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O
monólogo interior direto dá-se quando a personagem apresenta o
conteúdo de sua consciência sem a interferência do narrador implícito e
sem presumir a existência de um destinatário. A forma lingüística que o
distingue e o uso da primeira pessoa do singular é a “visão”, que temos
dos estados psíquicos, [...] percebemos fatos e sensações através dos
olhos desta personagem (D’ONOFRIO, 1978, p. 76).
O
discurso indireto livre expressa o mundo psíquico do narrador-protagonista,
revelando a intersecção entre presente e passado: a voz do narrador adulto que conta e
reflete sua história passada:
[...] Não, me parecia que já não tinha raiva de ninguém, não valia a
pena, nem de Matilde, o insulto partira dela, fora por causa dela, mas eu
não tinha raiva dela não, só tristeza, só vazio, não sei... creio que uma
vontade de ajoelhar. Ajoelhar sem mais nada, ajoelhar ali junto da
escrivaninha e ficar assim, ajoelhar. Afinal das contas eu era um perdido
mesmo, Maria tinha razão, tinha razão, que tristeza!... (ANDRADE,
Vestida de preto, 1999, p. 23).
Eu corri. Eu corri pra chorar à larga, na cama, abafando os soluços no
travesseiro sozinho. Mas por dentro era impossível saber o que havia
em mim, era uma luz, uma Nossa Senhora, um gosto maltratado, cheio
de desilusões claríssimas, em que sofria arrependido, vendo inutilizar-se
no infinito dos sofrimentos humanos a minha estrela-do-mar
(ANDRADE, Tempo da camisolinha, 1999, p. 109).
A leitura dessas lembranças, as quais não obedecem à ordem linear, temporal e
consecutiva, demonstra a intenção da personagem central em seguir a linha da
memória, que também não se pauta pela linearidade, ao contrário, pela espacialidade.
E percebi horrorizado, que Rose! nem Violeta, nem nada! era Maria que
eu amava como louco! Maria é que amara sempre, como louco: ôh
como eu vinha sofrendo a vida inteira, desgraçadíssimo [...] (ANDRADE,
Vestida de preto, 1999, p. 24).
Era mentira. O amor familiar estava por tal forma incandescente em
mim, que até era capaz de comer pouco, só pra que os outros quatro
comessem demais. E o diapasão dos outros era o mesmo. Aquele peru
comido a sós, redescobria em cada um o que a quotidianidade abafara
por completo, amor, paixão de mãe, paixão de filhos. Deus me perdoe
mas estou pensando em Jesus... (ANDRADE, O Peru de Natal, 1999, p.
73 ).