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Quando eu nasci em 1950, meu pai, meu avô, o tio Geraldo que é dono do terno
Camisa Verde e mais alguns irmãos do meu pai e os colegas dele, fizeram uma
brincadeira, que iam criar um terno. Eu nasci em 1950, 14 de outubro, aí eles
começaram aquela brincadeira que iam fazer um terno em louvor a São Benedito,
por que ele era um santo negro, nós devemos louvor a ele por que nós somos
negros, vamos fazer uma capela de São Benedito se Deus quiser. Então, eles
começaram na época do meu nascimento e quando foi em maio foi já a primeira
festa, dia 13 de maio, foi a primeira do ano da frente. Eles iam, tiravam licença na
delegacia para poder fazer passeata e a alvorada naquele dia, pois naquela época
era muito perigoso, não era bem organizado ainda. E daí veio crescendo, e aí as
pessoas participaram da primeira eucaristia, muitos deles, meu avô, meu pai, meus
tios não tinham feito a primeira eucaristia, foi com o padre João Ávila, o instrutor
dele foi o Irmão Pedro, um sacerdote e seminarista muito conhecido naquela
época. Desta época para cá, do 13 de maio para cá, eles começaram a fazer a
participação na Igreja. Participou da primeira eucaristia eles ficaram um ano
preparando com o seminarista irmão Pedro, para poder fazer a primeira eucaristia,
aí que eles liberaram o congado. Eles queriam participar do congado por causa da
Igreja, do movimento da Igreja, queriam fazer a capela de São Benedito. Então
inclusive este São Benedito nosso, esse que nós fizemos a campanha foi o Padre
João Ávila que atuou para irmandade de São Benedito, daí para cá veio dando
continuamento, nunca parou (a festa), sempre em 13 de maio ou no domingo mais
próximo desta data.
(Mário, capitão do Moçambique Camisa Rosa, 2004)
Na fala do capitão fica evidente que a permissão para realização da congada em
Ituiutaba foi condicionada ao processo de conversão dos congadeiros à fé católica. A festa de
Ituiutaba é ainda muito marcada pelo catolicismo, fato do qual se orgulham os congadeiros,
pois os diferencia de outras festas mineiras que expressam seus fortes vínculos com a
umbanda e o candomblé, como acontece em Monte Alegre, Uberlândia e Araguari, por
exemplo. Dizer que a festa de Ituiutaba possui fortes relações com o catolicismo não significa
dizer que ela não possui características da umbanda e do candomblé. Há, inclusive, membros
da congada de Ituiutaba que participam e são lideranças de terreiros; entretanto, essas relações
não são explícitas, como ocorre em outras cidades. Acredito que em função do complicado
processo de constituição da festa na cidade, essas relações não são tão verbalizadas. Mesmo
com o relativo silenciamento das expressões das religiões afro-brasileiras na festa de
Ituiutaba, há, contemporaneamente, algumas tentativas nos ternos de exaltar os símbolos da
cultura afro-brasileira através das vestimentas, dos adereços e das músicas.
Em conversas com o moçambiqueiro Francis Luce, membro do Moçambique Camisa
Rosa de Ituiutaba, percebi que ele tinha muita preocupação em recuperar o que ele chama de
raízes e identidade moçambiqueira. Para o moçambiqueiro, as raízes do Moçambique são
expressas, entre outras coisas, nas cantigas em verso, que muitas vezes relatam as
experiências da escravidão, e nas danças cadenciadas, centradas nos quadris e nos ombros.
Motivado pela busca da identidade moçambiqueira, Francis elabora versos que tratam de
situações importantes para o grupo e inicia um processo de transmissão dessas músicas ao