Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CANTARINA UDESC
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO - FAED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUÃO EM EDUCAÇÃO
VIRGÍNIA PEREIRA DA SILVA DE ÁVILA
A ESCOLA NO TEMPO:
A Construção do Tempo em Escolas Isoladas
(Florianópolis – 1930 - 1940)
Florianópolis, 2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
VIRGÍNIA PEREIRA DA SILVA DE ÁVILA
A ESCOLA NO TEMPO:
A Construção do Tempo em Escolas Isoladas
(Florianópolis – 1930 - 1940)
Dissertação apresentada no Curso de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de
Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Dra.Vera Lucia Gaspar da Silva.
Linha de Pesquisa: História e Historiografia da Educação
Florianópolis – SC
2008
ads:
3
Este trabalho é dedicado à Ailema e ao Vanderlei, meus pais;
aos irmãos queridos Robson, Andrea e Rodrigo; à Luisa, ao
Marcos Vinícius e à Eduarda, sobrinhos amados; às minhas
cunhadas Kita e Fafá. Amo todos (as) vocês.
4
AGRADECIMENTOS
À professora doutora Vera Lúcia Gaspar da Silva, pelo bonito encontro,
marcado por generosidade, competência e rigor acadêmico, a quem sou muito grata
e de quem já sinto saudades.
Aos professores (as) doutores da linha de pesquisa em História e
Historiografia da Educação Celso João Carminati, Gladys Mary Ghizoni Teive, Gizela
Eggert Steindel e Maria Teresa Santos Cunha, por sua seriedade, competência e
disponibilidade e, principalmente, por me instigarem a querer fazer sempre o melhor.
Aos colegas Ângela Beirith, Denise Araújo Meira, Denise de Paulo M.
Prochnow, Marcos Roberto Martins (o guri da turma), Maria Clarete Borges Andrade,
Maria Cristina Martins e Vanessa Picolli, pelas aulas memoráveis e de muito bom
humor, pelas incertezas e conquistas que juntos partilhamos; a vocês, obrigado pelo
convívio fraterno.
À Angela Beirith - colega com quem dividi minhas angústias e descobertas
sobre o tempo e que ao longo da jornada se tornou uma amiga preciosa -, obrigado
pela generosidade e conforto nas horas difíceis.
À secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação, especialmente
nas pessoas de Anderson Neves e Gabriela Vieira, sempre socitos e gentis, pelo
modo atencioso com que me fizeram sentir em casa.
Ao Wladmir e à Silvia, amigos queridos, que não me deixaram desanimar e
sempre me apoiaram nos momentos bons e difíceis, pela amizade singela, da qual
faço questão de cuidar bem.
À Maristela e à Claudia, amigas também de todas as horas; por sua
solidariedade, obrigado, e pela amizade, guardada com muito carinho.
Aos amigos Dagmar e Cristiano, sempre atentos e generosos.
À tia Aidê, companheira em todas as horas, por haver sabido entender meu
isolamento.
5
À Márcia Terezinha de Borja Ramalho, pela leitura do trabalho e por sua
amizade carinhosa.
Às minhas colegas de trabalho, Aline e Keity, pelo respeito, convívio e
carinho.
6
“Ninguém determina de antemão e do princípio ao fim o
caminho que seguirá na vida. O máximo que fazemos é optar
por trechos, com maior ou menor ousadia, à medida que
prosseguimos em frente. Ocorre que, a cada novo trecho do
caminho, nós nos deparamos com novas realidades e
possibilidades desconhecidas que alteram não as nossas
expectativas sobre o futuro, mas que podem colocar o percurso
transcorrido sob uma nova luz e perspectiva. O conhecer
modifica o conhecido” (EDUARDO GIANNETTI, 1997, p.55).
7
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa com que se investigou e
procurou analisar nuances entre o prescrito e o vivido no que concerne à construção
e organização do tempo em escolas isoladas do município de Florianópolis, no
período compreendido entre 1930 e 1940. Com base na análise da repercussão
local dos textos que estabelecem as reformas de ensino no estado, bem como nas
lembranças de ex-alunos/as e professores/as, o trabalho visa a identificar
movimentos de descontinuidades e persistências do conceito de tempo presentes na
memória e nos documentos. Privilegia o diálogo com diferentes autores do campo
da história e da historiografia da educação; mais especificamente, os relacionados à
história cultural. Para explorar questões afetas à história da educação catarinense,
incursiona pelos estudos produzidos a partir da década de 1990 em diversos
programas de pós-graduação, especialmente o Programa da Universidade do
Estado de Santa Catarina, além dos estudos produzidos na própria universidade. É
preciso considerar que reflexões sobre o tema, além de recentes, são mais
freqüentes no âmbito internacional do que nacional. Sempre que possível, serão
adotadas como referência. Em relação ao desenvolvimento da temática, foi adotada
a perspectiva de Vinão Frago (1998), que concebe a arquitetura temporal como uma
construção social permeada pela cultura e pelos sujeitos que a produzem. Outra
perspectiva de análise utilizada é a de Rita Galllego (2003), que assinala que a
criança, ao entrar na escola, sofre uma alteração brutal de ritmos, horários e regras
minuciosas de trabalho e convivência. Para a autora, o tempo, como algo aprendido,
internalizado pelos indivíduos e grupos sociais, transforma-se em normas e
condutas a serem transmitidas e vivenciadas de determinadas maneiras. Com
referência a fontes e procedimentos de pesquisa, optou-se pela legislação
educacional do estado de Santa Catarina. Considera-se que tais documentos podem
evidenciar marcas entre o que foi prescrito e normatizado pelos legisladores e o que
foi incorporado/apropriado pela escola e seus usuários em escolas isoladas. Outra
fonte das evidências e repercussões deste ideário no território pesquisado é o
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
.
Palavras-chave: Tempo Escolar; Escolas Isoladas; Ensino Primário; Cultura
Escolar.
8
ABSTRACT
This work presents the results of a research that investigated and tried to analyze
nuances between the prescribed and the lived (experienced) in relation to the time
construction and organization in distant schools of Florianópolis, in the period
between 1930 and 1940. Based on the analysis of the local repercussion of texts
which establish changes in education in Santa Catarina state as well as on ex-
students and teachers’ memories, it is tried to identify movements of discontinuity
and persistency about the time concepts presented in documents and memory.
Focus is given to the dialog among authors of history and education historiography,
specially the ones related to cultural history, which conceptual similarities and
particularities are of great importance for the present research. In order to investigate
education history matters in Santa Catarina, studies produced on the 90’s by many
pos-graduation courses were strongly considered, specially the program of UDESC –
Universidade do Estado de Santa Catarina. Studies produced by UFSC
Universidade Federal de Santa Catarina were considered as well. It is important to
say that the introduction of school time as a constitutive element of school culture is
recent; that these studies are more intensively produced in foreign countries; and that
they are going to be adopted as a reference to this research whenever it is possible.
In relation to the subject development, time architecture is understood from the
perspective of Vinão Frago (1998), which states that the social construction is
historically built by culture and by people who make it; being the school time affected
by many other social times. Another analysis perspective is the one stated by Rita
Gallego (2003), which emphasizes that children suffer a radical change in rhythm,
time and also by the introduction of living and working rules when they start at
school. According to the author, the ideas about time are not innate nor naturally
elaborate, but a result of a socialization process. That is, the time is something
learned and apprehended by individuals and by social groups which turns into rules
and behavior to be passed and lived following determined ways. With regard with the
research sources and procedures, the option was for the analysis of the educational
legislation in Santa Catarina. It is considered that those documents can evidence
signs between the prescribed and ruled by legislators and what was incorporate by
school and by its users in distant schools. Another source of the evidences and
repercussions of this ideário in the searched territory is the Manifesto of the Pioneers
of the New Education
.
Keywords: school time, distant schools, primary school, school culture.
9
SUMÁRIO
RESUMO ..................................................................................................................... 07
ABSTRACT ................................................................................................................. 08
APRESENTAÇÃO....................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 18
1 A ESCOLA NO TEMPO: COR DO TEMPO EM ESCOLAS ISOLADAS DO
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS (1930 A 1940)...................................................... 28
1.1 O tempo individual e plural: da luz a querosene à energia elétrica ................ 28
1.2 O tempo social e político dos anos de 1930: Em cena o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova e o pensamento de Anísio Teixeira ........................ 34
2 O TEMPO NA ESCOLA: A ORGANIZAÇÃO DOS NÍVEIS, ETAPAS, CICLOS E
CURSOS ..................................................................................................................... 44
2.1. O tempo institucionalizado nas bases de organização do ensino primário
em Santa Catarina ..................................................................................................... 44
2.2. Dos livros e fichas de escrituração ................................................................... 52
2.3. Do regime de aula, do recreio e da promoção dos alunos ............................. 58
3 O TEMPO NA ESCOLA: MARCAS DE TEMPO NA ELABORAÇÃO DO
CALENDÁRIO ESCOLAR .......................................................................................... 64
3.1 Da matrícula e freqüência .................................................................................. 64
3.2. Datas festivas e trabalhos de fim de ano ......................................................... 71
3.3. Do período letivo e das férias ............................................................................ 77
4 O TEMPO NA ESCOLA: A DISTRIBUIÇÃO SEMANAL E DIÁRIA DAS
10
MATÉRIAS E ATIVIDADES ........................................................................................ 82
4.1. Da orientação do ensino e do programa: o tempo como mecanismo de
organização e racionalidade curricular ................................................................... 82
4.2. O quadro de horários e a materialização do tempo e do trabalho: o tempo
como instrumento de controle externo ................................................................... 87
TECENDO CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMPO ....................................... 91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 96
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................................................ 101
FONTES ..................................................................................................................... 103
ANEXOS .................................................................................................................... 107
11
APRESENTAÇÃO
Neste trabalho, apresentam-se os resultados da pesquisa que investigou e
procurou analisar nuances entre o prescrito e o vivido no que concerne à construção
e organização do tempo em escolas isoladas do município de Florianópolis, no
período compreendido entre 1930 e 1940. A pesquisa se apoiou nos textos que
estabelecem as reformas de ensino no estado de Santa Catarina, bem como nas
lembranças de ex-alunos/as e professores/as, por meio dos quais buscou identificar
movimentos de descontinuidades e persistências do conceito de tempo.
Na escolha do referencial teórico, privilegia-se o diálogo com diferentes
autores do campo da história e da historiografia da educação, mais especificamente
aqueles relacionados à história cultural, com similitudes e particularidades
conceituais importantes para o desenvolvimento da pesquisa. Para explorar
questões afetas à história da educação catarinense, fez-se uma incursão nos
estudos produzidos a partir da década de 1990 em diversos programas de s-
graduação, especialmente o Programa da Universidade do Estado de Santa
Catarina. Também se vale de estudos produzidos na Universidade Federal de Santa
Catarina. É preciso considerar que reflexões sobre o tempo escolar como elemento
constitutivo da cultura escolar é recente, mais raros no País e mais freqüentes no
âmbito internacional. Sempre que possível, serão adotados como referência para o
desenvolvimento deste trabalho.
No campo internacional, vale o registro, mesmo com o risco de deixar
importantes estudos para trás, dos trabalhos de Brigitte Héraud, “Les rytmes
scolaires. Bibliografhie analytique” (Paris: Centre National de Documentation
Pédagogique, 1987); de Aniko Husti, “L’organisation du temps à l’ecole” (Paris:
INRP, 1983); “École et temps” - Colóquio organizado pelo Instituto Nacional de
Pesquisa Pedagógica da França, o INRP, realizado na Sorbonne, em Paris, nos dias
9 e 10 de abril de 1991.
12
Foram utilizados, ainda, “Histoire du temps scolaire em Europe”, organizado
por Marie-Madeleine Compére (Paris: INRP Éditions Économica, 1997); “O tempo na
escola”, organizado por Rogério Fernandes e Ana Christina Venancio Mignot (Porto,
2008); “Os sentidos dos ponteiros do relógio: representações do tempo na
construção simbólica da organização escolar portuguesa (1772-1950)”, de António
Carlos Luz Correia (Dissertação de Mestrado, Lisboa, 1996). No Brasil, destaca-se o
trabalho de Rita Gallego, “Uso(s) do tempo: a organização das atividades de alunos
e professores nas escolas primárias paulistas (1890-1929)”, (Dissertação de
Mestrado em Educação, São Paulo, 2003).
Em relação ao desenvolvimento da temática, foi adotada a perspectiva
cunhada por Frago (1998), que concebe a arquitetura temporal como construção
social historicamente permeada pela cultura e pelos sujeitos que a produzem, sendo
o tempo escolar condicionante e condicionado por outros tempos sociais. Outra
perspectiva de análise é a utilizada por Gallego (2003), que assinala que a criança,
ao entrar na escola, sofre uma alteração brutal de ritmos, horários e regras
minuciosas de trabalho e convivência. Para a autora, as idéias sobre o tempo não
são inatas, nem naturalmente elaboradas, mas fruto do processo de socialização.
Ou seja, o tempo é algo aprendido, internalizado pelos indivíduos e grupos sociais e
se transforma em normas e condutas transmitidas e vivenciadas de determinadas
maneiras. Desse modo, é possível localizar na construção do tempo escolar as
marcas (experiências e formas de apropriação tanto individuais quanto coletivas)
deixadas pelas sociedades em determinados períodos da história.
Os estudos acerca da cultura escolar auxiliam a compreender a construção
do tempo escolar como categoria de análise. Juliá concebe a existência de duas
culturas escolares (primária e secundária). Segundo este autor, a escola não é
somente um local de aprendizagem, mas também de incorporação dos
comportamentos e hábitos exigidos por uma “ciência de governo”, cujas rupturas
ocorrem de forma quase imperceptível (JULIÁ, apud VIDAL, 2005). Em sua
concepção:
Poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que
definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de
práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos, normas e
práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas
(finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização)
(JULIÁ, 2001, pp. 10-11).
13
Frago (2001, p. 33) remete à análise da cultura escolar como um
movimento de descontinuidades e persistências “[...] No hay escuelas, colegios,
institutos de enseñanza secundaria, universidades o faculdades exactamente
iguales, aunque puedan establecerse similitudes entre ellas”. Nesta abordagem, a
cultura escolar é produzida por particularidades que caracterizam cada
estabelecimento educacional, tais como organização do tempo, calendário, currículo,
programas e métodos de ensino, entre outros, e delas produtora, permitindo, assim,
identificar descontinuidades e persistências.
Com referência ao levantamento das fontes e procedimentos de pesquisa,
opta-se pela legislação educacional do estado de Santa Catarina: leis e decretos
que regulamentam o ensino primário; resoluções; portarias e circulares; documentos
escolares (livros de escrituração, registros de freqüência e matrícula e relatórios de
inspeção escolar). Considera-se que estes documentos podem evidenciar marcas
entre o que foi prescrito e normatizado pelos legisladores e o que foi
incorporado/apropriado pela escola e seus usuários.
Somadas a estes documentos, as obras: “A Educação em Santa Catarina”, de
Roberto Moreira (1954); “Educação no Brasil” (1972), de Anísio Teixeira; “Introdução
ao estudo da Escola Nova” (2002), de Lourenço Filho, além das Revistas do Instituto
Brasileiro de Estudos Pedagógicos e de Estudos Pedagógicos de Florianópolis,
entre outras. Também é importante o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”,
cujo propósito era renovar as finalidades da educação e os modos de funcionamento
das escolas por meio de procedimentos cientificamente planejados, evidências de
repercussões deste ideário no território pesquisado. Para os escolanovistas, a
construção de novas concepções pedagógicas, de programas, métodos de ensino e
a ampliação do tempo escolar resultariam em transformações da sociedade
brasileira por meio da educação escolar.
No tratamento dos textos legislativos, recorre-se ao enfoque teórico-
metodológico proposto por Faria Filho:
A lei é a linguagem da tradição e dos costumes, do ordenamento jurídico e
da prática social [...] outra possibilidade é pensar a legislação como
inspiradora de novas práticas, o que coloca o processo de apropriação, ou
seja, a ação do sujeito supostamente inspirado pela legislação (
1998, p.
102 e 106)
.
14
Pode-se, então, pensar a legislação nestas duas perspectivas; como
ordenamento jurídico da prática social e ação dos sujeitos como fontes inspiradoras
da sua elaboração. Aqui caberia a pergunta: a escola se adapta à vida das pessoas
e, por isso, a legislação é resultado das práticas sociais, ou são as pessoas que se
adaptam à escola por meio do ordenamento legal e da prescrição?
Para aprofundar esta reflexão, confronta-se a legislação educacional com
fontes orais, visando a reconstruir o objeto de pesquisa como um lugar de memória,
pois,
[...] obriga cada um a se relembrar e a reencontrar o pertencimento,
princípio e segredo da identidade [...] a memória é a vida sempre carregada
por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta
à dialética da lembrança e do esquecimento (NORA, 1993, p.19).
Entre o que foi prescrito e o vivido sempre um movimento, uma seleção
das lembranças a serem recordadas. Sendo assim, a contrapartida da memória é o
esquecimento, não sendo possível tudo lembrar, pois a memória é seletiva. Neste
aspecto, a história é concebida como uma narrativa que constrói uma representação
sobre o passado (PESAVENTO, 2003).
Por delimitação temporal, toma-se a década de 1930 a 1940, período de
reconstrução educacional desencadeado por intelectuais em defesa da escola
pública, gratuita e laica, resultando na criação do Ministério de Educação e Saúde
em 1930. O ministério, órgão fundamental na organização do sistema educacional
brasileiro, teria como objetivo central a construção de uma identidade nacional, “[...]
com vistas a um projeto de recriação da cultura que atravessa todas as classes
sociais” (NUNES, 2001, p. 7). A análise das mudanças sociais, econômicas, políticas
e educacionais possibilitam compreender as concepções e propósitos do modelo de
organização e construção do tempo escolar e sua repercussão em escolas isoladas.
A área geográfica de estudo comporta quatro escolas localizadas no norte de
Florianópolis. Na década de 1930, eram sete as Escolas Isoladas Municipais,
número que não sofreu maiores alterações na década de 1940.
Como elementos estruturantes e organizadores do trabalho utiliza-se a tríplice
estrutura da distribuição do tempo escolar desenvolvida por Frago (1998): meio
disciplinador; mecanismo de organização e racionalidade curricular; instrumento de
15
controle externo. O tempo escolar é entendido como um tempo institucional,
pessoal, cultural e individual. Institucional, porque, conforme o autor oferece diversas
configurações, níveis, etapas, ciclos, cursos e ritos. Uma estrutura que acompanha
toda a vida escolar dos indivíduos. Outra configuração temporal seria aquela
estabelecida pelos calendários acadêmicos: dias letivos, datas festivas, recreios e
férias, com início e fim determinados. Por fim, uma terceira modalidade, que diz
respeito a atividades e disciplinas, duração, turnos, quadro de horários e distribuição
das atividades, tarefas e programas; trata-se da micro e intra-história da instituição
escolar.
Os conceitos de tempo são diferentes. Como, de acordo com a historiadora
Sonia Miranda:
[...] os conceitos de tempo, história e evolução nem sempre tiveram o
sentido a eles atribuídos nos dias de hoje, o desenvolvimento da cronologia
e cronometria, se por um lado é resultado da evolução cultural do homem,
por outro lado provoca impactos profundos na atitude mental e no modo de
vida em diferentes civilizações (2005, p. 180).
Em face disso, a análise e a interpretação da temporalidade neste estudo se
dará a partir de um determinado contexto histórico, entrecruzado pelas lembranças e
apropriações que os sujeitos dela fizeram. Trata-se, sobretudo, da tentativa de
compreender os marcos temporais de uma época, refletidos na escola por ex-
alunos/as e professores/as.
Desde já, agradeço a acolhida dos/as srs/as Manoel Leopoldo Rosa (ex-
aluno), Maria (nome fictício, professora), Dilma Andrade Cunha (professora) e Lídio
Leopoldo Pinheiro (ex-aluno), personagens que contribuíram com suas experiências
e vivências no mergulho em um tempo que se mostra lonnquo e que, no entanto,
para a história da educação brasileira, ainda é muito próximo. Por ser este um
campo de investigação ainda pouco explorado, pretende-se, com o presente
trabalho, contribuir com os estudos da área de história da educação no município de
Florianópolis, integrando-o às pesquisas sobre cultura escolar, principalmente no
que diz respeito à conformação do tempo em Escolas Isoladas, evidenciadas nas
marcas de tempo reconstruídas pela memória e pelos documentos.
Definidos os apoios teóricos e metodológicos da investigação, passa-se à sua
estrutura. O trabalho está organizado em quatro capítulos. No primeiro, “A escola
16
no tempo: cor do tempo em Escolas Isoladas do município de Florianópolis (1930-
1940)”, busca-se reconstruir:
- as lembranças da infância e as vivências escolares de ex-alunos/as e
professores/as, destacando a dimensão individual e plural;
- o modo de apropriação do tempo escolar de uma época;
- o contexto político e social da década de 1930, tendo como marco simbólico
da reconstrução educacional o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova na
defesa da escola pública, gratuita e laica, e na renovação das práticas escolares.
Aliado a este contexto, introduziram-se a trajetória e o pensamento de Anísio
Teixeira, que conferem ao tempo escolar dimensões de integralidade em oposição
ao tempo compartimentado das atividades escolares.
O segundo capítulo, O tempo na escola: a organização dos níveis, etapas,
ciclos e cursos”, é dedicado:
- à análise do tempo institucional, refletido em regulamentos para o ensino
primário em Santa Catarina, evidenciando descontinuidades e persistências na
organização e construção do tempo escolar;
- à fiscalização exercida pelos inspetores sobre as atividades escolares por
meio dos livros de escrituração, caracterizando o excessivo controle normativo da
época, principalmente da década de 1940;
- ao regime de aula, a partir do ritual diário e da apropriação do tempo escolar
por parte de alunos/as e professores/as das Escolas Isoladas;
- ao recreio como prática que atravessa a legislação em estudo, indicando a
utilização dos preceitos biológicos e psicológicos na compreensão do
desenvolvimento dos alunos (como: descansar e brincar são elementos pedagógicos
importantes);
- à promoção dos alunos e ao alto índice de reprovações identificadas nos
livros de registros escolares, simbolizando o retrato de uma época vivida no
município de Florianópolis como no restante do País.
O terceiro capítulo, O tempo na escola: marcas de tempo na elaboração do
calendário escolar”, destaca:
17
- a matcula e a freqüência, associadas aos princípios de obrigatoriedade,
gratuidade e laicidade defendidos no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e
como estratégia educacional do período;
- as datas festivas e trabalhos de fim de ano, demarcando a causa cívica e o
patriotismo como elementos na construção de uma identidade nacional;
- a incorporação das festas religiosas no calendário escolar, apesar do caráter
laico da educação nacional;
- o período letivo e de férias, que revelam datas específicas para início e
término das atividades ao longo do ano; embora indiquem um calendário uniforme,
este nem sempre foi fielmente executado pelas Escolas Isoladas.
No quarto capítulo, O tempo na escola: a distribuição semanal e diária das
matérias e atividades”, pretende-se, a partir da orientação do ensino e do programa:
- identificar os mecanismos de organização e racionalidade curricular contidas
na distribuição das matérias e a forma como professores/as de Escolas Isoladas se
apropriaram e/ou organizaram estes aspectos na ptica pedagógica: o que ensinar
e o tempo destinado para ensinar;
- identificar o controle externo exercido pelos inspetores escolares e pela
legislação em vigor por meio do quadro de horários e da materialização do tempo e
do trabalho.
Como fecho do trabalho, fazem-se algumas considerações sobre as
descontinuidades e persistências nos regulamentos de ensino que determinam os
tempos para o ensino primário, assim como sobre os rituais produzidos no interior
das Escolas Isoladas por professores/as e alunos/as, com o que se provocam
mudanças na forma de operar o tempo escolar. As múltiplas dimensões do tempo na
escola levam a crer que, para am das prescrições com vistas à homogeneização
do ensino primário, há um conjunto de variáveis que condiciona e é condicionado
pelos/as sujeitos, envolvendo uma trama de relações, interações, conflitos e
subjetividades que conferirão a cada estabelecimento educacional uma cultura
particular.
18
INTRODUÇÃO
Se transformarmos em verbo o substantivo “tempo”, constataremos de
imediato que o podemos separar inteiramente a determinação temporal
dos acontecimentos sociais e a dos acontecimentos físicos [...] com o
desenvolvimento dos instrumentos de medição do tempo fabricados pelo
homem, a determinação do tempo social ganhou autonomia, certamente,
em relação à do tempo físico (ELIAS, 1998, p. 38).
Para Elias (1998), no contexto da física e da filosofia, conceito de tempo
representa um alto nível de síntese; no entanto, na prática das sociedades humanas,
reduz-se a um mecanismo de regulação cuja força coercitiva se percebe quando se
chega atrasado a um encontro importante. Essa evolução do tempo, segundo ele,
não tem fim, ou antes, não tem começo. São transformações desconhecidas ou mal
compreendidas que necessitariam de um começo imaginário. O tempo é antes de
tudo um símbolo social, resultado de um longo processo de aprendizagem.
Foram necessários milênios para que a noção de tempo fosse assim
depurada. Nesta perspectiva, como símbolo social e, portanto, fruto da construção
humana, o tempo se apresenta de diferentes modos ao longo da história, com
interpretações e ritmos muito particulares em cada estágio vivido pelas sociedades.
Com o tempo escolar não é diferente. Se no século XIX se atribuiu
importância a fatores relacionados ao conforto dos alunos, como luz, ventilação e
condições de higiene, o século XX, em contrapartida, destacou outra variável
associada ao conforto: a eficiência (GALLEGO, 2003), que remete de imediato ao
slogan “produzir mais em menos tempo”, uma das características do mundo
moderno. O tempo escolar revela-se, assim, como dimensão do ensino perpassada
por aprendizagens, de interiorização de comportamentos e de representações
sociais que atuam como elementos significativos na construção social e histórica da
realidade.
19
Para Saviani (2007, p. 12):
[...] o modo de produção capitalista provocará decisivas mudanças na
própria educação [...] e colocará em posição central o protagonismo do
Estado, forjando a idéia da escola pública, universal, gratuita, laica e
obrigatória, cujas tentativas de realização passarão pelas mais diversas
vicissitudes.
Ler e escrever significa pré-requisito, porta de entrada para o progresso
individual e coletivo nessa sociedade que se organiza diferentemente nos estados
da Federação. Nessa sociedade, a racionalização do tempo se traduzirá em
fragmentação das atividades escolares por meio de relógios que estabelecem
horários e de calendários que determinam o que deverá ser realizado e
comemorado ao longo dos meses e do ano.
No Brasil, o processo de institucionalização da escolarização básica, que se
reflete na construção de um tempo escolar, ocorreu de forma lenta e distinta nas
diferentes regiões. No início do século XX, a realidade da escola elementar
catarinense
se constituía de analfabetos, uma vez que não havia propriamente um
sistema popular de ensino. “Quem quisesse dar aos filhos alguma instrução, tinha
que mantê-los em certas cidades mais adiantadas, onde, por iniciativa particular ou
dos poderes locais, havia escola de primeiras letras” (MOREIRA, 1954
)
1
.
Um dos problemas enfrentados na criação de escolas era a necessidade de
construir estradas e meios de comunicação que interligassem as diferentes regiões
do estado. Como conseqüência da impossibilidade imediata de se criar um grande
1
MOREIRA, João Roberto. A Educação em Santa Catarina. RJ: MEC/INEP, 1954, p. 103. João
Roberto Moreira foi professor e diretor do Curso Normal do Instituto de Educação de Florianópolis no
período de 1937 a 1943. Cria, em 1941, a Revista Estudos Educacionais, espaço de divulgação
das principais idéias educacionais que circulavam no País, escrita por professores e alunos do
Instituo de Educação de Florianópolis. Publica, em 1954, pelo Instituto Nacional de Assuntos
Pedagógicos, órgão ligado ao Ministério da Educação e Cultura - INEP e sob a direção de Anísio
Teixeira, a monografia intitulada A EDUCAÇÃO EM SANTA CATARINA, na qual focaliza os
problemas referentes à administração, às origens e à difusão do sistema estadual catarinense. Como
intelectual João Roberto Moreira foi incansável na busca de ações que objetivassem, sobretudo, a
qualificação da formação de professores por meio de mudanças na estrutura e nos currículos dos
cursos. Em 1947, após realizar concurso de ingresso, Moreira foi trabalhar no Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos - INEP. Suas formulações teóricas acerca dos assuntos educacionais foi
notadamente reconhecida pelos principais e mais influentes intelectuais desse período, como
Fernando Azevedo, Anísio Teixeira e Roger Bastide. Para saber mais sobre este importante
intelectual catarinense, ver DANIEL, Leziany Silveira. Destinatário: João Roberto Moreira. As relações
constituídas por esse intelectual-educador em terras catarinenses (décadas de 1930 e 1940). In:
DAROS, Maria das Dores; DANIEL, Leziany Silveira; SILVA, Ana Claudia da (orgs.). Fontes
históricas: contribuições para o estudo da formação de professores catarinenses (1883-1946)
Florianópolis; NUP/CED/UFSC, 2005.
20
número de escolas reunidas, com capacidade para atender a quatro turmas ou
grupos escolares com um número superior de turmas, impôe-se, como solução para
o processo de escolarização, a Escola Isolada, pequena, com capacidade para 30
ou 40 alunos. Este fato é evidenciado em relatório
2
de 1928, com a criação de mais
escolas no estado, em decorrência da franca expansão do ensino primário por todo
o território nacional.
Os pedidos de creação de escolas tem sido atendidos, ou quando as
populações interessadas doam ou cedem casa e material para o
funccionamento das aulas, feito mediante escriptura pública, num praso
nunca inferior a cinco annos, ou quando interessadas as prefeituras
municipaes, responderem ellas pelo material escolar e o pagamento de
alugueis da casa, lavrado o termo de responsabilidade em livro especial
existente na Directoria da Instrucção Publica (RELATÓRIO, 1928, p. 152
3
)
Segundo a legislação, para a instalação das Escolas Isoladas era necessária
a verificação, por parte de inspetores escolares, das condições, da existência de
prédio, do mobiliário escolar e residência para o professor na localidade, da cessão
gratuita ou doação do prédio, mediante escritura legal e da distância, num raio de
três quilômetros, entre uma escola municipal e uma estadual. Verifica-se, no
entanto, o uso de casas, muitas vezes dos/as próprios/as professores/as no
atendimento aos alunos. Os trabalhos de inspeção escolar estavam a cargo dos
inspetores Luiz Sanches Bezerra Trindade (que acumulava a função de diretor do
expediente da diretoria), de Antonio Gasparello, João dos Santos Areão e
Godogredo Oliveira. Depois de instaladas as escolas, cabia aos inspetores fiscalizar
e orientar o trabalho administrativo-pedagógico, que incluía também a construção e
organização temporal das escolas.
Neste aspecto, para Escolano (2008, p. 241), a dimensão do tempo na escola
constitui um dos elementos estruturais e estruturantes da cultura escolar. Estrutural,
porque fixa o ordenamento da instituição por meio de horários calendários.
Estruturante, por sua influência e interação com outros elementos que formam a vida
escolar - como o espaço, o currículo, a conduta dos sujeitos -, entre outros. Assim,
se por um lado se fixa o tempo para as diversas atividades escolares, por outro
elementos externos que afetam e por vezes redimensionam a organização temporal
2
Neste trabalho será mantida a grafia dos “documentos de época”.
3
SANTA CATARINA. Secretaria do Interior e da Justiça. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Dr.
Adolpho Konder. 1928.
21
da escola. Correia (2008, p. 125) aponta o horário e o calendário escolar como
referências simbólicas da construção do tempo. Adverte, porém, que “há toda uma
multitude de procedimentos e interacções quotidianas, de estruturação de
actividades que envolvem desde a consciência subjectiva individual do tempo à
organização colectiva dos ritmos e durações”.
No levantamento de dados junto às escolas
4
que serviram de fonte neste
estudo, foi possível observar que, descolada dos horários, do programa e do
calendário oficial, havia uma dimensão temporal construída pelos/as professores/as
e pelos/as alunos/as, seja pela definição das matérias a serem ministradas ou das
datas a serem festejadas, seja pela duração das atividades. Segundo alunos/as e
professores/as, elementos como deslocamento, clima e trabalho das crianças junto
aos pais também afetam e redimensionam o tempo escolar. Todos estes elementos
conferem a cada estabelecimento um modo singular de operacionalizar o tempo – as
descontinuidades e persistências entre o prescrito e o vivido na escola.
Instaladas em regiões distantes do centro urbano, as Escolas Isoladas
contempladas neste estudo representavam, todavia, a necessidade de escolarizar.
Representavam um local em que se deveria ensinar a ler e a escrever e inserir os
sujeitos numa nova forma de organização social. O tempo passaria a constituir
elemento organizador das atividades escolares e também das experiências sociais
de meninos e meninas que passaram a partilhar o mesmo professor e a mesma sala
de aula, com atividades divididas no quadro para todos os anos do ensino primário,
por um peodo de quatro horas diárias. Com o aumento da população, a demanda
por vagas cresceu, fato que levou a introduzir um segundo turno a partir da década
de 1950.
O desdobramento do período escolar ocorre na Escola Mista Municipal de
4
As escolas que compõem esta pesquisa são a Escola Isolada Municipal da Ponta Grossa (como a
casa não existe mais e não foi possível localizar documentos desse período, o trabalho teve por base
entrevista com ex-aluno); Escola Isolada Municipal de Ratones, onde foram localizados livros de
escrituração escolar, além de entrevista com ex-professora; Escola Isolada da Vargem Pequena, com
entrevista de ex-aluno; finalmente, a Escola Isolada Municipal Canto do Lamim, onde também se
conseguiu uma entrevista com uma ex-professora. As escolas localizavam-se em Canasvieiras,
balneário situado ao norte de Florianópolis, que então se caracterizava por grandes extensões de
áreas rurais.
22
Ratones
5
, em 1957, sob o decreto nº. 9, de 1º de mao. Nas outras três escolas não
foram encontrados registros sobre o desdobramento do peodo escolar; entretanto,
conforme as entrevistas e a legislação do período, isto se dá efetivamente a partir de
1950.
Faz-se necessário destacar que a década de 1930 representará um dos
marcos do movimento de renovação educacional desencadeado pelos liberais
republicanos, adeptos da Escola Nova desde meados de 1920. Para Hilsdorf (2007,
p. 95), “enquanto especialistas do ensino e tradicionais adversários dos católicos,
passaram a desenvolver uma ação político-administrativa no novo governo, pondo
em prática as idéias que defendiam [...]”. O Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova tornar-se-á um importante símbolo da renovação educacional em 1932,
destacando-se pela defesa da escola pública, gratuita e laica, como também na
proposição de novos métodos de ensino que incidirão sobre a organização do tempo
escolar. “Opera-se uma transformação sutil nas representações das práticas
escolares, nelas se configura uma nova percepção dos corpos infantis e do potencial
educativo de novas modalidades de organização do tempo e dos espaços escolares”
(CARVALHO, 2002, p. 375).
Esta visão é também compartilhada por Gondra (2007, p. 224-225). Para ele,
“a presença da infância na cena social vai ter um rebatimento nas reflexões relativas
aos espaços específicos destinados à criança [...] é a escola que passa a ser o
principal lugar de aculturação da infância [...]”. O autor refere-se à escola como
instituição na qual os indivíduos tendem a passar um tempo cada vez mais
prolongado, proposta, inclusive, defendida e executada por Anísio Teixeira na
década de 1930, no Distrito Federal e na Escola Parque
6
em Salvador, no estado da
Bahia, no final da década de 1940.
5
A Escola Isolada Municipal de Ratones foi criada pelo decreto nº. 20, de 11 de setembro de 1946;
porém, a escola funcionava desde 1941, conforme registros encontrados nos livros de escrituração.
6
Para Anísio Teixeira, a escola eficaz seria de tempo integral, tanto para os alunos, quanto para os
professores. Sua experiência na Escola Parque Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro -
objetivava a universalização integral do homem comum. Num período, os alunos estudavam nas
Escolas-Classes destinadas ao desenvolvimento intelectual; no outro, os alunos participavam da
Escola Parque, onde se ministravam oficinas, atividades socioeducativas, esporte, literatura. A Escola
Parque foi inspirada nos modelos de escola propostos por William James e John Dewey: “Educar
para a vida e para a democracia formariam o estudioso, o operário, o artista, o esportista, o cidadão
útil, inteligente, responsável e feliz. Para saber mais”, ver em CORDEIRO, Célia Maria Ferreira.
Anísio Teixeira, uma "visão" do futuro. Estud. av, São Paulo, v.15, n.42, 2001. Disponível em:
<.http://www.scielo.br>. Acesso em: 10 ago. 2008.
23
Constata-se que a ampliação do tempo de permanência dos/as alunos/as não
foi identificada nas escolas pesquisadas; pelo contrário, o trabalho de agricultura,
pesca e as atividades domésticas impediam até mesmo a freqüência regular e
interferiam, na maioria das vezes, no aproveitamento escolar. O tempo construído
para e pela escola caracteriza-se nas cadas de 1930 e 1940 por variações na
organização temporal do seu funcionamento, haja vista as características das
comunidades onde estão inseridas as Escolas Isoladas.
Observa-se, neste período, que a criação de escolas primárias se faz notar de
forma expressiva no País. Em relação ao município de Florianópolis, o número de
Escolas Isoladas corresponde a 22 unidades em 1936 (MOVIMENTO DO ANO
LETIVO, 1936, p.27). No estado são 2.447 unidades em 1937, incluindo escolas
isoladas estaduais, escolas isoladas municipais, escolas particulares subvencionais,
grupos escolares e normais primárias. O governador do estado, Nerêu Ramos, eleito
em 1935, permanece no cargo até 1937. Com o Golpe de Estado, é mantido como
interventor até 1945; no entanto, segundo Corrêa (2005, p. 318), “os problemas
básicos, como falta de saneamento, luz e água, que muito prejudicava a cidade,
foram praticamente esquecidos, apesar de, por algum tempo, ter estado à testa da
Prefeitura Municipal, Mauro Ramos, um dos irmãos do Interventor”. Esta situação
permanecerá, conforme este autor, durante a administração do governador Aderbal
Ramos da Silva, de 1947 a 1951.
Quadro de precariedade que naturalmente se refletirá nas Escolas Isoladas,
onde não havia banheiros e luz elétrica. “A iluminação blica da cidade era feita
através de lampiões e de azeite de baleias (CORRÊA, 2005, p. 299). Era comum,
inclusive, as crianças serem medicadas devido a doenças causadas pela
precariedade das condições de higiene. As necessidades fisiológicas eram sanadas
na escola do sr. Manoel, ex-aluno, com a utilização de um caramujo como sinal,
revelando um ordenamento que possibilitaria ao professor controlar o tempo de
permanência dos/as alunos/as fora da sala de aula:
fora tinha um caramujo, tu sabes que naquele tempo não tinha banheiro,
não tinha patente, era tudo mato, então pegava o caramujo e sabia que
tinha alguém fora, quando voltava colocava na mesa do professor. Se o
camarada demorava era porque tava aprontando e o professor pegava
pela orelha e mandava sentar na classe, porque ele não dava arrego
24
(MANOEL LEOPOLDO, 2007)
7
.
Sobre a precariedade das escolas isoladas no País, Faria Filho (2000, p. 30)
destaca:
[...] produzia-se a representação da “escola isolada”, aquela que funcionava
na casa dos professores e em outros ambientes pouco adaptados ao
funcionamento de uma escola pública de qualidade, como sendo um
obstáculo quase que intransponível à realização da tarefa educativa e
salvacionista republicana, materializada na educação primária.
Se na década de 1930, a escola representava a possibilidade de inserção nos
novos conhecimentos produzidos pela modernidade com o avanço das ciências, isto
não se concretizou nas Escolas Isoladas em estudo. A distância do centro urbano
pode ter sido um dos motivos que a levaram a ter um caráter eminentemente prático
e alheio às transformações sociais e políticas que, de forma geral, rapidamente
ocorriam na sociedade brasileira. O ensino tinha como finalidade ensinar a ler e a
escrever e, dessa forma, minimizar os altos índices de analfabetismo registrados no
município e no estado, cabendo às Escolas Isoladas a tarefa de alfabetização junto
às comunidades, até porque “o analfabetismo passava a ser a marca da inaptidão
para o progresso” (CARVALHO, 1989, p. 40). As Escolas Isoladas desempenharam,
neste aspecto, em que pese a precariedade de suas instalações e da formação de
seus professores, importante papel na institucionalização do ensino primário nas
diferentes regiões do País.
Embora a década de 1940, marcada pelo Estado Novo e seu excessivo
controle normativo, possuísse um modelo de escolarização voltado para o dever
cívico, a construção de uma identidade nacional e a formação do homem servil e
trabalhador, isto não foi suficiente, conforme os entrevistados, para provocar
mudanças significativas na organização do trabalho pedagógico e na construção do
tempo em Escolas Isoladas; pelo contrário, mantiveram o mesmo ritual e as mesmas
características de precariedade, ao som do hino nacional, entoado todas as manhãs,
simbolizando o cumprimento do dever cívico.
Para Carvalho (1989, p. 13), “[...] organizar o trabalho nacional era, sobretudo
7
Os textos de entrevistas transcritos neste trabalho sofreram adequações na grafia, preservando,
entretanto, fidelidade ao seu conteúdo.
25
com o concurso de uma escola que disseminasse “não o perigoso conhecimento
exclusivo das letras, mas a consciência do dever domiciliário” -, fixar o homem no
campo, de modo a conter os fluxos migratórios para as cidades e a vitalizar a
produção rural”.
Por conseguinte, espaços, tempos e conhecimentos escolares foram sendo
produzidos distintamente ao longo da história da educação e se constituíram em
grandes desafios enfrentados para se criar, no Brasil, um sistema de ensino primário
que viesse a atender às necessidades impostas pelo desenvolvimento social e às
reivindicações da população (FARIA FILHO e VIDAL, 2000)
8
. No estado e no
município, os esforços para ampliação de escolas são identificados nos relatórios
enviados pelo interventor do estado ao presidente da República, Getúlio Vargas, na
década de 1940. Remetidos anualmente, demonstram o empenho na criação de
mais escolas primárias e, conseqüentemente, no aumento de oferta de vagas,
sinalizando o caráter estratégico da educação neste período.
Em relatório
9
apresentado pelo interventor federal Nerêu Ramos, em 1941, ao
presidente da República, Getúlio Vargas, sobre a situação do ensino no estado em
1939, o número de escolas estaduais localizadas no município perfazia um total de
47 Escolas Isoladas; em 1940, este número baixa para 43. No mesmo relatório, o
número de escolas municipais de Florianópolis era de 25 em 1939 e de 27 em 1940,
números que não sofreram maiores alterações em relação aos períodos anteriores.
De qualquer forma, relata o governador, “os municípios vêm cuidando com inegável
8
FARIA FILHO, Luciano Mendes e VIDAL, Diana Gonçalves. Os tempos e os espaços escolares no
processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v.,
14, Mai/Jun/jul/Ago, 2000. Neste artigo os autores chamam a atenção para a relação entre
escolarização de conhecimentos e tempos e espaços sociais, sendo a construção de espaços
adequados para o ensino, bem como, a definição de tempos de aprendizagem reclamadas desde o
século XVIII. A definição de aprendizagem segundo os autores estava relacionada não apenas à
possibilidade de a escola vir a cumprir as funções sociais que lhe foram crescentemente delegadas,
mas, também, à produção da singularidade da instituição escolar e da cultura que lhe é própria. Os
tempos e espaços são sempre pessoais e institucionais, individuais e coletivos, e a busca de delimitá-
los em anos, séries, horários, relógios, salas, etc. devem ser compreendidas como processo/ou
movimento em direção a institucionalização da escola.
9
Relatório apresentado ao exmo. sr. presidente da República pelo dr. Nerêu Ramos, interventor
federal no estado de Santa Catarina. Imprensa Oficial do Estado. Florianópolis, 1941. Neste relatório,
o governador ressalta que, a partir de 1930, com as medidas adotadas pelo Estado, o número de
escolas municipais cresceu. Em Florianópolis, no ano de 1935, havia 22 escolas, número que se
manteve em 1936 e aumentou para 27 em 1937. Este número é contraditório, pois, a pesquisa
revelou que em 1939 havia 25 escolas, como também permitiu levantar a hipótese de poder ter
havido um decréscimo no intervalo de dois anos devido ao desdobramento de algumas unidades.
26
carinho do ensino primário, que é fiscalizado pelo Estado”.
Na análise de Cabral Filho (2004), no primeiro quartel do século XX no estado
de Santa Catarina e no município de Florianópolis as Escolas Isoladas existiam em
maior número e não poderiam ser mantidas com matrícula inferior a 25 alunos, dos
quais 15, no mínimo, em idade obrigatória; entretanto, o regulamento para os
estabelecimentos de ensino primário de 1946 prevê o fechamento dessas escolas.
Em pesquisa realizada sobre o surgimento da rede municipal de ensino de
Florianópolis, na literatura educacional do peodo e no auge do processo de
expansão da escola pública, o autor identifica justamente o contrário. O número de
Escolas Isoladas municipais em Florianópolis em 1947 corresponde a 43 unidades,
quando o estado possuía no município, entre grupos escolares, escolas isoladas e
cursos complementares, um total de 59 escolas, demonstrando não a
permanência destas escolas, como a sua ampliação.
Uma das explicações é que a escola se viu obrigada a promover o
desdobramento dos turnos para atender à demanda, chegando, em alguns
momentos, a adotar quatro turnos. Isto explicaria em parte o número de Escolas
Isoladas entre as décadas de 1930 e 1940. Aliado ao projeto desenvolvido pelo
presidente Getulio Vargas durante o Estado Novo, o governo estadual de Nerêu
Ramos (1937-1945) dedicou-se acirradamente ao processo de homogeneização da
população catarinense, que apresentava um contingente significativo de imigrantes
(principalmente alemães e italianos), com línguas, hábitos e costumes bastante
distintos. Caberia à escola socializar os catarinenses num novo ideário de
organização social, pautado em princípios definidos por um discurso científico e
racional (SILVA; DANIEL e DAROS, 2005).
Neste período à frente do Ministério da Educação e Saúde, o ministro
Gustavo Capanema (1934 a 1945) reforça o nacionalismo defendido pelo regime do
Estado Novo: a formação do sentimento patriótico no ensino primário e o
desenvolvimento da consciência patriótica no ensino secundário (HILSDORF, 2007).
A organização e a construção do tempo escolar assumem contornos mais rígidos. A
normatização e a fiscalização, no que diz respeito a cumprimento de dias letivos,
horário de início e término das atividades, se configurarão em aspectos estruturantes
da vida escolar.
A medida do tempo como instrumento de domínio e poder, traduzida nos
27
relógios, é claramente percebida como um dos importantes aspectos do controle do
universo pelo homem, conforme entendimento de Le Goff (2003). Estes, por sua
vez, determinam e fragmentam o comportamento e a conduta dos indivíduos,
tornando-se elemento constitutivo na conformação do Estado moderno e de suas
instituições. Conformação identificada no modelo de instituição escolar criado no
Brasil e que revela na sua organização e funcionamento demandas desencadeadas
pelo processo de industrialização e urbanização advindos com a instalação da
República no século XIX.
Marcas de um tempo de desenvolvimento e modernização urbana por um
lado, e que, no, entanto, chegaram muito lentamente às Escolas Isoladas em
estudo, dificultando, assim, a mobilidade social defendida por Anísio Teixeira, qual
seja, “a escola deveria dar a todos ‘aquele lastro mínimo de educação”, capaz de
estabilizar e dar à nação condições de desenvolvimento social” (TEIXEIRA, 1996, p.
85). Na sua concepção, a unificação democrática de um povo depende de todas as
camadas sociais, sobretudo as mais baixas, e somente a educação poderá
promover a sua ascensão social. A ampliação do tempo de permanência na escola,
neste aspecto, favoreceria a formação integral dos/as alunos/as, expandindo seus
conhecimentos sobre a vida e sobre a sociedade na qual estão inseridos.
Apesar do atraso das Escolas Isoladas do município de Florianópolis e da
pouca atenção a elas conferida pelas autoridades municipais - com evidente prejuízo
sobre a formação de professores e alunos -, a apropriação de uns e outros sobre o
tempo prescrito e o vivido na escola permitiu aos primeiros cumprir o requisito básico
de ensinar a ler e a escrever e aos segundos (alunos), de ingressarem no novo
ordenamento social.
Passo importante para um período em que a educação e, principalmente, o
ensino primário adquiriram centralidade no cenário político, então associados ao
progresso econômico e social do País.
28
1 A ESCOLA NO TEMPO: COR DO TEMPO EM ESCOLAS ISOLADAS DO
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS (1930 A 1940)
Contava-se nos dedos das mãos o número de automóveis que passavam
diariamente levantando enorme nuvem de poeira pela antiga rodovia de
chão batido, Vergílio Várzea, que ligava o centro ao norte da ilha. Tempo
dos ternos de reis, dos paus-de-fita, dos bois-de-mamão, que percorriam
todas as comunidades do distrito de Canasvieiras
10
visitando casa por casa;
dos bailes residenciais animados por gaitas de fole e pandeiros; das farras
de boi onde os policiais participavam como agentes da brincadeira e não
como agentes de repressão, como acontece hoje. Período em que os
homens, após o trabalho, reuniam-se nas vendas para trocar idéias sobre
lavoura, pesca e gado e as senhoras se reuniam nas casas das amigas
para conversarem sobre diversos assuntos, enquanto as crianças
brincavam no terreiro iluminado pela lua, e os jovens casais namoravam às
sombras noturnas das árvores. Nos domingos sem a farra do boi, o lazer
dos homens era passear com a gaiola de passarinho na palma da mão,
exibindo orgulhosos o canto dos pássaros preferidos (LÍDIO PINHEIRO, p.
6, 2005)
11
.
1.1 O tempo individual e plural: da luz a querosene à energia elétrica
O Tempo perguntou ao Tempo, quanto Tempo o Tempo tem, o Tempo
respondeu ao Tempo, que o Tempo tem tanto Tempo, quanto Tempo o
Tempo tem... (...).
Esta quadrinha
12
oriunda da sabedoria popular indica a complexidade
10
O distrito de Canasvieiras, localizado ao norte da ilha de Santa Catarina, compreendia Ponta das
Canas, Ponta Grossa, Vargem Grande e Vargem Pequena (CABRAL, 2004, p. 213).
11
PINHEIRO, Lídio Leopoldo. Conhecendo a história das intendências. Jornal Rotadailha,
Canasvieiras - Florianópolis, 2005. O artigo é guardado com outros que o sr. Lídio costumeiramente
envia para publicação em pequenos jornais de circulação no norte da Ilha de Florianópolis. O artigo
foi recolhido na data da entrevista realizada pela pesquisadora em 3/03/08.
12
Quadrinha retirada em artigo de CARVALHO, Regina Maria L. Lopes. Tempo e psicanálise. In:
ROSSI, Vera Lucia Sabongi; ZAMBONI, Ernesta (Orgs.). Quanto Tempo o Tempo tem! Campinas:
29
imediata para se conhecer o tempo que não se deixa conhecer. Para cada um, o
tempo tem uma construção diferente: o tempo da criança é diferente daquele
vivenciado pelos adultos, que também se diferencia na memória dos mais velhos. É
possível dizer que o tempo possui cores e nuances que se modificam ao longo da
história dos indivíduos e das sociedades, podendo ser contado, narrado, vivido,
pensado, imaginado, e até medido, de diferentes modos.
“O professor era aguardado do alto do morro;, quando a maré subia, o cavalo
não fazia a travessia, e as crianças logo sabiam que naquele dia não haveria aula”
(MANOEL LEOPOLDO, 2007). Esta frase, colhida em entrevista
13
. revela memórias
de um senhor de 85 anos, Manoel Leopoldo da Rosa, nascido em 1922, o mais
antigo morador da Praia do Forte, localizada ao norte de Florianópolis. O segundo
nome é uma homenagem ao pai, o que era bastante comum à época. Frago (2000)
diz que todas as pessoas, sem exceção, recriam o passado e misturam recordações
e esquecimentos. É nesse movimento que ele recorda a Escola Isolada da Ponta
Grossa, freqüentada por apenas seis meses.
Esse foi o período de sua escolarização. Teve que abandonar os estudos
para ajudar o pai nas atividades de pesca e agricultura. “Eu tenho muito pouco
tempo de escola; sei fazer o meu nome e mal e mal. O meu pai tirou, porque o
serviço era maior e naquele tempo o estudo também não era tão valorizado como é
hoje” (MANOEL LEOPOLDO, 2007).
Lembra que a escola no início da década de 1930 era numa casa de madeira,
com carteiras que comportavam quatro alunos, reunidos numa mesma sala do 1º ao
ano, com aulas somente no peodo matutino e um único professor. “Era um
velhinho de 60 anos, Zé Birito”. Este, por sua vez, residia na praia das Canasvieiras,
balneário localizado também ao norte da cidade. Fazia seu deslocamento até a
escola a cavalo. A escola era de tão difícil acesso, os alunos o aguardavam no alto
do morro. Se a maré estivesse alta, o professor não conseguiria chegar até a escola;
naquele dia, portanto, não haveria aula. O mar tornara-se, então, o marcador
Alínea, 2005. pp. 13-23.
13
Entrevista concedida a Virgínia Pereira da Silva de Ávila, em 19/12/2007, na residência do sr.
Manoel, construída entre pedras que contornam a praça. O acesso é possível a pé. A vista, direta
sobre o mar e a mata nativa. O entrevistado, bastante solícito, falante e de uma memória invejável. A
Praia do Forte está localizada na parte norte de Florianópolis e compõe, juntamente com a praia da
Daniela e Jurerê, um dos principais cartões postais da cidade.
30
temporal da atividade escolar. As condições da maré permitiriam ou não a realização
de mais um dia de aula.
Estas lembranças possibilitam, com base na análise das características que
compunham o cenário local e, sobretudo, à luz dos significados do tempo na
memória de ex-alunos/as e professores/as que freqüentaram Escolas Isoladas
14
,
identificar nuances entre o prescrito e o vivido no cotidiano escolar. Em relação ao
panorama educacional no estado de Santa Catarina e no município de Florianópolis
nos períodos de 1930
15
e 1940
16
, caracterizar-se-ão dois modelos de escolarização.
O primeiro, com a criação do Ministério da Educação e Saúde em 1930, está
relacionado aos ideais da escola pública, gratuita e laica, na renovação dos métodos
de ensino e na ampliação do tempo escolar. A escola, por sua vez, constituiria o
local onde os sujeitos seriam inseridos numa nova ordem de progresso social. O
segundo, fruto de ações implementadas durante o regime do Estado Novo, diz
respeito ao processo de nacionalização, centralização e normas que objetivavam a
formação do homem cívico e devotado à nação. Embora inspirados nos princípios
da Escola Nova, os modelos apresentam diferenças em relação à construção e
organização do tempo escolar. Isto se deve, em parte, às alterações provocadas
pelo cenário político e social do peodo e à forma como este conceito fora
apropriado pelos legisladores e pelos/as usuários/as da escola.
Tais mudanças repercutiriam em Florianópolis, pois, é a partir de 1930 que o
município passa a sofrer influências de políticas estaduais e federais, com
significativas alterações na vida da população local, expandindo o desenho urbano e
definindo um novo perfil populacional (CABRAL FILHO, 2004). Para Corrêa (2005, p.
14
Em 1930, são 22 unidades, número que sobe para 27 ao final da década. A região pesquisada,
norte de Florianópolis, possuía neste período sete (7) Escolas Isoladas, localizadas em Ratones
(Sede do distrito), Canto do Moreira (também em Ratones), Vargem Pequena (Canasvieiras), Ponta
Grossa (Canasvieiras), Vargem Grande (Cachoeira), Ponta das Canas (Canasvieiras) e Santa Cruz
(Cachoeira). Fonte: Relatório do Prefeito Mauro Ramos. Exercício de 1939, Florianópolis. No final de
1940, este número praticamente duplica: serão 43 Escolas Isoladas Municipais.
15
A década de 1930 tem como característica o crescimento do aparato e do poder estatal do governo
federal. A redefinição da correlação de forças políticas no país - divergências políticas em relação às
doutrinas pedagógicas - ocorre de forma aberta. A busca pelo controle ideológico do aparelho escolar
é alvo de disputas acirradas entre liberais e católicos. Para saber mais, ver em Nagle, Jorge.
Educação e Sociedade na Primeira República. 2 ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 308-336.
16
A década de 1940 traz a marca do autoritarismo imposto pelo Estado Novo (1937-1945) e que
repercutirá no papel a ser desempenhado pelas escolas e pelos intelectuais do período. Para maior
aprofundamento, ver MICELI, Sergio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945).
(Coleção corpo e alma do Brasil). São Paulo. RJ, 1979. pp. 129-198.
31
309), “a população do município da capital tinha dado um verdadeiro salto de 32.229
habitantes em 1900, para 51.476 em 1936”, aumento populacional que, na visão
deste autor, de certa forma foi prejudicial ao equilíbrio social da cidade. Este número
inclui moradores das zonas urbanas e rurais. Em 1940
17
, a população do município
correspondia a 46.771 habitantes nas regiões urbanas e a 17.000 nas zonas rurais
(CECA, 1996), número que implicaria a criação de mais escolas.
Até 1934, o ensino está subordinado à Diretoria de Instrução Pública da
Secretaria do Interior e Justiça do Estado de Santa Catarina. Este é o órgão que
orienta a organização e funcionamento das escolas estaduais, municipais e
particulares. Com a publicação do decreto n° 713, de 5 de janeiro de 1935, a
Diretoria de Instrução Pública passa a denominar-se Departamento de Educação
(MOVIMENTO DO ANO LETIVO, 1936, p. 5) e tem como diretor Luiz Sanches
Bezerra Trindade. Este, por sua vez, realiza a reforma de ensino que passaria a ser
conhecida como Reforma Trindade, que tem com como aspecto central o
aperfeiçoamento dos professores e a nova organização do Instituto de Educação,
que atenderá à escola normal primária, secundária e superior vocacional.
Neste período são colocados em prática os métodos da escola ativa e nela se
ministram aulas experimentais aos magistrandos. Estas mudanças ocorrem,
segundo o governador Nerêu Ramos, em decorrência das orientações traçadas pelo
VI Congresso de Educação, realizado em Fortaleza no ano de 1934 (MOVIMENTO
DO ANO LETIVO, 1936, p. 45), com repercussões sobre a legislação educacional
catarinense, mas não necessariamente na prática pedagógica desenvolvida no
interior da escola.
Isto se evidencia em relato de professora que lecionou em 1945. “Uma vez
por mês havia reunião com todos/as professores/as no centro da cidade, o
deslocamento levava duas horas, o ônibus saía pela manhã e retornava no final
do dia (DILMA ANDRADE, 2008
18
). Sobre os novos métodos, comenta que os
17
Segundo Carlos Humberto Corrêa (2005), somente no final desta década a população passou a
fazer uso das praias. A falta de estradas e de transporte impedia também que moradores das áreas
urbanas pudessem conhecer o interior da cidade, o que provocaria o isolamento de certas
comunidades e o difícil acesso ao progresso social difundido pelos governos.
18
Dilma Andrade Cunha, nascida em 1928, foi professora, em 1945, na Escola Estadual Isolada de
Rua Velha. Após, passou a lecionar na Escola Municipal Isolada Canto do Lamim, no norte da Ilha,
atualmente denominada Jurerê Internacional, praia que atrai muitos turistas, principalmente os
32
professores se assustavam um pouco. Ela, por exemplo, utilizava o método
sintético
19
e a Cartilha Fontes. Lecionou do ao ano. Os alunos eram atendidos
das 8h00 às 12h00, somente no turno matutino. O uso do tinteiro, quatro crianças
dispostas por cada carteira, o mesmo professor lecionando do 1º ao ano, por um
período de quatro horas, mantivera-se igual à forma adotada na década de 1930.
Lídio Leopoldo
20
, ex-aluno, descreve a década de 1940 e início de 1950 como
um tempo no qual 95% da população local era nativa e vivia da pesca e da
agricultura de subsistência; tempo dos engenhos de açúcar e farinha de mandioca,
das carretas puxadas a cavalo, que vendiam peixe de porta em porta, chamando os
moradores ao toque da buzina feita de chifre de boi. Um tempo em que não havia
energia elétrica, poucos automóveis, e a lua iluminava os terreiros. Para ele, a
escola significava um ponto de encontro entre as crianças da localidade e servia
para aprender a ler e a escrever. A importância dada à escola como espaço de
inserção social foi percebida quando foi trabalhar em Santos, cidade litorânea do
estado de São Paulo, em 1961, aos quinze anos. Fato que demonstra a diferença
entre os conhecimentos desenvolvidos na escola em que estudou e aqueles
ministrados nos centros urbanos.
estrangeiros, devido à infra-estrutura e às belas paisagens. Dona Dilma lecionará em 1957, no Grupo
Escolar Osmar Cunha, em Canasvieiras. Aposenta-se 1982. Possuía, em 1944, apenas o ensino
primário; a formação complementar só ocorreria na década de 1950, através de curso ministrado por
Elpídio Barbosa, diretor de Instrução Pública na cada de 1940. Entrevista concedida a Virgínia
Pereira da Silva de Ávila e a Angela Beirith, em 12/5/08.
19
MORTATTI, Maria Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil. Em
conferência realizada em 2006, a autora esclarece sobre o método sintético. Até o final do Império
brasileiro, o ensino carecia de organização e as poucas escolas existentes eram, na verdade, salas
adaptadas, que abrigavam alunos de todas as “séries” e funcionavam em prédios pouco apropriados
para esse fim; eram as “aulas régias”, mencionadas. Em decorrência das precárias condições de
funcionamento nesse tipo de escola, o ensino dependia muito mais do empenho de professor e dos
alunos para subsistir. O material de que se dispunha para o ensino da leitura era também precário,
embora na segunda metade do século XIX houvesse aqui algum material impresso sob a forma de
livros para fins de ensino de leitura, editados ou produzidos na Europa. Habitualmente, porém,
iniciava-se o ensino da leitura com as chamadas “cartas de ABC" e depois se liam e se copiavam
documentos manuscritos. Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha
sintética (da "parte" para o "todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico
(partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das
sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus nomes
(método da soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método
da silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Quanto à escrita, esta se
restringia à caligrafia e ortografia, e seu ensino, à cópia, aos ditados e à formação de frases,
enfatizando-se o desenho das letras. Disponível em < http:// portal.mec.gov.br/seb > Acesso em: 10
de jun. de 2008.
20
Lídio Leopoldo, nascido em 7/08/1944, estudou na Escola Isolada Municipal da Vargem Pequena
em meados de 1950. Sua professora chamava-se Rosa Lucia de Brito. Entrevista concedida a
Virgínia Pereira da Silva de Àvila, em 3/3/08.
33
Eu percebi o que era escola quando eu fui para Santos aos 15 anos,
quando fui trabalhar em balcão. Fui vendo a forma como as pessoas
falavam e se comportavam. Eu tinha até vergonha de falar; eu falava muito
errado. Via a molecada toda indo para a escola. é que eu percebi que a
escola era importante
(LÍDIO LEOPOLDO, 2007).
Chama a atenção, inclusive, para o fato de ter sido mal alfabetizado devido à
pouca instrução das professoras, que possuíam apenas o ensino primário. Fato que
se evidencia no relato de uma professora
21
que lecionou em 1951:
A gente saía do primário aqui no Ratones e tinha só até a série, mas
como eu estudei com a minha madrinha na Vargem Pequena, a madrinha
Rosinha, então eu estudei até a 4º série. Mas mesmo assim, eu cheguei lá e
repeti a 4ª série e depois o complementar, o 2º... Acho que era o
também, não sei. É, acho que ia até o complementar. Esse era o curso
que a gente dava aulas naquela época, e também muitas aqui davam aula
com a série. Eu tenho as minhas alunas, que estudaram comigo, elas
tiraram até a série e daí depois elas
voltaram pra dar aula pra mim,
comigo (MARIA, 2007).
Neste sentido, as Escolas Isoladas continuariam a representar a contradição
de um período histórico de mudanças e de progresso social, o qual, no entanto, não
atingiu as comunidades distantes do centro urbano, até porque o tempo vivido tem
ritmos e duração muito particulares. Am de múltiplos, entrelaçam aspectos
econômico-políticos e sociais, costumeiramente apresentados de maneira isolada
(SIMAN, 2005). Portanto, antes de ser um tempo concebido ou histórico, o tempo é
vivido e refletido pelos homens no seu cotidiano. O recorte temporal da pesquisa
não permitiu avançar nos períodos posteriores e identificar se houve ou não
alterações no quadro destas escolas.
No que diz respeito à energia elétrica, parte do título deste subcapítulo, esta
começou a chegar às áreas distantes do centro da cidade no início da década de
1960 (LÍDIO LEOPOLDO, 2008). Elias (1998, p. 15) dirá que “o indivíduo, ao
crescer, aprende a interpretar os sinais temporais usados em sua sociedade e a
orientar sua conduta em função deles”. Parte-se do pressuposto de que a
representação do tempo está associada às experiências sociais e individuais e ao
nível de desenvolvimento das sociedades, constituindo-se num longo processo de
21
Maria (nome fictício), nascida em 1933, na Praia de Canasvieiras, foi professora da Escola Mista
Municipal de Ratones em 1951; fez apenas o ensino primário e credita sua formação à professora
“Rosinha” (Rosa Lucia de Brito), considerada por muitos como uma excelente professora. Entrevista
concedida a Virgínia P. da S. de Ávila e a Angela Beirith, em 14/11/07.
34
aprendizagem que repercutirá no modo como os grupos humanos operam a relação
com os acontecimentos ao longo da história. Aprendizagens também se fazem em
Escolas Isoladas, ambiente no qual as vivências e experiências temporais de
professores/as, alunos/as e famílias refletem e produzem cultura. “Sem o tempo não
é possível perceber a vida que é mudança; mas sem a mudança, o tempo dormiria
para sempre na sua torre, usando a metáfora do poeta. Coisa enigmática essa do
tempo!” (PINO, 2005, p. 52).
1.2 O tempo social e político dos anos de 1930: em cena o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova e o pensamento de Anísio Teixeira
As democracias, porém, sendo regimes de igualdade social e povos
unificados, isto é, com igualdade de direitos individuais e sistema de
governo de sufrágio universal, não podem prescindir de uma sólida
educação comum, a ser dada na escola primária, de currículo completo e
dia letivo integral destinada a preparar o cidadão nacional e o trabalhador
ainda não qualificado, e, além disto, estabelecer a base igualitária de
oportunidades ( TEIXEIRA,1971, p. 78).
Com esta idéia, introduz-se um tempo que deixou suas marcas na
constituição do campo educacional brasileiro, simbolizado pelo Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova
22
(1932) na defesa por educação pública, gratuita e
22
Foi utilizado como apoio e referencial o livro de Libânia Nacif Xavier Para além do campo
educacional: um estudo sobre o manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). Bragança
Paulista: EDUSF, 2002. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi assinado por 26
signatários
22
, oriundos de diferentes áreas e redigido por Fernando de Azevedo. Nele são traçadas as
bases filosóficas e didáticas para o ensino no País. Sob o título A Reconstrução Educacional no
Brasil: ao povo e ao governo, foi divulgado em 1931 e anunciado por Nóbrega da Cunha na IV
Conferência Nacional de Educação, realizada no Rio de Janeiro por iniciativa da Associação
Brasileira de Educação e publicado em 1932. Baseado no princípio da vinculação da escola com o
meio social, “a Educação Nova” surge orientada por uma nova ética das relações sociais,
caracterizadas pelos valores de autonomia, respeito à diversidade, igualdade e liberdade,
solidariedade e cooperação social”. Assinam o manifesto Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira,
Lourenço Filho, Afrânio Peixoto, Paschoal Lemme, Roquete Pinto, Cecília Meirelles, Hermes Lima,
Nóbrega da Cunha, Edgar Süssekind de Mendonça, Armanda Alvaro Alberto, Venâncio Filho, C.
Delgado de Carvalho, Frota Pessoa, Raul Briquet, Sampaio Dória, Noemy Silveira, Atílio Vivacqua,
Júlio de Mesquita Filho, Mario Cassanata, A. Almeida nior, J. P. Fontenelle, Roldão Lopes de
Barros, Paulo Maranhão, Garcia de Rezende, Raul Gomes.
35
laica, fundada na democracia e em procedimentos modernos e científicos. Aliado ao
manifesto, elegem-se a trajetória e o pensamento de Anísio Teixeira para ilustrar
este período, por se tratar de um educador que trouxe importantes contribuições nas
reformas de instrução pública que empreendeu, principalmente no que diz respeito à
ampliação do tempo de permanência de crianças e adolescentes na escola.
O Manifesto propunha a reforma integral da educação nacional, substituindo o
conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, tornando a escola um espaço
de observação, pesquisa e experiência para o desenvolvimento integral da
personalidade do/a educando/a
23
. Laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e co-
educação formam os princípios da escola unificada defendidos no documento: uma
escola para todos. Defendem igualmente a democracia e a autonomia da função
educacional, desatrelada das inconstâncias políticas (AZEVEDO, apud XAVIER,
2002).
Vários movimentos sociais e políticos desencadeados a partir de 1920
reivindicavam a definição de novos rumos para a educação no País. Na visão de
Nagle (2006, p. 12), “tratava-se de reconstruir todo o sistema educacional, não
apenas alterar este ou aquele de seus múltiplos aspectos. Reconstrução que repõe
o problema das novas bases filosóficas até atingirem diretrizes didáticas”. É sobre
estas novas bases que a concepção da escola nova ganha força em oposição à
escola tradicional e assume contornos emblemáticos em relação à democratização
do ensino.
Pagni (2000, p.49) situa este momento da seguinte forma:
A intelectualidade brasileira nascente, durante os anos 1920, viu na
educação um modo de formar às ‘novas elites’ para servir o Estado e, ao
mesmo tempo; promover a formação da nacionalidade por intermédio de
uma cultura nacional e de uma educação moral sólidas que assegurassem
o progresso de nossa civilização, dentro da ordem estabelecida e sem
ruptura política.
Envolvidos por esse ideário, os movimentos de reforma surgidos na década
de 20 continuam em expansão, sobretudo a partir da produção teórica e da ação
efetiva de Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho, os quais
23
A palavra aluno/a não é utilizada pelos Pioneiros da Educação Nova; sempre que houver referência
ao Manifesto, adotar-se-á a palavra educando/a.
36
defendiam o caráter social da educação e do dever do Estado em instaurar uma
escola para todos. Estes intelectuais, também chamados de renovadores da
educação, renovadores liberais e/ou pioneiros da educação nova, inspirados pela
revolução de 1930, cobravam do governo Getúlio Vargas ações mais efetivas para o
setor educacional; superar o sistema dual de ensino e o alto índice de analfabetismo
e introduzir no País um projeto modernizante para promover o progresso em bases
científicas.
Cabe ressaltar que “esses intelectuais do movimento renovador ocuparam
cargos nos governo estadual e federal, o que fazia valer seus pontos de vista a
respeito das questões educacionais” (DAROS; SCHEIBE, 2002, p. 39). Entre outros
dispositivos, utilizavam a imprensa pedagógica como veículo na divulgação de
coleções voltadas à educação, produzidas e distribuídas por grandes editoras
comerciais. A produção teórica era muito vasta e visava a subsidiar o trabalho
dos/as professores/as, introduzindo-os no que havia de mais moderno no
pensamento educacional, entre elas, a reorganização do tempo de ensino a partir
das necessidades de aprendizagem dos/as educandos/as.
Freitas (2005, p. 167) classifica o manifesto como “um divisor de águas
definidor do campo da educação no âmbito das políticas públicas e indicador do
lugar de ação de uma nova inteligência educacional”. Várias concepções de
educação compunham o manifesto. Sua heterogeneidade possuía, no entanto, um
elemento comum: a defesa da escola pública, gratuita e laica. Com relação à
educação, é inegável que a revolução de 1930 trouxe conseqüências profundas,
sobretudo na consolidação do Estado como responsável pelas questões
relacionadas à educação escolar. Esta talvez seja a grande contribuição do
manifesto. A partir desta década, a educação brasileira alcança níveis de atenção
nunca antes atingidos, quer pelo movimento dos educadores, quer pelas iniciativas
governamentais através do Ministério de Educação e Saúde, ou pelos resultados
concretos com a ampliação do número de escolas primárias por todo o País.
As reformas de ensino, inspirados em ideais escolanovistas, apesar da
diversidade de propostas que defendiam e de suas diferentes realizações, tenderam
37
a ressignificar tempos
24
e espaços escolares. Para os educadores/intelectuais, o
problema da educação nacional residia na ausência de princípios filosóficos e
científicos e na sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente
arbitrárias. Reagem contra o empirismo dominante e defendem uma concepção de
vida e de educação que respeite o momento social e histórico vivido, “A questão
primordial das finalidades da educação gira, pois, em torno de uma concepção de
vida, de um ideal, a que devem conformar-se os educandos, e que uns consideram
abstrato e absoluto, e outros, concreto e relativo, variável no tempo e no espaço
(AZEVEDO, apud XAVIER, 2002, p. 90)”.
Para Xavier (2002, p. 8), “o manifesto surge carregado de um verdadeiro
arsenal simbólico que atua no imaginário social, construindo uma memória
educacional que tem no próprio manifesto o marco da renovação educacional no
Brasil”. A crença dos pioneiros centrava-se na salvação da nação por meio da
organização da cultura; a escola assume um papel central na formação dos
indivíduos e, conseqüentemente, no desenvolvimento da sociedade.
Com estes princípios, o manifesto busca sua consolidação nas disputas do
campo educacional. Os pioneiros (grupo dos reformadores liberais) reivindicavam a
mudança da sociedade por meio de uma educação alicerçada nas concepções da
Escola Nova; os católicos (grupo composto por integrantes das escolas católicas),
embora em consonância com os princípios da Escola Nova, divergiam sobre o fato
de as idéias serem importadas de outros países, como França e Estados Unidos,
mas, sobretudo, por atingirem diretamente a hegemonia católica nos assuntos
educacionais. Na análise de Xavier (2002), a Escola Nova possui como
característica uma feão mais humana. A sua verdadeira função social, preparar-se
para formar a hierarquia democrática pela hierarquia das capacidades, recrutadas
24
FARIA FILHO, Luciano Mendes e VIDAL, Diana Gonçalves. Os tempos e os espaços escolares no
processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v.,
14, Mai/Jun/jul/Ago, 2000. Neste artigo, os autores chamam a atenção para a relação entre
escolarização de conhecimentos e tempos e espaços sociais, sendo a construção de espaços
adequados para o ensino; tamm chamam a atenção para a definição de tempos de aprendizagem
reclamadas desde o século XVIII. A definição de aprendizagem, segundo os autores, estava
relacionada não apenas à possibilidade de a escola vir a cumprir as funções sociais que lhe foram
crescentemente delegadas, mas, também, à produção da singularidade da instituição escolar e da
cultura que lhe é própria. Os tempos e espaços são sempre pessoais e institucionais, individuais e
coletivos, e a busca de delimitá-los em anos, séries, horários, relógios, salas, etc. deve ser
compreendida como processo ou movimento em direção à institucionalização da escola.
38
em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de
educação.
A educação brasileira, nas primeiras décadas do século XX, ainda
permanecia dividida em dois sistemas educacionais, paralelos e independentes, não
dando uma passagem para o outro, formando um “Sistema de Ensino Dual”: um
ensino primário gratuito, mas de oportunidades reduzidas, e um ensino secundário
pago, que limitava as possibilidades de ascensão social (TEIXEIRA, 1976). O
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, ao reivindicar a escola unificada e
comum para todos, propõe também a renovação dos métodos de ensino a fim de
permitirem a formação integral
25
dos/as educandos/as, o que implicaria um
redimensionamento do tempo escolar, até então segmentado e desarticulado.
Para Anísio Teixeira
26
, as décadas de 20 e 30 inauguravam, de certo modo, a
crença no futuro do País e, conseqüentemente, a luta pela expansão da escola
pública com qualidade.
Tem como modelo ideal à sociedade industrial, especialmente a realizada
nos EUA, onde estivera estudando, e o utiliza como paradigma de
comparações entre a sociedade oligárquica, arcaica e tradicional e uma
sociedade diferente, apontada em seus estudos e propostas pela
inteligência do período de modo aparentemente consensual
(EVANGELISTA, 1993, p. 91).
Até então, a educação nos vários estados brasileiros seguia diretrizes
próprias, elaboradas pelos Departamentos de Instrução Pública. Saviani (2004, p.
184), ao fazer o balanço dos 70 anos do manifesto, destaca sua importância como
um documento de política educacional “em que mais do que a defesa da Escola
Nova, está em causa a defesa da escola pública”. Na sua avaliação, esta é a
25
O termo “formação integral aparece três vezes no texto do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, encontrado também como educação integral. Refere-se ao direito do indivíduo a uma
educação pública que alcance diversos níveis de sua formação. As reformas iniciadas nos anos 20
tinham como consenso a necessidade de ampliação do tempo de escolarização primária e da jornada
diária do/a educando/a”; no entanto, isto ficou muito mais no plano das idéias do que na sua
efetivação prática. Para maior aprofundamento sobre educação integral, ver em CAVALIERE, Ana
Maria. A educação integral na obra de Anísio Teixeira. Disponível em:
<http://www.inep.gov.br/pesquisa> Acesso em: 5 de mai. de 2008.
26
Realiza viagem à Europa em 1925 e duas viagens aos Estados Unidos; a primeira, em 1927, e a
segunda, em 1928. Nestas viagens, teve a possibilidade de observar diversos sistemas escolares.
Nos Estados Unidos, entra em contato com a obra do filósofo americano John Dewey, que marcou
decisivamente sua trajetória intelectual. Para maior aprofundamento, ver ÁVILA, Virginia Pereira da
Silva. Democracia e justiça social: a defesa de Anísio Teixeira registrada no livro Educação no Brasil.
Roteiro, v. 32, n. 1, julho 2008.
39
originalidade do documento: a proposta de um sistema nacional de educação
pública que abrangesse desde a educação infantil até o ensino universitário, idéia
defendida e realizada por Anísio Teixeira.
Em 1931, Anísio Teixeira assume a diretoria de Instrução Pública do Distrito
Federal, ainda localizado do Rio de Janeiro, e conduz a reforma da instrução pública
que o projetou nacionalmente e que atingiu desde a escola primária, a escola
secundária e o ensino de adultos, resultando na criação, em 1931, de uma
universidade municipal, a Universidade do Distrito Federal, extinta em 1939.
Sobre a proposta de um sistema nacional de educação, argumentava que em
todos os países democráticos os sistemas escolares tendiam a constituir um único
sistema de educação para todas as classes, ou melhor, para uma sociedade
verdadeiramente democrática, isto é, sem classes, em que todos os cidadãos
tivessem oportunidades iguais para se educarem e se redistribuírem, depois, pelas
ocupações e profissões, de acordo com a sua capacidade e as suas aptidões,
demonstradas e confirmadas (TEIXEIRA, 1976).
Nesta reforma, ampliou o atendimento às crianças; houve melhoria na
freqüência e rendimento escolar, na preparação e acompanhamento dos/as
professores/as nas suas atividades docentes. Este ambiente gerou um sentimento
de responsabilidade pela escola enquanto instituição pública. Em relação aos
adolescentes, o trabalho estava direcionado ao aumento do número de matculas e
à defesa do alargamento do conteúdo de cultura geral, restabelecendo a prática do
trabalho como complemento à prática da classe e do laboratório. Na educação de
adultos também ocorreram mudanças significativas, como a ampliação de
oportunidades de freqüência aos cursos de extensão e aperfeiçoamento. Essas
iniciativas marcaram uma posição corajosa e combativa no campo de lutas pelo
aumento da oferta dos serviços educativos; concepção que tinha como pano de
fundo a redistribuição dos bens sociais.
Uma de suas propostas era o prolongamento do período escolar ao mínimo
de seis horas diárias, tanto no primário quanto no ensino dio, acabando com os
turnos e permitindo o ensino noturno como escolas de continuação para a
suplementação da educação. Defendia que, do ponto de vista social, caberia à
escola a função de formar hábitos e atitudes indispensáveis ao cidadão de uma
democracia e, portanto, estender-lhe os períodos letivos (TEIXEIRA, 1976). Uma
40
educação comum a todas as crianças pelo maior tempo possível, com atividades
ampliadas para os alunos talentosos, e, sobretudo, a variedade e flexibilidade do
sistema educativo para atender às diferenças de capacidades e interesses.
Valores que refletem as necessidades e anseios de uma sociedade que se
pretendia democrática, cabendo à escola a tarefa de introduzir os indivíduos no
mundo da cultura, da ciência e das mudanças sociais que ora se apresentavam.
Neste aspecto, quanto maior o tempo de permanência na escola, maior a
possibilidade de
uma formação prática, destinada a dar ao cidadão, em uma
sociedade complexa e com o trabalho extremamente dividido, aquele conjunto de
hábitos e atitudes de cunho cultural e civilizatório indispensável à vida comum,
possibilitando ao cidadão transitar no mundo social a partir dos domínios básicos da
leitura, da escrita, do cálculo e também da cultura geral adquiridos na escola
(TEIXEIRA, 1976).
A escola pensada por Anísio Teixeira deveria ser a base para uma sociedade
sem classes, democrática, onde todos recebessem uma educação de acordo com
suas aptidões. Embora não deixe de reconhecer a existência das classes sociais,
considera possível a aproximação social e a destruição de preconceitos. Sobre o
caráter meritocrático da educação, Evangelista (1993, p. 97) observa que “a
presença de todos na escola formaria uma espécie de caldo de onde sairiam as
melhores inteligências nacionais, que não apenas progrediriam no sistema escolar,
alcançando os mais altos estudos, como também assumiriam funções dirigentes na
nação”. Para o educador, a escola primária vinha perdendo a característica de ser a
grande escola comum da nação, a escola de base, em que se educa a grande
maioria de crianças, jovens e adultos, para se constituir simples escola de acesso,
preparatória ao ginásio, para onde se dirige a maior parte dos alunos que logram
chegar ao quarto ano. Realidade que não se concretiza no estado de Santa
Catarina, principalmente em relação aos egressos das Escolas Isoladas.
Com referência aos programas de ensino e construção do tempo nas escolas
primárias, o educador é contundente:
Não se pode, em face disto, julgar que a escola primária esteja cumprindo a
sua função de integrar culturalmente a população brasileira ou integrá-la em
seu progresso e em suas necessidades. Ao ensino primário, reduzido no
tempo e no programa a mero ensino preparatório e, como tal, duplamente
deficiente, já para os que não o terminam, porque de pouco lhes aproveita o
que aprenderam, para os que terminaram, porque apenas os habilita a
41
continuar uma educação de letras, inadequada para o ‘ganhar a vida’ da
maioria do
povo brasileiro [...] (TEIXEIRA, 1976, p. 68).
Os ideais defendidos por Anísio Teixeira e pelo Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova remetem a um tempo social de rápidas transformações que exigem
ações políticas efetivas em relação ao processo de escolarização e das condições
de vida do povo brasileiro. Pode-se verificar que os princípios da escola nova
penetram de diferentes formas nas reformas de instrução pública realizadas no País,
destacando-se os estados do Rio de Janeiro (até então Distrito Federal), São Paulo
e Minas Gerais, com ênfase, notadamente, na ampliação do tempo de permanência
na escola para melhor aproveitamento do tempo escolar por parte dos/as
educandos/as.
Convém destacar, dentre as muitas realizações de Anísio Teixeira, a Escola
Parque, ou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro
27
, em Salvador, Bahia, que foi a
que alcançou maior repercussão no Brasil e em diversos outros países. A partir de
1947, na condição de secretário de Educação no estado da Bahia, inicia uma série
de novas realizações no campo educacional. Dentre elas, aquelas relacionadas à
educação em diversos bairros da cidade do Salvador. O bairro da Liberdade, na
capital baiana, foi provavelmente o mais beneficiado por sua nova administração.
Bairro muito populoso, com predominância, entre os seus moradores, de gente
pobre e humilde.
Constituído de vários pavilhões - o da Escola-Parque e os das Escolas–
Classe -, durante um turno a criança estudaria numa das Escolas-Classe e, no outro
turno, na Escola-Parque. O curso primário tinha duração de cinco anos. Os/as
27
O complexo educacional idealizado por Anísio Teixeira constava de quatro Escolas-Classe com
capacidade para 1 000 alunos/as cada, em dois turnos de 500, e uma Escola–Parque, composta dos
seguintes setores: pavilhão de trabalho; setor socializante; pavilhão de educação, jogos e recreação;
biblioteca; setor administrativo e almoxarifado; teatro de arena ao ar livre; setor artístico. A Escola-
Parque complementava de forma alternada os horários das Escolas-Classe, e assim o/a educando/a
passava o dia inteiro no complexo onde também se alimentava e tomava banho. A proposta de Anísio
Teixeira era a universalização de uma nova escola, ou escola única onde as crianças de todas as
posições sociais iriam formar a inteligência, o caráter, os hábitos de pensar, de agir e de conviver
socialmente. O indivíduo poderia buscar na escola e pela escola a sua posição social, numa
sociedade moderna e democrática. Para ele, a escola eficaz seria de tempo integral, tanto para
alunos/as, quanto para os/as professores/as. Ressaltou no trabalho da Escola-Parque e das Escolas-
Classe a importância da educação escolar como via de acesso
à civilização letrada. Para maior
aprofundamento, ver em CAVALIERE, Ana Maria: A educação integral na obra de Anísio Teixeira.
Disponível em <http://www.inep.gov.br> Acesso em: 5 de mai. de 2008.
42
professores/as recebiam um programa de treinamento, considerado fundamental por
Anísio Teixeira, para qualquer transformação da educação. No Centro de Educação
Popular, a criança recebia toda a assistência: médica, dentária, de orientação
educacional, além da merenda escolar. Nesse local eram atendidas crianças de sete
a 15 quinze anos, inicialmente divididas em grupos por idade cronológica e, depois,
por níveis de aprendizagem. A aprovação dos/as alunos/as era automática. Enfim,
uma escola de educação primária ministrada em nova dimensão, dentro da mais
avançada doutrina pedagógica, cujo principal objetivo era dar às crianças uma
educação integral e de tempo integral (com permanência das 7h30 às 16h30 no
complexo educacional).
A Escola-Parque era destinada às atividades educativas, como: trabalhos
manuais, artes industriais, educação artística, educação física e atividades
socializantes. Pressupõe-se que havia uma racionalidade em relação à construção
do tempo, até porque a organização das diferentes atividades desenvolvidas ao
longo dos turnos exigiria novas compreensões da temporalidade, sobretudo no que
diz respeito a intensidade, ritmo e duração das vivências escolares. O que significa
dizer que um trabalho que toma como base a formação integral do indivíduo
(envolve corpo, mente, reflexão e criatividade) não comporta a fragmentação e a
rigidez dos horários impostos pelos relógios.
Nas Escolas-Classe, atividades normais ou convencionais das demais
escolas; ensino de ciências físicas e sociais, leitura, escrita e aritmética. Com base
nestes aspectos, é provável que houvesse a aplicação do controle do tempo, pois as
disciplinas possuem uma duração específica e são geralmente fragmentadas no
quadro de horários. Esta, inclusive, é a característica da escola tal qual a que se
conhece hoje: disciplinas distribuídas ao longo dos dias, das semanas e dos meses,
com tempo determinado de início e término e com duração limitada. Não foi possível
identificar se ocorreu desta forma nas Escolas-Classe. A análise se restringiu ao que
Anísio Teixeira considera atividades normais ou convencionais das demais escolas,
o que remete de imediato à fragmentação do tempo escolar, embora o próprio Anísio
discordasse do ensino compartimentado e desarticulado desenvolvido nas escolas
primárias do País.
A educação integral por ele vislumbrada objetivava, de acordo com Pagni
(2000), a “escola como um meio de aproveitar o tempo da infância e da juventude
43
para a reflexão e para a filosofia, preparando o apenas para o trabalho, mas para
enfrentar os problemas não resolvidos pela civilização e, principalmente, a defesa da
democracia” O tempo escolar é aqui remetido ao processo de aprofundamento
intelectual referente aos dilemas humanos, à sua análise e compreensão:
As escolas criadas por Anísio e a geração de educadores à qual pertenceu,
tanto nos anos 30 quanto nos anos 50 e 60, não foram vistas pelos alunos
que as freqüentaram como locais de confinamento. Pelo contrário,
constituíram a possibilidade de reapropriação de espaços de sociabilidade
crescentemente sonegados às classes trabalhadoras pelas reformas
urbanas que lhes empurravam para a periferia da cidade. Para muitos
desses alunos, essas escolas foram a única abertura para uma vida melhor
(NUNES, 2001, p. 12-13).
Anísio trata, essencialmente, de uma vivência do tempo na escola que
possibilite aos indivíduos ampliarem suas experiências de mundo. Não se refere à
racionalidade inventada pelos pedagogos modernos - uma escola com tempo
fragmentado, regulado, medido e controlado pelos relógios e calendários -, mas a
um tempo que se integra a outros tempos sociais na busca da formão integral
dos/as educandos/as e de uma vida melhor para todos/as.
44
2 O TEMPO NA ESCOLA: A ORGANIZAÇÃO DE NÍVEIS, ETAPAS, CICLOS E
CURSOS
O crescente movimento em defesa da instrução como via de integração do
povo à nação e ao mercado de trabalho assalariado [...] significou também
um momento crucial de produção da necessidade de refundar a escola
pública, uma vez que aquela que existia era identificada como atrasada ou
desorganizada (FARIA FILHO, 2000, p.30).
2.1. O tempo institucionalizado nas bases da organização do ensino primário
em Santa Catarina
Neste capítulo, será analisada a legislação que estabelece as principais
reformas de ensino do estado de Santa Catarina e sua relação com os princípios
expressos no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a fim de identificar
descontinuidades e persistências quanto à organização temporal do ensino primário
em Escolas Isoladas. Utilizar-se-ão, na análise, o regimento de 1914, por sua longa
duração e pela permanência dos aspectos básicos de sua estrutura até o ano de
1935; a Reforma Trindade, de 1935, e o Regulamento para os Estabelecimentos de
Ensino Primário do Estado de 1946, alicerçadas na perspectiva teórica de Frago
(1998, pp. 130-131). qual seja:
[...] el tiempo escolar es um tiempo social, uma construcción cultural y
pedagógica, um hecho cultural. No es por tanto como tampoco lo son el
espacio y el discurso escolares um simple esquema formal o uma
estructura neutra em la que se vacía la educación [...] El proceso de
configuración de este tiempo social requiere, entre otros aspectos, el
análisis pormenorizado de la evolución del tiempo y del trabajo em las
instituiciones e sistemas educativos.
45
A utilização da legislação neste estudo “comporta uma densidade discursiva
considerável que requer uma atenção particular às diversas intertextualidades nela
presentes [...] o texto não é entendido enquanto artefato discursivo de natureza
estática, acabada, definitiva; antes é, pelo contrário, dotado de propriedades
dinâmicas, atualizáveis [...]” (CORREIA e GASPAR da SILVA, 2003, p. 15). Desse
modo, confrontam-se as normas prescritas nos documentos e adota-se o que sugere
Le Goff (2003), que é desmontar, desestruturar essa construção e analisar suas
condições de produção. Uma análise do contexto político e econômico, das
demandas sociais e educacionais em que foram produzidas as reformas e
regulamentos, fornece pistas importantes sobre o processo de construção do tempo
escolar.
No estado de Santa Catarina, as preocupações em relação à instrução
pública se fizeram presentes acompanhando as necessidades de escolarização
desencadeadas a partir da instauração da República
28
. Em estudo realizado sobre a
Escola Normal Catarinense no período de 1911 a 1935, Teive (2008, p.44) destaca
que “fazia já algum tempo que os governantes vinham queixando-se do anacronismo
dos métodos usados nas escolas públicas e do caos geral da instrução pública
catarinense”.
Em 1910, o coronel Vidal José de Oliveira Ramos assume o governo
anunciando como meta a Reforma de Instrução Pública, com que busca adequar o
estado ao modelo reformador exigido pela República, que se baseava na causa
nacionalista, nos ideais republicanos e nas novas teorias de ensino. Conduzida por
Orestes Guimarães, a reforma do ensino é iniciada em 1911 e concebida a partir dos
preceitos da pedagogia moderna. Embora o discurso de cientificidade da
escolarização estivesse presente no final do século XIX, ganhará impulso com o
escolanovismo na década de 1920 (VIDAL, 2003).
O modelo de reforma adotado no estado foi inspirado em experiências
desenvolvidas em outros estados, particularmente em São Paulo, onde os todos
de ensino eram reconhecidos como os mais aperfeiçoados e por ter sido pioneiro na
28
No livro Santa Catarina: 100 anos de história, de Celestino Sachet, publicado em 1997, o autor
identifica que no ano de 1900 o número de analfabetos correspondia a 80,3% da população
catarinense. Sabiam ler os colonos e os operários que falavam alemão ou italiano; não sabiam ler os
pescadores que só falavam a língua portuguesa.
46
criação dos primeiros grupos escolares. A reforma paulista, na avaliação de Fiori
(1991), influenciou todo o País e foi nesse estado, na pessoa de Orestes Guimarães,
que o governador Vidal Ramos foi buscar o mentor intelectual para a reorganização
do ensino catarinense. “O contato com o chamado Método de Ensino Intuitivo ou
Lições de Coisas”, considerado o que havia de mais moderno na pedagogia no final
do culo XIX e nos primeiros anos do século XX, “[...] dizia-se, equiparava-se ao
que era desenvolvido nas principais escolas dos Estados Unidos” (TEIVE, 2008a, p.
44), colocava
o estado em sintonia com o movimento nacional de renovação
educacional, e se manterá nas reformas e regulamentos nos anos de 1930 e 1940,
com semelhanças, inclusive, no teor e na redação dos textos legislativos.
Sob o comando de Orestes Guimarães, cuja missão era criar um sistema
educacional e resolver o problema do analfabetismo, o ensino primário catarinense
apresenta contornos mais uniformes em relação à sua organização. Isto se
evidencia no decreto
29
expedido pela Secretaria Geral dos Negócios do Estado que
baixa o programa para os grupos escolares, escolas isoladas, escolas
complementares e escolas normais. Anteriormente já haviam sido estabelecidas
normas quanto à duração dos cursos também por meio de decreto
30
, o curso
primário nas Escolas Isoladas seria de três anos.
Na década de 1930 ocorrem alterações na filosofia e na política educacional
do estado, resultando em uma nova reforma de ensino, promovida pelo decreto nº
713, de 5/1/1935
31
, conhecida como Reforma Trindade. Foi seu mentor intelectual o
professor Luiz Sanchez Bezerra da Trindade, que transformou a Diretoria de
Instrução Pública em Departamento de Educação.
Fiori (1991) considera que as diretrizes traçadas pelo VI Congresso de
Educação, realizado em Fortaleza em 1932, influenciaram sobremaneira o estado.
Em harmonia com o momento histórico, essa nova reforma foi inspirada no sistema
de ensino do Distrito Federal, remodelado por Fernando de Azevedo
32
, em 1928, e
29
SANTA CATARINA. Decreto nº 796, de 2/5/1914. Florianópolis, Officinas grafhicas da livraria
Cysne, 1921.
30
SANTA CATARINA. Decreto nº 585 de 19/4/1911. Florianópolis, Officinas grafhicas da livraria
Cysne, 1921.
31
SANTA CATARINA. Decreto nº 713, de 5/1/1935.
32
Fernando de Azevedo foi reformador de instrução pública no Distrito Federal e redator do Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova (1932).
47
concebida dentro dos princípios da Escola Nova apregoados no Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova.
O interventor federal no estado, Aristiliano Ramos, considerava necessária a
reorganização do ensino em virtude da necessidade da aplicação dos novos
métodos de ensino nos institutos de formação de professores - métodos baseados
nas propostas do movimento escolanovista, e que exigiriam estudos com bases
científicas e técnicas que possibilitassem uma formação mais sólida aos futuros
professores. O governador eleito, Nerêu Ramos, assume neste mesmo ano e afirma
que a Reforma Trindade dera um salto muito brusco entre o que até então era
ensinado (transmissão de conhecimentos e de certas técnicas intelectuais baseadas
na memorização) e o que passara a ser exigido (um ensino com ênfase na
observação e na experimentação), com métodos diversificados e modernos, que
deram ao tempo escolar outras dimensões.
No estado, a Reforma Trindade incidiu sobre as Escolas Normais,
transformadas em institutos de educação. As Escolas Normais primárias, com um
curso de três anos, destinavam-se a preparar professores para as zonas rurais
(antigas escolas complementares). O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
reivindicava também a incorporação de toda a população infantil. Para Vidal (2003,
p. 49), “serviria de base à disseminação de valores e normas sociais em sintonia
com os apelos da nova sociedade moderna, constituída a partir dos preceitos do
trabalho produtivo e eficiente.” Para os pioneiros, a educação deveria ser pensada
em todos os níveis, por sua vez articulados entre si, abarcando desde os jardins de
infância até o ensino superior.
“Durante a vigência da Reforma Trindade, notava-se também uma autonomia
maior dos grupos escolares e unidades de ensino normal, quanto à organização de
associações escolares e atividades extra-curriculares, que eram mais ou menos
livres e independentes de iniciativa local” (MOREIRA, 1954, p. 30). Pode-se
interpretar que o movimento de renovação educacional difundido no País naquele
momento favorecia relações mais democráticas no âmbito dos estados e de suas
legislações. As Escolas Isoladas receberam pouca atenção nesta reforma devido ao
seu caráter essencialmente prático, orientado no sentido de fixar o indivíduo ao meio
em que vivia” (CABRAL FILHO, 2004, p. 152) e por o representarem o ideal da
escola pública de qualidade, haja vista a precariedade de suas instalações e da
48
formação de seus professores.
A Constituição Estadual de 1935, que enfatiza as questões relativas à
educação e ao papel do município desde o início, não estabelece as
competências do município em relação ao ensino primário. Para Cabral Filho (2004,
p. 165), “tendo vinculação com o Estado, no sentido mais amplo possível, as escolas
municipais pertenciam ao Departamento de Educação Municipal, que apesar de
atrelado juridicamente à prefeitura, seguia as determinações em relação às escolas,
diretores e inspetores da Secretaria de Justiça do Estado”. Desta forma, o município
de Florianópolis seguia as prescrições do estado por meio de seus regulamentos.
Embora a legislação educacional deste período possua uma filosofia de
caráter renovador, na prática o ensino continuava intelectualista e a escola
preocupada em transmitir conhecimentos, tornando-se, sobretudo, de
instrução e pouco educativa. Talvez seu maior mal, como provavelmente o
de outras escolas regionais brasileiras, tenha sido o da invariabilidade no
tempo e da estagnação” (MOREIRA, p. 47,1954).
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova defendia justamente o
contrário: a importância da variabilidade do tempo na organização das práticas
pedagógicas e o acompanhamento das mudanças sociais para que a escola se
mantivesse atualizada e partícipe dos movimentos mais amplos da sociedade e do
mundo.
No ano de 1939, reafirmando o ensino primário gratuito e obrigatório, as
escolas blicas primárias compreendem as seguintes categorias
33
: curso
complementa e as antigas escolas normais, que passam a denominar-se cursos
complementares, com a finalidade de ampliar a cultura primária. Terão duração de
dois anos e funcionarão junto aos grupos escolares, o que significa diminuição de
um ano em relação a 1935. Isto evidencia algumas contradições entre as
concepções da Escola Nova, expressas no Manifesto dos Pioneiros da Educação, e
a da escola tradicional. A primeira, busca outra configuração na organização e
construção do tempo escolar, inclusive com a ampliação dos dias letivos e duração
do curso primário, assim como a extensão do período de permanência dos/as
educandos/as na escola. A segunda, ao contrário, diminui a duração do curso
complementar, o que provavelmente repercutirá na qualidade de formação dos/as
33
SANTA CATARINA. Decreto nº 714, de 3 de março de 1939.
49
professores/as primários. Entretanto, o dilema entre Escola Nova e Escola
Tradicional foi aparentemente resolvido através de decreto
34
, que determinava que
fossem colocados em prática imediatamente, pelos/as professores/as, os princípios
da Escola Nova, ou seja, se introduzissem os novos métodos de ensino e,
conseqüentemente, a ressignificação do tempo escolar.
Melo (1955, p. 15), educador catarinense, considerava natural a defasagem
existente entre as determinações legais e a realidade educacional, pois, entre a
estrutura básica relativa aos aspectos materiais e a super-estrututra relativa aos
aspectos pedagógicos existiria uma distância grande. Os princípios da Escola Nova
normatizados por decreto não indicam, necessariamente, a apropriação destas
idéias por parte do professorado catarinense (MOREIRA, 1954).
Outra importante alteração do ponto de vista institucional ocorre quando o
Departamento de Educação da Secretaria da Justiça, Educação e Saúde do Estado
de Santa Catarina publica, em 1946, em cumprimento ao artigo 60 do decreto-lei n°
298, de 13 de novembro do mesmo ano, o novo Regulamento
35
para os
estabelecimentos de ensino primário. É assinado pelo interventor federal do estado,
Udo Deeke, que permanece no cargo de 1946 a 1947, tendo como prefeito do
município de Florianópolis o coronel Pedro Lopes Oliveira. O Regulamento é criado
em conseqüência às Leis Orgânicas
36
, editadas por meio de decretos-lei, pelo
ministro Gustavo Capanema, entre 1942-1946, e objetiva, entre outros, a
qualificação da mão-de-obra e o controle das ações desenvolvidas no interior das
escolas.
34
SANTA CATARINA. Secretaria da Justiça, Educação e Saúde. Decreto nº 2.991, de 28 de abril de
1944. Florianópolis.
35
SANTA CATARINA. Secretaria da Justiça, Educação e Saúde. Decreto nº 3.735, de 17 de
dezembro de 1946, cria o Regulamento para os estabelecimentos de ensino primário no estado de
Santa Catarina. Florianópolis, 1946.
36
Maria Lucia Spedo Hilsdorf, no livro História da Educação Brasileira (publicado em 2007 pela
Editora Thomsom SP), diz que o Estado brasileiro vai desenvolver de 1935-1947 uma política
educacional de molde autoritário e uniforme. Isto aparece claramente, segundo ela, na fala de
Gustavo Capanema em 1937, ministro da educação, quando diz que a educação é instrumento do
Estado para preparar o homem para uma ação certa e construir a nação brasileira. As leis orgânicas
são, portanto, resultado da necessidade de mão-de-obra especializada e de um tipo de homem
preparado para qualquer sacrifício. Dentro das escolas, as leis orgânicas procuraram regulamentar o
cotidiano dos professores e alunos. São visíveis as prescrições de programação curricular, de
controle do recreio, das classes homogêneas, do método único de leitura, do uso de uniforme, da
verificação do asseio corporal, entre outros.
50
Sobre o regulamento para o ensino primário não desaparecem, em
princípio, as tentativas de modernizar a escola, voltando-se, porém, quanto
aos detalhes de organização, ao velho regulamento de Instrução Pública,
elaborada antes de 1920, por Orestes Guimarães (MOREIRA, p. 60, 1954).
Ao mesmo tempo em que ocorrem avanços significativos em relação aos
direitos sociais, há, por outro lado, excessiva centralização e controle na esfera
administrativo-pedagógica neste regulamento. Foram observadas diferenças quanto
às categorias entre os decretos de 1939 e o de 1946. Se o primeiro segmentava
curso elementar, grupo escolar, escola isolada e cursos noturnos, o segundo
transforma-os em duas categorias, quais sejam, ensino primário fundamental e
ensino primário supletivo.
Os estabelecimentos de ensino primário eram divididos em: Escola Isolada
(E. I.), quando possuísse uma só turma e entregue a um só docente; Escolas
Reunidas (E. R.), quando houvesse de duas a quatro turmas de alunos e número
correspondente de professores; Grupo Escolar (G. E.), quando mantivesse de cinco
ou mais turmas com número igual ou superior de docentes; Escolas Supletivas (E.
S.), quando ministrassem ensino supletivo, qualquer que fosse o número de turmas
de alunos e professores. As Escolas Isoladas e escolas reunidas ministrariam
somente o curso elementar; os grupos escolares poderiam ministrar o curso
elementar e o curso complementar; as escolas supletivas, apenas o curso supletivo.
Como as Escolas Isoladas possuíam características especiais, principalmente
por sua localização, geralmente distante do centro urbano, poderiam ministrar
apenas os três primeiros anos do curso primário, podendo os alunos concluir o curso
em outra escola. Em entrevista com professora que lecionou na década de 1940, em
Escola Isolada
37
, na região norte de Florianópolis, identificou-se, porém, a
dificuldade das crianças e adolescentes em prosseguirem os estudos devido à
distância entre as escolas. Segundo ela, era comum o aluno repetir o ano, pois não
existiam outras escolas próximas para estudar. Estratégia de prolongamento de
permanência na escola, que não deixa rastro na documentação analisada.
O Regulamento de 1946 tem na causa cívica, nos valores morais e no
trabalho, aspectos centrais a serem desenvolvidos pelas escolas, sendo
37
Na época, a escola se chamava Escola Municipal Mista do Ratones; atualmente, Escola Básica
Municipal Mâncio Costa.
51
conseqüência das ações empreendidas pelo Estado Novo (1935-1947). A educação
fora transformada em atividade controlada por leis e regulamentos com o objetivo de
fortalecer a unidade nacional e o Ministério da Educação e as Secretarias da
Educação, em órgãos fiscalizadores do cumprimento destes dispositivos legais. Para
Fiori (1991, p. 130):
[...] em harmonia com esse contexto, ocorreu então, em Santa Catarina, um
período caracterizado por grande centralização e formalismo legal em
matéria de ensino. Quase se poderia dizer que, na época, o conceito de
eficiente Professor, Diretor ou Inspetor Escolar, incluía forte capacidade de
respeitar e de cumprir ordens.
Ainda segundo a autora, o formalismo das atividades educacionais chegou a
afetar aspectos ligados à qualidade do ensino, como os planos de aula e as reuniões
pedagógicas, onde só poderiam ser tratados temas sugeridos pelo Departamento de
Educação e sobre os quais já tivesse havido uma manifestação oficial. Isto se
evidencia no artigo 365 sobre o tempo escolar: “Os Grupos Escolares e Escolas
Isoladas precisam preencher cabalmente as horas de funcionamento, estabelecidas
pelo regulamento”. A contradição do regulamento reside, pois, em fundamentar-se
em princípios difundidos pela Escola Nova, expressos no Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, principalmente no que diz respeito à autonomia da escola e à
ampliação do tempo escolar, e ao mesmo tempo em impor uma série de medidas
administrativas que, a priori, não estabelecem coerência com estes princípios,
causando confusão entre os princípios da Escola Nova, entendida como escola
ativa, e a posição centralista e autoritária por parte daqueles que administravam os
serviços de educação (MOREIRA, 1954).
Segundo Faria Filho (2000), a distribuição do tempo escolar em aulas,
períodos, anos e cursos indica também uma concepção sucessiva e parcelada do
ensino. Segmentados, os conhecimentos se acumulam, sem necessariamente se
relacionar. Ainda, o tempo escolar se associa às horas em que se permanece na
escola, contabilizada em sinetas, recreios, cadernos, da mesma maneira que nos
ponteiros do relógio. O que se faz durante esse tempo é objeto de disputa.
Identificam-se, nas diferentes reformas de ensino empreendidas no estado de Santa
Catarina, mais persistências do que descontinuidades relativas ao tempo escolar. O
tempo destinado ao período de aula nas Escolas Isoladas manteve-se com quatro
horas diárias ao longo dos anos 1930-1940 persistências. A duração do curso
52
primário, embora de três anos, previstos tanto na Reforma Trindade como no
Regulamento de 1946, fora de quatro anos (1º ao ano) nas escolas pesquisadas,
o que comprova descontinuidade entre o prescrito e o vivido, ou seja, “teoría,
legalidad y realidad escolar no simpre coincidían” (FRAGO 1998, p. 130).
Localizadas distante do centro da cidade, as Escolas Isoladas possuíam
maior flexibilidade em relação ao cumprimento dos dispositivos legais. Pode-se
inferir que não havia fiscalização efetiva, pois a visita dos inspetores escolares era
esporádica. O êxito das Escolas Isoladas quanto ao melhor aproveitamento do
tempo escolar e do rendimento dos alunos dependeria do interesse do professor. Se
fosse interessado, a escola seria boa; do contrário, seria apenas mais uma unidade
de ensino (MOREIRA, 1954).
Estes elementos não são estanques. Diferem na forma como foram
apropriados por professores/as e alunos/as ou, como diz Cavaliere (2007), o tempo,
seja ele “físico” ou “social”, não pode ser considerado em sua objetividade ou
substancialidade. Ele é sempre um conjunto de relações entre diferentes dimensões
que compõem um determinado contexto histórico e guardam as marcas de uma
época. A prescrição e a normatização explícitas na legislação educacional nem
sempre se refletem na apropriação realizada no interior da escola.
2.2. Dos livros e fichas de escrituração
Werle (2002, p. 78), em artigo sobre arquivos escolares e as novas
tecnologias, salienta que o “documento traz inscrita uma tecnologia a qual nele
incide manifestando o momento histórico em que foi criado”, possibilitando descrever
e também interpretar o ideário disseminado e apropriado pela escola com base na
sua materialidade. A documentação escrita registra concepções e finalidades das
instituições escolares ao longo do tempo e expressa fatos relativos à vida escolar
dos alunos, desde os dados de identificação, admissão, matrícula, reprovação, até
freqüência e programas de ensino.
53
Fonte: Acervo da Escola Básica Municipal Mâncio Costa.
A utilização das fontes provenientes dos arquivos escolares nem sempre é
tarefa fácil, seja pela inexistência destes registros, seja pelo desconhecimento dos
acervos existentes, dificultando a tarefa do pesquisador. Neste trabalho de
garimpagem, foram encontrados livros e fichas de escrituração de Escola Isolada
38
referentes aos anos de 1941 a 1948, com registros do número de alunos, idade,
naturalidade, freqüência, endereço e escolaridade dos pais, profissão, distância da
residência do aluno até a escola, e dados de aprovação e reprovação, permitindo
traçar um perfil da comunidade e a relação com o tempo vivido na escola.
38
Em 1941, a escola, que se chamava Escola Mista Municipal de Ratones, atendia meninos e
meninas num único turno e todos numa mesma sala. Atualmente, recebe o nome de Escola Básica
Municipal Mâncio Costa.
54
Fonte: Acervo da Escola Básica Municipal Mâncio Costa.
Na análise do documento foi possível identificar a quase a totalidade dos pais,
composta de analfabetos; a profissão de lavrador como a mais freqüente para os
homens e a de doméstica para as mulheres, fato que se manterá por toda a década
de 1940, sendo a agricultura a fonte de subsistência desta comunidade. Os estudos
produzidos na década de 1950 pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
55
ainda destacam a pouca atenção dada pelos governos às comunidades das zonas
rurais ou distantes dos centros urbanos, diz o editorial da Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos:
O Brasil, por largo tempo, esqueceu seus habitantes da zona rural. Os
homens de governo, preocupados com a industrialização para retirar nossa
economia do estádio semi-colonial, não levaram para o campo os benefícios
que tornam favorável a vida nas cidades [...] A fixação do homem rural à
terra poderá ser alcançada quando o meio rural oferecer recursos de
educação, transportes, habitação, assistência médico-social, e condições
gerais de existência e de trabalho que elevam a vida do campo (REVISTA
BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS, nº. 38, 1950).
Se, por um lado, os aspectos relacionados à escrituração revelam a
formalização dos procedimentos a serem adotados e registrados na escola, por
outro, permanecia a situação de precariedade no seu interior. Identificou-se no
município um quadro correspondente ao que ocorria no restante do País:
procedimentos passíveis de fiscalização e uma normatização que objetivava
homogeneizar as práticas no interior da escola, sem, no entanto, alterar as
condições do seu funcionamento.
Embora a normatização da escrituração escolar se faça presente no
Regimento de 1914, elaborado por Orestes Guimarães para o estado de Santa
Catarina, manterá as mesmas características no decreto nº. 3.735, de 17 de
dezembro de 1946, que regulamenta o ensino primário no estado. Os livros e fichas
de escrituração serviriam como registro da vida administrativa e pedagógica da
escola, sendo, inclusive, instrumento de fiscalização por parte dos inspetores
escolares, cumprindo finalidades diversas que dizem respeito à organização e ao
funcionamento da vida escolar.
Como documentos escritos, traziam em si marcas dos tempos diferenciados
em que os registros eram feitos e das diversas pessoas que dele tomavam
conhecimento e nele inseriam mensagens ou marcavam sua tomada de ciência
acerca do conteúdo (WERLE, 2002). A assinatura com o visto dos inspetores a cada
visita nas escolas representava o acompanhamento e a orientação em relação aos
aspectos administrativo-pedagógicos.
Todos os livros deveriam ser numerados, rubricados e encerrados pelos
respectivos diretores e assinatura das visitas dos inspetores. Havia dois livros de
matrícula para cada curso, quando houvesse, sendo um para a secção masculina e
56
outro para a feminina; um do ponto; um para registro do inventário do
estabelecimento; um para termo de visita de inspeção; um dos visitantes; um de
compra; um de honra para cada curso; um apenas para cada curso; um de avisos;
um de atas de exames para cada curso; um de registros de certificados para o curso
primário complementar; um de correspondência; um de termos de compromissos e
assentamentos; um de chamada para cada classe; um diário das lições; um de atas
das reuniões pedagógicas; um de registro de quitação escolar e, finalmente, um de
registro para cada associação auxiliar da escola.
São estabelecidas normas para seu preenchimento, inclusive com códigos
específicos para o aluno que chegasse atrasado ou faltasse à aula. Tudo isto seria
computado ao final e registrado no boletim. Desta forma, o/a professora/ poderia
realizar o controle sobre a regularidade da freqüência escolar. Aspecto fundamental
do tempo na escola o as seqüências das atividades através dos dias que
proporcionarão a aprendizagem.
Fonte: Acervo da Escola Básica Municipal Mâncio Costa.
A visita dos inspetores às Escolas Isoladas parece ocorrer com maior
57
freqüência na década de 1940, momento em que vistoriavam tudo. Segundo
depoimento de professora:
Tudo, livro de matrícula, de chamada, era o caderno dos alunos, as
provas... tinha uma diretora que era a dona Laura, era da secretaria de
educação, ela veio à tarde e eu dava aula de manhã. Ela foi no meu
armário e abriu e viu todos os meus livros, os cadernos dos meus alunos,
eu tinha caderno de religião, tinha caderno de exercício, tinha o caderno de
prova, tinha tudo direitinho. Eu empilhava cada um por série, assim,
separado e amarrava com uma fitinha, fazia um laço em cima e deixava
tudo direitinho lá no armário. Aí, ela olhou e disse poxa, os primeiros
cadernos que ela abriu eram das minhas alunas mais inteligentes, eu
colocava os cadernos dos mais inteligentes em cima (MARIA, 2007).
Neste testemunho, revela-se o que se poderia denominar de dois tempos
(grifo nosso), o tempo institucional, referente ao cumprimento das normas e dos
procedimentos, e um tempo pessoal, utilizado pela professora ao estabelecer um
modo particular no atendimento às vistorias dos inspetores escolares, qual seja,
colocar os cadernos dos alunos mais inteligentes em cima da pilha e com isto causar
a boa impressão do dever cumprido e demonstrar sua eficiência. Os cadernos de
religião, de exercícios e de provas indicam a organização das atividades
pedagógicas a partir de seqüências temporais que permitio à professora o
ordenamento e a distribuição da rotina escolar.
A encenação, quando da visita dos inspetores, também é relatada por ex-
aluno que estudou em 1930:
A gente tinha uma coisa, de mês a mês o inspetor vinha fazer uma revista
na escola. O professor avisava uma semana antes. Então naquela época o
prefeito ou o intendente, conforme a situação dos pais, dava o uniforme. Se
não ganhasse, a gente ia com a roupa de casa. Eu ia com a roupa da minha
irmã, porque naquela época não era tão fácil como é hoje. Hoje qualquer
coisa é cinqüenta contos e o camarada às vezes nem usa o que comprou
(MANOEL LEOPOLDO, 2007).
A demarcação temporal destas vistorias apresenta-se distintamente nos
depoimentos colhidos, ora com uma freqüência de intervalos pequenos, ora com
intervalos longos. As inspeções, entretanto, ocorriam dentro das possibilidades de
deslocamento dos inspetores. Nos dois depoimentos, identifica-se, para além do
cumprimento do ritual normativo de fiscalização dos livros de escrituração, a
encenação de alunos uniformizados, com cadernos ordenados, representando a
imagem do que deveriam ser o cotidiano e a organização do tempo na escola.
58
A análise permitiu constatar rigoroso controle em relação aos livros de
escrituração das ações da escola por ocasião da inspeção regular na cada de
1940. Também permitiu identificar o que Vidal (2005) considera imprescindível: a
interioridade dos processos escolares, revelada no comportamento de
professores/as e alunos/as, preocupados em mostrar dever cumprido, ainda que o
vivido no cotidiano escolar nem sempre refletisse exatamente a imagem construída
durante as inspeções
.
2.3. Do regime de aula, do recreio e da promoção dos alunos
Passa, tempo, tic-tac. Tic-tac, passa hora. Chega logo, tic-tac.Tic-tac, e vai
embora. Passa, tempo, bem depressa, não atrasa. Não demora que
estou bem cansado. perdi toda alegria, de fazer meu tic-tac, dia e noite,
noite e dia. Tic-tac, tic-tac... (VINICIUS DE MORAES, 2005, p.24).
Marcado por rituais, o tempo escolar torna-se um elemento constitutivo da
cultura escolar. Segundo Juliá (2002, p. 40), o modelo escolar, com vistas ao
controle regulado das atividades, estabelece as práticas de aprendizagem a partir de
uma programação, com seqüências temporais razoáveis.
Sobre o regime de aula, percebem-se algumas alterações no primeiro quartel
do século XX, a começar pelo Regimento, de 1914 (Reforma Orestes Guimarães)
.
A
s aulas eram divididas em cinco horas, com uma interrupção de meia hora para o
descanso e merenda dos alunos. Os peodos de aula, conforme o artigo 35, “não
poderiam exceder a 40 minutos, no máximo, nem a menos de 15 minutos, salvo as
aulas de recreação ou entre entrada, marchas, cantos, exercícios, as quais não
devem exceder 10 minutos”.
O dia de trabalho do professor correspondia a cinco horas, incluindo trinta
minutos de descanso. Esta forma de organização do tempo escolar corresponde ao
que Gallego (2003
, p. 134) identifica em pesquisa realizada sobre os usos do tempo
nas escolas primárias paulistas, abarcando o período de 1890 a 1929:
Defendia-se que a escola precisava ser feita para as crianças, e não esta
para a escola ou para o horário. Embora a preocupação com a fadiga, com
59
a monotonia das aulas e com o tempo de descanso no meio dos trabalhos
estivesse presente desde meados de 1900, esta é mais intensa no fim de
1910 e, sobretudo, nos anos 20 em virtude do aumento significativo da
divulgação das idéias da Escola Nova ou da chamada Escola Ativa.
Nota-se que a pedagogia moderna se faz presente no regimento de 1914,
indicando a preocupação com o descanso e a recreação das crianças, elementos
diretamente relacionados às características e necessidades biológicas das crianças,
sem, no entanto, deixar de ser um tempo racionalizado, pois está presente no
quadro-horário. No entanto, a organização do horário se modifica no estado no ano
de 1931, através de decreto
39
, que estabelece: “Não é o largo período de horário
escolar o fator determinante do aproveitamento, podendo ser, até, elemento
perturbador da compreensão e a conseqüente assimilação mental”. Aliás, considera
o período de cinco horas escolares prejudicial à saúde física dos alunos, em geral
por sua tenra idade. Na concepção de Fernando de Azevedo (1930, p.15):
Não é a hora que fixa irremediavelmente o limite da lição, é a necessidade
psicológica, do interesse despertado que o mestre deve aproveitar,
tratando, sem limite de tempo, a matéria ou o desenvolvimento do trabalho,
por que a classe se interessou e que ela mesma, por isto, não desejaria
abandonar.
A rígida repartição de horários da escola primária era questionada pelos
novos métodos, especialmente pelo de projetos
40
, anteriormente relacionada à
higiene e a características biológicas do aluno. A divisão consecutiva do tempo
escolar em atividades era substituída pelo tempo psicológico de interesse. Porém,
num curto espaço de tempo, o período de cinco horas de aula é retomado pelo
decreto nº 714, de 3/3/1939
41
, desencadeado pela Reforma Trindade. Por este
decreto, cada um dos primeiros anos do primário teria a duração total de cinco
horas, com trinta minutos de recreio, especialmente para os grupos escolares. Trata-
39
SANTA CATARINA. Coleções de Decretos, Resoluções e Portarias de 1932. Decreto 130, de
12 de junho de 1931. Florianópolis, 1932.
40
O trabalho pedagógico desenvolvido através de projetos implica a visão de Lourenço Filho no
ensino globalizado: não disciplinas isoladas e sim uma ação articulada entre elas. Os projetos
poderão ser aplicados como processo único de ensino ou recurso para sua vitalização. LOURENÇO
FILHO, M. B. Introdução ao estudo da escola nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia
contemporânea. 14. ed. Rio de Janeiro: EdUERJ : Conselho Federal de Psicologia, 2002.
41
BRASIL. Instituto de Estudos Pedagógicos. Boletim n. 21, 1942.
60
se das descontinuidades provocadas pela legislação, nem sempre assimiladas a
tempo pelas escolas.
Algumas permanências foram identificadas, sobretudo no que diz respeito à
organização do tempo em Escolas Isoladas: uma rotina que inclui a oração no
primeiro momento, o hino nacional, a correção dos deveres e a leitura, uma coisa de
cada vez, permitindo aos/as professores/as uma seqüência de atividades que
delimitavam o tempo para cada uma delas. a distribuição das matérias ao longo
do período de aula ficava a cargo do/a professor/a. Observou-se a ênfase dada à
língua portuguesa e à matemática, domínios considerados básicos para o ensino
primário. Quando perguntado se aprendiam na escola, o sr. Manoel responde:
Aprendia. Era tudo carregado: botava a lousa, botava o lápis e o caderno e
ia pra escola. O professor ensinava, contava, era leitura, saía de classe em
classe, ia colher a lição de cada um e passando a lição pro outro dia.
Aqueles que não sabiam, ele ensinava, aqueles que sabiam eram
considerados ajudante do professor, porque não davam trabalho pra ele
(MANOEL LEOPOLDO, 2007).
Apesar do pouco tempo de escolarização, as lembranças do sr. Manoel
trazem à cena um ritual do tempo na sala de aula, o material escolar utilizado e que
deveria ser levado diariamente e o modo de trabalho do professor, sinalizando
incorporações realizadas pela escola.
Em 1946, o Regulamento n. 3.735 altera o decreto de 1939 e diminui o
período de aula para quatro horas no total, com trinta minutos para o recreio. As
matérias dos primeiros anos seriam dadas em três aulas de 50 minutos cada uma,
com intervalos de 10 minutos, destinados à transição dos trabalhos de uma secção
para outra. Nas Escolas Isoladas, a jornada diária compreendia, durante as décadas
de 1930-1940, quatro horas destinadas às aulas, incluindo o recreio, conforme
depoimento de ex-professora. “O recreio era de 30 minutos. As crianças levavam
lanche, biscoitos para merendarem; as meninas brincavam de roda e os meninos
gostavam de correr” (DILMA ANDRADE, 2008). Infere-se que as descontinuidades
dos horários provocadas pelos regulamentos não repercutem nestas escolas, pois
mantiveram quatro horas diárias, ministradas num único turno nas duas décadas
pesquisadas.
61
Neste período, a Revista de Estudos Educacionais
42
publica artigos que
reiteram ser o recreio um espaço de movimentação para as crianças, destacando a
necessidade do/a aluno/a de refazer-se do trabalho sedentário da sala de aula
(FAÍSCA, 1943). Com ênfase na divulgação dos ideais da Escola Nova, a revista
objetivava modernizar a pedagogia e, sobretudo, qualificar a formão dos/as
professores/as. As Escolas Isoladas, por seu pequeno número de alunos/as e pela
pouca diversidade de material, pouco oferecia em termos de recreação. Os meninos
corriam, subiam em árvores; já as meninas brincavam de roda. O recreio durava em
torno de 30 minutos e, às vezes, um pouco mais, sem maior rigidez. Em seus
relatos, os/as professores/as afirmam que procuravam observar e respeitar o tempo,
que, no entanto, difere de escola para escola.
Em relação ao recreio, o diretor do Departamento de Educação, Elpídio
Barbosa, em circular enviada aos inspetores escolares, faz a seguinte avaliação:
Constituído, antes de empurrões, correrias e gritos, melhorou bastante o
recreio em virtude da cooperação dos professores desde o mês de julho.
Muitos alunos contam histórias nos recreios, outros lêem revistas. Vários
organizam estações de rádio simuladas, e, assim, se entretêm durante os
recreios (CIRCULAR N. 105, p. 86, 1943).
Aqui, certamente, refere-se aos Grupos Escolares, pois, nas escolas
pesquisadas não havia disponibilidade de muitos livros e revistas e tampouco
estações de rádio simuladas para serem utilizados no horário de recreio. Também
não foi identificado registro de maiores atritos entre as crianças. Havia bastante área
livre para jogos e brincadeiras. Outro aspecto importante do regulamento de 1946
diz respeito ao ensino, a cujo respeito diz que seria desenvolvido através do método
intuitivo, recorrendo-se à observação direta da natureza, na escola ou em excursões
e às projeções fixas e cinematográficas e centros de interesses. Um dos
fundamentos deste método relaciona-se à capacidade do/a professora/a em manter
a atenção da criança a partir da organização do tempo para as atividades.
42
A Revista de Estudos Pedagógicos publicada da década de 1940 é composta de artigos de alunos,
professores e autoridades, tornando públicos os debates realizados no Instituto de Educação da
capital, entáo sob a direção do professor Roberto Moreira. A revista tem como objetivo explicitar o
caráter das novas formas de ensinar. A revista difunde os preceitos da Escola Nova com vistas à
superação dos problemas educacionais. BOMBASSARO, Ticiane. As semanas educacionais” por
uma escola nova catarinense: Formação docente e modernização do Ensino. Disponível em
<http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais.coautorias/eixo6/ticiane%>. Acesso em:
12 abr. 2008.
62
Baseado no que havia de moderno no País em matéria de educação, parece
que as determinações nem sempre foram assimiladas pelos/as professores/as das
Escolas Isoladas. Ficou explícito, nas entrevistas, que vários temas trabalhados nos
cursos de formação, entre eles o recreio, não foram desenvolvidos no cotidiano
escolar. Motivos teriam sido a escassez de material e a consideração de que o que
era principal - espaço para correr - os/as alunos/as possuíam.
Na contramão do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, seus
princípios, embora presentes na legislação educacional catarinense, não haviam
sido incorporados à prática pedagógica destas escolas, evidenciando, desse modo,
a distância entre o prescrito e o vivido, ou a distância entre o que era desenvolvido
nos Grupos Escolares e nas Escolas Isoladas.
Exceto no mês de novembro, a verificação do aproveitamento escolar nas
classes de segundo, terceiro e quarto ano, alternadamente, ocorria todos os meses,
com provas escritas de linguagem e aritmética, de geografia e história, e de noções
comuns. As classes de primeiro ano fariam provas mensais de linguagem, de cálculo
e desenho de acordo com o adiantamento dos alunos. As provas mensais seriam
feitas de preferência por meio de testes. Estas provas serviriam de base para
classificar os alunos em fortes” “médios” e “fracos”. Consideravam-se “fortes” os
alunos que obtivessem nota de 75 a 100; consideravam-se “médios” os alunos que
obtivessem de 50 a 70; “fracos” os que tivessem nota inferior a 50. Ainda, segundo o
decreto
43
, haveria exames finais, escritos, de linguagem, aritmética, geografia,
história, noções comuns e leitura, nas classes de 2º, 3° e 4° ano.
Os exames seriam organizados pelo diretor, segundo instruções baixadas
pelo Departamento de Educação do Estado. Observou-se que as disciplinas
oferecidas nas Escolas Isoladas não seguiam a rigidez imposta pelo programa de
ensino oficial; no entanto, realizavam os exames finais dentro das determinações
legais. A divisão dos alunos estava presente em 1930, é o que diz um ex-aluno:
“era a turma dos fortes e dos fracos, o ensino era muito bom aqui. Os professores
não sabiam tanto como hoje, mas eles ensinavam mais que os professores de hoje,
que sabem mais do que eles, uma coisa fantástica” (MANOEL LEOPOLDO, 2007).
43
SANTA CATARINA. Decreto nº 3.735/46.
63
Esta divisão em alunos fracos, médios e fortes se manterá pelas duas cadas em
estudo.
Nos livros de Registro Escolar
44
foi possível identificar grande número de
reprovações no peodo de 1941 a 1948, mais de 50%, o que para Anísio Teixeira
(1976) caracterizava o processo “puramente” seletivo do ensino primário, que
dificultava o acesso das camadas populares e se revelava nas reprovações maciças.
No próprio Distrito Federal, nas décadas de 1950 e 1960, as reprovações chegavam
a mais de 50%. As altas taxas de reprovação no município de Florianópolis na
década de 1940 traduzem o contexto educacional do período em praticamente todo
o território nacional. A introdução do ritual dos exames finais no calendário escolar,
como forma de racionalização do processo educativo e em conformidade com o que
determinava o Departamento de Educação do Estado, não foi acompanhada de um
melhor aproveitamento e rendimento escolar dos alunos.
Se no Manifesto a escola deveria “abrir ao educando, à sua energia de
observar, experimentar e criar todas as atividades capazes de satisfazê-la, é preciso
que ela seja reorganizada como um mundo natural e social embrionário, um
ambiente dinâmico em íntima conexão com a região da comunidade” (AZEVEDO
apud XAVIER, 2002, p.100). As Escolas Isoladas, por diferentes motivos - condições
das instalações, formação dos/as professores/as, poucos recursos, distância do
centro urbano -, foram levadas a ter um caráter eminentemente prático, sem oferecer
aos alunos/as a possibilidade de ampliar os conhecimentos a partir do que estava
sendo introduzido em termos de renovação educacional. O caráter prático refere-se
aos domínios das cnicas intelectuais elementares: ler, escrever e contar e não ao
caráter prático proposto pelos escolanovistas, relacionado ao manuseio, à
observação e à experimentação com vistas à construção do conhecimento.
44
Livro que se refere à Escola Mista Municipal de Ratones.
64
3 O TEMPO NA ESCOLA: MARCAS DE TEMPO NA ELABORAÇÃO DO
CALENDÁRIO ESCOLAR
O calendário, objeto científico, é também um objeto cultural. Ligado às
crenças [...] e não obstante à laicização de muitas sociedades, ele é,
manifestadamente, um objeto religioso. Mas, enquanto organizador do
quadro temporal, diretor da vida pública e cotidiana, o calendário é,
sobretudo, um objeto social (LE GOFF, 2003, p. 478).
3.1 Da matrícula e da freqüência
Escola é o lugar aonde a gente vai quando não está de férias. A chefe da
escola é a diretora. A diretora manda na professora. A professora manda na
gente. A gente não manda em ninguém. quando manda alguém plantar
batata (PAES, 2005, p. 32).
A luta pela expansão da escola pública e a obrigatoriedade do ensino formam
alguns dos pilares expressos no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e nas
diferentes reformas de instrução pública iniciadas na década de 1920. Em vários
estados da Federação, entretanto, a falta de escolas impedia que o desejo da escola
unificada fosse realizável de imediato. Anísio Teixeira, ao empreender importantes
reformas neste período, na Bahia e no Distrito Federal, acentuava que a educação
era uma necessidade no modelo de sociedade, porque, repetia, “não nível de
vida em que dela não se precise” (TEIXEIRA, 1976, p. 92). Enfatizava, com isso, a
centralidade da educação para o desenvolvimento individual e social de crianças e
adultos, idéia que se manteve como a tônica do pensamento educacional da década
de 1930 até a implantação do regime do Estado Novo, em 1937.
65
No município de Florianópolis, como no restante do estado, a matrícula e a
freqüência escolar ganham contornos mais rígidos através de decreto
45
no ano de
1928, em decorrência da Conferência Estadual de Ensino
46
, realizada em 1927, que
resulta, inclusive, em medidas de aplicação imediata nas Escolas Isoladas. O
decreto n° 2.167
47
, de junho de 1927, determina:
Com a providencial innovação das delegacias escolares junto às escolas
isoladas, os attestados de exercício dos professores poderão ser feitos,
depois de visados os boletins pelo respectivo delegado escolar, constatadas
a matrícula e a freqüência exigidas pelo citado decreto (SANTA CATARINA,
1930, p. 156).
Esta determinação se deve ao fato de as leis anteriores não evitarem a
evasão de alunos, quer “[...] pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas
contingências econômicas” (XAVIER, 2002, p. 96), quer pelas dificuldades de
fiscalização em relação à assiduidade tanto de professores como de alunos/as.
Sobre isto, o ex-aluno diz que “quando o professor não vinha, o Nicolau era um
aluno forte e o professor dizia que ele podia abrir a escola e dar aula; o Ademar era
outro” (MANOEL LEOPOLDO, 2007). Essa prática era comum na Escola Isolada em
que estudou. Em 1930, não havia maior acompanhamento, tanto na freqüência de
alunos/as como de professores/as.
Até então, havia a preocupação com a freqüência média dos alunos, sem
considerar a matcula. Este critério estava falhando em seus resultados e as
matrículas eram insignificantes, segundo relatório apresentado pelo secretário do
Interior e Justiça, dr. Cid Campos, ao presidente do estado de Santa Catarina,
Adolpho Konder, em 1928
48
. Todavia, enfatiza o relatório um considerável aumento
no número de matrículas: 673 Escolas Isoladas em todo o estado, com 34.379
alunos. Relata o secretário: “Preciso, porém, é notar-se que os números referem-se
45
SANTA CATARINA. Secretaria do Interior e da Justiça. Decreto n° 2.176 de 22 de junho. Institui a
obrigatoriedade da matrícula e freqüência escolar. Florianópolis. 1928.
46
A CONFERÊNCIA ESTADUAL DO ENSINO PRIMÁRIO foi realizada em junho de 1927. Além de
sinalizar para a obrigatoriedade do ensino, propõe que sejam adotados os ditames da didática
moderna através da reformulação dos programas de ensino, seguindo os preceitos da Escola Nova e
incorporados nas legislações educacionais posteriores (NEIDE FIORI, 1991).
47
SANTA CATARINA. Secretaria do Interior e da Justiça. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Dr.
Adolpho Konder, Exercício de 1928. Florianópolis, 1930. Embora o decreto se refira ao ano de
1927, a informação foi colhida no relatório de 1928, p. 162.
48
SANTA CATARINA. Secretaria do Interior e da Justiça. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Dr.
Adolpho Konder, Exercício de 1928. Florianópolis, 1930.
66
à matrícula e freqüência relativas aos cinco primeiros meses deste ano (1928),
sendo, contudo, um índice de que o movimento das escolas catharinenses está
sofrendo apreciável modificação para mais” (RELATÓRIO, 1930, p. 151).
A obrigatoriedade, embora existente na legislação escolar, era considerada
de difícil execução. Encarregados da aplicação das penalidades previstas, os
professores viam-se quase sempre incompatibilizados com as populações,
incompatibilidade que acarretava sérios prejuízos à finalidade educacional
(RELATÓRIO, 1930, p. 162). Neste caso, obrigatoriedade e freqüência tornam-se
elementos indissociáveis no processo de aprendizagem, pois o trabalho didático-
pedagógico desenvolvido na escola requer regularidades e seências temporais
razoáveis para que os/as alunos/as aprendam.
Na análise do movimento do ano letivo de 1935
49
, as escolas do município de
Florianópolis estão distribuídas em 22 unidades, 967 alunos matriculados (502
meninos e 465 meninas). Percebe-se um incremento no número de matrículas nas
Escolas Isoladas municipais no ano de 1937, que passam a contar com 1.407
alunos matriculados, dos quais 752 meninos e 655 meninas. O número de unidades
aumenta para 27 unidades. No entanto, em relatório sobre o movimento de matrícula
referente ao ano de 1939
50
, observam-se algumas divergências, pois o número de
Escolas Isoladas municipais é inferior ao do ano anterior, as unidades diminuem
para 25, como também diminuem as matrículas (1.306 no total, sendo 706 meninos
e 600 meninas).
Em que pesem as contradições em relação aos números oficiais, cabe
destacar que o governo do estado baixou decreto-lei no qual regula a
obrigatoriedade da freqüência e institui a quitação escolar, destinada a facilitar a
fiscalização e a identificar os pais e/ou responsáveis que não haviam matriculado as
crianças em idade escolar obrigatória. Pais e/ou responsáveis passam a ser
obrigados a promover e assegurar a matrícula e a freqüência das crianças em idade
escolar. As faltas de alunos por mais de três dias consecutivos deveriam ser
justificadas perante o diretor ou professor/a da escola e registradas no boletim.
49
SANTA CATARINA. Departamento de Educação. Educação Popular. Movimento do ano letivo de
1935. IMPRENSA OFICIAL, Florianópolis, 1936.
50
SANTA CATARINA. Relatório apresentado em outubro de 1939 ao Exmo. Presidente da
República, pelo Interventor Federal no Estado de Santa Catarina. Imprensa Oficial, 1940.
67
Sobre estas determinações, argumenta o governador Nerêu Ramos:
Considerando que a Constituição da República estabelece a
obrigatoriedade do ensino primário como meio de educar a infância e a
juventude no cumprimento de seus deveres para com a economia e a
defesa da Nação. Considerando que a orientação do Estado Novo, no
tocante à educação, é intensamente nacional, cumprindo aos poderes
públicos exercer continua vigilância e tutela eficaz, para que o espírito da
criança seja impressionado e guiado por ensinamentos que, além de úteis à
cooperação social, lhe estimulem o amor, o culto e a compreensão às
tradições e às instituições brasileiras. Considerando que, sendo a educação
da infância e da juventude problema que interessa à construção moral da
Nação e ao seu equilíbrio político, não pode ficar adstrita à vontade
individual ou a opiniões puramente especulativas, devendo ser coordenada
e disciplinada, desde já, para fazer parte de um plano futuro de educação
nacional (DECRETO-LEI, 1939, p. 129).
As diretrizes do Estado Novo são reafirmadas com contundência neste
decreto, que apresenta a marca do que Pécaut
51
(1990) denomina de “patriotismo
inculcado”. A censura exercida neste período, com a interdição de partidos políticos
e a dura repressão aliada à propaganda, repercutiu nas escolas, que se tornou um
dos campos onde foi mais sistemático o esforço do regime para criar a mentalidade
do “homem novo” (grifo do autor). A obrigatoriedade do ensino, associada à
permanência dos/as alunos/as na escola, possibilitaria educá-los dentro de um
padrão moral e
de cooperação social que estimulam o amor, o culto e a
compreensão às tradições e às instituições brasileiras, sobretudo o culto ao País.
Tais ensinamentos exigem, por sua vez, vigilância e tutela por parte dos poderes
públicos para assegurar a sua incorporação. A escola primária, neste aspecto,
cumpre papel fundamental, ou seja, além dos conteúdos escolares, tem um conjunto
de valores e condutas a disseminar e a internalizar tanto por professores/as como
pelos/as alunos/as.
É, portanto, neste esforço de construção do “homem novo” que o governo do
estado de Santa Catarina, na figura do interventor Nerêu Ramos, segue com ações
cada vez mais centralizadas e autoritárias. Isto é percebido na normatização para as
datas de matrículas. O decreto é bastante incisivo em relação aos alunos que
poderiam ou não freqüentar a escola:
51
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil entre o povo e a nação. São Paulo:
Ática, 1990. pp. 14-96. Nesta obra o autor analisa a geração de intelectuais dos anos de 1920-1940
e 1954-1964. Destacando a convicção destes intelectuais de que lhes competia uma
responsabilidade essencial na construção da nação, influenciando opiniões e governantes.
68
Ocorrerá de 25 a 30 de janeiro, sendo os primeiros dias reservados àqueles
que freqüentavam a escola e após para os alunos novos. É vedada a
matrícula às crianças que não tenham completado sete (7) anos ou já
tenham completado treze (13), salvo o previsto acima; que padeçam de
moléstia contagiosa ou repugnante; que por qualquer defeito ou
incapacidade não possam receber instrução nas escolas primárias comuns.
A primeira série do curso elementar será destinada às crianças de sete (7)
anos de idade, podendo ser admitidas as que completarem sete (7) anos
até de junho do ano da matrícula, desde que apresentem a necessária
maturidade para os estudos. Nas demais séries seriam matriculadas as
crianças que tivessem obtido aprovação na série anterior e ainda aquelas
que, mediante verificação de estudos já feitos possam ser classificadas em
tais séries (DECRETO, 1939, p. 25
52
).
Embora o decreto possua um caráter bastante rígido em relação às crianças
que não poderiam freqüentar a escola, identifica-se uma organização para as
matrículas que privilegia a entrada na primeira série das crianças com sete anos e
nas demais séries a aprovação na série anterior, ou a verificação de estudos que
possibilitariam aos/as alunos/as com bom aproveitamento o avanço para séries
seguintes, adequando idade com série. Este, inclusive, é um dos objetivos da escola
graduada: homogeneizar alunos/as e distribuir as matrículas por idade e série
(FRAGO, 1998), com vistas à racionalidade da atividade escolar. Os primeiros dias
da matrícula, reservados aos/as alunos/as que freqüentassem a escola, se
mantêm até os dias atuais, assim como a verificação de estudos, tamm chamada
de progressão escolar, evidenciando algumas persistências ao longo do tempo em
relação à organização escolar.
Das quatro Escolas Isoladas pesquisadas, encontra-se referência à matrícula
em duas
53
escolas. A primeira delas conta com 21 meninos e 19 meninas, num total
de 40. A segunda é composta de 19 meninos e 20 meninas, perfazendo 39
matrículas. A freqüência média nas duas escolas oscilou entre 64% e 77%
(RELATÓRIO, 1939). É possível inferir que, a partir de 1937, ocorre um aumento
significativo no número de matrículas nas Escolas Isoladas do município; até então,
este número não era superior a 40 alunos. A obrigatoriedade do ensino e a
responsabilização dos pais e/ou responsáveis em relação à matrícula e a freqüência
dos alunos podem ter sido fatores determinantes para esta ampliação, que também
representava a sintonia estabelecida entre o governo da República, na figura do
52
SANTA CATARINA. Relatório apresentado em outubro de 1939 ao Exmo. Presidente da
República, pelo Interventor Federal no Estado de Santa Catarina. Imprensa Oficial, 1940.
53
Escola Isolada Municipal de Ratones e Escola Isolada Municipal da Ponta Grossa.
69
presidente Getulio Vargas, e do governo no estado.
Em 1940, Florianópolis possuía 27 Escolas Isoladas municipais; no entanto, o
relatório traz somente dados das escolas isoladas estaduais. Eram 1.748 matrículas
no total, com 1.032 meninos e 716 meninas, mas com uma freqüência de apenas
1.144 alunos, ou aproximadamente 65% (RELATÓRIO, 1940). O documento não
permitiu afirmar qual o número real de alunos matriculados nas Escolas Isoladas
municipais neste período; entretanto, na análise dos documentos escolares busca-
se identificar descontinuidades e/ou permanências nas taxas de matrículas em
relação às da década de 1930.
Na Escola Isolada municipal onde foram encontrados livros de escrituração
referentes à matrícula e freqüência dos alunos entre os anos de 1941 e 1948,
observa-se: em 1941, havia 21 meninos e 18 meninas, perfazendo um total de 39
alunos matriculados; em 1942, 19 meninos 17 meninas, num total 36 alunos; em
1943, 29 meninos e 29 meninas, total de 58; em 1944, 33 meninos e 26 meninas,
total de 59; em 1945, 36 meninos e 24 meninas, total de 60 alunos; em 1946, 34
meninos 26 meninas, total de 60 alunos; em 1947, 12 meninos e 14 meninas, total
de 26 e, finalmente, em 1948, 13 meninos e 17 meninas, total de 30 (REGISTRO
ESCOLAR
54
).
A partir de 1947, observa-se uma diminuição no número de matrículas, como
também irregularidade na freqüência dos alunos (REGISTRO ESCOLAR). Os
problemas de freqüência estão diretamente relacionados, segundo professoras e ex-
alunos, a condições de deslocamento. Alguns alunos residiam a uma distância de
até dois quilômetros da escola, o que dificultava o trajeto em dias de chuva. Outro
motivo diz respeito ao auxílio que os alunos prestavam aos pais nas tarefas
domésticas, de pesca e de agricultura, o que muitas vezes os impedia de freqüentar
a escola com regularidade.
Os dados oficiais do Estado, todavia, apresentavam neste período taxa de
matrícula que lhe conferia o primeiro lugar, entre todas as demais unidades
54
Dados obtidos no Livro de Registro Escolar, onde constam matrícula, freqüência diária e
aparelhamento escolar da Escola Isolada Mista Municipal de Ratones. Presume-se que este livro
fosse utilizado na década de 1930, pois, consta na sua capa: República dos Estados Unidos do Brasil
convênio de estatísticas educacionais de 1931, embora os registros refiram-se somente a década
de 1940.
70
federadas (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS, BOLETIM n°.
21, 1942). Nas Escolas Isoladas pesquisadas houve significativo acréscimo nas
matrículas no período que corresponde de 1937 a 1946. No entanto, entre o final da
década de 1940 e início de 1950, nota-se uma sensível queda no número de
matrículas; o número baixa para menos de 30 alunos. Em 1957, é criado o Grupo
Escolar Osmar Cunha, no bairro de Canasvieiras, o que provocou um deslocamento
de matrículas das Escolas Isoladas.
Para Faria Filho:
A representação dos grupos escolares, construída tendo como uma de suas
bases a produção das escolas isoladas, como símbolo de um passado que
deveria ser ultrapassado, quando não esquecido, buscava moldar as
práticas, os ritos, os símbolos escolares, produzindo e expressando, no
mesmo movimento, uma nova identidade[...] reinventar a escola significava,
dentre outras coisas, organizar o ensino, suas metodologia e conteúdos,
formar, controlar e fiscalizar a professora; adequar espaços e tempos ao
ensino (2000, p. 31).
Aos poucos, as Escolas Isoladas foram sendo substituídas pelos grupos
escolares. Sobre estas mudanças escreve Díaz (2008, p. 55): “El tiempo escolar va
construyéndose, y se modifica, a medida que se define em cada pais la estructura
del sistema escolar [...].” É o que parece ter acontecido com a ampliação dos grupos
escolares no município de Florianópolis, que origem a uma gradativa extinção da
quase totalidade das Escolas Isoladas, simbolizando a ruptura com o passado e o
atraso por elas representado. Lídio Leopoldo, um ex-aluno, diz, ao comentar esse
tempo:
Olha, parece que passou um século, e isso não é tão distante assim, mas
comparar com a escola de hoje, a gente tinha a escola não como se tem
hoje, como se pudesse projetar o futuro. A gente ia brincar e aprender a
ler e a escrever; a alfabetização era mais funcional. A intenção era que as
pessoas aprendessem a ler e a escrever para votarem (LÍDIO LEOPOLDO,
2008).
Esta reflexão remete ao que escreve Siman (2005) sobre o que leva a dizer
que algo é passado. Segundo a autora, não são as datas que separam
cronologicamente um evento do outro; o passado torna-se passado quando os
sujeitos estabelecem com ele, o passado, relações de mudança que passam a
inaugurar um novo tempo. Atualmente, uma série de políticas públicas que visam
não somente à matrícula de todas as crianças e adolescentes em idade escolar,
71
como também à sua permanência na escola. Se nas décadas pesquisadas os
problemas de matrícula e freqüência residiam no deslocamento, no trabalho das
crianças e adolescentes junto aos pais e nas condições econômicas, isto, em tese,
foi superado. O trabalho infantil é proibido por lei. O transporte dos/as alunos/as é
custeado pelos municípios e o governo federal. As condições econômicas não são
mais impeditivas para freqüentar a escola. Convém chamar a atenção para o fato de
que, para além da matrícula e freqüência, está em cheque o que se fez e faz durante
o tempo em que crianças e adolescentes estão na escola.
3.2. Datas festivas e trabalhos de fim de ano
A presença das comemorações cívicas e religiosas no calendário escolar
apresenta estreita relação com a organização do tempo social. Sob esse aspecto,
para Le Goff (2003, p. 510), “uma função essencial do calendário é a de ritmar a
dialética do trabalho e do tempo livre, o entrecruzamento dos dois tempos; o tempo
regular, mas linear, do trabalho, mais sensível às mutações históricas, e o tempo
cíclico da festa, mais tradicional, mais permeável às mudanças da história”. As
festas religiosas ligadas ao cristianismo, por exemplo, o possuem essa
permeabilidade em relação às mudanças da história. Sua presença permanece no
calendário oficial nacional e no calendário escolar, independente do caráter laico,
público e gratuito da educação nacional.
A laicidade, princípio republicano por excelência e marca do cientificismo
positivista, compõe um dos princípios do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
(1932):
[...] a laicidade, que coloca o ambiente escolar acima de crenças e disputas
religiosas, alheio a todo dogmatismo sectário, subtrai o educando,
respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação, à pressão
perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de propagandas
de seitas e doutrinas (XAVIER, 2002, p. 95).
Este princípio, no entanto, não foi incorporado pela legislação educacional
referente à educação no estado e no município. As datas religiosas estão presentes
72
no calendário escolar neste período e são encontradas no decreto
55
nº 381, de 22 de
junho de 1933, com a seguinte determinação: “As escolas não funcionarão na e
feiras de carnaval, nos últimos três dias da semana santa, na 2ª e feiras de
pentecostes.” Sobre as datas, o sr. Manoel comenta:
A época mais divertida do ano era quando do chegava no dia 3 de
dezembro em diante, dia de Santa Luzia. tinha, já tem o terno de reis,
depois de Santa Luzia, o dia de natal 25, 26 e 27 ninguém trabalha. Hoje
não tem mais, acabou. Então quer dizer, hoje é dia de natal, ou você vai pra
frente da televisão ou vai pra praia porque o divertimento acabou (MANOEL
LEOPOLDO, 2007).
Na análise de Cunha (2008), neste tipo de lembrança estão implícitas as
marcas da religião católica no calendário e nas práticas escolares, embora a
prescrição legal de laicidade do ensino esteja garantida pela República desde o final
do século XIX. Pode-se inferir que se, por um lado, as festas religiosas demarcam a
forte presença do cristianismo no ambiente escolar, por outro, significam o momento
de confraternização e de intensa atividade comunitária, com a participação de
crianças, jovens e adultos nas comunidades das Escolas Isoladas
.
Para Nora (1993, p. 9), as lembranças do passado carregam na memória uma
sensibilidade especial. “Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a
detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas,
globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências,
cenas, censuras ou projeções”. Nesta perspectiva, o passado é narrado pelo
entrevistado como um tempo de ritmo lento, com atividades comunitárias que
envolviam crianças e jovens, em oposição ao tempo presente, veloz e contraditório,
permeado por relações individualistas. Um tempo em que as mudanças sociais
produzidas pelo processo de urbanização, não chegavam às zonas rurais e/ou
distantes do centro urbano e tampouco afetavam a infância de crianças que
fabricavam seus próprios brinquedos, ajudavam os pais na pesca e na agricultura e
freqüentavam a escola pela necessidade de aprender a ler e a escrever, ou melhor,
para aprender a escrever o nome, segundo seu Manoel. Tempo que, na visão de
Elias (1998, p. 15), “[...] é também uma instituição cujo caráter varia conforme o
estágio de desenvolvimento atingido pelas sociedades”.
55
SANTA CATARINA. Coleção de Decretos, Resoluções e Portarias de 1933. Florianópolis, 1934.
73
Como antes mencionado, a permanência destas datas no calendário escolar
é observada nas décadas de 1930 e 1940, evidenciando a presença do Estado
como organizador da educação nacional, e a Igreja Católica com o culto aos
principais símbolos do cristianismo. O calendário indica, e ao mesmo tempo
inscreve, uma espécie de roteiro a ser seguido pelas escolas; a ênfase nos heróis e
nos santos (grifo nosso), num Estado laico que contraditoriamente se entrecruza
com a religião.
No Brasil, comemorações festivas desencadeadas na década de 1920, a
partir das semanas da educação, tornaram-se parte das iniciativas da Associação
Brasileira de Educação, e tinham como finalidade o disciplinamento do cotidiano
escolar (CARVALHO, 1989). Ainda segundo a autora, ”a eficiência pedagógica das
comemorações festivas escolares era, no círculo educacional, a razão de existência
de tais práticas [...] entendia-se a educação como mecanismo de fazer passar atos
do domínio do consciente para o do inconsciente” (CARVALHO, 1989, p. 76).
As datas festivas auxiliariam os alunos a internalizarem valores considerados
importantes; a desenvoltura ao expressar-se em público, o recebimento de críticas e
de reconhecimento, assim como a convivência dentro de certos códigos sociais,
que, por sua vez, introduzem o conceito de renovação pedagógica apregoada no
período (CARVALHO, 1989). A permanência das comemorações no calendário
indica também quais os valores sociais a serem mantidos e regularmente
homenageados por professores e alunos. O calendário exprime, desta forma, na
visão de Gallego (2003), a regularidade das atividades educativas, e também
determina e seleciona as datas a serem festejadas, indicando o que deve ser
lembrado.
Em 1943, encontra-se em circular emitida pelos inspetores escolares
recomendação do Departamento Nacional da Criança, vinculado ao Ministério da
Educação e Saúde, para que se realize a Semana da Criança no período de 10 a 17
de outubro do mesmo ano. A iniciativa faz parte do movimento nacional de
propaganda em favor da maternidade e da infância e traz como tema a Infância
74
Abandonada (CIRCULARES de 1943 e 1944, p.71
56
). Nas Escolas Isoladas
pesquisadas, no entanto, não se identificaram essas comemorações.
Sobre as festas escolares, foram encontradas circulares que orientam a sua
organização:
Realizadas em todos os o grupos escolares e escolas isoladas, nos dias
que o regulamento preceitua, constarão sempre de duas partes: uma
sessão cívico-literária e uma esportiva realizada ao ar livre. Deve ser a
preocupação constante e máxima de diretores e professores fazer com que
a população tome parte nessas festas. A vigilância dos alunos, preparação
e organização das festas, tudo será pelo diretor distribuído, com equidade
entre os professores. As aulas de declamação devem ser conduzidas de
maneira tal que facilitem a realização das festas escolares (CIRCULARES,
1943 e 1944, p. 164).
Observa-se que algumas datas foram absorvidas e de alguma forma
disciplinaram o cotidiano das Escolas Isoladas no município de Florianópolis.
Embora geograficamente distantes uma das outras, estas escolas possuem em
comum a função de transmitir valores sociais preponderantes naquele momento
histórico. As datas cívicas, por exemplo, são mais intensamente festejadas na
década de 1940, com destaque para a independência do Brasil, que oficialmente
ocorreu no dia 7 de setembro de 1822.
“Somente era comemorado o 7 de setembro; era uma espécie de passeata
juntamente com outras escolas” (DILMA ANDRADE, 2008), relata uma ex-professora
que lecionou em Escola Isolada no ano de 1945. Segundo ela, esta era a única
atividade em que os pais estavam presentes. Segundo o espírito da época, tratava-
se de comemoração diretamente afeta ao momento político pelo qual passava o
País. Era necessário levar o povo a se identificar com o sentimento de patriotismo e
civismo. Era preciso, segundo Gallego (2003, p. 89), “fazer com que o povo amasse
a pátria, seus heróis, comemorasse a era republicana: hinos, hasteamento da
bandeira, pavilhão escolar, orfeão constituíram atividades decisivas na constituição
da memória nacional”.
Desta forma, a organização temporal da escola passa a ser condicionada pelo
tempo social, cujo modelo de homem está associado ao espírito de brasilidade
(grifo nosso), acentuado pelo processo de nacionalização do ensino no estado.
56
SANTA CATARINA. Secretaria da Justiça, Educação e Saúde. Departamento de Educação.
Circulares de 1943 e 1944. Imprensa Oficial do Estado. Florianópolis, 1944.
75
Evidência encontrada em circular datada de 1943, dirigida aos inspetores escolares
e cujo pensamento final é: TUDO PELA GRANDEZA DO BRASIL:
Dês que verifique o inspetor apreciável contingente de esforço por parte do
professor ou diretor, representado por um acervo de resultados positivos do
trabalho, embora reduzido, mas que não deixe, em virtude do meio
ambiente onde está localizada a escola, de ser, realmente, fruto de
orientação segura de brasilidade do dirigente, deve o inspetor estimulá-lo,
registrando, no termo de visita, esse esforço (CIRCULAR, 1943).
Em 1946, registra-se um aumento no número de dias destinados às
comemorações religiosas. Determina o regulamento:
Os estabelecimentos de ensino primário, de acordo com a índole religiosa
da localidade, poderão considerar como facultativos os dias santos; de
janeiro Circuncisão do Senhor; 6 de janeiro Epifania; 29 de junho São
Pedro e São Paulo; 15 de agosto Ascensão de Nossa Senhora; de
novembro Todos os Santos; 8 de dezembro Imaculada Conceição; 25
de dezembro Natal; Ascensão do Senhor; Corpus Cristi. (Virgínia: cfr.
original)
Afora esses dias santos, as aulas só poderiam ser suspensas no dia dedicado
ao padroeiro da localidade, que, se e quando festejado, seria considerado ponto
facultativo.
Le Goff (2003) diz que na cultura popular certos dias que se
individualizam, principalmente aqueles cujo significado foi reforçado pela religião
oficial, fato evidenciado na composição do calendário escolar que reserva atenção
especial às datas religiosas. Para o autor, trata-se da inserção de um tempo cíclico
dentro do seu tempo linear, geralmente sagrado, ritual e religioso. Tempo que será
incorporado por alunos/as e professores/as, demarcando ritmos ao longo dos dias,
das semanas, dos meses e dos anos
57
.
Infere-se, portanto, que o calendário oficial sofreu adaptações conforme a
dinâmica de cada escola, até porque, na visão de Gallego (2003, p. 110), os
significados das comemorações apresentam:
Modos particulares de representar o fazer social [...] os reformadores
apresentam calendários, muitas vezes irrealizáveis, e suas persistentes e
57
LE GOFF define o calendário como um instrumento de medida individual e coletiva, a serviço do
poder religioso ou laico, e em particular do poder do Estado. Permite realizar o controle do tempo, o
controle dos homens nas suas atividades econômico-sociais. Para ele, o conteúdo de um calendário
está ligado ao complexo jogo de relações entre as exigências da religião e a vida econômica e social.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 5ª Ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003. pp. 477-523.
76
falidas pretensões de “reinventar” a escola, como se bastasse uma lei para
que as práticas mudassem, desconsiderando a própria dinâmica dos
professores. Esquecem que os ritmos das mudanças são lentos e não
uniformes.
Desse modo, as festividades escolares são vivenciadas conforme os valores
e crenças de cada localidade e a organização do tempo escolar condicionada,
também, pelo modo de apropriação do que fora determinado pelo calendário oficial.
Outra atividade considerada importante pelo regulamento de 1946 refere-se aos
trabalhos de final de ano. Ocorriam no mês de novembro e constavam de exames e
exposições. As exposições escolares tinham o objetivo de apresentar ao público o
resultado dos trabalhos do ano letivo. Conforme o art. 222:
As exposições escolares, de fim de ano, sempre foram, em quase toda a
parte do Estado, a grande atração das famílias às escolas. Constituindo-se
talvez como o único acontecimento escolar que interessaria aos pais e
conseguiria arrastá-los, uma vez por ano, até o estabelecimento onde
estudam os filhos. Fora disso, dificilmente se consegue a presença dos pais
em nossas casas de ensino, tal a indiferença do meio pelas cousas
referentes à educação da infância. Não se deve, pois, desprezar essa rara
ocasião de propaganda da escola e cumpre aos inspetores estimulá-la e
ampará-la por todos os meios ao seu alcance
(REGULAMENTO, 1946, p.
32).
O artigo é bastante enfático quanto à importância das exposições por julgá-la
uma das formas de prestar contas ao público sobre o que é realizado na escola, dar
a conhecer a orientação geral do ensino, os métodos desenvolvidos, enfim, um
momento para que a escola demonstre toda a sua eficiência. Estas exposições se
mantêm até os dias de hoje sob os nomes de mostra pedagógica ou mostra cultural.
Os diretores do período recebem orientações bastante rígidas, pois, sob
pretexto algum poderiam alterar a ordem estabelecida para os trabalhos de
novembro, a saber: a de exames, a da exposição, a da entrega do material da
exposição, a da festa de encerramento em 30 de novembro. Os trabalhos dos
alunos dos cursos primários complementares e dos cursos normais regionais
figurariam na exposição dos respectivos grupos escolares.
Nas escolas isoladas, não se identifica a realização das atividades de final de
ano. O regulamento, inclusive, o faz referência a estas escolas, que
representavam, de certo modo, atraso em relação ao que era anunciado naquele
momento, ou seja, a escola como espaço de desenvolvimento do gosto artístico, de
modernas práticas pedagógicas traduzidas pelas atividades desenvolvidas nos
grupos escolares. Como se observou anteriormente, a atividade que congregava a
77
participação dos pais nas escolas isoladas eram as passeatas em comemoração ao
dia 7 de setembro, tempo de encontro entre a comunidade escolar e o estímulo ao
sentimento de pertença ao País.
3.3. Do período letivo e das férias
A construção e organização do período letivo, com datas para início e fim das
aulas, assim como as férias escolares, eram, na análise de Gallego (2003, p. 44),
“produto de amplos debates, discordâncias e interesses [...] não é de conhecimento
de todos que, até o fim do século XIX e início do século XX, as escolas primárias
contavam com calendários tal como se reconhece hoje.” A autora destaca, ainda,
que o tempo passou a constituir um dos componentes fortes da estrutura escolar
quando o Estado assume a educação do povo.
Com a estruturação do tempo, as atividades desenvolvidas no interior das
escolas ganham contornos mais uniformizados e regulados. Professores e alunos
passam a estabelecer outra forma de relação com o tempo. Por essa outra forma, o
controle do cumprimento dos dias letivos e das rias será alvo de legislação
específica. Norbert Elias (1998) refere-se ao tempo dos calendários como exemplo
da representação simbólica dos anos, meses, semanas e dias que se repetem
regularmente, neste caso evidenciados nas escolas e, especial, nas escolas
isoladas
58
. O calendário torna-se um elemento ordenador do conjunto de atividades
a serem desenvolvidas ao longo do tempo. Fragmentadas pelos dias, semanas,
meses e anos, indicam a seqüência dos acontecimentos no interior da escola.
Na década de 1930, mais precisamente no ano de 1933, o interventor federal
no estado de Santa Catarina, Aristiliano Ramos, considera que o atual regime de
férias escolares para as escolas das zonas rurais não corresponde à necessidade
58
Importa registrar que Norbert Elias trata do calendário como um dos elementos norteadores do
tempo, construído a partir do processo de aprendizagem das sociedades. o trata especificamente
de tempo escolar.
78
da população. Para o interventor, as férias escolares devem, tanto quanto possível,
adaptar-se aos hábitos e às necessidades locais. Para tanto, decreta
59
que o ano
letivo, das escolas públicas, incluindo as Escolas Isoladas municipais, começará a
16 de fevereiro e se encerrará a 15 de dezembro, havendo um período de férias
que irá de 16 de dezembro a 15 de fevereiro, sem interrupção ao longo do ano. Além
desse período de férias, “as escolas não funcionarão nos domingos e feriados; na 2ª
e feiras de Carnaval, nos últimos três dias da Semana Santa, na e feiras de
Pentecostes”. Embora se identifique no decreto a possibilidade de adaptação do
calendário às características locais, percebe-se, em contrapartida, a definição de um
calendário único.
Demarcando o ritmo do que será experimentado na escola, o calendário cria,
segundo Elias (1998), um habitus social que o indivíduo compartilha com os outros e
ao qual integra a sua personalidade. São experiências e vivências temporais que
atuam no imaginário e na realidade vivida; a segmentação das atividades escolares
repercutirá nos modos e condutas a serem adotadas.
Em 1939 ocorre uma pequena alteração em relação aos dias letivos. As aulas
teriam início em de fevereiro e término em 30 de novembro, introduzindo um
pequeno período de férias de 16 a 30 de junho. No regulamento de 1946, as datas
de início e término do ano letivo permanecem iguais às do decreto de 1939
60
. O ano
é composto de dez meses, dividido em dois períodos letivos, entre os quais vinte
dias de férias, havendo de um para outro ano escolar dois meses de férias. A
duração dos períodos letivos e das férias deverá ser regida de acordo com as
conveniências regionais, indicadas pelo clima e zonas rurais, atendidos, quanto
possível, os períodos das fainas agrícolas
61
·.
As aulas serão suspensas nos dias de festa nacional; na segunda e terça-
feira de Carnaval, na quarta-feira de Cinzas; na quinta, sexta e sábado da Semana
Santa; no dia 25 de dezembro, no período de 12 a 31 de julho e, finalmente, no dia 2
de novembro. Nas entrevistas realizadas, não se identificam modificações no
59
SANTA CATARINA. Coleções de Decretos, Resoluções e Portarias de 1933. Decreto 381, de
22 de junho de 1933. Florianópolis, 1934.
60
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Organização do ensino primário e normal no
estado de Santa Catarina. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Decreto 714, de 3 de março,
de 1939 – Boletim n. 21, 1942.
61
Trabalhos prolongados relativos ao plantio e à colheita de alimentos. Regulamento de 1946.
79
período das rias escolares em detrimento das especificidades regionais. O
calendário seguia exatamente o que fora determinado nos decretos de 1933, 1939 e
1946. Sobre a época das férias, Serra (1954, p.80) relata:
Sua aplicação no país vem sendo muito desvirtuada pela uniformidade da
época de férias (dezembro a fevereiro), somente justificável na região
temperada do sul, mas inteiramente defasada nos climas muito diversos da
faixa tropical. Trata-se de mais uma conseqüência da mania centralizadora
que tanto vem prejudicando o Brasil, cuja grande variabilidade de climas,
costumes, raças e tradições, não se conforma ao figurino imposto pela
capital.
Nas Escolas Isoladas municipais de Florianópolis talvez não fossem
necessárias maiores adequações no calendário escolar em razão da existência de
um único turno de aula até o final da década de 1940, o que viabilizava, por sua vez,
o trabalho dos alunos na pesca e na agricultura. Conforme relato de ex-aluno, “nós
tinha arrastão, tinha rede de arrasto, três arrastão, no alto, muita rede, quando
não era um era noutro lugar, nós tinha que ir. Meu pai tinha engenho de farinha,
tinha roça” (MANOEL LEOPOLDO, 2007).
Percebe-se que no regulamento de 1946 um aumento no número de dias
das férias no mês de julho, aproximadamente 20;, anteriormente, em 1939, o
período era de 14 dias no mês de junho; em 1933 não havia férias. Afora as datas
referidas, as aulas não poderiam ser suspensas, embora ao diretor coubesse
permitir a retirada dos alunos, professores ou funcionários, mediante motivo
justificado. No caso de algum professor retirar-se antes de terminar o horário, o
diretor providenciaria a sua substituição, não sendo permitido dispensar a classe
antes dos trabalhos terminados. A retirada de alunos antes de terminado o tempo
consignado no horário para as funções escolares seria permitida mediante pedido
verbal e direto, ou por escrito, dos responsáveis.
Corroborando o que diz Elias (1998, p. 17), “o tempo tornou-se, portanto, a
representação simbólica de uma vasta rede de relações que reúne diversas
seqüências de caráter individual, social ou puramente físicas”. Essas redes de
relações, associadas, determinam modos e condutas nas vivências temporais dos
indivíduos numa determinada época, mas permitem, segundo o autor, certa margem
de autonomia e poder de decisão. Elementos que possibilitam aos indivíduos agir
sobre o tempo e estabelecer outras configurações temporais.
80
O cumprimento da burocracia em relação aos procedimentos nem sempre
coincide com as práticas pedagógicas modernas; ao contrário, reflete o excesso de
formalismo combatido pelos escolanovistas. Asio Teixeira defendia a escola como
um espaço real no qual a criança do povo pudesse ter uma vida melhor: saúde,
educação, ciência, arte, recreação, professores bem preparados, livros, revistas,
clareza de percepção e crítica, propósitos de vida, etc. (ÁVILA, 2008). Para Anísio
Teixeira, a reconstrução das condições sociais e escolares permitiria alargar as
chances educativas das classes populares e dotar a escola pública de um ensino de
qualidade. Esta perspectiva implicaria rever as práticas pedagógicas, a organização
e o funcionamento das escolas.
Não foi, contudo, o que se evidenciou no estado de Santa Catarina e no
município de Florianópolis, sobretudo na década de 1940. O controle exercido sobre
o cotidiano escolar se reflete em outros procedimentos. Nos boletins dos alunos, por
exemplo, as entradas tardias e as retiradas deverão ser consignadas como tais para
os efeitos de fiscalização por parte dos pais, dos tutores, etc. Este controle é
evidenciado tanto na década de 1930 quanto na década de 1940. “No empenho de
melhorar a fiscalização do ensino, foram, pelo atual governo, aumentadas de cinco
as inspetorias escolares” (MOVIMENTO DO ANO LETIVO, 1935, p. 44). Aos
inspetores caberia a tarefa de acompanhar o cumprimento das normas
estabelecidas pelos decretos de ensino, entre elas, o cumprimento dos dias letivos.
Sobre a atividade de fiscalização dos inspetores escolares foi aprovada
portaria com instruções elaboradas pelo Departamento de Educação, que para eles
marcou reunião a se realizar-se em 10 de agosto de 1943:
Importa, por isso, que o inspetor de Escola Isolada mantenha íntima relação
e colaboração com os grupos escolares e cursos complementares,
resolvendo os casos e aspectos administrativos e, bem assim, os técnicos,
desde que tenham sido estudados, orientados e resolvidos por quem de
direito [...] não se admite que o inspetor de escola Isolada, que é autoridade
escolar, em sendo conhecedora de graves irregularidades técnicas ou
administrativas de um grupo escolar, deixe de tomar medida e providências
necessárias (PORTARIA n°. 1.556, de 12 de julho de 1943, p.61).
Todavia, mesmo havendo acompanhamento e fiscalização por parte dos
inspetores escolares, principalmente na década de 1940, as Escolas Isoladas não
cumpriam rigorosamente os dias letivos. Isto se deveu, em parte, às dificuldades de
deslocamento tanto de alunos/as quanto de professores/as, e dos próprios
81
inspetores. A normatização em relação ao tempo escolar, traduzida aqui pelos dias
letivos e de férias, não incidiu de forma linear nas Escolas Isoladas. Pode-se dizer
que atuavam com certa autonomia devido à pouca atenção dispensada por parte
dos governos. Frago (1998, p. 137) retrata essa realidade com muita propriedade:
El discurso modernizador de los defensores de la escuela graduada o de las
ideas de La Escuela Nueva em gran parte coicidentes estaba
necesariamente limitado por la realidad social y educativa del fuerte peso
cuantitativo del mundo rural, las duras condiciones de vida del proletariado
urbano, la inasistencia escolar, la asistencia irregular e intermitente, la
ausência de pontualidad, los locales inadecuados y unos maestros mal
remunerados y em buena parte sin los conocimientos y la formación
adecuada.
O calendário, como forma de manutenção da regularidade das atividades
escolares e dos demais procedimentos administrativos inerentes à dinâmica da
escola, não foi absorvido na sua totalidade pelas Escolas Isoladas, as quais sofriam
com as escassas condições de funcionamento. No que diz respeito ao número de
dias letivos, não foi possível identificar seu total ao longo do ano. Sabe-se das datas
de início e término das atividades escolares, bem como das férias escolares. No
entanto, evidências quanto à irregularidade da freqüência indicam movimentos de
permanências e descontinuidades em relação ao que foi prescrito pelo calendário
oficial e ao vivido na escola.
82
4 O TEMPO NA ESCOLA: DISTRIBUIÇÃO SEMANAL E DIÁRIA DAS MATÉRIAS
E ATIVIDADES
Eles queriam que a gente ensinasse dando um livro para a criança ler,
correndo, que nem a outra estava fazendo no livro Barquinho Amarelo:
Paulo tem um barquinho, o barquinho anda nas águas, não sei o quê. A
criança decorava aquilo. eu não gostei disso. Eu nunca segui mesmo o
que a Secretaria mandava fazer; eu seguia o meu, o que eu achava melhor
(MARIA, professora do final da década de 1940).
4.1. Da orientação do ensino e do programa: o tempo como mecanismo de
organização e racionalidade curricular
Para Souza (2000, p. 51), “os indivíduos não se formam na escola apenas
como atores de papéis sucessivos a eles propostos e por isso são sujeitos históricos
e não apenas atores sociais”. É nesta perspectiva que os entrevistados, parte
integrante desta pesquisa, são alçados à condição de sujeitos do seu tempo,
protagonistas de um período em que se pretendia uma escola moderna e de
inserção social, mas que manteve por longo período a contradição do progresso
social representada na e pela Escola Isolada.
A construção do tempo escolar está intimamente relacionada ao surgimento
da sociedade industrial. Ao ser absorvida pelo tempo da máquina, imprimiu uma
medida universal da experiência temporal, recobrindo, conforme reflexão de Souza
(2000, p.43), “a relação entre a experiência individual e o ritmo da sociedade, pois
tudo pode ser igualmente medido, dividido, calculado segundo o metro homogêneo
da quantidade.” No que diz respeito à orientação do ensino e dos programas
desenvolvidos nas escolas, não foi diferente; havia uma gama de conhecimentos a
83
ser transmitida e, portanto, necessitando de um equacionamento do tempo para a
sua aplicabilidade.
O município de Florianópolis, seguindo as orientações expedidas pelo Estado,
organiza o seu programa de ensino de acordo com o que havia de mais moderno em
matéria de educação para o período.
O programa, no entanto, nem sempre foi fielmente seguido pelos
professores/as das Escolas Isoladas, porque, segundo Frago (1998), simbolizava
uma época que possuía um caráter estranho e alheio ao meio rural. Daí o divórcio
entre o modelo escolar imposto aos grupos escolares e o desenvolvido nas Escolas
Isoladas.
Em 1932
62
, são consideradas dispensáveis algumas matérias adotadas nos
programas de ensino nos grupos escolares e nas escolas complementares, o que
demonstrava a intenção do Estado em sintonizar os programas locais com os
desenvolvidos e propostos pelo movimento escolanovista. Para Monarcha (1989, p.
13):
A pedagogia da Escola Nova se apresenta como científica, e repudia os
métodos mecânicos e coercitivos da pedagogia tradicional. Um novo ideal
de educação busca consolidar-se: as concepções de programa,
organização e procedimentos didáticos se modificam e o trabalho escolar
passa a ter outros objetivos. A educação passou a ser vista como
instrumento de reconstrução social e estabilidade política.
Dentro dos novos princípios educacionais, a aprendizagem passa a ter um
caráter prático: substitui o ensino verbal por um ensino baseado na observação e na
experimentação, processo que deveria ser desencadeado pela ação educativa da
escola, em substituição à passividade no sistema de aprendizagem pela tomada de
iniciativa por parte dos/as educandos/as e professores/as (XAVIER, 2002).
Tratava-se de um método que permitia a incorporação dos conhecimentos
poupando os/as alunos/as da extensa teoria. A simplificação bem entendida,
segundo o decreto, e convenientemente processada, ampararia o trabalho mental
dos (as) educandos (as).
Em relação a este aspecto, Lourenço Filho (2002, p.303) assinala:
62
SANTA CATARINA. Coleções de Decretos, Resoluções e Portarias de 1932. Decreto 130, de
12 de junho de 1931. Florianópolis, 1932
84
Preparar para a vida será pôr a criança em condições de projetar, de
procurar meios de realização para seus próprios empreendimentos e de
realizá-los verificando pela própria experiência o valor das concepções que
esteja utilizando; assim, ela os reafirmará, emendará ou substituirá,
segundo os resultados e a conciliação desses resultados com o seu
programa de vida.
No final da década de 1930, o programa para ensino primário no estado de
Santa Catarina, previsto por decreto
63
, compreendia as disciplinas de Leitura,
Linguagem, Aritmética, Geografia, História do Brasil, Instrução Cívica, Ciências
Físicas e Naturais, Trabalhos Manuais, Desenho, Canto e Ginástica. Nas Escolas
Isoladas, entretanto, de acordo com o relato de um ex-aluno que freqüentou a escola
em 1930, “o professor ensinava, contava, era leitura, saía de classe em classe, ia
colher a lição de cada um e passando a lição pro outro dia” (MANOEL LEOPOLDO,
2007). O ensino resumia-se a ler e a escrever, o que demonstra, segundo o
testemunho, diferentes níveis de apropriações em relação ao fazer docente.
O ensino primário obedecia, na década de 1940, aos seguintes princípios
64
:
Desenvolver-se de modo sistemático e graduado, segundo os interesses
naturais da infância; ter como fundamento didático as atividades dos
próprios discípulos; apoiar-se nas realidades do ambiente em que se
exerça, para que sirva sua melhor compreensão e mais proveitosa
utilização; desenvolver o espírito de cooperação e o desenvolvimento de
solidariedade social; será orientado de maneira que a escola possa servir às
necessidades peculiares ao meio imediato e ao grupo social a que pertence
e em que se deve integrar; terá como base essencial a observação e a
experiência pessoal do aluno e dará a este continuadas oportunidades para
o trabalho em cooperação, a atividade manual, o jogo educativo, as
excursões escolares e as atividades extra-classes (REGULAMENTO PARA
OS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DE
SANTA CATARINA, 1946).
Embora o programa de ensino no final da década de 1930 se destinasse
também às Escolas Isoladas, não se identificou seu cumprimento durante a
realização da pesquisa. As disciplinas ministradas centravam-se em linguagem oral
e escrita, em cálculo matemático (aritmética), em geografia e conhecimentos gerais.
Para os/as professores/as que lecionaram na década de 1940, todo dia era dia de
leitura. Português e Matemática eram obrigatórias. Disciplinas como História,
63
BRASIL. Instituto de Estudos Pedagógicos. Boletim n. 21, 1942.
64
Na análise do decreto, optou-se por eleger alguns princípios diretamente relacionados à temática
da pesquisa. SANTA CATARINA. Secretaria da Justiça, Educação e Saúde. Decreto 3.735/49.
Regulamento para os estabelecimentos de ensino primário no Estado de Santa Catarina.
Florianópolis, 17 de dezembro de 1946.
85
Geografia e Ciências eram distribuídas uma dia para cada, a critério dos/as
professores/as. Uma delas, inclusive, afirma que ensinava muito além do programa
oficial, sem, no entanto, ter incorporado ou compreendido os novos métodos
propostos pela Escola Nova presentes no programa. Embora o programa fosse o
mesmo para os Grupos Escolares, a própria legislação educacional concedia maior
flexibilidade às Escolas Isoladas.
Neste período, Elpídio Barbosa é o diretor do Departamento de Educação e
os dilemas em relação às propostas da Escola Nova se acentuam. Por um lado, um
ensino baseado na memorização e na passividade do aluno como sujeito; por outro,
introduziam-se novos métodos, com base na atuação espontânea e natural do
aluno, que passava a ser sujeito ativo no processo de aprendizagem (FIORI, 1991).
De qualquer forma, os princípios escolanovistas estão presentes e incidem sobre os
programas de ensino estaduais e municipais. uma verdadeira confusão na
conceituação do que deve ser o “centro de interesse”. Os/as professores/as não
estavam preparados/as para a execução dos novos métodos (MOREIRA, 1954).
A forma encontrada pelo Estado para a efetiva aplicabilidade dos princípios
da Escola Nova ocorre em 1944, pelo decreto 2.991, de 28 de abril, que assevera
que deveriam ser colocados em prática pelos/as professores/as, imediatamente
(FIORI, 1991), orientações que se referem, especialmente, aos grupos escolares.
Em circular expedida entre 1943 e 1944, encontram-se temas-sugestões para
reuniões em Escolas Isoladas, que orientavam no sentido de que o ensino fosse
planejado passo a passo. O Departamento de Educação recomenda aos inspetores
que sejam ventilados os seguintes assuntos:
O professor, sua posição, espírito imitativo das crianças, deve ser o espelho
do aluno. O magistério como missão e não profissão; divisão do trabalho
ocupando-se em aula direta com uma classe, devem as outras ter tarefas,
não improvisar tarefas, valendo-se da inspiração do momento, as matérias
devem ser preparadas com antecedência; o ensino atraente, alegre e
interessante (CIRCULARES de 1943 e 1944, p. 67).
Em 1946, o novo regulamento para os estabelecimentos de ensino primário
no estado traz algumas alterações em relação ao programa de ensino, mas mantém
86
os métodos de renovação educacional
65
. O curso primário elementar era composto
de leitura e linguagem oral e escrita, iniciação matemática, geografia e história do
Brasil, conhecimentos gerais aplicados à vida social, à educação para a saúde e no
trabalho, desenho e trabalhos manuais, canto orfeônico, educação física. O curso
primário complementar de um ano compunha-se das disciplinas de leitura e
linguagem oral e escrita, Aritmética e Geometria, Geografia e História do Brasil, e
noções de Geografia Geral e História da América, Ciências Naturais e Higiene,
Desenho, trabalhos manuais e práticas referentes às atividades econômicas da
região, Canto Orfeônico, Educação sica. São destacadas as atividades de
Puericultura e Economia Doméstica para alunos do sexo feminino. A disciplina de
Instrução Cívica presente no decreto de 1939 será abolida no novo regulamento,
assim como a disciplina de Ginástica, substituída pela de Educação Física.
O curso primário supletivo, de dois anos de estudos, seria composto de
disciplinas como Leitura e Linguagem (oral e escrita), Aritmética e Geometria,
Geografia e História do Brasil, Ciências Naturais e Higiene, noções de Direito Usual
(legislação do trabalho, obrigações da vida civil e militar), Desenho. Aos alunos do
sexo feminino serão oferecidas atividades de Economia Doméstica e Puericultura.
Basicamente, a organização do ensino e dos programas nas décadas de 1930 e
1940 esteve dirigida aos Grupos Escolares e às Escolas Normais, cabendo às
Escolas Isoladas a execução parcial dos programas dentro dos conhecimentos
apresentados pelos/as professores/as.
Em relação ao ensino da leitura, percebe-se um ritual de tempo e postura
corporal: “A gente fazia eles levantar; nunca um aluno meu leu sentado. A hora da
leitura era a hora da leitura. Se chegasse o inspetor, ou a diretora, uma autoridade,
eles sabiam que tinham que fazer assim” (MARIA, 2007). A professora destaca
que organizava o seu programa, possuía um plano de trabalho que lhe permitia
liberdade em relação ao que ensinar e a quando ensinar.
Na pesquisa não se identifica a aquisição, por parte dos/as professores/as, de
65
Neide Fiori, no seu livro sobre a evolução do ensino em Santa Catarina, considera o regulamento
de 1946 como um dispositivo de cunho centralista e autoritário, e revela a adesão oficial do Estado às
idéias renovadoras, expressando o desejo de identificação com as concepções educacionais básicas,
endossadas pelos órgãos federais. A conseqüência, segundo ela, é que a renovação educacional no
estado se deu, muitas vezes, apenas na lei.
87
conhecimentos teóricos e práticos necessários à compreensão dos novos ideais em
que se fundamentava a pedagogia científica da Escola Nova. Embora fossem
oferecidos cursos de formação com professores/as de outros estados e
acompanhamento por parte dos inspetores escolares, havia resistências quanto aos
novos métodos. Isto se destaca na resposta de Maria diante da indagação sobre os
novos métodos de ensino:
A gente tinha muita formação; eles davam curso, um dia de português, um
dia de... houve épocas em que se fazia 15 dias de curso [...] às vezes de
ano em ano, outras vezes de dois em dois anos. Eu ia para a reunião,
tapava os ouvidos. Chegava em casa e continuava as minhas aulinhas, que
no conforme todo mundo aprendeu [...] não ficou nenhum analfabeto. Quem
é professora antiga não se adaptou a isso. A gente fazia como achava
melhor (MARIA, 2007).
Todavia, se para os Grupos Escolares os programas de ensino evidenciam
um modo de organização e de racionalidade curricular, com ordenamento e controle
do tempo sobre as atividades, para as Escolas Isoladas do município também havia
uma organização e uma racionalidade curricular com vistas ao domínio da leitura, da
escrita, do cálculo, bem como a introdução dos/as alunos/as em novas formas de
convívio e de conduta. Neste sentido, a escola passa a ser um importante espaço de
socialização para meninos e meninas.
4.2. Quadro de horários e materialização do tempo e do trabalho: o tempo
como instrumento de controle externo
A vida é um dos deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando
se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem um dia uma outra oportunidade, eu nem olhava o
relógio seguia sempre, sempre em frente...
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas
(MARIO QUINTANA, 2003).
88
Este poema, chamado “Seiscentos e sessenta e seis”, escrito pelo poeta
Mario Quintana, remete à inexorabilidade da vida e à passagem do tempo que não
se vê. Seria como desconsiderar o relógio e tornar as horas inúteis, seguir em frente
independente do tempo. No seu sentido poético, escapa às mãos; quando se vê,
foi. Como assinala Elias (1998), seu começo necessitaria ser imaginado, até porque,
segundo ele, o tempo o se deixa guardar comodamente numa dessas gavetas
conceituais onde ainda hoje se classificam, com toda a naturalidade, objetos desse
tipo. Sua hipótese é que:
Nosso saber resulta de um longo processo de aprendizagem, que não teve
um começo na história da humanidade. Todo indivíduo, por maior que seja
sua contribuição criadora, constrói a partir de um patrimônio de saber
adquirido, o qual ele contribui para aumentar. E isso não é diferente no que
concerne ao conhecimento do tempo (ELIAS, 1998, p. 10). Virg. uma
olhada no original para ver se é assim mesmo.
Escolano (2001, p. 44) dirá que o tempo “organiza as primeiras percepções
cognitivas da temporalidade e garantem a internalização dos valores da exatidão, da
aplicação e da regularidade”. Portanto, não é um a priori no sentido kantiano, ou
seja, uma propriedade “natural” dos indivíduos, mas uma ordem que precisa ser
aprendida, sendo também uma forma cultural que deve ser experimentada. Para ele,
tanto os relógios escolares quanto os relógios domésticos e de uso pessoal servem
para regular a conduta diária, formando um tipo de aprendizagem. O relógio que
demarca o início, a duração e o término das atividades escolares constitui, nesta
perspectiva, um mecanismo de controle social do tempo, transformando-se no
organizador temporal da vida na escola.
Frago (1998), quando realizou estudo sobre o tempo escolar na Espanha no
período de 1836 a 1936, percebeu que nem todos os professores possuíam um
quadro de horários efetivo, como também não conheciam os novos métodos
propostos pelos inspetores escolares por meio dos manuais de Pedagogia. Esse
movimento de descontinuidades e persistências em relação às práticas no interior
das escolas demonstra, segundo ele, resistências a todo tipo de modificação
propostas, quadro que também se observa nas cadas de 1930 e 1940 nas
Escolas Isoladas municipais de Florianópolis.
Nestas escolas a organização das atividades ficava a cargo do professor.
Segundo ex-aluno, “o professor dividia, por exemplo, de segunda a sábado; ele
89
chamava pro quadro, o primeiro ano ia pro quadro na segunda-feira, o segundo ano,
na terça-feira; o terceiro ano, na quarta e o quarto ano, na quinta feira. E como no
sábado ia até o meio dia, tinha outro tipo de ensino”. A forma encontrada pelo
professor indica a necessidade de uma rotina e revela um modo de operar o tempo
para materializar o trabalho escolar sem utilizar o relógio como instrumento de
controle. Segundo o sr. Manoel, não se usava o relógio; o controle do tempo era
realizado conforme a posição do sol.
O que um relógio comunica, por meio dos símbolos inscritos em seu
mostrador, constitui aquilo a que se chama de tempo (ELIAS, 1998). Ao olhar o
relógio, controlam-se as horas e a seqüência das atividades a serem desenvolvidas.
Neste caso, o professor estabelece outras formas na organização da temporalidade
escolar.
Na década de 1940, relata uma professora, “a rotina incluía a oração no
primeiro momento, após o hino nacional; o terceiro momento era destinado à
correção dos deveres e à leitura, um de cada vez.” Percebe-se, grosso modo, nos
testemunhos tanto do ex-aluno quanto da professora, um quadro de horários
organizado pelos professores e dentro de uma rotina que de alguma forma
determinava o tempo do trabalho. Nas Escolas Isoladas havia um controle externo,
exercido pelos inspetores e pela própria comunidade, e um controle interno,
evidenciado pelas lembranças do sr. Manoel Leopoldo (2007): “Quando colhia a
lição, 11h30, ele chamava na mesa fulano de tal... e a gente podia ir embora”.
Nesse caso espefico, o controle do tempo era realizado pelo professor e absorvido
pelos alunos, características observadas principalmente na década de 1930.
Com ênfase na linguagem escrita e oral e no cálculo matemático trabalhados
diariamente com os alunos, as outras disciplinas obedeciam a uma seqüência
aleatória no quadro de horários. “Todo dia tinha o Português e a Matemática; agora,
a Geografia, a História e as Ciências, isso eu é que fazia no meu plano. Se hoje
dava Geografia, amanhã dava História, depois de amanhã dava Ciências, outro dia
eu dava Artes” (MARIA, 2007).
O quadro de horários e a materialização do tempo de trabalho ficavam sob
responsabilidade do/a professor/a, o que permitiria realizar uma seqüência de
atividades e definir a duração para cada uma delas. “Eu tinha que dividir o quadro
em quatro partes; passava uma linha no meio e ali, enquanto eu dava exercício para
90
uma turma, para outra dava trabalho. Eu ia explicar de ano em ano, porque quando
a matéria é nova, a gente precisa explicar” (MARIA, 2007).
A divisão organizada pela professora remete ao relógio como organizador
temporal. “O mecanismo do relógio é organizado para que ele transmita mensagens
e, com isso, permita regular os comportamentos do grupo” (ELIAS, 1998, p. 16).
Possibilita ao professor realizar sua tarefa de ensinar e ao mesmo tempo conformar
o grupo de alunos/as a partir de uma rotina temporal que define normas e condutas
a serem adotadas. No entanto, nas Escolas Isoladas em estudo, não foi identificado
o uso do relógio para controlar o tempo, tanto é assim que seu Manoel (2007) se
refere a este objeto escolar como “objeto de luxo”. A ausência do relógio também se
confirma no depoimento da professora Dilma, que lecionou na década de 1940.
De qualquer forma, havia um modo de operar o tempo com vistas a atender a
todas as turmas. “É precioso dividir muito bem o tempo, o que certamente não
permitirá uma grande flexibilidade de horário” (FAÍSCA, 1943, p. 25). Tarefa que não
parece fácil, na medida em que os conteúdos se apresentam diferentemente em
cada ano do ensino primário. Administrar as matérias e adequá-las no tempo diário e
ao longo do ano apresenta-se como um trabalho exaustivo para os/as
professores/as. “Eu sempre passava do meio dia, não conseguia dar tudo” (MARIA,
2007).
Este fato demonstra a necessidade do cumprimento dos conteúdos e indica
que a organização temporal com seus quadros de horários e tempos específicos
para desenvolvimento das atividades escolares foi apropriada e desenvolvida
pelos/as professores/as de escolas isoladas. Regidas pelos mesmos regulamentos,
construíram no seu interior modos específicos de operar o tempo e a realidade, sem,
contudo, alterar a forma escolar construída para o ensino primário no Brasil.
Entre a prescrição e a normatização da legislação, no entanto, o conjunto de
práticas no interior da escola revela modos de operar o tempo que mostra o que
Faria Filho (2000) denominará de força material e simbólica dos imperativos
escolares na criação e/ou readaptação de modelos, técnicas e tecnologias. O que
significa dizer, na sua avaliação, que a escola não apenas recria ou readapta teorias
e métodos de organização, de controle do tempo, mas cria, principalmente, novas
racionalidades, sensibilidades, temporalidades, conhecimentos, dentre outros.
91
TECENDO CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMPO
Neste estudo, procurou-se retratar a construção da temporalidade tendo por
base uma época e um lugar construído no interior da escola, sob o ponto de vista
institucional, assim como trazer à cena sujeitos que vivenciaram e também
instituíram tempos na escola. Um tempo em que a consolidação do ensino primário
se torna meta no País e está associado aos princípios republicanos. Para exercer a
cidadania, seria preciso dominar os códigos da língua e da escrita, como também a
seria preciso adotar certos valores e normas de conduta. Para apreendê-los, faz-se
necessária uma seqüência temporal de atividades escolares com vistas à
incorporação desses códigos, seja pelo horário (que determina e fragmenta o tempo
de aprendizagem), seja pelo calendário (que estipula o que será realizado ao longo
dos dias, semanas, meses e anos).
Os calendários e o controle do tempo cumprem a finalidade de homogeneizar
o ensino primário. Horários determinados, vários alunos/as numa mesma sala, um/a
único/a professor/a e um ensino comum: todos aprendem ou deveriam aprender ao
mesmo tempo. Nas Escolas Isoladas pesquisadas, o ensino era ministrado para os
quatro anos do primário numa mesma sala, o que certamente levou os/as
professores/as a um equacionamento do tempo sem a utilização do relógio. Dividir o
quadro para cada ano e realizar a exposição e explicação dos conteúdos, enquanto
os outros se ocupariam com outras atividades: este pode ter sido um dos motivos
para o dito atraso destas escolas, para a precária formação de seus professores e
para a dificuldade de organização de um tempo mais alargado para o ensino e a
aprendizagem.
Nestas escolas foi também necessário adequar o tempo escolar ao tempo
social, sobretudo no que diz respeito às atividades de agricultura, pesca, afazeres
domésticos dos/as alunos/as, ao deslocamento dos/as professores/as, o que
92
dificultava a regularidade da freqüência, bem como o desenvolvimento do trabalho
pedagógico. Provocando, desta forma, descontinuidades e permanências entre os
rituais escolares e as normas prescritas. Nas quatro escolas analisadas, encontrou-
se em comum uma rotina que incluía a oração no primeiro momento; em seguida, o
hino nacional e, num terceiro momento, a correção dos deveres e a leitura.
O quadro de horários e a materialização do tempo de trabalho ficavam sob
responsabilidade do/a professor/a, permitindo uma seqüência de atividades e a
definição do tempo para cada uma delas. Com ênfase na linguagem escrita e oral e
ao lculo matemático trabalhados diariamente com os/as alunos/as, as outras
disciplinas possuíam uma seqüência aleatória no quadro de horários. A demarcação
do início, da duração e do término das atividades escolares constituem, nesta
perspectiva, um mecanismo de controle social do tempo da vida na escola. Embora,
nas Escolas Isoladas em estudo, não se usasse o relógio para controlar o tempo,
havia, de qualquer forma, um modo de operar o tempo com vistas a atender a todas
as turmas. Administrar vários anos numa mesma sala exigiria, sobretudo, controle e
organização do tempo.
Alguns descompassos foram identificados entre as prescrições dos
regulamentos e a prática da escola. De 1914 a 1946, por exemplo, contrariando o
que estabelecia o regulamento - três anos de duração para o ensino primário em
Escolas Isoladas -, o primário nas escolas pesquisadas de fato operou foi de quatro
anos, com peodos diários de quatro horas no turno matutino, incluindo o recreio.
quanto aos calendários, que estabeleciam as datas para matrícula, início e término
do ano letivo e peodo de férias, poucas são as inobservâncias constatadas,
prevalecendo os mesmos critérios tanto em 1930 quanto em 1940. Os dados
relevantes dizem respeito ao início da década de 1930, época em que não havia
férias escolares na metade do ano, e ao período que corresponde de 1937 a 1946 -
Estado Novo -, em que se registra um significativo acréscimo nas matrículas. No
entanto, entre o final dos anos 1940 e início de 1950, nota-se uma sensível queda
no número de matrículas; o número baixa para menos de 30 alunos. Infere-se que
os Grupos Escolares, neste momento, absorvem número considerável de alunos/as
das Escolas Isoladas. Seria recomendável, entretanto, que os novos pesquisadores
aprofundem a investigação a fim de verificar se esta hipótese se confirma.
Referente à educação, é inegável que a revolução de 1930 trouxe
93
conseqüências profundas, sobretudo na consolidação do Estado como responsável
pelas questões relacionadas à educação escolar. Esta é, talvez a grande
contribuição do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. A partir desta década, a
educação brasileira alcança níveis de atenção nunca antes atingidos, quer pelo
movimento dos educadores, quer pelas iniciativas governamentais através do
Ministério de Educação e Saúde, ou pelos resultados concretos, com a ampliação do
número de escolas primárias por todo o País. também, neste período, reformas
de ensino inspiradas em ideais escolanovistas. Em que pese a diversidade de
propostas que defendiam e de suas diferentes realizações, tenderam a ressignificar
tempos e espaços escolares, embora nem sempre se tenham convertido em prática,
principalmente a proposta de ampliação do tempo de permanência de crianças e
adolescentes, que o autor, Anísio Teixeira, mais tarde executou na Escola-Parque
no estado da Bahia. No estado de Santa Catarina, e no município de Florianópolis,
não se evidencia a ampliação do tempo de permanência na escola, pelo contrário,
na década de 1950, as Escolas Isoladas chegaram a operar com quatro turnos, o
que evidentemente repercutiria na organização e construção do tempo: a
racionalização do tempo escolar com vistas a atender o aumento demanda.
A partir de 1940, com a estruturação do tempo, as atividades desenvolvidas
no interior das escolas ganham contornos mais uniformes e regulados.
Professores/as e alunos/ passam a estabelecer outra forma de relação com o tempo;
o controle do cumprimento dos dias letivos e de rias será alvo de fiscalização
específica. Todavia, professores/as e alunos/as vivenciaram de formas diversas o
tempo escolar, até porque as prescrições legais não consideravam a trama das
relações estabelecidas no interior da escola, nem sua repercussão na organização
do trabalho pedagógico. O desenvolvimento do programa de ensino retratava as
diferenças entre o que prescreviam os regulamentos e o que era operacionalizado
pelos/as professores/as. O presente faz referência a uma organização particular que
prioriza, sobretudo, o ensino da Língua Portuguesa e da Matemática, dependendo
de cada professor/a a distribuição de horários para as demais disciplinas, cabendo-
lhe uma certa autonomia para eleger o que deveria ser ensinado.
Estas escolhas fazem sentido num contexto de combate ao analfabetismo no
País neste período, e se torna função primeira das escolas. Os/as professores/as,
que na sua maioria possuíam apenas o ensino primário, ensinavam o que sabiam.
94
Embora lhes fossem oferecidos cursos de formação juntamente com professores/as
de outros estados e acompanhamento por parte dos inspetores escolares, muitos
resistiam aos novos métodos e às propostas de ressignificação do tempo escolar.
Tudo isso evidencia que o tempo escolar está atrelado a um longo processo
de aprendizagem e transformação. Ele precisa ser compreendido como algo que
surge em decorrência do processo crescente de industrialização e urbanização nos
dois últimos séculos, refletidos na fragmentação das atividades humanas e com
repercussão direta na organização escolar. Aliás, o tempo escolar é aprendido e
internalizado pelos sujeitos no contexto das vivências e experiências de determinada
época. De fato, as representações simbólicas hoje utilizadas através de
instrumentos que possibilitam medir a duração dos eventos foram desenvolvidas a
partir do aprimoramento do homem ao longo dos séculos (ELIAS, 1998).
Seguindo esta linha teórica, Correia (1996, p. 10) destaca:
Desde a mais tenra idade, os indivíduos são, na nossa cultura, submetidos
a uma interação social pautada por regularidade, ritmos, intensidades,
descontinuidades, e durações diversas a que estão associados, de modo
permanente, o calendário e o relógio [...] como um sistema de valores e
normas de conduta [...].
As interações sociais e as regularidades observadas nas datas
comemorativas presentes no calendário escolar de alguma forma disciplinaram o
cotidiano das Escolas Isoladas no município de Florianópolis. Embora
geograficamente distantes umas das outras, estas escolas possuem em comum a
função de transmitir os valores sociais preponderantes naquele momento histórico.
As datas cívicas o mais intensamente festejadas na década de 1940, com
destaque para a independência do Brasil, que oficialmente ocorreu no dia 7 de
setembro de 1822. Elias (1998) refere-se ao tempo dos calendários como exemplo
da representação simbólica dos anos, meses, semanas e dias que se repetem
regularmente. No caso, as comemorações cívicas estão diretamente ligadas ao
momento político pelo qual passava o País, em que se enfatizava a necessidade de
identificação do povo com o sentimento de patriotismo e civismo mediante a
internalização de valores e normas de conduta a serem seguidas regularmente.
Também foram identificados valores na manutenção dos feriados religiosos
no calendário escolar que se contrapunham aos princípios republicanos da escola
laica. No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a laicidade tem como objetivo
95
desatrelar a escola de qualquer credo religioso; os feriados religiosos, no entanto,
permanecem até os dias atuais. O calendário torna-se um dos elementos
ordenadores do conjunto de atividades a serem desenvolvidas ao longo do tempo e
ordena os acontecimentos no interior da escola. Embora se observe a distância
entre o que foi prescrito pelos regulamentos pelo disciplinamento do tempo por
meio dos calendários, horários e programas de ensino, e o que de fato foi
operacionalizado na escola, identifica-se uma temporalidade construída a partir de
rituais construídos por professores/as e alunos/as, que estão diretamente
relacionadas às condições e peculiaridades daquele momento.
Com essas considerações, procurou-se mostrar que a organização e a
construção do tempo escolar, longe ser um fenômeno estável, são resultantes de
fatores sociais, econômicos e culturais, assim como de atores que, ao se
constituírem, também foram constituídos a partir do tempo na escola. Como diz Pino
(2005, p. 50), “mas como pensar a ppria existência sem a ajuda do tempo,
testemunha silenciosa de todos os seus momentos? Como não ver no tempo o
guardião zeloso do passado e a promessa sempre incerta do futuro?”. A temática é
envolvente e necessita de investigações mais aprofundadas com outros recortes
temporais a fim de se ampliar o universo da cultura escolar brasileira.
96
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁVILA, Virginia Pereira da Silva. Democracia e justiça social: a defesa de Anísio
Teixeira registrada no livro Educação no Brasil. Roteiro, v. 32, n. 1, julho 2008.
CABRAL FILHO, Pedro. O ensino público primário em Florianópolis da
constituição federal de 1946 à lei de diretrizes e bases de 1961: o surgimento de
uma rede municipal de educação. 2004. Tese (Doutorado em Educação)
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A Escola e a República. São Paulo:
Brasiliense, 1989.
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Pedagogia da Escola Nova - produção da
natureza infantil e controle doutrinário da escola. In: FREITAS, Marcos Cezar de;
JÚNIOR, Moizés Kuhlmann (Orgs.). Os intelectuais na hisria da infância.
Cortez, 2002.
CARVALHO, Regina Maria L. Lopes. Tempo e psicanálise. In: ROSSI, Vera Lucia
Sabongi; ZAMBONI, Ernesta (Orgs.). Quanto Tempo o Tempo tem! Campinas:
Alínea, 2ª ed. 2005.
CAVALIERE, Ana Maria. Tempo de escola e qualidade na educação pública.
Educ. Soc. Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1015-1035, out. 2007. Disponível
em <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em 21 de jul. 2008.
CORRÊA, Carlos Humberto P. História de Florianópolis. Florianópolis: Insular,
2005. 2ª ed. 384 p.
CORREIA, António Carlos Luz. Entre o campanário da igreja e a sineta da escola:
notas sobre a organização das temporalidades no ensino primário em Portugal
(sécs. XIX-XX). In: O Tempo na Escola. Ana Christina Venâncio Mignot e Rogerio
Fernandes (Orgs.). Ed. ROFEDIÇÕES,1ª. Ed. Porto, 2008. pp. 123-138.
CORREIA, António Carlos Luz. OS SENTIDOS DOS PONTEIROS DO RELÓGIO:
Representações do tempo na construção simbólica da organização escolar
portuguesa (1772-1950). Dissertação de Mestrado, Lisboa, 1996.
CORREIA, António Carlos Luz; GASPAR da SILVA, Vera Lucia. A lei da escola: os
sentidos da construção da escolaridade popular através dos textos legislativos.
Lisboa: Educa e autores, 2003.
97
CUNHA, Maria Teresa Santos. Preces, cânticos, louvores: um ritmo para a
construção do calendário escolar. In: O Tempo na Escola. Ana Christina Venâncio
Mignot e Rogerio Fernandes (Orgs.). Ed. ROFEDIÇÕES,1ª. Ed. Porto, 2008. pp.139-
152.
DAROS, Maria das Dores & SCHEIBE, Leda. Formação de Professores em Santa
Catarina. Florianópolis: NUP/CED, 2002. pp. 35-52.
DAROS, Maria das Dores; DANIEL, Leziany Silveira; SILVA, Ana Claudia. A reforma
curricular dos cursos de formação de professores em Santa Catarina nos anos
1930/1940: o papel estratégico da ciência como fundamento das políticas do Estado
para a educação nacional. In: DAROS, Maria das Dores; DANIEL, Leziany Silveira;
SILVA, Ana Claudia (Orgs.). Fontes históricas: contribuições para o estudo da
formação de professores catarinenses (1883-1946). Florianópolis: NUP/CED/UFSC,
2005.
DÍAZ, José Maria Hernández. La jornada escolar em Espanã (1838-2008). In: O
Tempo na Escola. Ana Christina Venâncio Mignot e Rogerio Fernandes (orgs.). Ed.
PROFEDIÇÕES,1ª. Ed. Porto, 2008. p. 55-74.
ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
ESCOLANO, Agustín Benito. La invencion del tiempo escolar. In: O Tempo na
Escola. Ana Christina Venâncio Mignot e Rogerio Fernandes (orgs.). Ed.
PROFEDIÇÕES,1ª. Ed. Porto, 2008. 241 p.
EVANGELISTA, Olinda. Anísio Teixeira e a educação: um roteiro possível de
leitura (1930-1950). In: PERSPECTIVA. Florianópolis: UFSC/CED, NUP, n. 20. 1993.
pp. 87-125.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. A legislação como fonte para a história da
educação: uma tentativa de interpretação. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes de. et
al. (Orgs,). Educação, modernidade e civilização: Fontes e perspectivas de
analise para a história da educação oitocentista. Belo Horizonte: Autêntica. Passo
Fundo: UPF, 1998. pp. 89-125.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana Gonçalves. Os Tempos e os
espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil.
Revista Brasileira de Educação, nº. 14, 2000.
FIORI, Neide Almeida. Aspectos da evolução do ensino público: ensino público e
política de assimilação cultural no Estado de Santa Catarina nos períodos Imperial e
Republicano. 2. ed. rev. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1991.
FONSECA, Eduardo Giannetti da. Auto-engano. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
FRAGO, Antonio Vinão. Fracasan las reformas educativas? In: Sociedade
Brasileira da Educação (org.). Educação no Brasil. Campinas: Autores Associados,
2001. pp. 21-52.
98
FRAGO, Antonio Vinão. Las Autobiografías, Memorias y Diarios como Fuente
Historico-Educativa: Tipología y Usos. TEIAS, Faculdade de Educação/UERJ,
2000.
FRAGO, Antonio Vinão. Tempos Escolares, Tempos Sociales: La distribución del
tiempo y del trabajo en la enseñanza primaria en Espana (1838-1936). ed.
Barcelona: Ariel S/A, 1998.
FREITAS, Marcos Cezar de. Educação brasileira: dilemas republicanos nas
entrelinhas de seus manifestos. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena
Câmara (org.). História e memória da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes,
2005. pp.165-181.
GALLEGO, Rita de Cássia. Uso(s) do tempo: a organização das atividades de
alunos e professores nas escolas primárias paulistas (1890-1929). 2003. 184 p.
Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2003.
GONDRA, José Gonçalves. Cronologias de vida e Formas de Escola. In:
BENCOSTTA, Marcus Levy (org.) Culturas Escolares, Saberes e Práticas
Educativas: itinerários históricos. São Paulo: Cortez, 2007. pp. 212-236.
HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira: Leituras. São
Paulo: Thomson Learning, 2007. pp.71-116.
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de
História da Educação, Campinas, n. 1, 2001. pp. 9-44.
LE GOFF, Jacques. História e memória. ed. Campinas: Editora da UNICAMP,
2003. pp. 477-523.
MIRANDA, Sonia Regina. Reflexões sobre a compreensão (e incompreensões) do
tempo na escola. In: DE ROSSI, Vera Lucia Sabongi; ZAMBONI, Ernesta (Orgs.).
Quanto tempo o tempo tem! Campinas: Alínea, 2ª ed. 2005. pp.173-204.
MONARCHA, Carlos. A invenção da cidade e da multidão: dimensões da
modernidade brasileira: a Escola Nova. São Paulo: Cortez, Autores Associados,
1989. pp. 11-36.
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. 2 ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001. pp. 308 – 336.
NAGLE, Jorge. Manifesto dos Pioneiros: apanhado geral e algumas reflexões. In:
ARAÚJO, Marta Maria (Org.). Intelectuais, Estado e Educação. Natal: Ed. da
UFRN, 2006.
NORA, Pierre. Entre a memória e história: A problemática dos lugares. In: Revista
do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de
História. Projeto História, São Paulo, n. 10, dezembro de 1993. pp. 6 - 28.
99
NUNES, Clarice. Anísio Teixeira entre nós: A defesa da educação como direito de
todos. Educ. Soc. Campinas, v.21, n. 73, 2000. Disponível em: <http://.scielo.br>
Acesso em: 01 de jul. 2007.
NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Revista Brasileira de Educação.
Disponível em <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/src/inicio/> ISSN 1413-2478.
Acesso em: 10 de mar. de 2008.
PAGNI, Pedro Ângelo. Anotações sobre a filosofia da educação de Anísio
Teixeira. Conferência apresentada no GT de Filosofia da Educação – Anped, 2000.
PAGNI, Pedro Ângelo. Do manifesto de 1932 à construção de um saber
pedagógico: ensaiando um diálogo entre Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira.
Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2000. (Coleção Fronteiras da Educação).
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil entre o povo e a nação.
Série Temas. Ed. Ática, São Paulo, 1990. pp. 14-96.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003.
PINHEIRO, Lídio Leopoldo. Conhecendo a história das Intendências. Jornal
Rotadailha, Canasvieiras - Florianópolis, 2005.
SAVIANI, Dermeval. Instituições escolares no Brasil: conceito e reconstrução
histórica. In: NASCIMENTO, Maria Isabel Moura... [et al.], (Orgs.). Instituições
escolares no Brasil: conceito e reconstrução histórica Campinas: Autores
Associados: HISTEDBR; Sorocaba, SP: UNISO; Ponta Grossa, PR: UEPG, 2007.
SAVIANI, Dermeval. Setenta anos do Manifesto e 20 anos de Escola e democracia:
balanço de uma polêmica. In: XAVIER, Maria do Carmo (Org.). Manifesto dos
pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro : Editora
FGV, 2004.
SIMAN, Lana Mara de Castro. A Temporalidade Histórica como Categoria Central do
Pensamento Histórico: Desafios para o Ensino e a aprendizagem. In: De ROSSI,
Vera Lucia Sabongi; ZAMBONI, Ernesta (Orgs.). Quanto tempo o tempo tem!
Campinas: Ed. Alínea, 2005. pp. 109-143.
SOUZA, Maria Cecília Cortez Christiano. Memórias de Escola. A Escola e a
Memória. Bragança paulista: IFAN-CDAPH / Ed. EDUSF, 2000. p. 41-120.
TEIVE, Gladys Mary Ghizoni. Uma vez normalista, sempre normalista”. Cultura
Escolar e Produção de um Habitus Pedagógico (Escola Normal Catarinense – 1911-
1935). Florianópolis, SC: Ed. Insular, 2008.
VIDAL, Diana Gonçalves. Cultura e prática escolares; uma reflexão sobre
documentos e arquivos escolares. In: VENDRAMINI, Vera Teresa. SOUZA, Rosa
Fátima de (Orgs). A cultura escolar em debate: questões conceituais,
metodológicas e desafios para a pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2005.
100
pp 3-30.
VIDAL, Diana Gonçalves. Escola Nova e Processo Educativo. In: LOPES, Eliane
Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cyntia Greive. 500 anos
de educação no Brasil. 3ª ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2003. pp. 491-517
WERLE, Flávia Obino Corrêa. Documentos escolares: impactos das novas
tecnologias. Pelotas: Ed. UFPEL. História da educação, abril 2002, n. 11, pp.77-95.
XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo sobre o
manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). Bragança Paulista: EDUSF,
2002.
101
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
AMATUZZI, Marco. Martins (2006). A subjetividade e sua pesquisa. Memorandum,
10, 93-97. Disponível em: <http://www.fafich.ufmg.br/memorandum/a10/.pdf> Acesso
em: 11 de jun. de 2008.
AZEVEDO, Fernando de. A Escola Nova e a Reforma. Boletim de Educação
Pública, v. 1, nº 1. 1930.
BOMBASSARO, Ticiane. As semanas educacionais” por uma escola nova
catarinense: Formação docente e modernização do Ensino. Disponível
em<http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais.coautorias/eixo6/ticia
ne%> Acesso em: 12 de abr. de 2008.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a história da educação é a história da
disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar (Org.).
História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez. 1997.
CATANI, Barbara Denice & VICENTINI, Paula Perin. "Minha vida daria um romance":
lembranças e esquecimentos, trabalho e profissão nas autobiografias de
professores. In: MIGNOT, Ana Christina Venâncio; CUNHA, Maria Teresa Santos.
(Orgs.). Práticas de Memória Docente. São Paulo: Cortez, 2003. pp. 149-166.
CATANI, Barbara Denice. Educadores à Meia Luz: Um estudo sobre a Revista de
Ensino da Associação Beneficiente do Professorado de São Paulo (1902-1918). São
Paulo: EDUSF, 2003.
COMPÉRE. Marie-Madeleine. “Histoire du temps scolaire em Europe. Paris:
INRP Éditions Économica, 1997.
CORDEIRO, Célia Maria Ferreira. Anísio Teixeira, uma "visão" do futuro.
Estudos Avançados. São Paulo, v.15, n.42, 2001. Disponível em
<http://www.scielo.br> Acesso em: 10 de ago. 2008.
ESCOLANO, Agustín Benito. Arquitetura como programa. Espaço-escola e currículo.
In: FRAGO, Antonio Vinão; ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e
subjetividade: a arquitetura como programa. 2. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de; Gonçalves, Irlen Antônio. História das culturas e
102
das práticas escolares: perspectivas e desafios teórico-metodológicos. In: SOUZA,
Rosa Maria de. VALDEMARIN, Vera Teresa (orgs.). Cultura escolar em debate:
questões conceituais, metodológicas e desafios para a pesquisa. Campinas: Autores
Associados, 2005.
FAÚNDEZ-ABANS, Max. O Tempo: Memórias. In: DE ROSSI, Vera Lucia Sabongi;
ZAMBONI, Ernesta (Orgs.).Quanto tempo o tempo tem! Campinas: Alínea, 2005.
pp. 85-108.
FERNANDES, Rogério. A borboleta e o meu tempo escolar. In: MIGNOT, Ana
Christina Venâncio; FERNANDES, Rogério (Orgs.). O Tempo na Escola. Ed.
PROFEDIÇÕES,1ª. Ed. Porto, 2008. pp.17-32.
JULIA, Dominique. Disciplinas Escolares: Objetivos, Ensino e apropriação. In:
LOPES, Alice Casimiro, MACEDO, Elisabeth. (Orgs.) Disciplina e Integração
Curricular: História e Políticas. Rio de Janeiro : DP&A. pp. 37-71. 2002.
MICELI, Sergio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). Coleção
corpo e alma do Brasil. São Paulo. RJ, 1979. pp. 129-198.
MIRANDA, M. G. Psicologia do desenvolvimento: o estudo da construção do
homem como ser individual. Educativa, Goiânia/GO, v. 2, 1999. pp. 45-62.
MORTATTI, Maria Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no
Brasil. Brasília. 2006. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos>.
Acesso em: 10 de jun. 2008.
ROSSI, Vera Lucia Sabongi; ZAMBONI, Ernesta (Orgs.). Quanto Tempo o Tempo
tem! Campinas: Alínea, 2005.
SACHET, Celestino. Santa Catarina: 100 anos de história. Florianópolis: Século
Catarinense, 1997.
STEPHANOU, Maria; Bastos, Maria Helena Câmara (Orgs.). Histórias e memórias
da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005.
VEIGA, Eliane Veras da. Florianópolis: Memória Urbana. Florianópolis: Ed. da
UFSC e Fundação Franklin Cascaes, 1993. pp. 143-149.
103
FONTES
Entrevistas
CUNHA, Dilma Andrade. Entrevista concedida a Virgínia Pereira da Silva de
Ávila e Angela Beirith. Florianópolis, 12/05/08.
MARIA, Entrevista concedida a Virgínia Pereira da Silva de Ávila e Ângela
Beirith. Florianópolis, 14/11/07.
PINHEIRO, Lídio Leopoldo. Entrevista concedida a Virgínia Pereira da Silva de
Ávila. Florianópolis, 03/03/08.
ROSA, Manoel Leopoldo da. Entrevista concedida a Virgínia Pereira da Silva de
Ávila. Florianópolis, 19/12/2007.
Legislação
BRASIL. Constituição de 1934.
BRASIL. Constituição do Estado de Santa Catarina, 1935.
BRASIL. Constituição do Estado de Santa Catarina.1947.
BRASIL. Convênio de Estatísticas Educacionais. Registro Escolar. Matrícula,
Freqüência Diária e Aparelhamento Escolar. República dos Estados Unidos do
Brasil, 1931.
BRASIL. Decreto 714, de 3 de março de 1939. Ministério da Educação e Saúde.
Organização do Ensino Primário e Normal no Estado de Santa Catarina.
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Boletim n. 21, 1942.
BRASIL. Instituto de Estudos Pedagógicos. Boletim n. 21, 1942.
104
BRASIL. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Ministério da Educação e
Saúde, v. XIV, n. 38, Jan-abr,1950.
SANTA CATARINA. Decreto nº 585 de 19/4/1911. Estabelece a graduação para as
Escolas Isoladas. Officinas grafhicas da livraria Cysne. Florianópolis 1921.
SANTA CATARINA. Decreto n.º 295 de 2/5/1914. Regimento dos Grupos
Escolares. Florianópolis, officinas grafhicas da livraria Cysne, 1921.
SANTA CATARINA. Decreto nº. 796, de 2/5/1914. Programmas dos Grupos
Escolares e das Escolas Isoladas. Officinas grafhicas da livraria Cysne.
Florianópolis, 1921.
SANTA CATARINA. Decreto nº 130 de 12 de junho, de 1931. Institui a
obrigatoriedade da matrícula e freqüência escolar. Florianópolis. 1927.
SANTA CATARINA. Decreto 2.167, de junho de 1927. Secretaria do Interior e da
Justiça. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Adolpho Konder. 1928.
SANTA CATARINA. Secretaria do Interior e da Justiça. Decreto 2.176, de 22 de
junho. Institui a obrigatoriedade da matrícula e freqüência escolar.
Florianópolis. 1928.
SANTA CATARINA. Coleções de Decretos, Resoluções e Portarias de1932.
Estabelece planos de ensino e horários para as escolas, inclusões e
suspensões de matérias. Secretaria do Interior e da Justiça Florianópolis, 1932.
SANTA CATARINA. Decreto nº 381, de 22 de junho de 1933. Estabelece o período
para o ano letivo. Coleções de Decretos, Resoluções e Portarias de 1933.
Florianópolis, 1934.
SANTA CATARINA. Decreto nº 713, de 5/1/1935.
SANTA CATARINA. Movimento do ano letivo de 1935. Departamento de
Educação. Educação Popular. Imprensa Oficial, Florianópolis, 1936.
SANTA CATARINA. Decreto 714, de 3 de março de 1939. Estabelece a
organização do ensino primário. Florianópolis, 1939.
SANTA CATARINA. Relatório apresentado em outubro de 1938 ao Exmo. Sr.
Presidente da República, pelo Dr. Nerêu Ramos, Interventor Federal no Estado
de Santa Catarina. Imprensa Oficial do Estado. Florianópolis, 1939.
SANTA CATARINA. Relatório apresentado em outubro de 1939 ao Exmo.
Presidente da República, pelo Interventor Federal no Estado de Santa Catarina.
Imprensa Oficial, 1940.
105
SANTA CATARINA. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente da
República pelo Dr. Nerêu Ramos, Interventor Federal no Estado de Santa
Catarina. Imprensa Oficial do Estado. Florianópolis, 1941.
SANTA CATARINA. Portaria n°. 1.556, de 12 de julho de 1943. Determina
instruções aos Inspetores de Ensino. Florianópolis, 1943.
SANTA CATARINA. Circulares de 1943 e 1944. Secretaria da Justiça, Educação e
Saúde. Imprensa Oficial do Estado, Florianópolis, 1944.
SANTA CATARINA. Decreto n.º 2.991, de 28 de abril de 1944. Secretaria da Justiça,
Florianópolis, 1944.
SANTA CATARINA. Secretaria da Justiça, Educação e Saúde. Decreto n.º 3.735/46.
Estabelece Regulamento para os estabelecimentos de ensino primário no
Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 17 de dezembro de 1946.
SANTA CATARINA. Decreto nº. 9, de de março de 1957. Decreta
desdobramento de Escolas Municipais. Florianópolis, 1957.
Livros
AZEVEDO, Fernando de. A reconstrução educacional no Brasil: Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova (1932). In: XAVIER, Libânia Nacif. Para além do
campo educacional: um estudo sobre o manifesto dos pioneiros da educação nova
(1932). Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
CECA Centro de Estudos Cultura e Cidadania. Uma cidade numa ilha: relatório
sobre os problemas sócio-ambientais da Ilha de Santa Catarina/Centro de Estudos
cultura e cidadania – CECA. Florianópolis: Insular, 1996.
LOURENÇO FILHO, M. B. Introdução ao estudo da nova escola: bases, sistemas
e diretrizes da pedagogia contemporânea. 14. Ed. Rio de Janeiro: EdUERJ:
Conselho federal de Psicologia, 2002.
MELLO, Orlando Ferreira de. Comentários sobre a monografia A Educação em
Santa Catarina. Blumenau, 1955.
MORAES, Vinícius. O Relógio. In: Poesias. São Paulo: Àtica, 2005. (Coleção Para
Gostar de Ler)
MOREIRA, João Roberto. A Educação em Santa Catarina. Rio de Janeiro:
MEC/INEP, 1954.
106
PAES, José Paulo. A Escola. In: Poesias. o Paulo: Àtica, 2005. (Coleção Para
Gostar de Ler)
QUINTANA, Mario. Nariz de Vidro. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2003. (Coleção
veredas).
TEIXEIRA, Anísio. A escola-parque da Bahia. Revista Brasileira de Estudos
pedagógicos. Rio de Janeiro, v.47, nº. 106, abr./jun.1967. Disponível em
<www.undime.org.br/htdocs/index.php?acao = biblioteca&publicacaoID> Acesso em
5 de Ago. 2008.
TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil. Edição, São Paulo: Companhia Editora
Nacional – MEC, 1976.
Revistas
FAÍSCA, Adir. Prática de ensino. Revista Estudos Educacionais. Florianópolis, n.
4, 1943.
SANTA CATARINA. Revista Estudos Pedagógicos. Florianópolis, 1943.
HSIN-PAO, Yang. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Ministério da
Educação e Saúde, v. XIV, n. 38, Jan-abr,1950.
SERRA, Adalberto. A Época das Férias. Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos. Ministério da Educação e Cultura. V. XXI, Jan/Mar, 1954, n° 53.
107
ANEXOS
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo