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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Davi Silva Peixoto
A Construção da Argumentação no Sermão da Primeira Dominga
do Advento: um Estudo Historiográfico
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Davi Silva Peixoto
A Construção da Argumentação no Sermão da Primeira Dominga
do Advento: um Estudo Historiográfico
Dissertação de Mestrado apresentada
à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
com exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Língua
Portuguesa, sob a orientação da
Profª.Drª. Dieli vesaro Palma.
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2008
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Dedico este trabalho a todos que pensam em
vencer um dia...
a você que não tem esperança ...
a você que se acha incapaz...
a você que está perdido...
a você, injustiçado...
a você incompreendido...
a todos que precisam atingir metas...
Agradeço em primeiro lugar...
Lanja ....a melhor mãe do mundo.
Deni...grande pai.
Pamela...metade de mim.
Dieli e Jarbas...pais acadêmicos que me
nutriram durante essa fase.
Agradeço em segundo lugar...
Deus pai... por ter criado as pessoas
acima descritas.
Deus filho... pelo sacrifício na cruz do
calvário.
Deus Espírito Santo... pela interseção
em meu favor.
N
ão quero, porém, irmãos, que sejais
ignorantes acerca dos que já dormem,
para que não vos entristeçais, como os
demais, que não têm esperança
.
Porque, se cremos que Jesus morreu e
ressuscitou, assim também aos que em
Jesus dormem, Deus os tornará a trazer
com ele.
Dizemos-vos, pois, isto, pela palavra
do Senhor: que nós, os que ficarmos
vivos para a vinda do Senhor, não
precederemos os que dormem.
Porque o mesmo Senhor descerá do céu
com alarido, e com voz de arcanjo, e
com a trombeta de Deus; e os que
morreram em Cristo ressuscitarão
primeiro.
Depois nós, os que ficarmos vivos,
seremos arrebatados juntamente com eles
nas nuvens, a encontrar o Senhor nos
ares, e assim estaremos sempre com o
Senhor.
Portanto, consolai-vos uns aos outros
com estas palavras...
Carta de meu amigo Paulo
à igreja de
Tessalonicenses.
Resumo
Esta dissertação situa-se no campo da Historiografia Lingüística e tem por tema
a construção da argumentação no Sermão da Primeira Dominga do Advento do padre
Antonio Vieira. Para executar essa tarefa traçaram-se os seguintes objetivos: examinar
no sermão selecionado a língua, a história e o papel de figuras retóricas, que funcionam
na organização do sermão de Padre Antonio Vieira como mecanismo de persuasão.
Encontramos no século XVII, mais particularmente em Vieira, um homem
imbuído do espírito Barroco e muito preocupado com causas sócio-cristãs,
caracterizadoras da luta entre o mundo material e o espiritual a possibilidade de
verificar a relação entre língua e história que permite-nos conhecer o sermão em meio
ao seu contexto de produção, ao mesmo tempo em que oportuniza atualizá-lo à luz de
teorias atuais.
Na Retórica peculiar de Vieira, fruto de sua formação jesuítica, inovação,
ousadia, clareza e objetividade. Tal peculiaridade não se apenas pelo favorecimento
de mecanismos lingüísticos disponíveis na ngua, mas também pela bagagem cultural
do orador, verificada na prática da persuasão.
Estudos sobre a obra de Vieira há muitos. Porém essa pesquisa se justifica por
buscar uma abordagem histórica, além de realizar o estudo da disposição e da elocução
do Sermão escolhido em uma abordagem historiográfica.
Embasou-se teoricamente nos fundamentos da Historiografia Lingüística que
permite uma releitura dos fatos da língua e de sua história, por meio dos princípios da
contextualização, da imanência e da adequação teórica.
A análise do sermão demonstrou que as marcas histórico-lingüísticas e os
mecanismos de persuasão presentes nele revelam o pensamento típico do homem
barroco e que o sucesso da pregação de Vieira se pelo seu estilo peculiar envolvendo
figuras retóricas e a interação entre orador e ouvinte.
Palavras-chave: Historiografia Lingüística, Figuras Retóricas, Persuasão.
Abstract
This dissertation is located in the field of the Linguistic Historiography and it
has for theme the construction of the argument in the Sermon of First Dominga of priest
Antonio Vieira's Advent. In order to carry through this task, the following objectives
were drawn: examine in the selected sermon the language, the history and the role of
rhetorical figures that act in the organization of Priest Antonio Vieira's sermon as a
persuasion mechanism.
We found in the XVII century, more particularly in Vieira, a man imbued with
the Baroque spirit and very concerned with Social-Christian causes, characterizing the
fight between the material and the spiritual world, the possibility to verify the
relationship between language and history that allows us to know the sermon amid its
production context, at the same time in which allows us to update it at the light of
current theories.
In Vieira's peculiar Rhetoric, fruit of his Jesuit education, there is innovation,
daring, clarity and objectivity. Such peculiarity does not just result from the favoring of
linguistic mechanisms available in the language, but also by the speaker's cultural
luggage, verified in practicing the persuasion.
There are many studies on Vieira's work. However, this research is justified for
looking for a historical approach, in addition to accomplishing the study of the
arrangement and the elocution of the chosen Sermon in a historical-graphical approach.
This was based theoretically on the foundations of the Linguistic Historiography
that allows for rereading of the facts regarding the language and its history, through the
principles of contextualization, immanence and theoretical adaptation.
The analysis of the sermon demonstrated that the historical-linguistic marks and
the persuasion mechanisms found in it reveal the typical thinking of the baroque man
and that the success of Vieira's preaching is achieved by its peculiar style, involving
rhetorical figures and the interaction between speaker and listener.
Key-Words: Linguistic Historiography, Rhetorical Figures, Persuasion.
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................01
Capítulo I
Historiografia Lingüística..............................................................04
1.1- História e Lingüística ...................................................................04
1.2- Historiografia...............................................................................08
1.3- Historiografia Lingüística..............................................................10
1.4- A Metalinguagem.........................................................................11
1.4-1. Metalinguagem Cientifica.................................................13
1.4-2. Os Princípios da Historiografia Lingüística.........................14
1.5- A Questão do Argumento de influência........................................16
Capitulo II A Retórica
.............................................................................18
2.1-Breve Histórico da Retórica.............................................................18
2.2-A Retórica Clássica..........................................................................23
2.2.1. As Figuras na Retórica Clássica........................................26
2.3-A Retórica Moderna........................................................................28
2.4- A Retórica Jesuítica........................................................................39
Capítulo III Padre Antonio Vieira: O Homem e o Clima de
Opinião de Sua Época.......................................................
..30
3.1-Os Jesuítas e a Companhia de Jesus.................................................30
3.2-Ratio Studiorum..............................................................................32
3.3- A Época de Vieira...........................................................................33
3.3.1-Características do Barroco............................................34
3.4-Padre Antonio Vieira: O Homem e Seu Tempo.........................37
Capítulo IV Análise do Corpus
.........................................................41
4.1- O Discurso Religioso......................................................................43
4.2- O Gênero Sermão.........................................................................45
4.3- Metodologias de Análise..............................................................47
4.3.1. A Organização do Sermão da Primeira Dominga do
Advento........................................................................................................48
4.4- As Figuras....................................................................................51
4.5- As Figuras Retóricas e a Persuasão..............................................55
4.6- Principio da Adequação..............................................................59
Considerações finais
..........................................................................64
Bibliografia
............................................................................................66
ANEXOS
________________________________________________________
1
INTRODUÇÃO
Essa Dissertação tem como tema a construção da argumentação no Sermão da
Primeira Dominga do Advento do Padre Antonio Vieira e de um de seus recursos
lingüísticos, as figuras retóricas. Partimos da hipótese de que as figuras de linguagem
presentes no Sermão constituem importantes mecanismos de estilo e de persuasão.
Nossa pesquisa apóia-se na Retórica Clássica e fundamenta-se na Historiografia
Lingüística (doravante HL) que se constitui como suporte teórico-metodológico de pesquisa
e propõe-se a explicar e descrever características da língua e da história em documentos
escritos. Por meio de princípios norteadores da HL, objetivamos examinar no sermão
selecionado a língua, a história e o papel de figuras retóricas, que funcionam na
organização do sermão de Padre Antonio Vieira como mecanismo de persuasão. A relação
entre língua e história permite-nos conhecer o sermão em meio ao seu contexto de
produção, ao mesmo tempo em que oportuniza atualizá-lo à luz de teorias atuais.
Além desse objetivo pretendemos, também, examinar, no sermão, os recursos
lingüísticos e as figuras retóricas, utilizadas no culo XVII, para persuadir o auditório,
tendo em vista que tais figuras se constituem como elementos organizadores do
funcionamento interno do discurso religioso proferido por Vieira..
Embora nosso estudo apresente um aprofundamento das figuras retóricas em uso no
século XVII, nosso trabalho se alicerça na HL, na medida em que operacionalizamos os
princípios da contextualização, da imanência e o da adequação teórica, conforme
estabelecido por Koerner (1996). Dessa forma, aspectos históricos e lingüísticos estão
entrelaçados a uma verificação estilística.
Encontramos no século XVII, mais particularmente em Vieira, um homem imbuído
do espírito Barroco e muito preocupado com causas sócio-cristãs, caracterizadoras da luta
entre o mundo material e o espiritual, que estão refletidas na relação sagrado e profano,
espírito e carne, livre e cativo. Na Retórica peculiar de Vieira, fruto de sua formação
jesuítica, inovação, ousadia, clareza e objetividade. Tal peculiaridade não se apenas
pelo favorecimento de mecanismos lingüísticos disponíveis na língua, mas também pela
bagagem cultural do orador, verificada na prática da persuasão.
2
Dessa forma, o contexto em que se insere a prosa sermonária de Vieira torna-o
polêmico em seu discurso num espaço repleto de manifestações culturais tanto indígenas,
como européias e também africanas. Além disso, questões relacionadas à área econômica e
administrativa do poder eclesiástico também se fazem presentes em sua prática sermonária.
No sermão de Vieira, encontramos usos significativos da língua, tais como as
figuras, aspecto que o converte em material valioso para o estudo da Língua Portuguesa e
do homem daquela época. Encontramos em Vieira mecanismos retórico-lingüísticos
eficientes da prática sermonária que revelam não a cristalização de tais mecanismos na
língua, como também os transformam em suporte de veracidade e de persuasão.
Assim como o Barroco caracteriza um contexto polêmico, nosso objeto de análise
também aborda um tema religioso polêmico, o Apocalipse, sob a ótica da fé católica. Ainda
que essa perspectiva seja fundamentada pela religião, não temos a pretensão de examinar o
sermão selecionado sob um ponto de vista teológico, mas histórico-lingüístico.
A construção lingüística de um sermão exige do orador uma atitude de acomodação
à palavra e à idéia, instaurando diferentes formações discursivas, elemento que despertou
em nós profundo interesse por seu estudo. Esses fatores internos motivaram-nos a escolher
um sermão de Vieira como corpus e a examiná-lo enquanto documento religioso
persuasivo, espaço de manifestação da ideologia católica da época, onde língua e história se
unem para revelar o homem e a cultura barroca.
Pelo fato de o discurso do Padre Antonio Vieira ser de base religiosa, ele busca a
credibilidade de seus argumentos no discurso bíblico, fazendo com que suas palavras se
tornem divinas pela ritualização. Tal manobra lingüística opera em seu sermão uma atitude
essencialmente argumentativa. Nesse sentido, recorreremos à Retórica Clássica, na medida
em que ela nos possibilita verificar o grau de persuasão com que Vieira busca persuadir a
corte imperial e todos os que o ouviam.
Estudos sobre a obra de Vieira há muitos. O que distingue nossa pesquisa é o estudo
da disposição e da elocução do Sermão escolhido em uma abordagem historiográfica.
Com vistas a tingir nossos objetivos, organizamos a Dissertação em quatros
capítulos. No primeiro, apresentamos os pressupostos da Historiografia Lingüística que
fundamentam a pesquisa. Trabalha-se a língua em sua dimensão histórica e cultural e
3
explana-se sobre os elementos que constituem a Historiografia Lingüística, enfatizando a
dimensão interdisciplinar.
No segundo capítulo, discorremos sobre o contexto histórico em que Vieira viveu, o
que possibilita a discussão das questões lingüísticas, inseridas no espírito de época.
No terceiro capítulo, fazemos reflexões sobre o percurso histórico da Retórica
Clássica, bem como sobre suas principais características.
No quarto capítulo, analisamos o corpus selecionado, considerando o papel das
figuras retóricas e os princípios da Historiografia Lingüística.
Seguem a esses capítulos, as Considerações Finais, as Referências Bibliográficas e
o Anexo.
4
CAPÍTULO I
HISTORIOGRAFIA LINGÜÍSTICA
Introdução
O tema desse capítulo é a Historiografia Lingüística (HL), disciplina que
fundamentará as análises que empreenderemos nessa Dissertação. Temos aqui como
meta apresentar reflexões teórico-metodológicas que visam a levantar
procedimentos dessa disciplina da Lingüística, os quais permitem ao historiógrafo
da língua enfocar e aprimorar seu objeto de estudo, unindo interdisciplinarmente
História e Lingüística.
Assim, focalizaremos os seguintes aspectos: a caracterização da História,
da Lingüística e da Historiografia para, em seguida tratar da Historiografia
Lingüística, seus procedimentos metodológicos bem como a metalinguagem e a
questão do argumento de influência.
1.1 História e Lingüística
Encontramos em Silva & Silva (2005) a possibilidade de reflexão sobre as
diferenças entre História e Historiografia. Alguns autores destacam diferentes
abordagens, apresentando a visão de historiadores de diferentes perspectivas, ao
conceituarem História e Historiografia.
O conceito de História, para a maioria dos autores, não é de fácil
explicitação, pois cada corrente de pensamento busca apresentar a sua resposta para
a questão “o que é História?”. Daí a pluralidade de significados desse termo, que
está em constantes mudanças. O mais importante é estabelecer as linhas gerais do
debate em torno da natureza da História.
5
Nessa discussão, autores mostram, por exemplo, que Ciro Flamarion
Cardoso, historiador brasileiro, defende a cientificidade da História, opondo-se a
posições que não a concebem como ciência. Silva &Silva (op.cit. p.182) afirmam
que
os principais argumentos contra essa cientificidade vêm da crença de que
a História se ocupa de acontecimentos únicos que o são passiveis de
lei, ao contrario da ciência. Mas a história deixou de estar voltada para
fatos singulares e passou a abranger estruturas globais sujeitas a
regularidades, como a vida econômica e as estruturas sociais e culturais.
Os historiadores adeptos da Nova História Cultural, abordagem criada no
final do século XX, a partir da perspectiva cultural da Nova História francesa, por
sua vez, defendem a proximidade da História com a Arte, com a ficção e não com a
ciência. Entre eles, White, para quem a história é um gênero da literatura. Ele
valoriza a escrita e a narrativa historiográfica e deixa de lado a cientificidade da
História.
Ainda objetivando aprofundar esse debate, a fim de chegarem a uma
concepção dessa disciplina, Silva &Silva tomam o trabalho do historiador inglês
Carr O que é História?. Nessa obra, o autor não oferece uma resposta absoluta, pois,
para ele, o conceito de História depende da visão que cada um tem de sua própria
sociedade e do tempo em que vive. Uma de suas maiores preocupações gira em
torno do fato histórico. Assim, Carr diferencia fato e fato histórico: para ele o que
separa um acontecimento qualquer de um fato histórico é a importância que o
historiador a um fato e não a outro, ou seja, um fato se torna fato histórico
mediante a interpretação do historiador. Logo, o cerne da História está na
interpretação e não nos fatos; daí considerar que os fatos falam quando
questionados pelo historiador.(p.183) Nesse sentido, afirma Carr (2006, p.137) que,
um estágio anterior, vimos que a história começa com a seleção e
ordenação dos fatos pelo historiador para que se tornem fatos
históricos. Nem todos os fatos são fatos históricos. Mas a distinção
entre fatos históricos e não históricos não é rígida ou constante;
qualquer fato pode, por assim dizer ser promovido ao status de fato
histórico a partir do momento que se distinguem sua relevância e
significação.
6
Sobre a questão da interpretação dos fatos e da relação entre eles e suas
causas, Carr (op.cit.p.137) diz que uma semelhança de processo na abordagem
das causas pelo historiador. A relação entre o historiador e as causas dos fatos
apresenta o mesmo caráter duplo da relação entre ele e os fatos. Por essa razão,
as causas determinam sua interpretação do processo histórico e a
interpretação determina sua seleção e ordenação das causas. A
hierarquia das causas, a importância relativa de uma causa ou
conjunto de causas, é a essência de sua interpretação, e isto fornece a
indicação para o problema do acidental na história.
Em relação à escolha dos fatos, Carr (op.cit.p.137) destaca ainda que o
historiador deve ter consciência de que ele abrange uma fração diminuta do aspecto
selecionado. Nessa medida,
o mundo do historiador, assim como o mundo do cientista, não é uma
cópia do mundo real, mas antes um modelo funcional que lhe
possibilita mais ou menos eficazmente compreendê-lo e dominá-lo. O
historiador filtra da experiência do passado, ou do tanto de
experiência do passado que lhe é acessível, aquela parte que ele
reconhece como sujeita a explicação e interpretação racionais e dela
tira conclusões que podem servir como um guia de ação.
Também Veyne (Apud Silva & Silva ) reflete sobre a questão acima
apresentada. Ele não conceitua História, mas afirma que ela não é uma ciência, pois
não tem método, nem caráter explicativo. História, em sua visão, é narrativa, só que
com personagens reais e, apesar de baseada em fatos e documentos, não pode
alcançar o realmente acontecido devido à natureza parcial dos documentos e dos
fatos.
Embora considere a História uma narrativa, Veyne não chega a afirmar que
História e ficção sejam a mesma coisa. A diferença para ele é que a primeira se
preocupa com a verdade e a segunda, com a beleza. Nesse sentido, a História teria
como assunto somente aquilo que, realmente, tivesse acontecido.
7
Silva & Silva ainda afirmam que a visão de História, proposta por Veyne, é
bastante relativista: tudo é história. Então, para definir os fatos a serem trabalhados,
a escolha e o critério do historiador são indispensáveis. Assim, a História é
subjetiva, porque, como tudo é história, ela termina sendo o que foi escolhido pelo
historiador.
Outro historiador que também busca um possível conceito de História é
Bloch. Sua concepção de História é uma das mais influentes do culo XX. Ele é
um dos fundadores da Escola dos Annales, juntamente com Lucien Febvre, e
valoriza a interdisciplinaridade e a perspectiva de que a História não é uma ciência
qualquer, pois trata de narração e de descrição, enquanto a maioria das ciências
fixa-se na classificação e na análise. Defende a validade científica da História,
caracterizando-a como a ciência do homem no tempo. Para ele, a verdade é um dos
princípios fundamentais da História, algo que o historiador deveria sempre procurar
identificar. Caberia, assim, ao historiador a tarefa de julgar os fatos, tentando
alcançar a verdade.
Pelo exposto, vimos que, para a pergunta ‘’O que é História?’’, não existe
uma resposta fechada ou simples, e muitos são os estudiosos que têm contribuições
a dar. Do ponto de vista científico, os historiadores e os pesquisadores que se
interessam por História devem procurar responder a essa pergunta.
Apesar da dificuldade de conceituação, nesse trabalho estamos considerando
História como sendo uma ciência, que permite analisar e entender os fatos que
permaneceram vivos por um certo tempo na vida dos homens, permitindo
questionar, no hoje, aquilo que se viveu. Assim, uma história carrega em si os
traços próprios de sua época, porém ganha outra possibilidade de existência, quando
é observada pelo olhar do historiador.
A Lingüística, por sua vez, revela sua importância, quando Saussure atribui
à ngua a condição para a existência da fala; sendo assim, a língua constitui-se um
objeto que pode de ser estudado separadamente, pois seu caráter social a define
como um produto histórico-social.
Desta forma, o historiógrafo da língua conduz seus estudos, observando a
interação do homem com o próprio homem nas relações sociais caracterizadas pela
8
realidade particular de cada individuo. Essa interação é possível, quando cada
indivíduo participa linguisticamente do processo de interlocução, que se faz
histórico, uma vez que fatores sociopolíticos e culturais registram marcas temporais
capazes de transparecer as condições sócio-ideológicas do homem em sua vivência.
Por isso, julgamos que a História relata os fatos e cria um elo entre o passado
e o presente, tornando possível uma reflexão que acrescenta algo aos estudos do
historiador e do historiógrafo da língua em relação ao seu objeto de estudo e que a
Lingüística materializa tais estudos.
Tendo discutido uma possível interdisciplinaridade da História com a
Lingüística, a seguir, apresentaremos a conceituação de Historiografia, com vistas a
estabelecermos as principais diferenças entre História e Historiografia e entender o
alcance da Historiografia Lingüística.
1.2 Historiografia
A Historiografia
1
, segundo Silva (2001) é um campo de estudo muito vasto
que tem como alvo um autor e o conjunto de suas obras, ou uma comparação entre
autores e algumas de suas respectivas obras.
De acordo com Faccina (2002, p. 50),
A história da Historiografia veio de tempos remotos, quando a
narrativa dos acontecimentos políticos e militares era exposto como
sendo a historia dos grandes homens da época.
A autora nos mostra que essa concepção vai se estender até o Iluminismo,
quando se deu a primeira mudança e, nesse período, muitos pensadores europeus
começaram a se preocupar com aquilo que até então era denominado de história da
sociedade. Tais pensadores se preocuparam, na realidade, com um tipo de narrativa
que não mais se limitava ao relato das guerras e das políticas, mas com as leis de
1
Além dessa concepção apresentada, Forastieri comenta que a Historiografia, ou estudos
historiográficos tem por finalidade saber como um determinado tema tem sido tratado ao longo do
tempo, por vários autores e varias obras.
9
comércio, a moral e os costumes, chegando mesmo à reconstrução de
comportamentos de valores do passado, integrando às narrativas políticas, uma
história sociocultural.
Le Goff & Nora (1976: apud Lapa, 1985, p.49) dizem que:
De qualquer forma, a história nova se afirma na consciência de sua
sujeição às suas condições de produção. Não é gratuitamente que
cada vez mais ela se interessa por si própria e concede lugar cada vez
mais importante e privilegiado à história da História. Produto, ela se
pergunta igualmente a respeito de seu produtor, o historiador.
Lapa (op.cit,p. 49) expressa em seu trabalho a idéia que tem sobre
Historiografia, dizendo que
Essa é, para nós, uma tarefa que, por sua natureza, cabe à
Historiografia: Analisar a produção considerada de História, o
trabalho dos historiadores, a evolução do pensamento histórico,
destacando as obras representativas, as tendências e projeções.
A principal ferramenta da historiografia são os livros de História. Para
Forastieri um estudo historiográfico é uma reflexão sobre os historiadores e suas
obras.
Com base nos autores citados, acreditamos que a historiografia deve ser
encarada como um procedimento de extrema importância para qualquer historiador,
pois ela permite conhecer o que se produziu facilitando o trabalho do historiador,
que deve iniciar seu trabalho por uma bibliografia específica, fazendo uma seleção
historiográfica. Assim, ao realizar esse processo, o historiador reflete sobre o tema
estudado em outras obras para elaborar seu trabalho.
Em suma, a Historiografia é uma metodologia de análise que permite
verificar os diversos discursos ao longo da história em suas fases de
desenvolvimento e produção.
expostos os conceitos de História e Historiografia, passamos então para o
próximo item de nosso trabalho que focalizará a Historiografia Lingüística.
10
1.3 Historiografia Lingüística
A HL surgiu na França em 1970 e visa, além dos fatores histórico-sociais,
aos fenômenos lingüísticos materializados em documentos. A HL procura
reconstruir o ideário explícito ou implicitamente formulado sobre o fenômeno da
linguagem, assim como as reflexões destinadas às línguas particulares, em dada
época e em determinado contexto social, político e institucional.
De acordo com Altman (1998), a HL não pode ser vista somente como uma
simples compilação de dados, fatos, títulos e nomes relacionados ao estudo de
eventos ligados à língua e à linguagem. Ela presume uma atividade de seleção,
ordenação, reconstrução e interpretação dos fatos relevantes para o quadro de
reflexão construído pelo historiógrafo. Assim, não basta incluir quaisquer fatos
passados por serem passados. A arbitrariedade do investigador que seleciona
nomes, fatos e datas encontra seu limite na consistência e coerência de relações
estabelecidas entre eles. Desse modo, o conhecimento do passado é importante,
porque tem a pretensão de informar a ação presente, não para legitimá-lo, mas para
o exercício crítico dele. Por essa razão, é necessário fazermos uma distinção entre
historiador e historiógrafo, pois ambos trabalham com história, porém, sob enfoques
diferentes.
É importante afirmar, também, que a tarefa do historiador e do historiógrafo
da língua não deve ser a mesma. Assim, vamos diferenciar as atividades realizadas
por ambos.
O historiador deve investigar os fatos, por meio de uma pesquisa empírica,
distinguindo, entre elas, aquelas que estão sendo feitas e os êxitos atuais dela. Deve
olhar, ainda, os fatos que podem ter desempenhado um papel significativo no
estabelecimento de novos compromissos. Isso significa que lhe cabe descrever o
processo e a atmosfera de uma ‘’revolução’’ em curso.
O historiógrafo da língua, por sua vez, deve refletir sobre essas descobertas
empíricas, interpretando-as e oferecendo uma explicação adequada dos fatos. Sendo
11
assim, sua tarefa é a de estabelecer princípios que guiem o historiador. Esses
princípios estariam voltados à compreensão do clima de opinião do período e à
avaliação particular do objeto de estudo. Portanto, tais princípios exigem que o
historiógrafo da língua seja dotado de um conhecimento amplo, que possa não
ter o domínio específico sobre o seu campo de investigação, mas também o domínio
sobre a história geral e a Lingüística.
Casagrande (2005: p, 25) destaca que a natureza interdisciplinar da HL
requer do investigador um conhecimento amplo dos diversos campos científicos,
pois seu campo de investigação deveria comportar vieses que consistiriam em
(...) favorecer o restabelecimento dos fatos mais importantes do nosso
passado lingüístico e explicar, tanto quanto possível as razões da
mudança de orientação e de ênfase e a possível descontinuidade que
delas se pode observar, sua pratica requer, ainda, capacidade de
síntese, isto é, a faculdade de destilar o essencial da massa dos fatos
empíricos coligidos a partir de fontes primarias.
Como ponto de partida, a fim de estabelecer um possível conceito de HL,
buscamos em Bastos e Palma a concepção que revela a HL como sendo o modo de
escrever a história do saber lingüístico, com base em princípios científicos, e tendo
por objetivo descrever e explicar como se desenvolveu tal saber em um determinado
contexto. Dessa forma, essa concepção leva-nos não à análise de um produto
acabado dentro de um recorte no tempo, mas também à consideração de seu
processo de produção, conduzindo-nos a uma visão pancrônica da realidade. Afinal,
uma obra será sempre explicada mais profundamente, quando nela percebemos as
etapas de conhecimento que a construíram.
Exposto o conceito de HL, passaremos agora a apresentar o recurso da
metalinguagem e os procedimentos metodológicos utilizados pela HL.
1.4 A Metalinguagem
Observamos em várias leituras a importância da metalinguagem, que
Koerner (1996) propõe como recurso de análise de documentos do passado, para ser
utilizada antes da operacionalização dos princípios. Segundo ele, aplicar as teorias
12
lingüísticas modernas a descrições mais antigas da língua em documento pode
conduzir o pesquisador a sérias distorções da linguagem, se ele não fizer antes uso
da metalinguagem. Essas considerações, como destacado, dizem, portanto,
respeito ao emprego dos diferentes princípios. Nesse sentido, diz Koerner
(op.cit.p.25)
Quando trata de determinado assunto na Historiografia Lingüística o
historiógrafo o pode fugir à questão, especificamente quando, ao
discutir teorias de períodos passados, estiver ao mesmo tempo
tentando torná-las acessivas ao leitor do presente e tentando não
distorcer sua intenção e significado originais.
Para desenvolver um conceito de metalinguagem, vamos nos apoiar em
Almeida (2003). A metalinguagem pode estar centralizada no código, usando a
linguagem para falar dela mesma, como a poesia que fala da poesia, um texto que
comenta outro texto e, principalmente, os dicionários que são repletos de
metalinguagem.
A função metalingüística pode ser percebida quando, numa mensagem, é o
fator código que se faz referente, que é apontado. Chalhub (1987 apud Almeida
2003:99) afirma que, segundo Jakobson, a lógica moderna aponta para uma
linguagem-objeto, que se refere à nomeação das coisas e a uma metalinguagem,
cujo objetivo é a linguagem-objeto.
Quando o emissor e o receptor precisam verificar se o código que utilizam é
o mesmo, o discurso está desempenhando a função de se auto-referenciar. Pode ser
tanto um teste puramente fático para verificação do canal como uma antecipação
metalingüística.
Para realizarmos um trabalho em HL, não , por conseguinte, como
prescindir da utilização da metalinguagem e, de modo particular, da metalinguagem
científica, que trataremos no próximo item.
13
1.4.1 Metalinguagem Científica
Almeida em sua pesquisa trata da metalinguagem cientifica como um
recurso que possibilita averiguar os aspectos lingüísticos de um documento,
facilitando a sua leitura, pois ela contribui para que se compreendam as linguagens
do passado em relação ao presente e a abordagem feita pelo historiador.
A metalinguagem cientifica torna-se útil no momento do processo analítico,
pois ela torna a análise cada vez mais precisa e inquestionável. Assim, o
historiógrafo da língua percebe e compreende os momentos do passado, bem como
suas características e resgata, no presente, o contexto do passado.
Podemos observar, ainda, a fundamental importância da metalinguagem para
a HL que, favorecida por esse recurso, contribui de maneira abrangente para o
estudo de documentos. Pelo fato de ser a metalinguagem ampla e geral, pode ser
entendida sob dupla perspectiva: a do autor, que constrói os textos com um certo
objetivo, e a perspectiva do historiógrafo que tem a língua do documento, do
escritor. A metalinguagem, então, é uma possibilidade de evitar-se distorções e
apontada por Koerner como indispensável deve anteceder e complementar a
operacionalização dos três princípios apontados por Koerner.
A metalinguagem científica permite representarmos os fatos do passado sem
que haja equívocos no presente, uma vez que o fenômeno desvio está sempre
presente na criação ou reformulação de uma teoria.
Como nosso trabalho tem por objetivo analisar um sermão datado de 1650, a
aplicação do recurso da metalinguagem se mostra extremamente útil , pois sua
função tem como foco o código e, por essa razão, enfatiza um determinado tempo
em que ocorreu uma dada manifestação lingüística,.permitindo-nos verificar as
características presentes naquela época e atualizá-las de acordo com o código atual.
Por fim, vale ressaltar que a metalinguagem contribui para uma possível
releitura do documento a ser analisado e, assim, permite outras construções de
sentido para o leitor.
14
1.4.2 Os princípios em Historiografia Lingüística
Entre os pesquisadores mais consagrados em HL, destacamos Koerner e
nele nos apoiamos. Dadas as suas contribuições para os estudos historiográficos em
linguagem, explicitamos suas perspectivas metodológicas para a HL. Tais
perspectivas revelam a presença da interdisciplinaridade nessa disciplina,
permitindo aos pesquisadores, na análise de documentos, relacionarem com a
Lingüística, a História, a Sociologia, a Filosofia, entre outras ciências humanas.
Koerner apresenta três princípios que auxiliam o historiógrafo da língua a
analisar um documento: o principio da contextualização, o da imanência e o da
adequação teórica.
O primeiro princípio, da Contextualização, diz respeito ao clima de opinião,
ao contexto sociocultural da época em que o documento foi redigido, ou, seja, como
se apresentava a sociedade, a economia, a religião, a política, a cultura em um dado
momento histórico. É a partir desse panorama geral que se analisam os dados
específicos.
Já, o segundo princípio, da imanência, estabelece um entendimento entre a
Lingüística e a História de forma crítica em relação ao documento analisado, não
podendo desviá-lo de sua originalidade e respeitando as linhas teóricas internas, sem
que nesse momento haja interferência da teoria moderna. A análise do documento
deve estar de acordo com o período de sua elaboração. Isso faz com que o
pesquisador passe a olhar o documento como um leitor da época de seu surgimento.
O terceiro princípio, o da adequação teórica, exige do historiógrafo da
língua uma visão atual das correntes teóricas, tornando possível uma interpretação
do documento por meio da aproximação entre o vocábulo técnico, talvez arcaico, e a
terminologia atual.
Além dos princípios, em uma perspectiva metodológica, retomamos aqui
cinco importantes pontos metodológicos que foram expostos por Palma e Bastos,
com base em Swiggers. O primeiro ponto corresponde aos princípios de Koerner,
mencionados.
15
O segundo ponto diz respeito aos passos investigativos, que abrangem quatro
momentos: seleção, ordenação, reconstrução e interpretação. Em um primeiro
momento, faz-se a seleção do material a ser analisado, escolhendo-se (se houver
mais de um tipo) aquele que mais se aproxima do objetivo do pesquisador.
Em um segundo momento, no caso de existirem documentos de séculos
diferenciados, deve-se ordená-los de acordo com algum critério, como o
cronológico, por exemplo. Caracteriza-se, assim, a ordenação das fontes.
Em um terceiro momento, realiza-se a reconstrução de conhecimentos
lingüísticos por meio dos recortes temporais, a fim de que se possa atingir o quarto
momento, que é o da interpretação crítica do documento, a partir do clima de
opinião delineado.
Apresentados os dois primeiros pontos metodológicos, passamos ao aspecto
que diz respeito à questão das fontes, o terceiro ponto metodológico do trabalho.
Elas podem ser primárias ou secundárias. Primeiramente, é necessário buscar a
fonte primária que deve ser uma fonte confiável e original, a fim de que se extraiam
dela elementos em que se possam seguramente aplicar os passos investigativos; em
seguida, buscam-se as fontes secundárias, nas quais se verifica o que já foi estudado
sobre o documento sob observação.
Em suma, o levantamento de dados, que é o primeiro passo para a pesquisa
cientifica, é feito de duas maneiras: pesquisa documental (fonte primária) e pesquisa
bibliográfica (fonte secundária). Na pesquisa documental ou fonte primária, a coleta
de dados está restrita a documentos escritos ou não e pode ser feita no momento em
que o fato ou fenômeno ocorre, ou depois. Por exemplo: textos de literatura,
documentos de cartório, gramáticas, contratos, cartas, relatos de viagem etc. A
pesquisa bibliográfica ou fonte secundária, por sua vez, engloba a bibliografia
tornada pública em relação ao tema em estudo, desde publicações avulsas, jornais,
revistas, livros, monografias, teses etc., até meios de comunicação orais e
audiovisuais como rádio, gravações em fita magnética, filmes e televisão.
As dimensões cognitivas (interna) e sociais (externa) são o quarto ponto
metodológico. A primeira dimensão inclui-se nos recortes espaço-temporais
determinados, buscando amplamente as linhas teóricas de uma determinada época
16
que orientaram essa dimensão. A segunda, vista como externa, busca alcançar
aspectos sociais com relação aos textos teóricos que refletem a análise em questão.
A quinta etapa ou ponto metodológico focaliza os critérios de análise. Detectam-se
aqui as ‘’categorias‘’, que, entre outros requisitos, imprimem cientificidade a um
trabalho. As categorias de análise são pontos relevantes que emergem das fontes
primárias ou secundárias, ou seja, são aspectos que vão ser examinados no interior
do documento.
Vale lembrar. Como afirmam Palma & Bastos que não rigidez na
aplicação desses pontos, pois a análise das fontes requer os passos investigativos e
que todo esses pontos estão subordinados aos princípios básicos.
1.5 A Questão do Argumento de Influência
De acordo com Nascimento (2005), o argumento de influência é uma
questão historiográfica que contempla além de outros fatores, o contexto
sociocultural, marcado por interferências implícitas e explicitas, ou seja, idéias que
são influenciadas antes ou durante a produção de um texto/documento, pois o
documento se organiza no convívio cultural de uma sociedade e, portanto, carrega
em si uma série de influências que o compartilhadas pelo grupo social. Sendo
assim, por meio de sua vivência, o autor compartilha em sua obra experiências
individuais, intelectuais inerentes a sua época, abrangendo o passado e o presente.
Mas o principal ponto a respeito do argumento de influência é a possibilidade de se
questionar a originalidade de um documento, resultando, assim, em caminhos que
apresentam as influências no decorrer histórico da produção do documento e as
‘’características’’ de seu produtor.
Na HL, faz-se necessário para interpretar, com maior precisão, um
documento, levar em consideração os dados internos e externos a ele. Apesar de não
serem dependentes um do outro, os dados internos e externos permitem verificar
correlações que deixam de ser meras semelhanças, pois os dados transpassam
influências contextuais compartilhadas.
17
Por fim, o argumento de influência aponta para dois caminhos: o individual
e o social. No processo de formação intelectual do historiador, o cotidiano carrega
em si as influências, caracterizando os valores pessoais do produtor e de seu tempo.
Assim, o pesquisador deve estabelecer relações entre o pessoal do produtor e o
clima de opinião do passado e do presente.
O próximo capítulo apresentará a Retórica e seu desenvolvimento histórico
ao longo dos tempos e a Retórica Jesuíta. Abordaremos, também, nesse capitulo,
uma das formas de se observar o discurso de Vieira, ou seja, por meio das figuras de
linguagem.
18
CAPÍTULO II
A RETÓRICA
Introdução
Como o nosso trabalho tem por objetivo analisar os recursos retóricos e
lingüísticos utilizados no Sermão da Primeira Dominga do Advento do Padre
Vieira, apresentaremos, para uma breve reflexão histórica, a Retórica Clássica e a
Retórica Jesuítica .Sendo assim, esse capítulo estrutura-se da seguinte forma: de
inicio faz-se uma breve reflexão histórica da Retórica; em seguida, foca-se a
Retórica Clássica com seus recursos lingüísticos, ou seja, as figuras na Retórica
Clássica e, em seguida finalizamos este capítulo apresentando a Retórica Jesuíta.
2.1 Breve Histórico da Retórica
Podemos considerar a Retórica como sendo o primeiro momento de reflexão
sistemática sobre os poderes da linguagem, pois a sociedade que presenciou seu
nascimento estava vivendo mudanças inéditas. Ocorriam mudanças no sistema
democrático que conduziram a novas formas de conflitos de interesses. Deixando
para trás antigos meios de se resolverem os conflitos por meio da violência,
estabelece-se que as contendas deveriam ser resolvidas perante um público
determinado: o dos pares, que se denomina público, ou dos especialistas, juízes e
outros. Sendo assim, a força física, que era uma grande aliada dos métodos antigos,
perde a sua importância, deixando aberto o caminho para aqueles que obtinham o
domínio sobre os signos, facilitando a adesão da coletividade.
Qual seria o objeto da Retórica? Poderíamos afirmar que seu objeto é o
discurso, ou os discursos. Mas se ela era sinônimo de desenvolvimento oratório,
sensacional e formal, poderíamos afirmar que ela é considerada por muitos
estudiosos uma ciência ultrapassada nos tempos atuais, tendo perdido seu título de
19
provedora de eloqüência, pois a mídia exerce um poder simbólico sobrenatural
quando une em seus propósitos , palavras e imagens.(Cf. Klinkenberg In: Lineide
Mosca 1997:11).
A retórica não pode ser considerada uma ciência ultrapassada, haja vista que
todo uso da linguagem pressupõe objetivos a serem atingidos, a argumentatividade é
constitutiva de toda utilização da linguagem e toda processo de interação social se
faz na e pela linguagem.Portanto, a interação social por intermédio da língua
caracteriza-se, fundamentalmente, pela argumentatividade (Cf.Koch :1993:10).
Nesse sentido, a retórica é uma ciência que deve merecer um lugar de destaque nas
ciências da linguagem.
A Retórica se faz presente nos discursos da Filosofia, Lingüística, Semiótica,
Antropologia, Sociologia, Psicologia entre outras áreas do conhecimento
humano.Assim, retomamos a grande mudança vivenciada por aqueles que
acompanharam o nascimento da Retórica, pois essas áreas do conhecimento
humano não fazem outra coisa senão apresentar, perante um público, aquilo que
acreditam ser verdade.
As contribuições da Retórica nunca foram esquecidas ou deixadas de lado. O
que muda nesse momento são os objetivos constituídos da sociedade que
determinam os objetos da Retórica recolocando a língua em sua função
comunicativa.( cf. Mosca 1997:11-15 ).
É importante lembrar que, como afirma Pitta (2003:34),
(
...) a evolução histórica da retórica vem sendo analisada em função
de três importantes períodos cronologicamente denominados de:
Retórica Antiga, Retórica Clássica e Nova Retórica, devemos notar
que, em qualquer uma delas, foi a persuasão que permaneceu como
o principal instrumento de comunicação persuasiva, tanto que
tendo surgido na Antiguidade como técnica de persuasão, é ainda
dessa forma que continua a ser encarada por Perelman e pela
generalidade dos autores contemporâneos.
Reboul (2000), salienta que, para entendermos a história de Retórica, é
necessário tomarmos duas datas como referência: 480 a.C quando ocorre a batalha
20
de Salamina, na qual os gregos coligados triunfaram definitivamente sobre a
invasão persa, quando começou o grande período da Grécia clássica, e 399, ainda
antes da nossa era, marcada pela morte de Sócrates.
Reboul ainda nos afirma que a Retórica não nasceu em Atenas, mas na
Sicília grega por volta de 465, após a expulsão dos tiranos. Destaca que sua origem
não é literária, mas judiciária. Os cidadãos, despojados pelos tiranos, reclamavam
seus bens, e à guerra civil seguiram-se inúmeros conflitos judiciários. Numa época
em que não existiam advogados, era preciso dar aos litigantes um meio de defender
sua causa. Certo Córax, discípulo do filosofo Empédocles, e o seu próprio discípulo,
Tisias, publicaram então uma ´´arte oratória``, coletânea de preceitos práticos que
continha exemplos para o uso das pessoas que recorressem à justiça. Córax definia a
retórica como sendo ´´criadora de persuasão``. Atenas tinha estreitos laços com a
Sicília e, imediatamente, adotou a Retórica.
Como afirmam Palma & Zanotto (2000:18,119).
A Retórica, marcada por uma origem envolta em lenda e mistério,
surge no século IV a.C., na Sicília, em Siracusa, tendo por objetivo
preparar o cidadão para a defesa, em tribunais públicos, de seu direito
de posse à terra, usurpado por dois ditadores cruéis Gélon e Hiéron...
As autoras ainda afirmam que, nesses júris públicos, a eloqüência era
fundamental para convencer os juízes. Corax e Tísias são os primeiros mestres-
retores em cuja escola os siracusanos aprendiam as técnicas da persuasão, meta
primordial dessa disciplina.
Tal disciplina é uma retórica judiciária, portanto, sem alcance literário ou
filosófico, mas que ia ao encontro de uma enorme necessidade: como não existiam
advogados, os litigantes recorriam a logógrafos, espécie de escrivão público, que
redigiam as queixas desses litigantes e só tinham de ler diante do tribunal.
Da Sicilia a Retórica é levada, por Górgias, para a Atenas, e nessa cidade-
estado, Gorgias teria iniciado uma das primeiras escolas de Retórica em meados de
427 a.C. A princípio teria apenas o objetivo de formar advogados e políticos.
Aristóteles, (s/d: 33) considera a Retórica uma técnica, entendida como
sendo “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de
21
gerar persuasão. Mostra ainda que a Retórica parece ser capaz de descobrir o que é
próprio para persuadir .
Melo (2005:40) salienta que Aristóteles ouviu, por muitos anos, as lições de
Platão na academia de Atenas. Aos 50 anos de idade, fundou sua própria escola, que
se chamava Liceu. Ele foi, segundo a autora, um professor, e suas obras foram
escritas para os seus alunos. A filosofia aristotélica influiu muito no pensamento do
mundo ocidental, pois estabeleceu um modelo de equilíbrio doutrinário de
penetração especulativa e de método expositivo. Sua maior descoberta foi a
argumentação, bem como a criação de uma nova ciência, a do raciocínio, ou seja, a
lógica.
Aristóteles não ensinava a prática da eloqüência, mas o estudo do processo
dessa prática. A retórica não é ciência; ela é, de acordo com Reboul (2000:14), a
Arte de persuadir pelo discurso e formula as regras da criação de discursos que
visam a persuadir e a descobrir o que existe de persuasivo em cada caso.
A Retórica, diz Aristóteles, tende a um ensinamento, não pertence a um
gênero particular, assemelha-se à dialética. Cabe a ela produzir provas, sobre cada
assunto, verificando o que é possível persuadir.A Retórica tem por tarefa discernir
os meios de persuadir. A persuasão é obtida pelo caráter moral do orador, ou seja,
quando o discurso revela que ele é digno de confiança. Portanto, o orador persuade
os ouvintes, quando seu discurso leva-os a sentir paixão pelo fato, que é
apresentado como verdade, ou que parece ser verdade.
A Retórica Antiga tem seu início com Aristóteles. A Retórica completa é
pós-aristotélica. Constituiu-se das seguintes partes: invenção: descoberta do que
dizer; disposição: organização do material levantado; elocução: produção
lingüística do discurso e sua ornamentação; memória: ato de decorar o discurso e
ação: apresentação do discurso como um ator. Chama-se Antiga apenas para se
diferenciar das demais Retóricas que dela derivam.
Conforme apontam Palma & Zanotto (2000:120) essa Retórica pós-
aristotélica marca a passagem para a Retórica Clássica e, nesse momento, pode ser
entendida como a arte de persuadir, utilizando-se da palavra como instrumento de
atuação sobre o outro. As autoras ainda afirmam que a expressão lingüística é o
22
meio para se atingir o fim último, qual seja, o auditório, por meio de provas
lógicas, psicológicas, e morais. Sendo assim, a Retórica enfoca o estudo desses
recursos, ensinando a praticar o tipo de discurso conveniente a cada situação
particular e específica à qual está submetido o locutor, permitindo que ele, em sua
realidade, seja eloqüente em seu discurso.
Por essa razão, dois fatores importantes devem ser considerados: A queda
da eloqüência por motivos sócio-políticos que resultaram no desaparecimento das
liberdades de expressão e políticas, outro fator seria o surgimento de uma
civilização cristã, que valorizava o pensamento em detrimento da palavra,
deslocando, assim, o foco da Retórica para a poesia.
Assim, a Retórica deixa de ser considerada como sendo a arte da eloqüência
e passa a refletir sobre a linguagem pela linguagem por meio da poesia,
caracterizando a chamada Retórica Clássica
2
, que, no século XVII, tem como eixo
básico a elocução. É esta última que fornece ao usuário recursos lingüísticos
embelezadores de seu discurso, a fim de atingir a função estética. A elocução diz
respeito às qualidades do estilo, o que gera a concepção das figuras como ornato e
revestimento do pensamento.
As figuras retóricas, conforme afirma Melo (2005), são recursos lingüísticos
que desempenham importantes papéis na persuasão e possuem alto poder
persuasivo, pois ativam nosso sistema límbico
3
, região do cérebro responsável pelas
emoções. Criam imagens, humor, encantamento e auxiliam os processos
argumentativos.
Abreu (2005:105) também afirma que as figuras retóricas são recursos
lingüísticos e acrescenta que são recursos utilizados especialmente a serviço da
persuasão e que,
se dissermos, por exemplo, que uma criança precisa apenas brincar e
não aprender a ler aos três anos de idade, contrariamente a algumas
teorias recentes, estaremos simplesmente enunciando uma tese, tendo
por objetivo convencer alguém, falando à sua razão. Se dissermos,
2
Essa retórica inicia-se no século I d. C, com Quintiliano e estende-se até o século XVIII, com Dumarsais.
3
Sistema Limbico é uma unidade, no cérebro, resposnsavel pelas emoções.
23
entretanto, que uma criança precisa aprender a ler aos três anos,tanto
quanto um peixe precisa aprender a andar de bicicleta, isso já tem um
efeito persuasivo, pois confronta a idéia absurda de um peixe andar
de bicicleta, com a idéia de uma criança aprender a ler aos três anos.
2.2 A Retórica Clássica
Encontramos em Lausberg (1967) a possibilidade de apresentar as principais
características da Retórica Clássica. Segundo ele, a retórica, em sentido lato, é a arte
do discurso em geral que é exercida por qualquer indivíduo ativamente participante
na vida de uma sociedade. em sentido restrito afirma esse autor que ela deve ser
compreendida como a arte do discurso partidário exercida principalmente perante os
tribunais.
A Retórica, na fase em que recebe o nome de Clássica, passa a ser tratada
como a arte de bem falar, ou seja, a arte de falar (ou escrever) de modo ornado, isto
é, o discurso deve ser pautado pela beleza, o que é obtido por meio de um conjunto
rígido de normas, cuja finalidade é a regulação do uso da palavra. É por essa razão
que, para Quintiliano, representante dessa Retórica, o locutor deveria preocupar-se
em falar bem e não em vencer o interlocutor de seu ponto de vista.
A Retórica é um sistema de elaboração das formas de pensamento e de
linguagem, as quais podem servir de auxílio no ato do discurso para se obter, em
determinada situação, o fato que se pretende.Todo aquele que tenha de aplicar uma
forma desse sistema realiza essa ação sem que seja necessário ter consciência de
que está utilizando essa forma, pois a aplicação do sistema torna-se automática .
O que precisa ser consciente é a intencionalidade do falante que expõe os
conteúdos que causarão efeitos nos ouvintes. Para que isso seja possível, é
necessário levar em consideração duas condições:
a) o ouvinte tem de encontrar-se, atual e ativamente, numa situação comum à do
sujeito falante e essa situação deve ser interessante para ele;
b) o ouvinte deve dominar, pelo menos empiricamente, as mesmas formas
lingüísticas (gramaticais e lexicais) do sujeito falante.
24
Vale ressaltar que o domínio prático ou o conhecimento teórico das formas
retóricas são objetos dominados pelo sujeito falante e não, necessariamente, pelo
ouvinte. Esse domínio prático desenvolve-se como um discurso em geral que é uma
articulação de instrumentos lingüísticos. Essa articulação é considerada pelo sujeito
como um todo em relação a uma situação, e é empregada por ele com a intenção de
alterá-la. Essa alteração está em poder do árbitro da situação, ou seja, de quem está
ouvindo o discurso individual daquele que se defende ou propõe algo. De acordo
com Lausberg (1967:80), o interesse em mudar a situação é chamado de ato
processual ou, no caso de ela ser moderadamente perigosa, de conversação.
Essa Arte, como bem define o autor, forma-se escolarmente como dialética.
A Retórica, relacionada ao discurso individual, é, por esse motivo, uma parte da
Dialética, na medida em que o discurso individual é orientado com vistas à situação
e ao ato processual do momento.
O discurso que envolve uma situação divide-se em duas classes: discurso de
uso único e discurso de uso repetido. O primeiro é proferido uma vez, pelo
sujeito falante numa determinada situação histórica (pública ou privada) com a
intenção de modificar a situação. Já o discurso de uso repetido é um discurso que é
pronunciado pelo mesmo orador, ou por oradores que respectivamente se alteram,
em situações típicas que se repetem periodicamente ou não. Assim, com sucesso, a
situação torna-se dominada pelo orador e permanece inalterada para sempre .
A Retórica Clássica, na visão de Perelman, é a arte de bem falar, ou seja, a
arte de falar (ou escrever) de modo persuasivo, que se propõe a estudar meios
discursivos de ação sobre um auditório, com o intuito de conquistar ou aumentar
sua adesão às teses que se apresentavam ao seu entendimento.
De acordo com Abreu (2005), a principal tarefa da retórica clássica, de
natureza heurística
4
, era descobrir temas conceituais para discussão. Uma das
técnicas mais usadas pelos professores de Retórica nessa época, afirma o autor, era
a de criar paradoxos opiniões contrárias ao senso comum-levando seus ouvintes
ou leitores a experimentarem o que costumavam chamar de maravilhamento,
capacidade de voltar a se surpreender com aquilo que o hábito vai tornando comum.
4
Método de análise que visa ao descobrimento e ao estudo de verdades cientificas.
25
Uma das características do paradoxo, afirma Abreu, era a criação de
discursos a partir do antimodelo, ou seja, escolhia-se um tema conhecido, cuja
opinião estivesse formada pelo senso comum e escrevia-se um texto contrariando
essa opinião.De acordo com a teoria da elaboração, proposta por Lausberg, para que
se obtenha sucesso persuasivo é necessário elaborá-lo muito bem. A elaboração da
matéria prevê cinco fases para a produção do discurso:Inventio (encontrar
pensamento),dispositio (escolha e ordenação daquilo que se pretende exrpor) ,
elocutio (expressão lingüística dos pensamentos), memória (memorização do
discurso) e pronuntiatio (pronunciação de um discurso), sendo que inventio,
dispositio e elocutio estão intimamente ligadas.
A inventio não pode separar-se, de antemão, da dispositio, na medida em
que as diferentes partes do discurso exigem pensamentos diferentes.A parte inicial
do discurso (exórdio) tem por finalidade atrair a atenção e a boa aceitação do juiz
para a causa defendida no discurso, enquanto a sua parte central tem como modelo a
seqüência propositio e rationes (provas). A dispositio, por sua vez, é constituída
pela escolha e ordenação favoráveis que no discurso se fazem dos pensamentos, das
formulações lingüísticas e das formas artísticas (figuras).
A elocutio apresenta uma multiplicidade de possibilidades lingüísticas de
expressão, facilitando a caracterização do estilo de cada autor ou orador.Ela
corresponde a dois domínios importantes da formação lingüística: às palavras
isoladas e às palavras na construção frásica.A primeira diz respeito ao verbo e a
segunda, ao momento em que, por meio da escolha, o autor se utiliza dessa palavra
na frase, ou seja, o autor, para exemplificar o quanto um determinado trabalhador
esta fadigado pelo seu trabalho, pode escolher isoladamente a palavra morte e usar
essa palavra no momento da construção da frase para enfatizar que o trabalhador
está morto de cansaço.
O orador (autor) dispõe em sua memória de um conjunto de possibilidades de
formação de frases e é a partir daí que ele faz a sua seleção para que assim possa
enriquecer seu discurso e atingir seus objetivos. Esse conjunto de possibilidades são
as figuras que ornarão seu discurso. As figuras são maneiras de falar distantes
daquelas que são naturais e ordinárias.
26
Estão contidas nessa distinção as dicotomias sentido próprio/figurado e
sentido literal/figurado. Na retórica clássica, costuma-se dividir a linguagem
figurada em três grupos distintos: tropos; figuras de palavras e figuras de
pensamento.
2.2.1 As figuras na Retórica Clássica
Os tropos são figuras pelas quais se atribui a uma palavra uma significação
que não é a significação própria dessa palavra. Os tropos eram descritos como
figuras que implicavam uma nova significação das palavras e recebiam diferentes
denominações de acordo com o modo de relação entre a considerada primeira
significação (a própria) e a segunda (a figurada), significações essas que causavam
estranhamento.
As figuras de palavras caracterizam-se por apresentar sempre dois
elementos: um termo real e outro ideal.Tais figuras, relacionadas à gramática,
focalizam a expressão e podem tomar as palavras no seu sentido próprio.
As figuras de pensamento dizem respeito aos pensamentos encontrados pelo
sujeito falante para a elaboração do discurso.
Os tipos mais comuns são:
-Metáfora: Implica em comparação mental por meio de palavras ou de
pensamentos e além de procurar a concisão, transfigura o sentido das palavras,
dando a idéia de um transporte e de uma mutação
-Paradoxo: uma declaração aparentemente verdadeira que leva a uma
contradição lógica ou a uma situação que contradiz a intuição comum.
-Narração: consiste em apresentar, comunicar, aquilo que se deseja provar
pelo discurso partidário.
-Descrição: se faz presente no momento em que se pretende comunicar algo
como, por exemplo: a cena de uma paisagem com árvores, um riacho etc. Teria
talvez fins didáticos.
-Comparação: consiste em atribuir características de um ser a outro, em
virtude de uma determinada semelhança.
27
-Subjeção ou sujeição: a subjeção ou sujeição se faz por meio da evidência
de que é desnecessária uma formulação interrogativa. Por isso, não se espera uma
resposta a essa pergunta, pois, própria pergunta possui uma resposta apresentada
em seguida pelo autor.
-Antítese: é a substituição de um elemento que até o momento pertence à
totalidade, por um elemento, até agora estranho a essa totalidade.
-Gradação: consiste na enumeração sucessiva de circunstâncias agravantes
(aumentativas). Manifesta a continuação independente do pensamento no segundo
grupo de palavras.
A retórica clássica baseava-se, portanto, na diversidade de pontos de vista,
no verossímil, e não em verdades absolutas. Isso fez com que a dialética e a
Filosofia da época se aliassem contra ela. Platão, por exemplo,em obra chamada
Górgias, procura mostrar que a Retórica visava apenas aos resultados, enquanto a
Filosofia visava sempre ao verdadeiro.
Isso fez com que a Retórica decaísse perante a opinião pública (discursodo
senso comum) ao longo dos séculos. A própria palavra sofista passou a designar
pessoa de má-fé que procura enganar, utilizando argumentos falsos.Os sofistas,
conforme afirma Reboul (2000:09), criaram a Retórica como arte do discurso
persuasivo e disseram que a verdade não passa de um acordo entre os interlocutores.
Abreu também comenta em sua obra que um dos motivos do declínio da
Retórica foi que a experiência democrática dos gregos foi muito curta. Acabou em
404 a.C., quando Atenas foi subjugada por Esparta, ficando assim eliminado o
espaço para a livre crítica de idéias e o debate de opiniões.
Sendo assim, a Retórica Clássica caracteriza-se, como uma teoria da
composição e do estilo, como uma arte do bem falar e do bem escrever.
De acordo com Lausberg (1967: 91), a elaboração do discurso passa por
uma fase em que se devem encontrar pensamentos adequados ao próprio discurso
conforme o interesse de quem o faz, pois, a organização desses pensamentos serve
como instrumentos intelectuais e afetivos, com a finalidade de persuadir o
público.Essa persuasão só é possível quando se cria um grau de credibilidade.
28
Após ter organizado seus pensamentos, o orador deverá, em um primeiro
momento, ou seja, na parte inicial, atrair a atenção, a boa aceitação do público sobre
o que apresentará em seu discurso.
Em um segundo momento, na parte central do discurso, o orador procura
comunicar-se com seu público, a fim de apresentar e provar aquilo que se defende.
Ao realizar esse processo o orador apresenta as provas que podem ser objetivas,
cuja finalidade é convencer os ouvintes intelectualmente ou afetivamente.
No terceiro e ultimo momento, a parte final do discurso, corresponde à
conclusão. Apoiando-se nessa certeza o orador convida seus ouvintes a aceitar como
verdade aquilo que ele defendeu durante as partes inicial e central.
2.3 A Retórica Moderna
A Retórica Moderna, iniciada por Fontanier com a publicação da obra
Tropos (1821), em que o autor classificou essas figuras, exerce forte influência
nos trabalhos realizados na segunda metade do século XIX. Nesse aspecto, a
Retórica Moderna impõe-se sob a proteção da taxionomia, sendo relevante destacar
que, das cinco partes da Retórica Clássica, a elocução é a única que sobrevive
soberana, concebida como longas listas de figuras que variam de autor para autor.
Com a perda de partes da Retórica Antiga, surge a Retórica Restrita que é
caracterizada por se limitar a duas figuras: a metáfora e a metonímia.
Palma & Zanotto (2000:124) comentam que,
Ao tratar-se da argumentação, é importante que se apresente a Nova
Retórica. Ela apresenta o renascer da antiga disciplina persuasória,
mas com nova configuração, visto servir-se das contribuições de
diversas disciplinas, que muito avançaram no século XX, como a
Lingüística, a teoria da informação, a Pragmática, a Semiótica, entre
outras.
Os estudos de Retórica são retomados em 1958, quando Chaim Perelman &
Olbrechts-Tyteca publicam o Tratado da Argumentação - A Nova Retórica.A
proposta dos autores é estudar as técnicas discursivas que levam ao convencimento
29
por meio de uma linguagem natural com a finalidade de adesão do interlocutor à
tese defendida. A Nova Retórica é caracterizada por sua Teoria da Argumentação,
marcada pela retórica aristotélica, e enfatiza a construção de argumentos sem
abandonar as questões de composição e de estilo. Os autores apresentam uma nova
proposta quanto ao uso das figuras argumentativas contendo as figuras de
caracterização, de presença e as figuras de comunhão.Sendo assim, a Nova
Retórica desconsidera a possibilidade de que as figuras sejam simples ornamentos
do discurso conforme apontavam as Retóricas clássicas e modernas.
2.4 A Retórica Jesuítica
A Companhia de Jesus, fundada em 1540, por Inácio de Loyola, considera-
se a serviço direto dos interesses do papa. Ela entende lutar no século, de modo
prático, não contra a ignorância e o paganismo, mas também contra todos os
desvios ou heresias nascentes.A publicação em 1599 do novo programa de ensino
jesuíta, a Ratio studiorum, apresenta a volta de estudos das humanidades em lugar
das ciências, da Poética e da Retórica em detrimento da Lógica e da Filosofia. Esse
programa de ensino é aplicado tanto nos numerosos colégios jesuítas fundados pela
Europa quanto além-mar; ele é também imposto por decreto real À Universidade de
Paris e aos colégios que dela dependem. Por essa razão, a partir do século XVII, o
ensino jesuíta contribuiu largamente para se associar a Retórica ao espírito da Corte
e à defesa dos poderes monárquicos e pontificais. Nos países católicos, a
popularidade da retórica estava ligada à dos jesuítas. A Retórica Jesuítica era
considerada uma arma militante para recolher o rebanho e reconquistar as almas
perdidas.
No próximo capítulo, desenvolveremos o princípio da contextualização,
quando mostraremos a época e a vida do padre Antonio Vieira.
30
CAPÍTULO III
PADRE ANTÔNIO VIEIRA: O HOMEM E O CLIMA DE OPINIÃO
DE SUA ÉPOCA
Introdução
Como o nosso objetivo é analisar um sermão de Vieira, é necessário que
façamos um levantamento biográfico do autor, relacionando-o ao contexto em que
viveu, pois isso facilitará a compreensão da importância desse homem e seu
trabalho aqui no Brasil. Essa relação é importante, de acordo com as discussões
teórico-metodológicas do GP e HL (Bastos e Palma, 2006,p.13), uma vez que a
vida do autor estudado está estreitamente relacionada às questões de linguagem
vigentes em sua época, podendo sua obra representar continuidade ou ruptura,
quando comparada aos modelos em vigor. Portanto, a biografia do Padre Vieira e o
clima cultural de sua época constituem a contextualização, objeto de estudo deste
capítulo. Sendo assim, este capítulo apresenta a ordem dos jesuítas e a companhia
de Jesus, em seguida as características da pedagogia jesuítica baseada no Ratio
Studiorum.Também se faz necessário mostrar o Padre Antonio Vieira e sua época
finalizando o capítulo com as características do Barroco.
3.1 Os Jesuítas e a Companhia de Jesus
Os jesuítas nome dado aos membros da Companhia de Jesus -formaram
uma ordem religiosa masculina fundada em 1540 por Santo Inácio de Loiola,
sacerdote espanhol, que estava à disposição do Papa. A atividade intelectual,
pedagógica, missionária e assistencial dos jesuítas realizou-se sempre com a
intenção de engrandecer o nome de Deus. Pela dedicação a seus objetivos, os
Jesuítas receberam as mais radicais reprovações e os mais exaltados elogios.
A Companhia de Jesus, segundo Leite (1964), teve sua fundação e expansão
quando o jovem aristocrata e militar Inácio de Loiola experimentou uma profunda
31
conversão espiritual, inspirada pelas leituras de livros sobre a vida dos santos, o que
o levou a dedicar-se ao serviço de Cristo.
Mais tarde, enquanto estudava Teologia em Paris, atraiu, com os exercícios
espirituais, seis entusiastas companheiros. Juntos fizeram votos de pobreza,
castidade e obediência e de peregrinar a Jerusalém, formando, assim, o núcleo da
futura ordem.O Papa Paulo III aprovou-a em 1540, com o nome de Companhia de
Jesus e, no ano seguinte, Loiola foi eleito Superior Geral.
A ânsia de dar maior agilidade e eficácia à nova ordem levou Loiola a
suprimir a obrigatoriedade de algumas praticas tradicionais, como a assistência
diária ao oficio litúrgico no coro ou determinadas penitências e jejuns.Em troca, deu
ênfase à obediência, reforçando o princípio da autoridade e da hierarquia e
introduzindo um voto especial de obediência ao Papa.
Durante o século XVI, a Companhia de Jesus estendeu-se rapidamente por
toda a Europa e incentivou a reforma interna da Igreja Católica para contrapor-se à
Reforma Luterana. Participou ativamente do Concílio de Trento e das disputas
teológicas. Empenhou-se na pregação religiosa e no ensino que ia desde a difusão
do catecismo entre as crianças e ‘’pessoas rudes’’ até a criação de seminários.
A Ordem estava espalhada por todo o mundo, organizada em províncias,
governadas por um provincial e agrupada em assistências. O poder dentro da ordem
competia à congregação geral, formada pelos provinciais e delegados eleitos por
períodos determinados por cada congregação provincial. A congregação geral elegia
um superior que, embora vitalício, podia ser deposto pelo Papa, por decisão própria
ou por sugestão da congregação geral.
Como dissemos, o objetivo da Companhia era o de ir por todo o mundo,
mas daremos ênfase apenas à parte que nos interessa, ou seja, os jesuítas no Brasil.
Leite ainda firma que em meados de 1541, chegaram ao Brasil os primeiros
missionários da Companhia de Jesus.O primeiro grupo tinha como superior o Padre
Manuel da Nóbrega e foi integrado pelos padres João Navarro, Antonio Pires,
Leonardo Nunes e os irmãos Vicente Rodrigues e Diogo Jácome.
32
Fundaram a cidade de Salvador e criaram o colégio da Bahia. Em seguida,
estenderam a assistência religiosa às capitanias de Ilhéus, Porto Seguro, Espírito
Santo, São Vicente e Pernambuco, entre outras regiões brasileiras.
Em 1553, foi criada a província jesuítica do Brasil. Nesse mesmo ano,
chegava à Colônia, ainda como estudante, o Padre José de Anchieta. Até 1605,
vieram para o Brasil, em 28 levas ou expedições, 169 religiosos da Companhia,
entre Padres e irmãos. O Padre Manuel da Nóbrega resolveu instalar o noviciado no
Brasil, logo no inicio, aproveitando a vocação para o sacerdócio dos próprios filhos
da terra.
Em 1605, os jesuítas estavam estabelecidos em todo o litoral brasileiro.
Nesse período de expansão, além de contribuírem para a edificação das cidades de
Salvador e Rio de Janeiro, fundaram por iniciativa própria a cidade de São Paulo,
em Piratininga no interior da Capitania de São Vicente.
Com as bases que lançaram no século XVI, os jesuítas conquistaram o
mérito de introduzir o ensino, inclusive de artes e ofícios necessários à vida
cotidiana, como medicina e arquitetura, de promover o teatro e de registrar os fatos
importantes da história de seu tempo.
3.2 Ratio Studiorum
Leite diz que no século XVII, a cultura escolar jesuítica tinha como
fundamento o ensino baseado na Ratio Studiorum que era ligado à política católica
portuguesa como um conjunto de normas que definiriam os saberes e a condutas a
serem desenvolvidos bem como um conjunto de práticas que permitiam a
transmissão desses saberes.
Em 1581, o Pe.Claudio Acquaviva
5
, nomeou uma comissão de doze padres
para formular a ordem de estudos que se deveria guardar na Companhia.A principal
característica dessa ordem era a de que o conhecimento deve ser produto da pratica
coletiva dos padres que repetem saberes autorizados como aplicação imediatamente
útil.
5
Geral da Companhia de Jesus
33
Esse comportamento, aplicado ao ensino, garantia a característica própria da
Companhia por meio do pensamento e da ação entre os padres pois deviam
estabelecer uma marca de educação que uniformizasse a doutrina em questões
especulativas e que prescrevesse o modo de tratar as Letras, as Artes e a Teologia na
prática.
Algumas características inerentes à Companhia de Jesus desde a sua
fundação são mantidas e sistematizadas na Ratio Studiorum de 1599, caracterizando
o ensino ministrado no século XVII. O Ratio Studiorum centrava-se no ensino das
Letras, Artes, e Teologia no sentido de desenvolver as capacidades de assimilação,
transferir e aplicar conhecimentos como intervenção nas questões do presente. Em
meio à Contra-reforma, as intervenções não poderiam ser contraditórias em relação
à cristã. Sendo assim, o sentido das normas e práticas da Ratio Studiorum é um
sistema muito rigoroso, seguindo com a máxima fidelidade a tradição e os textos
canônicos autorizados pela Igreja a partir do Concílio de Trento.
Por essa razão, tendo em vista que a finalidade de todo ensino é a ação, a
prática jesuítica da retórica aprendida como exercício visava a desenvolver a
agilidade no manejo da erudição, principalmente a erudição doutrinária e sempre
apresentando seus estudos subordinados à finalidade contra-reformista de combater
as heresias e converter os gentios. Foi essa formação que Vieira recebeu na
Companhia de Jesus.
3.3 A época de Vieira
No século XVII, consolidaram-se diversas monarquias européias
enriquecidas pela intensificação do comércio internacional e pela exploração das
colônias ultramarinas. Ao lado da nobreza e do clero, fortalecia-se a classe
burguesa, que acumulava e administrava boa parte da riqueza. As ciências
obtiveram avanços significativos, graças a Galileu Galilei, a Descartes e a outros
pensadores. Ao fragmentar o poder da Igreja, a Reforma protestante contribuiu para
o fortalecimento das monarquias. No bojo da Contra-Reforma, surgiram a
Inquisição e a Companhia de Jesus, que prosperaram com maior intensidade na
34
Península Ibérica. As atividades artísticas e literárias concentraram-se nos países
latinos, em especial na Itália, Espanha e Portugal, refletindo a revalorização da
católica. A arte renascentista tivera seu apogeu na Itália; a arte barroca alcançaria
suas melhores realizações na Espanha.
Em contraste com o apogeu espanhol, desmoronou nessa época o poderio
politico-econômico que Portugal havia conquistado. O país foi anexado à Espanha
após uma grave crise política decorrente do desaparecimento do rei D. Sebastião,
que não deixara herdeiros. Nesse período (1580-1640), o Brasil tornou-se uma
espécie de subcolônia, já que sua própria Metrópole havia perdido a independência.
A unificação da Península veio favorecer a luta conduzida pela companhia
de Jesus em nome da Contra-Reforma: o ensino torna-se quase um monopólio dos
jesuítas, e a censura eclesiástica, um obstáculo a qualquer avanço no campo
cientifico cultural .
É nesse clima que se desenvolve a estética barroca, notadamente nos anos de
domínio espanhol, já que a Espanha é o principal foco do novo estilo.
3.3.1 Características do Barroco
De acordo com Moisés (2001) dá-se o nome de Barroco ao movimento
artístico que predominou no culo XVII, em contraposição ao Renascimento, que
predominou no século XVI e assim que ``termina a Renascença em Portugal
principia a extensa época do Barroco``.
Esse novo estilo de época reflete o panorama político, econômico e religioso
da Europa: o capitalismo mercantil estava no auge; Lutero e Calvino lideravam a
Reforma protestante; a Igreja Católica, pelo Concílio de Trento (1545), iniciava a
Contra-Reforma e restaurava sua autoridade atingida; a Companhia de Jesus (1534)
dominava o ensino, combatendo o paganismo e o racionalismo renascentista; o
tribunal da Inquisição emite listas de obras proibidas. Gil Vicente e de Miranda
estão na relação.
O Barroco teve sua pátria na Espanha, passando logo à Itália e, em seguida,
aos demais países ocidentais, O Cancioneiro geral e muitos versos de Camões
apontavam para esse estilo novo. Moisés diz que
35
se percebe palpitações da discórdia interna que iria transformar-
se em Barroco.Lembre-se, apenas como exemplo, o soneto
camoniano pelo verso `` Amor é fogo que arde sem se ver``,onde já
se observava antecedentes barrocos no jogo de paradoxos que
levam aos conceitos, uma das bases daquela tendência estética.
O estilo Barroco abrangeu não a literatura, mas também a arquitetura, a
escultura, a música e a pintura. Vale ressaltar que a arquitetura, nesse período
impunha-se como arte maior tornando a pintura e a escultura coadjuvantes de sua
beleza artística.
O Barroco foi uma reação contra o espírito renascentista, impregnado de
clareza e ordem, e ocorreu logo após o aparecimento do maneirismo, que de certo
modo o anuncia.
Até quase o final do século XIX, o barroco foi visto como estilo decadente,
espúrio ou bastardo, encarado com evidente vontade por historiadores e críticos
de arte. As tentativas de compreensão do barroco adquiriram relevo a partir da
década de 1880.
O estilo barroco nasceu da crise dos valores renascentistas, ocasionada pelas
lutas religiosas e pelas dificuldades econômicas decorrentes da falência do comércio
com o Oriente. Por essa razão, afirma Moisés, o Barroco promoveu um retorno à
tradição Cristã uma vez que o renascimento voltava-se para as artes mitológicas e
gregas.
O Barroco não estava definido, mas anunciava a idéia de movimento e
então procurava conciliar a visão do mundo medieval , de base Teocentrica , e a
ideologia clássica Renascentista, pagã, terrena, de base antropotecentrica. O
homem do Seiscentismo vivia um estado de tensão e desequilíbrio, do qual tentou
apegar-se ao culto exagerado da forma, sobrecarregando a poesia de figuras, como a
metáfora, a antítese, a hipérbole e a alegoria.
Nessa fase de transição o homem empenhava-se em na tentativa de conciliar
o claro e o escuro, a matéria e o espírito, a luz e a sombra, visando a anular pela
unificação a dualidade do ser humano, dividido entre os apelos do corpo e da alma.
36
Com as transformações sucessivas desencadeadas pelo humanismo, o
Renascimento e a Reforma, o poder da Igreja e o do Estado viram-se enfraquecidos.
A Igreja Católica, para reconquistar seu prestígio, organizou a Contra-Reforma,
aplicada em grande parte pelos jesuítas, cuja atuação foi básica na gênese do
movimento barroco. Sob esse prisma, o Barroco constituiria a expressão de uma
cultura católica, com seus valores particulares, suas contradições e sua veemência
geral, expressão essa que se mostrou bem óbvia nas novas terras reveladas à Europa
pela aventura marítima dos portugueses e espanhóis.
A época do Barroco, por outro lado, foi de violentos contrastes: o
racionalismo progrediu, representado por sábios como Descartes e Newton, e o
Iluminismo lançou as bases de um mundo novo mediante sua materialização mais
típica, a Encyclopédie, preparadora da revolução francesa de 1789.
No período Barroco, a arquitetura se impunha como arte maior: a pintura e a
escultura não faziam mais que completá-la, contribuindo para o conjunto.
Acrescente-se a isso a evidência de que o arquiteto barroco subordinava a um
espaço dominante uma série de espaços subsidiários, de modo a que todos se
integrassem numa relação de dependência.
A Contra-Reforma, como fenômeno de ordem espiritual, fez com que se
cristalizassem na Itália as novas concepções criadoras. Compreende-se, pois, que a
cidade dos papas tenha sido alvo de um grandioso trabalho de remodelação, que se
baseou na exaltação da temática religiosa, quer nos seus primórdios quer nas etapas
posteriores de evolução no ocidente.De acordo com Moisés (op.cit)
No entender de alguns estudiosos o Barroco tornou-se a arte da
Contra-Reforma, visto as características básicas do movimento
estético servirem aos desígnios doutrinários e pedagógicos da Igreja
na luta reformista.
Na arte literária, o Barroco caracterizou-se pelo emprego de hipérboles,
antíteses, anacolutos e outras figuras de linguagem que exprimem exuberância
ornamental e, sobretudo, tensão e conflito. O séc-XVII -foi sua moldura histórica.
Apesar de ser considerado o signo por excelência da alma espanhola, o Barroco
ocorreu por toda a Europa e a América Latina.
37
Duas são as vertentes do Barroco literário espanhol:Culteranismo e o
conceptismo. A primeira visava ao enobrecimento da forma, a outra ao refinamento
intelectual. Apenas o Culteranismo marcou mais a poesia, enquanto o conceptismo
se evidencia sobretudo na prosa barroca.
Podemos dizer, em outras palavras, que o barroco é regado por duas
tendências: Cultismo e o Conceptismo. Embora constituam estilos diferentes,
podem coexistir numa mesma obra ou autor tornando-se quase impossível fazer
distinção entre elas.
Porém, é possível verificar algumas características que as definem,como por
exemplo, o Cultismo que, graças ao poeta D.Luiz de Gangora seu maior
representante, também costuma ser chamado de Gongorismo, consiste na
sonoridade e imagens da obra literária.O autor cultista recorre exageradamente a
metáforas, sinestesias de toda ordem, aliterações, hipérbatos, antíteses, trocadilhos,
neologismos, enfim, a um descretivismo aguçado.Um grande representante do
Conceptismo, que propunha a concisão e sobriedade contra os exageros verbais do
Culteranismo, foi Francisco de Quevedo, cuja obra imensa é uma das culminâncias
do Barroco.
Moisés afirma que tanto o Conceptismo quanto o Gongorismo constituem
tendências interinfluentes e contemporâneas possíveis em um mesmo escritor, o que
torna a identificação dos estilos quase que imperceptíveis.
Vale destacar que a maior figura do Barroco em língua portuguesa é o Padre
Antônio Vieira, que pertence tanto à literatura lusa quanto à brasileira.
3.4 Padre Antônio Vieira: o homem e seu tempo
De acordo com Azevedo (1931), Antônio Vieira nasceu em Lisboa, a 6 de
fevereiro de 1608 e alem de ser o primogênito de seis filhos de Cristóvão Vieira
Ravasco e D.Maria de Azevedo era também oriundo de uma família pouco
abastada. Em torno de si e no seio de sua família, Vieira sempre respirou uma
atmosfera religiosa e, assim, absorveu essa viva e larga que foi a essência de sua
vida.
38
Sua família transferiu-se para o Brasil em 1614 mais especificadamente no
Maranhão, lugar que possuía o colégio dos jesuítas , principal era o principal se não
o único foco da vida intelectual do Estado.
Em meados de 1623, com 15 anos iniciou seu noviciado .conhecendo e
temendo a oposição de sua família, Vieira deixou secretamente a casa paterna e foi
bater à porta do noviciado dos jesuítas.Tinha 15 anos nessa época.Como desejava
trabalhar para a glória de Deus e a salvação das almas, o jovem noviço
compreendeu que devia dedicar-se a uma vida superior.Terminados os dois anos de
noviciado, Antônio fez os primeiros votos em 1625.Segundo as regras do instituto,
o escolástico devia ser ao mesmo tempo aluno e professor. Depois de ser nutrido,
nesses dois anos, nos princípios da espiritualidade e das belas letras, ensinava-os
por sua vez.Por isso, ele lecionou Retórica e Teologia.
Conjuntamente com o ensino da Retórica, Vieira foi encarregado de escrever
as cartas anuais da província, escolha tão honrosa para os superiores como para esse
moço de dezoito anos. Essas cartas, redigidas em Latim, são uma exposição do
estado e dos acontecimentos de cada província da Companhia e destinavam-se ao
geral da ordem,em Roma.
Vieira desejava de todo coração entregar-se à catequização dos índios.O
pedido foi-lhe negado por seus superiores que anularam o voto e convenceram-no a
iniciar os estudos de Filosofia.Vieira obedeceu logo e pôs-se a caminho da Bahia,
não sem lançar um olhar de tristeza sobre as aldeias que havia evangelizado.
Foi ordenado padre em 1635. Antônio Vieira começou a desenvolver na
Bahia as grandes qualidades oratórias que iriam encher de espanto Roma e Lisboa.
Nesse período, o Brasil passava por sangrentas guerras. As invasões
começaram com a ocupação de Salvador, em 1624. Os holandeses levaram pouco
mais de 24 horas para dominar a cidade, mas praticamente não conseguiram sair de
seus limites, pois os chamados homens bons refugiaram-se
nas fazendas próximas
da capital e organizaram a resistência, chefiada por Matias de Albuquerque, novo
governador por eles escolhido, e pelo bispo Dom Marcos Teixeira.Utilizando-se de
táticas de guerrilhas e com reforços chegados da Europa, eles impediram a expansão
dos invasores. Uma tropa, composta de 52 navios e mais de 12 mil homens, juntou-
39
se às tropas combatentes. Depois de duros combates, os holandeses renderam-se, em
maio de 1625 depois de permanecer na Bahia por um ano.Depois da Bahia, os
holandeses invadiram Pernambuco em 1630. Em 1635, uma larga faixa do litoral
brasileiro, de Sergipe ao Maranhão, estava sob o domínio holandês.
A Insurreição Pernambucana que durou dez anos, culminou com a expulsão
dos invasores em 1654. Vieira julgou-se no direito de intervir nessa luta e de
emprestar-lhe o peso de sua poderosa palavra.Vieira envolveu-se tão profundamente
com os problemas brasileiros de guerras e de invasões que, num gesto patriótico,
dedicava-se muitas vezes a escrever, tornando-se um intérprete do pensamento
nacional.
Antônio Vieira foi convidado a pregar na capela real, em Portugal, em 1655.
Lá fez felizes alusões ao novo ano e ao novo reino e como sempre, encantou a todos
que o ouviam, principalmente ao príncipe, à corte e à população, pois seus sermões
transmitiam entusiasmo e coragem para guerreiros e pobres miseráveis.
O padre não se conformava com as injustiças praticadas contra o povo. Certa
vez, frente aos lideres portugueses chegou a clamar por justiça em favor dos seus
índios perseguidos.
Essa oposição entre doutrina e conduta não é um defeito peculiar a Portugal.
Em toda a sociedade em que a pregação é de uso freqüente, essa oposição poderá
sempre, com mais ou menos razão, ser contada como os defeitos comuns da tribuna
sagrada, pois os oradores estavam preocupados em agradar aos homens.A tribuna
sagrada em Portugal, como na França pela mesma época, retomara um pouco da sua
antiga liberdade, liberdade preciosa, de cujas vantagens Vieira não era homem para
se privar.
Em 1662,Vieira pregou na Capela Real o sermão da Epifania, causando uma
ótima impressão na Rainha e em sua corte.Nesse mesmo período, a rainha foi
deposta cedendo o trono a D.Afonso VI,que desprezava não a rainha como
também o padre Vieira .
No ano seguinte, Vieira foi chamado por D.Afonso perante o Conselho
Geral da Inquisição de Lisboa, pelo fato de ter escrito Esperanças de Portugal-V
Império do mundo.As denuncias feitas pelo padre, bem como suas idéias de
40
reforma, inquietaram os ministros do Santo Ofício,que perceberam,desde logo,o
potencial crítico e influenciador do padre.A prisão de Vieira pela Inquisição está
ligada à sua mensagem política, à sua critica social e aos escritos que favoreciam os
cristãos-novos. No processo, é acusado de judaísmo, sacrilégio e blasfêmia.
Em 1665, terminou o processo de inquisição, Vieira foi declarado culpado,
mas conseguiu revogar sua pena e, em 1666, entregou ao tribunal sua defesa.Sem
sucesso foi condenado e proibido de pregar,mas, em 1668,recebeu uma sentença
favorável, tornando-se livre novamente, embora ainda privado de pregar. Quando
estava em Roma, Vieira conseguiu que revisassem a sua condenação e o Papa
Clemente X o libertou de tal infelicidade. Com ousadia e eloqüência, lançou em
1679 seu primeiro volume dos Sermões .
No ano de 1681, mais precisamente no mês de janeiro,embarcou para o
Brasil, lugar pelo qual tinha grande apresso, voltando, então, a defender a causa dos
índios.
Em 1697, com oitenta e nove anos de idade, sendo setenta e cinco vividos na
Companhia de Jesus, padre Antônio Vieira partiu, mas deixou um rico e valioso
conjunto de obras.
41
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DO CORPUS
Introdução
Este capítulo tem por finalidade verificar os aspectos lingüísticos que
compõem o sermão Primeira Dominga do Advento, proferido pelo do Padre Vieira,
na capela Real em 1650. Esse sermão será analisado sobre o prisma da Retórica
Clássica, com vistas a verificar-se a organização do sermão, no que diz respeito à
disposição, à elocução e aos efeitos de sentido que as figuras provocam no auditório.
Ao realizarmos esta análise, de acordo com HL, aplicamos o princípio da
imanência, tal como foi caracterizado em nossa revisão teórico-metodológica, no
primeiro capítulo dessa Dissertação. Assim, por ser nossa perspectiva de análise de
ordem histórico-lingüística, pelo princípio de imanência, voltaremos ao passado do
sermão, para apreendê-lo em seu contexto de produção e, em seguida,
operacionalizarmos o princípio da adequação teórica, confrontando o Sermão
selecionado com o Sermão da Sexagésima.
Antes da análise propriamente dita, julgamos necessário apresentar a noção
de discurso religioso e o gênero sermão, uma vez que nosso objeto de estudo produz
efeito de sentido religioso e revela um gênero de discurso específico.
4.1 O discurso religioso
É importante lembrar que o discurso de Vieira é um discurso religioso,
embora atravessado por outros discursos. Para conceituarmos o discurso religioso,
buscamos elementos em Orlandi (1996: 154), que postula que todo falante, quando
diz algo a alguém, estabelece uma configuração para seu discurso. Sendo assim,
afirma a autora que não há discurso sem configuração, como não há fala sem estilo.
42
Para melhor entendermos a questão da configuração, Orlandi estabelece três
tipos de discurso: o discurso lúdico, o discurso polêmico e o discurso autoritário. O
discurso dico é aquele em que a reversibilidade entre interlocutores é total, sendo
que o objeto do discurso se mantém como tal na interlocução, resultando disso a
polissemia aberta. O exagero é o non sense.
O discurso polêmico é aquele em que a reversibilidade se sob certas
condições, nas quais o objeto do discurso está presente, mas sob perspectivas
particularizantes, dadas pelos participantes, que procuram lhe apresentar uma
direção, sendo a polissemia controlada. O exagero é a injúria.
O discurso autoritário é aquele que em que a reversibilidade tende a zero,
estando o objeto do discurso oculto pelo dizer, havendo um agente exclusivo do
discurso e a polissemia contida. O exagero é a ordem no sentido militar, isto é, o
assujeitamento ao comando.
Para chegar a essa caracterização, foram considerados dois critérios: a
interação e a polissemia. Da primeira, deve se observar o modo como os
interlocutores se vêem: o locutor leva em consideração seu interlocutor de acordo
com determinada perspectiva. Dessa relação, deriva-se o critério de reversibilidade,
que determinará a dinâmica de interação. Segundo o grau de reversibilidade haverá
maior ou menor troca de papéis entre locutor e ouvinte no discurso. O outro critério
diz respeito à relação dos interlocutores com o objeto do discurso. Desse processo de
relação é que surge o critério da polissemia.
Para Orlandi, a noção de reversibilidade é um dos critérios subjacentes a uma
tipologia de discurso, distinguindo os discursos polêmico, lúdico e autoritário. A
autora esclarece-nos que a reversibilidade é a troca de papéis na interação e que ela
constitui o discurso e que o próprio discurso constitui. Dessa forma, temos os tipos
de discurso como modos de ação, ou seja, temos que o texto todo, enquanto unidade
de significação equivale a um ato de linguagem, na medida em que se instaura uma
forma de interação. É importante destacar que a autora não os considera ação no
sentido como são propostos os atos de linguagem no nível de enunciados. Isso quer
dizer que não se pode considerar o discurso autoritário como o ato de ordenar, o
polêmico como o ato de perguntar e o lúdico como o ato de dizer.
43
Com base nesse conceito de reversibilidade, a autora descarta a possibilidade
de o locutor exercer propriamente a sua função de locutor e de o ouvinte não exercer
propriamente seu papel de ouvinte, ou seja, um se define pelo outro, e, na sua
relação, definem o espaço da discursividade.
Dessa forma, o discurso polêmico se realiza pela dinâmica da tomada de
palavras, mas, em contrapartida, o discurso autoritário não permite que essa
dinâmica se desenvolva. No discurso lúdico, essa condição é suspensa, pois esse tipo
de discurso acontece por meio da dialogia.
Um fator interessante levantado pela autora é que, apesar de o discurso
autoritário não apresentar, aparentemente, a possibilidade de reversibilidade, ele
carrega em si uma ilusão de reversibilidade, no sentido de que essa ilusão torna-se
um sentimento, um desejo de torná-lo reversível. Quando esse discurso esgota
qualquer possibilidade de reversibilidade, ele se rompe, desfaz-se a relação e, assim,
o domínio do discurso fica comprometido. Portanto, essa ilusão é manifestada de
várias maneiras no discurso autoritário.
A polissemia é outro fator importante para a distinção de tipos de discurso. É
possível afirmar que o discurso autoritário tende para a monossemia, embora sua
estrutura esteja solidificada pela polissemia, ainda que estancada. É importante
lembrar que o discurso autoritário, conforme afirma a autora, não é um discurso
monossêmico, mas que tende para a monossemia, porque todo discurso é
incompleto, tem relação com outros discursos e é constituído pelo seu contexto de
enunciação e pelo contexto histórico-social. Dessa forma, os sentidos de um discurso
escapam ao domínio único do locutor. No caso do discurso autoritário, a relação de
interlocução entre locutor-ouvinte é quebrada, tornando esse discurso absoluto e
arriscado em relação à dialogia.
Citelli (1995) apresenta algumas modalidades de discurso, que reafirmam as
idéias de Orlandi. Dessa forma, ressalta o autor que o discurso se classifica em
lúdico, polêmico ou autoritário. O lúdico é o de forma mais aberta e ‘’democrática’’,
o polêmico ou autoritário está focalizado na relação entre os interlocutores e o
auditório e busca o predomínio da persuasão. Tais classificações não são autônomas,
44
mas revelam dominância, isto é, um discurso normalmente apresenta características
de diferentes modalidades, sendo umas mais evidentes que outras.
A necessidade de os seres humanos comunicarem-se é uma questão
indiscutível, pois a todo momento existe interação entre eles, seja por meio do
código verbal, escrito ou oral, seja por meio de outros códigos como o visual, o
gestual, entre outros. Enfim, por meio deles, uma série de recursos é criada.
De acordo com Nascimento (2005 :46), a linguagem desempenha uma
função importante na vida humana, pois ela organiza o mundo. Acrescenta, ainda,
que a religião utiliza a linguagem não para descrever o mundo, mas para expressar
como o homem vive em relação ao mundo.
Dada a estreita relação entre linguagem e religião, Nascimento (op.cit.: 43)
afirma que,
para compreender melhor o discurso religioso, faz-se necessário
retomar algumas considerações acerca da Religião, não nos afastando
da premissa de que a religião se manifesta na e pela palavra e tem a
ver com o homem que, por sua vez, se diz na palavra. A palavra
objetiva constituir o universo discursivo em que a relação homem e
religião está em íntima comunhão, ou seja, o universo se apresenta
como um discurso coeso e coerente, no qual se faz necessário que
cada homem acate religiosamente sua organização.
As reflexões propostas por Orlandi apóiam-se, por conseguinte, na noção de
reversibilidade e abriram discussões em torno da caracterização do discurso
religioso. Segundo Nascimento, a proposta feita por Orlandi deve ser revisada,
atualizada e recolocada em discussão, pois tanto um compromisso com um modelo
clássico de dualismo filosófico sobre os discursos religioso quanto uma visão
radicalmente dicotômica de mundo não correspondem à opinião do homem
contemporâneo.
Além disso, não como considerar a reversibilidade como a propriedade
fundamental do discurso religioso. Para Nascimento, quando Orlandi propõe a noção
de reversibilidade como condição do discurso religioso, ela nega a possibilidade de
45
o discurso religioso se constituir em suas especificidades. Esse autor (op.cit.:51)
completa dizendo que
Ainda que aceitássemos que a noção de reversibilidade caracterize o
discurso religioso, instalando uma dessimetria de planos, essa
perspectiva não nos parece sustentar-se de modo algum, nos dias de
hoje, se considerarmos, por exemplo, o fato que, para os que crêem, a
encarnação de Deus, por si só, quebra a dicotomia divino-humano.
Nesse sentido, os direcionamentos para uma adequada caracterização
do discurso religioso devem ser outros.
Desse ponto de vista, podemos pensar com Nascimento que a propriedade
fundamental do discurso religioso é a ritualização e essa propriedade adquire
conotação especial nesse discurso e orienta o processo comunicativo de seu autor.
Pela e na ritualização quebra-se dicotomia sagrado-profano e abole-se o tempo
cronológico e tudo se torna linear, a fim de que o homem seja capaz de recriar o
mundo a seu modo. Entendemos, ainda, que a ritualização garante a identidade do
discurso religioso, na medida em que ele se constitui pela evidência de seu universo
discursivo.
É sob a luz dessas observações que podemos dizer que o sermão de Vieira
pode ser caracterizado como discurso religioso, embora seja atravessado pelo
discurso político, por exemplo, fato que nos permite afirmar que o discurso é um
espaço de tensão e de conflitos.
No próximo item, discutiremos a noção de gênero, a fim de confirmar que o
discurso religioso
possui sua característica, sua forma, sua materialidade específicas.
Assim, apresentaremos, a seguir, uma reflexão sobre o gênero sermão.
4.2 O Gênero sermão
O interesse pelos gêneros não é recente, conforme afirma Amora (op.cit),
pois “os primeiros estudos sobre gêneros literários foram feitos por Platão.
Aristóteles aprofundou esse tema na Retórica e na Poética, tendo sido ampliados os
estudos sobre eles no Renascimento”.
46
Amora comenta, ainda, que a necessidade de se classificarem os gêneros
literários e de diferenciá-los com a maior clareza possível foi a preocupação
fundamental dos clássicos. No entanto, a única regra que ficou estabelecida em
nome da liberdade de espírito foi a regra que correspondia ao talento do escritor,
pois ele criava o seu gênero em função de seu gosto e do gosto de sua época.
A oratória e sua teoria são muito antigas. Nasceram no século V A.C, quando
apareceram, na Grécia, os primeiros grandes oradores e políticos como Isócrates
(436-314 A.C.), Demóstenes (334-322 A.C.) e Ésquines (389-314 A.C.). Daí em
diante os grandes retóricos fizeram da oratória uma complexa disciplina.
O gênero oratório foi uma peça fundamental para a expansão do
Cristianismo, pois, desde seu primeiro século, a oratória solidificou a defesa e a
propagação da fé cristã utilizada pela Igreja, na sua luta contra o paganismo,
segundo Amora (1971:164). A oratória sacra nasce com o Cristianismo,
fundamentada na Retórica, com forte propósito ideológico, voltada à defesa e à
propagação da fé cristã. Com o Renascimento, começaram a aparecer vários
oradores sacros. No Barroco, destacamos o Padre Antônio Vieira (1608-1697) que
abrilhantou o momento oratório dessa época.
A teoria retórica, desde a Antiguidade até o fim do Classicismo, serviu de
guia para a fundamentação da Oratória, pois carregava em seu bojo os preceitos
sobre a invenção, a disposição e a elocução.
A classificação de gêneros não é tarefa simples. Para caracterizarmos o
gênero sermão, tomemos como ponto de partida a Etimologia. Assim, do ponto de
vista etimológico, Machado (1967:2097) aponta que o termo sermão origina-se da
forma latina sermone, tendo como significado “palavras trocadas entre diversas
pessoas: conversa; conversação literária, discussão; linguagem familiar , tom de
conservação, maneira de se exprimir: estilo; língua , idioma; expressão, frase,
palavra.” no século XIII, encontram-se registros desse termo. Silveira Bueno
(1974:3715), por sua vez, destaca que ela provém do Latim sermo, sermonis,
significando prédica, discurso religioso. Pode ainda, de acordo com esse autor, de
forma figurada, ter o significado de repreensão, advertência, repelão, descompostura,
além de indicar coisa maçante e enfadonha. Portanto, com base em sua origem,
47
sermão pressupõe tanto diálogo, discussão e debate de idéias, quanto o ato de pregar,
mostrando caminhos que implicam aconselhamento. Freqüentemente, sermão é
tomado como sinônimo de prédica, ou pelo senso comum, discurso religioso.
O Dicionário Novo Aurélio Século XXI (1999:1843) retoma os
significados propostos pelos estudiosos acima apresentados, com base na origem
latina “conversação”, tendo como primeira acepção a de discurso religioso
geralmente pregado no púlpito; prédica, predicação; pregação.
O gênero sermão, de acordo com Amora (op.cit), é classificado como sendo
uma prosa expositiva de conteúdo psicológico, pois esse gênero contém em sua
estrutura a proposição de sentimentos e idéias que são expostos pela oratória.
A oratória pode ser sacra ou parenética
6
e profana. O sermão é uma
modalidade genérica da parenética, pois requer forma cuidada e desenvolve temas
dogmáticos ou morais, sendo proferido do púlpito.
Em face do exposto, consideramos, nesta dissertação, o sermão como um
gênero em prosa, que é dirigido a um auditório, com vistas a convencê-lo na tomada
de uma decisão futura. É uma espécie da parenética, versando seu conteúdo sobre o
mundo psicológico e tendo caráter expositivo.
4.3 Metodologia de análise
Neste ponto do trabalho, aplicaremos o principio da imanência. Por essa
razão, seguiremos os princípios da Retórica Clássica que orientam o discurso
parenético do século XVII. A metodologia para a análise das figuras segue a
seguinte ordem:
Primeiramente, realizamos varias leituras do sermão para levantar as
figuras presentes no texto.
Em seguida, selecionamos as figuras mais freqüentes nas diversas
partes do sermão.
Por fim, analisamos as figuras selecionadas com base na Retórica
Clássica, objetivando mostrar seu papel na construção de sentido e da
6
De acordo com Aurélio, ela diz respeito à parênese, tratando do discurso moral e da exortação.
48
persuasão, bem como sua relação com a visão de mundo da época de
Vieira.
O objeto de análise desta dissertação é o sermão da
Primeira Dominga do
Advento de Padre Antonio Vieira. Não teríamos outra obra nem outro autor que, a
nosso ver, expusesse de maneira clara e objetiva os procedimentos que qualificam a
elaboração de um sermão.
O sermão, como qualquer outro gênero do discurso, apresenta uma série de
argumentos e, para obter êxito, procura apresentar uma linguagem que se aproxime
de seu auditório. Tal êxito se obtém quando o sermonista passa a ter um cuidado
com a organização do sermão e, dividindo-o em partes, enxerga a especificação do
papel dos interlocutores, a observância do princípio da unidade na variedade, o
cuidado com a linguagem.
Esclarecidos os aspectos metodológicos, passamos à análise dos dados
levantados e à sua discussão, o que nos suporte para uma releitura do sermão, do
estilo próprio de Vieira, marcado pela utilização que faz dos recursos lingüísticos.
4.3.1 A organização do sermão Primeira Dominga do Advento
O objeto de análise desta dissertação é, portanto, o Sermão da Primeira
Dominga do Advento, proferido na Capela Real, no ano de 1650, período de intensa
batalha religiosa conhecida como a Contra-reforma. O seu tema é o Juízo Final. Para
desenvolvê-lo, Vieira organiza o sermão em oito partes, tendo cada uma delas um
papel na construção da argumentação, como veremos a seguir.
O exórdio é a parte inicial e mais breve do Sermão. Nela, o autor apresenta
uma breve síntese do conteúdo do sermão, caracterizando o mundo após o juízo final
como um mar de cinzas. De acordo com a Retórica Clássica é o momento de
exposição central do conteúdo do sermão.
No texto sob análise, o exórdio corresponde às linhas 01 a 13, e seu objetivo
é atrair a atenção do auditório para o tema focalizado. A platéia ou auditório, a corte
portuguesa, exerce a função de juiz e o sucesso da pregação depende do julgamento
49
desse público, que pode ou não aceitar os argumentos apresentados pelo orador.
Como estratégia argumentativa, objetivando captar a atenção de seus interlocutores,
Vieira opta por um exórdio ex abrupto, ou seja, ele entra diretamente no assunto,
com vistas a causar maior impacto sobre seus ouvintes. Diz ele:
01-Abrasado, finalmente, o Mundo, e reduzido a um mar de cinzas tudo o que o esquecimento deste
02-dia edificou sobre a Terra (dou princípio a este sermão sem princípio)...
Justifica esse tipo de recurso, como forma de intensificar a força
argumentativa, por meio de um argumento de autoridade:
02-
“...
porque já disse Quintiliano
03- que as grandes acções não hão mister exórdio: elas por si mesmas, ou supõem atenção ou
“04- conciliam.”
Assim, além de escolher um modo de introdução do tema que rompe com o
padrão esperado pelo auditório, busca ainda igualar-se, na construção da
argumentação, a um dos maiores oradores do mundo romano. Esses artifícios
retóricos não prendem, de saída, a atenção do público, mas também garantem a
credibilidade do auditório em relação ao orador, pelo impacto do tema sobre o os
ouvintes.Dessa forma, assume a responsabilidade da frutificação do sermão ao
apresentar, logo de inicio, que possui ciência (conhecimento), pois cita Quintiliano.
Segue-se a parte central do sermão que apresenta a proposição, ou seja, é
nesse momento que Vieira apresenta o conteúdo do sermão com o objetivo de
levantar provas que sustentarão sua argumentação no decorrer do sermão. Neste
Sermão, ela abrange as partes I e estende-se até a parte VII.
Na segunda parte, o Padre Antônio Vieira continua tratando do mesmo
assunto, pois, se fugisse do tema, ele não teria crédito ao proferir o grande sermão da
Sexagésima anos mais tarde, em que ele critica os pregadores que apostilam o
evangelho ao se levantarem vários assuntos em um único sermão e não se discute a
fundo cada um deles . Vê-se, assim, que, neste momento, ele praticava o que
sistematizaria alguns anos mais tarde. Apesar de ainda, na segunda parte, focalizar o
50
mesmo assunto, o autor acrescenta novas informações. O dia da ressurreição é
apresentado com argumentos que fortalecem a aceitação por parte de seu público.
Na terceira parte Vieira expõe de maneira mais simples e especifica a
temática de seu sermão ao tratar do preparo de cada individuo que se locomoverá até
o local do juízo: o vale de Josafá. Assim, ele comenta: ’’Ajuntarão ali os que são, os
que foram, os que hão de ser.’’
Esse recurso se faz necessário, pois é importante que os pregadores tenham
uma linguagem fácil e natural, tornando o sermão acessível tanto para quem tem
muito conhecimento, quanto para quem é leigo no assunto. Essa característica no
sermão é algo peculiar de Vieira, uma vez que ele é contra os estilos modernos que
se preocupam apenas com o estilo culto. Verifica-se, nesta parte, a questão do estilo.
O momento do juízo final é o tema central da quarta parte do sermão. Nele,
o orador comenta a presença de todo o gênero humano perante o supremo juiz em
seu trono resplandecente rodeado de todas as hierarquias de anjos. Nesse momento,
inicia-se o juízo, sendo os primeiros a serem julgados, os papas, pois eles terão de
ser julgados não pelos tulos, mas pelas suas obras, assim como toda raça humana.
Seguindo a hierarquia da Igreja, os anjos sairão ao encontro dos bispos e arcebispos
e assim sucessivamente.
A separação entre os homens será focalizada na quinta parte da obra. Nesse
momento, serão separados os reis de sua glória e majestade, estando acompanhados
apenas de suas obras para prestar contas de tudo quanto fizeram em seus reinados.
Culpado? Inocente? Essa é a temática da sexta parte do sermão. É a fase do
exame das culpas. Nesse momento, o orador exemplifica dois tipos de pecados: a
omissão e a conseqüência. A omissão é o pecado que se comete com mais facilidade,
afirma Vieira.
A sétima parte visa a caracterizar o pecado de conseqüência apresentando os
pecados que acabam em si mesmos e os pecados que duram em suas conseqüências.
Esta, segundo Vieira, é uma das mais terríveis contas a prestar, pois são duas contas
em uma: a do pecado em si e o da conseqüência dele.
Na oitava e última parte da obra, o autor retoma o que dissera desde o
começo. O fim do mundo. Aqueles que fizeram o bem e os que não fizeram, aqueles
51
que escolheram a vida com Cristo herdarão o reino que desde o principio está
preparado pelo Pai.
Percebe-se que Vieira aposta em seus conhecimentos bíblicos e eclesiásticos.
Ele revela não conhecer a estrutura da igreja, mas também conhecer a fundo as
escrituras, fato que lhe possibilita fundamentar sua pregação. Seguindo o modelo
discursivo da Retórica Clássica, Vieira mantém o controle em sua oratória no que
diz respeito à arte de bem falar (ou escrever) de modo persuasivo com o objetivo de
conquistar seu auditório para a aceitação das teses conforme seu entendimento.
Pelo exposto, verifica-se que o autor, na construção global do Sermão segue
o princípio da unidade e da variedade que será teorizado anos mais tarde no Sermão
da Sexagésima. O texto, ao longo de seu desenvolvimento, focaliza o tema do Juízo
Final, mas, a cada parte, aspectos novos a ele relacionados são apresentados para o
auditório. Esse ponto será aprofundado na análise de cada uma das partes.
Apoiado nessa organização textual, Vieira, seguindo os princípios da
Retórica Jesuítica, defende a tese de que é necessário expor com clareza as verdades
bíblicas, a fim de que sejam eliminadas as heresias existentes e combatido o
paganismo, praticando, assim, a Evangelização, meta de sua vida como padre
jesuíta.
Apresentada a organização do Sermão da Primeira Dominga do Advento,
passamos para o momento da verificação dos recursos lingüísticos, ou seja, as
figuras.
4.4 As Figuras
As figuras são recursos que servem para organizar o discurso e que se
distanciam da forma natural da linguagem permitindo ao escritor trabalhar com as
palavras adaptando-as de acordo com suas intenções. Tal adaptação concretiza-se
por meio da elocução que caminha por diversas possibilidades lingüísticas de
expressão dos pensamentos. A elocução é responsável por deixar transparecer o
estilo de cada autor ou orador, pois demonstra a utilização das palavras tomadas
isoladamente ou em uma construção frásica.
52
Assim, fazemos nessa parte do trabalho um apontamento das figuras para
facilitar a compreensão do sermão em relação às intenções do Padre Vieira no
Sermão da Primeira Dominga do Advento.
O leitor encontrará nos anexos desse trabalho duas versões do sermão
escolhido, a primeira é uma versão digital e com as linhas numeradas. A segunda
versão está xerocopiada.
Segundo Moisés (2001: 74)
Para compreender os sermões do Padre Vieira é preciso ter em mente as
características fundamentais do movimento Barroco. De contorno
dilemático, contraditório, feito de antíteses e oposições, instável como o
próprio ondular das idéias no esforço de orientar e persuadir, os sermões
vieirianos correspondem à preocupação de anular a dicotomia radical
existente no ser humano, formado de corpo e alma.
Dessa forma, é possível perceber a flexibilidade de Vieira com as palavras
que, aliadas ao conhecimento político, teológico e retórico permitem alcançar seus
objetivos.
Não se pretende examinar o sermão em sua totalidade, mas verificar a
utilização das principais figuras da época do Barroco. Para tanto, optamos por
apresentar as figuras bem como suas ocorrências e sentidos provocados no auditório
em uma tabela. Ao final realizaremos uma discussão sobre as figuras retóricas e a
persuasão.
53
FIGURAS OCORRÊNCIA NO SERMÃO
METÁFORA
Mar de cinzas... L1
...Lucíferes do Mundo!...L193.
... correr-se-ão as cortinas do Céu...L200.
...matando Caim e arrancando da terra a árvore de que eles
haviam de nascer... L504.
PARADOXO
Dou princípio a este sermão sem princípio... L2
...cabe uma livraria de Estado, tamanha como a vaticana, e
talvez com os livros tão fechados como ela os tem...L134, 135.
NARRAÇÃO
... No primeiro dia da criação, criou Deus... L113
Pois por certo que não foi por falta de doutrina nem de
auxílios: tinham estes reis conhecimento do verdadeiro Deus...
e nada disto bastou... L295, 296, 297, 298.
Feita a separação dos maus e bons, e sossegados os prantos
daquele último apartamento que serão tão grandes como a
multidão e tão lastimosos como a causa, posto todo o juízo em
silêncio e suspensão, começará a se fazer o exame das
culpas...L327, 328, 329.
DESCRIÇÃO
Ao quarto dia veio o Sol, e sendo aquele imenso planeta cento
e sessenta e seis vezes maior que a Terra, coube também o
Sol...L116,117.
COMPARAÇÃO
... O pequeno achará seus ossos em um adro sem pedra nem
letreiro...O grande, pelo contrário, achará seu corpo
Embalsamado em caixas de pórfiro... L65, 66.
...Caberão os homens no vale de Josafat, assim como
couberam os animais na arca de Noé...L173, 174.
... A Terra, em comparação do Céu, é um ponto; o centro, em
comparação da Terra, é outro ponto; e Lúcifer, que levantado
não cabia no Céu, caído cabe no centro da Terra.L191, 192.
SUBJEÇÃO OU
SUJEIÇÃO
... Antigamente em um lugar destes que é o que cabia? Cabia o
doutor com os seus textos e umas poucas de apostilhas...L126.
... Pois se tudo isto cabe em um lugar tão pequeno, que grandes
serviços fazemos nós à Fé em crer que caberemos todos no
vale de Josafat? Havemos de caber todos...L142, 143, 144.
... E porque não cabiam dois homens em tão imenso logar?
Pior é a causa que o caso. Caim não cabia com Abel, porque
Abel cabia com Deus...L156, 157.
... Pois se tudo isto cabe em um lugar tão pequeno, que grande
serviços fazemos nós à Fé em crer que caberemos todos no
vale de Josafat? Havemos de caber todos...L142, 143, 144.
54
4
C
o
m
o
m
o
s
t
r
a
o
q
u
a
d
r
o
4
.
4
...Que todos estes animais e tantos outros de igual fereza e
grandeza coubessem juntos em uma arca tão pequena?! Sim,
cabiam todos, porque, ainda que a arca era pequena, a
tempestade era grande...L169, 170.
... Pois se as estrelas são maiores que a terra, como hão-de cair
e caber cá em baixo? Hão-de caber, porque hão-de cair. Não
sabeis que os levantados e os caídos não têm a mesma medida?
Pois assim Ihes há-de suceder às estrelas...L186, 187, 188,
189.
...Se nós (falo dos melhores que eu) se nós, sobre tanto meditar
na outra vida, nos perdemos, o vosso descuido e o vosso
esquecimento, onde vos há-de levar? Se as Cartuxas, se os
Buçacos, se as Arrábidas hão-de tremer no Dia do Juízo, as
cortes e vossa corte em que estado se achará?...L265, 266, 267,
268.
...Se para a restituição basta uma parte, as outras três a que fim
se dão? Eu o direi: dá-se uma parte para satisfação do pecado,
as outras três para satisfação das consequências... L432, 433,
434.
ANTÍTESE
...bastou para enterrar os vivos, que muito que, quando soar
verdadeiramente, seja poderosa para desenterrar os mortos?
L26, 27.
... E quanta gente bem nascida se verá naquele dia mal
ressuscitada!L39, 40.
... os bem ressuscitados alegres, os mal ressuscitados
tristes...L102, 103.
...parte dos bons, outra da parte dos maus...L147
...porque ainda que os maus são tantos, e hoje tão grandes e tão
inchados, naquele dia hão-de estar todos muito
pequeninos...L162, 163, 164.
...arca era pequena, a tempestade era grande... L171.
...Oh como estarão pequenos ali os maiores gigantes... L178.
...A primeira cousa que fará será mandar apartar os maus dos
bons... L202, 203.
...reis que se salvaram e quantos os que se perderam. L281,
282.
...Saibamos agora quantos reis foram os que se salvaram e
quantos os que se perderam nestes reinos... L286, 287.
...perdeu-se Saul, salvou-se David... L288.
...salvaram-se cinco, perderam-se treze... L289.
... Feita a separação dos maus e bons...L327.
... Assim o creio dos mortos, assim o temo dos vivos...L549.
55
4.5- As Figuras Retóricas e a Persuasão
Algumas das figuras retóricas que foram contempladas no sermão são a
metáfora, o paradoxo, a narração, a descrição, a; comparação, a subjeção ou
sujeição, a antítese e a gradação.
As figuras retóricas possibilitam a expressão de sentimentos, emoções e
idéias de modo imaginativo e inovador por meio de uma associação de semelhança
implícita entre dois elementos. São recursos lingüísticos importantes na construção
do pathós, ou das provas psicológicas. Verificou-se no sermão que a metáfora
implica necessariamente um desvio do sentido literal da palavra para o seu sentido
livre. Nas metáforas empregadas por Vieira, está sempre implícita uma comparação,
ou seja, Vieira procura organizar dois planos por associação comparativa entre duas
realidades, entre duas idéias, com a finalidade de fazer o ouvinte refletir a respeito
dos termos comparados como em Mar de cinzas que são conhecidos pelos ouvintes,
o mar e as cinzas, porém é necessário realizar um procedimento de codificação,
exigindo, da parte do leitor, uma espécie de tradução, tentando decifrar o referente
que se encontra por trás da metáfora apresentada. Essa metáfora convida os ouvintes
a imaginarem a situação em que se encontrará a face da Terra no dia do Juízo Final.
Esse convite nada mais é do que uma chamada à reflexão sobre as profecias
apocalípticas, despertando nos interlocutores preocupação em relação à situação
apresentada, e, portanto, induzindo-os a pensar na necessidade de mudanças em sua
vida.
Outras metáforas apresentadas pelo autor reforçam, em todo o tempo, um
‘’pedido’’ de reflexão, pois matando Caim e arrancando da terra a árvore de que
eles haviam de nascer ,Lucíferes do Mundo! e correr-se-ão as cortinas do Céu são
expressões que exigem do ouvinte uma pausa reflexiva para se atingir a
interpretação daquilo que fora dito pelo Padre e é justamente neste momento que as
metáforas se caracterizam como importantes recursos de persuasão.
Como vimos, a metáfora tem o papel de reforçar a idéia que se
desenvolvida no sermão. Por meio de Metáfora, Vieira procura induzir seus
56
ouvintes a um processo natural de mudanças tanto no plano das idéias quanto nas
atitudes a serem tomadas pelos ouvintes.
Ainda em um pensamento dualista, Vieira procura, por meio do paradoxo,
envolver seu público em planos distintos seja do mundo físico, psicológico ou
espiritual. Assim quanto maior forem os espaços preenchidos pelos argumentos,
maiores serão as chances de adesão. A maneira como forja sua linguagem produz
uma multiplicidade de sentidos capaz de esvaziar explicações controvertidas e
conclusivas. Pela utilização dos paradoxos Vieira impede que a Verdade se constitua
em um único plano, até mesmo porque seu discurso retórico deve desencadear um
processo de reflexão, sempre enfatizando a posição do pensamento cristão. Assim,
Vieira diz: Dou princípio a este sermão sem princípio; cabe uma livraria de Estado,
tamanha como a vaticana, e talvez com os livros tão fechados como ela os tem.
Nesses paradoxos, Vieira promove um impacto entre as idéias apresentadas por ele e
as possíveis interpretações dos ouvintes, pois até mesmo seu sermão quebra modelos
e se mostra passível de mudanças assim como os ouvintes devem ser também,
flexíveis a mudanças. Essa figura visa a persuadir o ouvinte de que, embora seja
improcedente uma afirmação, de fato o autor está validando sua afirmação.
Em seu discurso, o Padre Vieira utiliza-se de uma estratégia argumentativa
que visa a estabelecer a pausa de uma apresentação argumentativa para retomá-la
posteriormente. Tal estratégia se encaixa no momento da narração de fatos, assim,
aquilo que se pretende apresentar é reforçado por uma pausa no plano A, para a
apresentação do plano B e conseguinte retomada do plano A. Esse recurso permite
compreender melhor a essência do plano A que poderia não ser atingida se
apresentada diretamente. No sermão em análise, encontramos as seguintes
passagens: No primeiro dia da criação, criou Deu... Pois por certo que não foi por
falta de doutrina nem de auxílios: tinham estes reis conhecimento do verdadeiro
Deus. Essa figura envolve dois momentos no processo de persuasão: o primeiro
momento é o próprio tempo em que se discorre o discurso, o segundo momento é
aquele que visa a estabelecer uma pausa no primeiro momento e a transferência para
outra esfera de pensamento. Vieira procura narrar vários acontecimentos com a
57
finalidade de estabelecer um raciocínio linear entre ele e o auditório garantindo
assim um ritmo de raciocínio comum a todos.
Pelas descrições apresentadas no sermão da Primeira Dominga do Advento,
Vieira torna a demonstração mais acessível às almas e ao raciocínio dos ouvintes.
As descrições feitas por Vieira estão embutidas em extensos períodos de narração.
No sermão há muitos exemplos, porém selecionamos o trecho em que Vieira diz: Ao
quarto dia veio o Sol, e sendo aquele imenso planeta cento e sessenta e seis vezes
maior que a Terra, coube também o Sol. Essa narração descritiva, dividida em
várias partes do sermão, extravasa o conhecimento dos ouvintes para torná-los
vulneráveis à persuasão. Essa figura visa a estabelecer um nivelamento de raciocínio
entre orador e ouvintes, tornando então o exemplo apresentado pelo orador algo
comum a todos. A descrição geralmente acompanha a narração, sua tarefa é tornar o
discurso mais didático, sendo, então, possível atingir um número maior de ouvintes.
O sermão da Primeira Dominga do Advento trata de um assunto estritamente
interpretativo, o Juízo Final. Dessa forma, toda interpretação é subjetiva e, por essa
razão, mesmo que a exposição das idéias pareça clara ao orador, é necessário
certificar-se de que o blico tenha atingido o mesmo nível de raciocínio. Vieira
para certifica-se disso utiliza em seu sermão a comparação, e é por meio dela que se
relacionam dois domínios distintos da realidade com base em semelhanças para
tornar o raciocínio mais claro para o auditório. Vieira diz que O pequeno achará
seus ossos em um adro sem pedra nem letreiro; O grande, pelo contrário, achará
seu corpo Embalsamado em caixas de rfiro; Caberão os homens no vale de
Josafat, assim como couberam os animais na arca de Noé. A Terra, em comparação
do Céu, é um ponto; o centro, em comparação da Terra, é outro ponto; e Lúcifer,
que levantado não cabia no Céu, caído cabe no centro da Terra. Essa figura visa à
apresentação de um exemplo que confrontado com um segundo exemplo gera uma
aproximação de realidades ou possibilidades.Esse recurso é constante no decorrer
do sermão, pois, pela comparação, o Padre convida seus ouvintes à uma reflexão em
que os elementos comparados configuram realidades que os ouvintes terão que
relacionar sem haver outras alternativas.
58
Ainda para se certificar que o público mantém o mesmo nível de raciocínio
do orador é possível lançar mão de uma figura chamada subjeção ou sujeição. É
por meio dela que Vieira realiza perguntas que supostamente, ou seriam feitas pela
platéia, ou deveriam ser feitas por ela devido à importância da matéria tratada. Essa
figura é facilmente observada nas perguntas feitas por Vieira e respondidas logo em
seguida. Esse recurso possibilita apresentar uma proposição que visa a reforçar a
tese principal a ser defendida. Assim, Antigamente em um lugar destes que é o que
cabia? Cabia o doutor com os seus textos e umas poucas de apostilhas; Pois se tudo
isto cabe em um lugar tão pequeno, que grandes serviços fazemos s à Fé em crer
que caberemos todos no vale de Josafat? Havemos de caber todos. Com a utilização
dessa figura pretende-se promover uma reflexão sobre a pergunta, pois os ouvintes
procuram sua própria resposta que pode ser contraria à do orador. Ela tem por
objetivo tornar uma proposição mais importante e ser melhor observada pelo
auditório, merecendo a atenção dos ouvintes, por apresentar o objeto principal da
argumentação.
O discurso barroco traduz a dualidade vivida pelo homem e essa dualidade é
facilmente encontrada no sermão do Vieira que é caracterizado pela apresentação
dos argumentos bipartidos. A antítese em seu sermão reforça esse tipo de
raciocínio. Vieira procura confrontar dialeticamente seus ouvintes por meio de idéias
opostas, assim tal confronto permite conduzir o auditório à ênfase sobre determinado
assunto. Tal figura se apóia na reiteração enfática com vistas a violentar padrões dos
ouvintes e por meio deles promover obediência e posturas do Cristianismo. Esse
processo estaria no próprio Catolicismo barroco transitório que remete à Idade
Média, resultando no surgimento de várias figuras retóricas que possibilitariam
novas ordens de idéias que conduziriam os ouvintes a um exame e a uma reflexão
sobre suas vidas. Essas figuras retóricas funcionam como jogos de efeito a fim de
intensificar no ouvinte o temor a Deus. Então, bastou para enterrar os vivos, que
muito que, quando soar verdadeiramente, seja poderosa para desenterrar os
mortos? E quanta gente bem nascida se verá naquele dia mal ressuscitada; os bem
ressuscitados alegres, os mal ressuscitados tristes. A antítese é a principal figura
presente no período Barroco. O contraste que se estabelece serve, essencialmente,
59
para dar ênfase aos conceitos envolvidos, o que não se conseguiria com a exposição
isolada dos mesmos.
Padre Vieira busca sustentar sua tese, nas atribulações e conflitos humanos.
Sua pregação é desenvolvida por uma gradação sucessiva que provoca em seus
ouvintes emoções místicas entrelaçadas ao sincretismo humano, misterioso e
escatológico. Essa gradação permite dar aos ouvintes subsídios interpretativos
capazes de alcançar ou questionar os argumentos apresentados. Vale lembrar que
Vieira com sua eloqüência pretendia fortificar a fé católica, portanto não poderiam
existir dúvidas que não fossem esclarecidas. No sermão encontramos e selecionamos
os seguintes exemplos: Como pode ser que coubessem em tão pequeno lugar tantos
animais, tão grandes e tão feros? O leão, para quem toda a Líbia era pouca
campanha; a águia, para quem todo o ar era pouca esfera; O touro, que não cabia
na praça; O tigre, que não cabia no bosque; o elefante, que não cabia em si mesmo.
A gradação é o tipo de figura que possibilita apresentar uma seqüência de fatos
exemplificadores com a finalidade de estabelecer um raciocínio lógico. Esse recurso
faz com que os ouvintes organizem os pensamentos expostos pelo orador sem que
haja quebra de raciocínio.
Enfim, para sustentar sua tese e atingir seus objetivos, Vieira costuma refletir,
repensar, insistir, reiterar, retomar os aspectos da matéria apresentada a fim de
esgotá-la, sempre com o cuidado de fechar todas as possibilidades de saídas para que
seus ouvintes não consigam escapar ao aprofundamento espiritual que os conduziria
ao temor em relação ao dia do juízo e à salvação. Sua forma persuasiva atrai o
ouvinte para a doutrina cristã, independente de suas posições na sociedade e, para tal
feito, as figuras mostram-se como importantes mecanismos de persuasão.
Para finalizar, seguindo os princípios metodológicos da HL,
operacionalizaremos o principio da adequação teórica.
4.6 Princípio da adequação
O sermão, como qualquer outro gênero do discurso religioso, apresenta uma
série de argumentos e, para se obter êxito, o discurso deve apresentar uma
linguagem que se aproxime de seu público. Tal êxito se obtém quando o sermonista
60
passa a ter um cuidado com a organização do sermão, dividindo-o em partes para
que se atinjam os objetivos desejados e não resultar em problemas.
O problema, de acordo com Vieira, deve estar em um dos três aspectos a
seguir: Pregador; ouvinte; Deus; Para que um homem se converta, necessários são
três concursos: O pregador concorre com a doutrina, persuadindo; O ouvinte
concorre com o entendimento, percebendo; Deus concorre com a graça, alumiando.
Dessa forma, o homem concorre com os olhos (conhecimento), Deus
concorre com a Luz (graça) e o pregador concorre com o espelho (doutrina).
Mas o sucesso do sermão, não depende da parte de Deus nem dos ouvintes,
mas sim da parte que cabe ao pregador. Mas por que a culpa é do pregador? Essa
pergunta vai ser a temática abordada por Vieira na quarta parte de seu sermão.
Em suma,
Semeadores do Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos
nossos sermões, não que os homens saiam contentes de nós, senão
que saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os
nossos conceitos, mas que lhes pareçam maus os seus costumes, as
suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições, e enfim, todos os
seus pecados.
‘’ não sejam mais assim por amor de Deus, e de nós’’
Para verificar a organização do sermão da Primeira Dominga do Advento,
tomamos por base o Sermão da Sexagésima que está dividido em dez partes. Suas
partes apresentam a estrutura que um sermonista deve seguir. Assim, verificaremos a
organização do sermão em análise com base no Sermão da Sexagésima.
A primeira parte do sermão da Sexagésima é a exposição central de todo o
conteúdo do sermão. Nesse caso, o autor toma como assunto a parábola do semeador
7
·.
É possível perceber logo no principio do sermão da Primeira Dominga do
Advento que Vieira faz a exposição central de todo o conteúdo do sermão. Ele inicia
descrevendo as condições em que estará a Terra no momento do Juízo Final. Esse
assunto será tratado em todo o sermão.
Na segunda e terceira partes, vemos o sermão da Sexagésima dividido e
7
Evangelho de S.Mateus Cap.13
61
interpretado pormenorizadamente. Essa organização também está presente no
sermão da Primeira Dominga, pois as partes servem para tratar item por item de cada
questão apresentada no sermão.
Ora, para que um homem se converta, é necessário que ele veja em si o
caminho errado que ele segue. Para que ele enxergue a si mesmo, são necessárias
três coisas: Olhos; Espelho e Luz, sendo um dependente do outro: se tem luz e
espelho, mas não tem olhos, não pode ver, se tem olhos e espelho e não tem luz não
pode ver e se não tem espelho e tem luz e olhos como pode se vê. Esse processo, de
acordo com Vieira, garante o sucesso de uma pregação.
Essa etapa do sermão da Sexagésima é claramente observada no Sermão da
Primeira Dominga, pois este sermão garante ao ouvinte enxergar tanto o plano real
e atual quanto o plano imaginário e futuro.Vieira expõe como espelho, a própria vida
e os exemplos retirados da Bíblia, fato que garante também a luz, pois ela, a Bíblia, é
vista pelos ouvintes como a própria voz de Deus.
Para reforçar sua tese de que a pregação está totalmente sob responsabilidade
do pregador, cinco importantes circunstâncias no pregador devem ser levadas em
consideração. São elas: a pessoa; a ciência; a matéria; o estilo; a voz.
O pregador deve tomar ciência da pessoa que deve ter uma vida exemplar.
Deve levar em consideração o conhecimento que possui, os assuntos a serem
tratados em seus sermões bem como seu estilo de pregar e a voz com que fala.
Quanto às cinco circunstâncias, Vieira se enquadra em todos elas, pois como
pessoa apresentou uma vida exemplar dedicada à propagação da católica, em
relação ao conhecimento temos sua formação jesuítica, no que diz respeito aos
assuntos, não outra fonte a não ser a pregação pautada na Bíblia Sagrada e, por
fim, seu estilo e voz são próprios de um orador que utiliza os recursos típicos de sua
época para alcançar o maior número possível de ouvintes.
A parte cinco do sermão da Sexagésima trata do estilo. Vieira considera-se
contra estilos modernos, dificultosos, dizendo que o estilo do pregador deve ser fácil
e natural e que pode ser muito claro e muito alto também, mas tão claro que
entendam os que não sabem, e tão alto que tenham muito que entender nele os que
62
sabem. Não se deve tomar como exemplo de pregação os pregadores que prezam o
estilo culto. A linguagem deve ser acessível e de comum entendimento a todos.
Tal linguagem configura o estilo próprio de Vieira.
A matéria a ser tratada em um sermão é a temática de sexta parte. Vieira
critica os pregadores modernos que ‘’ apostilam o evangelho’’ ao se levantarem
vários assuntos em um único sermão ao cabo que não se discute a fundo nenhum
deles. O sermão deve ter um assunto só e por isso
de tomar o pregador uma matéria, de defini-la para que se
conheça, de dividi-la para que se distinga, de prová-la com a
escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o
exemplo, de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as
circunstancias, com as conveniências que se hão de seguir, com os
inconvenientes que se devem evitar, há de responder as duvidas, há de
satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força
de eloqüência os argumentos contrários, e depois disto de colher,
de apertar, de concluir, de persuadir, de acabar.Isto é
sermão, isto
é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto.
Vieira não nega a possibilidade de um sermão ter uma variedade de
discursos, mas que esses discursos precisam nascer todos de uma mesma matéria,
continuar e acabar nela.
Percebe-se no sermão da Primeira Dominga que Vieira inicia apresentando o
Juízo Final e finaliza o sermão tratando do mesmo assunto.
A falta de ciência, talvez, seja o motivo da o frutificação da palavra de
Deus. Essa questão se focalizada na sétima parte do sermão da Sexagésima. A
falta de ciência ou sabedoria, conhecimento por partes dos pregadores modernos,
seria um dos fatores que contribuem para o enfraquecimento da lavoura divina, pois
muitos pregadores vivem aquilo que não colheram e semeiam o que não
trabalharam. Sendo assim, o pregador deve pregar aquilo que conhece e vive e não
se arriscar a falar daquilo que não viveu. É por essa razão que muitos pregadores não
fazem frutos, porque pregam o alheio e não o seu. O pregar implica entrar na batalha
contra os vícios pois
com armas alheias ninguém pode vencer, ainda que seja Davi. As
armas de Saul só servem a Saul, e as de Davi a Davi, e mais aproveita
63
um cajado e uma funda própria, que a espada e a lança alheia.
Pregador que peleja com as armas alheias, não hajaes medo que
derribe gigante.
Não espaço para recitar na pregação. As razões próprias nascem do
entendimento, as alheias são colocadas na memória e os homens não se convencem
pela memória se não pelo entendimento. Pregar aquilo que não se vive é falar da
boca para os ouvidos, mas pregar o que vive penetra e convence o entendimento. A
voz seria então a causa dos pregadores não produzirem frutos? Essa questão será
respondida na oitava parte.
Verificamos pelo exposto acima que o sermão da Primeira Dominga do
Advento segue exatamente a estrutura proposta por Vieira no Sermão da
Sexagésima. Sobre sua organização verifica-se a divisão em várias partes,
lembrando que a primeira parte corresponde à exposição central de todo o sermão,
em seguida a interpretação é realizada minuciosamente. Em relação à pessoa, não
o que se discutir, uma vez que o sermão fora pregado na capela Real. Sua formação
cultural e eclesiástica revela a ciência presente em sua vida. A matéria em seu
sermão faz refletir tanto o doutor quanto os leigos ali presentes. Seu estilo é único e
privilegia a doutrina católica, portanto sua linguagem não é voltada para os homens,
mas para as almas.
64
Considerações Finais
Ao término dessa Dissertação, podemos afirmar que estudamos a
organização e algumas figuras do sermão da Primeira Dominga do Advento. Tal
estudo legitima a nossa hipótese de que as figuras presentes no Sermão constituem
importantes mecanismos de estilo e de persuasão.
Nossa Dissertação privilegiou a Historiografia Lingüística como recurso
cientifico metodológico e teórico para examinar o sermão selecionado. Nesse
sentido, descrevemos por intermédio de um estudo metalingüístico aspectos
retórico-lingüísticos encontrados no sermão com o auxílio da HL e constatamos a
interferência de fatores externos no plano da argumentação.
A análise do texto, visto aqui como um documento, passa a revelar, além das
características estilísticas do Padre, a sua interação com o público frente às
questões religiosas da época. Esse modo de se olhar o documento em estudo sob
uma perspectiva histórica, mas levando em consideração as questões concernentes
à língua e ao contexto foi possível devido à metodologia apresentada pela
Historiografia Lingüística, que favoreceu a compreensão do discurso e da Retórica.
Tal metodologia forneceu-nos subsídios capazes de apresentar, por meio da
contextualização, uma imagem do cenário vivido pelo Padre, em seguida foram
esclarecidos, por intermédio da Imanência, os aspectos retóricos e, por fim,
buscamos a adequação teórica, aproximando o Sermão sob estudos do Sermão da
Sexagésima, dado seu caráter orientador para a elaboração desse gênero textual.
No documento analisado, identificamos os recursos estilísticos próprios do
período Barroco, utilizados por Vieira, que aparecem no discurso sermonário.
De acordo com os objetivos propostos nesta pesquisa em examinar no sermão
da Primeira Dominga do Advento, a língua, a história e o papel de figuras retóricas
e pelos critérios de análise aqui estabelecidos, identificamos no sermão, aspectos
ideológicos e discursivos que auxiliaram nosso orador no processo de persuasão do
ponto de vista ideológico e sobretudo em defesa das idéias da Igreja enfatizadas
pelas citações bíblicas.
65
O estilo próprio do Padre revela-se pelas figuras encontradas bem como pela
sua argumentação bilateral própria do pensamento Barroco de sua época. Tal
argumentação reafirma os princípios da Retórica Jesuítica que defende a
necessidade de se expor com clareza as verdades blicas. Sendo assim, pelo
argumento bilateral o Padre expôs sempre dois lados de um mesmo assunto.
Acreditamos que Antonio Vieira obteve sucesso em seu sermão devido ao
seu caráter moral revelador de digna confiança resultando em credibilidade por
parte de seus ouvintes. Na análise, observamos que o Padre cria uma relação de
diálogo entre orador e ouvinte, propiciando a interação por meio de citações,
comparações e as figuras retóricas.
O sermão analisado é um documento de grande valor histórico e cristão.
Percebemos que a leitura do sermão escolhido o se encerra, pois ele se direciona
para novas perspectivas de estudo, uma vez que tudo depende do olhar do
pesquisador.
Sendo assim, nossa análise buscou examinar a língua, a história e o papel
de figuras retóricas, que funcionam na organização do sermão de Padre Antônio
Vieira como mecanismo de persuasão, em sermão do século XVII, pouco estudado
no conjunto da obra vieiriana, o que nos levou a compreender o homem desse
período, ou melhor, um orador que possui um vasto acervo a ser, ainda,melhor
conhecido.
66
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VIEIRA, Antonio. Primeira Dominga do Advento. v.1.Lisboa: Lello & Irmão.1945.
______________.Sermão da Sexagésima. v.1.Lisboa: Lello & Irmão.1945.
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