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ANA LÉA ROSA DA CRUZ
A estratégia de valorização da mulher de meia-idade
na nova sociedade do espetáculo.
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
graduação em Letras da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre. Área de
concentração: Língua Portuguesa.
Orientador: Profª Drª Mariluci Novaes
Niterói
2006
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C957 Cruz, Ana Léa Rosa da.
A estratégia da valorização da mulher de meia-idade na nova
sociedade do espetáculo / Ana Léa Rosa da Cruz2006.
92 f.
Orientador: Mariluci Novaes.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal Fluminense,
Instituto de Letras, 2006.
Bibliografia: f. 91-92.
1. Análise do discurso. 2. Beleza feminina (estética). 3. Rosto.
I. Novaes, Mariluci. II. Universidade Federal Fluminense.
Instituto de Letras. III. Título.
CDD 401.41
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ANA LÉA ROSA DA CRUZ
A estratégia de valorização da mulher de meia-idade na nova sociedade do
espetáculo.
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação
em Letras da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre. Área de concentração: Língua Portuguesa.
Aprovada em março de 2006
Banca Examinadora
____________________________________________
Profª Drª Mariluci Novaes- Orientadora
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________
Profª Drª Regina Célia Cabral Angelim
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_______________________________________________
Profª Drª Rosane Santos Mauro Monnerat
Universidade Federal Fluminense
_______________________________________________
Profª Drª Wanda Cardoso de Menezes
Universidade Federal Fluminense
________________________________________________
Profª Drª Marcia Attala Pietroluongo
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Niterói
2006
AGRADECIMENTOS
A Deus, amigo maior e de todas as horas.
Ao meu marido, Rinaldo, companheiro eterno, pelo amor, dedicação.
Aos meus pais, Albino e Aracy, pelo carinho e confiança em mim depositados.
Aos meus filhos, Matheus e Pedro, pelo amor, pela compreensão e pela paciência para que o
trabalho fosse concluído.
Às amigas do UNIPLI, pela torcida e pelo incentivo.
À amiga Olga, pela revisão final do texto.
À Rosaly, pelo carinho e pela formatação final do texto.
À minha orientadora, Mariluci Novaes, pela generosidade, pela grandiosidade na correção do
texto, pela atenção e pelo profissionalismo.
“No espetáculo e no entretenimento, o gozo com as sensações é
prisioneiro do presente. A realidade-cenário, de preferência, se quer sem
memória e sem história. Orientar-se moralmente pelo que passou é um
obstáculo no caminho da moda, que sobrevive da promessa de gozo com o
novo corpo ou com o novo objeto de consumo. O autogoverno ético toma
outra direção. O corpo, desatrelado das imagens do espetáculo, passa a ter
um passado, uma história, uma biografia tecida por lembranças e narrativas
que persistem além dos estímulos físicos atuais.”
Jurandir Freire Costa
RESUMO
Este trabalho busca compreender o novo conceito de beleza feminina, que se funda na
valorização da beleza da mulher de meia-idade. Baseando-se na Análise do Discurso francesa
(AD), objetivou-se, por meio da análise de nove peças publicitárias dos produtos CHRONOS
e RENEW, entender as questões ideológicas veiculadas pela mídia, que agrupa mulheres em
torno do imaginário de que é possível viver a felicidade da e na maturidade.
A mídia, encarregada de propagar a imagem do rosto de mulheres de meia-idade
sedutoras e felizes com sua idade, cumpre seu papel de incutir no consumidor a imagem
corporal que a sociedade tanto almeja. O corpo perfeito, então, encontra seu espaço
socialmente demarcado pela exibição de rostos que se inscrevem culturalmente na prática do
consumismo, que determina a compra de um ou outro produto.
Essa compra, porém, sem escolha inocente se liga a determinadas práticas sociais que
direcionam o público a se identificar com o CHRONOS ou o RENEW. Considerando essas
questões enveredamos por caminhos ideológicos materializados em discursos fabricados pela
mídia, que estabelecem, neste século, a moral do espetáculo.
PALAVRAS-CHAVE
1. Análise de discurso 2. Imaginário 3. Beleza 4. Rosto
ABSTRACT
This paper aims at understanding the new concept of female beauty that is rooted at
the appreciation of the beauty of middle-aged-women. Based on the French Discourse
Analysis, and by means of the analysis of nine publicity pieces of the products CHRONOS
and RENEW, we aimed at the understanding the ideological questions vehicled by the media
that groups women around the imaginary idea that it is possible to live happiness in middle-
age.
The media, in charge of spreading the image of faces of seducing middle-aged
women who are happy with their image, instills into the consumer the physical image that
society yearns for. The perfect body, then, finds its place which is socially determined by the
exhibition of faces that are culturally registered in the practice of consumerism, that
determines the purchase of one or another product.
Such purchase, however, without innocent choice, is related to some social
practices that drive the public towards an identification with CHRONOS or RENEW.
Considering those questions, we bend our steps to ideological ways materialized in discourses
which are fabricated by the media and which establish, in this century, the moral of the show.
KEY WORDS
1- Discourse Analysis 2- Imaginary 3-Beauty 4- Face
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 01
CAPÍTULO I - A IDENTIDADE SOMÁTICA DA NOVA MULHER DO SÉCULO 09
XXI
1.1. A cultura do corpo 12
1 2. A estratégia de valorização da mulher de meia idade na nova sociedade 16
do espetáculo
1.3.O rosto como síntese da identidade feminina 23
CAPÍTULO II: AS NOVAS FORMAÇÕES DISCURSIVAS NAS PROPAGANDAS 35
DOS PRODUTOS CHRONOS E RENEW
2.1. A estratégia discursiva da NATURA 76
2.2. A estratégia discursiva da AVON 81
CONCLUSÃO 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 91
INTRODUÇÃO
Em diferentes épocas e culturas, ideais de beleza feminina foram construídos segundo
práticas sociais, que prescrevem como as mulheres devem agir para serem aceitas
socialmente. Criaram-se, nesse sentido, imagens corporais que não se dissociam da imagem de
corpo que temos do outro e da nossa própria imagem.
A imagem da mulher disseminada nas sociedades revela as diversas representações
significativas da beleza corporal feminina, por práticas discursivas, e determinam o conceito
de beleza que ora “repousa no físico”, ora “no espiritual”. Assim, a percepção do corpo
feminino passa a ser modelada de acordo com o contexto histórico que estrutura o que deve ou
não ser apreciado, valorizado, conquistado ou mesmo criado.
Ao pensar nos vários conceitos da beleza feminina, veiculados ao longo dos tempos,
percebemos, neste século, uma nova concepção que propõe a valorização da beleza da mulher
de meia-idade por meio de produtos antiidade. E para redimensionar o estudo sobre a beleza
feminina, esta dissertação analisa como a mídia influencia e incentiva as mulheres da faixa
etária de trinta a sessenta anos a cuidar do corpo, sem deixar que as marcas do tempo
impeçam-nas de ser felizes.
O corpo, hoje, ganhou destaque na mídia que incita as pessoas a sua exibição, porque é
possível produzi-lo aos moldes da sociedade. Neste momento, o rosto da mulher experiente
teve de se adequar à imposição da mídia que “reforçou a participação do corpo físico na
constituição da subjetividade”(COSTA 2004). A mulher, então, coagida a integrar à sua
imagem expressões físicas que afastem a doença do envelhecimento, aceitou a tecnologia
oferecida pelas empresas de cosméticos como forma de afastar de si todo o mal, as marcas do
tempo, que prejudicam o exibir-se.
Para entender o novo conceito de beleza, foram selecionados os cremes
antienvelhecimento CHRONOS e RENEW, das marcas NATURA e AVON, respectivamente,
as mais vendidas no Brasil e representativas de formações discursivas que associam a beleza
da mulher ao direito de mostrar-se, na idade da maturidade, em diversos segmentos sociais,
apesar de seu alto preço.
Esses produtos, cada vez mais, ocupam lugar de destaque no mercado de cosméticos e,
por isso, foram escolhidos para analisarmos discursivamente o novo conceito de beleza
feminina que sugere à mulher assumir autenticamente o tempo vivido, como possibilidade de
descobrir a beleza em cada fase da vida. As campanhas interpretadas são as da NATURA dos
ciclos 12 e 17 de 2003, 15 e 17 de 2004 e 4, 6 e 14 de 2005 e as da AVON, dos ciclos 20 de
2004 e 15, 16 e 17 de 2005. Essas campanhas são veiculadas nos catálogos de vendas dessas
grandes marcas, reconhecidas no mercado cosmetológico pela seriedade e compromisso em
mudar o modelo ideológico da velhice e amenizar a amargura da perda da beleza.
Também selecionamos quatro textos publicitários das revistas CRIATIVA e MARIE-
CLAIRE do período de 2003 a 2005 que propõem alguns traços significativos de beleza
revelados durante a passagem do tempo. Nesses textos, fica claro como os produtos antiidade
promovem nas mulheres o desejo de ter uma pele mais firme, para assim atingirem o consumo
não só do produto como também o prazer que eles proporcionam.
A proposta deste trabalho é mostrar novas formas de construção da identidade de
mulheres na faixa etária dos 30 aos 60 anos, identificando formações imaginárias presentes
nas propagandas dos produtos de beleza que as levem a reconhecer que a idade não lhes trará
prejuízos, porque é possível controlar a ação do tempo em suas peles.
O corpo na modernidade ganha um novo significado “na sociedade do espetáculo”¹
que tem no exibicionismo do corpo a celebração do prazer que se conquista na relação com o
outro. Cada parte do corpo é valorizada e gera sentidos que estimulam o consumo de produtos
para sua manutenção. O cuidado dispensado a cada uma das partes do corpo garante que o
conjunto se torne algo ao alcance de todos e, na valorização das partes do corpo, o rosto ganha
destaque especial, porque pode ser construído segundo os padrões de beleza disseminados
pela mídia.
Na construção da imagem corporal de mulheres que atingiram a maturidade, o discurso
de que é possível ter um rosto bonito, expressivo, porque existem produtos
1
O conceito de sociedade do espetáculo foi retirado do livro de Jurandir Freire Costa. O escritor retoma as idéias
de Jappe, para definir a sociedade do espetáculo como o lugar em que “o sujeito se torna espectador passivo de
um mundo de aparências que se impõem como evidência de sua superfluidade social.
que podem retardar os efeitos do tempo na pele, tornou-se fundamental para esta pesquisa. A
mulher da faixa etária em estudo sofre com as marcas deixadas pelo tempo em seu corpo, em
virtude da valorização da juventude imposta pela sociedade. O tempo, portanto, traz a
decadência, na medida em que a vitalidade e as transformações da pele são inevitáveis.
Para compreender os sentidos que emergem do discurso de que "beleza não tem idade"
e de como esses sentidos circulam, construindo a ilusão de que se pode retardar o tempo via
produtos antiidade, é que recorremos à Análise do Discurso (AD) de linha francesa, formulada
por Pêcheux. A AD, por trabalhar "com a língua no mundo", investigando as várias formas de
o homem significar, significar-se, interpretar, inscrever-se e identificar-se com determinadas
formações discursivas, permite que distingamos algumas formações imaginárias que
identificam a mulher madura do século XXI.
O rosto das mulheres de meia-idade pode vir a trazer significações de erotismo, de
beleza e de saúde celebradas pela publicidade que expressa o imaginário social que diz ser
possível manter-se jovem, desde que se compre o sonho de enganar o tempo. Esses produtos
ofertam às mulheres de todas as classes sociais o poder de expulsar do corpo o indesejável: os
sinais do tempo.
Pelas estratégias da Análise do Discurso podemos refletir sobre os discursos
publicitários, que falam em nome das empresas NATURA e AVON, como um mecanismo de
práticas ideológicas que permitem o encontro de diferentes posições sociais e, também,
instauram a ilusão de uma linguagem transparente e neutra que educa as mulheres maduras a
não se sentirem mal com os anos que chegam e que marcam na pele suas experiências boas e
más.
Segundo Pêcheux, a Análise do Discurso não tem a pretensão de, ao interpretar um
texto, dominar os sentidos que dele emergem, mas sim construir possibilidades de
interpretação. Dentro desse conceito, far-se-á a leitura dos enunciados das propagandas que
prometem reter o tempo e configurar uma nova beleza facial, enunciados que são verdadeiras
ões discursivas.
Em nossa análise, recorremos também, brevemente, à formulação proposta pela
psicanálise de que o sujeito se constitui na relação imaginária com o outro. De acordo com
Lacan, é por meio do imaginário que o sujeito pode aceder às determinações simbólicas, pois,
dessa forma, ele pode constituir-se no ato de olhar o outro.
No constituir-se no ato de olhar o outro e para o outro, o estudo de Costa (2004) nos
ajudou a entender como essa mulher participa ou contribui, na sociedade do espetáculo”, para
a busca do equilíbrio de suas ações com os cuidados com o rosto. O cuidar do corpo, neste
século, tornou-se ordem e meio de alcançar a felicidade.
Assim, as propagandas estampam imagens de mulheres da faixa de 30 a 60 anos que
conquistaram o sonho de poder mostrar-se em público com uma aparência que será não só
apreciada, mas desejada por todos. A imagem dessas mulheres de rostos perfeitos faz com que
todos “vejam na correção da aparência física o remédio para o insucesso das relações
amorosas (COSTA, 2004:80).
Trabalharemos, nessas propagandas, alguns recursos utilizados pela mídia para agrupar
sujeitos em torno da idéia de que é possível controlar a ação do tempo na pele e proporcionar
à mulher o prazer de viver a idade madura. Monnerat (2003) mostra alguns modos de
organização do discurso publicitário, como, por exemplo, o discurso narrativo que é utilizado
nas propagandas para persuadir os consumidores a comprarem os produtos. CHRONOS e
RENEW apresentam-se como objetos de desejo das mulheres, na faixa etária entre trinta e
sessenta anos, que buscam atenuar as marcas físicas provocadas pelo tempo.
Além de estudar o modo de organização dos textos publicitários desses produtos, os
contratos do sério e do maravilhoso presentes nas propagandas como recursos de persuasão
ajudaram a revelar as diferenças sociais que se estabelecem nas relações entre os produtos e as
consumidoras, ao escolherem determinando produto. Os discursos publicitários, organizados
de forma a persuadir, a convencer as mulheres de que é possível viver intensamente todas as
fases da vida, propagam, por meio de emissões de juízos de valores a respeito dos produtos
antiidade, a idéia de que o tempo deixa marcas boas ou ruins na vida, sem precisar negá-las.
Se quisermos, a ciência põe à disposição os recursos, já testados e, acima de tudo, confiáveis,
visto que mulheres de meia idade se apresentam nas propagandas, atestando a eficácia dos
produtos.
As promessas, nas propagandas, de retardar o tempo e de garantir uma aparência mais
saudável e bonita acabam tornando se discursivamente produtivas nos atos de linguagem,
porque, imaginariamente, respondem ao verdadeiro desejo de toda mulher: ser bela a despeito
da passagem do tempo.
Cada marca, contudo, utiliza-se de estratégias argumentativas diferentes para que a
intenção da promessa seja aceita e considerada bem-sucedida. Essas estratégias contribuem
para que os sentidos sobre a beleza feminina, determinados pelas práticas ideológicas,
posicionem os sujeitos envolvidos na aquisição de produtos que garantem a correção das
imperfeições do rosto. Poder corrigir as imperfeições do rosto é, como Freud (1969) diz,
afastar a frustração que a sociedade impõe ao ser humano, quando ele não consegue estar de
acordo com os padrões sociais e ‘a abolição ou redução dessas exigências resultaria num
retorno à possibilidade de felicidade.”
Os lugares sociais que consumidores, publicidade e empresas dos produtos antiidade
ocupam revelam as tensões dos discursos que transformam a idade da mulher em algo
positivo:
Há desigualdade na distribuição dos acontecimentos, não há partilha. Essa
desigualdade é jogada na interlocução. As posições diferentes do sujeito no
discurso se representam, entre outros fatos, pela relação entre explícito e
implícito (ORLANDI, 1984:13).
Para compreender a ilusão dos sujeitos envolvidos nos processos discursivos sobre a
beleza feminina, pensamos nas relações entre formas implícitas e explícitas presentes nas
propagandas. A publicidade reinventa a maneira de significar a mulher e permite que ela se
signifique na sociedade do espetáculo que tem no corpo o prazer da celebração.
A circulação das idéias sobre a beleza na maturidade povoa o imaginário feminino,
fazendo com que a mulher acredite que na preservação do rosto está a possibilidade de beleza.
A sensação de que a busca da beleza se desprendeu de preconceitos e estereótipos, porque já é
possível ver rostos de mulheres de meia-idade se exibindo na mídia, leva-nos a refletir sobre
com quais representações imaginárias os sujeitos se identificam em torno da idéia de que é
possível viver a maturidade com beleza.
As imagens que os sujeitos projetam deles para o outro, do outro para eles e entre
eles estabelecem o funcionamento dos discursos, evidenciando algumas condições de
produção do discurso publicitário na sociedade.
CAPÍTULO I
A IDENTIDADE SOMÁTICA DA NOVA MULHER DO SÉCULO XXI
A mulher foi ampliando suas fronteiras para além do espaço doméstico no qual se
limitava a cumprir as funções da casa. Conquistou o direito de freqüentar o espaço da rua, e,
com isso, passou a ser vista sob uma nova ótica ao freqüentar esse espaço, atraindo sobre e
para si diversos olhares que exigem dela, cada vez mais, manter uma aparência impecável.
Para atender as necessidades dessa mulher, os recursos para ajudá-la a manter, a renovar e até
mesmo a transformar seu visual se multiplicaram.
A ciência desenvolveu técnicas, profissionais especializados apareceram, pesquisas
foram realizadas, para que fosse dado à mulher o direito de cuidar da aparência como um ideal
de felicidade. Mulher esta que estaria sob a observação alheia, que vai classificá-la como
modelo de beleza a ser seguido por toda uma geração.
No ideal de felicidade sensorial, o indivíduo é coagido a renovar,
incessantemente, o espectro de estimulações sensíveis para sentir que existe
aos próprios olhos e ao olhar do outro (COSTA, 2004: 105).
Neste século, o trabalho para a obtenção de um corpo perfeito não parou. As indústrias
de cosméticos se atualizam e investem em tecnologias de ponta, na criação de produtos que
funcionam como aliados na luta para se atingir um ideal de beleza buscado pela presente
sociedade. O corpo, então, passa por uma revisão de valores em que o exibir-se e o mostrar-se
se tornaram fundamentais para as relações diárias entre homens e mulheres.
Nesse cenário, cuidar do corpo tomou a dimensão do físico, e ter uma pele jovem e
saudável reestrutura a nova ordem social.
Ser jovem, saudável, longevo e atento à forma física tornou-se a regra
científica que aprova ou condena outras aspirações à felicidade (COSTA,
2004:190).
O cuidado com o corpo e a busca por ideal de beleza se tornaram tão importantes quanto
a busca por conforto. Para se sentir parte integrante dessa nova mentalidade social, as
mulheres tiveram de mudar ou de adquirir hábitos de saúde, de higiene, de limpeza, enfim, de
cuidados especiais para manter o equilíbrio entre corpo, mente e espírito.
Sentir-se bonita transformou-se num direito da mulher de hoje, que segue diariamente
um ritual de beleza. Para auxiliar essa mulher, a NATURA e a AVON, empresas de renome
no mercado de cosméticos, colocam-se à disposição com produtos cujo objetivo é a
“autoconservação” do corpo.
De acordo com Costa (2004), o corpo passou a ser “garantia de admiração moral”,
porque começou a expressar valores culturais, em que a mídia impõe regras de
comportamentos sociais, ligados ao culto do corpo, e econômicos, pois, para cuidar do corpo,
é preciso criar hábitos de consumo, que desprezam qualquer preocupação com preços de
produtos. Essa concepção corporal preenche o imaginário social que tem no corpo a fonte de
prazer que desperta os desejos de auto-realização do eu, o estar bem consigo mesmo e com o
outro, já que o corpo espelha nossos defeitos e qualidades.
Na atualidade, desenvolvemos uma espécie de hipersensibilidade a qualquer
problema no domínio corporal. Nos sentimos, com freqüência, melindrados
por qualquer observação sobre nossa aparência física, pois estamos entregues,
sem defesas, ao escrutínio moral do outro (COSTA, 2004: 199).
Para vencer as dificuldades impostas pela nova maneira de ver o corpo, as mulheres
usam e abusam dos produtos que prometem combater os sinais do tempo. Não é possível
descuidar da aparência, não é possível mais aceitar a decadência do corpo, a qual chega com a
idade. As indústrias de cosméticos induzem as mulheres de meia idade a mostrarem, a
exibirem e a reproduzirem suas formas que precisam aparentar saúde, a serem exemplos de
consumo da moda e de bens.
O comportamento da mulher do século XXI, assim, traduz o que Costa (2004) chama de
“personalidade somática”, ou seja, o corpo nos identifica e identifica o outro, pois diz o que
somos e quem somos. No corpo estão inscritos os comportamentos exigidos pela sociedade,
ele agora “intenciona, age, conhece”, sente, julga e, se soubermos escutá-lo, “fala”. Dessa
forma, o corpo se coloca à disposição da produção que o domina, utilizando-se da tecnologia
para torná-lo belo, saudável, atraente, invejável.
Na construção dessa identidade somática, o corpo passou a ser referência para
todas as questões relativas à própria existência. Um corpo em pleno funcionamento
restabeleceria a harmonia física, intelectual e emocional do ser humano que precisa se sentir
feliz com ele mesmo e com tudo que o cerca.
Estar bem com o próprio corpo deixou de ser uma precondição da excelência
política, religiosa ou sentimental para se tornar uma finalidade quase
independente. O encantamento pelo corpo nos leva a desejar uma “boa vida
física” com intensidade com que outrora desejávamos a paz espiritual, a honra
cívica ou o prazer sentimental (COSTA, 2004: 215).
Para isso, a mídia se encarrega não só de divulgar, como também massacrar o
consumidor com imagens que disponibilizam o corpo para o prazer, ao se adquirirem cuidados
que levem à perfeição. O corpo da moda seduz e, por isso, é preciso corrigir as imperfeições e
mudar a própria imagem. Dessa forma cria-se a ilusão de que o indivíduo alcança, para seu
bem estar, tudo aquilo que se produz socialmente.
O consumo de produtos garante as correções da pele e entusiasma as
consumidoras, dando-lhes a responsabilidade de dirigirem suas ações para o corpo e
conseguirem aquilo que tanto almejam. Os produtos de beleza são a ponte que liga os
consumidores aos indivíduos que aparecem nas propagandas como exemplo de qualidade de
vida, de alegria e de prazer em viver.
1.1 A cultura do corpo
Mecanismos culturais, sociais e econômicos têm sido utilizados, para provocar na
mulher moderna o desejo de construir um corpo para cada situação em que ela vive. O
estímulo para obter produtos que a façam feliz na construção da imagem corporal reflete a
busca pelo prazer físico. Na busca pelo prazer, a idade, que antes ameaçava a mulher, pois
indicava um fim iminente, já não pode ser vista como inimiga. Assim, o cuidar da pele ajuda a
mulher a esconder aquilo que não é apreciado socialmente, os sinais do tempo, e ressaltar
qualidades que todos gostariam de ter e ver no outro.
A possibilidade de transformar o corpo, de mudar a feição que não está de acordo com
os padrões da sociedade, por meio dos produtos de beleza oferecidos pelo mercado de
consumo, facilitou o culto à forma física que passa a organizar o imaginário social na eterna
busca pela felicidade. Ter um corpo que todos desejam para si realizaria plenamente o sujeito
moderno que tenta se estabelecer nas instâncias político-econômicas da sociedade, ainda que
de forma ilusória.
O físico, especialmente na dimensão cerebral, deixou de ser o coadjuvante
para ser o grande astro das histórias sobre a mente. Os enormes e inegáveis
progressos das ciências “des-recalcaram” a imagem do corpo físico recalcada
na Era dos sentimentos. O insignificante de outrora é, hoje, extremamente
significativo (COSTA, 2004: 221).
A importância que o corpo, sobretudo o das mulheres que vivem a maturidade, assume
na modernidade revela mudanças de comportamento em uma sociedade que mudou a forma
de se relacionar com a própria imagem. Neste século, os pensamentos que direcionavam o que
podia ou não ser dito sobre o corpo se esgarçaram e o libertaram para o enfrentamento de suas
qualidades, defeitos, carências e traumas.
O corpo, então, passou a ser um lugar de celebração que reclama prazer e liberdade. Para
atender a essas novas necessidades, os produtos de beleza contra as marcas do tempo se
instauram, na sociedade, como instrumentos de celebração do corpo da mulher madura que se
expõe aos olhos alheios, sem a menor cerimônia.
O corpo, fonte de desejo, precisa ser cuidado, adornado, para satisfazer os anseios de
sentir-se bem consigo mesmo:
De fato, o corpo se tornou o lugar de identidade pessoal. Sentir vergonha do
próprio corpo seria sentir vergonha de si mesmo. As responsabilidades se
deslocam: nossos contemporâneos se sentem menos responsáveis do que as
gerações anteriores por seus pensamentos, sentimentos, sonhos ou nostalgias:
eles os aceitam como se lhes fossem impostos de fora. Em contraposição,
habitam plenamente seus corpos: o corpo é a própria pessoa (PROST,
2001:105).
A responsabilidade sobre o próprio corpo ampliou-se, tendo em vista o relacionamento
com o outro, e os recursos, para manter o seu funcionamento, derrubaram o mito da beleza
inatingível. Colocar o corpo em evidência tornou-se um dever de todos e a indústria cosmética
investe continuamente nos avanços tecnológicos que expurgam da pele o envelhecimento da
mulher de meia idade, contribuindo para a exibição de sua maturidade, explorando o que
Costa (2004) sugeriu: “para corpos diferentes, felicidades diferentes”.
As empresas de cosméticos prometem que é possível viver cada fase da vida, de
forma plena. A mulher passa a acreditar que, por articular a tensão das duas pulsões “vida e
morte”, pode e deve afastar de si o fantasma da idade, evitando ser excluída da vida em
sociedade:
O acréscimo de interesse pelo corpo nos levou a viver mais tempo e,
por vezes, em condições anômalas, se comparadas à normalidade
anatomofisiológica canônica. Em virtude disso, envelhecer ou viver
sob normas biológicas distintas das da média estatística, não significa
mais “sobreviver”. Significa viver de uma outra maneira, com
pretensões à felicidade pessoal e ao convívio social que não
encontrava acolhimento no passado” (COSTA, 2004: 20).
O corpo ganha um novo sentido ao exibir a idade como algo de que não se deve
envergonhar. O rosto da mulher que ostenta a idade, nas revistas de moda e catálogos dos
produtos de beleza, funciona como um referencial de beleza que leva outras mulheres a se
identificarem à obrigação de se sentirem bem e felizes.
A imagem dessas mulheres reflete ”aquilo que imaginamos causar no outro” e o desejo
de participar da construção dessa imagem corporal leva duas grandes empresas de cosméticos
como a NATURA e a AVON a fazerem com que o rosto expresse valores de beleza sem que a
sociedade exija que seja eternamente jovem. As duas empresas, porém, marcam sua presença
no mundo das inovações tecnológicas de produtos antienvelhecimento, projetando os desejos
femininos para imagens corporais que diferenciam as mulheres que, apesar de ocuparem o
mesmo espaço público, não compartilham as mesmas aspirações sociais.
Os rostos das modelos da NATURA não têm como objetivo identificar a mulher que
possui aspira ao estrelato; como as das grandes estrelas de cinema e televisão, diferentemente
da AVON que apresenta modelos cujo rosto espelha a perfeição como garantia de mais
oportunidades na vida. O mundo que se apresenta nas propagandas da NATURA é o mundo
da mulher intelectualizada, que vive o seu dia-a-dia como uma mulher comum, trabalha e se
diverte, cria laços de amizade com outras pessoas. Já o mundo apresentado pela AVON é
aquele que projeta a mulher para a busca incessante de um ideal de beleza. E esse ideal é
alcançado pelas grandes atrizes como forma de participar da sociedade em que vive. O rosto
que se mostra na publicidade da AVON poderia ser o descrito por Barthes (1980) quando
analisa o rosto de Garbo e o descreve como “o rosto-objeto”, esculpido perfeitamente.
Possuir um corpo como o dos bem-sucedidos é a maneira que a maioria
encontrou de aceder imaginariamente a uma condição social da qual está
definitivamente excluída, salvo raríssimas exceções (COSTA, 2004: 1670)
A busca por sucesso social sem dúvida está ligada ao culto das formas corporais e cada
sujeito social se identifica com um ou outro produto. A re-significação e exposição do rosto,
porém, via produtos de beleza divulgados pela mídia, submete o consumidor à tirania do
corpo que, dependendo do enfoque dado a ele, leva a uma visão negativa do corpo caso o
objetivo seja valorizar-se por ele mesmo. A respeito disso somos alertados:
Se o interesse pelo corpo começa e termina nele, caímos na corpolatria, forma
de ascese humanamente pobre e socialmente fútil. Se, ao contrário, o interesse
toma direção centrífuga, volta-se para a ação pessoal criativa e amplia os
horizontes da interação com os outros, não vejo em quê isto contraria os
nossos credos morais básicos. O abuso não desautoriza o uso. Cuidar de si,
aliás, pode ser o melhor meio de se colocar disponível para o outro (COSTA,
2004:20).
Na sociedade atual, o visual é tudo e, para aquisição de uma bela aparência, é preciso
consumir um estilo, uma marca, que nos leva a crer que o sonho de corpo perfeito pode se
concretizar. A sociedade, então, pressionada a comprar a felicidade, devaneia, pois “na
fantasia, é possível imaginar objetos e situações perfeitamente adequados ao desejo de gozar;
na realidade as coisas são o que são e não o que o desejo determina que sejam”(COSTA,
2004: 147).
1.2 A estratégia de valorização da mulher de meia-idade na nova sociedade do espetáculo
A sociedade, ao longo dos tempos, procurou estabelecer, ditar, definir
comportamentos sociais, culturais e ideológicos sobre e para a mulher. Os discursos criados
em diferentes épocas, no intuito de significar o corpo feminino, por exemplo, nos fazem
compreender o que move a procura incessante por um ideal de beleza inalcançável: “a mídia
exerce poderosa influência ao reforçar e deslizar novas significações sobre o corpo” (SOUZA,
2004:18).
As novas significações sobre o corpo, neste século, veiculadas na mídia, remetem-
nos, entre outras coisas, para a valorização da mulher da faixa etária de 30 a 60 anos. A mídia,
responsável pela divulgação do discurso de que é possível ser bela nessa faixa etária, instaura
práticas sociais que norteiam as relações e nos permitem perceber as novas formações
discursivas que essas práticas estabelecem socialmente. Assim, aquilo que pode ou não ser
dito através das diversas representações significativas da beleza corporal feminina, se
transforma em práticas discursivas.
O novo conceito sobre a beleza da mulher centra-se em partes do corpo. O corpo
deixou de ser uno para ser admirado por algumas partes que compõem o físico, como o
cabelo, olhos, seios, músculos, rosto... Esse novo olhar social sobre a beleza se firma por meio
de processo metonímico: o rosto da mulher da faixa etária em questão passa a ganhar destaque
através de produtos desenvolvidos especialmente para valorizar a pele, que perde o viço com a
chegada da idade.
A fragmentação do corpo, assim, como a palavra no discurso, passa a engendrar
novos sentidos capazes de preencher o imaginário social dessa nova mulher:
As mulheres são duplicadas pelas mulheres imaginárias, tentando aproximar-
se do ideal do eu reatualizando o momento constitutivo, fundador do eu pelo
reconhecimento de sua imagem no espelho, agora não mais o espelho, mas a
voz do outro. O outro que lhe nomeia e nomeia as suas falhas (ARAÚJO,
2003:102).
Trata-se de uma verdadeira “reconstrução de nossa imagem corporal”, podemos
nos olhar no espelho e projetar a imagem do espelho em nós. Também podemos estudar a
mudança de atitude dos outros e transferi-la para nossa imagem corporal” (SCHILDER,
1999:295).
Na relação com o outro, mostrar-se bonita e sentir-se bonita continua estreitando as
relações de laços sociais, numa relação imaginária, ainda que o sujeito não perceba seus
mecanismos, exigindo, mesmo de pessoas, determinadas atitudes frente aos cuidados
corporais, principalmente com o rosto, lugar de destaque nas interações comunicativas que
garantem um bom convívio social.
Cuidar do rosto, portanto, torna-se imprescindível, porque ele passa a simbolizar
experiência, vitalidade, sabedoria, sensualidade e harmonia, qualidades que contribuem para o
novo conceito de belo e passa a ser um convite ao prazer de exibi-lo, “ao servir como
espetáculo ao olhar do outro” (SOUZA 2004), na “sociedade do espetáculo” que muitas vezes
transformar a mulher num sujeito que aceita passivamente a aparência alheia imposta pela
mídia. Exibir um rosto bonito significa saúde e bem-estar e a busca pelo bem-estar social,
hoje, aponta para as relações com o outro, via corpo, que é fonte de sensações e de prazer.
Olhar-se, admirar-se ou mudar a aparência tornam-se ações obrigatórias
decorrentes dessas novas formações discursivas que interpelam mulheres de 30, 40, 50, e 60
anos, convencendo-as a se sentirem jovens, belas e atraentes, desde que passem a adotar
rituais de uso de cremes específicos para suas idades. CHRONOS, produzido pela NATURA,
e RENEW, produzido pela AVON, constituem-se nos produtos atuais de maior exposição no
mercado da propaganda de cremes de rejuvenescimento, que ajudam na “corrida pela posse do
corpo midiático, o corpo-espetáculo”, que desviou a atenção do sujeito da vida sentimental
para a vida física” (COSTA, 2004:166).
Uma das conseqüências dessa nova ordem instaurada é que não se trata de escolha:
toda mulher de meia-idade atual e moderna terá de conjugar sua nova função social de
participante do mercado de trabalho com o cuidado da pele do rosto. Por isso, cuidar do rosto
torna-se fundamental para a sociedade como prática para o funcionamento da ordem social.
Essa nova ordem estabelece a preservação do rosto como forma de garantir “admiração
moral”.
A NATURA, de forma mais explícita, usa como estratégia de propaganda o
discurso de que “cada fase da vida tem sua beleza única”, incutindo essas idéias como algo a
ser perseguido pela sociedade e, por isso, incentivando as mulheres a se dedicarem aos
cuidados com a pele, a serem vaidosas e a valorizarem o que elas têm de especial e único: as
expressões e histórias de vida.
A AVON, por sua vez, ainda mantém a tradicional formação discursiva de associar
beleza à juventude, não valorizando as experiências e histórias de vida das mulheres, e suas
propagandas procuram estimular os consumidores a agirem de forma a serem iguais às
modelos que aparecem como celebridades, exemplos de beleza a serem imitados.
As duas empresas, para atenderem os desejos dos consumidores de uma pele
admirada por todos, criaram as linhas de tratamento CHRONOS e RENEW, em confluência
com a valorização do cuidar de si, e o envelhecimento da pele do rosto tornou-se o inimigo a
ser vencido. Assim, os produtos CHRONOS (elastinol, pharma, spilol,) ou os RENEW
(luminosity, clinical, retroação, ultimate )foram desenvolvidos para as mulheres cuja derme já
não tem mais a mesma elasticidade das mulheres de 20 anos.
A estratégia publicitária mais tradicional para a venda dos produtos baseia-se no
discurso que afirma que cada mulher é “Ser único e especial”, vinculada a outras
representações imaginárias de uma sociedade que busca recuperar a imagem negativa da
mulher, antes vista como demoníaca por tentar os homens com seu corpo, oferecendo-se como
objeto de desejo de prazer, submetida aos caprichos deles, que viam na beleza feminina a
promessa de completa satisfação. A mulher era obrigada a esconder o corpo e não se cuidar, já
que “o ideal e o padrão de beleza serão sempre a expressão da situação libidinal da sociedade”
(Schilder, 1999). Agora, ao libertar-se dessa carga negativa de significar pecado e, ao
contrário, passar a ser estimulada a embelezar o corpo, a desejar manter-se jovem, sedutora, a
mulher, na publicidade, vê seu rosto transformar-se em uma fonte geradora de sentidos.
As estratégias publicitárias mantêm um olhar atento às novas modificações
sociais e culturais, na tentativa de expressar reações e sentimentos próprios do ser humano,
porém procurando preservar a face diante das novas exigências, na maioria das vezes cruel, de
ser sempre jovem. Essa nova força do olhar que
é carregado de todas as paixões da alma e dotado de um poder mágico, que lhe
confere uma terrível eficácia. O olhar é o instrumento das ordens interiores:
ele marca, fascina, fulmina, seduz, assim como exprime (CHEVALIER,
1982:653).
Ao mesmo tempo em que o olhar do outro traz desconforto, ele é importante, pois
modifica as relações interpessoais, já que
O olhar do indivíduo e o da outra pessoa tornam-se, assim, o instrumento do
intercurso das imagens corporais. Os olhos fornecem a possibilidade de
estabelecer relações sociais com outra pessoa (SCHILDER, 1999:263).
Por isso, ao chegarmos ao século XXI, recursos como cremes e maquiagem são
utilizados para a manutenção da aparência da mulher que já passou dos 20 e simula vencer
todo preconceito em relação à sua idade. Nessa simulação, a mulher começa a realçar sua
beleza por meio de produtos que prometem devolver a firmeza da pele, perdida com o passar
do tempo. Uma nova mulher surge, então, no cenário social, mostrando que a beleza não é só
privilégio de algumas. Quem não nasceu bela, pode transformar sua condição primeira e
construir uma beleza respaldada na sua capacidade de inovar, de melhorar sua imagem
corporal.
A possibilidade de mudar a aparência não é um conselho, uma ordem ou um dado
novo, pois as receitas de cosméticos são antigas e o manual de beleza Ornatus Mulierum, ano
1250, já apresentava 88 receitas de produtos de beleza para o tratamento do rosto e dos
cabelos femininos. Ovídio, na Arte de Amar, aconselha as mulheres a driblarem, por meio das
receitas, as imperfeições do corpo: "Procurai nele (livro de receitas) os socorros de que
necessitais para vossa beleza ferida” (Ovídio, s/d: 91). Também Macedo (1998-1999: 7)
relaciona as receitas utilizadas na Idade Média para “evitar certos problemas que pudessem
afetar a aparência e outras pretendiam realçar a beleza, conservá-la, ou ainda recuperá-la.”
A diferença entre as épocas é que, nos dias de hoje, a mídia tornou essa nova maneira
de mostrar, de falar sobre a beleza mais acessível, ao refletir valores e atitudes gerais. Trouxe
determinados questionamentos pertinentes à modernidade em que a beleza se associa à
passagem do tempo. Neste momento, surgem as marcas NATURA e AVON, colocando no
mercado de cosméticos produtos mediadores do desejo de ser bela, mesmo para aquelas que
não possuem mais a idade da juventude.
O papel das marcas na sociedade do século XXI ultrapassa o lugar de fornecedor de
objetos de consumo, para se transformar em referências fundamentais à formação da
identidade feminina. Como ensina Shah (2005), consultor de moda, em entrevista na revista
Época, os produtos, como também as marcas, passam a fazer parte de suas vidas:
Marcas passam a ser como famílias. Elas tentam desenvolver um
relacionamento com seu consumidor, construindo um elo emocional. A marca
toma o lugar do Estado e da Igreja, dando ao consumidor a mínima
estabilidade emocional e as referências que ele procura (SHAH, 2005:33).
Assim, os produtos CHRONOS e RENEW, respectivamente, passam a ser “objetos de
consumo cultural” porque contribuem para uma nova forma de ver o corpo feminino,
proporcionando à mulher a descoberta da vida depois dos 20 anos. Por meio desses produtos,
produzidos por alta tecnologia, ela estabelece uma relação de beleza com sua pele e sua auto-
estima, e se compraz consigo mesma ao se perceber jovem e atraente.
As mudanças sociais trouxeram ao mundo moderno novas técnicas e conceitos de
beleza que ajudam as mulheres a não se sentirem excluídas da sociedade e ensinam
comportamentos a serem seguidos por elas, como o contínuo cuidado com a aparência, porque
o belo é fundamental para o bem-estar social em todas as épocas. As novas técnicas aparecem
como uma tentativa de afastar, segundo Freud, um pouco o sofrimento que aflige o homem,
embora ele saiba que tudo seja passageiro:
Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal,
ele mesmo parte dessa natureza, permanecerá sempre como uma estrutura
passageira, com limitada capacidade de adaptação e realização (FREUD,
1969: 105-106).
Desse modo, os produtos destinados ao grupo etário de 30 a 60 anos, são
apresentados, na publicidade, por rostos comuns ou por rostos de mulheres famosas,
admiradas pela beleza que causa inveja e estimula a vontade de se ter, se não a mesma beleza,
pelo menos a mesma pele. E o resultado que os produtos prometem em poucos dias é
fundamental para a “adaptação e realização” dessas mulheres na sociedade.
As propagandas, então, apresentam às consumidoras um mundo ideal em que se
torna fácil alcançar a beleza, e as estimulam a preencher as linhas e rugas em não mais que "3
dias, uma semana, três semanas, efeito imediato, 7 ou 30 dias". O massacre das propagandas
se confirma no ensinamento de Freud ao dizer que:
"um grupo só pode ser excitado por um estímulo excessivo. Quem quer que
deseje produzir efeito sobre ele, não necessita de uma ordem lógica em seu
argumento; deve pintar nas cores mais fortes, deve exagerar e repetir a mesma
coisa diversas vezes" (Id., ibid:102)
1.3.O rosto como síntese da identidade feminina
A publicidade, com sua força comunicativa, traz ao consumidor as novidades sobre
a beleza do rosto, gerando nele a satisfação em obter produtos de qualidade. O consumidor,
motivado, por diversas razões, a adquirir os produtos CHRONOS e RENEW, se identifica
com imagens e textos elaborados para convencê-lo da eficácia do produto e aceita a
possibilidade de realizar seu desejo, comprando a felicidade de ter uma pele jovial. Essa
possibilidade gera no consumidor uma ilusão. Esta “ilusão de que podemos adquirir
individualmente tudo que é socialmente produzido, trouxe uma outra inovação cultural: a
subordinação do princípio de utilidade ao da felicidade” (COSTA, 2004:134).
Ao subordinar “o princípio da utilidade ao da felicidade”, a repetição e o enfoque
dado à rapidez dos resultados, materializam a ordenação do tempo como princípio do prazer
pelos números 3, 7, 14 e 30 que são bem sugestivos, porque é por meio deles que se percebe o
resultado do tratamento intensivo. Esses números aparecem como dados estatísticos nos
catálogos e constroem, ainda, uma sensação de prazer no sujeito que, ao se olhar no espelho
ou receber um elogio de outro, atesta ação imediata do produto.
Também, os números permitem ao sujeito viver de imediato a beleza do novo tempo,
além de remeterem à perfeição, à totalidade entre espaço e tempo, microcosmo da evolução, à
ordem intelectual e espiritual, ao caráter religioso, etc. Seduzem, dessa forma, as mulheres na
faixa dos 30, 40, 50 e 60 anos, as quais entendem ser preciso retardar a ação do tempo sobre
suas vidas.
A publicidade, ao enfatizar esses números nas propagandas, permite que os
produtos da NATURA e da AVON se instaurem, no mundo dos cosméticos, como um
referencial de qualidade e seriedade na área das pesquisas tecnológicas que retardam o
envelhecimento, ajudando as mulheres a manterem um ritual de beleza, com a aprovação de
quem entende do assunto, unindo-as a uma ou a outra marca.
É por meio da linguagem da propaganda que a sociedade enxerga a realidade na
qual está inserida e legitima a ordem estabelecida por ela. A mulher dessa faixa etária sabe
que está sendo observada e que a cobrança de um rosto saudável e apresentável é necessário
para a manutenção da sua imagem social. E a linguagem publicitária se apresenta como
democrática, neste percurso, ao oferecer os números dos resultados como possibilidades de
escolha ao consumidor.
É também importante refletirmos o modo como a língua materializa o discurso
da NATURA e da AVON através das palavras CHRONOS e RENEW, que assumem sentidos
diversos e que, de certa forma, manipulam a escolha dos produtos de beleza pelas faixas
etárias, já que não existe escolha inocente diante da concorrência pelo mercado de cosméticos
e da necessidade de as mulheres modernas se manterem jovens e por dentro das novas
tendências no tratamento de cosméticos antiidade.
Assim CHRONOS e RENEW falam pelos seus consumidores que acreditam ser
responsáveis pela escolha de um ou outro produto.Os produtos os significam socialmente, na
medida em que os consumidores assumem a fala dos anunciantes dos produtos como sendo
sua e verdadeira. Esses produtos se normatizam, pois o sujeito consumidor se identifica com
o fato de não haver dúvida sobre a eficácia ao combate às marcas do tempo. Neste momento,
CHRONOS e RENEW constituem-se como significados que definem para a consumidora a
importância de se manter bela e organizam esse saber marcado ideologicamente.
A ideologia, por sua vez, é interpretação de sentido em certa direção, direção
determinada pela relação da linguagem com a história e seus mecanismos
imaginários. (ORLANDI, 1996: 31)
A direção que a sociedade moderna toma é a da busca do bem-estar social que aponta
para as relações com o outro, via corpo, que é fonte de sensações e de prazer. Esse bem-estar
exige que as pessoas se relacionem harmoniosamente com elas mesmas e com o outro. Para
isso, é importante cuidar do rosto que, segundo Schilder (1999:264), “tem uma importância
especial para a imagem corporal como um todo, pois é a parte mais expressiva do corpo e
aquela que pode ser vista por todos."
Vale ainda trabalhar o significado dos nomes desses produtos que permitem que
vários sentidos circulem de todas as maneiras possíveis e tomem forma à medida que
identificam os sujeitos de uma mesma comunidade: os que ofertam os produtos e os
consumidores. Os sujeitos envolvidos no discurso da NATURA ou no da AVON fixam e
deslocam ao mesmo tempo os significantes que emergem da relação entre o consumidor e o
produto CHRONOS ou RENEW, porque:
O que o sujeito diz, seja lá como for, diz dentro da historia. O que falha na
pratica discursiva do sujeito, o que derrapa nessa prática, também é algo que
se dá dentro da história. E é por isso que produz sentido. As falhas na ordem
do significante se realizam em condições de produção determinadas, são o
resultado do funcionamento da linguagem em relação ao inconsciente e à
ideologia (MARIANI, 2003: 65).
CHRONOS e RENEW estabelecem as formações imaginárias, que derivam do
contexto que valoriza uma bela mulher, independente de sua idade, já que esses nomes
também possuem uma ideologia e se originam de um determinado contexto social.
É a ideologia que produz o efeito de evidência, e de unidade,
sustentando sobre o já dito os sentidos institucionalizados,
admitidos como “naturais” (ORLANDI, 1996:31).
Os nomes desses produtos, impostos pelas empresas NATURA e AVON ganham
status na mídia que cria uma "identidade psicológica e social para que os consumidores o
memorizem" (Monnerat, 2003). Percebemos que, quando se fala em cuidar da pele para
suavizar as marcas do tempo, os nomes CHRONOS e RENEW aparecem como referência no
tratamento de beleza. Mesmo quem nunca usou um desses produtos recomenda-os, porque já
ouviu falar dos seus resultados.
Esses nomes, também, alojam-se no imaginário do analista do discurso, pois
oferecem a possibilidade de investigar os sentidos que eles provocam nos seus interlocutores.
Compreendemos que o fato de esses nomes resultarem a formações discursivas diferentes,
fazem com que as palavras CHRONOS e RENEW mudem de sentido. Isso porque, mesmo
evocando valores semânticos do deus do tempo (CHRONOS) ou o prefixo re (repetição) + o
radical new (novo) (AVON), esses referentes são substituídos por outro. CHRONOS e
RENEW passam a ter como referente nome de produtos que inibem a ação do tempo na pele e
se estabilizam na sociedade como referência de qualidade.
Via de regra, os nomes, além de distinguirem os produtos, ligam-nos às suas
marcas e às próprias características dos produtos. Essas características referem-se não apenas
ao significado literal CHRONOS e RENEW, mas ao sentido social e ideológico que essas
palavras assumem no universo feminino e no mundo dos cosméticos.
O nome CHRONOS, por exemplo, seria dirigido a uma classe de mulheres mais
intelectualizadas, mais sofisticadas, que se individualizam ao serem abordadas como
especiais. Para essas mulheres, nada como um nome que traduza suas singularidades:
CHRONOS, cuja origem remete para o deus do tempo que tanto destruía suas criações quanto
as gerava, ou seja, controlava tanto o viver quanto o morrer. A proposta do CHRONOS é agir
na derme e epiderme, revitalizando a pele.
O nome do deus grego, ao evocar toda a simbologia da história do mito, reflete a
história de mulheres que vivem em constante luta para destruir o envelhecimento, marca uma
nova geração de produtos que têm como finalidade parar os sinais da pele que aparecem com
a passagem do tempo e, assim,
A NATURA invoca o reinado de CHRONOS, a reconciliação com o filho que
com seu vigor diz à leitora eu tenho viço e você envelhece. Contra essa
realidade a NATURA promove a idade de ouro, a idade de se aceitar, com 30,
40, ou 60 anos (ARAÚJO, 2003:78).
O nome RENEW percorre um caminho contrário ao do concorrente. Formado a
partir do adjetivo “new”, tem sua origem nos nomes comuns e, como já visto, o prefixo re
designa repetição, renovação, de modo que o produto promete a renovação das camadas da
pele.
A palavra RENEW, então, convencionou o símbolo “O luxo de transformar o
tempo” que representa o produto antiidade da AVON. E a leitora, ao se deparar com a imagem
dos anúncios e essa frase, associará o nome do produto à ‘arte” de renovar-se, não só no
sentido de “voltar o tempo”, como ainda no de melhorar, pois o modelo a alcançar é a beleza
das artistas.
A verdade é que esses nomes procuram evocar uma sensação de bem - estar, e
passam a fazer parte do uso diário das mulheres de 30 a 60 anos, que adotam uma dessas
marcas NATURA e AVON pela sua especificidade e pela identificação com elas. E mais:
essas marcas se fazem práticas ideológicas, pois estabelecem uma forma de tornar a beleza
dessas mulheres visível em uma sociedade que sempre valorizou o corpo jovem em
detrimento do velho. Também procuram manter uma relação de intimidade com a
consumidora, compartilhando com ela uma maneira de ver o mundo, como sugere
Maingueneau, a propósito do nome próprio:
Com efeito, atribui-se um nome próprio apenas a seres freqüentemente
evocados, relativamente estáveis no espaço e no tempo e que tenham
relevância afetiva.
E mais:
Se um dos coenunciadores não compartilha exatamente as mesmas
experiências do outro, ele será incapaz de identificar os referentes de inúmeros
nomes próprios (MAINGUENEAU, 2001:184).
Ao quebrar o estereótipo de juventude, apresentando mulheres que não se sujeitam
às normas tradicionais de beleza feminina, as empresas NATURA e AVON lançam seus
produtos CHRONOS e RENEW no mercado, e a publicidade se encarrega em diferenciá-los,
elevando-os “à categoria de signos, prontos para assumirem seu lugar no sistema de consumo
como signos possuidores de valor distintivo” (ARAÚJO, 2003: 24).
Os produtos, nas propagandas, vêm juntos às marcas como se fossem um só:
NATURA / CHRONOS e AVON / RENEW. Não há, porém, confusão entre marca
NATURA/AVON e produto CHRONOS/RENEW, porque esses nomes próprios são
específicos e criam no imaginário feminino a noção de recursos únicos no tratamento das
marcas do tempo, ao se transformarem em signos. O nome desses produtos “potencializa” a
particularização das marcas, pois representam empresas sólidas que se preocupam com o bem
estar social do ser humano e investem em tecnologia, para criarem produtos que recuperam a
perda da beleza e devolvem às mulheres a possibilidade de despertar, no outro, o desejo.
Associada aos nomes CHRONOS e RENEW, a imagem de mulheres maduras e
bonitas atesta a credibilidade dos produtos. A ilustração e as cores vivas usadas, em todas as
propagandas, como recursos publicitários, trazem uma imagem denotativa: mulheres que não
aparentam a idade real, com uma beleza que encanta os sentidos de quem as vêem. E uma
imagem conotativa, cheia de simbolismos da mulher bonita de verdade.
A mulher bonita de verdade” é uma imagem construída como suporte para uma
“fala mítica” (BARTHES, 1980) da publicidade que se impõe ao consumidor como uma
imagem a ser imitada, porque concilia a luta travada para segurar o tempo que flui para todos
com a “responsabilidade e maturidade na capacidade de se autogovernar” (COSTA,2004).
Um estudo sobre a promessa de retardar o tempo e também sobre os números
apresentados para tal conquista, na construção da imagem corporal que as mulheres maduras
têm delas e de outras mulheres da mesma idade, torna-se fundamental para esta dissertação,
pois é sabido que a mulher da faixa etária em estudo sofre com as marcas deixadas pelo tempo
em seu corpo, em virtude da valorização da juventude imposta pela sociedade. O tempo,
portanto, traz a decadência, na medida em que a vitalidade e as transformações da pele são
inevitáveis e indicam a “inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos
mútuos dos seres humanos” (FREUD 1969), uma vez que ele é o grande vilão da
modernidade.
O poder segurar o tempo, por meio dos produtos, revela a imagem corporal do
indivíduo adequada às práticas sociais instauradas na linguagem através do imaginário,
ligando sujeitos em torno da idéia de que "a mulher bonita de verdade" (NATURA) se
preocupa com a beleza física sim, mas sabe que sua felicidade não está atrelada aos padrões de
beleza que a escravizam a ser jovem eternamente.
Controlar a ação do tempo na pele espelha uma nova estruturação do corpo,
através da imagem que a sociedade tem dele. A imagem do corpo envelhecido pode ser
rejeitada, só será velho quem negligenciar os cuidados com o corpo. Esse passa a ser re-
significado quando o fantasma da velhice, que parece ser o mal-estar da vida moderna, é
afastado.
A re-significação do corpo está ligada à questão da escolha de transformar a velhice,
que não está vincula mais a uma faixa etária. É possível ser jovem em qualquer idade. Assim,
o século XXI assiste à expansão do universo feminino. Se antes a mulher era concebida só
como ornamento, agora assume um papel cultural, social, político e econômico que deram a
ela um lugar de destaque na sociedade.
A mulher moderna pode fazer escolhas, pode fazer com que a velhice não seja
apenas um estágio e sim valor, e o tempo representaria tudo que ela viveu de bom ou ruim,
que pode ser partilhado com outras mulheres como um ensinamento em aceitar a idade, sem
aceitar, porém, a imagem envelhecida pelo tempo.
Pelo discurso das empresas de cosméticos, a velhice não é um problema, o que
parece problemático é não cuidar da aparência, é deixar os sonhos desaparecerem e com ele a
volta do desprestígio social, quando a mulher não escolhia os caminhos que gostaria de seguir
e a idade madura não ocupava lugar de destaque na sociedade.
O sujeito deste século é interpelado pela ideologia vigente que procura fugir aos
padrões de beleza estabelecidos por uma sociedade que associa beleza à juventude. Segundo o
presidente–fundador da NATURA, fala retirada do catálogo da NATURA de maio de 2005, a
linha de produtos CHRONOS traz inovação, na medida em que questiona os valores de beleza
que privilegiam a juventude e a perfeição como ideais. Privilegiar a beleza madura, porém,
não significa preterir a qualidade que tem como referente o corpo.
Os sentidos, emergentes do discurso de que é possível viver a idade madura,
manifestam que “as novas experiências corporais fazem parte de nossa identidade, e compete
a cada um fazer delas uma ponte para a autonomia ou uma reserva a mais de sofrimento e
destruição”( Costa, 2003: 240). Esses sentidos circulam na sociedade através da mídia,
fabricando a ilusão de que o consumo dos produtos antiidade pode amenizar o sofrimento ao
retardar os efeitos do tempo na pele. Além disso, podemos investigar as várias formas de o
homem significar, significar-se, interpretar, inscrever-se e identificar-se com determinadas
formações discursivas e pensar as formações imaginárias que identificam a mulher do século
XXI.
Pela primeira vez na história da constituição corporal, é dada à mulher a
oportunidade de se sentir bem, mesmo que os sinais do tempo sejam evidentes em seu rosto. E
os produtos de beleza ajudam nas representações de imagem que agem como verdadeiros
estímulos às donas de casa, profissionais liberais, empresárias a assumirem sua identidade: a
idade madura.
Os discursos das empresas NATURA e AVON revelam o mecanismo de práticas
ideológicas no encontro de diferentes posições sociais que instruem as mulheres a verem o
tempo como aquele que marca em seus rostos experiências significativas para uma vida feliz,
e não como um destruidor implacável dos sonhos. Essas práticas sociais revelam que os
sujeitos envolvidos nesse discurso, segundo Orlandi (2003), se apropriam de uma forma social
da linguagem para fazer os sentidos circularem na sociedade.
Segundo Pêcheux, a Análise do Discurso não tem a pretensão de, ao interpretar um
texto, dominar os sentidos que dele emergem, mas sim construir possibilidades de
interpretação. Por isso, far-se-á a leitura da possibilidade de reter o tempo na configuração
corporal, sob a luz da AD francesa, pois essa considera que as ações discursivas se realizam
nas práticas discursivas do sujeito.
Nessas práticas discursivas, vemos que tempo e dinheiro são investidos por mulheres
que cuidam de si, porque sabem que é impossível fugir do julgamento alheio. E elas são
massacradas pelo discurso das empresas de que a irreversibilidade do biológico pode trazer
destruição, se não houver um controle do tempo. Constituem-se, assim, como sujeitos que,
através do imaginário, agregam outros sujeitos que acreditam poder viver a maturidade com
felicidade, porque a sociedade não exige mais que esses sujeitos, no caso as mulheres, sejam
eternamente jovens.
A instância do imaginário traz conforto a essas mulheres que objetivam viver de
maneira prazerosa, adquirindo produtos capazes de combater o envelhecimento. Os produtos
são como atividades motivadoras de um estilo de vida adequado para uma meta positiva que
visa à felicidade” (FREUD, 1969).
Só será velho quem descuidar do corpo, quem não tiver um propósito para viver e
não se adequar a essas novas práticas sociais de manter o corpo em pleno funcionamento
físico e psíquico. O cuidado com o corpo, a manutenção da beleza deve ser um propósito do
homem, já que é uma das “exigências da civilização” (FREUD, 1969) e, no século XXI, “está
no outro, na arte, na moda, na literatura, na ciência porque o culto ao belo fascina o homem
(ARAÚJO, 2003: 2).
As propagandas, então, ao enunciarem os produtos, tratam, primeiro, de mostrá-los
sedutores para o consumidor que pretende ter sucesso pessoal. Depois que o consumidor já
tiver adquirido o produto, o que se procura fazer é mostrar imagens de mulheres que causam
inveja nas outras, não só porque a pele está bonita, mas também para ostentarem determinado
status que o produto lhes confere.
CAPÍTULO II
AS NOVAS FORMAÇÕES DISCURSIVAS NAS PROPAGANDAS
DOS PRODUTOS CHRONOS E RENEW
A todo o momento a mulher moderna é chamada a cuidar-se, a manter sua aparência
impecável, a mostrar-se para o outro. Ela precisa realizar um trabalho diário de investimento
sobre seu corpo, para que esse se apresente de modo prazeroso à sociedade:
As maneiras de tornar o corpo mais visível favorecem o irrompimento de
novos sentidos sobre o mesmo, fazendo com que novos paradigmas se
estabeleçam. Produto social em interação com a linguagem, o corpo passa a
ser objeto de uma maior visibilidade, o que faz com que haja maior interesse e
curiosidade. Isso determinará a forma de circulação dos discursos dominantes
na voz de um sujeito universal (SOUZA, 2003:182).
A nova maneira de olhar, de ver, de significar a mulher de meia idade via produtos
anti-sinais gera na sociedade uma sensação de bem-estar, porque a reintegra ao meio social do
mercado de trabalho e a faz interagir com outros membros da sociedade. Essa interação
acontece porque o sujeito humano se funda na relação imaginária com o outro. Assim, os
produtos de beleza, por meio de discursos científicos e tecnológicos, permitem a essa mulher
relacionar-se com ela mesma e com o outro, através de representações simbólicas de
aparências ideais em conformidade com seu novo papel social.
Ao pensar que podem melhorar a aparência, as mulheres mantêm também uma relação
imaginária com os produtos de beleza, que são apresentados como acessíveis a todas as
classes sociais. E, para atenderem essas novas exigências sociais, as mulheres acabam atraídas
inconscientemente por diferentes formações discursivas reproduzidas em representações
trazidas pelos discursos publicitários da NATURA e da AVON.
Entendemos por formações discursivas a mudança de sentido que as palavras
CHRONOS e RENEW sofrem quando atingem mulheres de determinadas classes sociais que
se deixam seduzir pelo discurso de beleza na maturidade. Ou seja, a mulher de meia idade,
interpelada pela ideologia de revitalização da pele que muda com o passar do tempo e com a
possibilidade de retardar, parar os seus efeitos, é afetada pelo discurso que a obriga a se
manter atraente, apesar da idade, com o uso contínuo dos produtos de beleza. A publicidade
dos produtos CHRONOS e RENEW, então, constitui a mulher que se identifica com um ou
outro produto, se posicionando em determinada formação discursiva como afirma Pêcheux:
Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa formação
ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada,
determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser
dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de
uma exposição, de um programa, etc.) (PÊCHEUX, 1988:161).
Apesar de estarem presentes de forma implícita, algumas dessas representações
publicitárias cumprem o destino natural de toda propaganda de convencer seu público, no
caso, as mulheres, de que cada uma é especial em suas singularidades, de que a relação
produtos x consumidoras não muda no intervalo entre um interlocutor e outro, ou se
preferirmos, entre sujeitos de discursos diferentes”(INDURSKY, 1998:12). Tudo se passa
como se houvesse uma interlocução única e exclusiva com cada mulher.
Esses produtos produzem, assim, formações discursivas que se submetem às
formações ideológicas. As atitudes assumidas e as representações que se firmam na troca entre
consumidores e produtos oferecidos pela mídia, é que chamamos de formações ideológicas,
revelando as posições que os sujeitos consumidores do CHRONOS e do RENEW ocupam
socialmente. Esses
(...) indivíduos são “interpelados” em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu
discurso pelas formações discursivas que representam “na linguagem” as
formações ideológicas que lhes são correspondentes (PÊCHEUX,1988:161).
E, por meio da linguagem publicitária, as posições que esses sujeitos ocupam se
tornam estáticas, pois eles reforçam os valores sociais de um mundo de belas mulheres que
afastaram de si a angústia de não controlar o tempo. O tempo se corporifica através da atitude
dos consumidores em usar produtos que se dizem capazes de realizar o sonho de ver a velhice
como algo aceito pela sociedade.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que a formação discursiva derivada dos
nomes CHRONOS e RENEW e submetida à formação ideológica suscita a memória
discursiva dos sujeitos que procuram estabelecer diferenças sobre o conceito de beleza e feiúra
proferidas em outras épocas. E a forma como nos vemos e somos vistos pelo outro determina
a relação bonito x feio que ganha novos sentidos em diferentes épocas.
A memória discursiva dos consumidores deste século remete para a noção de
interdiscurso quando resgata a capacidade de os sujeitos verem a si mesmos e o outro,
redesenhando a imagem da mulher que passou da fase de despertar desejos. Ao redesenhar a
imagem da maturidade, “a interação entre formações discursivas” (MAIGUENEAU,1997) se
dispersa por meio da noção de desejo utilizada pela publicidade que explora a ideologia de
beleza construída como opção da mulher, sem no entanto mostrar que “as opções não se
calçam de condições reais e mantêm a hierarquia já estabelecida ideologicamente
(ORLANDI, 2003).
Todo o trabalho realizado para recuperar a imagem corporal da mulher de meia-
idade acontece nas malhas das formações discursivas que permitem ao sujeito não só
reproduzir, como também transformar os sentidos na sua constituição histórica. Assim,
O interdiscurso é, perpetuamente, o lugar de um “trabalho” de reconfiguração
no qual uma FD é levada, em função dos interesses ideológicos que ela
representa, a absorver elementos pré-construídos produzidos fora dela,
associando-os a seus próprios elementos por efeitos transversos que os
incorporam, na evidência de um novo sentido em que eles estão ‘acolhidos’ e
fundados (com base em um novo terreno de evidências que os absorve) por
meio do que chamamos um ‘retorno do saber ao pensamento’: em suma, um
‘trabalho’ de unificação do paráfrase-reformulação” (PÊCHEUX, 1988: 278).
O apagamento de que o discurso visa a um público-alvo de um determinado perfil
adequado ao discurso publicitário encobre a destinação dos produtos por diferentes classes
sociais e formação intelectual. Em nossa análise das propagandas das duas empresas (maiores
detalhes a respeito das diferentes estratégias utilizadas serão tratados adiante), percebemos
que os produtos da AVON direcionam-se a mulheres social e culturalmente menos
privilegiadas na pirâmide social, diferentemente da NATURA que aposta nessa nova mulher
intelectualizada e ativa no mercado de trabalho. As diferenças sociais e culturais expressas no
público-alvo, para o qual as propagandas se dirigem começarão a ser delineadas conforme
estabelecermos as formações discursivas que subjazem os sujeitos consumidores da NATURA
ou da AVON:
As diferentes posições do sujeito mostram pois as modalidades particulares de
identificação de diferentes sujeitos do discurso com a forma-sujeito de uma
formação discursiva (INDURSKY, 1997: 38).
O discurso publicitário, ao usar o recurso dos implícitos nas propagandas, nos faz
questionar o porquê da distinção social e cultural não se evidenciar de maneira explícita para
as consumidoras. Duarte (1998), ao analisar a questão, sugere que o publicitário quando age
dessa forma não se compromete com o “que deixa implicitado”. E, no caso das propagandas, o
“implicitado” é que elas se destinam a certo grupo de mulheres social e culturalmente
distintas, apesar de abrangerem mulheres da mesma faixa etária.
Os perfis das consumidoras-alvo dos produtos da AVON e da NATURA apresentam
diferenças quanto às formações imaginárias que os discursos publicitários das duas empresas
enfocam sobre crenças e visões de mundo das mulheres de meia-idade. Para trabalhar essas
diferenças, proporemos algumas análises das condições de produção dos dois discursos, na
tentativa de explicitá-las.
Nos sites da AVON e da NATURA na Internet, encontramos algumas informações não
só sobre as próprias empresas e produtos, mas também sobre crenças e visões de mundo que
conceituariam cada uma delas. Ao compararmos essas informações, entendemos, por
exemplo, a diferença dos preços dos produtos: CHRONOS é um produto mais caro que o
RENEW. Esse dado corrobora, sem dúvida, os diferentes perfis sociais e culturais aos quais
cada mulher terá de se filiar para estar de acordo com as práticas sociais de beleza deste
século.
A preocupação com a aparência, neste século, acirrou a disputa das empresas no e pelo
mercado de cosméticos. Nessa disputa, busca-se conquistar a identificação das novas
consumidoras. As propagandas da NATURA dirigem-se mais explicitamente à classe média, à
mulher intelectualizada, que responde às interpelações de um produto mais sofisticado e
adequado ao seu lugar social. As propagandas da AVON, dirigem-se às mulheres da classe
trabalhadora, em ascensão social, cuja aspiração é a transformação pessoal e a entrada no
grupo social das mulheres que aparecem representadas nos anúncios.
A primeira diferença que sobressai na disputa pelo mercado de cosméticos é o fato de
a NATURA exigir nível superior de suas revendedoras, que são tratadas como especiais e
pessoas fundamentais para a empresa. Esse fato nos remete para a questão cultural, que exige
uma visão de mundo mais ampla da revendedora, cujo trabalho é orientar muito mais que
informar, sobre o uso dos produtos e a forma como a pele deve ser tratada. Dessa forma, as
revendedoras passam segurança e credibilidade às consumidoras, que compartilham com a
revendedora as mesmas crenças, os mesmos anseios sobre beleza. Nessa troca de experiência,
ambas, revendedora e consumidora, buscam conhecer a si mesmas, os outros, o mundo e a
relação com os outros e com o mundo, pois
Cuidar de si, satisfazer com a imagem que se tem de si passou a significar
trazer o corpo para o nicho dos ideais. Desalojando ou espremendo em um
recanto os seus antigos proprietários: os “grandes” sentimentos, pensamentos
ou ações (COSTA,2004:94).
A revendedora bem preparada pode representar melhor a empresa NATURA, cujo
compromisso é também estabelecer relações com seu público. Essa representação é muito
importante, porque, de acordo com a visão de mundo da empresa, seu objetivo é com o “Bem-
Estar / Estar bem dos seus funcionários e consumidores”. O “bem-estar seria a relação do
indivíduo com ele mesmo, com seu corpo e o “estar bem” seria a relação do indivíduo com o
outro, sem se dar conta do processo de retomadas e mudanças das significações no qual se
encontra” (MARIANI, 2003:66).
Nessa troca de significações, as formações discursivas constituem o sentido,
desmistificando a idéia de transparência da linguagem, como, por exemplo, ao folhear os
catálogos de compra da NATURA, a consumidora não encontra os preços dos produtos, numa
declaração implícita de que quando se investe em bem-estar e estar bem o preço não é o mais
importante. Os produtos, mesmo caros, valem o investimento não só pela qualidade e
tecnologia, mas também pelo ideal de beleza que oferecem respeito e consideração à mulher.
Também não podemos deixar de enfatizar que as revendedoras da NATURA são
treinadas, preparadas para atender as consumidoras, orientando-as na escolha do melhor
produto para sua idade. Essa estratégia contribui para a imagem da empresa que se constrói a
partir do imaginário social sobre a importância em se garantirem preço e qualidade nos
produtos e uma relação identitária do corpo social de funcionárias com as consumidoras. As
revendedoras, além de qualificadas para vender os produtos, são bem remuneradas.
As consumidoras e revendedoras da AVON espelham a visão de uma empresa que
quer projeção nacional, uma ascensão, portanto, no mercado de empresas de cosméticos. Em
seu site, a empresa, ao estabelecer suas metas, afiança:
“Nossa missão é ser: a líder global em beleza. Construiremos um portfólio
sem paralelo de marcas de beleza e relacionadas à beleza, empenhando-nos
para superar nossos concorrentes em qualidade, inovação e valor, elevando
nossa imagem para nos tornarmos a empresa de produtos de beleza preferida
pelas mulheres do mundo todo.”
A empresa tenta construir sua imagem na disputa por um lugar de preferência mundial,
reconhecido por todas as mulheres, se possível através de uma relação empírica com suas
consumidoras por meio do valor de seus produtos, que estão sempre em promoção, com um
preço acessível e ofertas imperdíveis. Algumas propagandas garantem até o dinheiro de volta,
caso o produto não agrade.
Observa-se que, diferentemente da NATURA, para a qual o preço não é o fator
essencial de seu discurso, a AVON apresenta explicitamente uma visão de mundo mais
globalizada e atenta às dificuldades econômicas de suas consumidoras. Para a AVON, o
importante é aumentar o seu mercado em todas as classes sociais e não, como a NATURA,
circunscrever um espaço imaginário de inclusão apenas para certo perfil de mulher.
Para realizar esse trabalho de “ser a empresa de beleza preferida pelas mulheres do
mundo todo”, a AVON conta com o empenho de suas revendedoras que não precisam ter
nível superior ou qualquer especialização para desempenhar a função. A empresa ainda
divulga ser a primeira a inserir a mulher no mercado de trabalho, quando implantou as vendas
diretas, porta a porta. Outras empresas seguiram os passos da AVON e acabaram por
contribuir para “a massificação de um discurso que tem estimulado o consumo de cosméticos”
(ARAÚJO, 2003) e para o desenvolvimento econômico do país como mostra, em entrevista, a
professora de economia da Universidade federal Fluminense:
Uma das principais características dos serviços de beleza é ser altamente
personalizado, o que os torna grandes absorvedores de mão-de-obra. De 1985
a 1995, o pessoal ocupado nos serviços de beleza quase dobrou, e continuou
crescendo até 2003, quando dados da PNAD registraram um crescimento de
6% no ano. O número de pessoas ocupadas no setor passou de 679 mil, em
1995, para 1 milhão e 43 mil em 2003. Devido à pouca qualificação exigida, o
setor de serviços de beleza torna-se a grande porta de entrada para o trabalho
urbano, principalmente para as mulheres, depois do trabalho doméstico.
Por outro lado, as práticas sociais difundidas pelos anúncios dos produtos enunciam
os diferentes elementos estruturais das condições de produção do discurso da AVON, que
deixam claro que a relação estabelecida entre a empresa e suas consumidoras é a da troca
econômica. Ela oferece produtos baratos, com qualidade, ganhos para a revendedora, que
obterá independência financeira, e excelente retorno para os acionistas, que investiram na
empresa.
Nessa relação, a sensação que temos é a de que todos os envolvidos saem satisfeitos
com o negócio. O preço baixo nos folhetos convence a consumidora de que se pode comprar
beleza com qualidade e por uma quantia irrisória, pois os produtos da linha RENEW permitem
à mulher da classe trabalhadora ter acesso a eles e imitar o mesmo padrão de beleza da classe
média, das mulheres intelectualizadas da NATURA. Talvez esse seja um fator determinante
para o grande crescimento econômico da empresa no Brasil e no mundo, numa economia cada
vez maior de desigualdade social e redução de salários.
Todos esses discursos, por serem majoritariamente implícitos, aproximam de certa
maneira as duas empresas na sua disputa pelas consumidoras de meia-idade, aprisionadas no
medo do envelhecimento, esse sim, é o fator de maior argumentação, democrático e
independente das classes sociais e culturais, para a compra dos produtos. A opção por um
produto em detrimento do outro vai depender da posição pela qual cada sujeito deseja ser
reconhecido na sociedade, pela forma à qual ele se identificará na representação da ilusão de
saber como se traduz o conceito de beleza nos produtos de rejuvenescimento. Essas formações
imaginárias fazem necessariamente parte do funcionamento da linguagem nas propagandas de
cada produto cujo discurso eficaz
não "brota" do nada: assenta-se no modo como as relações sociais se
inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa, por
relações de poder” (ORLANDI, 2002:42).
As relações de poder que se estabelecem na disputa pelo mercado de cosméticos visam a
atrair o consumidor, falando a mesma linguagem dele. E, para falar a mesma linguagem do
consumidor, é que as estratégias usadas pela publicidade evidenciam as diferenças sociais dos
consumidores do CHRONOS e do RENEW. E os textos publicitários, verdadeiros discursos
sociais, nos permitem analisar os modelos socioculturais determinantes de nossa cultura. As
estratégias discursivas desses textos atingem, cada vez mais, consumidoras ávidas em
satisfazer algum desejo escondido que se materializa por meio das imagens construídas pelo
discurso publicitário.
As agências de publicidade, a serviço das empresas, organizam seu discurso de forma a
induzir o consumidor a adquirir não os produtos como também as marcas que passam a
fazer parte do seu dia a dia, numa demonstração de atitude, de estilo. Estilo esse que o levará a
interagir e identificar-se com o outro socialmente.
Ao selecionar as propagandas dos produtos antiidade nas revistas de moda e catálogos,
percebemos como a organização do discurso publicitário expressa valores ideológicos que
levam mulheres de 30 a 60 anos a quererem parecer sempre novas. Essas mulheres passam a
ser um “alvo-duplo” desse discurso como diz Monnerat
O receptor da comunicação publicitária, por sua vez, é construído como
sujeito alvo-duplo, isto é, como consumidor “potencial” de um produto de
mercado e como consumidor “efetivo” do produto publicitário ele mesmo, que
se torna, a partir de então, objeto de consumo cultural ( 2003: 106).
Os produtos passam a ser “objetos de consumo cultural” porque contribuem para a nova
forma de se ver o corpo feminino, proporcionando à mulher a descoberta da vida depois dos
20 anos. Por meio desses produtos, a mulher madura estabelece uma relação de beleza com
sua pele e com sua auto-estima, em que ela se compraz consigo mesma ao se perceber jovem e
atraente.
O contato da mulher com ela mesma e com o outro acontece, porque a
propaganda a faz entrar no mundo maravilhoso dos cosméticos através do imaginário, que
agrupa vários sujeitos em torno do ideal de beleza da mulher madura. As fascinantes
promessas de retardar o envelhecimento da pele, então, encantam determinados grupos
sociais, que optam ou pelo CHRONOS ou pelo RENEW.
O discurso publicitário, implicitamente, ao ressuscitar “o mito da procura da eterna
juventude” pressupõe, neste momento, fatos favoráveis e desfavoráveis ao novo conceito de
beleza que traz algumas questões socialmente mal resolvidas em relação à juventude e
velhice, já que juventude pressupõe beleza e saúde, e velhice, feiúra e dor. Esse antagonismo
engendra determinadas dúvidas sobre o que é feio e o que é bonito na atualidade, que a
publicidade dos produtos tenta dirimir, mas fica latente quando pensamos no público a que as
propagandas se destinam.
Se juventude é sinônimo de beleza e a sociedade valoriza o ser jovem, ao anunciar
produtos anti-sinais, afirmando que o problema da pele não é a idade, o tempo, e sim os sinais,
o novo modelo de beleza seria indicador da valorização da velhice na sociedade ou seria um
indicador de que a juventude continua sendo uma prerrogativa da vida social? Sem intenções
de responder as perguntas, mas sim de levantar hipóteses, acreditamos na representação
imaginária do apreço que a sociedade dispensa aos jovens, as pessoas saudáveis e com
aspirações a participar de um futuro melhor.
Os produtos, assim, atraem, encantam as consumidoras, explicitamente, pois têm "o
poder de simular a realidade" (NEIVA, 1986) que se vive hoje: aquela que prega que a beleza
não é tão inatingível como se pensava, ainda que não se disponha de grandes recursos
financeiros. É importante lembrar que algumas representações imaginárias se formam em
torno da idéia de que qualquer mulher pode usar esses produtos, independente de sua classe
social, que é a mesma das revendedoras.
O efeito imaginário de que estão tendo a oportunidade de partilhar os mesmos
valores e atitudes sociais das representantes das empresas traz a ilusão do acesso ao mesmo
tratamento que é dispensado às mulheres da classe média. Essa, então, seria uma nova
formação discursiva proposta pela AVON: a possibilidade do tratamento anti-envelhecimento
para todas as mulheres.
Ao contrário da AVON e na contramão das formações discursivas presentes na maioria
das propagandas de que o produto só serve “para você que é especial”, a NATURA inovará
com uma formação discursiva, pela qual sua consumidora-alvo se sentirá incluída no grupo
das mulheres comuns, intelectualizadas e de boa formação cultural, ativa no mercado de
trabalho. Contudo, haverá a denegação do produto em série, já que há produtos especiais para
cada faixa etária, como se fossem produtos especiais manipulados para cada consumidora.
Paradoxal, porque afirma não o valor especial de cada mulher, mas a identificação a um
determinado grupo especial de mulheres. Com isso, denega que todas as mulheres são iguais
(como a AVON afirma). Ou seja, a identificação a uma classe privilegiada de mulheres é um
ganho imaginário extra que a consumidora recebe ao usar os produtos da NATURA, além, é
lógico, do tratamento de rejuvenescimento.
A NATURA afirma, negando, que todas as mulheres são especiais. A propaganda é
direcionada para alguém especial e o discurso de que toda mulher da faixa etária de 30 a 60
anos passa pelos mesmos problemas com o passar do tempo é elaborado de forma que a
consumidora se sinta realmente especial. Quando denega que todas as mulheres são especiais,
a NATURA concilia as mulheres a um mesmo ideal e possibilidade de realização pessoal
como propõe Insdursky (1990) ao analisar a denegação, à luz da AD e da psicanálise:
denegação discursiva aquela negação que incide sobre um elemento do saber
próprio à FD que afeta o sujeito do discurso. Ou seja, a denegação discursiva
relaciona-se com a interioridade da FD e com o modo como o sujeito com ela
se relaciona. Assim, seu efeito não é polêmico (INDURSKY, 1990: 120).
Assim, a “mulher bonita de verdade”, aquela que vive seu tempo sem medo de mostrar
sua idade, aparece em todas as propagandas do CHRONOS. As mulheres dão testemunho de
suas vivências e estampam o orgulho da idade que têm. Na propaganda seguinte, as falas de
mulheres, que há muito deixaram de ser meninas e não têm vergonha da sua idade, funcionam
como um ato de fala intencional que impõe "condições de satisfação a condições de
satisfação" (Searle, 2000:131).
Para Searle (2000) as crenças, medos, desejos e intenções têm de atender às
“condições de satisfação”. Essas condições fariam parte das intenções do sujeito ao proferir
um ato de fala significativo que, na fala das modelos da NATURA reforça a intenção de
convencer mulheres a assumir publicamente a sua maturidade. Dessa forma as condições de
satisfação estariam presentes no ato de comunicação estabelecido entre as modelos e as
consumidoras.
Ou seja, ao assumir em público a idade que possui e ao deixar transparecer o prazer de
se chegar à idade adulta com a pele rejuvenescida, a mulher demonstra a satisfação em poder
apresentar a todos sua beleza e satisfaz também aquelas que, ao entrarem em contato com seu
testemunho e sua imagem, sentem-se estimuladas a adquirem o produto.
Ao enunciar "Não importa a idade: quando você se gosta e se sente bonita, consegue
que os outros te percebam bonita", a locutora, intencionalmente, produz um efeito em sua
interlocutora que reconhece, através de sua imagem e palavras, não haver nenhuma
contradição em sua ação, pois o que diz pode ser comprovado em seu rosto.
Em tamanho menor, o nome, Beatriz Forte, a idade, 38, e a profissão, empresária,
identificam mais uma mulher que encontra a felicidade de chegar à idade madura e perceber
que ela não está em decadência. Essa mulher se constitui socialmente e é exemplo para as
outras mulheres que também são de carne e osso, isto é, possuem nome, sobrenome, profissão
e não precisam esconder a idade, pois é possível resgatar sua auto-estima através do produto
CHRONOS.
A estratégia de persuasão da publicidade desse produto garante à mulher que ela é
especial. O CHRONOS é apresentado como um produto destinado à mulher que enfrenta o
desconforto dos sinais do tempo em sua pele e, por isso individualiza-a. A mulher, então,
acredita ser o centro das atenções, porque o anúncio a faz se sentir única, especial, aceita o
produto criado para ela, que tem como prioridade atenuar as marcas do tempo.
Com a sensação de que é especial essa mulher tem a ilusão de ser realmente única e se
imagina também como modelo das campanhas publicitárias, servindo de exemplo para outras
mulheres que possuem também suas particularidades, reconhecendo-se como única na
produção de produtos produzidos em massa:
O imaginário é, então, esse dizer já colocado interdiscursivamente, uma
espécie de “reservatório” de sentidos para o sujeito. Mas nessa relação do
sujeito com o dizível, o imaginário atua na ilusão subjetiva que o faz crer ser a
origem do dizer. Encontra-se recalcado, para o sujeito, sua inscrição em uma
FD dominante. Ou, dito de outra maneira, a matriz de sentidos escapa ao
sujeito, e sobre ela o controle é praticamente nenhum. (MARIANI, 2003:33)
Schilder (1999) mostra que a beleza é um fenômeno social de grande importância,
porque gostamos de ser admirados pelos outros. No caso das mulheres, o autor lembra que ser
exemplo de beleza as realiza sobremaneira, ainda mais quando elas se sentem exclusivas,
sujeito de seu discurso de que manter um ritual de beleza deve fazer parte de suas vidas:
A interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se efetua na
identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina (isto é, na
qual ele é constituído como sujeito): essa identificação, fundadora da unidade
(imaginária) do sujeito, apóia-se no fato de que os elementos do interdiscurso
(sob sua dupla forma, descrita mais acima, enquanto “pré-construído” e
“processo de sustentação”) que constituem, no discurso do sujeito, os traços
daquilo que o determina, são re-inscritos no discurso do próprio sujeito
(PÊCHEUX:1988,163).
Outro aspecto a destacar é o fato de que essa maneira de abordar a mulher a insere
num determinado grupo social sem, no entanto, deixar que as diferenças sociais sejam motivos
de discórdia na sociedade, o que preserva a face de todos.
O modo mais seguro de se evitar ameaças à própria face é evitar contatos nos
quais exista a probabilidade de ocorrência de tais ameaças (GOFFMAN,
1980:84)
Dessa forma:
Emprega-se discrição; deixa de expor fatos que poderiam explícita ou
explicitamente contradizer e embaraçar as reivindicações positivas feitas por
outros. Emprega-se circunlóquios e artifícios, construindo suas respostas com
cuidadosa ambigüidade a fim de preservar a face dos outros, mesmo que não
seja possível preservar seu bem-estar ( Id., Ibid: 85)
Essa propaganda, lançada no catálogo do ciclo 06/2005, edição especial para o dia das
mães, traz alguns recortes de anúncios dos anos noventa, quando o CHRONOS entra no
mercado de cosméticos para inovar o conceito de beleza feminina. Trata-se de uma fala da
empresa NATURA, para reforçar o que dissemos há pouco sobre os produtos da NATURA se
destinarem ao bem comum das mulheres maduras.
[...].os anúncios passaram a ser protagonizados por consumidoras
reais. Eram donas de casa, profissionais liberais, empresárias, com
nome, profissão e idade, até então um tabu (NATURA).
Independente de profissão ou idade, toda mulher da faixa dos 30 aos 60 ou mais,
segundo esse novo conceito sobre o belo, merece ser falada, respeitada e admirada. O nome
CHRONOS, passando a ser referência para essas mulheres que ganham destaque na mídia
como mulheres que têm uma posição social e cultural, ajudam na manutenção do bem-estar
público. Como se vê, a atitude adotada pela empresa que anuncia os produtos CHRONOS
diferencia-o do concorrente, na medida em que a consumidora da NATURA tem uma imagem
de uma empresa preocupada em manter a identidade das mulheres “sem alterar sua expressão
natural”. A idéia de manter a naturalidade do rosto feminino remete para a natureza também
como forma de identificar o ser único e especial que é a mulher adulta.
Assim, temos, na propaganda a seguir, um sujeito narrador que conta as experiências
da empresa NATURA para conseguir um produto de qualidade e eficaz no tratamento dos
sinais da idade, sem desrespeitar a naturalidade da mulher. O resultado final e feliz do
processo de desenvolvimento da fórmula do novo CHRONOS é mais um argumento para a
aquisição do anti-sinais, criado especialmente pela NATURA que “desenvolveu uma fórmula
inovadora para preservar o que você tem de mais valioso”. Depois, a palavra
EXPRESSIVIDADE se confirma no rosto bonito, com um sorriso franco que legitimam o
produto CHRONOS SPILOL, criado para “combater as rugas sem alterar a expressão natural
do rosto.”
O narrador dessa propaganda, ao contar a história de mais uma mulher, procura
conquistar a consumidora, utilizando o discurso lógico de que a natureza é o ingrediente
básico, a matéria-prima usada na fabricação do produto. O “spilanthes oleracea, planta
brasileira também conhecida como jambu”, além de valorizar o solo nacional é o ingrediente
natural que auxiliará a natureza humana.
A imagem de uma folha da planta “jambu” realça a suavidade e beleza da natureza no
rosto de Fátima Toledo, atestando o discurso de que “Não tem idade certa para ser você
mesma.” A linguagem informal, direta e clara, também contribui para tocar a consumidora
que se familiariza com o mesmo padrão de língua adotado no dia-a-dia e se torna cúmplice da
empresa preocupada em fazer a mulher de meia idade se sentir feliz.
Essa propaganda ganha as páginas das revistas de moda e os catálogos da NATURA
com o acréscimo da página a seguir, que traz mais informações sobre o que a natureza pode
fazer para melhorar aparência de cada mulher por meio do produto de beleza CRHONOS
SPILOL. Também a necessidade de informar o público sobre os resultados alcançados com os
testes, segundo as estatísticas da pesquisa, dá legitimidade e credibilidade ao produto,
confirmando o dizer de Monnerat (2003):
A partir do momento em que o consumidor, através do jogo publicitário, deixa
de perceber a comercialização do produto, ou melhor, o jogo de interesse do
anunciante, será capaz de pagar até mesmo um preço elevado, em troca dos
benefícios anunciados e isto porque a venda é uma operação emotiva.
A possibilidade de atrair o olhar do outro para si toca afetivamente a mulher que sabe
não ter os predicativos de beleza tão exigidos pela sociedade. Ao ver a oportunidade de
valorização da beleza que “não tem idade certa para ser você mesma” através de um produto,
então não há por que não comprar o produto.
Os rostos vendem não só um produto, mas também a imagem da beleza de verdade.
São rostos de mulheres reais, que não precisam passar a ser o que nunca foram: atrizes de
cinema ou de televisão, cuja beleza sempre causou inveja e possivelmente as incomodava,
que ofendia sua natureza.
O texto que aparece abaixo do título “As modelos da Natura”
“As modelos da Natura têm 1,60, 1,70, 1,80. São louras, negras, ruivas,
morenas. Têm 30, 45, 60 anos...Enfim, são de verdade e por isso são bonitas.
E é por isso que pesquisamos para ter sempre os maiores avanços da ciência
em CHRONOS.”
permite-nos fazer um recorte das condições de produção do discurso da NATURA, que, de
certa forma, impõe um padrão de beleza, ao “dialogar” com a mulher que folheia os catálogos
dos produtos ou as revistas que veiculam suas propagandas.
O discurso, porém, de que não é preciso ser jovem para ser bonita, direcionado à classe
de mulheres socialmente privilegiadas que, “ao se identificarem como interlocutores,
desencadeiam o processo de significação” (ORLANDI, 2003), reformula o conceito de beleza
que permite à mulher de meia-idade pensar que não há um padrão a ser seguido. A NATURA,
ao afirmar que foi ela quem lançou o conceito sobre “a mulher bonita de verdade”, revela uma
característica da sociedade atual, a qual imagina “que a perfeição será conseguida pela
perfectibilidade física prometida pelas novas tecnologias” (COSTA 2004).
Corrigir as imperfeições da pele e continuar acendendo o desejo do outro na
maturidade transformou-se num discurso institucionalizado, já que outras empresas de
cosméticos começaram a utilizar o mesmo discurso sobre a mulher de 30 a 60 anos. Na
interação, porém, entre a NATURA e a consumidora do CHRONOS, os sentidos sobre a
beleza da mulher de meia-idade, que busca viver melhor, se modificam. Para a NATURA, por
exemplo, incentivar essa mulher a viver sua idade de forma plena significa contribuir para a
evolução da sociedade. Já para a consumidora, significa encontrar a felicidade sem se sentir
obrigada a cultuar eternamente a juventude do rosto.
Esses sentidos também nos fazem refletir sobre o sujeito que está sempre procurando
afastar de si o medo de não despertar o interesse do outro, na busca da felicidade.
O Ich-Ideal, o ideal do eu, é o outro enquanto falante, o outro enquanto tem
comigo uma relação simbólica, sublimada, que no nosso manejo dinâmico é,
ao mesmo tempo, semelhante e diferente da libido imaginária. A troca
simbólica é o que liga os seres humanos entre si, ou seja, a palavra, e que
permite identificar o sujeito. (LACAN,1986:166)
O CHRONOS se apresenta como uma escolha da mulher moderna que procura manter
a vitalidade da pele e afasta de si a imagem de abnegação e conformismo com sua realidade.
Essa escolha permite a organização do real a partir de uma hierarquia, previamente
estabelecida por um conjunto de regras e valores legitimados pela sociedade.
As regras e os valores passam a ser aceitos como modelos compartilhados de crenças
de como deve ser a aparência da mulher de 30 a 60 anos. O Olhar Simbólico” dispensado a
essas mulheres faz com que elas se animem a viver cada fase da vida e a aproveitar
intensamente cada uma delas, apesar da passagem do tempo. Está subentendido nas
propagandas da NATURA que “a busca da beleza deve estar liberta de preconceitos e
manipulações.
A mulher, construída discursivamente pela NATURA, portanto, acaba sendo
interpelada por uma outra formação ideológica de inserção da mulher madura nos
padrões de beleza necessários ao mercado de trabalho, indo na contramão da formação
ideológica que associa beleza à juventude. Manter o discurso “beleza é sinônimo de
juventude” não responde às novas demandas da sociedade de consumo. O presidente fundador
da NATURA afirma, no catálogo de maio de 2005, que a linha de produtos CHRONOS traz
inovação, à medida que questiona os valores de beleza que privilegiam a juventude e a
perfeição como ideais.
Ao assegurar que a beleza não deve ser imposta por um só padrão à sociedade, a
NATURA diz ser a primeira a não mais colocar rostos jovens em anúncios de cosméticos anti-
sinais. Começa, então a trabalhar, nos seus anúncios, com mulheres maduras que assumem os
prazeres da maturidade sem nenhuma reserva. Afirma, ainda, ser essa atitude uma conquista
cultural que contribui para uma evolução coletiva e filosófica no mercado de cosméticos.
Os rostos estampados nas propagandas tornam-se estratégias discursivas que atingem,
cada vez mais, um número maior de consumidoras ávidas em tornar real seus desejos. Esses
desejos, porém, se distinguem com o uso de um ou outro produto e o estilo de vida das
consumidoras: algumas procuram se tornar iguais às modelos dos anúncios e aceitáveis de
acordo com os valores sociais, outras optam pelo prazer de se sentirem únicas.
A imagem de diferentes rostos, utilizados como estratégias discursivas, procura, junto
ao público-alvo a que se destina, determinar os valores que preencham a carência de
identidade de cada consumidor. Assim, tentaremos mostrar como o contrato do sério e o
contrato do maravilhoso são estratégias utilizadas para persuadir, as consumidoras maduras a
comprarem o CHRONOS ou o RENEW.
Já falamos que o discurso publicitário vende um sonho e que o produto é o meio para a
realização dessa ação. Na venda de um sonho, o produto passa a ser destinado a tipo de
público, com o qual se identifica para atender as suas expectativas e necessidades. Dessa
forma, apresentamos a seguir, a estratégia publicitária: o contrato do maravilhoso nas
propagandas da AVON que tem como público-alvo mulheres que procuram ser como aquelas
da propaganda e, assim, dispersar as frustrações de uma vida real, ou seja, mulheres mais
“inclinadas ao sonho.”
Na propaganda da AVON, a seguir, o contrato do maravilhoso legitima a tendência ao
sonho da mulher provedora do lar, porque trabalha para sustentar a casa, ou contribui para o
sustento da casa ou é aquela dona de casa que administra as tarefas do dia-a-dia,
economizando sempre. Essa mulher, porém, ainda que sem muitos recursos financeiros, tem
que manter a aparência.
A mulher a quem se destina essa propaganda, articulada ao contrato do maravilhoso, é
menos racionalista e, para convencê-la a comprar o produto, a empresa publicitária
desenvolve uma narrativa mágica, em que procura despertar na consumidora um “querer-
fazer”, porque o RENEW está disponível para “poder-fazer” o seu desejo se realizar. Nessa
propaganda, então, o que primeiro chama a atenção é a cor do papel: todo o anúncio ganha
seis páginas inteiras, na revista Caras, na cor ouro, para remeter ao metal precioso que compõe
a fórmula. Depois, o texto “Imagine se o tempo resolvesse parar para você”, seguido de outro
texto cujas palavras levam essa mulher ao devaneio, porque criam um mundo ideal no qual ela
gostaria de viver e que agora se apresenta como possibilidade de realização.
Esse texto recomenda a entrega total da mulher ao sonho de ter uma pele transformada
pelo RENEW. Para isso, as expressões imagine, sol apaixonado, espelho refletindo, beleza
eternizada, folheada a ouro e maravilho” conferem ao produto o poder de disfarçar as
imperfeições da pele.
As afirmações: "O luxo de transformar o tempo" ou "Luxo e tecnologia para quem
passou dos 40.”, junto ao rosto de uma bela modelo, que, com certeza, não tem 40 anos,
mitifica o RENEW que utiliza o discurso científico para mostrar todas as vantagens que o
produto oferece, confirmando o que BARTHES (1980) diz a respeito da publicidade.
As pequenas introduções cientificas destinadas a apresentar publicitariamente
o produto informam-nos que ele limpa em profundidade, desobstrui em
profundidade alimenta em profundidade, isto é, custe o que custar, ele se
infiltra (BARTHES,1980:58).
A beleza do rosto que se apresenta nessa propaganda não tem nenhuma conotação
espiritual, o que vemos é uma beleza palpável, tátil, que se exprime no contato físico e é
apreendida pela publicidade, que se encarrega de veicular essa imagem, despertando nas
mulheres o desejo de se manterem atraentes, instigando-as a comprar produtos que permitem a
realização do sonho de se ter um lugar de destaque na sociedade. A beleza funcional está ao
alcance de todos, pois graças às indústrias de cosméticos, já é possível ser bonita.
Nessa propaganda, as ações também se realizam pelo dizer. Nas duas últimas
páginas, a linha RENEW é apresentada e o texto “Pronto, pode parar de imaginar” evidencia o
sujeito que enuncia do lugar da empresa AVON, via agência de publicidade, que cria texto e
imagem na intenção de influenciar mulheres a comprarem o produto e fazer dele uma peça
fundamental no dia a dia. O discurso usado para atingir tal efeito é sedutor e mexe com a
imaginação do sujeito a quem se destina: mulheres maduras que, a partir da inscrição no
simbólico e inseridas numa relação imaginária com as mulheres das propagandas, se deixam
seduzir pela promessa de parar o tempo.
O uso do imperativo “Imagine”, nessa propaganda, seguido da conjunção condicional
“se” e do verbo no imperfeito do subjuntivo “resolvesse” preparam o leitor / consumidor para
receber a promessa de sucesso. Esse leitor/consumidor é incentivado a imaginar situações que
nem sempre são verbalizadas, porque a noção de tempo é entendida como algo que existe
sempre nas vivências humanas, sem que se possa detê-lo.
Essas situações são sempre apresentadas depois do imperativo “Imagine”, remetendo o
leitor/consumidor a questões filosóficas que desafiam a inteligência humana, que sabe não ser
possível parar o tempo ou mesmo eternizar a beleza, para depois dizer que tudo isso é possível
de se concretizar no corpo. O RENEW ULTIMATE é a promessa de recuperar a auto-estima,
afastando o perigo iminente que seria a degradação, a morte física do corpo; é, pois, "O luxo
de transformar o tempo"
Dessa forma, a empresa garante a venda dos produtos ainda que de forma menos
racionalista, como analisamos. As propagandas da AVON são mais focadas na produção de
enunciados providos de uma determinada força que se alterna entre uma promessa ou ordem,
como na propaganda seguinte, em que o sonho de conseguir a pele da modelo sem um método
invasivo e radical provoca na mulher a sensação dela sair do seu cotidiano, sem brilho, e
entrar num paraíso imaginário.
Ao dizer que o RENEW é “o tratamento cosmético que faz o que nenhuma injeção de
colágeno pode fazer”, o enunciador do texto realiza uma ação que atinge diretamente o
consumidor que, para estar de acordo com o novo conceito de beleza, acredita que o produto é
uma ponte ligando o sonho à realidade. O artigo definido o,usado como estratégia de
singularização, torna o produto único no tratamento dos sinais do tempo porque, segundo o
texto, “preenche as linhas e rugas de dentro para fora.”, sem sofrimento, como a imagem de
uma agulha tocando a pele nos sugere.
O contrato do maravilhoso nessas propagandas se mostra presente no próprio modo de
descrever o produto, o qual apresenta para o consumidor mulheres belas e socialmente seguras
sobre o tratamento com o RENEW. Também a imagem de mulheres felizes com o produto
fundamenta o ideal de um mundo com mulheres perfeitas, admiradas pela sociedade. E o texto
publicitário procura agir sobre o consumidor, fazendo com que ele veja como pode vir a ser, e
narra, então, sobre os recursos que a tecnologia oferece para se enganar o tempo e se mostra
inovador em técnicas que dispensam o uso da cirurgia.
Nesse anúncio, o primeiro passo, depois da imagem de um rosto em que se vê a
possibilidade de se descartar o uso de agulhas, é a identificação do produto seguido de um
texto que descreve suas qualidades e propriedades. O conhecimento da tecnologia “Derma-
3x” serve como prova para a veracidade do texto, que prossegue a descrição do produto,
compartilhando com o consumidor o que ele busca e conhece muito bem: “linhas finas
suavizadas”, mas “sem agulhas”, “sem cirurgias”. Essas expressões são marcas lingüísticas de
um texto que procura evidenciar o produto e transformá-lo num referencial de beleza social.
Outra propaganda interessante da AVON, que revela os mecanismos do contrato do
maravilhoso, é a nova propaganda do RENEW ULTIMATE, criado para a mulher que
“passou dos 40”.
O fundo preto, a imagem de mais uma bela mulher e o texto construído sobre a
proposição: “Sabe da última? A Avon combinou luxo e tecnologia para quem passou dos 40”,
mais a imagem da modelo jovial e alegre e o texto da página seguinte, em que se demonstram
os benefícios do produto para o consumidor e as vantagens que a empresa oferece para a sua
aquisição: “Você usa por duas semanas e só paga se gostar.”, reforçam o encantamento da
consumidora que parece estar diante de um espelho mágico, o qual reflete aquilo que ela
gostaria de ser.
O que verificamos nas propagandas é uma beleza de consumo trabalhada de forma a
garantir a venda do produto, pela atualização do discurso sobre a beleza feminina. Assistimos,
neste século, à construção da imagem corporal da mulher sob a ótica da desmitificação de que
a mulher perde seus encantos com a chegada da idade. Essa nova idéia agrupa, por meio do
imaginário, mulheres que ampliaram seu espaço e acreditam que agora têm voz e vez na
sociedade em que atuam.
O imaginário permite o reagrupamento das mulheres de meia-idade em torno da idéia
de que, finalmente, elas conquistaram seu espaço na sociedade, pois não precisam mais ser o
que não são e enganar sua idade. O discurso de se poder atenuar o tempo com o uso dos
produtos RENEW cria a ilusão de que todas as mulheres são uma só na busca pelo controle
das imperfeições da pele. Essas mulheres se constituem mães, donas de casa, esposas, e
trabalhadoras que, como qualquer outra mulher, desejam cuidar da aparência física,
A idéia de atingir o sonho de um rosto sem marcas, com o uso desses produtos, gera
uma satisfação nas mulheres que partilham com outras a sensação de concretizar seu sonho.
Essa sensação se dá via imaginário que permite a idéia de completude, uma vez que a
linguagem não dá conta de dizer tudo sobre a nova condição da mulher madura nesta
sociedade. Isso não significa, porém, que esse seja o único sentido sobre beleza, pois, como
enfatiza Orlandi (1984), “em certas condições de produção, há a dominância de um sentido
possível sem por isso se perder o eco dos outros sentidos possíveis.”
Por isso, ser bela não é mais algo inatingível, também não é mais preciso reprimir o
desejo de ser bela, porque a sociedade mudou e a mulher encontrou o equilíbrio para estar de
bem consigo mesma. As propagandas, no intuito de convencer as mulheres de que não existe
apenas um único padrão de beleza, investem na mudança de comportamento da mulher do
século XXI. Essa não é mais aquela que só ocupava o espaço da casa. Ela agora adquiriu
novas funções sociais e, por isso, não pode descuidar-se do visual, pois é observada.
A propaganda do RENEW CLINICAL confirma o que dissemos sobre o produto
engendrar o consumidor no mundo do sonho. A modelo que aparece nessa imagem é
fotografada de diversos ângulos e a narrativa traz mais detalhes sobre o produto, no intuito de
convencer a consumidora e conquistá-la a ser mais uma a experimentar a naturalidade da
expressão de seu rosto: reduza rugas profundas sem perder a expressão facial”.
Também, nessa propaganda, temos um narrador que vai contando sobre o que o
produto pode fazer com apenas uma gota e ensina à consumidora utilizá-lo.
A idéia de que o RENEW CLINICAL reduz as rugas e não a expressividade se repete
ao longo do texto publicitário, reforçando o conselho do narrador que se mostra amigo, ao
informar o modo de agir do produto na pele e os resultados “testados e aprovados”.
O conselho do narrador assume um tom imperativo “Reduza rugas sem agulhas e sem
toxinas”, marcado por argumentos ideológicos de que o consumir os produtos anti-sinais
satisfaz necessidades materiais e sociais. Esses argumentos mexem com os valores das
consumidoras que acreditam poder ser aceitas no meio em que vivem, apesar da idade. Por
isso, são estimuladas a comprar a felicidade de ter um rosto liso.
No texto dessa propaganda, os verbos no imperativo “reduza”, “aplique” fazem um
apelo direto de consumo e estimulam essa mulher, que sabe não ser modelo de beleza, a
sonhar, a se sentir em plena forma. Essa mulher sabe que os valores de beleza mudaram,
porém apresentam um fundo social e econômico semelhante, já que a sociedade cobra dela o
cuidado com o corpo e sua manutenção.
Destacamos, ainda, na propaganda do RENEW CLINICAL o texto que mostra os
resultados incríveis” do produto. Os números aparecem, como analisamos anteriormente,
como promessa de resultados seguros para as mulheres de meia idade. Esses números são
argumentos que garantem ao consumidor a possibilidade de um viver feliz diante das
mudanças sofridas com a passagem do tempo físico. O rosto que aparece em tamanho menor
traz a informação de que a foto não foi retocada e comprova os dados numéricos que garantem
a felicidade dessa existência.
Diferente da AVON, a NATURA, em seus anúncios, trabalha com o contrato do sério
ao procurar trazer o consumidor para o universo do seu texto e compartilhar de maneira mais
íntima a sensação de se sentir bem, como na propaganda a seguir que mostra o dia do
aniversário de uma mulher como uma data para ser comemorada, mesmo que essa lembre a
passagem do tempo.
As propagandas da NATURA são todas personalizadas, as modelos possuem uma
identidade, uma profissão, o que as faz únicas dentre as mulheres que dividem a mesma
angústia de ver o tempo passar. O modo de organização descritivo do discurso publicitário,
então, acontece, num primeiro momento, com a identificação da mulher que usa o CHRONOS
para, em seguida, ressaltar as qualidades do produto apresentadas no rosto alegre e
descontraído da modelo que experimenta a sensação maravilhosa de fazer aniversário.
A empresa publicitária, ao descrever o produto, intervém explicitamente sobre a sua
qualidade, sobretudo quando diz: “Nunca foi tão gostoso fazer aniversário.”, para, em seguida,
falar sobre a ação do novo CHRONOS ELASTINOL + Noturno e as vantagens que se pode
obter com o seu uso.
O texto “Como a Luciana, que considera o aniversário dela o melhor dia do ano”
constrói uma leitura dupla tanto entre o narrador do anúncio e o consumidor como entre o
consumidor e o texto. O como, conectivo que dá idéia de comparação, permite ao consumidor
desejar a mesma pele e se sentir tão bem quanto a modelo, no dia de seu aniversário. Essa
modelo é real, ou seja, é uma pessoa comum, não é nenhuma estrela de cinema ou uma
menina. Pode-se trocar o nome Luciana, por qualquer outro, o que permite a identificação da
mulher leitora/consumidora com a modelo.
A organização do discurso publicitário nas propagandas da NATURA busca chamar
atenção mais para as mulheres que têm sempre qualidades positivas, porque por meio desses
rostos é possível se chegar a um julgamento do produto CHRONOS, responsável pela
felicidade, satisfação pessoal e social da mulher, que não precisa mais esconder a idade.
O discurso publicitário da NATURA se evidencia por meio de um anunciante que
procura, deseja satisfazer as necessidades pessoais e sociais das mulheres que sempre tiveram
seu lugar na sociedade demarcado historicamente pelos vários conceitos de beleza. Esse
discurso se elabora e se reelabora na relação com o consumidor, confrontando-o com as
imagens reais, criadas para exprimir aquilo que é
positivo e negativo no rosto da mulher intelectualizada, racional, que participa socialmente de
um mundo em que beleza continua sendo fundamental para as relações sociais.
Negativo seria não cuidar da aparência, não usar produtos seguros, testados e aprovados pela
sociedade cosmetológica. Ao buscar a valorização do positivo, o discurso publicitário se
constrói na maneira de dizer ao consumidor o que é bom para ele, e firma seu discurso na
maneira como apresenta o CHRONOS: produto criado a partir de substâncias. BARTHES
(1980), a propósito de substâncias diz que elas são apresentadas “respeitando com diplomacia
todos os valores positivos da mitologia das substâncias.”
Essas substâncias corroboram com “o mito da procura da eterna juventude”, quando o
enunciador dos textos publicitários informa ao consumidor os componentes da fórmula dos
produtos e como essas substâncias são manipuladas para se conseguirem resultados eficazes.
Acabam por se tornar importantes argumentos de persuasão junto ao público que procura se
informar sobre os efeitos das substâncias no corpo, porque se preocupa com a saúde.
A maneira como as agências publicitárias apresentam os produtos define a imagem que
projetam sobre si, o que constitui o ethos nas propagandas que buscam passar, além de
informações, a credibilidade junto aos seus leitores. Dessa forma, a credibilidade se constrói à
medida que se oferecem produtos desenvolvidos por altas tecnologias. O consumidor se
identifica com a mensagem transmitida e passa a consumir os produtos garantidos pela
publicidade que visa a conquistá-lo ao oferecer a realização de sua busca. A busca seria por
um produto que devolvesse a felicidade perdida com o passar do tempo.
Se o ethos não se constrói naquilo que o orador transmite, mas na sua maneira
de dizer, pois é o modo como se mostra que cria certos efeitos de sentido,
pode-se concluir que é o ethos o responsável pela criação das imagens do
enunciador e é ele que lhe garante sua credibilidade. (PAULIUKONIS,
2003:40-41)
A credibilidade desse discurso se dá na interação da publicidade com os consumidores
quando revela a preocupação em proporcionar a esse consumidor um bem- estar físico que é
comprovado pelas imagens de mulheres que representam um mundo em que a busca da
felicidade e sucesso muitas vezes não se concretiza.
A imagem da mulher de meia-idade, portanto, é divulgada como exemplo a ser
seguido, porque agora ela não precisa mais parecer uma menina. Na psicanálise, o processo de
construção da imagem dessa mulher é recorrente, pois se acredita na constituição do sujeito
por meio de uma relação imaginária com outro colocado como modelo. Para Lacan (1989), é
através do imaginário que o sujeito pode aceder às determinações simbólicas, porque, dessa
forma, ele pode constituir-se pelo olhar do outro.
Nesse processo de constituição do sujeito pelo olhar do outro, o rosto passa a ser a
parte do corpo privilegiada como meio de aproximação e manutenção de relações sociais e
ideológicas. As estratégias publicitárias de divulgação da imagem das mulheres de meia-
idade, então, re-estabelecem a relação entre novo e velho, expondo não só as marcas do tempo
no rosto das mulheres, mas também revelando o que ele representa e significa para a
sociedade do século XXI.
A realidade do corpo que entra em decadência com a idade não é negada e, para
corrigir os erros do passado, em que a mulher madura não tinha nenhuma representatividade, a
sociedade é orientada a agir mais racionalmente, na tentativa de controlar o tempo e apreciar o
rosto envelhecido que passou a significar experiência, porque “O verdadeiro não é mais
“aquilo que é”, mas o que os proprietários dos meios de comunicação decidem que deve ser
visto” (COSTA, 2004:229).
2.1 A estratégia discursiva da NATURA
As relações que se estabelecem entre os produtos CHRONOS da marca NATURA e
suas consumidoras “designam lugares determinados na estrutura de uma formação social”
(GADET, 1990). São lugares sociais a partir dos quais se formam imagens da marca/ produto
e da consumidora, lugares esses onde os atos de linguagem presentes nos anúncios são
produzidos.
O quadro a seguir, baseado no esquema sugerido por Pêcheux, no texto de Gadet
(1990:83), ilustrará as relações imaginárias entre A marca NATURA, representada pelo
produto CHRONOS e B - consumidora.
Expressão que designa as
formações imaginárias
NATURA/ CHRONOS
Significação da expressão
O significado do nome
NATURA remete para
natureza ou natural e acaba
por consolidar a empresa
Questão implícita cuja “resposta”
subentende a formação imaginária
correspondente
A NATURA cria um novo
conceito
de beleza via os produtos da linha
CHRONOS, quando afirma que a
mulher pode ser bonita na matur
idade
moderna que procura
potencializar, com alta
tecnologia, os recursos da
natureza, para criar o produto
CHRONOS que garante a
naturalidade das expressões
do rosto ao cuidar da pele
madura.
mulher pode ser bonita na matur
idade
e garante o bem-estar del
a na
sociedade.
Imagem do lugar de A para o
sujeito colocado em A
A marca NATURA é
reconhecida no mercado de
cosméticos como uma
empresa séria que produz o
CHRONOS, referência em
produto antiidade que
promete afastar as marcas do
tempo no rosto e não o
tempo.
Quem sou eu para lhe falar
assim?
NATURA, empresa que
investe em pesquisa para
aperfeiçoar o produto
CHRONOS e oferecer
qualidade testada e
aprovada por especialistas
da área de cosméticos,
mulheres voluntárias e
mulheres inteligentes que
buscam vitalidade para a
pele que muda com o
tempo.
I ( A )
A
A
I (B)
A
Imagem do lugar de B para o
sujeito colocado em A
Os consumidores vêem em
NATURA / CHRONOS a
possibilidade de viver a
felicidade da maturidade. O
CHRONOS é o aliado da
mulher que precisa se cuidar,
e é observada o tempo todo.
Quem é ele para que eu lhe
fale assim”?
Mulheres que buscam
soluções práticas para lidar
com a maturidade
Imagem do lugar de B para o
sujeito colocado em B
Os produtos são criados com o
que há de melhor na natureza
brasileira e testados por
laboratórios de todo o mundo, o
que garante a eficácia da
revitalização da pele.
Quem sou eu para que ele
me fale assim?”
Para as consumidoras da
NATURA o CHRONOS é
a possibilidade delas
conquistarem a beleza na
maturidade e serem aceita
socialmente, sem nenhum
preconceito.
I ( B )
B
B
I ( A)
B
Imagem do lugar de A para o
sujeito colocado em B
As mulheres maduras também
são bonitas, possuem suas
particularidades e para realçá-
las, a NATURA criou
especialmente para ela o
CHRONOS que age no combate
aos sinais do tempo, renovando
as células.
“ Quem é ele para que me fale
assim?”
CHRONOS produto da
NATURA produzido para
oferecer o que há de melhor
no mundo dos cosméticos
para as mulheres maduras,
que exercem atividades
intelectuais as mais
diversas como médicas,
professoras universitárias,
empresárias, etc e buscam
estar sempre apresentáveis
no exercício da profissão.
As formações imaginárias, explicitadas no quadro, delineiam as relações de sujeitos
sociais que determinam e são determinados por formações discursivas que fazem com que
diversos sentidos circulem o tempo todo. Assim, o jogo de imagens estabelecidas por essas
posições-sujeito revela a imagem que a empresa NATURA, responsável pelo CHRONOS,
representada por A, faz das consumidoras, representadas por B.
A empresa NATURA, assim como as consumidoras de seus produtos, ocupa várias
posições sociais nessa interlocução. NATURA e CHRONOS representam imaginariamente
aquilo que as mulheres maduras esperam de um produto para combater os sinais do tempo e
de uma empresa que investe em tecnologia para garantir seu sucesso junto a determinado
público consumidor.
O público consumidor, mulheres de meia-idade, por sua vez, representa para as
empresas/produtos a imagem de um público em potencial, que busca soluções práticas, para se
viver em uma sociedade que impõe formas de se adquirir beleza física. O ponto alto das
propagandas é a promessa de afastar do corpo físico a destruição causada pelas marcas do
tempo.
As condições de produção apresentadas também se fazem presentes no referente como
um objeto imaginário, como mostramos a seguir.
Expressões que designam as
formações imaginárias
CHRONOS, produto criado
para combater os estereótipos
de beleza.
Significação da expressão
Possibilidade de ter uma pele
com aparência jovem, sem
precisar esconder a idade.
Questão implícita cuja resposta
subentende a formação imaginária
correspondente
A sociedade reconhece a beleza
madura, mas não aceita os sinais da
pele.
A I (R )
A
“ ponto de vista” de A sobre o
referente
Produto anunciado de tal forma
que leva a consumidora a
acreditar que o CRONOS foi
desenvolvido para ela.
“De que lhe falo assim?
NATURA, empresa reconhecida
por investir nas relações sociais e
pessoais de seus consumidores e
em ações sociais.
B I ( R )
B
“Ponto de vista” de B sobre R
CHRONOS é um produto que
oferece resultados que
satisfazem a todas as
consumidoras e é testado
clinicamente para comprovar
sua eficácia.
“De que ele me fala assim”?
Produto que antes de ser oferecido
no mercado passa por avaliação
criteriosa de especialistas,
envolvidos na crença de oferecer
Bem-Estar e estar bem.
Nesse quadro, procuramos mostrar como o objeto discursivo constituído pelo produto
CHRONOS influencia as mulheres a comprar mais que um sonho, uma ilusão, pois é um
produto, como mostra a linguagem verbal e não-verbal das propagandas, que atesta o que diz.
O uso do CHRONOS determina práticas discursivas para a aquisição de um comportamento
social, ou seja, as mulheres passam a aceitar o produto como um membro de sua família,
porque esse nome identifica o referente: produto antiidade.
2.2 A estratégia discursiva da AVON
A construção da imagem corporal feminina reflete, sobretudo, a posição que a mulher
conquistou na sociedade. Hoje ela ocupa não só o espaço privado da casa como também o
público, em que mantém relações pessoais, políticas e públicas de sociabilidade. Ao
conquistar o espaço público, uma nova imagem de mulher é construída pela instância do
social e do pessoal. A mulher começa a cuidar mais da aparência que se torna capital para o
contato com o outro, principalmente a de meia-idade, que continua produtiva e precisa
redobrar os cuidados com sua imagem.
Atenta às transformações sociais, a AVON se antecipa à nova situação da mulher e dá
o primeiro passo para que ela conquiste o espaço público. A empresa anuncia em seu site ser a
primeira a abrir o mercado de trabalho feminino com as vendas diretas. E direciona tanto suas
vendas como seus produtos para o público feminino, procurando fazer de cada mulher
consumidora também sua revendedora.
Ao perceber que as necessidades das mulheres mudaram, porque elas cada vez mais
ocupam a rua, mostrando-se, assim, o tempo todo, a AVON também se preocupou em
pesquisar produtos para combater as marcas do tempo na pele daquelas que ocupam esse
espaço, mas não são mais meninas. Lançou, por volta dos anos 90, o RENEW para essa
mulher que deixou de ser apenas mãe, esposa ou dona de casa.
A partir dessa ação, a AVON definiu seu público por meio das propagandas que
apresentam modelos que em nada identificam a mulher moderna, que trabalha, ganha seu
próprio sustento, chora ou ri. A mulher da propaganda da AVON é aquela cuja beleza povoa o
imaginário da beleza perfeita. Os produtos da linha RENEW garantem resultados imediatos,
comprovados pela tecnologia com que são desenvolvidos, mas não fazem a mulher de 30 a 60
anos se reconhecer neles, porque vendem a imagem de um rosto que com certeza não as têm
como modelos.
As mulheres das propagandas da AVON são modelos profissionais e estampam em
seus rostos uma beleza ímpar. Suas peles não apresentam imperfeição, nenhuma marca do
desconforto dos sinais do tempo que denunciam a idade adulta. A imagem dessas mulheres,
então, serve de modelo de identificação tanto para as consumidoras quanto para as
revendedoras da AVON, a partir de formações imaginárias “que se constituem a partir das
relações sociais, que funcionam no discurso”. (ORLANDI, 1996:30) Ou seja, a imagem da
mulher de meia-idade” veiculada na mídia leva a mulher da classe trabalhadora a sonhar com
algo que não está ao seu alcance.
O discurso publicitário, ao anunciar o RENEW como aliado da mulher no combate às
marcas do tempo, tira essa mulher do seu lugar real (mãe, dona de casa e profissional),
colocando-a num lugar de fascinação. Esse lugar de fascinação vira objeto de desejo que leva
a mulher a querer consumir os produtos da linha RENEW.
O rosto da modelo da propaganda da página 68, por exemplo, em nada espelha a
mulher do dia a dia, aquela que precisa se esforçar ao máximo para ter uma pele linda. O
RENEW CLINICAL se apresenta à mulher para realizar a transformação pessoal, já que ela
não dispõe de outros meios, como a cirurgia, para se integrar ao meio social ao qual ela não
pertence.
Não vemos, nas propagandas do RENEW, nenhum apelo às singularidades femininas
que caracterizem a mulher do anúncio como única. O verbo “reduza’ traz como marca
lingüística a segunda pessoa (você), o que confirma a generalização do produto para qualquer
mulher das classes trabalhadoras.
Maingueneau (2001), ao dar instruções para se interpretar um enunciado, observa que,
em determinados contextos, muitas vezes não é preciso um conhecimento lingüístico do
interpretante e sim conhecimentos pragmáticos.É o que vemos no texto da AVON. A
consumidora dos produtos RENEW sabe que uma cirurgia para reparar algumas imperfeições
da pele, que muda de acordo com o passar do tempo, não é nada barata. Também sabe que o
organismo muitas vezes rejeita determinadas toxinas usadas, por exemplo, para anestesiar o
corpo. Essas inferências são possíveis, porque essas informações circulam pela sociedade de
várias maneiras.
O enunciado “Reduza rugas sem agulhas e sem toxinas” compreende os saberes
pragmáticos desse público feminino, e vai convencê-lo a aderir a práticas de anti-
envelhecimento, como a mulher da classe média, a qual supostamente tem acesso ao que há de
melhor no mercado de cosméticos. O RENEW seria o veículo da transformação pessoal das
mulheres de meia-idade das classes trabalhadoras e o elo, a possibilidade de imitar as
mulheres mais refinadas, ou seja, fazer parte da classe de prestígio.
O belo rosto da modelo, apesar de não apelar para as particularidades da mulher
madura, corrobora também para a nova formação discursiva: é possível ser bela ainda que a
idade traga o desfalecimento do corpo. As consumidoras do RENEW, então, são interpeladas
por essa formação discursiva e se imaginam fazendo parte dessa nova ordem social que
valoriza a mulher de meia-idade, quando diz ser possível reverter os sinais do tempo na pele.
É nos rostos bonitos das modelos do RENEW que essas consumidoras se reconhecem, porque,
como argumenta Pêcheux (1988: 163),“a interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso
se efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina (isto é, na
qual ele é constituído como sujeito).”
Para entendermos a construção da identidade das consumidoras da linha RENEW, por
meio das formações imaginárias que estabelecem as relações entre produto e consumidoras,
elaboramos também um quadro com essas formações, a partir das quais a empresa AVON
veicula seus produtos:
Expressão que designa as
formações imaginárias
AVON / RENEW
Significação da expressão
Marca reconhecida
mundialmente por lançar
produtos de qualidade no
mercado de cosméticos.
Questão implícita cuja “resposta”
subentende a formação imaginária
correspondente
O RENEW é um produto criado para
aquelas mulheres que também
querem ser admiradas por todos.
Imagem do lugar de A para
o sujeito colocado em A
Mulheres de um
determinado estrato
social que também
merecem parecer e se
sentir bonita em qualquer
idade.
Quem sou eu para lhe falar assim?
Empresa pioneira em abrir o mercado
de trabalho para mulheres que
passaram a ocupar um lugar na
sociedade.
I ( A )
A
A
I (B)
A
Imagem do lugar de B para
o sujeito colocado em A
Produtos da linha
RENEW testados e
aprovados possuem
garantia e selo de
qualidade conferido por
especialistas.
“Quem é ele para que eu lhe fale
assim”?
Sujeito (mulheres) que se
identificam com os padrões de
beleza da classe média.
Imagem do lugar de B
para o sujeito colocado
em B
Se esses produtos funcionam
com mulheres que passam
pelo mesmo problema, é
porque são realmente bons.
“ Quem sou eu para que ele me
fale assim?”
Sujeito que busca solução para os
sinais da pele que surgem com o
tempo.
I ( B )
B
B
I ( A)
B
Imagem do lugar de A para
o sujeito colocado em B
As mulheres maduras das
classes trabalhadoras
também são bonitas, mas
precisam de cuidados
especiais, porque o tempo
passa, prejudicando o viço
da pele.
“Quem é ele para que me fale
assim?”
Produtos produzidos por empresa
sólida no mercado de cosméticos que
sempre procura oferecer o melhor
para as mulheres que não têm acesso
a todos os recursos para cuidar do
rosto.
As formações imaginárias, apresentadas no quadro, revelam as relações de sujeitos
sociais determinados ideologicamente pelo discurso de que é possível realizar os desejos de
uma aparência jovem, porque há alguém que assegura esse direito, a AVON. Assim, o jogo de
imagem estabelecido por esses sujeitos reforça a imagem que a empresa, representada por A,
faz das suas consumidoras, representadas por B.
A marca AVON, responsável pelos produtos RENEW, representa, junto ao público
feminino, o que imaginariamente se espera tanto do produto quanto da empresa: ambos
oferecem a ilusão de se ocupar novas posições sociais. As consumidoras da AVON, por sua
vez, representam para ela um público promissor na busca da beleza adulta divulgada pela
mídia como exemplo de modelo a ser seguido. Por outro lado, as formações imaginárias
criadas pelas propagandas nos fazem pensar como os sentidos interpelam os sujeitos e
constroem uma imagem de beleza corporal que identifica as mulheres de meia idade.
No quadro a seguir, procuramos mostrar como a AVON busca atrair seus
consumidores na disputa pelo mercado de cosméticos. Para isso, torna-se necessário verificar
as condições de produção apresentadas no referente como um objeto imaginário.
Expressões que designam as
formações imaginárias
RENEW: produto criado para
combater a ação do tempo na
pele.
Significação da expressão
Oferece à mulher a possibilidade
de ela ser aceita socialmente.
Questão implícita cuja resposta
subentende a formação imaginária
correspondente
A sociedade reconhece a beleza
madura, mas não aceita os sinais
da pele nas diversas camadas
socais.
A I (R )
A
“ponto de vista” de A sobre o
referente
O RENEW é o produto cr
iado para
as mulheres que não tê
m condições
de pagar uma cirurgia.
”De que lhe falo assim”?
AVON: empresa reconhecida
mundialmente por investir em
seu público.
B I ( R )
B
“Ponto de vista” de B sobre R
O RENEW é um produto que
garante a recuperação da pele sem
ser preciso a intervenção cirúrgica.
“De que ele me fala assim”?
Empresa que desenvolveu alta
tecnologia em prol da beleza
das mulheres das classes
trabalhadoras.
O objeto discursivo constituído pelo RENEW seduz as mulheres a comprarem um
ingresso para o mundo irreal, o da beleza das mulheres que só estão nas capas de revistas.
Essa forma de ligar as mulheres da classe trabalhadora às mulheres de classe média confirma
o que Orlandi (2003) expõe a respeito da classe média que “no interior do discurso que
propõe o acesso ao conhecimento detido pela classe dominante ou que se atribui a ela viaja
o discurso do poder e da exclusão.”
CONCLUSÃO
De acordo com Costa (2004) “o mal deste século é o corpo”. A necessidade de
ostentar o corpo dentro dos padrões exigidos pela sociedade fez com que novas significações
sobre o rosto ganhassem destaque com os produtos CHRONOS e RENEW, respectivamente
das empresas NATURA e AVON.
A mulher, neste século, conquistou o espaço público, e, ao sair para trabalhar, para
estudar, para se divertir, teve que se reorganizar, para enfrentar cobranças em relação aos
cuidados com o seu corpo, principalmente, com o rosto que denuncia a todos sua idade. Mais
do que nunca ela passou a ter a responsabilidade de adequar seu rosto aos padrões estéticos de
beleza.
Os rostos de belas mulheres em revistas e catálogos dos produtos de beleza
fascinam as mulheres, consumidoras em potencial “da sociedade do espetáculo”(COSTA
2004) que buscam, muitas vezes, o mesmo sucesso de grandes celebridades que aparecem nas
revistas como modelos a serem seguidos, pois “o culto ao corpo vem produzindo uma
obsessão pela forma e pela saúde, que se transformou em uma verdadeira hipocondria
cultural.” (COSTA, 2004:131)
Procuramos, por meio da Análise do Discurso, na vertente de PÊCHEUX, analisar
quatro peças publicitárias dos produtos antiidade da AVON e cinco dos produtos da
NATURA para fazer uma releitura sobre a beleza feminina. A Análise do Discurso, por ter
como objeto próprio o discurso, permitiu que analisássemos formas de interpretação sobre as
novas percepções da imagem facial das mulheres de meia-idade. A relação entre empresas e
consumidoras na “sociedade do espetáculo” ocorre na inscrição da língua e na história de
produção de sentidos, determinando lugares discursivos na sociedade “adequados” aos
sujeitos.
Assim, as peças publicitárias dos produtos CHRONOS e RENEW nos serviram como
uma unidade de análise, tornaram-se representativas de um certo fazer publicitário
perfeitamente atrelado à ideologia do “corpo-espetáculo”.
Dessa forma, os produtos CHRONOS e RENEW, como lugares constitutivos de
sentidos, permitem que os consumidores se identifiquem com um ou outro produto. As
mulheres-consumidoras do CHRONOS e do RENEW reforçam a idéia de que o sujeito não é
origem do seu dizer, assim como também não domina os sentidos que circulam de uma
formação discursiva a outra, quando se deixam interpelar pelo discurso: “você que é
especial”(NATURA) ou se deixa levar pela imagem que a transporta para o mundo das
celebridades (AVON). Os anúncios publicitários, ao massacrarem os consumidores com
imagens de mulheres que cumprem a ordem do culto ao corpo (porque usam os produtos anti-
sinais), instauram diferenças nos processos de identificação com um ou outro produto,
marcando-as nos vários estratos sociais.
Essa análise não se esgota aqui. Ela se deteve na depreensão dos novos conceitos de
beleza, de novos padrões estéticos para as mulheres de meia-idade, a partir do discurso da
propaganda dos dois produtos. O espaço enunciativo das propagandas liga, através do
imaginário, sujeitos de linguagem que se identificam aos mesmos objetivos e ordens para se
alcançar a felicidade no século XXI.
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