas desse sistema, podemos citar sua rigidez — só se
admitem alterações nas disposições constitucionais via processo legislativo, regulado no
próprio corpo da Constituição
23
e sua exaustividade — no afã de assegurar a plena
21
ÁVILA
,
2008,
p. 44.
22
Sobre isso, ver:
BASTOS
, Celso R. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 5.
23
Geraldo Ataliba sintetizou, com precisão, essa característica do sistema jurídico pátrio, tendo em vista as
características do Texto Supremo: “A Constituição Brasileira classifica-se dentre as rígidas, porque qualquer
alteração no seu texto pode ser aprovada por um processo especial e qualificado, previsto no próprio texto
constitucional” —
ATALIBA
, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 38.
25
autonomia dos entes federativos, o constituinte originário houve por bem distribuir
plenamente as competências legislativas.
1.3.3 Sobre o (sub)sistema constitucional tributário
Em tal sistema jurídico constitucional, podemos destacar parcelas espeficas,
ou seja, subclasses compostas por partes do repertório que encontram um mesmo
fundamento de validade a norma hipotética fundamental e se voltam a um único
temário os subsistemas. Assim, urge esclarecer que não vemos como sustentável a
segregação do direito positivo em ramos específicos, haja vista que o sistema do direito
positivo é uno e acoberta os elementos que apresentarem os caracteres fundamentais de
normas jurídicas. Ainda assim, pode-se vislumbrar que parcelas desses seus elementos
se relacionam com mais proximidade de certos conteúdos, por isso a divisão em
subsistemas se mostra útil, sobretudo para fins didáticos. Nesses termos, podemos dizer
que as normas jurídicas que se voltam à seara tributária compõem o repertório, enquanto
os princípios jurídicos tributários formam a estrutura do subsistema tributário. A
organização e coerência internas das normas jurídicas tributárias lheso a nota de
subsistema.
Rubéns Gomes de Sousa se referia à existência de um sistema tributário brasileiro
quando vigia a Constituição Federal de 1946.
24
No retrospecto por ele feito em seu
Compêndio de legislação tributária, o co-autor do digo Tributário Nacional analisa a
evolução de tal sistema e observa, de início, que o Brasil passou a conta com um “sistema
tributário propriamente dito” a partir do Império; antes inexistia uma disciplina jurídica para
tributação. Diz ele:
24
SOUSA
, Rubéns Gomes de. Compêndio de legislação tributária; coordenação:
IBET
, Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários; obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 177.
26
Como conseqüência da concessão de autonomia política às Províncias, foi
preciso conceder-lhes, também, autonomia financeira, isto é, fontes próprias
de receita, sem o que a autonomia política evidentemente não teria
significação. Surgiu, então, pela primeira vez no Brasil, o problema
tributário típico dos países federais, que é o da discriminação de rendas, isto
é, o problema de definir as fontes de receita próprias de cada uma das
unidades políticas em que passara a ser dividido o país: governo central,
Províncias e Municípios. Isso foi feito pela lei n. 99 de 31.10.1835 [...]
Proclamada a República em 1889, as Províncias foram transformadas em
Estados. Entretanto, a Constituição de 1891 não melhorou o sistema de
discriminação de rendas instituído pela lei n. 99, de 1835. Seus principais
defeitos eram: (a) permitir que tributos iguais fossem criados
simultaneamente pela União, estados e pelos Municípios, e (b) deixar os
tributos dos Municípios inteiramente a critério dos respectivos Estados. A
Constituição de 1934 corrigiu esses dois defeitos, definindo os tributos
próprios do Município e instituindo o conceito de bitributação 55), a fim
de evitar a duplicidade de impostos idênticos da União e dos Estados. A
Carta Constitucional de 1937 manteve em suas linhas gerais o mesmo
sistema de 1934, com apenas algumas modificações quanto aos tributos
especificamente atribuídos a cada uma das entidades políticas. Finalmente, a
atual Constituição, de 18.9.46 também conservou o mesmo sistema de
discriminação de rendas, apenas modificando outra vez as atribuições de
tributos.
25
Posto isso, observa-se que a doutrina passou a reconhecer a existência de um sistema
tributário, ainda que primitivo, quando foram criadas regras específicas para a atividade
administrativa de arrecadação de tributos, ou seja, quando o repertório passou a ser
identificável. E mais: foi reconhecida a evolução desse sistema quando a legislação passou a
abrigar princípios que protegiam os contribuintes contra certos abusos do Poder Público.
Essas mudanças podem ser definidas como aprimoramento da estrutura do sistema. Todavia,
tenhamos em vista que esse subsistema compõe um sistema maior que abrange o ordenamento
jurídico.
Seguindo as características de todo o sistema jurídico, vemos que, também, o sistema
tributário é dotado de rigidez e exaustividade, que assinala Humberto Ávila
26
decorrem
da regulamentação intensa constante do próprio Texto Constitucional e das regras de
competência e repartição de receitas. Logo, o que é permitido em matéria tributária está
25
SOUSA
, 1975, p. 1789.
26
ÁVILA
, 2008, p. 10910.
27
expressamente previsto na Carta Suprema, para que, assim, fiquem preservados os direitos
fundamentais nela encampados. Nosso legislador constituinte tratou com minudências das
regras de tributação ao expor, de forma completa, as condutas autorizadas. Daí as
características de rigidez e exaustividade retro-referidas.
Em síntese, a noção de sistema é fundamental a esta pesquisa porque se relaciona
diretamente com a noção de normas jurídicas.
1.4 Norma jurídica como produto da interpretação: norma jurídica em sentido amplo e
em sentido estrito
Como sistema, o ordenamento jurídico se compõe, exclusivamente, de normas
jurídicas, que são, portanto, os elementos desse sistema. Dissemos pouco que o direito se
materializa pela linguagem, isto é, mediante enunciados prescritivos
27
contidos em textos e
elaborados segundo as regras de sintaxe do idioma usado. Tais enunciados medeiam o contato
inicial do estudioso com a realidade do direito, e a ele cabe extrair o conteúdo e compreender a
mensagem transmitida, num procedimento intelectual denominado interpretação, pelo qual são
estabelecidas relações entre os termos constantes dos textos e os objetos do mundo a que tais
termos se referem.
Noutras palavras, o intérprete constrói uma representação mental do objeto
referido no texto, num exercio que lhe permite integrar o processo de comunicação e
apreender a mensagem transmitida. É do contato entre o estudioso e os textos do direito
posto que resultam as normas judicas, que são, a nosso ver, a significão, o produto da
interpretação que se consti na mente do intérprete com base na leitura dos textos do
direito positivo.
Essa conceituação se embasa, de início, no pensamento de Hans Kelsen, para quem
27
Porque — relembremos — o direito positivo prescreve condutas.
28
A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras: o
juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato
jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a
saber, de uma interpretação normativa.
28
No mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho esclarece:
A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do
texto provoca em nosso espírito. Basta isso para nos advertir que um único
texto pode originar significações diferentes, consoante às diversas noções
que o sujeito cognoscente tenha dos termos empregados pelo legislador.
29
A interpretação que culmina na construção da norma jurídica se condiciona à
ideologia do exegeta: por ser um ato humano, está impregnada de valor. Por isso mesmo
procede a afirmação de que é possível haver interpretações diversas e até divergentes de um
mesmo enunciado. Também por isso, não raro, apreendemos comandos que não constam dos
textos, o que nos revela a possibilidade da existência de normas independentemente da
existência de dispositivos expressos.
Estruturalmente, as normas jurídicas são duais: têm uma hipótese que inclui a
descrição de uma posvel ocorncia factual do mundo e um conseqüente que
estabelece a relação jurídica que se vai instaurar caso se verifique, in concreto, o
acontecimento descrito na hipótese. Os enunciados de uma e outro se unem numa
estrutura implicacional, compondo um dever-ser se ocorrida a hipótese, então deve-ser
o conseqüente (em contraponto às leis naturais, que são norteadas pelo prinpio da
causalidade) —, e são conjugados por algum dos modais deônticos admitidos em nosso
sistema jurídico: permitido, proibido ou obrigatório.
30
28
KELSEN
, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 4.
29
CARVALHO
,
2007, p. 8
30
Necessário fazermos referência à estrutura da norma jurídica completa, que se compõe de uma norma primária
que prescreve e relação jurídica e a secundária que estabelece a sanção para o caso de não ser cumprido o
comando veiculado pela norma primária. Como leciona Eurico Marcos Diniz de Santi: “O ser norma jurídica
pressupõe bimembridade constitutiva. É a licença científica que permite a cisão metodológica desta estrutura, na
série de normas que compõem o sistema do direito positivo. O primeiro membro denominamos norma primária;
o segundo norma secundária. Ambas apresentam idêntica estrutura sintática, mas composição semântica distinta.
29
Em consonância com o modelo científico aqui adotado, a conformação lógica das
normas jurídicas em sentido estrito calha exatamente a essa configuração: estas se
caracterizam como estruturas duais, deonticamente vinculadas e dotadas de sentido completo,
o que significa dizer que, a partir de uma norma jurídica (em sentido estrito), conseguimos
compreender a íntegra de uma mensagem, um comando que visa direcionar comportamentos,
orientar condutas.
As normas jurídicas, todavia, diferem dos enunciados prescritivos, que denominamos
de normas jurídicas em sentido amplo. Embora, também, colhidos nos textos do direito
positivo, apresentam-se como frases soltas, despidas de um conteúdo mínimo de significação
e que aguardam estruturação. A integração desses enunciados segundo princípios lógicos
possibilitará construir uma estrutura com sentido completo, ou seja, de uma norma jurídica em
sentido estrito. Paulo de Barros Carvalho
31
sintetiza, com rigor, nosso pensar ao predizer que
as normas jurídicas são expressões irredutíveis de manifestação do deôntico, o que nas
palavras de Joana Lins e Silva — é esclarecido como sendo “[...] as menores unidades
possíveis de comunicação do discurso do direito positivo, pois a ausência de quaisquer desses
dados privará a mensagem de sentido deôntico”.
32
Para nós, essa diferenciação é importante tendo em vista o rigor científico do
discurso, além de justificar a necessidade de nos referirmos aos planos semióticos no contexto
da interpretação, visto que a construção das normas jurídicas como processo intelectivo
resultante da interpretação pode ser visualizado e analisado segundo a ótica sintática,
semântica e pragmática.
A norma primária vincula deonticamente a ocorrência de dado fato a uma prescrição (relação jurídica); a norma
secundária conecta-se sintaticamente à primeira, prescrevendo: se se verificar o fato da não ocorrência da
prescrição da norma primária, então deve ser uma relação jurídica que assegure o cumprimento daquela primeira,
ou seja, dada a não observância de uma prescrição jurídica, deve ser a sanção”.
SANTI
, Eurico Marcos Diniz de.
Lançamento tributário.o Paulo: Max Limonad, 1996, p. 36.
31
CARVALHO
, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999, p. 17.
32
SILVA
,
2001, p. 64.
30
Das normas jurídicas que transitam em nosso sistema jurídico, uma tem importância
especial no âmbito desta pesquisa: a regra-matriz de incidência tributária.
1.4.1 Regra-matriz de incidência tributária
Após essa análise da estrutura da norma jurídica em sentido estrito resultado de
um processo intelectivo de apreensão de informações e sua respectiva valoração que objetiva
disciplinar comportamentos
33
—, podemos concluir que seu arquétipo é universal, ou seja, é
aplicável indistintamente a todos os (sub)ramos do direito. No campo da tributação, a norma
jurídica em sentido estrito que prescreve a incidência tributária é denominada regra-matriz de
incidência tributária conforme a expressão de Paulo de Barros Carvalho. Segundo esse
autor,
A “norma tributária em sentido estrito” será a que prescreve a incidência. Sua
construção é obra do intérprete, enquanto órgão do sistema ou na condição de
um interessado qualquer, mas sempre a partir dos estímulos sensoriais do texto
legislado. [...] A hipótese ou suposto prevê um fato de conteúdo econômico,
enquanto o conseqüente estatui um vínculo obrigacional entre o Estado ou quem
lhe faça as vezes, na condição de sujeito ativo, e uma pessoa física ou jurídica,
particular ou pública, como sujeito passivo, de tal sorte que o primeiro ficará
investido do direito subjetivo público de exigir, do segundo, o pagamento de
determinada quantia em dinheiro. Em contrapartida, o sujeito passivo será
cometido do dever jurídico (ou dever subjetivo) de prestar aquele objeto.
34
Essas palavras nos autorizam a concluir que, em termos lógicos, a regra-matriz de
incidência tributária consubstancia uma estrutura implicacional composta por um antecedente
e um conseqüente, que prescreve a incidência tributária. O antecedente contém as notas
características de um acontecimento, de possível ocorrência no plano factual, situado em
33
Por opção metodológica, não nos referimos diretamente neste trabalho à estrutura completa das normas
jurídicas, de modo que não tratamos da força sancionadora típica do sistema jurídico. Sobre esse assunto,
recomendamos a leitura da obra de Lourival Vilanova (1977). Segundo ele, “seguimos a teoria da estrutura dual
da norma jurídica: consta de duas partes, que se denominam norma primária e norma secundária. Naquela
estatuem-se as relações deônticas direitos/deveres, como conseqüência da verificação de pressupostos, fixados
na proposição descritiva de situações fácticas ou situações juridicamente qualificadas; nesta, preceituam-se as
conseqüências sancionadoras, no pressuposto do não-cumprimento do estatuído na norma determinante da
conduta juridicamente devida” (
VILANOVA
,
1977, p. 64).
34
CARVALHO
,
2007, p. 93–4.
31
certas coordenadas de tempo e espaço; o conseqüente estabelece a relação jurídica, de
natureza tributária, que tomará lugar quando for constatada a ocorrência efetiva do
acontecimento previsto na hipótese, com a identificação dos sujeitos envolvidos nessa relação,
bem como a especificação de seu objeto, que haverá de ser sempre uma quantia em dinheiro a
ser entregue aos cofres públicos e apurada em cada situação concreta pela conjugação da base
de cálculo com a alíquota.
O que chamamos de acontecimento tecnicamente, fato jurídico tributário e
que, uma vez ocorrido, propiciará a constituição da relação jurídica tributária deverá ser um
fato passível de mensuração econômica que permita aferir a capacidade econômica do sujeito
passivo. Há muito, essa posição é assente na doutrina, como se depreende da obra de Amilcar
de Araújo Falcão, para quem:
[...] o aspecto do fato gerador que o legislador tributário considera para
qualificá-lo é a sua idoneidade ou aptidão para servir de ponto de referência,
de metro, de indicação por que se afira a capacidade contributiva ou
econômica do sujeito passivo da obrigação tributária.
35
Aqui são centrais as asserções de Alfredo Augusto Becker, que tornou célebre a
nomenclatura fato-signo presuntivo de riqueza:
É nas vias de acesso à renda e ao capital que surge a multiplicidade das
naturezas jurídicas dos tributos, porque, a exemplo dos arquipélagos, apenas
os prolongamentos da renda e do capital emergem no mundo jurídico, a fim
de participarem, como fato-signo presuntivo, na composição da hipótese de
incidência da regra jurídica de tributação. E a ciência jurídica demonstra que
estes signos presuntivos são genuínas presunções juris et de jure e como tal
se comportam na fenomenologia da incidência da regra jurídica e resultante
irradiação dos efeitos jurídicos.
36
35
FALCÃO
, Amílcar A. Fato gerador da obrigação tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 66.
36
BECKER
,
Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 505.
32
Mais recentemente, Roberto Quiroga Mosquera reforçou essa vertente de
pensamento ao registrar que, nessa busca por fatos de conteúdo econômico para fins de
tributação, o constituinte tomou por base o patrimônio das pessoas:
37
Portanto, o patrimônio das pessoas é fonte reveladora de riqueza. Nessa
fonte é que o Estado irá buscar os recursos suficientes para satisfazer às
necessidades da coletividade. Por intermédio da retirada de parcela do
patrimônio das pessoas, de forma lícita e sob certas condições, o Estado
assegura a permanência da ordem e do convívio social.
38
Posto isso, observa-se que o comando extraído da regra-matriz de incidência
tributária estará, necessariamente, modalizado como obrigatório.
Para se compreender mais precisamente a estrutura da regra-matriz de incidência,
Paulo de Barros Carvalho segregou antecedente e conseqüente com base em critérios mínimos
que permitem a compreensão do sentido integral do comando legislado. Assim, quanto ao
antecedente, temos estes critérios:
material contém nuances da ocorrência factual, que, uma vez ocorrida,
desencadeará a instauração da relação jurídica tributária; é composto pela
associação de um verbo que representa, necessariamente, uma ação a ser
praticada pelo sujeito com um complemento, a exemplo de “prestar serviços”,
“importar bens” ou, o que releva mais aqui, “auferir renda”;
espacial — delimita as coordenadas geográficas da ocorrência do fato previsto no
critério material;
temporal define o momento da ocorrência factual, que desencadeará a relação
jurídica.
37
Sobre o conceito de “patrimônio”, sua evolução e a concepção acolhida pela Carta Constitucional vigente,
recomendamos a leitura da dissertação de mestrado de Maurício Bellucci, Imposto sobre a Renda e indenizações
(2008), p. 125 e seguintes.
38
MOSQUERA
,
Roberto Q. Renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Dialética, 1996, p. 118.
33
Quanto ao conseqüente, os critérios são:
pessoal descreve os sujeitos vinculados pelo liame obrigacional instaurado, a
saber: sujeito ativo: que será sempre uma pessoa política de direito constitucional
interno (o detentor da competência), imbuído do direito de exigir o objeto da
prestação; e sujeito passivo: que será o particular, na condição de contribuinte
(aquele que praticou a ação descrita no antecedente), ou responsável (terceiro
eleito pela legislação), a quem compete adimplir a obrigação;
quantitativo responsável pela mensuração do objeto da obrigação, é composto
pela: base de cálculo, que, em conjunto com a alíquota, define o quantum devido
e determina o tipo do tributo, bem como a grandeza do fato tributável; e alíquota,
que, combinada com a base de cálculo, permite quantificar a obrigação.
Ilustrar a operatividade do direito tributário pela estrutura da regra-matriz de
incidência é uma proposta científica resultante de reflexões sobre a fenomenologia da
incidência das normas jurídicas em geral. Sem embargo de opiniões contrárias, convém dizer
que adotamos tal proposta integralmente neste trabalho porque acreditamos que ela contém,
de fato, os elementos mínimos que permitem aferir o comando veiculado pelas normas que
prescrevem a incidência tributária. Assim, firmes no propósito de fixar as premissas
necessárias à construção deste trabalho, teceremos alguns comentários, que julgamos
relevantes, sobre a base de cálculo, sobretudo quanto aos efeitos de sua relação com a
materialidade dos tributos. Tais considerações adiantamos vão influenciar em nossas
conclusões.
1.4.2 Das funções da base de cálculo como elemento componente do critério quantitativo da
norma jurídica em sentido estrito
34
Um último ponto a ser analisado no tocante à regra-matriz de incidência tributária é a
relação estreita entre os critérios material e quantitativo dessa estrutura normativa. Tal questão
nos parece relevante porque, como estamos tratando do conceito de renda, nossas conclusões
vão influenciar não apenas na conformação da materialidade do Imposto sobre a Renda, mas
também — e especialmente — em sua base de cálculo.
Sobre a correlação entre critério material e base de cálculo, Paulo de Barros
Carvalho
39
afirma que a base de cálculo é elemento imprescindível para se determinar a
fisionomia de qualquer tributo e que ela tem três funções distintas e especiais:
medir as proporções do fato ao desenhar a imposição tributária, o legislador
deve fixar um critério que permita quantificar a obrigação, ou seja, hábil a
mensurar a intensidade do fato; esse critério deve se limitar à situação descrita no
critério material da norma padrão de incidência e indicará o suporte mensurador
do êxito descrito e sobre o qual atuará outro fator: a alíquota;
compor a determinação específica da dívida estabelecida a perspectiva
dimensível do fato, a ele deve se agregar outro fator para que apareça o quantum
da prestação mediante uma operação aritmética; é a função objetiva da base de
cálculo;
confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da hipótese
tributária graças a desacertos e impropriedades legislativas, o intérprete deve
empregar critério seguro para identificar a natureza da exação em exame e, para
tanto, serve-se da base de cálculo; ao confrontá-la com o critério material da
hipótese normativa, ele poderá confirmá-la quando houver sintonia entre o
padrão de medida e o núcleo do fato dimensionado; infirmá-la quando for
manifesta a incompatibilidade entre a grandeza eleita e o acontecimento que o
39
CARVALHO
,
2007.
35
legislador declara como centro da previsão fática; ou afirmá-la — quando a
formulação legal for obscura, sobrevivendo, então, o critério material da
hipótese. Esse confronto permite identificar a espécie tributária examinada.
Nesses termos, é perceptível que a base de cálculo tem papel essencial na estrutura
da regra-matriz de incidência tributária: é o critério determinante para se classificarem os
tributos.
A elucidação desses aspectos nos permite concluir, de antemão, que, ao nos
referirmos a qualquer materialidade de qualquer tributo, trataremos de sua respectiva
base de cálculo. Essa advertência nos parece conveniente porque o objeto deste
estudo se relaciona com a materialidade do
IR
e, fundamentalmente, com sua base de
cálculo.
1.5 Competência tributária
A análise dos tributos, quaisquer que sejam, deve ser levada a cabo no contexto do
sistema jurídico a que pertencem. Em outras palavras, não como se percorrer o arquétipo
de qualquer das espécies tributárias senão em sintonia com as diretrizes vigentes no âmbito do
ordenamento jurídico. Logo, analisar um tributo requer reconhecer seu contexto, ou seja, o
próprio sistema jurídico.
Dissemos pouco que o sistema jurídico brasileiro está organizado sob a forma
federativa e se caracteriza pela rigidez e inflexibilidade, especialmente no que toca à
parcela voltada à tributão, que objetiva a autonomia financeira dos entes federativos;
também dissemos que tal autonomia é assegurada, fundamentalmente, pela atividade da
tributação. Nesse sentido, cabe salientar a necessidade de que seja atribuída a tais entes a
habilidade para impor tributos, como fonte própria de obteão de recursos, para que
36
possamos cogitar uma autonomia financeira verdadeira e eficaz. Nas palavras de Clélio
Chiesa:
[...] é preciso que se atribua a cada uma das unidades integrantes do
Estado uma parcela da capacidade para impor arrecadar, gerir e
despender tributos; o é suficiente, para se assegurar uma verdadeira
autonomia, a outorga apenas de capacidade para arrecadar, gerir e
despendê-los, nos limites autorizados pela unidade outorgante de tal
capacidade. [...] Assim, a rígida discriminação da competência
tributária constitui importante instrumento para que uma ordem
jurídica não subjugue a outra. É uma forma de garantir a obtenção de
recursos para consecução dos encargos que lhes são atribuídos,
evitando interferências indevidas de uma unidade nos interesses de
outra.
40
Assim, autonomia financeira dos entes federativos pressupõe habilidade para criação
de tributos, em outras palavras, competência tributária.
41
Competência tributária se nos
apresenta como a aptidão que têm a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
para legislar visando introduzir, no ordenamento jurídico, enunciados que permitam construir
normas jurídicas sobre tributos: trata-se da criação de tributos in abstracto. Roque Antonio
Carrazza define com precisão esse instituto, nos seguintes termos:
Competência tributária é a aptidão jurídica, que só as pessoas políticas
possuem, para, em caráter privativo, criar, in abstracto, tributos,
descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos
ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como
corolário, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano
abstrato, a tributos.
42
Os limites dessa “aptidão” para criar tributos, na verdade, resultam do cotejo de dois
tipos de normas constitucionais: as responsáveis diretamente pela outorga de competência
tributária aos entes federativos e as que estabelecem as imunidades, ou seja, preservam
40
CHIESA
, Clélio. A competência tributária do Estado brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 27–8.
41
Enfocamos aqui o conceito técnico de competência mas sem tratar de suas características típicas nem das
diferenciações frente à capacidade tributária ativa, pois esse assunto foge ao objeto central de estudo desta
investigação. As considerações feitas até aqui nos parecem suficientes para evidenciar os elementos que
necessitamos para embasar nosso raciocínio.
42
CARRAZZA
, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 29.
37
determinados sujeitos ou fatos da incidência fiscal. No confronto entre as regras de
competência e as de imunidade, identificamos precisamente o campo de atuação de que
dispõe o ente para exercitar seu poder de tributar, por isso se diz que as imunidades auxiliam
no desenho das competências. O uso desse poder se opera por meio do Poder Legislativo de
cada ente tributante
43
para se cumprir o Primado da Legalidade e tem como produto
imediato o texto legal, que servirá de suporte para se construírem as normas jurídicas.
Das espécies tributárias adotadas pelo nosso ordenamento jurídico, interessa-nos aqui
os impostos (sobretudo o
IR
), cuja competência foi exaurida pela Constituição Federal (
CF
).
Noutros termos, a Carta Magna distribuiu, em sua totalidade, as competências impositivas,
atribuindo rigidamente a cada ente federativo os fatos signo-presuntivos de riqueza passíveis
de serem alçados pelo legislador infraconstitucional para fins de determinação da incidência
dos impostos.
44
Portanto, essa distribuição de competências se guiou pelo critério material dos
impostos, e cabe à União, em caráter exclusivo, a possibilidade de criar outros impostos que
não aqueles referidos expressamente no texto constitucional, fazendo uso da competência
residual prevista no artigo 154 da
CF
/88, porém observando certos requisitos.
45
Ao exercer a competência tributária que lhe foi atribuída pela Carta Constitucional, o
legislador infraconstitucional não tem liberdade plena: está adstrito aos limites previstos na
Constituição, que se refletem, em essência, nos princípios e garantias fundamentais. Aqui,
reportamo-nos, novamente, à noção de sistema, no caso do sistema pátrio, à marca da rigidez
— que diz por que toda a atividade legislativa tendente a executar competência tributária deve
ser balizada pelas diretrizes impostas pelo próprio ordenamento, que ainda inclui mecanismos
43
E porque, com a devida vênia das opiniões dissonantes, a
CF
não cria tributos: ela outorga competências.
44
Art. 153: competência da União; artigo 155: competência dos Estados e do Distrito Federal; artigo 156:
competência dos Municípios.
45
A teor do artigo 154 da Carta Constitucional, para usar a competência tributária residual, a União deverá
recorrer à lei complementar; além disso, a exação deve ser não cumulativa e ter bases de cálculos diversas
daquelas já previstas no texto constitucional.
38
que visam garantir o convívio harmônico dos entes federativos para evitar conflitos de
competência. Nesse ponto, calham as palavras do professor José Antonio Minatel:
Todavia, norma de atribuição constitucional de competência não é cláusula
aberta à disposição do intérprete, seja ele legislador ou aplicador da regra
jurídica, sob pena de se negar a rígida distribuição das matérias entre as
entidades detentoras do poder de tributar que, repita-se, é uma das notas
determinantes do nosso sistema constitucional tributário, peculiar e sem
paralelos com o sistema de qualquer outro país.
46
Nesse mesmo sentido, diz Marco Aurélio Greco:
Assim, a Constituição também cuida de definir as possibilidades e limites da
tributação, fazendo-o através da outorga constitucional da competência
tributária (quando a Constituição diz quais os tributos que podem ser
instituídos e sob que forma, diz, também, implicitamente, que o que dali
desborda não pode ser feito) e da clara enunciação de garantias fundamentais
do contribuinte. A tributação é válida quando exercida na forma e medida
admitidas pela Constituição Federal. A tributação que não encontra suporte
no texto constitucional não constitui propriamente tributação, mas violência
aos direitos individuais, arbítrio inconstitucional e ilegítimo.
47
Assim é que, toda a atividade legislativa tendente a inserir no ordenamento normas
jurídicas prescritoras da incidência fiscal haverá de ser levada a efeito no contexto do sistema
jurídico, em sintonia e harmonia com seus fundamentos essenciais. Do contrário, teríamos a
situação descrita por Celso Antonio Bandeira de Mello:
As leis não mais teriam de ser lidas em função da Constituição, mas esta é
que teria que ser lida em função das leis. As leis converter-se-iam em regras
supremas e os preceitos constitucionais em “pseudo” normas, meros adornos
do sistema jurídico, palavras “ocas”, é dizero-palavras.
48
1.6 Princípios
46
MINATEL
, José Antonio. Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua tributação. São
Paulo:
MP
, 2005, p. 48.
47
GRECO
, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura sui generis). São Paulo: Dialética, 2000, p. 91.
48
MELLO
, Celso Antonio Bandeira de. Imposto sobre a Renda depósitos bancários — sinais exteriores de
riqueza. Revista de Direito Tributário, ano 7, n. 23/24, 1983, p. 92.
39
Nosso ordenamento jurídico resguarda balizas que denunciam os valores
consagrados pela coletividade e que orientam a própria atividade legislativa tendente a inserir
novas normas no sistema jurídico: são os princípios.
1.6.1 Noções gerais
A noção de princípio é ponto inafastável para se compreender o direito. Os princípios
são normas jurídicas, no sentido declinado no tópico anterior. Representam o produto de uma
construção interpretativa feita pelo intérprete. o normas dotadas de alto valor axiológico
que se prestam a explicitar valores incorporados ao ordenamento jurídico que tenham sido
escolhidos e privilegiados pela sociedade. O professor Estevão Horvath reitera esse raciocínio
ao discorrer sobre a natureza dos princípios:
[...] que fique esclarecido desde que entendemos princípios como sendo
normas jurídicas como as demais. Há, portanto, segundo acreditamos, duas
espécies de normas jurídicas: a) as regras (ou normas jurídicas em sentido
estrito) e b) os princípios.
49
Os princípios, portanto, funcionam como vetores, porque guiam o próprio
ordenamento; contextualizam os textos do direito positivo, possibilitando ao intérprete
construir regras — que também são normas jurídicas — consoantes à “vontade social”,
representada pelos valores encartados pela ordem jurídica pátria. Têm, assim, uma função
pragmática pronunciada.
Adverte-nos o professor Paulo de Barros Carvalho
50
que o vocábulo princípio
é empregado no discurso jurídico em, pelo menos, quatro acepções diversas: como
norma jurídica portadora de valor expressivo (considere-se, in casu, que todas as
normas jurídicas, por defluirem do mundo cultural, estão sempre impregnadas de
valor); como norma jurídica estipuladora de limites objetivos; como os próprios
49
HORVATH
, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 22.
50
CARVALHO
, 2007, p. 158–9.
40
valores insertos nas regras jurídicas; e como os limites objetivos inseridos nas regras
jurídicas. Nota-se, portanto, o emprego desse termo para designar normas, valores ou
limites objetivos. À luz de sua teoria, identificamos diferenças entre princípios-valores
(preceitos carregados de forte axiologia cujo estudo reclama, inexoravelmente, o
ingresso na subjetividade do agente, porque se relaciona diretamente com a ideologia
deste) e princípios-limite objetivos (que, ao contrário, têm seu sentido construído com
base em provas objetivas), embora como assevera o professor Paulo de Barros
Carvalho também objetivem, em última análise, preservar um valor. Exemplos da
primeira categoria podem ser a justiça e a segurança jurídica; da segunda, a
anterioridade e a irretroatividade.
Ainda nessa seara, convém apontar a contribuição de Humberto Ávila, que propõe
novo modelo para se compreender a estrutura em que se operam os princípios.
51
Este autor
não ignora as considerações de que os princípios encerram valores, mas, em sua investigação
dos critérios que permitem aplicar racionalmente esses valores, ele adota um viés bastante
pragmático ao analisar tal realidade. Daí a importância de retomarmos sucintamente suas
idéias para complementarmos este estudo. Com base na idéia de que o intérprete constrói
normas jurídicas segundo os dispositivos textuais e que tal construção deve considerar os fins
e valores prestigiados pela ordem jurídica, esse autor trilha um caminho mais flexível porque
vislumbra a possibilidade de que um mesmo enunciado pode funcionar como referência à
construção de qualquer espécie normativa considerada em sua teoria tripartite: regras,
princípios ou postulados. Essa forma de pensar corrobora a afirmação de que não há,
necessariamente, uma correspondência absoluta entre texto e norma.
Na perspectiva desse autor, as regras consubstanciam as normas jurídicas que têm
uma dimensão imediatamente comportamental, enquanto os princípios têm uma dimensão
51
ÁVILA
, Humberto. Teoria dos princípios, da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. São
Paulo: Malheiros, 2007.
41
finalística e os postulados, uma dimensão metódica. Noutras palavras, as regras são definidas
como estruturas descritivas que estabelecem imediatamente comportamentos revelados em
comandos obrigatórios, permitidos ou proibidos —, enquanto os princípios estabelecem um
estado ideal de coisas cujo alcance demanda adoção de certos comportamentos portanto,
têm uma dimensão comportamental mediata. Nesse sentido, os princípios auxiliam na
compreensão do sentido das regras.
Grande parte da doutrina posiciona-se no sentido de que, diferentemente dos
princípios, a aplicação das regras não deve ser precedida de nenhuma ponderação, pois a
ocorrência do fato descrito em sua hipótese enseja sua automática incidência. Mas, para
Humberto Ávila, as regras devem, sim, serem ponderadas, com base nos fins e valores
estampados na própria regra ou noutros princípios jurídicos; nesse viés, ele ressalta a
importância do papel dos tribunais e das cortes de Justiça, a quem caberá, em última instância,
analisar o caso concreto e decidir se ou não motivos excepcionais que superem a própria
razão de ser da regra e, assim, justifiquem o afastamento de sua aplicação.
52
Assim, há
ponderação tanto nas regras quanto nos princípios, variando apenas o grau com que isso
ocorre.
Como outra diversidade entre regras e princípios, esse autor averba que, enquanto as
regras têm pretensão terminativa visam fornecer uma solução específica aos conflitos —,
os princípios têm função de complementaridade, porque contribuem na tomada de decisão,
agregando elementos, mas sem prescrever qualquer solução. Diz ele:
[...] os princípios não são apenas valores cuja realização fica na dependência
de meras preferências pessoais. [...] Os princípios instituem o dever de
adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou,
inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela
adoção de comportamentos a ele necessários. Essa perspectiva de análise
evidencia que os princípios implicam comportamentos, ainda que por via
indireta e regressiva. [...] Pode até haver incerteza quanto ao conteúdo do
52
Para tanto, deve haver uma justificativa condizente, uma fundamentação condizente e uma comprovação
condizente (
ÁVILA
,
2007).
42
comportamento a ser adotado, mas não quanto à sua espécie: o que for
necessário para promover o fim é devido.
53
Enfim, como uma terceira espécie normativa, Humberto Ávila destaca os postulados:
normas jurídicas que, direcionadas ao intérprete e aplicador do direito, orientam a aplicação
dos princípios e das regras, detendo, assim, um viés metódico.
Dentre os postulados denominados hermenêuticos, ganham relevo: o da unidade do
ordenamento que assegura o exame da parte em relação ao todo; o da coerência que
estabelece o dever de relacionamento entre as normas; e o da hierarquia que prescreve
critérios para interpretação das normas. Além dos hermenêuticos, há os postulados normativos
aplicativos, que viabilizam a compreensão concreta do direito, solucionando antinomias
contingentes (surgidas ocasionalmente), concretas (decorrentes de problemas concretos) e
externas (relativas a problemas extra-sistêmicos); dentre eles, podemos citar o postulado da
razoabilidade que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso
concreto; o da proporcionalidade que impõe o cotejo entre a norma e o princípio que a
justifica, por isso exige, para se cumprirem os fins pretendidos, que se use um meio adequado
(que promova o fim), necessário (o meio que menos restrinja direitos individuais dentre os
que promovem o fim,) e proporcional (as vantagens que o meio promove devem suplantar as
desvantagens que dele decorrerem); e, enfim, o postulado da proibição de excesso que
veda a restrição excessiva de qualquer direito fundamental.
Em síntese, eis a teoria de Humberto Ávila, citada aqui para elucidar sua forma
particular de estruturação para aplicação e compreensão do direito e enriquecer este estudo,
sedimentando premissas que nos serão sobremaneira úteis.
Devemos reiterar que os princípios em geral denunciam os anseios exteriorizados da
coletividade, pois, ao estabelecer suas prioridades, o corpo social determina o estado de coisas
que pretende instaurar e a ser alcançado pelas condutas orientadas por princípios jurídicos,
53
ÁVILA
,
2007, p. 80.
43
cuja aplicação será guiada pela razoabilidade e proporcionalidade, tendo-se em vista a
unidade, coerência e hierarquização do ordenamento jurídico.
1.6.2 Princípios constitucionais gerais
princípios que se irradiam, de forma genérica, em todo o ordenamento jurídico e
que ora denominamos princípios constitucionais gerais. A seguir, citamos alguns deles.
1.6.2.1 Princípio da separação dos poderes
À luz de conceitos elaborados originalmente por Montesquieu
54
cuja reflexão
sobre a forma de organização do Estado romano o levou a tratar da divisão das funções numa
estrutura governamental —, o Estado brasileiro consagrou a teoria da separação dos poderes,
de modo que se dividem as funções governamentais entre os poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário, independentes e harmônicos entre si (art. 2º da
CF
/88).
1.6.2.2 Princípio da justiça
Trata-se do fim último do direito. Aristóteles apregoava que a justiça seria o
fundamento da ordem no mundo, pois que é indissociável do conceito de sociedade, de vida
em sociedade. Para esse filósofo, a justiça pode ser analisada segundo dois enfoques: o da
obediência às leis e o do respeito à igualdade. Como princípio, a justiça é dotada de
subjetividade proeminente, embora não tenhamos como negar sua vinculação estreita à
igualdade. Buscar o justo é buscar disciplinas que não afrontem a igualdade.
1.6.2.3 Princípio da segurança jurídica
54
MONTESQUIEU
. Do espírito das leis. Título original: De l’éspirit des lois, ou du rapport que les lois doivent
avoir avec la constituin de chaque gouvernement, les moeurs, le climat, la religion, le commerce, etc (1ª edição
1748). São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 180 e seguintes.
44
Exemplo genuíno de sobreprincípio, a segurança jurídica é da essência do próprio
direito, nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello,
55
notadamente de um Estado
democrático de direito. Está adstrita à garantia de estabilidade (ao menos relativa), o que
propicia alguma previsibilidade em relação ao futuro, proporcionando aos administrados um
sentimento de segurança, proteção, que torna mais confortável sua vivência social. José
Eduardo Soares de Melo soube condensar muito bem o efeito prático da segurança jurídica:
Num plano ideal, é possível cogitar da efetiva segurança jurídica quando os
contribuintes tenham o prévio conhecimento das exigências fiscais, que lhes
permita planejar, e exercer, suas atividades particulares ou profissionais. A
ciência antecipada dos gravames tributários possibilita ao empresário
mensurar suas obrigações fiscais diretas sobre suas operações (Impostos de
Importação,
IPI
,
ICMS
,
ISS
, Cofins,
PIS
,
CSLL
,
IR
, etc...) ou de modo indireto
(
IPTU
,
IPVA
,
IOF
, etc...).
56
1.6.2.4 Princípio da certeza do direito
Embora se correlacione com o princípio da segurança jurídica, com ele não se
confunde. Como a segurança jurídica decorre do sistema, a certeza do direito consiste em
atributo essencial do dever-ser; apenas cogitamos a existência de enunciados que prescrevam
condutas e disciplinem comportamentos de maneira objetiva porque a certeza do direito
confere essas notas ao órgão emissor. Assim, todas as normas que vagam em nosso sistema
jurídico têm de ter uma destinação certa. O processo de positivação do direito deve ser claro e
objetivo.
1.6.2.5 Princípio da igualdade
55
MELLO
, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.
110.
56
MELO
, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 7ª ed. São Paulo: Dialética, 2007, p. 48.
45
Está positivado no artigo 5º, caput da
CF
/88 e se dirige ao legislador. Em última
análise, visa assegurar que “[...] exista uma adequação racional entre o tratamento
diferenciado construído e a razão diferencia que lhe serviu de supedâneo”, seguindo-se que,
“[...] se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos
jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia”.
57
O primado
da igualdade tem vinculação próxima com o princípio (ou “ideal”) de justiça almejado pelo
direito.
1.6.2.6 Princípio da legalidade
Previsto genericamente no artigo 5º,
II
da
CF
/88, assegura que a lei pode obrigar.
Decorre diretamente do princípio da separação dos poderes e reflete o poder conferido,
precipuamente, ao Poder Legislativo. Na ótica dos administrados, a Carta Constitucional
garante a possibilidade de que seja feito tudo o que a lei não obstar. Por meio dele, fica
viabilizado o atendimento à segurança jurídica e a própria igualdade.
1.6.2.7 Princípio da propriedade
Positivado no artigo 5º,
XXII
e
XXIV
da
CF
/88, ele protege o patrimônio e ganha
relevo especial no âmbito tributário, pois a tributação parte do patrimônio. Com efeito, como
dissemos, a tributação recai necessariamente sobre um fato revelador de riqueza: tributar é
retirar do patrimônio do particular uma parcela em benefício de um bem maior, em benefício
da coletividade.
Ao lado desses princípios constitucionais gerais, outra gama de princípios,
referente em particular à esfera da tributação portanto, atuam no sistema constitucional
tributário. Também outros que, ainda mais especificamente, informam certos tributos em
função de características típicas de sua estrutura definidas pela Carta Magna. Discorremos
57
MELLO
, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 39.
46
sobre tais princípios no capítulo seguinte, onde averiguamos os aspectos inclusive
principiológicos — inerentes ao Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza.
47
Capítulo 2
IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA:
REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA E PRINCÍPIOS INFORMADORES
2.1 Impostos: delimitação do conceito
Como dissemos, esta dissertação enfoca o arquétipo constitucional do Imposto sobre
a Renda (
IR
), sobretudo o aspecto material de sua regra-matriz de incidência; tratamos de uma
subespécie da espécie tributária impostos. Por isso, convém nos atermos à definição de um
conceito básico: o de imposto, palavra que deriva “[...] do latim impositum de imponere,
que significa impor, prescrever”,
58
que consubstancia uma das espécies tributárias. Anote-se,
todavia, que não pretendemos criticar os diferentes critérios de classificação das espécies
tributárias que, sabe-se, provocam os estudiosos nem esmiuçar a fundo essa espécie
tributária. Visamos tão-somente esboçar os caracteres fundamentais dessa espécie tributária,
de acordo com a Carta Constitucional vigente, que, em seu art. 145 se refere aos impostos
como um tributo passível de ser instituído pelos entes da Federação, assim como taxas e
contribuições de melhoria.
Muito se discutiu, na doutrina nacional e alienígena, sobre os critérios que
permitem classificar essas espécies tributárias, assim como o número efetivo de espécies
admitidas no sistema constitucional. Em geral, podemos dizer que parte dos estudiosos
acredita que o sistema comporta apenas as três espécies previstas na Constituição Federal, e
outra parte acredita que contribuições e empréstimos compulsórios e, em certos casos, até
58
QUEIROZ
, Mary Elbe. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza: princípios, conceitos,
regra-matriz de incidência, mínimo existencial, retenção na fonte, renda transnacional, lançamento, apreciações
críticas. Barueri: Manole, 2004, p. 66.
48
outros institutos, a exemplo do pedágio são espécies tributárias autônomas.
59
À parte essa
discussão, há um critério que considera, exclusivamente, o aspecto material da regra-matriz de
incidência (por isso tal classificação é nomeada intrínseca)
60
e é aceito, de forma maciça, pela
doutrina: trata-se do critério que diferencia essas espécies em função da vinculação ou da não-
vinculação de uma atividade estatal no desenho da hipótese tributária.
61
Tal concepção define
impostos como tributos cuja hipótese de incidência não se vincula a nenhuma atuação estatal
e que se destinam a fazer frente às despesas gerais da máquina estatal.
Para os fins a que nos propusemos, vale transcrever a definição de Juan José Ferreiro
Lapatza: “podemos definir o imposto como uma obrigação de Direito público estabelecida
pela Lei para o sustento da despesa pública, de acordo com o princípio da capacidade”.
62
2.2 Competência tributária para criação do Imposto sobre a Renda (
IR
) e Proventos de
Qualquer Natureza e as disposições da legislação complementar
Tendo em vista a proposta do professor Geraldo Ataliba
63
a de que qualquer
investigação no campo do direito tributário haverá de partir da Constituição Federal —,
iniciamos nossa empreitada científica a partir da análise da norma constitucional que outorga
competência para a criação do
IR
.
Como dissemos, as competências impositivas foram definidas rígida e
exaustivamente pela Carta Constitucional vigente, de modo que, para cada pessoa política de
direito constitucional interno — União, Estados, Distrito Federal e Municípios — foram
59
Para se aprofundar o tema, sugerimos a leitura de:
ATALIBA
, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6.
ed. São Paulo: Malheiros, 2003;
MARQUES
, rcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São
Paulo: Max Limonad, 2000; e
SANTI
, Eurico Marcos Diniz. As classificações no sistema tributário brasileiro.
Justiça tributária, Max Limonad, 1998.
60
Cf.
SANTI
, 1998, p. 138.
61
Nesse sentido, Geraldo Ataliba (2003, p. 130) diz que “é a materialidade do conceito do fato, descrito
hipoteticamente pela h. i. que fornece o critério para classificação das espécies tributárias. [...] Esta verificação
permite classificar todos os tributos, pois segundo o aspecto material de sua hipótese de incidência consista
ou não no desempenho de uma atividade estatal — em tributos vinculados e tributos não vinculados”.
62
LAPATZA
, JoJuan Ferreiro. Direito tributário: teoria geral do tributo. Barueri: Manole; Espanha: Marcial
Pons, 2007, p. 163.
63
ATALIBA
,
2003.
49
selecionados certos fatos, de conteúdo econômico, sobre os quais lhes foi conferida a
prerrogativa de instituir a exação tributária. Convém frisar o teor do art. 153 da Carta
Constitucional, cujo inciso
III
, a pretexto de definir a competência tributária da União Federal,
diz: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...]
III
renda e proventos de
qualquer natureza; [...]”. Esse enunciado constitucional permite concluir que a conduta de se
auferir renda
64
enseja instauração de uma relação jurídica tributária, que tem por objeto a
entrega aos cofres públicos de dado quantum a título de IR, que terá como sujeito ativo a
União, ente a quem foi atribuído o poder de instituir essa exação específica.
Como o exercício da competência tributária dar-se-á por meio do respectivo Poder
Legislativo porque, em nosso sentir, a Constituição não cria tributos, mas outorga
competência a entes federativos para criá-los —, então caberá ao legislador ordinário federal
o exercício da competência tributária atinente ao
IR
, ou seja, a conformação da regra-matriz
de incidência tributária desse imposto, sob a égide das diretrizes consagradas no Texto
Constitucional: os princípios gerais e específicos nele estampados, bem como os conceitos
pressupostamente determinados.
Sobre a interpretação sistemática das diretrizes constitucionais, vale dizer que, ao
lado da análise da regra que atribui competência tributária aos entes da Federação, é
necessário verificar a disposição inscrita no art. 146,
III
, “a” do Texto Supremo, que prevê
que compete à legislação complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação
tributária, em especial sobre “[...] a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em
relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores,
bases de cálculo e contribuintes”.
65
64
Por ora vamos nos referir ao verbete renda, pois como veremos renda é gênero do qual proventos é
espécie.
65
Por fugirem ao escopo deste estudo, não discutimos as doutrinas relativas às diferentes formas de se
compreenderem os enunciados constitucionais sobre a função das leis complementares: a teoria dicotômica e a
teoria tricotômica. Logo, assumimos que a lei complementar deve estabelecer os fatos geradores e as bases de
cálculo dos impostos.
50
Conquanto editado na vigência da Carta Constitucional de 1946, a ordem jurídico-
constitucional vigente recepcionou o digo Tributário Nacional/
CTN
(lei n. 5.172, de
25/10/1966) com status de lei complementar, para atender ao comando estatuído pela alínea
“a” do inciso
III
do artigo 146 da Constituição. Quanto ao
IR
, tal mister é levado a cabo pelos
seus artigos 43 a 45, que estabelecem:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de
qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade
econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos.
II de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos
patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do
rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da
origem e da forma de percepção.
§ Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei
estabelecerá as condições e o momento em que se dasua disponibilidade,
para fins de incidência do imposto referido neste artigo.
Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou
presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.
Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere
o art. 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a
qualquer título dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.
Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos
proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e
recolhimento lhe caibam.
Fica evidente, após a leitura de tais enunciados, que por intermédio do artigo 43, o
legislador introduziu no ordenamento uma definição do que seriam renda e proventos na
tentativa de cerrar seus respectivos campos semânticos, delimitando, tanto quanto possível, o
sentido a ser seguido pelo legislador ordinário federal ao exercer sua competência tributária.
Nas palavras de Roberto Quiroga Mosquera,
[...] o legislador brasileiro, atento às dificuldades quanto ao entendimento
dessas locuções, pretendeu evitar confusões interpretativas definindo o que
significava a palavra “renda” e a expressão “proventos de qualquer natureza”
por intermédio de uma definição estipulativa.
66
66
MOSQUERA
,
1996, p. 37. A definição “estipulativa” referida por esse estudioso é definida como aquela em
que o intérprete estabelece o significado que pretende dar a uma palavra ou expressão para os fins específicos de
sua comunicação.
51
Entretanto, esse autor afirma ser imprescindível que tais conceitos, delimitados pela
legislação complementar, condigam com as noções contidas na Carta Constitucional.
Também cabe ressaltar que o artigo 44 do
CTN
pontua a possibilidade de a tributação recair
sobre o montante do lucro real, presumido ou arbitrado, já denunciando a existência de
diferentes critérios para apuração da base de cálculo do
IR
.
Nesta dissertação, veremos as definições veiculadas pelo
CTN
para que possamos
avaliar a adequação de seus termos frente às disposições da Carta Constitucional e, ao final,
realçar a relevância das despesas na conformação dos conceitos de renda e proventos de
qualquer natureza constitucionalmente pressupostos.
Vejamos, a seguir, os princípios que, com mais contundência, informam o
IR
.
2.3 Princípios informadores do Imposto de Renda (
IR
)
Os princípios constitucionais gerais têm efeito em todo o ordenamento jurídico,
demarcando “estados de coisas” pretendidos pelo corpo social, cuja direção a exegese das
normas jurídicas deve seguir. Exemplificamos algumas dessas diretrizes tidas por relevantes
no âmbito deste estudo.
É cediço que há princípios mais próximos da seara tributária, impingindo-lhe
contornos particulares são os princípios constitucionais tributários —, além daqueles que
submetem cada tributo individualmente em função de condições ou características que lhes
são ínsitas. Por ser um imposto autêntico, o
IR
está jungido aos princípios gerais,
concomitantemente aos princípios constitucionais tributários e aos que lhe informam
especificamente.
Obviamente, a observância aos princípios informadores é exigência indispensável
para todo e qualquer tributo. Todavia, os contornos dessa exigência se acentuam no caso do
IR
, pois este repercute significativamente no ordenamento jurídico, em que alcança quase
52
todos os administrados, pessoas físicas e jurídicas. Sua relevância fora destacada antes por
Sampaio Dória nestes termos:
Ademais, o imposto sobre a renda, além de seu elementar escopo fiscal, é
hoje o mais relevante instrumento de política tributária para controle ou
modificação da conjuntura econômica, visando a redistribuição de rendas, o
amortecimento inflacionário, o estímulo ao desenvolvimento, para citar
alguns. Lembre-se que, no Brasil, até mesmo para incentivar o crescimento
demográfico se discriminaram gravosamente as alíquotas do tributo sobre
contribuintes solteiros ou de reduzida prole.
67
2.3.1 Legalidade e tipicidade tributária
O princípio da legalidade, como ressaltado antes, encontra assento no artigo 5º,
II
da
Carta Constitucional, que preconiza que “[...] ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Tal primado, entretanto, ganha foros mais
severos no âmbito tributário. Com efeito, como a tributação tem vínculos intrínsecos com o
patrimônio dos administrados porque, em última análise, implica entrega de uma parcela
do patrimônio aos cofres públicos em prol da coletividade (para ou custear a máquina pública,
ou remunerar uma atividade estatal, ou suportar benefícios sociais, ou ainda fazer frente a
despesas extraordinárias) —, fica mais evidente a necessidade de que a atuação estatal esteja
escorada em preceitos e diretrizes fundamentados na lei.
Por causa dessa necessidade, o legislador constituinte originário entendeu por bem
renovar, com mais rigidez, o princípio da legalidade no Título da Constituição Federal
destinado a regulamentar o sistema constitucional tributário, de onde deriva a disposição de
seu artigo 150,
I
,
in litteris: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I
exigir
ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Veja-se que o primado da legalidade é
torneado com mais contundência pelo constituinte, revelando ser uma verdadeira garantia
67
DÓRIA
, Antonio Roberto Sampaio. Distribuição disfarçada de lucros e imposto de renda. São Paulo:
Resenha Tributária, 1974, p. 2.
53
fundamental aos contribuintes: uma exigência de natureza tributária encontra amparo para
prevalecer se e somente se respaldada por disposição legal.
68
Trata-se, pois, do princípio
da estrita legalidade em matéria tributária.
José Eduardo Soares de Melo, seguido por outros autores, afirma que o princípio da
legalidade é cumprido apenas quando se faz uso da “lei” em sentido estrito. Diz ele: “[...] a
instituição, majoração e extinção dos tributos [...] devem ser sempre prevista em ‘lei’,
compreendida como espécie normativa editada pelo Poder Legislativo”.
69
Não obstante, o
Supremo Tribunal Federal (
STF
)
70
sedimentou o entendimento de que medida provisória,
embora advenha do Poder Executivo, faz as vezes de lei ordinária, pelo que acolheu a
possibilidade de sua utilização para criar ou majorar tributos. Como diz Soares de Melo, e a
despeito da posição da Corte Maior, partilhamos da posição de que, em termos jurídicos, a
medida provisória difere em essência do veículo legislativo “lei” e se submete a condições
particulares (relevância e urgência, em geral ignoradas na prática), sendo, portanto,
inadmissível para fins de atendimento ao princípio da estrita legalidade em matéria tributária.
A esse princípio se vincula o da tipicidade tributária, segundo o qual a lei deve
estabelecer as características básicas do tributo, permitindo ao contribuinte identificar
plenamente tanto o fato abstrato, cuja ocorrência no mundo fenomênico desencadeará a
instauração da relação jurídica tributária, quanto os contornos básicos dessa relação, é dizer,
os sujeitos envolvidos e os critérios e metodologia para apuração do quantum debeatur da
obrigação tributária. Nas palavras de José Artur Lima Gonçalves, é “[...] a exigência
constitucional e sistemática de utilização de um método de descrição legislativa casuístico.”
71
68
Como regra geral, a “lei” referida no Texto Constitucional é a ordinária. hipóteses específicas, no entanto,
em que o legislador constituinte demandou a aplicação de lei complementar, por exemplo, para os tributos
embasados nos artigos 148 e 154,
I
da
CF
/88.
69
MELO
, 2007, p. 20.
70
Nesse sentido, veja-se o Voto de lavra do ministro Carlos Veloso, no bojo do recurso extraordinário 138.284
8/
CE
, que assinala a possibilidade de a medida provisória instituir e aumentar tributos, de início porque a Carta
Constitucional não restringe as matérias passíveis de serem veiculadas por medida provisória.
71
GONÇALVES
, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 92.
54
Por sua vez, Alberto Xavier, ao discorrer sobre o princípio da tipicidade, sublinha que este
exprime a necessidade, para fins tributários, de “reserva absoluta de lei” que, em seu sentir,
[...] significa a exigência constitucional de que a lei deve conter não o
fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério de
decisão do órgão de aplicação do direito no caso concreto, ao invés do que
sucede na “reserva relativa”, em que muito embora seja indispensável a lei
como fundamento para as intervenções da Administração nas esferas de
liberdade e de propriedade dos cidadãos, ela não tem que fornecer
necessariamente o critério de decisão no caso concreto, que o legislador
pode confiar à livre valoração do órgão de aplicação do direito,
administrador ou juiz.
72
Embora seja importante o apontamento desse autor, vemos com cautela a afirmação
de que os princípios da legalidade e tipicidade vinculam até mesmo os órgãos de aplicação do
direito, de maneira que não lhes é dado decidir as questões práticas com qualquer grau de
subjetivismo. Como dissemos ao tratarmos dos princípios, toda aplicação do direito seja
seu objeto uma regra, um princípio ou um postulado, conforme classificação de Humberto
Ávila é, inexoravelmente, precedida de ponderação por parte do agente. Seja como for, a
análise conjunta dos princípios da legalidade e tipicidade permite concluir que a lei pode
instituir ou majorar tributos, cabendo-lhe, ainda, descrever com rigor os elementos
fundamentais da exação tributária, viabilizando ao administrado o pleno conhecimento de
seus direitos e deveres atinentes à tributação.
2.3.2 Princípio da anterioridade
Conforme as alíneas “b” e “c” do artigo 150,
III
da
CF
, os princípios da anterioridade
e anterioridade nonagesimal, respectivamente, visam assegurar o cumprimento do princípio
da segurança jurídica, impedindo que a instituição ou majoração do tributo tenham efeitos no
mesmo exercício financeiro (anterioridade–regra geral) ou antes de 90 dias (anterioridade
72
XAVIER
, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma anti-elisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p.
17–8.
55
nonagesimal), contados a partir da data do advento da lei que tiver veiculado a instituição ou
majoração da exação. Tal diretriz assegura, justamente, o sentimento de segurança e
previsibilidade, que busca resguardar a segurança jurídica, por isso se diz que a anterioridade
viabiliza a realização da própria segurança jurídica. Consiste, pois, numa oposição à surpresa.
O
IR
se submete apenas ao princípio da anterioridade; disposições legais que
estabeleçam sua majoração poderão produzir efeitos apenas no exercício financeiro
subseqüente àquele em que tiver advindo o diploma legal com tal majoração. No dizer de
Roque Antonio Carrazza, a anterioridade impõe que “[...] a lei que cria ou aumenta tributo
e esta é a regra geral —, ao entrar em vigor, fica com a eficácia paralisada até o início do
próximo exercício financeiro, quando, sim, incidirá, ou seja, passará a produzir todos os
seus efeitos, na ordem jurídica”.
73
Sua funcionalidade no âmbito do
IR
é relevante, pois, como
vimos, essa exação alcança a maior parte dos administrados, pessoas físicas ou jurídicas, o
que reforça a necessidade de que eventuais incrementos sejam previamente informados, para
assegurar a todos a possibilidade de organizarem sua vida social e financeira.
2.3.3 Princípio da irretroatividade
Previsto no artigo 150,
III
, “a” da Carta Constitucional, o princípio da
irretroatividade reforça o atendimento à segurança jurídica: garante que as leis tributárias
tenham tão-somente efeitos prospectivos, ou seja, futuros, sendo-lhes vedado atingir fatos
ocorridos antes de seu advento. Assim, por essa norma, se submetem aos efeitos da lei
tributária fatos que lhe sejam posteriores. Mais uma vez, dado o alcance do
IR
, esse princípio
não pode ser desprezado, e ao legislador cabe garantir que toda inovação na disciplina jurídica
desse imposto que implique aumento da carga tributária surta efeito sobre fatos que sejam
73
CARRAZZA
, 2008, p. 137. Não tratamos aqui das regras excepcionais atinentes ao princípio da anterioridade,
pois é a regra geral aplicável ao
IR
.
56
posteriores à novel legislação, de modo a preservar o sentimento de previsibilidade e
segurança tão necessário ao convívio social harmônico.
2.3.4 Princípio da igualdade
No âmbito da ordem jurídica pátria, o princípio da igualdade representa uma das
maiores senão a maior garantia de todos os cidadãos. É pressuposto do Estado
Democrático de Direito, como observa Hans Kelsen, eis que não há como se cogitar da
possibilidade de participação popular no exercício do poder se não houver igualdade de
condições a todos, indistintamente. A isonomia, a nosso ver, impõe a necessidade de
discriminar, diferenciar, conforme as características particulares de cada situação. Vê-se
quebra de isonomia quando as devidas diferenciações não são feitas ou quando se adota um
critério inadequado para essa diferenciação. É imperiosa a existência de um liame lógico entre
o fator diferencial e a diferenciação obtida na prática.
Celso Antonio Bandeira de Mello destaca a importância e, por conseguinte, a
dificuldade, da eleição do critério de discrímen para se dar tratamento isonômico a todos os
administrados. Sobre o critério discriminatório, enfatiza:
[...] tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério
discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se justificativa racional,
isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido,
atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da
desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou
fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os
valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda
ou não harmonia com eles.
74
Devemos estar cientes de que a Constituição Federal impede, para se atingir a
isonomia, a adoção de critérios que reflitam preconceito ou discriminação. José Artur Lima
74
MELLO
, 2004, p. 20–1.
57
Gonçalves aprofundou o estudo sobre os meios para se averiguar o cumprimento da isonomia
pelas normas tributárias e, para isso, criou uma metodologia que pode ser assim resumida:
1) Dissecar a norma jurídica tributária, a regra-matriz de incidência, em seus
cinco critérios, que, repita-se, são o material, o temporal, o pessoal, o
espacial e o quantitativo.
2) Detectar a existência de discriminação implementada pela regra-matriz de
incidência analisada.
3) Identificar qual é o elemento de discriminação utilizado pela norma
analisada.
4) Uma vez identificado o discrímen, analisar se a norma onera ou beneficia
singularmente um indivíduo ou categoria ou atividade desde já determinadas
e se o elemento de discriminação reside na própria pessoa ou situação
discriminada.
5) Aferir a existência de correlação lógica entre o elemento de discriminação
e o tratamento diferenciado.
6) Perquirir a efetiva ocorrência da relação de subordinação e pertinência
lógica entre a discriminação procedida e os valores positivados no texto
constitucional.
75
Em matéria tributária, a igualdade assegura que todos os contribuintes arquem,
igualitariamente, com o custeio da máquina pública via tributos. Não se admitem condições
desiguais a quem ocupe posições equivalentes, sob pena de se afrontar o princípio da justiça.
Para tanto, há mecanismos que asseguram a igualdade na seara tributária, em especial a
capacidade contributiva, expressamente demandada pelo Texto Constitucional. Por sua vez, o
IR
, por enfocar o acréscimo patrimonial percebido pelo contribuinte (riqueza nova), deve
atingir de modo igualitário os destinatários da regra tributária, segundo sua condição pessoal.
2.3.5 Princípio da capacidade contributiva
Conforme Roque Antonio Carrazza, “[...] o princípio da capacidade contributiva
hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os
ideais republicanos”.
76
É a diretriz que, estampada no artigo 145 da Carta Constitucional,
veicula que os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.
75
GONÇALVES
, José Artur Lima. Isonomia da norma tributária. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 68.
76
CARRAZZA
, 2008, p. 87.
58
Por meio desta, busca-se cumprir o primado da igualdade e, logo, da justiça fiscal, por meio
da imposição de limites à atividade de tributação. Com efeito, a tributação não pode aniquilar
o patrimônio do contribuinte; deve respeitar requisitos e condições que viabilizem a
manutenção da riqueza que tenha motivado a tributação.
Embora o princípio da capacidade contributiva mencione exclusivamente os
impostos, doutrinadores de projeção atestam que não incompatibilidade em sua aplicação
às demais espécies tributárias. Nesse viés, Alcides Jorge Costa diz que:
[...] a Constituição aplica o princípio da capacidade contributiva apenas aos
impostos. Isto não exclui que esta capacidade não deva ser levada em conta
na cobrança de taxas. Se certos serviços públicos essenciais devem ser
prestados a pessoas destituídas de capacidade econômica, as respectivas
taxas não serão exigidas, mesmo porque, como dizem os alemães, ninguém
põe a mão no bolso de um homem nu.
77
Fernando Aurelio Zilveti destaca a importância do princípio da capacidade
contributiva em relação ao
IR
,
e particularmente no caso das pessoas jurídicas que nos
importa aqui —, é direto ao condicionar a possibilidade de dedução integral das despesas ao
aferimento rigoroso da capacidade econômica do pretenso contribuinte:
No caso da tributação das pessoas jurídicas, em especial aquelas tributadas
pelo lucro real, em que se apura a renda líquida sujeita à tributação, por meio
da dedução da renda bruta, de todas as despesas necessárias à manutenção da
fonte produtora, aparece aqui outra cláusula geral, que deixa caminho aberto
para a administração aferir, nos termos do que determinou o artigo 145, § 1º,
da Constituição Federal, o que vem a ser a efetiva capacidade contributiva
sujeita ao imposto de renda.
78
Esse autor constrói raciocínio interessante, segundo o qual a capacidade contributiva
se destina não apenas ao legislador, mas também àqueles envolvidos na relação jurídica:
77
COSTA
, Alcides Jorge. Capacidade contributiva. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 55., 1991, p. 302.
78
ZILVETI
, Fernando Aurélio. Princípios de direito tributário e a capacidade contributiva. São Paulo:
Quartier Latin, 2004, p. 262.
59
legislador, aplicador, intérprete e contribuinte.
79
Resta, pois, perceptível que a capacidade
contributiva delineia o critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária, pois que define
os sujeitos que, tendo praticado (ou estando relacionados) ao fato jurídico tributário, devem
compor o pólo passivo da relação jurídica daí instaurada.
Enfim, cabe assinalar a necessidade de que seja efetivo o atendimento à capacidade
contributiva para fins de tributação. No caso do
IR
, isso ocorre via influxo de outros
princípios, em especial a pessoalidade e a progressividade.
2.3.6 Princípio do não-confisco
Positivado no artigo 150,
IV
, da
CF
/88, o princípio do não-confisco representa a outra
cara da moeda da capacidade contributiva, eis que ajuda a estabelecer diretrizes que
assegurem a proteção patrimonial dos contribuintes; em outras palavras, garante que não haja
perecimento da riqueza agregada, objeto da tributação (cabe reiterar, a tributação recai
necessariamente sobre um fato signo-presuntivo de riqueza), tampouco que seja desvirtuado o
mister precípuo da atividade da tributação, evitando seu emprego como forma de punição aos
contribuintes.
Em sua obra sobre o assunto, o professor Estevão Horvath aprofunda o estudo do
princípio do não-confisco e salienta a dificuldade de se desbravarem seus limites semânticos,
dado o elevado teor de subjetivismo dessa análise. Nesse sentido, pontifica que tal dificuldade
de análise do tema não deve constituir um escudo que impeça ou desmotive tal desafio:
[...] segundo procuramos evidenciar, a previsão da Constituição da
República de 1988, vedando a instituição de tributo com efeito de confisco,
parece trazer algo mais amplo que aquilo, ou seja, parece mais claramente
manifestar que a tributação deve ser razoável. Pode aparentar simplista esta
conclusão, mas não de argumentos complexos e esotéricos vive o Direito.
O que se quer significar é que, neste ponto, coincidem o desejo do cidadão e
o Direito positivo; é dizer: o legislador, ao desempenhar sua atividade
legiferante em matéria tributária, deverá pautar-se pelos caminhos da
79
ZILVETI
,
2004, p. 163.
60
proporcionalidade e da razoabilidade (como, aliás, deveria proceder no
desenvolver de todo o seu mister constitucional). inclui-se não somente a
razoabilidade no sentido de bom senso, como também a razoabilidade
quantitativa, ou seja, o montante de um tributo, bem como o da soma de
todos eles, deve ser razoável.
80
Portanto, falar de não-confisco requer análises casuísticas, pois a verificação do
eventual descumprimento desse mandamento só pode ser aferida caso se considerem situações
práticas. O princípio do não-confisco, cuja análise deve ocorrer em conjunto com o princípio
da capacidade contributiva, parte da necessidade de proteger a propriedade e de se obstar a
imposição de sanções via tributação. De novo esse princípio se destaca no âmbito do
IR
, cuja
materialidade estabelece a incidência tributária sobre renda, ou seja, riqueza nova, que se
incorpora a um patrimônio preexistente.
Havendo, porventura, qualquer tipo de alargamento dessa hipótese de incidência, a
fim de atingir fatos outros que não representem riqueza nova, revelar-se-á ato flagrantemente
confiscatório, portanto, inadmissível no bojo de nosso sistema jurídico. A vedação de
despesas é um caso. Logo, a regra que restringir a gama de despesas passíveis de serem
computadas para se determinar a base de cálculo do
IR
(pois, desde que caracterizada
“despesa”, o dispêndio deverá ser deduzido para fins fiscais) se mostrará confiscatória e
ofensiva ao primado em análise.
2.3.7 Mínimo vital
Também um desdobramento da capacidade contributiva, o princípio do nimo vital
protege o contribuinte em caso de tributação da riqueza nova, garantindo-lhe condições
mínimas de subsistência. É um limite à tributação, pois essa atividade deve cessar de vez se
posto em risco o direito do contribuinte de conviver com seus familiares em condições dignas
(pessoa física), ou ameaçado seu funcionamento (pessoa jurídica). É fácil visualizar esse
80
HORVATH
,
2002, p. 144.
61
primado no âmbito da pessoa física, dada a percepção aguçada que temos dos elementos
imprescindíveis à manutenção digna do contribuinte e seus familiares: saúde, educação,
moradia, vestuário, lazer, previdência social etc. Assim, caso se comprove que a exação
tributária ameaça fulminar ou, no mínimo, dificultar o acesso a esses direitos básicos, então
haverá ofensa ao princípio do não-confisco. Ademais, como adverte Roque Antonio Carrazza,
esse primado está presente, outrossim, na seara das pessoas jurídicas, porque a tributação deve
resguardar, de maneira incólume, a parcela da riqueza necessária para subsidiar direitos e
funções essenciais ao funcionamento da pessoa jurídica: folha de salários, aquisição de
matéria-prima ou produto para o estoque, capital de giro e outros.
81
Como se vê, a tributação tem limites, e um é o do nimo vital, que garante
condições mínimas de subsistência às pessoas físicas e, às pessoas jurídicas, a possibilidade
de funcionar plenamente, evitando-se, assim, que, a pretexto de exigir determinado tributo de
um contribuinte, aniquile-se por completo as condições para sua regular manutenção.
2.3.8 A pessoalidade do Imposto sobre a Renda (
IR
)
O princípio da pessoalidade tem sua matriz constitucional na parte inicial do artigo
145, § da
CF
/88. Seu acolhimento pela Carta Constitucional importa na conclusão de que a
tributação deve considerar as características pessoais do contribuinte. Não são todos os
tributos que comportam a aplicação de tal diretriz. O
IR
, não obstante, é um tributo pessoal
por excelência.
82
Embora esse princípio seja invocado com mais recorrência em questões referentes ao
Imposto de Renda Pessoa Física (
IRPF
), não podemos desprezar sua importância na ótica das
pessoas jurídicas. Na verdade, é premente a tributação pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica
(
IRPJ
) se orientar por características particulares de cada pessoa jurídica, a começar pelo seu
81
CARRAZZA
,
2006, p. 50.
82
LEMKE
, Gisele. Imposto de Renda: os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica. o
Paulo: Dialética, 1998, p. 33.
62
segmento de atuação, passando, em seguida, pela eventual sazonalidade de seu ciclo
operacional, verificação se as relações comerciais se dão no atacado ou no varejo, se um
índice elevado de créditos de difícil liquidação, dentre outros.
Esclarecemos, enfim, que a pessoalidade viabiliza a realização da capacidade
contributiva e, por conseguinte, da própria isonomia: é a verificação das condições pessoais
do sujeito passivo que possibilita aferir os limites para sua respectiva tributação, permitindo
uma maior aproximação do ideal de justiça fiscal.
2.3.9 A progressividade do Imposto sobre a Renda (
IR
)
Ao lado do princípio da pessoalidade, o da progressividade medeia a realização da
capacidade contributiva e, por conseqüência lógica, do princípio da igualdade. Em geral, a
doutrina reconhece esse princípio, atribuindo-lhe o efeito de determinar que seja tanto maior a
alíquota do imposto quanto maior for sua base de cálculo. Noutras palavras, o percentual da
alíquota aplicável aumenta à medida que aumenta a base imponível, resultando que o
montante de tributo a ser pago deverá variar não apenas em função de variações na base de
cálculo, mas também de variações na alíquota.
83
No âmbito do
IR
, isso se opera pela
determinação de faixas de alíquotas crescentes.
A despeito desse posicionamento, acolhido quase com unanimidade ressalvados
os casos de autores que consideram maléficos os efeitos desse princípio
84
—, pensamos que
seu conceito não deve ficar restrito ao aumento nominal da alíquota. Queremos, com isso,
dizer que, tratando-se de
IR
, a dedutibilidade também influi decisivamente para o atendimento
à progressividade, porque propicia o ajuste na base de cálculo, assegurando que sujeitos
passivos que tenham incorrido em dispêndios mais significativos para sua viabilizar
manutenção (seja pessoa física ou jurídica), sejam menos onerados pela tributação. Em última
83
A simples variação do montante a ser pago ocasionado para variação na base de cálculo consiste na
proporcionalidade.
84
Ver
ZILVETI
, 2004.
63
instância, isso cumpre o primado da igualdade e capacidade contributiva, dos quais a
progressividade é desdobramento.
Nesses termos, a progressividade deve ser entendida de modo extenso, pois sua
materialização não ocorre somente por variações na alíquota a ser aplicada para fins de
apuração do montante a ser recolhido a título de
IR
, mas também pelo uso de um sistema de
deduções eficaz que garanta que a tributação por essa exação recaia apenas e tão-só sobre a
parcela de riqueza nova que tenha sido agregada ao patrimônio. Portanto, ele deve ser tomado
como referência pelo legislador ao desenhar a regra-matriz tributária do
IR
, pois, nesse
sentido, permitirá uma tributação alinhada com a pessoalidade, a capacidade contributiva e a
isonomia.
2.3.10 Princípios da universalidade e da generalidade
Ao disciplinar o
IR
, a Constituição brasileira se refere, ainda, em seu artigo 153, § 2º,
I
,
aos princípios da universalidade e generalidade, daí porque praticamente todos os autores
que se dedicam a discorrer sobre o
IR
acabam por analisá-los. Não raro, verificamos a
inversão do sentido atribuído a cada uma dessas diretrizes: o que para alguns é generalidade,
para outros é universalidade, e vice-versa. Talvez isso ocorra porque tais vocábulos se
assemelhem semanticamente. Mas cabe frisar a mera inversão da nomenclatura não
prejudica o discurso; o que importa é reconhecer que duas diretrizes a serem tratadas de
forma individualizada e diferenciada, pois a Carta Constitucional se refere em separado à
universalidade e à generalidade. Também convém esclarecer que, aqui, tomamos a definição
de Luiz César Souza de Queiroz como parâmetro para a identificação desses princípios.
Comecemos pela universalidade. Conforme esse princípio, o
IR
deve incidir sobre
todas as rendas (em sentido lato), independentemente da fonte, origem ou natureza, exceto —
é óbvio — as imunes ou isentas. Assim, para fins de cômputo da renda auferida pelo potencial
64
sujeito passivo, é preciso considerar todos os fatos acréscimos e decréscimos
importantes para se identificar a riqueza nova, agregada ao seu patrimônio (base imponível
para a incidência do
IR
). Portanto, toda renda configurada, seja qual for sua fonte ou natureza,
haverá de ser ofertada à tributação pelo
IR
. Esse princípio fornece subsídios para que rendas
auferidas fora dos limites do território nacional sejam alcançadas pelo
IR
desde que,
obviamente, esteja presente algum critério de conexão; por isso tal primado está está
contemplado na maior parte dos ordenamentos jurídicos modernos.
Sobre essa finalidade específica do princípio da universalidade (worldwide income
taxation), observa Heleno Taveira Torres:
A tendência contemporânea dos Estados, principalmente daqueles que são
considerados exportadores de capital, é a de assumir o princípio da
universalidade, ante i) a constante e crescente movimentação de capitais no
mercado mundial, ii) a necessária progressividade dos impostos incidentes
sobre as categoriais redituais, e, principalmente iii) o controle dos casos de
elusão e evasão fiscal internacional, proporcionados pelos benefícios fiscais
promovidos pelos “paraísos fiscais” (cada vez mais freqüentes).
85
Pelo princípio da generalidade, todas as pessoas que auferirem renda, quaisquer que
sejam os caracteres pessoais, estarão jungidas à incidência do
IR
. A incidência fiscal, nesse
passo, não requer qualificadores pessoais como fator determinante: sexo, raça, estado civil,
qualificação profissional ou qualquer outro traço da pessoa do sujeito o importam; se for
revelada capacidade contributiva em virtude da prática do fato signo-presuntivo de riqueza,
previsto no antecedente da regra-matriz de incidência tributária, então a exigência da exação
se impõe. O respeito a esse mandamento afasta privilégios estritamente pessoais, que
ocasionam distorções na distribuição da carga tributária e vão de encontro ao princípio da
isonomia.
85
TORRES
, Heleno Taveira. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações
transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 122.
65
Feitas essas considerações das quais se pode depreender que a generalidade, a
universalidade, a progressividade e a pessoalidade garantem tanto o atendimento à capacidade
contributiva quanto uma incidência isonômica do
IR
—, agora passamos a tratar da regra-
matriz de incidência tributária, sobretudo dos aspectos material e quantitativo, que nos
permitirá definir o arquétipo constitucional desse imposto.
2.4 Regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda (
IR
) e Proventos de Qualquer Natureza
A regra-matriz consiste na estrutura lógica que prescreve a incidência tributária; é
composta de um antecedente e um conseqüente, compostos, por sua vez, de critérios que
permitem compreender minimamente o conteúdo e sentido da mensagem legislada nesse
caso, compreender o comando que obriga o sujeito passivo que tiver praticado o fato descrito
na hipótese a levar certo quantum aos cofres públicos a título de tributo. Esse exercício
intelectivo se revela essencial ao escopo de nossas pretensões, na medida em que nos
valeremos dessa estrutura para, ao fim e ao cabo, averiguarmos criticamente a dedutibilidade
fiscal.
De imediato, cabe esclarecer que, dada a multiplicidade de relações jurídicas que se
entabulam no plano da facticidade, não raro rotulamos com o mesmo nomen juris exações
tributárias de conteúdos intrínsecos divergentes, a exemplo do que ocorre com o próprio
IR
.
Embora este seja tratado com singularidade pelo Texto Constitucional e pelo
CTN
, ganha
matizes diversos conforme as diferentes situações concretas que com ele se correlacionam.
Essa constatação explica por que encontramos diversidades nas regras-matrizes de incidência
aplicáveis às pessoas físicas e às jurídicas — a despeito de todas terem fundamento no mesmo
enunciado prescritivo (art. 153,
III
da Constituição)
86
e justifica, ainda que precariamente,
a adoção de técnicas desenvolvidas em função da evolução e complexidade que permeiam as
86
Isso ocorre, por exemplo, com o tributo rotulado de Imposto sobre Produtos Industrializados (
IPI
), que, com
base no artigo 153,
IV
da
CF
/88, incide em decorrência da configuração in concretu da industrialização de
produto ou da importação de produto estrangeiro.
66
situações sujeitas a essa exação, por exemplo, a técnica de tributação em fonte e da tributação
definitiva, que para alguns refletem regras-matrizes autônomas.
Esse cenário indica a ampla gama de dispositivos veiculados pela legislação
ordinária que versam sobre o
IR
(parte deles está compilada no Decreto 3.000, de
26/3/1999, o Regulamento do Imposto de Renda/
RIR
),
o que, de resto, confirma a
complexidade inata a qualquer análise nesse domínio. Noutros termos, sempre haverá o risco
de se deixar para traz algum aspecto de relevo.
Feitas as ressalvas e advertências, passemos à explicitação dos critérios da regra-
matriz padrão de incidência do
IR
.
2.4.1 Antecedente da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda (
IR
)
A materialidade do
IR
encerra questão fundamental no escopo deste estudo. Portanto,
defini-la é tarefa da qual não podemos nos furtar.
2.4.1.1 Critério material
No plano abstrato, o critério material da regra-matriz de incidência se refere a um
comportamento e, por isso, se compõe de um verbo seguido de complemento. Como diz
Paulo de Barros Carvalho, “[...] é forçoso que se trate de verbo pessoal e de predicação
incompleta, o que importa a obrigatória presença de um complemento”.
87
Pelo seu desenho
constitucional, a materialidade do
IR
associará um verbo ao complemento renda e proventos
de qualquer natureza, expressamente previsto no inciso
III
do artigo 153 da
CF
/88.
Em nome da fluência do discurso, esclarecemos que, de agora em diante, ao
versarmos sobre a materialidade do
IR
, vamos nos referir à renda como gênero que inclui a
87
CARVALHO
,
2007, p. 287.
67
espécie proventos de qualquer natureza. Ao menos neste momento, não nos preocuparemos
em distinguir o conceito do gênero do conceito da espécie.
Quanto ao verbo a ser empregado, verificamos que a doutrina consagrou, de modo
geral, o uso de “auferir”, a que segue o complemento “renda” na conformação do critério
material da hipótese de incidência do
IR
. Nesse sentido, reportamo-nos a José Artur Lima
Gonçalves, para quem:
[...] a necessária conexão ao substantivo “renda”, do verbo “auferir”
(inquestionavelmente aceito como o mais adequado à hipótese) implica que
pode ser obrigada a pagar esse tributo a pessoa que concretamente
realizou o fato significado por tal verbo, ou seja, aquele que auferiu a
renda.
88
Para nós, o verbo auferir cabe bem na composição da materialidade do
IR
, muito
embora não o tenhamos como o único possível — aliás, a Constituição Federal não se refere a
ele expressamente. Entendemos que os verbos obter, adquirir ou perceber podem ser
empregados sem prejuízo de sentido.
Vale a observação, contudo, que o verbo a ser empregado sempre deverá se relacionar
com a pessoa que recebeu a renda, pois ela — e só ela — reflete capacidade contributiva para se
submeter à incidência tributária. Por conta disso, divergimos daqueles que reconhecem a
possibilidade de se usar o verbo “pagar” na conformação da materialidade do
IR
, para justificar
a existência de uma regra-matriz de incidência tributária autônoma do
IR
na fonte, como o faz
Roberto Quiroga Mosquera: “Temos para nós, que se trata (o sistema de fonte) de imposto
autônomo, com hipótese de incidência particular, distinta das regras-matrizes tributárias do
IR
das pessoas físicas e jurídicas”;
89
assim como Júlia de Menezes Nogueira:
Tanto é possível ao legislador ordinário escolher outros verbos, para a
hipótese de incidência do imposto sobre a renda, que o próprio legislador
88
GONÇALVES
,
2002, p. 187.
89
MOSQUERA
, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. 2. ed. São Paulo: Dialética,
1999, p. 170.
68
constituinte fez referência, em várias passagens, ao imposto sobre renda e
proventos de qualquer natureza incidente na fonte sobre pagamentos
efetuados [...]” cuja hipótese de incidência é [...] pagar renda.
90
A sistemática de retenção em fonte que tem sido usada a passos largos no sistema
tributário nacional — não nos parece autorizar a construção de uma regra-matriz de incidência
do
IR
cujo núcleo do critério material do antecedente seja pagar renda. Em nossa visão, seria
mais coerente dizer pagar rendimentos, porque a renda não fica configurada e,
fundamentalmente, porque tal ação não revela a capacidade econômica do sujeito; logo, não
se coaduna com as diretrizes vigentes no ordenamento jurídico-constitucional vigente,
sobretudo com os princípios da capacidade contributiva e da pessoalidade. Portanto, a
materialidade do
IR
deve ser sempre auferir renda.
Como salientamos, o artigo 43 do
CTN
,
houve por bem, ao trazer as notas do critério
material da hipótese de incidência do
IR
, defini-lo como sendo a aquisição da disponibilidade
econômica ou jurídica de renda ou proventos. Assim, o cerne da materialidade foi deslocado
da grandeza em si para a aquisição da disponibilidade sobre essa grandeza. Esse deslocamento
foi proposital, tendo defluído de sólida intenção do legislador, como se depreende do
“testemunho” de Rubéns Gomes de Sousa que, na qualidade de Relator da Comissão
responsável pelos trabalhos que culminaram com a edição do
CTN
assim se manifestou:
[...] o elemento definidor da renda é a sua disponibilidade pelo respectivo
titular. Partindo dessa premissa, a comissão de 1964, sem por isso divergir
da de 1954, considerou dispensável a menção expressa de tratar-se de
“riqueza nova”. [...] Assim, a comissão de 1964 julgou mais adequado, à
função prática de definir o fato gerador do imposto, dar ênfase ao requisito
da aquisição de disponibilidade.
91
Convém contextualizar essa assertiva. O
CTN
adveio nos primeiros anos do regime
militar e aí desempenhou o importante papel de sistematizar e estruturar o direito tributário no
90
NOGUEIRA
, Júlia de Menezes. Imposto sobre a renda na fonte. o Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 56.
91
SOUSA
, Rubéns Gomes de. Pareceres — 1: imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 69–70.
69
país até então bastante rudimentar. Disso se deduz que tal momento histórico pedia uma
legislação minuciosa e formalista.
Todavia, ao tratar do
IR
, a Constituição Federal de 1988 seguindo tendência
adotada por suas predecessoras — sustentou sua materialidade na conduta de se auferir renda,
e não em elementos alheios. Assim, o fato que enseja a constituição da relação jurídico-
tributária é auferir renda, e tal pressupõe sua disponibilidade, que haverá de ser infalivelmente
jurídica afinal, versamos aqui sobre o critério de uma norma jurídica. Se inexistir
disponibilidade jurídica, não se fala em configuração do fato jurídico tributário do
IR
e, por
conseguinte, não conformada obrigação tributária relativa a tal exação. Portanto, embora o
CTN
cite a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda como elemento
nuclear da materialidade do
IR
, nós a entendemos como despicienda.
Trilhando esse mesmo caminho, Paulo Ayres Barreto observa que:
Entendemos inicialmente que a menção à disponibilidade econômica ou
jurídica, inserta na parte final do caput do artigo 43 do Código Tributário
Nacional é absolutamente desnecessária, por nada alterar a construção do
conteúdo desse enunciado prescritivo.
92
Nesses termos, a configuração da materialidade do
IR
ocorrerá se for constatada a
ação de “auferir renda”. E apenas isso. Por ora, bastam-nos essas considerações.
2.4.1.2 Critério espacial
O critério espacial da regra-matriz de incidência demarca, no plano geográfico, a
ocorrência do evento previsto abstratamente no critério material da hipótese in casu, a
conduta de auferir renda. Paulo de Barros Carvalho nos adverte quanto ao equívoco de se
confundir o critério espacial com o campo eficacial da lei:
93
o primeiro se refere ao local da
92
BARRETO
, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2001, p. 74.
93
CARVALHO
, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 119
20.
70
ocorrência do fato tributário; o segundo se relaciona com os limites em que se verifica a
aplicação da lei. Tal distinção se sobressai nos contornos de nossa dissertação, porque, ao
positivar que o
IR
haverá de ser informado pelo princípio da universalidade, o constituinte
pátrio conferiu à União Federal a competência para alcançar, por essa exação, fatos ocorridos
fora dos limites do território brasileiro, ou seja, a renda auferida no exterior, desde que
atendidos critérios de conexão (residência, domicílio, nacionalidade).
Vale esclarecer que, a nosso ver, essa determinação não ofende a soberania, pois
mantém incólume o princípio da territorialidade, acolhido na íntegra no ordenamento jurídico.
A lei surte efeitos só em território nacional, mas, como bem explica Paulo Ayres Barreto:
Toda a renda obtida por pessoa, física ou jurídica, sobre a qual o Brasil possa
exercitar sua soberania fica sujeita à incidência do imposto,
independentemente do lugar onde tal renda tenha sido gerada. É a chamada
base global do imposto sobre a renda.
94
Portanto, na conjuntura atual do sistema constitucional tributário brasileiro, o critério
espacial da hipótese de incidência do
IR
pode incluir fatos ocorridos em território nacional e
fatos ocorridos no estrangeiro, por força da adoção do princípio da universalidade da renda.
2.4.1.3 Critério temporal
Por fim, como último critério do antecedente da regra-matriz de incidência,
destacamos o critério temporal, cuja finalidade é estabelecer as coordenadas de tempo em que
teremos por ocorrido o fato jurídico que fará romper a incidência do
IR
. Nesse particular,
sobrelevam algumas questões, que listamos a seguir.
Momento da ocorrência da hipótese de incidência do
IR
.
Trata-se da determinação
do instante exato em que se reputa ocorrida a hipótese de incidência do
IR
, se no último
segundo do dia 31 de dezembro de um ano ou no primeiro instante do dia 1º de janeiro do ano
94
BARRETO
, 2001, p. 84.
71
seguinte. Temos por certo que a conclusão mais consentânea está em considerar que a
materialidade do
IR
ocorre no último átimo de segundo do último dia do exercício (31 de
dezembro). Em caso de opinião diversa, teríamos de admitir que uma lei publicada nesse dia e
que deverá colher os fatos ocorridos a partir do ano seguinte pode ter efeito em de
janeiro (primeiro dia do “exercício seguinte”), esvaziando de conteúdo os princípios da
anterioridade e irretroatividade. Tal conclusão converge para a de Paulo Ayres Barreto de
que:
Dizer que tal fato consolida-se no dia de janeiro de cada ano encerra
verdadeiro sofisma, cujo objetivo seria tornar possível a aplicação de leis
recém-editadas (no dia 31 de dezembro, por exemplo) ao “fato tributário”
que ocorreria proximamente, no dia de janeiro, atendendo, em tese, aos
limites objetivos impostos pelos princípios da anterioridade e
irretroatividade.
95
Fato tributário instantâneo versus fato tributário complexivo. Dessa primeira
questão se infere uma segunda: a classificação do fato tributário do
IR
como instantâneo ou
complexivo, que nos leva à obra de Amílcar de Araújo Falcão,
96
pioneiro na apresentação
desta proposta. Para esse autor, os fatos instantâneos ocorreriam pontualmente em dado
instante, enquanto os fatos complexivos seriam aqueles cuja ocorrência se prolonga no tempo.
Sem desmerecer a obra desse jurista, vemos incoerência em se cogitar a possibilidade de
haver fatos geradores complexivos. E isso por um simples motivo: afinal, ou o fato ocorreu —
ensejando a formação do liame obrigacional que une o sujeito passivo ao Fisco em torno de
uma prestação; ou o fato não ocorreu — nesse caso, a obrigação tributária inexiste. A
composição da materialidade do
IR
(auferir renda) é relacional, pois consiste no resultado do
confronto do patrimônio em dois momentos distintos. Todavia, isso não nos autoriza a aceitar
que o fato tributário dessa exação tenha se estendido por um período. Não! Ele ocorreu
95
BARRETO
, 2001, p. 80–1.
96
FALCÃO
, Amilcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1974, p. 125 e ss.
72
instantaneamente no último segundo do dia 31 de dezembro, embora seja parametrizado por
um dies a quo e um dies ad quem.
Periodicidade do
IR
. Última questão do assunto temporalidade do
IR
e a que mais se
aproxima do objeto de estudo deste trabalho, a periodicidade do
IR
se refere à existência
eventual de um período (ou periodização) para que seja possível aferir a aquisição de renda.
Seu ponto nevrálgico é perceptível nestas perguntas: mensurar a aquisição de renda pressupõe
um período a ser considerado? Se sim, qual? Vemos a noção de período como inerente ao
IR
,
verdadeiro componente do conceito de renda; logo, é incogitável haver renda fora de um lapso
temporal, por isso a tributação não pode recair sobre ingressos considerados isoladamente;
isso ofenderia o conceito de renda.
A partir de uma interpretação sistemática do texto constitucional, Geraldo Ataliba
defendia que a periodicidade do
IR
haveria de ser anual porque o ano é o período estabelecido
constitucionalmente para se compor o orçamento (diretrizes orçamentárias e orçamento anual,
previstas no artigo 165 da
CF
/88). Diz ele: “[...] parece inquestionável que o ritmo
estabelecido pelas finanças públicas no Brasil é anual, e o seu ponto fulcral está na disciplina
constitucional do Orçamento.”
97
opiniões divergentes,
98
mas reiteramos as palavras desse
autor, pois identificamos no texto constitucional os marcos temporais preestabelecidos pelo
constituinte, que devem ser observados pelo legislador ordinário, pois a ele, como dissemos,
não cabe modificar conceitos e diretrizes fixados na Carta Magna.
99
97
ATALIBA
, Geraldo. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994, p. 20–
1.
98
Nesse sentido, podemos citar Luciano Amaro, que, embora reconheça que a lei orçamentária é anual e, de
outra parte, que a aquisição de renda deve ser considerada em determinado período, posiciona-se pela
admissibilidade de que o legislador estabeleça tal lapso. Diz ele: “[...] é uma decorrência desse rol de princípios
que eu tenho que ter um período de apuração. Eu acho que ele não precisa ser de um ano, ele pode ser maior
ou menor”
AMARO
, Luciano. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário, v. 63,
1994, p. 31.
99
Nesse ponto, são oportunas as observações de Marçal Justen Filho, para quem, na vigência da Carta
Constitucional anterior, a União dispunha de ampla competência tributária residual, de modo que lhe era dado
instituir novos impostos, via lei ordinária, sem condicionantes. Assim, se eventualmente um novo tributo fosse
instituído sem se observar a materialidade reservada pelo Texto Constitucional, era possível cogitar sua
manutenção, invocando-se, para tanto, o exercício da competência residual. Isso não é mais viável na ordem
jurídica atual, em que a competência residual se mantém delegada à União, embora seu exercício tenha sido
73
O raciocínio para comprovarmos isso deve partir dos princípios da irretroatividade e
anterioridade, veiculados, respectivamente, pelas alíneas “a” e “b” do inciso
III
do artigo 150
da
CF
/88. Ao lado do direito fundamental dos contribuintes que viabiliza a previsibilidade
das situações e a não-surpresa, além de promover, em última análise, a segurança jurídica —,
tais princípios vedam a exigência de tributos retroativos ou no mesmo exercício financeiro em
que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. O emprego da locução exercício
financeiro supõe que o constituinte observou um conteúdo semântico mínimo, cuja
identificação resulta da conjugação de outros dispositivos constitucionais, tais como o artigo
165, § que prevê ser anual a lei orçamentária e o artigo 100, § da Carta Magna
que, ao tratar do pagamento dos precatórios decorrentes de condenação judicial do poder
público, estabelece a obrigatoriedade de sua inclusão no orçamento dos precatórios
apresentados “[...] até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte”.
Do encadeamento lógico de tais dispositivos, depreendemos que a Constituição
trabalha com a periodicidade anual para regular sua atividade administrativa; por
conseqüência, isso se reflete no comportamento de contribuintes, pessoas físicas e jurídicas,
que tendem a se organizar, também, anualmente. Nesses termos, reiteramos a idéia de que a
periodicidade anual é imperativo constitucional; pensar em sentido oposto é relegar ao
legislador ordinário a liberdade para determinar, à sua vontade, a periodicidade aplicável, o
que nos parece incompatível com a estrutura constitucional do país, da qual se pode extrair
esse critério.
100
Até podemos admitir como o faz Misabel Derzi que os marcos inicial e final
desse período podem ser definidos pelo legislador; isso porque a Constituição “[...] consagra o
condicionado a alguns requisitos: o tributo deve ser instituído por lei complementar, deve ser não cumulativo e
não deve se identificar com algum outro tributo. Portanto, não como se aceitar qualquer exação se não for
embasada na
CF
/88, ou, sendo produto da competência residual, se não forem cumpridos esses requisitos — ver:
FILHO
, Marçal Justen. Periodicidade do Imposto de Renda I. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994, p. 16.
100
O cotejo que José Artur Lima Gonçalves faz do número de menções às palavras ano e anual com o número de
menções à palavra mês na Constituição revela que esta última tem freqüência reduzida. Mais que isso, sugere
uma intenção constitucional inafastável de prestigiar a periodicidade anual, que tem efeito em todo o
ordenamento.
74
princípio da anterioridade das leis tributárias em relação ao exercício financeiro e esse
exercício financeiro está estipulado literalmente na Constituição como sendo anual; não
significa que tenha de coincidir com ano civil”.
101
Essa possibilidade segue o artigo 165, § 9º,
I
da Constituição, que atribui ao legislador complementar competência para dispor sobre o
exercício financeiro.
Entretanto, como compatibilizar essa conclusão com o estabelecimento, pelo
legislador ordinário, de periodicidades diversas a fim de se apurar a renda para incidência do
IR
e até com as regras de retenção em fonte e tributação exclusiva?
No que se refere às pessoas físicas, a hipótese de incidência do
IR
segue a
periodicidade anual: supõe-se que o fato tributário ocorreu em 31 de dezembro de cada ano,
data-base para se fazer o ajuste anual, e considera-se a renda obtida entre 1º de janeiro e 31 de
dezembro. Retenções em fonte e demais recolhimentos feitos com base em “carnê-leão”
(tabela progressiva) apenas cabem se e somente se efetuados a título de antecipação, a
ser submetida a posterior ajuste, a fim de se assegurar que a tributação recaia tão-somente
sobre a renda de fato auferida.
Quanto às pessoas jurídicas, o problema se afunila, sobretudo porque a legislação
segue expressamente a periodicidade trimestral para pessoas jurídicas tributadas com base no
lucro real (artigo 1º da lei n. 9.430/96), para as que optam pelo lucro presumido (artigo 1º c/c
artigo 25,
I
da lei n. 9.430/96) e pelo lucro arbitrado (artigo c/c artigo 27,
I
da lei n.
9.430/96) nesses dois últimos casos, a apuração trimestral é obrigatória. A periodicidade
trimestral parece-nos, entretanto, bastante exígua para que se possa aferir com rigor o
auferimento de renda.
Apenas cogitamos reconhecer a legitimidade de tais disposições legais porque, em
relação às pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, a legislação prevê como opção a adoção
101
DERZI
, Misabel. Periodicidade do Imposto de Renda
II
. Revista de Direito Tributário, v. 63, 1994, p. 46.
75
da periodicidade anual seguida de recolhimentos mensais a serem feitos sobre bases de
cálculo estimadas, sujeitas a ajuste posterior (artigo da lei n. 9.430/96) nesse caso, tais
recolhimentos configuram meras antecipações; e relativamente às pessoas jurídicas tributadas
com base no lucro presumido ou arbitrado, tais regimes são alternativas à regra geral
apuração de resultados com base no lucro real, que pode ser anual. Portanto, a opção pela
tributação trimestral em ambos os casos depende da conveniência para cada sujeito, pois a
legislação prevê a opção pela periodicidade anual — mais adequada, a nosso ver.
102
Essas considerações nos levam a reconhecer incompatibilidade total do sistema de
tributação definitiva com o ordenamento jurídico-constitucional vigente. Como o conceito de
renda pressupõe o produto de um confronto que ocorre em um dado período de tempo, logo,
tributar de forma exclusiva e definitiva um evento considerado isoladamente desfigura tal
conceito na íntegra e cria o risco de se impor a exação não sobre a renda, mas sobre o
patrimônio do contribuinte. Daí a inconstitucionalidade da tributação definitiva prevista para
casos de aplicações financeiras, ganhos de capital e ganhos líquidos em mercados de renda
variável.
Todavia, como observa o professor Roque Antonio Carrazza,
103
essa diretriz exclui
os casos de pagamentos feitos a estrangeiros hipótese em que devem imperar o âmbito de
validade das leis brasileiras e o respeito ao princípio da igualdade, que será afrontado caso se
dê tratamento fiscal mais benéfico ao estrangeiro em relação ao nacional. Ao contrário do que
poderia aparentar, tal exceção atesta e confirma nosso pensamento sobre a
inconstitucionalidade da tributação exclusiva na fonte, porque resulta da ponderação de
princípios e, em última análise, atende a valores acobertados pelo texto constitucional
(soberania da federação, igualdade, capacidade contributiva etc.).
102
Reforçamos que a sistemática de retenção em fonte, uma vez prevista no texto constitucional (os artigos 157,
I
e 158, I da
CF
/88 aludem ao
IR
retido em fonte), pode ser admitida para se facilitar a arrecadação tributária desde
que os montantes objeto de retenção sejam reconhecidos como “antecipações” a serem ajustadas ao final do
período determinado.
103
CARRAZA
,
2006, p. 43–4.
76
Ainda sobre a periodicidade do
IR
, destacamos a problemática levantada por Luís
César Souza de Queiroz
104
quanto à aplicabilidade dos princípios da irretroatividade e
anterioridade a esse imposto. Partindo do enunciado da Súmula 584 do Supremo Tribunal
Federal (
STF
),
105
esse estudioso condena o posicionamento adotado pela Corte Suprema em
precedentes jurisprudenciais que entenderam pela possibilidade de que a lei editada no curso
do ano da entrega da declaração do
IR
possa ser aplicada aos fatos ocorridos no ano pretérito,
justificando a diferenciação feita entre ano-calendário e exercício. Com isso, os fatos
ocorridos no curso de um ano ficam sujeitos a regras que, porventura, venham a ser estatuídas
no ano subseqüente — prazo da entrega da declaração.
Essa linha de entendimento influi em nossas considerações sobre a periodicidade do
IR
, pois de nada adianta fixarmos o período para apuração do tributo se admitirmos que
norma superveniente possa alterar a disciplina que lhe é aplicável. Toda norma deve se
projetar para o futuro, para regular fatos que lhe sejam posteriores. Se por mera hipótese
argumentativa fique acolhido esse posicionamento, então estamos admitindo a
possibilidade de uma lei atingir fatos passados, o que ofende os princípios da anterioridade e
irretroatividade. É imperioso que seja reconhecida a diversidade entre o critério temporal,
constante da regra-matriz de incidência tributária, e o prazo para atendimento aos deveres
instrumentais.
2.4.2 Do conseqüente da regra-matriz de incidência do
IR
O preenchimento dos critérios indicados no antecedente da regra-matriz de
incidência do
IR
faz nascer a relação jurídica que vinculará dois sujeitos de direito um
sujeito ativo, investido no direito de exigir um comportamento; um sujeito passivo, de quem
104
QUEIROZ
, Luís César de Souza. Imposto sobre a renda — irretroatividade e anterioridade — os riscos da não-
aplicação pelo
STF
. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIO DO IBET
, 4., São Paulo. Anais...
São Paulo: Noeses, 2007.
105
“Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício
financeiro em que deve ser apresentada a declaração.”
77
tal comportamento haverá de ser exigido em torno de uma prestação que, na espécie,
deverá ser a entrega de dado quantum a título de
IR
. Trata-se do conseqüente dessa norma.
2.4.2.1 Critério pessoal
Como primeiro critério do conseqüente, assinalamos o pessoal, que visa identificar
os sujeitos envolvidos na relação jurídica referida pouco. Como a União Federal tem
competência tributária para instituir o
IR
, então lhe cabe o posto de sujeito ativo da relação
jurídica tributária referente a tal exação. Uma das características fundamentais dessa
competência é a indelegabilidade,
106
que nos impede de cogitar outro ente federativo que não
a União para figurar como sujeito ativo nessa relação jurídica.
Quanto ao sujeito passivo aquele a quem foi imputado o dever de executar o
objeto da prestação —, a exegese dos dispositivos constitucionais imanentes ao tema, dosada
pelos princípios jurídicos que norteiam nosso ordenamento, conduz-nos à conclusão de que
deverá ser a pessoa, física ou jurídica, que estiver estritamente vinculada à materialidade,
diga-se, a pessoa que tiver efetivamente auferido renda. Em termos práticos, é aquela que
tiver demonstrado capacidade contributiva, daí a estreita vinculação existente entre esse
princípio e o critério pessoal da regra-matriz, ora sob análise.
Convém reforçar que o artigo 121 do
CTN
, que trata da sujeição passiva, inclui duas
figuras distintas: o contribuinte definido como a pessoa que tenha relação pessoal e direta
com o fato jurídico tributário e o responsável definido como a pessoa que, estando
relacionada com o fato, é designada pela legislação para figurar no pólo passivo da relação
jurídica instaurada. A despeito da distinção entre contribuinte e responsável, temos como
certo que o contribuinte pode figurar no pólo passivo da relação jurídica de cunho
tributário.
106
Isso se justifica e não poderia ser diferente porque a repartição das competências tributária impositivas
decorre da vontade expressa da Constituição Federal; não estão sujeitas a modificações. Pensar de modo
contrário impõe um afronta incontestável ao princípio federativo e à autonomia dos municípios.
78
Sem pretendermos nos aprofundar no tema intrincado da sujeição passiva, cabe-nos
pontuar que, a nosso ver, no caso do
IR
, a pessoa que praticou o fato descrito na hipótese
da regra-matriz de incidência tributária — auferir renda reflete capacidade econômica para
poder contribuir com esse imposto. Portanto, conforme os princípios da pessoalidade e
capacidade contributiva, a pessoa, física ou jurídica, que tiver auferido renda estará
compelida a levar aos cofres públicos da União Federal dado montante a título de
IR
. Disso
decorre que, nos casos de retenção em fonte, a fonte pagadora que, nesse caso, fica
obrigada a descontar, do valor a ser pago, o montante correspondente ao
IR
, seguido de seu
competente recolhimento assume a condição de substituta tributária (uma das formas de
responsabilidade), compondo uma relação jurídico-administrativo que “[...] tem por
fundamento o interesse da chamada ‘administração tributária’”.
107
Com efeito, a obrigação de reter em fonte provém de uma norma jurídica
administrativa: consiste numa técnica de arrecadação que dá mais celeridade e segurança à
Administração Fazendária, sendo dotada, portanto, de natureza administrativa, e não
propriamente tributária. Temos ciência de que esse entendimento vai de encontro à visão de
parte significativa da doutrina,
108
mas nos parece que permite construir uma regra-matriz de
incidência mais coerente com o arquétipo constitucional do
IR
. Em suma, deverá figurar como
sujeito passivo da obrigação tributária relativa ao
IR
apenas a pessoa, física ou jurídica,
beneficiária da renda, pois ela reflete a necessária capacidade contributiva para ser
submetida à tributação.
2.4.2.2 Critério quantitativo
Analisar o critério quantitativo pressupõe analisar a conjugação entre base de cálculo
e alíquota, do que resulta o quantum apurado a título de tributo nesse caso, o
IR
.
107
QUEIROZ
, Luiz César Souza de. Imposto sobre a Renda requisitos para uma tributação constitucional,
Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 199.
108
Em sentido oposto, veja-se:
MOSQUERA
, 1999;
NOGUEIRA
, 2007.
79
Esclarecemos que a investigação da base de cálculo converge para o objeto central deste
estudo, pois uma função dessa grandeza é mensurar o aspecto material da hipótese de
incidência. Assim, ao nos atermos aos elementos da materialidade do
IR
— no que nos
interessa diretamente, as despesas —, tratamos simultaneamente de sua base de cálculo,
porque são critérios que se imbricam. Nesse cenário, a base de cálculo do
IR
deve ser
considerada como o montante da renda efetivamente auferida, que, combinada com a alíquota
legalmente prevista, revelará o quantum devido a título desse imposto.
Essa composição é de fácil intelecção para a hipótese de incidência do
IR
aplicável às
pessoas físicas (
IRPF
), mas suscita questionamentos quanto às pessoas jurídicas (
IRPJ
); na
ótica das pessoas físicas, é uniforme o procedimento de aferição da renda, que pode ser
resumido pelo cotejo de certos ingressos de valores com determinadas saídas. Ao dizer isso,
não advogamos a tese de que não vicissitudes na sistemática de tributação do
IRPF
isso
seria precipitado nesse ponto —, mas externamos a constatação de que a aferição da renda
para tais sujeitos passivos é mais singela, a começar da adoção, geral e indistinta, do regime
de caixa. Bem ou mal,
109
os critérios para cotejar ingressos com saídas são disciplinados pela
legislação nesse caso, mormente nos artigos 37 (traz a definição do que deve ser visto como
rendimento bruto) e 74 a 82 (enumeram as deduções aplicáveis aos rendimentos brutos),
ambos do Regulamento do Imposto de Renda (
RIR
), aos quais deve ser aliado o que a
legislação denomina parcela a deduzir, determinável em razão da faixa de alíquotas em que a
pessoa estiver situada e que também contribui na conformação da respectiva base de cálculo.
Todavia, arestas a serem limadas no caso do
IRPJ
, em especial diante da nítida
complexidade para se apurar sua base de cálculo e da existência de regimes de tributação
109
Nesse ponto, inclinamo-nos a reconhecer que tais critérios estão “mal” disciplinados, porque, dentre outros
pontos, uma interpretação restritiva das despesas a serem consideradas para se aferir a renda, e isso ofende os
princípios da igualdade e capacidade contributiva, porque desconsideram a renda líquida da pessoa física. Para
Mary Elbe Queiroz (2004, p. 145), esse conceito seria aquele idealmente adequado para recair a tributação pelo
IR
Pessoa Física, mas foi afastado pela legislação atual, que limitou as deduções possíveis. Acresça-se que as
faixas de alíquota atuais para pessoas físicas não cumprem por completo o primado da progressividade
80
diversos. Como dissemos, a regra geral do
IRPJ
segue a sistemática de tributação pelo lucro
real nesse caso, a apuração da base de cálculo deve ser subsidiada por registros contábeis,
escriturados em livros e documentos próprios, parametrizada por critérios e princípios
contábeis e escorada na legislação comercial e societária. Tais requisitos, de observância
irrestrita, tornam a apuração da base de cálculo do
IRPJ
bastante complexa.
A base de cálculo do
IRPJ
-Lucro Real é identificada simplesmente como lucro ou
lucro fiscal, cumprindo assinalar que a definição pertinente, bem como os procedimentos para
sua apuração, tem sua gênese no decreto-lei 1.598, de 26/12/1977, estando reproduzidos no
RIR
/99.
110
José Artur Lima Gonçalves discorre sobre as grandezas relevantes para conformá-
la:
A base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas resulta de
procedimento complexo, integrada que é por ingressos e saídas de recursos,
acréscimos e decréscimos no valor intrínseco de bens, tudo computado
dentro de certo período cremos, anual pressuposto pela Constituição,
de modo insuperável. Por meio da contabilidade comercial registros dos
valores de cada uma desses elementos elaborada a partir de
determinações da lei societária, obtém-se o “lucro líquido do exercício”
(categoria definida na chamada lei das sociedades por ações). O lucro
líquido do exercício, assim obtido, sofre a incidência da lei tributária que
prescreve certos ajustes — por adições, exclusões ou compensações —,
resultando na categoria definida como “lucro real”, esse sim, representativo
da base de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica. Pois bem.
Essa cadeia de eventos, a que devem corresponder rigorosos lançamentos
contábeis, que se sucedem ao longo do período é traduzida segundo a
técnica contábil em lançamentos numéricos significantes de unidade de
moeda corrente nacional.
111
110
Citemos os artigos 247 e 248 do
RIR
/99, que contêm os conceitos de lucro real e lucro líquido nestes termos:
“Art. 247. Lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações
prescritas ou autorizadas por este decreto. (Decreto-lei 1.598, de 1977, art. 6º). § A determinação do lucro
real será precedida da apuração do lucro líquido de cada período de apuração com observância das disposições das
leis comerciais (Lei 8.981, de 1995, art. 37, § 1º). § Os valores que, por competirem a outro período de
apuração, forem, para efeito de determinação do lucro real, adicionados ao lucro líquido do período de apuração, ou
dele excluídos, serão, na determinação do lucro real do período de apuração competente, excluídos do lucro líquido
ou a ele adicionados, respectivamente, observado o disposto no parágrafo seguinte (Decreto-lei nº 1.598, de 1977,
art. 6º, § 4º). §Os valores controlados na parte “B” do Livro de Apuração do Lucro Real
LALUR
, existentes em
31 de dezembro de 1995, somente serão atualizados monetariamente até essa data, observada a legislação então
vigente, ainda que venham a ser adicionados, excluídos ou compensados em períodos de apuração posteriores (Lei
nº 9.249, de 1995, art. ). Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do lucro
operacional (Capítulo V), dos resultados não operacionais (Capítulo
VII
), e das participações, e deverá ser
determinado com observância dos preceitos da lei comercial (Decreto-lei 1.598, de 1977, art. 6º, § 1º, Lei
7.450, de 1985, art. 18, e Lei nº 9.249, de 1995, art. 4º).
111
GONÇALVES
,
2002, p. 19899.
81
Outrossim, José Antonio Minatel contribui para a compreensão dessa realidade pela
contraposição do conceito de renda com o de receita:
Por sua vez, renda para a pessoa jurídica é identificada pelo conceito de
lucro, expressão material e quantitativa que não se confunde com a realidade
concebida pelo conceito de receita [...] Resumindo, receita revela-se pela
natureza de cada ingresso; lucro, pelo resultado positivo acrescido ao
patrimônio, perdendo identidade o ingresso que contribui para sua
materialização.
112
Em suma, podemos dizer que a base de cálculo do
IRPJ
ou lucro fiscal é o resultado
positivo (porque cabe reiterar renda deve pressupor acréscimo patrimonial) apurado
pela pessoa jurídica segundo os preceitos da legislação comercial e com o ajuste devido. O
ajustamento pressupõe acréscimos e decréscimos, diga-se, ingressos e saídas, de modo que
poderemos cogitar incidência do
IRPJ
quando os acréscimos forem superiores aos
decréscimos tudo nos termos da disciplina legalmente estabelecida. Na prática, essa
determinação da base de cálculo parte de uma comparação entre balanços (o balanço do
período de apuração anterior e o daquele sujeito à tributação); trata-se da contraposição do
patrimônio em dado lapso temporal.
Ao esmiuçar o conceito de lucro real, a legislação infraconstitucional poderia nos
levar, numa interpretação apressada, a entender que, ao contrário do que reforçamos neste
trabalho, incumbiria ao legislador ordinário definir a base de cálculo e, logo, a materialidade
do
IR
. Embora haja opiniões divergentes, em nossa ótica tal interpretação não se sustenta
porque a assunção acrítica de premissas, seja ela qual for, não se coaduna com o pensamento
científico. Mesmo se uma disposição legal descreve a base de cálculo de dado imposto, ela
não permite concluir que isso cumpre o ordenamento jurídico. Noutras palavras, o legislador
agir de determinada forma não significa adequar tal comportamento aos pilares que escoram a
112
MINATEL
,
2005, p. 105–7.
82
ordem jurídica; ora, o próprio sistema prevê regras para controlar a constitucionalidade das
normas jurídicas.
113
Nessa perspectiva, reiteramos: as normas jurídicas construídas segundo os
enunciados prescritivos da legislação infraconstitucional atinentes ao
IR
devem ser
confrontadas com as normas construídas com base no Texto Constitucional, para que seja
possível verificar se há, de fato, compatibilidade entre elas e se prestigiam os princípios
constitucionais tributários e os que, de forma mais próxima, informam o
IR
; do contrário,
corremos o risco de ter como resultado a inconstitucionalidade da exação instituída. Nessa
hipótese, não há dúvida de que a atuação do legislador infraconstitucional se esbarra na
própria Constituição: nos princípios e conceitos por ela postos ou pressupostos, e com os
quais ele deve ser coerente.
Para complementarmos essas considerações, esclarecemos que, além do lucro real, a
legislação prevê outras grandezas sobre as quais o
IRPJ
pode vir a recair e que figuram como
alternativas disponíveis ao sujeito passivo. Trata-se do lucro presumido e do lucro arbitrado,
referidos no próprio artigo 44 do
CTN
.
114
O lucro presumido, segundo o artigo 516 e seguintes do
RIR
/99, consiste numa
presunção estimada do montante do lucro obtido mediante aplicação de um coeficiente sobre
o valor das receitas e sobre o qual, posteriormente, incidirá a alíquota, seja qual for o
resultado efetivo, positivo ou negativo; é uma opção direcionada a contribuintes que
obtenham receita bruta igual ou inferior a R$ 48.000,000,00 ao ano (artigo 13 da lei n.
9.718/98, com redação dada pelo artigo 46 da lei n. 10.637/2002). Forma excepcional
prevista nos artigos 529 e seguintes do
RIR
/99, o lucro arbitrado é empregado pelo Fisco de
113
“A presunção de validade das normas jurídicas é sempre uma expectativa, de sorte que uma decisão judicial
pode a qualquer momento frustrá-la.” Ver:
LINS
Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma
tributária decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 255.
114
Assinalamos, ainda, a existência do regime de tributação simplificada aplicável a microempresas e empresas
de pequeno porte, denominado Simples Nacional, instituído em atenção ao mandamento constante do artigo 146,
III
, “d” da Constituição Federal, atualmente disciplinado pela lei complementar 123, de 14/12/2006.
83
forma amiúde nos casos em que não há meios de se apurar a base de cálculo do
IR
por algum
outro sistema; trata-se de modalidade subsidiária a ser empregada quando, por algum motivo,
não houver como se apurar a base real, tampouco a presumida.
Enfim, para concluirmos esta exposição sobre o critério quantitativo da hipótese de
incidência do
IRPJ
, convém nos referirmos à alíquota. Em atenção ao princípio da legalidade,
este percentual haverá de estar previsto na lei, cabendo-lhe implementar a progressividade,
em atenção ao artigo 153, § 2º,
I
da Constituição.
Todavia, a legislação ordinária prevê apenas três faixas de alíquotas para pessoas
físicas (isenção, 15% e 27,5%) e duas para as pessoas jurídicas (15%, acrescido do adicional
de 10%, aplicável quando a base tributável — lucro real, presumido ou arbitrado — exceder o
valor resultante da multiplicação de R$ 20.000,00 pelo número de meses do respectivo
período de apuração R$ 60.000,00/trimestre, conforme artigo 542 do
RIR
/99). Como se
pode ver, o cumprimento da progressividade é questionável na conjuntura atual, em especial
se tomarmos esse princípio num sentido amplo, nos moldes que propusemos linhas atrás.
2.5 Síntese da regra-matriz de incidência do Imposto de Renda (
IR
)
Com base nas conclusões feitas até então, podemos compor a regra-matriz de
incidência do
IR
a seguir.
Antecedente:
critério material: auferir renda;
critério espacial: território nacional ou exterior, desde que atendido a critério de
conexão;
critério temporal: no último átimo de segundo do dia 31 de dezembro de cada
exercício (ano civil).
Conseqüente:
84
critério pessoal:
– sujeito ativo: União Federal;
– sujeito passivo: pessoa, física ou jurídica, sujeita à soberania do Estado
brasileiro, que tenha auferido renda.
critério quantitativo:
– base de cálculo: pessoa física — o montante da renda auferida; pessoa
jurídica — lucro real, presumido ou arbitrado;
– alíquota: pessoa física: 0%, 15% ou 27,5% — depende do montante da
renda auferida (tabela progressiva); pessoa jurídica: 15%, seguido do
adicional de 10% para quem superar a receita de R$ 20.000,00/mês ou
R$ 60.000,00/trimestre.
2.6 Imposto de Renda (
IR
) na legislação ordinária
Em remate a este capítulo e visando complementar a construção da regra-matriz de
incidência do
IR
, vemos como importante apresentar um panorama geral dos dispositivos da
legislação ordinária que versam sobre essa exação específica. Com isso, damos outro passo
rumo à identificação de eventuais inconsistências nas regras referentes a esse imposto. Em
respeito ao recorte metodológico da pesquisa, vamos nos restringir aos dispositivos relativos
ao
IR
Pessoa Jurídica no regime de tributação do lucro real doravante
IRPJ
,
indicando
os principais diplomas que evocam tal imposto e destacando algumas discussões que
atualmente começam compor a doutrina. Mas o trataremos em detalhes de tais dispositivos,
a uma porque tal tarefa, certamente, extrapolaria o escopo deste estudo; e a duas porque
estamos cientes da complexidade e das dificuldades de um trabalho desse jaez, pelo que não
nos sentimos habilitados para tanto. Assim, limitamo-nos a uma abordagem genérica com
eventuais comentários que nos parecerem pertinentes.
85
Os primeiros contornos da atual estrutura remontam à lei 4.506, de 30/11/1964,
que estabeleceu alguns conceitos básicos ainda vigentes, a exemplo de receitas, custos,
despesas e outros. Depois, a Lei das Sociedades Anônimas ou Lei das
S
.
A
. (lei n. 6.404, de
15 de dezembro de 1976). Esse diploma empreendeu uma verdadeira reforma na disciplina no
anonimato no Brasil, até então regulada pelo decreto-lei 2.627, de 26 de setembro de 1940,
tendo sido responsável pela “juridicização” de princípios e diretrizes contábeis, tais como: a
adoção do regime de competência para o reconhecimento de receitas, custos e despesas, de
maneira que receitas e despesas devem ser incluídas na apuração do resultado do período em
que ocorrerem, independentemente de seu correlato pagamento ou recebimento; a introdução
de novas espécies de demonstrações financeiras, que dali em diante passaram a contemplar
informações mais detalhadas e transparentes; além da criação dos “registros auxiliares”, o que
motivou a criação do Livro de Apuração do Lucro Real (
LALUR
), objetivando segregar as
regras da legislação comercial e da legislação fiscal, evitando interferências desnecessárias.
Frente às significativas inovações trazidas pela novel legislação do anonimato, foi
editado o decreto-lei 1.598, de 26/12/1977, para adequar a legislação fiscal ao novo cenário
inaugurado pela Lei das
S
.
A
. mediante alterações na regulamentação do
IRPJ
.
115
O sobredito
decreto-lei especificou as diretrizes para a tributação das pessoas jurídicas, com a definição da
grandeza sobre a qual, sob o aspecto eminentemente fiscal, haverá de recair o
IR
: o lucro real.
Eis alguns dos conceitos introduzidos por esse decreto-lei:
lucro real (artigo 6º) base de cálculo do
IRPJ
, definido como lucro líquido do
exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou
autorizadas pela legislação tributária;
115
O preâmbulo do decreto-lei 1.598/77 segue a justificativa para sua edição: “O Presidente da República, no
uso das atribuições que lhe confere o artigo 55, item
II
, da Constituição, tendo em vista a necessidade de adaptar
a legislação do imposto sobre a renda às inovações da lei de sociedades por ações (Lei 6.404, de 15 de
dezembro de 1976), decreta [...]”.
86
lucro líquido (artigo § 1º) resultado (soma algébrica de lucro operacional,
dos resultados não operacionais, do saldo da conta de correção monetária e das
participações), apurado com base nos preceitos da lei comercial, sobre o qual
incidirão os ajustes da lei fiscal para fins de determinação do lucro real;
lucro operacional (artigo 11)
116
resultado das atividades, principais ou
acessórias, constitutivas do objeto da pessoa jurídica;
custos e despesas (artigo § “a”)
117
deduções admitidas do lucro quido
para fins de determinação do lucro real;
receita bruta (artigo 12) produto da venda de bens nas operações de conta
própria e o preço dos serviços prestados;
receita líquida (artigo 12 § 1º) receita bruta diminuída das vendas canceladas,
dos descontos concedidos incondicionalmente e dos impostos incidentes sobre
vendas.
Com base nessas disposições, fica justificado por que a base de cálculo do
IRPJ
é
identificada como o lucro, grandeza esta que deve ser compreendida na acepção de lucro real.
A adoção do regime competência para se reconhecerem os resultados ocorreu por meio do §
do artigo 6º, que, ao versar sobre lucro líquido, assevera que a apuração desse montante se
dará com base nos preceitos da lei comercial, que, por sua vez, prevê essa sistemática, ex vi do
artigo 177 da lei 6.404/76.
118
Nesses termos, fica perceptível que foi pelo decreto-lei
1.598/77 que se estabeleceu uma conexão maior entre institutos jurídicos e princípios
contábeis, que antes se apartavam, esboçando, a partir daí, a sistemática vigente hoje.
116
Ou, de forma mais técnica, “resultado operacional”.
117
Oportunamente, no capítulo 4, apresentaremos as diferenças entre custos e despesas.
118
Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos
da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar
métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de
competência.
87
A disciplina atinente ao
IRPJ
, todavia, foi objeto de numerosas
modificações/complementações, que se sucederam ao citado decreto-lei, dentre as quais
citamos, exemplificativamente, a lei n. 7.713, de 22/12/1988, lei 8.383, de 30/12/1991, lei
8.981, de 20/1/1995, lei 9.249, de 26/12/1995 e lei 9.430, de 27/12/1996. Todos esses
diplomas veicularam importantes regras atinentes do
IRPJ
, e é digna de nota a lei 9.429/95,
que introduziu mudanças relativas à dedutibilidade fiscal. Ao lado desses diplomas, outros
enunciados esparsos, muitas vezes isolados no corpo de textos de lei que versam sobre outras
matérias. De toda forma, a compilação de todos esses enunciados consta do decreto 3.000, de
26/3/1999, o Regulamento do Imposto de Renda, ou simplesmente
RIR
/99
todos os seus
artigos derivam, na verdade, de textos legais.
Enfim, por termos feito referência ao decreto-lei 1.598/77, com a indicação das
circunstâncias que motivaram sua edição, incumbe-nos ventilar, rapidamente, a recente lei
11.638, de 28/12/2007 (originária da conversão do projeto de lei 3.741, de 2000), que, de
pronto, motivou intensos debates doutrinários sobre possíveis impactos na seara tributária.
Frise-se que essa legislação foi responsável pela alteração da Lei das Sociedades Anônimas
— lei 6.404/76 — e adveio com o escopo de possibilitar a convergência da disciplina
contábil praticada no Brasil às normas internacionais, derivadas do Internacional Accouting
Standars Board (
IASB
), instituto internacional que responde pela padronização de
procedimentos e normativas contábeis.
Nesse mister, a alteração mais questionada concerne à obrigatoriedade, vinculada por
esse diploma legislativo, para que os ativos e passivos das empresas sejam avaliados com
base no valor de mercado, inclusive nas hipóteses de reestruturações societárias
(incorporações, fusões e cisões), bem como a instituição da figura do lucro contábil, base para
a elaboração do balanço contábil, que seria um balanço societário propriamente dito. Além
disso, a mídia, inclusive a especializada, veiculou maciçamente a extensão da obrigatoriedade
88
de publicação das demonstrações contábeis às sociedades limitadas consideradas de grande
porte.
119
Mesmo com toda a celeuma gerada, acatamos a opinião de Natanael Martins,
120
que
desvela o intento dessa novel legislação, esclarecendo que esta não deverá surtir efeitos
fiscais. Isso porque essa lei surgiu visando incentivar uma maior transparência e, para tanto,
criou mecanismos contábeis que permitem visualizar efetivamente a situação da empresa,
independentemente de ajustes fiscais, tudo objetivando suprir a necessidade de adequação da
disciplina contábil brasileira aos padrões internacionalmente acatados. Em razão disso, foram
introduzidas regras sobre como as informações fiscais devem ser produzidas. É certo,
contudo, que as regras tributárias continuam vigentes, na sua plenitude, não havendo que se
falar em impactos eminentemente fiscais.
Traçado esse panorama geral das características do
IR
,
de sua compostura na Carta
Constitucional em vigor, da legislação complementar (
CTN
) e da legislação ordinária, agora
partimos para o exame de um conceito-base fundamental: o de renda, cerne deste trabalho.
119
Essa previsão consta do artigo da lei 11.638/2007. O § deste mesmo artigo 3º estabelece que, para fins
desta lei, serão consideradas de “grande porte” a “[...] sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum
que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões
de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais)”.
120
MARTINS
, Natanael. A reforma da lei das sociedades anônimas — lei n. 11.638/07 — e seus impactos na
área tributária. Artigo inédito, 2008.
89
Capítulo 3
CONCEITO DE RENDA
3.1 Considerações preliminares
Como foi dito, a Constituição Federal outorgou competência tributária à União
Federal para criar o Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (
IR
), pela
disposição inscrita no artigo 153,
III
da Lei Maior. Relembre-se que tal enunciado não
responde, por si só, pela instituição do
IR
, mas sim por conferir à União enquanto pessoa
política de direito constitucional interno a aptidão para promover, in abstrato, tal
instituição. Esse exercício se executará, necessariamente, por meio de lei,
121
para cumprir o
Primado da Legalidade, que orienta a atividade tributária. Aqui se impõe uma questão: visto
que caberá ao legislador ordinário a instituição do tributo, como essa atividade será
operacionalizada? Noutros termos, o legislador ordinário dispõe de que margem de liberdade
para cumprir esse mister, dadas as peculiaridades de nosso sistema jurídico?
A reflexão sobre esse questionamento leva ao objeto deste estudo, porque supõe
determinar os limites do aspecto material da hipótese de incidência dos tributos — nesse caso,
da espécie impostos. Como dissemos, ao conferir competência tributária aos entes da
Federação, o legislador constituinte pinçou da realidade fatos com conteúdo econômico
fatos-signo presuntivos de riqueza, na expressão de Alfredo Augusto Becker
122
cuja
ocorrência desencadeia a incidência da regra prescritora da tributação, em termos técnicos, da
regra-matriz de incidência tributária. A Carta Constitucional, portanto, carrega vocábulos que
pretendem traduzir esses fatos, ensejando a incidência tributária, e que se relacionam com
121
À lei ordinária veículo legislativo que a Constituição determina para instituição e majoração de tributos
equipara-se à medida provisória, que, oriunda do Poder Executivo, foi reconhecida como hábil para tal, pela
jurisprudência.
122
BECKER
, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 2002, p. 504–5.
90
objetos do mundo, assim entendidos como elementos do conhecimento. Em geral, seu
conteúdo semântico não é especificado no Texto Constitucional, o que dificulta ao exegeta, na
sua missão de construir as normas jurídicas, a imediata compreensão do objeto ou do estado
de coisas abarcado pelo comando.
Tal constatação nos leva a retomar os problemas de linguagem, sobretudo a vagueza
e ambigüidade, que truncam o discurso e obscurecem a mensagem — nesse caso, a mensagem
legislada. Ricardo Guiborg, Alejandro Ghigliani e Ricardo Guarinoni tangenciam esse tema
ao questionarem os sentidos de conhecer ou saber algo. Esclarecem que se trata de uma
sucessão de atos: a investigação lingüística, depois a aferição de eventuais defeitos
expressivos e, enfim, a estipulação do significado, se for assim necessário:
[...] começaremos a investigação pelo uso lingüístico, observaremos se nosso
emprego dessas palavras é ambíguo, escolheremos, em seu caso, o
significado que nos interesse, examinaremos seu grau de vagueza e, se for
necessário, estipularemos algum significado mais preciso que satisfaça
nossas expectativas.
123
Tais considerações são úteis a este estudo porque qualquer pretensão de se investigar
o conceito na Constituição haverá de seguir o caminho supra-indicado; e com o conceito de
“renda” não se diferente: por ser ambíguo, seu conteúdo deve ser precisado, para se
assegurar uma intelecção exata da mensagem legislada em nome do rigor discursivo. Da
pertinência da questão apontada pouco, concernente aos limites para atuação do legislador
ordinário, pois sua resposta influirá decisivamente na conclusão acerca da possibilidade de
que o legislador ordinário, por ocasião do exercício da competência tributária, modifique, ele
próprio, conceitos veiculados pela Constituição Federal; em outras palavras, defina o
123
GUIBORG
;
GHIGLIANI
;
GUARINONI
, 1985, p. 81. No original em espanhol: “[...] empezaremos la
investigación por el uso lingüístico, observaremos si nuestro empleo de esas palabras es ambiguo, elegiremos en
su caso el significado que nos interese, examinaremos su grado de vaguedad y, caso necesario, estipularemos
algún significado más preciso que satisfaga nuestras expectativas”.
91
conteúdo semântico dos vocábulos e expressões trazidos pela Magna Carta nesse caso, da
locução renda e proventos de qualquer natureza.
Quanto à regra-matriz de incidência tributária do
IR
, por nós construída no capítulo
precedente, afirmamos que se pode delimitar sua materialidade nestes termos: auferir renda ou
proventos de qualquer natureza, pois é nesse momento que se manifesta a capacidade
contributiva do contribuinte potencial.
124
Assim, podemos afirmar que vai se inserir na
relação jurídico-tributária relativa ao
IR
toda pessoa física ou jurídica que promover a conduta
de auferir renda ou proventos de qualquer natureza. Se não houver algum desses elementos,
não há de se falar em
IR
.
A princípio esse raciocínio parece simplista, mas algumas ingerências no campo
pragmático dissipam tal aparência e trazem à tona a imprecisão do conteúdo semântico na
locução renda e proventos de qualquer natureza. Dito de outro modo, a dúvida está nas
ocorrências que configuram o fato jurídico renda (em sentido lato), desencadeando a
incidência do
IR
. Mas que ocorrências seriam essas? Não é fácil responder a essa questão,
visto que, nessa temática, são recorrentes conceitos de outras ciências, em especial da
economia e da contabilidade, que deixam entrever uma linha tênue entre essas realidades.
Somem-se a isso as diversas teorias construídas ao redor do conceito de renda que evoluíram
ao longo dos tempos, traduzindo diferentes concepções, todas válidas porém, algumas
mais elaboradas, outras menos.
Embora até aqui tenhamos nos referido ao conceito de renda como complemento do
critério material do antecedente da regra-matriz de incidência do
IR
, esse elemento se vincula
estritamente ao seu critério quantitativo, de forma mais próxima com a base de cálculo.
124
Diz-se contribuinte potencial porque a Constituição Federal, ao distribuir as competências tributárias,
delineou – ao menos para os impostos – o âmbito de incidência da respectiva regra-matriz tributária, indicando
os contornos que o fato jurídico haveria de ter para fazer desencadear a relação jurídica. O legislador ordinário,
ao exercitar essa competência tributária, fica adstrito ao âmbito de incidência pré-definido pelo constituinte,
muito embora não necessariamente precise exauri-lo. É possível que, no exercício da competência, o legislador
ordinário ponha a salvo da tributação determinadas pessoas ou situações jurídicas, daí porque nos referimos a
potenciais contribuintes.
92
Assim, como tais critérios se entrelaçam nessa estrutura normativa (ver capítulo 1), o
desbravar do conceito de renda se reflete na base de cálculo do
IR
, pois influi na sua
conformação. Por ora, vamos nos referir ao conceito de renda como gênero de que participa a
espécie proventos. Adiante, estabeleceremos as diferenciações devidas.
Todavia, antes de iniciarmos essa investigação, convém citar, ainda que rapidamente,
as teorias distintas sobre o conceito de renda, para delinearmos o panorama em que se
desenrolam as divergências doutrinárias.
3.2 Evolução do conceito de renda: teorias econômicas e fiscais
A definição do conceito de renda é tema que interessa não só a doutrinadores
nacionais: motiva debates acalorados desde os idos do século
XVIII
. Isso porque, conforme as
concepções teóricas adotadas, a origem e destinação da realidade renda variam.
Luís César Souza de Queiroz
125
faz uma retomada histórica importante das teorias
relativas à conceituação da realidade tributável renda que muito contribui para a evolução do
pensamento científico nesse particular. Com base no estudo de Horácio A. García Belsunce
126
El concepto de redito en la doctrina y en el derecho tributário —, ele aponta duas
vertentes principais de conceituação: as teorias econômicas e as teorias fiscais. Sintetizamos
particularidades dessas duas vertentes a fim de construir um raciocínio que leve a uma
construção própria do conceito de renda.
3.2.1 Teorias econômicas
As teorias econômicas da renda se embasam é evidente em premissas da
economia, de que o direito toma emprestados alguns conceitos, sobretudo os referentes à
125
QUEIROZ
, Luís sar Souza de. Imposto sobre renda: requisitos para uma tributação constitucional. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 119 e seguintes.
126
Também citado nas obras de Aliomar Baleeiro, Rubéns Gomes de Souza, Henry Tilbery, José Artur Lima
Gonçalves, Gisele Lemke e outros.
93
matéria tributária. Em geral, essas teorias apregoam que renda consubstancia riqueza nova,
material ou imaterial, derivada ou não de uma fonte produtiva e, para alguns autores,
consumível. Convém dizer que, na esfera das ciências econômicas, o termo renda, não raro, é
tomado em sentidos diversos, denotando ambigüidades que, necessariamente, haverão de ser
eliminadas em sua inserção no mundo jurídico.
Ao percorrer a evolução desse conceito na ciência econômica, Ls César Souza de
Queiroz se reporta a diversos autores. Um deles é Adam Smith, cujas idéias foram divulgadas na
obra A riqueza das nações. Para esse pensador diz Queiroz —, o conceito de renda o deve
incluir bens imateriais nem o uso que se faz dos próprios bens. Nessa perspectiva, os ganhos de
capitalo caberiam no conceito de renda. Queiroz menciona ainda o pensamento de Jean B. Say,
Davi Ricardo, Thomas Robert Malthus, John Stuart Mill e Giuseppe Ugo Papi e outros.
Em geral diz Queiroz
127
—, a concepção fundamental de renda para as teorias
econômicas não delimita, com clareza, o conceito de renda nem o de rendimento: ambos são
empregados, sem distinção, para designar tanto aquisições patrimoniais pontuais decorrentes
de certo fato ocorrido em determinado momento quanto acréscimo patrimonial percebido em
dado lapso temporal. Na ótica jurídica, tais conceitos hão de ser diferençados. Esse autor
afirma ainda que, nas teorias econômicas, vertentes em que renda é produto de uma fonte
produtiva ou fluxo de riquezas ou, ainda, simples aumento de valor patrimonial. Quanto à
necessidade de a renda ser consumida, ele aventa que alguns autores optam por considerar o
que foi consumido e não era qualificado como gasto necessariamente dedutível.
3.2.2 Teorias fiscais
127
QUEIROZ
, 2003, p. 121–30.
94
São classificadas como teorias fiscais da renda as que tomam esse conceito como
fato-objeto da tributação;
128
incluem as teorias da renda-produto, da renda-acréscimo
patrimonial e legalistas.
3.2.2.1 Teorias da renda-produto (source income theory)
Definem renda como a renda líquida (deduzidos os gastos com conservação e
reconstrução do capital), material, periódica ou suscetível de sê-la, proveniente de fonte
produtiva durável. Nesse caso, o foco da definição é a origem da riqueza. Pressupõe a
aplicação do patrimônio, de modo que dela resulte o advento de riqueza nova.
3.2.2.2 Teorias da renda-acréscimo patrimonial (increment of wealth theory)
Segunda subespécie das teorias fiscais, as teorias da renda-acréscimo patrimonial ou
renda-ingresso na expressão de Luís César Souza de Queiroz
129
consideram a renda
como todo ingresso líquido (deduzidos os gastos para sua obtenção e manutenção da fonte),
passível de valoração econômica, consumido ou reinvestido, que represente fluxo de riqueza
ou simplesmente valorização do patrimônio, num certo lapso de tempo, derivado ou não de
uma fonte produtiva. Nessa concepção, a riqueza nova será considerada como renda, seja qual
for sua fonte ou destinação.
3.2.2.3 Teorias legalistas
Como última subespécie das teorias fiscais, destacamos as teorias legalistas, de que
Rubéns Gomes de Sousa co-autor de nosso digo Tributário Nacional —, Dino Jarach e
Carlos M. Giuliani Fonrouge foram precursores. Essas teorias negam a existência de um
conceito de renda pressuposto constitucionalmente, por isso dão liberdade ao legislador
128
Nesse ponto, assinalamos que quase todos os sistemas tributários do mundo prevêem tributos incidentes sobre
a renda fato de fácil aferição econômica nos mesmos moldes do
IR
. Por isso, essa realidade é objeto de
estudo de juristas de diversas nacionalidades.
129
QUEIROZ
, 2003, p. 138 e seguintes.
95
infraconstitucional para fixá-lo. Em seu estudo, Belsunce
130
enquadra Rubéns Gomes de
Sousa como partidário dessa teoria por aproximar os conceitos de renda e rendimento: como
este é definido pelo direito positivo, logo aquele também o seria, por se ligar ao de
rendimento.
3.2.3 Importância da exposição das teorias sobre o conceito de renda
Convém expor as diretrizes fundamentais das teorias sobre o conceito de renda,
referidas aqui, mas não para criticá-las, e sim para demonstrar que a questão em análise suscita
debates doutrinários relevantes. A importância de nos atermos a essas teorias nos leva, ainda, a
verificar as origens do conceito, de sua evolução e de suas diversas facetas. Das teorias
analisadas por Belsunce, algumas remontam ao século
XVIII
. A maturidade intelectual com que
tratamos do assunto hoje resulta de estudos que atravessaram séculos, testando o conceito em
diferentes regimes políticos e contextos sociais distintos. O exercício nos pareceu necessário
porque, explicada a teoria, passaremos à prática,
131
para identificar a vertente de pensamento
adotada por nosso direito positivo. Destacaremos as posições doutrinárias principais.
3.3 O conceito de renda
Tratar do nosso tema primordial implica assumir uma posição que orientará e
subsidiará nossas conclusões: definir com o máximo de rigor a margem de liberdade de que
dispõe o legislador ordinário para tratar do conceito de renda,
132
tarefa que exige uma reflexão
sobre a existência ou não do conceito de renda pressuposto em nosso sistema constitucional
tributário. Assim, não podemos negligenciar a estrutura do sistema tributário nacional
nosso ponto de partida. Uma vez considerados os pontos que julgamos pertinentes,
esboçaremos nosso conceito de renda.
130
Apud
QUEIROZ
, 2003, p. 138.
131
O jurista é a intersecção entre a teoria e a prática, entre a ciência e a experiência — ver: Vilanova, 1977.
132
Ainda tratamos de renda no seu sentido genérico, abarcando, também, o conceito de proventos. As
diferenciações pertinentes serão feitas adiante.
96
3.3.1 Existe um conceito constitucionalmente pressuposto de renda no sistema constitucional
tributário pátrio?
Como evidenciado ao longo deste estudo, nosso legislador constituinte considerou
como necessário distribuir à exaustão as competências tributárias aos entes federativos, o que
originou um sistema tributário rígido. Nesse sentido, é precisa a assertiva de Paulo de Barros
Carvalho de que:
O tema das competências legislativas, entre elas o da competência tributária
é, eminentemente, constitucional. Uma vez cristalizada a limitação do poder
legiferante, pelo seu legítimo agente (o constituinte), a matéria se por
pronta e acabada, carecendo de sentido sua reabertura em nível
infraconstitucional.
133
Fica claro que a Carta Constitucional traz os contornos das materialidades dos
tributos, e isso é fruto desta opção legislativa: formatar um sistema tributário com
regulamentação minuciosa. O legislador constituinte assim o fez pelo fortalecimento da
Federação, fixando diretrizes que possibilitaram materializar a autonomia financeira de cada
ente federativo e a minimizar os conflitos de competência tanto quanto possível.
Roque Antonio Carrazza segue o mesmo raciocínio:
De fato, a Constituição Brasileira, ao discriminar as competências
tributárias, traçou a regra-matriz de incidência (a norma-padrão, o
arquétipo) de cada exação. [...] Destacamos que o legislador, ao exercitar
qualquer das competências tributárias reservadas à sua pessoa política,
deverá ser fiel à regra-matriz de incidência do tributo, pré-traçada na Carta
Magna. Absolutamente não pode extravasar este verdadeiro molde
constitucional.
134
O Imposto sobre a Renda não nos parece fugir à regra. No texto constitucional,
indícios dos elementos de sua regra-matriz de incidência, portanto deverão ser observados
pelo legislador ordinário ao exercer sua competência tributária. Essa conclusão decorre,
133
CARVALHO
, 2007, p. 247.
134
CARAZZA
,
2006,
p. 30–1.
97
naturalmente, das características de nosso sistema constitucional tributário: rigidez e
exaustividade, por isso dispensa maiores conjecturas teóricas.
Entretanto, o tema ainda não está devidamente circunscrito. Mesmo se
considerarmos que a Carta Constitucional os contornos da regra-matriz de incidência dos
tributos, não está claro se a materialidade do
IR
135
se define no texto constitucional.
Objetivamente: um conceito constitucionalmente pressuposto de renda (em sentido
amplo)? Acreditamos que sim — e um conceito oposto ao defendido pela corrente legalista da
renda.
Com efeito, a Constituição expressa a materialidade do
IR
e apresenta seu conteúdo
semântico. A opinião de Bulhões Pedreira, um dos grandes estudiosos do
IR
, senão o maior, é
que:
A Constituição Federal autoriza a União a impor tributos sobre a “renda e
proventos de qualquer natureza”. No exercício do poder Legislativo cabe ao
Congresso Nacional definir, na legislação ordinária, o que deve ser
entendido por renda, para efeitos de tributação. Mas ao definir renda
tributável o Congresso Nacional tem o seu poder limitado pelo sistema
constitucional de distribuição do poder tributário, e fica sujeito à verificação,
pelo Poder Judiciário, da conformidade dos conceitos legais como os de
renda e proventos de qualquer natureza constante da Constituição, mas não
ampliá-lo além dos limites compatíveis com a distribuição de rendas.
136
Também José Artur Lima Gonçalves analisou o problema e concluiu que existe um
conceito de renda constitucionalmente pressuposto. Diz ele: “A própria Constituição
fornecerá, portanto, ainda que de forma implícita, haurível de sua compreensão sistemática, o
conteúdo do conceito de renda por ela — a Constituição — pressuposto”.
137
Paulo Ayres Barreto partilha da opinião idêntica:
135
Não nos esqueçamos das implicações que decorrem, também, da base de cálculo, dada a vinculação estreita
entre o critério material e o critério quantitativo da regra-matriz de incidência.
136
PEDREIRA
, José Luiz Bulhões. Imposto de Renda. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 02.
137
GONÇALVES
, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 171.
98
Destarte, é crucial construir, com base no Texto Magno, o conceito de renda
e assim de cada uma das materialidades nele (texto constitucional)
referidas sob pena de comprometimento do funcionamento do subsistema
constitucional tributário, notadamente no que concerne à sua rígida
repartição da competência impositiva.
138
Essas ponderações levam à constatação de que sobra pouca margem de liberdade ao
legislador ordinário para elaborar os enunciados prescritivos que vão originar as normas
jurídicas atinentes à tributação. Sua atuação encontra balizas diretamente na Magna Carta, que
devem ser observadas sob pena de a exação instituída ser incompatível com o sistema jurídico
pátrio e, assim, ser extirpada dele por atuação do Poder Judiciário, como observa Bulhões
Pedreira.
Com base nessas inferências, podemos concluir que a atuação do legislador
infraconstitucional é engessada? Ou seja, que não lhe cabe estabelecer nenhum critério sobre
o conceito de renda? A resposta a essa pergunta requer cuidados. Não questionamos o fato de
que a Constituição Federal traça os contornos do conceito de renda logo, sua base deve
dela advir. Mas temos como certo que a Constituição não precisa tal conceito; apenas o
delimita, e tal delimitação não advém da estrutura de nosso sistema jurídico (rígido e
exaustivo), como também e sobretudo do conteúdo, do sentido e do alcance dos termos
empregados pela Lei Maior.
Todo vocábulo usado pela Constituição está impregnado de um conteúdo semântico
mínimo, decorrente de seu uso comum, a que deve se ater o legislador infraconstitucional ao
exercer sua função. Ele não poderá extravasar o conteúdo nimo dos termos
constitucionais.
139
Por isso não desprezamos a possibilidade de o legislador ordinário
conceituar a realidade renda, mas é imperioso que não descuide dos limites impostos pela
138
BARRETO
, 2001, p. 70.
139
Eis por que Roque Antonio Carrazza afirma que “[...] toda palavra (ou expressão) possui um ponto central,
incontroverso, acerca de cuja significação as divergências são impossíveis. Era o que pretendia exprimir Jellinek
quando prelecionava que ‘um conceito tem limites, do contrário não seria um conceito’” ver:
CARRAZZA
,
2008, p. 63.
99
Carta Constitucional. Como dissemos, os termos da Constituição padecem de vagueza e
ambigüidade, que impedem uma compreensão unívoca da mensagem legislada. Por causa
disso, parece-nos conveniente “redefinir” no âmbito infraconstitucional os conceitos referidos
pela Carta Magna, para, assim, precisarmos o comando.
Roberto Quiroga Mosquera traduz esse pensamento:
Claro está para nós que ao legislador ordinário federal é dado o direito de
redefinir vocábulos utilizados no Texto Constitucional, no sentido de
esclarecer o significado dos termos lingüísticos. Essa é uma tarefa natural e
decorrente das deficiências da linguagem ordinária, fonte primeira da
linguagem jurídica. Como já dissemos anteriormente, assim o fazendo, o
legislador estará colaborando com o processo de comunicação social, mais
especificamente, ele estará aperfeiçoando a linguagem do Direito Positivo.
140
Na visão desse estudioso, o artigo 43 do
CTN
contém uma definição estipulativa, ou
seja, uma definição cujo significado é dado pelo intérprete, como já asseveramos.
Gisele Lemke
141
adota uma linha que, em último plano, assemelha-se à que nos
referimos, embora a denomine de teoria legalista em sentido amplo. Essa autora também
entende que cabe ao legislador ordinário estabelecer o conceito de renda, com o impedimento
da tomada de fatos que, evidentemente, não reflitam renda, segundo o a Carta Constitucional
prevê. A despeito da nomenclatura diferenciada, as perspectivas são similares. Portanto,
recomenda-se o redesenho da materialidade/base de cálculo dos tributos — no que nos
interessa do
IR
pelo legislador infraconstitucional ao exercer sua competência tributária.
Mas essa atuação encontrará limites nos parâmetros da Constituão Federal.
Nesse panorama, o legislador infraconstitucional pode, ao definir renda, adotar um
conceito menos amplo do que aquele previsto pela Constituição. Por exemplo, ele pode
suprimir a tributação dos ganhos de capital sem que disso resulte alguma incompatibilidade
com o sistema jurídico. Inadmissível é ir além das balizas constitucionais; é o que ocorre, por
140
MOSQUERA
, 19 – Imposto sobre a renda p. 47
141
LEMKE
, Gisele. Imposto de renda: os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica. São
Paulo: Dialética, 1998, p. 30.
100
exemplo, com as disposições legislativas que pretendem tributar como renda valores
movimentados por instituições financeiras.
Enfim, preservar a competência impositiva discriminada na Constituição Federal
supõe uma questão de conteúdo, de modo que os conceitos por ela mencionados deverão ser
pormenorizados pelo legislador ordinário em atenção ao rigor do discurso. Como os conceitos
de renda e proventos não se diferem, cabe ao legislador ordinário conformá-los, respeitando
— é óbvio — os limites postos pela Constituição.
3.3.2 Análise das posições doutrinárias e conclusões preliminares
Vejamos como a delimitação do conceito de renda posta pela Constituição Federal é
tratada pela doutrina no seu papel de construir a metalinguagem
142
da ciência do direito. Em
estudo sobre o
IR
, José Artur Lima Gonçalves nos apresenta as metodologias possíveis para se
aferir o conceito de renda e duas possibilidades de definição:
i) positivamente, pelo gênero próximo e da diferença específica deste termo,
e ii) negativamente, pelo contraste do gênero próximo e diferença específica
dos demais vocábulos constitucionais utilizados na discriminação da
competência impositiva.
143
Após examinar tal conceito, esse autor o define, com concisão e rigor, como: “(i) saldo
positivo resultante do (ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas
ao longo de um dado (iii) período”.
144
De novo nos reportamos a Bulhões Pedreira e seu cotejo do conceito de renda com o de
capital:
Como já foi destacado, a noção de renda está ligada à idéia de um período de
tempo. É a soma dos ganhos percebidos durante determinado período, e por
142
Em gica, metalinguagem é linguagem que fala sobre outra linguagem, isto é, que tem como objeto outra
linguagem.
143
GONÇALVES
,
2002, p. 125.
144
GONÇALVES
,
2002, p. 179.
101
isso é definida como um fluxo. Já o capital é sempre referido a determinado
momento no tempo, pois corresponde à renda realidade no passado, e
poupada, ou acumulada. [...] e, se na apuração da renda em período
subseqüente não se levasse em consideração o capital existente no início do
período, estaríamos confundindo renda, ou seja, ganho no período, com o
capital, que constitui ganho do período anterior.
145
Também Modesto Carvalhosa reconhece o patrimônio como ponto de partida para a
tributação pelo
IR
; em sua definição,
[...] [patrimônio é] o conjunto de riqueza material, intelectual ou profissional
de uma pessoa, capaz de produzir renda; [e renda é] [...] o aumento ou
acréscimo do patrimônio, verificados num determinado espaço de tempo e
que, para efeitos de administração tributária, em geral, coincide com um
exercício civil que equivale a um exercício financeiro.
146
Luís César Souza de Queiroz estabelece um método para identificar esse conceito que
começa na análise do contexto em que a expressão renda e proventos de qualquer natureza é
tomada pela Constituição, passa pelos limites relativos a esse conceito estabelecidos pela
comunidade pré-constitucional e culmina na combinação dessa definão com os enunciados
prescritivos empregados pela Constituição. Após percorrer essa trilha, ele chega a esta definição:
Renda e proventos de qualquer natureza (ou renda em sentido amplo ou
simplesmente Renda) é conceito que está contido em normas constitucionais
relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e que
designa o acréscimo de valor patrimonial, representativo da obtenção de
produto ou de simples aumento no valor do patrimônio, apurado, em certo
período de tempo, a partir da combinação de todos os fatos que contribuem
para o acréscimo de valor do patrimônio (fatos-acréscimos) com certos fatos
que, estando relacionados ao atendimento das necessidades vitais básicas ou
à preservação da existência, com dignidade, tanto da própria pessoa quanto
de sua família, contribuem para o decréscimo de valor do patrimônio (fatos-
decréscimos).
147
Por sua vez, Roberto Quiroga Mosquera sustenta que:
145
PEDREIRA
, 1979, p. 16.
146
CARVALHOSA
, Modesto. Imposto de Renda: conceituação no sistema tributária da carta constitucional.
Revista de Direito Público, n. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 189.
147
QUEIROZ
,
2003, p. 239.
102
O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza incide sobre o
elemento patrimonial que se constitui numa majoração de patrimônio, isto é,
incide sobre riqueza nova; “Renda e proventos de qualquer natureza” são
elementos patrimoniais que não existiam antes no conjunto de direitos pré-
existentes das pessoas e que não representam uma mera reposição de
elementos patrimoniais ou permuta. Acréscimo, incremento ou majoração de
elementos patrimoniais (riqueza nova) não se confunde com ingresso,
entrada ou reposição de direitos patrimoniais.
148
Mary Elbe Queiroz consigna, pelo sistema pátrio, a adoção da concepção clássica de
renda com este significado:
[...] acréscimo patrimonial e riqueza nova, revelada por três fatores: i) provir
a renda de fonte constante do patrimônio do titular (capital), ou
diretamente referível a ele (trabalho) ou resultante da combinação de ambos;
ii) a renda deve ser suscetível de proveito ou utilização pelo titular
(consumo, poupança ou investimento), sem implicar no esgotamento ou
redução da fonte produtora, o que implica a periodicidade do rendimento,
isto é, sua capacidade de reproduzir-se a intervalos de tempo, pois, do
contrário, a sua utilização envolveria a parcela do próprio capital; iii) a renda
deve resultar da exploração da fonte pelo titular, o que exclui do conceito de
renda, as doações, heranças e legados, que são considerados como
acréscimos patrimoniais com a natureza de capital” e não de
“rendimento”.
149
Maurício Bellucci diz que renda pode ser considerada como:
[...] aquilo que, respeitando o patrimônio jurídico das pessoas, corresponde a
um resultado positivo líquido que se agrega ao patrimônio, originado do
confronto, num lapso temporal, de enunciados-acréscimos que relatam
fatores positivos auferidos a tulo gratuito ou por meio da aplicação de
recursos materiais ou imateriais, correntes ou passados, ou em virtude de
simples aumento no valor do patrimônio e de enunciados-decréscimos
incorridos na produção dos enunciados-acréscimos, sejam eles os
necessários à manutenção de uma vida digna para as pessoas físicas ou à
manutenção da fonte produtora dos enunciados-acréscimos para as pessoas
jurídicas, bem como àqueles realizados pelo particular em substituição ao
Estado ou, ainda, decorrente de simples diminuição no valor do patrimônio,
excluindo-se qualquer tipo de recomposição patrimonial.
150
Por fim, vejamos a definição construída por Roque Antonio Carrazza. Após separar o
conceito de renda de outros usados pela Constituição, ele afirma que:
148
MOSQUERA
, 1996, p. 137.
149
QUEIROZ
,
2004,
p. 88.
150
BELLUCCI
, Maurício. Imposto sobre a renda e indenizações. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008, p. 117.
103
Dito de outro modo, renda e proventos de qualquer natureza são acréscimos
patrimoniais experimentados pelo contribuinte ao longo de um determinado
período de tempo. Ou caso preferirmos, são o resultado positivo de uma
subtração que tem por minuendo os rendimentos brutos auferidos pelo
contribuinte entre dois marcos temporais, e por subtraendo o total das
deduções e abatimentos.
151
Essas definições exemplificam reflexões importantes sobre o tema desta dissertação
e permitem visualizar as premissas, a diversidade de entendimentos e a construção final de
cada autor, sempre considerando as peculiaridades inatas ao sistema jurídico pátrio e, em
especial, os princípios que norteiam a tributação. Algumas noções parecem recorrentes, por
isso merecem destaque.
A primeira é a idéia de acréscimo patrimonial como algo capaz de revelar a
capacidade contributiva — necessária para justificar a incidência fiscal. Para aferirmos a
retidão desse entendimento, recorremos a Becker e sua afirmação de que a atividade de
tributação sempre perseguiu manifestações de riqueza em seus termos, os fatos-signo
presuntivos de riqueza. Para esse autor, tal opção vem atender à certeza e praticabilidade
152
do
direito tributário. A plausibilidade dessa posição se evidencia quando vemos que, dentre suas
funcionalidades, a base de cálculo das exações tributárias se correlaciona com sua respectiva
materialidade, por isso é hábil a mensurá-la. Ora, a correlação entre esses critérios — material
e quantitativo — da regra-matriz de incidência corrobora a afirmação de que os fatos jurídicos
eleitos pelo legislador constituinte devem ser passíveis de valoração. Como não se mensura
algo não quantificável, a base de cálculo não poderia mensurar o critério material se este não
fosse quantificável.
Nesse contexto, deduz-se a importância do patrimônio como centro da tributação e,
mais nítida e eficazmente, da tributação pelo
IR
. Não queremos dizer que a tributação pelo
IR
ocorre sobre o patrimônio (porque patrimônio e renda são realidades distintas), mas que essa
151
CARRAZZA
,
2006,
p. 38
152
BECKER
, 2002, p. 506.
104
atividade toma o patrimônio como referência. A “medida” da renda parte do patrimônio. Cabe
aqui a diferenciação feita por Roberto Quiroga Mosquera: de um lado, a tributação poderá
onerar o patrimônio considerado numa perspectiva estática ou seja, tomá-lo na íntegra
como riqueza acumulada; de outro, numa visão dinâmica, consideram-se as mutações
patrimoniais.
153
Exemplificam a primeira classe o Imposto Sobre a Propriedade Territorial
Rural (
ITR
), Imposto Predial e Territorial Urbano (
IPTU
), Imposto sobre a Propriedade de
Veículos (
IPVA
)
e outros; a segunda, o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o
Imposto Sobre Produtos Industrializados (
IPI
), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (
ICMS
),
dentre outros. Nesses termos, concluímos que o
IR
se enquadra na segunda
categoria, ou seja, atinge o patrimônio na sua perspectiva dinâmica, de modo que
necessariamente demanda mutação patrimonial. À luz das lições de Becker, essa mutação
deve revelar acréscimo patrimonial, incremento a algo pré-existente; do contrário, não
teremos presunção de riqueza. Constata-se que renda pressupõe acréscimo patrimonial, como
expressam a maioria dos doutrinadores aqui citados.
Todavia, uma questão se impõe: como aferir o acréscimo patrimonial exigido pelo
IR
? Quer nos parecer obrigatório que, para aferirmos o acréscimo patrimonial, teremos de
considerar um patrimônio, aqui entendido como conjunto de bens e direitos pertencentes a
uma pessoa (em um dado local e tempo), que tenha tido incremento (resultante do confronto
entre determinados ingressos e determinadas saídas) em certo lapso de tempo. Assim, renda
pressupõe riqueza nova (porque se agrega a um patrimônio pré-existente), em dado período de
tempo e determinada conforme os princípios que informam a tributação, em especial o
IR
.
Não podemos cogitar a existência de renda sem considerarmos os princípios da
universalidade, generalidade, progressividade, além da capacidade contributiva e do mínimo
vital.
153
MOSQUERA
, 1996, p. 99.
105
A noção de tempo é inafastável do conceito de renda; o tempo é inerente,
imprescindível e essencial à incidência do
IR
;
154
sua fluência possibilita comparar o que
existia antes (riqueza velha) com o que depois (riqueza nova) comparação fundamental
à caracterização da materialidade do
IR
. O viés pragmático dessa constatação sugere a
importância de analisarmos a periodicidade do
IR
o fizemos antes, ao tratar do aspecto
temporal do imposto, quando concluímos que, nos limites do sistema jurídico pátrio, a Carta
Constitucional impõe uma periodicidade anual. Assim, se é inconteste a necessidade de
tomarmos o elemento tempo para desenhar o conceito de renda, então se confirma uma
assertiva já feita aqui: a tributação definitiva
155
padece de inconstitucionalidade flagrante. Um
evento isolado não pode revelar acréscimo patrimonial pode até atuar como indício, mas
por si não traduz renda. Cabem aqui as palavras de Hugo de Brito Machado: “a renda,
como acréscimo patrimonial, é um conceito unitário, no sentido de que não é possível que
tenha o mesmo titular, no mesmo período mais de uma renda. Assim é porque o conceito de
patrimônio é um conceito unitário”.
Em suma, nosso esboço do conceito de renda começa a tomar forma, dada a
conclusão de que renda (materialidade/base de cálculo) consiste na riqueza nova resultante de
certos ingressos e certas saídas, percebida num lapso temporal. Quanto à origem dessa
riqueza, a análise sistematizada de nosso ordenamento jurídico permite concluir que poderá
derivar do capital, do trabalho ou da combinação de ambos.
156
A essas ponderações julgamos essencial acrescentar que, para cogitarmos a efetiva
existência de acréscimo patrimonial, é necessário considerar estes elementos ao mesmo
tempo: ingressos percebidos; despesas e custos incorridos; parcela necessária à preservação
154
Em Conteúdo jurídico do princípio da igualdade (2004), Celso Antonio Bandeira de Melo esclarece que
elemento discriminador será não o tempo, mas o que nele ocorrer: se o tempo é igual a todos, o que se fez no seu
decurso difere de pessoa para pessoa. No âmbito do
IR
, importa saber se, no tempo fixado pela lei, houve
acréscimo patrimonial.
155
uma ressalva: os pagamentos feitos a estrangeiros, em que se admite a tributação definitiva para cumprir
os princípios constitucionais da soberania da federação, da isonomia e da capacidade contributiva.
156
Artigo 43 do
CTN
.
106
do mínimo vital. A correlação entre esses elementos possibilita verificar a existência de renda
juridicamente relevante para fins de tributação. Nesses termos, impõe-se a necessidade de
precisar o conceito de despesas, pois se vincula diretamente ao de renda.
As teorias que tratam do conceito de renda nos sugerem que o sistema jurídico pátrio
acolheu com mais ênfase a teoria da renda-acréscimo patrimonial afinal, não se cogita a
idéia de renda sem acréscimo patrimonial, que lhe é inerente. A recíproca, contudo, não é
verdadeira, pois é possível haver acréscimo patrimonial em que não se configure renda, como
nos casos de imunidade.
A teoria da renda-produto, também, está presente no sistema, embora o
CTN
especifique a fonte da renda capital, trabalho ou a combinação de ambos na
determinação da base de cálculo do
IR
(art. 43,
I
,
CTN
). Todavia, a nosso ver, ela não parece
abranger a íntegra das normas atinentes a essa exação. Ao declinar sobre os proventos (art. 43,
II
), o
CTN
inclui nessa categoria todos os demais acréscimos não enquadráveis na classe
anterior, sugerindo que, apesar de o acréscimo patrimonial não decorrer de fonte produtiva
periódica, está sujeito à tributação.
157
Embora esclareçam certas facetas da definição de renda, as considerações feitas até
este ponto não a concluem; mas não deixam dúvida de que suas balizas estão na Carta
Constitucional.
3.4 Conceito de renda constitucionalmente pressuposto
Neste capítulo, investigamos o conceito da expressão constitucional renda e
proventos de qualquer natureza, diretamente relacionada com a espécie tributária prevista no
157
Nesse sentido, na definição de proventos “[...] se compreendem os ganhos de capital (capital gains) e também
prêmios de loteria, recompensas e semelhantes”
MACHADO
, Brandão. Imposto de renda. Ganhos de capital.
Promessa de venda de ações. Decreto-lei n. 1.510, de 1976. Direito tributário atual, v. 11/12. São Paulo:
Resenha Tributária, 1992, p. 3.181220. Apenas podemos cogitar a tributação, pelo
IR
, de ganhos de capital,
prêmios de loteria e semelhantes se adotarmos a renda-acréscimo patrimonial, pois tais grandezas não se inserem
na teoria da renda-produto.
107
artigo 153,
III
da Carta Magna. Percorremos a evolução histórica desse conceito, salientando
as diferentes teorias que buscam explicitar essa realidade e trouxemos conceitos firmados por
uma importante fatia da doutrina. A partir de agora, enfocamos a construção de nosso
conceito de renda.
3.4.1 Definição do conceito de renda pela negativa ou por exclusão
Se todo conceito pressupõe um processo que possibilite descrever, classificar e
prever objetos cognoscíveis,
158
todo processo supõe uma sucessão de atos. Assim, para
alcançarmos o conceito de renda, teremos de seguir um encadeamento de ocorrências.
A definição do conceito de renda poderá ser alcançada, negativa ou positivamente,
com base no texto constitucional: a definição pela negativa impõe seu cotejo com outros
vocábulos empregados pelo constituinte, estabelecendo suas diversidades;
159
pela positiva
demanda estabelecermos a conotação
160
da classe a que pertence o vocábulo, pormenorizando
seus traços fundamentais. Sabemos que não se pode empregar a definição pela negativa (ou
por exclusão) de forma absoluta, por ser insuficiente para conformar o conceito em toda sua
extensão. Assim, usá-la com parcimônia assegura mais rigor à delimitação conceitual. No
âmbito do
IR
, podemos construir uma definição, pela negativa, do conceito de renda,
contrapondo-o a outros empregados pela Constituição Federal, para designar outros objetos
que não o acréscimo patrimonial nos moldes definidos há pouco.
Roque Antonio Carrazza aplica esse método para esclarecer que,
Num primeiro relance, observamos que renda e proventos de qualquer
natureza no Brasil é algo que não se confunde com a materialidade dos
demais impostos contemplados nos arts. 153, 154,
I
, 155 e 156 da
CF
.
158
ABBAGNANO
, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 164.
159
A definição do conceito de renda pela negativa fica viabilizada por conta do postulado da unidade da
Constituição — ver
ÁVILA
, 2008, p. 381.
160
Conotação é o conjunto de requisitos exigidos para se usar o signo em referência a um objeto determinado
ver:
GUIBURG
;
GUIGLIANI
;
GUARINONI
,
1985.
108
Portanto, de logo podemos afirmar que renda não é nem importação, nem
exportação, nem operação financeira, nem propriedade territorial rural, nem
patrimônio, nem propriedade predial e territorial urbana etc. Em suma o
legislador federal não tem liberdade para formular um conceito, seja de
renda, seja de proventos de qualquer natureza, que abarque a prática de
operações mercantis, a prestação onerosa de serviços, o patrimônio
imobiliário e os demais fatos econômicos que compõem a base de cálculo de
outros impostos, inclusive os compreendidos na chamada competência
residual, de resto somente exercitável por meio de lei complementar.
161
Assim, o conceito de renda não se confunde com qualquer outro fato eleito como
critério material de qualquer outra espécie tributária; e isso nos permite assegurar, igualmente,
a diversidade entre renda e rendimento: enquanto este representa um ganho isolado num
instante pontualmente determinado, aquela é acréscimo patrimonial resultante do excedente
de riqueza frente às despesas. Veja-se que, em essência, tais conceitos divergem
diametralmente.
outros conceitos correlatos ao de rendimento e renda. Por exemplo, José Artur
Lima Gonçalves destaca as diferenças entre os conceitos de faturamento que representa
mero ingresso; capital empregado pela Constituição na acepção de investimento
permanente; lucro que representa o resultado positivo das atividades empresariais das
pessoas jurídicas, sendo espécie do gênero renda; ganhos que também se refeririam a
ingressos; resultado como situação final de um processo; patrimônio como conjunto
estático de bens e direitos; e fortuna — também referida como conjunto de bens e direitos.
162
A esses estes, José Antonio Minatel agrega os conceitos de receita que pressupõe
um valor qualificado como contraprestação em negócios, mas não limitado a vendas de
mercadorias e serviços; ingressos que consubstanciam as entradas como caráter de
definitividade; movimentação financeira caracterizada como toda e qualquer transferência
161
CARRAZZA
, 2006, p. 36–7.
162
GONÇALVES
, 2002, p. 17778.
109
de recursos via instituições financeiras, seja qual for o negócio que a tenha motivado; e
indenização — que objetiva a recomposição patrimonial.
163
Constatamos que os demais vocábulos mencionados em diversos enunciados
constitucionais não se assemelham ao vocábulo renda. Do contrário, o legislador constituinte
não teria tido o cuidado de empregar termos diversos cujo conteúdo semântico mínimo não se
assemelha, tal como demonstrado.
3.4.2 Renda versus proventos: diferenciações pertinentes
Neste momento, parece-nos pertinente aferir se os conceitos de renda e proventos se
diferem. Até aqui, referimo-nos a renda em sentido amplo; não nos preocupamos em separá-la
do conceito de proventos para não comprometer a fluência do discurso. Agora convém
estabelecer suas diferenças.
3.4.2.1 O vocábulo renda
Roque Antonio Carrazza retoma as origens etimológicas do vocábulo renda, derivado
[...] do Latim reditus (em Latim vulgar rendita), que deriva de reddere, algo
que se repete, passou, com o significado, primeiro, de algo que se produz na
terra e, depois, de qualquer riqueza nova, do Italiano reddito, e daí ao
Espanhol renta e ao Francês revenue. Seguindo na mesma trilha, renda em
Inglês é income (come in), denotando aquilo que “entra”; em Alemão é
Einkonamen, significando “ingresso” ou “entrada”.
164
A Carta Constitucional na sua atual redação
165
conta com 17 aparições do termo
renda, nos seguintes dispositivos: 7º,
XII
; 30,
III
; 43, § 2º,
IV
; 48,
I
; 150,
VI
, “a”; 150,
VI
, “c”;
150, § 2º; 150, § 3º; 150, § 4º; 151,
II
; 153,
III
; 157,
I
; 158,
I
; 159,
I
; 159, § 1º; 201,
IV
; 201, §
163
MINATEL
, 2005, p. 95–123.
164
CARRAZZA
, 2006, nota de rodapé p. 35.
165
Da metodologia dogmática, que reconhece o direito hic et nunc, enfocaremos o texto atual da Constituição
Federal para contextualizar o trabalho na conjuntura jurídica em que foi elaborado.
110
12º. A leitura desses dispositivos não demora a elucidar que esse vocábulo foi tomado em
diferentes acepções no curso do texto constitucional. Em síntese, esclarecemos que nos
referimos a esse termo com o sentido de: poder aquisitivo de um indivíduo no artigo ,
XII
, 201,
IV
e 201, § 12; receitas públicas no artigo 30,
III
e 48,
I
; poder econômico de
uma determinada região geográfica ou renda regional no artigo 43, § 2º,
IV
; somatório de
rendimentos — no artigo 150,
VI
, “a” e “c”, § 2º, § 3º e §4º; remuneração de título público
no artigo 151,
II
; e grandeza tributável — no artigo 153,
III
, 157,
I
, 158,
I
, 159,
I
, 159, § 1º.
Essa caracterização do emprego do vocábulo renda em diferentes sentidos denuncia a
polissemia patente no texto constitucional. No contexto desta pesquisa, interessa-nos,
sobretudo, o conceito de renda como grandeza tributável, diga-se, como materialidade do
IR
que, como foi dito, aparece nos artigos 153,
III
, 157,
I
, 158,
I
, 159,
I
e 159, § da
Constituição. Ao longo deste trabalho, cuidamos de estabelecer algumas premissas, que
retomamos a seguir.
A Constituição Federal delineia a materialidade dos tributos, dentre os quais a do
IR
, de modo a impedir o legislador infraconstitucional de ultrapassar esses
parâmetros.
O artigo 43 do ctn se refere à materialidade do ir como “[...] renda, assim
entendido produto do trabalho, do capital ou da combinação de ambos” ou, ainda,
como “[...] proventos de qualquer natureza, assim entendidos como acréscimos
patrimoniais não compreendidos no inciso anterior” (o inciso anterior se refere à
renda).
O sistema jurídico pátrio adotou a teoria da renda-acréscimo patrimonial, em que
a tributação pelo
IR
recai sobre os incrementos patrimoniais, cuja aferição deve
seguir estes princípios: universalidade, generalidade, progressividade, mínimo
vital, capacidade contributiva.
111
A renda será sempre o resultado positivo de certas entradas e certas saídas
ocorridas em dado lapso temporal.
Dadas essas premissas, como noção nuclear do
IR
renda quer significar algo que, ao
fim e ao cabo de um lapso temporal, implica acréscimos a dado patrimônio econômico. Esse
critério deve estar presente e nos permitirá averiguar a capacidade contributiva daquele que
tenha auferido renda. Misabel Derzi reitera esse raciocínio ao afirmar que:
A idéia de renda está ligada fundamentalmente à idéia de período, porque
é renda o que representar um excedente, um plus, um acréscimo ao
patrimônio ou à riqueza; significa a riqueza nova e, portanto, a idéia de
continuidade necessária, e a idéia de que acréscimo patrimonial, se houver, é
acréscimo ao patrimônio líquido.
166
A dosagem segue a aplicação prática dos princípios informadores do ir: tributa-se
toda a renda auferida por qualquer pessoa, mas se respeita o mínimo necessário para sua
subsistência. Reforça-se esse maior ideal de justiça fiscal quando as alíquotas aplicáveis são
progressivas (e não simplesmente proporcionais), ou seja, são tanto maiores quanto maior for
a base de cálculo, quanto maior for a renda auferida.
Não é demais reiterar que renda é resultado: trata-se de um conceito relacional, pois é
produto de uma relação, de entradas e saídas ou, na expressão de Luís César Souza de
Queiroz, de fatos-acréscimos e fatos-decréscimos participantes do conceito de renda: se
aqueles superarem estes, estaremos diante de renda; em caso oposto, teremos prejuízo. Essa
dinâmica lhe é inata: não pode ser desprezada, sob pena de que reste caracterizada uma
exigência em desconformidade com a ordem jurídica.
Mas que fatos-acréscimos e fatos-decréscimos deverão ser considerados? Os
relevantes para o mundo do direito, e somente eles. É preciso que o direito reconheça o
acréscimo patrimonial para que possamos cogitar a incidência do ir; não basta o acréscimo ser
166
DERZI
,
1994, p. 45
112
contábil ou econômico: tem de ser jurídico. Fatos-acréscimos incluem rendimentos do
trabalho (por exemplo, salário, remuneração pela prestação de serviços etc.), do capital (a
exemplo dos rendimentos de financeiros, de aluguéis etc.) ou quaisquer outros rendimentos
(tais como ganhos de capital decorrente da venda de bem por valor superior ao valor da
aquisição); fatos-decréscimos abrangem todos os dispêndios incorridos para se obter renda e
os gastos necessários à manutenção da fonte produtora.
Eis os caracteres de renda como elemento do critério material e base de cálculo da
exação veiculada pelo artigo 153,
III
da Constituição Federal.
3.4.2.2 Sobre o vocábulo proventos e a locução de qualquer natureza
O vocábulo proventos — esclarece Mary Elbe Queiroz — “[...] deriva do latim
proventus, significando o resultado, lucro crédito. É o lucro ou ganho obtido em um negócio,
e tem sentido análogo a proveito ou resultado obtido”.
167
No texto constitucional vigente, esse
vocábulo é empregado 23 vezes: nos artigos 37,
XI
; 37 § 10º; 40, § 1º; 40, § 1º,
I
; 40, § 1º,
II
;
40, § 1º,
III
, “b”; 40, § 2º; 40, § 3º; 40, § 7º,
I
; 40, § 11; 40, § 18; 40, § 21; 100, § 1–A; 103–B,
§ 4º,
III
; 130–A, § 2º,
III
; 151,
II
; 153,
III
, 157,
I
, 158,
I
, 159,
I
, 159, § 1º, 201, § e 249,
caput. Também nessa hipótese o vocábulo foi tomado em diferentes sentidos: remunerações
de aposentadoria — nos artigos 37,
XI
, 37, § 10º, 40, § 1º,
I
,
II
,
III
“b”, § 2º, § 3º, § 7º,
I
, § 11,
§ 18, § 21, 100, § 1–A, 103–B,
III
, 130–A,
III
, 151,
II
, 201 § 6º; grandeza tributável no
artigo 153,
III
, 157,
I
, 158,
I
, 159,
I
, 159, § 1º; e remunerações de aposentadorias e pensões
— no artigo 249, caput.
Em geral, a doutrina não aprofundou o estudo dessa realidade: poucos autores
buscaram sedimentar conceitos no âmbito do direito tributário. Dentre eles, citemos Geraldo
Ataliba, que afirmava se tratar de um termo de conteúdo jurídico preciso oriundo do direito
167
QUEIROZ
,
2004, p. 67.
113
administrativo e que significa: “[...] o dinheiro recebido por uma pessoa em razão do trabalho,
mas depois que ela deixou de trabalhar, por motivo de idade ou de doença”
168
para ele,
quer significar aposentadoria. Essa noção foi seguida depois por Roberto Quiroga Mosquera,
a quem também aparentava ser esse o sentido mais adequado ao interpretar o enunciado
constante do artigo 153,
III
da Carta Magna.
169
Entretanto, em sua análise, esse último autor enfoca a locução de qualquer natureza e
conclui que, ao empregá-la, o legislador constituinte não restringiu ao alvo do
IR
os
rendimentos originados do trabalho, do capital e da aposentadoria; estendeu a incidência desse
imposto também a rendimentos de outras espécies, decorrentes de outras fontes. É sagaz sua
observação no sentido de que “[...] a expressão ‘de qualquer natureza’, em nosso entender,
desqualifica o conceito anteriormente analisado, de forma isolada, da palavra proventos”.
170
Luciano Amaro explica a expressão referida pela retomada histórica do imposto sobre a
renda: as Constituições de 1934 e 1946 se valeram da expressão proventos de qualquer
natureza para dirimir dúvidas se o
IR
deveria recair sobre ganhos ou proveitos de qualquer
natureza.
171
Por isso, esse autor põe renda e proventos como sinônimos, ainda que
imperfeitos, pois ambos se correlacionam com ingresso de riqueza nova em dado patrimônio,
de qualquer origem.
Seja como for, parece-nos que a Constituição Federal, ao fazer predominar a teoria
da renda-acréscimo patrimonial, impõe como pressuposto para termos renda como base
tributável — a configuração de um incremento patrimonial de qualquer natureza e advindo de
qualquer fonte. Assim, quando tivermos presente acréscimo patrimonial, teremos configurada
renda em sentido lato. É a base tributável do
IR
. Desse modo, pretendemos demonstrar que o
168
ATALIBA
, 1994, p. 58.
169
MOSQUERA
, 1996, p. 75.
170
MOSQUERA
, 1996, p. 75.
171
AMARO
, Luciano. Imposto de Renda: regime jurídico. In:
MARTINS
, I. G. S. (Coord.). Curso de direito
tributário. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 282.
114
ir incide sobre a renda; e, conforme nosso sistema, essa realidade se constituirá quando
configurado acréscimo patrimonial.
De sua parte, proventos tributáveis são os que necessariamente acarretam acréscimo
patrimonial, por isso se pode falar, com propriedade, que são espécie do gênero renda. Essa
construção se justifica porque tomamos, neste trabalho, a renda como elemento da
materialidade e da base de cálculo do
IR
. Incutimos-lhe o sentido de um gênero, conotado por
caracterizar acréscimo patrimonial, de que proventos é espécie.
3.5 Construção do nosso conceito de renda
Apresentamos uma definição do conceito de renda pela negativa e advertimos que,
embora importante, ela não bastaria para delinear firmemente tal conceito. Seria necessário
buscar, no Texto Constitucional, elementos para uma conceituação positiva que conformasse
sua conotação. Chegamos a esse ponto. Partindo dos elementos e das premissas sedimentados
neste estudo até aqui, propomos que o conceito de renda, numa perspectiva jurídica, possa ser
delimitado como o resultado positivo líquido, que acresce ao patrimônio jurídico, aferido a
partir da contraposição, num período correspondente a um ano, entre fatos-acréscimos,
decorrentes de ingressos de receitas próprias novas, e fatos-decréscimos, assim entendidos os
dispêndios incorridos para a produção dos fatos-acréscimos ou necessários à manutenção de
sua fonte produtora, respeitando-se o mínimo necessário à subsistência, quer seja da pessoa
física ou da pessoa jurídica. Com base nesse conceito, pormenorizamos os denominados
fatos-decréscimos, que ajudam a conformar o conceito de renda que construímos.
115
Capítulo 4
DEDUTIBILIDADE NO CONTEXTO DO
IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (IRPJ)
No capítulo anterior, limitamos o conceito de renda como grandeza tributável e
delimitamos o aspecto material da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda e sua
base de cálculo. Também assinalamos a possibilidade de que o mesmo enunciado prescritivo
permite construir mais de uma regra-matriz de incidência tributária, para justificar a
possibilidade de termos uma regra-matriz de
IR
aplicável a pessoas físicas e outra, a pessoas
jurídicas. Entretanto, nessas duas hipóteses, temos como elemento central da tributação
diga-se, como fato signo-presuntivo de riqueza a realidade denominada renda, que
definimos no capítulo precedente. Daí a afirmação, procedente, de renda ser um conceito
relacional, porque deriva de uma relação entre fatos-acréscimos e fatos-decréscimos.
4.1 Conceito de renda e o problema da pesquisa
Os limites do conceito de renda são dados, desde o início, pela Lex Mater, que
delineia suas nuanças, diferençando-o de outros conceitos tomados em sentido diverso (por
exemplo, faturamento, receita, rendimento, patrimônio e outros). São os contornos
preliminares de uma definição pela negativa que, embora insuficientes para precisar a
semântica do conceito, servem como parâmetros, de observância irrestrita, para a atuação do
legislador ordinário.
Ante o conceito que firmamos, fica claro que nem todos os fatos-acréscimos e fatos-
decréscimos são relevantes para conformar a renda; relevam os que contribuem diretamente
para o acréscimo patrimonial do sujeito, dado inerente e fundamental ao conceito de renda.
116
Assim, qualquer apreciação pretendida desse conceito vai exigir que se contraponha a
realidade dos fatos-acréscimos à dos fatos-decréscimos, conforme mostra o capítulo 3.
Neste estudo, pretendemos aprofundar a análise de um dos elementos conjugados
para conformar o conceito de renda: os fatos-decréscimos, que são gastos ou dispêndios
traduzíveis em diversas figuras, sobretudo no âmbito das pessoas jurídicas
172
(custos,
despesas, perdas). Embora, contabilmente, tenham naturezas e finalidades diversas, todos têm
um ponto em comum: ser uma saída de recursos financeiros feita para viabilizar um
acréscimo patrimonial ou manter sua fonte produtora.
173
As diferenciações conceituais pertinentes serão feitas oportunamente, embora
advirtamos que as maiores divergências estão na figura das despesas. Como a legislação
enseja dúvidas na interpretação prática dessa diretriz ao dispor sobre a dedutibilidade das
despesas operacionais da pessoa jurídica, ao discorrermos sobre os fatos-decréscimos vamos
nos referir às despesas sem a preocupação de, permanentemente, especificar que outras
figuras a seu lado. Buscaremos construir um conceito de despesas como fatos-decréscimos
sem perder de vista a completude do conceito de renda, que o incorpora. Numa analogia
ilustrativa, é como se pretendêssemos analisar o conceito de tijolo cientes de que este está no
conceito de casa, isto é, participa da construção desta.
Ainda nos compete reforçar que nosso foco serão as despesas na ótica das pessoas
jurídicas, tributadas pelo lucro real. Essa modalidade de tributação é a única em que a figura
172
Para as pessoas físicas, em geral se fala só de despesas.
173
Em termos contábeis, gastos ou dispêndios compõem um gênero que tem custos, despesas e perdas como
espécies. Adriano Leal Bruni e Rubéns Fa apresentam esta definição “gastos ou dispêndios consistem no
sacrifício financeiro que a entidade arca para a obtenção de um produto ou serviço qualquer. Segundo a
contabilidade, serão em última instância classificados como custos ou despesas, a depender de sua importância
na elaboração do produto ou serviço. Alguns gastos podem ser temporariamente classificados como
investimentos e, à medida que forem consumidos, receberão a classificação de custos ou despesas” em:
BRUNI
, Adriano Leal;
FAMÁ
, Rubéns. Gestão de custos e formação de preços: com aplicações na calculadora
HP12C e excel. São Paulo: Atlas, 2003, p. 25 (série Finanças na Prática). Mais objetivo, Luiz Antonio Bernardi
define gastos como “[...] tudo o que se desembolsa para atender às finalidades da empresa, através de atividades
de produção, administração e vendas, inclusive investimentos nas mesmas” ver:
BERNARDI
, Luiz Antonio.
Política e formação de preço: uma abordagem competitiva, sistêmica e integrada. São Paulo: Atlas, 1996, p.
39.
117
das despesas ganha relevo.
174
Para isso, sublinhamos a advertência feita por Luís César
Souza de Queiroz:
Há quem aprecie essa matéria procurando responder a seguinte questão: para
fins de
IR
, qual a margem de liberdade do legislador infraconstitucional para
determinar que “despesas” (mais precisamente fatos-decréscimos) são
necessariamente dedutíveis da renda (renda ou proventos de qualquer
natureza)? Essa forma de encarar o tema parece ser inadequada, parece
denotar forte imprecisão, considerando o sistema constitucional brasileiro.
Parte-se do pressuposto que existem dois conceitos distintos e
independentes: o de renda — grandeza que representa a base tributável do
IR
e que seria informada exclusivamente por fatos-acréscimos; e o de “despesas
(fatos-decréscimos) necessariamente dedutíveis” — grandeza que deveria ser
deduzida (diminuída, subtraída) da renda, com o propósito de proceder a um
“ajuste” do valor a ser pago a título de
IR
. Essa imprecisão fica evidenciada
quando se leva em consideração a definição do fato renda, a qual somente
pode ser construída a partir da necessária combinação dos conceitos “fato-
decréscimo” e “fato-acréscimo”.
175
Com efeito, as despesas concorrem para conformar o conceito de renda. Aliás,
convém dizer, se os fatos-decréscimos superarem os fatos-acréscimos, teremos não a
configuração de renda — porque inexiste acréscimo patrimonial —, mas de prejuízo — não se
constituindo, nesse cenário, obrigação tributária relativa ao
IR
.
Na prática, o uso consagrou a expressão despesas necessariamente dedutíveis como
indicativa dos fatos-decréscimos auxiliares ao desenho do conceito de renda. A rigor, parece-
nos até mesmo despiciendo o qualificador necessariamente dedutível. Se a renda é o resultado
positivo de uma combinação de fatos entradas e saídas —, então as saídas serão
necessariamente computadas para a configuração exata desse resultado. Idealmente, diríamos
que a ocorrência de um fato-despesa exige que este seja dedutível; trata-se de uma
característica que lhe é peculiar. Noutra analogia, é como considerar o estado de ser
proprietário assinalando, para tanto, a necessidade de se ter o título da propriedade: ser
174
Como dissemos no capítulo 2 (item 2.4.2), além do lucro real, o lucro presumido e o arbitrado, opções
disponíveis ao contribuinte, mas para os quais o elemento das despesas não importa, visto ser o montante devido
a título de
IR
apurado sobre bases presumidas/arbitradas.
175
QUEIROZ
,
2003, p. 2623.
118
proprietário supõe a posse do título da propriedade. Igualmente, caracterizar-se como despesa
para fins de
IR
pressupõe sua necessidade, portanto sua dedutibilidade.
Mesmo assim, a qualificação necessariamente dedutível se evidencia quando
constatamos que, na prática, o tratamento dado às despesas não é livre de dúvidas. Ao
contrário, veremos que as disposições legislativas referentes às despesas se caracterizam
como cláusulas abertas; não na legislação um elenco exemplificativo tampouco taxativo
dos dispêndios que se enquadram nesse conceito — o que, para nós, é uma estratégia
acertada.
Contudo, por causa disso, não raro os operadores do direito se deparam com dúvidas
sobre a possibilidade de deduzir certos dispêndios. Essas ponderações apontam o núcleo da
questão debatida: a classificação dos dispêndios como despesas para fins de
IRPJ
. Classificar
supõe agrupar objetos segundo um atributo (ou alguns atributos) que lhe(s) seja(m) comuns.
Assim, uma classe de objetos designada por um nome é sempre composta por
elementos detentores de um atributo que permite diferenciá-los dos demais. Aqui se impõem
os conceitos de gênero próximo e diferença específica, categorizados por Paulo de Barros
Carvalho nestes termos: “[...] diferença específica é o nome que se ao conjunto de
qualidades que se acrescentam ao gênero, para a determinação da espécie”.
176
No contexto deste estudo, quais serão os atributos que nos permitirão, no conjunto de
dispêndios experimentados por uma pessoa jurídica, classificar os dedutíveis para fins de
IRPJ
? Que diferença específica permite separar o conjunto das despesas necessariamente
dedutíveis
177
? O legislador infraconstitucional, ao instituir os tributos e regulamentá-los,
dispõe de alguma liberdade para vedar ou restringir o uso desses dispêndios (fatos-
decréscimos) a fim de conformar o fato jurídico tributário que ensejará a incidência do
IRPJ
?
Eis algumas questões-chave para esta pesquisa; agora vamos à construção as respostas.
176
CARVALHO
, Paulo de Barros.
IPI
: comentários sobre as regras de interpretação da tabela
NBM
/
SH
(
TIPI
/
TAB
).
Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. n. 12, set. 1996, p. 54.
177
A despeito da crítica feita à denominação, empregamo-la tendo em vista seu uso prático recorrente.
119
4.2 Fatos-decréscimos ante os princípios informadores do Imposto sobre a Renda (
IR
)
Os fatos-decréscimos compõem o conceito de renda. Isso é fato. E assim o é para que
a tributação pelo
IR
recaia sobre o acréscimo patrimonial, sobre a riqueza econômica
percebida pelo sujeito passivo em dado lapso de tempo (ano), possibilitando o cumprimento
dos princípios constitucionais tributários e os princípios que informam diretamente esse
imposto. Nos limites do conceito de renda, fatos-decréscimos ora referidos como despesas
— são confrontados com os fatos-acréscimos.
A noção de despesa sugere a idéia de dispêndio ou gasto; portanto, os ingressos serão
confrontados com os dispêndios. Mas com todo e qualquer dispêndio? Não! Nem todos os
dispêndios ou gastos são dedutíveis para fins de tributação. O ordenamento jurídico impõe
alguns parâmetros para se definir o que deve ser visto como despesas: o dispêndio deverá ter
sido incorrido para viabilizar o fato-acréscimo; o dispêndio deverá ter sido incorrido para
garantir a manutenção de sua fonte produtiva. Qualquer um desses requisitos deve estar
presente para cogitarmos a configuração de uma despesa. Gastos aleatórios, alheios ao
objetivo social da pessoa jurídica ou que nada lhe agreguem, não são despesas para fins de
tributação; representam consumo da renda: “[...] aquela parcela da renda em sentido estrito
(receitas menos despesas) que não foi utilizada para poupança, mas para gastos que não
seriam necessários para a obtenção das receitas”.
178
Embora pareça simples, é fundamental estarmos cientes da necessidade de se
cumprirem esses requisitos, pois isso se reflete na noção de renda que construímos. Não basta
definirmos renda como produto de ingressos próprios
179
versus despesas; isso implicaria a
conclusão equivocada de que tal grandeza (renda) resultaria de uma simples operação
matemática, o que não converge para a realidade. A diferença nítida entre fatos-decréscimos
178
LEMKE
,
1998, p. 64.
179
Por sempre nos referirmos a ingressos próprios, excluímos as movimentações financeiras do conceito de
renda. Elas podem até ser um indício de renda, mas não necessariamente a refletem.
120
(atuantes em conjunto com fatos-acréscimos para conformar o conceito de renda) e renda
consumida impõe a necessidade de se estabelecerem critérios que permitam separar
corretamente essas realidades e atribuir os efeitos jurídicos próprios a cada uma delas.
O raciocínio deve ser rigoroso. A noção de renda encampada pelo sistema jurídico
pátrio impõe a configuração de um acréscimo patrimonial representativo de riqueza nova,
podendo ser de qualquer natureza ou oriundo de qualquer fonte e percebido entre dois marcos
temporais. Assim, não limitação à natureza ou origem dos fatos-acréscimos, embora nem
todo ingresso importará para a determinação da renda. A princípio, na concepção que
firmamos sobre essa grandeza renda —, será necessário que os fatos-decréscimos
consubstanciem ingressos próprios, não se admitindo considerar, para aferição da renda,
ingressos que sejam de titularidade de terceiros. Além disso, ingressos que se excluem
dessa qualificação, a exemplo daqueles decorrentes de financiamentos, aumentos de capital,
alienação de bens do patrimônio até seu valor de custo, ou de indenizações. Por sua essência,
tais gastos não participam do conceito de renda, pois, segundo José Artur Lima Gonçalves,
representam “[...] mera rearrumação patrimonial”.
180
Como dissemos, quanto aos fatos-decréscimos, deve haver uma correlação destes
com o próprio ingresso; ou seja, o dispêndio deve ter contribuído para a percepção do fato-
acréscimo ou propiciar a manutenção da fonte produtora do fato-acréscimo, o que ocorre pelo
influxo dos princípios jurídicos, em especial os que informam o
IR
. Assim, os fatos-
acréscimos e os fatos-decréscimos que, confrontados, conformam o conceito de renda devem
se relacionar com a noção de acréscimo patrimonial, núcleo fundamental desse mesmo
conceito (de renda). O resultado desse confronto, se for positivo (se os fatos-acréscimos
superarem os fatos-decréscimos), se consubstanciará na renda auferida efetivamente.
180
GONÇALVES
,
2002, p. 182.
121
Pensar de outro modo, desprezando-se essa lógica, reduz o processo de aferição da
renda a uma operação matemática, o que distorce sua essência. José Artur Lima Gonçalves
assentou que:
A restrição a “certas” entradas e “certas” saídas é imperativa do corte
necessário à análise, somente, daqueles eventos que tenham ontologicamente
significado relacionado ao conceito do acréscimo patrimonial que
entendemos configurar renda. Nesta medida, nem todo ingresso é relevante
para o conceito de renda [...] impondo-se selecionar, somente, as entradas
que possam significar, ou influir, no pesquisado incremento. [...] O mesmo
se com as saídas. Não se admite que todas elas possam ter a virtude, o
efeito jurídico de servir de elemento neutralizador de ingressos, para fins de
confronto e constatação de eventual saldo positivo. Daí referirmos “certas”
saídas.
181
Esse exemplo toca no cerne da questão, qual seja, as despesas importantes para fins
tributários devem ser qualificadas. Mas essa afirmação suscita alguns questionamentos: como
qualificá-las? A quem cabe fazê-lo? Quais são os requisitos objetivos a serem atendidos?
Quais são as provas necessárias para tal qualificação? A resposta relativa aos qualificadores
das despesas não deve ser buscada em qualquer outra fonte senão nos princípios jurídicos,
como demonstraremos.
4.2.1 Dedutibilidade como elemento de salvaguarda dos princípios da igualdade, capacidade
contributiva, vedação do uso de tributo com efeito de confisco, segurança jurídica,
mínimo existencial
Considerando-se os princípios da universalidade e da generalidade, encontramos a
justificativa para os fatos-acréscimos que, combinados com os fatos-decréscimos,
originarão a renda — advirem de qualquer fonte e serem percebidos por qualquer pessoa. Tais
normas prescrevem que serão alvo do
IR
todas as rendas e todos os proventos auferidos
(universalidade) por toda e qualquer pessoa (generalidade). Daí a procedência da afirmação
anterior de que, em princípio, todos os ingressos percebidos contribuirão para determinar a
181
GONÇALVES
,
2002, p. 1823.
122
renda, excluindo-se os que, por essência, não se prestem a contribuir para a conformação
de riqueza nova, promovendo mera rearrumação patrimonial.
Quanto às despesas, de outra parte, reprisamos que deverão ter sido incorridas ou
para viabilizar a produção dos fatos-acréscimos, ou garantir a manutenção da fonte produtora.
Com base nos reflexos irradiados pelos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e
de vedação do uso de tributos com efeito de confisco, infere-se a justificativa para que os
gastos incorridos para viabilizar os fatos-acréscimos sejam deduzidos. Se não procedermos
assim, o patrimônio estará sendo alvo do
IR
ou, no mínimo, a receita bruta do sujeito, e não o
que lhe foi agregado, a renda efetivamente auferida.
Com efeito, se para a produção dos fatos-acréscimos foram necessários dispêndios
prévios cujos recursos se teriam levantado no patrimônio da pessoa —, então tais
dispêndios entrarão no cômputo para determinar o quantum que terá sido de fato agregado ao
patrimônio no momento de percepção do ingresso. Grosso modo, podemos dizer que, ao
realizar o dispêndio, o sujeito sofre uma redução patrimonial, porque es destacando e se
desfazendo de uma parcela de seu patrimônio, daquele seu conjunto de bens e direitos
preexistentes. São os chamados encargos da renda.
Todavia, esse dispêndio possibilitará um ingresso, cujo montante total terá uma parte
destinada a repor a parcela do patrimônio despendida antes, justamente para possibilitar a
obtenção do ingresso. o restante representa riqueza nova, portanto se caracteriza como
renda. Apenas como reconhecimento da necessidade de se abaterem os dispêndios incorridos
para então se apurar a riqueza nova é que cumprimos o primado da isonomia e, de seu
corolário, a capacidade contributiva —, além do princípio que veda a imposição de tributo
com efeito confiscatório. Na verdade, a igualdade na tributação pressupõe, em última análise,
a justa distribuição da carga tributária,
182
impondo que cada contribuinte arque com o ônus
182
ZILVETI
,
2004, p. 124.
123
tributário segundo suas condições pessoais. De sua parte, a capacidade contributiva realiza a
isonomia, porque assegura que a tributação considere o sinal de riqueza manifestado pela
ocorrência do fato jurídico tributário. Logo, o potencial econômico refletido pelo fato deve
funcionar como referencial para a tributação.
Ao afirmarmos que renda é a riqueza nova agregada a um dado patrimônio, temos
que é o montante da renda, como tradutor de potencial econômico, que deve servir de
parâmetro à incidência fiscal. Daí a correlação necessária entre base de cálculo e
materialidade do tributo, mencionada no capítulo 1. Nessa base, conseguiremos apurar a
renda se considerarmos a totalidade das despesas incorridas em sua produção. Do contrário,
afastando-se a possibilidade do abatimento das despesas, a tributação recairá sobre uma
parcela do patrimônio, o que configura confisco. Nesse caso, cabe salientar que não será
configurada a hipótese de incidência do
IR
porque não foi considerada a renda, e sim o
patrimônio/receita bruta do sujeito. Segundo Estevão Horvath, vedar tributação com efeito de
confisco, além de propiciar um sistema de tributação mais justo, “[...] impede o excesso de
tributo ou que se alcance alguém que não praticou o fato ou não demonstrou capacidade
contributiva”.
183
Isso porque a renda consubstancia o incremento patrimonial percebido, é a
renda líquida;
184
não se resume ao valor nominal do ingresso. Ao mesmo tempo, os
abatimentos dos dispêndios incorridos para manter a fonte produtora devem ser garantidos
para se cumprirem os princípios da segurança jurídica e do mínimo vital — este, relembre-se,
aplicável às pessoas físicas e às jurídicas.
Por essas diretrizes, assegura-se que a tributação não seja severa a ponto de
comprometer a manutenção de vida digna das pessoas físicas; também que haja a manutenção
integral das condições de atuação, possibilitando que as pessoas jurídicas possam se perenizar
183
HORVATH
,
2002, p. 67.
184
Na verdade, consideramos retórica a expressão renda líquida. Renda, como base para incidência do
IR
, é
necessariamente líquida, porque resulta do confronto entre ingressos e dispêndios; se não for líquida, não será
renda para fins tributários.
124
com saúde. Ainda sobre as pessoas jurídicas, devemos considerar que o ordenamento jurídico
lhes confere personalidade distinta da de seus sócios justamente para resguardar sua vivência
autônoma. Em regra, toda pessoa jurídica visa se perpetuar.
185
Assim, deve ser repudiada
qualquer conduta fiscal que ameaçar sua subsistência, justificando-se acolhimento do
princípio do mínimo vital.
A conjugação da diretriz da segurança jurídica que irradia efeitos por todo o
ordenamento – com a do mínimo vital atesta o abatimento imprescindível dos gastos e
dispêndios necessários à manutenção da fonte produtora da renda. Outra vez, teremos
caracterizado confisco se não observarmos essa regra, porque a tributação recairá sobre o
patrimônio, o rendimento ou a receita bruta, desconfigurando a própria exação tributária. Por
isso, reforçamos que serão materializados os princípios da isonomia, da capacidade
contributiva, da vedação do confisco, da segurança jurídica e do mínimo vital mediante a
possibilidade de abatimento integral e irrestrito das despesas. com o entrelaçamento dessas
diretrizes norteadoras da ordem jurídica é que poderemos ponderar sobre a conformação de
renda e, assim, a incidência do
IR
. Caso contrário, a tributação tomará como referência o
patrimônio, o rendimento ou a receita bruta da pessoa, o que não autoriza a incidência do
IR
.
Assim, endossamos as palavras de Misabel Derzi:
[...] A capacidade econômica de concorrer, a título de tributo, às despesas do
Estado quer das pessoas naturais, quer das jurídicas, somente se inicia após a
dedução de todos os custos e gastos necessários à aquisição, produção e
manutenção da renda em sentido lato (quer consumida, percebida ou
poupada patrimônio). Antes disso, não capacidade contributiva, sendo
confiscatória a tributação: a) que reduza substancialmente o patrimônio,
impedindo a sua manutenção; b) que atinja o mínimo vital, uma existência
digna, pessoal e familiar do contribuinte; c) que obste ao consumo dos
gêneros de primeira e média necessidade.
186
185
Ressalvados os casos em que a constituição da pessoa jurídica se dá por prazo certo.
186
DERZI
, Misabel. Notas de atualização. In:
BALEEIRO
, Aliomar de. Limitações constitucionais ao poder de
tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 578–89.
125
4.2.2 Dedutibilidade como elemento de salvaguarda do princípio da progressividade
Paralelamente aos princípios enumerados no item anterior, vemos um reflexo da garantia de
dedução de despesas no princípio da progressividade. Ao discorrermos sobre esse princípio em momento
anterior, atribuímos-lhe uma extensão mais larga do que simplesmente considerá-lo como aumento
progressivo das alíquotas quanto maior for a base de cálculo. De fato, tendo-se em vista a finalidade da
progressividade gravar com mais contundência aqueles que apresentarem manifestação de riqueza mais
significativa, então julgamos o aumento nominal da alíquota como insuficiente. A progressividade só é
atendida plenamente quando consideramos o efetivo ônus tributário. Para nós, não é eficaz a preocupação
exclusiva com a alíquota nominalmente sem estimarmos com exatidão a adequação da base de cálculo.
Nesse contexto, surge a relencia da dedutibilidade no âmbito do
IR
, imposto diretamente
informado pela progressividade, conforme a Constituão Federal. Por isso queremos enfatizar a
necessidade de que a sistetica de deduções assegure a correlação exata entre o acréscimo
patrimonial percebido e a base calculada para incidência da tributão. É importante, por exemplo,
que o valor definido para a dedução pelas pessoas sicas, com seus dependentes, correlacione-se
com os dispêndios que, na prática, são ocasionados a quem manm terceiros sob sua
responsabilidade. assim a progressividade se aplicada; do contrário, o se pode assegurar a
devida diferencião entre os sujeitos passivos por causa da diversidade de suas situações pessoais
(por exemplo, um com dependentes, outro sem), fim último da progressividade.
Roque Antonio Carrazza subsidia esse posicionamento ao dizer que
Também para o que o critério da progressividade no
IR
se cumpre é preciso
que a legislação autorize às pessoas que auferem rendimentos, certas
deduções que lhes garantam a subsistência e a de seus dependentes
(deduções com estudos, alimentação, vestuário, etc.). A renda tributável
deve ser obtida subtraindo-se da renda global os gastos necessários do
contribuinte, máxime os representados por seus encargos familiares. Senão o
tributo acaba se transformando num imposto sobre receitas brutas
inconstitucional, porque desatende aos princípios da igualdade e da
capacidade contributiva.
187
187
CARRAZZA
,
2006, p. 68–9.
126
Portanto, para nós, um sistema de dedutibilidade eficaz cumpre, igualmente, o
princípio da progressividade, assegurando um menor ônus tributário (e não uma alíquota mais
elevada), a quem, por circunstâncias pessoais, incorra em despesas mais elevadas.
4.3 Despesas no âmbito do Imposto de Renda Pessoa Física (
IRPF
): breves considerações
Embora não seja objeto central de nosso estudo, consideramos importante nos deter
na análise das despesas sob o enfoque das pessoas físicas para completar o raciocínio.
Primeiramente, pondera-se que a disciplina do
IRPF
é dada pelo
RIR
/99, desde seu artigo
até o artigo 145. A combinação dos artigos 2º e define as pessoas que se enquadrarão como
contribuintes: pessoas físicas domiciliadas ou residentes no Brasil, titulares de disponibilidade
econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, inclusive ganhos de
capital, bem como residentes ou domiciliadas no exterior, com relação à renda e proventos de
qualquer natureza percebidos no país.
No trato da matéria, o
RIR
pormenoriza, a partir de seu artigo 43, os fatos-acréscimos
que deverão ser computados para se determinar a base de cálculo do imposto, denominando-
os rendimentos. Assim, faz-se referência aos rendimentos decorrentes do trabalho assalariado,
do trabalho não assalariado, de pensões, de benefícios de previdência privada, de aluguéis,
dentre outros. A legislação nomeia esses fatos-acréscimos como rendimentos, o que procede,
dentro do que mencionamos, quando da análise pela negativa do conceito de renda. E mais:
o regulamento prevê diversas sistemáticas para tributar pessoas físicas: tributação na fonte,
tributação exclusivamente na fonte, tributação pelo próprio beneficiário e declaração anual de
rendimentos. Todavia, não serão enfocados em minúcias aqui porque fogem ao objeto desta
investigação.
Convém aludir às deduções ventiladas na legislação, listadas resumidamente a seguir.
Deduções mensais do rendimento tributável (arts. 74, 75, 77, 78 e 79):
127
o deduções das contribuições para a Previdência Social da União, Estados,
Distrito Federal ou Municípios;
o deduções das contribuições para entidades de previdência privada
domiciliadas no país, destinadas a custear benefícios complementares
assemelhados aos da Previdência Social (a legislação limita o percentual a
ser deduzido: a somatória desse montante com as contribuições para o
Fundo de Aposentadoria Programada Individual/
FAPI
não pode exceder a
12% do total dos rendimentos computados para determinar a base de
cálculo do imposto devido na declaração de rendimento);
o dedução com dependentes (limitada a R$ 137,99/mês, para o ano de 2008
valor definido pela lei n. 11.482/2007, resultado da conversão da
medida provisória 340/2006);
o pensões alimentícias decorrentes de decisão ou acordo judiciais, segundo
as normas de direito de família;
o proventos e pensões recebidos por pessoas maiores de 65 anos, pagos pela
Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, por qualquer pessoa jurídica de direito público interno, ou
por entidade de previdência privada (limitada a R$ 1.372,81/mês, para o
ano de 2008 – valor definido pela lei n. 11.482/2007, resultado da
conversão da medida provisória 340/2006).
Deduções na declaração de rendimentos (arts. 80, 81 e 82), além dos
discriminados:
o despesas médicas efetuadas no ano-base em favor de médicos, dentistas,
psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e
128
hospitais, bem como despesas com exames laboratoriais, serviços
radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias;
o despesas com educação, educação pré-escolar, de 1º, e 3º graus, cursos
de especialização ou profissionalizantes (limitada a R$ 2.592,29/ano,
para o ano de 2008 valor definido pela lei n. 11.482/2007, resultado
da conversão medida provisória 340/2006);
o despesas de contribuições para o Fundo de Aposentadoria Programada
Individual/
FAPI
(a legislação põe uma limitação ao percentual a ser deduzido:
a somatória desse montante com as contribuições para previdência privada
o pode exceder 12% do total dos rendimentos computados para determinar
a base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimento).
Portanto, verificamos que o
RIR
se refere expressamente aos abatimentos permitidos
da base de cálculo do
IR
. Disso sobrevêm esta idéia: as deduções admitidas são apenas as
definidas na legislação
188
e, exceto a autorização para sua respectiva dedutibilidade,
encontrariam fundamento na própria legislação ordinária; logo, elencá-las seria incumbência
do legislador infraconstitucional.
Isso o nos parece, contudo. O embasamento para essas deduções flui
diretamente da Constituição Federal. Para confirmar esse racionio, devemos focar o
conceito de renda como produto de acréscimos e decscimos juridicamente relevantes.
Portanto, a dedutibilidade de despesas é inerente ao conceito de renda. Caso não se
proceda assim, a tributão não recairá sobre renda, mas sobre o patrimônio, os
rendimentos ou a receita bruta da pessoa sica. Enfim, estará recaindo sobre outra
grandeza, que não renda. Além disso, está claro que a Constituição Cidadã” recebeu esse
188
A interpretação predominante no âmbito das pessoas jurídicas é diversa. Para estas, a legislação se refere
apenas às despesas necessárias, de modo que, em princípio, tudo o que se enquadrar nesse conceito poderá ser
deduzido da base de cálculo do
IR
.
129
nome porque consagrou direitos sociais importantes, a exemplo do direito a saúde,
educação, alimentão, moradia, proteção à família e outros;
189
há enunciados sobre todos
esses direitos fundamentais, representativos da restauração de valores sociais cuja
refencia é o ser humano. Trata-se de uma conquista posterior a sucessivos regimes
ditatoriais, quando as garantias ao ser humano foram marginalizadas. No âmbito
tributário, o Texto Constitucional prestigiou prinpios que garantem tributação justa,
fundada na capacidade contributiva, na vedação do confisco e no respeito a necessidades
vitais básicas, assegurando condições dignas de sobrevivência a todos os administrados.
Portanto, a definição das despesas dedutíveis para fins de
IRPF
começa a tomar corpo
na interpretação sistemática do Texto Constitucional, donde se concluirá que quaisquer gastos
ou dispêndios relativos aos princípios preservados pela Carta Constitucional serão,
inexoravelmente, dedutíveis, estejam relacionados ou não em textos da legislação ordinária.
Como dissemos, a doutrina, com pequenas variações, reconhece alguns parâmetros objetivos
para se definir o que sejam despesas dedutíveis: para fins de
IRPF
,
são os dispêndios
incorridos para se obter renda e os dispêndios necessários para se garantir o mínimo vital.
Rubéns Gomes de Sousa apontava esse caminho com exatidão já no início da década de 1950:
Em princípio, a dedutibilidade de quaisquer verbas para efeito de incidência
do imposto de renda baseia-se na distinção entre as verbas que constituem
encargos da renda e aquelas que constituem emprego, aplicação ou utilização
da renda pelo seu titular. [...] Como encargos da renda definem-se, em
primeiro lugar e evidentemente, as despesas necessárias à própria percepção
daquela. [...] Mas não essas: importa considerar também como encargos
da renda as despesas necessárias à manutenção da integridade do capital.
190
189
O preâmbulo da Lex Mater se refere a direitos sociais e individuais: liberdade, segurança, bem-estar,
desenvolvimento, igualdade e justiça. O artigo materializou os direitos individuais, referindo-se, no seu caput,
à garantia da inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. E, não
bastassem esses enunciados gerais, ainda foi destacado um título exclusivamente para a Ordem Social, onde
encontramos referências aos direitos à saúde (art. 196), educação (art. 205), à família (art. 226) e outros.
190
SOUSA
, Rubéns Gomes de. O imposto de renda e o seguro dotal. Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, v. 27, 1952, p. 16.
130
Ao asseverar que a dedutibilidade deve abraçar as despesas necessárias à obtenção da
renda e à manutenção da integridade do capital, esse autor explicita ser imperioso que a
tributação preserve a fonte produtora da renda. Esse mandamento, aplicável à pessoa física,
demanda respeito à capacidade contributiva e ao mínimo vital aquele conjunto de
condições mínimas que permitam assegurar meios dignos de sobrevivência ao administrado.
Diz ele:
A não-incidência do imposto, quer sobre as despesas necessárias à produção
da renda, quer sobre as despesas (ou sobre as reservas, ainda que não sejam
rigorosamente despesas) necessárias à manutenção da integridade do capital,
é portanto essencial em todo o sistema de imposto de renda que vise tributar
efetivamente a renda, sem extravasar do seu alcance próprio para atingir
também o capital.
191
Segue direção idêntica o comentário de Roque Antonio Carrazza sobre a base de
cálculo possível para o
IRPF
:
É que só quando tal montante líquido se pode falar em existência de
riqueza nova no patrimônio do contribuinte. Chega-se a tal montante líquido
abatendo-se da renda bruta os gastos necessários a obtê-la mais o mínimo
vital, ou seja, a importância imprescindível para que a pessoa física possa
adequadamente manter-se e a seus dependentes econômicos.
192
Essas considerações dirimem quaisquer dúvidas atinentes à nossa afirmação anterior
de que a tributação na fonte pode ocorrer a tulo de antecipação, como objeto de ajuste
posterior, jamais de forma definitiva. Tributar definitivamente na fonte significa
desconsiderar por completo a realidade dos fatos-decréscimos. Assim, tributa-se qualquer
outra grandeza (patrimônio, ingressos, rendimentos, dentre outros) que não renda.
Outras questões suscitam debates sobre as deduções admitidas para pessoas físicas.
A primeira é a definição do parâmetro para o mínimo vital, que deveria servir de referência à
determinação da faixa de isenção hoje fixada em R$ 1.372,81, conforme lei n.
191
SOUSA
, 1952, p. 16–7.
192
CARRAZZA
,
2006, p. 39.
131
11.482/2007, resultado da conversão da medida provisória 340/2006. Conforme Luís César
Souza de Queiroz,
193
tal parâmetro deve ser o salário mínimo, em atenção ao artigo 7º,
IV
da
CF
/88. Consideramos essa uma referência objetiva, portanto teoricamente aceitável.
Todavia, a transposição desse raciocínio ao campo pragmático revela a insuficiência
desse critério porque a base de mensuração eleita (salário mínimo) não se presta aos fins que,
constitucionalmente, foram-lhe delegados. Com efeito, uma série de indicadores que
fogem da seara jurídica e invadem o campo político e econômico — demonstrativos de que os
valores do salário mínimo são insuficientes para prover todos os direitos assegurados pela
Carta Magna, muito inferiores ao que deve ser tido por mínimo vital. Eis por que, na
conjuntura atual, tal critério se revela inadequado; mais que isso, inadmissível.
Outra questão polêmica é a indedutibilidade de certos dispêndios que, em tudo e por
tudo, qualificam-se, em essência, como dedutíveis: gastos com alimentação, remédios,
vestuário e até recolhimentos tributários, que são dedutíveis na pessoa jurídica. Mary Elbe
Queiroz levanta essas questões relevantes e se manifesta com certo inconformismo
(absolutamente compreensível):
Entre esses gastos [imprescindíveis e essências à própria existência e
manutenção da fonte produtora e à produção dos rendimentos] podem ser
citados, por exemplo: alimentação; remédios; vestuário; combustíveis;
contratação de prestação de serviços por trabalhadores autônomos;
empregados domésticos; seguros contra roubos; remédios; aparelhos
ortopédicos; gastos com a conservação de veículos; contas de energia
elétrica e telefônicas; educação integral: cursos de línguas estrangeiras; e
principalmente, à semelhança da deduções para a pessoa jurídica, os gastos
referentes a outros tributos pagos pela pessoa física, como
IPTU
,
IPVA
,
ICMS
[sobre energia elétrica e comunicações],
IOF
,
CPMF
. Cumpre ressaltar
que o valor pago a trabalhadores autônomos é, igualmente, passível de sofrer
tributação como “renda” dos mesmos.
194
Com efeito, determinar o que sejam dispêndios necessários à manutenção da fonte
produz um conceito que evolui com a sociedade. Na mesma intensidade com que novas
193
QUEIROZ
,
2003, p. 2723.
194
QUEIROZ
, 2004, p. 380.
132
necessidades da vida social surgem, os dispêndios para sua viabilização se tornam necessários
nalguns casos, até imprescindíveis. Os dispêndios com recolhimento de tributos são
exemplos claros que nos permitem concluir, nesse contexto, que o sistema atual de
dedutibilidade das pessoas físicas é insuficiente e ineficaz. Pagamentos de tributos são típicas
despesas necessárias porque são relativos às condições de manutenção de uma vida digna,
regular, livre de pendências. Tanto o é, que são dedutíveis para pessoas jurídicas, mas não o
são para pessoas físicas, o que é injustificável.
outro ponto referente à legitimidade das limitações estabelecidas pelo legislador
para deduzir algumas despesas, por exemplo, com educação ou dependentes. Para nós, tais
limitações em geral determinadas por critérios aleatórios e incoerentes são ilegítimas.
Renda como produto líquido de ingressos diminuídos de dispêndios não comporta
restrições, por isso julgamos inexistir embasamento legal para as limitações postas. O
quadro fica mais oneroso quando nos deparamos com dispêndios incorridos por força da
ineficácia do Estado, dos quais despesas com educação são um exemplo. Segundo a Carta
Constitucional de 1988, educação é direito fundamental de todos e dever do Estado (art.
205), portanto cabe a este provê-la. Como isso não ocorre, os administrados se vêem
obrigados a suportar essas despesas privativa e exclusivamente. Assim, eles suprem
deficiências da máquina estatal e não lhes é dado, sequer, o direito de deduzir tais dispêndios
incorridos para fins de tributação.
Eis algumas ponderações sobre a dedutibilidade do
IRPF
, cujos efeitos são
percebidos maciçamente pelos administrados. Do cotejo das conjecturas teóricas com as
evidências práticas, percebemos que a sistemática vigente está longe de alcançar suas
finalidades, por isso carece de ajustes. No plano pragmático, tal constatação denuncia que, na
verdade, não temos ainda uma tributação que incida sobre a renda das pessoas físicas
133
considerando-se a essência dessa grandeza justamente porque não uma sistemática de
deduções eficaz.
4.4 Despesas no âmbito do Imposto de Renda Pessoas Jurídicas (
IRPJ
)
Conforme o artigo 44 do
CTN
, três modalidades de tributação pelo
IRPJ
: lucro
real, lucro presumido e lucro arbitrado. a primeira se ajusta, com a adequação exata, ao
nosso conceito de renda. Noutros termos, apenas na sistemática de tributação pelo lucro real
temos o efetivo confronto entre fatos-acréscimos e fatos-decréscimos, num lapso temporal
correspondente a um ano, para se determinar, ao fim desse período, o acréscimo patrimonial
percebido pela pessoa jurídica. As demais modalidades têm como base de cálculo presunções,
estabelecidas pela legislação. Portanto, não incidem sobre renda, considerada na essência.
A modalidade lucro presumido é optativa: está à disposição do contribuinte, que
recorre a ela se lhe convier. O lucro arbitrado é empregado com mais freqüência pelo Fisco
quando está impossibilitado de usar algum dos outros dois sistemas. Resta-nos, então, o lucro
real, que se insere em nossa definição de renda. Conforme aventamos ao analisar o critério
quantitativo do
IR
, no âmbito das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, sua base
de cálculo é aferida conforme os registros contábeis, escriturados em livros e documentos
próprios, escorada na legislação comercial e societária. Logo, a base de cálculo do
IRPJ
é
definida como lucro. Como base de cálculo do
IRPJ
,
o lucro real tem origem no lucro contábil
da pessoa jurídica, apurado segundo seus resultados operacionais e não operacionais,
devidamente ajustados aos moldes disciplinados pela lei fiscal. Desse montante, deverão ser
deduzidos custos e despesas. A renda ou o lucro real resulta desse confronto.
A disciplina legal aplicável à dedutibilidade no âmbito das pessoas jurídicas é um
pouco diversa daquela aplicada às pessoas físicas. Como vimos, em geral a legislação
restringe ou até veda (porque não as prevê) a dedução de despesas indubitavelmente
134
necessárias para pessoas físicas. Observamos, oportunamente, que as despesas admitidas para
o
IRPF
são aquelas previstas pela legislação. Entretanto, na esfera das pessoas jurídicas,
essa situação se inverte: as previsões legais são amplas, e se presume, de saída, a
possibilidade de haver dedução de quaisquer custos ou despesas necessárias à consecução de
suas atividades sociais. Fala-se tão-somente na dedutibilidade dos custos e das despesas
operacionais (art. 300 do
RIR
/99). Segundo Misabel Derzi, essa diversidade de tratamento:
[...] resultou de uma vitória antiga das corporações comerciais e industriais,
em favor de uma equiparação entre lucro apurado pela contabilidade
comercial e pela fiscal, é explicada pelos estudiosos alemães, como vimos,
por meio das peculiaridades da atividade empresarial, que não é possível
sem a afetação de um patrimônio ao seu desenvolvimento. Por isso esse
patrimônio não pode ser atingido pelo imposto de renda.
195
Luís César Souza de Queiroz refina essa ponderação; para tanto, vale-se dos
elementos materialmente essenciais para se criar e manter uma pessoa jurídica: existência de
um patrimônio que lhe seja próprio; uma finalidade ou objetivo social que lhe seja inerente.
Com base nesse binômio patrimônio próprio e finalidade ou objetivo social conclui ele
que deverão ser dedutíveis quaisquer dispêndios que, de algum modo, atinjam esses
elementos, os quais, a seu ver, podem ser: simples decréscimos no valor de um direito
subjetivo patrimonial, fatos diretamente ligados ao processo de obter a finalidade da pessoa
jurídica e fatos que, embora não ligados diretamente, vinculem-se à obtenção da finalidade.
196
Julgamos que devem ser admitidos como dedutíveis todos os dispêndios incorridos,
seja para garantir o advento de futuros fatos-acréscimos ou assegurar a manutenção da fonte
produtora. Isso por causa do próprio conceito de renda, que reiteramos exige que a
tributação recaia tão-somente sobre o incremento patrimonial percebido. Esse conceito de
dispêndios dedutíveis o inclui gastos que não se relacionem, sob qualquer aspecto, com a
195
DERZI
, Misabel. Os conceitos de renda e patrimônio (efeitos da correção monetária insuficiente no imposto
de renda. Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 24-25 apud
QUEIROZ
, 2004, p. 158.
196
QUEIROZ
, 2003, p. 2789.
135
atividade produtiva da pessoa jurídica por exemplo, os pagamentos feitos por liberalidade,
os quais, entretanto, devem estar cabalmente comprovados.
Embora seja de fácil intelecção no plano teórico, a questão da dedutibilidade fiscal
para as pessoas jurídicas ainda suscita dúvidas ferrenhas na prática, incitando uma disputa
recorrente entre Fisco e contribuintes, diga-se, entre a interpretação restritiva da
Administração Pública e a interpretação larga dos administrados. Em princípio, a resolução
dessa controvérsia não deve pender para nenhuma das partes; antes, precisa advir do
ordenamento jurídico, pois são os princípios legais que vão nos fornecer os elementos para
que possamos avaliar, com parcimônia e razoabilidade, essa questão e transparecer os
critérios necessários a fim de que objetivemos as regras para tal.
4.4.1 Custos e despesas
Nesse ponto, abrimos um parêntese para fazer um esclarecimento. Do ponto de vista
jurídico, temos aqui nos referido às despesas como os fatos-decréscimos que, confrontados
com os fatos-acréscimos, conformam o núcleo da materialidade e a base de cálculo do
IR
: a
renda. E empregamos a denominação despesa de forma genérica, muitas vezes para abarcar os
fatos-decréscimos sem distinção. No entanto, para se apurar a base de cálculo do
IRPJ
, são
dedutíveis contabilmente não as despesas, mas também os custos. Definamos os conceitos
de cada uma dessas grandezas.
197
Custos representam gastos relativos a bens ou serviços usados na produção de outros
bens e serviços; logo, associam-se aos produtos ou serviços produzidos pela pessoa jurídica.
Exemplo de custos podem ser os gastos com matérias-primas, materiais de embalagens,
materiais auxiliares, mão-de-obra industrial, aluguéis, seguros das instalações industriais e
outros. Os custos podem ser diretos ou indiretos. Os diretos, dada a sua natureza e por causa
197
Classificação baseada nestas obras:
MARTINS
, Eliseu. Contabilidade de custos. São Paulo: Atlas, 2008, p.
39 e seguintes;
BRUNI
;
FAMÁ
, 2003, p. 25 e ss;
BERNARDI
, 1996, p. 39 e seguintes.
136
de suas características próprias e da objetividade de identificação no produto ou serviço, o
imputados por medições objetivas e controles individuais, sempre de forma direta; essa
categoria inclui a maioria dos materiais usados na atividade da empresa e a mão-de-obra
empregada diretamente para tanto. Os custos indiretos são aqueles que, por razões técnicas,
operacionais ou de relevância, impossibilitam sua medição objetiva individual e, por
conseqüência, apropriação direta.
As despesas correspondem aos bens ou serviços consumidos, direta ou
indiretamente, para se obter a receita operacional da empresa; mas não se associam com a
produção de um produto ou serviço. Como exemplo citamos gastos com salários de
vendedores, com funcionários administrativos e outros. Bulhões Pedreira sintetizou com rigor
as diversidades entre custos e despesas sob o enfoque jurídico-contábil:
Despesa é mutação patrimonial que importa redução do patrimônio líquido
sem ter por contrapartida a aquisição de novo direito ou o aumento de valor
de direito existente. Essa característica a distingue do custo de aquisição ou
produção, que também é mutação patrimonial que importa redução do
patrimônio líquido, mas tem por contrapartida acréscimo de valores ativos.
Por isso o custo é — diferentemente da despesa — aplicação de capital
financeiro em elementos do ativo.
198
Embora os critérios de diferenciação de custos e despesas sejam visuais no plano
teórico, na prática a separação entre eles se revela difícil. Tal dificuldade é reconhecida pela
própria ciência contábil:
Teoricamente, a separação é fácil: os gastos relativos ao processo de
produção são custos, e os relativos à administração, às vendas e aos
financiamentos são despesas. Na prática, entretanto, uma série de problemas
aparece pelo fato de não ser possível a separação de forma clara e objetiva.
Por exemplo, é comum encontrarmos uma única administração, sem a
separação da que realmente pertence à produção; surge daí a prática de se
ratear o gasto geral da administração, parte para despesa e parte para custo,
rateio esse sempre arbitrário, pela dificuldade prática de uma divisão
científica. Normalmente, a divisão é feita em função da proporcionalidade
198
PEDREIRA
, 1979, p. 369.
137
entre número de pessoas na fábrica e fora dela, ou com base nos demais
gastos, ou simplesmente em porcentagens fixadas pela diretoria.
199
Reproduzimos o excerto acima, sobretudo, para destacar que a delimitação dos
conceitos de custos e despesas não é nítida, o que enseja dúvidas ao interpretarmos a
legislação tributária e fiscal que emprega tais termos. Sabemos que a índole desses conceitos é
contábil, daí se poderia discutir, em tese, que seriam dispensáveis neste estudo. Todavia,
cremos que foram emprestados para a legislação tributária e fiscal, que acreditamos os
juridicizou segundo o sentido atribuído pela contabilidade. Daí a importância de precisarmos
suas respectivas definições. Portanto, no enfoque contábil são diversas as naturezas dos custos
e das despesas, embora ambos sejam dedutíveis porque atendem aos requisitos dos fatos-
decréscimos para fins de tributação pelo
IR
.
Além disso, contabilmente a figura das perdas: gastos não intencionais
decorrentes de fatores externos anormais ou da atividade produtiva da própria empresa e que
deverão ser contabilizados como despesa ou custo, vai depender da situação concreta (serão
lançadas como custo quando se relacionarem com atividade normal da empresa). Em
princípio, portanto, as perdas são dedutíveis ou como custo, ou como despesa para fins
de apuração do
IRPJ
.
Entretanto, cabe sublinhar, as polêmicas em torno da dedutibilidade tocam com mais
proximidade as despesas, pois os custos, por se vincularem estritamente à própria atividade da
pessoa jurídica, são presumivelmente dedutíveis. Por outro lado, as despesas serão dedutíveis
quando cumprirem os requisitos da necessidade e da usualidade (conforme artigos 299 e 300
do
RIR
/99), quando tiverem sido incorridas e estiverem regularmente documentadas nesse
caso, caberá ao sujeito passivo (a própria pessoa jurídica) estimar o atendimento a esses
requisitos. Assim, classificar certo dispêndio pago ou incorrido como necessário e usual,
em última análise, será tarefa do próprio sujeito passivo dotado de alto grau de subjetividade.
199
MARTINS
,
2008, p. 39–40.
138
A classificação dos dispêndios como despesas operacionais fica a cargo do sujeito passivo.
Justamente daí advêm dúvidas e as diversidades de interpretação relativas aos dispositivos
legais que tratam da dedutibilidade fiscal.
Como adiantado desde a introdução deste trabalho, pretendemos identificar critérios
jurídicos que permitam uma objetivação maior das regras de dedutibilidade. Passemos a isso.
4.4.2 Embasamento legal e requisitos para dedutibilidade no âmbito das pessoas jurídicas
As definições jurídicas dos conceitos de custos e despesas constam, originalmente, da lei
4.506/64 e eso compiladas e disciplinadas no artigo 299 do
RIR
/99 (Seção
III
— custos, despesas
operacionais e encargos). Reproduzimos os dispositivos legais que nos interessam:
Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos,
necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte
produtora (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47).
§ São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das
transações ou operações exigidas pela atividade da empresa (Lei 4.506,
de 1964, art. 47, § 1º).
§ As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de
transações, operações ou atividades da empresa (Lei 4.506, de 1964, art.
47, § 2º).
§ O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos
empregados, seja qual for a designação que tiverem.
Art. 300. Aplicam-se aos custos e despesas operacionais as disposições sobre
dedutibilidade de rendimentos pagos a terceiros (Lei 4.506, de 1964, art.
45, § 2º).
Pode-se perceber que a legislação se refere a custos e despesas operacionais e garante,
em seguida, sua dedutibilidade. Analisemos com mais detalhes tais preceitos.
O caput do artigo 299 do
RIR
/99 menciona despesas operacionais e as define como
aquelas não computadas nos custos, “[...] necessárias à atividade da empresa e à manutenção
da respectiva fonte produtiva”. Portanto, despesas operacionais são necessárias. Depois, o § 1º
desse artigo se refere a uma condição para se deduzir um dispêndio: ter sido pago ou
incorrido. Esse § ainda traz a definição do que seja o predicado necessário, e o § mostra,
ao lado da necessidade, o requisito usualidade para qualificar as despesas operacionais
139
dedutíveis. Assim, a leitura a ser feita dos dispositivos legais que versam sobre dedutibilidade
deve ser: são dedutíveis, para a apuração do lucro (base de cálculo do
IRPJ
), os custos, as
despesas necessárias à atividade da empresa e as usuais, que tenham sido pagas ou incorridas.
Es claro que, embora haja previsão legislativa genérica que autorize a dedutibilidade de
custos e despesas operacionais, o ordenamento jurídico o abarca nenhum rol ou elenco de
dispêndios enquadrados nesses conceitos. Portanto, esses enunciados disciplinadores da matéria
se caracterizam como cláusulas abertas: são preceitos que o estabelecem modelos de conduta
semanticamente fechados, mas que, de revés, abrangem uma variada gama de hiteses.
De saída, consignamos que a opção legislativa nos parece adequada, pois, ao se
preferir usar cláusulas abertas, evitou-se o excessivo rigor jurídico de que são dotadas as
definições cerradas, que não demoram a se tornar ultrapassadas e não mais suprir a demanda
social para que foram projetadas. A elasticidade conteudística do preceito aberto — que
apenas faz referência a um padrão de conduta aceito no tempo e no espaço permite-lhe se
adaptar às alterações/evoluções sociais, dando-lhe, em tese, maior sobrevida.
Aliada a isso está, ainda mais latente, a necessidade de que a disciplina legal não se
engesse, sobretudo porque não como se prever, de antemão, todas as espécies de
dispêndios potencialmente dedutíveis para se elaborar um elenco legal exemplificativo
tampouco taxativo. Num exercício hipotético, esse elenco estaria sujeito a variações
dependentes do porte da pessoa jurídica, de seu segmento de atuação etc., o que, na prática
inviabilizaria ou, no mínimo, tornaria muito mais difícil aplicação do preceito.
Acrescente-se que pretender que o legislador interfira na determinação dos
dispêndios passíveis de serem qualificados como despesas implicaria, em última análise, uma
distribuição do poder de administração da empresa, o que não se justifica. Nesse viés, é
precisa a observação de Hugo de Brito Machado:
140
[...] não se pode admitir que o Fisco tenha ingerência na empresa a ponto de
poder decidir quais as despesas que pode, e quais as que não pode realizar,
porque o, ou não são necessárias à manutenção da fonte produtora. Tal
decisão faz parte do risco inerente à atividade empresarial e pode
pertencer a quem assume esse risco. O Fisco não participa do risco
empresarial porque apenas aufere proveitos do resultado positivo. Não sofre
os prejuízos, que são suportados apenas pelos empresários.
200
Portanto, ao estabelecer amplamente a dedutibilidade das despesas tidas por
necessárias para fins de
IRPJ
, o legislador conferiu ao sujeito passivo a prerrogativa de ele
mesmo aferir, por sua conta e risco, o grau de necessidade da despesa a fim de enquadrá-la ou
não como dedutível. E o fez porque — como assevera Hugo de Brito Machado — o Fisco não
participa do risco empresarial, por isso não lhe cabe decidir se dada despesa é dedutível ou
não. Nesse exercício, todavia, espera-se que predominem os critérios da razoabilidade e a
proporcionalidade, pois que tal consiste no primeiro passo para se evitar condutas
fraudulentas. Ao mesmo tempo em que a amplitude do comando legislativo é benéfica,
porque assegura ao contribuinte conhecedor de seu negócio em pormenores poder
definir as despesas necessárias, gera implicações práticas relevantes, sobretudo em virtude da
interpretação restritiva que, não raro, o Fisco leva a cabo.
A problemática em tela havia sido anotada pelo jurista Brandão Machado, cuja
crítica é relevante e atesta a necessidade de que o temário da dedutibilidade seja interpretado
com razoabilidade:
Seja exemplo (da necessidade de atendimento ao princípio da capacidade
contributiva) a aplicação de cláusula geral, que voltou a constar na
legislação brasileira para a apuração da renda do trabalho autônomo (Lei n.
8.134, de 27/12/1990, art. 6º,
III
). O dispositivo admite que o contribuinte
deduza da receita bruta todas as despesas necessárias, mas não define o que
seja despesa necessária, de modo que cabe ao contribuinte e ao fisco
encontrar um conceito que atenda ao interesse de ambos. O contribuinte não
há de liberalizá-lo a ponto de forrar-se de qualquer imposto, da mesma forma
200
MACHADO
, Hugo de Brito. Comentários ao código tributário nacional. São Paulo: Atlas, 2003, p. 450.
141
que o fisco não poderá restringi-lo e com isso reduzir a capacidade
contributiva do contribuinte.
201
Para solucionar essa questão, vemos como necessário fixar diretrizes objetivas que,
analisadas à luz dos princípios jurídicos, permitam-nos identificar com clareza a presença dos
predicativos postos pela legislação para qualificar os dispêndios como despesas, o que,
inexoravelmente, culminará no reconhecimento de sua dedutibilidade. Para tanto, parece-nos
conveniente, de início, explanarmos as condições postas pela legislação para qualificar as
despesas, para fins de
IRPJ
, a saber: que sejam dispêndios necessários e usuais, que tenham
sido “pagos ou incorridos”.
4.4.2.1 Requisito n. 1: dispêndio deve ser necessário
A legislação dispõe que, para ser dedutível, a despesa haverá de ser necessária. Mas
como aferir o grau de necessidade de uma despesa? Quais são os requisitos para tanto?
dissemos que a dedutibilidade se condiciona à demonstração de que o dispêndio tenha sido
pago ou incorrido visando obter fatos-acréscimos e/ou manter sua fonte produtora. Isso ocorre
por força da interpretação sistemática do próprio ordenamento jurídico, pois, para conformar
o conceito de renda, devem ser conjugados os fatos-acréscimos (ingressos) e demais
dispêndios efetuados para se obterem esses fatos-acréscimos, mais aqueles para se preservar a
fonte produtora. Tudo em razão do influxo dos princípios jurídicos que norteiam a atividade
da tributação, em especial a capacidade contributiva e o mínimo vital. Portanto, a aferição do
grau de necessidade dos dispêndios deve considerar, fundamentalmente, se estes foram
incorridos visando algum desses objetivos, que, em síntese, relacionam-se com as atividades
da pessoa jurídica.
201
MACHADO
, Brandão. Imposto de renda. Ganhos de capital. Promessa de venda de ações. Decreto-lei n.
1.510, de 1976. Revista de Direito Tributário Atual. São Paulo: Resenha Tributária, v. 11/12, 1992, p. 3.215
6.
142
Tal análise acreditamos pode ser feita pelo próprio sujeito passivo do
IRPJ
:
a pessoa jurídica, pois apenas esta tem condições de avaliar os dispêndios no contexto de suas
atividades para, assim, classificá-los, diferenciando os que configuram efetivas despesas dos
que representam consumo de renda. Dessa inferência decorre uma primeira conclusão: não
necessariamente todas as pessoas jurídicas, ainda que de um mesmo segmento econômico,
incorrerão nas mesmas espécies de despesas; isso depende de fatores como porte da empresa,
estratégia de atuação, dentre outros, e corrobora a conveniência de que a norma em análise
tenha sido construída com base num enunciado aberto.
Não temos como excluir de vez certo grau de subjetividade nessa análise para
identificação das despesas. Todavia, o ponto fundamental deve ser a resposta a esta questão: o
dispêndio guarda relação com qualquer atividade desempenhada pela pessoa jurídica visando
à sua regular manutenção? Em caso de resposta positiva, teremos cumprido o primeiro dos
requisitos para identificar despesa, que, por conseqüência lógica e inafastável, deve influir na
determinação da base de cálculo do
IRPJ
.
Observe-se que em tal indagação usamos a expressão “qualquer atividade
desempenhada pela pessoa jurídica”; e assim o fizemos para demonstrar que o enquadramento
no conceito de despesa não exige que o dispêndio se relacione restritamente só com o objetivo
social da pessoa jurídica; para sua regular manutenção, basta estar conectado a qualquer
negócio ou operação praticados pela pessoa jurídica. A aferição do atendimento do requisito
da necessidade deve ser pontual, diga-se, deve considerar individualmente cada operação
praticada pela pessoa jurídica.
Para demonstrar o exposto, recorremos às palavras de Bulhões Pedreira ao falar do
conceito de necessidade: “A necessidade não é referida, genericamente, ao tipo de atividade
da empresa, mas a cada um dos seus negócios ou operações. A despesa é necessária desde que
143
paga ou incorrida para realizar qualquer negócio exigido pela atividade do contribuinte”.
202
Disso se deduz: a necessidade referida pelo legislador pode se estender a dispêndios
acessórios, feitos para assegurar a manutenção da pessoa jurídica. Eis por que são dedutíveis,
por exemplo, dispêndios relativos a pagamento de juros resultantes da contratação de
empréstimos em favor da pessoa jurídica; assim como o são despesas com viagens a trabalho
e até a despesa de um almoço num restaurante de luxo com um potencial cliente: basta
comprovar que o incurso nesse dispêndio ocorreu no âmbito da atividade de prospecção da
empresa. Cabe esclarecer, desde logo, que ao lado do atendimento ao requisito da
necessidade, as despesas devem estar escrituradas e acompanhadas de documentação hábil e
idônea.
A aferição quanto a necessidade deve se dar, sempre, pautada pela razoabilidade e
proporcionalidade (princípios ou postulados, como quer Humberto Ávila). Com isso assegura-
se que a disciplina a ser atribuída à situação se paute no bom senso, noutras palavras, se
oriente segundo critérios normais, passíveis de serem acatados. Em função disso é que
dispêndios incompatíveis com o poder econômico da pessoa jurídica não haverão de ser
reconhecidos. Veja-se que, com essa afirmação, não pretendemos qualificar a dedutibilidade
estritamente segundo seu aspecto quantitativo em detrimento do qualitativo mas tão
somente aplicar os princípios/postulados da razoabilidade e proporcionalidade, que colaboram
na compreensão do direito. O valor envolvido, por si só, nada quer significar, impondo-se seu
cotejo numa estrutura macro. A razoabilidade e a proporcionalidade são aspectos da
necessidade que, portanto, devem ser tomados em consideração.
Nesses exemplos, a configuração das despesas depende diretamente da consonância
entre os gastos, a contabilidade e a documentação que escora tais gastos. O que queremos
dizer é que, sendo despesa, o dispêndio deve ser necessário à pessoa jurídica nos moldes
202
PEDREIRA
,
1979, p. 372.
144
postos pelo artigo 299 do
RIR
/99. Na prática, isso suscita numerosas controvérsias, originadas
de divergências de interpretação entre Fisco e contribuintes. A pretexto de se interpretar o teor
desse artigo, foi editado o parecer normativo
CST
n. 32, de 17/8/1981, que assim dispõe:
[...] o gasto é necessário quando essencial a qualquer transação ou operação
exigida pela exploração das atividades, principais ou acessórias, que estejam
vinculadas com as fontes produtoras de rendimentos. Por outro lado, despesa
normal é aquela que se verifica comumente no tipo de operação ou transação
efetuada e que, na realização do negócio, se apresenta de forma usual,
costumeira ou ordinária. O requisito de usualidade deve ser interpretado na
acepção de habitual na espécie de negócio.
O próprio Fisco se manifestou nesse sentido que temos defendido. No entanto, as
divergências remanescem no plano da pragmática: é significativo o número de autuações
fiscais vinculadas à temática das despesas dedutíveis.
Também nesse requisito ganha relevo a razoabilidade e proporcionalidade, como
mecanismos para compreensão do direito.
Para nós, a análise das situações in concreto deve ser feita com objetividade, diga-se,
deve se guiar pela resposta a ser dada ao questionamento, feito linhas atrás, sobre a relação do
dispêndio com alguma atividade desempenhada pela pessoa jurídica em prol de sua
manutenção regular. Em caso de resposta positiva, teremos dado um passo importante na
identificação da despesa como fato delimitador da base de cálculo do
IRPJ
. Do contrário,
podemos dizer que estamos diante de hipótese de consumo da renda, em que os gastos se dão
de forma desvinculada da obtenção de receitas ou da preservação da fonte.
4.4.2.2 Requisito n. 2: dispêndio deve ser usual/normal
A legislação menciona, ainda, o requisito da usualidade ou normalidade da despesa:
para configurar despesa, o dispêndio haverá de ser usual, normal. De imediato, cabe
desmitificar um ponto relevante: o requisito da usualidade ou normalidade não impõe que o
145
dispêndio seja freqüente, isto é, tenha de ser suportado com recorrência pelo sujeito passivo;
não é esse o sentido do dispositivo legal. Será usual ou normal o dispêndio que, ainda que
excepcional, for aceitável no universo das atividades da pessoa jurídica. A usualidade,
portanto, liga-se não à periodicidade do dispêndio, mas à sua adequação e pertinência ao rol
de atividades da empresa, não exclusivamente seu objetivo social precípuo, mas aquelas
desempenhadas para sua autopreservação. De novo nosso entendimento se apóia em Bulhões
Pedreira, para quem:
Despesa normal é a usual, costumeira ou ordinária no tipo de negócios do
contribuinte. O requisito legal não é que seja usualmente paga pelo
contribuinte: pode ser excepcional ou esporádica na experiência do
contribuinte, desde que possa ser considerada como usual ou normal do tipo
de seus negócios, operações ou atividades.
203
O mesmo parecer normativo 32 do
CST
, citado pouco, contém a descrição do que
é usualidade e conclui que “[...] o requisito da usualidade deve ser interpretado na acepção de
habitual na espécie do negócio”. Tal como ocorre com a necessidade, não se impõe que o
dispêndio se vincule diretamente ao objetivo social da empresa, mas fundamentalmente que
seja aceitável no âmbito de todas as operações engendradas pela pessoa jurídica.
Com base na formulação de uma pergunta como recurso para se identificar o
requisito, podemos dizer que a usualidade ou normalidade estará presente sempre que
tivermos uma resposta positiva a esta indagação: o dispêndio pode ser considerado habitual no
âmbito de qualquer das operações praticadas pela pessoa jurídica visando sua regular
manutenção? Se a resposta for negativa, não teremos outra coisa, senão a configuração de
mero consumo de renda, ineficaz para fins de determinação da renda tributável ou, noutro
dizer, do lucro real.
4.4.2.3 Requisito n. 3: dispêndios devem ter sido pagos ou incorridos
203
PEDREIRA
,
1979, p. 372.
146
O § do artigo 299 do
RIR
/99 dispõe que, para configurar uma despesa e, por
conseqüência, ser dedutível, o dispêndio deve ter sido pago ou incorrido. Ora, ao estabelecer
que são dedutíveis os dispêndios pagos ou incorridos, o legislador restringe a abrangência
dos fatos-decréscimos — reforçando sua diferença relativas às hipóteses de consumo da renda
e determina que apenas se subsumem a esse conceito as prestações objeto de obrigações
jurídicas devidamente constituídas e passíveis de serem exigidas. Isso porque serão
relevantes para conformação da base de cálculo do
IR
hipóteses de pagamento ou incurso em
dispêndios relativos a obrigações que efetivamente existam. Noutras palavras, para ser
dedutível, o gasto deve se relacionar com negócios jurídicos usufruídos ou disponibilizados
ao sujeito passivo; deve, portanto, ser um gasto existente e determinado ou, no mínimo,
determinável.
Contabilmente, as despesas transitam diretamente pelas contas de resultado,
reduzindo o patrimônio líquido da pessoa jurídica. Verifica-se, entretanto, que a legislação
considera como despesas e, portanto, tem por dedutíveis os dispêndios pagos e os que
tenham sido incorridos. Nos casos de pagamento, não restam dúvidas interpretativas, pois a
constituição da obrigação jurídica é acompanhada da imediata saída de recursos. Essa
simultaneidade entre obrigação e dispêndio a ela respectivo torna clara a afetação do resultado
da pessoa jurídica.
Isso não ocorre quanto ao que a legislação (art. 299 do
RIR
/99) denomina dispêndios
incorridos, cujo conteúdo semântico, a nosso ver, deve ser delineado. Para tanto, julgamos
necessário, de início, contextualizar essa previsão legal. nos referimos ao fato de que, após
a criação da lei n. 6.404/76, adotou-se como regra o princípio da competência para se
registrarem as mutações patrimoniais da pessoa jurídica (art. 177 da Lei do Anonimato).
Assim, o reconhecimento contábil das receitas e despesas deve acontecer de forma
independente do respectivo trânsito de valores, considerando-se, exclusivamente, o período-
147
base em que foi conformada a obrigação e no qual tenham nascido o direito e o dever jurídico
correlatos.
Nesse contexto, convém abordar o conceito de despesas incorridas, ou seja, as que,
embora se liguem diretamente a uma obrigação jurídica regularmente constituída,
determinada ou, ao menos, determinável, não são seguidas das respectivas saídas de recursos.
Considera-se, para tanto, o momento em que nasce a obrigação de pagar. As despesas
incorridas são dedutíveis desde que sejam cumpridos os demais requisitos, porque, mesmo
que ainda não pagas, vinculam-se a obrigações constituídas e exigíveis. Essa característica
as difere das provisões, que são reservas de capital vinculadas a fatos ainda não ocorridos.
Para elucidar o conceito de despesas incorridas, a Administração Pública Federal
pronunciou seu entendimento em algumas oportunidades. Destacamos o parecer normativo do
CST
n. 110, de 16/2/1971, que, em resposta à consulta sobre a possibilidade de dedução de
certo tipo de provisão, dispôs que:
2. Permite-se deduzir do lucro das pessoas jurídicas, para efeito do imposto
de renda, as despesas pagas ou incorridas no ano-base da declaração de
rendimentos, entendendo-se por incorridas as que, embora realizadas e
quantificadas, não tenham sido pagas. 3. Assim, determinada despesa,
originada de uma obrigação contratual ou de contraprestação de um serviço,
porém perfeitamente identificada, gera um passivo exigível enquanto não for
paga e, logicamente, dedutível do lucro tributável. 4. Outra coisa será
estimar-se um gasto, sem identificação e pretender-se onerar a conta de
resultado, sem mesmo conhecer sua quantificação definitiva, mediante a
constituição de uma reserva, ainda que sob a denominação de provisão.
Também ressaltamos o parecer normativo do
CST
n. 7, de 1º/2/1976, que, na linha
do anterior, define despesas incorridas nestes termos:
3. Como despesas incorridas, entendem-se as relacionadas a uma
contraprestação de serviços ou obrigação contratual e que, embora
caracterizadas e quantificadas no período-base, nele não tenham sido pagas,
por isso figurando o valor respectivo no passivo exigível da empresa.
148
Por fim, sublinhamos o parecer normativo do
CST
n. 58, de 1º/9/1977, também
voltado à temática das despesas incorridas:
[...] a obrigação de pagar determinada despesa (enquadrável como
operacional) nasce quando, em face da relação jurídica que lhe deu causa,
se verificaram todos os pressupostos materiais que a tornam incondicional,
vale dizer, exigível independentemente de qualquer prestação por parte do
respectivo credor [...]. Despesas incorridas [...] são aquelas que, embora
nascida a obrigação correspondente, o momento ajustado para pagá-las, ou
seu vencimento, ou outra circunstância qualquer, determinam que o
respectivo pagamento venha a ocorrer em exercício subseqüente.
A fim de deixar mais claro esse conceito, vejamos o artigo da resolução do
Conselho Federal de Contabilidade (
CFC
) n. 75, de 29/12/1993, que, dispondo sobre o
princípio da competência, relata:
Art. 9º. As receitas e as despesas devem ser incluídas na apuração do
resultado do período em que ocorrerem, sempre simultaneamente quando se
correlacionarem, independentemente de recebimento ou pagamento.
[...]
§ 4º Consideram-se incorridas as despesas:
I
quando deixar de existir o correspondente valor ativo, por transferência
de sua propriedade para terceiros;
II
– pela diminuição ou extinção do valor econômico de um ativo;
III
– pelo surgimento de um passivo, sem o correspondente ativo.
Está claro que a nota fundamental do conceito de despesa incorrida é que esta deve
se vincular a uma obrigação exigível.
Em 3/10/2005, a Comissão de Valores Mobiliários (
CVM
) editou a deliberação n.
489, que aprovou o pronunciamento do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil
(
IBRACON
)/Norma de Procedimento de Contabilidade (
NPC
) 22, que trata de provisões,
passivos, contingências passivas e contingências ativas. Essa deliberação veio adequar as
práticas contábeis brasileiras aos padrões mundialmente aceitos, aumentar a transparência e
segurança das informações contábeis e facilitar as relações internacionais. Nesse mister, ela
pormenorizou conceitos de suma importância, inclusive quanto ao nosso objeto de estudo. Por
ora, destacamos os conceitos de provisão e obrigação legal nela constantes:
149
uma provisão é um passivo de prazo ou valor incertos;
uma obrigação legal é a que deriva de um contrato (por meio de termos explícitos
ou implícitos), de uma lei ou de outro instrumento fundamentado em lei.
É nítida a diversidade entre tais conceitos. Pelo fato de o sistema jurídico tributário
brasileiro ter adotado o regime de competência, é inexorável que a regra de dedutibilidade
seja formulada de modo a atingir as despesas incorridas, logo se revela adequado, em termos
técnicos, falar em despesas pagas. A referência às despesas pagas constante do § do artigo
299 do
RIR
/99 nos parece mais adequada ao regime de caixa, no qual o que importa é o
trânsito de recursos. Se se trata do regime de competência — e esse é o caso —, então sempre
teremos de considerar as despesas incorridas, porque o que importa são a existência e
exigibilidade da prestação, seja qual for seu adimplemento efetivo. Nesse contexto,
afirmamos que o requisito ora analisado decorre diretamente da adoção do regime de
competência, e é imperativo lógico para a configuração de despesa.
Feitos esses esclarecimentos preliminares sobre o conceito de despesas pagas e
incorridas, agora enfocamos aquela que talvez seja a maior problemática relacionada com esse
requisito: as dificuldades recorrentes com que nos deparamos, no plano pragmático, em
estabelecer com segurança os critérios de diferenciação entre os conceitos de despesa
incorrida e provisão. Tal diferenciação é fundamental porque, enquanto as despesas são
dedutíveis, as provisões salvo exceções não o são, por força da disposição expressa no
artigo 335 do
RIR
/99.
204
Diferentemente das despesas, as provisões cuja constituição é
exigida pela Lei do Anonimato
205
se desvinculam de obrigações jurídicas exigíveis: estão
204
Art. 335. Na determinação do lucro real somente serão dedutíveis as provisões expressamente autorizadas
neste Decreto
205
Na sua redação atual, o artigo 183 da lei n. 6.404/76, ao dispor sobre os critérios para avaliação de
elementos do ativo do balanço, refere-se à provisão para ajuste ao valor de mercado dos bens do ativo circulante
ou realizável a longo prazo (inciso
II
); e provisão para perdas na realização do valor de investimentos (incisos
III
150
condicionadas a fatos futuros que, embora possíveis, são incertos. São reservas contábeis
constituídas ante a probabilidade de, no futuro, surgir uma obrigação que provoque uma
contingência. O simples fato de haver a expectativa de conformação dessa obrigação jurídica
impõe que a pessoa jurídica reserve recursos para uma potencial contingência.
Devemos dizer que, embora as provisões ensejem decréscimo patrimonial porque
afetam o resultado da empresa —, não se subsumem ao conceito de despesas porque não se
vinculam a uma obrigação jurídica certa e exigível, e sim a uma obrigação futura. Sobre as
provisões, José Luiz Bulhões Pedreira diz que “prover significa, nesse caso, munir-se, ou
abastecer-se: a provisão aparta ou guarda recursos financeiros para absorver diminuição do
patrimônio líquido que provavelmente se efetivará no futuro, como efeito de fatos ocorridos
no exercício”.
206
Essas considerações visam elucidar as dúvidas quanto ao terceiro requisito
para a configuração de despesa típica: a necessidade de que o dispêndio tenha sido pago ou
incorrido; para tanto, impõe-se sua vinculação a uma obrigação jurídica, existente e exigível.
Nessa concepção, as provisões estão fora do conceito de despesas, portanto são
indedutíveis para fins de
IRPJ
, ou seja, não cumprem o requisito ora analisado. Essa
conclusão, a nosso ver, considera elementos essenciais das duas realidades em análise:
despesas incorridas e provisões. A indedutibilidade das provisões não encontra amparo direto
no artigo 299 do
RIR
/99, mas sim no próprio conceito de renda, apresentado e discutido
neste estudo, e em todos os princípios que informam o
IR
. Para nós, os três requisitos
verificados definem e delimitam o conceito de despesas, no sentido de fatos-decréscimos. Ao
nos depararmos com um dispêndio, temos de buscar a identificação concomitante de todos
esses requisitos. Se a conclusão for pela identificação de todos, então estaremos diante de uma
típica despesa; do contrário, teremos outra figura, inábil a gerar reflexos no processo de
conformação da base de cálculo do
IRPJ
.
e
IV
). A seu turno, o artigo 184, ao dispor sobre os critérios para avaliação de elementos do passivo do balanço,
refere-se a encargos e riscos.
206
PEDREIRA
,
1979, p. 231.
151
4.4.3 Retorno à noção de linguagem e apontamento dos requisitos correlatos para a
identificação das despesas: escrituração/comprovação documental e débito no
período-base competente
No subitem precedente, situamos os requisitos que devem ser considerados para se
configurarem receitas, a fim de pontuar as notas divergentes quanto a outros conceitos que
com este se confundem, a exemplo do de provisão. Nossa intenção foi objetivar o conteúdo
semântico da locução despesas dedutíveis, daí nossa preocupação em fornecer elementos que
devem ser buscados para se configurar essa realidade. Apontamos como requisitos para
configurar despesas que os dispêndios sejam necessários, usuais ou normais e tenham sido
incorridos. Esses são, a nosso ver, os requisitos intrínsecos que devem ser buscados na
essência do dispêndio para quadrá-lo ao conteúdo semântico do termo “despesas”.
Todavia, doutrinadores que apontam a necessidade de que sejam cumpridos, além
desses, outros requisitos: a comprovação de que os dispêndios estão lastreados por
documentação hábil e idônea e foram corretamente escriturados, bem como que seu
aproveitamento tenha se dado no período-base competente. Ricardo Mariz de Oliveira elenca
esses critérios dentre os que ele denomina “[...] regras gerais básicas da dedutibilidade”.
207
Concordamos integralmente com esse autor que tais condições — comprovação documental e
aproveitamento no período-base competente devem estar presentes para subsidiar a
dedutibilidade da despesa. Mas fazemos uma ressalva: separar tais exigências do conteúdo
semântico do vocábulo despesas; e o fazemos pelas razões que se seguem.
Estamos buscamos construir o conceito do termo despesas com base nos requisitos
objetivos que nos permitam identificar, no bojo dos numerosos dispêndios percebidos pela
pessoa jurídica, aqueles que possam ser qualificados como tal e que, portanto, devem gerar
reflexos na composição da base de cálculo do
IRPJ
-lucro real. Nesse processo de qualificação
207
OLIVEIRA
, Ricardo Mariz de. Guia
IOB
Imposto de renda pessoa jurídica comentado e atualizável.
IOB
.
152
dos dispêndios, devem ser ponderadas características que lhe são ínsitas e que defluem do
conceito de renda constitucionalmente pressuposto, demonstrando, pois, a vinculação que se
estabelece entre esses fatos. A comprovação documental da despesa — parece-nos — é
matéria de prova, que tomará lugar no bojo de um processo, judicial ou administrativo, caso
haja qualquer questionamento concernente à sua dedutibilidade.
Como dissemos no início deste estudo, adotamos a premissa segundo a qual o direito
se materializa por meio de linguagem. Com isso, queremos dizer que cogitamos a
conformação de um fato jurídico se e somente se tal fato estiver vertido em linguagem,
no caso, linguagem jurídica. Essa condição se faz presente para todo fato jurídico e reforça a
diferença entre evento e fato, apontada pelo professor Paulo de Barros Carvalho: evento é a
ocorrência, o acontecimento do mundo factual; fato é relato lingüístico do evento, portanto é a
entidade que importa para o direito, porque comporá a norma jurídica individual e concreta
que, uma vez introduzida no ordenamento, motivará a constituição do liame jurídico, no qual
se correlacionarão direitos e deveres. O direito atua sobre fenômenos pretéritos, que nos são
apresentados mediante provas, indícios, que nos permitem tomar conhecimento, tanto mais
próximo quanto possível, de uma realidade passada. As provas não cuidam de reproduzir o
evento ocorrido, mas sim de confirmar as afirmações sobre esse evento, numa dialética
comunicacional que é nota característica do direito.
São esclarecedoras aqui as palavras de Fabiana Del Padre Tomé ao discorrer sobre a
finalidade da prova:
Provar um fato é estabelecer sua existência (ou inexistência, na hipótese de
pretender-se desconstituir o fato). Nessa medida, a tarefa daquele que produz
a prova jurídica é semelhante à do historiador: ambos se propõem a
estabelecer fatos representativos de acontecimentos pretéritos, por meio dos
rastros, vestígios ou sinais deixados por referidos eventos e utilizando-se de
processos lógico-presuntivos que permitam a constituição ou desconstituição
153
de determinado fato. Esse é o fim da prova: a fixação dos fatos no mundo
jurídico.
208
Portanto, ao afirmarmos que os dispêndios, necessariamente, haverão de estar
lastreados em documentação hábil e idônea, ressaltamos uma condição da própria existência
da despesa como fato jurídico.
Nesse cenário, a documentação consubstancia num processo o meio de prova pelo
qual o sujeito passivo do
IRPJ
estabelecerá a relação entre um evento passado o dispêndio
(saída de recursos) e o efeito jurídico a ele atribuído dedutibilidade —, pois, como
elucida Fabiana Del Padre Tomé, “[...] a prova não pode ser considerada um fim em si
mesma. É instrumento para construir a verdade no processo: a prova é sempre prova de
algo”.
209
Nesse mesmo sentido segue o que diz Susy Gomes Hoffmann,
Então o que sabemos sobre o fato são as versões, as linguagens que temos
sobre ele. E, no sistema positivo, os fatos serão apresentados pelos
enunciados feitos sobre eles, os quais forem fundamentados nas provas. Para
o direito, tal premissa assume proporções muito importantes, pois os eventos
que adentram pelo sistema jurídico se apresentam por meio da linguagem
que os relata, linguagem essa que é redigida ou elaborada segundo as regras
impostas pelo sistema jurídico.
210
Nesses termos, ser despesa e estar hábil a gerar os efeitos jurídicos típicos desse
elemento pressupõe transmudar o evento — descritível como a saída dos recursos — para fato
jurídico. Eis por que temos nos referido aqui a fatos-acréscimos e fatos-decréscimos. A
denominação é proposital e objetiva ressaltar que só teremos esses fatos se os eventos tiverem
sido inseridos, via linguagem, na realidade do direito.
208
TOMÉ
, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 177.
209
TOMÉ
,
2005, p. 177.
210
HOFFMANN
,
1999, p. 73.
154
Posto isso, não nos esqueçamos que não o fato jurídico despesa demanda uma
linguagem que o insira no mundo do direito; esta é uma condição para configurar todo e
qualquer fato jurídico, pois este nada mais é que uma entidade lingüística.
No que nos interessa para este estudo, a escrituração e documentação atinente às
despesas consubstanciam o veículo que, pela linguagem, constituirá o fato despesa,
habilitando-o a produzir seus efeitos jurídicos. O artigo 251 do
RIR
/99 corrobora nosso
entendimento ao estabelecer a obrigatoriedade de que a pessoa jurídica tributada com base no
lucro real mantenha regular escrituração, pois, com isso, assegura-se que todas as operações
por ela praticadas sejam legitimamente introduzidas no mundo do direito e gerem seus
reflexos jurídicos. Eis os seus termos:
Art. 251. A pessoa jurídica sujeita à tributação com base no lucro real deve
manter escrituração com observância das leis comerciais e fiscais (Decreto-
lei nº 1.598, de 1977, art. 7º).
Parágrafo único. A escrituração deverá abranger todas as operações do
contribuinte, os resultados apurados em suas atividades no território
nacional, bem como os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no
exterior (Lei 2.354, de 29 de novembro de 1954, art. 2º, e Lei 9.249,
de 1995, art. 25).
Embora reconheçamos a importância da existência de documentação que lastreie e
comprove as despesas incorridas pela pessoa jurídica, nós a temos como a prova que deve ser
produzida na hipótese de o sujeito passivo ser questionado em razão de tê-las diminuído na
apuração do lucro real (base de cálculo do
IRPJ
); é o julgador, da esfera administrativa ou
judicial, seu principal destinatário. Não se trata, portanto, de requisito objetivo para
configuração de despesa, mas de veículo para a conformação desse fato jurídico.
Uma discussão que ganha relevo neste estudo se refere ao tipo de documentação que
tem sido aceito pelo Fisco para comprovação da despesa incorrida. Dito de outro modo, na
visão do Fisco, quais veículos são legitimados a inserir no ordenamento jurídico os fatos
jurídicos despesas? No ímpeto de responder de imediato a esse questionamento, poderíamos
155
simplesmente dizer que a demonstração da despesa haverá de se ser por meio do cotejo dos
dados de sua escrituração com a nota fiscal correspondente. A nota fiscal é legitimada, pelas
legislações estaduais atinentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(
ICMS
), para subsidiar a ocorrência das operações mercantis, portanto serve ao mister de
constituir o fato jurídico despesa.
Além da nota fiscal, outros tipos de documentos sobre os quais remanescem
dúvidas quanto à habilidade e suficiência para comprovação de despesas: são as notas fiscais
simplificadas, os cupons fiscais e s recibos. Quanto aos dois primeiros, cabe ressaltar o teor
do parecer normativo do Coordenador do Sistema de Tributação (
CST
)
n. 83/1976, por meio
do qual o Fisco se posicionou pela imprestabilidade de tal documentação para amparar a
dedutibilidade:
[...] não contêm eles [a nota fiscal simplificada e o cupom de máquina
registradora] a descrição dos produtos adquiridos, fato que impossibilita
averiguar-se se o dispêndio reúne os requisitos de necessidade e normalidade
que a lei exige para autorizar sua dedução do lucro sujeito ao pagamento do
imposto de renda. 5. Em face do exposto, é de se concluir que a nota fiscal
simplificada e o cupom de máquina registradora não são documentos beis
para comprovar despesas operacionais, de vez que não possuem elementos
materiais capazes de ajuizar-se se os gastos atendem as condições de
dedutibilidade estipuladas no artigo 162 do
RIR
/75.
Embora seja antigo, o teor desse parecer ainda é, por vezes, prestigiado, em especial
na esfera administrativa. É certo, contudo, que os motivos que ensejaram a formalização desse
parecer normativo a simplicidade dos documentos (nota fiscal simplificada e cupom
fiscal), aliada à insuficiência dos dados relativos à descrição dos produtos — não mais
remanescem nos dias atuais, sobretudo por causa da modernização dos equipamentos
emissores. Assim, não podemos deixar de consignar a necessidade de revisão do
posicionamento ilustrado no parecer normativo n. 83/76, visando a sua adequação à realidade
atual.
156
Sobre os recibos, as dúvidas persistem e são solucionadas ao que nos parece
caso a caso. Encontramos precedentes no Conselho de Contribuintes que defendem a
aceitação desse meio de prova desde que haja outros elementos que permitam atestar a
necessidade da despesa.
IRPJ
COMPROVAÇÃO DE DESPESAS
A comprovação de despesas
operacionais poderá ser feita através de recibos, desde que do conjunto de
provas resulte patente a necessidade de aquisição dos bens ou serviços para a
manutenção da fonte produtora dos rendimentos. Despesas de pequeno valor
e difícil comprovação poderão ser tidas como acessórias ante a razoabilidade
da comprovação das principais.
211
A nosso ver, a questão deve ser solucionada pela casuística. Não se mostra razoável
afastar os recibos como meio de prova para demonstrar a ocorrência das despesas, afinal
diversos tipos de atividades para as quais é dispensada a emissão de nota fiscal. Esse fato, por
si só, põe abaixo a afirmação peremptória de que os recibos não poderiam ser considerados
para esse fim.
À parte a questão dos meios admitidos para comprovação documental das despesas,
outro indicador apontado pela doutrina e sobre o qual temos de nos manifestar: o período-base
para seu aproveitamento (das despesas). Ante a adoção do regime de competência, as despesas
haverão de ser reconhecidas no momento em que for constituída a obrigação legal a elas
correlatas. Portanto, a afirmação de que a despesa deve ser escriturada e deduzida no período-base
em que for incorrida decorre diretamente do princípio da competência — um princípio contábil.
Hiromi Higuchi e Fábio Hiroshi Higuchi exemplificam bem a sistemática do
reconhecimento dos eventos contábeis pelo regime de competência:
No dia 10/5/2003 a empresa brasileira contraiu empréstimo do exterior com
vencimento em 10/5/2004 e pagamento de juros nessa data. No dia
31/12/2003, a empresa brasileira poderá fazer o lançamento contábil dos
juros do período de 10/5/2003 a 31/12/2003 com débito de despesas e a
crédito do beneficiário no exterior. Nessa hipótese, os juros são despesas
financeiras dedutíveis em 2003 pelo regime de competência, ainda que a
211
10º Conselho de Contribuintes, mara, Recurso Voluntário n. 119.019, acórdão 10513018, relator
Rosa Maria de Jesus da Silva Costa de Castro, julgado na sessão de 7/12/1999.
157
incidência do imposto de renda exclusivo na fonte ocorra no pagamento em
10/5/2004.
212
Nesses termos, é inexorável a conclusão de que o prazo para aproveitamento das
despesas não consubstancia requisito intnseco à configuração destas; é só um reflexo da
adoção do princípio da competência, que vincula o comportamento do sujeito passivo do
tributo com o período em que for constituída a relação jurídica (direito do Fisco versus
dever do sujeito passivo), relegando a um segundo plano o trânsito de valores.
Afirmamos que o prazo para seu aproveitamento não é uma característica inerente à
despesa porque a adoção do regime de competência o que impõe a observância a esse
critério pode, em tese, ser modificada a qualquer tempo (por exemplo, se advier novel
legislação instituindo, como regra, o regime de caixa), sem que isso altere a essência do
conteúdo semântico do vobulo despesa, desde que se mantenha a estrutura atual de
nosso sistema constitucional tributário (que, como visto, encampa um conceito
pressuposto de renda).
Assim, a nosso ver, nem a obrigatoriedade de escrituração/comprovação das
despesas nem a exigência de que seu aproveitamento se no respectivo período-base (em
atenção ao princípio da competência) se revelam requisitos intrínsecos e inafastáveis do
conceito de despesa; de revés, trata-se de meios de prova, mediante os quais o evento — saída
de recursos é introduzido no mundo jurídico, agora sob a roupagem de fato jurídico,
habilitando-se a produzir seus reflexos jurídicos.
4.5 Impossibilidade de o legislador infraconstitucional definir o conceito de despesas,
vedando, restringindo ou condicionando sua dedutibilidade
212
HIGUCHI
, Hiromi;
HIGUCHI
, Fábio Hiroshi. Imposto de renda das empresas 2008: interpretação e prática.
33. ed. São Paulo:
IR
Publicações, 2008, p. 342.
158
Ao estudar o conceito de renda como complemento da materialidade e base de
cálculo do
IR
, afirmamos que se trata de um conceito relacional, pois consiste no resultado
positivo do confronto entre o que denominamos fatos-acréscimos e fatos-decréscimos. Assim,
será necessário cotejar os ingressos com os dispêndios — estes para se obterem novos
ingressos ou manter sua fonte produtora a fim de que, como resultado, conformemos a
grandeza tributável renda. Constatamos que o Texto Constitucional delineia os contornos do
conceito de renda; nos termos exatos a que nos referimos, a Lex Mater expressa a
materialidade do
IR
e, implicitamente, seu conteúdo semântico.
Feita essa constatação e dadas as características do ordenamento jurídico, em
especial sua rigidez, afirmamos categoricamente que não cabe ao legislador ordinário criar
enunciados prescritivos atinentes ao
IR
que contradigam as balizas fixadas pela Carta Magna.
Como demonstramos, pensamos que o legislador infraconstitucional federal deve redesenhar a
hipótese de incidência do
IR
, embora reiteramos tal atuação seja parametrizada pela
Constituição, que traz um conceito pressuposto de renda a ser observado, inclusive para fins
de determinação do conjunto de sujeitos que serão colhidos pela regra-matriz de incidência
tributária todos aqueles que denotarem a manifestação de riqueza exigida na regra-matriz:
auferir renda. Do contrário, além de se exceder os limites da competência impositiva
atribuídos ao ente tributante (porque se tributará outra grandeza além da renda), afronta-se os
princípios da capacidade contributiva, da isonomia, da vedação de uso de tributo com efeito
confiscatório e outros.
Diante das peculiaridades do sistema jurídico, ao afirmarmos que um imperativo
lógico impondo a assunção da premissa quanto à existência de um conceito de renda
constitucionalmente pressuposto e que este é relacional, temos de admitir que os próprios
fatos que concorrem para conformar a renda encontram balizas no Texto Constitucional.
Portanto, os fatos-acréscimos (ingressos) e os fatos-decréscimos (dispêndios), que,
159
conjugados, conformarão a renda efetivamente auferida pelo sujeito passivo, têm seu
conteúdo semântico indicado no Texto Constitucional. Eis por que José Artur Lima
Gonçalves definiu o conceito de renda como saldo positivo resultante do confronto entre
certas entradas e certas saídas.
213
A restrição de umas e de outras se fundamenta nos
princípios e nas diretrizes constitucionais que informam o
IR
e visa delimitar o conjunto de
sujeitos a ser colhido pela regra de tributação.
No que interessa a este trabalho, não nos furtaremos a constatar que o conteúdo
semântico do termo despesa encontra parâmetros na Magna Carta. Isso é claro e incontestável.
Tanto o é que, ao indicarmos os requisitos a serem identificados nos dispêndios para
qualificá-los como efetivas despesas, sempre nos referimos aos princípios constitucionais: os
dispêndios devem ter sido incorridos para se adquirirem novos ingressos (atenção aos
princípios da capacidade contributiva, isonomia e vedação ao confisco, dentre outros) ou para
manter sua fonte produtora (mínimo vital e outros). Assim, pode-se concluir que a definição
do conceito de despesas, em última instância, é direcionada pelo Texto Constitucional.
Dito isso, afirmamos a existência do conceito de renda constitucionalmente
pressuposto e, por conseqüência, que a determinação quanto aos fatos-acréscimos e fatos-
decréscimos que o conformarão está plasmada na Carta Constitucional. Assim, não admitimos
que o legislador infraconstitucional possa dispor livremente sobre questões afetas à
dedutibilidade fiscal para vedar, restringir ou condicionar o aproveitamento de despesas.
Primeiramente, não percamos de vista que todo dispêndio qualificado como despesa será
dedutível — a dedutibilidade é propriedade geral das despesas. Uma vez configurada a
despesa, não cabe questionar sua eventual dedutibilidade; trata-se de uma propriedade que lhe
é intrínseca, inexorável. Por causa disso, consideramos retórica a expressão despesas
dedutíveis. Afinal, toda despesa é, pela sua essência, dedutível. Em segundo lugar, temos
213
GONÇALVES
,
2002, p. 179.
160
convicção de que não cabe ao legislador infraconstitucional vedar, limitar ou condicionar o
aproveitamento das despesas, porque é desse conceito de despesas que se origina o conceito
renda (constitucionalmente pressuposto). Modificar o conceito de despesa implica modificar a
base de cálculo do
IR
; ao modificar sua base de cálculo há, outrossim, distorção na
materialidade da exação e, consequentemente, ofensa ao Texto Constitucional.
Por outro lado, reforçamos a afirmação de que a dedutibilidade não se condiciona à
expressa previsão legal, por isso consideramos que o artigo 250 do
RIR
/99
214
apenas explicita
um mandamento que pode ser formulado partindo-se de uma interpretação sistemática do
Texto Constitucional. O suporte para a dedutibilidade não deriva diretamente desse artigo;
decorre, sim, da assunção da premissa de que existe um conceito de renda
constitucionalmente pressuposto. Portanto, adotar o imperativo lógico de tal existência supõe
acatar que um conceito constitucionalmente pressuposto de despesas, assim como de
ingressos para fins de
IRPJ
. Todos eles são conceitos parametrizados pela Constituição
Federal.
214
Art. 250
RIR
/99: Na determinação do lucro real, poderão ser excluídos do lucro quido do período de
apuração (Decreto-lei 1.598, de 1977, art. 6º, § 3º):
I
os valores cuja dedução seja autorizada por este
Decreto e que não tenham sido computados na apuração do lucro líquido do período de apuração;
II
os
resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores incluídos na apuração do lucro líquido que, de
acordo com este Decreto, não sejam computados no lucro real;
III
o prejuízo fiscal apurado em períodos de
apuração anteriores, limitada a compensação a trinta por cento do lucro líquido ajustado pelas adições e
exclusões previstas neste Decreto, desde que a pessoa jurídica mantenha os livros e documentos, exigidos pela
legislação fiscal, comprobatórios do prejuízo fiscal utilizado para compensação, observado o disposto nos arts.
509 a 515 (Lei 9.065, de 1995, art. 15 e parágrafo único). Parágrafo único. Também poderão ser excluídos:
a) os rendimentos e ganhos de capital nas transferências de imóveis desapropriados para reforma agrária, quando
auferidos pelo desapropriado (
CF
, art. 184, § 5º); b) os dividendos anuais mínimos distribuídos pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento (Decreto-lei 2.288, de 1986, art. 5º, e Decreto-lei 2.383, de 1987, art. );
c) os juros produzidos pelos Bônus do Tesouro Nacional
BTN
e pelas Notas do Tesouro Nacional
NTN
,
emitidos para troca voluntária por Bônus da vida Externa Brasileira, objeto de permuta por dívida externa do
setor público, registrada no Banco Central do Brasil, bem assim os referentes aos Bônus emitidos pelo Banco
Central do Brasil, para os fins previstos no art. do Decreto-lei 1.312, de 15 de fevereiro de 1974, com a
redação dada pelo Decreto-lei 2.105, de 24 de janeiro de 1984 (Lei 7.777, de 19 de junho de 1989, arts.
e 8º, e Medida Provisória 1.763-64, de 11 de março de 1999, art. 4º); d) os juros reais produzidos por
Notas do Tesouro Nacional –
NTN
, emitidas para troca compulsória no âmbito do Programa Nacional de
Privatização
PND
, controlados na parte
B
do
LALUR
, os quais deverão ser computados na determinação do
lucro real no período do seu recebimento (Lei 8.981, de 1995, art. 100); e) a parcela das perdas adicionadas
conforme o disposto no inciso
X
do parágrafo único do art. 249, a qual poderá, nos períodos de apuração
subseqüentes, ser excluída do lucro real até o limite correspondente à diferença positiva entre os ganhos e perdas
decorrentes das operações realizadas nos mercados de renda variável e operações de swap (Lei 8.981, de
1995, art. 76, § 5º).
161
Posto isso, podemos concluir que serão inconstitucionais todas as normas ou
enunciados da legislação ordinária que imponham vedação ou restrição ao aproveitamento de
despesas, para fins de
IRPJ
, ou mesmo que condicionem tal aproveitamento. Se, numa
argumentação hipotética, cogitarmos que o legislador ordinário tem ingerência sobre o rol de
despesas juridicamente admitidas, então estaremos, em última instância, afrontando o próprio
conceito de renda, porque admitiremos que a tributação pelo
IRPJ
recaia sobre outra coisa que
não acréscimo patrimonial, ou seja, que não renda.
O escólio de José Artur Lima Gonçalves lastreia a íntegra de nosso
posicionamento. Na ocasião em que analisou e se pronunciou especificamente sobre a
possibilidade de se deduzirem valores pagos para se obter autorização para funcionamento
de instituição financeira estrangeira, esse autor partiu do conceito de renda
constitucionalmente pressuposto para concluir que é possível haver dedução integral dos
valores despendidos. Diz ele:
É juridicamente irrelevante o fato da lei concordar ou não com a
dedutibilidade; necessária a despesa, é ela dedutível. São ineficazes as
tentativas de restringir a dedutibilidade dos custos e das despesas
necessárias. O custo e a despesa é dedutível [
SIC
] desde que seja necessária à
percepção do rendimento; sendo necessária, é dedutível, facultando-se à lei
apenas a definição de métodos e critérios para identificá-la, sem, no entanto,
inviabilizar a produção de seus efeitos (redutores da base de cálculo do
IR
).
A medida da dedutibilidade de um custo ou despesa necessária ou útil à
percepção do rendimento não pode ocasionar a tributação de algo que não
seja renda. contornos constitucionais mínimos que precisam ser
respeitados.
215
Portanto, numa perspectiva prática, a identificação das despesas deve se guiar pela
busca da presença dos requisitos da necessidade e usualidade no dispêndio incorrido, que
deverá, igualmente, estar vertido em linguagem competente (escriturado e comprovado). Ao
se constatar a presença desses requisitos, então a dedutibilidade se impõe automaticamente, e
215
GONÇALVES
, JoArtur Lima. Pagamento para obtenção de autorização para funcionamento de instituição
financeira estrangeira Desembolso pela filial local Dedutibilidade para fins de imposto sobre a renda.
Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 70, p. 203.
162
ao legislador infraconstitucional não caberá restringi-la, sob pena de afrontar o conceito de
renda. Concordamos integralmente com esse argumento.
Eurico Marcos Diniz de Santi e Paulo Ayres Barreto corroboram nosso pensamento,
como se denota do resulta do estudo a que procederam, atinente à dedutibilidade das
contribuições para previdência privada. Vale a reprodução das assertivas seguintes:
As entradas relevantes, analisando-se as pessoas jurídicas, são as receitas;
as sdas relevantes, os custos e despesas. Qualquer modificação dos
conceitos dereceita, “custo edespesa” pode comprometer o fato
gerador (permitindo a incidência do tributo sobre algo que renda não é) e
a sua base de cálculo (mensurando-se grandeza diversa do real acréscimo
patrimonial verificado). O legislador infra-constitucional não é livre para
estabelecer os conceitos de receita, custo” e despesa”. Sendo assim,
toda despesa necesria à operação da empresa deve ser dedutível.
216
Essa questão foi analisada, por outro prisma, por Helenilson Cunha Pontes, para
quem a restrição ao aproveitamento das despesas implementada por dispositivo da legislação
ordinária, além de ofender o conceito constitucionalmente pressuposto de renda, não se
sustenta ante o princípio do substantive due process of law, ou seja, o devido processo
legal.
217
Acolhido na íntegra pelo ordenamento jurídico, no inciso
LIV
do artigo 5
o
da
CF
/88,
esse princípio apregoa a necessidade de haver proteção aos direitos e às necessidades dos
administrados perante dispositivos legais destituídos de razoabilidade, proporcionalidade e
justa causa. Ora, ao restringir, sem motivação, a possibilidade de aproveitar despesas para fins
de
IRPJ
, o legislador ordinário afronta o devido processo legal, porque tal conduta não se
justifica. Eis o que diz esse autor:
Ora, nisto reside a inconstitucionalidade aqui apontada, uma vez que não
motivo plausível, justa causa, razoabilidade, racionalidade e
proporcionalidade em ser vedado ao contribuinte, na apuração das bases
de lculo do
IRPJ
e
CSL
, a dedutibilidade da despesa correspondente ao
216
PONTE
, 1997, p. 58–60.
217
SANTI
, Eurico Marcos Diniz;
BARRETO
, Paulo Ayres.Contribuições para previdência privada. dedutibilidade
em face do imposto sobre a renda. Força da EC 20/98. Aplicabilidade da lei n. 9.532/97 no tempo. Revista
Dialética de Direito Tributário, v. 93, 2003, p. 124-133.
163
recolhimento destes tributos, enquanto que as despesas relativas aos
recolhimentos de todos os demais tributos (inclusive os federais), o
sofrem essa limitação. [...] o se sustente sob bases minimamente
racionais ou razoáveis, atentando flagrantemente contra a garantia do
substantive due process of law (art. 5
o
,
LIV
,
CF
) ao estabelecer uma
limitação ao direito de propriedade consubstanciada em normas
tributárias impositivas absolutamente desproporcionais e
desarrazoadas.
218
Enfim, concluímos que é ilegítima a restrição do aproveitamento das despesas pela
legislação infraconstitucional, seja porque afronta o conceito de renda constitucionalmente
pressuposto ou porque ofende o princípio do devido processo legal. Ainda assim, verificamos
que, na prática, ocorre o oposto: são diversos os dispositivos que preconizam restrições ou
vedações ao aproveitamento de típicas e genuínas despesas. Assim, após uma síntese do que
expusemos até então e a introdução de nosso conceito de dispêndios dedutíveis, identificamos
e comentamos algumas dessas hipóteses.
4.6 Construção do nosso conceito de dispêndios dedutíveis
Feitos os esclarecimentos pertinentes sobre a indissociabilidade do conceito de
dispêndios dedutíveis (fatos-decréscimos) do conceito de renda — que o abarca; apontados os
requisitos que, a nosso ver, devem estar presentes para sua configuração e averiguados os
limites que são impostos pelo próprio ordenamento jurídico ao legislador ordinário para
modificação de seus lindes, cabe, neste ponto, expor nosso conceito de dispêndios dedutíveis.
Entendemos que, numa perspectiva jurídica, o conceito de dispêndios dedutíveis
pode ser delimitado como sendo todos os custos (assim entendidos os dispêndios associados
com produtos ou serviços produzidos pela pessoa jurídica) ou despesas (assim entendidos os
dispêndios não computados nos custos) que sejam necessárias à atividade da empresa (diga-
se, que estejam relacionados com qualquer atividade desempenhada pela pessoa jurídica),
usuais e normais (ou seja, que sejam aceitáveis no universo das atividades praticadas pela
218
PONTE
, 1997, p. 58–60.
164
pessoa jurídica), pagos ou incorridos (portanto, que estejam vinculados a uma obrigação
jurídica existente e exigível), visando obter fatos-acréscimos e/ou manter sua fonte produtora.
Em consonância com o que expusemos até aqui, resta indubitável que esse conceito
tem raízes, em última análise, no próprio conceito de renda decorre dele. Por causa disso,
reforçamos nosso entendimento de que não é dado ao legislador infraconstitucional lhes
modificar os contornos, visto que estão embasados em princípios fundamentais do
ordenamento jurídico pátrio. A conclusão a que chegamos, na observação prática do
tratamento dispensado aos fatos-decréscimos aponta em sentido diametralmente oposto, em
especial porque é, com freqüência, que nos deparamos com dispositivos que vedam,
restringem ou condicionam seu aproveitamento.
Para completarmos a extensão de nossa análise, se o dispêndio não preencher os
requisitos apontados pouco, estarão, no mais das vezes, configurados gastos efetuados por
liberalidade, que, pela sua natureza, são indedutíveis, pois representam consumo da renda
previamente auferida.
Os gastos por liberalidade ficam caracterizados quando são dispêndios efetuados em
favor de terceiros (que não sócios ou acionistas
219
) e não decorrentes da lei ou de obrigações
jurídicas correlacionadas com a manutenção da empresa. O parecer normativo
CST
n. 29, de
18/3/1974, embora antigo, revela as nuanças do conceito de gastos por liberalidade: ao
analisar a dedutibilidade de valores pagos à família de ex-funcionário falecido coincidentes
com o valor que seria devido caso esse empregado tivesse transacionado seu tempo de serviço
anterior à opção pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (
FGTS
), concluiu a
Administração Pública Federal ser o mesmo indedutível, pois seu pagamento “[...] decorre de
liberalidade da empresa uma vez que nem a lei nem o contrato de trabalho a obrigam a efetuá-
lo”.
219
Sob pena de caracterização de distribuição disfarçada de lucros.
165
Portanto, para se determinar a dedutibilidade do dispêndio, impõe-se a análise de sua
essência e substância, seguida de seu cotejo com eventuais mandamentos legais ou contratuais
que o exijam. Mas esse percurso é tormentoso porque está sujeito a variações, conforme a
situação concreta. Em muitos casos, a linha divisória entre despesa e dispêndio por
liberalidade é tênue.
Mesmo com as conclusões a que chegamos de que ao legislador
infraconstitucional é vedado restringir o conceito de despesas, porque este está amarrado ao
conceito de renda —, na prática, o tratamento dispensado aos fatos-decréscimos aponta
sentido diametralmente oposto, em especial porque, com freqüência, deparamo-nos com
dispositivos que vedam, restringem ou condicionam seu aproveitamento. Somos categóricos
ao afirmar que, a nosso ver, esses dispositivos sempre serão incompatíveis com o
ordenamento jurídico e, portanto, inconstitucionais —, caso se demonstre que, a despeito
da vedação à sua dedutibilidade, são gastos necessários, usuais e regularmente incorridos pelo
sujeito passivo do
IR
, objetivando viabilizar o ingresso de novos recursos e/ou a manutenção
da fonte produtiva, observados parâmetros razoáveis e proporcionais para tanto.
Independe a previsão legal estatuída; o que deve ser analisado, objetivamente, é o
preenchimento dos requisitos mencionados pouco; uma vez que isso tenha ocorrido, a
conclusão é que o dispêndio deverá ser deduzido na apuração do lucro real, sob pena de ficar
ofendido o conceito de renda constitucionalmente pressuposto. Convém salientar que o
atendimento aos requisitos por parte do sujeito passivo é ato que cabe exclusivamente a esse
último e que poderá variar por causa de numerosos fatores, a exemplo do porte da empresa,
do tipo de atividade, do tipo de fornecedor, dentre outros.
Devemos ter em vista que o conceito de despesa deve, inafastavelmente, ser
analisado no âmbito do conceito de renda, porque concorre para sua conformação. Portanto,
assumir a existência de um conceito constitucionalmente pressuposto de renda implica
166
assumir a existência de um conceito de despesa constitucionalmente pressuposto. Qualquer
vicissitude identificada nesse último maculará inevitavelmente o primeiro, por isso dizemos
que os dispositivos que obstem, restrinjam ou condicionem a dedutibilidade de típicas
despesas padecem de inconstitucionalidade: são ofensivos ao conceito constitucional de
renda. A afronta, portanto, é ao dispositivo constitucional; como acentua José Artur Lima
Gonçalves,
Por respeito ao conceito (constitucionalmente pressuposto) de renda, o custo
ou despesa necessária à percepção do rendimento é, por definição, dedutível,
independentemente da vontade do legislador ou da União. Do contrário, a
tributação recairá sobre algo que renda não é, o que a Constituição veda,
perempetoriamente.
220
A aplicabilidade prática de nosso modelo teórico será testada na seqüência, pois
faremos referência a alguns dispositivos que, em sentido oposto, impõem despidos de
qualquer embasamento — óbices, restrições ou condições ao aproveitamento de despesas.
4.7 Identificação e conclusões sobre os dispositivos legais que vedam ou restringem a
dedutibilidade de despesas
Entramos agora no viés mais pragmático deste trabalho. Uma vez firmada a premissa
de que é o Texto Constitucional, pelo influxo dos princípios por ele agasalhados, que limita o
conceito de renda e, por conseguinte, de despesas, apontaremos disposições advindas da
legislação ordinária que elucidam opções legislativas que passam ao largo de nossas
conclusões. Salientamos que uma análise ampla de nosso ordenamento jurídico revelará a
existência de diversos enunciados que dão suporte à construção de normas jurídicas cujos
mandamentos se direcionam à vedação ou restrição da dedutibilidade para fins de
IRPJ
. Não
pretendemos esgotar a análise de tais dispositivos, mas, fundamentalmente, destacar alguns
220
GONÇALVES
, 2002, p. 203.
167
que, para nós, ganham relevo no corpo do sistema e explicitar, na seqüência, seus principais
desdobramentos.
Nesse sentido, sublinhamos o disposto no artigo 249 do
RIR
/99, que, tendo sua
redação-base originária do decreto-lei 1.598/77, veicula o conceito de lucro real,
explicitando as adições que devem ser promovidas ao lucro líquido para se apurar essa
grandeza tributável (base de cálculo do
IRPJ
). Eis a dicção precisa desse dispositivo:
Art. 249. Na determinação do lucro real, serão adicionados ao lucro líquido
do período de apuração (Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 2º):
I
os custos, despesas, encargos, perdas, provisões, participações e
quaisquer outros valores deduzidos na apuração do lucro líquido que, de
acordo com este Decreto, não sejam dedutíveis na determinação do lucro
real;
II
os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores não
incluídos na apuração do lucro líquido que, de acordo com este Decreto,
devam ser computados na determinação do lucro real.
Parágrafo único. Incluem-se nas adições de que trata este artigo:
I
– ressalvadas as disposições especiais deste Decreto, as quantias tiradas dos
lucros ou de quaisquer fundos ainda não tributados para aumento do capital,
para distribuição de quaisquer interesses ou destinadas a reservas, quaisquer
que sejam as designações que tiverem, inclusive lucros suspensos e lucros
acumulados (Decreto-lei 5.844, de 1943, art. 43, § , alíneas “f”, “g” e
“i”);
II
os pagamentos efetuados à sociedade civil de que trata o § do art. 146
quando esta for controlada, direta ou indiretamente, por pessoas físicas que
sejam diretores, gerentes, controladores da pessoa jurídica que pagar ou
creditar os rendimentos, bem como pelo cônjuge ou parente de primeiro grau
das referidas pessoas (Decreto-lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, art.
4º);
III
os encargos de depreciação, apropriados contabilmente,
correspondentes ao bem integralmente depreciado em virtude de gozo de
incentivos fiscais previstos neste Decreto;
IV
as perdas incorridas em operações iniciadas e encerradas no mesmo dia
(day-trade), realizadas em mercado de renda fixa ou variável (Lei 8.981,
de 1995, art. 76, § 3º);
V
as despesas com alimentação de sócios, acionistas e administradores,
ressalvado o disposto na alínea “a” do inciso
II
do art. 622 (Lei 9.249, de
1995, art. 13, inciso
IV
);
VI
as contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear
seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos
da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da
pessoa jurídica (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso
V
);
VII
– as doações, exceto as referidas nos arts. 365 e 371, caput (Lei nº 9.249,
de 1995, art. 13, inciso
VI
);
VIII
as despesas com brindes (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso
VII
);
IX
o valor da contribuição social sobre o lucro líquido, registrado como
custo ou despesa operacional (Lei 9.316, de 22 de novembro de 1996,
art. 1º, caput e parágrafo único);
168
X
as perdas apuradas nas operações realizadas nos mercados de renda
variável e de swap, que excederem os ganhos auferidos nas mesmas
operações (Lei nº 8.981, de 1995, art. 76, § 4º);
XI
o valor da parcela da Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social -
COFINS
, compensada com a Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido, de acordo com o art. da Lei 9.718, de 1998 (Lei 9.718, de
1998, art. 8º, § 4º).
Ora, ao estabelecer “adições” ao lucro real, esse dispositivo não faz outra coisa senão
obstar a dedutibilidade de determinados dispêndios. Em outras palavras, ordena-se que certos
dispêndios não possam ser excluídos do lucro real, ou seja, que permaneçam inseridos na base
de cálculo do
IRPJ
, submetendo-se à tributação regular. Em princípio, não verificamos
empecilhos diretos à explicitação, via dispositivos da legislação ordinária, dos valores para os
quais fique vedada a dedutibilidade. Mas é essencial e inafastável que a prescrição legal
observe o conteúdo semântico do conceito de despesas, sob pena de inconstitucionalidade.
Com efeito, buscamos dirimir de dúvidas o fato de que, ao assumirmos a premissa
de que um conceito de renda constitucionalmente pressuposto, admitimos, por
conseqüência lógica, que a conceituação do termo despesas deve ser consoante com tal
conceito. Portanto, cabe reiterar: se for caracterizada despesa, a dedutibilidade é inafastável, e
não basta haver dispositivo legal vedando ou restringindo a possibilidade de dedução; trata-se
de uma propriedade inerente à natureza jurídica do conceito de despesas. Numa analogia,
seria como cogitar que dada atividade se trata de serviço porque foi incluída no anexo da lei
complementar n. 116/2003 como atividade sujeita ao Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza (
ISSQN
). Essa afirmação é descabida; ser abrangida pela lei não significa que esta
tem a capacidade de modificar a natureza jurídica. É o que ocorre in casu, pois não basta
haver vedação legal à dedutibilidade de dado dispêndio se, pela essência de sua natureza
jurídica, este se revela uma despesa; se houver configuração de uma despesa, esta deve
auxiliar no desenho da materialidade do
IRPJ
, porque como foi explanado o conceito
de renda é relacional.
169
Convictos desse pressuposto, cumpre-nos fazer uma crítica ao inciso
I
do artigo 249
do
RIR
/99, segundo o qual não serão dedutíveis “[...] os custos, despesas, encargos, perdas,
provisões, participações e quaisquer outros valores” para os quais o
RIR
/99 estabelecer
vedação expressa. Ora, cabe reiterar: se for despesa efetiva, então a dedutibilidade lhe é
propriedade inafastável. Mesmo havendo dispositivo legal em sentido contrário diga-se,
predizendo sua indedutibilidade —, para nós se trata de dispositivo flagrantemente
inconstitucional. É necessário analisar a substância jurídica do dispêndio para então se
visualizarem seus reflexos. Observe-se, ainda, que diversos incisos do artigo 249 foram
incluídos pelo artigo 13 da lei n. 9.249, de 26/12/1995.
Bastante combatido à época de seu advento, esse dispositivo tem esta redação:
Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da
contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções,
independentemente do disposto no art. 47 da Lei
4.506, de 30 de
novembro de
1964:
I
de qualquer provisão, exceto as constituídas para o pagamento de férias
de empregados e de décimo-terceiro salário, a de que trata o art. 43 da Lei
8.981, de 20 de janeiro de
1995,
com as alterações da Lei
9.065, de 20
de junho de 1995, e as provisões técnicas das companhias de seguro e de
capitalização, bem como das entidades de previdência privada, cuja
constituição é exigida pela legislação especial a elas aplicável; (vide Lei
9.430, de 1996).
II
das contraprestações de arrendamento mercantil e do aluguel de bens
móveis ou imóveis, exceto quando relacionados intrinsecamente com a
produção ou comercialização dos bens e serviços;
III
de despesas de depreciação, amortização, manutenção, reparo,
conservação, impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens
móveis ou imóveis, exceto se intrinsecamente relacionados com a produção
ou comercialização dos bens e serviços;
IV
– das despesas com alimentação de sócios, acionistas e administradores;
V
das contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear
seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos
da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da
pessoa jurídica;
VI
– das doações, exceto as referidas no § 2º;
VII
– das despesas com brindes.
Contudo, a vedação à dedutibilidade de despesas efetivas para fins de
IRPJ
não está
concentrada só no artigo 249 do
RIR
/99; de revés, no corpo de todo o regulamento há diversos
170
dispositivos que vedam, restringem ou impõem condicionantes à regular dedutibilidade, em
flagrante inconstitucionalidade. Para enriquecer nossa exposição sem pretender esgotar a
totalidade das hipóteses, citamos estes:
Art. 303. Não serão dedutíveis, como custos ou despesas operacionais, as
gratificações ou participações no resultado, atribuídas aos dirigentes ou
administradores da pessoa jurídica (Lei 4.506, de 1964, art. 45, § , e
Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 58, parágrafo único).
Art. 355. As somas das quantias devidas a título de royalties pela exploração
de patentes de invenção ou uso de marcas de indústria ou de comércio, e por
assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, poderão ser
deduzidas como despesas operacionais até o limite máximo de cinco por
cento da receita líquida das vendas do produto fabricado ou vendido (art.
280), ressalvado o disposto nos arts. 501 e 504, inciso V (Lei 3.470, de
1958, art. 74, e Lei 4.131, de 1962, art. 12, e Decreto-lei 1.730, de
1979, art. 6º).
Portanto, a despeito do posicionamento que firmamos a nosso ver, consoante com
as diretrizes dadas pela Carta Magna —, encontramos na legislação pátria diversos
dispositivos tendentes a obstar, restringir ou condicionar a dedutibilidade de dispêndios.
Como estudiosos, cabe-nos analisá-los a fim de verificarmos sua (in)compatibilidade com o
sistema jurídico. É o que faremos, levantando alguns problemas práticos e indicando o
posicionamento adotado pelo Fisco.
4.8 Alguns problemas de ordem prática
Sem pretender esgotar a análise das disposições legais que impõem obstáculos ou
condições à dedutibilidade integral das despesas, traremos alguns exemplos, para melhor
análise e compreensão da problemática.
4.8.1 Indedutibilidade das provisões e os depósitos judiciais de tributos controversos
A princípio, não vemos óbices à explicitação, em geral oriunda da legislação
ordinária, da indedutibilidade das provisões, como procedido pelo inciso
I
do artigo 13 da lei
171
n. 9.249/95, pois tais dispêndios, a nosso ver, não se subsumem ao conceito de despesas.
Com efeito, as provisões são lançamentos que dependem de um evento futuro. expectativa
para sua ocorrência, mas ainda não há uma definição disso.
Veja-se, no entanto, que a legislação excepciona alguns tipos de provisões,
prescrevendo sua dedutibilidade: são aquelas relacionadas com direitos ou benefícios dos
trabalhadores (férias, seguros, previdência privada), exigidas pela legislação. Da forma como
vemos, o problema maior quanto à indedutibilidade das provisões se adstringe a algumas
situações em que há indefinição contábil da caracterização efetiva desse instituto contábil. É o
caso dos tributos que estão com exigibilidade suspensa por força de depósitos judiciais, nos
termos do artigo 151,
II
do Código Tributário Nacional (
CTN
). Vejamos o teor do artigo 41, §
1º da lei n. 8.981/95:
Art. 41. Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro
real, segundo o regime de competência.
§ O disposto neste artigo não se aplica aos tributos e contribuições cuja
exigibilidade esteja suspensa, nos termos dos incisos
II
a
IV
do art. 151 da
Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, haja ou não depósito judicial.
Portanto, dispositivo legal expresso vedando a dedução de valores depositados em juízo,
embora se reconheça que os tributos são, em essência, despesas, portanto são dedutíveis.
As decisões do Poder Judiciário seguem a linha da prescrição legal:
RECURSO ESPECIAL
ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS
535,
INCISO
,
II
,
DO CPC E
43
DO CTN
TRIBUTOS COM EXIGIBILIDADE
SUSPENSA
RENDIMENTOS DE DEPÓSITO JUDICIAL
IMPOSTO DE
RENDA
APURAÇÃO DO LUCRO REAL
(
BASE DE CÁLCULO DOS
TRIBUTOS
)
PRETENDIDO AFASTAMENTO DO
§
1
º DO ART
.
41
DA LEI
N
.
8.981/95
LEGALIDADE
.
O depósito judicial não é, desde logo, pagamento liberatório da obrigação,
pois visa garantir o juízo e demonstrar, em princípio, a um tempo, a
solvibilidade do contribuinte e seu propósito não procrastinatório.
“Legalidade da Lei n. 8.541/92, que proibiu expressamente a dedução dos
depósitos do lucro real, sem violação ao art. 43 do
CTN
” (REsp 226.978/
PR
,
Rel. Min. Eliana Calmon,
DJU
5.2.2001). Verifica-se que a disciplina
adotada pelo § do artigo 41 da Lei n. 8.981/95 possui similitude com a
oriunda da Lei n. 8.541/92, as quais se amoldam perfeitamente ao Sistema
Tributário Nacional e bem assim não desvirtuam o conceito de renda
172
descrito no artigo 43 do
CTN
, ao determinarem que apenas o tributo
realmente pago deve ser considerado como despesa dedutível.
Recurso especial improvido.
221
A despeito do entendimento consolidado pelo Poder Judiciário, temos convicção de
que o preceito legal em análise afronta o conceito de renda, razão por que não se
compatibiliza com o sistema jurídico. Vejamos!
Toda obrigação tributária toma corpo após a ocorrência, no mundo factual, da
situação, in concreto, cujos contornos estejam descritos abstratamente na hipótese de
incidência do tributo. Ao lado disso, tenhamos em mente que toda norma jurídica válida
222
tem a presunção de constitucionalidade — presunção que só será elidida com o surgimento de
uma nova norma, que expurgará a primeira do ordenamento pela sua incompatibilidade. Uma
vez embasada numa norma jurídica válida portanto, presumivelmente constitucional —,
toda obrigação tributária é responsável por estabelecer um vínculo, que une Fisco e sujeito
passivo, em torno de uma prestação que, no caso, vai se consubstanciar na entrega de dado
quantum a um dos entes tributantes a título de tributo.
Eventual discussão sobre a legitimidade da exigência do recolhimento do tributo
apenas será cabível após a conformação da obrigação tributária. Em outras palavras, primeiro
deve advir a obrigação tributária, com a constituição do respectivo crédito tributário, para que,
só então, esta possa ser questionada. Tal discussão poderá vir ou não acompanhada de medida
que promova a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (artigo 151 do
CTN
). Uma
dessas medidas é o depósito judicial, que deve ser feito no montante exato contemplado na
obrigação tributária instaurada antes.
221
Superior Tribunal de Justiça, Resp. n. 642.686/
MG
, Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, publicado no
DJ
14.03.2005
P
.
291.
222
Referimo-nos ao conceito de validade como relação de pertinencialidade da norma ao sistema jurídico. São
válidas, a nosso ver, as normas que, oriundas de órgão legitimado à sua expedição, tenham ingressado no
ordenamento mediante procedimento adequado.
173
Posto isso, temos como certo que os valores despendidos para efetivar depósitos
judiciais de tributos sub judice não se enquadram no conceito de provisão, porque não
dependem da ocorrência de evento futuro. O evento aconteceu e resultou na instauração a
obrigação tributária, que ocorre em momento anterior à implementação da medida de
suspensão da exigibilidade do crédito. Assim, parece certo para nós que os depósitos judiciais
não são provisões; trata-se, de revés, de dispêndios relativos a obrigações tributárias já
constituídas, sendo, por isso, passíveis de dedutibilidade nos termos do caput do artigo 41 da
lei n. 8.981/95.
No mesmo sentido em que nos posicionamos segue a deliberação da Comissão de
Valores Mobiliários (
CVM
) n. 489/2005. Tendo aprovado o pronunciamento do Instituto dos
Auditores Independentes do Brasil (
IBRACON
)/Norma de Procedimento de Contabilidade
(
NPC
) 22 (que trata de provisões, passivos, contingências passivas e contingências ativas),
tal deliberação dispõe:
Tributos
(a) A administração de uma entidade entende que uma determinada lei
federal, que alterou a alíquota de um tributo ou introduziu um novo tributo, é
inconstitucional. Por conta desse entendimento, ela, por intermédio de seus
advogados, entrou com uma ação alegando a inconstitucionalidade da lei.
Nesse caso, existe uma obrigação legal a pagar à União. Assim, a obrigação
legal deve estar registrada, inclusive juros e outros encargos, se aplicável,
pois estes últimos têm a característica de uma provisão derivada de
apropriações por competência. Trata-se de uma obrigação legal e não de uma
provisão ou de uma contingência passiva, considerando os conceitos da
NPC
.
Contabilmente, deve ser esclarecido que o reconhecimento dos valores depositados
em juízo não deve se dar a título de provisão, e sim de contas a pagar, justamente porque se
vincula a uma obrigação legal já constituída. Logo, não dúvidas de que valores de tributos
depositados em juízo são, em essência, despesas, visto que representam contrapartidas de
obrigações tributárias. O disposto no art. 41, § da lei n. 8.981/95 não encontra amparo no
174
ordenamento jurídico, reforçando a tese que advogamos, qual seja: independentemente da
previsão legal, o que deve ser analisado é a natureza jurídica do dispêndio.
4.8.2 Indedutibilidade das contraprestações de arrendamento mercantil e do aluguel de bens
móveis ou imóveis, exceto quando relacionados intrinsecamente com a produção ou
comercialização dos bens e serviços
Temos como absolutamente despiciendo o dispositivo inscrito no artigo 13,
II
da lei
n. 9.249/95. Ora, ao prescrever que só serão dedutíveis as contraprestações de arrendamentos
mercantis e alugueres quando relacionados intrinsecamente com a atividade da empresa, esse
dispositivo reforça um requisito que configura despesas, qual seja, o de que o dispêndio
guarde relação com a tal atividade. Aparentemente, ao estatuir esse dispositivo, o legislador
intencionou restringir o aproveitamento das despesas, assinalando a necessidade de que, para
se aproveitá-las, tinham de ter vínculo “intrínseco” com a atividade da empresa.
Contudo, é da natureza mesma das despesas serem intrinsecamente relacionadas com
a atividade social da pessoa jurídica, até mesmo em função do requisito da necessidade; por
isso concluímos que o dispositivo em análise não inova, em nenhum aspecto, a temática da
dedutibilidade fiscal. Se o gasto não estiver ligação intrínseca com a atividade da empresa,
então é indedutível. Essa norma cabe reiterar pode ser extraída diretamente do conceito
de renda, pois na sua conformação haverão de ser considerados os fatos-decréscimos ligados à
atividade da pessoa jurídica, inclusive as contraprestações ora referidas.
4.8.3 Indedutibilidade das despesas de depreciação, amortização, manutenção, reparo,
conservação, impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens móveis ou
imóveis, exceto se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização
dos bens e serviços
Neste item valem todas as considerações aventadas no tópico precedente, visto que a
exceção posta pela legislação no artigo 13,
III
da lei n. 9.249/95 não faz outra coisa senão
reforçar o requisito da necessidade da despesa. Já afirmamos que as despesas, para serem
175
qualificadas com tal, devem se relacionar com a atividade da empresa. Essa relação é
óbvio — é intrínseca. Portanto, tal disposição só cuida de repisar esse requisito.
4.8.4 Indedutibilidade de valores despendidos com alimentação dos sócios, acionistas e
administradores
O inciso
IV
do artigo 13 da lei n. 9.249/95 veda a dedução de valores gastos para a
alimentação dos sócios, acionistas e administradores. Trata-se de uma prescrição genérica
que, porém — como a vemos —, visa alcançar apenas e tão-somente dispêndios dessa
natureza incorridos extratrabalho. Não se pretende atingir os programas de refeições regulares
servidos pela empresa afinal nessa hipótese fica caracterizada cabalmente a vinculação do
dispêndio com a atividade da empresa, impondo-se sua dedutibilidade.
4.8.5 Indedutibilidade das contribuições não compulsórias, exceto as destinadas a custear
seguros e planos de saúde, e benefícios complementares assemelhados aos da
previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica
Aqui começamos a vislumbrar vicissitudes na disciplina legal, em especial nos
dispêndios com benefícios da previdência complementar. Com efeito, a legislação contempla,
no inciso
V
do artigo 13 da lei n. 9.249/95, previsão para a dedutibilidade dos dispêndios
destinados a custear a previdência complementar, porém apresenta um condicionante: os
benefícios do plano devem se assemelhar aos previstos pela previdência social. A
interpretação estreita desse dispositivo conduz à conclusão de que, caso o plano de benefícios
tenha cobertura mais abrangente que a da previdência social, ficará vedada sua dedutibilidade.
De fato, esse é o posicionamento que tem sido adotado pelo Fisco federal e seguido
pela nossa jurisprudência administrativa, como se pode depreender desta ementa:
BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
EMPREGADOS E DIRIGENTES
INDEDUTIBILIDADE
: São indedutíveis as contribuições não compulsórias
destinadas a custear planos de benefícios complementares não assemelhados
aos da previdência social, instituídos em favor dos empregados e dirigentes
da pessoa jurídica. A previsão contratual de resgate independentemente da
176
ocorrência de um estado de necessidade como o que ocorre na previdência
social, descaracteriza a semelhança, tornando indedutíveis os pagamentos.
(Lei 9.249/95 art. 13 inciso
V
c/c Lei 8.213/91 arts. e 18). Recurso
negado.
223
Da forma como vemos, cabe à Previdência Social prover a seus segurados condições
dignas de sobrevivência em situação de necessidade vivenciada por eles ou seus dependentes.
Coberturas complementares intensificam esse benefício, portanto sua dedutibilidade
integral é cabível. Num aspecto prático, parece-nos que o dispositivo em referência visa coibir
as situações em que haja desvirtuação do uso do plano de previdência privada, sobretudo nos
casos em que, sendo permitidos resgates a qualquer tempo, o plano de previdência passe a ser
usado como meio para remunerações indiretas aos funcionários. Veja-se, nesse viés, que o
acórdão se refere à previsão contratual que assegura ao beneficiário do plano o resgate dos
valores independentemente da ocorrência de estado de necessidade, e isso é apontado como
fator de diferenciação relativamente à previdência social. Por conta disso, fica vedada a
possibilidade de dedução. A nosso ver, tal previsão contratual revela uma cobertura mais
benéfica quanto à Previdência Social e, salvo melhor juízo, não justifica a vedação à
dedutibilidade integral do valor dos dispêndios incorridos a esse título. Sublinhe-se, nesse
sentido, que a legislação não veda a possibilidade de resgate; noutros termos, trata-se de uma
previsão legal. Logo, não pode constituir elemento impeditivo à configuração da despesa com
previdência complementar para fins de dedutibilidade do lucro real.
Ainda que sejam conjecturas, é possível que, em tese, a desvirtuação da finalidade do
plano não supedâneo à disposição legal em análise, pois a teoria das provas assegura ao
Fisco mecanismos para coibir condutas fraudulentas. Em eventual demanda, as partes Fisco
e contribuinte poderão elucidar e comprovar seus argumentos. Embora plausível, tal
constatação não justifica a disposição legal em análise, haja vista que repita-se a teoria
223
Conselho de Contribuintes. 7ª mara. Processo n. 16327.002712/200118, Recurso n. 135.495, Rel.
José Clóvis Alves, julgado em sessão de 15/10/2003.
177
das provas assegura ao Fisco a possibilidade de desconstituir situações irregulares. Nesses
termos, será possível desenquadrar a despesa com o pagamento de planos de previdência
complementar caso se configure dolo, fraude ou simulação; não bastam meras alegações quanto
à ocorrência de qualquer dessas condutas, sendo, de revés, imperiosa sua comprovação.
4.8.6 Indedutibilidade das doações
O inciso
VI
do artigo 13 da lei n. 9.249/95 dispõe sobre a indedutibilidade das
doações, exceto as referidas em seu § 2º, que se referem a doações feitas em favor do Fundo
Nacional de Cultura ou a instituições de ensino e pesquisa (escolas públicas) ou, enfim, a
entidades civis sem fins lucrativos caracterizadas como de utilidade pública. Porém, pensamos
que o legislador ordinário foi apressado na fixação dessa diretriz, pois, além de incorrer em
inconstitucionalidade, ao taxar os beneficiários das doações dedutíveis à pessoa jurídica
doadora, não incluiu alguns importantes tipos de instituições que, a nosso ver, deveriam estar
acobertados por essa regra.
Em primeiro lugar, devemos ter fixa uma noção que tem se solidificado cada vez
mais no ordenamento jurídico do país e foi reforçada pelo Código Civil de 2002: a noção de
função social da empresa. Com efeito, se o Código Civil de 1916 tinha um caráter
individualista, o de 2002 trouxe princípios e diretrizes que apontam a supremacia do
indivíduo e de seu papel na sociedade; d a importância assumida por conceitos de
socialidade, coletividade, eticidade e dignidade.
Seguindo essa tendência, na disciplina das pessoas jurídicas, o legislador do Código
Civil pôs, ao lado da função econômica da empresa (movimentação da economia, sustento da
máquina estatal, geração de empregos, dentre outras), a necessidade de que sua atuação se
volte, ainda, a um benefício coletivo. Assim, pode-se dizer que a função social da empresa é
alcançada quando, além de cumprir tal mister, ela observa outros princípios encampados pelo
178
ordenamento, dentre os quais destacamos a solidariedade (
CF
/88, art. 3°, inc.
I
), a justiça
social (
CF
/88, art. 170, caput), a livre iniciativa (
CF
/88, art. 170, caput e art. 1°, inc.
IV
), a
busca de pleno emprego (
CF
/88, art. 170, inc.
VIII
), a redução das desigualdades sociais
(
CF
/88, art. 170, inc.
VII
), o valor social do trabalho (
CF
/88, art. 1°, inc.
IV
), a dignidade da
pessoa humana (
CF
/88, art. 1°, inc.
III
) e a observação dos valores ambientais (
CDC
, art. 51,
inc.
XIV
). Nesse contexto, contribuir com entidades sociais mediante doação é um mecanismo
que atende à função social da empresa porque faz cumprir esses princípios. Vê-se, então, o
descompasso entre a legislação fiscal e a noção de função social da empresa, não se
justificando, nesse aspecto, a vedação à dedutibilidade dos dispêndios a esse título.
Além disso, cabe salientar, ao optar pelo elenco taxativo das instituições habilitadas a
receber doações dedutíveis, o legislador excluiu alguns tipos importantes de entidades, a
exemplo de outras entidades dedicadas à educação. Nesse caso, fica vedada, por exemplo, a
doação de computadores a uma escola particular, o que é incoerente com os princípios
consagrados na
CF
/88, em especial o direito à educação e instrução. Logo, também aqui se
mostra se descabida e inconstitucional a vedação à dedutibilidade das despesas com doações.
4.8.7 Indedutibilidade das despesas com brindes
O último inciso do artigo 13 da lei n. 9.249/95 inciso
VII
também não escapa
ileso a uma análise de compatibilidade com o sistema jurídico pátrio. A questão dos brindes é
muito controvertida. Com efeito, até a criação dessa lei, a dedutibilidade dos brindes era
acatada; a ressalva se referia tão-somente a seus respectivos valores. Nesse sentido, veja-se o
teor do parecer normativo
CST
n. 15, de 1º/4/1976:
As despesas efetivamente realizadas com aquisição e distribuição de
“brindes”, desde que correspondam a objetos de pequeno valor e sejam em
índice moderado, relativamente à receita operacional da empresa, são
admissíveis como operacionais, na forma do art. 162 do
RIR
/75.
179
A lei n. 9.249/95 vedou a dedutibilidade dos brindes, o que não se justifica, pois
entregar brindes a clientes, em especial em datas festivas, mais que um gesto de cortesia, é um
meio de publicidade importante. Assim, restam preenchidos os requisitos de dedutibilidade,
visto que a entrega dos brindes consiste numa forma de propaganda; logo, cabe registrar aqui
que o
RIR
/99
contempla expressamente regra para dedutibilidade de dispêndios com
propaganda:
Art. 366. São admitidos, como despesas de propaganda, desde que
diretamente relacionados com a atividade explorada pela empresa e
respeitado o regime de competência, observado, ainda, o disposto no art.
249, parágrafo único, inciso
VIII
).
Nesses termos, não se justifica a desigualdade no tratamento, sobretudo quando se
demonstra que a finalidade dos brindes se assemelha à da propaganda. A afirmação de Hiromi
Higuchi e Fábio Hiroshi Higuchi traduz a contento nosso pensar: “Dispositivo legal dessa
natureza (art. 13,
VII
, da lei n. 9.249/95) pode ter saído da cabeça de leigo em matéria de
tributação e arrecadação”.
224
4.8.8 Indedutibilidade da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (
CSLL
) do lucro real (e
de sua própria base de cálculo)
O artigo 249 do
RIR
/99 ainda traz previsão de que deve ser adicionado ao lucro
líquido o valor da contribuição social sobre o lucro líquido registrado como custo ou despesa
operacional. Em outras palavras, tal dispositivo estabelece que não pode ser excluído, para
fins de apuração do lucro real (base de cálculo do
IRPJ
), o valor da
CSLL
. Tal prescrição segue
a orientação traçada pelo artigo 1º da lei n. 9.316, de 22/11/1996:
Art. 1º. O valor da contribuição social sobre o lucro líquido não poderá ser
deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua própria base
de cálculo.
224
HIGUCHI
;
HIGUCHI
, 2008, p. 253.
180
Parágrafo único. Os valores da contribuição social a que se refere este artigo,
registrados como custo ou despesa, deverão ser adicionados ao lucro líquido
do respectivo período de apuração para efeito de determinação do lucro real
e de sua própria base de cálculo.
Observe-se que, embora o artigo 41 da lei n. 8.981/95 se expresse quanto aos
tributos serem dedutíveis na determinação do lucro real segundo o regime de competência, a
lei n. 9.316/96 dispõe de forma diversa: prescreve que a
CSLL
, especificamente, não é
dedutível. Com isso, embute essa contribuição na base de cálculo do
IRPJ
e, logo, dela
mesma.
Para nós, essa disposição viola flagrantemente o conceito de renda
constitucionalmente pressuposto e todos os princípios que o informam, porque restringe
sem justificativa a dedução de um dispêndio que cumpre todos os requisitos previamente
estabelecidos para a configuração das despesas. Assim, é necessário porque seu não-
pagamento acarreta pendências em nome do sujeito passivo, cuja situação será de
irregularidade fiscal, o que compromete a própria consecução de seus objetivos sociais;
é usual e normal porque o pagamento de tributos é conduta exigida no âmbito das
atividades sociais de uma empresa; e trata-se de dispêndio incorrido porque se
vincula a uma obrigação legal: a obrigação tributária que se instaura entre Fisco e
contribuinte, em vista da ocorrência fática do evento previsto no antecedente da regra-
matriz de incidência, que desencadeia a incidência tributária. Portanto, a vedação à
exclusão da
CSLL
da base de cálculo do
IRPJ
é disposição que está em desacordo com o
conceito constitucionalmente pressuposto de renda, do que resulta sua
inconstitucionalidade.
A despeito dessas conclusões, verificamos que a jurisprudência atual tem trilhado
caminho diametralmente oposto ao admitir que o legislador infraconstitucional possa vedar a
dedução da
CSLL
. À guisa de exemplo, destacamos o acórdão proferido pela Terceira Turma
do Tribunal Regional Federal da Região, em sessão ocorrida em 15/5/2008, na qual se
181
decidiu, por unanimidade de votos, negar provimento a recurso de apelação do contribuinte,
obstando a dedução dos valores da
CSLL
da base de cálculo do
IRPJ
e dela mesma. Seguem-se
trechos do voto proferido, que orientou o julgamento em que são apresentados os principais
argumentos invocados para subsídio da decisão:
Em face do que assinalado pelo contribuinte, cumpre considerar que o
conceito de despesa não pode ser abrangente a ponto de permitir que a
tributação social exclua algo que representa o próprio lucro ou acréscimo
patrimonial do contribuinte. Desse modo, é de rigor a distinção entre
despesas, de um lado, e resultado do processo produtivo, de outro, este
passível de tributação. O
IRPJ
e a
CSL
, incidindo sobre renda ou lucro,
devem excluir aquilo que, sem representar diretamente o acréscimo
patrimonial, contribuiu para a formação do fato material que, ao final, gera a
incidência tributária. Todavia, é inequívoco que a contribuição social sobre o
lucro, na sua própria conformação constitucional, representa a expressão
material e concreta do lucro, razão pela qual o seu pagamento não se
equipara a despesas próprias do processo produtivo, ou seja, as operacionais
(necessárias, usuais, normais, identificadas e quantificadas), para as quais é
dada ou pode ser dada uma disciplina fiscal específica. [...] A base de
cálculo, como dimensionada pela Lei 9.316/96, não sujeitou o
contribuinte a uma situação de tributação desproporcional, abusiva,
excessiva ou extrema, em sua dimensão econômica ou jurídica; nem foi
oblíqua, indireta, dissimulada ou, por qualquer outro meio ou argumento,
lesivo ao princípio da segurança jurídica, considerando, neste aspecto, que a
alteração, produzida a partir da
MP
nº 1.516/96, apenas restabeleceu a
incidência possível, nos termos da Constituição e da lei, revogando o que se
configurou, até então, como mero benefício fiscal. De fato, o artigo 41 da
Lei 8.981/95 expressamente admitiu que os “tributos e contribuição são
dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de
competência”, o que, no entanto, foi permitido a título exclusivo e com a
configuração específica de benefício fiscal, em caráter excepcional, sem
gerar direito adquirido e, pois, qualquer espécie de impedimento, legal ou
constitucional, para a revisão da outorga, como veio a ocorrer com a
previsão do artigo da Lei 9.316/96. Ainda que a hipótese fosse de
majoração de tributo, ao invés de revogação de benefício fiscal como, de
fato, é —, não poderia ser acolhida, tampouco, a tese de ofensa ao princípio
da irretroatividade, pois a Lei 9.316, de 22/11/96, somente teve eficácia
“em relação aos períodos de apuração iniciados a partir de de janeiro de
1997 (artigo 4º), ou seja, depois da respectiva publicação e vigência. [...]
Ante o exposto, por meu voto, nego provimento à apelação do contribuinte, e
dou provimento à apelação fazendária, para reformar a r. sentença, nos
termos supracitados
225
A posição externada nessa decisão não nos parece compatível com o sistema
jurídico; está embasada em premissa equivocada, qual seja, a de que a dedutibilidade da
CSLL
225
Tribunal Regional Federal da Região, Apelação cível REsp. n. 2002.61.00.0033052, Turma, Rel.
Des. Federal Carlos Muta, julgado em
15/5/2008.
182
decorre de mero benefício fiscal e que, portanto, pode ser restringida pelo legislador
infraconstitucional.
Inadmitir que esta contribuição seja excluída do lucro real (e de sua própria base de
cálculo) implica considerar como parcela da renda um valor que, no entanto, é tributo,
portanto é dedutível, a teor do artigo 41 da lei n. 8.981/95. Não se sustenta o argumento de
que a dedutibilidade da
CSLL
consiste em benefício fiscal porque não se trata de mero favor,
conferido por iniciativa exclusiva da Administração Pública. Ao contrário, é uma decorrência
lógica do sistema constitucional tributário, em particular do conceito de renda, que não pode
ser alterado pela ação do legislador ordinário. Uma vez caracterizada despesa, logo é
dedutível. Portanto, a questão em debate é constitucional: decorre da constatação de que a
CSLL
configura dispêndio que cumpre todos os requisitos para se qualificar como despesas; é,
por conclusão, dedutível para fins de apuração do lucro real.
Nesse sentido, a disposição constante do artigo da lei n. 9.316, de 22/11/1996
destoa da direção apontada pelo ordenamento jurídico vigente, pois reflete situação em que o
legislador ordinário desbordou dos limites de competência que lhe foram conferidos pelo
constituinte, não encontrando cabida, assim, em nosso ordenamento jurídico.
4.9 Incompatibilidade da vedação, restrição ou condição da dedutibilidade de despesas
frente ao ordenamento jurídico pátrio
A compreensão do que sejam dispêndios dedutíveis deve se dar tendo o conceito de
renda como pano de fundo, pois entre eles se estabelece uma relação de continência: os
dispêndios dedutíveis concorrem para a conformação da renda. Ora, considerando-se que o
conceito de renda tem base constitucional, então somos levados a concluir que o conceito de
dispêndios dedutíveis também encontra parâmetros na Constituição Federal. Senão vejamos.
Relembre-se que, na outorga de competência tributária, o legislador constituinte
destacou fatos da realidade, com conteúdo econômico, os quais, uma vez ocorridos e
183
juridicizados (traduzidos para a linguagem do direito) desencadeiam a relação jurídica, que
une Fisco e contribuinte, em torno de uma prestação. Há, portanto, um desenho do âmbito das
competências, pré-determinado. O legislador ordinário, ao fazer uso essa competência –
mediante a instituição/majoração do tributo deve se ater a esse âmbito de competência,
definido pelo constituinte. Não necessidade de se exaurir esse campo de competência, mas
tão somente observar os limites que encontram esteio no Texto Constitucional.
Essa evidência, somada às características típicas da ordem jurídica rigidez e
exaustividade apontam no sentido de que a atuação do legislador ordinário é limitada; e é
limitada pela Constituição Federal.
Assim sendo, não é dado ao legislador ordinário vedar, restringir ou condicionar o
aproveitamento de legítimos dispêndios dedutíveis, pois que, tratando-se de elementos que
concorrem para a conformação da renda, o óbice para sua dedutibilidade importa em
modificações na base de cálculo – e consequentemente – na materialidade do
IR
. E isso revela
que o legislador infra-constitucional desbordou o limite da competência que lhe fora atribuída.
Enfim, o fato é que, ao vedar ou restringir a dedutibilidade, o legislador infra-
constitucional obriga à tributação valores que o se quadram ao conceito de renda, porque
não representam riqueza nova; e, com isso, exacerba os limites da competência que lh foi
constitucionalmente atribuída, implicando flagrante incompatibilidade para com o
ordenamento jurídico.
Eventuais abusos ou condutas em desconformidade com o ordenamento poderão e
deverão – ser repudiadas; para tanto, é de extrema valia a teoria das provas, cujo emprego terá
o condão de desconstituir o estado de coisas criado sobre a conduta fraudulenta. Nesse
sentido, a teoria das provas é posta à disposição do Fisco que, por seu intermédio, buscará
desconstituir as despesas indevidamente aproveitadas, para, em seguida, lançar o tributo que
deixou de ser recolhido sem prejuízo das penalidades cabíveis, inclusive na esfera penal.
184
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em remate à nossa exposição, cabe delimitar e reforçar uma afirmação que fizemos
em todo o seu curso: os dispêndios dedutíveis estão contidos no conceito constitucionalmente
pressuposto de renda, por isso tem seus contornos delimitados pela Carta Constitucional.
Qualquer modificação no conteúdo semântico de dispêndio dedutível — dentre os quais
enfatizamos as despesas implicará distorções no conceito de renda e, portanto, em
alteração na base de cálculo do
IR
; tal alteração, de sua parte, distorce a materialidade do
tributo – porque relembre-se que uma das características da base de cálculo é medir as
proporções do fato jurídico –, ensejando, em última análise, tributação em desconformidade
com o Texto Constitucional.
O legislador constituinte parametrizou o conceito de renda e, nesse passo, definiu
rigidamente porque o ordenamento jurídico pátrio se caracteriza pela rigidez e
exaustividade o complemento constante da materialidade e a base de cálculo do
IR
(os
critérios material e quantitativo da regra-matriz de incidência tributária se vinculam
estreitamente). Logo, alterações em quaisquer dos elementos que conformam essa grandeza
— renda — geram efeitos práticos de relevo.
A compreensão do que sejam dispêndios dedutíveis deve se dar tendo o conceito de
renda como pano de fundo, pois entre eles se estabelece uma relação de continência: os
dispêndios dedutíveis concorrem para a conformação da renda. Por isso, em todo momento
em que nos referimos à dedutibilidade, nós o fizemos cientes de que sua delimitação
conceitual é importante para fins de determinação da materialidade e da base de cálculo do
IR
,
sobretudo do
IRPJ
. E mais, por conta das características do ordenamento jurídico-
constitucional vigente, fomos levados a concluir que não cabe ao legislador
infraconstitucional instituir dispositivos que impliquem vedação, restrição ou condição ao
185
aproveitamento dos dispêndios dedutíveis. Com isso, ele está, na verdade, modificando o
conceito de renda, distorcendo a regra-matriz de incidência do
IRPJ
, o que lhe é vedado na
estrutura do ordenamento, por implicar em indevido alargamento da competência tributária.
Parece-nos, em princípio, que as disposições que impõem vedação, restrição ou
condição à dedutibilidade fiscal intencionam coibir abusos praticados por alguns contribuintes
que, na tentativa de se eximir ilegitimamente da tributação, criam artimanhas que permitem
reduzir a incidência tributária mediante o aproveitamento de despesas artificialmente
construídas. Esse cenário, embora plausível porque temos ciência de que situações
desse tipo —, não é argumento suficiente para legitimar a distorção de um conceito
constitucionalmente posto. Com efeito, se admitirmos a manutenção dos enunciados que
apontam a vedação ao aproveitamento das despesas, não faremos outra coisa que não
distorcer o conceito de renda o que é insustentável. Daí nossa conclusão, firmada
precipuamente com base nas lições de José Artur Lima Gonçalves, de que não é dado ao
legislador ordinário modificar conceitos delineados pela Constituição Federal. Nas palavras
desse autor, “[...] por respeito ao conceito (constitucionalmente pressuposto de renda), a
despesa necessária à percepção do rendimento é, por definição, dedutível, independentemente
da vontade do legislador ou da União”.
226
Se uma despesa é forjada para evitar a incidência do
IR
, caberá ao fisco
desconstituí-la segundo a linguagem das provas. Em termos mais diretos, se o contribuinte
indica, em sua declaração de rendimentos, que incorreu em dado dispêndio, escapando da
incidência do
IR
quanto a essa parcela, a veracidade dessa informação poderá, legitimamente,
ser checada pela autoridade fiscal, que, ao provar ser ela falsa, lançará o tributo que deixou de
ser recolhido sem prejuízo das penalidades cabíveis, inclusive na esfera penal. Essa tese se
ampara nas palavras de Humberto Ávila: “[...] é razoável presumir que as pessoas dizem a
226
GONÇALVES
,
2002, p. 209.
186
verdade e agem de boa-fé, em vez de mentir ou agir de má-fé. Na aplicação do Direito deve-
se presumir o que normalmente acontece, e não o contrário”.
227
Assim, se o direito é linguagem e se a constituição do evento em fato se por meio
da linguagem, então a realidade do direito pode ser modificada por outro fato; logo, a
linguagem das provas é que determinará a validade da informação, examinando seu
fundamento. Se for baseada em simulação ou em hipótese que não atende aos requisitos sobre
os quais tratamos, a desconstituição do fato dispêndio dedutível terá lugar no âmbito de um
procedimento fiscal, abrindo-se caminho para se constituir um fato jurídico tributário e se
impor uma sanção pela sua ocultação.
227
ÁVILA
, 2007, p. 1523.
187
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