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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Joely Helena Roscito Bento
Atendimento Domiciliário:
interação entre equipes e familiares
Mestrado em Psicologia Clínica
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Joely Helena Roscito Bento
Atendimento Domiciliário:
interação entre equipes e familiares
SÃO PAULO
2008
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Psicologia Clínica, sob a orientação da
Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco.
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Bento, Joely Helena Roscito
Atendimento Domiciliário: interação entre equipes
e familiares.
142 p.
Tese (mestrado). São Paulo. 2008. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
“Home Care: Interaction between Care Teams and
Patient Families”.
Palavra chave; atendimento domiciliário, profis-
sionais, famílias.
Comissão Julgadora
“ Nos lugares das coisas possíveis, os homens escrevem os seus nomes. Mas
quando o impossível se faz presente, ali se escreve o nome de Deus.”
Ruben Alves
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo cuidado e pelo presente que é a minha profissão.
À minha mãe, Helenice, pelas preocupações, orações e broncas de amor.
Ao meu irmão, Jonnie, pela eterna proteção e pelas noites em claro revisando este
trabalho.
À minha orientadora, Profª Drª Maria Helena Pereira Franco, que sabiamente conduziu-
me à conquista deste objetivo, colaborando muito para o meu crescimento pessoal.
Às Profªs Drªs Sandra Regina Borges dos Santos e Ana Laura Schliemann, componentes
das bancas de qualificação e examinadora, pelas preciosas contribuições críticas e
pela disponibilidade em ajudar.
À Psicóloga Elisa Maria Perina, que me ensinou o trabalho em atendimento domiciliário,
a perseverança e o amor pelos pacientes e familiares.
Ao Prof. Dr. Antônios Terzis, à Profª Maria Eugênia Scatena Radomile e ao Dr. André
Luis Drumond Jardini, pela confiança em apontar-me os melhores caminhos profissionais.
Ao Sr. Chalil Zabani e família pelo constante apoio e amizade.
À Rosana D’orio pelo pelo acolhimento e solidariedade.
À Drª.Elisa Maria Cunha de Fgueiredo Torres Caivano e aos amigos da Unimed Campinas
- SP.
À Dra. Maria Izabel Pereira Santiago e aos amigos da Unimed Americana / Santa Bárbara
D’Oeste - SP.
À psicóloga Josiane Cristine Ramos, pelas inestimáveis cooperação e solidariedade.
Ao meu amado e companheiro Gilberto, pela paciência, pela ajuda e pelo amor de cada
hora, e sua família, por me acolher carinhosamente.
A todos os amigos, pacientes e familiares que fizeram parte dessa conquista e fazem
parte da minha vida.
RESUMO
O atendimento domiciliário representa, no cenário da saúde, um modelo de assistência
hospitalar menos dispendioso que o tradicional e com a promessa de amenizar o
sofrimento físico e psíquico do paciente e seus familiares. Porém, a realidade com a
qual o profissional da saúde se depara demanda enfrentar desafios de tal modo
impactantes, que podem tanto reforçar a sua decisão de permanecer nesse contexto
quanto motivar o seu abandono.
Lançar luz sobre esses desafios é a tarefa essencial deste estudo. Ele se propõe,
sempre pela perspectiva do profissional da saúde, a esclarecer os seguintes aspectos
da interação entre equipes multidisciplinares e familiares de doentes crônicos: a relação
que essas equipes estabelecem com as famílias, a percepção dos integrantes dessas
equipes sobre a relação da família com o doente e sobre aspectos gerais do próprio
trabalho realizado no domicílio.
Verificou-se historicamente que o serviço de atendimento domiciliário deriva do
surgimento do hospital e da medicina científica e que esta foi determinante para que o
médico se instituísse como detentor do saber e do poder sobre as decisões relacionadas
às políticas de saúde do século XVIII. Este estudo aponta as implicações destes fatos
do passado na relação atual do médico com outros profissionais de equipes
multidisciplinares e com as famílias de doentes crônicos.
Os vários conceitos existentes de assistência domiciliária e o modo de funcionamento
deste serviço em instituições de saúde são também analisados, ressaltando-se ainda a
importante influência dos significados simbólicos do adoecimento na relação dos
profissionais com os familiares do doente, além de outras particularidades dessa
convivência quando se estabelece a cronicidade da doença e quando ocorre a morte
do paciente.
Este estudo foi realizado por meio de uma pesquisa qualitativa em uma instituição
provedora de assistência domiciliária. Dois questionários com perguntas abertas foram
respondidos no início e no final do trabalho por uma equipe de profissionais, que
participou, ainda, de sessões de grupo operativo. Concluiu-se que a maneira de o
profissional da saúde significar a doença e o seu contexto – e nessa tarefa, as dimensões
do individual e do cultural se interpenetram – define a qualidade de sua interação com
todos os demais agentes do atendimento domiciliário.
Palavras chave: atendimento domiciliário , profissionais, famílias.
ABSTRACT
Home care represents, in the health care setting, a less costly type of medical assistance
model than the traditional approach and it holds the promise to alleviate both physical
and psychological suffering of the patience and his relatives. However, the crude reality
that home care professionals face involves working thru very challenging issues, what
can be a stimulus to persevere or a reason to abandon this approach.
To shed some light on these issues is the essential task of this study. Always looking
from the health professional standpoint, its goal is to clarify certain aspects of the
interaction of the multidisciplinary team and the relatives of chronic patients: the
relationship that the team establishes with the family, the perceptions of the members of
this team of family interactions with the patient and some general aspects of their own
work in a home setting.
It was verified that home care services had their genesis at the same time of hospitals
and scientific medicine and this fact was determinant to establish the physician as the
beholder of knowledge and power over the health politics of the XVIII century. This
study shows the implications of these past facts in the present relationship between the
physician and other multidisciplinary professionals and the chronic patient families.
Several existing concepts of home care and the way this service functions in health
institutions were also analyzed, highlighting the important influence of the symbolic
meanings of “getting sick” in the relationship of the health professionals with the patient
family, besides other particularities of this close contact that can be verified when the
chronic character of the sickness is established and at the time of the death of the
patient.
This study refers to a qualitative survey conducted on a home care provider. Two
questionnaires with open questions were answered by a multidisciplinary team in the
beginning and the end of a home assignment. This team also participated on group
sessions. The conclusion was that the way the professional gives meaning to the sickness
and its context – and, in this task, the individual and the cultural dimensions interpenetrate
themselves – defines the quality of his/her interaction with the rest of the home care
agents.
Key words: Home Care / Professionals / Families
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. ASPECTOS HISTÓRICOS DO ATENDIMENTO DOMICILIÁRIO
1.1. A medicina do Estado, que se desenvolveu principalmente
na Alemanha.
1.2. O desenvolvimento das estruturas urbanas.
1.3. A medicina desenvolvida na Inglaterra no século XIX.
1.4. O desenvolvimento do hospital.
1.5. Implicações da política de saúde do século XVII para
o surgimento do atendimento domiciliário.
2. DEFINIÇÕES E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO
DOMICILIÁRIO
3. OS SIGNIFICADOS DO ADOECER PARA AS RELAÇÕES
INTERPESSOAIS EM ASSISTÊNCIA DOMICILIÁRIA
4. PROFISSIONAIS DE SAÚDE E A TRAJETÓRIA DA DOENÇA
CRÔNICA
4.1 Início
4.2 Curso
4.3 Conseqüências
4.4 Incapacitação
4.5 A fase de crise
4.6 Fase crônica
4.7 Fase terminal
5. MÉTODO
5.1 Considerações Éticas
5.2 Participantes
5.3 Procedimentos
5.4 Análise de Dados e Resultados
11
18
19
20
23
24
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70
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5.4.1 Etapa 1
5.4.2 Etapa 2
5.4.3 Etapa 3
5.5 Resultados
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
Anexo A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Anexo B - ROTEIRO DE QUESTIONÁRIO COM PERGUNTAS ABERTAS
Anexo C - QUESTIONÁRIO COM PERGUNTAS ABERTAS
Anexo D - TABELA DE AVALIAÇÃO DE COMPLEXIDADE
ASSISTENCIAL - ABEMID
Anexo E - RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA - RDC Nº11
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114
83
84
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128
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134
Introdução
INTRODUÇÃO
Introdução
11
A partir de sua experiência de acompanhamento psicológico de equipes
multidisciplinares e familiares de doentes crônicos e terminais, em domicílio, a autora
deste estudo constatou que esses profissionais encontram dificuldades para orientar
famílias sobre condutas e procedimentos, assim como observou a resistência destas
em aceitá-los. Os maiores obstáculos são justamente os de interação com esses
familiares, trazendo complicações tais como: não cumprimento das orientações
estabelecidas, falta de compreensão e clareza na comunicação, intrigas e boatos sobre
os profissionais e dúvidas quanto à qualidade dos serviços prestados.
As famílias mostram-se exigentes e queixosas, desejando, por vezes, atribuir aos
profissionais toda a responsabilidade de cuidar do paciente e até mesmo de cura da
doença. Por outro lado, também vivenciam uma situação emocional delicada ao
acompanhar o processo de desenvolvimento da doença de seus entes queridos:
manifestam sentimentos ambivalentes, que oscilam entre preocupação e cuidado com o
doente e comportamentos de descuido e impaciência. Enfim, essas famílias se sentem
culpadas, angustiadas e inseguras com toda a situação.
Depreendidas, como já se informou, da prática profissional da autora deste estudo,
as ilações apresentadas até aqui podem ser encontradas em outros autores, também
preocupados com as dificuldades do atendimento domiciliário. Arras & Dubler (1994),
por exemplo, afirmam haver situações de tensão e conflito, enfrentadas pelo paciente e
sua família, que se referem ao tempo de permanência hospitalar, bem como dificuldade
destes em compreender o significado e o valor do atendimento domiciliário, oferecido
como alternativa viável e segura. A esse respeito, a autora tem a observar que o longo
tempo de permanência do doente no domicílio, determinado pela cronicidade da doença,
também é um fator de complicações para a dinâmica familiar.
INTRODUÇÃO
Introdução
12
É sobre a situação do atendimento domiciliar no Brasil, seus modelos
operacionais, sua evolução histórica, as variantes culturais, sociais ou econômicas que
a determinam, as indagações éticas que rondam a sua legitimidade e os autores que
vão ajudando a construir ou a interpretar o seu sentido que a autora deste estudo, com o
propósito de introduzi-lo e, ao mesmo tempo, dar uma idéia do seu alcance e da sua
relevância, põe-se a discorrer a seguir.
A difusão da modalidade domiciliar de prestação de serviços ocorre tanto no
setor privado quanto no setor público, fazendo parte da pauta de discussão das políticas
de saúde que, pressionadas pelos altos custos das internações hospitalares, buscam
saídas para melhorar a utilização dos recursos financeiros (GORDILHO; SILVESTRE;
RAMOS; FREIRE, 2000). O atendimento domiciliário satisfaz essa condição. Para que
ele ocorra, as instituições de saúde precisam dispor de equipes multidisciplinares
treinadas. Quais aptidões esses profissionais devem adquirir? Aqui, a autora refere-se
ao conhecimento técnico específico da função, assim como ao preparo emocional
necessário para desenvolvê-la, já que nessa atividade há desafios diferentes dos
encontrados em ambiente hospitalar. São aspectos relacionados às regras do
funcionamento familiar que, de algum modo, definem padrões de conduta referentes ao
cuidado com o doente e estabelecem formas de interação com os profissionais
escolhidos.
Pensando no êxito dessa interação repleta de desafios entre equipe multidisciplinar,
família e paciente, convém, segundo a autora, antes de explorar toda a extensão que o
tema “atendimento domiciliário” supõe, refletir sobre ele a partir das seguintes questões
formuladas por Floriani & Schramm (2004): de que modo e quanto a experiência de um
domicílio adaptado ao tratamento com alta tecnologia hospitalar irá afetar as pessoas
que nele vivem? Não se estará invadindo e desorganizando esse espaço íntimo, onde as
Introdução
13
relações cotidianas de uma família foram construídas? É lícito que se transfira alta
tecnologia médica aos domicílios, com tomadas de decisões direcionadas por modelos
intervencionistas, tornando, com isso, os domicílios meros “satélites” dos hospitais, mas
sem a necessária competência para atuar, de fato, como tais? Quais tipos de acordos
podem ser, e são, moralmente legítimos entre a equipe de atendimento domiciliário e a
família, já que esta detém o poder por estar em seu território?
Afirma a autora que o esforço de retirar da condição de mistério cada uma dessas
interrogações traz consigo a promessa de estabelecer com as famílias dos doentes
crônicos um vínculo favorável à atuação profissional no domicílio. Ainda no intuito de fazer
progresso nessa direção, cabe perceber que o atendimento do doente em sua residência
é uma tentativa de promover a extensão dos cuidados comumente prestados em ambiente
hospitalar e que atualmente, de certa forma, o atendimento domiciliário pode, mesmo,
ser considerado um modelo sofisticado de cuidado médico individualizado ao doente,
tendo em vista a evolução histórica do hospital, segundo a análise de Foucault (1979).
Conforme esse autor, ao longo do tempo, esse estabelecimento deixou de ser um
lugar de assistência aos pobres, de isolamento – quando estes estavam doentes – e de
caridade, para assumir tanto o papel de tratar o doente quanto as tarefas de acumular e
construir conhecimento; deixou, portanto, de ser administrado por religiosos, para funcionar
sob a organização e a autoridade médica, com o auxílio de uma sofisticada tecnologia.
Para a autora deste estudo, é possível pensar, então, que o atual contexto vivido
pelos pacientes internados em domicílio pertence à evolução histórica da medicina e do
significado do hospital, uma vez que os profissionais de saúde, até certo ponto, mudaram
seu local de atuação para os domicílios, cuja administração não pertence mais aos
religiosos, nem aos médicos, mas aos familiares, que fixam regras de funcionamento e
condições específicas para o trabalho de assistir ao doente. Essa nova conjuntura, ora
Introdução
tratada por meio de abstrações, passa a ser objeto de exame da autora, nos parágrafos
seqüentes, de sorte que se lhe possa explorar a concretude.
O surgimento do atendimento domiciliário no Brasil é recente. Segundo a
Associação Brasileira das Empresas de Medicina Domiciliar (ABEMID), a primeira
atividade planejada de assistência domiciliar à saúde no País foi o SANDU - Serviço de
Assistência Médica Domiciliar e de Urgência, criado em 1949 e ligado inicialmente ao
Ministério do Trabalho. Nesse período, os municípios que possuíam hospitais de urgência
não atendiam os previdenciários. Os hospitais da previdência, por sua vez, não atendiam
quem não fosse cadastrado como sendo de determinado ramo de serviço ou de produção.
A partir desses acontecimentos, os sindicatos de saúde passaram a exigir a
assistência de emergência. O modelo de assistência domiciliar, com ênfase na internação
domiciliar, surgiu, então, por uma necessidade de mudança no modelo vigente do sistema
de saúde, em que ocorria um descontrole nos gastos com internação e superlotação dos
hospitais. Esse novo modelo possibilitou uma maior humanização da assistência ao
doente, com imensos benefícios para quem dele se utilizasse. Os pacientes, que até
pouco tempo atrás eram tratados basicamente nos hospitais, passaram a ser transferidos,
o mais rápido possível, para seus domicílios, onde podiam dar continuidade a seus
tratamentos com programas de reabilitação, de recuperação ou de cuidados paliativos.
Dessa forma, o cuidado dos doentes em casa assumiu, cada vez mais, um lugar
significativo entre os modelos de atendimento existentes.
Em 2003, o Núcleo Nacional das Empresas de Assistência Médica Domiciliar
(NEAD) realizou o primeiro senso do segmento de Home Care (Cuidado Domiciliar em
Saúde) do País. O estudo teve início com o mapeamento das entidades que atuam nessa
área, identificando 108 empresas cadastradas nos conselhos regionais de medicina em
todo o Brasil. Destas, 41% tiveram participação no estudo. Os resultados apurados
14
Introdução
serviram como indicadores para análises e projeções de mercado, inclusive para a
regulamentação da atividade, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) em janeiro de 2006. Os dados revelaram que cerca de 15 mil profissionais da
área da saúde atuavam no setor, atendendo, em média, 30 mil pessoas em casa por
mês. Os números mostram o quanto a assistência domiciliária se expandiu na última
década e o grande potencial para o seu crescimento em diversas regiões do País.
O atendimento domiciliário continua sendo uma indústria de rápido crescimento.
Estima-se que nos Estados Unidos existam mais de 21 mil organizações prestadoras
de serviços domiciliares de saúde, que servem mais de sete milhões de americanos
com patologias em condições agudas ou crônicas. Este número representa mais de 10
mil agências de Home Care (Cuidado Domiciliar em Saúde) certificadas. Ainda naquele
país, 82% de todas as escolas de medicina oferecem em seus cursos treinamento em
Home Care (DAL BEM & GAIDZINSKI, 2007).
O serviço de atendimento domiciliário, aqui definido por Duarte & Diogo (2005)
como uma atividade realizada pelo profissional de saúde e/ou equipe na residência do
cliente, existe com o objetivo de avaliar as demandas do paciente e de seus familiares,
bem como o ambiente em que vivem, e estabelecer um plano assistencial voltado à
recuperação e/ ou reabilitação do doente, visando à sua autonomia e à maximização de
sua independência.
Embora haja concordância com o cumprimento das regras previamente
estabelecidas pela instituição de saúde, por parte dos familiares dos doentes, inicia-se
um processo de cuidados que envolvem aspectos de difícil manejo, relacionados à
interação entre profissionais e familiares. Tais aspectos, como já se observou, representam
intensos empecilhos para o trabalho da equipe, gerando dificuldades de relacionamento
e impedimento de um tratamento adequado ao paciente. Por outro lado, a família também
15
Introdução
demonstra dificuldades em aceitar os profissionais e o tratamento, embora necessite do
respaldo da equipe. Esses fatores estão presentes no contexto do atendimento
domiciliário e trazem complicações tanto institucionais como familiares ao cuidado com
o doente.
Mac Daniel & Hepworth & Doherty (1994) afirmam que as famílias que lidam com
uma doença ou incapacitação crônica julgam que as interações com os profissionais da
saúde, companhias seguradoras e agências governamentais estão entre os aspectos
mais estressantes de sua situação, fato perceptível por meio do modelo biopsicossocial,
em que uma pessoa tem a doença e está vinculada à rede de pessoas que também são
afetadas pela doença. Suas famílias interagem com instituições de saúde para assistir e
manejar os acontecimentos (ou um de seus membros que está doente) e apresentam
grande dificuldade para compreender o papel exercido pela doença, assim como o seu
efeito incapacitante na vida das pessoas.
Todos esses aspectos históricos, sociais e culturais estão presentes no contexto
do atendimento domiciliário e, de algum modo, transformam-se durante o tempo em que
a doença crônica permanece no meio familiar. Frente a isso, cabe aos profissionais
optarem por um tratamento integrado que leve em conta as necessidades dos pacientes
e preserve, na interação com estes e com seus familiares, a qualidade de vida.
16
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
Capítulo 1
ASPECTOS HISTÓRICOS
DO
ATENDIMENTO
DOMICILIÁRIO
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
18
CAPÍTULO 1 - ASPECTOS HISTÓRICOS DO ATENDIMENTO DOMICILIÁRIO
A configuração atual do contexto do qual faz parte um serviço de atendimento
domiciliário, ou seja, os objetivos do atendimento prestado em casa e a interação entre
paciente, família e equipe multidisciplinar têm relação com fatos históricos que
determinaram as políticas de saúde do século XVIII. Um retorno a esse passado, portanto,
possibilita a compreensão de fenômenos que deram origem a modelos de intervenção
hospitalar na sociedade contemporânea. Cabe, então, analisar fatores que influenciaram
o surgimento da medicina atual, assim como o nascimento do hospital, uma vez que a
assistência domiciliária surgiu a partir dos significados diversos que o doente
representava para a organização hospitalar, sob vários aspectos.
Quando examina o surgimento da medicina social, Foucault (1979), efetua
reflexões importantes sobre a hipótese de a medicina moderna, científica, que nasceu
no final do século XVIII com o aparecimento da anatomia patológica, ser ou não voltada
para o indivíduo. Por inserir-se numa economia capitalista, esta é considerada uma
profissão individualista, que prioriza somente a relação de mercado do médico com o
doente, sem considerar a coletividade e a dimensão global da sociedade. O autor,
contudo, pretende mostrar que esta idéia é, até certo ponto, equivocada, pois, para ele,
a medicina moderna é uma prática social que em poucos aspectos é individualista e
valoriza as relações médico–doente. Apoiada em dados históricos, sua proposição é a
de que não ocorreu a passagem de uma medicina coletiva para a medicina privada, com
o desenvolvimento do capitalismo em fins do século XVIII e início do século XIX. Isso se
deveu, segundo ele, ao fato de o capitalismo ter socializado o corpo, tomando-o como o
seu primeiro objeto a representar a força de produção e a força de trabalho. Deduz-se
que a sociedade exercia o controle sobre o indivíduo não apenas pela ideologia; era um
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
19
controle que, de certa forma, começava no corpo. Foi no biológico, no somático, no
corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é, portanto, uma
realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia biopolítica, afirma Foucault (1979).
Sob esse ponto de vista, o que parece caracterizar a evolução da medicina social ou a
própria medicina no ocidente é que o corpo, em princípio, não foi valorizado pelo poder
médico (e sim pelo capitalismo) como força de trabalho. Foi na segunda metade do
século XIX que o problema da saúde e do nível da força produtiva dos indivíduos e suas
conseqüências para a vida do trabalhador passaram a ter igual importância para a
medicina. Para chegar a essa situação, a medicina social passou por três etapas em
sua formação e desenvolvimento. Sobre estas a autora discorrerá nas linhas que seguem.
1.1 A medicina do Estado, que se desenvolveu principalmente na Alemanha.
Na Alemanha (início do século XVIII) formou-se a chamada ciência do Estado,
tendo, pois, o Estado como principal objeto de conhecimento, ou seja, o funcionamento
geral de seu aparelho político e também os recursos naturais de uma sociedade, além
do estado de sua população. Nesse período desenvolveu-se uma prática médica voltada
para a melhoria do estado de saúde da população denominada Política Médica de um
Estado; consistia em observação e registro de fenômenos como morbidade, nascimento,
morte e epidemias, que eram feitos a partir da contabilidade pedida aos hospitais e aos
médicos que trabalhavam em diferentes regiões. Deu-se, desta forma, a normalização
da prática e do saber médico, cabendo às universidades e à corporação de médicos a
responsabilidade de decidir sobre o conteúdo da formação médica e sobre os critérios
de concessão de diplomas. A medicina e o médico foram, como se pode constatar, os
primeiros objetos de normalização na Alemanha, antes mesmo da aplicação do conceito
de normal ao doente. O Estado, então, tinha uma preocupação específica com a saúde
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
20
da população. Os funcionários médicos eram nomeados pelo governo para atuar em
regiões determinadas e investidos de autoridade para, nessas regiões, deliberar sobre
questões de saúde e doença. O médico, naquele momento, ganhou mais um papel: o de
administrador da saúde. Conclui-se que o que foi chamado de medicina do Estado tem
como características principais a organização de um saber médico estatal, a normalização
da profissão médica e a subordinação dos médicos a uma administração central. É uma
medicina totalmente estatizada e com características administrativas em que o médico
exerce um controle peculiar sobre a população, revestido de algum poder, porém, com
ações limitadas e mais restritas do que aquelas que atualmente fazem parte do que
entendemos por exercício total da medicina clínica.
1.2 O desenvolvimento das estruturas urbanas.
A medicina social deixa a estrutura do Estado para seguir na direção da
urbanização. Trata-se de um fenômeno engendrado na França, durante o século XVIII,
quando se tornou necessária a unificação do poder urbano com o intuito de tornar as
cidades organizadas, homogêneas e dependentes de um único regulamento que pudesse
ser eficaz em seu governo. Isso se deu por razões econômicas – o surgimento das
indústrias e de novas relações de mercado – e por razões políticas – o aparecimento
das classes trabalhadoras e as diferenças de interesses dos vários grupos populacionais.
Frente a toda a mudança social, junto ao acelerado crescimento das cidades, apareceu
o que Foucault (1979) chamou de medo urbano: sentimento que se caracterizou pelo
temor das oficinas e fábricas em construção, do aglomerado intenso e numeroso da
população, das casas altas e o perigo de desmoronamento. Aos poucos, as epidemias
foram tomando lugar nas cidades, os cemitérios, tornando-se cada vez mais numerosos
e os esgotos, mais irregulares. Esses pequenos pânicos marcaram a vida urbana das
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
21
grandes cidades da França no século XVII, principalmente de Paris, e deram origem a
uma inquietação geral que gradativamente resultou em ações político-sanitárias. Fazia-
se necessário tomar medidas de urgência para conter o perigo de adoecimento da
população. A classe burguesa colocou, então, em prática um modelo de intervenção que
já existia, desde a idade média, em outros países da Europa e era utilizado somente em
presença de um risco maior de doença epidêmica violenta e peste: chamava-se de
Quarentena e consistia num plano de urgência para tentar amenizar as conseqüências
ruins desses fenômenos. Todas as pessoas deveriam permanecer em casa para que
houvesse uma contagem minuciosa dos vivos e dos mortos. A cidade era dividida por
bairros que ficavam sob a responsabilidade de uma autoridade escolhida para a
apuração. Tratava-se de um chefe de distrito que designava inspetores para percorrer
as ruas e realizar uma vigilância generalizada. Eles esquadrinhavam o espaço urbano e
faziam relatórios de tudo o que era observado. Se algum indivíduo não se apresentasse
como lhe era solicitado, essa equipe concluía que ele estava doente, havia contraído a
peste. Assim, medidas eram tomadas para colocá-lo fora da cidade em enfermaria
especial. Logo após esta conduta, as casas eram desinfetadas com perfumes queimados,
um dos únicos recursos de que se dispunha. Foucault (1979) conclui que o esquema da
Quarentena foi um sonho político-médico reconhecido como um bom modelo de
organização sanitária das cidades, no século XVIII, e que a medicina urbana onstituiu-
se, justamente, como um aperfeiçoamento desse modelo. Ela tinha por objetivo primordial
a análise das regiões de amontoamento, de confusão e de perigo no espaço urbano.
Nesse período ocorreu um fato importante para a sociedade francesa, que exemplifica
tal afirmação: os cemitérios, por longo tempo, representaram um perigo de aquisição de
epidemias e infecções, uma vez que a quantidade de mortos era numerosa e não havia
espaço adequado que comportasse os cadáveres, preservando a saúde da população.
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
22
A partir dessa conjuntura, foram criados os caixões individuais e as sepulturas reservadas
para as famílias, com a devida identificação de cada pessoa. Ao contrário do que
considera a sociedade ocidental, portanto, a individualização do cadáver, do caixão e do
túmulo aparece no final do século XVIII por razões político-sanitárias e não por motivos
teológicos e religiosos de respeito ao morto. A medicina urbana preocupava-se também
em “medicalizar” a cidade, estabelecendo uma boa circulação da água e do ar, motivos
que deram origem à forma como eram colocados os mortos nos cemitérios (enfileirados),
à criação de ruas e avenidas e a uma melhor canalização dos rios. Para isso, contou
com o auxílio de práticas “extramédicas” como a química, por exemplo, o que deu origem
a uma das primeiras interações multidisciplinares da história da medicina. A inserção
das práticas médicas no contexto da ciência físico-química ocorreu pela urbanização.
Se, por um lado, essa medicina urbana direcionava suas ações para as questões
populacionais de saneamento e bem-estar públicos, por outro lado, limitava o cuidado
individual a uma espécie de hospitalização que tinha por base a separação dos indivíduos
saudáveis daqueles que estavam contaminados por pestes ou debilitados por outras
ocorrências físicas. Medicalizar alguém que estava doente significava mandá-lo para
fora do meio em que vivia, com a finalidade de purificar os outros que ficavam. Logo,
observa-se que a medicina praticada naquele período caracterizava-se como uma
medicina de exclusão, vista sob esse aspecto. Grande parte da medicina do século XIX
tem origem na experiência dessa medicina urbana que se desenvolveu no final do século
XVIII.
Numa recapitulação sucinta, pode-se afirmar que o primeiro alvo da medicina
social foi o Estado, seguido pela cidade e, finalmente, pelos pobres e trabalhadores
(estes na Inglaterra, onde se deu a terceira etapa do desenvolvimento da medicina social).
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
23
1.3 A medicina desenvolvida na Inglaterra no século XIX.
Até o século XVIII os pobres não foram considerados um perigo médico ou um
perigo para a saúde da população. Isso se deveu ao fato de terem desempenhado
algumas funções sociais específicas de colaboração para a população em geral tais
como limpeza dos centros urbanos, organização do lixo e realização dos serviços de
correios, uma vez que conheciam bem a cidade e seus moradores (naquela época as
casas não eram numeradas). Além de tudo o que faziam, eram encarregados de
transportar água e eliminar os dejetos. Eles detinham, portanto, o saber urbano e eram
úteis.
Apenas a partir do segundo terço do século XIX é que o pobre passa a representar
um perigo para a população. Uma das causas desse fenômeno é de natureza política: a
população pobre tornou-se uma força capaz de se revoltar com algumas mudanças feitas
na sociedade como, por exemplo, a criação de sistemas de postagens que a privou da
incumbência de levar correspondências e, assim, garantir a sobrevivência. Outro motivo
foi a grande epidemia de doenças e peste que ocorreu em 1832; começou em Paris e
se expandiu para toda a Europa, gerando um medo específico de que novas ocorrências
de ordem sanitária partissem da população plebéia ou proletária. Uma das resoluções
tomadas para amenizar esses problemas foi dividir o espaço urbano em áreas de pobres
e ricos, o que, acreditava-se, evitaria um perigo sanitário e político para a cidade. Surgiu,
então, a organização de bairros pobres e ricos e, com eles, o direito à propriedade e à
habitação privada. Foi exatamente nesse momento que o II Império Francês redistribuiu
o espaço urbano parisiense. Ao mesmo tempo em que na França aconteciam esses
fenômenos, na Inglaterra, o desenvolvimento do proletariado ocorria de forma rápida
devido ao crescimento industrial. A medicina inglesa começou a tornar-se social devido
à Lei dos Pobres, que buscava um controle médico sobre esta classe e consistia numa
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
24
legislação que concretizava a idéia de uma assistência controlada, de uma intervenção
médica que tinha por finalidade ajudar os mais pobres e suprir suas necessidades de
saúde. Assim, enquanto os representantes do governo garantiam a saúde das classes
pobres, protegiam as classes ricas. Um planejamento sanitário eficaz e autoritário, então,
possibilitou aos pobres o direito de se tratarem gratuitamente ou por um baixo valor e
aos ricos, a garantia de não serem afetados por fatores epidêmicos e originários das
classes pobres. Foucault (1979) avalia a Lei dos Pobres como sendo um serviço
autoritário não de cuidados médicos, mas de controle médico da população. Em manifesto
contra essa idéia, os grupos de dissidências religiosas da época, século XIX, em diversos
países, lutaram contra a “medicalização” da população e pelo direito que as pessoas
tinham de viver, de não aderirem à medicina oficial, sobre o seu corpo, assim como de
estar doente, de buscar cura e de escolher o jeito de morrer. É possível concluir que na
Inglaterra a medicina teve por objetivo o controle da saúde e do corpo das classes mais
pobres, visando a prepará-las para o trabalho e, conseqüentemente, oferecer menor risco
para as classes mais ricas. Logo, a trajetória pela qual se desenvolveu a medicina social
contém aspectos fundamentais da medicina atual, chamada de científica. Esta,
inicialmente, preocupou-se com a análise do ambiente e os efeitos deste sobre o corpo
para, finalmente, analisar o organismo em si.
1.4 O desenvolvimento do hospital.
Com o tempo, o hospital foi-se transformando em suas características físicas,
administrativas e em seus objetivos. O modelo que atualmente existe na sociedade
ocidental é caracterizado como um instrumento terapêutico que visa à cura do doente e
também é fruto de algumas modificações ocorridas na tecnologia médica. Trata-se,
portanto, de uma invenção ocorrida no final do século XVIII, por volta de 1780, na Europa.
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
25
Segundo Foucault (1979), antes desse período, o hospital era, principalmente, um lugar
de assistência aos pobres, sobretudo daqueles que estavam morrendo e, por isso, deviam
ser assistidos de forma material e espiritual. Era preciso conceder-lhes todo o cuidado
possível, assim como o último sacramento. Curioso é saber que o pobre era considerado
um personagem principal no hospital, não somente por necessitar de assistência, mas,
como doente que precisava de cura, por oferecer aos demais um perigo de contágio.
Por esses motivos é que o hospital estava sempre à disposição para acolhê-lo e, ao
mesmo tempo, para proteger os outros dos riscos de contaminação que ele trazia. Se,
por um lado, o hospital praticava a assistência, por outro, era um instrumento de exclusão
e separação. Dizia-se, naquela época, que o hospital era um morredouro (lugar onde
morrer), expressão que atualmente ainda expressa a crença da população e a forma
como o hospital é visto (motivo pelo qual, para muitas pessoas, o atendimento domiciliário
oferece segurança maior para o doente e sua família.). O quadro de funcionários que
trabalhava no hospital era composto, em sua maioria, por religiosos e caritativos que,
além de prestar cuidados, tinham como função principal trabalhar pela salvação espiritual
dos doentes para, assim, garantir a própria salvação. Percebe-se que até meados do
século XVIII a função médica não aparecia no hospital e a experiência hospitalar inexistia
na formação profissional do médico. O que qualificava um médico era a transmissão de
receitas a partir do que ele concluía pelas suas observações dos doentes. Para intervir
na doença, organizava procedimentos com o objetivo de amenizar a crise de sintomas. A
crise, em sua concepção, acontecia quando se juntavam no indivíduo o seu estado natural
de saúde com o mal que o atacava: era considerada uma luta entre a natureza e a doença.
A ação do médico tinha por finalidade observar-lhe os sinais, prever sua evolução e
favorecer, quando fosse possível, a vitória da saúde sobre a natureza e a doença. Tratava-
se de um suposto jogo entre o médico, a natureza e a doença. Com base nos fatos
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
26
históricos citados é que Foucault (1979) afirma que a medicina dos séculos XVII e XVIII é
individualista em suas características. Até esse período não foi possível constatar uma
prática médica que proporcionasse a cura da doença, nem mesmo organizar um saber
hospitalar. Por sua vez, o hospital também não permitia a intervenção total da medicina,
pois detinha o controle administrativo sobre o funcionamento geral, sobre os médicos e
suas condutas. Desta forma, hospital e medicina permaneceram independentes por longo
tempo. Essa situação começou a ser transformada quando surgiu o interesse em purificar
o hospital dos fenômenos que lhe traziam desordem: doenças causadas pela própria
internação (é o que chamamos hoje de infecção hospitalar), perigo de propagação dessas
doenças pela população em geral e a desordem econômica e social que ocorria devido
às falhas administrativas. Esses fenômenos foram determinantes para que posteriormente
ocorresse a reforma hospitalar, pois, até aquele momento, toda a atenção das autoridades
governamentais estava voltada somente para os hospitais civis. Em meados do século
XVII, principalmente na França e Inglaterra, já ocorria nos hospitais marítimos uma grande
desordem econômica devida ao tráfico de mercadorias e objetos de valor praticado por
pessoas que davam entrada no hospital fingindo estar doentes, com o objetivo de
esconder esses materiais e não passar pelo controle da alfândega. Para eliminar tais
condutas, a equipe de administração desses hospitais começou inspecionar os cofres
onde eram guardados objetos pessoais dos funcionários, médicos e também dos
doentes. Quando encontrados materiais de contrabando, os donos eram punidos e uma
espécie de esquadrinhamento econômico, realizado para trazer ordem naquele contexto.
Outro problema afigurava-se: os traficantes que desembarcavam e iam para os hospitais
traziam consigo o perigo real de contágio por doenças epidêmicas. Pela análise desses
fatores, é possível concluir que novamente o hospital funciona não como uma instituição
que visa à cura, mas um lugar onde as intervenções são realizadas para impedir a
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
27
desordem econômica e médica. Já nos hospitais militares, outros acontecimentos também
foram determinantes para a decisão de uma reforma hospitalar. Dados históricos revelam
que na Europa, até a segunda metade do século XVII, o exército não tinha dificuldades
para recrutar soldados. Bastava que os homens interessados se apresentassem, tendo
ou não o devido preparo técnico. Com o surgimento do fuzil, no final do século XVII, esse
quadro mudou. Tornou-se necessário treinar os soldados para o manuseio e adestramento
da arma e, com isso, ter verbas específicas para essa atividade. Uma mudança ocorreu,
então, no orçamento das organizações do exército: os soldados passaram a custar caro
para esse órgão. Devido às precárias condições de qualidade de vida, os soldados
adoeciam em grande quantidade, pondo a perder todo o investimento feito para que
exercessem sua função, o que levou o hospital militar a precaver-se. Era necessário
providenciar a cura para evitar que os soldados morressem doentes; quando curados,
era preciso fazê-los voltar ao trabalho, pois muitos fingiam estar doentes para fugir das
tarefas designadas. Assim, houve uma mudança na organização hospitalar embasada
em questões políticas e econômicas, mais do que na saúde propriamente dita. Com o
objetivo de não perder soldados e, com eles, todo o investimento financeiro feito até
então, o exército utilizou o mecanismo da disciplina para fazer com que permanecessem
em seus postos, sem desistir de suas atribuições. A disciplina foi aplicada também nos
hospitais marítimos. Nesse período da história, vê-se que novamente não foi por uma
técnica médica que o hospital se reformulou, mas pela introdução da disciplina, entendida
como uma técnica de poder para controlar homens e direcioná-los a cumprirem objetivos
específicos. Conclui-se que, pela primeira vez na história, o poder aparece claramente
dentro dos hospitais, exercendo uma vigilância constante sobre os indivíduos. É usado
também pelos médicos como instrumento para monitorar doentes e organizar o espaço
hospitalar. Essa característica de individualidade do trato do médico com o doente foi
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
28
percebida, também, pela realização de exames particulares do estado de saúde de cada
paciente. Nesse período, a “medicalização” que se introduziu nos hospitais foi efeito da
adoção da disciplina no meio hospitalar.
Quanto à doença, para compreender-lhe o significado, utilizava-se o modelo da
botânica. Assim como ocorria com as plantas, a saúde do indivíduo era uma resposta às
condições da natureza. As causas da doença eram os fenômenos naturais: ar, água,
estado do solo e alimentação. E toda intervenção médica que visava à cura era voltada
para combater as dificuldades trazidas pelo meio. Percebe-se que não havia uma conduta
médica que se remetia à doença em si, mas ao que a cercava e que era externo ao
indivíduo. Tratava-se de uma medicina do ambiente e não do doente como tal. Cabe
lembrar que se em outra época (meados do século XVIII, como registrou a autora neste
estudo) o médico praticava uma medicina voltada para amenizar a crise de sintomas,
agora se ocupava daquilo que era externo ao doente. Essas duas formas de intervenção
médica, junto ao processo de disciplinamento do espaço hospitalar, deram origem ao
que atualmente chamamos de hospital médico. Trata-se de um período importante da
história da medicina e do hospital em que a valorização das necessidades dos doentes
traduzia-se de modo cada vez mais amplo por: uma disciplina aplicada não apenas para
administrar o hospital, mas para melhor distribuir os doentes em espaços adequados ao
cuidado, que possibilitassem uma vigilância mais apurada do indivíduo e seus sintomas;
uma melhor arrumação dos leitos e do ambiente, evitando contaminação mútua por
doenças epidêmicas; uma atenção maior à elaboração da arquitetura do hospital, com o
objetivo de proporcionar segurança aos doentes e funcionários em geral, garantindo,
assim, a livre circulação do ar e o controle de todos os fatores do meio que pudessem
causar danos à saúde da população. Essa evolução histórica mostra, segundo Foucault
(1979), que o hospital deixou de ser uma instituição que promoveu exclusão para ser um
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
29
lugar cuja arquitetura pôde ser considerada um fator de cura, assim como a
“medicalização” realizada das diversas formas já vistas anteriormente. O autor afirma
que essa mudança é o primeiro fator de transformação do hospital no final do século
XVIII. A partir daí, o médico passou a ser o principal responsável pela organização
hospitalar e não mais o pessoal religioso e caritativo que atuava no início do século XVIII.
Criou-se um sistema de aumento na freqüência de visitas aos doentes e estabeleceu-se
que um profissional médico deveria residir no hospital ou estar disponível para atender
os doentes mais graves quando fosse preciso. Surge, nesse momento, o esquema do
plantão médico. Com o aumento de doentes no ambiente hospitalar, um método de
registros escritos foi elaborado para relatar todas as ocorrências do dia com cada
indivíduo: formas de cuidado, crises, sintomas e tratamentos utilizados. O médico passou
a contar com auxílio de uma equipe composta por enfermeiros e outros profissionais
habilitados para o cuidado. O método de registros serviu como base para a organização
de um saber médico em que as doenças eram diagnosticadas e mensuradas. Assim, a
formação médica, que até então era baseada somente em literatura, passa a ter o hospital
como um lugar importante de prática da medicina. Esse processo é chamado de clínica.
Pela primeira vez na história (período de 1780 a 1790), o saber e a prática hospitalar
passam a ser obrigatórios na formação normativa do médico. Fez-se, assim, nova
configuração da medicina, caracterizada por ações voltadas para o meio e para a
população geral, contando com um desenvolvimento mais apurado da tecnologia
hospitalar. Esse modelo foi fundamental para a constituição da medicina do século XIX,
que se caracterizou como uma medicina individualizante, pois, devido a todos os
acontecimentos históricos, o indivíduo destacou-se como objeto do saber e da prática
médicos.
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
30
1.5 Implicações da política de saúde do século XVII para o surgimento do
atendimento domiciliário.
Foucault (1979) desenvolve sua análise afirmando que a medicina do século XVIII
ganhou importância quando pôde ser o resultado de uma junção entre a economia da
assistência e a emergência em saúde, tendo o médico como alguém que exercia certo
poder administrativo em questões relacionadas ao bem-estar da população, assim como
no contexto hospitalar daquela época.
Desde a idade média, o poder era utilizado para duas finalidades, basicamente:
a primeira, a guerra e a segunda, a paz. Já no século XVIII, ele surgiu com outro propósito:
o de garantir à sociedade um bem-estar físico, uma saúde perfeita e longevidade. Sua
prática significou ordem, enriquecimento e saúde e contou com a ajuda de um órgão
específico para sua execução: a “polícia”. Tratava-se de uma “polícia médica”, capacitada
para inspecionar o cumprimento desse regulamento pela sociedade. O autor afirma que
um dos objetivos políticos dessa conduta era a preservação, a manutenção e a
conservação da “força de trabalho”. Era um exercício de poder que visava ao controle e
à vigilância da população, que crescia em grande quantidade e representava, portanto,
um aparelho de produção significativo para o desenvolvimento das tecnologias presentes.
Devido a isso, a família passou a ser o alvo das estratégias políticas e uma atenção
especial começou ser dada para as crianças, não só pelo aumento da natalidade,
comparada à mortalidade, mas também pela sobrevivência até a fase adulta. Naquele
momento, a família, que já não foi mais considerada somente como sistema de parentesco
ou de transmissão de bens, passou a ter um papel relevante nesse processo: oferecer à
criança um meio contínuo que envolva e favoreça o corpo dela, preservando sua saúde.
Os pais tinham a cumprir com seus filhos obrigações de ordem física: o cuidado, a higiene,
o contato com o corpo do adulto, os exercícios físicos para o desenvolvimento e o
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
31
crescimento saudável e a amamentação das crianças pelas mães. A prática desses
cuidados compunha as leis morais da família, que se tornou o agente mais constante de
“medicalização”. A criança era vista como uma possibilidade futura de força útil para a
população, favorecendo, assim, processos econômicos na sociedade da qual era parte.
O reconhecimento da família como importante alvo de estratégias econômicas foi um
dos principais episódios que marcaram o desenvolvimento da política de saúde do século
XVIII em vários países da Europa. A idéia central era aplicar a ética de preservação
mútua da saúde por pais e filhos. Tratava-se, portanto, de uma família que era
“medicalizada” e, ao mesmo tempo, “medicalizante”, pois tinha certa responsabilidade
sobre o estado geral de seus membros. Além disso, o poder de controle sobre a higiene
da população e as técnicas científicas de cura foram comandadas por médicos cedidos
pelo Estado. Eles usavam de autoridade para ensinar e orientar a população sobre as
regras de conduta que pudessem manter a boa saúde, a higiene do corpo e também do
domicílio. O médico atuava como higienista, muito mais do que como um terapeuta. Ao
longo do século XVIII, o médico agiu, cada vez mais, como representante do poder, com
atribuições políticas, e a medicina, por sua vez, construiu a reputação de uma técnica
geral de saúde e não necessariamente de um recurso eficaz de cura de doenças. Todos
esses fatores incidiram com notáveis conseqüências na sociedade da época e serviram
de base para o desenvolvimento da sociologia no século XIX, pois o que esteve em
evidência foram justamente os problemas sociais e, com eles, as questões de saúde e
doença, as condições de qualidade de vida da população e as características da habitação
e dos hábitos adquiridos. A partir disso, formou-se um saber médico-administrativo que
fortemente caracterizou a política de saúde do século XIX. Enquanto o poder médico
conseguia um controle urbano da saúde da população e, com isso, melhores resultados
econômicos e políticos para o Estado, o hospital tornava-se um local gerador de grande
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
desordem interna, afetando, inclusive, a saúde de quem dele usufruía. Uma instituição
caótica e contrária ao que naturalmente esperava a sociedade. Toda tentativa feita
anteriormente para tornar o hospital um local de cura e controle de problemas sociais
transformou-se em dificuldade a ser superada posteriormente. Sua arquitetura tão bem
elaborada favoreceu a disposição interna dos doentes, porém não evitou o alastramento
de epidemias internas em grande quantidade de indivíduos. Devido a isso, o hospital
tornou-se um local de muitas mortes e conseqüentemente uma ameaça para a cidade,
também por sua localização e pela possibilidade de contaminação da população de
seus arredores. Por outro lado, representou um peso desnecessário para a economia,
uma vez que esta não conseguiu diminuir a pobreza nem evitar o crescimento do número
de pobres doentes. Assim, todo tipo de investimento feito para sanar os problemas de
saúde foi desperdiçado em grande escala pelos órgãos administrativos responsáveis.
Foucault (1979) conclui que, a partir desses acontecimentos, o hospital tornou-se uma
instituição malvista no século XVIII; ao mesmo tempo em que permitiu a produção de um
saber médico-hospitalar, não resolveu por completo o problema de saúde da população.
Foi necessário encontrar outros recursos que pudessem solucionar tais conflitos, numa
nova tentativa de garantir o bem-estar e a saúde. Diante da impossibilidade de considerar
o hospital um local de resolução de problemas de saúde, outras medidas foram tomadas
por aqueles que detinham o poder administrativo e médico. Uma delas foi a criação de
uma hospitalização a domicílio. Para que isso ocorresse, normas foram criadas para
viabilizar o atendimento médico em casa: todo cuidado oferecido ao doente passou a
ser responsabilidade da família, que deveria seguir à risca as orientações do médico,
designado para o acompanhamento do doente no domicílio. Apesar do contínuo perigo
de contágio que o doente representava sendo cuidado em sua residência, houve
vantagens econômicas e médicas com essa nova modalidade de intervenção hospitalar.
32
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
Manter o doente em casa gerava um menor custo para o Estado, pois todo o seu sustento
provinha da família. Se esse indivíduo, antes de adoecer, era um trabalhador ativo na
sociedade, acabava representando um prejuízo social pela ausência de sua produtividade
e, com isso, uma desvantagem econômica. Da parte médica, todo o cuidado atribuído á
família poupava o médico de uma intervenção que significasse para ele uma
administração hospitalar elaborada e cheia de dificuldades como geralmente ocorria.
Assim, o domicílio funcionava como um hospital em que doente e família deveriam cumprir
regras e assumir responsabilidades que muitas vezes eram difíceis para ambas as partes.
Com essa nova modalidade de intervenção, os médicos disponíveis para essa função
eram distribuídos por regiões específicas da cidade para que pudessem atuar nos
domicílios de forma ordenada. Eram, portanto, representantes do corpo social e
considerados também profissionais que tomavam partido dos problemas sociais da
população. Nesse contexto, aos doentes eram fornecidos os mesmos medicamentos
aos quais estes tinham direito se estivessem internados no hospital. Recebiam consultas
e cuidados gratuitos, semelhantes aos da hospitalização, porém, sem representar
dificuldades econômicas e administrativas como na internação clássica. Ao perceber as
vantagens desse novo modelo de intervenção, as autoridades da época pensaram em
extinguir por completo os hospitais, ou seja, tirar os doentes do hospital para que fossem
cuidados no domicílio. Diante da impossibilidade de tal empresa, restava o desafio de
reformulá-lo para que pudesse ser um meio viável de cuidado à saúde. Como a família
era prioridade para os órgãos de saúde, um novo planejamento de funcionamento do
hospital passou a vigorar a fim de favorecê-la. Para isso, contava-se com a colaboração
dos médicos, que também prosseguiam com seus esforços para promover a saúde da
população. Medidas foram tomadas de acordo com as condições de que dispunha o
sistema de saúde. Pensava-se numa melhor disposição espacial para os hospitais: uma
33
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
localização que fosse fora dos grandes centros urbanos e que permitisse melhor circulação
de ar; um lugar que representasse um menor perigo de epidemias para a população,
com uma capacidade arquitetônica para abrigar grande número de doentes. Uma outra
idéia parecia, também, viável naquele momento: a construção de hospitais de pequeno
porte nos centros urbanos poderia favorecer a população, que contaria com o serviço
dos dispensários na distribuição de medicamentos e com uma resolução mais urgente
dos problemas de saúde. De qualquer maneira, as autoridades entenderam que havia a
necessidade de controlar de forma mais apurada as complicações que o hospital criava
para a sociedade. Convenceram-se de que era preciso reunir no espaço do hospital um
saber médico e uma eficácia terapêutica voltada para a cura da doença. Assim, sistemas
de registros foram definitivamente implantados com o objetivo de controlar a doença e
seus sintomas e novas tecnologias foram aprimoradas para garantir qualidade na
prestação de serviços. A partir disso, surgiram, no final do século XVIII, os hospitais
especializados, como decorrência da reformulação hospitalar que até então se fez
necessária para a população. É inegável que o hospital continuou enfrentando problemas
administrativos e econômicos, porém isso se deu com menor freqüência do que em
épocas remotas. Já a “des-hospitalização” completa não aconteceu. Com essa nova
fase de reorganização hospitalar, as autoridades em saúde estabeleceram uma espécie
de intercâmbio entre hospital e domicílio e continuaram a cuidar de doentes em casa,
com o propósito de aliviar os serviços intensos no hospital, que de alguma forma também
era favorecido com custos menores devidos à internação dos doentes em casa.
Segundo Foucault (1979), os momentos em que o hospital pôde priorizar a cura
do indivíduo fundamentaram o ensino clínico do médico e, com isso, o aprimoramento de
seus serviços, contribuindo para melhorar o nível de saúde da população.
A autora deste estudo percebe que nesse período da história, a intenção pela
34
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
qual o hospital foi criado não foi somente a de promover a cura da doença e garantir a
qualidade de vida do indivíduo, mas resolver problemas políticos e econômicos urgentes
relacionados à saúde na sociedade daquela época. Nesse processo, o doente era pouco
percebido e valorizado em suas necessidades gerais. Toda ação voltada para ele era
motivada por interesses políticos e tinha como objetivo evitar maiores problemas
econômicos para o Estado ou para a sociedade de forma geral. Decorrência disso, no
século XVIII o capitalismo passou a utilizar o corpo para empregar sua estratégia
“biopolítica”. O corpo tornou-se um lugar de investimentos econômicos, visando lucro.
Nesse contexto, a doença sempre foi um grande desafio para as autoridades locais. Sua
presença representava uma ameaça de desordem para a sociedade, tanto nos hospitais
como fora dele. Atualmente, a doença é vista como algo que limita as atuações de um
corpo produtivo, inserido, também, numa sociedade capitalista, consumista e voltada
para o incessante avanço da tecnologia. Sua presença é símbolo de grande preocupação,
principalmente com a sobrevivência econômica do indivíduo. A exemplo disso, é possível
falar da aposentadoria como um episódio que deflagra dificuldades emocionais pelo fim
do trabalho e da vida produtiva.
O desenvolvimento da medicina social percorre um caminho semelhante ao
anteriormente citado: um controle econômico e político das questões de saúde e doença
da população, com o objetivo de formar uma sociedade livre de complicações dessa
ordem.
Enquanto a medicina se transformava em suas características e objetivos, o médico
desempenhava um papel de importância histórica determinante para uma compreensão
atual dessa profissão. Todo o poder dado a este profissional pelos órgãos administrativos
foi aceito pela sociedade da época, estendendo-se, de certa forma, até os dias atuais.
Isso ocorre nas mais diversas instituições de saúde em que há a presença de uma
35
Aspectos Históricos do Atendimento Domiciliário
hierarquia da qual faz parte o médico. É ele quem determina condutas para combater a
doença.
Neste século, com todos os recursos oferecidos por uma medicina científica, o
hospital progrediu em tecnologia. Cada vez mais as organizações de saúde investem
em maquinários e pessoal especializado para garantir a prevenção ou a cura da doença.
Porém, permanecem os mesmos interesses políticos e econômicos, semelhantes aos
do século XVIII. Esses fatores movimentam as ações atuais voltadas para a resolução
de problemas de saúde e, de alguma forma, ditam padrões de funcionamento institucional.
O hospital teve um significativo progresso, transformando-se em local especializado
de cura, mas não deixou de apresentar problemas administrativos ou financeiros nos
quais a doença aparece como um grande complicador, dependendo de seu tempo de
duração e do conseqüente período de internação do doente. Numa tentativa de dar
solução para essas questões, aparece pela primeira vez na história do hospital, no século
XVIII, um novo modelo de intervenção em saúde: o atendimento do doente em seu domicílio.
Esse serviço, ao longo dos anos, passou por modificações de acordo com as
necessidades físicas, econômicas, culturais e sociais de cada época e de cada povo.
Considerado uma forma de “des-hospitalização”, sempre atribuiu à figura do médico o
papel de coordenar a equipe de atendimento e de orientar os familiares sobre condutas
específicas. Esse panorama se repete na atualidade e determina formas de relação dos
profissionais de saúde com as famílias envolvidas no contexto do atendimento domiciliário.
Assim, a assistência domiciliária como uma modalidade de intervenção hospitalar cresce
em todo o mundo e ganha uma grande relevância para as políticas de saúde atuais.
Porém, a sua prática pode ser considerada um notável desafio para as instituições de
saúde e para todos os que participam dessa realidade, como se poderá constatar nos
próximos capítulos.
36
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
Capítulo 2
DEFINIÇÕES E CONTEXTUALIZAÇÃO
DO
ATENDIMENTO
DOMICILIÁRIO
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
38
CAPÍTULO 2 - DEFINIÇÕES E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO
DOMICILIÁRIO
Como se pôde observar no capítulo 1 deste trabalho, em meados do século XVIII
estruturou-se, de modo rudimentar, um dos primeiros serviços de atendimento domiciliário
reconhecidos pela história; com o passar do tempo, este se desenvolveu a ponto de
significar para a sociedade de hoje, por sua complexidade, uma prática desafiadora
para todos os que participam desse contexto. Assim, a autora deste estudo inicia este
capítulo indicando alguns conceitos relevantes para se entender o funcionamento geral
de um serviço de atendimento domiciliário na atualidade.
Segundo Dal Bem & Gaidzinski (2007), é possível definir o atendimento
domiciliário como uma substituição da internação hospitalar de longa permanência para
pacientes portadores de doença crônica. As autoras reconhecem nessa atividade
vantagens como: reduzir a possibilidade de infecções do tipo hospitalar; evitar as
repetidas internações, promovendo uma significativa redução de custos para o hospital;
possibilitar ao paciente o convívio familiar, em sua comunidade, e proporcionar-lhe melhor
qualidade de vida.
Outros autores e estudiosos interessados nessa modalidade de intervenção em
saúde definiram-na de forma semelhante. Carletti & Rejani (1996) propõem o seguinte
conceito: atendimento domiciliário é o serviço em que as ações de saúde são
desenvolvidas no domicílio do paciente por uma equipe interprofissional, a partir de seu
diagnóstico clínico, de seus potenciais e limitações. Visa, portanto, à promoção,
manutenção e/ou restauração da sua saúde; o desenvolvimento e adaptação de suas
funções com a finalidade de favorecer o restabelecimento de sua independência e, por
fim, a preservação de sua autonomia.
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
39
Segundo Duarte & Diogo (2005), no Brasil o atendimento domiciliário desdobra-se
em outros tipos de serviço com nomes semelhantes. É o caso, por exemplo, da
visitadomiciliária. Trata-se de um tipo de atendimento residencial efetuado pelo
profissional de saúde e/ou equipe para avaliar as demandas do paciente e de seus
familiares, bem como o ambiente em que estes vivem. Estabelece-se, então, um plano
assistencial voltado à recuperação e/ou reabilitação do doente que vise à sua autonomia
e à sua máxima independência. As visitas são organizadas pelo programa ao qual o
paciente está vinculado e realizadas sistematicamente, conforme a necessidade do cliente.
A equipe de profissionais fornece as orientações relativas aos cuidados necessários,
que são acatadas pelo cuidador (familiar, leigo ou profissional).
Comenta a autora deste estudo que o cuidador mencionado anteriormente é ca-
racterizado como alguém que tem ou não vínculo familiar com o paciente e está apto a
auxilia´-lo em suas atividades de vida diária.
Duarte & Diogo (idem) afirmam que outras formas de suporte terapêutico –
originárias do modelo básico de atendimento domiciliário – são dadas ao doente em
sua residência. É o caso da assistência domiciliária, que compreende as atividades
assistenciais exercidas por profissional de saúde e/ou equipe interprofissional no local
de residência do cliente; caracteriza-se por visitas programadas em que se adotam meios
terapêuticos de maior complexidade. O período entre as visitas depende da complexidade
assistencial requerida. Enquanto decorre esse tempo, a equipe tem como certo que o
cuidador responsável continua com a assistência ao paciente no domicílio.
Também pertencente ao conjunto dos modelos terapêuticos relacionados por
Duarte & Diogo como sucedâneos do atendimento domiciliário no Brasil, a internação
domiciliária define-se, de acordo com as autoras, pela instalação de um mini-hospital
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
40
profissionais de saúde responsáveis pela execução terapêutica planejada. Essa
assistência conta com meio de transporte específico para conduzir o paciente ao hospital,
quando necessário, com assistência médica e de enfermagem durante 24 horas por dia,
com medicamentos e maquinários especializados que monitoram a evolução clínica do
paciente. Todos os profissionais envolvidos na assistência domiciliária têm autonomia
para realizar intervenções precoces em caso de possíveis intercorrências clínicas.
A ABEMID – Associação Brasileira de Empresas de Medicina Domiciliar (2004)
– propõe outras definições sobre o cuidado do doente no domicílio:
· Internação domiciliar : tratamento em ambiente domiciliar de enfermidade clínica
que se mantém ativa e demanda obrigatoriamente monitoramento feito por equipe
multiprofissional de saúde.
· Cuidado ou acompanhamento domiciliar : acompanhamento em ambiente
domiciliar de pacientes que não necessitam de monitoramento contínuo de equipe
multiprofissional de saúde. Nessa modalidade de atuação, é comum bastarem
apenas os préstimos oferecidos por um cuidador devidamente treinado.
· Procedimentos técnicos especializados: procedimentos especializados que se
realizam em domicílio e requerem obrigatoriamente a presença de profissional
de saúde habilitado para a sua prática.
Segundo Floriani & Schramm (2004), os principais objetivos do atendimento
domiciliário são:
· Otimizar os leitos hospitalares e o atendimento ambulatorial, visando à redução
de custos;
· Reintegrar o paciente em seu núcleo familiar e de apoio;
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
41
· Oferecer assistência humanizada e integral, favorecendo a aproximação da família
à equipe de saúde;
· Incentivar uma maior participação do paciente e sua família no tratamento proposto;
· Promover educação em saúde e ser um campo de ensino e pesquisa.
Convém a essa altura do presente estudo acrescentar ao conteúdo do capítulo 1
outras necessidades – apresentadas por Duarte & Diogo (2005) - pelas quais se
desenvolveu a assistência domiciliária, com base na realidade atual:
· Individualização da assistência prestada, valorizando a integridade do cliente;
· O desenvolvimento de cuidados relacionados à privacidade do cliente e à
segurança de sua residência;
· Maior possibilidade de o cliente ou a sua família participarem das decisões
relacionadas aos cuidados a serem adotados;
· A parceria estabelecida entre cliente/família e provedor de saúde para o alcance
das metas de assistência no domicílio, com responsabilidades distribuídas;
· Diminuição dos custos com internação hospitalar.
Todo o processo de atendimento domiciliário tem início quando o paciente ainda
se encontra internado no hospital e é portador de uma patologia incapacitante que o
torna totalmente dependente de cuidados para a sua sobrevivência. Segundo Duarte &
Diogo (idem), é nessa etapa (enquanto o paciente se encontra internado no hospital) que
se deve realizar uma avaliação de dados hospitalares que futuramente poderão ser
decisivos para a opção da internação do cliente em domicílio. As autoras afirmam que a
intervenção feita no hospital permite verificar se no domicílio da família existem condições
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
42
sociais e ambientais favoráveis para o suporte clínico do paciente. São elas:
· O conhecimento sobre o funcionamento da dinâmica familiar e a suposta
disposição de seus membros para aprender os cuidados gerais com o doente;
· O nível de compreensão da doença, seu diagnóstico e prognóstico;
· Características ambientais que facilitam os cuidados e ajudam a garantir a
segurança do cliente;
De acordo com as autoras, após esse período é preciso realizar um planejamento
minucioso para o atendimento domiciliário que considere as seguintes questões:
1. Há quanto tempo o indivíduo está doente e o que já ocorreu nesse período?
2. O que motivou a opção pelo programa de atendimento domiciliário?
3. Quem são as pessoas responsáveis pelo cuidado e quanto essa tarefa
interfere na dinâmica familiar e na vida dos próprios cuidadores?
4. De que recursos humanos e financeiros a família dispõe para receber o
atendimento domiciliário?
5. Qual a condição funcional do paciente e o seu potencial para cuidar-se?
6. Quais adaptações físicas deverão ser feitas no domicílio? Elas serão possíveis?
Todo acordo e planejamento para o atendimento em casa, conforme afirmam,
devem ser feitos com o cliente e com a família, ainda no hospital, depois de verificadas
todas as considerações anteriormente descritas. A partir disso, prepara-se o paciente
para a alta precoce do hospital, porque ele continuará recebendo o tratamento em sua
residência. Enquanto a equipe de profissionais do hospital toma providências para que
o doente se desvincule desse estabelecimento, a equipe responsável pelo atendimento
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
43
domiciliário prepara-se para recebê-lo no domicílio, efetuando uma revisão dos seguintes
itens:
1. Identificação dos diagnósticos primários e secundários do doente;
2. História clínica;
3. Realização de exames laboratoriais;
4. Terapêutica medicamentosa a ser escolhida;
5. Tecnologia assistiva, equipamentos e tratamentos necessários.
Os assistentes de saúde ocupam-se, desse modo, em conhecer a situação clínica
do paciente, com o objetivo de verificar sua compatibilidade com os critérios de
elegibilidade do programa de atendimento domiciliário. Conforme Duarte & Diogo (2005),
os critérios que determinam a aceitação do doente em domicílio são:
A sua estabilidade clínica;
A presença no domicílio de uma rede de suporte social (cuidador, família, amigos,
voluntários);
Um ambiente adequado para o cuidado;
A avaliação profissional das demandas existentes;
O suporte financeiro da família.
No Brasil, as instituições de saúde que oferecem o serviço de atendimento
domiciliário estruturam-no utilizando os regulamentos exigidos pelos órgãos
governamentais responsáveis. São eles: a ANVISAAgência Nacional de Vigilância
Sanitária –, a ABEMID – Associação Brasileira das Empresas de Medicina Domiciliar -
e o NEAD – Núcleo Nacional das Empresas de Assistência Domiciliar. A ABEMID utiliza
·
·
·
·
·
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
44
uma tabela específica como importante instrumento para avaliar a real situação clínica
do cliente e a possibilidade de admiti-lo no programa de atendimento domiciliário (Ver
tabela 1 no anexo). Após as avaliações e a constatação de que o paciente e sua família
satisfazem aos requisitos para o cuidado em casa, delibera-se a inclusão destes no
programa de atendimento domiciliário.
O próximo passo é orientar o paciente e a família sobre as regras gerais de
funcionamento do programa de atendimento domiciliário e sobre os cuidados que deverão
ser dispensados ao paciente, com a finalidade de facilitar-lhes a adaptação ao novo
contexto.
Após um determinado período de funcionamento do serviço de atendimento
domiciliário na residência do cliente, torna-se necessário avaliar o andamento geral dos
procedimentos técnicos e a evolução clínica do paciente. Para isso, o NEAD criou um
instrumento específico de monitoramento. (Ver tabela 2 no anexo).
O tempo de permanência do paciente no programa é o período compreendido
entre a data de admissão e a data da alta ou do óbito. No capítulo 4 deste estudo,
conheceremos as implicações do longo período da doença crônica na relação entre
equipes e familiares em atendimento domiciliário.
Convém lembrar que as instituições que fornecem os serviços de atenção
domiciliar devem-se submeter a um regulamento técnico que estabeleça os requisitos
mínimos de segurança para o funcionamento desses serviços e que as instituições ou
organizações de saúde que oferecem essa modalidade de atenção são responsáveis
pelo gerenciamento da estrutura, dos processos e dos resultados obtidos, devendo
atender às normas e exigências legais desde o momento da indicação do paciente ao
programa até a alta ou o óbito. Essa resolução é aplicável a todos os estabelecimentos
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
45
ou instituições, públicos ou privados, que oferecem assistência domiciliária. Ela determina,
portanto, que nenhum serviço de atenção domiciliar pode funcionar sem uma licença da
autoridade sanitária local, atendendo aos requisitos do regulamento técnico que foi
elaborado pela ANVISA e passou a vigorar em janeiro de 2006 (Ver tabela 3 nos anexos).
A autora deste estudo destaca alguns itens relevantes desse regulamento técnico,
com a finalidade de analisar dados referentes à atuação das equipes de saúde nos
domicílios, assim como à instituição provedora do trabalho. Uma das normas do
regulamento enuncia que uma equipe multiprofissional tem a função de prestar assistência
clínico-terapêutica e psicossocial ao paciente em seu domicílio; além disso, possui
atribuições burocráticas necessárias para a estruturação do SAD – Serviço de
Atendimento Domiciliário –, como é chamado nesse documento. À equipe do SAD
cumpre elaborar, então, um Plano de Atenção Domiciliar – PAD – segundo critérios que
o documento estabelece. A autora escolheu para apresentar a seguir alguns itens do
regulamento, que consta em documento anexo (na tabela 3), acompanhados das
explicações e ponderações que considerou pertinentes. Neles encontramos atribuições
diversas que são de responsabilidade da instituição provedora do atendimento e que
dizem respeito à equipe de profissionais, ao doente e aos seus familiares:
“O plano de atenção domiciliar deve contemplar os requisitos de infra-estrutura
do domicílio do paciente, necessidade de recursos humanos, materiais, medicamentos,
equipamentos, retaguarda de serviços de saúde, cronograma de atividades dos
profissionais e logística de atendimento.” Estas exigências devem ser satisfeitas pelos
profissionais enquanto se ocupam com os procedimentos clínicos. Cabe a eles
permanecerem atentos às necessidades gerais do paciente e de seu cuidador e procurar
supri-las, enquanto a doença permanece no meio familiar. Além disso, em casos de
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
46
internação domiciliar, a equipe interage com profissionais de outras instituições de saúde
que oferecem suporte técnico específico de cuidado ao cliente internado em domicílio.
“O SAD deve fornecer aos familiares dos pacientes e/ou cuidadores orientações
verbais e escritas, em linguagem clara, sobre a assistência a ser prestada desde a
admissão até a alta.”
“O SAD deve possuir sistema de comunicação que garanta o acionamento da
equipe, os serviços de retaguarda, apoio ou suporte logístico, em caso de urgência e
emergência.”
Observa a autora que, no cumprimento dessas duas determinações, conflitos entre
familiares e profissionais surgem, decorrentes de uma comunicação ineficaz. Mesmo
que a equipe esteja convencida de que as informações dadas aos familiares a respeito
do doente e das regras institucionais sejam precisas, existe uma dificuldade de assimilá-
las ou interpretá-las de forma concordante com o propósito de cada mensagem. A
expressão de um profissional em situação de grupo operativo, referindo-se ao tratamento
que familiares dispensam às orientações ministradas, dá uma idéia de como e por quais
sentimentos os conflitos ganham vulto nos atendimentos de rotina:
Equipe multidisciplinar: “– Não adianta; não dá pra ter o controle de tudo. –
Nós orientamos e quando viramos as costas, saímos da casa, eles fazem o que bem
entendem. – Eu penso em fazer bem a minha parte...”.
A respeito disso, Silva (2002) explica que o processo pelo qual acontece a
comunicação eficaz nas relações de trabalho depende da habilidade do profissional em
detectar as dificuldades e as dúvidas do paciente, verificando a coerência das mensagens
recebidas. Para Silva (idem), isso só é possível quando se utilizam as técnicas da
comunicação verbal e não-verbal como instrumentos básicos da profissão. Entender o
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
47
sentido da mensagem é um fato que está associado à capacidade de percepção de
cada pessoa. Como exemplo disso, segue outro fragmento de uma sessão de grupo
operativo que mostra o desagrado da equipe com o comportamento de um familiar:
Equipe multidisciplinar: “ – Ela fez tudo ao contrário do que foi orientado;
ninguém esperava essa atitude. – Algumas pessoas da nossa equipe ficaram muito
indignadas com a atitude dessa senhora. – Sabe? Ficaram bravas, mesmo; revoltadas.”
Trata-se de uma paciente que aceitou um convite da equipe para ir até o chamado
Ambulatório de Feridas, localizado no prédio da instituição provedora do serviço, para
realizar curativos três vezes por semana. Dispensou, portanto, a presença da equipe de
enfermagem em sua residência para a realização deste procedimento. Mesmo assim,
na mesma semana, fez uma ameaça de processar a instituição, alegando que lhe foi
negada a prestação de serviço específico em seu domicílio. Neste caso, fica evidente a
ocorrência de um mal-entendido que gerou na equipe de trabalho um estado de espanto
e indignação pelo acontecimento.
Como afirma Silva (2002), a percepção pode ser definida como um processo de
reconhecimento pelos sentidos que abrange a estimulação sensorial, a organização de
forças do sistema nervoso, a recolocação de experiências passadas e, por fim, o
aparecimento de uma resposta. Conforme a autora, o modo pelo qual um indivíduo faz
uso da comunicação depende da capacidade de perceber todos esses dados. A
comunicação não-verbal, acrescenta ela, ajuda a construir o acesso ao mundo do paciente,
assim como ao mundo do profissional, o que possibilita uma maior compreensão dos
aspectos dessa interação e também dos sentimentos aflorados nesse contato mútuo.
“O SAD deve assegurar o suporte técnico e a capacitação dos profissionais
envolvidos na assistência ao paciente.” Os provedores de atendimento domiciliário, ao
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
48
mesmo tempo que exigem que as famílias cumpram os combinados contratuais, devem
ser capazes de suprir de forma segura as demandas do paciente e, para isso, precisam
contar com uma equipe de profissionais apta a oferecer assistência domiciliar adequada.
“O SAD deve garantir aos pacientes que estão em regime de internação
domiciliar, a remoção ou retorno à internação hospitalar nos casos de urgência e
emergência.” Esta tarefa nem sempre é fácil. Os familiares podem dificultar as decisões
relacionadas à conduta dos profissionais envolvidos com o paciente, impedindo os
procedimentos adequados e o transporte ao hospital. Isso se deve às angústias
relacionadas à internação: não ter o controle sobre a situação geral do paciente, não
poder ter acesso contínuo ao ente querido e permanecer perto deste, medo das condutas
clínicas dos profissionais responsáveis e medo da ocorrência do óbito em ambiente
hospitalar. Mas há também as famílias preferem que o paciente permaneça hospitalizado,
pois, assim, podem descansar do cuidado e retomar algumas atividades sociais. Após
a internação hospitalar e a conseqüente resposta satisfatória ao tratamento, o paciente
volta para casa e a equipe novamente se responsabiliza por dar continuidade ao programa
de atendimento domiciliário, preparando os familiares para reiniciar uma nova adaptação
ao cuidado em casa.
“Para os pacientes com graves problemas respiratórios, a ventilação mecânica
invasiva só é permitida na modalidade de internação domiciliar com o acompanhamento
do profissional da equipe multiprofissional de atenção domiciliar.” Por vezes se faz
necessário pôr em funcionamento na residência do cliente uma espécie de quarto de
UTI, com todos os equipamentos específicos para a manutenção dos sinais vitais do
doente. Para manuseá-los, é preciso contar com uma assistência de enfermagem que
permaneça 24 horas no domicílio. Simultaneamente, a equipe do SAD continua realizando
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
49
as visitas domiciliares para o cuidado de rotina. Há, então, como se percebe, um
significativo movimento de pessoas no domicílio que não fazem parte da família do doente.
Isso afeta a dinâmica de funcionamento do domicílio, assim como a interação dos
profissionais com o doente e seus familiares:
Equipe multidisciplinar: “ – As famílias são todas muito diferentes umas das
outra;. têm aquelas que nos tratam bem e aquelas que não. – Por exemplo, tratam nós
da enfermagem com descaso; é como se você não fosse ninguém. – Daí, quando
termina o procedimento, precisamos sair pelo elevador de serviços. – Parece que tudo
o que você faz na casa não é mais que a sua obrigação...”.
Afirmam Dal Bem & Gaidzinski (2007) que em termos de recursos materiais,
equipamentos e, principalmente, de recursos humanos, a complexidade desse tipo de
atendimento pode ser comparada à complexidade de um hospital. Em função disso,
dizem as autoras, cada domicílio de paciente constitui uma espécie de hospital virtual.
Isso justifica o fato de as equipes de saúde prepararem-se minuciosamente para atender
às necessidades clínicas do paciente em sua residência. Por outro lado, afirma Silva
(2002), por mais corriqueiros que sejam os acontecimentos no cotidiano de uma instituição
hospitalar, eles podem gerar mal-entendidos e criar situações constrangedoras,
dificultando o andamento do serviço e obscurecendo os objetivos comuns da equipe.
Para lidar com tais situações, essa autora propõe que o profissional de saúde considere
que a maneira de o paciente e de seus familiares perceberem os fatos à sua volta interfere
na conduta geral que apresentam. Devido a isso, conforme Silva (idem), as pessoas
vêem e ouvem apenas o que esperam e querem, pois existe no ser humano uma tendência
de sentir e agir de acordo com os próprios referenciais de vida.
Definições e Contextualização do Atendimento Domiciliário
50
A autora deste estudo afirma, tendo como base o que até aqui se expôs, que um
serviço de atendimento domiciliário é complexo. Além dos regulamentos institucionais a
serem cumpridos por todas as pessoas participantes, existe o desafio de manter um
bom relacionamento entre equipes de saúde, familiares e pacientes, para que a atividade
seja realizada no domicílio de forma satisfatória. Entende que um dos caminhos viáveis
para isso é a compreensão clara do processo de percepção citado anteriormente neste
texto, uma vez que esse processo permeia todas as formas de relação no contexto do
trabalho em saúde. Segundo Silva (2002), a percepção é o resultado da reunião de vários
fatores tais como a utilização dos cinco órgãos dos sentidos, dos simbolismos, das
associações e da produção de significados. Assim sendo, é possível afirmar que o que
se pode aprender das relações humanas depende de uma constante construção de
significados extraídos das diversas experiências de vida, que fazem parte da sociedade
e da cultura de cada povo.
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
Capítulo 3
OS SIGNIFICADOS DO ADOECER PARA
AS
RELAÇÕES INTERPESSOAIS
EM
ASSISTÊNCIA
DOMICILIÁRIA
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
52
CAPÍTULO 3 - OS SIGNIFICADOS DO ADOECER PARA AS RELAÇÕES
INTERPESSOAIS EM ASSISTÊNCIA DOMICILIÁRIA
Como foi visto no capítulo 2 deste estudo, um trabalho de atendimento domiciliário
tem início com a hospitalização do paciente; é um processo que começa quando ele
ainda se encontra internado e está diante da possibilidade de receber os cuidados clínicos
em sua residência. O que percebe a autora deste estudo é que a internação hospitalar
representa para o doente um suposto abandono de sua vida social e a entrada numa
espécie de estado de recolhimento para receber o tratamento clínico. Ao sair do hospital,
ele deixa para trás um mundo restrito a situações de instabilidade física, doença e morte
e retorna à sua residência, desta vez, com a esperança de uma rápida recuperação
para, assim, resgatar suas atividades diárias e seus contatos sociais.
Em casa, o paciente enfrenta, então, uma adaptação a um novo contexto de
internação e mantém o desejo de poder conviver com amigos e familiares. Porém, apesar
de desfrutar da intimidade do lar, por permanecer doente, ele tem que se privar de uma
vida social normal para ser submetido a outros tratamentos, agora num ambiente que
difere do hospitalar. Ao receber todo o cuidado técnico em seu domicílio, esse paciente
fica restrito ao leito e limitado a conviver somente com seus familiares e com a equipe de
saúde que lhe presta assistência clínica, uma vez que, a debilidade física o privou de
outros contatos humanos. Partindo dessa realidade, a autora deste estudo considera
que no domicílio a interação profissional–família, incluindo o paciente, passa a ser
caracterizada por diferentes formas de interpretação dos significados que os envolvidos
atribuem ao adoecimento. Está presente nessa interação um aparente interesse comum
em resgatar o estado de saúde do paciente. Os familiares revelam um desejo genuíno
de retornar ao tempo anterior à doença, tempo em que não havia perturbações físicas,
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
53
emocionais, financeiras e sociais. Por seu turno, os profissionais empenham-se em tratar
o paciente para que este encontre a cura ou se reabilite a ponto de poder manter sua
qualidade de vida, ainda que o estado crônico de seu diagnóstico clínico persista.
Diante dos aspectos anteriormente citados neste capítulo, a autora desse estudo
abordará questões que embasam as diversas maneiras de atribuir significados aos
processos de saúde e doença, tendo como enfoque o ponto de vista dos profissionais
que atuam em atendimento domiciliário. Para tanto, utilizará conceitos formulados pela
antropologia médica. Segundo Helman (2003), essa disciplina se definiu como um ramo
da antropologia social e cultural que aborda as maneiras pelas quais as pessoas, em
diferentes culturas e grupos sociais, explicam as causas dos problemas de saúde e
atribuem-lhes significados. Relaciona-se aos tipos de tratamento nos quais as pessoas
acreditam e aos indivíduos a quem recorrem quando, de fato, adoecem. A antropologia
médica é, também, o estudo das crenças e práticas relacionadas às mudanças biológicas,
psicológicas e sociais do organismo humano, tanto na saúde quanto na doença; portanto,
uma disciplina biocultural que facilita a compreensão de como as pessoas reagem à
doença, à morte e a outros infortúnios a partir do conhecimento da cultura à qual pertencem.
Logo, para uma possível compreensão dos significados do adoecer e suas implicações
para aqueles que participam desse contexto, faz-se necessário abordar algumas idéias
a respeito da influência de aspectos culturais nesse processo.
O conceito de cultura
Para falar a respeito de um grupo de seres humanos, como os já mencionados
neste estudo, é necessário verificar as características, tanto da sociedade quanto da
cultura nos quais estão inseridos. Ao estudar uma sociedade, os antropólogos investigam
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
54
o seu modo de organização em grupos, hierarquias e papéis. Essa organização social
revela-se em suas ideologias e religiões dominantes, em seus sistemas políticos e
econômicos, nos tipos de relações que os laços consangüíneos criam entre as pessoas
e na divisão do trabalho entre elas. Assim, as regras que sustentam a organização de
uma sociedade e o modo como ela é simbolizada e transmitida fazem parte da cultura
dessa sociedade. Trata-se de um conceito historicamente construído e transformado ao
longo do tempo. Segundo Helman (2003), na primeira metade do século XX, a cultura
era considerada como algo que já existia antes de qualquer ação; consistia em normas,
práticas e valores vistos como previamente estabelecidos e fixos que determinavam os
pensamentos e as atividades de seus membros. Afirma o autor que nesse período foi
conceituada como um sistema fixo e homogêneo no qual todos os membros compartilham
das mesmas idéias e agem igualmente. A partir do desenvolvimento da antropologia
simbólica, diz Helman (idem), o conceito de cultura adquiriu um novo sentido e esta passou
a ser definida como um sistema de símbolos expresso na interação social, cujos atores
comunicam e negociam significados. Não é mais uma unidade estanque de valores,
crenças e normas, mas uma expressão humana frente à realidade. A partir disso, é
entendida como sendo dinâmica e heterogênea, uma vez que passa a levar em
consideração que os indivíduos de uma cultura diferem uns dos outros em pensamento e
ação. É um sistema simbólico fluido e aberto de um mundo que está em constante
transformação. Considerar a cultura como um sistema dinâmico e heterogêneo embasa
sua atual definição que, segundo o autor, pode ser enunciada como um conjunto de
princípios explícitos e implícitos herdados por indivíduos, membros de uma dada
sociedade; princípios esses que mostram aos indivíduos como ver o mundo, como
vivenciá-lo emocionalmente e como comportar-se em relação às outras pessoas. Desta
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
55
forma, assegura-se um meio de transmitir suas diretrizes para a geração seguinte,
mediante o uso de símbolos, da linguagem, da arte e dos rituais. Este autor diz ainda que
a cultura, em certa medida, pode ser vista como uma espécie de “lente” que o indivíduo
herda para entender e perceber o seu mundo e aprender a viver nele. O crescimento em
determinada sociedade pode ser reputado como uma forma de enculturação pela qual o
indivíduo, aos poucos, adquire a sua “lente”. Porém, pensar em cultura é algo que exige
certa cautela, pois seu conceito tem sido mal-entendido na sociedade. Além disso. é
preciso considerar que as diferenças existentes entre os membros de um mesmo grupo
podem ser tão significativas quanto aquelas entre os membros de grupos diferentes. Por
isso, as formas generalizadas de aplicar conceitos sobre as mais variadas situações
podem acarretar o desenvolvimento de estereótipos, de mal-entendidos culturais,
preconceitos e discriminações. Assim, a cultura não deve ser considerada isoladamente,
mas como produto de uma mistura complexa de influências que se refletem nas crenças
e no modo de vida das pessoas.
O contexto da cultura em saúde e doença
A autora deste estudo considerou pertinente proceder, nesta etapa de seu trabalho,
a uma análise histórica dos aspectos culturais em saúde e doença. Até a primeira metade
do século XX, prevaleceu uma tendência para manter a distância entre estudos de
antropologia e estudos de biomedicina, pois os antropólogos ocuparam-se com as
manifestações mágicas e religiosas da medicina primitiva e os médicos, com a saúde,
esta entendida como um processo físico e objetivo.
Hoje, porém, a ciência moderna apresenta seus fundamentos em métodos
empíricos para dar respostas às questões de doença. Por essas razões, as novas
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
56
discussões em antropologia questionam o modelo biomédico, cujo método tradicional
visa a causalidade da doença para determinar procedimentos diagnósticos e
terapêuticos. Para esta disciplina, há um processo histórico e cultural em evolução através
dos tempos que exclui, como conceito e como enfoque, a medicina primitiva. Com o
desenvolvimento da antropologia aplicada, após a Segunda Guerra Mundial, instaura-se
a busca por medir o impacto das práticas culturais e sociais sobre a saúde e ganham
corpo as reflexões sobre o estado de saúde em si.
Influências culturais sobre as questões do corpo
Para se pensar nos significados simbólicos que o adoecimento sugere para as
populações envolvidas em assistência à saúde, a autora deste estudo considera relevante
avaliar o impacto das representações do corpo na a sociedade em geral.
Afirma Helman (2003) que na cultura ocidental, durante o processo de desenvolvimento
humano, as pessoas aprendem a perceber e interpretar as mudanças ocorridas no próprio
corpo e no corpo dos outros, ao longo da vida. Conforme propõe o autor, para os membros
de todas as sociedades, o corpo humano tem uma realidade social e uma física; é mais
do que um organismo físico que transita entre a saúde e a doença e representa um conjunto
de crenças e de significados sociais e psicológicos, além de sua estrutura e função.
Essa representação se define pelo conceito de imagem corporal, usado para descrever
todas as formas com as quais um indivíduo experimenta seu corpo, de forma inconsciente
ou não. Segundo Helman (idem), a imagem corporal não é adquirida pelo indivíduo como
parte de um crescimento numa determinada família, cultura ou sociedade. Ela é construída
ao longo da vida e decorre dos seguintes fatores:
1- Crenças a respeito da forma e do tamanho ideais do corpo, inclusive a roupa e
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
57
a decoração da superfície do corpo;
2- Crenças a respeito das fronteiras do corpo;
3- Crenças sobre a estrutura interna do corpo;
4- Crenças sobre o funcionamento do corpo.
Esses fatores são, segundo o autor, influenciados pelo ambiente sociocultural e
por idéias individuais e podem ter efeitos importantes sobre a saúde do indivíduo.
Conforme Gadamer (2006), corpo e vida sugerem experiências que se organizam
em torno da noção da perda de equilíbrio e, depois, da procura de novas situações de
equilíbrio. Para ele, isso é a corporeidade de cada pessoa, ou seja, a caracterização do
ser humano como um indivíduo corporal e não somente espiritual ou psicológico.
Um outro aspecto importante a respeito do corpo é a forma como ele é socialmente
valorizado e, até certo ponto, controlado. Helman (2003) afirma que a chamada sociedade
maior ou “corpo político” exerce um controle poderoso sobre todos os aspectos do corpo
individual – sua forma; seu tamanho; sua vestimenta; sua dieta e suas posturas; suas
atividades de reprodução, trabalho e lazer e seu comportamento na doença e na saúde.
Como exemplo disso, a autora deste estudo apresentou no primeiro capítulo deste trabalho
um fragmento da obra de Foucault (1979) que trata do século XVIII como um período da
história em que nos países da Europa, com o desenvolvimento do capitalismo, a classe
trabalhadora passou a ser valorizada principalmente como força de produção para o
trabalho nas indústrias. Em conseqüência disso, o corpo passou a ser visado pelas
estratégia biopolíticas do Estado e a ser visto como algo que precisava ser preservado
para fins econômicos e políticos, já que representava a garantia de mão de obra e
lucratividade para as autoridades locais. O adoecimento do corpo físico significava um
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
58
grande problema político e econômico para a sociedade da época.
Sustentado por argumentos de Csordas (1993), Helman (2003) apresenta a idéia
de que corpo e cultura não são realmente separados e de que os indivíduos incorporam
a cultura em que vivem. Para ele, a relação corpo/cultura excede a idéia de sofrimento
físico. As sensações, as percepções, os sentimentos e outras experiências corporais
das pessoas são culturalmente padronizados, assim como a consciência de outros corpos
dentro dessa sociedade e os modos como essa consciência relaciona-se com eles. Ele
propõe, ainda, que as sensações e as percepções corporais (os “modos de atenção
somáticos”) são os meios pelos quais as pessoas tornam-se conscientes dos outros
corpos, sendo capazes de criar e manter redes de relação com eles.
Trata-se de um fenômeno verificável também na relação entre profissionais de
saúde e pacientes em atendimento domiciliário, acrescenta a autora deste estudo. Esta
afiança que a proximidade dos corpos dos pacientes faz aflorar no profissional de saúde
sentimentos que em nada lembram a neutralidade almejada nesse tipo de ocupação, na
medida em que esses corpos vão sofrendo transformações com a doença. É o que se
pode constatar na declaração de alguém que participava de uma sessão de grupo
operativo em local de trabalho:
“ – Eu não consigo me imaginar mexendo na ferida de uma paciente e nem mesmo
fazendo fisioterapia, vendo secreção o tempo todo. – Acho mesmo que aqui na equipe
cada um tem um dom e está no seu papel adequado.”
A autora desse estudo observa que com o corpo adoecem também os valores
pessoais, as crenças, os sonhos e os relacionamentos do indivíduo debilitado. O adoecer
do corpo não representa somente a debilidade física detectada por um diagnóstico clínico,
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
59
mas uma debilidade psicológica, social, política e econômica que pode interferir na
qualidade de vida, assim como nos relacionamentos interpessoais do doente, causando
mudanças de valores pessoais e na forma de significar essas experiências de vida.
Como significar saúde e doença?
A definição clássica para saúde, segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde
– é a que segue: “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas
a ausência da doença”. Vemos, portanto, que a própria definição carrega consigo dois
pontos importantes para reflexão: um diz respeito ao lado físico, orgânico e o outro, a
questões mentais, subjetivas, que dependem do sentido das sensações vividas por cada
indivíduo. A respeito disso, espanta-se Gadamer:
“Mas o que é, então, de fato, a saúde, esse algo misterioso, o qual todos nós
conhecemos e do qual, de alguma forma, precisamente por ser tão maravilhoso estar
com saúde, não conhecemos nada?” (GADAMER, 2006, p.116).
Afirma o autor que não se pode medir a saúde de forma verdadeira, justamente
por ela ser um estado de adequação interna e de conformidade com o próprio indivíduo.
Já a doença, Gadamer (2006) a descreve como aquilo que se impõe como perturbação,
o perigoso, com o qual se tem de lidar. Ele a compara a um ser com vida própria cuja
resistência as pessoas devem tentar quebrar. De forma semelhante ao que ocorre com a
doença, as epidemias são tratadas pelo autor como um fenômeno incontrolável e
dominador que afeta as pessoas e que exerce uma força agressora também sobre a
natureza. Para a autora deste estudo, na sociedade ocidental, a doença é vista como
resultado de uma interferência externa que nos atinge; para que possa ser eliminada, é
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
60
preciso que haja, também, uma outra interferência externa.
De acordo com Gadamer (2006), em todas as culturas se conhece algo sobre o
processo de interiorização e reflexão do indivíduo pelo sofrimento e pela tolerância que
este tem com a dor. Infere o autor que, de forma subjetiva, a dor representa uma
perturbação na estrutura do equilíbrio que constitui a saúde, alterando o movimento natural
da vida.
A autora propõe a partir de agora um exame das significativas transformações
que se processaram, com o desenvolvimento da antropologia simbólica, no conceito de
cultura relacionado às questões de saúde e doença. Nessa nova abordagem, três
aspectos são importantes:
1- A cultura é tratada como dinâmica e heterogênea;
2- A doença é concebida como um processo sociocultural;
3- O conceito de doença é visto como uma experiência subjetiva.
Para o referencial teórico da antropologia simbólica, as idéias e práticas de saúde
e doença são ligadas ao contexto cultural no qual se encontram e não são fenômenos
fragmentados e isentos de significados. O conceito de cultura é, então, definido como
um sistema de símbolos que é público e centrado no ator, ou seja, naquelas pessoas
participantes do processo de saúde e doença. As interações sociais são baseadas numa
realidade simbólica que é constituída de significados, instituições e relações legitimadas
pela sociedade. Assim, o significado das coisas não está totalmente acabado; depende
do contexto ao qual pertence e emerge da interação social. Esta perspectiva diz respeito
ao interacionismo simbólico. Segundo afirma Helman (2003), a cultura não é algo pronto,
mas um sistema de símbolos fluídos e abertos a novas interpretações. Nesse processo,
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
61
comenta este autor que a tradição deve ser considerada como algo possível de ser
repensado e recriado, uma vez que a ação humana não é desprovida de reflexões. A
doença é considerada como um processo sociocultural. Para Staiano (1981), doença
não significa um estado estático, mas um conjunto de fenômenos que requerem uma
interpretação relacionada ao meio ao qual pertencem. Isso implica na necessidade de
uma negociação de significados na busca da cura. A doença pode ser compreendida
como uma seqüência de eventos e é motivada pelos seguintes objetivos: entender o
sofrimento, visando a uma organização da experiência vivida e aliviar o sofrimento. Desta
forma, a interpretação do significado da doença emerge através de seu processo de
percepção e ação. Cabe lembrar que, pela visão da medicina moderna, o episódio da
doença consiste nas seguintes etapas: o reconhecimento dos sintomas do distúrbio como
sendo uma doença; o diagnóstico, a escolha do tratamentos e a sua avaliação. Logo, o
processo terapêutico não é caracterizado por um simples consenso entre os profissionais
de saúde. Ele é melhor entendido como uma seqüência de decisões e negociações
entre várias pessoas e grupos, com interpretações divergentes a respeito da identificação
da doença e da escolha da terapia adequada. Nestas situações há duas fontes de
divergências: uma se encontra na natureza dos sinais da doença e a outra, nas diferentes
interpretações das pessoas com relação a esses eventos (doença e cuidados). Isso se
justifica, entre outros motivos, pelo fato de os sinais da doença não serem claros e
admitirem interpretações diversas, mesmo que as pessoas envolvidas compartilhem o
mesmo conhecimento e classificação diagnóstica. Por outro lado, diferentes diagnósticos
de uma mesma doença podem aumentar quando os participantes do processo possuem
diferentes conhecimentos, experiências e interesses sobre o caso em pauta. Afirma
Gadamer (2006) que na capacidade profissional do grande médico concorrem fatores
Os Significados do Adoecer para as Relações Interpessoais em Assistência Domiciliária
62
da sua mais secreta experiência de vida. Portanto, ao analisar tais aspectos, é possível
pensar no conceito de doença como uma experiência. Ela pode, de acordo com esta
formulação, ser entendida como 0um processo subjetivo construído através de contextos
socioculturais vivenciados pelos atores (profissionais de saúde e pacientes). Ela não
seria mais considerada somente como um conjunto de sintomas físicos detectados por
uma realidade empírica, mas um processo no qual a experiência corporal é medida pela
cultura. Sob essa perspectiva, Gadamer (2006) sugere que se pergunte ao paciente se
ele se sente doente. Propõe, ainda, a seguinte reflexão:
“O que a doença diz ao doente? E ao médico?”.
A propósito, a autora deste estudo acrescenta:
“O que a doença diz aos profissionais de saúde, enquanto acompanham o paciente
em sua trajetória marcada por debilidade física e outras perdas?”
1
1
“O Caráter Oculto da Saúde”, p.116.
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
Capítulo 4
PROFISSIONAIS DE SAÚDE
E
A TRAJETÓRIA DA
DOENÇA CRÔNICA
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
64
CAPÍTULO 4 - PROFISSIONAIS DE SAÚDE E A TRAJETÓRIA DA DOENÇA
CRÔNICA
Os profissionais que trabalham na área da saúde são preparados tecnicamente
para o entendimento clínico da doença e do processo do adoecer. Ao acompanharem o
paciente, estes têm objetivos em vista como o resgate da saúde, a estabilidade de seu
quadro clínico e a possibilidade de amenizar o sofrimento físico e emocional. Como já
visto no capítulo 2 deste estudo, enquanto prestam cuidados ao doente, contam com
uma retaguarda de serviços em saúde no ambiente hospitalar e com uma equipe de
apoio sempre presente e pronta para auxiliá-los. Neste caso, as decisões quanto ao
melhor protocolo de tratamento ao doente são compartilhadas entre estes profissionais.
O mesmo não ocorre em atendimento domiciliário. Neste serviço, é freqüente ou comum
o profissional realizar o seu procedimento na residência somente na companhia do
paciente e seus familiares. As decisões urgentes são tomadas na ausência de outros
profissionais, embora possam contar com certo apoio da instituição provedora do serviço.
Assim, ao atuar em domicílio, o profissional enfrenta a realidade concreta do
desenvolvimento da doença e de suas implicações e vivencia os significados simbólicos
desse processo, como já se viu no capítulo 3. Sobre isso a autora deste estudo tem a
observar que as pessoas envolvidas com o doente, quer seja em sua hospitalização ou
em sua internação domiciliar, mantém um ideal de cura. A concepção de ideal de cura foi
abordada pelo antropólogo francês Van Gennep (1978) em um trabalho importante para
uma posterior compreensão do impacto causado pelo diagnóstico da doença crônica.
Segundo ele, nessa situação, o ideal de cura é substituído por uma instabilidade clínica
acompanhada de incertezas sobre o futuro. Os rituais de cura, afirma o autor, são dados
como rituais de transição social, pois a pessoa enferma é transformada em pessoa
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
65
saudável. Ele divide esse processo de transição social em três fases: separação,
transição e incorporação.
Conforme o autor, na primeira fase, o indivíduo é privado de sua vida social normal
e depois é segregado por diversos costumes e tabus por um período de tempo variável.
Após esse período, de transição, outros rituais celebram a terceira fase, de incorporação,
na qual o indivíduo retorna ao convívio social trivial, assumindo seu novo papel. A descrição
dessas fases caracteriza o processo de hospitalização, em que ocorre o afastamento do
paciente de sua vida cotidiana e sua sujeição a determinados tratamentos e tabus em
ambiente hospitalar. Nessa fase, de internação, o doente é visto como se estivesse num
intervalo de “atemporalidade social”, numa posição vulnerável e anormal, perigosa tanto
para si próprio quanto para os outros. É possível que ele sinta uma ansiedade relacionada
ao seu status social ambíguo. Por essa razão, são invocados rituais especiais de transição
social com a finalidade de marcar o evento e proteger o indivíduo das situações que
desconhece... No processo de hospitalização, a sociedade e o próprio paciente esperam
que, com a recuperação, ele possa ser reincorporado novamente à sociedade. Porém,
afirma a autora deste estudo, nem sempre é isso o que ocorre, principalmente quando o
doente hospitalizado é portador de uma doença que o deixará debilitado fisicamente por
longo período. Trata-se da doença crônica, definida por Rolland (1995) como um período
de tempo entre o diagnóstico inicial, o ajustamento e a terceira fase, quando predominam
questões de morte e doença terminal. Este autor afirma que a linha temporal de uma
doença delineia os estágios de desenvolvimento psicossocial de uma enfermidade, cada
fase com suas tarefas específicas, em que o doente, na maioria dos casos, não tem a
possibilidade de retorno à vida social, devido à sua debilidade física permanente. O
diagnóstico de uma doença crônica pode causar uma crise vital e significativa ao paciente
e seus familiares, por estes não se sentirem preparados para as mudanças ocorridas
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
66
nessa fase inicial da doença. Os períodos de instabilidade física e emocional e de
incertezas sobre o futuro tornam-se um grande desafio para as pessoas que vivem essa
situação. A doença crônica traz consigo muitas mudanças para as quais exige novos
padrões de enfrentamento a serem aprendidos tanto pelo paciente quanto por seus
familiares. A partir de sua ocorrência, os indivíduos envolvidos esforçam-se para conseguir
lidar com toda a sua complexidade. Rolland (1995) afirma que cada família possui recursos
emocionais, regras familiares e valores que estão presentes antes mesmo da chegada
da doença e se constroem ao longo da história familiar. Segundo a autora deste estudo,
o mesmo ocorre com os profissionais que lidam com o paciente em seu domicílio; são
providos de experiências e valores pessoais que adquiriram antes da escolha do trabalho
em assistência domiciliária. Pelo ponto de vista de Rolland (idem), uma das dificuldades
presentes é que durante o desenvolvimento da doença crônica, tanto o paciente como a
família defronta-se com os efeitos de uma pessoa constantemente sintomática, cuja
incapacidade aumenta de modo gradual ou progressivo. Este autor acusa a presença
de uma contínua adaptação e mudança de papéis, assim como uma tensão crescente,
nas pessoas que prestam os cuidados, provocada tanto pelos riscos de exaustão quanto
pelo contínuo acréscimo de novas tarefas ao longo do tempo. Para ele, está em jogo a
flexibilidade familiar em termos de reorganização interna de papéis e de disposição
para utilizar recursos externos, aqui chamados de institucionais e representados por uma
equipe multidisciplinar que cuida do paciente em domicílio. Conforme a autora deste
estudo, enquanto a família se organiza para o desempenho dos novos papéis atribuídos
ao cuidado, é necessário que haja uma postura de flexibilidade também por parte desses
profissionais da equipe de saúde, uma vez que lidam com famílias emocionalmente
fragilizadas pela presença constante de um ente querido doente – até mesmo gravemente
debilitado – e dependente de cuidados. Acrescenta a autora que, para o trabalho com o
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
67
paciente transcorrer de forma satisfatória, enquanto a doença crônica permanece no
meio familiar, faz-se necessário que ambas as partes responsáveis pelo doente busquem
um preparo pessoal e o cumprimento de alguns requisitos: ter clareza da diferença dos
papéis profissionais e familiares e de seus limites, assim como dos objetivos a serem
alcançados: cura, qualidade de vida, dignidade e manutenção do bem-estar físico e
mental. Como se abordou no capítulo 2, existe no trabalho de atendimento domiciliário
uma estrutura que sustenta a conquista desses objetivos e se organiza em regras
institucionais que determinam formas de funcionamento e interação entre as equipe e
famílias, garantindo o processo do cuidado ao doente. Afirma a autora que, embora tudo
isso pareça bem arranjado, à medida que o tempo passa e a doença é caracterizada
como crônica, esta forma ideal e devidamente combinada de cuidado ao doente não
perdura e, além disso, passa por significativas transformações juntamente com o
agravamento do quadro clínico do paciente. A partir daí, ela dá a conhecer a existência
de dificuldades de manejo com o paciente que, com freqüência, se mostram por meio de
desentendimentos entre equipe de saúde e família. Logo, o cuidado passa a ser
considerado e sentido de formas diferentes devido aos significados simbólicos que uma
mesma situação representa para os seus participantes, como visto anteriormente no
capítulo 3.
A seguir, serão abordadas em detalhes as fases do desenvolvimento da doença
crônica, o que irá possibilitar uma análise das condutas profissionais tomadas nesse
processo. A autora considera relevante também – e antes de tudo – tratar das principais
tipologias das doenças, assegurando, assim, o entendimento da implicação destas no
desenvolvimento das doenças crônicas. Comecemos pela tipologia proposta por Rolland
(1995), assim dividida: início, curso, conseqüências e incapacitação.
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
68
4.1 - Início
Nessa primeira fase, as doenças são divididas em dois conjuntos: aquelas que
têm o início agudo e aquelas cujo início é gradual. As enfermidades com início agudo
apresentam-se caracterizadas por uma crise súbita e uma situação clínica que exige das
famílias, assim como dos profissionais envolvidos, uma mobilização mais rápida em
direção à resolução do quadro apresentado. Algumas famílias estão mais estruturadas
física e emocionalmente para lidar com mudanças bruscas ocasionadas por esses
episódios do que outras. Cabe aos profissionais de saúde a tarefa de ajudar as famílias
e seus doentes resolverem situações de crise súbita. A respeito disso relata a equipe
multidisciplinar:
“É como as famílias que visitamos. Nunca dá pra ter total certeza do que vai
acontecer lá na casa. É sempre surpresa, mesmo. Esperamos encontrar uma situação
e nos deparamos com outra diferente. Não é fácil, porque eles exigem da gente coisas
que não podemos dar ou não podemos fazer, sabe?”
4.2 - Curso
O curso das doenças crônicas, segundo Rolland (1995), pode dar-se de três
formas: progressiva, constante ou reincidente e episódica. Uma doença progressiva é
continuamente uma doença sintomática e progride com certa rapidez. Já uma doença
de curso constante caracteriza-se pela ocorrência de um evento inicial para posteriormente
assinalar uma estabilização biológica. Após o período inicial de recuperação, a fase
crônica denota uma limitação funcional do paciente. O terceiro tipo de curso da doença é
chamado de reincidente ou episódico; define-se pela alternância de períodos estáveis
de duração variada, caracterizados por um baixo nível ou ausência de sintomas, com
períodos de exacerbação. Nesta forma de doença é comum ver a família tentando manter
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
69
uma rotina de vida “normal”. Mas, o agravamento súbito do estado clínico torna-se uma
preocupação permanente. Afirma Rolland (1995) que as doenças crônicas reincidentes
causam uma tensão no sistema familiar, justamente pela incerteza da ocorrência das
crises e ao mesmo tempo pela chegada imprevisível destas. Acrescenta a autora que
essa situação é delicada e de difícil solução também para os profissionais que atuam no
cuidado domiciliário com o paciente crônico, pois, em situações de crises ou
intercorrências graves, são compelidos a uma resolução rápida e eficaz pelos familiares.
Muitas vezes são alvo do desespero familiar, manifesto por atitudes agressivas e pressão
psicológica. Sobre isso comenta um profissional:
Nós passamos por muitas situações imprevisíveis aqui que nos exigem controle
e calma o tempo todo.”
4.3 - Conseqüências
Entre as doenças crônicas encontram-se as que encurtam a vida ou causam morte súbita;
são, portanto, doenças que ameaçam a vida. Nesse caso, o membro doente teme não
poder realizar o seu “plano de vida” e seus familiares temem ser sobreviventes sozinhos
no futuro. Segundo Rolland (idem), ambos vivem as sensações de tristeza e de separação
antecipatórias que estão presentes em todas as fases de adaptação à doença. Para
Fonseca (2004), diante de uma doença terminal, as perdas que já ocorreram no passado
emergem, provocando um novo enlutamento. Este é o conceito de luto antecipatório,
definido pelo autor como um processo que traz consigo três focos temporais: passado,
presente e futuro Perante um diagnóstico de terminalidade, a experiência de enlutamento
é marcada por perdas que ocorreram no passado, pelas perdas atuais e por aquelas
que virão. Segundo Rolland (idem), quando enfrenta essa situação, a família manifesta
sentimentos ambíguos; oscila entre um desejo de intimidade com o paciente e um impulso
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
70
de afastar-se emocionalmente dele. Está em jogo a expectativa de perda futura, que
afeta o equilíbrio da dinâmica familiar. A autora deste estudo confirma que os sentimentos
ambíguos – que Rolland (1995) declara presentes nas famílias – podem ser verificados
em sua prática de atendimento domiciliário e abalam a relação destas com os
profissionais de saúde. Ao mesmo tempo, elas se mostram solícitas em colaborar com
os cuidados e irritadas quando a equipe cobra-lhes que façam algo mais pelo paciente.
Manifestam em alguns momentos um comportamento de abandono de toda a situação,
inclusive do paciente, o que causa na equipe uma sensação de indignação e desânimo.
4.4 - Incapacitação
A incapacitação pode resultar do prejuízo da cognição, sensação, movimento,
produção de energia e desfiguração. Os diferentes tipos de incapacitação influenciam a
maneira de as famílias ajustarem-se à realidade dos cuidados com o doente e de
relacionarem-se com a equipe de saúde.
A partir da descrição das tipologias das doenças, Rolland (idem) aborda o
processo em que se desenvolve a doença crônica; afirma que cada fase tem suas tarefas
psicossociais, que requerem forças, atitudes ou mudanças familiares. A autora deste
estudo, por outro lado, considera que as fases da doença crônica requerem dos
profissionais de saúde as mesmas habilidades exigidas da família, assim como a
capacidade de adaptação à instabilidade clínica esperada e suas implicações para o
relacionamento no domicílio.
Segundo Rolland (idem), as fases temporais da doença crônica são as que
seguem:
4.5 - A fase de crise
A fase de crise caracteriza-se por um quadro sintomático que ocorre antes do
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
71
esclarecimento sobre o diagnóstico concreto da doença; inclui, também, o período inicial
de reajustamento e manejo, depois da constatação do problema e da proposta de um
plano de tratamento. Esta fase inicial é marcada por grande aprendizado; a família tem
que lidar com toda a situação dos cuidados, desenvolver flexibilidade diante das
ocorrências clínicas imprevisíveis e adaptar-se às situações que sugerem mudança de
papéis e de funcionamento na dinâmica familiar. No caso do atendimento feito no domicílio,
a família deve adaptar-se, também, ao convívio com pessoas “estranhas” ao seu espaço
e privacidade. Sobre a fase de crise a autora deste estudo tem a relatar que a equipe
que acompanha o paciente neste período mostra-se mais motivada para o trabalho e
disposta a oferecer orientações e respaldo geral aos familiares; reage com maior presteza
às solicitações das famílias e observa os comportamentos destas. Dependendo dos
acontecimentos ao longo desse primeiro período, permanecem numa postura de
acolhimento na relação com os familiares ou numa posição de defesa e afastamento
afetivo, quando se sentem ameaçados por severas cobranças de condutas clínicas ou
invasão de privacidade profissional ou pessoal. Geralmente, a primeira impressão
determina o futuro dessa relação. Isso pode ser verificado no relato de um profissional
de atendimento domiciliário:
“ – Quando a família não corresponde às orientações da equipe e cria muitos
problemas para nós ou quando de alguma forma nos afronta e ofende com suas atitudes,
eu sinto que a equipe já não trata mais essas pessoas do mesmo jeito. Sabe, fica uma
hostilidade no ar, uma recusa de contato com esses familiares e pacientes. Eu sei que
isso pode ser um erro da nossa parte, mas isso acontece muito.”
4.6 - Fase crônica
Rolland (1995) define a fase crônica como aquela que perpassa o diagnóstico
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
72
inicial, o ajustamento e a terceira fase, quando predomina a doença terminal. Para o
autor, o que mais desafia a família nesse período é manter uma vida normal na presença
“anormal” de uma enfermidade crônica, pois se trata de lidar ora com a constância, ora
com a progressão do quadro clínico ou com mudanças imprevisíveis.
No trabalho de atendimento domiciliário esta fase se destaca; é marcada por
situações específicas da relação equipe–família, principalmente nos casos em que a
doença possui longa duração e quadro clínico estável, ou seja, sem evolução para o
óbito e sem melhora ou cura. A respeito disso, a autora deste estudo relata nas linhas
seguintes o que observa na conduta dos profissionais de saúde, enquanto estes
atravessam essa etapa do processo junto aos familiares em domicílio.
Neste período, em que a doença já está bem instalada e todos os recursos para
tratamento foram utilizados, o paciente encontra-se estável em seu estado geral e com
sintomas controláveis – geralmente acometido por doenças crônicas de longo período
de evolução, porém com prognóstico desfavorável com relação à cura. Seus familiares
mostram-se cansados de todo o contexto determinado pela doença e de toda privação
que suportam em seu cotidiano para poder assumir os cuidados indicados pela instituição
fornecedora de atendimento domiciliário. Movidos, então, por sentimentos de desespero,
cansaço e impotência, desenvolvem comportamentos de impulsividade diante da equipe
de cuidados, muitas vezes solicitando um número maior de visitas ou exigindo uma
quantidade de produtos e medicamentos não estimada pelas regras do programa.
“Por sua vez, os profissionais dispõem de recursos materiais e emocionais
limitados para atender a todas as solicitações da família; sentem-se invadidos em sua
intimidade e cansados. Como conseqüência, produzem comportamentos de recusa de
alguns atendimentos familiares e acabam por criar dificuldades no relacionamento com
os colegas de trabalho. Nesse caso, ou devido à sobrecarga emocional, sentem a morte
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
73
do paciente como grande alívio para si e para a família. Geralmente, o luto causado por
óbitos nesse contexto é superado de forma mais tranqüila pelos profissionais. Eles
aceitam a situação com maior naturalidade. As proposições anteriormente citadas são
corroboradas pela expressão verbal de alguns membros da equipe. Eles se referem à
cuidadora e – ao mesmo tempo – filha de uma paciente do programa de atendimento
domiciliário, doente por longo período, que morreu dias antes da ocorrência da sessão
de grupo operativo. Essa cuidadora já apresentava, segundo os relatos dos profissionais,
um relacionamento complicado e conflituoso com a instituição provedora do atendimento.
“Eu tenho uma coisa pra falar que aconteceu hoje: veio aqui uma mulher que é
filha de uma paciente nossa. Essa paciente faleceu hoje cedo. Foi tão curioso ver que
essa filha estava tão bem que era de causar espanto. Falou muito; não parava de falar.
Veio buscar uma declaração de óbito de sua mãe para dar seqüência na funerária. Daí
falou que vai entregar um currículo dela e do filho a partir de amanhã. Então, eu queria
saber por que ela reagiu assim. Pra mim essa foi uma reação dela diante da morte.
Parece que ela sentiu alívio...”
“É... isso pode acontecer. Às vezes, o paciente dá tanto trabalho para o cuidador!”
“Ou até mesmo o alívio vem por saber que aquela pessoa não vai mais sofrer.”
4.7 - Fase terminal
Rolland (1995) descreve a fase terminal como sendo o estágio pré-terminal da
doença, em que a chegada da morte torna-se algo inevitável e domina a vida familiar;
abrange os períodos de luto e resolução da perda. Trata-se de um processo marcado
por questões de separação, morte, pesar, resolução do luto e retomada da vida familiar
“normal” depois do óbito. A propósito, a autora deste estudo segue refletindo sobre o que
observa na conduta dos profissionais de saúde, em assistência domiciliária, quando
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
74
acompanham paciente e família até o momento final de vida daquele. Convém, então,
lembrar que é o médico quem define a direção dos cuidados prestados. É este profissional
quem orienta família e a equipe nos procedimentos necessários. Como já visto no capítulo
2 deste estudo, por determinação dos regulamentos elaborados pela ANVISA, que regram
o funcionamento de um serviço de atendimento domiciliário, a responsabilidade de
coordenar este trabalho é confiada a ele. Cabe a este profissional a tomada de decisões
relacionadas aos cuidados paliativos, frente à impossibilidade de recursos de cura ou
terapêuticos. O médico detém, portanto, todo o poder de conduta e toda a
responsabilidade sobre questões que dizem respeito à bioética, como, por exemplo,
prolongar ou não a vida do paciente com o auxílio de maquinários especializados. Diante
de situações delicadas, o médico escolhe a conduta que mais favoreça o seu paciente
(como consta no capítulo 1 deste estudo). Mas, atuando em domicílio, nem sempre o
médico consegue sentir-se livre para agir. Ele encontra grandes barreiras quando se
trata de tomar decisões que dependem da permissão da família responsável pelo doente.
De um lado encontra-se o médico com toda a sua formação científica e respaldado por
mecanismos institucionais, legais e sociais e do outro, a família com todo o conhecimento
sobre o paciente, seus desejos, sua história de vida e movida por sua dinâmica particular,
suas regras de conduta e comportamento. Ela estabelece “leis” internas no domicílio,
que se expressam em princípios e valores morais a serem cumpridos por seus membros.
Embora em permanente contato com os anseios da família, espera-se que o médico,
por sua formação acadêmica, faça uso de seus métodos clínicos para decidir sobre
situações de cuidado e crise. É comum que o processo de interação entre essas duas
forças seja permeado por uma sensação de desconforto de ambos os lados, quando as
concepções sobre o melhor método de cuidado discordam. Nesses casos, é possível
que haja, também, uma concordância com relação ao que pode ser feito de melhor para
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
o paciente. Mesmo com uma combinação de tratamento aparentemente ajustada, tanto
profissionais como familiares não deixam de sentir e se emocionar com o sofrimento do
doente. Perante esta realidade, em alguns indivíduos, conflitos psicológicos são
acionados por vivências pessoais que estão relacionadas a situações de saúde, doença
e morte.
É o que se pode constatar em termos práticos no relato de uma profissional de
enfermagem sobre como se sente por estar próxima à ocorrência dos óbitos dos pacientes
que acompanha:
“É tão esquisito pensar na morte... Acho que eu não reagiria tão bem quanto
aquela cuidadora que perdeu sua mãe. Não posso nem pensar na morte de alguém da
minha família. As únicas pessoas próximas que eu perdi foram um tio e um primo e
mais ninguém. Só de pensar que isso um dia pode acontecer me dá um desespero
total. Não gosto de pensar e nem falar disso. Por exemplo, sexta-feira eu saí para fazer
visita com a médica pediatra; .ela foi ver uma criança que está muito mal. É ruim demais.
Mexe muito comigo, me deixa muito sensível ver essas situações, porque eu tenho lá
em casa o meu filho bem pequeno. Daí fico pensando nessas mães que têm seus
filhos com traqueostomia e ventilação mecânica. É triste.”
Contudo, em atendimento domiciliário, a equipe multidisciplinar desenvolve um
vínculo mais intenso com as famílias, pela convivência freqüente e, como já visto no
capítulo 3, pelos significados que atribuem a essa relação. Considera a autora deste
estudo que, com a morte do paciente e frente à impossibilidade de encontrar recursos
de cura, impedindo, assim, o grande sofrimento dos familiares, esses profissionais
experimentam sentimentos de impotência e angústia. Durante um determinado tempo, a
equipe que cuidou do paciente em seu domicílio vive a sensação de ter falhado na conduta,
faltado com a devida atenção para com a família e com o paciente; vive, além disso, a
75
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
impressão de que algo mais poderia ter sido feito ou de que algo poderia ter sido evitado.
Com certa intensidade, esses profissionais vivem o luto diante da perda do paciente.
Prossegue a autora deste estudo analisando que o “poder” e a certeza que o
médico utiliza para orientar famílias e pacientes pode ser mudado de forma significativa
com o passar do tempo. Com a chegada da morte, sua autoridade transforma-se, para
si próprio, numa sobrecarga emocional; em sua responsabilidade pesam questões de
vida e morte. Essas questões resultam numa sensação de impotência, uma vez que
esse profissional sente que não teve tempo suficiente para elaborar situações pendentes
com a família.
Geralmente, num programa de atendimento domiciliário, as visitas à residência
do cliente são interrompidas após o óbito. Uma quebra na rotina é sentida pelos membros
da equipe como abandono à família ou como alívio e descanso das intensas atividades.
Com a suspensão das visitas, médico e equipe “saem de cena” e logo se direcionam
para o acompanhamento de novas histórias, novos casos, devido à grande demanda de
pacientes da instituição que os emprega. Porém, durante algum tempo, sentem com
pesar a morte de determinados pacientes e relatam o desejo de chorar e manifestar os
sentimentos, falando do que aconteceu aos colegas de trabalho. Observa a autora deste
estudo que a resolução do luto é dificultada, quando equipe e família não concordaram
sobre a conduta clínica escolhida ou quando não houve tempo suficiente para a atuação
adequada da equipe no domicílio e o óbito não pôde ser evitado. Quando, no entanto,
após o óbito o profissional tem a sensação de haver cumprido sua missão e a certeza de
que os recursos disponíveis foram esgotados, o seu luto pode ser resolvido de forma
natural.
Segundo a autora, durante o desenvolvimento das três fases da doença crônica,
o profissional de saúde, enquanto interage com os familiares em domicílio, percebe e
76
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
presencia a relação destes com o doente. O convívio constante com essas pessoas fá-lo
participar do andamento e da rotina familiar. E o que o profissional percebe na dinâmica
familiar tem um grau de influência sobre o que sente ao realizar esse trabalho:
“É interessante ver certas coisas. Dá pra perceber que tem família ou cuidador
que realmente não cuida bem do paciente. Eu chego na casa, daí o paciente está
urinado, fétido e com fome. Eu pergunto pro cuidador como está o paciente e ele
responde que acabou de dar a alimentação e já iria dar o banho, mas eu cheguei na
casa e ele não pôde fazer isto. Então, por isso, eu já concluo que esse cuidador não
gosta do que está fazendo. Não adianta. Não dá pra ter o controle de tudo. Nós
orientamos e quando viramos as costas, saímos da casa, eles fazem o que bem
entendem. Eu penso em fazer bem a minha parte.”
Sobre esse caso, indaga a autora: de quem é o domínio da situação? Da família
sobre o paciente ou do médico sobre este? Fica evidente a presença do controle e do
exercício de poder em ambas as partes, porém, aplicados de formas diferentes. Nessa
relação, o médico orienta sobre a forma de cuidar e o familiar executa esse cuidado
concretamente, uma vez que assumiu esse papel. Aparentemente, o não cuidar como
deveria sugere uma espécie de protesto contra o que lhe foi atribuído – a função de
cuidador e responsável pelo doente (além de outros significados que não serão abordados
nem avaliados neste estudo, uma vez que a pesquisa pretende ater-se a como os
profissionais sentem a relação com as famílias, assim como todo o trabalho que realizam
no domicílio). Contudo, a partir do comportamento “inadequado” do cuidador, o
profissional que acompanha a família tem a possibilidade de escolher como irá interpretar
tal situação ou ainda que significado vá atribuir para o que foi constatado na relação
paciente–família. Como foi abordado no capítulo 3 deste estudo, isso dependerá de uma
77
Profissionais de Saúde e a Trajetória da Doença Crônica
série de fatores entre os quais estão a experiência de vida pessoal e profissional, além
de questões cultuais presentes nesta interação.
O atendimento domiciliário pode ser comparado, simbolicamente, a um espetáculo
realizado num palco, com várias atuações, por personagens diversos que vivem emoções
diferentes. Porém, inevitavelmente, todo espetáculo chega ao fim. Esse episódio pode
ser comparado ao momento da iminência da morte do paciente. Mesmo sabendo que
um espetáculo não pode durar eternamente, quando ele acaba e as luzes do teatro se
acendem, tanto o público como os atores sentem um pesar pelo seu término. É possível
que sintam alegria pelo que assistiram ou alívio pelo fato de a peça ter sido ruim e de má
qualidade. É possível que os atores sintam que fizeram uma boa atuação ou falharam
nos preparativos e na apresentação da peça. Analogamente, a equipe multidisciplinar,
por um período, acompanha os bastidores do enredo familiar e participa de sua história.
A partir disso, afirma a autora deste estudo, a convivência com familiares que passam
pela doença crônica significa uma mudança de valores pessoais para esses profissionais
e os estimula a escolher a transformação das suas próprias histórias de vida.
“Esse trabalho é um desafio, porque você vê cada coisa que não imagina que
existe no mundo. Então, por um lado eu fico com medo, mas, por outro, tenho agradecido
a Deus por tudo o que tenho.”
No trabalho de atendimento domiciliário, uma junção de fatores e vivências
pessoais e profissionais fundamenta a relação dos profissionais com as famílias, assim
como a maneira como estes constroem os significados que serão sentidos em cada
etapa do processo:
“Sabe, chega uma hora que conseguimos deixar pra traz todas essas
dificuldades. Elas nunca vão mudar mesmo. Mas, devagar você vai descobrindo o
sentido das coisas, a importância real que elas têm. As dificuldades existem; não é
fácil. Mas, eu acho que o que pode nos ajudar é pensar no significado maior das coisas.”
78
Método
Capítulo 5
MÉTODO
Método
80
CAPÍTULO 5 - MÉTODO
A compreensão dos aspectos da interação entre equipes multidisciplinares e
familiares de doentes crônicos foi realizada com base na pesquisa qualitativa, aqui definida
por Chizzotti (1991) como um método que parte do fundamento de que há uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o
objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade. Por isso, Grubitts
& Darraut -Harris (2004), acrescentam que em pesquisa qualitativa o conhecimento não
se reduz a uma relação de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa, pois o
sujeito-observador faz parte do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos,
atribuindo-lhes um significado; sendo assim, o objeto não é neutro, possui significados e
relações que sujeitos concretos criam em suas ações.
Nesses contextos, os investigadores são ativos descobridores dos significados
das ações e das relações que se ocultam nas estruturas sociais, sendo parte fundamental
da pesquisa qualitativa. Nessa perspectiva, Kaplan & Duchon (1988) citam como as
principais características dos métodos qualitativos a imersão do pesquisador no contexto
e a perspectiva interpretativa de condução da pesquisa. Assim sendo, na pesquisa
qualitativa, o pesquisador é um intérprete da realidade construída com os participantes
do processo (Bradley, 1993).
No presente estudo utilizou-se o recurso de grupo operativo, definido por Pichón Rivière
(2002) como uma atividade grupal de discussão e tarefa na qual os mecanismos de
auto-regulação são postos em funcionamento por um coordenador cujo objetivo seja o
de obter, dentro do grupo, uma comunicação que se mantenha ativa, ou seja, criadora.
Para Riviére, o grupo operativo compreende o estudo detalhado, em profundidade e no
contexto global de todos os aspectos de um problema, com o objetivo de solucioná-lo de
Método
81
forma eficaz. Seu método consiste, entre outras coisas, em observar os elementos comuns
a certo tipo de problema e analisar as possíveis soluções; nos casos em que não se
introduzem novos meios, ele busca a “otimização” daqueles já existentes.
O grupo operativo realiza uma tarefa específica de analisar a funcionalidade dos
papéis de cada participante. É caracterizado por uma plasticidade que permite assumir
papéis complementares e suplementares e está centrado na mobilização de estruturas
estereotipadas, bem como nas dificuldades de aprendizagem e comunicação, devidas
ao montante de ansiedade que desperta a possibilidade de mudança (ansiedade
depressiva por abandono do vínculo anterior e ansiedade paranóide criada pelo novo
vínculo e a insegurança social). Esse autor afirma ser possível captar no “aqui-agora-
comigo” e na tarefa do grupo um conjunto de experiências, afetos e conhecimentos com
os quais os componentes do grupo pensam e atuam, tanto individual como grupalmente.
Nessa atividade, a função do coordenador consiste em criar, manter e fomentar a
comunicação, chegando esta por meio de um desenvolvimento progressivo a tomar a
forma de uma espiral na qual coincidem didática, aprendizagem, comunicação e
operatividade. O processo terapêutico, do qual o grupo operativo é instrumento, consiste,
em última instância, na diminuição dos medos básicos. Assim, o grupo que estava inflexível
adquire plasticidade e mobilidade. Por meio da operação da tarefa, é possível resolver
situações de ansiedade. Os papéis tornam-se intercambiáveis e o grupo torna-se
operativo, realimenta-se e encara a tomada de decisões. À vista disso, o sujeito adquire
ou recupera um pensamento discriminativo social, por meio do qual, progressivamente e
pela aprendizagem, se produz a experiência corretiva: o participante obtém uma
abordagem mais flexível da realidade, uma conduta adaptativa criadora, com a
capacidade de modificação dos vínculos internos e externos ao grupo.
Método
82
5.1 - Considerações Éticas
A presente pesquisa fundamenta-se na resolução número 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde do Ministério da Saúde que pauta sobre “Pesquisa Envolvendo Seres
Humanos”.
Podemos destacar entre os principais aspectos éticos: o consentimento livre e
esclarecido dos sujeitos; todas as garantias de que danos previsíveis seriam evitados;
procedimentos que asseguraram a confidencialidade e a privacidade dos envolvidos;
respeito aos valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos bem como aos hábitos
e costumes dos envolvidos e a liberdade dos indivíduos de se recusarem a participar ou
de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa.
5.2. - Participantes
A pesquisa foi realizada com uma equipe multidisciplinar composta por
profissionais que atuam em contexto domiciliário e realizam procedimentos técnicos no
cuidado ao paciente fisicamente debilitado. Compuseram o grupo: médicos, enfermeiros,
psicólogo, fisioterapeutas, nutricionistas, técnicos e auxiliares de enfermagem, assistentes
sociais, motorista de ambulância e coleta de lixo hospitalar e secretária do serviço de
atendimento domiciliário. Pertencem a uma instituição de saúde localizada na cidade de
Campinas, que conta com cerca de quinhentas famílias inseridas no programa de
internação em domicílio.
5.3 - Procedimentos
O estudo com a equipe multidisciplinar contou com três etapas, a saber:
A - Aplicação de questionário inicial para levantar as dificuldades encontradas
pelo grupo ao realizarem o trabalho nos domicílios.
Método
83
B - Sessões de grupos operativos:
· A equipe multidisciplinar que participou do trabalho foi dividida em sete subgrupos.
· O critério para esta divisão foi utilizado com base na escolha de profissionais que
atuam em equipes fixas no domicílio.
· Foram feitos quatro encontros com cada subgrupo, contendo um profissional
específico de cada especialidade.
· A tarefa dada aos grupos para a realização da atividade, foi conversar a respeito
de questões relacionadas ao desempenho no trabalho.
· Cada sessão de trabalho grupal teve a duração de uma hora.
C - Questionário final para levantar os resultados sentidos nesta etapa do trabalho
psicológico, aplicado após 30 dias do término dos grupos operativos.
5.4 - ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS
Considerando o trabalho realizado com os profissionais da referida equipe
multidisciplinar, a autora deste estudo relatará a forma como os dados foram analisados
nas três etapas desenvolvidas.
5.4.1 - Etapa 1: Questionário para levantamento das necessidades do grupo
(ver anexo B)
Essa etapa iniciou-se com a transcrição de todas as respostas do grupo, seguida pela
classificação das expressões por categorias. A autora deste estudo refere-se às
categorias empíricas que, segundo Minayo (2006), são expressões classificatórias
construídas por atores sociais de determinada conjuntura. Estas, conforme a autora,
Método
84
emanam da realidade e lhes permitem dar sentido a suas vidas, suas relações e
aspirações. O investigador, pela sua acuidade, compreende e valoriza os relatos à medida
que vai desvendando a lógica interna do grupo (objeto) pesquisado e descobre essas
expressões, explora-as e, sobre elas, cria constructos de segunda ordem. Minayo (2006)
comenta ainda que quando um pesquisador consegue apreender e compreender as
categorias empíricas de classificação da realidade do grupo investigado, percebe que
elas são saturadas de sentido e, ao mesmo tempo, essenciais para a compreensão
teórica da realidade em sua especificidade histórica e em sua diferenciação interna.
Após a classificação das expressões, a autora trabalhou no sentido de poder
extrair delas alguns elementos passíveis de investigação que afloraram nos relatos dos
participantes.
5.4.2 - Etapa 2: Sessões de grupos operativos
A autora deste estudo realizou nessa etapa o registro das sessões dos grupos
operativos, pela transcrição das falas dos participantes. Algumas sessões foram
escolhidas para análise, justamente aquelas cujos discursos revelaram o conteúdo da
classificação de respostas por categorias empíricas mencionadas anteriormente.
5.4.3 - Etapa 3: Questionário para avaliação de resultados obtidos com as
sessões dos grupos operativos
Nessa fase, as respostas produzidas pela equipe tiveram um tratamento igual ao adotado
na etapa 1: classificação das respostas por categorias empíricas e análise dos dados. A
autora utilizou como técnica de tratamento de dados a Análise de Conteúdo que, segundo
Bardin (1979), pode ser definida como um conjunto de técnicas de análise de
comunicação, visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição
Método
85
do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens. Para Minayo (2006),
o critério de cientificidade tenta ultrapassar o alcance meramente descritivo da mensagem,
para atingir, mediante a inferência, uma interpretação mais profunda da realidade.
Minayo (idem) entende que trabalhar com essa técnica é importante para uma
posterior compreensão dos significados no contexto da fala dos participantes desse
estudo.
5.5 - RESULTADOS
As respostas dos questionários utilizados neste estudo foram trabalhadas da
seguinte maneira: no início, foi realizada a transcrição das respostas do grupo, para, em
seguida, classificá-las a partir de categorias temáticas. O tratamento destas completou-
se com uma análise interpretativa dos resultados apontados pelos participantes.
Questionário de Avaliação de Necessidades Psicológicas
Atendimento Domiciliário
Descrição dos Resultados
Questão 1- Quais dificuldades pessoais você sente enquanto faz o seu
trabalho de atendimento domiciliar?
Comentário: o propósito desta questão é justamente verificar as dificuldades acusadas
pela equipe, no trabalho de atendimento domiciliar. As respostas dos participantes
revelam as angústias enfrentadas nesse contexto e apontam as temáticas de tais conflitos.
Método
86
São elas:
1- Famílias
2- Comunicação
3- Equipe
4- Outras: questões pessoais, pacientes, administração do tempo, posiciona-
mento frente a situações complicadas.
Questão 2- No domicílio, em quais situações você se sente tranqüilo para
desenvolver o seu trabalho?
Comentário: a seguir, relatarei as diversas respostas produzidas pela equipe.
1- Quando a família aceita as orientações ministradas pela equipe e o próprio trabalho
domiciliar.
2- Quando a família e o paciente são receptivos com a equipe de profissionais.
3- Quando a família entende as regras estabelecidas pela equipe e colabora, de
forma geral.
4- Quando a família é esclarecida e bastante estruturada.
5- Quando a família se conforma com a doença do paciente e com os cuidados.
6- Quando os integrantes da equipe de profissionais estão em concordância, uns
com os outros, sobre os procedimentos.
7- Quando a família compreende os objetivos da instituição provedora dos serviços
e se põe de acordo com os limites da equipe.
8- Quando a família confia na equipe de profissionais.
9- Quando a família trata bem o doente e é consciente do seu diagnóstico.
10-Quando o paciente está emocionalmente estável.
Método
87
Questão 3- O que você melhoraria na equipe multidisciplinar de que faz
parte, visando a um desempenho mais satisfatório do trabalho desta?
1- O respeito à escala de carros e à regra de uso de equipamentos.
2- A troca de informações e conhecimentos entre os integrantes.
3- O comprometimento e o envolvimento com o trabalho e com a equipe.
4- O vínculo do profissional com o paciente.
5- O treinamento técnico e de relacionamento.
6- A postura diante da opinião dos colegas.
7- O coleguismo, o espírito de altruísmo e de cooperação entre os integrantes.
8- A organização e o planejamento do trabalho.
9- Treinamento mais elaborado para a equipe de enfermagem terceirizada.
10- Aumento do número de profissionais na equipe e da frota de carros.
11- Cada membro da equipe deve ter consciência de seu papel e visar à melhoria
do paciente.
12- Tornar homogêneas as condutas dos profissionais por meio de protocolos
pré-estabelecidos, pois as famílias reclamam por receberem orientações
contraditórias dos profissionais.
13- Melhorar o diálogo com a família, para melhorar a qualidade do atendimento.
14- A equipe preocupa-se tanto com o aspecto técnico do trabalho, que se esquece
do afetivo com a família.
15- Melhorar a administração do tempo.
16- Discutir casos em grupo; dividir experiências e opiniões.
17- Aumentar a confiança entre os integrantes da equipe.
18- Cada um tem a sua importância dentro do grupo e deve ser valorizado.
Método
88
19- Decisões devem ser tomadas em conjunto, respeitando o ponto de vista de
cada integrante.
20- Respeitar os limites de atuação de cada área profissional
21- Ter visão de equipe; promover a união, e não a divisão, do grupo.
22- Ter comprometimento mútuo, compreendendo os erros do colega.
23- Para o amadurecimento do grupo, permitir a manifestação de diferentes
opiniões sobre uma situação.
24- Melhorar a comunicação entre todos os profissionais; isso se reverte em
melhor comunicação com as famílias.
25- Cumprir o que se promete às famílias.
26- Reuniões freqüentes (grupo operativo) com a equipe, para abordar
dificuldades e angústias, trocar experiências e fortalecer a segurança.
27- Introduzir o uso de ata nas reuniões, para não haver posteriores
contestações às decisões tomadas.
28- Estabelecer um equilíbrio na relação com o colega; saber separar amizade
de trabalho.
29- Melhorar a comunicação falada e escrita.
30- Ter mais iniciativa dentro do grupo.
31- Estar preparado para lidar com a mudança de comportamento do colega.
32- Ter mais afeto dentro do grupo.
33- Não desvalorizar as queixas dos familiares e pacientes.
34- Cumprir horários e prazos agendados.
35- Não alimentar competição entre profissionais da mesma área, pois isso
torna ruim o ambiente de trabalho.
Método
89
Questão 4: Quando está atuando em domicílio, você encontra quais
dificuldades relacionadas à família, ao doente, à equipe e a si próprio?
Família:
Dizer algo que possa confortá-los.
Eles têm dificuldade de entender as explicações sobre o paciente; são resistentes
a informações.
Mães autoritárias e exigentes que manipulam o trabalho do profissional.
Fofocas e intrigas sobre os profissionais.
Mães que se sentem culpadas e não conseguem conscientizar-se da cronicidade
da doença.
Queixas relacionadas à equipe.
Eles querem que a equipe assuma o paciente integralmente.
Eles não seguem as orientações.
Eles não são esclarecidos. O nível cultural dificulta o processo.
Lidar com a família que nega a situação do paciente e tem esperança de cura.
Descuido e indiferença.
Família agitada, insegura, desequilibrada emocionalmente.
Quando querem obrigar os profissionais a fazerem o que desejam, pelo fato de
pagarem por um plano de saúde.
Angústia e revolta com a doença.
Querer manter o paciente em casa e o medo de perdê-lo são sentimentos que
dificultam o relacionamento com a equipe.
Comunicação com a família e obter a confiança desta.
Método
90
Falta de conhecimento técnico e apoio psicológico.
Doente:
Não saber da situação do doente e tentar ser mais forte que ele.
O doente é o que menos cria dificuldades para a equipe.
Envolvimento emocional.
Pacientes agressivos.
Morte.
Crianças que não falam.
Quando o doente não aceita a própria situação e é hostil com os profissionais.
Motivar o paciente, sabendo que ele tem um prognóstico fechado.
Dificuldade em compreender o seu estado geral, necessidades físicas e
emocionais e dependência.
Quando o paciente não quer o tratamento e não aceita a doença.
Quando o paciente não aceita as condutas e tem muitas queixas.
Quando o paciente desconta as suas raivas na equipe.
Quando o paciente está muito deprimido.
Sofrimento e queda da qualidade de vida.
Ter espaço físico adequado e conforto.
Dificuldade de verificar o que ele espera do atendimento da instituição provedora
dos serviços.
Método
Equipe:
Divergências e confrontos de opiniões.
Manter a qualidade no atendimento.
Fofocas com os familiares sobre outros profissionais.
Não há dificuldades, com a equipe fixa.
Conhecer o propósito da equipe.
Preconceito com alguns pacientes, que resulta em mau atendimento, descaso e
desigualdade no tratamento.
Os profissionais entram em conflito, ficam ressentidos e não colaboram uns com
os outros.
Não acreditar nas ordens dadas.
Individualismo, insegurança e competitividade na equipe.
Os profissionais são valorizados pelo grau de poder decisório de quem os
recomenda à instituição, pelos títulos e pelo nível de salário.
Não sente dificuldade. A equipe é interessada e há colaboração de todos.
Não se fala a mesma língua. A comunicação é difícil.
Manter constantes as avaliações.
Ter tranqüilidade.
A equipe é dispersa.
Resistência ao ouvir queixas.
Pessoal / individual:
Sentir-se impotente diante das dificuldades.
91
Método
Questões pessoais não interferem na parte técnica do trabalho ou no
relacionamento com os familiares e pacientes.
Não há dificuldades pessoais.
Há dúvidas e questionamentos sobre se o trabalho é válido e até que ponto é
válido.
Lidar com os familiares de modo que entendam a finitude do ser humano.
Incomoda ter que lidar com a culpa que os familiares sentem.
Ter que lidar com o aspecto emocional dos familiares ocasiona o sentimento de
ser incapaz de realizar a própria função.
“Não gosto que os colegas deixem de fazer a sua parte no trabalho, causando
desorganização no processo”.
“Não gosto quando o colega faz o seu trabalho de forma incompleta”.
Ficar deprimido, quando não há o que fazer pelo paciente.
Dificuldade em atender as solicitações e questionamentos da família, quando
outros profissionais já deveriam ter cumprido essas etapas no processo. Por causa
disso, convive-se com a sensação incômoda de dever informações e retornos às
famílias.
Gastar muito tempo resolvendo coisas que não pertencem à sua função.
Incomoda receber tratamento grosseiro.
Envolvimento emocional com as situações vistas e vivenciadas.
Ser abordado pela família e não ter conhecimentos suficientes para responder
todas as questões.
Sofrimento ao colocar-se no lugar do outro.
Falta de acompanhamento nas angústias relacionadas à morte.
Lidar com a cobrança da família.
92
Método
Ter mais conhecimento técnico.
Questão 5: Você possui alguma dificuldade com o aspecto técnico do
trabalho que realiza? Fale sobre isso.
Sim, pois não sabe tudo sobre sua profissão, mas tenta buscar esclarecimentos
com um colega.
Não há dificuldades. Ainda está conhecendo todos os trabalhos.
Efetuar explicações aos familiares: sobre sua função, normas e regras da
instituição e diferenças entre o atendimento domiciliar e o atendimento dado no
hospital.
Atender solicitações que fogem do protocolo e da rotina.
Procura sempre se atualizar, portanto não há dificuldades.
Quando se sente insegura, pede ajuda para outros profissionais.
Não há dificuldades. Trabalha para que todos fiquem satisfeitos.
Não há dificuldades. Está segura com as responsabilidades.
Como atender melhor o paciente em fase terminal. Ter mais informações sobre a
parte administrativa do trabalho.
Não há dificuldades. Sente-se preparado.
Sempre há dificuldades técnicas para todos. Podem ser superadas com estudo
de casos e troca de informações e experiências entre todos os colegas.
Ter que improvisar soluções no domicílio.
Buscar respostas para algumas patologias.
Falta de tempo para fazer o trabalho.
Tempo, e não dificuldades técnicas.
93
Método
Não há dificuldades. Trata bem o paciente e a família.
Comunicação.
Pouca experiência na área de enfermagem.
Melhorar a comunicação. Poder ser mais claro nas orientações que passa às
famílias.
Não há dificuldades. Mas procura sempre aprender coisas novas.
Dificuldades com bomba de infusão e ventilação mecânica.
Não há dificuldades. É cauteloso.
Há dificuldades, pois a experiência que possui não é em UTI.
Dificuldades por não conhecer outras áreas profissionais.
Questionário de Avaliação de Necessidades Psicológicas
Ponderação dos resultados
Classificação das Respostas por Categorias
Questão 2
Categoria A: Família
Categoria A1: Aceitação
Categoria A1.1: Orientações, regras e objetivos da equipe.
Categoria A1.2: Da doença do paciente e de todo contexto de cuidados.
Categoria A2: Receptividade e confiança:
94
Método
Categoria A2.1: Com a equipe de profissionais.
Categoria B: Doente
Categoria B1: Quando é aceito pela família e bem tratado.
Categoria B2: Quando possui equilíbrio emocional.
Questão 3
Temas das respostas:
Categoria 1: Relacionamentos interpessoais - (11 respostas)
Categoria 2: Relação com o trabalho – (9 respostas)
Categoria 3: Postura pessoal frente ao trabalho - (8 respostas)
Categoria 4: Comunicação grupal – (4 respostas)
Categoria 5: Instituição – (2 respostas)
Questão 4
Família
Categoria 1: Comunicação
Categoria 1.1: Não compreender e não seguir orientações.
Categoria 1.2: Resistências às informações dadas pela equipe.
95
Método
Categoria 1.3: Fofocas e intrigas sobre os profissionais.
Categoria 1.4: A família expressa suas idéias sem clareza.
Categoria 2: Relação com a equipe
Categoria 2.1: Exigentes e autoritárias com a equipe.
Categoria 2.2: Queixosas.
Categoria 2.3: Querem que a equipe assuma o paciente totalmente.
Categoria 2.4: Obrigar a equipe a realizar condutas não permitidas pelas regras
da instituição.
Categoria 3:Dificuldades emocionais
Categoria 3.1: Negação.
Categoria 3.2: Culpa.
Categoria 3.3: Esperança frente ao prognóstico fechado.
Categoria 3.4: Descuido e indiferença.
Categoria 3.5: Ansiedade, insegurança, angústia e revolta.
Doente
Categoria 1: O que sente a equipe com relação ao doente:
Categoria 1.1: Desconhecer sua situação geral.
Categoria 1.2: Envolvimento emocional com ele.
96
Método
Categoria 1.3: Dificuldade com a morte.
Categoria 1.4: Como motivá-lo diante de um prognóstico fechado.
Categoria 1.5: Como saber de suas expectativas com o atendimento domiciliário.
Categoria 2: O doente e seus sentimentos
Categoria 2.1: Agressividade e hostilidade.
Categoria 2.2: Negação de sua situação.
Categoria 2.3: Ter que lidar com suas necessidades e dependências.
Categoria 2.4: Depressão.
Categoria 2.5: Queda da qualidade de vida.
Categoria 2.6: Ter espaço físico adequado.
Equipe
Temáticas:
Relacionamento / relação com o trabalho / comunicação
Categoria 1: Relacionamento interpessoal:
Categoria 1.1: Divergência de opiniões.
Categoria 1.2: Ressentimentos e falta de colaboração.
Categoria 1.3: Individualismo.
Categoria 1.4: Insegurança.
Categoria 1.5: Competitividade.
97
Método
Categoria 2: Relação com o trabalho ( procedimentos, posturas, avaliações,
etc.)
Categoria 2.1: Qualidade no atendimento.
Categoria 2.2: Conhecer os objetivos da equipe.
Categoria 2.3: Não ter preconceitos com os pacientes.
Categoria 2.4: Não obedecer a regras da instituição.
Categoria 2.5: Profissionais tratados com desigualdade pela instituição.
Categoria 2.6: Ter avaliações constantes.
Categoria 2.7: Não ser resistente a críticas e queixas.
Categoria 3: Comunicação
Categoria 3.1: Fofocas com os familiares sobre outros profissionais.
Categoria 3.2: Divergências de opiniões, comunicação difícil.
Pessoal/ individual
O que sentem com relação a:
Família
Relacionamento com a equipe
Relação com o trabalho em geral
98
Método
Questionário de Avaliação de Resultados
Ponderação das Respostas
Acompanhamento psicológico para equipe multidisciplinar do atendimento
domiciliário
Tabulação descritiva das respostas
Questões
Com referência ao acompanhamento psicológico grupal realizado em 4 encontros
no mês de fevereiro de 2006, responda as seguintes perguntas:
1) Como foi para você essa experiência?
Muito rica: 1 participante
Muito boa: 7 participantes
Boa: 3 participantes
Muito válida: 2 participantes
Nova: 1 participante
Outras respostas descritivas:
Interessante
Participou de um encontro e gostou
99
Método
Momento de descontração e reflexão de problemas profissionais e atépessoais.
Sentiu-se mais leve.
Diferente e muito gratificante
Muito gratificante
Experiência constrangedora. Sentiu-se exposta
Bastante interessante
Ótima
Muito satisfeita
Experiência positiva
Muito importante
Muito valiosa
Não foi bom; traumático. “Me afastou das minhas responsabilidades
profissionais”.
Comentários:
1- Pôde discutir assuntos que causam angústia e apreensão no dia-a-dia do
trabalho e vivenciá-los de forma mais amena.
2- Conhecer o perfil dos colegas ajuda a somar conhecimentos com outras
pessoas.
3- Dividir os problemas com o grupo e com a psicóloga fez diminuir a “carga”
emocional do trabalho. As dicas e as experiências trocadas melhoram a ação
com os colegas, pacientes e famílias e refletem-se na vida pessoal.
4- Fez perceber alguns outros aspectos do trabalho. Diminuiu a ansiedade e me
mostrou que tenho um tempo de aceitação, limites e vontade de ajudar.
100
Método
5- Pôde discutir problemas em conjunto e perceber como eles afetam de formas
diferentes os colegas de equipe. Foi enriquecedor.
6- O trabalho dentro do contexto domiciliar é mais difícil do que em hospitais e
clínicas. Logo, é bom ter espaço para falar das dificuldades e dividir opiniões.
7- Apesar de conversar sobre o trabalho, no fechamento da reunião havia coisas
para pensar também no lado pessoal. Os casos foram tratados com leveza.
8- Poder perceber que há problemas e sentimentos em comum sentidos pela
equipe.
9- Pudemos escutar uns aos outros e isso foi acolhido por uma profissional que
nos ajudou. Não foi como um bate papo de dentro do carro.
10-Perceber dificuldades semelhantes com os colegas e poder minimizar as
consequências.
11-Foi uma demonstração de que a empresa se preocupa com o nosso emocional.
“Lavamos a roupa suja”, chegando a uma opinião comum.
12-Um momento agradável de descontração e reflexão dos problemas do trabalho
e até pessoal. Me senti leve após o início desse trabalho.
13-Uma experiência de grande importância para os profissionais.
14-A equipe precisa mesmo de um suporte psicológico, já que lidamos tão de
perto com o sofrimento e a morte.
15-Tive a oportunidade de falar dos meus sentimentos e experiência.
16-Nunca tinha passado por isso. Pude falar de acontecimentos no campo pessoal
e profissional.
17-Pudemos discutir problemas e dificuldades que encontramos no dia-a-dia.
18-Aprendemos muito.
19-Importante termos um tempo para falar de dificuldades, frustrações, sucessos,
101
Método
etc. Gostei de participar e me senti à vontade para expor meus sentimentos.
20-Foi aberto um espaço para colocarmos nossas angústias e dificuldades
com o trabalho. Percebi que os colegas de equipe compartilham das
mesma sensações. A psicóloga também tem bastante experiência no tema
em questão.
2) Durante o período de desenvolvimento do trabalho, você encontrou
alguma dificuldade para participar dos encontros?
1- Chegar na hora marcada para o grupo, devido às intercorrências.
2- Intercorrências que impossibilitam participar de todos encontros.
3- Quando o assunto estava muito interessante, acabamos estendendo o horário e
atrasando um pouco o trabalho.
4- No início, tive dificuldade de expressar, pois estava numa equipe junto com a
coordenação.
5- Dificuldade com horário.
6- Senti insegurança em colocar coisas no grupo, pois sabia que haveria quebra de
sigilo. O conteúdo seria levado para outras pessoas.
7- Falar do que mais incomoda é difícil no início do trabalho.
8- Horário de chegada devido às intercorrências.
9- Nos atrapalhamos um pouco devido à rotina de trabalho.
10-Expor sentimentos e experiências.
11-Problema pessoal para chegar no horário para os compromissos.
12-Senti que nem todos no grupo estavam como eu.
13-O dia da semana, segunda-feira, houve muitas intercorrências. Mas, depois a
102
Método
equipe se organizou melhor.
14-Horário ruim, participei por obrigação.
15-Existem assuntos difíceis de serem falados.
3) Qual a opinião de sua equipe a respeito desta etapa do trabalho
psicológico?
1- Extremamente gratificante e enriquecedor.
2- A equipe gostou muito, principalmente da abordagem da psicóloga.
3- Opiniões variadas: uns, assim como eu, gostaram muito; outros não se sentiram
à vontade, pouco falaram no grupo e deixaram claro que não gostaram dessa
situação.
4- Só comentários positivos. Querem mais reuniões.
5- Gostaram e muitas pessoas puderam falar de suas dificuldades.
6- Ouviu pessoa que não gostou, mas também, muitos elogios de quem adorou.
Eu senti dificuldade porque achei que a todo momento estava sendo analisada,
mas depois me soltei.
7- Foi muito bom. Assim podemos nos conhecer melhor. Até quem está falando
verdade ou mentira.
8- Todos gostaram muito e elogiaram a forma como o trabalho foi conduzido.
9- Todos acharam interessante no que se refere aos problemas encontrados no
dia-dia.
10-Acharam boa, porém de forma insensata o que foi dito no grupo foi comentado
para outros funcionários.
11-Todos acharam que foi útil para o desempenho diário.
103
Método
12-Só comentários positivos.
13-A experiência foi boa; apenas fiquei chateada por me abrir diversas vezes e
saber que algumas informações “vazaram” para o resto da instituição.
14-Não discutimos. Faltou tempo.
15-Alguns da equipe gostaram e conseguiram bastante resultado; outros se sentiram
expostos.
16-Precisamos desses momentos para conseguirmos conhecer o lado das famílias
e a nós mesmos enquanto profissionais.
17-Parece que todos gostaram muito e acharam muito válido, pois pudemos relaxar
e conversar normalmente sobre assuntos como a morte, apoiando uns aos outros.
18-Conhecer mais os pacientes, os familiares e as equipes de trabalho.
19-Escutei de todos que o trabalho estava sendo ótimo e todos gostariam de
continuar.
20-Percebi que a equipe foi muito espontânea, o trabalho deixou claro algumas
situações vividas. Foi válido para a equipe também.
21-Em minha equipe nem todos diziam o que realmente queriam.
22-A opinião da equipe é unânime: só tem a acrescentar melhor qualidade de vida
para cada um. Consequentemente melhor qualidade do serviço prestado. Nos
ajudará a lidar com as situações complicadas que nos deparamos
constantemente.
23-Todos gostaram muito e sempre fizeram elogios.
24-A equipe é muito integrada, com dificuldades semelhantes. Uma equipe
participativa e com visão profunda da dinâmica da ADUC.
25-Houve um amadurecimento da equipe toda durante o trabalho e cada vez nossos
encontros foram mais ricos. Acho legal a equipe trazer algum texto para
discussão.
104
Método
26-A minha equipe adorou os encontros.
27-Ouvi que os encontros foram ótimos, e trouxe memento para choro e riso,
proveitosos.
28-Gostei muito do meu grupo. Amo todos, acho que foi uma integração maravilhosa.
29-Observei que todos gostaram bastante. No início houve um pouco de atraso,
mas no final sempre ficava a impressão de que poderíamos ficar horas
conversando. Todos gostaram.
4) É válido para você continuar participando desses encontros, caso o
trabalho tenha continuidade? Em caso de afirmação, comente sobre o horário de
sua preferência.
1- Horário da tarde: 6 participantes.
2- Horário da manhã: os outros participantes.
3- Freqüência quinzenal: 1 participante.
4- Manter o trabalho desde que se possa confiar no sigilo do grupo.
Divisão das respostas por categorias
Questão 1
Nesta questão, as respostas dos membros da equipe revelaram a primeira
impressão que tiveram das sessões de grupo operativo do qual participaram.
Categoria 1
105
Método
Respostas positivas e de aprovação do trabalho de grupo operativo: todos os
ítens, exceto 11 e 18.
Categoria 2
Respostas negativas que sugerem desconforto em participar da atividade e
desaprovação do trabalho de grupo operativo: ítens 11 e 18.
Classificação dos comentários da questão 1 por categorias:
Categoria 1: Amenizou a angústia profissional:
Itens 1 e 3.
Categoria 2: Contribuiu para o trabalho em equipe:
Itens 2, 3, 5, 6, 8, 9, 10 e 11.
Categoria 2.1: Compartilhar conhecimentos profissionais.
Itens 2, 5, 6 e 20.
Categoria 2.2: Melhora nos relacionamentos interpessoais.
Itens
Categoria 2.3: Compartilhar dificuldades com o trabalho no domicílio.
Categoria 2.4: Melhora na comunicação com os colegas de equipe.
Categoria 3: Amenizou a angústia pessoal.
Categoria 4: Conhecer melhor o trabalho em atendimento domiciliário.
Categoria 4.1: Reflexão de problemas profissionais.
Categoria 5: Auto – conhecimento e crescimento pessoal.
Categoria 5.1: Reflexão de problemas pessoais.
106
Método
Categoria 6: Definiram a atividade de grupo operativo como uma preocupação
da empresa em oferecer suporte psicológico para os profissionais realizarem o trabalho
nos domicílios.
Categoria 7: Sentiu-se seguro com abordagem utilizada pela psicóloga ao conduzir
o grupo operativo.
Questão 2
Categoria 1: Dificuldades com horários / Intercorrências:
Atrasos para chegar ao encontro devido às socilitações de atendimentos
urgentes.
Atrasos para finalizar as sessões de grupo impedindo o posterior cumprimento
do horário de chegada nos domicílios para início do trabalho.
Categoria 1.1: A definição do horário estabelecido para início da atividade grupal
trouxe a sensação de ser obrigado(a) a participar do encontro.
Categoria 2: Receio em dizer coisas no grupo:
Quebra do sigilo grupal.
Constrangimento em dizer coisas na presença de pessoas conhecidas.
Categoria 3: Faltou comprometimento de algumas pessoas com a participação
nos grupos operativos.
Questão 3
107
Método
Categoria 1: Gostaram. ( 23 respostas ).
Categoria 2: Gostaram com restrições. ( 4 respostas ).
Categoria 3: Não gostaram. ( 3 respostas ).
Categoria 4: Conhecer mais as famílias e a si próprio. ( 2 respostas ).
Questão 4
As respostas da questão 4 revelaram dois aspectos principais:
A escolha dos horários de participação nos grupos ocorreram conforme a
organização do trabalho nos domicílios.
Manifestaram o desejo de continuar o trabalho de grupo sob a condição de
preservação do sigilo dos participantes.
Análise:
Questionário de avaliação de necessidades psicológicas
Percepções, sentimentos e reflexões sobre o atendimento domiciliário foram
expostos por profissionais de saúde que integram equipes multidisciplinares atuantes
nessa modalidade de serviço. O conteúdo de suas formulações a respeito do tema foi
obtido por meio de cinco questões que lhes foram apresentadas pela autora deste estudo.
Trata-se do questionário de avaliação de necessidades psicológicas, cujas respostas
serão objeto de análise nas linhas que seguem.
A primeira parte do questionário acusou dificuldades de entrosamento e de
108
Método
convivência diária com as famílias dos pacientes. A maioria dos entrevistados relatou,
também, a falta de cooperação destas com as condutas clínicas determinadas pela equipe
multidisciplinar. Outra dificuldade apontada na etapa inicial do questionário foi a
ineficiência da comunicação entre membros da equipe multidisciplinar, assim como entre
os integrantes desta e os familiares dos doentes – inclusive cuidadores. O que, em geral,
caracteriza essa ineficiência são os mal-entendidos e as mensagens deturpadas,
fenômenos que se exprimem principalmente quando cuidadores familiares recebem
orientações dos profissionais.
Entre os fatores que mais contribuem para que o trabalho da equipe multidisciplinar
se processe com tranqüilidade, destacou-se a colaboração das famílias de pacientes.
Segundo os entrevistados, essa colaboração se cumpre quando se satisfazem as
expectativas da equipe de que: as orientações, regras e objetivos da instituição que
oferece o serviço sejam acatados; a doença do paciente seja aceita e haja disposição
para adaptá-lo (o paciente) ao contexto do atendimento domiciliário. A boa receptividade
da família e a confiança que esta deposita na equipe são, portanto, consideradas
condições que favorecem um trabalho equilibrado. De acordo com os profissionais, tal
resultado é igualmente corroborado quando o paciente é bem-vindo e cuidado com zelo
pela família; ele apresenta equilíbrio emocional, facilita o trabalho e poupa os integrantes
da equipe a angústias.
Quando instados a ponderar sobre o que promoveria uma elevação no
desempenho da equipe, os entrevistados sugerem melhoras nos relacionamentos
interpessoais de seus integrantes e na forma de lidar com o trabalho e com a instituição
de saúde promotora do serviço. É relevante perceber que eles não vinculam a eficácia
de seu trabalho ao tratamento que recebem dos familiares, nem à maneira como estes
se comportam, embora reconheçam a sua capacidade de representar uma fonte de
109
Método
tranqüilidade para as tarefas diárias ou de complicações. Não há quem diga, por exemplo:
“Para que o nosso trabalho seja eficaz é preciso que a família facilite tudo e sempre nos
receba muito bem”.
O questionário aplicado pela autora deste estudo permitiu que os entrevistados
retomassem as reflexões sobre suas dificuldades no atendimento domiciliar. Suas
respostas, desta vez mais pormenorizadas, foram divididas em categorias. Na primeira
delas figuram os obstáculos referentes à relação com as famílias dos pacientes: a)
complicações na comunicação com os familiares; b) complicações no relacionamento
com os familiares; c) dificuldade de lidar com os problemas emocionais da família; d)
sentimentos de impotência diante da situação do doente o que, não raro, suscita a
configuração de vínculos nos quais predomina o desejo de suprir o doente ou sua família
em todos os aspectos. O doente, aludido na categoria seguinte, apresenta dificuldades
emocionais devido às perdas físicas e sociais ocasionadas por sua enfermidade, à
redução de sua qualidade de vida e à necessidade constante de receber cuidados.
Na lista das dificuldades que têm origem na própria equipe enumeraram-se: a) a
ineficácia em lidar com as singularidades de cada integrante e aceitá-las, o que acarreta
uma postura individualista, letal para a cooperação; b) resistência a regras e normas,
busca de aprovação constante pelo trabalho realizado e exigências à empresa; c) falta
de qualidade no atendimento ao paciente; d) inaptidão para evitar ou dirimir intrigas e
para contornar divergências de opiniões. Finalizam esta série de apontamentos as
complicações que se operam na dimensão individual. Os entrevistados relataram
dificuldades emocionais atinentes ao trabalho, de forma geral: angústias relacionadas
ao paciente, aos familiares, aos colegas de equipe e à própria função que desempenham,
o que os fazem questionar a validade de prosseguir exercendo-as. Soma-se a estas a
inabilidade de administrar o tempo de realização do trabalho.
110
Método
A questão conclusiva do questionário de necessidades psicológicas estimulou
os profissionais participantes a ponderarem sobre sua qualificação técnica. Alguns, então,
afirmaram não ter dificuldades nesse quesito. Outros expressaram o desejo de ser mais
eficientes no que se refere ao tempo necessário para suas tarefas e associaram a melhora
desse aspecto do seu desempenho ao aumento do conhecimento técnico de suas
ocupações, assim como da situação clínica e psicológica dos pacientes. Revelaram,
ainda, encontrar dificuldades para adotar condutas improvisadas na residência do
paciente, situação que acreditam poder enfrentar com a já mencionada aquisição de
conhecimento, e novamente referiram-se aos problemas de administrar o tempo de
realização do trabalho e de comunicação com os familiares do paciente.
Questionário de Avaliação de Resultados
Quatro questões foram respondidas pelos profissionais de saúde que participaram
deste estudo com a finalidade de avaliação do trabalho proposto pela autora. Na primeira
dessas questões, a maioria emitiu juízos positivos e de aprovação aos grupos operativos.
Os integrantes asseguraram que essa abordagem representou benefícios relevantes para
o exercício de suas ocupações e também para enfrentar os demais desafios de suas
vidas. Ainda na fase inicial do questionário, eles testificaram a aquisição de novos
conhecimentos, que contribuíram para melhorar a qualidade dos serviços prestados, tornar
mais eficiente a comunicação entre membros da equipe multidisciplinar e, com as
reflexões sobre as dificuldades profissionais e pessoais, diminuir a angústia.
Em seguida, constatou-se que o grupo teve dificuldade de cumprir os horários de
participação e mostrou-se inquieto com a possibilidade de atrasos nos atendimentos
domiciliares. A minoria relatou estar receosa de tomar parte no trabalho, pela quebra de
111
Método
sigilo grupal.
Das respostas à terceira questão pode-se depreender que o trabalho foi
aprovado pela maioria dos componentes da equipe de profissionais. Eles também
consideraram de grande serventia conhecer melhor as famílias dos pacientes.
Por fim, a equipe preocupou-se em escolher horários de participação nos grupos
que não afetassem o atendimento nos domicílios e manifestou o desejo de continuar
integrando-os, com a condição de preservação do sigilo grupal.
112
Considerações Finais
Capítulo 6
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Considerações Finais
114
CAPÍTULO 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os objetivos pelos quais foi criado um serviço de atendimento domiciliário, referem-
se a notáveis vantagens institucionais como, por exemplo, a possibilidade de praticar
um tratamento humanizado. Porém, devido à rotina intensa de trabalho, esses objetivos
nem sempre podem ser conquistados, principalmente quando o que está em jogo na
tomada de decisões gerais é a relação interpessoal entre equipes e familiares, marcada
por notáveis diferenças de valores pessoais no que diz respeito a doença. Além disso,
esta atividade apresenta para os familiares, pacientes e equipe multidisciplinar muitas
regras a serem cumpridas. Embora os protocolos de condutas sejam claros, nem sempre
é possível cumpri-los fielmente. Isso se dá por vários motivos. Entre os mais evidentes
estão aqueles que dizem respeito aos conflitos de comunicação e diferentes valores
pessoais diante de situações comuns, quando o assunto é doença.
Aparecem, também, no contexto do atendimento domiciliário, as dificuldades com
questões burocráticas. Estas acabam significando um grande entrave, quando a prioridade
é o tratamento da doença do paciente e o cuidado com este. Curioso é perceber que
burocracia e regras institucionais representam incômodo tanto para a família como para
a equipe de cuidados. Por estarem preocupados com a assistência clínica ao paciente,
os profissionais têm dificuldades em assimilar a real importância das regras institucionais.
Conseqüência disso, sentem-se desestimulados a estipulá-las à família e a incentivar o
seu cumprimento.
O estudo mostrou que a interação entre equipes e família em atendimento
domiciliário acontece não só baseada em regras de convívio institucionais, mas também
pelos significados simbólicos que a experiência da doença sugere aos que a vivenciam
pois, junto com o corpo que adoece e se transforma, adoecem também as emoções, os
Considerações Finais
115
valores, a qualidade de vida e os projetos. Todos esses fatores interferem diretamente
na relação entre profissionais de saúde e familiares, configurando o vínculo de ambas as
partes de acordo com os significados que cada uma atribui à experiência da doença. Os
processos socioculturais também exercem influência sobre as formas de significar a
doença, ou seja, a maneira de cada população lidar com questões de saúde e doença
depende de fatores sociais e culturais específicos. Estes facilitam ou dificultam a interação,
quando surgem visões diferentes sobre um mesmo fenômeno: a doença.
A autora deste estudo detectou que o modo de estruturar um serviço de atendimento
domiciliário, em regras de funcionamento, também afeta diretamente a interação entre
equipes e família. As instituições provedoras desse serviço fazem “exigências” aos
profissionais, que, por sua vez, fazem exigências às famílias dos doentes. Percebe-se
uma dificuldade geral na adequação às regras institucionais, para um melhor desempenho.
Por fim, esses fatores se misturam com condutas clínicas e diferentes formas de dar
significados para a doença, o seu processo de desenvolvimento e o seu contexto
psicológico, social e cultural. Desta forma, as diferentes formas de dar significado para
o processo do adoecer também são determinantes na interação entre equipes e familiares
de pacientes. Esses fatores influenciaram diretamente a escolha das condutas clínicas
com o paciente e a forma de conduzir o trabalho de atendimento domiciliário; exerceram
notável poder sobre a forma como cada profissional que trabalha em atendimento
domiciliário enfrentará ou percorrerá a trajetória da doença crônica junto com as famílias.
Em outras palavras, considerar esse processo sofrido ou tranqüilo vai depender da forma
como irão significar a situação. Além disso, fica evidente que nesse momento todo o
poder dado ao médico, com base em raízes históricas, passa por consideráveis
transformações, fazendo-nos concluir que esse poder é necessariamente vantajoso
quando aspectos emocionais desse profissional entram em questão. A autora deste
Considerações Finais
116
estudo refere-se às responsabilidades clínicas e éticas frente à vida e à morte do paciente.
Assim, cada profissional passa por transformações comportamentais e emocionais
enquanto acompanham a trajetória da doença crônica. Tais sentimentos e a forma como
irão significar esse processo também determinarão formas específicas de interação com
o paciente e seus familiares.
O estudo mostra que na interação entre equipes e familiares não existe
necessariamente quem é a parte correta ou errada nas formas de relação. Não é a família
o maior problema dos profissionais e vice-versa. O que está em jogo é a forma de atribuir
significados para cada relação. Por si só, o que permeia ou embasa a convivência já é
uma situação conflituosa, instável e problemática: a doença. É ela quem promove essa
interação e as diferentes formas de conviver. Pode-se dizer, então, que a relação de
equipes com famílias é marcada por perdas freqüentes e incessantes para ambas as
partes. Ocorre, a propósito, com os profissionais:
A perda da certeza da eficácia de suas condutas clínicas.
A perda do poder, quando no domicílio quem determina as regras é a família.
O arrefecimento do entusiasmo profissional e pessoal, quando, porventura, a perda
de um paciente implica no processo de luto.
Um evidente cansaço de toda a situação enfrentada e até mesmo do próprio papel
profissional exercido.
Observa-se, portanto, que no processo de doença crônica não são apenas a família
e o paciente os que passam por perdas significativas, mas também os profissionais que
os acompanham, embora estes tenham todo o preparo técnico para o mais adequado
desempenho de suas funções. Mesmo assim, os profissionais não desistem de suas
atividades se conseguem, de alguma forma, compreender os significados pessoais e
Considerações Finais
117
profissionais das vicissitudes que encontram e retirar delas aprendizados aplicáveis no
cotidiano.
Por outro lado, tratar a desistência frente às dificuldades do trabalho em domicílio
como mero abandono é negar a esse ato a complexidade que lhe pertence. A liberdade
de escolher continuar sendo parte do processo de tratamento da doença crônica deve
existir tanto para a equipe de profissionais quanto para os cuidadores dos doentes. E,
certamente, qualquer decisão a esse respeito será baseada em significados simbólicos
particulares que cada indivíduo utiliza para avaliar o contexto do atendimento domiciliário.
Como parte deste estudo, os grupos operativos com a equipe multidisciplinar,
colaboraram para que esses sentimentos se tornassem claros para os seus participantes.
Eles descobriram que antes de desistirem do trabalho há um longo caminho a ser
percorrido: feito de novas tentativas, novas propostas e novas formas de considerar e
dar significado às situações de saúde e doença. Eles compreenderam que além da
escolha profissional existem, também, fatores pessoais determinantes para essas
decisões. E puderam assumir posturas mais flexíveis diante dos conflitos, assim como
aprimorar a visão de cada etapa do processo da doença e de suas próprias relações
com os familiares.
Embora reconheçam que há dificuldades de entrosamento e de convivência com
as famílias dos pacientes, os profissionais não relacionam a eficácia de seu trabalho ao
tratamento pessoal que recebem destas, nem à maneira como estas se comportam. Por
outro lado, consideram que os familiares podem representar uma fonte de tranqüilidade
para a realização das tarefas diárias, quando são resolvidos os conflitos de comunicação,
quando há maior cooperação da família para com a equipe, expressa na observância às
orientações, regras e objetivos da instituição e na confiança que depositam nas condutas
estipuladas ao paciente. Para o benefício da clareza, retomam-se a seguir as condições
Considerações Finais
118
estabelecidas pelos profissionais para uma satisfatória interação com os familiares de
doentes crônicos:
Melhora na comunicação.
Cooperação das famílias com o tratamento proposto.
Aceitação da equipe de profissionais.
Aceitação e cumprimento das regras e orientações dadas ao paciente.
Confiança em toda a equipe de trabalho em atendimento domiciliário.
Neste estudo, o paciente não é mencionado pela equipe multidisciplinar como
alguém que oferece dificuldades e impedimentos para o adequado desempenho de sua
função. O fator que mais a preocupa é o comportamento da família.
Aspecto relevante a se destacar é a existência de conflitos de relacionamento
intergrupal na equipe de trabalho, caracterizado, também, por conflitos de comunicação
e atribuição das próprias tarefas e obrigações profissionais, aos outros colegas de
trabalho. Estes fenômenos acontecem de forma muito semelhante no grupo familiar:
destacamos dificuldades de comunicação e o pouco envolvimento com a tarefa do cuidar,
por parte de alguns cuidadores. Na longa trajetória da doença crônica, a dinâmica familiar
mostra em muitos casos, uma certa resistência em aceitar e assumir integralmente os
cuidados ao paciente. Isso os fazem abandonar o cuidado ou atribuir a um outro familiar
que possa estar disposto à esse papel.
A percepção que a equipe tem sobre a relação da família com o seu doente é a
seguinte: há uma contradição grande de sentimentos e comportamentos direcionados
na relação com o doente. Enquanto cuidam, por alguns momentos já não querem mais
este papel; querem preservar e proteger o paciente e em seguida ele é rejeitado. Enquanto
sofrem, ao mesmo tempo sentem alívio com a chegada da morte ou quando ele é
Considerações Finais
119
hospitalizado. Acompamham de perto a angústia da família com toda a situação e não
podem interferir na relação familiar. Sentem-se, portanto, impotentes em muitos momentos
da trajetória da doença.
A autora deste estudo constatou que existem conflitos semelhantes e que são
vividos simultaneamente tanto pela equipe multidisciplinar como pelos familiares de
doentes crônicos. Então, se houver por parte dos profissionais, a clareza desses
fenômenos, e dos próprios sentimentos enquanto realizam o trabalho, haverá a
possibilidade de continuarem enfrentando os desafios desta atividade com maior coragem.
|Neste trabalho, os encontros em grupo operativo, proporcionou isto, pois, no questionário
aplicado para o levantamento dos resultados do trabalho, apontaram como benefícios os
seguintes aspectos: a participação nos grupos operativos, trouxe de forma geral, um
crescimento profissional e também pessoal. Nesta atividade, a troca de informações
sobre o trabalho técnico e sobre os sentimentos vivenciados, contribuiu para uma melhora
da qualidade dos serviços prestados. Falar dos próprios sentimentos, dificuldades e
angústias perante os colegas de trabalho, possibilitou uma melhora na comunicação
intergrupal. Por fim, os profissionais mostraram-se dispostos a cumprirem de forma correta
e disciplinada os atendimentos em domicílio, a partir de uma melhor compreensão de
seus fenômenos.
A forma como os profissionais sentem o trabalho determina a maneira como
interagem com os familiares e fazem escolhas profissionais. É o que revela a fala de
alguns integrantes da equipe multidisciplinar:
“- É. No final das contas não adianta bater de frente com as famílias. Elas deixam
claro pra nós que lá nos domicílios quem manda são elas. Lá tudo vai acontecer do
jeito que eles querem. E quanto á isso não temos o que fazer.”
Considerações Finais
120
“- Eu penso que fazer este trabalho acaba sendo realmente uma opção. Existi
uma seleção natural: aqueles que gostam, encontram importância e ficam, e outros
arrumam logo outro trabalho e saem. Porque realmente não é fácil.”
“- É mas apesar disso tudo eu ainda acho que vale à pena ficar. Eu ainda não
entendo muito bem porque, mas, vale à pena. Eu me sinto bem.”
Por todas as reflexões mencionadas neste texto, indaga a autora: sobre a interação
entre equipes multidisciplinares e familiares de doentes crônicos, de qual população
depende o bom funcionamento de um serviço de atendimento domiciliário?
O estudo revelou que no percurso da doença crônica, tanto profissionais como
familiares passam por uma instabilidade emocional na medida dos acontecimentos
clínicos do paciente. Trata-se de uma situação delicada para ambas as partes. Embora
haja um empenho favorável no combate da doença, não é possível barrar o seu curso
natural e suas consequências para as relações.
Este trabalho mostrou aspectos da percepção dos profissionais de saúde sobre
a interação que têm com os familiares de doentes crônicos. Isto possibilitou uma melhor
adequação ao trabalho de atendimento domiciliário devido à oportunidade concedida à
equipe participante do estudo, de tomar contato com os próprios sentimentos e a
elaboração de seus significados.
Ao concluir o estudo, a autora sugere o seguinte questionamento: o que sentem
os familiares do doente na interação com os profissionais de saúde que atuam em
domicílio? Qual é a percepção da família nessa relação?
Uma investigação futura a esse respeito possibilitará uma compreensão mais
abrangente do atendimento domiciliário aos profissionais interessados em atuar nesse
contexto, resultando numa considerável qualificação de equipes multidisciplinares em
saúde e em benefícios para a sociedade.
Referências bibliográficas
Capítulo 7
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Referências bibliográficas
122
CAPÍTULO 7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Anexos
ANEXOS
Anexos
126
Anexo A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ________________________________________, tenho conhecimento de que
estou participando de uma pesquisa científica sobre aspectos da interação entre equipe
multidisciplinar da área da saúde e familiares de doentes crônicos. Estou ciente de que
essa pesquisa está sendo realizada pela psicóloga e pesquisadora Joely Helena Roscito
Bento, sob orientação da Professora Doutora Maria Helena Pereira Franco, como
exigência parcial do programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP
(Núcleo de Família e Comunidade) para obtenção do título de mestre em Psicologia
Clínica.
Declaro ter consciência de que parte da execução dessa pesquisa consistiu no trabalho
de acompanhamento psicológico grupal da equipe multidisciplinar atuante em domicílio
à qual pertenço e que, portanto, dele participei. Afirmo que o trabalho de acompanhamento
psicológico grupal ao qual me refiro efetuou-se na instituição Unimed Campinas
Cooperativa de Trabalho Médico à Rua Barata Ribeiro, 316, Campinas – SP, no mês de
fevereiro de 2006 e compôs-se pelas seguintes atividades: questionário inicial para
identificar as necessidades psicológicas da equipe, sessões de grupo operativo e
questionário final para avaliar os resultados do trabalho de grupo. Fui informado de que
esse método teve como objetivo oferecer um acompanhamento psicológico que
respaldasse os profissionais no contexto do atendimento domiciliário.
Com o intuito de desfazer quaisquer dúvidas relacionadas à pesquisa, durante ou após a
sua realização, poderei contatar a pesquisadora no endereço que consta no final deste
termo. Fica estabelecido que no momento em que eu comunicar à psicóloga que não me
interesso mais em participar da pesquisa, esta autorização será anulada por ela e todo
o material coletado até a ocasião será destruído.
Por fim, declaro que os objetivos e os detalhes desse estudo foram-me completamente
explicados, conforme seu texto descritivo, e que autorizo a publicação dos dados em
trabalhos científicos, congressos ou eventos afins. Entendo que não fui obrigado a
participar do estudo, que meu nome não será utilizado nos documentos referentes a este
e que a confidencialidade dos meus registros será garantida. Desse modo, concordo
em participar da pesquisa e cooperar com a pesquisadora.
Nome:_______________________
RG:_________
____________
__
__
Assinatura:____________________
Nome:_______________________
RG:_________________________
Assinatura:____________________
Nome: Joely Helena Roscito Bento RG: 23287588-1 CRP: 0652829-4
Endereço: Rua Claudino Lopes, 76, Jardim Londres, Campinas –SP.
Tel.: 19- 3229-0069 / 19- 9153-9356
Data: ____/___/____ Assinatura:
Pesquisado: Testemunha:
Anexos
127
Anexo B - ROTEIRO DE QUERTIONÁRIO COM PERGUNTAS ABERTAS
Questionário de Avaliação de Necessidades Psicológicas
Dados pessoais: idade; sexo; tempo de atuação profissional; tempo de trabalho nesta
instituição.
Questões:
1. Quais as dificuldades pessoais que você sente enquanto
faz o seu trabalho de atendimento domiciliário?
2. Em quais situações, no domicílio, você sente-se tranqüilo
para desenvolver o seu trabalho?
3. Pensando que você faz parte de uma equipe
multidisciplinar, o que você sente que pode ser melhorado
neste grupo, visando um desempenho adequado no
trabalho?
4. Quais as dificuldades que você tem quando está atuando
em domicílio, com relação à:
· Família ou cuidadores
· Doente
· Equipe de trabalho
· Questões pessoais ou individuais
Obs: para cada tópico cite duas dificuldades.
5. Você possui alguma dificuldade com a parte técnica do
trabalho que realiza? Fale sobre isso.
6. Se houver necessidade, fale sobre outra(s) dificuldade(s)
que possui e que não foram mencionadas neste
questionário.
Anexos
128
Anexo C - QUESTIONÁRIO COM PERGUNTAS ABERTAS
Questionário de avaliação dos resultados referentes à primeira etapa do
trabalho de acompanhamento psicológico para equipe multidisciplinar do
atendimento domiciliar.
Com referência ao acompanhamento psicológico grupal realizado em 4
encontros no mês de fevereiro de 2006, responda as seguintes questões:
1. Como foi para você esta experiência?
2. Durante o período de desenvolvimento do trabalho, você encontrou
alguma dificuldade para participar dos encontros? Comente.
3. Qual a opinião de sua equipe a respeito desta primeira etapa do trabalho
psicológico?
4. É válido para você continuar participando desses encontros, caso o
trabalho tenha continuidade? Em caso de afirmação, comente sobre o
horário de sua preferência.
Efetuada em ____/___/____
Nome do Paciente: Complexidade
Inicial:
Idade: Programação em dias de atendimento - 24h:
Convênio: Programação em dias de atendimento - 12h:
Matrícula: Programação em dias de atendimento - 06h:
Data de IH Programaçâo em dias - Procedimento Especializado:
Diagnóstico Principal:
Diagnóstico Secundário:
Descrição Itens da Avaliação Pontos atribuídos
Suporte Terapêutico Sonda Vesical Permanente 1
Sonda Vesical Intermitente 2
Traqueostomia sem Aspiração 2
Traqueostomia com Aspiração 5
Aspiração de Vias Aeréas Superiores 3
Acesso Venoso Profundo Contínuo 5
Acesso Venoso Intermitente 4
Acesso Venoso Periférico Contínuo 5
Diálise Domiciliar 5
Quimioterapia Oral 1
Subcutânea 3
Intravenosa 5
Intratecal 5
Suporte Ventilatório Oxigênio Intermitente 2
Oxigênio Contínuo 3
Ventilação Mecânica Intermitente 4
Ventilação Mecânica Contínua 5
Lesão Vascular/Cutãnea Ùlcera de Pressão Grau I 2
Ùlcera de Pressão Grau II 3
Ùlcera de Pressão Grau III 4
Ùlcera de Pressão Grau IV 5
Grau de Atividade da Vida Independente 0
Diária
Relacionada a Cuidados Semidependente 2
Técnicos
Dependente Total 5
Dependência de Reabilitação Independente 0
Fisioterapia / Fonoaudiologia/. Dependente 2
Sessões Diárias de
Fisioterapia / Fonoaudiologia/.
Terapia Nutricional Suplementação oral 1
Gastrostomia 2
SNE 3
Jejuno Íleo 3
Nutrição Parenteral Total 5
Classificação dos Pacientes Total
Inferior a 07 pontos Paciente não elegível para Internação Domiciliar
De 08 à 12 pontos Baixa Complexidade
De 13 à 18 Pontos Média Complexidade
Acima de 19 Pontos Alta Complexidade
Ao obter um score 5, o paciente migra automaticamente para média Complexidade
Ao obter dois ou mais scores 5, o paciente migra automaticamente para Alfa complexidade
Obs: A migração acima referida, ocorre independente dos pontos totais obtidos
Assinatura e carimbo: Data:
Tabela de Avaliação de Complexidade Assistencial - Abemid
129
anexos
Anexo D - TABELA DE AVALIAÇÃO DE COMPLEXIDADE
ASSISTENCIAL - ABEMID
OBSERVAÇÕES
1) Quanto ao Grau de Atividade da Vida Diária
1 - Entende-se por paciente independente aquele que pode ser acompanhado por cuidador ou familiar bem treinado
2 - Entende-se por parcialmente dependente, aquele que apresenta duas ou mais das condições abaixo:
a) Somente mobiliza-se do leito com ajuda de terceiros.
b) Apresenta nível de consciência com confusão mental.
c) Faz uso de medicações intravenosas de caráter intermitente.
d) Necessita de curativos especializados / cirúrgicos diários.
3 - Entende-se por totalmente dependente, aquele que:
a) apresente-se em prótese ventilatória contínua ou intermitente com 3 ou mais intervenções diárias
b) apresenta-se inconsciente/comatoso ou totalmente restrito ao leito, associado a necessiadade de
algum dos suportes terapêuticos:cateter vesical, traqueostomia , acesso venoso e diálise domiciliar.
c) faz uso de medicações intravenosos de caráter contínuo.
d) possue cirurgia de fixação da coluna, em decorrência de instabilidade grave, com menos de 60 dias de P. O.
II) Quanto à Classificação:
a) Se o Somatório de pontos obtidos
for menor ou igual a 07 pontos
, o paciente será considerado não elegível
para iniciar ou manter-se no programa de internação domiciliar.
b) Se o Somatório de pontos obtidos
for de 08 a 12 pontos,
o paciente será considerado de Baixa Complexidade
c) Se o somatório de pontos obtidos f
or de 13 a 18 pontos,
o paciente será considerado de média Complexidade
d) Se o somatório de pontos obtidos
for igual ou superior a 19 pontos,
o paciente será considerado de Alta Complexidade
e) Ao Obter 01 pontuação 5, o paciente migra autómaticamente para Média Complexidade.
f) Ao obter
02 ou mais pontuações 5, o paciente migra automaticamente para
Alta Complexidade, independente
do total de pontos obtidos (com cuidados de enfermagem de 24 horas).
Obs.: 1 - Em TODOS os itens de avaliação, EXCETO os relacionados a coluna
SUPORTE TERAPÊUTICO,
os pontos NÃO
se somam,
SEMPRE
prevalecendo o item de
MAIOR
pontuação em decorrência da maior COMPLEXIDADE
Obs.: 2 - Entende-se por DEPENDÊNCIA TOTAL DE CUIDADOS a necessidade de enfermagem 24 h
Obs.: 3 - Entende-se po DEPENDÊNCIA PARCIAL DE CUIDADOS a necessidade de enfermagem 12 h
FONTE: ABEMID, 2004
130
anexos
Avaliação Socioambiental.
1) AVALIAÇÃO SOCIAL
Critérios
A) Estrutura Familiar:
a) Núcleo familiar não identificado e sem condições de estruturação do cuidado
b) Núcleo familiar não identificado mas com condições de estruturação do cuidado
c) Núcleo familiar identificado, apóia a internação, domiciliar, mas não deseja assumir o cuidado
d) Núcleo familiar identificado, apóia a internação, domiciliar e responsabiliza-se pelo cuidado
B) Consentimento e Participação Familiar
a) Familia não aceita a desospitalização(*)
b) Familia aceita a internação domiciliar, mas resiste por dificuldade financeiras estruturais
c) Familia aceita a internação domiciliar, mas resiste por insegurança com o processo
d) Familia apóia integralmente a desospitalização(*)
C) Identificação e Treinamento do Cuidador
a) Não aceita "Cuidador" (familiar ou profissional)
b) Aceita "Cuidador" mas não tem recursos para assumir
c) Aceita "Cuidador" e familiar assumirá o cuidado
d) Aceita "Cuidador" e financiará o trabalho do "Cuidador"
INTERPRETAÇÃO DO ESCORE
1) Somatório dos itens A+B+C entre 0 e 6 pontos: Paciente NÃO elegível para internação domiciliar
2) Somatório dos itens A+B+C entre 7 a 15 pontos: Paciente é elegivel com rigoroso acompanhamento e orientação familiar
3) Somatório dos itens A+B+C entre 16 ou mais pontos: Paciente totalmente elegível para internação domiciliar
2) AVALIAÇÃO AMBIENTAL
Critérios
A) Espaço Físico
a) Residência não possui cômodo específico para receber o paciente
b) Residência possui cômodo inadequado e com limitadas condições de reestruturação
c) Residência possui cômodos específico, mas necessita de reformas simples para sua adequaçao
d) Residência possui Cômodos totalmente adequado para receber o paciente
B) Acesso Físico
a) Residência sem elevador, e a escala, e a escada não permite subir a maca
b) Residência sem elevador, mas a escada permite subir a maca
c) Residência com elevador e sem dificuldade de acesso
C) Segurança e Meio Ambiente
a) Freqüente falta de água recomendável internação domiciliar
b) Freqüente falta de luz recomendável internação domiciliar
c) Esgoto não ligado à rede pública recomendável internação domiciliar
d) Local considerado de alto risco de segurança recomendável internação domiciliar
e) Distante mais de 100 Km da central de atendimento recomendável internação domiciliar
f) Ausência de telefone no local da internação domiciliar recomendável internação domiciliar
1) Somatório dos itens A+B entre 0 e 2 pontos Paciente NÃO elegível para internação domiciliar
2) Somatório dos itens A+B entre 3 e 7 pontos Paciente elegível condicionalmente
3) Somatório dos itens A+B acima de 8 pontos Paciente totalmente elegível para internação domiciliar
Obs.: A identificação de qualquer item de segurança e meio ambiente leva a condiçao de elegibilidade para
condicional até que o problema identificado seja equacionado.
FONTE: ABEMID, 2004
Pontuação
0
2
5
0
2
2
10
TABELA DE AVALIAÇÃO SOCIOAMBIENTAL - ABEMID
INTERPRETAÇÃO DO ESCORE
10
0
5
10
10
10
0
2
5
Pontuação
0
2
5
131
anexos
Quadro 5
- Avaliação para Internação Domiciliar
Paciente:________________________________________________________________
Convênio:________________________________________________________________
GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3
Internações no último ano Alimentação Secreção Pulmonar
. 0-1 internação 0 . Sem auxílio 0 . Ausente 0
. 2-3 internação 1 . Assistida 1 . Pequena/moderada quantidade 1
. Mais de 3 internações 2 . Por sonda 2 . Abundade 2
. Por cateter 3
Tempo dessa Internação Curativos Drenos/Cateteres/Estomias
. Menos de 10 dias 0 . Ausentes
. 10-30 dias 1 . Ausentes ou simples . Presente com a família apta 1
. Mais de 30 dias 2 . Médios 1 . Presente com a família inapta 2
. Grandes 2
Deambulação
. Complexos 3
Medicações
. Sem auxílio 0 . VO ou SNE 0
com auxílio 1
Nível de Consciência
. IM ou SC 1 ou 2xdia 1
. Não deambula 2 . Consciente e calmo 0 . IM ou SC mais 2xdia 2
. Consciente e agita . EV 1 ou 2xdia 3
Plegias
. Confuso 2 . EV mais 2xdia 4
. Ausentes 0 . Comatoso 3
. Presentes com adaptação 1
Quadro Clínico
. presentes sem adaptação 2
SUBTOTAL 2 (x2)
. Estável 0
. Instabilidade parcial 1
TABELA DE AVALIAÇÃO PARA INTERNAÇÃO DOMICILIAR - NEAD
132
anexos
Quadro 5
- Continuação
Eliminações
. Instavel 2
. Sem auxílio 0
Totais Programa
..
. Com auxilio ou sonda 1 < 8 sem indicação internação
Padrão Respiratório
domiciliar
. Sem controle esfíncteres 2 8 a 15 iternação . Eupnéico 0
domiciliar com vistas de
enfermagem
. Sondagem intermitente 3 16 a 20 internação . Períodos de dispnéia 1
domiciliar com até 6 horas de
enfermagem
21 a 30 internação domiciliar com até . Dispnéia constate 2
12 horas de enfermagem
Estado Nutricional > 30 internação domiciliar com até . Períodos de apnéia 3
24 horas de enfermagem
. Eutrófico 0
. Emagrecido 1 dependência de oxigênio
. Caquético 2 . Ausente 0
. Parcial (respiração 1
espontânea
Higiene
. Contínua (respiração 2
espontânea
. Sem auxílio 0 . Ventilação mecânica 3
intermitente
com auxílio 1 . Ventilação mecânica 4
contínua
. Dependente 2
SUBTOTAL 1 (x1) Total 1+2+3 SUBTOTAL 3 (x3)
Obs.:
Conclusão:
FONTE: NEAD, 2004
133
anexos
Anexos
Anexo E - RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA - RDC Nº11, DE 26 DE
JANEIRO DE 2006.
Dispõe sobre o Regulamento Técnico de Funcionamento de Serviços que prestam
Atenção Domiciliar
A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso da
atribuição que lhe confere o art. 11, inciso IV, do Regulamento da Anvisa aprovado pelo
Decreto n° 3.029, de 16 de abril de 1999, c/c o art. 111, inciso I, alínea “b”, § 1°, do
Regimento Interno aprovado pela Portaria n° 593, de 25 de agosto de 2000, republicada
no DOU de 22 de dezembro de 2000, em reunião realizada em 23 de janeiro de 2006,
considerando a necessidade de propor os requisitos mínimos de segurança para o
funcionamento de Serviços de Atenção Domiciliar nas modalidades de Assistência e
Internação Domiciliar; considerando que os serviços de saúde que oferecem esta
modalidade de atenção são responsáveis pelo gerenciamento da estrutura, dos processos
e dos resultados por eles obtidos, devendo atender às normas e exigências legais, desde
o momento da indicação até a alta ou óbito; considerando a necessidade de disponibilizar
informações aos serviços de saúde, assim como aos órgãos de vigilância sanitária, sobre
as técnicas adequadas de gerenciamento da atenção domiciliar e sua fiscalização; adota
a seguinte Resolução da Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente, determino a sua
publicação:
Art. 1º Aprovar o Regulamento Técnico para o funcionamento dos Serviços de
Atenção Domiciliar, nas modalidades de Assistência e Internação Domiciliar, constante
do Anexo desta Resolução.
Art. 2º Determinar que nenhum Serviço de Atenção Domiciliar pode funcionar sem
estar licenciado pela autoridade sanitária local, atendendo aos requisitos do Regulamento
Técnico de que trata o Art. 1° desta RDC e demais legislações pertinentes.
134
Anexos
Art. 3º As Secretarias de Saúde Estaduais, Municipais e do Distrito Federal,
visando o cumprimento do Regulamento Técnico, poderão estabelecer normas de caráter
supletivo ou complementar, a fim de adequá-lo às especificidades locais.
Art. 4º Todos os atos normativos mencionados neste regulamento, quando
substituídos ou atualizados por novos atos devem ter a referencia automaticamente
atualizada em relação ao ato de origem.
Art. 5º O descumprimento das determinações deste Regulamento Técnico constitui
infração de natureza sanitária sujeitando o infrator a processo e penalidades previstas
na Lei nº 6.437 de 20 de agosto de 1977, suas atualizações, ou instrumento legal que
venha a substituí-la, sem prejuízo das responsabilidades penal e civil cabíveis.
Art. 6º Esta Resolução da Diretoria Colegiada entra em vigor na data de sua
publicação.
DIRCEU RAPOSO DE MELLO
ANEXO
Regulamento Técnico para o funcionamento de Serviços de Atenção Domiciliar
1.Objetivo
Estabelecer os requisitos de funcionamento para os Serviços de Atenção
Domiciliar.
2.Abrangência do Regulamento
Esta resolução é aplicável a todos os Serviços de Atenção Domiciliar, públicos
ou privados, que oferecem assistência e ou internação domiciliar.
3.Definições
3.1 Admissão em Atenção domiciliar: processo que se caracteriza pelas seguintes
etapas: indicação, elaboração do Plano de Atenção Domiciliar e início da prestação da
assistência ou internação domiciliar.
135
Anexos
3.2 Alta da Atenção domiciliar: ato que determina o encerramento da prestação
de serviços de atenção domiciliar em função de: internação hospitalar, alcance da
estabilidade clínica, cura, a pedido do paciente e/ou responsável, óbito.
3.3 Atenção domiciliar: termo genérico que envolve ações de promoção à saúde,
prevenção, tratamento de doenças e reabilitação desenvolvidas em domicílio.
3.4 Assistência domiciliar: conjunto de atividades de caráter ambulatorial,
programadas e continuadas desenvolvidas em domicílio.
3.5 Cuidador: pessoa com ou sem vínculo familiar capacitada para auxiliar o
paciente em suas necessidades e atividades da vida cotidiana.
3.6 Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar - EMAD: profissionais que
compõem a equipe técnica da atenção domiciliar, com a função de prestar assistência
clínico-terapêutica e psicossocial ao paciente em seu domicílio.
3.7 Internação Domiciliar: conjunto de atividades prestadas no domicílio,
caracterizadas pela atenção em tempo integral ao paciente com quadro clínico mais
complexo e com necessidade de tecnologia especializada.
3.8 Plano de Atenção Domiciliar - PAD: documento que contempla um conjunto
de medidas que orienta a atuação de todos os profissionais envolvidos de maneira direta
e ou indireta na assistência a cada paciente em seu domicílio desde sua admissão até a
alta.
3.9 Serviço de Atenção Domiciliar - SAD: instituição pública ou privada responsável
pelo gerenciamento e operacionalização de assistência e/ou internação domiciliar.
3.10 Tempo de Permanência: período compreendido entre a data de admissão e
a data de alta ou óbito do paciente.
Condições Gerais
O SAD deve possuir alvará expedido pelo órgão sanitário competente.
136
Anexos
O SAD deve possuir como responsável técnico um profissional de nível superior
da área da saúde, habilitado junto ao respectivo conselho profissional.
O SAD deve estar inscrito no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
- CNES.
O SAD deve possuir um regimento interno que defina o tipo de atenção domiciliar
prestada e as diretrizes básicas que norteiam seu funcionamento.
O SAD deve elaborar manual e normas técnicas de procedimentos para a atenção
domiciliar, de acordo com a especificidade da assistência a ser prestada.
A atenção domiciliar deve ser indicada pelo profissional de saúde que acompanha
o paciente.
4.7 O profissional de saúde que acompanha o paciente deve encaminhar ao SAD
relatório detalhado sobre as condições de saúde e doença do paciente contendo histórico,
prescrições, exames e intercorrências.
4.8 A equipe do SAD deve elaborar um Plano de Atenção Domiciliar - PAD.
4.9 O PAD deve contemplar:
4.9.1. a prescrição da assistência clínico-terapêutica e psicossocial para o
paciente;
4.9.2. requisitos de infra-estrutura do domicílio do paciente, necessidade de
recursos humanos, materiais, medicamentos, equipamentos, retaguarda de serviços de
saúde, cronograma de atividades dos profissionais e logística de atendimento;
4.9.3. o tempo estimado de permanência do paciente no SAD considerando a
evolução clínica, superação de déficits, independência de cuidados técnicos e de
medicamentos, equipamentos e materiais que necessitem de manuseio continuado de
profissionais;
4.9.4 a periodicidade dos relatórios de evolução e acompanhamento.
137
Anexos
4.10 O PAD deve ser revisado de acordo com a evolução e acompanhamento do
paciente e a gravidade do caso.
4.10.1 A revisão do PAD deve conter data, assinatura do profissional de saúde
que acompanha o paciente e do responsável técnico do SAD.
4.11 O registro dos pacientes em atenção domiciliar e o PAD devem ser mantidos
pelo SAD .
4.12 O SAD deve manter um prontuário domiciliar com o registro de todas as
atividades realizadas durante a atenção direta ao paciente, desde a indicação até a alta
ou óbito do paciente.
4.12.1 O prontuário domiciliar deve conter identificação do paciente, prescrição e
evolução multiprofissional, resultados de exames, descrição do fluxo de atendimento de
Urgência e Emergência, telefones de contatos do SAD e orientações para chamados.
4.12.2 O prontuário deve ser preenchido com letra legível e assinado por todos os
profissionais envolvidos diretamente na assistência ao paciente.
4.12.3 Após a alta ou óbito do paciente o prontuário deve ser arquivado na sede
do SAD, conforme legislação vigente.
4.12.4 O SAD deve garantir o fornecimento de cópia integral do prontuário quando
solicitado pelo paciente ou pelos responsáveis legais.
4.13 O SAD deve fornecer aos familiares dos pacientes e/ou cuidadores
orientações verbais e escritas, em linguagem clara, sobre a assistência a ser prestada,
desde a admissão até a alta.
4.14 O SAD deve prover por meio de recursos próprios ou terceirizados,
profissionais, equipamentos, materiais e medicamentos de acordo com a modalidade
de atenção prestada e o perfil clínico do paciente.
4.15 O SAD deve observar, como critério de inclusão para a internação domiciliar,
138
Anexos
se o domicílio dos pacientes conta com suprimento de água potável, fornecimento de
energia elétrica, meio de comunicação de fácil acesso, facilidade de acesso para veículos
e ambiente com janela, específico para o paciente, com dimensões mínimas para um
leito e equipamentos.
4.16 O SAD deve controlar o abastecimento domiciliar de equipamentos, materiais
e medicamentos conforme prescrição e necessidade de cada paciente, assim como
meios para atendimento a solicitações emergenciais.
4.17 O SAD deve assegurar o suporte técnico e a capacitação dos profissionais
envolvidos na assistência ao paciente.
4.18 O SAD deve estabelecer contrato formal, quando utilizar serviços
terceirizados, sendo que estes devem ter obrigatoriamente Alvará Sanitário atualizado.
4.19 O SAD deve elaborar e implementar um Programa de Prevenção e Controle
de Infecções e Eventos Adversos (PCPIEA) visando a redução da incidência e da
gravidade desses eventos.
4.20 O SAD deve possuir sistema de comunicação que garanta o acionamento
da equipe, serviços de retaguarda, apoio ou suporte logístico em caso de urgência e
emergência.
4.21 O SAD deve garantir aos pacientes que estão em regime de internação
domiciliar, a remoção ou retorno à internação hospitalar nos casos de urgência e
emergência.
5 Condições Específicas
5.1 O SAD deve assegurar os seguintes serviços básicos de retaguarda de acordo
com a necessidade de cada paciente e conforme estabelecido no PAD:
5.1.1 referência para atendimento de urgência e emergência e internação
hospitalar formalmente estabelecida;
139
Anexos
5.1.2 referência ambulatorial para avaliações especializadas, realização de
procedimentos específicos e acompanhamento pós alta.
5.2 O SAD deve assegurar os seguintes suportes diagnósticos e terapêuticos de
acordo com o PAD:
5.2.1 exames laboratoriais, conforme RDC/ANVISA nº. 302 de 2005;
5.2.2 exames radiológicos, conforme Portaria SVS/MS nº. 453 de 1998;
5.2.3 exames por métodos gráficos;
5.2.4 hemoterapia, conforme RDC/ANVISA nº. 153 de 2004;
5.2.5 quimioterapia, conforme RDC/ANVISA nº. 220 de 2004;
5.2.6 diálise, conforme RDC/ANVISA nº. 154, de 2004;
5.2.6.1 na realização da hemodiálise o dialisador deve ser de uso único.
5.2.7 assistência respiratória com oferta de equipamentos, materiais e gases
medicinais compreendendo procedimentos de diferentes graus de complexidade;
5.2.7.1 a ventilação mecânica invasiva só é permitida na modalidade de internação
domiciliar com acompanhamento do profissional da Equipe Multiprofissional de Atenção
domiciliar - EMAD;
5.2.7.1.1 caso o equipamento seja acionado por energia elétrica o domicílio deve
ser cadastrado na companhia de fornecimento de energia elétrica local;
5.2.7.1.2 deve haver sistema alternativo de energia elétrica ligado ao equipamento
com acionamento automático em no máximo 0,5 segundos;
5.2.7.2 quando houver instalação de sistema de suprimento de gases medicinais
canalizada, esta deve estar de acordo com a NBR 12.188;
5.2.7.3 O enchimento dos cilindros de gases medicinais não deve ser realizado
no domicilio do paciente.
5.2.8 Nutrição Parenteral conforme Portaria SVS/MS nº. 272 de 1998;
140
Anexos
5.2.8.1 compete a EMAD verificar e orientar as condições de conservação da
nutrição seguindo as exigências do regulamento do item 5.2.8.
6. Recursos humanos
6.1 O SAD deve possuir EMAD que atenda ao seu perfil de demanda e ser
dimensionada para o atendimento de cada paciente conforme o PAD.
6.2 O SAD deve garantir educação permanente para a EMAD.
6.2.1 As capacitações devem ser registradas contendo nome do responsável,
especificação de conteúdo, lista de participantes assinada, data e tempo de duração
das atividades.
6.3 O SAD que mantiver em estoque medicamentos sujeitos ao controle especial
deve contar com farmacêutico habilitado, conforme Portaria SVS/MS nº. 344 de 1998.
6.3.1 caso o SAD esteja inserido em um serviço de saúde, pode contar com o
apoio do profissional da farmácia do mesmo.
6.4 O SAD deve garantir o fornecimento e orientar o uso de Equipamento de
Proteção Individual (EPI), conforme as atividades desenvolvidas.
7. Infra-estrutura física
7.1. O domicilio do paciente deve possibilitar a realização dos procedimentos
prescritos no PAD.
7.2 Infra-estrutura da Sede do SAD
7.2.1 O SAD deve possuir infra-estrutura física conforme a RDC/ANVISA nº. 50
de 2002; com os seguintes ambientes:
7.2.1.1 recepção;
7.2.1.2 área de trabalho para a equipe administrativa com arquivo;
7.2.1.3 área de trabalho para a EMAD;
7.2.1.4 almoxarifado;
141
Anexos
7.2.1.5 instalações de conforto e higiene;
7.2.2 O SAD que estiver inserido em um serviço de saúde pode compartilhar os
ambientes descritos no item 7.3.1.
8. Equipamentos, medicamentos e materiais
8.1. O SAD deve prover equipamentos, medicamentos e materiais conforme
definido no PAD.
8.2 Os equipamentos, medicamentos e materiais devem estar regularizados junto
à ANVISA/MS, conforme legislação vigente.
8.3 O SAD deve possuir um sistema de controle que permita a rastreabilidade
dos equipamentos, dos medicamentos e dos materiais.
8.4 O transporte de equipamentos, medicamentos e materiais deve ser efetuado
conforme orientação do fabricante, de forma a garantir sua integridade.
8.5 Os equipamentos devem ser calibrados periodicamente, conforme instruções
do fabricante.
8.6 O SAD deve garantir a manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos
e manter registros das mesmas.
8.7 Para a instalação dos equipamentos no domicílio, o SAD deve:
8.7.1 Verificar as condições de instalação conforme manual de operação do
fabricante;
8.7.2 Realizar os testes de funcionamento dos equipamentos;
8.7.3 Orientar o paciente, os familiares e cuidadores quanto ao manuseio dos
equipamentos e os riscos a eles associados.
8.8 O SAD deve substituir prontamente os equipamentos com problemas de
operação.
8.9 O SAD deve fornecer baterias dos equipamentos de suporte a vida.
9. Procedimentos de suporte técnico e logístico
142
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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