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FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA
FDV
Mestrado em Direito e Garantias Fundamentais
ACESSO À JUSTIÇA E A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO
PROCON
Paulo Sérgio Rizzo
Vitória-ES
JUNHO/2006
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Paulo Sérgio Rizzo
FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA
FDV
Mestrado em Direito e Garantias Fundamentais
ACESSO À JUSTIÇA E A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO
PROCON
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito e
Garantias Fundamentais, como requisito final para obtenção
de Título de Mestre, pela Faculdade de Vitória-ES, tendo
como orientador o Prof. Dr. José Roberto dos Santos Bedaque.
Vitória-ES
JUNHO/2006
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BANCA EXAMINADORA
FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA
FDV
_____________________________________________
Coordenador(a) Mestrado em Direito
_________________________________________________
Examinador(a)
________________________________________________
Examinador(a)
_________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. José Roberto dos Santos Bedaque
Dedico este trabalho ao meu pai (in memoriam), à
minha mãe, aos meus irmãos, meus amigos, meus
Mestres, e a todos que direta ou indiretamente
contribuíram para a execução e conclusão deste.
Se a democracia requer a construção jurídica das
“regras do jogo” e o direito é, assim, um meio
indispensável para modelar e garantir o “como”
da qualidade das instituições democráticas, a
razão é um instrumento necessário para elaborar
e interpretar o Direito. (Bobbio, 2004)
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo estudar o acesso à justiça, tendo como meio o PROCON em
sua função institucional em face de sua relevância na sociedade brasileira. O tema é bastante
interessante e útil nos dias atuais, tanto para os acadêmicos, quanto para os operadores do
Direito. Isso porque o PROCON, pelos estudos realizados, tem função institucional, atuando
em duas vertentes – social e específica – ora contribuindo para educação e informação do
consumidor, ora resolvendo e dirimindo conflitos entre as partes na relação de consumo
estabelecida. Em outro relevo, tal órgão visa à resolução de conflitos de interesses pela via
extrajudicial – por meio de audiências de conciliações, realização de termos de ajustamento
de conduta junto ao Ministério Público e, finalmente, a aplicação de sanções na esfera
administrativa com cominação de multas de acordo com o Decreto nº. 2.181/97. É de se
ressaltar, ainda, que o PROCON tem legitimidade ativa para postular em juízo a defesa do
consumidor, promovendo as ações coletivas, conforme dispositivo legal contido no art. 82 do
CDC. Nesse escopo, o referido trabalho está dividido em cinco capítulos: o primeiro,
introdutório; o segundo aborda os direitos e garantias fundamentais; o terceiro, uma breve
exposição sobre o movimento consumerista e sua evolução no Brasil; o quarto sobre acesso à
justiça e, finalmente, o quinto capítulo dispõe sobre o PROCON e sua função institucional.
Por fim, foram feitas algumas considerações sobre o tema abordado.
ABSTRACT
The objective of this work is to study access to the justice system, through the PROCON in its
institutional function, taking into consideration its relevance to Brazilian society. Nowadays,
this is a very interesting and useful theme as much for academics as it is for legal
professionals. This is because the PROCON, according to studies, has an institutional function
addressing two fronts – social and specific – at times contributing towards consumer
education and information while at other times resolving and settling conflicts between parties
in terms of consumer rights. On another plain, the purpose of this body is to resolve conflicts
of interest out of court – through conciliation, through settlements in conjunction with the
Department of Justice and, finally, through applying sanctions in the administrative sphere in
the form of fines according to decree nº. 2.181/97. Further to this, the PROCON is legally
able to defend the consumer, filing class actions, in compliance with legal provisions
contained in article 82 of the CDC (Consumer Protection Code). To this end, the above
mentioned work is divided into five chapters: in the first the introduction; in the second
fundamental rights and guarantees; in the third a brief explanation of the consumer movement
and its development in Brazil; in the fourth a look at access to justice and finally, in the fifth a
presentation of the CPA and its institutional functions. The work ends with some observation
on this theme.
LISTA DE ABREVIATURAS
CEDECON – Centro de Defesa do Consumidor
DPDC – Departamento de Proteção do Consumidor
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CINDEC – Centro Integrado de Defesa do Consumidor
IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
MP – Ministério Público
PROCON – Programa de Proteção ao Consumidor
SNDC - Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
SEDECON – Serviço de Defesa do Consumidor
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
...................................................................................................... 12
1. METODOLOGIA ........................................................................................... 16
2. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ....................... 19
2.1 Evolução dos direitos e garantias fundamentais .................................................... 20
2.2 Direitos individuais e coletivos ............................................................................... 24
2.3 Princípios do Código de Defesa do Consumidor .................................................... 28
2.3.1 O princípio da boa-fé objetiva .............................................................................. 30
2.3.2 Princípio da eqüidade ............................................................................................ 34
2.3.3 Princípios processuais no Código de Defesa do Consumidor. ............................ 35
2.3.3.1 Princípio da inversão do ônus da prova ............................................................ 36
3. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O
MOVIMENTO CONSUMEIRISTA
................................................... 43
3.1 Evolução das Relações Consumeristas no Brasil .................................................... 48
3.2 Limitações do Código de Defesa do Consumidor ................................................... 51
3.3 Vulnerabilidade do Consumidor .............................................................................. 54
4. ACESSO À JUSTIÇA E GARANTIAS PROCESSUAIS .. 59
4.1 Justiça e realidade sócio-econômico-política no Brasil ......................................... 62
4.2 Acesso à justiça ......................................................................................................... 66
4.3 O direito ao processo e o acesso à justiça ............................................................. 75
4.3.1 Tutela e garantia constitucional do acesso à justiça ........................................... 81
4.3.2 Isonomia .................................................................................................................. 83
4.3.3 Juiz natural ............................................................................................................. 87
4.4 Acesso do consumidor à justiça .............................................................................. 89
5. PROCON E SUA FUNÇÃO INSTITUCIONAL NA
SOCIEDADE BRASILEIRA
................................................................... 94
5.1 PROCON..................................................................................................................... 97
5.1.1 Órgãos sem personalidade jurídica legitimados para atuar em defesa do
consumidor .............................................................................................................. 98
5.1.2 Função social do PROCON..................................................................................... 102
5.2 Função institucional do PROCON............................................................................ 105
5.2.1 Meios alternativos de solução de conflitos (mediação - conciliação -
arbitragem) .............................................................................................................. 108
5.2.2 A comunidade na administração da justiça .......................................................... 109
5.2.3 Necessidade de permanente pesquisa interdisciplinar entre os órgãos
de defesa do consumidor ........................................................................................ 110
5.2.4 Atribuições preventivas do PROCON: informação, conscientização
e educação ............................................................................................................... 111
5.2.5 Atribuições coibitivas e repressivas do PROCON .......................................... 113
5.2.6 Conciliação no PROCON....................................................................................... 114
5.2.7 Sanções aplicadas pelo PROCON.......................................................................... 115
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 117
REFERÊNCIAS
......................................................................................................... 122
INTRODUÇÃO
As mudanças sociais ainda na modernidade provocam alterações significativas na
ciência do direito, sobretudo no direito das obrigações e na concepção de fonte jurídica. O
entendimento nesta época de fonte do direito está fundamentado em teorias subjetivas e
individualistas, que focalizam a vontade como centro referencial de toda a sistemática
jurídica. Por trás dessas concepções, está a ideologia clássica do liberalismo, partindo-se da
premissa da liberdade, igualdade e propriedade como direitos naturais do homem. E como o
homem é naturalmente livre, a vontade é o único meio pelo qual ele pode abdicar dessa
liberdade e contrair deveres.
O Ministério Público tem sido o agente mais importante na defesa de direitos coletivos
pela via judicial e, dado que os conflitos relativos a tais direitos têm geralmente conotação
política, pode-se dizer que também têm impulsionado um processo mais amplo de
judicialização de conflitos políticos e, no sentido inverso, de politização do sistema judicial.
Esse duplo movimento de judicialização/politização tem balizamentos jurídicos e
políticos. Do ponto de vista legislativo, desde pelo menos o início dos anos 80, tem-se
assistido a um importante processo de normatização de direitos que, em função de sua
natureza difusa e/ou coletiva, encontravam-se até então excluídos do ordenamento jurídico
brasileiro.
Podem ser apontadas nesse escopo algumas áreas como o meio ambiente, patrimônio
histórico, cultural e direitos do consumidor, num primeiro momento. Em seguida, essa
normatização ampliou-se em direção ao patrimônio público e ao controle da probidade
administrativa, até chegar aos serviços de relevância pública que envolvem direitos
fundamentais como saúde, educação, trabalho, segurança, lazer etc. O instrumento capaz de
ensejar a defesa judicial de tais interesses e direitos — a ação civil pública — teve sua
existência legal regulamentada em 1985.
Do ponto de vista político, a redemocratização do país provocou um forte impacto
sobre o sistema de justiça. Em decorrência deste acontecimento, as demandas por justiça se
avolumaram, surgindo daí reivindicações populares. Em contrapartida, com o Estado
democrático de direito, realçou, novamente, as ‘figuras’ dos juízes e árbitros, que a partir
de então, retomaram sua legitimidade, para decidir conflitos que surgiam na sociedade
brasileira.
Em conseqüência disso, veio a Constituição de 1988, que representou um marco
jurídico e político de todo esse processo de transformação pelo qual o Brasil havia passado, e
que ainda estava se moldando às novas realidades impostas por esse período de transição. A
Carta Política veio consolidar, em norma fundamental, mudanças legislativas anteriores, que
já sinalizavam antigas aspirações do povo brasileiro, principalmente na área dos direitos
difusos e coletivos, além de subsidiar novas bases que pudessem trazer novas codificações de
novos direitos “transindividuais.”
A então Constituição Federal de 1988, denominada de Constituição “Cidadã”, lançou
também as instituições judiciais à esfera política quando ampliou as formas de controle
judicial da constitucionalidade de atos normativos do Executivo e de leis do Parlamento.
1
Assim, o Ministério Público passou a desempenhar suas funções como guardião da lei e da
sociedade.
O impacto dessas transformações na sociedade impuseram, de certa forma, mudanças
jurídicas, as quais se fazem sentir em diversas áreas e, no caso em tela, como na defesa do
consumidor, no controle da administração pública e até nos serviços de relevância pública
envolvendo direitos sociais básicos.
Nesse mesmo sentido, o Estado traz para si o poder de conceder Justiça, a mesma
justiça que é fundamental na sociedade e que tem por objetivo primeiro resolver os conflitos
sociais, com intuito de manter a ordem e o bem-estar social. Talvez por seu caráter de serviço
público, assim como educação, saúde e tantos outros assegurados pela Carta Política de 1988,
vem despertando um sentimento de descrédito no âmbito da sociedade brasileira, em função
da ineficiência e inércia do Estado, que tem o dever de dar justiça e fazer justiça.
Por isso mesmo, buscou-se a discussão voltada para a função institucional do
PROCON, órgão responsável em dirimir conflitos entre prestadores de serviços, fornecedores,
fabricantes de produtos e o consumidor, ressalvando que, apesar dos avanços apregoados pelo
1
ARANTES, Rogério Bastos. Judiciário e política no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré/EDUC/ FAPESP,
2002. pp. 39-56.
Estado, representado pelo atual governo, dando mostras dos cenários econômico social, de
que tudo está sendo conduzido com justiça e pela justiça, o que se vê é um aumento da
miséria que claramente contradiz aquilo que se divulga nos meios oficiais.
A realidade social brasileira vem demonstrando, todos os dias, que a maioria da
população necessita da assistência jurídica integral, por uma série de motivos, e os principais
deles é a falta de recursos, a falta de informação e principalmente a inoperância do Estado.
A título de informação, é oportuno mencionar os números divulgados pelos IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2002), dos quais 50 milhões de pessoas estão
abaixo da linha da pobreza, 70 % da população tem renda familiar de até 3 (três) salários
mínimos, 83 % da população dos assalariados tem renda mensal de até 5 (cinco) salários
mínimos, 10 % mais ricos apropriam-se de 50,6 % da renda nacional enquanto que os 10 %
mais pobres apropriam somente 7 % da renda nacional.
Assim, entende-se que, diante do cenário mostrado acima, o Estado, principalmente,
não pode adotar medidas simplistas e muito menos assistencialistas, que não produzem os
efeitos necessários e esperados, pois é lícito dizer que “todos devem ser tratados igualmente”,
mesmo relembrando a máxima que num Estado democrático, pressupõe “tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais”, evidenciando, no entanto, que a exclusão social é um
dos maiores obstáculos do livre acesso à justiça, pois o seu pleno acesso só será possível se a
pobreza for erradicada ou, quando nada, dar aos excluídos, a chance de efetivamente ter
acesso à justiça, o que só será possível com a intervenção do Estado, flexibilizando o
judiciário por meio de um processo democrático, possibilitando realmente uma justiça
equânime e justa.
Assim, espera-se que diante do caso concreto, se for o caso, o julgador possa melhor
equacionar os conflitos existentes os quais se avolumam diariamente no seio do Judiciário e
que as diferenças sociais, culturais, econômicas e educacionais não sejam “divisores de água”
na justiça brasileira.
Diante desse entendimento buscou-se a função institucional do PROCON, pois este
órgão foi criado para atender a todos, mas principalmente, aqueles que de fato necessitam de
justiça para resolver conflitos de ordem econômica, mas que pelos motivos já mencionados,
têm dificuldade no acesso efetivo à justiça, creditando no PROCON, amparado pelo
Ministério Público, para representar e trazer para a sociedade, a segurança, usando de suas
prerrogativas e tudo que lhe é inerente dentro de suas funções.
Logo, estabeleceram-se, como estrutura do referido trabalho tópicos que abordam os
pontos considerados relevantes para o tema proposto, os quais estão divididos em cinco
capítulos, sendo o primeiro introdutório mostrando de maneira geral aquilo que se pretendeu
dissertar no referido trabalho.
O segundo capítulo discorre sobre os direitos e garantias fundamentais num Estado
democrático, com breves comentários sobre a evolução dos direitos tutelados pela Carta
Política brasileira, bem como sobre os direitos individuais e coletivos e os princípios do
Código de Defesa do Consumidor.
O terceiro capítulo aborda sobre as relações consumeristas, sua evolução no Brasil, as
Limitações do CDC – Código de Defesa do Consumidor e a vulnerabilidade do consumidor.
O quarto capítulo trata do acesso à justiça e as garantias processuais para aos
consumidores, direito ao processo e princípios inerentes à matéria.
No quinto capítulo versa sobre o PROCON e sua função institucional na sociedade
brasileira, como “fonte” de mecanismos para a defesa e proteção do consumidor brasileiro e
como meio facilitador de acesso à justiça.
O último capítulo apresenta considerações finais acerca do tema, ressaltando a
necessidade de aprimoramento e organização institucional do PROCON sempre impulsionado
pela satisfação dos interesses sociais.
Entendendo que a atuação do Estado vem conferir efetividade aos princípios e
objetivos traçados pelo legislador consumerista, no que está juridicamente amparado, nos
termos do artigo 4.º, inciso II, da Lei n.º 8.078/90, que prevê, entre os princípios da Política
Nacional das Relações de Consumo, a ação governamental no sentido de proteger
efetivamente o consumidor. Além disso, nunca é exaustivo lembrar que o Código de Defesa
do Consumidor é integrado por normas jurídicas de ordem pública e interesse social.
1. METODOLOGIA
Tem-se observado a grande modificação estrutural que o Direito vem sofrendo ao
longo do tempo, o que pode ser constatado nos cursos de pós-graduação que vem se
intensificando e tomando corpo cada vez mais científico. No entanto, é de fácil observação
que na área do Direito, ainda carece de um pouco mais de cientificidade nas pesquisas
elaboradas, considerando que o Direito é um dos cursos superiores mais importantes e mais
completos, pois ele envolve praticamente todas as áreas inerentes ao conhecimento do
homem.
Partindo da premissa de que os estudos referentes ao tema escolhido são bastante
escassos, optou-se, por isso mesmo, por um estudo a respeito do referido tema, que é “Acesso
à justiça e a função institucional do PROCON”. Quanto à abrangência do tema, esta foi uma
questão bastante pensada e indagada, até que definisse a questão central a ser abordada.
Tomou-se o cuidado de não “abranger” e nem “dilatar” o tema escolhido, para não
incorrer na prolixidade; em outras palavras, a objetividade no tratamento e dissertação do
assunto proposto, foi o primeiro objetivo estabelecido para a elaboração do tema.
Não fazia sentido, então, buscar um tema amplo demais que perdesse a precisão e a
acuidade, mesmo porque, a abrangência demanda muita experiência por parte do autor e
muitos anos de conhecimento teórico.
A etapa considerada de fundamental importância foi a elaboração do projeto de
pesquisa; dividiu-se o tema escolhido em tópicos de maneira detalhada, nos quais foram
identificados: a importância do tema; a justifica para se abordar esse tema; os objetivos –
geral e específicos; as hipóteses de trabalho; o universo pretendido para a pesquisa; conceitos
básicos inerentes ao assunto proposto; metodologia; materiais a serem consultados; um
pequeno cronograma das atividades a serem desenvolvidas e a bibliografia a ser trabalhada
num primeiro momento, e a partir dessa, buscaram-se outras atividades como complementos e
suporte técnico e cientifico, dentro da doutrina jurídica especifica. Após esta fase, traçou-se
um roteiro para a dissertação, propriamente dito, constando da descrição dos capítulos,
igualmente dos seus itens e subitens.
Baseado nesse entendimento, esta dissertação teve por objetivo procurar uma forma de
contribuição para criação de critérios de soluções de conflitos na esfera do direito do
consumidor, no que diz respeito à função institucional do PROCON e o acesso à justiça, a
partir de uma análise mais detida deste órgão. Buscou-se também, no âmbito do Direito
Processual Civil, uma forma de solucionar os conflitos de interesse na esfera do direito do
consumidor.
Ao formular as perguntas para nortear e delinear a presente dissertação, indagou-se
sobre a possibilidade de se estabelecer critérios objetivos a uma análise interdisciplinar da
solução de conflitos extrajudicial na defesa do consumidor em um órgão descentralizador do
Estado como o PROCON.
Para proposta das hipóteses buscou-se embasamento no preceito de Sérgio
Vasconcelos de Luna no qual ele se posiciona dizendo que “a admissão de uma hipótese no
campo das ciências sociais tem sido alvo de muitas críticas, em virtude de sua vinculação com
o método positivista de tratar a pesquisa.”
2
A metodologia utilizada foi o método de pesquisa bibliográfica a fim de fomentar o
embasamento teórico do tema. Optou-se por este método, pois a referida pesquisa é
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos, segundo Antônio Carlos Gil.
3
O levantamento bibliográfico foi iniciado quando da definição do tema, o que facilitou
a elaboração e o desenvolvimento da pesquisa; necessário se fez catalogar o material coletado,
separando-os por assuntos específicos obedecendo a uma ordem alfabética, pontuados em
fichas, o que facilitou a localização deles.
Após exaustiva consulta em material bibliográfico, como livros, revistas uma das
quais pode ser citada, Revista de Direito do Consumidor, pois esta trouxe a principal fonte de
divulgação de pesquisas cientificas; artigos indexados; houve a seleção do material do qual
extraiu-se o que mais fosse pertinente ao tema a ser dissertado; e delimitou-se o tema, a partir
da atuação do PROCON como órgão descentralizador da atividade estatal e a sua atividade na
defesa do consumidor de forma extrajudicial.
2
LUNA, Sérgio Vasconcelos de. Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo: EDUC, 1996. pp. 10-
39.
3
GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1999. p. 27-35.
Para a elaboração dessa dissertação, viu-se a necessidade de buscar fontes
bibliográficas, quanto mais específicas, melhor seria o entendimento e mais facilitaria a
elaboração textual desse trabalho, eliminando; portanto, as obras mais genéricas que em nada
acrescentaria ao tema proposto. No entanto, devido à escassez de material bibliográfico que
aborda o tema específico – PROCON – existiu a obrigatoriedade de utilização de obras
básicas que são de leitura obrigatória para formação na área, para que se pudesse extrair a
parte histórica pertinente ao tema.
Descrita a metodologia utilizada nessa dissertação, cabe, neste momento, dizer que a
parte textual do referido trabalho está dividida em cinco capítulos mencionados e descritos na
parte introdutória deste, bem como os objetivos de forma sucinta, o que possibilitará ao leitor
a visualização desse trabalho, de maneira clara e simples.
2. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Num estado de direito democrático há que “reinar” o bem estar social, advindo da
tutela concedida pela Constituição Federal de 1988, na qual constam e determinam os direitos
e garantias do homem devem ser respeitados independentemente de cor, credo, etnia,
diferenças biológicas e culturais. Dessa forma, entende-se que os direitos e garantias
fundamentais devem ser respeitados.
Sobre isso Fábio Konder Comparato entende que,
[...] a revelação de que todos os seres humanos, apesar das inúmeras
diferenças biológicas e culturais que os distingue entre si, merecem igual
respeito, como únicos entes do mundo capazes de amar, descobrir a verdade
e criar a beleza. É reconhecimento universal de que, em razão dessa radical
igualdade, ninguém - nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo
religioso ou nação - pode afirmar-se superior aos demais.
4
Dentre os direitos e garantias fundamentais está a dignidade da pessoa humana.
Importa dizer que esta não consiste apenas do fato de ser ela, diferentemente das coisas, mas
um ser considerado e tratado como um fim em si mesmo, e nunca como um meio para a
consecução de determinado resultado. Ela resulta também “do fato de que, pela sua vontade
racional, só a pessoas vivem em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se
pelas leis que ele próprio edita.
5
Daí decorre que todos os seres humanos “têm dignidade e não um preço, como as
coisas.” A humanidade como espécie, e cada ser humano em sua individualidade, é
propriamente insubstituível: “não tem equivalente, não pode ser trocado por alguma coisa.”
6
Eis, portanto, uma das maiores questões implícitas nas sociedades contemporâneas, a
própria dignidade da pessoa humana, como ser, que deve ter seus valores arraigados nos
propósitos a que destina, e não rotulada com preços e escala de valores mercadológicos.
4
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 1.
5
COMPARATO, ob. cit. p. 21.
6
Idem, ibidem.
2.1 Evolução dos direitos e garantias fundamentais
Entende-se que direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa
humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igualitária. Não
basta ao Estado reconhecê-los formalmente. É preciso buscar concretizá-los, incorporá-los no
dia-a-dia dos cidadãos e de seus agentes.
Todas as Constituições brasileiras contiveram enunciados de direitos individuais. A de
1824, em seu artigo 179, garantia “a inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos
Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade.”
A Constituição de 1891, no artigo 72, destinava uma seção à declaração de direitos,
assegurando a “brazileiros e a estrangeiros residentes no paíz a inviolabilidade dos direitos
concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade.”
Editava a Constituição de 1934, após a Constituição alemã de Weimar, que continha,
ao lado de um título denominado “Das Declarações de Direitos”, um outro dispositivo sobre a
ordem econômica e social, incorporando ao Texto Constitucional, diversos direitos sociais. A
tutela a essa nova modalidade de direitos sociais, permaneceu em todas as demais
Constituições.
A Carta de 1937 consagrava os direitos, mas o art. 186 declarava “em todo o país o
estado de emergência”, com a suspensão de diversas dessas garantias. Esse estado de
emergência foi revogado apenas em novembro de 1945 e em 1946 a Constituição destinou o
Título IV à declaração de direitos. Esse enunciado resta dizer de direitos fundamentais
permaneceu nas Constituições de 1967 e 1969, muito embora ambas contivessem dispositivos
que excluíam da apreciação judicial os atos praticados com base em atos constitucionais, nos
artigos 173 e 181.
Veio então, a Constituição de 1988, intitulada “Constituição Cidadã”, que inovou ao
dispor sobre os direitos fundamentais antes de tratar da organização do próprio Estado, bem
como ao incorporar junto à proteção dos direitos individuais e sociais a tutela dos direitos
difusos e coletivos. Reporta-se então ao art. 5º. da Constituição Federal que afirma que todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberalidade, à
segurança e à propriedade.
Alexandre de Moraes diz que a expressão “residentes no Brasil”, deve ser
interpretada no sentido de que a Constituição Federal só pode assegurar a validade e gozo
dos direitos fundamentais dentro do território brasileiro
7,8
, não excluindo, pois, o estrangeiro
em trânsito pelo território nacional, que possui igualmente acesso às ações, como o mandado
de segurança e demais remédios constitucionais.
Assim, entende-se que diante do exposto, que estão englobados na proteção
constitucional tanto os estrangeiros residentes no país, quanto aqueles em trânsito no país,
pois ambos são titulares dos direitos fundamentais.
Inicia-se com esta abordagem, pois o tema a ser tratado engloba todos os cidadãos
protegidos constitucionalmente em seus direitos coletivos e individuais. Isso porque, os
direitos fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da
fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjunção
dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das idéias surgidas com cristianismo e com o direito
natural, segundo Alexandre de Moraes
9
.
Essas idéias encontravam um ponto fundamental em comum, a necessidade de
limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades
constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como
regentes do Estado moderno e contemporâneo.
Tem-se, então, a idéia de que os direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento
da idéia de constitucionalismo, que somente consagrou a necessidade de acrescentar um rol
mínimo de direitos humanos em documento escrito, que emanado da vontade do povo, mas
que, contrariamente às regras positivadas, sempre são postas de lado.
Sobre a rigidez da Constituição Federal, Alexandre de Moraes afirma que “rígidas são
as constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e
dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas, a exemplo do art.
60 da CR/88.”
10
7
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria Geral. Comentários 1º. a 5º. da CR. São
Paulo: Atlas, 2001. p. 82
8
RTJ 3/566
9
Ob. cit. p. 23
10
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 37.
Ao que parece, no entanto, que a rigidez de uma Constituição ajuda a configurar a
supremacia das suas normas, porém, não consegue, por si só, angariar a mesma tal status, o
que significa dizer que o simples fato de uma constituição ser rígida não lhe garante a
observância como norma suprema.
Dessa forma, entende-se ser mais correto afirmar que a rigidez constitucional ajuda a
conferir maior estabilidade e segurança às Constituições, vedando que se altere o que foi
estatuído sob intenso debate na Assembléia Constituinte. De forma diversa é o que ocorre na
elaboração das leis ordinárias, bastando a presença de quorum simples.
Sendo assim, tem-se que a supremacia constitucional é importante porque expressa a
soberania popular, o reflexo dos ideais de um povo. A rigidez constitucional, por sua vez,
implica a garantia de que a vontade soberana cravada na Constituição somente será alterada
por meio de processo mais dificultoso, o que implica dizer, ou pelo menos deveria, que o
Texto Maior somente será alterado após ser intensamente discutida a proposta que contar com
maioria significativa do parlamento.
No entanto, sobre os direitos fundamentais, deve-se ressaltar que o importante não é
apenas positivar os direitos fundamentais, mas dotá-los de meios capazes de se tornarem
efetivos no mundo jurídico e, com isso, que não venham a ser passíveis de constantes
violações.
Sobre isso, Norberto Bobbio deixa claro que o campo dos direitos fundamentais tem
caminhos desconhecidos e,
(...) além do mais, numa estrada pela qual trafegam, na maioria dos casos,
dois tipos de caminhantes, os que enxergam com clareza, mas têm os pés
presos, e os que poderiam ter os pés livres, mas têm os olhos vendados
11
.
Norberto Bobbio aponta para a necessidade de que esses direitos não fiquem à mercê
do abuso deliberativo das maiorias. Para se expressar de forma mais clara sobre o que ficou
indicado por ele, basta observar que os estados vêm implementando uma política liberalizante
de suas economias e, por conseqüência, negligenciam a prestação efetiva dos direitos
11
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus. 1992,
p. 37, in: Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 19, p. 191–216,
jan./jun. 2002.
fundamentais, principalmente aqueles que demandam uma ação estatal positiva, a exemplo
dos direitos sociais.
É importante reportar ao § 1º, do art. 5º da Constituição brasileira de 1988. Ingo
Wolfgang Sarlet aponta que
(...) os direitos fundamentais, em razão de multifuncionalidade, podem ser
classificados basicamente em dois grandes grupos, nomeadamente os
direitos de defesa (que incluem os direitos de liberdade, igualdade, as
garantias, bem como parte dos direitos sociais – no caso, as liberdades
sociais – e políticos) e os direitos a prestações (integrados pelos direitos a
prestações em sentido amplo, tais como os direitos à proteção e à
participação na organização e procedimento, assim como pelos direitos a
prestações em sentido estrito, representados pelos direitos sociais de
natureza prestacional).
12
Na verdade, entende-se que os direitos fundamentais do homem representam situações
reconhecidas juridicamente, sem as quais o homem é incapaz de alcançar sua própria
realização e desenvolvimento de maneira plena. Em síntese, no resultado da “luta” dos
homens por um direito ideal, justo e humano, foram e vão sendo aperfeiçoados e estendidos
ao longo do tempo, isto é, a evolução desses direitos fundamentais no acompanhamento da
história da humanidade.
E, é em função desta sua qualidade evolutiva na busca por um direito ideal, justo e
humano, que se pode afirmar que tais direitos indicam e exprimem a necessidade de verificar
a solidariedade entre os homens, a cooperação em cada e em todos os relacionamentos
humanos, expressões da vida em comunidade. Por outras palavras, isso quer dizer que a
realidade dos direitos fundamentais à existência dos homens, sob a ótica do idealizado pela
ética moral de vida vigorante, só pode ser concretizada com o reconhecimento do dever de
solidariedade.
Assim considerados, sob a luz do entendimento da cooperação e da solidariedade entre
os homens, os direitos fundamentais designam, portanto, direitos que se erguem
constantemente diante do poder estatal, limitando a ação do Estado. Por isso, pode-se afirmar
que os direitos fundamentais têm como fonte a vontade soberana de cada povo, quando
transportada a questão para o âmbito interno de cada país.
12
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.
255. in: Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Brasília, Ano 10, vol. 19, p. 191–216, jan./jun. 2002.
No entanto, há de se dizer que eles não são estabelecidos pelas Constituições políticas,
as quais apenas os certificam, declaram e garantem, já que sua realidade é relativamente
anterior à formalização da existência do Estado, porquanto aqueles direitos encontram
sustentação na vontade soberana do povo. Expressando a unidade política de um povo frente a
outros povos, o Estado, que é um simples instrumento a serviço da coletividade, tem, no
mínimo, o dever de respeitar os direitos fundamentais erguidos pelos homens que integram a
população de um país e, conseqüentemente, de proporcionar as condições para o seu
exercício.
2.2 Direitos individuais e Coletivos
Tais direitos têm como ponto marcante a liberdade, seja ela tomada de uma maneira
global ou especificada como liberdade de associação, de reunião. De acordo com José Luiz
Quadros de Magalhães compõem este quadro os direitos à vida, propriedade, segurança,
igualdade.
13
Os direitos individuais são caracterizados pela prestação negativa por parte do Estado.
Tal fato significa que este deve obedecer a determinadas limitações face ao cidadão, o qual
tem o direito a não sofrer invasões, de se ver livre de atitudes arbitrárias. Tais restrições são
também impostas aos outros indivíduos apesar de especialmente voltadas para as atitudes das
autoridades públicas.
Enfim, segundo Wilson Accioli os direitos individuais são todos aqueles que
constituem a personalidade do homem, e cujo exercício lhe corresponde exclusivamente sem
outro limite que o do direito correspondente.
14
Entende-se que seria interessante abordar a diferenciação entre direitos e garantias
individuais, que segundo Alexandre de Moraes, no Direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa,
ao separar as disposições meramente declaratórias, as quais imprimem existência legal aos
direitos reconhecidos e às disposições assecuratórias, que em defesa dos direitos, limitam o
poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na
13
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna. 1a.ed. Belo Horizonte:
Interlivros Jurídica de Minas Gerais Editora, 1992. pp. 45-47.
14
ACCIOLI, Wilson. Instituições de Direito Constitucional. 1 ed..Rio de Janeiro : Forense, 1978. p. 530.
mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do
direito.
15
Para J. J. Canotilho, rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora
muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de proteção dos direitos.
As
garantias, segundo Canotilho, traduzem-se quer nos direitos dos cidadãos a exigir dos poderes
públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais
adequados a essa finalidade – a exemplo do direito de acesso aos tribunais para defesa dos
direitos, princípios do nullum crimen sine lege e nulla poena sine crimen, direito de habeas
corpus, princípio do non bis in idem.
16
A mesma diferenciação, segundo Alexandre de Moraes faz Jorge Miranda
17
afirmando
que
Clássica e bem atual é a contraposição dos direitos fundamentais, pela sua
estrutura, pela sua natureza e pela sua função, em direitos propriamente ditos
ou direitos e liberdades, por um lado, e garantias por outro lado. Os direitos
representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a
fruição desses, bens; os direitos são principais, as garantias acessórias e,
muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser objeto de um regime
constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e
inserem-se direta e imediatamente, por isso, as respectivas esferas jurídicas,
as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na
acepção juracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias
estabelecem-se.
Como bem colocado por Jorge Miranda a distinção que se faz entre direitos e garantias
é simples, pois os direitos representam certos bens e as garantias destinam-se a assegurar
esses bens.
Já os direitos coletivos, de acordo com José Afonso da Silva
18
, no Capítulo I do Título
II, anunciam uma especial categoria dos direitos fundamentais: os coletivos, mas nada mais
diz a seu respeito. Diz ele, que tais direitos estão “espalhados” ao longo da Constituição
Federal. Lembra, entretanto, que na Constituinte, houve proposta de ser destinado um capítulo
somente para assegurar os direitos coletivos, mas que não foi consolidada tal proposta.
15
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. pp.63-64.
16
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 520. in: Moraes (2004) op.
Cit. p. 64.
17
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. p. 88-89. in:
MORAES (2004) ob. cit.
18
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23 ed. Malheiros Editores, 2003. p. 194.
Assim, os direitos coletivos sobrevivem no Texto Constitucional caracterizados em
sua maioria como direitos sociais, como a liberdade de associação profissional e sindical (arts.
8º e 37, VI), o direito de greve (arts. 9º. e 37, VII), o direito de participação de trabalhadores e
empregadores nos colegiados de órgãos públicos (art. 10).
Observa-se que apenas as liberdades de reuniões e de associação estão dispostas no
art. 5º., XVI a XX, o direito de entidades associativas de representar seus filiados (art. 5º.,
XXI) e os direitos de receber informações de interesse coletivo (art. 5º., XXXIII) e de petição
(art. 5º., XXXIV), como diz José Afonso da Silva alguns deles não são propriamente direitos
coletivos, mas direitos individuais de expressão coletiva, como as de liberdade de reunião e de
associação e, restam subordinados à rubrica dos direitos coletivos.
Como pode ser denotado pela análise do artigo 5º do referido Diploma Legal, todos
aqueles que se encontram no território nacional estão protegidos pelo texto constitucional,
cabendo dizer que pessoas jurídicas também estão abrigadas pelo artigo referido.
O inciso XXXII, do artigo 5º referido acima, assevera que o Estado promoverá a
defesa do consumidor na forma da lei. Vê-se que o constituinte inseriu este inciso nos direitos
individuais fundamentais por entender que o direito do consumidor, em verdade, retrata uma
expressão da cidadania. Como conseqüência, o serviço público essencial prestado direta ou
indiretamente pelo Estado deve ater-se às regras do direito consumerista.
Ainda, não só sobre os direitos, mas também sobre os deveres individuais e coletivos,
menciona José Afonso da Silva,
(...) os conservadores da Constituinte clamavam mais pelos deveres do que
pelos direitos. Postulavam, até que se introduzissem aí deveres individuais e
coletivos. Não era isso que queriam, mas uma declaração constitucional de
deveres, que se impusessem ao povo. Ora, uma Constituição não tem que
fazer declaração de deveres paralela à declaração de direitos. Os deveres
decorrem destes na medida em que cada titular de direitos individuais tem o
dever de reconhecer e respeitar igual direito do outro, bem como o dever de
comportar-se, nas relações inter-humanas, com postura democrática,
compreendendo que a dignidade da pessoa humana do próximo deve ser
exaltada como a sua própria.
19
19
SILVA, Ob. cit. pp. 194-195.
Na verdade, de acordo com os ensinamentos de José Afonso da Silva, os deveres, que
decorrem dos incisos do art. 5º., têm como destinatário mais o Poder Público e seus agentes
em qualquer nível do que os indivíduos em particular, no que, estudando detidamente,
concorda-se com o doutrinador. Isso porque, a inviolabilidade dos direitos assegurados impõe
deveres a todos, mas especialmente às autoridades e detentores de poder, a exemplo do dever
de propiciar ampla defesa aos acusados, o dever de só prender alguém por ordem escrita de
autoridades judiciária competente, salvo nos casos de transgressões militares e crimes
propriamente militares, o dever de comunicar a prisão de alguém e o local onde se encontre ao
juiz competente e à família do preso, o dever de informar ao preso os seus direitos, entre os
quais o de permanecer calado, assegurada a assistência da família e de advogado, o dever de
identificação, ao preso, dos responsáveis por sua prisão ou interrogatório, o dever de respeitar
a integridade física do preso etc. (art. 5º, XLIX, LXII, LXIII e LXIV).
No entanto, trata-se de novidade constitucional em termos de direitos individuais a
proteção do consumidor. A Carta Magna demonstra claramente esta preocupação do
legislador constituinte com as modernas relações de consumo, e com a necessidade de
proteção dos economicamente hipossuficientes. Desta forma, fez-se necessária a proteção do
consumidor face à inexistência de instrumentos eficazes de proteção ao consumidor, que
garantissem seus direitos mais básicos, como, por exemplo, a alimentação. Assim sendo, a
defesa do consumidor foi erigida como um direito individual, de modo a determinar-se a
edição de norma ordinária regulamentando não só as relações de consumo, mas também os
mecanismos de proteção e efetividade desses direitos do consumidor.
Sob este aspecto, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo
48, demonstra a preocupação do legislador constituinte com essa matéria, ao determinar que o
Congresso Nacional deveria, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição,
elaborar Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, apesar do descumprimento do prazo, o
citado Código acabou sendo editado.
A edição do CDC (Lei 8.078/90, alterada parcialmente pelas leis nºs. 8.656/93,
8.703/93, 9.008/95 e 9.298/96) regulamentou o presente preceito constitucional,
estabelecendo as regras necessárias à proteção das relações de consumo e do próprio
consumidor.
Neste sentido, essa nova visão constitucional, em termo de inovação do rol dos
direitos humanos fundamentais, de proteção do consumidor, deve ser compatibilizada com
preceitos tradicionais já existentes, como a livre iniciativa e a livre concorrência.
2.3 Princípios do Código de Defesa do Consumidor
A Constituição Federal de 1988 ressaltou os Direitos fundamentais, individuais e
coletivos, elevando-os à categoria de garantias constitucionais, procurando, com isso,
assegurá-los de tal forma que não possam ser total ou parcialmente modificados, senão por
outro processo constituinte.
A partir do princípio da isonomia, a Constituição garantiu direitos fundamentais,
trazidos como verdadeiros pilares em que deve basear-se o Direito à própria vida, ao próprio
corpo e imagem, liberdade, dignidade, saúde, segurança, educação, informação, desses
decorrentes.
Refletindo esses princípios constitucionais, o Código de Proteção e Defesa do
Consumidor, também instituído a partir da Magna Carta, artigo 5
o
, inciso XXXII, e artigo
170, inciso II, foi erigido sobre leis principiológicas, assim estabelecendo a Política Nacional
das Relações de Consumo que trazem expressos os princípios nos quais se fundam.
O art. 4º, I, da Lei 8.078/90 reconhece de forma clara a vulnerabilidade do consumidor
no mercado de consumo e no art. 5º e incisos estão disciplinados os instrumentos de atuação
do Poder Público para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo,
notadamente com a criação de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, Delegacias
de Polícia especializadas nas infrações penais de consumo, incentivo à criação de Associações
de Defesa do Consumidor e a manutenção de assistência jurídica integral e gratuita ao
consumidor carente.
Assim é que o artigo supra, enumera como primeiro princípio, o reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, visando assegurar a igualdade, na
medida em que o desequilíbrio dos contratos de consumo deverão ser sopesados a fim de ser
atingida a igualdade real a que se propõe.
A esse princípio básico se seguem aqueles do próprio artigo 4
o
e 6
o
do Código de
Defesa do Consumidor, estes últimos também tratados como Direitos básicos do consumidor,
que são: a boa-fé-objetiva nas relações jurídicas de consumo, o que significa que
diferentemente da regra de boa-fé dos contratos civis a ser inserida como cláusula entre as
partes, nas relações jurídicas de consumo tuteladas pelo Código do Consumidor a regra é a da
boa-fé havida de ambas as partes, ou seja, o fornecedor ao colocar no mercado produto ou
serviço e, em contrapartida, o consumidor ao usá-lo ou adquiri-lo, como destinatário final.
Outro princípio é o da responsabilidade civil objetiva, segundo o qual, o fornecedor
responde civilmente pelos danos causados ao consumidor em razão do objeto da relação
jurídica. Nestes casos, estabelecido o nexo causal, será o fornecedor responsável pela
prevenção e reparação dos danos que possa sofrer o consumidor em razão de usar ou adquirir
os produtos colocados no mercado com defeito. É o que se depreende da inteligência do artigo
6
o
, inciso VI do diploma legal – “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais e coletivos, causados ao consumidor.”
Ainda, tem-se o princípio da proibição das cláusulas contratuais abusivas, que são
aquelas que trazem ao consumidor onerosidade excessiva em benefício exclusivo do
fornecedor; deste princípio decorre o da conservação dos contratos de consumo, segundo o
qual, mesmo diante de uma abusividade a ser necessariamente afastada, poderá ser mantido o
contrato, desde que não se atinja a essência do objeto contratual com a abusividade referida.
Como se vê, já quanto aos princípios que atingem os contratos de consumo,
propriamente ditos, o Código de Defesa do Consumidor instituiu verdadeira revisão no seu
sistema de proteção, levando-se em conta o Código Civil de 1916, que trazia a prevalência da
autonomia da vontade das partes contratantes, vale dizer, acreditava-se que as cláusulas
contratuais fossem elaboradas de maneira a refletir o que realmente desejavam os envolvidos
na relação jurídica e por esta razão, fundavam o princípio da pacta sund servanda, assim
prevalecendo como lei entre as partes que contrataram.
Com o advento do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/02) , os contratos passaram a
sofrer influência do “dirigismo contratual”, ou seja, apesar da autonomia da vontade
prevalecer, deverão ser observados outros princípios de ordem pública, como por exemplo, o
da boa-fé objetiva e do interesse social.
Convém, ainda, ressaltar entre os princípios que notadamente interessam ao presente
trabalho, o da transparência, informação correta e precisa, o da pré-oferta vinculante, além da
proibição da publicidade enganosa ou abusiva. Quanto a esses, cumpre destacar que
transparência não significa estampar restrições ou denúncias, ou ainda qualquer outro
conteúdo que não possa ser tolerado pelo novo sistema, em cláusulas contratuais que deixam
de ‘fazer lei entre as partes’, independentemente do que pudessem trazer em seu conteúdo.
Dentre os princípios aqui elencados, também serão abordados, o da facilitação do
acesso à justiça
20
, com a inversão do ônus da prova se a critério do juiz for o consumidor
considerado hipossuficiente; o da prestação dos serviços públicos adequados e eficazes; o da
educação para o consumo
21
, tem-se no sistema da proteção contratual do Código de Defesa do
Consumidor um rol exemplificativo, estampado no artigo 51, das cláusulas contratuais
abusivas, sempre complementado pelo dispositivo do próprio parágrafo 3
o
, que estabelece que
são abusivas todas aquelas que puderem ensejar a onerosidade excessiva já referida.
Com isso, pode-se verificar a compatibilidade existente entre o Código de Defesa do
Consumidor – a ser obrigatoriamente aplicado para as relações de consumo – e o Código Civil
vigente.
2.3.1 O princípio da boa-fé objetiva
Destaca-se esse princípio, pois a doutrina fala numa só voz, no sentido de que a boa fé,
embora não indicada expressamente pelo Código Civil de 1916, como princípio a nortear a
interpretação e execução dos contratos, como ocorre em alguns outros ordenamentos
jurídicos, sempre foi tida como um princípio geral de direito e, como tal, de observância
obrigatória. Registra-se, porém, que o Código Civil de 2002 inseriu em seu texto a garantia do
princípio da boa-fé contratual, de forma objetiva.
Com efeito, a boa fé subjetiva, assim entendida como a lealdade na exteriorização da
vontade, na crença ou convencimento de estar contratando em conformidade com o direito, de
expressar intenção pura, isenta de dolo ou engano, sempre foi invocada como fundamento
para desconstituição ou anulação do negócio jurídico por vício de consentimento (erro, dolo,
coação, fraude), ou seja, em outras palavras, sempre se exigiu boa-fé na concepção do
contrato para conferir eficácia e validade.
20
CAPPELLETTI, Mauro. Métodos Alternativos de Solução de Conflitos no Quadro do Movimento Universal
de Acesso à Justiça (Relatório de abertura do Simpósio Jurídico W. G. Hart sobre a Justiça Civil e suas
alternativas, realizado em Londres, no Institute of Legal Advanced Studies, em 7-9.7.92. Traduzido do inglês por
J. C. Barbosa Moreira). Revista de Processo , RT-SP, nº. 74, ano 19, abril-junho – 94, p. 82 – 97.
21
NERY JUNIOR, Nelson. in: Revista Direito do Consumidor, n.3, pp. 51 e ss.
Pela boa-fé objetiva tem-se, pois, um padrão de comportamento mais voltado para a
execução do contrato, vale dizer que a boa-fé objetiva visa a uma conduta ética, ou seja, um
agir transparente, leal, honesto e reto.
Buscando uma definição mais precisa para a boa-fé objetiva, pode-se mencionar Judith
Martins-Costa, que assim a conceituou:
Já por boa-fé objetiva se quer significar – segundo a conotação que adveio
da interpretação conferida ao parágrafo 242 do Código Civil Alemão (BGB),
de larga força expansionista em outros ordenamentos, e bem assim, daquela
que lhe é atribuída nos países do common law – modelo de conduta social,
arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual ‘cada pessoa deve ajustar a
própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto:
com honestidade, lealdade, probidade’. Por este modelo objetivo de conduta
levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status
pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica
do standard, de tipo meramente subjuntivo.”
22
O princípio da boa-fé foi expressamente recepcionado pelo CDC em seu artigo 4º que
diz:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua
dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia
das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios (...)
Cláudia Lima Marques afirma que,
A boa-fé é o princípio máximo orientador do CDC. Segundo a autora, o
inciso terceiro, todo o esforço do Estado ao regular os contratos de consumo
deve ser no sentido de harmonização dos interesses dos participantes das
relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a
necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a
viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da
CF/88) sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre
consumidores e fornecedores.
23
Pode-se deduzir daí que o legislador idealizou a proteção do consumidor por meio de
uma política das relações de consumo, isto é, por meio de toda uma sistemática que
22
MARTINS-COSTA. A boa fé no direito privado: sistema ectópica no processo obrigacional. São Paulo: RT,
1999. in: STOCO, Rui. Abuso do Direito e má-fé processual. Ed.RT, 2002. p. 39.
23
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações
contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.671.
proporciona a eqüidade, a transparência e principalmente a harmonia dos integrantes de uma
relação consumerista. Sendo assim, embora o código tenha sido criado para a defesa do
consumidor, não se podem analisar as questões oriundas da relação entre consumidor e
fornecedor de forma unilateral, como se os consumidores fossem sujeitos apenas de direitos,
pois apesar da notória vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo permanece o
caráter bilateral, obrigando ambas as partes.
Dessa forma conclui Marcelo Kokke Gomes
24
que:
(...) é dever tanto do consumidor quanto do fornecedor atuarem de boa-fé
em relação à parte contrária, ou seja, pautarem seus comportamentos pela
correção e lealdade. Que negociem e busquem cada um melhor vantagem,
mas sem utilizar-se de artifícios escusos para induzir a parte contrária em
erro.
Surgem daí obrigações de conduta dos consumidores, o dever de cooperação destes
por meio de suas atitudes e comportamentos pautados nos ditames da boa-fé, do respeito e
bom senso. É, portanto, dever do consumidor nas suas relações de mercado agir com lealdade,
dignidade e transparência, nunca tentando se prevalecer das prerrogativas que possuem
enquanto parte hipossuficiente.
Além do dever de primar pela boa-fé, é possível ainda se destacar outros deveres de
conduta do consumidor, os quais emanam de uma análise sistemática e abrangente do CDC,
tendo sempre em vista as práticas e funções do mercado de consumo, de modo a estabelecer
um certo equilíbrio e coerência, quais sejam o dever de inteligência, dever de pesquisa, dever
de educação para o consumo e de conhecimento do que está contratando, bem como do dever
de ação. Pode-se dizer assim que, embora seja certo que o consumidor é a parte
hipossuficiente da relação de consumo, tal qualidade não o incapacita ou funciona como
impeditivo para que ele utilize de todo o seu discernimento e bom senso frente a uma situação
concreta.
Cláudia Lima Marques diz que
A transparência referida pode ser compreendida como o dever de conduta do
fornecedor em informar ao consumidor sobre as características e riscos que
seus produtos ou serviços apresentam (...) a transparência significa
informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, significa lealdade e
24
GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil dano e defesa do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey,
2001. p. 167.
respeito nas relações entre fornecedor e consumidor mesmo na fase pré-
processual, isto é, na fase negocial das relações de consumo.
25
Com a inclusão expressa do princípio da boa-fé na legislação consumerista, buscou-se
preencher a lacuna existente no direito pátrio, que a despeito da secular sistematização
existente em países de relevante cultura jurídica como a Alemanha (BGB, art. 242), Portugal
(arts. 227,239 e 762), Itália e França, não contemplou esse princípio durante a realização do
Código Civil vigente datado da mesma época.
26
Tudo leva a crer que, mesmo ante a negligência do legislador na recepção do
princípio, a necessidade de parâmetros para a conduta dos homens frente ao direito e aos
negócios jurídicos, levou a imposição, por parte da doutrina e jurisprudência, mesmo que de
forma tácita, das diretrizes do referido princípio frente às disposições que norteavam as regras
do Direito Civil. Dessa forma, constata-se a grande relevância que tem a contemplação desse
princípio pela legislação consumerista.
A boa-fé pode ser observada sob dois prismas: o subjetivo (Guten Glauben),
constituindo num estado psicológico, de consciência do agente de estar agindo de acordo e
sob o amparo da lei ou ainda sem ofendê-la; e o objetivo (treu ud glauben) que é verificado
por meio de dados externos ao íntimo do agente, como um modelo ideal de conduta, que se
exige de todos os integrantes da relação obrigacional (devedor e credor) na busca do correto
adimplemento da obrigação, que é sua finalidade.
Tendo em vista seu caráter de ausência de subjetivismos na responsabilização civil no
CDC, pode-se salientar que, nas relações de consumo, existe a concentração de atenções sobre
a presença da boa-fé objetiva.
A atuação da boa-fé objetiva nas relações de consumo bem como nas relações
obrigacionais nas mais diversas áreas do direito vêm servindo como um meio de valoração do
comportamento dos figurantes (credor/devedor, fornecedor/consumidor) exercendo, conforme
versa Paulo de Tarso Vieira Sanseverino,
25
Ob. cit. p. 595.
26
Buscando suprir a omissão do legislador do início do século passado, que não adotou o princípio da boa-fé no
código civil de 1916, a lei 10.406/2002, o novo código civil, que entrará em vigor em 10/01/2003 adotou
expressamente, em seu artigo 422, o princípio da boa-fé quando diz “Os contratantes são obrigados a guardar,
assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” Assim a boa-fé, se
consolidifica como regra de conduta das partes nas relações jurídicas de direito privado em geral.
(...) múltiplas funções, desde a fase anterior a formação do vínculo, passando
pela sua execução, até a fase posterior ao adimplemento da obrigação:
interpretação das regras pactuadas (função interpretativa), criação de novas
normas de conduta (função integrativa) e limitação dos direitos subjetivos
(função de controle contra o abuso de direito). Além disso, sua função
interpretativa, a boa-fé auxilia no processo de interpretação das cláusulas
contratuais estipuladas no pacto.
27
A função de limitação dos direitos subjetivos tem relevante importância, tanto em
relação à boa-fé subjetiva como, e, principalmente, em relação à boa-fé objetiva, sendo um
instrumento de interpretação de regras estipuladas no CDC e nos contratos pertinentes a
relações por ele regidas, partindo de um modelo ideal de conduta, baseado no que se exige de
todos os integrantes de uma relação contratual, qual seja o dever precípuo de honestidade na
sua conduta, lealdade e probidade.
A boa-fé objetiva tem, principalmente pela sua capacidade de limitação do Direito
subjetivo, possibilitando frear os impulsos de má-fé na interpretação do alcance das normas
legais pertinentes às relações de consumo.
Pode-se afirmar que a boa-fé objetiva exerce, nas relações de consumo, três funções
primordiais: como fonte de deveres especiais, exercendo uma função criadora de novos
deveres entre as partes de uma relação de consumo, sendo chamados deveres anexos
28
. Uma
segunda função é a de concreção e interpretação dos contratos de consumo, função
essencialmente interpretativa, a partir dos parâmetros de boa-fé objetiva, devem ser analisados
todos os contratos de cunho consumerista. A terceira, e mais importante função, é a de
limitação do exercício dos direitos subjetivos nas relações de consumo. Ela atua então como
agente inibidor de condutas ou cláusulas abusivas, em especial por parte dos fornecedores,
embora seja o objetivo do legislador, na adoção da boa-fé como a base das relações de
consumo, que esta atue igualmente como limitadora das condutas e pretensões escusas de
alguns consumidores, atingindo assim a harmonia e a transparência
nas relações de consumo.
2.3.2 Princípio da equidade
No direito do consumidor, nas relações de consumo, como em qualquer ramo do
direito, é preciso que se tenha um equilíbrio; nessas relações, especificamente, consumidor
27
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código de defesa do consumidor e a
defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002. p.54.
28
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O Novo Regime das Relações
Contratuais. 4 ed. rev. e atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 184–200.
versus fornecedor, sempre foi ponto de discussão, trazendo certa dificuldade no que se refere
à utilização da compreensão entre esses dois pólos.
Para trazer equilíbrio nas relações de consumo, está positivado o princípio da
equidade, o qual destaca Maria Cecília Nunes Amarante que, “o regime legal de defesa do
consumidor tem como um dos novos princípios básicos o Princípio da Equidade para nortear
o equilíbrio de forças entre os personagens das relações de consumo.”
29
Entende-se, portanto, que esse princípio se refere ao exercício pleno da própria
cidadania, considerando o consumidor como parte efetiva na relação de consumo e, em face
desse princípio, tem tratamento adequado, em nível de igualdade ao do fornecedor; mesmo
porque, “diante dessa predominância de um, o outro recebe tratamento diferenciado no
sentido de proporcionar o equilíbrio e, por conseqüência, justiça no próprio resultado.”
30
Com tais ponderações, segundo Plínio Lacerda Martins “é que deve ser lido e
entendido o princípio esculpido pelo legislador constituinte com o propósito de que todos
resultam iguais perante a lei.”
31
Assim, esse princípio norteia o entendimento de igualdade entre as partes (consumidor
versus fornecedor) nas relações de consumo.
2.3.3 Princípios processuais no Código de Defesa do Consumidor
Plínio Lacerda Martins afirma que o legislador incluiu a defesa do consumidor entre
os direitos e deveres individuais e coletivos, estabelecendo que o Estado promoverá, na forma
da lei, a sua defesa (art. 5
o
, XXXII, da CF), elevando-a “ao status de princípio constitucional
impositivo.”
Destaca-se que no âmbito processual civil, a facilitação da defesa do consumidor
decorre da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, sendo esta última,
prevista no artigo 5
o
, LV, da Constituição Federal de 1988, razão da competência fixada no
artigo 93 do CDC, o qual dispõe sobre a competência do lugar do dano ou do domicílio do
29
AMARANTE, Maria Cecília Nunes. Justiça e Equidade nas Relações de Consumo. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 1998. p. 88.
30
MARTINS, Plínio Lacerda. Anotações ao Código de Defesa do Consumidor. Conceitos e Noções Básicas. Rio
de Janeiro: Forense, 2003. p. 11.
31
Idem. p. 13.
consumidor para as ações de indenização, afastando ainda a cláusula de eleição do foro em
desfavor do consumidor, que “dificulta a defesa e o acesso do consumidor em juízo, conforme
determinado no artigo 51, XV, e artigo 6
o
, VIII, do CDC, sendo que no artigo 83 do CDC,
são admissíveis todas as ações judiciais possíveis para a defesa dos direitos do consumidor.”
32
Outro princípio processual que merece ser destacado aqui, consignado no Código de
Defesa do Consumidor, é o da inversão do ônus da prova, previsto no artigo 6
o
, VIII. Segundo
Plínio Lacerda Martins, por esse princípio o juiz pode inverter o ônus da prova a favor do
consumidor, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiência.
Assim, o CDC estabelece em seu artigo 36, que a publicidade deve ser veiculada de tal
forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal, afirmando ainda no
art. 38, que: “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação
publicitária cabe a quem as patrocina.”
2.3.3.1 Princípio da inversão do ônus da prova
Hermano Devis Echandi conceitua ônus da prova, como sendo o poder ou faculdade
de executar livremente certos atos ou adotar conduta prevista na norma, para benefício e
interesse próprios, sem sujeição nem coerção e sem que exista outro sujeito que tenha o
direito de exigir seu cumprimento, mas cuja inobservância acarreta conseqüências
desfavoráveis.
33
Cabe ressaltar que esse princípio atinente ao ônus da prova tem sede no Código de
Processo Civil. Com base nesse dispositivo legal, incumbe ao autor a prova da ação e ao réu
da execução.
Segundo Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery
Não há momento para o juiz fixar o ônus da prova, ou sua inversão (CDC
art. 6
o
., VIII), porque não se trata de regra de procedimento. O ônus da
prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da
32
MARTINS, Plínio Lacerda. ob. cit. p. 14.
33
ECHANDI, Hermano Devis (2001) in: CIANCI, Mirna. A responsabilidade do Estado e o ônus da prova no
Código de Defesa do Consumidor sob enfoque da teoria do risco administrativo. São Paulo: Saraiva, 2003.
prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus
da prova e dele não se desincumbiu.
34
Entretanto, Moacir Amaral Santos considera o momento mais adequado para a
aplicação da inversão do ônus da prova, para após a contestação, na qual o juiz já tenha
saneado o processo, de maneira a prosseguir isento de vícios ou de questões que possam
obstar ao conhecimento do mérito da causa.
Argumenta Carlos Roberto Barbosa Moreira que as normas sobre a repartição do ônus
probatório deve ser vista como regra dirigida aos litigantes. Sendo assim, a inversão no
momento do julgamento atentaria contra os princípios constitucionais do contraditório e da
ampla defesa. É certo que, transferido um ônus a uma das partes litigantes, obviamente deverá
o órgão jurisdicional oportunizar o direito de defesa, ou seja, a desincumbência de tal ônus.
35
Cabe, ainda, citar Cândido Rangel Dinamarco, em relação ao momento da inversão do
ônus da prova, neste particular, defendido pelos autores do anteprojeto do Código de Defesa
do Consumidor, no qual afirma ser o da sentença, fundamentando para tal, que os dispositivos
sobre o ônus da prova constituem regras de julgamento. Para tanto, utiliza-se de dois motivos
para caracterizar o equívoco: a) ofende, de maneira absoluta os princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa; b) as regras, de distribuição do ônus da prova são de
procedimento.
Neste contexto, o ônus da prova deve ser entendido como um direito de facilitação da
defesa e não pode ser determinado senão após o oferecimento e valoração da prova, quando o
julgador estiver em dúvida. Isto porque, a garantia do devido processo legal deve ser, sem
dúvida, assegurada a qualquer custo.
No âmbito do Código de defesa do Consumidor a inversão do ônus da prova foi
indicada de forma expressa (art. 6
o
, VIII). As partes não poderão, portanto, ser surpreendidas
ao final com um provimento desfavorável decorrente da inexistência ou da insuficiência da
prova que, por força da inversão determinada na sentença, estaria a seu cargo a necessidade de
produzi-la.
34
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e
Legislação Extravagante. 8 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 798.
35
Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. 7 ed., São Paulo: Saraiva, 2001.
Ocorre, porém, que a inversão do ônus da prova no CDC é uma exceção à regra
prevista no artigo 333 do CPC, depende, portanto, de decisão fundamentada do magistrado
antes do término da instrução processual, sob pena de não poder ser adotada na sentença o
que, incorreria em cerceio de defesa.
Outro aspecto que deve ser ressaltado nesse item é a inversão do ônus da prova e as
despesas processuais. Estabelece o artigo 19 do CPC
36
, que cabe às partes, em regra, suportar
as despesas dos atos que realizem ou requerem dentro do processo, antecipando os
pagamentos durante o curso processual.
Trata-se de um verdadeiro ônus processual, cujo descumprimento implicará não ser
realizado o ato requerido, podendo advir daí possíveis conseqüências a quem requereu.
Assim, quando a questão versar sobre direito do consumidor surgiria uma indagação: a quem
caberia o ônus da antecipação das despesas processuais requeridas pelo consumidor,
determinadas pelo juiz ou requerida por ambos?
Nestes casos, não há qualquer exceção à regra estabelecida no CPC pelo simples fato
de não identificar o ônus de provar com o ônus financeiro de realização dos atos probatórios.
Diante disso, o direito consumerista não poderá ser visto como exceção ao artigo 333 do CPC.
Assim, ao consumidor hipossuficiente caberá arcar com o ônus financeiro dos atos
probatórios por ele requeridos, logicamente se for o autor da demanda, devendo ainda arcar
com as despesas prévias ordenadas de ofício pelo juiz, ou ainda, com as despesas requeridas
por si ou por ambos os litigantes. Registra-se, porém, que, em sendo o consumidor
hipossuficiente, caberá ao mesmo requerer a assistência judiciária gratuita prevista na Lei
1.060/50.
Em contrapartida, Arruda Alvim entende que se trata de outra norma de natureza
processual civil com o fito de, em virtude de reconhecimento da vulnerabilidade do
36
Art. 19, CPC: “salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos
que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhe o pagamento, desde o início até a sentença final; e bem
ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença. § 1
o
(...) § 2
o
. compete ao autor
adiantar as despesas relativas a atos, cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério
Público.”
consumidor, procurar equilibrar a posição das partes, atendendo a critérios da existência da
verossimilhança do alegado pelo consumidor.
37
É fato, realmente, que a inversão do ônus da prova poderá ser requerida tanto pela
parte como poderá ser determinada ex officio pelo juiz, por se tratar o Código de Defesa do
Consumidor de norma de ordem pública.
Resta, porém dizer que, além dos princípios ora citados, existem outros princípios na
norma consumerista, os quais podem ser identificados nos artigos 30 e 35 – princípio da
vinculação objetiva da publicidade; artigo 36 que traz o princípio da identificação; no artigo
37, § 2
o
, identifica-se o princípio da veracidade e não abusividade; no artigo 4
o
, II, d e V, está
o princípio da garantia de adequação; e ainda, no artigo 4
o
, IV e VIII o princípio da
informação, e no artigo 6
o
, IV, a previsão sobre o princípio da cláusula abusiva, todos
constantes do Código de Defesa do Consumidor.
Diante do exposto, vê-se que os direitos e garantias fundamentais estão tutelados pela
Constituição Federal de 1988, da mesma forma impõe-se ao Estado, partindo inicialmente do
artigo 5
o
da mesma Constituição, promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.
Entretanto, para melhor entendimento, necessário se faz mostrar o conceito de relação
de consumo, segundo o qual se encontra disposto no próprio Código de Defesa do
Consumidor.
Definem-se relações de consumo como aquelas que ocorrem entre dois entes, o
consumidor (individual ou coletivo), sendo este necessariamente o destinatário final e um
fornecedor de produtos e serviços. Tal relação visa à satisfação das necessidades ou desejos
dos consumidores, consubstanciando-se num vínculo jurídico entre as partes, gerador de
obrigações tais como de cooperação, probidade, lealdade, boa-fé e principalmente por parte
do fornecedor, o zelo à saúde, à segurança do consumidor frente aos produtos e serviços
prestados, bem como da efetiva e eficaz prevenção e reparação de todo e qualquer dano
patrimonial ou moral sofrido pelo consumidor em decorrência desta relação jurídica.
Os artigos 2º e 3º
da Lei nº. 8.078/90 delimitam, num primeiro momento, o âmbito de
incidência da tutela legal apenas e tão-somente às denominadas relações de consumo. Dessa
37
ALVIM, Arruda. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 40, out-dez, 2001.
p. 32.
forma, torna-se relevante inicialmente a busca da definição do âmbito de atuação do CDC
quanto às relações consumeristas.
Na busca de visualizar mais claramente a relação de consumo e seus elementos,
podem-se conceituar as relações de consumo como uma relação jurídica instrumental, que
obriga consumidor e fornecedor, tendo por objeto produtos ou serviços adquiridos ou
utilizados pelo consumidor na qualidade de destinatário final.
Desta conceituação pode-se depreender os elementos de uma relação de consumo,
quais sejam: os sujeitos, consumidor e fornecedor; o objeto, produtos ou serviços prestados
pelo fornecedor; o vínculo obrigacional, a efetiva vontade do consumidor em adquirir produto
ou serviço junto ao fornecedor que se dispõe a tal prestação. E ainda, o elemento teleológico
38
contido na expressão destinatário final, vinculando assim, para fins da incidência do CDC,
somente a obrigação instituída com a finalidade de retirada do produto ou serviço do mercado,
isto é, com a ocorrência da relação de consumo, passa a existir o intuito precípuo por parte do
primeiro de desfrutar daqueles como destinatários.
A questão dos Direitos do Consumidor é tão importante que em três oportunidades
distintas é tratada na Constituição Federal vigente. A primeira vez, já em seu Capítulo I do
Título II, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos estabelece a Carta Magna, no
artigo 5º, XXXII que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” o que
quer dizer, em outras palavras, que o Estado tem a obrigação de defender o consumidor, de
acordo com o que estiver estabelecido nas leis.
A segunda vez que a Constituição menciona a defesa do consumidor é quando trata
dos princípios gerais da atividade econômica no Brasil, citando em seu artigo 170, V, que a
38
A teleologia pode ser definida como doutrina a cerca das causas finais, a tese que explica uma causa
primordial preestabelecida de todos os fenômenos e a tendência deles para o fim necessário. Juridicamente, Von
Ihering criticando o abstracionismo dos conceitos jurídicos e o emprego de métodos dedutivos- silogísticos,
buscava salientar o caráter finalístico das normas jurídicas. Desta forma a norma deve ser interpretada levando
em conta seus objetivos, não devendo ser encarada como um fim em si mesma, mas como um meio a serviço de
uma finalidade, norteando a interpretação de uma norma jurídica com o fulcro de atingir o fim pretendido pelo
ordenamento jurídico no caso em concreto. Especificamente, nas relações de consumo o elemento teleológico,
vem inserto na expressão destinatário final, a qual quer significar que, para a configuração de uma relação de
consumo, fornecedor e consumidor devem-se obrigar com a finalidade de retirada do produto ou serviço do
mercado. Tem relevância a verificação do elemento teleológico, tendo em vista que a finalidade das normas de
proteção do código tem por objetivo proteger especificamente os consumidores que adquirem produtos ou
serviços para seu uso próprio, sendo que se a aquisição do produto for motivada com intuito de exercício de
atividade lucrativa e não de fruição do adquirente, não poderá se considerar o adquirente como destinatário final
para fins de aplicação das normas do CDC.
defesa do consumidor é um dos princípios que devem ser observados no exercício de qualquer
atividade econômica.
Finalmente, o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT),
determina que o Congresso Nacional elabore o Código de Defesa do Consumidor.
Estes três dispositivos constitucionais são mencionados no artigo 1º do Código de
Defesa do Consumidor.
José Geraldo Brito Filomeno lembra que a sensibilização dos
Constituintes de 1987/88, foi obtida por unanimidade na oportunidade do
encerramento do VII Encontro Nacional das (...) Entidades de Defesa do
Consumidor, desta feita realizado em Brasília, por razões óbvias, no calor
das discussões da Assembléia Nacional Constituinte, e que acabou sendo
devidamente protocolada e registrada sob n.º 2.875, em 8-5-87, trazendo
sugestões de redação, inclusive aos então artigos 36 e 74 da Comissão
“Afonso Arinos”, com especial destaque para a contemplação dos direitos
fundamentais do consumidor (ao próprio consumo, à segurança, à escolha, à
informação, a ser ouvido, à indenização, à educação para o consumo e a um
meio ambiental saudável).
39
Mas, o Código do Consumidor é só o início. É o que alerta o jurista Fábio Konder
Comparato: “na verdade, a dialética produtor x consumidor é bem mais complexa e delicada
do que a dialética capital x trabalho
40
Essa afirmativa decorre do entendimento de Comparato, a partir da denúncia de Karl
Marx dizendo que, enquanto o capital é, por assim dizer, personificado e elevado à dignidade
de sujeito de direito, o trabalhador é aviltado à condição de mercadoria, de mero insumo no
processo de produção, para ser ultimamente, na fase de fastígio do capitalismo financeiro,
dispensado e relegado ao lixo social como objeto descartável. O mesmo processo de
reedificação acabou transformando hodiernamente o consumidor, por força da técnica de
propaganda de massa, em mero objeto de direito.
Assim, o reconhecimento de que as instituições governamentais devem ser utilizadas
para o serviço dos governados e não para o benefício pessoal dos governantes, foi o primeiro
passo decisivo na admissão da existência de direitos que, inerentes à própria condição
39
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991. p. 21-22.
40
COMPARATO, apud SOUZA, 1996. p. 59.
humana, devem ser reconhecidos a todos e não podem ser tidos como simplesmente mera
concessão dos que exercem o poder.
Em outras palavras, o CDC não pode, como norma regente em defesa do consumidor,
ser utilizado em prol de que a fez e editou, do fornecedor, deve cumprir seu papel de
“defensor do consumidor” nas relações de consumo, sejam elas quais forem.
3. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O
MOVIMENTO CONSUMEIRISTA
Muito se tem falado e escrito sobre a “defesa ou proteção do consumidor.” Assim,
sobre isto, procuram ocupar-se entidades públicas e privadas, além de líderes comunitários e
políticos, ou seja, quanto à proteção e defesa do consumidor, vários órgãos e entidades
buscam resolver conflitos nesta área.
Direito do consumidor tem suas origens na mais antiga coletânea de leis de que se tem
notícia, o Código de Hamurabi, de autoria do Rei que lhe atribuiu o nome, fundador do
Império Babilônico, editada no século XIX a.C.
Altamiro José dos Santos lembra que, de acordo com a “lei” 235 do Código de
Hamurabi, o construtor de barcos estava obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural,
dentro do prazo de até um ano.
41
Carlos Ferreira Almeida afirma que no Direito Português:
Os códigos penais de 1852 e o vigente de 1886 (...), reprimindo certas
práticas comerciais desonestas, protegiam indiretamente interesses dos
comerciantes: sob o título genérico de crimes contra a saúde pública, punem-
se certos atos de venda de substâncias venenosas e abortivas (art. 248) e
fabricação e venda de gêneros alimentícios nocivos à saúde pública (art.
251); consideram-se criminosas certas fraudes nas vendas (engano sobre a
natureza e sobre a quantidade das coisas art. 456); tipificava-se ainda como
crime a prática do monopólio, consistente na recusa de venda de gêneros
para uso público (art. 275) e alteração dos preços que resultariam da natural
e livre concorrência, designadamente através de coligações com outros
indivíduos, disposições revogadas por legislação da época corporativista,
que regrediu em relação ao liberalismo consagrado no código penal.”
42
Já nos EUA, em 1914, criou-se a Federal Trade Commission, que tinha o objetivo de
aplicar a lei antitruste e proteger os interesses do consumidor. Também nos EUA, em 1773,
em seu período de colônia, o episódio contra o imposto do chá no porto de Boston (Boston
41
SANTOS, Altamiro José dos. Direitos Do Consumidor. Revista do IAP. n. 10. Curitiba: Instituto dos
Advogados do Paraná, 1987. pp. 78-80.
42
ALMEIDA, Carlos Ferreira. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almeida, 1982. p. 40.
Tea Party) é um registro de uma manifestação de reação dos consumidores contra as
exigências exorbitantes do produtor inglês.
43
A Revolução americana de 1776 foi uma revolução do consumidor. Miriam de
Almeida Souza entende que foi uma revolução “contra o sistema mercantilista de comércio
britânico colonial da época, no qual os consumidores americanos eram obrigados a comprar
produtos manufaturados na Inglaterra, pelos tipos e preços estabelecidos pela metrópole, que
exercia o seu monopólio. (...) Samuel Adams, uma figura marcante no episódio do chá no
Porto de Boston, que, já em 1785 na República, reforçou as seculares “assizes” (Leis do Pão),
da antiga metrópole, apontando sua assinatura na lei que proibia qualquer adulteração de
alimentos no estado de Massachusetts,” norma que, dá uma noção de vícios redibitórios, e
também, traz a nítida impressão de respeito ao consumidor.
44
É interessante destacar, ainda, que no Direito Romano Clássico, o vendedor era
responsável pelos vícios da coisa, a não ser que estes fossem por ele ignorados. Na época,
existiam as chamadas ações redibitórias e quanti minoris que eram instrumentos, dos quais o
consumidor tinha a seu favor, amparadas na sua boa-fé; a penalidade prevista ao vendedor,
era ressarcir o consumidor do prejuízo ou ainda devolver-lhe, em dobro, o que havia recebido
pela venda do produto.
No Século XVIII a.C, na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na Índia havia o Código de
Massu, o qual também já previa pena de multa e punição, ressarcimento de danos, como
determinado na “lei” 967, aos que adulterassem gêneros; na “lei” 968 a qual penalizava
aqueles que entregassem coisa de espécie inferior à acertada ou, ainda, vendessem a mesma
mercadoria, ou produto da mesma espécie e qualidade, por preços diferenciados; com isso, é
claro o entendimento de que, desde então, já se resguardavam os interesses dos consumidores.
Já na França, os direitos do consumidor eram protegidos, quando enganados por
vendedores. O Rei Luiz XI (1481) punia com banho escaldante aquele que vendesse manteiga
com pedra para aumentar o peso, ou leite com água para aumentar o volume.
43
Idem.
44
SOUZA, Miriam de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte:
Edições Ciência Jurídica, 1996.
p. 51.
Em vários trabalhos publicados, estudiosos mostram a existência, no referido estatuto,
de determinados preceitos, objetivando, ainda que de forma embrionária, a proteção e a defesa
do consumidor.
Leizer Lerner, citado por Jorge Torres de Mello Rollemberg, menciona, como
exemplo, a Lei n° 233, obrigando o construtor que edificasse uma casa com paredes
inconsistentes a reconstruí-las ou guarnecê-las, com os seus próprios recursos. De maneira
idêntica, pela Lei n° 235, o construtor de barcos era obrigado a refazê-los em caso de defeito
estrutural, no prazo de até um ano. Outras legislações, que vigoraram em tempos pretéritos,
são também apontadas por aquele autor como precursoras da atividade consumerista.
45
Da Constituição de Atenas, de Aristóteles (383 a.C a 322 a.C), colhe-se que na Grécia
antiga os superintendentes de feira tinham a obrigação legal de supervisionar as mercadorias
ex-postas à venda, assegurando-se de que os alimentos eram puros, assim como havia
inspetores para pesos e medidas para garantir que pesos e medidas honestos fossem utilizados
pelos vendedores.
Na Antigüidade Romana, conforme Rollemberg, nas causas que defendia, Cícero já
chamava a atenção para a necessidade de se assegurar ao adquirente de bens duráveis a
garantia de que, verificada a existência de vícios ocultos nas operações de compra e venda,
deveriam ser eles sanados, sob pena de resilição contratual.
46
Essa incipiente manifestação
com a proteção ao direito do consumidor manifestou-se, também, no Brasil Colonial.
Biaggio Talento, citado por José Geraldo Brito Filomeno conta que documentos
encontrados no Arquivo Histórico de Salvador indicam a presença, aquela época, de
disposições prevalentes nessa cidade, dotadas de cunho eminentemente protetivo, editadas
pelo então Senado Federal.
47
Destaca Filomeno que a norma publicada em 27.08.1625 obrigava a todos os
vendeiros a fixarem os escritos da almoçataria na porta do estabelecimento, para que o povo
os lesse, sob pena de imposição de multa de seis mil réis, que era igualmente aplicada a quem
comercializasse mercadorias acima do preço tabelado.
45
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2001. p.22.
46
Cf. ROLLEMBERG, Jorge Torres de Mello. Proteção ao Consumidor: seus problemas e dificuldades,
iniciativas na área privada-oficializada do movimento pelo governo. Escola Superior de Guerra, Trabalho
Especial - TE87, Tema 21, 1987.
47
Cf. Matéria veiculado no Jornal do Estado de São Paulo, 24.09.2000, p. A-20, in: FILOMENO, ob.cit. p. 23.
No Piauí Colonial tem-se conhecimento de que se implantou similar tabelamento de
preços. A Câmara do Senado da Vila de Campo Maior reuniu em 27.08.1764, não só para
estabelecer os novos padrões de medidas, que deviam ser adotadas na Colônia, como também
para fixar os preços dos serviços a serem prestados por ferreiros (calçar um machado com
duas voltas de aço - 2 patacas; feitura de um freio, de um par de esporas, de um facão de
trabalho - 800 réis cada um), carpinteiros (diária do mestre - 400 réis; diária do oficial - 300
réis; uma porta com portada, com madeira do mestre - 3$000, sem ela, 1$000), alfaiates
(vestido de veludo ou de seda - 5$000 e de outra qualidade - 3$200, feitio de uma saia de
pano de loja - 600 réis e de outras - 300, feitio de uma calça de pano de loja - 400 réis e de
algodão - 160 réis), sapateiros (feitio de um par de botas com material do mestre - 2$560, sem
o material - 1$600, feitio de um par de sapatos dando o mestre os aviamentos - 800 réis e de
um par de chinelos - 1 cruzado) e pedreiros ( pagava-se diárias idênticas as dos carpinteiros),
bem como do aluguel de escravos (diária para serviços de enxada e machado - 160 réis).
48
Nessa mesma sessão, foram também fixados por aquela Câmara do Senado os
seguintes preços de gêneros, aves e animais: farinha de mandioca, vendida na vila a 160 réis e
nas roças, a 120; milho, arroz e feijão, a 150; vaca grande gorda a 1.500 réis e, sendo inferior,
a 1.280; boi grande gordo a 1.920 e boiote a 1.600; galinhas grandes e gordas, a 240 réis;
frangas enfeitadas (adultas) a 160; frangos a 60, na vila, e fora, a 40; frangas menores a 120;
leitão a 480 e leitoa a 300; peru, de roda grande, a 800; e perua, a 400; ovos, a quatro por
vintém; patos a 300 réis e patas a 200; carneiro ou bode, grande e gordo, que não se vendesse
por mais de 640, e ovelha e cabra, por mais de 400; sabão a 60 réis a libra; aguardente, um
frasco da destilada, por 600 réis, sendo o frasco grande; algodão em rama a 160 a quarta; fio
fino a 320 a libra, e o grosso, a 240.
49
À medida que a sociedade evolui e se transforma, surgem novas aspirações e,
conseqüentemente, se produz um novo estado de consciência, implicando novas exigências
que satisfaçam as necessidades básicas do ser humano.
Os direitos humanos têm se mostrado bastante dinâmico, e cada vez mais, legisladores
e doutrinadores tem suas preocupações focando tais direitos e também garantias tutelados
pelo Estado.
48
Idem.
49
BASTOS, Cláudio. Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí. Teresina: Editora, 1994. pp. 28-37.
Diante dessas preocupações surge a Resolução nº 39/248 da Organização das Nações
Unidas, aprovada em 9 de abril de 1985, a qual foi inspirada na declaração dos direitos do
consumidor, proferida pelo então presidente John Kennedy, em 15 de março de 1962,
coincidentemente, data em que se comemora o “dia internacional do consumidor”. A
Resolução citada traçou uma política geral de proteção ao consumidor destinada aos Estados
filiados, considerando seus interesses e necessidades em todos os países e, em particular, nos
países considerados em desenvolvimento, pois reconheceu-se que os consumidores desses
países, enfrentam “desequilíbrio em face da capacidade econômica, nível de educação e poder
de negociação”
50
, e ainda, “que todos os consumidores devem ter o direito de acesso a
produtos que não sejam perigosos, assim como o de promover um desenvolvimento de
relações equânimes, pacíficas, solidárias.”
51
É importante destacar, ainda, que a ONU – Organizações das Nações Unidas, impõe
aos países filiados a obrigação de formularem uma política efetiva de proteção ao
consumidor, e para tanto, criar e manter uma infra-estrutura adequada para sua
implementação e sua manutenção, pois de nada adiantaria tal imposição, se não existirem
mecanismos governamentais que façam valer os direitos dos consumidores.
José Geraldo Brito Filomeno refere-se a este tema, dizendo que
Entretanto, há que preocupar não apenas tais entidades (por exemplo,
Procons, sociedades amigos de bairros, associações de donas de casa ou
precípua de proteção ou defesa do consumidor) e a classe política, mas
também o jurista, o economista, o psicólogo e, naturalmente, o próprio
empresário e o consumidor. E isto diante da simples e óbvia constatação de
que todos nós somos em maior ou menor grau, consumidores de bens e
serviços a cada instante de nossas vidas.
52
Diante disso, entende-se que o Estado, por excelência, detém uma estrutura, como
sociedade política na qual revela não apenas a organização do poder e da sociedade por meio
do seu ordenamento jurídico, “como também a disciplinação dos meios de produção com
vista ao consumo, uma das facetas do próprio bem comum”.
53
50
FILOMENO, José Geral Brito. Manual de direitos do consumidor. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 25.
51
FILOMENO, ob. cit., p. 22
52
Idem, pp. 21-22.
53
Idem, ibidem.
3.1 Evolução das Relações Consumeristas no Brasil
O Direito do Consumidor é obra relativamente recente na Doutrina e na Legislação.
Tem seu surgimento como ramo do Direito, principalmente, na metade deste século. Porém,
há contornos deste segmento do Direito presente, de forma esparsa, em normas das mais
diversas, em várias jurisprudências e, acima de tudo, nos costumes dos mais variados países.
Porém, não era concebido como uma categoria jurídica distinta e, também, não recebia a
denominação que hoje apresenta.
No Brasil, o Direito do Consumidor surgiu entre as décadas de 40 e 60, quando foram
sancionada diversas leis e diversos decretos federais legislando sobre saúde, proteção
econômica e comunicações. Dentre todas, pode-se citar: a Lei n. 1.521/51, denominada Lei de
Economia Popular; a Lei Delegada nº 4/62; a Constituição de 1967 com a Emenda nº 1/69,
que consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que apresenta a
defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (art. 170) e no artigo 48 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressamente determinou a
criação do Código de Defesa do consumidor.
A proteção ao consumidor, hodiernamente, tem sido um desafio na sociedade
brasileira e “representa, em todo mundo, um dos temas mais atuais do Direito.”
54
O que pode
se extrair desse fenômeno jurídico, no século passado era totalmente desconhecido, e em boa
parte deste, pois o homem do século XX vive em função de um modelo novo de
associativismo, o que significa dizer que, a sociedade de consumo, é caracterizada por um
número cada vez mais crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e também do
marketing, que leva até o consumidor as “novidades” produzidas todos os dias pelas
indústrias em geral, assim “como pelas dificuldades de acesso à justiça.”
55
Grinover et. al. afirma que “esses aspectos marcam o nascimento e desenvolvimento
do Direito do Consumidor, como uma disciplina autônoma.”
56
54
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1999. p. 6.
55
GRINOVER et. al., ob. cit., p. 6
56
Idem, ibidem.
Nas relações consumeristas, a posição do consumidor em nada melhorou, ao contrário,
pois antes fornecedor e consumidor tinham uma relação harmônica, encontravam-se em
situação de relativo equilíbrio de poder de barganha; agora o fornecedor, seja ele, fabricante,
produtor, construtor, importador, comerciante ou prestador de serviços, inegavelmente,
assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, “dita as regras”.
Diante disso, o fato é que o direito não pode ficar alheio a tal fenômeno.
Em contrapartida, o mercado não apresenta, em si mesmo, mecanismos eficientes para
superar tal vulnerabilidade do consumidor, nem mesmo para mitigá-la, motivo pelo qual a
interferência do Estado, em situações de conflitos nas relações de consumo, é imprescindível
nas três esferas. No Legislativo, pois é este o formulador das normas jurídicas de consumo; no
Executivo, implementando-as; e no Judiciário, com a função de dirimir os conflitos
decorrentes dos esforços de formulação e de implementação.
Ada Pellegrini Grinover afirma que
Por ter vulnerabilidade do consumidor diversas causas, não pode o Direito
proteger a parte mais fraca da relação de consumo somente em relação a
alguma ou mesmo a algumas das facetas do mercado. Não se busca uma
tutela manca do consumidor. Almeja-se uma proteção integral, sistemática e
dinâmica. E tal requer o regramento de todos os aspectos da relação de
consumo, sejam aqueles pertinentes aos próprios produtos e serviços, sejam
outros que se manifestem como verdadeiros instrumentos fundamentais
para produção e circulação destes mesmos bens: o crédito e o marketing.
57
Os conflitos, que surgem nas relações de consumo, devem de alguma maneira, ou por
vias normativas, serem dirimidos, e principalmente, visando, na maioria das vezes, aos
interesses do consumidor, pois é ele o sujeito tutelado pelo Código de Defesa, ora em vigor,
ainda mais, se este for hipossuficiente e seu acesso à justiça for restrito ou impossível.
Para José Afonso da Silva, a Constituição Federal de 1988 foi tímida ao cuidar da
“proteção do consumidor” e, pondera dizendo que
Estabeleceu que o Estado promoverá na forma da lei, a defesa do
consumidor (art. 5
o
, XXXII). A lei referida foi promulgada em
cumprimento ao artigo 48 das Disposições Transitórias, que é o Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), bastante moderno para sua época.
57
GRINOVER, ob. cit., p. 7.
A importância desse Código, segundo José Geraldo Brito Filomeno, é realçada pela
sua inserção entre os direitos fundamentais, com o que se erigiu à categoria de titulares de
direitos constitucionais fundamentais.
58
Se buscar o artigo 170, V, da Constituição Federal de 1988, que eleva a defesa do
consumidor à condição de princípio de ordem econômica, tem-se então, a exata dimensão da
preocupação do constituinte com a questão sem dúvida relevante.
Assim, pode-se considerar o Código de Defesa do Consumidor, um conjunto de
normas específicas do “Direito Consumerista”, o qual trata de temas variados, constituindo-se
num “verdadeiro microssistema jurídico”
59
já que buscou preceitos em todos os demais
ramos do direito – sem destruir, ou modernizar institutos considerados obsoletos diante de
suas diretrizes –, tais como o próprio direito constitucional, os direitos internacionais público
e privado, os direitos civis, comercial, penal, processual civil e penal, o direito administrativo
e outros ramos do direito.
De acordo com o artigo 7
o
do CDC, dispõe que,
os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de
tratados ou convenções internacionais de que o Brasil é signatário, da
legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades
administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios
gerais do direito, analogia, costumes e equidade.”
Daí o que se pode entender é que, o Direito do Consumidor não pode ser considerado
um direito como os demais ramos do Direito, por isso, em última análise, cuida-se de
microssistema jurídico, que na medida em que não convive com outros institutos já
preexistentes e encerrados nos corpos de normas mencionados, como também crie enfoque
próprio, e aperfeiçoa outros institutos jurídicos
60
, como no caso dos vícios redibitórios,
responsabilidade civil, teoria geral dos contratos e tutela coletiva dos consumidores.
Segundo Ada Pellegrini Grinover, o que se procurou fazer, até a amplitude de seu
tema, foi a sistematização dos direitos dos consumidores, com a conversão dos institutos do
Direito Civil, Comercial e Penal, além de normas do Direito Administrativo, espalhadas por
58
FILOMENO, José Geral Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 60.
59
FILOMENO, ob. cit. p. 61.
60
Cf. artigo 4o do CDC.
inúmeros diplomas legais, e, ao mesmo tempo, com a modificação de outros que no entender
da comissão elaboradora do anteprojeto e dada a larga experiência prática de seus membros já
não mais atendiam às exigências dos consumidores.
61
No entanto, é importante destacar, se na ocorrência de conflitos nas relações de
consumo entre entes de nacionalidades diferentes, ou seja, no mercado global, se num
episódio de importação, por exemplo, uma norma do “Direito Comunitário” dos países
envolvidos suplantam a de um deles, no âmbito interno, e compromete sua soberania.
Ada Pellegrini Grinover cita um exemplo de importação de batatas da Argentina pelo
Brasil, as quais foram aspergidas com agrotóxicos, que poderiam comprometer a saúde dos
consumidores deste produto, e que mesmo assim, o Brasil não pôde interferir com sua
legislação fitossanitária. Mesmo considerando a norma de livre comércio ou derrubada de
barreiras alfandegárias quanto àquele produto comercializado, foi preciso recorrer ao
Ministério Público Federal, o qual adotou medidas cautelares necessárias, baseando-se no
disposto pelo artigo 102 do CDC,
“os legitimados a agir na forma deste Código poderão propor ação
visando compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o
território nacional, a produção, divulgação, distribuição ou venda,
ou a determinar alteração na composição, estrutura, fórmula ou
acondicionamento de produto, cujo uso ou consumo regular se revele
nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade das pessoas.”
Tem-se aqui, ação preventiva de natureza mandamental e não propriamente uma ação
repressiva. Simplesmente destina-se esta ação a compelir o Poder Público competente “a
proibir, em todo território nacional, a produção [...]”, procurando-se desta forma, impedir que
se faça uso de produtos contaminados, deteriorados nocivos ou que represente perigo à saúde
pública e à incolumidade pessoal dos consumidores. Vê-se aqui, contudo, que o CDC
apresenta algumas limitações, que serão abordados a seguir.
3.2 Limitações do Código de Defesa do Consumidor
Inicialmente, cumpre dizer que a relação de consumo é prevista no CDC como norma
jurídica especial, que trata dos mecanismos de equilíbrio no mercado de consumo. Entretanto,
61
GRINOVER, et. al. Ob. Cit., p. 135.
o Código não é simplesmente uma norma jurídica, mas sim, um sistema jurídico, contendo
várias normas de direito material civil e penal, além do direito instrumental.
Maria Helena Diniz leciona que
O sistema jurídico é resultado de uma atividade instauradora que congrega
os elementos do direito, estabelecendo as relações entre eles, projetando-se
uma dimensão significativa. O sistema jurídico não é, portanto, uma
construção arbitrária.
62
De fato, o sistema jurídico pode não ser arbitrário, mas, se se considerarem as regras
por ele ditadas, pode-se entender que o sistema é, de certa forma, arbitrário. Entretanto,
considerando a sociedade moderna, que está em franca transformação, é preciso buscar, na
sociologia jurídica, uma forma lógica de entendimento e, conseqüentemente, a concepção
funcional do direito, que não vê neste, senão um meio para alcançar um fim almejado pelo
legislador.
Buscando a lógica jurídica, Chaïm Perelman afirma que, exclui-se, então,
A assimilação de um sistema de direito a um sistema matemático ou a um
jogo, pois um sistema puramente formal, bem como um jogo com suas
regras, por não terem meios que visam a realização de uma finalidade
social, não têm, portanto, de levar em conta as condições de seu
funcionamento eficaz. Mas o direito só pode ser compreendido em relação
com o meio social ao qual é aplicável.
63
E, por isso mesmo, entende-se que o Código de Defesa do Consumidor apresenta
algumas limitações, pois apesar de ter caráter essencialmente social, visando proteger de regra
os hipossuficientes, não tem alcançado este objetivo, eis que, por questões burocráticas ou até
mesmo por falta de informação, o consumidor não consegue obter a tutela jurisdicional.
Galeno Lacerda adverte que
Subverteu-se o meio em fim. Distorceram-se as consciências a tal ponto que
se cria fazer justiça, impondo-se a rigidez das formas, sem olhos para os
valores humanos em lide. Lavavam-se as mãos sob o escudo frio e
impassível da sacralidade do rito. [...] Insisto em dizer que o processo, sem
o direito material, não é nada. O instrumento, desarticulado do fim, não tem
sentido.
64
62
DINIZ, Maria Helena. Conflitos de normas. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 9.
63
PERELMAN, Chaïn. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 81.
64
LACERDA, Galeno. O Código e o Formalismo Processual. in: Revista da Ajuris, n° 28; Ano X, julho, Porto
Alegre, 1983. p. 8.
Em outras palavras, o que se extrai dessa afirmativa, por adequação e analogia, é que
os julgados que se sucedem nos tribunais, nas relações de consumo, quando deveria ser e ter
um resultado, a norma, apenas, serve como parâmetro de meio e não de fim. Assim, acredita-
se que a lei que deveria simplesmente proteger os interesses do consumidor, limita-se a
presunção da proteção daquele que busca justiça para seus interesses.
Diante disso, o Estado ao garantir aos consumidores, suas defesa criou a Constituição
Federal de 1988, uma antinomia necessária em relação a muitas de suas próprias normas,
flexibilizando-as, impondo em última análise uma interpretação relativizada dos princípios em
conflito, que não mais podem ser interpretados de forma absoluta ou se estaria ignorando o
texto constitucional, entende Miguel Reale.
65
Nessa linha de raciocínio vale dizer que existe a garantia constitucional da defesa do
consumidor, pois a Constituição Federal de 1988, ao regular os direitos e garantias
fundamentais dos cidadãos brasileiros, estabeleceu no seu artigo 5
o
, XXXII, como dito em
capítulo anterior, a obrigatoriedade da promoção pelo Estado – nos três poderes – da defesa
do consumidor, como um dos princípios da ordem econômica brasileira, e ainda, a limitar a
livre iniciativa e seu reflexo jurídico, a autonomia de vontade, conforme dispõe o artigo 170,
V, da Lei Maior.
Para Cláudia Lima Marques, a procura deste caminho “de meio” é a nova linha de
interpretação conforme a Constituição imposta pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Em
caso envolvendo os estabelecimentos de ensino e a noção de livre iniciativa e defesa do
consumidor (Adin 319-4-DF), o Min. Moreira Alves ensina:
[...] havendo a possibilidade de incompatibilidade entre alguns princípios
constantes dos incisos desse art. 170, se tomados em sentido absoluto,
mister se faz, evidentemente, que se lhes dê sentido relativo para que se
possibilite a sua conciliação a fim de que, em conformidade com os ditames
da justiça distributiva, se assegure a todos – e, portanto, aos elementos de
produção e distribuição de bens e serviços e aos elementos de consumo
deles – existe digna’... Para se alcançar o equilíbrio da relatividade desses
princípios – que, se tomados em sentido absoluto, são inconciliáveis e,
portanto, para se atender os ditames da justiça social que se pressupõe esse
equilíbrio [...].”
66
65
REALE, Miguel. Os contratos de incorporação imobiliária e a Lei 8.078/90, em São Paulo. in: MARQUES,
Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 2002.
p. 577.
66
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações
contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 577.
No entanto, essa questão traz outros pontos que merecem ser abordados, como por
exemplo a vulnerabilidade do consumidor, a qual não se pode confundir com
hipossuficiência.
3.3 Vulnerabilidade do Consumidor
Outro aspecto que vale citar é a vulnerabilidade do consumidor. Para Cláudia Lima
Marques a vulnerabilidade subdivide-se em três espécies: técnica, jurídica e fática. A primeira
diz respeito à ausência de conhecimentos específicos do consumidor em relação às
características do produto ou serviço que está adquirindo. A jurídica refere-se à carência de
conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos. É, também, reflexo do fato de o fornecedor
apresentar-se, invariavelmente, como litigante habitual, vale dizer as empresas se estruturam e
se organizam com departamentos e assessorias jurídicas para levar vários conflitos à Justiça.
Estes departamentos integram o custo empresarial. Por fim, a vulnerabilidade fática ou sócio-
econômica decorre da superioridade econômica do fornecedor, bem como da involuntária
submissão do consumidor às inúmeras práticas anticoncorrenciais.
67
Pode-se dizer que o consumidor fica vulnerável psiquicamente, ou seja, são tantos os
desejos criados pela mídia, por exemplo, os avançados recursos de marketing que são
atualmente exibidos, na TV, Jornais, Periódicos, encartes entre outros, que alguns
consumidores tornam-se escravos desses desejos, e às vezes, a compulsão domina o
indivíduo, que este acaba por comprometer o orçamento doméstico, gerando, muitas vezes,
situações de endividamentos e, em alguns casos, superendividamento. Esses casos ocorrem
geralmente, quando o consumidor compra sem parar, não tendo necessidade real daquele
produto ou serviço, naquele momento.
Não se encontram, no quadro atual, dificuldades em sustentar a necessidade de
proteção diferenciada do consumidor no mercado. As dificuldades, paradoxalmente, são
concernentes ao próprio conceito jurídico de consumidor e situações fáticas que atraem a
aplicação da respectiva lei especial.
Cláudia Lima Marques conceitua consumidor, dizendo que
67
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3 ed., São Paulo: RT, 1998. p.
142.
Quando se fala em proteção do consumidor, pensa-se, inicialmente, na
proteção do não-profissional que contrata ou se relaciona com um
profissional, comerciante, industrial ou profissional liberal. É o que se
costuma denominar de noção subjetiva de consumidor,
68
a qual excluiria do
âmbito de proteção das normas de defesa dos consumidores todos os
contratos concluídos entre dois profissionais, pois estes estariam agindo
com o fim de lucro.
69
Se é certo que a pessoa natural, não profissional, adquirente ou potencial adquirente de
produtos e serviços oferecidos profissionalmente no mercado está invariavelmente em
situação de fragilidade em aspectos econômicos, técnicos etc, a assertiva já não é
absolutamente verdadeira quando o comprador é uma pessoa jurídica, ainda que sem
finalidade lucrativa. Também, não é tão verdadeira para a pessoa física que atua
profissionalmente, comprando produtos para revendê-los.
Já o Código de Defesa do Consumidor no seu artigo 2
o
. afirma expressamente que
consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.” Em princípio, aqui o legislador parece ter, buscado uma definição mais
objetiva, na qual, sendo uma definição legal, a única característica restritiva seria a aquisição
ou utilização do bem como “destinatário final”.
De maneira bastante simples, entende-se por essa expressão, destinatário final, o
seguinte: se uma empresa adquirir equipamentos para o refeitório de seus funcionários e esses
equipamentos estiverem defeituosos, ela poderá recorrer ao Código para buscar os seus
direitos. Isso porque, ao se colocar como destinatária final daqueles bens, está qualificada de
consumidora. O fundamental, no entanto, é que o produto ou serviço não seja adquirido com a
finalidade de produção ou comercialização, mas sim, para uso próprio, alheio à atividade
econômica própria da pessoa jurídica, como no caso dado como exemplo.
No entanto, pode-se observar que correntes doutrinárias e argumentos diversos
surgiram para definição dos casos difíceis, muitas vezes gerando confusões, ao invés de
facilitar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que parece ser simples e objetiva,
como no caso exemplificado anteriormente.
Nesse entendimento, o consumidor assume uma posição de fragilidade, o que o torna
vulnerável, que é sempre maior quando se trata de pessoa natural, além de ser o fundamento
68
MARQUES, Cláudia Lima. Ob. cit., p. 252.
69
BENJAMIN, A. Herman. O conceito jurídico de consumidor. RT 628/69-79. in: MARQUES, ob. cit. p. 253.
da defesa do consumidor, é a diretriz a ser utilizada para definir, em hipóteses variadas e
ensejadoras de divergências, quem deve ser considerado consumidor, tanto diretamente como
por equiparação.
Sobre isso, é importante destacar que o que consta na história das relações
consumerista, é que a fragilidade do consumidor intensificou-se na mesma proporção do
processo de industrialização e massificação das relações no mercado de consumo, ocorrido,
especialmente, nas décadas posteriores ao término da 2ª Grande Guerra.
A partir daí, o consumidor deixou de ser uma pessoa para se tornar apenas um número,
constante dos bancos de dados, principalmente de lojas e empresas de vendas varejistas.
Surgem, diariamente, novas técnicas e procedimentos abusivos de venda de produtos e
serviços. As publicidades, a cada dia, informam menos e, em proporção inversa, se utilizam
de métodos sofisticados de marketing, o que resulta em alto potencial de indução a erro do
destinatário da mensagem e, até mesmo, na criação da necessidade de compra de bens
diversos.
Os contratos, por sua vez, não são discutidos na fase de formação, já vêm prontos, que
são os contratos de adesão, e neles, constam várias disposições que se traduzem em vantagens
exageradas para o fornecedor. Isso se tornou regra. Outro ponto, que vale ser mencionado, é
que muitos produtos, em virtude de sua produção em série, apresentam vícios e defeitos, o
que é facilmente constatado nos produtos eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis e
utensílios domésticos, o que por vez, e não são raras, tornando-os absolutamente impróprios
aos fins que se destinam, até mesmo nocivos à saúde e à segurança do consumidor.
O avanço da tecnologia conduz ao oferecimento de serviços e bens cada vez mais
complexos, gerando um déficit informacional e, conseqüentemente, dificuldades de uma
escolha madura e consciente do consumidor, que sempre é levado por propagandas maciças
nos meios de comunicação.
A vulnerabilidade, entretanto, não deve ser confundida com hipossuficiência
pressuposto processual para inversão do ônus da prova, conforme dispõe o artigo 6º, VIII, do
CDC, “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a
seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for
ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Dessa forma, vai além de
mero reflexo de uma desigualdade econômica, existente, via de regra, entre empresário e
adquirente dos produtos e serviços.
Esclarecendo, porém, que o ônus da prova é aquele em que incumbe a parte provar o
que alega. Em geral, como já se sabe, a quem ajuíza uma ação. Quanto ao reconhecimento da
situação de desigualdade entre consumidor e fornecedor fez com que o CDC atribuísse ao juiz
da causa o poder de transferir para o fornecedor a obrigação de provar que não lesou o
consumidor. Isso porque se sabe que o fornecedor é quem tem o domínio do conhecimento
tecnológico a respeito do produto ou serviço que está sendo colocado no mercado. O Código
introduz essa regra para compensar a vulnerabilidade do consumidor que, quase sempre, fica
inibido perante exigências que lhe são colocadas quando pretende buscar a Justiça.
Em algumas situações, pode-se ver que o conflito de consumo se refere a um produto
de pequeno valor e à onerosidade de uma prova que exija conteúdo, sendo que o auxílio
técnico pode não compensar. Outras vezes, mesmo diante de um grande prejuízo, a prova
pode ter sido destruída em um acidente de consumo, inviabilizando a comprovação. Todos
esses fatores inibem a ação do consumidor.
Sendo assim, toda vez que a alegação do consumidor for verossímil, ou seja, razoável
diante da experiência comum, ou for ele hipossuficiente, isto é, perante os meandros técnicos
do produto e da fabricação ele não tiver condições de provar, o CDC atribui ao juiz tal dever
de inversão do ônus da prova. Em outras palavras, significa que, ao invés do consumidor
provar que foi lesado, o fornecedor é que terá de provar que não praticou dano.
José Geraldo Brito Filomeno diz que é reconhecida a vulnerabilidade do consumidor.
Sendo assim, preleciona o doutrinador, na mesma linha de raciocínio, que neste caso, pode
haver inversão do ônus da prova, ficando a cargo do réu demonstrar a inviabilidade do fato
alegado pelo autor. No entanto, ressalta Filomeno que a referida inversão não é obrigatória,
mas faculdade judicial, desde que a alegação tenha aparência de verdade, ou quando o
consumidor for hipossuficiente, isto é, exige, neste último caso, que ele não tenha meios para
custear perícias e outros elementos que visem demonstrar a viabilidade de seu interesse ou
direito.
70
70
FILOMENO, ob. cit. p. 302.
Como se pode ver o consumidor como parte, via de regra, hipossuficiente, merece a
tutela jurisdicional que lhe é conferida pela Lei Maior e pelo Código de Defesa do
Consumidor. Assim, necessário se faz que seja abordado em capítulo seguinte, sobre o acesso
à justiça, pois esta é questão relevante neste trabalho.
4. ACESSO À JUSTIÇA E GARANTIAS PROCESSUAIS
Antes de adentrar no tema deste capítulo, viu-se no anterior sobre a hipossuficiência
do consumidor, sua vulnerabilidade causada pela fragilidade que ele apresenta diante de um
conflito, dada por relação de consumo.
Partindo desse ponto – hipossuficiência – tudo leva a pensar, como conseqüência que
esta basta como requisito para que o consumidor possa, em pleno gozo de seus direitos
constitucionais, pleitear o acesso à justiça de forma gratuita.
Entretanto, é necessário que se faça nesse momento, a distinção entre Assistência
Judiciária e Justiça Gratuita, pois se a princípio não existe diferença no emprego dos termos,
é bom que se saiba que existe tal distinção.
Num primeiro momento, recorre-se aqui, ao art. 5°, LXXIV, da Constituição Federal
que assegura aos que demonstram insuficiência de recursos assistência jurídica integral e
gratuita. Têm-se aqui duas figuras distintas, sendo a primeira, assistência jurídica gratuita,
com nítida impressão de corresponder a todos os serviços, sejam judiciais ou extrajudiciais,
tais como: consulta, orientação, representação em juízo, isenção de taxas, entre outras; a
segunda refere-se à assistência judiciária, prestação de todos os serviços necessários à defesa
do assistido em Juízo. Entre essas duas figuras, vislumbra-se a existência de uma terceira via,
os benefícios da justiça gratuita, de abrangência mais restrita, que engloba a isenção do
pagamento de custas e despesas judiciais relativas aos atos processuais.
José Cretella Junior dirimindo a questão da diferença entre a assistência judiciária e a
justiça gratuita, entende que
Denomina-se assistência judiciária o auxílio que o Estado oferece – agora
obrigatoriamente – ao que se encontra em situação de miserabilidade,
dispensando-o das despesas e providenciando-lhe defensor, em juízo. A lei
de organização judiciária determina qual o Juiz competente para a
assistência judiciária; para deferir ou indeferir o benefício da justiça
gratuita, competente é o próprio Juiz da causa. A assistência judiciária
abrange todos os atos que concorram, de qualquer modo, para o
conhecimento da justiça – certidões de tabeliães, por exemplo -, ao passo
que o benefício da justiça gratuita é circunscrito aos processos, incluída a
preparação da prova e as cautelares. O requerente, antes de entrar com a
ação, em juízo, deverá solicitar a assistência judiciária.
71
71
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 1806.
Igualmente, Ernesto Lippmann entende que a assistência judiciária não se confunde com
justiça gratuita, distinguindo-as dessa forma,
A primeira é fornecida pelo Estado, que possibilita ao necessitado o acesso
aos serviços profissionais do advogado e dos demais auxiliares da justiça,
inclusive os peritos, seja mediante a defensoria pública ou da designação de
um profissional liberal pelo Juiz. Quanto à justiça gratuita consiste na
isenção de todas as despesas inerentes à demanda e é instituto de direito
processual.
72
E, ainda para Ernesto Lippmann ambas são essenciais para que os menos favorecidos
tenham acesso à justiça, pois ainda que o advogado que se abstenha de cobrar honorários ao
trabalhar para os mais pobres, diz o autor, “faltam a estes condições para arcar com outros
gastos inerentes à demanda, como custas, perícias, etc. Assim, freqüentemente, os acórdãos,
ao tratar da justiça gratuita, ressaltam seu caráter de Direito Constitucional.”
73
Entretanto, é notório que a justiça anda meio ineficaz por vários motivos, seja pela sua
morosidade, seja por deficiência de seus meios, estes parecem ser os motivos mais fortes e, de
maneira especial pode ser apontado ainda, pela dificuldade de acesso da maioria da
população, mesmo sendo previsto como direito indeclinável, pela via constitucional, que
tutela e garante os direitos de todos os cidadãos, inclusive por tratados internacionais.
Tudo isso, causa, sem sombra de dúvida, obstáculos a serem transplantados pelo
sistema judiciário, o que não é tarefa fácil. As demandas, por exemplo, são demoradas, em
função da burocracia que aumenta cada vez mais e ao grande número de recursos existentes,
principalmente os protelatórios, que são, via de regra, os mais numerosos. Porém, não se pode
deixar de dizer que o acesso à justiça é um dos direitos mais básicos, inerentes aos cidadãos
brasileiros.
Contudo, não se pode falar sobre acesso à justiça, sem abordar um pouco sobre
cidadania, pois existe uma relação intrínseca entre cidadania e acesso à justiça, sendo este, um
direito fundamental de todo cidadão e um importante instrumento de demonstração de
cidadania.
72
LIPPMANN, Ernesto. Os Direitos Fundamentais da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: LTR, 1999. p.
379.
73
LIPPMANN, Ernesto. Ob. cit. p. 379.
Como conceito moderno, segundo Aurélio Buarque de H. Ferreira, cidadão, é “o
indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado.”
74
Já Sérgio Sérvula da Cunha
(2002) conceitua cidadão, como “o membro de sociedade política.”
75
Uma definição mais ampla de cidadão é dada por Jaime e Carla Bassanezi Pinsky
(2003), na qual afirmam que
Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade
perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar do
destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos
políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que
garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à saúde,
a uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis,
políticos e sociais.
76
Dos conceitos emitidos, extrai-se que a palavra cidadão compreende a realização do
indivíduo através da fruição de seus direitos e sua participação na sociedade. Então, percebe-
se a íntima relação entre cidadão – cidadania, pois esta, na sociedade contemporânea, é
considerada por Sérgio Sérvula da Cunha como o “conjunto de atributos do cidadão, é a
relação entre a pessoa e a sociedade política a que pertence.”
77
Assim, conceituar ou definir cidadania, neste momento, não é muito fácil, mesmo
porque, entende-se que não há, de fato, um conceito formal que se possa dar ao termo
cidadania. Entretanto, não menos importante, Jaime Pinsky ressalta que
Cidadania pode ser qualquer atitude cotidiana que implique a manifestação
de uma consciência de pertinência e de responsabilidade coletiva. Nesse
sentido, exercer a cidadania tanto é votar como não emporcalhar a cidade,
respeitar o pedestre nas faixas de trânsito e controlar a emissão de ruídos.
78
A cidadania vale dizer, teve grande seu momento de maior relevância, no momento
em que passou a ser considerada por autores clássicos do liberalismo. Segundo João Carlos
Palma Filho
79
nessa época surgiu então, a “fase dos direitos civis, centrada na liberdade
individual, no direito de ir e vir, na liberdade de imprensa, na liberdade de pensamento e de
74
FERREIRA, A. B. Holanda.Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 403.
75
CUNHA, Sérgio Sérvula da. Dicionário compacto de direito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 43.
76
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs). História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. p. 9.
77
CUNHA, Sérgio Sérvula da. Ob. cit. p. 43.
78
PINSKY, Jaime. Cidadania e educação. São Paulo: Contexto, 1998. p. 19.
79
PALMA FILHO, João Cardoso. Cidadania e educação. Cadernos de pesquisa, n. 104. Fundação Carlos
Chagas, São Paulo:Lis gráfica e editora, 1998, p. 109.
fé, no direito à propriedade, à justiça, e no direito de contrair direitos e obrigações por meios
de contratos livremente estabelecidos”.
Todos esses direitos eram inerentes ao homem, e como tal, necessários para a
constituição de uma sociedade soberana na quais todos deveriam gozar desses direitos, os
quais hoje, são tutelados pela Carta Política de 1988. No entanto, esses direitos apesar de
serem considerados necessários ao homem, tinham conotação ideológica, e visavam apenas a
alcançar a aristocracia e a igreja, as quais ditavam normas e regras aos cidadãos da época.
“Foi somente a partir do século XVIII para o século XX, na Europa, que de fato, a população
começou a ter tais direitos e deles usufruir, mas nota-se que o alcance dos cidadãos a esses
direitos, era apenas parcial, quando então, começam – os cidadãos – a participarem
efetivamente das decisões da nação, começam a ter direitos ao voto, participante do corpo
político dirigente.”
80
Fábio Konder Comparato entende que, no ‘Estado Social’, a cidadania toma outro
enfoque, considerando que o povo passa a ter a oportunidade de participar do processo de
desenvolvimento social. A partir daí, a idéia de igualdade social torna-se pedra fundamental
no sistema jurídico do Estado de Bem-estar social.
81
Sendo a igualdade social, pedra fundamental num Estado democrático, reporta-se
então, à realidade brasileira que é praticamente o oposto dessa afirmativa de Fábio Konder
Comparato, pois o que se vê atualmente no Brasil, é um estado de total desigualdade. O
analfabetismo ainda é muito grande, principalmente em regiões mais longínquas do país.
4.1 Justiça e realidade sócio-econômico-política no Brasil
É importante comentar sobre a realidade sócio-político-econômica do Brasil, para que
se possa argumentar sobre a atual estrutura dos Poderes e adequada organização da justiça,
almejando uma correta estratégia de canalização e resolução de conflitos e que se possa
organizar convenientemente os instrumentos processuais preordenados à realização efetiva de
direitos.
80
PALMA FILHO, ob. cit. p. 110-111.
81
COMPARATO, Fábio Konder. A nova cidadania. São Paulo: Lua Nova, n. 28/29, 1993. pp. 92-93.
Isso porque, sem a devida estruturação dos Poderes, não se organiza uma justiça para
uma sociedade abstrata, e sim para um país de determinadas características sociais, políticas,
econômicas e culturais. Pode-se considerar, por exemplo, a realidade brasileira marcada por
contradições sociais, econômicas, políticas e regionais.
Kazuo Watanabe comenta que o intervencionismo estatal vem assumindo relevo cada
vez maior, é muito mais uma resultante dessas contradições do que de uma estratégia bem
traçada de algum partido político ou de um grupo ideológico incrustado no poder. As
estatizações de algumas empresas são decorrências mais do desmazelo, da incapacidade e das
dificuldades financeiras. Não são conseqüências como alguns supõem de política de
nacionalização e estatização da economia nacional planejada por algum governo de esquerda.
82
Neste aspecto, a intervenção do Estado demonstrada pela retomada de algumas
atividades econômicas produtivas ou em regulação e fiscalização de atividades privadas,
atende muito mais à preocupação de superar as dificuldades sociais e econômicas que o
acometem.
Logo, a crise econômico-financeira que o Brasil enfrenta é, em parte, fruto da
conjuntura internacional e, em parte bem maior, dos problemas estruturais de organização
política, de distribuição de renda, de produção, de estrutura fundiária e de estratégia
inadequada de canalização e de resolução dos conflitos decorrentes de toda essa
desorganização social. O legislador vem optando por métodos cada vez mais avançados na
resolução de conflitos de interesse, entre eles podemos citar os Juizados de Pequenas Causas e
até mesmo na esfera administrativa o PROCON.
Basicamente, a estratégia tem consistido em concessão de novos direitos sociais às
classes sociais em geral e em especial às classes mais desfavorecidas, que não vêm
alcançando o objetivo esperado.
Kazuo Watanabe esclarece que
82
WATANABE, Kazuo. “Acesso à justiça e a sociedade moderna.” in: WATANABE, Kazuo, GRINOVER, Ada
Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. (Coord.) Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1988. pp. 98.
os direitos sociais outorgados como meio de aliviar as tensões sociais têm
sido considerados como pontos de referência, por parte de segmentos da
sociedade cada vez mais organizados, alguns deles emergentes em data bem
recente, como os “bóias-frias” e os sem-terra” agrícolas e urbanos, para
postulação de novos benefícios e direitos, cujo atendimento reclama do
Estado mais gastos e novos expedientes de arrecadação de recursos, que
significam mais intervenção estatal na esfera jurídica dos cidadãos.
83
Entretanto, muitos desses direitos não são honrados, de todo ou parcialmente, o que
tem gerado conflitos de interesses, muitos dos quais encaminhados ao Poder Judiciário.
Demais disso, a promessa de aplicação de inúmeros direitos sociais, com os
pertinentes à habitação e ao emprego, por exemplo, vem gerando expectativas e ansiedades
sociais. Mais do que isso, vem criando, nos mais humildes, a consciência do direito a uma
vida de melhor qualidade, pois os discursos políticos que ouvem são todos nesse sentido.
A conseqüência do não cumprimento dessas promessas tem sido o enfraquecimento de
certos direitos subjetivos, como o de propriedade, que são confrontados, num discurso político
bem elaborado, com os direitos de vida e de saúde, constitucionalmente assegurados, e
também com o caráter social da propriedade. As invasões de propriedade e a desobediência
civil, conflitos que põem à mostra a constrangedora impotência do Judiciário, são decorrência
imediata desse estado de coisas.
O Estado brasileiro é, portanto, um grande gerador de conflitos. Além desses conflitos
mencionados, inúmeros outros têm sido provocados pelo Estado em vários campos de
atuação, principalmente nas áreas fiscal, administrativa e do consumidor.
Diante da sobrecarga do Judiciário, cada vez mais se buscam meios alternativos de
resolução de conflitos, como as conciliações extrajudiciais efetuadas pelos (PROCON). Uma
vez não sendo solucionado esses conflitos, o consumidor é encaminhado ao Poder Judiciário,
cuja carga de serviços se agiganta cada vez mais. As várias demandas que a ele afluem
apresentam, num dos pólos, principalmente no passivo (na condição de réu), o Estado ou uma
de suas emanações (autarquias, empresas públicas ou sociedade de economia mista).
Acrescente, ainda, que a necessidade de intervir cada vez mais e com urgência (nem
sempre bem justificada) tem feito com que o Estado, isto é, o Executivo, valha-se de inúmeros
83
WATANABE, Kazuo. Ob. cit., pp. 99-100.
instrumentos, um dos quais é o direito. E o direito de rápida elaboração e fácil manejo, que
são os extintos Decretos-Lei e os regulamentos, portarias, instruções, pareceres normativos.
O direito é utilizado como instrumento de governo e como ética apenas da eficiência
técnica, como já ficou observado, e com isso o executivo além de cometer a invasão da esfera
política de outro Poder, que é o Legislativo, vem introduzindo uma prática antidemocrática de
todo incompatível com o apregoado ideário da “Nova República”. Isso, sem falar nas
ilegalidades e até inconstitucionalidades que são perpetradas por essas atividades legiferantes,
que ignoram até mesmo o tão decantado princípio da hierarquia das leis.
Além desses conflitos causados pelo próprio Estado, inúmeros outros ocorrem na
sociedade brasileira nos vários campos da atividade humana. Muitos deles são conseqüência
das várias contradições sociais, políticas, econômicas e regionais que caracterizam o país.
Outros são decorrentes da vida de relação normal que se desenvolve em qualquer sociedade.
Estes e aqueles podem assumir configuração interindividual ou contornos coletivos.
Exceção feita a algumas demandas coletivas
84
, todas as demais são tratadas como se
tivessem configuração interindividual e as técnicas processuais a elas aplicadas são as
tradicionais, consistentes em atomização e solução adjudicada dos conflitos. Sem dúvida
alguma, a organização da Justiça no Brasil está, em muitos pontos, dissociada dessa realidade
social que nos cerca.
As diferenças sócio-culturais e econômicas, principalmente nas camadas mais baixas
da sociedade, impingem a essas pessoas a ignorância, a exclusão, e distancia-as da justiça, em
caso de necessidade. O exercício da cidadania fica, portanto, igualmente, ausente da vida
desses indivíduos. Muitos dos direitos fundamentais inerentes ao homem ficam da mesma
forma, desconhecidos por eles.
Assim, é conseqüente a falta de compreensão da cidadania, pois esta se adquire na
escola e por meio do conhecimento sobre os direitos fundamentais, que a partir da
Constituição Federal de 1988, o caráter de inclusão dos indivíduos e sua integração social está
explícito. Forma-se o entendimento de que a base da cidadania é, sem dúvida, os direitos
fundamentais contidos na Carta Magna. Conseqüentemente, as garantias de tais direitos e sua
conscientização e efetivação é pressuposto da cidadania. Do contrário, tudo isso torna um
84
as chamadas “ações civis públicas” e ação popular.
mero discurso, tornando seu significado e sua prática uma lacuna na vida dessas pessoas.
Dentro desses direitos, está o acesso à justiça, direito este, pilar dos demais, que assegura
outros direitos previstos na Carta Política do Brasil.
Sob essa ótica, cidadania, então, compreende toda e qualquer atitude do cidadão, é
exercício de seus direitos, mas também exige um querer, da mesma forma que goza de todos
os direitos inerentes a ele – deve ter também deveres e responsabilidades, para que sua
participação na sociedade tenha efetividade política, seja conscienciosa nas decisões que
envolvem o presente e o futuro de seu habitat.
Para passar à matéria, objeto desse capítulo não poderia deixar de citar Hanna Arendt
ao formular o conceito de cidadania, que se tornou universal, não estando esta adstrita ao
território ou nacionalidade, considerando-a como o
“direito a ter direitos, ou seja, direito humano fundamental que dá origem a
outros direitos. Considera, ainda, a cidadania, uma qualidade do ser
humano. No entanto, precisa ser conquistada. Para ela, o ser humano não
nasce cidadão, mas, torna-se cidadão”.
85
Resumindo, todo cidadão é sem dúvida, membro de uma comunidade a que pertence;
ser cidadão é ter responsabilidades, é respeitar o outro dentro do seu espaço observando as
linhas limítrofes, é manter o meio ambiente saudável, é enfrentar relações conflituosas com
ética, é trabalhar em prol da melhoria de sua comunidade; em fim, ser cidadão é ser individuo
imbuído na coletividade, é defender seus interesses, nos interesses da nação, é exercer seus
direitos conforme seus deveres, num Estado Democrático de Direito; dentre esses direitos,
está o acesso à justiça.
4.2 Acesso à justiça
Num primeiro momento, mister se faz saber o que é Justiça, para melhor entendimento
desse tópico no qual será tratado sobre acesso à justiça, propriamente dito.
Entende-se que a matéria tem significado relevante buscando compreensão a respeito
de seu sentido e de sua função. Isso porque, se se pensar na base originária do Direito, pode-
85
ARENDT, Hanna, 1987 in: PALMA FILHO, João Cardoso. Cidadania e educação. Cadernos de pesquisa, n.
104. Fundação Carlos Chagas, São Paulo:Lis Gráfica e Editora, 1998, p. 101-121.
se ver que suas regras são elaboradas para atingir a boa convivência social, de forma mais
justa possível para todos os componentes da comunidade.
Paulo Nader, na filosofia do Direito, nos dá uma noção de que ao criar modelos de
comportamento social à luz dos valores de conservação e desenvolvimento do homem, o
Direito torna possível a convivência e participa, por sua importância e como área definida do
saber, na ordem geral das coisas. Como objeto do conhecimento, não pode ser considerado
parte destacada da realidade e cultivado isoladamente. A sua compreensão precisa ser
alcançada na visão universal dos fatos e fenômenos. É certo que o seu conhecimento
científico atende às exigências operacionais de criação, exegese e aplicação, mas revela-se
insuficiente para preservar a plena correspondência entre os conteúdos normativos e a idéia do
ius.
86
Por isso mesmo, entende-se que nem tudo que está dentro do Direito é justo, é na
Justiça e por meio dela, que as normas devem prevalecer para atingir o bem-estar social,
observando, que esse é o princípio do chamado Direito Natural, aquele que emana do ser
humano desde seu surgimento no universo. Em outras palavras, o Direito, segundo Paulo
Nader, do ponto de vista histórico, não foi uma criação da Ciência nem da Filosofia. Surgiu
como evidência imperiosa, revelada pela natureza humana.
87
Entende-se, portanto, que tais
considerações são relevantes, pois deixam clara a preocupação com a garantia ao acesso à
justiça, que se faz presente a todos os cidadãos brasileiros.
Advém daí, a Justiça, que segundo estudiosos, foi tida como a primeira virtude das
sociedades e dos indivíduos. A exemplo de Platão que considerava que a Justiça era a
combinação harmoniosa das três maiores virtudes do homem, que são: a sabedoria, a coragem
e a temperança; e por analogia, no Estado, onde se acredita que existem todas as componentes
da justiça e para sua aplicação, contendo todas as peças de uma máquina bem construída, cada
qual está em seu devido lugar, para desempenhar a função específica para a qual todas elas
foram planejadas.
88
É assim a prática do justo ou a razão de ser do próprio Direito, pois que
por ela se reconhece a legitimidade dos direitos e se restabelece o império da própria lei.
É ainda interessante que se diga sobre as categorias nas quais a Justiça pode dividir-se.
A primeira, a justiça atributiva, que indica a distribuição entre os particulares do que é comum
86
Direito
87
NADER, Paulo. Ob. cit. p. 21.
88
RUNES, Dagobert D. Dicionário de filosofia. (Trad.)Lisboa: Presença, 1990. p. 212.
a todos ou a repartição proporcional de acordo com a necessidade e a capacidade de cada
qual.
89
O que significa dizer que é a ordenação própria das instituições políticas, sociais e
econômicas de uma sociedade, de maneira que exista uma distribuição justa ou eqüitativa dos
benefícios e dos encargos decorrentes da ordem social.
A segunda é a justiça comutativa, que “é a atribuição de igualdade de relações entre os
particulares, adequando-se coisa a coisa, de molde a realizar igualdade matemática”
90
, ou seja,
a que envolve transações entre duas pessoas.
Em tese, realmente, parece ser fácil resolver quaisquer conflitos e, ou problemas que
surgem e se estabelecem no âmbito da sociedade contemporânea, aplicando-se simplesmente
o que se entende por direitos naturais do ser humano e por justiça, numa combinação
harmoniosa. Entretanto, quando se chega na prática, os caminhos a serem seguidos são mais
tortuosos e porque não dizer, mais conflituosos. O pior dos entraves no caminho em busca da
justiça é a burocracia que se instalou no seio do Judiciário e ao que parece, está longe de ser,
pelo menos equacionado.
No entanto, existem estudiosos que procuram encontrar melhores soluções para
aplicação efetiva da justiça. Cumpre, nessa linha de raciocínio, dizer que é de fundamental
importância a “facilitação” aos cidadãos brasileiros, que o Estado possibilite a todos
resolverem seus litígios, seja pelo Poder Judiciário, seja por meios paralelos apaziguadores de
conflitos, o que é essencial na sociedade contemporânea, para uma convivência harmoniosa,
conseqüentemente promovendo a minimização das tensões no âmbito de comunidades
geradoras de violência e mal-estar social.
Assim, com a noção de Justiça, abordar sobre o acesso à justiça não é tarefa fácil, em
função de uma indagação constante na sociedade civil, considerando que o sistema jurídico
brasileiro é moroso em suas decisões e deixa claro as lacunas nele existentes. A quem se
destina a justiça brasileira, a que preço este sistema funciona. Essa indagação sai da esfera
civil e chega aos operadores do direito, aos juízes e promotores “em razão de uma invasão
89
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 811.
90
SILVA, De Plácido e. ob. cit. p. 811.
sem precedentes dos tradicionais domínios do Direito, por sociólogos, antropólogos,
economistas, cientistas políticos e psicólogos, entre outros”
91
É evidente que a sociedade moderna assume uma complexidade cada vez maior, não
apenas na estrutura da sociedade e nas atividades econômicas pela multiplicidade de campos
de atuação e pelos conhecimentos especializados que tais atividades reclamam, como também
o cidadão em suas diversas atividades cotidianas e em sua vida de relação presidida pela
economia de massa, regulada por um cipoal de leis e orientada por uma massa assistemática
de informações de todas as espécies, muitas delas orientadas para um incontrolável
consumismo.
Para piorar tudo isso se tem, ainda, a incrível velocidade em que se processam as
transformações sociais no mundo contemporâneo, cuja percepção foge até mesmo ao
segmento mais instruído da sociedade.
Sobre isso, Kazuo Watanabe aponta que esse estado de coisas tem gerado algumas
conseqüências importantes, como:
a) incremento assustador de conflitos de interesses, muitos dos quais de
configuração coletiva pela afetação, a um só tempo, da esfera de interesses
de um grande número de pessoas, b) impossibilidade de conhecimento da
existência de um direito, mormente por parte da camada mais humilde da
população e c) impossibilidade de avaliação crítica do sistema jurídico do
País, somente factível através de pesquisa permanente feita por especialistas
de várias áreas e orientada à aferição da adequação entre a ordem jurídica e
a realidade sócio-econômica a que se destina.
92
Continua o autor afirmando que todos esses aspectos e outros mais, como o
concernente à correta preordenação dos instrumentos processuais, devem ser corretamente
enfrentados para que o ideal de acesso à justiça, como a abrangência acima mencionada,
possa ser plenamente atingido.
Nessa mesma linha de raciocínio, Ada Pellegrini Grinover entende que
Como programa de reforma, o verdadeiro acesso à Justiça significa buscar
os meios efetivos que façam as partes utilizarem plenamente o Estado na
solução dos seus conflitos. E de todos os conflitos, mesmo daqueles que até
agora não têm sido levados à Justiça. Faça-se aqui menção, de passagem,
91
CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. (trad. Ellen G. Northfleet) Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 1988. p. 8.
92
WATANABE, Kazuo. ob. cit., 101.
aos grandes conflitos metaindividuais
93
, superindividuais, que contrapõem
grupo contra grupo, e para os quais o nosso instrumental do processo ainda
parece ineficiente; e, de outro lado, aos pequenos litígios, àquelas causas
que, por outras razões, até agora também têm sido retiradas da apreciação
do Poder Judiciário [...] Pois é nesse amplo quadro, delineado na
necessidade de o Estado propiciar condições, a todos, de igual acesso à
Justiça, que eu vejo situada a assistência judiciária.
94
No entanto, observa-se que as crescentes mudanças ocorridas na sociedade moderna
ignoram a “intromissão” desses “invasores”. Entretanto, deve-se respeitar seus enfoques e não
reagir contra eles, pois estes podem ser grandes aliados, nessa batalha histórica que é o acesso
à justiça.
Cappelletti e Garht reconhecem a expressão acesso à justiça de difícil definição, mas
ponderam que serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema
pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob o
“patrocínio” do Estado.
95
De um lado, o acesso à justiça deve ser igualmente acessível a todos, por outro, ele
deve produzir resultados que sejam individuais e socialmente justos. O que será enfocado
neste capítulo será o acesso à justiça, um direito de todos, sem contudo, ignorar ou mesmo
desprezar o outro, entendendo que a justiça social, tal como é desejo da sociedade brasileira,
em geral, pressupõe o acesso efetivo.
Considerando as limitações existentes em algumas garantias constitucionais,
intrinsecamente ligadas ao devido processo legal têm uma finalidade, que é o acesso à justiça.
Dessa forma, é por meio do processo justo, pactuado “com meios adequados e produtor de
resultados justos”, dando a tutela jurisdicional a quem tem razão e, por conseguinte, negando-
a, quem não a tenha. Entende-se ser injustificável a preocupação exacerbada com o processo,
não fora para configurá-lo como autêntico instrumento de condução à ordem jurídica justa.
Tal é o que se propõe quando se fala em processo civil de resultados.
Em se tratando de processo civil de resultados, Cândido Rangel Dinamarco, menciona
que
93
Coletivos ou difusos.
94
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1990. p. 245.
95
CAPPELLETTI e GARTH, ob. cit. p. 7.
tutela jurisdicional nos termos assim propostos tem ainda o valor de realçar
a distinção entre ela própria, que é algo praticamente significativo na vida
das pessoas, e a mera garantia da ação: esta é outorgada pela Constituição e
pela lei aos titulares de pretensões insatisfeitas, independentemente de
terem ou não terem razão – desde que presentes os requisitos para que o
Juiz possa dispor a respeito. Ter ação é somente ter direito ao provimento
jurisdicional, ainda que este provimento seja desfavorável ao autor, dando
tutela jurisdicional ao seu adversário (demandas julgadas improcedentes).
Bem vistas as coisas, portanto, o realce dado ao direito de ação pela
doutrina tradicional era também reflexo de uma postura introspectiva em
que o sistema processual parecia ser um objetivo em si mesmo, sem
preocupações com os objetivos a realizar, ou seja, sem se preocupar com os
resultados que dele esperam a sociedade, o Estado e os indivíduos.
96
Hodiernamente, vem sendo fortalecida no âmbito do Direito Processual a idéia do
processo civil de resultados. Busca-se por meio dessa consciência um valor maior que reside
na capacidade de propiciar resultados satisfatórios ao sujeito que se encontrava antes do
processo.
Nessa perspectiva, Cândido Rangel Dinamarco ressalta,
"que não basta o belo enunciado de uma sentença bem estruturada e
portadora de afirmações inteiramente favoráveis ao sujeito, quando o que
ela dispõe não se projetar utilmente na vida deste, eliminando a insatisfação
que o levou a litigar e propiciando-lhe sensações infelizes pela obtenção da
coisa ou da situação postulada.”
Dentro do possível o processo deve proporcionar ao detentor do direito tudo aquilo
que ele tem de receber, sob pena de perder a utilidade e, portanto, a sua legitimidade social. É
com a idéia do processo de resultado que se visa alcançar a justiça social das pessoas ou
grupos, em relação a outras ou aos bens da vida. Daí a busca pela efetividade dos meios
processuais para alcançar o acesso à justiça.
Diante disso, vale observar a posição de Cappelletti e Garth, dizendo que o conceito de
acesso à justiça tem sofrido transformação importante, correspondente a uma mudança
equivalente no estudo e ensino do processo civil. Dizem os doutrinadores que o acesso à
proteção judicial significa essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor
96
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3 ed., vol. I, (revista, atualizada e
com remissões ao Código Civil de 2002). São Paulo: Ed. Malheiros, 2004. p. 114.
ou contestar ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do
Estado para sua proteção.
97
Vale dizer que os direitos aqui referidos eram considerados antes da formação do
Estado, os quais se referiam apenas a ele, não permitisse que os direitos não fossem
infringidos por outros. Neste caso, o Estado permanecia inerte, ou melhor, passivo, com
relação a problemas dos indivíduos, quando deveria reconhecê-los e defendê-los,
efetivamente na prática.
Isso não mudou muito pelo que se vê diariamente. Os pobres ainda têm dificuldades
no acesso à justiça, mesmo buscando a Defensoria Pública. Outro fator existente entre as
partes litigantes é que há sempre aquela com mais dificuldade econômica de enfrentar o litígio
e essa situação é fácil de ser verificada quando se trata de relações de consumo.
Pontes de Miranda comentando o artigo 72 do Código de Processo Civil de 1939, que
acrescentava o ônus de alegar e provar rendimento ou vencimento que percebe e os seus
encargos pessoais ou da família, anexando à petição atestado de pobreza (art. 74), localizava
no texto a evidência de que o benefício não se vinculava à miserabilidade, só importando que
a pessoa não possa pagar as custas e mais despesas do processo, ou, até parte delas (art. 79).
98
Entende-se sobre a ponderação feita pelo doutrinador, que, o indivíduo para alcançar o
benefício da assistência judiciária, necessariamente não teria que viver miseravelmente, nem
tão pouco viver da caridade pública, bastando apenas que mostrasse o seu direito em função
da falta de meios para fazê-lo, indicando que os recursos, dos quais dispunham, eram
imprescindíveis para o sustento familiar.
Assim, ao solicitar o acesso à justiça, pela da concessão do benefício, nos termos
apresentados pela Lei 1.060/50, “interessa fundamentalmente que a situação econômica da
97
Idem, ibidem.
98
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código Civil (de 1939). vol. 1. Rio de
Janeiro: Forense, 1947. p. 288.
parte não lhe permita atender às despesas do processo, tornando irrelevante a renda da pessoa,
porque as causas podem ser vultuosíssimas e sem recursos para elas o interessado.”
99
Ao lado do necessitado, na acepção legal do termo do artigo 2
o
, parágrafo único, e de
quem se declara pobre, conforme artigo 4
o
, § 1
o
, há outra categoria de pessoas, na sociedade
contemporânea de massas, reunidas sob a feliz designação de “carentes organizacionais”
100
,
merecedora de assistência jurídica e, conseqüentemente, do benefício da gratuidade.
Existem hipóteses em que a necessidade econômica é ignorada no patrocínio gratuito,
a exemplo do artigo 261 do CPP impõe a designação de defensor ao réu, em harmonia com o
disposto no artigo 5
o
, LXXIV, in fine, da Constituição, consagrando efetiva e completa
assistência técnica ao acusado, pouco importando a possibilidade de pagar honorários.
O artigo 261 do CPC regula o incidente processual da impugnação ao valor da causa.
Trata-se de incidente cuja instauração depende de peça própria do réu que veicule a pretensão
impugnativa, já que seu oferecimento gera autos apartados que serão apensados aos da causa.
Segundo Antonio Cláudio da Costa Machado o fundamento do pedido de alteração do
valor é o desrespeito ao critério fixado pelo artigo 259
101
do mesmo Código, e seu
acolhimento leva ao proferimento de decisão interlocutória atacável por agravo de
instrumento.
102
É possível o juiz, sem impugnação, ordenar a alteração do valor da causa se
este foi fixado fora dos ditames de critérios legal expresso. Admite-se impugnação no corpo
da contestação apenas em procedimento sumário.
Vale dizer que o artigo 5
o
, LXXIV da Constituição Federal de 1988, não faz distinção
entre pessoas físicas e jurídicas, no âmbito da assistência jurídica, que é mais abrangente do
que a gratuidade.
O acesso à justiça pelas pessoas físicas não é tão simples, igualmente para pessoas
jurídicas, vez que, segundo Alexandre de Moraes, citando decisão do STF – Supremo
Tribunal Federal “A pessoa jurídica pode ser beneficiária da assistência judiciária gratuita
99
TUCCI, Jorge Rogério Cruz e. (cols.) Garantias constitucionais do processo civil. 1 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1999. p. 18.
100
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 247.
101
[...] na falta de critério legal, orientará o magistrado o seu prudente arbítrio sobre o qual seja a repercussão
econômica da demanda. [...] e ainda, deverá o juiz, na ausência de alguma previsão constante no art. 259, VII,
valer-se-á da interpretação analógica e extensiva para dar a máxima aplicação aos critérios neste estabelecidos.
102
Ver artigos 162, § 2o, 522 e 524 e ss. do Código de Processo Civil.
desde que demonstre a falta de recursos para arcar com as custas processuais e os honorários
advocatícios, não bastando a simples declaração de pobreza. Com este entendimento, o
Tribunal manteve decisão do Min. Marco Aurélio, Presidente, que indeferira o pedido de
assistência judiciária gratuita formulado por pessoa jurídica sem devida comprovação da
insuficiência de recursos.”
103
No entanto, preleciona Paulo Roberto de Gouvêa Medina que “o direito de ter acesso à
Justiça segundo um processo justo e racional. Ora, ter acesso à justiça é ver reconhecida a
cidadania na condição de jurisdicionado. Só isso basta para indicar o caráter constitucional do
tema.”
104
Cappelletti e Garth acrescentam que o “acesso à justiça não é apenas um direito social
fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da
moderna processualística.”
105
Sob essa ótica, tem-se entendido que o processo é um complemento das garantias
fundamentais, como mencionado por Paulo Roberto de Gouvêa Medina (2004), “bem antes
dessa tendência à constitucionalização do processo, que as modernas Constituições
revelam”
106
, complementando seu entendimento, citam-se dois juristas brasileiros, sendo eles
Ministros do Supremo Tribunal Federal, que perceberam o estreito liame existente entre as
normas processuais e as normas constitucionais.
Primeiramente, com bastante propriedade João Mendes de Almeida Júnior, já em
1920, escreveu:
As leis do processo são o complemento necessário das leis constitucionais;
as formalidades do processo são as atualidades das garantias
constitucionais. Se o modo e a forma da realização dessas garantias fossem
deixados ao critério das partes ou à discrição dos juízes, a justiça,
marchando sem guia, mesmo sob o mais prudente dos arbítrios, seria uma
ocasião constante de desconfiança e surpresa.
107
103
STF – Pleno – Reclamação (AgR-ED) n° 1.905/SP – Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 6
jun. 1997, p. 24.898 in: MORAES, Alexandre de. Constituição Federal de 1988 Interpretada. São Paulo: Atlas,
2005. p. 446.
104
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004, p. 11.
105
CAPPELLETTI e GARTH, ob. Cit., p. 13.
106
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. ob. cit., p. 11.
107
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O Processo Criminal brasileiro. vols. I e II, 3 ed. Rio de Janeiro:
Batista da Silva, 1920. p. 9.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, João Barbalho em 1924, comentando o texto
do artigo 72, § 15, da Constituição de 1891, observou, da mesma maneira que, “as leis do
processo, são complementos das garantias constitucionais, ou antes, parte integrantes dela.”
108
Assim, era entendimento de ambos, sendo eles publicistas, que a Constituição, desde àquela
época, encontra no processo mais do que um desdobramento de ordem legislativa. Vai além,
“é a plena realização prática das garantias que institui.”
109
Com isso, entende-se ser oportuno
abordar sobre o direito ao processo e o acesso à justiça matéria contida no próximo item.
4.3 O Direito ao Processo e o Acesso à Justiça
Na Europa Ocidental, embora tenha havido louváveis esforços para a introdução de
medidas relativas à denominada regra da aceleração processual (Beschleunigungs-prinzip), a
Corte européia dos Direitos do Homem, durante os anos oitenta, reconhecendo o direito ao
processo sem dilações indevidas, impôs reiteradas condenações a vários países, obrigando-os
à indenização pelo dano moral derivante do estado de prolongada ansiedade pelo êxito da
demanda.
110
A Convenção européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais, em seu art. 6º, I, subscrita em Roma ao dia 04.11.50, prescreve que:
Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e
publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e
imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações
civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal
dirigida contra ela.”
É incontestável que a partir desse diploma legal, o direito ao processo sem dilações
indevidas passou a ser concebido como um direito subjetivo, independente, de todos os
membros da coletividade à prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável, agora com
acento constitucional inserido pela Emenda Constitucional n. 45.
Com esta alteração constitucional deverá ocorrer uma acentuada diminuição das
demandas prolongadas, face à exigência determinada pelo constituinte. Dessa forma, os
108
BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira – Comentários. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia,
1924. p. 435.
109
MEDINA, ob. cit. p. 10.
110
SANCHEZ-CRUZAT, José M. Bandres. “El Tribunal Europeo dos derechos del Hombre”. Barcelona: Bosch,
1983. p. 91. in: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia da prestação jurisdicional sem dilações indevidas
como corolário do devido processo legal. Revista de Processo, nº 66, abril/junho, São Paulo, 1992. p. 74.
atrasos processuais deverão ser vistos como quebra não só de uma regra processual, mas
acima de tudo de uma garantia constitucional.
Nesse sentido é o que pondera José Antônio Tomé Garcia em relação às dilações
indevidas.
Os atrasos ou delongas que se produzem no processo por inobservância dos
prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das etapas mortas
que separam a realização de um ato processual de outro, sem subordinação
a um lapso temporal previamente fixado, e, sempre, sem que aludidas
dilações dependem da vontade das partes ou de seus mandatários.
111
A princípio, não se demonstra a possibilidade de fixar uma regra específica
determinante das violações ao direito a prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável.
E, por isso, consoante a orientação jurisprudencial da Corte Européia dos Direitos do Homem,
três critérios, segundo as circunstâncias de cada caso concreto, devem ser levados em
consideração para ser apreciado o tempo razoável de duração de um determinado processo.
Por via de conseqüência, somente será possível verificar a ocorrência de uma indevida dilação
processual a partir da análise: a) da complexidade dos assuntos; b) do comportamento dos
litigantes; e c) da atuação do órgão jurisdicional.
112
Destaca-se a informação de José Antônio Tomé Garcia, no sentido de que, segundo a
jurisprudência do Tribunal Constitucional de Espanha, o grande volume de trabalho que pesa
sobre determinados órgãos do Poder Judiciário pode servir para escusar os juízes e tribunais
de toda a responsabilidade pessoal decorrente dos atrasos na prolação das decisões, mas, não
suprime à evidência. O direito de reação dos cidadãos contra tais delongas e tampouco
permite considerar tais dilações como “não indevidas”, a menos que se comprove que se têm
procurado todos os meios possíveis para evitá-las.
113
Note-se que, mais recentemente, vários
ordenamentos jurídicos salvaguardam em seus respectivos textos constitucionais o direito ao
processo sem dilações indevidas, inclusive no Brasil.
111
Cf. GARCIA, José Antônio Tomé. “Proteccion Procesal de los Derechos Humanos ante los Tribunales
Ordinários”. Madri: Montercovo, 1987. p. 119. in: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia da prestação
jurisdicional sem dilações indevidas como corolário do devido processo legal. Revista de Processo, nº 66,
abril/junho, São Paulo, 1992. p. 74.
112
Cf. SENDRA, Gimeno. “Constitución y proceso.” p. 144 s; Sanchez-Cruzat. El Tribunal Europeo de los
Derechos del Hombre. p. 91. in: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia da prestação jurisdicional sem
dilações indevidas como corolário do devido processo legal. Revista de Processo, nº 66, abril/junho, São Paulo,
1992. p. 74.
113
GARCIA, Tomé. “Protección processal de los derechos humano ante los tribunales ordinários”. p 120-121.
in: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia da prestação jurisdicional sem dilações indevidas como corolário do
devido processo legal. Revista de Processo, nº 66, abril/junho, São Paulo, 1992. p. 74.
Em outro giro, é bom ressaltar que a crise na justiça sempre esteve relacionada à
excessiva duração do processo. É bem verdade que dilação temporal das controvérsias cria
uma certa descredibilidade na busca da tutela jurisdicional, ocasionando inconveniente para as
partes.
114
Nessa linha de raciocínio, Nicolò Trocker chega a afirma que a justiça morosa é um
grande mal social e por conseqüência,
provoca danos econômicos (imobilizando bens e capitais), favorece a
especulação e a insolvência, acentua a discriminação entre os que têm a
possibilidade de esperar e aqueles que, esperando, tudo tem a perder. Um
processo que perdura por longo tempo transforma-se também num cômodo
instrumento de ameaça e pressão, uma arma formidável nas mãos dos mais
fortes para ditar ao adversário as condições da rendição.
115
Por certo, um processo longo beneficia, num primeiro momento, a parte rica em
detrimento da mais desafortunada. a duração excessiva do processo constitui “fenômeno que
propicia a desigualdade, é fonte de injustiça social, porque a resistência do pobre é menor da
que o do rico: este, e não aquele, pode, de regra, aguardar, sem sofrer grave dano, uma justiça
lenta.”
116
Em decorrência disso, sustentam Andolina e Vignera que os jurisdicionados vêm com
freqüência pela “fuga” dos tribunais, para buscar em outros meios alternativos (arbitragem ou
transação extrajudiciais) a satisfação de seus direitos subjetivos.
117
Apesar dos esforços que o legislador tem impingido na alteração processual para
alcançar uma melhor celeridade processual, existe certa resistência por parte daqueles que
pensam que estaria colocando em dúvida uma garantia constitucional maior “segurança
jurídica”. É lógico que nos dias atuais a tendência é a busca por segurança/celeridade para
garantir a justiça no caso concreto de forma ágil e célere.
118
114
ANDOLINA, Italo e VIGNERA, Giuseppe. Il Modello Costituzionale del Processo Civile Italiano. Torino:
Giappichelli, 1990. p. 88.
115
TROCKER, Nicòlo. Processo Civile e Constituzione. Probblemi di Diritto Tedesco e Italiano. Milão: Giffrè,
1974. pp. 276 e 277.
116
Cf. CAPPELLETTI, Mauro Il Processo come Fenômeno Sociale di Massa, Giustizia e Società. (Trad. Do
autor) Milão: Comunità. 1977. p. 227.
117
ANDOLINA, Ítalo e VIGNERA, Giuseppe. Ob. cit. p. 88, in: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia da
prestação jurisdicional sem dilações indevidas como corolário do devido processo legal. Revista de processo, n.
66, abril/junho, 1992. p. 73.
118
BATISTA DA SILVA, Ovídio A.. Curso de Processo Civil. v. 1, Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1987. p. 158.
A questão, entretanto, não poderá ser vista como uma ineficiência da administração da
justiça, mas também de vetores de ordem política, econômica e cultural. É tanto que, no Brasil
as controvérsias mais sensíveis colocadas em discussão sobre a morosidade da justiça são os
interesses das classes dominantes, como explica Carlos Alberto Álvaro de Oliveira,
para esses litígios criaram-se, simplesmente, procedimentos especialíssimos,
geralmente com total desconhecimento do tão decantado princípio da
igualdade das partes no processo, gerando-se, com isso, dupla desigualdade:
desigualdade de procedimento e desigualdade no procedimento.
119
Diante desses acontecimentos, vem ocorrendo um clima de insatisfação nos mais
diversificados extratos da sociedade com a morosidade da justiça.
120
Nessa mesma direção, extrai-se do ordenamento constitucional espanhol, Constituição
de 29.12.78 dispõe, no art. 24, 2, que: “todos têm direito ao juiz ordinário determinado
previamente por lei, à defesa e à assistência de advogado, a ser informado da acusação contra
si deduzida, a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias...”
E, em âmbito supranacional, o art. 8º, I, da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, assinala em San José, Costa Rica, em 22.11.69, preceitua, verbis:
Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal
contra ela formulada, ou para a determinação de seus direitos e obrigações de
ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza...”
A orientação adotada pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inserida pela
Emenda Constitucional nº. 45 assegurou explicitamente a garantia do prazo razoável.
José Roberto dos Santos Bedaque, quando aborda sobre “Direito e Processo”,
considera relevante, que antes mesmo do direito ao processo, necessário se faz, entender que
a natureza instrumental do direito processual impõem sejam seus institutos
concebidos em conformidade com as necessidades do direito substancial.
[...] A tarefa principal do ordenamento jurídico é estabelecer uma tutela de
direitos eficaz, no sentido de não apenas assegurá-los, mas também garantir
sua satisfação. O ordenamento está efetivo quando, vigente a lei, seja ela
espontaneamente acatada pelo destinatário, por encontrar correspondência
119
Cf. ÁLVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Procedimento e ideologia no Direito Brasileiro Atual. Ajuris,
33/81. 1985.
120
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características do Juizado Especial de Pequenas Causas. São Paulo: Ed.
RT. 1985. p. 2.
na realidade social; ou quando a atuação se dá coercitivamente, através de
medidas que substituem a atuação espontânea. Todos os fatos sociais
juridicamente relevantes devem ocorrer em conformidade com a vontade
geral e abstrata do legislador; de forma natural e coercitiva. [...] Por isso, o
instrumento precisa ser desenvolvido a partir das necessidades peculiares a
cada área de atuação. Primeiro verifica-se as necessidades, detectam-se os
problemas, depois procura-se desenvolver instrumentos adequados.”
121
Sabe-se que o direito ao processo tem caráter constitucional, tanto quanto o direito de
ação, cuja fonte, segundo Paulo Roberto de Gouvêa de Medina, situa-se, igualmente, na lei
fundamental.
122
Isso porque, o direito de invocar a prestação jurisdicional há de ser exercido
de acordo com as formas processuais, obedecendo a alguns princípios constantes da
Constituição Federal vigente.
Um desses princípios é o princípio do devido processo legal, pressuposto e
fundamento dos demais, estabelecido constitucionalmente que se adote um processo justo e
racional, para que o direito de ação possa ser plenamente exercido, alcançando seu escopo,
que é a atuação do poder jurisdicional.
Carlos Roberto de Siqueira Castro diz que este princípio
É considerado mater no que diz respeito às garantias processuais surgiu na
Inglaterra, inicialmente sob a locução law of the land, resultado do
documento imposto pelos barões ingleses ao Rei João, alcunhado “Sem
terra”, início do Século XIII, tendo sido escrito em latim, a língua utilizada
pela elite à época. Foi no entanto, no desenvolvimento do direito norte-
americano que foram estabelecidos os limites do due process of law e
incorporadas às 5
a
. e 14
a
. Emendas Constitucionais dos Estados Unidos da
América.
123
Pode se extrair dessa afirmação que a origem do instituto o qualifica como uma
garantia eminentemente processual e, assim, possibilita o exercício ao direito de defesa e
contraditório, bem como o dever do Estado de informar o cidadão dos termos de qualquer
acusação, podendo permanecer calado; ainda, concede o direito a advogado contratado ou
público.
121
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo. Influência do Direito Material sobre o Processo. 3
ed. São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 17-19.
122
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. ob. cit. p. 10.
123
SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto de. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova
Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 49.
E nesse sentido apenas processual que a doutrina brasileira, com honrosas exceções,
vem entendendo a cláusula due process. O tipo de processo (civil, penal ou administrativo) é
que determina a forma e o conteúdo da incidência do princípio. Sobre isso Nelson Nery Júnior
(1992) aponta várias garantias decorrentes de sua aplicação,
a) direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um
rápido e público julgamento; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à
notificação das mesmas para comprometimento perante aos tribunais; d)
direito ao procedimento contraditório; e) direito de não ser processado
julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; f) direito à
plena igualdade entre acusação e defesa; g) direito contra medidas ilegais de
busca e apreensão; h) direito de não ser acusado nem condenado com base em
provas ilegalmente obtidas; i) direito à assistência judiciária, inclusive
gratuita; j) privilégio contra a auto-incriminação.
124
Segundo Ada Pellegrini Grinover citando Kazuo Watanabe ideal do acesso à justiça,
consubstancia-se, portanto, no direito ao processo e este só efetiva quando aquele é
plenamente realizado. A exata compreensão do acesso à Justiça não pode deixar, pois, de
compreender uma idéia precisa do devido processo legal. Os contornos deste hão de ser bem
delineados para que se possa ter como assegurado o acesso à Justiça, que não significa,
apenas, o ‘mero acesso aos tribunais’, mas traduz, necessariamente, o direito de acesso à
“ordem jurídica justa.”
125
A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do
acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça
enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.
Uma empreitada assim ambiciosa requer, antes de tudo, porém, uma nova postura
mental. Deve-se pensar na ordem jurídica e nas respectivas instituições, pela perspectivas
instituições, pela perspectiva do consumidor, ou seja, do destinatário das normas jurídicas,
que é o povo, de sorte que o problema do acesso à justiça traz à tona não apenas um programa
de reforma como também um método de pensamento, com acerto acentua Mauro Cappelletti.
Hoje, lamentavelmente, a perspectiva que prevalece é a do Estado, quando não do
ocupante temporário do poder, pois como bem ressaltam os cientistas políticos, o direito vem
sendo utilizado como instrumento de governo para a realização de metas e projetos
124
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Const. Federal. São Paulo: RT, 1992. pp. 34-35.
125
GRINOVER, Ada Pellegrini. “O acesso à Justiça no ano 2000.” in: MARINONI, Luiz Guilherme. O
Processo Civil Contemporâneo. Curitiba: Juruá Editora, 1994. p. 31.
econômicos. A ética que predomina é a da eficiência técnica, e não da eqüidade e do bem-
estar da coletividade.
Outrossim, existe uma preocupação com o direito substancial, que, sobre ser ajustado
à realidade social, deve ser interpretado e aplicado de modo concreto. Já se disse alhures que
para a aplicação de um direito substancial discriminatório e justo, melhor seria dificultar o
acesso à justiça, pois assim se evitaria o cometimento de dupla injustiça.
4.3.1 Tutela e garantia constitucional do acesso à justiça
Na Itália, ganhou força a idéia de extrair do sistema constitucional o princípio da
efetividade da tutela jurisdicional. Essas regras sustentam a importância do princípio da
efetividade da tutela. Neste aspecto, é de ressaltar o artigo 6
o
. da Convenção para Proteção
dos Direitos do Homem, ratificado naquele país em 1955, pela Lei 848. Sob este prisma é
importante frisar que a ineficácia do processo equivaleria à inexistência de regras gerais e pré-
determinadas, sujeitando o retorno à regra do feudalismo.
Luigi Paolo Comoglio, menciona que “daí decorre a idéia de efetividade como
garantia fundamental do processo, a ser extraída dos princípios constitucionais que constituem
os fundamentos do sistema processual brasileiro.” Trata-se, sem dúvida, diz o doutrinador de
componente inafastável das garantias constitucionais do processo.
126
Sendo assim, não é
suficiente assegurar a existência de mecanismo adequado à solução de controvérsias, se as
pessoas não tiverem efetivo acesso a ele.
Segundo Vittorio Denti “reporta-se à decisão da Corte européia dos direitos do
homem, segundo a qual não faz sentido regular corretamente o iter processual se não houver
a prévia e concreta garantia de sua instauração.” E continua dizendo que
em razão disso, a inafastabilidade do Poder Judiciário não pode representar
garantia formal de exercício da ação. É preciso oferecer condições reais
para a utilização desse instrumento, sempre que necessário. De nada adianta
assegurar contraditório, ampla defesa, juiz natural e imparcial, se a garantia
de acesso ao processo não for efetiva, ou seja, não possibilitar realmente a
todos meios suficientes para superar eventuais óbices existentes ao pleno
exercício dos direitos em juízo.
127
126
Cf. COMOGLIO, Luigi Paolo. “Giurisdizione e processo nel quadro”, p. 1.065. in: BEDAQUE, José Roberto
dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: Tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 3
ed., São Paulo: Malheiros, 2002. p. 72.
127
Cf. DENTI, Vittorio. La giutizia Civile, p. 76. in: BEDAQUE, José Roberto dos Santos (2002). ob. cit., p. 73.
Nesse sentido, e principalmente em país onde crescem as desigualdades sociais,
assume papel de relevo no rol de garantias do sistema processual a assistência judiciária
gratuita, concedida a todos os que não tenham recursos suficientes para iniciar o processo
(CF, art. 5º, XXXIV).
128
A técnica da ciência processual deverá ser superada, em prol de uma garantia maior
que é a garantia constitucional do direito material pertencente a cada cidadão. O processo
deverá servir de instrumento para a satisfação de um bem maior que é à liberdade à vida, à
propriedade, sob pena de ser ineficaz em sua pretensão.
A questão não é tão simples assim, pois não basta dizer que todos têm direito de
acesso ao Poder Judiciário, se o Estado não fornece os meios necessários para que este
objetivo seja alcançado. Para Vittorio Denti, o verdadeiro problema não era o reconhecimento
abstrato do direito de ação, mas a garantia do acesso concreto à tutela jurisdicional por parte
das pessoas. Essa visão do direito de ação no campo constitucional revela preocupação, não
apenas de cercá-la de um complexo de garantias objetivas para acesso à tutela, mas também
em remover os óbices econômicos e sociais ao pleno exercício dos direitos pelas pessoas.
É por meio da tutela constitucional que se busca obter do Estado a satisfação de
mecanismos eficientes de solução de controvérsias, apto a proporcionar a satisfação efetiva ao
titular de um direito, bem como impedir a injusta invasão da esfera jurídica de quem não se
acha obrigado a sofrê-la.
Não só se cuida, portanto, de direito ao resultado favorável, mas também de direito de
acesso ao Poder Judiciário. É direito à efetividade da tutela, o que não significa assegurar o
acolhimento da pretensão formulada, mas os meios adequados para que tal ocorra.
129
Cumpre salientar, finalmente, que o direito de ação e o direito de defesa constituem
aspectos inerentes à garantia de acesso à justiça, o que significa que todos têm direito à via
constitucional de solução de litígios, livres de qualquer óbice que possa comprometer a
eficácia do resultado pretendido por aquele cujos interesses estejam amparados no plano do
direito material. Esse é o significado da expressão “acesso à ordem jurídica justa”, que
pretende representar o escopo máximo da atividade jurisdicional e de seu instrumento.
128
Cf. DENTI, Vittorio. Ob. cit. p. 78 in: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. ob. cit., p. 78.
129
Cf. COMOGLIO, Luigi Paolo. “Giurisdizione e processo nel quadro”, p. 1.076. in: BEDAQUE, José Roberto
dos Santos. ob. cit., p. 76.
Diante desta hipótese, pode-se afirmar que a tutela constitucional do processo constitui
fator fundamental para a efetividade da tutela jurisdicional dos direitos, que representa um dos
aspectos do tema mais amplo da tutela dos direitos. Esta última compreende formas de tutela
extraprocessuais, destinadas exatamente a evitar a necessidade de intervenção jurisdicional.
130
Analisada pelo prisma constitucional, a ação não se submete à disciplina de normas
processuais. O poder de propor demandas, tal como regulado pelas regras infraconstitucionais
de processo, certamente não se confunde com essa concepção de ação.
131
Sendo assim,
correto é o entendimento de que a garantia constitucional de ação deve envolver efetiva
possibilidade de tutela das situações substanciais
A garantia da ação ou da inafastabilidade representa o acesso efetivo ao instrumento
constitucional de solução de controvérsias. Quem o utiliza pretende obter, no plano
substancial, um dos efeitos mencionados.
O acesso à justiça trata de direito fundamental, necessário para assegurar a efetividade
dos demais direitos. A garantia constitucional deve contar com instrumentos adequados para
solucionar os litígios em tempo razoável. Acesso à justiça representa, portanto, verdadeiro
direito humano fundamental, considerado pela doutrina como de segunda geração.
132
Ademais, outros princípios relacionados ao Processo Civil também poderão ser
indicados, como a proteção à igualdade entre as partes, o direito de ação, o direito de defesa e
o contraditório. Assim, entende-se que a igualdade, o juiz natural, o contraditório, as provas,
tudo estaria incluso no princípio do devido processo legal ou processo justo.
4.3.2 Isonomia
De Plácido e Silva diz que isonomia, na terminologia jurídica, exprime a igualdade
legal para todos. E, assim, assinala o regime que institui o princípio de que “todos são iguais
130
Cf. DENTI, Vittorio. “La giustizia civile”. p. 111 e p.112. in: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. ob. cit.,
p. 76.
131
Cf. DENTI, Vittorio. “La giutizia civile”, p. 116.
132
LAURINDO, Salvador Franco de Lima. Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e de não fazer. pp. 70-
71.
perante a lei,”
133
em virtude do que, indistintamente e em igualdade de condições, todos serão
submetidos às mesmas regras jurídicas.
134
Segundo Maia Cecília Bodin de Moraes o conceito de igualdade é velho nos sistemas
jurídicos, remontando à Grécia antiga, sendo construção dos seus filósofos. É verdade que, à
época, o conceito somente era aplicado aos homens integrantes do núcleo de poder,
excluindo-se os escravos, as mulheres, os estrangeiros.
135
No entanto, a democracia dos gregos, passou a utilizar o critério ampliativo de povo,
apesar de referente patriciado, integrador daqueles que não possuíam títulos, riquezas ou
favores pessoais dos poderosos.
Já na era moderna, houve uma forte contribuição das Revoluções americana e francesa
que erigiram o princípio da igualdade como um dos seus pilares filosóficos. Evidentemente,
“dada a sua origem burguesa e, portanto, individualista, o conceito passou a ser considerado
apenas sob o aspecto formal, gerando desigualdades econômicas.”
136
Manoel Messias Peixinho observa que “no contraponto dessa visão ideológica, o
modelo socialista passou a defender também a igualdade material ou substancial, com a
intervenção do Estado para reequilibrar as relações econômicas.”
137
Paulo Bonavides esclarece que o direito à igualdade, conjuntamente com os direitos de
liberdade e de fraternidade formam o ‘tripé’ do que foi denominado primeira geração dos
direitos fundamentais ou direitos humanos.
138
No entanto, hodiernamente, o princípio da igualdade não tem sido bem aplicado pelos
operadores do direito, pois mesmo considerando que os iguais têm que ser tratados dentro de
suas ‘desigualdades’; portanto, cabe à justiça, tão somente à justiça, a aplicabilidade desse
princípio, vez que, entende-se que nada, nem lei alguma prevalece à Constituição Federal.
133
Cf. Constituição Federal de 1988, artigo 5o.
134
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 780.
135
BODIN DE MORAES, Maria Celina. O Direito Civil Constitucional. in: LACOMBE, Margarida Camargo
(org.). 1988-1998 – Uma década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 125.
136
PEIXINHO, Manoel Messias, et. al. Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Júris,
2001. p. 316.
137
Idem.
138
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 516.
Assim, é de pleno direito que todos, sem exceção tenham direitos iguais, principalmente no
que tange ao acesso à justiça.
Isso porque, na Constituição Federal de 1988, convém relembrar, tal princípio está
explicitado, sem a menor sombra de dúvida, mesmo que de maneira genérica, por isso, o
mesmo deve ser aplicado às partes na relação processual, onde vem expressamente previsto
no artigo 125, I do Código de Processo Civil, determinando que
Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições desse Código,
competindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdades de tratamento.
O que significa dizer que o magistrado embora receba da lei a função de dirigir,
conduzir, comandar a relação processual e o status de dominus processus
139
, nada faz senão
sob estrita obediência ao direito processual, daí dizer-lhe que o “juiz é escravo da lei”.
140
A
segurança jurídica do cidadão, no Estado de Direito, está principalmente na legalidade, que
alcança a todos, e não na figura do juiz, embora este seja indispensável à preservação do
direito e à tutela da liberdade.
Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco , citando Kazuo Watanabe, pondera que
mesmo quando se reduza ao mínimo suportável a chamada litigiosidade contida, restam ainda
as dificuldades inerentes à qualidade dos serviços jurisdicionais, à tempestividade da tutela
ministrada mediante o processo e à sua efetividade. Isso significa que não basta alargar o
âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também, indispensável
aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a oferecer resultados úteis e
satisfatórios aos que se valem do processo.
141
Um eficiente trabalho de aprimoramento deve se pautar por esse trinômio, não
bastando que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem postas, mas tardias ou
não traduzidas em resultados práticos desejáveis; nem sendo desejável uma tutela
jurisdicional efetiva e rápida, quando injusta. Para a plenitude do acesso à justiça importa
remover os males resistentes à universalização da tutela jurisdicional e aperfeiçoar
internamente o sistema, para que seja mais rápido e mais capaz de oferecer soluções justas e
139
O senhor do processo.
140
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 4 ed. São Paulo: Manole,
2004. p. 169.
141
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3 ed., vol. I, (revista, atualizada e
com remissões ao Código Civil de 2002). São Paulo: Ed. Malheiros, 2004. pp. 114-124.
efetivas. É indispensável que o juiz cumpra em cada caso o dever de dar efetividade ao
direito, sob pena de o processo ser somente um exercício improdutivo de lógica jurídica. Tal é
mesmo um dever do juiz, estabelecido no art. 125, inc. II, do Código de Processo Civil.
Essas necessidades resolvem-se, resumidamente, num binômio composto
pelos elementos quantidade e qualidade. Não basta aumentar o universo dos
conflitos que podem ser trazidos à Justiça sem aprimorar a capacidade de
produzir bons resultados. Nem basta produzir bons resultados em relação
aos conflitos suscetíveis de serem trazidos à Justiça, deixando muitos outros
fora do âmbito da tutela jurisdicional.
142
Continua o doutrinador dizendo que o acesso à justiça é acesso à ordem jurídica justa,
ou seja, obtenção de justiça substancial. Não obtém justiça substancial quem não consegue
sequer o exame de suas pretensões pelo Poder Judiciário e também quem recebe soluções
atrasadas ou mal formuladas para suas pretensões, ou soluções que não lhes melhorem
efetivamente a vida em relação ao bem pretendido. Todas as garantias integrantes da tutela
constitucional do processo convergem a essa premissa-síntese que á a garantia do acesso à
justiça assim compreendido.
Acesso à justiça não equivale a mero ingresso em juízo. A própria garantia
constitucional da ação seria algo inoperante e muito pobre se se resumisse a assegurar que as
pretensões das pessoas cheguem ao processo, sem garantir-lhes também um tratamento
adequado.
É preciso que as pretensões apresentadas aos juízes cheguem efetivamente ao
julgamento de fundo, sem a exacerbação de fatores capazes de truncar o prosseguimento do
processo, mas também o próprio sistema processual seria estéril e inoperante enquanto se
resolvesse numa técnica de atendimento ao direito de ação, sem preocupações com resultados
exteriores.
Na preparação do exame substancial da pretensão, é indispensável que as partes sejam
tratadas com igualdade e admitidas a participar, não se omitindo da participação também o
próprio juiz, de quem é a responsabilidade principal pela condução do processo e correto
julgamento da causa.
Só tem acesso à ordem jurídica justa quem recebe justiça. E receber justiça significa
ser admitido em juízo, poder participar, contar com a participação adequada do juiz e, ao fim,
142
Idem.
receber um provimento jurisdicional consentâneo com os valores da sociedade. Tais são os
contornos do processo justo, ou processo équo, que é composto pela efetividade de um
mínimo de garantias de meios e de resultados.
Segundo Manoel Messias Peixinho et. al. modernamente, quando se fala do tema,
procura-se invocar a questão da paridade de armas que deve nortear a atividade processual das
partes e que deve ser fiscalizada pelo Estado, na figura do juiz que preside a instrução, e
reprimir as tentativas de burla a tal regra. Há no processo civil, no entendimento dos autores,
o instituto do atentado para dirimir tais intervenções das partes.
143
No mesmo sentido, o
instituto da litigância de má-fé.
144
Continuam dizendo que o próprio Estado quando litiga, está sujeito às regras de
igualdade, o que se aplica ao Ministério Público embora, atualmente, goze de quase total
autonomia nas suas atividades.
145
4.3.3 Juiz natural
Como os princípios fundamentam todo o ordenamento jurídico, a violação de qualquer
um desses princípios, sobretudo os constitucionais, é sem dúvida, mais grave que a de um
dispositivo legal específico, portanto, ofender um princípio é ofender uma das regras
formadoras de todo o sistema jurídico.
Ada Pellegrini Grinover destaca que o Poder Judiciário atua sob a égide da função
jurisdicional, atribuída por meio de regras de cunho constitucional, estipuladas conforme a
natureza do objeto litigioso do processo.
146
Sobre o princípio do juiz natural, Ada Pellegrini Grinover,
[...] mais que direito subjetivo da parte e para além do conteúdo
individualista dos direitos processuais, o princípio do juiz natural é garantia
da própria jurisdição, seu elemento essencial, sua qualificação substancial.
Sem o juiz natural, não há função jurisdicional possível.
147
143
Cf. Código de Processo Civil, artigos 879/881.
144
Cf. Código de Processo Civil, artigos 16 e seguintes.
145
Idem
146
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. As Nulidades no Processo Penal. 8 ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004. p. 49.
147
GRINOVER, Ada Pellegrini, in: PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Ed.
Livraria do Advogado, 1997. p. 63.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery entendem que o princípio da
naturalidade do juízo se aplica, da mesma forma, tanto no processo civil quanto no processo
criminal, igualmente no processo administrativo, denominado princípio do julgador natural,
dimensão do princípio do juiz natural no direito administrativo.
148
É importante destacar, neste momento, que ao longo de sua história, o Poder
Judiciário, por diversas vezes, se mostrou arbitrário e subserviente a comandos ditatoriais,
afrontando o conteúdo democrático do Estado de Direito.
Entretanto,
observa-se que
“importantes conquistas nos direitos do homem, atribui-se à ‘invocação’ do princípio do juiz
natural.”
149
De acordo com o dispositivo legal, artigo 87 do Código de Processo Civil, que institui
o chamado princípio perpetuatio jurisdictionis, que é a regra fundamental de processo
segundo a qual a propositura da ação fixa num determinado órgão judiciário a competência
para o processo e julgamento de uma causa. A partir daí, quaisquer modificações fáticas,
como por exemplo, alteração de domicílio, estado civil, ou jurídicas, a exemplo de alteração
de regras de competência em razão do território ou valor, tornam-se irrelevantes. Apenas as
modificações expressamente previstas no texto têm o condão de interferir na competência de
um órgão – a alteração em razão da matéria, o que inclui também a pessoa
150
ou em razão da
hierarquia, o que se entende por modificações supervenientes.
Sobre isso, Fredie Didier Jr. ressalta que
“a regra da perpetuatio jurisdictionis só se aplica às hipóteses de
incompetência relativa. Nos casos em que for reconhecida a incompetência
absoluta, os autos devem ser remetidos imediatamente ao juiz competente,
reputando-se nulos os atos decisórios já praticados.”
151
148
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 4 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 92.
149
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 1997. pp. 68-
69.
150
Cf. Arts. 91 e 92 do CPC.
151
DIDIER JR., Fredie. Direito Processual Civil: tutela jurisdicional individual e coletiva. 5 ed. Salvador:
JusPODIVM, 2005. p. 69.
Contudo, cabe explicar que a criação de varas especializadas, de regras de
competência determinada por prerrogativa de função, não fere o princípio do juiz natural,
tendo em vista que “em todas essas situações as regras são gerais, abstratas e impessoais.”
152
Paulo Roberto de Gouvêa Medina acrescenta sobre este princípio que o juiz natural há
de ser um juiz independente. A lei processual deve estabelecer, de outra parte, proibições para
que o juiz atue em determinados processos com relação aos quais existiam para o magistrado
razões de impedimento ou suspeição. Com isso, o juiz natural será também um juiz
imparcial.
153
Resumidamente, tem-se que o princípio do juiz natural pretende simplesmente afastar
a possibilidade de criação de juiz ad hoc e “impedir o advento de simulacros de órgãos
judiciários que tenham o poder de julgar as causas para cuja apreciação sejam instituídos.”
154
Uma vez explanado alguns dos princípios constitucionais que sustentam todo o
ordenamento jurídico brasileiro, em especial os que deram sustentação à matéria deste
capítulo, passa-se a abordar o acesso do consumidor à justiça.
4.4 Acesso do consumidor à justiça
Segundo Ada Pellegrini Grinover, o ordenamento jurídico brasileiro formou-se de
acordo com os princípios do direito continental europeu, organizando seu processo civil para
atender às demandas individuais. ‘Parte’ no processo era, em princípio, apenas aquele que se
apresentasse como sendo o titular de um interesse juridicamente protegido, sendo vedado
pleitear em juízo, em nome próprio, direito alheio.
155
Tal afirmativa se deve, de acordo com a
doutrina brasileira, porque, “somente poucas leis especiais admitiam exceções à regra geral,
permitindo a legitimidade ad causam de algumas pessoas para a defesa em juízo de interesses
comuns ou coletivos.”
156
Assim, no direito comercial, a lei das sociedades anônimas permite ao acionista
promover, em favor da sociedade, ação de responsabilidade contra o administrador que
152
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2 ed. Coimbra,
Portugal: Livraria Almedina, 1998. p. 579.
153
MEDINA, ob. cit. p. 34
154
Idem, ibidem.
155
Cf. artigo 6º do Código de Processo Civil de 1973.
156
GRINOVER, Ada Pellegrini. A problemática dos interesses difusos. in: A tutela dos interesses difusos. São
Paulo: Ed. Max Limonad, 1984. p. 38.
causou prejuízos ao patrimônio social.
157
A lei sobre a edificação de condomínios autoriza
qualquer condômino, na omissão do síndico, a promover, em benefício do condomínio, ação
para o cumprimento dos deveres estipulados na convenção.
158
O antigo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
159
legitimava seu presidente a
agir para a defesa das prerrogativas da profissão. O atual dispositivo é ainda mais abrangente,
conferindo-lhe o poder de agir contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins
do estatuto em vigor.
160
O sindicato tinha legitimidade para promover dissídio coletivo sobre as relações de
trabalho
161
e para cobrar salários devidos à categoria
162
hoje com poderes ampliados,
conforme dispõe o art. 8º, III, da C.F.
163
Kazuo Watanabe, diz que,
Todas essas autorizações legais, todavia, dizem com os interesses coletivos,
e não com os interesses difusos [...] A primeira explícita tutela jurisdicional
de interesses difusos, embora com limitação, se dá com a instituição da ação
popular (Lei 4.717, de 29 de junho de 1965).
164
Segundo a lei supra citada, qualquer cidadão, munido do seu título eleitoral, pode
promover a nulidade dos atos lesivos ao patrimônio público. Trata-se, porém, de uma norma
que produz efeitos apenas no âmbito do direito administrativo e nas relações dos cidadãos
com o Estado, para o controle da moralidade da administração pública. Citada, portanto, com
intuito de mostrar que qualquer cidadão deve e pode ter acesso à justiça, sem burocracia, sem
restrições. Basta ser cidadão.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a defesa do consumidor
foi incluída em seu rol como um dos princípios da ordem econômica e
financeira em seu artigo 170, V determinando no ato das disposições
transitórias, que se elaborasse, em seis meses, o Código de Defesa do
Consumidor, determinado no artigo 48 do ADCT. Além disso, foi
igualmente determinado a criação de juizados especiais, na Justiça dos
157
Lei 6.404, de 15.12.1976,art. 159, parágrafo 3º.
158
Lei 4.591, de 16.12.1964, art. 21, parágrafo único.
159
Lei 4.215/63, art. 129.
160
Lei 8.906, de 4.7.1994, art. 49.
161
Decreto-Lei n° 5.452 de 1º de maio de 1943 – CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, art. 857.
162
Lei 6.708, de 30.10.1979
163
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O acesso do consumidor à justiça no Brasil. in: Revista de Direito do
Consumidor, n. 16, p. 22-28, out./dez. 1995.
164
WATANABE, Kazuo. A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984. p. 88.
Estados e do Distrito Federal, competentes para a conciliação, o julgamento
e a execução de causas de menor complexidade, conforme dispositivo legal
– artigo 98, I.
Com relação ao artigo 170, V da Constituição de 1988, vale citar Celso Bastos e Ives
Gandra (1990) momento em que analisam o princípio da livre concorrência:
A livre concorrência hoje, portanto, não é só aquela que espontaneamente se
cria no mercado, mas também aquela outra derivada de um conjunto de
normas de política econômica. Existe, portanto, o que pode ser chamado um
regime normativo da defesa da concorrência voltada ao restabelecimento
das condições de mercado livre, para então concluir que o ‘princípio
constitucional autoriza esta sorte de intervenção ativa no mercado, sem falar
na negativa consistente na eliminação das disfunções e imperfeições.
165
Assim, o Código de Defesa do Consumidor, Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990,
manteve os princípios básicos e inovadores, de maneira detalhada e minuciosa na exposição
do tema, avançando, por conseguinte, em alguns pontos mais polêmicos.
O Código de Defesa do Consumidor tem fundamental importância para a sociedade
como um todo, pois não se preocupou apenas com a regulamentação das ações coletivas.
Cuidou de introduzir regras de natureza processual que garantissem, também nas ações
individuais, a facilitação de acesso à Justiça e a eficácia da defesa dos direitos do consumidor.
O artigo 5º deste Código dispõe sobre a assistência jurídica gratuita ao consumidor, e
prevê a organização de serviços especializados do Ministério Público na defesa do
consumidor. Isso porque, muitas pessoas não podem recorrer à Justiça porque não têm
dinheiro para pagar um advogado e as despesas do processo. Para superar o problema, a
Constituição obriga o Poder Público a colocar à disposição das pessoas um serviço de
atendimento jurídico. Além disso, pessoas necessitadas têm direito à dispensa das custas
processuais. Visando à proteção do consumidor, o Código dispõe ainda que esses serviços
devam ser também disponíveis para a defesa do consumidor ‘carente’, em função dos muitos
abusos contra aqueles, que são freqüentes na sociedade de consumo.
165
BASTOS, Celso; MARTINS, Ives Granda da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 1990. pp. 26-27.
Também, determina a criação de juizados especiais de pequenas causas e juízos
comuns especializados na solução de litígios de consumo, órgãos judiciais de que adiante será
abordado.
Nessa linha de raciocínio, Mauro Cappelletti e Bryant Garth afirmam que “qualquer
consumidor pode, por sua própria iniciativa, utilizar favoravelmente qualquer desses
‘sistemas’”
166
para pleitear a defesa de seus direitos, usando dos benefícios de gratuidade e
acesso à justiça dos quais são, inclusive, tutelados pela Constituição Federal de 1988.
Assim, a partir de Calamandrei, em sua obra Processo e Democracia, diz Humberto
Theodoro Júnior,
a consciência jurídica foi despertada para a dimensão social do processo e a
melhor doutrina, em lugar de insistir no aprofundamento dos conceitos
fundamentais de jurisdição, ação e processo, desviou-se para o tema do
acesso à justiça, com destaque para os problemas da instrumentalidade e
efetividade da tutela jurisdicional.
167
Diante disso, observa Mauro Cappelletti, que se passou a exigir da ciência processual
uma “visão tridimensional do direito”, que muito ampliou o campo de análise do jurista,
especialmente daquele que se preocupa com o processo; e continua dizendo que
Sob esta perspectiva, o direito não é encarado apenas do ponto de vista dos
seus produtores e do seu produto (as normas gerais e especiais); mas é
encarado, principalmente, pelo ângulo dos consumidores do direito e da
Justiça, enfim, sob o ponto de vista dos usuários dos serviços processuais.
168
Sendo assim, pode-se dizer que, a partir desse entendimento, os conceitos e as
categorias fundamentais do processo deixaram de ser apenas os que a tradição doutrinária
passaram a cogitar outros elementos que assumiram notória proeminência, todos ligados ao
problema de acesso à justiça, como os relacionados com os custos e a demora dos processos,
com os “embargos ou obstáculos impostos pelo sistema judiciário como, econômicos,
166
CAPPELLETTI e GARTH, ob. cit. p. 125.
167
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Procedimentos Especiais. vol III. Rio
de Janeiro: Forense, 2006. p. 452.
168
CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. in:
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. O Processo Civil Contemporâneo. Curitiba: Ed. Juruá, 1995. p. 15.
culturais e sociais, os quais com freqüência se interpõem entre o cidadão que pede justiça e os
procedimentos predispostos para concedê-los.”
169
Foi então, a partir de movimentos reivindicatórios da sociedade por acesso à Justiça,
que começaram a surgir novos caminhos para atender a tais reivindicações, como por
exemplo, “juizados de pequenas causas”, com essa denominação, conhecidos popularmente e,
disposto no artigo 24, X da Constituição Federal de 1988, o que são os mesmos Juizados
Especiais, os quais integram o Poder Judiciário, mas, com uma diferença – proporcionar um
acesso mais fácil e simples àqueles que realmente necessitam da Justiça, mas são
hipossuficientes.
Finalizando esse capítulo, sobre acesso à justiça, destaca-se que no próximo será
abordado sobre o PROCON e sua função institucional na sociedade brasileira.
169
THEODORO JÚNIOR, Humberto. ob. cit. p. 452.
5. PROCON E SUA FUNÇÃO INSTITUCIONAL NA
SOCIEDADE BRASILEIRA
Neste capítulo, será abordada a função institucional do PROCON na sociedade
brasileira. Entretanto, para que isso fosse possível, observou-se a necessidade, num primeiro
momento de abordar brevemente sobre a origem do PROCON – Programa de Proteção ao
Consumidor.
Há 42 anos, no dia 15 de março de 1962, o presidente dos Estados Unidos, John
Fitzgerald Kennedy enunciou quatro direitos fundamentais do consumidor numa declaração
ao Congresso Norte-americano, quais sejam: “à segurança, à informação, à escolha e o de ser
ouvido.”
Mais tarde, a Organização Internacional das Associações de Consumidores
acrescentou, aos quatro primeiros direitos básicos, outros igualmente importantes: “à
satisfação das necessidades básicas, à indenização, à educação, ao ambiente saudável.”
O Dia Mundial dos Direitos do Consumidor foi inicialmente comemorado em 15 de
março de 1983. Em 1985, a Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) adotou os Direitos
do Consumidor, assim enunciados, como diretrizes das Nações Unidas, conferindo-lhes
legitimidade e reconhecimento internacional.
Dessa forma, a partir da declaração do presidente norte-americano levou outros
continentes a conscientização de que todos os cidadãos, independentemente da sua condição
econômica ou social, têm direitos enquanto consumidores. Tal idéia se difundiu por todos os
países, legitimando e garantindo tal direito aos consumidores.
Ao que se sabe, no Brasil, sob esta influência as donas de casa do Estado de Minas
Gerais começaram a se unir de forma organizada já na década de 70, culminando em um dos
mais representativos movimentos sociais dos dias de hoje, a Associação das Donas de Casa. O
trabalho inicial dessas senhoras era o de comparar, realizar pesquisas no mercado e exigir um
atendimento respeitoso, ocasionando a criação do primeiro Procon, autorizado pela Lei
Federal nº 1.903/78 e concretizado no ano seguinte. Entre as entidades civis surgem também o
IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor, e outras iniciativas que fortalecem o
desenvolvimento da defesa do consumidor no Brasil.
170
Em maio de 1976 começaram estudos do grupo de trabalho da Secretaria dos
Negócios Metropolitanos do Estado de São Paulo para a criação de um órgão com a função de
defender e proteger o consumidor, visto que a legislação até então vigente não possuía
mecanismos para tanto.
171
Tal fato gerou vários ciclos de debates e discussão, quando em 1978 foi editado o Dec.
Lei 7.890, o qual deu origem ao Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor e, logo em
seguida, entrou em vigor a Lei Estadual 1.903, no mesmo ano,
“complementando a formulação e a institucionalização da política de defesa
e proteção do consumidor no Estado de São Paulo com a criação da
Procuradoria de Defesa do Consumidor, também chamada PROCON,
posteriormente transformada em fundação.”
172
Entretanto, o avanço mais importante apontado pela doutrina ocorreu em 1985, pela
Resolução 39.248, de 16 de abril, a ONU – Organização das Nações Unidas, baixou normas a
proteção do consumidor, posicionando-se de maneira bastante clara e passou a cuidar
detalhadamente do tema. Nesse mesmo ano, a Comunidade Européia elaborou a Diretiva
374/85 e, a partir daí, fez enorme esforço no sentido de harmonizar as leis dos países
integrantes. Na mesma época, no Brasil, era criado o Conselho Nacional de Defesa do
Consumidor (CNDC), considerando-se este órgão, antecessor do conselho, do atual
DPDC/MJ.
173
Foi então que a partir do Dec. Lei 91.469, de 24.07.1985, assinado pelo então
Presidente da República José Sarney, com a finalidade de assessorá-lo na formulação e
condução da Política Nacional de Defesa do Consumidor.
174
170
CARVALHO, Denílson Pereira Afonso de. “O PROCON na defesa do consumidor.” in: Revista Jurídica da
Universidade de Franca.
171
MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. “Estrutura orgânica do controle da publicidade de consumo no Brasil.” in:
Revista de Direito do Consumidor. n. 42. outubro-dezembro. São Paulo: RT, 2003. p. 212.
172
MARTINES, Sérgio Rodrigo. ob. cit. p. 212.
173
Cf. OLIVEIRA, Amanda Flávio de. “O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.” in: Revista de Direito
do Consumidor. n. 44. outubro-dezembro. São Paulo: RT, 2002. p. 100.
174
De acordo com o art. 3
o
deste Dec. 91.469/85, tinha inicialmente, a seguinte composição do CNDC: Ministro
Extraordinário para Desburocratização, responsável por sua presidência; Ministro da Agricultura, da Saúde, da
Indústria e do Comércio, da Fazenda e da Justiça, e também, integravam o referido Conselho, o secretário
executivo do Programa Nacional de Desburocratização, o presidente do conselho Nacional de Auto-
No entanto, pelo espírito democrático em que o país estava submerso, após longo
tempo de governo ditatorial, era preciso constituir não apenas uma Comissão Mista –
governamental – mas também, a defesa do consumidor era de interesse coletivo, ou seja, de
toda a sociedade brasileira, em audiência pública, a referida Comissão Mista, “colheu
depoimentos de vários segmentos da sociedade, como: indústria, comércio, serviços, governo,
consumidores, cidadãos, que mantendo a transparência dos serviços, foi criado um clima de
consolidação”
175
, diante do qual, pôde dirimir dúvidas, equacionar pontos polêmicos,
adotando posições intermediárias que pudessem, de maneira geral, atender às expectativas não
só dos consumidores, como também de outros setores da sociedade brasileira.
Finalmente, enviado o Projeto da Comissão Mista, publicado em 4 de dezembro de
1989, recebeu novas emendas, e superados alguns pontos procedimentais pelo plenário,
quando então, foi aprovado pela própria comissão, durante convocação extraordinária do
Congresso Nacional, no recesso de julho de 1990. O Projeto acabou sancionado, com alguns
vetos parciais e publicado em 12 de setembro de 1990, como Lei n° 8.078, de 11 de setembro
de 1990.
176
Estava criado e homologado o “Código de Defesa do Consumidor”, aspiração de uma
sociedade que até, então, não tinha proteção, específica, de seus direitos como consumidores.
Foi com o advento da Constituição Federal de 1988, que tais direitos foram efetivamente
garantidos, sendo esses, direitos de 3
a
geração. Daí a importância da retrospectiva histórica,
para que se possa interpretar o presente, e a partir daí sedimentar as bases para o futuro.
Depois de sancionada a Lei 8.078, conhecida como CDC – Código de Defesa do
Consumidor, deu ensejo também ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da
Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. A partir daí, entidades civis
passam a atuar na proteção e defesa dos interesses de associados, a exemplo da ANDIF -
Associação Nacional dos Devedores de Instituições Financeiras; Associação das Vítimas de
Regulamentação Publicitária (Conar), dois dirigentes e entidades públicas estaduais de defesa do consumidor,
três dirigentes de entidades do setor privado ligadas ao interesse do consumidor, um cidadão de notória atuação
no âmbito da defesa do consumidor e um membro do Ministério Público, ligado à defesa do consumidor,
proposto pelo procurador geral. Importante anotar que o Dec. 92.396, de 12.02.1986, em seu art. 4
o
determinava
que as atribuições deferidas ao Ministério de Estado Extraordinário para Desburocratização, prevista pelo Dec.
91.469/85, passassem para o Ministro de Estado da Justiça. (in: Revista de Direito do Consumidor. n. 4, São
Paulo: RT, 2002. p. 100).
175
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 6 ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1999. p. 4.
176
GRINOVER, et. al. ob. cit. p. 4.
Erros Médicos; a ANMM - Associação Nacional dos Mutuários e Moradores. Nessa década
também é criado o BRASILCON - Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor ,
entidade de caráter técnico, científico e pedagógico.
Vale ressaltar que a proteção dos direitos do consumidor representa, hodiernamente, um dos
maiores desafios em todo mundo, um dos temas mais atuais do Direito. Assim, esse direito merece
considerações, e principalmente o PROCON, órgão criado para regulamentar tais direitos.
Diante do exposto, entende-se que o Código de Defesa do Consumidor foi o grande marco na
evolução da defesa do consumidor brasileiro, sendo uma lei de ordem pública e de interesse social
com inúmeras inovações inclusive de ordem processual.
5.1 PROCON
É importante dizer que o Procon é a sigla que se tornou usual para designar os órgãos
de defesa do consumidor, tanto em instâncias municipais, como nas estaduais. Cada um
desses órgãos integra o chamado Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), como
se lê no CDC e em sua regulamentação, o Decreto Federal nº 2181/97.
De acordo com Ada Pellegrini Grinover o que normalmente se observa no mercado de
consumo é um consumidor às voltas com a aquisição de um produto defeituoso, por exemplo,
ou então com a prestação de um serviço malfeito, abrindo-lhe um verdadeiro leque de opções
para solucionar o impasse: contato direto com o fornecedor que tenha um canal aberto para
tanto
177
possibilidade de queixas junto ao PROCON, ou então junto a Promotorias de Justiça
em localidades onde aqueles não existem, ou ainda comparecimento aos Juizados Especiais de
Conciliação ou de Pequenas Causas, Defensorias Públicas, e em outros órgãos correlatos, ou
seja, aqueles que têm legitimidade para dirimir quaisquer conflitos de interesse do
consumidor.
O inciso II, do art. 82, do CDC, legitima as Entidades estatais (União, os Estados, os
Municípios e o Distrito Federal). Para Rodolfo de Camargo Mancuso “a ampla legitimação
dos entes públicos para a tutela dos interesses ou direitos dos consumidores decorre de
mandamento constitucional.”
178
Isso porque o inciso XXXII do art. 5
o
da Constituição Federal
de 1988, dispõe expressamente que incube “ao Estado, em sentido amplo, promover, na forma
177
Exemplificando: um departamento de atendimento ao consumidor, linha direta entre outros.
178
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. “O Município enquanto co-legitimado para a tutela dos interesses
difusos.” in: Revista Processo. n° 48, 1987. pp. 45-63.
da lei, a defesa do consumidor.” E a defesa em juízo é certamente, uma das formas mais
importantes de exercício dessa atribuição.
Resta observar que a legitimação será concorrente e disjuntiva sempre que todos os
entes públicos tenham, pelas características da lide, seja pela natureza do bem jurídico
ameaçado ou lesado, seja pela amplitude da ameaça ou da lesão, seja ainda pela quantidade e
localização dos titulares dos interesses ameaçados ou lesados, a atribuição de promover a
defesa dos consumidores no caso concreto, em razão do vínculo que possuam com esses
consumidores.
179
5.1.1 Órgãos sem personalidade jurídica, legitimados para atuar em defesa do
consumidor
No art. 82, inciso III, do CDC, dispõe que as entidades autárquicas fundacionais, paraestatais
e órgãos públicos
180
, o termo órgãos já traz em si a nota de não possuir personalidade jurídica,
tornando pleonástica a referência, especificamente destinados para a defesa dos
consumidores, que são o PROCON e DECON.
Sobre a legitimação de entes públicos sem personalidade jurídica, como é o caso dos
citados acima, Ada Pellegrini Grinover diz que
Não se limitou o legislador a ampliar a legitimação para agir. Foi mais além.
Atribuiu legitimação ad causam a entidades e órgãos da administração
pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, o que fazia
necessário para que os órgãos públicos como PROCON (Grupo Executivo
de Proteção ao Consumidor), bastante ativos e especializados em defesa do
consumidor, pudessem também agir em juízo.
181
Há que se falar ainda, sobre a legitimação do Ministério Público, contido no inciso I
do art. 82 do CDC, que a partir do Texto Constitucional, art. 129, estabeleceu como uma das
funções institucionais do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos”, interesses estes que são direitos do cidadão.
179
MANCUSO, ob. cit. p. 45-63.
180
Órgãos considerados sem personalidade jurídica.
181
GRINOVER, et. al. Ob. Cit. p. 737.
A Sociologia Jurídica tem dedicado amplo espaço à discussão desses novos direitos.
De uma forma geral, o debate jurídico tem enfatizado não só a novidade da normatização
legal e constitucional desses direitos, mas também o fato de representarem uma nova
categoria dentro do ordenamento jurídico tradicional, de matriz liberal e princípios de
organização essencialmente individualistas.
182
Sobre os interesses difusos, comenta José Carlos Barbosa Moreira que
“na conceituação dos interesses difusos, optou-se pelo critério da
indeterminação dos titulares e da inexistência entre eles de relação jurídica-
base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade do bem jurídico, no
aspecto objetivo.”
183
Já sobre os ‘interesses ou direitos coletivos’ o mesmo autor entende que interesses ou
direitos in comento, foram conceituados como “transindividuais de natureza indivisível de que
seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base.”
184
Essa relação jurídica base é a preexistente à lesão ou ameaça de
lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas, observando, que não se
pode confundir essa relação jurídica base preexistente com a relação jurídica originária da
lesão ou ameaça da lesão.
José Carlos Barbosa Moreira expressa seu entendimento com a seguinte explicação: “o
interesse para o qual se reclama tutela pode ser comum a um grupo mais ou menos vasto de
pessoas, em razão de vínculo jurídico que as une a todas entre si, sem no entanto situar-se no
próprio conteúdo da relação plurissubjetiva [...].”
185
Assim, seguindo essa linha de raciocínio, é importante que se deixe bastante claro,
que o consumidor há de ser encarado de duas maneiras fundamentais, ou seja
individualmente ou isoladamente, com vistas à resolução de um conflito surgido de uma
relação de consumo, considerando que, neste ponto do trabalho, no qual se trata da função
institucional do PROCON, conseqüentemente, observar, também, os aspectos práticos da
defesa ou proteção jurídica do consumidor, e coletivamente, na forma como se analisaram os
182
FARIA, José Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e Justiça. São Paulo, Malheiros, 1994. pp.
30-48.
183
MOREIRA, José Carlos Barbosa. “A ação popular do Direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados interesses difusos.” in: Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977. pp.
110-123.
184
Cf. art. 81, parágrafo único, n° II.
185
MOREIRA, ob. cit. p. 111.
chamados interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogêneos de
origem comum, mas sempre como coletividade de consumidores, com conflitos gerados por
algum defeito de produto ou algum serviço malfeito.
Sendo assim, reitera-se o entendimento sobre os instrumentos de defesa ou proteção
do consumidor, que ora chama-se de ‘instrumentos institucionais’, que são os órgãos de
proteção ao consumidor – PROCON, CEDECON, SEDECON, entre outros, quais sejam, as
Promotorias Especializadas de Proteção e Defesa do Consumidor, Juizados de Pequenas
Causas ou Juizados Informais de Conciliação, as Defensorias Públicas, até mesmo as
Delegacias de Política em pequenos Municípios, aqueles que não possuem nenhum órgão ou
entidade competente que possa dirimir quaisquer eventuais conflitos causados pela relação de
consumo e entidades privadas que se dediquem a esse tipo de atendimento.
Tem-se, então, que cada um desses instrumentos, o que fazem e como funcionam, no
atendimento a reclamações individuais dos consumidores, entendendo, que qualquer um dos
mesmos órgãos ou entidades, resolveria as questões conflituosas, envolvendo fornecedores e
consumidores e/ou prestadores de serviços e consumidores.
E isto respeitadas as estruturas e atribuições de cada órgão, ressalvando que a maioria
deles chega apenas até a conciliação, inclusive no que toca aos chamados Juizados Informais
de Conciliação, que não se confundem com os Juizados Especiais de Pequenas Causas, hoje
Juizados Especiais Cíveis, de acordo com a Lei n.º 9.099/95, sendo estes dotados de efetiva
função jurisdicional na acepção técnica da palavra, não podendo esquecer, porém, como
último recurso, a demanda judicial efetiva em nível individual, caso nenhum órgão ou
entidade consigam conciliar o conflito na relação de consumo.
Também é incumbência do Ministério Público proteger os interesses individuais,
desde que homogêneos e tratados coletivamente, na forma do inciso III do parágrafo único do
art. 81 do CDC, que conceitua os interesses ou direitos “individuais homogêneos” como os
“decorrentes de origem comum” permitindo a tutela deles a título coletivo.
Quanto à origem comum, Ada Pellegrini Grinover ensina que,
não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. As vítimas
de uma publicidade enganosa, veiculada por vários órgãos da imprensa e
em repetidos dias ou de um produto nocivo à saúde adquiridos por vários
consumidores num largo espaço de tempo e em várias regiões têm, como
causa de seus danos, fatos homogeneidade tal que os tornam a “origem
comum” de todos eles.
186
De acordo com o dispositivo legal, tem-se que o sistema de tutela de interesses e direitos do
Código é aplicável não somente aos consumidores, como também às vitimas de danos.
Diante do exposto, tem-se que o PROCON, então, é o local onde o consumidor terá
apoio tanto informativo, que tem como atribuição, informar o consumidor quanto à melhor
maneira de consumo; coibitivo, tem a atribuição de coibir, em hipótese em que o consumidor,
por qualquer motivo, desde que procedente tiver seus direitos violados, o que não significa,
que estes órgãos de proteção ao consumidor, necessariamente, sejam um órgão cego, o qual
deva creditar, razão unilateralmente ao consumidor supostamente lesado, mas sim, a
operacionalização prática da ampla defesa como princípio constitucional, deduzida de
maneira séria num regular procedimento administrativo.
Entende-se, portanto, que essa legitimação não é absoluta e ocorrendo tal situação
pode o juiz considerar inexistentes duas condições da ação, quais sejam, a pertinência
subjetiva do autor em propor aquela ação e o interesse processual, tendo como fundamento a
necessidade-utilidade-adequação da demanda instaurada. É importante ressaltar que tais
impeditivos, defluem de uma exegese orgânica do ordenamento jurídico como um todo.
Assim, os PROCON e os DECON que anteriormente tinham sua legitimidade
processual questionadas, agora estão autorizados a promover a defesa coletiva dos
consumidores.
Nos últimos anos, tem sido observado que a maioria dos conflitos nas relações de
consumo estabelecida entre consumidores e fabricantes, fornecedor de produtos, prestador de
serviços e empresário, tem sido solucionada nos PROCON – Programas de Proteção ao
Consumidor, os quais vêm, de maneira progressiva, difundindo-se não só em capitais dos
estados-membros, mas também pelos seus municípios. Mesmo sabendo de sua evolução,
sabe-se que o direito do consumidor, no Brasil, ainda está solidificando sua estrutura de
aplicação de sanções.
186
GRINOVER, et. al. ob. cit. p. 724.
No art. 56, parágrafo único da Lei 8.078/90 - o Código de Defesa do Consumidor -,
“as sanções administrativas serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua
atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar
antecedente ou incidente de procedimento administrativo” o que se nota nos PROCON, de
maneira geral, é o fato de não possuindo uma infra-estrutura capaz de instituir tais punições,
poderá intervir como assistente do PROCON o Ministério Público.
5.1.2 Função social do PROCON
Tem-se a vida do homem em sociedade, iniciando a partir do momento em que ele
começa a se organizar, delimita seus espaços e começa a ter idéia de propriedade, a tomar
consciência de seus direitos. Primitivamente, o homem para conquistar um bem usava da
força ou violência. Com o passar do tempo, essa idéia foi sendo superada pela razão, pela
concordância, pelo entendimento, buscando seus direitos de forma pacífica. Entretanto, para
que isso fosse possível, houve a necessidade de criação de regras de conduta, regras básicas
de convivência. Para tanto, a necessidade de algo que regulamentava a convivência social
surge então o Estado, incumbido de proteger e garantir os mais básicos e fundamentais
direitos inerentes ao homem.
E assim o homem começa sua evolução na sociedade. Criam-se leis, em função de si
mesmos e passam a ser “regidos” por elas. As transformações se dão sucessivamente. A
evolução do ser humano acontece rapidamente, principalmente no pós-guerra, pós Revolução
Industrial e assim por diante.
Surgem as primeiras Constituições, que ensejam direitos e garantias fundamentais do
homem. É interessante fazer tal retrospectiva, pois “a vida do homem civilizado, a partir do
momento em que se organizou em sociedade estabeleceu uma ordem jurídica para sua
existência, criando regras cogentes como única forma possível de preservar a vida.”
187
Surge com o passar do tempo e com as sucessivas transformações da sociedade o
Estado Liberal, fundado em idéias individualistas e iluministas, em Estado Social, fruto do
pós-guerra, o qual busca uma igualdade material baseada no respeito, na dignidade da pessoa
humana e na tutela dos interesses sociais de modo geral, advêm daí profundas repercussões na
ciência do Direito.
187
CALMON, Eliana.As gerações dos direitos e novas tendências.” in: Revista de Direito do Consumidor.
39. julho-setembro. Rio de Janeiro: RT, 2001. p. 41.
Flávio Alves Martins afirma que “não se pode realizar o Direito sem levar em
consideração uma compreensão total do homem; o objeto do conhecimento jurídico é a ação
humana”.
188
O autor mostra com esse entendimento que a “cultura do povo é a matriz que
deve ser obedecida para que um ordenamento jurídico possa ser útil a este mesmo povo, única
de que venha a ser respeitado pela sociedade.”
189
Miguel Reale por sua vez não fica alheio às grandes linhas filosóficas e sociais que
importaram e importam para o desenvolvimento do homem, reconhece a cultura como a
grande fonte inspiradora das criações dogmático-jurídicas (regras e princípios). Nas suas
palavras “a cultura está para o espírito, como águas de um rio estão para as fontes de que
promanam.”
190
Reale continua seu raciocínio esclarecendo que é “[...] como experiência
histórica que se explica e se modela a experiência jurídica, revelando-se como fenômeno
universal essencialmente ligado à atividade perene do espírito.”
191
Assim, a cultura é o resultado da experiência do homem no seu relacionamento com
outros sujeitos ou com coisas. O resultado dessas experiências que se sucedem e reiteram com
o tempo se acumulam e formam a cultura de um povo, os usos e costumes que culminam por
ser positivados. Isso ocorre muitas vezes, por ter sido atingido o ápice da pressão social que se
reflete por intermédio das decisões judiciais ou por causa de fatos marcantes que obrigam a
uma tomada de decisões dos órgãos de Estado, no sentido de acolher a experiência vivida
como paradigma para a criação de normas de controle social.
Segundo entendimento de Judith Martins Costas, “esta cultura está cada vez mais
permeando o direito positivo brasileiro, principalmente nas realidades dogmático-jurídicas
que são os conceitos jurídicos interminados e cláusulas,”
192
tais como a função social.
Em decorrência dessas transformações, atendendo aos anseios do povo brasileiro,
elabora-se a Constituição Federal de 1988, a “Constituição Cidadã”, assim denominada, que
eleva a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, objetivando reafirmar as
188
MARTINS, Flávio Alves. “A idéia de experiência no pensamento filosófico de Miguel Reale.” in: A cultura
contemporânea e o novo modelo jurídico. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2004. p. 1.
189
MARTINS, ob. cit., p. 1.
190
REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1962. p. 196.
191
REALE, ob. cit., p. 197.
192
COSTA, Judith Martins. “A boa-fé no direito privado.” São Paulo: RT, 2001. p. 325. in: Revista de Direito do
Consumidor. n° 51, julho-setembro. São Paulo: RT, 2004. p. 199.
bases de uma sociedade mais justa, livre e solidária. Com isso, impõe-se que o direito seja
protegido em busca da tutela de um bem maior, a defesa dos interesses da coletividade.
Nesta Carta Magna, podem ser encontrados os direitos sociais de 3
a
. geração,
merecedores da tutela estatal. Dentre eles, encontram os direitos do consumidor, que, como
visto anteriormente, está garantido pelo CDC – Código de Defesa do Consumidor.
Nesta seara, os direitos do consumidor são de cunho social, como conseqüência às
exigências da sociedade brasileira, edita-se e é homologado o Código, que veio para proteger
os direitos do cidadão nas relações de consumo. Assim, fundamentado na Constituição
Federal, tendo como modelo a legislação européia e norte-americana promulga o legislador
brasileiro no dia 11 de setembro de 1990, a Lei n° 8.078, o Código de Defesa do Consumidor,
considerado uma das leis mais avançadas do ordenamento jurídico nacional.
Observa José Geraldo Brito Filomeno sobre o Código consumerista que “sua
comissão elaboradora, sem a pretensão de ‘reinventar a roda’, examinou cerca de vinte
legislações adotadas em vários países, e seguiu as diretrizes da ONU – Organização das
Nações Unidas a esse respeito.”
193
O CDC cumpre sua função social, vez que, surge com o objetivo de aplicação dos
princípios fundamentais da ordem jurídica liberal (liberdade e igualdade) aos consumidores,
que historicamente eram desiguais entre si e diferentes das empresas, mostrou-se inadequada,
não protegendo ou defendendo os seus interesses comuns.
194
Entretanto, entende-se que o CDC, e sua aplicação, por meio do PROCON e órgãos
competentes, dentro de sua função social estabelecida, protege aqueles que de fato mais
necessitam, principalmente, aqueles que têm dificuldade ao acesso à justiça, os chamados
hipossuficientes, que são, por excelência, os que ocupam posição de inferioridade diante do
poder econômico.
Vale ressaltar que poucas iniciativas foram tão bem recebidas pela sociedade brasileira
como o CDC. Em pouco tempo se conseguiu promover, de maneira tão eficiente, a
conscientização da população, de modo geral e definitivo, a respeito da importância de sua
193
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2001. p. 29.
194
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almedina, 1982. p. 12.
participação no desenvolvimento social, da necessidade de resguardo de seus direitos e,
principalmente, da sua força como agente de uma relação jurídica de consumo.
Necessário se faz que, portanto, o princípio estatuído no art. 4º, inciso V, do CDC seja
operacionalizado em sua plenitude, com a existência de mecanismos de solução de conflitos
de consumo, que não é incumbência somente do setor público, mas também do privado, que
pode, a par da experiência forânea assegurar que fossem criadas Câmaras de Conciliação e
Arbitragem nas relações de consumo nos setores específicos interessados.
Nesses casos, as partes se submeteriam à arbitragem, se quisessem, contando com a
participação de representantes dos consumidores, sendo os árbitros escolhidos por elas.
Reitere-se que para ser eficaz o procedimento arbitral deverá respeitar os princípios
informadores do juízo, a denominada teoria garantista de tal procedimento (arts. 5º, inciso
LV, da CF, e 21, §2º da lei de arbitragem).
5.2 Função Institucional do PROCON
Pelo exposto em item anterior, sabe-se que os PROCON são órgãos estaduais e
municipais de defesa do consumidor, criados, na forma da lei, especificamente para este fim,
com competências, no âmbito de sua jurisdição, para aplicação dos dispositivos legais
contidos no CDC e no Decreto nº 2.181/97, visando garantir os direitos dos consumidores.
Conforme o CDC integra o SNDC a Secretaria de Direito Econômico – SDE, do
Ministério da Justiça
195
, por meio do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor
- DPDC, e os demais órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e entidades
civis de defesa do consumidor. O DPDC é o organismo de coordenação da política do SNDC
e tem como atribuições principais coordenar a política e ações do SNDC, bem como atuar
concretamente naqueles casos de relevância nacional e nos assuntos de maior interesse para a
classe consumidora, além de desenvolver ações voltadas ao aperfeiçoamento do sistema, à
educação para o consumo e para melhor informação e orientação dos consumidores.
Outro importante aspecto da atuação do PROCON diz respeito ao papel de elaboração,
coordenação e execução da política local de defesa do consumidor, concluindo as atribuições
de orientar e educá-los, dentre outras.
195
Ministério da Justiça e o Poder Judiciário atuam como atores complementares.
Atualmente, tem-se 27 PROCON, um para cada Unidade da Federação. Conforme
mencionado, os PROCON estaduais têm, no âmbito de sua competência para planejar,
coordenar e executar a política estadual de proteção e defesa do consumidor, bem como para
o melhor funcionamento dos sistemas estadual, faz-se necessário que exista um estreito
relacionamento entre os PROCON Municipais e o Estadual, bem como entre os próprios
órgãos municipais.
Outros dois atores merecem destaque pela sua importante atuação na defesa dos
direitos dos consumidores: os Ministérios Públicos e as Entidades Organizadas da Sociedade
Civil.
Quanto à estrutura do PROCON, segundo Sérgio Rodrigo Martinez,
“não se pode auferir uma descrição exata, tendo em vista que cada estado da
Federação, e por que não dizer, cada município possui a sua própria
organização interna de funcionamento, não havendo padrões homogêneos
que possam ser evidenciados. O que se pode ter certeza de dizer sobre os
PROCON’s é que ele se caracteriza, de forma genérica, ‘como um órgão de
natureza jurídica de direito público, pertencente à administração direta dos
estados ou dos municípios, e que visa atuar em defesa dos
consumidores.’”
196
Vale ressaltar que, como exceção a esta regra, no Estado de São Paulo há a Fundação
Procon e, no Estado do Paraná, há a Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do
Consumidor, ambos órgãos da administração indireta, que se apresentam vinculadas às
respectivas Secretarias de Justiça de seus estados.
197
De forma adversa ocorre no estado do Espírito Santo, onde o PROCON se encontra
vinculado à Secretaria de Justiça e Cidadania, órgão da Administração Pública direta.
Juntamente com o Ministério Público e a Delegacia Especializada na Defesa do Consumidor,
formam o CINDEC – Centro Integrado de Defesa do Consumidor, sendo este o pioneiro no
país. Sua atuação tem sido operacionalizada nas causas em que o conflito de interesse envolve
um número significativo de consumidores de diversos municípios.
O PROCON sendo um órgão integrante do sistema público de controle da publicidade
tem uma atuação especial em face da ocorrência patológica da publicidade negocial de
196
MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. “Estrutura orgânica do controle da publicidade de consumo no Brasil.” in:
Revista de Direito do Consumidor. n° 42, abril-julho. São Paulo: RT, 2002. p. 212.
197
MARTINEZ, ob. cit. p. 212.
consumo. Portanto, é a autoridade pública incumbida de aplicar as sanções administrativas em
face dessa ocorrência, propor ações coletivas e, principalmente, atuar diante das reclamações
individuais dos consumidores, quando pretensamente lesados pelo não-cumprimento do
conteúdo ofertado em uma publicidade desse tipo. Atividade que se dá mediante um
procedimento conciliatório com vistas ao cumprimento do que foi ofertado ou reparação dos
danos causados aos indivíduos participantes das relações de consumo.
Com a mesma atuação do PROCON brasileiro, vale em termos comparativos essa
mesma atividade em Portugal está a cargo do Instituto do Consumidor, com base na Lei 24,
de 31.07.1996, que trata da defesa dos consumidores, no Decreto-Lei 330, de 23.10.1990, que
instituiu o Código da Publicidade, em que constam também as alterações proporcionadas pelo
Decreto-Lei 74/93 e pelo Decreto-Lei 6/95; e na Lei 58, de 07.09.1990, chamada a Lei de
Televisão, que igualmente ao que se passa com a Profeco mexicana, tem uma atuação
organizada nacionalmente.
198
É oportuno que conste desse entendimento a diferença que existe entre o Instituto do
Consumidor de Portugal e os PROCON brasileiros a qual pode ser identificada da seguinte
maneira, conforme anota Sérgio Rodrigo Martinez:
a) este é uno, nacional, tutelado pelo Ministério do Ambiente e dos
Recursos Nacionais de Portugal, enquanto os segundos
199
são ora
municipais, ora estaduais coordenados geralmente pelas secretarias jurídicas
dos municípios brasileiros ou dos estados brasileiros; b) este
200
é dotado de
coercitibilidade, sendo capaz de impor suas decisões, enquanto os
segundos
201
dependem da atuação jurisdicional de outro órgão estatal para
tanto.
202
Vale destacar que em relação à Fundação PROCON de São Paulo tem atuado no
sentido de levar até o consumidor o conhecimento dos seus direitos básicos, as formas lesivas
de publicidade de consumo e a maneira pela qual este pode se defender delas. Tais
informações são passadas aos consumidores por meio de palestras, notícias divulgadas nos
veículos de comunicação social e por meio da emissão de cartilhas explicativas de
distribuição gratuita aos consumidores e àqueles que têm interesse de mera informação.
198
MARTINEZ, ob. cit. p. 213.
199
PROCON´s brasileiros.
200
Instituto do Consumidor, Portugal.
201
PROCON´s brasileiros.
202
MARTINEZ, ob. cit. p. 213.
Com esse tipo de ação, evidencia-se o cumprimento do princípio da educação que
norteia a ação dos sistemas de controle de publicidade, servindo tal atitude como meio para
que a efetividade desse órgão, de modo geral, seja ampliada, para prevenir os consumidores
dos efeitos lesivos que uma publicidade patológica possa lhes causar.
203
5.2.1 Meios alternativos de solução de conflitos (mediação, conciliação e arbitragem)
A multiplicidade de conflitos de configurações variadas reclama, antes de qualquer
coisa, a estruturação da Justiça de forma a corresponder adequadamente, em quantidade e
qualidade, às exigências que tais conflitos trazem.
A alguns desses conflitos está adequado à estrutura atual, que é formal e pesada. A
outros, porém, principalmente aos de pequena expressão econômica, que são os cotidianos e
de ocorrência múltipla, é necessária uma estrutura mais leve e ágil.
No Brasil adotou-se o sistema de jurisdição una, cabendo ao judiciário dizer a última
palavra em relação aos conflitos. Entretanto, não está só no Estado-juiz a possibilidade de
resolução desses conflitos, daí porque, a atuação dos PROCON na mediação e conciliação
com objetivo de pacificar os conflitantes independente da presença do Estado-juiz, mesmo
adotando o Brasil, o sistema da jurisdição una.
Existem conflitos, mormente aqueles que envolvem pessoas em contato permanente,
como nas relações jurídicas continuativas
204
para os quais a mediação e a conciliação são
adequadas, pois não somente solucionam os conflitos, como também têm a virtude de
pacificar os conflitantes, bem como alcançam uma célere e econômica prestação da tutela;
ainda, existem outros em que a arbitragem é perfeitamente cabível, com possibilidade de
amplos resultados positivos.
Ocorre porém, que é incumbência do Estado, organizar todos esses meios alternativos
de solução de conflitos, ao lado dos mecanismos tradicionais e formais já em funcionamento.
Tais serviços, que podem ser informais, não precisam estar organizados dentro do Poder
203
Idem.
204
relações de vizinhança, de família, de locação
judiciário. Podem ficar a cargo de entidades públicas não pertencentes ao judiciário
205
e até de
entidades privadas.
206
Sendo assim, torna-se necessário que o Estado estimule a criação desses serviços,
controlando-os convenientemente, pois o perfeito desempenho da Justiça dependerá,
doravante, da correta estruturação desses meios alternativos e informais de solução dos
conflitos de interesses.
5.2.2 Comunidade e administração da justiça
A experiência dos Juizados Informais de Conciliação e Juizados Especiais de
Pequenas Causas (Lei nº 9.099/95 e Lei nº 10.259/01) tem posto à mostra a importância da
participação da comunidade na administração da justiça. Com freqüência, busca-se por meio
de conciliadores e árbitros a adoção de meios alternativos na solução de conflitos, com a
finalidade de tornar informal o acesso à justiça.
Nesse sentido, Kazuo Watanabe esclarece que
participação tem ocorrido sob a forma de Conciliador e Árbitro. Essa
participação da comunidade e a adoção de técnicas alternativas de solução
de conflitos, principalmente a conciliação e o arbitramento, e ainda a
tendência à deformalização
207
e delegalização
208
têm constituído a grande
inovação desses juizados. A par das vantagens mais evidentes, que são a
maior celeridade e a maior aderência da Justiça à realidade social, a
participação da comunidade traz, ainda, o benefício da maior credibilidade
da justiça, propiciando o espírito de colaboração. Os que têm a
oportunidade de participar conhecer melhor a justiça e cuidarão de divulga-
la ao segmento social a que pertencem. Demais disso, a organização de uma
Justiça com essas características, organizadas para pessoas mais humildes,
tem a virtude de gerar, pela própria peculiaridade do serviço que presta e
pela exigência das pessoas que a procuram, ordinariamente pouco
instruídas, um serviço paralelo, que é o da informação e orientação.
“Paralelo” é um modo de dizer, pois na verdade é um serviço que se
completa com o de solução de conflitos, formando um todo único. Juizados
informais de Conciliação e Juizados Especiais de Pequenas Causas que não
tenham o serviço de informação e orientação, além do serviço de assistência
judiciária, não estão completos e não cumprirão o relevante papel que lhes é
destinado.
209
205
Ministério Público, Ordem dos Advogados, PROCON, Defensoria Pública, procuradoria de Assistência
Judiciária, prefeituras Municipais e até de entidades privadas sindicatos, comunidades de bairros, associações.
206
sindicatos, comunidades de bairros, associações civis
207
mais informalidade
208
menos legalismo e solução de conflitos, em certos casos, pela equidade
209
WATANABE, Kazuo. “Acesso à Justiça e a Sociedade Moderna.” in: GRINOVER, Ada Pellegrini,
DINAMARCO, Cândido Rangel e WATANABE, Kazuo (coord.) Participação e Processo. Editora Revista dos
Tribunais: São Paulo. 1988, pp. 98-135
Torna-se então, evidente, a imprescindibilidade de adoção por uma justiça com tais
características, para que possa obter resultados satisfatórios, eficazes e céleres, cumprindo
assim, a finalidade dos órgãos de defesa do consumidor.
5.2.3 Necessidade de permanente pesquisa interdisciplinar entre os órgãos de defesa do
consumidor
Tem-se observado, no dia-a-dia, a necessidade de uma melhor organização dos
órgãos de defesa do consumidor, que poderá ser alcançada pela de pesquisa interdisciplinar
permanente sobre os conflitos, suas causas, seus modos de solução e acomodação, a
organização judiciária, sua estrutura, seu funcionamento, seu aparelhamento e sua
modernização, a adequação dos instrumentos processuais, e outros aspectos de relevância.
Identifica-se tal necessidade, pela rapidez das transformações sofridas pela sociedade
moderna, não cabendo mais nos órgãos destinados à proteção dos direitos do consumidor,
conhecimentos práticos de dirigentes, conciliadores, entre outros, em função da exigência que
se vê, nas relações de consumo estabelecidas entre as pessoas.
O acesso à ordem jurídica justa supõe, ainda, um corpo adequado de juízes, com
sensibilidade bastante para captar não somente a realidade social vigente, como também as
transformações sociais a que, em velocidade jamais vista, está submetida à sociedade
moderna, e isso evidentemente requer cuidados com o recrutamento e com o aperfeiçoamento
constante dos juízes ao longo de sua carreira.
A população tem direito à justiça prestada por juízes inseridos na realidade social,
comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa, e não à justiça praticada
por juízes sem qualquer aderência à vida.
Direito à melhor organização da Justiça, que envolva todos os aspectos mencionados,
é dado elementar do direito de acesso à ordem jurídica justa.
O direito de acesso à justiça é, portanto, direito de acesso a uma justiça
adequadamente organizada e o acesso a ela deve ser assegurado pelos instrumentos
processuais aptos à efetiva realização de direito.
Assim concebida a justiça, como instituição com plena adequação às reais
necessidades do país e em condições de realização da ordem jurídica justa, o acesso a ela deve
ser possibilitado a todos e os obstáculos que surjam, de natureza econômica, social ou
cultural, devem ser devidamente removidos. Justiça gratuita, assistência judiciária,
informação e orientação são alguns dos serviços que se prestam, desde que convenientemente
organizados, à remoção desses obstáculos.
Existem também dificuldades de natureza técnico-processual, como as decorrentes da
estreiteza do conceito de legitimação para agir (v.g., legitimação em matéria de interesses
difusos), da existência de procedimentos simples e céleres, da limitação das espécies de
provimentos jurisdicionais, e outros mais.
Todos os obstáculos à efetiva realização do direito devem ser corretamente
enfrentados, seja em sede de Ciência Política e de Direito Constitucional, na concepção de
novas e inovadoras estruturas do Estado e de organização mais adequada do Judiciário, como
também na área da Ciência Processual, para a reformulação de institutos e categorias
processuais e concepção de novas alternativas e novas técnicas de solução de conflitos.
5.2.4 Atribuições preventivas do PROCON: informação, conscientização e educação.
Já que se fala em termos comparativos, dos órgãos que atuam na conciliação de
conflitos estabelecidos nas relações de consumo, importa também dizer que Portugal na Lei
do Consumidor de 1996, por exemplo, no seu artigo 6
o
, consta um autêntico programa de
educação para sociedade de consumo. No entanto, segundo Ângela Maria Marini Simão o
normativo constitui, porém, autêntica letra morta por manifesta inoperância dos poderes
públicos. Os seus termos são, no entanto, eloqüentes:
“1. incumbe ao Estado a promoção de uma política educativa para os consumidores,
através da inserção nos programas e nas atividades escolares, bem como nas ações de
educação permanente, de matérias relacionadas com o consumo e os direitos dos
consumidores, usando, designadamente, os meios tecnológicos próprios numa sociedade da
informação;
2. Incumbe ao Estado, às regiões autônomas e às autarquias locais desenvolver e
adotar medidas tendentes à formação e a educação do consumidor, designadamente através
de:
concretização, no sistema educativo, em particular no ensino básico e
secundário, de programas e atividades de educação para o consumo;
apoio às iniciativas que neste domínio sejam promovidas pelas associações de
consumidores;
promoção de ações de educação permanente, de formação e sensibilização para
os consumidores em geral;
promoção de uma política nacional de formação de formadores e de técnico
especializados.”
210
Já no Brasil, no plano da política nacional de relações de consumo, consta do Código
de Defesa do Consumidor, no seu artigo 4
o
, o princípio que eleva o direito à educação para a
sociedade de consumo à igualdade de direito fundamental, com respaldo na Constituição
Cidadã: “educação, informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e
deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.”
Entretanto, esse dispositivo, ou seja, o que dele consta, em regra não é aplicado, nem
nas escolas, nem nos meios de comunicação de massa. Salvo exceções, a exemplo da
Fundação PROCON de São Paulo, em nível estadual, que tem como uma de suas atribuições,
levar a informação e a educação aos consumidores.
No plano municipal, cita Ada Pellegrini Grinover et. al. que
“a prefeitura de São José dos Campos (SP), instituiu a educação específica
aos consumidores mirins, para conscientizá-los da importância de ser um
cidadão crítico e criterioso na hora de comprar ou contratar algum serviço,
como faz, a Revista De volta para o Futuro
211
, à guisa de prestação de
contas da administração da referida comuna. Sendo esse um dos principais
objetivos da disciplina Educação do Consumidor.”
Diante disso, é possível visualizar que não deixa de ter conotação positiva tal
disposição. Afinal, somos todos consumidores. Entretanto, cabe ressaltar que o Brasil é um
país, geograficamente, de dimensões continentais. Existem localidades aonde só se chega pela
água ou pelo ar. É uma questão, inclusive, que vale ser questionada, pois fatalmente tais
localidades não têm acesso a nenhum tipo de informação, muito menos sobre relações de
consumo, por menores que possam ser. Nessas localidades, é quase impossível levar
educação, se lá, o maior problema é exatamente esse – falta de educação na acepção da
palavra.
Entretanto, é preciso deixar claro um aspecto sobre a educação; não é só a educação
formal, que consta dos currículos oficiais – das escolas. Também, há que ser considerada a
210
SIMÃO, Ângela Maria Marini. A educação e a formação como via para a afirmação da cidadania. in: Revista
de Direito do Consumidor. n° 46. abril-junho. São Paulo: RT, 2003. p. 10.
211
Publicação oficial e institucional da prefeitura de São José dos Campos (SP).
educação informal, aquelas que incluem atividades extras curriculares. Os jovens brasileiros,
nitidamente, são “consumistas”, é uma geração que vive em função de marcas e marcas. Não
bastam ter um objeto, uma peça de vestuário, um calçado, um utensílio que traz uma marca
famosa. O jovem quer ter em seus armários, várias peças. São consumidores virtuais.
Compram o que vêem anunciados na rede mundial de computadores.
Nesta linha de raciocínio, Ângela Maria Marini Simão traz que as realidades da
sociedade virtual, com reflexões no consumo, e nas lojas virtuais e nos contratos virtuais, que
são, afinal, novas modalidades de compra e venda, a que passará a aceder um número cada
vez mais significativo de consumidores, obriga a que se reforcem as tarefas educativas neste
particular, como essenciais à formação integral da pessoa humana.
212
Para eles, é preciso uma educação, não apenas formal, pois a escola é uma questão de
mera obrigação. É preciso educá-los, conscientizá-los, usando os meios mais atrativos, extra-
escola. Talvez usando os meios eletrônicos. Seria uma questão, então, de inclusão desse
aspecto, nas políticas públicas educacionais. Para aqueles sem instrução nenhuma, carentes de
informações, seria bom que se tomasse consciência, a sociedade como um todo, para, a
exemplo da Fundação PROCON São Paulo e da Prefeitura Municipal de São José dos
Campos (SP), instituir programas semelhantes, mas em âmbito nacional. Essa seria uma
“obrigação” de âmbito administrativo, com caráter preventivo.
Como medida preventiva, ainda é importante citar o IDEC – Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor, que veicula revista especializada no mercado para a informação e
orientação ao público em geral.
5.2.5 Atribuições coibitivas e repressivas do PROCON
Traz o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 4
o
, inciso VI:
“Coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado
de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de
inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos
distintos, que possam causar prejuízos aos consumidores.”
A coibição e repressão determinadas pelo Código de Defesa do Consumidor, artigo in
comento, existem mecanismos para coibir ações enganosas, práticas lesivas no mercado de
consumo, inclusive concorrências desleais, utilização indevida de inventos e criações
212
SIMÃO, ob. cit. p. 15.
industriais, das marcas e nomes comerciais e signos distintos que possam causar prejuízos aos
consumidores. Para tanto, neste campo, o PROCON possui fiscais com poder de polícia que
trabalham na autuação de fornecedores que violam o Código do Consumidor. Destaca-se a
autuação de fornecedores por comercializarem produtos com data e validade vencida, pela
falta de exposição de preços em vitrines, por práticas comerciais abusivas.
213
5.2.6 Conciliação no PROCON
Tenta-se no PROCON a solução dos problemas entre as partes litigantes, chamando-se
reclamante e reclamado para entrarem em acordo. Alguns autores trazem indicações que esse
procedimento tem surtido efeito. A exemplo do PROCON Municipal de Franca (SP), que em
2003, no total de cerca de 85% das reclamações registradas no órgão resultaram em acordo
entre as partes. Com efeito, tem-se a diminuição de demandas no Poder Judiciário que já
possui considerável número de ações.
214
A intimação que o PROCON faz à empresa reclamada a comparecer junto ao
consumidor, é fundamentado no art. 55, § 4
o
da Lei 8.078/90. Se houver acordo, lavra-se um
termo apropriado por duas testemunhas. Isso confere ao termo de acordo, o valor de título
executivo extrajudicial, consoante inciso II do art. 585 do CPC.
É importante que se diga que o PROCON interage com outros órgãos para efetivar a
defesa do consumidor, destacando a importância desse órgão na denúncia ao Ministério
Público de empresas que descumprem a legislação consumerista e lesam a coletividade de
consumidores. Assim, a Promotoria Pública recebe não só reclamações pessoais, mas todos os
casos tidos como insolúveis junto ao PROCON, relativos ao direito coletivo. Neste caso, o
MP aceitando a denúncia, faz a autuação e surge o procedimento de inquérito civil público na
Promotoria. Em caso de rejeição por parte do MP de uma reclamação, haverá arquivamento,
com apreciação do Conselho Superior do Ministério Público e comunicação ao PROCON
apenas para efeito estatístico, juntando-se cópia do parecer fundamentado, após consideração
do citado Conselho.
215
213
CARVALHO, Denílson Afonso de. ob. cit., p. 60.
214
Idem.
215
CARVALHO, ob. cit., p. 61.
5.2.7 Sanções aplicadas pelo PROCON
O PROCON, como órgão de defesa e proteção do consumidor, atua na esfera
administrativa, e com poderes a ele conferido pelo CDC- Código de Defesa do Consumidor, a
partir de seus artigos, pode aplicar sanções, como as listadas abaixo.
Sanções administrativas
Estas, são decorrentes do processo administrativo, têm seu elenco estabelecido no art.
56 do CDC:
“as infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme
o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza
civil, penal e das definidas em normas específicas.
I - multa;
II - apreensão do produto;
III - inutilização do produto;
IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V - proibição de fabricação do produto;
VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII - suspensão temporária de atividade;
VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;
IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de
atividade;
XI - intervenção administrativa;
XII - imposição de contrapropaganda.
“As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade
administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas
cumulativamente, inclusive por medida cautelar antecedente ou incidente
de procedimento administrativo” conforme disposto no parágrafo único
deste artigo.”
216
Com o advento do Código, quis o legislador que o esforço fosse nacional, integrando
os mais diversos segmentos que têm contribuído para a evolução da defesa do consumidor no
Brasil. O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC é a conjugação de esforços do
Estado, nas diversas unidades da Federação, e da sociedade civil, para a implementação
efetiva dos direitos do consumidor e para o respeito da pessoa humana na relação de
consumo, não furtando-se da oportunidade de dizer que o direito fundamental consagrado
pelo art. 5
o
XXXII, da Constituição Federal de 1988, incluindo a perspectiva administrativa,
na qual o próprio perfil dessa administração se transforma, com vistas a incorporar dentre as
216
DENARI, Zelmo, et. al. Código de Proteção e Defesa do Consumidor comentado. p. 566. in: Revista de
Direito do Consumidor. n° 46. abril-junho. São Paulo: RT, 2003. p. 156.
suas finalidades e no “conceito-quadro de interesse público, novas exigências sociais – no
caso, interesse coletivo, o que em perspectivas mais amplas, vem exigindo novas
interpretações para o próprio papel a ser desempenhado pelo Estado e pelo Direito.”
217
Assim, tem-se que o legislador do Código, ao estabelecer as competências normativas,
de controle e fiscalização da Administração (art. 55), determinar sanções aplicáveis (art. 56 e
seguintes) e estruturar o SNDC (arts. 105 e 106) visou comprometer de modo efetivo a
atuação estatal na atividade da defesa do consumidor; reforça esse entendimento, o Dec.
2.181/97, que no âmbito federal buscou estabelecer critérios e procedimentos à atuação dos
órgãos de defesa do consumidor.
Ressalta-se, no entanto, que uma das características essenciais do direito do
consumidor é a sua natureza interventiva nas relações privadas, o que se dá tanto na relação
tipicamente privada entre fornecedor e consumidor, quanto na relação de direito público,
submetida ao direito administrativo, o que neste caso, a atuação administrativa não se dá
exclusivamente pelos dos órgãos especializados de defesa do consumidor, mas de todos
aqueles cujas atribuições afetem em maior ou menor grau os interesses deste sujeito de
direitos, que obviamente é o consumidor, o qual é efetivamente reconhecido pela lei como
sujeito vulnerável, ante a relação de consumo estabelecida.
217
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. “A defesa do consumidor no Brasil.” in: Revista de Direito do
Consumidor. n° 46. abril-junho. São Paulo: RT, 2003. p. 164.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É notório e incontestável que o Brasil é um país de contradições. Estão, no Texto da
Carta Política, os princípios constitucionais, ali positivados, com um fim único de tutelar os
interesses da coletividade, conferindo maior relevância à dignidade da pessoa humana, dando
“asas” e possibilidades à construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Sensibilizado com a atual realidade social do país e, ao mesmo tempo, alçando o
Brasil à contemporaneidade e revestido do poder que lhe conferiu o Estado, o constituinte de
1988 inseriu, no rol dos direitos e garantias fundamentais, o livre acesso ao Judiciário, em
outras palavras, o acesso à justiça. No entanto, todo direito corresponde a um dever, uma
obrigação. Assim, o Estado que tem por obrigação tutelar todos os direitos e garantias
fundamentais inerentes ao homem, tem por competência fornecer os meios necessários e
adequados de acesso à justiça a todos, principalmente àqueles que dela mais necessitam.
No entanto, o indivíduo não poderá usufruir da garantia de fazer valer seus direitos
perante os tribunais se não conhecer a lei, nem o limite de seus direitos. Conhecer a “lei”,
pressupõe conhecer a “justiça”. Grande parte da população brasileira, principalmente a
camada mais pobre da sociedade, convive com esses obstáculos.
Vários fatores impedem ou limitam o acesso à justiça desses indivíduos. A pobreza, a
falta de informação e a lentidão dos processos são os maiores entraves do acesso à justiça e
atingem grande parte da população brasileira.
Nesse cenário, considera-se que um dos grandes passos a ser dados por parte do
Estado para que a Constituição Federal seja efetivamente respeitada é o combate à miséria,
como dos caminhos para se redesenhar o Brasil, mesmo sendo este um país de dimensões
continentais. Em contrapartida, é importante que se diga que o juiz tem por obrigação como
representante legitimado do Estado de adequar a aplicação do princípio da isonomia, para que
o fosso que separa os “suficientes” dos “hipossuficientes”, os poderosos dos fracos seja
equânime.
O Brasil é um país de milhões de miseráveis, por isso mesmo, o papel do juiz na
sociedade brasileira é de fundamental importância. Pode ele, pelos poderes que lhes são
conferidos pelo Estado, resgatar seus semelhantes. Sim, somos nós, todos brasileiros,
detentores das mesmas prerrogativas de cidadãos. Tal exposição refere-se ao tratamento dado
pelo Judiciário ao rico-poderoso, que não ao pobre-indefeso.
N que se refere à lentidão dos processos, sabe-se que esta, não é prerrogativa única do
Brasil. Em outros países também existe demora no julgamento dos processos. Acontece que
no Brasil, pelo que se vê no dia-a-dia, falta instrumentalização no Judiciário, carece este
Poder de mão de obra qualificada. Tudo isso contribui para a falta de celeridade aos feitos.
Diante disso, mais se torna responsável o juiz em ampliar o acesso à justiça daqueles que de
fato dela necessitam, dar celeridade aos processos, assumir responsabilidades sociais, pois ele
é no que consta, o maior operador do Direito investido de poderes que só a ele são conferidos
pelo Estado. O juiz não pode ficar inerte a esse caos que se instalou no Brasil, nos três
Poderes.
Diante disso, entende-se que o Estado deve criar novas políticas públicas que sejam
eficazes e favoreçam a criação de espaços e meios para que o cidadão possa conhecer os
seus direitos e poder exercê-los em toda plenitude. Neste contexto, torna-se imprescindível
redefinir o papel dos Juízes, dos Membros do Ministério Público e Defensores Públicos junto
à sociedade. A cidadania plena surge com a consciência do indivíduo e sua transformação em
realidade por meio da concretização dos direitos fundamentais. Dessa forma, o acesso ao
direito e à justiça possibilita ao cidadão o exercício da cidadania.
Do exposto, pode-se dizer que a Assistência Judiciária deveria ser posta à disposição do
hipossuficiente como condição primeira para seu ingresso no judiciário devendo, portanto, lhe
ser fornecido além das isenções de custas e atos processuais, defensor público que
efetivamente acompanhasse o andamento processual e defendesse os interesses dos
indivíduos. Resta dizer, então, que tal “benefício” da justiça gratuita, como instrumento
eminente processual, pode ser solicitado ao juiz da causa tanto no momento inaugural da
ação, quanto no curso da mesma.
Tudo isso cedido ao individuo, cidadão brasileiro, dar-lhe-ia o sentido de cidadania.
Dentre esses direitos tutelados e garantidos pelo Estado, está o direito do consumidor, o qual,
como conseqüência dos demais, passou a ser elemento importante de afirmação da cidadania.
Essa proteção estatal tem fundamento na amplitude das relações de consumo e
principalmente, na situação de hipossuficiência do consumidor de proteger seus direitos de
cidadão se estes forem lesados pelos fornecedores, flagrante situação de desigualdade social e
econômica. Tais circunstâncias evidenciam e solidificam a necessidade de uma proteção mais
efetiva ao consumidor, tanto antes da aquisição do produto ou da prestação de serviço, quanto
na tutela dos direitos já lesados nestas relações.
A materialização desse direito se dá no Código de Defesa do Consumidor. Este não é
apenas um conjunto de normas, mas um instrumento para o exercício da cidadania, ou seja, a
qualidade de todo ser humano, como destinatário final do bem comum de um Estado
Democrático de Direito, que reconhece, tutela e garante todos os direitos individuais e sociais,
colocados à disposição dos cidadãos, pelos organismos institucionalizados, bem como a
prerrogativa de organizar-se para obter esses resultados ou acesso àqueles meios de proteção e
defesa.
O Código traz, portanto, como princípios fundamentais do sistema nacional de defesa
do consumidor disposto no art. 4º do CDC, os seguintes: o do conhecimento da
vulnerabilidade do consumidor; o da proteção governamental; o da compatibilização dos
consumidores e das empresas; o da informação e o da educação de fornecedores e de
consumidores; o do incentivo ao controle de qualidade dos produtos e o da instituição de
mecanismos alternativos de solução de conflitos; o da coibição e da repressão de abusos no
mercado de consumo e no âmbito da concorrência desleal; o da racionalização e da melhoria
dos serviços públicos; o do estudo constante das modificações do mercado de consumo.
Sabendo que o CDC tem por objetivo a proteção integral do consumidor em face do
fornecedor, responsável, portanto, pela execução da política de defesa do consumidor, que se
estenderá por todo o território nacional, atuando nos três níveis de governo.
Sendo assim, o Poder Público deve manter assistência judiciária gratuita para o
consumidor carente; instituir Curadorias de Proteção ao Consumidor no âmbito do Ministério
Público; criar Juizados Especiais de Pequenas Causas; criar Delegacias de Polícia
especializadas para apuração de crimes contra o consumidor; conceder estímulos à criação de
associações de Defesa do Consumidor; fiscalizar pesos e medidas, observada a competência
normativa da União.
Por fim, na integração do sistema, os Estados e os Municípios deveriam manter órgãos
gratuitos de atendimento, orientação e conciliação para os consumidores, muitos dos quais já
presentes, entre nós, em várias unidades de governo. Então, a proteção do consumidor surge
pela determinação de se cumprir a igualdade entre as partes – fornecedor e consumidor –
independentemente da posição ou condição de cada parte envolvida, visando ao equilíbrio
contratual, necessário se faz um tratamento igual entre as partes, respeitando seus limites.
Assim, condicionada ao limite do tratamento isonômico, isto porque a economia do
contrato há muito sofria o desequilíbrio gerado pela falta de mecanismos eficientes de defesa
do consumidor e o Código vem justamente sanear essa falha. Pela ausência de mecanismos
eficazes, a tutela dos consumidores é feita pelo Estado em três planos: administrativo;
legislativo e judiciário.
O PROCON se insere nesse contexto, como o organismo institucional de proteção e
defesa do consumidor, e conseqüentemente, como dito em capítulo anterior, observa também,
os aspectos práticos da defesa ou proteção jurídica do consumidor, e coletivamente, analisa os
chamados interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogêneos de
origem comum, mas sempre como coletividade de consumidores, em conflitos gerados por
algum serviço prestado de maneira defeituosa.
Existem ‘instrumentos institucionais’, para exclusivamente, defender o consumidor e
dar-lhe proteção, como por exemplo, os PROCON, os CEDECON, os SEDECON, bem como
as Promotorias Especializadas de Proteção e Defesa do Consumidor, Juizados de Pequenas
Causas ou Juizados Informais de Conciliação, as Defensorias Públicas, até mesmo as
Delegacias de Polícia em pequenos Municípios, aqueles que não possuem nenhum órgão ou
entidade competente que possa dirimir eventuais conflitos causados pela relação de consumo,
e entidades privadas que se dediquem a esse tipo de atendimento.
Da análise desses elementos, pode-se observar que, basicamente, na delineação do
Código, foi assentada a tutela do consumidor sob tríplice controle: o do Estado, o do
consumidor e de suas entidades de representação e do próprio fornecedor, prevendo-se ações
de ordem privada e também públicas para garanti-la e a efetivar os seus direitos, tendo a
preocupação com o equilíbrio dos interesses em jogo; previne-se a posição da concorrência e
proscrevem-se práticas abusivas, a par da estimulação de mecanismos e auto-regulamentação
do mercado, que fica sob contínua fiscalização, a fim de detectar mudanças ocorridas e
corretivos eventualmente necessários.
Com base nos princípios apontados, foram editadas normas protetivas, que o Código
declara de ordem pública e de interesse social, a significar que não poderão ser alteradas, ou
substituídas, pela vontade das partes, considerando-se nulas qualquer convenção em contrário
(art. 1º).
Finalmente, considera-se que o PROCON tem como função institucional, atuar em
duas vertentes – social e específica – contribuindo para educação e informação do
consumidor; resolver e dirimir conflitos entre as partes na relação de consumo estabelecida.
Este órgão, ainda atua como facilitador do acesso à justiça, aos que dela necessitam. Os
instrumentos são: audiências de conciliação; investidura do Ministério Público, para auxiliar o
PROCON em conflitos de difícil solução, ressaltando ainda, a legitimidade do PROCON para
postular em juízo a defesa do consumidor, entre as quais ações coletivas conforme disposto no
art. 82 do CDC.
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