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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
RAFAEL TOCANTINS MALTEZ
PUBLICIDADE SUBLIMINAR
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
RAFAEL TOCANTINS MALTEZ
PUBLICIDADE SUBLIMINAR
Dissertação apresentada à banca
examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito das
Relações Sociais, sob a orientação da
Professora Doutora Rosa Maria de
Andrade Nery.
SÃO PAULO
2008
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BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
Dedico este trabalho a Lucas Marino
Maltez
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que colaboraram comigo durante
a elaboração deste trabalho, entre as quais meus queridos amigos e
professores.
Aqui também vai um agradecimento especial para Georgios
José Ilias Bernabé Alexandridis, fonte principal de idéias desta
dissertação.
“O aparente do aparente é o ponto de
contato com o próprio oculto do
oculto. Tal como o horizonte que
conecta terra e céu, o aparente é o
limite da visão a olho nu. Lá, na
interseção em que o óbvio parece
tocar o sublime, o chão e as alturas
literalmente não se tocam. Se você
chegar ao lugar ‘real’ onde seus olhos
achavam que a terra beijava os céus,
continuará existindo a mesma
distância que existe de qualquer outro
ponto. É justamente no
distanciamento, na compreensão das
fundamentais ignorâncias que cercam
o saber, que o cientista pode mediar a
curvatura da terra através do
horizonte, ou que o cabalista pode
encontrar contato entre as coisas que
nunca se encontram”.
(Nilton Bonder)
RESUMO
MALTEZ, Rafael Tocantins. Publicidade Subliminar. 2008. 437f.
Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2008.
O presente trabalho traz como tema de pesquisa a publicidade
subliminar. Considera-se subliminar qualquer estímulo que não é
percebido de maneira consciente. Pode ser caracterizado das
seguintes formas: porque foi mascarado ou camuflado pelo emissor;
porque é captado por uma atitude de grande excitação emotiva por
parte do receptor; porque se produz uma saturação de informações,
ou porque as comunicações são indiretas e aceitas de uma maneira
inadvertida. Com o desenvolvimento do estudo interessa indagar até
que ponto a publicidade que emprega mensagens subliminares está
de acordo com o ordenamento jurídico e com o sistema de proteção
do consumidor. Muito pouco se tem discutido com profundidade
sobre a licitude da veiculação de publicidade com mensagem
subliminar. Por outro lado, não existe legislação específica para
regular a matéria no Brasil. Existe o Projeto de Lei n. 5.047/2001, no
qual proibição expressa da veiculação de publicidade contendo
mensagem subliminar. Nesse contexto, pretende-se examinar neste
trabalho os efeitos da publicidade no consumidor e estabelecer o
regime jurídico da publicidade subliminar. O estudo tem o suporte
metodológico da abordagem dedutiva e a técnica de pesquisa
bibliográfica. Para tanto, será feita análise constitucional e
infraconstitucional de defesa do consumidor por meio de estudo do
sistema de proteção estatuído pelo diploma legal de regência
(princípios, normas, regras e mecanismos de coibição e repressão dos
abusos praticados no mercado de consumo, liberdade de escolha,
proteção contra a publicidade enganosa, intervenção, educação,
dignidade da pessoa humana, transparência, informação, proteção,
proibição de práticas abusivas, identificação publicitária, boa-fé),
verificando se o atual sistema é suficiente para regular a publicidade
com mensagem subliminar ou se é necessária legislação específica
para tal mister. O trabalho está organizado em capítulos e neles são
apresentadas as noções gerais extrajurídicas para a compreensão do
tema, os conceitos de marketing, merchandising e publicidade, e os
princípios relacionados à defesa jurídica do consumidor e ao regime
jurídico da publicidade. Com a análise do material jurídico utilizado
na pesquisa foi possível concluir que o sistema de defesa do
consumidor em vigor proíbe a publicidade subliminar, prescindindo-
se de lei específica.
Palavras-chave: Publicidade. Subliminar. Princípios. Direito do
Consumidor.
ABSTRACT
MALTEZ, Rafael Tocantins. Subliminal advertising. 2008. 437f.
Dissertation (Master in Law). Pontifícia Universidade Católica São
Paulo, São Paulo, 2008.
Subliminal advertising is the research theme of this study. Any
stimulus which is not consciously perceived is considered subliminal. It
can be categorized as it follows: because it is covert or masked by the
sender; because it is perceived by a great excited or emotive attitude of
the recipient; due to the production of too much information; or
because communication is indirect and inadvertently accepted. This
study investigated whether advertising using subliminal messages is
according to the juridical regulation and to the customer’s protection
systems. It has been deeply discussed very little about the legality of
advertising containing subliminal message. On the other hand, there
are no specific laws ruling the issue in Brazil. There is a law project,
n.5047/2001, where advertising containing subliminal messages is
explicitly prohibited. Hence, this study sought to examine the effects of
advertising on the customers and to establish juridical rules on
subliminal advertising. Deductive approach and literature review are
the methodological supports of this study. Thus, it is performed a
constitutional and infra constitutional analysis of customer’s protection
through an investigation of the protection system stated by the legal
ruling diploma (principles, rules, regulation and tools to hinder and
repress abusive practices in the consumer market, freedom of choice,
protection against tricky advertising, intervention, education, human
dignity, transparency, information, protection, prohibition of abusive
practices, advertising identification, bona fide) researching if the recent
system is enough to rule advertising containing subliminal message or
if a more specific legislation is necessary to accomplish it. The study is
organized in chapters and presents general extra juridical notions,
concepts of marketing, merchandising and advertising and principles
related to juridical customer’s protection and to advertising juridical
systems. Through the analysis of the juridical literature used in the
research, it was possible to conclude that the system of customer’s
protection in force prohibits subliminal message, dispensing a specific
law.
Key words: Publicity. Subliminal. Principles. Customer’s Protection Law.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................21
2 SOCIEDADE CAPITALISTA CONTEMPORÂNEA..................................33
2.1 NOÇÕES ZOOLÓGICAS, ANTROPOLÓGICAS, MITOLÓGICAS E
PSICANALÍTICAS .......................................................................................36
2.2 NOÇÕES PSICOLÓGICAS ....................................................................55
2.2.1 Os símbolos ...............................................................................55
2.2.2 O aprendizado............................................................................57
2.2.3 Hierarquia das necessidades de Maslow......................................60
2.3 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR............................................61
3 MARKETING, MERCHANDISING E PUBLICIDADE..............................73
3.1 MARKETING........................................................................................73
3.2 MERCHANDISING ...............................................................................79
3.3 PUBLICIDADE .....................................................................................90
3.3.1 Aspecto histórico ...........................................................................90
3.3.2 Caracterizando a publicidade .....................................................94
3.3.2.1 Conceituação .................................................................................94
3.3.2.2 Função e objetivo...........................................................................99
3.3.2.3 Importância ................................................................................. 105
3.3.2.4 Funcionamento............................................................................109
3.3.2.5 Diferença entre publicidade e propaganda....................................114
3.3.3 Categorias de publicidade e institutos afins .............................119
3.3.3.1 Quanto ao objeto ......................................................................... 119
3.3.3.2 Quanto à mensagem .................................................................... 120
3.3.3.3 Quanto à destinação.................................................................... 121
3.3.3.4 Quanto ao patrocinador ............................................................... 121
3.3.3.5 Quanto à origem .......................................................................... 121
3.3.3.6 Quanto à legalidade ..................................................................... 121
3.3.4 Componente teórico ................................................................125
3.3.4.1 Por modalidade de apelo ..............................................................125
3.4 A INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE...................................................... 126
3.5 ASPECTO JURÍDICO ......................................................................... 134
3.5.1 Regime jurídico anterior ao advento do Código de Defesa do
Consumidor ......................................................................................134
3.5.2 A defesa do consumidor e o diploma legal consumerista...........136
3.5.2.1 Distinção entre oferta (arts. 31, 32, 33 e 35), informação (arts.
30 e 31), publicidade (arts. 30, 35, 36 e 37) e apresentação (arts. 31 e
35)........................................................................................................... 149
3.5.2.2 Sujeitos da mensagem publicitária e objetos ................................152
3.5.2.3 Teaser, Puffing, Briefing e Release ................................................ 154
3.5.2.3.1 Teaser....................................................................................... 154
3.5.2.3.2 Puffing ...................................................................................... 155
3.5.2.3.3 Briefing .....................................................................................156
3.5.2.3.4 Release ..................................................................................... 157
4 SOCIEDADE DE CONSUMO, CRIAÇÃO DE IDENTIDADES SOCIAIS
(“ESTILOS DE VIDA”) E DE NECESSIDADES, INDÚSTRIA CULTURAL
E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO .......................................................159
5 TIPOLOGIA DA PUBLICIDADE ........................................................175
5.1 PUBLICIDADE ENGANOSA................................................................ 175
5.1.1 A classificação de J. Martins Lampreia.....................................182
5.1.2 Enganosidade por omissão .......................................................187
5.2 PUBLICIDADE ABUSIVA....................................................................190
6 PUBLICIDADE SUBLIMINAR ...........................................................195
6.1 CONCEITO E ETIMOLOGIA DO TERMO “SUBLIMINAR” ....................195
6.2 EVOLUÇÃO E UTILIZAÇÃO DE MENSAGEM SUBLIMINAR ................ 196
6.3 O FUNCIONAMENTO DAS MENSAGENS SUBLIMINARES.................. 198
6.3.1 O cérebro .................................................................................200
6.3.2 O inconsciente.........................................................................201
6.3.3 Gestalt.....................................................................................205
6.3.4 Os sentidos ..............................................................................209
6.3.4.1 Os estímulos visuais .................................................................... 210
6.3.4.2 Os estímulos olfativos .................................................................. 213
6.3.4.3 Os estímulos auditivos.................................................................214
6.4 AS QUATRO DIMENSÕES DE ALTER REBE ......................................216
6.5 MEIOS DE VEICULAÇÃO...................................................................218
6.6 CONSEQÜÊNCIAS, EFEITOS E EFICÁCIA DA TÉCNICA
SUBLIMINAR ........................................................................................... 219
6.7 FORMAS DE ESTÍMULO SUBLIMINAR...............................................227
6.8 CARACTERIZAÇÃO DA TÉCNICA SUBLIMINAR ................................. 228
7 O CONTROLE DA PUBLICIDADE .....................................................233
7.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES....................................................233
7.2 NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO ........................................... 235
7.3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ART. 5º IX CONSTITUIÇÃO
FEDERAL)242
7.4 CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA REGULAMENTAÇÃO
DA PUBLICIDADE ................................................................................... 244
7.5 PROTEÇÃO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE, DA SAÚDE E DO MEIO
AMBIENTE .............................................................................................. 252
7.6 ESFERAS, INSTRUMENTOS LEGAIS, FORMAS E LIMITES DE
CONTROLE DA PUBLICIDADE ................................................................259
7.6.1 Controle privado (auto-regulamentação, regulamentação não
oficial ou autocontrole) ....................................................................259
7.6.2 Controle estatal (ou legal) .......................................................264
7.6.3 Controle misto.........................................................................264
7.7 A PUBLICIDADE COMO FONTE DE OBRIGAÇÕES ............................ 266
8 PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS COM A
PUBLICIDADE ...................................................................................271
8.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES....................................................271
8.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III) ......... 274
8.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE (ART. 1º, IV, ART. 3º, I, ART. 5º, INCS
IV, VI, IX, LIV, LXVIII, ART. 170) ............................................................. 278
8.4 PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA.................................................279
8.5 PRINCÍPIO DA DEFESA DO CONSUMIDOR .......................................281
9 PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.................285
9.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.... 285
9.1.1 Princípio da informação (arts. 4º, IV e VIII, e 6º, II e III) ..........286
9.1.2 Princípio da Transparência (arts. 4º, caput, 46, 52, 54,
parágrafos 3º e 4º).............................................................................289
9.1.3 Princípio da boa-fé (arts. 4º e 51) .............................................292
9.1.3.1. O art. 4º do Código de Defesa do Consumidor ............................. 301
9.1.3.2 O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor..............................303
9.1.3.2.1 A ética e a moral ....................................................................... 306
9.1.4 Princípio da vulnerabilidade (art. 4º, I) ....................................316
9.1.5 Princípio da indenização integral (art. 6º, VI) ..........................319
9.1.5.1 Responsabilidade solidária do anunciante, da agência, de
publicitários e do veículo .........................................................................324
10 PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DA PUBLICIDADE ...............................329
10.1 PRINCÍPIO DA VERACIDADE DA PUBLICIDADE (ART. 31, C.C. O
ART. 37, §§ 1º E 3º) .................................................................................329
10.2 PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO
PUBLICITÁRIA (ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO) ....................................... 332
10.3 PRINCÍPIO DA IDENTIFICAÇÃO DA PUBLICIDADE (ART. 36,
CAPUT) ................................................................................................... 333
10.4 PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO CONTRATUAL DA MENSAGEM
PUBLICITÁRIA OU DA OBRIGATORIEDADE DO CUMPRIMENTO
(ARTS. 30 E 35) ...................................................................................... 338
10.5 PRINCÍPIO DA NÃO-ABUSIVIDADE DA PUBLICIDADE (ART. 31,
C/C ART. 37, §2º).................................................................................... 343
10.6 PRINCÍPIO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DO DESVIO
PUBLICITÁRIO (ART. 38) ........................................................................345
10.7 PRINCÍPIO DA CORREÇÃO DO DESVIO PUBLICITÁRIO –
CONTRAPROPAGANDA (ART. 56, XII E 60) ............................................. 346
11 REGIME JURÍDICO DA PUBLICIDADE...........................................351
11.1 JULGADOS......................................................................................364
11.2 DIREITO ESTRANGEIRO ................................................................. 366
12 CONCLUSÃO...................................................................................... 369
REFERÊNCIAS ..................................................................................375
ANEXOS …………….…………………………………………………………...........385
ANEXO A – Revista MTV....................................................................386
ANEXO B – Revista Isto é ..................................................................387
ANEXO C – O falo na estilização de veículo .......................................388
ANEXO D – O falo na publicidade.......................................................389
ANEXO E – O falo em placa comercial ...............................................391
ANEXO F – O falo na embalagem do bombom Ouro Branco ................392
ANEXO G – O falo no rótulo da cerveja Itaipava.................................393
ANEXO H – O falo no logotipo da Rede Globo de Televisão.................395
ANEXO I – O falo no desenho A Pequena Sereia .................................396
ANEXO J – Placas de trânsito............................................................397
ANEXO K –
a Ilusão de Muller-Lyer, o cubo de Becker, o
tridente de Schuster e a figura de Rubin
.................................398
ANEXO L – Exemplos de Ilusão de ótica ............................................400
ANEXO M – La vie en rose e pato-coelho............................................402
ANEXO N – Segregação......................................................................404
ANEXO O – Unificação.......................................................................405
ANEXO P – Fechamento ....................................................................406
ANEXO Q – Proximidade....................................................................407
ANEXO R – Semelhança ....................................................................408
ANEXO S – Exemplos de Gestalt........................................................409
ANEXO T – Rei Leão..........................................................................410
ANEXO U – Publicidade da Gucci .......................................................411
ANEXO V – Desenho de Escher ..........................................................412
ANEXO X – Arcimboldo – Jurista .......................................................413
ANEXO Z – Bolo ................................................................................414
ANEXO AA – Lubrificante íntimo .......................................................415
ANEXO AB – Publicidade da Souza Cruz e do Mundo de Marlboro ......416
ANEXO AC – Publicidade da coca-cola ...............................................417
ANEXO AD – Publicidade de perfume.................................................418
ANEXO AE – Desenho animado Bernardo e Bianca.............................419
ANEXO AF – Desenho animado Bob Esponja calça quadrada ..............420
ANEXO AG – Lata do refrigerante Guaraná Antártica .........................421
ANEXO AH – Menthol ........................................................................422
ANEXO AI – Gin……………………………………….……………………………….425
ANEXO AJ – Seqüência do filme Homem-Aranha. Primeiro surge
o imperativo “eat” (coma) e em seguida o logotipo do McDonalds……427
ANEXO AK – Seqüência do filme Matrix, com a publicidade da HP…..428
ANEXO AL – Seqüência do filme Clube da Luta, com inserção de quadro
fálico na cena final…………………………………………………………………..429
ANEXO AM – História em quadrinho do Horácio……………………………430
ANEXO AN – Embalagem do McDonalds……………………………………….431
ANEXO AO – Cartaz do filme o Silencio dos Inocentes………………..…432
ANEXO AP – Rótulo da cerveja Imperial……………………………………….433
ANEXO AQ – Vinheta da televisão MTV de forma subliminar…………..434
ANEXO AR – Jogo de vídeo-game………………………………………………..435
ANEXO AS – Propaganda subliminar na campanha presidencial Bush-
Gore……………………………………………………………………………………….436
ANEXO AT – Lula e o polêmico terceiro mandato………………………….437
1 INTRODUÇÃO
O trabalho que se inicia traz como tema de estudo a publicidade
subliminar.
Quando se analisa a linha imaginária seqüencial da história nos
milênios anteriores é possível identificar, até com certa facilidade, que nos
últimos 150 anos houve uma mudança profunda e essencial no modus
vivendi humano e na sua forma de organização social e política.
Alexandre Volpi constata que ocorreram diversas mudanças em
curto período de tempo.
Ao se referir ao Brasil, o autor menciona que no século XX o país
assistiu ao repentino avanço do capitalismo, da urbanização e da
industrialização. A sucessão dos acontecimentos ocorreu em velocidade
vertiginosa, o que acarretou um ambiente dinâmico para as relações de
consumo
1
.
O ponto de partida dessa nova realidade, que passou a mascarar
esse admirável mundo novo, foi a Revolução Industrial
2
.
A Revolução Burguesa não pode ser esquecida, porquanto teve um
papel fundamental para a definição da nova conjuntura
3
.
1
VOLPI, Alexandre. A história do consumo do Brasil: do mercantilismo à era do foco no
cliente. Rio de Janeiro: Campus, 2007, p.73.
2
Conforme ensinamento de François Caron, a primeira Revolução Industrial ocorreu até
1840 e nasceu na Inglaterra com a invenção da máquina a vapor por James Watt em 1776.
A segunda ocorreu nos EUA, com a primeira central elétrica aberta em 1882 por Thomas
Edison. A terceira é a da eletrônica, que avançou progressivamente antes de invadir o
conjunto do sistema técnico e de desembocar na informática, na robótica e em redes como a
Internet. Apud RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema.
Tradução: Luís Filipe Sarmento e Isabel Salvado. 2. ed. Porto: Campo das Letras, 2000, p.
17).
3
Fábio Konder Comparato aponta as mudanças havidas na sociedade industrial nos
seguintes termos: “Ela se caracteriza no plano técnico pelo predomínio do maquinismo, com
a progressiva mecanização das atividades humanas, não só no que se refere ao esforço
físico, como também no campo da produção intelectual. No plano social, a sociedade
industrial desencadeou um processo de socialização crescente, com a multiplicação e a
complexificação das relações entre indivíduos e grupos. Finalmente, no plano econômico, a
Revolução Industrial deu início a um regime de economia de massa, caracterizado pela
produção em série, pelo aumento e a padronização do consumo”. COMPARATO, Fábio
Konder. Obrigações de meios, de resultado e de garantia. RT 386/26. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1967, p. 27.
3
Depois dessa união, um tanto simbiótica, acompanhada de
tecnologia e estrutura socioeconômica
4
, a situação tornou-se até covarde,
pois poucos conseguiram resistir ao encanto do empreendimento capitalista,
com o inconfundível estilo de vida e toda ideologia que dele resulta, nem
mesmo os mais poderosos impérios, que em pouco tempo sucumbiram a
tanto deslumbramento
5
.
Estava, assim, armada a cena para a nova estruturação da vida
social, primeiramente esboçada na Europa e depois capitaneada pelos EUA,
com seus lemas time is money e american way of life”, impulsionada e
alimentada, vale lembrar, pela indústria cinematográfica hollywoodiana.
Como bem enfatizou Ignácio Ramonet, no passado genocidas
(contra os índios), escravagistas (contra os negros de África), expansionistas
(contra os mexicanos) e colonialistas (contra os porto-riquenhos), os Estados
Unidos da América, sem dúvida fatigados pela sua excessiva brutalidade,
sempre aspiraram instalar-se pacificamente nas cabeças de todos os não-
americanos e a seduzir suas almas
6
.
Imperioso ter em mente que, com a expropriação da força de
trabalho
7
- doravante simples valor a ser vendido, ou seja, apenas
mercadoria de troca
8
- e a concentração dos meios de produção (e após, os
4
São marcadores da revolução econômico-industrial: “[...] bens produzidos de forma
padronizada, em quantidades elevadas e custo baixo, cujo expoente máximo foi o modelo
fordista da linha de montagem. A mudança é brutal, pois a identidade do consumidor vai
depender bem mais de suas posses e consumo aparente do que de seu caráter”
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 139-140.
5
“O fato é que o sistema capitalista de produção vem estendendo seus tentáculos a cada vez
mais países, trazendo, a tiracolo, o ovo da serpente: o consumismo. A cultura do consumo é
gerada por esse binômio capitalista/consumo contínuo e se estabelece quando uma
significativa parcela da sociedade está ávida por consumir bens e serviços não por razões de
utilidade, mas por status ou mesmo pela novidade”. SCHWERINER, Mário Ernesto René.
Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 139-
140).
6
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 24-25.
7
Em complemento: “A partir do momento em que deixam de produzir os seus meios de
subsistência, os trabalhadores perdem a capacidade de definir as características destes
meios”. COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar? São Paulo:
Paulus, 2003, p. 6.
8
Para o autor, desenvolveu-se, então, uma tendência na sociedade capitalista, que é a da
transformação em mercadoria de todas as atividades sociais” e não somente o trabalho.
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar? p. 6.
4
meios de comunicação) nas mãos de empresários
9
, o capitalismo se baseia
no consumo, para possibilitar a continuidade do sistema. Nesse cenário, o
trabalhador tornou-se consumidor
10
.
O trabalhador vende sua força (seja física, seja intelectual)
11
; com o
resultado (remuneração), quando adquire produtos e serviços, devolve-o ao
empresário. O empresário pode, ele mesmo, auferir sua parte para adquirir
bens e serviços de outros empresários, e pagar os salários, em um sistema
de moto perpétuo
12
.
O sistema capitalista de produção é insaciável, a sua ratio essendi
é a produção constante. Com o avanço da tecnologia tem sido possível
produzir em larga escala, reduzir preços e tornar produtos e serviços cada
vez mais acessíveis. Assim, quanto mais se consome, mais lucro é gerado,
em um movimento sucessivo, crescente.
9
“Junto com a perda do controle sobre os meios de produção, os trabalhadores perdem o
controle sobre os meios de satisfação de suas necessidades” e dessa forma as “empresas
apropriaram-se da capacidade de definir quais o as necessidades e como elas devem ser
satisfeitas [...]. As necessidades perdem os seus atributos genéricos, universais,
manifestando-se sempre de forma singularizada, COELHO, Cláudio Novaes Pinto.
Publicidade: é possível escapar? p. 7.
10
Com a transformação do trabalhador em consumidor de produtos industrializados
perdeu-se o controle sobre as manifestações das necessidades básicas: somos incentivados
a sentir cada vez mais necessidades, tornando-se difícil saber o que é uma necessidade real
e o que é uma necessidade criada pela publicidade”. COELHO, Cláudio Novaes Pinto.
Publicidade: é possível escapar? p. 8.
11
“Neste aspecto, o sistema publicitário pode ser considerado um prolongamento das
características do processo de produção. No modo de produção capitalista, o trabalhador
vende para a empresa a sua força de trabalho, perdendo o controle sobre a utilização das
suas habilidades manuais e intelectuais; o trabalhador se transforma em objeto, em força
produtiva a serviço dos interesses da empresa”, sendo que “A característica essencial, que
define a sociedade capitalista, é a alienação. Nesta sociedade, os trabalhadores perderam o
controle sobre o processo de trabalho, perderam a capacidade de definir os meios de
satisfazer suas necessidades, bem como deixaram de ser reconhecidos como produtores de
cultura. Além disso, os trabalhadores não são mais capazes de controlar o uso do seu
próprio corpo, perdendo também o poder de definir as características do próprio corpo. Em
síntese, as características que definem o trabalhador como ser humano e ser social não
mais lhe pertencem, foram alienadas, pertencendo à sociedade capitalista”. COELHO,
Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar? São Paulo: Paulus, 2003, p. 38-40.
12
Adorno analisa que “na sociedade capitalista o trabalhador perdeu a capacidade de
determinar as características do processo de trabalho, que é encarado socialmente como
uma atividade obrigatória e não prazerosa. Para compensar o caráter não livre do trabalho,
a ideologia da sociedade capitalista de consumo atribui ao tempo não dedicado ao trabalho
a característica de ‘tempo livre’. No entanto, a própria sociedade capitalista de consumo se
encarrega de orientar o uso do ‘tempo livre’, tendo em vista que é nesta ocasião que se o
processo de consumo”. Apud COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível
escapar?, p. 27.
5
Alexandre Volpi
13
, ao comentar o período de início da
industrialização, afirma que:
Na esfera global, a industrialização democratizou o know-how. As
novas tecnologias tornaram-se cada vez mais acessíveis. A
produtividade estimulou a automação e vice-versa. Abriram-se as
comportas da produção em larga escala, nivelando a qualidade dos
produtos e barateando seus custos – e, conseqüentemente, seus
preços ao consumidor final. Ergueu-se um obstáculo contra o
monopólio e ampliou-se a oferta.
Contudo, constatou-se que não seria suficiente a mera oferta para
que fosse absorvida toda a produção. O mercado precisava de algo a mais
para poder se retroalimentar
14
.
A publicidade se insere nesse contexto
15
como um dos elementos
responsáveis pelo sucesso da sociedade capitalista, no seu objetivo de
influenciar a vontade do consumidor e introduzir novas “necessidades”
16
.
Após a Revolução Industrial e principalmente nos anos seguintes à
Segunda Guerra Mundial, as empresas passaram a deter um poder
13
VOLPI, Alexandre. A história do consumo do Brasil: do mercantilismo à era do foco no
cliente. Rio de Janeiro: Campus, 2007, p. 43.
14
“[...] com a fábrica suplantando a economia doméstica; a produção superando a demanda,
e o consumidor tendo que escolher entre as numerosas fontes de abastecimento, o
comerciante entendeu que não bastava informar o público, tinha que persuadi-lo a comprar.
Antes, se o consumidor tinha que buscar as mercadorias, com a publicidade as mercadorias
vão ao seu encontro e, conforme a nova forma de fabricação garante a abundância, o
consumidor é convocado e assediado por uma diversidade de ofertas que não satisfazem
somente as suas necessidades, como descobrem o gosto humano e antecipam a educação
do uso”. GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva. Porto Alegre:
Sulina, 2003, p. 82.
15
“Acompanhar o desenvolvimento da publicidade é acompanhar o desenvolvimento da
sociedade de consumo. A sociedade de consumo de uma conseqüência do processo de
industrialização. A crescente capacidade de produção de mercadorias precisa ser
acompanhada pela compra destas mercadorias. Os grupos dirigentes da sociedade
capitalista desenvolvem, desde o final do século XIX, estratégias de incentivo ao consumo: a
publicidade é um componente essencial destas estratégias”. COELHO, Cláudio Novaes
Pinto. Publicidade: é possível escapar? p. 5. No mesmo sentido: “A concorrência se acirrou
[após o fim da II Guerra Mundial] e a avalanche de novos produtos e marcas prescindiu de
um instrumento até então mais utilizado pelos governos em guerra para convencer os
consumidores a adquiri-los: a propaganda”. SCHWERINER, Mário Ernesto René.
Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais. p. 140.
16
Para Vera M. Jacob de Fredara, é por meio da publicidade “que o Mundo, e todas as suas
facetas, nos é oferecido, como se fora uma vitrine, onde são expostas as ‘novidades’ que, a
partir de então, passam a ser ‘necessidades’, mostradas que são como indispensáveis ao
conforto e à atualização da vida e dos lares”. Apud BENJAMIN. Antônio Herman de
Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor n.
9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 28.
6
comparável (ou mesmo superior) ao do Estado
17
. A personalidade jurídica foi
conferida às pessoas jurídicas pelo Estado e este, diante do escudo protetor
por ele mesmo criado, ante a existência da ficção de se atribuir às empresas
direitos idênticos àqueles pertencentes às pessoas físicas, tem dificuldade de
controlar/fiscalizar/responsabilizar a atividade destas mesmas empresas.
São grupos econômicos que, devido à importância que assumiram no
contexto do mundo capitalista
18
, passaram a ter influência dentro dos
poderes estatais constituídos, até de modo transnacional, fato que contribui
para aumentar ainda mais a dificuldade de responsabilizá-los e de fiscalizar
as suas atividades. Existem empresas globais que atuam por meio de
dezenas ou centenas de filiais que detêm faturamento superior ao Produto
Interno Bruto (PIB) de muitos países.
As empresas passaram a investir maciçamente em pesquisas
científicas, pode-se dizer, para abrir mais caminho para produzir e “vender”
mais.
As pesquisas englobam todas as áreas do conhecimento, inclusive
a jurídica, haja vista a necessidade de enfrentamento das complexas
demandas judiciais. Tanto é assim que nos Estados Unidos da América
(EUA) são apresentadas para debate judicial questões relativas à
possibilidade de patentear seres vivos (com a vitória das empresas neste
sentido). Na Colômbia, em determinada época houve a privatização da água
(inclusive da chuva)
19
.
Investimentos maciços também foram feitos na área da
publicidade, inclusive, mediante a contratação de profissionais das mais
17
François Houtar aduz que “o fenômeno da globalização é processo econômico atual que
provoca o deslocamento do foco do poder, do Estado para a empresa, em virtude da
diminuição da parte do Estado como redistribuidor de riquezas e árbitro social, o que se fez
pelas ondas de privatização, não somente dos setores econômicos, mas também dos serviços
públicos”. Apud NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à
teoria geral do Direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 65.
18
“Não é por acaso, tendo em vista as características da globalização neoliberal (abertura
dos mercados), que um processo intenso de constituição (mediante fusões ou
incorporações) de conglomerados empresariais gigantescos e dotados de capacidade de
autuação em diferentes países”. GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda.
p. 30-31.
19
ACHBAR, Mark; SIMPSON, Bart. The Corporation. São Paulo: Zeitgeist Films. Imagem
Filmes, 2004. (DVD) (145 min.).
7
diversas ciências do conhecimento: psicologia, fisiologia, sociologia,
antropologia, lingüística, comunicação, economia, psicanálise, neurologia,
entre outras
20
. Também se investiu significativamente no estudo da mente
com o fito de descobrir a fundo o seu funcionamento. Na trajetória dessas
pesquisas, técnicas questionáveis têm sido utilizadas nos anúncios
publicitários.
Enquanto as empresas investem milhões nas descobertas e outros
tantos para aplicá-las, o pensamento jurídico ainda engatinha,
principalmente no Brasil. O fato é que ainda existem muitos aplicadores do
Direito a fundamentar seus argumentos no pacta sunt servanda, sem
maiores indagações ou investigações; outros cimentam suas decisões, por
exemplo, nas ações contra as empresas de produtos fumígenos, com o
chavão de que “o consumidor fumou porque quis e, portanto, a empresa não
tem responsabilidade”.
A cultura ocidental vive dominada pelo pensamento capitalista
selvagem
21
, que anseia e age movido tão-só pela lógica de lucro e produção
desmedida de bens materiais. Há imposição de um estilo de vida considerado
ideal (por exemplo, usar determinada roupa, de determinada marca, de
determinada cor)
22
. Dentro desse quadro situam-se a sociedade de massa e
a sociedade de consumo
23
.
20
Marshall McLuhan afirmava em 1968 que “os publicitários consagram, todos os anos,
milhares e milhares de dólares na investigação e no exame das reações do público, e a sua
produção é uma extraordinária acumulação de dados sobre a experiência e os sentimentos
comuns de toda a sociedade”. Apud RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas,
televisão, cinema, p. 53.
21
“O chamado ‘capitalismo selvagem’ que o Brasil desenvolveu durante tempos, representou
a priorização, patrocinada pelo Estado, da expansão produtiva e consumista, inclusive em
detrimento do meio ambiente e de causas sociais, como saúde, educação, turismo e a
própria proteção ao consumidor. Inserida nesse quadro, a publicidade, incumbida de
realizar os objetivos promocionais sem uma visão crítica do processo, ajudou sobremaneira
a efetivar a prática em que os interesses empresariais e estatais estiveram acima dos
interesses sociais”. GIACOMINO FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. p. 85.
22
“O conjunto das peças publicitárias funciona como um sistema que captura a dimensão
instintiva dos membros da sociedade capitalista de consumo, esvaziando a capacidade de
sermos sujeitos dos próprios desejos. A publicidade diz o que devemos desejar, por que
devemos desejar e como os desejos podem ser realizados: a dimensão instintiva foi colocada
a serviço da reprodução da sociedade capitalista de consumo. Desejamos o que esta
sociedade nos oferece, dela dependemos para a concretização dos desejos. Mas, esta
situação de dependência não é vivida como tal. Assim como a criança não possui
consciência de sua situação de dependência da mãe, o consumidor também não possui
consciência da sua dependência das empresas fabricantes dos produtos que consome ou
8
Os valores espirituais, morais e éticos são deixados de lado para
que prevaleçam o materialismo
24
e o individualismo
25
. Nesse modelo de
sociedade, não raro, os sujeitos se tornam objeto e os objetos sujeitos
26
. A
publicidade participa ativamente dessa realidade, seja desenvolvendo-a, seja
perpetuando-a
27
.
As pessoas, antes de “ser” desejam “ter”
28
; muitas vezes não sabem
sequer o porquê de tal desejo, nem a utilidade real dos produtos que
gostaria de consumir”. COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?
p. 10).
23
São “características da sociedade de consumo: consumo de massas, elevado índice de
consumo per capita, moda em velocidade de progressão geométrica, mercadorias
descartáveis, mercadorias-signo, sentimento de insaciabilidade, o consumidor como
personagem principal”. SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do
Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais. p. 138.
24
“A sociedade contemporânea é materialista, hedonista, narcisista, focada no dinheiro, em
que o mote é ter, em vez de ser. É o que se convencionou denominar sociedade de consumo
ou cultura do consumo”. SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do
Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais. p. 139.
25
“A linguagem publicitária se caracteriza pelo reforço do individualismo”, ou seja,
concentra o receptor em si próprio, egoisticamente. CARVALHO, Nely de. Publicidade A
linguagem da sedução. 3ª ed. 7ª impressão. São Paulo: Ática, 2006, p. 13.
26
“Na sociedade capitalista contemporânea, os indivíduos se vêem e devem ser vistos como
produtos que estão à venda [...] o indivíduo deve considerar-se como se fosse uma empresa,
buscando sempre um interesse econômico, visando sempre a concretização de uma
possibilidade para a obtenção de lucro [...] Neste contexto, a publicidade torna-se a forma
predominante de comunicação social. “Existe um caráter regressivo da sociedade capitalista
de consumo: a cultura do narcisismo significa uma regressão à fase da vida psíquica
marcada pela indistinção entre o eu e o outro. A transformação do eu em produto é
inseparável da transformação do outro em produto. Dentro do contexto do neoliberalismo,
os outros seres humanos devem ser vistos como objetos para a satisfação das minhas
necessidades”. COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar? p. 13-
14). Assim, “em boa parcela das situações, o ser humano/consumidor, quando adquire bens
que lhe conferem status, torna-se o objeto na relação de consumo, enquanto os objetos
acabam por assumir o papel de sujeitos[grifos no original]. SCHWERINER, Mário Ernesto
René. Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais p.
165.
27
“Por intermédio da publicidade, características humanas são atribuídas aos produtos”,
representando um processo de humanização dos objetos inverso do processo de reificação
do ser humano, “criando um vínculo entre uma determinada mercadoria e os consumidores
que se identificam com estas características. Mediante esta identificação, o consumidor
relaciona-se com a mercadoria como se ela fosse produzida para ele”. Por outro lado, “o
consumidor olha para o seu corpo como se fosse um objeto externo a ele mesmo, o corpo do
consumidor é um corpo coisificado, transformado em objeto. Olhamos para nossos corpos
procurando detectar a que falta para eles se transformarem em corpos idênticos ao corpo
padrão, isto é, o corpo mostrado nas peças publicitárias”. GIACOMINO FILHO, Gino.
Consumidor versus Propaganda. p. 38, 29.
28
Esses verbos inspiram conceitos tão discrepantes e em tal medida é importante saber o
valor que pesa sobre cada qual. A respeito, Nilton Bonder faz interessante observação:
“Parece tão fundamental no desenvolvimento humano a capacidade de saber distinguir
9
adquirem. Deseja-se apenas estar na moda, estar igual, ter os mesmos bens,
ser aceito.
A publicidade revela-se como fator importante da “ditadura da
moda”, da ânsia de se vender um estilo de vida como sendo o certo, o bom, o
gostoso, aquele que traz satisfação
29
e felicidade
30
. A publicidade, inclusive,
transforma a realidade
31
e dita necessidades
32
. Guido Alpa chegou a
comentar que a publicidade representa o próprio símbolo da sociedade de
consumo
33
, um fenômeno não eliminável das sociedades capitalistas
34
. Não é
por outra razão que empresas investem cifras astronômicas em pesquisas
para conhecer os mecanismos da formação da atitude, da vontade e do
desejo do consumidor.
Bem por isso, o capitalismo, com sua lógica de mercado,
descobriu que por meio de publicidade é possível influenciar o consumidor,
por vezes até de modo ilícito, para que adquira os produtos e serviços
colocados à venda, mitigando a liberdade de escolha do indivíduo. Ao
consumidor impõe-se que aja por impulso ou de forma irracional, sem
“possibilidade” ou “chance” de reflexão séria.
esses verbos que em nenhum idioma eles se misturam. Enquanto os verbos ‘ser’ e ‘estar’
suportam em vários idiomas a mesma representação, apesar de conceitualmente distintos, o
mesmo não ocorre com o verbo ‘ter’. Não há língua na qual o ‘ter’ não precisa se desenvolver
como um conceito distinto do conceito de ‘ser’”. BONDER, Nilton. Ter ou não ter, eis a
questão!: a sabedoria do consumo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p. 9.
29
“Tomando por base o vazio interior de cada ser humano, a mensagem faz ver que falta
algo para completar a pessoa: prestígio, amor, sucesso, lazer, vitória [...]. Por meio das
palavras, o receptor ‘descobre’ o que lhe faltava, embora logo após a compra sinta a
frustração de permanecer insatisfeito”. CARVALHO, Nely de. Publicidade A linguagem da
sedução. p. 19.
30
“Possuir objetos passa a ser sinônimo de alcançar a felicidade [...] Sem a auréola que a
publicidade lhes confere, seriam apenas bens de consumo, mas mitificados, personalizados,
adquirirem atributos da condição humana”. CARVALHO, Nely de. Publicidade A
linguagem da sedução. p. 12-13.
31
Assim, “com o uso de simples palavras, a publicidade pode transformar um relógio em
jóia, um carro em símbolo de prestígio e um pântano em paraíso tropical”. CARVALHO, Nely
de. Publicidade – A linguagem da sedução. p. 18.
32
A publicidade é uma máquina de criar desejos e transformá-los em necessidade”.
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução. p. 16.
33
Apud DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor - Aspectos práticos - Perguntas e
respostas. 2ª edição, revista e ampliada. Bauru: Edipro, 2000, p. 53.
34
Apud ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.
53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 17.
10
Esse cenário permitiu o desenvolvimento da técnica de mensagens
subliminares. A sua utilização é fato incontroverso, tanto na publicidade
como na propaganda, mas tem causado muitas discussões.
Nesse contexto importa questionar se o ordenamento posto, por
meio de seus princípios, regras e mecanismos protetivos - boa-fé, coibição e
repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo,
liberdade de escolha, proteção contra a publicidade enganosa, intervenção,
educação, dignidade da pessoa humana, transparência, informação,
proteção, proibição de práticas abusivas, identificação publicitária) - é
suficiente para regular a publicidade com mensagem subliminar, afastando
a necessidade de criação de um regime jurídico próprio.
Ao abordar tal problemática, pretende-se neste trabalho
demonstrar o poder de influência da publicidade/propaganda na conduta
das pessoas e o quanto ela pode ser nociva ao consumidor.
Para atingir tal objetivo é necessário fazer um estudo aprofundado,
de cunho científico. Ressalta-se, porém, que “não é a qualquer investigação
que se pode dar qualidade de científica. Científica é a investigação que tem
compromisso ético com a vida e com valores fundamentais do homem”
35
.
Os objetivos específicos traçados visam: (a) esclarecer o significado
do termo “publicidade”; (b) identificar o que se entende por “mensagem
subliminar”, perquirindo o seu conteúdo e alcance; (c) identificar o regime
jurídico da publicidade; (d) analisar os princípios que regem as relações de
consumo, notadamente os da boa-fé, transparência, identificação da
mensagem publicitária, não-abusividade da publicidade, não-enganosidade,
liberdade de escolha; (e) analisar o instituto da responsabilidade diante de
uma relação de consumo; (f) discutir até que ponto a empresa é responsável
pela publicidade com mensagens subliminares; (g) indagar a validade do
negócio jurídico entabulado diante da veiculação de mensagem subliminar.
A propósito, tantos questionamentos permitem constatar que
uma lacuna no conhecimento que alude à publicidade com mensagem
subliminar, sobretudo no arcabouço jurídico para dar suporte e regramento
35
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p. 71.
11
às proezas do mercado capitalista que despreza questões éticas, sociais e
ambientais em troca da produção desenfreada e do lucro a qualquer custo,
para dizer o menos.
Como corolário desse status quo, pouco ou nada se tem seriamente
discutido sobre a possibilidade de veiculação dessa modalidade de
publicidade e as conseqüências jurídicas desta prática. Por outro lado, não
existe legislação específica para regular a matéria no Brasil, apenas o Projeto
de Lei n. 5.047/2001, que proíbe a veiculação de publicidade contendo
mensagem subliminar. Na redação do seu art. , dispõe que a Lei n
8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor - passa a vigorar acrescida
dos seguintes artigos:
Art. 37-A. É vedada, na propaganda comercial veiculada nas
emissoras de radiodifusão de sons e imagens, nos canais de televisão
por assinatura e em salas destinadas à exibição de filmes, a
utilização de recursos destinados à sensibilização subliminar do
espectador.
[...]
Art. 69-A. Veicular nas emissoras de radiodifusão de sons e imagens,
nos canais de televisão por assinatura e em salas destinadas à
exibição de filmes, propaganda comercial que faça uso de recursos
destinados à sensibilização subliminar do espectador.
Pena – detenção de seis meses a dois anos e multa.
Bem a propósito, nas justificativas do referido Projeto de Lei expôs
o legislador-relator, litteris:
Cabe-nos, porém, aperfeiçoar continuamente a legislação,
incorporando novas disposições que coíbam práticas lesivas ao
consumidor que não tenham sido claramente previstas no texto
original.
Entre estas, destaca-se o uso de técnicas denominadas de
mensagem subliminar’, que não estão adequadamente
caracterizadas no Código de Defesa do Consumidor, em vista de
sua redação por demais genérica.
Buscando promover o aperfeiçoamento da matéria, oferecemos aos
ilustres Pares esta proposição, que melhor delimita os recursos de
mensagem subliminar amplamente usados na propaganda e que, em
última instância, afetam o comportamento do consumidor,
induzindo-o ao consumo compulsivo.
Procuramos, dessa forma, evitar determinadas práticas que
beiram o antiético, a exemplo da desenfreada utilização do
erotismo na propaganda brasileira. Em vista da relevância do tema,
em especial por afetar a formação cívica dos jovens brasileiros,
12
esperamos contar com o apoio dos ilustres colegas parlamentares
para aprovação desta iniciativa [sem grifos no original]
36
.
Apesar da carência legislativa apta a balizar as práticas de
publicidade de conteúdo subliminar, a matéria encontra o devido
regramento - de forma expressa - em outros países, como é o caso da
Espanha.
Nesse aspecto, quadra mencionar que o primeiro contato
(consciente) com as mensagens subliminares ocorreu quando o pesquisador
residia em França. Era época de eleição presidencial. Na vinheta do jornal
televisivo, em determinado momento, aparecia de forma velada o semblante
do candidato, à época, o Sr. François Miterrand
37
. Por considerar que havia
conteúdo subliminar, a oposição, discordando, prontamente reagiu e a
imagem foi retirada. Esse fato suscitou grande discussão para definir se a
inserção da imagem do candidato era intencional e se seria capaz de
influenciar o eleitor.
Pois bem, são esses os aspectos que emolduram o presente estudo.
Para enfrentar a tarefa adotou-se como suporte metodológico a
pesquisa exploratória de raciocínio dedutivo, assim entendido aquele que
parte de proposições gerais já firmadas sobre o assunto escolhido, e a
técnica bibliográfica, essencial para compor o referencial de base e estribar
possíveis respostas à problemática levantada. Os dados - de natureza
secundária foram extraídos de renomada doutrina, revistas, sites e artigos
especializados que mantêm pertinência com o tema: publicidade com
mensagens subliminares.
O trabalho, que resulta neste relatório de pesquisa, está
estruturado em capítulos. Primeiramente são abordadas as características
relevantes do ser humano no que tange ao comportamento relacionado com
36
BRASIL. CAMARA DE DEPUTADOS. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 20 ago. 2008.
37
“Em 1988, na França, o então presidente eleito François Miterrand foi acusado de ter se
beneficiado de imagens subliminares contidas em jornal televisivo. Foi intentado processo
contra a direção do jornal, não se logrando, contudo, êxito. De todo modo, a CNCL
(antecessora do Conselho Superior de Audiovisual) decidiu proibir qualquer incrustação
deste tipo. RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 49-
50.
13
a publicidade, em seguida analisa o marketing, o merchandising e a
publicidade, terminando com os aspectos jurídicos do tema abordado,
inclusive no que respeita aos princípios aplicáveis.
14
2 SOCIEDADE CAPITALISTA CONTEMPORÂNEA
Para bem compreender o Direito, a observância e a correta
aplicação de seu valor máximo - a Justiça
38
-, indispensável é o
conhecimento da natureza e essência do ser humano
39
. O mesmo
compromisso se impõe ao ramo do Direito do Consumidor, especialmente
nas questões relativas à publicidade, foco deste estudo.
O Direito, vale lembrar, existe em função do ser humano. Sem a
existência de nossa espécie não existiria o Direito, sendo fruto de sua
racionalidade, capacidade e inteligência. O Direito existe para servir o ser
humano
40
e não o inverso
41
.
38
Nesse sentido o entendimento de Rosa Maria de Andrade Nery para quem direito é “a
ciência que organiza a racionalidade discursiva para dispor de técnica (meio) a serviço de
um fim: a justiça”. A autora afirma que o direito “busca preservar a igualdade, tendo como
ideário a justiça, ou seja, que o sistema jurídico visa a atender aos ideais de justiça,
naturais da humanidade”. E ainda: “a justiça é uma das aspirações eternas da humanidade,
também buscada através da ciência do direito, como forma de tornar possível a convivência
social”. (NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria
geral do Direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 14, 16, 17. Com o
mesmo entendimento Helmut Coing: “O direito encontra-se no todo da cultura, mas ele tem
sua própria posição através das tendências fundamentais inerentes, as quais ele serve:
paz, segurança e justiça, através da ordem”. COING, Helmut. Elementos fundamentais da
filosofia do direito. Tradução da 5ª Edição alemã por Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 2002, p. 229.
39
“Quando se trata de mensagem publicitária, contudo, não interessa estudar apenas a
forma lingüística. Ela é um campo de estudos interdisciplinares por excelência, integrando
conhecimentos de psicologia individual e pessoal, de sociologia, educação, ética, filosofia,
teoria da comunicação e retórica, sem excluir economia, marketing e estatística”
CARVALHO, Nely de. Publicidade A linguagem da sedução. 3. ed. impressão. São
Paulo: Ática, 2006, p. 161.
40
“A Justiça como valor é o núcleo central da axiologia jurídica, e a marca desse valor
fundamental de Justiça é o homem, princípio e razão de todo o Direito”. NERY, Rosa Maria
de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,
p.113.
41
Rosa Nery se posiciona no sentido de que o peso da vida humana e da liberdade humana
tem que ser maior do que qualquer outro valor para o direito: “o homem é o valor maior de
peso na balança”. NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil, p.
66. Contudo, embora concordemos, é necessário deixar claro que não temos visão
antropocêntrica, colocando o ser humano no centro de tudo que deve ser valorizado, a
justificar toda forma de abuso sob o argumento de trazer benefícios ao ser humano. Temos
que para a perfeita aplicação do Direito, deve-se sempre observar a ética ambiental, que
representa o correto relacionamento entre o ser humano e o ambiente. Assim, não existe
responsabilidade apenas e tão somente em relação à comunidade humana, mas o
tratamento ético deve se estender aos outros animais, às plantas e aos ecossistemas.
Entendemos que os outros animais, as plantas e os ecossistemas têm um valor intrínseco,
15
As características do ser humano
42
devem ser consideradas em
seus aspectos fundamentais. De outra forma, o homem estaria fadado a o
corresponder às expectativas legítimas que dele se espera e, quiçá, causar
mais danos do que benefícios
43
, como é o triste exemplo da indústria do
tabaco em argumentações superficiais são apresentadas: “o consumidor
como bens em si, e não meramente valor instrumental, útil para alguma finalidade. Mas
seja qual for o entendimento, considerando ser inexorável a finitude dos recursos naturais,
o fato é que devem ser preservados, mesmo sob o argumento de que são apenas úteis para
nossa sobrevivência. Interessante a visão do filósofo contemporâneo Peter Singer, segundo o
qual devemos dar tratamento ético não somente aos seres humanos e nomina a respectiva
forma de preconceito como “especiecismo”, que se assemelha à injustiça do racismo, ao se
atribuir uma condição especial aos membros de uma comunidade, acima dos interesses dos
outros animais, somente pelo fato de serem da mesma espécie. A ética que exclui os não-
humanos autoriza que eles sejam usados ou destruídos visando os interesses do ser
humano. O filósofo Holmes Rolston III entende que existe valor intrínseco não somente nos
humanos, mas também de todas as outras espécies de seres vivos e por isso devemos
respeitar a natureza por seu valor intrínseco e não porque têm valor instrumental para o
homem. Trata-se de holismo ambiental, segundo o qual o bem de toda a biótica necessita do
reconhecimento da interdependência de todos os organismos e que a integridade de cada ser
depende do conjunto de toda a natureza. Segundo suas palavras, “os humanos têm
importância suficiente para florescer aqui na Terra, mas não o direito de degradar ou
destruir ecossistemas, pelo menos não sem um ônus da prova de que há um ganho cultural
maior”. ROLSTON III, Holmes. Conserving Natural Value. New York: Columbia University
Press, 1994, p. 177.
42
“Para compreender cabalmente a norma, como objetivação da vida humana, deve-se
analisá-la sob o ponto de vista da índole e da estrutura da vida humana.
Conseqüentemente, a norma o pode ser julgada em si mesmo como um fim, mas como
um meio para a consecução dos valores concretos almejados pelo legislador, que são justiça,
bem-estar social, dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade perante o direito,
oportunidades iguais de adequação de circunstâncias de eficácia e de bem-estar social. Daí
a afirmação básica da doutrina de Recaséns Siches: se a aplicação de uma norma a
determinado fato concreto levar a efeitos contrários aos por ela visados, deve ser declarada
inaplicável àquele fato”. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do
direito. 18. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 95.
43
Coing afirma que “Uma ordem jurídica que esquece o que o ser humano é, segundo sua
constituição natural, como ser carnal com certos impulsos, necessidade e instintos, torna-
se desumana; por outro lado, significa que uma ordem, formada segundo valores
intelectuais-morais, conforme justiça e liberdade, é superior a uma simples ordem ou a uma
que garante a manutenção da paz através da violência, apesar deste poder ser um grande
benefício. Disto também resultaria que uma ordem estatal que despreza totalmente o valor
próprio de cada indivíduo, é totalmente inferior”. Alerta para “o perigo que existe na
inobservância da “natureza da coisa” através do direito, quando a ordem jurídica faz
tentativa de suprimir, continuamente, as tendências legítimas das pessoas”, para concluir
que “o direito deve primeiro aceitar a pessoa como ela é e contar com todas as suas
características. Mas, ele não pode parar por aí, ele não pode dar passagem livre a todos os
institutos e paixões das pessoas. Ao contrário deve reprimir certas características, promover
outras e dar-lhe validade” COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do
direito, p. 161-162, 240-241.
16
fumou porque quis”. Essas características do ser humano são, pois,
utilizadas pelos profissionais da área publicitária
44
.
A publicidade, para atingir a sua finalidade, utiliza basicamente
três vias: psicológica, antropológica e sociológica
45
, cabendo à ciência do
Direito apreender os fatores metajurídicos para a perfeita aplicação das
normas
46
.
Diante dessas constatações - e para dar suporte à temática deste
estudo – faz-se necessário apurar a análise sobre a espécie humana.
44
Jacques Ellul afirma que é “a partir do conhecimento do ser humano, das suas
tendências, dos seus desejos, das suas necessidades, dos seus mecanismos psíquicos, dos
seus automatismos e também tanto da psicologia social como da psicologia das
profundezas, que o propagandista organiza, pouco a pouco, as suas técnicas”. Apud
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema., p. 23. Ramonet
afirma que os spots publicitários provêm “de um trabalho de investigação, de sondagens e
de inquéritos consideráveis. Resultam, frequentemente, da colaboração de especialistas
eminentes e dotas, pertencentes a disciplinas muito diversas: sociólogos, psicólogos,
semiólogos, linguistas, gráficos, decoradores, músicos, mais de que criadores
cinematográficos propriamente ditos”. RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas.
Massas, televisão, cinema., p. 53.
45
“A via psicológica revela que a eficácia publicitária do jogo de palavras resulta do fato de
que esse jogo, para o receptor do anúncio, é erótico no sentido psicanalítico do termo. O
ouvinte obtém com muito pouco dispêndio o prazer que lhe proporciona a palavra. A via
antropológica parte da proclamação da irracionalidade do receptor. O jogo simbólico dos
signos reaviva arquétipos coletivos ocultos mais fundamentais, de tal modo que um verbo
aparentemente insignificante induz à compra, escamoteando a barreira da consciência. A
via sociologia parte do fato de que, não se dirigindo a ninguém em especial, a publicidade dá
a cada um a ilusão de que dirige-se a ele individualmente e, ao mesmo tempo, o faz ter
consciência de ser membro de uma polis. Amplia-se a eficácia cultural do discurso
publicitário por meio do constante apelo aos símbolos e frágeis laços tecidos entre os
habitantes das sociedades industriais. O discurso publicitário serve, assim, à dupla e
necessária ilusão de comunhão íntima no interior de uma mesma sociedade e da
incomparável singularidade do ser humano”. CARVALHO, Nely de. Publicidade A
linguagem da sedução, p. 17-18.
46
Nesse sentido Alf Ross: “A ciência jurídica visa o conhecimento da efetiva conduta
humana, logo o fenômeno jurídico deve ser descoberto dentro do campo da psicologia e da
sociologia. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 86.
17
2.1 NOÇÕES ZOOLÓGICAS, ANTROPOLÓGICAS, MITOLÓGICAS E
PSICANALÍTICAS
Apesar das discussões acerca da origem da vida; se existe um
Deus, criador de todas as coisas - assunto que foge ao escopo do presente
trabalho -, o fato é que o homem é considerado animal.
O pensamento de Desmond Morris ratifica a afirmação:
Uma vez monstruosos, outras imponentes, mas sempre animais.
Preferimos pensar em nós próprios como anjos que caíram do céu,
mas a verdade é que não passamos de macacos que se puseram de
47
.
Tomando-se por base essa premissa, de que o homem é animal,
existe certo padrão de comportamento que pode ser estudado e explorado,
certas características inatas passíveis de controle.
Os estudiosos e agentes da publicidade não passaram ao largo
dessa constatação e, por meio das mais diversas áreas do conhecimento,
analisam o funcionamento do Homo sapiens
48
.
Os estudos realizados permitiram desenvolver técnicas apuradas
de persuasão, em todos os níveis
49
, convencimento e estímulos para fins de
controlar o comportamento do consumidor
50
.
47
MORRIS, Desmond. O Animal Humano. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 6.
48
“Na França, pesquisadores estão criando um laboratório dedicado à pesquisa em ciências
cognitivas aplicadas à publicidade, com o objetivo de permitir que os publicitários
aumentem a eficácia de suas criações. Isto será feito por meio de novas técnicas utilizadas
para promover a inscrição de uma marca, um produto ou uma publicidade de forma a
penetrar mais profundamente e com mais facilidade no nossorebro, através de repetições
não tão freqüentes. Graças a estas descobertas científicas, resultantes de estudos secretos,
quando estivermos em uma loja, reconheceremos sem perceber todas as pegadas deixadas
pela publicidade em nossa memória; iremos então, quase naturalmente em direção ao
produto. A capacidade dos profissionais destas áreas confere à publicidade um status
singular elevando-a ao nível de quinto poder na sociedade. Isto nos permite dizer que os
publicitários são os mercadores do novo mundo, onde as coisas valem por sua
representação, e não mais pela sua significação. O marketing teatraliza novos significados”.
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle estabelecido
pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 16-17.
49
Conforme Marisa Teixeira de Almeida, referindo-se à publicidade: “Utilizando técnicas
psicológicas, ela influencia o consumidor no ato da compra, através de mecanismos de
persuasão que atuam em diferentes níveis: persuasão racional, emotiva e inconsciente. A
persuasão racional baseia-se no comportamento lógico que pode esperar-se dos
consumidores com relação a aspectos de natureza econômica como melhor preço, maior
18
A publicidade dos tempos contemporâneos não se resume à mera
informação
51
. É verdadeiro meio de influência e controle sobre vontades
52
e
desejos
53
. Assim, conforme a técnica utilizada, o comportamento das pessoas
pode ser manipulado
54
.
De acordo com as teorias mais aceitas, o Homo sapiens,
descendente do Homo erectus, teve origem nas savanas da África, viveu entre
durabilidade ou qualquer outro benefício do produto. A persuasão emotiva desperta os
sentimentos e emoções que influenciam no comportamento das pessoas. O amor, carinho,
felicidade entre outras coisas são alguns dos principais sentimentos a que apela a
publicidade através de processos associativos. na persuasão inconsciente, a mensagem
procura exercer sua influência no instinto sexual, de autoconservação e desenvolvimento,
de poder, de jogo, de oposição e outros. A sugestão é exercida sobre o indivíduo sem a
participação ativa de sua vontade, como conseqüência da percepção que desencadeia uma
sugestão contida na mensagem”. ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade
enganosa e o controle estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, 2005, p. 15-
16.
50
“A finalidade específica da publicidade não é vender. Como meio de comunicação, seu
objetivo é modificar ou reforçar atitudes e/ou hábitos” e acrescenta que “Com maior
freqüência, a publicidade é mais potente e mais atuante na modificação desses hábitos e
atitudes, gerando ações de compra, pois é a técnica de comunicação mais usada e uma das
que atua com maior rapidez e com maior penetração num maior número de pessoas”
GOMES, Neusa Dematini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 69, 71.
51
“Marco divisor, levando-se em conta a intenção do emissor, entre a publicidade antiga e a
publicidade moderna (...): a) Pré-revolução industrial, quando a informação predomina
sobre a persuasão e, b) Pós-revolução industrial, onde um nítido predomínio da
persuasão sobre a informação” (GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação
Persuasiva. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 79). No mesmo sentido Ramonet: “Os reclames
filmados distraem ou divertem, mas na informam praticamente nada” (RAMONET, Ignácio.
Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 71.
52
De fato, como “forma de influência, a publicidade incide diretamente sobe as escolhas dos
consumidores, orientando seu comportamento. A mera vontade do consumidor não é fator
suficiente para evitar a influência da publicidade”. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. O
princípio da vinculação da mensagem publicitária. Revista de Direito do Consumidor n.
14/41. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 46.
53
“ocorreu a formação de um sistema de persuasão da comunicação publicitária que molda
necessidades, gera desejos, seduz os consumidores e que é tão ou mais importante que o
próprio sistema de produção de bens, que, sem ele, as vendas não teriam o sucesso que
têm”. ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 13.
54
“Quando se analisa a linguagem publicitária quase sempre se fala em manipulação
CARVALHO, Nely de. Publicidade A linguagem da sedução, p. 9. Por seu turno,
Kirkpatrick “defende que a força de manipulação da propaganda reside na sua capacidade
de fazer que os consumidores adquiriam bens de que não precisam ou não querem,
coagindo-os a corresponder à vontade dos produtores. o poder de coerção cria
necessidades e desejos de outro modo não existentes, alterando gostos e preferências dos
consumidores”. Apud SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do
Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
147).
19
130.000 e 200.000 anos atrás. cerca de 40.000 anos teria colonizado a
Eurásia e a Oceania; as Américas há 10.000 anos
55
.
A trajetória do homem desde os primórdios tem sido demarcada e
apresentada pelos historiadores em períodos, épocas ou idades. Essas
divisões, não obstante as críticas recebidas, têm a finalidade de,
didaticamente, demonstrar os avanços e retrocessos humanos ao longo de
séculos e milênios. Com todo o conhecimento acumulado vê-se o quanto é
recente o modo de vida hodierno.
A Pré-história tem início com o surgimento do ser humano na
Terra e vai até a invenção da escrita, cerca de 4.000 a.C., na
Mesopotâmia. Esse período tem como característica o nomadismo, sendo
desenvolvidas atividades de caça e de coleta. Essa época assinala o
surgimento da agricultura e da pecuária, sistema que levou os homens pré-
históricos ao sedentarismo e à criação das primeiras cidades.
A Antigüidade tem início em 4.000 a.C. e vai até 476 d.C., com a
queda do Império Romano do Ocidente. No Próximo Oriente floresceram as
primeiras civilizações, sobretudo na região conhecida por Crescente Fértil,
atraindo, pelo potencial da agricultura, os primeiros habitantes do Egito,
Palestina, Mesopotâmia, Irã e Fenícia. Abrange também as chamadas
civilizações clássicas: Grécia e Roma. Essa época é caracterizada pelo
sistema escravista de produção. fonte
A Idade Média começa em 476 d.C. e vai até 1453, quando ocorre a
conquista de Constantinopla pelos turcos, com a queda do Império Romano
do Oriente. Essa época é estudada com relação às três culturas que se
confrontaram em torno da bacia do Mar Mediterrâneo. O modo de produção
feudal marca essa época. fonte
A Idade Moderna vai de 1453 até 1789, ano da Revolução
Francesa, e tem como marco a invenção da imprensa, o início dos
descobrimentos marítimos e o Renascimento. Nesse período surge o modo de
produção capitalista. fonte
55
WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/homo_sapiens>. Acesso em: 19
ago. 2008.
20
A Idade Contemporânea tem início em 1789 e dura até os dias
atuais. Caracteriza-se pelo grande avanço tecnológico, pelos conflitos
armados de grandes proporções e pela globalização
56
.
Com essa singela descrição da História é fácil perceber que o
padrão e o estilo de vida da atualidade representam uma realidade muito
recente.
Mas, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, do surgimento
da sociedade de massa e de consumo, do ritmo frenético, do confinamento
em caixas (que se nomina apartamento), da impessoalidade das relações e
da superpopulação a produzir comunidades de estranhos, “a mudança não
foi total. Alguns de nossos padrões mais antigos sobreviveram”
57
. É possível
verificar “que muitos dos nossos padrões de caça primitivos e tribais ainda
existem em nós, levemente disfarçados”
58
.
Com o avanço das técnicas agrícolas e a industrialização, a
aquisição de comida prescinde do padrão anterior consubstanciado na caça.
Não existe mais a necessidade de o homem sair com armas, empreender
uma longa jornada e travar lutas com animais fortes e perigosos para trazer
o alimento para casa.
Nesse contexto, quadra indagar o que teria ocorrido com o impulso
de caça, ou como o ser humano satisfaz o apelo de sua antiga herança.
Para uma parte da população, o trabalho representa esse
substituto, sob o argumento de que traz a gratificação correspondente.
Contudo, para boa parte das pessoas, o trabalho é algo tão tedioso e
repetitivo que não fornece o bastante para suprir a respectiva necessidade,
tornando-as inquietas, frustradas e aptas a procurar saídas para seus
“cérebros de caçadores”, na expressão do zoólogo Desmond Morris
59
.
Segundo o mencionado zoólogo, a ausência de satisfação no
trabalho torna-se tolerável com o desenvolvimento de alguns passatempos
56
WIKIPEDIA. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Periodiza%C3%A7%C3%A3o_da_hist%C3%B3ria>. Acesso
em: 19 ago.2008.
57
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 64.
58
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 65.
59
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 65, 68.
21
ou interesses privados. O então “caçador” dedica-se a atividades pouco
importantes, mas capazes de proporcionar um cenário similar à caça
primitiva. Tais “buscas” incluem o colecionismo, as viagens e todas as
formas de jogos e desportos de competição
60
, atividades exploradas à
exaustão pelo mercado, tão-só para incrementar o consumismo
61
, sendo a
publicidade o seu vetor.
A atividade de “colecionar” persegue o ser humano desde a infância
e a publicidade aproveita esta característica para vender toda sorte de
produtos, de cartas a veículos, de selos a quadros. Dentro dessa perspectiva,
o próximo item da coleção torna-se verdadeira “presa”. Contudo, existe um
fator a ser levado em consideração, pois a “caça simbólica é tão vigorosa que
facilmente pode se tornar obsessão. Pode dominar a vida de um indivíduo a
ponto de mais nada importar”, conforme sustenta Desmond Morris
62
.
Da mesma forma, o jogo também pode causar dependência, pois é
próprio de sua natureza sustentar-se no risco, elemento presente na caça
primitiva. O jogador tem “que apostar dinheiro suficiente para se magoar, se
perder; e lhe dar alegria, se ganhar. Uma quantia trivial não forneceria o
60
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 68.
61
Não se pode confundir consumismo com consumerismo. O consumismo representa dado
patológico da sociedade de consumo. É a oniomania e representa uma compulsão, uma
idéia fixa, calcada em uma irresistível vontade de comprar. Para Mário Schweriner
consumismo representa as compras desnecessárias que geram acumulação e podem
conduzir à ostentação e, caso não realizadas, provocam sofrimento”, e pode manifestar-se
em: a) compras compulsivas compra de bens que nunca se usam, compra de bens que a
pessoa possui em quantidade maior do que usa; compra de bens, mesmo que não possa
pagar por eles; b) posses (desmesuradas); c) uso (abuso do prazer/ostentação).
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 153-154. Para Gino Giacomini Filho, consumismo
designa excesso de consumo, consumo acelerado ou até desperdício e afirma ser um mal da
sociedade de consumo. GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 21.
Por seu turno, o consumerismo é o fenômeno que surge a partir dos anos 60,
consubstanciado no movimento de organizado de consumidores que busca o
reconhecimento de seus direitos e interesses, opondo-se, inclusive, às práticas consumistas,
e, assim, levantando a ideologia do consumo sustentável. Gino Giacomini Filho explica que
o termo é um anglicismo derivado de consumerism, que designa o movimento de
consumidores e entidades americanas no início desta metade de século [em fins dos anos
60] [...] “consumerismo” é usado para designar qualquer movimento de consumidores ou
entidades afins em qualquer região ou época”, “designa as forças sociais que buscam um
melhor tratamento para o consumidor” e “está ligado à busca por melhores condições de vida
e pela ampliação da qualidade de vida”. GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus
Propaganda, p. 18-20. Assim, representa uma reação e um instrumento de controle para
este e outros males da sociedade.
62
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 69.
22
“perigo” que ele procura”
63
. Por vezes, a recompensa pode não ser comestível,
entretanto, devido à dificuldade de conquistá-la, seu significado simbólico
obscurece sua inutilidade. Como exemplo emblemático explorado na
sociedade de consumo tem-se o caso dos bingos, nos quais a pessoa pode
perder todo o seu patrimônio, fato que revela que o jogo na verdade
representa uma patologia.
O fornecedor centrado no lucro, não raro, pouco se importa com o
próximo e arranca do consumidor tudo que este possui. Ratifica essa
assertiva o pedido monitório julgado improcedente
64
, cuja garantia eram
cheques que haviam sido emitidos por um jogador contumaz em casa de
bingo. Como fundamento do decisum lançou-se mão do princípio da boa-fé,
ante o fato de que o fornecedor tem o dever de cuidado, proteção,
colaboração e lealdade para com o consumidor. O fornecedor não pode ver
no consumidor uma fonte de enriquecimento sem causa. Mais, a relação de
consumo não pode representar a ruína do consumidor.
Não dúvida que houve um desenvolvimento científico
65
e
tecnológico bastante grande, que prospera em velocidade cada vez maior. Em
poucos séculos, o ser humano passou das cabanas de lama para os
arranha-céus. Se por um lado, as grandes cidades proporcionam toda sorte
de comodidades em relação à vida primitiva, por outro, enfrenta-se o
problema do superpovoamento, que leva o homem contemporâneo a viver em
um ambiente diverso daquele do qual se originou e evoluiu, tornando-se um
anônimo na multidão, a gerar uma contrapartida de crimes, loucura,
crueldade e desespero, conforme anota Desmond Morris
66
.
Dessa realidade surgem, então, os problemas psicológicos e
sociais. A indústria, atenta à nova situação do ser humano, procura vender-
63
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 69.
64
Autos 583.00.2005.069412-1 – 6ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.
65
Entretanto, o conhecimento científico não ajudou no grau de humanização do nosso
mundo, como já advertia Carl G. Jung. JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus
símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 95.
66
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 82.
23
lhe toda forma de compensação, de conforto
67
. Existe a promessa de que o
consumo é a fonte para a felicidade
68
, pois esta é uma das metas máximas
da vida
69
. A pessoa comum, na tentativa de superar os problemas do novo
modo de vida e realçar o status, recorre à imitação ou identificação
70
. Para
67
Bem afirma Schweriner que no cerne das “compras e consumo compulsivos costuma
residir uma ação compensatória para a frustração, depressão ou angústia”. Dessa forma o
“ato da compra em si, bem como a sensação gratificante de posse do bem, funcionam como
um paliativo para as carências emocionais da pessoa. Tanto as de ordem profissional, como
as de cunho afetivo”. E acrescenta que o “papel da propaganda e do marketing no incentivo
ao consumo é extremamente oportuno para, digamos assim, compensar muitas frustrações,
em especial as de ordem afetiva. (...) As compras assim efetuadas como que encobrem
frustrações, deixando a pessoa, antes deprimida, artificialmente aliviada. Tal processo é
fundamentado no mecanismo de defesa da sublimação, quando a energia a ser alocada para
a resolução do conflito é sublimada nas compras, o que é extremamente eficaz em um
primeiro momento, ou até mesmo em uma fase de curta duração” e assim a “ida às compras
passa a ser uma rotina visando encobrir ou disfarçar toda espécie de desordens afetivas e
profissionais, e como o consumo é incentivado em nossa sociedade, não razão aparente
para estancar, retroceder, voltar atrás. Por fim, aponta o aspecto danoso ao aduzir que
“compra e consumo compulsivos conduzem o sujeito a tal grau de dependência, que ele
passa a invadir perigosamente as fronteiras da doença, da conduta patológica”.
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 155-157.
68
Mas, como adverte Schweriner, “consumismo e drogas, ícones da cultura
hedonista/narcisista, têm se mostrado um fracasso como atalhos que prometem felicidade
imediata”. SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor:
identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 106.
69
Entretanto não passam de meras promessas, que existe diferença substancial entre
prazer, alegria e felicidade. Certo que há dificuldade de se conceituar felicidade, pois existem
inúmeras definições que levam em consideração diversos critérios e orientações (apesar de
ser consenso que a felicidade advém da satisfação de necessidades/desejos muito pessoais,
e irá variar significativamente de um sujeito para outro), sendo que a discussão ingressa na
seara do debate filosófico. Entretanto, Mário Schweriner apresenta de forma bastante
esclarecedora a diferença entre essas três formas de expressão oriundas do ser humano,
apta a ser utilizada na análise do tema sob a ótica do Direito do Consumidor: “Prazer
intensidade. Veiculado aos sentidos, ao corpo, é uma sensação. Mais intenso, menos
duradouro. Sensação de ter prazer. Superlativo: êxtase. Alegria duração. Vinculada à
mente, é uma emoção. Energia que irradia de dentro. Mais fluida, mais duradoura. Estar
alegre. Superlativos: júbilo; euforia. Felicidade extensão/multiplicidade. Vinculada ao
espiritual, uma comunhão com o Universo, é um estado de espírito. Sensação de leveza. Ser
feliz. Superlativo: plenitude. SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do
Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 119. Dessa forma, fica claro
constatar que o consumismo pode proporcionar prazer, e quando muito, alegria, mas
dificilmente felicidade.
70
“FREUD entende identificação não como simples imitação [...] exprime um ser igual e
remete a uma similaridade ao nível do consciente”. A identificação, segundo FREUD, é o
processo psicológico através do qual o indivíduo assimila o aspecto, uma qualidade ou um
atributo e procura se transformar neste modelo ou ele se amoldar. A personalidade, pode-se
dizer, é constituída de uma série de identificações. E se a identificação, segundo FREUD, se
faz com objetos (objeto aqui entendido como coisa, seja pessoa ou objeto) ou com partes do
objeto, por meio de determinados aspectos da relação, posso perfeitamente identificar-me
com uma estrela de cinema ao platinar os cabelos ou com um adulto viril ao fumar cigarros
da marca X. “A identificação, segundo os teóricos de aprendizagem como KOGAN, é uma
reação cognitiva aprendida que contém semelhança com a pessoa objeto-modelo, e que
24
superar os problemas psicológicos e ter aceitação social
71
, chega, muitas
vezes, a adotar medidas extremas, como superendividamento ou crime,
unicamente para adquirir os itens de exibição de dominância
72
.
As pressões supertribais podem ser alguns dos fatores que
contribuem para essa realidade. Em uma tribo menor, a distância entre os
extremos da hierarquia não é significativa. Contudo, na sociedade
contemporânea, a multidão que ocupa a base pode adotar uma postura de
destruição (de outras pessoas ou de si própria) ou descobrir qualquer tipo de
escape, real ou imaginário, sendo o mais comum o imaginário. Dessa forma,
o ser humano busca no consumismo um modo de sair do tédio e de
sentimentos de opressão, bem como superar suas carências. Ocorre uma
forma de sublimação, uma espécie de experiência excitante por procuração.
Isso se revela nos filmes, romances, programas televisivos, novelas etc. Tudo
por conta da vida contemporânea de tensão e dor permanente do caldeirão
determina o comportamento do indivíduo de acordo com os eventos que atingem o modelo”.
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda. Edição revista e ampliada.
São Paulo: EPU, 1998, p. 100.
71
“A importância do meio social na formação da personalidade também permite entender a
procura de produtos que auxiliam o indivíduo na busca da adequação e aprovação social.
Por meio dos esforços de marketing, alguns produtos simbolizam status social para quem os
usa ou consome”. GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 101.
72
“O grande problema dos bens de luxo é que existe uma considerável parcela dos
consumidores que “compõem sua personalidade” ancorados neles. São as pessoas
exibicionistas o luxo exigido e exibido que permitem ou até incentivam transformar o
vetor em vínculo (apego): o sujeito precisar do bem de luxo para (re)compor sua auto-estima
ou para se sentir aceito pelo grupo social. Mesmo que seja um bem que não contribua em
nada para sua gratificação utilitária ou mesmo sensorial, no que bolsas e demais adereços
femininos são um mostruário exemplar”. “Não é à toa que tal mimetismo, o desejo de
reconhecimento pelo outro, que conduz ao consumo exibicionista, seja tragicamente
comprovado nos últimos anos pelo índice galopante da criminalidade. O consumo do luxo
por si pode não ser o estopim da violência. Porém, quando, de algum modo, se atravessa a
fronteira rumo a uma ostentação até agressiva, a reação dos estratos marginais pode vir em
um efeito bumerangue”. SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do
Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 200-201. Certo que a questão
é complexa e envolve muitas variantes, mas é fato que boa parte dos assaltos ocorrem para
comprar drogas, roupas de grife, tênis, e poucas vezes para comprar comida. Existe a
notória prostituição de luxo, com moças de com condições econômicas favoráveis, por vezes
longe da miséria, mas que se lançam nesse mundo para comprar roupas de grife, perfumes
importados, jóias, e outros sonhos de consumo. Nesse sentido Gino Giacomini Filho: “As
classes sociais de pequeno poder aquisitivo são afetadas pela propaganda na medida em que
são privadas economicamente de adquirir bens e serviços anunciados nos meios de
comunicação; com o desejo despertado, este se torna muitas vezes uma necessidade
psicológica que deságua em ansiedades, frustrações e até criminalidade”. GIACOMINI
FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 123.
25
humano, pois representa forma antinatural de viver para a espécie humana
tribal
73
.
Como afirma Nilton Bonder, é da essência do ser humano o “ter”.
Desde o início, observa-se que a vida começa com uma posse. Para existir
precisa-se “ter” um corpo. Ter é fundamental, essencial e imprescindível. Nas
palavras do autor:
Nossa infância é marcada pela tentativa de distinguir esses dois
verbos [ser e ter], o que não é nada fácil. O olhar do recém-nascido
que se sente pertencente à mãe e sua dificuldade em se separar,
expressam a complexidade lingüístico-conceitual de estabelecer uma
diferença entre ser e ter.
É essa dificuldade que faz das crianças grande consumidores por
natureza. A indústria de brinquedos sabe disso e despende
consideráveis somas em propagandas que apelam para a experiência
infantil de que ‘ter’ o brinquedo será fundamental para que ele possa
‘ser’
7475
.
Outro aspecto muito explorado no mercado de consumo diz
respeito à biologia do amor, elemento que tem presença constante na
publicidade. A constatação de que de todos os primatas vivos - os serem
humanos - são os que mais se entregam ao sexo é fator decisivo para tal.
Nesse sentido, houve nítido alargamento de sexualidade humana
76
.
Ao contrário do que ocorre com muitos animais, que restringem a
atividade sexual a um curto período do ano, os seres humanos estão aptos a
acasalar durante o ano todo. Outra característica explorada alude ao fato de
que os humanos percorrem prolongadas seqüências de pré-acasalamento,
havendo diversos estágios entre o encontro inicial até a consumação do ato
73
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 108, 111.
74
BONDER, Nilton. Ter ou não ter, eis a questão! A sabedoria do consumo, p. 8.
75
Na obra “A sociedade do espetáculo”, Guy Debord analisa a sociedade de consumo não
somente pela valorização do ter em detrimento do ser, mas também em nova transmutação
de valores do ter para parecer: “A primeira fase da dominação da economia sobre a vida
social acarretou, no modo de definir toda realização humana, uma evidente degradação do
ser para o ter. A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos resultados
acumulados da economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer, do
qual todo “ter” efetivo deve extrair seu prestígio imediato e sua função última. Ao mesmo
tempo, toda realidade individual tornou-se social, diretamente dependente da força social,
moldada por ela. lhe é permitido aparecer naquilo que ela não é [grifos no original].
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução Estela dos Santos Abreu.
reimpressão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007, p. 18.
76
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 116.
26
sexual. O tempo de acasalamento também é fator de distinção. O babuíno
consuma o ato em oito segundos, sendo que os humanos podem praticar
atos pré-copulatórios prolongados. Importante mencionar que três quartos
da atividade sexual natural humana não se relaciona à procriação. A fêmea
humana não perde a capacidade de se acasalar quando está grávida, nem
mesmo depois da menopausa. “Fazemos amor mais freqüentemente, mais
intensamente e durante mais tempo do que qualquer outro pequeno ou
grande macaco”
77
.
Em relação ao processo que leva à intimidade completa, este tem
início com sinais visuais, ao contrário de outros mamíferos, como o cão, que
tem como detonador do acasalamento o cheiro. As nádegas arredondadas
transformaram-se no sinal sexual feminino primário. Entretanto, como o
são visíveis, a evolução cuidou de providenciar os seios como mimetismo das
nádegas, sendo que dois terços de seu volume não desempenham qualquer
função na produção de leite, de certo modo têm mais função de exibição
sexual do que propriamente de alimentação materna. As outras formas
arredondadas da fêmea, como os ombros e os joelhos, ajudam a amplificar e
reforçar a sinalização sexual.
No que tange aos órgãos genitais femininos, como estão
escondidos, precisam de um eco visível, que se consubstancia nos lábios
femininos. É como analisa Desmond Morris:
A forma e a cor destes lábios revirados evoluíram como mimetismo
dos lábios genitais, agora ocultos à vista entre as pernas verticais da
mulher [...] estes únicos e recém-evoluídos lábios humanos enchem-
se de sangue durante a excitação sexual, tornando-se maiores e mais
vermelhos, uma mudança que ocorre simultaneamente nos lábios
ocultos
78
.
Outro aspecto relevante é a suavidade e limpeza da pele, que
representa um poderoso sinal erótico. “Toda a actividade da indústria
cosmética se baseia nesta ancestral preferência biológica”
79
. O vestuário
77
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 116-118.
78
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 22-124. Daí a utilização de batom, que tem
como finalidade básica a atração sexual.
79
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 125-126.
27
também tem papel importante na exibição para se chegar ao contato
íntimo
80
.
Assim, “por mais extraordinárias que sejam nossas realizações,
continuamos, ainda assim, animais, sujeitos a todas as regras habituais da
biologia”
81
.
Para Jean Baudrillard, “tudo o que se oferece para ser visto e
ouvido assume ostensivamente a vibração sexual”
82
. O autor afirma que:
Os publicitários lidam com a sexualidade para melhor venderem [...]
e por meio da indexação cada vez mais sistemática da sexualidade
nos objectos e nas mensagens comercializadas e industrializadas,
acabam estes por ser desviados da racionalidade objectiva
83
.
A publicidade desvia a atenção e procura tornar a mensagem
emocional. O objetivo não é outro senão a compra irracional, mitigando-se o
poder de liberdade escolha.
A pulsão sexual é outro aspecto muito explorado pela publicidade.
Por pulsão, de acordo com Jean Laplanche, entende-se o processo
dinâmico cuja pressão ou força faz o organismo tender para um
objetivo. No caso específico da pulsão sexual, o seu objeto não é
predeterminado biologicamente e as suas modalidades de satisfação
são variáveis. A pulsão sexual no homem está ligada a um jogo de
representações ou fantasias que a especificam
84
.
80
Assim, a indústria, inclusive da publicidade, exploram à exaustão a sexualidade para a
venda dos produtos e serviço, sabedores dessas características peculiares dos seres
humanos. Mário Schweriner aponta essa prática: “Como a sexualidade é um dos principais
combustíveis do comportamento humano, quanto mais apelos eróticos/sensuais forem
utilizados na comunicação, maior a probabilidade de despertar a atenção e até provocar o
desejo no consumidor, o que torna o luxúria um dos grandes motores de inúmeras
indústrias e mote de campanhas publicitárias. Como indústrias, a de pornografia, aí
incluindo inúmeros produtos e revistas, e na publicidade, o emprego de mulheres vistosas e
sensuais para vender quase que qualquer coisa, de cerveja a imóveis”. SCHWERINER, Mário
Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos
essenciais, p. 185.
81
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 186.
82
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições
70, 2005, p. 153.
83
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 154.
84
Pulsão sexual é a “pressão interna que, segundo a psicanálise, atua num campo muito
mais vasto do que das atividades sexuais no sentido corrente do termo. Nela se verificam
eminentemente algumas das características da pulsão que a diferenciam de um instinto: o
seu objeto não é predeterminado biologicamente e as suas modalidades de satisfação (metas
ou objetivos) são variáveis, mais especialmente ligadas ao funcionamento de zonas corporais
determinadas (zonas erógenas), mas suscetíveis de acompanharem as atividades mais
28
De fato, para Freud, a mais recalcada das forças psíquicas do
homem que ele denominava pulsões é o sexo. Para o célebre psicanalista,
a sociedade ruiria em 24 horas se a sexualidade deixasse de ser reprimida,
isto é, se pudesse ser plenamente liberada. A livre expressão e a vazão da
sexualidade foram contidas ao longo da história, com breves períodos de
exceção. A sexualidade, assim represada, constitui-se em uma poderosa
força motriz, canalizada para outras finalidades. A essa distorcida expressão
do impulso sexual Freud denominou “sublimação”.
Em conseqüência, muitos dos comportamentos, inclusive os de
consumo, podem ser originados por algumas pulsões sexuais reprimidas no
inconsciente (causa), e que assumem a forma de motivos, muitas vezes
claros e bem conscientes
85
.
A pulsão sexual é submetida exclusivamente ao princípio do prazer
e, em conseqüência, da energia libidinal, como impulso básico mobilizador
do comportamento
86
. Não é por outra razão que essa pulsão é o mote
utilizado na publicidade, ante a eficácia da penetração da mensagem erótica.
diversas em que se apóiam. Esta diversidade das fontes somáticas da excitação sexual
implica que a pulsão sexual não está unificada desde o início, mas que começa fragmentada
em pulsões parciais cuja satisfação é local (prazer de órgão). A psicanálise mostra que a
pulsão sexual no homem está estritamente ligada a um jogo de representações ou fantasias
que a especificam. ao fim de uma evolução complexa e aleatória ela se organiza sob o
primado da genitalidade e reencontra então a fixidez e a finalidade aparentes do instinto. Do
ponto de vista econômico, Freud postula a existência de uma energia única nas vicissitudes
da pulsão sexual: a libido. Do ponto de vista dinâmico, Feud na pulsão sexual um pólo
necessariamente presente do conflito psíquico: é o objeto privilegiado do recalcamento no
inconsciente” . LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise. Tradução: Pedro Tamen. 4.
ed. 3ª tiragem. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 403.
85
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 50-51.
86
E como adverte Baudrillhard, na sociedade de consumo “é preciso que o indivíduo consiga
redescobrir o próprio corpo e reinvesti-lo narcisisticamente princípio formal de prazer a
fim de a força do desejo se poder transformar em procura de objectos/signos manipuláveis
recionalmente. Importa que o indivíduo se tome a si mesmo como objecto, como o mais
belos dos objectos e como o material de troca mais precioso, para que, ao nível do corpo
desconstruído, da sexualidade desconstruída, venha a instruir-se um processo económico
de rendibilidade”[grifos no original]. Prossegue o autor: “Sem a antecipação e a
potencialização reflexiva dos prazeres na “consciência coletiva”, o consumo não seria o que é
e não se revelaria capaz de integração social. Não passaria de um modo de subsistência
mais rica, mais planturosa e mais diferenciada de outrora; e como aconteceu até aos nossos
dias, não teria adquirido nome especial [...] Esta sistematização terminológica no uso
corrente modifica a própria história: é sinal de nova realidade social”. BAUDRILLARD, Jean.
A sociedade de consumo, p. 143, 208.
29
Nesse contexto, é importante entender o papel que desempenha o
elemento fálico
87
(ANEXO A) na cultura e sociedade ocidentais, conquanto é
amiúde utilizado. Pode-se constatar a sua presença na mídia (como nas
revistas MTV (Anexo A) e Isto é (Anexo B), na estilização de veículo comercial
(Anexo C), na publicidade (Anexo D), em placas (Anexo E), em embalagens
(Anexo F), em rótulos (Anexo G), em símbolos (Anexo H) e até em desenhos
animados (Anexo I), além da forma fálica de recipientes, invólucros, como os
de perfumes, batons, desodorantes e inúmeros outros.
A propósito dessa representação, é sabido que o membro viril
masculino - o pênis - atinge um tamanho muito superior quando comparado
com o dos outros primatas; não em comprimento (o do gorila, quando
ereto, não passa de cinco centímetros), mas também em largura. Ao
contrário do que muitas vezes se afirma, o tamanho do pênis, como explica
Desmond Morris, tem grande relevância: “Um pênis mais volumoso é mais
estimulante para a fêmea humana”
88
.
O culto fálico na espécie humana data de tempos imemoriais,
sendo registrado na mitologia primitiva
89
e na Antiguidade
90
.
Na Antigüidade, comenta Jean Laplanche:
O falo em ereção simbolizava o poder soberano, a virilidade
transcendente, mágica ou sobrenatural, e não a variedade
puramente priápica do poder masculino, a esperança da ressurreição
e a força que pode produzi-la, o princípio luminoso que não tolera
sombras nem multiplicidade e sustenta a unidade que brota
87
Conforme Jean Laplanche, o falo era a representação figurada do órgão sexual masculino
na Antigüidade greco-latina. Na psicanálise, o termo sublinha a função simbólica
desempenhada pelo pênis na dialética intra e intersubjetiva, ao passo que o termo “pênis” é,
sobretudo, reservado para designar o órgão na sua realidade anatômica. LAPLANCHE, Jean.
Vocabulário da psicanálise, p. 166-167.
88
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 133.
89
Joseph Campbell faz narrativa sobre o tema, descrevendo um rito fálico letal da magia
conhecida como o “osso apontado”. As máscaras de Deus. Mitologia primitiva. 7. ed.
Tradução Carmem Fischer. São Paulo: Palas Athena, 2005, p. 248-249.
90
Na Antiguidade, o órgão viril era “objeto de veneração que desempenhava um papel
central nas cerimônias de iniciação”. LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 16.
Sobre o culto fálico no Antigo Egito ver TOLEDANO, Joseph; QHAMID, El. Erotismo e
Sexualidade no Antigo Egito. Tradução: Suzel Santos e Carlos Nougué. Barcelona: Folio,
2007, p. 135-140.
30
eternamente do ser. Os deuses itifálicos Hermes e Osíris encarnam
esta aspiração essencial
91
.
Na Índia, o lingam representa o símbolo fálico da criatividade
92
.
O próprio Freud reconheceu a organização fálica como fase da
evolução da libido nos dois sexos, tendo correlação com o complexo de
castração no seu apogeu, além de dominar a posição e a dissolução do
complexo de Édipo. Para o citado psicanalista:
O órgão masculino não é apenas uma realidade que poderíamos
encontrar como referência última de toda uma rie. A teoria do
complexo de castração resulta em atribuir ao órgão masculino um
papel prevalecente, desta vez como símbolo, na medida em que a sua
ausência ou a sua presença transforma uma diferença anatômica em
critério principal de classificação dos seres humanos, e na medida
em que, para cada sujeito, esta presença ou esta ausência não é
evidente, não é redutível a um dado puro e simples, é, antes, o
resultado problemático de um processo intra e intersubjetivo
(assunção pelo sujeito do seu próprio sexo)
93
.
Na sua teoria do simbolismo, Freud afirmou que o falo é um dos
simbolizados universais
94
.
Por sua vez, foi J. Lacan quem associou a noção de falo como
significante do desejo
95
.
Jean Laplanche anota ainda que a inveja do pênis representa o
elemento fundamental da sexualidade feminina e nasce da descoberta da
diferença anatômica entre os sexos. A idéia é de que a menina sente-se
lesada com relação ao menino e deseja possuir um pênis como ele, o que
representa o complexo de castração. A ausência do pênis é sentida como um
dano sofrido que a menina tenta negar, compensar ou reparar, existindo,
então, interesse singular pelo pênis. Após, com Édipo, assume duas formas
derivadas: o desejo de adquirir um pênis dentro de si, traduzido no desejo de
91
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 167-168.
92
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 43.
93
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 167.
94
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 168.
95
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 168.
31
ter um filho; e desejo de fruir do pênis no coito, podendo acarretar formas
patológicas ou sublimadas
96
.
Freud sublinhou que a inveja do pênis persiste no inconsciente
97
.
De acordo com Mário Ernesto René Schweriner:
Profissionais de linha psicanalista atribuem um peso considerável às
causas encobertas (inconscientes) do comportamento do
consumidor, muitas vezes maior do que os benefícios do produto em
si. Assim, a forma fálica do sabonete ou da embalagem de
desodorante pode assumir um papel de destaque na hora da decisão
de compra da consumidora. O mesmo processo se aplica ao homem
como o design e a cor – vermelha – do automóvel esportivo, às
embalagens dos maços de cigarro etc
98
.
Ainda, segundo Jean Laplanche, para Freud, o pênis é a “zona
erógena diretriz, o mais importante objeto auto-erótico, e a sua valorização
reflete-se logicamente na impossibilidade de se representar uma pessoa
semelhante ao ego sem essa parte constituinte essencial”
99
. O menino,
ressalta, tem interesse narcísico pelo próprio pênis
100
.
Também, segundo Freud, a fase genital, que é caracterizada pela
organização das pulsões parciais sob o primado das zonas genitais, engloba
dois momentos separados pelo período de latência: a fase fálica, aquela da
organização infantil da libido e que segue as fases oral e anal. Entretanto,
nessa fase, somente é conhecido um único órgão genital, o masculino
101
; e a
organização genital propriamente dita.
O objeto parcial representa os tipos de objetos visados pelas
pulsões parciais, tratando-se principalmente de partes do corpo, reais ou
fantasísticas, que inclui o pênis e seus equivalentes simbólicos
102
.
96
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 251.
97
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 168.
98
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 50-51.
99
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 73.
100
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 179.
101
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise. Tradução: Pedro Tamen. 4ª edição,
tiragem. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 178.
102
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 325.
32
Para Melaine Klein, a relação com os objetos parciais não qualifica
apenas uma fase da evolução psicossexual, mas continua desempenhando
um papel importante depois de estabelecida a relação com os objetos totais.
Foi Jacques Lacan quem procurou conferir ao objeto parcial um estatuto
privilegiado numa tópica do desejo
103
.
As fantasias originárias são estruturas típicas, incluída a sedução,
e organizam a vida fantasística sejam quais forem as experiências pessoais
dos sujeitos, vale dizer, são fantasias universais, constituindo-se num
patrimônio transmitido filogeneticamente. Encontram-se de forma
generalizada nos seres humanos, sem que necessariamente tenham sido
vividas pelo indivíduo, sendo reconhecida sua eficácia no inconsciente
104
.
O termo “fantasia” em psicanálise tem conceito muito extenso.
Neste trabalho serão adotados os seguintes conceitos de fantasia: (i)
produção puramente ilusória que não resistiria a uma apreensão correta do
real; (ii) devaneio subliminar, pré-consciente, a que o sujeito se entrega e do
qual irá ou não tomar consciência; (iii) roteiros suscetíveis de serem
dramatizados, na maior parte das vezes de forma visual, pois o sujeito
sempre está presente nas cenas, não sendo representado por um objeto.
Freud distingue diversos níveis de fantasia: consciente, subliminar,
inconsciente. A fantasia está na mais estreita relação com o desejo e este
tem sua origem e seu modelo na vivência de satisfação
105
.
103
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 326.
104
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 174-175.
105
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 169-173. Como asseverou
Baudrillard a própria sociedade de consumo cria patologias, angústias, psicoses, antes não
existentes, e com isso se beneficia ao fazer crer que elas podem ser curadas mediante a
satisfação do consumo, representando meio de controlar as pessoas, a vontade, os desejos,
se valendo das carências das pessoas. Mesmo se sentido culpada a pesssoa consome, até
para pertencer a determinado círculo social. Assim, cria-se o mal-estar (resultado do
crescimento, da civilização, do modo de vida) que é oferecido ao mercado, para ser utilizada
a mercadoria cultural como objeto de deleite coletivo. Porém, esse processo remete mais
ainda para a angústia. É Baudrillar que observa: “é que a sociedade que se considera e se
contempla em progresso contínuo para a abolição do esforço, para a resolução das tensões,
para maior facilidade e automatismo, surge na realidade como sociedade de “stress”, de
tensão, de “doping”, em que o balanço global de satisfação acusa um “deficit” cada vez
maior, em que o equilíbrio individual e colectivo se cada vez mais comprometido
precisamente na medida em que se multiplicam as condições técnicas de sua realização.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 193-194. “Todo o produto representa,
na verdade, a concretização dos desejos e das necessidades humanas, a satisfação, a
realização de suas carências e aspirações, tanto físicas quanto psíquicas. O produto traduz
33
A expressão “realidade psíquica” significa o desejo inconsciente e a
fantasia liga-se com ele
106
.
A vivência de satisfação está ligada ao “estado de desamparo”
original do ser humano, quando o indivíduo suprime a tensão por meio do
auxílio de outra pessoa. A satisfação fica, desde então, ligada à imagem do
objeto que proporcionou a satisfação, assim como à imagem do movimento
reflexo que permitiu a descarga. Quando o estado de tensão aparece
novamente, a imagem do objeto é reinvestida. Esta reativação, que é o
desejo, produz algo análogo à percepção (alucinação). Se o ato reflexo se
desencadeia, não deixará de se produzir a decepção. O conjunto da
satisfação real e satisfação alucinatória constitui a base do desejo. O desejo
tem a sua origem na procura da satisfação real
107
.
O estado de desamparo, para o adulto, representa o protótipo da
situação traumática geradora de angústia. No bebê humano, implica a
onipotência da mãe, que depende inteiramente dela para a satisfação de
suas necessidades e para pôr fim à tensão interna. Devido à prematuração
do ser humano, a influência do mundo exterior é reforçada
108
.
essas carências e aspirações em sensações de alívio e prazer”. SCHWERINER, Mário Ernesto
René. Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos, p. 7.
106
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 427.
107
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 531.
108
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 112. O historiador Christopher Lasch
aduz que “a sociedade capitalista de consumo gera uma regressão na subjetividade dos seus
membros, com uma retomada de características da primeira fase do desenvolvimento desta
subjetividade. Nesta fase, marcada pelo narcisismo primário, não temos consciência a
respeito de quem somos, em que mundo vivemos, quais são as nossas necessidades e como
devemos satisfazê-las: somos totalmente dependentes das nossas mães e dos adultos de um
modo geral (Apud Cláudio Coelho, p. 9). Assim, “a ausência de consciência é uma retomada,
uma recriação, de características do narcisismo primário. Há um retorno a uma sensação de
indiferenciação entre o eu e os outros, entre o eu e o mundo, só que a relação de
dependência não é mais uma dependência da mãe, mas uma dependência dos objetos
produzidos em série. Dessa forma, “A publicidade interfere nas subjetividades individuais,
promovendo o retorno da experiência narcísica vivida na infância e preservada no
inconsciente. Na cultura do narcisismo, o consumidor projeta suas necessidades nas
mercadorias, assim como no narcisismo primário a criança projeta suas necessidades na
mãe”. COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar, p. 10, 11. Jean
Baudrillard aprofunda a questão: “na sociedade capitalista de consumo, a sociedade
assume o lugar da mãe [...] a sociedade assume a postura maternal de preocupação com as
necessidades de seus membros. A publicidade é mensageira deste cuidado maternal,
apresentando os objetos produzidos para a satisfação das necessidades dos consumidores”
Apud COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 11.
34
Para Freud, a sexualidade é classificada entre as “grandes
necessidades” e exige, tal como a fome, uma ação específica, que é o
conjunto do processo necessário à resolução da tensão interna criada pela
necessidade
109
.
O desejo inconsciente tende a se realizar, restabelecendo os sinais
ligados às primeiras vivências de satisfação
110
.
Morgan Spurlock apresenta a respectiva utilização prática dessas
características psicológicas pela empresa McDonalds
111
. A rede de fast-food
cativa as crianças com brinquedos, cores e ambiente profundamente
estudados, criando um local “feliz”. Não por acaso, o “mascote” é um
palhaço. Esse ambiente agradável fica registrado no inconsciente da criança
e quando ela se tornar adulta vai querer repeti-lo com seus próprios filhos.
Onde? Nas lanchonetes McDonalds, perpetuando o consumo de seus
produtos.
Freud não identifica necessidade com desejo. A necessidade,
nascida de um estado de tensão interna, encontra a sua satisfação pela ação
específica que fornece o objeto adequado (alimento, por exemplo). O desejo
está indissoluvelmente ligado a traços mnésicos e encontra a sua realização
na produção alucinatória das percepções que se tornaram sinais dessa
satisfação
112
.
Ao discorrer sobre o aparelho psíquico, Freud estabelece três
entidades: o id, o ego e o superego.
Christiane Gade, a respeito, explica
113
:
O id, segundo FREUD, é a fonte primitiva da energia impulsora
psíquica, regido pelo princípio do prazer. É o pólo pulsional da
personalidade, sendo que suas pulsões e a expressão psíquica das
mesmas são inconscientes. Seus desejos em parte são hereditários e
inatos e em parte adquiridos. Estes desejos exigem satisfação
imediata e irrestrita. Fazem com que o homem busque seu prazer e a
109
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 4-5.
110
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise, p. 113.
111
SPURLOCK, Morgan. Super Size Me - A Dieta do Palhaço. Manaus: Samuel Goldwyn
Films. Imagem Filmes, 2004. (DVD) (98 min.).
112
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da, p. 114.
113
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 103-105.
35
gratificação imediata deste prazer, sem preocupação com as
conseqüências e realidades da vida.
Apelo ao id é o apelo aos prazeres, sendo que a satisfação das
necessidades primárias e sua representação na comunicação, no
anúncio no qual pessoas comem, bebem, ou têm atividades
sexualizadas, rindo alegres e felizes, universalmente têm um apelo
idéico, assim como a satisfação de necessidades secundárias e
desejos desenvolvidos ao longo da vivência individual também.
O ego é derivado do id por meio dos contatos com a realidade. O ego
então obedece ao princípio da realidade, servindo de mediador entre
as exigências do id, da realidade e ainda do superego.
O superego é a consciência moral inibitória dos impulsos do id, cujos
desejos o fazem sentir culpa [...] É onde também se localizam os
sentimentos de dever e responsabilidade com suas exigências [...] No
caso de sentimentos de culpa, que a compra, uso ou consumo de
produtos podem gerar, procura-se trabalhar em publicidade
neutralizando estes sentimentos
114
.
A conclusão é de que existe “um conflito entre o id, regido pelo
princípio do prazer, e o superego, proibitivo e punitivo. Caberá ao ego,
representante do princípio da realidade, a tentativa de resolução desse
conflito”
115
.
Mario Erneste René Schweriner, a partir desses conceitos
freudianos, descreve como a publicidade deles se utiliza. Nas suas palavras:
Junto com a conceituação básica de id, ego e superego, vieram as
pistas para quais desses comportamentos básicos da personalidade é
direcionada a imensa maioria das campanhas publicitárias. Para
quem será? Obviamente para o id, regido pelo princípio do prazer. E
não somente direcionar para o id, mas, o que é também muito
importante, evitar ‘pinçar’ o superego e mesmo o ego, cujas funções
críticas podem abortar o desejo de consumo. Quase todos os
produtos infantis, os produtos que envolvem sensualidade, como
moda e beleza, e todas as guloseimas buscam pescar o circuito do
prazer embutido no id. os alimentos que enfocam atributos de
nutrição, diet e light, devem arquitetar uma linguagem para a
ponderação do ego
116
.
No mesmo sentido anota Christiane Gade:
O apelo ao sexo. Motivação primária da qual a publicidade usa e
abusa. Quase todos os produtos oferecidos apelam de uma forma ou
de outra para o sexo, seja diretamente relacionado a produtos como
cosméticos, que garantem que ‘ele (ou ela) ficará encantado (a) com
seu cabelo’, seja através de um jogo de palavras relacionado ao
produto indiretamente, como ‘preta boa e gostosa’, anúncio que faz
114
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 103-105.
115
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 105.
116
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 127.
36
propaganda de uma marca de cerveja e que apresenta uma negra
sensual
117
.
Jean Baurdillard é enfático ao afirmar que: O corpo ajuda a
vender. A beleza ajuda a vender. O erotismo promove igualmente o
mercado”
118
.
Por fim, a maior qualidade humana é a curiosidade insaciável
119
,
que também é utilizada pela publicidade para atrair os consumidores em
todos os sentidos; que se dirija à loja, que compre efetivamente toda sorte de
produtos recém-lançados.
Em suma, é claro o efeito da exploração do consumidor pela
publicidade do erotismo, da sexualidade. Tal efeito deve ser capaz de gerar
um padrão de conduta ou determinada forma de comportamento.
2.2 NOÇÕES PSICOLÓGICAS
2.2.1 Os símbolos
O estudo dos símbolos, ainda que superficial, tem grande
relevância, ante sua utilização pela publicidade.
John Freeman, na introdução do livro “O Homem e seus Símbolos”,
escrito por Carl Gustav Jung em co-autoria, anotou que “um estudo do
homem e dos seus símbolos é, efetivamente, um estudo da relação do
homem com o seu inconsciente”. Jung afirmava que o inconsciente é o
grande guia, o amigo e conselheiro do consciente.
120
O ser humano é fascinado pelas imagens simbólicas, conforme
observou Desmond Morris
121
.
117
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 116.
118
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 143.
119
MORRIS, Desmond. O Animal Humano, p. 213.
120
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 12.
121
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 188.
37
O símbolo representa sempre mais do que o seu significado
imediato e óbvio. Existem símbolos cuja origem não é individual, mas
coletiva
122
.
Nos dizeres de Carl Gustav Jung:
Uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma
coisa além do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou
esta imagem tem um aspecto ‘inconsciente’ mais amplo [...]. Quando
a mente explora um símbolo, é conduzida a idéias que estão fora do
alcance de nossa razão
123
.
Os símbolos podem ser classificados em naturais e culturais. Os
naturais derivam dos conteúdos inconscientes da psique e representam a
grande gama de variações das imagens arquétipicas essenciais. Os culturais
são aqueles empregados para expressar verdades eternas, bastante
utilizados em muitas religiões. Estes símbolos podem evocar reações
emotivas profundas em algumas pessoas e esta carga psíquica funciona
como preconceito
124
.
As mensagens dos símbolos trazidas pelo inconsciente influenciam
as atitudes e os comportamentos humanos, como assinala Joseph L.
Henderson
125
.
Wilson Brian Key é o grande defensor da influência dos símbolos
utilizados na publicidade em relação ao comportamento do consumidor.
Nelly de Carvalho entende que “a publicidade é discurso,
linguagem, e portanto manipula símbolos para fazer a mediação entre
objetos e pessoas”. Além disso, sendo “organizada de forma diferente das
demais mensagens, a publicidade impõe, nas linhas e entrelinhas, valores,
mitos, ideais e outras elaborações simbólicas”
126
.
Christiane Gade, por seu turno, sustenta que:
122
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 55.
123
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 20.
124
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 93.
125
HENDERSON, Joseph L. et al. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia
Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 107.
126
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução, p. 12, 13.
38
O posicionamento de produtos então coloca a marca ou o produto
em posição relativa em relação aos outros. A imagem de um produto
ou marca é resultante de significados simbólicos percebidos e
atribuídos a esta marca ou produto [...]. O processamento da
informação e sua acomodação na memória ocorre principalmente por
repetições internas. Quanto maior o engajamento e interesse nestas
repetições maior será a retenção. Para tanto, é necessário que os
estímulos sejam codificados. E convém lembrar que a codificação é
feita de símbolos e signos que, de forma complexa ou simples,
permitem que o estímulo seja processado. Imagens, associações,
formas, cores, letras, palavras e sons podem ser elementos
codificados que facilitam a retomada e manipulação da
informação
127
.
Na concepção de Regina Blessa, o ser humano quando pensa
“manipula símbolos que atuam como substitutos de experiências anteriores,
usa imagens que são abstrações e construções baseadas em informação
armazenada na memória de longo prazo”
128
.
2.2.2 O aprendizado
Importante lição sobre esse tema é ofertada por Christiane Gade,
que assim ensina:
A aprendizagem, seja de que tipo for, pressupõe um impulso, um
drive para aprender. Os drives são classificados como primários e
secundários, sendo os primeiros aqueles que se baseiam em
necessidades fisiológicas inatas, como a fome, a sede, o sono, o sexo.
Os drives secundários seriam os aprendidos ou adquiridos. Não se
precisa ensinar alguém a comer, mas fumar, sem dúvida, é um
comportamento aprendido. O desejo do sexo não é aprendido, mas a
negação deste desejo e a vergonha da nossa nudez são aprendidas. O
homem etnocêntrico tende a acreditar que aquilo que, na verdade,
são drives secundários aprendidos é inato e natural, quando na
realidade são coisas culturalmente determinadas e longe de serem
naturais. (A própria cultura é um fenômeno aprendido e consiste em
respostas aprendidas.)”
129
.
A autora comenta que Watson, Dewey e Guthrie são teóricos da
linha que adota a lei de associação com repetição das ocorrências para ser
127
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 80, 77.
128
BLESSA, Regina. Merchandising no ponto-de-venda. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.
17.
129
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 82.
39
fator fundamental da aprendizagem. Guthrie, porém, maior ênfase a uma
contigüidade temporal, que postula que o comportamento mais
recentemente ligado a um estímulo tenderá a ocorrer novamente. Os
especialistas em marketing que trabalham com outdoors e acreditam nesta
teoria se utilizam de cartazes de rua e em ônibus, baseados no pressuposto
de que, ao entrar na loja, o consumidor terá visto muito recentemente o
anúncio do produto que irá comprar, o que poderá ser favorável à aquisição,
pois já foi estimulado
130
.
Nesse sentido, Maslow havia demonstrado “que existe uma
tendência para escolher o que é familiar, o que revela aprendizagem
afetiva”
131
.
A partir da teoria da associação, foram desenvolvidas as teorias
comportamentais, “com técnicas de aprendizagem por meio de
condicionamento clássico e de condicionamento operante”
132
desenvolvidas
respectivamente por Pavlov e Skinner.
A aprendizagem perceptual, que permite reconhecer um produto,
“parece ser facilitada pelas técnicas que seguem a teoria associacionista”.
Estudos indicam que o conhecimento e a retenção de marcas ocorrem
quando se usam “técnicas de associação e repetição, criando
familiaridade”
133
.
A aprendizagem afetiva, por sua vez,
[...] também parece ser facilitada através destas técnicas. Os
princípios de reforçamento, generalização, discriminação e extinção
parecem ter muito efeito na formação de gostos e antipatias por
determinados produtos que, então, passam a ser adquiridos e
consumidos em função da experiência prévia
134
.
130
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 63.
131
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 74.
132
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 65.
133
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 74.
134
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 74.
40
A publicidade utiliza a repetição
135
e tenta fazer com o consumidor
o mesmo que Pavlov fez com o condicionamento de cães.
De fato, segundo Mário Ernesto René Shweriner:
Um instrumento muito utilizado para sedimentar esse procedimento
se aproxima do processo de aprendizagem clássico da psicologia o
condicionamento
136
Para se chegar à fidelidade à marca é necessário que haja muitas
repetições (N) de comportamentos reforçados positivamente. A isso se
denomina condicionamento, ou comportamento condicionado: o
registro mental advindo da repetição de determinadas associações ou
interações reforçadas, tanto positivamente (recompensa), quanto até
negativamente (punição). O condicionamento é uma das principais
maneira de aprender.
Como isso se dá?
Pela associação repetida da marca/produto que se deseja promover a
situações e objeto do desejo, e às vezes até valores facilmente
reconhecidos pelo consumidor
137
.
E qual é a missão dos publicitários? Conseguir conectar na mente do
consumidor a marca, um estímulo originalmente neutro a ser
condicionado como o fora a campainha para o cachorro [na
conhecida experiência de Pavlov] a situações e objetos muitos
almejados por todas as pessoas: fama, riqueza, sucesso, poder,
saúde, segurança, amor, sexo. Enfim, a carne do cachorro. Assim
como o cão instintivamente salivava para a carne e aprendeu a
salivar para a campainha, os publicitários ‘ensinam’ o consumidor a
transpor em sua mente o prazer de tais situações e objetos de desejo
(e mesmo valores) à marca em questão
138
. Por conseguinte, ‘Os
publicitários acabam provocando, por meio da exposição repetida
dos anúncios, a fixação (aprendizagem) da transposição do prazer ao
produto e, conseqüentemente, vontade de adquiri-lo da mesma
maneira como a salivação foi estendida para a companhia’
139
.
Sobre o tema, aduz o mencionado autor:
Tais associações mentais, ou neuroassociações, são quase que
automáticas e apresentam uma outra pista para os Necejos [conceito
que adiante será analisado], uma vez que o consumidor exige uma
135
“As mensagens publicitárias se dirigem a milhares e às vezes a milhões de consumidores
influenciando o comportamento que venham a apresentar”. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. O
princípio da vinculação da mensagem publicitária, p. 48.
136
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 74.
137
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 75.
138
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 76.
139
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 77. Existe um quadro na p. 79, evidenciando que a tarefa
do publicitário é tratar o consumidor assim como Pavlov tratou o cão.
41
determinada marca, sem a correspondente plataforma racional,
sentido-se bastante incomodado ao não poder consumi-la
140
.
Existe uma derivação dessas condutas condicionadas, que é o
condicionamento social. Ocorre quando as pessoas procedem como
rebanhos, seguindo a corrente de uma maioria, de modo absolutamente
irrefletido
141
.
2.2.3 Hierarquia das necessidades de Maslow
Pela teoria de motivação de Maslow, as necessidades e os desejos
são organizados em prioridades e hierarquias: fisiológicas; segurança; afeto;
status; eu. Nessa ordem, “os desejos mais altos da escala somente serão
realizados quando os que estão mais abaixo se encontrarem mais ou menos
satisfeitos”
142
.
Segundo Christiane Gade, em relação à psicologia da publicidade e
do consumo, “a escala de MASLOW é visualizada em torno de oito desejos
básicos, nos quais se concentra o consumo:
Alimentação e bebidas
Conforto, casa e vestuário
Liberação de ameaças e perigos
Necessidade de ser superior, de possuir status
Atração do sexo oposto
Bem-estar da família
Consideração social
140
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 77.
141
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 78.
142
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 89, 91.
42
Vida longa e saúde
Esses desejos acompanham o indivíduo ao longo de sua vida,
porém são específicos em cada faixa etária. Em rigor, pode-se dizer que
correspondem aos motivos que incentivam algumas atividades: trabalhar,
ganhar dinheiro; consumir
143
.
A patologia, todavia, surge quando a pessoa inverte a hierarquia de
necessidades de modo danoso, como, por exemplo, deixa de se alimentar
para adquirir roupas de grife. A publicidade, vale dizer, também é
responsável por essa inversão.
2.3 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR
Pertinente é a abordagem do tema referente ao comportamento
psicológico do consumidor.
A psicologia é o meio adequado para a compreensão das
influências dos fatores psicodinâmicos internos e dos fatores psicossociais
externos que atuam no consumidor. Não é por outra razão que o estudo do
comportamento humano e da psicologia do consumidor é realizado para
permitir o desenvolvimento de estratégias de marketing mais eficazes
144
.
Christiane Gade, a respeito, afirma que:
O comportamento é uma manifestação externa de processos
psicológicos internos, de respostas aos estímulos que são
processados e transformados em informações aprendidas e
memorizadas. [...] Os estímulos também são geradores de motivação,
fazendo com que os consumidores desejem as coisas, E a partir das
informações do que é apreendido pelo sentido, das emoções, é que se
desenvolvem as atitudes, as opiniões e a intenção de ação, a intenção
de compra
145
.
143
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 114-115.
144
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 1.
145
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda. Edição revista e
ampliada. São Paulo: EPU, 1998, p. 27.
43
Quatro são os fatores aptos a influenciar o comportamento do
consumidor quanto à decisão de compra. São eles: culturais, pessoais,
sociais e psicológicos
146
.
Os “fatores culturais” referem-se à cultura
147
, aos hábitos, aos
costumes, aos pensares, à ideologia
148
, à mudança cultural, às correntes
culturais
149
e à moda
150
.
Os “fatores sociais” representam os grupos sociais primários e
secundários de referência, por exemplo: os líderes, inovadores e seguidores;
a aceitação social
151152
e o conformismo.
146
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 6.
147
“O valor dos bens passa a depender mais de sua referência cultural (valor de signo), do
que de sua utilidade, quer dizer, de sua dimensão funcional ou econômica”. SCHWERINER,
Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos
essenciais, p. 166.
148
Maria Deosdédite Giaretta Chaves considera que a ideologia dos anúncios catalisa
interesses comuns de diferentes indivíduos, fazendo com que os ideais peculiares do
capitalismo sejam os mesmo ideais populares e dos consumidores. A publicidade, portanto,
faz do consumo um ideal de existência. Apud ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A
Publicidade enganosa e o controle estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor.,
p. 14.
149
Max Horkheimer e Theodor Adrono defendem que “a produção cultural no capitalismo é
monopolizada pela ação dos grandes conglomerados econômicos”, ou seja, vivemos numa
sociedade na qual o sucesso musical do próximo verão é decidido numa sala com meia
dúzia de empresários. Os citados autores criaram o conceito de “indústria cultural” para
caracterizarem os meios de comunicação de massa. Este conceito significa que a produção
de bens em larga escala (escala industrial) alcançou também a cultura (arte, informação),
que se transformou em mercadoria. “A indústria cultural monopoliza o acesso à opinião
pública, transformado-a em massa consumidora de arte e informação [...] A indústria
cultural promove um esvaziamento da cultura popular, transformando-a em cultura de
massa. Enquanto a cultura popular é uma criação coletiva, uma expressão do modo de vida
de populações que vivem em regiões específicas; a cultura de massa é fruto da ação dos
dirigentes dos conglomerados comunicacionais, que se apropriam da produção cultural
popular, padronizando-a e transformando-a em produto a ser consumido em larga escala”.
Em conseqüência, “A mediação tecnológica, dentro do contexto da sociedade capitalista,
afasta a maior parte da população da condição de produtor cultural”. COELHO, Cláudio
Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 24-26.
150
“É na destruição dos objetos que repousam os pilares da sociedade de consumo. Pois o
mero uso desses produtos conduz ao seu desgaste lento; o motor do consumismo é o
desperdício violento [...] Não a destruição física, de marretar os próprios bens, mas sim a
perda de sua capacidade de satisfazer o consumidor, seja na dimensão funcional, seja na
simbólica Na dimensão funcional, novos produtos ocupam, a intervalos cada vez mais
breves, o espaço de seus antecessores, tornando-os velozmente obsoletos. Na dimensão
simbólica, a moda e o design se incumbem de envelhecer os bens atuais, tornando-os
rapidamente ultrapassados e até bregas aos olhos de seus possuidores. O aumento da
produção, da lucratividade e do emprego é o lado iluminado da sociedade de consumo. No
entanto, para funcionar devidamente, tal sistema requer que as novidades devam ser
continuamente almejadas e adquiridas, cujo dínamo é a propaganda”[grifos no original].
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 145.
44
Os “fatores pessoais” dizem respeito a variáveis demográficas, tais
como idade, sexo, posição no ciclo de vida, escolaridade e atividades,
situação econômica e estilo de vida.
Os “fatores psicológicos”
153
estão relacionados com: o
processamento de informações, sua captação e decodificação por meio de
mecanismos de sensação, percepção, aprendizado e memória; o
processamento psicodinâmico e seus aspectos motivacionais, emocionais e
atitudinais; a personalidade.
Mesmo com o conhecimento de todos esses enunciados de fundo,
com freqüência indaga-se se os profissionais de marketing atuam com a
151
Baudrillhar analisa esse aspecto da seguinte forma: “nesta rede de relações ansiosas
onde não valor absoluto, mas apenas a compatibilidade funcional, deixa de interessar
o “impor-se”, o “dar provas” (provação, Bewährung), mas é importante travar contactos e ser
aprovado pelos outros, solicitar o seu juízo e afinidade positiva. A mística da aprovação
toma progressivamente em tudo o lugar da aprovação. O objetivo de realização transcende o
indivídio tradicional é substituído por processos de solicitação recíproca (no sentido que
antes definimos: Werbung). Dada qual “solicita” e manipula, cada qual é solicitado e
manipulado. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 182.
152
“o significado dos bens transcende sua dimensão intrínseca, pois é emprestado pelo valor
que outros lhe atribuem. Por isso é que as marcas de muitos produtos almejam se
transformar em símbolos de status, glamour e poder, que chancelam uma palavra-chave:
sonho, mais especificamente o sonho do reconhecimento social. Como somos animais
sociais, ansiamos por reconhecimento e admiração, alimentados pelo objetivo de atingir a
perfeição, seja pela beleza física, poder, dinheiro ou por posses materiais. E os produtos de
luxo são uma excelente alavanca que permite a transmutação do diáfano desses sonhos de
reconhecimento em vivência concreta”. SCHWERINER, Mário Ernesto René.
Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 167.
153
“Muitas pessoas frustradas adoram um comportamento de fuga (da frustração), por meio
do consumo voraz, inda às compras como compensação, como válvula de escape, um
apanágio para suas mazelas, que as conduzem momentaneamente à gratificação. O ato da
compra em si, bem como a sensação gratificante da posse do bem, funcionam como um
paliativa para as frustrações emocionais da pessoa, tanto as de ordem profissional como,
mais comumente, as de cunho afetivo. Nesse último caso, as mulheres são imbatíveis em
sublimar carências afetivas em compras e consumo. Isto é, a energia da libido que não
consegue ser dirigida e satisfeita a um bem-querer, passa a ser direcionada a uma outra
espécie de bem, um bem de consumo. Mesmo sem resolver as causas reais da frustração, a
pessoa se livra das energias negativas retidas por intermédio da busca da gratificação
proporcionada pelo consumo. O papel da propaganda e do marketing no incentivo ao
consumo pela criação/consolidação dos Necejos é extremamente oportuna para, digamos
assim, compensar muitas frustrações, ainda mais as de ordem afetiva. As compras assim
efetuadas agem como se estivessem encobrindo essas frustrações, deixando a pessoa, antes
deprimida, artificialmente aliviada”.
Além da frustração, a culpa é outro combustível para o consumo alimentado pela
propaganda e o marketing. Pais que não têm tempo para os filhos pequenos podem
compensar essa falta de afeto com presentes, e o Dia das Crianças é uma fantástica
oportunidade de redenção. Isso funciona também com o Dia das Mães, Dia dos Pais e Natal.
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 46.
45
intenção de dar às pessoas o que elas querem ou tão-só dizer-lhes o que
devem querer.
Para elucidar a questão anota-se a existência de duas correntes: a
instintivista e a manipulacionista. Os adeptos da tradição instintivista
defendem que a herança biológica dirige o comportamento. O desejo pelo
novo existe mesmo que embutido nas profundezas da mente humana, no
inconsciente. A propaganda busca convencer os consumidores a adquirir
uma marca em vez de outras, mas não criou a demanda. Para a corrente
manipulacionista, as pessoas basicamente se contentam com o que
possuem, porém são “compelidas” a agir pelos desejos que lhes são
“injetados”, principalmente pelas ações de propaganda e marketing que, ao
se tornarem extremamente poderosas, irão configurar os Necejos
154
.
Para John Kenneth Galbraith, economista canadense, o moderno
sistema econômico inventa os desejos que ele mesmo se incumbe de
satisfazer. É a fieira invertida, na qual o comportamento do consumidor é
controlado pela produção, em vez de a produção ser a resposta às carências
e expectativas do consumidor, a chamada fieira clássica
155
.
Diversos são os componentes da equação motivacional, esta
representada pela fórmula reveladora do comportamento. Em outras
palavras, resulta de vários fatores, que, em conjunto, levam à ação, que pode
levar à compra, ao consumo e uso
156
.
O motivo é sempre interno à pessoa e é por meio dele que se pode
tomar consciência da causa
157
e do porquê de determinado comportamento.
Pode ser uma “sensação” ou uma “emoção”. Os motivos podem ser: a)
primários (imperativos, correspondem ao instinto de conservação; são
intensos e demandam alta alocação de energia; representam as
154
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 143.
155
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 143.
156
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 6.
157
A causa é o início da equação motivacional; é o estímulo inicial. Pode ser externa (ou
sugestão) ou interna (ou impulso). A interna pode ser biológica ou psicológica, ambas
conscientes e inconscientes. SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do
Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 29.
46
“necessidades” (que são básicas e limitadas)); ou b) secundários
(correspondem aos “desejos” e são ilimitados)
158
.
Dessa feita, tem-se que as necessidades são oriundas dos motivos
primários, uma espécie de imperativos ou ultimatos que levam o organismo
a precisar de algo. Essas necessidades estão relacionadas às condições
essenciais de vida das pessoas, são uniformes e em número limitado. Os
desejos
159
vêm dos motivos secundários, possuem origem mais fluida, sutil e
específica, fornecendo opções ao organismo diante dessas causas. o
variáveis e quase ilimitados
160
.
Mário Ernesto René Schweriner defende a existência de um outro
motivo secundário além dos desejos: os Necejos (neologismo do autor):
Os necejos são tão elásticos e quase ilimitados em suas nuances
quanto os desejos. Entretanto, diferentemente destes, sua não
realização é extremamente aversiva, assemelhando-se às
necessidades no grau de sofrimento quando não satisfeitos. Quer
dizer, o consumidor se torna dependente da marca/produto não
essencial para sua gratificação, sem o qual ele se sente
extremamente insatisfeito. Os vícios são um bom exemplo de
Necejos
161
[...] frustração pelo não-consumo é a característica
principal de um Necejo, [...] a não-satisfação de um Necejo acarreta
158
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 32, 34-36.
159
Para Santo Agostinho “são quatro as perturbações da alma: o desejo, a alegria, o medo e
a tristeza”. SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 273. Estas
perturbações são o que a psicologia moderna chama paixões fundamentais. Cícero também
as denomina perturbações.
160
“Para uma vida digna, necessidades que deveriam ser satisfeitas e que são
relativamente limitadas, ao passo que os desejos, pelo contrário, são infinitos. E são
precisamente tais desejos ilimitados a matéria-prima da qual se alimenta a sociedade de
consumo para atiçar os consumidores em direção a novos produtos e serviços
permanentemente lançados no mercado para aplacar exatamente esses desejos sem fim”.
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 90.
161
O autor aponta, nesse sentido, a missão da publicidade: “A missão dos publicitários é
produzir o que denomino geração exponencial de motivos. Como se faz? Recheando a mídia
com o máximo possível de peças publicitárias (causas externas) capazes de despertar/atiçar
motivos provocadores de desejos pelos bens anunciados. Quanto mais apelos eivados de
emoção eles contiverem, mais terão o condão de provocar motivos irresistíveis, geradores de
poderosos desejos para sua satisfação. Porém, não são necessidades, pois necessidades são
imperativos conectados à sobrevivência física ou psíquica. Também não são desejos, pois
desejos são maneiras de satisfazer as necessidades, e, por serem muito menos intensos,
permitem ao consumidor abdicar ou trocar facilmente de produto/marca. Por não se
encaixar nem nos desejos nem nas necessidades, criei uma categoria inteiramente nova: os
Necejos” SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor:
identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 33, 34, 37, 41.
47
conseqüências psicológicas drásticas, na figura de raiva, tristeza e
inveja, dentre outras.
Adiante o autor menciona que a frustração irá incomodar tanto,
que o indivíduo fará de tudo para alcançar a meta, mesmo que não necessite
do produto ou serviço objeto do Necejo
162
.
Com relação à atitude a ser tomada pelas empresas, anota:
A estratégia da grande maioria das empresas deve ser provocar um
sentimento análogo de insatisfação.
[...]
A propaganda deve se esforçar e se esmerar em construir uma
relação de dependência do consumidor com a marca anunciada,
fazendo-o precisar dela como uma necessidade, porém em sentido
como se fosse um desejo, uma opção pessoal, que o conduza na
direção da gratificação. Exatamente um...Necejo! [que é denominado
eufemisticamente fidelidade à marca]
163
.
Para Jean Baudrillard, a lógica do consumo é a seguinte:
[...] deixando de estar associada à função objectiva dos objectos, as
necessidades e as satisfações sucedem-se, referem-se umas às
outras, substituem-se mutuamente, em função de uma insatisfação
fundamental
164
.
Assim, constata-se que o ser humano tem necessidades finitas e
desejos (e necejos) infinitos. Atenta a esse fator, a indústria aproveita para
“empurrar” toda sorte de quinquilharias, desde os “kitsch” até os “gadget”.
De fato, já afirmou Aristóteles, o ser humano nunca está satisfeito:
No começo os homens contentam-se com dois simples óbolos; então,
quando se acostumam à soma, passam a pedir mais, e suas
exigências tornam-se ilimitadas, pois não existem limites a desejos e
a maioria das pessoas vive tentando satisfazê-los
165
.
162
“Está claro que a sociedade de consumo, por meio do seu instrumento régio – a
propaganda -, deve criar artifícios para provocar esses sentimentos nos indivíduos, caso o
consumo não seja concretizado. Não interessa em absoluto ao fabricante se o consumidor
não se importa se seu desejo não for atendido se não puder adquirir a mercadoria. É
importante que ele dependa do bem para sua satisfação, isto é, que ele o necejo”.
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 41.
163
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 74.
164
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 195.
165
ARISTÓTELES. Política. Tradução: Therezinha Monteiro Deutsch Baby Abrão. São
Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 188.
48
Na visão de Shopenhauer:
O único motor de toda a realidade é uma vontade cega, absurda e
irracional de viver que impulsiona todo o universo e cada ser vivo a
desejar incessantemente algo que, tão logo é obtido, torna-se motivo
de insatisfação
166
.
Como não é possível satisfazer todos os desejos (ante, por exemplo,
limitações de ordem econômica, que os rendimentos são limitados e os
desejos ilimitados), o ser humano procura o que lhe proporciona maior
prazer
167
, o qual, conforme analisado anteriormente, é representado pela
entidade psiquica id.
Com efeito, não foram poucos os pensadores que se dedicaram ao
estudo do “prazer”: Epicuro, Jeremy Bentham
168
, até John Stuart Mill, que
ficou conhecido pela defesa que fez do Utilitarismo
169
.
Mário Ernesto René Schweriner afirma que é pelo monitoramento
das respectivas sensações com o fito de diminuir ou eliminar as sensações
dolorosas e maximizar as mais prazerosas
170
- que muitas pessoas têm
pautado suas vidas, isto desde os primórdios da civilização humana. E
166
Apud SCHOEPFLIN, Maurizio. O amor segundo os filósofos. Tradução Antonio
Angonese. Bauru: EDUSC, 2004, p. 31.
167
Nesse mesmo sentido GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda.,
p. 10.
168
“A ética de Bentham repousa no chamado princípio da satisfação; ela se fundamenta no
pensamento de que o homem busca as sensações de satisfação e tenta evitar o desprazer e
desta forma determina suas ações”. COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia
do direito, p. 76.
169
“Existe um experimento clássico na Psicologia para demonstrar não só a relevância como
principalmente a preponderância da busca do prazer sobre os demais sentidos e mesmo
necessidades. Foram implantados eletrodos em várias áreas cerebrais de ratos que, ao
pressionar uma alavanca, podiam estimular eletricamente uma determinada região do
próprio cérebro. A quantidade de estimulações em determinadas áreas de recompensa
chegou a oito mil por hora, fazendo com que ele se ocupasse exclusivamente da auto-
estimulação prazerosa. O animal simplesmente se “esquecia” de ingerir alimentos e até de
beber água, e parava somente quando estava completamente exausto. Para vários deles a
busca do prazer representou sua sentença de morte”. SCHWERINER, Mário Ernesto René.
Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos, p. 93. Dessa forma, o
prazer também pode ser fator para a inversão das necessidades na hierarquia da Maslow.
170
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 54.
49
arremata: “O ser humano busca a gratificação, que é originada por três
vertentes diversas de sentimentos: prazer, alegria e felicidade”
171
.
O prazer é obtido pelo desfrute intrínseco de coisas ou situações,
ou seja, é sentido durante o contato/vivência destas mesmas situações.
Trata-se de uma sensação:
O prazer depende de quatro grandes fatores: da capacidade do objeto
em si de propiciar prazer (prazer intrínseco); do condicionamento; da
escassez/raridade do próprio objeto; da magnitude do percurso entre
a câmara do sofrimento para a da gratificação na ampulheta (como
dizem os americanos, ‘no pain, no gain’)
172
.
Mário Ernesto René Schweriner descreve ainda a forma como as
empresas devem explorar s sensação do prazer:
O prazer é a fonte de inspiração – podemos dizer, a matéria-prima – a
partir da qual é desenvolvida a grande maioria dos produtos. Como
os prazeres são vivenciados pelos órgãos dos sentidos, eles são mais
estimulantes e mais vividos do que os sentimentos difusos da
felicidade ou da alegria. As pessoas dependem do externo para a
obtenção do prazer, mas apenas de si mesmas para atingir a
felicidade, o que muitas vezes é trabalhoso e nebuloso. Dessa
maneira, é muito mais fácil, rápido e prático procurar o prazer, e a
empresa deve deter total domínio sobre os objetos ou serviços por ela
comercializados e que são potenciais fontes de prazer e devem ser
constantemente renovadas: prazeres efêmeros. Preferencialmente, o
consumidor deverá ficar até certo ponto viciado e dependente desse
prazer que, caso não seja obtido, acarretará significativa frustração:
nada mais que um Necejo. [...] Como os prazeres costumam ter curta
duração, acabam por ser constantemente perseguidos e renovados,
gerando grandes vazios e frustrações nos ‘intervalos’ em que não são
sentidos. O hábito da busca desenfreada por excitações sempre mais
fortes produz hipersensibilidade à dor e embotamento da capacidade
de sentir prazer, acarretando um aumento expressivo na intolerância
ao desagrado’, sendo que a ‘síndrome da tolerância significa que você
precisa de cada vez mais consumo para obter o mesmo patamar de
prazer precedente (...) A síndrome da abstinência, a exemplo das
drogas, conduz a precisar de consumo a intervalos cada vez
menores’
173
.
171
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 90.
172
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 92.
173
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 93,96,98.
50
As conseqüências desse status quo, como se pode observar, são:
menor tolerância à frustração; estética sobrepujando saúde;
supervalorização do belo; necessidade de satisfação imediata.
Na interpretação do mencionado autor:
A pós-modernidade é marcada não pelo desenvolvimento
tecnológico, mas também (quiçá, até principalmente) pela
supervalorização do hedonismo – a busca incessante de prazeres
imediatos. [...] a exemplo do paraíso e das utopias, observa-se que o
hedonismo tampouco preenche as promessas de felicidade. Por sua
própria natureza, prazeres são efêmeros e devem ser constantemente
renovados, o que é facilitado e incentivado pela avalanche de
produtos e serviços colocados à disposição dos consumidores. Essa
corrente contínua de produtos e serviços a alimentar prazeres
insaciáveis é um dos pilares do consumismo
174
.
E conclui que:
A grande verdade é que norteamos nossa vida pelas sensações (como
recompensas): fuga das desagradáveis e dolorosas e busca de
melhores e mais intensas, via Poder, Comida, Bebida, Status,
Viagens, Sexo, Amor etc. largamente viabilizadas pelas mercadorias e
serviços colocados à nossa disposição no mercado. O fato é que os
produtos e serviços estão justamente para satisfazer nosso apetite
por sensações: ajudando a afastar o sofrimento e, na medida do
possível, propiciando gratificação
175
.
As teorias que sustentam o modo de ação do sistema publicitário,
conforme analisado por Neusa Demartini Gomes, constituem o resumo
deste tópico referente ao comportamento e psicologia do consumidor
176
.
174
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 152.
175
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 27.
176
“a) a concepção “clássica”, dependente da psicologia das funções e faculdades mentais
(condutivismo); b) a concepção “motivacional”, apoiada nas diferentes escolas da psicologia
profunda; c) a concepção “semiológica”, baseada no desenvolvimento da semiologia e da
lingüística estrutural”. A teoria clássica ou condutivismo consistem em “um anúncio deve
sucessivamente chamar a “atenção”, suscitar o “interesse”, provocar um “desejo e
desencadear uma “ação”. Dela se infere que a imagem publicitária deve constituir somente
uma “ilustração” cuja função principal é a de conduzir à leitura do texto. Destas ações,
resultou a seguinte fórmula: A Atenção; I Interesse; D Desejo; A Ação [...] Este
esquema está inspirado nos estudos da psicologia de Pavlov (reflexo condicionado) e no
condutivismo norte americano de Watson (behaviorismo), Skinner, Jan e outros. [...] O
próprio behaviorismo, segundo Mueller (1963), representa uma intenção de reduzir a
psicologia a uma ciência natural, excluindo de seu campo a consciência (atenção, memória,
vontade, inteligência) e portanto, todo o recurso à introspecção, para admitir somente o
comportamento objetivo”. Assim, “foi comprovado empiricamente a desproporção existente
entre a porcentagem de leitores que havia notado ou identificado um anúncio (40 a 45%) e o
51
Como conclusão da primeira parte deste trabalho, constata-se que
para as escolhas efetuadas pelo consumidor, existe certa explicação. As
escolhas de consumo levam em consideração a função, a moda e o conforto,
sendo influenciadas pelo aspecto psicológico, muitas vezes de modo
dos que haviam lido uma parte ou o total do texto (10 a 15%). A conclusão não poderia ser
outra: é na imagem onde a publicidade devia concentrar sua mensagem, e o criativo deve
procurar, antes de qualquer coisa, expressar a mensagem em uma única percepção [...]
“Quem o concebe [o anúncio], separa a função “atrair a atenção” da função “comunicar a
mensagem”. Situa no anúncio um elemento central muito chamativo, destinado a atrair a
atenção (em geral uma ilustração) e um elemento percebido em um segundo momento (em
geral o texto) destina a comunicar a mensagem (desencadear o interesse, o desejo, a ação)”.
A interpretação motivacional: “A corrente psicanalítica, inaugurada por Sigmund Freud, não
é somente o método de exploração do psiquismo humano (...) e o cenário dos processos
inconscientes desconhecidos pela psicologia clássica, mas também, e sobretudo, uma
terapêutica para o tratamento de algumas neuroses e psiconeuroses. Deriva deste
pensamento a invasão da psicanálise em todas as atividades e culturas humanas, desde a
pedagogia, estética, sociologia, história das artes e literatura, mitologia, folclore, história das
religiões, história das civilizações, etc.”. Na publicidade, que nesta década de 50 incorpora
os estudos motivacionais, a partir de um número bastante expressivo de pesquisas
concluiu-se que seria o desejo de expressar a personalidade (em termos psicanalíticos, tanto
no nível do id, quanto do Ego e do Superego) o que orientaria a escolha de produtos ou
marcas. A imagem seria muito mais que uma simples ilustração, não se limitando a
representar, mas tendendo, também, a significar. O destino da imagem seria a região do
inconsciente de forma que, enquanto o texto se dirige, preferentemente, aos desejos
manifestados, a imagem, aos desejos reprimidos. Esta interpretação não foi muito adiante
porque era muita mais afirmativa que explicativa, e trata-se de uma interpretação centrada
no valor simbólico das imagens, o que conduz a um estudo dos sistemas de significação e
simbolização icônicas. Pierre Martineau, um dos teóricos mais importantes desta corrente
[interpretação motivacional], apresenta alguns itens que devem ser levados em conta pelos
criativos, no momento de criarem a imagem dos anúncios: 1) Que a imagem não somente
chame a atenção, mas que também signifique, por si mesma e, neste sentido, que seja um
símbolo. A esse respeito, Victoroff comenta que a ilustração, a apresentação e a cor são
muito mais do que simples procedimentos para chamar a atenção. Do mesmo modo que a
música comove diretamente, também estes outros símbolos não racionais da forma, da
linha, do volume, da atmosfera e da imagem contribuem, todos eles, mediante sua
linguagem característica, à significação total da publicidade, à imagem do produto e da
instituição. 2) [...]. 3) Que a mensagem que transmite uma imagem esteja sempre carregada
de significações que não possam ser exclusivamente colocadas no nível verbal. A imagem
atua no plano das motivações profundas e sua força persuasiva reside no fato de que se
dirige ao inconsciente”. A interpretação semiótica: “esta interpretação parte da preocupação
com os aspectos significativos, próprios da análise motivacional e pretende esgotar as
possibilidades de análise cientifica da imagem, considerando-a como o suporte para a
produção de um sentido, abandonando toda consideração alheia a seu campo
epistemológico”. GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 87-
90.
52
inconsciente. Na indústria do consumo, nada é por acaso
177
. Tudo é
pensado, refletido e calculado nos mínimos detalhes
178
.
177
De fato, “A publicidade transforma o processo criador em laboratório, no qual se testam
comportamentos humanos. Mitos da época e escalas de valores que fundamentam e
orientam as práticas sócias são transmitidos e reforçados pela linguagem publicitária,
quando não impostos ou reformulados”. CARVALHO, Nely de. Publicidade A linguagem da
sedução, p. 163.
178
A respeito, têm-se as recomendações de Regina Blessa, profissional da área de
merchandising, para os empresários: “A atmosfera refere-se ao design de um ambiente por
meio de comunicações visuais, iluminação, cores, música, aromas para estimular as
respostas emocionais e de percepção dos clientes que, ao final, poderão afetar seu
comportamento de compra. A característica da loja, a disposição de produtos, o número e
altura de balcões e gôndolas, o chão, as paredes, o teto, o ar condicionado e até o próprio
público que transita no ambiente, todos contribuem para que, ao andar pela loja, o
consumidor sinta-se tentado, ou não a comprar. O próprio andar segue complicadas regras
de tráfego, principalmente em supermercados e grandes magazines, nos quais os produtos
mais adquiridos encontram-se colocados em pontos estratégicos, geralmente no fundo da
loja. Todo o conjunto de técnicas de exibição de produto é manejado no sentido de
proporcionar maiores vendas. O emprego de materiais de ponto-de-venda, iluminação
cenográfica, manequins, decoração, disposição criativa dos produtos, mostruários, fachadas
temáticas, aromas aplicados, degustação e som são algumas das técnicas a serem
exploradas”. BLESSA, Regina. Merchandising no ponto-de-venda, p. 29.
53
3 MARKETING, MERCHANDISING E PUBLICIDADE
3.1 MARKETING
A publicidade constitui uma das ações
179
ou estratégias utilizadas
pelo marketing para o alcance de seus objetivos no âmbito mercadológico.
Bem por isso a abordagem desse sistema torna-se indispensável.
O marketing é fruto da Revolução Industrial. O seu surgimento
data da última metade do século XIX
180
e das primeiras décadas do século
XX, quando passou a ser usado “em função da necessidade de abrir
mercados para os produtos que, até então, nunca tinham suas demandas
superadas pela produção, porque eram fabricados artesanalmente
181
.
Conforme anota Neusa Demartini Gomes, o marketing se originou:
[...] da necessidade de adaptar a atuação da nova empresa capitalista
em economias baseadas no predomínio da oferta (economias de
produção, onde se fabrica sem pedido prévio) a outras
fundamentadas no predomínio da demanda (economia de
distribuição, onde se fabrica em função dos gostos e preferências do
consumidor)
182
.
No Brasil, segundo Alexandre Volpi, surgiu:
No final do século 19, as primeiras multinacionais estabeleceram-se
no país e tiveram grande impacto na cultura da sociedade brasileira.
A comunicação de massa ganhou ímpeto no século 20. A publicidade
179
De fato, Neusa Demartini Gomes assevera que “a empresa, a comunicação se enquadra
como parte mo marketing e a publicidade faz parte dela, especificamente, da sua vertente
comercial ou mercadológica” GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação
Persuasiva, p. 69.
180
“O século XIX testemunhava o aparecimento de um marketing embrionário e novas
técnicas de comercialização, via grandes lojas de departamento, principalmente na
Inglaterra (Harrods), França (Printemps) e Estados Unidos (Macy´s). SCHWERINER, Mário
Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos
essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 147. Para Ignacio Ramonet, “o marketing nasceu na
sequência da crise de 1929 nos Estados Unidos; os fabricantes, que até então produziam
sem se preocupar com a procura, de repente tomaram consciência de que era necessário
colocar no mercado unicamente produtos com fortes hipóteses de serem comprados.
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 36.
181
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 49.
182
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 49.
54
ocupou seu espaço e os conceitos de marketing começaram a ser
utilizados pelas empresas
183
.
De uma pesquisa mais pontual sobre o conceito de marketing
emergem diversas definições
184
.
No início, o conceito de marketing se orientava para a organização,
mas depois mudou o foco para o cliente. Afinal, descobrir as necessidades e
os desejos dos clientes tornou-se essencial para vender os respectivos
produtos e serviços e, assim, obter maiores lucros.
Para Christiane Gade:
O conceito de marketing se orientou em direção às estratégias e aos
sistemas quando, ao se montarem sofisticadas técnicas como árvores
de decisão, sistemas de informação, jogos e estratégias de marketing,
tentou-se alcançar o tão solicitado consumidor
185
.
Do ponto de vista psicológico, o marketing visa obter a melhor
posição relativa do produto na percepção do consumidor. Assim, o marketing
não seria na realidade uma batalha de produtos, mas sim uma batalha de
percepções
186
.
183
VOLPI, Alexandre. A História do Consumo do Brasil Do mercantilismo à era do foco
no cliente, p. 50.
184
Marketing é o conjunto de atividades através das quais as empresas e outras
organizações criam transferência de valor (trocas) entre elas próprias e seus clientes”.
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da comunicação
integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5. ed. Porto Alegre:
Bookman, 2002, p. 31; Marketing: Processo de planejamento, execução, preço, comunicação
e distribuição de idéias, bens e serviços, de modo a criar trocas (comércio) que satisfaçam
objetivos individuais e organizacionais. BLESSA, Regina. Merchandising no ponto-de-
venda, p. 1; Segundo Zenone e Buairide, citando Kotler: “Marketing: uma forma de fazer
negócios, em que o objetivo é “planejar e executar a concepção, a determinação de preço, a
promoção e a distribuição de idéias, bens e serviços para criar negociações que satisfaçam
metas individuais e organizacionais”. Apud ZENONE, Luiz Cláudio; BUAIRIDE, Ana Maria
Ramos. Marketing da promoção e merchandising: conceitos e estratégias para ações bem-
sucedidas. São Paulo: Pionera Thomson Learning, 2005, p. 15; Neusa Demartini Gomes
apresenta a definição também citando Kotler: “Marketing é o processo social e empresarial
pelo qual os indivíduos e grupos obtêm o que necessitam e desejam, através da troca de
produtos e criação de valor, com os outros”. GOMES, Neusa Demartini. Publicidade:
Comunicação Persuasiva, p. 51; Ver definições de marketing em FERRACCIÙ, João de
Simoni Soderini. Marketing promocional: a evolução da promoção de vendas. 6. ed. São
Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008, p.150-152. Para Richers, o marketing corresponde “as
atividades sistemáticas de uma organização humana voltadas à busca e realização de trocas
para com o seu meio ambiente, visando benefícios específicos”. RICHERS, Raimar. O que é
Marketing. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 18.
185
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 2.
186
RIES e TROUT apud GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda,
1998.
55
Em rigor, marketing é espécie de prática comercial
187
. A função do
marketing é mercadológica, visa provocar um aumento na demanda, além de
investigar as necessidades e desejos do consumidor. As principais formas de
comunicação de marketing são: venda pessoal, propaganda, promoção de
vendas, patrocínio de marketing, publicidade e comunicação no ponto de
venda
188
. Há até o marketing político.
O marketing acompanha o produto desde a sua concepção até a
realização da venda e também durante o pós-venda
189
.
Para Ana Cláudia Marques Govatto, “a tarefa do marketing é criar,
promover e fornecer bens e serviços de qualidade a clientes, sejam eles
pessoas físicas, sejam pessoas jurídicas”
190
. Mais, visa “planejar e executar a
concepção e distribuição de idéias, bens e serviços para satisfazer metas
individuais e organizacionais”
191
.
Importante observar que nesse conceito existe o requisito da
“qualidade” do produto e serviço. Assim, não é o menor preço do produto ou
serviço o que legitima a sua má qualidade, como amiúde justificam os
fornecedores.
187
Antonio Herman Benjamin aduz que “As práticas comerciais opõem-se às práticas de
produção [...] prática comercial é o resíduo da produção, ou seja, é a pós-produção da
sociedade de consumo. Os bens de consumo têm, realmente, duas fases bem distintas em
sua vida: a produção e a comercialização [conjunto de atividades através das quais os
produtos e serviços fluem do produtor para o consumidor final]. As práticas comerciais
dizem respeito a esta última”. Prossegue afirmando que “práticas comerciais são todos os
mecanismos, técnicas e métodos que servem, direta ou indiretamente, ao escoamento da
produção” vale dizer tudo o que, mesmo como momento pós-venda, tenha a ver com a
circulação dos bens até seu destinatário final, como por exemplo, marketing, garantias,
serviços pós-venda, arquivos de consumo, cobrança de dívidas. Complementa aduzindo que
as práticas comerciais são “os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados
pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a
circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final”. BENJAMIN, Antônio Herman
de Vasconcellos et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos
Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2004, p. 241-242.
188
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da comunicação
integrada de marketing, p. 32.
189
Valéria Falcão Chaise conceitua o marketing como “um conjunto de atividades que se
processam desde a concepção de um produto vendável, sua produção, promoção, até sua
distribuição ao consumidor”. CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de
Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 12.
190
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 70.
191
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer, p. 70.
56
Alguns autores abordam o termo “marketing social” como sendo
aquele, além da responsabilidade social, voltado não somente para as
práticas comerciais visando o lucro, mas também para atividades de
interesses da comunidade como a elaboração de planos sociais
192
.
O “marketing societal” representa, no entender de Gino Giacomini
Filho “o controle do impacto e das conseqüências das práticas
mercadológicas sobre a sociedade”
193
.
Jerome McCarthy
194
desenvolveu o chamado mix de marketing (ou
composto de marketing
195
), que representa o conjunto de ferramentas que
192
“O termo “marketing social” é empregado hoje tanto para evidenciar a responsabilidade
social do marketing perante a sociedade como para identificar as ações das organizações
não lucrativas e de programas sociais. O marketing social utiliza a estrutura do marketing
convencional, que aplicada às causas sociais. GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor
versus Propaganda, p. 86.
193
O autor acrescenta que no contexto do marketing societal, o marketing adquire funções e
responsabilidades inter-relacionadas com outros aspectos da vida social, antevendo
implicações a longo prazo sobre a finalidade lucrativa. A abordagem societal do marketing
não implica revisões no conceito mercadológico, mas em exigir mudanças nas atitudes das
pessoas, empresas e todos os segmentos sociais em que devem prevalecer os valores
humanitários e do bem-estar comum sobre qualquer organização. O marketing societal pode
ser visto dentro de uma dimensão macro, pois suas preocupações extravasam o campo
restrito das relações empresa e consumidor. GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus
Propaganda, p. 86.
194
Nesse sentido Fernando Gherardini Santos, ao tratar do conceito de marketing, ensina
que as atividades do administrador de marketing podem ser sintetizadas em dois grupos: os
4 As (análise, adaptação, ativação e avaliação) e os 4 Ps, que formam o marketing mix
composto de marketing (produto, preço, ponto, promoção). E. Jerome McCarthy e Karl Elling
definem promoção como sendo qualquer forma de comunicação ligada à divulgação de um
produto ao público consumidor, com o intuito de facilitar sua venda, com a observação,
diga-se, não sem razão, de que o composto promocional é o aspecto que possui maior
relevância jurídica, principalmente após o advento do Código de Defesa do Consumidor.
Tem-se, a partir daí, como espécies do composto promocional a venda pessoal (comunicação
realizada “tête-à-tête” entre fornecedor e consumidor) e a publicidade, esta entendida como
qualquer tipo de informação não-pessoal, vale dizer, realizada por meio de comunicação de
massa, destinada a apresentar ao público produtos, idéias ou serviços de um fornecedor,
identificado ou não, visando o estímulo da demanda do produto ou serviço. SANTOS,
Fernando Gherardini. Direito de marketing uma abordagem jurídica do marketing
empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do Consumidor,
v.14.
195
O composto de marketing consiste no conjunto de políticas mercadológicas que uma
organização utiliza, a fim de criar valor para os clientes e alcançar os objetivos
organizacionais (Churchill). O termo composto de marketing foi popularizado por McCarthy
& Perreaut (1987) como os 4 Ps [as ferramentas ou elementos primários no composto de
marketing]: Produto (variedade, qualidade, design, características, nome da marca,
embalagem, tamanhos, serviços, garantias, devoluções); Preço (lista, descontos, condições,
prazo de pagamento, condições de crédito); Praça (distribuição) (canais, cobertura,
sortimento, localizações, estoque, transporte); Promoção (comunicação) (propagada,
publicidade, relações públicas, promoção de vendas, merchandising, comunicação dirigida
[venda pessoal; marketing direto (mala direta, telemarketing); internet)]. ZENONE, Luiz
57
uma empresa utiliza para alcançar seus objetivos mercadológicos; é formado
pelo produto, preço, praça e promoção (os quatro Ps
196
do marketing)
197
.
1) A pesquisa e o planejamento do produto incluem novos
lançamentos, modificações, definição de marcas e elaboração de
embalagens.
2) O preço pode ser visto sob o enfoque do cliente, levando-se em
consideração sua percepção, suas atitudes e suas condições
socioeconômicas.
3) O planejamento de comunicação, a publicidade e a promoção de
vendas, incluindo programas de desenvolvimento do mercado e de vendas,
em todos os veículos, referem-se à promoção.
Promoção de vendas corresponde às atividades complementares da
venda pessoal e da publicidade. Na clássica definição de Kotler, a promoção
de vendas consiste em “um conjunto de ferramentas de incentivo, a
maioria em curto prazo, projetada para estimular a compra mais rápida ou
em maior quantidade”
198
.
Pode-se citar como exemplos de promoção de vendas: layout de
embalagens com vistas a promover ou destacar as qualidades do produto;
espetáculos e exposições; espetáculos patrocinados pelo fornecedor,
exposições dos produtos em congressos, cinemas, teatros; amostras do
produto; prêmios; brindes; cupons; concursos; sorteios; vale-brindes
199
;
Cláudio; BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e merchandising:
conceitos e estratégias para ações bem-sucedidas, p. 13, 18-19.
196
“No marketing moderno, em face da complexidade dos mercados atuais e do nível de
concorrência, os 4 Ps do marketing devem ser cruzados com os 3 Cs do ambiente:
concorrência-cliente-conjuntura”, sendo que, “segundo o modelo de Richers (1981), os 4As
apresentam-se como: análise, adaptação, ativação e avaliação”. ZENONE, Luiz Cláudio;
BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e merchandising: conceitos e
estratégias para ações bem-sucedidas, p. 17, 29.
197
Apud GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo
anunciante deve fazer, p. 71.
198
Apud ZENONE, Luiz Cláudio; BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e
merchandising: conceitos e estratégias para ações bem-sucedidas, p. 65.
199
Para Regina Blessa a promoção de vendas pode ser entendida da seguinte forma: “são
promoções que oferecem ofertas ou condições especiais de venda, visando a uma maior
rotatividade do produto ou a um aumento da demanda do serviço, por tempo determinado”.
BLESSA, Regina. Merchandising no ponto-de-venda, p. 2.
58
descontos; as ofertas e todas as demais ferramentas utilizadas para criar um
estímulo adicional.
A promoção de vendas pode ser classificada em: promoção de
produtos/serviços, promoção de marca, promoção institucional
200
.
Luiz Cláudio Zenone e Ana Maria Ramos Buairide estabelecem a
diferença entre promoção e publicidade nos seguintes termos: “Enquanto a
promoção tem por foco as vendas imediatas, ou seja, o retorno rápido,
levando o produto até o consumidor, a propaganda tem o efeito em vendas
mais lento e objetiva incentivar o consumidor a comprar o produto
201
.
4) Por fim, o local de vendas, os contatos, as relações com o cliente,
o treinamento de vendas e a parte administrativa, no que tange ao
planejamento, armazenamento, transporte, entrega, registro e estatísticas,
fazem parte do ponto.
A publicidade se enquadra no composto promocional (item 3,
anterior), vale dizer, trata-se de um instrumento do marketing.
O marketing pode ser classificado em publicitário e não-
publicitário. O primeiro é veiculado por meio da mídia, o segundo não.
O marketing tem importância fundamental nos mecanismos que
levam o indivíduo à decisão de consumo
202
.
Na avaliação de Ignácio Ramonet, o marketing sofreu um
refinamento em sua aplicação:
[...] e está de tal forma sofisticado que aspira a vender não uma
marca, mas uma identidade, não um signo social mas uma
personalidade. Segundo o velho princípio do individualismo que
poderia ser formulado deste modo: ter é ser
203
.
Quanto ao aspecto legal, segundo Antonio Herman Benjamin, o
marketing é regulado pelo Código de Defesa do Consumidor de três formas:
200
ZENONE, Luiz Cláudio; BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e
merchandising: conceitos e estratégias para ações bem-sucedidas, p. 72.
201
ZENONE, Luiz Cláudio; BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e
merchandising: conceitos e estratégias para ações bem-sucedidas, p. 66.
202
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 22.
203
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 33.
59
a) sob o aspecto contratual, preenchidos certos requisitos, é
conferido efeito vinculante; b) projeta-se na própria estrutura interior
do contrato, sobrepondo-se a cláusulas contratuais que se
proponham a negar, direta ou indiretamente, sua força vinculante; c)
em um momento pós-contratual ou metacontratual, acarreta o
direito de indenizar, na hipótese de dano ao consumidor
204
.
Por conseguinte, o marketing tem grande importância na sociedade
atual, sendo capaz de influenciar ou determinar ações e políticas
empresariais. Nos dias atuais, seu valor é inestimável ante os efeitos que
pode trazer para os consumidores e para o meio ambiente.
3.2 MERCHANDISING
Para João Ferracciù, o merchandising “é, sem dúvida, o mais
confuso, obscuro, enigmático e incompreensível termo do campo de
marketing”
205
.
A delimitação e apreensão de seu conceito, no entanto, é essencial
para enfrentar o objeto do presente estudo. É o que se analisará a seguir.
O termo merchandising, não raro, é entendido como inserção de
uma mensagem publicitária no cenário de um filme, novela, locução
radiofônica, programa televisivo ou em artigos impressos, quer com o
logotipo do que se deseja anunciar, quer com o diálogo entre artistas, ou
mesmo exibição - ainda que por breves instantes - do próprio produto
206
.
Nesse sentido, o produto ou serviço é apresentado em situações do dia-a-dia
do consumidor, sem declaração ostensiva.
O mesmo sentido é dado por Rizzatto Nunes
207
, Aliette Marisa
S.D.N. Teixeira de Almeida
208
e Cláudia Lima Marques
209
.
204
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto, p. 250.
205
FERRACCIÙ, João De Simoni Soderini. Marketing promocional: a evolução da
promoção de vendas, p. 43.
206
Com esse entendimento FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do
Consumidor. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 180.
207
Merchandising é a técnica utilizada para veicular produtos e serviços de forma indireta
por meio de inserções em programas e filmes”. NUNES, Rizzato. Curso de direito do
60
João Ferracciù, contudo, enfaticamente, declara que:
Um enfoque inaceitável para merchandising, mas inadequadamente
aceito nos meios publicitários, é o da exposição comercializada da
marca ou do produto em novelas, filmes cinematográficos, peças
teatrais, em espaços editoriais dos veículos de comunicação, em
eventos, principalmente esportivos, em programas de auditório ou
outros, produzidos, editados e apresentados pelos veículos de
comunicação. Quando um artista consagrado toma um uísque, fuma
determinada marca de cigarro e dirige um carro, diz-se que essa
ação, deliberadamente planejada e feita sob remuneração, é uma
técnica de merchandising. Essa não é a acepção correta do termo,
mas recebeu essa titulação indevida para justificar sua formal, e ao
mesmo tempo furtiva, veiculação nos meios de comunicação. É
evidente que a emulação, esse sentimento que nos incita a igualar ou
superar outrem, estimula sutilmente o consumidor a adquirir esses
produtos, interagindo com seu ídolo artístico, mas isso não é
merchandising.
210
Segundo o mencionado autor, em alguns países essa técnica é
denominada tie in
211
.
Parte dos publicitários entende que o merchandising visa a acelerar
a rotatividade dos produtos mediante o uso de técnicas responsáveis pela
informação e apresentação destacada dos produtos na loja
212
.
consumidor. 2. ed. revista, modificada e atualizada. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2005,
2006, p. 461.
208
Merchandising pode ser definido como a aparição dos produtos no vídeo, no áudio ou
nos artigos impressos, em sua situação normal de consumo, sem declaração ostensiva da
marca”. ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 20.
209
“Pela técnica do merchandising, hoje comum em novelas de televisão, nos filmes e mesmo
em peças teatrais, um produto aparece na tela e é utilizado ou consumido pelos atores em
meio a ação teatral, de forma a sugerir ao consumidor uma identificação do produto com
aquele personagem, historio, classe social ou determinada conduta social. O aparecimento
do produto não é gratuito, nem fortuito, ao contrário existe um vínculo contratual entre o
fornecedor e o responsável pelo evento cultural, sendo que o fornecedor oferece uma
contraprestação pelo espaço de divulgação para o seu produto”. MARQUES, Cláudia Lima.
Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.
4ª ed. ver., atual. e ampl. 2ª tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 659.
210
FERRACCIÙ, João De Simoni Soderini. Marketing promocional: a evolução da
promoção de vendas, p. 45.
211
FERRACCIÙ, João De Simoni Soderini. Marketing promocional: a evolução da
promoção de vendas, p. 45.
212
Nesse sentido Regina Blessa: “Merchandising é qualquer técnica, ação ou material
promocional usado no ponto-de-venda que proporcione informação e melhor visibilidade a
produtos, marcas ou serviços com o propósito de motivar e influenciar as decisões de
compra dos consumidores. É o conjunto de atividade de marketing e comunicação
destinadas a identificar, controlar, ambientar e promover marcas, produtos e serviços nos
pontos-de-venda. É responsável pela apresentação destacada de produtos na loja, criando
61
Por merchandising editorial, product placement ou tie in entende-se
a técnica de inserção sutil de produtos, marcas, serviços ou empresas na
programação das redes de televisão, incluindo novelas e filmes
213
.
Luiz Cláudio Zanone e Ana Maria Ramos Buairide
214
perfilham-se a
esse último entendimento, contudo advertem para o sentido vulgar do
termo
215
.
Fernando Gherardini Santos alerta para o rumo que tomou o
conceito de merchandising na acepção vulgar do termo. Nas suas palavras:
Merchandising, em uma linguagem já aceita no meio publicitário
brasileiro, refere-se à prática de divulgação de produtos em filmes,
novelas, livros, ou qualquer espécie de veículo não conceituado como
mídia
216
.
Para Wilson Carlos Rodycs merchandising é forma de publicidade
clandestina, oculta ou dissimulada
217
.
Reynaldo Andrade da Silveira entende que a publicidade
clandestina assume diversas formas, entre as quais o merchandising, que
nomina de “vendedor silencioso”
218
.
espaço e visibilidade, de maneira tal que acelere sua rotatividade”. BLESSA, Regina.
Merchandising no ponto-de-venda, p. 1-2.
213
Segundo Regina Blessa: “Quando falamos em propaganda na TV, falamos de todo
comercial que aparece nos intervalos, entre um programa e outro. Quando falamos em
merchandising editorial, cujo nome em outros países é Product Placement ou Tie-in, falamos
das aparições sutis de um refrigerante no bar da novela, da sandália que a mocinha da
história “sem querer” quase esfrega na tela, na logomarca estampada virtualmente no meio
da quadra de um evento esportivo, numa demonstração de produto dentro de um programa
de auditório etc. BLESSA, Regina. Merchandising no ponto-de-venda, p. 6.
214
Para eles merchandising é o conjunto de técnicas mercadológicas, planejamento e
operacionalização de atividades realizadas em estabelecimentos comerciais, pontos-de-
venda ou lojas de varejo e de auto-serviço, com o objetivo de estimular a compra. ZENONE,
Luiz Cláudio; BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e merchandising:
conceitos e estratégias para ações bem-sucedidas, p. 123.
215
“O merchandising é um conjunto de técnicas, ações ou materiais de divulgação
utilizados no ponto-de-venda (PDV) que objetiva proporcionar informações direcionadas a
motivar a influenciar as decisões do consumidor, mediante maior visibilidade do produto, do
serviço e da marca institucional. Na prática, também se consideram merchandising as
atividades realizadas em novelas e cinemas, quando o produto ou serviço são expostos em
meio a uma cena qualquer e acabam fazendo parte da história”. ZENONE, Luiz Cláudio;
BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e merchandising: conceitos e
estratégias para ações bem-sucedidas, p. 9.
216
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 229.
62
Neste trabalho utilizar-se-á o termo e conceito tie in, que pode ser
entendido como prática de marketing promocional.
Quadra mencionar também, concordando com Rizzatto Nunes, que
o tie in é regulamentação estranha no Código Brasileiro de Auto-
Regulamentação Publicitária (CBAP)
219
.
O renomado autor expõe que, segundo o CBAP, a publicidade deve
ser ostensiva, para que o consumidor possa prontamente identificá-la como
tal. Assinala que o merchandising está submetido às regras contidas na
norma autodisciplinar. Contudo, o merchandising se caracteriza justamente
por ser uma forma velada de comunicação, devendo passar despercebida, o
que representaria uma contradição.
O tie in reduz os meios de defesa do consumidor, que está
inteiramente concentrado no entretenimento. Assim, gravando-se melhor na
memória porque se apóia numa atenção cativa, segundo Flávio Mário de
Alcântara Calazans, o tie in “atinge o telespectador em seu momento de
descontração, quando não espera anúncios, sem seus mecanismos de defesa
ativados, ao contrário, relaxados”
220
.
Aquele que está consciente de ser alvo de informação publicitária
pode precaver-se e criar mecanismos de defesa. Se se considerar o conceito
amplo de subliminar, o tie in pode ser enquadrado como tal, pois aparece
somente na visão periférica, sendo captado pelos bastonetes e apreendido
pelo inconsciente.
Por outro lado, devido ao pouco tempo de exposição, a informação
publicitária é transmitida “sem que as pessoas fiquem conscientes do
anúncio dissimulado, permanecendo, assim, subliminar”
221
. Não por acaso,
o merchandising é cobrado em valor superior em relação à publicidade
217
RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito do Consumidor
8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 65.
218
SILVEIRA, Reynaldo Andrade da. Práticas mercantis no direito do consumidor. 1. ed.
(1999), 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2004, p. 126.
219
NUNES Rizzatto. Curso de direito do consumidor, p. 440-441.
220
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. 7. ed. São
Paulo: Summus, 2006, p. 207.
221
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 204.
63
convencional nos meios de comunicação. Isso pelo simples fato de que seus
resultados são mais eficientes.
Apesar da mencionada imprecisão do CBAP, o Código de Defesa do
Consumidor não deixou dúvida que a publicidade deve ser prontamente
identificada pelo consumidor (art. 36), ficando, desta feita, proibido o tie in.
Para Suzana Maria Federighi o merchandising é ilegal, que
desfigura a publicidade “para atentar contra o consumidor, que é tomado de
assalto por algo que não consegue processar mentalmente como informação,
ficção ou realidade”
222
.
Diferentemente, Valéria Falcão Chaise entende que o
merchandising não está proibido no Código de Defesa do Consumidor, desde
que “previamente o anunciante e o veículo informem ao consumidor que
estará vendo a seguir uma mensagem publicitária”
223
.
Nelson Nery Junior assevera que “o CDC proíbe a publicidade
clandestina, bem como a subliminar”. Na intepretação do autor:
[...] o merchandising (na acepção vulgar que se tem dado ao termo),
não está, em tese, proibido, podendo o anunciante e o veículo
valerem-se desse expediente, desde que previamente informem o
consumidor de que estará vendo a seguir mensagem publicitária,
utilizando para tanto o sistema de créditos. Isto porque o CDC exige
que a publicidade seja veiculada de tal modo que o consumidor a
identifique imediatamente como tal [grifos no original]
224
.
Fernando Gherardini Santos comenta que o Código de Defesa do
Consumidor não veda o merchandising e, portanto, não está proibido. Para o
autor, a licitude do merchandising irá depender de cada caso
225
.
222
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 115.
223
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor,
p. 16.
224
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 67.
225
“O CDC não traz vedação expressa ao merchandising, e qualquer afirmação no sentido da
proibição ou permissão total dessa prática seria altamente temerária. A prática do
merchandising irá depender da análise casuística da hipótese problemática, perquirindo-se
se o consumidor-padrão é capaz de identificar de imediato determinada publicidade embora
realizada de forma inserta em veículo não qualificado como mídia comercial”. SANTOS,
Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do marketing
empresarial, p. 229.
64
Rizzatto Nunes alerta para o fato de que o problema está no
merchandising típico da clandestinidade, uma vez que sua finalidade é
exatamente não aparecer como publicidade, traduzindo-se em técnica de
ocultação que não permite a avaliação crítica do consumidor. O consumidor
é levado a acreditar em situações que em princípio não corresponderiam à
realidade. Por conseguinte, “o CDC acaba sendo contrariado como um todo
em sua filosofia, que pressupõe a avaliação crítica do consumidor”.
Para o mencionado doutrinador, no caso do merchandising:
O consumidor recebe a informação, mas não a avalia como apelo de
vendas. E, sem dúvida, se se suprime do consumidor a maior chance
de agir com um mínimo de liberdade que seja na escolha deste ou
daquele produto, trata-se de um engodo
226
.
De acordo com Jean Calais-Auloy:
As mensagens publicitáris devem ser inseridas entre os programas e
não podem, portanto, em princípio, interrompê-los; elas podem,
todavia, ser inseridas nos programas com a condição de não
atentarem contra sua integridade e valores; um período de pelo
menos vinte minutos deve decorrer entre suas interrupções
(tradução nossa)
227
.
O art. 14 do Decreto n. 92.280, de 27 de março de 1992, (lei
francesa) proíbe o merchandising.
Nos EUA, segundo Terence Shimp:
Os críticos também questionam a ética de práticas como a colocação
de produtos em filmes (por exemplo, o famoso Resse´s Pieces no filme
E.T.) e o suporte à conexão entre produto-filme com programas de
comercialização amarrados. Outra prática criticada é o uso de
revistas que trazem anúncios disfarçados de editoriais
228
.
226
NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor, p. 461-463.
227
« Les messages publicitaires doivent être insérés entre les émissions et ne peuvent donc,
en principe, interrompre celles-ci ; ils peuvent toutefois être insérés dans les émissions à
condition de ne pas porter atteinte à l´intégrité et à la valeur de celles-ci ; une période d´au
moins vingt minutes doit alors s´écouler entre deux interruptions”. AULOY, Jean-Calais ;
STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. 7. ed. Paris: Dalloz, 2006, p. 166.
228
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da comunicação
integrada de marketing, p. 75.
65
Uma das primeiras utilizações do tie in que se tem notícia ocorreu
no desenho animado Popeye
229
e objetivava aumentar o consumo de
espinafre ante a supersafra do produto.
De fato, tempos os filmes norte-americanos têm servido como
suporte para a divulgação de produtos (as exceções ficam por conta dos
filmes de época, por motivos óbvios
230
.
A propósito, podem ser citados como paradigmas, além do
mencionado E.T., os filmes “Blade Runner”, com inúmeros spots,
“Exterminador do Futuro”, com o tênis Nike e “Náufrago”, protagonizado pelo
ator Tom Hanks (no qual o tie in chega ao extremo de promover a empresa
FedEx e a marca de produtos esportivos Wilson o ator Tom Hanks fica
isolado em uma ilha deserta e tem como único amigo uma bola, a qual o
nome de “Wilson”. O ator repete à exaustão o nome do novo amigo travestido
da bola com marca do mesmo nome).
O tie in é questionável ante o processo de identificação, imitação e
sublimação
231
. O mesmo acaba ocorrendo no Brasil, especialmente no caso
229
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 197.
230
No Brasil as produções de época são evitadas justamente por não comportarem o tie in.
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 209.
231
A grande tendência que se observa “[...] é a de marcas patrocinarem clubes, times,
atletas e artistas, por saberem que um processo de identificação e transferência dos
consumidores, interagindo com seus ídolos e clubes. A sugestão, a imitação e a empatia,
três aspectos de um mesmo fenômeno de identidade social, amparam a iniciativa. Por
estarem intimamente conexos e por serem interdependentes, esses três fenômenos atuam
fortemente sobre o consumidor. De um lado, temos a sugestão funcionando como a
faculdade de o consumidor aceitar idéias sem fundamentação racional. De outro, temos a
empatia funcionando como aspecto afetivo da sugestão e imitação, em que o consumidor se
identifica mentalmente com outras pessoas experimentando os mesmo sentimentos e
vivenciando, imaginariamente, situações que desejariam viver na realidade. A empatia é
uma interessante forma de afinidade de espírito, em que entra também a simpatia. Nas
sociedades de consumo, a pessoa pode adquirir determinado produto para sinalizar o que
ela é ou pensa ser ou compensar o que lhe faz falta. Assim, o consumidor se identifica com o
produto ou o produto complementa o consumidor, representando um aspecto da influência
da personalidade no processo de consumo”. SCHWERINER, Mário Ernesto René.
Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 134.
“A empatia funciona ainda como fuga psicológica da realidade, isto é, ao consumidor a
evasão psicológica de que necessita como meio de esquecimento da saturação e da mesmice
rotineira, compensando os fracassos e as frustrações tão normais nesta sociedade de
consumo. Paralelamente a tudo isso, que se considerar ainda a tendência natural do ser
humano de imitar quem está acima do comum, que tem fama e prestígio, procurando
identificar-se com essa pessoa. Essas projeções levam, enfim, todos a se transformarem
imaginariamente em pessoas famosas, experimentando em nós mesmos seus sucessos e
suas vitórias. Vivemos em nós mesmos a fama que elas têm”. FERRACCIÙ, João De Simoni
Soderini. Marketing promocional: a evolução da promoção de vendas, p. 61.
66
das telenovelas, face a força que possuem na formação de condutas e
hábitos da população brasileira, que procura em tudo imitar os atores,
principalmente os globais.
Há outros exemplos: a modelo e apresentadora Ana Hickmann
usou determinado óculos em um programa televisivo. Indagada a respeito,
mencionou que não se tratava de óculos de grau, mas apenas visava a
promoção do produto. Jogadores de futebol, ao mostrarem o dedo indicador
em alusão ao numeral 1 imediatamente após fazerem gol, aludiam à cerveja
Brahma. São casos de tie in.
Quando se toma somente a publicidade direta, vale dizer, aquela
divulgada em espaço próprio (e não inserida no programa), sem subterfúgios,
sem máscaras, sem emprego de métodos dissimulados, se constata que as
emissoras não cumprem o Código Brasileiro de Telecomunicações, que limita
ao máximo de 25% do tempo de programação a quantidade de publicidade
que pode ser veiculada por emissoras de televisão (art. 124). O excesso de
anúncios é caracterizado como publicidade ilegal.
De acordo com a equipe do Observatório do Direito à
Comunicação
232
, que acompanhou 24 horas da programação de quatro
canais de televisão aberta de São Paulo: Rede Brasileira de Informação - RBI
(canal 14 UHF), MixTV(canal 16), PlayTV (canal 21) e ShopTour (canal 46),
todos estes canais violam a legislação, ultrapassando o tempo máximo de
publicidade permitido. Em alguns casos, leilões de jóias e tapetes. Em
outros, são horas ininterruptas de comerciais com apresentadores animados
"entrevistando" gerentes de lojas de todos os tipos, que ainda oferecem
descontos especiais para os "espectadores". E há, ainda, os programas de até
30 minutos que apresentam um único produto - um grill, um aparelho de
ginástica, uma câmera digital. Ao final, claro, o número do serviço de
televendas. Traduzindo em números, o monitoramento indicou que 62,5% da
programação da RBI é dedicada ao comércio eletrônico. São 15 horas diárias
de comerciais dos mais variados produtos e serviços e 9 horas de programas
232
INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Disponível em:
<http://www.idec.org.br>. Acesso em: 26 mar. 2008.
67
religiosos, um programa de "notícias" de uma hora e meia, com entrevistas, e
videoclipes musicais "emprestados" da MixTV.
A MixTV, por sua vez, divide a programação entre atrações
caracterizadas como de "varejo" e "jovem". A faixa batizada "jovem" ocupa
menos de 10% do conteúdo da emissora e consiste, basicamente, em
programas de videoclipes.
a PlayTV veicula cerca de dez horas diárias de programas
comerciais, ultrapassando, portanto, em quatro horas o limite estabelecido
para publicidade. Os demais programas - basicamente videoclipes musicais,
desenhos animados e programas religiosos - são ainda intercalados por
comerciais. Ou seja, a violação da legislação é ainda maior.
O mais explícito e conhecido caso, porém, é o do canal ShopTour,
com programação composta exclusivamente de publicidade. O sinal da
emissora atinge cerca de 50 municípios de 10 estados brasileiros. Desde
1987, a empresa veicula programas de vendas em diversas emissoras e, em
seu canal próprio, oferece para o espectador 24h de comerciais.
RBI, ShopTour e MixTV são alvo de uma Ação Civil Pública (ACP
2007.61.00.028088-0) que pugna pela adequação destes canais, em
operação na televisão aberta de São Paulo, às exigências previstas na lei. A
Ação foi apresentada à Justiça Federal pelo Intervozes - Coletivo Brasil de
Comunicação Social.
Na referida ACP questiona-se a omissão do Poder Executivo em
fiscalizar as emissoras paulistas e pede a adequação dos canais ao limite
máximo estabelecido pelo Código Brasileiro de Telecomunicações para a
publicidade.
Como se observa, uma violação ao Código Brasileiro de
Telecomunicações, bem como ao art. 221 da Constituição Federal,
relativamente à obrigação de as emissoras priorizarem conteúdos educativos,
culturais e informativos em sua programação.
Com o tie in reforça-se a burla à quantidade de publicidade
permitida e proibições de horário para produtos fumigenos e alcoólicos.
De fato, se colocado o produto no contexto de programas, novelas e
filmes, estes não são computados como publicidade para fins do limite de
68
25% contido no Código de Telecomunicações. O consumidor fica, assim,
exposto quase que ininterruptamente à publicidade.
Como bem afirma Flávio Mário de Alcântara Calazans:
(...) burla-se a regra de proporcionalidade entre os minutos de
programação e de comerciais, pois fica impossível mensurar quantos
minutos seriam de anúncios pagos e quantos de material editorial
(programas informáticos, de entretenimento ou educativos), pois toda
a grade de programação seria infectada com merchandisign
subliminar
233
.
Dessa feita, perde-se em parte a função do contole remoto do
televisor de escapar da publicidade, pois ela está em todos os lugares,
inclusive na própria programação.
Gino Giacomini Filho é enfático ao afirmar que:
Os veículos são praticamente sustentados pela publicidade,
dificilmente obstando a veiculação de anúncios; buscam ocupar todo
o espaço da programação permitido pela legislação e até espaço além
do permitido, caso possível com a propaganda oculta em programas,
tida como merchandising
234
.
A situação revela-se de tal forma alarmante, que existe o Projeto de
Lei 1.426/96, do ex-deputado Elias Murad, estabelecendo que o tempo
destinado à publicidade comercial pelas emissoras de rádio e televisão será
de no máximo 25% de cada hora de programação, ou seja, 15 minutos. O
objetivo é impedir a concentração de propagandas em determinados
horários. Hoje o percentual de 25% vigora para a programação diária.
O relator, deputado Adelor Vieira (PMDB-SC), apresentou parecer
pela aprovação do referido projeto, com emenda. O congressista relator
sugere a exclusão do texto original do parágrafo único que considera como
tempo destinado à publicidade comercial o utilizado por programas de venda
por telefone, e justifica: "A inclusão do parágrafo único pode agravar ainda
mais a situação financeira das emissoras, principalmente das menores,
provocando o desemprego de milhares de pessoas".
233
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 207.
234
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 91.
69
Os argumentos, como se pode preceber, são sempre falaciosos, vez
que inexiste dado algum apto a comprovar que a limitação irá provocar o
desemprego de milhares de pessoas.
De outra banda, não se levou em consideração o interesse da
coletividade em não ser bombardeada constantemente por anúncios
publicitários, mesmo nas situações inapropriadas como se houvesse um
direito supremo das empresas e um dever constante dos consumidores de
serem alvo de publicidade a qualquer hora e em qualquer momento. Ora, se
o consumidor se dispõe a assistir a um programa - seja qual for, filme,
novela, de auditório -, de fato deseja vê-lo e não uma interminável sucessão
de peças publicitárias.
Nos canais pagos, pode-se afirmar, essa situação beira à
teratologia. Os canais por assinatura surgiram justamente para que se
pudesse assistir a um determinado programa sem intervalos. Por isso é pago
um valor mensal, para que a televisão não dependesse exclusivamente da
publicidade, pois poderia veiculá-la entre os programas - no término de um e
início de outro - e não nos intervalos, como ocorre na televisão aberta.
Todavia, mais uma vez as corporações ganharam e permitiu-se a inserção de
publicidade no meio dos programas, além daquela inserida no próprio
programa
235
.
Ignácio Ramonet, ao se referir às constantes interrupções dos
filmes por anúncios publicitários, faz o seguinte comentário: “Poderíamos
mesmo dizer, por graça, que hoje as pessoas vão ao cinema para
conseguirem enfim ver televisão em paz!”
236
Mas, como se constata, até
mesmo ao assistir a filmes, a pessoa não é poupada do massacre
publicitário, que a publicidade é encontrada no ambiente dos
personagens.
O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária teve
a oportunidade de julgar casos de tie in
237
.
235
Lei 8.977/95, art. 30, IV.
236
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 60.
237
Representação n° 264/02
Autor: Conar, por iniciativa própria
70
O problema, vale dizer, carece ser melhor estudado, pois apesar de
proibida, essa técnica, utilizada amiúde, é uma das principais queixas e
reivindicações do consumidor, conforme aponta Peter Drucker
238
.
3.3 PUBLICIDADE
3.3.1 Aspecto histórico
Neusa Demartini Gomes apresenta um bom quadro sobre o uso da
publicidade no decorrer da história das grandes civilizações, desde o Egito
Antigo até a Idade Média. Segundo a autora, o anúncio mais antigo que se
tem notícia é originário de Tebas, no Egito, 3000 anos, e apresentava a
Anunciante e agência: Pfizer e Traço Comunicação Zero 11
Voto vencedor: Arthur Amorim
Decisão: Sustação
Fundamentos: Artigos 1°, 3° e 50, letra c do Código
O diretor executivo do Conar propôs processo investigatório, como previsto no Regimento
Interno, para apurar a existência de merchandising do medicamento Viagra em programas
esportivos de rádio. Por ser medicamento de venda exclusiva sob receita médica, o Viagra
não pode fazer uso de veículo de comunicação de massa em sua comunicação. Nos referidos
programas, notou-se que, com certa freqüência, associava-se o nome do produto a
comentários. Por exemplo: Os jogadores estão de cabeça baixa, parecendo até que precisam
tomar Viagra…” ou Ao time está faltando potência e agressividade. O técnico deveria
fornecer Viagra (ou a pílula azul) aos seus atletas…”. Aparentemente sem importância e
bem-humoradas, estas informações, pela constância, se tornariam verdadeira publicidade
de um medicamento. Por não ter certeza se se tratava de operação de merchandising ou
menção espontânea dos locutores e comentaristas esportivos, o Conar abriu representação
investigatória, iniciando por consultar o fabricante do produto. Este informou estar
desenvolvendo há vários meses campanha de conscientização junto ao grande público
usando testemunhal de Pelé, alertando para os problemas da disfunção erétil, sem menção
ao nome do produto. Como parte da campanha a Pfizer e sua agência entenderam
desenvolver ação junto aos programas esportivos, instruindo-os a mencionar de maneira
espontânea a questão, omitindo a marca Viagra, como é permitido e aceito pelo Código
ético-publicitário. As frases levantadas pela monitoria do Conar teriam escapado ao controle
da Pfizer e Zero 11, que teriam alertado os locutores a não mais mencionar a marca do
produto. Tendo confirmado sua suspeita, o diretor executivo do Conar transformou o
processo investigatório em sentencioso, submetendo-o ao escrutínio do Conselho de Ética.
Em sua defesa, anunciante e agência repisaram o caráter educativo/informativo da
campanha, atribuindo as menções ao nome do produto ao entusiasmo ou desatenção dos
locutores. Por maioria de votos, a 1ª Câmara, reunida em sessão extraordinária, deliberou
pela sustação. CONSELHO NACIONAL DE AUTO-REGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA.
Disponível em: <http://www.conar.org.br>. Acesso em: 27 jun. 2008.
238
Apud GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 20-21.
71
busca de um escravo perdido ou fugido, que os escravos eram tratados
como mercadoria
239
.
No relato da autora:
O meio publicitário mais antigo foi o oral, uma vez que o povo não
tinha acesso à leitura. Os pregoeiros liam textos que os letreiros
escreviam. Tinham voz agradável e facilidade de expressão e muitas
vezes se faziam acompanhar por músicos
240
.
Com esse breve histórico pode-se constatar que a publicidade
(mesmo que de forma rudimentar) é mesmo muito antiga. Os “gregos
usavam a palavra e o cartaz como técnica rudimentar de informação
comercial, mas sem o aspecto diferenciador que hoje apresenta”
241
.
Conforme a lição de Rafael Sampaio:
na Roma Antiga, a propaganda tinha um espaço garantido na
vida do Império. As paredes das casas, que ficavam de frente para as
ruas de maior movimento nas cidades, eram disputadíssimas [...]
Embora artesanal, na propaganda dessa época era possível
perceber alguma técnica: pintava-se a parede de branco e, sobre esse
fundo, a mensagem publicitária. De preferência em vermelho ou
preto, cores que chamavam ‘mais a atenção’ sobre o branco
242
.
Neusa Demartini Gomes conta que na Roma Antiga também foram
criados “os rótulos publicitários e os símbolos profissionais”
243
. Anota ainda
que a publicidade surgiu de forma consistente na Inglaterra, no século XV,
com o aparecimento da imprensa de Johannes Gutemberg e os primeiros
anúncios de livros religiosos. O primeiro anúncio impresso foi publicado no
Jornal Mercurius Brithanicus em 1625
244
.
Até o século XVI, a publicidade se limitava “ao fornecimento de
dados sobre o produto objeto de troca: preços, qualidades e quantidade
239
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 83-85.
240
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 85.
241
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 83.
242
SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. 3. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2003, p. 22.
243
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 84.
244
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 81.
72
colocadas à venda. As relações entre o produto e o consumidor eram
diretas”
245
.
A partir do final do século XVII passou a ser utilizado um
procedimento rudimentar de informação na Europa Ocidental, consistente
na atividade dos pregoeiros e o pequeno anúncio na incipiente imprensa
daquela época
246
.
A grande evolução ocorre depois de 1770, “quando os jornais
ingleses e americanos passam a aceitar anúncios pagos e, a partir daí, o seu
custo baixa e a despesa maior de produção passa a ser custeada pela
publicidade”
247
.
A publicidade, mesmo nas economias mais primitivas, teve um
papel significativo. O grande impulso veio, porém, com o início do processo
de industrialização. A Revolução Industrial e o surgimento da imprensa “dão
origem à moderna revolução da publicidade, ao transformar o público em
massa, por efeito simultâneo dos meios de comunicação e da produção
mecânica”
248
.
A letra impressa multiplicou as possibilidades de comunicação,
mas foi a Revolução Industrial que ampliou o consumo, instalando a
publicidade como agente regulador ou intermediário com o mercado da
produção
249
.
A publicidade passou a fazer parte da vida econômica, social e
cultural das sociedades mais industrializadas, com os contornos peculiares
que se conhece hoje. Essa disseminação, logo após a Segunda Guerra
Mundial
250
, se deveu ao avanço e crescimento das tecnologias e dos meios de
245
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 80.
246
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 81.
247
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 82.
Hodiernamente, pode-se afirmar que os meios de comunicação são sustentados pela
publicidade. Nesse sentido: “A força da publicidade nos meios jornalísticos é de tal monta,
que agências publicitárias podem promover o encerramento destas atividades”. FEDERIGHI,
Suzana Maria P.C.P. Publicidade Abusiva – Incitação à Violência, p. 12.
248
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 82.
249
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 87.
250
Alberto do Amaral Júnior afirma que: “Após A II Guerra Mundial, [...] A publicidade deixa
de ser exclusivamente mecanismo de informação ao publico para converter-se em
instrumento destinado a convencer os consumidores sobre as virtualidades reais ou fictícias
73
comunicação, ao sucesso do capitalismo e ao desenvolvimento da produção
em massa e da sociedade de consumo.
Assim, segundo Neusa Demartini Gomes:
[...] nasce a publicidade moderna, utilizando todos os meios a sua
disposição (jornais, revistas, cinema, rádio, cartazes, outdoors,
luminosos), pesquisando, adaptando-se, apropriando-se de
elementos persuasivos não só do domínio da comunicação, mas
buscando novidades nas artes, na psicologia, na semiótica etc, tais
como cores, fotografias, luzes, sons, cenários, ação, enfim, um
campo em aberto que avança conforme avançam as novas
tecnologias e os novos conhecimentos teóricos destas áreas
251
.
E ressalta que:
A publicidade, como uma forma perfeita de comunicação persuasiva,
se consagrou como o instrumento indispensável do auge do comércio
e dos primeiros encontros competitivos da economia como formadora
de mercados [...] e apropriou-se de algumas técnicas de outra forma
de comunicação persuasiva bastante mais antiga: a propaganda,
uma técnica até então usada para intercambiar elogios que
glorificassem o homem
252
.
Quanto à história da propaganda e da publicidade no Brasil, pode-
se apontar a existência de cinco ciclos. O primeiro foi o da tradição oral; o
segundo, no século XIX, com o surgimento da imprensa, vão aparecer as
mensagens escritas e difundidas pelos jornais impressos; o terceiro surge
com a chegada das emissoras de rádio no Brasil, a partir de 7 de setembro
de 1922; o quarto surge com o criação da TV Tupi, em 18 de setembro de
1950; e o quinto surge com a era dos anúncios virtuais
253
.
O primeiro anúncio publicado no Brasil foi inserido na Gazeta do
Rio de Janeiro, em 1808. Nos anos seguintes multiplicaram-se os anúncios
classificados, os quais não continham ilustração ou título e os textos
limitavam-se a informar. Em 1875, surgiram os primeiros anúncios
ilustrados. No final do século XIX, passaram a circular os grandes anúncios
dos bens existentes no mercado. O objetivo da mensagem publicitária é, acima de tudo,
orientar o consumo, criar necessidades e ampliar a demanda”. AMARAL JÚNIOR, Alberto
do. O princípio da vinculação da mensagem publicitária, p. 42.
251
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 83.
252
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 78.
253
GOMES, Neusa Demartini (Org.). Fronteiras da publicidade: faces e disfarces da
linguagem persuasiva. Porto Alegre: Sulina, 2006.
74
ilustrados e em duas cores. Nessa fase, a publicidade continha muita rima e
humor. No início do século XX começaram a ser veiculadas as primeiras
revistas semanais com anúncios publicitários locais e regionais
254
.
Merece destaque o empenho de Assis Chateaubriand no que tange
ao quarto ciclo. Em 1932, ele fundou os “Diários e Emissoras Associados”.
Até a década de 1970 comandou trinta e um jornais diários, três revistas, 23
emissoras de rádio e criou a citada TV Tupi.
O rádio teve lugar de destaque no cenário brasileiro e trouxe novo
campo para a publicidade.
Após a Segunda Guerra Mundial, a televisão transforma-se no
grande veículo de comunicação de massa.
Neusa Demartini Gomes registra que: “Chegando ao Brasil em
1950, em São Paulo, a TV Tupi, de Assis Chateaubriand, vem a ser a
primeira televisão brasileira e também a primeira da América Latina”
255
.
Segundo Alexandre Volpi, foi nessa época que:
A propaganda consumista no Brasil ganhou maior alcance,
contribuindo para ditar os hábitos dos brasileiros e para massificar o
consumo. A medida do progresso, então, passou a ser a busca pelos
padrões de consumo dos países desenvolvidos
256
.
Em 1964, em decorrência do Golpe Militar, o governo brasileiro
passou a desenvolver “a prática da propaganda ideológica”
257
.
3.3.2 Caracterizando a publicidade
3.3.2.1 Conceituação
O termo publicidade tem distintos significados. Os profissionais
das mais diversas áreas, notadamente a jurídica e a própria categoria dos
254
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação, p. 83, 95-96.
255
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 99.
256
VOLPI, Alexandre. A história do consumo do Brasil: do mercantilismo à era do foco no
cliente, p. 77.
257
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 100-101.
75
publicitários, não são unânimes quanto ao conceito de publicidade. Houve
também a modificação de seu significado com o passar dos anos
258
.
O termo jurídico “publicidade” surge no século XVIII para denotar
que o ato era aberto a todos, em contraposição ao ato secreto, realizado a
portas fechadas. Após, alcançou o significado daquilo que pertence ao
público. O significado comercial do termo “publicidade” ocorreu no século
XIX, que atualmente substituiu o termo “reclame”, que tem origem do latim
reclame (chamar em voz alta), e perdurou até meados do século XX, quando
perdeu o seu significado técnico. Daí em diante, passou-se a entender o
Publikum dos alemães, o advertising dos americanos e o publicité dos
franceses como “uma forma de comunicação que utiliza um conjunto de
meios pagos, e que influi no público e o persuade para a compra de
mercadorias ou serviços”
259
.
Consta do Dicionário Houaiss o conceito de publicidade nos
seguintes termos: 1 qualidade do que é público 2 atividade que torna público
um produto ou serviço com o intuito de persuadir as pessoas a comprá-lo;
propaganda.
260
Existe, nessa definição, clara imprecisão, uma vez que equipara a
publicidade com a propaganda.
O mesmo dicionário conceitua propaganda da seguinte forma: 1.
divulgação, propagação de uma idéia; publicidade <p. religiosa> 2. comercial
(‘mensagem’).
261
A sinonímia também é encontrada no Novo Dicionário Aurélio.
258
As imprecisões existem por conta dos seguintes motivos: “- Publicidade é uma técnica
relativamente nova, que somente agora se encontra a caminho de receber uma
sistematização de seus conhecimentos. Constantemente novos métodos e técnicas são
incorporados ao patrimônio publicitário, o que amplia seu campo de atuação. Existe certo
grau de confusão entre a publicidade e outras áreas de comunicação que se desenvolvem
nessa totalidade que denominamos marketing. Os diferentes autores enfocam o problema
total sob ângulos diversos, de acordo com a sua formação, sua experiência e a finalidade
buscada”. GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação, p. 104.
259
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 101-102.
260
HOUAISS, Antônio E. Villar; SALLES, Mauro de. MiniDicionário Houaiss da Língua
Portuguesa. 2. ed. rev.aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
261
HOUAISS, Antônio E. Villar; SALLES, Mauro de. MiniDicionário Houaiss da Língua
Portuguesa.
76
O Código de Defesa do Consumidor não conceituou o termo
“publicidade”
262
. Entretanto, o fez o Código Brasileiro de Auto-
Regulamentação Publicitária, em seu art. , ao mencionar que a
publicidade comercial é entendida como toda atividade destinada a estimular
o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou
idéias.
O art. do Decreto n. 57.690/1966, que trata do exercício da
profissão de publicitário e de agenciador de propaganda, considera a
“propaganda” como qualquer forma remunerada de difusão de idéias,
mercadorias, produtos ou serviços por parte de um anunciante identificado.
A ‘Directive du 10 septembre 1984’ dispõe sobre a publicidade da
seguinte forma:
[...] toda forma de comunicação realizada no âmbito de uma
atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal com o objetivo de
promover o fornecimento de bens e serviços, inclusive os bens
imóveis, os direitos e as obrigações [tradução nossa]
263
.
A jurisprudência francesa define a publicidade da seguinte forma:
“[...] todo meio de informação destinada a permitir ao cliente potencial de ter
uma opinião sobre as características dos bens ou dos serviços que lhe são
propostos”[tradução nossa]
264
, tratando-se, como se vê, de definição alargada
em relação àquela dada pela lei.
Para Neusa Demartini Gomes:
262
Mas, segundo Gherardini, “o Código de Defesa do Consumidor considerou a “publicidade
(embora de forma atécnica) toda e qualquer espécie de atividade promocional de marketing
(nas quais se inclui, indubitavelmente, a venda pessoal)”. SANTOS, Fernando Gherardini.
Direito de Marketing uma abordagem jurídica do marketing empresarial, p. 233. Para
Melina Trentin no “sistema do CDC entende-se publicidade como toda a informação ou
comunicação difundida com o fim direito ou indireto de promover a aquisição de um
produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o meio de comunicação utilizado”
TRENTIN, Melina Penteado. A publicidade abusiva e o racismo. Revista de Direito do
Consumidor n. 11/84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 90.
263
“[...] toute forme de communication faite dans le cadre d´une activité comerciale,
industrielle, artisanale ou lebérale dans le but de promouvoir la fourniture de biens ou de
services, y compris les biens immeubles, les droits et les obligations”. AULOY, Jean-Calais ;
STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation, p. 139.
264
[...] tout moyen d´information destiné à permettre au client potentiel de se faire une
opinion sur les caractéristiques des biens ou des services que lui sont proposés”. AULOY,
Jean-Calais e STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation, p. 143.
77
Publicidade é um processo de comunicação persuasiva, de caráter
impessoal e controlado que, através dos meios massivos e de forma
que o receptor identifique o emissor, a conhecer um produto ou
serviço, com o objetivo de informar e influir em sua compra ou
aceitação
265
.
Cláudia Lima Marques entende que:
Publicidade é toda informação ou comunicação difundida com o fim
direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição
de um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o
local ou meio de comunicação utilizado.
266
Ao concluir, adverte a autora que o elemento a caracterizar a
publicidade é a finalidade consumista e comercial.
Na concepção de Antônio Carlos Efing
267
, publicidade é sinônimo
de mensagem publicitária, esta entendida como o conjunto de comunicações
controladas, identificáveis e persuasivas, transmitidas pelos meios de
comunicação de massa, visando a criar demanda de produtos e serviços,
além de contribuir para a imagem da empresa, esta conhecida como
“publicidade institucional”.
Antonio Herman Benjamin entende que publicidade é “qualquer
forma de oferta, comercial e massificada, tendo um patrocinador identificado
e objetivando, direta ou indiretamente, a promoção de produtos ou serviços,
com utilização de informação e/ou persuasão”
268
.
Interessante o conceito dado à publicidade por Marisa Teixeira de
Almeida, pois traz como ínsita à sua natureza a “exploração de arquétipos
emocionais, atingindo desta maneira o comportamento do consumidor”
269
,
por isso mesmo, atua “na construção da vontade do consumidor
270
.
265
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 42. No mesmo
sentido Melina Trentin para quem “a mensagem publicitária, hoje, vai além da mera
informação. Ela primeiro informa, depois sugestiona, e em uma terceira etapa, capta em
definitivo o consumidor, ‘prendendo-o’”. TRENTIN, Melina Penteado. A publicidade abusiva
e o racismo, p. 92.
266
MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 470.
267
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. edição
revista e atualizada, 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2006, p. 236.
268
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos et al. O controle jurídico da publicidade,
p. 50.
269
“A publicidade é uma forma de comunicação entre o fornecedor e o consumidor visando a
comercialização de produtos e serviços colocados no mercado. Atualmente ela é utilizada
78
De forma sintética, Valéria Falcão Chaise conceitua publicidade
“como a forma ou meio de comunicação com o público que tem como
objetivo promover a aquisição de um produto ou a utilização de um
serviço”
271
. Ressalta que a comunicação mencionada é aquela conexa à
atividade econômica, estando assim excluídas as com conteúdo político,
científico, humanístico, didático, filosófico, religioso etc.
Ugo Volli, a respeito, traz a seguinte lição:
Publicidade é um dos principais motores da economia, ao mesmo
tempo que representa um imenso poder capaz de condicionar a
existência de todos os meios de comunicação de massa. Além disso,
é o mais difundido e o mais capilar dos canais de comunicação,
aquele que impõe ao mundo, pela força das idéias e, sobretudo, dos
grandes números, para além de produtos e mercadorias, imagens,
palavras, pensamentos e gostos. A publicidade é, em suma, um
instrumento estético e ideológico de massas, uma espécie de
reservatório de onde extraímos a nossa forma de olhar o mundo, de
descobrir a beleza, de nos divertirmos, de sonhar
272
.
Para caracterização da publicidade é necessário que a mensagem
parta de uma pessoa que procura fazer conhecidos os bens e serviços que
ela propõe ao público (portanto, os ensaios comparativos das revistas de
consumidores não são publicidade). A mensagem tem que ser dirigida ao
público (um documento remetido para uma pessoa não é publicidade); a
mensagem tem que visar um futuro contrato (documento utilizado após a
conclusão do contrato não é publicidade)
273
.
A publicidade tem como características a parcialidade, pois é
tendenciosa, a intencionalidade, uma vez que não diz toda a verdade e a
independência dos meios que utiliza para difusão, sendo relevante a
veiculação por meio de comunicação de massa, atingindo a todos de forma
como instrumento de persuasão, através da exploração de arquétipos emocionais, atingindo
desta maneira o comportamento do consumidor”. ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A
Publicidade enganosa e o controle estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor,
p. 11.
270
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 12.
271
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor,
p. 8.
272
VOLLI, Ugo. Semiótica da publicidade: a criação do texto publicitário. Tradução de
Maria Luísa Jacquinet. Lisboa: Edições 70, 2003, p. 7.
273
AULOY, Jean-Calais ; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation, p. 144.
79
indistinta
274
. Constituiu-se, portanto, como “o meio de “massas” por
excelência, cujos esquemas impregnam todos os outros meios de
comunicação”
275
.
Gino Giacomini Filho revela o seguinte entendimento:
São as características da publicidade que a tornaram a mais intensa
das práticas comerciais: reino nos meios de comunicação de massa,
sua contemporaneidade, sua participação no cotidiano da sociedade,
seu caráter inovador e propiciador de status ao anunciante e seu
produto
276
.
A publicidade, por sua própria natureza, é uma atividade que
atravessa fronteiras.
3.3.2.2 Função e objetivo
O objetivo básico da publicidade, pode-se dizer, é a aproximação
dos consumidores aos produtos e serviços de modo a incrementar as vendas
e satisfazer necessidades. Com um sistema eficiente de divulgação da
informação, o consumidor poderá ter conhecimento daquilo que necessita,
sem a existência de ônus direto
277
. Entretanto, este é apenas o ponto de
partida, a ponta do iceberg
278
.
274
Ramonet aponta o poder de penetração da publicidade: “Forma privilegiada da
comunicação moderna, o spot publicitário não está desprovido de perversidade. Tanto se
dirige aos consumidores como aos não consumidores, vende tudo a todos, indistintamente,
como se a sociedade de massas fosse uma sociedade sem classes”. RAMONET, Ignácio.
Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 80.
275
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 129.
276
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 80-81.
277
A publicidade “atua como uma espécie de fator anticoagulante, um acelerador artificial
que impede a estabilização da procura. A propaganda ocupa um papel central na sociedade
de consumo. Afinal, sem ela, como os consumidores tomariam conhecimento das
características, vantagens e benefícios dos produtos, particularmente do aluvião de novos
lançamentos despejados continuamente no mercado? Ademais, muito dos produtos não
imprescindíveis são adquiridos somente após o consumidor tomar ciência desses produtos
pela propaganda”. SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor:
identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 145-146.
278
“Segundo Louis Quesnel (1974, p. 81), a publicidade se assemelha à Igreja e à escola por
sua importância social, por seu papel de formadora de opiniões. Mas, enquanto essas duas
instituições parecem perder terreno na formação de mentalidades das sociedades modernas,
a publicidade tem seu poder ampliado, sobretudo pela forma como usa a linguagem”.
CARVALHO, Nely de. Publicidade. A linguagem da, p. 162.
80
Para Wilson Carlos Rodycz a “função da publicidade consiste em
ressaltar as qualidades do produto ou do serviço, persuadir as pessoas a
comprá-lo e recordar àqueles que o adquiriram que podem fazê-lo
novamente”
279
.
Gino Gicomini Filho menciona que a “publicidade nasceu com o
claro propósito de fomentar a transação econômica, principalmente
diminuindo a resistência do consumidor”
280
.
Ainda, a publicidade visa “a captar a atenção do público para o
consumo de determinados bens ou para a utilização de certos serviços”
281
.
Para Cláudia Lima Marques:
É através da publicidade que o fornecedor oferece bens ou serviços
ao consumidor, que informa o consumidor sobre determinadas
qualidades ou propriedades do produto ou serviço, que desperta
interesses, vontades, desejos, que propaga marcas e nomes, que usa
a fantasia para ligar determinados sentimentos, status ou atitudes a
determinados produtos, em verdade, o fornecedor incita o consumo,
direta ou indiretamente, com sua atividade
282
.
Guy Durandin esclarece que:
A publicidade tem, quanto à informação do consumidor, o papel de
um preâmbulo: chama a atenção sobre as vantagens do produto, seu
preço, a novidade que pode representar, mas não pretende ser uma
informação completa. Freqüentemente, aliás, ela incita o comprador
potencial a solicitar informações complementares, dirigindo-se ao
próprio fabricante
283
.
No início, a publicidade continha e veiculava apenas informações
sobre o produto ou serviço, relativas à sua qualidade.
Contudo, como adverte Antônio Carlos Efing
284
:
O consumo em massa e a grande competitividade do mercado
tornaram a publicidade um meio para ludibriar o consumidor e
279
RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade, p. 58.
280
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 14.
281
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor,
p. 10.
282
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 606-607.
283
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 88.
284
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direitos das Relações de Consumo, p. 186.
81
persuadi-lo a obter bens dos quais não necessita ou cujas virtudes
são meramente ilusórias.
Segundo Guido Alpa, a “função atual da publicidade, nos termos
que vem sendo praticada, não é mais aquela de informar o consumidor, mas
a de estimular e direcionar o consumo, promovendo o escoamento da
produção”
285
.
A partir dessas noções, depreende-se que a publicidade tem duas
dimensões: a informativa e a persuasiva
286
. A publicidade afastou-se do
modelo utilizado cerca de um século, relativamente à objetividade
informativa. Agora, adota-se uma linguagem própria, com a utilização da
sedução e persuasão
287
.
Com efeito, Nely de Carvalho afirma que:
A palavra deixa de ser meramente informativa e é escolhida em
função de sua força persuasiva, clara ou dissimulada. Seu poder não
é simplesmente o de vender tal ou qual marca, mas integrar o
receptor à sociedade de consumo
288
.
Guinther Spode entende que a função precípua da publicidade é
informar, sendo o componente persuasivo apenas acessório
289
.
Em sentido oposto analisa Wilson Carlos Rodycs quando afirma
que a publicidade não se identifica como uma atividade principalmente
informativa, sendo sua função precípua a persuasão
290
.
285
Apud BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos et al. O controle jurídico da
publicidade, p. 33.
286
“1) se, com a informação são difundidas mensagens sobre a existência do produto e suas
características, com a persuasão se difundem mensagens motivadoras que proclamam a
existência do produto e exaltam suas características; 2) se, com a informação se dá a notícia
de um fato comprovável (existência de um produto), com a persuasão se dá a notícia
interpretada do fato (a significação do produto enquanto a satisfação ideal de uma
necessidade); 3) se a informação aspira a dar a conhecer, a persuasão espira a influenciar
(GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 107.
287
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução, p. 12
288
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução, p. 18.
289
“A função primordial da publicidade tem caráter informativo. O objetivo é propiciar que
os consumidores em potencial tomem conhecimento da existência do produto ou serviço e,
uma vez informados sobre suas qualidades (características), sejam levados à decisão de
compra. [...] A publicidade possui também o componente persuasivo, que, em sua essência,
pretende mudar a ação ou a inação do consumidor, levando-o a adquirir o produto ou
serviço anunciado”. SPODE, Guinther. O controle da publicidade à luz do Código de
Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 43/178. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p. 183.
82
Para Carlos Ferreira de Almeida:
Numa economia de produção em série e distribuição em cadeia, a
publicidade funciona como impulso para a aquisição de bens de
consumo e marca o horizonte da esperança [...], sendo difícil separar
nas mensagens publicitárias os elementos informativos dos
persuasivos
291
.
Antônio Herman Benjamin afirma, referindo-se à publicidade, que:
Suas técnicas de persuasão utilizadas no convencimento do
consumidor sofisticadas, complexas e nem sempre totalmente
perceptíveis pelo destinatário – lhe dão um grande poder social,
enaltecendo mais ainda sua relevância. A publicidade é uma das
mais poderosas formas de persuasão e manipulação social existentes
na sociedade moderna
292
.
Na lição de Ana Cláudia Marques Govatto, uma das tarefas da
publicidade é mudar hábitos de vida e influenciar comportamentos para
criar preferências. O papel dos produtos não é oferecer ao consumidor
seus atributos, principalmente físicos, mas agregar valor ao produto perante
a sociedade, representando um sistema socializador que padroniza
valores
293
.
Para Mário Ernesto René Schweriner: “Quando inexistem atributos
ou benefícios objetivos a serem ressaltados, recorre-se à propaganda para
construir benefícios subjetivos e, principalmente, valores”
294
.
Interessante o sentido diverso empregado por Jean Baudrillard em
relação ao valor:
A publicidade realiza o prodígio de um orçamento considerável gasto
com o único fim, não de acrescentar, mas de tirar o valor de uso dos
290
“A publicidade é uma atividade informativa. Entretanto, é possível concluir que não se
trata de uma atividade apenas informativa, nem mesmo preponderantemente informativa
[...] somente o objetivo de bem informar os consumidores não sustentaria essa rendosa
atividade [...] a finalidade principal da publicidade é convencer e estimular o consumo de
bens e serviços”. RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade, p. 61.
291
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do Consumo. Coimbra: Almedina, 2005, p. 141.
292
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos et al. O controle jurídico da publicidade,
p. 30.
293
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer, p. 73, 83.
294
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 146.
83
objetos, de diminuir seu valor/tempo, sujeitando-se ao valor/moda e
à renovação acelerada [grifos no original]
295
.
Valéria Falcão Chaise assevera que a função da publicidade é o
incentivo à venda, de modo a atingir a mente do consumidor para
condicioná-lo à aquisição de produtos ou serviços. Destarte, a publicidade
torna-se apta a exercer uma ação psicológica
296
. A autora dá ênfase ao
aspecto psicológico já visto, segundo as teorias de condicionamento que
influenciam o comportamento.
Jean-Calais Auloy e Frank Steinmetz falam da contradição que
pode haver entre o intuito de seduzir e a informação objetiva:
La publicité n´a pas pour but essentiel d´informer. Faite pour inciter
et pour créer la mode, elle présente quelque danger pour les
consommateurs, car le dessein de séduire este difficilement
compatible avec une information complète et objective
297
. Traduzir....
O objetivo da publicidade é, pois, a modificação da conduta das
pessoas por meio da técnica da persuasão. Pode ter função de relevância
quanto aos direitos do consumidor, quando se refere ao recall e à
contrapropaganda.
A publicidade também pode ser vista como mecanismo de redução
de preços, que fomenta a produção em larga escala e estimula a
concorrência
298
.
quem ressalte, como Gino Giacomini Filho, outro lado da
publicidade, além dos aspectos informativo e persuasivo: “A publicidade se
mostra como um fator de entretenimento e lazer, em face sobretudo do
caráter divertido de muitos dos seus anúncios”
299
.
295
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 42.
296
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor,
p. 8.
297
AULOY, Jean-Calais ; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation, p. 140.
298
“O aumento significativo do mercado de consumo, devido em boa parte à publicidade,
gera uma massificação do consumo e o conseqüente aumento da produção e produtividade,
implicando custos unitários menores”. GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus
Propaganda, p. 93.
299
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 94.
84
A publicidade, se analisada por outro prisma, tem um papel
fundamental no capitalismo.
Nesse sentido é a lição de Everardo Rocha:
A publicidade desempenha um papel fundamental para a existência
da sociedade capitalista; ela articula, faz a ligação entre o universo
da produção e o universo do consumo. O universo da produção
caracteriza-se pela impessoalidade, pela fabricação em série de
objetos idênticos. O universo do consumo caracteriza-se pela
presença da dimensão pessoal, os objetos são consumidos como se
fossem único, feitos para cada consumidor individualmente. O
conjunto das peças publicitárias, o sistema publicitário, é o
responsável pela transformação dos objetos impessoais em objetos
personalizados [grifos no original]
300
.
Já Cláudio Coelho enfatiza que:
Presente, nas mais diferentes formas, na vida cotidiana dos
habitantes dos grandes centros urbanos, a publicidade atingiu o seu
ponto máximo de desenvolvimento. Esta onipresença da publicidade
é inseparável da fase atual da sociedade capitalista, marcada pelo
neoliberalismo
301
.
Por seu turno, Nelly de Carvalho defende que:
O discurso legitima a dominação das elites, e a publicidade constitui
um exemplo claro, pois apresenta à população os bens de consumo
da sociedade capitalista, servindo de elo entre ambos, assumindo o
papel de incentivador. Reafirma, legitima e torna desejável o papel de
consumidor para a população
302
.
As funções dadas à publicidade não encontram limites, havendo
quem entenda que ela deve extrair o pior do ser humano
303
.
300
Apud COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 37-38.
301
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 5.
302
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução, p. 17.
303
“Um dos papéis da propaganda e do marketing é transformar continuamente a “zona de
conforto” em “zona de desconforto” [...], fazendo-o [o consumidor] necejar bens e serviços [...]
Anúncios devem ser produzidos para ativar os canais de percepção, preferencialmente
despertando e atiçando sentimentos de cobiça, como também incentivando o dispêndio
imediato de dinheiro [...] A estratégia da grande maioria das empresas deve ser provocar um
sentimento análogo de insatisfação [...] a propaganda deve se esforçar e se esmerar em
construir uma relação de dependência do consumidor com a marca anunciada, fazendo-o
precisar dela como uma necessidade, porém sentido como se fosse um desejo, uma opção
pessoal, que o conduza na direção da gratificação. Exatamente um...Necejo!” [que é
denominado eufemisticamente fidelidade à marca].
A Propaganda e o Marketing devem [...] criar, constantemente, novos padrões para o Eu
ideal público [como a pessoa gostaria que os outros a vissem, é volátil e corresponde à
internalização dos mandamentos sociais, espelhando seus grupos de referência], ao qual os
85
Em resumo, a publicidade pode ser considerada como um
poderoso instrumento para mudar hábitos, recuperar a economia, criar
imagens, promover e estimular o consumo, vender produtos
304
, bem como
informar sobre a existência e características dos produtos e serviços, além de
colaborar para a formação de um estilo de vida (lifestyle advertising),
gerando expectativa legítima e confiança nos consumidores.
3.3.2.3 Importância
No que tange à faceta empresarial, a publicidade revela-se como
fonte geradora de empregos e renda, pois movimenta valores em moeda
muito expressivos.
A sua participação na economia representa aproximadamente 30%
do Produto Interno Bruto (PIB)
305
brasileiro, segundo dados da Organização
das Nações Unidas (ONU) de 1998
306
.
Os serviços de publicidade têm grande importância no segmento de
atividades técnico-profissionais prestadas às empresas no Brasil e isto se
deveu ao dinamismo, criatividade e uso de mão-de-obra qualificada,
consumidores devem se adequar por meio do consumo constante de novos produtos e
serviços, que irão ajudar a compô-lo; ao mesmo tempo em que busca arranhar seu
autoconceito, fazendo-o crer que ele é falho, incompleto, imperfeito [...] o ideal para as
empresas é que o autoconceito das pessoas sempre esteja defasado desse Eu ideal público
fabricado pela mídia e pelos formadores de opinião. Resultado? Frustração por não se
assemelhar aos modelos propostos, gerando intenção de compra. Conseqüência: um espaço
perene para novos produtos e serviços adquiridos para recompor o autoconceito lacerado”.
“Os Pecados Capitais representam, em graus variáveis, essa busca incessante das pessoas
por maiores e melhores sensações, e a propaganda os retrata com esmero.
Principalmente gula, luxúria, avareza, inveja e soberba, que costumam ser motivos fortemente
explorados na comunicação da grande maioria dos bens de consumo de massa”.
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 67, 73, 74, 135.
304
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer, p. 76.
305
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer, p. 81.
306
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer, p. 83.
86
resultando um total de R$ 4,1 bilhões de receita, em 2005, contra R$ 3,2
bilhões, em 2004
307
.
As campanhas publicitárias realizadas são predominantemente
dirigidas para o setor privado e representam 85,3% da receita das agências
de publicidade, enquanto as de governos ou de empresas estatais - inclusive
campanhas institucionais e de produtos - representam 11,9%. As
campanhas publicitárias de cunho legal (balanços, editais, avisos legais etc.),
as políticas e as de responsabilidade social tiveram, respectivamente, menor
participação no total da receita auferida: 1,6%, 0,9% e 0,3%
308
.
O investimento publicitário no Brasil cresceu 18% entre o último
trimestre de 2004 e o último trimestre de 2005
309
.
Os dados do Ibope Monitor sobre os investimentos publicitários em
2007 inauguraram uma apuração que passou a auditar um maior número
de itens, como cinemas, novos mercados de TV e mais emissoras de rádio.
Tudo isso acabou aumentando o faturamento das agências para R$ 51,886
bilhões, o que corresponde a um crescimento de 30% em relação ao ano
anterior. Esse total não considera a prática de descontos pelos veículos. O
meio televisivo, como habitualmente ocorre, concentrou 50% dos
investimentos da leitura de 2007 feita pelo IBOPE. Os jornais vêm em
seguida, com R$ 14,870 bilhões, o que representa uma participação de 29%.
Os investimentos em revistas seguem com 9% do faturamento bruto, assim
como o de outdoor, com 3%. Este, por sinal, decresce em decorrência da Lei
Cidade Limpa, de São Paulo, que está sendo exportada para outras capitais,
como Curitiba
310
.
307
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=933
&id_pagina=1>. Acesso em: 28 mar. 2008.
308
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=933&i
d_pagina=1>. Acesso em: 24 mar. 2008.
309
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA. Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=2&temp2=3&proj
=PortalIBOPE&pub=T&nome=resultado&db=caldb>. Acesso em: 9 abr. 2008.
310
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA. Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=2&temp2=3&proj
=PortalIBOPE&pub=T&nome=resultado&db=caldb>. Acesso em: 9 abr. 2008.
87
Em 2006, o mercado publicitário no Brasil movimentou cerca de
R$ 39 bilhões ou 16% a mais do que em 2005. A TV por assinatura teve
maior destaque, com um crescimento de 32% em comparação ao ano de
2005. A TV aberta, por sua vez, manteve-se à frente de todos investimentos
publicitários recebidos pelos diversos meios: 49% do total. São Paulo
continua sendo a cidade que mais investiu em publicidade em 2006
(participação de 36%) e Florianópolis desponta com um crescimento de 22%
em relação a 2005.
311
O investimento publicitário no setor de alimentos atingiu 332
milhões de reais no segundo trimestre de 2007, sendo que a concentração de
verbas ocorreu na televisão (74% do investimento total, contra 48% da média
do investimento publicitário total do país)
312
.
Enquanto o investimento publicitário total no primeiro trimestre de
2005 cresceu 19% em relação ao mesmo período do ano passado, o
investimento publicitário do segmento automobilístico mais do que dobrou,
apresentando um crescimento de 105%
313
.
O setor farmacêutico também investiu maciçamente em
publicidade
i
.
Os gastos com publicidade são crescentes e põem o setor de
bebidas alcoólicas entre os que mais gastam com anúncios. Segundo
informação do Ibope Monitor, em 2006 a categoria "cervejas" investiu R$ 704
milhões, mais do que a venda de automóveis ou de telefones celulares, por
exemplo. No ano anterior, o Ibope registrou investimentos de R$ 496 milhões
nesse mesmo segmento
314
.
311
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA. Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=2&temp2=3&proj
=PortalIBOPE&pub=T&nome=resultado&db=caldb>. Acesso em: 9 abr. 2008.
312
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA. Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=2&temp2=3&proj
=PortalIBOPE&pub=T&nome=resultado&db=caldb>. Acesso em: 9 abr. 2008.
313
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA. Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=2&temp2=3&proj
=PortalIBOPE&pub=T&nome=resultado&db=caldb>. Acesso em: 9 abr. 2008.
314
SÃO PAULO. Ministério Público. Disponível em:
<http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/clipping/publicacao_clipping/2007/Abril/4
48FF05F3F962FEBE040A8C02C013604>. Acesso dia 18 de abril de 2008.
88
Quadra destacar também o congestionamento do sistema de
comunicação de massa, obstruído que está pelo volume de informações e
estímulos que emite e pela mudança do perfil do consumidor.
Ignácio Ramonet, a respeito, anota que:
[...] na luta para atrair a simpatia do blico, suscitar o seu
interesse, provocar o desejo e, na medida do possível, desencadear o
reflexo de compra de um produto, a arma mais sofisticada, a mais
bem afinada, dos anunciantes, continua a ser o filme publicitário, o
das salas de cinema e, sobretudo, aquele que é difundido pela
televisão [grifos no original]
315
.
Não obstante o aumento do investimento, se verifica o início de
um desgaste da publicidade convencional na televisão, sugerindo que a
atividade neste meio está com os dias contados
316
. Assim, saturação, fadiga,
cansaço, hábito ou um certo nível de familiaridade, por exemplo, são fatores
que contribuem para diminuir o nível de atenção do consumidor. Ainda, o
advento do controle remoto que permite a mudança de canal durante o
intervalo das programações levam ao desenvolvimento de inúmeras técnicas
alternativas de publicidade.
Essa constatação (saturação) tem feito os profissionais da área
procurarem outros modos, formas e meios de divulgação dos produtos,
serviços, empresas e marcas, como, por exemplo, a publicidade em filmes on
line, em videogames, na internet, o marketing experiencial, o tie in, o
merchandising, as mensagens subliminares, sem falar na utilização de
técnicas agressivas, antiéticas e até mesmo ilegais e/ou inconstitucionais.
3.3.2.4 Funcionamento
Importante, primeiramente, frisar que a publicidade utiliza a mídia
indireta impessoal (impressa, eletrônica, outdoors) enquanto a promoção de
vendas é transportada por mídia direta impessoal (mala direta, material
315
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 35.
316
JAFFE, Joseph. O Declínio da Mídia de Massa Por que os comerciais de TV de 30
segundos estão com os dias contados. São Paulo: M. Books do Brasil, 2008.
89
impresso, brindes, catálogos, embalagens). As principais mídias utilizadas
na publicidade são: rádio, televisão, jornais e revistas
317
.
A publicidade televisiva, devido ao alto preço, tende a durar menos
de trinta segundos
318
. Mesmo assim verificou-se uma proliferação de
mensagens, principlamente pela facilidade para produzir e distribuir
conteúdos digitais. De fato, o vertiginoso desenvolvimento dos meios de
comunicação tem possibilitado uma rápida difusão de dados e informações.
Com efeito, a publicidade funciona por meio de promessas, tais
como bem-estar, conforto, eficácia, felicidade e sucesso
319
.
Como bem observa Ignácio Ramonet:
Os spots vendem sonhos, propõem atalhos simbólicos para uma
rápida ascensão social. Difundem, antes de mais nada, símbolos e
estabelecem um culto do objeto, não pelos serviços práticos que este
possa prestar, mas pela imagem que permitem aos consumidores
darem de si próprios. Os spots não vendem, por exemplo, uma
máquina de lavar louça, mas sim conforto, não um sabonete, mas
sim beleza, não um automóvel, mas sim prestígio; em todos os casos,
standing [grifos no original]
320
.
Para Marisa Teixeira de Almeida:
A publicidade tornou-se uma forma dominante de comunicação e um
elemento decisivo da cultura que nos molda. É cada vez mais
freqüente a utilização de imagens que não vendem produtos ou
serviços, mas atitudes, sonhos, desejos de forma e estimular
comportamentos
321
.
Desse entendimento não diverge Cláudio Coelho, para quem:
317
ZENONE, Luiz Cláudio; BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e
merchandising: conceitos e estratégias para ações bem-sucedidas, p. 52.
318
Nesse sentido Ramonet ao afirmar que os altos preços “encorajam os anunciantes a
reduzir o tempo dos spots esforçando-se por conservar a sua carga semântica, o seu capital
de expressão e a sua eficácia comercial. Dizer o máximo num mínimo de tempo, tal é a
aspiração fundamental dos publicitários. Eles devem conseguir uma comunicação quase
instantânea, conseguir fazer entender e compreender a sua mensagem persuasiva, e isto
com impacto suficiente para que ela influencie as atitudes e as opiniões daqueles que as
recebem, a fim de determinar o comportamento do público-alvo”. RAMONET, Ignácio.
Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 47.
319
“Elas fazem cintilar uma promessa se satisfação”. RAMONET, Ignácio. Propagandas
silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 70.
320
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 70-71.
321
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 14.
90
Toda peça publicitária dirige-se ao consumidor afirmando que os
seus desejos se realizarão, caso ele compre o produto oferecido. A
situação de compra é vivida como um momento de onipotência, de
crença na capacidade de concretização dos desejos. No entanto, esta
crença se dissolve com a própria compra, pois com o tempo todos
somos convidados por outras peças publicitárias a consumirmos
outros produtos; enquanto isso não acontece vivemos uma sensação
de impotência, de incapacidade de concretização dos desejos
322
.
Como anota o sociólogo Pierre Kende,
[...] estes spots dirigem-se ao indivíduo naquilo que ele tem de mais
íntimo, de menos confessável, explorando-lhe os desejos, as
vaidades, as mais loucas esperanças. Falam-lhe a linguagem do
sucesso, prometendo-lhe libertá-lo de suas pequenas misérias e
absolvendo-o das suas culpabilidades mais incómodas. Os spots
repetem-nos até a angústia: “Se não tiver o produto tal, a sua vida é
um fracasso. É este produto que um sentido à sua vida [grifos no
original]
323
.
Mário Ernesto René Schweriner, a respeito, também anota:
Um dos maiores objetivos da comunicação é passar ao consumidor a
noção de que de fato ele vai precisar do bem ou serviço anunciado
para sentir-se melhor consigo mesmo e ao olhar dos outros, na
direção do consumo conspícuo e da ostentação. A mensagem
encoberta ou mesmo explícita costuma ser que ‘ou você tem [...]’ e
descortina um mundo róseo, esplêndido e radiante, com o
consumidor sendo invejado pelos demais e simples mortais, ‘ou você
não tem [...]’, e mostra um, digamos assim, ‘Zé ninguém’. É a famosa
dicotomia dos winners em contraposição aos loosers.
324
.
A publicidade aproveita os desejos, as fraquezas e as carências
humanas para desaguar os bens e serviços produzidos na sociedade
capitalista. O consumo, conforme exposto, torna-se instrumento de
satisfação, conforto, na tentativa de encobrir ou superar o vazio criado pela
própria sociedade de consumo
325
.
322
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 9.
323
Apud RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 71.
324
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 167-168.
325
“A posse do bem precisa encobrir o que existe de errado ou imperfeito na psique do
indivíduo cobiça, inveja, timidez ou sentimento de inferioridade -, o qual efetivamente
sente-se recompensado possuindo e utilizando o produto e questão. Sente-se superior aos
demais, sente-se extrovertido, sente-se. Mas enquanto proprietário do tal do Audi A-6. A
causa, que em última instância, acabou sendo a origem do comportamento, permanece lá,
do mesmo jeito”. Dessa forma, “grande parte das pessoas [...] buscam atender ao motivo [...],
porém eclipsando a causa. Se não se comportarem conhecendo a causa para removê-la,
estarão agindo como atores vendados no palco da vida, meramente porque muitas vezes
91
Ante a mencionada saturação e a fim de atingir o seu objetivo,
como bem aponta Nely de Carvalho, “o emissor utiliza a manipulação
disfarçada: para convencer e seduzir o receptor, não deixa transparecer suas
verdadeiras intenções, idéias e sentimentos”
326
.
Por outro lado, segundo Cláudio Novaes Pinto Coelho:
A publicidade procura estabelecer uma relação de identidade entre
os consumidores e os objetos industrializados. O discurso
publicitário dirige-se ao consumidor de forma singularizada,
procurando fazer com que os objetos feitos em série sejam vistos pelo
consumidor como produtos feitos especialmente para ele
327
.
Na tentativa de resolver o problema da contradição existente entre
a sociedade de massa e o caráter individual do ato de consumo, a
publicidade procura atribuir “personalidade” aos objetos e estabelecer uma
identidade entre a personalidade do consumidor e a “personalidade” dos
objetos
328
. Assim:
Os produtos industriais apresentados pela publicidade, como objetos
que satisfazem as nossas necessidades, são objetos mostrados como
projeções das identidades dos consumidores. Enquanto o
consumidor não adquire o produto, sente-se incompleto, em estado
de necessidade, uma parte dele mesmo está distante. Se a compra
conhecem o motivo. A causa pode estar distante, e muito trabalho chegar lá. Ademais,
aquela causa desconhecida pode estar mesmo profundamente enterrada nos subterrâneos
da mente, tornando-se inconsciente”. “Como é bem mais fácil e cômodo satisfazer o motivo
do que a trabalhosa tarefa de resgatar a causa, por preguiça ou porque está enterrada nos
subterrâneos da mente, o incentivo à posse de certos bens e marcas de fato auxilia os
consumidores a superar traumas, frustrações e sentimentos negativos. Tal relação pode ser
exaustivamente explorada pela Propaganda e pelo Marketing, ao oferecer esses bens como
solução para esconder ou mitigar tantas fraquezas psicológicas das pessoas, por meio da
auto-indulgência, de uma recompensa (gratificação) imediata. E apesar de a causa
permanecer intocada nos subterrâneos da mente, o que não é muito saudável para o
autoconhecimento, o consumo de gratificação imediata pode até ser positivo. Corresponde
àquela prótese emocional à que nos referimentos anteriormente, que auxilia o indivíduo a
superar o seu estado psicológico negativo, como tristeza, angústia, raiva ou depressão.
Afinal, nada melhor que se presentear com uma “comprinha” para esquecer
temporariamente as chatices da vida”. Acrescenta que “- Como a imensa maioria das
pessoas tem claramente alguma espécie de carência ou frustração, está claro que reside
uma excelente oportunidade para minorá-las pela aquisição de produtos. A empresa deve
sempre demonstrar, via comunicação, como o consumidor vai se engrandecer via aquisição
do bem”.
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 48-51, 134.
326
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução, p. 10.
327
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 11.
328
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 11.
92
gera uma sensação de plenitude, esta sensação é efêmera, pois o
consumidor logo é exposto a outros produtos que também foram
feitos para ele
329
.
Constata-se que a publicidade faz surgir um relacionamento com
as mercadorias como se estas fossem um prolongamento do próprio
consumidor
330
.
A publicidade também explora, à exaustão, o aspecto “desejante”
331
do ser humano.
Na interpretação de Mário Ernesto René Schweriner:
O ser humano é um ser desejante. A empresa, de um modo ou de
outro, deve estar alicerçada na premissa econômica do pleno
emprego, da capacidade instalada, produzindo bens que a
propaganda se encarregará de tornar desejáveis, sedutores, quando
não imprescindíveis ao consumidor. Em outros termos, a empresa
irá cutucar, despertar e dar forma e conteúdo a desejos, latentes ou
injetados, com o objetivo de poder escoar a sua produção [...] Por fim,
a empresa vai, preferencialmente, engordar esses desejos até
transformá-los quase que em necessidades [...] A empresa é
constituída na vertente do Iluminismo, precisamente para atender
aos incontáveis desejos, sejam inerentes, despertados ou criados.
Quanto mais desejos, mais consumo, e quanto mais consumo, mais
prazer. E assim mais vendas e mais lucros
332
.
Considerando o pensamento de Epicuro, Alain de Botton faz
importante reflexão sobre o funcionamento da publicidade. Para o autor, o
apelo da publicidade é muito sedutor e incute a idéia de que para se sentir
feliz o homem necessita de muitas coisas. Epicuro, no entanto, insistia que
para ser feliz o homem necessita apenas de amigos, liberdade e uma vida
bem-analisada. Se isso é verdade por que se deseja comprar tanto? Epicuro
diria, que o mundo do comércio cria associações implícitas entre aquilo que
quer vender e as verdadeiras necessidades humanas. Por exemplo, um
comercial da BACARDI pode desencadear a compra de um “rum”, pelo fato
329
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 12.
330
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 12.
331
A desejabilidade pode ser entendida como “intrinsecamente conectada à moda, divulgada
e explorada pela propaganda, faz que a pessoa deseje trocar seu artigo por um recém-
lançado, mesmo ainda estando em boas condições de uso”. SCHWERINER, Mário Ernesto
René. Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p.
23.
332
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 25, 103.
93
de que é de amigos que precisamos. Um comercial que tenta vender
perfume, com o nome daquilo que mais queremos: a liberdade. Um comercial
de Uísque, com a promessa de solução dos problemas do cotidiano. De fato,
essa confusão entre necessidade e desejo embaraça o homem em relação ao
que quer
333
.
Pertinente é a análise de Cláudio Coelho:
O conjunto das peças publicitárias funciona como um sistema que
captura a dimensão instintiva dos membros da sociedade capitalista
de consumo, esvaziando a capacidade de sermos sujeitos dos
próprios desejos. A publicidade diz o que devemos desejar, porque
devemos desejar e como os desejos podem ser realizados: a dimensão
instintiva foi colocada a serviço da reprodução da sociedade
capitalista de consumo. Desejamos o que esta sociedade nos oferece,
dela dependemos para a concretização dos desejos. Mas, esta
situação de dependência não é vivida como tal. Assim como a criança
não possui consciência de sua situação de dependência da mãe, o
consumidor também não possui consciência da sua dependência das
empresas fabricantes dos produtos que consome ou gostaria de
consumir
334
.
Por fim, na acurada análise de Jean Baudrillard:
A publicadade transforma o objecto em acontecimento, construindo-
o como tal por meio da eliminação de suas características objectivas
[...] A publicidade moderna nasce sempre que um reclame deixa de
ser anúncio espontâneo e se torna ‘notícia fabricada’.
335
Percebe-se, dessa forma, o poder da publicidade, formadora de
opinião e despertadora de desejos, não raro chega até a empregar técnicas
que exploram as fraquezas humanas para atingir seus fins.
3.3.2.5 Diferença entre publicidade e propaganda
Profissionais da área publicitária e doutrinadores do meio jurídico
ora empregam os termos “publicidade” e “propaganda” como sinônimos
336
333
BOTTON, Alain de. Filosofia Para o Dia-a-dia. Manaus: Videolar S.A., Abril, 2007. (DVD)
(72 min.).
334
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 10.
335
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 134.
336
“Propaganda: No Brasil, equivocadamente, por influência do ensino de administração e
de marketing, usa-se propaganda como sinônimo de publicidade. Conforme Lampreia, esta
94
ora estabelecem a diferença de seus significados. O legislador, do mesmo
modo, não se encarregou de empregar linguagem uniforme quanto aos
termos “publicidade” e “propaganda”.
O CBAP utiliza a expressão “publicidade comercial”, o que denota a
existência de publicidade não comercial. No art. 11 menciona a expressão
“propaganda política” (que não é regulada pelo Código), como aquela
realizada por partido político com vistas à eleição de candidatos. Na dicção
do art. 12, a “publicidade governamental” (regulada pelo Código) é entendida
como aquela realizada pela entidade pública.
Dessa costatação verifica-se a confusão da terminologia,
encabeçada pela própria Constituição da República e também pelo Código de
Defesa do Consumidor.
De fato, os arts. 22, XXIX, e 220, parágrafo , empregam a
expressão “propaganda comercial” e o art. 220, parágrafo , II, o termo
“propaganda”, referindo-se à prática de atividade comercial. no art. 37,
§1º, inserido no Capítulo referente à Administração Pública, consta o termo
“publicidade” para expressar a atividade de divulgação de atos, programas,
obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos.
Por seu turno, o Código de Defesa do Consumidor, nos arts. 37,
parágrafo (que foi vetado), 56, XII e 60, emprega o termo
“contrapropaganda”, quando o mais indicado seria a utilização de
“contrapublicidade”. No artigo 36 e respectivo parágrafo único o termo
“publicidade” é utilizado corretamente, bem como nos parágrafos 1º, 2º e 3º.
A legislação infraconstitucional também não é precisa quanto aos
referidos termos, conforme se pode inferir da leitura do Decreto-Lei n.
4.112/1942, da Lei n. 4.137/1962 (art. , V, a), da Lei n. 4.680/1965 (art.
) e o do Decreto n. 57.690/1966 (art. 2º).
De modo geral, observa-se que o vocábulo “publicidade” quando
envolve atividade comercial, é empregado com o objetivo de lucro, destinado
confusão está sendo exportada para Portugal, país onde os dois vocábulos sempre tiveram,
a exemplo de todos os demais países do mundo ocidental, sentidos diferentes. Com a ida de
publicitários brasileiros para Portugal, está se impondo o uso semântico distorcido, ao invés
de se corrigi-lo no nosso país. GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação
Persuasiva, p. 68.
95
a estimular o consumo de bens e serviços
337
. A “propaganda” é utilizada para
questões de ordem publica ou de interesse geral, caracterizando uma
divulgação não-econômica ou de ordem ideológica, política, religiosa ou
filosófica
338
. Mesmo tendo ambas a finalidade de modificar a conduta ou
opinião das pessoas e se utilizem dos mesmos meios, distinguem-se apenas
quanto ao objeto.
O termo propaganda pode ter como origem etimológica o termo
pangere, que em latim significa “plantar”, vale dizer, a propaganda visa a
plantar uma mensagem no receptor. Mas quem entenda que o vocábulo
propaganda deriva do latim “propagare”, que quer dizer “reproduzir por meio
de mergulhia”, “enterrar o rebento de uma planta ao solo”, mergulhar,
plantar.
O vocábulo “propaganda”, em suma, compreende a idéia de
implantar, de incutir algo, uma crença na mente alheia, ou a propagação de
princípios e teorias.
Nesse sentido, Paraguassú Lopes ensina que:
A propaganda, de propagare, multiplicar, difundir, disseminar, foi
usada como título, em latim eclesiástico, da Congregatio de
propaganda fide, Congregação para Propagação da Fé, instituída em
1622 pelo papa Clemente VIII, com base na bula papal Incrustabili
divinae. Era a forma de se opor e combater a reforma protestante.
337
“A partir de seu sentido semântico original, o verbo latino publicare que significa “ação de
tornar públicopassa a ter uma significação moderna após a segunda metade do século XIX,
quando inicia a relação entre desenvolvimento da publicidade, com a industrialização e o
crescimento dos mercados de grande consumo. Como uma forma perfeita de comunicação
persuasiva, se consagrou como o instrumento indispensável do auge do comércio e dos
primeiros encontros competitivos da economia como formadora de mercados. Ela veio para
promover e estimular o intercâmbio de bens e serviços, e apropriou-se de algumas técnicas
de outra forma de comunicação persuasiva bastante mais antiga: a propaganda, uma
técnica até então usada para intercambiar elogios que glorificassem o homem. GOMES,
Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 78.
338
“Propaganda, do latim Propagare, que significa reproduzir, difundir. Por sua vez,
propagare, vem do latim arcaico pangere, termo usado em atividade agrícolas que significava
reproduzir pela técnica de mergulhar na água um galho de planta e, pela criação de uma
raiz deste, após separá-lo da matriz, tinha-se uma nova planta.
Historicamente, o uso da técnica da propaganda é bem mais antigo do que a da publicidade,
no sentido comercial que ela adquiriu após a Revolução Industrial.
Propaganda é a técnica de comunicação que visa promover a adesão do indivíduo a um dado
sistema ideológico, de caráter político, religioso, social ou econômico.
Na realidade, a propaganda pode aplicar-se aos mesmos setores da publicidade (e vice-
versa) sem, no entanto, confundir-se com esta”. GOMES, Neusa Demartini. Publicidade:
Comunicação Persuasiva, p. 68.
96
Naquele momento histórico eram emitidas bulas papais. Então,
desde os primórdios, a propaganda esteve sempre ligada à atividade
política, de forma visceral
339
.
Para Fernando Gherardini Santos, “propaganda refere-se a toda
espécie de comunicação pública, ora não relacionada à incitação ao
consumo de algo, ora ausente do objetivo econômico de lucro”
340
. Valéria
Falcão Chaise anota que “a propaganda visa a influenciar ou modificar a
opinião alheia a respeito de terminada ideologia”
341
.
Bem destaca Suzana Federighi que “existe uma diferença
conceitual que separa a publicidade e a propaganda não pelo que elas se
prestam, mas sim às idéias a que servem”
342
A autora ressalta que para a
definição de ambos os conceitos há de existir o caráter de massa.
A finalidade, como se pode extrair, é o fator que faz a diferenciação
entre a publicidade e a propaganda (a publicidade tem fins comerciais, de
obtenção de lucros, fator inexistente na propaganda), uma vez que podem
utilizar-se dos mesmos métodos, técnicas, recursos, inclusive as duas
podem utilizar-se da forma subliminar.
Interessante observar que das dez maiores agências brasileiras do
setor, quatro possuem a palavra “propaganda” na sua razão social, como
bem demonstra o nome da respectiva associação de classe “Associação
Brasileira de Propaganda”.
Todavia, a diversidade de conteúdo léxico não se restringe a essa
diferenciação. Para uma parte dos autores da área publicitária, os vocábulos
possuem outro sentido.
Luis Cláudio Zenone e Ana Maria Ramos Buairide entendem que a
propaganda é caracterizada pelo fato de o anúncio ser pago por patrocinador
identificado e a publicidade, ao revés, é a divulgação não paga de produtos
339
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 28.
340
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 200-201.
341
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor,
p. 10.
342
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva – Incitação à Violência, p. 67.
97
ou da própria empresa, na forma de notícia
343
. Regina Blessa também
entende dessa forma
344
. Para Gino Giacomini Filho, propaganda e
publicidade são termos sinônimos
345
.
Por conta disso e apoiado no argumento de que ambos os termos
são adequados para expressar o sentido desejado pelo anunciante de
produto ou serviço, Rizzatto Nunes ensina que os vocábulos podem ser
usados como sinônimos
346
.
O entendimento aqui defendido, no entanto, é outro. Em rigor, não
é pelo fato de a legislação conter imprecisões terminológicas e de parte dos
autores não se entenderem quanto à respectiva conceituação que a doutrina
seguirá o mesmo caminho. O fato é que as palavras devem ser precisas para
aprisionar conceitos precisos, mais ainda quando se deseja consolidar o
conhecimento de modo científico.
343
Propaganda é qualquer anúncio ou comunicação de características, em geral,
persuasivas, veiculadas nos meios de comunicação de massa em tempo ou espaço pago por
um patrocinador identificado. Publicidade é a comunicação não paga de informações sobre a
empresa ou o produto, em geral, em alguma forma de notícia; por isso, normalmente é um
trabalho executado pela assessoria de imprensa.” ZENONE, Luiz Cláudio; BUAIRIDE, Ana
Maria Ramos. Marketing da promoção e merchandising: conceitos e estratégias para
ações bem-sucedidas, p. 2. Nos Estados Unidos da América, Terence Shimp possui esse
entendimento. Segundo ele, a propaganda é forma de comunicação de massa por meio de
jornais, revistas, rádio, televisão e outros veículos, como a Internet ou comunicação direta,
que é dirigida a cada cliente business-to-business ou consumidor final, pagas por um
patrocinador identificado (o anunciante), mas são consideradas como não-pessoal porque a
empresa patrocinadora está se comunicando simultaneamente com receptores múltiplos. Já
a publicidade é descrita por ele como forma de comunicações não-pessoais para o público
de massa; mas, ao contrário da propaganda, a companhia patrocinadora não paga pelo
tempo ou pelo espaço da propaganda. Assume a forma de novos itens ou comentários
editoriais sobre os produtos ou serviços de uma empresa, que recebem espaço gratuito de
publicação ou divulgação porque os representantes dos veículos consideram a informação
pertinente e interessante para seu púbico. SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção:
aspectos complementares da comunicação integrada de marketing, p. 32.
344
Regina Blessa faz da seguinte forma o contraponto entre propaganda e publicidade: A
propaganda pode ser definida como a manipulação planejada da comunicação, que visa,
pela persuasão, promover comportamentos em benefício do anunciante que a utiliza”. “É a
divulgação de um produto ou serviço com o objetivo de informar e despertar interesse de
compra nos consumidores”. a publicidade é a atividade que visa a promoção de “uma
empresa, marca ou seus produtos, pela inserção de notícias gratuitas na mídia [...] trata-se
de matérias de divulgação feitas por “ações” de relações públicas ou assessoria de imprensa.
Alguns fatos geram publicidade espontânea na mídia. Criar tais fatos para virar notícia
também é o trabalho para publicitários”. BLESSA, Regina. Merchandising no ponto-de-
venda, p. 5.
345
“Entende-se por publicidade ou propaganda a forma de comunicação identificada e
persuasiva empreendida, de forma paga, através dos meios de comunicação de massa”
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 16.
346
NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor, p. 421-422.
98
A função do “conceito” é instrumental. O conceito permite resumir
um certo número de experiências naquilo que elas têm em comum. Chega-se
a esse “resumo” mediante um processo classificatório que, partindo da
observação de um conjunto de “objetos”, deles se abstraem algumas
características comuns, entre todas as existentes nos elementos do
conjunto, levando-se em conta a relevância e os fins pelos quais se opera a
seleção. Cria-se, desse modo, um modelo mental que serve ou que pode
servir como critério para o reconhecimento de experiências futuras.
Os conceitos jurídicos têm uma função meramente operacional:
não fornecem definições “reais”, mas somente modelos, cuja função é
organizar um setor da experiência a experiência jurídica, mais
precisamente – com a finalidade de obter o máximo de economia mental”.
Segundo Giuseppe Lumia, “conceitos” são esquemas mentais cujo
sentido está total e unicamente no seu valor de uso
347
. Daí a importância da
diferenciação dos termos “propaganda” e “publicidade” como essencial para
se obter a noção exata de toda a carga que carrega o vocábulo “publicidade”.
Assim, preferindo utilizar conceitos distintos, adota-se o vocábulo
“publicidade” para expressar a atividade empresarial, com o objetivo de
lucro, destinada a estimular o consumo de bens e serviços e o vocábulo
“propaganda” no caso de questões de ordem publica ou interesse geral,
caracterizada pela divulgação não econômica, mas ideológica, política,
religiosa ou filosófica.
O Código de Defesa do Consumidor, não obstante o deslize quanto
ao uso do termo “contrapropaganda”, orientou-se pela utilização do vocábulo
“publicidade” para designar a mensagem veiculada com o objetivo de
apresentação dos produtos e serviços.
A propósito, a Lei n. 4.737/1965 (Código Eleitoral) utiliza o termo
propaganda, portanto, de forma adequada. A Lei n. 8.078/1990 trata tão-
somente de publicidade e não de propaganda.
347
LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Tradução de Denise
Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 18-19.
99
3.3.3 Categorias de publicidade e institutos afins
Entre tantas classificações existentes, pode-se destacar aquela
exposta por Fernando Gherardini Santos
348
, com algumas modificações e
acréscimos.
3.3.3.1 Quanto ao objeto
Quanto ao objeto a publicidade pode ser promocional ou
institucional.
Publicidade promocional pode ser de produto ou de serviço e tem
objetivos imediatos. O foco é um determinado produto ou serviço e pode ser
destinada à: a) demanda primária, que é a publicidade de um produto não
ligada a nenhuma marca ou empresa específica (v.g. uma mensagem que
ressalta os benefícios do consumo de maçãs); b) demanda seletiva: certo
produto ou serviço é anunciado de forma vinculada a uma empresa ou
marca.
Publicidade institucional é a centrada na empresa ou marca do
fornecedor
349
e não no produto ou serviço.
Na publicidade institucional (corporativa ou de imagem) não existe
o objetivo direto e imediato de venda do produto ou serviço. Nesse tipo de
publicidade promove-se a própria empresa ou marca (nome ou realizações),
visando à boa imagem.
Existem também as publicidades mistas, ou seja, têm ao mesmo
tempo caráter institucional e promocional.
348
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 31 e ss.
349
Regina Blessa entende que a propaganda institucional: “É a divulgação da empresa,
instituição ou conceito, visando à fixação ou à mudança de sua imagem pública. Este tipo
de propaganda não visa à venda, e sim à predisposição favorável do público em relação ao
produto, serviço, marca ou instituição que a patrocina. Usa mensagens pagas e assinadas
pelo patrocinador, não apresenta produtos e visa melhorar a imagem institucional da
empresa com assuntos ou eventos diversos aos seus interessados comerciais”. BLESSA,
Regina. Merchandising no ponto-de-venda, p. 5.
100
3.3.3.2 Quanto à mensagem
A mensagem da publicidade pode ser comparativa, não-
comparativa ou pioneira.
Publicidade comparativa caracteriza a mensagem que divulga um
produto ou serviço, ressaltando suas características em relação a outros
similares de outras empresas ou marcas
350
.
Cláudia Lima Marques define publicidade parasitária como aquela
que tira proveito da reputação do outro produto. Publicidade dénigrante é a
que se refere ao produto concorrente de maneira a denegri-lo. São formas
vedadas de publicidade comparativa. As demais formas são permitidas. Não
pode haver informação falsa ou difamar os concorrentes
351
.
A publicidade comparativa parte do fornecedor (produtor,
distribuidor ou prestador) e procura atrair o cliente. Até 1992 era proibida a
publicidade comparativa em França. A jurisprudência entendia que se
tratava de concorrência desleal. Essa modalidade de publicidade
comparativa, desde que verdadeira, apresenta duas vantagens: estimula e
concorrência e traz informações que não são veiculadas na publicidade
tradicional. No Direito francês, a lei de 18 de janeiro de 1992 (art. 10) tornou
lícita a publicidade comparativa. Existe previsão de publicidade comparativa
no Código do Consumidor francês (L. 121-8 a L.121-14).
352
Publicidade não-comparativa alude à mensagem que divulga o
produto ou serviço não faz comparação com outros bens similares nem com
outras empresas.
Publicidade pioneira ou informativa é aquela que visa ao
desenvolvimento inicial da demanda para um produto ou uma categoria de
produto.
350
O art. 32 do CARP trata da publicidade comparativa.
351
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 657.
352
AULOY, Jean-Calais e STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation, p. 153-154.
101
3.3.3.3 Quanto à destinação
A publicidade pode ter diferentes destinos, isto é, pode ser dirigida
a um outro forneceder ou, como é mais comum, ao consumidor.
Publicidade dirigida a outro fornecedor é aquela que visa
apresentar ora produtos industriais, ora produtos destinados à revenda,
independente, independente se a comercialização é por atacado ou a varejo.
Publicidade dirigida ao consumidor é propriamente a publicidade
de produtos e serviços destinada ao consumidor.
3.3.3.4 Quanto ao patrocinador
A publicidade quanto ao patrocinador pode ser cooperada ou
singular. É cooperada quando um grupo de fornecedores une-se com o
intuito de promover produtos similares, mas de empresas ou marcas
diferentes. Também é conhecida como pool.
Por publicidade singular entende-se aquele em que o produto é
associado ou ligado a uma só empresa ou marca.
3.3.3.5 Quanto à origem
A publicidade pode partir do próprio fornecedor ou então será
compulsória, quando realizada com intenção corretiva. A publicidade
compulsória tem como exemplo o recall.
3.3.3.6 Quanto à legalidade
A publicidade pode ser lícita ou ilícita. O caráter ilícito da
publicidade pode ser patológico, abusivo, enganoso, dissimulado, oculto,
clandestino ou do tipo tie in.
102
Newton De Lucca afirmou que a publicidade enganosa ou
abusiva é uma das principais inimigas da defesa do consumidor, juntamente
com as cláusulas contratuais abusivas e os preços abusivos
353
.
Para Antonio Herman Benjamin, “o caráter patológico das práticas
comerciais manifesta-se como um vício na forma como se processa essa
“aproximação” entre os diversos sujeitos do mercado e os bens de
consumo”
354
.
Contudo, entende-se que o lado patológico vai muito além da forma
de aproximação. È como analisa Gino Giocomini Filho:
A publicidade tem se servido de práticas anti-sociais, como anunciar
produtos sofisticados em localidades onde residem milhares de
pessoas com pequeno poder aquisitivo; ou então como no caso de
anúncios, insistentemente repetidos, sobre algo que o consumidor
não tem o mínimo de interesse em comprar
355
.
O autor, mais adiante, acrescenta:
[...] uma crítica que se tem feito aos meios de comunicação de massa
diz respeito à liberdade de atingirem a todos, indistintamente, com
programas e mensagens publicitárias das mais variadas ordens; são
produtos sofisticados que chegam às favelas, são guloseimas
apresentadas na própria programação da emissora que aguça a
vontade de crianças carentes, enfim, uma gama de programações
que não se importam com a condição social de quem as recebe
356
.
Essa liberdade facultada aos meios de comunicação pode gerar
ansiedade, frustração, descontentamento, insatisfação, tristeza de modo
totalmente desnecessário e evitável, pois faz acreditar que se pode “ser” ou
“ter” algo que nunca se realizaria, ato reprovável do ponto de vista ético e
jurídico.
353
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor – Aspectos práticos – Perguntas e
respostas. 2ª edição, revista e ampliada. Bauru: Edipro, 2000, p. 51.
354
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto, p. 224.
355
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 81.
356
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 50.
103
Assim, “usar a publicidade para despertar interesse e desejo e não
permitir a sua realização é um dano que a empresa deveria prever antes de
viabilizar o anúncio”
357
.
De outra banda:
Uma das formas da ação injusta da publicidade está na possibilidade
de transferir valores de um pequeno grupo para a sociedade como
um todo, isso porque faz com que consumidores, impossibilitados de
alcançar a realidade mostrada, passem a comprar o porque
precisam, mas para atingir o referencial preconizado pelo anúncio.
Esta ação gera ansiedades, é frustrante para os que não podem
realizá-la e conflitiva para os que conseguiram realizá-la, mas que
tenham tido de adotar um valor artificial diante dos que estão
estabelecidos no seu grupo social
358
.
Outra preocupação, quadra destacar, é que em função de todas
essas características da sociedade, as pessoas muitas vezes dão prevalência
aos desejos quando necessidades fundamentais ainda não estão satisfeitas,
invertendo, assim, a hierarquia das necessidades de Maslow. Não é
incomum ver-se a pessoa deixar a alimentação saudável de lado para
adquirir produtos supérfluos, endividar-se sem ter condições para adimplir o
compromisso assumido, comprar roupas de grife em detrimento dos estudos.
Como mencionado alhures, a publicidade explora o fato de a sociedade
capitalista valorizar de forma acentuada o consumo ostentatório como
demarcador de sucesso, seja em qualidade (status conferido por produtos e
marcas, principalmente), seja em quantidade (acumulação)
359
.
Nesse sentido, Suzana Maria Federighi acentua:
O pragmatismo de ‘vender qualquer coisa’ é o raciocínio das
sociedades que insuflam o consumo de massa [...] consumir e
possuir representam conjugadamente o status da satisfação
econômica. Quem possui, de certa forma exprime o sucesso
profissional ou financeiro, ou a origem bem nascida; este possuir se
reflete no consumo de grifes do momento, produtos e gadgets em
geral
360
.
357
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 91-92.
358
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 110.
359
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 157.
360
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva – Incitação à Violência, p. 48.
104
Mais à frente a autora afirma que “consumir é a condição sine qua
non de quem possui a condição socioeconômica ideal”
361
.
É de Marisa Teixeira de Almeida a seguinte lição:
Associando imagens ao fascínio pelo sucesso, a marcas e produtos
sofisticados, a publicidade e a cultura de massa incentivam o homem
comum a promover gastos extraordinários, a identificar-se com uma
minoria privilegiada e juntar-se a ela em suas fantasias, em uma
vida de conforto e refinamento [...] A regulação da sociedade pela
noção de consumo como condição de acesso à plenitude da vida,
resulta em consumidores fanatizados pela indústria cultural e,
aqueles que não têm recursos, muitas vezes, utilizam-se do crime
como um meio para serem incluídos socialmente
362
.
Segundo Ana Bock, presidente do Conselho Federal de Psicologia, a
programação voltada para a venda fortalece valores que promovem relações
sociais guiadas pela idéia de consumo. "Estamos ajudando a constituir
sujeitos que tudo compram, tudo consomem, tudo descartam", afirma
363
.
No mesmo norte comenta Mário Ernesto René Schweriner:
Uma das mais sérias críticas à propaganda e à voluptuosa sociedade
de consumo por ela parida é de que a muleta temporária do consumo
venha a se constituir em uma peça permanente, uma espécie de
prótese, um membro artificial.
A enxurrada de estímulos da propaganda desperta incontáveis
equações motivacionais, todas desaguando nos comportamentos de
aquisição de bens e serviços. Consumos diversos, porém metas
similares acionadas pela propaganda: viajar, badalar, sofisticar,
jantar fora, possuir, acumular, aparecer. A propaganda não que
tratar da causa; para ela, o motivo importa, incentivando a
gratificação imediata dos ‘ligue já’ e ‘compre agora’
364
.
Em suma, diversos e danosos são os efeitos do consumismo para o
indivíduo: aumento da indimplência, superendividamento, síndromes da
tolerância e abstinência, apego ao prazer imediato, menor tolerância à
frustração, exibição ostensiva, hábito das compras e acumulação
compensatórias para frustrações e neuroses, priorização dos desejos de
361
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva – Incitação à Violência, p. 49.
362
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 14-15.
363
INSTITUO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
<http://www.idec.org.br/busca.asp>. Acesso em: 26 mar. 2008.
364
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 52.
105
prazer e status em detrimento das necessidades, gastando como supérfluo
em vez de com o essencial, criação de animais em condições subanimais,
degradação ambiental, esgotamento dos recursos naturais,
comprometimento da própria existência do homem na terra
365
.
3.3.4 Componente teórico
A expressão componente teórico alude ao conteúdo da publicidade,
que pode ser visual ou verbal.
A comunicação visual é formada por elementos icônicos. Nesta
comunicação são utilizadas imagens ou textos visualizados, com destaque
para os aspectos psicológicos do processo de comunicação: a percepção, o
reconhecimento e interpretação da mensagem intencional
366
.
O conteúdo da comunicação verbal, por sua vez, é composto de
elementos textuais.
3.3.4.1 Por modalidade de apelo
367
Conforme o apelo usado, a campanha publicitária poderá ser
classificada em racional, emocional e subliminar.
Racional aquela que recorre a argumentações lógicas, sobre
características intrínsecas do produto. Estes argumentos podem levar o
receptor a deduzir o conteúdo da mensagem, induzi-lo a inferir que do
concreto chegue a uma realidade genérica, ou a usar analogia ou retórica
para a sua compreensão.
Emocional a que leva uma carga psicológica no conteúdo da
mensagem. Geralmente atua nos resultados de uso do produto e nas
satisfações que o consumidor obterá dele.
365
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 195-196.
366
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 40.
367
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 117.
106
Subliminar aquela emitida com intensidade inferior ao que a
captação pelo consciente necessita. O receptor não tem consciência de estar
recebendo este tipo de estímulo. Com freqüência é confundida com outro
tipo de publicidade: aquela que atua também no nível de consciência, mas
que aparece de forma quase imperceptível à primeira vista.
3.4 A INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE
A respeito desse tema, Ana Cláudia Govatto comenta:
Reduzir o objetivo da propaganda [rectius publicidade] ao simples
papel de motivar consumidores a adquirir produtos e serviços seria,
no mínimo, negar que sua função também é criar preferências e
agregar valores às marcas disponíveis no mercado. Mais do que isso,
valer-se do aspecto reducionista de venda daria à propaganda menor
importância do que ela realmente tem nos dias atuais
368
.
Para Christiane Gade:
Existe grande controvérsia sobre até que ponto a propaganda e
outros tipos de promoção conseguem persuadir o consumidor a usar
produto de que não tem necessidade ou que não deseja. Os
defensores do livre-arbítrio argumentam que não se pode ensinar os
indivíduos a gostar de coisas e comprá-las, se não as desejam. Os
estudiosos da aprendizagem, por outro lado, nos mostram que o
consumidor pode ser ensinado a querer um produto de que não
gostava e nem necessitava, para o qual não havia nenhum drive
[necessidades]. Hoje, a propaganda e a comunicação de massa são
veículos que, sem dúvida, ensinam o indivíduo a ter necessidades
secundárias [necessidades aprendidas, como comer cereais] jamais
sonhadas antes
369
.
E Neusa Demartini Gomes faz a seguinte análise:
A publicidade se insere dentro do que denominamos de comunicação
de massa, aquela que é a grande fornecedora ao público dos
elementos necessários à estruturação da vida cotidiana. A
comunicação de massa informa, inspira, convence, entretém e, até,
às vezes, atemoriza as pessoas. [...] Na comunicação de massa, o
receptor se limita a receber, sem emitir suas mensagens, ou seja,
368
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer, p. 73.
369
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 64-65.
107
sem interatividade do direito à resposta, as quais consistirão na
adoção de uma atitude ou na realização de uma ação
370
.
Com mencionado, a publicidade tem sido um poderoso e eficaz
meio de influenciar e estimular o consumidor na aquisição de produtos e
serviços.
Conforme acurada observação de Newton de Lucca, o consumidor
pode ser reduzido “a mero espectador do fantástico mundo da ilusão, no
qual o poder de deliberar de acordo com a própria e mera vontade vai sendo
inteiramente conspurcado”
371
.
O observador político americano Lassweel, referindo-se à
propaganda, faz a seguinte análise:
É a expressão de opiniões ou de acções efectuadas deliberadamente
por indivíduos ou grupos, com vista a influenciar a opinião ou a
acção de outros indivíduos ou grupos, com referência a fins pré-
determinados e por meio de manipulações psicológicas
372
.
Cláudia Lima Marques diz que “hoje ninguém duvida da forte
influência que a publicidade exerce sobre a população e sobre sua conduta
na sociedade de consumo”
373
.
A sua ação, direta ou subliminar, já foi acentuada por Carlos
Alberto Bittar
374
, o qual é enfático ao afirmar que as pessoas são atraídas
pela esteticidade de formas com que se apresentam os produtos. “Todo
enunciado tende a intervir persuasivamente no destinatário, com o propósito
de modificar suas crenças, suas atitudes e até sua identidade. Os
enunciados que compõem a mensagem publicitária potencializam essa
tendência”
375
.
370
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 41-42.
371
DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas,
p. 54
372
Apud RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 23.
373
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 654.
374
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor: Código de Defesa do Consumidor. 6.
ed. Atualização de Eduardo C. B. Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 49.
375
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução, p. 94.
108
Ignácio Ramonet chega a mencionar o lado antiético das técnicas
de marketing empregadas que visam a deixar os espectadores entorpecidos e
ávidos para consumir.
Todas estas ‘técnicas que visam enganar a opinião’ conhecem hoje,
em razão da revolução digital, um surto formidável. Tanto mais
assustador quanto os novos reis da manipulação, tornados mestres
de códigos e de símbolos, se apresentam a partir de agora diante de
nós com a sedutora aparência dos encantadores de sempre.
Propõem-nos lazeres à discrição, distrações contínuas, guloseimas
para os olhos. Tudo, em suma, para nos deixar beatificados,
eufóricos e felizes
376
.
O citado autor aduz que “a atual forma de dominação se de
forma silenciosa, com o envolvimento e controle do nosso espírito mediante a
sedução”
377
.
João Batista de Almeida também alerta para o poder da
publicidade, segundo o qual, “deixou de ter um papel meramente informativo
para influir na vida do cidadão de maneira tão profunda a ponto de mudar-
lhe hábitos e ditar-lhe comportamento”
378
. Defende o renomado autor, o
poder que a publicidade tem de influenciar a conduta do consumidor, com
interferência de seu animus na aquisição dos produtos e serviços. De forma
enfática, cita fenômeno que se está cada vez mais presente na atual
sociedade de massa, qual seja, o verdadeiro bombardeio promovido pela
publicidade
379
, presente em todas as horas do dia e, quiçá, no próprio sono.
Não se pode olvidar a influência da publicidade subliminar e seus estímulos
desconhecidos a retir o poder de discernimento ou espírito crítico do
consumidor
380
.
376
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 33.
377
“Não devemos recear, no presente, que a submissão e o controle dos nossos espíritos não
sejam conquistados pela força, mas sim pela sedução, não sob ordem, mas pelo nosso
próprio anseio. Não pela ameaça de punição mas pela nossa própria sede de prazer [...].”
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 34.
378
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 5ª edição, revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 113.
379
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor, p. 113-114.
380
“Aquilo em que trabalhamos”, afirma Ernst Dichter, um dos mais importantes teóricos
da publicidade, “é para fabricar espíritos”. RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas.
Massas, televisão, cinema, p. 47.
109
Nely de Carvalho afirma que a publicidade pode ser considerada “a
mola mestra das mudanças verificadas nas diversas esferas do
comportamento e da mentalidade dos usuários/receptores. quem
discorde dessa tese, como o publicitário David Olgivy”
381
.
Entretanto, como bem lembra Rizzatto Nunes:
A própria norma auto-regulamentadora reconhece a influência que o
anúncio publicitário exerce sobre a coletividade. É importante que
assim seja exatamente para anular o depoimento de alguns
publicitários que pretendem desresponsabilizar-se do que fazem,
dizendo que a publicidade apenas reflete aquilo que a sociedade
pensa e/ou faz.
A norma até realça o aspecto da influência, porque diz textualmente:
“de vez que a publicidade exerce forte influência de ordem cultural
sobre grandes massas de população (art. 7º)’
382
.
O próprio preâmbulo do CBAP admite a influência da publicidade:
Considerando, finalmente, que as repercussões sociais da atividade
publicitária reclamam a espontânea adoção de normas éticas mais
específicas, as entidades abaixo assinadas, representativas do
mercado brasileiro de publicidade, instituem pelo presente
instrumento, este Código Brasileiro de Auto-Regulamentação
Publicitária.
O ser humano é um animal cultural e vive em uma indústria
cultural. O que mais diferencia o Homo sapiens das outras espécies é a
cultura, que pode ser resumida como aprendizagem, comportamento
aprendido em face da determinação genética
383
.
Conforme ensina Carlos París, “o aparecimento da cultura inova
profundamente as relações entre o ser vivo e o meio, assim como a
concepção e a realidade deste último”
384
.
Não dúvida que os meios de comunicação são os mais
poderosos na difusão da cultura. A publicidade é transmitida pelas mais
diferentes mídias. Como meio de profusão cultural tem o condão de
transformar realidades.
381
CARVALHO, Nely de. Publicidade. A linguagem da sedução, p. 10.
382
NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor, p. 442.
383
PARÍS, Carlos. O animal cultural: biologia e cultura na realidade humana. Traduzido
por: Marly de Almeida Gomes Vianna. São Carlos: EdUFSCar, 2002, p. 46-47.
384
PARÍS, Carlos. O animal cultural: biologia e cultura na realidade humana, p. 64.
110
Carlos Alberto Bittar não ficou indiferente ao tema e alertou para o
poder da publicidade na atual sociedade, principalmente por conta da
expansão da televisão, que tem o poder de impor gostos, hábitos e costumes
a todos, de forma indistinta
385
.
Carl Gustav Jung destacou que a publicidade e a propaganda
influenciam a consciência do homem contemporâneo, levando-o “a viver de
uma maneira nada condizente com a nossa natureza individual. E o
desequilíbrio psíquico que podem provocar deve ser compensado pelo
inconsciente”
386
.
Por outro lado, evidências de que a propaganda [rectius
publicidade] vai muito além dos impactos físicos que provoca portanto
tangíveis -, como proporcionar o giro rápido dos estoques de revendedores,
criar modismos ou referências e hábitos de vida. Seus aspectos mais
intensos, e por isso mesmo tão estudados e contestados – estão no campo do
intangível, no nível da psique humana, e muitas vezes são comprovados
pelas atitudes das pessoas. Alguns críticos sociais, como Ana Cláudia
Marques Govatto, apontam a propaganda [rectius publicidade] como um
incentivo exacerbado ao consumismo
387
, haja vista o seu “poder de seduzir
os sentidos e provocar reação no receptor [...]”. Assim, “por mais que se
queira, parece impossível ficar imune às mensagens e aos seus estímulos,
mesmo que nos coloquemos distantes de qualquer meio de comunicação”
388
.
A publicidade amiúde utiliza fatores emotivos para quebrar a
resistência do espectador e atingir o seu inconsciente.
Para Ignácio Ramonet:
385
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor: Código de Defesa do Consumidor, p.
50.
386
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 51.
387
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer, p. 73-74.
388
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer, p. 76. No mesmo sentido Alberto do Amaral Júnior: “A publicidade transforma-se
em técnica para a formação do consenso. Os estereótipos e as representações dramáticas
utilizadas pelas mensagens publicitárias são artifícios para seduzir os consumidores,
concorrendo para a formação coletiva da vontade”. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. O
princípio da vinculação da mensagem publicitária, p. 42.
111
A depender das circunstâncias nas quais o telespectador assiste a
publicidade, pode perder a personalidade consciente, com
abrandamento de suas resistências e redução de sua vontade e
discernimento, tornando-se mais receptivo às sugestões,
principalmente quando remetem diretamente para tudo o que
pertence ao registro do afeto
389
.
quem pergunte, principalmente direta ou indiretamente
envolvidos com a criação publicitária, qual o motivo de tanto se questionar e
discutir a publicidade. Existem muitos movimentos, inclusive propaganda,
no sentido de se dar liberdade total à criação publicitária. Chegou-se a
veicular uma propaganda defendendo a total liberdade da publicidade, ela
mesma cometendo abusos ao ridicularizar aqueles que entendem ser devido
o respectivo controle.
O fato é que ninguém está imune a erros e abusos, e a publicidade
não é exceção. Fruto do cérebro humano, ela pode ser lesiva aos interesses e
direitos dos consumidores, que não garantia de que não será, culposa,
dolosa, sem intenção, ou ilícita.
Quanto à desconfiança em relação à criação publicitária:
A desconfiança a respeito da indústria cultural e da sua propaganda
silenciosa repousa fundamentalmente em três receios:
1) que ela reduza os seres humanos ao estado de massas e entrave a
estruturação de indivíduos emancipados, capazes de discernir e de
decidir livremente;
2) que ela substitua, no espírito dos cidadãos, a legítima aspiração à
autonomia e à tomada de consciência por um conformismo e uma
passividade perigosamente regressivas;
3) que ela propague, por fim, a idéia de que os homens desejam ser
fascinados, desviados e enganados na esperança confusa de que
uma espécie de satisfação hipnótica os fará esquecer, por um
instante, o mundo absurdo, cruel e trágico onde vivem
390
.
Segundo Ignácio Ramonet, desafia que a televisão e uma de suas
funções (que é distrair as outras duas: informar e educar) podem provocar
uma ausência coletiva de rebro, ao domesticar as almas, condicionar as
massas e manipular os espíritos
391
.
Pouco a pouco, o modelo americano foi sendo enraizado nas
culturas dos países ditos capitalistas, criando-se uma identidade
389
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 59.
390
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 11.
112
supranacional. Basta percorrer o comércio para verificar o quão raro é a
existência de nomes de marcas e estabelecimentos no vernáculo
392
.
A situação de dominação e subjugação da alma dos colonizados
pelo modelo americano criou um padrão de cultura e consumo que está bem
arraigado, tanto que fica difícil tecer críticas ao sistema vigente
393
. Mais,
“neoliberalismo procura esvaziar a capacidade humana de imaginar uma
outra forma de vida social: a sociedade capitalista é a única realidade
possível, e a única realidade possível é o capitalismo”
394
.
Essa situação de dominação silenciosa teve início nos anos 50, nos
Estados Unidos, onde foi focada, pela primeira vez numa “sociedade
democrática livre”, a orquestração de todos os modernos meios técnicos de
intimidação mental: televisão, dio, imprensa, cinema, publicidade,
anúncios. Nenhum aspecto da vida intelectual, emotiva ou sentimental foi
deixado em repouso: o homem era cercado por todos os lados
395
.
O cinema foi um dos grandes responsáveis pela difusão de um
estilo de vida, de guia de comportamento, sendo veículo condutor recheado
de temas publicitários. Interessante notar que “Os filmes publicitários são
praticamente contemporâneos do nascimento do cinema com os irmãos
Lumiére (1904) e Georges Méliès (1898)”
396
.
É Marshall McLuhan quem observa que com a chegada do cinema,
391
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 20.
392
Ramonet descreve bem esse atual quadro de dominação silenciosa: “Os colonizadores e
os seus opressores sabem que a relação de domínio não se funda apenas na supremacia da
força. Passado o tempo da conquista, soa a hora do controle dos espíritos. E tanto melhor se
domina quanto o dominado permaneça inconsciente desse domínio. Daí a importância da
persuasão clandestina e da propaganda secreta. Uma vez que, a longo prazo, para todo o
império que deseje durar, a grande aposta consiste em domesticar as almas, em torná-las
dóceis, e depois subjugá-las”. RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas,
televisão, cinema, p. 22.
393
Mais uma vez Ramonet nos socorre com sua apurada observação: “A americanização dos
nossos espíritos está de tal maneira que denunciá-la, para alguns, parece cada vez mais
inaceitável. Para a ela renunciar, seria necessário estar pronto para se amputar de um
grande número de práticas culturais (de vestuário, desportivas, lúdicas, de distracção, de
linguagem, de alimentação), às quais nos entregamos desde a infância e que nos habitam
permanentemente”. RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão,
cinema, p. 14-15.
394
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 13.
395
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 23.
396
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 40.
113
A totalidade do modo de vida americano tornou-se uma publicidade
interminável. Tudo aquilo que os actores e as actrizes usavam,
comiam ou utilizavam tornava-se um reclame como nunca se teria
esperado inventar
397
.
Os filmes, segundo Jean-Paul Simon, vendem o modo de vida e a
publicidade trata de completar o ciclo com a oferta dos produtos nele
inseridos
398
. Os spots publicitários, que apareceram pela primeira vez na
televisão em 1947, nos Estados Unidos
399
, utilizam a publicidade de
identificação para criar “uma ilusão da possibilidade de sermos identificados
no estrato social, [por exemplo] pelo cigarro que fumamos. Aquilo que se
consome pode ser a senha deste reconhecimento social”
400
. Esse tipo de
publicidade não oferece um benefício, “[...] mas se vale de uma associação.
Cria uma imagem do produto, serviço ou companhia com a qual gostaria de
se associar”
401
.
Ignácio Ramonet, a respeito, acrescenta:
Os reclames filmados apresentam ao nosso olhar quotidiano um
mundo em férias permanentes, descontraído, sorridente e
despreocupado, povoado de personagens eleitas, orgulhosas de sua
astúcia e possuindo, por fim, o produto miraculoso que as deixará
belas, impecáveis, felizes, livres, sãs, desejadas, modernas [...] Eles
apresentam modelos agradáveis que nos dão vontade de nos
identificar com eles. Nestes modelos, é um pouco de nós o que
contemplamos [grifo no original]
402
.
Pertinente é observar que:
A população brasileira entrou na civilização da televisão antes de
saber ler uma bula de remédio ou a composição de um produto,
convertendo-se em agente passivo em termos de consumo; este fato
não pode ser ignorado por quem formula e aplica as leis
403
.
Por essa razão:
397
Apud RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 15.
398
Apud RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 63.
399
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 46.
400
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva – Incitação à Violência, p. 114.
401
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva – Incitação à Violência, p. 114.
402
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 71.
403
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 43.
114
Os meios eletrônicos, principalmente rádio e televisão, são os que
mais influenciam o brasileiro, não por não exigirem alfabetização
ou hábito de leitura, como também por não implicarem a compra
sistemática da informação (como jornais e revistas)
404
.
A “onipresença da publicidade comercial na sociedade de consumo
cria um ambiente cultural próprio, um novo sistema de valores”
405
, sendo
que “boa parte dos produtos da indústria cultural é publicidade disfarçada”.
Dessa forma: “A indústria cultural existe para incentivar o consumo, quer
seja o consumo de seus próprios produtos, quer seja o consumo dos demais
produtos que ela divulga”
406
.
Por fim, traz-se o pensamento de Fairclough que considera:
A publicidade como um elemento colonizador baseado no fator
econômico e na força das classes dominantes para submeter a
família, como instituição, e a vida familiar em geral. Essa
‘colonização’ modificou a estrutura e a escala de valores da
sociedade
407
.
A publicidade não é forma pura de arte ou forma de expressão.
Possui objetivo comercial, de lucro, de venda, além de manipular a vontade
do consumidor para que gaste seu o dinheiro de determinada forma. A arte
ou liberdade de expressão não pode sofrer restrições.
3.5 ASPECTO JURÍDICO
3.5.1 Regime jurídico anterior ao Código de Defesa do Consumidor
A defesa do consumidor se consagrou no ordenamento jurídico
com a aprovação do Código de Defesa do Consumidor. No regime anterior, os
dispositivos eram alheios à realidade, não havendo disciplina para danos em
massa, contratos de adesão, os prazos eram irreais, os requisitos da
responsabilidade quase impossíveis de serem observados etc.
404
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 50.
405
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução, p. 11.
406
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 27.
407
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução, p. 24.
115
No que tange à publicidade, antes do advento do Código de Defesa
do Consumidor não havia regulamentação específica e sistematizada no
ordenamento jurídico, apenas previsões de controle esparsas em outras
áreas, como a defesa econômica, a propriedade industrial, relações
trabalhistas, a auto-regulamentação, o direito concorrencial e autoral
408
(Decreto n. 10.056/29, Lei n. 5.772, Lei n. 1.521/51, Lei n. 4.591/64, Lei n.
4.680/65 e seu Decreto Regulamentador 57.690/66, Lei n. 6.766/79,
Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária). Em suma, não
existia lei que tratasse especificamente da publicidade de produtos e
serviços, objeto das relações de consumo
409
. Ainda não se vislumbrava a
defesa do consumidor nos moldes atuais, apenas aspectos legais da
concorrência desleal e da proteção da propriedade industrial, ou seja, havia
preocupação tão-somente com o lado trabalhista ou corporativo da questão.
Diante de tal realidade, o material legislativo revelou-se inábil para
propiciar a correta e eficaz defesa do consumidor exposto à atividade
publicitária
410
. As leis anteriores ao Código de Defesa do Consumidor não
consideravam a grande influência que a publicidade exercia na sociedade de
massa
411
, por meio dos poderosos meios de comunicação
412
.
408
Para Cláudia Lima Marques “historicamente, a publicidade era considerada mera prática
comercial, juridicamente relevante somente quando utilizada como forma de concorrência
desleal (art. 196, §1º, inc. VIII, do Código Penal). A publicidade era relevante, portanto, mais
no direito administrativo, comercial e penal, do que no direito civil stricto sensu”.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime
das relações contratuais, p. 624.
409
Nesse sentido o entendimento de Fernando Gherardini Santos: “Antes do início da
vigência do Código de Defesa do Consumidor [...] não havia uma regulamentação jurídica
eficiente da atividade publicitária; em verdade, constatava-se uma imensa lacuna nesta
matéria, cujas tentativas de preenchimento revelaram-se insuficientes diante do Direito
vigente até então”. SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing – uma abordagem
jurídica do marketing empresarial, p. 206.
410
O sistema de direito privado tradicional sempre primou pela defesa individual do
consumidor, não permitindo a adequada defesa do consumidor. Antonio Herman V.
Benjamin afirma que: “No Direito Privado clássico, nenhum dos institutos jurídicos
tradicionais permitia proteção efetiva do consumidor contra a publicidade”. BENJAMIN.
Antônio Herman de Vasconcellos. O controle jurídico da publicidade, p. 39. No mesmo
sentido, Rizzatto Nunes: “O regime privatista do Código Civil é inoperante em questões
ligadas à sociedade de massa, como da mesma forma o é o sistema das ações judiciais
individuais do Código de Processo Civil”. NUNES, Rizzatto. Curso de direito do
consumidor, p. 69.
411
“A publicidade invade a nossa vida diariamente, principalmente nos momentos de lazer
e, sem nos darmos conta, altera nossos valores, conceitos e hábitos”. ALMEIDA, Marisa S.
116
Conforme o ensinamento de Carlos Alberto Bittar
413
, campanhas
enganosas na publicidade e na oferta de produtos, como por exemplo,
anúncios de curas miraculosas, lesavam os interesses dos consumidores que
estavam indefesos ante os apelos publicitários agressivos e as necessidades
existentes ou criadas pela sociedade de consumo.
3.5.2 A defesa do consumidor e o diploma legal consumerista
Sempre se cogitou da proteção das categorias menos favorecidas
(actio redibitoria, quanti minoris). O próprio Código de Hammurabi (Lei n.
233, 235) continha regra expressa no que concerne a defeito do serviço
(art. 229: “Se um arquiteto constrói para alguém e não o faz solidamente, e a
casa que ele construiu cai e fere o proprietário, esse arquiteto deverá ser
morto”).
A preocupação de Aristóteles na Constituição de Atenas revela
que desrespeitar o consumidor não é prática recente
414
.
Na Idade Média, com o desenvolvimento do comércio e a formação
de corporações, foram instituídas as entidades de artesãos, com rígido
D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle estabelecido pelo Código de
Defesa do Consumidor, p. 15.
412
“Os consumidores acham-se inteiramente expostos às campanhas publicitárias
veiculadas pelos órgãos de comunicação, que procuram criar necessidades e estimular a
demanda”. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. O princípio da vinculação da mensagem
publicitária, p. 46.
413
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor: Código de Defesa do Consumidor, p.
48.
414
“Dez superintendentes de feiras são determinados por sorteio, cinco para o Pireu e cinco
para a cidade. Eles têm a obrigação, por lei, de supervisionar as mercadorias postas à venda
e assegurar-se de que os alimentos são puros e não foram adulterados. Dez inspetores para
pesos e medidas são escolhidos da mesma maneira, cinco para a cidade, cinco para o Pireu,
para assegurar que medidas e pesos honestos sejam utilizados pelos vendedores. Havia dez
comissários encarregados do suprimento de grãos, escolhidos por sorteio, dos quais cinco
agiam na cidade e cinco no Pireu, mas agora vinte para a cidade e quinze para o Pireu.
Eles asseguram, em primeiro lugar, de que não haja práticas espertas na venda de grãos de
qualidade nas feiras e, em segundo lugar, que os moinhos vendam sua farinha de
cevada ao preço correspondente à cevada em grão e, em terceiro lugar, que os padeiros
vendam as fatias a preço correspondente ao trigo utilizado e que elas tenham o peso exato
que os comissários determinaram, de acordo com a lei. Foram escolhidos, por sorteio, dez
comissários de comércio para supervisionar o comércio e assegurar que dois terços do grão
importado sejam levados para a cidade”. ARISTÓTELES. Coleção os Pensadores. Tradução:
Therezinha Monteiro Deutsch Baby Abrão. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 298.
117
sistema de controle e de fiscalização. O Édito de Luis XI, de 1481, também
trouxe regra dessa categoria.
As Ordenações Filipinas, no Livro V, Título LVIII, previam que:
Toda pessoa que medir, ou pesar com medidas, ou pesos falsos, se a
falsidade, que nisso se fizer, valer um marco de prata, morra por
isso. E se for de valia de menor do dito marco, seja degradado para
sempre para o Brasil.
A lei francesa de de agosto de 1905 era destinada a zelar pela
saúde e a punir as desonestidades.
Devido à simplicidade das relações, a proteção revelava-se a altura
da defesa esperada. Entretanto, se existia uma proteção ao “consumidor”, o
bem jurídico tutelado era tão-só a necessidade individual, não havendo
ainda que se falar em influência do poder econômico
415
. Assim, não existia
correlação ontológica com a atual proteção aos consumidores.
Com essas breves anotações constata-se que a necessidade de um
novo sistema de proteção ao consumidor começou a surgiu após a Revolução
Industrial. Isso porque, a partir desse momento, a estrutura social e
econômica mudou drasticamente, com reflexos no relacionamento
consumidor/fornecedor
416
, bem como a natureza dos danos
417
. Esse período
415
Jean Baudrillard já alertava sobre o poderio das empresas e a forte influência que exerce
sobre a sociedade: “é a empresa de produção que controla os comportamentos de mercado,
dirigindo e configurando as atitudes sociais e as necessidades. Eis pelo menos
tendencialmente a ditadura total da ordem de produção”. BAUDRILLARD, Jean. A
sociedade de consumo, p. 71.
416
Marisa Teixeira de Almeida, citando Guido Alpa aduz que na “sociedade pré-industrial a
produção era manufatureira ou artesanal. A comunicação entre o fornecedor e o comprador
era feita pessoalmente, circunscrita à fase de aquisição, referindo-se a detalhes do produto.
O fornecedor tinha uma reputação no mercado e suas informações eram uma garantia de
qualidade dos bens ofertados. [...] A partir da revolução industrial (...) os bens passaram a
ser produzidos não mais para atender às necessidades dos particulares, mas destinados a
consumidores indeterminados.” ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade
enganosa e o controle estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 12/13.
417
A Revolução Industrial veio acompanhada pela aparição de novos danos, causados pelas
condições defeituosas dos produtos, que, devido à produção em série, podem configurar
verdadeiras catástrofes, conforme observação de Silvio Luís Ferreira Rocha. Apud
HENRIQUES, Isabella Vieira Machado. Publicidade Abusiva dirigida à criança. São Paulo:
Juruá, 2006, p. 81.
118
foi considerado o embrião da sociedade de consumo
418
e de massa
419
, da
produção em série, do capitalismo
420
e do neoliberalismo
421
.
A propósito, Rizzatto Nunes caracteriza a sociedade de massa como
aquela em que “a produção é planejada unilateralmente pelo fabricante no
seu gabinete, isto é, o produtor pensa e decide fazer uma larga oferta de
produtos e serviços para serem adquiridos pelo maior número possível de
pessoas”
422
, provocando a diminuição do custo final de cada unidade e a
conseqüente submissão do consumidor
423
.
418
“A sociedade de consumo se caracteriza pelo rápido crescimento das despesas
individuais e pela intensificação das despesas assumidas por terceiros (sobretudo pela
administração) em benefício dos particulares, procurando algumas delas reduzir a
desigualdade da distribuição dos recursos”. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de
consumo, p. 27. Como bem enfatizou Baudrillard, na sociedade de consumo produzem-se
relações como se produzem objetos, assim, a relação torna-se objeto de consumo: “A
sociedade de consumo surge ao mesmo tempo como sociedade de produção de bens e de
produção acelerada de relações. O último aspecto é que a caracteriza. A produção de
relações [...] tende no entanto a alinhar progressivamente pelo modo de produção dos bens
materiais, quer dizer, pelo modo industrial generalizado. Torna-se, então, segundo a mesma
lógica, o facto, se é que não o monopólio, de empresas especializadas (privadas ou
nacionais), de que constitui a razão social e comercial”. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade
de consumo, p. 182-183.
419
Herbert Blumer identifica a massa: a) seus membros podem vir de qualquer profissão e
de todas as camadas sociais; b) é um grupo composto de indivíduos anônimos; c) existe
pouca interação ou troca de experiência entre os membros da massa; d) é frouxamente
organizada e não é capaz de agir de comum acordo e com a unidade que caracteriza a
multidão. SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. São Paulo: Thomson
Learning Edições, 2006, p. 3.
420
“A sociedade capitalista não se caracteriza apenas pela expropriação dos meios de
produção dos bens necessários à subsistência dos trabalhadores, mas também pela
expropriação dos meios de produção cultural. A industrialização da cultura significa uma
ruptura com a dimensão artesanal da produção cultural: a produção cultural passa a
depender [...] de técnicas de reprodução. A relação artista/público não é mais uma relação
direta, ela é mediada pela tecnologia”. COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é
possível escapar? p. 15-16, 25.
421
“O neoliberalismo nega a possibilidade de uma outra realidade social porque nega a
alteridade de modo geral: lugar para a afirmação do princípio econômico da busca do
lucro e para a identificação com as empresas. Na sociedade capitalista de consumo, as
empresas assumem a função (maternal) de cuidar das necessidades de seus membros
(consumidores). O neoliberalismo esvazia a noção política de cidadania: a responsabilidade
do indivíduo pelos destinos da sociedade em que vive [...] Cada vez mais as empresas
ampliam o seu ‘cuidado maternal’ com as necessidades dos membros da sociedade,
dedicando-se a equipar escolas, a oferecer espetáculos artísticos...”. COELHO, Cláudio
Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar, p. 15-16.
422
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor, p. 4.
423
“A situação do consumidor é a de submissão ao poder dos fornecedores, uma vez que sua
escolha de bens de consumo não poderá exceder aquilo que é oferecido no mercado”.
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo, p. 105.
119
Essa lógica de mercado cria diversas formas de desequilíbrio
424
nas
relações de consumo, além da concentração de grandes capitais em
empresas industriais, bancárias, de seguros, de distribuição de produtos e
meios de comunicação
425
.
De fato, o surgimento dos grandes pólos econômicos, dirigidos por
executivos e tecnocratas, interessados unicamente nos lucros empresariais,
acabou por distanciar o fornecedor do consumidor, inclusive fisicamente,
facilitando a adotação de práticas que desrespeitam o direito do
consumidor
426
.
Para Ghinther Spode, o convencimento para a aquisição de um
produto, que antes se dava ao do balcão do estabelecimento fornecedor,
foi substituído por mecanismos mais sofisticados, todos, invariavelmente,
ligados à publicidade. Com as novas práticas, “as relações, que eram
impessoais, se transformaram agora em virtuais, isolando ainda mais os
424
“O incremento da vida contratual, a massificação dos contratos, que passaram a ser pré-
elaborados unilateralmente pelas empresas e pelo Estado, a concentração de capitais e de
força econômica, os monopólios e o crescimento dos serviços na nova sociedade de
consumo, levaram a um desequilíbrio marcante nas relações contratuais entre
consumidores e fornecedores, exigindo uma ação protetora do Estado para com os parceiros
contratuais mais fracos e vulneráveis”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de
Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 589-590.
425
Citando Matuk, Suzana Federighi afirma que “a comunicação de massa, eletrônica,
possui um delicado traço hierárquico, estabelecendo uma relação ‘desigual e autoritária
entre o emissor e o receptor’”. FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva
Incitação à Violência, p. 3. Ademais, “o controle dos meios de comunicação em massa por
grandes grupos econômicos significa que estes grupos possuem o poder de determinar as
características da produção cultural; serão divulgados produtos avaliados como capazes
de gerar lucro”, sendo que “a apropriação pela indústria cultural dos meios de produção e
dos meios de divulgação da cultura retira da maioria da população a condução de produtora
cultural, transformando-a em consumidora; ao mesmo tempo em que faz com que os
artistas mantenham uma relação de dependência frente aos proprietários dos meios de
produção e de divulgação da cultura”. COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é
possível escapar? p. 26.
426
“A filosofia de assistência ao consumidor tem seu campo de ação extremamente reduzido
no marketing brasileiro. Parece-nos que os comerciantes brasileiros não estão interessados
na sorte do consumidor. Mesmo após a consolidação do Código de Defesa do Consumidor, é
raro encontrar uma consumidora que não se tenha aborrecido em alguma transação
comercial [..] Algumas lojas ou serviços possuem o serviço de reclamação, contudo
inoperantes, que nunca tem autoridade para resolver os problemas. os resolve o
gerente ou superior, que nem sempre está disponível [...] Não existe uma frase mais
hipócrita do que ‘sua ligação é muito importante para nós’. Se fosse, ninguém teria que
ouvi-la mais de 20 vezes, aguardando ao telefone”. BLESSA, Regina. Merchandising no
ponto-de-venda, p. 71-72.
120
fornecedores dos consumidores”
427
. Esse sistema pressupõe a
homogeneização dos produtos e serviços e a estandartização das relações
jurídicas, que são necessárias para a transação desses bens.
A partir da Segunda Guerra Mundial, o projeto de produção
capitalista cresceu muito rápido. Com o advento da tecnologia de ponta, dos
sistemas de automação, da robótica, da telefonia por satélite, das transações
eletrônicas e da computação, a velocidade tomou um grau jamais imaginado
até meados do século XX. A partir de 1989, com a queda dos regimes não
capitalistas, o modelo de globalização, que se havia iniciado, praticamente
completou o seu ciclo, atingindo quase todo o globo terrestre
428
.
Na cultura de massa, vale lembrar, os consumidores não são os
monarcas do mercado, mas sim seus escravos. Assim, ante a posição de
inferioridade e sujeição do consumidor ao poder econômico do fornecedor e
da insuficiência dos esquemas/mecanismos tradicionais do direito material e
processual, passou-se a buscar o equilíbrio entre as partes envolvidas. Os
códigos, até então, se estruturaram para garantir a paridade, a igualdade
entre as partes, de cunho abstrato e em demandas individuais.
A teoria do laissez-faire, laissez-passer parece não ter dado conta
do prometido status quo da ideologia capitalista, no sentido de que o
mercado, por si só, diminuiria as injustiças sociais. Com o passar do tempo
somente aumentaram as desigualdades sociais e resolução das injustiças
não pôde mais ser deixada nas mãos dos particulares, pois estes tendiam a
explorar mais e mais a parte vulnerável das relações econômicas: o
consumidor. Para restabelecer o equilibrio o Estado teve de intervir, com a
edição de legislação específica para regular as relações e situações jurídicas
de consumo
429
.
427
SPODE, Guinther. O controle da publicidade à luz do Código de Defesa do
Consumidor, p. 179.
428
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor, p. 3, 68.
429
Nesse sentido o entendimento de Roberto Senise Lisboa, segundo o qual as modificações
socioeconômicas proporcionadas pela massificação e pelo avanço tecnológico acarretaram a
necessidade de uma maior intervenção do Poder Público sobre as relações privadas
(publicização do privado). Responsabilidade civil nas relações do consumo. 2. ed. revista
e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 19.
121
Houve, por conseguinte, a transformação do Estado liberal para o
Estado social. O primeiro se caracterizou, juridicamente, pelas grandes
codificações (a partir do Código de Napoleão de 1804, passando pelo BGB
alemão), nas quais a tutela era dirigia ao indivíduo abstratamente
considerado, valorizando-se ao extremo a autonomia da vontade, a liberdade
de contratar e fixar cláusulas, o pacta sunt servanda). Para o segundo vale a
tutela de valores sociais, com a adoção do dirigismo contratual
430
.
A legislação específica para a defesa do consumidor foi instituída
inicialmente no plano penal. O objetivo era punir fraudes e falsificações de
mercadorias, destinadas principalmente à alimentação, bem como crimes
contra a organização do comércio e contra a publicidade enganosa.
Conforme relata Alexandre Volpi, a sociedade-americana, em
relação às questões envolvendo alimentos e remédio, começou a se organizar
em defesa de seus direitos
431
.
Nesse período as associações tiveram importante papel nas
conquistas dos direitos dos consumidores.
A figura do Ombudsman foi criada nos países escandinavos
(primeiramente na Suécia em 1809). No início, exercia apenas o controle da
Administração Pública, mas as funções foram paulatinamente ampliadas
para atender interesses difusos, nas questões relacionanadas a consumo,
liberdade econômica, imprensa e saúde pública.
Contudo, as medidas eram esparsas e houve necessidade de
ordenação sistemática da matéria relativamente a princípios, conceitos e
regras especiais que pudessem fazer frente à defesa eficaz e adequada dos
interesses do consumidor, tanto para sancionar as ações danosas, como
também de prevenir as ações turbadoras.
430
Como bem afirma Chardin: “[...] passamos de um momento em que presumíamos
‘racional’ qualquer vontade manifestada pelo consumidor, ao momento atual onde ou
exigimos, através de técnicas legislativas dirigidas de intervenção jurídica, que o consumidor
mantenha sua razão e autonomia de decisão (autonomia de vontade criada) ou educamos o
consumidor para decidir de forma racional e informada (autonomia de vontade educada)”.
Apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 593.
431
VOLPI, Alexandre. A História do Consumo do Brasil Do mercantilismo à era do foco
no cliente, p. 95 e ss.
122
O Brasil, nesse aspecto, também ficou atrasado em relação a
outros países. Segundo Alexandre Volpi:
Enquanto os brasileiros comemoravam a Proclamação da República,
mas se rendiam ao poderio das oligarquias, surgia a primeira
associação americana de consumidores. Em 1891, nasceu a New
York Comsumers´ League (Liga dos Consumidores de Nova York),
liderada por uma mulher, Josephine Lowell. A entidade reunia
advogados que tinham o objetivo de melhorar as condições dos
trabalhadores americanos.
A liga ganhou notoriedade e adesões de advogados de Boston,
Chicago e Filadélfia. Como continuidade do trabalho de Josephine,
em 1899, surgiu a National Consumers League (Liga Nacional dos
Consumidores), também pelas mãos de uma mulher, Florence Kelley.
Com grande representatividade, a associação divulgava uma ‘lista
branca’, que relacionava empresas dignas de prestígio geralmente
as que respeitavam o meio ambiente e não empregavam mão-de-obra
infantil nas fábricas de algodão. As indústrias têxteis socialmente
responsáveis recebiam um selo que, afixado em seus produtos,
ganhavam a confiança de parte dos consumidores americanos
432
.
Somente após o crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, é que a
onda de proteção ganhou corpo, devido à percepção do valor relativo dos
produtos e serviços.
O New Deal - um plano idealizado pelo governo do Presidente
Roosevelt para a recuperação da economia norte-americana depois da
Grande Depressão de 1929 - teve papel importante no movimento de defesa
do consumidor, pois a partir de então o Estado passou a intervir para
corrigir as distorções provocadas pelo sistema capitalista.
Foi na década de 1950, com o lançamento do livro The Hidden
Persuaders (em 1957), de Vance Packard, que o movimento dos cidadãos
contra a manipulação da mídia tomou corpo
433
. Na citada obra, Packard
expôs as técnicas desleais das agências publicitárias e desmascarou as
pesquisas de mercado
434
.
A luta pelos direitos dos consumidores tomou proporções mundiais
em virtude da veiculação de publicidade de um medicamento, a talidomida.
432
VOLPI, Alexandre. A História do Consumo do Brasil Do mercantilismo à era do foco
no cliente, p. 55-56.
433
“A partir de agora, os media não se nos dirigem para nos transmitir informações
objectivas, mas para conquistar o nosso espírito”. RAMONET, Ignácio. Propagandas
silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 22.
434
VOLPI, Alexandre. A História do Consumo do Brasil Do mercantilismo à era do foco
no cliente, p. 95.
123
Este medicamento, vendido a partir de 1957, era indicado para controlar a
ansiedade, a tensão e as náuseas, inclusive para combate aos sintomas de
enjôo em mulheres grávidas. No entanto, a ingestão do remédio por
mulheres grávidas tinha como conseqüência a má-formação ou a morte do
feto
435
.
No ano subseqüente à retirada da talidomida do mercado
americano, a Declaração dos Direitos do Consumidor representou o marco
de uma das maiores conquistas dos consumidores.
436
Kennedy proclamou
ainda a Lista de Direitos do Consumidor “Consumer Bill of Rights” com a
inclusão de quatro direitos básicos: segurança, informação, direito de
escolha e de ser ouvido
437
.
A Resolução n. 39/248, da Organização das Nações Unidas trouxe
normas importantes sobre a proteção do consumidor
438
, sendo reconhecido
expressamente “que os consumidores se deparam com desequilíbrios em
termos econômicos, níveis educacionais e poder aquisitivo”.
O consumerismo, termo utilizado para designar esse movimento de
defesa do consumidor, conforme visto, deu fôlego para a criação da IOCU
(International Organization of Consumers Unions), associação criada em
1960 com o objetivo de fortalecer as organizações. A IOCU passou a chamar-
435
VOLPI, Alexandre. A História do Consumo do Brasil Do mercantilismo à era do foco
no cliente, p. 95-96.
436
A Declaração dos Direitos do Consumidor, proclamada pelo Presidente John Kennedy,
em 15 de março de 1962 (marco do movimento legislativo em favor do consumidor), data em
que se comemora o “Dia Internacional do Consumidor”, inspirou a Resolução n. 39/248, da
Organização das Nações Unidas, aprovada em 09 de abril de1985 (política geral de proteção
ao consumidor).
437
O Presidente Kennedy, em seu famoso discurso ao Congresso Nacional, em 15 de março
de 1962 (Special Message to the Congress on Protecting the Consomer Interest), elencou,
entre os direitos do consumidor, “(2) O direito de ser informado de ser protegido contra
informação, publicidade, rotulagem ou outras práticas fraudulentas, falsas, ardilosas ou
grosseiramente enganosas, e de receber os fatos que necessita para fazer uma escolha
informada”. BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos. O controle jurídico da
publicidade, p. 29.
438
Conforme entendimento de João Batista de Almeida, “do simples fato de preocupar-se a
ONU com a defesa do consumidor resulta evidenciada a importância que ao assunto”.
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor, p. 72.
124
se CI (Consumers Internacional), contando, em 1995, com cerca de 200
associações de consumidores em mais de 90 países, inclusive no Brasil
439
.
Nos EUA, a agência governamental Federal Trade Comission (FTC)
é responsável pela regulamentação da publicidade em âmbito federal
440
.
No Brasil, a partir da Lei da Ação Civil Pública, entra em vigor um
poderoso instrumento de defesa dos interesses e direitos difusos. Todavia, a
sistematização somente surgiu com o Código de Defesa do Consumidor (Lei
n. 8.708, de 11 de setembro de 1990), notadamente na defesa dos direitos
difusos
441
.
O Código de Defesa do Consumidor representa um verdadeiro
divisor de águas para o ordenamento jurídico pátrio e para a cultura
jurídica
442
. O diploma legal consumerista é considerado avançado e modelo
quando se trata de garantir, de forma satisfatória, a defesa do consumidor.
Mais, a sua incorporação no ordenamento jurídico brasileiro, além de
estabelecer novas regras, provocou uma mudança de mentalidade
443
. Trata-
439
VOLPI, Alexandre. A História do Consumo do Brasil Do mercantilismo à era do foco
no cliente, p. 96-97.
440
“A FTC foi criada em 1914, principalmente para evitar práticas anticompetitivas – ou seja
-, com o objetivo de proteger as empresas, e não os consumidores. Em 1938, o Congresso
percebeu que a atuação da FTC deveria ser ampliada para oferecer mais assistência aos
consumidores e às empresas, especialmente na área de propaganda falsa ou enganosa. A
Wheeler-Lea Amendment (Emenda Wheeler-Lee), de 1938, atingiu esse objetivo ao mudar a
principal seção original do FTC Act de 1914 de “métodos injustos de concorrência” para
“métodos injustos de concorrência a atos ou práticas injustas ou enganosas no comércio”.
Essa mudança aparentemente insignificante aumentou muito os poderes reguladores da
FTC e garantiu-lhe poder legal para proteger os consumidores contra práticas comerciais
fraudulentas. A autoridade reguladora da FTC engloba três amplas áreas que afetam
diretamente os consumidores de marketing: propaganda enganosa, práticas injustas e
regulamentação de informações”. SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos
complementares da comunicação integrada de marketing, p. 69.
441
“O Código de Defesa do Consumidor, além de assegurar direitos individuais e subjetivos,
teve por objetivo precípuo buscar soluções para as lides coletivas”. NERY JÚNIOR, Nelson.
Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do Consumidor, p. 48.
442
Nas palavras de Rizzatto Nunes: “a edição do Código de Defesa do Consumidor
inaugurou um novo modelo jurídico dentro do Sistema Constitucional Brasileiro”. NUNES,
Rizzatto. Curso de direito do consumidor, p. 65. Principalmente em nosso sistema
jurídico, que, como bem observa Vera Maria Jacob de Fradera, “nos sistemas jurídicos
latinos, de um modo geral, todo o ordenamento jurídico resulta da lei e a ‘revolução jurídica’
faz-se por meio dela”. COSTA, Judith Martins. A “guerra do vestibular e a distinção
entre a publicidade enganosa e clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, n. 13 p. 230.
443
Nelson Nery aponta com propriedade esse novo paradigma: “O Código pretende criar a
necessidade de haver mudança de mentalidade de todos os envolvidos nas relações de
consumo, de sorte que não mais seja praticada a ‘Lei do Gerson’ no país, segundo a qual se
125
se de um microssistema
444
das relações de consumo, com normas de ordem
pública e interesse social (art. ) e de natureza principiológica
445
, que visa
fundamentalmente reequilibrar as relações e situações jurídicas de
consumo
446
, sendo elaborado por determinação constitucional (art. 48 do
ADCT).
deve tirar vantagem devida e indevida de tudo, em detrimento dos direitos de outrem. O
Código pretende desestimular o fornecedor do espírito de praticar condutas desleais ou
abusivas, e o consumidor de aproveitar-se do regime do Código para reclamar
infundadamente pretensos direitos e ele conferidos”. Os princípios gerais do Código
Brasileiros de Defesa do Consumidor, p. 47.
444
O Direito do Consumidor segue a tendência atual na adoção de microssistemas
reguladores de determinadas situações jurídicas, imunes às desconexas influências de
outros ramos do Direito que se situam à margem das relações por eles regradas. EFING,
Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo, p. 95. Conforme
entendimento de Rizzatto Nunes, o Código de Defesa do Consumidor tem “vida própria,
tendo sido criado como subsistema autônomo e vigente dentro do sistema constitucional
brasileiro”, sendo que “prevalece sobre os demais, exceto, claro, o próprio sistema da
Constituição”. NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor, p. 65.
445
Muito elucidadores são os comentários de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery ao art. do Código de Defesa do Consumidor: “O CDC é lei composta por normas
oriundas de vários ramos do direito tradicional: civil, comercial, econômico, administrativo,
penal, processual civil, processual penal etc. Tem natureza de microssistema, isto é, de lei
que procura regular, tanto quanto possível, completamente a matéria de que se ocupa.
Havendo lacuna no microssistema, deve ser preenchida com os mecanismos próprios, desde
que a aplicação de norma subsidiária seja compatível com o microssistema. Assim, não se
poderia aplicar, por exemplo, norma subsidiária de lei especial, que trate de
responsabilidade subjetiva, quando o CDC tem como princípio fundamental a
responsabilidade objetiva”. E mais: “O microssistema do CDC é lei de natureza
principiológica. Não é nem lei geral nem lei especial. Estabelece os fundamentos sobre os
quais se erige a relação jurídica de consumo, de modo que toda e qualquer relação de
consumo deve submeter-se à principiologia do CDC. Conseqüentemente, as leis especiais
setorizadas (v.g. seguros, bancos, calçados, transportes, serviços, automóveis, alimentos
etc.) devem disciplinar suas respectivas matérias em consonância e em obediência aos
princípios fundamentais do CDC. [...] Como o CDC não é lei geral, havendo conflito aparente
entre suas normas e a de alguma lei especial, não se aplica o princípio da especialidade (lex
specialis derogat generalis): prevalece a regra principiológica do CDC sobre a lei especial que
o desrespeitou. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil
Anotado e Legislação Extravagante. 2 ed. rev. e ampl., atualizado até 02.05.2003. São
Paulo: Revista dos Tribunais, p. 906. Nesse sentido Rizzatto Nunes, para quem a lei
principiológica é aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo “um corte horizontal,
indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada
como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica
infraconstitucional”. Rizzatto Nunes defende a idéia de que a lei consumerista torna
explícitos, os comando constitucionais, destacando-se os Princípios Fundamentais da
República, e, à frente de todos, “o superprincípio da dignidade da pessoa Humana (CF, art.
, III), como especial luz a imantar todos os demais princípios e normas constitucionais e
apresentando-se a estes como limite intransponível”. NUNES, Rizzatto. Curso de direito do
consumidor, p. 66.
446
Nesse sentido, o entendimento de Cláudia Lima Marques: “o Código de Defesa do
Consumidor tem como fim justamente reequilibrar as relações de consumo, harmonizando e
dando maior transparência às relações contratuais no mercado brasileiro (art. do CDC)”.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime
126
Muitos são os críticos do Código de Defesa do Consumidor, em
todas as áreas, inclusive no âmbito do próprio Poder Judiciário. No entanto,
como bem enfatiza Nelson Nery Junior:
O Código não veio para punir o empresário, mas para dotar o
consumidor de maior poder de negociação quando da patologia da
relação de consumo, [...] a defesa do consumidor é instrumento da
livre iniciativa e existe em países de economia de mercado. As
economias estatizadas não se coadunam com defesa do
consumidor
447
.
Pois bem, ao se aplicar o Código de Defesa do Consumidor deve-se
ter em mente a realidade das relações que se travam na sociedade pós-
Revolução Industrial
448
.
Nesse quadro de mudanças é importante frisar, por outro lado, a
importância do Código Civil de 2002
449
, com suas normas poderosas na
das relações contratuais, p. 590. Não discrepa desse entendimento o de Isabella Henriques:
“O objetivo primordial do Código de Defesa do Consumidor é regulamentar as relações de
consumo por meio da criação de mecanismos que permitam restaurar o equilíbrio e a
igualdade real de forças entre os sujeitos que delas participam, sempre com base na boa-fé,
conforme diz o art. , inc. III, do Código que regula esse microssistema”. HENRIQUES,
Isabella Vieira Machado. Publicidade Abusiva dirigida à criança, p. 55.
447
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor, p. 46, 47.
448
Para interpretar adequadamente o CDC, é preciso ter em mente que as relações
jurídicas estabelecidas são atreladas ao sistema de produção massificado, o que faz com que
se deva privilegiar o coletivo e o difuso, bem como que se leve em consideração que as
relações jurídicas são fixadas de antemão e unilateralmente por uma das partes – o
fornecedor –, vinculando de uma vez milhares de consumidores. um claro
rompimento com o direito privado tradicional”. NUNES, Rizzatto. Curso de direito do
consumidor, p. 69.
449
Rosa Nery faz interessante análise sobre a evolução do Código Civil de 1916 para o de
2002. Segundo a autora: “Os valores que são considerados essenciais para se atingir a
atualização normativa, compatíveis com os anseios da sociedade contemporânea são: a
eticidade, a socialidade, a operabilidade (art. III e IV; I a IV; caput e incisos; 110 e
parágrafos; 127 e parágrafos; 170 e incisos e parágrafos; 183; 184; 184; 193; 196; 205; 220;
225; 227; 230 da Constituição Federal). Em relação à eticidade, o Código Civil de 1916 foi
elaborado com base em técnica hoje superada, porque não se mostrava eficiente para tornar
a experiência jurídica permeada por todos os valores éticos necessários à realização do bem
comum; o Código Civil de 2002 tem forte inspiração ética e abre espaço para valores como
probidade, boa-fé, correção. Em relação à socialidade, o Código Civil de 1916 foi elaborado
com base em acentuada preocupação de manter os interesses individuais, sem atenção
completa para os aspectos sociais da experiência do homem em sociedade; o Código Civil de
2002 celebra a necessidade de a aplicação da norma de direito privado pelo juiz dever se dar
num ambiente que favoreça os interesses sociais. No que diz respeito à operabilidade, o
Código Civil passado continha soluções normativas e institutos jurídicos de interpretação
duvidosa e de aplicação difícil, que não atingiam sua finalidade; o Código Civil de 2002
permite solução eficaz para problemas que surgem, encontrando soluções para eles e
127
defesa do hipossuficiente
450
. Vale dizer ainda que ambos os códigos
convivem harmonicamente para a ampla defesa do consumidor,
prevalecendo sempre, por meio do diálogo das fontes
451
, no caso de conflito,
o Código de Defesa do Consumidor, ou seja, as normas específicas da defesa
do consumidor
452
.
Nesse passo, é de se observar que o “interesse” aqui analisado não
tem relação com o tradicional conceito de “interesse público”, consoante o
que aduz Suzana Maria Federighi:
Enquanto o interesse público conforma aqueles deveres do Estado,
obrigatório nas políticas públicas, o interesse difuso importa num
posicionamento da sociedade civil em função de suas próprias
ambigüidades, em questões que podem até mos alienar a função do
Estado [grifos no original]
453
.
No tocante à publicidade
454
, o Código de Defesa do Consumidor
trata da questão em diversos artigos
455
, mas não de forma isolada, pois veio
também a sistematizar a matéria e a dar efetiva proteção ao consumidor
456
.
viabilizando os objetivos fundamentais da República”. NERY, Rosa Maria de Andrade.
Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do Direito privado, p. 59-61.
450
“O Código Civil de 2002 revela essa tendência ao atenuar o direito privado, que deixa de
ser puramente individualista para considerar que em certas relações jurídicas as partes não
estão em de igualdade, criando mecanismos de proteção aos direitos destas”. NUNES,
Rizzatto. Curso de direito do consumidor, p. 69.
451
Judith Martins Costa apontou a relação entre os dois Códigos antes do advento do
Código Civil de 2002, entretanto, a argumento continua válido: “O sistema do Código Civil e
o microssistema do Código de Defesa do Consumidor não são, portanto, completamente
autônomos: guardam, cada um, as suas especificidades, vinculando-se, porém, através da
‘ponte’ dos princípios constitucionais e dos princípios gerais do ordenamento”. COSTA,
Judith Martins. Crise e Modificação da Idéia de Contrato no Direito Brasileiro. Revista
de Direito do Consumidor. n. 3/125. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 145.
452
Assim, não que se falar em redução do prazo prescricional pelo advendo do Código
Civil de 2002, que continua a tratar das relações civis e o Código de Defesa do Consumidor
das relações de consumo.
453
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva – Incitação à Violência, p. 57.
454
“O CDC não regulou a propaganda (publicity), mas apenas a publicidade (advertising,
Werbung, publicité). Aquela seria a veiculação de idéias de conteúdo político, religioso, ético
ou moral; esta, a veiculação com sentido comercial, com o objetivo de convencer o
destinatário a adquirir o produto ou a utilizar-se do serviço”. NERY JÚNIOR, Nelson. Os
princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do Consumidor, p. 66.
455
Podemos mencionar os artigos , IV; 8; 9; 10; 31; 36; 37; 52 do Código de Defesa do
Consumidor que tratam da publicidade.
456
“A publicidade do Brasil não tinha previsão em lei, de sorte que não era regulamentada,
até que surgiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regulando-a e sistematizando-a do
ponto de vista jurídico”. NERY JÚNIOR, Nelson. O regime da publicidade enganosa no
128
Trata-se de matéria inserida no campo dos interesses ou direitos difusos,
ante sua incontestável natureza transindividual, indivisível; seus titulares
são pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81,
parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor).
A publicidade está inserida em boa parte do Capítulo V (Título I,
Seção III) do Código de Defesa do Consumidor, relativamente às práticas
comerciais
457
. Referido Capítulo divide-se em seis Seções que tratam da
oferta, publicidade, práticas abusivas, cobrança de dívidas e banco de dados
e cadastros de consumidores.
A publicidade é uma forma de veiculação da oferta e por isso se
insere no âmbito das práticas comerciais, submetendo-se a idêntico regime
jurídico.
Na lição de Cláudia Lima Marques:
O Código de Defesa do Consumidor menciona a publicidade como
atividade juridicamente relevante em três momentos: 1) quando
suficientemente precisa, integra a oferta contratual (art. 30), o futuro
contrato (arts. 18 e 20), vincula-o como proposta (arts. 30 e 35); 2)
quando abusiva ou enganosa, é proibida e sancionada (art. 37); 3)
nos demais casos, como prática comercial deve ser correta nas
informações que presta (arts. 36, parágrafo único e 38), identificável
enquanto publicidade (art. 36, caput) e, sobretudo, leal (art. 6º,
IV)
458
.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.15/210.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 210. “O Código de Defesa do Consumidor supriu
a lacuna existente em nossa legislação, através da instituição de normas de ordem pública
que têm por objetivo a proteção dos consumidores. Não proíbe a publicidade, visto ser ela,
ineliminável da sociedade de consumo, mas torna-a fonte de obrigações (art. 30), impõe
deveres ao fornecedor que dela se vale (arts. 36 e 38) e proíbe a publicidade enganosa e
abusiva.” ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 18.
457
As práticas comerciais são “os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas
utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e
garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final”. BENJAMIN,
Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
comentado pelos Autores do Anteprojeto, p. 242.
458
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 616-617.
129
Para Adalberto Pasqualotto, a publicidade é caracterizada como
contrato social
459
e para Valéria Falcão Chaise como negócio jurídico
unilateral
460
.
Koendgen, por seu turno, explica que a publicidade tem uma dupla
função: é a promessa negocial de qualidade do produto ou do serviço
(geschäftliches Qualitätsverprechen), mas é também “incitação” ao contrato
(Verleitung zum Vertrage)
461
.
3.5.2.1 Distinção entre oferta (arts. 31, 32, 33 e 35), informação (arts. 30 e
31), publicidade (arts. 30, 35, 36 e 37) e apresentação (arts. 31 e 35)
A publicidade, a informação e a apresentação são espécies do
gênero oferta e, vale dizer, vinculam o fornecedor.
O art. 30 ampliou a noção de oferta, modificou a idéia de invitatio
ad offerendum e generalizou como proposta contratual quase todas as
manifestações oriundas do fornecedor.
A proposta ao público em geral é denominada oferta. A oferta ou
proposta é a declaração inicial de vontade direcionada à realização de um
contrato; é o elemento inicial do contrato.
Do Código de Defesa do Consumidor extrai-se que oferta é toda e
qualquer manifestação do fornecedor que objetiva promover o respectivo
produto ou serviço e caracteriza um negócio jurídico, mesmo que seja
“gratuita”
462
.
Para Cláudia Lima Marques: “A nova noção de oferta instituída
pelo CDC nada mais é, portanto, que um instrumento para assegurar uma
459
PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de
Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Triunais, 1997, p. 182-183.
460
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor,
p. 98.
461
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 636.
462
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 599.
130
maior lealdade, uma maior veracidade das informações fornecidas ao
consumidor”
463
.
Apresentação é o ato pelo qual o fornecedor presta aos
consumidores as informações fundamentais sobre o produto ou serviço. Na
relação de consumo, a informação relativa ao produto ou serviço é
considerada item imprescindível.
A publicidade - espécie do gênero oferta - é uma manifestação do
fornecedor veiculada por meio de comunicação de massa. O principal
objetivo da publicidade é levar ao conhecimento do consumidor a existência
do produto ou do serviço e convencê-lo a adquiri-lo.
Antonio Herman Benjamin ensina que oferta é sinônimo de
marketing, significando todos os métodos, técnicas e instrumentos que
aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados no mercado.
Qualquer uma dessas técnicas, desde que “suficientemente precisa”, pode
transformar-se em veículo eficiente de oferta vinculante. O autor arremata
dizendo que “a oferta, nesse sentido moderno, abrange não apenas as
técnicas de indução pessoal, como ainda outras mais coletivas e difusas,
entre as quais estão as promoções de vendas e a própria publicidade”
464
.
Desse entendimento não discrepa Antônio Carlos Efing quando afirmar que
o termo “oferta” utilizado no Código de Defesa do Consumidor é sinônimo de
marketing, vale frisar, todos os métodos, técnicas e instrumentos que
aproximam o consumidor dos produtos e serviços
465
.
Fernando Santos Gherardini acrescenta:
A oferta não é, precisamente, o gênero do qual são espécies a
apresentação e a publicidade [...], mas sim uma qualidade jurídica, a
qual adere a qualquer prática de marketing que contenha
informações suficientemente precisas, tornando-a, ipso facto,
jurídica. [...] A apresentação e a publicidade somente podem gerar as
conseqüências ali previstas [do art. 35.] quando qualificadas
juridicamente como oferta, ou seja, quando carregarem informações
463
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 605.
464
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto, p. 255-256.
465
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo, p. 184.
131
suficientemente precisas, capazes de uma aferição objetiva por parte
do consumidor
466
.
O autor propõe as características da apresentação (qualificada
como oferta) exigidas pelos arts. 31 e , III, ambos do Código de Defesa do
Consumidor: correção, clareza, precisão, vernaculidade
467
,. Essas
características referem-se aos elementos do produto. Mais adiante comenta
que as informações enumeradas no art. 31 não se aplicam à mensagem
publicitária
468
.
Não importando se oferta ou publicidade, ambas as hipóteses
abrangem toda a coletividade e constituem declaração unilateral de vontade
que visa à realização de um negócio jurídico.
A informação, por sua vez, não pode existir de forma isolada.
Caracteriza-se por ser o conteúdo da apresentação e da publicidade, bem
como das outras espécies de marketing. A mera informação “não tem
interesse em ampliar o mercado de consumo, ao contrário da mensagem
publicitária que tem a dupla função de informar e incitar ao consumo”. Por
outro lado “a informação publicitária traz sempre em seu bojo o caráter
persuasivo, o que não ocorre com a mera informação”
469
.
Na lição de Antonio Herman Benjamin, informação é todo tipo de
manifestação do fornecedor (exceto o anúncio) que sirva para induzir o
consentimento, vale dizer, a decisão do consumidor
470
.
Para Cláudia Lima Marques, “toda informação, mesmo a
publicidade, suficientemente precisa constitui uma oferta (uma proposta
contratual), vinculando o fornecedor”
471
.
466
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 136-137.
467
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 172.
468
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 220.
469
FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista
de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 114.
470
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto, p. 258.
471
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 603.
132
3.5.2.2 Sujeitos da mensagem publicitária e objetos
São três os sujeitos da mensagem publicitária, todos relacionados
ao fornecedor:
a) o anunciante: é o fornecedor do produto ou serviço (art. ),
podendo ser pessoa física ou jurídica ou até ente despersonalizado;
b) o agente publicitário: é o profissional que cria e produz a
mensagem publicitária;
c) o veículo: é o meio de comunicação de massa
472
por meio do qual
as mensagens publicitárias são veiculadas, divulgadas e difundidas,
fazendo-as chegar até o consumidor.
O destinatário da publicidade é o público que representa um
número indedeterminável de pessoas.
O Código de Defesa do Consumidor deu tratamento diferenciado no
que concerne ao conceito de consumidor quando referir-se a práticas
comerciais e, em conseqüência, à publicidade.
Com efeito, dispõe o art. 29 do Código de Defesa do Consumidor
que “para os fins desde Capítulo [das práticas comerciais] e do seguinte [da
proteção contratual], equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Portanto,
ocorrendo a veiculação da publicidade a situação jurídica
473
de
consumo regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor.
Como bem enfatiza Rizzatto Nunes:
Uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a coletividade de
pessoas está exposta a ela, ainda que em nenhum momento se
possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se
472
“A comunicação de massa é uma forma peculiar de comunicação mediante a qual o
emissor dirige-se, de maneira simultânea, a um grande número de receptores, utilizando os
chamados ‘mass media’ como suportes físicos de transmissão, cuja característica
fundamental é a sua capacidade para transmitir uma mensagem, a partir de uma minoria
organizada, a um vasto público, heterogêneo, anônimo e geograficamente disperso”.
GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação Persuasiva, p. 43.
473
Na situação jurídica não o acordo bilateral dos contratantes, manifestado por
declaração de vontade.
133
contra tal prática. O consumidor protegido pela norma do art. 29 é
uma potencialidade. Nem sequer precisa existir
474
.
É por meio desse conceito de consumidor equiparado, que as
pessoas expostas à publicidade são abarcadas pelo sistema do Código de
Defesa do Consumidor, tenham ou não adquirido produtos ou serviços.
Por conseguinte, no que se refere às práticas comerciais,
publicidade, proteção contratual, serviços de radiodifusão e TV a cabo, todo
aquele que estiver exposto a essas atividades é igualmente consumidor (e
não somente o consumidor efetivo ou potencial, mas toda a coletividade),
sendo atingidas pessoas indetermináveis, independentemente de haver ou
não adquirido o produto, utilizado ou não o serviço. Nessa hipótese é
irrelevante o elemento teleológico do conceito padrão de consumidor
(destinatário final) contido no art. , caput, do Código de Defesa do
Consumidor
475
.
Cláudia Lima Marques, sobre o tema, comenta:
A jurisprudência brasileira foi exemplar ao estabelecer que a
publicidade abusiva e enganosa atinge a todos, mesmo aqueles
excluídos do consumo, àqueles aos quais a publicidade não se dirige,
pois não possuem as condições para consumir, mas que através das
televisões, placares e outdoors deste imenso país são atingidos,
expostos a estas práticas comerciais abusivas
476
O raciocínio da autora é de que na atividade publicitária o
consumidor “não é apenas aquele consumidor potencial, mas todos os
expostos, logo, toda a população, mesmo os excluídos do consumo, mas
atingidos pelas práticas, especialmente as práticas abusivas”
477
.
474
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor, p. 85.
475
Por isso discordamos do entendimento de Fabio Morosini segundo o qual “a relação
entre prestadores de serviços de radiodifusão e seus usuários como uma relação de
cidadania, mas não como uma relação de consumo. Faltam-lhe os requisitos
caracterizadores de uma relação de consumo, previstos nos arts. e do CDC.”
MOROSINI, Fabio. Visões acerca do novo direito da comunicação de massa. Revista de
Direito do Consumidor n. 50/182. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 205.
476
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 675.
477
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 683.
134
3.5.2.3 Teaser, Puffing, Briefing e Release
3.5.2.3.1 Teaser
O teaser tem origem no verbo to tease”, que significa “incitar”.
Manifesta-se no trailler ou avant première, mas sem qualquer identificação
do produto ou do serviço que se pretende anunciar
478
. Trata-se de uma
prática de marketing promocional.
O objetivo do teaser é despertar a expectativa ou a curiosidade do
consumidor e, conseqüentemente, preparar ou motivar o público alvo e o
mercado para a campanha publicitária que virá depois. Esse instrumento é
utilizado na fase pré-lançamento de produtos ou serviços. São peças
geralmente enigmáticas, sem a identificação imediata do anunciante. É um
pré-anuncio ou um “anúncio do anúncio”
479
.
Plínio Cabral define o teaser como “uma curiosa peça publicitária
[...] produzida de forma a provocar um certo suspense, a criar uma
atmosfera de interrogação”. Busca-se, assim, “dar maior impacto ao
anúncio, ou seja: assegurar um elevado índice de audiência para a
campanha publicitária”
480
.
O mencionado autor faz, porém, a seguinte advertência:
O teaser não divulga idéias, ideologias, empresas, marcas, produtos
ou serviços. Ele simplesmente chama a atenção do público para a
publicidade ou a propaganda que está por vir. Portanto, reafirmamos
que ele não é propaganda ou publicidade, nem fração de uma. Ao
lado destes institutos, o teaser deve ser encarado como uma espécie
de marketing, pois ele é a prática impessoal que visa atrair pessoas
para uma futura publicidade ou propaganda, razão pela qual sua
identificação fácil e imediata é dispensável
481
.
Para Gherardini o teaser:
478
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor, p. 180.
479
Nesse sentido: “Considera-se teaser o prenúncio da mensagem publicitária, quer dizer, é
o anúncio do anúncio, gerando no consumidor certa expectativa, a fim de que se torne mais
interessante o anúncio que virá em tempo futuro”. NERY JUNIOR, Nelson. O regime da
publicidade enganosa no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 211.
480
RDC 50/163.
481
RDC 50/164.
135
[...] não contém elementos sobre o produto ou serviço, mas sim
frases ou imagens que chamam a atenção do consumidor [...] o
teaser nada informa ou persuade, que não carrega em seu bojo
uma promoção de produtos ou serviços, e sim a promoção de outro
anúncio, e integra, juntamente com a publicidade posterior, um
composto publicitário
482
.
Mais, o teaser não está expressamente proibido pelo Código de
Defesa do Consumidor, podendo ser utilizado desde que não seja enganoso
ou abusivo. O CBAP também permite o emprego dessa técnica
483
.
3.5.2.3.2 Puffing
O puffing é o exagero publicitário
484
. Para ficar caracterizada a
mensagem como puffing (oferta metajurídica) é imprescindível a utilização de
expressões vagas e de caráter subjetivo, de impossível comprovação fática.
Quando existir o puffing, nesses moldes, não haverá vinculação, pois o
traz o requisito “suficientemente preciso” do art. 30 do Código de Defesa do
Consumidor.
Como bem enfatizado por Fernando Gherardini Santos: “os limites
do puffing, porém, são a coibição da publicidade abusiva e enganosa
485
. O
mesmo autor leciona que o puffing não é proibido pelo sistema e consiste no
exagero publicitário sobre as características de determinado produto ou
serviço e que não pode ser qualificado juridicamente como oferta, justo pelo
caráter subjetivo que possui
486
.
Ivan L. Preston descreve quatro espécies de puffing
487
:
482
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 230.
483
Artigo 9º, §2º.
484
Nesse sentido: “O puffing é o exagero, a publicidade espalhafatosa, cujo caráter subjetivo
ou jocoso não permite que seja objetivamente encarada como vinculante. É o anúncio em
que se diz ser o melhor produto do mercado, por exemplo”. NERY JÚNIOR, Nelson. O regime
da publicidade enganosa no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 211.
485
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 153.
486
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 210.
487
Apud SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica
do marketing empresarial, p. 211 e ss.
136
a) as opiniões subjetivas ou afirmações exageradas sobre
características do produto ou serviço, que utilizam expressões como “o
melhor”, “perfeito”;
b) mensagens que invocam deturpações de valores sócio-
psicológicos, prometendo algo que o produto não pode cumprir. Associa, de
forma figurada, o produto a benefícios irreais como liberdade, juventude,
prática de esportes radicais;
c) mensagens que utilizam certos nomes para caracterizar o
produto, os quais, se tomados em sua literalidade, revelar-se-iam falsos;
d) as maquetes (mock-ups), ou seja, a utilização de outros materiais
para a ilustração de produtos por meio da mídia visual.
Com efeito, não importa saber se o puffing é ou não falso, mas sim
se é enganoso. Assim, vale dizer, tudo aquilo que não for considerado pelo
Direito como enganoso para fins promocionais, será tomado por puffing e,
portanto, permitido
488
.
O sistema francês é mais rígido, pois o Bureau de Vérification de la
Publicité (BVP) recomenda que palavras vagas e facilmente contestáveis
sejam evitadas nas mensagens publicitárias, como “o primeiro”, “o melhor”,
“o único”
489
.
3.5.2.3.3 Briefing
Briefing é o resumo, o relatório do produto ou da instituição, não
importando se a publicidade se refere ao produto ou empresa. Deve conter
os elementos informativos necessários à campanha publicitária e às
expectativas e pretensões do fornecedor perante o mercado de consumidores.
Em regra é produzido pelo anunciante, já que é ele quem comunica
à agência as características do produto e o que deseja do mercado.
488
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 212.
489
AULOY, Jean-Calais e STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation, p. 141.
137
4.2.2.3.4 Release
Trata-se de um texto escrito e enviado à imprensa para a
divulgação de interesses determinados.
139
4 SOCIEDADE DE CONSUMO, CRIAÇÃO DE IDENTIDADES SOCIAIS
(“ESTILOS DE VIDA”) E DE NECESSIDADES, INDÚSTRIA CULTURAL E
SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
Alexandre Volpi faz interessante abordagem sobre a nova realidade
vivida na sociedade de consumo:
Mais senhor de si, o homem foi colocado a serviço da economia e da
produção. Passou a viver em função de um novo modelo de
associação que se equilibra no consumo, e não mais em Deus. Os
grupos sociais passam a ser delineados pelo poder de compra ou
pelos hábitos de consumo. E está o grande apelo de uma
atividade, ainda por nascer, cuja linguagem de comunicação lançaria
mão de estratégias de convencimento para evidenciar necessidades
que até então ‘estavam ocultas’: a publicidade.
O significado da felicidade foi subvertido. Na sociedade de consumo,
ser feliz deixou de representar um meio como se vai e passou a ser
percebido como um fim a que se chega. A felicidade, o bem-estar, o
conforto e o sucesso couberam dentro de objetos e projetos de
consumo. É feliz quem conquista mercadorias ou realiza seus
sonhos. Ou – o inverso tem de ser verdadeiro sente um vazio
existencial aquele que não tem esperança de alcançá-los.
No discurso, essa busca apresenta-se como democrática, na medida
em que é individual e possui vários níveis de satisfação. Seguindo a
lógica da teoria consumista, a felicidade de um indivíduo está em
encontrar sua maneira de ser em buscar ser quem ele realmente é,
por meio da auto-expressão em mercadorias e bens de consumo. A
sociedade de consumo não é um movimento que impõe padrões
globais de comportamentos. Antes se adapta à cultura local e utiliza
características étnicas ou regionais como símbolo de autenticidade e
diferenciação social. Por outro lado, atitudes de determinados nichos
ou minorias são oportunidades de mercado e poder ser exploradas
comercialmente sob a forma de música, culinária, turismo estico etc.
Seja pobre ou rico, mulher ou homem, hetero ou homossexual,
casado ou solteiro, jovem ou idoso, negro ou branco, todos são
consumidores em potencial e alvos de um convite comum, cujo apelo
é este: compre sempre, mesmo que seja por impulso, não se frustre,
seja um vencedor e viva com prazer.
Mas o que se pode comprar? A mercadoria deixou de ser
simplesmente um bem de consumo, mas um símbolo que remete a
um determinado estilo de vida e que inclui ou distingue socialmente
os indivíduos [...] Nesse jogo, a ostentação ganha maior importância
do que o próprio consumo, a exibição de um bem ou serviço
sobrepõe sua utilidade. uma força que leva o indivíduo a
preservar sua imagem. E a força é essa: as pessoas são reconhecidas
pelo que aparentam ser, e não por quem realmente são.
[...]
O padrão consumista das sociedades contemporâneas tende a
reduzir o sentido da vida à aquisição de bens e serviços. As pessoas
são ensinadas a acreditar que a vida se resume ao ato de consumir,
e o sucesso de um indivíduo está no acúmulo de mercadorias ou nas
experiências de consumo amealhados por ele ao longo dos anos.
140
Implícita ou explicitamente, tal ideologia está estampada nas
propagandas, nos filmes, nas novelas, nas ruas, nas festas, nos
clubes, nos locais de trabalho, nos discursos políticos, nas igrejas
etc. As crianças são alvos fáceis e prioritários dessa mensagem, e são
torpedeadas diariamente por impulsos consumistas. O público
infantil é esquadrinhado por sua forte influência na decisão de
compra
490
.
A propósito, bom lembrar aquele antigo reclame: “eu tenho, você
não tem”.
O marketing em geral e a publicidade em particular, assim como o
criador, gozam de ubiqüidade, utilizando-se da repetição e da
onipresença
491
. Como é cediço, diuturnamente as pessoas são
bombardeadas pelo marketing e publicidade das corporações (nunca é
demais lembrar as palavras de Aldous Huxley: sessenta e quatro mil
repetições fazem a verdade)
492
. É praticamente impossível fugir da
publicidade. Mesmo quando se deseja encontrar refúgio em lugares
distantes, não é incomum a pessoa se deparar com outdoors encobrindo as
paisagens proporcionadas pela natureza.
A publicidade está presente em todos os lugares, viola o direito de
privacidade, invade celulares
493
, se expressa até nas placas de trânsito
(Anexo J).
490
VOLPI, Alexandre. A História do Consumo do Brasil Do mercantilismo à era do foco
no cliente, p. 44, 91-93.
491
A publicidade é onipresente; está em todos os lugares: nos veículos de comunicação
social rádio, televisão, imprensa e cinema -, nas vias públicas (através de outdoors), nos
esportes, no teatro etc. Modernamente, aonde for o homem, encontrará ele a publicidade,
dela não podendo fugir ou esconder-se”. FONTE, p. 28.
492
“O metralhar publicitário é actualmente estimado, nos grandes países desenvolvidos, em
mais de 1500 impactos por pessoa e por dia, dos quais nem uma centena é distinguida de
forma consciente pelo público”. Por outro lado, “um jovem nova-iorquino de dezoito anos
deve ter visto cerca de 350 000 spots publicitários na televisão, desde o seu nascimento”.
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 36, 52.
493
Estava claro que o sistema do Código de Defesa do Consumidor não permitia tal prática.
Mas como nesse país reina o pensamento positivista, todas as regras devem vir expressas
nos mínimos detalhes, de nada valendo o sistema jurídico. Assim, se não existir uma lei,
regulamentada por um decreto, autorizada por uma portaria e explicitada por um anexo,
sempre vão existir interpretações esdrúxulas para afastar a incidência de um direito do
consumidor. Nesses termos, para acabar com a evidente prática ilegal e de enviar
publicidade para os celulares, que nos importunavam até nos horários sagrados reservados
ao descanso, houve necessidade da edição do anexo da Resolução 477 de 7 de agosto de
2007 que trata do regulamento do serviço móvel pessoal SMP, no qual se estabeleceu o
direito do usuário em não receber mensagens publicitárias da prestadora em sua estação
móvel, salvo autorização prévia (art. 6º, inciso XXIV). Câmara proíbe propaganda em ligação
paga pelo consumidor. Quanto à absurda publicidade nas ligações pagas, a Comissão de
141
Para a jornalista canadense Naomi Kleinm, as empresas exercem
grande poder sobre os consumidores. A publicidade representa um
importante componente da marca e também está presente em praticamente
todos os lugares, no meio urbano, musical, artístico, cinematográfico,
comunitário, editorial, esportivo e educacional. Na sua avaliação, “as marcas
estão a conduzir o cotidiano das pessoas, fazendo-as seres vendidos num
planeta dominado pelas corporações”
494
. Também transbordou as barreiras
nacionais, sendo fenômeno globalizado, assim como a economia.
Não dúvida que o ser humano precisa de supérfluos
495
, precisa
de sonhos e de desenvolver sua criatividade. Entretanto, a análise que ora se
faz é a criação de necessidades desnecessárias pela sociedade do consumo,
às vezes de um modo patológico e ilícito; a manipulação, os desperdícios que
seguem comprometendo a vida na Terra ante a degradação ambiental.
Para Mário Ernesto René Schweriner, é fato que “sem o acelerado
sistema de produção característico dessas últimas décadas, provavelmente
não existiriam muitas das assim chamadas necessidades do consumidor
moderno”
496
.
Dessa forma, mister questionar se o que é veiculado é de fato uma
necessidade dos consumidores ou algo forjado. Conforme acentuou Newton
De Lucca, a necessidade em termos de mercado de consumo deve ser vista
por outro ângulo. Na verdade, a necessidade está mais ligada aos interesses
Constituição e Justiça e de Cidadania o Projeto de Lei 6.423/2005, do Senado, que proíbe a
publicidade de bens e serviços por telefone enquanto o consumidor estiver esperando
atendimento na linha. A proibição vale para ligações que o consumidor tiver que pagar,
ou seja, não vale para serviços 0800. A proposta altera o Código de Defesa do Consumidor
(Lei 8.078/90). Quanto à telefonia fixa, nos mesmos moldes, pode ser efetuada, salvo
autorização expressa do consumidor.
494
Apud in GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo
anunciante deve fazer, p. 84-85.
495
““Oh, não discutam a “necessidade”! O mais pobre dos mendigos possui ainda algo de
supérfluo na mais miserável coisa. Reduzam a natureza às necessidades da natureza e o
homem ficará reduzido ao animal: a sua vida deixará de ter valor. Compreendes por acaso
que necessitamos de um pequeno excesso para existir?” (Shakespeare Rei Lear)” Apud
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 39.
496
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 144.
142
dos fornecedores traduzidos pelo maior lucro - do que propriamente com a
realidade psicobiológica ou social dos indivíduos
497
.
Marisa Teixeira de Almeida, a respeito, alerta:
Através da exploração dos arquétipos emocionais dos indivíduos no
texto publicitário, foi possível a criação de necessidades e o
direcionamento das opções de compra, permitindo uma produção
programável
498
.
O publicitário, auxiliado por psicólogos, psiquiatras, antropólogos e
sociólogos, aproveita essa condição da natureza humana para impingir-lhe
cada vez mais “desejos de consumo”. O anunciante afirma que não pode
controlar o comportamento dos consumidores (alusão à “ditadura do
consumidor”) e que sua função é tão-só informar.
Pois bem, a criação de falsas necessidades de fato incita o cidadão
a “consumir por consumir”. Newton De Lucca afirma, de modo enfático, que
mesmo para os “mais ardorosos defensores da ‘mística do mercado’ e mesmo
pelos fanáticos adeptos do capitalismo irresponsável que, num misto de
arrogância e de cinismo, chegam a falar em “ditadura do consumidor [...]”
499
.
De fato, a liberdade do consumidor é relativa, isto é, só pode
escolher o que é colocado no mercado pelo fornecedor; é “mero espectador no
espetáculo da produção”
500
.
Nesse sentido é a análise de Jean Baudrillar:
A liberdade e a soberania do consumidor não passam de
mistificação. A mística bem alimentada (e, antes de mais, pelos
economistas) da satisfação e da escolha individuais, ponto
culminante de uma civilização da ‘liberdade’, constitui a própria
497
De LUCCA, Newton. Direito do consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas,
p. 54.
498
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 35.
499
DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas,
p. 54
500
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor, p. 57. O autor ressalta que “é
impróprio falar que o consumidor age com ‘liberdade de escolha’. Isso porque, como ele não
tem acesso aos meios de produção, não é ele quem determina o qnem como algo será
produzido e levado ao mercado. As chamadas ‘escolhas’ do consumidor, por isso, estão
limitadas àquilo que é oferecido”, NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor,p. 28.
143
ideologia do sistema industrial, justificando a arbitrariedade e todos
os danos colectivos: lixo, poluição, desculturação
501
.
Bom exemplo é o “caso do walkman”. À época do lançamento do
produto pela Sony, foi realizada pesquisa na qual se concluiu pela
inviabilidade da sua comercialização. Os resultados obtidos apontavam que
as pessoas não estariam dispostas a andar nas ruas com um acessório
pendurado nas orelhas. Entretanto, com a campanha adequada, conseguiu-
se mudar o comportamento dos consumidores e o resultado pode ser
percebido até os dias atuais: um número incalculável de pessoas ouvindo
música na rua com o fone de ouvido.
De outra banda, se a publicidade não tivesse o poder de influenciar
o consumidor, o que justificaria o investimento bilionário? Certamente os
empresários não iriam gastar tanto em empreitada sem retorno.
A questão sobre a exploração das necessidades, primárias ou
secundárias
502
, é fortemente debatida.
Cláudio Coelho defende que:
Na condição de membro da sociedade capitalista de consumo, o
consumidor é um ser em estado permanente de necessidade.
uma contradição entre a capacidade de produção da sociedade
capitalista, geradora de uma quantidade sempre maior de bens, e a
permanência dos seres humanos em estado de necessidade [...] A
primeira fase da vida de todo ser humano é caracterizada pela
existência de um estado permanente de necessidade [...] Esta
oscilação entre a sensação de onipotência [necessidades satisfeitas] e
a sensação de impotência [necessidades não satisfeitas] é recriada
pela sociedade capitalista de consumo, principalmente pela
publicidade
503
.
Jean Baudrillard, com o apuro que lhe é peculiar, analisa:
A era do consumo, em virtude de constituir o remate histórico de
todo o processo de produtividade acelerada sob o signo do capital,
surge igualmente como a era da alienação radical. Generalizou-se a
lógica da mercadoria, que regula hoje não os processos de
trabalho e os produtos materiais, mas a cultura inteira, a
sexualidade, as relações humanas e os próprios fantasmas e pulsões
individuais. Tudo foi reassumido por esta lógica, não apenas no
sentido de que todas as funções, todas as necessidades se
501
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 72.
502
Necessidades primárias são fisiológicas e secundárias, psicológicas ou sociais.
503
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar? p. 8-9.
144
encontram objectivadas e manipuladas em termos de lucro, mas
ainda no sentido mais profundo de que é espetacularizado, quer
dizer, evocado, provocado, orquestrado em imagens, em signos, em
modelos consumíveis [grifo no original]
504
.
De seu turno, Herbert Marcuse afirma que:
A subjugação do consumidor à escalada das necessidades e das
mercadorias e a criação contínua de novas necessidades exacerbam
as contradições no interior do sistema e determinam inelutavelmente
a intensificação dos controles repressivos. (...) Isso traduz-se na
produção acelerada de um novo desperdício, na obsolescência
planificada, nos gadgets, e na mercadoria de destruição. Os luxos
tornam-se necessidades que o indivíduo homem ou mulher deve
adquirir, sob pena de perder o seu ‘estatuto’ no mercado competitivo,
no trabalho e no lazer. Isso, por sua vez, leva-o à perpetuação de
uma existência completamente votada às performances alienadas,
desumanizadas, à obrigação de obter um poder de compra adequado,
encontrando e conservando um emprego que reproduz a subjugação
e o sistema de subjugação
505
.
Antonio Herman de Vasconcellos Benjamin se refere a um modelo
da manipulação de preferências nos seguintes termos:
A estrutura monopolizada dos mercados contemporâneos favorece tal
faceta publicitária, incentivando enormemente a publicidade de
imagem (ou institucional), fazendo com que crie desejos em vez de
responder às necessidades de consumo ou mesmo simplesmente de
informação
506
.
Jean Baudrillard ainda completa: “Não existe a ‘massa de
consumidores’ e nenhuma necessidade emerge espontaneamente do
consumidor de base [...] as necessidades e as satisfações escoam-se para
baixo”
507
. A elite se utiliza dos produtos, pois tem mais acesso e serve de
modelo, só depois o consumidor de base vai desejar o referido produto, o que
ocorre pelo processo de imitação e sublimação.
Os bens são constantemente produzidos, lançados, sempre
novidade, uma maneira de conservar a distância social. Em outras palavras:
os ricos podem adquirir primeiro os lançamentos, que são mais caros; após,
com a baixa dos preços, tornam-se acessíveis, e não mais diferenciação.
504
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 205.
505
Apud RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 24.
506
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos et al. O controle jurídico da publicidade,
p. 47.
507
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 61.
145
E segue novamente a distância social: produzem-se novos produtos (caros e
acessíveis a uns poucos).
Nessa esteira:
É muito possível que as aspirações consumidoras (materiais e
culturais), que revelam um nível de elasticidade superior ao das
aspirações profissionais ou culturais, venham compensar as
deficiências graves de determinadas classes, em matéria de
mobilidade social. A compulsão de consumo compensaria a falta de
realização na escala social vertical [...] As necessidades visam mais
os valores que os objectos e a sua satisfação possui em primeiro
lugar o sentido de uma adesão a tais valores. A escolha
fundamental, inconsciente e automática do consumidor é aceitar o
estilo de vida de determinada sociedade em particular (portanto,
deixa de ser uma escolha! – acabando igualmente por ser desmentida
a teoria da autonomia e da soberania do consumidor [grifo no
original]
508
.
As empresas, pode-se inferir, tudo controlam, mas para mascarar
tal domínio, trabalham para dar a impressão de que é o consumidor quem
dita as regras do mercado, quando na verdade é o mercado que, ao criar as
necessidades, induz o indivíduo a adquirir seus engenhos bens e serviços
para auferir mais vantagens.
Nesse contexto, o shopping center representa a mentalidade da
sociedade de consumo e da abundância. Esse tipo de empreendimento que
se instala em qualquer lugar do planeta - é considerado um ícone do sistema
capitalista de produção. Dentro dos shoppings perde-se a identidade
cultural, já que estes estabelecimentos, qualquer que seja o lugar onde
esteja instalado, reproduzem a mesma arquitetura, as mesmas marcas,
logotipos, canções, objetos etc.
509
.
508
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 63, 69-70.
509
Segundo Ramonet: “O centro comercial é uma invenção americana. Estes modelos foram
imitados no mundo inteiro. E, por vezes, no Canadá e no Japão, por exemplo,
ultrapassados. Tornaram-se ‘centros de animação e de distracção’. Tudo isto acompanhado
de uma retórica sedutora de liberdade de escolha e de liberdade do consumidor (com o
cartão de crédito como Sésamo de toda a experiência). Martelada por uma publicidade
obsessiva e omnipresente (as despesas em publicidade nos Estados Unidos elevam-se,
anualmente, a mais de 200 mil milhões de dólares!) que incide tanto sobre os símbolos
como sobre os bens”. RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão,
cinema, p. 32-33.
146
A lógica do sistema é maximizar o consumo, com várias
estratégias: diminuição intencional da vida útil dos produtos
510
; a ditadura
da moda, sempre apta a tornar os bens fora de uso, não pelas condições que
apresenta, mas pela perda do valor social
511
; venda de várias unidades do
produto, quando se deseja apenas uma ou algumas (por exemplo, o
individuo deseja comprar peenas uma pilha mas é obrigado a levar duas ou
até quatro).
Como bem assinalou Jean Baudrillar:
O que hoje se produz não se fabrica em função do respectivo valor de
uso ou da possível duração, mas antes em função da sua morte, [...] a
operação de ‘suicídio’ calculado do parque dos objectos se baseia na
‘sabotagem’ tecnológica ou no desuso organizado sob o signo da
moda.
A sociedade de consumo precisa dos seus objectos para existir e
sente sobretudo necessidade de os destruir. O ‘uso’ dos objectos
conduz apenas ao seu desgaste lento. O valor criado reveste-se de
maior intensidade no desperdício violento. Por tal motivo, a
destruição permanece como a alternativa fundamental da produção:
o consumo não passa de termo intermediário entre as duas [grifos no
original]
512
.
Fábio Konder Comparato afirma que o consumidor compra um
objeto ou paga pela prestação de um serviço não por sua qualidade, mas em
função dos “sentimentos mágicos” que a publicidade do produto ou serviço
evoca, atraindo-o irresistivelmente
513
As marcas das empresas, não raro, se transformam na razão de ser
de uma atividade cultural, algo além do simples apoio financeiro ou
institucional, fato definido por Matthew McAllister, crítico da publicidade,
como controle das empresas por trás de uma fachada filantrópica
514
. Essa
510
“Ainda nos idos de 1950, Vance Packard, em sua clássica obra Estratégia do desperdício,
já apontava para a estratégia de várias empresas que, propositadamente, faziam seus
produtos durarem pouco (ou menos do que poderiam, mantendo um preço similar)”
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 21-22.
511
É desenvolvida a idéia da sociedade do uso e do descartável. O consumidor é estimulado,
melhor, condicionado a trocar os bens por novos produtos mesmo sem necessidade.
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 138.
512
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 42-43.
513
Apud TRENTIN, Melina Penteado. A publicidade abusiva e o racismo, p. 92.
514
Apud GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo
anunciante deve fazer, p. 85-86.
147
técnica também visa a conquistar o consumidor pelo processo de
identificação.
Para Cláudio Novais Pinto Coelho:
A publicidade contribui decisivamente para a existência de
identidades sociais vinculadas ao consumo de mercadorias. Trata-se
de um mecanismo artificial de diferenciação social, marcado pela
dimensão imaginária As peças publicitárias procuram criar uma
relação de identificação entre os consumidores e o produto
divulgado, mediante a criação de um universo imaginário, um ‘estilo
de vida’ [...] A publicidade faz com que atributos humanos sejam
vistos como propriedades inerentes às mercadorias e procura
convencer o consumidor que componentes da sua personalidade
fazem parte da natureza da mercadoria divulgada. Quando
compramos um produto, compramos o universo imaginário criado
pela publicidade para a venda deste produto; as mercadorias
funcionam como espelhos que refletem nossa identidade [grifo no
original]
515
.
Guy Debord afirma que na sociedade do espetáculo, aquela na qual
há a proliferação de imagens e o poder de antecipar experiências não vividas,
as relações sociais são medidas pelas imagens. O consumidor se relaciona
com outros consumidores por meio da identificação com as imagens
associadas aos produtos que consomem
516
.
Mário Ernesto René Shweriner também anota que:
Em nossa cultura do consumo, uma dimensão que transcende a
capacidade dos bens em satisfazer às necessidades para as quais
foram criados: é o significado ampliado que norteia a maioria das
ações de consumo, isto é, uma grande parcela dos consumidores
adquire o bem pela aura que o recobre, muito mais do que por suas
características intrínsecas sua dimensão tangível. As pessoas
costumam ser mensuradas pela sua matriz de consumo, que termina
por lhes emprestar sua identidade social e pessoal
517
.
No mesmo sentido Jean Baudrillard:
A absorção quantitativa de alimento é limitada, o sistema digestivo é
limitado, mas o sistema cultural da alimentação revela-se como
indefinido. É precisamente que residem o valor estratégico e a
astúcia da publicidade: atingir cada qual em função dos outros, nas
suas veleidades de prestígio social reificado. Nunca se dirige apenas
ao homem isolado; visa-o na relação diferencial e quando a
515
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar? p. 17-18.
516
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 18.
517
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 166.
148
impressão de retardar as suas motivações ‘profundas’, fá-lo sempre
de modo espetacular, isto é, convoca sempre os vizinhos, o grupo, a
sociedade inteiramente hierarquizada para o processo de leitura e de
encarecimento que ela instaura [grifos no original]
518
.
Em complemento, analisa:
Se se admitir antes que a necessidade nunca é tanto a
necessidade de tal objecto quanto a ‘necessidade’ de
diferença (o desejo do sentido social) compreender-se-á
então porque é que nunca existe satisfação completa,
nem definição de necessidade [grifos no original]
519
.
Ignácio Ramonet atenta para o perigo que a publicidade pode
representar quando comenta que “funciona como um instrumento de
alienação. Ele é normativo, impõe modelos de comportamento, dita atitudes
colectivas”
520
.
Gino Giacomini Filho bem analisa a sociedade capitalista de
consumo e o neoliberalismo, asseverando que:
[...] dificulta a existência de uma consciência crítica, pois ela procura
capturar a identidade dos seus membros, reduzindo-os à condição
de consumidores. Nesta condição não é possível o estabelecimento de
uma relação de distância frente à realidade criada pela sociedade
capitalista de consumo. A cultura do narcisismo, a relação de
identificação estabelecida pela publicidade entre o consumidor e as
mercadorias, corresponde ao triunfo da ideologia neoliberal
521
.
Consoante análise de Paraguassú Lopes conta que o mundo
capitalista tornou-se selvagem, sem princípios, sem amor, sem zelo pela
humanidade, sendo o foco principal o lucro, o dinheiro, a acumulação de
bens materiais. Nas suas palavras:
O Natal é medido pelo tilintar das caixas registradoras e não pelo
número maior de famílias unidas, freqüência aos templos, aos
necessitados, o carinho, enfim, o louvor ao recém-nascido. O seu
aniversário comemorado, respeitado e com amor infinito. Dias das
Mães, dos Pais, dia de Deus. Tudo virou comércio, comércio
mesquinho, propaganda, publicidade, promoções, venda incessante,
transformando-se a sociedade humana numa leva indecente de
518
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 64.
519
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 78.
520
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 83.
521
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda, p. 12-13.
149
cobaias, instrumento de uso, quase um bem a mais a ser explorado,
a ser vendido. Mais um sabonete! Os princípios que devem reger a
sociedade, aquele senso médio que forma o equilíbrio social, são
absorvidos pelo desatino e interesse de poucos [...] O volume de
informações, a comunicação impiedosa no setor de venda, torna o
ser humano uma massa informe, sem sentimento crítico, sem razão,
sem qualquer força a proporcionar a análise dos fatos, das
ocorrências, das coisas em volta. Todos, todos somos fregueses,
olhados como tal, sem se esboçar qualquer reação [grifos no
original]
522
.
De fato, como bem ressalta Marisa Teixeira de Almeida:
A ideologia de nossa sociedade está fortemente comprometida com o
individualismo e com a economia de mercado e reconhece, cada vez
mais, os valores da auto-indulgência, incentivada pela
permissividade organizada em torno dos prazeres de consumo, em
detrimento do controle dos impulsos. A publicidade alimenta a
cultura de massa do hedonismo, cercando o consumidor de imagens
onde o conflito não existe, as pessoas são felizes e, quando têm um
problema, conseguem transformar sua realidade, como num passe
de mágica, através de um produto ‘maravilhoso’
523
.
Cláudio Coelho acrescenta:
Na sociedade capitalista de consumo (neoliberal), as identidades
sociais são criações publicitárias e nascem das relações medidas
pelas empresas entre os consumidores e as mercadorias. Fazem
parte (imaginariamente) do mesmo grupo social aqueles que se
identificam com os mesmos produtos
524
.
Os hábitos e atitudes dos brasileiros em relação ao vestuário
mostram claramente a influência dos meios de comunicação. Cerca de 36%
dos entrevistados pelo Target Group Index concordaram com a afirmação
"trato de estar em dia com a moda e com os estilos". Esse percentual é
bastante semelhante entre todas as classes sociais, homens e mulheres,
variando de forma expressiva somente em termos de idade: os mais jovens
apresentam maior preocupação em seguir os ditames da moda. Outra
constatação foi a do valor dado à aparência m relação ao sexo oposto: cerca
522
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 15-16.
523
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 14.
524
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar?, p. 18.
150
de 75% dos entrevistados concordaram com esta afirmação, com pequenas
variações em termos de idade e classe social
525
.
Assim, a publicidade por eles veiculada transforma-se também em
uma forma de controle social
526
.
Marisa Teixeira de Almeida sintetiza bem essa forma de controle e
dominação perpetrada pela publicidade:
A sua grande relevância está na capacidade de propiciar a criação
artificial de necessidades e sobrevalorização de produtos ou serviços
nem sempre adequados [...] Isto confere à publicidade o poder de
alterar comportamentos sociais à medida que influencia os
destinatários a agir de uma determinada maneira, atuando como
instrumento capaz de interferir nas escolhas individuais, permitindo
o controle social
527
.
Antonio Herman Benjamin afirma que:
A publicidade não é uma mera ‘gestora’ do dado cultural, mas o
altera constantemente, modificando, assim, as próprias bases das
relações sociais; constrói, substitui e fortalece estereótipos e matizes
culturais
528
.
Na interpretação de Jean Baudrillard:
A publicidade, a moda, as relações humanas e públicas se podem
interpretar como uma espécie de referendo perpétuo em que os
cidadãos consumidores se veêm a cada momento solicitados para se
pronunciarem a favor de determinado código de valores,
sancionando-o implicitamente. O sistema informal de modilização do
assentimento é mais seguro: praticamente não permite dizer não. Vê-
se assim como a publicidade, entendida no sentido mais lato,
consegue modelar e totalizar processos sociais: como é que pode
substituir-se quotidianamente e, sem dúvida, com muito maior
525
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA.
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=2&temp2=3&proj
=PortalIBOPE&pub=T&nome=resultado&db=caldb>. Acesso em: 9 arb. 2008.
526
“A publicidade é com certeza uma forma de influência visando à obtenção do controle
social. Ela altera a comunicação entre os sujeitos, pois sua finalidade é a busca do
consenso”. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. O princípio da vinculação da mensagem
publicitária, p. 44. No mesmo sentido Nelly de Carvalho: “O discurso publicitário é um dos
instrumentos de controle social e, para bem realizar essa função, simula o igualitarismo,
remove da estrutura de superfície os indicadores de autoridade e poder, substituindo-os
pela linguagem da sedução”. CARVALHO, Nely de. Publicidade A linguagem da sedução,
p. 17.
527
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, p. 14.
528
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos et al. O controle jurídico da publicidade,
p. 47-48.
151
eficácia, ao sistema eleitoral, na mobilização e no controlo
psicológico
529
.
Christiane Gade, a respeito, analisa:
Para uma sociedade que a comunicação de massa transformou em
aldeia global, pode-se levantar a hipótese de que as transformações
da linguagem e da cultura se darão através daqueles que comandam
os meios de comunicação e isto de uma forma cada vez mais
acelerada em relação ao mundo ocidental, sendo em breve nossos
valores os do consumo e a língua, o inglês
530
.
Cláudio Novaes Pinto Coelho, citando Adorno e Horkheimer,
assevera que:
Na sociedade capitalista a racionalidade [que deveria servir para a
libertação, para a emancipação humana] está a serviço da
irracionalidade, da manutenção de uma forma de vida social que
mantém o ser humano em estado de permanente necessidade e de
dependência dos grandes conglomerados empresariais, ao mesmo
tempo em que destrói a natureza (meio ambiente)
531
.
Portanto:
Enquanto permanecer vigorando o pensamento de Bernard Shaw,
‘Dêem-me o supérfluo, que abro mão do essencial’, ou então o de
Gaston Bachelard, ‘O homem é uma criação do desejo, não da
necessidade’, haverá espaço perene para o lançamento de milhares e
milhares de novos produtos, visando aplacar a ânsia dos
consumidores pelo novo. Ânsia que jamais será aplacada, uma vez
que os desejos humanos são ilimitados, e nenhum produto
conseguirá satisfazer desejos sem fim. Isso se constitui numa
excelente oportunidade para as empresas, que assim possuem um
mercado cativo, perene, rtil para novos produtos a serem lançados
para aplacar a voracidade dos consumidores pelo novo
532
.
Importante mencionar também a questão da similaridade dos
produtos, da natureza das commodities. Commodity “refere-se a produtos ou
serviços colocados à venda que não têm nenhuma diferenciação identificada
pelo consumidor em relação às suas características, marcas etc.”
533
.
529
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 179.
530
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 153.
531
COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar? p. 50.
532
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 62-63.
533
ZENONE, Luiz Cláudio e BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e
merchandising: conceitos e estratégias para ações bem-sucedidas, p. 68.
152
A respeito, Antônio Herman de Vasconcellos aduzem:
Muitos produtos e serviços, na ausência de aspectos relevantes a
distingui-los (preço, qualidade, garantia, p. ex.), passam a competir,
com o auxílio da publicidade, sob bases puras de ‘diferenciação de
imagem’, com a transformação dos gostos por meio de uma
‘diferenciação artificial’ de produtos e serviços, representantdo a base
do modelo da manipulação de preferências.
534
Jean Baudrillard esclarece que:
[...] nunca se consome o objecto em si (no seu valor de uso) os
objectos (em sentido lato) manipulam-se sempre como signos que
distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tomado
como referência ideal quer demarcando-o do respectivo grupo por
referência a um grupo de estatuto superior
535
.
Outra estratégia utilizada para fomentar o consumo alude às
notícias jornalísticas, que passam constantemente a sensação de
insegurança e efemeridade da própria vida. São freqüentes as notícias de
acidente de veículos, guerras, epidemias, catástrofes, crime e outras
tragédias e formas de violência. A questão do consumo pelo consumo está
implícita na idéia de que se deve aproveitar a vida ao máximo, pois ela é
efêmera, revelando o apelo hedonista.
Além disso, a sociedade industrial é a maior responsável pela
destruição dos bens naturais, disponíveis e acessíveis a todos. Bens outrora
abundantes, como a água potável, o silêncio, o espaço, o tempo, o sossego,
os alimentos naturais, o clima agradável, hoje o sistema de produção
capitalista se encarrega de torná-los produtos raros e de luxo, portanto, que
podem ser vendidos a preços altos. O resultado dessa equação está no
aquecimento global, na poluição, no aprecimento de doenças.
As conquistas da vida moderna acabam se transformando em
perdas. Os chamados novos direitos representam a perda desse direito,
como ao ar puro
536
.
534
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos et al. O controle jurídico da publicidade,
p. 47.
535
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 60.
536
Baudrillar apresenta esse ponto de vista de forma brilhante: “A influência do meio
urbano e industrial faz aparecer novas raridades: o espaço e o tempo, a verdade, a água, o
silêncio [...] Determinados bens, outrora gratuitos e disponíveis em profusão, tornam-se
bens de luxo acessíveis apenas aos privilegiados, ao passo que os bens manufaturados ou
153
Nesse sentido, o reconhecimento dos direitos sociais, difusos, entre
outros, não são propriamente uma grande conquista, mas uma forma de
amenizar ou devolver o que o capitalismo usurpou da natureza e da
sociedade.
Segundo Nely de Carvalho, “a sociedade da era industrial produz e
desfruta dos objetos que fabrica, mas sobretudo sugere atmosferas,
embeleza ambientes e artificializa a natureza que vende de água mineral a
sopinhas enlatadas”
537
.
os serviços são oferecidos em massa [...] Natureza, espaço, ar puro, silêncio: eis a incidência
da busca de bens raros e de preço elevado que se nos índices diferenciais de despesas
entre duas categorias sociais extremas”. “Não há direito ao espaço senão a partir do
momento em que não existe espaço para todos e em que o espaço e o silêncio constituem
o privilégio de uns quantos, à custa dos outros [...] O aparecimento destes direitos sociais
novos, que se agitam como ‘slogans’ e como anúncio democrático da sociedade de
abundância, surge como sintoma real da passagem dos elementos mencionados à categoria
de sinais distintivos e de privilégios de classe (ou de casta). O ‘direito ao ar puro’ significa a
perda do ar puro como bem natural, a sua passagem ao estatuto de mercadoria e a sua
redistribuição social desigualitária”. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 56-
57.
537
CARVALHO, Nely de. Publicidade – A linguagem da sedução, p. 12.
155
5 TIPOLOGIA DA PUBLICIDADE
5.1 PUBLICIDADE ENGANOSA
538
Existe o entendimento de que “toda e qualquer mensagem
publicitária contém mesmo uma carga ínsita mínima de ‘falsidade’,
entendido tal vocábulo como uma afirmação, quiçá eloqüente, mas incapaz
de comprovação fática”
539
.
Sobre esse tema anota Fernando Gherardini Santos:
O que o Direito do Consumidor (e o Direito Constitucional) pretende,
em verdade, com a regulação jurídica da publicidade enganosa, é
coibir o abuso concernente a tal falsidade – o que a transformaria em
enganosidade
540
.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu §1º do art. 37, assim
define a publicidade enganosa:
É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de
caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer
outro modo, mesmo por omissão, capaz de gerar dúvidas ou induzir
em erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer
outros dados sobre produtos e serviços.
Em França, a lei de 02.07.1963 proibia a publicidade enganosa.
O art. 44 da lei de 27.12.1973 (Lei sobre a orientação do comércio) proíbe a
538
“Os homens são tão ingênuos e sujeitos às necessidades do momento que aquele que
engana encontrará sempre quem se deixe enganar”. NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada
de filosofia: das origens à idade moderna. Tradução: Maria Margherita De Luca. São
Paulo: Globo, 2005, p. 196, Maquiavel. A publicidade foi feita para se crer nela não se
pode usar de expedientes ardis porque o consumidor tende a nela acreditar e não sempre a
agir com desconfiança.
539
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 210. De seu turno, Judith Martins Costa, citando Baudrillard,
entende que “a mentira clara, induvidosa, escancarada, raramente contaminará a peça
publicitária, pois esta ‘consiste principalmente na invenção de enunciados persuasivos que
não sejam nem verdadeiros nem falsos’”. COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular
e a distinção entre a publicidade enganosa e clandestina, p. 225.
540
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 212.
156
publicidade enganosa, quando possa induzir os consumidores em erro. O
mesmo se verifica no art. 47 do projeto de lei francês
541
.
O “article 2 Diretiva” 84/450, de 10 de setembro de 1984, da
Comunidade Econômica Européia conceitua publicidade enganosa nos
seguintes termos:
Art. . Publicidade enganosa é aquela que, de algum modo,
incluindo a sua apresentação, induza ou possa induzir em erro as
pessoas a quem ela se dirige ou possam por ela ser atingidas e, em
virtude de seu caráter enganador, possa afetar o seu comportamento
econômico ou que, por tais razões, prejudique ou possa prejudicar
um concorrente.
Importante mencionar que o erro, como vício da vontade, é a falsa
noção da realidade. Assim, se por meio de uma publicidade o consumidor
passa a ter uma falsa percepção da realidade do contrato ou das qualidades
do produto, ao manifestar a sua aceitação, está incorrendo em erro. Se a
este foi induzido, ocorre o dolo por parte do fornecedor. Ambos são cios da
vontade, que, consoante o ordenamento pátrio, ensejam a anulabilidade do
ato
542
.
Na lição de Antônio Carlos Efing, enganosa é a publicidade total ou
parcialmente falsa, capaz de levar o consumidor a adquirir um produto ou
serviço indesejado, por acreditar nas informações veiculadas
543
. O autor
adverte que a apenas a possibilidade de ser o consumidor induzido a erro
para a configuração da publicidade enganosa, não sendo necessário o erro
de fato. Em qualquer hipótese, é irrelevante o dolo ou culpa do fornecedor. A
vontade somente é levada em consideração quando da análise da
responsabilidade criminal.
A publicidade enganosa, segundo Fernando Gherardini Santos,
apresenta “um potencial de desviar a vontade de consumo. Não se exige,
541
DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas,
p. 59.
542
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais, p. 635.
543
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo, p. 191-
192.
157
portanto, a efetiva indução em erro do consumidor, mas a mera
potencialidade para tanto”
544
.
O caput do art. 37 é claro ao dispor que é proibida toda a
publicidade enganosa, vale dizer, aquela apta a induzir o consumidor em
erro, seja qual for a probabilidade, não se exigindo “prova da enganosidade
real; basta a potencialidade de engano para caracteriza-se a publicidade
como enganosa” [grifo no original]
545
.
Assim, o erro ou engano é apenas o potencial. Não se exige que
algum consumidor efetivamente tenha incorrido em erro ou engano. Em
outras palavras, desnecessária é a consumação do engano pelo
consumidor
546
. Além disso, a lei é clara quando prescreve que basta que a
publicidade seja capaz de induzir o consumidor em erro.
Valéria Furlan, nesse mesmo sentido, afirma que “é destituída de
qualquer fundamento a idéia de que a lei exige o perigo efetivo de induzir o
consumidor em erro, haja vista que este vocábulo (efetivo) tem sentido
oposto ao termo ‘ser capaz’”
547
.
Cláudia Lima Marques enfatiza que:
A característica principal da publicidade enganosa, segundo o CDC,
é ser suscetível de induzir ao erro o consumidor. A interpretação
dessa norma deve ser necessariamente ampla, uma vez que o ‘erro’ é
a falsa noção da realidade, falsa noção esta potencial formada na
mente do consumidor por ação da publicidade. Parâmetro para
determinar se a publicidade é ou não enganosa deveria ser o
observador menos atento, pois este representa uma parte não
negligenciável dos consumidores e, principalmente, telespectadores.
Aquele fornecedor, que fizer veicular uma publicidade enganosa,
estará a descumprir a proibição legal do art. 37; logo, juridicamente,
estará cometendo ato ilícito, pois o dano em caso de publicidade é
difuso, mas facilmente presumível [grifos no original].
544
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial, p. 210.
545
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor, p. 67-68.
546
“Na caracterização de uma publicidade enganosa o dano do consumidor é um mero plus
(com implecações próprias, notadamente na área penal). A razão desta afirmativa encontra-
se na expressão utilizada pela lei (‘capaz de induzir em erro o consumidor’, art. 37, §),
capacidade que ‘quer dizer tendência a induzir em erro’”. COSTA, Judith Martins. A
“guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade enganosa e clandestina, p. 229.
547
FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias, p. 117.
158
Segundo Stiglitz, a falsa informação através de anúncio publicitário
transgride o princípio neminem laedere. Esse ilícito civil tem sito utilizado
também como causa para rescisão de um eventual contrato baseado em
publicidade enganosa e no art. 30 do CDC
548
.
Nessa linha de raciocínio, importa notar que:
O art. 37 do CDC não se preocupa com a vontade daquele que fez
veicular a mensagem publicitária. Não perquire da sua culpa ou
dolo, proíbe apenas o resultado: que a publicidade induza o
consumidor a formar esta falsa noção da realidade [...]. O CDC
institui uma presunção de culpa do fornecedor, por ter feito veicular
uma publicidade enganosa. Estava ele proibido de fazer uma
publicidade enganosa, e o fez. Logo, só se exonerará se provar o caso
fortuito, isto é, que uma situação externa à sua vontade, aos seus
auxiliares (agência, publicitário contratado etc.), imprevisível e
irresistível, tornou a publicidade enganosa [grifos no original]
549
.
Bem ressalta Suzana Federighi que:
A publicidade enganosa está diretamente ligada àquilo que pretende
inserir no mercado, ou seja, a natureza do serviço ou do produto. É a
publicidade que induz ou simplesmente é capaz de induzir o
consumidor a errar na eleição do produto
550
.
Segundo Terence Shimp:
No sentido geral, os consumidores são enganados por uma alegação
de propaganda ou campanha publicitária quando (1) a impressão
deixada pela alegação ou pela campanha é falsa ou seja, uma
discrepância entre o fato e a alegação e (2) os consumidores
acreditam na alegação ou na campanha falsa [grifos no original]
551
.
Lecionando sobre o mesmo tema Rizzatto Nunes aduz:
Para fins de aferição da enganosidade (e qualquer outro componente)
será observado o anúncio como um todo, incluindo seu conteúdo e
forma, testemunhas, declarações ou apresentações visuais, ainda
548
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual. e ampl. 2ª tiragem. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 677.
549
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 676/678.
550
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 69.
551
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 69.
159
que tenham origem em outras fontes (art. 47, do CBAP). Não importa
se a enganosidade advém de parte do anúncio ou de sua projeção
global sobre o público. Não interessa saber se o teor da ilusão está só
no aspecto visual ou apenas no oral ou escrito. O que vale é o
resultado do impacto sobre o consumidor (aliás, o resultado
potencial, nem precisa ser real).
Se por qualquer dos aspectos considerados isoladamente (visual,
oral, verbal etc.) ou se pelo contexto global insinuar-se a
enganosidade, o anúncio já estará caracterizado como enganoso
552
.
A noção de publicidade enganosa, para Jean Clais-Auloy, é mais
vasta do que publicidade mentirosa, pois a mentira supõe a má-fé. A lei
proibe a publicidade enganosa, sem se perquirir sobre a má-fé do
anunciante
553
.
Não se perquire a intenção do fornecedor, se houve culpa ou dolo.
Basta a existência do fato “publicidade enganosa”.
De fato, Valéria Falcão afirma que é irrelevante para a
caracterização da publicidade enganosa a “intenção culposa ou dolosa do
fornecedor anunciante para a configuração do caráter enganoso da
mensagem publicitária”
554
.
A publicidade enganosa não fica caracterizada somente quando
ocorre a falsidade parcial ou total da mensagem, caso contrário o legislador
teria empregado as expressões publicidade “falsa” ou “inverídica”.
O erro de consumo, por sua vez, é aquele que ocorre quando o
consumidor, alvo de publicidade enganosa, pratica ato de consumo que não
realizaria se conhecesse a realidade do produto ou serviço.
A indução ao erro pela publicidade ou informação significa violação
de um mandamento impositivo do Código de Defesa do Consumidor
555
.
552
Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e atualizada São Paulo:
Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 433, 470.
553
AULOY, Jean-Calais e STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. 7ª Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 142.
554
FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista
de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 115.
555
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 615.
160
Nelson Nery Junior esclarece que: “Em se tratando de anúncio
ambíguo, basta que um dos sentidos seja enganoso para que toda a
publicidade se caracterize como enganosa”
556
.
A proibição da publicidade enganosa representa o desdobramento
do princípio da veracidade e se revela elemento fundamental, uma vez que a
publicidade é instrumento de cooperação e não de dominação.
O Código de Defesa do Consumidor pretende proteger a integridade
do consentimento para que surja sem vícios e conforme a verdadeira vontade
do consumidor.
O Federal Trade Comission, órgão de relevância nos EUA,
especialmente incumbido do controle da publicidade patológica, apontou
critérios, de todo aplicáveis no Brasil, para a identificação da publicidade
enganosa
557
.
Conforme entendimento de Fernando Gherardini Santos: “A
verificação da publicidade enganosa não será feita pelo critério do
556
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 68.
557
“O Federal Trade Commission Act (FTCA) norte-americano de 1914, em sua seção 5,
declara ilegais atos comerciais enganosos ou desleais (unfair or deceptive acts) [...] a seção
15 do FTCA define o anúncio falso como aquele que direciona mal o consumidor em uma
forma material (misleading in a material respect).
A Federal Trade Commission, a respeito da aplicação e execução do FTCA, emitiu, na data
de 14 de outubro de 1985, o Federal Trade Commision Deception Policy Statement”, em
missiva enviada a John D. Dingell, presidente do Comitê de Energia e Comércio do
Congresso Nacional daquele país. Nesse documento, aponta três critérios, utilizados pela
FTC, para a efetiva apuração da publicidade enganosa, em tudo aplicável ao Direito pátrio,
dada a influência decisiva que o FTCA exerceu na elaboração das normas sobre publicidade
contidas no CDC:
a) a existência de uma afirmação, omissão ou prática com grande probabilidade de induzir o
consumidor em erro;
b) consideração da enganosidade pela perspectiva do consumidor-padrão;
c) materialidade da prática.
O critério (a) diz respeito ao afirmado aspecto da potencialidade de indução em erro ao
consumidor e envolve a análise do anúncio publicitário por inteiro. “[...] o critério (c) diz
respeito à materialidade da publicidade enganosa, ou seja, a enganosidade da publicidade
deve ser suficiente a ponto de, com grande probabilidade, influir decisivamente no
comportamento do consumidor-padrão, levando-o a cometer um engano em sua decisão de
consumidor”. SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem
jurídica do marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de
Direito do Consumidor, v. 14, p. 213-215.
161
consumidor-padrão, mas sim pela condição do hipossuficiente”
558
. Deve-se
levar em conta a especial vulnerabilidade concernente à saúde, idade,
conhecimento ou condição social.
De fato, o comportamento do consumidor médio não é uniforme,
uma vez que a publicidade varia conforme seu público alvo.
A disciplina da publicidade enganosa aplica-se à venda pessoal e à
oferta
559
.
Referindo-se ao artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor,
Valéria Furlan manifesta-se em sentido contrário: “Somente as mensagens
coletivas que visam promover ou estimular o aumento no consumo de bens
ou serviços constituem objeto deste artigo”
560
.
Em relação à publicidade enganosa, uma pesquisa realizada pelo
Instituto Ethos mostrou que a publicidade enganosa foi o principal motivo
para o consumidor não adquirir o produto. É como revelam os dados: em
2000, 49%; em 2001 54% e em 2002, 43%
561
.
Gino Giacomini Filho constatou que:
[...] em levantamento efetuado em seis países europeus, ou seja,
França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo, um
anúncio é enganoso baseado no princípio da veracidade, quando traz
indicações inexatas ou quando as indicações não correspondam à
realidade
562
Outra pesquisa realizada com moradores da cidade de São Paulo
apontou que 82% dos entrevistados foram enganados por anúncio
publicitário
563
.
558
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 232.
559
Nesse sentido: SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem
jurídica do marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de
Direito do Consumidor, v. 14, p. 230-231).
560
FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista
de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 114.
561
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 48.
562
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 108.
563
GIACOMINO FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 109.
162
Em suma, considera-se publicidade enganosa aquela impossível de
ser cumprida como, por exemplo, a oferta de serviço de internet em área não
coberta pelo serviço, situação apta a gerar indenização.
5.1.1 A classificação de J. Martins Lampreia
Neste trabalho, adotou-se a classificação de J. Martins Lampreia
564
para a publicidade enganosa
565
, por entendê-la coerente, didática
566
. Além
disso, é a classificação que mais se coaduna com o escopo da presente
pesquisa.
A publicidade enganosa, caracterizada por J. Martins Lampreia,
pode ser: a) dissimulada; b) oculta, clandestina ou indireta; c) subliminar
567
.
A publicidade dissimulada consiste em um anúncio disfarçado no
conjunto editorial. Nessa hipótese, o anúncio adota a mesma tipologia dos
demais elementos editoriais para se fazer passar por matéria jornalística,
564
Apud GIACOMINO FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo:
Summus, 1991, p. 108.
565
Segundo Judith Martins Costa, “é amplíssimo o espectro da proibição ao engano
publicitário” COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a
publicidade enganosa e clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 229.
566
Outras classificações são válidas e possíveis, como a apresentada por Judith Martins
Costa, a qual entende pela sinonímia da publicidade clandestina, oculta e dissimulada.
Assim, referindo-se à publicidade clandestina afirma que “tem caráter oculto, dissimulado,
fingindo não ser publicidade o que em realidade o é. Disfarça-se, por vezes, em reportagem
jornalística. Em outras, em mensagens de apoio” ou em homenagens as quais têm por fito,
basicamente, colocar em evidência o nome do anunciante, seu produto ou serviço, dissolvendo
o intuito real de exaltação de suas vantagens ou características com finalidade de “vender
certa imagem” ao público no intuito aparente da graciosidade da peça”[grifos no original].
COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade enganosa
e clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1993, p. 223). Maria Elisabete Vilaça Lopes sintetiza a publicidade clandestina,
oculta e dissimulada como toda aquela cujo caráter comercial “pode ser, com algum esforço,
percebido pelo destinatário, embora a mensagem omita, deliberadamente, seu intuito
publicitário”. COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a
publicidade enganosa e clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 224.
567
Bem afirma Antonio Herman: “Publicidade que não quer assumir a sua qualidade é
atividade que, de uma forma ou de outra, tenta enganar o consumidor. E o engano, mesmo
o inocente, é repudiado pelo Código de Defesa do Consumidor”. Apud COSTA, Judith
Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade enganosa e clandestina.
Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, nr
22 p. 231.
163
apropriando-se da credibilidade de imprensa. quem defenda a legalidade
dessa técnica, nominando-a de publicidade, em contraposição à propaganda,
que seria o anúncio pago por patrocinador identificado
568
. Contudo, essa
prática é ilegal, devendo qualquer anúncio ser identificado como informe
publicitário, isolado da matéria jornalística.
A publicidade oculta, clandestina
569
ou indireta consiste na
apresentação de produtos, serviços, empresas ou marcas no contexto de
programas televisivos, teatrais ou filmes. Essa técnica vulgarizou-se pelo
termo merchandising
570
e corresponde ao tie in.
A publicidade subliminar é caracterizada como o anúncio que
contém informações emitidas fora do limiar da percepção
571
.
Fernando Gherardini Santos apresenta outra classificação
572
. Para
ele duas espécies de publicidade simulada proibidas pelo CDC:
subliminar e clandestina.
568
Conforme já mencionado na obra de Zenone e Buaride.
569
Judith Martins Costa entende que roda publicidade clandestina é também, em certa
medida, enganosa. Assim, ela se posiciona da seguinte forma: toda publicidade clandestina
é, em certa medida, também enganosa, porque finge ser o que não é: esconde o caráter
publicitário que efetivamente tem sob a aparente graciosidade da imagem ou texto
vinculado. Nesta perspectiva a enganosidade não sediretamente antinômica ao princípio
da veracidade, mas contraporá ao princípio da identificação da mensagem publicitária pelo
qual se exige, para a configuração da licitude da peça publicitária, que o consumidor a
identifique imediata e facilmente como tal (art. 36). Contudo, ressalta que “embora haja
uma clara distinção técnica entre a clandestinidade e a enganosidade da publicidade,
ambas visam, por meios diversos, a enganar o consumidor, a primeira através da própria
dissimulação do caráter ou natureza da mensagem publicada, a segunda, contrariamente,
assumida como ela publicitária que é, mas falseando ou omitindo, em caráter integral ou
parcial, informação sobre o bem anunciado. Demais disto, como bem anota Antônio Herman
de Vasconcellos e Benjamin o conceito de enganosidade passível de ser deduzido do Código
é extremamente amplo, não se reduzindo ao de publicidade falsa, uma vez que até mesmo
uma publicidade correta pode ser enganosa, “seja porque informação importante foi deixada
de fora, seja porque seu esquema é tal que vem a fazer com que o consumidor entenda mal
aquilo que se es, realmente, dizendo”[grifos no original]. COSTA, Judith Martins. A
“guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade enganosa e clandestina. Revista de
Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 224.
570
Entretanto, como adverte Costa, “o merchandising é toda a ação de valorização e
enriquecimento do produto no ponto-de-venda, destacando-o da concorrência, e levando o
consumidor à decisão final de compra”. Apud ZENONE, Luiz Cláudio; BUAIRIDE, Ana Maria
Ramos. Marketing da promoção e merchandising: conceitos e estratégias para ações bem-
sucedidas. São Paulo: Pionera Thomson Learning, 2005, p. 122.
571
Define-se percepção como sensação acrescida de significado, sendo ela seletiva,
conforme o interesse focado, deixando todo o resto como subliminar.
572
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 228-229.
164
Publicidade subliminar é uma técnica de apresentar mensagens a
uma velocidade perceptível em nível subconsciente. Seu caráter
pernicioso é patente, tanto que é coibida na maioria das legislações
mundiais. Os resultados desse tipo de publicidade foram, inclusive,
cientificamente comprovados.
Sobre a publicidade clandestina pode-se dizer que é notícia
travestida de caráter aparentemente imparcial, tais como reportagens,
relatos “científicos”, informes econômicos, mas, na verdade, carrega alguma
espécie de publicidade. Tal prática é absolutamente vedada pelo CDC porque
o consumidor padrão não identificará tal mensagem, ao menos de imediato,
como quer o art. 36 deste diploma legal.
Guy Durandin explica que a publicidade clandestina é aquela cuja
fonte verdadeira foi ocultada e tem como objetivo exercer influência sobre o
público, evitando sua desconfiança. O autor esclarece ainda que:
[...] a modalidade mais conhecida de publicidade clandestina é a
chamada publicidade redacional, que consiste em inserir num jornal
um texto pago por um anunciante, mas apresentando-o da mesma
maneira que os artigos produzidos pela redação.
573
O citado autor classifica a dissimulação em três graus: a)
publicidade semiclandestina - artigos aparentemente comuns veiculados na
imprensa, mas na verdade vêm acompanhados de mensagens ambíguas,
geralmente impresas em letras muito pequenas; b) publicidade totalmente
clandestina - artigos pagos, que se apresentam como informativos, mas sua
natureza publicitária não é informada; c) a publicidade subliminar. Nos dois
primeiros casos a fonte é oculta e no terceiro “o próprio conteúdo da
publicidade não é percebido pelo público de forma consciente, mas agiria no
subconsciente”
574
.
Na interpretação de Wilson Carlos Rodycs:
O caráter comercial da publicidade clandestina, oculta ou
dissimulada, em regra, também passa despercebido ao consumidor
573
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 143.
574
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 143-144.
165
porque omissão, deliberada, do seu intuito publicitário. É o caso
de reportagens sobre viagens, cuidados com a saúde, em matérias
jornalísticas, filmes, novelas, peças de teatro, que também contêm
mensagens sobre hotéis, clínicas, casas de repouso, moda etc.,
sempre de forma sutil, sem alertar o assistente para o fato de tratar-
se de matéria publicitária. A forma correntia de publicidade
clandestina é o chamado merchandising
575
.
A publicidade não pode enganar nem direta (v.g. por meio de
expressas afirmações falsas), nem indiretamente, por meio de associações
sutis, sugestões implícitas ou outros efeitos subliminares.
Um exemplo da publicidade enganosa pode ser extraído de uma
publicidade de veículo, cujo tamanho reduzido foi aumentado com os
recursos da computação gráfica, justo para parecer maior do que o seu
tamanho real.
Bem por isso, tem razão Marcelo Costa Fadel quando afirma que
tudo “que é clandestino, oculto ou dissimulado é ilegal por natureza”
576
.
As publicidades dissimulada, clandestina e subliminar são ilícitas.
É o que depreende do art. 36, caput, ao dispor que “a publicidade deve ser
veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique
como tal”. O Código de Defesa do Consumidor proíbe quaisquer espécies de
publicidade implícita, pois é capaz de induzir o consumidor a erro quanto à
natureza da mensagem por ele recebida.
Com efeito, essas modalidades de publicidade - dissimulada,
clandestina e subliminar - tolhem a liberdade de escolha e, nos termos dos
arts. 6º, II, do Código de Defesa do Consumidor, ludibriam a boa-fé.
Não é por outra razão que o art. 20 do Código de ética dos
profissionais da propaganda veda a publicidade dissimulada, oculta e
subliminar
577
.
575
RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito do Consumidor
8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 59.
576
FADEL, Marcelo Costa. Breves comentários ao Código de Auto-Regulamentação
Publicitária do Conar. Revista de Direito do Consumidor n. 50/153. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 165.
577
20. “A propaganda é sempre ostensiva. A mistificação e o engodo que, escondendo a
propaganda, decepcionam e confundem o público, são expressamente repudiados pelos
profissionais de propaganda”.
166
Pertinente é o posicionamento de Jean Calais-Auloy quando afirma
que a publicidade enganosa pode adotar qualquer meio: escrito, falado,
imagens e mesmo odores
578
.
Jean Calais-Auloy informa que em França prescinde-se da prova
da má-fé para caracterizar o delito de publicidade enganosa. No crime de
publicidade enganosa é o anunciante o responsável principal porque deu a
ordem para a difusão da mensagem; é ele que procedeu às verificações
necessárias para que a mensagem não se tornasse enganosa. A
circunstância de o documento publicitário ter sido concebido por terceiro
não tem o condão de exonerar a responsabilidade daquele que o utiliza por
sua própria conta. A agência e o meio de comunicação podem ser
responsabilizados penalmente com co-autores
579
.
Importante mencionar que o Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor (DPDC) instaurou processo por publicidade enganosa
580
em
hipótese que não se tratava de publicidade enganosa, pois as informações
constantes em embalagens e rótulos de DVDs não caracterizam publicidade.
O mesmo órgão divulgou nota técnica sobre a publicidade de
veículos, para que não sejam consideradas abusivas ou enganosas
581
.
578
“Il est même possible qu´un message olfactif constitue una publicité trompeuse » AULOY,
Jean-Calais ; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. 7. ed. Paris: Dalloz, 2006, p.
144-145.
579
AULOY, Jean-Calais e STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation, p. 147-149.
580
Brasília, 10/05/2006 – O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do
Ministério da Justiça instaurou nesta quarta-feira (10) processo contra a Flashstar Home
Video por oferta incorreta e publicidade enganosa na venda de DVDs. A denúncia foi
encaminhada pelo Juizado Especial Cível de Araraquara (SP).
As embalagens e rótulos dos DVDs apresentavam opções a mais do que os produtos
realmente apresentavam, como versão widescreen 16:9 e sistema de som 5.1 no idioma
Português. BRASIL. Ministério da Justiça. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/main>.
Acesso em: 9 abr. 2008.
581
A publicidade feita em revistas, jornais, encartes, folders e similares deverão utilizar
letras de tamanho equivalentes ao corpo 8 da fonte arial, para facilitar a visualização. Para
publicidade em televisão, outdoor e similares as letras tenham, no mínimo, um terço do
tamanho da maior letra utilizada na publicidade. Tanto na publicidade feita em revistas,
jornais e folders, quanto em televisão e outdoors, o fornecedor deverá apresentar fotografia
ou qualquer espécie de representação gráfica do produto que corresponda ao preço ou às
características informadas. Também deverão ser explicitadas quaisquer outras despesas ou
encargos adicionais, bem como condições específicas de pagamento para que o produto seja
adquirido, como exigência de entrada no pagamento ou subdivisão do preço em um número
determinado de parcelas.
BRASIL. Ministério da Justiça. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/main>. Acesso em: 9 abr. 2008.
167
A título de exemplo, houve caso de multa contra a Citröen por
veicular publicidade enganosa
582
.
5.1.2 Enganosidade por omissão
Guy Durandin destaca que: “Determinadas pessoas não
consideram a omissão como uma mentira propriamente dita, pelo fato de
não se afirmar nada falso”. Mas “se aquilo que for omitido for importante
para a pessoa com quem se fala, e se esta não tem acesso a outras fontes de
informação, a omissão é semelhante à mentira, pois produz os mesmos
efeitos”
583
.
Terence Shimp esclarece que:
A indução ao erro é definida pela FTC como uma declaração expressa
ou implícita, contrária ao fato, enquanto que uma omissão que
induza ao erro ocorre quando as informações qualificadas
necessárias para evitar a prática, alegação, representação,
582
Brasília - A montadora Citröen foi multada nesta segunda-feira (28) pelo Departamento
de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça por utilizar
publicidade enganosa na campanha "Bon Voyage Citröen". Na promoção, veiculada em
dezembro de 2000, a empresa oferecia duas passagens aéreas para Paris na compra do
veículo Xsara. A multa imposta à montadora foi de R$ 287.700.
De acordo com o DPDC, a empresa descumpriu o Código de Defesa do Consumidor ao não
informar nas peças da campanha que a passagem oferecida seria para os trechos São
Paulo/Paris/São Paulo ou Rio de Janeiro/ Paris/ Rio de Janeiro. O material publicitário
trazia apenas a afirmação: "Compre um Citröen 0 km e ganhe 2 passagens para Paris. Não é
sorteio. Comprou, ganhou", sem ressalvas sobre as restrições de partida do trecho reo.
O DPDC apurou que a informação sobre os trechos aéreos oferecidos só chegava ao
consumidor após a aquisição do veículo, no documento intitulado Carta de Crédito,
entregue mediante a apresentação do "Pedido Firme de Compra". No material publicitário,
apenas a menção: "consulte o regulamento junto a uma concessionária Citröen". "Deve-
se considerar a publicidade enganosa por omissão, que a informação acerca dos trechos
incluídos na referida promoção deveria ser facilmente alcançada pelo consumidor", afirma o
diretor do DPDC, Ricardo Morishita, na nota de conclusão do processo.
A empresa tem agora 10 dias para apresentar recurso ao secretário de Direito Econômico.
Se a decisão for mantida, os valores deverão ser depositados no Fundo de Direitos Difusos.
BRASIL. Ministério da Justiça. Direito do Consumidor. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/dpdc>. Acesso em: xx
583
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 84.
168
expectativa ou crença razoável de ser induzido ao erro não são
reveladas [grifos no original]
584
.
O art. 37, §3º do Código de Defesa do Consumidor trata da
publicidade enganosa por omissão. Na expressão do referido diploma legal, a
publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado
essencial do produto ou serviço.
A publicidade somente deve transmitir informações verdadeiras, ou
seja, somente deve veicular os atributos reais dos produtos e serviços. Mas a
lei não se contenta com isso. Não pode haver omissão de atributos
considerados essenciais desses produtos e serviços
585
.
Dado essencial é aquele efetivamente capaz de interferir na
conduta do consumidor no que concerne à aquisição do produto ou
serviço
586
.
Existe ainda a possibilidade de a publicidade ser caracterizada
como enganosa mesmo na hipótese de todas as informações serem
verdadeiras, como na publicidade da UNIP, que divulgou ser a faculdade que
mais aprovou no exame da OAB, mas não informou que os números eram
absolutos. Considerando que é a faculdade que mais tem alunos, a
informação era verdadeira. Mas, proporcionalmente, o índice não era dos
melhores, podendo induzir o consumidor a erro.
Fernando Gherardini Santos segue afirmando que:
A publicidade enganosa por omissão não será, jamais, aquela que
não contiver alguma informação referente à enumeração do art. 31,
Código de Defesa do Consumidor [...] somente a omissão capaz de
584
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 70.
585
Nesse sentido Nelson Nery Junior: “A publicidade falsa pode ser verdadeira, mas, ainda
assim, ser considerada como enganosa, se omitir dado essencial para aquele anúncio
publicitário” (68).
586
Para Valéria Furlan ““dado essencial”, tanto na publicidade enganosa por omissão, como
na por comissão, será aquele, cuja ausência ou presença em desconformidade com a
realidade, respectivamente, for capaz de induzir em erro o consumidor”. FURLAN, Valéria C.
P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista de Direito do Consumidor
n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 118.
169
alterar o comportamento do consumidor-padrão poderá ser tachada
de antijurídica e ser passível das sanções próprias
587
.
O Ministério da Justiça se manifestou quanto à publicidade
enganosa por omissão
588
. O CONAR também apreciou caso de publicidade
enganosa por omissão
589
.
587
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 219.
588
DPDC questiona propaganda de aparelho de ginástica passiva
Brasília, 26/09/2003 (MJ) O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC)
instaurou nesta sexta-feira processo administrativo contra a empresa Brazil Connection
Comércio Importação e Representação Ltda, que comercializa estimuladores elétricos
musculares, também conhecidos como aparelhos de ginástica passiva.
O processo deve analisar se a empresa teria deixado de informar claramente o consumidor
sobre os reais efeitos alcançados com o uso do produto e os possíveis riscos que o aparelho
pode trazer. O processo foi instaurado com base em denúncia feita por uma consumidora
junto ao Procon de Goiás.
"Há indícios suficientes nos autos de que a empresa representada aparentemente deixa de
informar adequada e claramente a seus consumidores sobre os riscos que seus produtos
apresentam, que igualmente não se encontram informados de maneira ostensiva e
adequada pelos documentos juntados aos autos pela representada em fase de averiguação
preliminar, nem mesmo pelos manuais que acompanham os produtos respectivos", diz o
despacho publicado no Diário Oficial.
Na denúncia, a consumidora alerta ainda para a uma possível venda dos aparelhos sem
autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e para a proibição de venda
destes produtos nos Estados Unidos depois de ter sido constatado o uso de propaganda
enganosa.
De acordo com despacho do diretor do DPDC, Ricardo Morishita, dados técnicos enviados
pela Brazil Connection também não conseguiram sustentar as mensagens publicitárias
usadas na venda do produto, em que a empresa garante que o produto é capaz de "modelar
a cintura", "diminuir o abdome" e "tonificar e modelar o corpo sem sacrifícios e sem
esforços".
Segundo o DPDC, a publicidade usada pela empresa sugere que "nada mais seria necessário
ao consumidor para alcançar os resultados demonstrados nas fotografias que ilustram as
mensagens, além do uso dos referidos aparelhos". BRASIL. Ministério da Justiça. Direito do
Consumidor. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/dpdc>. Acesso em: 9 abr. 2008.
589
Tim, a única em todo o Brasil.
Representação nº 234/02, em recurso ordinário.
Autora: Oi
Anunciante: Tim
Relatores: Ênio Basílio Rodrigues e Ricardo Rezende
Decisão: Alteração
Fundamento: Artigos 1º, 3º, 4, 23, 27, par. 1º, 2º e 3º e 50, letra b do Código.
A Câmara Especial de Recursos, em decisão unânime, confirmou recomendação anterior,
pela alteração de campanha em vários meios de comunicação da operadora de telefonia
celular Tim. A denúncia foi feita pela Oi, concorrente da Tim, que se sentiu atingida por
170
5.2 PUBLICIDADE ABUSIVA
590
O Código de Defesa do Consumidor não conceitua a publicidade
abusiva, apenas apresenta, no §2º do art. 37, um rol de verbos que podem
caracterizá-la
591
.
O caput do art. 37 é claro ao dispor que a publicidade abusiva é
proibida.
Da norma depreende-se que a publicidade deve ser ética, sendo
defeso veicular mensagens que tragam carga de preconceito, que violem os
valores nela descritos. Tem caráter residual em relação à publicidade
enganosa, abrangendo qualquer violação aos interesses da sociedade.
Fernando Gherardini
592
Santos enumera e explica as
características básicas da publicidade abusiva. Para o autor: a) o Código de
Defesa do Consumidor considera abusiva a publicidade que agride valores
essenciais da sociedade, como meio ambiente, igualdade de raças,
deficiência da criança. É a que desrespeita valores básicos da sociedade,
ofende valores socialmente relevantes; b) abusiva é toda publicidade que
concorrência desleal. Segundo a empresa Oi, a campanha em tela faz crer ser a Tim a única
empresa de telecomunicações móveis ou que presta serviços do gênero utilizando uma única
tecnologia em todo o Brasil, o que não traduz a realidade do mercado, na medida em que a
própria Oi e outras 21 operadoras do Serviço Móvel Celular operam no país. Em sua defesa,
a Tim afirma considerar verdadeira a informação de sua campanha, uma vez que é a única
com autorização para operar em todo o Brasil com tecnologia própria. Em primeira
instância, o relator sustentou seu voto pela alteração no fato de não haver, na campanha, a
menção de que a Tim era a única empresa a operar em todo o território nacional mas
numa dada tecnologia, o que de forma alguma pode ser considerado um fato notório junto
ao grande público.
590
O regramento dado pelo CDC à segunda espécie de publicidade ilícita ali prevista, a
abusiva, constituiu uma grande novidade no campo jurídico mundial [...] ao tempo da
promulgação do CDC não havia nada no Direito alienígena que pudesse servir de parâmetro
a tal espécie de prática comercial patológica”. SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de
Marketing uma abordagem jurídica do marketing empresarial. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do Consumidor, v. 14, p. 220-221.
591
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
Parágrafo segundo - É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer
natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da
deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que
seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua
saúde ou segurança.
592
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 225/226.
171
gerar (ou, ao menos, ter a potencialidade para tanto) um dano de natureza
material ou não; c) os danos a serem evitados sempre terão a característica
de difusos ou coletivos.
Por meio da expressão “dentre outras” fica claro que o rol é
exemplificativo (numerus clausus). Nem poderia ser de outra forma, pois os
valores sociais variam conforme a época e local. Vê-se, pois, que uma lei
moderna e dinâmica como a Lei n. 8.078/90, não poderia e não deixou de
considerar esse caráter de mudança e evolução da sociedade. Atento, o
legislador também vislumbrou que acontecimentos da vida são muito mais
ricos do que a sua imaginação e que podem ser utilizadas práticas abusivas
não pensadas no momento que a lei foi elaborada.
O conceito de abusividade não se relaciona diretamente com o
produto ou serviço anunciado, mas tão-somente com a mensagem veiculada.
Ressalta Antonio Carlos Efing que “o potencial abusivo da
publicidade não afeta necessariamente os consumidores efetivos ou reais,
mas sim os potencialmente consumidores que têm suas fragilidades
exploradas”
593
.
Consumidor, na atividade publicitária, não é apenas o potencial,
mas todos aqueles expostos, mesmo os excluídos do consumo, que,
entretanto, foram atingidos pelas práticas, principalmente as práticas
abusivas. Nessa hipótese de consumidor equiparado, não é necessário o
requisito de “destinatário final” do produto ou serviço. Isso porque,
justamente por ser equiparado, por sua especial vulnerabilidade, dispensa-
se o ato de consumo ou de potencialidade.
Suzana Maria Federighi entende que a publicidade abusiva “está
relacionada à própria forma de abordagem do consumidor, não sendo
obrigatório qualquer vínculo da nocividade da publicidade para com a lisura
do produto”
594
.
Assim, a publicidade pode se caracterizar como abusiva
independentemente do produto ou serviço que venha a divulgar, pois o que
593
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos dos direitos das Relações de Consumo.
edição revista e atualizada, 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2006, p. 195.
172
importa é o tipo de expediente utilizado para aproximar o consumidor do
fornecedor. Não é necessária a ocorrência de efetivo dano ao consumidor,
mais relevante é averiguar a potencialidade e a possibilidade de ele ocorrer.
Dessa forma, dependendo do conteúdo da mensagem veiculada, a
publicidade subliminar pode ser considerada abusiva.
Existe entendimento de que a publicidade abusiva consiste em
modalidade de abuso de direito
595
.
Sua estrutura jurídica difere da publicidade enganosa, pois se esta
“depende de uma definição clara da conduta omissiva ou comissiva danosa,
a publicidade abusiva tem conteúdo mais extenso”
596
.
A abusividade é conceito aberto ou indeterminado, que deve levar
em consideração os valores da sociedade, sendo, portanto, amplo e flexível,
ainda que a mensagem da publicidade seja verdadeira, a abusividade não é
permitida
597
.
O objetivo da norma é garantir a liberdade de escolha do
consumidor para que a faça de modo consciente, “livre da influência de
fatores estranhos que não constituem motivos justificáveis para a decisão de
consumo”
598
.
Bem enfatiza Suzana Maria Federighi que a publicidade abusiva:
[...] é perniciosa pelo aproach; aproveita da fraqueza do destinatário
ou da polemicidade do tema que encabeça a campanha, para chamar
a atenção para si. Confunde ética com mesmice, substitui o talento
publicitário pela injúria generalizada
599
.
594
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 69.
595
SPODE, Guinther. O controle da publicidade à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Revista de Direito do Consumidor n. 43/178. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.
189.
596
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 85.
597
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 69.
598
SPODE, Guinther. O controle da publicidade à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Revista de Direito do Consumidor n. 43/178. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.
191.
599
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. ¾.
173
E Cláudia Lima Marques sintetiza: “A publicidade abusiva é, em
resumo, a publicidade antiética, que fere a vulnerabilidade do consumidor,
que fere valores sociais básicos, que fere a própria sociedade como um todo”
[grifo no original]
600
.
A disciplina da publicidade abusiva aplica-se à venda pessoal, bem
como a disciplina referente à oferta
601
.
Em sentido contrário Valéria Furlan, para quem “Somente as
mensagens coletivas que visam promover ou estimular o aumento no
consumo de bens ou serviços constituem objeto deste artigo”, referindo-se ao
artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor
602
.
O art. 46 do Projeto de lei francês proibe toda publicidade que
contemple, sob qualquer forma, alegações, indicações ou apresentações
suscetíveis de ensejar a prática de comportamentos nocivos à saúde ou à
segurança das pessoas
603
.
Em rigor, publicidade abusiva não é algo difícil de se reconhecer.
Peculiar foi o caso analisado pelo DPDC, envolvendo a montadora Fiat
604
.
600
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. 4. ed. rev. atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 680.
601
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 230-231.
602
FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista de
Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 114.
603
LUCCA, Newton De. Direito do consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas.
edição. Bauru: Edipro, 2000, p. 59.
604
Brasília, 04/10/2004 A montadora Fiat vai responder a processo administrativo por
suposta abusividade contida em uma de suas propagandas do modelo novo do Palio. O
processo foi instaurado nesta segunda-feira (4) pelo Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor (DPDC), a partir de denúncia apresentada por uma consumidora em novembro
do ano passado.
A publicidade, exibida entre os dias 12 e 14 de novembro de 2003, mostra um ex-presidiário
que, ao sair da cadeia, encontra o novo Palio. Logo em seguida, a imagem fica escura e é
possível escutar o barulho de vidro sendo quebrado, seguido da frase "Ninguém resiste ao
novo Palio".
De acordo com o DPDC, o Código de Defesa do Consumidor assegura proteção contra
publicidade abusiva, que contenha conteúdo discriminatório, incite a violência, explore o
medo ou superstição ou induza o consumidor a comportar-se de forma prejudicial. O
conteúdo discriminatório, segundo o DPDC, ficaria caracterizado pela impressão passada ao
telespectador de que um ex-presidiário jamais se reabilitará, estando disposto a cometer
uma nova infração à lei apenas para ter o veículo.
174
Por seu turno, o CONAR julgou diversas vezes casos em que a
publicidade veiculada foi considerada abusiva
605
.
Ao mesmo tempo, incitaria a violência. "A publicidade deixa claro através dos sons emitidos
a violência empregada contra bem alheio com o intuito de torná-lo próprio, estabelecendo
um precedente perigoso, pois aparentemente permite e aprova essa conduta, visto que
`Ninguém resiste ao novo Pálio´", diz a nota técnica da Coordenação-Geral de Assuntos
Jurídicos do órgão. BRASIL. Ministério da Justiça. Direito do Consumidor. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/dpdc>. Acesso em: 9 abr. 2008.
605
1) Representação nº 271/03
Autor: Conar, por iniciativa própria
Anunciante e agência: Ace e Proinfo
Relator: José Manoel Cascão Costa
Decisão: Sustação
Fundamento: Artigos 1º, 3º, 6º, 24 e 50, letra c do Código
O diretor executivo do Conar propôs representação contra a Ace Lâminas de Segurança e
sua agência Proinfo por entender que anúncio em revista, que mostra um homem
mascarado disparando tiros de revólver contra o vidro de um carro com pessoas dentro,
explora o medo como argumento de venda, o que é reprovado pelo Código ético-publicitário.
Para o anunciante, a peça transmite a idéia da segurança oferecida pelo seu produto
vidros automotivos de alta resistência.
Em decisão unânime, atendendo à sugestão do relator, a 2ª Câmara deliberou pela sustação
do anúncio da Ace e da Proinfo.
2) Representação nº 101/03.
Autor: Conar, a partir de queixa de consumidor
Anunciante e agência: Associação dos Lojistas do Goiânia Shopping e Insite
Relator: Arthur Amorim
Decisão: Arquivamento
Fundamento: Artigo 27, nº 1, letra a do Rice
A liquidação vai começar e uma senhora idosa e uma jovem disputam aos empurrões e
outros truques o privilégio de ser a primeira cliente a chegar à loja. Quando a jovem está a
apenas alguns passos de distância do seu objetivo, a senhora maneja com habilidade uma
bengala, fazendo a jovem tropeçar e cair ao chão. A senhora, orgulhosa do feito, ganha a
corrida. Esta cena, em filme para a TV do Goiânia Shopping, foi alvo de protesto de uma
consumidora da cidade, que a considerou exemplo de comportamento inadequado e
deseducativo, inclusive em relação ao idoso.
Em sua defesa, a agência nega a interpretação da consumidora.
Para o relator, trata-se apenas de um comercial que se esforça para ser bem-humorado,
retratando uma velhota que se comporta como toda consumidora gostaria de poder fazer
para chegar na frente. Ele propôs arquivamento, voto aceito por unanimidade.
175
6 PUBLICIDADE SUBLIMINAR
606
6.1 CONCEITO E ETIMOLOGIA DO TERMO “SUBLIMINAR”
O vocábulo subliminar origina-se do latim (sub limen, “sob limite”)
e significa abaixo do limiar da consciência.
O Dicionário Houaiss define subliminar como estímulo indireto que
atua no subconsciente.
Consta do Caldas Aulete a seguinte definição: “Diz-se de estímulo
que não atinge o liminar da consciência, e atua no nível do subconsciente
(propaganda subliminar)”
607
.
O Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano, apresenta o termo
subliminar como sendo o mesmo que inconsciente. Esclarece que a palavra
foi divulgada por F Myers (Human Personality and its Survival of Bodily
Death, 1903), que com ele designou o vasto domínio que está sob o limiar da
consciência, onde aos poucos se vai acumulando o material que será
utilizado na criação genial.
Do ponto de vista da psicologia, entende-se por subliminar
qualquer estímulo abaixo do limiar da consciência que produz efeitos
psíquicos. Christiane Gade aduz que “por percepção subliminar se entende a
influência exercida sobre a atitude ou o comportamento por uma mensagem
ou informação que não é percebida conscientemente”
608
.
606
Como bem afirma Judith Martins Costa, técnicas diversas se multiplicam. Em certos
casos as peças publicitárias tentam dissimular a sua natureza, sempre em busca da melhor
relação custo-benefício na persuasão dos potenciais consumidores” (COSTA, Judith
Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade enganosa e clandestina.
Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.
223).
607
AULETE, Caldas. Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2004)
608
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda. Edição revista e
ampliada. São Paulo: EPU, 1998, p. 42.
176
6.2 EVOLUÇÃO E UTILIZAÇÃO DE MENSAGEM SUBLIMINAR
Flávio Mário Calazans, citando Wilson Brian Key, revela que
Demócrito (400 a.C.) foi quem primeiro vislumbrou a percepção subliminar
quando mencionou que “nem tudo o que é perceptível pode ser claramente
percebido”. Platão teria aprofundado o tema na obra “Timeu”, depois
detalhado por Aristóteles na sua teoria dos umbrais da consciência na obra
“Perva naturalia”. Após citar diversos autores que direta ou indiretamente
trataram do tema, como Montaigne, Leibniz, Freud, invoca a “Teoria da
Exclusão” de Poetzle. A idéia é que um estímulo captado pelo consciente não
poderia se manifestar nos sonhos subseqüentes, mas o “conteúdo dos
sonhos consiste em informações percebidas subliminarmente”
609
.
Channouf apurou registros de pesquisas com subliminares desde
Pierre e Jastrow no ano de 1884, baseadas em estudos de Locke, Leibniz,
Helveticus, Helmholtz e James. Esclarece que Étiene Bonnot de Condillac,
em 1746, foi o primeiro a descrever como as impressões do mundo exterior
recebidas sem consciência afetam estados de ânimo. Miller, em 1939
relacionou a psicologia motivacional a estímulos subliminares e Dixon, em
1971, sistematizou os experimentos anteriores sobre subliminares e
concluiu que os estímulos subliminares ativam receptores periféricos sem
um efeito consciente
610
. Nos anos 1950 e 1960 foram utilizadas diversas
vezes as imagens subliminares na publicidade
611
. ainda os estudos de
Lloyd Silverman, a partir de 1964, sobre a psicodinâmica subliminar
612
.
Guy Durandin informa que a publicidade subliminar:
[...] foi freqüentemente empregada nos Estados Unidos mais de
dez anos para vender produtos de higiene pessoal, cigarros, bebidas,
coisas que têm relação com o corpo e, portanto, com a sexualidade.
Na França, nos últimos anos multiplicaram-se não apenas os cubos
de gelo, mas garrafas meio envoltas em papel de seda, em cujas
609
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. 7 ed. São
Paulo: Summus, 2006, p. 32.
610
Apud CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. 7 ed.
São Paulo: Summus, 2006, p. 33-34.
611
CHANNOUF, Ahmed. Les images subliminales. Paris: Puf, 2000, p. 80.
612
CHANNOUF, Ahmed. Les images subliminales, p. 34.
177
dobras se podia ver muitas formas. É observável, portanto a
utilização de estímulos ambíguos
613
.
Conforme o relato de Flávio Mário Calazans, a técnica de inserção
de publicidade subliminar teria sido utilizada pela primeira vez em 10 de
junho de 1956, durante a exibição do filme Picnic, nos Estados Unidos.
Conta que se projetou sobre o filme, por meio de um aparelho conhecido por
taquicoscópio, a frase “Beba Coca-Cola”, isto de modo tão veloz que o
consciente não poderia captar a mensagem, vale dizer, em intervalos de
cinco segundos, por 1/3.000 de segundo. O resultado veio com um aumento
na venda do produto, percentualmente calculado em 57,7%. A experiência
foi repetida posteriormente com pipoca e novamente se verificou um
aumento da na comercialização do produto
614
.
De acordo com Ignácio Ramonet, James Vicary - a quem é
atribuída a experiência de inserção de imagens-flash com duração de alguns
centésimos de segundo, combinada com espectadores comendo pipoca e
bebendo Coca-Cola (um aumento de 57,7% e de 18,1%, respectivamente)
afirmou , mais tarde, que o seu estudo era falso e que havia mentido
615
.
Contudo, a existência e eficácia do experimento não estão
descartadas, mesmo diante da suposta retratação de Vicary. Além de haver
data e local do evento, as circunstâncias da retratação não estão
devidamente esclarecidas
616
.
Outro relato de Flávio Mário Calazans informa que nos idos de
1974, Sam McLoud utilizou, pela primeira vez na publicidade, o subliminar
613
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 151.
614
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. 7 ed. São
Paulo: Summus, 2006, p. 26/28. Christiane Gade descreve o evento da seguinte forma: “O
experimento mais conhecido em termos de propaganda subliminar é o realizado pela
‘Subliminal Projection Company’, em New Jersey, a qual superpôs a um filme, em intervalos
de cinco segundos, as palavras Eat popcorn’ (coma pipoca) e Drink coke’ (Beba Coca-Cola)
projetados em 1/3.000 de segundos. Os resultados teriam sido um aumento da venda de
pipoca em 18% e de Coca em 57% no bar do cinema durante os intervalos”. GADE,
Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda. Edição revista e ampliada. São
Paulo: EPU, 1998, p. 42.
615
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema. Tradução:
Luís Filipe Sarmento e Isabel Salvado. 2ª Edição. Porto: Campo das Letras, 2000, p. 49.
616
Nesse sentido, CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar
multimídia, p. 281.
178
na televisão. Nessa experiência foi exibida a expressão “compre-o”
sobreposta à imagem do jogo “Kusker Du”, por quatro vezes e em frações de
segundo. A Comissão Federal de Comunicação dos Estados Unidos
determinou a proibição da veiculação, por ser contrária ao interesse
público
617
.
Gino Giacomini Filho informa que no dia 6 de junho de 1958
realizou-se “a primeira experiência de propaganda subliminar através da TV
Tupi (São Paulo e Rio) com os anunciantes Nova Iorque e Porto Velho
(imobiliárias)”
618
.
6.3 O FUNCIONAMENTO DAS MENSAGENS SUBLIMINARES
O mecanismo de funcionamento das mensagens subliminares
ainda não está devidamente esclarecido em todos os detalhes
619
.
Reynaldo Andrade da Silveira, a respeito, afirma que:
[...] veicula-se a publicidade subliminar por meio de mensagem
visual ou simplesmente sonora de pouca intensidade. O apelo da
mensagem é sutil, discreto, e alcança o inconsciente do consumidor,
que não percebe a finalidade da informação. A mensagem não
convida, diretamente, o consumidor a adquirir um produto ou
serviço. Mas, a repetição das inserções fica registrada no
inconsciente do consumidor, e, na ocasião em que necessita do
produto/serviço, esse ‘registro’ gravado de forma espontânea no
617
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 30.
618
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 36.
619
Ignacio Ramonet aduz que “no final dos anos 50, os spots projectados nas salas de
cinema duravam, em média, de um a três minutos; actualmente, os spots na televisão
duram, em média, de oito da trinta segundos. Poder-se-ia mesmo imaginar um spot
publicitário reduzido a uma imagem cujo efeito sobre o espectador seria, no entanto,
considerável. Um tal procedimento, designado por imagem subliminar, torna a publicidade
invisível e imperceptível. Com efeito, inserindo uma imagem parasita entre as vinte e quatro
que desfilam por segundo no cinema (vinte e cinco na televisão), a persistência retiniana não
se produz. O olho vê e o cérebro é informado, mas abaixo do limiar de consciência. Por efeito
subliminar (do latim sub limen, sob limite’). Desde mais de um século que os
especialistas tentam determinar em que medida uma imagem (mas também um som ou
uma palavra), apresentada de forma tão fugaz que a pessoa crê não a ter apreendido, pode,
apesar disso, afectar o seu julgamento, ou a sua percepção consciente. em 1898, em
Harvard, um investigador, Boris Sidis, demonstrava que cobaias que distinguiam “um
ponto tênue” em cartas colocadas ao longe eram capazes de nomear a letra que ali estava
inscrita com uma taxa de resposta correcta superior àquela que resulta do acaso”.
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 48.
179
inconsciente do consumidor aflora, como se fora ‘uma opção
espontânea’
620
.
Segundo Guy Durandin:
O processo de intenção nesse terreno é, aliás, fácil de realizar, pois
qualquer imagem complexa constitui um teste de projeção, durante o
qual cada indivíduo pode concretizar suas fantasias. Há muito tempo
se fazem imagens em que o jogo é descobrir uma forma em outra, por
exemplo a mulher do lavrador no lenço que ele tem no pescoço. Mas,
assim como o processo é fácil fazer, é também fácil negar sua
intenção
621
.
Entretanto, sua eficácia ainda é colocada em dúvida
622
. Chrisitane
Gade, ao se referir ao experimento de Vicary, aduz que “não existem dados
metodológicos a respeito deste experimento que garantam que este resultado
de vendas se deva unicamente à projeção das palavras e não a outras
variáveis não controladas”
623
.
Por outro lado considera que:
Em termos de estimulação subliminar, determinados estímulos em
publicidade podem cair acima ou abaixo do limiar da consciência de
determinados indivíduos e, ainda, ser distorcidos em função de uma
seletividade perceptiva, neste nível, ou por uma predisposição
pessoal
624
.
620
SILVEIRA, Reynaldo Andrade da. Práticas mercantis no direito do consumidor. 1. ed.
(1999), 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2004, p. 127.
621
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 151.
622
“As experiências provaram que esse tipo de propaganda silenciosa não suscita, em rigor,
senão necessidades primárias (vontade de beber, de comer, de fumar, de se refrescar [...] e
de forma nenhuma consegue impor uma marca precisa de um produto”. “Não nenhuma
prova de que uma pessoa possa agir sob a influência de uma percepção subliminar”, afirma
o professor Philip Merikle, da Universidade de Waterloo, no Canadá. Outros mantêm que
essa influência existe; [...], mas a duração de vida desta influência subliminar é
extremamente reduzida: ‘Após 200 milionésimos de segundo, o efeito desapareceu’, assinala
o professor Juan Segui, director do Laboratório de Psicologia Experimental de Boulogne-
Billancourt”. RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p.
49.
623
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 42, 43. A autora
acrescenta que: “Nada garante o sucesso da propaganda subliminar, e a insuficiência de
dados experimentais, além do aspecto ético, faz com que este método tenha sido
abandonado em favor da propaganda controlada aberta. Contudo, conforme se abordará
mais adiante, este método não foi abandonado.
624
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 42.
180
Christiane Gade, advertindo inexistirem dados do experimento,
relata que:
[...] provém da empresa americana Procon, que também se dedica ao
estudo da percepção subliminar e que alega ter conseguindo, num
experimento controlado, que pessoas, às quais eram apresentadas
subliminarmente palavras neutras pareadas com um pequeno
choque elétrico, avaliassem posteriormente estas palavras
negativamente
625
.
Não obstante, até o atual estágio do conhecimento pode-se associar
o funcionamento da publicidade subliminar com o inconsciente. Bem por
isso é importante discorrer brevemente sobre o cérebro humano.
6.3.1 O cérebro
O cérebro humano opera de dois modos: ou de forma automática,
ou por meio de “programação”, sendo que o primeiro permite a
reprogramação. Trata-se de um funcionamento não não-linear e que não se
explica pela lógica matemática ou mecânica. O armazenamento das
informações obedece a estruturas associativas em cadeia. Assim, a partir de
uma série de associações, o cérebro, de forma consciente ou inconsciente,
pode formar novas associações. As atividades são conscientes e
inconscientes e têm três níveis distintos (reptiliano, que controla as funções
orgânicas e algumas reações instintivas; mamífero que controla as emoções
e a sexualidade; noemamífero, que controla a linguagem e os processos
intelectuais), tem quatro ciclos de ondas elétricas (beta estado de alerta ou
excitação, alfa estado de calma e tranqüilidade, teta e delta referem-se
aos dos sonos leve e profundo). São quatro as formas de captação de
informações (visual, auditiva, cinestésica (olfato, paladar e tato), digital ou
polivalente e trabalha com mapas e filtros mentais).
625
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 42.
181
Ao contrário do defendido por Bérgson, para o qual o pensamento
vem da alma, na verdade o pensamento tem origem no cérebro. Existe uma
materialidade do pensamento e da memória
626
.
Segundo Philippe Meyer:
No estado atual das neurociências, o pensamento, a memória
consiste numa modificação físico-química da matéria cerebral, [...]
uma atividade físico-química intensa acompanha as funções
cognitivas cerebrais, derrubando a hipótese de que a memória seja
de natureza espiritual [tese defendida por Bérgson, segundo o qual o
cérebro é mero órgão de ação] e de que a memória cerebral se reduza
a uma memória proprioceptiva
627
.
O sistema límbico relaciona-se com a emoção e a memória. O septo
refere-se ao prazer, inclusive o sexual, o hipocampo à memória e a amígdala
às emoções. fonte
Em suma, pelo aspecto neurológico nota-se que existe a
possibilidade de a “informação” subliminar ficar registrada no cérebro.
6.3.2 O inconsciente
De início quadra mencionar que muitos cientistas e filósofos negam
a existência de uma psique inconsciente, enquanto outros tantos acreditam
que ele existe.
Guy Durandin, sobre o tema, informa:
Freud estudou os fenômenos inconscientes com objetivo científico e
terapêutico [...] Mas as descobertas psicanalíticas foram utilizadas
com objetivo radicalmente diferente na publicidade: sob o nome de
estudos de motivação, Ernest Dichter, autor de La Stratégie du Désir
(1961), e seus alunos procuraram descobrir as motivações
inconscientes dos compradores potenciais, não para lhes revelar,
mas para explorá-las. A mentira, nesse caso, não recai nos produtos,
mas no psiquismo dos compradores; faz-se que acreditem estar
agindo por um motivo, quando sua decisão é em parte determinada
626
As partes conhecidas do quebra-cabeça químico da memória são extraordinariamente
complexas e as zonas desconhecidas continuam sendo imensas. Mas a materialidade dos
fenômenos mnêmicos não pode mais ser discutida (MEYER, Philippe. O olho e o cérebro:
biofilosofia da percepção visual. São Paulo: Unesp, 2002, p. 22).
627
MEYER, Philippe. O olho e o cérebro: biofilosofia da percepção visual. São Paulo:
Unesp, 2002, p. 26, 29.
182
por outro, do qual seria desagradável, em graus variáveis, tomar
consciência
628
.
O cérebro humano possui atividades conscientes e inconscientes.
O consciente se relaciona com o estado de atenção, o sentimento e a
percepção, tanto interna como externamente. O inconsciente trabalha com
todo o resto, até daquilo que o indivíduo não está atento.
Carl Gustav Jung, como estudioso da mente humana, ensina:
certos acontecimentos de que não temos consciência.
Permanecem, por assim dizer, abaixo do limiar da consciência.
Aconteceram, mas foram absorvidos subliminarmente, sem nosso
conhecimento consciente. podemos percebê-los nalgum momento
de intuição ou por um processo de intensa reflexão que nos leve à
subseqüente realização de que devem ter acontecido. E apesar de
termos ignorado originalmente a sua importância emocional e vital,
mais tarde brotam do inconsciente como uma espécie de segundo
pensamento. Este segundo pensamento pode aparecer, por exemplo,
na forma de sonho [grifo no original]
629
.
E continua afirmando que:
Uma parte do inconsciente consiste de uma profusão de
pensamentos, imagens e impressões provisoriamente ocultos e que,
apesar de terem sido perdidos, continuam a influenciar nossas
mentes conscientes.
Trata-se de “um conceito científico básico e indispensável a
qualquer investigação psicológica séria”
630
.
Por mais que se pense ter consciência plena da apreensão da
realidade, sempre existe o lado inconsciente desta percepção
631
.
É de Christiane Gade o seguinte ensinamento:
Em psicologia se sabe que a escolha é feita em parte em função de
motivos inconscientes. Na situação de compra, o consumidor tende a
agir de forma emocional e compulsiva, reagindo no plano do
inconsciente a imagens e produtos que seu subconsciente associa ao
produto
632
.
628
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 201.
629
Christiane Gade. O homem e seus símbolos, p. 23.
630
Christiane Gade. O homem e seus símbolos, p. 102.
631
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 23.
632
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 109.
183
Mais adiante Carl Gustav Jung preleciona:
Os pensamentos e idéias esquecidas não deixam de existir. Apesar
de não se poderem reproduzir à vontade, estão presentes num estado
subliminar para além do liminar da memória de onde podem
tornar a surgir espontaneamente a qualquer momento, algumas
vezes anos depois de um esquecimento aparentemente total. [...]
todos nós vemos, ouvimos cheiramos e provamos muitas coisas sem
notá-las na ocasião, ou porque a nossa atenção se desviou ou
porque, para os nossos sentidos, o estímulo foi demasiadamente
fraco para deixar uma impressão consciente. O inconsciente, no
entanto, tomou nota de tudo, e estas percepções sensoriais
subliminares ocupam importante lugar no nosso cotidiano. Se o
percebermos, influenciam a maneira por que vamos reagir a pessoas
e fato
633
.
O inconsciente contém todas as impressões subliminares sem
energia psíquica para alcançar a superfície da consciência
634
.
Carl Gustav Jung relata a experiência vivida por um professor que,
durante uma conversa com um aluno, sem qualquer motivação, vieram-lhe à
mente lembranças da infância. Percebeu, então, que o cheiro de ganso
existente no local desencadeou uma série de recordações, pois vivera em
uma fazenda onde se criavam gansos. Houve o registro subliminar do cheiro
e a percepção inconsciente foi responsável pela lembrança das experiências
da infância. Na interpretação do psicanalista, as recordações em estado
subliminar não podem ser reproduzidas voluntariamente. Outro exemplo
dado por Jung é do anúncio da Volkswagen, no qual foram dispostos
carrinhos em miniatura, formando o emblema Volkswagen, com a intenção
de “detonar” no espírito do consumidor recordações inconscientes de sua
infância. “Se forem lembranças agradáveis, o prazer estará associado
(inconscientemente) ao produto e à marca”
635
.
Para Carl Gustav Jung, três níveis psíquicos: a) da consciência;
b) do inconsciente pessoal; c) do inconsciente coletivo. O inconsciente
pessoal é composto dos conteúdos que perderam identidade e caíram no
633
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 34.
634
Apud CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 41.
635
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 35-36.
184
esquecimento, ou aqueles dos quais a consciência se retirou (repressão) e
todos aqueles que nunca chegaram a ser conscientes, os subliminares
636
.
Em decisões judiciais se observou, amiúde, o argumento de que
a pessoa adquiriu o produto porque quis. De fato, existem inúmeras
sentenças prolatadas nesse sentido, especialmente em demandas que
envolvem a indústria do tabaco, frisa-se, “fumou porque quis”.
O argumento, entretanto, é superficial e deixa de analisar a fundo
a mente:
Muitas pessoas superestimam erradamente o papel da força de
vontade e julgam que nada poderá acontecer à sua mente que não
seja por decisão e intenção próprias. Mas precisamos aprender a
distinguir cuidadosamente entre o conteúdo intencional e o conteúdo
involuntário da mente. O primeiro se origina da personalidade do
ego; o segundo, no entanto, nasce de uma fonte que não é idêntica
ao ego, mas à sua ‘outra face’. [...]
O inconsciente tem a capacidade de examinar e concluir, da mesma
maneira que o consciente e é dirigido principalmente por tendências
instintivas, representadas por formas de pensamento
correspondentes – isto é, os arquétipos
637
.
O célebre psicanalista Sigmund Freud, a respeito do tema analisa:
Quase todo nosso comportamento é guiado, dirigido, pelo conteúdo
do nosso inconsciente, o que explica por que muitas vezes realmente
não sabemos por que fizemos o que fizemos. É o que se denomina
motivação inconsciente (apesar de que o que é inconsciente de fato é
a causa, não o motivo). [...] no inconsciente guardamos todas as
nossas memórias e recordações [grifos no original]
638
.
Sobre a influência dos registros do inconsciente nas decisões de
consumo, Christiane Gade afirma que:
A escola de psicologia analítica indica que os motivos de compra e
consumo têm suas raízes no inconsciente, tendo relação com os
instintos da libido, que se estruturam na primeira infância, por
exemplo, nas fases oral, anal e fálica
639
.
636
Apud CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 41.
637
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos, p. 37, 78.
638
Apud SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor:
identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 49-50.
639
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 21.
185
Jean Baudrillard também relaciona o inconsciente com a sociedade
de consumo:
Os analistas começam a debruçar-se doutamente, com delicioso
calafrio, sobre os fantasmas publicitários, sobre as manifestações de
oralidade devoradora, de analidade ou de fálico aqui e além
presentes – tudo ramificado no inconsciente do consumidor que
apenas estava à espera de ser manipulado (pressupõe-se desde tal
inconsciente, uma vez que Freud assim disse essência escondida
cujo alimento preferido é o símbolo ou o fantasma). Existe o
inconsciente e, depois, os fantasmas que o importunam. Esta
miraculosa conjunção promove a venda
640
.
A linguagem do inconsciente, ensina Mário Ernesto René
Schweriner, é pré-verbal, icônica, figurativa e concreta. Na interpretação
deste autor:
Freqüentemente, causas [estímulo] externas e internas interagem, e
as externas despertam causas inconscientes até então adormecidas,
gerando um forte motivo acirrador do comportamento [...] Nosso
repertório de causas internas inconscientes é um verdadeiro campo
minado, cada mina pronta para explodir ao menor contato de
estímulos externos. Dessa maneira, uma causa externa que
isoladamente poderia produzir um motivo poderoso, quando ativa
a mina enterrada, deflagra motivos explosivos que despertam causas
inconscientes até então adormecidas. Pode parecer maquiavélico,
mas as estratégias de comunicação da empresa devem, na medida do
possível, impedir que o consumidor acione a consciência [...]
641
.
Portanto, a mensagem subliminar pode ficar armazenada no
cérebro, penetrar diretamente no inconsciente e fixar-se, sem o filtro do
consciente. Do mesmo modo, pode ser recuperada a qualquer momento.
Os estudiososos ainda não explicaram, pois, até quando (horas, dias,
meses ou anos) essas mensagens permanecem no cerébro, nem quais os
fatores recuperantes.
6.3.3 Gestalt
De acordo com as anotações de João Gomes Filho:
640
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 156.
641
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais, p. 31-32.
186
A Gestalt é uma escola de psicologia experimental. Considera-se que
Chrisitian von Ehrenfels, filósofo austríaco de fins do século XIX, foi
o precursor da psicologia da Gestalt. O movimento gestaltista atuou
principalmente no campo da teoria da forma, com contribuição
relevante aos estudos da percepção, linguagem, inteligência,
aprendizagem, memória, motivação, conduta exploratória e dinâmica
de grupos sociais. A teoria da Gestalt, extraída de uma rigorosa
experimentação, vai sugerir uma resposta ao porquê de umas formas
agradarem mais e outras não. Esta maneira de abordar o assunto
vem opor-se ao subjetivismo, pois a psicologia da forma se apóia na
fisiologia do sistema nervoso, quando procura explicar a relação
sujeito-objeto no campo da percepção
642
.
Christiane Gade esclarece que a denominação Gestalt, em alemão,
significa “figura” e que para os adeptos desta escola de psicologia “[...] existe
uma tendência humana para organizar e interpretar as partes da informação
para formar um todo com significado, uma figura significativa”
643
.
De acordo com a teoria da Gestalt, o que acontece no cérebro não
se identifica com o que ocorre na retina
644
. Nem tudo o que parece ocorre no
mundo dos fatos, manifestando-se o fenômeno da ilusão de ótica, a saber: a
Ilusão de Muller-Lyer, o cubo de Becker, o tridente de Schuster e a figura de
Rubin (Anexo K), entre outros peculiares exemplos (Anexo L).
Segundo Guy Durandin, constata-se que:
Certas imagens prestam-se a interpretações diferentes segundo
algumas de suas partes sejam consideradas como ‘figura’ ou como
‘fundo’. A forma dessas diversas partes, a sobreposição de umas às
outras, as diferenças de iluminação e de coloração permitem
introduzir uma imagem global, imediatamente identificada, imagens
parciais, ou então letras, que serão percebidas no nível do
subconsciente
645
.(Anexo M)
642
GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma. 8ª ed. rev.
e ampl. São Paulo: Escrituras, 2008, p. 18.
643
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 40.
644
Conforme explica Philippe Meyer, a noção de que é o cérebro que na verdade “vê” as
imagens e não o olho, vem desde Aristóteles: “Para Aristóteles, o olho recebe um estímulo
visual, mas é o cérebro que produz a sensação. Os neurofisiologistas determinaram as leis
da transdução das imagens na retina: a complexidade existe já nessa primeira etapa
periférica, que não pode ser comparada a uma emulsão fotográfica submetida ao choque
dos fótons. Mas já Aristóteles compreendera as posições respectivas dos processos de
captura luminosa e de integração da imagem”. MEYER, Philippe. O olho e o cérebro:
biofilosofia da percepção visual, 2002, p. 38.
645
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 150.
187
As Leis da Gestalt, segundo João Gomes Filho
646
, são: unidade,
segregação, unificação, fechamento, continuidade, proximidade e
semelhança e pregnância da forma. A explicação que dá para elas é a
seguinte:
a) unidade: é o conjunto de mais de um elemento, que configura o
“todo” propriamente dito, ou seja, o próprio objeto;
b) segregação: é a capacidade perceptiva de separar, identificar,
evidenciar, notar ou destacar unidades, em um todo compositivo ou em
partes deste todo, dentro de relações formais, dimensionais de
posicionamento (Anexo N);
c) unificação: consiste na igualdade ou semelhança dos estímulos
produzidos pelo campo visual (Anexo O);
d) fechamento: é a ordem espacial que tende à formação de
unidades em todos fechados, ou seja, é a sensação de fechamento visual por
meio de agrupamento de elementos de maneira a constituir uma figura total
mais fechada ou completa (Anexo P);
e) continuidade: é a impressão visual de como as partes se
sucedem por meio da organização perceptiva da forma de modo coerente,
sem quebras ou sem interrupções (descontinuidade) na sua trajetória ou na
sua fluidez. É também a tendência dos elementos de acompanharem uns aos
outros, de maneira tal que permitam a continuidade de um movimento para
uma direção estabelecida, por meio de unidades formais como pontos,
linhas, planos, volumes, cores, texturas, brilhos, degrades.
f) proximidade: elementos próximos uns dos outros tendem a ser
vistos juntos e, por conseguinte, a constituírem um todo ou unidades dentro
de um todo (Anexo Q);
g) semelhança: é a tendência de constituição de unidade pela
igualdade de forma e de cor (Anexo R);
h) pregnância de forma: as forças de organização da forma tendem
a se dirigir tanto quanto o permitam as condições dadas, no sentido da
harmonia e do equilíbrio visual. Qualquer padrão de estímulo tende a ser
646
GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma. 8ª ed. rev.
e ampl. São Paulo: Escrituras, 2008, p. 29/38.
188
visto de tal modo que a estrutura resultante é tão simples quanto o
permitam as condições dadas
647
.
Assim, pela teoria da Gestalt explica-se porque, apresentada uma
certa figura (Anexo S) vê-se um triângulo ou um cubo que não existem.
Também foi utilizada a técnica da Gestalt no desenho animado Rei
Leão (Anexo T) e na publicidade da Gucci (Anexo U), para fins de efeitos
subliminares.
A psicologia da Gestalt apresenta “o conceito de figura e fundo
como o mais primitivo processo da percepção, quando um órgão sensório
focaliza e destaca um padrão de estímulos como figura, deixando o resto
como fundo”
648
(Anexo V) – Desenho de Escher).
As “figuras reversíveis” da Gestalt possuem a característica de mais
de uma interpretação perceptiva. “A reversibilidade é uma percepção do
aparente do oculto [conceito que adiante será apresentado]. Isso porque ela é
uma forma que se constrói e se dissipa”
649
.
Peirce admite dois tipos de pensamento - por contigüidade e por
similaridade - que geram dois eixos. O eixo sintagmático contigüidade,
conceitos, símbolos, verbal, lógico, hierárquico (lado esquerdo do cérebro). O
eixo paradigmático similaridade, modelo ícone, não-verbal, analógico,
anárquico (lado direito do cérebro). É a região icônica do pensamento
inconsciente, o subliminar icônico. A decodificação de uma imagem global é
instantânea: em frações de segundo o olho faz uma varredura da imagem, e
uma imagem vale por mil palavras
650
. Por outro lado, “A capacidade de
convencimento de uma imagem é muito maior que a de um texto”
651
e
proporcionam uma “melhor memorização do que as palavras”
652
.
De fato, segundo Terence Shimp:
647
As definições são de João Gomes Filho (Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da
forma. 8ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Escrituras, 2008, p. 29, 38)
648
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 39.
649
BONDER, Nilton. O Segredo Judaico de Resolução de Problemas, p. 108.
650
Apud CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 56.
651
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda1991, p. 51.
652
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 77.
189
As imagens mentais desempenham um papel importante em vários
aspectos do processamento de informações do consumidor:
compreensão, recordação, recuperação, formação atitude e escolha
[...].
Fotos e estímulos visuais são mais bem lembrados (comparados com
verbalizações abstratas ou concretas) porque são especialmente
capazes de evocar imagens. Uma explicação mais formal é fornecida
pela teoria de codificação dupla, que afirma que as fotos são
representadas na memória em forma verbal e visual, enquanto que
as palavras m menos probabilidades de ter representação visual
[grifos no original]
653
.
A principiologia da Gestat (figura-fundo) também é utilizada na
decoração dos ambientes de consumo.
Christiane Gade, ao tratar do aprendizado por associação, explica
que:
As técnicas freqüentemente utilizadas, são aquelas nas quais
aparecem paisagens, esportes ou música, por exemplo natalina, e o
produto e marca, visando associar a resposta emocional positiva
aprendida secundária aos estímulos apresentados que compõem o
fundo, com o produto e marca que compõem a figura
654
.
A psicologia da Gestalt é utilizada nas percepções subliminares.
Portanto, as mensagens subliminares podem ficar armazenadas no cérebro,
apreendidas de forma inconsciente, por meio de imagens, que “O anúncio
tem forma e conteúdo cujo conjunto forma uma Gestalt, uma figura”
655
.
6.3.4 Os sentidos
Qualquer órgão dos sentidos humanos pode ser afetado pelo
estímulo subliminar, sendo os mais comuns os visuais e auditivos.
Para a publicidade, o “melhor mesmo é proporcionar um aluvião de
estímulos que atuem, de preferência, em todos os órgãos dos sentidos”
656
.
Assim, segundo Mário Ernesto René Schweriner, para obter dos
consumidores “[...] a tal da fidelidade à marca, as empresas buscam
653
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da comunicação
integrada de marketing, p. 135.
654
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 66.
655
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 150.
656
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor, p. 29.
190
desesperadamente estabelecer vínculos indeléveis entre suas marcas e fortes
e positivas imagens sensoriais e emocionais”
657
.
6.3.4.1 Os estímulos visuais
É Philippe Meyer quem explica os estímulos visuais:
Mais de cem milhões de células retinianas no fundo de cada globo
ocular recebem os fótons grãos de energia luminosa que se
deslocam a trezentos mil quilômetros por segundo –, depois que sua
trajetória foi modificada de acordo com a distância e a intensidade de
sua fonte pelo cristalino (uma lente) e a pupila (um diafragma).
Dentre as células retinianas, os bastonetes, que são cem milhões na
periferia de cada olho, vêem a luz branca de baixa intensidade; no
centro, os cones, que são sete milhões, reconhecem as cores graças a
seu conteúdo em pigmentos vermelhos, verdes e azuis. Em outras
palavras, a retina contém elementos sensíveis à luz natural e outros
sensíveis aos diferentes comprimentos de onda coloridos, como se
tivessem sido previamente separados por um prisma de Newton
658
.
De acordo com Wilson Bryan Key, a visão periférica, o canto do
olho, composto das células bastonetes, é responsável pelo registro visual das
percepções subliminares, enquanto a parte central do olho, conhecida como
fóvea, que é composta pelas células cones, seria responsável pela visão
consciente. Os bastonetes são células sensíveis a movimento e estímulos
fracos e vêem em preto e branco, os cones vêem as cores
659
.
Assim, no desenho de Escher (Anexo V) pode-se perceber que:
[...] enquanto a fóvea focaliza a figura dos seres negros, o fundo
branco é uma mensagem subliminar recebida pela visão periférica.
Se, porém, a fóvea focaliza a figura dos seres brancos, o fundo negro
é uma mensagem subliminar periférica
660
.
Em suma: a) a leitura textual é fóvica: cones consciente figura;
b) a leitura gráfica é periférica: bastonetes – subliminar – fundo
661
.
657
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor, p. 80.
658
MEYER, Philippe. O olho e o cérebro: biofilosofia da percepção visual. São Paulo:
Unesp, 2002, p. 38.
659
Apud CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 45
e 47.
660
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 46.
661
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 52.
191
Guiseppe Arcimboldo, pintor que nasceu em 1527, desenvolveu
apurada técnica de colocar imagens dentro de imagens. Vista de uma
determinada distância, o rosto por ele pintado parece comum. Mas, com
uma aproximação, verifica-se a existência de um “discurso visual subliminar
de alta complexidade”, tendo-se “uma grande quantidade de informações
assimiladas subliminarmente, de relance”
662
(Anexo X).
As cores são utilizadas conforme o estímulo que produza no
cérebro. É como explica João De Simoni Soderini Ferracciù: “A cor se
constitui numa linguagem rica em códigos, estabelecendo uma ponte entre o
racional e o emocional do ser humano, podendo transmitir sensações de
calor, frio, sabor, peso, odor, acidez, doçura, sabor amargo, salgado etc.”
663
.
Christiane Gade afirma que “as cores e os estímulos físicos visuais,
na verdade, são mais do que isto, representam estímulos psicológicos” e elas
“invadiram o nosso dia-a-dia e foram transformadas em mbolos e signos
visuais”
664
.
Dessa afirmação não duvida Morris Desmond:
A cor mais utilizada é a vermelha, pois é uma das cores mais raras
na Natureza, contrastando vivamente com os verdes e amarelos da
vegetação. O uso do vermelho na decoração destaca
automaticamente a obra em relação ao fundo. Sendo a cor do sangue
e do fogo, possui ainda um poderoso significado simbólico
665
.
Modesto Farina, na clássica obra “Psicodinâmica das cores em
comunicação” estudou a fundo a influência das cores no ser humano e de
forma detalhada, explica como a publicidade se utiliza delas para influenciar
o consumidor
666
, sendo que possuem “efeitos subliminares
psicossomáticos”
667
.
662
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 74.
663
FERRACCIÙ, João De Simoni Soderini. Marketing promocional: a evolução da
promoção de vendas. 6ª Edição. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007, p. 48.
664
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 34-36.
665
MORRIS, Desmond. O Animal Humano. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 194.
666
FARINA, Modesto. Psicodinâmica das Cores em Comunicação. Edição
reimpressão. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.
667
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 174.
192
A respeito da percepção residual, Christiane Gade relata um
experimento que revela o poder das cores:
Para três donas-de-casa foi distribuído o mesmo sabão em pó,
variando apenas a embalagem, que para um grupo era azul, para
outro, amarela, e finalmente, para o terceiro, azul com pintas
amarelas. A avaliação do produto resultou no seguinte: o grupo que
usou o sabão da embalagem amarela o considerou forte demais; o da
caixa azul alegou que não limpava bem e o da caixa azul com pintas
amarelas achou-o um ótimo produto, lavando a roupa de forma
satisfatória
668
.
Atualmente, na publicidade, os planos se sucedem com uma
cadência muito rápida; em média cerca de dois planos por segundo. Essas
mudanças rápidas funcionam como estimulantes visuais, pois fixam o olhar,
pelo seu ritmo ofegante e pelo piscar da luz. Curioso notar que apesar de
Ignácio Ramonet negar a eficácia da publicidade subliminar, afirma que
devido à velocidade dos spots, atribui um efeito de hipnose no espectador
669
.
Por outro lado, menciona que o spot publicitário no qual se utiliza o pastiche
atinge de forma mais eficaz o espectador quando, por efeito subliminar, os
tiver esquecido
670
.
As mensagens subliminares visuais podem ser escritas ou por meio
de imagens.
668
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda, p. 51.
669
São suas as seguintes palavras: “A velocidade da passagem de planos é tal que afastar os
olhos do televisor, nem que seja por um segundo apenas, faria com que falhasse, pelo
menos, um plano. Esta velocidade constitui, portanto, um meio de tornar cativo o olhar e de
provocar um efeito de hipnose”. RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas,
televisão, cinema. Tradução: Luís Filipe Sarmento e Isabel Salvado. Edição. Porto:
Campo das Letras, 2000, p. 57-58.
670
“O pastiche, que solicita a recordação e permite prolongar o spot para além da sua muito
curta duração, também está presente. Em simbiose, por analogia de género com as outras
emissões de televisão, os spots procuram dissimular seu caráter publicitário. Sabem,
paradoxalmente, que nos atingem melhor, por efeito subliminar, quando os tivermos
esquecido. O pastiche favorece o esquecimento trazendo à memória a ficção matriz”
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 65. Em outro
momento afirma que se - Se as mensagens puramente comerciais se opõem e se anulam
umas às outras, os seus suportes ficcionais, em compensação, reforçam sucessivamente,
por efeito, por assim dizer, subliminar, os clichés ideológicos largamente dominantes.
Eles instituem uma verdadeira máquina de desejo. RAMONET, Ignácio. Propagandas
silenciosas. Massas, televisão, cinema, p. 82.
193
6.3.4.2 Os estímulos olfativos
Após o sentido da visão, o olfato é o sentido que mais provoca
emoção
671
. Por esse motivo, é muito pesquisado e utilizado como forma de
influenciar o comportamento do consumidor
672
.
De fato, como menciona Terence Shimp:
Os ambientes das lojas estão repletos de cheiros, incluindo o uso de
discos aromáticos que emitem odores agradáveis e que estimulam as
compras. Embalagens e anúncios de revistas algumas vezes
possuem odores que são aspirados quando abertos ou raspados; e os
materiais de promoções e dos pontos de venda incorporam os cheiros
dos produtos que promovem. Os cheiros podem evocar imagens
fortes de produtos, uso de produtos e situações de consumo. Além
disso, os estímulos olfativos são capazes de atrair a atenção, motivar
o processamento de informações, influenciar a memória, afetar a
avaliação da loja e do produto e ativar o comportamento
673
.
Wilson Bryan Key defende que os “sinais olfativos podem ser mais
poderosos nos níveis subliminares que os visuais, uma vez que todo o
complexo límbico, o cérebro dos mamíferos, desenvolve-se a partir do bulbo
olfativo”.
671
o olfato é, dos órgãos dos sentidos, um dos mais (senão o mais) veiculados à emoção. Isso
porque os estímulos olfativos captados pelas células do nariz, após passarem primariamente
pelos bulbos olfativos, são enviados ao sistema límbico, a área mais central e primitiva do
cérebro, maior responsável pelas emoções, sentimentos e instintos primitivos que não podem
ser evitados”. SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor:
identificando necejos e supérfluos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 29.
672
Voltar a sentir cheiros antigos, mais do que provocar uma recordação, desencadeia algo
muito mais forte: uma revivescência, uma emoção que aflora de sopetão. Por isso é tão
oportuno e relevante empregar estímulos olfativos prazerosos no marketing, pois poderão ficar
a marca mais indelevelmente que os demais estímulos”. SCHWERINER, Mário Ernesto René.
Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 29.
Nesse sentido Regina Blessa: “Depois da visão que nos apresenta ao vivo os produtos, o
olfato é o sentido que mais nos provoca emoções. Um perfume ou cheiro personalidade
ao ambiente e provoca lembranças, desejos e sentimentos como fome, saudade, desagrado e
até felicidade. Muitos varejistas nos EUA estão fazendo experiências com odores dentro de
suas lojas. Sua intenção é provar que certos odores induzem os clientes a permanecerem
mais nas lojas e a comprar mais. Hoje, existem empresas que desenvolvem qualquer tipo de
cheiro ou perfume para serem usados em promoções, em anúncios de revistas e em lojas
para despertar os desejos num produto específico. [...] Para alguns produtos, essa estratégia
costuma aumentar as vendas normais em mais de 20%”. BLESSA, Regina. Merchandising
no ponto-de-venda. 4ª Edição. São Paulo: Atlas, 2008, p. 35.
673
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 136.
194
Já Zaltman menciona que os cheiros também podem operar fora de
nossa área de consciência, situação denominada de ‘cheiro cego’. O cheiro
cego, que opera fora dos limiares de consciência, na verdade equivale à visão
e ao ouvido periféricos. Consiste em um fundo subliminar aromático
despercebido da atenção consciente
674
.
Por seu turno, Alan Hirsch afirma “[...] acreditar firmemente que os
odores podem exercer uma poderosa influência subliminar nas ações dos
consumidores”
675
.
6.3.4.3 Os estímulos auditivos
É Humberto Eco quem relata sobre a utilização dos sons para
influenciar comportamentos humanos:
Boécio lembra também que os pitagóricos sabiam que os diversos
modos musicais influem sobre a psicologia dos indivíduos e
distinguiam ritmos duros e ritmos temperados, ritmos adequados
para educar os jovens e ritmos moles e lascivos. Pitágoras devolveu a
calma e o domínio de si a um adolescente bêbado fazendo-o ouvir
uma melodia de modo hipofrógio em ritmo espondaico (pois o modo
frígio o estava superexcitando). Os pitagóricos, pacificando no sono
as preocupações cotidianas, para adormecer usavam determinadas
cantilenas e ao despertar liberam-se do torpor do sono com outras
modulações
676
.
Para Salinas, existem duas formas de audição, a saber:
[...] a audição focalizada e a audição periférica, classificação que por
si revela a dimensão da capacidade seletiva do processo
auditivo. O som dos comerciais está constantemente pulsando a
atenção auditiva, brincando com as relações de figura e fundo
(Gestalt). O som da publicidade joga com o nebuloso espaço entre
razão e a emoção, entre aquilo que é ouvido atentamente (focalizado)
e aquilo que é ouvido distraidamente (periférico)
677
.
Conforme pesquisas efetuadas por Poetzle:
674
Apud CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. 7 ed.
São Paulo: Summus, 2006, p. 155.
675
Apud CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p.
155.
676
ECO, Humberto. História da Beleza. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record,
2004, p. 63.
195
Todos os sons que não são percebidos conscientemente atuariam de
forma subliminar: recebemos múltiplas mensagens, e nossa atenção
seletiva filtra e focaliza um único canal sonoro, deixando todo o resto
subliminar. Tais informações entram ‘de contrabando’ e se
depositam na memória subliminar ou subconsciente. Os
pensamentos e idéias não iluminados, esquecidos, não deixam de
existir; encontram-se em estado latente, adormecidos em um estado
subliminar, além do limite da atenção consciente ou da memória, o
que não impede que a qualquer momento possam surgir
678
.
A veiculação de publicidade enquanto o consumidor aguarda
atendimento é comum em empresas que contam com centrais telefônicas ou
call centers. Essa prática é ilegal, que o consumidor estaria pagando para
ouvir publicidade. Mesmo para ligações gratuitas essa modalidade de
publicidade não encontra amparo jurídico, pois pode ser considerada
subliminar na medida que o consumidor que aguarda a ligação certamente
estará prestando atenção em outras coisas ou aproveitando o tempo para
resolver outros assunto. Dessa forma a audição da publicidade transmuda-
se em periférica, com diminuição da capacidade seletiva do processo
auditivo
679
.
No que tange especificamente à música
680
, ela é capaz de alterar as
emoções
681
e, caracterizando-se como “[...] uma forma de expressão e
comunicação não-verbal, ao ser canalizada para o cérebro estimula a
imaginação, a fantasia e evoca recordações, enfim, dispara gatilhos
emocionais”
682
.
677
Apud CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 92.
678
Apud CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 92.
679
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania o Projeto de Lei n. 6.423/2005, do
Senado, que proíbe as empresas de veicular publicidade de produtos pelo telefone quando a
ligação tiver sido feita pelo consumidor e não for gratuita (serviço 0800). O objetivo é evitar
que o cliente, enquanto aguarda atendimento ao telefone, seja obrigado a ouvir propaganda
de bens e serviços.
680
Existem dois modos de se ouvir música: a) audição intelectual, na qual toda a atenção
está voltada para o discurso musical; b) audição sensorial, na qual a atenção não está toda
voltada para o discurso musical; a música ocupa um espaço secundário em nossa
percepção consciente, podendo ser considerada inconsciente, ou seja, subliminar
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 101-102.
681
Manfred Clynes, citado por Sanvito, afirma que as emoções podem ser desencadeadas
pela música, independentemente de associações específicas com pessoas ou eventos
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 100.
682
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. 7 ed. São
Paulo: Summus, 2006, p. 99/100. Nesse sentido Phillipe Meyer: “A audição de música pelos
lobos temporais, suscitando uma ativação neuronal associativa, encarrega-se de afetos
196
Assim, a música é hábil a influenciar a comportamento do
consumidor, como afirma João De Simoni Sedorini Ferracciù: “A escolha
apropriada de um fundo musical pode contribuir substancialmente para
aumentar as vendas, apressando decisões de compra”
683
.
José Miguel Winsnik esmiúça o tema na obra “O som e o
sentido”
684
e com propriedade revela o quão poderoso é este fenômeno..
Flávio Mário Calazans anota que, baseada nessas características
do indivíduo, a publicidade usa e abusa dos sons para atingir o inconsciente
do consumidor
685
.
Dessa forma, as mensagens subliminares podem ficar
armazenadas no cérebro, penetrando inconscientemente todos os sentidos,
por meio de diversas formas ou imagens.
6.4 AS QUATRO DIMENSÕES DE ALTER REBE
Nesse passo, é necessário dar uma interpretação que se considere
válida e de possível aplicação no âmbito da problemática aqui debatida.
Trata-se da existência de quatro dimensões, descrita por Nilton Bonder: “O
Aparente do Aparente”; “O Oculto do Aparente”; “O Aparente do Oculto” e “O
Oculto do Oculto”, proposta por Alter Rebe (Rabino Schneur Zalman de Ladi
(1745), um dos grandes mestres chassídicos, autor do livro Tanya).
multiformes e pessoais MEYER, Philippe. O olho e o cérebro: biofilosofia da percepção
visual. São Paulo: Unesp, 2002, p. 16.
683
FERRACCIÙ, João De Simoni Soderini. Marketing promocional: a evolução da
promoção de vendas. 6ª Edição. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007, p. 49. Calazans
nos informa que “no entendimento chinês, a música tem efeitos que passam despercebidos
pelas pessoas, daí sua importância no ambiente” CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara.
Propaganda subliminar multimídia, 2006, p. 88.
684
WINSNIK, Jo Miguel. O som e o sentido. 2ª edição, 6ª reimpressão. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
685
“A memória auditiva envolve a habilidade de armazenar e de evocar o material auditivo. A
memória sonora também está ligada aos lugares, aos objetos e aos períodos da vida. A cada
nova ocorrência do mesmo som-fonte, a memória recuperará todo um conjunto de
experiências acumuladas para dar um novo sentido ao que está sendo ouvido. A publicidade
se utiliza dessa memória aproveitando para transmitir segurança aos indivíduos”
(CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 102.
197
Doravante, passa-se a descrever de forma sucinta esses quatro
mundos, conforme exposto por Nilton Bonder
686
.
O aparente do que é aparente diz respeito à dimensão do óbvio e do
concreto
687
.
O oculto do aparente é ainda uma dimensão do aparente, ou da
própria consciência. Sua natureza oculta reflete meramente o fato de que o
aparente encontra-se encoberto por algo que também é de natureza
aparente. Em momento algum esta dimensão propõe algo que não possa ser
categorizado como óbvio, apenas que este óbvio encontra-se numa condição
de oculto
688
.
O aparente do oculto trata de uma ordem de pensamento muito
distinta das duas anteriores que representam um mundo apreensível,
capturável, que se conhece por meio da consciência. É um mundo de formas
definidas e discriminadas, onde luz e claridade se distinguem mutuamente.
O mundo do oculto é menos diferenciado; nele as margens e os limites se
misturam, apesar de ainda preservarem forma. Formas mais fluidas que ora
aparecem com contornos de outras formas e que ora afloram como partes
destas mesmas formas. Trata-se do mundo denominado de inconsciente,
onde blocos de forma ocultam segmentos de formas mais específicas que se
fazem conhecidas e imediatamente desconhecidas. É o lugar onde o
esquecimento e a lembrança parecem ser uma única experiência. Onde o
saber e o não saber não fazem fronteira: se misturam e dão acesso ao que
parece impossível ser contido por qualquer receptáculo das faculdades
humanas. É o conhecimento que se apreende de imagens preservadas nas
retinas e nas células, mesmo quando o próprio objeto de cognição que as
impactou já não está mais presente
689
.
O que “atrapalha” a visão no oculto é a dificuldade de separar a
forma do seu meio. Tanto é assim que fica impossível compreender a forma
686
BONDER, Nilton. O Segredo Judaico de Resolução de Problemas. 10. ed. Rio de
Janeiro: Imago, 1995, p.xx.
687
BONDER, Nilton. O Segredo Judaico de Resolução de Problemas, p. 17.
688
BONDER, Nilton. O Segredo Judaico de Resolução de Problemas, p. 55.
689
BONDER, Nilton. O Segredo Judaico de Resolução de Problemas, p. 95-96.
198
sem compreender o meio, de compreender textos sem contextos. Neste
mundo estranho encontram-se segredos que se conectam e dão sentido a
questões do mundo aparente. Este, porém, identifica estes sentidos como
da ordem do sublime, não conseguindo conferir-lhe evidência, mas
ambigüidade. A característica deste mundo oculto revela-se como
estonteante e surpreendente. O impossível se faz domesticável neste
território e muito do que dele se e se confirma na dimensão aparente é
manifestação do que é oculto
690
.
O oculto do oculto é destituído de qualquer presença de elementos
aparentes. Tudo é oculto e para além do saber, mas ainda é um espaço que
pode ser revelado, é acessível ao ser humano
691
.
Tem-se, portanto, que a Gestalt e a mensagens subliminares na
publicidade estão na dimensão aparente do oculto.
6.5 MEIOS DE VEICULAÇÃO
A mensagem subliminar pode ser veiculada por meio de qualquer
veículo, como filmes, outdoors, revistas, jornais, lojas, rádio, videogames,
jingles, vitrines, cinema, televisão, celular, internet etc
692
.
A mensagem subliminar foi encontrada em publicidade de bolo
(Anexo Z), lubrificante íntimo (Anexo AA), de cigarro (Anexo AB), refrigerante
(Anexo AC), de perfume (Anexo AD), em desenho animado (Bernardo e
Bianca (Anexo AE)), Bob Esponja (Anexo AF), lata de refrigerante (Anexo AG),
menthol (Anexo AH), de bebida (Anexo AI), em filmes (Homem-Aranha (Anexo
AJ), Matrix (Anexo AK), Clube da Luta (Anexo AL)), história em quadrinho
(Anexo AM), pacote de lanche (Anexo AN), cartaz de filme (Anexo AO), rótulo
de bebida (Anexo AP), MTV (Anexo AQ) e vídeo-game (Anexo AR).
690
BONDER, Nilton. O Segredo Judaico de Resolução de Problemas, p. 97.
691
BONDER, Nilton. O Segredo Judaico de Resolução de Problemas, p. 142
692
Nesse sentido: “Aparentemente a propaganda subliminar aplica-se mais às mídias
visuais (outdoors, placas, cartazes, impressos, videotexto, cinema, televisão, quadrinhos,
fotografias, hologramas etc.)”. CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda
subliminar multimídia, p. 87.
199
Na propaganda política: a) norte-americana de Bush e Al Gore
(Anexo AS); b) brasileira, referente ao terceiro mandato de Lula.
6.6 CONSEQÜÊNCIAS, EFEITOS E EFICÁCIA DA TÉCNICA SUBLIMINAR
Existem experiências e fatos que dão indicação sobre os efeitos da
utilização de estímulos subliminares.
Terence Shimp relata a pesquisa de James Vicary, realizada em
1957 e não menciona a existência de retratação, mas apenas afirma que a
pesquisa o teve valor científico porque não teriam sido utilizados
procedimentos experimentais adequados. De todo modo, como relata o
autor, o estudo chegou a causar preocupação pública sobre a utilização
dessa técnica, o que gerou audiências no Congresso Norte-Americano. A
controvérsia novamente surgiu por conta da edição de três livros de Wilson
Bryan Key: Subliminal Seduction, Sexploitation e The Clam Plate Orgy. Key
sustenta que as técnicas de publicidade com mensagens subliminares são
muito usadas e têm o condão de influenciar o comportamento de escolha dos
consumidores. Contudo, muitos profissionais chegaram a negar a influência
de percepção subliminar no comportamento do consumidor
693
.
Terence Shimp questiona se a inserção de símbolos nos anúncios
seria eficaz e aduz que “há diversos problemas práticos que provavelmente
impedem a inserção de ser eficaz em um contexto realista de marketing [grifos
no original]”. Arremata dizendo que mesmo que “os consumidores percebam
e codifiquem inserções sexuais sob condições naturais de propaganda, ainda
existem sérias dúvidas se essa informação teria impacto suficiente para
afetar o comportamento de escolha de produto ou marca”. Ao concluir
afirma: “[...] praticamente não existem provas científicas para dar suporte à
eficácia da prática”
694
.
693
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 284/285.
694
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 286.
200
Christiane Gade assevera que nada garante o sucesso da
publicidade subliminar. Antes, porém, faz o seguinte comentário:
A partir da divulgação dos livros de KEY, a respeito do que ele
denomina sedução subliminar na propaganda, que seria
representada por palavras como sexo, ou até de pessoas praticando
sexo, assim como símbolos sexuais e outros que estariam inseridos
nas fotos publicitárias de forma pouco, porém perceptíveis, houve
novamente a preocupação do público quanto à possibilidade de uma
persuasão invisível. Entretanto, pesquisas atuais mostraram não
haver influência no campo do consumo destes elementos
intencionalmente colocados, se é que existem, ou acidentalmente
vistos no plano da percepção seletiva
695
.
Ahmed Channouf descreve as pesquisas realizadas no sentido de
constatar os efeitos na publicidade. O autor revela que a percepção
subliminar de rostos famosos ou familiares pode afetar o julgamento das
mensagens publicitárias
696
. Contudo, relata uma série de experiências com a
inserção subliminar de frases imperativas de consumo (v.g. “beba Coca-Cola,
“compre pipoca”), realizadas por Saegert e Zuckerman, em condições
adequadas para controlar as variáveis técnicas e demonstrar que os efeitos
se dariam somente por conta das mensagens. Os pesquisadores citados
chegaram à conclusão de que é difícil, por meio das mensagens
subliminares, controlar as pessoas de modo a fazerem escolhas que não
estão habituadas, como beber Coca-Cola ou comer pipoca se isso não faz
parte de seus hábitos alimentares. Registra ainda que são raras as
pesquisas científicas que mostraram de forma clara os efeitos da publicidade
695
Gade afirma que “de relevância ainda neste campo são os seguintes resultados: O efeito
de uma palavra apresentada subliminarmente sugerindo determinada sensação como
“sede”: após o experimento, houve um consumo maior de refrigerantes pelo grupo
experimental do que pelo grupo de controle. A escolha de um de dois artigos idênticos
apresentados numa bandeja revela que o escolhido trazia uma mensagem subliminar
dizendo “pegue”. A preferência de um grupo de donas-de-casa que nomearam determinados
produtos de uma lista de misturas matutinas como seus preferidos, aponta que estes
produtos haviam sido antes reforçados subliminarmente. No entanto, nenhum desses
experimentos mostrou resultados estatisticamente significantes. Num outro estudo, ainda,
aparece um efeito curioso, pois, ao se apresentar o estímulo “escolha M”, os sujeitos do
grupo experimental o faziam em número muito menos que os do grupo de controle, ao poder
escolher entre embalagens que traziam as letras M, B, F. GADE, Christiane. Psicologia do
Consumidor e da Propaganda. Edição revista e ampliada. São Paulo: EPU, 1998, p. 42-44.
696
CHANNOUF, Ahmed. Les images subliminales. Paris: Puf, 2000, p. 77.
201
subliminar sobre o comportamento dos consumidores, não havendo
consenso sobre a respectiva eficácia
697
.
O autor também constatou que as pesquisas partiam de premissa
equivocada, pois alicerçada na hipótese que a publicidade subliminar
pudesse ter efeitos específicos e que seria possível produzir comportamento
com a indução de instruções de maneira subliminar, sendo negativos os
resultados. Mas se é difícil conduzir as pessoas a adotarem comportamentos
novos de consumo, que não fazem parte de seus hábitos, seria possível que
as mensagens subliminares pudessem despertar motivações e hábitos
existentes nos indivíduos? Para dar resposta à indagação foram testados
efeitos não específicos da publicidade subliminar com o intuito de produzir
comportamentos efetivos
698
.
Ahmed Channouf aventou a hipótese de que uma imagem
subliminar pode ativar uma motivação que será identificada e levará ao
comportamento desejado se os produtos fizerem parte do hábito alimentar
da pessoa e se eles estiverem disponíveis imediatamente após a ativação. Os
resultados das pesquisas demonstraram que não existem efeitos específicos
das imagens subliminares, mas efeitos não específicos. A exposição
subliminar a imagens de bebidas aumenta a possibilidade de consumir uma
bebida sem orientar o comportamento de consumação em direção a
determinado produto
699
.
O autor cita ainda a experiência realizada por Bornstein, que
demonstra ser possível ativar uma motivação de fumar junto a um fumante
com imagens subliminares e produzir um comportamento de fumar, mas
não é possível, com o mesmo procedimento, conduzir um não-fumante a
fumar, considerando que ele não tem essa “necessidade”. Assim, os
resultados demonstram que as técnicas subliminares podem despertar
necessidades, motivações, mas não permitem criar novas. Conclui que existe
maior probabilidade de a publicidade subliminar ativar vendas certas do que
697
CHANNOUF, Ahmed. Les images subliminales. Paris: Puf, 2000, p. 80-82.
698
CHANNOUF, Ahmed. Les images subliminales. Paris: Puf, 2000, p. 82.
699
CHANNOUF, Ahmed. Les images subliminales. Paris: Puf, 2000, p. 84, 86.
202
produzir comportamentos novos e ressalta que não existem pesquisas para
se saber o que acontece quando os produtos são totalmente novos
700
.
Por conseguinte, segundo Christiane Gade, verifica-se que
inexistindo prova definitiva quanto à eficácia da publicidade subliminar,
também não prova inequívoca de que seja ineficaz. Assim, os “resultados
indicam que a sugestão subliminar não obedece a regras tão simples”
701
.
A citada autora refere que pesquisas indicam não haver influência
da publicidade subliminar no campo do consumo
702
e acrescenta:
No entanto, cabe um alerta, pois, se lembrarmos que a percepção
subliminar é aquela que vem a ser a percepção inconsciente, sob
efeito de estimulação excessivamente rápida para atingir o limiar
perceptivo, devemos nos lembrar que, se por um lado a mensagem
publicitária que passa por uma tela em velocidade taquistoscópica de
frações de segundos não é utilizada, por outro lado somos expostos a
mensagens pelas quais passamos muito rapidamente, como quando
percorremos de carro uma cidade repleta de outdoors e que talvez
possam ser registrados em algum nível
703
.
De outra banda, em pesquisas efetuadas na literatura qualificada,
muitos autores apontam a eficácia dessa técnica e todos se posicionam por
sua ilicitude. Nesse sentido: Paraguassú Lopes
704
, Suzana Federighi
705
,
Isabella Vieira Machado Henriques
706
, Nelson Nery Júnior
707
, Wilson Carlos
700
CHANNOUF, Ahmed. Les images subliminales. Paris: Puf, 2000, p. 87-89.
701
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda. Edição revista e
ampliada. São Paulo: EPU, 1998, p. 43.
702
Por outro lado, Gade não indica essas pesquisas, como foram elaboradas, quais os
critérios utilizados e a metodologia empregada.
703
GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda. Edição revista e
ampliada. São Paulo: EPU, 1998, p. 43.
704
“A campanha, a mensagem deve ser objetiva, vedando-se as informações subjetivas,
subliminares, de fundo psicológico direcionado, explorando-se o lado emotivo do receptor da
mensagem” LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 104.
Em outro trecho, o autor destaca: “A publicidade que se utiliza de mensagem subliminar,
parecem ser inofensivas, mas causam mal à cidadania e são capazes de fazerem vender
produtos que o consumidor jamais compraria”. O autor ressalta o aspecto ideológico de
algumas mensagens, que são incutidas a todo instante. LOPES, A. Paraguassú. Ética na
Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 109.
705
A autora entende que a publicidade subliminar é ilegal, que atenta “contra o
consumidor, que é tomado de assalto por algo que não consegue processar mentalmente
como informação, ficção ou realidade”. FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade
Abusiva – Incitação à Violência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 115.
706
Isabella Henriques afirma que “‘publicidade subliminar’, é aquela veiculada por meio de
mensagens visuais ou sonoras de pouca intensidade, não chega a estimular a consciência,
mas é registrada no subconsciente. Por isso, sem que o consumidor saiba muito bem a
203
Rodycz
708
, Marcelo Costa Fadel
709
, Daniela Bacellar Fernandes
710
, Carlos
Alberto Bittar
711
, Marisa Teixeira de Almeida
712
, Judith Martins Costa
713
,
Reynaldo Andrade da Silveira
714
, Cláudia Lima Marques
715
, Jean Calais-
razão, adquire o serviço ou produto anunciado, como se fosse sua opção espontânea, mas o
faz, na realidade, em razão da mensagem gravada em seu subconsciente. Esse tipo de
publicidade, por violar um dos princípios fundamentais ao que deveria atentar, qual seja, o
da identificação da mensagem publicitária, é terminantemente proibido pelo Código de
Defesa do Consumidor”. HENRIQUES, Isabella Vieira Machado. Publicidade Abusiva
dirigida à criança. São Paulo: Juruá, 2006, p. 39.
707
Para quem “O CDC proíbe a publicidade clandestina bem como a subliminar” (NERY
JÚNIOR, Nelson. O regime da publicidade enganosa no Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.15/210. o Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995, p. 211.
708
Para quem “A Publicidade subliminar é aquela que, através de mensagens visuais ou
sonoras de pouca intensidade, não chega a estimular a consciência, mas, mercê de sua
repetição, logra registrar no subconsciente das pessoas a marca de certo produto. No
momento da compra, essa marca, arquivada no subconsciente, aflora ao nível da
consciência, como se fosse uma opção espontânea do consumidor”. Acrescenta que “a
publicidade subliminar não tem como ser convalidada porque é considerada uma atividade
de induzimento psicológico, por isso dolosa, e, por conseguinte, ilícita (RODYCZ, Wilson
Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito do Consumidor 8/50. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993, p. 59, 65.
709
“No que se refere à publicidade subliminar, trata-se de mensagem sonora ou visual de
pouquíssima intensidade, imperceptivelmente absorvida pelo consumidor na hipótese de
violação do princípio da identificação publicitária”. FADEL, Marcelo Costa. Breves
comentários ao Código de Auto-Regulamentação Publicitária do Conar. Revista de Direito
do Consumidor n. 50/153. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 165.
710
FERNANDES, Daniela Bacellar. Responsabilidade Civil & Direito do Consumidor Em
Face das Mensagens Subliminares. Curitiba: Juruá, 2005.
711
Referindo-se aos consumidores, Bittar afirma que estes se “encontram, ainda, muitas
vezes, “sem possibilidade de conhecer as condições do negócio e sob os efeitos diretos e
subliminares de sugestivas e excitantes publicidades que, por todos os meios e estímulos
para todos os sentidos, lhes remetem constantes mensagens comerciais, a gerar-lhes
impulsos de compra, seja no lar, no transporte, no ambiente de trabalho ou de lazer, enfim,
em todos os momentos de sua vida normal”. BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do
Consumidor: Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. Atualização de Eduardo C. B.
Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 26).
712
“O Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade clandestina e a subliminar por
violar o princípio da identificação da mensagem publicitária”. ALMEIDA, Marisa S. D. N.
Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle estabelecido pelo Código de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 53/11. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 20.
713
“A informação correta e veraz é aquela que, identificada como tal e não se alocando de
forma clandestina nem subliminar, traduz com fidelidade as características, qualidades e
vantagens do bem anunciado”. COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e a
distinção entre a publicidade enganosa e clandestina. Revista de Direito do Consumidor.
n. 6/219. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 225.
714
“A publicidade subliminar é contrária à regra do CDC, porque inobserva o princípio da
identificação da mensagem publicitária. Essa ilicitude decorre do fato de a publicidade
subliminar decorrer, necessariamente, da má-fé do anunciante, que projeta a mensagem e a
204
Auloy
716
, Cláudio Bonatto
717
, Fernando Gherardini Santos
718
, Guinther
Spode
719
, Melina Penteado Trentin
720
.
Daniela B. Fernandes relata caso paradigmático ocorrido no Japão
quando da transmissão em rede, em 16 de dezembro de 1997, por uma
cadeia de 37 emissoras, do episódio “Computer Warrior Porigon” do desenho
animado Pokémon
721
. Após cerca de vinte minutos do término do desenho,
centenas de crianças foram internadas e apresentavam os mesmos
veicula de tentando induzir o consumidor a comportar-se desta ou daquela maneira”, p.
128.
715
A autora referindo-se ao princípio da identificação da mensagem publicitária afirma que
este princípio serve “para proibir a chamada publicidade subliminar, a qual atingiria
somente o inconsciente do indivíduo e que, por seu grande perigoso potencial de sugestão,
está proibida no mundo desde os anos setenta” MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no
Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev.
atual. e ampl. 2ª tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 659.
716
“La publicité télévisée doit être aisément identifiable comme telle [...]; elle ne doit pas être
clandestine, ne dois pas utiliser des techniques subliminales ». AULOY, Jean-Calais e
STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. 7ª Edição. Paris: Dalloz, 2006, p. 166.
717
“Neste afã de impor produtos ou serviços, os agentes econômicos usam de técnicas muito
bem estudadas de marketing, as quais induzem o espectador a realizar condutas
previamente determinadas, sem que a pessoa perceba. Estas maneiras subliminares de
incutir idéias na psiquê humana, geralmente não são identificadas com facilidade, pelo que
a reiteração das mesmas passa, com o tempo, a integrar o subconsciente do indivíduo,
determinando que ele proceda da forma originalmente planejada (Questões controvertidas
no Código de Defesa do Consumidor, p. 43).
718
“Publicidade subliminar consiste em uma técnica cujos resultados inclusive foram
cientificamente comprovados, de apresentar mensagens a uma velocidade perceptível em
nível subconsciente” (Direito de Marketing uma abordagem jurídica do marketing
empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do Consumidor,
v. 14, p. 228).
719
“A intenção promocional e persuasiva das mensagens deve resultar evidente [...]. Veda-
se, assim, no Brasil, a publicidade oculta ou dissimulada, de que é espécie a subliminar, de
efeitos danosos à consciência comum.” (José Alexandre Tavares Guerreiro, Comentários ao
Código do Consumidor, Forense, 1992. p. 123.) SPODE, Guinther. O controle da publicidade
à luz do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 43/178.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 183)
720
O princípio da identificação da mensagem publicitária “veda a existência de mensagens
subliminares, proibidas em todo o mundo desde os anos 70 por seu grande e perigoso
potencial de sugestão que no sistema do CDC seria considerada ilícito civil” (TRENTIN,
Melina Penteado. A publicidade abusiva e o racismo. Revista de Direito do Consumidor n.
11/84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 90.
721
Foram projetadas 10,8 imagens por segundo, sendo que a Independent Television
Comission limitou os “flickers” ou “pisca-pisca” ao ritmo máximo de 3 por segundo. O pisca-
pisca de luzes subliminares/taquicoscópicas atingiu níveis de reação fisiológica subliminar,
ativando a glândula pineal e liberando a melatonina que realiza a síntese do
neurotransmissor serotonina, quebrando cadeias de alcalóides do sangue, como explica a
biofísica. CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. 7 ed.
São Paulo: Summus, 2006, p. 199).
205
sintomas: dificuldades respiratórias, vômitos, irritação dos olhos,
convulsões, leves hemorragias, dores de cabeça e vertigens, sendo que todas
as crianças assistiam, durante o jantar, o desenho animado Pokémon.
Outras milhares faltaram às aulas, com a justificativa de doença cujos
sintomas eram semelhantes aos apresentados pelas crianças internadas
após terem assistido o desenho. Ventilou-se a hipótese de que o desenho
conteria técnicas subliminares e, assim, após verificação, um grupo de
pediatras e psiquiatras americanos confirmou a relação de causa e efeito
entre as luzes piscando e o fato ocorrido com as crianças que assistiram ao
desenho. De outra banda, psiquiatras japoneses diagnosticaram os sintomas
como sendo conseqüência fisiológica da exposição ao sinal de televisão
722
.
A explicação ao fenômeno se deve:
[...] à técnica empregada na edição das imagens do desenho
animado. É que, no final do século XX, a tecnologia dos
computadores somou-se à das redes telemáticas transmitidas via
satélite, incorporando ‘signagens’ oriundas dos videogames em
edições de imagens ritmadas taquitoscopicamente. Assim, as
velocidades vertiginosas na edição das imagens estimulam
subliminarmente reações físicas e neurofisiológicas nos
telespectadores, envolvidos em uma rede multimídia de mensagens
eletrônicas, impressas e orais. [... ]
A técnica foi utilizada para prender a atenção das crianças que
assistiam ao desenho animado, sendo provados, involuntariamente,
efeitos colaterais à saúde.
723
A autora menciona ainda que foi “registrada uma nova doença, a
chamada subliminar multimídia. Uma doença típica das tecnologias do
século XX, criada e desenvolvida em ambiente midiático e transmitida via
satélite”
724
.
Sobre o mesmo fato Flávio Calazans afirmou que “nunca antes
houve um registro tão bem documentado de tal tipologia de efeito colateral,
722
FERNANDES, Daniela Bacellar. Responsabilidade Civil & Direito do ConsumidorEm
Face das Mensagens Subliminares. Curitiba: Juruá, 2005, p. 42-45.
723
FERNANDES, Daniela Bacellar. Responsabilidade Civil & Direito do ConsumidorEm
Face das Mensagens Subliminares. Curitiba: Juruá, 2005, p. 42/45.
724
FERNANDES, Daniela Bacellar. Responsabilidade Civil & Direito do ConsumidorEm
Face das Mensagens Subliminares. Curitiba: Juruá, 2005, p. 42/45.
206
epifenômeno, relacionado à mídia eletrônica, um exemplo excelente de
estudo da biomidiologia”
725
.
No que concerne aos reflexos nas vendas, Fátima Leão, que é
consultora em marketing olfativo, assevera que:
Com o marketing olfativo é possível aumentar as vendas ou o
interesse no consumidor sobre determinado produto exposto, mas
classifica essas maneiras de trabalhar como não éticas. Ainda que o
cliente/consumidor perceba conscientemente o aroma, são grandes
as chances de que ele não perceba as reais ‘intenções’ daquele
cheirinho no ar
726
.
Por outro lado, André Maciel, que é diretor da Aroma Marketing,
afirma que:
Cheiros florais motivam 84% dos consumidores em uma sala a
manifestar desejo de compra do produto e 10% deles pagariam mais
do que o preço indicado; os aromas alimentícios fazem o consumidor
iniciar involuntariamente o processo digestivo, aumentando a
intenção de compra em 70%
727
.
Mário Ernesto René Schweriner informa que “experiências
efetuadas com aroma ambiental em lojas apontam para um crescimento nas
vendas, até mesmo no volume de apostas feitas em cassino”
728
.
Sobre uma das formas de publicidade subliminar (a que se utiliza
de estímulo durante curto tempo ou intensidade baixa), Guy Durandin
registra:
725
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. 7 ed. São
Paulo: Summus, 2006, p. 188. Quanto à biomidiologia, Calazans esclarece que “pode ser
definida como um ramo de pesquisa derivado da midiologia, o qual estuda as relações
biossemióticas entre signos veiculados pela midiosfea, mídia eletrônica (videosfera-televisão,
internet etc.), que afetam direta ou indiretamente formas de vida biológica tanto em sua
fisiologia quanto em seu comportamento [...] A biomidiologia contribuirá para a
compreensão dos fenômenos da comunicação de massas em sua esfera de eficácia
biológica”, sendo que cabe a ela “estudar os processos virtuais-semióticos-midiáticos da
sociedade tecnológica, os efeitos fisiológicos de uma idéia-mensagem-notícia veiculada pela
mídia”. CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 185,
187.
726
Apud. CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p.
158.
727
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 159.
728
SCHWERINER, Mário Ernesto René. Comportamento do Consumidor: identificando
necejos e supérfluos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 29-30.
207
Em 1958, o Institut of Practitioners in Advertising (Instituto dos
Técnicos em Publicidade, de Londres) criou um comitê encarregado
de estudar as técnicas de publicidade subliminar. O comitê chegou a
duas conclusões: na primeira, declarou que o emprego desses
métodos, eficazes ou não, era inadmissível em publicidade, pois o
público deve ter a liberdade de aceitar ou recusar o conteúdo das
mensagens que lhe são dirigidas. E, na segunda, avaliava que a
eficácia de tais métodos ainda não tinha provas científicas
729
.
Mais adiante comenta que os experimentos “não foram
acompanhados de provas rigorosas”, mas, de qualquer forma:
[...] essas tentativas despertaram ao mesmo tempo o entusiasmo de
alguns publicitários e anunciantes e a preocupação dos órgãos de
defesa do consumidor, em razão da manipulação, por assim dizer
absoluta, a que poderiam levar. Como o consumidor poderia exercer
seu espírito crítico em relação a mensagens que nem ao menos sabia
ter recebido?
730
Portanto, verifica-se que a utilização dessa técnica requer maiores
aprofundamentos e parece não ser tão inócua como alguns querem fazer
crer.
De qualquer modo, pode-se dizer que não é necessária a prova
científica absoluta de efeitos adversos para se chegar à conclusão de que o
ordenamento jurídico pátrio proíbe qualquer forma de publicidade que
utiliza técnica subliminar, entendida em seu conceito amplo, conforme
adiante será abordado.
6.7 FORMAS DE ESTÍMULO SUBLIMINAR
Existem inúmeras formas de estímulo subliminar, entretanto,
serão citadas as mais utilizadas.
Assim, são formas de estímulo subliminar: a) um estímulo visual a
um índice muito rápido; b) utilização de um discurso acelerado em
mensagens de auditório; c) inserção de símbolos, imagens ou palavras
escondidas; d) estímulos olfativos em revistas ou lojas; e) utilização de efeitos
729
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 150.
730
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 149-150.
208
sonoros em volume baixo e em diversas faixas de som e velocidade,
inaudíveis pelo ouvido humano consciente
731
; f) utilização da visão periférica.
6.8 CARACTERIZAÇÃO DA TÉCNICA SUBLIMINAR
Para Terence Shimp, o termo subliminar refere-se “à apresentação
de estímulos a um índice ou nível abaixo dos limiares de consciência”. Mais,
os estímulos que não são percebidos pelos sentidos conscientes podem,
entretanto, ser percebidos de forma “inconsciente”. Baseado nesse conceito,
o autor considera que a inserção, por exemplo, da palavra SEXO no anúncio,
não é subliminar quando vista a olho nu
732
.
Guy Durandin entende que na publicidade subliminar é ocultada a
existência da mensagem,. Nas suas plavras: “[...] envia-se a mensagem em
condições tais que não seja percebida pelo consciente, mas supõe-se que o
subconsciente a apreenda, suscitando assim a compra”
733
.
Para o citado autor existem dois meios que são utilizados para tal
efeito. “O primeiro consiste em emitir um estímulo durante um tempo muito
curto ou com uma intensidade muito baixa” (publicidade de cigarro (Anexo
AT); publicidade da HP no filme Matrix (Anexo AU), vinheta da MTV (Anexo
AV), no desenho animado Bob Esponja (Anexo AX)). O segundo meio
utilizado de publicidade subliminar “mais difícil de delimitar e, portanto,
mais difícil de regulamentar, é a que consiste em dissimular formas em
imagens. Esse procedimento baseia-se na lei da percepção apresentadas pela
Gestalttheorie (Teoria da Forma)”
734
. É o caso da publicidade de gim (Anexo
AZ), na qual, segundo o relato:
731
“Porém causando reações subliminares facilmente comprováveis”. CALAZANS, Flávio
Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 89-90.
732
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 284-285.
733
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 149.
734
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 149-150.
209
A garrafa e sua tampa foram compostos de tal maneira que,
relaxando um pouco, podia-se ver as letras S, E, X, assim como as
pernas de um homem, de pênis ereto, e outros estímulos sexuais. É
claro que nem o anunciante nem o publicitário dizem para o leitor
relaxar-se, mas supõem que, com a ajuda de desejos sexuais
latentes, ele perceberá por si mesmo essas formas embutidas de
maneira subconsciente, e que o produto ao qual o anúncio está
associado assumirá o papel de um objeto sexual atraente. A
vantagem do procedimento seria evitar a censura. Se dissessem
cruamente ‘esta bebida vai proporcionar a você uma relação sexual
com um homem, ou com uma mulher’, pouca gente acreditaria. Mas,
na medida em que o estímulo permanece abaixo do nível da
percepção da consciência, a pessoa não encontra resistência no
plano da moral nem no racional
735
Na avaliação de Flávio Mário Calazans, subliminar pode ser
entendido como maior quantidade de informação em menor tempo de
exposição, sendo que o excedente de informações é passivamente assimilado
pelo inconsciente pessoal ou subconsciente. A saturação subliminar é
resultante da falta de tempo para pensar nas imagens
736
.
Mais adiante o autor sustenta que “toda informação não focalizada
com interesse seria um fundo indiferenciado, um ruído subliminar
acumulado na sombra do inconsciente pessoal, alimentando as intuições”.
Argüindo que “tal afirmação vem ao encontro da Lei de Exclusão de Poetzle,
segundo a qual o conteúdo dos sonhos seria composto de informações
subliminares”, conclui:
Com base nesses conceitos, podemos estender a definição de
subliminar como todas as informações encontradas no fundo;
tudo o que não ultrapasse o limiar da consciência em estado de
vigília, a audição periférica é o equivalente da visão periférica,
ambas igualmente explicadas pela lei de Figura-Fundo da Gestalt
[grifos no original]
737
.
Desse conceito lato pode-se inferir que o outdoor que passa pela
visão periférica representa estímulo subliminar.
Segundo Nely de Carvalho:
735
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 150-151.
736
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia, p. 49.
737
CALAZANS, Flávio Mario de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. 7 ed. São
Paulo: Summus, 2006, p. 104/105.
210
A tarefa da mensagem publicitária é informar as características dos
produtos, e essa função objetiva é, aparentemente, primordial. Deve-
se considerar, contudo, que a linguagem passa da informação à
persuasão clara, e depois à persuasão subliminar
738
.
Cláudio Bonatto apresenta visão inovadora sobre o tema. Para ele
“venda casada” é prática subliminar que obriga o consumidor a adquirir
produto ou serviço que possui seu preço embutido em outro, mas a
publicidade oferece como gratuito, sem que se lhe oportunidade de
escolha
739
.
Esclarecedor é o ensinamento de Terence Shimp:
Muito de nosso comportamento ocorre de uma forma automática,
não controlada e um pouco descuidada [...] devido às limitações em
nossa capacidade de processamento de informações e às pressões do
tempo, normalmente fazemos julgamentos e escolhas sem pensar
muito no assunto. Cialdini refere-se a isso como comportamento
movido por um clique. Ele usa esse termo em referência aos modelos
de comportamento (chamados modelos de ação fixa) que aparecem
em todo reino animal. Muitas espécies de animais (inclusive o Homo
sapiens) irão, sob circunstâncias especiais, aderir a modelos de
comportamento estabelecidos em resposta a alguma característica
que acione esse comportamento. Os humanos algumas vezes operam
movidos por um clique. Alguma coisa dispara a resposta (clique) e
então um modelo automático e estabelecido de comportamento se
segue (movimento). Não temos total consciência desses
acontecimentos (se tivéssemos, não aconteceriam), mas [...] os
persuasores sabem como disparar o clique ou ativar nosso
comportamento. Isso gera uma resposta que resulta na compra de
um produto, em uma doação ou em alguma outra coisa que favoreça
os interesses do persuasor (mas não necessariamente os do
persuadido)
740
.
João de Simoni Soderini Ferracciù, por conseguinte, aduz:
A compra por impulso ocorre quando o consumidor é atingido por
algum estímulo suficientemente forte que o leve à compra, no
momento em que passa em frente à exposição do produto. Este lhe
salta aos olhos estimulando-o magicamente a estender a mão e pegá-
lo. Olhou, pegou, comprou. Os números indicam ser altíssimo o
percentual de compras de muitos produtos efetuados por impulso. O
ato impulsivo decorre da manifestação de um desejo inconsciente
738
CARVALHO, Nely de. Publicidade A linguagem da sedução. ed. impressão. São
Paulo: Ática, 2006, p. 107.
739
Cláudio Bonatto. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p.
97.
740
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 147-148.
211
que aflora naquele instante e que é satisfeito pelo produto. A reação
é emocional. A razão, o consumidor descobre depois
741
.
Nessa mesma trilha Regina Blessa esclarece que:
A compra impulsiva é um processo decisório não planejado e
extremamente rápido [...] Haveria nesse caso uma intenção, um
planejamento latente no inconsciente, que, por meio dos vários
estímulos da loja, se expressariam pelo impulso. As pesquisas
mostram que 85% das compras em lojas de auto-serviço
(supermercados) são realizadas por impulso, isto é, são feitas num
súbito desejo, sem prévio planejamento. [...]
O primeiro passo para uma administração bem-sucedida das
compras impulsivas [considerada uma ciência a ciência das
compras impulsivas, isto é, compra não planejada, feita totalmente
por impulso] é fazer com que todos os que entram no supermercado
sejam ligeiramente sedados. O ser humano pisca, em média, 32
vezes por minuto. A mais recente pesquisa americana demonstrou
que, em uma loja adequadamente iluminada e arrumada, o número
pode ser reduzido a sonolentas 14 piscadas por minuto, voltando
à normalidade ao chegar a hora de pagar.
O segundo passo é garantir que os sentidos dos compradores fiquem
entorpecidos sem estar deprimidos. Isso significa iluminação
brilhante mas consistente, blocos simples ou cores primárias, um
barulho de fundo suave em vez de silêncio (ainda que seja apenas o
ruído baixo dos refrigeradores) e um aroma uniforme (sim, um aroma
artificial)
742
.
Mais uma vez, Cláudio Bonatto apresenta distinto e significativo
entendimento:
[...] veja-se o exemplo das lavagens ditas gratuitas nos postos de
serviços e de abastecimento. Ela é oferecida como uma forma de
captação de clientela, pois o potencial consumidor ficará
psicologicamente atraído a amesmo com sentimento de dívida, por
ter recebido um serviço aparentemente gratuito. É, verdadeiramente,
uma maneira de publicidade subliminar, equiparada ao
merchandising, a qual é paga pelo preço final e global dos outros
produtos ou serviços adquiridos no estabelecimento
743
.
Com efeito, o merchandising vale-se do artifício das mensagens
subliminares
744
.
741
FERRACCIÙ, João De Simoni Soderini. Marketing promocional: a evolução da
promoção de vendas. 6ª Edição. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007, p. 51/52.
742
BLESSA, Regina. Merchandising no ponto-de-venda. 4ª Edição. São Paulo: Atlas, 2008,
p. 25, 27-28.
743
Cláudio Bonatto. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p.
90-91.
744
“Porém, existe muita crítica em relação a esse uso, pois esse tipo de merchandising tem
por objetivo persuadir o consumidor à compra de determinado produto, serviço ou marca,
valendo-se do artifício de mensagens subliminares”. ZENONE, Luiz Cláudio; BUAIRIDE, Ana
212
A técnica subliminar pode assumir, por conseguinte, muitas
facetas e pode estar associada à compra por impulso, que ocorre de forma
inconsciente.
No julgado AC591051560, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul consigna entendimento sobre a eficiência da técnica subliminar. É o que
se deprende:
A rapidez do teipe por outro lado, no meu sentir, não afasta o
induzimento do telespectador, até porque a propaganda, na televisão,
age pela própria repetição, e não necessidade de ataque frontal,
de denúncia frontal do defeito do produto cotejado, porque o ataque
sutil ou subliminar se mostra mais eficiente, mais eficaz [AC
591051560, da Câm. Civ. Do TJRS, v.u., j. 22-8.1991, rel. Des.
Ruy Rosado de Aguiar Junior (RJTJRS 153/388)
745
.
A técnica subliminar pode assumir inúmeras formas, algumas
delas até inexistente no estado da ciência, mas que podem vir a surgir com
seu avanço. De todo modo, pode ser caracterizada da seguinte forma: porque
a mensagem foi mascarada ou camuflada pelo emissor; porque é captada por
uma atitude de grande excitação emotiva por parte do receptor; porque se
produz uma saturação de informações, ou porque as comunicações são
indiretas e aceitas de uma maneira inadvertida.
Maria Ramos. Marketing da promoção e merchandising: conceitos e estratégias para
ações bem-sucedidas. São Paulo: Pionera Thomson Learning, 2005, p. 121-122.
745
Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e atualizada São Paulo:
Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 477.
213
7 O CONTROLE DA PUBLICIDADE
746
7.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Como bem argumenta Rizzatto Nunes:
Se a própria exploração e a produção primária são limitadas, por
mais força de razão pode e deve haver controle da atividade
publicitária, que [...] é instrumental, ligada àquela origem, porquanto
serve como ‘meio de fala’ dos produtos e serviços: a publicidade
anuncia, descreve, oferece, divulga propaga etc.
Assim, como a atividade de exploração primária do mercado, visando
a produção, tem limites estabelecidos, a publicidade que dela fala (da
produção) deve ser restringida
747
.
Segundo Antonio Herman Vasconcellos e Benjamin, o controle da
publicidade visa a: a) favorecer e ampliar a concorrência entre os diversos
746
Antonio Herman Benjamin expõe de forma exemplar os objetivos do controle da
publicidade: Controla-se a publicidade com o intuito de: a) favorecer e ampliar a
concorrência entre os diversos agentes econômicos (modelo concorrencial); b) garantir um
fluxo adequado de informações sobre produtos e serviços (modelo informativo); c) evitar
abusos no exercício do seu poder de persuasão (modelo da manipulação de preferências); e,
d) limitar seu potencial de modificação de padrões culturais (modelo cultural).
a) modelo concorrencial: os desvios da publicidade afetam não apenas o bem estar do
consumidor, mas agridem, diretamente, o próprio mercado, atingindo a concorrência
(proteção do consumidor e da concorrência).
A coibição dos abusos publicitários não é uma atividade exclusiva de proteção do
consumidor reconhecidamente a parte vulnerável na relação de consumo. Apresenta-se,
também, como procedimento que vem em favor dos próprios fornecedores.
As normas de tutela da concorrência são, reflexa ou indiretamente, regras de proteção ao
consumidor. No entanto, certas desconformidades da publicidade não afetam, diretamente,
a concorrência (v.g. a publicidade abusiva) e são coibidas pelo Direito.
b) modelo informativo: qualquer controle da publicidade visa exclusiva ou
preponderantemente – assegurar a informação do consumidor.
“O grande princípio da autonomia da vontade não pode prevalecer se o consumidor não
dispõe de informações necessárias para fazer sua escolha” (Françoise Lebeau)
A informação não é um fim em si mesma (Thierry Bourgoignie, ob. cit., p. 136): é mero
instrumento de proteção do consumidor. Pode ela ser prestada e, ainda assim, o
consumidor não a captar ou captá-la de modo impróprio. Neste caso, o modelo informativo,
encarado sem esta perspectiva instrumental, se mostra inadequado, incompleto ou ineficaz.
(BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.
42/44).
747
Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e atualizada São Paulo:
Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 130/131.
214
agentes econômicos; b) garantir o fluxo adequado de informações; c) evitar
abusos no exercício de seu poder de persuasão; e d) limitar seu potencial de
modificação de padrões culturais
748
.
Segundo o raciocínio esboçado por Carlos Alberto Bittar:
A publicidade visada pelo regime repressivo do Código não é a
inserida em mensagem honesta e inteligente, mas a que se expressa
com falseamento da verdade, ou com a ilaqueação da boa-fé do
destinatário, ou com desrespeito a valores essenciais do
relacionamento social
749
.
O controle da publicidade pelo Direito tem fundamentos
econômicos, jurídicos e éticos. A publicidade é parte de um amplo universo
de fenômenos de mercado que são regrados porque afetam sujeitos
vulneráveis e, por sua própria natureza, apresentam-se como manifestações
que tendem à insubordinação contra os parâmetros da confiança, da
transparência e da boa-fé objetiva, exigências da vida civilizada
750
.
Como fenômeno social contemporâneo, de fato, “a publicidade não
pode ser rechaçada ou proibida, mas deve ser controlada, regrada, para que
estimule o consumo de bens e serviços sem abusos, de forma sadia”
751
.
Quanto à publicidade televisiva, ela exige um regime jurídico
próprio, pois sua influência sobre o comportamento do consumidor é
superior em relação a qualquer outra forma de publicidade
752
, devendo haver
restrições de horários para determinados produtos (v.g. bebida alcoólica),
entre outras medidas.
748
Apud FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 110.
749
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.
53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 18.
750
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 260.
751
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 25.
752
AULOY, Jean-Calais e STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. 7ª Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 165.
215
O controle e a regulamentação do conteúdo das mensagens
divulgadas nos meios de comunicação iniciaram-se nos EUA com o Código
de Produção Cinematográfica de 1930.
Em França, o controle da publicidade televisiva é feito pelo Conseil
supérieur de l´audiovisuel (CSA). Trata-se de controle feito a posteriori, com
poder para fazer cessar a difusão e indicar a instauração de procedimento
criminal da qual não cabe recurso. Existe também o controle prévio, feito por
meio da autodisciplina. Os anúncios devem ser submetidos, antes da difusão
pela televisão, ao Bureau de vérification de la publicité (BVP). Suas decisões
não são coativas, mas geralmente são cumpridas
753
.
7.2 NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO
O controle da publicidade é necessário para restabelecer o
equilíbrio e impor medidas de defesa do consumidor que possam restaurar
sua posição ou sancionar comportamentos lesivos no caso de violação
754
.
Tanto é assim que sua própria entidade privada, o CONAR, constata abusos
e os sanciona
755
.
Importante observar que novas condições de vida se estabeleceram
na sociedade contemporânea. De fato, a independência econômica da
mulher e dos demais membros da família, o respectivo ingresso na vida
sócio-econômica, o distanciamento da presença paterna no lar, com
diminuição da influência e a autoridade do marido/companheiro, permitiu a
753
AULOY, Jean-Calais e STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. 7ª Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 166/167).
754
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor : Código de Defesa do Consumidor.
6. ed. Atualização de Eduardo C. B. Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p.
50.
755
Valéria Furlan lembra que os “próprios profissionais da área publicitária reconhecem os
perigos que algumas facetas da publicidade podem representar perante os justos direitos
dos consumidores, mas, ao invés de suprimem-na, buscaram discipliná-la no âmbito
privado, como o fizeram no Brasil, a título de exemplo, com o criação do CONAR e do Código
Brasileiro do Regulamentação Publicitária” (FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade
nas mensagens publicitárias. Revista de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994, p. 102)
216
liberdade individual de exercício das opções a todos os membros da família,
inclusive crianças. Essa situação não passou despercebida dos empresários
e foi o suficiente para expor os novos consumidores às práticas comerciais,
notadamente a publicidade. Os publicitários, por sua vez, souberam
aproveitar essa mudança nos padrões socioculturais da vida em família,
endereçando seus apelos indistintamente a todos os membros do grupo
familiar.
Concordando com Marisa Teixeira de Almeida, é mister esclarecer
que:
O problema da disciplina jurídica da publicidade não é o da sua
eliminação, mas o do seu controle com o fim de evitar que as
mensagens publicitárias sejam instrumentos de distorção da escolha
dos consumidores e resultem lesivas aos valores fundamentais dos
quais depende a melhoria da qualidade de vida
756
.
Aqueles que defendem a ausência de controle, estão por admitir
que a publicidade está acima do bem e do mal, de que não é feita por seres
humanos passíveis de erros, de abusos
757
e que o exercício do dever de
informar e de divulgar produtos e serviços não está acima de direitos
individuais e coletivos fundamentais. Em rigor, não se pode olvidar que a
publicidade deve sujeitar-se a normas de ordem ética e jurídica,
notadamente porque “o principal veículo da publicidade, a televisão, impõe
gostos, cria hábitos e necessidades, modifica costumes, atingindo
indistintamente as diversas classes sociais e econômicas. É um poder muito
amplo”
758
.
756
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.
53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 17.
757
Como bem observa Paraguassú Lopes, “o publicitário, em tese, nasce “sabendo tudo”.
Sua criação é a melhor do mundo, não deve dar satisfação a ninguém, não Lei, não
norma, não sociedade a quem deva submeter-se como parte de um todo organizado”
(LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 31). Entretanto,
“não podemos olvidar que a atividade publicitária, como qualquer outra atividade social,
está sujeita a distorções em sua finalidade, bem como ao uso indevido de sua força
persuasiva (FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias.
Revista de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.
101).
758
TRENTIN, Melina Penteado. In A publicidade abusiva e o racismo. Revista de Direito do
Consumidor n. 11/84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 89.
217
Por outro lado, o controle deve existir ante a constatação de que,
quanto ao marketing e a propaganda, a “reflexão sobre a ética e
responsabilidade social encontra-se num patamar aquém do desejado
quando comparado ao do incremento dado a outras ferramentas de gestão
corporativa”
759
.
O grau de abusividade que se pratica no mercado de consumo
pode ser observado no julgamento proferido na Representação 022/79
perante o CONAR, por conta da seguinte publicidade abusiva: “MEU PAI
NÃO GOSTA DE MIM. É POR ISSO QUE EU GOSTO TANTO DE VIAJAR”. O
anúncio veiculava a imagem de um jovem aplicando injeção na veia do braço
por conta do distanciamento afetivo do pai e no final dizia: “A primeira vez
que eu me piquei, no outro dia, fiquei com remorsos, lembrei do senhor. Mas
agora parece tão bom. A gente esquece de tudo. parece que eu fico em
paz. Que nem quando o senhor me dava bastante carinho”
760
.
No voto, o relator consigna:
[...] é preciso que todos (anunciantes, veículos e agências) fiquem
bem conscientes das responsabilidades sociais da propaganda e da
grande arma que todos temos nas mãos. Não podemos permitir que
ela seja utilizada para a destruição do ser humano, num mundo
tão conturbado por falsos valores
761
.
O CONAR, como se pode inferir, admite e reconhece o poder da
publicidade no meio social, assim como a necessidade de controle.
Um aspecto a se considerar alude a que o consumidor também tem
direito à liberdade de consciência e que esta pode ser violada pela
comunicação de massa, notadamente por meio da publicidade
762
.
Reforçando a necessidade de controle da comunicação de massa,
com propriedade, Antonio Herman V. Benjamim afirma que:
759
Apud GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo
anunciante deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 53.
760
LOPES, A Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 189.
761
Representação extraída da obra de LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda, p. 190.
762
Nesse sentido Valéria Furlan: a violação da liberdade de consciência do consumidor é
apenas uma das desastrosas conseqüências provenientes de irrestrita liberdade de
comunicação” (FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens
publicitárias. Revista de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1994, p. 105)
218
Na medida em que é fenômeno de massa, dirigido à coletividade de
consumidores, como conjunto indeterminado e desorganizado de
pessoas, a publicidade, ao causar danos, dificilmente o faz de
maneira individual ou isolada. Sua danosidade é, como regra, difusa
e coletiva, embora com repercussão na esfera privada de cada
consumidor. Seus riscos são sociais e seus danos, em série
763
.
Guinter Sponde aponta “a necessidade de criar mecanismos de
proteção dos interesses coletivos e não mais da atuação individual dos
consumidores”
764
.
Quando se fala em controle, o caso da televisão - presente em
quase todos os lares - é emblemático. Pois bem. Os avisos indicativos sobre a
inadequação para determinada idade têm eficácia duvidosa, principalmente
porque: o aparelho pode ser “ligado” a qualquer hora; é de fácil acesso a
crianças e adolescentes, além de boa parte deles assistir à programação no
instalado no próprio quarto.
Concordando com Paraguassú Lopes, tem-se que:
As marquises entopem-se de peças publicitárias, é muito dinheiro
em jogo, é muito desejo a ser despertado ou manutenido. Não
importa se a parafernália acaba com o visual da cidade, não importa
se o colorido feio, inconseqüente, torna a avenida um amontoado de
placas, e demais coisas do gênero.
Inúmeras peças ultrapassam os limites da decência, são apelativas,
exibindo o nu ou quase nu, numa exposição do corpo com o intuito
de chamar a atenção para marcas ou produtos que em nada se
relacionam com a imagem exposta. Há a sensação, às vezes, do
ridículo. Não se venha a interpretar o não-querer de belas mulheres,
emprestando seus contornos para as criações intelectuais de peças
publicitárias. Ao contrário, ‘a beleza é fundamental’.
O que se pode auferir de interesse ao consumidor de mensagem,
entre um trator e uma bela mulher nua sentada em seu pára-
choque?
765
.
763
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 29.
No mesmo sentido Marisa Teixeira de Almeida para quem “Ela [a publicidade] deve ser
controlada por se tratar de um instrumento que possui um forte apelo emocional e ter
características de persuasão, de atração, de estímulo, que pode colocar em risco os
consumidores, estimulando comportamentos anti-sociais ou induzir em erro sobre falas
mensaens atribuídas pelos fornecedores aos produtos ou serviços [...] A atividade
publicitária, ainda, pode causar danos patrimoniais e morais de grandes proporções. Seu
malefício é como regra, difuso e coletivo, embora com repercussão na esfera privada de cada
consumidor. Seus riscos o sociais e seus danos em série” (A Publicidade enganosa e o
controle estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do
Consumidor n. 53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 18)
764
SPONDE, Guinther. O controle da publicidade à luz do Código de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 43/178. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 180.
219
Assim, considerando que a publicidade é veiculada pelos meios de
comunicação de massa, é de se considerar a potencialidade de ocorrência de
danos e suas conseqüências. Bem por isso, não se pode prescindir de uma
regulamentação jurídica estatal de força, pois as regras morais, por si sós,
não darão conta de coibir os ilícitos
766
. A situação tomou tamanha proporção
que fez firmar um novo ramo do Direito - o direito da comunicação de
massa
767
.
À evidência, não se pode, pelas mãos do ordenamento jurídico,
proibir a veiculação de toda e qualquer publicidade, mas - isto sim - afastar
aquela considerada patológica, que traga risco ou dano ao consumidor.
Não se pode dizer que toda publicidade é nociva. peças
publicitárias que cumprem seu papel, de forma criativa, sem, contudo,
esbarrar nos valores mais prezados pela sociedade e pelas normas em vigor.
Assim, a publicidade não deve ser banida pela simples existência
de patologias. Trata-se de atividade importante para o progresso de um país.
Movimenta a economia. Existem modos de se fazer publicidade sem ser
enganosa ou abusiva. A imaginação das pessoas permite a realização de
publicidade de bom gosto, apta ao convencimento saudável na aquisição de
produtos ou serviços. Mas é necessário que se conscientize e eduque de
modo que a atividade publicitária seja realizada sem se atingir valores e
direitos dos consumidores
768
.
765
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 204.
766
Sobre o tema, dessa forma se posiciona Gherardini: “O contexto fático-axiológico da
atividade publicitária, perante seu imenso poder de causar danos a uma imensa coletividade
de pessoas, que se trata, indubitavelmente, da comunicação de massa por excelência,
requer uma regulamentação, quanto aos excessos, muito mais eficaz do que a imposição de
meras sanções morais aos entes ali envolvidos. Daí da razão do estabelecimento de normas
(jurídicas), no CDC, com o fito de coibir os excessos cometidos pela publicidade.” (SANTOS,
Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do marketing
empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do Consumidor,
v. 14, p. 208/209).
767
“o direito da comunicação de massa a mass media law norte-americana -, caracteriza-
se por ser aquele ramo do direito que busca compor os conflitos relacionados ao
cerceamento e ao abuso da liberdade de expressão nos meios de comunicação de massa”
(MOROSINI, Fabio. Visões acerca do novo direito da comunicação de massa. Revista de
Direito do Consumidor n. 50/182. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 182).
768
FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista
de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
220
A necessidade de controle revela-se ainda maior em países como o
Brasil, que tem uma histórica trajetória de desrespeito aos direitos mais
comezinhos, onde se faz o que quer, sem se pensar no próximo. Exemplos
não faltam, mas para ilustrar rememora-se: 1) publicidade da Xuxa, que
incentivava os filhos a destruírem seus calçados para comprar o da
apresentadora; 2) GUGU (apresentador Augusto Liberato) e suas presepadas,
como entrevista com falsos bandidos do PCC, crianças fazendo “a dançinha
da garrafa”, ode a uma falsa reencarnação do Dr. Fritz, que inclusive fazia
cirurgia alternativa e outras aberrações mais.
Não obstante, pela própria natureza da técnica publicitária, bem
enfatiza Antonio Herman Benjamin:
O consumidor é sempre e inexoravelmente um mero espectador
passivo do anúncio. Não tem qualquer poder sobre ele; sua
interferência no fenômeno publicitário é nula, a não ser como
destinatário da mensagem, perante a qual é sujeito impotente. A
publicidade é algo que o consumidor vê, ouve, sente; nada mais!. Na
medida em que a publicidade influencia quando não determina o
comportamento contratual do consumidor, nada mais razoável que
passe o Direito a lhe dar conseqüências proporcionais à sua
importância fática (econômica e cultural, mais que tudo)
769
.
De fato, o consumidor sempre está exposto aos efeitos da publicidade, seja
qual for o meio de veiculação. Por isso mesmo a programação das redes de
entretenimento, por exemplo, não pode ficar a critério exclusivo de seus
dirigentes e respectivos patrocinadores. Eles almejam somente o lucro.
Pertinente neste ponto é o comentário de Fabio Morosini:
[...] não se faz imprescindível uma pesquisa detalhada acerca da
programação televisiva, para percebermos que a ética descrita no
referido diploma [Código de Ética da Radiodifusão Brasileira] não é
levada em consideração
770
.
João de Simoni Sedorini Ferracciù dele não discrepa:
Os responsáveis pelas vendas nas empresas estão mais preocupados
com o fim do mês que com o fim do mundo, e por aí podemos mediar
769
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 261.
770
MOROSINI, Fabio. Visões acerca do novo direito da comunicação de massa. Revista
de Direito do Consumidor n. 50/182. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 199.
221
a elasticidade ética com que são obrigados a desenvolver suas
promoções
771
.
Antonio Herman Benjamin é enfático ao afirmar que:
Não há, pois, qualquer dúvida: o marketing, em especial, e as
práticas comerciais, em geral, exigem uma regulamentação legal.
Tudo como reconhecimento de que o grande fenômeno comercial está
sujeito às limitações econômicas, éticas e também jurídicas. As
limitações legais impostas ao marketing, embora passíveis de uma
análise quanto à sua eficiência econômica, nem sempre se prestam a
tal enfoque, uma vez que o Direito, ao lado da preocupação com a
eficiência, tem outras apreensões, como, por exemplo, com a
mitigação das desigualdades e o reequilíbrio do poder de barganha
no mercado
772
.
A propósito, não é demais lembrar que a publicidade cria legítimas
expectativas no consumidor, as quais precisam ser protegidas.
Nos EUA a situação não é diferente:
A história do século passado mostrou que a regulamentação é
necessária para proteger os consumidores e os concorrentes de
práticas fraudulentas, enganosas e injustas que alguns empresários
optam por utilizar. Seja qual for o raciocínio, o fato é que as
regulamentações governamentais podem ter um impacto significativo
nas organizações empresariais [...] Talvez a regulamentação seja
mais necessária quando as decisões do consumidor baseiam-se em
informações falsas ou limitadas. Sob tais circunstâncias, os
consumidores têm a possibilidade de tomar decisões que de outra
forma não tomariam e, como resultado, incorrer em danos
econômicos, físicos ou psicológicos. Os concorrentes também são
prejudicados porque perdem negócios [...] A regulamentação oferece
três benefícios principais: a escolha do consumidor entre as
alternativas é melhorada quando ele está bem informado; a
qualidade do produto tende a melhorar em resposta às mudanças nas
necessidades e preferências do consumidor; a redução de preços
resultante do menor ‘poder de mercado informacional’ do vendedor
[grifos no original]
773
.
771
FERRACCIÙ, João De Simoni Soderini. Marketing promocional: a evolução da
promoção de vendas. 6ª Edição. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007, p. 104.
772
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 248/249).
773
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 67/68.
222
7.3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ART. 5º, IX, CONSTITUIÇÃO FEDERAL)
O direito à liberdade de expressão em sentido amplo (ou liberdade
de comunicação) subdivide-se em: a) liberdade de expressão em sentido
estrito; b) liberdade de informação, que inclui o direito de informar, de
informar-se e de ser informado; e c) liberdade de imprensa, direitos dos
jornalistas e liberdade de radiodifusão em sentido amplo
774
.
O conjunto dessas liberdades é conhecido como liberdades de
comunicação social ou liberdades publicísticas, que “abrangem toda forma
de comunicação humana, independentemente dos seus fins e de suas
modalidades”.
Conforme anotam J. J. Gomes Canotilho e Jonatás E.M. Machado,
aqueles informes que chegam ao público transmitidos pelos meios de
comunicação social em sentido amplo “(televisão hertziana, TV por cabo, TV
por satélite, TV digital, TV interactiva, TV paga, Home Vídeo, Digital Versatile
Disk e Internet, incluindo online-TV e online-Radio” têm conteúdo
publicístico digno de protecção constitucional
775
.
Em rigor, são vários os interesses que estão em jogo: a viabilidade
econômica das empresas de comunicação social, o direito dos consumidores,
dos idosos, dos menores, a liberdade individual e econômica e o meio
ambiente.
Consoante a teoria constitucional, os direitos, liberdades e
garantias fundamentais devem ser interpretados de acordo com uma
compreensão de “âmbito normativo alargado”
776
, sendo imediatamente
aplicáveis (art. 5º, parágrafo , da Constituição Federal). Portanto,
prescinde-se de qualquer ato regulamentador, e mesmo, se o caso, apesar e
contra a lei e aplicáveis a todos, seja pessoa natural ou pessoa jurídica de
direito público ou privado.
774
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 8.
775
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 9/10.
776
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 11
223
Os direitos e garantias fundamentais devem ser integrados aos
princípios da constitucionalidade, da legalidade, da proporcionalidade, da
igualdade e da proteção da confiança
777
. Mais, em se tratando de direitos
fundamentais, “são para ser tomados a sério, devendo ser ponderados,
harmonizados e protegidos de uma forma que garanta a máxima efetividade
a todos eles”
778
.
Ao discorrerem especificamente sobre a liberdade de expressão,
J.J. Gomes Canotilho e Jonatás E.M. Machado sustentam que é necessário
contar com um modelo de regulação de baixa intensidade, “relegando as
decisões em matéria de programação audiovisual para o mercado
publicístico e econômico”. Tal modelo deve ser desprovido de qualquer forma
de censura e orientado para o mercado, priorizando-se a auto-regulação.
A Constituição Federal em vigor proíbe a censura e garante a
liberdade de expressão (arts. 5º, IX, e 220, caput e parágrafo 2º).
Como assevera Nelson Nery Junior:
A liberdade de expressão, garantida pela Constituição, continua
atuando nas relações de consumo. O Código apenas proíbe a
publicidade empregada como instrumento de violação dos direitos do
consumidor, de modo anormal, vale dizer, quando é enganosa ou
abusiva. Isto não inibe a criatividade da publicidade brasileira, uma
das melhores do mundo, como não inibiu a criatividade publicitária
americana, cujo controle é legal desde a reforma de 1938 no Federal
Trade Comissiom Act, de 1914
779
.
Para Fabio Morosini: “[...] do confronto entre liberdade de
expressão e proteção à intimidade, temos que a regulação dos serviços de
comunicação de massa é o resultado perfeito, é o alcance da
harmonização”
780
.
777
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 11.
778
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 60.
779
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 48/49.
780
MOROSINI, Fabio. Visões acerca do novo direito da comunicação de massa. Revista
de Direito do Consumidor n. 50/182. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 199.
224
7.4 CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA REGULAMENTAÇÃO DA
PUBLICIDADE
Aqueles que são contrários ao controle da publicidade argumentam
que ele viola a liberdade de manifestação do pensamento e, por
conseqüência, a criatividade artística, que não pode sofrer nenhuma forma
de censura. Caso contrário haveria violação de direitos constitucionais (art.
, IX, 220 e 170). Também afirmam que o Código Brasileiro do Auto-
Regulamentação Publicitária trata da matéria e é suficiente o autocontrole
por ele promovido
781
.
A liberdade da atividade publicitária está garantida
constitucionalmente. Poderia se pensar, diante do texto constitucional, na
impossibilidade de controle da publicidade, que consta da respectiva
redação a proibição de toda e qualquer censura de natureza artística (art.
220, §2º da Constituição Federal).
Entretanto, como bem exposto por Nelson Nery Junior:
O controle legal da publicidade não é forma inconstitucional de
censura, mas instrumento eficaz para evitar-se o abuso que possa
ser cometido em detrimento dos direitos do consumidor. O art. do
Federal Trade Comission Act, dos EUA, com a emenda de 1938,
previa o controle da publicidade e nem por isso os Estados Unidos
deixaram de ser o país onde mais e melhor se desenvolveu a
atividade e a criação publicitárias
782
.
O controle da publicidade não tem o sentido que se extrai do
conceito de “censura”. Não se trata de controle artístico, como alguns
querem fazer crer, mas sim de um controle que visa à proteção de direitos
difusos, de modo geral e do consumidor em especial, interesses estes
protegidos constitucionalmente (art. 5º, XXXII; 170, V e art. 129).
O Código de Defesa do Consumidor não fez nenhuma restrição à
atividade publicitária. Ela pode e deve ser desenvolvida com plena liberdade,
781
RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito do Consumidor
8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 60/61.
782
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 67.
225
distante da censura. As sanções previstas são aquelas necessárias quando
ficar caracterizada a publicidade patológica, irregular, ilegal,
inconstitucional, que cause dano àquele que a ela ficou exposto. Dessa
forma, não procedem as críticas no sentido de que o controle representaria
forma ilegal e inconstitucional de interferência na criatividade dos
publicitários.
manifesto entendimento de que “a publicidade não é um
genuíno e precípuo produto de expressão intelectual ou artística”
783
,
tampouco pode ser considerada uma manifestação de pensamento ou
opinião
784
, não se incluindo, portanto, entre aquelas atividades que a
Constituição Federal considerou incensuráveis (art. , IX). Bem por isso,
pode ser objeto de controle estatal
785
.
Vale destacar o acurado pensamento de Antonio Herman Benjamin
a respeito:
A mensagem publicitária, per se, não pode ser considerada
manifestação de uma opinião ou pensamento, pois, como se viu,
não é ela nem informação (muito menos jornalística), nem discurso
exclusiva ou preponderantemente intelectual, artístico e científico.
Ao contrário, eventual conteúdo intelectual, artístico ou científico
que posse ter é instrumento e não fim; é meio pelo qual busca
alcançar o único resultado que lhe interessa (e que justifica seus
elevados investimentos), ou seja, escoa a produção, através da
circulação de produtos e serviços [grifo no original]
786
.
Esclarecedor é o entendimento de Suzana Maria Federighi:
Nem se argumente sobre a natureza artística da publicidade, que
poderia, eventualmente, admitir menores restrições, face à liberdade
783
RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito do Consumidor
8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 61.
784
A admissão de um direito de publicidade não implica elevá-lo ao mesmo patamar
constitucional da garantia da liberdade de opinião conferida aos cidadãos. Isto seria lhe dar,
diretamente, o mesmo valor que a manifestação política, religiosa ou filantrópica,
Significaria trazer o consumo de bens, objetivo final de qualquer publicidade e o próprio
mercado, ao patamar mais elevado da civilização e dos valores humanos. Compartilha desse
entendimento ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.
53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 22.
785
Nesse sentido RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito do
Consumidor 8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 62.
786
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 55.
226
de manifestação artística consagrada no texto constitucional. Não é
necessário cogitar-se de eventual conteúdo artístico da mensagem
publicitária. Esta não é uma manifestação artística pura e simples;
não esgota em si mesma a eventual plasticidade ou valor estético,
mas sim, pode ter ou não valor estético, e sempre estará a serviço do
consumo, atrelada à estimulação dele.
Sua finalidade primária é o primeiro momento do tráfico mercantil,
ainda que não contenha o preço. É a apresentação do produto,
acrescida de um plus, um estímulo para consumir e não arte
espontânea
787
.
Desse raciocínio depreende-se que é possível e desejável o controle
da publicidade, mediante a adequada interpretação do Direito, notadamente
o direito que rege as relações de consumo
788
. A defesa do consumidor é regra
de direito constitucional fundamental (art. , XXXII) e também um princípio
da ordem econômica (art. 170, V, da Constituição Federal) a justificar e
legitimar as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar-lhe a
devida proteção.
Nesse sentido também se expressa Fernando Gherardini Santos.
Nas suas palavras:
A liberdade conferida às formas de comunicação social sofrem os
limites da defesa do consumidor estabelecidos pelo CDC, o qual é
diploma principiológico de natureza constitucional, estando o
controle da atividade publicitária, portanto, in totum legitimado
perante o Direito positivo vigente
789
.
muito tempo a publicidade perdeu sua função meramente
informativa, razão porque a atividade publicitária decorre da garantia da
787
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 62.
788
Nelson Ney Junior, referindo-se ao Direito Ambiental e do Consumidor afirma que esses
“novos direitos não podem ser interpretados de acordo com os institutos ortodoxos do direito,
criados para solução de conflitos individuais, que não mais atendem aos reclamos da
sociedade” (NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa
do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 49).
789
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 202.
227
livre iniciativa
790
, pois o seu objetivo não é informar os consumidores,
mas informar com o objetivo de vender
791
.
A livre iniciativa, embora seja um fundamento da ordem
econômica, “deve ser exercida em consonância com os demais princípios
estabelecidos no art. 170 da Constituição Federal para a Ordem Econômica”,
notadamente com a defesa do consumidor (art. 170, V). Por esse motivo, “[...]
não pode ser exercida à exaustão, de forma a prejudicar outros valores
estabelecidos”
792
.
Por outro lado, a publicidade se enquadra no conceito de
“comunicação social” estabelecido nos arts. 220 a 224 da Constituição
Federal. Como atividade, a um tempo criativa e informativa, está sujeita à
“liberdade de comunicação” prevista no art. , incs. IV, V, IX, XII e XIV da
Constituição Federal.
Antonio Herman Benjamin entende que o direito de publicidade
decorre:
[...] da garantia da livre iniciativa e, por isso mesmo, é regido pelos
limites a esta impostos, em particular a função social da
propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor e a
proteção do meio ambiente
793
.
790
Conforme adverte Guildo Alpa “A atividade publicitária é um momento nada mais que
um momento da atividade empresarial” (Apud BENJAMIN. Antônio Herman de
Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor n.
9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 55).
791
Maria Elizabete Vilaça Lopes (apud BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O
controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994, p. 55.
792
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.
53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 21/22.
793
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 55.
Antonio Herman Benjamin acrescenta que “Reconhecer o direito de publicidade não implica
elevá-lo ao mesmo patamar constitucional da garantia da liberdade de opinião conferida aos
cidadãos e, no nosso modo de ver, a eles como pessoas físicas. Não significa, tampouco,
com corolário, impedir a imposição de certos limites e até exclusões setorizadas a tal
exercício, quando o interesse público assim o exigir. “liberdade ilimitada nota Walter
Ceneviva não é direito”, sendo que a “base da existência de um direito de publicidade não
reside, pois, nas garantias individuais do cidadão; é decorrência do próprio regime estatuído
para a ordem econômica, dele recebendo o mesmo amparo e limites”. Dessa forma, “que,
como manifestação empresarial, a publicidade aceita os mesmos controle legais que
subjugam outras atividades da empresa. Controle da publicidade, então, nada mais é que
controle sobre a empresa”. Continua, argumentando que o “discurso comercial é protegido
228
A Constituição Federal prevê a regulação da atividade publicitária
em seu art. 220, §3º, porém ela não figura no rol de atividades que recebem
o privilégio dado pela Carta Magna que impede o controle por parte da
sociedade”
794
. O inciso II, §3º, do citado artigo autoriza a edição de lei federal
para o controle da publicidade, prevendo a edição de normas que garantam
à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de propaganda de
produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio
ambiente
795
.
A Constituição Federal prevê a livre iniciativa como fundamento da
República Federativa do Brasil (art. , IV), assim considerado o sistema
capitalista de mercado. Entretanto, a liberdade econômica que dele decorre
deve obedecer à sua utilidade social e ser exercida em benefício dos
consumidores
796
.
De fato, conforme anota Valéria Furlan, “com a produção em série,
derivada do progresso industrial, as relações de consumo,
conseqüentemente, agravaram-se de forma a exigir do Estado as
providências necessárias para manter a justiça social”
797
Fernando Gherardini Santos também entende que o regime da
Constituição Federal é de atuação estatal no processo econômico, devendo
agir como “[...] agente fiscalizador dos mercados, com a função primordial de
no bojo da garantia da livre iniciativa, norteando-se, por isso mesmo, pelos princípios-
limites a ela associados, entre os quais se inclui, vimos, a defesa do consumidor”. Assim,
“o direito de anunciar não é tratado em de igualdade com o direito que têm os cidadãos
de manifestarem livremente seu pensamento”. E conclui que é “nesse contexto democrático
e de consciência da importância do consumidor e do ato de consumo que se insere o
controle legal da publicidade” (Ob. Cit. p. 55/57).
794
RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito do Consumidor
8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 62.
795
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.
53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 22.
796
Nesse sentido ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o
controle estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do
Consumidor n. 53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 23.
797
FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. In
Revista de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 104.
229
organizá-lo e torná-lo apto à concreção dos princípios constitucionais da
ordem econômica
798
.
Em rigor, a Constituição Federal de 1988 visa:
A criação de um ‘capitalismo social’ [...] no qual busca-se uma
socialização dos objetivos a serem alcançados pela ordem econômica
para, enfim, produzir o bem-estar social na sociedade, insculpida
sobre os princípios da justiça social, objetivos expressos em vários
dispositivos constitucionais
799
.
Existem dois bens jurídicos constitucionalmente protegidos. A livre
iniciativa - a publicidade é fruto dela e não pode ser considerada como pura
expressão artística - e a defesa dos interesses difusos (compreendidos os
direitos dos consumidores e a defesa do meio ambiente).
J.J. Gomes Canotilho e Jónatas E. M. Machado anotam que “os
bens jurídicos constitucionalmente protegidos devem ordenar-se e combinar-
se na solução dos problemas jurídico-constitucionais de forma a conseguir a
sua máxima optimização”
800
e que “o reconhecimento de um direito
subjectivo ao exercício da actividade de radiodifusão não implica a total
inexistência de restrições, na medida em que as mesmas se justifiquem para
a salvaguarda de direitos e interesses constitucionalmente protegidos”
801
.
Os mesmos autores asseveram que “a liberdade de programação
não é incompatível com o estabelecimento de algumas restrições, à
semelhança do que sucede com todos os direitos, liberdades e garantias”
802
.
E arrematam:
Os princípios que conformam a liberdade de programação, também
são relevantes quando se trata de proceder à sua limitação. É aqui
798
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 96.
799
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 96.
800
Apud FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias.
Revista de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 105.
801
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 26.
802
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 32.
230
que faz sentido a proibição de emissões que violem os direitos,
liberdades e garantias, atentem contra a dignidade da pessoa
humana ou incitem à prática de crimes. Igualmente procedentes são
as considerações em torno da protecção da infância e da
juventude
803
.
Pode-se afirmar que o princípio da dignidade humana (art. , III,
da Constituição Federal) é um daqueles que se destacam na ordem jurídica.
Assim, pode ser invocado como fundamentação da restrição à liberdade de
expressão e não funciona “como fundamento da liberdade de expressão,
mas também como limite”. Bem por isso possui as dimensões relacionais “da
existência humana e os direitos de reconhecimento, consideração e respeito
do indivíduo perante a sociedade”
804
.
que se considerar também que não existe direito absoluto
805
e,
portanto, as limitações que visam atingir o bem-estar social se justificam,
não podendo ser taxadas de inconstitucionais.
Dessa forma, ainda que se concebesse a publicidade como obra de
pura manifestação do pensamento, mesmo assim - considerando que não
existem direitos absolutos - é permitido o controle sobre a atividade. Isso
porque o art. 5º, inc. V, da Constituição Federal, garante o direito de
indenização e resposta por dano material ou moral à imagem decorrente da
manifestação do pensamento. Por interpretação a contrario sensu, por via
transversa, mediante resposta e indenização, existe controle mesmo da
atividade decorrente da manifestação do pensamento. Por outro lado,
segundo expressa disposição constitucional (art. 220, parágrafo 1º), é quanto
à informação jornalística que a lei não poderá constitui qualquer “embaraço”
e, por óbvio, a atividade publicitária não é atividade jornalística. Em suma,
para colocar uma de cal na interpretação que alude à possibilidade de
controle legislativo da atividade publicitária, o art. 220, da Constituição
Federal, identifica duas hipóteses de autorização: caso do inc. II, do
parágrafo e do parágrafo (determina a edição de lei para restringir a
803
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 33.
804
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 47/48.
231
publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e
terapias, além da imposição de se consignar advertência sobre os malefícios
decorrentes de seu uso).
O art. 170 determina a observância da defesa do consumidor
quando do desenvolvimento da atividade econômica. A referida defesa foi
concretizada nos arts. 36 a 38 do Código de Defesa do Consumidor, que
representam o fundamento e o limite legal dessas ações
806
. A propósito, o
controle da publicidade é imposto pela Lei Maior.
Importante observar que os países mais avançados do mundo
possuem controle da publicidade e nem por isso são taxados de
antidemocráticos ou Estados de exceção, como por exemplo, o Federal Trade
Comission Act, nos EUA e o Conseil Supérieur de l´Audiovisuel, em França
807
.
Sobre o tema, vale ressaltar o pensamento de Suzana Maria
Federighi:
[...] mesmo que não houvesse a previsão explícita da defesa do
consumidor, ainda assim se poderia falar na repressão aos abusos
por ele sofridos em função da publicidade, em razão da proteção
primária de suas garantias individuais. A interação dos princípios
constitucionais aponta a liberdade de expressão para o exercício da
publicidade, se exercida esta sem contraponto às prerrogativas
gerais de defesa do consumidor, bem como à obrigatoriedade de
observância das demais garantias básicas, [...] a liberdade de
expressão, bastião dos reclamos da indústria, está limitada sim, por
tantas cancelas constitucionais quantos interesses dos indivíduos
em ver seus direitos e garantias respeitados [grifos no original]
808
.
805
Nem o direito máximo que é a vida é absoluto, permitindo nosso ordenamento jurídico a
pena de morte, em situações específicas no caso de guerra, e o aborto.
806
No mesmo sentido: RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de
Direito do Consumidor 8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 62.
807
“Em outros países também normas que regulam a atividade publicitária,
estabelecendo situações de proibição e prevendo sanções, com o que não desqualifica a
democracia neles vigente. Países como os Estados Unidos, Bélgica, Suécia e Portugal
também proclamam respeito ao princípio da liberdade, corolário do sistema da livre
iniciativa, mas impõem obediência ao princípio da veracidade, obrigam a identificação das
peças de publicidade, concitam à lealdade e exigem atendimento do princípio da ordem
pública, pelo qual é proibida a propaganda abusiva” (RODYCZ, Wilson Carlos. O controle
da publicidade. Revista de Direito do Consumidor 8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1993, p. 63).
808
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 81/82.
232
A preocupação pública e transpessoal com a limpeza do ambiente
moral e cultural e com a edificação de uma imagem pública de elevação
espiritual e ética, justificaria, na visão de Stephen Huster, restrições à
liberdade dos operadores de radiodifusão, dos programadores e dos
concorrentes, independentemente dos efeitos que daí pudessem resultar
para a situação jurídica de cada um dos sujeitos envolvidos
809
.
Por fim, a limitação da liberdade de expressão também se justifica
na medida em que visa a proteger a saúde
810
(bem fundamental) e, como
visto, a publicidade subliminar pode ser prejudicial à saúde.
7.5 PROTEÇÃO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE, DA SAÚDE E DO MEIO
AMBIENTE
Também são lencados como objetos de controle da publicidade: a)
proteção da infância e adolescência; b) a ordem pública, a moral pública e os
bons costumes; c) a saúde; e d) o meio ambiente.
Como bem posiciona Gino Giacomini Filho:
Muitos países adotaram normas e procedimentos protegendo as
crianças de muitas ações publicitárias, impedindo-as de participar
em anúncios de muitas ações publicitárias, em anúncios de produtos
perigosos ou ligados a vícios, determinando menor espaço
publicitário durante programações infantis e outros procedimentos,
como na Europa, onde é proibida a publicidade nos programas
infantis
811
.
Nos EUA, a FTC aplica a doutrina da injustiça em três áreas
principais: (1) comprovação de propaganda, vale dizer, os anunciantes
devem provar o que dizem (2) práticas promocionais dirigidas a crianças e (3)
regras de regulamentação do comércio. Quando aplicada a casos envolvendo
criança, a doutrina de injustiça é especialmente útil porque muitas
809
Apud CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e
Liberdade de Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 77.
810
AULOY, Jean-Calais e STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. 7ª Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 161.
811
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 55.
233
alegações de propaganda não são enganosas por si mesmas, mas são
potencialmente antiéticas, inescrupulosas ou perigosas para as crianças
812
,
justo por serem mais crédulas e, relativamente aos adultos, menos
protegidas.
A condição da criança, como é cediço, é peculiar por estar em fase
de desenvolvimento físico e mental. Bem por isso recebe a proteção do
Estado. Nesse sentido é pertinente o comentário de Gino Giacomini Filho:
Há indicadores que mostram uma forte relação do que é mostrado no
vídeo com certos distúrbios infantis; um destes estudos mostrou que
as crianças adotam hábitos iguais aos do vídeo (80%) e, dependendo
da faixa etária, o índice de ansiedade que a TV gera é de mais de
90%.[...] Há programas infantis recheados de propaganda oculta;
ora, se o uso de merchandising em programas de adultos é
contestado, o que não dizer de aparições de guloseimas e iogurtes no
conteúdo de programas infantis, que exercem tremendo atrativo e
envolvimento total? Excitada ao mais alto grau, ela o terá chance
de filtrar essa ação e, compulsoriamente, pedirá que comprem aquilo
que seus heróis ou ídolos comem ou bebem; a situação ainda é mais
grave quando se sabe que tais programas têm penetração em
milhões de lares de classes sociais mais baixas, cujos pais não têm
poder aquisitivo para atender a tais pedidos, aprofundando a
ansiedade e a frustração da criança
813
.
E arremata:
A TV gera fantasias e as crianças, imitando, têm distúrbios tanto
físicos (acidentes) como psíquicos: ansiedade, frustração e
agressividade; a TV exerce fascínio tal que as mães aproveitam a
ocasião para colocar comida em suas bocas, algo que não iriam fazer
espontaneamente; a TV funciona, portanto, como um anestésico, tal
a passividade que gera, tal a falta de discernimento que provoca
814
.
Considerando esses fatores e a proteção que deve ser data à
criança e ao adolescente, faz todo sentido a observação de J.J. Gomes
Canotilho e Jonatás E. M. Machado:
[...] em causa está a prevenção de lesões irreversíveis no
desenvolvimento da personalidade dos menores, à sua adequada
socialização e à sua capacidade de autodeterminação, nos planos
812
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 71.
813
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 58.
814
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 59.
234
físico, intelectual, moral, emocional e relacional, às quais os
mesmos, pela sua maior sugestionabilidade e impressionabilidade,
são particularmente vulneráveis
815
.
Como bem adverte Suzana Maria Federighi, “a publicidade na TV
tem o mesmo efeito que a programação habitual: é instantânea e
globalizante”
816
. Em relação à criança, esclarece a autora que “a diferença
fundamental consiste no fato de não ter a criança um critério objetivo nem
sequer condições de avaliar, de per si, a extensão da fantasia e da
realidade”
817
.
Em França, pensa-se da mesma forma:
As crianças são sobretudo sensíveis à forma e ao ritmo do spot e
menos ao seu objetivo comercial. Mas retêm os slogans ou as
cantilenas e tornam-se uma espécie de repetidores, retransmissores,
caixas de ressonância que persistentemente reproduzem as fórmulas
ouvidas na publicidade. Em seguida, no centro comercial, a criança
tornar-se-á a voz da publicidade nos ouvidos dos pais [...] O Instituto
da Criança, sociedade de estudos dotada com um painel de 1.500
famílias, estima que cerca de 45% do consumo familiar (ou seja, 500
a 600 mil milhões de francos por ano) são, mais ou menos,
directamente influenciados por desejos infantis
818
.
No Brasil houve reclamação junto a órgão de defesa do consumidor
no que concerne aos brinqudos que são oferecidos como brinde quando da
aquisição de lanche em estabelecimento de fast-food. Certamente que de
venda casada não se trata, pois não se está condicionando a venda de um
produto a outro. Mas trata-se de prática abusiva (art. 39, IV do Código de
Defesa do Consumidor), pois é feita toda sorte de apelo e estímulos para a
criança desejar aquele brinquedo e quando os pais se dispõem a comprá-lo
são informados que na verdade terão de comprar um lanche (que como foi
demonstrado causa sérios danos à saúde). Assim, a criança vai querer o
lanche, independentemente de sua vontade ou necessidade, somente para
ter o brinquedo.
815
CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e Liberdade de
Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 59.
816
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 50.
817
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva – Incitação à Violência, p. 50.
818
RAMONET, Ignácio. Propagandas silenciosas. Massas, televisão, cinema. Tradução:
Luís Filipe Sarmento e Isabel Salvado. 2ª Edição. Porto: Campo das Letras, 2000, p. 64.
235
A publicidade está influenciando as crianças a ponto de modificar
seus hábitos alimentares, vale dizer, para pior.
[...] poucos anos atrás, um anúncio de um suplemento alimentar
infantil mostrava uma criança que pedia brócolis no supermercado
como um ser dotado de um comportamento bizarro, que causava
estranheza à mãe. Já o supérfluo, atraente
819
.
O BVP francês recomenda que a publicidade dirigida às crianças
somente pode versar sobre produtos disponíveis
820
, euquanto a publicidade
de alimentos de bebês somente é permitida na mídia escrita destinada aos
profissionais de saúde
821
.
Outro aspecto que merece destaque e atenção é a propaganda,
aquela que se utiliza dos meios de comunicação de massa para atingir
indistintamente crianças das mais diferentes condições sociais, criando
ansiedades processadas de uma forma ainda incompreendida
822
.
A psicóloga Fátima Nassif, do Conselho Regional de Psicologia de
São Paulo e da Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da
Cultura, alerta para a influência da mídia na formação da subjetividade de
crianças e adolescentes. “A propaganda influencia o comportamento infantil
e, em certa medida, juvenil”. Na sua concepção, a deturpação de valores
incentivada pelo culto ao consumo pode gerar transtornos complexos nas
relações familiares e de amizade destes indivíduos. Como exemplo cita o
crescimento de casos de anorexia e bulimia em jovens que se submetem à
ditadura da beleza veiculada nos meios de comunicação. “Consideramos
esses mercados eletrônicos um abuso total e um desvirtuamento da função
das concessões”, aduz a psicóloga, que também integra a Campanha pela
Ética na TV. Ela destaca o caráter público do serviço prestado pelas
819
Conforme relatado por Bia Abramo no Jornal Folha de São Paulo, E8, Ilustrada de 27 de
julho de 2008.
820
AULOY, Jean-Calais ; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 141.
821
AULOY, Jean-Calais; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 161.
822
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 11.
236
emissoras que, de acordo com a Constituição Federal, devem priorizar a
promoção da educação, da arte e da cultura
823
.
A situação é tão alarmante que existe o PL n. 5.921/2001, de
autoria de Luiz Carlos Hauly”, apresentada em 12/12/2001. O projeto visa
acrescentar um parágrafo ao art. 37, do Código de Defesa do Consumidor,
para proibição de publicidade para comercialização de produtos infantis.
Existe também o substitutivo da deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG) ao
PL n. 5.921/2001. O substitutivo estabelece ainda um conjunto de normas
para essa modalidade de propaganda, entre as quais a proibição do uso de
personagens de desenhos animados e de apresentadores de programas
infantis nos anúncios. De acordo com o texto, são solidariamente
responsáveis pela propaganda o fornecedor do produto ou serviço, a agência
publicitária e o meio de comunicação utilizado para veicular a publicidade. A
proposta estabelece que o infrator será punido com multa, aplicada por meio
de procedimento administrativo. Em sua forma original, o projeto do
deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), prevê a proibição total da
publicidade de produtos destinados à criança. No CBAP consta a exigência
de que a propaganda de produtos para uso infantil seja dirigida aos pais e
não à criança.
Em 09/07/2008 a Comissão aprovou proibição de propaganda
dirigida à criança. Conforme o texto de Maria do Carmo Lara, a propaganda
deve ser direcionada a adultos. A Comissão de Defesa do Consumidor
aprovou a proposta que proíbe qualquer tipo de publicidade e de
comunicação mercadológica dirigida à criança, em qualquer horário e por
meio de qualquer suporte ou mídia, seja de produtos ou serviços
relacionados à infância ou relacionados ao público adolescente e adulto. O
texto aprovado também proíbe qualquer tipo de publicidade ou de
comunicação mercadológica na televisão, na internet ou no rádio 15 minutos
antes, 15 minutos depois e durante a programação infantil ou a
programação cuja audiência seja na sua maioria constituída por criança.
823
INSTITUO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
<http://www.idec.org.br/busca.asp>. Acesso em: 26 mar. 2008.
237
Também fica proibida a participação da criança em qualquer tipo de
publicidade ou de comunicação mercadológica (exceto campanhas de
utilidade pública referentes a informações sobre boa alimentação,
segurança, educação, saúde, entre outros itens relativos ao melhor
desenvolvimento da criança no meio social)
824
.
No que concerne à saúde e ao meio embiente, a Constituição
Federal impôs ao Estado o dever de prover as condições necessárias ao pleno
exercício da cidadania e da dignidade da pessoa, fundamentos da República
Federativa do Brasil (artigo ), sem preconceito de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo ). Para tanto,
elegeu como direito fundamental do indivíduo, o seu direito à vida (artigo 5º),
na qualidade de garantia social, o direito à saúde e como princípio da ordem
econômica a defesa do meio ambiente (artigo 170, VI).
Como analisa José Afonso da Silva:
824
O substitutivo estabelece os princípios gerais a serem seguidos por qualquer publicidade
ou comunicação mercadológica dirigida ao adolescente, entre outros:
- respeitar à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições
e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar;
- garantir atenção e cuidado especial às características psicológicas do adolescente;
- respeitar a ingenuidade, a credulidade, a inexperiência e o sentimento de lealdade dos
adolescentes;
- não permitir que a influência do anúncio leve o adolescente a constranger seus
responsáveis ou a conduzi-los a uma posição socialmente inferior ou condenável;
- não favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social,
política, religiosa ou de nacionalidade;
- não induzir, mesmo implicitamente, sentimento de inferioridade no adolescente, caso este
não consuma determinado produto ou serviço;
- não induzir, favorecer, enaltecer ou estimular de qualquer forma atividades criminosas,
ilegais ou que ofendam aos usos e costumes da sociedade.
- não explorar a crença, o medo e a superstição;
- não induzir, de forma alguma, a qualquer espécie de violência;
- não induzir a qualquer forma de degradação do meio ambiente;
- primar por uma apresentação verdadeira do produto ou serviço oferecido, esclarecendo
sobre suas características e funcionamento, considerando especialmente as características
peculiares do público-alvo a que se destina.
O substitutivo também proíbe, entre outros itens, a veiculação de "merchandising" durante
programa de entretenimento dirigido ao adolescente e o uso das palavras "somente" e
"apenas" junto aos preços dos produtos e serviços.
As infrações dessas normas ficam sujeitas a multas, cujo valor dependerá da gravidade e da
condição econômica do infrator, além da imposição de contrapropaganda. A multa será em
montante não inferior a 1 mil e não superior a 3 milhões de Ufirs. INSTITUO BRASILEIRO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR. <http://www.idec.org.br/busca.asp>. Acesso em: 26 mar.
2008.
238
A Constituição Federal abre as perspectivas de realização social
profunda pela prática dos direitos sociais que ela inscreve e pelo
exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita
concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na
dignidade da pessoa humana
825
.
Por sua vez, os direitos sociais estabelecidos na Constituição
Federal (art. 6
o
), juntamente com os direitos, liberdades e garantias
fundamentais (art 5
o
):
[...] não são meras normas programáticas, ou directivas de ação
estadual de alcance essencialmente político [...] sendo irrelevantes
sob o ponto de vista jurídico-constitucional. [...] Enfim os direitos
sociais são autênticos direitos fundamentais dos cidadãos. São
direitos constitucionais a que correspondem verdadeiras obrigações
do Estado, e que devem, à semelhança do que acontece com os
direitos e liberdades tradicionais, ser concebidos como direitos
públicos subjetivos do cidadão. (...) O que distingue estes dos
restantes não é a sua natureza jurídico-constitucional, é o seu
objecto. São direitos positivos, isto é, direitos a certa atividade ou
prestação estadual e não a uma abstenção ou omissão”
826
.
Ressalte-se, ainda, conforme observado pelo constitucionalista
português Jorge Miranda, a real diferenciação entre as modalidades de
direitos fundamentais direitos e garantias tradicionais e direitos sociais
não está na dicotomia direitos negativos-direitos positivos, mas sim, na
tensão dialética e na harmonização entre liberdade e igualdade. Nesse
sentido, “os direitos constitucionais de índole individualista podem resultar
num direito geral de liberdade, os direitos de índole social num direito geral
à igualdade”, e o resultado almejado pelo Estado Social de Direito deve ser
“uma liberdade igual para todos, construída através da correção das
desigualdades e não através de uma igualdade sem liberdade”
827
.
A preservação do meio ambiente também é princípio da ordem
econômica (art. 170, VI, da Constituição Federal). Assim, os avanços
econômicos devem sempre observar o respeito aos bens ambientais, base de
825
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 19. ed. São Paulo:
Malheiros, p. 124.
826
CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição, Coimbra:
Coimbra, 1991, p. 127-129.
827
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Coimbra: Coimbra, 1988, t. IV, p.
96-98.
239
todas as formas de vida neste planeta. Daí a importância de se promover o
desenvolvimento sustentável.
7.6 ESFERAS, INSTRUMENTOS LEGAIS, FORMAS E LIMITES DE
CONTROLE DA PUBLICIDADE
Existem três sistemas de controle da publicidade
828
: o estatal (ou
legal), o privado (ou auto-regulamentar) e o misto.
7.6.1 O controle privado (auto-regulamentar, não-oficial ou
autocontrole)
Essa forma de controle é realizada por entidade privada ligada ao
setor de publicidade. Decorreu da necessidade de se regulamentar a
concorrência entre as empresas e afastar aquela nociva e desleal ao mercado
e ao mesmo tempo aumentar a credibilidade, imagem e confiança dos
consumidores em relação à publicidade.
No Brasil, o autocontrole é exercido pelo CONAR, sociedade civil
sem fins lucrativos, formada por agentes do mercado publicitário, entidade
que surgiu em São Paulo, em 5 de maio de 1980. Conforme seus Estatutos
Sociais compete-lhe funcionar como órgão judicante nos litígios éticos que
tenha por objeto a indústria da propaganda ou questões a ela relativas (arts.
e 5º).
Cabe ao respectivo Conselho de Ética conhecer, processar e julgar
as representações por inobservância ao Código Brasileiro de Auto-
828
No que diz respeito à comunicação de massa, existem quatro espécies de controle da
programação:
a) controle administrativo (o Brasil não possui, a exemplo dos EUA, a Federal
Communication Commission). b) controle pelas próprias concessionárias
c) controle judicial
d) controle social
MOROSINI, Fabio. Visões acerca do novo direito da comunicação de massa. Revista de
Direito do Consumidor n. 50/182. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 199.
240
Regulamentação Publicitária e aplicar as sanções previstas (parágrafo único
do art. 50). O art. 50 do CBAP prevê quatro penas: a) advertência; b)
recomendação de alteração ou correção do anúncio; c) recomendação aos
veículos no sentido de que sustem a divulgação do anúncio; d) divulgação da
posição do Conar com relação ao anunciante, à agência e ao veículo, por
meio de veículos de comunicação, ante o não-acatamento das medidas
preconizadas.
Ao Conselho Superior do Conar cabe cumprir e fazer cumprir as
decisões emanadas do Conselho de Ética (parágrafo primeiro do CBAP).
O Conar recebe denúncias contra qualquer empresa do mercado
publicitário. Procedente a denúncia, o Conar aplica determinada sanção
administrativa. Não há coação legal, mas sim, forte coação ética.
Consoante Marcelo Costa Fadel:
Os processos instaurados no Conar são regidos pelos princípios do
contraditório, da ampla defesa, da celeridade, da simplicidade e da
proibição da censura prévia, havendo previsão para decisões
liminares e duas instâncias de recursos
829
.
Trata-se de meio válido e razoavelmente eficaz de controle de
publicidade ilícita e apresenta como vantagem a rápida solução da questão,
é mais ágil e dinâmico, sem onerar o consumidor com custas.
Por se tratar de sociedade civil, o Conar não tem poderes para
retirar a veiculação da publicidade e conceder indenização aos lesados,
sendo que as sanções têm caráter moral. Pode, quando muito, sugerir a
suspensão da publicidade, mas sem possibilidade de sanção coativa
830
.
Como bem ressaltado por Fernando Gherardini Santos:
O Conar serve como um primeiro filtro da atividade publicitária [...]
tal sistema exclusivamente privado se revelou insuficiente para o
829
FADEL, Marcelo Costa. Breves comentários ao Código de Auto-Regulamentação
Publicitária do Conar. Revista de Direito do Consumidor n. 50/153. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 155.
830
Nesse sentido, Gherardini comenta: “o que se propôs com a edição do CBAP foi uma
regulamentação exclusivamente privada da atividade publicitária, realizada pelos próprios
profissionais do setor, em que, portanto, o consumidor, principal destinatário da atividade,
não encontra uma representação eficaz de seus interesses”. SANTOS, Fernando Gherardini.
Direito de Marketing uma abordagem jurídica do marketing empresarial. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do Consumidor, v. 14, p. 207.
241
eficaz controle dos excessos da publicidade, com demonstra a
própria história recente do Direito pátrio
831
.
A insuficiência do autocontrole exercido pelo Conar é revelado
primeiramente porque é integrado, de forma majoritária, pelos próprios
publicitários e por adesão espontânea, não se encontrando o consumidor
eficazmente representado (Art. dos Estatutos Sociais) (o Conselho de Ética
do Conar é composto por 33 membros, dos quais apenas 6 são
representantes dos consumidores (art. 40 do Anexo II do CBAP). Não tem
condições, portanto, de “julgar” dentro dos parâmetros do que é socialmente
tolerável), tendendo a ser menos rigoroso que o sistema de controle do
Estado. Existe possibilidade de imposição de somente penas simbólicas (o
art. 50, alíneas “a” e “d” é exemplo do caráter sugestivo das normas do
CBAP. Quanto às penas, são elas: advertência, recomendação ou divulgação
da posição do Conar), faltando ao CBAP a força cogente. A agência de
publicidade ou os patrocinadores podem recusar-se a cumprir as respectivas
determinações. Recebem, quando muito, sanções morais. O Conar não tem
atribuição para retirar do mercado publicidade considerada enganosa,
abusiva ou contrária ao seu Código. Não existe efeito vinculativo dos
pareceres do referido órgão e as suas decições não têm força coercitiva.
Dessa forma, verifica-se que o controle misto (privado e oficial) é o que se
revela mais eficaz. Por fim, que se considerar que existe entre nós o
princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. , XXXV, da
Constituição Federal), segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito
pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, pelo que qualquer
pessoa poderia se socorrer do Judiciário, ainda que houvesse disposição
expressa de autocontrole privado
832
.
Nessa trilha, merece destaque o comentário feito pelo Conselheiro
Clementino Fraga Neto, na Representação n. 133/1994, que teve lugar no
Conar, ao comparar o respectivo Tribunal Ético com os Tribunais de Justiça.
831
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 208-209.
832
Nesse sentido: RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito
do Consumidor 8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 62-63.
242
Na oportunidade ressaltou a eficiência do primeiro tribunal, a ausência de
custos, uma vez que o Conselho nada recebe para julgar, e o cumprimento
de todas suas decisões, desde o nascimento do Conar
833
.
Todavia, verifica-se que a realidade não é bem essa. Com efeito,
exemplo claro da insuficiência do Conar refere-se às publicidades
promovidas pela empresa Schincariol. Foram necessárias várias
recomendações para que fosse retirada a frase Experimente com
moderação (Representação nº 8/2004, Representação nº 9/2004,
Representação nº 10/2004, Representação nº 21/2004). A Representação nº
346/2003 também se refere a descumprimento de recomendação do Conar.
Constata-se, por conseguinte, que nem sempre são cumpridas as
determinações do órgão, além da insuficiência de seu sistema privado de
controle.
Essas constatações servem para dar reforço à tese do controle
Estatal, detentor de jurisdição, vale dizer, do poder, função, tarefa de dizer o
direito no caso concreto e impor coativamente as respectivas decisões. Isso
porque, além de poder condenar o infrator no pagamento de indenização,
poderá amenizar o “efeito residual”
834
da publicidade ilícita.
Como adverte Eros Roberto Grau:
As imperfeições do liberalismo, no entanto, associadas à
incapacidade de auto-regulação dos mercados, conduziram à
atribuição de nova função ao Estado [...] os defensores do poder
econômico, porque plenamente conscientes de sua capacidade de
dominação, atuando em largas braçadas sob a égide de um princípio
sem princípios o princípio do livre mercado passaram e desde
então perseveram a controlar os mercados
835
.
Com efeito, percebe-se que o Conar sofreu acusação de ser omisso
e excessivamente condescendente no controle da atividade publicitária.
833
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 199.
834
“Efeito residual” consiste no teor de recordação sobre a mensagem gerada por um
anúncio (GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo:
Summus, 1991, p. 111). É impossível retornar-se ao status quo ante. Mesmo com a retirada
da publicidade, esta continua a produzir efeito e influenciar aqueles expostos à respectiva
prática e eventualmente, nem venham a tomar conhecimento da retirada.
835
Apud SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica
do marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 13.
243
A prática revelou que se se der liberdade às condutas dos
empresários, estes tendem a abusar, e no afã de obterem maiores margens
de lucros não se importam com os direitos dos consumidores ou com o meio
ambiente. É necessário o Sistema de Controle Legal, sob pena de passar a
valer qualquer forma de publicidade, ante a existência, em qualquer
categoria, de pessoas que tendem a não observar padrões mínimos de ética,
respeito e observância às normas jurídicas, com agressão e prejuízo tanto ao
consumidor como à sadia competição entre os anunciantes. Sendo o
consumidor vulnerável, não conseguirá ele, sozinho, impor limites à
atividade publicitária perniciosa. Por outro lado, o controle oficial não
elimina o controle privado, nem a própria publicidade, mas visa a tão-
somente conter os abusos.
Bem a propósito, Hazel Henderson, que é consultora internacional,
constatou que os quinhentos maiores anunciantes norte-americanos estão
distantes do perfil de serem empresas limpas, verdes e mais éticas
836
.
Oportuno notar que não se tem notícia de que algum país proteja
seus consumidores apenas com o modelo privado
837
.
Em França, a diretiva de 11 de maio de 2005 sobre as práticas
desleais sugere que os Estados-membros devem encorajar esse sistema
838
.
Nesse sentido, anunciantes, agências e meios de comunicação criaram o
“Bureau de vérification de la publicité”, associação de direito privado
financiada pelos respectivos sócios. O Conselho de Administração
compreende representantes das três categorias profissionais, conjuntamente
com alguns representantes dos consumidores. A Presidência fica a cargo de
uma alta personalidade independente. O BVP elabora regras deontológicas
sob a forma de recomendações sem força obrigatória
839
.
836
Apud GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo
anunciante deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 50.
837
FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista
de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 103.
838
AULOY, Jean-Calais; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 140.
839
AULOY, Jean-Calais; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 141.
244
7.6.2 Controle estatal (ou legal)
Por meio dessa forma de controle, compete única e exclusivamente
ao Estado o controle da publicidade.
Esse sistema tem como vantagem o poder de coerção estatal, apto
a determinar, de forma imperativa, o cumprimento de seus comandos. Por
essa razão revela-se imprescindível. Até mesmo a Diretiva da Comunidade
Econômica Européia não aceita o sistema exclusivamente auto-
regulamentar.
7.6.3 Controle misto
O controle misto compreende o sistema que adota ambas as
formas de controle: o estatal e o privado
840
.
Considerando a inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, XXXV,
da Constituição Federal), as decisões do controle privado não impedem o
controle judicial de apreciar a licitude ou não de determinada peça ou
campanha publicitária.
O Código de Defesa do Consumidor, adotando o sistema misto, veio
a sistematizar a regulamentação da publicidade, com enfoque na ótica do
consumidor. Por se tratar de sistematização, a tutela abarcou todas as
esferas, com a previsão das respectivas sanções: civil (arts. 30 a 38),
administrativa (arts. 55 a 60), penal (arts. 66 a 69) e jurisdicional (arts. 81 a
104).
Pela via judicial é possível a suspensão da execução da publicidade
ilícita, a imposição de indenização por danos materiais ou morais, ou de
contrapublicidade.
840
“A promulgação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, encerrou a era exclusiva
da auto-regulamentação, instituindo um sistema misto de controle da publicidade e
suprindo a lacuna existente em nossa legislação. Deu especial importância à transparência
da informação ao consumidor, proibindo a publicidade enganosa e abusiva, e estabelecendo
sanções no âmbito administrativo, civil e penal”. ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A
Publicidade enganosa e o controle estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor.
Revista de Direito do Consumidor n. 53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.
12.
245
Nelson Nery Junior, analisando os tipos de controle da atividade
publicitária, sentencia: o sistema misto é o ideal
841
.
Antonio Herman Benjamin expõe que existem dois limites do
controle da publicidade: os subjetivos e os objetivos
842
. Os limites subjetivos
relacionam-se com os sujeitos da relação publicitária; se a legislação é
aplicável a qualquer tipo de anunciante ou somente ao
profissional/fornecedor. Os limites objetivos (ou materiais) dizem respeito ao
conteúdo do anúncio; cuidar da publicidade pelo prisma do consumidor ou
da concorrência desleal; proibição total da publicidade de certos produtos ou
serviços ou lhe impor limites; pode-se vedar/limitar a utilização de certo
veículos; pode-se instituir um sistema de autorização prévia ou registro para
anúncios.
O controle legal pode se dar em três planos: internacional, regional
e nacional.
Compete privativamente à União legislar sobre “propaganda
comercial” (art. 22, XXIX, da Constituição Federal).
Os estados e municípios podem regular os meios, particularmente
os físicos, e a forma de veiculação dos anúncios. Dessa maneira, pode o
município impor restrições à localização de outdoors ou painéis eletrônicos,
bem como regras para afixação de cartazes na cidade. O estado e o
município podem impor de forma motivada, restrições nas licenças dos
anúncios, em decorrência de seu poder de polícia. Bom exemplo acontece em
São Paulo com a Lei da Cidade Limpa (Lei n. 14.223, de 26 de setembro de
2006).
Essa competência legislativa é maior ainda em estabelecimentos
públicos, erguidos em áreas públicas ou operados sob o regime de
concessão, como por exemplo, estádios, bancas de revista, veículos de
841
“Temos, assim, um sistema misto, que nos parece o ideal, de controle da publicidade:
controle legal (CDC) e controle privado (CONAR). As duas formas de controle sobrevivem e
são compatíveis entre si”. NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros
de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1992, p. 66).
842
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 53.
246
transporte coletivo, ou sujeitos à fiscalização municipal sanitária, ambiental,
de segurança ou de proteção às crianças e aos adolescentes
843
.
Em França, é cabível a determinação de retirada da publicidade
enganosa, desde o começo do procedimento, sem ter que se esperar pela
decisão definitiva. Além disso, pode ser concedida a pedido do Ministério
Público, ou de ofício, no caso de jurisdição criminal, a pedido de associação
de consumidores ou do concorrente em ação sobre concorrência desleal, no
caso de jurisdição civil
844
.
7.7 A PUBLICIDADE COMO FONTE DE OBRIGAÇÕES
Como bem ressalta Rosa Maria Nery:
Nunca foi tão evidente a desigualdade real entre os contratantes e
tão calamitosa a dificuldade de conciliar o binômio ‘liberdade de
contratar e igualdade’, principalmente diante das contratações
celebradas a partir de ofertas feitas em massa, ou de vínculos
nascidos a partir de estipulações confeccionadas unilateralmente. E
mais. Nunca foi tão comum o reconhecimento de vínculos jurídicos
obrigacionais sem que houvesse, sequer, prévia disposição negocial
entre as partes
845
.
As observações da doutrinadora retratam exatamente o caso da
publicidade.
De início é quadra mencionar que a relação jurídica é uma
totalidade orgânica (complexidade, estrutura ou forma), sendo o vínculo uma
ordem de cooperação, formadora de uma unidade que não se esgota na soma
dos elementos que a compõem, sendo que credor e devedor não ocupam
mais posições antagônicas, dialéticas e polêmicas, desenvolvendo-se a
relação em vários planos.
Nesse sentido, vale destacar a lição de Clóvis do Couto e Silva:
843
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004, p. 300.
844
AULOY, Jean-Calais; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation, p. 150-151.
845
NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Idéias do mundo antigo. A equação do
justo e o direito de obrigações. Revista de Direito Privado n. 20/11. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 14.
247
A relação obrigacional pode ser entendida em sentido amplo ou
sentido estrito. Lato sensu, abrange todos os direitos, inclusive os
formativos, pretensões e ações, deveres (principais e secundários,
dependentes e independentes), obrigações e exceções e, ainda,
posições jurídicas
846
.
E vai mais adiante em seus ensinamentos:
O débito e o crédito aparecem no vínculo não como os únicos
elementos existentes, mas ao lado de outros igualmente importantes,
como os direitos formativos e as posições jurídicas [...] Sob o ângulo
da totalidade, o vínculo passa a ter o sentido próprio, diverso do que
assumiria se se tratasse de pura soma de suas partes, de um
compósito de direitos, deveres e pretensões, obrigações, ações e
exceções. Se o conjunto não fosse algo de ‘orgânico’, diverso dos
elementos ou das partes que o formam, o desaparecimento de um
desses direitos ou deveres, embora pudesse não modificar o sentido
do vínculo, de algum modo alteraria a sua estrutura. Importa, no
entanto, contrastar que, mesmo adimplido o dever principal, ainda
assim podem as relações jurídicas perdurar como fundamento da
aquisição (dever de garantia), ou em razão de outro dever secundário
independente
847
.
O art. 30 do Código de Defesa do Consumidor criou uma fonte de
obrigações para o fornecedor.
Cláudia Lima Marques, a respeito, destaca que:
[...] eventual relação obrigacional, vínculo jurídico, nascido do uso da
publicidade na sociedade pelo fornecedor seria, pois, uma
modalidade mais individualizada e concreta de dever jurídico, reflexo
de uma atuação voluntária ou delituosa do indivíduo na
sociedade
848
.
Da atividade publicitária suficientemente precisa nascem
obrigações (deveres especiais) para o fornecedor que a fizer veicular ou que
dela se utilizar. Nasce uma relação jurídica (ou melhor, uma situação
jurídica), um vínculo obrigacional, que prevalece ante as cláusulas escritas
em contrário no contrato de adesão, sendo que esta vinculação obrigacional
possui natureza pré-contratual, pois é somente uma declaração unilateral de
846
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
19.
847
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
19/20.
848
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual. e ampl. 2ª tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 616.
248
vontade da qual decorrem deveres jurídicos para o fornecedor e
correspondem direitos para os consumidores
849
.
De fato, conforme entende Valéria Falcão Chaise, “a publicidade é
fato jurídico que condiciona o aparecimento de obrigações”
850
.
Se existe vínculo jurídico, necessariamente existirá uma obrigação,
a qual, como ensina Inocêncio Galvão Telles:
[...] é tanto o dever jurídico pelo qual uma pessoa se encontra
vinculada a observar certa conduta no interesse de outra (titular do
direito subjetivo), quanto o estado de sujeição, que se traduz na
submissão aos efeitos jurídicos produzidos por iniciativa alheia
851
.
Existe a utilização do termo “obrigação” em sentido lato: antes
mesmo que a prestação principal (de fazer, não-fazer) seja exigível, na visão
dinâmica imposta pelo Código de Defesa do Consumidor para a relação de
consumo, existem outras “prestações”, prestações acessórias,
Nebenleistungen como as denomina os doutrinadores alemães. Essas
prestações são exigíveis em forma de condutas determinadas impostas por
lei àquele tipo de aproximação negocial
852
.
Ressalte-se, junto com Cláudia Lima Marques, que:
relação jurídica obrigacional, antes do vencimento da prestação
principal, porque vínculo jurídico, dever. Essa obrigação
pode ser outra ou de outro grau, como a de cooperar, de informar, de
se conduzir conforme e na direção da prestação principal, não
inviabilizando a prestação, não causando dano ao patrimônio ou à
pessoa do parceiro contratual. Também estes, porém, são comandos
jurídicos, impostos para defesa de interesse alheio e pela
necessidade de conduta segundo a boa-fé no contrato e fora dele.
Trata-se de um comando jurídico e não somente ético, mas por esta
diferença de grau, os doutrinadores alemães denominaram estes
comandos jurídicos de ‘deveres’ (Pflichten) de cuidado, de cooperação,
de informação, diferenciando-os do dever principal (Leistungpflicht) e
849
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual. e ampl. 2ª tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 626.
850
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2001, p. 3.
851
Apud MARQUES, Cláudia Lima. Vinculação própria através da publicidade? A nova
visão do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 10/7.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 7.
852
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. rev., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 611.
249
evitando o apoio na expressão tão usada ‘obrigação’ (Schuld ou
Verpflichtung)
853
.
Trata-se da visão dinâmica e total de obrigação, de um processo
complexo, representada por um feixe ou conjunto de deveres que vinculam
as partes desde a sua aproximação negocial (momento pré-contratual) e
continuarão vinculando-as mesmo depois de cumprido o dever principal
(pós-eficácia dos contratos). Assim, existe no vínculo obrigacional a presença
de deveres principais (Hauptpflichte) prestação principal, dar, fazer, não-
fazer e de deveres outros, que chamaram de anexos ou laterais
(Nebenpflichte) – deveres de prestações menores, instrumentais ou protetores
da prestação principal, verdadeiros deveres de conduta, deveres consistentes
também em um fazer (p. ex.: informar), um não-fazer (p.ex.: guardar segredo,
não causar dano ao patrimônio do co-contratante durante a execução do
contrato), em um dar (p. ex.: enviar os manuais com instruções de uso) –,
todos deveres ligados à prestação ou à conduta na sociedade
854
.
Dessa forma, constata-se que a obrigação é dinâmica, não é algo
isolado, mas sim representa um processo, com início, meio e fim. Seu ápice
ocorre quando a prestação principal passa a ser exigível. Entretanto,
existe o nculo a partir da aproximação negocial e que faz surgir uma série
de deveres outros instrumentais que já são exigíveis desde logo, porque
exigíveis, em princípio, da conduta de todos, quanto mais daqueles que se
aproximam para negociar
855
.
Ocorre vinculação sem contrato, baseada na responsabilidade pela
confiança, gerada pela atividade lucrativa do fornecedor e pela confiança
despertada pela veiculação da publicidade.
A justificar tal regime jurídico, Cláudia Lima Marques afirma que:
853
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 613.
854
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 614.
855
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 614/615.
250
Dos estudos de Köndgen podemos concluir que a atividade de
comunicar-se por publicidade é uma opção do fornecedor (livre
determinação), mas que por suas características de atividade
profissional (risco próprio) e por seus importantes e irreversíveis
efeitos na sociedade (confiança despertada) faz nascer vínculos
obrigacionais, tornando-se de relevância jurídica indiscutível. O
vínculo obrigacional criado pela publicidade veiculada, como ensina
Köndgen, não é positivo (necessidade de cumprir certos deveres
impostos a quem utiliza de tal meio para incitar o consumo), mas
também tem seu aspecto reativo, de garantia intrínseca, reflexa,
essencial (responsabilidade), nova espécie de responsabilidade
profissional
856
.
Assim, “Após a aceitação, a natureza do vínculo obrigacional
ligando o fornecedor e o consumidor (da publicidade) transforma-se em
vínculo de natureza contratual”
857
.
Quando existir informação enganosa ou abusiva,
independentemente da intenção do fornecedor, se agiu de forma intencional
ou por desconhecimento das características do produto ou serviço, surgirá a
responsabilidade de indenizar os respectivos danos, sendo a publicidade,
fonte de obrigações.
Com esse entendimento Cláudia Lima Marques conclui: “A
publicidade foi, portanto, valorizada como ato de vontade idôneo para criar
vínculos obrigacionais (com ou sem contrato) entre fornecedores e
consumidores na sociedade brasileira”
858
.
856
MARQUES, Cláudia Lima. Vinculação própria através da publicidade? A nova visão
do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 10/7. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 17.
857
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 628.
858
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 617.
251
8 PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS COM A
PUBLICIDADE
8.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Como bem asseverou Aristóteles, “instituir, por escrito, toda a
organização do Estado, até o mínimo detalhe, seria inteiramente impossível;
o princípio universal deve ser escrito, mas seu funcionamento depende de
cada caso”
859
.
Nesse contexto, a toda evidência, podem ser enquadrados os
princípios.
A defesa do consumidor visa a afastar a opressão do mais forte
pelo mais fraco e um dos princípios do direito correto é justamente a
vedação de submissão do querer à arbitrariedade de outrem
860
.
De acordo com Cláudio Bonatto:
A idéia de codificação de regras e princípios protetivos buscou
flagrantemente munir aqueles entes carentes de condições legais
específicas de arma eficaz, tendente a evitar a continuidade da
individualização dos lucros e da socialização dos prejuízos
861
.
Na lição de Rosa Maria Nery:
Os princípios gerais fundamentais, no plano da experiência teórica,
aparecem, por vezes, extraídos do ordenamento jurídico. Embora
seja verdadeiro que eles compõem mesmo o ordenamento jurídico do
Estado, eles não são provenientes dessa estrutura, mas antecedentes
a ela, impondo-se e sobrepondo-se a ela
862
.
A respeito dos princípios, Nelson Nery Junior classifica:
859
ARISTÓTELES. Coleção os Pensadores. Tradução: Therezinha Monteiro Deutsch Baby
Abrão. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 193.
860
COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do direito. Tradução da
Edição alemã por Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 108.
861
Cláudio Bonatto. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p.
72.
862
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 111.
252
Os princípios podem ser informativos ou fundamentais. Aqueles são
considerados quase como que axiomas, pois prescindem de maiores
indagações e não precisam ser demonstrados. Fundam-se em
critérios estritamente técnicos e lógicos, não possuindo praticamente
nenhum conteúdo ideológico. Já os fundamentais são aqueles a
respeito dos quais o sistema jurídico pode fazer opções, levando em
consideração aspectos políticos ou ideológicos. Por essa razão
admitem que a eles se contraponham outros, de conteúdo diverso,
dependendo do alvedrio do sistema que os está adotando [grifos no
original]
863
.
Canaris assevera que: “Não se pode determinar, de antemão,
quando deva um princípio valer como “geral” e em última análise, cada
Ordem Jurídica se baseia em alguns valores superiores, cuja proteção ela
serve, sendo que o princípio está num grau de concretização maior do que
o valor. O contraponto é que o princípio, ao contrário do valor, indica
sempre, pelo menos, a direção da conseqüência jurídica. Assim, o princípio
ocupa, justamente, o ponto intermediário entre o valor e o conceito
864
.
Quanto às suas características, Claus Wilhelm Canaris ensina que:
Os princípios não valem sem excepção e podem entrar entre si em
oposição ou em contradição; eles não têm a pretensão da
exclusividade; eles ostentam o seu sentido próprio apenas numa
combinação de complementação e restrição recíprocas; e eles
precisam, para a sua realização, de uma concretização através de
subprincípios e valores singulares, com conteúdo material próprio.
Os princípios não são normas e, por isso, não são capazes de
aplicação imediata, antes devendo primeiro ser normativamente
consolidados ou ‘normativizados’, [...] as consequências jurídicas
quase nunca se deixam retirar, de forma imediata, da mera
combinação dos diferentes princípios constitutivos do sistema, mas
antes que, nos diversos graus da concretização, surgem sempre
novos pontos de vista valorativos autónomos
865
.
É importante ressaltar que
Um sistema de princípios gerais de Direito não pode satisfazer o
postulado da total ausência de contradições. Por isso, os princípios
são inutilizáveis como base de um sistema lógico-axiomático, uma
863
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 50/51.
864
CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência
do direito. edição. Traduzido por A. Menezes de Cordeiro. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
2002, p. 79 e 86/87.
865
CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência
do direito. edição. Traduzido por A. Menezes de Cordeiro. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
2002, p. 88, 96 e 99.
253
vez que a ausência de contradições dos axiomas é irrenunciável, [...]
a formação de um sistema teleológico não se opõe, de modo algum, à
possibilidade de contradições de princípios; ela impede, em todo o
caso, uma configuração perfeita desse sistema
866
.
Bem afirma Rosa Maria Nery que:
As Constituições modernas não deixam a construção da sociedade ao
talante da responsabilidade dos indivíduos. Ao contrário, elas fixam
normas, que a doutrina denomina de norma de finalidade (norme di
scopo), que visam a desenhar resultados úteis ao bem comum
867
.
É fundamental o respeito à Constituição, sob pena de se ruir todo
o sistema jurídico, pois representa a sua base, não podendo a sua aplicação
ficar ao sabor de interesses escusos
868
. Representa verdadeira teratologia a
constante mudança de nossa Constituição Federal com sucessivas e
intermináveis emendas, sendo questionável o benefício para o detentor do
poder: o povo.
Vale destacar a lúcida explicação de Rosa Maria Nery:
Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão
de anseios, de aspirações, de propósitos. É a transformação de um
ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas.
Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgão do Poder
e cidadãos
869
.
Ensina Celso Antonio Bandeira de Melo que as normas
constitucionais são sempre marcadas pelo caráter impositivo e obrigatório:
[...] são as normas de mais alta hierarquia, são as normas fundantes
das demais normas, são as normas que servem de padrão de
866
CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência
do direito. edição. Traduzido por A. Menezes de Cordeiro. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
2002, p. 102.
867
NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do
Direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 80.
868
“Direito e Constituição não são algo mecânico, eles são a sedimentação do sucesso de
gerações e vivem em uma certa tradição nacional. Tem-se que respeitá-los e não sacrificá-
los de acordo com cada nova necessidade”. COING, Helmut. Elementos fundamentais da
filosofia do direito. Tradução da 5ª Edição alemã por Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 2002, p. 66.
869
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 174.
254
paradigma, de aferição de validade das demais normas; têm,
portanto, uma posição eminente e sobranceira no sistema jurídico
870
.
De seu turno, Judith Martins Costa esclarece que:
A Constituição e os princípios nela contidos funciona como
medida normativa das regras e atos jurídicos nos momentos de sua
gênese, desenvolvimento, interpretação e aplicação, condicionando a
integralidade do processo normativo e transfigurando, por força de
sua incidência os textos anteriores [grifos no original].
871
Quanto ao papel do juiz na concreção dos princípios é necessário
ponderar que “hoje esta questão não vem mais sendo tratada como um caso
de ‘usurpação’ de poderes do Legislativo pelo Judiciário mas como um
problema relativo à coordenação de duas funções estatais”[grifo no
original]
872
.
8.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III)
Aristóteles já afirmava que:
Um Estado é mais do que um investimento; seu propósito não é
simplesmente prover a vida, mas prover uma vida digna [...]. O
Estado existe para capacitar todos, famílias e aparentados, a viver
bem, ou seja, a ter uma vida plena e satisfatória
873
.
O conceito de pessoa, segundo Rosa Maria Nery, “foi criado ao
longo dos séculos, mas o valor e a dignidade da pessoa, como hoje os
concebemos, não eram conhecidos do homem antigo”
874
. Mas, de toda forma,
vê-se que a discussão não é nova.
870
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ideologia e constituição. Constituição e
Constituinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 41/42.
871
COSTA, Judith Martins. Crise e Modificação da Idéia de Contrato no Direito
Brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. n. 3/125. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 136.
872
COSTA, Judith Martins. Crise e Modificação da Idéia de Contrato no Direito
Brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. n. 3/125. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 138.
873
ARISTÓTELES. Coleção os Pensadores. Tradução: Therezinha Monteiro Deutsch Baby
Abrão. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 226/228.
874
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 129.
255
E continua a renomada doutrinadora:
Uma ciência que não se presta para prover a sociedade de tudo
quanto é necessário para permitir o desenvolvimento integral do
homem, que não se presta para colocar o sistema a favor da
dignidade humana, que não se presta para servir ao homem,
permitindo-lhe atingir seus anseios mais secretos, não se pode dizer
Ciência do Direito. [...] a Vida e a liberdade são as expressões mais
extraordinárias dessa dignidade humana. [...] Quando o espírito do
legislador, ou o espírito do intérprete, ou do decididor, se olvida
desse princípio, desaparecem todos os elementos que autorizam dizer
tenha sido realizada verdadeira análise científica do Direito [...] Como
a Vida é essencialidade do ser humano e a liberdade é potencialidade
expressiva da existência humana, são esses os valores que norteiam
o princípio da dignidade da pessoa humana [grifos no original]
875
.
Das lições apresentadas extrai:
É para o homem e pelo homem que o Direito existe, para homens
livres e iguais. Toda norma que avilta a dignidade humana está
despida dos requisitos básicos que inspirou, em sua gênese, o
aparecimento do Direito como Ciência
876
.
Conforme mencionado por Ulrike Hinrichs, o valor da dignidade
humana representa premissa normativa fundamental da ordem
constitucional germânica, tem natureza irrenunciável e insusceptível de
restrição
877
.
Como bem acentua Antônio Carlos Efing:
Numa sociedade em que se almeja o reconhecimento da dignidade da
pessoa humana, ao cidadão deve ser propiciado o alcance dos bens
de consumo, sem contudo autorizar-se que esse consumo se
transforme em consumismo, no qual a vontade do cidadão é
manipulada e a justificação econômica supera a dimensão
humanitária
878
.
875
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, P. 114.
876
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 137.
877
Apud CANOTILHO, J. J. Gomes e MACHADO, Jónatas E. M. “Reality Shows” e
Liberdade de Programação. São Paulo: Coimbra, 2005, p. 70 e 72.
878
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. edição
revista e atualizada, 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2006, p. 15.
256
A dignidade humana representa o principal direito
constitucionalmente garantido
879
, trata-se de um valor preenchido a priori,
ou seja, todo ser humano tem dignidade somente pelo fato de ser pessoa
880
.
Nesse contexto, importa destacar que o art. 221 da Constituição
Federal
881
está em hierarquia superior aos demais dispositivos
constitucionais em matéria de comunicação social. Isso porque ele porta
princípios, normas que descrevem valores, não impondo condutas. Trata-se,
sobretudo, de uma norma narrativa, que exprime a ratio legis do
constituinte, típica de tempos pós-modernos. Significa que quando se
pretende a aplicação de normas de comunicação de massa - as
infraconstitucionais - esses princípios devem estar presentes
882
.
Por outro lado, a dignidade também é princípio geral da ordem
econômica (art. 170, caput).
Embora se trate de conceito difícil de ser precisado, não significa
que possa ser violado. Rizzatto Nunes uma pista do que seria a dignidade
humana, estabelecendo que sem se assegurar concretamente os direitos
sociais previstos no art. da Constituição Federal, que por sua vez está
atrelado ao caput do art. 225, não se pode falar em dignidade humana
883
.
Exemplo claro de violação da dignidade humana foi a liberação de
anúncio publicitário em uniforme escolar pelo prefeito de São Paulo, José
Serra (PSDB). Em troca da publicidade, as empresas irão adquirir a compra
de roupas dos alunos da rede pública.
A medida é duvidosa sob o plano do direito administrativo, que
não será aqui tratada, pois foge ao objeto do presente trabalho.
879
Com esse entendimento Rosa Nery: “O princípio mais importante do direito é o da
dignidade da pessoa (CF 1.º III). É por ele que se faz prevalecer, no contexto das relações
humanas, o valor da vida e da liberdade do homem (NERY, Rosa Maria de Andrade.
Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do Direito privado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 65).
880
Nesse sentido Rizzatto Nunes. Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista,
modificada e atualizada São Paulo: Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 24/25.
881
O inciso III, do art. 221, da Constituição Federal traz valores referentes à dignidade
humana.
882
MOROSINI, Fabio. Visões acerca do novo direito da comunicação de massa. Revista
de Direito do Consumidor n. 50/182. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pá. 198/199.
883
Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e atualizada São Paulo:
Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 25.
257
Todavia, pela ótica constitucional e dos direitos difusos ela agride
de forma ímpar a dignidade dos estudantes, expondo-os a situação
vexatória.
Por isso, curiosa é a posição do promotor da Infância e da
Juventude Vidal Serrano (o qual justamente deveria defender os direitos das
crianças e dos adolescentes), ao afirmar não haver irregularidade, desde que
não haja exagero na publicidade.
A defesa da dignidade humana, notadamente das crianças é de tal
forma esquecida e deixada de lado que além da norma constitucional (que
deveria bastar, pois todo comando Constituição Federal possui carga de
eficácia e os direitos fundamentais são imediatamente aplicados) o Estatuto
da Criança e do Adolescente repetiu à exaustão o tratamento digno que lhes
deve ser dispensado, não podendo ser submetidos a qualquer tipo de
situação vexatória ou constrangimento
884
.
Certo que transformar nossos estudantes em garotos propaganda
de forma compulsória, transformando-s em outdoors ambulantes ou
garotos/garotas cartazes agride a dignidade. A criança não é obrigada a
promover empresas. Eis mais uma manobra do setor publicitário para a
manipulação dos consumidores, que desde tenra idade, são submetidos à
identificação com a marca ou produto.
884
Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-
lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar
o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.
Art. 7º - A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a
efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento
sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 15 - A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como
pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis,
humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 17 - O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e
moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da
autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18 - É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo
de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
258
Ninguém pode ser obrigado a, literalmente, vestir a camisa de
qualquer empresa. Ademais, a situação pode atingir a liberdade de
consciência, como, por exemplo, no caso de o aluno ser vegetariano e ser
obrigado a fazer publicidade de uma churrascaria.
8.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE (ART. , IV, ART. , I, ART. , INCS IV, VI,
IX, LIV, LXVIII, ART. 170)
Nas últimas décadas a liberdade ganhou foros de consciência que
hoje é até difícil sustentar sua privação, salvo as hipóteses excepcionais,
legalmente previstas.
O princípio da liberdade é relevante para o direito do consumidor e
para a publicidade.
Kant define a liberdade do seguinte modo:
Liberdade é este direito único, originário, que cabe a cada pessoa em
virtude de sua humanidade [...] Dele derivam todos os demais
direitos naturais. De acordo com isto, ele pode definir o direito como
suma’ de condições, segundo as quais a vontade [ou seja a liberdade
de agir] de um com a vontade de outro podem ser reunidas em uma
lei geral de liberdade [grifo no original]
885
.
Helmuth Coing concebe liberdade:
[...] no sentido de um fundamental ‘deixar-se ir’ não pode ser um
princípio moral. Isto parece já estar contido na estrutura biológica da
pessoa. ‘Ser pessoa significa ser inibido por normas, reprimido. Cada
convenção, cada costume, cada direito articula, canaliza e suprime
os impulsos instintivos’
886
.
Na Declaração dos Direitos Humanos “liberdade” e “igualdade” são
exigidas para todas as pessoas
887
.
Para Rizzatto Nunes, o sentido de liberdade nas relações de
consumo é o de “ação livre”. Para que ocorra a “ação livre” é necessário que a
885
Apud COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do direito. Tradução da 5ª
Edição alemã por Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 61.
886
COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do direito. Tradução da
Edição alemã por Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 161.
887
COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do direito. Tradução da
Edição alemã por Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 199.
259
pessoa consiga acionar duas virtudes: querer e poder. Quando não
liberdade de escolha, a ação não é livre. Por outro lado, a “liberdade de
escolha” é relativa, pois as “escolhas” do consumidor estão limitadas ao que
é oferecido
888
.
Assim, fica a questão de que, até que ponto o consumidor é livre
ante a publicidade subliminar.
8.4 PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA
Destaca Nelson Nery Junior que:
Defesa do consumidor não é incompatível com livre iniciativa e
crescimento econômico. Ambas as circunstâncias vêm descritas como
princípios da ordem econômica constitucional do país (art. 170, CF).
Por isso, o CDC traça normas tendentes a compatibilizar a defesa do
consumidor com a livre iniciativa (art. 4º).
Nada obstante esses dois princípios serem compatíveis, pode haver
conflito entre eles, de sorte que se torna necessária a tarefa de
harmonização e compatibilização, devendo o intérprete, para
solucionar o conflito, tomar esses princípios no sentido de
harmonizá-los e ponderá-los, pois os princípios encerram exigências
e padrões que devem ser realizados[grifos no original]
889
.
Nas palavras de Giuseppe Lumia, é certo que:
A completude e a coerência são características essenciais do
ordenamento jurídico, mas a realidade é bem diferente, porque nem
sempre o discurso do legislador é imune a contradições, nem a
previsão normativa pode exaurir a casuística que a experiência, ou
seja, a própria vida na multiplicidade das suas dimensões ‘inventa’
em um processo sempre aberto e imprevisível
890
.
A lição serve para o caso de conflito entre interesses dos
consumidores e dos fornecedores, estando ambos amparados
constitucionalmente.
888
Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e atualizada São Paulo:
Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 27/28.
889
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 52.
890
LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Tradução de Denise
Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 86.
260
Os critérios para resolver as antinomias ou conflito de normas
(duas ou mais normas incompatíveis entre si regulam a mesma relação)
podem reduzir-se a três: critério hierárquico, critério temporal e critério da
especialidade. No caso de conflito de segundo grau (entre os próprios
critérios de resolução das antinomias), a escolha será baseada em uma
avaliação comparativa à luz dos princípios gerais do ordenamento e dos
interesses que as normas em conflito tutelam respectivamente
891
.
Sobre o tema, Rosa Maria Nery se posiciona da seguinte forma:
“Pode haver colidência entre dois princípios de Direito e, em ocorrendo essa
hipótese, deve prevalecer o princípio inspirado pelo valor de maior
relevância”
892
.
De todo modo, razão assiste a Fabio Morosini quando afirma que
“Na pós-modernidade, resolve-se o conflito das fontes através da opção por
aquele que mais próximo está dos direitos humanos, direitos
fundamentais”
893
.
Antônio Carlos Efing aduz que: “A argumentação econômica
somente encontrará respaldo se atendidos os demais princípios norteadores
da ordem constitucional”
894
, pois visa-se a deixar “as questões meramente
patrimoniais em segundo plano”
895
.
Revela-se, destarte, fundamental a interpretação sistemática, que
parte do princípio de que a legislação é “um conjunto orgânico e que as leis
têm seus lugares específicos, de modo que uma prepondera sobre outras,
por isso o jurista deve sistematizá-las, dando a cada uma seu significado
dentro do ordenamento jurídico”
896
.
Bom lembrar, junto com Fernando Gherardini Santos, que:
891
LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Tradução de Denise
Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 89/90.
892
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 112.
893
MOROSINI, Fabio. Visões acerca do novo direito da comunicação de massa. Revista
de Direito do Consumidor n. 50/182. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, P. 209).
894
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. edição
revista e atualizada, 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2006, p. 28.
895
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo, p. 30.
261
[...] enquanto a função social da propriedade encontra previsão
constitucional, o mesmo não ocorre com o lucro [...] a obtenção de
lucro pelo empresário não pode, jamais, colidir com os interesses
jurídicos oriundos da função social da empresa [...] o lucro do
empresário será legítimo até colidir com a função social de sua
empresa e, em caso de tal colisão, esta última prevalecerá
897
.
A livre iniciativa está garantida. Porém encontra limites
estabelecidos no art. 170. O mercado e o meio ambiente não pertencem ao
empreendedor, mas à sociedade. A atividade será legítima enquanto não
causar dano ao mercado, à sociedade, ao meio ambiente e aos
consumidores. O lucro do empreendedor é legítimo, mas como a atividade
empresarial é daquelas que envolve risco, terá que arcar com eventuais
prejuízos, não podendo repassar o ônus do risco ao consumidor
898
. “Todo
explorador tem responsabilidade social para com todos os indivíduos,
mesmo para com aqueleas que não são seus clientes” e “nenhuma
exploração pode atingir os consumidores nos dieritos a eles outorgados”
899
.
8.5 PRINCÍPIO DA DEFESA DO CONSUMIDOR
A Constituição Federal vem recheada de comandos relativos à
defesa do consumidor (art. , XVII, XXI e XXXII; art. 24, V e VIII; art. 150,
§5º; art. 170, V; art. 175, parágrafo único e II; art. 220, §4º; art. 221; art 40
do ADCT).
A defesa do consumidor representa direito fundamental (art. ,
XXXII) e tem natureza de cláusula pétrea, não podendo, por conseguinte,
suas normas serem afastadas (salvo se houver mudança na própria
896
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 51/52.
897
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 123.
898
“Não está ele obeigado a desenvolver qualquer negócio ou atividade. Se o fizer e obtiver
lucro, é legítimo que tenha ganho. Mas, se sofrer perdas, elas também serão suas [...] Quem
corre risco ao produzir produtos e serviços é o fonecedor, jamais o consumidor” (NUNES
Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e atualizada São
Paulo: Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 58)
899
NUNES Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e
atualizada São Paulo: Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 56/57..
262
Constituição). Decorre do texto constitucional que o Estado (entendido em
todas as suas esferas e manifestações, englobando o Estado-Juiz) deverá
sempre velar pela defesa do consumidor
900
.
Rosa Maria Nery afirma que:
Os direitos fundamentais à luz de uma interpretação moderna que
foi dada pela jurisprudência alemã ao art. 1.º da Lei Fundamental da
Alemanha vinculam a legislação, o poder executivo e a jurisdição,
como normas postas, vigentes e imperativas, contra as quais não
pode o legislador ordinário se insurgir
901
.
E Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta que:
Os Textos Constitucionais, mesmo das ditaduras, mesmo dos
regimes, os mais autoritários, mesmo daqueles mais favorecedores
da concentração de renda, não se podem livrar de consagrar nos
documentos constitucionais aquelas enunciações ou aqueles
propósitos que parecem mais adequados às concepções do tempo,
enquanto possam não ser a dos agentes que produziram o Texto
Constitucional ou dos agentes que vão fazer cumprir o texto
Constitucional [...] Seria porventura de esperar que o Constituinte
escolhesse o principal texto normativo de um sistema, que é um
Texto Constitucional, meramente para extravasar as suas
frustrações, aspirações e anseios, se dispõe exatamente daquele
instrumento para veicular e traduzir seus comandos? [...] parece-me
pouco lógico, que existindo, ao dispor do Constituinte, poderes para
manifestar o comando que é inerente à norma, terceiros venham
dizer “não, mas isso não é norma. O Constituinte pode imaginar, isto
não é norma, isto é uma intenção que ele teve.
902
.
Assim, colocada a defesa do consumidor, a partir de Constituição
Federal de 1988, como direito fundamental, dessa forma deverá ser tratada,
porquanto “o sistema objectivo modifica-se quando os valores fundamentais
constitutivos do Direito se alteram”
903
.
900
“a defesa do consumidor passou a ser uma preocupação permanente e duradoura do
Estado, não estando mais sujeita aos caprichos dos governantes da ocasião, que, até então,
poderiam caminhar no sentido da revogação da legislação protetiva, ordinariamente
instituída, inclusive pelo atalho escancarado das medidas provisórias” (ALMEIDA, João
Batista de. A proteção jurídica do consumidor. edição, revista e atualizada. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 73).
901
NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do
Direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 58.
902
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ideologia e constituição. Constituição e
Constituinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 39 e 42/43.
903
CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência
do direito. edição. Traduzido por A. Menezes de Cordeiro. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
2002, p. 112.
263
Para o citado administrativista:
As idéias, a ideologia retraçada nos Textos Constitucionais,
quaisquer que sejam eles, normalmente está mais avançada do que a
práxis que propiciarão. Este fenômeno se passa, sobretudo, nos
países subdesenvolvidos [...] com ou sem intenção de cumprir o que
nela se registra, os Textos Constitucionais tendem a estabelecer
dicções que se encontram normalmente afinadas com aquelas
mesmas dicções que muitas vezes são práticas nos países mais
avançados
904
.
É exatamente o caso da defesa do consumidor, que ainda encontra
forte resistência, inclusive no âmbito do próprio Poder Judiciário, que
deveria ser o primeiro a lhe dar efetividade.
Nessa ordem de idéias existe verdadeiro conflito de interesses
garantidos constitucionalmente. O anunciante pensa ter o direito, sob o
manto da livre iniciativa e da liberdade de expressão, de bombardear, sem
folga, ininterruptamente, o consumidor. Defende a máxima liberdade para
povoar a vida das pessoas de estímulos publicitários de toda ordem e em
todos os lugares, dos mais simples até os mais inusitados. O anunciante
pensa que o consumidor é obrigado e acordar com publicidade e dormir com
publicidade. O excesso de publicidade polui a paisagem urbana e rural (em
relação à qual a Lei Cidade Limpa de São Paulo representou um belo
exemplo do quanto a publicidade estava a invadir todos os lugares, como
podia ser prejudicial, atrapalhando até placas de trânsito e como é possível
haver melhora sensível na qualidade de vida sem o caos publicitário a que
estava refém a cidade de São Paulo). Além disso, provoca um sem-número de
estímulos no ser humano.
Entretanto, a evolução do Direito não partiu por esse caminho e
elevou à categoria de direito fundamental a defesa do consumidor, da saúde
e do meio ambiente. Portanto, o consumidor tem direito a não ser
incomodado pela publicidade agressora de seus direitos individuais.
904
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ideologia e constituição. Constituição e
Constituinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 37/38.
265
9 PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor é um microssistema e não
propriamente um “código”, funcionando como lei especial, de conteúdo
principiológico constitucional.
As outras leis aplicam-se de forma subsidiária e não podem
contrariar a principiologia do Código de Defesa do Consumidor, sob pena de
inconstitucionalidade. Somente uma lei de igual natureza e hierarquia pode
revogar o referido diploma legal consumerista. Este sempre será de
hierarquia superior relativamente a uma lei especial que trate de outra
matéria.
Os princípios do Código de Defesa do Consumidor estão todos
entrelaçados, um remetendo e complemetando o outro.
9.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Na interpretação de Nelson Nery Junior:
Os princípios gerais das relações de consumo estão enumerados nos
arts. ao do Código. Tudo o mais que consta da lei é, por assim
dizer, uma projeção desses princípios gerais, isto é, uma espécie de
pormenorização daqueles princípios de modo a fazê-los efetivos e
operacionalizá-los. Estas normas não são, de regra, programáticas,
desprovidas de eficácia, mas concretas cuja eficácia vem descrita em
todo o corpo do Código
905
.
A defesa e o tratamento diferenciado do consumidor justificam-se
pela presunção de sua vulnerabilidade.
Houve significativa mudança e evolução (inclusive de natureza
tecnológica) no modo de comunicação entre os fornecedores e consumidores.
Dessa forma, imprescindível a adoção de novos modelos e esquemas para
regular as novas situações e relações jurídicas, notadamente no que
concerne à informação e à publicidade, veiculadas pelo fornecedor, pois
905
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 51.
266
constata-se que nesta especial seara, da publicidade, a vulnerabilidade do
consumidor (art. , I), que é presumida pela lei de forma absoluta, ganha
realce
906
.
9.1.1 Princípio da informação (arts. , IV e VIII, e , II e III, ambos do
Código de Defesa do Consumidor)
Sobre o princípio da informação, no que tange ao tema em estudo,
Cláudia Lima Marques ensina:
O dever de informar foi sendo desenvolvido na teoria contratual
através da doutrina alemã do Nebenpflicht, isto é, da existência de
deveres acessórios, deveres secundários ao da prestação contratual
principal, deveres instrumentais ao bom desempenho da obrigação,
deveres oriundos do princípio da boa-fé na relação contratual,
deveres chamados anexos. O dever de informar passa a representar,
no sistema do CDC, um verdadeiro dever essencial, dever básico (art.
, inciso III) para a harmonia e transparência das relações de
consumo [grifo no original]
907
.
Carlos Ferreira de Almeida, por seu turno, esclarece que a
informação:
[...] tem sido uma palavra-chave e quase mágica em toda a evolução
do direito do consumo. O direito à informação fazia parte do elenco
dos cinco direitos dos consumidores proclamados nos primeiros
programas europeus de protecção dos consumidores (de 1973 e
1975). Na doutrina desde muito cedo se reclamou pelo
reconhecimento de um dever geral de informação em favor dos
consumidores [...] No direito português, o direito à informação dos
consumidores foi consignado logo na primeira LDC de 1981 e, logo a
seguir, em 1982, passou a ter consagração no texto constitucional
[...] No mais desenvolvido código de consumo, o Code de la
Consommation francês de 1993, o direito à informação ocupa todo o
título I
908
.
906
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. O princípio da vinculação da mensagem publicitária.
Revista de Direito do Consumidor n. 14/41. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 46.
907
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 646.
908
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do Consumo. Coimbra: Almedina, 2005, p. 15.
267
O art. é norma de conteúdo programático dirigida ao Estado e
ao fornecedor, denominada norma-objetivo, por definir um fim a ser
alcançado.
A tônica do princípio da informação é a transparência, que tem
como postulados a lealdade e a veracidade. A informação é vista, “de uma
maneira geral, como pressuposto para um consentimento adequado,
ampliando a racionalidade e a liberdade de escolha do consumidor;
contribui, portanto para a boa performance do mercado de consumo”, sendo
que “A publicidade é um dos mais idôneos e importantes veículos de
informação do consumidor, mesmo que nada aparentemente diz”
909
.
Se existe uma imposição fundamental de informação e educação
em relação aos consumidores, a lei admite que os consumidores brasileiros
são desinformados.
A informação é básica e necessária, pois, conforme assevera
Antonio Herman Benjamin, os consumidores dela precisam “para tomar
boas decisões no mercado”
910
. No que tange à publicidade, “passa ela a
representar um papel essencial na melhoria da decisão de compra do
consumidor”
911
.
Entendimento semelhante é o de Tomasetti: “a informação tem o
sentido funcional de racionalizar as opções do consumidor”
912
.
A norma contida no art. , III, do Código de Defesa do
Consumidor, cria um direito subjetivo aos consumidores e, por outro lado,
um direito coletivo à informação. Assim, no sistema do referido diploma
legal, o dever de informar assume proporções de dever do fornecedor, com o
respectivo direito conferido ao consumidor por meio da apresentação. Os
requisitos gerais estão estabelecidos no art. 31 do Código de Defesa do
909
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.
45/46.
910
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 29.
911
Ob. Cit. p. 29.
912
Apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o
novo regime das relações contratuais. 4ª ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 591.
268
Consumidor (representam os aspectos relevantes a serem obrigatoriamente
informados).
Cláudia Lima Marques leciona que “o fornecedor passou a ser
sujeito de um novo dever de informação, dever de conduta ativa
(informar)”
913
, que se revela no recall, por exemplo. E completa:
No direito do consumidor, a publicidade, enquanto informação
prestada ao consumidor pode ter outros efeitos jurídicos [que não os
da oferta]. Os efeitos nasceriam não da nova noção de oferta, mas do
novo dever de informar corretamente sobre as qualidades dos
produtos (art. 18 do CDC – publicidade enquanto informação sobre a
qualidade)
914
.
Bom lembrar o caso da diminuição do conteúdo quido de
produtos com a manutenção da mesma embalagem. Nessa hipótese, é dever
do fornecedor informar que houve diminuição do conteúdo, até mesmo para
se preservar a boa-fé, que o consumidor poderá pensar que está
adquirindo o mesmo produto, quando na verdade é outro em quantidade
inferior. Essa técninca é utilizada para mascarar o aumento de preços
915
.
913
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 597.
914
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 634.
915
DPDC multa mais três empresas por maquiagem de produtos
Brasília 04/09/07(MJ) - O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do
Ministério da Justiça, multou as empresas Unilever, Arcor e Néctar por terem reduzido as
quantidades dos produtos que fabricam sem avisar antecipadamente a população. A
redução foi feita no Extrato de Tomate Arisco, balas Butter Toffe e Doce de Leite Néctar.
A maior multa foi aplicada a Unilever no valor de R$ 788.217,00, devido à redução da
embalagem do Extrato de Tomate Arisco. A quantidade do produto passou de 370 para 350
gramas. A empresa se defendeu, alegando que diminuiu a quantidade para seguir o padrão
imposto pela marca líder no mercado, a Cica. A Unilever disse, ainda, que não houve
publicidade enganosa ou omissão capaz de induzir o consumidor ao erro, que a nova
embalagem continha todas as informações sobre o produto.
A Arcor, fabricante das balas Butter Toffe, foi multada em R$ 472.930,00, pela redução das
quantidades em três embalagens. A empresa diminuiu o pacote de 950 gramas para 800; o
de 500 gramas para 400; e o de 200 gramas para 170. Em sua defesa, a Arcor afirmou que
apenas passou a comercializar três novas embalagens do produto e que todas as
informações estavam contidas nos rótulos.
A terceira multa foi aplicada a Néctar, no valor de R$ 177.350,00, devido à redução de uma
das embalagens do Doce de Leite, que passou de 500 para 400 gramas. A empresa alegou
que comercializa diversas quantidades do produto e apresentou as notas fiscais relativas a
vendas do doce com 350, 400, 500, 1000, 4800 e 9800 gramas. O de 400g, de acordo com a
269
9.1.2 Princípio da transparência (arts. , caput, 46, 52, 54, parágrafos
e 4º)
Por esse princípio, toda e qualquer oferta colocada no mercado de
consumo deve ser clara e corresponder à verdade. Visa à defesa da livre e
verdadeira manifestação de vontade do consumidor.
Transparência significa maior clareza, representa veracidade,
respeito e se consubstancia na maior troca de informações entre o
fornecedor e o consumidor
916
. O princípio da transparência, instituído pelo
CDC para a fase pré-contratual, segundo Cláudia Lima Marques, “terá
reflexos claros na publicidade, pois esta, enquanto informação ao
consumidor, deverá também respeitar os novos parâmetros de veracidade”
917
Köndgen defende que a publicidade tem o efeito de despertar a
confiança nos inúmeros consumidores expostos à sua prática, existindo um
dever de conduta genérico imposto ao fornecedor que se utiliza da
publicidade: dever de cuidado, de veracidade na informação, vale dizer, o
empresa, foi lançado e indicado ao consumidor através de uma estrela vermelha grande
impressa na embalagem.
O DPDC, no entanto, ressaltou que a simples indicação do novo peso do produto, sem
qualquer outra advertência expressa, não informa de maneira clara e ostensiva a alteração
efetuada na quantidade e que, portanto, não foi respeitado o direito à informação do
consumidor.
Maquiagem Também foi iniciado processo contra a empresa Kraft por redução na
quantidade do Confeti (de 100 g para 80 g), sem a devida informação ao consumidor, prática
conhecida como maquiagem de produtos. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor
e com portaria específica do Ministério da Justiça, toda vez que uma alteração na
quantidade dos produtos as empresas são obrigadas a informar ao consumidor.
A informação precisa vir em mensagem específica no painel principal da embalagem, em
letras de tamanho e cor destacados, pelo prazo mínimo de três meses. A empresa deve
informar que houve alteração quantitativa do produto, a quantidade existente antes e depois
da alteração, a quantidade de produto aumentada ou diminuída, em termos absolutos e em
percentuais.. BRASIL. Ministério da Justiça. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/main>.
Acesso em: 9 abr. 2008.
916
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 645.
917
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 653.
270
mandamento de transparência (art. , caput e 29 e ss. do Código de Defesa
do Consumidor)
918
.
O princípio possui outra faceta, pois não se resume ao aspecto
mencionado, mas também ao consumidor o direito de acesso a todas e
quaisquer informações relacionadas à relação de consumo. Dessa forma, o
consumidor pode exigir todo tipo de informação, de forma precisa e clara,
pertinente à situação de consumo, notadamente sobre produtos e
serviços
919
.
A publicidade tem a capacidade de influenciar o comportamento do
consumidor
920
, a caracterizar seu lado persuasivo. Dessa forma, o
consumidor tem o direito de receber uma mensagem clara, transparente,
ostensiva, incompatível com as mensagens subliminares, ocultas e
dissimuladas.
Segundo Cláudia Lima Marques:
A idéia central é possibilitar uma aproximação e uma relação
contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e
fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre
o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa
lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor,
mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos
de consumo.
O CDC regulará, assim, inicialmente aquelas manifestações do
fornecedor tentando atrair o consumidor para a relação contratual,
tentando motivá-lo a adquirir seus produtos e usar os serviços que
oferece. Regula, portanto, o Código a oferta feita pelo fornecedor,
incluído aqui também a publicidade veiculada por ele. O fim destas
918
Apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o
novo regime das relações contratuais. 4ª ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 610.
919
Gherardini, citando Alcides Tomasetti Jr assivera que uma das acepções básicas do
princípio da transparência corresponde ao legítimo direito do consumidor ao acesso pleno
de informações tanto sobre o produto ou serviço a ser contratado como em relação aos
futuros termos do negócio de consumo, podendo, o consumidor, exigir (mesmo
coercitivamente), todo tipo de informação necessária à consumação do contrato” (SANTOS,
Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do marketing
empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do Consumidor,
v. 14, p. 218)
920
“Não se pode negar o fato de que a publicidade não tem papel meramente informativo.
Ela influi de maneira tão significativa o consumidor, de modo profundo o suficiente para
modificar-lhe hábitos, incluindo novas necessidades e ditando comportamento. Trata-se de
um poderosíssimo instrumento de convencimento e influência, atuando definitivamente nas
decisões de consumo” (TRENTIN, Melina Penteado. A publicidade abusiva e o racismo.
Revista de Direito do Consumidor n. 11/84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 92)
271
normas protetoras é assegurar a seriedade e a veracidade destas
manifestações, criando uma nova noção de ‘oferta contratual’
921
.
A retrocitada autora afirma ainda que:
O ideal de transparência seria apenas uma nova (e sem dúvida
importante) pré-condição para que o consumidor possa manifestar
sem medo e livremente sua vontade, e realizar (ao fim) as suas
expectativas legítimas, aquelas que o levaram a informado
devidamente sobre o produto ou serviço, ciente de seus futuros
direitos e deveres contratuais escolher aquele fornecedor como seu
parceiro ideal. [...] Como nem todos os contratos entre fornecedor e o
consumidor levam ao estabelecimento de relações contratuais, a
transparência deve ser uma nova e necessária característica de toda
manifestação pré-contratual do fornecedor no mercado, desde a sua
publicidade, vitrines, o seu marketing em geral, suas práticas
comerciais, aos contratos ou as condições gerais contratuais que
pré-redige, as informações que seus prepostos e representantes
prestam etc.; o que bem demonstra a abrangência do novo
mandamento. A transparência é mais do que um simples elemento
formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou
requerida integra o conteúdo do contrato (arts. 30, 33, 35, 46 e 54)
ou, se falha, representa a falha na qualidade do produto ou serviço
oferecido (art. 18, 20 e 35)
922
.
Como reflexo do princípio da transparência existe o “dever de
informar” o consumidor, por meio da “oferta”, clara e correta (publicidade ou
qualquer outra informação suficiente, art. 30) sobre as qualidades do
produto e as condições do contrato, sob pena de o fornecedor responder pela
falha da informação (art. 20)
923
.
O princípio da transparência também está contemplado no CBAP,
no seu art. 9º
924
.
921
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 595.
922
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 598/599.
923
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 599.
924
Artigo A atividade publicitária de que trata este Código será sempre ostensiva.
272
9.1.3 Princípio da boa-fé (arts. e 51 do Código de Defesa do
Consumidor)
O princípio da boa-fé é dos mais importantes preceitos adotados na
defesa do consumidor
925
. Ele “é aceito universalmente, conforme
demonstram, por exemplo, o §9º, da AGB-Gesetz alemã, o art. 16 do
Decreto-Lei português 446/85 e o art. 10, ‘c’, da Lei espanhola 20/84, de 19
de julho”
926
.
No Brasil, o Código Comercial de 1850 foi o primeiro a conter em
seu texto, de forma expressa, a boa-fé (art. 131). No entanto permaneceu
letra morta por falta de inspiração da doutrina e nenhuma aplicação pelos
tribunais
927
.
No Código Civil de 1916 não havia norma geral expressa sobre a
boa-fé
928
, mas tão-somente a presença do princípio em vários artigos: 490 e
925
Na publicidade ganha especial relevo. Isso porque “Quanto à específica defesa do
consumidor, temos que “O consumidor, em verdade, precisa fiar-se nas informações que
recebe do mercado. Não é justo dele se exigir que, nas dezenas de transações de consumo
que efetua diariamente, ponha em dúvida aquilo que lhe afirmam os fornecedores, vistos
como profissionais que verdadeiramente conhecem os produtos e serviços que oferecem.
No mercado impessoal da sociedade de consumo, onde tudo envolve o uso de tecnologia e
comunicação estudada, o normal é que o consumidor acredite naquilo que se diz sobre
produtos e serviços, notadamente quando são utilizados recursos publicitários. O
excepcional é que receba, com dúvida, a palavra do fornecedor, alguém, que, ao contrário do
que acontecia no mercado interpessoal, nunca aparece em pessoa, tendo, ao contrário, entre
seus porta-vozes, modelos joviais, bonitos e de aparência honesta, ou, então, depoimentos
de personalidades conhecidas e respeitadas no grupo social” (BENJAMIN. Antônio Herman
de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor n.
9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 35).
926
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 62.
927
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 21.
928
“O princípio da boa-fé, no Código Civil brasileiro [de 1916], não foi consagrado, em artigo
expresso, como regra geral, ao contrário do Código Civil alemão. Contudo, a inexistência, no
Código Civil, de artigo semelhante ao §242 do BGB não impede que o princípio tenha
vigência em nosso direito das obrigações, pois se trata de proposição jurídica, com
significado de regra de conduta. O mandamento de conduta engloba todos os que
participam do vínculo obrigacional e estabelece, entre eles, um elo de cooperação, em face
do fim objetivo a que visam. Mas o nosso Código Comercial incluiu-o como princípio
vigorante no campo obrigacional e relacionou-o também com o os usos de tráfico”. (COUTO
E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 33). No
mesmo sentido Antonio Junqueira de Azevedo: “No Código Civil [de 1916], elaborado sob o
influxo das idéias pandectistas da segunda metade do século passado e cuja vigência se
273
491 (posse); 550 e 551 (usucapião); 546 (construção e plantação); 1072
(cessionário). A boa-fé existente no Código Civil de 1916 era a qualificada
como subjetiva
929
.
Muito se tem discutido a respeito da natureza jurídica desse
instituto; se se trata de cláusula geral ou princípio.
Bom frisar que a boa-fé podia e pode ser invocada nas relações
jurídicas reguladas anteriormente ao Código Civil de 2002, uma vez que o
comportamento centrado na ética tinha e tem de estar presente, mesmo não
existindo disposição expressa
930
.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
interpretação foi simplificada, tendo em vista que vários preceitos
constitucionais, como os princípios da dignidade da pessoa humana (art. ,
III) e da justiça social (art. 170, caput) não se coadunam com situações
iníqüas, desproporcionais ou abusivas.
No que concerne às relações de consumo e ao novo Código Civil, há
disposição expressa acolhendo a boa-fé objetiva (no Código de Defesa do
Consumidor, o art. introduziu o princípio e o art. 51 estabeleceu a
cláusula geral nos contratos de consumo; no Código Civil de 2002, art. 422).
iniciou em 1.1.17, não regra genérica que se refira expressamente à boa na formação
ou execução dos contratos como as dos artigos ou parágrafos 1.134 do CC francês, 242 do
BGB, 1.337 do CC italiano e 227 do CC português. Há, nessa omissão do Código Civil
brasileiro, um reflexo da mentalidade capitalista da segunda metade do século XIX, mais
preocupada com a segurança da circulação e desenvolvimento das relações jurídicas do que
com a justiça material dos casos concretos (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. A boa na
formação dos contratos. Revista de Direito do Consumidor n. 3/78. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992, p. 78).
929
“Em certos assuntos específicos [...] o próprio Código Civil prevê a boa para certas
conseqüências jurídicas. Trata-se, porém, em todos os casos, salvo o de seguro e sociedade,
da chamada boa subjetiva, isto é, daquele estado interior ou psicológico relativo ao
conhecimento, ou desconhecimento, e à intenção, ou falta de intenção, de alguém”. Em
conseqüência, “Se a ruptura se com alguma causa, sem culpa, não responsabilidade
pelos danos causados a outra parte; o direito brasileiro, não tendo regra geral de boa na
formação dos contratos, essa espécie de “noção aberta”, dirigida antes ao juiz que à parte,
não permite ao juiz fixar uma indenização” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. A boa na
formação dos contratos. Revista de Direito do Consumidor n. 3/78. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992, p. 78/80).
930
Nesse sentido Couto e Silva: “a boa-fé, como proposição fundamental de direito, tem
vigência e aplicação, independentemente de haver sido recebida como artigo expresso de lei”
(COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
37).
274
O Código de Defesa do Consumidor foi a primeira lei brasileira a
tratar da boa-fé objetiva de forma expressa (com exceção do mencionado art.
131 do Código Comercial).
A boa-fé que o Código de Defesa do Consumidor traz é a chamada
boa-fé objetiva, diversa da subjetiva
931
.
A boa-fé subjetiva diz respeito à ignorância de uma pessoa acerca
de um fato que implique modificação, impedimento ou violação de seu
direito. Representa a falsa crença sobre determinada situação pela qual o
titular do direito acredita em sua legitimidade, porque desconhece a
verdadeira situação (v.g. casamento putativo, posse de boa-fé).
A boa-fé objetiva consubstancia um modelo ou uma regra de
conduta eqüitativa que contém determinados padrões socialmente
reconhecidos.
Do princípio emanam deveres denominados secundários
932
,
anexos
933
, acessórios, laterais, ou instrumentais
934935
, consistentes no dever
de se agir conforme certos parâmetros de honestidade, lealdade, veracidade,
931
Nesse sentido Judith Martins Costa: “noção de “boa-fé” que se deduz do Código não é
aquela de matiz subjetiva, aplicável em matéria de direitos reais, onde considerada a
intenção do agente, mas a boa-fé objetiva, de incidência no campo obrigacional, a qual se
identifica com um dever geral de correção na atuação do tráfico jurídico” (COSTA, Judith
Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade enganosa e
clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1993, p. 230).
932
Para Couto e Silva “Categoria das mais importantes é a dos deveres secundários, como
resultado da incidência do princípio da boa-fé (...) Os deveres que nascem dessa incidência
são deveres denominados secundários, anexos ou instrumentais. Corresponde ao termo
germânico Nebenpflichten” (COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de
Janeiro: FGV, 2006, p. 91).
933
“As particularidades desses deveres anexos e autônomos, de poderem ser acionados
independentemente da obrigação principal e de perdurarem alguns deles, ainda, após o seu
término, são a circunstância de terem fim próprio, diverso do da obrigação principal. Como
se aludiu, o fim comanda toda a relação jurídica e conforma os deveres e direitos que a
relação jurídica produz em contato com a realidade social, no curso de seu
desenvolvimento” (COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro:
FGV, 2006, p. 94/97).
934
Couto e Silva observa, referindo-se ao Código Civil de 1916: “o sistema de obrigações do
Código Civil foi construído com base nas obrigações principais. Raramente faz o nosso
código alusão à existência de deveres secundários” (COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação
como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.39).
935
“A boa-fé constitui uma fonte autônoma de deveres, independentemente da vontade”
(AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito do
Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 24).
275
probidade, confiança (expectativa legítima), proteção
936
, cuidado,
colaboração, informação, cooperação
937
, esclarecimento
938
, a fim de se
estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo
939
. Não necessidade de
esses deveres estarem enumerados taxativamente na lei, pois são
decorrentes do princípio da boa-fé. O comportamento deve ser sincero, sério,
transparente, fiel, baseado na retidão e correção, com a finalidade de se
garantir respeito mútuo, de forma justa e adequada, nas situações e relações
jurídicas, sem objetivos de esperteza, lucro fácil e imposição de prejuízo.
Ruy Rosado de Aguiar explica que:
Quanto à natureza, podem ser agrupados em: deveres de proteção (a
evitar a inflição de danos mútuos), deveres de esclarecimentos
(obrigação de informar-se e de prestar informações), e deveres de
lealdade (a impor comportamentos tendentes à realização do objetivo
do negócio, proibindo falsidades ou desequilíbrios)
940
.
936
O dever de proteção visa a impedir que uma da partes cause à outra algum dano, em
razão de sua atividade e consiste em conduta determinada, em comunicar todo o relevante,
em indicar qualquer circunstância pertinente, em fornecer informações, cuja omissão pode
causar qualquer forma de dano ao consumidor.
937
Para Cláudia Lima Marques No Código de Defesa do Consumidor “a prática comercial
“publicidade” é verdadeira atividade social de “cooperação” (MARQUES, Cláudia Lima.
Vinculação própria através da publicidade? A nova visão do Código de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 10/7. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994, p. 12).
938
O dever de esclarecimento [dever anexo decorrente do princípio da boa-fé], como seu
nome indica, dirige-se ao outro participante da relação jurídica, para tornar clara certa
circunstância de que o alter tem conhecimento imperfeito, ou errôneo, ou ainda ignora
totalmente. Esclarecimento, evidentemente, relacionado com alguma circunstância
relevante. Não se trata de dever para consigo mesmo, mas em favor de outro (LUMIA,
Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Tradução de Denise Agostinetti.
São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 94).
939
Judith Martins Costa faz o contraponto entre boa-fé objetiva e subjetiva: Boa
subjetiva: “estado de consciência” ou convencimento individual de obrar em conformidade
ao direito, aplicável, em regra, ao campo dos direito reais. Boa objetiva: modelo de
conduta social, arquétipo ou standard jurídico segundo o qual “cada pessoa deve ajustar
sua própria conduta e este arquétipo obrando como obraria um homem reto: com
honestidade, lealdade e probidade”. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em
consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultura dos
envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente
lógico-subsuntivo (COSTA, Judith Martins. Crise e Modificação da Idéia de Contrato no
Direito Brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. n. 3/125. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992, p. 141).
940
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 26/27.
276
É um princípio que visa a garantir a ação sem enganos, sem
abuso
941
, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, para sempre se
atingir o fim colimado.
A boa-fé funciona como um modelo, um standard, uma norma de
conduta, que não depende de verificação da má-fé subjetiva do fornecedor ou
do consumidor
942
.
Nessa atitude é indispensável que uma das partes leve em
consideração os interesses da outra. De fato, “o dever que promana da
concreção do princípio da boa-fé é dever de consideração para com o
alter
943
. Assim: “O vendedor deve proceder cuidadosamente e levar em conta
as preferências manifestadas pelo comprador”
944
. Dessa forma a regra, na
sociedade de consumo, é caveat venditor – seller beware e não mais princípio
do comprador (consumidor) que se cuide (caveat emptor ou buyer beware). O
fornecedor deve observar certa conduta no interesse de outra.
Com efeito, seja pelo princípio da boa-fé, seja pelo princípio da
informação, na hipótese de aquisição de veículo novo, se o vendedor tiver
ciência de que sairá de linha, tem o dever passar a informação ao
consumidor, não representando mera faculdade. Caso contrário caberá
indenização pela desvalorização subseqüente.
Visa a compatibilizar interesses contraditórios e consiste numa
fonte autônoma de deveres, que não depende da vontade das partes ou
941
“por abuso de direito pode-se entender um uso anormal de qualquer situação jurídica
ativa [...] o exercício do direito encontra certo limites de retidão e de boa-fé inseparáveis das
exigências de uma convivência ordenada, cuja violação lugar ao fenômeno do abuso
(LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Tradução de Denise
Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 115).
942
Como bem enfatiza Cláudio Bonatto, A boa-fé objetiva traduz a necessidade de que as
condutas sociais estejam adequadas a padrões aceitáveis de procedimento que não induzam
a qualquer resultado danoso para o indivíduo, não sendo perquirido da existência de dolo
ou culpa, pois o relevante na abordagem do tema é a absoluta ausência de artifícios,
atitudes comissivas ou omissivas, que possam alterar a justa e perfeita manifestação de
vontade dos envolvidos em um negócio jurídico ou dos que sofram reflexos advindos de uma
relação jurídica” (BONATTO, Cláudio e MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões
controvertidas no Código de Defesa do Consumidor: princípiologia, conceitos
contratos. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 37/38).
943
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
33.
944
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
93.
277
interessados. Assim, cria e impõe limites ao exercício dos direitos e deveres,
necessários para se atender às expectativas decorrentes das fases pré-
contratual, contratual e pós-contratual.
De fato, Judith Martins Costa esclarece que:
O princípio da boa-fé, a par de impor, a ambas as partes da relação
contratual, os deveres anexos de lealdade, informação,
esclarecimento, veracidade, honestidade etc., expande-se por todo o
processo formativo do vínculo, atingindo, portanto, as fases pré e
pós-contratual
945
.
Esclarecendo a lição anterior, na fase pré-contratual
946
o dever
de lealdade, respeito, sigilo das informações, colaboração, bem como não
realizar rupturas abruptas e inesperadas
947
. A fase contratual caracteriza os
deveres acessórios e utilização da boa-fé para interpretar, completar ou
corrigir o contrato. Quanto à fase pós-contratual, Couto e Silva assevera
que:
A particularidade mais importante de algumas das obrigações
anexas é a de ainda perdurarem, mesmo depois do adimplemento da
obrigação principal, de modo que, quando se diz que o adimplente
extingue a relação jurídica, se deve entender que se extingue um
crédito determinado
948
.
Dessa forma:
945
COSTA, Judith Martins. Crise e Modificação da Idéia de Contrato no Direito
Brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. n. 3/125. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 142.
946
“Kötz ensina que esta utilização da posição de pressão em que se encontra o parceiro
contratual mais fraco é combatida em toda a Europa e a concentração do direito no
momento pré-contratual é um dos maiores instrumentos de proteção dos consumidores”
(MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 591.
947
Em relação do Direito Português, Carlos Ferreira de Almeida assevera que “o padrão do
dever pré-contratual de informação, em qualquer caso já resultante da necessidade de
observar os ditames da boa (Código Civil, artigo 227º), está fixado por disposições legais
imperativas. A sua violação será fonte de responsabilidade pré-contratual, se os restantes
requisitos se verificarem no caso concreto” (ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do
Consumo. Coimbra: Almedina, 2005, p. 118),
948
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
92. Nesse sentido Lumia: “Os deveres anexos dividem-se em deveres dependentes e
independentes. [...] alguns deles são susceptíveis de ultrapassar o término da obrigação
principal, de terem assim vida própria. Em razão dessa particularidade, podem ser
acionados independentemente da prestação principal. (LUMIA, Giuseppe. Elementos de
Teoria e Ideologia do Direito. Tradução de Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes,
2003, p.96).
278
Os deveres secundários comportam tratamento que abranja toda
relação jurídica. Assim, podem ser examinados durante o curso ou
desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos,
posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Consistem
em indicações, atos de proteção, como o dever de afastar danos, atos
de vigilância, de guarda, de cooperação, de assistência.
O objeto de alguns deles é, portanto, ‘fazer’ ou ‘não fazer’,
consistindo alguns em declarações de ciência, como nas indicações e
comunicações; outros, em atos determinados. Consistindo a
adimplemento em ato-fato, é desnecessário pesquisar se houve ou
não vontade
949
.
Couto e Silva assevera que da concreção do princípio da boa-fé:
[...] resultam novos deveres que não o têm seu fundamento na
autonomia da vontade. Implica, portanto, alterar o desenvolvimento,
como tradicionalmente se entendia, do processo da obrigação. Visa-
se, mediante o princípio da boa-fé, instaurar uma ordem de
cooperação entre os figurantes da relação jurídica. Esses deveres
podem perdurar ainda depois de adimplido o crédito principal
950
.
Esses deveres não são referenciados no contrato, que não existe,
mas ao simples contato social, “que é o suporte de fato suficiente para fazer
nascer os deveres decorrentes da boa-fé”
951
.
Como bem observa Couto e Silva, “há deveres que promanam da
vontade e outros que decorrem da incidência do princípio da boa-fé e da
proteção jurídica de interesses. Em alguns casos, porém, o conteúdo do
negócio jurídico é formado imediatamente pelos deveres de boa-fé”
952
, v.g. a
gestão de negócios, as obrigações de meio e também aqueles efetuados em
decorrência da publicidade.
Na interpretação de Cláudia Lima Marques:
O princípio da boa-fé objetiva impõe uma atuação refletida do
contratante mais forte em relação aos interesses do contratante mais
fraco. A boa-fé assim concretizada significa transparência obrigatória
em relação ao parceiro contratual, um respeito obrigatório aos
normais interesses do outro contratante, uma ação positiva do
parceiro contratual mais forte para permitir ao parceiro contratual
949
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
93.
950
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
169.
951
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 26.
952
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
38.
279
mais fraco as condições necessárias para a formação de uma vontade
liberta e racional. Assegurar informação, segurança nas contratações
à distância, proteção contra as pressões (Zwang) dos métodos de
venda hoje usuais na sociedade de consumo e tempo para reflexão
são objetivos legais nesta procura de uma decisão racional do
consumidor
953
.
Assim, a violação dos deveres acessórios implica, igualmente, a
violação da boa-fé objetiva, que além de princípio, também é uma verdadeira
cláusula geral, consistente de um sistema aberto
954
, flexível, que permite ao
magistrado, no caso concreto, corrigir, reparar e buscar a solução do litígio,
de modo a zelar pelo comportamento ético, honesto, justo e equilibrado nas
relações contratuais. É como ensina Clóvis do Couto e Silva:
A boa-fé dá o critério para a valorização judicial, não a solução prévia
[...] Com a aplicação do princípio da boa-fé, outros princípios havidos
como absolutos serão relativizados, flexibilizados, ao contato com a
regra ética
955
.
A “autonomia racional”, nos dizeres de Cláudia Lima Marques:
[...] representa a importância dos novos direitos dos consumidores e
dos novos deveres dos fornecedores, em especial os deveres anexos
de informar, de cooperar, de tratar com lealdade e cuidado o
consumidor no momento da formação dos contratos, pois somente se
assegurarmos este novo patamar de conduta no mercado poderemos
alcançar uma vontade realmente refletida, autônoma e ‘racional’ dos
consumidores
956
.
953
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 591.
954
Claus Canaris aponta as diferentes correntes do que significa sistema aberto e fechado:
a) no aberto a ordem jurídica é construída casuísticamente e apoiada na jurisprudência; no
fechado existe uma ordem dominada pela idéia de codificação;
b) abertura significa incompletude, a capacidade de evolução e a modificabilidade do
sistema. (CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na
ciência do direito. edição. Traduzido por A. Menezes de Cordeiro. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2002, p. 103/104).
955
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
42.
956
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 591.
280
Segundo Ihering, mesmo nos contratos nulos subsistem os deveres
especiais de conduta (os deveres anexos), a ensejar responsabilidade pelo
dano negativo, a responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo)
957
.
Neste ponto é importante ressaltar que:
A boa-fé não serve tão-só para a defesa do débil, mas também atua
como fundamento para orientar interpretação garantidora da ordem
econômica, compatibilizando interesses contraditórios [...] A
aproximação dos termos ordem econômica-boa-fé serve para realçar
que esta não é apenas um conceito ético, mas também econômico,
ligado à funcionalidade econômica do contrato e a serviço da
finalidade econômico-social que o contrato persegue
958
.
Especificamente em relação à publicidade, a boa-fé objetiva,
segundo Cláudia Lima Marques, significa:
[...] a exigência que esta seja um atividade leal (atividade refletida,
pensando também naquele que recebe a mensagem, o consumidor),
que prometa só o que pode cumprir, que se trouxer informações, seja
sobre a qualidade, quantidade ou qualquer característica do produto
ou serviço, seja sobre as condições do contrato, que esta constitua
uma informação correta, verídica, que o próprio intuito de incitar ao
consumidor seja identificável e a publicidade identificada como tal
pelo público
959
.
Razão deve ser dada a Cláudia Lima Marques quando afirma que:
Os princípios da boa-fé, transparência e proteção da confiança
despertada dominam o regime da publicidade no Brasil. As novas
exigências deste paradigma objetivo de boa-fé, deste pensar refletido
no outro que recebe a informação, neste cujos desejos e impulso de
consumo são despertados, teve conseqüências importantes também
no relacionamento entre empresas (fornecedores diretos) e
anunciantes, que viram aumentada sua responsabilidade de bem
orientar e servir seus clientes.
960
957
Apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o
novo regime das relações contratuais. 4ª ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 631/632.
958
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 22.
959
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 610.
960
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 674.
281
No caso da publicidade, o princípio da boa-fé ganha especial
destaque, que ela desperta a confiança e, por conseguinte, a legítima
expectativa no consumidor.
9.1.3.1 O art. 4º do Código de Defesa do Consumidor
No art. do Código de Defesa do Consumidor a boa-fé aparece
como princípio orientador da interpretação e não como cláusula geral para
definição das regras de conduta.
Para Ruy Rosado de Aguiar Júnior, a boa-fé representa:
[...] mero marco referencial para a interpretação e aplicação do
Código, o que seria até de certo modo dispensável, pois não se
concebe sociedade organizada com base na má-fé, não fosse a
constante conveniência de acentuar a sua importância
961
.
Trata-se de norma-objetivo, pois está disposta no âmbito da
política nacional das relações de consumo. Assim, estabelece resultados a
serem alcançados
962
.
As normas de conduta e de organização devem ser interpretadas e
aplicadas conforme a norma-objetivo.
O princípio da boa-fé tem como função a correta interpretação da
norma jurídica e convencional, para se extrair seu exato sentido e alcance,
bem como a integração, a qual visa suprir lacunas, ante ausência de norma
expressa, ou corrigir norma contrária à boa-fé. Na integração surge a criação
de nova norma, ao passo que na interpretação não.
Por tratar-se de conceito indeterminado, existem meios para a
descoberta do conteúdo da boa-fé apto a compatibilizar a conduta das partes
envolvidas.
Como modo de operação e aplicação, ensina Ruy Rosa do Aguiar
que a “boa-fé tem função integradora da obrigação, atuando como fonte de
961
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 21.
962
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
282
direitos e obrigações ao lado do acordo de vontades, além de servir para a
interpretação das cláusulas convencionadas”
963
.
A utilização da cláusula de boa-fé implica a criação de uma norma
para o caso de acordo com os dados objetivos que ele mesmo apresenta,
atendendo à realidade social e econômica em que o contrato opera, ainda
que isto o leve para fora do círculo de vontade.
Dessa forma, no campo da interpretação:
Em muitos casos, é difícil determinar, com firmeza, o que é resultado
da aplicação do princípio da boa-fé e o que é conquista da
interpretação integradora [...] o princípio da boa-fé revela-se como
delineador do campo a ser preenchido pela interpretação
integradora, pois, de perquirição dos propósitos e intenções dos
contratantes, pode manifestar-se a contrariedade do ato aos bons
costumes ou à boa-fé
964
.
Clóvis do Couto e Silva leciona que: “O princípio da boa-fé
contribui para determinar o que e o como da prestação e, ao relacionar
ambos os figurantes do vínculo, fixa, também, os limites da prestação”[grifos
no original]. O autor ainda adverte que os deveres derivados da boa-fé
ordenam-se “em graus de intensidade, dependendo da categoria dos atos
jurídicos a que se ligam”
965
e sua aplicação tem função harmonizadora,
conciliando o “rigorismo lógico-dedutivo da ciência do Direito do século
passado com a vida e as exigências éticas atuais, abrindo, por assim dizer,
no hortus conclusus do sistema do positivismo jurídico, ‘janelas para o ético’,
nas palavras de Esser”
966
.
963
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 24/25.
964
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
36.
965
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
34.
966
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
42.
283
9.1.3.2 O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor
A cláusula geral
967
traz implícita uma regra de direito judicial,
sendo:
[...] dirigida à atuação do juiz, que lhe impõe, ao examinar o caso,
primeiramente fixar a norma de dever de acordo com a realidade do
fato e o princípio a que a cláusula geral adere, para somente num
segundo momento confrontar a conduta efetivamente realizada com
aquela que as circunstâncias recomendavam. Na cláusula geral
uma delegação, atribuindo ao juiz a tarefa de elaborar o juízo
valorativo dos interesses em jogo. Ela é uma realidade diversa das
demais normas (princípios e regras), e seu conteúdo somente pode
ser determinado na concretitude do caso
968969
.
É a hipótese do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor.
Assim, tem-se como desnecessária a inserção de cláusula de boa-fé
nos contratos. De fato:
Mesmo que as partes nada tenham convencionado sobre esse
princípio, deixando de ser objeto das tratativas contratuais, ou,
ainda, não constando do instrumento do contrato de consumo,
reputa-se existente o que denominamos de cláusula geral de boa fé
[grifos no original]
970
.
A norma contém conceito indeterminado, que será integrado pelo
aplicador da lei ao caso concreto. Segundo Savigny, “No caso de ser
indeterminada a expressão que se usa na lei, deve apelar-se, não para o
967
[...] as cláusulas gerais são a identificação de critérios preliminares de conduta”[grifos
no original]. (NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 110/111).
968
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 20.
969
Segundo Canaris: “Cláusulas gerais ‘carecidas de preenchimento com valorações’, tais
como a boa-fé, os bons costumes, a exigibilidade, o cuidado necessário no tráfego, etc.
Nestas, a concretização da valoração e a formação de preposições jurídicas só podem operar
perante o caso concreto ou emface de grupos de casos considerados como típicos, sendo que
‘É característico para a cláusula geral ela estar carecida de preenchimento com valorações,
isto é, ela não dar os critérios necessários para a sua concretização”. CANARIS, Claus
Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3ª
edição. Traduzido por A. Menezes de Cordeiro. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002, p. 44,
142.
970
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 61.
284
‘nexo interno da legislação’, mas também para o fim especial dessa lei, na
medida em que seja comprovável”
971
.
Conforme entendimento de Valéria Falcão Chaise:
A boa-fé, como cláusula geral, não se apresenta pronta para imediata
e formal execução. Seu conteúdo é estabelecido em concordância
com os princípios gerais do sistema jurídico, quais sejam: liberdade,
justiça e solidariedade
972
.
Ruy Rosado de Aguiar Júnior destaca que:
A utilização da cláusula de boa-fé implica a criação de uma norma
para o caso de acordo com os dados objetivos que ele mesmo
apresenta, atendendo à realidade social e econômica em que o
contrato opera, ainda que isso o leve para fora do círculo de
vontade
973
.
Para aplicação da cláusula da boa-fé, nos dizeres de Guido Alpa, o
juiz parte do princípio de que:
[...] toda a inter-relação humana deve pautar-se por um padrão ético
de confiança e lealdade, indispensável para o próprio
desenvolvimento normal da convivência social. A expectativa de um
comportamento adequado por parte do outro é um componente
indissociável da vida de relação, sem o qual ela mesma seria inviável.
Isso significa que as pessoas devem adotar um comportamento leal
em toda a fase prévia à constituição de tais relações (diligência in
contrahendo); e que devem também comportar-se lealmente no
desenvolvimento das relações jurídicas já constituídas entre eles.
Este dever de comportar-se segundo a boa-fé se projeta a sua vez nas
direções em que se diversificam todas as relações jurídicas: direitos e
deveres. Os direitos devem exercitar-se de boa-fé; as obrigações têm
de cumprir-se de boa-fé
974
.
Em resumo, são funções da boa-fé: a) fornecer critérios para a
interpretação do que foi avençado pelas partes; b) criar deveres secundários
971
Apud LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 17.
972
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 59.
973
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 25.
974
Apud AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de
direito do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
285
ou anexos; e c) limitar o exercício de direitos critério definidor da
abusividade do exercício do direito)
975
.
Com a devida aplicação deste princípio, as questões envolvendo a
publicidade poderiam ser resolvidas juridicamente. Infelizmente, no Brasil,
se não existe lei descrevendo nos mínimos detalhes as condutas permitidas e
proibidas, com repetições à exaustão
976
, tornam-se elas de difícil observância
espontânea.
Clóvis do Couto e Silva faz o contraponto entre os bons costumes e
a boa-fé. Nas palavras do autor: “Os bons costumes referem-se a valores
morais indispensáveis ao convívio social, enquanto a boa-fé tem atinência
com a conduta concreta dos figurantes da relação jurídica”
977
.
No ordenamento jurídico pátrio existe, por conseguinte, um dever
ético de conduta que, de acordo com Fernando Gherardini Santos, “deve ser
buscado no campo da moral, e esta, notoriamente, é determinada segundo o
tempo e o lugar em que é aferida”. O conceito é preenchido caso a caso, por
meio de investigação ético-social, de cunho deontologicamente objetivo.
978
975
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de direito
do Consumidor n. 14/20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 25.
976
Entre os inúmeros exemplos, mas podemos citar Lei Estadual de SP n. 10.928/2001,
arts. , e , que trata de combustíveis, a qual simplesmente repetiu os termos do
Código de Defesa do Consumidor.
977
COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.
35.
978
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 145. Esclarece Judith Martins Costa que “é irrelevante a boa-
subjetiva do anunciante, pois o que se requer é a adstrição à feição objetiva do princípio da
boa-fé, para o qual de pouco importa o animus ou do psicologismo do agente: não se
perquire se estava o mesmo, internamente, convicto de agir conforme ao direito, se
questiona se, objetivamente, sua conduta se pautou pelos ditames da correção e da
lealdade” (COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a
publicidade enganosa e clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 229).
286
9.1.3.2.1 A ética e a moral
Verifica-se com certa facilidade que, hoje, a preocupação é com a
estética
979
e não com a ética.
Deveras, “ética” é termo de difícil definição. Contudo, na primeira
verificação que se faz no dicionário Aurélio extrai-se o seguinte significado:
estudo ou reflexão, científica ou filosófica, sobre os costumes ou sobre as
ações humanas. Tem-se por vezes a moral como sinônimo de ética. A ética se
refere às ações humanas. Nesse sentido, é de se inferir ética como a ciência
da moral.
Segundo Paraguassú Lopes, trata-se do “estudo científico da moral,
fazendo juízo de valores, contingenciando condutas humanas, podendo até
qualificá-las sob o prisma do bem e do mal”
980
.
A ética possui uma clara função descritiva, na exata medida que
conhece os costumes e valores das diferentes épocas e dos diferentes
lugares. Assim, um comportamento considerado ético em certa época seria
aquele adequado aos costumes e valores vigentes e enquanto vigentes. Dessa
forma, o conteúdo de tal conceito apresenta-se de forma relativa, não se
encontrando uma ética absoluta, pois varia conforme a época e o local.
Para Helmut Coing:
A ética se apresenta como um sistema de mandamentos interiores,
como lei; ela contém regras sobre o que devemos e o que não
devemos fazer. Esta concepção pode-se chamar de ética legal. Aqui,
inclui-se o decálogo da Bíblia. Filosoficamente, ela encontrou sua
expressão máxima no imperativo categórico de Kant: ‘Aja assim de
forma que a máxima de tua ação poderia se tornar uma lei
geral’[grifo no original]
981
.
979
Para Baudrillard, “o corpo é o mito director da ética do consumo. Percebe-se como o corpo
se encontra estreitamente vinculado às finalidades da produção suporte (económico), como
princípio de integração (psicológica) dirigida do indivíduo e à maneira de estratégia (política)
de controlo social” (BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70.
Tradução: Artur Morão, p. 145).
980
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26.
981
COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do direito. Tradução da
Edição alemã por Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 147.
287
Kant proclamava que a ética poderia ter uma validade universal,
que se apoiasse apenas na igualdade fundamental dos homens. Muitos
pensadores defendiam que a ética se consubstancia na busca pelo Bem. A
tarefa de defini-la, no entanto, persiste, conquanto houve apenas a
transferência do problema, pois uma vez nova pergunta surgiria: o que é o
Bem?
Para os gregos o Bem se confundia com o viver de acordo com a
natureza. Na Idade Média o Bem era representado pela religião, pelo estudo
da teologia. Uma tendência difundida, sobretudo, nos países anglo-saxônicos
considera o Bem por meio do utilitarismo (pragmatismo), ou seja, Bem é o
que traz vantagens para muitos, em que se apela para resultados práticos e
muitas vezes imediatos.
Duas correntes surgiram a partir do pragmatismo: a teoria
desenvolvida pelos países de capitalismo mais avançado, a vantagem
particular (econômica, carreira etc.) e a teoria do positivismo lógico,
dedicando-se apenas à pesquisa das formas da linguagem moral, os tipos
válidos de formulações éticas, a lógica e a sintaxe dos imperativos éticos.
Entretanto várias são as teorias que surgiram numa mesma época, cada
qual defendendo seu conceito de ética.
no século XX a ética se relaciona com a noção de liberdade,
privilegiando o aspecto pessoal da ética, ou seja, a opção, resoluteza. O
pensamento social e dialético difundiu o ideal ético como aquele que traz a
idéia de uma vida social mais justa, com a superação das injustiças
econômicas mais gritantes, buscando o ideal de um mundo mais humano,
mais justo.
Hodiernamente, a maioria dos países ricos se caracteriza por uma
ética de busca do prazer, havendo um novo fator para a análise da ética
ocorrido após a Revolução Industrial: a massificação da sociedade. Com essa
massificação a maioria não se preocupa com a ética, vivendo
amoralmente. Como bem salienta o professor Álvaro Valls, os meios de
comunicação de massa, as ideologias, os aparatos econômicos e do Estado,
já não permitem mais a existência de sujeitos livres, de cidadãos conscientes
e participantes, de consciência com capacidade julgadora.
288
Ressalte-se, contudo, que não se pode falar em ética sem se falar
em liberdade, liberdade esta entendida na concepção atual, que se apresenta
bem diferente da liberdade da Roma Antiga. Relaciona-se também com a
própria responsabilidade.
A liberdade apresenta diversas facetas, sendo o seu conceito
diverso em cada civilização. A ética se movimenta entre o determinismo
absoluto e a liberdade absoluta, preocupando-se com as formas humanas de
resolver as contradições entre necessidade e possibilidade, entre o tempo e
eternidade, entre o individual e o social, entre o econômico e o moral, entre o
corporal e o psíquico, entre o natural e o cultural e entre a inteligência e a
vontade.
Para Tomás de Aquino a ética se confundia com a consciência
moral, sendo esta a voz interior que nos diz que devemos fazer o bem, em
todas as ocasiões, e evitar o mal.
O dever ético apela sempre para o indivíduo, sendo que a
consciência deste foi colocada no centro de toda a preocupação moral. Hegel
insistiu numa outra esfera, qual seja, que a liberdade se realiza éticamente
dentro das instituições históricas e sociais, sendo que o Estado é a realidade
efetiva da idéia ética.
Interessante os ensinamentos de Joseph Campbell sobre a ética: “A
ética é o caminho para lhe ensinar a viver como se você e o outro fossem um
só.”
Quanto à moral, Segundo Paraguassú Lopes, os dicionaristas a
definiram como o “conjunto de regras de conduta consideradas como
válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar quer para
grupo ou pessoa determinada”
982
. O próprio autor conceitua moral como a
“parte da filosofia que estuda o que é certo e o que é virtuoso, o que é
honesto, o que é sensato. Contrapõe-se ao vício, ao erro, ao desonesto”
983
ou
“princípios, costumes, modos de ser e fazer, no tempo e espaços adequados.
Comportamento difuso, independentemente de normas expressas,
982
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda, p.22.
983
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda, p. 22.
289
articuladas, imperativas, dogmáticas”
984
, sendo seu espectro mais amplo que
o do direito e fruto da convivência humana, podendo, por vezes, conter
princípios preconceituosos ante a existência de várias espécies, conforme o
tempo e espaço.
Maria Helena Diniz mostra o entendimento de Kant sobre a moral:
“A obediência do homem à sua própria vontade livre e autônoma constitui,
para Kant, a essência da moral e do direito natural, [...] tanto a moral como
o direito têm como princípio último a liberdade ou autonomia da vontade”
985
.
E continua: “a norma básica de conduta moral que o homem se pode
prescrever é que em tudo que faz deve sempre tratar a si mesmo e a seus
semelhantes como fim e nunca como meio”
986
.
Outra teoria é apresentada pelo utilitarismo, segundo o qual, a
atitude correta é aquela que acarreta maior benefício geral para o maior
número de pessoas.
A finalidade de toda ciência é atender à consciência ética do
homem
987
. Por outro lado, o estudo da moral é importante, pois pode ser
inspirador das melhores normas
988
.
No que tange especificamente à publicidade, busca-se com a ética
fazê-la corretamente, de forma verdadeira, decente e honesta, tarefa que nem
todos entendem ser simples, já que a publicidade explora a técnica da
sugestão, da sutileza e da ambigüidade
989
. Contudo, “A ética é para a
984
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda, p.23.
985
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 43.
986
Apud DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª ed.
revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 42.
987
NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do
Direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 21.
988
“A norma jurídica surge onde há disputa e ameaça de violência. Mas esta ordem
pacificadora pode ser originada sob a influência de concepções morais” (COING, Helmut.
Elementos fundamentais da filosofia do direito. Tradução da Edição alemã por Elisete
Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 200.
989
Judith Martins Costa assevera que a publicidade situa-se “no limite entre o que não é
nem inteiramente verdadeiro nem completamente falso (e por isso originando tão variados
problemas de natureza ético-jurídica)” (COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e
a distinção entre a publicidade enganosa e clandestina. Revista de Direito do
Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 225).
290
propaganda e publicidade igual o ar para o ser humano, para o ser vivente.
Não há publicidade sem obediência a princípios”
990
.
Hodiernamente, como mencionado e exemplificado, a sociedade
é bombardeada pela publicidade, muitas vezes, violadora dos padrões
mínimos de ética. Também se observou como alguns profissionais
orientam os publicitários a agirem de forma questionável
991
.
A conduta da empresa revela-se de suma importância, pois, como
afirma Philip Kotler, os consumidores são membros da sociedade: “As
questões éticas devem, então, habitar as práticas mercadológicas das quais
depende essencialmente a sustentação do negócio”
992
.
No Brasil a situação se agrava, pois, como bem analisou Antonio
Herman Benjamin:
Em países como os da América Latina, a publicidade, em muitas
circunstâncias não é um dos veículos de informação do consumidor,
mas o único disponível ou eficiente. Isso, indubitavelmente, aumenta,
ou deveria aumentar, as responsabilidades éticas e jurídicas dos
profissionais da área. Contraditoriamente, é nesses países mais
pobres que o fenômeno publicitário mais descontroladamente se
manifesta [grifos no original]
993
.
Assim, segundo Gino Giacomini Filho:
Parece ser imprescindível uma reavaliação da publicidade e,
amparada no conceito societal de marketing e atuando neste sentido,
empreender a publicidade societal. Adquirindo funções de
responsabilidade social, bem como sendo empregada dentro de uma
avaliação macroestruturada da organização a que serve, sua ação
permearia o serviço ao cliente com posturas prioritárias ao bem
comum
994
.
990
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 51.
991
Entre tantos exemplos já dados neste trabalho acrescenta-se o seguinte: “Prefira usar R$
199,85, que confunde mesmo, em vez de R$199,99, que não resultado. BLESSA, Regina.
Merchandising no ponto-de-venda, p. 40.
992
Apud GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo
anunciante deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 55.
993
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 46.
994
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 86.
291
Nesse sentido Júlio Ribeiro, proprietário da Talent, entende que a
ética faz parte do negócio e não considera provocar ou intensificar a compra
de produtos que podem causar desequilíbrio social
995
.
Bem observa José Geraldo Brito Filomeno:
[...] sabendo-se que o marketing, como estudo formal dos processos e
das relações de troca, a mais acerba crítica que se lhe faz é de que se
tem mostrado incapaz de ajudar as pessoas a atingirem um grau
razoável de maturidade emocional e espiritual, mesmo porque
compradores e vendedores, envolvidos em transações, estão sempre
em busca da melhoria de seus padrões materiais. Daí porque a ética
deve sempre presidi-la, que, em última análise, o que se procura é
sempre produzir as quantidades certas por razões óbvias da
perspectiva empresarial, guardados os anseios ou interesses e
direitos dos consumidores.
O marketing social deve ser acompanhado de princípios éticos,
sobretudo no que tange ao respeito à integridade biopsíquica do ser
humano, de moda a não alimentar falsas expectativas, despertar
falsas necessidades e induzir o consumidor a comportar-se de
maneira perigosa ou a assumir bens e serviços à sua saúde e
segurança
996
.
Suzana Maria Federighi aduz que “A ética na forma de transmissão
do apelo a consumir, deve ser exigida com base na lealdade publicitária, que
é informado por outros princípios gerais contidos no Código de Defesa do
Consumidor”
997
.
Gino Gicaomini Filho informa que a primeira sistematização da
ética publicitária no Brasil data de 1957, ocasião em que o I Congresso
Brasileiro de Propaganda aprovou o Código de Ética dos Profissionais da
Propaganda
998
.
Com efeito, havia uma necessidade de a legislação incorporar
padrões éticos quanto à publicidade
999
. Assim surgiu o art. 17 do Decreto
57.690/1966, para regulamentar a ética profissional relativa à publicidade.
995
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 89.
996
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 37/39.
997
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 82.
998
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 36.
999
Siches entende que se “a norma jurídica é um pedaço da vida humana objetivada, não
pode ser uma norma abstrata de moral, de ética, desligada dos fatos concretos, é um
292
Tanto no art. 37 quanto no capítulo da comunicação social a Carta
Magna protege a ética. Para fins de publicidade o valor ético fundamental é a
verdade
1000
.
O regime ético da publicidade vem estabelecido principalmente nos
arts. 30, 35, 36 e 38 do Código de Defesa do Consumidor.
Um ponto que está em foco hodiernamente, é o da
responsabilidade social da empresa. Esta o mais se revela como ente no
intuito exclusivo de gerar lucros. Como bem asseverou Ana Cláudia Marques
Govatto “nenhuma organização empresarial estará realizando plenamente
seu papel se não considerar que é um organismo vivo e que como tal, exerce
impactos dos mais diversos, nas diferentes esferas com as quais se
relaciona”
1001
.
De fato, no Fórum Social da Publicidade, realizado em Porto Alegre,
em janeiro de 2003, concluiu-se que a publicidade “faz parte de uma
sociedade e como tal precisa assumir suas responsabilidades como agente
de cidadania”
1002
.
Não dúvida que hoje deve existir um novo modelo empresarial,
sobretudo ante o agravamento das disparidades sociais e da degradação do
meio ambiente e os exemplos não são poucos: esgotamento dos recursos
naturais; aquecimento global; danos irreversíveis à biodiversidade e à
camada de ozônio; extinção de espécies animais e vegetais, e tantos outros.
Daí a importância das práticas de responsabilidade social corporativa.
Como bem ressalta Ana Cláudia Marques Govatto “ética e
responsabilidade social já não são facultativas, mas obrigações empresariais,
assim como recolher tributos e pagar salários”
1003
.
enunciado para a solução de um problema humano” (Apud DINIZ, Maria Helena.
Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e atualizada. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 94)
1000
NUNES Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e
atualizada São Paulo: Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 423.
1001
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 49.
1002
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 127.
1003
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 43.
293
Conforme cita a referida autora, um dos pioneiros da
responsabilidade social corporativa foi Henry Ford, que nos idos de 1916
tomou a iniciativa de repartir parte dos dividendos da empresa para seus
funcionários. Em 1953, a justiça americana estabeleceu que as empresas
poderiam promover o desenvolvimento social, sendo posteriormente
regulamentado pela Lei da Filantropia Corporativa. Esclarece ainda que a
medida judicial foi necessária por conta dos protestos de muitos acionistas
que temiam redução de seus lucros
1004
.
A partir daí, a responsabilidade social da empresa passou a
abranger outras áreas, como a saúde, educação, meio ambiente e economia.
Uma pesquisa realizada demonstrou que houve uma mudança de
mentalidade das pessoas em relação às empresas. No ano de 2000 os
entrevistados disseram que o primeiro compromisso das empresas era gerar
lucro. Em 2002 a situação se modificou em decorrência da maior valorização
de padrões éticos e à contribuição empresarial para a construção de uma
sociedade melhor
1005
.
Não obstate, mesmo que se pense somente sob o ponto de vista do
lucro da empresa, o compromisso ético e a responsabilidade social revertem
em benefício dela, pois “o desenvolvimento social reflete diretamente no
resultado financeiro da organização. Nos países desenvolvidos, a economia
orientada pelo social é questão de sobrevivência, enquanto no Brasil ainda é
um diferencial competitivo”
1006
. Ademais, “a imagem corporativa, sem
dúvida, é tida como um dos maiores patrimônios empresariais dos séculos
XX e XXI, superando, em termos numéricos, todos os bens e
equipamentos”
1007
.
Conforme bem afirmado por Cláudia Lima Marques:
1004
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer. p. 42.
1005
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer, p. 45.
1006
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 53.
1007
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 59.
294
É possível concluir que a ordem jurídica passou a se interessar por
esse método comercial de incitamento ao consumo, porque a
publicidade, como atividade comercial finalística, pode efetivamente
perturbar a ordem e harmonia do mercado, pode violar direitos de
informação, de reflexão, de inviolabilidade moral e cultural dos
consumidores e, sobretudo, pode causar (sérios e difusos) danos
econômicos aos consumidores que confiaram na informação
veiculada pela publicidade. Sendo assim, tal atividade, tal declaração
humana, deve seguir certos padrões éticos, atingir certo grau de
transparência e lealdade. Para atingir tal intento a ordem jurídica
impõe deveres àqueles que se utilizam de tal método, assegura
direitos àqueles expostos à publicidade
1008
.
A descrição científica limita-se a registrar, catalogar e elaborar
“fatos”, mas o mundo não é feito de “fatos”, pois existe todo o universo
dos valores que se subtrai e escapa à fria análise da ciência. Existem,
portanto, juízos de fato e juízos de valor
1009
.
Nas palavras de Rosa Maria Nery: “O trabalho do jurista tem
sempre uma vertente ética, um querer constantemente preocupado com
valores”[grifo no original]
1010
. Em conseqüência, constata-se que não é ética
a publicidade que aflige culpa e sofrimento, mal à saúde, desperta desejos
irrealizáveis, tenta realizar manipulação de modo subliminar, veicula
imagens de conteúdo abusivo de forma subliminar, de um modo que não se
possa captá-las conscientemente.
Em suma, como afirma Helmut Coing:
A aplicação do direito não pode ser, simplesmente, entendida como
subsunção, mas é um processo da atividade da vontade voltada a
um fim, no que os valores retirados da lei sejam eles éticos, ou de
natureza pragmática têm papel decisivo. O juiz não tem que,
simplesmente, classificar o caso logicamente, segundo os conceitos
de ordem; ele tem que perguntar teleologicamente -, se a regra
legal, segundo seus fins morais e práticos, deve ser aplicada no
caso
1011
.
1008
MARQUES, Cláudia Lima. Vinculação própria através da publicidade? A nova visão
do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 10/7. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 18.
1009
LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Tradução de Denise
Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
1010
NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral
do Direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 65.
1011
COING, Helmut. Elementos fundamentais da filosofia do direito. Tradução da 5ª
Edição alemã por Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 345.
295
As teorias apresentadas não se revelam satisfatórias em muitos
aspectos. No caso do utilitarismo, seria correto inflingir sofrimento a uma
pessoa, desde que fosse capaz de produzir benefício para o maior número de
indivíduos. Vendo de outra forma, os fins justificariam os meios, o que nem
sempre representa a verdade em termos morais. A teoria de Kante também
apresenta pontos insatisfatórios, pois diante de deveres conflitantes, a
questão é resolvida com a utilização das conseqüências e as teorias
fundamentadas no dever tentam evitar os problemas das teorias
conseqüencialistas.
A ética da virtude, encontrada na obra “Ética a Nicômaco”, de
Aristóteles, representa interessante abordagem da teoria da moral. Por meio
dela, não importa tanto saber o que é certo ou errado, mas sim que forma de
caráter deve-se desenvolver.
Assim, a ética da virtude, ao contrário das teorias utilitaristas e
kantianas, não se importa com o modo de agir, mas centra-se na
investigação do caráter de onde procedem as ações. As virtudes morais
representam estados de caráter desenvolvidos pela pessoa e para adquirir
essas virtudes, ela precisa realizar três coisas: desenvolver sabedoria prática,
descobrir e imitar modelos positivos e praticar a boa ação.
A corporação foi equiparada ao psicopata
1012
, o qual justamente
não consegue praticar boas ações, não tem sentimento de culpa, não se
importa com os outros e com o meio ambiente, é incapaz de perceber os
erros.
Nesse contexto, as empresas estão mais preocupadas em poderem
veicular publicidade livre de qualquer restrição, sem se importarem com
evetuais conseqüências negativas. Pregam o direito de liberdade a qualquer
preço e condenam qualquer tentativa de regular a matéria, inclusive
defendendo a posição de que todos os prejetos de leis de tramitam no
Congesso Nacional referente ao controle da publicidade são inúteis e
inconstitucionais.
296
9.1.4 Princípio da vulnerabilidade (art. 4º, I)
Com relação ao princípio da vulnerabilidade José Geraldo Brito
Filomeno traz a seguinte lição:
Por vulnerabilidade, de se entender a fragilidade dos
consumidores, em face dos fornecedores, quer no que diz respeito ao
aspecto econômico e de poder aquisitivo, quer no que diz respeito
às chamadas informações disponibilizadas pelo próprio
fornecedor ou ainda técnica [grifos no original]
1013
.
Sobre o mesmo tema, Judith Martins Costa afirma que:
O princípio da vulnerabilidade não se aloca como um ‘conceito
indeterminado’, mas como uma diretriz da Política Nacional das
Relações de Consumo (art. , caput) de modo que a sua
consideração pelo intérprete na análise de qualquer disposição do
Código não depende de discricionariedade mas é vinculativa porque
está o mesmo vinculado às finalidades postas na lei como diretrizes
da política nacional para o setor’[grifos no original]”
1014
.
Considera-se vulnerável aquele que pode ser “facilmente atacado
na sua livre manifestação de vontade, relativamente à escolha de suas
prioridades e necessidades, cabendo à lei defendê-lo, sempre com o objetivo
de fazer valer o princípio da igualdade”
1015
.
A vulnerabilidade é instituto de direito material, ao passo que a
hipossuficiência representa um instituto de direito processual.
Portanto, como aduz Judith Martins Costa:
Nem todo o consumidor é hipossuficiente. O preenchimento
valorativo da hipossuficiência a qual se pode medir por graus se
de fazer, nos casos concretos, pelo juiz, com base nas ‘regras
ordinárias de experiência’ e em seu suporte fático encontra-se,
1012
ACHBAR, Mark e SIMPSON, Bart. The Corporation. São Paulo: Zeitgeist Films /
Imagem Filmes, 2004. (DVD) (145 min.).
1013
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 11.
1014
COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade
enganosa e clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1993, p. 223).
1015
BONATTO, Cláudio e MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no
Código de Defesa do Consumidor: principiologia, conceitos contratos. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 43 e 46.
297
comumente, elemento de natureza socioeconômica. A expressão
contida no inc. VIII do art. constitui o que certa doutrina chama
de ‘conceito juridicamente indeterminado’. Sua aplicação depende da
discricionariedade judicial e a sua conseqüência imediata é a da
inversão do ônus probandi, no processo civil, para facilitação da
defesa de seus direitos [...] Todo consumidor, seja considerado
hipossuficiente ou não, é, ao contrário, vulnerável no mercado de
consumo. Aqui não valoração do ‘grau’ de vulnerabilidade
individual porque a lei presume que, neste mercado, qualquer
consumidor, seja ele hiper ou hipossuficiente do ponto de vista
socioeconômico, é vulnerável tecnicamente: no seu suporte fático está
o desequilíbrio técnico entre o consumidor e o fabricante no que diz
com a informação veiculada sobre o produto ou serviço [grifos no
original]
1016
.
Desse modo, como bem afirma Rizzato Nunes: “Mesmo o
consumidor mais esclarecido é vulnerável como qualquer outro, pois não
tem acesso nem determina o ciclo de produção”
1017
.
De modo diverso raciocina Valéria Falcão Chaise. Para a autora
existe presunção de vulnerabilidade do consumidor, podendo ser afastada
pelo Judiciário quando da análise do caso concreto
1018
.
Quanto à aplicação, o princípio da vulnerabilidade “incide no
exame de todas normas do Código, articulando-as entre si. Aplica-se, em
especial, àquelas normas que informam o seu sistema da publicidade,
conduzindo, bem assim, à proibição da publicidade clandestina” [grifos no
original]
1019
. Verifica-se, por conseguinte, que este é mais um fator a gerar a
ilegalidade da publicidade subliminar.
Em relação à publicidade, existe a vulnerabilidade do consumidor
no seu grau máximo. Bem por isso deve haver o império da lei para
1016
COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade
enganosa e clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1993, p. 222.
1017
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e
atualizada São Paulo: Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 29.
1018
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 21.
1019
COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade
enganosa e clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1993, p. 223.
298
reequilibrar as relações no mercado, com a conferência de sentido concreto
aos princípios da boa-fé e da transparência
1020
.
Como conseqüência do princípio tem-se que:
No sistema de nosso CDC, com sua ratio legis de inclusão e tutela
dos vulneráveis, não diferença na intensidade dos ‘deveres’ dos
fornecedores perante os consumidores (terceiros beneficiários)
‘intencionais’ ou ‘incidentais’. Todos recebem, sem distinções, o
status de consumidor, e com relação a todos os fornecedores devem
conduzir-se com boa-fé e evitar danos, inclusive quando realizam
publicidades
1021
.
O princípio revela sua importância porque:
[...] existe a possibilidade de que alguns tipos de direcionamento não
estejam preocupados em atender às necessidades e vontades do
consumidor, mas sim em explorar suas vulnerabilidades fazendo
com que o profissional de marketing ganhe e a sociedade perca
1022
.
É de Jean Calais-Auloy o seguinte ensinamento:
Os consumidores estão, de modo geral, em situação de fraqueza em
relação aos profissionais. Mas alguns consumidores são mais fracos
que outros, por razões intrínsecas (idade, doença etc.) ou extrínsecas
(contrato de conclusão urgente, por exemplo). Ocorre que
profissionais abusam dessa situação de particular fraqueza para
empurrar aos consumidores compras inúteis ou despendiosas. Esses
consumidores não se conduzem certamente como bons pais de
família. Mas quem poderia reprová-los, quando sua fraqueza é
independente de sua vontade. A falta é evidentemente de quem
abusa da fraqueza de outro para tirar proveito.[tradução nossa]
1023
1020
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 261.
1021
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 682.
1022
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 76.
1023
“Les consommateurs sont, de façon générale, en situations de faiblesse par rapport aux
profissionals. Mais certais consommateurs sont plus faibles que d´autres, pour des raisons
qui leur sont intrinsèques (âge, amadie, etc.) ou extrinsèques (contrat à conclure d´urgance,
par example). Il arrive que des profissionels abusent de cette situation de particuliére
faiblesse pour pousser les consommateurs à des achats inutiles ou dispendieux. De tels
consommateurs ne se conduisent certes pas en bons pères de famille. Mais qui pourrait le
leur reprocher, quando leur faiblesse est indépendante de leur vonlonté ? La faute est
évidemment du côté de ceux qui abusent de la faiblesse d´autruit pour en tirer profit”.
AULOY, Jean-Calais; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. 7ª Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 184.
299
Dessas lições extrai-se que o consumidor é a parte mais vulnerável
quando se fala em publicidade. A publicidade, vale dizer, expõe o
consumidor às “intenções” dos fornecedores, independentemente da vontade.
9.1.5 Princípio da indenização integral (art. 6º, VI)
1024
O Código de Defesa do Consumidor prevê a reparação integral de
quaisquer danos (material ou moral) de forma objetiva, sendo este o regime
jurídico da responsabilidade quanto à publicidade ilícita
1025
.
A publicidade dos produtos e serviços é uma faculdade do
fornecedor. Portanto, não representa um dever, mas antes, um direito.
Porém, é exercido por sua conta e risco, sendo punida somente a ou
insuficiente informação veiculada pela publicidade. Dessa forma, o
fornecedor não está obrigado a veiculá-la (existem somente duas hipóteses
que obrigam o fornecedor a anunciar (e sempre a posteriori): a existência de
riscos de produtos e serviços após a colocação no mercado (art. 10, §§ e
) e a contrapropaganda (arts. 56, XII, e 60)
1026
. Mas, optando por empregar
essa técnica, responde de forma objetiva por quaisquer danos que
eventualmente venha a produzir
1027
.
1024
“Na doutrina tradicional, os anúncios eram considerados aspectos alheios ao negócio e,
por isso mesmo, não vinculantes. Na nova concepção, a publicidade deixa a periferia do
fenômeno jurídico e passa a integrar o privilegiado grupo de institutos capazes de pôr em
marcha a roda da responsabilidade, não só civil, mas também penal e administrativa”
(BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 260/261).
1025
Nesse sentido Nelson Nery Junior: “todo e qualquer dano ocasionado ao consumidor,
seja ele derivado do contrato ou extracontratual, de publicidade enganosa ou abusiva, é
indenizável de forma integral sob o regime da responsabilidade objetiva” (NERY JÚNIOR,
Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do Consumidor. Revista de
Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 58).
1026
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 300.
1027
“não há, perante o Direito do Consumidor vigente, nenhuma norma que obrigue o
fornecedor a promover ou apresentar seus produtos através da publicidade, o que, ipso
facto, gera a inexistência de algo como um “direito à publicidade” conferido ao consumidor
(p. 217).
(...)
300
A responsabilidade no sistema do Código de Defesa do Consumidor
(caveat venditor) difere do direito privado clássico, pois no princípio inverso
(caveat emptor) era do comprador o dever de diligência quanto ao produto
adquirido, assumindo todos os riscos da compra, vez que o sistema só
admitia exceções ligadas a fraudes e às garantias expressas (facultativas)
dadas pelo vendedor
1028
.
Dessa feita, a aplicação da responsabilidade objetiva nas questões
de consumo revela-se não justificável, mas também necessária
1029
,
notadamente quanto à publicidade, pois, segundo Valéria Furlan:
[...] antes de chegar ao consumidor [a publicidade] perfilhou os
longos e rigorosos caminhos do Marketing’, e, neste ponto, o
Porém, em optando o fornecedor por realizar anúncios publicitários de seus produtos ou
serviços, deve respeitar certos requisitos, concernentes aos princípios supratranscritos,
assumindo, em conseqüência, todos os riscos oriundos da publicidade” (SANTOS, Fernando
Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do marketing empresarial.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do Consumidor, v. 14, p. 218).
1028
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 236.
1029
“Hoje é, pois, doutrina dominante, que na questão da responsabilidade objetiva, trata-se
da aplicação do princípio da justiça distributiva, segundo a qual alguém deve assumir a
responsabilidade por danos, decorrentes de um certo serviço técnico relacionado com risco
(perigo), sendo que esta pessoa goza de vantagens econômicas deste serviço técnico e está
em condição, não de dominar os perigos, mas de alguma forma, limitá-los” (COING, Helmut.
Elementos fundamentais da filosofia do direito. Tradução da Edição alemã por Elisete
Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 257). “A objetivação moderna da
responsabilidade tornou possível uma proteção individual real e mais efetiva, além de
representar um avanço considerável para a tutela coletiva e difusa por danos
transindividuais, ora sob uma visão pós-modernista, em virtude das atividades profissionais
destinadas às massas, diante do avanço tecnológico, dos meios de transporte e de
comunicação e do fenômeno da globalização [...]] Os elementos culpa e risco são, portanto,
completamente estranhos à definição de responsabilidade, mas podem estar presentes em
uma determinada situação, conforme o sistema jurídico adotado [...] Considerou-se que a
objetivação era uma barbárie. Então, a doutrina procurou estabelecer métodos alternativos
que permitissem a reparação do dano em favor da vítima, sem reconhecer-se a teoria da
responsabilidade sem culpa. Surgiram, assim, as seguintes teorias: o abuso de direito, a
obrigação de meio e de resultado, a obrigação de garantia, a obrigação de segurança, a
presunção legal da culpa e a culpa objetiva [...] a responsabilidade subjetiva advém, via de
regra, de uma ato ilícito por natureza, enquanto que a responsabilidade objetiva decorre de
ato ilícito pelo resultado [...] não se confunde a presunção de culpa com a responsabilidade
objetiva, quer por motivos históricos, ou mesmo porque a responsabilidade objetiva, em sua
origem e conformidade com a teoria do risco, torna desnecessária qualquer indagação sobre
o elemento subjetivo do injusto para que o agente seja compelido a reparar o dano. Além de
deixar a análise da culpa de lado, a teoria da objetivação considera indiferente que o
demandado produza a prova de que não agiu com culpa. A sua responsabilidade subsiste
pela simples realização da atividade perigosa que acarreta o dano. (LISBOA, Roberto Senise.
Responsabilidade Civil nas relações do consumo. 2. ed. revista e atualizada. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 21, 23, 29, 34-35).
301
fornecedor anunciante, que todas as oportunidades teve para criar e
apresentar uma mensagem publicitária de seu interesse, correta,
clara e ostensiva e, a final, veicula uma publicidade enganosa, não
pode ser taxado de ‘desamparado’, mas, ao contrário, deve responder
plenamente pela divergência entre o querido e o declarado pelo
consumidor”
1030
.
De fato, como assevera Antônio Hermam de Benjamim:
Na sociedade de consumo, o anúncio, porque integra a corrente de
produção e comercialização de bens, de se ajustar ao mesmo
regime (entenda-se, responsabilidade civil objetiva) que norteia estes
dois momentos do mercado de massa [...] A norma, pois, em matéria
publicitária, é a mesma aplicável ao sistema geral protetório do
consumidor: causado gravame, cabe o dever de reparar in totum,
inclusive pelos danos morais sofridos [grifos no original]
1031
.
Em conseqüência, nas palavras de Cláudia Lima Marques:
Para que tais publicidades sejam consideradas abusivas ou
enganosas não é necessária a vontade específica dolosa ou que a
aproximação entre fornecedor e consumidor tenha sido com o intuito
direto de vender, de comerciar, de concluir contratos, basta a
atividade. Basta a atividade de publicidade, como determinação
soberana e profissional do fornecedor e sob o risco profissional deste,
em caso de falha, erro, ou culpa de terceiro da cadeia organizada ou
contratada por ele próprio de fornecedores-auxiliares
1032
.
A atuação do fornecedor é aquela que envolve o risco profissional e
nesta hipótese a lei impõe deveres especiais - por meio de norma de ordem
pública - não transferíveis aos consumidores, nem mesmo por previsão
contratual (ex vi arts. , 52, I, e 25, do Código de Defesa do Consumidor). O
fornecedor terá de suportar sua falha, responder pela informação mal
transmitida, pelo inadimplemento contratual ou pelo ato ilícito
eventualmente resultante da publicidade falha
1033
.
Nesse ponto é de se inferir que:
1030
FURLAN, Valéria C. P. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista
de Direito do Consumidor n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 113.
1031
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 293-294.
1032
MARQUES, Cláudia Lima. Vinculação própria através da publicidade? A nova visão
do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 10/7. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 18.
1033
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 629/630.
302
Se a publicidade ‘errada’, constitui ato ilícito despiciendo questionar
a culpa, ou ainda mais exigir prova de dolo, pois sendo seu o risco,
sua a obrigação de dominar sua esfera profissional, é sua a
responsabilidade imputada objetiva (cujus commodum, ejus
periculum). Neste caso a situação assemelha-se, face aos efeitos
danosos causados, a uma espécie análoga ao ato-fato ilícito, ato
humano que entra no mundo jurídico como se fato fosse, logo não há
que se perquirir do plano de validade, mas sim, no caso específico, ex
vi lege, constatar e existência do ato, a imputabilidade e os efeitos
danosos
1034
.
Judith Martins Costa afirma que em matérias como a proteção do
consumidor e do ambiente, os elementos subjetivos:
[...] tendem a desaparecer, do ponto de vista da relevância jurídica
conferida neste tipo especial de relação, acentuando-se, em
contrapartida, a objetividade da conduta, isto é, o concreto conjunto
de circunstâncias em que a oferta foi precedida e também a concreta
expectativa que gerou, aos destinatários, acerca de seu fiel
cumprimento
1035
.
O sistema de defesa do consumidor possui o atributo da
operabilidade e dipõe de normas eficazes e adequadas quanto à
responsabilidade civil, notadamente quanto ao aspecto preventivo, as quais
devem ser bem compreendidas e de fato aplicadas.
Como assevera Cláudia Lima Marques:
necessidade de uma reação negativa do ordenamento jurídico no
caso de descumprimento de princípios e deveres. Caso contrário,
essas normas não terão efeito prático, mas somente revelar-se-ão
como meras palavras programáticas e inefetivas. O CDC e seu regime
de ética nas relações entre fornecedores e consumidores almejam
justamente um efeito prático. Este efeito será conseguido se se tiver
bem claro que o direito de danos (Schadensrecht) tem mais de uma
função, não ressarcimento dos danos efetivamente sofridos, mas
também prevenção de futuros casos semelhantes e satisfação
mínima para aqueles atingidos ou expostos ao ato do fornecedor, que
receberiam ao menos seus danos negativos
1036
1034
MARQUES, Cláudia Lima. Vinculação própria através da publicidade? A nova visão
do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 10/7. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 18.
1035
Apud BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 292.
1036
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 623.
303
Para exemplificar a lição trazida pela citada autora citam-se as
situações de deslocamento, tempo perdido, perda de uma chance.
O aspecto preventivo também é aplicado com o conceito de
indenização por danos morais em valor elevado, para que sirva de exemplo e
evite ações semelhantes futuras. Trata-se do aspecto educativo
1037
e punitivo
da indenização. Os doutrinadores alemães atuais, influenciados pela
doutrina norte-americana dos punitive damages, destacam a importância
desta função “satisfativa” para a futura harmonia do mercado. O Código de
Defesa do Consumidor tem forte finalidade educativa
1038
.
No que tange à exclusão de responsabilidade, Nelson Nery Junior
afirma que: “Apenas e tão-somente as circunstâncias mencionadas no CDC
em numerus clausus como causas excludentes do dever de indenizar é que
efetivamente podem ser invocadas pelo fornecedor a fim de eximi-lo desse
dever”
1039
.
Dessa forma, a alegação de força maior ou caso fortuito não tem o
condão de afastar a responsabilidade do fornecedor que patrocinou a
veiculação de uma mensagem publicitária enganosa, abusiva ou
simulada
1040
.
O Código de Defesa do Consumidor não exige que o consumidor
tenha efetivamente adquirido o produto ou serviço. “Basta que ele seja
exposto a mensagem publicitária que possa trazer um potencial danoso, de
caráter coletivo ou difuso. Pouco importa o público ao qual a publicidade se
dirige. Todos são protegidos”
1041
.
1037
O Código de Defesa do Consumidor tem forte finalidade educativa.
1038
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 632 e 662.
1039
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 56.
1040
Nesse sentido Valéria Furlan quanto à publicidade enganosa. FURLAN, Valéria C. P.
Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista de Direito do Consumidor
n. 11/97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 117.
1041
ALMEIDA, Marisa S. D. N. Teixeira de. A Publicidade enganosa e o controle
estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.
53/11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 18/19.
304
Considerando que a indenização é integral e efetiva, nas relações
regidas pelo Código de Defesa do Consumidor não cabe indenização tarifada.
Fazer veicular uma publicidade enganosa ou abusiva constitui um
ilícito civil. O responsável civilmente é aquele fornecedor que se “utiliza” da
publicidade enganosa ou abusiva.
Assim, em princípio, os três atores principais do fenômeno
publicitário anunciante, agência e veículo são responsáveis pelo anúncio
contra legem. Isso porque a regra geral da responsabilidade no Código de
Defesa do Consumidor é a da solidariedade.
Cláudia Lima Marques comenta que a jurisprudência do STJ tem
considerado solidária a responsabilidade daquele que veicula e daquele que
se aproveita da publicidade
1042
.
Oportuno mencionar que em 1977, a CPI do Consumidor sugeria
que no caso publicidade enganosa fossem considerados como responsáveis
os anunciantes, as agências e os veículos
1043
.
9.1.5.1 Responsabillidade solidária do anunciante, da agência, de
publicitários e do veículo
O texto da Carta de São Paulo, emitida durante o 28º Congresso
Internacional da Publicidade, em 1982, já assinalava que:
O anunciante é responsável pelas informações, através das várias
formas de publicidade, transmite à opinião pública e aos
consumidores reais e potenciais de seus produtos e serviços. O
anunciante deve ser exato nos dados utilizados na sua propaganda
e, ao mesmo tempo, respeitar os princípios da concorrência leal que
é uma das bases da economia de mercado
1044
.
1042
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 629/630.
1043
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 89.
1044
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 89.
305
No Código de Defesa do Consumidor, em regra, a responsabilidade
é solidária entre todos os participantes do ciclo econômico-distributivo (art.
, parágrafo único, 18 e 25, § 1º). O anunciante, sua agência e o veículo são
os grandes “senhores” do fenômeno publicitário”
1045
.
O art. 3º da Lei 4.680/1965 conceitua a Agência de Publicidade
nos seguintes termos:
Art. 3.º A Agência de Propaganda é pessoa jurídica e especializada na
arte e técnica publicitárias, que, através de especialistas, estuda,
concebe, executa e distribui propaganda aos Veículos de Divulgação,
por ordem e conta de Clientes Anunciantes, com o objetivo de
promover a venda de produtos e serviços, difundir idéias ou
instituições colocadas a serviço desse mesmo público.
É dever das agências de publicidade manter dados e documentos
que possam comprovar a veracidade das alegações que irão veicular. Devem,
diante da documentação apresentada pelo anunciante, analisar e ponderar
sobre a mensagem que pretendem produzir, com assessoramento
especializado, inclusive jurídico, justo para se certificarem da licitude da
produção publicitária. Ninguém é obrigado a cometer ilícitos. Assim, se a
agência verificar que a publicidade é ilícita, deverá recusar a realização do
respectivo serviço. O anunciante, por seu turno, deve oferecer dados precisos
e verdadeiros.
Bem por isso, e considerando que a publicidade é um instrumento
para mudar hábitos, recuperar a economia, criar imagem, promover o
consumo, vender produtos e informar o consumidor, entende-se que cabe
também ao gerenciador da mensagem publicitária a responsabilidade pelo
seu conteúdo
1046
.
Na lição de Valéria Falcão Chaise:
O anunciante não pode ser o único responsável pela veiculação de
publicidade enganosa. Os publicitários da agência podem, também,
1045
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.
35/36.
1046
GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo anunciante
deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 76.
306
ser responsabilizados, quando, por exemplo, não seguirem as
especificações do briefing fornecido pelo anunciante
1047
.
O entendimento de Paraguassú Lopes é no sentido de haver
solidariedade entre a agência e o anunciante e argumenta que aquele que se
arvorar a demonstrar aquilo que não é deve ser responsabilizado
1048
.
Entendimento diverso é o de Claudia Lima Marques: “O CDC não
se preocupa com a culpa e eventual responsabilidade civil da agência
publicitária, que criou a mensagem abusiva responsabiliza apenas o
fornecedor que se beneficia com a publicidade”
1049
.
Ainda existem julgados divergente do STJ quanto à
responsabilidade dos meios de comunicação
10501051
. Mas o mesmo raciocínio
utilizado para as agências é válido para os meios de comunicação, com
agravantes.
De fato, o meio de comunicação é o que leva efetivamente a
mensagem publicitária aos consumidores. Bom frisar que os, em regra, os
meios de comunicação são representados por aglomerados econômicos e têm
toda condição de verificar a ilicitude da publicidade. Como ninguém está
obrigado a cometer ilícitos, é dever, não somente ético, mas também jurídico,
de recusar-se a veicular publicidade que contrarie o ordenamento jurídico.
Antonio Herman Benjamin assevera que nas situações em que se
comprovar que a publicidade tem contéudo enganoso ou quando o meio de
1047
CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 107.
1048
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda. São Paulo: Atlas, 2003, p. 35.
1049
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 681.
1050
As empresas de comunicação não respondem por publicidade de propostas abusivas ou
enganosas. Tal responsabilidade toca aos fornecedores-anunciantes, que a patrocinaram
(CDC, Arts. e 38). BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 604172/SP RECURSO
ESPECIAL 2003/0198665-8. Terceira Turma. Relator Min. Humberto Gomes de Barros
(1096). Julgado em: 27/03/2007. Publicado DJ 21.05.2007, p. 568. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 27 jun. 2008.
1051
É solidária a responsabilidade entre aqueles que veiculam publicidade enganosa e os
que dela se aproveitam, na comercialização de seu produto. BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Resp 327257/SP RECURSO ESPECIAL 2001/0057239-4. Terceira Turma. Relator
Min. Nancy Abdrighi (1118). Julgado em: 22/06/2004. Publicado em: DJ 16.11.2004, p.
272. Disponível em: Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 27 jun. 2008.
307
comunicação tiver ciência [...] da incapacidade do anunciante de cumprir o
prometido, impossível deixar de reconhecer a responsabilidade civil do
veículo, não mais em bases contratuais, mas por violação ao dever de
vigilância sobre os anúncios que veicula”
1052
.
1052
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 284.
309
10 PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DA PUBLICIDADE
Nelson Nery Junior relaciona os princípios básicos do Código de
Defesa do Consumidor em relação à publicidade: princípio da identificação
da mensagem publicitária (art. 36); princípio da vinculação contratual da
publicidade (art. 30); princípio da veracidade (art. 37, § ); princípio da não
abusividade da publicidade (art. 37, § 2º); princípio do ônus da prova a cargo
do fornecedor (art. 38); princípio da correção do desvio publicitário (art. 56,
XII)
1053
.
10.1 PRINCÍPIO DA VERACIDADE DA PUBLICIDADE (ART. 31, C.C. O ART.
37, §§ 1º E 3º)
1054
A propaganda e a publicidade, segundo se constata, não raro,
“recorrem freqüentemente à mentira porque seu papel é o de exercer uma
influência e, apenas acessoriamente, levar informações. As informações aqui
são apenas meios de exercer a influência”
1055
.
O princípio da veracidade da informação publicitária remonta ao
tratamento legal da concorrência desleal. Significa a proibição do engano em
matéria publicitária.
É o contraponto da publicidade enganosa, significando que esta
não pode ser praticada. A publicidade deve ser correta e honesta, precisa e
conter informação adequada ao consumidor. Visa a assegurar a escolha livre
e consciente. Não pode haver convencimento e conquista do consumidor por
1053
NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 67.
1054
“Certo é que o Código de Defesa do Consumidor introduziu no ordenamento jurídico
brasileiro uma série de novos deveres para o fornecedor que se utiliza (patrocina) da
publicidade no mercado, como método comercial e de incitação ao consumo. O principal
destes deveres é o de ‘veracidade especial’”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no
Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. ed. ver.,
atual. e ampl. 2ª tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 615).
310
meio da mentira. O objetivo da publicidade é levar ao consumidor
informações sobre o produto ou serviço e convecê-lo a comprá-lo, sem
utilização de técnicas ardis. Caso contrário estaria maculada a verdadeira
vontade do consumidor, que é atraído para um engodo e iludido ao adquirir
um produto ou serviço em desconformidade com aquele efetivamente
desejado. Ademais, faltariam os atributos necessários para uma aquisição
válida: compra racional e consciente.
Bem analisa Judith Martins Costa o princípio, ao afirmar que “a
compreensão do princípio da veracidade se substancializa, passando a
adquirir a função de forma de controle das condutas no mercado fundada no
dever geral de correção das condutas no mercado de consumo”[grifos no
original]
1056
, inclusive à luz do art. , III, do Código de Defesa do
Consumidor.
Para assegurar a observância desse princípio, existe o dever de o
fornecedor manter em seu poder todos os dados fáticos, técnicos e científicos
que dão sustentação à mensagem, conforme preceitua o art. 36, parágrafo
único, do Código de Defesa do Consumidor.
Rizzatto Nunes, a respeito, leciona:
O anúncio publicitário não pode faltar com a verdade daquilo que
anuncia de forma alguma, quer seja por afirmação, quer por
omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para, de
maneira confusa ou ambígua, iludir o destinatário do anúncio
1057
.
1055
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 25.
1056
COSTA, Judith Martins. A “guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade
enganosa e clandestina. Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1993, p. 222). Acrescenta Judith Martins Costa que “O reconhecimento da
vulnerabilidade, e a relação existente entre esta e peculiar posição do consumidor frente à
informação que lhe é prestada através da publicidade conduz ao aumento do caráter
substancial do princípio da veracidade entendido em sua forma ampla. O Código impõe, ao
fornecedor, um dever geral de correção o qual se explicita particularmente embora não de
modo exclusivo em matéria de veiculação publicitária” (COSTA, Judith Martins. A
“guerra” do vestibular e a distinção entre a publicidade enganosa e clandestina.
Revista de Direito do Consumidor. n. 6/219. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.
224/225).
1057
Rizzatto Nunes. Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e
atualizada São Paulo: Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 423.
311
No que se refere à mentira em sede de publicidade, existem dois
tipos de critérios, os signos e as operações, conforme ensinamento de Guy
Durandin
1058
:
a) o signo da mentira é o que se mostra ao interlocutor, o que se
deixa perceber. Consiste em palavras faladas ou escritas, imagens,
personagens, objetos ou fenômenos falsos, ações falsas, documentos falsos;
b) as operações da mentira são os diferentes tipos de
transformações que o anunciante emprega na representação da realidade.
Podem ser de três tipos:
b.1.) fazer acreditar que não existe uma coisa que existe;
b.2.) fazer acreditar, ao contrário, que existe uma coisa que não
existe; e
b.3.) deformar uma coisa que existe.
A mentira é a combinação de uma operação com um ou vários
tipos de signo.
Na presente pesquisa, interessa aprofundar a mentira pelo signo
imagem que pode ser fixa (desenhos ou fotografias) ou em movimento. Seu
potencial de enganosidade é maior porque a imagem assemelha-se à
realidade.
Na avaliação de Guy Durandin:
Na medida que uma imagem é um signo não convencional e não
constitui afirmação explícita, ela permite fazer acreditar que um
produto tem qualidades, sem mentir formalmente sobre suas
caracterísitcas[grifo no original]
1059
.
No caso da publicidade subliminar, símbolos e imagens não
exibidos por si mesmos, mas para significar outra coisa. É a dimensão do
aparente do oculto. Assim, veicula-se alguma coisa para o consumidor
decodificar. A mensagem subliminar não é signo de natureza convencional e
seu emprego tem mais a ver com astúcia do que com a mentira no sentido
habitual do termo.
1058
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 59.
1059
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 64.
312
Guy Durandin distingue da seguinte forma a mentira da astúcia:
na mentira empregam-se - desviando-se de seus sentidos - signos que foram
objeto de uma convenção ou quase convenção; a astúcia refere-se aos
engodos que não utilizam signos convencionais. De qualquer forma, nos dois
casos existe o engano
1060
.
Desses ensinamentos depreende-se que a publicidade subliminar
viola o princípio da veracidade.
10.2 PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA
(ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO)
O princípio em tela tem origem na doutrina do ad substantiation
norte-americana. Nos EUA, a FTC aplica a doutrina da injustiça em três
áreas principais:
(1) comprovação de propaganda, vale dizer, os anunciantes devem
provar o que dizem (2) práticas promocionais dirigidas a crianças e
(3) regras de regulamentação do comércio. [...] o programa de
comprovação da propaganda exige que os anunciantes tenham
documentação (resultados de testes ou outros dados) comprovando
que têm uma base racional para fazer a alegação antes que a
propaganda seja veiculada
1061
.
Por esse princípio, o fornecedor deverá veicular a publicidade
somente fundada em dados fáticos, técnicos e científicos em relação aos
quais possa ter sustentação probatória, inclusive para informação dos
interessados, mantendo em seu poder a prova desses dados.
Como bem destaca Giacomini Filho:
Quando se apregoa uma atitude mais responsável da publicidade, é
no sentido de ela cobrar dos clientes laudos sobre os produtos que
anuncia, testes de qualidade, relatórios de organismos
independentes sobre sua eficiência, pois a relação paternalista ou
superficial entre estes dois componentes do negócio publicitário
1060
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 66.
1061
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 71.
313
conduz os problemas a uma polêmica sem fim e lesiva aos interesses
sociais
1062
.
Esse dever é imposto tanto aos anunciantes, como aos seus
agentes publicitários e veículos
1063
.
De tão relevante que é o princípio, o Código de Defesa do
Consumidor, em seu art. 69, fez previsão de tipo penal para o fornecedor-
anunciante que não observar a obrigação, cominando pena de 1 a 6 meses,
ou multa para o infrator.
Ao contrário do que ocorre com a regra do Código de Defesa do
Consumidor inserida no art. , VIII, a qual dispõe que a inversão do ônus
da prova fica a cargo do juiz no caso de verossimilhança da alegação ou de
hipossuficiência do consumidor, devem ser verificadas as condições do caso
concreto. Na hipótese da publicidade, sempre ocorrerá a inversão do ônus da
prova (art. 38), que se opera ope legis, e não ope juris, como ocorre na
primeira hipótese.
A existência desse princípio se justifica na medida em que o
consumidor não pode, ou poderia com muita dificuldade, realizar os testes e
experimentos necessários para comprovar a falsidade da mensagem. Assim,
a lei determina que fique a cargo do fornecedor a prova da veracidade do que
foi veiculado, principalmente no que tange às características do produto ou
serviço.
10.3 PRINCÍPIO DA IDENTIFICAÇÃO DA PUBLICIDADE (ART. 36, CAPUT,
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR)
A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor,
pronta e facilmente, a identifique como tal.
Cláudia Lima Marques, nesse sentido, destaca que:
1062
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 89.
1063
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8 ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 180.
314
A idéia básica do art. 36 é proteger o consumidor, assegurando-lhe o
direito de saber que aqueles dados e informações transmitidos não o
são gratuitamente e, sim, têm uma finalidade específica que é
promover a venda de um produto ou a utilização de um serviço, [...]
visa a garantir ao consumidor a ciência de que não se trata de
informação imparcial, mas de informação finalística para o consumo
de determinado produto ou serviço e o dever de conduta leal
publicitária
1064
.
O princípio analisado, como bem adverte Melina Trentin:
Tem sua origem justamente na idéia da necessidade de conscientizar
o consumidor de que ele é destinatário de uma mensagem que
pretende vender-lhe algum produto ou serviço, pretende convencê-lo
a adquirir algo, a consumir um produto ou serviço
1065
.
Rizzato Nunes ensina que:
O texto do caput do art. 36 repete em parte a norma do Código
Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária (art. , caput), que,
como vimos, diz que a atividade publicitária tem de ser sempre
ostensiva.
No caput do art. 36 a lei determina que, além de ostensivo, o anúncio
publicitário deve ser claro e passível de identificação imediata pelo
consumidor. É a proibição da chamada ‘publicidade clandestina’
1066
.
Assim, está proibida a publicidade travestida de reportagem,
programas veiculados na televisão ou anúncios impressos que impedem a
imediata visualização do produto ou serviço.
José Geraldo Brito Filomeno entende que o merchandising não fere
o princípio da identificação da publicidade, desde que o consumidor possa
distinguir a publicidade como tal e seja capaz de discerni-lo no contexto da
peça, novela ou filme, quer pelo logotipo exibido, pelo diálogo travado entre
os atores ou outro meio audiovisual, devendo-se evitar a inserção grosseira
de uma mensagem publicitária e matérias sub-reptícias
1067
.
1064
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 658 e 616.
1065
TRENTIN, Melina Penteado. A publicidade abusiva e o racismo. Revista de Direito do
Consumidor n. 11/84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 90).
1066
NUNES Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, modificada e
atualizada São Paulo: Saraiva, 2005, 3ª tiragem, 2006, p. 461.
1067
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8 ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 180.
315
No mesmo sentido Cláudia Lima Marques aponta: “Parece-nos que
a norma do art. 36 do CDC não deve ser interpretada de forma a proibir a
utilização do merchandising no Brasil”
1068
.
Antônio Carlos Efing entende de forma diversa quando considera
que ilicitude do merchandising
1069
, pois é vedada publicidade implícita
que confunda o consumidor e lhe dificulte a identificação do bem ofertado.
No mesmo sentido é o entendimento de Suzana Maria Federighi.
Para a autora o princípio em comento afasta a possibilidade do
merchandising e das publicidades subliminares
1070
.
Assim, suspeita-se que o princípio está mesmo a vedar o tie in. Nas
palavras de Marcelo Costa Fadel:
Inobservado o princípio da identidade, sua inserção [publicidade
clandestina] nestes contextos [reportagens, notícias científicas, peças
teatrais] torna-se aparentemente casual e sem fins econômicos o
consumidor não percebe que se trata de merchandising e absorve
aquela forte sugestão sem qualquer ressalva
1071
.
Quanto ao teaser, a forma como é utilizada é que pode ser
considerada violadora do princípio da identificação. Se se tratar de teaser
com o condão de causar prejuízo ao consumidor, diante de seus termos
pouco claros, ambíguos, obscuros, certamente ferirá o princípio.
O teaser deve ser elaborado de tal maneira que não viole nenhum
princípio, de forma a causar prejuízo ao consumidor ou impingir-lhe
comportamento antijurídico.
Narra Filomeno
1072
anota caso de teaser ilegal. Foi realizada
publicidade em outdoors, na cidade de Manaus, com os seguintes dizeres: “O
1068
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 659.
1069
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direitos das Relações de Consumo.
edição revista e atualizada, 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2006, p. 190.
1070
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 84.
1071
FADEL, Marcelo Costa. Breves comentários ao Código de Auto-Regulamentação
Publicitária do Conar. Revista de Direito do Consumidor n. 50/153. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 165.
1072
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8 ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 180/181.
316
FRIO ESTÁ CHEGANDO AO AMAZONAS O CLIMA DE TODO O PLANETA,
ALIÁS ESTÁ MUDANDO!” “PREVINA-SE, O QUANTO ANTES”! “DEPOIS NÃO
ADIANTA RECLAMAR”!
Pois bem. Em razão do anúncio certas pessoas compraram
cobertores e roupas mais quentes.
o prejuízo causado por teaser com informação ambígua, que levou
determinadas pessoas a comprarem algo inútil, considerado o clima tropical
de Manaus, neste caso, ficou evidenciado. Não dúvida que aquela
modalidade de teaser é antijurídica.
A proposta do teaser é unicamente aguçar a curiosidade do
consumidor, para que fique aguardando com maiores expectativas a
publicidade efetiva veiculadora do produto ou do serviço a ser lançado; nada
mais. Caso contrário, o consumidor fará jus à indenização pelos prejuízos
havidos.
No que tange à publicidade que utiliza mensagens subliminares,
precioso é o ensinamento de Melina Penteado Trentin:
A idéia básica é proteger o consumidor, assegurando-lhe o direito de
saber que os dados e informações que lhe são transmitidos não o são
gratuitamente mas visam promover a venda de um produto ou a
utilização de um serviço, têm a clara intenção de fazê-lo consumir.
O princípio da identificação obrigatória da mensagem como
publicitária é comum no direito comparado e tem por fim tornar o
cidadão que recebe a mensagem um potencial comprador e,
portanto, um possível consumidor consciente de que é destinatário
de uma mensagem publicitária.
Em conseqüência, tal princípio veda a existência de mensagens
subliminares, proibidas em todo o mundo desde os anos 70 por seu
grande e perigoso potencial de sugestão que no sistema do CDC
seria considerada ilícito civil
1073
.
Cláudia Lima Marques entende da mesma forma:
O princípio da identificação obrigatória da mensagem como
publicitária, instituído no art. 36, tem sua origem justamente no
pensamento de que é necessário tornar o consumidor consciente de
que ele é o destinatário de uma mensagem patrocinada por um
fornecedor, no intuito de vender-lhe algum produto ou serviço. Este
princípio serve de um lado para proibir a chamada publicidade
1073
TRENTIN, Melina Penteado. A publicidade abusiva e o racismo. Revista de Direito do
Consumidor n. 11/84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 90).
317
subliminar, que no sistema do Código de Defesa do Consumidor
seria considerada prática de ato ilícito, civil e mesmo penal
1074
.
João Batista de Almeida afirma que “o objetivo é coibir a
publicidade clandestina, inclusive a subliminar”
1075
. No mesmo sentido
Wilson Carlos Rodycz
1076
, para quem, pelo art. 36, caput, “tornou-se ilegal a
publicidade clandestina, oculta ou dissimulada, como é o merchandising.
Para não incorrer em ilegalidade, esse tipo de publicidade precisará ser
precedida de algum aviso da sua existência”
1077
.
Em idêntico sentido José Geraldo Brito Filomeno assevera que o
princípio tem por escopo proibir a veiculação de mensagens ocultas,
dissimuladas ou que não sejam distinguidas ou percebidas como tais.
Defende que o correto teria sido a utilização, pela lei, dos termos “distinga”
ou “perceba”
1078
.
Em França, Jean Clais-Auloy tem o mesmo entendimento :
A publicidade televisiva deve ser facilmente identificada como tal; ela
deve, portanto, ser separada do resto do programa por telas
reconhecíveis por suas características óticas e acústicas; ela não
deve ser clandestina, utilizar técnicas subliminares, nem apelar a
apresentadores de jornais televisivos e de revistas de
atualidades[tradução nossa].
1079
O CBAP determina que o anúncio deve ser claramente identificado
como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação (art. 28).
1074
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 674.
1075
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. edição, revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 117.
1076
RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito do Consumidor
8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 65.
1077
RODYCZ, Wilson Carlos. O controle da publicidade. Revista de Direito do Consumidor
8/50. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 65.
1078
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8 ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 180.
1079
“La publicité télévisée doit être aisément identifiable comme telle; elle doit donc être
séparée du reste du programme par des écrans reconnaissables à leurs caractéristiques
optiques et acoustiques; elle ne doit pas être clandestine, ne dois pas utiliser des techniques
subliminales, ne doit pas faire appel à des présentateurs de journaux télévisé et de
magazines d`actualité”. AULOY, Jean-Calais; STEINMETZ, Frank. Droit de la
consummation. 7ª Edição. Paris: Dalloz, 2006, p. 166.
318
No art. 29 do CBAP está expresso que:
[...] não se ocupa da chamada ‘propaganda subliminar’, por não se
tratar de técnica comprovada, jamais detectada de forma
juridicamente inconteste. São condenadas, no entanto, quaisquer
tentativas destinadas a produzir efeitos ‘subliminares’ em
publicidade ou propaganda.
10.4 PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO CONTRATUAL DA MENSAGEM
PUBLICITÁRIA OU DA OBRIGATORIEDADE DO CUMPRIMENTO (ARTS. 30
E 35)
Trata-se de conseqüência do princípio da oferta vinculante. A
publicidade vincula o fornecedor, obrigando-o ao cumprimento dos termos
anunciados, integrando toda a informação veiculada, o futuro contrato a ser
entabulado.
Assim, a publicidade veiculada por qualquer forma ou meio de
comunicação com relação a produtos e serviços obriga o fornecedor que a
fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado
(art. 30).
O fornecedor não é obrigado a se utilizar da publicidade, mas
tendo adotado esse meio de divulgação, fica obrigado a contratar exatamente
nos termos prometidos, absolutamente todos os contornos anunciados.
A redação do artigo 427 do Código Civil é semelhante a do art. 30
do Código de Defesa do Consumidor (“A proposta de contrato obriga o
proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, de natureza do
negócio, ou das circunstâncias do caso”).
Por esse princípio procura-se combater aquela forma de
publicidade que visa unicamente a atrair o consumidor ao estabelecimento
do fornecedor
1080
(publicidade-chamariz)
1081
, prática vedada inclusive pelo
princípio da boa-fé.
1080
Trata-se do bait and switch que consiste no anúncio sem vontade de vender, mas de
atrair o consumidor ao estabelecimento e fazê-lo adquirir outro bem diverso do anunciado.
1081
Prática também conhecida por produto-isca, “trata-se de promover a venda de um
produto para motivar a ida do consumidor ao local, ocorrendo que o produto é oferecido em
319
Como bem afirma Cláudia Lima Marques:
O CDC visa modificar as práticas comerciais no mercado brasileiro,
aumentando o respeito devido ao consumidor como parceiro
contratual, que não deverá ser tirado de casa para aproveitar uma
‘falsa’ oferta a preços reduzidos [grifo no original]
1082
.
Em relação a erratas, ou seja, veicula-se um anúncio publicitário
no qual consta determinado preço ou produto, mas, após, o fornecedor
retrata-se sob o argumento que ocorreu um erro no anúncio, José Geraldo
Brito Filomeno
1083
entende que o art. 429, parágrafo único do Código
Civil
1084
representa grande novidade. A partir desse dispositivo, na avaliação
desse autor, a validade da revogação da oferta publicitária dependerá da
forma como foi realizada a oferta inicial, notadamente no que tange à exigida
ressalva antecipada, e, sobretudo, da forma pela qual se fez (idêntica
dimensão da oferta) e do motivo pelo que se fez (equívoco ou erro
justificável).
Antônio Herman Benjamin entende que:
O princípio da vinculação não é afastado ou mitigado por
informações contraditórias ou divulgadas a latere do anúncio, ou,
ainda, ‘colocadas à disposição dos consumidores’ pelo fornecedor em
documento complementar ao anúncio. [...]
Uma vez veiculado o anúncio, incabível é a discussão sobre eventual
consentimento do anunciante. O consentimento deste manifesta-se e
passa a operar no instante em que decide usar a via publicitária
1085
.
A oferta é irrevogável. No sistema do Código e Defesa do
Consumidor, de acordo com Cláudia Lima Marques, irrevogável significa
“que o ato criado não desaparecerá do mundo jurídico por vontade unilateral
quantidade limitada e o consumidor, para não perder a viagem, resolve levar produtos
similares ou até outros produtos” (GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus
Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus, 1991, p. 79).
1082
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 603.
1083
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8 ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 179.
1084
Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta
faculdade na oferta realizada
1085
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 285, 287.
320
do fornecedor, uma vez criado e válido terá efeitos, pelo menos o da
vinculação”[grifo no original]
1086
. Mais: “Se na visão tradicional a oferta é
um fator criador de vínculos, na visão do CDC este poder de vinculação
(Bindung), desta declaração negocial, destinada ao consumo, é
multiplicado”
1087
.
A autora faz mais a seguinte análise:
Trata-se de mais um mandamento de proteção da segurança e da
harmonia social (Vertrauensgebot), o qual imporia àqueles que
utilizarem da publicidade suportar riscos profissionais mais
elevados, uma vez que visando lucro (direta ou indiretamente), uma
vez que participando de sua atividade negocial (esfera de necessário
controle do empresário) e atingindo um número indeterminado, em
grau não controlável, de pessoas (grupo a tutelar)
1088
.
E completa:
O fornecedor brasileiro deverá prestar mais atenção nas informações
que veicula, seja através de impressos, propaganda em rádio, jornais
e televisão, porque estas criam para ele um vínculo, que no
sistema do CDC será o de uma obrigação pré-contratual, obrigação
de manter a sua oferta nos termos em que foi veiculada e cumprir
com seus deveres anexos de lealdade, informação e cuidado
1089
.
Antonio Herman Benjamin apresenta sólidos argumentos para a
vinculação, mesmo na hipótese de alegado “erro” no anúncio
1090
.
1086
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 602.
1087
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 602.
1088
MARQUES, Cláudia Lima. Vinculação própria através da publicidade? A nova visão
do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 10/7. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 17. Assim, Marques conclui que “A vinculação
publicitária é “um novo risco profissional”, vale dizer, “atuação a qual a lei impõe deveres
especiais (através de norma de ordem pública) não transferíveis aos consumidores, nem
mesmo através de previsão contratual” (Apud BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos
e. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do
Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 291).
1089
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 623.
1090
1. Uma vez veiculado o anúncio, incabível é a discussão sobre eventual consentimento
do anunciante. O consentimento deste manifesta-se e passa a operar no instante em que
decide usar a via publicitária.
321
A teoria dos atos próprios também representa instrumento
adequado para justificar a vinculação mesmo na hipótese de “erro”. Dessa
feita, a parte deve proceder de forma coerente com o agir inequívoco
externado, não podendo simplesmente deixar de cumprir o que criou
legítima expectativa em relação à outra parte, ao contrário estaria a quebrar
a confiança e a lealdade.
Dessa forma, surgiram princípios para direcionar a correta
conduta dos interessados, como o venire contra factum proprium, supressio,
surrectio.
Ademais, “a oferta publicitária é “contato social de consumo”, que
não aceita disciplina própria dos atos jurídicos. Independendo o fato
publicitário “da vontade para produzir efeitos”, é juridicamente irrelevante
qualquer atuação posterior do policitante publicitário no sentido de limitar,
reorganizar ou extinguir os resultados vinculantes do seu discurso, eficazes
a partir do momento que se deu a exteriorização (rectius, “exposição”,
2. Na mensagem publicitária não qualquer fase de negociação; o anúncio é uma peça
absolutamente unilateral (one-sided message). Ora, inexistindo negociação, fica o
consumidor completamente à mercê do anunciante, que lhe propõe, mediante o anúncio, o
que quer, quando quer, da forma que quer e com a duração que quer.
3. A publicidade é mais “discurso” do que propriamente “comunicação”, que pressupõe
reciprocidade de papéis. Trata-se de uma estipulação unilateral, com poderosíssimo
potencial de influência do consumidor.
Por isso mesmo, o anunciante (e ele!) tem, em suas mãos, todos os mecanismos de
controle do anúncio. Aliás, para tal tarefa, contrata e utiliza profissionais (publicitários, por
exemplo) e empresas (os veículos, por exemplo) especializados. Em compensação, o
consumidor se depara com o “fato publicitário consumado”.
Apenas o anunciante tem os meios (materiais, técnicos e econômicos) para evitar que
eventual equívoco no anúncio possa atingir terceiros, vindo a causar danos.
4. O proveito econômico direto do anúncio é, fundamentalmente, do anunciante. Não se
pode, pois, passar ao consumidor-vítima, que não lucra economicamente com a atividade,
os riscos a ela inerentes. Seria mais um caso de apropriação unilateral de vantagens e
socialização de custos
Sendo pública a oferta publicitária (opera no plano da comunicação de massa), maiores são
seus benefícios para o anunciante, e, paralelamente, maiores também são seus riscos. O
anunciante, ao optar por ela, explícita ou implicitamente, assume ou deve assumir os
encargos que acompanham as facilidades. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto.
8. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 296).
322
consoante o art. 29 do CDC). Numa palavra, a oferta publicitária é
“irretratável”, o que determina a “inviabilidade de arrependimento”
1091
.
A vinculação sem a natureza tradicional do negócio jurídico,
própria como efeito da publicidade, liga-se com as chamadas relações
contratuais de fato, que “dizem respeito àquelas situações jurídicas em que
nascem direitos e obrigações próprios dos contratos, sem que esteja em sua
base um acordo de vontades”
1092
. Este estudo, vale lembrar, foi iniciado por
Günter Haupt. Para viabilizar a compreensão do surgimento de direitos e
deveres sem o suporte contratual, foi moldado o conceito de contrato social.
Köndgen mostra que a atividade publicitária é opção do fornecedor,
que age por livre determinação, e que por suas características de atividade
profissional (risco próprio) e por seus importantes e irreversíveis efeitos na
sociedade faz nascer vínculos obrigacionais.
Cláudia Lima Marques relata que:
Köndgen concluiu que vinculação própria por uso (ato lícito) da
publicidade na sociedade de massa. Uma das bases para tal
vinculação encontra ele na responsabilidade pela confiança
(Vertrauenshaftung) despertada pela atividade dirigida a profissional
do fornecedor; confiança que representa o efeito provável daquele
tipo de declaração na sociedade (trata-se também de um standard
objetivo)[grifos no original]
1093
.
Aqui também se aplica a responsabilidade pela confiança
despertada. No caso da publicidade “reconhece-se um estado de sujeição à
atuação do outro, de aceitar ou não a oferta, no prazo razoável e nas
condições que foi feita”
1094
.
Com os novos veículos de comunicação de massa é impossível ao
fornecedor calcular quantos consumidores estarão recebendo a sua “oferta”
1091
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 296.
1092
CHAISE, Valéria Falcão. A Publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 65.
1093
Apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o
novo regime das relações contratuais. 4ª ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 606/610.
1094
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 630.
323
para poder, após, exigir o seu cumprimento (art. 35 do CDC). Bem por isso,
o fornecedor deve ter ciência das conseqüências de sua oferta,
responsbilidade e cuidado redobrado naquilo que divulga.
No Código de Defesa do Consumidor, o equívoco inocente, vale
dizer, conduta não culposa, não exclui a responsabilidade do fornecedor,
conforme arts. 12, 14, 18 e 23. Assim, não seria apenas no plano da
publicidade desses mesmos produtos e serviços que o equívoco inocente o
livraria da responsabilidade decorrente do princípio da vinculação. A
desconformidade da publicidade é em tudo igual àquela pertinente à
qualidade ou quantidade dos bens de consumo
1095
Na hipótese de descumprimento do quanto anunciado na
publicidade, o consumidor poderá exigir o cumprimento forçado da
obrigação, nos exatos termos da oferta veiculada na mensagem publicitária
(art. 35, I), aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente (art.
35, II) ou resolver o contrato, com direito à restituição de quantia
eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, sem prejuízo de
eventual indenização (art. 35, III), sendo a responsabilidade objetiva.
10.5 PRINCÍPIO DA NÃO-ABUSIVIDADE DA PUBLICIDADE (ART. 31, C/C
ART. 37, §2º)
O preceito em tela tem relação com o princípio da boa-fé. A
publicidade deve pautar-se por padrões éticos de forma a impedir que o
consumidor venha a tomar atitudes que lhe sejam prejudiciais, agridam
valores, crenças ou a própria consciência.
Essa modalidade de publicidade não é mentirosa ou enganosa,
mas, conforme a lição de João Batista de Almeida, “é distorcida, desvirtuada
dos padrões da publicidade escorreita e violadora de valores éticos que a
1095
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 293.
324
sociedade deve preservar”
1096
. É capaz de viciar a vontade do consumidor,
podendo apresentar uma conduta prejudicial à sua saúde, segurança ou
vida.
Por esse princípio o publicitário deve levar em consideração o
consumidor. De todo modo, não pode, a pretexto da livre iniciativa, da
obtenção de lucro, comprometer interesses ou violar direitos maiores do
consumidor, tais como a sua incolumidade psíquica e física, a defesa
ambiental, bem como “valores subjacentes à relação de consumo, que não
estão diretamente ligados àquele ato de consumir, mas ao apelo que leva o
consumidor a se interessar pelo produto ou serviço”
1097
.
Todavia, como se constata, no mundo dos fatos esses objetivos
acabam ficando no campo das boas intenções”. O apelo do mercado
capitalista de produção e a lógica do lucro são mais fortes. O pensamento de
Gino Giacomini Filho corrobora essa assertiva:
Entre o consumidor e a empresa, a relação deve ser a da plena
identificação, da ausência de distância; entre os indivíduos não
lugar para o reconhecimento do outro: a busca pelo indivíduo dos
seus interesses econômicos (‘lucro’) dá-se em detrimento do
estabelecimento de uma relação que leve o outro em
consideração
1098
.
A publicidade que utiliza técnicas obscuras é abusiva. Mesmo que
se alegue não haver prova da eficácia da mensagem subliminar, o
consumidor não é cobaia humana para testá-la.
1096
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. edição, revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 119.
1097
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 85.
1098
GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. 4 ed. São Paulo: Summus,
1991, p. 15.
325
10.6 PRINCÍPIO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DO DESVIO
PUBLICITÁRIO (ART. 38)
Esse princípio é conseqüência direta do reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor e visa a amenizar os efeitos produzidos pela
publicidade ilícita.
Ao contrário do que ocorre na regra geral de inversão do ônus da
prova, instituída pelo Código de Defesa do Consumidor em seu art. , VIII,
segundo o qual a inversão do ônus da prova se por obra do julgador (ope
judicis), a depender da verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência
do consumidor, no caso da prova da veracidade e correção da informação
publicitária, incide o princípio sob comento. Pelo fundamento desse
princípio, a inversão se sempre de forma obrigatória (ope legis),
independentemente de pronunciamento judicial, ou seja, cabe sempre ao
patrocinador (fornecedor interessado na sua veiculação) a prova da
veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária
1099
. Isso
porque é praticamente impossível o consumidor provar a correção e a
veracidade da informação ou comunicação publicitária, devido às suas
limitações técnicas e econômicas.
O Decreto n. 2.181/1997, que regulamenta o Código de Defesa do
Consumidor, estabelece idêntica regra.
1099
Nelson Nery Junior aponta que para “a prova da veracidade da publicidade, quando
imputada de enganosa ou abusiva pelo consumidor ou por qualquer dos legitimados
constantes do art. 82, CDC, a inversão não mais se por obra exclusiva do juiz, mas se
opera ope legis (art. 38), incumbindo esse ônus sempre ao fornecedor. [...] na hipótese do
art. 38, CDC, a inversão é automática, sempre cabendo ao fornecedor o ônus de provar a
veracidade ou não abusividade da publicidade a seu cargo. O magistrado, aqui, nada poderá
valorar, pois se encontra jungido à norma que determina seja conferido o ônus da prova ao
fornecedor que, se dele não se desincumbir satisfatoriamente, verá pronunciado o non liquet
em seu desfavor” (NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de
Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992, p. 55).
326
10.7 PRINCÍPIO DA CORREÇÃO DO DESVIO PUBLICITÁRIO
CONTRAPROPAGANDA (ART. 56, XII E 60)
Nos Estados Unidos da América acredita-se que o programa de
propaganda corretiva é o mais importante dos programas de fornecimento de
informações da FTC.
Sobre a propaganda corretiva, Terence Shimp ensina:
A propaganda corretiva baseia-se na premissa de que uma empresa
que induziu os consumidores a erro deve usar futuras propagandas
para retificar quaisquer impressões enganosas que tenham sido
criadas na cabeça do consumidor. Em outras palavras, o propósito
da propaganda corretiva é evitar que uma empresa continue a
enganar os consumidores, e não o de punir a empresa
1100
.
Contudo, entende-se de forma diversa. A contrapropaganda tem
escopo punitivo e pedagógico, decorrente da principiologia do Código de
Defesa do Consumidor. Segundo Suzana Maria Federighi, não se confunde
com a contre-publicité dos franceses, que tem como função “difundir críticas
sobre produtos e serviços encontráveis no mercado”
1101
.
A contrapropaganda ou contrapublicidade (termo apropriado
considerando a diferenciação doutrinária entre publicidade e propaganda)
cabe sempre diante da existência de publicidade enganosa ou abusiva, às
expensas do anunciante (art. 60, caput) e será divulgada com a mesma
forma, freqüência, dimensão, veículo de comunicação, local, espaço e horário
(parágrafo único, do art. 60). Não tem natureza preventiva, mas reparatória.
Observa-se, pois, que houve um lapso do legislador; o art. 60
caput remete ao art. 36 e seus parágrafos quando deveria remeter ao art. 37
e parágrafos.
O art. 56, XII do Código de Defesa do Consumidor, trata, do ponto
de vista de tutela administrativa, da punição em relação à veiculação de
publicidade enganosa e abusiva.
1100
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 71/72.
1101
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 119.
327
Entretanto, a proteção do bem tutelado pelo princípio em comento
deixou a desejar, notadamente diante das disposições do Decreto n.
2.181/1997. Isso ocorreu, em boa parte, em razão dos vetos dos parágrafos
e 3º do art. 60. Os parágrafos vetados foram os seguintes:
§2º A contrapropaganda será aplicada pelos órgãos públicos
competentes da proteção ao consumidor, mediante procedimento
administrativo, assegurada a ampla defesa, cabendo recurso para o
Ministro de Estado da respectiva área de atuação administrativa,
quando a mensagem publicitária for de âmbito nacional.
§3º Enquanto não promover a contrapropaganda, o fornecedor, além
de multa diária e outras sanções, ficará impedido de efetuar, por
qualquer meio, publicidade de seus produtos e serviços.
Uma análise das razões do veto aponta que a imposição de
contrapropaganda, sem que se estabeleçam parâmetros legais precisos, pode
dar ensejo a sérios abusos, os que poderão redundar até mesmo na
paralisação da atividade empresarial, como se infere, aliás, na disposição do
§ 3º do art. 60. Por outro lado, é inadmissível, na ordem federativa, atribuir a
Ministro de Estado competência para apreciar em grau de recurso a
legitimidade de atos de autoridade estadual ou municipal, tal como previsto
no § 2º do mesmo artigo.
Contudo, a autoridade administrativa, por sua própria natureza
jurídica, está autorizada a realizar atos de poder de polícia, como reza no art.
78 do Código Tributário Nacional.
Dessa forma, ao contrário da justificativa contida no veto, na
análise de José Geral Brito Filomeno:
A tão decantada contrapropaganda, instrumento de grande
dissuasão para os fornecedores inescrupulosos, deveria, sim, ser
determinada pela autoridade competente, dotada de poder de
polícia administrativa, dentro da órbita de atuação (grifos no
original)
1102
.
Em razão dos vetos aos parágrafos mencionados do art. 60, a
doutrina entendeu que a contrapropaganda somente poderia ser imposta por
1102
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8 ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 182.
328
meio de tutela jurisdicional
1103
, a ser provocada por um dos legitimados pelo
art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, mediante ação civil pública e
não por meio do poder de polícia praticado pela Administração.
Assim, a regulamentação da contrapublicidade é reles, mesmo com
a edição do Decreto Federal n. 2.181/1997, que dispõe sobre a organização
do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), estabelece as normas
gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei n.
8.078/1990, revoga o Decreto n. 861/1993 e outras providências, que
este diploma legal não tratou o modo de se efetivar a contrapropaganda, nem
indicou as autoridades competentes para tanto. O respectivo art. 19 trata
apenas da imposição de multa.
Carlos Alberto Bittar entende que a contrapublicidade somente
pode se dar judicialmente e sempre contra o patrocinador da mensagem, que
deverá suportar o encargo, mas que terá direito de regresso contra a
agência
1104
. Também mantém esse entendimento Nelson Nery Junior
1105
.
A contrapublicidade não tem natureza preventiva, mas reparatória,
possuindo o condão de minimizar o efeito deletério causado pela publicidade
ilícita, uma vez que é impossível retornar-se ao status quo ante. Contudo,
trata-se de medida salutar apta a despertar o consumidor para o ato
praticado pelo fornecedor, podendo, em muito, reduzir ou evitar prejuízos,
além de servir como fator desestimulante de práticas nocivas veiculadas por
meio da publicidade, tanto do ponto de vista moral como econômico.
Pois bem. A contrapublicidade deve ser veiculada no mesmo
veículo, nos mesmos moldes, inclusive com o mesmo apelo conceitual ou
emocional que a publicidade ilícita, devendo “chamar a atenção para aquilo
1103
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8 ed. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 182.
1104
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor : Código de Defesa do Consumidor.
6. ed. Atualização de Eduardo C. B. Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p.
54.
1105
“o art. 56, XII, do CDC prevê a contrapropaganda (corrective advertising, contrepublicité,
annonces rectificatives, pubblicità correttiva), que pode ser aplicada como penalidade
administrativa ou imposta por ordem judicial, às expensas do anunciante com o mesmo
destaque e no mesmo veículo onde se verificou a publicidade enganosa ou abusiva” (NERY
JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiros de Defesa do Consumidor.
In Revista de Direito do Consumidor n.3/44. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p.
69/70).
329
que foi ameaçado, de forma quase didática”
1106
, pois “a desvinculação entre
publicidade e contrapublicidade, esvazia o conteúdo da previsão
sancionatória e educativa”
1107
.
Em França é adotada a contrapublicidade, mas é facultativa e
pouco aplicada pelos juizes
1108
.
1106
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva Incitação à Violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 120.
1107
FEDERIGHI, Suzana Maria P. C. P. Publicidade Abusiva – Incitação à Violência, p. 120.
1108
AULOY, Jean-Calais; STEINMETZ, Frank. Droit de la consummation. Edição. Paris:
Dalloz, 2006, p. 150.
331
11 REGIME JURÍDICO DA PUBLICIDADE
A regra geral do Código de Defesa do Consumidor é a
responsabilidade civil objetiva. Em conseqüência, o anunciante deverá
cumprir o que prometeu e indenizar os danos sofridos pelo consumidor
independentemente de culpa. Também existe a responsabilidade
administrativa (art. 56, XII, e 57 c/c o art. 60, caput e §1º) e penal (arts. 66 a
69 e inciso VII, do art. 7º, da Lei 8.137/1990).
O veto do §4º do art. 37
1109
revelou-se inócuo, que as medidas
vetadas podem ser concedidas em ação judicial, ante a natureza da
prestação jurisdicional, que dispensa autorização legal específica. Assim, o
consumidor pode pleitear indenização por danos materiais e morais,
cumprimento e abstenção da prática de ato, estas duas últimas sob pena de
execução específica para a hipótese de descumprimento.
A prática publicitária mendaz ou omissiva, no que concerne a
dados essenciais que deveria conter, acarreta o direito à indenização. Esta
decorre do princípio da vinculação (art. 30 do Código de Defesa do
Consumidor).
Havendo descumprimento de qualquer das especificações contidas
no art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, as quais o fornecedor está
vinculado se fizer veicular pela publicidade, o consumidor poderá exigir o
respectivo cumprimento forçado, a aceitação de um outro produto ou a
prestação de serviço equivalente ao ofertado ou a resolução do contrato, com
a devolução de valores eventualmente antecipados.
O anunciante que alegar erro tem o ônus de provar eventual má-fé
do consumidor ao afirmar que acreditou na mensagem, que a boa-fé é
presumida.
1109
Parágrafo quarto - Quando o fornecedor de produtos ou serviços se utilizar de
publicidade enganosa ou abusiva, o consumidor poderá pleitear indenização por danos
sofridos, bem como a abstenção da prática do ato, sob pena de execução específica, para o
caso de inadimplemento, sem prejuízo da sanção pecuniária cabível e de contrapropaganda,
que pode ser imposta administrativa ou judicialmente. (Vetado).
332
Mesmo que haja anulação do negócio, subsiste a responsabilidade
pelos danos acarretados ao consumidor.
Para Valéria Falcão Chaise:
O principal responsável é o anunciante, tendo em vista que é ele
quem contrata especialistas (o publicitário, a agência) para produzir
a mensagem e é ele, também, quem aprova ou não a campanha,
para, posteriormente, esta ser distribuída ao público pela mídia. O
anunciante tem obrigação de vigilância, cabendo-lhe controlar, antes
da difusão, o conteúdo da publicidade, pois ele, como ninguém,
conhece o produto ou serviço que está anunciando
1110
.
A publicidade é um poderoso meio de divulgação e incremento da
venda de produtos e serviços. Entretanto, representa um novo risco
profissional para o fornecedor, notadamente no que tange a eventual “erro”,
risco este que os deveres de conduta impostos ao fornecedor ex vi legis não
permite transferir de volta ao universo difuso ou identificável de
consumidores
1111
.
O anunciante tem direito de regresso contra a agência que causou
o erro (art. 13, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor).
O regime jurídico da publicidade dissimulada, oculta, clandestina
ou indireta e subliminar é o mesmo da enganosa e abusiva, que delas são
espécies.
A propósito, não é digno de amparo jurídico o tratamento dado ao
consumidor por anunciante que acaba por enganá-lo, ludibriá-lo, pertubar-
lhe a psique ou prejudicar a sua saúde.
Conforme anota Guy Durandin:
A capacidade de uma população em decodificar a publicidade
depende, assim como da propaganda, de seu grau de informação e
instrução [...] as pessoas pouco instruídas nunca sabiam distinguir a
publicidade clandestina da informação [...] as crianças, até a idade
de dez anos, e até mais, não sabem nada da organização da
1110
CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 107.
1111
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 627.
333
publicidade e da profissão publicitária [...] Ignoram assim a natureza
e a multiplicidade dos processos realizados para seduzi-las
1112
.
O relato se refere ao um dos países mais desenvolvidos do mundo,
a França. No Brasil a situação apresenta-se mais acentuada por motivos
óbvios.
O regime jurídico diferenciado da publicidade é necessário e
justifica-se na medida que ela tem “características próprias (exigüidade do
tempo, incitação à fantasia, apelo visual etc.), que deverão ser levadas em
conta”
1113
.
Koendgen considera que a informação veiculada cria uma
“expectativa de qualidade”, que será incluída pelo consumidor no contrato,
quando o fizer. Ele na publicidade uma força capaz de manipular a ação
do consumidor, criando persuasão no sentido de que aquele produto
preencherá determinada necessidade social, econômica (real, fictícia) ou
psicológica. Considera que devam existir limites bem claros para a
publicidade (proibição de publicidade subliminar, da publicidade chamada
sugestiva), ou esta incitação à conclusão do contrato poderá representar um
“elemento delitual” da publicidade apto a causar danos ao consumidor. O
consumidor enganado poderia exigir o ressarcimento dos prejuízos
(“interesses negativos”) que sofreu ao fechar determinado contrato, se
induzido pela publicidade
1114
.
Dessa forma, aquele que veicula qualquer dessas modalidades de
publicidade fica obrigado a reparar os danos causados, pois não observou os
deveres de cuidado e de informação clara para com o consumidor.
Por outro lado, Schumacher destaca “a responsabilidade que deve
haver na mensagem publicitária sobre produtos, que podem trazer algum
1112
DURANDIN, Guy. As mentiras na propaganda e na publicidade. Tradução de Antônio
Carlos Bastos de Mattos. São Paulo: JSN, 1997, p. 38.
1113
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 654.
1114
Apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o
novo regime das relações contratuais. 4ª ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 636/637).
334
tipo de risco à saúde do consumidor”
1115
. Ora, como se viu, a publicidade
que emprega técnica subliminar pode causar prejuízo à saúde das pessoas
(caso Pokémon).
Frise-se que, se a técnica subliminar é efetivamente capaz de
manipular o comportamento de forma inconsciente, cabe à ciência definir.
Porém, ante as evidências em sentido de que pode causar danos, traz
percepções que não podem ser captadas conscientemente ou mesmo está
apta a confundir e, sendo dever do Estado a proteção da incolumidade física
e psíquica dos consumidores, pelo princípio da precaução e do cuidado
decorrentes da boa-fé, a publicidade subliminar é vedada. Na dúvida, se
existe ou não o risco de prejudicar a saúde do consumidor, se é apta a
controlar sua mente, de viciar sua vontade, se opta pela poibição.
Independentemente da questão de saber se ela é eficaz, a difusão de material
subliminar é incoerente com a defesa do consumidor, porque é projetado
para ser enganoso ou abusivo. Não se trata somente do fato de a publicidade
subliminar aumentar as vendas ou causar danos, mas também ser o
consumidor sujeito a imagens sem o saber, atitude clara de violação da boa-
fé e identificação da mensagem publicitária.
Considerando que a publicidade integra o contrato que vier a ser
celebrado (art. 30) e que aquela veiculada com técnica subliminar é
incompatível com a boa-fé, bem como está em desacordo com o sistema de
proteção ao consumidor (art. 51, incisos IV e XV), será nulo de pleno direito
o respectivo negócio jurídico eventualmente entabulado.
Nesse sentido Roberto Senise Lisboa afirma que:
As normas jurídicas de proteção ao consumidor devem ser aplicadas
nas relações entre fornecedores e consumidores segundo o seu fim
social (art. da Lei de Introdução ao Código Civil),
compatibilizando-se o avanço tecnológico e o desenvolvimento do
mercado de consumo com a proteção patrimonial e biopsíquica dos
agentes econômicos do mercado de consumo (os fornecedores e os
consumidores) e da sociedade como um todo
1116
.
1115
Apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o
novo regime das relações contratuais. 4ª ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 657.
1116
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas relações do consumo. 2. ed.
revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 18.
335
Por seu turno, acentua Claus Wilhelm Canaris que “por detrás da
lex e da ratio legis colocam-se imediatamente os mais altos valores jurídicos
como a justiça, a eqüidade e a segurança do Direito”
1117
.
Discorrendo sob o aspecto da justiça, é certo que representa um
conceito de certa forma vago, mas é fundamental para a correta aplicação do
Direito.
Nos EUA, por essa razão:
A doutrina da injustiça teve uso limitado pela FTC até 1972, quando,
em uma famosa ação judicial (FTC x Sperry & Hutchinson Co.), a
Suprema Corte alegou que os consumidores, e também as empresas,
deveriam ser protegidos contra práticas comerciais injustas. Ao
contrário da propaganda enganosa, a descoberta de injustiça para os
consumidores pode ir além das questões de fato e relacionar-se
simplesmente a valores públicos. O critério usado para avaliar se um
ato comercial é injusto envolve considerações como saber se o ato: (1)
ofende a política pública como estabelecido pelos estatutos, (2) e
imoral, antiético, opressivo ou inescrupuloso e (3) causa danos
substanciais a consumidores, concorrentes ou outras empresas.
O direito da Federal Trade Comission de regulamentar propaganda
injusta foi uma questão de disputa considerável por anos, pois o
significado preciso de ‘injusta’ não era claro. A disputa teve fim em
1994, quando o Congresso chegou a uma definição de injustiça
satisfatória para todas as partes. A injustiça na propaganda é
definida como ‘atos ou práticas que causam ou podem causar danos
substanciais aos consumidores, os quais não sejam razoavelmente
evitáveis pelos próprios consumidores e nem supervalorizados por
benefícios compensados aos consumidores ou a concorrência’ [grifos
no original]
1118
.
Assim, representa medida de justiça
1119
a preservação, na dúvida,
da saúde do consumidor, de sua livre vontade, de não ser manipulado de
forma inconsciente, de não ser vítima de abusos
1120
. Não dúvida que a
1117
CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência
do direito. edição. Traduzido por A. Menezes de Cordeiro. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
2002, p. 61.
1118
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 71.
1119
“O jurista e o magistrado, ao desempenhar suas funções, não agem arbitrariamente,
procuram ater-se aos dados, procedendo à sua valoração com base na justiça, e não nas
suas preferências ou pontos de vista pessoais”. “- O pensamento de Roscoe Pound radica na
sua intuição de um direito em evolução, fundado na vida social, mas profundamente
envolvido na construção da sociedade, segundo o ideal de justiça” (DINIZ, Maria Helena.
Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e atualizada. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 66 e 73).
1120
Podemos citar como forma de abuso o aumento do volume do televisor no intervalo
publicitário. A questão se resolveria pelo sistema do Código de Defesa do Consumidor, mas
336
norma visou exatamente a preservar e garantir o livre arbítrio do
consumidor, dando-lhe as condições necessárias para poder optar de forma
livre e consciente pelo produto e serviço que mais lhe aprouver ou mesmo
pela não-aquisição.
Conforme visto, tanto a Constituição Federal como o próprio
Código de Defesa do Consumidor visam à proteção do consumidor em sua
plenitude, nos aspectos biopsíquicios, envolvendo sua saúde física e
econômica ante a superioridade do fornecedor
1121
.
Ensina Siches, a “interpretação jurídica deve levar em conta os fins
para os quais as normas foram feitas”
1122
e a “verdadeira interpretação é
aquela feita em razão dos critérios axiológicos contidos no texto normativo,
pois se forem ignorados as solução serão insensatas ou inaceitáveis”
1123
.
É de se considerar que se a publicidade perceptível ilegal é
pernicionsa, tanto o mais quando se falar de técnicas simuladas, subliminar,
clandestina.
Gherardini entende que o Código de Defesa do Consumidor, a
despeito de coibir a publicidade simulada:
[...] deixa, contudo, de estabelecer sanções, ao contrário do
tratamento conferido aos outros tipos de publicidade viciada, e
enganosa e a abusiva. Assim, a prática da publicidade simulada
encontrará sanções civis na regra geral da responsabilidade civil
presente no CDC, podendo-se enquadrar tal prática como um vício
do produto, subsumindo-se às sanções previstas nos arts. 18, §1º,
incs. I, II e III, e 20, incs. I, II e III
1124
.
houve necessidade da promulgação da específica (LEI No 10.222, DE 9 DE MAIO DE 2001)
ante os abusos cometidos pelas emissoras de televisão.
1121
Tenta-se evitar que o fornecedor utilize sua superioridade econômica e mesmo técnica
(departamentos jurídicos ou consultorias especializadas) para confundir o consumidor.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 667.
1122
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 95.
1123
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 96.
1124
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 229.
337
Certo que a responsabilidade civil referente à publicidade em
comento é o da regra geral do Código de Defesa do Consumidor. Contudo, e
sem embargo, como destado, entende-se que as práticas ora analisadas
são espécies de publicidade enganosa, é aplicado o regime jurídico da
publicidade enganosa.
O art. 76 do Código de Defesa do Consumidor contém tipo penal
referente à publicidade enganosa e abusiva.
O art. 19 do Decreto Lei 2181/1997 sanciona com multa a
publicidade enganosa e abusiva e o respectivo parágrafo único, b), a
publicidade veiculada de forma que o consumidor não possa, fácil e
imediatamente, identificá-la como tal, vale dizer, a que fere o princípio da
identificação da mensagem publicitária.
Apesar de o CBAP não se ocupar com a publicidade subliminar,
consta expressamente que é condenada qualquer tentativa destinada a
produzir efeitos “subliminares”
1125
.
No que tange à publicidade oculta, o CBAP determina que a
reportagem, artigo, nota, texto-legenda deve ser identificado
1126
.
No que concerne aos contratos, a publicidade traz novos conceitos
e “o novo Direito contratual visa concretizar a função social dos contratos,
impondo parâmetros de transparência e boa-fé”
1127
, sendo certo que a ratio
legis no negócio jurídico de consumo é a procura da verdadeira e livre
vontade do consumidor.
Valéria Falcão Chaise afirma que “para compor suporte fático
suficiente de ato jurídico, a vontade deve ser consciente, ou seja, aquele que
declara deve saber que está declarando ou manifestando como sentido
1125
Artigo 29 - Este Código não se ocupa da chamada “propaganda subliminar”, por não se
tratar de técnica comprovada, jamais detectada de forma juridicamente inconteste. o
condenadas, no entanto, quaisquer tentativas destinadas a produzir efeitos “subliminares”
em publicidade ou propaganda.
1126
Artigo 30 - A peça jornalística sob a forma de reportagem, artigo, nota, texto-legenda ou
qualquer outra que se veicule mediante pagamento, deve ser apropriadamente identificada
para que se distinga das matérias editoriais e não confunda o Consumidor.
1127
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 591/592.
338
próprio”
1128
, sendo que “a inexistência da vontade negocial em sua
manifestação leva à inexistência do ato”
1129
.
Kötz ensina que “o direito contratual passa a realizar um controle
da “liberdade contratual”, controle da liberdade do mais forte, proteção da
liberdade do outro, do contratante mais fraco; controle sempre baseado nos
princípios maiores da boa-fé objetiva e da necessária proteção da confiança
na sociedade de consumo”
1130
.
Dessa forma e considerando todas as peculiaridades da
publicidade, já dissecadas nesta pesquisa, e verificando-se “que a teoria
contratual clássica não mais atende à realidade socioeconômica”, passa-se a
apregoar a concepção “social” do contrato. Nesse sentir, a procura da
eqüidade, da segurança e do prestígio à boa-fé nas relações contratuais
orientou-se para desprezar cláusulas contratuais abusivas
1131
.
O Direito do Consumidor, ao contrário do Direito Civil clássico, não
é informado pela teoria da vontade, mas sim a teoria da confiança
1132
.
Cláudia Lima Marques, a respeito, anota:
No direito comparado, observa-se que as técnicas legislativas de
proteção aos consumidores em matéria de contratos de consumo
visam também garantir uma nova proteção da vontade dos
consumidores na formação dos contratos, isto é, garantir uma
autonomia real da vontade do contratante mais fraco. Uma vontade
protegida pelo direito, vontade liberta das pressões e dos desejos
impostos pela publicidade e por outros métodos agressivos de venda,
em suma, uma vontade racional. Não como negar que o consumo
massificado de hoje, pós-industrial, está ligado faticamente a uma
série de perigos para o consumidor [grifos no original]
1133
.
1128
CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 72.
1129
Ob. Cit. p. 72
1130
Apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o
novo regime das relações contratuais. 4ª ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 593.
1131
CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 83.
1132
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito de Marketing uma abordagem jurídica do
marketing empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Biblioteca de Direito do
Consumidor, v. 14, p. 147.
1133
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 590.
339
O Código Civil italiano de 1942 traz a teoria dos efeitos da vontade,
a chamada teoria da confiança (que representa uma nova espécie da teoria
da declaração), segundo a qual, havendo divergência entre a vontade interna
e a vontade declarada, prevalece em princípio a vontade declarada, se e na
medida em que despertou a confiança. Assim, na medida em que se criou
expectativas legítimas no outro contratante, na população atingida pela
declaração (standard objetivo), a vontade declarada prevalecerá, porém, se o
outro contratante sabia ou podia saber razoavelmente no mesmo momento
da declaração que aquele não era a vontade interna de seu parceiro, poderá
a declaração ser anulada. Procura-se dessa forma um equilíbrio entre os
valores envolvidos e as dificuldades na produção da prova, procurando-se
preservar a segurança das relações, mas também combater a má-fé
subjetiva. A confiança serve a esta teoria como um dado objetivo. A
possibilidade de anulação da declaração somente é possível quando foi tal
que, de forma objetiva, não tenha despertado a confiança no consumidor,
quando ficar claro e evidente que aquela não era a vontade do fornecedor
1134
.
Para Rosa Maria Nery:
A idéia de autonomia da vontade liga-se à vontade real ou psicológica
dos sujeitos, no exercício pleno da liberdade própria de sua
dignidade humana, que é a liberdade de agir, ou seja, a raiz ou a
causa de efeitos jurídicos. Respeita, portanto, à relação entre vontade
e declaração [grifos no original]
1135
.
Dessa forma, depreende-se, junto com Valéria Falcão Chaise, que:
A vontade das partes manifestada livremente no contrato não é mais
fator decisivo para o direito; valores superiores, como equilíbrio e
boa-fé, passam a ter mais valor nas relações de consumo. A
autonomia da vontade não prevalece sobre as normas de ordem
pública, mesmo que a cláusula tenha sido aceita conscientemente
pelo consumidor
1136
.
1134
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 630/631.
1135
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 115.
1136
CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 83.
340
Passa a existir uma tendência, na avaliação de Cláudia Lima
Marques:
[...] de examinar a ‘qualidade’ da vontade manifestada pelo
contratante mais fraco, mais do que a sua simples manifestação:
somente a vontade racional, a vontade realmente livre (autônoma) e
informada, legitima, isto é, tem o poder de ditar a formação e, por
conseqüência, os efeitos dos contratos entre consumidor e
fornecedor. A tendência atual é de examinar também a conduta
negocial do fornecedor, valorando-a e controlando-a, dependendo da
conduta (abusiva ou não) a formação do vínculo (informações
prévias, acesso ao contrato, envio de mercadorias não requeridas
etc.) e a interpretação de quais as obrigações o consumidor está
vinculado (cláusulas, promessa dos vendedores, prospectos,
publicidades, sites etc.)
1137
.
Valéria Falcão Chaise aduz:
Para fazer frente ao individualismo, surgiu a teoria da declaração,
pela qual não se questiona o aspecto volitivo interno. Se a vontade
não foi declarada com perfeição, o emitente deve arcar com as
conseqüências de seu erro, não podendo invocá-lo para invalidar o
ato. A teoria da declaração, que protege o destinatário, mas sacrifica
o autor da declaração, é temperada pela teoria da confiança
1138
.
Antonio Herman Benjamin entende que “Na publicidade, pelo
menos no sistema brasileiro, não é a vontade real do anunciante a fonte da
obrigação contratual, mas o anúncio em si, ou seja, a declaração, tal qual
explicitada”
1139
e arremata:
Na mensagem publicitária não qualquer fase de negociação; o
anúncio é uma peça absolutamente unilateral (one-sided message).
Ora, inexistindo negociação, fica o consumidor completamente à
mercê do anunciante, que lhe propõe, mediante o anúncio, o que
quer, quando quer, da forma que quer e com a duração que quer
1140
.
Rosa Maria Nery, com propriedade, interpreta:
1137
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor : o novo
regime das relações contratuais. ed. ver., atual. e ampl. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 592/593.
1138
CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 105.
1139
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 287).
1140
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. Em co-autoria, p. 288.
341
O contrato é sempre, e em qualquer circunstância, operação jurídico-
econômica que visa a garantir a ambas as partes o sucesso de suas
lídimas pretensões. Não se identifica, em nenhuma hipótese, como
mecanismo estratégico de que se vale uma das partes para oprimir
ou tirar proveito excessivo de outra [grifos no original]
1141
.
Assim, não pode o fornecedor valer-se de técnicas como a
subliminar, para tentar influenciar o consumidor à realização do contrato.
Sobre a publicidade subliminar
1142
, verifica-se que não existe
vedação expressa, ela decorre do sistema.
A questão revelou tamanha preocupação que, para se colocar um
fim nas discussões sobre o óbvio (a ilegalidade da publicidaed subliminar), e
serem afastadas as interpretações esdrúxulas no sentido de que nosso
sistema não proíbe a publicidade subliminar, foi apresentado o Projeto de Lei
5.047/01, do deputado João Herrmann Neto (PPS-SP), que altera o Código
de Defesa do Consumidor para proibir expressamente a veiculação de
publicidade contendo mensagem subliminar. Segundo Herrmann, "Esse tipo
de propaganda acaba afetando o comportamento do consumidor e induz ao
consumo compulsivo".
Contudo, como advertia Aristóteles “a lei, em si mesma, não tem o
poder de assegurar a própria obediência, salvo o poder do costume, e este
leva um longo tempo para tornar-se efetivo”
1143
. Portanto, a par das
modificações legislativas é necessária uma mudança de mentalidade, dos
hábitos e costumes.
Informa Maria Helena Diniz que:
As descobertas da ciência moderna, que modificaram até mesmo a
noção de liberdade humana, e as conquistas extraordinárias da
técnica, determinaram a alteração da vida humana. Novos fatores
econômico-sociais fizeram surgir novas condições de vida,
conseqüentemente, operou-se a mudança do sistema de referência.
Velhos problemas resolvidos hão de exigir soluções novas e novos
1141
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 119.
1142
O art. 36, §2º da “Comissão Afonso Arinos” trazia expressamente vedação à publicidade
subliminar: Art. 36. A publicidade é disciplinada por lei, ficando proibida a que induza o
consumidor à aquisição de bens e serviços, de forma dolosa, enganosa, indireta e
subliminar (FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. ed.
São Paulo: Atlas, 2005, p. 8).
1143
ARISTÓTELES. Coleção os Pensadores. Tradução: Therezinha Monteiro Deutsch Baby
Abrão. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 194.
342
problemas jamais cogitados hão de surgir, requerendo uma solução
jurídica imediata. Com isso, houve a necessidade de enquadrar a
ordem jurídica vigente no sistema de referência dos novos tempos.
Gaston Morand retratou isso no seu famoso panfleto ‘A revolta dos
fatos contra os Códigos’. Deveras, a extraordinária exuberância da
vida não cabe nos limites de um Código. Novas necessidades, novos
meios de transporte, novos usos, novos ideais, mostram quão é a
esperança de que se possam elaborar normas jurídicas definitivas,
que solucionem sempre todas as questões jurídicas. Daí as sábias
palavras de Recaséns Siches: ‘Uma lei indeformável somente existe
numa sociedade imóvel’’
1144
.
A ciência avançou e surgem novas formas de controlar o
inconsciente por meio de técnicas subliminares em todos os sentidos. Assim,
a interpretação deve acompanhar os fatos
1145
para enquadrar qualquer
técnica publicitária possa causar danos ou viciar a vontade do consumidor,
como antijurídica.
De fato, como relata Maria Helena Diniz:
A experiência demonstra que a lei escrita é incapaz de solucionar
todos os problemas suscitados pelas relações sociais e até mesmo
casos que caem sob sua égide, isto porque a sua solução não
depende somente da letra da lei mas também de ponderação dos
fatos sociais concretos, por ser necessário investigar as realidades
sociais concretas, para que a aplicação da lei produza os resultados
perseguidos pelo legislador
1146
.
No âmbito do Direito, existem os enfoques da técnica e da
ciência
1147
.
1144
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 57.
1145
“Para Eugen Ehrlich, o ordenamento jurídico-positivo é incompleto ante a complexa
realidade. A vida é muito mais rica do que tudo o que a totalidades das normas jurídico-
positivas pôde prever. Os interesses apresentam infinitos matizes diferentes, que não
encontram expressão nas normas jurídicas gerais” (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de
introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
66).
1146
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 62/63.
1147
Geny entende que “o direito comporta dois enfoques distintos: a ciência e a técnica. O
domínio da ciência é o conhecimento objetivo das realidades sociais que fornecem ao direito
a sua matéria social, que é dada. Logo, o jurista não a pode criar, nem modificar, mas
apenas aplicar-lhe a sua técnica, que constitui, nesta teoria, o campo de ação criadora.
Esclarece-nos Geny que a atividade do jurisconsulto se realiza num duplo campo de ação: o
do dado e o do construído, que são os dois ingredientes da norma jurídica.
O dado é o conjunto de realidades sociais que se apresentam ao jurista, constituindo as
realidades normativas da sociedade, independentes da vontade do legislador, pois sua
normatividade não decorre de normas legais, e além disso representa o material real com
343
Para Rosa Maria Nery, se o Direito se reduz à técnica, não é
compromissado com valores como a Justiça e cumpre, apenas, a finalidade
de ser instrumento de Poder
1148
.
Importante levar os dados da realidade em consideração, da
sociedade, das interações, do ser humano. A publicidade pode ser utilizada
de forma incompatível com os principais valores. Ela, por exemplo, atrai
crianças sem discernimento, sem possibilidade de defesa para comerem
alimentos e bebidas comprovadamente maléficos nas redes de fast-food,
com a ajuda do marketing a utilizar toda uma gama de artifícios. Assim,
quase sem escapatória, a criança é levada a consumir e uma unidade da
rede. O fornecedor, então, está a auferir lucro sobre a desgraça alheia.
Ciente, somente para ganhar dinheiro, prejudica a saúde das crianças. O
mesmo raciocínio pode ser utilizado quanto à indústria do cigarro ou bebida
alcoólica. Existem fortes apelos, de todos os tipos, reforçados pela
publicidade, para que se fume, se beba. Se não se bebe é considerado um
“ET”, um excluído. A pressão imposta pela indústria cultural é fenomenal.
Após, e sabe-se disso, esses produtos causam dependência. Dependência
química e psicológica. O fornecedor não se preocupa. Quer ganhar o
dinheiro. Após, surge o problema de saúde. O Código de Defesa do
Consumidor dispõe sobre ao princípio da boa-fé, sobre o dever de cuidado e
precaução, de se levar o outro em consideração, princípio esse violado em
que lida o jurista na elaboração de seus conceitos. Os dados são realidades morais,
econômicas, que impõem direções, principalmente morais, aos fatos sociais. São realidades
existentes em toda sociedade humana por serem norteadoras do comportamento do
homem”.
Aponta Geny quatro classe de dados: a) Os dados naturais ou reais que são as realidades
físico-biológicas e psicológicas; b) os dados históricos; c) os dados racionais; d) os dados
ideais.A interpretação e a elaboração do direito exigem a ciência dos dados e a técnica do
construído. O construído é obra do jurista, do técnico do direito, do aplicador, para
satisfazer necessidades práticas.
“O dado é simples objeto do conhecimento científico-jurídico, o construído é obra do
jurisconsulto, é produto de uma técnica, sendo imprescindível um certo empirismo do
construído para a descoberta, dentro da debilidade das obras humanas, de algumas
soluções que possam satisfazer as necessidades e o sentimentos de justiça. O empirismo
organizado é que constitui a técnica jurídica”. (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de
introdução à ciência do direito. 18ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
63/65).
1148
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 21/22.
344
todas as formas, nos exemplos dados. A defesa do fornecedor é: fumou
porque quis, bebeu porque quis. Mas, esquece-se, quem colocou no mercado
o produto, quem auferiu lucro, quem incentivou sua aquisição, empregando
toda sorte de estímulos, em todos os lugares, ditando hábitos e lançando
moda. O sistema de responsabilidade do Código de Defesa do Consumidor,
que é a objetiva (art. 12), não exige o elemento culpa. Se houve o
fornecimento do produto, o fornecedor deverá indenizar. A responsabilidade
é somente pelo fato do produto, a lei é clara nesse sentido. Trata-se do risco
da atividade. O fornecedor desejou ganhar dinheiro prejudicando a saúde do
próximo. Então, se seu produto causar dano, deve indenizar.
A ciência, diferentemente da técnica, ocupa-se não somente com a
saúde financeira do fornecedor, mas igualmente com a saúde física e
psicológica do consumidor. Pesados os valores, analisado o ordenamento
jurídico, com suas regras e princípios, observando a justiça, chega-se à
conclusão de qual bem deve prevalecer.
11.1 JULGADOS
O Conar apreciou questões levada ao seu conhecimento referente à
técnica subliminar.
Merece destaque a Representação n. 9/1994. A cerveja Nova Schin
promoveu campanha publicitária com o mote “Experimenta!”
Anúncios em revistas da cerveja Nova Schin veicularam a
advertência de consumo com modificação, Experimenta com moderação.
Para o diretor executivo do Conar, a frase não atendeu aos
princípios do Código e seu Anexo P. O comando experimenta, foi
largamente utilizado como apelo de consumo na campanha de lançamento
da cerveja. Por isso, não poderia ser empregado como frase de advertência.
Foi mencionado no julgado que ao remeter à mesma palavra repetidamente
utilizada como estímulo, o anunciante falta com a sua responsabilidade
social e compromete gravemente o espírito da auto-regulamentação
publicitária.
345
Também a Ambev, concorrente da Schincariol no segmento,
considerou inadequado o uso da frase de advertência: É inegável que lendo
a frase de advertência, o slogan da campanha é subliminarmente
comunicado e a indução do consumo torna-se evidente, afirma a Ambev em
seu pedido de abertura de representação ética.
O relator condenou o uso da frase de advertência. Para ele, que
reconheceu que o noviciado e a ausência de jurisprudência dos novos termos
da auto-regulamentação de propaganda de bebidas alcoólicas podem levar a
interpretações contraditórias, a redação da cláusula de advertência não deve
inspirar-se ou corporificar-se na linguagem criativa do anúncio, mesmo que
sua leitura aparente similaridade com as frases-padrão de advertência,
devendo ser neutra em relação à linguagem, visual e som do anúncio. Ele
sugeriu alteração da publicidade, voto aceito por unanimidade pela 1ª
Câmara do Conselho de Ética.
Na Representação n. 128/2003 , um consumidor de São Paulo
queixou-se de filme para TV do anti-séptico bucal “Close Up” onde, em
alguns fotogramas, encontra-se reprodução de palavras de baixo calão
embaralhadas a símbolos como os usados em histórias em quadrinhos para
simular palavrões. Em sua defesa, anunciante e agência deram conta de que
a versão do filme sob processo ético foi substituída e descartam o uso do
recurso de propaganda subliminar. A Câmara do Conselho de Ética, em
decisão por maioria, deliberou pela alteração do filme.
A propósito, verificou-se que não são tão raras as demandas
judiciais envolvendo propaganda subliminar
1149
. Em compensação,
encontrou-se apenas um processo sobre a questão da publicidade
subliminar. A questão versou sobre a utilização da técnica pela empresa
Souza Cruz
1150
.
1149
Como, por exemplo, no Processo 053.01.026257-4 que tramitou na 3ª Vara da
Fazenda Pública da Comarca da Capital, proferida pelo juiz J
OSÉ
R
OBERTO
L
EME
A
LVES DE
O
LIVEIRA
.
1150
Ação Civil Pública. Publicidade Antijurídica de Tabaco. Veiculação de Contrapropaganda
Elaborada pelo Ministério da Saúde.
Circunscrição: 1 - BRASÍLIA
Processo: 2004.01.1.102028-0
Vara: 204 - QUARTA VARA CÍVEL
346
O juiz Robson Barbosa de Azevedo entendeu que a abusividade da
propaganda se caracterizou pela “utilização das chamadas mensagens
subliminares, que consistem no uso de imagens e sons que não podem ser
conscientemente captadas pelo receptor”[grifo no original]. A sentença foi
parcialmente reformanda unicamente quanto à contrapublicidade
1151
.
11.2 DIREITO ESTRANGEIRO
Na legislação espanhola - Ley General de Publicidad (Lei 34, de
11 de novembro de 1988) - consta a proibição e definição da publicidade
subliminar (arts. 3º, “d”, e 7º).
O artigo do Título II - A publicidade clandestina, qualifica a
publicidade ilegal, nos seguintes termos:
Artigo 3º:
É ilegal:
a) a publicidade que viola a dignidade da pessoa ou
ofende valores e direitos reconhecidos na Constituição,
especialmente quando se diz respeito a crianças, jovens e
mulheres;
b) a publicidade enganosa.
c) a publicidade desleal;
d) a publicidade subliminar;
e) que viola as disposições da regulamentação da
publicidade de determinados produtos, mercadorias,
serviços ou atividades
1152
.
CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA - DF
JUÍZO DE DIREITO DA QUARTA VARA CÍVEL
PROCESSO Nº 102028-0/2004
AÇÃO: AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
RÉS: SOUZA CRUZ S/A E OUTRAS
1151
BRASILIA. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. APELAÇÃO CÍVEL Nº
2004.01.1.102028-0 - QUARTA TURMA CÍVEL. Apelantes: Conspiração Filmes
Entretenimento Ltda e outros. Apelado: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Relatora Desa.: Vera Andrighi. Revisor Des.: George Lopes Leite. Julgado em 14/03/2007.
Publicado em 26/03/2007. <http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-
bin/tjcgi1?NXTPGM=plhtml06&ORIGEM=INTER&CDNUPROC=20040111020280APC.>.
Acesso em 28/08/2008.
1152
Artículo 3. Es ilícita:
347
O artigo 7º dispõe que:
“A los efectos de esta Ley, será publicidad subliminal la que
mediante técnicas de producción de estímulos de intensidades fronterizas
com los umbrales de los sentidos o análogas puede actuar sobre el público
destinatario sin ser conscientemente percebida”.
Em Portugal existiu a proibição de “todas as formas de publicidade
oculta, indireta ou dolosa” na revisão constitucional de 1982. Entretanto,
este dispositivo foi suprimido na revisão constitucional de 1989, constando
na nova redação a garantia da genérica proteção dos consumidores visando
a política comercial.
No âmbito da Comunidade Econômica Européia (CEE), a Diretiva
n. 89/552, de 3 de outubro de 1989, é expressamente proibida a utilização
de técnica subliminar na publicidade (art. 10, item 3).
a) La publicidad que atente contra la dignidad de la persona o vulnere los
valores y derechos reconocidos en la constitución, especialmente en lo que se refiere a la
infancia, la juventud y la mujer.
b) La publicidad engañosa.
c) La publicidad desleal.
d) La publicidad subliminal.
e) La que infrinja lo dispuesto en la normativa que regule la publicidad de
determinados productos, bienes, actividades o servicios.
349
12 CONCLUSÃO
A sociedade atual está fundamentada no consumo desenfreado
para a movimentação da economia. A publicidade, por vez, exerce papel
primordial para a circulação dos bens.
A patologia da publicidade é desconsiderar o ser humano, tratá-lo
como simples peça na engrenagem do sistema capitalista de produção. Com
essa mentalidade, ela se utiliza de toda sorte de meios e artifícios para
atingir a sua finalidade. Porém, é o ser humano que é o sujeito de direitos e
obrigações, não podendo ser objeto de direitos
1153
.
Em rigor, não se quer, nem se pode proibir a publicidade.
Pretende-se, isso sim, é a extirpação da publicidade nociva, desleal, abusiva,
enganosa, e privililegiar “peças publicitárias artísticas no sentido de belas,
aproximadoras do produto ao consumidor, falando a verdade, respeitando,
enfim, gerando riqueza e notabilizando o universo da publicidade”
1154
, pois
as cenas que hoje se vêem “levam o expectador ao instinto natural do sexo,
da pré-excitação”, na busca do lucro fácil, sendo certo que é desnecessária
essa espécie de apelação para demonstrar a qualidade do produto
1155
.
No afã de obter cada vez mais lucro, as corporações, que possuem
verdadeiro poder de um Estado
1156
, utilizam todas as técnicas possíveis, até
pouco estudadas, sem se conhecer a fundo seus efeitos e conseqüências,
como as mensagens subliminares.
Nesse momento entra o Direito, que é a parte que toca a cada
indivíduo, com o seu poder de império para impedir que o mal se consuma, é
1153
NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Dano moral e patrimonial: fixação do
valor indenizatório. Revista de Direito Privado n. 21/11. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p. 13.
1154
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda, p. 155.
1155
LOPES, A. Paraguassú. Ética na Propaganda, p. 155.
1156
Rosa Nery oberva que “a estrutura da ordem nomológica interna de um sistema jurídico,
freqüentemente, cede a certos grupos de poder (econômico, cultural, tecnológico), de origem
distinta que pressionam constantemente para que as leis favorecem seus interesses (NERY,
Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do Direito
privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 58).
350
a punição de todo abuso (Snell)
1157
. Do mesmo modo: “No caso de situações
desmedidas, o Direito é chamado para a recomposição da harmonia”
1158
.
Não se pode dar por legal uma publicidade que contenha parcela
de oculto, que deixa transparecer somente o aparente do oculto, que não se
mostra a que veio. O sistema do Código de Defesa do Consumidor não
ampara essa técnica. Não existe fundamento razoável para eventual
autorização de utilização de técnica subliminar.
A questão não passou despercebida da cultura pop e o filme Fight
Club (Clube da Luta) fala de manipulção, dos efeitos da publicidade e da
utilização de técnica subliminar. Chega a tangenciar a metalinguagem,
que no filme, o personagem insere imagens fálicas no cinema onde é
funcionário, além de conter várias imagens subliminares.
Assim, a publicidade deve sempre veicular informações
verdadeiras de modo claro e honesto, sem subterfúgios, sobre os elementos
do produto ou do serviço, e não infringir valores éticos, muito menos
impingir qualquer elemento que possa prejudicar o consumidor.
É com base na caracterísitca ínsita de todos os seres humanos de
sempre desejar a estimulação prazerosa, bem como como digladiar-se por
reputação, domínio e prestígio, que a publicidade atua.
Contudo, a questão se coloca quando o sistema atual
1159
, o
capitalista, baseado no consumo, passa a provocar danos e patologias
1160
,
como por exemplo, transmutar desejo em necessidade. Não problema em
desfrutar das delícias do prazer, desde que não condicionado. É muito
1157
NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Idéias do mundo antigo. A equação
do justo e o direito de obrigações. Revista de Direito Privado n. 20/11. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 18.
1158
NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral
do Direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 26.
1159
Infelizmente “o sistema conhece unicamente as condições da própria sobrevivência e
ignora os conteúdos sociais e individuais” (BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo.
Lisboa: Edições 70. Tradução: Artur Morão, p. 55).
1160
Bem Observa Lisboa que “a proveitosa utilização das máquinas e dos meios tecnológicos
mais avançados, embora representem uma maior comodidade e uma presumida melhoria
da qualidade de vida de todos os seus utentes e beneficiários, possui como efeito colateral
maior risco à segurança econômica e, em especial, à segurança biopsíquica das pessoas”
(LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas relações do consumo. 2. ed. revista
e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 19).
351
agradável para uma pessoa usufruir dos bens que possui e ser admirada.
Não há dúvida de que todos desejam escolher sua moradia, automóvel,
roupas e outros objetos por suas formas, sua estética, enfim, ter prazer. Mas
a preocupação é que se passe a fazer do uso um abuso, da posse a
ostentação, e ambos os condicionantes para ser alguém, sofrer de forma
anormal pelo não acesso a bens supérfluos ou comportar-se de maneira
prejudicial a si, aos outros e ao ambiente. Para evitar isso a consciência deve
ser livre, para se poder dirigir o vetor de compra, posse e uso, a fim de
antecipar eventual risco futuro de cada conduta para si, para os outros e
para o ambiente. E para isso não pode haver manipulação por meio de
técnicas obscuras, como a subliminar, que, ao que tudo indica, atinge
diretamente o inconsciente, bem como não se pode aplicar o que alguns
profissionais pugnam: Em cada lançamento de um novo produto, é preciso
gerar desejo no consumidor de forma agressiva”
1161
.
Apesar de todos os avanços tecnológicos, do progresso da ciência,
da racionalização, da civilização, o acesso aos bens materiais, entretanto,
como bem advertia Jung, “o sentido da vida não está de todo explicado pela
nossa atividade econômica, nem os anseios mais íntimos do coração
humano atendidos por uma conta bancária”
1162
. Os “deuses e demônios
absolutamente não desapareceram; têm, apenas, novos nomes. E o
conservam em contato íntimo com a inquietude, com apreensões vagas,
como complicações psicológicas, com uma insaciável necessidade de pílulas,
álcool, fumo, alimento e, acima de tudo, com uma enorme coleção de
neuroses”
1163
. Assim, constata-se que esse modelo ocidental ainda está longe
de representar a superação das dificuldades humanas, revelando-se
1161
SHIMP, Terence A. Propaganda e promoção: aspectos complementares da
comunicação integrada de marketing. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição.
Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 112.
1162
JUNG, Carl Gustav et al.. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 102.
1163
JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 82. “Milhões de pessoas são infelizes e tantos e
tantos se refugiam em livros de auto-ajuda, esoterismo e seitas religiosas alternativas.
Buscando, quase certamente, um sentido para sua existência, que transcenda seu vínculo
ao material, ou melhor, ao seu apego” (SCHWERINER, Mário Ernesto René.
Comportamento do Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais. São
Paulo: Saraiva, 2006, p. 205)
352
insuficiente para a felicidade das pessoas, pois na verdade as dificuladades
são de ordem moral. Jung defende que “seria bem mais eficiente o emprego
de recursos morais e intelectuais, que nos poderiam imunizar psiquicamente
contra a infecção que se alastra, cada vez mais
1164
. Por outro lado, “é a
consciência de que a vida tem uma significação mais ampla que eleva o
homem acima do simples mecanismo de ganhar e gastar. Se isto lhe falta,
sente-se perdido e infeliz”
1165
.
O Direito não é e nem pode ser indiferente a essa situação, pois,
visa, em última análise, a felicidade
1166
. De fato, “A realização da felicidade
do homem, no contexto próprio de sua vocação transcendental, não passa
despercebida do Direito, como sistema científico capaz de proporcionar e
favorecer a possibilidade de consecução desse objetivo natural da
humanidade”
1167
.
Muitos defendem a não limitação da publicidade sob o argumento
da necessidade de se dar vazão à produção em grande escala. Mas aqui se
coloca outro grande problema: a sociedade de consumo, fomentada pela
publicidade, e agravada pela mesma publicidade patológica e ilícita, pode
gerar o desaparecimento antecipado da vida na Terra. Então, pergunta-se se
o caminho é mesmo essa produção em larga escala, sem se medirem os
impactos e as conseqüências, ante a finitude dos recursos naturais e os
danos que está a provocar. Será que para a manutenção de uma vida
saudável e feliz é necessário o consumo desmedido, o consumo pelo
consumo, o consumo de bens totalemente desnecessários? Será que não é
possível uma sociedade manter-se fora dos padrões de simples consumismo
em prol de maior qualidade de vida, ambiente saudável e maior período de
tempo de existência de nosso planeta.
1164
JUNG, Carl Gustav et al.. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 85.
1165
JUNG, Carl Gustav et al.. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 89.
1166
e esta dificilmente é alcançada quando não se contenta com o suficiente e não se sabe o
que de fato é essencial.
1167
NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções Preliminares de Direito Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 95.
353
Existem dados reais sobre o risco que o desenvolvimento
desenfreado e sem controle está gerando ao planeta e à própria sobrevivência
da espécie humana. Os recursos naturais são finitos e cada vez mais
escassos. A natureza levou milhões de anos para permitir a existência do ar
que respiramos. O planeta levou “milênios para armazenar carbono em
camadas profundas, permitindo o surgimento da vida como nós a
compreendemos... e agora, estamos comemorando ter encontrado jazidas
desse carbono (sob a forma de petróleo e gás) e conseguimos enxergar
energia... Esquecemos que, ao colocar todo esse carbono de volta à
superfície, tornaremos novamente a vida de boa parte dos organismos
atualmente existentes (inclusive o Homo sapiens) inviável”
1168
. Pensa-se
muito em produzir, entretanto, chegará o dia em que não haverá mais os
recursos naturais e, portanto, o que produzir
1169
.
Para Heiddegger, nosso pecado é a tecnologia, o que ele chama de
“enquadramento”. Trata-se de um processo que consiste em reorganizar os
vários elementos da natureza, árvores e rochas, rios e animais, moldá-los e
inseri-los em muitas “estruturas” artificiais, para serem usados como
“recursos”. No final de era atual, o que restará da Terra será uma bola
sintética de peças e fios, vidro e aço – tudo uniforme e muito antinatural
1170
.
Uma solução seria o desenvolvimento sustentável que, para Hazel
Henderson, significa a “conciliação entre desenvolvimento econômico e social
1168
Helena Maria Maltez. Gerente do Núcleo de Cidadania e Meio Ambiente da TV Brasil.
1169
“Nosso intelecto criou um novo mundo que domina a natureza, e ainda a povoou de
máquinas monstruosas. Estas máquinas são tão incontestavelmente úteis que nem
podemos imaginar a possibilidade de nos descartarmos delas ou de escapar à subserviência
a que nos obrigam. O homem não resiste às solicitações aventurosas de sua mente científica
e inventiva, nem cessa de congratular-se consigo mesmo pelas suas esplêndidas conquistas.
Ao mesmo tempo, sua genialidade revela um misteriosa tendência para inventar coisas cada
vez mais perigosas, que representam instrumentos cada vez mais eficazes de suicídio
coletivo” (JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia
Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 101).
1170
“Os Estados Unidos, assim como a maioria dos países industrializados, estão
enfrentando uma crise de lixo. Um índice superior a 70% dos mais de 200 milhões de
toneladas de lixa gerados a cada ano nos Estados Unidos é queimado nos aterros, que
estão no limite da sua capacidade. As pesquisas revelam que muito consumidores afirmam
que pagariam mais por produtos que não prejudicassem o meio ambiente. Uma fonte estima
que apenas 15% de todos os produtos ditos verdes de fato o são, 15% são completamente
falsos e o restante fica em uma área indefinida” (SHIMP, Terence A. Propaganda e
promoção: aspectos complementares da comunicação integrada de marketing.
Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 5ª Edição. Porto Alegre: Bookman, 2002, p. 64).
354
significa uma transição ordenada da industrialização primitiva e antiga
(que consome energia e fontes naturais em função de seu modelo pouco
elaborado) para formas de produção ricas em informação, que utilizam
energia e materiais com maior eficiência e promovem a participação da
sociedade, o que certamente exigirá conduta mais ética no campo da
comunicação
1171
. No mesmo sentido Antonio Herman Benjamin comenta:
“Outra questão relevante que se coloca é que a ‘publicidade, entre seus
vícios, tem exatamente este, o de estimular o desperdício de recursos (Nicole
L´Heureux, ob. cit., p. 174), o que pode mudar com a incorporação, pelo
fenômeno publicitário, da idéia do consumo sustentável’”
1172
.
Se o homem não parar para tomar consciência, se continar a
pautar-se somente na concepção de índole capitalista, de que o progresso
seja definido pelo avanço da tecnologia
1173
, ignorará o que está acontecendo,
superpovoará e poluirá ainda mais o planeta.
Bem a propósito é o aviso de Desmond Morris, “não devemos
esperar ser protegidos por alguma espécie de força sobrenatural. Extinguir-
nos-emos tão facilmente como qualquer outra espécie”
1174
, vale dizer, para
esse autor, nenhum deus pode nos salvar. Heidegger tem uma visão um
pouco mais otimista e afirma que nós nos esquecemos do ser por causa da
tecnologia moderna e que nada podemos fazer para impedir a máquina do
enquadramento: “Só um deus pode nos salvar”.
1171
Apud GOVATTO, Ana Claudia Marques. Propaganda Responsável: é o que todo
anunciante deve fazer. São Paulo: Senac, 2007, p. 50/51
1172
BENJAMIN. Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade.
Revista de Direito do Consumidor n. 9/25. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 34.
1173
O convite à reflexão, a mudança de consciência e atitude sobre o tema representam
dificuldade quase intransponível. Bem observa Baudrillard que “Todo ataque restritivo ou
selectivo ao princípio sagrado da produção e do crescimento provocaria o horror do
sacrilégio [...] A produtividade, enquanto obsessão colectiva consignada nos livros de contas,
desempenha antes de mais a função social de mito. Para alimentar semelhante mito, tudo é
bom, mesmo a inversão de realidade objectivas, que introduzem a contradição nos números
que o sancionam” BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70.
Tradução: Artur Morão, p. 36/37).
1174
MORRIS, Desmond. O Animal Humano. Tradução: Jorge Lima e Maria Carvalho.
Lisboa: Gradiva, 1996, p. 186.
355
REFERÊNCIAS
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ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ACHBAR, Mark; SIMPSON, Bart. The Corporation. São Paulo: Zeitgeist
Films/Imagem Filmes, 2004. (DVD) (145 min.).
ADORNO, Theodoro W. São Paulo: Nova Cultural, 2005. (Coleção Os
Pensadores).
ALLERS, Roger; MINKOFF, Rob. O Rei Leão. Manaus: Buena Vista Pictures/
Walt Disney Productions, 1994. (VHS) (88 min.).
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista
de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 14/20, p.
20-17, 1995.
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do Consumo. Coimbra: Almedina,
2005.
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
Anexos

ANEXO A – Revista MTV

ANEXO B – Revista Isto é

ANEXO C – O falo na estilização de veículo

ANEXO D – O falo na publicidade


ANEXO E – o falo em placa comercial

ANEXO F – O falo na embalagem do bombom Ouro Branco

ANEXO G – O falo no rótulo da cerveja Itaipava


ANEXO H – O falo no logotipo da Rede Globo de Televisão

ANEXO I – O falo no desenho A Pequena Sereia

ANEXO J – As placas do McDonald's espalhadas em várias cidades
do Brasil, como em Santos (SP) e Fortaleza (CE) indicam não só,
por exemplo, o aeroporto, mas também onde há um McDonald’s.
Não aquelas placas publicitárias, mas placas de trânsito mesmo,
indicando McDonald's como se fosse um bairro. Você pode até se
perder no meio de todos aqueles "canais" em Santos, mas você
sempre encontrará um McDonald's pelas placas.

ANEXO K –
a Ilusão de Muller-Lyer, o cubo de Becker, o
tridente de Schuster e a figura de Rubin


ANEXO L – Na primeira figura, tem-se a impressão de que a bola
central à esquerda é maior, mas na verdade ambas têm o mesmo
tamanho. Na segunda figura, fica claro como a visão pode ser
facilmente enganada. Na terceira figura, não percebemos a
repetição.


ANEXO M – La vie en rose e pato-coelho


ANEXO N – Segregação

ANEXO O – Unificação

ANEXO P – Fechamento

ANEXO Q – Proximidade

ANEXO R – Semelhança

ANEXO S – Triângulo e cubos que não existem que são visualizados
pela técnica da Gestalt

ANEXO T – Rei Leão

ANEXO U – Publicidade da Gucci

ANEXO V – Desenho de Escher

ANEXO X – Arcimboldo – Jurista

ANEXO Z – Bolo

ANEXO AA – Lubrificante íntimo

ANEXO AB – Publicidade da Souza Cruz e do Mundo de Marlboro

ANEXO AC – Publicidade da coca-cola

ANEXO AD – Publicidade de perfume

ANEXO AE – Desenho animado Bernardo e Bianca

ANEXO AF – Desenho animado Bob Esponja calça quadrada

ANEXO AG – Lata do refrigerante Guaraná Antártica

ANEXO AH – Menthol



ANEXO AI – Gin


ANEXO AJ – Seqüência do filme Homem-Aranha. Primeiro surge o
imperativo “eat” (coma) e em seguida o logotipo do McDonalds

ANEXO AK – Seqüência do filme Matrix, com a publicidade da HP

ANEXO AL – Seqüência do filme Clube da Luta, com inserção de
quadro fálico na cena final.

ANEXO AM – História em quadrinho do Horácio

ANEXO AN – Embalagem do McDonalds

ANEXO AO – Cartaz do filme o Silencio dos Inocentes

ANEXO AP – Rótulo da cerveja Imperial

ANEXO AQ – Vinheta veiculada na televisão MTV de forma
subliminar

ANEXO AR – Jogo de vídeo-game

ANEXO AS – Propaganda subliminar na campanha presidencial
Bush-Gore

ANEXO AT – Lula e o polêmico terceiro mandato
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