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LENI DA COSTA RIBEIRO
A TRAJETÓRIA DE VIDA DE UM JOVEM QUE VIVENCIOU O ROMPIMENTO
DOS VÍNCULOS FAMILIARES E UM LONGO PERÍODO DE ABRIGAMENTO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
PROFESSORA ORIENTADORA
MYRIAN VERAS BAPTISTA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2008
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LENI DA COSTA RIBEIRO
A TRAJETÓRIA DE VIDA DE UM JOVEM QUE VIVENCIOU O ROMPIMENTO
DOS VÍNCULOS FAMILIARES E UM LONGO PERÍODO DE ABRIGAMENTO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Serviço Social, sob a orientação da
Professora Doutora Myrian Veras Baptista.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2008
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BANCA EXAMINADORA
_________________________________
________________________________
________________________________
4
Agradecimentos
À professora e orientadora Myrian Veras Baptista por sua
dedicação, compreensão, paciência e sabedoria, obrigada por tudo.
Aos meus pais, sempre vivos em minha memória. Exemplo de
vida, humildade e determinação. Saudades.
Aos meus queridos irmãos Luiz Carlos, Lenine e Wladimir. Pela
certeza do apoio, da compreensão e do carinho em qualquer momento
de minha vida.
Às minhas adoradas sobrinhas Ana e Laura.
A todos os amigos que me incentivaram, em especial a Catarina
Volic.
Às professoras Doutoras Maria Lucia Carvalho da Silva e Eunice
Terezinha Fávero pela importante contribuição no exame de
qualificação.
Ao Mariano, coordenador do Projeto Passos, pela atenção com
que me recebeu e colaborou com essa pesquisa.
Ao Wilson dos Santos pela disponibilidade e motivação
demonstradas durante o desenrolar da pesquisa de campo, o que tornou
5
possível a realização desse trabalho. Foi uma honra conhecê-lo nessa
caminhada. Admiro sua força transformadora e sua coragem. em
frente e realize todos os seus sonhos.
A todos aqueles que deixei de mencionar, meu reconhecimento e
gratidão.
6
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo conhecer a trajetória de vida
e o modo como um jovem, que perdeu o vínculo com sua família de
origem e vivenciou um longo período de abrigamento, vem construindo o
seu projeto de vida.
Trata-se de investigação qualitativa que se utiliza da metodologia
da história oral. Nela se busca compreender, a partir de um sujeito
tomado como expressão de seu coletivo, as representações que vão se
construindo na particularidade de uma trajetória de vida na qual os
vínculos familiares foram rompidos na infância.
Por meio de uma aproximação analítica a essa trajetória, busca-se
apreender o seu processo de socialização, a construção de sua
identidade, os modos de inclusão social vivenciados, tendo como foco
de análise as possibilidades de construção de um projeto de vida.
7
ABSTRACT
The objective of the present study is to recognize the trajectory of
life and the way how a boy, that lost his original family vinculum and has
lived a long seclusion period, is now constructing a new way of life.
The intent is a qualitative investigation that make use an oral
history methodology. There, we try to understand, through a subject
taken as a colective expression, the representations that have being
constructed by a life trajectory detail where, during childwood, the family
vinculum was broken.
Through an analytical approach of such trajectory, we try to grasp
his socialization process, his identity construction, the social inclusion
ways of life, having as an analysis focus the possibilities of a life project
construction and reconstruction.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................9
CAPÍTULO I - BREVE HISTÓRICO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E
DE ADOLESCENTES.............................................................................................. 19
CAPÍTULO II - CONFIGURAÇÃO DO PROJETO PASSO......................................27
CAPÍTULO III - O RELATO DA TRAJETÓRIA DE VIDA DE UM JOVEM QUE
VIVENCIOU O ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS FAMILIARES E UM LONGO
PERÍODO DE ABRIGAMENTO................................................................................34
CAPÍTULO IV - UMA APROXIMAÇÃO ANALÍTICA A ESSA TRAJETÓRIA DE
VIDA, ASSUMINDO O JOVEM COM UMA EXPRESSÃO DE SEU COLETIVO.....58
4.1 Processo de socialização ......................................................................... 58
4.2 Construção da identidade ..........................................................................68
4.3 Inclusão social..............................................................................................75
4.4 Projeto de vida..............................................................................................84
CONCLUSÃO............................................................................................................89
REFERÊNCIAS..........................................................................................................94
9
INTRODUÇÃO
No período de 1992 a 2000, atuei como assistente social em uma
das Varas da Infância e da Juventude do Estado de São Paulo – VIJ. No
início, as demandas dessa instituição adoção, violência doméstica,
abrigamento, entre outras eram atendidas por toda a equipe do
Serviço Social.
Decorrido certo tempo, a equipe considerou que formar grupos de
assistentes sociais, de modo que cada grupo atendesse a uma
determinada questão, poderia enriquecer a compreensão de sua
problemática. Essa compreensão compartilhada pela equipe serviria de
suporte para o profissional lidar com a complexidade e imprevisibilidade
das situações apresentadas no seu cotidiano de trabalho e, assim,
superar, de certa forma, a falta que sentíamos de uma supervisão.
Desse modo, passei a atuar principalmente com abrigamento cujos
motivos, a princípio, não estavam relacionados à violência doméstica ou
à adoção. Essa maior aproximação com a questão do acolhimento
institucional me permitiu perceber a existência de um número
significativo de crianças e de adolescentes que, por razões diversas,
perderam os vínculos com a família de origem e não puderam ser
inseridos em família substituta, entre outras razões, pela idade tardia.
Por causa da dificuldade de encontrar alternativas para essa
situação, o abrigo tornava-se o principal espaço para o desenvolvimento
dessas crianças e adolescentes. Apesar de eu ter claramente os limites
10
da ação profissional nesses casos, a impossibilidade de encontrar
outros meios para equacionar a questão me causava grande
insatisfação, tanto em relação à precariedade da resposta dada à
situação dessa população, quanto em relação aos sentimentos de
revolta, de conformismo, de incertezas dessas crianças e adolescentes,
com os quais deparei nessa prática profissional e que pareciam
aumentar com a aproximação do desabrigamento, conforme é
explicitado no relato a seguir:
[Cristiane sendo a mais velha do grupo de irmãos, conforme relatório
do abrigo] (...) teme ser mandada embora por ter completado 18
anos. (...) Pediu que fosse colocada sua vontade de ir ao Fórum e
falar com o juiz, pois ela quer que ele fale como vai ficar agora que é
de maior (OLIVEIRA, 2001, p. 172).
Frente a essa realidade, as perguntas que freqüentemente fazia
em meu cotidiano de trabalho era: qual o significado desse abrigamento
prolongado na vida desses adolescentes? O que acontece com eles
após o desligamento institucional, tendo que enfrentar sozinhos
condições sociais semelhantes àquelas que determinaram seu
abrigamento?
Em 2003, foram realizadas duas pesquisas sobre abrigos, uma
nacional e outra no âmbito municipal. Ambas têm como fonte: a
Pesquisa de Abrigos de São Paulo SAS /ORSA/NCA-
PUCSP/AASPTJ-SP
A municipal abrangeu 185 abrigos em um universo de 190.
Constatou 4.847 crianças e adolescentes abrigados entre novembro de
2002 e março de 2003, com a seguinte composição familiar:
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com família e com vínculo...........................................58,2% (2.820)
com família e sem vínculo...........................................22,7% (1.100)
família desaparecida........................................................6,7% (324)
impedimento judicial.........................................................5,8% (281)
sem família.......................................................................4,6% (222)
Essa pesquisa constatou que “A grande maioria dos que
legalmente podem ser adotados (84%) tem entre 8 a 19 anos de idade,
ou seja, são aqueles para os quais pouco existe de chances de adoção.
A adoção não é solução para a maioria dos abrigados. A necessidade
dessa maioria precisa ser incluída na atenção do Poder Público e da
sociedade civil, talvez amesmo como uma política de prioridade para
novas soluções de desabrigamento” (p. 111).
A nacional pesquisou 626 instituições. Nelas se constatou a
presença de 20 mil crianças e adolescentes abrigados, na seguinte
situação familiar:
com família e com vínculo.........................................58,2% (11.640)
com família e sem vínculo...........................................22,7% (4.540)
impedimento judicial......................................................5,8% (1.160)
família desaparecida.....................................................6,7% (1.340)
sem família......................................................................4,6% (920)
Os dados dessas pesquisas indicam ser significativa essa
demanda, conforme parecia na observação empírica. Por entender que
12
essa população merece uma atenção especial, procuro trazer como
questão para minha dissertação o modo como jovens que vivenciaram
um longo período de abrigamento e a ruptura com os vínculos familiares
estão construindo suas vivências após efetivarem o seu desligamento.
Essa questão ainda é pouco conhecida e pouco desperta o
interesse da sociedade para um debate mais amplo. No geral, esses
adolescentes, ao completarem 18 anos, deixam de ser responsabilidade
do Estado, tendo que viver por conta própria. É como se a questão
estivesse na idade dos adolescentes e não nas precárias condições de
vida a que foram submetidos em uma sociedade marcada pela
desigualdade social.
Para melhor nos aproximarmos dessa questão ainda pouco
conhecida, inicialmente fizemos uma pesquisa bibliográfica,
privilegiando estudos dirigidos à história desses adolescentes que, por
diversas razões, perderam os vínculos familiares, permaneceram um
longo período no abrigo, procurando saber como se sua inserção na
vida fora do abrigo.
Dos estudos acessados, apenas dois tratavam dessa questão. Um
deles, ainda referente ao período da ditadura, é o de Roberto da Silva,
Os filhos do governo: a formação da identidade criminosa em crianças
órfãs e abandonadas. Esse estudo indicou a dificuldade de o sujeito,
após longo período de abrigamento, viver longe da tutela institucional.
O outro é o de Anadyr de Carvalho Cunha, O dia seguinte: a vida
além dos muros de adolescentes egressos do Programa Casa de
Convivência FEBEM/DT2. Nele a pesquisadora desvela, após o
13
desabrigamento, um modo de inserção social configurado pela
subalternidade.
Nesse sentido, o objetivo do presente estudo é, por meio de uma
aproximação analítica da trajetória de vida de um jovem, expressão de
seu coletivo, dar visibilidade para uma realidade ainda pouco conhecida,
levantando algumas questões que contribuam para uma prática
profissional comprometida, ética e politicamente, com a realidade
desses sujeitos, o que pode auxiliar na construção de uma identidade
que lhes permita delinear seu próprio projeto de vida após o
desabrigamento.
Na busca de espaço para a realização dessa pesquisa, no II
Seminário Abrigar: Proteção e Cuidado Integral, realizado no final de
2006, tive oportunidade de conhecer o Projeto Passos. Esse projeto
apresenta uma proposta de trabalho adiantada que contempla o tema
de minha pesquisa. Entrei em contato com o seu coordenador,
colocando-lhe meu interesse em tornar esse espaço o meu universo de
estudo. Assim, para um melhor conhecimento sobre esse projeto, foram
realizadas duas entrevistas com o seu coordenador.
Para a escolha dos sujeitos, solicitei a ele a indicação de dois
jovens significativos para a coleta de dados, com o critério de serem
jovens que pudessem melhor expressar suas opiniões sobre sua
trajetória de vida. A outra condição para escolha desses sujeitos foi um
longo período de abrigamento, acrescido da ruptura com os vínculos
familiares.
14
Com a indicação feita pelo coordenador do projeto, entramos em
contato com esses jovens por telefone e marcamos um primeiro
encontro com ambos para me apresentar e iniciar uma vinculação capaz
de facilitar um trabalho construtivo. Minha intenção também era
apresentar o tema da pesquisa e seus objetivos para que pudéssemos
obter a colaboração de ambos.
Nesse encontro, um dos jovens não compareceu, e por ele
também ter se ausentado em outro encontro após o início dos trabalhos,
ficou decidido com minha orientadora que iríamos prosseguir o estudo
com um único sujeito.
Seguir esse estudo com apenas um sujeito apoiou-se no fato de
compreendermos que o sujeito, sendo um ser social, ao relatar sua
história fornece dados consistentes sobre o grupo social do qual faz
parte: “O indivíduo (a individualidade) contém tanto a particularidade
quanto o humano-genérico que funciona consciente e
inconscientemente no homem” (HELLER, 2004, p. 22).
Do mesmo modo, Khoury nos diz que as narrativas estão
imbricadas no contexto social do qual emergem:
As obras de Raymond Williams têm nos servido de apoio para uma
melhor compreensão das narrativas como práticas sociais, como
expressões da experiência vivida, enraizadas no social e interferindo
nele. No seu dizer, por meio da linguagem as pessoas compreendem
e interpretam a realidade; ela é a articulação da experiência ativa e
em transformação; ela é social e ocorre dentro da relação e do
relacionamento. É nesse sentido que tomamos as narrativas como
práticas sociais, portanto em movimento, na dinâmica social vivida.
Tanto fatos como narrativa se constroem nas e pelas redes de
relações em que estão inseridos (KHOURY, 2004, p. 123).
15
Nesse sentido, considerei que Wilson, o depoente dessa pesquisa,
por apresentar capacidade de explicitar de modo crítico as suas
experiências, é expressão de um coletivo, ou seja, de um grupo de
jovens, sem referência familiar, que passou a maior parte de sua vida
em um abrigo. Nessa perspectiva assim se posiciona Goldmann:
Quase nenhuma ação humana tem por sujeito um indivíduo isolado.
O sujeito da ação é um grupo, um “Nós”, mesmo se a estrutura atual
da sociedade, pelo fenômeno da reificação, tende a encobrir esse
“Nós”, e a transformá-lo numa soma de várias individualidades
distintas e fechadas umas às outras. entre os homens uma outra
relação possível além da relação de sujeito a objeto ou da de Eu a
Tu: é uma relação de comunidade que chamaremos o “Nós”,
expressão de uma ação comum sobre um objeto físico ou social
(GOLDMANN, 1979, p. 18-19).
Wilson, o jovem que deu prosseguimento ao nosso trabalho,
mostrou-se desde o primeiro encontro bastante interessado e
colaborativo. Deixamos a seu critério o local e o horário da realização
das entrevistas. Ele escolheu o espaço do Educandário Dom Duarte,
local pelo qual pareceu nutrir um sentimento de pertencimento.
As entrevistas foram realizadas aos sábados, visto que ele estava
vivenciando um período de sua vida com pouca disponibilidade de
tempo por estar concluindo o curso de educação física. Wilson cursava
dois semestres em apenas um, pois tinha a perspectiva de participar de
um intercâmbio cultural na Alemanha, para o que precisava concluir a
faculdade. Ele também estava bastante preocupado com a construção
de seu TCC. Apesar disso, compareceu a todas as entrevistas com
interesse, chegando sempre antes do horário marcado. Mesmo ao
encerrarmos nossos trabalhos, ele se colocou à disposição para novos
contatos caso fosse necessário.
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Com o seu consentimento, gravamos todas as entrevistas e, após
a organização do material coletado, marcamos um novo encontro para
leitura para ele poder alterar ou introduzir outros dados, se assim
desejasse. Por esta ocasião, ele manifestou o desejo de que sua história
fosse relatada utilizando o seu próprio nome – desejo que respeitei
nesta dissertação.
Por se tratar de uma pesquisa exploratória, prescindi de hipóteses
e de um roteiro de entrevista. Nesse sentido, para iniciar nosso trabalho,
foi solicitado a Wilson que nos contasse sua história de vida. No
transcorrer de sua narrativa, configurou-se entre nós uma relação
dialógica. Assim procedemos, tendo por base a experiência profissional
acumulada que nos mostra ser esta a melhor maneira de nos
aproximarmos do outro com possibilidade de troca. E também por
compartilharmos das idéias de Portelli quanto à postura que o
entrevistador deve ter:
Uma entrevista é uma troca entre dois sujeitos: literalmente uma
visão mútua. Uma parte não pode ver a outra a menos que a outra
possa vê-la em troca. Os dois sujeitos interatuando não podem agir
juntos a menos que alguma espécie de mutualidade seja
estabelecida. O pesquisador de campo, entretanto, tem um objetivo
amparado em igualdade, como condição para uma comunicação
menos distorcida e um conjunto de informações menos tendenciosas
(PORTELLI, 1997b, p. 9).
Portelli também nos alerta:
E, se ouvirmos e mantivermos flexível nossa pauta de trabalho, a fim
de incluir nãoaquilo que acreditamos querer ouvir, mas também o
que a outra pessoa considera importante dizer, nossas descobertas
sempre vão superar nossas expectativas (PORTELLI, 1997a, p. 22).
17
Para a organização do material, procurei ser fiel à seqüência em
que Wilson relatou sua história. Entretanto, por se tratar de uma
trajetória de vida que por vezes implica memória, ele retomava um fato
dito anteriormente e o tornava mais claro. Desse modo, optei por unir,
com parênteses, essas falas, mesmo ditas em momentos diferentes.
Outras vezes, considerei que isso poderia distorcer o sentido que ele
dava aos fatos, e os transcrevi na ordem em que ele os dissera, como é
o caso de suas lembranças do tempo vivido no Passos, que o fizeram
lembrar-se do período do Educandário. Assim, em suas falas por vezes
aparecerão em um mesmo momento vivências ocorridas tanto no
Educandário quanto no Passos, e até mesmo momentos vividos fora
da vida institucional.
O primeiro capítulo versa sobre a história da criança
institucionalizada. A preocupação em fazer esse resgate se deu por
tentar entender o modo como, ao longo dessa história, a família e suas
crianças foram tratadas pelo Estado e a repercussão disso na vida
dessas crianças após o desligamento institucional. Nesse capítulo estão
contidos os estudos específicos que fiz sobre os trabalhos de Roberto
da Silva e de Anadyr de Carvalho Cunha, que tratam de como essa
questão se configurou na época da ditadura e nos primórdios do
Estatuto da Criança e do Adolescente ECA. Também faço referências
às iniciativas mais recentes sobre a questão do desabrigamento.
No segundo capítulo, trato do Projeto Passos. Para esse capítulo,
tomei por base duas entrevistas realizadas com o seu coordenador,
tendo sido mantida a maneira dele de interpretar as questões. Algumas
falas foram deslocadas de lugar para dar continuidade a determinada
temática, mas as próprias palavras dele foram mantidas.
18
No capítulo três é apresentado o relato de Wilson sobre sua
trajetória de vida. Transformar o relato do sujeito dessa pesquisa em um
capítulo desse estudo se deu por ele ter como premissa a centralidade
do sujeito e também por considerar que esse procedimento permite
outros modos de análise do material.
O quarto capítulo constitui-se em uma aproximação analítica da
trajetória de vida de Wilson, na qual busco, por meio das categorias que
emergiram de seu discurso, compreender os aspectos marcantes de sua
vida e o modo como ele lidou nos diversos espaços por onde transitou.
19
CAPÍTULO I
BREVE HISTÓRICO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIAAS E
ADOLESCENTES
Para contextualizar a questão da criança e do adolescente
institucionalizados, partimos dos estudos de Baptista (2006) e Rizzini
(2004). Eles revelam que, até o início da década de 1990 a questão
apresentou duas características fundamentais: a desqualificação da
família, implicando uma visão isolada da criança, e a prática do
recolhimento e reclusão como principal instrumento de assistência à
infância no País.
A prática de institucionalização de crianças inicia-se com o
processo de colonização do Brasil, período em que foi criado o primeiro
abrigo, denominado “Casa dos Muchachos”. Ele abrigava crianças
indígenas que, separadas de suas tribos pelos jesuítas, eram
catequizadas e utilizadas como intérpretes na aculturação dos índios.
Nesse período, em decorrência da exploração e da miséria
haviam crianças brancas e mestiças vivendo em situação de rua. Muitas
eram acolhidas por famílias e, freqüentemente, utilizadas como mão-de-
obra gratuita.
A questão da criança abandonada era responsabilidade das
câmaras municipais, função que assumiam com omissão e negligência,
delegando-a para outras instituições, em especial as Santas Casas de
Misericórdia, ou limitando-se a pagar amas-de-leite, que, em muitos
20
casos, eram acusadas de praticar maus-tratos. Em razão do tratamento
dispensado à criança, nessa época era elevado o índice de mortalidade
desses expostos assistidos.
Na Monarquia, o atendimento individual foi substituído pelo asilar.
Por iniciativa da Igreja Católica, foram criadas as Casas de
Recolhimento dos Expostos, que tinham como preceito as práticas
religiosas e o restrito contato com o mundo exterior. Nelas, as crianças
recebiam tratamento diferenciado de acordo com a hierarquia social da
época.
Esse atendimento asilar era organizado mediante a divisão por sexo
e, em muitos casos, mediante a situação legal havia asilos
somente para a proteção de órfãs pobres, filhas de casamento
legítimo, e outros para indigentes, filhas naturais de mães pobres ou
órfãs desvalidas. Havia ainda divisões determinadas pelo critério
racial, ou seja, espaços para órfãs brancas” e outros, para “meninas
de cor” (...) As crianças que viviam nas Casas de Recolhimento dos
Expostos não recebiam nenhuma instrução sistemática: faltavam
planos e objetivos educacionais (BAPTISTA, 2006, p. 27).
A criação das Companhias de Aprendizes de Marinheiros e dos
Arsenais de Guerra foi outro modo de enfrentar a questão da criança
carente.
Analisando-se o número de internos nas companhias durante o
período imperial, percebe-se que as mesmas tiveram importante
participação na “limpeza” das ruas das capitais brasileiras. Milhares
de crianças passaram por estas instituições, mas pouco sabemos de
suas histórias (RIZZINI E RIZZINI, 2004, p. 25).
No tocante ao destino das meninas, a autora comenta que:
Nestes asilos, meninas e moças eram educadas nos misteres do seu
sexo, ou seja, nos trabalhos domésticos e de agulha e na instrução
elementar. O regime conventual seguido por tais instituições impunha
às internas um limitado contato com o exterior. De podiam sair
21
casadas, com dote garantido pela instituição, através de legados e
doações, ou através do favor” dos governos provinciais. indícios
de que o destino mais comum era o de que fossem criadas em casas
de famílias, nem sempre contando com o pagamento pelo seu
trabalho (RIZZINI E RIZZINI, 2004, p. 27).
Nas primeiras décadas do século XX, as profundas
transformações sociais causadas pela industrialização, em especial a
concentração da população na área urbana, deram maior visibilidade à
questão da criança e do adolescente, exigindo do Estado uma resposta
a essa questão. Têm-se assim, no período republicano, a consolidação
da assistência oficial e a criação do Código de Menores.
Observa-se, no entanto, que a atuação do Estado pautou-se, em
especial, em classificar a família como incapaz e culpabilizá-la por sua
situação. Desse modo, proteger a criança era, sobretudo, afastá-la do
convívio familiar.
... com a consolidação da assistência oficial, famílias e menores
estarão exaustivamente inseridos nas práticas discursivas das
instituições produtoras de saberes sobre essa população (...) O
inquérito estatístico publicado em 1939 pelo Juízo de Menores do
Distrito Federal revela que mais de 60% dos requerimentos eram
por internações (...) A produção discursiva de todo o período da
forte presença do Estado no internamento de menores é
fascinante, pelo grau de certeza científica com que as famílias
populares e seus filhos eram rotulados de incapazes, insensíveis
e uma infinidade de rótulos... (RIZZINI E RIZZINI, 2004, p. 30-31).
Desde a aprovação do Código de Menores em 1927, estrutura-se
um modelo de atenção ao menor baseado na centralização do
atendimento oficial. Mas é somente em 1941 que a assistência
centralizada é implantada pelo governo Vargas, com a fundação do
Sistema de Assistência ao Menor SAM, subordinado ao Ministério da
22
Justiça. Porém, esse órgão, marcado pela corrupção e por relações
clientelistas, tem sua finalidade desvirtuada:
Paulo Nogueira Filho publicou em 1956, ano em que deixou a
direção do SAM, uma extensa obra de denúncias sob o título SAM:
Sangue, Corrupção e Vergonha, em que esmiúça a exploração de
menores e a corrupção da “infra-gang” (nos internatos e na sede) e
da “super-gang” (no Ministério da Justiça), que transformavam os
seus internatos em verdadeiras sucursais do inferno, outra
representação corrente da instituição (RIZZINI E RIZZINI, 2004, p.
34-35).
Em 1964, no primeiro ano do governo militar, em substituição ao
SAM é criada a Fundação Nacional do Bem-estar do Menor
FUNABEM. Esse novo órgão nacional, com autonomia financeira e
administrativa, formulou a Política Nacional de Bem-Estar do Menor
PNBM, que tinha como diretriz a valorização da família e a integração do
menor na comunidade. Internar era o último recurso.
Todavia, em razão de sua estrutura altamente centralizadora e da
priorização da internação como medida de segregação dos menores
marginalizados, prevaleceu a cultura da institucionalização. “A antiga
prática de recolhimento de crianças na rua foi intensificada (...) a
FUNABEM de 1967 até junho de 1972, havia recolhido cerca de 53 mil
crianças” (RIZZINI E RIZZINI, 2004, p. 37)
O atendimento era baseado na massificação e separação por
gênero e idade, separando irmãos e parentes. Os complexos, com
capacidade para abrigar em média 100 internos, pautavam-se no
modelo de instituições totais, o que dificultava o contato dos internos
com o mundo exterior.
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Silva (1998) revela que a política de atendimento dessa época, por
vezes, resultou na dificuldade do sujeito em viver longe da tutela
institucional.
Um terço das 370 crianças precocemente institucionalizadas, que
constituem o objeto deste estudo, se orientaram mais tarde para uma
carreira delinqüente; depois disso, uma parte significativa delas se
tornou reincidente e multirreincidente, meros que retratam a
impropriedade das condições a que foram submetidos (...) sobretudo
do ponto de vista da formação de indivíduos autônomos, capazes de
estabelecer com o mundo uma relação livre e independente de uma
instituição de tutela (SILVA, 1998, p. 8-9).
A década de 1980 é marcada por uma ampla mobilização em torno
da denúncia da falência do Código de Menores e da PNBM, o que
resultou, em 1990, na promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente ECA. Instala-se, assim, um novo paradigma de direitos
pautado na proteção integral à criança e ao adolescente.
O artigo 92 do ECA, em seu inciso III, recomenda: atendimento
personalizado e em pequenos grupos. Isso, pressupõe profunda
readequação no atendimento às crianças institucionalizadas,
substituindo o princípio das instituições totais pelo da incompletude
institucional.
Cunha (1999), que estudou o período de transição dos princípios
do Código de Menores para os do ECA, mostrou avanços quanto à
medida de proteção abrigo. Todavia, persistiram resquícios de uma
atuação assistencialista e autoritária. Isso é percebido no tratamento
dispensado a Daniel, um dos sujeitos de sua pesquisa.
24
Ele foi abrigado com 1 ano de idade e perdeu o contato com a
família. Por questionar normas e regras arbitrárias impostas pela casa
de convivência, recebeu o rótulo de rebelde e tratamento desumano:
“Eles me levavam pro hospital e aplicavam sossega leão”. Foi
culpabilizado pelo não-funcionamento da casa e aos 14 anos foi
desabrigado sem qualquer preparo.
Cunha, nas considerações finais, pondera que, “Sob o discurso da
pretensa proteção, em relação aos perigos que possam vir a encontrar
na ‘vida lá fora’, a FEBEM nega aos adolescentes autonomia para
decidir, a respeito de suas vidas...” (1999, p. 176).
Essas condições de abrigamento podem ter contribuído para o
modo subalterno como os sujeitos de sua pesquisa inseriram-se
socialmente:
A “vida fora” dos adolescentes desvinculados da FEBEM ficou
condicionada ao desemprego, ao sub-emprego e a baixos salários.
Portanto, é necessário não a reversão da situação de fato, mas
sobretudo a reversão de uma política vigente que insiste/persiste em
excluí-los do exercício da cidadania (CUNHA, 1999, p. 177).
A pesquisa de Oliveira (2001, p. 173), realizada quase uma
década após o ECA, chama a atenção para o despreparo do
adolescente na condução de sua vida fora da tutela institucional.
O cotidiano da prática profissional mostra que para muitos que
viveram essa experiência, um choque quando devem estabelecer
uma relação com o mundo sem uma mediação institucional.
Percebe-se que mesmo em abrigos que em nada reportam a
vivência em instituições totais, revela-se a dicotomia da vida dentro
dos “muros do abrigo” e “lá fora”. Mesmo não existindo
concretamente, muros invisíveis, que não permitem que a criança
e o adolescente, especialmente os sujeitos dessa pesquisa, com
25
longo período de institucionalização e, em alguns casos, com pouco
convívio familiar, estejam preparados para ele.
Atualmente, mudanças nessa realidade institucional estão sendo
anunciadas.
A pesquisa de Arruda (2006), tendo como categoria central de
análise o cotidiano, versa sobre o processo de reordenamento
institucional do Abrigo Casa Coração de Maria. Ele o evidencia como um
espaço de diversidade e pertencimento e mostra como, na política de
atendimento à criança e ao adolescente, o trabalho desenvolvido em
rede possibilitou a duas adolescentes desse abrigo, Flavia e Jéssica,
condições para a construção de seus projetos de vida após o
desabrigamento, conforme relato a seguir dessas adolescentes:
Minha vida é muito corrida (...) Saindo de casa vou para o serviço,
ralo pra caramba, depois saio do serviço e vou para a faculdade (...)
Depois saio da faculdade, vou para casa, tenho que arrumar o
remédio do nenê, tenho de fazer as coisas (...) Hoje eu dou aula (...)
hoje eu sou professora na creche/EGJ (...) ter feito cursos, como
eu fiz no abrigo. Aprender coisas hiper-legais, como viajar,
conhecer a praia, conhecer tudo isso: o universo (...) Você conhece o
outro mundo e se forma... (ARRUDA, 2006, p. 174).
Bom fora do abrigo você acaba tendo muito mais responsabilidade
(...) Porque você chega fora, não é tão fácil quanto a gente
imagina. É que você tem que se preocupar com as roupas do dia. A
questão do trabalho. Eu vou para o balé até de domingo. Além de eu
dar aulas para eles, em público, eu tenho que arrumar os tapetes,
verificar o palco se está tudo OK, o som tudo... para que tudo saia
perfeito na hora que o som começar, as crianças começarem a
dançar. Saber que elas não vão se machucar porque o aquecimento
que eu dei foi ótimo, maravilhoso. Eu também tenho a
responsabilidade de ser assistente de uma professora. Eu ajudo a
montar as coreografias para ela, digo se a música está legal ou não,
e isso é passado para a coordenação e tem um relatório sobre mim
(...) Sei o que eu faço da minha vida... (ARRUDA, 2006, p. 176).
26
O Programa Abrigar para capacitação de educadores que atuam
em abrigos para criança e adolescentes, financiado pelo Instituto
Camargo Correa, realizou no ano de 2006 sete encontros com 13
participantes de seis abrigos com o seguinte objetivo, acompanhado da
reflexão por eles determinadas:
O objetivo inicial do grupo de trabalho foi pensar parâmetros ou
indicadores que auxiliassem outros abrigos com jovens de 18 anos,
focalizando as discussões no “desabrigamento”. No entanto, no
início das reflexões, surgiu como imperativo o fato do
desabrigamento se iniciar na chegada das crianças e adolescentes
ao abrigo. Faz parte da saída, todo o processo de abrigamento,
sendo os seus princípios, metodologia e concepções instrumentos
fundamentais para a realização da saída e inserção social. O
desabrigamento, portanto, precisa ser uma decorrência de um
abrigamento de boa qualidade (GULASSA; PIETRO, [s.d.], p. 5).
A cultura da instituição total que preponderou no País por mais de um
século revelou-se prejudicial ao desenvolvimento da autonomia das
crianças e adolescentes. Com a promulgação do ECA, o princípio que
passou a nortear as ões direcionadas à crianças e aos adolescente foi o
da incompletude institucional, conforme enunciado no art. 86: “A política de
atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de
um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
Essa perspectiva mostra a importância do atendimento integrado em
rede para a qualidade do processo educativo e formador da identidade das
crianças, conforme se pôde perceber nas falas das adolescentes Flavia e
Jéssica citadas anteriormente.
27
CAPÍTULO II
CONFIGURAÇÃO DO PROJETO PASSOS
O Passos é um projeto da Liga das Senhoras Católicas assumido
desde 1998. Hoje tem uma nova denominação Liga Solidária que
conceitualmente expressa com mais precisão a identidade, a missão e a
própria visão da Liga.
Está localizado na rua Pascoal Zulino, 79, Jardim Rosa Maria,
distrito Raposo Tavares – Butantã, Zona Oeste da cidade de São Paulo.
Possui como recursos comunitários, utilizados pelos adolescentes,
escolas, unidades básicas de saúde, igrejas, pequenos espaços de lazer
como praças, campo de futebol, sendo o espaço do Educandário o mais
utilizado para atividades de lazer.
Trata-se de uma casa alugada com oito quartos, ampla sala de
jantar, cozinha, sala de visitas, cômodos e pertences necessários para
uma residência, com capacidade para atender 20 adolescentes.
Esse projeto nasceu da iniciativa de uma diretora voluntária da
Liga das Senhoras Católicas, senhora Maria Luiza. Ela, em conversa
com os adolescentes abrigados no Educandário Dom Duarte, pôde
perceber o medo vivenciado por eles frente à questão do
28
desabrigamento, em especial para aqueles que não tinham família e
que, portanto, após a saída teriam de viver por conta própria.
Pela inexistência, na política pública, de um projeto voltado para a
faixa etária dos 18 aos 21 anos, e em busca de alternativas que
pudessem equacionar essa questão, essa senhora iniciou, em meados
de 1998, junto com a colega Rosa de Castro, a elaboração e
sistematização de um projeto que pudesse ser uma transição do abrigo
para uma vida social autônoma.
Assim, em 31 de outubro de 1998 nasceu o Projeto Autonomia e
Solidariedade PAS, que posteriormente passou a ser chamado de
Passos. Ele tinha como foco a educação, a escola, o trabalho e as
atividades rotineiras referentes a organização e administração de uma
casa.
Decorridos dois meses do início do projeto, esses objetivos foram
redimensionados por causa da necessidade de se aprofundar na
questão psicológica. A isso, somavam-se a defasagem pessoal, escolar,
a desqualificação profissional, a necessidade de administrar os conflitos
entre os jovens, o medo do enfrentamento da vida fora do abrigo e as
vivências inerentes à fase da adolescência.
Essas questões assumiam uma proporção maior em razão de
esses meninos serem conhecidos como internos tanto dentro como fora
do Educandário. Esse estigma motivava preconceito, discriminação e o
isolamento do próprio menino no Educandário, que se configurava como
um complexo fechado, quase intransponível.
29
Vivenciar e administrar essas questões tornou-se um grande
desafio para a Liga das Senhoras Católicas, confirmando a necessidade
de uma reestruturação ampla e consistente tanto ao vel do abrigo,
quanto da própria instituição.
Desse modo, as experiências apreendidas no Passos motivaram
em 2000 o nascimento do Projeto Renovar. Este representou uma
significativa mudança no Educandário Dom Duarte, a maior unidade
educacional da Liga das Senhoras Católicas. Tal reordenamento
institucional implicava retirar a característica de larista e compor uma
equipe de educadores e de auxiliares, acompanhados por uma equipe
técnica.
Na época, houve forte resistência a essa reestruturação, o que
provocou a mudança na direção do Educandário, na coordenação do
abrigo e na equipe de educadores.
Os lares foram adaptados fisicamente para uma nova linha
pedagógica e o grande refeitório foi trazido para dentro da casa, com o
objetivo de fazer com que ela estivesse em função do acolhimento da
criança e do adolescente.
Concomitantemente a essas mudanças que vinham ocorrendo no
Educandário, o Passos, com dois anos de funcionamento, continuava
refletindo sobre as situações que se apresentavam. Estava,
praticamente, com mesmo número de adolescentes na casa. Isto é, eles
não conseguiram arrumar emprego, nem uma casa para morar.
Ademais, houve uma situação de um jovem que saiu do Passos com
30
emprego e com casa, mas, em decorrência dos revezes da vida, acabou
em situação de rua.
A reflexão sobre o caso dele a experiência da solidão, do medo
de lançar-se para a sociedade sem referência importante como a de
uma família, apenas a institucional impulsionou em 2003 a
sistematização do Núcleo Solidário.
Núcleo Solidário é o agrupamento de adolescentes que têm
afinidade por amizade, por objetivos comuns, e que depois de um, dois
anos de vivência no Projeto Passos, alugam em parceria uma casa e
passam a administrá-la. Juntos, eles reúnem melhores condições de
enfrentamento da vida.
Isso deu um novo referencial ao próprio Projeto Passos e ao
abrigo no sentido do aprendizado de construir um processo e fazê-lo
avançar como um processo se constrói, como ele avança. Há, hoje, seis
núcleos solidários implantados.
O resultado é extremamente positivo: os jovens se encaminharam,
todos estão trabalhando, alguns constituíram família. Então, se nos
reportarmos àquela experiência de solidão absurda de vida e a
confrontarmos a este resultado, encontramos um caminho significativo
para o programa nessa questão do desabrigamento.
Se pegarmos o perfil do adolescente que não tem família, que a
princípio não tem perspectiva de vida, não sabe o que vai acontecer, e
trabalharmos junto com ele as perspectivas de vida, de oportunidades
de enfrentamento e os recursos para o enfrentamento, podemos
31
redimensionar a vida do jovem. Isso se reflete na fala deles: “Se hoje o
projeto fechasse, eu estaria tranqüilo para me virar”.
O que certo no Passos é que se busca trabalhar em parceria
com os jovens. O Passos é o processo do desabrigamento, a transição
do complexo abrigo para a vida social, para a autonomia. Essa transição
é fundamental enquanto se reconhecem os adolescentes, os jovens,
como parceiros. O projeto trabalha com 50% e o jovem precisa ter uma
devolutiva de 50% para ele. As oportunidades serão abertas, porém é
importante os jovens absorverem isso, quererem, investirem,
acreditarem. Isso é a garantia dos resultados e das metas que estão
sendo alcançadas.
também uma outra demanda tanto na questão psíquica quanto
em razão de um déficit pessoal. Isso não é um agravante, mas não pode
ser subestimado; temos que trabalhar com uma outra demanda. Talvez
alguns devam ser assistidos ao longo da vida, pela demanda pessoal, e
para isso nós ainda não temos um caminho, e não é considerado pela
política pública.
Existem situações de depressão mais crônica, da falta de
perspectiva. Isto é, eu não tenho família, então para que eu vou ter que
trabalhar? Para que vou ter que manter uma casa, em razão de quê?
Como vamos trabalhar isso, a princípio, em um prazo de dois
anos, quando na adolescência uma efervescência hormonal, de
sonhos, de idéias? É como se eles não tivessem o direito de sonhar. O
grande ganho nosso é que respeitamos esse direito dos adolescentes.
32
Nós estamos de retaguarda, acompanhando cada caso, sabemos
onde estão todos os 48 meninos assistidos. Sabemos da fragilidade,
enquanto a pessoa vai se organizando na vida, vêm os revés; ela
consegue um trabalho, fica desempregada, tem filho para sustentar.
Então, essas instabilidades tanto financeiras como emocionais são um
provocador intenso ao longo da vida de cada um.
Essa vivência da solidariedade não é um conceito, é um ganho, é
uma prática. A autonomia passa a ser não somente um conceito, mas
uma conquista, um processo que se constrói no dia-a-dia.
A equipe é fortalecida porque nós buscamos entender como ocorre
esse processo para cada adolescente. Não podemos perder de vista
tanto aquilo que está sendo dito, como as necessidades que o jovem
não traz, mas que nós percebemos. Então, esse diálogo se dá na
prática, no enfrentamento, nos embates, nas buscas e nas loucuras que
a adolescência deseja viver nessa fase. Nas loucuras da vida que são
necessidades de auto-afirmação de autoconfiança, que são
fundamentais no processo de enfrentamento dos próprios medos, que
em alguns casos são pavor, não é só medo, é muito mais intenso.
Em algumas situações temos que provocar a saída, porque o
longo tempo do abrigamento vai dar a sensação de que ele será
protegido a vida toda pela instituição. Ele vai fazer de tudo para ficar o
maior tempo possível, vai apresentar sintomas, somatizar. Então, temos
que provocar a saída.
Tudo isso foi possível acontecer porque houve um diagnóstico
muito significativo lá atrás.
33
A Liga tem como missão: “Contribuir com ações socioeducativas
para conscientizar crianças, jovens e adultos de sua dignidade e de seu
potencial transformador”.
Hoje a missão também é visualizada em cores azul, vermelho e
laranja no formato de chamas como se fossem labaredas. Esse
formato simboliza o calor, a intensidade com que devemos desenvolver
esse trabalho, a partir da própria missão que é contribuir com ações
socioeducativas, tendo em vista o sujeito que nós queremos, a pessoa
humana que nós queremos construir nessa sociedade. Então, é dar
instrumentais que não é só o dar, mas construir ferramentas para que a
pessoa tenha essa autonomia e o seu projeto de vida contemplado.
34
CAPÍTULO III
O RELATO DA TRAJETÓRIA DE VIDA DE UM JOVEM QUE
VIVENCIOU O ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS FAMILIARES E UM
LONGO PERÍODO DE ABRIGAMENTO
Minha infância começou, o que eu me lembre, aos 4 anos...
Eu morava com a minha avó no Estado de Pernambuco. Desse
tempo eu lembro de algumas coisas, do lugar onde a gente ficou. Era
perto do Rio São Francisco, tinha muito caju lá. Então eu lembro mais
por causa das regiões. acho que minha avó ficou adoentada e trouxe
eu e minha irmã para São Paulo, para ficar com a nossa mãe, e voltou
para Pernambuco.
s ficamos com nossa mãe uns dois meses. Depois ela
deixou-nos com umas amigas. Deixou minha irmã com a madrinha dela
e eu com uma amiga. Depois sumiu e nunca mais a vimos.
A princípio minha mãe mandou dinheiro para a mulher que cuidava
de mim, para ajudar nas finanças. Depois disso, minha mãe nunca mais
entrou em contato. Aí... a mulher começou a judiar de mim. É tipo maus-
tratos, sempre acontecia... Eu não sabia pedir esmola, aprendi com os
filhos dela e ela falou que foi eu quem lhes ensinou. Até então eu nem
sabia o que era pedir esmola. Mas um dia ela descobriu que os filhos
faltavam na escola e eu não ia para a escola. Minha mãe não tinha dado
35
a certidão de nascimento. ela falou: foi você quem ensinou meus
filhos e bateu, me bateu, deu na telha eu saí, fugi da casa dela...
Fui morar na rua com 6 anos de idade...
Fiquei dois anos morando na rua, morei no Vale do Anhangabaú.
Ah! Eu achava legal. Era melhor do que antes. Ah! Tinha comida
gostosa. Tinha uma par de coisas. Comparado ao que eu comia antes,
eu comia muito mais coisa na rua do que na casa onde eu estava...
você não tinha atenção... entre estar na rua e estar na casa de alguém
que não te quer, eu prefiro ficar na rua, por que na rua eu me virava. Na
rua eu sabia ler e escrever (...) Aprendi pegando o caderno e os livros
da menina e dos meninos da família [substituta] Fui aprendendo
sozinho. Eu aprendia, não tinha... não entrei na escola. E tinha
uma escola perto de onde eu morava, que a mulher não conseguiu
me matricular porque não tinha minha certidão de nascimento.
Na rua tinha proteção dos mais velhos, porque se você ficar
sozinho voroda. Você tem sempre que ir para um lado, eu ia. Os
mais novos iam na frente e os mais velhos ficavam observando.
Então a gente tinha que fazer coisas para os caras, roubar para eles...
roubar carteira, ficar observando se vinha polícia ou não. Até então você
não sabe, então você acha certo o que faz. Quando você fica grande
entende que é errado. fiquei... teve uma batida policial, pegou um
monte de menino.
36
Aí eu fui para a Febem do Tatuapé...
Não era tão ruim. Ah! Tinha comida boa... mas tinha rebelião, tinha
que ficar sempre atento. Era pior que na rua. Bem pior eu acho (...)
tentavam estuprar nós. Os mais velhos, os mais velhos eles sempre
tentavam, tipo pegar a força... A gente sempre ficava de grupo, ficava
sempre atento para não acontecer (...) tomei duas estiletadas na
perna. Uma na perna direita, outra na perna esquerda. Tipo navalha
mesmo, eles me cortaram. Os funcionários da Febem faziam vista
grossas, não se envolviam, porque se envolvessem, faziam rebelião,
rebelião, aí ferrava tudo.
eu não fazia nada. Dormia, comia. Não, não fui para a escola...
Fiquei sem ir para a escola, sabia o que sabia. Fiquei dois anos lá,
saí uma vez só, porque entrou um educador novo e nos levou para
assistir um jogo de futebol.
O contato com os educadores era seco, era meio ditatorial,
sistemático. Faz isso! Não faz isso! Se fizer, apanha. Era bem tecnicista,
bem centrado, bem certo, bem certinho, se não fizesse, apanhava. Não
tinha um contato familiar, mesmo porque sempre mudava. Era um em
um dia, outro em outro dia. Não era sempre o mesmo. Eu também não
lembro, tem coisas que eu apaguei da memória, porque eu quis, ou
porque eu não lembro mesmo.
37
Aí fui para Educandário, foi bom, a melhor coisa que aconteceu na
minha vida...
A primeira coisa que comi foi uma broa, uma broa gostosa. Nunca
mais. Eu não sei quem faz, tentei ver em uma de pão italiano, não
consegui achar. Acho que o Educandário fazia. Eu comi, subi para
o lar 23, teve almoço. no mesmo dia fui para a piscina. No princípio
não queria ficar (...) porque estava acostumado na Febem. A primeira
briga no Educandário já pequei um pau de madeira... foi indo, fui
gostando.
Fiquei de 1989 a 1998. Nesses nove anos fiz muitas coisas ruins,
muitas coisas boas, aprendi muitas coisas boas, muitas coisas ruins. Fui
para escola, me formei, aprendi a ter consciência, a respeitar as
pessoas, a ter dignidade, perspectiva de vida.
Durante a semana ia para a escola, fazia toda a atividade que era
proposta. Fiz curso profissionalizante (...) Panificação, gráfica,
marceneiro, cabeleireiro, corte e costura. Como não tinha o que fazer,
tinha que fazer cursos aqui dentro, eu estudava de manhã e à tarde
estava livre, então não tinha opção se não quisesse fazer, era obrigado.
Nos fins de semana eu ficava no lar, de manhã jogava bola e à tarde, se
tinha sol, ia para a piscina.
(...) No Educandário você se sentia excluído em sentido de
vivência, não era aberto como agora. Agora a comunidade pode entrar.
Antes tinha contato na escola, você não tinha contato com a rua.
Ficava preso aqui. Fiquei preso aqui até meus 16 anos.
38
Você saía mais no Natal, quando algum amigo seu pedia
permissão. E, para pedir permissão, era... Você pedia em outubro para o
juizado assinar em dezembro, dois meses o juizado demorava, na
época. Aí entrou um outro larista, o diálogo ficou entre nós, não precisou
pedir permissão.
Eu passei Natal aqui de ficar sozinho, eu e uma pessoa, eu e
o Edson... finado falecido (...) O Edson entrou no Educandário
primeiro que eu. O Edson entrou em 1988 eu em 1989. O Edson foi o
primeiro moleque que eu fiz amizade. Ele saiu no Natal, foi passar o
Natal com uma família e eu falei para ele: Mano, eu sonhei que você
ganhou um carrinho do “Batman”. No dia que ele voltou: Vem cá, vem
cá, olha o carrinho que eu ganhei, você acertou.
Eu tive pessoas que ajudaram (...) Mas pessoas que atrapalharam
também, pessoas que... eu poderia ser, sei lá, eu poderia ser jogador de
futebol, eu jogava bem. Eu não tive incentivo, eu tinha 14 anos, não era
velho. Aí o diretor do orfanato na época falou: Não, você tem que
começar a arrumar emprego e já se preparar para sair daqui com
dinheiro e com emprego garantido.
Eu fiquei mal pra caramba, fiquei louco, tinha vontade de ir. As
pessoas que eu acho que tinham que incentivar, não tinham voz ativa
para fazer isso. Pessoas que eram formadas em Sociologia, Serviço
Social. Acho que é o mínimo.
Eu jogava razoavelmente bem para minha idade, 13, 14 anos, eu
jogava bem, agora eu sou ruim. Mas na minha idade, se tivesse alguém
39
que falasse: Oh! põe o moleque para jogar, o moleque vai ser bom.
Trabalhar isso.
A gente não teve escolha aqui, as coisas eram impostas. Na minha
época, de 1998 para trás, se você pegar todos os meninos vai ser
assim. Todos vão falar a mesma coisa. Era imposta, era feito do jeito
que eles queriam, era estilo quartel, cabelinho raspado, andar do jeito
que eles queriam. Mas, eu vou fazer o quê? Quando você é criança,
você não tem defesa, e as pessoas que deveriam te defender, não te
defendiam.
E aconteciam coisas que... tipo, o Estatuto da Criança e do
Adolescente não funcionava muito aqui. Aqui a gente apanhava
bastante, apanhava por coisa besta. Apanhava por tirar nota ruim na
escola, porque comia sobremesa antes do prato principal.
Não havia diálogo, se tinha alguma coisa errada não era exposta.
Tanto é que dois dos três educadores que passaram na minha vida no
Educandário, dois deles foram mandados embora por justa causa,
porque bateram, bateram e ficaram marcas. Ah! nós apanhávamos com
varinha de marmelo, mangueira.
Você falava para o responsável na época, ele dizia: É mentira.
Nunca foi até o lar para ver (...) Você vinha falar com a assistente social,
em vez de ela falar [para o educador] falaram que você está batendo
nos meninos, ela falava: O Wilson falou que você está batendo nele.
você apanhava duas vezes, uma antes e outra depois que falou.
40
Eu nunca confiei nas pessoas, porque você falava, elas nunca
acreditavam. Você falava, elas nunca acreditavam, então eu passei a
não falar mais. Eles vinham me bater, eu saía correndo. Entendeu? Não
batiam, chegava a noite era outro vigilante, só que aí eu acordava
esperto, tinha que acordar no outro dia esperto. Esperto porque ia
apanhar o dobro. Entendeu? Você fugia ia apanhar em dobro.
Aqui eu sempre me senti sozinho. Sempre aprendendo sozinho,
aprendendo individualmente, pelo menos eu. No lar era eu e eu.
Porque sempre passaram para nós que iríamos viver sozinhos. Ficar até
os 18 anos, depois morar sozinho, iam mandar para um albergue.
Albergue não, uma casa, pensão, que seria assim, e que a gente teria
que fazer o resto. Eu falava para eles: Ah! sozinho eu moro desde os 4
anos de idade, então não vai fazer diferença.
E a resposta era muito ao da letra, então eles não gostavam,
achavam que era muita inteligência para uma criança, que a criança não
tinha poder de resposta. Não sabiam lidar com as crianças, porque não
tinham uma formação de ensino. Eram pessoas que sabiam cuidar dos
seus filhos e que passaram nas provas, ou seja, por terem uma família
com 4 filhos, pressupõe-se que conseguem tomar conta de 32.
Tem que ter pedagogia, o que está acontecendo aqui. Tem que
ser para 12 crianças um adulto... Para 10 crianças, dois adultos,
presentes, perguntando: você está bem? Tendo aquele feedback
sempre. Você está bem? Está acontecendo alguma coisa?
Porque eu saía do lar, ia para os pés de frutas, ficava lá, pensando
na vida, comendo manga verde, porque ninguém vinha falar comigo. A
41
minha madrinha que perguntava. E eu: Ah! está acontecendo isso, isso
e isso. Mas você está bem? Ah! estou bem, depende do que a senhora
considera como bem, não apanhei hoje, então estou bem. O dia que eu
não apanhava eu ficava feliz. Todo dia eu tomava um tapa. Aí eu
pergunto: você vai fazer isso com seu filho? Eu acho que não.
Eles falavam que eu era revoltado. que eu não entendo como
revoltado. Tem coisas que eu não entendo como ser revoltado. Acho
que você debater um tapa que você levou de uma pessoa que não é seu
pai, não é ser um revoltado. Eu falava coisas que para a idade eram
muito avançadas, eu falava: Vocês não são meus pais, por que vocês
batem em mim? Se eu fosse vocês eu nem me importava, porque vocês
não se importam mesmo, vocês vão se importar se eu quebrar o
braço. Vocês não perguntam para mim como esminha vida, como foi
meu dia na escola, se eu tenho lição de casa.
Eu sempre fui maltratado. Então eu nunca senti falta de nada no
modo como me tratavam. Eu vou ser sincero, eu sempre fui maltratado,
desde criança. Então, quando alguém me trata bem, eu desconfio. Se
me tratam bem, ah!, tem alguma coisa. Tanto é que... isso interfere até
na minha vida pessoal em termos de relacionamento amoroso.
Tem atitude minha que, pô! você assim, cara, você é grosso
com sua namorada. Você não pode ser assim. Mas não sou eu, está no
DNA. Desde criança fui tratado assim, sempre seco.
Acho que sou muito grosso. Grosso, tipo coisa simples, eu não
percebo, entendeu? (...) Coisas simples, coisas de mulher. (...) Tipo
sou homem, não tenho tendência a entender, se você não tem
42
essa sensibilidade de aprender quando criança, então é o dobro. A
maioria das mulheres que casa com os meninos de abrigo sofre em
dobro essa falta de sensibilidade.
Não é que sou grosso. Grosso nem tanto. Acho que eu ainda
consigo perceber alguma coisa por causa da faculdade. Que você
tem que perceber. Mas, falou alguma coisa que é ridícula, a resposta
vem cretina e bem irônica mesmo.
Ainda assim estava feliz, porque acho que foi uma fase boa da
minha vida. Era bem tratado, comparado aos locais que tinha antes. E
algumas pessoas me deram forças para eu acreditar em mim, porque
sempre ouvi dizer que ia ser ladrão, ia ser um lixo na sociedade, ia ser
um verme, um maldito, que ia morrer com 21 anos. Eu estou com 27.
Vários educadores me falavam isso, da Febem, do Educandário,
não da equipe que controla. Educadores que eu falo são os laristas.
Falavam: Você veio da rua, você vai terminar na rua (...) Então meu foco
foi sempre ser... não ser... como posso te dizer, não ser mais um do que
se esperava. Mais um... um lixo, mais um menino que... um
revoltadinho que vai ser... mais cedo ou mais tarde vai morrer, vai ser
ladrão. Então, eu sempre procurei ser o que as pessoas achavam que
eu não iria ser.
Eu sempre procurei calar a boca das pessoas com resultados.
Nunca precisei provar para as pessoas que eu sou bom. para minha
madrinha que foi uma pessoa que me ajudou e que me formou. Ela é a
minha base, meu alicerce. Ela e o esposo dela, o Julio. Foram os
alicerces. Tipo eu era maltratado no lar, ela me recompensava com
43
atenção, me tratava como filho. Sempre falando, o que você quer ser na
vida?
Eles foram a base da minha vida. Pessoas que eu tenho como
visão. Se eu tiver uma família, a base, a minha base de família é a dela.
Princípios, valores a se seguir e sempre trabalhando em conjunto, tanto
o marido como os filhos. Ela me batizou em 1992. Eu tinha 11/12 anos.
Aí, ou seja, passaram mais de 15 anos que ela cuida de mim, cuida até
hoje, me incentiva.
Eu saí do Educandário e fui para o Passos...
Eu não queria ir, que até então queria ir para o Chile [ser jogador
de futebol] Eu tinha juntado dinheiro, tudo bonitinho para ir. me
chamaram de canto e falaram: Não vai, a gente está com um programa
[Passos]. E como as pessoas sempre prometeram coisas para nós e
nunca cumpriram, eu achava que ia ser mais um programa que ia
começar em três meses e terminar em dois. Até então o Passos para
mim era mais um programa ilusionista, mais uma pessoa que queria
descontar imposto de renda em forma de assistencialismo. Entendeu?
Mais uma. As pessoas vinham aqui, prometiam e iam embora. Davam
docinho, enchiam nossa barriga e iam embora. Conseguiam o que
queriam e depois iam embora.
Dona Xinha [senhora Maria Luiza], não. Dona Xinha fez, ficou,
continuou e lutou e está lutando até hoje, foi ela quem montou o Passos.
Só que para conseguir minha confiança (...) eu era rabugento, não
44
confiava, sempre ficava com o atrás, era o último a fazer. Porque
prometiam para nós... tanto é que nas nossas conversas quando
montaram o Passos: Ah! gente, será que vai dar certo? Será? Sei lá, vai
ser igual ao tal cidadão que veio com isso e isso. o Edson: É
verdade, não é? Ah! não sei, vocês vão tentar? Ah! vamos, estamos no
barco mesmo, mais dois anos. Ainda falamos assim: Mais dois anos do
dinheiro dos outros está bom, não é? É melhor, é mesmo, pensando por
esse lado, dinheiro dos outros, comida dos outros, é melhor mesmo.
Aí tinha minha madrinha, ela sempre falou: Vai, você não tem nada
a perder. Tenta, melhor do que você ir para o Chile e no primeiro mês
ficar preso, se você não tiver passaporte. Eu falei: Não! que é isso de se
não tiver passaporte? É livre o comércio. Você está no Mercosul, é livre.
Eu sabia das coisas (...) Eles não, não. Falei: Está bom, vocês tem
até dois meses para me incentivarem a ficar.
ficamos. Fiquei no Passos de 1998 até 2000. Mas oh!, penou, é
difícil você conseguir minha confiança, porque você não tem em quem
confiar. Você passou a vida inteira se confiando sozinho, então para o
Mariano conquistar minha confiança foi difícil (...)
No Passos você podia chegar em casa às 2 horas da manhã. Você
podia ficar até mais tarde assistindo um programa. Podia fazer coisas
que você fala, ridículo, não é? Assistir televisão até às 2 horas da
manhã, para outra pessoa que não conhece a nossa história, é ridículo.
Você está feliz porque está assistindo televisão até mais tarde? Para
nós era legal, porque no Educandário às 10 horas nós estávamos
dormindo
45
No Passos tinha vizinhos, tinha uma tia que nos tratou bem,
uma outra vizinha não foi, tinha muito homem. O povo queria dormir, a
gente ligava o som, como no Educandário não tinha isso, a gente ligava
o som e o eco não atrapalhava ninguém, de um lar para outro tem quase
200 metros de distância. No Passos não, você tem essa parte de
respeito social, de respeito mútuo, você tem que pensar no próximo. No
Passos você tinha contato, você outros rostos, pessoas que não
sabiam quem você era, então te tratavam como se você tivesse pai e
mãe. Então te tratavam como cidadão mesmo. No Educandário, não:
Ah! você é interno, não tem pai, nem mãe.
(...) Não ter pai nem mãe não representou nada. umas partes
assim da vida que você tem dúvidas, sobre questões normais do dia-a-
dia, isso... sexo, camisinha, essas coisas. Você faz e não tem com
quem falar. Faz tudo errado e não tem com quem falar. Mesmo porque
não podia falar, tinha que guardar para você. Mais isso, o resto, as
datas que é de família que você fica triste, Dia das Mães, Dia dos Pais,
Páscoa, Natal, datas familiares. Todo mundo ia para casa... Antes eu
não ia para casa de ninguém, depois comecei a ir para casa da minha
madrinha. comecei a ter noção de família, comecei a ver outras
famílias que só a mãe criou, outras famílias que só o pai criou as
crianças... É difícil... é difícil, mas... você paga pela irresponsabilidade
dos outros. Se eu tenho um filho agora, eu caso e acho que fico o resto
da minha vida com a pessoa mesmo não gostando, mais pela criança.
Porque eu sempre quis ter uma família, então eu acho que ele [filho] não
tem que ser culpado. quando ele tiver uma idade, sim a gente vê,
se não estiver dando certo a gente conversa entre nós e decide.
46
O Passos tinha uma proposta. Tudo o que eu fiz no Passos eu uso
na minha vida e vou usar até morrer. Tudo que é questão de família. O
conceito do Passos foi mais família. A proposta era formar você para a
sociedade. Dentro da sociedade você tem deveres a cumprir. No
Educandário a agente respeitava, porque se não respeitar, toma. No
Passos, não, eles te explicam. Se vocês fizerem isso, vai ser melhor
para isso e para isso. Mas vocês experimentem, façam do jeito que
acharem. Como posso te dizer, te davam um exemplo, você fazia igual
se quisesse ou fazia do seu jeito. Era meio construtivismo. Era tipo, te
mostrava e você interpretava do jeito que você achava que estava certo.
Dentro disso, eles faziam... Você conheceu o Mariano, o Mariano é
um anjo. Nunca falei isso para ele, mas eu acho ele um cara
maravilhoso, um anjo mesmo. Fala, se expressa, te segurança, te
ouve, pode não concordar, mas te ouve, e se ele não concordar, ele
reflete e depois: Oh! você está certo. Então, o que acontecia era isso,
conversavam, ensinavam, a gente aprendia, a gente aprendia, absorvia.
Se tinha discussão, adolescente é adolescente, então você vai ter
discussão. Aí eles começaram a cobrar para que você fale sobre sua
relação com tal pessoa. você começa a escrever, fala: gosto disso
nele e não gosto disso. Você começa a conviver, a debater. No
Educandário não debatia, se brigava era porrada, cada um ia para o seu
canto, ficava na sua cama. No Passos tinha que resolver o problema, e
outra, na hora da escala para fazer as atividades da casa, geralmente
eram duas pessoas, então você tinha que fazer, ah! eu faço o arroz,
você faz o feijão, então beleza, você vai fazer a mistura? Vou, vou fazer
a mistura e assim vai. Dentro das tarefas: Ah! vou limpar aqui embaixo,
você limpa em cima, os quartos, beleza? Beleza! Você vem limpado.
47
Você tinha que conversar porque uma coisa ia depender da outra...
[Passos] era muito melhor. E outra, a gente tinha convivência. No
Educandário você morava junto, mas você não ligava. Os meninos do
Educandário eram irmãos, mas não de sangue, entendeu? E saíam no
fim de semana.
Então, os que ficaram comigo e foram para o Passos são meninos
que, tipo, não tinham família. Era o Edson, o Thiago Costa, o Felipe,
irmão do Thiago. São pessoas que eu conheci desde criança e a gente
foi crescendo juntos. O Thiago Costa, eu sou padrinho da filha dele, a
gente vai ter sempre uma ligação. Tendo uma ligação com o Thiago, eu
vou ter com o irmão dele, o Felipe.
No Passos, a gente se apegou ainda mais com a doença do Edson
[câncer]... o Mariano levou ele nos melhores médicos... ele fez todos os
exames no começo do ano, não apareceu nada. A gente fazia todos os
exames no começo do ano. Depois de três meses apareceu, vai
entender, não é? Você não ter nada e...
O Edson, se ele estivesse vivo, nós íamos ser os dois primeiros do
Passos a se formar, porque o Edson ia se formar em Sociologia e eu em
Educação Física. Então, a gente tinha um projeto, tinha planos. O Edson
era músico, eu sou músico. E a gente conversava. O Edson sempre foi
meu irmão. O Edson foi sempre a minha inspiração. A gente sempre
teve visões diferentes, idéias diferentes, e moramos sempre juntos. A
gente sempre debatia, e não era debate de... Era debate de questões
que era para influenciar e melhorar. Tanto é que, quando ele faleceu, o
mundo acabou... fiquei uns três meses...
48
Aí, no aniversário do Passos em 2003, nós fomos em uma
churrascaria, todo mundo ficou o maior tristão. Estava todo mundo do
Passos, todos os meninos, até os que estavam morando fora.
conversamos e deixamos duas cadeiras vazias, como se fosse para o
Edson e para o Guelf, que estavam ali na presença, tipo, falando,
conversando com os moleques. Viche, foi o maior mal, todo mundo
começou a beber, todo mundo ficou bêbado, começaram a chorar.
Não ficaram bêbados, tomaram algo que deixou mais sensível as
emoções dos meninos.
Viche, eu falo, a gente fala dele até hoje... bate a maior saudade.
Porque ele, ele é um cara tipo assim. Eu dou minhas orientações, eu
sou um cara que orientações para quem quer. Se você não quer, eu
não meço esforços para você querer. Eu sempre achei e sempre vou
achar, para o indivíduo melhorar, ele tem que querer, não é você
impondo a ele o que é bom. Ele tem que saber o que é bom.
O Edson, não, o Edson tinha essa facilidade de saber dar a
opinião dele e mudar a pessoa (...) Ele era um cara que o que você
falasse... Eu me espelhei nele. A gente era do mesmo lar, então a gente
sempre se defendia. Moramos juntos, teve a convivência, pode-se dizer
que foi irmão. O cara era bom. Deve estar bem agora, com Deus.
49
Eu saí do Passos no dia 14/09/2000...
Depois de nove meses que eu tinha conseguido emprego.
procuramos casa, fui morar perto da minha madrinha, minha madrinha
não queria que eu morasse tão longe. A casa da sogra dela estava para
alugar, eu acabei alugando. Paguei aluguel, tudo eu pagava.
Achei melhor sair porque já estava preparado, na época, para
morar sozinho e seguir minha vida caminhando com minhas próprias
pernas, sendo que eu tive muita ajuda, então pensei em sair por isso,
tinha sugado tudo que me propuseram, então achei melhor sair.
estava velho para ficar em cima de assistencialismo.
Quando você vive de assistencialismo, algumas pessoas, elas
relaxam porque acham que tudo vai vir na mão, eu usei isso porque
precisei, não tinha como. Então eu sou contra o assistencialismo, a não
ser que você use e depois você procure uma forma para nunca mais
depender dele. Porque, se você precisar de assistencialismo sempre,
vai ser esmola, eu considero como esmola depois que você teve uma
certa utilização dele.
(...) tem que usar quando precisa, não é que eu sou orgulhoso.
Tinha outras pessoas que precisavam, na época, ir para o Passos e
tinha de sair (...) Então achei que estava pronto para viver na sociedade
como um ser da sociedade, como um pagador de impostos (...) Agora
eu pago água, pago luz, posso cobrar se não tiver luz no poste, posso
cobrar o mato que não cortam.
50
Quando eu saí eu acho que representou o fim da formação de um
cidadão, eu saí com 19 anos do Passos, ia fazer 20. Então você
aprende tudo na vida, você acha que está apto a seguir na sociedade,
uma sociedade que te excluiu como ser humano, como uma escória,
algo tipo de ruim. Até então quando você é de Febem ou orfanato,
orfanato as pessoas nem conhecem direito, acham que é Febem.
Um dia, mudando o foco, nós ainda morávamos no Passos e
viemos para o Educandário fazer um curso de computação, montar
currículo, essas coisas. Tem uma Febem aqui em cima na Raposo
Tavares, fugiram, os menores. A polícia passou, nos viu e nos pegou.
Nós estávamos na porta de nossa casa, a gente tinha acabado de fazer
o curso, a gente estava arrumado de bermuda, tênis, suave. falamos:
Nós somos do orfanato aqui. Ah! vocês são da Febem, podem entrar [no
camburão]. Não perguntaram, não pediram RG, meteram para dentro
[do camburão]. Se não passasse um funcionário do Educandário, o
Carlos, todo mundo ia em cana. Então você é discriminado por essa
parte.
Aonde eu vou, tomo enquadre. Talvez seja a cara, que deve ser
feia demais, o jeito de falar. Já tomei mais enquadre, apanhava, agora já
não apanho porque sou universitário. Já apanhei com a namorada do
lado. (...) Falei para ela, marca a placa, marca a placa. O policial : Ah!
você vai na Corregedoria? Vou, lógico que eu vou, estou no meu direito,
não sou vagabundo... eu trabalho. Ele enforcou, deu uns tapas sem
esperar, eles batem sem você esperar... Isso aconteceu várias vezes
(...) enquadre é essencial na minha vida, é um fator assim... meio que
estimulante. Estou sendo irônico.
51
(...) Eu sempre fiz coisas para não ser ladrão, para não depender
desse recurso para sobreviver na vida (...) Minha luta foi sempre sair
desse estigma de acharem que quem vem da Febem, quem mora em
orfanato, vai ser sempre um zero. Não fui eu que escolhi ir para a
Febem, não fui eu que escolhi ir para a rua, não fui eu que escolhi. Dos
meninos que passaram pelo Passos, acho que três se envolveram
[com o crime], um morreu, outro foi preso, saiu e não faz mais, mudou
de bairro, mora fora de São Paulo, e esse que está aí.
Esse canta bem, tem uma voz linda, poderia investir no canto,
mas, pô, a pessoa tem que querer. Eu já falei para ele, eu converso e
ele acha que eu estou zoando, querendo ser mais do que ele. Não é!
Não estou querendo ser mais que ele.
(...) Tem princípios dentro de uma sociedade que você tem que
seguir, não é? (...) você conversa e ele acha: ah!, não, você es
querendo ser mais do que eu. Eu, não, jamais, mesmo porque você é
igual a mim. Viemos do mesmo lugar, a única diferença é que eu abracei
as oportunidades, você não.
Eu acho que, para darem certo essas instituições, vai muito das
pessoas, vai muito do ser que está sendo ajudado. Porque, pô, todo
mundo teve as mesmas oportunidades, eu fiz faculdade. Todos,
que o cidadão não faz por si, não corre atrás. Eu não admito. Eu não
admito interno entrar na vida do crime, eu não admito, eu não aceito, eu
não aceito.
Tem uns que entraram, eu não aceito. Vem falar comigo, eu
converso. (...) Você teve a mesma oportunidade que eu, se você não
52
aproveitou, não quer dizer que você tem que entrar na vida do crime,
porque eu não vou no seu enterro. O último enterro que eu fui foi o do
Edson e é o último que eu vou na minha vida... Eu não vou, eu não vou,
porque eu não acho justo, você passou a vida inteira sendo taxado
como lixo, eles venceram.
Eles venceram, quem duvidava de você venceu. Está vendo, olha
lá, falei que ia ser um vagabundo e é um vagabundo. Eles venceram...
Todos no Passos tiveram as mesmas oportunidades, todos, todos.
Desde a primeira geração até a atual. Porém, quem faz as coisas
acontecerem é o ser humano, o ser que está sendo ajudado, se ele não
for atrás...
(...) Eu tive perspectiva de vida, de não querer ser um lixo, de não
ser chamado mais como um lixo (...) Isso acabou me dando forças,
quando eu via que eu estava decaindo eu lembrava, ah! essa pessoa
falou, falou... O mais gostoso, sabe o que é o mais gostoso? É ouvir a
pessoa que te falou você é um lixo te pedir perdão, falar ah! eu me
enganei...
Mundo do trabalho
Comecei a trabalhar no Educandário como salva-vidas na piscina,
cuidava da piscina junto com o responsável. Depois fui trabalhar na
Fundap , na Cristiano Viana, e na Cosesp, nos dois eu era office-boy.
53
Pelo Passos eu arrumei emprego no Shopping Iguatemi, quem
indicou foi dona Xinha, que conhecia a presidente do local onde
trabalhei. Fiz entrevista, passei. Fiquei de 3 de janeiro de 2000 até
novembro do ano passado, fiquei lá oito anos.
Era office-boy no papel, mas dentro da empresa eu fazia diversas
coisas, daí minha luta por um salário digno, fui pedindo aumento. O ano
passado pedi aumento de janeiro a novembro, em dezembro me
mandaram embora, porque eu estava reclamando muito, pedindo um
salário digno... eu fazia o marketing da empresa, a contabilidade da
empresa, era tipo Severino trabalhava como um condenado e ganhava
pouco, comecei a reclamar... registrado como office-boy, comecei a
reclamar, falei está errado
No começo eu gostava, trouxe responsabilidade, eu mexia com
dinheiro dos outros... tinha essa questão do salário (...) Eu tinha
faculdade para pagar, eu não podia sair, tinha que sair próximo ao
término do curso. Para mim foi uma boa sair, saí com todos os direitos...
O problema é que as pessoas perguntam por que você foi mandado
embora? Algumas pessoas perguntam pensando, ele roubou, você
percebe na lata das pessoas (...) Ah! acho que elas pensam assim. Eu
duvido até da minha mãe, quer dizer, dela eu duvido mesmo. Eu duvido
até da minha alma, o ser humano não é confiável.
54
Projeto de vida
Eu queria ser jogador de futebol. Então, na minha mente, se não
para ser jogador de futebol, para ser técnico de futebol. Para ser
técnico de futebol você precisa ter faculdade de Educação Física. Agora,
não, não precisa. Então, a partir disso eu comecei a construir o meu
mundo.
Eu fiz cursinho para entrar na USP, faltaram 5 pontos para eu
entrar, para fazer escola de Educação Física em Bauru. Fiquei revoltado
pra caramba. fiquei sem estudar... vou ficar suave. Tive uma banda,
toquei, fiz show, me divertia. Passei quatro anos da minha vida fazendo
tudo o que quis. Tudo o que eu queria fazer da minha vida como
pessoa, tipo, tudo o que eu não pude fazer, deixei o cabelo grande, rabo
de cavalo, fiquei louco, fiz tudo o que eu pude fazer, pintei de loiro, fiz
tudo.
depois disso eu fiquei com 23 anos, eu comecei a ver, pô,
estou em um emprego que eu ganho 400 contos. Minha madrinha ficava
me buzinando: Vai fazer faculdade, você não gosta de Educação Física?
Vai fazer Educação Física. Minha madrinha me enchia bastante. Aí
entrei na Uniban.
A minha idéia é trabalhar com educação. Mudar o sistema
educacional. É difícil? É difícil. Educação que eu falo é primeira infância.
Pegar primeira infância na creche, pegar o ensino da à série e
começar a mudar o mundo. Eu quero, eu sei que o governo não vai me
ajudar. Mas, cara, você vai cansar! Eu vou cansar? que minha vida,
55
a minha história vai permitir que eu sempre lute em prol da educação
(...) Porque com a educação é que você vai formar cidadão para uma
sociedade mais justa, justa entre aspas, porque se continuar do jeito que
está vai aumentar a pobreza.
Você pode ter boa-fé, o que eu acho que todos os profissionais da
educação deveriam ter, mesmo sem investimento, mesmo que o
governo não queira, acho que é o mínimo. Você se formou, você tem
que ser profissional (...) Não tem investimento, mas o seu papel é seguir
à risca o que você aprendeu... esse é o seu papel (...) Você não precisa
nada, é só seguir a base nacional de ensino, se seguir, se forma um
cidadão.
Eu escolhi Educação Física por causa disso, para tentar mudar o
mundo através da educação e do esporte (...) Quero ser professor
porque a educação é a base da evolução humana. a pessoa vai falar:
Mas a educação física vai ajudar na evolução humana? Ah! no meu
modo de vida, sim.
Então, dentro da educação física você tem que mostrar para o
aluno que para ele ser, não um atleta, mas uma pessoa de bem, ter
convívio social, ter ética, ter respeito, fazer com que a pessoa contribua
para a sociedade. Aí, se a sociedade e o todo não seguem à risca, o
é problema dele. Ele tem que fazer o papel dele. você fala, uma
andorinha não faz verão. Lógico que faz, se ela sai do inverno do norte e
vem para o sul, as outras seguem. É preciso uma iniciar para os outros
poderem fazer. Então, tem que ter esse conceito, todo mundo tem que
pensar para frente.
56
Depois que eu entrei na faculdade, eu recebo ajuda da presidente
da liga [Liga das Senhoras Católicas], ela falou para todos os meninos
que paga metade da faculdade para quem entrar. E recebo ajuda da
minha madrinha para pagar o aluguel. Porque o que eu ganho não
para fazer os dois, pagar faculdade e pagar aluguel, não dá.
eu fecho o ciclo do Passos, a idéia do Passos é formar cidadão.
Um ensino superior é o fim do processo de cidadão. Não só o ensino
superior. Talvez eu vá para a Alemanha esse ano, representado o
colégio [Educandário] e fico um ano, vou fazer intercâmbio cultural.
Vieram uns alemães para cá como intercâmbio e eles falaram se quiser
pode mandar alguém, que tem que falar inglês ou um pouco de
alemão, por isso estou aprendendo alemão.
(...) Se dez crianças que têm dificuldades vissem a minha história
ou vissem uma palestra minha eu conseguiria mudar seis. Eu
conseguiria mudar a visão de seis ou até mais, entendeu? Porque eu
não precisei de muito, eu usei o recurso que me deram. Eu não
precisei de muito, tem gente que para mudar precisa de muito, querem
que façam por ela.
Eu não, para acontecer, eu fiz para acontecer. Pra pessoa ver, pô,
o moleque está fazendo. Por exemplo, a Alemanha: se eu for é porque
eu estou fazendo. Eu vou passar 11 matérias na faculdade [fazer dois
semestres em um], na intenção de ir para a Alemanha, porque
falaram no ano passado, eu perguntei, eu posso ir? Você pode, mas
tem que estar formado.
57
Meu outro projeto é ter uma família, três filhos. Eu quero que meus
filhos tenham tudo o que eu não tive em termos materiais e em termos
familiares. Não sei o que é o amor de um pai, não sei o que é o amor de
uma mãe. Aliás, não sei nem o que é o amor. Se você perguntar o que é
o amor para mim, vai ser difícil explicar. Vo não sabe o que é o
amor, imagina não tendo o amor de pai, o amor de mãe, amor de
namorada, amor de amigo... meus filhos vão ter tudo o que eu não tive
em todos os sentidos, afetivo, vão ter presença. Vão ter um pai presente
que vai cobrar. Meus filhos vão ter que estudar muito. Nossa, meus
filhos vão sofrer! Quando meu filho estiver com 7 anos, vou levar ele no
Anhangabaú para ver onde o pai dele dormiu... Porque é muito fácil
você educar em casa e não sair com seu filho de dentro de casa. Falar:
Oh! Filho, a vida é diferente, você tem tudo na mão, mas se você não
correr atrás, você vai acabar assim [como morador de rua].
Provavelmente ele não quis estudar.
58
CAPÍTULO IV
UMA APROXIMAÇÃO ANALÍTICA A ESSA TRAJETÓRIA DE VIDA,
ASSUMINDO O JOVEM COMO UMA EXPRESSÃO DE SEU
COLETIVO
4.1 Processo de socialização
A literatura referente ao estudo da vida cotidiana mostra que
nascemos em um mundo objetivado e, para nele nos vincularmos, é
imprescindível assimilarmos os modos de ser de suas relações sociais.
Para Heller (2004, p. 19), nascemos inseridos em uma
cotidianidade, e ao longo de nosso amadurecimento, seus costumes,
normas e ética nos são mediatizados por pequenos grupos como a
família, a escola, a comunidade. Assim, à medida que incorporamos
essas mediações, nos socializamos.
O homem aprende no grupo os elementos da cotidianidade (...) mas
não ingressa nas fileiras dos adultos, nem as normas assimiladas
ganham “valor”, a não ser quando essas comunicam realmente ao
indivíduo os valores das integrações maiores, quando o indivíduo
saindo do grupo (por exemplo da família) é capaz de se manter
autonomamente no mundo das integrações maiores, de orientar-se
em situações que não possuem a dimensão do grupo humano
comunitário, de mover-se no ambiente da sociedade em geral e,
além disso, de mover por sua vez esse mesmo ambiente.
59
Para Berger e Luckmann (1999, p. 173-174), a realidade social é
um processo dialético construído pela simultânea exteriorização,
objetivação e interiorização do homem no mundo social. Dessa forma, o
indivíduo, ao nascer, é levado a tomar parte dessa dialética social, e
para que isso aconteça, é imprescindível ele assimilar o modo de ser de
suas relações sociais.
O primeiro passo para essa assimilação é a interiorização. Por
meio dela, o indivíduo compreende aqueles que lhes são próximos e a
partir desse momento assume o mundo das relações com esses
próximos:
... na forma complexa da interiorização, não somente “compreendo”
os processos subjetivos momentâneos do outro mas “compreendo” o
mundo em que vive e esse mundo torna-se o meu próprio (...) agora,
cada um de nós não somente compreende as definições das
situações partilhadas mas somos capazes de defini-las
reciprocamente (...) Mais importante ainda é o fato de haver agora
uma contínua identificação mútua entre nós. Não somente vivemos
no mesmo mundo mas participamos cada qual do ser do outro
(BERGER; LUCKMANN, 1999, p. 174-175).
Os autores denominam de socialização o processo pelo qual essa
interiorização ocorre. Para eles, dois tipos de socialização: a
primária, isto é, “a primeira socialização que o indivíduo experimenta na
infância, e em virtude da qual torna-se membro da sociedade”, e a
secundária, “qualquer processo subseqüente que introduz um indivíduo
socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade”
(BERGER; LUCKMANN, 1999, p. 175). Nesse sentido, entendemos ser
a socialização um processo contínuo na vida de um indivíduo.
60
Na socialização primária, um alto grau de ligação emocional e
identificação da criança com o seu socializador:
De fato, há boas razões para se acreditar que sem esta ligação
emocional da criança com os outros significativos o processo de
aprendizado seria difícil, quando não de todo impossível. A criança
identifica-se com os outros significativos por uma multiplicidade de
modos emocionais. Quaisquer que sejam, a interiorização se
realiza quando identificação. A criança absorve os papéis e as
atitudes dos outros significativos, isto é, interioriza-os, tornando-os
seus (BERGER; LUCKMANN, 1999, p. 176).
Em razão disso, o mundo mediatizado para a criança será
incorporado por ela como sendo o único possível e não apenas uma
realidade filtrada, segundo a visão do outro que lhe é significativo. Isso
torna o mundo apreendido na socialização primária mais consistente do
que os demais mundos interiorizados nas socializações secundárias:
O mundo da infância, em sua luminosa realidade, conduz a ter
confiança não somente nas pessoas dos outros significativos mas
nas definições da situação dadas por estes. O mundo da infância é
maciça e indubitavelmente real. (...) mais tarde o indivíduo pode
dar-se ao luxo de ter um mínimo de dúvidas (BERGER; LUCKMANN,
1999, p. 182).
A socialização secundária incorporação de outros mundos tem
como base as interiorizações feitas na socialização primária.
Diferentemente da primária, os mundos interiorizados na secundária não
pressupõem identificação e ligação emocional com o outro.
Conseqüentemente, as definições da realidade não apresentam um
caráter inevitável, o que permite ao indivíduo, mais facilmente, colocá-
las em questão. Assim sendo, o fator mais importante na garantia de
sua legitimação é a linguagem, que deve oferecer uma coerência entre o
mundo já interiorizado e as novas aquisições de conhecimento.
61
Wilson, o sujeito de nossa pesquisa, começa o relato de sua
trajetória de vida marcando como início de sua infância os 4 anos de
idade. ”Minha infância começou, o que eu me lembre, aos 4 anos de
idade”.
Nesse momento de sua vida ele sai da casa da avó materna e é
deixado pela mãe na casa de uma família substituta, onde passa a
vivenciar relações mediadas pela violência (violência aqui é entendida
como as situações em que o indivíduo se barrado de concretizar sua
humanidade; confira CIAMPA, 2005, p. 127), o que indicou ter
prejudicado a sua vinculação com o adulto socializador desse grupo
Nesse sentido, os 4 anos de idade marcam o fim de sua infância,
quando sua socialização primária é interrompida e ele é lançado
compulsoriamente em uma socialização secundária marcada pela
necessidade de lidar com um cotidiano adverso, sem identificação com
um outro significativo.
Contudo a infância que não teve fica fazendo falta em sua
trajetória de vida, tanto que ele o nome de infância a um momento
que já não é mais infância, que marca o seu fim.
Nessa família substituta, Wilson provavelmente não encontrou
espaços de identificação. Isso o levou, mais facilmente, a colocar em
questão o mundo aí mediatizado e a reagir a essa violência saindo
dessa casa para enfrentar, por conta própria, um mundo que ele não
conhecia.
62
Assim, aos 6 anos de idade, vai morar na rua: “...entre estar na rua
e estar na casa de alguém que não te quer, eu prefiro ficar na rua,
porque na rua eu me virava”.
Em seu discurso, Wilson mostra o modo como se dão as relações
vividas pelas crianças no espaço da rua: “Na rua tinha a proteção dos
mais velhos, porque se você ficar sozinho, você roda (...) Então a gente
tinha que fazer coisas para os caras, roubar para eles”.
Esses roubos na imediaticidade dos acontecimentos significam um
ato infracional. Mas um significado mais inteiro dessa ação, inscrito na
dinâmica social que a determina, revela ser esse roubo uma maneira
possível de ele garantir sua proteção e sobreviver no mundo sem a
mediação de um outro significativo ou de uma referência familiar.
Percebe-se em seu relato que, por uma vivência de rua, ele
poderia sobreviver enquanto mantivesse um grupo de relações que se
protegiam. Para fazer parte desse grupo havia um preço, que era
contribuir com o produto de roubo. Ele participa do grupo, contribui para
a sua manutenção, mas não se identifica, pois em seu discurso não
indicação de relações pautadas na afetividade, suas interações parecem
agregações que visam a autoproteção.
Aos 8 anos ele vai para a Febem. Esse espaço é definido por ele
como sendo pior que o da rua, nele a violência continua sendo a
linguagem mais utilizada nas interações estabelecidas.
63
Ela está presente entre os pares: “só tentavam estuprar nós, os
mais velhos (...) a gente ficava em grupo, ficava sempre atento para não
acontecer”.
E no descaso dos funcionários: “Os funcionários faziam vista
grossa, não se envolviam, porque se envolvessem fazia rebelião aí
ferrava tudo”.
Então se evidencia um tipo de violência que é a invisibilidade do
direito da criança à proteção. Pois uma ação que causa repulsa na
sociedade, que é o estupro, tem um significado diferenciado por classe.
Ele é tolerado quando se trata de uma criança sob a tutela do Estado.
Até então a história de vida de Wilson evidencia interações
norteadas pela preocupação com a segurança. Ele passa longo período
de sua vida, dos 4 aos 8 anos, sem encontrar um espaço de
identificação.
Ele vai sempre questionando e procurando sobreviver nesse
mundo, mas não se identifica com nada, nem com aquela família
substituta, nem com o mundo da rua, nem com o mundo da Febem.
Em todas essas andanças, ele transita sempre em espaços
limitados de relações, mesmo no mundo da rua. Pois, embora este seja
um espaço fisicamente expandido, as relações parecem restritas àquele
grupo de autoproteção, que fazia incursões na rua, mas não se
relacionava. Ele se agrega a grupos: agrega-se a grupos dos meninos
na rua, dos pequenos na Febem, mas todos no sentido de proteção, não
há espaço para identificação.
64
Diante dessa ausência de afetos e de identificações, a questão
que aqui se levanta é: o que Wilson interiorizou em sua socialização até
esse momento?
Ele tem uma história que vai se formando desde os 4 anos de
idade como alguém que, em razão da perda do outro significativo, está
em embate com o mundo.
Parece que, ao vivenciar por conta própria todas aquelas situações
de insegurança física e psíquica, ele vai interiorizando uma capacidade
de construir o seu enfrentamento.
Ele aprendeu a vida, sua sobrevivência estava condicionada a ele
ter atitudes, não tinha ninguém pensando por ele, em nenhum grupo de
que participou. Isso lhe trouxe um aprendizado de autodefesa, se ele
não aprendesse a se relacionar com o mundo em que estava inserido,
não sobreviveria.
Mas não se conformou com esse mundo. Nele aprendeu a
sobreviver, mas não era o que queria. Isso lhe deu a convicção de que,
para superá-lo, para construir um mundo com algum sentido, tinha que
contestar esse em que estava inserido e aproveitar a primeira
oportunidade que se abrisse em sua vida.
Assim, quando é transferido para o Educandário Dom Duarte,
refere-se a esse fato como sendo “a melhor coisa que aconteceu na
minha vida”.
65
Na família substituta, na rua, na Febem, era desprotegido física e
psicologicamente, não havia propósito nenhum. No Educandário há uma
mudança de qualidade, uma diferença, eles têm um certo
enquadramento institucional de proteção, uma idéia do que querem com
aquelas crianças em termos de estudo, então eles possuem uma
visibilidade. No Educandário Wilson tem acesso aos estudos, tem algo
mais construtivo com relação aos demais espaços em que viveu. Essa
foi a grande mudança na sua vida:
No Educandário fiquei de 1989 a 1998. Nesses nove anos, fiz muitas
coisas boas, muitas coisas ruins. Aprendi muitas coisas boas, muitas
coisas ruins. Fui para a escola, aprendi a ter consciência, a respeitar
as pessoas, a ter dignidade, a ter perspectiva de vida.
Então, significa que no Educandário ele se sentiu protegido. Ele
pode escolher as companhias por identificação e não por proteção. Isso
é um ganho que ele desfruta no Educandario.
O Edson foi o primeiro moleque que eu fiz amizade. Ele saiu
de Natal, foi passar o Natal com uma família e eu falei para ele:
Mano, eu sonhei que você ganhou um carrinho do Batman. No dia
que ele voltou: Vem cá, vem cá, olha o carrinho que eu ganhei, você
acertou
.
Com outros meninos, não houve menção de identificação. Assim,
na hora em que ele não está mais preocupado com a proteção, ele tem
a possibilidade de identificar-se com algumas pessoas e deixar-se
gostar de pessoas. Ele encontra também um espaço mais amplo em
termos de continuação de relação.
66
Por isso, na hora em que ele entra no Educandário, ele diz ter sido
a melhor coisa que aconteceu na sua vida. Nesse lugar houve um
progresso referente à questão da segurança que ficou resolvida,
abrindo espaço para outros sentimentos. Mas continua sendo um mundo
limitado, pois é uma instituição fechada, dentro dela tem todos os
recursos.
Continua tendo uma socialização secundária em um grupo
limitado, ele não transita por diferentes grupos. Passa de uma
desproteção total para uma proteção extrema, isolado do mundo
externo: “No Educandário você se sentia excluído em sentido de
vivência, não era aberto como agora (...) Antes só tinha contato na
escola, você não tinha contato com a rua. Fiquei preso aqui, fiquei preso
até meus 16 anos”.
No contato diário com os laristas persistia, uma mediação pautada
na violência: “O Estatuto da Criança e do Adolescente não funcionava
muito aqui. Aqui a gente apanhava bastante, apanhava por coisa besta,
apanhava por tirar nota ruim na escola, porque comia a sobremesa
antes do prato principal”.
Nessas interações, observa-se que as definições da realidade
traduzidas na socialização secundária objetiva a legitimação do papel
do larista e o controle do comportamento da criança. Isso é percebido
por Wilson que as coloca em questão continuamente, contrapondo-lhe a
capacidade de enfrentamento de situações adversas que acumulou nos
diferentes espaços em que interagiu: ”Sempre passaram para nós que
iríamos viver sozinhos, ficar até os 18 anos e depois morar sozinhos (...)
67
Eu falava para eles: Sozinho eu moro desde os 4 anos de idade, então
não vai fazer diferença”.
Desse modo, até os 12 anos toda a sua experiência com um
adulto socializador é extremamente negativa, ele teve cuidados
institucionais, mas não um adulto cuidador que lhe desse afeto. Parece
que somente aos 11, 12 anos, quando foi batizado por uma funcionária
do abrigo, é que ele pôde vivenciar relações de afeto e ter aquela
condição que deveria ter tido na infância de um outro significativo na
transmissão de valores:
Ela é minha base, meu alicerce (...) Ela e o esposo dela (...) eu era
maltratado no lar e ela me recompensava com atenção, me tratava
como filho. (...) Eles foram a base da minha vida, pessoas que eu
tenho como visão. Se eu tiver uma família, a base da minha família é
a dela, princípios, valores a se seguir (...) Ela me batizou em 1992,
eu tinha 11 ou 12 anos, ou seja, passaram-se mais de 15 anos e ela
cuida de mim até hoje, me incentiva. Pessoas que eu tenho como
visão (...) princípios, valores a se seguir.
Todavia, a falta do outro significativo que marcou sua vida desde
os 4 anos se reflete na desconfiança que Wilson tem do outro: “Eu
nunca confiei nas pessoas (...) eu sempre fui maltratado desde criança.
Então, quando alguém me trata bem, aí eu desconfio”.
Sua ida para o Projeto Passos vai refletir o modo como aprendeu a
conviver com as pessoas, desconfiado e crítico:
O Passos para mim era mais um programa ilusionista, mais uma
pessoa que queria descontar imposto de renda em forma de
assistencialismo (...) é difícil você conseguir minha confiança, porque
você não tem em quem confiar. Você passou a vida inteira se
confiando sozinho, então o Mariano, para conseguir minha confiança,
foi difícil.
68
Ele vem vivenciando relações fechadas, e vai ter interações
expandidas no Projeto Passos. Nele, as mediações o totalmente
diferentes do que até então tinha experimentado na vida. Estabelece
com o coordenador do programa uma relação de confiança, pautada no
diálogo e na alteridade, parece haver um modelo de identificação e
interiorização: “... o Mariano é um anjo, fala e se expressa, te
segurança, te ouve (...) Então, o que acontecia era isso, conversavam,
ensinavam, a gente aprendia, absorvia”.
Para Heller (2004), é adulto o indivíduo que interioriza as
dimensões da dinâmica da sociedade no qual está inserido e nela é
capaz, por si próprio, de orientar-se no sentido de transformá-la
objetivando a satisfação de suas necessidades.
Wilson, ao relatar sua saída do Passos, reflete essa condição de
ser autor de sua própria história: “Achei melhor sair porque estava
preparado, na época, para morar sozinho e seguir caminhando com
minhas próprias pernas”.
4.2 Construção da identidade
Os estudos dedicados à categoria identidade indicam ser esta uma
questão complexa, diretamente imbricada na compreensão da realidade
social.
Assim, uma leitura da realidade que não supera a imediaticidade
com que os fatos se apresentam tende a ocultar o seu movimento, as
suas mediações. Conseqüentemente, por essa perspectiva de análise
69
da realidade, a identidade é concebida a partir do princípio da
permanência do ser, ou seja, como algo imutável, atemporal.
Por esse princípio, o sujeito é previamente definido a partir dos
papéis que lhe são atribuídos desde o seu nascimento, sendo a
expectativa da sociedade a interiorização e reprodução desses papéis
pelo indivíduo.
Em decorrência disso, o indivíduo deixa de ser o sujeito de suas
ações para transformar-se em seu produto. Essa concepção de homem
desprovido de movimento próprio implica desconsiderar os processos de
produção de identidade.
É como se, uma vez identificado o indivíduo, a produção de sua
identidade se esgotasse com o produto (...) Daí a expectativa
generalizada de que alguém deve agir de acordo com suas
predicações e, conseqüentemente, ser tratado como tal (...) Com isso
retira-se o caráter de historicidade da mesma, aproximando-a mais
da noção de um mito que prescreve as condutas corretas, re-
produzindo o social. (CIAMPA, 2005, p. 163).
Essa idéia de identidade é bastante valorizada em espaços que
operam, tendo como perspectiva de ão, caminhos preestabelecidos,
subordinando os interesses dos indivíduos às normas e às regras
institucionais. Neles as relações pautam-se nas ultrageneralizações,
inibindo o exercício da diferença, o que, no geral, é visto com
preconceito.
Conforme nos explica Heller (2004), a ultrageneralização é
necessária para o homem movimentar-se no cotidiano. Todavia, quando
70
ela é refutada pela prática mas continuam a orientá-la, tornam-se
preconceito:
O característico do pensamento cotidiano é a ultrageneralização (...)
Os juízos ultrageneralizadores são todos eles juízos provisórios que
a prática confirma ou, pelo menos, não refuta, durante o tempo em
que, baseados neles, formos capazes de atuar e nos orientar. Se o
afeto confiança” adere a um juízo provisório, não representa
nenhum “preconceito” o fato de se ter “apenas” juízos provisórios
ultrageneralizados. (...) Mas, quando não se trata da orientação na
vida cotidiana e sim de nossa inteira individualidade (...) então
devemos ter a capacidade de abandoná-los ou modificá-los. (...) Os
juízos provisórios que se enraízam na particularidade (...) são pré-
juízos ou preconceitos (HELLER, 2004, p. 34-35).
Por outro lado, quando se busca desvendar a realidade a partir de
suas múltiplas determinações, a identidade passa a ser uma categoria
sócio-histórica que se constrói no movimento contraditório das relações
sociais.
Portanto, por essa abordagem o homem não interioriza
passivamente os papéis que lhe são atribuídos, mas deles se apropria
de maneira ativa. Isso desloca a discussão da identidade do plano
exclusivo do indivíduo isolado para um caminho que incide sobre o
social. Busca-se apreender não apenas o seu produto mas,
principalmente, o seu processo de construção, suas determinações.
Assim, partilhamos da idéia de Martinelli (2005, p. 5):
As identidades, por sua natureza essencialmente dinâmica, criam-se
e recriam-se continuamente no fértil terreno das diferenças, das
alteridades, das diversidades, num verdadeiro jogo dialético onde
pulsam identidades construídas e atribuídas.
71
Assim, identidades atribuídas e construídas se constituem
reciprocamente, sendo a atribuída aquela que, de imediato, espera-se
que o outro assuma numa relação. Ela é um referencial presente em
qualquer interação. E a identidade construída é aquela que, por
mediações pautadas no reconhecimento mútuo, cada pessoa, ao
expressar sua vontade, ressignifica o que lhe é atribuído, num
movimento constante de construção de identidade, síntese sempre
provisória entre o que é atribuído e o que é construído na relação.
“Identidades são, pois, identificações em curso” (SANTOS, 2008, p.
135).
Como nos diz Ciampa (2005), identidade é movimento, é
metamorfose, é transformação. Portanto, para apreendê-la, não
devemos nos perguntar como foi construída, mas como vai sendo
construída.
Wilson, em sua trajetória de vida institucional, diz-nos que na
Febem “O contato com os educadores era seco, era meio ditatorial,
sistemático. Faz isso! Não faz isso!
E no Educandário: “A gente não teve escolha aqui, as coisas eram
impostas (...) era feito do jeito que eles queriam, era estilo quartel,
cabelinho raspado, andar do jeito que eles queriam”.
A descrição de Wilson revela uma estrutura institucional baseada
no cumprimento de exigências externas que regulam o espaço do ser e
no qual a criança tem um limite muito restrito de possibilidade de se
expressar.
72
Na complexidade da construção da identidade dessas crianças,
com vivência institucional muito longa, observa-se que, além de uma
identidade atribuída, aquela que vai sendo exigida delas tendo como
parâmetro apenas a obediência à regra institucional. Isso forja nelas
uma identidade cujo jeito de ser a todos iguala, não havendo espaço
para a individualização.
Observa-se que essa identidade forjada prepara a criança para
uma vida restrita ao espaço institucional. “No Educandário, você se
sentia excluído em sentido de vivência. Não era aberto como agora (...)
Antes tinha contato na escola, você não tinha contato com a rua.
Ficava preso aqui. Fiquei preso até os meus 16 anos”.
Wilson, nesses contextos institucionais, parece vivenciar um
cotidiano desprovido de mediações, o que vai se refletir em um
sentimento de solidão:
Aqui a gente apanhava bastante (...) Não havia diálogo, se tinha
alguma coisa errada não era exposta (...) aqui eu sempre me senti
sozinho, aprendendo sozinho, pelo menos eu. No lar era eu e eu
(...) eu saía do lar e ia para os pés de fruta, ficava pensando na
vida (...) porque ninguém vinha falar comigo.
Nesses espaços, aparentemente esvaziados de movimento, a ele
tentaram impor uma identidade pronta, acabada: “Sempre ouvi dizer que
ia ser um ladrão (...) Falavam: Você veio da rua, você vai terminar na
rua”.
Sendo a identidade uma categoria sócio-histórica que se constrói
na relação com o outro, aqui a pergunta que fazemos é: como o Wilson,
73
vivenciando essas relações desprovidas de sentido, foi construindo sua
identidade? Ou melhor, que movimento essa aparência de permanência
ocultava?
Como vimos, no seu processo de socialização até encontrar sua
madrinha, Wilson não se identificou com nenhum adulto. Ele busca
apreender os modos de ser das relações nos diferentes espaços por
onde andou. Mas, para superar as adversidades com que depara e
construir o mundo que quer para si, ele desenvolve a capacidade de
contestação. Assim, embora vivencie esses espaços restritos de
interações, ele nega a identidade que buscam forjar nele. “Então meu
foco foi sempre ser... não ser... Como posso te dizer? Não ser mais um
do que já se esperava (...) Eu sempre procurei calar a boca das pessoas
com resultados.
Seu movimento tem a intencionalidade de contrapor-se à
expectativa do olhar do outro. É uma atitude de reação a essa visão
ultrageneralizadora, preconceituosa da realidade.
Diante da violação de seus direitos, revela sua resistência e seu
inconformismo. Ao expressar a sua subjetividade, é rotulado como
“revoltado”: “Eles falavam que eu era revoltado (...) Tem coisas que eu
não entendo como ser revoltado. Acho que você debater um tapa que
você levou de uma pessoa que não é seu pai não é ser um revoltado”.
Na relação com a madrinha, inicia um vínculo significativo que lhe
permite a troca, o diálogo, a construção de uma realidade partilhada que
abre outros caminhos a ser percorridos: “Eu era maltratado no lar e ela
me recompensava com atenção, me tratava como filho, sempre falando:
O que você quer ser na vida?”.
74
No Passos encontra um espaço organizado em função do real
interesse dos adolescentes, o que lhe permite expressar sua
subjetividade, conviver com o outro, e suas necessidades são ouvidas e
percebidas.
Adolescente é adolescente, então vai ter discussão. eles
começam a cobrar para que você fale sobre sua relação com tal
pessoa (...) Você começa a conviver, a debater. No Educandário não
debatia, se brigava era porrada, cada um ia para o seu canto, ficava
na sua cama. No Passos tinha que resolver o problema (...) era
muito melhor, lá tinha convivência (...) você tinha que conversar,
porque uma coisa ia depender da outra.
Revela-se um cotidiano cuja construção é partilhada. As
diferenças são negociadas e as contradições impulsionam novas
práticas em uma constante produção/reprodução de identidades.
Percebe-se que Wilson vai construindo sua identidade por meio da
atividade e de sua força de contestação: “Eu sempre fiz coisas para não
ser um ladrão, para não depender desse recurso para sobreviver na
vida”.
Sua intenção é desvelar o quanto essa ultrageneralização, essa
expressão de preconceito, é enganosa, estigmatizadora e prejudica o
seu coletivo: “Minha vida foi sempre sair desse estigma de acharem que
quem vem da Febem, quem vem do orfanato vai ser sempre um zero”.
75
4.3 Inclusão social
Para Martins (2003), exclusão passou a ser um rótulo, amplamente
utilizado a partir dos anos 1990, para explicar todos os problemas que
ocorrem na realidade social. O autor faz uma crítica severa a esse
esquema de rotulações, o qual, ao tentar apreender os fenômenos
dissociados dos processos que os determinam, oculta as mediações
que ocorrem nessa realidade dinâmica e contraditória.
Assim, a exclusão, por não superar a imediaticidade com que os
fenômenos se apresentam, passa a ser concebida como algo “fixo,
irremediável e fatal”. Nesse sentido, Martins considera haver uma
“fetichização do conceito de exclusão” e tem como proposta contrapor a
práxis ao rótulo:
Como se os muitos aspectos problemáticos da realidade social
estivessem à espera de quem os batizasse, lhes desse nome. E não
estivessem à espera de quem lhes descobrisse os significados
ocultos e ocultados, os mecanismos invisíveis da produção e
reprodução da miséria, do sofrimento, das privações. E, sobretudo,
lhes descobrisse as contradições e fragilidades, as brechas que se
abrem na práxis de um vivido capaz de transformar a vida e o mundo
e dar sentido à esperança radical do homem que se humaniza e se
liberta a si mesmo de carências, de pobrezas, na luta de todos os
dias, vivente de distintos tipos de exclusão. Sobretudo carente de
vida com sentido, que essa, sim, é a exclusão historicamente maior e
mais grave (MARTINS, 2003, p. 10).
Desse modo, na análise da realidade social, o seu foco são as
contradições inerentes aos sistemas políticos e econômicos, pois estas
abrem espaço “no interior do que parece forte e dominante,
configurando-se como o campo de ação eficaz dos frágeis”. Por essa
perspectiva de análise, não existe exclusão, existe a contradição:
76
... rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição,
existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos
excludentes; existe o conflito pelo qual a tima dos processos
excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta,
sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva.
Essas reações, porque não se trata estritamente de exclusão, não se
dão fora dos sistemas econômicos e dos sistemas de poder. Elas
constituem o imponderável de tais sistemas, fazem partes deles
ainda que os negando. As reações não ocorrem de fora para dentro;
elas ocorrem no interior da realidade problemática, “dentro” da
realidade que produziu os problemas que as causam (MARTINS,
2003, p. 14)
Nesse sentido, o autor, em substituição ao rótulo exclusão,
apresenta a idéia de exclusão integrativa. Esta, apreendida como
expressão das contradições do sistema capitalista e não apenas a partir
de um viés economicista, implica “interpretação crítica e a reação da
vítima, isto é, a sua participação transformativa no próprio interior da
sociedade que exclui, o que representa a sua concreta integração”
(MARTINS, 2003, p. 17)
Dessa forma, compartilhamos do pensamento de Martins de que
não exclusão; portanto, o problema não está na exclusão, mas sim
nas formas de inclusão de determinados grupos sociais.
A história de Wilson revela de maneira contundente a análise do
autor. Ele, após perder os vínculos com a família de origem, é deixado
em uma família substituta que parece não se preocupar em inseri-lo no
contexto familiar nem em outros espaços, inclusive na escola.
Todavia, como nos diz Martins, as vítimas dos processos
excludentes reagem e buscam meios de se humanizar e libertar-se da
77
carência. Como se observa na fala de Wilson, “na rua eu sabia ler e
escrever (...) aprendi pegando o caderno da menina e dos meninos da
família. Fui aprendendo sozinho. Eu aprendia, não tinha... não
entrei na escola e tinha uma escola perto de onde eu morava”
Na rua, durante dois anos, Wilson vivenciou de forma mais intensa
esses processos excludentes inerentes à sociedade capitalista. Aqui a
pergunta que se faz é: Quais são as possibilidades de reação e
humanização nesse espaço, em especial para uma criança?
É difícil encontrar uma resposta a essa questão, mesmo porque,
no imaginário social, se essas crianças têm alguma visibilidade, ela se
no sentido de serem consideradas uma ameaça para a sociedade.
Parece que se uma inclusão ao avesso, ou seja, pelo risco que
elas representam para a sociedade e não pela situação de risco em que
o Estado e a sociedade as colocam.
Na Febem persiste esse modo de inclusão precária e desumana:
“Era pior que na rua, bem pior eu acho (...) tentavam estuprar nós os
mais velhos (...) os funcionários faziam vistas grossas, não se
envolviam, porque se envolvessem tinha rebelião, aí ferrava tudo”.
Nela, ele vive uma vida sem sentido: “Lá eu não fazia nada.
Dormia, comia. Fiquei sem ir para a escola, sabia o que sabia”. Esta,
como analisa Martins, “é a exclusão historicamente maior e mais grave”
(2003, p. 10).
Todavia, é incluído para ser punido no caso de desobediência às
ordens institucionais: “Faz isso! Não faz isso! Se fizer, apanha”.
78
No Educandário, a inclusão de Wilson começa a ganhar alguma
qualidade. Ele, em razão de sua capacidade de contestação, considera
em suas análises tanto os aspectos positivos quanto os negativos
referentes a esse espaço. Assim, comenta ser este ”a melhor coisa que
aconteceu na minha vida”.
pode finalmente ingressar na escola, o que desejava desde
sua ida para a família substituta, e não precisou mais se proteger da
violência existente na rua e na Febem.
Por outro lado, nos diz: “No Educandário você se sentia excluído
em sentido de vivencia (...) não tinha contato com a rua”. Conta-nos
também da violência dos laristas: “bateram e ficaram marcas. Ah! Nós
apanhávamos com varinha de marmelo, mangueira”.
também a exclusão da possibilidade de compartilhar com o
outro a realidade vivenciada: “Aqui eu sempre me senti sozinho (...) eu
saía do lar e ia para os pés de fruta, ficava lá, pensando na vida, porque
ninguém vinha falar comigo”.
Em outro momento, retoma os aspectos positivos desse lugar,
evidenciando o que Martins denomina de exclusão integrativa: “Ainda
assim estava feliz, porque acho que foi uma fase boa da minha vida. Era
bem tratado comparado aos locais que tinha antes”.
No Passos, sua inclusão se faz tendo por base um sujeito de
direitos: “a proposta era formar você para a sociedade”.
79
Conforme nos diz Martins, “não existe exclusão (...) existe o
conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu
inconformismo, seu mal-estar, sua revolta” (2003,p.14).
Wilson, em sua saída do Passos, mostra como se esse
processo por aqueles que o vivenciam:
Quando eu saí eu acho que representou o fim da formação de um
cidadão, eu saí com 19 anos do Passos. Então você aprende tudo na
vida, você acha que está apto a seguir na sociedade, uma sociedade
que te excluiu como ser humano, como uma escória, algo tipo de
ruim.
Todavia, ainda continua vítima de processos excludentes, sendo
oprimido pelo de polícia: “Aonde vou tomo enquadre”. Mas não deixa de
proclamar sua força reivindicatória e sua crítica corrosiva: “(...) O policial:
Ah! Você vai na Corregedoria? Vou, lógico que vou, estou no meu
direito”.
No mundo do trabalho, sua força reivindicatória o faz lutar contra o
baixo salário e a exploração inerente à ordem capitalista:
Eu era office-boy no papel, mas dentro da empresa eu fazia diversas
coisas, daí minha luta por um salário digno, fui pedindo aumento. No
ano passado pedi aumento de janeiro a novembro, em dezembro me
mandaram embora, porque estava reclamando muito, pedindo um
salário digno.
Após o desabrigamento, tenta ingressar em uma universidade
pública; como não obteve êxito, experimenta, agora livremente, formas
próprias de efetivar sua inclusão: “Eu fiz cursinho para entrar na USP,
80
faltou 5 pontos para eu entrar (...) fiquei sem estudar... vou ficar
suave, tive uma banda, toquei, fiz show, me divertia”.
Depois de vivenciar essa liberdade que pareceu ficar fazendo falta
na vida institucional, ele entra em uma universidade. Atualmente, tem
planos para uma pós-graduação e intercâmbio cultural na Alemanha.
Evidencia, assim, a capacidade de atuar como sujeito de sua história e
transformar as diferentes realidades vivenciadas ao longo de sua
trajetória, realizando a “concreta integração” na sociedade que o privou
de direitos fundamentais.
Outra categoria importante para analisar os modos de inclusão de
Wilson é o sofrimento ético-político, pois permite perceber como a
exclusão é sentida pelos sujeitos que a vivem.
Sawaia (2007), para construção dessa categoria, utiliza o aporte
teórico de Espinosa, Heller e Vigotsky. Ela introduz na análise da
exclusão social a emoção e o sofrimento, qualificando-os de sofrimento
ético-político. Ao priorizar a emoção e o sofrimento, tem por objetivo
garantir a centralidade do sujeito nas pesquisas econômicas e políticas,
pois:
É no sujeito que se objetivam as várias formas de exclusão, a qual é
vivida como motivação, carência, emoção e necessidade do eu (...)
Sem o questionamento do sofrimento que mutila o cotidiano, a
capacidade de autonomia e a subjetividade dos homens, a política,
inclusive a revolucionária, torna-se mera abstração e
instrumentalização (SAWAIA, 2007, p. 98-99).
81
Sawaia, para elaborar essa categoria, recorre ao conceito de
potência de ação de Espinosa; à distinção entre dor e sofrimento
elaborada por Heller e à noção de significado de Vigotsky.
Potência de ação é a interação pautada na criatividade, o que
permite lidar com as vicissitudes da melhor maneira possível; “é o direito
que cada indivíduo tem de ser, de se afirmar e de se expandir, cujo
desenvolvimento é condição para se atingir a liberdade” (SAWAIA, 2007,
p. 111).
Para entender a diferença entre dor e sentimento feita por Heller, é
importante retomar a idéia de ser particular e o ser genérico. O primeiro
é aquele que se relaciona com o mundo motivado por seus interesses
pessoais ou corporativos. O segundo é aquele que percebe o mundo a
partir de questões universais. Nesse sentido, a dor é inerente a qualquer
indivíduo, seja ele particular ou genérico, enquanto o sofrimento é a dor
sentida por aqueles que vivem situações de exclusão ou por aqueles
implicados com causas da humanidade.
Vigotsky reflete sobre a emoção e o sentimento a partir do
significado que eles possuem na vida cotidiana. Assim o fenômeno é
intersubjetivo, portanto histórico e social.
Nesse sentido, o sofrimento ético-político:
... abrange as múltiplas afecções do corpo e da alma que mutilam a
vida de diferentes formas. Qualifica-se pela maneira como sou
tratada e trato o outro na intersubjetividade, face a face ou anônima,
cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são determinados pela
organização social. Portanto, o sofrimento ético-político retrata a
vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época
histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser
tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da
82
sociedade. Ele revela a tonalidade ética da vivência cotidiana da
desigualdade social, da negação imposta socialmente às
possibilidades da maioria apropriar-se da produção material, cultural
e social de sua época, de se movimentar no espaço público e de
expressar desejo e afeto (...) conhecer o sofrimento ético-político é
analisar as formas sutis de espoliação humana por trás da aparência
da integração social, e, portanto, entender a exclusão e a inclusão
como as duas faces modernas de velhos e dramáticos problemas – a
desigualdade social, a injustiça e a exploração (SAWAIA, 2007, p.
104-107).
O relato de Wilson demonstrou que ele vivenciou esse sofrimento
ético-político quando ele menciona com intensa carga de emoção, o
lugar social que os educadores a ele delegaram: “Sempre ouvi dizer que
ia ser ladrão, ia ser um lixo na sociedade, ia ser um verme, um maldito,
que ia morrer com 21 anos”.
O nível de desumanidade presente pareceu repercutir para ele
como uma exclusão do direito de “ser gente”, indicando tê-lo marcado
de tal modo que se transformou em sua maior luta contra esses
processos de exclusão: “Meu foco foi sempre ser... não ser... como
posso te dizer, não ser mais um do que se esperava (...) o que é o mais
gostoso? É ouvir a pessoa que falou você é um lixo te pedir perdão, falar
: Ah! Eu me enganei...”.
Em seu discurso, busca demonstrar estatisticamente a falta de
fundamento desse estigma, pois “dos meninos que passaram pelo
Passos, só três se envolveram [com o crime]”.
83
Nesse sentido, Wilson mostra sua preocupação com a situação de
seu grupo social, porque, dos três meninos que se envolveram com o
crime, um deles ainda continua envolvido e ele não mede esforços para
tentar transformar a vida desse seu amigo:
Este canta bem, tem uma voz linda, poderia investir no canto, mas,
pô, a pessoa tem que querer. Eu falei para ele, eu converso e
ele acha que eu estou zoando, querendo ser mais do que ele, não é!
Não estou querendo ser mais que ele.
Em seu discurso, mostrou sua preocupação com aqueles que,
como ele, vivenciaram processos excludentes, buscando implicar todos
em sua luta: Eu não admito, eu não admito interno entrar na vida do
crime, eu não admito, eu não aceito, eu não aceito”.
A sua trajetória de vida revelou que ele – pautado no que Espinosa
denomina de “potência de ação” pode transformar com criatividade as
situações de vulnerabilidade vivenciadas. E com igual determinação
busca levar o seu exemplo a seus iguais e, assim, contribuir para que
eles aproveitem as brechas que se abrirem para transformar suas
condições de vida: “... se dez crianças que têm dificuldades vissem a
minha história ou vissem uma palestra minha, eu conseguiria mudar
seis, ou a mais, entendeu? Porque eu não precisei de muito, eu só
usei o recurso que me deram (...)”.
84
4.4 Projeto de vida
O homem é um ser de necessidades e o único que, em seu
processo de transformação, não se repete, pois, ao responder a uma
necessidade, cria outras, modificando a si e a natureza. Por isso
podemos dizer que o homem, por sua capacidade teleológica, se
autoconstrói como um ser de projetos, produtor de si e de sua história.
Sendo o homem um ser social, o projeto não se restringe à sua
subjetividade. Portanto, é condição para sua construção a possibilidade
de ele ser, comunicado, compartilhado com o outro.
A idéia central é que, primeiramente, reconhece-se não existir um
projeto individual puro”, sem referência ao outro ou ao social. Os
projetos são elaborados e construídos em função de experiências
sócio-culturais, de um código, de vivências e interações interpretadas
(VELHO, 2008, p. 28).
Assim, por estarem sujeitos à intervenção do outro e às
transformações socioculturais, eles podem ser constantemente
modificados, possibilitando aos indivíduos construir e reconstruir sua
trajetória de vida. Isso implica necessariamente o reconhecimento da
diferença e a possibilidade de escolha do sujeito.
Mas, sobretudo, o projeto é o instrumento básico de negociação da
realidade com outros autores, indivíduos ou coletivos. Assim ele
existe, fundamentalmente, como meio de comunicação, como
maneira de expressar, articular interesses, objetivos, sentimentos,
aspirações para o mundo (VELHO, 2003, p. 103).
85
Outro aspecto fundamental na construção de um projeto são as
condições objetivas para sua realização:
Os projetos individuais sempre interagem com outros dentro de um
campo de possibilidade. Não operam num vácuo, mas sim a partir de
premissas e paradigmas culturais compartilhados por universos
específicos (VELHO, 2003, p. 46).
Ainda segundo Velho (2003, p. 47),
As trajetórias dos indivíduos ganham consistência a partir do
delineamento mais ou menos elaborado de projetos com objetivos
específicos. A viabilidade de suas realizações vai depender do jogo e
interação com outros projetos individuais ou coletivos, da natureza e
da dinâmica do campo de possibilidade.
Podemos concluir da análise de Velho que projeto de vida é
inerente a todos os indivíduos. Todavia, o campo de possibilidade para
sua objetivação não se aplica de modo igualitário para todos os grupos
dentro de uma sociedade capitalista.
Nesse sentido, a questão que se apresenta é: quais são os
campos de possibilidade para construção de um projeto de vida para
jovens com longo período de abrigamento e sem referência familiar?
Wilson, desde a infância, tinha em seu comportamento um projeto.
Pois, mesmo vivendo em um espaço em que lhe é vedada a freqüência
à escola, ele aprende a ler e a escrever sozinho. Isso porque ele tinha
uma intencionalidade: querer mais da vida do que a vida estava lhe
oferecendo, o que já se configura indício de um projeto.
86
Para ele, o ingresso no Educandário representou uma mudança
positiva. ele pode ficar despreocupado com sua proteção e
sobrevivência, é um espaço que também oferece a possibilidade de
estudo, o que vai direcionar e dar base para seu projeto.
Wilson, inserido em campo de possibilidades, começa a
exteriorizar aquilo que estava implícito nele. Em seu discurso, podemos
perceber que a construção de seu projeto foi perpassada por relações
contraditórias que, ressignificadas, serviram de referência ao seu
projeto.
Eu tive perspectiva de vida de não querer ser mais um lixo, de não
ser mais chamado como lixo (...) isso acabou me dando forças,
quando eu via que estava decaindo, eu lembrava, Ah! Essa pessoa
falou... O mais gostoso, o que é o mais gostoso? É ouvir a pessoa
que te falou você é um lixo te pedir perdão, falar: Ah! Eu me enganei.
o projeto é referenciado ao outro no sentido de se contrapor ao
preconceito e de se afirmar perante esse outro.
Aos 14 anos, ele começa a perceber em si um potencial que pode
transformar-se em um projeto profissional:
Eu poderia ser, sei lá, eu poderia ser jogador de futebol, eu jogava
bem. Eu não tive incentivo, eu tinha 14 anos, não era velho. o
diretor do orfanato na época falou: Não, você tem que começar a
arrumar um emprego e se preparar para sair daqui com dinheiro e
com emprego garantido.
O abrigo, se, por um lado, oferece certo campo de possibilidade
para a construção de um projeto, como a segurança e o estudo, por
outro, parece definir um projeto para esse grupo social – manter a
87
sustentabilidade após desabrigamento retirando do adolescente a
possibilidade da escolha.
Na relação com a madrinha, abre-se para ele a possibilidade de
escolha. Ela sempre lhe perguntava: “O que você quer ser na vida?”.
Esta senhora, mesmo depois que ele sai do abrigo, continua a apoiá-lo:
“Vai fazer faculdade, você não gosta de Educação Física? Vai fazer
Educação Física”.
O Projeto Passos pareceu ser outro campo de possibilidade na
construção de seu projeto de vida. A interpretação que faz desse lugar é
que “a idéia do Passos é formar cidadão”.
Nesse espaço, as relações se dão com base no diálogo, ao
comunicar seu projeto ao amigo ele começa a reconstruí-lo: (...) O
Edson ia se formar em Sociologia eu em Educação Física, então a gente
tinha um projeto, tinha planos. O Edson era sico, eu sou sico, e a
gente conversava”.
Wilson, em seu projeto de ter uma família, parece buscar
reconstruir as relações afetivas que ficaram fazendo falta em sua vida
em razão do rompimento dos vínculos com sua família de origem:
Meu outro projeto é ter uma família. Eu quero que meus filhos
tenham tudo o que eu não tive em termos materiais e em termos
familiares. Não sei o que é o amor de um pai, não sei o que é o amor
de uma mãe. Aliás, não sei nem o que é o amor, se você perguntar o
que é o amor para mim vai ser difícil explicar. Você já não sabe o que
é o amor, imagine não tendo o amor de pai, amor de mãe, amor de
namorada, amor de amigo. Meus filhos vão ter tudo o que eu não tive
em todos os sentidos, afetivo... vão ter presença. Vão ter um pai
presente que vai cobrar. Meus filhos vão ter que estudar muito.
88
Wilson não tem um projeto pessoal como tem um projeto de
ação referenciado aos seus iguais. Esse projeto inclui alguns princípios,
é um projeto que tem um valor ético político. Ele nunca se sentiu
respeitado e quer levar ao outro o exemplo de respeito. Seu objetivo é a
expansão e a consolidação da cidadania.
Minha idéia é trabalhar com educação (...) eu sei que o Governo não
vai me ajudar (...) que minha vida, a minha história vai permitir
que eu lute em prol da educação (...) Porque com a educação é que
você vai formar cidadão para uma sociedade mais justa (...) Então
dentro da educação física você tem que mostrar para o aluno que
para ele ser não um atleta, mas uma pessoa de bem, ter convívio
social, ter ética, ter respeito, fazer com que a pessoa contribua para
a sociedade.
89
CONCLUSÃO
A preocupação que norteou este estudo foi o modo como jovens
que vivenciaram o rompimento dos vínculos familiares e um longo
período de abrigamento estão construindo suas vivências após o
desligamento institucional.
Esta pesquisa teve como perspectiva de análise a trajetória de
vida de um sujeito tomado como representante de seu coletivo. Tal
trajetória desvelou o movimento desse jovem para o enfrentamento, a
contestação e a superação da privação dos seus direitos. Desse modo,
mostra que essas crianças e adolescentes não são passivos, eles
resistem à banalização com que a sociedade encara as suas condições
de vida – ainda que, em razão disso, sejam taxados como revoltados.
Assim, na luta contra os processos sociais excludentes que
perpassaram sua trajetória de vida, Wilson revela que seu objetivo não
se reduziu à problemática da subsistência. Ele evidencia sua força
reivindicatória para fazer valer seus sonhos, sua condição de sujeito de
direitos, até atingir o patamar de protagonista na construção de seu
projeto de vida.
Nesse percurso, Wilson mostra como foi se constituindo em um
sujeito político, consciente de que as adversidades que enfrentou no
curso de sua vida são comuns às várias crianças e adolescentes que
como ele são vítimas desses processos sociais excludentes. Essa
percepção o faz delinear um projeto profissional que tem o compromisso
90
com o coletivo do qual faz parte. Pois, por meio de sua prática
profissional, ele pretende “formar cidadão para uma sociedade mais
justa”.
A trajetória de Wilson revelou o que nos diz Carreteiro (2007, p.
89) quanto a “ser o projeto um dos organizadores da existência ao qual
o ser humano não pode escapar”.
Nesse sentido, o desafio posto é garantir condições objetivas para
que esses adolescentes, que vivem um longo período em abrigo,
possam assumir os seus próprios sonhos na construção de seu projeto
de vida.
A história de vida de Wilson evidencia uma condição importante
para a construção desse projeto: a segurança. No momento em que
estava preocupado com sua segurança no seu dia-a-dia, com a
preservação da própria integridade física e psíquica no mundo da rua
e no mundo da Febem –, suas ações e seus projetos eram relacionados
ao aqui e agora, à garantia de sua sobrevivência imediata, da
preservação de seu corpo e de sua mente. Não havia espaço nem
condições objetivas para a construção de um projeto de longo prazo,
talvez não houvesse espaço sequer para o sonho.
Na hora em que ele encontra um espaço no qual se sente
protegido, em que pode se desarmar desse alerta permanente, ou seja,
quando a sua segurança atinge um patamar de estabilidade, ele se
permite delinear um projeto, e começa a pensar o que quer ser na vida,
como se preparar para o futuro.
91
Essa estabilidade também está relacionada ao fato de Wilson não
ter sido transferido de um abrigo para outro, o que lhe permitiu uma
continuidade em sua preparação para a vida e a possibilidade de
fortalecimento de vínculos com algumas pessoas, condições
fundamentais para a construção de seu projeto de vida.
Essa pesquisa revelou ser o Projeto Passos uma alternativa
importante na transição para o mundo da vida autônoma, por ocasião do
desabrigamento de jovens que não contam com o apoio familiar. Esse
espaço permitiu aos adolescentes que a experimentação de uma nova
vida se fizesse sem excessivos sobressaltos, contando com o
acompanhamento de um profissional interessado e cuidadoso até a
conquista de uma autonomia real.
A importância do Projeto Passos para essa transição ficou tão
evidente para Wilson que ele, ao se perceber em condições de ser
independente com a clareza de sua condição de sujeito político,
disposto a lutar pela garantia dos direitos dos outros jovens que
vivenciaram trajetórias semelhantes à sua se desabrigou para
possibilitar a outro essa vivência.
Em que pese a importância dessa alternativa, ela não deve ser a
única, outras necessitam ser incentivadas para atender de forma
diferenciada a essa população. É importante que se construam
diferentes formas de atenção, para que as diversas situações
resultantes de períodos prolongados de abrigamento encontrem
respostas adequadas.
92
Ainda que o ECA nos diga, no Capítulo III, artigo 19: “Toda criança
tem o direito a ser educada no seio de sua família e, excepcionalmente,
em família substituta, assegurada a convivência familiar e
comunitária...”, abrigo continua sendo uma realidade, cuja perspectiva
de ser uma medida provisória e excepcional não foi concretizada.
O relato de Wilson permite perceber em vários momentos o
prejuízo e o sofrimento das crianças e dos adolescentes que ainda não
têm esse direito garantido. Um desses momentos é quando esses
adolescentes vão para o Projeto Passos e constatam: “No Passos você
tem contato, você vê outros rostos, pessoas que não sabiam quem você
era, te tratavam como se você tivesse pai e mãe, então te tratavam
como cidadão”.
Wilson sente que o fato de não ter tido o direito à convivência com
uma família que fosse sua lhe uma condição de “não-cidadãoe que
está conseguindo superar essa condição quando o “olhar do outro” não
detecta essa ausência em suas atitudes e em seu modo de se relacionar
no Projeto Passos.
Em outro momento, como porta-voz de seu coletivo, Wilson
comenta ser o projeto de todos os meninos com os quais convivia no
abrigo, ter uma família. Isso, desvela a falta que esse direito faz na
trajetória de vida desses jovens que, mesmo não podendo contar com
os cuidados de sua família de origem, continuam sendo sujeitos do
direito à convivência familiar e comunitária.
Das palavras de Wilson emerge, então, o principal desafio posto
ao Estado e à sociedade por esses jovens cujas vidas foram truncadas
93
pelo longo abrigamento e pelo rompimento de seus vínculos com suas
famílias de origem: como garantir a esses adolescentes e aos demais
que ainda superlotam os abrigos o direito constitucional de convivência
familiar e comunitária?
94
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