Download PDF
ads:
Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia
Departamento de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Alírio Melo Urany
AÇÃO COLETIVA E MOVIMENTO
GLBT EM GOIÂNIA
Goiânia-Go
Novembro/2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ii
Alírio Melo Urany
AÇÃO COLETIVA E MOVIMENTO
GLBT EM GOIÂNIA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Sociologia da Faculdade
de Ciências Humanas e Filosofia, da
Universidade Federal de Goiás, para
obtenção do título de mestre em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Jordão Horta Nunes
Goiânia-Go
Novembro/2008
ads:
iii
Alírio Melo Urany
Ação Coletiva e Movimento GLBT em Goiânia
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Sociologia da Faculdade
de Ciências Humanas e Filosofia, da
Universidade Federal de Goiás, para
obtenção do título de mestre em Sociologia.
Goiânia,___de _____________ de 2008
Banca Examinadora
______________________________________
Prof. Dr. Jordão Horta Nunes
Presidente da Banca
______________________________________
Prof. Dr. Alecsandro J.P. Ratts
______________________________________
Prof. Dr. Francisco C.E. Rabêlo
______________________________________
Prof. Dr.
iv
Como não dedicar aos
analfabetos que me
ensinaram a ler o mundo
Francisco, meu pai.
Francisca, minha mãe.
v
AGRADECIMENTO
Não é fácil lembrar de todos. Na verdade alguns nem
percebi que ajudaram mantiveram-se em silêncio,
ausentaram-se para não incomodar, assumiram
responsabilidades das quais me ausentei e pagaram um preço
sem saber ao certo o que é um mestrado.
Outros incentivaram, orientaram e acreditaram que
era possível e importante. Foram professores, colegas e
amigos. O orientador fez de seu gabinete um divã ouviu as
dores, contornou, ajudou e me incentivou.
Quanto ao movimento LGBT em Goiânia não cito
nomes porque todos foram importantes. Mas posso dizer que
já não me sinto um estranho. Agradeço a forma como me
receberam, ao tempo que me dedicaram, aos momentos de
convívio que me proporcionaram só não sei se o
agradecimento consegue chegar à altura do que fizeram por
mim.
vi
Àqueles que no iniciou eram
estranhos, eu devo tudo.
Aceitaram o estranho e
permitiram que esta
dissertação acontecesse.
vii
RESUMO
Esta dissertação realiza uma investigação acerca da ação
coletiva promovida pelo movimento LGBT em Goiânia,
buscando desmistificar o caráter de unicidade que lhe é
atribuído, dando margem para a elaboração de um quadro
interpretativo capaz de perceber a pluralidade dos atores e
das lógicas de ação. Faço uso do conceito de habitus de
Bourdieu para visualizar os processos de agregação dos
sujeitos, bem como da formação de identidades homossexuais
posicionadas numa relação de dominantes e dominados numa
ordem social hegemonicamente heteronormativa. Mas para
sistematizar a forma como o movimento LGBT em Goiânia
busca promover a sua luta por reconhecimento positivo, é que
apresento uma divisão de sua força social em interna, semi-
externa e externa. Esta esquematização possibilita visualizar
um circuito de energias, de formação de redes de
solidariedade, utilizada para manter a coesão da força social
dentro do campo de ativismo LGBT. Evidenciou-se ainda que
os atores não estão em plena harmonia, uma vez que
produzem novas hierarquizações dentro do campo de ativismo
LGBT, mas que também tendem a controlar as tensões de
modo a permitir a manutenção e ampliação do campo.
viii
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................ vii
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 9
CAPÍTULO I. UMA LANTERNA PARA ANDAR NA SALA ESCURA ............. 14
1.1.A busca de um enquadramento teórico. ................................................................. 14
1.2.Diferenciação social e formação de identidade ..................................................... 20
1.3.A de-formação de uma identidade social. ............................................................. 23
1.4.Dos estilos de vida à rede de ativismo GLBT. ...................................................... 25
CATULO II. UM CORPO NO ESCURO É CONSTRUÍDO PELO TATO ....... 30
2.1. A construção do objeto – teoria e prática ............................................................. 30
2.2.Metodologia – os desafios da observação ............................................................. 31
2.3.Uma metodologia para desconstruir a unidade e recompor o todo ....................... 36
2.4.Um histórico para o movimento LGBT ................................................................. 40
2.5.A Parada LGBT de Goiânia e seus habitus .......................................................... 41
2.6.Os segmentos LGBT encontrados no trabalho de campo ...................................... 44
CATULO III. HOMEM COM HOMEM – MULHER COM MULHER ............... 47
3.1Como caracterizar um movimento social ............................................................... 47
3.2Alguns elementos e categorias básicas dos movimentos sociais ............................ 48
3.3Os direitos humanos – a eticidade necessária ......................................................... 57
3.3.1. Como seria composta a força social interna? ................................................ 58
3.3.2. Como seria composta a força social semi-externa? ....................................... 59
3.3.3. Como seria composta a força social externa? ................................................ 60
3.4A formação de redes – homem com homem, mulher com mulher? ....................... 62
3.5Um campo de ativismo LGBT? .............................................................................. 66
CONCLUSÃO ..................................................................................................... 73
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 77
9
INTRODUÇÃO
Quero sintetizar aqui as reflexões e os caminhos trilhados a
fim de delinear a consistência teórica e metodológica adotada, bem
como definir algumas peculiaridades do objeto empírico. Não tenho
a pretensão de esconder que no fundo-do-baú-da-mágica-científica,
estou realizando uma possível construção ou tradução da realidade.
Portanto, escrevo enquanto pesquisador situado que, ao apresentar
o trabalho, também se apresenta. Ainda que portador de uma ética e
de uma responsabilidade científica, sou antes de tudo um ser que se
esforça para enxergar uma realidade nebulosa e que, às vezes,
ingenuamente acredito estar clara. Mas também não posso desistir
de discorrer sobre o que vejo, pois o fazer científico precisa de um
ponto de partida, ainda que seja renegado num momento posterior.
A proposta foi problematizar a aplicabilidade do termo ação
coletiva a determinados fenômenos tidos como coletivos. Num
momento em que a realidade pós-industrial impõe dificuldades para
o emprego dos conceitos de ação coletiva ou de movimentos
sociais, acredito ser proveitoso para a reflexão sociológica indagar
sobre o seu potencial interpretativo e explicativo de fenômenos
sociais que insistem em aparentar certa homogeneidade, ainda que
seus agentes sejam portadores de uma multiplicidade sexual,
religiosa, cultural, política, racial, etária etc. O cenário de
dificuldades impostas aos cientistas sociais vai desde a construção
de categorias analíticas e conceitos, até a multiplicidade empírica
dos fenômenos sociais. A idéia de compressão tempo-espaço, o
potencial reflexivo dos atores, sejam individuais ou coletivos, a
constante redefinição do local e do global, a fragilidade do Estado-
nação diante de um mercado financeiro transnacional, o surgimento
de um sujeito político planetário (direitos difusos ecologia,
pacifismo, etc) todas são questões contemporâneas que desafiam
a capacidade do fazer sociológico. Os quadros interpretativos
10
parecem se movimentar abaixo da velocidade dos acontecimentos
que buscam explicar.
Daí a necessidade de não abdicar da responsabilidade de
cientista social, mesmo consciente de certo alinhamento teórico
dualista improdutivo, que toma como orientação metodológica ora,
os princípios de um individualismo metodológico, ora os princípios
de um holismo metodológico. Isso acaba por estreitar a visão dos
fenômenos sociais, por um lado negando o potencial de ser
coletivo, portador de uma unidade que transcende o indivíduo, por
outro potencializando um ser coletivo que dilui o indivíduo. Como,
então, lidar teoricamente e levar para o plano empírico um estudo
que possa construir um instrumental de interpretação e explicação,
que não despreze a riqueza situada no espaço-relacional do ator
para e com o sistema? Ao levar esta proposta para o plano
empírico, este trabalho teve como objetivos: analisar como se
constituem e se relacionam os diversos segmentos que compõem o
movimento GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e travestis – uma
polêmica sobre a sigla será discutida à frente) em Goiânia; e
compreender como se constitui um campo de ativismo GLBT que
permite falar em ação coletiva.
O objeto de estudo nesta dissertação foi desenvolvido,
inicialmente como um elemento teórico, por se tratar da ação
coletiva, como conceito posto à prova numa construção teórica e em
sua aplicabilidade no estudo de fenômenos empíricos. Daí surgiram
questões práticas, advindas da realização da pesquisa e das
especificidades do objeto empírico (movimento GLBT), estimulando
um processo de adequação entre metodologia e teoria.
Num primeiro momento o campo de realização da pesquisa
parecia estar restrito à concretização da Parada GLBT de Goiânia.
Todavia, não só as implicações teóricas apontavam para a
dificuldade em determinar o lócus da ação coletiva, como a
realidade do fenômeno apresentava um conjunto de eventos que
ocorriam ao longo do ano, e que contribuíam para o evento de maior
evidência da ação coletiva, a Parada. Assim, percebeu-se um
11
alargamento do campo de estudo empírico, e conseqüentemente
mudanças nas estratégias metodológicas.
O trabalho de observação teve como ponto inicial as
instituições e grupos que compunham o núcleo de organização da
Parada, (Ipê Rosa, Fórum Goiano de ONGs AIDS e Associação
Goiana de Gays, Lésbicas e Travestis AGLT). Daí a observação se
estendeu para outros atores, sejam individuais ou coletivos,
públicos ou privados, que de certa forma estavam envolvidos na
organização, compondo um conjunto de forças sociais. Constatou-se
a formação de uma rede de relações, que acabou por configurar um
campo de ativismo GLBT. Portanto, não se tratou de somente
participar da Parada para entendê-la, mas também de visitar outros
espaços de sociabilidade homossexuais, como boates, bares,
cinemas, parques, festas, mostras cinematográficas e outros.
Isso permitiu tipificar a diversidade dos sujeitos
participantes do movimento GLBT, caracterizando-os em subgrupos
portadores de um habitus, que em certa medida os agregavam e
também os distanciavam. O habitus, segundo Bourdieu, constitui um
sistema de disposições duráveis que opera como princípio
gerador e estruturador das práticas e das representações que
podem ser objetivamente reguladas e regulares sem ser o produto
da obediência a regras (BOURDIEU, 1994, p.88).
Inicialmente o habitus serviu como um recurso heurístico
capaz de sintetizar grupos de atores, mas percebeu-se também que
os atores possuíam trajetórias diversas, implicando numa dinâmica.
Daí constatava-se a existência de um habitus GLBT, relacionado
com a constituição de uma das possíveis identidades homossexuais,
mas também de outro habitus, relacionado com identidade de
ativista GLBT. Ou seja, o primeiro habitus não levaria
necessariamente ao segundo, mas que o segundo dependeria de
saberes incorporados na vivência do primeiro. Portanto, os recursos
teórico-metodológicos deveriam se adequar ao constante movimento
de quebra da unidade, mas sem perder a possibilidade de falar
numa ação coletiva, que se revelava no ativismo GLBT.
12
A distribuição dos capítulos da dissertação segue uma
lógica de construção teórica, construção metodológica e conclusão.
Faço uma pequena descrição dos capítulos para permitir uma
visualização dos principais temas tratados e traçar uma seqüência
de raciocínio.
No primeiro capítulo buscou-se elaborar uma construção
teórico-metodológica, que permitisse utilizar o termo ação coletiva,
os conceitos de campo de ativismo GLBT, movimentos sociais e
outros construtos teóricos necessários para preencher possíveis
lacunas no percurso teórico-metodológico. Foram retomadas
questões acerca da formação de uma ordem social a partir de
mecanismos de distinção social; os conflitos identitários provocados
pelo ajuste entre atribuição e reconhecimento; a alocação de
recursos culturais que permitam questionar a hierarquia imposta a
partir de uma heteronormatividade. Daí recorreu-se a princípios
teóricos que intermediaram a abordagem da ação coletiva, numa
realidade dotada de mecanismos estruturais que se colocam numa
relação dialógica com os mecanismos de mudança e expressão de
singularidades e subjetividades. Procurou-se analisar como se
efetivava a sustentação do fato coletivo ou do objeto portador de
unidade, tendo em vista as múltiplas formas de construção
identitária possíveis, a readequação dos fins buscados, dos meios
utilizados e da fluidez do ambiente humano e não-humano.
No segundo capítulo propõe-se uma aproximação com o
contexto empírico, para enfatizar as dificuldades de adequação do
construto teórico, mas ao mesmo tempo sua possível sustentação.
Problematiza-se o próprio trabalho de campo, onde a descrição do
processo de interação entre observador e observado é
apresentada, delimitando suas virtudes e incompletudes. Busca-se
identificar a complexidade dos elementos que compõem a
fabricação da Parada GLBT e os recursos metodológicos
necessários para tornar viável a realização da pesquisa.
Empreende-se um histórico do movimento GLBT e da Parada de
Goiânia, bem como uma identificação dos diversos segmentos que a
13
compõem e seus habitus e espaços de sociabilidade. Com isso
pretende-se realizar a decomposição do objeto e sua posterior
recomposição a luz dos princípios teóricos adotados.
No terceiro capítulo efetiva-se uma aplicação das premissas
teóricas, verificando sua eficácia na compreensão e na explicação
do objeto. Retoma-se os objetivos propostos, a fim de verificar se
foi realizada a proposta do trabalho. Aqui intervêm os recursos
empíricos, como entrevistas, material gráfico e informações colhidas
na observação participante a fim de permitir a articulação entre o
teórico e o objeto empírico.
Nas considerações finais busca-se enfatizar os limites do
termo ação coletiva para os objetos empíricos portadores de
características próprias de movimentos sociais e formadores de um
campo de ativismo. Aponta-se recursos teóricos e metodológicos
que sejam eficazes para captar a diversidade de sentidos e sujeitos,
possibilitando traduzir os momentos de unidade. Busca-se
estratégias capazes de entender, ou pelo menos respeitar, o
movimento de circularidade entre ator e estrutura.
14
CAPÍTULO I. UMA LANTERNA PARA ANDAR NA SALA
ESCURA
1.1. A busca de um enquadramento teórico.
A alusão que faço sobre a lanterna para andar na sala
escura se refere em parte, da experiência de entrar numa
darkroom, típica das boates GLS, mas que trago para o plano da
prática desta pesquisa, como o desafio de iluminar o objeto que se
procura entender. Numa sala escura, aquele que utiliza uma
lanterna, somente terá a imagem completa da sala, através de
pequenos fragmentos, ou mosaicos, visto que não é possível
iluminar a sala por completo. Da mesma forma na pesquisa, só
tenho a dimensão do objeto aqui estudado, através de pequenos
recortes, que acabo por traduzir em um todo. E é esta tradução em
um todo, que chamo de enquadramento teórico e que busco realizar
neste capítulo.
O primeiro contato com o movimento GLBT foi através da
minha atividade profissional, enquanto agente de trânsito. Ajudava a
bloquear a rua para que a Parada Gay” pudesse passar. No
comentário das pessoas, nas páginas do jornal do dia seguinte, o
assunto era a Parada Gay. O olhar de cientista social insistia em
perceber a diversidade daquilo que parecia tão bem explicado, ou
tão gay. Então, o primeiro encantamento foi com a força da
produção da ação coletiva. Como se formou aquilo? Como sujeitos
com práticas homossexuais adquirem motivação para saírem na rua
reivindicando seus direitos? O segundo encantamento só ocorreu
após iniciar os estudos teóricos e a pesquisa empírica. Foi a
descoberta de que a denominada Parada Gay, ainda que
apresentando uma unidade, era dotada de uma grande diversidade
de sujeitos. Fui percebendo que se tratava de um evento
emblemático da diversidade de um movimento muito maior. Se o
senso comum e mesmo a mídia denominava o evento como algo
único, reduzindo as práticas sexuais ao nome gay, os sujeitos
participantes se apresentavam como portadores de identidades
15
sexuais diversas. Seriam homossexuais, mas também bissexuais e
heterossexuais. Seriam sujeitos que estavam na avenida por uma
causa meramente relacionada com a sexualidade? Não. Somente
com o aprofundamento da pesquisa é que pude notar que muitos
eram ativistas dos direitos humanos ou de outros segmentos
chamados minorias (feminismo, movimento negro, deficientes
auditivos) ou lideranças políticas. A constatação de que havia uma
diversidade de ativismos, ocupando posições diferenciadas no
espaço social, seja em relação ao poder, ao status, é que motivou a
construção de um enquadramento teórico peculiar que pudesse
captar a produção de uma ação coletiva.
Num primeiro momento, a intenção era realizar uma
reconstrução teórica do termo ação coletiva, mas percebeu-se que
bastava delimitar os parâmetros utilizados neste trabalho,
justificando sua capacidade de explicar as características do objeto
estudado. Assim, emprega-se o termo ação coletiva e o procura-se
justifica-lo como conceito fundamental num quadro teórico, que
respeite ou coadune com as características empíricas do objeto que
se propõe a compreender. Busca-se, então, num primeiro momento,
fixar o termo ação coletiva num elenco de possíveis acepções.
Existem basicamente duas linhas de explicação quando se trata de
fenômenos tidos como coletivos, tais como a moda, o pânico, a
manifestação política, o movimento revolucionário, o terrorismo e
outros. Na primeira linha explicativa o fenômeno social é tomado
como um dado, como portador de uma unidade natural, tendo como
os princípios estruturais de um holismo metodológico como
formadores da realidade coletiva. Nessa linha Jeffrey Alexander
(1998) cita o exemplo de estudos realizados por Durkheim acerca
das assembléias públicas e dos movimentos de massa, onde eram
comparados com os rituais primitivos, o que reduzia o espaço para
uma possível racionalidade ou contingência. Na outra linha se
encontra a explicação do fenômeno coletivo, a partir da soma de
desejos individuais, da escolha racional, onde os atores buscam
maximizar seus ganhos e minimizar suas perdas, ou os esforços
16
para atingir o bem coletivo. Um exemplo dessa linha é o marxismo
analítico, em que se tenta explicar as estruturas sociais agregadas
como o resultado de indivíduos racionais perseguindo seus
interesses materiais (DANIEL LITTLE, 1990, p.1). Mancur Olson,
em sua obra A Lógica da Ação Coletiva, contribuiu muito na
problematização da racionalidade privada e da ação coletiva no
contexto da aquisição de um bem público. Este autor vê uma falácia
lógica na afirmação de que grupos ou organizações agiriam
coletivamente à procura do interesse comum, pois tais grupos se
constituem de indivíduos que tomam decisões independentes. Daí,
para Olson, não seria
suficiente mostrar que uma ação serviria aos interesses do
grupo se todos ou a maioria dos membros do grupo a
desempenhassem: é necessário mostrar, além disso, que todos
(ou a maioria) dos indivíduos no grupo têm um interesse
racional em agir dessa forma (LITTLE, 1990, p.1).
Disso decorrem outras implicações, como a tendência à
não-participação na ação, e a postura de carona (free rider), a
diferença de ganhos relativos dos participantes da ação, em grupos
grandes ou pequenos.
Percebe-se, em vista das considerações efetuadas, uma
dualidade explicativa do fenômeno coletivo: na primeira linha não há
espaço para a subjetividade, para a individualidade, enquanto que
na segunda tem-se a diluição dos mecanismos de sistema, os
princípios estruturantes. Torna-se necessário construir um
referencial teórico propositivo que estabeleça uma relação circular
entre ator e sistema, respeitando a dualidade, mas não se
estreitando ao posicionamento dualístico.
Segundo Margareth Gilbert a ação coletiva envolve uma
intenção coletiva:
[...] eu considero a ação coletiva como envolvendo uma intenção
coletiva e, portanto, inicio com uma proposta sobre o que
significa para nós ter uma intenção particular ou, num sentido
mais comum, pretender algo coletivamente (GILBERT, 2006, p.
05).
17
Tal afirmação envolve a questão da distinção entre agência
individual e agência coletiva, da racionalidade, da não-
intencionalidade e de outros problemas teóricos e metateóricos da
sociologia moderna. Ir a uma procissão religiosa, participar de uma
maratona esportiva, participar de um baile de formatura; cada uma
dessas ações envolve uma intenção coletiva, mas a preocupação
aqui é com eventos onde os atores ao realizarem algo juntos,
acabam promovendo um fato supra-individual. Não é objetivo deste
trabalho incluir todos os inúmeros tipos de ação coletiva orientados
por intenções coletivas. O fato é que, dentre as diversas tentativas
de se definir a ação coletiva, existe um quadro conceitual que está
mais próximo de ações realizadas no interior de movimentos sociais,
ou visando uma intervenção social. E é este esquema conceitual de
ação coletiva que se pretende identificar. Para isso, propõe-se
elaborar um construto de ação coletiva que esteja peculiarmente
relacionado com o universo dos movimentos sociais, por intermédio
de uma construção da literatura metodológica a respeito de
movimentos sociais, tentando identificar e explorar as referências ao
conceito de ação coletiva.
A contribuição de Alberto Melucci para o estudo da ação
coletiva é fundamental neste trabalho, uma vez que o seu
referencial teórico parece captar melhor a complexidade identitária e
cultural, das motivações, dos sentidos e dos componentes da ação
coletiva (MELUCCI, 2001, p.29). Além disso, Melucci não estuda a
ação coletiva sem uma referência ao empírico, pois está sempre
referindo-se à configuração de movimentos sociais:
Quando se fala de um movimento social, refere-se geralmente, a
um fenômeno coletivo que se apresenta com uma certa unidade
externa, mas que, no seu interior, contém significados, formas
de ação, modos de organização muito diferenciados e que,
frequentemente, investe uma parte importante das suas
energias para manter unidas as diferenças (MELUCCI, 2001, p.
29).
18
Assim, é possível desconfiar de uma unidade externa,
tomando-a como aparente, e investigar o circuito das energias
utilizadas para manter a coesão interna, ou a união das diferenças.
Pensar a ação coletiva num contexto de movimento social implica
em construir um referencial interpretativo que vá além daquilo que
Alain Touraine identificou como base de um movimento social, ou
seja, a identidade, o adversário e a meta societal.
O termo movimentos sociais diz respeito aos processos não
institucionalizados e aos grupos que os desencadeiam, às lutas
políticas, às organizações e discursos dos líderes e seguidores
que se formaram com a finalidade de mudar, de modo
freqüentemente radical, a distribuição vigente das recompensas
e sanções sociais, as formas de interação individual e os
grandes ideais culturais (ALEXANDER, 1998).
A consideração anterior implica uma classificação entre
novos e velhos movimentos sociais. Ao velho movimento social,
corresponde o modelo clássico, que compreende as ações coletivas,
onde os atores buscam mobilizar as massas para tomar o poder
opressor de um Estado. Há uma posição antagonista, onde os
atores estão preocupados com o controle, o poder e a violência, que
são fatores estratégicos na distribuição dos recursos tecnológicos e
econômicos. Desta forma, a mudança na ordem social deveria antes
de tudo passar pelo campo econômico, promovendo a equidade na
distribuição dos bens e serviços, para depois se estender ao campo
da ética, da moral e da cultura. Alain Touraine foi um dos
precursores na construção histórica deste modelo clássico. De fato,
as interpretação que os diversos teóricos dão aos movimentos
sociais consideram-nos como respostas à desigualdade na
distribuição dos recursos gerados pela sociedade, sejam eles bens
materiais ou simbólicos. Talvez seja esta idéia de bens simbólicos
que permita falar em novos movimentos sociais, e para caracterizar
os elementos presentes nessa nova configuração cito o seguinte
texto de Boaventura de Souza Santos:
A novidade maior dos NMSs [Novos Movimentos Sociais] reside
em que constituem tanto uma crítica de regulação social
19
capitalista, como uma crítica de emancipação socialista tal como
ela foi definida pelo marxismo. Ao identificar novas formas de
opressão que extravasam das relações de produção e nem se
quer são especificas delas, como sejam a guerra, a poluição, o
machismo, o racismo ou o produtivismo, e ao advogar um novo
paradigma social menos assente na riqueza e no bem-estar
material do que na cultura e na qualidade de vida, os NMSs
denunciam, com a radicalidade sem precedentes, os excessos
de regulação da modernidade (SANTOS, 2003, p.258).
Tudo isso não só influencia o modo de como se trabalha,
como se produz, como se vive, como se descansa, ou como se
consome, mas também gera formas de opressão transclassistas,
que podem atingir até a sociedade como um todo. A dominação não
advém exclusivamente das relações de produção econômica; a
mais-valia pode ser política, racial, sexual, etária, cultural,
religiosa. Ainda que o modelo de Touraine tenha contribuído
significativamente, é preciso reorientar o quadro de interpretação
para esta realidade dita pós-industrial, como afirma Alexander
(1998). Ocorre que meta-societal, identidade e adversários não
são tão facilmente definíveis, porque dependem de um movimento
relacional e reflexivo. Daí Melucci reivindicar que se dê maior
atenção às dimensões subjetivas, cognitivas e culturais dos
movimentos sociais contemporâneos. Eis uma das caracterizações
que o autor faz da ação coletiva:
A ação coletiva é um sistema de ação multipolar que combina
orientações diversas, envolvendo atores múltiplos e implica um
sistema de oportunidades e de vínculos que dá forma às suas
relações. Os atores produzem a ação coletiva porque são
capazes de definir-se e de definir a sua relação com o ambiente.
(MELUCCI, 2001, p. 46)
Ainda retomando Melucci, o sistema de ação multipolar
pode ser descrito como um conjunto formado por três vetores
interdependentes, os quais se encontram num constante movimento
de ajuste das tensões existentes entre eles. Esses vetores seriam
os fins, os meios e o ambiente da ação. Os fins constituiriam o
sentido que a ação tem para o autor, e que pode se desdobrar em
fins de curto, médio ou longo prazo; os meios seriam as
20
possibilidades, os caminhos e os limites da ação; o ambiente da
ação seria o espaço social compreendido pelo o humano e o não-
humano, ou seja, outros atores, recursos disponíveis, e ainda,
possibilidades e limites onde a ação se realiza. Para que o ator,
num contexto de movimento social, possua ou (re)dimensione um
fim para sua ação é necessário que se produza uma identidade, ou
se situe na ordem social (o definir-se de Melucci). Daí, se os fins
dependem de uma identidade, para interagir com os meios e o
ambiente, então se faz necessário problematizar a questão da
identidade.
1.2. Diferenciação social e formação de identidade
Sabe-se que somente a partir de um sistema de
diferenciação social é que a idéia de identidade pode ser
sustentada. E que essa idéia de diferenciação social, também, só
pode ser sustentada a partir de um dado conjunto de relações
sociais. Mas para categorizar esta diferenciação, deve-se recorrer a
outros autores, uma vez que Melucci não está preocupado em
aprofundar esta questão.
A sistematização realizada por Bourdieu acerca dos
princípios de diferenciação no espaço social e espaço simbólico
configura-se adequada para compor esta lacuna ainda presente
nesta construção teórica. Bourdieu afirma que toda sociedade se
apresenta como um espaço social, ou seja, como estruturas de
diferenças, e que só podem ser compreendidas a partir da
elaboração do princípio gerador que funda as diferenças na
objetividade (BOURDIEU, 1997, p.50). Este autor tem o cuidado
metodológico de apontar que o uso de princípios classificadores,
ainda que pautados na realidade, só podem existir teoricamente,
mas que se fazem necessários para atingir a tarefa explicativa e
permitir que se distinga e se agrupe os agentes que mais se
pareçam entre si e que sejam tão diferentes quanto possível dos
integrantes de outras classes, vizinhas ou distantes. (idem, ibidem,
p.24). Num primeiro momento o espaço social é tomado como uma
realidade invisível, mas que pode ser captada através da construção
21
de classes teóricas que dêem conta de sintetizar as práticas e as
representações dos agentes. Isto ocorre através da relação,
observada pelo pesquisador, entre as posições sociais, as
disposições (ou habitus) e as tomadas de posição. O habitus é um
princípio gerador e unificador capaz de retraduzir as características
intrínsecas e relacionais de uma posição social, em um estilo de
vida, compreendendo um conjunto determinado de pessoas, de bens
e de práticas. As tomadas de posição seriam as escolhas que os
agentes sociais fazem nos domínios mais diferentes da prática (id.
Ibid., p.21-22). A posição social seria definida pela posição em que
um determinado agente ocupa nos diferentes campos, ou seja, na
distribuição dos poderes que atuam em cada um dos campos,
considerando o capital econômico, o capital cultural, o capital social
e também o capital simbólico. Segundo Bourdieu o capital
econômico seria constituído pelos diferentes fatores de produção e
pelo conjunto de bens econômicos que os sujeitos possuem, seja,
renda, patrimônio e outros bens materiais. O capital cultural seria o
conjunto das qualificações intelectuais disponibilizadas aos sujeitos
pelo sistema escolar ou transmitidas pela família. Compreende
habilidades intelectuais, posse de bens culturais, títulos
acadêmicos, etc. O capital social é definido pelo conjunto das
relações sociais de que dispõe um indivíduo ou grupo. O que implica
na instauração e manutenção de relações através de um espaço de
sociabilidade, constituído por eventos em comum, onde os
indivíduos compartilham um estilo de vida. Quanto ao capital
simbólico, seria um conjunto de rituais (como boas maneiras)
diretamente relacionados com a honra e o reconhecimento. E é o
capital simbólico que assume maior significado neste trabalho.
Acontece que esta modalidade de capital, ainda que esteja numa
relação de interdependência com os demais tipos, acaba assumindo
preponderância na hierarquização dos agentes dentro do campo
social. É no capital simbólico que se atribui valores aos agentes,
que é transformado em prestígio, reputação, fama e etc.
(BOURDIEU, 2001, p.134). Assim, ocorre uma luta simbólica pelo
22
monopólio da nomeação legítima como imposição social. Seria uma
visão legítima do mundo social. É esta hierarquização dos agentes
que permite, neste ponto, retornar à questão da identidade. Esta
hierarquização é sustentada por uma violência simbólica, onde
ocorre o conhecimento e o reconhecimento dos agentes, numa luta
pela revelação, construção, e posicionamento de si e do outro na
ordem social. Segundo Bourdieu, o poder sobre o grupo que se
trata de trazer à existência enquanto grupo é, a um tempo, um poder
de fazer o grupo impondo-lhe princípios de visão e de divisão
comuns, portanto, uma visão única da sua identidade, e uma visão
idêntica da sua unidade (2001, p.117).
Remetendo as considerações anteriores ao objeto desta
investigação, ou seja, o estudo da ação coletiva delineada pelo
movimento GLBT em Goiânia, pode-se afirmar que existe um conflito
baseado no capital simbólico adquirido e atribuído aos indivíduos
homossexuais que pode levá-los a agir coletivamente. Assim,
admite-se que a identidade social seja composta por um conjunto de
atribuições e identificações, e que a hierarquização só se torne
possível a partir do momento em que as relações sociais elegem
uma dessas atribuições ou categorizações sociais como fator
relevante para o indivíduo usufruir ou não de prestígio, status ou
honra social. No caso aqui problematizado, a orientação afetivo-
sexual dos indivíduos seria o fator principal de sua classificação, e
de posicionamento desses indivíduos no campo social, mesmo
respeitando a variação no campo econômico, cultural, ou
profissional. Seria uma hierarquização entre heterossexuais e
homossexuais, para ficar numa classificação simplista como
dentro/fora, superior/inferior. Mas na verdade se trata de uma
classificação muito mais complexa, onde envolve não só o fato de
ser heterossexual ou homossexual, mas também a forma como
realiza sua orientação afetivo sexual, praticando um sexo sadio ou
doentio. Daí decorre que, mesmo aqueles indivíduos que não
contrariam a heteronormatividade, mas que praticam sexo fora do
casamento ou outro tipo de promiscuidade seriam classificados
23
num patamar da pirâmide da prática sexual, inferior aos demais
heterossexuais.
1.3. A de-formação de uma identidade social.
A existência da hierarquia e de uma distribuição desigual
dos recursos valorizados por uma sociedade não garante a
mobilização dos agentes ditos em situação de dominados. É preciso
investigar melhor a constituição dos posicionamentos ou
rotulações. Numa definição de Claude Dubar, a identidade nada
mais é que o resultado a um só tempo estável e provisório,
individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos
diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem
os indivíduos e definem as instituições (2005, p.136).
Esta definição permite vislumbrar a identidade numa
perspectiva capaz de captar os elementos estruturais, de construção
objetiva, macro-sociológica, mas também os elementos micro-
sociológicos, de construção subjetiva, do agir dos indivíduos na vida
cotidiana, através de suas escolhas ou histórias. Dubar
complementa essa perspectiva dinâmica de identidade, através da
articulação entre dois processos heterogêneos, seja, os atos de
atribuição e os atos de pertencimento. Nestes, a pessoa exprime
o que ela quer ser, ou a “identidade para si. Já os atos de
atribuição visam definir aquilo que você é, a identidade para o
outro. Isto indica uma dualidade do social, pois é na relação com e
para os outros, que o indivíduo é identificado e levado a endossar
ou a recusar a identificação que recebe dos outros ou das
instituições. É nesse provável desajuste entre identidade atribuída e
identidade reconhecida que pode residir o conflito, que
posteriormente conduzirá ou não ao tipo de ação coletiva que se
pretende estudar neste trabalho.
O movimento que os indivíduos realizam para reduzir a
distância entre a identidade atribuída e a reconhecida pode ser
denominado de estratégias identitárias (DUBAR, 2005, p.140).
Tais estratégias podem assumir duas formas:
24
transações externas: ocorrem entre o indivíduo e os
outros significativos e constituiriam uma tentativa de
acomodar a identidade para si à identidade para o outro
(transação considerada objetiva);
transações internas ao indivíduo (considerada
subjetiva), que constituiriam a necessidade de
salvaguardar uma parte de suas identificações anteriores
(identidades herdadas) e o desejo de construir para si
novas identidades no futuro (identidades visadas), com o
objetivo de assimilar a identidade-para-o-outro à
identidade-para-si (DUBAR, 2005).
Para elucidar melhor a dinâmica dessa relação segue o
comentário de Dubar:
A transação subjetiva depende, de fato, das relações para com
o outro, constitutivas da transação objetiva. A relação entre as
identidades herdadas, aceitas ou recusadas pelos indivíduos, e
as identidades visadas, em continuidade às identidades
precedentes ou em ruptura com elas, depende dos modos de
reconhecimento pelas instituições legítimas e por seus agentes
que estão em relação direta com os sujeitos envolvidos. A
construção das identidades se realiza, pois, na articulação entre
os sistemas de ação, que propõem identidades virtuais, e as
trajetórias vividas, no interior das quais se forjam as
identidades reais às quais os indivíduos aderem (2005, p.140).
Este construto teórico é muito importante para o
entendimento de identidades homossexuais, não só porque permite
pensar numa configuração identitária ao mesmo tempo
relativamente estável e evolutiva, mas porque a identidade social
dos indivíduos que compõem o movimento GLBT apresenta uma
multiplicidade que transcende a oposição hetero/homossexual.
Numa perspectiva construtivista radical esta oposição seria diluída
ao ponto de não permitir falar em identidade, como na teoria queer,
mas tais implicações não serão abordadas neste trabalho.
A concepção construtivista da identidade aqui adotada
comporta dois processos concorrentes, o biográfico (identidade para
si) e o processo relacional, sistêmico, comunicativo (identidade para
o outro), mas que utilizam um mecanismo comum: o recurso a
25
esquemas de tipificação. Isto implica na existência de um número
limitado de modelos socialmente significativos para realizar
combinações coerentes de identificações fragmentárias” (Erikson
apud Dubar, 2005, p.143). Somente a análise empírica permite
estabelecer e verificar correlações significativas e possíveis
hierarquizações. A capacidade de categorização realizada por
sociólogos deve surgir a partir das tipificações recíprocas, já
realizadas pelos próprios indivíduos. Falar de identidades
homossexuais, de movimento GLBT, implica em desconstruir uma
identidade coletiva, para captar suas especificidades identitárias e
novamente reconstruir uma possível identidade coletiva, que seja
capaz de promover a ação coletiva.
Para retornar a realidade empírica, a que Melucci designa
como pós-empírica, porque é uma realidade em constante mutação,
permeada por subjetividades, inclusive a do próprio pesquisador, é
necessário um arcabouço que permita proceder na categorização
dos tipos identitários. Assim, a pesquisa de estilos de vida, de
habitus pode servir como ponto de partida para uma categorização
dos diversos segmentos formadores do movimento GLBT, e
constituintes das leis gerais de um campo de ativismo GLBT.
1.4. Dos estilos de vida à rede de ativismo GLBT.
Identificar os espaços sociais, as práticas, os gostos, a
cultura, a linguagem e outros elementos do cotidiano dos sujeitos
homossexuais, permite compor as tipificações ou categorias sociais
(nativas). Nas palavras de Bourdieu, a apropriação material ou
simbólica de uma determinada categoria de objetos ou práticas
classificadas e classificadoras, é a fórmula generativa que está no
princípio do estilo de vida (1994). Assim, o espaço inicial de estudo
(campo de observação) torna-se circunscrito mais ao campo de
culturas da homossexualidade do que propriamente a outros
campos, seja da política ou da economia. Adentrar nestes estilos de
vida constitui o caminho para entender não só a formação da ação
coletiva, mas a sua extensão e dinâmica. Percebe-se que as
atividades do movimento GLBT não são somente conflituais; parte
26
de suas energias se direciona para o exterior, opondo-se a um
modelo cultural, político e social excludente, mas ao mesmo tempo
outra parte de suas energias se direciona para o interior,
fomentando a formação, ou sustentação de uma cultura, dos
estilos de vida. Já é possível diagnosticar que este movimento
social, ao mesmo tempo que inclui o modelo formal de organização,
também busca novas formas organizativas, configurando redes de
sociabilidade e solidariedade, cujo maior peso está na conotação
cultural. É disso que resulta um modelo de entendimento do ator
coletivo, ou seja, é preciso analisar os processos de mobilização, as
formas organizativas, os modelos de liderança, as ideologias e as
formas de comunicação. Percebe-se que, para a concretização da
ação coletiva (Parada GLBT e sua extensão), ocorre uma
articulação de atores localizados em ONGs, fóruns, associações,
redes de redes, que formam um núcleo capaz de agregar no seu
entorno, atores aliados, que muitas vezes compõem segmentos
diferenciados dos novos movimentos sociais.
Nas sociedades globalizadas, multiculturais e complexas, as
identidades tendem a ser cada vez mais plurais e as lutas pela
cidadania incluem, freqüentemente, múltiplas dimensões do self:
de gênero, étnica, de classe, regional, mas também dimensões
de afinidades ou de opções políticas e de valores: pela
igualdade, pela liberdade, pela paz, pelo ecologicamente
correto, pela sustentabilidade social e ambiental, pelo respeito à
diversidade e às diferenças culturais, etc. (SCHERER-WARREN,
2006, 115).
A ação coletiva está permeada por esta diversidade de
sujeitos, de situações e de significados. Então, retorna-se àquela
dificuldade apontada por Melucci, entre manutenção dos meios, dos
fins e do ambiente da ação. A complexidade, advém exatamente da
maior capacidade dos sujeitos se movimentarem, produzindo um
ambiente de alta reflexividade.
A contribuição de Axel Honneth, com relação a sua teoria
do reconhecimento, num contexto pós-tradicional, pode ajudar a
entender como esses sujeitos diversos teriam uma premissa básica
que os levariam a promover ações coletivas e a compartilhar
27
projetos sociais. Para Honneth a abordagem de sua teoria do
reconhecimento
Encontra-se no ponto mediano entre uma teoria moral que
remonta Kant e as éticas comunitaristas: ela partilha com aquela
o interesse por normas as mais universais possíveis,
compreendidas como condições para determinadas
possibilidades, mas partilha com estas a orientação pelo fim da
auto-realização humana (HONNETH, 2003 p.271).
Honneth utiliza o termo eticidade para se referi ao ethos de
um mundo da vida particular que se tornou hábito, mas do qual só
podemos fazer juízos normativos, na medida em que ele é capaz de
se aproximar das exigências de princípios morais universais. Então,
que eticidade seria esta capaz de promover e legitimar moralmente
a ação coletiva do movimento GLBT? Surge aqui a necessidade de
formular a compreensão de um campo moralmente maior que o
campo do ativismo GLBT. Trata-se do campo do ativismo dos
direitos humanos. O próprio Honneth, utilizando-se de Hegel e
Mead, sintetiza três padrões necessários de reconhecimentos que
permitem aos sujeitos humanos chegarem a novas formas de auto-
relação positiva. Seria o reconhecimento no amor, o reconhecimento
jurídico e o reconhecimento na solidariedade. Na experiência do
amor estaria a possibilidade da auto-confiança, na experiência do
reconhecimento jurídico estaria a possibilidade do auto-respeito e
na experiência da solidariedade estaria a possibilidade da auto-
estima. Ora, não estariam os sujeitos da ação coletiva do movimento
GLBT reivindicando exatamente a ampliação desses padrões de
reconhecimento?
Então a existência de um campo de ativismo de direitos
humanos poderia ser entendida como uma premissa de
possibilidades de surgimento, manutenção ou empoderamento de
um sub-campo que seria o do ativismo GLBT? Seguindo, ainda as
premissas de Honneth a atuação dos sujeitos na luta pelo
reconhecimento é que poderia abrir possibilidades de um
desenvolvimento normativo mais elevado. E Bourdieu, também
aponta que
28
A história só pode produzir a universalidade trans-histórica
produzindo, por meio das lutas tantas vezes impiedosas dos
interesses particulares, universos sociais que, por efeito da
alquimia social das suas leis históricas de funcionamento,
tendem a extrair da defrontação dos interesses particulares a
essência sublimada do universal (BOURDIEU, 1989, p. 73).
Desta forma o ativismo dos direitos humanos seria uma
espécie de guarda-chuva, que daria o suporte teórico e prático, a
outros ativismos, tais como movimento negro, feminista, movimento
GLBT e outros. A dissertação de Michelle Conde
1
intitulada: O
movimento homossexual brasileiro, sua trajetória e seu papel na
ampliação do exercício da cidadania, também apresenta
contribuição neste sentido. A utilização do conceito de campo, seria
aqui, elemento fundamental para a percepção que se busca
apreender acerca da ação coletiva promovida pelo ativismo GLBT.
Segundo Bourdieu,
um campo pode ser definido como uma rede ou uma
configuração de relações objetivas entre posições. Essas
posições são definidas objetivamente em sua existência e nas
determinações que elas impõem aos seus ocupantes, agentes
ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na
estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou
de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos
que estão em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas
relações objetivas com as outras posições (dominação,
subordinação, homogologia, etc) (BOURDIEU apud
BONNEWITZ, 2003, p.60).
Para desenvolver empiricamente esta noção de campo,
aplicada ao ativismo GLBT é necessário, primeiramente, buscar as
leis gerais, as variáveis funcionais ou a estrutura do campo aqui
estudado. Num segundo momento, é necessário também perceber a
relação com outros campos (política, cultura, ciência, economia, e
outros ativismos relacionados aos direitos humanos).
A construção de um campo de ativismo homossexual passa
por uma aliança de movimentos sociais e sujeitos diversos,
governamentais, não governamentais ou privados, entorno de uma
1
Dissertação defendida no Mestrado em Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da UFG em
2004.
29
pauta multidimensional. As ações desses movimentos seriam
voltadas para temas transversais, relacionados com as diversas
formas de exclusão social ou novas demandas de direitos. Além
disso, o modelo de entendimento da ação coletiva não deve se
esquecer de gerar uma combinação ou captar a combinação
existente entre os elementos diacrônicos e sincrônicos, que
permeiam indivíduo e estrutura. Isto dá força aos argumentos de
Melucci, em relação a dificuldade de se produzir uma ação coletiva
genuinamente antagonista. E é isto que se propõe realizar no
próximo capítulo, recorrendo ao concreto, para explicar melhor os
aspectos múltiplos da ação coletiva. Como percebemos
concretamente, esses aspectos múltiplos da ação coletiva no
movimento GLBT? Como se verifica a existência e a dinâmica desse
campo de ativismo GLBT?
30
CAPÍTULO II. UM CORPO NO ESCURO É CONSTRUÍDO PELO
TATO
2.1.
A construção do objeto teoria e prática
A idéia de um escuro prevalece também no aspecto prático
da construção do objeto. Então o objeto aparece como um corpo que
precisa ser definido, mas o ambiente não está claro. As curvas, as
marcas, as dimensões, as cicatrizes precisam ser percebidas pelo
tato. Aqui, dois desafios. A postura do pesquisador, com sua leveza,
sensibilidade para tocar o corpo que lhe é estranho, tendo o cuidado
para não provocar a repulsa. O outro desafio pertence ao próprio
objeto, que se deixa ou não tocar. É o corpo impondo limites ou a
forma de ser tocado. Alertando para o que pode ser visto. o que é
parte íntima, inviolável, intocável. Um corpo que se recusa a ser
coisa, objeto Ora quer ser entendido, explicado, e ora não.
Entendido sim, violentado não. Tudo isso ocorre num processo de
interação entre pesquisador e pesquisado, permeado pela
reflexividade. A implicação desse processo é o resultado da
descrição do objeto, ou da construção do corpo. Um movimento (do
corpo-objeto) ou um toque (do pesquisador-tato) inesperado pode
distorcer a forma do corpo e inviabilizar uma melhor compreensão.
Mas de quem é este corpo? É o corpo do movimento GLBT.
Então, existe outra implicação. Discernir as formas desse corpo.
Caracterizar separadamente essas letrinhas. É aqui que os estudos
sobre sexualidade aparecem como balizadores. Eles permitiram
formular uma definição teórica e conciliá-la com a formação
empírica do que seria o gay, a lésbica, o bissexual, a travesti e o
transexual. Posteriormente esse objeto será ampliado, tornando-se
duas categorias homossexuais (categoria central e sub-dividida) e
não-homossexuais (categoria secundaria).
31
2.2. Metodologia os desafios da observação
Na prática da observação foi utilizado muito da contribuição
de Melucci, sintetizada em seu texto, Métodos qualitativos e
pesquisa reflexiva (2005). A noção de Teoria dos Sistemas, por ele
apontada como um recurso teórico necessário para interpretar uma
realidade muito diferenciada, pareceu se ajustar ao propósito dessa
investigação. Em seu conjunto, as formulações de Melucci,
alertaram
para o cuidado na mediação lingüística, a noção de que
a realidade social, além de estar em continuo movimento enquanto é
observada, também interage com o observador, e que, portanto o
ato de observar também é um ato de intervenção. A pesquisa não é
capaz de tornar inteiramente transparente a modificação que pode
provocar no campo, mas é responsabilidade do pesquisador
controlar o grau de transparência e de opacidade que a pesquisa
comporta. Segundo Melucci, a opacidade se refere a intenções ou
expectativas não explicitas tanto de pesquisador quanto de
pesquisados. Inevitavelmente constrói-se uma opacidade nas
relações sociais, pois sem isto, não haveria uma definição de quem
é o observador e o observado. É como se a observação trabalhasse
sobre um campo artificial que é modificado pela própria observação.
E isto não é algo tão simples de ser construído. Enquanto
pesquisador sempre me posicionei como heterossexual, e como não-
militante do movimento LGBT, o que já estabelecia distância –
outridade para com sujeitos homossexuais. O desafio era
negociar essa relação. Como este posicionamento poderia gerar um
ambiente de cooperação ou não dentro do campo da pesquisa.
Melucci fala em contrato para se referir a uma situação de
confiança onde o pesquisador pode pedir aos sujeitos para colocar
a sua disposição informações que, de outro modo, não teria acesso
Melucci, 2005, p.337.
Os apontamentos anteriores estão relacionados com os
aspectos metodológicos da pesquisa, e são de fundamental
importância para se juntarem às questões epistemológicas. Ao fazer
uso de uma teoria dos sistemas, implica já ter diagnosticado a
presença de uma complexidade na realidade estudada. Ao mesmo
32
tempo em que a noção de sistema é necessária para interpretar uma
realidade muito diferenciada, ela também depende da figura do
observador. Não seria possível fundar a noção de sistema senão
instituindo um ponto de vista situado que introduza a distinção entre
o que pertence ao sistema e o que está em seu exterior. Mas estes
aspectos teóricos serão retomados posteriormente no capítulo
seguinte.
Quanto ao trabalho empírico, também observou-se muito do
que Melucci chamou de virada epistemológica ao se referir aos
processos de redefinição do campo da pesquisa social. O autor cita
quatro características principais desta redefinição, sendo a primeira,
a centralidade da linguagem tudo que é dito, é dito para alguém
em algum lugar (MELUCCI, 2005, p.33). Trata-se de perceber que
não existe conhecimento sociológico que não passe por uma
linguagem, e que esta linguagem também está situada. Quem fala,
fala de um determinado lugar e de um determinado modo. A
linguagem é sempre culturalizada, portanto, no campo, os sujeitos
do movimento GLBT sempre tinham um lugar ou tempo específico ao
qual suas falas estavam relacionadas. Um exemplo disso são as
classificações êmicas (internas aos sujeitos GLBT) que possibilitam
uma diversidade identitária muito maior que a catalogação de
documentos oficiais podem oferecer. Existem subgrupos, como gays
barbies, ursos, ladies e outros.
Uma segunda característica seria a relação entre
observador e o campo. Segundo Melucci existe um momento de
conexão, o qual chama de observador-no-campo. Trata-se de
perceber que o pesquisador não está isolado e sim inserido no
campo da pesquisa. Isto remete a terceira característica - a dupla
hermenêutica. Significa que não produzimos conhecimentos
absolutos, mas interpretações plausíveis. O pesquisador, através
dos comportamentos dos sujeitos, busca entender como estes
sujeitos interpretam suas próprias ações. Assim, a pesquisa só
produz interpretações que buscam dar sentido aos modos pelos
quais os sujeitos dão sentido às suas ações. Para Melucci, isto seria
33
narrações de narrações. Em termos metodológicos, isto abre mais
questões do que fecha, pois não se trata somente da relação
observador e realidade, mas também de questionar quais os
critérios
(cognitivos, políticos, éticos, técnicos) da interpretação
produzida.
A quarta e última característica da pesquisa social
contemporânea é a forma de apresentação dos resultados. A
linguagem cientifica seria uma das estratégias possíveis e que não
estaríamos diante de narrações objetivas, mas de formas de relato
que adotaram uma certa estratégia retórica. O cientista deve estar
consciente de que ao traduzir a realidade social dos sujeitos
estudados para uma linguagem científica, acaba também
distanciando, limitando ou ampliando o entendimento que os
próprios sujeitos estudados possuem de sua própria realidade.
Então a forma de apresentação dos resultados deve levar em
consideração o público para o qual está sendo apresentada.
Segundo Melucci,
O objetivo da pesquisa social não tem mais a pretensão de
explicar uma realidade em si, independente do observador, mas
se transforma em uma forma de tradução do sentido produzido
pelo interior de um certo sistema de relações sobre um outro
sistema de relações que é aquele da comunidade cientifica ou
do público (2005, p.34).
O que se buscou estabelecer foi, então, esse consenso
capaz de permitir que a observação acontecesse. São duas direções
da reflexão: uma epistemológica e outra metodológica. Uma
representa a auto-observação do observador, onde o problema é
adequar a quantidade de reflexividade aplicada a si mesmo. A outra
representa o questionamento de como é possível observar
acontecimentos e processos, tais como as dimensões significativas
do campo, diferentes da sua estrutura, das suas regras e da sua
continuidade e permanência (MELUCCI, 2005, p. 320).
A utilização da técnica de pesquisa qualitativa deve-se
ao
fato de que esta possui uma formulação que permite dar maior
atenção à reflexividade, ou seja, de relatar reorientações e
34
negociações a que os indivíduos são direcionados em virtude de sua
própria inserção na pesquisa, como objetos. Através da
observação participante foi possível um maior envolvimento com os
sujeitos estudados, o que também aumentou a capacidade reflexiva
dos sujeitos (aqui, pesquisador e pesquisados): o pesquisador
lidava com a dificuldade de não ver os fatos enquanto ativista,
enquanto os ativistas, por sua vez, não viam os fatos como um
pesquisador. Então, ora ou outra, o pesquisador se via participando
de uma atividade como se fosse um ativista: decorando veículo para
a Parada
2
, segurando cartazes e dando gritos de ordem em
manifestações. Isso exigia um esforço para retomar o
posicionamento de pesquisador. Também, muitos ativistas que
sabiam das atividades do pesquisador, davam opinião sobre os fatos
ocorridos e acabam teorizando, como se fossem também
pesquisadores. Isto era uma demonstração de que o contato com
pesquisador estimulava os pesquisados a produzirem um
entendimento de suas ações. Outra questão era a cobrança
apontada diretamente pelos sujeitos pesquisados acerca do retorno
que a comunidade acadêmica deveria produzir para o movimento.
Várias vezes os pesquisados afirmaram que diversos estudantes e
professores universitários já haviam realizado algum estudo
(pesquisa participante), mas que nunca retornaram para divulgar os
resultados da pesquisa. Chegavam a afirmar que eram tratados
como ratos de laboratório pelos pesquisadores. Isto era um fato
concreto que diretamente me chamava para um maior envolvimento
ou compromisso com o grupo estudado. Daí o fato de ter participado
de eventos não como mero espectador, mas como um agente. Fui
voluntário na organização de três paradas, ajudando na decoração,
distribuindo panfletos nas ruas, fixando cartazes em instituições;
participando de manifestações públicas, tais como Parada
Universitária e Manifestação no Banana Shopping.
Esse engajamento permitiu entender melhor os segmentos
que formavam o movimento, até então denominado GLBT e suas
2
Isto correu nas paradas de 2006, 2007 e 2008 de Goiânia.
35
lutas internas. Falo posteriormente da mudança ocorrida nesta sigla.
A definição oficial dessas letras conforme documento elaborado por
equipe do Ministério da Saúde, cuja redação recorreu inclusive a
membros da comunidade de homossexuais:
Gays: são indivíduos que, além de se relacionarem
afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo, têm
um estilo de vida de acordo com essa sua preferência,
vivendo abertamente sua sexualidade.
Bissexuais: são indivíduos que se relacionam sexual e/ou
afetivamente com qualquer dos sexos. Alguns assumem
as facetas de sua sexualidade abertamente, enquanto
outros vivem sua conduta sexual de forma fechada.
Lésbica: Terminologia utilizada para designar a
homossexualidade feminina.
Transgêneros: terminologia utilizada para descrever
pessoas que não se enquadram nas definições de hetero,
homo ou bissexual, gay ou lésbica. São pessoas cuja
identidade de gênero transcende as definições
convencionais da sexualidade.
Transexuais: são pessoas que não aceitam o sexo que
ostentam anatomicamente. Sendo fato psicológico
predominante na transexualidade, o indivíduo identifica-
se com o sexo oposto, embora dotado de genitália
externa e interna de um único sexo (BRASIl, Ano 2005,
Projeto Somos Guia Prático Série manuais 65. p.
135).
Observe que o segmento travesti não foi apontado, talvez
porque o documento parece incluí-lo na categoria de sujeitos
transgêneros, coisa que os próprios sujeitos travestis se recusam a
aceitar. Observe também que a ordem para definir os segmentos
não foi a mesma da sigla GLBT. O B foi definido logo após o G.
Acontece que o posicionamento dessas letras possui grande
importância para os sujeitos do movimento.
36
A observação participante foi crucial no entendimento das
tipificações desses segmentos. Além de uma orientação sexual
peculiar, esses sujeitos possuíam uma prática comum, aquilo que
Bourdieu chama de estilo de vida, formado por um conjunto de
práticas, de lazer, de gostos, de propriedades, de maneiras de agir,
de modos de vestir, de linguagem em comum, que permitiria
caracterizar o segmento ao qual o indivíduo pertencia. Percebeu-se
também que além deste habitus relacionado com a orientação
sexual, também havia um habitus relacionado com a prática política,
que seria o habitus do ativista do movimento GLBT. Trata-se de uma
rotina, uma situação de repetição, que possibilita a construção
social, não somente de hábitos corporais, gestuais, sensório-
motores (relacionados com a construção de um corpo homossexual),
mas também de hábitos reflexivos, deliberativos, racionais ou
calculadores (relacionados com a construção de um ator político).
Nas palavras de Bernard Lahire de fato não são atores inteiros,
com habitus homogêneos, que se relacionam, mas atores que se
adaptam ou concordam entre si, às vezes, em pontos precisos e em
situações muito limitadas (2002. p.26). Isto não significa a
existência de uma separação mecânica, capitada instantaneamente,
entre os atores, mas que há uma diversidade de esquemas de ação
permeados pelas diversas trajetórias dos atores.
2.3. Uma metodologia para desconstruir a unidade e
recompor o todo
Uma das preocupações é entender como se processa o
movimento e como se dá a definição dessas letras na sigla. Seria
entender como essas letrinhas fazem a sopa, ou melhor, se
misturam como na obra de Regina Facchini (FACCHINI, 2005). Uma
das lutas internas dos segmentos é o posicionamento das letras.
Somente após a Conferência Nacional LGBT em junho de 2008, a
letra
L
veio para o início conforme reivindicação do segmento
lésbico. Havia dois motivos básicos. Primeiro uma conotação de
machismo ao manter o
G
na frente. O segundo seria uma
37
necessidade de empoderar as lésbicas, que geralmente se
encontram em situação menor visibilidade. A letra
T
no final passou
a abranger travestis e transexuais. Antes era reivindicado mais de
um
T
na sigla. Lembro que a Parada de 2006 utilizou a sigla GLBT,
já em 2007 a sigla foi GLBTT. Então estes são exemplos da tensão
entre os segmentos
3
e também tem grande implicação para este
trabalho. Quando se iniciou a pesquisa empírica a sigla era GLBT,
daí o motivo de tê-la mantida no titulo deste trabalho. Não deixa de
ser um embaraço, pois que doravante utilizarei somente o LGBT
neste texto. Mas também serve como mais uma prova empírica da
constante movimentação e tensão que permeia o objeto estudado.
Na dinâmica da relação entre os segmentos é que se
percebeu a configuração de um sistema de organização do ativismo
LGBT em Goiânia. Constatou também que a existência de um campo
maior, formado por organizações governamentais ou não que
pautavam pela garantia dos direitos humanos e de outros direitos
políticos, sociais e civis, que acabavam por formar aquilo que
Honneth chama de eticidade. Um conjunto de normais universais
que permitem a sujeitos com práticas particulares, reivindicarem sua
condição de equidade dentro de um grupo diverso. Ao realizarem
ações que reivindicavam essa condição de equidade é que os
sujeitos produziram um campo de ativismo LGBT.
3
Conforme relato de participante da Conferência Nacional GLBT, somente após uma discussão
exaustiva é que se chegou ao acordo de padronização da sigla: LGBT. Um participante gay afirmou que
continuaria usando GLBT em sua cidade. Ele foi veemente repreendido e ridicularizado por uma
participante lésbica. Parece que a padronização acaba desconsiderando as peculiaridades locais.
Força semi-externa
Composta por ativistas de outros
movimentos sociais
Força interna
Composto por sujeitos do
movimento LGBT
Força externa
Composta por instituições
governamentais, classe política e
empresarial GLS
Sistema de organização do ativismo
LGBT
38
Figura 1.
Sistema de organização do ativismo LGBT.
Fonte: URANY, 2008.
Ainda que o sistema esquematizado na Figura 1 não
permita visualizar a dinâmica, quero enfatizar que existe um
conjunto de movimentos (ação, agir) e que essas forças se realizam
numa situação de interdependência.
A camada externa (o governamental e empresarial), precisa
se legitimar, através da incorporação das reivindicações das
camadas mais internas. E estas, por sua vez precisam somar forças,
para ampliar o campo de ação e legitimar suas carências em relação
a um campo mais universal de direitos. A camada interna (ativistas
do movimento LGBT) faz um esforço para manter a coesão. Ainda
que ocorram divergências internas, é necessário fortalecer o campo
do ativismo. Assim, a luta de sua ação coletiva é para estabelecer
um campo de ativismo. Por isso que o antagonismo deve ser
controlado. Deve haver tensão, mas esta tensão não pode ser forte
ao ponto de prejudicar a construção do campo do ativismo LGBT.
39
Por outro lado, os ativistas dos direitos humanos,
governamentais ou não, precisam inserir na sua pauta, as
reivindicações do ativismo LGBT, pois assim garantem a existência
do campo mais amplo.
A outra dinâmica a ser analisada é como surgem as
hierarquias, ou os posicionamentos dentro do campo do ativismo
LGBT. Quem, como e onde se estabelecem as posições de poder,
de status, de honra que formam o campo do ativismo. E de maior
importância ainda, para sustentar a idéia de ação coletiva sem cair
nas teias do racionalismo, é perceber a complexidade dos
determinantes da ação social. Bourdieu afirma que para um campo
funcionar,
[...] é preciso que haja objetos de disputas e pessoas prontas
para disputar o jogo, dotadas de habitus que impliquem no
conhecimento e no reconhecimento das leis imanentes do jogo,
dos objetos de disputas, etc (1983, p.89).
Então, para se referir ao campo do ativismo LGBT, teríamos
que identificar quais seriam as leis do jogo, que objetos seriam
disputados, quem possuiria o habitus necessário para participar do
jogo. Também implica na composição e no volume do capital social,
econômico, simbólico e cultural que os sujeitos possuem. Isso é o
que permite identificar as tomadas de posição na ordem social.
Entender como os sujeitos se posicionam no campo do ativismo
LGBT.
O fato é que existe um conjunto de regulamentações do
campo de ativismo. Algumas posições são legitimadas pelo próprio
Estado, assim, poderíamos dividir em dois grupos:
institucionalizados formados por instituições
devidamente registradas e que por isso podem buscar
recursos junto ao poder público com maior eficiência e
legitimidade;
não-institucionalizados grupos de ativistas
organizados,
mas que não possuem registro formal.
40
Sua capacidade de buscar fundos é limitada e,
na maioria
das vezes dão suporte político e mobilizador aos grupos
institucionalizados.
Internamente, os grupos também são dotados de um
sistema de posições dos sujeitos. O exercício do ativismo exige uma
assimilação do habitus existente. O poder de fala exige uma
formação, um histórico, que seria um capital social. Os sujeitos que
falam pelo movimento são dotados de um status, de uma honra, ou
título que permitem a eles representar o movimento.
Então, percebe-se que existem duas fontes de legitimidade.
A interna, que é construída dentro de cada grupo e na interação dos
grupos. E a legitimidade externa, que é conferida através de
mecanismos legais (jurídicos) estabelecidos pelo Estado.
2.4.
Um histórico para o movimento LGBT
Somente em 1978, na cidade de São Paulo, é que surge o
primeiro grupo politicamente organizado para defender os interesses
de homossexuais brasileiros. Tratava-se do SOMOS Grupo de
Afirmação Homossexual de São Paulo,
que se desfez em 1980. Daí
o eixo de atuação do movimento homossexual mudou para o Rio de
Janeiro, com o grupo Triângulo Rosa e para a Bahia com o Grupo
Gay da Bahia. O foco das ações desses grupos era buscar apoio
institucional para o combate à AIDS, inicialmente chamada de
Peste Gay.
Os anos 90 permitiram a construção de um relacionamento
mais estreito entre o movimento LGBT e o Estado, em todas as suas
esferas. As ações de combate à AIDS passaram a ser
desenvolvidas, em parte, com parceria entre Estado e movimento
LGBT, e isso fortaleceu o movimento, forçando-o a se organizar
político e administrativamente.
A primeira década do século XXI assiste ao crescimento
gigantesco do movimento. O maior exemplo disso é o tamanho e a
quantidade das paradas no país inteiro. O governo contribuiu muito
através do Ministério da Cultura ou Ministério da Saúde, financiando
projetos que buscassem melhorar a visibilidade e a saúde da
41
população LGBT. O projeto SOMOS do Governo Federal ofereceu
financiamento para ONGs e sistematizou um modelo de formação
de lideranças que foi amplamente implantado. Isso permitiu dar
maior capilaridade ao movimento, uma vez os sujeitos eram
orientados sobre seus direitos, as formas de constituir, gerenciar e
capitalizar uma ONG. Até 2008 o fortalecimento do movimento LGBT
se evidenciava a partir de vários aspectos: formação de um trabalho
em rede, com cerca de 141 Ongs GLT e 62 entidades
colaboradoras; realização de diversos congressos, seminários e
assembléias; construção conjunta (governo e movimento) do Projeto
Brasil sem Homofobia; aprovação de lei contra discriminação por
orientação sexual, em diversos municípios da federação; formação
de uma Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT, constituída por
209 deputados e 16 senadores; realização de 178 eventos e
paradas só em 2008; além de outras vitórias no âmbito normativo
4
.
Então observa-se que o movimento cresce ao mesmo tempo em que
pressiona o Estado e também é fortalecido por este.
2.5.
A Parada LGBT de Goiânia e seus habitus
Na fala dos entrevistados a parada aparece como um
momento revelador da dinâmica do ativismo LGBT:
Eu gosto muito! O dia da parada é um dia dos mais felizes que
eu acho do ano, porque é um único momento que você vê na rua
pessoas que você não vai ver em nenhum outro momento.
Aquela quantidade de pessoas se expressando livremente. E eu
acho muito divertido [...] (Entrevista nº 3).
Também no trabalho de campo, em que acompanhei a
organização das paradas de 2006 e 2007, evidenciou-se que os
esforços para a realização desse evento aproximam-se muito da
dinâmica necessária para que o movimento possa continuar
atuando.
4
Fonte de informação: apresentação do Presidente da AGLBT no seminário “Das margens ao Centro”,
ocorrido em Goiânia, e promovido pelo Sertão Núcleo de estudos e pesquisas em gênero e
sexualidade, de 25 a 27 de setembro de 2008, na Faculdade de Direito da UFG.
42
A Parada do Orgulho GLBT
5
, ocorre anualmente no mundo
inteiro, sempre em torno de uma data específica (28 de junho).
Incluído entre os chamados novos movimento sociais, o movimento
homossexual tem como marco de nascimento a Revolta de
Stonewall, ocorrida em Greenwich Village, bairro de Nova York, em
27 de junho de 1969. O bar gay Stonewall Inn foi violentamente
invadido por uma força policial, que encontrou forte resistência por
parte de centenas de homossexuais que lutaram durante três dias
seguidos. Foi a primeira vez que um grupo de gays reagiu
publicamente contra uma força institucional, tornando, também,
pública a resistência diante da discriminação. A partir de então o
movimento cresceu de forma extraordinária, principalmente nas
grandes metrópoles.
No Brasil a primeira Parada do Orgulho LGBT ocorreu em
1997, reunindo 2.000 pessoas em São Paulo. Em Goiânia, o evento
também se iniciou em 1997, ainda que nos seus dois primeiros anos
tenha tido um caráter mais restrito. Segundo um dos participantes
em 1997, não ocorreu uma parada.
De fato, a intenção era fazer uma manifestação pública,
aonde iria ocorrer uma performance com o Monumento às Três
Raças, situado na Praça Cívica de Goiânia. Como o monumento é
composto por três homens, sendo o negro, o branco e o índio, os
manifestantes iriam vestir esses homens com roupa de mulher. Mas
isso não foi possível, uma vez que havia somente 9 manifestantes e
cerca de 20 policiais. Então, impedidos de realizar a manifestação,
porque a polícia alegou que estariam provocando um dano ao
patrimônio público, os manifestantes acabaram vestindo as roupas e
perucas para fazerem a manifestação acontecer. Somente alguns
anos depois é que a releitura do evento, feita pelo próprio
movimento, considerou-o como sendo a primeira parada gay de
Goiânia
Um breve relato histórico das paradas em Goiânia pode
ajudar a evidenciar a relação de construção do campo do ativismo
5
pode haver variação na denominação devido ao aspecto e histórico do
movimento.
43
com o fenômeno de construção e organização das paradas LGBT. A
alocação de recursos, os sujeitos acionados e o ambiente formado,
se aproximam do mesmo processo de sustentação do campo de
ativismo LGBT. A organização das paradas em Goiânia sempre
tiveram duas instituições como protagonistas a Associação Ipê
Rosa e a AGLT Associação Goiana de Gays, Lésbicas, Travestis e
Transexuais. Geralmente essas instituições revezavam a
responsabilidade pela organização, alternando cada ano. No
primeiro ano que acompanhei
6
, 2006, a AGLT foi quem articulou,
buscou os recursos e gerenciou todo o evento. Isto porque no ano
anterior o gerenciamento do evento teria sido realizado pela
Associação Ipê Rosa. Ainda que existissem outras instituições,
formais ou não, havia um consenso nesse revezamento e na
concentração dos recursos entre essas duas instituições. No ano
seguinte teve uma mudança significativa, pois outra instituição, que
não representava a força interna do movimento LGBT, acabou
assumindo o gerenciamento da XI Parada. O Fórum Goiano de
ONGs AIDS acabou recebendo os recursos do Ministério da Cultura
para custear os principais gastos da Parada. Ainda que este fórum
congregasse outras instituições ditas LGBT, muitos militantes
afirmavam que não se tratava de uma instituição LGBT. Então a
parada de 2007 acabou sendo organizada oficialmente pelo Fórum,
mas paralelamente uma frente de instituições LGBT promoveu e
organizou a participação de autoridades, empresas do mercado GLS
e de figuras historicamente importantes para o movimento em
Goiânia. Essa situação de conflito na organização da parada de
2007 serviu para evidenciar a disputa por espaço no campo de
ativismo LGBT, promovendo uma discussão acerca da legitimidade
das instituições representantes. Outro fato importante, é que a
situação evidenciou uma certa dependência do movimento para com
o Estado. Para concorrer aos recursos as instituições deveriam se
enquadrar em vários requisitos legais. E foi isso que dificultou a
participação de algumas das instituições que constituem a força
6
Foi a “X Parada GLBT” ocorrida em 02 de julho de 2006. Ainda que o movimento homossexual tenha
adotado a sigla LGBT em 2008, todas as paradas em Goiânia tiveram o nome de GLBT.
44
interna do movimento. Então, alguns mecanismos legais (jurídicos),
que são externos ao movimento, ajudam na constituição do campo
de atuação, mas também necessidades de ajustamento e mudanças
no formato organizativo.
2.6.
Os segmentos LGBT encontrados no trabalho de campo
Durante o período de 2006 à 2008, realizei diversas
atividades de campo, participando de manifestações políticas,
eventos culturais, reuniões, festas, grupos de estudos, realizando
entrevistas (total de 12 entrevistas), recolhendo material gráfico,
etc. O fato é que isto permitiu identificar boa parte dos segmentos
que compõem o movimento LGBT em Goiânia. É possível afirmar
que o movimento possui um número muito reduzido de participantes,
e mesmo de grupos organizados. Contudo, mesmo sendo composto
por poucos grupos, o movimento consegue se sobressair
qualitativamente e se apresenta muito atuante e capaz de permear
segmentos político-partidários, religiosos, acadêmicos,
empresariais, governamentais, meios de comunicação, e outros
movimentos sociais. No referido período de estudo pude identificar
os seguintes grupos que compõem a força social interna
7
:
AGLT (Associação Goiana de Gays, Lésbicas, Travestis e
Transexuais);
Associação Ipê Rosa;
Grupo Oxumaré (Direitos Humanos, Negritude e
Homossexualidade);
Astral;
Fórum Goiano de Transexuais;
Lilases (Articulação Feminista Lésbica de Goiânia);
Grupo Colcha de Retalhos A UFG saindo do armário;
Nação Maria Retalho.
Também identifiquei a existência de grupos relacionados
com outros movimentos sociais, tais como movimento negro,
feminista e de tratamento e prevenção à AIDS, que incluem em suas
7
Observe esquema na figura 1.
45
pautas de reivindicação as questões do movimento LGBT. Exemplo
é o Fórum de ONGs AIDS e a Laços Associação Solidária ao
HDT. Juntas essas duas instituições concentraram a maior parte da
organização da Parada de 2007, cuja organização foi fragmentada.
Não tratarei desses grupos aqui, porque acredito que fazem parte
de um grupo maior, que está relacionado com a construção do
campo de ativismo em rede, uma vez que tratam da
homossexualidade numa perspectiva da transversalidade dos
direitos humanos. Estes grupos apresentam características bem
diversas e estariam tanto na composição da força semi-externa
quanto da força externa que ajuda a promover a formação do campo
do ativismo LGBT.
O entendimento produzido sobre cada grupo que compõem
a força social interna, não chega a ser aprofundado, uma vez que o
objetivo não é entendê-los plenamente e separados, mas sim deter-
se sobre os aspectos relevantes de suas interações. Para uma
sistematização inicial, contudo, poderiam ser divididos em formais e
informais. Ou seja, parte deles (formais) possuem uma existência
jurídica, institucionalizada, com CNPJ, estatuto, definição de cargos
e funções. Estes grupos conseguem concorrer e às vezes ter acesso
direto a financiamento de projetos e atividades. No geral, possuem
entorno de uma década de existência e devido a formalidade
jurídica possuem grande preocupação com as questões
administrativas e a prestação de contas. Tais grupos conseguiram
se estruturar ao longo do tempo, constituindo sede, site,
atendimento por telefone, mobiliário e outros equipamentos, mas
também passaram por momentos de dificuldades financeiras que
levaram a perder parte de sua estrutura. Ou seja, uma das
dificuldades maiores é de se manterem dentro dos parâmetros da
institucionalidade. Apresentam também uma dependência muito
grande das articulações promovidas pelos sujeitos que ocupam a
liderança.
Quanto aos grupos informais, possuem menos de 5 anos de
existência e por não serem devidamente registrados, possuem
46
dificuldades para obter financiamento de projetos, uma vez que não
podem concorrer diretamente junto as instituições financiadoras.
Com isso, acabam participando indiretamente de atividades
propostas pelos grupos formais ou junto a outras instituições que
não estão diretamente relacionadas com o movimento LGBT. Devido
a informalidade jurídica acabam produzindo uma estrutura
administrativa mais flexível, sem determinar cargos, mas
distribuindo funções e tarefas de acordo com a possibilidade e
capacidade dos participantes. Percebe-se que os participantes se
encontram numa certa horizontalidade de poder administrativo e que
as hierarquizações são construídas e reconstruídas dentro do
contexto vivido. Estes grupos também se caracterizam por uma
pluralidade maior de idéias e por produzirem questionamentos mais
teóricos, talvez pelo fato de se originarem e atuarem junto ao
ambiente acadêmico.
Esses segmentos encontrados no trabalho de campo, e que
se caracterizam como formais e informais, compõem o núcleo do
movimento LGBT em Goiânia. Seria a força social interna do
movimento.responsável pela definição dos projetos, da ideologia,
dos arranjos políticos e partidários, que definem sua relação com as
demais forças sociais, representadas pelo Estado, pelo segmento
empresarial, pelo terceiro setor e outros movimento sociais.
47
CAPÍTULO III. HOMEM COM HOMEM MULHER COM
MULHER
3.1 Como caracterizar um movimento social
Na verdade não há uma teoria única acerca dos movimentos
sociais, como também não há um tipo único de movimento social. O
que se pode fazer é historicizar as diversas formas como este
conceito foi utilizado, procedendo numa espécie de arqueologia que
viabilize a liberação e expansão de significados que ainda possam
estar encobertos dentro do campo discursivo.
Uma entendimento bem sucinto e objetivo acerca do que
seriam os movimentos sociais, pode ser encontrado em Maria da
Gloria Gohn, quando afirma ver os movimentos sociais
[...] como ações sociais coletivas de caráter sócio-político e
cultural que viabilizam distintas formas da população se
organizar e expressar suas demandas (GOHN, 2003, p.13).
Mas qualquer tentativa de promover uma definição corre o
risco de excluir aspectos relevantes. A referida autora afirma, ainda
que em termos epistemológicos os estudos acerca dos movimentos
sociais estão indissoluvelmente relacionados com o processo de
institucionalização da sociologia, onde sempre ocupou um espaço
de relevância nos estudos das questões sociopolíticas. Os
movimentos sociais sempre foram estudados dentro da problemática
da ação coletiva, e por vezes foi até incluso, por alguns autores,
numa teoria da ação social (GOHN, 1997). Melucci afirma que um
movimento social é sempre uma ação coletiva; então teríamos que
situar as características de um determinado movimento social a fim
de entender seu sistema de ação, sua demarcação de identidades,
de interesses, de subjetividades, e de projetos de grupos sociais
específicos, que constituem, por fim, repertórios de ações coletivas.
Como um recurso heurístico toma-se como ponto de partida um
modelo de entendimento dos movimentos sociais, de forma que
possa também servir como modelo de entendimento de ações
48
coletivas. Basca-se portanto, neste capitulo, sintetizar os diversos
princípios que caracterizam a formação ou dinâmica de movimentos
sociais, para daí entender como a ação coletiva promovida pelo
movimento LGBT, não se encaixa num padrão único, possibilitando
que seu entendimento só se realize através da utilização de um
referencial teórico pluralístico.
Quando se fala em movimentos sociais a primeira
diferenciação necessária se dá entre aqueles movimentos que
possuem um eixo único de reivindicação e que são protagonizados
por sujeitos bem definidos identitariamente, e aqueles movimentos
constituídos por sujeitos diversos, portadores de identidades
diversas, que apresentam uma uniformidade momentânea ou parcial.
Esta discussão permitiria denominar estes de novos movimentos
sociais e os primeiros de velhos movimentos sociais. Há teóricos
que discordam desta divisão, e afirmam que as demandas dos novos
movimentos sociais já existiam anteriormente, só não estavam
incorporadas às lutas sociais do século XIX e inicio do século XX,
porque naquele momento priorizavam as relações de classe. Mas o
interesse aqui não é fechar esta questão, e sim construir um modelo
analítico da ação coletiva perpetrada pelo movimento LGBT.
3.2
Alguns elementos e categorias básicas dos movimentos
sociais
Quero sintetizar alguns elementos e categorias necessárias
para o entendimento dos movimentos sociais, mas também tecer
uma descrição e principalmente demonstrar um pouco da dinâmica
do movimento LGBT de Goiânia. Isto permite não só verificar como
este movimento concreto se enquadra no referencial teórico
utilizado, mas também perceber como é o seu fazer cotidiano, suas
complexidades e diversidades de sujeitos e ações. O ponto de
partida é uma metodologia de estudo dos movimentos sociais, mas
não quero perder de vista o fato de se tratar de uma ação coletiva.
Acredito que este procedimento pode evidenciar como as
características da ação coletiva promovida pelo movimento LGBT
49
vão além do modelo teórico, permitindo uma extrapolação do modelo
e uma possível aproximação com um enquadramento teórico que
visualiza a formação de um ativismo LGBT mais universalizante,
capaz de se inserir e de ser inserido no ativismo dos direitos
humanos, e contribuir para a formação do campo de ativismo LGBT.
A primeira decisão metodológica com vista a analisar um
movimento social é perceber que sua composição está divida em
elementos internos e externos. Segundo Gohn é internamente que
eles constroem repertórios de demandas segundo certos valores,
crenças, ideologias etc. e organizam as estratégias de ação que os
projetam para o exterior (1997, p.255). Então é necessário
perceber como se constitui essa força interna e como ela consegue
expandir seu ambiente, provocando ressonância no sentido do
centro para a margem. Externamente deve-se perceber o contexto
sociopolítico e cultural em que o movimento se insere, considerando
seus opositores, as articulações, as redes externas construídas
pelas lideranças e militantes, e suas relações com outros
movimentos e lutas sociais, com órgãos estatais e demais agências
da sociedade política, com igrejas e outras formas de religião, com
outras instituições e atores da sociedade civil, e mesmo suas
relações com a mídia em geral.
Para sistematizar melhor o entendimento do movimento
LGBT, buscou-se visualizar a configuração desses elementos,
permitindo traçar uma espécie de roteiro.
As demandas e os repertórios da ação coletiva: a demanda
só existe a partir do momento em que existe uma carência.
Entendendo que as carências podem ser bens materiais ou
simbólicos. A luta contra as desigualdades no tratamento das
pessoas em relação a cor, raça, nacionalidade, religião, idade, sexo
etc. situa-se no plano do simbólico, dos valores sociais existentes
(GOHN, 1997, p.256). No caso da carência de bens simbólicos, o
êxito maior dessas lutas, seria a demarcação, ampliação ou
redefinição de relações sociais, através de leis (mecanismos
legítimos). Ora, isto é facilmente percebido no movimento LGBT,
50
quando buscam a legitimação da união civil entre sujeitos do mesmo
sexo (como no Projeto de Lei da Câmara -PLC 122/2006)
8
. É claro
que isto também leva implicação para a carência de bens materiais,
uma vez que a união civil permitiria acesso à saúde (relação titular
e dependente), definir o direito a herança em caso de óbito de um
dos parceiros, ou mesmo na divisão de bens no caso de separação.
Os repertórios são construídos a partir da agregação das
demandas. Se constituem, então, quando as demandas se
explicitam em forma de reivindicação, constituindo também, o
projeto do movimento e todo seu conteúdo político-idelógico. No
movimento LGBT isto se evidencia na busca por direitos civis, pela
constituição dos espaços de sociabilidades, pela ampliação e apoio
aos eventos culturais, pela liberdade de exercício da
homoafetividade no espaço público. Em uma das Paradas um dos
apelos dos participantes era: “direitos iguais, nem menos, nem
mais. Então há uma demanda por equidade de direitos compondo o
repertório do movimento.
A composição de um movimento pode ser entendida a partir
de dois aspectos: devido a origem social dos participantes, ou a
partir do princípio articulatório que os aglutina. A origem social está
relacionada com a classe ou camada social, mas no caso do
movimento LGBT o fator que determina a composição está no
principio articulatório de suas demandas, que é o reconhecimento
positivo das práticas sexuais homoeróticas.
O princípio articulatório do movimento se divide em interno
e externo. A articulação interna depende de três elementos: as
bases demandatárias e as lideranças que são elementos nativos,
naturais, propriamente internos ao movimento. E o outro elemento é
a assessoria que possui um caráter externo, pois se articula ao
movimento somente em algumas etapas ou momentos. Com o
movimento LGBT, percebe-se que a relação com as assessorias
possui um caráter superficial, não permitindo que estas se tornem
8
Projeto da Dep. Iara Bernardi, que basicamente define os crimes resultantes de discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e
identidade de gênero.
51
parte constitutiva do movimento, ainda que alimentando sua força
social. Quanto às bases demandatárias, eles não possuem uma
relação também intensa com as lideranças. A responsabilidade da
efetivação de eventos e promoção de manifestações depende
necessariamente das lideranças.
Quanto ao princípio articulatório externo resulta das
relações entre as diferentes redes de movimentos sociais. Seriam as
alianças externas com outros movimentos sociais constitutivos de
matrizes geradoras de discursos e práticas. No caso do movimento
LGBT seriam os sindicatos, organizações não governamentais,
coletivos de estudantes, universidades, órgãos governamentais das
esferas municipal, estadual e federal, empresas privadas.
Os princípios articulatórios internos e externos são
fundamentais para definir o potencial da força social de um
movimento social. Esta força social se configura a partir da análise
do cenário do processo político mais amplo em que o movimento se
desenrola pela análise de suas redes e articulações. A força social é
avaliada pela sua capacidade de contribuir para o processo de
mudança social. Gohn enfatiza a necessidade do investigador
compreender esta categoria da seguinte forma:
Por ser uma categoria que originalmente advém da física, força
denota densidade, condensação de energia e combinação de
elementos. Nas ciências sociais só será útil se for historicizada
e politizada. Analisar a conjuntura política e o campo de forças
das propostas e dos projetos dos atores que estão vivenciando
certas problemáticas com certa expressividade, que estão se
destacando e não são meros coadjuvantes, mas interlocutores
com poder de influência e decisão (1997. p. 258).
A ideologia do movimento seria o conjunto de crenças,
valores e ideais que fundamentam as reivindicações e possibilitam
criar identidades. Esta ideologia é captada através da análise dos
discursos e mensagens dos líderes e de toda produção material e
simbólica do movimento. Existem argumentos centrais e periféricos
que podem ser captados nos discursos, e que expressam
principalmente a luta pela criação ou alteração de significados
52
culturais. Isto pode ser verificado nas frases de ordem nos eventos,
cartazes, manifestações públicas e outros materiais de divulgação.
Exemplo: direitos iguais, nem menos, nem mais, homofobia é
crime, se Deus é pai de todos, então somos irmãos.
A cultura política é gerada pelo “conjunto das práticas
sociais, informadas pelas ideologias e representações que
configuram o projeto do movimento (GOHN, 1997,p.259). Ela é
construída ao longo de uma trajetória, considerando as experiências
vivenciadas no cotidiano e não somente as tradições ou heranças
passadas. Observa-se que esta categoria opera nos âmbitos dos
princípios articulatórios internos e externos ao movimento. Então,
ela se constitui a partir de um conjunto de interações internas,
considerando as práticas e interesses políticos e culturais dos
diversos grupos que compõem o movimento e também a partir de um
conjunto de interações externas, considerando a rede de parceiros
posicionados no ambiente externo ao núcleo do movimento.
No caso do movimento LGBT em Goiânia, percebe-se
dentre os diversos grupos uma hegemonia do segmento gay,
possuindo maior representatividade e maior poder de mobilização. O
próprio segmento produz um discurso que busca minimizar esta
hegemonia, propondo ações que visibilizem ou empoderem outros
segmentos, como lésbicas e travestis. No decorrer da organização
que antecedia a parada de 2006, havia uma propositura de que um
grupo de lésbicas formassem a comissão de frente na abertura da
parada. A idéia não foi colocada em prática porque não conseguiram
mobilizar os participantes necessários. Isto é só um exemplo de que
alguns segmentos possuem maior capacidade na definição da
cultura política, seja através do posicionamento de seus lideres ou
da maior capilaridade junto aos atores de outros movimentos sociais
ou organizações governamentais.
Um elemento externo de grande importância na cultura
política do movimento LGBT em Goiânia é diversidade de
orientações partidárias. Nas reuniões que antecediam a organização
da parada de 2008 (ano de eleições municipais), ficou muito claro,
53
que os grupos (através de seus lideres) eram permeados por
ideologia partidárias diversas (os da situação, da direita, da
esquerda) e também por posicionamentos não partidários. Isto tem
relevância porque demonstra não só arranjos diacrônicos, pautados
por uma conjuntura política mais ampla, mas também
posicionamentos que reafirmam um compromisso político
sincronicamente constituído por uma força ideológica. As lideranças
possuem origens ou laços políticos diversos e isto é respeitado no
momento de construção de uma atividade conjunta. Mas observa-se
também uma dependência dos segmentos em relação ao apoio
material dos políticos, que subsidiam os mais diversos itens
necessários na estruturação de um evento como na parada LGBT.
Quanto à organização do movimento pode-se identificar
duas maneiras de se estruturar formal e informalmente. A primeira
se refere a constituição de regras, funções, divisões de tarefas,
cargos, tempo de mandato etc. Seria a constituição legal de uma
instituição devidamente registrada e submetida às normas gerais da
sociedade civil organizada. Esta forma permite maior credibilidade
da instituição junto a outras organizações governamentais ou não,
no momento de buscar recursos ou parcerias na realização de suas
atividades fim. O preço que se paga é que os lideres ou
participantes devem direcionar parte de seus esforços para manter
uma qualidade ou transparência administrativa, deixando, às vezes
de participar ativamente da atividade fim.
Pode-se afirmar que o modelo de organização formal seria
uma etapa posterior para os movimentos de organização informal (o
inverso pode acontecer). Como a informalidade permite maior
mobilidade geográfica, maior rotatividade de participantes,
produzem atividades menos sistematizadas, geram baixo custo de
funcionamento, acabam perdurando por longo tempo. Geralmente
estes movimentos tornam-se formais quando a institucionalização
torna-se também uma exigência ou uma opção vantajosa, para dar
continuidade as atividades. Alguns segmentos do movimento LGBT
vivem na informalidade e outros tornaram-se formais, porém tiveram
54
dificuldades para cumprir todas as determinações legais, e
acabaram retornando a situação de informalidade. É interessante
observar que mesmo na informalidade estes grupos do movimento
conseguem ter respaldo na reivindicação de seus interesses e
mesmo capacidade representativa junto a eventos promovidos por
organizações governamentais nas diversas esferas. É caso das
Conferências Estaduais e Nacionais de Direitos Humanos e das
Conferências Estaduais e Nacionais de LGBT ocorridas em 2008,
onde mesmo na informalidade estes grupos conseguiram participar
ativamente, inclusive elegendo delegados para o nível nacional.
Outro aspecto relevante quanto à organização é que ela
também pode se dividir em dois níveis: interno e externo. O interno
está relacionado com a composição dos sujeitos e a distribuição de
funções internas. Já o nível externo compreende as relações com
outros segmentos ou a agregação com instituição maiores, como é o
caso de Fóruns de Organizações de Combate a AIDS, ou a
Associação Brasileiro de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais, a
qual a Associação Goiana de Gays, Lésbicas, Travestis e
Transexuais está submetida parcialmente. Ou a ILGA (International
Lesbian and Gay Association) no nível internacional, que acaba
definindo diretrizes de ações que afetam as instituições filiadas.
Em relação às práticas do movimento, estão intimamente
relacionadas com sua forma de organização, uma vez que se
dividem em práticas formais e informais. Elas se constituem pelas
ações e discursos promovidos pelo movimento. Exemplo de práticas
formais seriam as reuniões, os congressos, os seminários, os cursos
de formação de lideranças, as paradas LGBT, a semana da
diversidade cultural, o concurso de miss drag, mostra de cinema, e
outras atividades desenvolvidas ao longo do ano e que estejam
prevista em agenda do grupo organizador ou do movimento LGBT
em geral. As práticas formais são fundamentais para consolidar os
espaços de sociabilidade, promover as culturas da
homossexualidade, formar lideranças LGBT, qualificar diversos
profissionais para entenderem as questões que permeiam a
55
homossexualidade e atuarem respeitando a diversidade de
orientação sexual.
As práticas informais são ações organizadas no calor de
acontecimentos que exigem uma reação ou intensificação por parte
do movimento LGBT. Exemplo disso foi a presença de manifestantes
na Câmara Municipal de Goiânia no dia da votação de lei municipal
que tornaria crime a discriminação a orientação sexual. Também
exemplo, é a realização de Beijaços, que geralmente só ocorrem
após algum estabelecimento comercial demonstrar homofobia,
coibindo que homossexuais demonstrem carinho em público. A
mobilização de manifestantes ocorre de um dia para o outro, usando
principalmente a internet, e visa publicizar o ato de homofobia
cometido pelo estabelecimento. Este ato consegue realizar uma
inversão de desprezo, uma vez que geralmente levam cartazes e
gritam palavras de ordem que remetem ao fato de que
homossexuais também consomem, portanto eles podem comprar em
outro lugar. As palavras de ordem também demonstram que o
estabelecimento estaria tomando uma atitude hipócrita (negar a
existência da homossexualidade ou impor uma invisibilidade) e anti-
cidadã, pois diferencia seu público, ao permitir que casais
heterossexuais se beijem, mas proibindo os homossexuais de assim
fazerem.
O projeto sociopolítico ou cultural também é um elemento
importante. Ele se esboça através das práticas e das ideologias do
movimento. É o projeto que dá um sentido ou direção ao movimento.
Como a problemática do movimento LGBT gira em torno da luta por
um reconhecimento positivo da homossexualidade, ou de uma
subversão, capaz de quebrar com a hegemonia da
heteronormatividade, é possível afirmar que o projeto seria a
construção ou ampliação: dos espaços de sociabilidade
homossexual; dos direitos humanos, sexuais e civis; da liberdade no
exercício de sua orientação sexual. Isto pode ser constatado de uma
forma geral, no conteúdo e na forma de diversas atividades
realizadas pelo movimento, como nas mostras de cinema lésbico
56
Elas se amam, de 2007 e 2008 ocorridas no Cine Goiânia Ouro. Ou
na mostra de arte Vernissage homo(queer remixed), que inclusive
provocou reação homofóbica até por parte de servidores do Museu
Antropológico da UFG, onde parte da mostra se realizou em 2007. É
claro que o projeto do movimento busca uma unidade, uma
demarcação, mas é evidente que os segmentos de lésbicas e gays
possuem maior visibilidade e atuação. Esta dificuldade de
construção de um projeto bem demarcado está intimamente ligada a
outro elemento que é a identidade. Ela é mais do que o somatório
das práticas referenciadas pelo projeto, ou mais do que o conjunto
de representações que o movimento gera ou constrói, para si
mesmo ou para os outros. Ela é gerada no processo interativo e
para observar isto é necessário perceber como se dá a
solidariedade política, pois é esta solidariedade política que deve
ser investigada enquanto o grande elemento agregador dos
interesses difusos e heterogêneos dos diferentes atores em cena
(GOHN, 1997, p.262).
Um dos elementos cruciais de um movimento a ser
identificado, é o opositor ou opositores. Estes seriam os atores que
detém o poder ou a hegemonia sobre o bem demandado. Por se
tratar mais de uma demanda cultural e que tem ressonância nos
bens materiais, se torna difícil determinar seu opositor. Retornamos
a questão da violência simbólica, onde a normatização, a distinção
social produz uma hieraquização, ou atribuição de valores sociais,
dividindo os atores em dominantes e dominados, mas dificultando a
visualização desta mesma divisão. No caso do movimento LGBT
poderia num primeiro momento afirmar que a oposição de um
movimento homossexual, só poderia ser um contra-movimento
formado por atores heterossexuais. Mas isto parece não ser o
suficiente. Ocorre que dentro do movimento homossexual também
se encontram atores heterossexuais. Então não se pode definir este
conflito a partir da antinomia homossexual e não-homossexual.
As conquistas e derrotas do movimento também permitem
visualizar e diagnosticar a sua capacidade de interferir na ordem
57
social, de acionar determinados recursos ou atores, estabelecendo
possíveis aliados ou opositores. Segundo Gohn as conquistas e
derrotas:
Estão intimamente associadas à questões de natureza interna
(tipo de articulação, forma de condução do movimento, tipo de
relação entre base-assessoria-liderança etc.) e às questões
externas, de ordem da conjuntura política e socioeconômica do
país (2004, p.263)
Acrescentaria também como questão externa a capacidade
de interagir e modificar os padrões culturais de uma dada
sociedade, testando sua permeabilidade ou recrudescimento. No
cenário local poderia diagnosticar como uma conquista o
estabelecimento de uma agenda de eventos político-culturais que
vem se solidificando a cada ano. Além dos espaços de
sociabilidade, como bares, boates, parques, temos eventos como a
Parada LGBT, a semana cultural, a mostra de cinema
9
LGBT, o
concurso Miss Drag e os eventos de formação de militantes como
seminários, cursos, palestras e outros. Já as derrotas podem
parecer pontuais, mas evidenciam a resistência da mentalidade
heteronormativa. Quando por várias vezes o projeto proposto pela
vereadora Marina Santana, que dentre outras coisas, possibilitava
combater a homofobia, foi retirado da pauta de votação, ficou claro
que os legisladores buscavam promover uma manobra que
dificultaria identificar os aliados ou opositores. Ainda que no final o
projeto não tenha sido aprovado, ele possibilitou que a discussão
acerca da homossexualidade e da homofobia fosse colocada
naquele plenário por várias vezes, e mesmo estendida para outros
âmbitos como a mídia goianiense em geral.
3.3 Os direitos humanos a eticidade necessária
Após visualizar, em perspectiva teórico-metodológica,
alguns elementos que caracterizam o movimento LGBT, percebe-se
que há uma complexidade e uma dinâmica entre esses elementos
9
A mostra de cinema lésbico já se encontra na sua segunda edição – Chama-se Elas se Amam.
58
que ainda precisam ser delineadas. É preciso retomar um
referencial teórico capaz de oferecer parâmetros para que se possa
falar em organização, projeto, identidade, práticas, opositores,
conquistas, derrotas etc. É nesse sentido que a idéia de eticidade
de Axel Honneth e inicialmente, o conceito de habitus de Bourdieu,
podem ajudar a entender o sentido, a regularidade e a dinâmica das
ações do atores sociais que compõem o movimento LGBT. Vou
explicitar abaixo a distribuição da força social do ativismo
promovido pelo movimento, para daí retornar a idéia de eticidade de
Honneth, e evidenciar como ela pode dá fundamento para a
dinâmica dessas forças sociais. Quanto ao conceito de habitus de
Bourdieu, poderá fundamentar a constituição de um estilo de vida
para os atores de cada força social específica. É como se
existissem habitus diversos (o de gestor, de líder de movimento
social, de empresário, de estudante, de professor etc.), mas em
determinado momento estes habitus são quebrados exatamente pela
amplitude da visão de mundo desses atores. Trata-se da pluralidade
de cada ator não somente de atores.
3.3.1. Como seria composta a força social interna?
Esta força social é composta pelos grupos que formam o
movimento LGBT de maneira mais restrita. Aqui estão os atores que
protagonizam as lutas diretamente relacionadas com as demandas
do movimento LGBT. Suas identidades possuem em comum a
homossexualidade e são publicamente assumidas, servindo como
um instrumento provocador de mudanças político-culturais. Estes
grupos possuem como desafio a formação de uma agenda de
reivindicação. Para sistematizar essa agenda eles vivenciam uma
situação de tensão constante, num jogo de forças internas, de
demandas específicas, e de definições identitárias e ideológicas às
vezes conflitantes. Contudo essa força social interna busca construir
um consenso sobre a agenda para posteriormente explicitá-la diante
das forças sociais semi-externas e externas. Concretamente, em
59
Goiânia, ela é composta por todos aqueles grupos citados
anteriormente, e que se denominam LGBT. Mas um fator que
permite a potencialização desta força dita interna, é que muitas
vezes esses sujeitos também participam de outras instituições
governamentais ou empresariais que permitem alocar recursos
diversos, seja de influência política, econômico-financeira,
midiática, etc. Não se pode esquecer que os atores transitam por
campos diversos.
3.3.2. Como seria composta a força social semi-externa?
Esta força social é composta por sujeitos diversos que
possuem um relacionamento mais estreito com o movimento LGBT,
mas não fazem parte de sua força interna, ou seja, onde quer que
atuem, a homossexualidade não é a questão central de suas ações.
São organizações não governamentais, segmentos empresariais
voltados para o público LGBT
1 0
, gestores públicos, movimentos
sociais diversos, coletivo de estudantes, voluntários diversos,
pesquisadores-estudantes-voluntários e outros. Esta força social
pode ser chamada de semi-externa porque os sujeitos, as empresas,
ou instituições que a compõe possuem interesses diversos e as
causas, demandas ou reivindicações do movimento LGBT são
compartilhadas parcialmente ou em paralelo com outras questões
mais peculiares. É o caso do movimento negro, feminista ou dos
direitos humanos. As demandas relacionadas com a
homossexualidade perpassam de forma transversal as demandas
mais gerais desses movimentos sociais. Existem situações onde o
contexto de exclusão social é multifacetado, estando relacionado
com o gênero, orientação sexual, discriminação ético-racial,
deficiência física e outros marcadores sociais. Aqui a relação entre
força interna e semi-externa se estabelece por interesses racionais
e estratégicos, mas também por um envolvimento subjetivo.
10
A referência às empresas que oferecem produtos e serviços a lésbicas, travestis, transexuais, gays,
bissexuais e os “simpatizantes”, é chamado de mercado GLS).
60
Outro motivo para chamá-la de força social semi-externa é
porque na prática, o pertencimento ou a aproximação identitária,
entre os atores possuem certa flexibilidade. Exemplo de disto é o
empresário do ramo GLS ou a liderança do movimento negro que
também trás consigo o marcador social da homossexualidade.
Portanto, na prática existe um limiar muito fluído, que dificulta
definir quem estaria na força interna ou na semi-externa. O uso do
termo semi-externo também poderia ser semi-interno para alguns
desses atores, entendendo aqui, que alguns atores poderiam estar
na força interna, mas com interesses que extrapolam para o
externo. E outros poderiam fazer o movimento oposto estariam
posicionados externamente, mas com alguns interesses que
convergem para o interno.
3.3.3. Como seria composta a força social externa?
A força social externa é composta também por sujeitos e
instituições diversas, que possuem um relacionamento fortuito, às
vezes meramente institucional ou comercial com a força interna do
movimento LGBT. Esta força social é mais difusa e estaria ainda
mais distante das reivindicações do movimento, estabelecendo um
relacionamento com interesses mais racionais e objetivos. A relação
estabelecida pode ser considerada como um meio para que esta
força social atinja uma meta específica dentro de um fim mais geral.
É o caso do envolvimento de técnicos da Secretaria Municipal de
Saúde, com a organização de eventos LGBT, cujo fim seria
meramente de promover campanhas de combate a DST/AIDS.
Neste caso percebe-se que o envolvimento com os eventos
LGBT permite aproximar-se do público alvo. Seria uma forma de
encontrá-los, usando as ONGs ou grupos LGBT como pontes para
atingir os sujeitos em situação de vulnerabilidade, com as políticas
públicas implantadas pelo poder público. Também o envolvimento de
equipes do Corpo de Bombeiros/SAMU, Polícia Militar,
Superintendência Municipal de Trânsito e Transportes de Goiânia,
61
Superintendência da Guarda Municipal de Goiânia, Ministério
Público do Estado de Goiás, Assembléia Legislativa do Estado de
Goiás, Governo do Estado de Goiás com algumas de suas
secretarias seria uma relação mais institucional. Não se pode
questionar que a presença dessas instituições junto aos eventos
LGBT produz maior legitimidade, dando tranqüilidade na realização
das atividades propostas. Um exemplo foi a presença da força
policial junto a uma manifestação ocorrida em 9 de agosto de 2006
em frente a um shopping da cidade de Goiânia. A força policial não
se mostrou repressora, em momento algum. Ao conversar com
alguns participantes, afirmou que permaneceria ali, com o intuito de
preservar a ordem e evitar um confronto com agressão física ou
invasão de propriedade. Então, se por um lado, aquela força
representaria uma limitação, impedindo que os manifestantes
adentrassem o estabelecimento comercial, por outro lado, também
dava ampla liberdade e garantia de segurança física aos
manifestantes, desde que permanecessem na área pública. E isto
pareceu razoável para os objetivos propostos pelos organizadores
da manifestação.
Esta classificação da composição das forças sociais do
movimento LGBT permite visualizar melhor o objeto estudado e ter
uma maior clareza da complexidade da realidade que o permeia.
Não se pode esquecer que se trata de um recurso metodológico.
Deve-se ter em mente a existência de uma dinâmica da
movimentação dos atores sociais que compõem essas forças
interna, semi-externa e externa. A interação entre esses atores pode
gerar um processo pedagógico capaz de provocar uma
reconfiguração identitária. É isto que permitiria ou não, aos atores,
transitarem no sentido da margem para o centro ou do centro para a
margem da força social do movimento LGBT. E há exemplos de
sujeitos conquistados pelo movimento, como também, exemplos de
sujeitos que ocupavam uma posição de liderança (força interna) e
acabou se distanciando, e se agregando a outro movimento social,
62
também de minorias, tornando-se uma força social semi-externa em
relação ao movimento LGBT.
3.4
A formação de redes homem com homem, mulher com
mulher?
Até aqui percebemos que esta articulação da força social do
movimento LGBT, passa necessariamente por uma formação
identitária dos sujeitos, promovendo um reconhecimento mútuo e a
formação de uma rede solidária ou se quisermos chamar também de
estruturação de um sistema de ação. Mas ainda precisamos delinear
melhor os princípios que tornariam possível falar na compactação
ou aglutinação dessa força social do movimento. Como já foi
apontado através do conceito de eticidade de Honneth, os sujeitos
buscam condições para uma auto-realização através de um
aperfeiçoamento normativo das relações de reconhecimento.
(HONNETH, 2003, p.275). Acompanhando o repertório das
reivindicações de políticas públicas, no sentido de “issues, de
questões, demandas apontadas pelo movimento LGBT, constata-se
que giram em torno de dois conceitos básicos direitos humanos e
cidadania. Aproveitando que Honneth fala na construção de uma
universalidade de valores, vamos tomar o conceito de cidadania
como um referencial para a prática dos sujeitos do ativismo LGBT.
Sabe-se das diversas acepções deste conceito: cidadania
cosmopolita, planetária ou liberal, mas o fato é que o termo esteve
historicamente relacionado com uma ordem jurídica e normativa.
Sem perder esta perspectiva normativa, mas avançando
para uma sensibilidade das peculiaridades sociológicas nas quais os
sujeitos estão inseridos, pode-se desdobrar o conceito em cidadania
ativa e passiva. Isso permite um caráter processual ao conceito, que
vai além dos direitos e deveres, desmistificando a atribuição do
igual/diferente, do pertencimento/não-pertencimento, do
singular/diverso, do universal/individual etc. E é a possibilidade de
tomar o social como não estabelecido, não codificado nas normas
legislativas a priori, que permite arranjos diversos para a ação
63
coletiva, seja de utopias ou novas ideologias. Na afirmação de
Gohn:
O que irá definir a cidadania é um processo onde encontram-se
redes de relações, conjuntos de práticas (sociais, econômicas,
políticas e culturais), tramas de articulações que explicam e ao
mesmo tempo sempre estão abertas para que se redefinam as
relações dos indivíduos e grupos com o Estado. O Estado é
sempre elemento referencial definidor porque é na esfera
pública estatal que se asseguram os direitos, da promulgação à
garantia do acesso, e as sanções cabíveis pelo descumprimento
dos direitos já normatizados e institucionalizados (2005, p.30).
Num primeiro momento a citação acima parece apontar para
aquela dicotomia entre sociedade civil e Estado, onde tomaríamos
este como regulador, repressor e uniformizador, e aquela, como
libertadora, inovadora e pluralista. Mas numa perspectiva relacional,
deve-se atentar para a possibilidade da transformação da própria
cultura política, uma vez que se tem o confronto ou a assimilação da
pluralidade de orientações e de atores políticos.
Então idéia de cidadania parece se juntar, ao universalismo
de valores de Honneth e a luta por reconhecimento travada entre os
atores. E este universalismo de valores será o motor da articulação
do movimento LGBT com tantos outros movimentos sociais, que
também buscam a promoção de um reconhecimento positivo de suas
identidades. O próprio Estado, paradoxalmente, acaba se tornando
um aliado na promoção da cidadania, do novo humanitarismo,
de um direito universal, dos direitos humanos. A noção de
direitos humanos amplia o leque de protagonistas da sociedade civil
ONGs, entidades classistas, fóruns
locais/nacionais/internacionais, grupos informais, instituições
religiosas, movimentos diversos, fundações vinculadas com grandes
empresas multinacionais e o terceiro setor, conselhos
institucionalizados de áreas sociais, etc., todo esse conjunto acabou
promovendo uma nova forma de ativismo social, [...] não mais para
protestar mas para FAZER [sic], laborar, atuar junto às camadas
desfavorecidas, previamente selecionadas com a ajuda destes
mesmo ativistas. (GOHN, 2005, p.109).
64
Ao promover sua luta por reconhecimento os ativistas do
movimento LGBT buscam conquistar como aliados, essa gama de
atores que atuam na promoção de direitos humanos. É necessário
uma co-legitimação de forças para dar sustentação aos ativismos de
direitos humanos. Esses atores possuem trajetórias diversas e
vivem cenários diversos. O que ocorre é a formação de um ponto de
convergência dessas trajetórias. Daí que o habitus de militante do
movimento LGBT não basta. É necessário ser também um ativista de
causas humanitárias, que advoga a favor de uma sociedade
pluralista. A palavra ativista, aqui, possui um significado amplo.
Pode-se dizer ativista todo ator social que coletivamente ou não,
promove ou contribui na realização de atividades que buscam
fortalecer os direitos humanos. Então, ativista dos direitos humanos
seria aquele que é capaz de ativar, de agir, movimentar, de alguma
forma, as forças sociais que promovem direitos humanos. Isto
englobaria atores governamentais ou não, iniciativa privada,
movimentos sociais, movimentos político-partidários etc. É a
configuração e dinâmica dos posicionamentos desses diversos
atores sociais, ou ativistas que permite falar na configuração de um
campo de ativismo dos direitos humanos. Ainda que fracamente
delineado, é possível sustentar a sua constituição a partir da
constatação de seus subcampos o ativismo estatal e os demais
ativismos de diversos movimentos sociais e dos mecanismos que
promovem uma diferenciação social, seja entre atores ou grupos de
atores.
A diferenciação social pode ser percebida porque os atores
não possuem o mesmo capital social, cultural, simbólico ou
econômico. Ainda que exista um esforço para atenuar as diferenças,
e promover uma participação mais horizontal dos atores, fica
evidente que as trajetórias de vida determinam na forma ou
capacidade de participação nos eventos.
Isto ficou bem delineado na 4ª Conferência Estadual de
Direitos Humanos ocorrida de 12 a 14 de setembro de 2008, em
Goiânia. Ali foi possível perceber a convergência em torno do que
65
seria a eticidade de Honneth. A sustentação daquilo que chamamos
de estado democrático de direito, de cidadania coletiva ou
planetária, de autonomia, de participação política, de sociedade civil
organizada, só é possível através da promoção de uma estrutura
material e simbólica que permita e evidencie o convívio mutuo das
diversidades. É na Conferência que cada ator social busca
satisfazer sua demanda específica, mas também é obrigado a
defrontar-se com a especificidade do outro. A conferência acaba
promovendo um ambiente pedagógico sobre os mais variados temas
sociais a luta anti-manicomial, o combate e prevenção a
DST/AIDS, a luta contra a discriminação sexual ou étnico-racial, a
promoção dos direitos culturais, ambientais, o direito a terra, a
moradia, a saúde, os direitos da criança e do adolescente, do idoso,
do deficiente etc.
Na dinâmica promovida pelos grupos de trabalhos, estavam
atores dos mais variados segmentos sociais, e muitos acabavam
aprendendo sobre as dificuldades e lutas dos outros segmentos.
Exemplo disso foi quando uma participante que representava a
Igreja Anglicana no Brasil demonstrou desconhecer a diversidade
presente no movimento homossexual. Ela desconhecia a sigla
LGBT. Então, a participação na Conferência de Direitos Humanos se
torna uma oportunidade de aprender sobre o outro, sobre sua
realidade diante dos direitos humanos. É um momento de definição
do que é o humano e não-humano. Como buscar humanidade para
si, sem negar a humanidade do outro nessa situação de interação?
O documento orientador da participação da sociedade civil na
conferência já definia uma lista de grupos historicamente
discriminados e/ou vulneráveis, que garantia um mínimo de
delegados junto a conferência nacional seriam: movimento negro;
população indígena; e grupos e movimentos com histórico de
violação de direitos, seja por características pessoais (grupo LGBT,
pessoas idosos, pessoas, com deficiência), por características
culturais/religiosas (ciganos, e comunidade de terreiro) ou em razão
de diversos contextos sócio-históricos, territorial e econômico
66
(caiçaras, quilombolas). Isso é importante porque já legitima o
direito a certa representatividade desses atores.
A distribuição de forças dentro da conferência pode ser
evidenciada na classificação realizada entre representantes
governamentais e não governamentais. Antes de procederem na
votação dos delegados que devem ir a Conferência Nacional de
Direitos Humanos que será realizada em Brasília, em dezembro de
2008, ocorreu um debate para se definir o que seria governamental
ou não. Um exemplo de ampla discussão foi quando apontaram a
OVG Organização das Voluntárias de Goiás, como sendo
governamental. E mesmo após definirem-na como governamental,
ainda assim, surgiu outro debate, uma vez que as pessoas tidas
como funcionários da OVG, também eram sujeitos de outras
atividades ou profissões, e buscam participar como representantes
da sociedade civil. Isto seria um momento de definição identitária, e
evidencia a possibilidade dos atores transitarem entre o
governamental ou não. O episódio ilutra a pluralidade de atores
sociais, construída pelas trajetórias ou pelo jogo da situação.
3.5 Um campo de ativismo LGBT?
A formação de um campo de ativismo de direitos humanos
que ao se ampliar acaba formando sub-campos de lutas diversas por
direitos, sejam ecológicos, culturais, sexuais etc. é inevitável. Só é
possível falar em um campo de ativismo de direitos humanos
quando identificamos a existência de um conjunto de legislação,
com mecanismos normativos, reguladores e fiscalizadores, que
acabam também por hierarquizar a participação dos atores neste
campo. Existem atores coletivos ou individuais, legitimados para
participarem ou representarem determinados grupos em eventos,
tais como seminários, conferências, audiências públicas etc. Estes
atores possuem cargos, funções, formação profissional ou
intelectual, que atribuem também um status que legitima seu poder
de fala.
A criação de espaços para o debate público sobre as
questões que permeiam os direitos humanos é, ao mesmo tempo
67
uma reivindicação daqueles que se sentem excluídos, como também
é uma necessidade para aqueles que representam o status quo. A
sustentação do ideal de sociedade democrática, com participação
e autonomia dos sujeitos, só é possível através da promoção de
eventos, de títulos, de honras, de status, e de outros mecanismos
que demonstrem não só uma agenda política aberta às
reivindicações dos grupos de pressão, mas também promovam e
qualifiquem os atores participantes.
Embora sustente a existência de um campo de ativismo de
direitos humanos, a principal implicação para a fundamentação
deste trabalho está na sustentação e fundamentação da existência
de um campo de ativismo LGBT. Embora o sistema de ação coletiva
promovida pelos sujeitos LGBT não possa de desvincular do campo
de ativismo dos direitos humanos, tentarei fazer uma descrição do
campo de ativismo LGBT, ainda que ora me remeta ao campo maior,
ou seja, ao ativismo dos direitos humanos.
A dinâmica encontrada no movimento LGBT de Goiânia,
permitiu falar de um campo de ativismo, mesmo que ele ainda não
seja plenamente delineado. Falar em campo de ativismo LGBT pode
ser paradoxal, pois uma vez que o ativismo seja atendido em suas
reivindicações, isto pode provocar uma redução do seu espaço de
atuação. Contudo, percebeu-se uma luta pelos recursos, pela
definição de projetos e ideologias entre os sujeitos participantes.
Ainda no primeiro capítulo constatou-se que os sujeitos
homossexuais buscam subverter ou desconstruir a hierarquização
produzida pelos dispositivos de uma heteronormatividade, só que
estes sujeitos possuem trajetórias diversas e portanto, mesmo ao
produzirem esta luta em comum, acabam também produzindo
hierarquizações dos sujeitos, dentro de seu próprio campo de luta. É
que os atores sociais não se enquadram mecanicamente dentro do
quadro hierárquico, uma vez que possuem diferentes capitais
sociais, oriundos de diferentes campos sociais. Assim, percebeu-se
uma diferenciação social entre os sujeitos participantes do campo
do ativismo LGBT, baseada na estrutura e no volume do capital
68
social dos atores. Um dos primeiros fatores determinantes da
desigualdade é história de cada ator dentro ou com o movimento
LGBT. Como afirma Bourdieu,
[...] a acção é uma espécie de luta entre a história objectivada e
a história incorporada, luta essa que dura por vezes uma vida
inteira para modificar o posto ou modificar-se a si mesmo, para
se apropriar do posto ou ser por ele apropriado [...] (2001, p.
103).
Na prática, isto significa que em determinados momentos os
sujeitos evocam critérios de antiguidade, onde os atores que já
participam do ativismo há mais tempo podem se afirmar com maior
autoridade. É como se tivessem maior conhecimento de causa,
sintetizando um habitus da militância, numa espécie de ícone, e que
por isso devem ser consultados e respeitados. Isto também se
apresentava contraditório, pois que muitas vezes estes mesmos
sujeitos também procuravam incentivar as novas gerações de
ativistas para que assumissem a posição de líderes.
Também os atores mais novos, às vezes chamavam as
lideranças mais antigas de dinossauros do movimento,
relacionando suas práticas com uma postura negativa e
ultrapassada. Entretanto, prevalece um respeito e uma legitimidade
pelo poder de fala dessas lideranças. A posição de determinados
sujeitos dentro do campo e a legitimidade enquanto lideranças,
também fica clara, quando são convidados a falar para a imprensa
local sobre temas relacionados com a prática da homossexualidade.
Portanto, não é qualquer ator do ativismo que pode falar em nome
do movimento.
Outro elemento da legitimidade de representar o ativismo
LGBT está relacionado com a posição formal desses sujeitos no
quadro organizacional das instituições LGBT. Aqui, os sujeitos
exibem o título de presidente, coordenador, fundador, etc.
remetendo ao aspecto de um status legal. Este aspecto é muito
importante e está relacionado com as instituições formais. Quando o
governo, nas suas diversas esferas, promove algum projeto ou
programa para selecionar instituições para receberem recursos e
69
promoverem ações que beneficiem a população LGBT, somente
aquelas instituições devidamente registradas conseguem ter acesso
aos recursos.
Com isso o próprio poder público acaba criando
mecanismos que fomentam a manutenção ou ampliação do campo
do ativismo LGBT, juntamente com normatizações que interferem no
modelo organizacional dos atores coletivos. Exemplo disso é o
Projeto Somos Desenvolvimento Organizacional, Advocacy e
Intervenção para ONGs que trabalham com GAYS e outros HSH.
Trata-se de um projeto idealizado pela Associação para a Saúde e
Cidadania Integral na América Latina e Caribe ASICAL, mas que
no Brasil é realizado desde 1999, pela parceria entre Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros ABGLT e o governo
federal, através do Ministério da Saúde. O objetivo do projeto pode
ser resumido como está no prefácio de seu guia:
Este guia tem como objetivo auxiliar as instituições que
trabalham com populações de gays e outros homens que fazem
sexo com homens (HSH), principalmente aquelas instituições
que estão iniciando sua trajetória. Busca solucionar as dúvidas
mais freqüentes e apresenta caminhos já percorridos que
servem como experiência para as novas organizações BRASIl,
Ano 2005, Projeto Somos Guia Prático Série manuais 65. p.
11).
A implicação deste projeto para a construção do campo de
ativismo LGBT em Goiânia pode ser sintetizada nas palavras do
entrevistado 6:
Desse Projeto Somos, nos somos responsáveis por mais ou
menos 15 a 20 ONGs que hoje existe no Centro Oeste e alguns
do Norte, que uma parte do projeto a AGLT também atuou na
capacitação da região norte. Mas a maioria dessas ONGs estão
no interior, em Anápolis, Cadas [Nova], Ceres, Quirinópolis. Foi
tudo fundada através dos cursos de capacitação do Projeto
Somos. (Entrevistado 6)
O capital cultural é outro fator de determinação da
diferenciação social. Os ativistas que possuem maior formação
escolar, maior capacidade intelectual de elaboração de discursos e
70
de domínio sobre os temas relacionados com o ativismo não só
LGBT, mas também dos direitos humanos, acabam se sobressaindo
na atuação dentro do movimento. Exemplo disso é a posição da
travesti, que geralmente enfrenta maior dificuldade de concluir seus
estudos ou de ser aceita no ambiente escolar, acaba apresentando
dificuldades para defender seus interesses dentro do movimento.
Como disse uma ativista: o corpo da travesti é construído na rua.
Isso pode ser estendido aos saberes, as práticas políticas e a
linguagem da travesti. É mais comum encontrar gays e lésbicas,
com formação superior, ocupando a posição de liderança.
Os atores oriundos do campo acadêmico também possuem
certa legitimidade para participarem e se fazerem ouvir. São
pesquisadores ou professores que possuem conhecimentos
relevantes sobre o tema da homossexualidade e suas relações com
a sexualidade, a política, a saúde, a educação, a religião, os
direitos e outras questões. Estes atores possuem orientação sexual
diversa, ou seja, não são necessariamente sujeitos com práticas
homoeróticas e formadores da força social interna do ativismo, mas
também são sujeitos hetorossexuais que podem representar as
forças sociais semi-externas ou externas do ativismo LGBT.
Também o capital político está presente na definição da
hierarquização social. Geralmente os atores oriundos ou com
trânsito pelo campo político possuem mais êxito na participação
junto ao movimento LGBT. Estes sujeitos agregam conhecimentos,
redes de relacionamento, títulos e honras, que possibilitam ocupar
posições de liderança junto ao ativismo LGBT. E também não é
qualquer político (vereador ou outra autoridade pública) que pode
falar em nome do movimento. Existem aqueles políticos que já
gozam de uma legitimidade e mesmo de uma afinidade com a
linguagem e com a problemática da homossexualidade, que lhe
permite identificar-se como aliado do movimento, e, portanto como
ativista. Essa palavra aliado, dentro do movimento LGBT, possui um
significado político que a diferencia da palavra simpatizante. O
aliado é aquele que se envolve, de fato, e que possui maior
71
esclarecimento acerca das lutas do movimento. O aliado se
diferencia do simpatizante, daquele que tolera ou aceita as lutas,
porque participa de forma proativa. Quando no ano de 2007, a
Câmara Municipal preparava-se para votar o projeto de lei da
Vereadora Marina Santana, que coibia a homofobia nos
estabelecimento comerciais da capital, os ativistas conseguiam
claramente identificar aqueles que afirmavam votar a favor, mas que
no fundo eram contra o projeto. Ou seja, os ativistas conseguiam
perceber a manobra política (onde vereadores queriam posar como
simpatizantes) e identificar os verdadeiros aliados.
Devido as eleições municipais de 2008, muitos candidatos
foram ou mandaram representantes à XII Parada LGBT de Goiânia.
A maioria dos candidatos buscou gerar uma identificação com o
movimento LGBT, adotando um material personalizado tanto no
texto quanto na cor (uso das cores do arco-íris). A ABGLT –
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e
Transexuais apresentou um quadro sintetizando a participação de
sujeitos LGBT e aliados nas eleições de 2008 no âmbito nacional.
Foram 178 candidatos distribuídos em 34 gays, 22 travestis e
transexuais, 12 lésbicas e 110 aliados, oriundos de 20 partidos
diferentes. Estas informações servem para fundamentar a disputa
dentro do campo do ativismo, a disputa por recursos de outro campo
(no caso, o político), mas também evidenciam uma ampla aliança ou
afinidade do movimento LGBT com sujeitos diversos, em termos de
sexualidade ou vinculação partidária.
Na parada de LGBT de Goiânia sempre há a participação
dos carros de som ou trios que representam as casas de dança,
bares, ou saunas. Eles buscam correlacionar a tomada de posição
dentro do ativismo LGBT, com recursos ou capitais oriundos de
outro campo, no caso o econômico, fundamentado no mercado GLS.
Geralmente, no período que antecede a parada e no dia da parada,
as casas de dança anunciam a promoção de festas, que tentam
vincular a realização da parada, atribuindo nomes como: Festa da
Parada; Festa da pré-parada, ou Noite da Parada. Às vezes
72
esses vinculos se estendem aos profissionais que trabalham como
DJ (disc jockey) na festa. Então estes profissionais possuem um
status que os relaciona com o público homossexual, e permitem uma
hierarquização desses sujeitos dentro da ordem social do mercado
GLS.
No geral o que constatamos é que os atores buscam não só
posicionar-se dentro do quadro de diferenciação social do campo,
como também buscam sustentar e avançar na construção do próprio
campo do ativismo LGBT. E esta seria a principal implicação para
delinear as características de uma ação coletiva perpetrada pelo
movimento LGBT. A ação dos diversos sujeitos para compor o
campo do ativismo, acaba constituindo uma rede de interações,
permeada por tensões, disputas, mas também pela cooperação e
solidariedade.
73
CONCLUSÃO
Aproposta inicial foi investigar a ação coletiva promovida
pelo movimento LGBT, buscando desmistificar o caráter de
unicidade que lhe é atribuído e permitindo a elaboração de um
quadro interpretativo capaz de perceber a pluralidade dos atores e
das lógicas de ação. Evitou-se uma polarização entre determinantes
macrosociológicos ou microsociológicos da ação, bem como se
privilegiou uma análise que fosse capaz de captar e demonstrar o
múltiplo pertencimento dos atores individuais, com socializações
sucessivas ou simultâneas, hábitos diversos, subjetividades,
racionalidades, etc.
Talvez a estratégia tenha sido por demais descritivas e
pouco analíticas. Um trabalho com maior consistência teórica
poderia ter optado em fundamentar como o fenômeno estudado se
distância dos princípios macrosociológicos, ou o inverso, como a
microsologia poderia encontrar princípios explicativos da ação
promovida pelo movimento LGBT. Isso produziria um trabalho mais
focado teoricamente e com recorte analítico bem definido. Então,
tenho a consciência dos limites da atividade aqui realizada. Não se
produziu propriamente um estudo sobre a sexualidade, nem sobre
os movimentos sociais, nem sobre uma teoria especifica da
sociologia moderna. Orientou-se uma problematização sobre uma
realidade específica, que acabou por produzir mais questões de
análise do que soluções. Manifestaram-se fenômenos sociais e
problemas sociológicos dos mais diversos: homoafetividade, novas
conjugalidades, construções da sexualidade, manifestação de
culturas subalternas, os grupos sociais e suas estratégias de
mobilização de recursos e de mobilização política, os movimentos
sociais e sua relação com o estado, e outros. Muitos desses
problemas emergiram como uma ponta de ice-berg, e mesmo
possuindo uma grandeza relevante, tiveram que ser deixados para
trás, no mar sem fim da análise sociológica, a ser desbravada por
outros. Portanto, questões que poderiam ser relevantes para
complementar este estudo, tiveram que sair de foco.
74
O olhar sobre a realidade estudada produziu uma recusa em
aceitar uma ditadura dos princípios estruturais sobre a ação do
sujeito, e também produziu um respeito pela singularidade do sujeito
e sua capacidade de imprimir uma dinamização da ordem social. Foi
nesse sentido que se optou por utilizar um referencial que procurou
valorizar a riqueza situada no espaço-relacional existente entre ator
e sistema. Se o objetivo era entender os limites para se falar em
ação coletiva, então era necessário perceber os mecanismos
estruturais e sua relação dialógica com os mecanismos de mudança
e expressão de singularidades e subjetividades.
O uso do conceito de habitus de Bourdieu foi o que permitiu
num primeiro momento promover uma agregação dos sujeitos, seja
em torno de uma homossexualidade, de uma não-
homossexualidade, de um ativismo de direitos humanos ou de um
ativismo de direitos sexuais. Também o conceito de identidade,
apoiado nas premissas de diversos autores, permitiu complementar
um construto teórico de hierarquização dos sujeitos dentro de uma
ordem social. A descrição realizada ao longo do texto buscou
enfatizar como uma hegemonia da cultura heteronormativa,
estabeleceu uma relação entre dominantes e dominados. Quando se
afirmou que o conceito de hatibus serviu num primeiro momento, é
exatamente porque, ao se aplicar a sujeitos homossexuais, pode
não conseguir abarcar a diversidade de trajetórias por eles
apresentadas. É a combinação entre seu capital social e sua
trajetória social que pode ofuscar ou não sua percepção, e
consequentemente seu posicionamento, enquanto sujeito dominado
ou não. Conforme o trânsito desse sujeito dentro dos diversos
campos sociais, sua condição pode passar de dominado à
dominante.
Somente quando a marca de distinção (BOURDIEU, 1998,
p.14) capaz de posicionar o sujeito na hierarquia social, advém
sobretudo de uma ordem cultural, enfatizando seu aspecto
simbólico, em detrimento de outros capitais sociais, é que a
condição de dominado do sujeito homossexual se evidencia. Daí o
75
fato da ação coletiva do movimento LGBT situar-se principalmente
no campo cultural.
Assim a luta por reconhecimento, apontada por Honneth
como motor da transformação social na busca da auto-realização
dos seres, não é mecânica ou teleológica, mas requer a percepção
de um reconhecimento negativo, que carece de um parâmetro para
se definir relacionalmente.
A idéia de direitos humanos, tendo como correlatas a
democracia e a cidadania, construída ao longo da história e
legitimada através de diversas normas (tratados, declarações,
cartas, estatutos, constituições etc), sempre foi incorporada aos
discursos dos ativistas do movimento LGBT. Este conjunto de
normas torna-se um parâmetro universal, como uma comunidade de
valores capaz de atender os indivíduos em suas singularidades.
Durante o trabalho de campo, pode-se constatar, seja
através do discurso dos próprios sujeitos ou do material simbólico
(músicas, cartazes, manifestações políticas e culturais), que a luta
por reconhecimento positivo das identidades homossexuais se
pautou pelo reconhecimento na experiência do amor, na experiência
do reconhecimento jurídico e na experiência da solidariedade,
Frases como: orgulho sim, preconceito não, estamos aqui,
acostumem-se, toda forma de amor vale a pena, eu te amo e vou
gritar pra todo mundo ouvir. Essas experiências de reconhecimento
são interdependentes. O ato de amar também pode depender de
uma garantia de união civil legítima. Trata-se de uma segurança
jurídica a ser construída, como afirma Honneth:
Os padrões de reconhecimento do direito penetram o domínio
interno das relações primárias, porque o indivíduo precisa ser
protegido do perigo de uma violência física, inscrito
estruturalmente na balança precária de toda ligação emotiva:
consta das condições intersubjetivas que possibilitam hoje a
integridade pessoal não somente a experiência do amor, mas
também a proteção jurídica contra as lesões que podem estar
associadas a ela de modo causal (2003, p.278).
Procurou-se sistematizar a forma como o movimento LGBT
em Goiânia busca promover sua luta por reconhecimento, pela
76
construção de um esquema tipológico, no qual a força social do
movimento é considerada interna, semi-externa ou externa. O
núcleo de formulação de suas reivindicações, de seus projetos e
ideologias, depende necessariamente da força social interna: as
qualidades dos sujeitos participantes, dos líderes e de suas
interações internas define o modo e a qualidade do relacionamento
com suas forças semi-externas e externas. A esquematização
possibilita visualizar um circuito de energias e de formação de redes
de solidariedade, utilizado para manter a coesão da força social do
campo de ativismo LGBT
Isto parece contemplar o objetivo deste trabalho, pois se
evidenciou que os atores não estão em plena harmonia, uma vez
que produzem novas hierarquizações dentro do campo de ativismo
LGBT, mas que também tendem a controlar as tensões de modo a
permitir a manutenção e ampliação do campo.
77
BIBLIOGRAFIA
ALEXANDER, Jeffrey C.. Ação Coletiva, Cultura e Sociedade Civil:
Secularização, atualização, inversão, revisão e deslocamento do
modelo clássico dos movimentos sociais.
Revista Brasileira de
Ciências. Sociais
, São Paulo, v. 13, n. 37, 1998. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69091998000200001&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 16 Out 2007.
doi: 10.1590/S0102-69091998000200001.
BOURDIEU, Pierre.
O Poder Simbólico
. Rio de Janeiro: Bertrand,
2001. p. 314.
______.
A economia das trocas simbólicas
. São Paulo:
Perspectiva, 1998. p.361.
______.
Razões Práticas
. Campinas, SP: Papirus, 1996. p. 224.
______.
Sociologia
. São Paulo: Ática, 1994. p. 191.
______.
Questões de Sociologia
. Rio de Janeiro: Marco Zero,
1983. p. 208.
BRASIl, Ano 2005,
Projeto Somos
Guia Prático Série manuais
65. p. 135.
CASTELLS, Manuel.
O Poder da Identidade.
São Paulo: Paz e
Terra, 1999. p. 530.
CHAVES, Christine de Alencar.
A Marcha nacional dos Sem-terra:
Um estudo sobre a fabricação do Social. Rio de Janeiro: Relume
Dumará: UFRJ, 2000. p. 446.
CONDE, Michele Cunha Franco.
O movimento Homossexual
brasileiro, sua trajetória e seu papel na ampliação do exercício
da cidadania.
(Dissertação de Mestrado em Sociologia). UFG.
FCHF. Departamento de Ciências Sociais. Mestrado em Sociologia,
2004.
DUBAR, Claude.
A Socialização
Construção de identidades
sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 343.
FACCHINI, Regina.
Sopa de Letrinha?:
movimento homossexual e
produção de identidades coletivas no anos 1990, Rio de Janeiro:
Garamond, 2005. p. 301.
78
FRANÇA, Isadora Lins.
Cercas e Pontes: O movimento GLBT e o
Mercado na Cidade de São Paulo
. (Dissertação de Mestrado em
Antropologia), S. Paulo: USP, FFLCH, 2006.
GILBERT, Margaret. Rationality in Collective Action.
Philosophy of
the Social Sciences
, New York, v. 2, n. 3, 2006. p. 234-56.
GOHN, Maria da Glória.
O Protagonismo da Sociedade Civil
movimentos sociais, ONGs e redes solidárias. São Paulo:Cortez,
2005. p.120.
______.
Movimentos sociais no início do século XXI
: antigos e
novos atores sociais. Petrópolis, RJ:Vozes, 2003. p.143.
______.
História dos movimentos e lutas sociais
a construção
da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 2003. p.214.
______.
Teoria dos Movimentos Sociais
Paradigmas clássicos e
contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1997. p. 383.
HABERMAS, Jurgen.
Comunicação, opinião pública e poder
, In:
Comunicação e Indústria Cultural. Cohn, Gabriel, São Paulo:
Nacional, 1975.
HONNETH, Axel.
Luta por Reconhecimento:
a gramática moral dos
conflitos sociais. São Paulo: Ed.34, 2003. p. 296.
LAHIRE, Bernard.
Homem Plural
os determinantes da ação.
Petrópolis/ RJ: Vozes, 2002. p. 231.
LITTLE, Daniel.
Rational Choice Theory.
In: Varieties of social
explanation: an introduction to the Philosophy of Social Science.
Boulder: Westview, 1991, p. 39-66. (Tradução de Jordão Horta
Nunes).
OLIVEIRA FILHO, José Jeremias de. Patologia e Regras
Metodológicas.
Estudos Avançados
. São Paulo, v, 9, n.23, abril,
1995. p. 263-268.
OLIVEIRA, Vanilda Maria de.
Um olhar interseccional sobre
feminismos, negritudes, e lesbianidades em Goiás
. (Dissertação
de mestrado em Sociologia) UFG. FCHF. Departamento de Ciências
Sociais. Mestrado em Sociologia, 2006.
MELUCCI, Alberto,
A invenção do Presente:
movimentos sociais
nas sociedades complexas. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 199.
MELUCCI, Alberto,
Por uma sociologia reflexiva
pesquisa
qualitativa e cultura. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 374.
MILLS, C. Wright,
A Elite do Poder.
Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1975.
79
SANTOS, Boaventura de Souza.
Pela Mão de Alice
O social e o
político na pós-modernidade. S.Paulo, Cortez, 2003, p.348.
SCHERER-WARREN, Ilse. Das mobilizações às redes de
movimentos sociais.
Soc. estado
. [online]. 2006, vol. 21, no. 1
[citado 2008-11-18], pp. 109-130. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922006000100007&lng=pt&nrm=iso >. ISSN 0102-6992. doi:
10.1590/S0102-69922006000100007.
SLORTERDIJK, Peter,
O Desprezo das massas:
ensaio sobre lutas
culturais na sociedade moderna
.
São Paulo: Estação Liberdade,
2002. p. 177
SODRÉ, Muniz.
Claros e Escuros:
Identidade, povo e mídia no
Brasil
.
Petrópolis: Vozes, 2001. p. 272
SOUSA, Alemar Moreira de
. O espaço que ousa dizer seu nome:
Territórios GLTBS de Goiânia.
(Dissertação de Mestrado em
Geografia). Goiânia. UFG. IESA, 2005. p. 107
TOURAINE, Alain. Na fronteira dos movimentos sociais. Traduzido
por Ana Liési Thurler.
Soc. estado
. [online]. 2006, vol. 21, no. 1
[citado 2008-11-18], pp. 17-28. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922006000100003&lng=pt&nrm=iso >. ISSN 0102-6992. doi:
10.1590/S0102-69922006000100003.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo