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dominadores e dominados -, os homens continuam a ocupar a posição de dominadores
enquanto as mulheres, a posição de dominadas.
A presença de aspectos da ideologia social dominante “embutidos” no processo
de significação das palavras configura, na linguagem, corredores semânticos ou
isotópicos que vão balizar a percepção/cognição, criando modelos ou estereótipos
sociais. No contexto da práxis social, por meio desses estereótipos ou óculos sociais,
‘vemos” a realidade e fabricamos o referente, que se interpõe entre nós e a “realidade”,
fingindo ser o “real”. (cf. Blikstein, 1985). Sob esse aspecto, o indivíduo estabelece e
articula traços de diferenciação e de identificação, com os quais passa a discriminar,
reconhecer e selecionar, por entre os estímulos do universo amorfo e contínuo do “real”,
as cores, as formas, as funções, os espaços e os tempos necessários à sua sobrevivência.
Tais traços ideológicos adquirem na práxis um valor positivo ou meliorativo em
oposição a um valor negativo ou pejorativo.
Assim, em nossa sociedade, pretidão, negritude são traços de valor pejorativo,
ao passo que branquitude adquire conotação meliorativa.
Para justificarmos essas afirmações e compreendermos o papel desempenhado
pelas mulheres negras no decorrer da história, até os dias de hoje, julgamos pertinente
recorrermos à obra de Gilberto Freyre Casa Grande & Senzala, escrita em meados de
1930. Nesta obra, são tratados, entre outros temas, a situação da mulher no sistema
escravocrata brasileiro e suas funções dentro dessa organização, expressando as
narrativas dos senhores de escravos que combinam opressão colonial racista com
submissão patriarcal.
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A mulher negra escrava servia a casa grande como mucama, babá, cozinheira, arrumadeira, amante e
objeto sexual do senhor de engenho, aliciadora dos jovens filhos dos senhores na vida sexual;
trabalhavam no campo e ainda serviam sexualmente aos de sua raça sem muitas vezes terem um parceiro
fixo, pela desigual quantidade de escravas em relação aos escravos. As escravas, para trabalharem na casa
grande, deveriam antes passar por um teste: elas tinham que ser asseadas, passivas, e ter o apreço da
família patriarcal. Como mucamas, elas eram as primeiras conselheiras amorosas das sinhazinhas; eram
elas que lhes contavam as lindas histórias de coragem e de lutas pelas quais muitas moças e rapazes dos
engenhos passaram em prol da liberdade de amar. Elas também preparavam e serviam os alimentos das
famílias da casa grande e depois arrumavam as coisas, lavavam e organizavam os objetos da casa. E
quando eram babás, precisavam amassar os alimentos e retirar os empecilhos para não prejudicarem a
saúde das crianças. Mas, talvez, o maior ato de crueldade da escravidão, seja a exploração sexual das
escravas por parte dos senhores. Assim que algumas escravas alcançavam a idade de 12, 13 ou 14 anos,
eram literalmente estupradas pelos senhores de engenho ou pelos seus filhos, que eram assim introduzidos
na arte do amor físico. Algumas escravas se tornavam amantes dos senhores e, portanto, eram protegidas
por eles, mas odiadas pelas senhoras que muitas vezes maltratavam-nas, causando-lhes ferimentos
hediondos que as levavam à morte ou à invalidez. Muitas escravas tinham que servir sexualmente ao seu
senhor e aos escravos na senzala, pois geralmente mulheres e homens vivam juntos no mesmo espaço
físico. Boa parte das escravas tinham complicações nos partos pela precariedade de local e instrumentos,
e muitas acabavam morrendo. Não era raro as escravas serem mães dos seus próprios senhores, isto
quando os seus filhos não eram vendidos logo cedo.