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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Magali Aparecida Silvestre
Estágios curriculares e práticas de ensino supervisionadas:
sentidos e significados apreendidos por alunas de um curso
de Pedagogia
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Magali Aparecida Silvestre
Estágios curriculares e práticas de ensino supervisionadas:
sentidos e significados apreendidos por alunas de um curso
de Pedagogia
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Tese apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do
título de Doutor em Educação: Psicologia da
Educação pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação da
Prof.ª Dr.ª Vera Maria Nigro de Souza Placco.
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
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Em memória, a Lourdes Pedron Silvestre, minha mãe.
Não porque foi mãe, mas pela mãe que foi.
Mãe, lembrança é da memória, saudade é da alma!
Quando percebemos, você já tinha ido.
Quantas coisas ficaram por falar...
Esteja onde estiver, saiba que isto tudo foi por você.
Manifesto aqui minha gratidão especial a todos aqueles que, de algum modo,
tomaram parte desta jornada. À Prof.ª Dr.ª Vera Maria Nigro de Souza Placco, que,
pela sua trajetória coerente e comprometida com a formação de professores, me ajudou
a conduzir esta pesquisa e, com sua infinita sensibilidade, confiou em mim,
compreendendo o meu momento diante de tantas perdas. Tenho certeza de que de
outra forma não chegaria ao fim. Vera, obrigada por tudo! Às Prof.ª
s
Dr.ª
s
Emilia Freitas
de Lima e Wanda Maria Junqueira de Aguiar, pelo respeito ao meu trabalho e pelas
valiosas contribuições no momento do exame de qualificação. Ao professor que
permitiu, gentilmente, que eu acompanhasse suas aulas, verdadeiro ato educativo-
encontro afetivo, durante um longo tempo e que, humildemente, compartilhou suas
dúvidas como formador, sobre os estágios curriculares e os momentos de supervisão. A
todas as alunas do curso que acompanhei, em especial a Margarete e Adriana, que se
dispuseram a mergulhar nos significados e sentidos das ações de ensinar
supervisionadas. À coordenadora do curso de Pedagogia, que autorizou minha
permanência na instituição. À professora e amiga Maria Letícia B. P. Nascimento,
companheira de luta em prol do curso de Pedagogia, por ter ficado sempre por perto,
tirando-me do lugar que eu insistia em ocupar e que, às vezes, dificultava o avanço da
pesquisa. À Ani Martins da Silva, pelos cuidados no momento em que mais precisei. À
Márcia Dolores Resende, que, com seu trabalho profissional, me ajudou a reencontrar
os sentidos deste trabalho. À minha querida amiga Marly das Neves Bernachio,
companheira de turma, que por meio de nossos “consolos” recíprocos me ajudou a ter
confiança e continuar. À CAPES, pelo apoio financeiro parcial. À minha querida irmã,
Mari Ângela, que, sofrendo a mesma dor, me ensinou que a essência da vida é o amor
e que eu reunia todas as qualidades para acertar; só faltava acreditar nisso. Ao meu pai,
Antonio, que agora está mais perto de todos nós. Por fim, ao meu querido Paschoal
Antonio Feistauer, o Beestera, dos Falcões Motoclube, aquele que esteve mais
próximo e acompanhou diariamente a trajetória deste trabalho. Obrigada por alimentar
meu espírito com seu amor pela vida e pelas grandes gargalhadas que compartilhou
comigo, principalmente naqueles momentos em que tudo parecia sem saída.
O dizer
O meu poema ficou pronto?
Será que ele está perfeito,
feito à minha imperfeição?
Será que ele está dizendo
tudo, mas tudo mesmo,
que sofri para dizer,
do jeito que eu quis dizer?
Thiago de Mello (1998)
SILVESTRE, M. A. Estágios curriculares e práticas de ensino supervisionadas:
sentidos e significados apreendidos por alunas de um curso de Pedagogia. 2008. Tese
(doutorado) – Programa de Estudos Pós Graduados em Educação: Psicologia da Educação.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2008.
RESUMO
O presente estudo objetivou ressaltar a importância dos espaços de supervisão de estágios
curriculares como fundamentais para a formação inicial. Para tanto, teve como objeto central
de análise a apreensão dos significados e sentidos de alunas do curso de Pedagogia, sobre
as práticas de ensino supervisionadas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que teve como
referencial teórico- metodológico a abordagem cio-histórica. Inicialmente, apresenta-se o
contexto em que nasceu a problemática da pesquisa, com vistas a delinear o seu foco
principal. Com o objetivo de justificar a relevância científica da pesquisa e tomando-se por
base o Estado da Arte na Formação de Professores, a seqüência do texto identifica como é
escassa a produção de conhecimento relacionada ao tema estágios curriculares,
principalmente aqueles realizados nos cursos de Pedagogia. O primeiro capítulo examina,
sumariamente, como a formação de professores foi sendo concebida ao longo da história da
educação brasileira e, nessa trajetória, como a Prática de Ensino e os estágios
supervisionados foram sendo incorporados no processo de formação inicial. No segundo
capítulo, é incluído o modelo de formação inicial que se defende, objetivando demonstrar a
importância da superação de modelos pautados na racionalidade técnica, assim como de
modelos pautados na racionalidade prática. Superação que, acredita-se, deve indicar para a
formação de um profissional capaz de contextualizar histórica e politicamente o processo de
ensino-aprendizagem, situando sua prática e compreendendo-a como uma prática social
que envolve sujeitos e subjetividades e que, intencionalmente, deve intervir na realidade na
qual se insere. O terceiro capítulo apresenta a contribuição da psicologia sócio-histórica,
representada por autores como Leontiev e Vigotski, dentre outros que utilizam esta
abordagem para explicar os fenômenos psíquicos, apreendendo a singularidade do ser
humano. A intenção foi regular o foco da investigação do objeto deste estudo: as práticas
supervisionadas desencadeadas nos cursos de formação por meio dos estágios
curriculares, apresentando o referencial teórico que permitiu uma aproximação aos sentidos
e significados apreendidos por alunos que freqüentam o curso de Pedagogia e que
passaram por esta experiência. Em seguida, apresentam-se a trajetória metodológica e as
informações das entrevistas realizadas, cuja análise permitiu chegar aos núcleos de
significações que foram discutidos, tendo como base o aporte teórico constituído nos
primeiros capítulos. Finalmente, encerra-se este trabalho apresentando uma síntese do
conhecimento produzido, que foi se constituindo na medida em que se descobriam os
significados das hipóteses iniciais e que se compreendia o sentido que todo este estudo
denotou à própria formação e identidade profissional do pesquisador. Decorrente da tese,
arriscou-se indicar alguns aspectos a serem considerados na construção de projetos
pedagógicos para os cursos de formação inicial de professores, principalmente aqueles
relacionados à concepção e forma de organização dos estágios curriculares
supervisionados.
Palavras-chave: Formação de Professores - Estágios Curriculares - Sentidos e Significados
SILVESTRE, M. A.. Curricular training and supervised teaching practice: meanings and
senses apprehended by students from a Pedagogy course. 2008. Thesis (doctorate) -
Program of Post Graduate Studies in Education: Psychology of Education. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2008.
ABSTRACT
The present study aims at highlighting the importance of the spaces for supervision of
curricular periods of training as basic for the initial formation. For such, the apprehension of
meanings and senses on supervised teaching practice by students from the Pedagogy
course was the central object of analysis. It is a qualitative research that had as
methodological and theoretical reference a social and historic approach. Initially, the context
in which the research’s problematic was found is introduced aiming at delineating this study’s
main focus. With the objective of justifying the scientific relevance of this research and
having as its basis the State of Art in Teachers Education, the sequence of the text mainly
identifies how scarce the production of knowledge related to the subject of supervised
training is, especially those carried through in the courses of Pedagogy. The first chapter
goes briefly over how teacher education was conceived along the Brazilian education’s
history and how teaching practice and supervised practice have been incorporated in the
process of initial formation. In the second chapter, the suggested and defended model of
initial formation is enclosed aiming at demonstrating the importance of overcoming models
based on a technical rationale as well as on a practical one. This overcoming is believed to
lead us to the formation of a professional capable of politically and historically contextualize
the teaching-learning process, setting their practice and understanding it as a social practice
which entices citizens and subjectivities and that must intentionally influence the reality it’s in.
The third chapter presents the contribution of social-historical psychology represented by
authors as Leontiev and Vigotski, among others, who use this approach to explain psychic
phenomena apprehending the singularity of the human being. The intention was to control
the inquiry’s focus on the object of this study: the supervised practice in the courses of
teacher education by means of curricular periods of training, presenting theoretical
references which allowed the combination of meanings and senses apprehended by
students that attend the course of Pedagogy and that have been through this experience.
After that, the methodological procedures and the information of the carried through
interviews are presented. This resulting information allowed us to arrive at the nuclei of
meanings that had been discussed having as its basis the theoretical support from the first
chapters. Finally, this study is closed with the presentation of a summary of the produced
knowledge constituted as the initial hypotheses’ meanings were discovered and while the
direction all this study denoted to the formation and professional identity of the own
researcher was understood. As a consequence of the thesis some aspects to be considered
on the construction of pedagogical projects for the courses of teacher initial education are
mentioned, especially those related to the concept and organization form of the supervised
curricular periods of training.
Key words: Teacher Education - Curricular Training - Meanings and senses.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
Inquietações iniciais de uma formadora 17
Estágios curriculares como campo de pesquisa 25
1 FORMAÇÃO INICIAL, PRÁTICA DE ENSINO E ESTÁGIO CURRICULAR:
PERCURSO HISTÓRICO
33
1.1
Exercícios práticos como campo de aprendizagem da docência
33
1.2
Prática de Ensino: para além da observação de modelos
44
1.3
Estágios Curriculares: um apêndice dos cursos de formação inicial
53
1.4
A repetição dos velhos modelos numa nova conjuntura social
61
1.5
Formação inicial de professores no ensino superior: avanços e indefinições
67
1.6
A exaltação da prática como campo de aprendizagem da docência
73
2 O MODELO DE FORMAÇÃO INICIAL QUE DEFENDEMOS 79
3 PSICOLOGIA CIO-HISTÓRICA E A COMPREENSÃO DAS PRÁTICAS
SUPERVISIONADAS
99
3.1
A natureza do trabalho
100
3.2
Relação entre pensamento e linguagem: o lugar dos sentidos e significados
103
3.3
A atividade docente
105
4 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS ORIENTADORES DA PESQUISA
110
4.1
O local e os atores
118
4.2
Os fundamentos da proposta de curso e dos estágios supervisionados
120
4.3
A observação da realidade
124
5 SIGNIFICADOS E SENTIDOS SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA
SUPERVISIONADA
128
5.1
Sentidos e significados apreendidos por Isaura
132
5.1.1
A importância das relações interpessoais no processo de ensino e aprendizagem
136
5.1.2
A necessidade de ajudar o outro: olhando para as suas próprias limitações
141
5.1.3
A necessidade de olhar para o outro para medir o seu próprio nível de exigência
146
5.1.4
Tornar-se professora: a importância do processo de reflexão sobre si
151
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 162
7 REFERÊNCIAS
172
APÊNDICE A - Indicadores 182
11
INTRODUÇÃO
O presente é o instante em que a roda do
automóvel em alta velocidade toca
minimamente no chão. E a parte da roda
que ainda não tocou, tocará num imediato
que absorve o instante presente e torna-o
passado. [...] Clarice Lispector
Foi nesse movimento insistente da vida, descrito poeticamente por Clarice
Lispector , que esta pesquisa foi produzida. Movimento marcado por transformações
profundas no meu cotidiano pessoal e profissional, provocadas por rupturas,
mudanças e ausência que, definitivamente, deu forma ao caminho percorrido.
Contudo, foi nessa mesma dinâmica entre o “instante presente imediatamente
absorvido” e aquilo que ficou para trás, simplesmente como um caminho, ou
notadamente como marca, que aos poucos se foi desvelando aquilo que hoje, no
presente, considero o objeto deste estudo.
Sou professora mais de 24 anos e nos últimos 11 anos dediquei-me à
formação de futuros formadores, lecionando em cursos de Licenciatura,
especialmente em Pedagogia.
Aos poucos, fui constituindo-me professora universitária, entrelaçando
saberes advindos das mais variadas fontes - estudos complementares, os da própria
cultura institucional, aqueles produzidos a partir de minha experiência somados à
minha compreensão de realidade e permeados pela consciência do papel que
exerço como formadora.
No contexto da formação inicial, acabei me enveredando no campo da
Didática e da Prática de Ensino e, durante pelo menos cinco anos, desenvolvi
projetos em que alunas e alunos atuaram como professores em escolas da rede
pública, por meio dos estágios curriculares obrigatórios.
Eles e elas iam lá, no seio da escola pública, ocupavam o seu espaço,
conviviam com sua cultura, sentiam o seu perfume, desenvolviam o trabalho deles e
carregavam, afora contentamentos, inúmeros questionamentos, dúvidas,
inseguranças e sentimentos.
12
Sei disso porque estava lá; ia junto, orientava, assistia e voltava para a sala
de aula, no interior da Universidade, também com muitos questionamentos,
impressões, reflexões e críticas.
Para compartilhar todo esse turbilhão de incertezas, reservava duas horas
aula da mesma disciplina. Lembro-me de um caso em que a aluna desistiu do curso,
pois percebeu que “não gostava de crianças”. Mas o meu objetivo era justamente o
oposto, fazer com que esses indivíduos conhecessem a realidade na qual
supostamente iriam atuar, construíssem saberes próprios da docência para aprender
a atuar nela e, finalmente, fossem constituindo sua identidade profissional.
Talvez hoje consiga expressar com maior clareza os meus objetivos, mas eles
foram se desvelando ao longo de minha experiência como formadora.
Voltando a Clarice Lispector, a “roda do carro” continuou tocando rapidamente
o chão, em ritmos diferenciados, muitas vezes acelerados: as diretrizes curriculares
nacionais do curso de Pedagogia exigiram uma reestruturação no currículo, a
disciplina em que desenvolvia os projetos foi extinta e a política institucional imprimiu
um outro tom à formação de professores. Hoje, nem mesmo estou atuando na
mesma instituição.
Porém, questões permaneceram: qual o meu papel como formadora de
professores? Por que esta experiência tão rica ficava sob a responsabilidade de
minha disciplina? Por que as indagações e sentimentos eram examinados
durante as minhas aulas? Até onde a formação inicial prepara estes jovens para a
docência? Até onde minhas aulas conseguiam desenvolver o espírito crítico destes
indivíduos em formação sobre a escola pública, o ensino, a qualidade na educação?
Até onde eu conseguia imprimir-lhes a idéia de que também seriam responsáveis
por esta realidade como futuros formadores? Até que ponto a situação tocava a
subjetividade destes indivíduos? Modificava suas identidades? Mobilizavam
significados e sentidos?
Eram estas indagações que moviam minha busca por respostas e mudanças
no planejamento e execução de minhas aulas. E são elas que põem em ação minha
reflexão sobre a formação inicial de professores, a ponto de ousar desenvolver uma
pesquisa com a intenção de trazer à cena novas contribuições sobre este tema.
Então, ao pensar sobre a natureza destes questionamentos, enxergo em sua
origem duas preocupações fundamentais.
13
A primeira, oriunda do compromisso político inerente ao meu trabalho,
desnuda a importância que sempre atribuí à relação entre formação de professores
e melhoria da qualidade da educação.
A segunda diz respeito ao nível de importância que eu atribuo ao estágio
curricular supervisionado em um processo de formação de futuros professores.
Ao falar sobre qualidade da educação, compreendo que professores
formados com excelência possam se aproximar dela se, e somente se, esse fator for
agregado a tantos outros. Evito cair no erro ideológico de atribuir à docência
desqualificada todo o ônus da educação sem qualidade.
A tendência de atribuir-se aos docentes a responsabilidade pelo fracasso da
educação apóia-se na idéia de que melhorá-la significa melhorar o ensino e que, em
conseqüência, decorre a melhoria da aprendizagem. Visão linear de um fenômeno
complexo, composto por inter-relações de seus componentes - educação, ensino e
aprendizagem (TORRES, 2001), com características próprias e atores específicos
políticas blicas, legislação, gestores, professores, alunos, família, comunidade -
que, na minha visão, não pode ser interpretado como simples causalidade.
Dourado, Oliveira e Santos (2007) explicam quais os outros componentes que
devem ser levados em consideração, além do professor, ao se discutir e avaliar o
nível de qualidade da educação oferecida pelas escolas. Afirmam os autores que,
para esta análise, é necessário identificar as dimensões extra-escolares e intra-
escolares. Assinalam como dimensão extra-escolar a condição sócio-econômica dos
indivíduos envolvidos. Na dimensão intra-escolar, identificam quatro níveis: sistema,
escola, aluno e professor. Este último envolvendo formação, profissionalização e
ação pedagógica do professor.
Desta forma, o professor passa a ser compreendido como um dos
responsáveis pelo fracasso da escola e não o único.
Acredito, apoiada nas idéias de Torres (2001), que uma educação de
qualidade é aquela que é capaz de oferecer as ferramentas essenciais para a
aprendizagem alfabetização, expressão oral, lculo e solução de problemas - e
os conteúdos básicos da aprendizagem - conhecimentos, habilidades, valores e
atitudes necessários para os seres humanos desenvolverem suas capacidades,
viverem e trabalharem com dignidade, tomarem decisões conscientes e continuarem
aprendendo, enriquecendo valores culturais e morais comuns, fundamentando sua
identidade e sua dignidade na comunidade local e global em que vivem.
14
Portanto, não há como analisar a qualidade da educação sem levar em
consideração o professor e sua formação, bem como suas condições gerais de vida
e de trabalho. Porém, reafirmo: o papel que a formação e a ação pedagógica do
professor exercem sobre os índices atuais de fracasso da educação brasileira “é de
bom tamanho, nem largo, nem fundo, é a parte que te [lhe] cabe neste latifúndio”.
1
O professor, em seu processo de formação, inicial ou continuada, é
constituído numa dada realidade social, fruto de um longo processo histórico,
traduzido nas relações sociais nas quais ele está envolvido, processo que vai se
transformando de acordo com as exigências e demandas econômicas, sociais e
políticas. Ora, ao mesmo tempo determinado e determinante, o professor deve
reconhecer “a parte que lhe cabe” ou qual o nível de responsabilidade que possui
sobre o processo e resultado, neste universo complexo da educação formal.
Não pode ser totalmente responsabilizado, como vem acontecendo, mas deve
co-responsabilizar-se pelo fracasso da educação, porque o trabalho docente bem
feito é condição básica para qualquer busca de melhoria da qualidade.
É neste contexto que compreendo a importância e os limites da formação
inicial de professores, como um tempo em que se organizam as bases da docência
e é neste mesmo contexto que enxergo, como formadora, a possibilidade de
promover uma formação de pessoas que assumam seu ofício com o compromisso
de mudança.
Cortella (1998) atribuiria a este meu posicionamento o nome de “otimismo
crítico”, pois nele se encerra a natureza contraditória da nossa ação de formadores:
por um lado, uma realidade caótica demarcada por índices cruéis de inclusão
desqualificada de nossas crianças, jovens e adultos, produzida no interior das
escolas e, por outro, nossa “autonomia relativa”, nossa possibilidade de ação, o
vislumbre de uma brecha.
Neste sentido, retorno à segunda preocupação inerente às minhas
indagações como formadora de formadores, indicadas no início deste texto: o lugar
que os estágios curriculares obrigatórios, que prevêem práticas de atuação dos
alunos, ocupam no projeto de um curso de formação inicial de professores; e como
esses estágios contribuem decisivamente para a constituição da profissionalização
1
Poema Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto (2008).
15
dos jovens que escolhem fazer um curso de Pedagogia, mas nem sempre sentem o
desejo de lecionarem.
O óbvio defesa da importância do estágio curricular obrigatório em cursos
de formação de professores - relacionado à idéia de “contato com a prática”,
“iniciação ao ofício”, “aprender pela prática”, “unir teoria e prática”, esvaziou o
conteúdo dessa obrigatoriedade e transformou-o em senso comum.
O número muito pequeno de pesquisas que possuem como foco os estágios
curriculares supervisionados e a ausência de pesquisas sobre este assunto
relacionadas, especificamente, à formação inicial para professores dos primeiros
anos do ensino fundamental (BRASIL/INEP, 2002; BRASIL/INEP, 2006) são
indicadores desse esvaziamento.
Ou não se pesquisa por ser tão óbvia a sua importância, ou porque julga-se
que questões mais importantes a serem analisadas. Entendo que considerar os
estágios curriculares como um componente da formação inicial não é suficiente; é
necessário e urgente pontuar o porquê de sua permanência nos cursos, qual a sua
função na formação profissional dos professores e que modelo de supervisão é o
mais adequado. Por isso, o tema precisa ser revisitado, para que os estágios
curriculares supervisionados sejam investigados e, principalmente, ressignificados.
É nesse sentido que realizei este estudo, que, em sua primeira parte,
apresenta o contexto em que nasceu a problemática da pesquisa com vistas a
delinear o seu foco principal.
Com o objetivo de justificar a relevância científica deste estudo e tomando-se
por base o Estado da Arte na Formação de Professores, a seqüência do texto,
identifica como é escassa a produção de conhecimento relacionada ao tema
estágios curriculares, principalmente aqueles realizados nos cursos de Pedagogia.
O primeiro capítulo examina, sumariamente, como a formação de professores
foi sendo concebida ao longo da história da educação brasileira e, nessa trajetória,
como a Prática de Ensino e os estágios supervisionados foram sendo incorporados
no processo de formação inicial. Isso permitiu delinear, ainda que de maneira muito
sucinta, o campo epistemológico subjacente ao que foi proposto em diferentes
épocas pelos educadores e legisladores e o grau de importância atribuído a esses
dois componentes curriculares.
No segundo capítulo, foi incluido o modelo de formação inicial que defendo,
objetivando demonstrar a importância da superação de modelos pautados na
16
racionalidade técnica - que concebe a prática docente como um conjunto de
aplicações teóricas e técnicas previamente aprendidas, visando à resolução
instrumental dos problemas apresentados na situação de ensino e que pressupõe os
estágios como locus privilegiado para a aplicação de teorias previamente ensinadas;
assim como de modelos pautados na racionalidade prática, que objetivam a
formação de um professor reflexivo ou pesquisador, que elejam o exercício reflexivo
sobre a prática como principal eixo do processo formativo, preparando o profissional
para as situações imprevisíveis do cotidiano escolar. Superação que, acredito, deve
apontar para a formação de um profissional capaz de contextualizar histórica e
politicamente o processo de ensino-aprendizagem, situando sua prática e
compreendendo-a como uma prática social que envolve sujeitos e subjetividades e
que, intencionalmente, deve intervir na realidade na qual se insere. Nesta
perspectiva, o capítulo termina apresentando a defesa de os estágios curriculares
supervisionados se transformarem em espaços de formação e constituição da
identidade profissional do professor.
O terceiro capítulo apresenta a contribuição da psicologia sócio-histórica,
representada por autores como Leontiev e Vigotski, dentre outros que utilizam essa
abordagem para explicar os fenômenos psíquicos, apreendendo a singularidade do
ser humano. Minha intenção é regular o foco da investigação do objeto deste estudo:
as práticas supervisionadas desencadeadas nos cursos de formação por meio dos
estágios curriculares, apresentando o referencial teórico que me permitiu uma
aproximação aos sentidos e significados constituídos por alunos que freqüentam o
curso de Pedagogia e que passaram por esta experiência.
O quarto capítulo apresenta a trajetória metodológica percorrida, iniciando
pela exposição das características da instituição e da turma que acompanhei
durante um ano letivo, dos aspectos relacionados aos estágios curriculares contidos
no projeto pedagógico do curso e no projeto de estágio. Na seqüência, apresento os
núcleos de significação identificados, por meio de entrevistas desenvolvidas ao
longo daquele período, na fala de uma aluna do curso, seguidos pela discussão de
seus conteúdos, tendo como base o aporte teórico constituído para esta pesquisa.
Finalmente, encerro o trabalho apresentando uma síntese do conhecimento
produzido, que foi se constituindo na medida em que fui descobrindo os significados
de minhas hipóteses iniciais e compreendendo o sentido que todo este estudo
denotou à minha própria formação e identidade profissional. Em decorrência da tese
17
que ora defendo, arrisquei indicar alguns aspectos a serem considerados na
construção de projetos pedagógicos para os cursos de formação inicial de
professores, principalmente aqueles relacionados à concepção e forma de
organização dos estágios curriculares supervisionados.
Inquietações iniciais de uma formadora
O interesse em investigar quais sentidos e significados o constituídos
sobre práticas pedagógicas supervisionadas por alunas de um curso de
Pedagogia surgiu de uma combinação de fatos relacionados à nossa atuação como
professora formadora.
Lecionando anos em instituições privadas de Ensino Superior, em cursos
de Pedagogia e outras Licenciaturas, e tendo trabalhado com diferentes disciplinas
nos cursos de Habilitação Específica para o Magistério e CEFAMs
2
, em nível médio,
a área de formação de professores sempre foi o alvo de nossas leituras e
investigações, bem como tema de nossa dissertação de mestrado.
A origem do objeto de estudo da pesquisa que ora apresentamos surgiu da
necessidade de dar prosseguimento à pesquisa desenvolvida na dissertação de
mestrado Um Estudo acerca das Hipóteses das Alunas da H.E.M. sobre o ato de
aprender. Vale ressaltar que entre a defesa do mestrado e o início do doutorado,
muito tempo se passou, e foi nesse tempo que nos envolvemos mais com a
formação docente realizada no Ensino Superior.
A dissertação pôs à mostra o quanto o curso investigado, na época, não vinha
atendendo satisfatoriamente à formação de professores que exerceriam o magistério
nas séries iniciais do ensino fundamental. Pois, embora o discurso das alunas
participantes da pesquisa tenha revelado um forte desejo de exercerem práticas
pedagógicas inovadoras, ao ser desvelado, denunciou o quanto essas práticas se
firmavam no senso comum e em pressupostos da pedagogia tradicional.
2
Proposta de formação oferecida em nível do Ensino Médio e que, no Estado de São Paulo sofre
processo de extinção a partir da interpretação do artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional Lei 9.394/96, complementado pelo Decreto 3.276 de 06/12/1999 e retificado pelo
Decreto nº 3.554 de 07/08/2000.
18
A conclusão a que chegamos é que este fato demonstrava a ausência de
consciência sobre os pressupostos epistemológicos, políticos, pedagógicos
subjacentes a estas práticas que elas acreditam ser inovadoras.
Em outras, palavras ausência de uma consciência de sincronicidade,
explicada por Placco (1994, p.18) como uma “ocorrência crítica dos componentes
políticos, humano-interacionais e técnicos” , que se traduz na ação do professor.
Nossa principal preocupação, no final daquela pesquisa, foram as dúvidas
que permaneceram sobre como e até que ponto um curso de formação é capaz de
dar conta de preencher essa lacuna, pois atingir esse nível de consciência sobre a
ação pedagógica é condição elementar para observarmos, refletirmos e darmos
coerência àquilo que estamos realizando em sala de aula.
Estas questões foram ficando consideravelmente mais intensas ao
assumirmos a disciplina Prática de Ensino de um curso de Pedagogia, em uma
universidade particular.
Ao aceitar o desafio de ministrar aulas da disciplina Prática de Ensino nas
séries iniciais do ensino fundamental, no curso de Pedagogia, tivemos algumas
preocupações que julgávamos serem indispensáveis para assegurar uma boa
formação.
A primeira delas foi elaborar um programa que possibilitasse ao futuro
profissional um contato significativo com a realidade escolar. Esse contato não
poderia se resumir à simples observação; acreditávamos ser necessário que as
alunas experienciassem situações de atuação prática e que esse processo fosse
supervisionado.
Essa supervisão, para além da observação, aprovação ou reprovação da aula
ministrada, era entendida como um momento propício de articulação entre teoria e
prática. Nossa intenção era capacitar o aluno para intervir em diferentes situações,
com objetividade, coerência, competência e compromisso com a democratização do
ensino e a formação do aluno cidadão.
A disciplina previa a elaboração e aplicação de projetos de intervenção na
realidade do ensino fundamental, os quais, se esperava, seriam desenvolvidos pelos
alunos, lançando mão de seus próprios saberes e valores e de conhecimentos e
experiências construídas durante o curso, nas diferentes áreas.
Nosso objetivo, além de cumprir o papel da Universidade – promoção e
difusão à comunidade do conhecimento produzido nela atuando, era possibilitar a
19
formação identitária desse futuro professor que, ao conhecer a escola e a dinâmica
da sala de aula, poderia aprender a desenvolver um pensamento crítico
caracterizado pelo exercício constante da reflexão sobre sua práxis,
compreendendo, assim, a natureza e a finalidade de seu ofício.
Para conseguir atingir esses objetivos estabelecíamos, a cada semestre,
parceria entre a Faculdade de Educação e escolas da rede estadual ou municipal de
ensino, desenvolvendo projetos de atuação com as alunas do curso, de acordo com
as demandas de cada escola. Embora as demandas fossem as mais variadas
possíveis, o formato pedagógico do projeto era sempre o mesmo. Cada projeto, com
duração de um semestre letivo, previsto para a quinta etapa do curso, era sempre
organizado em quatro momentos: inserção das alunas na realidade escolar;
planejamento do trabalho a ser desenvolvido ao longo dos encontros, tendo como
referencial um diagnóstico realizado a priori; implantação e avaliação.
Cada uma dessas etapas era por nós supervisionada, tanto aquelas
desenvolvidas na escola-campo como aquelas desenvolvidas na própria
Universidade. Participávamos dos processos de planejamento das aulas,
acompanhávamos as alunas até a escola, a pé ou com transporte cedido pela
instituição, assistíamos às aulas ministradas, nos encontrávamos na aula de
supervisão e discutíamos as práticas.
Assim, mesmo com algumas dificuldades que extrapolavam o âmbito de
nossa disciplina, que se somavam às encontradas durante o processo,
desenvolvemos esta proposta ao longo de dez semestres letivos.
Nesse período, na observação das práticas dos alunos e alunas e, mais
fortemente, nos encontros de supervisão ocorridos após as aulas ministradas, alguns
conflitos passaram a nos causar certos incômodos e se tornaram cada vez mais
presentes nos semestres subseqüentes. Diziam respeito àquilo que percebíamos
durante o processo e, principalmente, ao nível de alcance do nosso trabalho docente
em relação à superação do que era observado e discutido.
Reunimos algumas questões:
a ação desenvolvida nos momentos de organização e execução da prática
pedagógica se distanciava do discurso que as próprias alunas
apresentavam sobre educação, criança, seus objetivos e sobre a
profissão;
20
os modelos tantas vezes contestados pelas próprias alunas, rotulados
como tradicionais e ou autoritários eram freqüentemente reproduzidos na
prática pedagógica;
a ênfase na confecção dos recursos a serem utilizados era maior do que a
discussão sobre os objetivos propostos;
excelentes alunas, que problematizavam, criticavam, demonstravam
domínio de um repertório pedagógico durante as aulas, apresentavam
sérias dificuldades relacionadas à interação com os alunos e ao
desenvolvimento de suas práticas;
falta de responsabilidade com horário, com as tarefas combinadas entre o
grupo e com o projeto era comum;
atitudes preconceituosas de natureza diversa, em relação às crianças,
eram freqüentes;
a visão assistencialista da profissão impregnava as propostas e a postura
de muitas alunas durante o processo.
Nos momentos de supervisão constatávamos que:
durante as discussões sobre os problemas levantados, como, por
exemplo, indisciplina, dificuldades de aprendizagem, organização do espaço da sala
de aula e da escola, entre tantos outros, esperávamos um debate baseado em
conhecimentos que extrapolassem o senso comum, mas não era isso que acontecia,
emergindo sempre um nível de reflexão muito superficial que era reproduzido nos
relatórios finais;
não era comum as alunas se sentirem à vontade para expor suas
dificuldades e sucessos;
não era possível dar conta de tantos temas surgidos nas discussões,
objetivando uma reflexão mais crítica sobre as práticas.
Indagávamos-nos se essas contradições eram pertinentes, devido ao fato
que os alunos estavam em um processo inicial de formação ou se, pelo fato de
estarem no quinto semestre do curso, estas o estariam sinalizando lacunas do
curso até essa etapa da formação.
Tornou-se urgente para nós investigar quais seriam, efetivamente, as
contribuições advindas da experiência de supervisão de estágios com regência, para
a formação daqueles futuros docentes.
21
Ao começarmos, então, a desenvolver esta pesquisa, fomos percebendo as
nossas próprias contradições e insuficiências tanto com relação aos objetivos
propostos para a disciplina, nas nossas concepções sobre teoria e prática, na visão
utilitária que tínhamos da escola-campo, como na exagerada pretensão de despertar
a consciência daqueles alunos a partir de uma prática pontual e uma supervisão que
desencadeava um simples debate reflexivo, limitado, rápido e fragmentado, que o
tempo era curto e os encontros, semanais.
Que modelo de formação pressupunha o nosso trabalho como formador? Que
dimensões da formação estávamos pondo à prova durante o curso? Como
concebíamos o espaço escolar em que as alunas eram inseridas? Seria possível
articular teoria e prática na proposta desenvolvida por nós? Que saberes eram
mobilizados nas alunas a partir da prática? Como estes são aprendidos? Que
relações guardavam os saberes docentes que iam sendo aprendidos com o
desenvolvimento da profissionalização desses alunos?
A primeira constatação foi avaliar que o trabalho que desenvolvíamos era na
escola campo e não com a escola. Prova disso era a troca constante de escolas
parceiras. Às vezes, conseguíamos desenvolver o projeto num mesmo
estabelecimento por mais de um semestre, o que era muito bom, que assim
tínhamos um maior conhecimento sobre aquela realidade, mas acontecia também
de chegarmos na escola, para o primeiro dia de trabalho, e recebermos a notícia de
que a parceria havia sido cancelada.
Éramos estranhos, não fazíamos parte daquele cotidiano, quase nada
conhecíamos sobre o espaço e a organização daquele lugar. Estávamos de
passagem. Havia uma preocupação de nossa parte em considerar a dimensão do
trabalho coletivo (PLACCO, 2008) na formação das alunas. Por isso, prevíamos, ao
menos, uma reunião entre alunas e professoras para um planejamento conjunto,
para que elas percebessem que a prática pedagógica não pode ser solta,
desarticulada de objetivos mais gerais da formação daqueles alunos. Mas essa
iniciativa era nossa e não fazia parte do projeto político-pedagógico institucional
daquelas escolas.
O estudo desenvolvido sobre as desigualdades nas relações Universidade-
Escola em ações de formação inicial e continuada de professores desenvolvido por
Terrazzan, Santos e Lisovski (2006) nos ajuda a compreender essa dificuldade. Os
autores indicam que os profissionais pesquisados, que faziam parte da Equipe
22
Diretiva das escolas, ao exporem suas representações sobre o estágio curricular,
consideram a Universidade como única responsável pela formação inicial dos
professores, dando caráter “unilateral e unidirecional” à relação entre Universidade e
escolas da educação básica:
[...] não propriamente um papel atribuído às Escolas no
acompanhamento dos Estágios Curriculares. As escolas não
identificam formas possíveis delas contribuírem para a formação dos
futuros professores: nem mesmo concebem sua função como
formadora destes. Assim, resta às Universidades quase que a
totalidade da responsabilidade pela formação Inicial dos professores.
(p.19)
Por outro lado, também, o projeto de estágio não era produto de um processo
coletivo de discussão sobre a formação no curso de Pedagogia, realizado na
universidade, com os nossos pares. Era um projeto de uma disciplina específica.
A segunda constatação diz respeito à maneira como nos apropriávamos do
cotidiano escolar em que era desenvolvido o projeto. Nos espaços de supervisão,
discutíamos aquilo que foi realizado como:
[...] um produto – o que é – multideterminado e contraditório, passível
de ser apreendido, descrito, interpretado, analisado, explicado e
avaliado e não [...] como um processo em realização o que está
sendo. Um processo vivo, repleto de possibilidades que se dão a ver
no movimento de efeitos de sentido produzidos na dinâmica
interativa. Sentidos que nos afetam, deslocando-nos, estagiários e
professoras da universidade, do lugar de observadores externos.
(PINTO e FONTANA, 2001, p. 142-143).
Nossas discussões eram muito mais voltadas para o fazer, para a postura das
alunas, o rigor na realização das tarefas, tudo isso de uma forma fragmentada, sem
nos preocuparmos em enxergar a totalidade do fenômeno educativo que o projeto
provocava. Muito pouco voltadas para a subjetividade, posta em questão, do
indivíduo que se encontrava em processo de formação. E, também, muito pouco
voltada para os significados que eram postos em jogo, desde o primeiro contato
com a escola.
23
Significados que, para Leontiev (1978, p. 96-97), são o “reflexo da realidade
independentemente da relação individual ou pessoal do indivíduo a esta” e que
fazem parte de um “sistema de significações pronto, elaborado historicamente”,
apropriado pelos indivíduos como um objeto. O que estas significações podem se
tornar para o indivíduo depende do sentido subjetivo e pessoal que elas tenham
para ele. Sentidos que são criados a partir da atividade do sujeito.
Compreendendo, portanto, as práticas pedagógicas desenvolvidas pelas
alunas como uma atividade, que motivos as levavam a desenvolver estas ou
aquelas tarefas; estas ou aquelas posturas? Que significações eram acionadas
subjetivamente e quais sentidos eram criados?
Diante do exposto, o que queremos ressaltar é que se faz necessário tratar a
formação do futuro professor
[...] de uma forma mais abrangente, que inclua o interno e o externo
da escola, o movimento de construção do conhecimento e do
pensamento do aluno, ao mesmo tempo em que se vivencia a
docência como prática social comprometida com a sua
transformação. (PLACCO, 1994, p. 116)
E que a dimensão profissional da atividade docente deve ser assumida por
estes futuros professores em seu processo de formação inicial, pois “o professor
não é um cnico que se limita a aplicar corretamente um conjunto de directivas,
mas um profissional que se interroga sobre o sentido e a pertinência de todas as
decisões em matéria educativa”. (SACRISTÁN, 1999a, p. 76).
Nesta direção é que incluímos os estágios curriculares obrigatórios como um
componente da formação inicial bastante propício para o desenvolvimento da
consciência crítica do futuro professor.
E, por esta razão é que, no universo da formação inicial de professores,
escolhemos os estágios as atividades práticas nele desenvolvidas - como tema de
nossa pesquisa, tendo como ponto de partida o próprio sujeito em formação, e a
Psicologia Sócio-Histórica como referencial teórico-metodológico por esta nos ajudar
a entender que “o indivíduo pode ser realmente compreendido em sua
singularidade, quando inserido na totalidade social e histórica que o determina e
sentido à sua singularidade”. (BOCK, 1999, p. 34)
24
Quais sentidos e significados são constituídos sobre práticas
pedagógicas supervisionadas por alunas em um curso de Pedagogia. Esta é a
questão que expressa o problema central de nossa pesquisa.
Por fim, gostaríamos de registrar que muitas questões problematizadoras que
geram dissertações de mestrado ou teses de doutorado, na área das Ciências
Humanas, são provenientes de inquietações da prática pedagógica do próprio
pesquisador. Dessas inquietações, por um lado, surgem novas propostas de
atuação em relação a velhos problemas do cotidiano, mas, por outro, criam
situações em que se põe em xeque o trabalho que está sendo desenvolvido naquela
realidade, denunciando processos de formação muitas vezes equivocados, o que
pode provocar alguns desprazeres institucionais.
Como desenvolver uma pesquisa em que o formador é o próprio
pesquisador? Como pesquisar a própria prática?
Se pegarmos como exemplo a investigação na área de formação de
professores, é muito comum o pesquisador, mestrando ou doutorando, sentir
necessidade de analisar algum fenômeno que ocorre em seu entorno, o que
significa, muitas vezes, desenvolver a pesquisa em seu próprio ambiente de
trabalho. E ainda, em vários casos, as inquietações são provenientes da sua
atuação pedagógica, fazendo com que o pesquisador se torne também sujeito da
própria pesquisa.
Seria o nosso caso, quando nos propusemos a desenvolver este estudo. A
disciplina que desencadeou as questões que deram origem ao problema de
pesquisa fazia parte da matriz curricular do curso de Pedagogia, era ministrada por
nós e, ao nos propormos investigá-la, nos tornamos não sujeito dessa
investigação, mas também pesquisadores de nosso ambiente de trabalho.
Em outras palavras, se a escolha dos sujeitos e local da coleta de dados
permanecesse como inicialmente pensado, estaríamos totalmente envolvidos com o
local de pesquisa: profissionalmente, ética e politicamente.
Em princípio, quando analisamos esta situação, a primeira questão que
emergiu dessa problemática, relacionada à produção do conhecimento, foi o nível de
envolvimento que teríamos como pesquisadora, ao realizar a análise dos dados
coletados e como isso poderia influenciar o resultado final.
25
Porém, um fator conjuntural surgiu durante nossa atuação como professora
formadora, com o projeto de doutoramento em andamento, dissolvendo a questão
anteriormente apontada.
As mudanças que foram ocorrendo nos cursos de Pedagogia, ao longo dos
últimos sete anos, culminando com a homologação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Pedagogia em 2006, obrigou a instituição de ensino a
reformular o curso de Pedagogia e promover a extinção da disciplina denominada
Prática de Ensino e Estágio Supervisionado, assim como os projetos previstos em
seus planos.
Portanto, não sendo mais possível realizar o estudo pretendido nos encontros
da disciplina por s ministrada principal agente desencadeador de nossas
questões como pesquisadora, resguardamos o objeto de estudo a ser pesquisado,
tomamos conhecimento de outras instituições que desenvolviam propostas
semelhantes e, então, repensamos o local para o desenvolvimento da pesquisa
empírica que será caracterizado ao longo deste estudo.
Estágios curriculares como campo de pesquisa
A primeira aproximação com o objeto de estudo desta pesquisa surgiu de
nossa experiência profissional, portanto, cabe-nos aqui a cautela anunciada por
Gatti (2002, p. 23) sobre o desenvolvimento de pesquisas muito vinculadas à prática
e ao cotidiano: essa proximidade pode induzir à “prevalência do aparente e do
excessivamente limitado”, deixando de lado questões fundamentais, pois “a
pesquisa não pode estar a serviço de solucionar pequenos impasses cotidianos” ,
mas deve ter como origem uma pergunta adequada a uma questão que não tem
resposta evidente.
Nossa intenção foi assumir o desafio anunciado por Charlot (2006, p. 10), em
palestra proferida na abertura da 28ª Reunião Anual da ANPED
3
: “quem deseja fazer
pesquisa em educação deve sair da esfera da opinião e entrar no campo do
conhecimento”, porque somente refletir e escrever sobre a prática pedagógica não
significa fazer pesquisa.
3
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.
26
Esse exercício de reflexão e registro, muito freqüente em nossa trajetória
como formadora de professores, foi o ponto de partida para intensificar nossa
preocupação em produzir, acima de tudo, uma pesquisa com responsabilidade e
coerência.
Bauer (2005, p. 43) nos auxilia, quando afirma que:
[...] o papel do pesquisador passa ser o de um intérprete da realidade
pesquisada, tendo como roteiro os instrumentos fornecidos pela sua
postura teórica epistemológica. [...] A essência da pesquisa, hoje, é
a busca de produzir um conhecimento novo e que colabore com o
preenchimento dos vazios existentes entre as informações
disponíveis numa ou em outra área do conhecimento. (grifo nosso)
Postura e preenchimentos dos vazios existentes traduzem a idéia de
responsabilidade, pois entendemos como postura teórica e metodológica a
coerência entre o referencial teórico adotado o discurso e a escolha dos
instrumentos teórico-metodológicos a prática. Preencher os vazios existentes
significa dizer que não renunciamos à nossa possibilidade, como pesquisadores, de
contribuir com discussões que transformem a realidade que pesquisamos e em que
atuamos – compromisso político.
Tarefa difícil, que discutir o tema Formação de Professores significa
interpretá-lo, tendo como pano de fundo o campo da educação, identificado por
Charlot (2006, p. 9) como “um campo de saber fundamentalmente mestiço”, pois
nele “circulam, ao mesmo tempo, conhecimentos, práticas e políticas”, e, por isso,
multidimensional, exigindo do pesquisador um discurso nada simples.
Como campo de saber, a educação brasileira encontra-se num período em
expansão. Em cinco anos, o total de trabalhos acadêmicos desenvolvidos nos
programas de pós-graduação em educação, em todo o Brasil, aumentou
significativamente: do total de 4492 registrados entre 1990 e 1996, temos 8085
pesquisas entre teses e dissertações - concluídas entre 1997 e 2002.
(BRASIL/INEP, 2002; BRASIL/INEP, 2006).
Aumento justificado pela ampliação de programas de pós-graduação nesta
área, reflexo, principalmente, da grande demanda do sistema educacional brasileiro,
também em expansão (BRASIL, 2006), mas que não evoca, necessariamente, um
significativo avanço na delimitação das fronteiras desta área.
27
Charlot (2006) e Gatti (2002) alertam que as pesquisas em educação, em sua
maioria, são esparsas, exigindo duplo esforço. Por um lado, o enfrentamento de
desafios teórico-metodológicos que permanecem em aberto, gerados pela
incapacidade dos pesquisadores em captar o fenômeno educacional em sua
concretude histórico-social e, por outro, a definição de um discurso científico
específico que articule o conhecimento produzido na área e a fortaleça como campo
epistemológico exclusivo.
Estas afirmações preliminares sobre a pesquisa no campo da educação têm
como objetivo explicitar, inicialmente, duas questões que julgamos importantes. Uma
delas é localizar, na área de Formação de Professores, como o estágio curricular
supervisionado vem sendo pouco investigado, o que justifica a relevância de nosso
estudo. A segunda é o cuidado que tomaremos para não perder de vista, ao
investigar nosso objeto de estudo, sua concretude histórico- social, por isso a opção
em utilizarmos como referência a abordagem sócio-histórica, conforme
comentamos.
Utilizamos como referencial quatro estudos sobre Estado do Conhecimento
em Formação de Professores no Brasil: o documento intitulado Formação de
Professores no Brasil (1990-1996) e Formação de Profissionais da Educação (1997-
2002)
4
, ambos publicados pelo INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais e desenvolvidos a partir de análise de teses e dissertações defendidas
nos Programas de Pós-Graduação em Educação (BRASIL/INEP, 2002;
BRASIL/INEP, 2006); além de estudos complementares de André (2004) e Andrade
(2006).
Ao considerar os dados reunidos no período de 1990-1996, apresentados
pelo INEP, comparados ao período de 1997-2002, verificamos uma ampliação
significativa no número de trabalhos acadêmicos sobre Formação de Professores.
No primeiro período, dos 4493 trabalhos da área de educação, 284 trataram a
Formação de Professores, representando 6,3% do total. Este índice se amplia
significativamente quando analisamos o segundo período.
4
O projeto de pesquisa que resultou neste documento visou à continuidade do estudo realizado no
período anterior do Estado de Conhecimento sobre Formação de Professores no Brasil. O documento
teve seu nome modificado por abranger o estudos sobre professores, mas também de
profissionais que oferecem suporte pedagógico direto às atividades de docência (BRASIL, 2006).
28
Das 8085 teses e dissertações concluídas até 2002, na área de educação,
1769 trataram sobre Formação de Professores, passando a representar 22% desse
total.
Este aumento é justificado no próprio documento como uma manifestação
histórica, marcada pelo aumento no número de programas de pós-graduação na
área de educação (BRASIL, 2006, p. 50). Porém, informação mais significativa se
refere às considerações dos autores:
[...] começa a emergir uma cultura de pesquisa na modalidade
Estado do Conhecimento ou da Arte; [...] um compromisso dos
autores com a investigação, com referencial teórico densamente
tecido e com objeto de pesquisa bem definido, ainda que seja
surpreendente, em alguns trabalhos, a dificuldade que os autores
têm para descrever com clareza o método de pesquisa e a
modalidade de investigação utilizada em seus estudos.
Esta inferência positiva dos autores do documento não pode ser generalizada
quando percebemos que as categorias Formação Inicial, curso de Pedagogia e
Estágio Supervisionado, focos desta nossa pesquisa, vêm sendo pouco
investigadas, portanto oferecendo poucos elementos para a superação de desafios.
Se, entre os anos de 1990-1998, as teses e dissertações sobre formação de
professores que tinham como foco principal o tema formação inicial representaram
72% do total analisado (ANDRÉ, 2004), entre 1999 e 2003 este percentual atingiu
pouco mais de 21,5% (ANDRADE, 2006), demonstrando ênfase dos estudos sobre
outras temáticas. A principal delas é trabalho docente, que agrega estudos sobre a
prática docente, experiências de autoformação, estudos sobre avaliação da
aprendizagem e do impacto das reformas educacionais (BRASIL, 2006).
Além da diminuição do número de trabalhos reunidos na categoria Formação
Inicial, o documento revela que, no final do período analisado, observaram-se
mudanças de foco nesses estudos. Uma delas é que as pesquisas procuram
desvelar as contribuições e deficiências da formação inicial no desempenho
profissional tendo como ponto de análise dados da prática de professores em
exercício.
Se, por um lado, estes dados advindos da prática de professores põem à
disposição aspectos a serem considerados como referência para repensar os
29
cursos de formação inicial, por outro, podem representar cada vez mais a ausência
de estudos específicos que tenham como ponto de análise a formação inicial.
Este fato se agrava quando estudamos os dados apresentados sobre o tema
formação inicial, tendo como foco o curso de Pedagogia. Dos 295 trabalhos
analisados entre 1990-1998, 26 tratam sobre essa modalidade de formação inicial
9% do total. Estudos sobre a formação de professores das séries iniciais do Ensino
Fundamental concentram-se na categoria Escola Normal - 38% (ANDRÉ, 2004).
Entre os anos de 1999-2003, do total de 255 trabalhos sobre formação inicial,
65 tratam sobre o curso de Pedagogia 25% do total, e 32 sobre Magistério no
Ensino Superior (Curso Normal Superior) – 13%. (ANDRADE, 2006)
Alguns aspectos devem ser ressaltados, ao refletirmos sobre esses dados.
O primeiro deles é que, se olharmos para o número de trabalhos do período
em questão sobre o curso de Pedagogia, tendo com referência o conjunto de
pesquisas sobre formação inicial, constatamos uma ampliação. Contudo, se
olharmos o total de pesquisas sobre formação inicial, tendo por base o total de
trabalhos relacionados à formação de professores, observamos que houve uma
diminuição significativa no número de teses e dissertações que tratam sobre o tema
formação inicial.
É fato, portanto, que a formação inicial de professores para o ensino
fundamental ou para a educação básica tem sido pouco investigada, o que para nós
é um alerta, que consideramos essa uma etapa fundamental para a configuração
da profissionalidade docente e que, reconhecemos, ainda apresenta muitas lacunas.
O segundo aspecto é que essa ampliação no número de trabalhos sobre o
curso de Pedagogia coincide com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, no ano de 1996, que trouxe com ela novas questões sobre o
problema da identidade do curso.
E, por fim, a expansão dos trabalhos sobre o curso de Pedagogia não aponta,
necessariamente, para indicadores que colaborem com o fortalecimento do tema
Formação de Professores como campo epistemológico específico.
André (2004, p. 83), havia alertado que o resultado da análise das teses e
dissertações que traziam a Pedagogia como foco, elaboradas até o ano de 1998,
apresentava “um quadro muito pobre e um conhecimento muito parcial desse nível
de formação”. O documento complementar, que analisou os trabalhos acadêmicos
até 2002, continua assinalando que os estudos relativos ao curso de Pedagogia
30
ainda são muito dispersos, o que dificulta a reunião de temas e questões que
mantenham semelhanças (BRASIL/INEP, 2006).
Cabe ressaltar que o documento traz uma justificativa sobre essa dispersão: a
ausência, na época dos estudos, de diretrizes curriculares nacionais, que foram
aprovadas no ano de 2006. Aponta, ainda, que alguns estudos que compõem a
categoria Trabalho Docente revelam contribuições e deficiências da formação inicial
para o desempenho dos professores.
Somando-se o declínio do número de estudos que tratam sobre formação
inicial e a ampla variação de temas pesquisados sobre o curso de Pedagogia,
constatamos que a subcategoria Estágio Supervisionado é pouco encontrada como
objeto de estudo dos trabalhos acadêmicos.
Pesquisa realizada por André (2004) demonstra que os subtemas priorizados
nas 26 pesquisas realizadas sobre o curso de Pedagogia, período 1990-1998, são:
avaliação do curso, com 17 trabalhos, e estudo de uma disciplina, com 9 trabalhos,
sendo 6 relacionados à disciplina prática de ensino. O que demarca que, dos poucos
trabalhos apresentados sobre formação inicial, o estágio supervisionado não
aparece como tema central das pesquisas, sendo um tema silenciado.
De 1999 a 2003, os subtemas priorizados nos 65 estudos que trataram sobre
o curso de Pedagogia foram: análise do currículo do curso e relação da prática do
aluno egresso com sua formação. Os oito trabalhos que investigaram uma ou mais
disciplinas do curso não apresentaram nenhuma discussão sobre prática de ensino
ou estágio supervisionado.
É na categoria Formação Inicial/Licenciatura, que reúne teses e dissertações
do período de 1997-2002, que aparecem, embora, timidamente, estudos sobre o
papel central das atividades de Estágio Supervisionado na formação docente.
(BRASIL/INEP, 2006, p. 34), lembrando que esta categoria compreende a formação
de professores das séries finais do ensino fundamental e ensino médio.
Andrade (2006, p. 51), em análise mais aprofundada das teses e dissertações
produzidas entre os anos de 1999–2003, valida esta constatação. A autora indica
que, na categoria Formação Inicial/Licenciatura, foram encontrados sete trabalhos
relacionados ao estágio, cujo objetivo era “verificar sua importância para a formação
inicial”.
Aparecem também, mas no subgrupo Magistério do Ensino Médio, dois
trabalhos que “pretenderam avaliar o processo de realização do estágio pelos alunos
31
e analisar sua importância para a prática do professor em formação” e, no subgrupo
Magistério do Ensino Superior, apareceram quatro estudos com o objetivo de “refletir
sobre a construção de possibilidades em sala de aula a partir do estágio; o estágio
como oportunidade de formação reflexiva; e a possibilidade de início da docência
para o aluno em formação” (ANDRADE, 2006, p.53).
Andrade (2006) registra um total de 13 trabalhos acadêmicos que possuem
como objeto de estudo o estágio, o que representa pouco mais de 1% do universo
de 1184 teses e dissertações que trataram sobre o tema Formação de Professores,
concluídas no período entre 1999 e 2003, ou pouco mais de 5%, ao se considerar o
total de 255 pesquisas reunidas na categoria Formação Inicial.
Ausência que, parece-nos, denuncia o grau de importância atribuída aos
estágios curriculares obrigatórios no processo de formação inicial de professores.
Em que pese o curso de Pedagogia, neste período, ainda não ser legalmente
reconhecido como única e exclusivamente um curso de licenciatura, portanto tendo
como eixo a docência, ele preparava professores para atuarem no ensino
fundamental e sempre manteve em seu currículo a obrigatoriedade dos estágios.
de se ressaltar que o referencial aqui utilizado elucida dados referentes
até o ano de 2003, e que o último Estado do Conhecimento somente foi publicado
em 2006. Todavia, se levarmos em consideração que eles retratam mais de uma
década de pesquisa, é possível inferir, mesmo estando seis anos à frente, que as
lacunas deixadas nesse processo indicam que pesquisas tendo como objeto de
estudo a formação inicial ou, mais especificamente, o estágio supervisionado, são
necessárias, se não urgentes.
Ao levarmos em consideração a afirmação de Pimenta (2004, p. 101), sobre a
“necessidade de explicitar e valorizar o estágio como um campo de conhecimentos
necessários aos processos formativos”, constatamos que a ausência de pesquisas
que aprofundem as investigações sobre esta temática silencia discussões que, por
um lado, poderiam denunciar “a falta de intencionalidade e de reflexão sobre o
caráter formativo, que constitui a essência do estágio” e, por outro, contribuir para a
ressignificação dos estágios nos projetos pedagógicos dos cursos de formação
inicial.
Evidencia-se, assim, uma questão que não podemos deixar de considerar
nesta pesquisa: se os estágios curriculares obrigatórios resistiram às reformas
educacionais traduzidas pelas políticas de formação que se foram consolidando de
32
acordo como o momento histórico em que se encontrava a educação brasileira, sua
importância é inegável. Contudo, por que a ausência de investigação, sobretudo em
relação aos estágios do curso de Pedagogia?
Por entendermos que o estágio e as práticas supervisionadas ocupam um
lugar na formação inicial em que identidades são transformadas e subjetividades são
postas à prova, acreditamos que este estudo podeapontar questões pertinentes à
legitimação desse lugar, o que ratifica sua relevância social e científica.
33
1 FORMAÇÃO INICIAL, PRÁTICA DE ENSINO E ESTÁGIO CURRICULAR:
PERCURSO HISTÓRICO
1.1 Exercícios práticos como campo de aprendizagem da docência
Para iniciarmos nossa investigação sobre quais sentidos e significados são
constituídos sobre práticas pedagógicas supervisionadas por alunas de um
curso de Pedagogia fez-se necessário examinar, sumariamente, como a formação
de professores foi sendo concebida, ao longo da história da educação brasileira, e
como a “prática” foi se incorporando ao processo de formação.
Podemos anunciar, sem sombra de dúvida, que os desafios e a falta de
qualidade na formação inicial de professores das séries iniciais do ensino
fundamental sempre estiveram subjugados à descontinuidade das propostas do
Estado brasileiro para a educação escolar, em especial para aquela que se em
espaço público.
Outro fator importante a ser ressaltado é que o currículo das Escolas
Normais, o único espaço institucionalizado de formação de professores durante mais
de cem anos, era muito próximo do currículo da escola primária, formato que
permaneceu desde o surgimento da primeira Escola Normal (1835) até a década de
1930.
Este fato nos indica que a concepção de formação teve sua raiz na idéia de
que o domínio dos conteúdos específicos de cada área do conhecimento saberes
disciplinares, no entendimento de Tardif (2002), era a primeira condição para
exercer o magistério e que o fazer, a prática da aula, se aprendia pela própria
prática, principalmente por meio da observação e do modelo.
A defesa de que, para o magistério ser satisfatório, basta um amplo domínio
de sua área de conhecimentoperdurou durante muito tempo nos modelos de
formação, mas, recentemente, foi posta em xeque pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, de 1996.
Provocando os ânimos de muitos professores universitários atuantes nos
cursos de formação de professores para o ensino fundamental e médio, essa lei,
prevendo essa formação em cursos específicos de licenciatura plena, com duração
de três a quatro anos, desatrelando-a do bacharelado, desencadeia uma ruptura
34
com esta concepção, que explicita e normatiza a necessidade da ampliação do
ensino de outros saberes específicos da docência, além dos disciplinares.
Para justificar essas afirmações preliminares, recorremos a Saviani (2007),
que nos conta que os primeiros professores leigos selecionados para exercerem a
docência no Brasil chegaram de Portugal em número de 43, 16 deles responsáveis
pelas aulas régias
5
de leitura, escrita e contagem.
Nomeados em 1772 por meio de uma lei que tinha como objeto a reforma dos
estudos menores referentes às primeiras letras
6
, esses professores representavam a
extensão das reformas pombalinas
7
neste continente.
Escolhidos por “rigoroso exame feito por comissários delegados pelo Diretor
Geral”, pois, naquela época, ninguém poderia lecionar sem aprovação e licença, era-
lhes concedido o privilégio de nobre. Para serem aprovados, deveriam “preencher os
requisitos de bons e provados costumes e de ciência e prudência”. (SAVIANI, 2007:
p. 84).
Embora no Brasil, ainda naquela época, nem todas as classes e escolas
dirigidas pelos jesuítas tivessem sido extintas, algumas sobrevivendo às reformas
por se adequarem ao seu “espírito”, as aulas régias foram se estendendo pelas
cidades e deveriam ser ampliadas de acordo com o crescimento da população local.
Foi o que ocorreu, contudo, num cenário pouco favorável, devido às suas
condições precárias de funcionamento: normalmente, as aulas régias eram
ministradas na casa dos próprios professores, que tinham salários reduzidos e
freqüentes atrasos no pagamento.
Em suma:
[...] As reformas pombalinas da instrução pública, cujos influxos se
estenderam, no Brasil, de 1759 a 1834, tiveram como características
básicas [...] a estatização e secularização do magistério,
organizando exames de estado conduzidos pela Diretoria-Geral dos
Estudos como mecanismo de controle e condição de exercício
5
As aulas régias eram o modelo de instrução pública que servia aos fins do Estado, em substituição
às classes e escolas jesuíticas, que funcionavam em favor dos interesses da Igreja.
6
O que corresponderia atualmente às séries iniciais do Ensino Fundamental.
7
Reforma implantada, em 1759, pelo ministro português Marquês de Pombal que, influenciado pelas
idéias iluministas, entre outras coisas, fechou os colégios jesuítas e introduziu as aulas gias, a
serem mantidas pela Coroa e não mais pela Igreja.
35
docente, ficando proibidos de ensinar aqueles que não fossem
aprovados nesses exames. (SAVIANI, 2007 p. 113-114).
Olhamos para essa passagem da história, para encontrar algumas
características que nos auxiliem na investigação do objeto de estudo de nossa
pesquisa, principalmente porque elas nos revelam concepções subjacentes à
formação e ao status social que o professor ocupou, facilitando nossa compreensão
acerca de alguns significados e sentidos constituídos sobre a docência que
prevalecem até os nossos dias.
Desde lá - séculos XVII e XVIII, o professor possuía o prestígio equivalente ao
ser nobre, porém trabalhava em condições precárias e era mal remunerado. Além
disso, era selecionado muito mais por seus predicados pessoais, que pelos
profissionais, e controlado por representantes do governo, com vistas à garantia da
propagação das idéias políticas vigentes. Ainda não havia nenhuma indicação de
que o magistério, como qualquer outra profissão, exigia saberes específicos.
Lüdke e Boing (2004) afirmam que, nessa época, a estatização, decorrência
do processo de secularização do magistério – passagem do domínio religioso para o
regime leigo -, poderia ter significado um passo para a profissionalização docente,
porque rompeu com a aura de vocação e sacerdócio que a docência trazia consigo
até então.
Todavia, os mecanismos de controle e condição do exercício docente
provocaram aquilo que os autores chamam de “processo de funcionarização” (p.
1173) dos professores, pois, ao serem examinados, escolhidos, instruídos e
castigados até com a privação do emprego, pelos Diretores de Estudos (SAVIANI,
2007), não possuíam nenhuma autonomia sobre o seu ofício. A eles cabia somente
ensinar os novos métodos.
Autores como Enguita (1991), Sacristán (1999a; 1999b) e Imbernón (2004)
destacam duas condições imprescindíveis para a docência ser reconhecida
socialmente como uma profissão.
A primeira delas é a consolidação da autonomia dos professores que, nas
palavras de Imbernón (2004, p. 13), significa “poder tomar decisões sobre os
problemas profissionais da prática”, que o magistério é desenvolvido em diversos
contextos e, como prática social, deve levar em consideração as características
específicas de cada um deles.
36
A segunda condição é a necessidade da existência de um código
deontológico (ENGUITA, 1991), que reuniria os deveres profissionais em normas e
regulamentos específicos, como outras profissões liberais atualmente possuem.
São duas condições que no final do culo XX foram incorporadas ao
debate sobre formação e profissionalização docente e que ainda não se esgotaram
– esta última, inclusive, ainda está muito longe de ser instituída.
Se, por um lado, a secularização do magistério significou um passo para esta
se constituir como profissão, por outro, a preocupação com a formação desse “novo”
profissional entrou em cena quase meio século mais tarde, com o surgimento das
Escolas Normais, “uma instituição precária, que abria e fechava dependendo das
decisões políticas”. (ALMEIDA, 1993, p.13)
A primeira Escola Normal do Brasil, localizada na província do Rio de Janeiro,
data de 1835. Em São Paulo, a primeira Escola Normal foi criada em 1846.
Nascida na sociedade imperial, sob a égide dos ideários liberais de extensão
do ensino primário a todas as camadas da população, àquelas que eram livres,
importante ressaltar (TANURI, 2000; ALMEIDA, 1993), a Escola Normal surge em
decorrência da necessidade de preparar o maior número de professores para
atender às necessidades de expansão da “escola para todos”, freqüentada,
basicamente, pela classe média emergente da época.
Todavia, sua trajetória é marcada por processos de criação e extinção, pois, à
época, era considerada “onerosa, ineficiente quanto à qualidade da formação que
ministrava e insignificante em relação ao número de alunos que nela se formavam”.
(SAVIANI, 2007, p. 133)
Tanuri (2000) relata que a Escola Normal não conseguia subsistir, sobretudo
pela falta de interesse da população pela profissão docente, conseqüência do pouco
atrativo financeiro e pouco reconhecimento de que gozavam os professores.
Contudo, a ausência de compreensão acerca da necessidade de formação
específica para a docência é que punha em xeque a sua sobrevivência. À época, o
currículo da Escola Normal era baseado na idéia de que o professor deveria
conhecer um pouco mais profundamente aquilo que ia ensinar, ou, em outras
palavras, dominar os conteúdos da Gramática e da Aritmética conferia ao professor
competência para ensiná-los:
37
Do plano de ensino, constavam as disciplinas que o professor
deveria ensinar no curso primário, sendo apenas uma, “Métodos e
Processos de Ensino”, de caráter pedagógico. As demais referiam-
se àquelas que deveriam ser ensinadas no curso primário.
(ALMEIDA, 1993, p.15)
Nesse sentido é que as Escolas de Primeiras Letras, nas quais o método
mútuo
8
era adotado, concorriam com as Escolas Normais. Por um custo bem menor
e o entendimento de que a docência era aprendida na prática, esse método, que se
tornou oficial em 1827, objetivava ensinar aos alunos as primeiras letras, como: ler,
escrever e as quatro operações, além de preparar para o domínio do método
aqueles que se saíam melhor, transformando-os em auxiliares do professor.
(TANURI, 2000; SAVIANI, 2007)
Muito embora o objetivo principal do método mútuo não tenha sido a
“formação de professores” e, sim, instruir o maior número de pessoas a um baixo
custo, Tanuri (2000, p. 63) ressalta que “foi realmente a primeira forma de
preparação de professores, forma exclusivamente prática, sem qualquer base
teórica [...]”.
A ausência de uma base teórica na preparação dos professores também
persistiu nos currículos das Escolas Normais. Almeida (1993) relata que a disciplina
Métodos e Processos de Ensino, que compunha o currículo da Escola Normal de
São Paulo, em 1846, foi extinta na mudança curricular que ocorreu no ano de 1864,
permanecendo somente uma “recomendação”, em seu regulamento, para que os
exercícios práticos de ensino fossem realizados nas escolas primárias da capital.
Entre a luta pela sobrevivência da Escola Normal em algumas províncias, em
meio às críticas constantes que sofria e o insucesso das Escolas de Primeiras
Letras, principalmente atribuído à falta de instalações adequadas e à ineficácia do
método mútuo, a instrução pública brasileira ia muito mal. (TANURI, 2000; SAVIANI,
2007)
Portanto, em 1854, foi aprovado um Regulamento para a reforma do ensino
primário e secundário do Município da Corte, composto por cinco capítulos. O
primeiro tratava sobre a inspeção dos estabelecimentos públicos e particulares de
Instrução primária e secundária, pois se acreditava, na época, que a ausência de
8
Tanuri (2000) as denomina escolas de ensino mútuo.
38
fiscalização por parte das autoridades do ensino era um dos fatores que contribuíam
para a ineficácia das escolas de primeiras letras. Havia uma preocupação muito
grande, inclusive, com o regime disciplinar dos professores.
Este fato é destacado por nós por evidenciar como o professor, apenas um
funcionário do Estado, mantinha o seu trabalho sob o controle do governo, tendo sua
autonomia completamente comprometida.
Embora esse regulamento tenha sido considerado uma tentativa de
delineamento de um sistema nacional de ensino (SAVIANI, 2007), até mesmo por ter
como um dos seus princípios a obrigatoriedade do ensino elementar, o que
significou um avanço, em relação à formação de professores propõe a substituição
da Escola Normal pela figura do professor adjunto.
Sistema de inspiração austríaca e holandesa (TANURI, 2000), adotado
desde 1849 pela província do Rio de Janeiro, foi ratificado em 1854 por esse
regulamento. A avaliação de que a Escola Normal era pouco eficiente e muito cara,
aliada ao entendimento de um ensino estritamente ligado à prática (SAVIANI, 2007)
fez com que a figura do professor adjunto aparecesse em cena.
Acreditando-se que a formação deveria ocorrer na prática, a formação desses
professores adjuntos se dava pela via da atuação como auxiliar de um um professor
público em exercício.
Seriam contratados por concurso geral como docentes auxiliares, desde que
fossem maiores de 12 anos. Aqueles que se destacassem seriam nomeados
adjuntos a partir de escolha pelo governo. Após três anos como adjunto “triênio de
habilitação” se aperfeiçoando nas matérias e práticas de ensino, poderiam ser
nomeados professores substitutos ou amesmo professores públicos, desde que
tivessem completado 18 anos e demonstrassem desempenho satisfatório.
(SAVIANI, 2007; TANURI, 2000).
A prática nesta época passa a ser um pressuposto não da formação de
professores, mas do ensino dos conteúdos, “que deveriam ser aplicáveis aos usos
da vida” e, principalmente, dos processos seletivos dos mestres e diretores. Os
primeiros deveriam comprovar sua capacidade profissional, não versando sobre
“as matérias do ensino respectivo, mas igualmente sobre o sistema prático e método
do mesmo ensino”, e os últimos versariam “sobre os todos respectivos e o
sistema prático de dirigir uma escola”. (SAVIANI, p.133-134)
39
Os desdobramentos do regulamento de 1854 permitem-nos considerar que o
insucesso da Escola Normal não se deu apenas pelos elevados custos da proposta,
ou pela falta de interesse da população em exercer o magistério, mas,
principalmente, pelo entendimento que se tinha de como se aprendia a ser professor
e qual o grau de importância atribuído a isso pelos governantes.
Contudo, mesmo fora de um modelo institucionalizado de formação, a figura
do professor adjunto introduz, ao menos, a idéia de que, para ser professor, não
basta “versar” sobre as matérias do ensino elementar, mas é necessário, também,
aprender a forma de ensinar, que, neste caso, acreditava-se ser por meio da própria
prática.
Nessa conjuntura, Tanuri (2000) relata que a Escola Normal voltou a ser
pensada como principal instância de formação de professores na fase final do
Império. Em meio às transformações de ordem ideológica, política e social,
baseadas no discurso liberal iluminista, o setor educacional ganha relevo, quando se
dissemina a idéia de que a educação era indispensável ao desenvolvimento social e
econômico do país.
Rompendo com o Regulamento de 1854, um novo Decreto, datado de 1879,
que previa a reforma do ensino primário, secundário e superior na Corte, dispõe
sobre o funcionamento das Escolas Normais, “fixando seu currículo, a nomeação de
docentes, o órgão dirigente e a remuneração dos funcionários”. (SAVIANI, p.137)
Foi nessa época que se previu a criação de jardins de infância, bibliotecas e
museus escolares e, notadamente, as Escolas Normais foram abertas às mulheres.
Tanuri (2000, p. 66) explica que:
se delineava, nos últimos anos do regime monárquico, a
participação que a mulher iria ter no ensino brasileiro. A idéia de que
a educação da infância deveria ser-lhe atribuída, uma vez que era o
prolongamento de seu papel de mãe e da atividade educadora que
exercia em casa, começava a ser defendida por pensadores e
políticos.
Assim, as principais mudanças da Escola Normal dizem respeito à sua
duração, que passou de dois para três anos, a existência de um currículo mais
amplo e distinto para homens e mulheres e a introdução de disciplinas denominadas
40
pedagogia e prática de ensino primário em geral e prática do ensino intuitivo ou lição
de coisas.
9
(TANURI, 2000; SAVIANI, 2007)
Todavia, os exercícios práticos que constavam no currículo formalmente, em
1874, nas disciplinas Metódica e Pedagogia com exercícios práticos deixaram de
existir formalmente, ainda que continuassem sendo feitos nas escolas primárias.
(ALMEIDA. 1993)
Foi somente em 1890, por meio da reforma de Caetano de Campos, no
novo governo republicano, que a Escola Normal ganha novos rumos e o ideal de
formação prática se altera. A partir do pensamento pedagógico de Rangel Pestana,
Caetano de Campos “implantou uma reforma baseada nos princípios da escola
pública universal, gratuita, obrigatória e laica, colocando a formação do professor
como fator fundamental para toda reforma de ensino”. (ALMEIDA, 1993, p. 23)
Para tanto, foi instalada a Escola-Modelo Superior anexa à Escola Normal de
São Paulo, caracterizada como um espaço destinado aos normalistas para praticar o
que aprendiam na prática, fato que conferiu novo estatuto à formação.
Calcadas no método intuitivo
10
de Pestalozzi, as Escolas-Modelo, que mais
tarde se transformaram em Grupos Escolares
11
, representaram um avanço na
qualidade da formação de professores, pois, elevadas à condição de “setor de
prática de ensino”, permitiram a sistematização da Prática de Ensino como disciplina
autônoma, detentora de metodologia própria, conferindo-lhe muita importância.
(ALMEIDA, 1993, p. 27)
Almeida (1993) relata que, no interior da Escola-Modelo, a Prática de Ensino
era desenvolvida por meio do trabalho do aluno-mestre com as classes do primário,
devidamente orientada por um professor, que era o encarregado de sua formação
prática. Todavia, se propunha
[...] uma concepção de Prática de Ensino reduzida meramente à
tarefa de elaboração do próprio trabalho através da ‘cópia’ do
trabalho de outrem, tendo a observação, como atividade sensorial,
papel determinante nesse procedimento. [...] propunha-se mais um
9
Correspondia ao componente curricular da escola primária denominado “noções de coisas”.
Tratava-se do ensino de princípios de lavoura e horticultura; caligrafia e desenho linear; trabalho de
agulhas para as meninas, prática manual de ofícios para os meninos, entre outros. (TANURI, 2000)
10
Método amplamente divulgado na Europa, dava muita importância à intuição, à observação e à
experiência, através dos sentidos.
11
Os Grupos Escolares reuniram, em um espaço físico, as classes isoladas das escolas de
primeiras letras, substituindo-as, dando lugar às séries, até então inexistentes. Inicialmente isso
ocorreu em São Paulo e foi se disseminando por todo o país. (SAVIANI, 2007)
41
treinamento no domínio de técnicas, do que propriamente de
formação profissional. (p. 29)
Ressaltamos que, nessa, época os responsáveis pela distribuição e
acompanhamento desses alunos nas Escolas-Modelo eram os professores diretores
dessa escola e não da Escola Normal.
Em que pese a existência de uma concepção de formação ainda pautada na
observação e treinamento, portanto, numa aprendizagem que ocorre “de fora para
dentro”, por meio dos sentidos por isso observação e experimentação são a linha
mestra –, a história nos leva a considerar que a integração entre as duas instâncias
de formação Escola Normal e Escola Modelo representou um avanço
significativo conquistado e que só foi possível porque legitimado pelas políticas
públicas existentes na época. Como ressalta Almeida (1993), a Escola-Modelo foi a
base de toda reforma da Instrução Pública Paulista, nos primeiros anos da
República.
Uma demonstração da ocorrência da integração pode ser constatada na
obrigatoriedade da freqüência dos alunos na escola Modelo, fixada inicialmente em
duas horas diárias e na aplicação de sanções relacionadas à ausência às aulas e
falta de disciplina nessa escola, contidas no Regulamento da Escola Normal.
Nesta trajetória, a Escola Normal vai se consolidando como instituição
formadora, passando por outras mudanças significativas. Em 1892, o regulamento
da Escola Normal prevê, no primeiro ano do curso, o ensino da disciplina Pedagogia
e Direção das Escolas, única disciplina responsável pela formação pedagógica, e
não apresenta formalmente os exercícios práticos que eram realizados nas Escolas-
Modelo. Dois anos mais tarde, o curso é desdobrado em quatro anos, sendo que a
disciplina Pedagogia e Direção das Escolas passa a ser ministrada no último ano,e
os exercícios práticos, agora formalmente inseridos no currículo, passam a ser
realizados no terceiro e quarto anos do curso. (TANURI, 2000; ALMEIDA, 1993)
Neste sentido, Tanuri (2000, p. 38) resume qual era o grau de importância
atribuído à prática de ensino na formação de professores:
Podemos perceber neste período que cada vez maior importância
era atribuída à Prática de Ensino efetuada nas Escolas-Modelo. Os
métodos e processos de ensino começavam a ocupar papel
relevante no pensamento dos educadores da época, que
42
consideravam indispensável, na formação do professor, seu preparo
na técnica de transmissão de conhecimentos, a qual passava a se
reger segundo algumas normas pré-fixadas e não de forma
espontânea de acordo com o pensamento livre de cada mestre.
Convivendo com os ideários republicanos do novo regime, com a expansão
dos grupos escolares por todo o país, com o alto índice de analfabetismo, com a
descentralização do sistema de ensino
12
e com os ideários nacionalistas
desencadeados pela Primeira Guerra Mundial, a Escola Normal ocupava um lugar
de destaque nos discursos dos homens da política, porém, na prática, sempre
considerada onerosa, conseguiu sobreviver pela vontade política de alguns
Estados progressistas, entre eles São Paulo.
Neste cenário, a criação de um ensino primário de longa duração, divididos
em dois cursos, elementar e complementar, almejando a implantação de um ensino
primário de oito anos, previsto em lei datada de 1893, abriu precedentes para que os
governos, com o aval do Congresso, instalassem um dualismo na formação.
Inicialmente, em sua criação, a escola complementar tinha como objetivo
oferecer continuidade aos estudos da escola primária, porém, passou a se
responsabilizar também pela formação de professores primários, principalmente
para atender à demanda de professores que a Escola Normal não atendia. Este fato
é justificado por Almeida (1993) por haver um nível elevado de evasão na Escola
Normal, devido, principalmente, à ampliação da duração do curso.
Assim sendo, os alunos que concluíssem a escola complementar e tivessem
desenvolvido os exercícios práticos em qualquer Escola Modelo, num período de um
ano, poderiam ser nomeados professores “com as mesmas vantagens concedidas
aos diplomados da Escola Normal”. (ALMEIDA, 1993, p. 39)
Desse modo, o país passou a manter dois tipos de escolas de formação que,
em 1911, foram oficializadas, passando a ser chamadas de Escolas Normais
Primárias e Escolas Normais Secundárias, estas últimas com um nível muito mais
elevado de ensino. As primeiras ganharam em seu currículo a disciplina Pedagogia,
ministrada no segundo e terceiro anos e Pedagogia e Educação Cívica, no quarto
ano. A Escola Normal Secundária recebeu a disciplina Psychologia experimental, no
12
A Constituição de 1891 conferiu aos estados e municípios a responsabilidade pela instrução
primária e profissional, inclusive o Ensino Normal.
43
primeiro e segundo anos, e Methodos e processos de ensino, crítica pedagógica e
exercícios de ensino no terceiro e quarto anos. (ALMEIDA, 1993, p. 41-46)
Este dualismo, explica Tanuri (2000), foi ratificado pela Lei Orgânica do
Ensino Normal, de 1946, e foi extinto, na maioria dos Estados, com a Lei
5.692/71, mais de sessenta anos depois, sendo o Estado de o Paulo uma
exceção que sempre manteve um tipo único de ensino voltado para a formação de
professores, até então.
Apesar deste dualismo e das constantes alterações sofridas, principalmente,
nos currículos da Escola Normal, nota-se um avanço, com a introdução dessas
disciplinas. Os exercícios práticos, incluídos nos currículos desde 1864 como
pressuposto da formação, passam a contar com disciplinas que os articulavam com
a fundamentação teórica. Cumpre ressaltar que as mulheres estavam cada vez mais
presentes nestes cursos.
Embora os educadores da época fizessem uma avaliação positiva das
escolas de formação em relação àquelas da época do império e enxergavam esse
resultado na elevação do nível de ensino primário, Almeida (1993, p. 49) esclarece
que a existência de duas escolas de formação também era alvo de grandes críticas,
principalmente pela “ausência de acentuado caráter profissional”
. 13
Isso fez com que surgissem algumas tentativas de solução para esses
problemas, como a Lei 1.579, de 1917, que criou o curso complementar, uma
continuação do ensino primário, com duração de dois anos e que objetivava
preparar alunos para a escola normal, o que, para Tanuri (2000), significou uma
separação nos estudos gerais após o ensino primário: por um lado, um ensino
propedêutico, profissionalizante, preparatório para a Escola Normal e por outro, um
ensino secundário elitizante, procurado por aqueles que buscavam o ensino
superior.
De certa forma, esta Lei cumpre a tentativa de criar uma trajetória de estudos
específica para a docência, parece-nos, almejando a constituição de uma carreira.
Iniciativa que seria muito louvável, se não trouxesse em seu bojo o reflexo de uma
sociedade dividida em classes e demarcada pela desigualdade social. Eram os
setores decaídos das elites agrárias (ALMEIDA, 1993) que buscavam, entre outras
profissões, o magistério. O ensino superior, que significava ampliação do
13
Palavras de Paulo Pestana escritas no Jornal O Estado de São Paulo em 03/03/1914 (apud
Almeida, 1993).
44
conhecimento, contato com novos autores, novas realidades, novos ideários
políticos, principalmente, era um privilégio concedido a poucos.
Mediante isso, embora nessa época tenha surgido a Escola Normal,
importante espaço de legitimação da necessidade de formação exclusiva e
diferenciada para os professores, a preocupação com a qualidade dessa formação
se aliava muito mais às vontades políticas da época, sempre com vistas à extensão
do nível de escolarização da população, do que, efetivamente, ao nível de ensino
oferecido.
Porém, o que mais nos chama a atenção nesse período é que, mesmo
havendo as escolas de ensino mútuo, ou os professores adjuntos, personagens que
também possuíam o direito de lecionar, além daqueles que eram formados na
Escola, o princípio da aprendizagem da docência se resumia à observação de outros
mestres e à aquisição de modelos.
Somente no próximo período é que a aprendizagem da docência ganha
alguns contornos diferentes.
1.2 Prática de Ensino: para além da observação de modelos
A segunda década do século XX é marcada pela “preocupação e entusiasmo
quanto às questões educacionais, tanto no âmbito nacional como internacional, fato
que provoca, novamente, um ciclo de reformas, atingindo, mais uma vez, a Escola
Normal (TANURI, 2000). Desta vez, as reformas vêm acompanhadas dos ideários
escolanovistas, propagados no país, principalmente, por Lourenço Filho e Anísio
Teixeira e que visavam à substituição das proposições do ensino intuitivo, que a
então tinha servido de base para o trabalho na escola primária e para a formação
dos professores.
As mudanças que ocorreram na escola primária se refletiram nas Escolas
Normais. Objetivando atender um maior número de pessoas que não tinham acesso
à escola, em 1920, o ensino primário foi reduzido para dois anos, diminuindo
também o tempo de formação dos professores primários. Tal medida visava a
atender, por um lado, às reivindicações populares, que viam na educação a única
45
forma de ascensão social, e, por outro, propor um modo de processo não tão
dispendiosa para o Estado.
Neste sentido, a divisão entre Escolas Normais Primárias e Secundárias foi
extinta, acabando com o dualismo na formação, tão duramente criticado
anteriormente. A Escola Normal transformou-se em escola secundária, passou a ter
cinco anos de duração, e em seu currículo foram incluídas disciplinas Prática
Pedagógica, desde o segundo ano até o terceiro, além de Psicologia, Pedagogia e
Didática (Regência de Classes), esta última no quarto ano, com 5 aulas por semana.
Este aumento de disciplinas relacionadas à prática docente refletia a busca por uma
escola de formação “de caráter profissionalizante que prepare o professor nas
técnicas pedagógicas necessárias ao bom desempenho no seu trabalho docente.
(ALMEIDA, 1993, p. 53)
Porém, em 1927, ainda predominavam no currículo da Escola Normal os
fundamentos de um ensino propedêutico e uma reduzida carga horária de disciplinas
relacionadas à formação profissional. A disciplina Prática Pedagógica, mais uma
vez, desaparece do currículo oficial.
Foi na década de 1930 que o currículo da Escola Normal assume esse
caráter profissionalizante, passando a ter um ciclo propedêutico de três anos e um
ciclo técnico-profissional de dois. Também nessa década a Prática de Ensino foi
retirada oficialmente do currículo, sendo substituída por um estágio de vinte horas
que previa a regência de aulas em classes de grupos escolares, a ser realizado
pelos alunos, no quarto ano do curso. (TANURI, 2000; ALMEIDA, 1993)
A retirada desta disciplina do currículo se deve a inúmeras críticas de
educadores defensores dos ideários da Escola Nova, facilmente compreendidas, a
partir do discurso de Lourenço Filho sobre os exercícios práticos realizados nas
Escolas-Modelo, citado em artigo, no ano de 1945, recuperado por Pinto (2006) em
estudo realizado sobre a Prática de Ensino no Instituto de Educação do Rio de
Janeiro.
A autora destaca que
Para Lourenço Filho, a prática de ensino jamais poderia se realizar
através de ‘cópia de situações feitas’, uma vez que ‘tantas e tão
complexas são as variáveis que a compõem’, isto é, tudo que atua
sobre a criança, inclusive a ação do professor. Desta forma, ‘ao
invés de fórmulas feitas, de receitinhas, de aulas-modêlo, teremos
46
que oferecer oportunidades para que se criem, se fortaleçam e se
esclareçam as atitudes necessárias ao verdadeiro professor, como
pessoa capaz de compreender as situações, e transformá-las, de
nelas influir de forma mais harmônica e produtiva (PINTO, 2006, p.
244, grifo da autora)
14
A crítica em destaque relacionava-se à concepção de que ensinar resumia-se
a uma técnica aprendida pelos futuros professores por meio da observação e
reprodução de modelos, o que reforçava a idéia da prática pedagógica ser aprendida
sem se levar em consideração o contexto em que ocorria. Esta concepção, herdada
da época do império, de certa forma sobreviveu aos ideários escolanovistas, até a
promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei
4.024/61.
Os protagonistas da reforma que ora se instala no país e que tiveram suas
idéias organizadas e propagadas pelo Manifesto dos Pioneiros de 1932, “pretendiam
educar o povo pela instrução pública, reformar o ensino e construir uma espécie de
‘campo cultural’ a partir da universidade.” (MAGALDI; GONDRA, 2003)
Afirmam os autores:
Esses intelectuais que se assumiram como profissionais da
educação, formados nos cursos superiores tradicionais [...]
articulavam-se nas livrarias, nas editoras, nos bares e nos quartos
de pensão [...] A tarefa básica desses intelectuais foi secularizar a
cultura, promovendo tanto a passagem da escola, enquanto
extensão do campo familiar, privado e religioso para o espaço
público da cidade, quanto a moldagem do educador e do espaço
institucional de sua atuação pelos valores da ciência, da indústria e
da democracia. (p. 48)
Por isso, acreditavam que a escola deveria ser um “organismo vivo”, na qual
alunos e professores possam, em contato com o ambiente, “possuir, apreciar, sentir
a vida” e desenvolver atividades criadoras. Para tanto, esses educadores lutaram
14
Os trechos entre aspas referem-se à cópia literal do discurso de Lourenço Filho, contidos em artigo
publicado nos Arquivos do Instituto de Educação, sob o título Prática de Ensino, analisado pela autora
em sua tese de doutorado.
47
para que houvesse integração entre a instituição escolar e o profissional que nela
atuava.
No Manifesto, a vivência dos sujeitos no processo de escolarização
é tão importante quanto a política educacional, que a questão de
fundo é a relação entre o conteúdo do ensino e a relação
pedagógica. se produz o processo formador da escola.
(MAGALDI; GONDRA, 2003, p. 57)
Desta maneira, era necessário que a formação de professores oferecesse
algo além dos modelos de ensino. Portanto, em 1931, o então diretor-geral da
Instrução Pública do Distrito Federal, Anísio Teixeira, põe em prática suas idéias
renovadoras, criando o Instituto de Educação e transformando a Escola Normal em
Escola de Professores. De acordo com suas idéias, o Instituto de Educação contava
com o Jardim-de-Infância, a Escola Primária e a Escola Secundária, que
funcionavam como campo de experimentação, demonstração e prática de ensino
para os alunos da Escola de Professores, que também integrava o Instituto.
(SAVIANI, 2007; TANURI, 2000).
Nessa mesma perspectiva, foi criado em São Paulo o Instituto de Educação
Caetano de Campos que, nos mesmos moldes do Instituto de Educação do Distrito
Federal, ainda oferecia cursos de especialização para diretores e inspetores. Este
Instituto foi incorporado, em 1934, à Universidade de São Paulo, quando passou a
ser responsável pela formação pedagógica dos alunos das diversas seções da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que queriam se licenciar para o magistério.
Em 1938, passa a integrar a seção de Educação desta mesma Faculdade.
Uma outra mudança diz respeito aos exercícios práticos que, em 1933,
retornam ao currículo, agora sob a responsabilidade da disciplina denominada
Prática de Ensino, além da introdução de novas disciplinas de formação profissional,
como: História da Educação, Sociologia Educacional e Biologia Aplicada à
Educação, as quais eram organizadas em seções. (TANURI 2000; ALMEIDA, 1993).
Pinto (2006, p. 328) esclarece como a Prática de Ensino compunha o
currículo do Instituto de Educação:
A Prática de Ensino das Professorandas organizava-se numa
estreita articulação entre as Escolas de Professores e Primária [...]
Para tal, a Escola de Professores apresentava as matérias da
48
formação de professores primários distribuídas em seções, dentre
as quais havia uma específica para Prática de Ensino e outra para
Matérias de Ensino. Estas duas seções eram compostas por um
professor-chefe, cada uma, e vários professores assistentes, que,
em sua grande maioria, eram provenientes da Escola Primária [...] A
seção de Prática de Ensino era considerada o eixo central da
formação profissional dos professores, para onde todos os cursos,
matérias e atividades das Escolas do Instituto de Educação
deveriam convergir, interferindo, portanto, diretamente nos trabalhos
realizados na Escola Primária do Instituto de Educação.
Assim, além das diversas nomenclaturas que recebeu e das diversas
supressões e inclusões que sofreu nos currículos da Escola Normal, a Prática de
Ensino, sob os pressupostos escolanovistas, ganha um novo significado. A Escola
Nova introduz um novo elemento, além da aprendizagem do método, na formação
do professor: o aluno como eixo do processo de sua própria aprendizagem,
compreendido do ponto de vista biológico e funcional e, neste sentido, as relações
que vão se estabelecendo durante o seu processo de escolarização.
Cabe, então, à Prática de Ensino uma outra função: um olhar sobre o ensino
do ponto de vista da técnica e das relações pedagógicas, respaldado pela ciência.
Mas, para atender a esta concepção renovada de educação, fazia-se
necessário formar o “espírito pedagógico” do professor, que se daria nas
universidades. Podemos conferir esta afirmação no próprio conteúdo do Manifesto
dos Pioneiros:
A formação universitária dos professores não é somente uma
necessidade da função educativa, mas o único meio de, elevando-
lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os
horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra
educacional, uma compreensão recíproca, uma vida sentimental
comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideais.
(MAGALDI; GONDRA, 2003, p.142)
Não seriam estas as discussões e lutas que levamos ahoje, século XXI,
sobre a organização do currículo de formação e o lugar da Prática de Ensino? Não
defendemos ainda uma integração irrestrita da escola de formação com a escola
49
campo? A Prática de Ensino como eixo central do curso? Não acreditamos numa
prática pedagogia profissionalizada que pressupõe um conjunto de saberes
específicos? Não lutamos recentemente para que a formação de professores fosse
elevada ao ensino superior?
De certa forma sim, porém, mesmo adquirindo um novo significado, a Prática
de Ensino, sob os ideários escolanovistas, ainda era desenvolvida sob a
compreensão reduzida de docência, uma atividade restrita à sala de aula,
espontânea, que deveria respeitar as necessidades de cada criança, e,
principalmente, que ainda se pautava na idéia de que a prática é foco central da
aprendizagem da docência.
Entretanto, o Golpe de 1937 e a Era Vargas fazem parte de um conjunto de
acontecimentos que podem nos fazer compreender por que estes ideários, embora
tenham significado um avanço, não se fortaleceram. Entre tantas mudanças e
retrocessos que causaram, descaracterizar os ideários escolanovistas foi um deles.
Almeida (1993) justifica esse pensamento, apontando que a Constituição do
Estado Novo, em 1937, de caráter altamente autoritário e centralizador, fez do
sistema educacional uma forma de exercer a dominação das camadas populares. A
centralização do sistema de ensino, a profissionalização da escola, objetivando
formação de mão-de-obra e enfraquecimento dos Institutos de Educação, pela
instituição de três modalidades de formação, foram alguns dos reflexos dessa
política.
Dessa forma, para garantir uma política educacional centralizadora, o
governo, mediante as Leis Orgânicas do Ensino decretos-leis federais, publicados
oficialmente entre 1942 e 1946 tentou regulamentar, em âmbito federal, a
organização e o funcionamento de todos os níveis e ensino no país, inclusive o
ensino normal.
Saviani (2007), por sua vez, relata que, em 1935, Anísio Teixeira foi afastado
do cargo que exercia na Secretaria da Educação do Distrito Federal, e que esta foi
assumida por Francisco Campos, com a tarefa de “desmantelar a obra” de seu
antecessor, distanciando as próximas reformas educacionais dos ideários
escolanovistas.
A Lei Orgânica do Ensino Normal tentou garantir uma base comum aos
sistemas estaduais de formação de professores, preocupando-se, inclusive, com
uma política de remuneração para o magistério, reconhecendo a precária situação
50
em que se encontravam os professores. O que fez foi provocar um novo dualismo na
formação, ao propô-la em três modalidades, ação justificada em virtude da ampla
diversidade econômica e cultural demarcada nas várias regiões do país. (TANURI,
2000; ALMEIDA, 1993)
Assim sendo, o Curso Normal Regional formava os regentes do ensino
primário, oferecendo o 1º ciclo com duração de quatro anos, com predominância das
disciplinas de cultura geral, mais as disciplinas de Psicologia e Pedagogia e
Didática-Prática de Ensino, estas contidas no último ano do curso.
A Escola Normal passou a formar professores primários, oferecendo o
ciclo, com duração de três anos, e nele contemplando as disciplinas que
compunham o conjunto de “fundamentos da educação”, a supressão da Didática e a
manutenção da Prática de Ensino, também oferecida no último ano do curso.
Aos Institutos de Educação coube ofertar formação de professores,
especialização para o Magistério – educação especial, curso complementar primário,
ensino supletivo, desenho e artes aplicadas, música e canto; e habilitação em
Administração Escolar cursos para diretores, orientadores e inspetores. A
disciplina Metodologia e Prática de Ensino Primário, oferecida nos cursos de
formação de professores, com duração de três anos, era ministrada no segundo e
terceiro anos, com uma carga horária elevada, além de estabelecer estágios
obrigatórios nas escolas primárias anexas. (ALMEIDA, 1993)
Em meio a esta coexistência de modalidades de formação, é instituído, na
Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, em 1939, o curso de
Pedagogia, com a função de formar bacharéis e licenciados para várias áreas,
inclusive para o setor pedagógico. Essa faculdade, que objetivou padronizar os
cursos das demais instituições do país, possuía uma seção de Pedagogia, de
Filosofia, de Ciências e de Letras, além de uma sessão especial chamada Didática.
Os bacharéis eram formados em três anos e com mais um ano de curso na seção
Didática seriam formados os licenciados. (TANURI 2000; SILVA, 2006)
Silva (2006, p. 13) fornece dados sobre como se organizava a sessão de
Didática, que reunia as disciplinas: Didática Geral, Didática Especial, Psicologia
Educacional, Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação e
Fundamentos Sociológicos da Educação. Relata ainda que uma das inadequações
acerca dessa nova proposta é relativa à separação bacharelado-licenciatura,
51
refletindo a nítida concepção dicotômica que orientava o tratamento de dois
componentes do processo pedagógico: o conteúdo e o método”.
Tanuri (2000) chama a nossa atenção sobre como as Leis Orgânicas
conseguiram ampliar a articulação entre todas as modalidades de ensino na nação
brasileira. Nesse sentido, somente o ensino secundário permitia acesso aos cursos
superiores, e os profissionalizantes se articulavam com cursos superiores que
fossem da mesma área. No caso do curso normal, essa articulação dar-se-ia com os
cursos das Faculdades de Filosofia. Fato que se modificaria em 1953, com as leis de
equivalência e, mais tarde, em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação.
Além disso, comenta a autora que, mesmo com a Constituição de 1946
retomando a orientação de descentralização do ensino, a maioria dos estados tomou
as Leis Orgânicas como modelo para a reorganização de suas escolas normais,
contribuição importante para se consolidar em todo o país um mesmo padrão de
formação.
Assim, o ensino normal não sofre grandes alterações, porém a baixa
remuneração e a desvalorização social do professor afastam os homens do
magistério, que passa a ser procurado pelas mulheres de classe média, por se tratar
de uma ocupação possível de conciliar com a vida doméstica e familiar. (ALMEIDA,
1993)
Em 1950, o governador do estado de São Paulo decreta o Regimento Interno
das Escolas Normais Oficiais, o que, entre outras coisas, distribuiu o currículo do
ensino normal em quatro seções; deu destaque à Prática de Ensino, ampliando sua
carga horária para seis horas/aulas semanais e, o mais interessante, instituiu uma
prova de Prática de Ensino, em que o aluno deveria executar um plano organizado
sobre tema sorteado vinte e quatro horas antes do exame, apresentá-lo e depois
submeter-se a uma “ligeira argüição” para justificar as escolhas metodológicas
utilizadas em sua aula prática. (ALMEIDA, 1993)
Sem modificar a idéia de que o curso primário era o lugar por excelência para
a Prática de Ensino, o Regimento também prevê uma integração mais articulada
entre os estudos dos métodos e processos e sua aplicação prática e os elementos
teóricos e técnicos de outras disciplinas, demonstrando a necessidade de certa
articulação entre as áreas.
52
Neste cenário surgem também, em 1956, os primeiros cursos normais
noturnos, com aulas de Prática de Ensino obrigatoriamente sendo ministradas no
período diurno e uma sobrecarga da disciplina Metodologia do Ensino Primário,
ministrada com três horas/aulas semanais, durante os quatro anos de curso.
Porém, muito longe da crítica conferida à Prática de Ensino pelos Pioneiros
da Educação, na década de 1930, o caráter tecnicista desta disciplina foi retomado
com ênfase, pois, de acordo com Almeida (1993, p. 81), o Regimento Interno das
Escolas Normais Oficias, em seu artigo 73, que tratava sobre as Diretrizes Didáticas,
orientava que os princípios técnicos das aulas deveriam ser observados pelos
mestres, pois seriam estes os padrões a serem adotados pelos normalistas que
observavam essas aulas.
Além disso, em seu artigo 111, continua a autora, o curso primário tinha como
finalidade servir de local de “observação, experimentação e prática de métodos e
processos de ensino”.
Conforme anunciamos no início deste texto, uma característica que marcou,
durante anos, os currículos das Escolas Normais foi a sua proximidade com o
currículo da escola primária. Este fato, para Pimenta (1997, p. 29), é a justificativa
para a concepção de Prática de Ensino vigente até então.
Nas palavras da autora,
O entendimento dessas questões propiciará a melhor compreensão
de que o conceito de prática presente nos cursos do período em
questão era da prática como imitação de modelos teóricos existentes.
O pressuposto era de que o campo da atividade docente (a escola
primária) não apresentava modificações significativas internamente
[...] A prática docente poderia, pois, ser conhecida através da
observação de bons modelos e da reprodução dos mesmos. (p. 29)
Palavras que nos remetem à finalidade que foi atribuída à escola, nesse
período. Com exceção dos ideários escolanovistas, que se preocupavam, sobretudo,
com a difusão da cultura e o processo de democratização da sociedade brasileira, a
preocupação com a ampliação dos processos de escolarização da população
sempre estiveram atrelados às demandas políticas e econômicas da época,
colaborando com a consolidação do status quo de quem permanecia vinculado ao
poder político e econômico.
53
Questões que firmassem o estatuto do magistério como uma profissão, ou
que atendessem ao direito inalienável à educação de qualidade das crianças
foram consideradas em períodos mais recentes.
A propósito, Pimenta (1997, p. 29) também nos um parecer sobre a
concepção de docência desta época:
Tratava-se na verdade de uma ocupação e não propriamente uma
profissão, exercida por mulheres (embora não proibida aos
homens), oriundas dos segmentos economicamente favorecidos da
sociedade cuja característica marcante era ser uma extensão do lar,
do papel de mãe e coerente com o de esposa. Era uma missão
digna para as mulheres.
1.3 Estágios Curriculares: um apêndice dos cursos de formação inicial
Almeida (1993) e Tanuri (2000) são categóricas ao afirmarem que a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 4.024, de 1961, não provocou grandes
mudanças estruturais no curso normal, porém as autoras destacam alguns aspectos
que julgamos pertinentes para serem expostos neste estudo e que, em nosso
entendimento, são mudanças bastante significativas.
A primeira delas foi a criação, a partir da nova Lei, do Conselho Federal de
Educação e do Conselho Estadual da Educação, fato que concede autonomia aos
Estados, e conseqüente descentralização do ensino, “aspiração dos renovadores
desde a década de 20”, que entram em cena novamente, pelo menos até a década
de 1960. (SAVIANI, 2007, p. 305).
A segunda foi a reestruturação do currículo, que passou a ser dividido em
disciplinas obrigatórias, indicadas pelo Conselho Federal da Educação; disciplinas
complementares, indicadas pelo sistema Estadual de Ensino; disciplinas optativas,
indicadas pelo estabelecimento de ensino; e práticas educativas, incluindo as
disciplinas Educação Física, Música e Canto Orfeônico, Artes Aplicadas, Economia
Doméstica, entre outras.
A terceira e mais significativa refere-se aos estágios, que começam a ser
realizados fora do horário das aulas de Metodologia e Prática de Ensino disciplina
complementar, com duração mínima de 30 horas por semestre, podendo os alunos
54
do curso noturno realizá-lo num único semestre. Havia também uma recomendação
de que estes estágios poderiam ser realizados em escolas rurais e experimentais.
Embora essa mudança continuasse tendo como referência o caráter prático
da docência, o fato de os estágios serem realizados fora do horário de aula
descaracterizou o entendimento que se tinha da importância de os normalistas
serem acompanhados pelos professores mestres de serem por estes orientados.
Esta determinação, cumpre assinalar, foi reafirmada pela Lei 5.692/71 e ainda
vigora na atual Lei de Diretrizes e Bases, promulgada em 1996.
As duas últimas ocorrências na Escola Normal desencadeadas pela LDB
4.024/61 aconteceram após o golpe de 1964. A primeira refere-se ao
estabelecimento de um currículo comum para as duas primeiras séries do ciclo
colegial secundário e normal. Mudança ocorrida por meio de decreto, no ano de
1968, em São Paulo, e que Tanuri (2000, p. 80) justifica como uma tentativa do
governo de “adiar o momento da opção pelo curso normal e possibilitar a ampliação
dos estudos de formação geral”, pois isso poderia aumentar “a maturidade e o
discernimento para o estudo das ciências humanas e pedagógicas”.
Fato que, na verdade, afirma a autora, contribuiu para a redução, alguns
anos depois, do número de matrículas no curso normal, o agravamento das
deficiências na formação e o baixo nível intelectual e cultural dos alunos.
A última mudança se relaciona à instituição do período integral para os três
últimos semestres do curso normal, que tinha a duração de quatro anos, período em
que seriam desenvolvidas aulas, trabalhos dirigidos, seminários e estágios de
observação e prática em escolas primárias e em outras instituições da comunidade.
Estas atividades reuniam-se no conjunto das Atividades Complementares,
consideradas de caráter obrigatório.
Por fim, enquanto a disciplina Prática de Ensino vai se descaracterizando,
pela criação paralela dos estágios supervisionados fora do horário de aulas, o curso
de Pedagogia, criado em 1939, passa por pequenas alterações a partir de Pareceres
emitidos pelo recém- criado Conselho Federal da Educação.
O Parecer CFE n. 251/62 deixa explícito o quanto o curso de Pedagogia
ainda não dominava o seu campo de atuação. Ainda prevalecendo a dicotomia
bacharelado-licenciatura, relatada anteriormente neste capítulo, seu relator, Valnir
Chagas, inicia o texto impondo vida sobre sua manutenção, denunciando a
inexistência de um conteúdo próprio. Era um curso que se destinava à formação do
55
“técnico em educação” ou “especialista em educação” e dos professores das
disciplinas pedagógicas do curso normal, mas que, com um currículo mínimo e
disciplinas opcionais difusas, ainda não possuía sua identidade definida. (SILVA,
2006)
Saviani (2007, p. 362) nos auxilia a interpretar o que estava ocorrendo nessa
época. Mesmo com a Revolução de 1964, não houve nenhuma ruptura econômica;
esta se deu no campo da política e cumpriu a função de conter as forças que
poderiam, sim, provocar uma mudança mais radical do ponto de vista econômico
e social. Nesse sentido, continua o autor, tendo havido “continuidade no plano
socioeconômico, compreende-se que tenha havido continuidade também na
educação”, que passou a ter papel estratégico no desenvolvimento e consolidação
do capitalismo no país.
Papel que passou a exercer com mais determinação desde a reforma
Universitária de 1968, a implantação da pós-graduação em 1969 e, fato que mais
nos chama a atenção, na reestruturação curricular do curso de Pedagogia, por meio
do Parecer CFE n. 252/69.
Esse documento introduziu as habilitações técnicas no curso de Pedagogia,
possibilitando, portanto, que o aluno que nele ingressasse, em um dado momento do
curso, pudesse optar pelas disciplinas em função das atividades que pretendesse
desempenhar, dentre aquelas previstas para o pedagogo e aquelas que se
vinham delineando. (SILVA, 2006)
Silva (2006, p. 23) afirma que
Aliás, essa era uma tendência que se intensificava na área de
educação em geral: a de se estabelecer a correspondência direta e
imediata entre currículo e tarefas a serem desenvolvidas em cada
profissão [...] A administração pública e privada, em diferentes
setores, submetia-se às exigências do projeto de desenvolvimento
nacional visado pela ditadura militar. Conseqüentemente, no âmbito
do curso de Pedagogia, ganhava espaço a idéia de que o técnico em
educação se tornava um profissional indispensável à realização da
educação como fator de desenvolvimento.
Afirmação que nos ajuda a compreender a origem da pedagogia tecnicista na
educação, baseada nos produtos gerados pelo planejamento minucioso, racional e
56
sistemático, realizado sob os critérios da teoria do Capital Humano de Theodore
Schultz (SAVIANI, 2007) e da teoria comportamentalista de Skinner e,
principalmente, reproduzidas pelos especialistas. Visão que foi ratificada, em
seguida, pela segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº.
5.692, aprovada em 1971.
Objetivando estender os princípios da “racionalidade, eficiência e
produtividade”, esta lei cumpre seu papel de disseminar em todas as escolas do país
a pedagogia tecnicista, tendo como aliado o mercado editorial, que se encontrava
em expansão e que fez circular no país inúmeras publicações de autores nacionais e
estrangeiros. (SAVIANI, 2007)
A pedagogia tecnicista, agora incorporada aos cursos de formação de
professores, concebia o processo de ensino-aprendizagem de forma objetiva e
operacional, pautado nos pressupostos da racionalidade, eficiência e neutralidade,
devendo, tanto o aluno como o professor, se adaptar ao processo de ensino,
devidamente planejado pelos técnicos da educação. Esta pedagogia demarcava a
fragmentação do ensino entre aqueles que o elaboravam, aqueles que o
executavam e aqueles que o recebiam.
Essa fragmentação do trabalho do professor e do processo de ensino como
um todo também se fez presente na organização das instâncias de formação.
Assim, em seu capítulo V, a LDB nº 5.692/71 prevê:
Art.29. A formação de professores e especialistas para o ensino de
e graus será feita em veis que se elevem progressivamente,
ajustando-se às diferenças culturais de cada região do País, e com
orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às
características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às
fases de desenvolvimento dos educandos. (BRASIL, 2008)
A formação de professores é organizada de acordo com o nível de ensino no
qual o professor poderia atuar, e o Parecer CFE n. 349/72 explicita como eram
compreendidas as habilitações, nos cursos de formação de professores, e como se
dava esta fragmentação, de acordo com a LDB em vigor:
No artigo 30 são fixados três esquemas de formação para o
exercício de Magistério:
a. Habilitação específica do grau, que permite lecionar da 1.ª à
4.ª série, se os estudos forem equivalentes a três anos;
57
b. Habilitação específica de grau superior. Licenciatura plena em
curso de curta duração, que permite exercer o magistério da 1.ª à 8.ª
série;
c. Habilitação específica de grau superior. Licenciatura plena
obtida em curso superior, em duração média de 4 anos letivos,
possibilitando o magistério em todo o ensino de 1.º e 2.º graus.
(BRASIL, 2008, p. 1)
Neste sentido, as Escolas Normais, que passaram a ser denominadas
Habilitação Específica para o Magistério (HEM), não passaram impunes a esta
organização fragmentada que acabou por descaracterizar a identidade da Escola
Normal, reconhecida historicamente como local privilegiado para a formação de
professores do ensino primário, trajetória que levou mais de um século para se
consolidar.
Ainda de acordo com o Parecer CFE n. 349/72, podemos explicitar o
seguinte:
A organização dos currículos plenos deverá fazer-se a necessária
flexibilidade (sic), para que, além da habilitação genérica para o
magistério, possa o aluno, sem prejuízo de outras soluções
adotadas pelos sistemas:
a. quanto os estudos tiverem (sic) a duração correspondente a 3
anos letivos, preparar-se com maior intensidade para uma de duas
opções : ensino de 1ª e 2ª séries ou de 3ª e 4ª séries;
b. quanto aos estudos tiverem (sic) duração correspondente a 4
anos letivos, optar, entre outras que a escola ofereça, por uma das
seguintes áreas: Maternal e Jardim da Infância; 1.ª e 2.ª séries; 3.ª e
4.ª séries; Comunicação e Expressão, Estudos Sociais, Ciências
para 5.ª e 6ª séries. (BRASIL, 2008, p. 6)
O que significa dizer que o estudante que optasse em fazer somente 3 anos
de curso poderia lecionar ou para as duas primeiras séries do Grau ou para as
duas últimas. Caso o estudante optasse em fazer mais um ano, sairia com mais
possibilidades de atuação.
Esta divisão da antiga Escola Normal em Habilitações não reforça o
caráter tecnicista da formação, mas, principalmente, passa a oferecer níveis de
formação desiguais, de acordo com cada região, dada a autonomia dos Conselhos
58
Estaduais da Educação, desmantelando o esforço anterior em padronizar
nacionalmente a formação dos professores.
Almeida (1993, p. 97) descreve que
A formação do professor mantém-se deficiente em relação a
currículos e conteúdos. A grande maioria da clientela, que procura
estes cursos é formada por operárias, balconistas, empregadas
domésticas, de baixo nível cultural, principalmente no curso noturno.
As Habilitações Específicas para o Magistério seguiram a lógica da LDB, em
relação ao ensino profissionalizante. Sob o slogan da “qualificação para o trabalho”
contido na lei, o Curso Normal foi reduzido a um curso profissionalizante, como outro
de qualquer área, atraindo, portanto, àqueles que não possuíam pretensões nem
condições culturais e materiais para se projetarem no Ensino Superior.
Seu currículo passou a ser organizado por um cleo Comum nacional; uma
Parte Diversificada relacionada à área de cada habilitação profissional e um núcleo
de Formação Especial.
Este último núcleo abrangia as disciplinas de Fundamentos da Educação,
Estrutura e Funcionamento do Ensino de Grau e Didática, incluindo Prática de
Ensino.
De acordo com o Parecer CFE n. 349/72, cabia à Didática fundamentar a
Metodologia do Ensino, do ponto de vista do planejamento, execução e verificação
da aprendizagem, conduzindo à Prática de Ensino, que deveria se desenvolver sob
a forma de estágio supervisionado. Havia uma indicação neste parecer de que a
disciplina Metodologia deveria responder às indagações da realidade, a partir dos
estágios e, ao mesmo tempo, a Prática de Ensino deveria respeitar os fundamentos
teóricos adquiridos por meio da disciplina Metodologia.
Estudar Metodologia do Ensino se resumia, portanto, a três aspectos:
planejamento, execução e verificação da aprendizagem, dado que
[...] os três procedimentos não são apenas interdependentes, como
não raro indissociáveis, pois enquanto o planejamento implica em
previsão da execução, esta é o planejamento em ação; e a
verificação é inseparável do ato docente. (BRASIL, 2008, p. 8)
59
Três aspectos que definem claramente o cunho da pedagogia tecnicista
cravado na formação de professores.
Em relação à Prática de Ensino, esta deveria ser realizada nas próprias
escolas da comunidade, em instituições públicas ou particulares e poderia ser
desenvolvida em qualquer época do curso, não sendo necessária sua concomitância
com a Didática. Porém, de acordo com o Parecer CFE n. 349/72, “a concomitância
tem vantagens sobre as outras, por manter praticamente indissociáveis a teoria e a
prática, isto é, o que se deve fazer e o que realmente se faz”. (BRASIL, 2008, p. 8)
Além disso, duas indicações deste mesmo documento nos chamam a
atenção. A primeira diz respeito à observação sobre “a extrema importância do papel
do professor que supervisionará o estágio”. Muito embora essa premissa seja
verdadeira, não nenhuma outra indicação no documento que a justifique, o que
nos induz a questionar qual seria o papel desse supervisor. (BRASIL, 2008, p. 9)
Nas palavras de Almeida (1993, p. 129)
Detecta-se, assim, mais uma contradição na formação de
professores: os Estágios Supervisionados”, pertencentes ao
curso como um todo, visando promover a interdisciplinaridade, mas
sendo sua supervisão e organização atribuída ao docente
responsável por Didática e/ou Metodologia, acabou por ligar-se
exclusivamente a essas disciplinas, descaracterizando a Prática de
Ensino como disciplina autônoma, não dando espaço nem este
sendo reivindicado pelos professores dos demais componentes
curriculares. (grifo da autora)
A outra diz respeito ao compromisso que as escolas devem assumir ao
receber os estagiários:
Sempre que possível, as escolas escolhidas deverão apresentar
verdadeiro, mas positivo campo de estágio, para que o futuro mestre
receba os exemplos salutares que lhe servirão de modelo e
inspiração na sua atividade docente. (BRASIL, 2008, p. 9)
Se esta premissa indicada no texto do referido Parecer é tão importante para
a formação de professores, por que se suprimiram os Cursos Normais e as Escolas
Modelo? Qual a garantia de que as escolas recepcionariam os estagiários somente
com esta indicação no documento? Não estamos até hoje enfrentando este
60
problema como formadores de professores, responsáveis pelos estágios
supervisionados, ao não conseguirmos estabelecer convênios com as escolas?
E ainda, mesmo não concordando com a idéia de que a formação docente se
pautasse na aprendizagem pela via da observação e da experiência, mas se
traduzia numa prática que reproduzia métodos e técnicas, nos perguntamos, o que
caracterizaria um verdadeiro e positivo campo de estágio? Se, nesta época, a
educação pública enfrentava sua mais profunda crise, refletida nos altos índices de
reprovação e evasão, por seu caráter altamente elitista, então que modelos de
docência seriam esses?
Nessa perspectiva, as duas Leis de Diretrizes e Bases da Educação, que
antecederam a que hoje está em vigor, provocaram o desmantelamento das Escolas
Normais, que vinham se consolidando como espaço exclusivo de formação e que
tinham na Prática de Ensino seu principal foco. Equiparou o curso de magistério aos
demais cursos profissionalizantes, atraindo alunos advindos das camadas mais
populares, o que não seria ruim se o baixo capital cultural não se refletisse no ensino
que seria ministrado futuramente.
E, ressaltamos, aprofundou a distância entre o campo teórico e prático da
formação, permitindo que os estágios supervisionados fossem realizados fora do
horário de aula. O que assistimos hoje, reflexo desta medida, é o nível de
burocratização que o estágio supervisionado conseguiu atingir, pois, sendo uma
exigência para a certificação, perdeu sua finalidade principal. Além disso, esta
medida provocou um distanciamento entre a instituição formadora e as escolas-
campo, transformando em exceção aquilo que Caetano de Campos e Anísio Teixeira
acreditavam deveria ser condição sine qua non para a disciplina Prática de Ensino
cumprir com seu objetivo.
Em suma, parafraseando Pimenta (1997, p. 45), esta última fase histórica
apresentada, que culminou com a LDB nº 5.692/71, “contribuiu para acabar de
desmantelar um sistema que estava precário e aprofundou a crise”, não só no
âmbito da formação de professores, mas na educação em geral, em todos os níveis.
61
1.4. A repetição dos velhos modelos numa nova conjuntura social
O processo de democratização por que passou a sociedade brasileira na
década de 1980 recuperou muitas idéias que foram fervorosamente debatidas antes
do seu fechamento, provocado pelo regime militar, em 1964, assim como inaugurou
novos pensamentos decorrentes de outra compreensão sobre o papel social da
escola.
SAVIANI (2007, p. 411) pode nos ajudar a resumir o conjunto de fatores que
foram desencadeados no processo de democratização da sociedade brasileira:
O processo de abertura democrática; a ascensão às prefeituras e
aos governos estaduais de candidatos pertencentes a partidos de
oposição ao governo militar; a campanha reivindicando eleições
diretas para presidente da República; a transição para um governo
civil em nível federal; a organização e mobilização dos educadores;
as conferências brasileiras de educação; a produção científica crítica
desenvolvida nos programas de pós-graduação em educação; o
incremento da circulação de idéias pedagógicas propiciado pela
criação de novos veículos. Eis um conjunto de fatores que
marcaram a década de 1980 como um momento privilegiado para a
emersão de propostas pedagógicas contra-hegemônicas.
É fato que, ao longo da história brasileira, a formação de professores sempre
esteve atrelada à instrução pública primária. A maioria das mudanças que
ocorreram, principalmente na Escola Normal, foi decorrência das mudanças na
forma de se organizar a escolarização da população. Ora reivindicada pela Igreja,
ora pelo Estado, a escola sempre serviu ao poder político, atendendo às demandas
do poder econômico.
Todo processo de reorganização do sistema educacional do Brasil visou ao
atendimento de uma população que aumentava devido ao desenvolvimento do
próprio país, mas não para garantir-lhe o estado de direito de se tornar escolarizada,
de proporcionar-lhe acesso aos bens culturais e científicos produzidos pela
humanidade, mas sim para franqueá-la como meio de consolidação do poder
vigente.
62
O método mútuo é um exemplo disso, pois garantiu uma forma mais
econômica de “produzir” mais professores, mas na verdade seu objetivo principal
estava pautado nos princípios da regra e da disciplina. Era por meio da disciplina,
das carteiras enfileiradas, que os princípios herbartianos mantinham a ordem na
classe, condição tão importante para a aprendizagem, segundo a pedagogia
tradicional. Da mesma forma, foi essa a finalidade que cumpriram os “exercícios
práticos”, garantindo a aprendizagem da docência por meio da aprendizagem dos
modelos instituídos. E foi assim, também, embora de uma forma mais elaborada,
com pressupostos pautados em conhecimento científicos, que a pedagogia
tecnicista cumpriu seu papel, reproduzindo a ideologia dominante. Em todos esses
modelos citados, a escola, entre outras tantas instituições, sempre foi um local
privilegiado para a reprodução das condições sociais vigentes em cada uma dessas
épocas.
Neste sentido é que Saviani (2007) nos alerta sobre como a década de 1980
foi um “momento privilegiado para a emersão de propostas pedagógicas contra-
hegemônicas”, pois essas pedagogias procuravam explicar o fenômeno educativo
de um outro prisma, levando em consideração seus condicionantes políticos e
sociais, sem, no entanto, reduzirem a função social da escola à reprodução da
ideologia dominante.
15
Para explicarmos melhor esta afirmação, consultamos Cândido (1972, p. 109)
e sua visão sociológica sobre a escola:
A maioria das escolas são instituídas; regem-se por normas
estabelecidas segundo interesse de outros grupos e, no caso do
Brasil, ajustadas necessariamente às normas básicas ditadas pelo
Poder Público. São, pois, [...] grupos institucionalizados, isto é, os
que são essencialmente produto da cooperação dos seus próprios
membros, mas cujas funções coletivas, e posições, são
parcialmente institucionalizadas por outros grupos sociais. (grifo do
autor)
15
As teorias crítico-reprodutivistas cumpriram papel muito importante, ao introduzirem no debate
nacional a idéia de que a escola era um “aparelho ideológico do Estado” e, neste sentido, uma
instituição com a única finalidade de reproduzir as condições sociais vigentes, por meio da
reprodução da ideologia dominante.Entretanto, por seu caráter reducionista do papel da escola foram
amplamente criticadas.
63
Mesmo sendo um grupo institucionalizado, a escola conta com seus membros
alunos, pais, diretores, funcionários ,que possuem funções coletivas e tomam
posições, são sujeitos, conscientes ou não de seu papel, por isso, parcialmente
determinados por outros grupos sociais, no caso, o poder político e econômico.
O movimento contra-hegemônico via a escola como um local propício para a
discussão e o desvelamento das contradições sociais. Reconhecia a determinação
exercida pela classe dominante, mas, ao mesmo tempo, apostava na autonomia
relativa que possuía cada um dos que nela atuassem.
Idéia que Saviani (2002, p. 89) defende, no bojo de suas onze teses sobre
educação e política: “as relações entre educação e política o-se na forma de
autonomia relativa e dependência recíproca”. Ou, em outras palavras, como sujeitos,
podemos construir espaços efetivos de mudança, ainda que estes espaços sejam
muito reduzidos.
As produções acadêmicas que buscavam na sociologia o seu aporte teórico
denunciavam o estado em que se encontravam as escolas públicas do país, pondo
em xeque os modelos escolares e situando a formação do professor no contexto
sócio-histórico, objetivando destacar os determinantes dessa formação e encontrar
formas de adequá-la à idéia de que a escola poderia ser um dos espaços
promotores da transformação social. (TANURI, 2000)
É neste contexto, combinado com as péssimas condições de formação do
professor no país, a queda das matrículas da HEM e o descontentamento com a
desvalorização do professor, que surge a proposta referente ao projeto dos Centros
de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), elaborado pelo MEC, em
1982, e implantado em 1983 em seis Estados, totalizando, nesta época, 55 Centros.
(TANURI, 2000)
Dentre tantos aspectos que poderiam ser destacados acerca dessa nova
realidade na formação de professores, cumpre-nos ressaltar, no âmbito desta
pesquisa, os mais importantes. O primeiro deles é que os Centros, difundidos
paulatinamente por todo o país, também foram concebidos como local privilegiado
para o aperfeiçoamento de docentes que já atuavam em escolas de educação
infantil e ensino fundamental – à época denominadas pré-escola e 1ª à 4ª série do 1º
Grau, respectivamente. O que não significa dizer que esta proposta tenha sido
desenvolvida plenamente.
64
O segundo aspecto relaciona-se à carga horária do curso, que passou a ser
oferecido em quatro anos, em período integral. Para tanto, eram ofertadas bolsas de
estudo, inicialmente pelo governo federal e depois pelos próprios Estados, para a
garantia do tempo integral e o desenvolvimento dos estágios supervisionados em
escolas da comunidade. Estes tiveram sua carga horária ampliada, passando de 300
para 360 horas obrigatórias, sendo realizados a partir do terceiro ano. (TANURI,
2000; ALMEIDA, 1993)
Além disso, previa-se um exame seletivo para ingresso, o pagamento de
horas-atividade para o trabalho pedagógico dos docentes e uma ampla
disponibilidade de recursos materiais e didáticos. (TANURI, 2000)
No nosso entendimento, as iniciativas contidas na proposta do CEFAM
demarcam uma tentativa de revitalizar o campo de formação de professores.
Todavia, o aspecto mais importante a ser ressaltado é a ausência de qualquer
alteração qualitativa sobre a Prática de Ensino.
Tomamos, como exemplo, a versão preliminar para estudo, datada de 1994,
da Proposta Curricular para o Ensino de Didática/Prática de Ensino, que foi
distribuída em encontros regionais de professores da área, das escolas de formação
HEM e CEFAMs de São Paulo, objetivando discussão e ratificação do documento
pelos participantes.
Muito embora a proposta tenha assinalado a necessidade de um Plano de
Estágio integrado ao Plano Escolar e ao Plano de Curso e, “se possível, dos
professores da escola que recebem estagiários”, com a finalidade de envolver todos
os professores e a escola “na organização, planejamento, execução e avaliação das
atividades práticas dos alunos”, ao se reportar às atividades sugeridas, denuncia seu
caráter conservador. (SÃO PAULO, 1994, p. 57-58)
O documento apresentava proposta para a disciplina Prática de Ensino e
Estágio Supervisionado dividida em três unidades, a saber: a) observação e
reflexão; b) observação participativa, que poderia incluir desde um projeto de
elaboração de cartilha, coordenado pelo professor de Didática, até um mural
didático, com assuntos de interesse das crianças, como: Páscoa, Dia das Mães,
Semana da Pátria, entre outros temas e, por último, c) a docência supervisionada,
cujo objetivo era “fazer com que os alunos vivenciem na prática a atividade docente
tal qual esta se na realidade, suas dificuldades, seu dinamismo, flexibilidade e,
principalmente, sua viabilidade, encaminhando-se por esta via para reflexão sobre
65
seu próprio desenvolvimento enquanto docente, suas dúvidas, sua angústias e por
que não, o momento em que vai ‘sentir’ a profissão”. (SÃO PAULO, 1994, p. 64)
E, ainda, indicava os seguintes passos como sugestão de atividades para
essa unidade: “discussão com o professor da classe onde será realizada a regência;
pesquisa de conteúdo e material didático; discussão com os vários professores do
curso sobre a organização da aula; elaboração do plano de aula; aula propriamente
dita; avaliação e auto-avaliação”. (SÃO PAULO, 1994, p. 65)
Muitos equívocos e contradições podem ser ressaltados no documento. A
proposta curricular apresenta, em lugar de diretrizes, sugestões de atividades a
serem desenvolvidas pelos alunos e professores, entrando em contradição com o
referencial teórico preliminarmente apresentado de forma superficial e difusa. Além
disso, o que era inovador na proposta? A prática de ensino continuava sendo
concebida como um momento de aplicação de métodos e técnicas, de forma
estanque, em uma realidade que se predispusesse a aceitar os estagiários. A
proposta não estaria ainda validando o pressuposto de que se aprende a ser
professor por meio da experiência e dos sentidos?
Contradições que se agravam, se levarmos em conta que é nesta época que
a Didática foi amplamente discutida em vários congressos e encontros, no âmbito da
formação de professores, e em que houve a proposição da superação do ensino de
uma Didática Instrumental ênfase na dimensão técnica do processo de ensino e
aprendizagem - para uma Didática que levasse em consideração não a dimensão
técnica, imprescindível para a organização do ensino e para a avaliação do
processo, mas também a dimensão política e a dimensão humana, inserindo o
campo das relações interpessoais na perspectiva das subjetividades dos sujeitos
envolvidos em tal processo. (CANDAU, 2004)
Uma Didática que possibilitasse ao futuro professor desenvolver a
consciência crítica sobre sua prática, isto é, consciência do movimento de
sincronicidade que existe entre sua forma de pensar e agir, demarcando a
intencionalidade do processo de ensino e aprendizagem. (PLACCO, 1994)
Porém, o que se viu até aqui em termos de formação de professores, mais
especificamente, em relação à Prática de Ensino, mesmo numa conjuntura favorável
às inovações, foi a repetição sumária do que já vinha ocorrendo.
Desse modo, instalam-se no país três instâncias de formação distintas: as
Habilitações Específicas para Magistério, com um currículo reduzido; os CEFAMs
66
em tempo integral e o curso de Pedagogia que, para Silva (2006), ainda funcionava
orientado pela legislação de 1969, aprovada em pleno regime militar, e que, embora
tenha sobrevivido a um período de intensas discussões, estas não avançavam
dadas as dificuldades em resolver o impasse sobre a identidade do pedagogo e do
próprio curso de Pedagogia: o dilema, ainda atual, entre ser um campo de formação
de professores das séries iniciais do ensino fundamental e educação infantil e/ou de
formação dos especialistas da educação.
E é neste cenário que a Lei 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, é promulgada e está em vigor ahoje. Uma lei que nasceu em
uma sociedade que passava por um processo de abertura política e que reclamava
a garantia de seus direitos básicos de cidadãos.
Uma lei que tramitou cinco anos na Câmara. Sua discussão envolveu vários
setores da sociedade civil - universidades, entidades de Secretários de Educação
Municipais e Estaduais, associações de pais de escolas públicas e particulares,
entidades sindicais e estudantis e empresários, e culminou em um projeto enviado
pela Câmara ao Senado, no ano de 1994. Mas uma lei que, nas palavras de Esther
Grossi, “nasceu ultrapassada”, pois teve o projeto original substituído, por meio de
uma manobra política, por outro “gestado no MEC”, contendo um novo eixo
orientador diferente daquele anteriormente proposto. (BRASIL, 2000b, p. 7).
Cumpre assinalar que são três os pontos básicos que demarcam o retrocesso
desencadeado pela aprovação do segundo projeto: “a clara retração do Estado de
suas responsabilidades de garantir escolaridade para todos os brasileiros no ensino
básico; o cerceamento na participação democrática da sociedade na condução dos
destinos da educação no país; o embasamento teórico atrasado a respeito do
aprender”. (BRASIL, 2000b, p. 10)
Este fato ocorreu num contexto no qual se assistia a um “refluxo dos
movimentos progressistas”, que refletiu “no grau de adesão às pedagogias contra-
hegemônicas”, contexto demarcado pelas idéias neoliberais, entre elas a de que a
“educação passa a ser entendida como um investimento em capital humano
individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis”.
Assim, a função da escola não é mais preparar para o emprego, formar mão-de-
obra, mas preparar apenas para a conquista do status de empregabilidade. Nesta
lógica de pensamento, qualquer insucesso do sujeito que aprende se relaciona com
seus limites individuais. (SAVIANI, 2007, p. 421; p. 428)
67
Daí a necessidade de uma constante atualização, materializada no slogan,
muito preconizado no final do século: “aprender a aprender”. Idéia amplamente
divulgada nos meios educacionais por meio do livro intitulado Educação: um tesouro
a descobrir, Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação
para o século XXI, editado no Brasil, em 1999, documento também conhecido como
Relatório Jacques Delors. O texto propõe quatro pilares essenciais para a educação
do século XXI: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver junto e
aprender a ser.
Nesta perspectiva, toda reforma do ensino brasileiro desencadeada após a
aprovação da LDB foi baseada nestes pressupostos, inclusive aquela relacionada à
formação de professores, objeto de estudo desta pesquisa.
Vale lembrar que a ênfase nas competências pessoais e profissionais,
demarcando o sucesso ou o insucesso na carreira, atingiu também os professores,
que passaram a ser avaliados como os principais responsáveis pela baixa qualidade
na educação. Acusação unilateral que, conforme expusemos na introdução deste
trabalho, carregam ahoje e que é enviesada, se levarmos em consideração todas
as variáveis que sustentam o insucesso da educação básica brasileira, que se
encontra entre as piores do mundo.
1.5 Formação inicial de professores no ensino superior: avanços e
indefinições
Até aqui, vimos esclarecendo como a formação de professores, a disciplina
prática de ensino e os estágios supervisionados foram sendo compreendidos, ao
longo da história, principalmente, por meio do conjunto de leis que legitimaram as
reformas ocorridas desde o Brasil Colônia.
Informações sumárias, que se trata de um longo período, e que se
concentraram muito mais nas Escolas Normais, um dos espaços institucionalizados
reconhecido durante anos como responsável pela formação de professores das
séries iniciais.
Nesta parte do capítulo, ao indicarmos os desdobramentos da LDB nº.
9.394/96, teremos como foco principal de análise os documentos norteadores da
68
formação que antecederam a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para
o curso de Pedagogia. Nesse período, houve intensos debates e mobilizações entre
os que atuavam no Conselho Nacional de Educação e aqueles que reivindicavam
mudanças no curso de Pedagogia, muito diferentes das que se puseram, finalmente,
em curso.
Escolas Normais elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades,
na forma de Institutos de Educação, era uma idéia vislumbrada pelos
renovadores, contida no Manifesto dos Pioneiros de 32. Transformar o curso de
Pedagogia em licenciatura, remetendo à pós-graduação a formação dos
especialistas diretores, coordenadores, entre outros sempre foi uma intenção
preconizada pelo principal relator Valnir Chagas - dos pareceres legais que
regulamentaram o curso de Pedagogia nas décadas de 1960 e 1970. (SILVA, 2006;
KUENZER; RODRIGUES, 2007).
Nesse sentido, as idéias que compunham a nova LDB a respeito da formação
de professores não trouxeram nenhuma novidade, além de recuperar antigos
desejos. Contudo, muitas delas tiveram um período muito curto de existência. Prova
disso foram os Institutos Superiores de Educação, que traduziam o modo como a
formação de professores deveria se organizar, mas que não tiveram êxito,
retomando-se e se fortalecendo a idéia dos cursos de Pedagogia, principalmente, a
partir da aprovação da Resolução CNE/CP n. 1/2006, que instituiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura.
Embora nosso foco principal não seja a análise da legislação desse período,
cabe-nos a tarefa de expor que caminhos ou, melhor dizendo, descaminhos foram
se delineando na trajetória de formação inicial de professores das séries iniciais do
ensino fundamental.
Nesse intervalo de dez anos, inúmeros decretos e pareceres foram sendo
editados e aprovados, demonstrando, primeiro, a repetição de uma história
relacionada à formação de professores, marcada muito mais pela incerteza de como
ela deveria ocorrer do que por princípios que poderiam firmar sua qualidade.
Assim, conforme a nova LDB, a formação de professores para a Educação
Básica, de acordo com o artigo 62, inicialmente, passaria a ser oferecida
[...] em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,
em universidades e institutos superiores de educação
, admitida,
como formação mínima para o exercício do magistério na educação
69
infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a
oferecida em nível médio, na modalidade normal. (BRASIL, 2000b,
p. 41 - grifo nosso)
É inegável o avanço que este artigo provoca na perspectiva de acabar com o
esquema “3 + 1”, na formação dos professores das séries finais do ensino
fundamental e médio, remetendo essa formação a um curso exclusivo de
licenciatura com projeto pedagógico próprio e com duração mínima de três anos.
Contudo, o que nos interessa aqui é assinalar uma outra “provocação”. A
legislação o continuou validando a formação de professores das séries iniciais
em nível de grau
16
, como também abriu a perspectiva da instalação dos Cursos
Normais Superiores, por meio da criação dos institutos superiores de educação.
Além disso, deixou para os cursos de Pedagogia ou para a pós-graduação a
responsabilidade pela formação dos “profissionais de educação para administração,
planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional”, como previsto no
artigo 64 da mesma lei.
Mas foi somente em 1999, com a aprovação da Resolução CP n. 1/99, que
dispunha sobre o funcionamento dos Institutos Superiores de Educação – ISEs, e do
decreto nº 3.276/99, que as intenções do Ministério da Educação tomaram forma.
A justificativa para a criação dos Institutos Superiores de Educação, conforme
diretrizes contidas no Parecer CP n. 115, de agosto de 1999, apresenta dois
argumentos. O primeiro, poder oferecer, por meio dos Cursos Normais, uma
formação de nível superior, rompendo com a tradição de formação em nível médio,
que preparasse o docente para ministrar um ensino de qualidade, dentro da nova
visão de seu papel da sala de aula, na escola e na sociedade. De acordo com a
própria LDB, a atuação do professor não poderia se limitar à sala de aula, pois
caberia a este profissional elaborar o projeto pedagógico da escola e manter estreita
relação com a família e a comunidade. (BRASIL, 2006)
O segundo argumento diz respeito à “dissociação entre teoria e prática” dos
modelos de formação oferecidos até então, instalada entre o ensino das teorias e
dos métodos e a prática concreta na sala de aula, e entre o domínio das áreas
16
Muito embora a LDB 9.394/96, em seu artigo 87, § 4º, outorgue que Até o fim da Década da
Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por
treinamento em serviço”. (BRASIL, 2000b, p. 48)
70
específicas e a adequação às necessidades e capacidades dos alunos. (BRASIL,
2006, p. 2)
Neste sentido, a prática de ensino seria a responsável em dirimir essa
dissociação. Encontramos no Parecer CP n. 115/99 o seguinte texto:
O relevo atribuído pelo legislador à prática de ensino como elemento
articulador do processo de formação de professores tem como
objetivo, exatamente, atingir à necessária integração entre teoria e
prática [...] é a prática de ensino desenvolvida na escola, como parte
de sua formação profissional, que pode desvelar ao aluno docente
problemas pedagógicos concretos [...] O seu enfrentamento objetivo,
sob a supervisão da instituição formadora, estimulará o futuro
professor a desenvolver reflexão crítica sobre os conteúdos
curriculares que ministra e sobre teorias a que vem se expondo. [...]
Nesse processo de aprender fazendo, o aluno docente tanto
aprimora e reelabora seu conhecimentos [...] como amplia
necessariamente a sua compreensão da complexidade do processo
educativo formal. [...] (BRASIL, 2006, p. 2-3)
O que, em princípio, poderia significar um avanço pois essa dissociação
ainda tem preocupado muitos formadores de professores –, retratou, na verdade,
mais uma vez, a prática como princípio exclusivo para a aprendizagem da docência,
porque, nesse caso, avançar na qualidade da prática pedagógica significa resolver
os problemas práticos.
Nessa perspectiva e aos moldes dos Institutos de Educação proposto por
Anísio Teixeira, na década de 1960, os Institutos Superiores de Educação poderiam
manter, em sua estrutura: Curso Normal Superior para a formação de professores de
educação infantil; Curso Normal Superior para formação de professores dos anos
iniciais do ensino fundamental; Cursos de Licenciatura para professores das séries
finais do ensino fundamental e médio; Programa de Formação Pedagógica para
portadores de diploma de curso superior; Programas de Formação Continuada e
Cursos de pós-graduação, de caráter profissional. (BRASIL, 2006, p. 5)
Não podemos negar que a forma pela qual se concebeu a estruturação dos
ISEs, com suas várias instâncias de formação, poderia ser uma maneira de se
instalar no país uma trajetória de formação mais longitudinal, na perspectiva da
71
formação permanente e da constituição de uma carreira dos profissionais da
educação, pois conforme o próprio Parecer CP n. 115/99 apresenta:
Os Institutos Superiores de Educação deverão ser centros
formadores, disseminadores, sistematizadores e produtores do
conhecimento referente ao processo de ensino e de aprendizagem e
à educação escolar com um todo, destinados a promover a
formação geral do futuro professor na educação básica. (BRASIL,
2006, p. 3)
O mesmo documento revela como o ISE alcançaria o objetivo acima:
Os Institutos Superiores de Educação deverão assim, fazer da
prática de ensino, da organização das escolas e da reflexão sobre
ambos os aspectos, o núcleo central da formação inicial e
continuada de professores, candidatos à docência e às demais
atividades do magistério. (BRASIL, 2006, p. 4)
A grande dúvida que podemos identificar é como seria possível produzir e
disseminar conhecimentos sobre a docência sem pesquisa. Em nenhum momento o
documento faz referência a isso. Uma possibilidade seria a instalação dos Institutos
em Universidades, porém a autonomia universitária permitiu às instituições adotarem
ou não a estrutura do ISE. E foi o que aconteceu na realidade: os poucos Institutos
de Educação que surgiram representados somente pelos Cursos Normais
Superiores estavam ligados a instituições particulares de ensino as faculdades ou
centros universitários.
Almejar se transformar num centro de produção e disseminação de
conhecimento, possuindo como referência o conhecimento apreendido a partir da
experiência cotidiana, o que não deixa de ser uma forma de conhecimento, não
daria conta de explicar a complexidade do fenômeno educativo e de elevar o campo
da formação de professores ao status de campo específico de conhecimento, como
pretendemos na atualidade.
Essa exaltação à prática se fez presente na estrutura curricular dos Cursos
Normais Superiores, cuja matriz se aproximava bastante à das antigas Habilitações
Específicas para o Magistério – HEM.
Cumpre ressaltar que, dessa vez, as forças “contra-hegemônicas”
conseguiram reverter esta conjuntura. Após a edição da Resolução de que tratamos
72
acima, foi aprovado o Decreto 3.276/99, que, em princípio, fortaleceria os Cursos
Normais Superiores, pois seu artigo , § , dispunha que: “a formação em nível
superior de professores para a atuação multidisciplinar, destinada ao magistério na
educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, far-se-á exclusivamente
em cursos normais superiores“. (BRASIL, 2000a, p.1 - grifo nosso)
Contudo, a reação imediata da ANFOPE
17
e FORPED
18
, bem como outras
associações e sindicatos, todos representantes da sociedade civil, fez com que nove
meses depois o governo recuasse e lançasse o Decreto 3.554/2000, desta vez
alterando a redação do § do art. 3º, do Decreto nº 3.276/99 ,anunciando que
preferencialmente e não mais exclusivamente, esta formação se daria em cursos
normais superiores. (BRASIL, 2008, p. 1 – grifo nosso)
Esse fato não enfraqueceu a instalação, no país, dos Institutos Superiores
de Educaçãocomo fortaleceu o debate que vinha sendo travado sobre a
necessidade de se instituirem diretrizes curriculares nacionais para o curso de
Pedagogia. Essa indefinição sobre o modelo de formação a ser oferecido resultou na
existência de 798 Cursos Normais Superiores no Brasil, sendo 183 ministrados em
instituições públicas e 615 em particulares. (INEP, 2008)
Um outro saldo que vale a pena destacar é o movimento gradativo de
fechamento dos cursos de formação, oferecidos em nível de ensino médio, as
antigas HEMs e CEFAMs. Por um lado, podemos avaliar como positivo, que isso
instalaria definitivamente a formação de professores no ensino superior. Todavia,
não podemos esquecer que sua extinção afasta do Estado a responsabilidade e o
compromisso com a formação de professores, que, no Brasil, nos últimos anos,
vemos uma crescente ampliação no número de estabelecimentos privados de
ensino superior. Mais de 55% das instituições que oferecem cursos presenciais de
Pedagogia são privadas. Em 2006, havia um total de 1562 cursos, instalados nas
diversas regiões do país, sendo 695 vinculados às instituições públicas e 867 à rede
privada. (INEP, 2008)
Embora as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia,
Resolução CNE/CP n. 1/2006, não revogue a legislação que cria os Institutos
Superiores de Educação e os Cursos Normais Superiores, em seu artigo reforça
17
ANFOPE – Associação Nacional pela Formação Profissional da Educação, criada na década de
1980 integrada pela sociedade civil.
18
FORPED – Fórum Paulista de Pedagogia, criado em 1994.
73
que os cursos a serem criados em instituições de educação superior com ou sem
autonomia universitária deverão ser estruturados a partir desta Resolução. Além
disso, a mesma resolução permite, em seu artigo 11, que os Cursos Normais
Superiores autorizados sejam transformados em cursos de Pedagogia, a partir da
elaboração de um novo projeto pedagógico. Uma vitória parcial em defesa do curso
de Pedagogia como única e principal instância de formação, principalmente de
professores das séries iniciais do ensino fundamental, fruto da resistência política de
educadores que se organizaram e se impuseram frente aos legisladores.
1.6 A exaltação da prática como campo de aprendizagem da docência
Muitos seriam os temas a serem analisados no Parecer CNE/CP n. 5/2005
19
,
que trata sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Pedagogia e na Resolução CNE/CP n. 1/2006, que as institui. Todavia, para
mantermos o foco de nosso trabalho, vamos nos limitar a analisar como esses
documentos e alguns outros que nortearam a sua elaboração apresentam e
concebem a Prática de Ensino e os estágios supervisionados.
Cumpre ressaltar que não levaremos a cabo a discussão sobre a pertinência
de o curso de Pedagogia se ter transformado em um curso de licenciatura, deixando
de ser bacharelado, em que pese este ser um problema a ser resolvido, pois, além
de demonstrar a fragilidade em que ainda se encontra a identidade deste curso,
ressalta o quanto foi posta à distância a formação de profissionais da educação que
não necessariamente exercerão a docência.
E este precedente o curso ter sido transformado em licenciatura - inseriu a
docência como eixo principal para a elaboração do projeto pedagógico do curso,
seguida pelo eixo da gestão educacional e pesquisa. Assim, a prática de ensino e os
estágios supervisionados ganham relevo nos documentos que subsidiaram a
elaboração das diretrizes deste curso.
A prática a que se refere o documento vai além da prática de ensino. De
acordo com o Parecer CNE/CP n. 9/2001:
19
Este Parecer foi reexaminado pelo Parecer CNE/CP nº 3/2006.
74
Uma concepção de prática mais como componente curricular implica
em vê-la como uma dimensão do conhecimento que tanto está
presente nos cursos de formação, nos momentos em se que
trabalha na reflexão sobre a atividade profissional, como durante o
estágio, nos momentos em que se exercita a atividade profissional.
(BRASIL, 2004, p. 23)
Trata-se de algo muito semelhante ao que ocorreu no final do culo XIX,
com a divulgação do método intuitivo ou “lições de coisas”, que se manifestou tanto
nos currículos da Escola Normal, como da escola primária, comentados no início
deste capítulo, e que inaugurou um ensino estritamente relacionado à prática,
compreendida como uma forma de aproximar o conhecimento ensinado à realidade
existente e sua aplicabilidade direta.
Alguns estudos (KUENZER; RODRIGUES, 2007; CAMPOS, 2006) apontam o
quanto o Parecer CNE/CP n. 9/2001, documento que indica as Diretrizes
Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica e que subsidiou
a elaboração das diretrizes do curso de Pedagogia promove, em seu conteúdo,
aquilo que os autores chamam de “epistemologia da prática”. Objetivando
transcender um modelo de formação que carregava uma concepção de que os
saberes pedagógicos deveriam ser aprendidos para, em seguida, serem aplicados a
uma dada realidade previamente concebida, pronta e estanque - visão tecnicista –, o
documento indica a necessidade de desenvolver competências no futuro professor
para que este saiba resolver as questões que surgem no cotidiano escolar,
justamente porque as realidades o diversas e únicas e, portanto, esse professor
deve estar preparado para aquilo que Schön (1992) denomina de zonas
indeterminadas da ação.
Nesse sentido, é necessário que esse professor seja mais envolvido em
situações práticas, para que essa vivência possibilite a seleção de suas estratégias
de ação de forma criativa, por meio de um arcabouço teórico adquirido antes e
durante a própria prática.
Uma concepção que ainda traz em seu bojo a dicotomização entre teoria e
prática. O que notamos, ao olharmos a história, é que, quando não se compreende a
formação pela via da sobreposição da teoria sobre a prática, faz-se o contrário,
75
sobrepondo-se a prática em detrimento da teoria, o que, de qualquer forma,
fragmenta a visão que se pode ter do fenômeno educativo.
Cabe ressaltar que, para nós, um bom professor não é aquele que sabe dar
respostas adequadas para resolver os problemas cotidianos em sala de aula, mas
sim, aquele que sabe propor situações de aprendizagem e utiliza o processo de
avaliação para redimensioná-lo e situar o aluno em sua trajetória escolar. Na mesma
proporção, sabe interpretar o fenômeno educativo do ponto de vista sociológico,
histórico, social, psicológico, técnico e político, enfim, em sua complexidade, e isso
lhe é possível se tiver, além do arcabouço teórico, habilidades intelectuais
pertinentes para elaborar caminhos de análises e sínteses que se transformem em
ação pedagógica.
Neste caso, tanto a experiência prática como o conhecimento teórico são
imprescindíveis para esse profissional compreender e atuar em sala de aula, mas a
fusão entre esses dois pólos leva tempo, necessita da mediação do formador, da
interlocução com os pares, do desenvolvimento da consciência crítica de que a
prática não se pela prática, mas é embasada por princípios, teorias, valores e
intenções.
O problema não está na visão tecnicista, por um lado, ou na epistemologia da
prática, por outro. A questão está na própria realidade que enfrentamos como
formadores e no rculo vicioso que se instalou no debate sobre formação de
professores. Que formação defendemos? Que espaço possível de realização temos
para colocá-la em prática numa conjuntura político-social que vem resistindo,
anos, em manter uma escola de qualidade? Como construir mecanismos para que,
de fato, haja mesmo integração sólida entre a instituição formadora e as escolas de
ensino fundamental, para que a Prática de Ensino e os Estágios supervisionados
sejam atividades, entre tantas outras realizadas, que desencadeiem a consciência
crítica dos alunos no que diz respeito ao seu compromisso como profissional de
educação.
Se olharmos bem para a legislação, encontramos um discurso que vai além
da epistemologia da prática. Um discurso que até convence do ponto de vista das
idéias, mas que o explica com profundidade quais são as indicações possíveis
para que esse discurso seja algo realizável.
Vejamos o que assevera o Parecer CNE/CP n. 5/2005, que trata sobre as
diretrizes do curso de Pedagogia, em destaque o estágio:
76
O estágio curricular pressupõe atividades pedagógicas efetivadas em
um ambiente institucional de trabalho, reconhecido por um sistema de
ensino que se concretiza na relação interinstitucional, estabelecida
entre um docente experiente e o aluno estagiário, com a mediação de
um professor supervisor acadêmico. Deve proporcionar ao estagiário
uma reflexão contextualizada, conferindo-lhe condições para que se
forme como autor de sua prática, por meio da vivência institucional
sistemática, intencional, norteada pelo projeto pedagógico da
instituição formadora e da unidade campo de estágio. (BRASIL, 2006,
p.15)
Isto quer dizer que há três los que deveriam se envolver no processo de
formação: o aluno, a instituição e a escola-campo, desenvolvendo suas ações com
vistas a um objetivo comum, previstos e depois avaliados a partir dos projetos
pedagógicos de ambas as instituições de ensino. Mas, a qual realidade estamos nos
referindo? Temos hoje nas instituições formadoras projetos pedagógicos que, de
fato, foram idealizados e encaminhados coletivamente? A escola de ensino
fundamental reconhece que é um locus de formação de futuros professores?
Ressaltamos isso porque, ao apresentarmos como a prática de ensino e os
estágios supervisionados foram sendo concebidos e tratados, ao longo da história,
ora no discurso da lei, ora nas ações desenvolvidas objetivando a sua
implementação, percebemos como um vácuo muito grande, no sentido restrito
desta palavra, lugar vazio, oco, entre como se exprime o que é prática de ensino e
estágio e como se operacionaliza, como se concretiza a aprendizagem da docência,
nestas duas instâncias de formação.
Kuenzer (2007) chega a reconhecer que, em alguns momentos, os textos
legais se referem à importância da relação entre teoria e prática “e mesmo à práxis”,
porém “o fazem como mero discurso”. Mas um texto é uma forma de discurso. O
que nos perguntamos é: se o discurso fosse outro, a formação seria outra?
Esta concepção da “epistemologia da prática” começou a se fazer presente
nos cursos de formação de professores muito antes de se apresentar na legislação,
principalmente na década de 1990, com a introdução de literatura baseada em
estudos portugueses sobre a formação de professores. Idéia presente na teoria de
Donald Schön, autor norte-americano, difundida no Brasil, por meio de vários
autores, entre eles os professores portugueses Isabel Alarcão e António Nóvoa.
77
Além disso, e para s o mais instigante, é o que Campos (2006) apresenta
em seu estudo sobre a prática nos cursos de Licenciatura e que reafirma a nossa
hipótese de que mesmo se o discurso fosse outro, a prática não seria diferente. Ao
questionar alguns professores de cursos de licenciatura sobre seu entendimento a
respeito da compreensão da expressão “prática como componente curricular”,
conforme o Parecer CNE/CP n. 9/2001 a apresenta, ora estes a associam à simples
vivência, ora a relacionam ao estágio, o que demarca uma dificuldade de
compreensão sobre qual o significado da prática no curso.
Afinal, a Resolução CNE/CP n. 2/2002, que institui a duração e a carga
horária dos cursos de licenciatura, prevê 400 horas de prática como componente
curricular. Para o curso de Pedagogia, o 300 horas, de acordo com sua diretriz
curricular específica. Uma carga horária significativa, porém, como elaborar um
projeto pedagógico de curso com essa carga horária sem ter clareza do que significa
essa prática?
Na pesquisa realizada Campos (2006, p. 112), a pesquisadora constata que
[...] diante da maioria das manifestações dos docentes sobre as
propostas de reestruturação dos currículos nos cinco cursos de
licenciatura pesquisados, levando em conta os indicadores de
prática como componente curricular e estágio supervisionado, nota-
se uma dificuldade na adoção e entendimento do que vem a ser tal
prática, confundindo e delimitando-a, geralmente, à ação do ensino
nas escolas.
Em relação ao estágio, a autora afirma: “[...] é ainda concebido como [...]
momento de constatação de uma realidade, como uma prática no sentido restrito à
experiência”. (p. 114). Provavelmente, esses professores não estão adotando a
mesma perspectiva da legislação; pelo contrário, não conseguiram romper com a
visão tradicional de aplicabilidade da teoria, entendendo a prática de ensino como
local para organizar aquilo que vai ser colocado em prática nos estágios
supervisionados.
De acordo com essas afirmações, para esses professores, Prática como
componente curricular, Prática de Ensino e Estágio são a mesma coisa. Longe de
desejar desviar a problemática da questão, culpando os professores, nosso objetivo
78
é assinalar o quanto esta área necessita, urgentemente, ser pesquisada com mais
insistência, conforme já assinalamos no início deste trabalho, para que tenhamos um
campo de conhecimento que facilite nossa compreensão sobre a sua importância
para a formação inicial de professores.
Contudo, não podemos desconsiderar o que Saviani (2007, p. 391) nos conta
do estudo desenvolvido por Betty Oliveira sobre política de formação de professores
do ensino superior e as contradições que as diretrizes formuladas pela “sociedade
política”, isto é, o governo, geram na “sociedade civil”. Por um lado, temos “a
formação de docentes como agentes (conscientes ou não) dos interesses
dominantes (resultado desejado, mas não necessariamente proclamado)” e por
outro, “a formação de docentes conscientes da situação sócio-político-econômico-
cultural do Brasil com uma postura crítico-reflexiva frente a essa situação (resultado
não necessariamente desejado, embora proclamado)”.
Portanto, é no âmago desta contradição que devemos vislumbrar as
possibilidades de mudança.
79
2 O MODELO DE FORMAÇÃO INICIAL QUE DEFENDEMOS
20
Se apresentamos o ideal como algo ,
desejado e necessário e que ainda não
existe, precisamos justificar o "ainda não".
Para que não estejamos lidando com uma
fantasia, um devaneio, é preciso
acrescentar que é necessário que ele seja
possível. O que ainda não é, pode vir a ser.
(RIOS, 1992, p. 74 grifo da autora)
Diante da história que congrega mais de dois séculos de discussões e ações
relacionadas à formação de professores, permanece uma contradição. Não é
possível afirmar que nada mudou em relação à formação de professores: primeiro a
ausência de instâncias formadoras, depois o surgimento das Escolas Normais, na
seqüência a formação de professores acontecendo em nível superior. Mas,
perguntamos, em que direção se deu esta mudança?
Reconhecemos que houve um avanço, mas a palavra avanço pode significar
melhora de estado e de qualidade, ou, simplesmente, ir adiante. É nesse ponto que
se instala a contradição: fomos adiante, mas estamos muito longe de alcançar a
qualidade que almejamos.
Essa contradição se sustentou na realidade imposta pelo jogo econômico e
político de cada uma dessas épocas e, ao mesmo tempo, nos ideais, transformados
muitas vezes em ações, de educadores que acreditavam ser possível oferecer uma
formação de qualidade, visando ao ensino de qualidade que atendesse à maioria da
população. E, nesse jogo entre o ideal e o real, colocamos em evidência o campo do
possível, ou, como definiu a autora da epígrafe, “o que ainda não é, pode vir a ser”.
Nessa perspectiva, queremos nos posicionar sobre qual formação inicial
defendemos e, para começar a nossa argumentação, tomamos emprestadas as
palavras de Leonardo Boff (1998: p. 112):
Os quinze bilhões de anos de evolução conhecem quatro grandes
patamares: o universo, a vida, o homem e a humanidade. Estamos
entrando no quarto patamar: os seres humanos que estavam
20
Ao utilizarmos a expressão formação inicial estamos nos referindo à formação de professores das
séries iniciais do ensino fundamental, foco deste trabalho.
80
dispersos em estados-nações estão se encontrando numa única
casa comum, o planeta Terra.
Estado de humanidade que, para nós, será alcançado se associado à
educação, compreendida por Charlot (2005, p. 37) como um triplo processo:
“educação como humanização, socialização e singularização”, e que só se efetiva se
houver a apropriação de um patrimônio humano pelo indivíduo. Dessa forma, o
alcance deste estado de humanidade tem na escola sua maior possibilidade e, no
trabalho docente, a sua esperança.
Humanização porque introduz o sujeito no universo dos signos, dos símbolos,
da construção de sentidos, permite o acesso a uma cultura que não é qualquer
cultura, mas aquela do grupo social a que pertence, demarcada por um tempo
histórico; por isso, socialização. E que se transforma em um processo de
singularização, na medida em que o indivíduo, ao apropriar-se deste patrimônio,
constitui sua própria cultura, imprimindo-lhe sentido. (CHARLOT, 2005)
Mesmo que estejamos entrando no quarto patamar, isso não significa que
estejamos alcançando o nível de humanidade a que Boff se refere. Um mundo
globalizado não é sinônimo de um mundo mais humano, ou mais justo. Nunca
estivemos tão próximos uns dos outros, ou o conhecimento nunca esteve tão
socializado e acessível. Mesmo assim, não temos a garantia de que estejamos
integrados de tal forma que possamos diminuir as diferenças sociais, econômicas e
culturais entre s e aceitar a diversidade. A lógica que tem regido a maioria das
nações em nosso planeta não envolve interesse nessa perspectiva, isso sabemos;
mas sabemos também que, como formadores, podemos ampliar as possibilidades
de humanização, socialização e singularização daqueles que são formados por nós
e que, por serem futuros formadores, deveriam se comprometer com isso também.
Portanto, estamos querendo demarcar um modelo de formação que prepare
os futuros professores para compreenderem e atuarem como humanidade, na
concepção de Boff, em que pese a conotação utópica que essa afirmação possa
assumir.
Em uma realidade difícil, marcada pelo individualismo, pelas precárias
condições de existência de muitos e pela alienação, principalmente, do ponto de
vista cultural das pessoas, podemos encontrar razões para nos comprometermos
81
cada vez mais como formadores e oferecer, nas palavras de Severino (2006, p.
621), uma formação compreendida como:
[...] processo do devir humano como devir humanizador, mediante o
qual o indivíduo natural devém um ser cultural, uma pessoa [...] A
idéia de formação é pois aquela do alcance de um modo de ser,
mediante um devir, modo de ser que se caracterizaria por uma
qualidade existencial marcada por um ximo possível de
emancipação, pela condição de sujeito autônomo. Uma situação de
plena humanidade.
Em que pese o caráter panfletário que possam assumir nossas idéias, não
conseguimos conceber um processo de formação que não tenha como objetivo
desenvolver o indivíduo em toda a sua singularidade e, ao mesmo tempo, como um
ser social responsável pelo outro. de ser uma formação que interfira no processo
de humanização do aluno e, como conseqüência, o transforme em profissional que
saiba exercer sua autonomia, mesmo que relativa, no campo do possível, com vistas
a interferir também no processo de humanização de seus alunos.
Por isso, ao pensar sobre o processo de formação inicial de professores,
acreditamos que essa formação deva possibilitar ao aluno aprendiz compreender
que a educação, por ser uma experiência especificamente humana, é uma forma de
intervenção no mundo, idéia que retira a docência do campo da neutralidade
(FREIRE, 1998) ou da tendência puramente vocacional.
Dessa maneira, a formação desse indivíduo que vai assumir o magistério
deve ensiná-lo a analisar a natureza e o alcance dessa intervenção, desenvolvendo
sua consciência crítica sobre a tensão dialética existente na escola entre a
reprodução da ideologia dominante e a possibilidade de transformação da realidade,
para que a compreenda como um espaço social, e sua ação, como uma prática
social.
Sacristán e Pérez Gómez (1998, p. 21-22) ressaltam que essa tensão
dialética entre reprodução e mudança desencadeada também pela docência -
assume uma “forma específica e singular” em relação a qualquer outra instância de
formação, posto que
A função educativa da escola ultrapassa a função reprodutora do
processo de socialização, já que se apóia no conhecimento público
(a ciência, a filosofia, a cultura, a arte...) para provocar o
82
desenvolvimento do conhecimento privado de cada um dos seus
alunos.
Isso significa dizer que os alunos que estão em processo de formação inicial,
conhecendo a natureza de seu ofício, encontram no conhecimento sua principal
fonte de trabalho e devem compreendê-lo como “uma poderosa ferramenta para
analisar e compreender as características, os determinantes e as conseqüências do
complexo processo de socialização reprodutora” próprio da escola. (SACRISTÁN;
PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 21-22)
Para tanto, é necessário, afirma Imbernón (2004, p. 53), que o currículo de
formação tenha como eixo determinante:
[...] o desenvolvimento de instrumentos intelectuais para facilitar as
capacidades reflexivas sobre a própria prática docente e cuja meta
principal deve ser a de aprender a interpretar, compreender e refletir
sobre a educação e a realidade social de forma comunitária.
Assim, a socialização profissional começa na formação inicial e é nessa etapa
da formação que se fornecem as bases para que o profissional possa construir um
conhecimento especializado, prevendo a formação de professores como um
processo contínuo de desenvolvimento profissional durante o qual vai se
configurando a identidade docente.
O conhecimento profissional é caracterizado por Roldão (2007) como o elo
mais fraco da profissão, porque pouco definido como aquele que legitima a profissão
docente, mas que deveria ser considerado como uma alavanca capaz de reverter a
situação de descrédito e desânimo em que se encontram os professores.
Placco (2006, p. 257), porém, ressalta que isso só é possível se, dentre
outras preocupações, o currículo da formação estiver voltado para ações que
desenvolvam “flexibilidade, habilidade de busca, interesse e motivação para
prosseguir” em seus alunos, demarcando a importância da dimensão da “formação
continuada”, na perspectiva do desenvolvimento profissional em um processo de
formação de professores.
Diante do exposto, ao buscarmos uma formação inicial que tenha como ponto
de partida estes pressupostos, torna-se mais simples argumentar sobre por que
afirmamos no início deste texto o quanto a formação de professores foi adiante ao
longo dos anos, mas não alcançou a melhoria da qualidade desejada.
83
Somos herdeiros de uma formação inicial de professores pautada nos
pressupostos da racionalidade técnica, que percorreu toda a história da educação
brasileira, ganhando mais força a partir da LDB nº 5.692/71.
Essa herança convive hoje com um outro pressuposto de formação, a
racionalidade prática, que foi posta em evidência na década de 1990, tanto pela
própria universidade, por meio de estudos e pesquisas sobre a formação de
professores, como pela legislação, principalmente a partir da homologação do
Parecer CNE/CP n. 9/2001, que instituiu as diretrizes curriculares para a formação
de professores da educação sica e pela Resolução CNE/CP n. 1/2006, que
instituiu as diretrizes curriculares para os cursos de Pedagogia.
Por se tratar de um legado legitimado pela legislação, a força de seus
pressupostos se faz presente nos currículos atuais de formação inicial de
professores e aparece com mais ênfase em disciplinas como Didática, Prática de
Ensino e Estágios Supervisionados, além das metodologias específicas.
Diversos autores, como: Contreras Domingo (2002), Pereira (2002) e
Medeiros (2005) discutem os modelos de formação e o tipo de racionalidade que se
encontra em seus pressupostos, o que nos ajuda na compreensão sobre os limites
dessas racionalidades e como elas são traduzidas no ensino das disciplinas
indicadas acima.
Contreras Domingo (2002) explica que a prática docente é compreendida pelo
modelo de racionalidade técnica como um conjunto de aplicações teóricas e
técnicas, disponível a priori e pautado nos procedimentos racionais da ciência,
visando à resolução instrumental dos problemas apresentados na situação de
ensino.
O grande limite desse tipo de modelo é que ele impõe uma relação
hierárquica entre conhecimento teórico e conhecimento técnico, decorrendo disso
um distanciamento entre aqueles que desenvolvem as práticas - o fazer - e aqueles
que elaboram os conhecimentos teóricos o saber. No currículo de formação, essa
hierarquia aparece tanto na separação entre as disciplinas de fundamentação
teórica e aquelas relacionadas à prática e estágios como no período em que estas
últimas se encontram, geralmente relegadas ao final do curso. (CONTRERAS
DOMINGO, 2002; PEREIRA, 2002)
Essa hierarquia se traduziu durante muitos anos nos currículos das escolas
normais, quando as disciplinas relacionadas à prática de ensino estiveram
84
presentes, na maioria das vezes, no final dos últimos dois anos do curso. Mas o fato
mais significativo que ocorreu quanto a esta divisão se refere ao momento em que o
estágio passou a ser desenvolvido fora do horário de aulas, em 1965, demarcando a
compreensão de que um bom suporte teórico oferecido ao aluno, no início do curso,
dar-lhe-ia condições para a atuação prática em qualquer realidade.
Outro fato que demarca a dificuldade de ruptura dessa concepção podemos
observar no conteúdo do Parecer CNE/CP n. 27/2001, que retifica um trecho do
texto do Parecer CNE/CP n. 9/2001. Este último apresenta a idéia de que “o estágio
obrigatório deve ser vivenciado ao longo de todo o curso de formação”. Desta forma,
continua o documento, “deve acontecer desde o primeiro ano, reservando um
período final para a docência compartilhada” (BRASIL, 2004, p. 57-58).
Porém, o Parecer que o retificamuda não a redação do texto, ao indicar
que os estágios devem “se desenvolver a partir do início da segunda metade do
curso” (BRASIL, 2004, p. 1), mas, também, anula a concepção de que o estágio
deve permear toda a formação. Cabe ressaltar que as DCN do curso de Pedagogia
retomaram essa concepção, ao orientar que o estágio seja desenvolvido desde o
primeiro ano.
Contradizendo o próprio conteúdo do Parecer, que tem na prática a base da
aprendizagem da docência, as discussões que se instalaram concomitantemente à
retificação do documento, por aqueles que participaram da reelaboração dos
projetos pedagógicos dos cursos de formação, dentre os quais nos incluímos,
giravam em torno da idéia de que era muito precoce a ida dos alunos das primeiras
etapas do curso às escolas, pois eles ainda não possuíam conhecimento suficiente
para isso.
Em que pese o próprio documento indicar que os “tempos na escola”
deveriam ser organizados de acordo com os objetivos de cada momento da
formação (BRASIL, 2004, p. 58), apontando um possível caminho a ser percorrido
progressivamente pelos alunos e que deveria ser delineado previamente no projeto
pedagógico do curso e no projeto específico dos estágios supervisionados, os
professores, neste caso, acreditavam numa formação linear, que parte do campo do
conhecimento científico, para depois chegar ao campo do conhecimento prático.
Uma outra questão levantada por Contreras Domingo (2002, p. 98),
importante de ser ressaltada neste estudo, é que as situações de ensino não podem
ser consideradas como “problemas”, na forma como a racionalidade técnica
85
pressupõe, pois o processo de ensino e aprendizagem se em contextos
específicos e, portanto, os professores devem compreender as situações de ensino
em sua singularidade:
[...] e também devem tomar decisões que nem sempre refletem uma
atuação que se dirige a um fim, senão manter aberta a interpretação
a diferentes possibilidades e finalidades, encontrar respostas
singulares e às vezes provisórias, para casos que não haviam
previsto nem imaginado.
Formar para a “solução de problemas” carrega em si a preocupação em
preparar para o trabalho, do ponto de vista técnico, deixando de lado a idéia de que
a formação de professores necessita vincular-se a uma “função social maior que é a
de contribuir com o desenvolvimento crítico e emancipador no plano do indivíduo e
da coletividade”. (MEDEIROS, 2005, p. 199)
Idéia que associamos ao caráter humanizador, socializador e singular da
formação, no início deste capítulo e que, para nós, se concretiza se o formador
tiver consciência sobre esta função e conseguir, por meio da transposição didática
do conhecimento a ser ensinado e das relações pedagógicas estabelecidas, que seu
aluno desenvolva essa consciência.
Um outro modelo de formação, pautado na racionalidade prática, também
tem perpassado os currículos de formação na atualidade. Embora nosso objetivo
não seja explicar cada um dos modelos detalhadamente, cumpre-nos, ao menos,
ressaltar as principais idéias que formam esta concepção e como ela se reflete nos
currículos de formação.
Ao nos reportarmos à racionalidade prática como modelo de formação,
encontramos duas vertentes. Aquela baseada nas idéias de Donald Schön, sobre a
formação de professores práticos reflexivos e, de outro lado, as idéias de
Stenhouse, sobre professores pesquisadores. Ambas buscam a superação dos
modelos de formação baseados na racionalidade técnica e a recuperação de
competências legítimas e necessárias da prática de ensino que ficaram
subordinadas ao conhecimento científico ou simplesmente foram desconsideradas.
(CONTRERAS DOMINGO, 2002).
Pimenta (2002) explica que essas idéias foram rapidamente incorporadas às
reformas de ensino em vários países que questionavam a formação de professores
86
desenvolvida na perspectiva da racionalidade técnica, inclusive no Brasil, e que
serviram de base para a valorização de pesquisas sobre a ação dos professores,
que passaram a ser reconhecidos como peça fundamental para o sucesso da
implantação das mudanças.
Baseando-se nas idéias principais de Donald Schön (1992), pesquisador
americano, um currículo que visa à formação de professores práticos reflexivos tem,
na valorização e reflexão da prática, seu principal pressuposto. Partindo do princípio
de que os “problemas” que surgem no processo de ensino-aprendizagem não se
resolvem por meio de conhecimentos teóricos e técnicos; o professor deve aprender,
acima de tudo, a atuar com segurança nas “zonas indeterminadas da prática”, isto é,
nas situações que são incertas, singulares e em que conflito de valores,
impossíveis de serem planejadas, mas que o comuns nos processos de ensino-
aprendizagem.
A partir do seu conhecimento, o professor deve ser capaz de desenvolver ao
menos dois níveis distintos de reflexão sobre sua própria prática, exercício que lhe
trará respostas às suas próprias indagações. Aquela que se durante a ação
pedagógica reflexão na ação, que é um momento em que o professor, pensando a
prática, é capaz de modificá-la, em busca de seus objetivos e aquela que ocorre
após a ação reflexão sobre a reflexão na ação, que se baseia num olhar
retrospectivo sobre os resultados obtidos a partir da reflexão na ação e que, por ser
um nível mais complexo de reflexão, exige o “uso de palavras”, ou o registro do
processo.
Valoriza, assim, a prática docente, pois é nela que o conhecimento
profissional é construído e que vai se renovando, a partir do momento em que o
professor se depara com novas situações da prática que lhe são desconhecidas e
lhe causa dificuldades. São essas novas indagações que geram o processo
reflexivo.
Para desenvolver no futuro professor estes níveis de reflexão, Schön (1992,
p. 89) propõe construir uma tradição de pensamento e reflexão sobre a prática, nos
cursos de formação inicial, transformando este período de formação em um
practicum reflexivo” ou, conforme suas palavras, “um mundo virtual que representa
o mundo da prática”.
Contreras Domingo (2002) explica que Stenhouse também acredita que
habilidades e formas de agir que são assimiladas de tal forma que o professor não
87
necessita direcionar a prática de um modo consciente para realizá-la com domínio e
corretamente e que isso é uma construção pessoal. Na medida em que o professor
traz à consciência este conjunto de hábitos construídos por meio da experiência
profissional e os questiona, consegue aperfeiçoar a sua prática.
A grande diferença entre os dois autores é que este último acredita que a
reflexão não surge das situações adversas e desconhecidas, no momento exato da
prática, conforme postula Schön, mas sim quando o professor se propõe a verificar
as possibilidades e problemas que podem surgir, conforme a maneira que realiza
sua prática. Neste último caso, o professor transforma sua prática em objeto de
investigação, daí a idéia de professor pesquisador. (CONTRERAS DOMINGO, 2002)
Ao associarmos estes pressupostos da racionalidade prática à análise das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, encontramos alguns
aspectos que os evidenciam. No que diz respeito aos estágios curriculares, o
documento indica que deverá ser realizado “[...] de modo a assegurar aos
graduandos experiência de exercício profissional que amplie e fortaleça atitudes
éticas, conhecimentos e competências”, pressupondo “atividades pedagógicas em
um ambiente institucional de trabalho” que proporcione “uma reflexão
contextualizada conferindo-lhe condições para que se forme como autor de sua
prática, por meio da vivência institucional sistemática, intencional”. (BRASIL, 2006,
p. 15)
Indicações que, acreditamos, partem do pressuposto de que este exercício
reflexivo anunciado depende única e exclusivamente do aluno e vai acontecer no
momento do contato com a prática docente ou até mesmo depois dela, condição
essencial para o desenvolvimento do professor reflexivo preconizado por Schön. Até
porque o documento só faz referência a uma possível mediação exercida pelo
formador em um único parágrafo que segue:
A proposta pedagógica do curso de Pedagogia de cada instituição
de educação superior deve prever mecanismos que assegurem a
relação entre o estágio e os demais componentes do currículo de
graduação, visando à formação do Licenciado em Pedagogia.
(
BRASIL, 2004, p.
16 – grifo nosso)
Interpretamos ser atitude muito superficial simplesmente apontar a previsão
de mecanismos que assegurem essa integração, que se trata de um documento
88
que orienta a elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos de Pedagogia.
Haveria, então, a necessidade de apresentá-los explicitamente, mas isso não ocorre,
talvez, por dois motivos: uma compreensão dos legisladores de que isto está
incorporado como princípio e então acontecerá naturalmente, significação que
acompanha os cursos de formação muito tempo; ou, como depende de outras
questões que envolvem trabalho coletivo, jornadas de trabalho que permitam as
discussões coletivas, parcerias com as escolas de ensino fundamental e
compromisso das instituições de formação e dos próprios legisladores, é mais
aconselhável ser tratado sem aprofundamento.
Um outro aspecto que merece ser destacado diz respeito à idéia do professor
pesquisador apresentada no documento. A produção e difusão do conhecimento
científico e tecnológico é uma das três dimensões da formação contida nas DCN e é
prevista, com maior ou menor ênfase, nos objetivos dos três núcleos que estruturam
o curso: o núcleo de estudos básicos, de aprofundamento e diversificação de
estudos e de estudos integradores, o que demonstra que a pesquisa deve perpassar
todo o curso.
Nessa perspectiva, o documento ressalta que até mesmo as instituições de
educação superior não universitárias que oferecem o curso de Pedagogia “devem
prever entre suas atividades acadêmicas a realização de pesquisas a fim de que os
estudantes possam delas participar e desenvolver postura de investigação científica”
e justifica essa exigência:
[...] a partir do entendimento manifestado pela significativa maioria
de propostas enviadas ao Conselho Nacional de Educação, durante
o período de consultas de que o Licenciado em Pedagogia é um
professor que maneja com familiaridade procedimentos de pesquisa,
que interpreta e faz uso de resultados de investigações. (
BRASIL,
2004,
p. 14)
Justificativa que se aproxima muita de uma das características da
racionalidade prática: formar o professor na perspectiva de que este desenvolva um
espírito investigativo sobre a sua prática, transformando-a em objeto de estudo, não
prevendo a expansão desse espírito para questões que extrapolem a própria
atividade docente, fazendo-o compreender o fenômeno educativo em sua totalidade.
89
Isso se confirma quando analisamos o texto que se apresenta na seqüência
do documento e que declara a prática docente no curso como ponto de partida e de
chegada:
Os três núcleos de estudos, da forma como se apresentam, devem
propiciar a formação daquele profissional que: cuida, educa,
administra a aprendizagem, alfabetiza em múltiplas linguagens,
estimula e prepara para a continuidade do estudo, participa da
gestão escolar, imprime sentido pedagógico a práticas escolares e
não escolares, compartilha conhecimentos adquiridos em sua
prática. (
BRASIL, 2004,
p. 14)
Tais questões apresentadas, a nosso ver, reduzem o processo de reflexão do
futuro professor a um olhar sobre a maneira como as coisas se apresentam na
prática, como se fosse um fenômeno isolado, naturalizando-o, desconsiderando
todas as variáveis de ordem institucional, política, social e pessoal que a constituem
e demarcam a complexidade da atividade docente e do fenômeno educativo.
Contreras Domingo (2002, p. 148) aponta que o limite das idéias de autores
que defendem a racionalidade prática se instala na noção de que a reflexão, ao se
dar no contexto de atuação, define alguns objetivos e práticas profissionais, mas não
revela “nenhum conteúdo para esta reflexão”; pelo contrário, pressupõe-se que esse
exercício “ajudará a reconstruir tradições emancipatórias implícitas nos valores de
nossa sociedade”. Dessa forma, continua o autor, não uma posição tomada em
relação à qual deveria ser o compromisso social do professor , nem se leva em
conta a forma como os professores se identificam em seu ofício, fatores que, se não
forem levados em consideração no processo reflexivo, podem não levar à
emancipação, mas apenas justificar práticas pedagógicas que reproduzem práticas
vigentes na sociedade e que garantem o processo de dominação.
Após termos exposto, embora sumariamente, os pressupostos que sustentam
a racionalidade técnica e a racionalidade prática e como eles se fazem presentes
nos discursos legais sobre formação inicial de professores, apresentamos o modelo
de formação que acreditamos ser aquele que poderá ampliar o nível de qualidade
dessa formação, desencadeando um processo de desenvolvimento profissional que
fortalecerá o elo mais fraco da profissão: o conhecimento profissional.
90
O que nos faz acreditar que estamos no campo da possibilidade, do “vir a
ser”, são as afirmações de Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) e Pereira (2002), que
indicam a existência de modelos emergentes ou contra-hegemônicos baseados na
racionalidade crítica, que vêm sendo propostos nos programas nacionais e
internacionais de formação de professores e constituindo o cenário educacional
brasileiro.
Cumpre ressaltar, porém, que não podemos nos esquecer do alerta indicado
por Apple (2003, p. 124), de que “nenhuma estratégia contra-hegemônica e
progressista, nenhuma pedagogia crítica pode dar certo enquanto não compreender
a realidade construída” pelo grupo hegemônico, grupo que, sabiamente, se apropria
de alguns pressupostos do discurso crítico para manter seu controle (APPLE, 2003;
PEREIRA, 2002).
Nesse sentido, Pereira (2002, p. 28) afirma que, no modelo da racionalidade
crítica,
A educação é historicamente localizada ela acontece contra um
pano de fundo sócio-histórico e projeta uma visão do tipo de futuro
que nós esperamos construir -, uma atividade social com
conseqüências sociais, não apenas uma questão de
desenvolvimento individual -, intrinsecamente política afetando as
escolhas de vida daqueles envolvidos no processo e, finalmente,
problemática. (grifos do autor)
Ao compreender a educação, em sua totalidade, o modelo crítico exige que a
formação inicial de professores desenvolva nos alunos essa compreensão do
fenômeno educativo, para que, a partir disso, percebam quais condicionantes dessa
realidade incidem em sua prática pedagógica e quais as possibilidades do seu
trabalho, uma atividade social, tornar-se definitivo no processo de emancipação do
outro.
Para tanto, não podemos nos limitar a desenvolver formas de reflexão sobre
os conhecimentos que são próprios da prática pedagógica, mas nutrir aprendizagens
que possam originar conhecimentos que possibilitem uma análise crítica sobre como
se estrutura a realidade na qual a prática docente se desenvolve e quais são os
princípios e valores intrínsecos às escolhas do professor explicitados por meio dessa
prática.
91
Um processo de formação inicial pautado por esse princípio deve desenvolver
no aluno um exercício de reflexão que alcance a compreensão sobre a cultura
institucional em que trabalha, como ela interfere na ação de cada um dos
participantes, além de ajudá-lo a desvelar qual o referencial político e epistemológico
que conduz sua prática, que motivos o levam a escolher esse referencial, podendo,
assim, optar pelo sentido social que deseja imputar à sua ação.
A formação inicial pode, assim, representar um tempo de formação em que
podemos combater o modelo de profissional de educação assistencialista e
alienado, proporcionando a possibilidade de o professor perceber a dimensão
política e cultural de seu ofício, oferecendo-lhe recursos para desenvolver sua
profissionalização.
Para tanto, seria necessário que esse processo formativo desse conta de
discutir a natureza do trabalho docente, cuidando para que fosse superada a idéia
de que ensinar é apenas transmitir um saber . Roldão (2007) acredita que o se
trata de afirmar que esta forma de conceber a ação de ensinar seja melhor ou pior
que outras, a questão é que ela deixou de ser socialmente útil.
Nessa perspectiva, devemos inferir que formar professores significa prepará-
los para o exercício de uma profissão que, sendo historicamente situada, vai
adquirindo contornos de acordo com as exigências conjunturais de cada período. Na
atualidade, não podemos nos esquecer de que o professor é aquele que necessita
aprender a lidar com a tecnologia da informação e da comunicação, com o ensino a
distância, com os ideais de um mundo globalizado e sem fronteiras, com relações
espaço-temporais mais dinâmicas, questões que o levam, ou deveriam levar a
estabelecer novas maneiras de se relacionar com o próprio conhecimento e com o
aluno.
Novas formas de se relacionar com a profissão que, de acordo com Roldão
(2007, p. 95), necessitam uma compreensão de que o ato de ensinar encerra uma
dupla transitividade por meio da mediação: “ensinar é fazer aprender alguma coisa a
alguém”. Além disso, é uma profissão que se caracteriza por conhecimentos
profissionais específicos que possuem como base fundamental a ação de ensinar, e
que carrega um inevitável senso de praticidade, que é uma profissão que, muito
antes de possuir um conhecimento sistematizado, era praticada. Para Roldão
(2007), a atividade de ensinar jamais se transformaria em ação profissional se não
92
fosse questionada, teorizada e é essa teorização da ação que produz um corpo de
conhecimentos que nutre e transforma a ação dos profissionais.
A formação inicial deve considerar o professor como intelectual e o trabalho
docente passa a ser adotado como forma de trabalho intelectual (GIROUX, 1997),
não sendo interpretado exclusivamente do ponto de vista instrumental
racionalidade técnica - , nem por meio de interpretações baseadas na própria prática
racionalidade prática - , mas sim compreendido à luz das relações sociais
estabelecidas pela estrutura social na qual se insere o processo educativo
possuindo a ciência como referencial – racionalidade crítica.
Um trabalho que ganha sentido na medida em que define a sua natureza,
legitima a prática pedagógica como atividade social e amplia a autonomia do
professor.
Giroux (1997, p. 163) afirma que estaríamos, assim, elevando os professores
à categoria de intelectuais transformadores e, para que isso ocorra, é necessário
“tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico”. Ao tornar o
pedagógico mais político, explica o autor:
[...] a reflexão e a ação críticas tornam-se parte do projeto social
fundamental de ajudar os estudantes a desenvolverem uma
profunda e duradoura na luta para superar injustiças econômicas,
políticas e sociais, e humanizarem-se ainda mais como parte desta
luta.
E tornar o político mais pedagógico significa
Utilizar formas de pedagogia que incorporem interesses políticos
que tenham natureza emancipadora, isto é, utilizar formas de
pedagogia que tratem os estudantes como agentes críticos; tornar o
conhecimento problemático; utilizar o diálogo crítico e afirmativo; e
argumentar em prol de um mundo qualitativamente melhor para
todas as pessoas. (GIROUX,
1997, p. 163)
Ao pensar o currículo da formação inicial de professores, objetivando formá-
los como intelectuais transformadores, estamos indicando uma formação que
viabilize o início do processo de desenvolvimento profissional. Isso significa
“considerar o desenvolvimento profissional mais além das práticas da formação e
93
vinculá-lo a fatores não formativos e sim profissionais”. (IMBERNÓN, 2004, p. 47)
Portanto, para o autor, devemos
[...] analisar a formação como elemento de estímulo e de luta pelas
melhorias sociais e profissionais e como promotora do
estabelecimento de novos modelos relacionais na prática da
formação e das relações de trabalho.
Por isso a urgência em demarcarmos, na formação inicial, o
desenvolvimento profissional do aluno, pois mesmo que, em tese, ainda não exerça
a profissão
21
, ao desenvolver práticas de ensino supervisionadas ele põe em jogo
elementos que são constitutivos do seu processo de profissionalização. Elementos
que constituem tanto a sua profissionalidade - conhecimentos e competências
próprias da ação docente, além das atitudes e valores que a norteiam - como
elementos que constituem seu profissionalismo - status profissional e o
reconhecimento social da profissão. (SACRISTÁN, 1999; RAMALHO, NUÑEZ E
GAUTHIER, 2004)
Roldão (2007) sublinha que o caminho para a profissionalização docente
depende de dois processos sociais distintos e complementares. O primeiro se
relaciona à afirmação social da escola que, ao se legitimar como instituição pública
que atenda às demandas de alfabetização da maioria da população e viabilize um
maior grau de politização dessa população, ampliando seu nível de participação na
vida pública, servirá como alavanca principal do processo de consolidação dos
professores como grupo profissional socialmente identificável.
O segundo, de acordo com a autora, se relaciona à legitimação desse grupo,
por meio da afirmação de um conhecimento profissional específico, valorizado pelo
reconhecimento da necessidade de uma formação própria para o desempenho da
docência.
O que indica, portanto, que o desenvolvimento profissional não se encerra
nos processos de formação inicial dos futuros professores, mas pode encontrar,
nesse tempo de formação, o seu ponto de partida. Um tempo de formação em que o
aluno, futuro professor, poderá reconhecer, por exemplo, os valores e atitudes que
21
Muitos alunos dos cursos de Pedagogia já lecionam, seja por terem cursado o antigo magistério –
HEM ou CEFAMs, ou porque são contratados precariamente como auxiliares de ensino.
94
norteiam sua prática e que podem dificultar seu processo de desenvolvimento
profissional, ou ainda, firmar as bases de um conhecimento profissional específico.
Um tempo em que os alunos em formação possam dar a conhecer que a
discussão equivocada sobre a relação teoria e prática, traduzida muitas vezes em
expressões como: a teoria na prática é outra, ou este curso é muito teórico, pode ser
superada, na medida em que compreendam que a função de ensinar é “sócio-
prática, sem dúvida, mas o saber que requer é, intrinsecamente teorizador,
compósito e interpretativo”. (ROLDÃO, 2007, P. 101)
Roldão (2007) explica que se trata de um saber profissional que precisa ser
construído durante os processos formativos, firmado no princípio da teorização
sobre a ação profissional docente, teorização esta desenvolvida prévia e
posteriormente à ação e, principalmente, “tutorizada e discutida”. Daí a importância
dos estágios curriculares, das ações práticas desenvolvidas no tempo desses
estágios, a regência e, principalmente, a supervisão dessa prática, na perspectiva do
desenvolvimento da profissionalização do futuro professor.
Marcelo Garcia (1999) defende que a formação de professores se distingue
de outras atividades formativas justamente por se tratar de uma formação
profissional, que exige a combinação entre o conhecimento acadêmico e o
pedagógico, além de objetivar a formação de formadores. Afora estas características
indicadas pelo autor, de se considerar que os processos iniciais de formação
envolvem adultos em processos de aprendizagem e de constituição da identidade
profissional.
Placco (2008, p. 185) nos ajuda a avançar nesta discussão, ao afirmar que há
um processo multidimensional na formação de professores que deve ser
considerado, isto é, “a formação deve ser olhada em sua multiplicidade e precisa
desencadear o desenvolvimento profissional do professor em múltiplas dimensões,
sincronicamente entrelaçadas no próprio indivíduo”.
Estas ltiplas dimensões são denominadas pela autora como técnico-
científica; humano-interacional; política; da formação continuada; do trabalho
coletivo; dos saberes para ensinar; crítico-reflexiva; avaliativa; estética; cultural, ética
e da formação identitária.
Estas dimensões, totalmente perpassadas pela dimensão ética, são
“constitutivas do humano”, explica a autora, portanto, permeiam os processos
formativos, independentemente das ações ou intenções do formador. Por isso,
95
Placco (2008) faz questão de ressaltar que é importante o formador identificá-las de
maneira crítica e consciente, para poder desenvolver ações formadoras que gerem
essa crítica e essa consciência naquele que está, se formando, principalmente
porque também será um formador. Nessa perspectiva
Não se pode perder de vista que lidar com o desenvolvimento
profissional e a formação do educador é lidar com a complexidade
do humano, com a formação do ser humano que pode ser sujeito da
transformação de si e da realidade, realizando, ele mesmo, essa
formação como resultado de sua intencionalidade. (PLACCO, 2008,
p. 191)
O que nos chama a atenção na apresentação de Placco (2008) sobre a
ocorrência dessas dimensões nos processos formativos é que a autora retira
definitivamente a reflexão como ponto central do processo, imprimindo-lhe um
caráter diferente daquele pressuposto pelas teorias sobre formação pautadas na
racionalidade prática.
Para a autora, a reflexão envolve processos metacognitivos que podem
possibilitar “pensar não apenas sobre o nosso agir, mas pensar sobre o nosso
pensar e sentir” (PLACCO, 2008, p. 194), fazendo com que o adulto em formação
compreenda o seu próprio processo de aprendizagem, sempre levando em
consideração aqueles conteúdos que, denunciamos anteriormente, são ausentes
nas teorias pautadas pela racionalidade prática: os relacionados ao compromisso
social do professor e à forma como este se identifica com o seu ofício.
Os processos metacognitivos, presentes na aprendizagem do adulto,
pressupõem “atividade mental em contínuo processo de construção que permite
ampliar as possibilidades de autocompreensão e de compreensão do outro”, pois o
sujeito pode, ao identificar os caminhos de sua aprendizagem e de seu pensamento,
ressignificá-lo, regulando assim o seu próprio pensar e sua aprendizagem.
(PLACCO; SOUZA, 2006, p. 57-59).
Cumpre ressaltar que o processo metacognitivo, também identificado por
Roldão (2007) como meta-análise, é uma das características que distingue o
conhecimento profissional docente do de outras profissões e, durante a sua
96
ocorrência, não pode prescindir da contribuição dos vários conhecimentos que
constituem a profissão docente.
Por isso, o processo meta-cognitivo tem de ser desenvolvido pelo indivíduo
em formação desde o inicio, a ser promovido “por meio da aprendizagem mediada e
com a utilização de recursos favorecedores e desveladores da atividade e da atitude
meta-cognitiva”. (PLACCO; SOUZA, 2006, p. 61). Aqui, a mediação do formador é
fundamental, e a supervisão efetiva de práticas pedagógicas realizadas nas escolas
por meio dos estágios curriculares é um espaço privilegiado para sua ocorrência.
Na verdade, o aluno em formação não dá conta de compreender o que faz em
sua prática, somente pensando sobre ela nos momentos de supervisão dos estágios
curriculares; é necessário que ele consiga pensar sobre o que o faz agir dessa ou
daquela forma e quais sentimentos, desejos, aspirações, lembranças, frustrações,
teorias e intenções, entre tantas outras coisas, compõem a sua ação. Componentes
constitutivos de sua dimensão subjetiva, fenômeno psíquico simultaneamente
individual e social e que participa da constituição de sua identidade
pessoal/profissional.
Contreras Domingo (2002, p. 150) nos lembra que professores “não são seres
passivos que interiorizam as tradições e as práticas escolares sem maior capacidade
de resposta”, mas, sim, seres em processo de socialização, no qual têm sua
identidade em jogo, num constante movimento de transformação, pois de se
considerar a ocorrência de um processo de negociação entre os interesses e valores
pessoais do professor em exercício e os do contexto institucional e social no qual se
insere.
Relacionando esta afirmação do autor com os alunos que desenvolvem
estágios em escolas, a não passividade e o constante processo de negociação entre
valores pessoais do estagiário e o contexto no qual ele atua também estão
presentes. O estágio curricular supervisionado pode ser caracterizado como uma
situação em que o aluno está no exercício da profissão, em que pese o caráter
pontual que ele assume e, portanto, pode ajudar tanto ao formador como ao
aprendiz compreender como se desenvolve esse processo de negociação.
Compreender de que maneira os alunos orientam esse processo pode fornecer
elementos para compreendermos melhor, como formadores, que possibilidades de
reflexão crítica podem ser criadas. (CONTRERAS DOMINGO, 2002)
97
Esse processo de negociação entre interesses e valores pessoais e contexto
institucional, citado por Contreras Domingo (2002), é interpretado por Dubar (1997)
como sendo uma tensão existente entre os atos de atribuição e de pertença que
constituem a identidade do sujeito, isto é, a tensão entre a imagem que crio sobre
como os outros me identificam – identidade para o outro - e a imagem que crio sobre
o que pensamos e sentimos ou somos identidade para si. Essa tensão gera um
permanente processo de construção e desconstrução das formas identitárias do
sujeito.
Além disso, devemos levar em consideração a afirmação de Sacristán (2000,
p. 86). Ao dissertar sobre os princípios que regem a realidade prática dos
professores, o autor observa que
os professores, por mais que pareça estranho, são pessoas que
sentem e querem... não pensam. [...] Isso quer dizer que
devemos dar bastante importância aos motivos de ação do
professorado, pois temos educado as mentes e não o desejo, não
educamos a vontade. Damos conhecimento, mas não educamos os
motivos.
Isso também acontece com os alunos em formação: não educamos os seus
motivos; aliás, nem mesmo os conhecemos profundamente. Sabemos que o curso
de Pedagogia é uma segunda opção, para muitos; que a tradição vocacional toma o
lugar do conhecimento profissional; que o estágio supervisionado é considerado por
muitos como um empecilho burocrático da formação; que o que os alunos observam
nas escolas, muitas vezes, é um contra-exemplo de como deve ser a sua postura
profissional. Enfim, conhecemos algumas representações que eles possuem sobre o
processo de formação e sobre a docência, mas não conhecemos os motivos que os
mobilizam a optarem pelo magistério e, mais especificamente, a atuarem da forma
que atuam quando são chamados a desenvolver as práticas supervisionadas.
Placco e Souza (2006), ao elaborarem um estudo sobre a aprendizagem do
adulto, assinalam que há quatro aspectos importantes que caracterizam essa
aprendizagem: a experiência como ponto de partida; a escolha deliberada de querer
ou não aprender; o significativo, que envolve interação de significados cognitivos e
afetivos e o proposital, que é o que dá direção à sua aprendizagem.
98
Nessa perspectiva, destacamos o aspecto que as autoras chamaram de
significativo e utilizamos as suas palavras para explicar por que defendemos a
permanência dos estágios curriculares nos cursos de formação inicial, desde que
tenham a perspectiva do desenvolvimento de atuação prática dos alunos, seguida
de um processo de supervisão/discussão/reflexão sobre ela: “o que foi aprendido
tem de fazer sentido para o sujeito, no contexto de suas aprendizagens e de seus
conhecimentos e, ao mesmo tempo, mobilizar interesses, motivos e expectativas
(PLACCO e SOUZA, 2006, p. 19)
Por este motivo, o objetivo desta pesquisa, como assinalamos
anteriormente, é investigar quais sentidos e significados são constituídos sobre
práticas pedagógicas supervisionadas por alunas de um curso de Pedagogia.
99
3 PSICOLOGIACIO-HISTÓRICA E A COMPREENSÃO DA ATIVIDADE
DOCENTE
Quando nos propusemos a investigar quais seriam os sentidos e
significados apreendidos sobre as práticas pedagógicas supervisionadas por
alunas de um curso de Pedagogia o propósito era confirmar nossa hipótese de
que os estágios curriculares supervisionados são um componente da formação
inicial bastante propício para a aprendizagem do conhecimento profissional e para o
desenvolvimento de uma consciência crítica do futuro professor.
Nessa direção, escolhemos como ponto de partida o próprio sujeito em
formação, por compreendermos, também, que o decurso da formação inicial envolve
adultos em processos de aprendizagem e promove a constituição da identidade
profissional.
Por esta razão regulamos o foco de nossa investigação sob o olhar da
Psicologia da Educação, contudo, sem perder de vista que qualquer fenômeno
educativo
[...] se realiza e configura na interseção de muitas áreas do
conhecimento [...] Nessa interseção, todas e cada uma dessas
áreas traz seu olhar, traz sua contribuição e seus questionamentos.
[...] Por outro lado, na medida em que se realizam a descrição e a
análise de qualquer fenômeno da educação, se faz necessário, em
alguns momentos, focar ou pôr em relevo, em destaque, uma ou
mais dessas áreas. Isso não significa ou não pode/deve significar
– desconsideração quanto às demais. (PLACCO, 2003, p. 95)
Nessa perspectiva, optamos pela psicologia sócio-histórica como referencial
teórico-metodológico por nos auxiliar na compreensão da singularidade do indivíduo
em formação, sem perdermos de vista a totalidade histórica e social na qual está
inserido e que sentido a sua singularidade. Da mesma forma, nos oferece
referências para analisarmos as práticas pedagógicas docentes na perspectiva do
trabalho como atividade humana.
100
3.1 A natureza do trabalho
A atividade consciente do homem difere-se muito da atividade dos animais.
Primeiro porque a atividade humana não está ligada diretamente a motivos
biológicos; segundo porque ela não é determinada, simplesmente, por impressões
advindas do meio ou de sua própria experiência. A atividade consciente do homem
se diferencia da atividade dos animais, principalmente, porque
Quando modifica a natureza, o homem transforma-se a si próprio.
Ao criar, com a sua actividade tanto prática como teórica o ser
objectivado na natureza humana – a cultura – cria, modifica, forma e
desenvolve a sua própria natureza psíquica. (RUBINSTEIN, s/d, p.
128)
Explica Leontiev (1978) que a hominização aquisição de características
próprias da espécie humana em relação a seus ancestrais se deve ao
aparecimento do trabalho, que por sua vez criou condições para o aparecimento da
consciência humana.
O desenvolvimento da consciência humana marcou uma etapa superior do
desenvolvimento psíquico na medida em que a atividade humana se diferenciou da
atividade animal. Esta diferença é demarcada, principalmente, pela forma com que
os animais e os homens se relacionam com a natureza. Os primeiros constituem
essa relação no limite dos aspectos biológicos e instintivos. O homem, pelo
contrário, ao estabelecer relação com a natureza, é capaz não de distinguir o
objeto desta relão, mas a própria relação. Além disso, a atividade humana é
sempre coletiva e, por isso, social, realizada entre indivíduos. (LEONTIEV, 1978, p.
62-64)
Luria (1979, p. 72-73) complementa esta idéia ao afirmar que
[...] a grande maioria dos conhecimentos e habilidades do homem se
forma por meio da assimilação da experiência de toda a
humanidade, acumulada no processo da história social e
transmissível no processo de aprendizagem.
As idéias que sustentam as afirmações destes autores se fundamentam na
explicação marxista sobre o trabalho. Para Marx (1983) o trabalho é um processo
que envolve o homem e a natureza e este, por meio de sua ação pode impulsionar,
101
regular e controlar o intercâmbio material com a natureza, transformando-a. Ao
mesmo tempo que atua sobre a natureza e a modifica, ele mesmo se transforma. O
homem, então, constrói sua própria história e sua cultura porque
Põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua
corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se
da matéria natural numa forma útil para a sua própria vida. Ao atuar,
por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao
modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza.
(MARX, 1983, p. 149)
Assim, por meio dessa atividade exclusivamente humana - o trabalho - o
homem vai criando suas condições de existência, assumindo sua própria evolução
histórica, promovendo uma existência objetiva e distanciando-se da idéia de uma
existência “natural”.
Sustentando-se nos aportes teóricos de Marx sobre o trabalho como atividade
humana, a psicologia sócio-histórica explica que
A passagem à consciência humana, assente na passagem a formas
humanas de vida e na actividade do trabalho que é social por
natureza, não está ligada apenas à transformação da estrutura
fundamental da actividade e ao aparecimento de uma nova forma de
reflexo da realidade; [...] No mundo animal, as leis gerais que
governam as leis do desenvolvimento psíquico são as da evolução
biológica; quando se achega ao homem, o psiquismo submete-se às
leis do desenvolvimento sócio-histórico. (LEONTIEV, 1978, p. 68
grifo do autor)
Isso porque, segundo Marx (1983, p. 150) o homem “não apenas efetua uma
transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria
natural seu objetivo”, fato que determina o seu modo de agir e subordina a sua
vontade.
Nesse sentido, a consciência humana vai se transformando na medida em
que os homens vão se desenvolvendo histórica e socialmente e, portanto, o seu
devir, o desenvolvimento da consciência está relacionado diretamente ao modo de
vida do indivíduo que é determinado pelas relações sociais existentes e pelo lugar
que ele ocupa nestas relações.
102
Luria (1979, p. 75) afirma que “as raízes do surgimento da atividade
consciente do homem não devem ser procuradas nas peculiaridades da ‘alma’ nem
no íntimo do organismo humano, mas nas condições sociais de vida historicamente
formadas”.
É nessa perspectiva que Leontiev (1978, p. 77) explica a estrutura da
atividade humana. O autor destaca que há uma diferença muito grande entre “a
atividade intelectual bifásica
22
dos animais superiores e a de um indivíduo humano
que participa num processo de trabalho coletivo na qualidade de elo”.
Na primeira, o que determina a ligação entre as duas fases são as relações
físicas, materiais, espaciais, temporais e mecânicas. Explica o autor que, um animal
que rodeia a presa antes de abatê-la, subordina sua atividade às relações espaciais
da situação, porém, atém-se somente a presa, ou melhor, atém-se ao objeto que irá
satisfazer sua necessidade biológica. Nesse caso, uma relação direta entre o
motivo da atividade e o produto da atividade: caçar para saciar a fome.
a atividade humana possui uma base objetiva bastante diferente. As
relações estabelecidas entre o motivo da atividade e o conteúdo da ão não
refletem relações naturais e não estão diretamente ligadas. O que associa ou
sentido à atividade do homem são as relações sociais existentes entre ele e os
demais homens.
Para compreender melhor essa afirmação, Leontiev (1978, p. 77-79)
estabeleceu uma diferenciação entre o conceito de ações e atividade. Para o autor
as ações são compreendidas como “processos em que o objeto e o motivo não
coincidem”. Assim, a estrutura da atividade humana é criada pelas condições
sociais e pelas relações humanas. Isso significa dizer que o homem é capaz, não só
de abater um animal para saciar sua fome, estabelecendo uma relação direta entre o
motivo e o conteúdo de sua ação, mas pode, também, abater um animal não porque
sente fome, mas sim porque sente necessidade de saciar a fome de outros homens.
Nesse último caso, o motivo que o faz abater o animal está dissociado da ação, mas
ele tem consciência de sua ação, ele reconhece o sentido de sua ação. “Esta é a
22
A atividade intelectual bifásica marca o terceiro estágio do desenvolvimento animal o estádio do
intelecto. A estrutura da atividade bifásica apresenta a fase preparatória e a fase da realização,
provocando nos animais superiores, dotados desta possibilidade, condições de desenvolverem não
um simples movimento de exploração, mas tentativas de diferentes procedimentos diante de uma
dificuldade, por exemplo.
103
causa imediata que origem à forma especificamente humana do reflexo de
realidade, a consciência humana.
Luria (1979) explica que a transição da história natural dos animais à história
social do homem deve-se a dois fatores: o trabalho social e o emprego dos
instrumentos de trabalho e pelo surgimento da linguagem. Foram esses dois fatores
que provocaram mudanças radicais na atividade psíquica do homem e no
surgimento da consciência.
3.2 Relação entre pensamento e linguagem: o lugar dos sentidos e
significados
O surgimento da linguagem na história da humanidade provocou mudanças
essenciais à atividade consciente do homem porque a linguagem: a) permite ao
homem discriminar objetos, e conservá-los na memória; b) ao mesmo tempo que
indica determinadas coisas, abstrai as propriedades essências destas; c) é o veículo
de transmissão da informação que permite ao homem assimilar as práticas sociais
de muitos séculos e por meio delas consegue dominar conhecimentos, habilidades e
modos de comportamento. (LURIA, 1979, p. 80-81)
Para Aguiar e Ozella (2006, p. 225) o indivíduo “modifica o social, transforma
o social em psicológico e, assim, cria a possibilidade do novo” e, para que esse
processo de constituição humana aconteça, a linguagem é instrumento essencial.
Assim como Leontiev (1978, p. 87), compreendemos que
a linguagem não desempenha apenas o papel de um meio de
comunicação entre os homens, ela é também um meio, uma forma
da consciência e do pensamento humanos [...] Torna-se a forma e o
suporte da generalização consciente da realidade. Por isso, quando,
posteriormente, a palavra e a linguagem se separam da actividade
prática imediata, as significações verbais são abstraídas do objeto
real e podem portanto existir como facto de consciência, isto é
como pensamento.
104
“Pensamento e a linguagem são a chave para a compreensão da natureza da
consciência humana”, afirma Vigotski (2000, p. 485). Dessa forma, não é possível
considerar a palavra e o pensamento como elementos isolados e independentes, é
necessário compreendê-los como unidades que retém características próprias do
todo, até porque, como estudou Vigotski (1993), o significado de uma palavra
representa uma ligação tão estreita entre pensamento e linguagem que se torna
difícil definir se se trata de um fenômeno da fala ou do pensamento.
Como unidade entre pensamento e linguagem Vigotski (1993, p. 104) afirma
que: “o significado das palavras é um fenômeno de pensamento apenas na medida
em que o pensamento ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da fala na
medida em que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele”.
Nos estudos de Vigotski (2000) sobre as relações entre pensamento e
linguagem, os significados e os sentidos das palavras ocuparam um lugar de
destaque. Para o autor, o significado de cada palavra é uma generalização ou um
conceito e como essas generalizações e os conceitos são atos de pensamento, ele
considera o significado como um fenômeno do pensamento. Então, complementa
Vigotski (1993), usando-se o significado das palavras como unidade de análise é
possível compreender o desenvolvimento do pensamento verbal.
Para Leontiev (1978, p. 94) a significação também é uma significação
da realidade que é cristalizada e fixada num vector sensível,
ordinariamente a palavra ou a locução. É a forma ideal, espiritual da
cristalização da experiência e da prática sociais da humanidade, [...]
é, entrada na minha consciência (mais ou menos plenamente e sob
todos os seus aspectos), o reflexo generalizado da realidade
elaborado pela humanidade e fixado sob forma de conceitos, de um
saber ou mesmo de um saber-fazer.
O que Vigotski (2000) desvelou com seus estudos sobre as relações entre
pensamento e linguagem foi a constatação de que os significados das palavras se
desenvolvem. Dessa forma, supera as teorias anteriores que sustentavam a idéia de
imutabilidade dos significados das palavras.
Aguiar e Ozella (2006, p. 226) lembram que
Os significados são, portanto, produções históricas e sociais. São
eles que permitem a comunicação, a socialização de nossas
105
experiências. Muito embora sejam mais estáveis, “dicionarizados”,
eles também se transformam no movimento histórico, momento
em que sua natureza interior se modifica, alterando,
conseqüentemente, a relação que mantém com o pensamento,
entendido como um processo.
Leontiev (1978, p. 96-97) chama a atenção para o fato de que o homem
encontra um sistema de significações elaborado historicamente e se apropria
dele, porém o fato psicológico em si que faz com que o indivíduo se aproprie ou não,
assimile ou não uma dada significação depende do sentido que ela tenha para esse
indivíduo. “O sentido é antes de mais nada uma relação que se cria na vida, na
actividade do sujeito”.
Sendo assim, o sentido “coloca-se em um plano que se aproxima mais da
subjetividade que com mais precisão expressa o sujeito [...] e para avançar na
compreensão do homem, ou melhor dizendo, dos seus sentidos, temos que, nas
nossas análises, considerar que todas as expressões humanas sejam cognitivas e
afetivas”. (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 227)
Rey (2003, p. 129) define o sentido como “uma formação dinâmica, fluida e
complexa, que tem inúmeras zonas de sentido que variam em sua instabilidade” e o
significado é apenas uma dessas zonas de sentido, a mais “estável e precisa”.
(VIGOTSKI, 1993)
Baseando-se nas idéias de Vigotski sobre a importância dos sentidos e
significados para a compreensão da psique humana como produção cultural, Rey
(2003, p. 127) define os sentidos para o autor sentidos subjetivos “como a
unidade inseparável dos processos simbólicos e as emoções num mesmo sistema
no qual a presença de um desses elementos evoca o outro, sem que seja absorvido
pelo outro”.
3.3 A atividade docente
Se recorrermos novamente a Marx perceberemos que a forma como
esclarece a composição do próprio trabalho torna possível associar esse conceito a
106
qualquer atividade humana, seja material ou mental, incluindo então a atividade
docente. Marx (1983, p. 150) afirma que “os elementos simples do processo de
trabalho o a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus
meios”.
Nessa perspectiva toda atividade docente é desenvolvida com vista à atingir
um fim ensinar alguma coisa a alguém; seu objeto de trabalho, entre outros, é o
conhecimento e o próprio aluno, que é sujeito no processo; os meios de trabalho se
concretizam na sua metodologia e nos procedimentos e recursos utilizados.
A atividade do professor é uma atividade instrumentada e direcionada
(AMIGUES, 2004, p. 42) porque:
[...] dirige-se não apenas aos alunos, mas também à instituição que
o emprega, aos pais, a outros profissionais. Ela também busca seus
meios de agir nas técnicas profissionais que se constituíram no
decorrer da história da escola e do ofício do professor. Em outros
termos, a atividade não é a de um indivíduo destituído de
ferramentas, socialmente isolado e dissociado da história; pelo
contrário, ela é socialmente situada e constantemente mediada por
objetos que constituem um sistema. Para agir o professor deve
estabelecer e coordenar relações, na forma de compromisso, entre
vários objetos constitutivos de sua atividade.
Assim, o trabalho do professor pode ser compreendido como um ofício, como
um trabalho como qualquer outro, mas que não pode prescindir de uma
intencionalidade, por se tratar de um trabalho humano que lida o com objetos
naturais, mas com outros humanos. Um trabalho que acontece no seio de uma
organização social historicamente determinada, a escola, que por sua vez compõem
uma organização social maior. Um trabalho que ao transformar o objeto aluno e o
próprio conhecimento – vai constituindo a identidade docente.
Um trabalho que pode caracterizar o professor como um intelectual
transformador na medida em que ele assumir, de acordo com Mellouki e Gauthier
(2004) o seu papel de herdeiro, crítico e intérprete.
Para os autores o professor é um herdeiro na medida em que é capaz, pela
sua formação específica, de sair de sua cultura imediata e, assim, analisá-la,
percebê-la em suas características e aceitar certos aspectos e rejeitar outros. Por
107
possuir essa capacidade pode contribuir para a formação cultural do aluno
auxiliando-o a tomar consciência dos pontos que marcam a história humana.
Além disso, Mellouki e Gauthier (2004, p. 558) afirmam que o professor é
crítico na medida em que é capaz de adquirir um “olhar circunstanciado sobre os
seus próprios saberes, valores e modos de viver e de pensar”, assim como sobre o
modo de viver e pensar dos outros. E, finalmente, intérprete na medida em que
necessita decodificar, ler, compreender, explicar textos, situações, intenções e
sentimentos. Precisa saber lidar com a singularidade de cada aluno expressa pela
subjetividade.
Ao assumir estes papéis o professor demonstra sua compreensão sobre o
significado da atividade docente, desenvolvida na perspectiva de uma prática social.
Roldão (2007, p. 102) define a natureza complexa dessa atividade:
O professor profissional – como o médico ou o engenheiro nos seus
campos específicos – é aquele que ensina não apenas porque sabe,
mas porque sabe ensinar. E saber ensinar é ser especialista dessa
complexa capacidade de mediar e transformar o saber conteudinal
curricular [...] pela incorporação dos processos de aceder a, e usar o
conhecimento, pelo ajuste ao conhecimento do sujeito e do seu
contexto, para adequar-lhe os procedimentos, de modo que a
alquimia da apropriação ocorra no aprendente processo mediado
por um sólido saber científico em todos os campos envolvidos e um
domínio técnico-didático rigoroso do professor, informado por uma
contínua postura meta-analítica, de questionamento intelectual da
sua acção, de interpretação permanente e realimentação contínua.
(grifos da autora)
Uma atividade prática, mas que exige um saber científico e pedagógico
sólido, além de habilidades de reflexão crítica e interpretação constante sobre a
realidade em que se insere. Uma atividade que, por sua complexidade, não se
aprende somente pela própria prática, pelos modelos, pela imersão rápida e
circunstancial na realidade das escolas, mas sim por meio de uma práxis formativa.
Vásquez (1968, p. 154-155), referindo-se a Marx, discute a práxis como
fundamento do conhecimento:
[...] quando Marx concebe o objeto como atividade subjetiva,
como produto de sua ação, não nega em princípio a existência
108
de uma realidade absolutamente independente do homem,
exterior a ele, ou seja, uma realidade em si. O que nega é que
o conhecimento seja mera contemplação, à margem da prática.
O conhecimento existe na prática, e é o conhecimento de
objetos nela integrados, de uma realidade que perdeu, ou
está em vias de perder, sua existência imediata, para ser uma
realidade mediada pelo homem.
Além disso, para o autor, a consciência tem que “permanecer ativa ao longo
de todo o processo prático, não só tratando de impor o objetivo original, mas
também modificando-o em prol de sua realização”. (VÁSQUEZ, 1968, p. 243).
Então, se associarmos a definição de estágio, um lugar onde se aprende o
ofício do magistério, ao conceito de trabalho, na perspectiva do materialismo
dialético, poderíamos conceber o espaço de supervisão das práticas pedagógicas
como um espaço privilegiado para discussão e reflexão crítica sobre uma prática
educativa contextualizada. Um espaço mobilizador da transformação das
identidades e subjetividades e que, deve ter no bojo de suas discussões, a natureza
da prática pedagógica. Assim, o futuro docente compreenderia que o magistério é,
acima de tudo, uma prática social que traduz de maneira concreta as relações
sociais em que as pessoas estão envolvidas.
Organizar uma metodologia que possibilite uma prática pedagógica que
contribua com a emancipação do aprendiz, futuro professor, requer do formador não
só essa compreensão mais ampla sobre a natureza da atividade docente, mas
também, uma compreensão do processo de aquisição do conhecimento, da
constituição da consciência crítica, bem como das condições subjetivas que se
instalam nesse processo.
Nesse sentido, o estágio concebido por meio de práticas supervisionadas
pode possibilitar a construção de conhecimentos não só relacionados ao fazer
docente, mas que vão além dos técnicos-didáticos, conhecimentos que permitam o
desencadeamento de processos formativos de futuros professores, sob a
perspectiva da profissionalização docente.
Parece-nos, portanto, propício ressaltar que, mesmo que os momentos de
prática desenvolvidos pelos alunos em formação, junto ao campo futuro de trabalho,
sejam diferentes da prática que desenvolverão como professores regentes de uma
109
classe, não podem ser considerados, pelos formadores, menos importantes, pois
tanto a prática, quanto os momentos de supervisão, podem desencadear a
construção de conhecimentos profissionais que contribuirão para a formação
identitária desses alunos.
Para nós, a presença de uma práxis formativa nos cursos de formação inicial
deve estar pautada nos objetivos da própria dinâmica social: formar um professor
que, buscando a sua profissionalização, possua consciência crítica de sua prática,
no sentido de tornar-se autônomo e propor práticas coerentes e criativas e,
assumindo uma personalidade investigativa possibilite a emancipação de seus
alunos e, pela atividade docente, se constituindo como profissional competente e
comprometido com uma escola que, para além do acesso, permita a permanência
dos alunos com a qualidade possível.
Salientamos que, desejar desenvolver nossa pesquisa tendo como temática a
prática pedagógica supervisionada não significa “responder ‘com mais prática’ e
‘menos teoria’, aos problemas enfrentados nos cursos de formação. Na verdade,
acreditamos, como Pimenta (1997, p. 65), que o curso de formação inicial não vem
formando “(...) adequadamente porque é fraco teórica e praticamente. Isto é, não
assume a formação de um profissional para atuar na ‘prática social’ ”.
110
4 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS ORIENTADORES DA PESQUISA
E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o
que o rei de facto perguntou [...] Para ir à procura da
ilha desconhecida, respondeu o homem. Que ilha
desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso,
com se tivesse na sua frente um louco varrido, dos
que têm a mania das navegações, a quem não seria
bom contrariar logo de entrada. A ilha desconhecida,
repetiu o homem, Disparate, não ilhas
desconhecidas. Quem foi que te disse, rei, que não
ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos
mapas estão as ilhas conhecidas, e que ilha
desconhecida é essa que queres ir à procura, Se eu
to pudesse dizer, então não seria desconhecida [...]
(SARAMAGO, 2001, p.17)
Para desenvolver uma investigação sobre quais sentidos e significados
são constituídos sobre práticas pedagógicas supervisionadas por alunas de
um curso de Pedagogia, optamos por realizar uma pesquisa qualitativa teórico-
empírica, que teve como referencial teórico-metodológico a Psicologia Sócio-
Histórica.
A opção por uma abordagem qualitativa relaciona-se à natureza do objeto
estudado: sentidos e significados das práticas pedagógicas supervisionadas em
escolas-campo e a nossa concepção de realidade e de processo de produção de
conhecimento.
Alves (1991, p. 55) explica que os pesquisadores que adotam uma
abordagem qualitativa em suas pesquisas concebem a realidade como:
[...] uma construção social da qual o investigador participa e,
portanto, os fenômenos só podem ser compreendidos dentro de
uma perspectiva holística, que leve em consideração os
componentes de uma dada situação em suas interações e
influências recíprocas o que exclui a possibilidade de se identificar
relações lineares de causa e efeito e de se fazer generalizações de
tipo estatístico.
Quanto à natureza do objeto de nossa pesquisa, este não possui
características perceptíveis e quantificáveis, e a posterior análise dos dados
coletados não se resumiu a uma simples descrição dos resultados. Ao contrário,
111
pela tentativa de adentrarmos a subjetividade da aluna que participou deste estudo,
ao buscarmos os sentidos e significados sobre as práticas pedagógicas, lidamos
com um fenômeno psíquico, com processos simbólicos que envolveram informações
de natureza social e individual imbricadas numa trama, muitas vezes, contraditória.
A realidade em que o objeto estudado se instalou constitui-se numa
construção social, na qual se confundem representações sobre a profissão,
pressupostos de um projeto pedagógico de formação, condições de trabalho,
referencial teórico, princípios éticos e políticos, desejos, valores, insatisfações,
motivos, isto é, elementos que formam uma rede de significações e tecem um
determinado cenário, próximo daquele em que costumamos atuar como formadora,
mas com características próprias.
Rey (2002, p. 127), ao discutir os processos envolvidos na produção do
conhecimento e o lugar que o pesquisador assume nesse processo, propôs a
expressão lógica configuracional para explicar os “complexos e irregulares
processos envolvidos com a construção teórica na pesquisa qualitativa”. Para o
autor, a lógica configuracional
[...] realmente “não é lógica”, é a organização de um processo
construtivo-interpretativo que acontece no curso da própria pesquisa
e mediante um sem número de canais que o pesquisador não define
a priori, mas que se articulam com o modelo in situ que acompanha
e caracteriza o desenvolvimento da pesquisa. (REY, 2005, p. 123).
O autor, assim, assume a posição contrária à idéia de que fazer ciência é
reunir os fatos e deles tirar conclusões, em uma seqüência lógica e linear, como se o
fato investigado, em si, contivesse as suas próprias conclusões, e o pesquisador
assumisse, nesse processo, um papel secundário. Essa é também a posição por
nós assumida nesta pesquisa.
Em sentido inverso, continua Rey (2005, p. 117), a lógica configuracional
reconhece “o caráter contraditório e de permanente tensão que existe entre o
momento teórico do pesquisador e a complexidade inatingível do momento
empírico”, ressaltando, portanto, o caráter construtivo-interpretativo da produção
científica e considerando o pesquisador também como sujeito da pesquisa.
É o pesquisador quem determina, em última instância, o caminho a ser
percorrido, a forma de olhar para cada informação, fazendo uso de cnicas de
112
análise que correspondam ao estudo do objeto em questão. É ele quem rumo ao
processo de produção teórica, articulando o campo teórico assumido e as
informações que vão surgindo do processo empírico.
Contudo, essa determinação, essas escolhas vão se configurando ao longo
do processo e dependem do nível de interação que o pesquisador estabelece com a
realidade estudada, pois:
A ciência não é o seguimento do caminho puro e ascético de uma
lógica programada nos fatos, ou na mente do pesquisador, como
sugerem as alternativas empiristas e racionalistas, mas é um
processo complexo que envolve o pesquisador de forma simultânea
em diferentes dinâmicas contraditórias, das quais pode sair por
meio da elaboração de opções que lhe permitam atribuir sentido a
determinadas áreas dessas dinâmicas [...]. (REY, 2002, p. 128.
Se produzir conhecimento é atribuir sentidos a alguns aspectos que se tornam
visíveis a partir da dinâmica que o processo de pesquisa desencadeia, fomos
“elaborando opções”, ou, em outras palavras, fazendo escolhas, do ponto de vista
dos procedimentos metodológicos que melhor nos permitam reconhecer
detidamente o contexto em que desenvolvemos o estudo e, também, reconhecer e
produzir conhecimento sobre o objeto a ser estudado.
Em função disso, uma das etapas da pesquisa empírica que desenvolvemos
previu, num primeiro momento, a aplicação de um questionário, objetivando
caracterizar a turma de alunos de um curso de Pedagogia que acompanhamos, e
conhecer qual a importância atribuída por eles aos estágios supervisionados, tendo
em vista o processo formativo pelo qual estavam passando e quais as dificuldades
enfrentadas para a sua realização.
Num segundo momento, utilizamos a observação como forma de acompanhar
a turma em questão para, aos poucos, reconhecer como os estágios curriculares
eram integrados à disciplina, como as tarefas a eles relacionadas eram organizadas
pelo professor responsável, ao longo do semestre, com que freqüência ocorriam os
momentos específicos de supervisão e como a aluna supostamente compreendeu a
proposta e a realizou.
“A grande vantagem das técnicas de observação é o fato de permitirem o
registro do comportamento, tal como este ocorre” (SELLTIZ et al., 1972, p. 226), ou,
113
melhor dizendo, permite-nos entrar em contato com o fato, tal como ele se e, no
nosso caso, entender com maior propriedade as relações estabelecidas entre as
informações fornecidas individualmente por alguns alunos, em outros momentos da
pesquisa, e aquilo que ia acontecendo durante as aulas observadas.
Rey (2002; 2005) afirma que uma integração simultânea entre as
construções do pensamento do pesquisador com os fatos da realidade estudada, os
quais aparecem como informações e indicadores. Portanto, nossa imersão, como
pesquisadora, na complexidade e diversidade do contexto estudado, forneceu
elementos relevantes para a nossa construção teórica.
Acreditamos, portanto, que a observação, reconhecida por Viana (2003, p.
12) como “uma das mais importantes fontes de informações em pesquisas
qualitativas em educação”, foi uma técnica adequada para alcançar parte de nossos
objetivos.
Cumpre lembrar que essa técnica, embora relevante, é pouco utilizada nas
pesquisas sobre formação de professores no Brasil - somente 9% das teses e
dissertações defendidas no ano de 2003, por exemplo, apresentaram a observação
como técnica de investigação (ANDRADE, 2006).
Ressaltamos, também, que as informações que foram adquiridas, nesse
tempo de observação, tendo como base o contexto da sala de aula, não foram
consideradas como ponto de partida para a análise do conjunto de informações que
coletamos por meio da pesquisa empírica, mas sim como um dos elementos que
constituiu a totalidade do objeto que estávamos investigando.
Totalidade que, para Marx (1974, p. 122), é rica em “determinações e
relações diversas”. Por isso, ao pensar em um método para interpretar a realidade,
não podemos nos limitar à idéia de que a sala de aula - o concreto seja o nosso
ponto de partida, já que:
O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações,
isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no
pensamento como o processo de ntese, como resultado, não
como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e,
portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação.
(MARX, 1974, p. 122)
114
A realidade concreta, o campo da pesquisa empírica, se apresentou para nós
como uma síntese do que discutimos no nosso referencial teórico sobre formação de
professores, no início deste trabalho. Alguns pressupostos básicos de formação
inicial, percebidos ao longo da história, ainda se repetem na realidade, fato que
iremos analisar mais adiante.
Ao levar em consideração os pressupostos marxistas de que “as
determinações abstratas da totalidade concreta conduzem à reprodução do concreto
por meio do pensamento”, acreditamos que a observação poderia nos oferecer
elementos da realidade que nos auxiliariam na interpretação das falas das alunas
que seria entrevistada. Conhecer essa realidade nos aproximaria mais das
representações que a aluna possui sobre ela. Nosso objetivo era, com estas
informações, sair da aparência da realidade para reproduzi-la por meio de nossos
pensamentos, como concreto pensado. (MARX, 1974, p. 123)
E, nesse ponto, a observação pode nos aproximar da realidade, como
relataremos ao longo deste capítulo, mas não forneceu elementos suficientes para
que pudéssemos compreender a importância dos estágios curriculares
supervisionados para a formação dos professores das séries iniciais do ensino
fundamental. Como nosso objetivo era conhecer significados e sentidos sobre
práticas pedagógicas supervisionadas, precisávamos adentrar a compreensão da
realidade do ponto de vista da aluna. Por isso, buscamos na Psicologia Sócio-
Histórica uma forma de realizar esta investigação e compreender como a aluna lida
com os significados que são postos em jogo e quais sentidos o mobilizados,
transformados, tanto no momento em que atua como professora na escola-campo
como quando socializa no grupo suas impressões sobre os estágios realizados.
Mais especificamente, pautamo-nos nos pressupostos metodológicos de
Vigotski (1994, p. 80), que m como base a abordagem materialista dialética da
análise da história humana, a qual indica que, para estudar e interpretar as funções
psicológicas superiores do homem, devemos partir de duas premissas:
O desenvolvimento psicológico dos homens é parte do
desenvolvimento histórico geral de nossa espécie e assim deve ser
entendido. [...] A abordagem dialética, admitindo a influência da
natureza sobre o homem, afirma que o homem, por sua vez, age
sobre a natureza e cria, através das mudanças nela provocadas,
novas condições naturais para a sua existência.
115
Premissas que nos fazem deduzir que tudo aquilo que foi observado,
entrelaçado com o nosso próprio pensamento como pesquisadores e formadores,
carrega em si a história brasileira da formação de professores a que nos referimos
no primeiro capítulo deste estudo e, também, carrega a forma como o professor
responsável pelo estágio curricular atua como formador de professores, ao acionar
os princípios que constituem sua identidade profissional.
Cumpre ressaltar que nenhum desses aspectos faz parte de nosso objeto de
estudo, pelo menos não diretamente, mas são relevantes, pois atuam na
constituição dos significados e sentidos das alunas.
Com base nesses princípios, analisamos o Projeto Pedagógico do Curso e o
Projeto de Estágio institucional, que havia sido reformulado recentemente, com
vistas a atender à legislação em vigor
23
. Não denominaremos esta etapa do estudo
como técnica de análise documental, pois nossa análise não percorreu totalmente os
dois documentos, mas focalizou um tema específico: os estágios curriculares
supervisionados.
Além disso, com base na hipótese inicial de que os encontros de supervisão
seriam periódicos e que eles eram o ponto mais importante da pesquisa empírica,
havíamos nos proposto utilizar a autoscopia, que é
[...] uma técnica de pesquisa e de formação que se vale de
videogravação de ações de um ou mais sujeitos, numa dada
situação, visando a posterior auto-análise delas. Em sua
especificidade, a autoscopia supõe dois momentos essenciais: a
videogravação propriamente dita da situação a ser analisada e as
sessões de análise e reflexão. (SADALLA; LAROCCA, 2004, p. 421)
Porém, no decorrer no processo, ocorreram somente dois encontros de
supervisão, nos dois últimos dias que finalizariam as atividades previstas no
programa da disciplina que acompanhamos, o que fez com que decidíssemos
manter as videogravações, mas não realizarmos as sessões de análise e reflexão.
23
Referimos-nos, principalmente às Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia, licenciatura,
instituídas no primeiro semestre de 2006.
116
Por fim, reunidos alguns elementos relevantes para a nossa pesquisa
empírica, chegamos à realização de entrevista semi-estruturada, acreditando que,
por meio desse procedimento, poderíamos adentrar o pensamento da aluna, tendo
como referência o seguinte postulado de Vigotski (2000, p. 409): “o pensamento não
se exprime na palavra, mas nela se realiza”.
A entrevista foi realizada, no segundo semestre do curso, somente com uma
aluna escolhida por nós por demonstrar mais interesse e disponibilidade em
participar do estudo. Após o rmino do semestre letivo, nos reunimos novamente
com a aluna e realizamos entrevistas recorrentes, tendo como referência alguns
pontos que se tornaram visíveis na análise prévia que fizemos do conteúdo presente
nos questionários de caracterização, na primeira entrevista realizada e nas
videogravações.
Consideramos, como Vigotski (2000, p. 409-410), que
Todo pensamento procura unificar alguma coisa, estabelecer uma
relação entre coisas. Todo pensamento tem um movimento, um
fluxo, um desdobramento, em suma, o pensamento cumpre alguma
função, executa algum trabalho, resolve alguma tarefa. Esse fluxo
de pensamento se realiza como movimento interno, através de uma
série de planos, como uma transposição do pensamento para a
palavra e da palavra para o pensamento.
Assim, buscamos na fala da aluna, identificada nesta pesquisa como
Isaura
24
, significados e sentidos sobre a prática pedagógica supervisionada
objetivando não uma análise descritiva dos conhecimentos, mas sim uma análise do
processo de constituição desses conhecimentos.
Somente com um método investigativo adequado e coerente com a teoria
histórico-social pudemos apreender algo que, em princípio, é o difícil de ser
apreendido, pois o sentido não se revela facilmente, ele não está na aparência,
muitas vezes o próprio sujeito o desconhece, não se apropria da totalidade de suas
vivências, não as articula." (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 228)
E esse movimento de reconhecimento, de apropriação e de articulação foi
sensivelmente percebido por nós, durante o tempo em que ocorreram as entrevistas
24
O nome foi escolhido pela própria aluna.
117
recorrentes. A aluna apresentava certa surpresa, ao relermos algumas afirmações,
questionando o que a havia levado a fornecer determinadas respostas. Numa delas
até questionou: Nossa! Essa sou eu?, demonstrando não acreditar que havia
conseguido se expressar daquela forma. Além disso, retornar às afirmações
anteriores nos possibilitou verificar mais facilmente aquilo que era mais significativo,
que algumas falas se repetiram várias vezes, tanto na caracterização realizada
por escrito como nas entrevistas e leitura das imagens.
Após concluir a pesquisa empírica, iniciamos a análise das informações que
havíamos reunido durante todo o processo, tendo como base o postulado de que
“não está nas aparências do material empírico o objeto do pesquisador, mas nas
diversas formas de organização não acessíveis da aparência”. (REY, 2005, p. 116)
Para atingir essas formas inacessíveis da aparência as formas de
significação das alunas em questão coube a nós, pesquisadores, ir à busca das
determinações históricas e sociais que se configuram no plano do sujeito, como:
motivações, necessidades e interesses, para podermos chegar ao sentido
constituído por elas. (AGUIAR, 2001)
Para tanto, realizamos uma “leitura flutuante” do material que tínhamos em
mãos, especialmente as entrevistas que foram transcritas, destacando as idéias que
nos chamaram mais a atenção e que, no nosso entendimento, se aproximavam do
objeto de estudo em questão: os sentidos das práticas pedagógicas
supervisionadas.
AGUIAR e OZELLA (2006) denominam de pré-indicadores essas idéias ou
temas preliminares, que surgem da primeira leitura realizada do material. Estes não
foram apresentados neste texto, por se tratar de idéias preliminares e difusas.
Uma segunda etapa que realizamos, ainda empírica e não interpretativa,
caracterizada pelos autores como uma fase do processo de análise, foi a
identificação do conteúdo dos pré-indicadores que possuíam “similaridade,
complementaridade ou contraposição” e sua junção em unidades menores,
denominadas indicadores (AGUIAR; OZELLA , 2006, p. 230).
Ao conseguirmos encontrar os indicadores, passamos para a etapa seguinte,
que consistiu em articular esses indicadores entre si, permitindo-nos chegar aos
“núcleos de significação” e adentrar especificamente na análise e interpretação das
118
informações, procurando encontrar os sentidos sobre as práticas pedagógicas
supervisionadas da aluna do curso de Pedagogia.
Cumpre ressaltar que optamos por apresentar no corpo do texto somente os
núcleos de significação extraídos do material e seus respectivos indicadores,
deixando para o momento da exposição de nossa interpretação desse conteúdo a
apresentação de alguns trechos da fala da aluna, objetivando fundamentar as
nossas escolhas, ou justificar a organização do processo construtivo-interpretativo
que foi se delineando ao longo desta pesquisa
.
Expusemos até aqui a trajetória metodológica da pesquisa empírica. Na
seqüência, apresentamos a análise e discussão das informações recolhidas, que
tiveram como base o referencial teórico escolhido, na tentativa de nos aproximarmos
dos sentidos e significados apreendidos sobre as práticas pedagógicas
supervisionadas por alunas de um curso de Pedagogia.
4.1 O local e os atores
Os estágios curriculares supervisionados são obrigatórios em cursos de
formação inicial, portanto, não seria muito difícil encontrar o local adequado para a
realização da pesquisa. Contudo, queríamos investigar uma realidade em que o
projeto pedagógico do curso se fizesse presente no cotidiano das práticas
pedagógicas e em que a supervisão dos estágios curriculares ocorresse de fato.
Encontramos, então, uma instituição particular localizada em uma região
central da cidade de São Paulo, classificada pelos meios de comunicação, de
acordo com os resultados do ENADE
25
, como uma das dez melhores instituições
particulares da Grande São Paulo. Esta deu início às suas atividades ligadas ao
ensino superior no ano de 1971 e é reconhecida oficialmente como Universidade
desde 1989.
25
ENADE: Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, que integra o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior (SINAES) e que tem como objetivo aferir o rendimento dos alunos
dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e
competências.
119
Recebemos, inicialmente, a indicação de que essa instituição desenvolvia um
excelente projeto de estágio e que as pessoas envolvidas no processo, tanto
professores como coordenadores, eram pessoas que atuavam há muito tempo na
área de educação e, o mais importante, comprometidas com a formação de
professores. Esta foi a maneira como chegamos a essa universidade e a
escolhemos como local para a realização de nossa pesquisa empírica.
Após os contatos necessários, com a coordenação do curso, conseguimos
autorização para desenvolver a nossa investigação. Fomos alocadas na turma do
ano do curso de Pedagogia, na disciplina Matemática: Conteúdos e Didática
Específica, responsável por parte do estágio curricular, com carga horária de duas
horas semanais, oferecida aos alunos às segundas-feiras.
Com as novas diretrizes curriculares para o curso de Pedagogia, muitas
instituições, no ano de 2007, período em que coletamos as informações, precisaram
adequar o projeto pedagógico do curso e a matriz curricular às novas exigências
legais. O curso que acompanhamos acabara de sofrer algumas reformulações; uma
delas foi a alocação dos estágios curriculares em diversas disciplinas da matriz
curricular, ao longo do curso.
O professor que acompanhei é titular da disciplina, formado no curso de
bacharelado em Matemática, possui especialização na área e é mestre em
Educação. Além disso, leciona Matemática em cursos de Ensino Médio, também
como professor titular, em um dos melhores colégios particulares de São Paulo,
classificado nesta categoria por possuir um número elevado de aprovações no
vestibular de universidades públicas e pela remuneração elevada que oferece a
seus professores.
Cumpre ressaltar que o professor nos recebeu com muita satisfação e
permitiu que realizássemos todos os procedimentos metodológicos de nossa
pesquisa, até mesmo as filmagens. Além disso, sempre nos questionava sobre
assuntos relacionados à formação de professores e admitia ter a sensação de que a
sua falta de experiência no magistério do ensino fundamental limitava um pouco o
seu trabalho com a metodologia do ensino da Matemática e, mais especificamente,
com os estágios. Logo no início do processo, relatou que as supervisões de estágios
ocorriam somente no final do ano letivo, por ocasião da entrega dos relatórios de
estágios, mas que iria rever o seu plano de ensino e procurar discutir os estágios
desde o primeiro semestre, em função das informações que eu necessitava.
120
A turma era composta por 25 alunas, todas do sexo feminino: 12 com idade
entre 18 a 20 anos; 10 com idade entre 21 a 25 anos; 2 com idade entre 26 a 31
anos e uma com 38 anos. Do total das alunas, 18 concluíram o Ensino Médio em
escolas da rede pública e somente quatro fizeram o curso de Magistério; somente 13
escolheram o curso de Pedagogia como primeira opção e as demais gostariam de
poder escolher outros cursos, não necessariamente relacionados à área de
Educação.
A maior dificuldade que encontraram para realizar os estágios
supervisionados está relacionada à disponibilidade de horários. Contudo, três alunas
assinalaram que uma das dificuldades se relacionava à forma como eram recebidas
nas escolas.
Ao perguntarmos a cada uma delas sobre a importância dos estágios
curriculares para a sua formação, as respostas nos indicaram três compreensões
distintas, que apresentaremos na seqüência da análise dos dados. Importante
ressaltar que, ao analisar as respostas, levamos em consideração que são alunas
do segundo ano de curso e que cumpriram parte da carga horária dos estágios
durante o primeiro ano.
4.2 Os fundamentos da proposta de curso e dos estágios supervisionados
O projeto pedagógico do curso desta instituição foi elaborado de acordo com
a legislação vigente, principalmente tendo como base as diretrizes curriculares
nacionais para o curso de Pedagogia recentemente aprovadas. Dele depreende o
projeto de estágio curricular.
Apresenta como enfoque metodológico a seguinte proposta: as contribuições
teóricas e metodológicas das disciplinas intencionam a construção de significados e
saberes para compreender os vários domínios do conhecimento pedagógico;
articular e superar propostas na perspectiva interdisciplinar, na formação inicial e
continuada.
26
26
Trecho do Projeto Pedagógico do curso.
121
Ressalta, portanto a perspectiva interdisciplinar do projeto como uma forma
de possibilitar às alunas em formação uma compreensão mais global sobre o
conhecimento pedagógico. Não avança, no entanto, na compreensão de outros
conhecimentos que vão além do pedagógico.
Baseada nessa perspectiva interdisciplinar, a matriz curricular foi concebida e
a carga horária dos estágios curriculares foi distribuída desde o primeiro ano do
curso por área de atuação: Educação Infantil; anos iniciais do Ensino Fundamental e
Administração, Supervisão e Planejamento, com previsão de 200 horas para cada
uma delas.
Embora a Resolução CNE/CP n. 1/2006 exija, no mínimo, 300 horas de
estágios curriculares obrigatórios para os cursos de Pedagogia, esta instituição
optou por uma carga horária composta por 600 horas. Acreditamos, no entanto, que
a qualidade dessa etapa da formação não se deve firmar na ampliação do número
de horas, mas na proposta pedagógica que a sustenta.
Nesse sentido, o primeiro equívoco verificado foi a falta de definição da carga
horária dos estágios: o projeto pedagógico do curso anuncia 710 horas de estágios
curriculares, mas, no final do mesmo documento, aparece a distribuição de um total
de 600 horas. Ao analisar o projeto de estágio, encontramos 720 horas no total.
Além disso, em cada ano do curso, as horas de estágio e respectivos
momentos de supervisão ficaram sob a responsabilidade de diferentes disciplinas.
No segundo ano do curso, por exemplo, no qual desenvolvemos esta pesquisa
empírica, os estágios e a supervisão foram distribuídos entre as disciplinas Artes:
metodologia e prática; Educação Física: metodologia e prática; Alfabetização e
Matemática: metodologia e prática. Para esta última, que acompanhamos durante
todo o ano letivo, foram reservadas 50 horas de estágio.
Esta distribuição da carga horária dos estágios reflete uma indicação da
legislação sobre formação de professores que, numa tentativa de articular os
estágios com a prática de ensino, esta última entendida como componente
curricular, extingue as tradicionais disciplinas chamadas Supervisão de Estágios e
repassa esta tarefa àquelas disciplinas mais ligadas à prática, como as
metodologias, a exemplo da instituição em questão.
São dois os argumentos contidos na legislação, principalmente no Parecer
CNE/CP n. 9/2001: a) as diversas etapas de desenvolvimento dos estágios devem
se relacionar aos objetivos a serem desenvolvidos durante todo o curso, por isso a
122
exigência de um projeto de estágio complementar ao projeto pedagógico do curso, e
b) o estágio não pode ficar sob a responsabilidade de um único professor, pois
requer um envolvimento coletivo do grupo de professores formadores.
O texto do Parecer CNE/CP n. 9/2001 ressalta que
Estas Diretrizes apresentam a flexibilidade necessária para que
cada Instituição formadora construa projetos inovadores e
próprios, integrando os eixos articuladores [...], seja nas suas
dimensões teóricas e práticas, de interdisciplinaridade, dos
conhecimentos a serem ensinados com os conhecimentos que
fundamentam a ação pedagógica, da formação comum e específica,
bem como dos diferentes âmbitos do desenvolvimento e da
autonomia intelectual e profissional. (BRASIL, 2004, p. 58 grifos
nossos)
Neste sentido, em tese, o projeto pedagógico do curso analisado, bem como
o projeto de estágio, atendem à exigência da lei, porém o que observamos é que
não ocorre nenhuma integração entre as áreas de conhecimento com vistas a um
trabalho interdisciplinar, como também não articulação entre os conhecimentos a
serem ensinados com os conhecimentos que fundamentam a ação pedagógica, pois
o tempo dedicado à discussão dos estágios no decorrer do curso, mais
especificamente durante as aulas observadas, é muito curto e disperso.
Cumpre ressaltar que o documento anuncia que os estágios são organizados
baseados no ensino, na pesquisa e na extensão, por isso são desenvolvidos com
base em um tema geral e três eixos articuladores para cada ano do curso:
Tema: Formação de professores: construindo saberes no espaço educacional
Eixos: 1º ano: Conhecendo ambientes escolares e não escolares;
ano: A autoformação do pedagogo em ambientes escolares e não
escolares: a memória, a história e o registro;
ano: práticas de docência e gestão educacional em amb
ientes
escolares e não escolares;
O projeto pedagógico do curso prevê que “independente do eixo articulador
que rege o estágio nas diferentes séries dos cursos, as atividades passarão pelo
processo metodológico de observação, reflexão e registro”.
27
Esse registro ocorre
27
Trecho do Projeto Pedagógico do curso.
123
em duas etapas. A primeira diz respeito a um relatório a ser entregue a cada um dos
professores responsáveis pelas disciplinas em que o estágio é desenvolvido. A
segunda diz respeito à elaboração de um relatório a ser entregue para um professor
coordenador do estágio, objetivando a articulação de todos os estágios realizados à
proposta temática daquele ano. Este último possui como objetivo “identificar saberes
produzidos e as atividades que contribuíram para a formação profissional; oferecer
possibilidades de análise das contribuições do trabalho coletivo e sugerir atividades
para o enriquecimento do estágio; subsidiar fundamentação para a produção
científica acadêmica do trabalho de conclusão do curso”.
28
Isto que se pretende alcançar indica que o objetivo do relatório final é
articular as diversas atividades que foram desenvolvidas em cada disciplina, durante
o ano, numa tentativa de garantir o trabalho interdisciplinar anunciado no projeto
pedagógico e associar essa tarefa à pesquisa, dada a possível ligação com o
trabalho de conclusão de curso.
Além dos objetivos mais gerais, de acordo com o projeto de estágio, cada
professor elege um tema a ser desenvolvido na disciplina ministrada. No caso da
disciplina que acompanhamos, o tema era: a experimentação e os procedimentos
metodológicos e conceituais no ensino de matemática.
Pelo que pudemos analisar no projeto de estágio, cada professor desenvolveu
essa etapa de formação de maneira independente, o seguindo uma única
metodologia. Na disciplina Matemática: conteúdos e didática específica, o estágio foi
organizado em quatro etapas: o emblema; o dilema; a problematização e a
autolocalização.
Num primeiro momento emblema - as alunas deveriam desenvolver
observação e descrição da prática institucional, assim como levantar dificuldades
gerais sobre questões metodológicas, o que equivaleria a 10 horas de estágio. Num
segundo momento dilema - as alunas deveriam comparar o que foi
presenciado/vivenciado com suas próprias impressões/experiências teórico-práticas
sobre o conteúdo e a metodologia, além de identificar uma temática de seu
interesse, relacionando-a com as dificuldades levantadas no emblema – 10 horas
A terceira etapa problematização consistia em analisar as condições do
que foi presenciado/vivenciado e elaborar uma atividade de ensino a ser aplicada, a
28
Idem.
124
partir da elaboração de um plano de ensino correspondente a 15 horas. A última
etapa autolocalização previa o relato oral e escrito da atividade aplicada para o
grupo-classe, bem como a apresentação das impressões pessoais relativas aos
quatros momentos do estágio, o que equivaleria a 15 horas.
Na verdade, acreditamos que, com exceção da falta de definição quanto à
carga horária do estágio, a proposta apresentada pela Instituição, em articulação
com a proposta apresentada pelo professor, foi muito bem elaborada, principalmente
porque pretendia articular o estágio ao longo do curso e entre as disciplinas de cada
etapa, além de atender à legislação em vigor. Porém, com base nas observações
que fizemos durante o ano, podemos concluir que uma disparidade muito grande
entre aquilo que é projetado, portanto idealizado, naquilo que é desenvolvido,
portanto realizado, realidade concreta.
4.3 A observação da realidade
Nosso objetivo principal ao desenvolver esta etapa da pesquisa empírica era
recolher informações sobre a realidade vivida pela aluna que seria entrevistada,
assim como identificar alguns elementos significativos que pudessem ser explorados
durante as entrevistas. Como nosso objetivo principal com esta pesquisa consistia
em conhecer os significados e sentidos de alunas sobre as práticas supervisionadas,
escolhemos a observação como um procedimento metodológico, pois
acreditávamos, inicialmente, até mesmo pelas referências que recebemos sobre a
instituição, que poderíamos, além de entrevistar algumas alunas, conhecer como os
momentos de supervisão dos estágios eram desenvolvidos, buscando compreender
a realidade vivida pelas alunas.
Porém, como relatamos anteriormente e verificamos nos documentos
norteadores do curso, o estágio supervisionado, bem como a supervisão, não faziam
parte do planejamento da disciplina. Ao todo, realizamos a observação durante
quinze aulas, entre os meses de março e outubro.
Na primeira aula, o professor, sabendo de nossa presença, apresentou as
etapas a serem desenvolvidas no estágio daquele ano, explicando-as conforme os
objetivos relatados anteriormente. Ressaltou para as alunas que não poderiam
125
esquecer que, ao desenvolverem as atividades planejadas, os planos deveriam
manter o foco na aprendizagem da criança, e que a aula deveria ser sempre um
encontro educativo e afetivo. Esta última preocupação do professor era uma
preocupação central de suas próprias aulas.
Após a apresentação da proposta, declarou que, normalmente, fazia isso um
pouco mais para frente, porém, como o tema, o meu tema de pesquisa, eram os
estágios, ele antecipou a explicação. Ao longo de nossa permanência na classe, o
professor inseriu pequenos momentos durante o início de cada aula, reservados
para possibilitar às alunas que fizessem relatos pontuais sobre as atividades
desenvolvidas.
A maioria das aulas era desenvolvida tendo como eixo central o conteúdo da
disciplina. Cumpre ressaltar que a nossa permanência se estendeu por um longo
período de observação, porque tínhamos a expectativa de que, nesses momentos
iniciais da aula, poderiam ocorrer discussões sobre os estágios curriculares.
Do total de oito encontros de que participamos, no primeiro semestre do
curso, somente quatro trataram o tema estágio. Destes, um ocorreu em fevereiro e
se referiu à apresentação da proposta, dois que ocorreram em abril e se referiram às
dúvidas sobre a proposta, o que indicou que as alunas ainda o estavam fazendo
os estágios; e, no último, foi reservado um espaço de apresentação de dois grupos
sobre as atividades que haviam sido desenvolvidas na escola.
A apresentação se resumiu num relato sobre a prática, cabendo uma breve
discussão do professor sobre a forma como a professora da escola-campo
desenvolveu o conteúdo referente ao sistema de numeração. Coincidentemente,
esse era o mesmo conteúdo da aula do professor, portanto, ele aproveitou o relato
para desenvolver o restante de sua aula.
Ao final do semestre, o próprio professor reconheceu que pouco tinha feito
nessa direção e que, para o segundo semestre do ano letivo, iria introduzir mais
momentos relacionados aos estágios em suas aulas. Então, durante o segundo
semestre, a cada início de aula as alunas faziam relatos sobre as atividades
desenvolvidas. Esses relatos se resumiam a descrever a atividade proposta na
escola-campo. O que observamos é que não havia nenhuma tentativa, por parte do
professor, em aprofundar os diferentes temas que permeavam o relato de cada
aluna. Quando isso acontecia, na maioria das vezes se relacionava à metodologia e
ao material didático utilizado.
126
Um dado importante a ser comentado é que as atividades matemáticas
desenvolvidas pelas alunas na escola-campo foram aquelas que o professor utilizou
durante suas aulas. De todos os relatos ouvidos, somente uma aluna desenvolveu
um trabalho relacionado ao tratamento de informações, os gráficos.
No final do semestre, os dois últimos dias de aula foram reservados para a
discussão dos estágios, quando ocorreu o momento da autolocalização, momento
em que as alunas fariam o relato de como foi o desenvolvimento das atividades e
qual foi a impressão pessoal sobre a realização dos estágios.
Ressaltamos que, em nenhum momento das aulas que observei, durante todo
o ano letivo, os outros momentos previstos pelo professor em seu plano de estágio –
emblema, dilema e problematização foram discutidos, nem ao menos o plano de
atividades que seriam desenvolvidas pelas alunas na escola-campo. Isso ocorria,
segundo a aluna entrevistada, no corredor da Instituição, somente entre as alunas
que procuravam o professor com essa finalidade.
Em resumo, se analisarmos as aulas ministradas pelo professor, elas
possuíam qualidade, na medida em que ele procurava discutir com as alunas o
conceito matemático, juntamente com a forma de ensiná-lo: conteúdo e metodologia.
Dividiu o seu curso em duas partes, a primeira, que denominou de fundamentos do
ensino da matemática, e a segunda, em que desenvolveu os conteúdos
matemáticos. Durante a primeira parte, se preocupou em ensinar duas coisas
principais. Primeiro, que a aula deve ser sempre um encontro educativo e afetivo e
para isso utilizou várias recursos, como filmes e poemas. A segunda preocupação
girava em torno da idéia de que o ensino de matemática deveria ser desenvolvido
objetivando a autonomia da criança e não a sua alienação. Para isso,
especificamente, utilizou a história do Galo que acordava o Sol
29
, para explicar o
conceito de alienação.
Fica muito explícito, portanto, que o professor, como responsável pela
formação desses futuros professores, leva em consideração as dimensões técnico-
científicas e ético-políticas, permeadas pelo cuidado com as relações interpessoais
estabelecidas (PLACCO, 2006; 2008), porém, o que não consegue é aliar os
objetivos de suas aulas com os objetivos contidos no projeto de estágio. Pela nossa
análise isso se deve, principalmente, pela ausência de discussão coletiva entre os
29
Paradidático elaborado pelo CETEAC – Centro de Estudos e Trabalhos em Educação, 2006.
127
professores e a coordenação do curso a respeito do conteúdo do projeto de estágio
e formas próprias de atuação e não pela falta de compromisso com as alunas e seu
próprio trabalho.
Finalmente, embora nosso objetivo principal seja nos aproximar dos
sentidos e significados apreendidos sobre as práticas pedagógicas
supervisionadas desenvolvidas por algumas dessas alunas observadas,
julgamos ser muito importante relatar as nossas impressões sobre o contexto
acadêmico em que as alunas desenvolveram as atividades de estágio. Primeiro,
porque elementos dessa realidade, desse contexto social concreto, irão compor os
sentidos e significados sobre a docência apreendidos pelas alunas e, da mesma
forma, porque o que foi constatado assinala o quanto a linguagem discursiva que
aparece em forma de registro, no projeto pedagógico do curso e no projeto de
estágio, está muito distante da prática pedagógica do professor em questão,
demonstrando o quanto ainda há uma fragmentação entre o que foi proposto e o que
está realmente acontecendo.
128
5. SIGNIFICADOS E SENTIDOS SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA
SUPERVISIONADA
Alcançar cada um dos núcleos de significação inseridos no conteúdo das
entrevistas demandou, inicialmente, como é proposto pela própria metodologia
adotada, um levantamento prévio de indicadores, norteado pelo objeto de estudo
desta pesquisa: apreender significados e sentidos sobre práticas pedagógicas
supervisionadas por alunas de um curso de Pedagogia.
Encontrar esses indicadores, resultado de uma fase empírica, ainda não
interpretativa, exigiu um trabalho minucioso de busca dos aspectos cognitivos e
afetivos presentes na fala da aluna, reunidas por meio da entrevista semi-
estruturada e, principalmente, de articulação entre esses aspectos, que a priori não
se encontravam “nas aparências do material empírico [...], mas nas diversas formas
de organização não acessíveis da aparência” (REY, 2005, p. 117).
Por esse motivo, as entrevistas recorrentes, desenvolvidas a partir dos
conteúdos das filmagens e da entrevista inicial, foram decisivas para chegarmos
próximo às zonas de sentido expressas na fala de Isaura.
Contudo, antes de indicar como chegamos aos núcleos de significação,
apresentamos algumas informações reunidas de acordo com a análise do conteúdo
dos questionários de caracterização, respondidos por todas as alunas, revelando,
portanto, sua interpretação sobre a importância dos estágios. Isso porque
compreendemos, como Rey (2003, p. 202):
“[...] os processos sociais deixam de ser vistos como externos em
relação aos indivíduos, ou como um bloco de determinantes
consolidados, [...] para serem vistos como processos implicados
dentro de um sistema complexo, a subjetividade social, da qual o
indivíduo é constituinte e, simultaneamente constituído.”
Agrupado por diferentes formas de interpretação, o conjunto de respostas
demonstra que a concepção que as alunas possuem sobre os estágios,
aparentemente pautada no senso comum, é muito próxima das concepções que
apresentamos no primeiro capítulo deste estudo e que fundamentaram as leis e as
ações de vários educadores que se dedicaram à formação de professores, ao longo
da história da educação brasileira.
129
Aguiar e Ozella (2006) explicam por que para nós isso é considerável, pois ao
pensarmos em um método, nele está embutido uma concepção de homem. No
nosso caso estamos falando de alunas constituídas numa relação dialética com o
social e a História e é nessa perspectiva que analisamos as respostas das alunas.
O conjunto de respostas abaixo apresenta algumas interpretações das alunas
sobre a importância dos estágios:
visualizar a teoria aprendida na faculdade;
colocar em prática o que foi aprendido na teoria em sala;
aplicar os conhecimentos que são teóricos;
Justificativas que se aproximam da racionalidade técnica, pois pressupõem o
estágio como locus privilegiado para a aplicação de teorias previamente ensinadas;
a prática docente é concebida como um conjunto de aplicações teóricas e técnicas
previamente aprendidas, visando à resolução instrumental dos problemas
apresentados na situação de ensino.
Este conjunto de palavras reflete os significados que o estágio possui para
essas alunas, presentes historicamente nos processos formativos, e representa uma
visão cristalizada da separação entre o campo teórico e o campo da prática.
Outras respostas relacionam-se às interpretações de que o estágio
proporciona:
vivenciar a realidade, principalmente a relação professor aluno;
observar diferentes metodologias;
saber como trabalhar no dia a dia;
saber realmente o que é dar uma aula;
observar a prática docente;
perceber como agir e se comportar na sala, no papel de professor:
Vivenciar, observar, perceber e saber, estes são os objetivos dos estágios
para algumas alunas, “aprender na prática”, eixo principal do processo formativo,
com vistas a preparar o profissional para as situações imprevisíveis do cotidiano
escolar, pressuposto fundamental da racionalidade prática.
Podemos encontrar a força dessa concepção na afirmação de uma das
alunas: “a prática, que é onde realmente aprendemos.”
Mais uma vez, uma concepção que historicamente permeou e ainda permeia
a formação de professores e que ganhou mais força no modelo de formação
130
apresentado pela legislação vigente. Uma visão que desconsidera a realidade
histórica, assim como a consolidação de um conhecimento profissional composto de
vários saberes, até mesmo os da prática, que vai se constituindo durante todo o
processo formativo.
Um outro conjunto de respostas apresenta o que acreditamos ser um dos
objetivos dos estágios:
primeiro contato com a sala de aula e com o nosso sonho de ser
educadora;
conhecer a realidade escolar;
conhecer melhor o cotidiano de uma sala de aula.
Falas que anunciam a importância dos estágios como uma oportunidade de
contato com a realidade escolar, informação importante para compor seus
conhecimentos profissionais, mas que não pode ter um fim em si mesma. Que
realidade as alunas conseguem enxergar? Uma realidade repleta de determinações
e relações diversas que só pode ser interpretada se pensada, estudada, analisada.
O último grupo de respostas apresenta-se nessa direção e se aproxima da
visão de que a relação teórica e prática o é dicotômica, mas sim dialética. Aquilo
que é observado, percebido, durante os estágios, deverá ser refletido, operado
mentalmente, discutido com os pares e com o professor, à luz de teorias que nos
ajudam a explicar algumas questões básicas sobre a sala de aula e sobre a escola
como um todo, o que possibilitaria a formação de conceitos, procedimentos e
atitudes que, no conjunto, formam o conhecimento profissional:
uma das melhores formas de aprendizagem, pois com eles nós
recebemos uma orientação essencial para a nossa formação;
observar diferentes métodos da escola e das professoras, fundamental
para formarmos conceitos;
esclarecer dúvidas, aprimorar conhecimentos e conceitos em relação à
metodologia;
criar um senso crítico e compreender mais as explicações dos professores
[do curso];
considerando que todo aprendizado envolve a teoria e a prática, portanto,
é uma maneira de nos aproximarmos da realidade da sala de aula;
131
Este conjunto de palavras carrega em si uma visão mais elaborada sobre a
importância dos estágios supervisionados para a formação, porque leva em
consideração, ainda que implicitamente, o processo de aprendizagem necessário
para a compreensão e apreensão do conhecimento profissional docente, que não se
somente pela experiência da prática, nem tão pouco na simples apreensão de
conceitos, mas é resultado de uma atividade mental “complexa, em que todas as
funções intelectuais básicas tomam parte” (VIGOTSKI, 1993, p. 50), mediada por
alguém que, nas falas, aparece como o professor do curso, ou o professor
observado.
Embora esta seja uma análise bem parcial e que foi realizada tendo como
base todo o grupo, sentimos necessidade de apresentá-la, pois nos indica
previamente como os estágios curriculares são compreendidos por essas alunas, e,
mesmo tendo participado dos estágios no primeiro ano do curso, elas carregam
noções equivocadas sobre a sua importância. Nossa hipótese é que isso se deve à
maneira como os estágios são discutidos e encaminhados durante o curso. Que
aprendizagens sobre a profissão foram desencadeadas por meio dos estágios
curriculares? Como os formadores acreditam acontecer a aprendizagem dos
conhecimentos profissionais? Teriam os formadores estas mesmas noções sobre a
importância dos estágios?
Nossa impressão é que a seqüência: ida à escola, cumprimento das
regências, elaboração de relatório de estágio, exigida pela instituição que forma, e
cumprida pelas alunas em formação,transformou-se em um ritual, baseado ora na
racionalidade técnica, ora na racionalidade prática ou, nas palavras de Vigotski
(1994), num comportamento fossilizado, caracterizado por processos psicológicos
automatizados. Na introdução deste estudo, apontamos para esta problemática,
quando apresentamos o número reduzido de pesquisas sobre os estágios
curriculares.
Este fato nos revela que ainda há um ponto essencial a ser considerado sobre
a importância dos estágios curriculares para a formação. Não há um consenso entre
aqueles professores que supervisionam os estágios sobre que aprendizagens de
fato eles provocam e como elas ocorrem. A própria legislação sobre a formação de
professores, já discutida em nosso referencial, só exalta o estágio como etapa
importante e obrigatória, mas não aprofunda a discussão de como se dá, por meio
deles, a aprendizagem da docência.
132
A supervisão das práticas pedagógicas realizadas durante os estágios
poderia ser um espaço privilegiado de mediação para essa aprendizagem, mas, no
caso desta pesquisa, foi possível perceber que ela é pouco considerada.
Por esse motivo, consideramos imprescindível conhecer os sentidos e
significados sobre a prática pedagógica de alunas em processos de formação, pois
assim poderemos repensar a nossa forma de atuar e, principalmente, a forma de
compreendermos a importância dos estágios curriculares nesses processos
formativos.
5.1 Sentidos e significados apreendidos por Isaura
Isaura, nome fictício escolhido pela própria aluna que participou desta
pesquisa, tem 38 anos, trabalha dezoito como funcionária pública. Iniciou sua
carreira na Secretaria de Cultura do Município de São Paulo e, atualmente, trabalha
na Prefeitura Municipal, exercendo função administrativa. A princípio, desejava
possuir um diploma de ensino superior porque, pelo fato de não ser graduada, havia
perdido três chances de assumir funções diferentes, melhor remuneradas.
Contudo, ao retomar seus estudos e optar em fazer um curso de Gestão de
Empreendimentos, percebeu que não podia ser movida somente pelo desejo de
possuir um certificado, mas precisava encontrar algo que “a preenchesse”. Entre
cursar Psicologia, Pedagogia e Filosofia, acabou optando pelo curso de Pedagogia.
Declara que optou pela Pedagogia porque sempre teve vontade de dar aulas
e, segundo ela, essa vontade é proveniente do afeto e da identificação pessoal que
teve com seus professores, desde a infância.
Essa constatação, retirada de vários trechos da fala de Isaura, vai definir a
forma como ela acredita que deva ser a sua prática pedagógica. Recorremos a
Vigotski (1993, p. 130) para sustentar a nossa conclusão: “Para compreender a fala
de outrem, não basta entender suas palavras – temos que compreender o seu
pensamento. Mas, nem mesmo assim é suficiente também é preciso que
133
conheçamos a sua motivação.” Neste caso, os motivos e necessidades que levaram
Isaura a assumir essa posição serão esclarecidos no decorrer da análise.
Encontramos, em suas declarações, diversos indicadores que, organizados
por similaridades ou contradições, constituíram os núcleos de significação que nos
aproximaram dos sentidos apreendidos por ela sobre as práticas pedagógicas
supervisionadas.
Na tentativa de nos aproximar da dimensão subjetiva de Isaura, de sua
singularidade, percebemos que, ao falar sobre a prática pedagógica
supervisionada, não consegue direcionar seu pensamento a ela diretamente;
necessita fazer referências ao seu processo de escolarização
30
- passado e ao
seu processo de formação
31
tempo atual. Isso é explicado por Rey (2003, p.
220), quando afirma que, “na subjetividade, qualquer momento da história do sujeito
pode aparecer como um elemento de sentido da configuração subjetiva atual de sua
experiência”.
Nesse caso, acreditamos que esses momentos da história de Isaura
aparecem com muita ênfase, porque, ao falar sobre a prática pedagógica, está
falando de uma atividade social cujo espaço de trabalho esteve presente em sua
vida desde a infância. Fato, talvez, que aconteceria com menos ênfase se estivesse
relatando sobre práticas na área do Direito ou de Medicina.
O sentido apreendido sobre o que é dar aula se sustenta no modelo de
alguns professores que participaram de seu processo de escolarização e que
possuem como características comuns serem “afetivos” e “ouvirem” os alunos. Além
disso, essa lembrança se configura, do mesmo modo, no destaque que Isaura a
alguns professores de seu processo de formação, aqueles que possuem as mesmas
características acima.
Contudo, esse sentido está relacionado também à sua maneira de ser aluna,
durante todo o seu processo de escolarização e, do mesmo modo, durante o seu
processo de formação. Neste último contexto, Isaura consegue se enxergar somente
quando olha para o outro.
30
O tempo que passou na educação básica.
31
O tempo que passou no curso de Pedagogia. Os dois termos serão usados nesta análise com este
significado.
134
Todo esse entendimento que possui sobre a docência se relaciona com suas
condições de vida, em como foi a sua infância. Viveu num contexto de privações
materiais e de baixo capital cultural, carregado de preconceitos: Isaura é afro-
descendente, nascida em Alagoas.
Para que pudéssemos chegar a este nível de análise ou, em outras palavras,
“mostrar a essência dos fenômenos psicológicos ao invés de suas características
perceptíveis” (VIGOTSKI, 1994, p. 83), organizamos os pré-indicadores em diversos
grupos
32
, classificando as informações pelo tipo de conteúdo encontrado, ora muito
semelhante, ora muito contraditório. Esses grupos constituíram os indicadores que,
por sua vez, nos permitiram circunscrever quatro núcleos de significação:
A importância das relações interpessoais
no processo de ensino e aprendizagem
Relações interpessoais estabelecidas em seu processo de
escolarização e formação: a marca da discriminação no
interior da escola;
O modelo de professor afetivo;
A prática pedagógica e os estágios como lugar para enxergar
as relações entre as pessoas;
As relações interpessoais ocorridas entre Isaura e o professor
da escola-campo.
32
As idéias principais contidas na fala de Isaura e que nos forneceram informações para que
chegássemos à definição de cada um dos indicadores apresentados nesta parte do estudo estão
reunidas no Apêndice A.
135
A necessidade de ajudar o outro:
olhando para as suas próprias limitações
A presença e a negação de suas limitações;
A vontade de dar aula;
A prática como forma de vencer as suas limitações.
A necessidade de olhar para o outro para
medir o seu próprio nível de exigência
Ao julgar seus colegas de classe, reafirma-se como uma
pessoa exigente e esforçada;
O modelo de professor exigente e provocador;
O alto nível de exigência de Isaura: superar limites ou
compromisso com o que faz.
Tornar-se professora: a importância do processo
de reflexão sobre si
Isaura vai se dando conta do que é ser professora;
Falar e ser ouvida: um elemento das relações interpessoais
importante para compreender seu próprio processo de
formação;
Isaura vai percebendo o que é dar aula;
O professor em situação de trabalho: acomodação ou
compromisso.
136
5.1.1 A importância das relações interpessoais no processo de ensino e
aprendizagem
No conteúdo analisado sobre a fala de Isaura, encontramos como idéia
central a ênfase que ela atribui às relações interpessoais. Ao relatar sobre o seu
processo de escolarização e formação, as suas relações afetivas com o outro
sempre estiveram presentes. Em seu discurso, o outro assume posições diferentes.
Durante o seu processo de escolarização, há dois atores que se destacam: as
professoras e os amigos que não eram preconceituosos; ambos a ajudavam a
vencer suas limitações.
Em seu processo de formação, essas relações afetivas são reveladas na
forma como ela julga o comportamento de seus colegas de classe, ao destacar que
um distanciamento entre eles e os professores: “eu vejo que a relação dos meus
colegas em sala de aula com os professores... eu acho uma coisa esquisita [...] eu
percebo que, do lado dos alunos, existe um distanciamento muito grande”. É esse
modelo de relação que não quer reproduzir, porque esse distanciamento significa
para ela falta de compromisso: “os alunos não correspondem às exigências dos
professores; os alunos não têm pique, porque não se acharam no curso”.
Ao assumir o papel de professora, desenvolvendo a atividade de regência
proposta no projeto de estágio, enfatiza a relação que ocorre entre as crianças e se
coloca em um lugar que evidencia a necessidade de acolhê-las, ajudá-las em suas
limitações, situando-as exatamente no lugar que ocupou, em seu processo de
escolarização.
Estas conclusões a que chegamos têm sua origem na história de vida de
Isaura, que veio de uma “família muito simples” e “seus pais não possuíam nenhuma
formação acadêmica”, como ela mesma afirma. Seu pai era zelador e a mãe não
trabalhava fora de casa. Os melhores modelos de profissionais que conheceu foram
médicos e professores. Este último presente em toda a sua trajetória de vida.
Além de ser uma aluna que apresentava certa dificuldade para aprender,
ainda sofreu muito preconceito pelo fato de ser afrodescendente,nordestina, nascida
em Alagoas: “então eu, quando na primeira série [...] eu me senti discriminada e fui,
de fato, verbalmente ‘Está bom, sua nordestina!’, ou seja, acabava sendo uma
maneira de inferiorizar dentro da sala”. Da mesma forma seu processo de
137
escolarização foi marcado pela necessidade de receber aulas de reforço,
principalmente porque esse processo não foi contínuo; pelo contrário, foi marcado
pelas constantes mudanças de residência entre São Paulo e Alagoas.
Alguns amigos com os quais se relacionou na escola e que são lembrados em
sua narrativa foram aqueles que não sentiam nenhum preconceito em relação a ela.
Narra que, no “ginásio”, teve uma amiga que gostava muito de dar aula e que, por
“afinidades de amizade mesmo, de cabeça [...], ela me ensinava muito e era uma
pessoa que não tinha preconceito para comigo, muito pelo contrário”.
Outros amigos foram aqueles que, de alguma forma, sentiam-se
discriminados e se isolavam por sofrer algum tipo de preconceito. Ainda criança, ao
voltar a Alagoas, sua terra natal, foi discriminada por ter morado um tempo em São
Paulo, porém tornou-se amiga de um menino que, por ser de outro país - Angola - e
“não ser negro”, também foi discriminado: “então , esse foi o primeiro momento que,
eu estive com alguém que também não era paulista e que também sofreu tanto
preconceito quanto eu. [...] Ele estava na mesma condição que eu, então, existiu
essa identidade com ele, porque ele também não formava amigos na sala”.
Em seu processo de formação, adulta, é discriminada por ser a mais velha
da classe e, pela dificuldade que tinha, ou que acreditava ter, sempre procurou
sentar na primeira fileira, mais próxima do professor. Afirma que suas colegas a
rotulavam de queridinha do professor ou de CDF: “então começava aquela
coisa, não é? A queridinha do professor. Isso não mudou nada nesses anos todos
que eu vivi”.
Placco (2002) esclarece que, nas relações pessoais estabelecidas em sala de
aula, uma alternância dialética entre o conhecimento de si e o conhecimento do
mundo, um movimento para dentro com predominância do afetivo e um movimento
voltado para o exterior, com predominância do cognitivo. No caso de Isaura, esse
movimento interno, voltado para o conhecimento de si, cujo relevo aparece na sua
narrativa sobre as relações que estabelece com alguns colegas e professores, se
faz presente quando se sente discriminada.
A necessidade de aproximação física do professor, o que também a faz ser
discriminada pelos colegas, parece-nos que é uma tentativa de estabelecer um
vínculo afetivo como garantia de seu sucesso escolar: “eu comecei sentando do
138
meio para o fundo e fui cada vez mais indo para frente. Eu sento na primeira fileira
porque eu quero prestar atenção. Se eu sento no fundo eu não consigo prestar
atenção”.
Nesse relacionamento a que se refere Isaura e que é mediado pelo objetivo
de ensinar do professor e do aprender do aluno, “há encontros com os outros e
consigo mesmo, o que leva alunos e professores, como sujeitos dessas relações, a
extraírem e criarem significados sobre este mundo e sobre si mesmos”. (PLACCO,
2002, p. 8)
Estes significados aparecem na fala de Isaura sob a forma do professor que
acolhe. Isaura afirma que “o fato do professor trazer uma palavra ou um gesto, isso
conforta o aluno”, porque “esta questão de ser discriminada marca mesmo as
pessoas”. Descreve alguns professores que vêm à sua lembrança da seguinte
forma: “era muito amável que não tinha como não gostar dela”; “não gostava da aula
de português, mas gostava da professora como pessoa”.
Para Isaura, o sucesso ou o fracasso do ensino e da aprendizagem
dependem da qualidade dessas relações: “a professora não consegue transmitir
para a sala porque não é envolvente com a turma; cada aluno vem com uma
predisposição para aprender; se encontra afinidade, rende, se não, fica emperrado”.
Isso acontece porque, ao se referir aos professores que fizeram parte de sua
trajetória escolar, menciona aqueles com os quais melhor se relacionou e conseguiu
criar um vínculo afetivo mais forte. Afirma que se “inspira no modelo de alguns
professores por se relacionar bem com eles”.
Ao recuperar seu processo de escolarização, lembra de uma pessoa que era
sua vizinha e também era professora e que a acolheu em uma situação muito
marcante. Isaura desejava presentear sua professora, mas, por não ter condições
financeiras, não conseguiria realizar o seu desejo. Demonstra que era uma tentativa
de não ser discriminada, pois declara: “Putz, todo mundo vai levar uma
lembrancinha para a professora e só eu que não vou levar?”
Essa professora, então, compra o presente para Isaura: “Foi muito forte isso.
Isaura chora nesta parte do depoimento. Continua relatando que, mais tarde, essa
mesma professora garante a sua matrícula na 4ª série e evita a sua reprovação no
final do ano, dando-lhe aulas de reforço.
139
Ao se referir ao seu processo de formação, põe em destaque o professor que
participou dessa pesquisa empírica e que acompanhamos durante todo o ano letivo.
Para ela, esse professor trabalhava muito mais a sensibilidade e tentava, desde o
primeiro dia, estabelecer um vínculo afetivo com a turma, um vínculo que trouxesse
a turma para bem próximo dele: “o professor de Matemática prima pela
sensibilidade, pela percepção; o professor vai sentindo cada aluno”.
Ao observarmos a aula desse professor um fato que nos chamou a atenção: é
que havia mesmo por parte dele uma preocupação em ressaltar a importância das
relações interpessoais no processo de ensino. Ele usava uma expressão recorrente
em todas as suas aulas: ensinar é um ato educativo afetivo, mas, no caso, se referia
à importância de o educador ter consciência da “sincronicidade da razão e do afeto
que ocorre no processo de ensino e aprendizagem, ao destacar a importância de
conhecer o aluno, suas necessidades e demandas e reconhecer nele a possibilidade
de mudança. (PLACCO, 2002, p. 17)
Em nenhum momento Isaura refere-se a seus professores como aqueles que
a ensinaram a enxergar o mundo e a se posicionar nele de forma autônoma e crítica,
por meio do ensino dos bens culturais acumulados pela humanidade. Em nenhum
momento lembra de professores que a fizeram aprender determinado conteúdo. Ela
não se refere às relações pessoais como um dos elementos que compõem a trama
do processo de ensino e aprendizagem, mas como o único; e deixa de considerar a
dimensão política, técnica e mesmo ética do processo de ensino e aprendizagem.
Nas palavras de Isaura, “ser um bom professor é conseguir de algum modo essa
afetividade”.
Essa significação atribuída ao encontro afetivo entre professor e aluno se
reflete na avaliação que faz do estágio para sua formação. Isaura afirma que “minha
formação enquanto estagiária foi muito mais forte na minha relação com os alunos”.
O conjunto de afirmações de Isaura exposto abaixo pode ilustrar de forma
mais objetiva como essa declaração anterior aparece nas suas declarações sobre o
estágio e a prática pedagógica supervisionada
O estágio é importante para conhecer as realidades atuais tanto da
sala de aula, na relação professor-aluno, como dos próprios alunos,
ou seja, suas necessidades, dificuldades e facilidades, além de
poder conhecer como eles se relacionam entre si. Também é
140
importante para perceber as facilidades e dificuldades com que eles
se deparam no dia-a-dia. “[...] me deu uma visão de como as
relações podem ser positivas ou negativas”.
Isaura deixa explícito que o sentido que apreendeu sobre o estágio não está
relacionado à ação de ensinar, mas sim a ter uma experiência com as crianças “não
ter somente uma noção, mas ter uma vivência”, nas palavras dela. O estágio
contribuiu para que ela “tenha, realmente, a percepção de como as relações se dão,
como elas acontecem, porque uma coisa é você estar em relações onde vonão
conhece, não teve experiências anteriores e outra coisa é quando você está em
relações onde você já tem uma bagagem, uma vivência”.
E, mais uma vez, o as relações interpessoais que predominam quando
Isaura revela seus sentimentos, ao chegar à escola-campo: “[...] é pico assim, eu
sinto que, ‘Putz, mais um estagiário chegando!’ Quando o diretor apresenta Isaura
para a professora, se expressa da seguinte forma: “Professora, tem mais uma aluna
para você”. Mas Isaura gostaria de receber um tratamento diferente, afirma que “na
escola que eu vou fazer estágio eu não sou uma aluna, eu sou um aluno-estagiário.
E acrescenta: “eu não nasci ontem, eu acho que quem nasceu ontem demora a
perceber este tipo de coisa, mas eu comecei a sacar”. Parece-nos que, nestes
trechos de fala, Isaura revela, por meio do contato com o outro, o quanto pode se
sentir discriminada e como necessidade de ser aceita tal comol em situação de
sala de aula.
Ao inserir no relatório como foi a sua aula na escola campo, a ênfase dada é
a forma como os alunos foram receptivos à atividade. Afirma que a receptividade foi
boa e que os alunos pediram mais brincadeiras: “Percebi que, nesse momento, o
pedido dos alunos não deixou a professora muito contente, então, eu saí pela
tangente com eles e disse que um outro dia poderíamos pensar em alguma coisa
diferente”. Nessa situação, Isaura poderia ter concluído que a manifestação dos
alunos teve como motivo a boa escolha da atividade, ou a boa condução de sua
aula; poderia ter avaliado essa reação como prova do sucesso de sua prática
pedagógica. Contudo, foi capaz de perceber a reação da professora, o
sentimento manifestado em forma de descontentamento, ou talvez, de não
aprovação. Por isso, para não contrariá-la, “sai pela tangente”.
141
À medida que fomos questionando Isaura, nas entrevistas recorrentes,
percebemos que essa necessidade de afeto contida em quase todas as suas
declarações acima, além de garantir uma forma de sofrer menos preconceito e ser
aceita pelo professor e pelo grupo, carregava, em si, uma forma de vencer suas
próprias limitações.
5.1.2 A necessidade de ajudar o outro: olhando para suas próprias limitações
Este núcleo de significação manifesta-se, principalmente, na relação contida
entre a forma como Isaura lida com suas dificuldades de aprendizagem e a
manifestação de sua vontade de dar aula. Foi essa relação que nos possibilitou
alcançar a zona de significação existente na atividade prática que desenvolveu na
escola campo.
Ao mesmo tempo que assume possuir algumas dificuldades na escola e na
vida, demonstra enorme empenho em superá-las. A forma que encontra para
superar-se é auxiliando colegas que possuem dificuldades parecidas, ou estudando
muito. De acordo com Isaura, foram as aulas de reforço que ministrou para seus
colegas que despertaram nela o desejo de dar aula. Contudo, foi realizando a
atividade prática na escola campo que descobre o quanto é capaz de desempenhar
a docência.
Em seu relato, encontramos a marca da dificuldade em toda a sua trajetória
escolar, até mesmo em seu processo de formação, no curso de Pedagogia. Declara
que teve dificuldades no início de sua escolarização, ao ser alfabetizada: “Fui
alfabetizada na 1ª série, eu não fiz pré, e aí tive muita dificuldade na escola”.
Também teve dificuldades na série: “enfim, eu consegui concluir a série sem
ser reprovada e ela [a professora] me deu aula de reforço porque eu estava
defasada”. O mesmo acontece na série: “eu tive uma amiga [...], nós
conversávamos muito, ela gostava também de dar aula e [...] ela me ensinava
muito”.
142
Da mesma forma, Isaura continua enfrentando essas dificuldades na
universidade. Sobre a aula de Matemática: Conteúdo e Didática Específica ela relata
que o professor “prima por uma exigência mental que eu ainda... eu não estou
conseguindo corresponder. Eu sinto que não consigo corresponder. Talvez assim
pelo nível de abstração que ele tem colocado”. Isaura encontra dificuldades em
compreender as atividades desenvolvidas pelo professor, cujos conteúdos são
adição e subtração, bem como sistema de numeração decimal, conteúdos que
correspondem às séries iniciais do ensino fundamental e que, portanto, deveriam
ser de seu domínio.
Isaura explicita outras limitações, desta vez relacionadas à docência. Avalia,
num primeiro momento, que o curso não a preparou para ser uma professora
alfabetizadora, mas, depois, põe em vida se é o curso ou se é uma limitação sua
não conseguir alfabetizar uma criança. Foi necessário perceber que a insatisfação
que sentia sobre a disciplina de Metodologia da Alfabetização era sentida da mesma
forma por outras colegas da classe, para deixar de acreditar que o problema estava
só nela.
Do mesmo modo, relata que, para poder desenvolver uma atividade de jogo,
na aula de Matemática ministrada na escola campo, precisou treinar em casa e, ao
encontrar dificuldades, desistiu de aplicar a parte do jogo que envolvia subtração.
Um outro momento em que declara que duvida de sua competência se revela
no comentário que faz sobre a observação das imagens registradas na filmagem, no
dia do primeiro encontro de supervisão. Conta que teve vidas sobre o que ia falar
e estava ansiosa, aguardando a sua vez de fazer o relato: “porque foram tantas as
experiências que o pessoal trouxe que eu sempre fico me criticando, eu sou muito
crítica comigo, e acho que por isso que eu, às vezes, travo. Eu sinto isso de travar, e
por isso que eu tenho me trabalhado, para ver se dá essa soltada, que eu sempre fui
muito travadinha, essa que é a verdade”.
Ao mesmo tempo que relata a sua história de insucesso, conta como surgiu
sua vontade de dar aula e como ajudava seus amigos a vencerem as dificuldades
escolares: “tinha isso, eu gostava, inclusive, de colaborar com os meus colegas na
sala, explicar para eles, quando eles estavam em dúvida”. Com essa vontade é que
acabou se envolvendo voluntariamente em um projeto de recreação proposto pela
escola. Estava na 8ª rie e desenvolvia atividades de recreação com os alunos de
143
e séries: “então, foi quando eu comecei a dar aula para os outros. Eu tinha o
quê? Treze anos, e estava dando aula para as crianças de sete anos. Então, foi uma
experiência muito gostosa”.
Além disso, decidiu dar aula de reforço para uma vizinha que apresentava
dificuldades em Matemática, mesma disciplina em que possuía dificuldade. Isaura
cursava o ensino médio e sua vizinha se preparava para prestar os exames
supletivos oficiais. A vizinha tinha dificuldades na área de língua portuguesa e
matemática, mas ela opta por ensinar matemática porque “era coisa assim, super
básica, na época. E eu tinha dificuldade com matemática, sempre tive, mas, no que
ela tinha, eu já não tinha”.
A análise da fala de Isaura sobre a atividade que desenvolvia com aqueles
que tinham dificuldade e precisavam aprender desvela uma necessidade invisível
aos olhos da própria Isaura. Ao ensinar matemática, ela quer vencer a sua
dificuldade em aprender determinados conteúdos dessa área de conhecimento. É
possível perceber o esforço que Isaura fazia para conseguir dar essas aulas, pois
relata que passava horas estudando e, quando tinha dúvidas, perguntava para as
suas professoras. Fazia isso porque “precisava saber para poder explicar”. Este
esforço não era reconhecido pela sua mãe que, ao contrário, reafirmava a falta de
capacidade de Isaura:
- O que você esta fazendo?
- Ah eu vou dar aula para a menina e vou ter que saber isso aqui.
- Mas você não sabe matemática!
- Sei, sim, senhora!
Isaura convive com um conflito, a idéia de sua limitação e sua vontade de
vencê-la. É categórica com sua mãe, ao afirmar que sabe a matéria, por isso
demonstra acreditar que é capaz de desenvolver essa tarefa, porém o sentido que
encontra para dar aulas de reforço se baseia na idéia de ajudar os colegas e não de
superar suas dificuldades. Age da mesma forma como agiram com ela, pois, em seu
processo de escolarização, sempre contou com colegas e professores que a
auxiliaram quando precisou.
Isaura declara que foram “estas relações que começaram a fazer parte de
mim para a questão do ensino”, ou, em outras palavras, foram estas situações que
144
lhe permitiram perceber que poderia ir além de suas limitações. Os elementos
constitutivos dessas experiências imprimiram-lhe o sentido de dar aula, ser
professora. O sentido subjetivo que reveste sua ação de dar aula relaciona-se a
poder ajudar os outros e está vinculado à sua história de vida, principalmente à
forma de se relacionar com seus amigos e professores.
Rey (2003) enfatiza que o sentido subjetivo da atividade desenvolvida pelo
sujeito é determinado pela integração de diversos elementos de sentido,
provenientes de diferentes tipos de experiências. Portanto, Isaura integra diversos
elementos de sua escolarização e formação para concluir que sempre gostou “dessa
coisa” de dar aulas.
Cumpre relatar um detalhe importante que surgiu durante a pesquisa
empírica. Isaura faz terapia anos e, alguns dias após a entrevista recorrente,
entrou em contato conosco e disse ter levado o conteúdo da entrevista para a sua
sessão de terapia. Quando mostramos sua imagem fazendo o relato da experiência
no encontro de supervisão do estágio, sua reação foi muito interessante. Olhar-se na
imagem, ouvir sua voz, encontrar-se revelou uma pessoa que ela desconhecia:
“essa Isaura que eu vi aqui, eu me desconheço um pouco. Putz, sou eu mesma?”
Isso foi muito forte para ela.
Essa outra Isaura que ela parecia não acreditar que existia aparece com mais
ênfase ao relatar sobre sua experiência prática na escola. Ao falar sobre a sua
prática, não ressalta suas limitações, mas as suas descobertas. Conta aspectos
sobre a experiência que teve com a aula que ministrou que ilustra processos de
constituição de sua identidade docente. Isaura relata que a prática desenvolvida na
escola-campo pode ajudá-la “não somente a perceber, mas a compreender outras
coisas, a compreender as pessoas em suas limitações, porque eu já tenho me
percebido em minhas limitações [...] eu estou percebendo e me percebendo”.
Ela não assume as suas limitações, mas se percebe nelas e em sua
superação. Ela conta que sentiu que a receptividade dos alunos durante a aula foi
muito boa e relata, especialmente, o que significou para ela esse momento: “só tem
uma coisa engraçada, que, quando você começa a falar, parece que, de repente,
vem um geniozinho e vai te alimentando e vai te dando coisas que você ‘Putz! Eu
sabia isso. Eu sabia que eu sabia e de repente, estou falando’”.
145
Isaura descobre que sabe..., inconscientemente ela sabia que sabia, mas
ainda não tinha certeza de que era capaz de saber. Consegue descobrir isso por
meio da linguagem, da palavra. Este fenômeno descrito por Isaura pode ser
explicado por meio da afirmação de Vigotski (1993, p. 108): “a relação entre
pensamento e palavra não é uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo
de vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa”. O geniozinho descrito por
Isaura são suas respostas internas base das formas superiores de pensamento -
mediadas pelo meio externo, pelo contexto social, as crianças, o jogo, a professora,
a escola em que desenvolveu o estágio e que provocam nela essa sensação de
descoberta.
Ao descobrir essa sua potencialidade, descreve o ato de ensinar como “tão
forte, tão mágico, que você é capaz de fazer certas coisas que você achava que não
podia, ou seja, você vai se descobrindo também, enquanto está fazendo, enquanto
está dando aula”.
Neste momento, Isaura é capaz de perceber o quanto pode ser professora
sem se sentir insegura. Essa descoberta lhe oferece a convicção de que pode dar
aulas, não porque gosta, mas porque sabe. Ela explicita aquilo que Vigotski
(1994) denominou de elo psicológico real existente entre uma atividade externa e
uma atividade interna e, da mesma forma, o resultado dessa ligação: ao desenvolver
uma atividade docente, ser professora, vai se descobrindo professora.
Isaura reafirma a importância do desenvolvimento de atividades de docência,
durante o processo de formação inicial: “então essas poucas vezes que eu dei aula,
eu percebi isso em mim. E o que isso contribuiu? [...] eu vou tendo esta troca
constante”. Mas também faz uma denúncia. As poucas vezes a que se refere que
deu aulas significa uma única vez. Denúncia, porque isso ocorreu numa situação de
estágio, mais especificamente, numa experiência objetiva de aula proporcionada
pela proposta contida no projeto pedagógico do curso, que prevê momentos de
regência. Como Isaura poderia descobrir-se professora sem atividade concreta de
dar aula? Das mais de três mil horas previstas em lei que compõem o curso de
Pedagogia, esta experiência se resumiu a uma aula. Isaura deu uma única aula,
durante seus dois anos de curso.
“Então, eu fui percebendo que, quando eu dei a atividade, eu fiz o melhor
daquilo que eu sabia, eu procurei fazer o melhor”. Isaura resume as palavras de
146
Freire (1998, p. 110): “enquanto presença, o posso ser uma omissão, mas um
sujeito de opções (grifo do autor). Isaura, com todas as lacunas que possui em
relação ao exercício da docência, que ainda não foram preenchidas pelo próprio
curso, transpõe sua exigência pessoal para a sua maneira de se perceber
professora. Do ponto de vista do materialismo dialético ao homem é possível, ao
mesmo tempo que realiza a sua atividade, imprimir-lhe os seus objetivos.
5.1.3 A necessidade de olhar para o outro para medir o seu próprio nível de
exigência
Esse núcleo de significação revela o nível de exigência que Isaura possui
sobre si mesma e que espera de seus amigos e professores. Compreendemos que
essa exigência ora diz respeito à necessidade de vencer a sua própria limitação, ora
ao seu compromisso como estudante. Notamos que a intensidade dessa exigência é
sempre medida em relação ao comportamento de seus amigos de classe.
Isaura começa a falar sobre sua exigência, ao descrever quais as suas
expectativas em relação ao curso de Pedagogia. Relata que possui um dilema, pois
não sabe se ela é muito exigente ou se seus amigos é que não são. Possui o
mesmo dilema em relação à avaliação do trabalho dos professores, pois também
aqui sente dúvidas se é ela que é muito exigente ou se os professores exigem
pouco: “será que sou eu que estou querendo muito ou os professores estão dando
aquilo que eles estão percebendo que a maioria consegue pegar? E aí não está
atingindo o que eu quero”.
O que Isaura quer é que o professor exija mais dos alunos além do
cumprimento de suas tarefas: leituras, trabalhos e o estudo dos conteúdos. Ela
acredita que os professores exigem pouco e, mesmo assim, os alunos não
correspondem. Sua preocupação é saber se o que esquerendo é certo ou se os
professores é que estão certos: “eu fico pensando, pode ser o equilíbrio que eu não
estou conseguindo ter, porque eu estou querendo mais”.
147
Isaura tem razão quando avalia seus colegas como pouco receptivos às
exigências do professor. Durante as observações das aulas, foi muito comum os
alunos não realizarem as leituras dos textos indicados previamente pelo professor,
assim como não fazerem intervenções em aula a respeito do conteúdo ensinado,
tirar dúvidas, expor qualquer tipo de reflexão relacionada ao assunto estudado.
Somente nas aulas em que o professor propunha alguns jogos matemáticos é que
os alunos mais se mobilizavam para participar. Isaura percebe que seus colegas de
classe estão desmotivados: “eu percebo que o pessoal, que eles também não estão
muito no pique de fazer as coisas. Será que eu... Será que sou eu que estou
querendo muito? Ou será que o pessoal não quer saber de nada? Então eu fico
nesse dilema muitas vezes aqui e acho que este tipo de coisa eu nunca falei para
ninguém”. Isaura acredita que esse comportamento se deve, principalmente, ao fato
de os alunos ainda não “terem se achado no curso”. O que comprova que as
necessidades que mobilizam Isaura para estar totalmente envolvida em suas
atividades de estudante são diferentes daquelas que mobilizam os demais alunos.
Ela percebe que muito mais importância ao curso de Pedagogia do que
seus colegas de classe e fala para eles: “não tenho mais tempo [...] tenho meus
trinta e poucos anos, quase quarenta, a minha relação com o ser humano, tanto as
crianças como os meus professores, a minha relação é diferente”. É diferente
porque Isaura mudou seu objetivo quando começou a estudar. No início, queria
somente buscar um certificado com o objetivo de ascender a um cargo melhor em
seu trabalho, mas, aos poucos, foi sentindo necessidade de se encontrar, um
processo de busca, de definição do que realmente queria da vida, desta época em
diante. Declara que queria “o diploma para crescer como pessoa”, mas agora
enxerga além, pois “hoje eu sei o que eu quero [...] e sei também o que eu não
quero. Eu quero dar aula”, posição que se transformou ao longo de seu processo
formativo.
Por outro lado, este motivo está ligado à sua necessidade de não mais
fracassar. Gosta de professores exigentes, porque assim ela é motivada a responder
a essas exigências: “aí eu comecei a ver o porquê desses meus conflitos. fui [...],
buscar atrás, enfim... E perceber que também eu me exigia e me exijo muito,
agora um pouquinho menos, mas continuo exigente”.
148
Aguiar e Ozella (2006, p. 228) afirmam que “a constituição das necessidades
se de forma não intencional, tendo as emoções como um componente
fundamental”. O nível de exigência de Isaura está ligado ao seu empenho em
superar suas dificuldades de aprendizagem, que tiveram início nos primeiros anos
de seu processo de escolarização e que marcaram emocionalmente sua existência.
Isaura declara que os professores da universidade se esforçam para
aumentar o seu nível de exigência, mas são os alunos que não aceitam, pois vêm à
faculdade por vir: “o boteco vive mais cheio do que os bancos aqui”. Esta é uma fala
generalizada de Isaura, pois suas colegas de classe não compõem esta cena muito
comum no entorno das escolas. Na verdade, ela não se conforma que os estudantes
não sintam a mesma necessidade que ela. E como para ela estudar sempre
demandou muito esforço, é comum que sinta essa necessidade de ser exigente
consigo e exigir isso de seus colegas, quase como um alerta para que obtenham
sucesso, pois acredita que “estar preparado para dar aula requer uma predisposição
antes e durante o curso de Pedagogia”.
Mas, um outro componente no nível de exigência que Isaura descreve: a
provocação. Ela cita como exemplo uma professora de quem gosta muito, mas que
é considerada pelos colegas muito antipática, porque é provocadora: “ela cria
situações onde provoca o movimento de pensar, de questionar, de pesquisar”.
Isaura conta que há alunos que gostam dessa metodologia, por isso gostam da
professora e que outros, simplesmente, não gostam dela por isso. Ela explica que
talvez aconteça esse desencontro de afetos porque os questionamentos que a
professora provoca “mexe com cada um, com sua própria individualidade”. O
professor que acompanhamos nas observações também é,para ela, provocador,
mas pouco enérgico com a classe.
O modelo do professor que lhe serve como referência não é aquele que
exige, mas, da mesma forma, aquele que provoca, “vai cutucando, cutucando”.
Sentir-se provocada, para ela, significa poder se movimentar, sair da inércia: “sair
da minha inércia, porque eu sei que tenho isso, então eu prefiro, sim, alguém
cutucando. Porque eu não consigo fazer isso ainda sozinha”. Para ela, essa
provocação é um tipo de disciplina intelectual que lhe é imposta e que ela gostaria
de ter, mas ainda não tem. Quanto a alguns de seus colegas, julga que não querem
ter essa disciplina.
149
Ela descreve a inércia como sendo: “aquela coisa massiva que a gente
recebe todos os dias. Esse excesso de informação que a gente recebe da televisão,
internet, isso é massivo, isso vai deixando as pessoas assim preguiçosas”. A
preguiça a que se refere Isaura é a ausência de reflexão “está tudo muito facinho,
não é? Então para que eu vou ficar buscando encrenca para a minha cabeça?”.
Isaura continua explicando que essa inércia a que se refere o é
relacionada à preguiça, “pelo contrário, é inércia de você estar no conjunto e o
raciocinar em cima do que está acontecendo”. Descreve que a professora em
questão faz com que “estimulemos o nosso raciocínio e a nossa reflexão”, e que, por
isso existem aqueles alunos que a acham “a figura mais chata do mundo” e aqueles
que, como Isaura, acham a professora “uma figura fantástica”.
Mészaros (2006), baseado nas idéias de Marx sobre alienação, define esse
estado, que Isaura insiste em não assumir, como processo de reificação das
relações humanas, um estado de passividade em que o ser humano perde a sua
autonomia e a sua autoconsciência, provocado pela transformação dos homens em
coisas, o que é fruto do processo de produção capitalista. Esse processo de
massificação tem como conseqüência a fragmentação do corpo social em indivíduos
isolados. Para Leontiev (1978), é a falta de coincidência entre o sentido, para quem
desenvolve a atividade, e a sua significação objetiva.
Isaura reivindica, como estudante, futura professora, que a formação que
recebe lhe proporcione sair do estado em que ela acredita se encontrar. “O sujeito
nem sempre tem o controle e, muitas vezes, a consciência do movimento de
constituição de suas necessidades. Tal processo pode ser entendido como fruto
de um tipo específico de registro cognitivo e emocional do sujeito” (AGUIAR;
OZELLA, 2006, p. 228). Portanto, essa necessidade de possuir professores
exigentes e provocadores vai ao encontro de sua necessidade de não mais ocupar o
lugar que ocupou em seu processo de escolarização: aquela que foi discriminada,
incapaz de aprender, que não acompanhava cognitivamente o grupo de alunos.
Os sentidos apreendidos sobre a forma de ser de alguns de seus professores
provocadores e exigentes - mobiliza a forma como Isaura gostaria de ser ao se
tornar professora: “um dia, eu vou chegar perto”. Contudo, não é essa a postura que
adota nas situações práticas de ensino, conforme veremos na seqüência deste
estudo.
150
Mas, ainda sobre a necessidade de se sentir provocada, tece algumas
considerações significativas sobre o estágio. No momento de observação dos
estágios, afirma que viu alguns comportamentos da professora, da sala em que
estava, que julgou inadequados: “muitos professores não têm o mínimo equilíbrio
emocional para estar na sala”. Afirma isso porque a professora que observava, ao
pedir silêncio para as crianças, começa a bater na mesa: “pega uma marreta, um
porrete, bate na mesa para a pessoa ficar quieta”. Isaura sente-se mal e desabafa:
“me deu uma vontade de pegar e dar na cabeça dela”. o é para menos, ela se
sente incomodada: “no século XXI... um negócio pré-histórico... Foi um impacto para
mim”.
Mas Isaura não nega a importância do estágio por causa disso; pelo contrário,
na entrevista recorrente, Isaura declara que o estágio acaba sendo um espaço de
provocação, mas no sentido de impelir um estado de reflexão sobre aquilo que é
observado e que jamais podeservir de modelo. Qualquer pessoa de bom senso
avaliaria que aquela cena a que assistiu é lamentável e muito mais inacreditável
achar que ainda ocorra nas escolas, porém é verídica e serve de modelo para a
formação de futuros professores. Para Isaura, não serve de modelo, mas é uma
forma de criar parâmetros para o tipo de docência que não quer exercer. A reflexão
que a cena grotesca provoca, segundo Isaura, é “justamente para poder perceber de
que maneira eu não devo entrar naquele circuito”.
Isaura avalia que o estágio é uma forma de provocação: “provocou, como eu
falei: se eu estou vendo determinada coisa no professor, eu não vou querer imitar
daquela maneira, para continuar na inércia, ao contrário”. Acredita que discutir sobre
a ocorrência pode ajudá-la a encontrar caminhos para ter uma prática diferente.
Além disso, consegue perceber o estado de alienação em que se encontra essa
professora e que, ela mesma, tem se esforçado para não ficar nele, conforme
exposto anteriormente.
151
5.1.4 Tornar-se professora: a importância do processo de reflexão sobre si
Este cleo de significação refere-se principalmente à forma como Isaura
percebe a importância dos estágios e da prática pedagógica que desenvolveu, para
a sua formação. Explicita qual o sentido que imprime ao ato de dar aula e assinala a
importância do exercício reflexivo para repensar a sua própria maneira de pensar e
agir. Aos poucos, Isaura vai desvelando quais são as suas necessidades em relação
ao seu processo de formação para a docência.
Isaura afirma que, quando procurou o curso de Pedagogia, foi com a
finalidade de aprender a dar aula. Porém, como já havia passado por algumas
experiências, dando aulas de reforço para seus colegas e por ocasião de um convite
que recebeu para dar um curso para dez alunos, começou a se perguntar o que, de
fato, ela precisaria aprender. Declara que sua preocupação inicial era “não chegar
assim de qualquer jeito” para dar aula. Por isso, precisava aprender a estruturá-la:
“inicialmente, aprender algumas [...] técnicas, que, no caso, são os métodos e a
didática, para poder fazer o melhor”.
Essa concepção que Isaura traz sobre o que se aprende no curso é muito
comum de ser ouvida entre os alunos que o escolhem, porém Isaura está no
segundo ano e deveria possuir uma visão mais teoricamente elaborada sobre o
ofício docente. Esta concepção traduz uma idéia, durante muito tempo legitimada
até mesmo pela legislação, de que o processo de ensino-aprendizagem se resume à
dimensão técnica, isto é, ao fazer pedagógico, ao ato de planejar e escolher técnicas
adequadas para serem posteriormente aplicadas.
Contudo, Isaura vai, aos poucos, em seu discurso, demonstrando que possui
uma visão ampliada, ao explicitar como concebe a docência. Para ela, a docência se
num contexto, formado por alunos, o diretor da escola e o próprio professor. Por
essa razão, acredita que é muito difícil mensurar a qualidade do trabalho que o
professor desenvolve: “eu acho que, de todas as profissões, o professor é a
profissão que seja mais difícil avaliar, porque ela está em um conjunto, que é a sala
de aula”. O fato de se preocupar com a avaliação do trabalho do professor se
relaciona diretamente àquilo que presenciou durante os estágios e que demonstrou
falta de qualidade no ensino.
152
Acredita também que essa falta de qualidade do trabalho do professor
aparece somente quando reclamação do aluno: “é a partir de uma reclamação
de, sei lá, um aluno, dois alunos ou a classe inteira, é que eu acho que fica difícil
fazer a avaliação do profissional”.
Explica que essa dificuldade está no fato de que um diretor, por exemplo, teria
dificuldade em julgar o trabalho do professor, por não conhecer o que acontece na
sala de aula. Seriam necessárias várias reclamações dos alunos para o diretor se
preocupar com isso e, assim, conversar com o professor: “Só que ele vai entrar em
uma questão, talvez, muito mais de foro pessoal do que profissional”.
Isaura, além de acreditar que o trabalho do diretor seja alheio ao trabalho do
professor, acredita que qualquer discussão que ele venha a ter com seu professor
seria invasiva. Ela é capaz de reconhecer as péssimas atitudes que o professor
teve, durante o período em que realizou a observação do estágio, mas não
consegue discutir isso do ponto de vista profissional: a qualidade é medida pelo nível
de reclamação dos alunos. Dialogar com o professor, perguntar a ele quais as
dificuldades que possui naquele momento é invadir a sua privacidade.
Isaura enxerga o ato educativo ocorrendo em um contexto múltiplo e
complexo, mas não consegue ter a perspectiva da dimensão coletiva desse trabalho
e distinguir o papel e o compromisso que cada um deve desempenhar nesse
processo.
Nesse sentido, recupera a sua exigência pessoal e afirma que o professor
deve estar seguro daquilo que está ensinando: “eu tenho que ter, eu penso aqui
para mim: isso também é um rigor meu, eu tenho que estar segura do que eu estou
passando, senão como é que eu vou passar?”. Para ela, o professor deve ser capaz
de dominar a sala de aula e, principalmente, algumas situações que surgem e que
são inesperadas: “eu tenho que ter uma noção e uma previsão dessas dificuldades,
para que, quanto pintar na hora coisa semelhante, eu tenha o domínio da situação”.
Afirma que o ser humano tem muitas particularidades e reações diversas: “de
repente, uma reação imprevisível do aluno faz você esmorecer, por conta de você
não estar estruturado para aquela reação ou ação dele”. Nesse sentido, reconhece
que a formação do professor não se encerra quando ele termina a graduação: “não
tem essa coisa: o indivíduo termina a graduação, ele está pronto. Ele não está
153
pronto, nada. Eu tinha essa ilusão de que estaria pronta, até eu começar o curso de
Pedagogia”.
Embora Isaura acerte, quando afirma que a formação inicial não deixa o
professor “pronto” para a docência, apontando para a perspectiva que diversos
autores assinalam como formação permanente ou continuada (IMBERNÓN, 2004;
PLACCO, 2006, 2008), a forma como aborda a questão deixa claro que, para ela, se
aprende a ser professor na prática. Tem consciência de que a prática é um processo
de crescimento tanto para o aluno como para o professor, mas os argumentos que
utiliza para justificar essa afirmação dizem respeito somente às situações
imprevisíveis da prática, marcadas por questões de ordem muito mais afetivas e não
cognitivas, muito mais restritas à sala de aula do que ao contexto escolar.
Isaura é uma aluna do segundo ano do curso, como fazemos questão de
ressaltar: deveria compreender que os saberes da experiência são um dentre
tantos outros que o professor precisa adquirir. Roldão (2007 p. 102) explica que
“aprende-se e exerce-se na prática, mas numa prática informada, alimentada por
velho e novo conhecimento formal, investigada e discutida com os pares”.
Isaura não consegue estabelecer uma relação com os conteúdos
apresentados durante o curso. Enxerga a prática somente do ponto de vista das
relações: “eu percebo que, assim, a gente vai se aprontando para dar aula, mas a
sala de aula, eu percebo que cada momento é um momento diferente, eu vejo isso
nas aulas que tenho”. Esse momento diferente a que Isaura se refere é a condução
da aula pelo professor: “em sala de aula, muitas vezes eu percebo que o professor
começa de uma forma, logo em seguida alguém faz uma pergunta e o rumo da aula
se altera. [...] Às vezes, o curso da aula fica interessante, às vezes, não. Acho que
isso é o imprevisível”.
Isaura acredita que o que lhe daria segurança para lecionar e dar conta
dessas situações imprevisíveis seria ter o domínio das situações e fazer o melhor
que pode “fazer nas suas possibilidades e avançar nessas possibilidades também”.
Mas, para ela, conseguir fazer o melhor é um resultado que advém de
características pessoais, habilidades pessoais, “uma energia” que ela viu em alguns
professores e, em outros, não.
154
Ainda na perspectiva da formação continuada, afirma que a formação de
professores não deve se restringir àquilo que ele aprende em sala de aula. Acredita
que a formação precisa ser ampliada com outras informações, palestras, com
“outros setores da vida”, outros profissionais. Argumenta que isso é importante “para
que ela tenha condições de ter elementos e, em cima disso, trabalhar”. Não
esclarece quais seriam esses elementos, mas, acompanhando um pouco a sua
forma de conceber a prática, provavelmente seriam conteúdos extraídos de relatos
de experiências de diversos profissionais de diferentes áreas.
Isaura convive com a idéia de que o magistério depende de habilidades
pessoais; ressalta a necessidade de obter informações de profissionais que já atuam
na área, fontes exteriores ao próprio curso; compreende que a docência se aprende
na prática. Sua concepção vai em direção à racionalidade prática, que reúne como
pressupostos a habilidade do professor em deliberar, refletir e pesquisar na e sobre
a prática, para encontrar o melhor modo de encaminhar as situações particulares
ocorridas na sala de aula.
Contreras Domingo (2002, p. 164) afirma que
a crítica que se dirigiu precisamente à reflexão concebida em termos
da racionalidade prática apóia-se no fato de que essa perspectiva
não reconhece os contextos e supostos que atuam implicitamente,
em muitas ocasiões de modo inconsciente, em qualquer processo
reflexivo. A reflexão crítica, pelo contrário, pretende analisar as
condições sociais e históricas nas quais se formaram nossos modos
de entender e valorizar a prática educativa.
O esvaziamento que existe no processo formativo de Isaura, desta
perspectiva, desencadeado pelo curso de Pedagogia, pode ser notado nas suas
afirmações. Ao falar sobre o que influenciou na elaboração de sua aula
,
a ser
desenvolvida durante o período de estágio, afirma que o fato de não ser uma turma
“sua”, oficial, pode ter tido alguma influência, pois tudo influencia. Para Isaura, a
preocupação em elaborar a aula centra-se na possibilidade de acontecer alguma
situação imprevisível: “de repente
,
o aluno está chorando, então ele vai chamar a
atenção da classe, do professor [...] ele está chorando por algum motivo”. Para
Isaura
,
o fato de acolhê-lo é um conteúdo trabalhado que interfere na formação
desse aluno: “[...] tudo o que é passado, tudo isso é conteúdo, o fato de eu
155
chegar e escutar um pouco um aluno
,
é um conteúdo. “é isso que as pessoas não
percebem, é um conteúdo que você está trabalhando [...] conteúdos que não são
oficiais, que vão contribuir na formação daquele aluno”. Isaura, em momento algum,
demonstra conceber a função da escola muito além do acolhimento ao aluno.
Quando ela generaliza o conceito de conteúdo escolar com a expressão “tudo
é conteúdo”, na verdade está reduzindo a docência a um ato meramente
circunstancial. Isaura demonstra o limite de sua compreensão sobre o ofício da
docência: “todas aquelas crianças têm tantas necessidades que o que você
conseguir passar para eles, vai contribuir”. Se, para Isaura, acolher é um
conteúdo, alcançar esse objetivo a faz acreditar que estará contribuindo para a
formação das crianças. Sua ação é de ordem moral – fazer com que o aluno se sinta
bem – e não de ordem profissional – fazer com que o aluno aprenda.
Esta é uma posição limitadora, que difere do que concebemos como função
da escola e papel do professor. Para nós, cabe à escola ensinar os saberes
acumulados socialmente pela humanidade, saberes que foram produzidos em
contextos históricos distintos, e possibilitar a produção de novos saberes. E, ao
professor, cabe fazer com que estes saberes tenham significado para as crianças,
estejam incorporados a uma tarefa necessária e relevante para a vida delas, para
que seja despertada na criança uma vontade intrínseca de aprender. (VIGOTSKI,
1994)
Para Vigotski (1993)
,
é possível compreender plena e verdadeiramente o
pensamento de outra pessoa quando entendemos sua base afetivo-volitiva. No caso
de Isaura
,
o sentido apreendido sobre a prática escolar surge da rede de
significações constituídas ao longo de sua trajetória escolar e dos modelos de
professores que se tornaram referência para ela.
Contrariamente a esta nossa análise
,
Isaura acredita que o curso “oferece
tantos elementos para a preparação da aula que, muitas vezes, nós, alunos, não nos
damos conta do valor de cada coisa, de cada conteúdo”. Isaura possui a crença de
que o curso a está preparando muito bem para dar aulas e está satisfeita com isso:
“o que ele está oferecendo, com a busca que tenho, estão casando”. O curso atende
às suas expectativas. O curso a que Isaura se refere foi reformulado recentemente,
conforme explicitamos anteriormente, à luz das diretrizes curriculares nacionais que,
em sua gênese, adota os princípios da racionalidade prática.
156
Há um outro aspecto que Isaura levanta
,
nesta perspectiva
,
que merece
destaque, pois reafirma a importância dos estágios para a sua formação identitária.
Quando ela novamente se refere àquela professora que bateu na mesa
,
exigindo
silêncio das crianças, afirma que a sua reação foi de choque
,
o que, num primeiro
momento
,
fez com que percebesse aquilo que não gostaria de fazer com seus
alunos. Porém
,
na entrevista recorrente
,
aprofunda sua percepção e declara que
“depois desse choque
,
vem uma necessidade de conhecer um pouco mais”. Esse
conhecimento a que Isaura se refere diz respeito a encontrar os motivos que
levaram a professora a ter determinada atitude: “aí
,
eu tento entender o motivo dela
fazer aquilo. Será para mostrar algum poder? O poder que nem ela sabe o que é ou
por que está fazendo aquilo”. Na verdade, Isaura quer encontrar o seu próprio
motivo, o que a levaria a ser diferente daquela professora.
Esse exercício reflexivo que desenvolve, e que para ela é “observar os
movimentos internos” do outro, uma coisa difícil e que “demanda abstração”, faz
com que chegue à seguinte conclusão: “eu sempre vejo a questão da pedagogia na
relação com o outro e desse outro comigo”. Isaura
,
na Pedagogia, ou
,
mais
especificamente, nos momentos que os estágios lhe proporcionaram, faz um
exercício metacognitivo (PLACCO, 2006) ou de meta-análise (ROLDÃO, 2007), isto
é, adquire uma postura de distanciamento e auto-crítica sobre o que ocorreu na
prática. O que lhe falta é acionar “os vários tipos de conhecimento formal que
constituem o saber docente, do conteudinal ao pedagógico didático” (ROLDÃO,
2007, p. 101), referências que Isaura demonstra não possuir.
Roldão (2007) acredita que a meta-análise é um dos caracterizadores do
conhecimento profissional docente, isto é, é uma dimensão da formação de
professores (PLACCO, 2008). Portanto, um exercício a ser previsto no processo
formativo de Isaura, desencadeado pelas práticas pedagógicas realizadas e
desenvolvido nos espaços de supervisão. Porém, esse diálogo, essa oportunidade
de falar sobre a prática, a presença de alguém que ouça não acontece durante o
curso.
Sobre esse exercício reflexivo, Isaura denuncia um problema que ocorre nos
estágios obrigatórios: “eu sinto que ainda falta um tempo, uma aula ou duas, para
que nós trocássemos as experiências que temos com os estágios. Declara que o
único professor que possibilitou um espaço para a troca de impressões sobre esta
157
experiência foi o professor de matemática. Este professor a que Isaura se refere é o
mesmo que acompanhamos durante o período de observação da pesquisa empírica
e que, como relatamos, proporcionou um espaço maior para os relatos sobre a
prática desenvolvida, ou nas palavras de Isaura, se predispôs a ouvir mais as alunas
sobre suas experiências na escola-campo, por estarmos presentes e termos como
objetivo reunir informações sobre as práticas pedagógicas supervisionadas. Não era
sua intenção, num primeiro momento do curso, abrir esses espaços, mas, no final do
segundo dia de “supervisão”, último dia de aula, avalia que, da forma como
organizou o curso, restou pouco tempo para aprofundar as discussões.
Isaura insiste na idéia de falar e ser ouvida, mas não tem certeza se isso deve
fazer parte de sua formação: “talvez eu esteja viajando”. Mas, continua: “eu acho
que um tempo para que s falássemos sobre os estágios, sobre o que cada um
tem sentido dificuldade... eu acho que falta este tempo para que se tenha essa troca
e essa reorientação”. Ela necessita de uma orientação do seu professor, pois
percebe o quanto essa mediação pode fazer diferença para a sua formação.
Afirma que este processo é importantíssimo, na medida em que “se eu tenho,
vamos dizer assim, esse processo reflexivo e auto-reflexivo, lógico, isso se
intensifica e eu posso aproveitar muito mais. E, talvez, os alunos possam aproveitar
muito mais também do que eu estou fazendo”. Isaura acredita que este diálogo, que
é a mediação entre a realidade vivida e a pensada, pode interferir na qualidade do
que e como ensina.
Para Isaura, falta um diálogo maior sobre as experiências práticas realizadas,
pois acredita que “esse diálogo é que faz a diferença”. É por meio da troca, dessa
mediação, que poderá perceber os limites de sua prática, o que poderá mudar,
superar, aperfeiçoar. Isaura sugere “uma coisa mais dinâmica, como eu estou
falando contigo e você está falando comigo. Então, o que eu estou te falando, vai
surtir efeito para você e para mim também. Surte um efeito, porque eu estou
conseguindo expressar uma necessidade ou expressar uma ansiedade, enfim. Um
comentário seu me faz refletir de outra maneira, ou seja, nós estaríamos
trocando”.
A diferença que o diálogo faz na formação de Isaura pode ser explicado por
Vigotski (1993, p. 109): “o pensamento passa por muitas transformações até
transformar-se em fala. Não é expressão que encontra na fala; encontra a sua
158
realidade e a sua forma”, por este motivo, o diálogo, a troca entre as alunas nos
espaços de supervisão são importantes, porque materializam concepções, crenças e
valores que devem ser ou reafirmados, ou superados durante os processos
formativos.
A ausência desse diálogo faz com que Isaura não saiba realmente se atendeu
ao que foi proposto para os estágios. Sobre o dia em que ocorreu a supervisão de
estágios, em que todas as alunas apresentaram seus relatos da aula ministrada,
afirma que: “nesse dia, o deu tempo para um debate, de falar sobre a experiência
do outro”, mas continua “eu acho assim: o mais importante, ele conseguiu fazer, que
foi ouvir cada um de nós” e possibilitar que cada um expressasse o que viveu.
Embora reconheça a importância da troca para o processo de aprendizagem,
ressalta que o fato de ser ouvida já é suficiente.
Vigostki (1994, p. 73), ao discorrer sobre a internalização das funções
psicológicas superiores, explica que:
o uso de meios artificiais a transição para a atividade mediada
muda, fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim
como o uso de instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de
atividades em cujo interior as novas funções psicológicas podem
operar.
O que significa dizer que a mediação provocada pelo professor que
supervisiona o estágio muda a intensidade da atividade psicológica, mudando o
nível de qualidade dessa atividade. O relatório de estágios também poderia ser
considerado como um instrumento de mediação a ser utilizado na supervisão,
também mudando o nível de qualidade das reflexões sobre a docência.
Para Isaura, o sentido apreendido a partir da necessidade de confeccionar o
relatório é que acaba possuindo um material concreto, de consulta: “é uma maneira
assim de eu colocar a reflexão no papel, ou seja, eu tenho que ter algo palpável,
para que eu possa, depois, eu mesma ler [...], daqui a um ano, o que eu escrevi, eu
vou ler de uma outra maneira”. Isaura afirma que o relatório provoca “esse processo
reflexivo em uma constante” e que, para ela, isso é importante.
Além de pôr em relevo a ausência desses exercícios de meta-análise,
consegue perceber que a forma como os estágios são organizados, com a carga
159
horária distribuída em diversas disciplinas, fragmenta sua interpretação sobre a
docência: “fica fragmentado, ainda está fragmentado. Por mais que se busque uma
coesão de estágio e graduação, ainda está fragmentado”. Nota essa fragmentação
tanto na organização dos estágios, como na relação entre a universidade e a escola-
campo. Para ela, deveria haver um diálogo mais estreito entre escola-campo e
universidade.
Isaura sabe que seu curso possui um projeto de estágio que prevê um
trabalho interdisciplinar: “então, cada professor colocou, naquele manual, as suas
necessidades, e o coordenador colocou a idéia de como aqueles estágios
precisariam ser desenvolvidos e cada professor desenvolveu a sua área”, mas esse
trabalho não ocorre, pois o relatório que as alunas devem entregar para a
coordenação, elaborado com base nos estágios realizados e nos relatórios
entregues ao professor, em cada disciplina, não são nem discutidos, nem
devolvidos: “nós não temos nenhum feedback, a gente não sabe o que resultou
daquilo que a gente relatou”.
Relata que uma coordenadora de estágios que recebe os relatórios e as
fichas de estágio de todos os alunos. É esta pessoa que faz a avaliação de todos os
estágios, mas que não retorno sobre isso. Por isso, insiste na figura de um
coordenador para fazer a discussão da totalidade: “como o próprio nome diz, seria
para, justamente, fazer uma amarração de tudo aquilo” que foi visto e experimentado
nos estágios e nas práticas.
Isaura afirma que a idéia central do curso é a interdisciplinaridade, mas
reconhece que um trabalho interdisciplinar será desenvolvido por meio de uma
atitude interdisciplinar. Ela afirma que nem todos os professores estão envolvidos ou
compreendem essa idéia: “eu percebo que cada um tem uma compreensão
diferente... e percebo que alguns não estão muito interessados no aprofundamento
desse conceito e não somente de um conceito, mas também de uma prática”.
Os estágios, da forma com foram organizados na universidade, e que estão
de acordo com a legislação vigente, talvez consigam cumprir o caráter esperado se
essa atitude interdisciplinar sobre os estágios, as práticas e os relatórios forem
assumido pelo coletivo de professores e coordenação. Com todas as limitações que
ela acredita possuir, é capaz de perceber a falta de sintonia entre os objetivos
160
propostos no projeto de estágio e entre estes e os objetivos e ações dos
professores.
Por fim, Isaura revela um outro sentido apreendido sobre os estágios,
apontando elementos relativos à profissionalização docente: “vendo, em uma sala
de aula, algum professor desmotivado, eu faço um reflexão. Então, eu ver essa
experiência em sala provoca em mim uma reflexão: ‘Por que é que ele está
desmotivado? Será que é somente o salário? Será que é porque está na hora de
se aposentar?’”. Isaura acredita que não tem condições de responder a estas
perguntas, porque não é professora ainda, o está em sala de aula, mas admite
que, muitas vezes, essa postura se relaciona ou à falta de objetivos ou à
acomodação.
As características da postura que observou nos professores da escola pública
desânimo e acomodação são muito próximas daquelas com que convive
diariamente, por ser funcionária pública. Nessa perspectiva, fala de si e recupera a
importância de sair da inércia: “eu vejo isso também, falo porque também sou
funcionária pública. Existe uma acomodação de muita gente de deixar tudo como
está”.
um outro medo que impõe tormentos à Isaura, o fato de ser funcionária
pública e ser confundida com uma profissional acomodada. Vive, assim, uma
ambigüidade, por isso, mais uma vez, ratifica a idéia de que necessita ser “cutucada”
para crescer, para não ocupar o lugar que muitos ocupam: os professores na escola,
seus amigos de classe. Isaura relaciona o fato de ser funcionária pública ao que
observou na escola pública em que desenvolveu os estágios. Faz uma aproximação
entre a sua condição e a dos professores. Consegue perceber o nível de alienação
existente na escola e o quanto o desestímulo está presente.
Sobre estas características observadas, Isaura afirma que “[...] acho que
nessa discussão é que se pode chegar a entender por que um professor de uma
escola estadual esteja desanimado e outro professor da escola particular
aparentemente não está desanimado. Eu digo aparentemente, porque tem toda uma
questão trabalhista”. Ela acredita que o professor da escola particular não pode
demonstrar seu estado de desânimo, pois não possui a estabilidade que o professor
da escola pública possui.
161
Atribui a essa estabilidade o fato de o professor ser acomodado: “[...] os
professores têm concurso, então tem a legislação de que não é mandado embora.
Então existe também uma acomodação”. Isaura reduz sua análise sobre o motivo da
acomodação do professor, atribuindo à forma de contratação o fato de que há
muitas pessoas que não se incomodam com o que acontece em sua realidade.
Não consegue aprofundar esta discussão, porque em seu curso não são
discutidas questões dessa natureza: “eu acho que não atingiu o nível de discussão
que tem uma profundidade para se chegar a algumas respostas”. A coisa fica ainda
na pincelada, mas Isaura insiste em afirmar a importância do diálogo, da troca, das
discussões: “por isso que eu falo: ser cutucado, ser desafiado, sair da sua inércia é
importante, senão, não se cresce”.
Quanto a isso, faz uma observação interessante: “a questão profissional do
professor também tem que ser sempre cutucada. Alguém tem que estar puxando,
estimulando”. Não sabe explicar até que ponto a direção das escolas trabalha nesse
sentido com seus professores, mas adverte que, para cumprir essa tarefa, precisa
ser um profissional diferenciado: “alguém que seja estimulado, não um... Aquela
história: um cego guiando outro cego, entende?”.
Isaura, quando pensa sobre a prática pedagógica sua ou da professora
observada -, reduz suas indagações à sala de aula, às situações imprevisíveis e
no acolhimento sua principal função. Esta é principal marca deste núcleo de
significação, porém, ao exigir momentos de troca, de diálogo, quando poderia falar e
ser ouvida, demonstra o quanto sente necessidade de discutir questões que
extrapolem a prática, mas que se associam diretamente a ela, questões
relacionadas à condição de trabalho do professor.
162
6 CONSIDERÕES FINAIS
Assim, em lugar de repetir o que aprendemos
com Aristóteles, isto é, que Sócrates foi o
homem que descobriu o “conceito”,
deveríamos nos perguntar o que Sócrates fez
ao descobri-lo.
Hannah Arendt
O processo de pesquisa é longo, demanda estudo, definição. Precisa do
objeto a ser investigado; necessita de um diálogo entre aquele que busca sua
autoria o pesquisador - e aqueles que a têm legitimada - os interlocutores
escolhidos; precisa de tempo. A pesquisa é uma ação continuada, ao mesmo tempo
prazerosa e complexa, pois exige produção de idéias. É um diálogo com nossos
valores, com nossas crenças e nossas utopias. É uma ação projetada, por isso
intencional, que nos apresenta um caminho ao mesmo tempo desconhecido e cheio
de opções. Mas é também uma atividade que prevê um final, um encerramento, um
distanciamento e, nesse momento, nos remete à indagação proposta por Hannah
Arendt na epígrafe: como transformar todas estas idéias em práticas sociais?
uma questão a ser considerada e que pode nos ajudar a responder tal
indagação: somos pesquisadora e professora formadora. Estamos muito próximas
do contexto em que desenvolvemos esta investigação. muito permanecemos
mergulhadas no campo da formação de professores, nos cursos de licenciatura de
diversas áreas, mas especialmente no curso de Pedagogia. De acordo com Roldão
(2007), as ações de ensinar fazem parte do nosso ofício. É sobre elas que
dialogamos nas salas de aula. Portanto, possibilidade de conseguirmos imprimir,
individual e coletivamente, uma marca diferenciada nos projetos e atividades que
desenvolveremos, daqui para frente, nos cursos de formação inicial de professores.
Os motivos que nos mobilizaram a desenvolver uma pesquisa, cujo foco é a
prática de ensino e os estágios supervisionados, objetivavam o encontro de
respostas às nossas antigas indagações sobre o grau de importância dessa área
para a formação inicial de professores. Havia, naquela ocasião, um fato concreto
que nos incomodava. Com base no projeto de estágio curricular, acompanhávamos
as alunas e assistíamos às suas práticas na escola-campo, fazíamos a supervisão
163
destas práticas, mas percebíamos que, mesmo assim, as nossas discussões não
eram suficientes para as alunas desenvolverem o que Contreras Domingos (2002)
denomina de reflexão crítica.
Esta pesquisa fez com que percebêssemos que havia um equívoco na
mediação que fazíamos no processo de supervisão, pois tratávamos as ocorrências
das práticas desenvolvidas de uma forma genérica, como um produto, simplesmente
descrito, analisado e avaliado. Falávamos das práticas, mas não falávamos do
sujeito que as desenvolviam. Não investigávamos as condições sociais e históricas
nas quais se davam estas práticas e, principalmente, não aprofundávamos as
reflexões sobre quais pensamentos eram acionados quando as práticas eram
realizadas.
A prática desenvolvida pelas alunas na escola-campo era um momento de
realização, no qual estava em jogo o os conhecimentos profissionais, mas,
sobretudo, o modo de ser, de pensar e de agir de cada uma delas, suas
subjetividades. Não conseguíamos, como professora formadora, propor uma
situação de reflexão que desvelasse este nível de profundidade em nossas
discussões, portanto, não provocávamos uma reflexão crítica. Por isso, era muito
comum observarmos ações das alunas em sala de aula que não condiziam com
aquilo que estavam aprendendo, com o discurso que elas mesmas difundiam.
Não tínhamos essa resposta naquela época, mas era muito latente a
necessidade de encontrá-la, por isso nos dispusemos a realizar esta pesquisa.
Nossa necessidade, contudo, extrapolava o campo da Didática, ou mesmo do
currículo. Queríamos investigar os sujeitos envolvidos nesse processo, ouvir os
alunos e compreender as formas de pensar a docência. Fizemos isso quando
desenvolvemos uma pesquisa no mestrado: naquele momento, foi para os alunos
em formação, no Magistério de 2º grau, que focalizamos nosso olhar, e nesta
pesquisa queríamos o mesmo, mas na Educação Superior.
Cabe, contudo, ressaltar que a própria dinâmica histórica e social diluiu o
cenário do início da pesquisa. A mudança na legislação e a extinção da disciplina
Prática de Ensino foram as causas mais decisivas. Porém, no papel de formadora de
professores, as nossas indagações permaneceram e, por isso, decidimos encontrar
uma outra instituição que, de fato, garantisse a realização das práticas pedagógicas
supervisionadas, ao mesmo tempo em que nos oferecesse a oportunidade de
164
conhecer seu projeto pedagógico e de estágio e nos permitisse, principalmente, o
contato com as alunas.
Nesse sentido, para poder centrar o foco no sujeito em formação,
precisávamos de um referencial que, de um lado, atendesse às nossas
necessidades e, de outro, que nos oferecesse condições de olhar o indivíduo em
sua singularidade e em pleno processo de constituição de sua identidade
profissional.
Assim, buscamos o referencial teórico metodológico na psicologia sócio-
histórica, para encontrarmos respostas às nossas indagações, visto que ela
desnaturaliza os fenômenos psíquicos, ao conceber o homem como sujeito
constituído e constituinte, um ser singular, mergulhado num contexto histórico e
social que dá sentido a essa singularidade.
A psicologia cio-histórica, fundamentada, principalmente, nas idéias de
Vigotski e Leontiev, forneceu-nos elementos para compreendermos, por um lado,
que a atividade docente é uma prática social e, por outro, que os fenômenos
psíquicos não são um simples reflexo da realidade, mas são desencadeados nas
formas pelas quais os indivíduos desenvolvem a sua atividade e as relações sociais.
Portanto, escolhemos como foco a formação inicial de professores das séries
iniciais do ensino fundamental, cuja questão central é: quais sentidos e
significados são apreendidos sobre práticas pedagógicas supervisionadas por
alunas de um curso de Pedagogia?
Se o acesso à subjetividade do indivíduo ocorre pelas significações e sentidos
apreendidos da realidade, valendo-se de um método apropriado, nos
aproximaremos, portanto, destas significações e desses sentidos, o que pode nos
ajudar a compreender a forma pela qual o aluno pensa a docência e,
consequentemente, organiza sua atividade docente.
Foi com esse objetivo que chegamos à instituição para desenvolvermos a
pesquisa empírica, uma universidade particular, renomada, que desenvolve trabalho
sério na área de formação de professores, e que possui professores experientes e
empenhados com o curso de Pedagogia. Nesse espaço, acompanhamos, por um
ano letivo, a turma do segundo ano, o seu professor e a aluna que colaborou com
esta pesquisa: Isaura.
165
Apreender significados e sentidos, requer compreender a relação entre
pensamento e linguagem, que não é uma simples expressão, mas um processo, um
movimento contínuo entre o pensamento e a palavra, vice-versa. Para tanto,
utilizamos as entrevistas, a filmagem e o relatório de estágio, como instrumentos
recomendados para uma investigação que tem como referencial a psicologia sócio-
histórica (AGUIAR; OZELLA, 2006) objetivando reunir as informações que
desejávamos e que nos forneceria condições para nos aproximarmos dos cleos
de significação. Todavia, acreditamos que era necessário ir além e conhecer a rotina
do curso, o projeto pedagógico e o projeto de estágio; isto é, conhecer o contexto
em que Isaura estava inserida.
Isso porque pensamos que os processos sociais compõem a subjetividade
social, a qual é constituída pelo indivíduo, ao mesmo tempo em que o constituí.
(REY, 2003). O conteúdo das informações fornecidas por Isaura apresenta, entre
outras coisas, elementos do contexto de formação no qual estava inserida. Ter a
oportunidade de conhecer este contexto mais profundamente, forneceu-nos alguns
indicativos que nortearam nossa análise e conclusão.
Quando realizamos a análise das falas de Isaura, concluímos que o
conhecimento produzido seria um pouco diferente se não conhecêssemos o projeto
do curso e do estágio, o professor e a turma. Rey (2005, p. 202) afirma que
“conhecimento é uma alternativa de inteligibilidade que toma forma no curso da
própria pesquisa”.
Poderíamos cometer equívocos que a primeira vista o curso de Pedagogia
em questão possuía um projeto pedagógico que atendia à legislação e aos discursos
mais recorrentes sobre formação de professores. Seu projeto de estágio objetivava
“envolver a seqüência e a integração curricular desde o início do processo
formativo”
33
e a proposta de atuação prática a ser desenvolvida pelas alunas tinha
como eixo principal a problematização da realidade observada e a elaboração de
uma atividade relacionada ao conteúdo da disciplina estudada. Uma proposta de
estágio aparentemente coerente a ser concluída com a elaboração do relatório final
de cada disciplina e um relatório global de todo o estágio.
33
Trecho integrante do projeto de estágio da instituição.
166
Caso não conhecêssemos esse contexto, corríamos o risco de realizar
análises enviesadas, atribuir os problemas da formação, por exemplo, à ausência de
um projeto pedagógico do curso ou, amesmo, ao professor acreditando não ter
preparo para atuar em um curso de Pedagogia.
Conhecer o contexto nos proporcionou eleger alguns parâmetros para realizar
a análise das falas de Isaura; conhecer os significados e sentidos apreendidos por
ela sobre as práticas pedagógicas nos fez enxergar além da nossa concepção sobre
formação inicial de professores. Esse estudo nos forneceu importantes indicadores
para compreendermos como a singularidade do sujeito que aprende compõe o
processo de ensino e aprendizagem e como seu modo de agir, pensar e
compreender as questões relacionadas à docência imprime urgência à necessidade
de incluir em nossas práticas de formação procedimentos metodológicos que
acionem significações e sentidos, para que sejam modificados, ressignificados.
Vigotski (1993, p. 107-108) mostra-nos que esta possibilidade, pois “os
significados das palavras o formações dinâmicas e não estáticas”, o que significa
dizer que a relação entre o pensamento e a palavra também se modifica.
Isaura ao refletir sobre a prática pedagógica supervisionada faz referências
constantes ao seu processo de escolarização sua trajetória até o ensino médio – e
seu processo de formação sua trajetória atual. Constatação que nos indica o nível
de profundidade dos “registros” encontrados em sua história de vida e que
interferem diretamente na concepção que possui sobre a docência. Essas
informações, por sua vez, ao serem desveladas por Isaura, aparecem entrelaçadas
com o papel que assumiu em seu processo de escolarização e que ainda assume
em seu processo de formação: Isaura é uma pessoa que não se integra totalmente
ao grupo, antes porque necessitava de aulas de reforço por apresentar muita
dificuldade em aprender e agora por ser mais velha, mais responsável e mais
comprometida com o curso.
Nesse sentido, as relações interpessoais, dimensão inerente ao processo de
ensino aprendizagem, aparecem de uma forma acentuada no discurso de Isaura,
visto que os professores dos quais se lembra são aqueles mais afetivos, os que
mais lhe deram atenção e assistência. Isaura não aceita que suas colegas de
faculdade não desejem estabelecer o mesmo nculo afetivo que ela procura entre
seus professores.
167
Como conseqüência, Isaura declara que os estágios significaram para ela
poder se aproximar da realidade das escolas, conhecer como as crianças se
relacionam entre elas, com o professor e como elas lidam com suas dificuldades. E é
exatamente isso que busca nos momentos de prática pedagógica supervisionada:
qual foi a aceitação da professora em relação à sua atividade e como as crianças
reagiram. Não há, nessa prática, nenhuma preocupação de Isaura com a
metodologia utilizada e nem com a aprendizagem do conteúdo pelas crianças.
Paralelamente às dificuldades de aprendizagem que Isaura apresentou em
sua trajetória escolar, nasce a sua vontade de dar aula, o que a faz enfrentar várias
situações em que assume a docência, seja com aulas de reforço, seja num curso de
curta duração. Isaura quer superar suas limitações e para isso abraça as
oportunidades que surgem. Para dar conta de tudo isso ela estuda muito, se esforça,
tira dúvidas com outras pessoas. Ela não possui consciência da estreita relação que
estabelece entre suas dificuldades e a forma que encontrou para superá-las.
Porém, ao desenvolver as práticas supervisionadas, Isaura vai percebendo
as suas limitações, as limitações das outras pessoas e, principalmente, as suas
possibilidades. É na atividade prática que descobre que pode ir além de seus limites.
Então, transforma sua vontade de acertar, ou de mostrar que é capaz em
compromisso com o que faz.
Além disso, Isaura necessita ter professores exigentes e que a provoquem.
Exigentes em relação ao estudo, a elaboração dos trabalhos, exigência que ela
sempre se impôs como forma de obter sucesso. Provocadores porque a fazem sair
de seu estado de “inércia” como ela mesma afirma, sair do lugar que às vezes
ocupa. Esse é o modelo de professor que Isaura gostaria de seguir.
Nessa perspectiva, afirma que os estágios também exercem certa
provocação, principalmente quando observou cenas desagradáveis no interior da
sala de aula da escola-campo. Os estágios a impelem a um estado de reflexão
sobre aquilo que observa, põem em xeque seus valores e a fazem pensar sobre os
motivos que a levariam a assumir as mesmas atitudes ou a fariam agir diferente.
Por fim, Isaura é capaz de compreender que o ato educativo ocorre em um
contexto múltiplo e complexo, mas não consegue enxergar a dimensão coletiva e a
natureza da docência. Acredita que o bom professor é aquele exigente, provocador,
168
que sabe lidar com as situações imprevisíveis da prática. Todas essas qualidades
são, para ela, reflexo de habilidades pessoais de cada um.
No caso de Isaura, os sentidos apreendidos sobre as práticas
supervisionadas revelam uma visão não muito animadora sobre a docência:
conseguir estabelecer um vínculo afetivo com os alunos é a principal competência
que o professor deve possuir, afinal, ela acredita que, devido às crianças terem
tantas necessidades, aquilo que se conseguir passar para elas será o suficiente.
Para Isaura demonstrar acolhimento é conteúdo, para nós, essa afirmação desvela a
ausência dele. Isaura resume o ofício da docência ao ato de acolhimento, a mesma
situação que passou durante o seu processo de escolarização.
Sua visão de docência implica que não possui consciência crítica sobre a
natureza da prática pedagógica nem que
a escola é o lugar por excelência onde o processo intencional de
ensino-aprendizagem ocorre: ela é a instituição criada pela
sociedade letrada para transmitir determinados conhecimentos e
formas de ação no mundo; sua finalidade envolve, por definição,
processos de intervenção que conduzam à aprendizagem.
(OLIVEIRA, 1995, p. 57)
Isso exige do professor um conhecimento profissional específico que deve ser
ensinado nos cursos de formação inicial de professores. Conhecer os significados e
sentidos apreendidos por Isaura sobre as práticas pedagógicas supervisionadas nos
alertou sobre o quanto ainda precisamos transformar as nossas práticas de
formação em práxis formativas. Para que isso aconteça, precisamos refletir
criticamente sobre dois aspectos, os quais serão explicados, utilizando o contexto
em que realizamos nossa pesquisa empírica.
O primeiro aspecto, no caso da instituição em questão, diz respeito a existir
certo distanciamento entre a idéia de modelo de formação idéia aqui
compreendida como o reflexo não apenas do que existe, mas também do que deve
existir (KOPNIN, 1978) e a prática pedagógica dos professores formadores. A
instituição reúne algumas condições objetivas básicas projeto pedagógico e
professores com formação adequada mas não consegue transformar sua prática
169
em práxis. Para conseguir isso, o coletivo dos professores precisaria ter a
compreensão de que
A finalidade da atividade prática é a transformação real, objetiva, do
mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade
humana. [...] E o resultado é uma nova realidade. [...] Sem a ação
real, objetiva, sobre uma realidade – natural ou humana – que existe
independentemente do sujeito prático, não se pode falar
propriamente de práxis como atividade material consciente e
objetivante; portanto a simples atividade subjetiva psíquica ou
meramente espiritual que não se objetiva materialmente não pode
ser considerada como práxis. (VÁSQUEZ, 1968, p. 194)
O segundo aspecto, ainda relacionado à idéia de modelo de formação, diz
respeito ao conteúdo desta idéia. Segundo Kopnin (1978), a idéia pode se realizar
de várias formas. Uma delas é por meio de uma imagem artística ou por meio da
própria teoria. Nesse sentido, que teoria fundamenta o projeto pedagógico da
instituição a que nos referimos neste estudo? Que teoria tem fundamentado as
nossas propostas de formação?
Na instituição em questão o projeto pedagógico segue os princípios da
racionalidade prática, até mesmo porque foi elaborado com base na legislação
vigente e, contraditoriamente, a concepção sobre o papel do estágio na formação de
professores adotada pelo professor que acompanhamos vai ao encontro dos
pressupostos da racionalidade técnica, pois a prática pedagógica ocorreu de uma
forma pontual, sem um acompanhamento sobre o processo de planejamento e sem
um reflexão crítica sobre aquilo que foi executado. A forma como as aulas práticas
são previstas remete a uma visão de que o processo de ensino aprendizagem é
pontual. O que é possível verificar sobre os diversos aspectos do processo de
ensino aprendizagem, principalmente sobre o ensino de conteúdos escolares em
uma atividade prática que tem uma hora de duração na escola campo?
Concepções que se entrelaçam nos processos formativos e que são reflexos
de uma história de formação de professores, marcada por essas duas
racionalidades. Não foi ao acaso que iniciamos esta pesquisa apresentando o
percurso histórico da formação de professores, pois nosso objetivo era reconhecer
170
quais concepções fundamentaram os processos formativos dos professores,
principalmente em relação à disciplina Prática de Ensino e aos estágios
supervisionados. Constatamos que muito embora a Escola Normal, no século XIX,
tenha sido um marco significativo para a institucionalização da formação de
professores, a ausência de compreensão sobre a necessidade de uma formação
específica para a docência sempre foi uma marca na história da formação de
professores e que, sem sombra de vida, permanece até os nossos dias. É
olharmos atentamente para a problemática da formação docente dos professores do
ensino superior. Quem prepara estes professores para a docência?
Além disso, por mais de cem anos, teve-se como referência, para a
aprendizagem da docência, modelos pré-estabelecidos e idealizados.
Historicamente, o primeiro exemplo que temos de formação é o todo mútuo, uma
forma de ensinar a ser professor apenas por meio da observação e realização de
exercícios práticos, sem qualquer base teórica. Concepção que persistiu no ensino
oferecido pelas Escolas Normais até o início do século XX, quando os exercícios
práticos incluídos no currículo desde 1864 passam a contar com disciplinas que os
articulavam com a fundamentação teórica.
É somente com o advento do movimento da Escola Nova que a formação de
professores toma peso e a disciplina Prática de Ensino passa a ter outra função: um
olhar sobre o ensino do ponto de vista da técnica e das relações pedagógicas
respaldadas pela ciência. É nessa mesma época que há a primeira tentativa de
ascender a formação de professores à universidade e criar as escolas de aplicação,
ou Escolas-Modelo, como eram chamadas.
Estas idéias foram se perdendo ao longo dos anos, e hoje o que
presenciamos, por um lado, é a extinção das práticas de ensino como disciplina e
como ação; por outro, a permanência dos estágios como um ritual burocrático, salvo
naquelas instituições que conseguem sustentar em seus projetos pedagógicos os
estágios supervisionados como atividades práticas de fundamental importância para
a formação inicial de professores.
É possível compreender, com este estudo aprofundado, por que autores
como Charlot (2006), Gatti (2002) e tantos outros reivindicam a formação de
171
professores como campo de conhecimento, mesmo que inserido num campo maior
que é a Educação. que se ter um conjunto de pressupostos norteadores da
discussão sobre a formação de professores que, no nosso modo de interpretar o
tema, passa pela discussão da natureza e essência do ofício de professor e a
profissionalização desse ofício.
Nesse sentido, é necessário e urgente que o exercício prático da docência
seja compreendido como um eixo estruturador do curso de formação inicial, pois a
prática é provocativa e não circunstancial. Isaura legitima isso, ela afirma que os
estágios são espaços de provocação, que a prática a ajudou a superar seus limites.
Demonstrou que, ao exercer a docência, foi se constituindo professora. Quais
seriam os resultados disso, se esse exercício fosse freqüente e a mediação do
professor formador se tornasse intencional e não espontânea, como verificamos por
meio da fala de Isaura?
Por fim, queremos assinalar que a docência o pode prescindir de um
conhecimento profissional específico, aprendido desde o período de formação inicial,
pois possibilita ao futuro professor assumir o papel de mediador que transforma o
objeto a ser ensinado em objeto aprendido. Mas antes de tudo, este futuro professor
deve ter consciência de que:
Saber produzir esta mediação não é um dom, embora alguns o
tenham; não é uma técnica, embora requeira uma excelente
operacionalização técnico-estratégica; não é uma vocação, embora
alguns a possam sentir. É ser um profissional de ensino, legitimado
por um conhecimento específico exigente e complexo. (ROLDÃO,
2007, p.102)
172
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182
APÊNDICE A: Indicadores
Relações interpessoais estabelecidas em seu processo de escolarização e
formação: a marca da discriminação no interior da escola
Todos podiam dar um presente para a sua professora e sua família não tinha
condições financeiras para fazer isso;
Na época em que estudou em Alagoas, sofreu preconceitos de seus colegas
de classe por já ter morado em São Paulo;
Possuía uma amiga na 8ª série que não tinha preconceito para com ela;
Sentia-se inferiorizada quando alguém a chamava de nordestina;
Identifica-se com alguém de sua turma que é angolano, mas não é negro;
Consegue fazer amizade com um colega de classe que também sofre
preconceito;
Em sua infância não conviveu com outros adultos que tivessem outra
formação: seus pais não possuem formação acadêmica; o pai é zelador;
Descreve-se como a única que conseguiu fazer amizade com o colega
angolano;
A mãe não acreditava que Isaura era capaz de ensinar Matemática a outra
pessoa;
Ficava irritada quando a turma da Pedagogia se referia a ela como mais
velha;
Sentia-se mal porque sentava na primeira fileira e a turma achava que era a
queridinha do professor;
183
A vontade de dar aula
A vontade de ser professora nasceu quando tinha 7 ou 8 anos;
Na 8ª série deu aula de recreação para crianças de 1ª e 2ª séries;
Com treze anos passou por uma experiência gostosa de dar aula para alunos
com 7;
No 2º “colegial” deu aula de reforço para uma senhora, sua vizinha, que
participava do grupo de jovens;
Gostava de colaborar com os colegas da classe;
Foram as situações de ensino e seus professores acolhedores que
começaram a despertá-la para a questão do ensino;
Acha que já gostava “dessa coisa” de dar aulas;
Seus colegas de trabalho afirmam que ela está fazendo o curso certo, porque
tem paciência e sabe ouvir;
O melhor modelo de profissionais que conheceu em sua infância foram os
professores e os médicos.
184
A presença e a negação de suas limitações
Não estudou na pré-escola, por isso teve muita dificuldade na época em que
se alfabetizou;
Para não ser reprovada na 4ª série teve aulas de reforço;
Tinha uma amiga na 8ª série que a ensinava muito;
O professor de Matemática: Conteúdos e Didática Específica prima por uma
exigência mental a que ela ainda não corresponde pelo nível de abstração
da matéria;
Sempre teve dificuldade com Matemática;
Senta na frente da sala porque quer prestar atenção;
Passava horas estudando para poder ensinar Matemática para uma vizinha;
Para dar aulas para as crianças da e séries elaborou atividades junto
com sua amiga durante 2 a 3 meses;
Ao ser convidada para dar um curso de Astrologia fica em dúvida se
conseguiria;
Passou dias e noites estudando e estruturando um curso que iria ministrar;
O curso não a prepara para ser uma professora alfabetizadora;
Não sabe se é uma limitação dela não conseguir alfabetizar uma criança;
Acredita que por ter 40 anos não daria certo dar aula para crianças;
Ao ouvir os relatos de suas colegas sobre a prática desenvolvida, fica se
criticando sobre a sua própria fala;
Declara que é muito crítica com ela mesma, por isso, às vezes, “trava”;
Declara que sempre foi muito travadinha;
Está fazendo terapia para ver se “se solta”;
Fez um treino em casa antes de realizar o jogo que daria em sua aula durante
o período de estágio e, ao encontrar dificuldades, desistiu de jogá-lo com a
classe;
Para poder ensinar Filosofia precisou estudar mais ainda;
Irá fazer o possível para não ficar no mesmo patamar que os professores
desestimulados que observou no estágio.
185
Ao julgar seus colegas de classe se reafirma como uma aluna esforçada
Os alunos não correspondem às exigências dos professores mesmo estas
sendo poucas;
Os alunos não sabem o que querem sobre o estágio e não gostam de falar
sobre ele;
Nem todos os alunos possuem disciplina intelectual, por isso necessitam de
um professor sempre “cutucando”;
Na há esforço por parte dos alunos de sua turma em sair da inércia
(alienação);
Acredita que os colegas da turma a acham CDF;
Os alunos preferem o bar à sala de aula e julga a turma de alunos muito
jovem;
A relação dos seus colegas de classe com os professores é esquisita;
Há um distanciamento muito grande dos alunos em relação aos professores;
Não mudou muito a relação entre professores e alunos comparados ao tempo
em que estudou, vinte anos atrás;
alunos que são contra e outros a favor de que o professor provoque a
reflexão;
Percebe que mais importância ao curso de Pedagogia do que as colegas
de classe;
Pergunta-se se ela quer muito ou se os seus colegas não querem saber de
nada;
Sente-se diferente da turma por gostar de conversar com os professores;
Acha estranho os alunos não se aproximarem mais dos professores;
Acredita que aproveitou os estágios, mesmo sendo uma vivência pequena,
pois algumas colegas não aproveitaram;
Deu aula de reforço porque sabia a matéria ensinada;
Disse a sua mãe que poderia ensinar Matemática porque sabia;
Perguntava à professora quando tinha dúvida do conteúdo que ensinaria nas
aulas de reforço;
Com os jovens de 7 a 14 anos percebeu que podia dar aula;
Os alunos não têm pique talvez porque não se acharam no curso;
Não tem mais tempo, pois tem quase 40 anos, relação com o ser humano é
diferente;
Desistiu de desenvolver uma parte do jogo com as crianças porque
acha difícil e levaria muito tempo.
186
O alto nível de exigência de Isaura: superar limites ou compromisso
com o que faz
Ela se exigia muito, agora um pouco menos, mas é exigente com ela mesma;
Fica no dilema se está querendo muito das aulas do curso de Pedagogia;
Os professores do curso não são tão exigentes como gostaria que fossem;
Ela não quer imitar o professor do estágio para não ficar na inércia
(alienação);
O que faz a diferença entre o estímulo e o desestímulo é como o aluno se
dedica ao curso;
Quem mais critica o curso e acha que não está preparado para dar aula são
aqueles que não estudam, não fazem os trabalhos;
Ela se obriga a superar seu próprio limite a acaba encontrando essa
ressonância em algumas aulas (os professores a provocam);
No estágio procura deixar seu nível de exigência em segundo plano, para
saber o que está acontecendo.
187
O modelo de professor afetivo
Sempre gostou muito de seus professores;
Acabou se espelhando em seus professores;
Uma palavra do professor já conforta o aluno;
Possui muita afetividade com os professores;
Gostava de uma professora, sua vizinha, porque ela comprou-lhe o presente
para dar a sua professora;
A mesma professora deu-lhe aulas de reforço para não ser reprovada;
Gostava muito de sua professora de série, lembrava até o seu nome, pois
era muito amável e não tinha como não gostar dela;
O professor de Matemática: Conteúdo e Didática Específica prima pela
sensibilidade, pela percepção; o professor vai sentindo cada aluno;
O professor de Matemática: Conteúdo e Didática Específica, em relação aos
outros professores, trabalha muito mais com a sensibilidade;
A professora não consegue transmitir para a sala, não consegue ser mais
clara, porque não é envolvente com a turma;
A professora tenta ser simpática com a turma, mas algo que a deixa
desorganizada;
A sua formação, possibilitada pelo estágio, foi muito forte no que diz respeito
à sua relação com o aluno;
Foi se inspirando no modelo de professores por se relacionar bem com eles;
Tentava imitar os professores de que gostava;
Não gostava da aula de português, mas gostava da professora como pessoa;
O professor de Matemática: Conteúdo e Didática Específica tem boa vontade,
gosta de estar lá dando aula e acaba transmitindo essa energia;
O professor de Matemática: Conteúdo e Didática Específica tentou desde o
primeiro dia estabelecer um vínculo que chamasse para próximo dele;
O professor de Matemática: Conteúdo e Didática Específica não encontrou na
turma como um todo a resposta à sua tentativa de estar mais próximo;
Cada aluno vem com uma predisposição para aprender, se encontra
afinidade, rende, se não, fica emperrado;
Se o professor percebe isso , esta energia, acaba revertendo a situação;
Ser um bom professor é conseguir de algum modo essa afetividade.
188
O modelo de professor exigente e provocador
O exemplo de afetividade do professor para ela é ser provocadora;
Gostava da professora de Ciências porque ela colocava os alunos para se
“mexerem” um pouco (intelectualmente);
Os professores exigem pouco;
Poucos alunos gostam de uma determinada professora do curso de Pedagogia
porque ela é exigente;
A professora é exigente na medida em que ela quer que o aluno se empenhe,
estude mais;
A relação afetiva que o professor deve estabelecer com o aluno não é ser
amiguinho, mas ser provocador;
Gosta de professores que provocam porque assim sai da inércia;
Não consegue sair dessa inércia sozinha, por isso ainda precisa do outro
fazendo isso;
Ao ser provocada isso exige dela um tipo de disciplina;
Inércia é aquela coisa massiva que recebemos todos os dias;
A coisa massiva que recebemos todos os dias deixa as pessoas preguiçosas;
Por isso é importante o professor ser provocador;
O professor de Matemática: Conteúdo e Didática Específica também é
provocador, mas menos enérgico;
Sair da inércia é importante senão não se cresce;
É necessário ser cutucada, desafiada para sair da inércia;
O estágio também provoca, mas no sentido de não querer imitar o professor;
O fato de ela perguntar às crianças é uma maneira de exigir que elas pensem e
isso ajuda a elaborarem e dar um retorno;
Com as crianças a exigência é feita com certa sutileza;
Quando o professor cria situações em que provoca o movimento de pensar, de
questionar, de pesquisar;
Os questionamentos que a professora provoca mexe com cada um, com sua
própria individualidade;
Essa inércia de que fala não é somente uma inércia de preguiça, é inércia de
você estar no conjunto e não raciocinar em cima do que está acontecendo;
A professora provoca para estimular o raciocínio e a reflexão do aluno;
Um dia ela chegará perto de ser igual à professora de que gosta – provocadora.
189
O professor em situação de trabalho: acomodação ou compromisso
Na escola particular o professor não pode passar desânimo;
É funcionária pública e percebe que há uma acomodação no funcionalismo;
Os professores da escola pública são acomodados;
Os professores da escola pública demonstravam gostar de estar ali com os
alunos;
A questão profissional do professor também precisa ser cutucada;
Aquele que forma o Pedagogo (o professor da universidade e da escola em
que o estágio é realizado) precisa ser uma pessoa estimulada para estimular
o outro;
Viu algumas coisas durante os estágios que achou inadequadas e que
considerou que não eram profissionais;
Um dilema que o professor vive diariamente: não dar conta de todos os
alunos porque a classe é grande;
Viu alguns professores desmotivados na escola pública.
190
A prática pedagógica e os estágios como um lugar para
enxergar as relações entre as pessoas
O estágio lhe deu uma visão de que as relações podem ser positivas ou
negativas;
Ela vai ao estágio para ver como são as relações, como é dar aulas (não se
refere ao conteúdo, mas às relações);
O magistério não é uma via de mão única, é uma via de mão dupla, tripla;
Ficar uma semana toda com uma turma de alunos foi lhe dando a
oportunidade de conhecer como andam as crianças ultimamente;
O estágio contribui para que ela tenha a percepção de como as relações se
dão, como elas acontecem;
O pouco tempo que ficou na escola percebeu que as crianças possuem muita
energia, mas que alguns professores não conseguem acompanhar a energia
das crianças;
Não é a turma dela, é um espaço para a regência, então é uma outra
relação de poder que se estabelece com as crianças;
O estágio é importante para conhecer a realidade da sala de aula;
O estágio é importante para conhecer a relação professor-aluno e como eles
se conhecem entre si;
O estágio é importante para conhecer as necessidades, dificuldades e
facilidades dos alunos;
O estágio contribuiu para ela ter uma vivência (experiência) e não uma noção
de como dar aula;
O estágio não prepara para dar aula.
191
A prática como forma de vencer as suas limitações
A prática a ajudou a não apenas perceber, mas compreender as pessoas em
suas limitações;
Ela tem se percebido em suas limitações;
A receptividade dos alunos, durante a sua aula, foi boa;
Faz este exercício de se perceber quase que diariamente;
A forma de ser professor são habilidades pessoais, ela não espera mais do
que está vendo;
Quando você começa a falar na sala parece que vem um geniozinho e ”vai te
alimentando e vai te dando coisas”;
Eu não sabia que eu sabia e de repente estava falando;
Dar aula é tão forte, tão mágico que você é capaz de fazer certas coisas que
você não podia;
Você vai se descobrindo também enquanto está dando aula;
Talvez os alunos para quem deu aula aproveitem muito mais da aula do que
ela imagina;
Quando está dando aula percebe que fica mais tensa e quando começa a
falar se solta;
No início sempre dá um estado de nervos;
Acaba percebendo os seus próprios limites;
Fica mais tranqüila quando percebe que tem alguém que torce para que ela
deslanche;
Percebe que se entra com muita ansiedade em alguma coisa quebra a cara;
Irá fazer o que é possível com as crianças quando for dar aula;
Quando ela deu a atividade em classe, fez o melhor daquilo que ela sabia,
procurou fazer o melhor.
192
Isaura vai se dando conta do que é ser professor
Não tem essa coisa: o professor termina a graduação,o indivíduo termina a
graduação , ele está pronto;
É engraçado como podemos sempre reconsiderar as nossas opiniões e idéias
após momentos de reflexão;
Fica pensando se pode ser o equilíbrio que ela não esconseguindo ter: ser
mais ou menos exigente com ela mesma;
A sua reflexão ocorre para poder perceber de que maneira ela não deve entrar
no circuito do desânimo (dos professores que observou);
Na vida a gente não se questiona quando as coisas vão bem, quando não
estão dando o resultado que se espera que dêem;
Se ela tem um processo reflexivo e auto-reflexivo isso se intensifica e ela pode
aproveitar muito mais;
Gostar de professores exigentes e que estabelecem uma relação interessante é
um lance de projeção;
Compreende que o processo de formação de uma pessoa passa por altos e
baixos;
Ser um bom professor é fazer o melhor que se pode nas suas possibilidades e
avançar nessas possibilidades também;
Aos 30 anos começaram as diretrizes essenciais e a definição do que queria
fazer;
estava começando a sonhar mais e querer outras coisas, dar aulas para
adultos;
Estava querendo o diploma para crescer como pessoa;
Ela não quer dar aula desestimulada, como os professores, não quer isso
para ela e fará o possível para não ser assim;
O que o curso oferece coincide com o que vem buscando;
Hoje sabe o que quer, pelo menos uma boa parte do que quer;
Não quer dar aula para crianças, mas fazer um mestrado e dar aula para o
curso superior;
Se ela tem um processo reflexivo e auto-reflexivo isso se intensifica e ela pode
aproveitar muito mais;
O Estágio proporciona uma visão limitada da escola; reduz a visão geral a uma
sala de aula;
Ela sempre a questão da Pedagogia na relação com o outro e desse outro
com ela, e nesse outro ela mesma e acha isso muito doido.
193
Falar e ser ouvida: um elemento das relações interpessoais
Importante para compreender seu próprio processo de formação
O diálogo faz a diferença;
Quando ela fala (em situação de supervisão) percebe a sua dúvida e a sua
ansiedade;
Falta um espaço para falar mais sobre os estágios;
O espaço que se determina para falar sobre os estágios é curto, o tempo é
curto;
Para compreender o todo (o curso de Pedagogia, sua formação) é necessário
que os alunos sejam ouvidos;
O Estágio está fragmentado por falta de diálogo;
Por mais que se busque uma coesão está fragmentado;
Falta a universidade dialogar com a escola-campo;
O professor de Matemática: Conteúdo e Didática Específica é o único que
abriu espaço para a fala do aluno (momento de supervisão);
O mais importante o professor conseguiu fazer, ouvir cada um;
É importante ouvir as outras pessoas para saber se aquele contexto que você
viveu é muito diferente ou não dos demais;
Falta um tempo para trocar as experiências que se tem nos estágios;
Surte efeito falar sobre os estágios porque se consegue expressar uma
necessidade, ou expressar uma ansiedade, ao mesmo tempo que vai
esclarecendo algumas coisas;
Com o relatório de estágio ela pode rever a sua prática se tiver a escuta do
coordenador de estágio;
Precisava incluir no curso um momento de diálogo com os alunos sobre a
questão do trabalho docente;
Entrega-se o relatório no final do ano de todos os estágios e o se tem
nenhum “feedback”;
É importante escrever o relatório para poder refletir sobre ele depois de um
tempo;
O segundo relatório que foi feito já é diferente do primeiro;
Fez a avaliação dos estágios e não teve nenhum retorno;
Os relatórios de estágio devem servir para que os alunos compreendam o
todo.
194
As relações interpessoais ocorridas entre Isaura
e o professor da escola-campo
Quando chegou na escola foi falado para a professora que ela ia ensinar a
aluna a ser professora;
Ela o queria que a professora a ensinasse a lecionar, Isaura queria ver o
trabalho da professora;
O estagiário mexe com todo o esquema de trabalho daquele professor e até
do diretor;
Os professores que recebem os estagiários são avaliados por pessoas (os
estagiários) que nunca darão o retorno;
Do mesmo modo que ela queria ser ouvida na faculdade, ela queria ser
ouvida lá, dar um retorno, fazer uma avaliação;
Ela não quer que o professor mostre a ela como se aula e ela não quer
porque não tem certeza de que quer dar aula do mesmo jeito;
Ela quer ver como é a experiência em sala de aula, a experiência da aula, da
atividade;
Ela não vai fazer igual ao que observa porque não existe igual;
Os estagiários são orientados a não interferirem na aula, mas ela afirma que
interfere de qualquer jeito, mesmo sem interferir;
O estágio não é uma coisa fixa, parada, embora esteja somente observando;
Existe um movimento, que ele não é visto da mesma maneira que ela
uma xícara;
O movimento que existe no estágio é uma coisa de internos: o movimento do
professor atuando e o movimento interno do aluno que observa;
Você é capaz de ver algo no professor que nem ele está vendo;
Até o estagiário provoca uma mudança no comportamento do professor;
Os professores possuem certa resistência em aceitar os estagiários, talvez
porque não tenham consciência que eles estão ali para contribuir também
como o estagiário;
Uma terceira pessoa na sala que não seja o aluno sempre interfere.
195
Isaura vai percebendo o que é dar aula
O curso de Pedagogia vai ensinar a dar aula;
Ela sabia dar aula antes do curso, precisava aprender a estruturar a aula,
técnicas e métodos e a didática;
Ela vai se aprontando para dar aula, preparar a aula, mas na sala de aula
cada momento é um momento diferente;
Tudo influencia na maneira de elaborara a aula;
Tudo que é passado pelo professor é conteúdo;
Só o fato de chegar e escutar um pouco o aluno é conteúdo;
Vai ser trabalhando com conteúdos não oficiais que irá contribuir com a
formação do aluno;
Quando um aluno chora é importante perguntar o que está acontecendo;
Todas as crianças têm tanta necessidade que o que você conseguir passar
para eles já vai contribuir;
O fato de estar no estágio, com uma turma não oficial, influencia sua forma de
dar aula;
O jogo é um conteúdo escolar;
A aula começa de uma forma e com alguma pergunta ela toma outro rumo
que pode ficar interessante ou não;
Acredita que o curso oferece tanto elementos para a preparação da aula que
muitas vezes não se dá conta do valor de cada coisa;
Estar preparado para dar aula requer predisposição. Antes e durante o curso
de Pedagogia;
A formação de professores não se restringe às aulas, precisa ser ampliada
em outras atividades;
É importante que outros profissionais venham até a faculdade para trazer
alguma coisa de sua própria experiência, trazer informações de outros
setores da vida;
O ser humano tem muitas particularidades e tem reações imprevisíveis, o
professor precisa se preparar para isso;
Você pode se desestruturar por uma reação diferente do aluno se não estiver
preparado para ela;
Ela tem que se sentir segura do que está passando, senão como vai
conseguir passar (ensinar);
Se ela não entender o que está ensinando, como os alunos irão entender;
Se ela entender a atividade tem condições de ensinar melhor;
A sala de aula tem um contexto, não é só o professor, não é só o aluno;
Viu nos estágios coisas que não gostaria de fazer.
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