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novo e dizia que não queria. Se eu não comesse, ela deixava o prato com comida intacta junto
com vomito e deixava perto da janela. A noite ela me oferecia o mesmo prato e mandava-me
comer e com a minha recusa ela me mandou ir dormir sem almoço e sem jantar.
Era proibido beber água, eu tinha muita vontade de beber água porque tinha vomitado, mas
não podia.
Lembro-me que a noite, mais ou menos a partir das sete horas, eu estava quietinha no meu
cantinho quanto apareceu um menino que tinha fugido. Ele apareceu depois da fuga. Dona
Frida trouxe o menino e o surrou tanto porque ele fugiu e era proibido. Eu fiquei muito
assustada e com medo dela. Eu via tudo acontecer e recordo muito em especial desta situação,
depois de muita surra com uma vareta bem forte ela levou o menino embora, daí não vi o que
aconteceu depois. Mais tarde, não me lembro da hora, todos nós, as crianças surdas, íamos ao
dormitório lá em cima para dormir. Estávamos subindo pela escada e ficamos surpresos,
vimos o mesmo menino na ponta de cima de escada. Sabe o corrimão? O menino estava
acorrentado com os braços atrás no corrimão e ficamos todos assustados. O menino estava
com semblante muito triste e com a cabeça cabisbaixa. Nós olhávamos curiosos e assustados
entrando no quarto. No dia seguinte, ao acordarmos pela manhã, ele ainda estava lá preso de
pé e acorrentado ao corrimão. Isto me marcou muito, nunca me esqueço disto, até hoje. Não
lembro quem era ele, nunca mais o vi.
Meu pai me trouxe pela primeira vez à EDEFA porque a minha família morava em ponta
grossa – PR. Meu pai me trouxe pra EDEFA para eu dormir lá e ir embora. Eu não queria
ficar na EDEFA, chorava muito, mas meu pai se foi e me deixou lá.
Durante as aulas eu não aprendia nada. Eu sentava à mesa com a dona Frida e copiava as
frases completas. Eu tinha somente quatro anos e não conseguia. Ela escrevia frases muito
compridas e eu nem sabia o ‘a-e-i-o-u’, eu não sabia o que fazer. Dona Frida me mandava
copiar, eu não queria porque não sabia. Então a dona Frida ficou brava, rasgou todos os meus
cadernos e me deu zero. A verdade é que eu não sabia e não entendia porque ela me mandava
fazer isto, achava a dona Frida louca e isto me dava medo.
Lembro que estavam na EDEFA: a dona Frida, professor Paul e mais uma senhora que não
lembro bem quem era, acho que pode ser a mãe de dona Frida. O professor Paul não foi meu
professor.
Nunca aprendi nada lá na EDEFA, nunca me ensinaram a escrever e a ler. Lá eu não fazia
nada e tirava sempre zero. Os outros tiveram mais sorte, aprenderam ‘a-e-i-o-u’ e eu nada. Eu
escrevia muito no quadro sem entender nada e rasgavam o meu caderno. Porque davam ‘a-e-i-
o-u’ para eles e não para mim? Para mim foram frases compridas sendo que eu era muito
pequena, por quê?
Eu observava tudo, os meninos e as meninas dormiam no mesmo quarto. Eu dormia junto
com a dona Frida e eu tinha medo.
Eu não via muita coisa sobre abuso sexual porque era muito pequena para entender e ficava
sempre junto com a dona Frida.
A vida lá era igual na Alemanha, com o nazismo. A dona Frida era igual ao Hitler.
Tomava banho na mesma água na banheira, lembro disto porque era a mais nova e primeira
da fila e sempre ia tomar banho na água limpinha. Depois no fim da fila, quanto eu fui ao
banheiro fazer xixi e eu vi a banheira, a água estava muito preta. Fiquei admirada e tentava
entender “como?”, antes era limpa e depois preta, como? Hoje recordo e compreendo melhor,
que havia fila para tomar banho na mesma água. Quando era pequena não entendia, mas agora
que amadureci, comecei a compreender o motivo de água ficar preta.
Sobre o incêndio, eu não sabia de nada, já tinha saído.
Se houve mortes ou hospitalizados. Não lembro realmente, pois era muito pequena.