Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
DINAIR VELLEDA TEIXEIRA
A ÉTICA NO DISCURSO DO JORNAL ZERO HORA
SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
RIO GRANDE
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
- 1 -
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
DINAIR VELLEDA TEIXEIRA
A ÉTICA NO DISCURSO DO JORNAL ZERO HORA
SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação Ambiental da
Universidade Federal do Rio Grande, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação Ambiental.
Orientador: Prof. Dr. Sirio Lopez Velasco
Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilza Girardi
RIO GRANDE
2008
ads:
- 2 -
Dedico este trabalho ao meu filho Nikolas, de dezesseis anos, de quem
espero que, com ética, ajude a construir uma sociedade mais justa e
igualitária.
- 3 -
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, que me possibilitou a vinda para Rio Grande, na
condição de estudante, para resgatar um sonho já engavetado.
Ao meu orientador, Sirio Velasco, por ter feito uso, de forma irrestrita, da
primeira norma da ética, a qual defende a liberdade de decisão. Ele indicou
os caminhos, mas me concedeu total liberdade para que eu fizesse a escolha,
respeitando sempre minha decisão.
À minha querida co-orientadora, Ilza Girardi, por sua maneira meiga e
amiga de orientar, transmitindo serenidade, confiança e sabedoria. Pela
ouvinte e conselheira que foi e pelo seu grande conhecimento em
Jornalismo, do qual tive uma contribuição fundamental para minha
pesquisa.
À minha querida Maria Lília Dias de Castro, que me acompanha desde o
mestrado na UNISINOS, quando nos conhecemos, e a qual tive a honra de
ter comigo novamente, pela pessoa maravilhosa e pelo conhecimento da
Hermenêutica de Profundidade, metodologia desenvolvida na pesquisa e na
qual ela me orientou incansavelmente.
Ao não menos querido Carlos RS Machado, que se interessou pelo meu
tema de pesquisa ainda na fase embrionária e, com suas oportunas opiniões,
contribuiu de forma efetiva com o rumo que a pesquisa tomou.
Aos colegas mestrandos e doutorandos da FURG, pelas discussões e trocas
que marcaram nossa constituição de educadores ambientais, em especial à
querida amiga Maria Cristina Treptow Marques.
Aos professores, pelo conhecimento transmitido, assim como pelo interesse
e pela disponibilidade em contribuir com minha pesquisa, sempre que
solicitei.
Ao PPGEA, pela oportunidade e honra de poder fazer parte do corpo
discente de um programa reconhecido e conceituado em todo o Brasil.
A todos, igualmente, sou extremamente grata!
MUITO OBRIGADA.
- 4 -
“O ser humano vivencia a si mesmo, seus pensamentos como algo
separado do resto do universo –numa espécie de ilusão de ótica de sua
consciência. E essa ilusão é uma espécie de prisão que restringe
nossos desejos pessoais, conceitos e o afeto por pessoas mais
próximas. Nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão,
ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja todos
os seres vivos e toda a natureza em sua beleza.
Ninguém conseguirá alcançar completamente esse objetivo, mas lutar
pela sua realização já é, por si só, parte de nossa liberação e o alicerce
de nossa segurança interior.”
Albert Einstein
- 5 -
LISTA DE ABREVIATURAS
ANDI Agência de Notícias dos Direitos da Infância
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CO
2
Dióxido de carbono
CFC Clorofluorcarbonos
CPTEC Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos
EA Educação Ambiental
FURG Universidade Federal do Rio Grande
GT1 Grupo de Trabalho 1
GT2 Grupo de Trabalho 2
GT3 Grupo de Trabalho 3
HP Hermenêutica de Profundidade
IVC Instituto Verificador de Circulação
IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OMM Organização Meteorológica Mundial
ONG Organização não-governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PNEA Política Nacional de Educação Ambiental
PPGCOM Programa de Pós-Graduação da Comunicação
PPGEA Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
QRC Quase-Raciocínios Causais
RBS Rede Brasil Sul
UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos
ZH
Zero Hora
- 6 -
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11
1 – ECOMUNITARISMO .................................................................................................. 17
1.1 – Base ética ..................................................................................................................... 19
1.2 – Educação Ambiental Ecomunitarista ........................................................................... 24
2 – JORNALISMO AMBIENTAL .................................................................................... 25
2.1 – O papel do jornalismo .................................................................................................. 26
2.2 – O jornalismo e as normas éticas .................................................................................. 33
2.3 – Especificidade do jornalismo ambiental ...................................................................... 38
3 – MUDANÇAS CLIMÁTICAS ...................................................................................... 43
3.1 – Delimitação do tema .................................................................................................... 43
3.2 – IPCC e matérias de Zero Hora ..................................................................................... 44
4 – CORPUS ........................................................................................................................
50
4.1 – Metodologia de pesquisa: Hermenêutica de Profundidade .......................................... 50
4.2 – Procedimentos .............................................................................................................. 52
4.3 – Matérias analisadas ...................................................................................................... 54
4.3.1 – Reportagem 1 ............................................................................................................ 54
4.3.2 – Reportagem 2 ............................................................................................................ 69
4.3.3 – Reportagem 3 ............................................................................................................ 81
4.4 – Reinterpretação ............................................................................................................ 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................
95
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 97
- 7 -
LISTA DE GRÁFICOS E QUADROS
GRÁFICO 1 – Gráfico 5 da pesquisa realizada pela ANDI .................................................. 46
QUADRO 1 – Reuniões IPCC por Grupo de Trabalho ........................................................ 49
QUADRO 2 – Matérias selecionadas para análise ............................................................... 52
QUADRO 3 – Mapa representacional por categorias .......................................................... 90
- 8 -
RESUMO
A presente pesquisa propõe compreender o processo de construção do discurso ético no jornal
Zero Hora (ZH) sobre as mudanças climáticas, através da Hermenêutica de Profundidade de
Thompson (1995). Toma-se como pano de fundo a ética argumentativa ecomunitarista,
proposta por Velasco (2003a), para analisar no corpus da pesquisa as matérias publicadas por
Zero Hora sobre os Relatórios de Mudança Climática
1
realizados pelos grupos de trabalho do
Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC)
2
e divulgados em três partes ao longo do
ano de 2007. Sendo o jornalismo formador de opinião, atuando na construção dos vínculos
sociais e na produção dos sentidos, acaba legitimando o que é dito e entendido por mudança
climática. Entender como esse veículo de comunicação desempenha seu papel social de
agente de transformação da realidade é de fundamental importância na contribuição para uma
mudança de valores, conhecimentos, habilidades e comportamentos almejados pela Educação
Ambiental na transformação da grave crise sócio-ecológico-ambiental.
Palavras-chave: discurso, Educação, Ética, Jornalismo, meio ambiente.
1
Disponível em <http//www.mct.gov.br>.
2
Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima.
- 9 -
ABSTRACT
The present research aims to understand the construction process of the ethic discourse in the
Brazilian newspaper Zero Hora concerning the climate change, based on Thompson’s Depth
Hermeneutics (1995). As a background the ecomunitaristic ethic inference proposed by
Velasco (2003a) is taken to analyse the following research corpus: the matters published by
Zero Hora about the Climate Changes Reports from the Intergovernmental Panel on Climate
Change’s (IPCC) work groups which were issued in three parts along the year of 2007. Since
the journalism is an opinion maker that takes part prominently in the construction of the social
entailments and in the production of sense, it comes to legitimate what is said and understood
as the Change Climate. The understanding of how this medium plays its social role as a reality
changing agent has an essencial importance to contribute to the changing of the values,
knowledge, skills and behaviour expected by The Environmental Education towards the
transformation of the severe environmental socio- ecologic crisis.
Key words: Discourse, Education, Ethics, Journalism, Environment
- 10 -
INTRODUÇÃO
Enquanto profissional da área da comunicação, percebo a importância do jornalismo
no processo de transmissão da informação. Como cidadã, preocupam-me as questões sócio-
ambientais. Ao pensar a importância do jornalismo na transmissão da informação sobre as
questões ambientais, surgiu imediatamente meu interesse pelo Mestrado em Educação
Ambiental (EA). Isso ocorreu quando ingressei no Programa de Pós-Graduação em
Comunicação – PPGCOM da UNISINOS, onde cursei duas disciplinas fundamentais que me
deram condições de optar pela análise do discurso como metodologia para desenvolver esta
pesquisa: “Mídia e Sociedade”
3
e “Interpretação de Produtos Midiáticos”
4
. A primeira me
proporcionou uma compreensão do papel dos processos midiáticos, ou seja, da mídia como
mediadora na construção dos vínculos sociais e dos processos de produção de sentido; a
segunda, uma compreensão dos modelos interpretativos a partir das teorias de discurso e da
inter-relação possível entre produção e compreensão no eixo da linguagem, evidenciando
caminhos de análise, de orientação discursiva, voltados aos produtos midiáticos.
A partir desse aprendizado e, posteriormente, no Programa de Pós-Graduação em
Educação Ambiental – PPGEA da FURG, com o conhecimento das abordagens da Educação
Ambiental e da proposta da Ética Argumentativa Ecomunitarista, vislumbrei uma forma de
interagir e contribuir com o estudo da problemática ambiental, por meio da compreensão do
processo de construção do discurso ético
5
do jornal Zero Hora sobre as mudanças climáticas.
Penso que um diálogo entre os autores que se dedicam aos dois campos (jornalismo e
educação ambiental) será esclarecedor e enriquecedor. Ao realizar busca de pesquisas que
tenham como objeto de estudo mídia impressa e o discurso ético sobre as mudanças
climáticas, em bases de dados e bancos de teses e dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), verifiquei a inexistência de pesquisa
sobre esse tema. O entendimento da importância do jornalismo como construtor da cidadania
3
Ministrada pelo Prof. Dr. Fausto Neto.
4
Ministrada pela Prof.ª Dr.ª Maria Lilia Dias de Castro.
5
Ética – parte da filosofia que estuda os deveres do homem para com Deus e com a sociedade.
- 11 -
foi o que me levou a prosseguir com a pesquisa. Considerei também que em um país como o
Brasil, em que a educação formal tem se descuidado do ensino de ciências
6
, os meios de
comunicação desempenham um papel fundamental no processo de alfabetização científica,
pois o jornalismo é um dos caminhos e, às vezes, o único meio capaz de levar o cidadão ao
conhecimento das novas descobertas da ciência, ou de assuntos científicos em geral.
Esta pesquisa vincula-se à linha Fundamentos da Educação Ambiental, que aborda os
fundamentos históricos, antropológicos, sociológicos e filosóficos (éticos e epistemológicos)
da Educação Ambiental. Esses fundamentos são importantes na definição e na busca da
mudança de valores, conhecimentos, habilidades e comportamentos almejados pela Educação
Ambiental na transformação da crise sócio-ecológico-ambiental.
O jornalismo, por atuar na construção dos vínculos sociais e nos processos de
produção de sentido, bem como na construção da realidade social, pode ser uma importante
ferramenta para transformação da sociedade e para propiciar ao homem a sua compreensão
como um ser interligado ao todo. Para tanto, a informação deve ser pautada em princípios
éticos, que busquem uma sociedade mais justa, igualitária e participativa. Assim, o jornalismo
estará desempenhando seu papel social de agente de transformação da realidade. Isso
pressupõe também a superação do sistema capitalista, responsável pelo atual modelo de
sociedade.
Antigamente, tínhamos um padrão de ocupação da sociedade baseado na agricultura.
A partir do uso dos combustíveis fósseis – carvão e petróleo – surgem no cenário a indústria e
o transporte pesado, favorecendo o crescimento do número de pessoas nas áreas urbanas. Com
o crescimento e a concentração de pessoas em determinadas áreas, surgem também os centros
de informação, como universidades, bancos de dados, veículos de comunicação. Muda, assim,
o padrão de vida da sociedade, motivada pelo crescente acesso à informação e tecnologia.
Cresce a forma de produção e de consumo e as terras e florestas são convertidas em
mercadorias, para atender à intensificação dessa demanda.
Esse processo foi baseado na exploração do trabalho humano e no alto consumo de
matérias-primas e fontes de energia não-renováveis, cujos resíduos poluentes, gerados ao
longo do processo produtivo, contaminam o ar, o solo e as águas numa velocidade sem
precedentes. Essa intensa exploração da natureza é provocada por um conjunto de crenças,
valores e atitudes em relação ao meio ambiente em que os recursos naturais são tomados
6
A posição do Brasil é baixa no ensino de Ciências, conforme Programa Internacional de Avaliação de Alunos
(PISA) de 2006, elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Disponível em: http://www.inep.gov.br
.
- 12 -
como inesgotáveis e à disposição da sociedade de forma irrestrita, para satisfazer as ambições
e os desejos do homem.
Esse paradigma vem da crença de que o homem e a natureza são distintos, colocando-
se o homem em uma posição de superioridade e domínio em relação à natureza. Essa relação
de desrespeito, exploração e dominação do homem sobre a natureza sobre os demais seres
vivos é que desencadeou a crise sócio-ambiental. Mas, foi somente a partir de meados do
século XX (a partir de 1970), com a mídia focando cada vez mais assuntos relacionados às
questões ambientais como aquecimento global (1990), organismos transgênicos, perda da
biodiversidade, massificação cultural, a questão urbana, entre outros, que diferentes atores
sociais começaram a perceber a extensão da crise que hoje se enfrenta – crise que acentua a
disparidade entre ricos e pobres, ocasionando problemas de toda ordem, como fome e doenças
das mais diversas, afetando também a educação e intensificando as relações de poder, além de
estar esgotando os bens naturais. Em face dessas questões, podemos afirmar que estamos
diante de uma grave crise ambiental global.
Para Velasco (2003a), essa crise sócio-ambiental provém, em parte, da falta de ética
que domina a sociedade contemporânea. Considerando esse pressuposto e a necessidade de
transformação dessa realidade para sobrevivência do planeta, toma-se como pano de fundo a
“Ética Argumentativa
7
na perspectiva do Ecomunitarismo”
8
, proposta por Velasco (2003a), a
qual privilegia a liberdade de decisão, o consenso e a preservação-regeneração da natureza,
para analisar as matérias do jornal Zero Hora (ZH) sobre os Relatórios de Mudança
Climática
9
, realizados pelos grupos de trabalho do Intergovernmental Panel on Climate
Change – (IPCC)
10
e divulgados em três partes ao longo do ano de 2007.
Cada parte do relatório é o resultado de um dos três Grupos de Trabalho (GT) do
IPCC. O GT1 concentra-se sobre as bases científicas da mudança climática. O GT2 trata dos
impactos da mudança climática e da vulnerabilidade da Terra a esses impactos. O GT3 avalia
como podemos amenizar as conseqüências do aquecimento global.
7
A ética argumentativa ecomunitarista é instaurada quando toda e qualquer situação for pautada na liberdade, no
consenso e na preservação-regeneração da natureza (VELASCO, 2003a).
8
É uma ordem sócio-ambiental pós-capitalista utópica. Apóia-se nas três normas que Velasco (2003a) deduz
argumentativamente da pergunta que abre o universo da ética, a saber: “Que devo fazer?”, normas que estipulam,
respectivamente: 1) que devemos zelar pela nossa liberdade individual de decisão; 2) que devemos viver
consensualmente essa liberdade; 3) que devemos zelar pela preservação-regeneração da natureza (VELASCO,
2003a).
9
Disponível em <http//www.mct.gov.br>.
10
Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima.
- 13 -
METODOLOGIA
Definiu-se como corpus matérias
11
coletadas do jornal Zero Hora sobre os Relatórios
de Mudanças Climáticas, publicadas no ano de 2007. A análise do corpus é baseada no
referencial metodológico de Thompson, que se fundamenta na tradição da hermenêutica
12
.
Para Thompson (1995), embora vários tipos de análise formal, estatística e objetiva sejam
apropriados na análise social, esse enfoque é parcial. Ele aponta essa idéia ao dizer que muitos
fenômenos sociais são também formas simbólicas
13
, e formas simbólicas são construções
significativas que, embora possam ser analisadas por métodos formais ou objetivos,
inevitavelmente apresentam problemas qualitativamente distintos de compreensão e
interpretação, porque, no caso da investigação social, o objeto de nossas investigações é ele
mesmo, um território pré-interpretado.
O processo de transformar os relatórios sobre as mudanças climáticas, fornecido pelo
IPCC em notícia, é mediado pela interpretação, pelo conhecimento, pelas falas colaterais, pelo
ambiente físico, entre outros fatores que interagem com o jornalista no momento de sua
escrita. É o resultado de uma interpretação dos relatórios somada a todo o contexto vivido
pelo jornalista. Por outro lado, o jornalista, ao escrever a matéria, está também reconstruindo
a história, da qual ele é parte, atuando como produto e produtor dentro de um espaço/tempo, e
não apenas observador ou espectador dela. Por esse motivo, opta-se pela Hermenêutica de
Profundidade, de Thompson (1995), para desenvolver a pesquisa, por essa metodologia
considerar a dimensão sócio-histórica, a análise discursiva e a etapa de interpretação/re-
interpretação.
A pesquisa está apoiada em três eixos: Discurso (THOMPSON, 1995), Ética
Ecomunitarista (VELASCO, 2003a; 2003b) e Jornalismo (BACCHETTA, 2000; KOVACH;
ROSENSTIEL, 2004; TRAQUINA, 2005).
Na seqüência, faz-se uma releitura das três normas da ética (liberdade de decisão,
consenso e preservação-regeneração da natureza), associando-as à forma de fazer jornalismo,
e, a partir daí, identifica-se o problema de pesquisa.
A primeira norma da ética, a qual busca a liberdade de decisão, remete ao fato
de se pensar o jornalista e o papel que desempenha na imprensa/empresa,
enquanto profissional inserido em um contexto sócio-econômico; em que a
11
Notícias
12
O termo deriva do grego Hermeneutikè, que significa: ciência, técnica. É a arte de interpretar o sentido das
palavras, das leis, dos textos (THOMPSON, 1995).
13
São construções significativas que exigem uma interpretação; elas são ações, falas, textos que, por serem
construções significativas, podem ser compreendidas (THOMPSON, 1995).
- 14 -
definição do que é relevante ou não, em termos de notícia, está
intrinsecamente ligada aos envolvidos no fato. Essa estruturação da imprensa
como empresa e, portanto, com interesse comercial, fez com que ela caísse
num campo de interesses que passa a influenciá-la. Dessa forma, o jornalista
tem sua liberdade de expressão cerceada por interesses do grupo dirigente e
dos grupos econômicos anunciantes.
A segunda norma da ética, a qual busca o consenso, remete ao pensamento
sobre a notícia como um dos eixos norteadores dos “consensos” e parâmetros
sociais. O jornalista através da notícia acaba indicando o que seria socialmente
desejável ou adequado. Nesse processo, ele lança mão de mapas culturais de
significado (HALL, 1993) que existem na sociedade e ajuda a reforçá-los ou
apagá-los, contribuindo para o estabelecimento de “consensos” a respeito de
valores e atitudes.
A terceira norma da ética busca a preservação-regeneração da natureza, a qual
remete à questão do empenho do jornalismo ambiental na quebra do
paradigma dicotômico existente entre sociedade e natureza, através de um
fazer jornalístico que privilegie tanto as partes como o todo, por entender que
o enfoque sistêmico é essencial na transmissão da informação livre, ou seja,
independente e comprometida com a verdade. Ressalta-se o quanto o
jornalismo tradicional, com sua visão fragmentada sobre as questões
ambientais, com enfoque supostamente ecológico, separando os problemas
ambientais dos aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos, contribui
para fortalecer esse paradigma dicotômico entre sociedade e natureza.
A QUESTÃO DE PESQUISA E SEUS OBJETIVOS
Com base nesse fazer jornalístico, na ética da perspectiva ecomunitarista, e
considerando-se ainda o jornalismo uma importante ferramenta da educação ambiental para a
transformação da realidade e a construção da cidadania, busca-se entender: De que forma o
discurso do jornal Zero Hora sobre as mudanças climáticas contempla os princípios
éticos da educação ambiental na perspectiva ecomunitarista?
O objetivo geral é compreender o processo de construção do discurso do jornal Zero
Hora sobre as mudanças climáticas. Esse objetivo desdobra-se em objetivos específicos:
a) Entender qual o significado das matérias, a partir de uma análise sintática e semântica.
b) Identificar as estratégias discursivas empregadas na construção do discurso.
- 15 -
c) Verificar qual a corrente de EA que embasa o discurso do jornal Zero Hora a)
conservadora ou b) crítica / transformadora / emancipatória.
d) Analisar se o discurso de Zero Hora está desempenhando sua função social.
e) Averiguar se o discurso tem caráter polifônico.
f) Identificar que valores-notícia ancoram o discurso de Zero Hora.
A escolha do jornal Zero Hora para análise, em detrimento a outros jornais, deve-se
somente ao fato de ser este o de maior tiragem (média de 191 mil exemplares/dia, de segunda
a domingo)
14
, atingindo, conseqüentemente, maior número de leitores. Dessa forma,
considera-se que esse veículo de comunicação pode estar contribuindo para a formação
educacional em espaço formal e informal
15
de cidadãos no Estado do Rio Grande do Sul,
inseridos em diferentes contextos sócio-econômicos.
A dissertação está organizada em cinco capítulos. O primeiro, “Ecomunitarismo”, tem
o objetivo de elucidar o que é ecomunitarismo, como é construída a ética ecomunitarista e em
que o autor se fundamenta para propor essa reestruturação da ética que evidencia uma relação
com a pedagogia, pois busca a promoção de pensamentos e atitudes crítico-transformadoras
para a construção de uma sociedade pós-capitalista. O segundo capítulo, “Jornalismo
ambiental”, contempla o conceito de jornalismo, suas funções e características e a relação
com as normas éticas e o jornalismo voltado a temas de cunho ambiental. O terceiro capítulo,
“Mudanças climáticas”, aborda as causas do problema advindas do poder capitalista e suas
conseqüências, além do detalhamento dos relatórios IPCC. O quarto capítulo, “Análise das
matérias”, aborda o detalhamento da HP, a análise de cada uma das reportagens sobre os
relatórios IPCC referentes às mudanças climáticas e que constituem o corpus do trabalho, a
interpretação dessas análises e a reinterpretação. Por fim, as “Considerações finais” contêm o
parecer pessoal a respeito de todo o trabalho realizado.
14
Dados obtidos em 12 de setembro 2006, por meio do Departamento de Análise de Mercado de ZH.
15
O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, formalizado
durante o Fórum Global da Conferência Rio-92, define educação ambiental formal como aquela realizada dentro
da educação escolar; educação ambiental não-formal é a realizada fora da escola, mas com sistematização
metodológica, como em entidades ambientalistas e centros comunitários; já a educação ambiental informal
refere-se à educação sem sistematização e metodologia, como no caso da mídia em relação ao público
leitor/espectador. (TOZONI-REIS, 2004, p. 6-7).
- 16 -
1 – ECOMUNITARISMO
“A crítica ao capitalismo e o desvelamento da realidade são um começo para a
transformação” (VELASCO, 2003b). No momento em que ocorre a indignação frente às
injustiças sociais e ao desastre ambiental, pode-se partir para a pergunta: o que devemos
fazer? E como mudar? (ibid).
O ecomunitarismo propõe a criação de uma sociedade pós-capitalista, tendo como
lema: “De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade”, modelo de
sociedade proposto por Velasco (2003b), baseado nas três normas éticas, assunto abordado no
subcapítulo seguinte. O ecomunitarismo privilegia a liberdade individual, o estabelecimento
de consensos e o respeito à natureza pela sua utilização/produção de forma consciente, com o
mínimo de impacto ambiental.
A sociedade vislumbrada pelo ecomunitarismo propõe um plano de distribuição, de
acordo com a segunda norma da ética, através de consensos para o suprimento das
necessidades básicas, que não devem ser confundidas com as necessidades ilusórias, ditadas
pelo capitalismo e consideradas naturais, em que o excedente de produção ficará estocado
para casos de emergência ou para a troca de mercadorias com outras comunidades/países, já
que é impossível a auto-suficiência. Com isso, não será preciso nem dinheiro, nem salário. O
ser humano será um ser universal, capaz de desenvolver todas as suas habilidades e vocações,
ao contrário do especialista visto nos dias atuais, contribuindo com as suas aptidões para a
construção da comunidade. Em algumas tarefas, que não forem de habilitação de nenhuma
pessoa, haverá rodízio ou utilização de máquinas, por intermédio de acordos consensuais. A
natureza será respeitada, visando a sua preservação e utilização saudável do ponto de vista
produtivo. A interação lúdico-estética será valorizada, assim como o surgimento e a adaptação
de tecnologias menos impactantes, além de um programa de reciclagem de todos os resíduos,
condizendo com os três R: reduzir, reciclar e reutilizar. Uma sociedade menos consumista e
ciente de suas necessidades básicas certamente acarretará um melhor convívio entre os seres
humanos e o resto da natureza.
- 17 -
Para Velasco (2003b), é evidente a dificuldade da mudança frente ao pensamento
capitalista que incute comportamentos de passividade, não-resistência e alienação da própria
vida. Contudo, diz ele, haja vista que movimentos sociais anticapitalistas sempre provocaram
e provocarão embate na sociedade, há pequenos furos em uma muralha, e, no momento em
que se constituírem em redes, haverá maior força para derrubá-la. Por isso, ressalta Velasco, a
importância de se trabalhar esses movimentos conectados às três normas da ética, reguladoras
da ordem ecomunitarista juntamente com a pedagogia da libertação, para que, em sua
caminhada constante, consigamos nos aproximar do que se quer: uma sociedade mais justa e
democrática, que atenda e respeite as necessidades e condições humanas e não-humanas.
Portanto, o grande objetivo da proposta ecomunitarista é o desenvolvimento da
multilateralidade do ser humano, desde o aproveitamento do ócio e do prazer sem culpa até o
estabelecimento e a práxis de múltiplas vocações, chamados por Velasco (2003b, p.126) de
não-trabalho, em contraposição à definição de trabalho no capitalismo, como algo maçante e
entediante.
Através da pedagogia da libertação, em um processo gradual e constante, há um meio
para aproximação ao horizonte ecomunitarista tanto em nível formal quanto em todos os
espaços sociais. Essa pedagogia baseia-se nas obras de Paulo Freire, que propõem uma práxis
em perspectiva dialógica, onde os seres humanos aprendem uns com os outros, mediatizados
pelo mundo, tendo na educação uma atitude progressista de conscientização, no sentido de ser
um processo que se historiciza e, por isso, encontra-se em constante renovação.
A lógica formal, a lógica dialética e o pensamento sistêmico são os instrumentos que
interpretam a realidade na política/pedagogia ecomunitarista da libertação. A lógica formal é
complementada com a lógica dialética, dando esta a historicidade aos enunciados, pela
identidade e oposição dos contrários, desvelando o mundo e apostando na criticidade.
Também, o pensamento sistêmico supera a linearidade dos acontecimentos, no sentido da
retroalimentação e do sinergismo entre as partes pelas propriedades emergentes.
Segundo Velasco (2003b), a ordem ecomunitarista será regida por uma democracia
direta, horizontal e consensualmente estabelecida, superando a bifurcação entre os
“formadores de opinião” e os outros. Os líderes devem agir em função dos diálogos
estabelecidos e de atitudes mediadas por consensos, sempre em escolha do melhor argumento,
respeitando a liberdade individual e coletiva e a natureza não-humana; deve haver
rotatividade nos cargos de liderança e os liderados poderão mudá-los, a qualquer momento,
caso haja motivo para fazê-lo.
- 18 -
Entretanto, diz Velasco, toda revolução inicia-se a partir de certos ideais formulados
por pequenos grupos de pessoas, as minorias, servindo como meio para a adesão da maioria,
e, através desta, chega-se aos fins estabelecidos.
Atualmente, observam-se movimentos de resistência ao capitalismo, destacando-se as
questões ecológicas por seu poder convincente, através da sensibilização frente às catástrofes
naturais e sociais, as quais também atingem as classes dominantes, e pela impossibilidade de
que a tecnologia venha a suprir todas as necessidades e todos os desafios ecológicos.
O saber ecológico também ganha força por sua multiplicidade de intervenções, pois
abrange desde o ambiente pessoal, o sócio-cultural e o natural, não os tomando de maneira
fragmentada, mas como uma rede de interações que converge, muitas vezes, para um mesmo fim.
1.1 – Base ética
Devido à acelerada expansão capitalista no mundo através da chamada “cultura
ocidental”, Velasco (2003a) destaca a falência da ética ao longo dos tempos e, em especial, no
século XX, necessitando-se urgentemente, segundo ele, que a ética se reerga sobre novos
alicerces argumentativos.
Para o autor, esse fato ocorreu primeiramente em função da falência teórico-prática da
ética fundamentada na religião ou teologia, devido ao “desencantamento do mundo” diante da
instalação e predominância do modelo capitalista, haja vista que essa perspectiva filosófica é
tida como carente de universalidade, pois sua proposta somente atinge um pequeno círculo de
seres humanos que compartilham os pressupostos religiosos transracionais em questão, e
somente para estes é válida.
No mesmo sentido, o autor entende também que houve o divórcio entre a ética e a
ciência, uma vez que esta última não só foi transformada em principal força do processo
produtivo capitalista, mas também se tornou referência e modelo privilegiado do “saber” de
uma minoria dominante.
Citando Karl-Otto Apel (1973), o autor ainda destaca que duas grandes perspectivas
filosóficas não-teológicas, porém de grande repercussão mundial, concluem também pela
impossibilidade de uma ética universalizável, suficientemente capaz de orientar a humanidade
em suas ações, diante do paradigma capitalista mundial. Faz isso referindo-se, por um lado, ao
existencialismo e, por outro, ao positivismo lógico, ao racionalismo crítico e à metaética,
- 19 -
conclusão que emerge da convicção de que é impossível se achar uma fundamentação última
com valor subjetivo para as opções éticas individuais.
Portanto, tais fatos, segundo Velasco (2003a, p. 9), colocam a ética em uma situação
de necessidade urgente quanto à sua reestruturação, que deve ser feita com base em novos
fundamentos argumentativos, que sejam capazes de libertar a humanidade dos perigos e das
ameaças de um holocausto sócio-ambiental, provocado pelo nocivo paradigma capitalista.
Diante disso, Velasco, partindo de Austin (1962), pesquisa as condições de
“felicidade” da pergunta que instaura o universo ético (a saber, “Que devo fazer?”) e,
recuperando o instrumental da lógica formal (enriquecido de um operador, que ele chama de
“condicional”), mostra que é possível se deduzir-se, por via estritamente argumentativa,
normas agora entendidas como Quase-Raciocínios Causais (QRC) de validade intersubjetiva
universal.
Com esses instrumentos, Velasco deduz três normas: a primeira trata da liberdade
individual; a segunda, do consenso, e a terceira tem caráter ecológico. Conforme o autor, as
três servem de fundamento para criticar, no atual modelo capitalista, todas as instâncias onde
operam as dominações, auto-repressões alienadas e devastações que conduzem às obrigações:
1) Devo zelar pela minha liberdade de decisão; 2) Devo buscar uma resposta
consensuada para a pergunta “O que devo fazer?”, onde todas as pessoas
podem participar, baseadas em argumentações; 3) Devo zelar por uma
natureza (humana e não-humana) saudável do ponto de vista produtivo,
garantindo a sua regeneração (VELASCO, 2003a, p. 16).
Ao mesmo tempo, essas normas apontam para um horizonte utópico pós-capitalista. A
este último objetivo, como a um horizonte a ser atingido, Velasco denomina Ecomunitarismo.
As normas éticas estão de acordo com a liberdade de decisão, porém com limites, já que nesta
deve-se obter um consenso pela maioria em um determinado contexto e em uma determinada
época histórica e deve-se também preservar e regenerar uma natureza sadia.
É evidente que o capitalismo não atende a nenhuma das normas, já que poucos têm a
liberdade de decisão e somente os capitalistas decidem, além de destruir cada vez mais a
natureza não-humana, devido aos impactos naturais, e a humana, pois este é uma ordem
sócio-ambiental que produz doenças físicas e mentais.
Em contraposição, Velasco, a partir da ética argumentativa, propõe a construção de
uma sociedade com pressupostos ecomunitaristas que respeitem as normas éticas em sua
abrangência econômica, ecológica, pedagógica, erótica e política.
- 20 -
Na Primeira Norma da Ética, a felicidade da pergunta “Que devo fazer?” depende da
possibilidade de podermos escolher entre, pelo menos, duas alternativas. Ter a possibilidade
de escolha supõe liberdade de decisão. Assim, a liberdade de decisão é uma condição
referente à posição do sujeito que realiza o ato de fala “Que devo fazer?” e faz parte da
realização feliz desse ato. Assim, diz o autor:
a) Eu tenho liberdade de decisão é a condição de Eu poder realizar mais uma
ação ou tipo de ação diferente.
b) Eu posso realizar mais de uma ação ou tipo de ação diferente é condição
de Eu faço a pergunta Que devo fazer?
c) Porque o operador de condicional respeita a propriedade de transitividade,
ou seja, porque a fórmula sentencial que segue é uma tautologia: ((p*q) .
(q*r) => (p*r)), “Eu tenho liberdade de decisão é condição de Eu pergunto
Que devo fazer?”
d) Eu quero fazer a pergunta “Que devo fazer?” (numa realização feliz). E
por esse procedimento eu deduzo a primeira norma da ética que reza: “Devo
garantir minha liberdade de decisão porque Eu garanto minha liberdade de
decisão é condição de Eu faço a pergunta Que devo fazer? numa realização
feliz” (VELASCO, 2003a, p.19).
Para Velasco (id., p.19), essa norma é o fundamento ético de toda crítica a qualquer
instância da falta de liberdade de decisão, particularmente quando essa falta resulta de
relações alienadas com os outros e consigo mesmo. Ele ressalta que, na condição humana
(que é uma condição social), talvez nunca uma instância da pergunta “Que devo fazer?” será
plenamente feliz, mas que, ao mesmo tempo, devemos constatar que essa pergunta é o “lugar”
da instauração-reafirmação da nossa liberdade de decisão e da luta para consegui-la.
O autor salienta ainda que o indivíduo que aceita ou quer fazer a pergunta “O que
devo/devemos fazer?” (em realização “feliz”) já assumiu, com a pergunta mencionada, o
obrigativo “Devemos garantir nossa liberdade de decidir porque Nós garantimos nossa
liberdade de decidir é a condição de Nós fazermos a pergunta O que devo/devemos fazer?”.
Logo, se esse indivíduo (num determinado momento) descobre as limitações que afetam sua
liberdade de decisão (derivadas de situações de repressão, auto-repressão alienada ou de ilusão
de liberdade de decidir), então ele redescobre e assume, agora, aquele mesmo obrigativo em
função deôntico-normativa inscrita na história, ou seja, como auto-obrigativo que lhe exige o
comprometimento com a luta para superar aquelas situações (e suas fontes de origem).
Na Segunda Norma da Ética, Velasco (id., p. 20), inspirado em Karl-Otto Apel (1973)
e Oswald Ducrot (1972), propõe que a gramática do ato de “perguntar” inclua como condição
da sua “felicidade” os dois princípios seguintes:
- 21 -
a) O indivíduo que formula uma pergunta acredita que seu interlocutor
responderá a mesma, dizendo o que acredita ser verdadeiro ou correto; b) O
indivíduo que formula uma pergunta assume com esse ato uma atitude de
busca coletiva e consensual do verdadeiro ou do correto (VELASCO, 2003a,
p. 20).
A violação de qualquer um destes princípios é possível, mas, nesse caso, a pergunta
em questão não será “feliz”. Velasco diz também que, quando se realiza em nível ético a
pergunta “Que devo/devemos fazer?”, espera-se como resposta um QRC. Qualquer indivíduo,
ao formular a pergunta “Que devo/devemos fazer?”, com esse ato abre sua participação na
condição de interlocutor válido a qualquer pessoa que entenda a interrogação; advém, dessa
forma, a segunda norma da ética: “Devemos buscar consensualmente uma resposta para cada
instância da pergunta Que devemos fazer? porque Nós buscamos, consensualmente, uma
resposta para cada instância da pergunta Que devemos fazer? é condição da pergunta Que
devemos fazer? é feliz”.
Quando a pergunta é formulada na primeira pessoa do plural “O que devemos fazer?”,
a pretensão de alcance intersubjetivo que aparecia antes na resposta manifesta-se agora
diretamente já na pergunta, porque o locutor submete a interrogação à consideração de, pelo
menos, outro sujeito, com quem estabelece, pelo simples enunciado da pergunta, uma busca
compartilhada do obrigativo moral ou ético que haverá de ser a resposta para ela. Essa norma
traça os limites da liberdade individual de decisão, estabelecida pela primeira norma, exigindo
uma construção e vivência consensual da liberdade. Ela confirma a primeira, no sentido de
que devemos lutar por uma ordem social na qual todas as pessoas possam ser o mais livres
possível em suas decisões individuais consensualmente estabelecidas.
Na Terceira Norma da Ética, Velasco (id., p. 22) diz que devemos verificar quais são
as condições de existência da pergunta “Que devo fazer?”; segundo ele, deve existir o ato
lingüístico da pergunta. Mas, para existência de tal ato, faz-se necessária a existência de
linguagem humana, ou seja, a existência do ser humano. Ele questiona o que caracteriza um
ser como humano e responde: o trabalho. O trabalho é a interação entre a parte da natureza
que é o ser humano e o restante da natureza, através da qual o primeiro está em situação
histórica de permanente autoprodução.
Para que haja trabalho, é necessário que haja natureza saudável, porque os três
componentes do processo de trabalho – o sujeito (o ser humano), o objeto de trabalho
(matéria-prima) e o instrumento de trabalho (o que medeia o sujeito e objeto) são natureza, de
forma direta ou indireta. Partindo do princípio de que uma natureza saudável para o trabalho é
- 22 -
uma condição para a sobrevivência do ser humano, o mesmo autor propõe o seguinte
argumento:
Premissa 1: A natureza é saudável, do ponto de vista produtivo, é condição de Eu sou um
ser humano.
Premissa 2: Eu sou um ser humano é condição de Eu faço a pergunta Que devo fazer?
Conclusão: A natureza é saudável do ponto de vista produtivo é condição de Eu faço a
pergunta “Que devo fazer?”.
A esse raciocínio ele associa a forma p*q ; q*r
p*r
O autor entende que essa é uma forma logicamente válida porque a fórmula sentencial
que a representa é uma tautologia. Desse modo, Velasco (id., p. 22) encontra a terceira norma
da Ética: “Devo preservar uma natureza saudável do ponto de vista produtivo porque Eu
preservo uma natureza saudável do ponto de vista produtivo é condição de Eu faço a pergunta
Que devo fazer? (numa realização feliz)”. Entretanto, Velasco adverte que talvez essa norma
não seja a última palavra da ética em matéria ecológica e de educação ambiental. O autor a
propõe como uma base para a importante tarefa que é a da preservação-regeneração da
natureza, atividade que faz parte da luta por uma ordem sócio-ambiental ecomunitarista
(ordem sócio-ambiental utópica pós-capitalista) como um horizonte indispensável a ser
seguido, capaz de se articular com base nas três normas da ética e de manter-se pela postura
de seres humanos em atitude de libertação.
Velasco (2003b), baseado em Marx (1844), ressalta a questão da alienação, já
abordada extensamente por esse autor, com a intenção de reforçar a necessidade de a
sociedade de pautar numa nova ética, a ética ecomunitarista, que conduza a um modelo de
sociedade mais justo e igualitário. Ele critica o atual sistema, que produz assalariados e
provoca a alienação destes, do trabalho, do produto fabricado, da natureza e dos outros seres
humanos, assim como aliena o próprio capitalista. O assalariado, diz Velasco, é ao mesmo
tempo produtor e consumidor, alienado do produto que produziu e do instrumento do
trabalho, pertencendo estes ao capitalista; paradoxalmente, tem que comprar o produto que
produziu, para garantir subsídio básico à sobrevivência. Devido a essa necessidade, o
assalariado acaba por se submeter às ordens impostas pelo capitalista, sofrendo abusos
emocionais e de personalidade, quando visto somente como capacidade de trabalho e não
como ser humano.
Sendo o capitalista possuidor de seu corpo e de sua vontade, já que o estilo de
produção é determinado por este, geralmente com desenvolvimento robotizado e rotineiro,
- 23 -
dentro de um espaço/tempo preestabelecido, num estilo fordista-taylorista, alienado do outro,
através da indiferença e tentativa de exclusão pela competição, o assalariado aliena-se de si,
ao alienar-se da natureza, e não se vê como parte dela. Dessa forma, tem sua liberdade
cerceada, e o trabalho, característica filogenética e ontológica da espécie humana, fica sem
sentido, por não se encontrar no coletivo e tampouco na vontade individual, afirma Velasco.
Para o assalariado, não é dada a liberdade de decidir, pensar e argumentar, violando a
primeira norma da ética. A falsa liberdade de optar por um trabalho ou outro recai somente
acerca de sua sobrevivência, da soma do salário adquirido, para melhor sustentar a si e a sua
família, mesmo que, na maioria das vezes, não tenha vocação para dado trabalho ou, caso a
tenha, não pode exercê-lo em total acordo com a sua vontade e com toda a sua competência.
O capitalista também é alienado, pois sua vontade não se encontra no trabalho, mas na
mercadoria. Já os “representantes” dos capitalistas são aqueles que fazem campanhas
publicitárias dizendo que o capitalismo é a melhor forma de realização do homem e não se
dão conta ou não se importam com a alienação que sofrem.
Em síntese, o capitalismo aliena todos os integrantes do seu sistema, tanto assalariado
quanto capitalista. A falsa liberdade dada ao capitalista ilude-o, no momento em que ele se
encontra afastado de toda a sua capacidade, devido à unilaterização e, principalmente, em
relação ao outro homem, já que a concorrência faz parte do seu dia-a-dia, em que imperam a
hostilidade e a exclusão.
Logo, a condição capitalista viola as duas primeiras normas da ética, no momento em
que não há liberdade individual e de decisão coletiva, e não é estabelecido consenso entre as
partes; assim como viola a terceira norma da ética, no momento em que há o descaso com o
bem público, com o que é de todos, tendo somente o cuidado com o que é “próprio”.
O ritmo temporal na sociedade capitalista gira em torno da rotatividade do capital,
visando a uma intensa produção. A regeneração de recursos naturais não dá conta de
acompanhar a sua intensa demanda, e tanto a natureza exterior quanto a atividade humana
tornam-se “doentes” pela incapacidade de regeneração do ambiente e pelo estresse do
trabalhador.
1.2 – Educação Ambiental Ecomunitarista
Para Velasco (2003b), no ecomunitarismo a proposta pedagógica tem como base a
pedagogia problematizadora de Paulo Freire. Esta se opõe à educação “bancária” do capitalismo
- 24 -
neoliberal, procurando a promoção de pensamentos e atitudes crítico-reflexivas para a luta da
construção social sem opressores nem oprimidos, em espaços de discussões baseados nas
questões sócio-ambientais como alimentação, saúde, moradia, educação, salário-mínimo,
desemprego, marginalização, racismo, ecologia e democracia participativa. Partindo daí, há
também o seu aprofundamento nas instituições formais de ensino, no conhecimento já
estruturado de cada disciplina, de modo a formar cidadãos crítico-reflexivos e incentivar
reivindicações e soluções de problemas, em âmbito local e global, no exercício de uma
postura política e atuante frente à crise sócio-ambiental.
A pedagogia da libertação propõe-se formar um professor que faça da educação um
ideal político na busca por consciência, através do diálogo que problematize o cotidiano e
busque com seus alunos, por intermédio de instrumentos culturais, o conhecimento para a
solução dos problemas existentes, visando à construção de uma sociedade sem opressores
nem oprimidos. Dessa forma, diz o autor, a humanidade poderá observar a importância da
natureza, preservá-la e conservá-la, a partir do momento em que a ética for consolidada entre
a sociedade e todo tipo de vida. Logo, o papel da Educação Ambiental é transformar, em
todos os aspectos, a qualidade de vida, para um mundo mais justo, igualitário e com
compromisso social para todos e todas.
É possível dizer, portanto, que o ecomunitarismo tem como base a educação crítica, ao
buscar formar cidadãos com pensamento e atitudes crítico-reflexivos, assim como uma
educação transformadora, ao buscar por meio do ensino a incorporação de novos valores e
comportamentos à sociedade; e ainda uma educação emancipatória, ao buscar a superação do
sistema capitalista, responsável pelo atual modelo de sociedade.
Feita uma síntese do ecomunitarismo, da sua base ética, assim como de suas normas e
da Educação Ambiental Ecomunitarista, passa-se à abordagem do Jornalismo Ambiental e à
relação com as normas éticas.
- 25 -
2 – JORNALISMO AMBIENTAL
2.1 – O papel do jornalismo
Há mais de 150 anos, em meados do século XIX, um comentarista britânico
referiu-se ao jornalismo para designá-lo “um poder do reino, mais poderoso
que qualquer um dos outros poderes”. Hoje, no século XXI, depois de já ter
sido denominado de “Quarto Poder”, diversas vozes no mundo social,
político e acadêmico não hesitam em considerar o jornalismo como o
“Primeiro Poder” entre os múltiplos poderes nas sociedades contemporâneas
(TRAQUINA, 2005, p.187).
Traquina (id., p. 51) diz que a mitologia jornalística coloca os membros dessa
comunidade profissional no papel de servidores do público; que procuram saber o que
aconteceu, como “cães de guarda” que protegem os cidadãos contra os abusos do poder, ou no
papel de “quarto poder” que vigia os outros poderes, atuando, doa a quem doer, como heróis
do sistema democrático.
Segundo o mesmo autor (id., p. 188), a emergência do campo jornalístico ocorreu no
século XIX, associada a processos econômicos, sociais, tecnológicos e políticos. Com um
novo paradigma – o jornalismo como informação – e com um novo produto – as notícias –,
houve um processo de industrialização e comercialização do jornalismo, bem como de
profissionalização de um número de pessoas, cada vez maior, que escolheram essa profissão
como uma atividade de vida.
Entretanto, o autor reforça que esse processo de profissionalização ainda não está
completo, e que seu desenvolvimento acontece em ritmos diferentes em diversos países, mas
que, mesmo assim, partilham valores-notícia
16
semelhantes e toda uma cultura profissional.
Traquina define os valores-notícia como elemento básico da cultura jornalística, dizendo ele,
16
Valor-notícia – Originalmente desenvolvida por dois pesquisadores noruegueses, Johan Galtung e Mari Ruge
(1965), a teoria dos valores-notícia busca explicar por que alguns temas se transformam em notícia e outros não.
Posto de outra forma, isso significa analisar quais são os valores contidos em determinado acontecimento que
podem levá-lo a “galgar o degrau” que o torne “digno” de ser considerado como uma notícia pelas empresas
jornalísticas.
- 26 -
metaforicamente, que servem de “óculos” para ver o mundo e para construí-lo. Salienta que
existem “qualidades duradouras” do que é notícia ao longo do tempo: o insólito, o
extraordinário, o catastrófico, a guerra, a violência, a morte, a celebridade, mas que estas não
são imutáveis. As definições do que é notícia estão inseridas historicamente e a definição da
noticiabilidade de um acontecimento ou de um assunto implica o esboço da compreensão
contemporânea do significado dos acontecimentos como regras do comportamento humano e
institucional. O órgão informativo define os valores-notícia, ou seja, os componentes dos
critérios de noticiabilidade – elementos pelos quais se seleciona e se elege o que é notícia.
Para Wolf (1995, p. 175), esses valores constituem a resposta à pergunta: Quais
acontecimentos são considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para
serem transformados em notícias? Os acontecimentos são a matéria-prima do jornalismo, mas
nem todos transformam-se em notícias e ganham as páginas dos jornais ou recebem a relevância
desejada. A mídia, ao selecionar e eleger determinados fatos, desempenha o papel da construção
da realidade social e, portanto, dos discursos sociais. E o jornalista, que tem a autoridade de
selecionar e definir o que é notícia, muitas vezes deixa de lado uma infinidade de informações,
às quais o público provavelmente não terá acesso. Segundo Berger,
A luta que é travada no interior do campo do jornalismo gira em torno do ato
de nomear, pois nele encontra-se o poder de incluir ou de excluir, de
qualificar ou desqualificar, de legitimar ou não, de dar voz, publicizar e
tornar público. Esse poder concentra-se em quem escolhe a manchete, a foto,
a notícia de primeira página, o espaço ocupado, o texto assinado ou não. É
essa luta que os jornalistas travam no interior do campo do jornalismo em
suas concretas e históricas relações de trabalho (2003, p. 22).
O jornalismo tem importância significativa na atualidade, na medida em que, ao
escolher e transformar alguns fatos em notícias, fornece ferramentas para a construção da
imagem da realidade social. De acordo com Fausto Neto (1991), o jornalista atua sobre o
código (língua) por meio de procedimentos de seleção e combinação que se transformam em
mensagens e, de modo mais geral, em discursos sociais. A grande importância, então, está no
conteúdo veiculado através dos meios de comunicação, que constitui o conhecimento, a
discussão e a compreensão do público a respeito dos assuntos hipótese do agenda-setting,
jargão jornalístico para se referir à pauta de notícias do dia, que é construída numa hierarquia
de importância e de prioridade do ponto de vista do jornalista e não pelos acontecimentos da
ordem do dia (WOLF, 1995).
A partir do entendimento de valor-notícia, pode-se entender também a visibilidade que
a mídia tem dispensado ao assunto “mudanças climáticas”. Este tema contempla praticamente
- 27 -
todos os requisitos de um valor-notícia, tanto que numa coordenação da ANDI – Agência de
Notícias dos Direitos da Infância – foi analisado em 50 jornais diários brasileiros o debate
sobre as chamadas mudanças climáticas no período de julho de 2005 a junho de 2007. A
pesquisa
17
analisa o tratamento editorial dispensado por esses jornais. Portanto, é notório o
crescimento do interesse pelo assunto, que, por ser pauta diária dos mass media, passou a ser,
também, tema de muitas pesquisas, inclusive desta.
Analisando a notícia sob outro aspecto, pode-se dizer também que o jornalista, como
representante de um campo midiático, é quem detém o poder de decidir a linguagem utilizada;
assim, o discurso jornalístico é também um dispositivo de poder que se articula a uma rede de
instituições. A forma como esse poder é exercido através dos tempos varia conforme os
interesses dos grupos dominantes e as condições sócio-históricas. Porém, cada vez mais,
tendem a se tornar formas de controle tão persuasivas que passam a ser introjetadas e
“naturalizadas”.
Esse processo de “naturalização” pode ser entendido a partir da noção de poder
simbólico (BOURDIEU, 1996). O jornalismo detém o poder de (re)apresentar dados e
informações sobre os mais diversos acontecimentos, através da enunciação, sem ser notado. O
jornal exibe um recorte da realidade, publicando a notícia, de acordo com um ponto de vista, e
como se este se constituísse no retrato real dos fatos, portanto, a verdade. Afinal, as produções
simbólicas funcionam como instrumentos de dominação e demarcação e envolvem relações
de poder. Assim, o discurso jornalístico não é um retrato isento e objetivo dos fatos; não
existe informação desinteressada, mas antes, uma instância de poder que, junto com outras
instituições, constrói seu objetivo, dando-lhe visibilidade.
Nesse sentido, Kovach e Rosenstiel (2004) relatam que, no final do século 20, os
líderes do jornalismo norte-americano converteram-se em homens de negócios, sendo que a
metade deles hoje passa um terço de seu tempo envolvida mais com assuntos empresariais do
que com jornalismo. No Brasil não é diferente. Editores e diretores de redação gastam grande
parte do seu tempo cortando orçamentos de viagem e custos de coberturas e pensando em
como produzir mais com menos jornalistas. Segundo os autores, o desvio da função principal
das empresas de mídia, muitas delas se tornando apenas divisões de grandes conglomerados
que atuam em múltiplas atividades ao mesmo tempo, é algo que já acontece no Brasil, com a
presença do capital estrangeiro nos meios de comunicação do país.
17
Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br.
- 28 -
A prática dessas empresas é subordinar o jornalismo a outros interesses maiores dentro
de suas enormes culturas corporativas. Como, por exemplo, promover os produtos do grupo
inteiro, fazer lobby, provocar competição interna internas ou ainda aumentar o lucro através
da publicidade e da produtividade dos jornalistas. Neste sentido, o trabalho desses
profissionais nada difere do trabalho operário denunciado por Marx (1844), simbolicamente
evidenciado no personagem do britânico Charlie Chaplin, em Tempos modernos, filme que
faz uma crítica à industrialização desenfreada, às relações desumanas nas linhas de produção
e ao descaso com os sentimentos dos operários. Marx escreveu os Manuscritos econômicos
160 anos, denunciando o capitalismo, e ainda hoje podemos ver no jornalista um trabalhador
alienado, em que o fator “tempo” constitui o eixo central do campo jornalístico.
Por definição, o imprevisto está ao virar da esquina. Os jornalistas estão por
isso aptos a descreverem-se e ao seu trabalho de forma fatalista. Eles vêem-
se como vítimas e contam este tipo de “estória”: a sala de redação está
calma, a atividade e a rotina estão controladas. Então “rebenta a bomba” [...]
Acabara de estourar uma grande “estória”: os recursos têm de ser
mobilizados e os planos abandonados [...], os repórteres podem ter de
abandonar uma tarefa de repente [...]. Os editores têm de tomar decisões
rápidas. “Tudo acontece num episódio de atividade de fogo concentrado. As
expressões são curtas, por vezes rudes; os movimentos rápidos; a atmosfera
tensa; o nível de som vai aumentando”. Ser profissional, portanto, é não ser
vítima, mas conquistar o tempo (SCHLESINGER, 1977/1993, p.188, apud
TRAQUINA, 2005 p. 41).
Nesse sentido, a crítica de Velasco (2003b) ao ritmo imposto ao trabalho operário cabe
também ao ritmo imposto ao trabalho dos jornalistas.
Esse ritmo não é o adequado nem para uma utilização saudável e
recuperação suficiente das energias vitais do trabalhador, tampouco para a
recuperação/regeneração da natureza afetada pelos processos produtivos
capitalistas. Daí a contradição entre o timing do ritmo imposto pelo
capitalista e o tempo requerido pela saúde e a recuperação do assalariado e
da natureza (VELASCO, 2003b, p. 70).
Traquina (2005) diz que os jornalistas são pragmáticos; o jornalismo é uma atividade
prática, continuamente confrontada com “horas de fechamento” e o imperativo de responder à
importância atribuída ao valor do imediatismo. Não há tempo para pensar, porque é preciso
agir, e esse fator poderá ter conseqüências sobre a cobertura jornalística do acontecimento.
Dessa forma, com a intenção de que tenhamos um bom jornalismo, livre de influência
econômica, política, temporal, entre outras, Kovach e Rosenstiel (2004) elencaram nove
princípios básicos que devem reger a coleta de notícias e as responsabilidades da profissão,
- 29 -
para que a imprensa independente não seja substituída por interesses comerciais apresentados
como notícia.
O princípio número um do jornalismo é a obrigação com a verdade; assim, ele precisa
servir como um monitor independente do poder. Nesse sentido, os autores salientam que
imparcialidade e neutralidade não são os princípios centrais, mas a independência sim. Os
jornalistas devem buscar a independência em relação àqueles a quem cobrem, em vez de
neutralidade, uma vez que nenhum jornal – nenhum jornalista, tampouco – é neutro: o
máximo que se pode fazer, segundo eles, é caminhar na direção da neutralidade, já a
independência é mais palpável e concreta. Alertam ainda que a neutralidade é quase sempre
um recurso oportunista que as empresas usam para destacar o fato de que produzem alguma
coisa obtida por métodos objetivos. O jornalista pode selecionar as fontes para expressar o
que, na verdade, é seu próprio ponto de vista e, depois, usar a voz neutra para que tudo pareça
bem objetivo. Nesse caso, só a ética que rege cada profissional poderá libertá-lo ou torná-lo
independente.
Entenda-se o termo “independência”, usado pelos autores, no mesmo sentido do termo
“liberdade” (Velasco, 2003a), princípio que rege a primeira norma da ética. Esse princípio
sugere que, para ter liberdade, deve-se ter possibilidade de escolha, e ter a possibilidade de
escolha supõe liberdade de decisão. Essa norma é o fundamento ético de toda crítica a
qualquer instância da falta de liberdade de decisão, particularmente quando essa falta resulta
de relações alienadas com os outros e consigo mesmo.
Por isso, Rodrigues
18
(2004, p. 15) questiona: Quantas empresas jornalísticas podem
ostentar o título de independentes no Brasil? Quantos jornais, emissoras de rádio e de TV
conseguem sobreviver exclusivamente de suas receitas publicitárias e não aceitam
interferência de anunciantes, de governos ou de grandes grupos econômicos em suas decisões
editoriais? Nesse sentido, ressaltam Kovach e Rosenstiel:
Os editores devem servir de protetores contra a desvalorização da moeda da
livre expressão – as palavras – resistindo aos esforços do governo, empresas,
advogados, ou qualquer outro jornalista, no sentido de distorcer ou manipular
os fatos, chamando mentiras de verdades, guerra de paz (2004, p. 142).
Para os autores, uma sociedade só é livre se tiver a informação de que necessita para
se autogovernar. Essa colocação reforça o princípio da primeira norma da ética, a qual
defende que, para ser livre, deve-se ter possibilidade de escolha, e ter possibilidade de escolha
18
Fernando Rodrigues é jornalista da Folha de S. Paulo, onde atua como repórter e colunista da Sucursal de
Brasília do jornal. Escreveu o prefácio do livro Os elementos do jornalismo, de Kovach e Rosenstiel (2004).
- 30 -
supõe liberdade de decisão, o que implica, conseqüentemente, ter a informação que nos
possibilita conhecimento para poder escolher.
Nesse sentido, o grande questionamento é se, enquanto cidadãos, tem-se acesso ou não
à informação independente. Segundo Kovach e Rosenstiel (2004), o código da Sociedade
Americana de Editores de Jornais, a maior associação de executivos jornalísticos dos Estados
Unidos, diz: “Ilumine, e o povo encontrará seu próprio caminho”.
Desde que a noção de imprensa surgiu, há mais de trezentos anos, a historicidade nos
mostra que o jornalismo serve para construir a comunidade, a cidadania, a democracia. Para
Kovach e Rosenstiel (2004), apesar de todas as mudanças na velocidade, na técnica e na
natureza da difusão das notícias, sempre existiram uma teoria e uma filosofia claras do
jornalismo, que fluem da própria função das notícias. E acrescentam: “A principal finalidade
do jornalismo é fornecer aos cidadãos as informações de que necessitam para serem livres e se
autogovernar” (id., p. 31).
Para os autores, a imprensa ajuda a definir as comunidades, a criar uma linguagem e
conhecimentos comuns com base na realidade, assim como ajuda a identificar os objetivos da
comunidade, seus heróis e vilões. “A meta principal do jornalismo é contar a verdade, de
forma que as pessoas disponham de informação para sua independência” (id., p. 34). A
sociedade de um modo geral também entende existir na profissão do jornalista uma obrigação
moral e social mais ampla. Segundo Kovach e Rosenstiel (2004), o Papa João Paulo II, em
junho de 2000, declarou a um grupo de donos de meios de comunicação de todo o mundo:
Com sua influência vasta e direta sobre a opinião pública, o jornalismo não
pode ser só guiado por forças econômicas, lucros e interesses especiais.
Deve, ao contrário, ser encarado como uma missão, até certo ponto sagrada,
realizada com o entendimento de que poderosos meios de comunicação
foram confiados aos senhores para o bem geral.
Segundo os autores, o conceito de criar independência, no que se refere ao papel da
imprensa, aparece ao longo dos séculos, manifestado não só por jornalistas, mas também por
revolucionários que lutaram pelos princípios democráticos tanto nos Estados Unidos como em
outras democracias em desenvolvimento. Acrescentam ainda que a teoria e a finalidade do
jornalismo, tão duradouros até aqui, são agora desafiados. A tecnologia vem formando uma
nova organização econômica das empresas jornalísticas, dentro das quais o jornalismo acaba
submetido a outros interesses. O novo perigo reside no fato de que o jornalismo independente
pode ser dissolvido no meio da informação comercial e da sinergia da autopromoção.
- 31 -
É importante lembrar, conforme Beltrão (1980), que a priori o jornalismo possui
quatro classificações, conforme seu gênero de notíciabilidade. a) Informativo – é o que dá
ênfase à notícia objetiva, à informação pura, imparcial, impessoal e direta. Limita-se apenas a
narrar os fatos; b) Interpretativo – a informação continua sendo o fato principal interpretado e
substituindo a rigorosa objetividade da notícia presa aos fatos; c) Opinativo – é aquele que
expressa o ponto de vista do jornalista. É o juízo que ele faz a respeito de determinado
assunto. Encontra-se nos editoriais e em alguns artigos e crônicas; d) De entretenimento – o
jornalismo como entretenimento muitas vezes está presente nas matérias informativas, pois
muitos leitores consideram a leitura de jornal um prazer.
Por outro aspecto, na imprensa da era eletrônica, a informação é tão livre que a idéia
de imprensa como um guardião – decidindo que tipo de informação o público deve ter e qual
não deve ter – não mais define bem o papel do jornalismo. Se um jornal decide não publicar
determinada matéria, algum site da Internet dará a informação. Isso não significa, salientam
os autores, que não haja a necessidade da aplicação do bom senso na tentativa de decidir o
que o cidadão precisa e quer para poder se autogovernar. Os jornalistas necessitam de
habilidade para olhar as coisas sob múltiplos pontos de vista e habilidade para chegar ao
fundo das questões analisadas.
Nesse contexto, o novo jornalista não decide mais o que o público deve saber. Ele
ajuda o público a pôr ordem nas coisas. Isso não significa também simplesmente acrescentar
interpretação ou análise a uma reportagem. A primeira tarefa dessa mistura de jornalista e
explicador, dizem os autores, é verificar se a informação é confiável e ordená-la de forma que
o leitor possa entendê-la.
Assim, o profissional de imprensa não é como os empregados de outras
empresas. Ele tem uma obrigação social que na verdade pode ir além dos
interesses imediatos de seus patrões, e ainda assim essa obrigação é a razão
do sucesso financeiro desses mesmos patrões. Esse compromisso com a
população é o significado do que vimos chamar de independência
jornalística (KOVACH; ROSENSTIEL, 2004, p. 83).
Kovach e Rosenstiel (ibid, p. 104) salientam ainda que é igualmente crucial que o
público entenda seu papel nesse processo e exija que seus interesses democráticos sejam
reconhecidos – não só pelos jornalistas como pela liderança corporativa à qual agora
respondem. Se isso não ocorrer, o jornalismo, independente dos interesses da empresa,
desaparecerá.
- 32 -
Com esses argumentos dos autores, pode-se concluir que a função social do jornalismo
de agente de transformação da realidade e construtor da cidadania estará fortemente
comprometida se não houver a conscientização do papel de cada um nesse processo, tanto em
relação ao que deve ser feito quanto ao que deve ser exigido.
2.2 – O jornalismo e as normas éticas
A liberdade defendida por Velasco (2003a) na primeira norma da ética está
intrinsecamente ligada ao acesso não só à informação, mas à informação independente, de que
tratam Kovach e Rosenstiel (2004), a qual nos possibilitará ter um conhecimento do fato em
toda a sua complexidade, dando-nos, dessa forma, condições de escolha.
Por outro lado, sendo a notícia um dos eixos norteadores dos consensos e parâmetros
sociais de normalidade e anormalidade, se o jornalista estiver preso a interesses outros, em vez
de comprometido com a verdade, essa notícia não estará pautada em princípios de
“independência” ou “liberdade” e, conseqüentemente, esse “consenso” não refletirá a realidade.
A segunda norma da ética busca o consenso da sociedade – consenso de opinião, de
idéias e, conseqüentemente, consenso na prática. Qual a ligação do consenso que busca a
segunda norma da ética e o consenso que o jornalismo busca nas notícias?
Segundo Traquina (2005, p. 86), alguns dos valores-notícia ajudam eles próprios a
construir a sociedade como consenso. Primeiro, diz o autor, o consenso requer a noção de
unidade: uma nação, um povo, uma sociedade, muitas vezes traduzida simplesmente para o nosso
– a nossa indústria, a nossa política, a nossa balança de pagamentos. A esfera de consenso é a
região em que encontramos os valores consensuais da sociedade, como a pátria, a maternidade, a
liberdade. Dentro dessa esfera, os jornalistas não se sentem compelidos a apresentar pontos de
vista opostos, e, na verdade, sentem freqüentemente como sua responsabilidade, reforça Traquina,
agir como advogados ou protetores cerimoniais de valores de consenso.
Dentro dessa esfera, diz Traquina, os meios noticiosos têm um papel essencialmente
conservador e legitimador. Grupos fora do consenso são vistos como dissidentes e marginais.
Aqui, a neutralidade e o equilíbrio são as principais virtudes jornalísticas. O autor destaca, ainda,
uma terceira esfera, que está além da esfera da controvérsia, em que a neutralidade dos jornalistas
entra em declínio e eles desempenham o papel de expor, condenar ou excluir da agenda pública os
que violam ou desafiam os valores de consenso. Sem esse conhecimento de fundo, nem os
jornalistas nem os leitores poderiam reconhecer o primeiro plano das notícias, diz Traquina.
- 33 -
Ao lidar essencialmente com o que é inesperado, incomum ou perigoso, o jornalista
acaba indicando o que seria socialmente desejável, normal ou adequado. De forma mais ampla,
conforme Benetti (2007), o jornalismo constrói sentidos sobre a realidade, em um processo de
contínua e mútua interferência. De forma mais restrita, a notícia é uma construção social, os
efeitos de sentido produzidos por um discurso constroem as representações do imaginário em
um período histórico, ou, em outras palavras, longe de ser uma representação neutra da
realidade, o discurso jornalístico é uma das formas de institucionalização dos sentidos.
Nesse processo, o jornalista lança mão de mapas culturais de significado (HALL,
1993) que existem na sociedade e ajuda a reforçá-los ou apagá-los, contribuindo para o
estabelecimento de “consensos” a respeito de valores e atitudes.
Bem, se o discurso jornalístico é pautado no consenso, e sendo o consenso a
manifestação de várias vozes, procura-se entender então de quem são essas vozes
manifestadas de forma explicitada ou não nas notícias. Nas palavras de Benetti (2007), o
discurso jornalístico é idealmente polifônico
19
– nele circulam diversas vozes, como: as
fontes, o jornalista-indivíduo que assina o texto, o jornalista-instituição quando o texto não é
assinado, o leitor que assina a carta publicada. Nesse sentido, conforme Santos, o jornalismo é
um campo de interação:
Os jornalistas realizam interações sociais e culturais com as fontes num
conjunto diverso de ambientes [...] usando fontes selecionadas, para formar
as suas próprias opiniões de especialistas, muitas vezes explicitadas nos
espaços noticiosos. Jornalistas e fontes formam um círculo hermenêutico
cujo entendimento tem por missão a articulação de interesses comuns
(SANTOS, 1997, p. 169).
Entretanto, Benetti (2007) salienta que, mesmo quando uma reportagem tem várias
fontes, o que caracterizaria uma polifonia, se todas as fontes estiverem filiadas aos mesmos
interesses, complementando umas às outras, pode-se dizer que configuram um único
enunciador. Se, além disso, o jornalista se posicionar do lado dessas fontes, então também ele
estará regido pelo mesmo enunciador. Teremos, assim, um texto aparentemente polifônico,
pois claramente constituído por várias vozes diferentes, que na verdade é monofônico, pois é
constituído por um único enunciador.
19
Bakhtin (1981) cria o conceito de polifonia, para definir os textos nos quais várias vozes estão presentes – no
seu campo de estudo, o dos textos literários, trata-se da literatura popular ou carnavalesca, em contraposição à
literatura clássica ou dogmática (em que as várias consciências são criações de um só narrador).
- 34 -
Em uma situação oposta, acrescenta Benetti (id., p. 119), quando um mesmo jornalista
se posiciona ora de uma perspectiva, ora de outra, o que seria um texto monofônico pode ser,
na verdade, polifônico.
Kovach e Rosenstiel (2004) lembram que, mesmo quando a mídia divulga grande
variedade de opiniões que refletem uma sociedade pluralista, não se deve perder de vista o
fato de que as democracias são, no final das contas, construídas sobre a conciliação. Salientam
ainda que, no meio da diversidade de vozes, o povo tem melhores condições de saber a
verdade e, assim, ser capaz de se autogovernar. O que muitas vezes ocorre, segundo os
autores, é que os jornalistas não são transparentes em relação a essas vozes, ao escreverem:
“especialistas dizem”; quantos são esses especialistas e quem são eles? Para os autores, essa é
uma forma de economizar tempo ou espaço, o que acaba comprometendo a transparência da
notícia. Sob outro aspecto, os autores destacam também que as fontes oficiais são utilizadas
com maior freqüência, por ser mais fácil entrar em contato com elas e porque são
consideradas tanto mais informadas como mais credíveis. A noção de uma hierarquia da
credibilidade reforça a dependência das fontes oficiais.
Para atender à segunda norma da ética – o consenso – a polifonia no jornalismo deve
refletir um consenso dessas diversas vozes. Essa norma traça os limites da liberdade
individual de decisão estabelecida pela primeira norma, exigindo uma construção e vivência
consensual da liberdade. Ela confirma a primeira, no sentido de que devemos lutar por uma
ordem social na qual todas as pessoas sejam o mais livres possível em suas decisões
individuais consensualmente estabelecidas.
Entretanto, essa liberdade deve ser válida para todo tipo de natureza; liberdade de toda
e qualquer espécie estar e permanecer em seu hábitat em igual direito, sem distinção de
gênero ou hierarquia, em total harmonia e respeito mútuo. Esse é o princípio da terceira
norma da ética – que busca a preservação-regeneração da natureza. Ressalta-se o quanto o
jornalismo tradicional, com sua visão fragmentada sobre as questões ambientais, com enfoque
supostamente “ecológico”, separando os problemas ambientais dos aspectos sociais,
econômicos, culturais e políticos, contribuiu para fortalecer esse paradigma dicotômico
sociedade-natureza. Nesse sentido, diz Velasco:
A terceira norma exige que a ação educativa tenha caráter ambiental,
sublinhando a necessidade de que os seres humanos (tendencialmente
orientados para a reconciliação com base nas duas primeiras normas)
reconciliem-se com a natureza que os cerca, adotando frente a ela uma
atitude de preservação e regeneração permanentes (2003b, p. 126).
- 35 -
Pode-se observar, a partir das três normas da ética, a busca de uma mudança de
valores, conhecimentos, habilidades e comportamentos almejados pela Educação Ambiental
na transformação da grave crise sócio-ecológico-ambiental que vivenciamos; assim como a
ênfase à importância da educação informal tanto quanto da formal, na busca de uma sociedade
sustentável, que é a conciliação entre o desenvolvimento social e econômico e a preservação
do meio ambiente (SANTOS; SATO, 2003). Segundo esses autores, não se deve colocar
somente na educação formal todas as expectativas na busca da conscientização do homem e
da transformação da sociedade. Há a necessidade do apoio de meios informais para essa
conscientização/transformação.
A ação pedagógica/política abrange, além da esfera familiar e da educação
formal, todos os espaços das relações humanas (entre eles, as ações de
bairro, dos movimentos e organizações culturais e sociais não-
governamentais, incluindo as das “minorias”, as sindicais, políticas e aquelas
realizadas por intermédio dos diversos meios de comunicação, a mídia). Em
todos esses, as três normas da ética, assim como os princípios da pedagogia
problematizadora, indicam que, simultaneamente com a luta contra a
resistência feroz dos mantenedores, por ação ou omissão, do atual caos
sociológico, o desafio maior no caminho que aponta na direção do
ecomunitarismo é a superação da dicotomia dirigentes-dirigidos
(VELASCO, 2003b, p.135-136).
A importância da mídia para a educação ambiental é reconhecida, por exemplo, pela
Lei Federal 9.795, de 27 de abril de 1999, que instituiu a Política Nacional de Educação
Ambiental (PNEA). Essa lei diz que todos têm direito à educação ambiental, cabendo aos
meios de comunicação “colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de
informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em
sua programação”. Entre seus objetivos, figura “a garantia de democratização das informações
ambientais”. O mesmo texto legal prevê “a incorporação da dimensão ambiental na formação,
especialização e atualização dos profissionais de todas as áreas” e “a busca de alternativas
curriculares e metodológicas de capacitação na área ambiental”. A PNEA prevê ainda que o
poder público, em todos os níveis, deve incentivar “a difusão, por intermédio dos meios de
comunicação de massa, em espaços nobres, de programas e campanhas educativas e de
informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente” (DIAS, 2000, p.66-72;
BRASIL, 2005b, p. 65-70).
O filósofo alemão Jürgen Habermas, nascido em 1929, membro da Escola de
Frankfurt, critica o tecnicismo e cientificismo que reduziram todo o conhecimento humano
ao domínio da técnica e do modelo das ciências empíricas, limitando o campo de atuação da
- 36 -
razão humana ao conhecimento que fosse objetivo e prático. Entretanto, em Mudança
estrutural da esfera pública (1984), obra clássica na área da comunicação, ele alerta para o
importante papel que a imprensa desempenha dentro da esfera pública. Em sua opinião, a
imprensa passa, historicamente, a ser um espaço privilegiado para a formação da opinião
pública, uma vez que consegue atingir grande número de pessoas. A estruturação da
imprensa como empresa e, portanto, com interesse comercial, fez com que ela caísse num
campo de interesses que passa a influenciá-la. “A história dos grandes jornais na metade do
século XIX demonstra que a própria imprensa se torna manipulável, à medida que ela se
comercializa” (HABERMAS, 1984, p. 217). O jornalista começa a perder voz, ou melhor, a
palavra, em detrimento de um discurso orientado por bases políticas e econômicas. “A
autonomia jornalística do redator também é, aliás, sensivelmente diminuída nessa espécie de
imprensa que não se curva às leis do mercado, mas que serve primeiramente a fins
políticos” (id., p. 218).
Dessa forma, o jornalismo, em vez de dar publicidade às questões que efetivamente
teriam interesse público, para que pudessem ser trazidas e submetidas a um debate racional,
passa a dar publicidade à posição de alguns grupos (patrocinadores ou aos próprios donos do
jornal) que, assim, buscam criar um clima de opinião, o que é qualificado por Habermas (id.,
p. 254) como manipulação.
Como se pode observar, essa forma de se fazer jornalismo hoje foi institucionalizada
no século XIX. Portanto, existe um processo histórico que permeia esse fazer e que começou
há dois séculos atrás, mas ainda permanece nos nossos dias. Essa manipulação, conforme
definição de Habermas, passou a ser introjetada e naturalizada pela sociedade. O sujeito se
constitui na relação consigo mesmo, com o outro e com o mundo, relações estas mediadas
pela cultura, pela bagagem sócio-histórica; dessa forma, acabar com essa “manipulação” é o
grande desafio. É necessário romper com essa metodologia de fazer jornalismo que está
arraigada na cultura da sociedade, dependente do estilo capitalista.
Assim, a teoria de Habermas nos dá um entendimento desse processo histórico e
contribui para que se tenha um olhar mais crítico em relação ao fazer jornalístico, mas
principalmente sinaliza que devemos quebrar esse paradigma, a fim de que o jornalismo, essa
importante ferramenta na transmissão da informação, possa contribuir de forma ética com a
transformação da sociedade voltada ao coletivo.
- 37 -
2.3 – Especificidade do jornalismo ambiental
O profissional de imprensa do futuro não poderá ser mais um mero
transmissor de notícias, mas um ser humano que, tão sensível e vulnerável
feito uma árvore ou um passarinho, possa pensar globalmente e agir
localmente em defesa de sua sobrevivência como espécie vivente (Hiram
Firmino, editor do JB Ecológico).
Para o grande público, os problemas ambientais ainda estão ligados somente à
poluição ambiental, mais especificamente aos aspectos como flora, fauna, ar, solo e água.
Porém, como reforça Dias (1992), a questão ambiental está ligada também aos aspectos
políticos, éticos, sociais, científicos, tecnológicos, culturais, econômicos e ecológicos.
Essa visão conservadora e reducionista com enfoque supostamente “ecológico”, a qual
retrata a realidade sócio-ambiental vigente, onde a ciência coloca o ser humano separado da
natureza, uma vez que esta produz formas de conhecimentos que buscam a dominação, a
exploração e o controle do mundo natural, é que contribui para o agravamento da crise ambiental.
Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos (2004, p. 91), “a ciência pós-moderna, ao
sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal
como o conhecimento deve-se traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico
deve traduzir-se em sabedoria de vida”. O que o autor quer salientar é que a ciência e a tecnologia
devem ser exploradas, não através de uma visão reducionista, visando somente interesses
econômicos e políticos, mas também para o bem- estar do homem e do planeta. Nesse sentido,
É preciso lembrar-se dos estragos que os pontos de vista simplificadores têm
feito, não apenas no mundo intelectual, mas na vida. Milhões de seres
sofrem o resultado dos efeitos do pensamento fragmentado e unidimensional
(MORIN, 2006, p.83).
A partir da percepção dos limites, da insuficiência e da carência do pensamento
simplificador, emerge a necessidade do pensamento complexo, como uma forma de sairmos
da crise sócio-ambiental que assola o planeta. Ainda conforme Morin (id., p. 8), “o
pensamento complexo não é o que evita ou suprime o desafio, mas o que ajuda a revelá-lo e,
às vezes, mesmo a superá-lo”. Para Morin, o pensamento complexo não vai necessariamente
resolver os problemas do mundo, mas através dele seremos ajudados a enxergar esses
problemas tanto na sua particularidade quanto na sua totalidade. Todavia, para podermos
mudar nossa realidade, afirma o autor, é necessária primeiramente a reforma do pensamento.
- 38 -
Como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade
de articulá-las e organizá-las? Como perceber e conceber o Contexto, o
Global (a relação todo/partes), o Multidimensional, o Complexo? Para
articular e organizar os conhecimentos e assim reconhecer os problemas do
mundo, é necessária a reforma do pensamento (MORIN, 2002, p. 35).
Nesse aspecto, entende-se que o discurso jornalístico a respeito da crise sócio-
ambiental contribui para o repasse de informações complexas, que são legitimadas no dizer da
mídia. Cada vez mais, há uma representação da realidade social, e o jornalismo contribui
também para isso, ao direcionar o enfoque de determinados temas conforme o interesse
específico de alguns grupos, na maior parte das vezes, ligados ao fator econômico, fazendo
com que a visão desejada sobre determinado assunto seja comum a todos. Por essa razão,
Buscamos mostrar que há limites para pensar o meio ambiente no
jornalismo, uma vez que ele hoje está condicionado a uma série de fatores
políticos e econômicos, pelo fato de ser uma atividade desenvolvida por uma
organização (GIRARDI; MASSIERER; SCHWAAB, 2006).
Esta é a importância da emergência do papel do jornalismo ambiental na sociedade,
por ter como característica abordar os fatos numa visão sistêmica, complexa.
O jornalismo ambiental teve início no Brasil junto com o movimento ecológico, na
década de 70. Desde então,
tem dado um bom exemplo de compromisso com a cidadania na medida em
que foram os primeiros a colocar na ordem do dia conceitos e discussões que
ficavam até então restritos às instituições de pesquisa e universidades. Com
o tempo, as pessoas começaram a entender o que é poluição, o que é
agrotóxico, qual o problema da camada de ozônio, para ficar só nestes
exemplos, e a se somarem aos grupos que reivindicam melhoria da qualidade
da água, do ar, do solo, enfim, da vida (GIRARDI, 2000, p. 34).
Dessa forma, a questão ambiental não é puramente uma questão do ecossistema
20
, mas da
forma de interação entre sociedade e natureza. Essa interação pressupõe uma mudança de atitude
na sua forma de produção, consumo, distribuição e demais interações de mundo, conforme
sintetiza Leff (2001, p. 17): “o ambiente não é a ecologia, mas a complexidade do mundo”.
Apesar de o jornalismo ambiental ter surgido na década de 70, as questões ambientais
somente começaram a ter realmente relevância no Brasil a partir da realização da Conferência
20
“Formas de vida y otros elementos naturales presentes em um espacio físico determinado cuya interacción
forma ciclos de retrogeneración de vida y que conforman um sistema u oraganización sustentable por sí misma”
(BACCHETTA, 2000, p. 205).
- 39 -
da ONU para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Entretanto, a grande mídia,
após o evento, ao contrário do esperado, limitou-se a publicar ocorrências ocasionais a
respeito das questões ambientais.
Contrariamente a essa necessidade de mais informação ambiental, após a
ECO92, este espaço restringiu-se – comparando-se o período da cobertura do
evento com o período subseqüente – na chamada grande mídia, limitando-se
hoje a ocorrências ocasionais, diante de acidentes ambientais e um ou outro
tema que interesse ao público mais geral (BERNA, 2001, p.159).
É preciso salientar também que o discurso jornalístico é produzido em condições
históricas e sociais que determinam os modos de apreensão e construção da realidade
(CASTRO, 2005)
21
. Assim, as questões ambientais ao longo do tempo têm sido apreendidas
de diferentes formas. Se na década de 70 o progresso era visto como o causador da destruição
dos bens naturais, e a poluição do planeta vista como causada pelas empresas, por não
possuírem pelo menos um controle parcial de seus poluentes, essa imagem está sendo
desfeita, pois hoje elas se utilizam desse controle, para trabalhar melhor a imagem
institucional da empresa perante seus stakeholders
22
. Dessa forma, os discursos envolvendo
um mesmo tema são múltiplos e o jornalista deve ter conhecimento histórico sobre o assunto
em pauta, para poder analisar a realidade presente. Diz Girardi:
Neste cenário complexo, o jornalismo ambiental assume uma missão muito
importante para contribuir com a transformação da sociedade tendo em vista
uma oikos solidária, sadia, afetiva e ética. E o jornalista precisa estar
consciente de seu papel como agente de transformação social. Precisa estar
bem-informado, estudar constantemente e ter responsabilidade, pois atua em
um campo muito amplo que exige o domínio da linguagem científica, para
que esta possa ser decodificada e democratizada. É um campo que
freqüentemente se apega a discursos ambíguos, para justificar a imposição
de certas tecnologias que são apresentadas como benéficas e salvadoras da
humanidade (GIRARDI, 2000, p. 34).
Por outro aspecto, acrescenta Girardi (id., p. 36), “ao atuar na popularização do
conhecimento científico, o jornalista precisa também exercitar a humildade, resolvendo suas
dúvidas sempre com suas fontes de informação. Assim, ao divulgar a informação correta, ele
estabelece laços de confiança, que são indispensáveis nessa parceria”.
Para Bacchetta (2000), o jornalismo ambiental procura desenvolver a capacidade das
pessoas para participar e decidir sua forma de vida na Terra, para assumir em definitivo sua
21
Apontamentos obtidos na disciplina de Interpretação de Produtos Midiáticos no PPGCOM da UNISINOS.
22
São os públicos de interesse das empresas (KOTLER, 1998, p. 30).
- 40 -
cidadania planetária, uma vez que esse tipo de jornalismo tem como característica abordar os
fatos numa visão sistêmica, ou seja, tanto na sua totalidade quanto na sua particularidade.
Se considerarmos o meio ambiente como um conjunto de sistemas naturais e
sociais habitados pelo ser humano e demais seres vivos existentes no planeta,
os quais obtêm seu sustento, o jornalismo ambiental é um dos gêneros mais
amplos e completos do jornalismo (BACCHETTA, 2000, p. 18).
Portanto, ouvir várias fontes, aprofundar o conteúdo da matéria e desenvolver uma
abordagem qualificada das notícias relacionadas ao meio ambiente possibilita que o jornalismo
ambiental desenvolva seu papel social.
Por todas essas razões, pode-se dizer que o jornalismo ambiental difere sensivelmente
do jornalismo científico, por sua peculiaridade de estabelecer interdependência entre diversos
campos, conforme salienta Bacchetta:
Em muitos casos, tem-se tentado classificar o jornalismo ambiental como se
fosse nada além de uma ramificação do jornalismo científico. Mas, por mais
que o jornalismo científico seja considerado amplo, o jornalismo ambiental
ultrapassa-o completamente, porque este envolve aspectos como as
concepções filosóficas e éticas, sobre as quais a ciência moderna exclui
expressamente a possibilidade de emitir opinião. A própria noção sobre o
meio ambiente, a forma de senti-lo e de relacionar-se com ele, remete à
cosmovisão do ser humano, aos valores filosóficos e éticos de uma cultura.
Além de ter presente que na sociedade atual convivem diferentes culturas e
que, ao largo da história, existiram diferentes civilizações, o jornalismo
ambiental deve estar em condições de questionar inclusive os valores
culturais vigentes (id., p. 18-19).
Essa forma de perceber a realidade como algo que está conectado a tudo, interligado e
relacionado, é a base do jornalismo ambiental. Salienta-se que essa base do jornalismo
ambiental vai ao encontro da terceira norma da ética (VELASCO, 2003a), a qual propõe a
preservação e regeneração da natureza humana e não-humana. Mas: o que significa preservar e
regenerar a natureza humana e não-humana, em se tratando de jornalismo ambiental, senão
levar a informação à sociedade com base na ética, na verdade e na integridade dos fatos
mostrados sob seus diversos ângulos? – possibilitando, dessa forma, que a sociedade tenha
condições de avaliar e se posicionar diante dos fatos e da vida!
Conforme Bacchetta (2000), o jornalismo ambiental procura desenvolver a capacidade
das pessoas para participar e decidir sua forma de vida na Terra, para assumir em definitivo
sua cidadania planetária. Ressalta-se também que, segundo Velasco (2003b), para se chegar a
uma sociedade pós-capitalista, que tem por base as três normas da ética, um dos caminhos a
- 41 -
ser trilhado, além da educação formal, é a não-formal, através dos meios de comunicação.
Dessa forma, entende-se, com base na ética ecomunitarista, que o jornalismo ambiental é uma
importante ferramenta nesse caminho a ser trilhado na busca da transformação para uma
sociedade mais justa e democrática que atenda e respeite as necessidades e condições
humanas e não-humanas.
Entretanto, Girardi (2000, p. 36) alerta que, “nestes tempos de crise, os jornalistas
ambientais devem manter uma vigilância permanente para não se deixarem seduzir por
comportamentos mais fáceis. E nunca perder a perspectiva da ética que nos indica os caminhos
da justiça, da compaixão, da busca do bem e da felicidade para todos. Isso pode ser resumido
pela ética do cuidado, que nos ensina, conforme o teólogo Leonardo Boff, a “ter um cuidado
amoroso conosco e com os outros seres da natureza”. Entende-se, assim, que o grande desafio
do jornalismo ambiental está na mudança da visão fragmentada, como pontua Capra:
[...] os jornalistas deverão mudar, e seu modo de pensar, fragmentário,
deverá tornar-se holístico, desenvolvendo uma nova ética profissional,
baseada na consciência social e ecológica. Em vez de se concentrar em
apresentações sensacionalistas de acontecimentos aberrantes, violentos e
destrutivos, repórteres e editores terão de analisar os padrões sociais e
culturais complexos que formam o contexto desses acontecimentos, assim
como noticiar as atividades pacíficas, construtivas e integrativas que
ocorrem em nossa cultura (CAPRA, 1982, p. 400).
Considerando que vivemos numa sociedade que tem como base o pensamento
cartesiano, faz-se necessária a mudança tanto dos jornalistas como do leitor/consumidor, a fim
de romper com as barreiras impostas por este modelo, em que a natureza é tomada como
inesgotável, e não como algo em interação com o homem. Por uma questão histórica, como
podemos observar, a crise ambiental também está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento
da cultura humana, à ética, aos valores e, portanto, à cultura. Não podemos esquecer que a
sociedade está presente em cada indivíduo, enquanto todo, através de sua linguagem, sua
cultura, suas normas. Desse modo, somos, ao mesmo tempo, produtos e produtores (MORIN,
2006, p.74) da sociedade em que vivemos, uma vez que estamos o tempo inteiro em interação,
mediados pela imprensa.
Portanto, para que ocorra a transformação da sociedade, há a necessidade do despertar
das consciências, e o jornalismo ambiental tem um papel fundamental para mudança de
valores e para uma transformação do indivíduo e da sociedade.
- 42 -
3 – MUDANÇAS CLIMÁTICAS
3.1 – Delimitação do tema
Conforme pesquisa
23
mencionada no capítulo 2, realizada em 50 jornais brasileiros, a
partir do último trimestre de 2006 as redações desses jornais começaram a dedicar espaço
mais expressivo de suas páginas ao agendamento do debate sobre as mudanças climáticas. A
pesquisa avaliou uma amostra de 997 editoriais, artigos, colunas, entrevistas e matérias
veiculadas entre 1º de julho de 2005 e 30 de junho de 2007.
Segundo dados da pesquisa, foi a partir do último trimestre de 2006 que a abordagem
sobre as mudanças climáticas ganhou expressão nas páginas dos diários brasileiros. Nos
primeiros cinco trimestres da análise, foi identificado um texto publicado pelos jornais a cada
cinco dias. Essa média cresceu para uma matéria a cada dois dias nos últimos três trimestres.
O resumo executivo da pesquisa diz: “Os resultados dessa radiografia da cobertura
podem contribuir diretamente para avanços ainda mais pujantes na estratégia até hoje
conduzida pelos veículos para cobrir o tema. Ao mesmo tempo, são relevantes para que as
fontes de informação aprimorem o seu diálogo com os meios em relação a essa discussão”.
Historicamente, conforme Kandel (2002), os primeiros programas nacionais de pesquisa
sobre mudança climática desenvolveram-se por volta de 1975. A primeira conferência mundial
sobre o clima foi organizada pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), em Genebra,
em 1979. Foram tratadas ali questões científicas sobre o reforço antrópico do efeito estufa, as
conseqüências de um reaquecimento para a sociedade em diversas áreas, tais como agricultura,
florestamento e saúde e, finalmente, as questões do desenvolvimento que poderiam mostrar-se
relevantes para o esforço de reduzir esses riscos.
Desde então, o interesse e a visibilidade do assunto só tem aumentado, passando
inclusive a ser valor-notícia para grande parte dos jornais brasileiros, conforme mostra a
pesquisa. Vários podem ser os motivos de este tema ter se tornado valor-notícia, além dos já
23
Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br.
- 43 -
levantados no capítulo 2. Segundo a pesquisa da ANDI, tal tendência também guarda relação
com a ocorrência de fenômenos naturais vistos como prováveis conseqüências das alterações
no clima. Conforme essa pesquisa,
O fato de a imprensa brasileira ter despertado para o tema em tempos
diferentes do histórico trilhado pela mídia internacional não nos autoriza a
afirmar que os veículos dos países desenvolvidos não tenham influenciado,
até mesmo decisivamente, no despertar da cobertura brasileira. Esse salto no
volume de matérias – e a manutenção de sua freqüência – parece ancorar-se,
no entanto, em fatos muito específicos ocorridos no período. Em outubro de
2006, por exemplo, foi lançado o Relatório Stern. No mês seguinte, estréia
no Brasil o filme-denúncia Uma verdade inconveniente, protagonizado pelo
ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. Em fevereiro de 2007, a película é
agraciada com o Oscar e um novo relatório do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) é tornado público.
Nos meses de abril e maio, o IPCC apresenta outros dois relatórios sobre o
tema (http://observatoriodaimprensa.com.br
).
Sob outro aspecto, a pesquisa salienta que os jornais, em geral, ao abordar o tema
“mudanças climáticas”, tomam a parte pelo todo. Ou seja, conforme o Gráfico 5 da
pesquisa
24
, os jornais apresentam mais a expressão “aquecimento global” (um tipo de
mudança climática) do que a expressão “mudança climática” (que inclui o aquecimento
global, mas também outros tipos de alterações no clima).
Através de Odum e Odum (2001), buscou-se um maior entendimento sobre o assunto e
a forma com que esse fenômeno vem se manifestando ao longo dos anos. Os autores dizem
que o final do século XX mostra registros oscilantes do dióxido de carbono no ar; o nível de
concentração cai no verão, quando o dióxido de carbono é absorvido pela fotossíntese dos
vegetais, e aumenta no inverno, quando há demanda respiratória e maior consumo pelas
indústrias. Porém, continuam os autores, a cada ano o dióxido de carbono aumenta em
proporção a sua baixa, em virtude do excesso de consumo de combustíveis fósseis e da
devastação das florestas. O dióxido de carbono na atmosfera elevou-se de 290 a 367 partículas
por milhão desde o início do século passado. Eles dizem ainda que o dióxido de carbono
lembra a vidraça de uma estufa ardendo em calor, e que a imprensa assume como fato que o
calor dessa estufa está aumentando rapidamente a temperatura da Terra e o nível do mar.
Entretanto, afirma ele, a temperatura registrada para toda a atmosfera observada do espaço
não mostrou muito aumento.
24
Ver gráfico 5 da pesquisa (Gráfico 1 desta dissertação).
- 44 -
Dados disponíveis sobre temperatura desde 1760 sugerem que a temperatura da
terra varia especialmente com a atividade dentro da área de abrangência do sol, a
fonte da maior parte do calor da terra. O nível do mar cresceu apenas algumas
polegadas, e maior parte desse crescimento ocorreu no século anterior ao século
em que os níveis de dióxido de carbono cresceram em grande proporção. J.
Oerlemans (1994) apresentou o derretimento de sete geleiras no início do século
XX, porém os gráficos mostram que tal evento cessou em 1974. A partir de
2000, a Baía Glacial, no Alaska, suspendeu o derretimento. O nível do gelo está
baixando, porém isso não afeta o nível do mar (ODUM; ODUM, 2001, p.14).
Para Odum e Odum (id., p. 14), o que acontece com o aquecimento de efeito estufa
proveniente do crescente dióxido de carbono é que, quando a temperatura do mar tropical se
eleva, uma quantidade maior de água se evapora, transformando em vapor a energia retida do
calor. Mais tarde, essa energia proveniente do vapor de água provoca grandes tempestades
que devolvem a água na forma de chuva e neve, enquanto liberam o calor ao topo da
atmosfera, e esse calor se dilui no espaço. Grandes tempestades também causam longos
períodos de seca no seu interstício. Para Odum (id., p. 14), os dados obtidos das estações de
medição de temperatura na superfície terrestre, que evidenciam um sutil aumento na
temperatura do ar, podem estar relacionados aos longos períodos de estiagem e céu claro. Os
mares levemente aquecidos e com mais precipitações tendem a derreter o seu gelo e as partes
rasas de suas geleiras, enquanto acrescentam mais neve e gelo ao topo das geleiras.
Para o pesquisador José Marengo
25
, do CPTEC/INPE, durante a apresentação sobre as
conclusões do 4.º relatório do IPCC, “O aquecimento [do planeta] é um processo natural que
já aconteceu antes, mas tem sido acelerado pelas atividades humanas”.
Os ambientes urbanos tornam-se insuportáveis para a vida humana, sobretudo em
função do modelo econômico consumista. São agravantes para o ambiente urbano os
congestionamentos de veículos, a poluição do ar, o excesso de edifícios, a expansão das áreas
periféricas e o nível elevado de ruído. Está havendo, também, incremento na mudança dos
ventos e das correntes marítimas, salinização das águas continentais, chuvas abundantes e
furacões em determinadas áreas, enquanto noutras observa-se o agravamento das secas e da
desertificação. Extensas áreas agrícolas estão sendo comprometidas pelo mau uso do solo,
desperdício de água e uso indiscriminado de defensivos químicos.
Nesse sentido, e com o objetivo de mudar a conduta das sociedades humanas e os
padrões de consumo, cientistas de vários países apontam soluções, a fim de que as nações
criem as condições necessárias para intervenções adequadas, impondo limites às emissões dos
25
Pesquisador José Marengo, do CPTEC/INPE durante a apresentação sobre as conclusões do 4º relatório do
IPCC. Disponível em (http://www.sbmet.org.br/noticias_mclimaticas/).
- 45 -
países industrializados, incentivos à limitação nos países em desenvolvimento e apoio à
geração de energia limpa.
As mais respeitadas instituições científicas asseguram que estão acontecendo
alterações ambientais no Planeta com graves conseqüências para a manutenção da vida.
Programas de monitoramento e controle ambiental têm revertido o processo de degradação de
alguns ecossistemas. O somatório e ampliação dessas medidas, a partir de expressiva
mobilização social e do esforço conjunto das nações, poderá impedir o esgotamento dos
recursos naturais, essenciais à permanência da vida na Terra.
GRÁFICO 1 – Gráfico 5 da pesquisa realizada pela ANDI
Agência de Notícias dos Direitos da Infância
Principal tema guarda-chuva abordado no texto
29,4
70,6
Mudanças Climáticas
Aquecimento Global
3.2 – IPCC e matérias de Zero Hora
O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima – IPCC (sigla da denominação
em inglês), criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, é um evento científico
realizado em torno de uma vez por ano, para avaliar informações científicas, técnicas e
socioeconômicas sobre mudança do clima e sua influência na população humana.
O IPCC representa um esforço global, envolvendo cientistas de vários países, os quais
representam instituições científicas, universidades públicas e privadas, associações profissionais,
ONGs, órgãos do governo e do setor público e privado, além de consultores. É presidido desde
2002 por Rajendra Pachauri, veterano ambientalista indiano. Muitas das pesquisas ainda vêm de
países industrializados, que possuem maiores orçamentos para desenvolver estudos de clima e,
- 46 -
dessa forma, têm maior volume de publicações científicas. Até hoje, cada um dos GTs tem sido
liderado ou co-liderado por cientistas de alto nível de países em desenvolvimento. Entre os
cientistas participantes (contribuintes ou coordenadores), podem estão especialistas dos cinco
continentes. O IPCC encoraja pesquisadores de países em desenvolvimento e economias em
transição a participar no processo de elaboração dos relatórios científicos, assim como para sediar
as reuniões científicas de discussão entre os cientistas dos diferentes GTs do IPCC.
Essa tarefa tem a participação de grande número de pesquisadores nas áreas de clima,
meteorologia, hidrometeorologia, biologia e ciências afins, que se reúnem e discutem as
evidências científicas e os resultados de modelos, com a meta de chegar a um consenso sobre as
tendências mais recentes em mudança de clima. Como resultado dessas interações, os três
grupos de trabalho (GT) que formam parte da estrutura científica do IPCC produziram
relatórios, intitulados: “As bases científicas” (GT1); “Impactos, adaptação e vulnerabilidade”
(GT2), e “Aquecimento global” (GT3). Cada GT produz um relatório impresso, com 700 a 900
páginas de informações condensadas. Os relatórios dos GTs constituem uma avaliação do
estado da arte em pesquisas de clima, detecção de mudanças climáticas, atribuição de causas
físicas, assim como das incertezas das previsões para os diferentes cenários climáticos. Esses
relatórios técnicos são disponibilizados para o mundo todo, em inglês, francês e espanhol, para
o uso da comunidade científica, do público em geral e, em especial, para políticos e tomadores
de decisões, que precisam receber informação de forma compreensível.
Assim, o IPCC tem a tarefa de sumarizar para os tomadores de decisões o
conhecimento atual contido nos relatórios científicos sobre as possíveis mudanças do clima no
futuro. Esse relatório é chamado Summary for Policy Makers ou Relatório Sumário para
Tomadores de Decisões (IPCC, 2001c, d, e). O Primeiro Relatório Científico (FAR)
publicado pelo IPCC data de 1990, e desde então as pesquisas sobre mudanças de clima têm
se beneficiado com as informações.
Em meados da década de 1990, muitos cientistas pensaram que já tinham
fornecido os fatos mais relevantes sobre mudanças de clima para os políticos
e tomadores de decisões. Porém, com as dificuldades na ratificação do
protocolo de Kyoto, o problema de adaptação foi mais aparente, talvez ainda
mais que a mitigação. Assim, com o desenvolvimento de novos métodos
estatísticos, para separar sinais de influência de variabilidade climática
natural da antropogênica, as novas tecnologias em satélites e
supercomputadores, o desenvolvimento de modelos acoplados que incluem
mais realisticamente as interações da vegetação e carbono com a baixa
- 47 -
atmosfera, e com uma resolução espacial maior, pode ajudar a reduzir as
incertezas nas previsões climáticas para cenários do clima nos anos por vir
26
.
O Segundo Relatório Científico (SAR) sobre Mudanças Climáticas, publicado em
1995 (IPCC, 1996a, b), forneceu as bases para as negociações decisivas que levaram à adoção
do Protocolo de Kyoto, em 1997. Assim, a relevância política desses relatórios, especialmente
o Summary for Policy Makers, é indiscutível.
O Terceiro Relatório Científico (TAR), publicado em 2001, informa que “Existem
novas e fortes evidências de que a maior parte do aquecimento observado durante os últimos
50 anos é atribuído às atividades humanas” (IPCC, 2001a), o que já é de conhecimento
público, pois tem sido anunciado em jornais e revistas científicas e pela imprensa mundial.
O Quarto Relatório Científico foi publicado pelo IPCC em 2007. Esse relatório,
realizado em três etapas
27
pelos GTs, é que gerou as matérias de Zero Hora que constituem o
corpus de análise para este trabalho.
Os resultados do estudo, desenvolvido ao longo destes últimos seis anos, período entre
o terceiro e quarto relatório, consideram, com 90% de certeza, que as ações humanas
contribuem para as mudanças climáticas do planeta. Eles confirmam que o aquecimento do
planeta é “inequívoco” e que se torna evidente, com os aumentos observados na média geral
de temperatura do ar e dos oceanos, o derretimento das geleiras e o aumento no nível dos
oceanos. Afirmam, também, a maior ocorrência já observada de fenômenos como mudanças
nas temperaturas do Ártico, nos níveis de precipitação, na salinidade dos oceanos e nos
padrões de ventos, bem como maior freqüência de secas, precipitações intensas, ondas de
calor e ciclones tropicais (IPCC, 2007, p. 2-6).
Conforme citado acima, o estudo do IPCC procura calcular a probabilidade de ocorrência
de algumas alterações no clima da Terra em função do aquecimento global, assim como o grau de
contribuição da atividade humana para essas tendências. A ocorrência de dias e noites mais
quentes e/ou mais frios na maior parte das áreas terrestres, e maior freqüência de dias e noites
quentes é considerada “praticamente certa” (99%) ao longo do século XXI. O aumento na
incidência de ondas de calor e tempestades é considerado “muito provável” (90%). Já os
aumentos nas áreas afetadas por secas, na atividade de ciclones tropicais e o aumento extremo no
nível do mar (com exceção de tsunamis) são tidos como “prováveis” (66%). E a contribuição da
atividade humana para a ocorrência de dias e noites mais quentes é “provável”, enquanto para as
demais alterações é considerada “mais provável do que não-provável” (id., p. 7).
26
Disponível em <http://www.ipcc.ch/pdf/ipcc-faq/ipcc-introduction-sp.pdf>.
27
Vide quadro 1, com a data das reuniões IPCC e o tema tratado.
- 48 -
O Relatório indica também que as mudanças climáticas observadas nos últimos 50 anos
são incomuns em relação a alterações ocorridas há 1.300 anos – essa perspectiva é considerada a
partir de estudos chamados “paleoclimáticos”. Na última vez em que as regiões polares estiveram
significativamente mais quentes que hoje, há cerca de 125 mil anos, o derretimento das geleiras
gerou um aumento no nível do mar de quatro a seis metros. O estudo considera muito provável
que o aumento na concentração de gases-estufa seja provocado pela ação humana e indica um
aumento médio de 0,2 graus centígrados na temperatura global a cada década. Contrariamente ao
que dizem Odum e Odum (2001, p.14), o relatório diz que as mudanças nos padrões de vento e
precipitação, associadas ao derretimento das geleiras, devem trazer o desaparecimento do
continente ártico antes do final do século e uma provável maior incidência de ciclones tropicais
(tufões e furacões) mais intensos (id., p. 8-12). Um último resultado destacado do relatório do
IPCC (2007) é a perspectiva de que, mesmo que a concentração de gases-estufa na atmosfera
fosse estabilizada, os efeitos do aquecimento global, como a ocorrência de maiores temperaturas e
o aumento no nível do mar, continuariam presentes durante séculos. A diminuição na camada de
gelo da Groenlândia, por exemplo, deve continuar contribuindo para o aumento no nível do mar
até depois do ano 2100. Na hipótese de derretimento total do gelo dessa ilha pertencente à
Dinamarca, a contribuição para o aumento no nível do mar seria de sete metros (id., p. 12-13).
As reuniões de trabalho do IPCC, conforme quadro a seguir, e o tema tratado em cada
uma delas, é que geraram as matérias no jornal Zero Hora que constituem o corpus em
análise. As matérias referentes ao GT1 e GT3 foram veiculadas no mesmo dia de cada
reunião, antecipando o que seria o relatório, segundo o entendimento dos jornalistas de Zero
Hora. A matéria referente ao GT2 foi veiculada um dia após a reunião, sendo que as três
foram publicadas na editoria de geral.
QUADRO 1 – Reuniões IPCC por Grupo de Trabalho
Dia da
Reunião
IPCC
Local da
Reunião
Tema tratado
GT1
2/2/2007 Paris
Bases científicas da mudança
climática
GT2
6/4/2007 Bruxelas
Os impactos da mudança
climática e vulnerabilidade da
Terra a esses impactos
GT3
4/5/2007 Tailândia Aquecimento global
Fonte: Elaboração da autora
- 49 -
4 – CORPUS
4.1 – Metodologia de pesquisa: Hermenêutica de Profundidade
O termo hermenêutica pode ser definido como filosofia da interpretação. Muitos
autores associam o termo a Hermes, o deus mensageiro da mitologia grega. Hermes seria
capaz de transformar tudo o que a mente humana não compreendesse, a fim de que o
significado das coisas pudesse ser alcançado. Ele seria um “deus intérprete”, na medida em
que era a entidade sobrenatural dotada de capacidade de traduzir, decifrar o incompreensível.
A Hermenêutica de Profundidade (HP) de Thompson (1995) prioriza o estudo da
produção de sentido. Segundo o autor, devemos nos ater ao sentido das formas simbólicas que
estão inseridas nos contextos sociais e circulando no mundo social. Para ele, formas simbólicas
são “Um amplo espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e
reconhecidos por eles e outros como construtos significativos” (THOMPSON, 1995, p. 79).
Trata-se de um referencial metodológico, de um processo interpretativo, complexo,
composto por três estágios de análise: análise sócio-histórica – que possibilita a compreensão
e contextualização das mudanças climáticas; análise formal ou discursiva – que permite a
análise temática e a identificação de formas simbólicas apresentadas no discurso do jornal
Zero Hora; a interpretação ou reinterpretação – que compreende a construção criativa do
significado com a perspectiva de algo que é representado ou dito.
A primeira fase de investigação hermenêutica sugerida por Thompson é a sócio-
histórica, porque, segundo ele, as formas simbólicas, como as notícias, são produzidas,
transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas específicas, em que as produções
refletem as situações espaço-temporais, seus campos de interação, sua ideologia, para
legitimação da análise. Esse processo passa, em um primeiro momento, pela análise das
situações espaços-temporais em que as obras são produzidas (faladas, narradas, inscritas) e
recebidas. Conforme Thompson (1995), a HP reforça o fato de que os indivíduos estão
vinculados em um mundo social, em tradições históricas, e que são parte da história, tanto sua
- 50 -
racionalidade, quanto sua ideologia. E suas construções estão baseadas em construções
preexistentes, ou seja, no que veio antes, até mesmo a fim de reconhecer o que é novo, em
oposição ao já visto. Então, para esse autor, é a análise que deve recair sobre esse importante
aspecto, conferindo legitimidade à própria História. O autor menciona, também, a necessidade
de serem observados os campos de interação – espaços de posições e conjuntos de trajetórias
que determinam as relações entre pessoas e algumas das oportunidades acessíveis a elas,
consideradas por Thompson como capital, regras, convenções, esquemas flexíveis, que
constituem o conhecimento.
A segunda fase de investigação hermenêutica é a formal ou discursiva, que surge em
virtude dos objetos e das expressões que circulam nos campos sociais, que são, também,
construções simbólicas complexas e com uma estrutura articulada. As formas simbólicas
são produtos contextualizados, que têm por capacidade e objetivo dizer alguma coisa sobre
algo. Esse tipo de análise volta-se à organização interna das formas simbólicas, com suas
características estruturais, seus padrões e suas relações, servindo para a construção do
campo-objetivo. Portanto, nessa fase, leva-se em consideração uma análise que perpasse os
campos da conversação, da sintaxe, dos elementos narrativos e argumentativos. A
observação dos aspectos mencionados “(...) pode ajudar a realçar algumas das maneiras
como o significado é construído dentro das formas quotidianas do discurso” (THOMPSON,
1995, p. 373).
E, finalmente, a terceira e última fase de investigação apresentada por Thompson é a
interpretação/reinterpretação, que sugere a possibilidade, a partir da observação dos resultados
das duas fases anteriores, de “um movimento novo do pensamento”, o desvelamento de novos
significados da produção simbólica. Segundo o autor, “os métodos podem ajudar o analista a
ver a forma simbólica de uma maneira nova, em relação aos contextos de sua produção e
recepção, à luz dos padrões e efeitos que a constituem” (THOMPSON, 1995, p. 375).
Segundo ele, a interpretação não se esgota em si mesma, porque ela transcende para aquilo
que ele denomina reinterpretação, uma vez que o objeto já foi interpretado em um momento
anterior, até mesmo pelo próprio produtor. Thompson menciona ainda no seu método de
análise a possibilidade da verificação de relações de dominação, dentro do contexto de
produção das formas simbólicas, especificando que essas relações baseiam-se principalmente
em divisões de classe, gênero, etnia e estado-nação, fazendo parte das diferenças existentes
nas instituições sociais e nos campos de interação. Sugere também que essas relações de
dominação possam ser mantidas pelas formas simbólicas, em situações específicas
(THOMPSON, 1995).
- 51 -
Há de se considerar que, conforme Thompson (1995), na reinterpretação de formas
simbólicas o pesquisador reinterpreta objetos pré-interpretados, considerando-se, dessa forma,
que esta reinterpretação é a postura do pesquisador frente à possibilidade de reinterpretar com
base nas análises sócio-histórica e discursiva.
Para o autor, há a necessidade de uma análise que explore as várias facetas de uma
mesma produção simbólica. Não é possível fazer-se a análise de um aspecto somente, porque
o objeto trará consigo elementos pertencentes ao momento de sua produção, os quais criam
significação, além da possibilidade de o próprio leitor estabelecer a sua, a partir dos elementos
disponibilizados, “forma simbólica”.
Em todas essas etapas de investigação, o interesse pela ética orienta a análise rumo a
essa identificação. As diferentes fases devem auxiliar a perceber onde e como está operando a
ética através das formas simbólicas.
4.2 – Procedimentos
O corpus deste trabalho compõe-se de três matérias publicadas no Zero Hora sobre os
relatórios IPCC, assim especificadas:
QUADRO 2 – Matérias selecionadas para análise
Tema tratado
Dia da
veiculação
Tamanho da
matéria
Página Editoria
Bases científicas das
mudanças climáticas
2/2/2007 5col X 36cm 26 Geral
Os impactos das mudanças
climáticas e da
vulnerabilidade da terra a
esses impactos
7/4/2007 5col X 36cm 26 Geral
Aquecimento global 4/5/2007 5 col X 13cm 51 Geral
Fonte: Elaboração da autora
Para a análise do corpus, foi adotado o referencial metodológico da Hermenêutica de
Profundidade, proposto por Thompson, com seus três níveis analíticos:
1– Análise sócio-histórica, envolvendo as situações espaço-temporais que cercam o
fenômeno estudado. Neste trabalho, foram criados dois eixos: externo e interno. O primeiro
diz respeito aos seguintes aspectos:
- 52 -
- contextualização sobre o panorama do mundo relativo às questões ambientais em
2007, ano em que foram divulgados os três relatórios que deram origem às matérias;
- averiguação dos acontecimentos mais significativos no Brasil e no mundo no
momento em que as matérias foram veiculadas;
- observação sobre o posicionamento da mídia em geral e de Zero Hora
especificamente, em relação ao tema e ao que era relevante para ser notícia.
No que se refere ao âmbito interno, foram pontuados os seguintes aspectos:
- detalhamento do perfil e da importância do jornal Zero Hora;
- compreensão de cada matéria isoladamente, quanto a sua posição de editoria no
contexto do jornal, além de dados sobre tamanho da matéria, composição, número de colunas,
enquadramentos, boxes, distribuição e explicações;
- detalhamento de imagens e sua relação com a matéria.
2 – Análise formal e discursiva, centrada no estudo do sentido presente nas matérias, o
que envolveu os seguintes aspectos:
- decupagem das matérias, especificando antetítulo, título, lide, subtemas,
personalidades envolvidas, citadas ou referidas e seus efeitos de sentido;
- detalhamento de aspectos significativos referentes ao tipo de frase empregada,
adjetivação e efeitos pretendidos sobre o leitor.
3 – Interpretação e reinterpretação, parte dedicada:
- à retomada dos aspectos contextuais e discursivos apresentados das matérias;
- ao cruzamento das informações, visando à inter-relação entre as reportagens;
- à correlação entre as interpretações de cada uma das matérias, cruzando-se com o
objetivo geral do problema de pesquisa e os objetivos específicos.
- 53 -
4.3 – Matérias analisadas
4.3.1 – Reportagem 1
- 54 -
TRANSCRIÇÃO LITERAL DA PRIMEIRA REPORTAGEM
ANTETÍTULO
Aquecimento global – Relatório de 130 países, a ser apresentado hoje em Paris, dirá que a
humanidade corre riscos se persistir o aumento da temperatura do planeta.
TÍTULO
Alerta para um cenário aterrador
LIDE E SUBLIDE
Furacões mais devastadores. Inundações que arrasam lavouras e submergem
povoados. Estiagens prolongadas que causam desabastecimento de água. Derretimento de
geleiras. A fome, o caos.
Esse cenário aterrador não é filme de ficção. Hoje, em Paris, 2,5 mil cientistas de 130
países deverão divulgar um relatório alertando que a humanidade caminhará para o abismo se
persistir o aquecimento da temperatura do planeta.
TEXTO DE FUNDO
Mobilizados pela ONU, os cientistas integram o Grupo Intergovernamental sobre a
Mudança Climática, reunido na França. Ontem, jornalistas projetaram que o relatório será “a
mais contundente advertência” de como a ação humana faz subir os termômetros.
Estima-se que 90% da culpa pelo aquecimento global seja do homem. A previsão é de
que a temperatura aumentará 3% até o final do século, em relação à época em que não havia
indústrias. Conseqüência: o derretimento das calotas polares e a elevação do nível do mar.
O chamado Painel do Clima foi criado em 1988 pela Organização Meteorológica
Mundial e pelo Programa Ambiental da ONU para orientar políticas globais. Na última reunião,
em 2001, os cientistas indicaram que a interferência humana correspondia a 66% dos males.
A divulgação do relatório de Paris coincide com debates sobre o aquecimento global
nos EUA, os maiores emissores dos gases que provocam o efeito estufa. O governo George
W. Bush adotou a postura de ignorar o problema e se negou a reduzir a produção industrial.
Em 2001, Bush retirou os EUA do protocolo de Kyoto – o tratado internacional firmado em
1997 para negociar cortes nas emissões de gases. Alegou que não poderia comprometer o
crescimento econômico da nação mais poderosa.
- 55 -
ENTRETÍTULO
Filme de Al Gore sobre ambiente concorre ao Oscar
TEXTO DE FUNDO
Se o republicano Bush é o vilão, os EUA produziram o mocinho. O democrata Al
Gore, vice-presidente nos dois mandatos de Bill Clinton, elaborou o filme Uma verdade
inconveniente, revelando como ursos polares já se equilibram em diminutas placas de gelo. A
obra é candidata ao Oscar na categoria documentário.
O relatório repercute. A ONG Aliança pelo Planeta convocou, ontem, que todos os
brasileiros apagassem as luzes. Em Paris, a torre Eiffel ficou às escuras por cinco minutos. Foi
em sinal de protesto e para dar uma trégua ao mundo.
COLUNA DA DIREITA
O que é efeito estufa
É um fenômeno natural. Sem ele a superfície da Terra seria, em média, 33 graus mais fria.
Porém, a queima excessiva de combustíveis fósseis pelo homem e a destruição de florestas
pelo fogo aumentam a concentração dos gases poluentes (como o dióxido de carbono e o
metano) na atmosfera.
Como ocorre
Os gases poluentes formam uma capa que concentra o calor do sol na atmosfera, aumentando
o processo natural conhecido como efeito estufa.
1) A radiação solar atinge a atmosfera da Terra, que absorve a maior parte do calor e
reflete o restante para o espaço.
2) A superfície da Terra devolve uma parcela do calor emitido pela radiação solar na
forma de raios infravermelhos.
3) Os raios deixam a atmosfera. Parte do calor é retida, aquecendo o planeta.
Quem são os vilões
CO
2
– É emitido por veículos motorizados e queimadas.
CFC – É emitido pela indústria e por sprays.
RODAPÉ
O que pode acontecer
- 56 -
O que os cientistas estão prevendo em decorrência do aquecimento global da Terra, até o final
deste século
Até 3°C de aumento na temperatura média do planeta, em relação aos níveis pré-
industriais.
O nível do mar aumentará de 28cm a 42cm.
Os furacões e os tufões devem diminuir, mas se tornarão mais devastadores.
A calota polar do Ártico vai encolher ou até desaparecer.
Entre 200 milhões e 600 milhões de pessoas passarão fome, especialmente na África e
em Bangladesh, por serem os menos capazes de lidar com secas e inundações
litorâneas.
A falta de água castigará mais a China, a Austrália e partes da Europa e dos EUA.
Cerca de 2 mil das 18 mil ilhas da Indonésia poderão desaparecer em razão do
aumento do nível do mar, segundo levantamento do governo local.
1º nível – Análise sócio-histórica
a) Contexto externo
Em 2007, ano em que ocorreram as três reuniões dos GTs que geraram as três matérias
no jornal Zero Hora, coincidem os debates sobre o aquecimento global nos EUA, os maiores
emissores dos gases que provocam o efeito estufa. Esse fato reacendeu a polêmica de um
momento histórico sobre um tema que Bush faz questão de ignorar, o corte das emissões de
gases, negando-se a reduzir a produção industrial. Em 2001, Bush retirou os EUA do
Protocolo de Kyoto – o tratado internacional firmado em 1997 para negociar esses cortes,
alegando que não poderia comprometer o crescimento econômico da nação.
Sob outro aspecto, o mundo vivia a expectativa da divulgação dos vencedores do
Oscar. Pouco depois da divulgação do Relatório, é anunciada premiação do ex-vice-presidente
dos Estados Unidos, Al Gore, na categoria de melhor filme de curta metragem, pelo
documentário intitulado Uma verdade inconveniente, abordando o tema mudanças climáticas,
onde o ícone forte é um urso polar equilibrando-se sobre uma placa de gelo.
Ainda em 2007, o Prêmio Nobel da Paz é concedido ao IPCC e ao ex-vice-presidente
Al Gore.
Discutia-se também, no momento, o problema das viagens aéreas, responsáveis por
1,6 das emissões totais de gases causadores do efeito estufa. O IPCC expressou o problema de
- 57 -
maneira bastante aberta: “O crescimento da aviação e a necessidade de enfrentar as alterações
no clima não podem ser reconciliados” (ISTO É, n. 1948, 28 fev. 2007, p. 85).
Destaca-se também, nesse período, o segundo aniversário do Protocolo de Kyoto,
comemorado em 16 de fevereiro de 2007, logo após o lançamento do primeiro relatório,
reafirmando positivamente um tema que no momento o mundo inteiro discute: as mudanças
climáticas.
Nesse momento, também, os olhares estrangeiros estavam voltados para investimentos
em biodiesel no Brasil, uma vez que a mídia noticiava que a intenção do Brasil era investir
US$ 15 bilhões para a construção de 77 novas usinas de etanol até 2013.
Podem-se salientar também outros fatos importantes, acontecendo paralelos à
divulgação do Relatório IPCC, assim como a opinião de orgãos representativos nesse
contexto, como: o WWF – Brasil, que considerou o lançamento do Relatório do IPCC pelo
governo federal como um marco importante, pois posiciona o Brasil entre as nações que
desejam fazer a diferença quando se trata de melhorar a qualidade da vida no planeta, e
concluiu que, “para um país como o nosso, que possui uma rica biodiversidade, é fundamental
saber onde os efeitos do aquecimento global serão sentidos, para minimizar os impactos e
organizar a sociedade, a fim de que possa lidar melhor com essas questões”
28
.
Segundo Carlos Minc (ISTO É, n. 1947, 21 fev. 2007, p. 47), atual Ministro do Meio
Ambiente, na ocasião Secretário Estadual do Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, o alerta
vermelho sobre o aquecimento global foi dado na reunião de Paris; no Brasil, mais
especificamente no Rio de Janeiro, foi dado o sinal verde para o desenvolvimento sustentável.
Foi criada, junto à Secretaria de Agricultura, a Secretaria do Ambiente e a
Superintendência de Mudanças Climáticas, Créditos de Carbono e Biodiversidade, para
elaborar um balanço de emissões atmosféricas e um plano de reduções dos gases-estufa, a fim
de cumprir a lei da progressiva eliminação de queimadas, inclusive de cana-de-açúcar. Junto à
Secretaria de Transportes, acelerou-se a expansão dos trens metropolitanos e de redes
ferroviárias e a conversão dos ônibus ao gás natural.
Entretanto, no Brasil, os gases das queimadas oriundos do desmatamento são
responsáveis por 75% de todas as emissões nacionais, o que torna o país o quarto maior
poluidor do planeta, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Indonésia. Assim como
o setor pecuário é apontado como um dos principais responsáveis pela amplificação do efeito
estufa e aquecimento global, decorrentes do N
2
O produzido pelo esterco e o metano
28
Disponível em http://ambiental.wordpress.com/2007/02.
- 58 -
produzido pelo arroto dos animais. Considerando-se que uma rês pode produzir até 500 litros
de metano em apenas um dia, e o Brasil possui em torno de 200 milhões de cabeças de gado, é
fácil estimar os danos ambientais.
Nesse período, foi divulgado também o novo Código de Ética dos jornalistas
brasileiros, aprovado na plenária do congresso nacional extraordinário, realizada a 5 de agosto
de 2007. O novo Código fixa as normas a que deve se subordinar o jornalista profissional nas
suas relações com a comunidade, com as fontes de informação e com os seus colegas. O novo
texto substitui o Código que havia sido adotado em 1985, antes, portanto, da promulgação da
Constituição de 1988. Além das adaptações à nova Carta, o novo Código acolhe inovações
decorrentes das novas tecnologias da comunicação. Outra novidade foi a adoção da Cláusula
de Consciência, tradicional em países como a França.
Sob o ponto de vista cultural, pode-se citar o carnaval no Brasil, evento que consome
muita energia e emite grande quantidade de CO
2
. A preocupação com a minimização dos
impactos do aquecimento global levou a Fundação SOS Mata Atlântica, a SPTuris e a Key
Associados a se unirem em uma ação inédita: compensar as emissões de gás carbônico
geradas nos quatro dias de desfile das escolas de samba de São Paulo com o plantio de 1200
árvores nativas em áreas de restauração da Mata Atlântica, dentro do Programa Florestas do
Futuro, da ONG SOS Mata Atlântica).
O aquecimento global foi tema também de congresso no Rio Grande do Sul em 2007.
Jornalistas de todo o país discutiram o papel da mídia nesse tema em um encontro promovido
pelo núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul, na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, que reuniu além de profissionais da área, estudantes, professores de jornalismo e
demais interessados em meio ambiente.
A revista Época teve como capa em uma de suas edições: fundo preto (sugerindo um
clima fúnebre), chamada em letras grandes e cinza, na qual fazia a pergunta: “O mundo vai
acabar?” Já a revista Veja mostrava a cidade do Rio de Janeiro coberta por água, chegando
inclusive nos braços do Cristo Redentor, como se este estivesse se afogando. A foto do Cristo
Redentor aparecia em primeiro plano, na montagem fotográfica. A chamada em destaque
dizia: “Isto pode acontecer?”. Esse era o cenário apresentado pela mídia, no período das
reuniões dos GTs.
Com a relevância do tema pela mídia, as empresas utilizam-se desse cenário para
pautar suas estratégias comerciais. O mercado recebe uma avalanche de produtos
supostamente sustentáveis, como: colchões naturais feitos de látex, material recolhido da
seringueira, que tem o apelo de proporcionar um “sono ecológico”. As “ecobolsas”, feitas de
- 59 -
tecido de algodão, assinadas por estilistas famosos e designers modernos, são adereço
obrigatório do figurino de quem se preocupa em reduzir os danos ao ambiente e são adotadas
por empresas interessadas em reforçar ações de responsabilidade social. Também surge o
ecodesign em jóias, baseado no conceito da Amazônia, usando materiais como a prata e a
madeira imbuia. A Wal-Mart Brasil/Big também tem apostado em lançamentos eco, como a
camiseta de fibra PET, da marca George, e as roupas íntimas de tecido derivado do bambu,
em parceria exclusiva com a Zorba. Dessa forma, o cenário mundial proporcionado pelas
mudanças do clima impulsiona as empresas a desenvolverem novas estratégias comerciais e
de marketing.
b) Contexto interno
Fundado em 1964, Zero Hora é o jornal líder em circulação no Rio Grande do Sul. De
acordo com os dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), a circulação diária é de
177.867 exemplares e de 1.941.725 leitores (IVC julho/2007), abrangendo todo estado do Rio
Grande do Sul. Circula também no resto do País, entretanto não estão incluídos nestes números
os leitores e a circulação dessas regiões. O jornal Zero Hora tem formato tablóide, com cinco
colunas (26,1 cm/largura) x 35 cm/altura) e integra o conglomerado de mídia da RBS
29
.
Outros estudos feitos anteriormente apontam a editoria geral como o espaço que mais
concentra as publicações de matérias ambientais. O jornal Zero Hora está em terceiro lugar,
com 2,1% de percentual, de conteúdo editorial dedicado ao meio ambiente (STRAUCH,
2002, p. 38).
Para maior entendimento da posição da editoria no contexto do jornal, com base em
Massierer (2007), foram trazidas algumas informações a respeito das matérias publicadas
sobre meio ambiente.
A justificativa apresentada pelos jornalistas de Zero Hora para a abordagem das
matérias e profundidade do conteúdo de meio ambiente publicada na editoria geral e também
desse trabalho de ampliação dos assuntos e de qualificação das matérias que é feito no caderno
Ambiente, publicado na última quinta-feira de cada mês, é de que toda essa cobertura é
resultado da conjugação de dois fatores. O primeiro é a consciência da empresa da importância
de tratar o tema. No entanto, a idéia era de que o caderno deixasse de ser mensal para ter maior
freqüência ou mais páginas, mas faltou amparo financeiro para que isso ocorresse. As maiores
29
Segundo Fonseca (2005), apenas o jornal Zero Hora, do grupo RBS, tem demonstrado ao longo do tempo
“cultura organizacional” e mantém a posição de “referência dominante” ao conquistar a liderança no mercado de
mídia impressa, por méritos menos jornalísticos e mais empresariais.
- 60 -
dificuldades para a elaboração dessas notícias na editoria geral são o tempo disponível e o
espaço para publicação, já que essa temática compete com outros assuntos também
considerados relevantes pelas empresas. O outro fator que acaba determinando o espaço que o
tema ambiente ocupa diariamente no jornal é o interesse do público.
O fato de o jornal não ter mais repórteres especializados na cobertura de meio
ambiente faz com que aqueles que se dedicam a pautas relacionadas ao tema, muitas vezes,
necessitem de mais tempo para a apuração das informações, tendo em vista que alguns
assuntos ligados à área são de difícil compreensão e muitos dados demoram a ser localizados.
Outra particularidade de Zero Hora é a diagramação das páginas e a utilização de
recursos gráficos. A editoria exige inovação na diagramação das páginas, com farta utilização
de fotografias e infográficos.
Se, por um lado, Zero Hora tem uma política editorial voltada à preocupação com o
meio ambiente e procura dar espaço para a temática, desde que ela seja factual e de interesse
público, por outro os jornalistas devem respeitar as regras da organização que refletem na
elaboração da notícia, principalmente quando a matéria envolve fatores econômicos e
jurídicos que podem comprometer as empresas. A busca das fontes e a elaboração do texto
são orientadas de acordo com um conjunto de regras que dizem respeito à organização do
veículo e incorporadas pelos jornalistas. A política editorial com relação às matérias de meio
ambiente também é a mesma aplicada a outras temáticas tratadas diariamente pela editoria
geral de Zero Hora. Não há uma orientação diferencial, sendo o principal receio com as
matérias as questões financeiras ou jurídicas. Por outro lado, as matérias em que os jornalistas
se esmeram em buscar mais informações e aprofundam o texto, em maioria, passam por
alterações no momento da edição e muitos dados se perdem em razão da disponibilidade de
espaço (MASSIERER, 2007).
Esta reportagem, cujo tema trata das “Bases Científicas da Mudança Climática”, teve
destaque em página inteira e colorida, ou seja, formato cinco colunas (26,1 cm/largura) x 35
cm/altura) na editoria geral de Zero Hora, logo após a editoria de Mundo – página 26, par,
lado esquerdo do jornal, no mesmo dia em que ocorreu a reunião.
A matéria principal, ocupando as quatro primeiras colunas, está dividida em quatro partes:
antetítulo, título, lide e sublide, texto de fundo e uma foto complementando o texto. A quinta
coluna é um boxe explicativo sobre o que é efeito estufa, como ocorre e quem são os causadores
do efeito estufa. Abaixo dessa coluna, no rodapé, há outro boxe, ocupando as cinco colunas, com
pequenos textos, ilustrações e infográficos, dando uma perspectiva futura sobre o que pode
acontecer no mundo em decorrência do aquecimento global.
- 61 -
Acima do rodapé ao lado do boxe na coluna da direita, a foto que complementa o texto
de fundo, ocupa duas colunas (10cm/largura) X 14,3cm/altura). Apesar de a foto receber
grande destaque, ela divide espaço com outras imagens, as que estão no rodapé cinco colunas
(26,1cm/largura X 8,4cm/altura) e as fotos no boxe na coluna da direita (5cm/largura X
22cm/altura).
2º nível – Análise formal e discursiva
a) Matéria principal
Antetítulo
O antetítulo “Aquecimento global – Relatório de 130 países, a ser apresentado hoje
em Paris, dirá que a humanidade corre riscos, se persistir o aumento da temperatura do
planeta” está posicionado a partir no lado esquerdo e distribuído em duas linhas que ocupam
quatro das cinco colunas. Tamanho da fonte em torno de 17 pontos, sendo que “Aquecimento
global” está em fonte Arial, na cor vermelha e em negrito, destacando-se do restante do
antetítulo, que está na cor preta e fonte Times New Roman. Dessa forma, o antetítulo remete a
um fato que está chamando a atenção naquele momento, mas antecede o que ocorrerá,
evidenciando um posicionamento dos jornalistas, como se já soubessem o que iria acontecer.
Sob outro aspecto, pode-se comprovar através do antetítulo o que salienta a pesquisa da
ANDI, que os jornais em geral, ao abordarem o tema “mudanças climáticas”, tomam a parte
pelo todo. Conforme mostra o Gráfico 5 na pesquisa, os jornais apresentam mais a expressão
“aquecimento global” (um tipo de mudança climática) do que a expressão “mudança climática”
(que inclui o aquecimento global e também outros tipos de alterações no clima).
Título
O título “Alerta para um cenário aterrador” está posicionado a partir do lado
esquerdo da página e distribuído em duas linhas que ocupam quatro das cinco colunas. O
tamanho do título abrange as duas colunas do texto de fundo e duas da foto da Torre Eiffel,
estando o texto do lado esquerdo e a foto do lado direito. A fonte utilizada é a Times New
Roman, cor preta, tamanho em torno de 80 pontos. O título convoca o leitor pela força do
termo empregado “aterrador” e aponta para um cenário vivido por todas as pessoas do
planeta, mas não se inclui nele. Outro aspecto importante do título é a afirmação contida nele.
O cenário é assustador. Entretanto, no final do segundo parágrafo do lide, ou seja, no sublide,
- 62 -
aparece o pronome “se”, expressando uma condição para o cenário ser aterrador: “se persistir
o aquecimento da temperatura da Terra”.
Lide e sublide
O lide e sublide “Furacões mais devastadores, inundações que arrasam lavouras e
submergem povoados. Estiagens prolongadas que causam desabastecimento de água.
Derretimento de geleiras. A fome, o caos.
Esse cenário aterrador não é filme de ficção. Hoje, em Paris, 2,5 mil cientistas de
130 países deverão divulgar um relatório alertando que a humanidade caminhará para o
abismo se persistir o aquecimento da temperatura do planeta” estão posicionados na
primeira coluna, fonte em negrito, e distribuídos em dois parágrafos, sendo o primeiro
parágrafo o lide, e o segundo um desmembramento do primeiro, o sublide. Esse recurso de
diagramação destina-se a situar melhor a notícia dentro da página. Neles, percebe-se o clímax
da história, pois trazem os elementos fundamentais do relato desenvolvido no corpo do texto,
respondendo às questões básicas que deve conter um lide: o quê, quem, quando, onde, como e
por quê (embora não necessariamente a todas elas em conjunto).
Esse tipo de lide pode ser lembrado como um lide ativador de interesse,
sensacionalista ou de impacto, pois começa com um item de peso emocional, capaz de captar
a atenção para o corpo da matéria, ao descrever um mundo extremamente caótico que
caminha para a beira do abismo, conforme é explicitado.
Texto de fundo
O texto explora termos como aterrador, caos, abismo. Entretanto, mantém
superficialidade no tratamento dos fatos. Fazendo uma referência breve sobre o IPCC e o
relatório e abordando em seguida o filme de Al Gore, há preocupação em centrar a atenção no
ex-candidato à presidência dos EUA e em seu filme. Pode-se entender também que o teor da
matéria é achar os culpados pelas mudanças do clima, apontando a influência da ação humana
nesse cenário e o descaso dos EUA, maior emissor dos gases do efeito estufa. A matéria não é
assinada, não há entrevistas, nem testemunhos que a legitimem. O texto de fundo é dividido
em duas partes por um entretítulo, que destaca o filme: “Filme de Al Gore sobre o ambiente
concorre ao Oscar”.
O primeiro parágrafo, logo após o entretítulo, inicia fazendo uma referência a George
Bush: “Se o republicano Bush é o vilão, os EUA produziram o mocinho”. Nesse caso, o
“Se” expressa um sentido de dúvida em relação ao que Bush pode representar. Dá a idéia
- 63 -
também de antítese – se a sociedade produziu um culpado, em contrapartida foi produzido um
herói, o democrata Al Gore, através de seu documentário Uma verdade inconveniente. “O
democrata Al Gore, vice-presidente nos dois mandatos de Bill Clinton, elaborou o filme –
Uma verdade inconveniente – revelando como ursos polares já se equilibram em diminutas
placas de gelo. A obra é candidata ao Oscar na categoria documentário”.
O uso errôneo de termos técnicos é uma constante. É feita referência a “aquecimento
global”, quando deveria ser “mudança climática”. “Aquecimento Global – relatório de 130
países, a ser apresentado hoje em Paris, dirá que a humanidade corre riscos se persistir o
aumento da temperatura do planeta”. Assim como, ao citar o termo “calota polar”, quando
deveria ser “manto de gelo”. “Conseqüência: o derretimento das calotas polares e a
elevação do nível do mar”.
A ênfase é dada ao número de depoimentos e ao número de países envolvidos com o
tema, representados pelos cientistas presentes na reunião. O fator valorativo é o quantitativo,
em detrimento do qualitativo. “2,5 mil cientistas de 130 países deverão divulgar um relatório
alertando que a humanidade caminhará para o abismo se persistir o aquecimento da
temperatura do planeta”.
Por outro lado, se há tantos cientistas e países envolvidos com o tema, isso significa
que o mundo inteiro está debatendo sobre as mudanças climáticas, entretanto, é salientado
somente o debate nos EUA. “A divulgação do relatório de Paris coincide com debates sobre
o aquecimento global nos EUA [ ]”.
A matéria aponta também a ação do homem como o principal causador das mudanças
climáticas. “Ontem, jornalistas projetaram que o relatório será ‘a mais contundente
advertência’ de como a ação humana faz subir os termômetros”. “Estima-se que 90% da
culpa pelo aquecimento global seja do homem”. “Na última reunião em 2001, os cientistas
indicaram que a interferência humana correspondia a 66% dos males”. Note-se o destaque
entre aspas para “a mais contundente advertência”.
Não é explícito e claramente formulado que a indústria tem uma parcela muito grande
nesse cenário. A menção à indústria é feita uma única vez e, muito timidamente. “A previsão
é de que a temperatura aumentará 3% até o final do século, em relação à época em que não
havia indústria”.
b) Boxe explicativo na coluna da direita
No topo do boxe, em negrito, encontra-se a chamada: “O que é efeito estufa; abaixo,
um texto de sete linhas em fonte menor explica o que é efeito estufa. Logo abaixo, um
- 64 -
retângulo vermelho e, dentro dele, em fonte branca, a chamada “como ocorre”, e abaixo, um
texto de quatro linhas explica como ocorre o efeito estufa e o resultado com a poluição. Essa
explicação é reforçada através de infográficos de um sol amarelo com grandes raios da mesma
cor que atingem a atmosfera da Terra, mostrada na cor marrom, absorvendo parte do calor do
sol e emitindo o restante para o espaço, representado simbolicamente, através de raios
vermelhos em direção ao espaço. O desenho é numerado e abaixo dele cada número é
repetido, tendo ao lado uma explicação textual do que mostra o desenho.
Abaixo, aparece um quadrado vermelho e dentro dele, em fonte branca, a chamada
Quem são os vilões”, também através de texto e foto, apresenta os vilões. Primeiro, o texto
CO2 é emitido por veículos motorizados e queimadas”, ao lado do qual aparece a foto de
um veículo e uma floresta, as duas em forma de maquete. Abaixo, outro pequeno texto, “CFC
é emitido pela indústria e por sprays, tendo ao lado a foto de uma indústria também em
forma de maquete.
Pode-se evidenciar também, que ao citar os maiores causadores das mudanças
climáticas, o faz somente através de suas siglas CO
2
e CFC, mas não é descrito seu
significado literal, dióxido de carbono e clorofluorcarbonos. Nesse boxe, em forma didática, é
mostrado ao destinatário o passo-a-passo de todo o processo do efeito estufa.
c) Boxe prospectivo no rodapé
À esquerda do rodapé, consta a chamada “O que pode acontecer”, abaixo da qual um
pequeno texto de três linhas declara que as informações são o que os cientistas estão prevendo
em decorrência do aquecimento global da Terra até o final deste século. Como pano de fundo
no rodapé, em marca d’água, aparece o mapa do mundo, tendo a identificação dos nomes dos
continentes em fonte preta e em negrito e dos oceanos em fonte azul. EUA, China, Indonésia
e Austrália são evidenciados por meio do desenho do mapa de cada país em vermelho, tendo o
respectivo nome dentro de cada um. Ao redor desses países, de forma didática, são
distribuídos pequenos textos acompanhados de infográficos, ilustrando todas as catástrofes
previstas pelos cientistas até o final deste século, como: um termômetro, indicando o aumento
da temperatura média do planeta; o nível do mar subindo; furacões e tufões; um prato vazio,
explicitando a fome, que atingirá milhões de pessoas. Mostra a calota polar do Ártico
desaparecendo, assim como as ilhas da Indonésia e a falta de água que, segundo a matéria,
castigará mais a China, Austrália e partes da Europa e dos EUA.
Essas perspectivas são apresentadas como previsões de cientistas, mas não é citado o
nome das fontes que emitiram essa informação.
- 65 -
O rodapé chama a atenção por sua forma colorida, didática e leve de mostrar, segundo
a matéria, o caos para o qual se encaminha a humanidade.
d) Imagem (foto)
A foto em destaque dá ênfase ao maior símbolo não só de Paris, mas de toda França, a
magnífica torre de aço, a Torre Eiffel. Entretanto, desta vez, o destinatário se depara com uma
Torre Eiffel totalmente sem o brilho costumeiro: as luzes aparecem apagadas. Abaixo da foto,
a legenda “Luzes da Torre Eiffel apagadas por cinco minutos em sinal de protesto”
complementa a imagem.
3º nível – Interpretação
O agravamento da situação ambiental mundial e ocorrências como: a falta de água
adequada para o consumo, a mortandade de animais e plantas, a contaminação da terra, da
água e do ar, os desastres naturais e o crescente processo de urbanização dos grandes centros,
aliados à grande pressão imobiliária sobre as áreas rurais, têm afetado os cidadãos
diariamente, além de ajudar a evidenciar a realidade e a contribuir para que a população
desperte para questões ligadas aos problemas ambientais. Um assunto que até pouco tempo
atrás parecia distante da vida de cada cidadão. Entretanto, a mídia trazendo esse tema para
pauta diária de suas redações, o assunto passou a ter cada vez mais relevância e visibilidade.
Temas como: furacões, inundações, o fenômeno El Niño, derretimento de geleiras, entre
outros, passaram a ser pauta diária da mídia e de Zero Hora especificamente, incorporando
esse assunto ao dia-a-dia de cada cidadão.
Apesar do registro do aumento da publicação de reportagens sobre essa temática nos
jornais diários do Brasil, a qualidade das matérias ainda é muito criticada pelos pesquisadores em
Jornalismo Ambiental. As publicações são feitas de forma isolada, não oferecendo aos leitores
uma abordagem que incorpore a visão da complexidade de relações que envolvem o meio
ambiente, ficando restritas a publicações em cadernos segmentados ou a veículos especializados.
Como já dito no capítulo 2, os jornais são muito mais empresa do que imprensa e,
como empresa que busca rentabilidade, o jornal Zero Hora busca, através do consenso com
seus anunciantes, dizer somente o que manterá essa relação saudável e lucrativa. Esse é o
motivo de não serem citadas as indústrias como fator preponderante na causa das mudanças
de clima, observado na reportagem analisada. A ênfase na ação do homem como fator
preponderante para a elevação do clima chega a ser apelativa, ao dizer “a mais contundente
- 66 -
advertência”. Contundente, segundo definição do dicionário Aurélio, significa algo que fere,
machuca; entende-se, portanto, que é doído ter que apontar a ação humana, mas é inevitável.
Sob outro aspecto, ao colocar entre aspas uma frase quando não é citação, os lingüistas
chamam de discurso reportado. Essas palavras entre aspas não são enunciadas por Zero Hora
e também não são atribuídas ao destinatário: são testemunhos que remetem ao gênero
opinativo da reportagem. Dessa forma, o leitor recebe a informação já decodificada, ou seja,
segundo a opinião do jornalista, quando deveria receber a informação completa e in natura,
possibilitando ao leitor a interpretação dos fatos.
Observa-se, também que, de forma geral, o enfoque é extremamente fatalista, com alto
grau de sensacionalismo e exagero. Pode-se perceber já no título o posicionamento editorial
de Zero Hora, que não se inclui nesse cenário, mas alerta para ele.
Esse enfoque fatalista, ao abordar o tema mudanças climáticas, tem sido o estilo
normalmente adotado pela mídia em geral e por Zero Hora em particular e, especificamente,
nessa matéria.
Devemos ter um olhar crítico em relação ao que é informado pela mídia e
principalmente a esse tipo de enfoque, avaliando o quanto pode haver de interesse de grupos
econômicos nesse discurso catastrófico. Na verdade, a problemática que deveria ser abordada é
a velocidade com que as mudanças climáticas estão acontecendo e o quanto a natureza tem
condição ou não de adaptar-se a essas mudanças. Está sendo considerado aqui, é claro, uma
natureza humana e não-humana. Embora se deva buscar, mais do que uma adaptação, um outro
modelo de sociedade. O paradigma de que o ambiente e as riquezas naturais são inesgotáveis e
estão aí para serem usados indiscriminadamente pela humanidade deve ser quebrado.
Pode-se dizer também que a reportagem fica na superficialidade dos fatos, sem uma
base científica e o conhecimento desta. As fontes não são citadas, referindo-se a estas de
forma vaga como: “cientistas divulgam” “cientistas indicam”, “cientistas prevêem”.
Expressões e conceitos são empregados de forma errada, ou ainda, havendo a troca de sentido
entre eles. Essa linguagem técnica também não chega a ser traduzida ao leitor. Como os
termos não são do entendimento comum, pode criar ruído na comunicação, dificultando ao
leitor a compreensão do assunto.
Por outro aspecto, o jornal Zero Hora, ao focar o aquecimento global como um
problema provocado por outro país e seu presidente, desvia o foco de nosso país e nosso
presidente.
Com relação a estar a Torre Eiffel no escuro na foto, apesar de ser um fato jornalístico
inquestionável, tem-se a impressão de que o jornal utiliza-se do símbolo maior da cidade
- 67 -
anfitriã, para chamar a atenção do público à matéria, uma vez que uma foto é mais atrativa do
que um texto, ainda mais em se tratando da Torre Eiffel no escuro. A imagem é ainda
reforçada através da legenda abaixo da foto; a palavra, quando utilizada juntamente com uma
imagem, seja para explicá-la ou complementá-la, desempenha um papel fundamental para
estabelecer e reforçar sentidos.
Na elaboração do boxe da direita e do rodapé, é utilizado o recurso didático, como se o
destinatário estivesse nas séries iniciais. Outro recurso simbólico muito forte utilizado, além
da Torre Eiffel, é o destaque em vermelho ao mapa dos EUA, China, Indonésia e Austrália,
países que estão entre os maiores poluidores do planeta e que menos esforços fazem para
diminuir a emissão de CO
2
.
- 68 -
4.3.2 – Reportagem 2
- 69 -
TRANSCRIÇÃO LITERAL DA SEGUNDA REPORTAGEM
ANTETÍTULO
Clima – Alterações na vegetação teriam impactos na estrutura hidrológica, fator de equilíbrio
do clima na América Latina.
TÍTULO
Floresta Amazônica pode virar Cerrado
LIDE
Previsões de cientistas revelam que cerca de 30% das espécies vegetais e animais
desaparecerão se a temperatura mundial aumentar entre 1,5°C e 2,5°C acima da média
registrada nas décadas de 1980 e 1990.
TEXTO DE FUNDO
Uma alteração nos regimes de chuva, que passaria a cair em menor volume, pode
ainda levar ao fim da Floresta Amazônica e ao surgimento, em seu lugar, de uma savana
(vegetação composta por gramíneas, árvores esparsas e arbustos, semelhante ao Cerrado) – de
30% a 60% da floresta seriam devastados até o ano 2080.
A conclusão faz parte da segunda etapa do relatório do Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado ontem,
em Bruxelas (Bélgica). Na apresentação da primeira parte do documento, em fevereiro, em
Paris (França), os cientistas alertam que a previsão para este século é de que a temperatura
aumente entre 1,8°C e 4°C.
As alterações na floresta teriam impactos na estrutura hidrológica da região, um fator de
equilíbrio do clima em toda a América Latina. A redução da cobertura vegetal reduzirá a emissão
de umidade, alterando a freqüência e a intensidade da chuva em grande parte do continente.
ENTRETÍTULO
O objetivo é servir de guia para governos
TEXTO DE FUNDO
O documento é o mais claro e abrangente testemunho científico feito até hoje sobre o
impacto do aquecimento global, causado principalmente pela emissão de gases do efeito
- 70 -
estufa. O objetivo, segundo os especialistas que elaboram o relatório, é que ele seja usado
como um guia para políticas de governo do mundo inteiro.
Os 400 pesquisadores e representantes governamentais examinaram 29 mil dados
coletados durante cinco anos em todo o planeta e concluíram que as populações pobres serão
as mais vulneráveis, com um contingente de mais de 1 bilhão de pessoas sofrendo com a falta
de água. As áreas que hoje sofrem escassez de chuva se tornarão ainda mais secas,
aumentando o risco de fome e da disseminação de doenças. O mundo enfrentará ameaças
crescentes de enchentes, tempestades e erosão das regiões costeiras.
China, Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos questionaram alguns parágrafos. A
delegação chinesa contrariou as bases científicas do caráter “muito elevado” do risco. Já os
Estados Unidos conseguiram a eliminação de uma parte do texto que indicava que a América
do Norte “deve enfrentar localmente graves danos econômicos e perturbações substanciais de
seu sistema socioeconômico e cultural”, segundo um observador das negociações.
TESTEMUNHAIS
Marina Silva – Ministra do Meio ambiente
“O conteúdo da caixa-preta do clima está se tornando público para toda a sociedade. Temos
de nos adaptar e enfrentar esse processo. No caso da redução da produção agrícola, o
problema é dramático, sem falar na redução da biodiversidade.”
Rajendra Pachauri – Presidente do IPCC
“Serão os mais pobres dentre os pobres no mundo, incluindo os necessitados de sociedades
prósperas, que sofrerão mais. São justamente as pessoas menos capazes de se adaptar à
mudança climática.”
Stavros Dimas – Comissário do Meio Ambiente da União Européia
“O relatório destaca quão urgente é alcançar um acordo global para reduzir a emissão de gases
de efeito estufa e como é importante que todos se adaptem às mudanças climáticas que já
estão ocorrendo.”
PRÓXIMO ALERTA SAIRÁ EM MAIO
Para exemplificar as conseqüências de que estão falando, os realizadores do relatório
citaram o aumento das mortes durante as ondas de calor, a extensão das doenças tropicais, as
ameaças aos hábitats indígenas, o risco crescente de incêndios florestais e o desaparecimento
de muitos sistemas biológicos.
- 71 -
Em maio, na Tailândia, o IPCC apresentará a terceira parte do relatório, que abordará
as formas de impedir o aumento da concentração de gases ao ambiente, e até o fim do ano
deverá apresentar a última parte. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, quatro
brasileiros participaram da elaboração do texto.
RODAPÉ
O segundo alerta
O relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês)
teve sua segunda parte divulgada ontem. Confira as principais revelações:
Fim da Amazônica e, em seu lugar, o surgimento de uma savana (vegetação composta
por gramíneas, árvores esparsas e arbustos, semelhante ao cerrado). A previsão é de
que 30% a 60% da floresta sejam devastados até 2080.
O mundo enfrentará ameaças crescentes de enchentes e tempestades e erosão das
regiões costeiras.
Cerca de 30% das espécies vegetais e animais do planeta correm o risco de
desaparecer se a temperatura mundial apresentar uma alta superior à variação de 1,5°C
e 2,5°C.
Estima-se que as calotas polares perderão espessura, assim como as glaciais. Isso te
conseqüências negativas para as aves migratórias, os mamíferos e os carnívoros.
Derretimento precoce da camada de gelo de grandes cadeias de montanhas, como o
Himalaia e os Andes, causado pelo aumento da temperatura na Terra. Até o final do
século, 75% do gelo dos Alpes poderão ter desaparecido. Com a aceleração também
do derretimento do gelo polar, as regiões costeiras e baixas serão inundadas,
obrigando comunidades inteiras a se deslocar.
O rendimento dos cultivos agrícolas e da pecuária será afetado, principalmente na
América do Sul, na África e na Ásia. Isso aumentará a fome e a ocorrência de doenças
nas regiões mais pobres do mundo. Um aumento limitado a 1°C na temperatura global
beneficiaria a agricultura da Nova Zelândia, da Rússia e da América do Norte.
A região semi-árida poderá passar para zona árida, ou seja, com clima mais seco e
quente, levando à extinção de várias espécies da flora e da fauna da América Latina.
As áreas que hoje sofrem escassez de chuva se tornarão ainda mais secas, aumentando
o risco de fome e da disseminação de doenças.
- 72 -
As populações pobres serão as mais vulneráveis, com um contingente de mais de 1
bilhão de pessoas sofrendo com a falta de água.
Aumento das mortes, doenças e feridos em conseqüência de fenômenos
meteorológicos extremos, como inundações, tempestades e ondas de calor.
Aumentarão as doenças diarréicas e outras relacionadas à alimentação, além das
cardiorrespiratórias, como conseqüência das crescentes concentrações de ozônio na
atmosfera.
Desertificação, seca e elevação do nível do mar atingirão duramente os trópicos, desde
a África subsaariana às ilhas do Pacífico.
O que é efeito estufa
É um fenômeno natural. Sem ele a superfície da terra seria, em média 33 graus mais fria.
Porém, a queima excessiva de combustíveis fósseis pelo homem e a destruição de florestas
pelo fogo aumentam a concentração dos gases poluentes (como o dióxido de carbono e o
metano) na atmosfera.
Como ocorre
Os gases poluentes formam uma capa que concentra o calor do sol na atmosfera, aumentando
o processo natural conhecido como efeito estufa.
1) A radiação solar atinge a atmosfera da terra, que absorve a maior parte do calor e
reflete o restante para o espaço.
2) A superfície da terra devolve uma parcela do calor emitido pela radiação solar na forma
de raios infravermelhos.
3) Os raios deixam a atmosfera. Parte do calor é retida, aquecendo o planeta.
1º nível – Análise sócio-histórica
b) Contexto interno
A segunda reportagem, referente ao GT2 em Bruxelas, reunido no dia 06/04/2007,
para tratar do tema “Os impactos da mudança climática e da vulnerabilidade da Terra a esses
impactos” teve manchete na capa de Zero Hora e matéria completa em página inteira e
colorida, ou seja, tamanho cinco colunas (26,1cm/largura) X 35cm/altura na editoria Geral,
localizada entre a editoria de Mundo e editoria Policial, na página 26 – par, no dia
- 73 -
07/04/2007, um dia após a reunião. A manchete de capa composta por uma chamada e um
texto tem por objetivo atrair o leitor e remetê-lo para a matéria completa, na página interna.
Na página interna, a matéria principal abrange três das cinco colunas do jornal e está
dividida em quatro partes: antetítulo, título, lide e texto de fundo. Ao lado, na quarta e quinta
coluna, na parte superior, encontra-se um boxe com o testemunho de nomes ligados ao meio
ambiente. Abaixo, uma chamada e um pequeno texto, alertando que sairá em maio a
divulgação da terceira parte do relatório. No rodapé, que abrange as cinco colunas do jornal,
quatro delas compõem um boxe destinado a apresentar as principais revelações do relatório
IPCC, e a quinta coluna do rodapé, um boxe explicativo sobre o que é efeito estufa.
2º nível – Análise formal e discursiva
A manchete composta de uma chamada e um texto, tendo no seu final a indicação da
página interna, onde o leitor poderá ler a matéria completa, indica o fato jornalístico de maior
importância entre as notícias contidas na edição e captura a atenção do leitor, ao revelar um
percentual extremamente alto de espécies que serão eliminadas com o aquecimento global
“Aquecimento global eliminará 30% das espécies, alerta ONU”. Além de fazer uma afirmação
ao empregar o verbo “eliminará”, ressalta que esse dado estatístico é um alerta da ONU
(Organização das Nações Unidas); está posicionada no alto da capa, no lado esquerdo e
distribuída em três linhas, e ocupa quatro colunas do total de cinco que compõem o formato
Zero Hora. Fonte Times New Roman, cor preta, tamanho em torno de 80 pontos. O texto que a
complementa abrange sua extensão, quatro colunas, e aborda a reunião do IPCC realizada no
dia anterior, na Bélgica, revelando alguns pontos do relatório, resultado da reunião. Expressões
fortes, como: “futuro sombrio”, “tempestades devastadoras”, “transformação da floresta
Amazônica em Cerrado”, “30% das espécies serão extintas” dão a tônica da matéria que o
leitor poderá ler na íntegra, na página interna do jornal.
a) Matéria principal
Antetítulo
O antetítulo “Clima – Alterações na vegetação teriam impactos na estrutura
hidrológica, fator de equilíbrio do clima na América Latina” está posicionado a partir do
lado esquerdo da página e distribuído em duas linhas que ocupam três do total de cinco
colunas. Tamanho da fonte em torno de 19 pontos, sendo que “Clima” está em fonte Arial, na
cor vermelha e em negrito, destacando-se do restante do antetítulo, que está em preto e fonte
- 74 -
Times New Roman. Dessa forma, o antetítulo introduz o leitor ao principal assunto da
matéria, a Floresta Amazônica.
Título
O título “Floresta Amazônica pode virar Cerrado” está posicionado a partir do lado
esquerdo e distribuído em duas linhas que ocupam três das cinco colunas e abrange a extensão
do texto de fundo, abaixo dele. A fonte utilizada é Times New Roman, cor preta, tamanho em
torno de 60 pontos. O título anuncia que o enunciador vai falar sobre essa possibilidade e, ao
mesmo tempo, convoca o leitor, ao cogitar a extinção da maior floresta tropical do planeta e
maior símbolo ambiental do Brasil, a Floresta Amazônica. Entretanto, a palavra “pode”,
contida nele, expressa uma possibilidade e não um fato consumado, o que ameniza o dizer,
mas conduz o leitor a continuar a leitura.
Lide
O lide “Previsões de cientistas revelam que cerca de 30% das espécies vegetais e
animais desaparecerão se a temperatura mundial aumentar entre 1,5°C e 2,5°C acima da
média registrada nas décadas de 1980 e 1990” está posicionado na primeira coluna com
fonte em negrito. Pode-se dizer que é um lide condensado, pois sumariza os fatos principais
de maneira clara e uniforme, onde é passado ao leitor o teor do texto que segue. Responde
também a algumas das questões básicas que deve conter um lide: o que, quem, quando, onde,
como e por quê.
Texto de fundo
Explora expressões como: “fim da Floresta Amazônica”, “devastada”, “em seu lugar
uma savana”. Entretanto, as expressões mais fortes ficam por conta dos números e
percentuais que expressam matematicamente o quanto a Floresta Amazônica pode ser
devastada, em quanto tempo e de que forma. Pode-se entender que o teor da matéria busca o
tempo todo legitimar o que é dito, através de números, dados estatísticos, dados do primeiro
relatório e citações; entretanto, em nenhum desses casos foi citada a fonte, nem mesmo
quando o texto está entre aspas.
O texto está dividido em duas partes, por um entretítulo, que destaca o objetivo do
relatório: “Objetivo é servir de guia para governos”. Na parte superior da segunda coluna,
entre o texto da primeira e terceira coluna, há um boxe (1coluna X 4cm), no qual é destacada
- 75 -
parte do conteúdo do texto: “O desaparecimento de parte da fauna e da flora ocorrerá se o
aumento da temperatura for entre 1,5°C e 2,5°C acima das médias das décadas de 1980 e
1990”. Entende-se por esse destaque que é importante essa informação ser percebida pelo
destinatário.
A primeira parte do texto enfoca o que pode ocorrer com a Floresta Amazônica se
houver aumento da temperatura entre 1,5°C e 2,5°C, salientando que essa conclusão faz parte
da segunda etapa do relatório IPCC.
O primeiro parágrafo, logo após o entretítulo, busca comprovar a veracidade do que é
dito: “O documento é o mais claro e abrangente testemunho científico até hoje sobre o
impacto do aquecimento global, causado principalmente pela emissão de gases do efeito
estufa”. Logo após, é reforçado o objetivo dos especialistas com relação ao objetivo do
relatório: “que ele seja usado como um guia para políticas de governo do mundo inteiro”. O
segundo parágrafo novamente apóia-se em pesquisadores, dados numéricos e o tempo de
estudo, para salientar quem será mais atingido por esses problemas ambientais e de que
forma: “Os 400 pesquisadores e representantes governamentais examinaram 29 mil dados
coletados durante cinco anos em todo o planeta e concluíram que as populações pobres
serão as mais vulneráveis”.
O terceiro parágrafo aponta os países que questionaram alguns dados do relatório:
“China, Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos questionaram alguns parágrafos”,
salientando a China, que considerou os riscos apontados muito elevados “A delegação
chinesa contrariou as bases científicas do caráter muito elevado do risco”; por último, entre
aspas, a matéria diz: “deve enfrentar localmente graves danos econômicos e perturbações
substanciais de seu sistema socioeconômico e cultural”, ao referir-se aos Estados Unidos,
cuja delegação conseguiu eliminar essa parte do texto. Depois de fechar aspas, a matéria
conclui: “Segundo um observador das negociações”. Fica por conta de cada leitor procurar a
veracidade ou não desses fatos, uma vez que a fonte não é não citada.
b) Boxe com testemunhos
No boxe (de 2colunas X 12,5cm), os testemunhos de Marina Silva, na época Ministra
do Meio Ambiente; Rajendra Pachauri, Presidente do IPCC; Stavros Dimas, Comissário do
Meio Ambiente da União Européia, nessa ordem, com destaque em negrito aos nomes de cada
um, legitimam e conferem veracidade ao que é dito.
- 76 -
c) Chamada próximo alerta
A chamada “Próximo alerta sairá em maio”, em negrito e posicionada abaixo do
boxe com os testemunhos, abrange as duas colunas (2colunas X 12,5cm) de texto de nove
linhas abaixo dela. A chamada em uma fonte um pouco maior do que a do texto confere
destaque ao enunciado e aguça a curiosidade do leitor para saber o que será tratado no
próximo relatório.
d) Boxe em rodapé fazendo segundo alerta
O rodapé (de 5colunas X 14,7cm) pode ser dividido em três partes: 1) Na parte
superior do rodapé, a foto de um cerrado abrange quatro do total de cinco colunas; 2) abaixo,
abrangendo a extensão da foto acima, algumas previsões em decorrência do aumento da
temperatura; 3) a quinta coluna (1coluna X 14,7cm) abrange as duas partes citadas acima,
abordando o que é efeito estufa e como ocorre.
1- Foto de Cerrado
Na parte superior à esquerda da foto na qual mostra um cerrado, encontra-se a
chamada em negrito “O segundo alerta”; abaixo, em fonte bem menor, em uma frase, o
convite ao leitor a conferir as principais revelações do relatório IPCC divulgado no dia
anterior. Sobre a foto há três pequenos textos. O primeiro tem destaque em boxe de fundo
amarelo, com uma seta partindo dele e apontando para o solo da foto do cerrado, que chama a
atenção do leitor através do apelo emocional, ao mostrar como poderá ficar a Floresta
Amazônica, uma vez que ela é a maior riqueza florestal e motivo de orgulho de todo
brasileiro. O texto dentro desse boxe inicia com fonte vermelha, dizendo: “Fim da
Amazônica” e continua o texto em fonte preta, explicando como isso pode ocorrer. O
segundo texto, em fonte preta, salienta sobre as catástrofes que podem ocorrer, entretanto
algumas palavras são destacadas em vermelho: “enchentes, tempestades, erosão”, palavras
fortes, de impacto, convocando o leitor pela força catastrófica que cada uma encerra. O
terceiro texto, em fonte preta, salienta sobre as espécies que podem ser extintas e destaca,
também, algumas palavras em vermelho: “espécies vegetais e animais”, informando
enfaticamente ao leitor, por meio do grifo vermelho, quais espécies correm o risco de
desaparecer.
- 77 -
2- Prospectiva
Na parte inferior do boxe, abaixo da foto do cerrado, abrangendo quatro colunas de um
total de cinco, é exposto por meio de pequenos textos e fotos o que pode acontecer em
decorrência do aumento da temperatura.
Os textos em fonte pequena dão destaque em vermelho a algumas palavras ou
expressões como: “calotas polares perderão espessura”; “derretimento precoce da camada
de gelo de grandes cadeias de montanhas”; “fome e a ocorrência de doenças”; “zona
árida”; “escassez de chuva”; “populações pobres”; “fenômenos meteorológicos extremos”;
“desertificação, seca e elevação do nível do mar”. Três fotos são distribuídas junto a esses
pequenos textos; uma delas a do urso polar, um urso branco com olhar triste e solitário,
símbolo utilizado na maior parte das matérias que se referem ao derretimento das geleiras,
utilizado também no filme de Al Gore Uma verdade inconveniente. A segunda foto é de um
solo arenoso, sem nenhuma espécie vegetal ou animal. A terceira é a de uma família,
composta por uma mulher e três crianças, caminhando e carregando pequenos sacos.
3- Boxe coluna explicativa
A quinta coluna, à direita do rodapé, destaca um boxe, através de uma linha amarela
que o contorna. Na parte superior, em negrito, encontra-se a chamada: “O que é efeito
estufa; abaixo, um texto de sete linhas, em fonte menor, explica o que é efeito estufa. Logo
abaixo, um retângulo vermelho, e dentro dele, em fonte branca, a chamada “como ocorre”.
Abaixo, um texto de quatro linhas explica como ocorre o efeito estufa, explicação reforçada
por infográficos de um sol amarelo com grandes raios da mesma cor que atingem a atmosfera
da Terra, a qual é mostrada na cor marrom, absorvendo parte do calor do sol e emitindo o
restante para o espaço, representado simbolicamente através de raios vermelhos em direção ao
espaço. Esse desenho é numerado e abaixo dele cada número é repetido. Ao seu lado, consta
uma explicação textual do que mostra o desenho. A explicação é didática e objetiva, ao
mostrar o passo-a-passo de como ocorre o efeito estufa.
3º nível - Interpretação
Nota-se, já na capa do jornal Zero Hora, a relevância dispensada à segunda reunião do
IPCC, a qual tratou “Os impactos da mudança climática e da vulnerabilidade da Terra a esses
impactos”. Esse indício pode ser percebido pelo destaque do tema, em manchete de capa; uma
manchete sempre indica o fato jornalístico de maior importância entre as notícias contidas na
edição. O apelo contido nela, ao empregar expressões de bastante peso, capta imediatamente a
- 78 -
atenção, transformando-se em um convite irrecusável à leitura da matéria e conduzindo o
leitor às páginas internas. O fato de a manchete apresentar um dado numérico, inclusive
altíssimo, das espécies que podem ser extintas, pautado em informações recebidas por um
órgão que para o censo comum tem credibilidade, é outro aspecto que contribui para conduzir
o destinatário à leitura, pelo impacto produzido e pelo tom de credibilidade empregado. A
fundamentação em dados numéricos parece ser o principal fator que busca dar autenticidade
às informações.
A matéria interna procura representar a realidade e fundamentar as previsões para o
futuro do planeta com base em estudos científicos, cujas principais informações são
destacadas em boxes, entretítulo, infográficos e fotografias. Entretanto, com exceção do boxe
com testemunhos, o restante da matéria não referencia as fontes, ficando na superficialidade,
como: “segundo especialistas”, “previsões revelam” e ainda “segundo um observador das
negociações”.
A matéria é caracterizada por uma visão cartesiana e separatista, ao dar ênfase à
vulnerabilidade ecológica provocada por esses impactos, em detrimento da vulnerabilidade
social, cultural e econômica. A referência a esses aspectos é feita de maneira superficial; nota-
se, dessa forma, uma clara ruptura entre sociedade e natureza. A matéria se utiliza do maior
símbolo ambiental do Brasil e do mundo, a Floresta Amazônica, para abordar o tema,
salientando o que pode acontecer com esse símbolo, caso nada seja feito para deter o aumento
da temperatura.
O título “Floresta amazônica pode virar cerrado” carrega forte apelo emocional,
captando a atenção do leitor brasileiro, ao cogitar a possibilidade de extinção do símbolo que
é orgulho de todo brasileiro. Apesar do forte apelo emocional, ao empregar o verbo “pode”,
refere-se a uma possibilidade, amenizando o dizer e convocando o leitor à ação porque ainda
resta algo a ser feito.
A Floresta Amazônica é região fundamental para equilibrar o clima do planeta, mas
essa função se inverte com sua destruição, podendo gerar, então, todas as catástrofes
mencionadas na matéria. Entretanto, em nenhum momento a matéria alerta que basta ser
cessado o desmatamento para que isso não ocorra. Essa informação é de extrema
importância para o entendimento do contexto geral da situação. O jornal Zero Hora se
apropria da imagem da Floresta Amazônica, do carisma dessa imagem ante cada cidadão
brasileiro, para chamar a atenção do leitor, sem mostrar todos os lados do fato. A matéria
não diz, por exemplo, que passou no Senado e tramita na Câmara dos Deputados um projeto
de lei que, se aprovado, será um golpe mortal para as florestas brasileiras e em especial para
- 79 -
a Floresta Amazônica, ao autorizar a derrubada de até 50% da vegetação nativa em
propriedades privadas na Amazônia. O mesmo projeto propõe também legalizar
praticamente todos os desmatamentos que, nos últimos 40 anos, derrubaram cerca de 700
mil quilômetros quadrados da área original de floresta.
Pode-se observar também que o gênero da reportagem fica entre informativo e
opinativo, uma vez que não cita pessoas envolvidas no fato, não há entrevistados, nem indica
a fonte de informação. Existem somente alguns testemunhos de pessoas ligadas às questões
ambientais, que validam com seu testemunho alguns trechos do relatório abordados na
matéria, com o intuito de conferir-lhe credibilidade.
Com o uso do recurso pedagógico para explicar o que é efeito estufa e como ocorre,
através de ordem numérica, a matéria pré-ordena o universo do discurso, para o leitor chegar a
um entendimento do fenômeno em pauta, como se o leitor estivesse nas séries iniciais.
Com relação às fotos e infográficos, pode-se dizer que no jornalismo impresso a
fotografia sempre foi vista como um complemento, um reforço ao dizer, mas gradativamente
os textos cedem espaço às imagens, que passam a ser não só complemento, mas portadoras,
muitas vezes, de um discurso próprio. A foto da Floresta Amazônica transformada em
cerrado, na parte superior do boxe no rodapé, atribui-lhe a característica de credibilidade e
colabora para criar esse efeito de realidade, que é próprio das construções jornalísticas. Nesse
caso, a palavra reforça o que a imagem sozinha diz.
O entretítulo, ao dar destaque ao objetivo do relatório, que é servir de guia para
políticas de governo do mundo inteiro, sinaliza a importância desse item dentro do contexto e
traz o leitor para realidade do momento.
Diante do exposto, pode-se reafirmar a importância de um jornalismo que busque
abordar os fatos numa visão sistêmica, ou seja, tanto na sua totalidade quanto na sua
particularidade. Mostrando ao leitor todos os ângulos de um mesmo fato, possibilita que este
se posicione, e só assim o jornalismo cumpre sua função social.
- 80 -
4.3.3 – Reportagem 3
- 81 -
1º nível – Análise sócio-histórica
a) Contexto interno
A reunião do GT3 na Tailândia, no dia 04/05/2007, para tratar do tema “Aquecimento
Global” teve matéria no Zero Hora tamanho 5 Colunas (26.1 cm/largura) X 13 cm/altura), na
editoria de Geral, localizada entre a editoria de Mundo e editoria de Polícia, em preto e branco
(P&B), página 51 – ímpar. A reportagem foi publicada dia 04/05/2007, no mesmo dia em que
ocorreu a reunião, ao lado da página com Publicações Legais, tamm na editoria de Geral.
Apesar do espaço destinado ao tema ter sido pouco menos de meia página, a matéria
principal abrange as cinco colunas do jornal.
2º nível – Análise formal e discursiva
a) Matéria principal
Antetítulo
O antetítulo “Clima - Encontro na Tailândia conclui que o aquecimento pode ser
freado se houver preservação e combustíveis mais limpos” está posicionado a partir do lado
esquerdo e distribuído em duas linhas que ocupam três colunas do total de cinco. Tamanho da
fonte em torno de 19 pontos, sendo que “Clima” está em fonte Arial, na cor vermelha e em
negrito, destacando-se do restante do antetítulo, de cor preta e sem negrito, em fonte Times
New Roman. Dessa forma, o antetítulo antecede o que será concluído na reunião. Entende-se,
assim, que as fontes do Zero Hora são rápidas e confiáveis, que ele pode até antecipar a
conclusão da reunião, entretanto as fontes não são citadas. Sob outro aspecto, o antetítulo é
incompleto na sua maneira de informar, ao dizer que “o aquecimento pode ser freado se
houver preservação”, mas sem dizer a qual preservação se refere.
Título
O título “Relatório sugerirá que países usem o etanol” está posicionado a partir do
lado esquerdo e distribuído em duas linhas que ocupam três das cinco colunas. A fonte
utilizada é Times New Roman, cor preta, tamanho em torno de 53 pontos. O título
informativo apresenta o etanol como uma informação ao destinatário, ou, em outras palavras,
esse título supõe que o destinatário saiba que há um relatório a ser divulgado, mas não sabe
que o uso do etanol será sugerido.
- 82 -
Lide
O lide “O relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)
da ONU sugerirá hoje, na Tailândia, que os governos dêem ênfase ao etanol para a
expansão de seu consumo como energia até 2020, a fim de reduzir as emissões de CO2”,
posicionado na primeira coluna à esquerda, em um parágrafo e fonte em negrito, resume o
relato desenvolvido no corpo do texto de fundo e torna possível ao leitor tomar conhecimento
do que trata o restante do texto. Esse lide responde a quase todas as questões que devem conter
um lide: o que, quem, quando, onde, como e por que, não necessariamente nessa ordem.
Texto de fundo
Pode-se entender que o teor da matéria é evidenciar as vantagens do etanol a partir da
cana-de-açúcar, como uma energia mais limpa e, portanto, menos poluente, assim como a
necessidade de buscar uma nova forma para segunda geração do etanol, pelo fato de poucos
países terem acesso à cana. Esse é o enfoque principal, que se apóia no texto do relatório, para
discorrer sobre o assunto e dar sustentação ao que é dito. A matéria não é assinada e não
existem entrevistas, somente um testemunho no corpo do texto, o do delegado sueco Lars
Nilsson, que diz: “É possível estabilizar as emissões de gases do efeito estufa em um nível
que permitirá evitar a mudança climática mais drástica”.
Na quarta e quinta coluna acima do texto, à direita, ao lado do antetítulo e do título,
encontram-se dois boxes com informações adicionais que complementam alguns dizeres do
texto. No primeiro boxe (de 1coluna X 6cm), localizado na quarta coluna, em fonte diferente
do restante do texto e destacado entre aspas, encontra-se o testemunho de Michael Muller,
vice-ministro de meio ambiente da Alemanha, conferindo credibilidade à matéria. O segundo
boxe (de 1coluna X 5,5cm), localizado na quinta coluna ao lado do boxe testemunhal, faz uma
retrospectiva dos relatórios IPCC. A diferença (de 0,5cm) a menos, do boxe que apresenta a
retrospectiva para o boxe testemunhal, é o espaço destinado ao retângulo vermelho que se
encontra acima dele, em que se destaca, em fonte branca, a chamada “Entenda melhor”,
dentro do boxe, de forma extremamente sucinta e superficial, e é feita uma retrospectiva dos
relatórios do IPCC, resultado das reuniões do GT1, GT2 e do atual GT3. O uso desse recurso
é comum em matérias jornalísticas, ao referir-se a relatos retrospectivos.
3º nível – Interpretação
Nessa matéria não é utilizado o recurso de cores, fotos e infográficos para chamar a
atenção do leitor, sendo, inclusive, o espaço destinado a ela bem reduzido, menos de meia
- 83 -
página. Entende-se a partir dessas marcas simbólicas que, para Zero Hora, a terceira reunião
do IPCC não teve maior relevância e não mereceu grande destaque. Em contrapartida, a
matéria foi publicada em página ímpar, o local mais valorizado em uma edição jornalística
impressa. O título da matéria, “Relatório sugerirá que países usem o etanol”, possibilitou ao
jornal, que geralmente noticia o que já ocorreu, antecipar o evento e fazer-se atual, dinâmico,
passando uma imagem de que possui acesso fácil as fontes e, assim, informa o leitor em
primeira mão, apesar de não citar a fonte. Percebe-se, também, um efeito de neutralização da
enunciação, pois parece que se trata somente da divulgação de fatos objetivos; com esse
afastamento, provoca um efeito de neutralidade pelo que é dito, já que transmite a opinião da
fonte. “Além de produzir efeito de verdade objetiva, o jornal, com a aparência de afastamento,
evita arcar com a responsabilidade do que é dito, já que transmite sempre a opinião do outro,
o saber das fontes” (BARROS, 1990, p. 57).
Considerando-se que, em um país como o Brasil, em que a educação formal tem se
descuidado do ensino de ciências, conforme dados do Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (PISA), os meios de comunicação desempenham um papel fundamental no processo
de alfabetização científica, sendo o jornalismo um dos caminhos e, às vezes, o único meio
capaz de levar ao cidadão o conhecimento das novas descobertas da ciência. Dessa forma,
reafirma-se a necessidade da contextualização do problema que situe o leitor. A matéria na
sua forma discursiva não faz uma retomada aprofundada dos fatos, que possibilite ao leitor
entender o contexto da situação; mantendo-se na superficialidade, supõe que o destinatário
sabe que há um relatório a ser divulgado, mas não sabe que nele será sugerido nele o uso do
etanol. A menção aos relatórios anteriores é a única abordagem que pode situar o leitor no
contexto geral do assunto, entretanto é feita de forma superficial e com pouco destaque, não
fosse estar em um boxe.
A matéria é pautada no relatório, fazendo uma vaga menção à fonte, sem citar nomes:
“o texto dirá”, “o documento indicará”, “os delegados afirmam”, tendo uma única citação
no texto e um testemunho em boxe.
Deve-se destacar também a experiência brasileira na produção de combustíveis a partir
da cana-de-açúcar como referência para outros países e uma alternativa à dependência do
petróleo. Entretanto, o que não é abordado e não pode se repetir com a plantação de cana-de-
açúcar, foi o que aconteceu com o plantio de soja, plantada em mata ciliar de rio, em área de
nascente, em solo impróprio, proporcionando o aparecimento de erosão e voçoroca. Deve ser
salientado, também, que cada litro de etanol produzido deixa um resíduo de 13 litros de
vinhoto, substância tóxica que precisa ser destinada de forma adequada – pode ser utilizada
- 84 -
como fertilizante, mas não é todo solo que pode receber uma aplicação de vinhoto. Na década
de 70, o vinhoto era lançado diretamente nos corpos hídricos, fazendo com que o oxigênio das
águas fosse exaurido e provocando mortandade de peixes e dos rios.
Assim, a enfase ao etanol, como energia a fim de reduzir as emissões de CO
2
, ainda
tem reflexos ambientais, portanto a produção de cana pode ser um grande negócio, mas deve
ser feita de forma sustentável, aspecto não salientado na matéria, caracterizando mais uma vez
a falta de uma visão sistêmica na sua elaboração.
4.4 – Reinterpretação
As marcas discursivas encontradas nas três matérias indicam, a partir da análise, que o
discurso que permeia o jornal Zero Hora é voltado estritamente a preservar interesses
econômicos e políticos. Essas marcas são evidenciadas na primeira matéria, ao apontar a ação
humana como fator preponderante para as mudanças climáticas, abordando superficialmente a
ação das indústrias, as maiores responsáveis por esse contexto, como forma de preservar a
imagem dessas empresas, uma vez que muitas delas são também os maiores anunciantes do
jornal, quando o jornal não é acionista nessas empresas.
Na segunda, fica evidenciado esse posicionamento, ao omitir que basta cessar o
desmatamento para que nenhuma catástrofe ocorra na Amazônia. Não é dito que o
desmatamento ocorre para dar espaço à criação de gado, ou seja, para o crescimento da
economia, portanto mais uma vez em nome de interesses econômicos e políticos a natureza é
explorada de forma abusiva e indiscriminada.
A terceira evidencia a questão econômica a partir do foco em que foi pautada, o etanol.
Entre tantos aspectos, o foco foi exatamente o que contém maior significância econômica.
Como já relatado no contexto sócio-histórico externo, em 2007, período em que foi divulgado
o terceiro relatório, o mercado externo estava voltado para investimentos em biodiesel no
Brasil, uma vez que a mídia em geral noticiava que a intenção do Brasil era investir US$ 15
bilhões para a construção de 77 novas usinas de etanol até 2013. Esse dado explica a escolha
do foco abordado na matéria, e a partir dessa constatação pode-se reafirmar: não existe
informação desinteressada, o discurso do jornal Zero Hora não é um retrato isento e objetivo
dos fatos, mas, antes, uma instância de poder que, junto com outras instituições, constrói seu
objetivo, dando-lhe visibilidade.
- 85 -
Percebem-se nas matérias dois gêneros de jornalismo, o informativo e o opinativo. O
jornalismo informativo dá ênfase à notícia objetiva, à informação pura, impessoal e direta;
limita-se a narrar os fatos. A objetividade no jornalismo refere-se ao método de apuração da
verdade. O método deve contemplar a busca de várias fontes, ou seja, deve haver um
equilíbrio no uso de fontes para que as diversas facetas do fato sejam relatadas. A verdade no
jornalismo não é a verdade filosófica, porque é mutável, porém sempre baseada nos fatos.
Com a investigação jornalística, a verdade pode mudar.
Já o gênero opinativo é o juízo que o jornalista faz do assunto; a opinião não deve ser
confundida com a informação, mas ela só pode existir a partir da informação. O jornalismo é
parcial, e esta parcialidade deveria ser assumida por Zero Hora. Assim como o jornalismo não
é imparcial perante a corrupção, não o é perante outros fatos. A imparcialidade também se
refere ao equilíbrio das fontes.
Conforme visto, a liberdade, a qual busca a primeira norma da ética, está
intrinsecamente ligada ao acesso não só à informação, mas à informação independente que
possibilite o conhecimento do fato em toda a sua complexidade, proporcionando à sociedade
fazer escolhas e conseqüentemente dando-lhe condições para se autogovernar. Portanto, se o
jornal Zero Hora não está proporcionando a informação independente, não está também
cumprindo com seu papel social.
Outro aspecto significativo revelado na observação refere-se ao consenso. Como se
viu no capítulo 2, a notícia é um dos eixos norteadores dos consensos e parâmetros sociais de
normalidade e anormalidade. Como o jornalista está preso a outros interesses, não apenas com
a verdade, as matérias não estão pautadas em princípios de “independência” ou “liberdade”, e
conseqüentemente esse “consenso” não reflete a realidade.
A esfera de consenso é a região em que se encontram os valores consensuais da
sociedade. Dentro dessa esfera, os jornalistas não se sentem compelidos a apresentar pontos
de vista opostos. Nessa esfera, o jornal Zero Hora tem um papel essencialmente conservador,
cartesiano e separatista. Isso fica evidenciado na ênfase que é dada aos problemas ecológicos,
em detrimento do social, econômico e cultural, transmitindo uma idéia de que ambiente
engloba somente natureza, a natureza ecológica.
Essa visão também faz parte do conhecimento do senso comum da sociedade, e, ao dar
ênfase a essa questão, Zero Hora está reafirmando essa visão e contribuindo para reforçar o
reducionismo que nela existe. Portanto, apesar de indiscutivelmente o grau de informação sobre
o tema ter aumentado, essa quantidade de informação não implica maior consciência da
- 86 -
sociedade, e assim, mais uma vez, pode-se constatar que Zero Hora não está cumprindo com
sua função social de agente de transformação da realidade e construtor da cidadania.
Sabendo-se, também, que o consenso é a manifestação de várias vozes, através da
análise pode-se observar a manifestação dessas vozes que são apresentas de forma implícita.
Vejamos: como imprensa, Zero Hora precisa informar ao leitor os fatos, e o faz, como se viu,
de forma parcial. Como empresa, precisa preservar o interesse de grupos econômicos aos
quais está ligada, e o faz, omitindo da sociedade determinadas informações. Com seus
colaboradores, precisa que eles sigam a cultura da empresa, e o faz, exercendo o poder, ou
seja, quem não se adapta à cultura da empresa é demitido. Precisa ouvir as fontes, e o faz, mas
seleciona somente aquelas que apresentam pontos de vista compatíveis ao seu
posicionamento, mesmo assim não é transparente em relação a essas vozes, ao escrever
“segundo especialistas” ou “cientistas estão prevendo”.
Pode-se perceber também quem fala e quem é silenciado. Embora as três matérias
tratem de previsões acerca do futuro da humanidade, a própria humanidade está excluída desses
discursos. Acredita-se que essa ausência retrate não só a unilateralidade dos fatos, mas também
a intenção da descontextualização da sociedade no processo de elaboração da informação.
Portanto, as enunciações estão sob os mesmos interesses, apenas complementando-se
umas às outras. Pode-se dizer, então, que estamos diante de um mesmo enunciador, e nesse
caso conclui-se que o discurso do jornal Zero Hora não é polifônico e sim monofônico. E, por
ser monofônico, o consenso é estabelecido, mas este é um consenso orquestrado, manipulado
e, portanto, não reflete o consenso que busca a segunda norma da ética. Para a efetivação
satisfatória da segunda norma, deve haver polifonia no discurso do jornalismo que reflita um
consenso dessas diversas falas, pois é na diversidade de vozes que o povo tem melhores
condições de saber a verdade e, assim, ser capaz de se autogovernar.
Pode-se afirmar, portanto, que a estrutura de produção da informação de Zero Hora
está completamente atravessada por lógicas econômicas e políticas que condicionam, através
de múltiplos fatores, o trabalho dos jornalistas e direcionam o foco do leitor.
É importante entender também quais são os valores contidos em determinados
acontecimentos que podem levá-los a ser notícia no jornal Zero Hora. Pode-se observar que as
matérias estão pautadas nos mesmos valores-notícia. Identificam-se nelas valores-notícia de
seleção e valores- notícia de construção. O valor-notícia de seleção refere-se aos critérios que os
jornalistas utilizam na seleção dos acontecimentos, isto é, na decisão de escolher um
acontecimento como candidato a sua transformação em notícia e esquecer outro acontecimento.
- 87 -
O valor-notícia de construção sugere o que deve ser realçado, o que deve ser omitido e
o que deve ser prioritário na construção do acontecimento como notícia. O valor-notícia de
seleção pode ser facilmente identificado, através do foco das matérias e do emprego de
expressões fortes como: “morte”, “extinção”, “abismo” e, quanto aos simbolos “Floresta
Amazônica” e “Torre Eiffel”, que contêm grande valor simbólico e imediatamente captam a
atenção do destinatário. A partir dessa seleção e construção, o discurso do jornal Zero Hora
sobre as mudanças climáticas reflete que, para instaurar o consenso, alguns fatos devem ser
omitidos e outros realçados. Entretanto, para que haja o consenso que busca a segunda norma
da ética, o jornalismo deve refletir uma polifonia de luta pela liberdade em suas decisões
consensualmente estabelecidas.
Sob outro aspecto, pode-se salientar que a primeira e segunda matéria, caracterizadas
por seu estilo fatalista e sensacionalista, refletem a imagem da “imprensa amarela”, expressão
surgida nos Estados Unidos em fins do século XIX, fase que marcou também as bases do
jornalismo moderno, através de manchetes garrafais e ilustrações em amarelo, para chamar a
atenção do público. Os primórdios das histórias em quadrinhos estão, assim, vinculados
também às origens do jornalismo sensacionalista. No Brasil, é mais conhecida como
“imprensa marrom”. Esse estilo pode ser identificado pelo uso intenso do recurso de
infográficos, assim como pelo apelo sensacionalista refletido no emprego da força dos termos
e das expressões, que guardam grande simbologia. Essa constatação também reafirma o
entendimento de que o jornal Zero Hora posiciona-se em todos os aspectos mais como
empresa e menos como imprensa. Adotar o estilo da “imprensa marrom” para elaborar as
matérias é só mais uma estratégia para chamar a atenção do leitor, com o objetivo de
aumentar as vendas do jornal.
Em relação ao desvio da função principal do jornal Zero Hora, tornando-se mais
empresa do que imprensa, nesse sentido o trabalho dos jornalistas nada difere do trabalho
operário, denunciado por Marx (1844) e retomado por Velasco (2003b) na terceira norma da
ética, ao buscar a preservação e regeneração da natureza. A cadência de trabalho frenética, a
fim de cumprir os prazos para fechamento da edição, faz do jornalista uma máquina contra o
tempo que, quanto mais produz, mais rentável se torna, num estilo fordista-taylorista.
Conforme a terceira norma, para que haja trabalho, é necessário que haja natureza saudável, e
o ritmo imposto para que haja rotatividade do capital não dá condição para que haja a
regeneração da natureza humana do jornalista, nem da natureza exterior.
Entende-se, portanto, que, mais do que a natureza ecológica, a natureza humana
necessita de um olhar mais demorado. Quando as matérias do Zero Hora apontam que estão
- 88 -
na ação humana os maiores causadores dos problemas ambientais, assim como sua solução,
acredita-se que isoladamente o homem pode contribuir pouquíssimo, mas, enquanto sociedade,
a ação do homem pode reverter o quadro atual. Há necessidade, entretanto, em primeiro lugar,
de um resgate de valores, de oportunidades para todos, da extinção da hierarquia entre as
espécies e da informação livre a todos. Entende-se que a partir da regeneração da natureza
humana haverá também a regeneração da natureza ecológica, porque uma é extensão da outra,
mas a doença precisa ser combatida a partir do ponto mais afetado.
A análise possibilitou perceber-se algumas marcas no discurso do jornal Zero Hora
através de unidades de significados, frases ou palavras que expressam um sentido e são
representativas por sua freqüência ou intensidade nas matérias. A partir delas foi possível a
construção de um mapa representacional por categorias que expressam a ética no discurso do
jornal Zero Hora e a relação com a ética ecomunitarista, no qual se expõem as categorias:
Poder, Enfoque conservador, Gênero, Discurso do espetáculo, Linguagem e Fator econômico.
QUADRO 3 – Mapa representacional por categorias
Fonte: Elaboração da autora
Ética
Poder
Enfo
q
ue conservador Gênero
Fator econômico
Lin
g
ua
g
em
Discurso do es
p
etáculo
- 89 -
Poder
A categoria poder apresenta termos mobilizadores de sentido e, através dessas
simbologias, conduz o leitor na direção que melhor lhe convém, seja através de palavras,
expressões, fotos, ilustrações ou cores. Entende-se que essa categoria permeia todas as outras,
conforme se pode comprovar por meio da análise formal e discursiva. O poder está também na
capacidade que essas matérias têm de articular discursos de outros campos e discursar sobre
eles, apropriando-se desses discursos e os representando. Nas matérias em análise, percebe-se a
apropriação dos campos da ciência, o político, o econômico e o social. Por outro lado, esses
campos também estão construindo seus discursos através dessas matérias, pois os seus discursos
também estão contidos no discurso das matérias, uma vez que estes se desenham na constante
relação com as demais áreas do conhecimento. Por fim, o poder dos dirigentes de Zero Hora e
seus anunciantes, por possuírem uma ferramenta poderosa, que é esse veículo de comunicação,
e com ele, através de simbologias, conduzirem o leitor para onde melhor lhes convém.
Enfoque conservador
Essa categoria reflete a visão conservadora de Zero Hora, a qual sustenta uma relação
desintegrada entre sociedade e natureza, baseada na dominação da primeira sobre a segunda e
da falta de ética que permeia essas relações, sendo estes alguns dos pilares da crise ambiental
da atualidade. Essa visão reflete uma compreensão de mundo que tem dificuldade em pensar o
conjunto, a totalidade complexa, e tende, refletindo os paradigmas da sociedade moderna, a
focar o aspecto ecológico da problemática ambiental, atribuindo ao homem o
desencadeamento desses problemas, assim como a solução.
Entende-se, portanto, que o discurso do jornal Zero Hora não subsidia uma leitura de
mundo mais complexa e instrumentalizada que possibilite uma intervenção que contribua
positivamente no processo de transformação da realidade sócio-ambiental. Não promove
também processos de intervenção sobre a realidade e seus problemas sócio-ambientais, para
que nestes ambientes se possa propiciar um processo educativo, onde educandos e educadores
possam contribuir para a transformação da grave crise sócio-ambiental vigente. O discurso de
Zero Hora é centrado no indivíduo, e, para que exista uma transformação da sociedade, a
educação ambiental transformadora, praticada em ambientes formais ou informais, deve
- 90 -
enfatizar a educação enquanto processo permanente, cotidiano e coletivo, pelo qual agimos e
refletimos, transformando a realidade de vida.
Gênero
Em algumas situações, identificou-se nas matérias o gênero opinativo e, em outras, o
informativo. Entretanto nas matérias, esses dois gêneros representam um distanciamento
quanto à característica de tratamento da informação que se espera do jornalismo para que ele
cumpra com sua função social e seja um vetor de transformação: pressupõe-se que, através da
informação, o leitor tenha condições de conhecer todos os ângulos do mesmo fato e se
posicionar.
Discurso do espetáculo
Embora haja diferentes correntes discursivas dentro da educação ambiental e, dentre
estas, as que priorizam o enfoque sistêmico, o pensar complexo e a mudança de valores, são
as correntes discursivas de cunho catastrófico e alarmista que se destacaram em Zero Hora,
porque são estas as que melhor se alinham com os valores-notícia do jornal, explicitadas nas
matérias através das formas simbólicas: morte, extinção, abismo, caos, entre outros, que
imediatamente captam a atenção do destinatário, produzindo sentidos que o direcionam para o
foco desejado.
Linguagem
Percebe-se que a linguagem técnica empregada não é traduzida ao leitor,
dificultando seu entendimento. A superficialidade em relação ao tema abordado e o sentido
alterado de muitos termos refletem a falta de preparo desses profissionais. A falta de
familiaridade do profissional que elabora a matéria com a complexidade dos assuntos
abordados é o motivo para a publicação de abordagens equivocadas ou excessivamente
simplistas. Nas faculdades brasileiras, poucos cursos incluem a questão ambiental entre suas
disciplinas optativas – a exemplo do que acontece com a área esportiva, econômica, política
- 91 -
ou cultural. Por esses motivos, a doutora em comunicação, professora e jornalista Ilza
Girardi, integrante do Núcleo de Ecojornalistas, trouxe para o currículo de jornalismo no
Curso de Comunicação Social da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul a disciplina “Jornalismo Ambiental” em 2003,
tendo como objetivo principal aprimorar o conhecimento desses profissionais tanto em
relação à linguagem técnica quanto ao aprofundamento dos temas, assim como o
desenvolvimento de uma consciência ética, por ser o jornalista que faz a mediação da
ciência, dos governos e demais organizações com a sociedade.
Fator econômico
Os diferentes sujeitos, nas três matérias, ante os problemas ambientais, são mediados
por interesses econômicos, políticos e posição ideológica. Esta é a lógica que rege o discurso
do jornal Zero Hora. Em nenhum ponto das matérias foram discutidas e explicitadas as
contradições do atual modelo de civilização, da relação sociedade-natureza e das relações
sociais que ele institui. Ressalta-se aqui, além do modelo vigente de economia que rege nossa
sociedade, o fato de esse modelo não ser explicitado de forma integral e clara por Zero Hora,
para que o leitor tenha conhecimento dos fatos na íntegra. Percebe-se, dessa forma, que a
liberdade ainda está longe de ser um valor fundamental na busca da autonomia dos grupos
subalternos, oprimidos e excluídos, o que nos remete a pensar o indivíduo e o papel que
desempenha na sociedade enquanto cidadão inserido em um contexto sócio-econômico. Um
indivíduo oprimido pelo sistema e alienado da natureza, do trabalho, do produto e da
atividade produtiva. Portanto, ainda muito longe de um horizonte que possa apontar para
superação da dicotomia dirigentes-dirigidos.
O jornal Zero Hora, como uma empresa capitalista, tem interesse na perpetuação desse
modelo, por isso não explicita as contradições sociais que ele institui, ou seja, não tematiza os
sintomas do capitalismo, assim como não aponta um caminho que possa reverter esse quadro
provocado pelas mudanças do clima, porque esse caminho necessariamente apontaria para
uma sociedade pós-capitalista, um modelo de sociedade que iria contra os objetivos de Zero
Hora, como o modelo de sociedade proposto por Velasco (2003b), no ecomunitarismo, um
regime comunitário pós-capitalista capaz de organizar as relações produtivas entre os seres
humanos e a natureza através das normas éticas.
- 92 -
A começar pela proposta do não-trabalho, uma instância de expressão livre das
energias produtivas, na qual as pessoas realizam alternadamente suas múltiplas vocações. Isso
significa que a mesma pessoa exerce com alternância as funções de sua vocação, aliando estas
às necessidades comunitárias, que devem ser elencadas consensualmente. Já em relação à
distribuição do produto do não-trabalho, deve-se seguir a mesma regra da produção, ajustada
ao lema de produzir e distribuir conforme a necessidade legítima de cada um.
Em relação à ecologia, o ecomunitarista deve ter um comportamento de caráter
preservador/regenerador da natureza. Isso significa que toda produção deve ter base em
matérias-primas e energia ao mesmo tempo renováveis e não-poluentes, sendo essa conduta
tema da educação problematizadora nas instâncias formais e informais.
- 93 -
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A crise que hoje se vivencia, gerada pelo atual modelo capitalista de sociedade, com
sua ganância, extrapolou todas as formas de vida, até provocar as mudanças do clima que, por
sua vez, geraram exclusão social, fome, doenças e desequilíbrio da natureza, entre outros
problemas. Isso exige urgentemente a elaboração de uma nova ética que contemple o
equilíbrio da sociedade, incluindo-se os ecossistemas e valores culturais necessários para que
se restabeleça a dignidade dos seres no planeta. Isso supõe a superação do capitalismo, ou de
qualquer modelo de sociedade baseado no capital e na exploração de todo tipo de natureza.
Não se sabe ainda que sociedade se descortinará a partir destes novos tempos tão
difíceis, mas sabe-se que o status da imprensa tem crescido a cada dia no meio político,
empresarial, cultural e esportivo; todos, de uma forma ou de outra, estão dependentes dela. O
jornalismo hoje, como comprovado na pesquisa, muito longe de trazer à tona o conflito e
promover o debate, promove o consenso. E, assim, os espaços jornalísticos deixam de ser
transmissores dos fatos para serem os produtores dos fatos. Fatos esses elaborados conforme a
preferência do público, que reflete seu querer nos índices dos institutos verificadores de
audiência e de circulação. As empresas jornalísticas reelaboram o fato, conforme seus objetivos,
e o retornam ao público. Dessa forma, o jornalismo cria a cada dia a realidade solicitada, seja do
choro, da alegria, da dor, da saudade, não importa qual, o que importa é aumentar os números
da aceitação e fazer crescer essa indústria do faz-de-conta. Nessa realidade forjada, direciona o
foco, conforme seus interesses, e invadem a sociedade discursos como, por exemplo, o do fim
das espécies, de morte do planeta e todos os tipos de catástrofes possíveis. E, ao mesmo tempo
em que se pressupõe que o homem não tem possibilidade de intervir nos processos sociais,
aponta-se a ação do homem como principal causadora dos problemas ambientais.
Pode-se concluir também, a partir da análise, para cada objetivo específico proposto na
pesquisa, que: a) o significado das notícias – a partir de uma análise sintática e semântica – que as
publicações são feitas de forma isolada, não oferecendo aos leitores uma abordagem que
incorpore a visão da complexidade de relações que envolvem o meio ambiente. São voltadas a
preservar interesses econômicos e políticos, e dessa forma o perfil do Zero Hora se reafirma como
- 94 -
empresa e menos como imprensa; b) as estratégias discursivas empregadas na construção do
discurso – são da manipulação, do inédito, da transgressão, da omissão, do simbólico, da
unilateralidade; c) a corrente de educação ambiental que embasa o discurso do jornal Zero Hora é
a conservadora, cartesiana e separatista, portanto muito distante da educação ambiental
ecomunitarista, que busca uma educação crítica e libertadora; d) o discurso de Zero Hora não está
desempenhando sua função social, uma vez que não proporciona ao leitor a informação
independente e maior conscientização ambiental da sociedade; e) o discurso não é polifônico:
apesar das diversas vozes, algumas são silenciadas e outras não são transparentes, sendo o
enunciador o mesmo, caracterizando-se assim um discurso monofônico; f) os valores-notícia que
ancoram o discurso de Zero Hora são valores pautados no inédito, no catastrófico, em imagens e
palavras marcantes, que carregam grande valor simbólico e imediatamente capturam a atenção do
destinatário, produzindo sentidos que o direcionam para o foco desejado.
Esses apontamentos, findo este trabalho, mais do que terminar uma pesquisa, indicam
para a necessidade da continuação desta, assim como toda forma possível de averiguar sobre o
assunto jornalismo, problemática ambiental e a ética que permeia esse discurso. Entende-se
que essa prática deve ser uma constante nas academias e demais espaços que possam
propiciar essa reflexão, pois não se pode esquecer, como visto na pesquisa, que a mídia
também pode ser uma das formas de interligar o homem com o todo, podendo ser uma
importante ferramenta na transmissão de novos valores e de cultura, na direção de uma
sociedade mais justa e igualitária. Não se pode esquecer também que a busca por uma
sociedade mais igualitária não deve estar pautada somente na educação formal, mas também
na não-formal e, portanto, nos meios de comunicação.
Entende-se, assim, que o momento histórico em prol da problemática ambiental deve
buscar também na mídia uma ferramenta de apoio na transformação da sociedade, através de
um jornalismo que seja apanhador e transformador da realidade, que esteja atento às questões
sociais e opere em consonância com a sociedade, sensível aos anseios da população e
mantendo uma visão sistêmica dos fatos. Essa mudança de paradigma só pode ser alcançada a
partir da interação e participação com seus públicos, ao fazer desta ferramenta, a mídia, mais
especificamente uma parte dela, o jornalismo, um vetor de transformação da sociedade. Para
isso, é preciso que o jornalismo se posicione diante de seu público-alvo com objetivos além
do comercial; com uma visão sistêmica, que nada mais é do que perceber o movimento
integrado entre o ambiente presente e futuro, através de uma visão ampla, integradora, que
enxerga o universo como um conjunto de fenômenos interdependentes, que interagem o
tempo todo e trazem para o dia-a-dia essa visão de forma holística.
- 95 -
REFERÊNCIAS
BACCHETTA, Victor. El periodismo ambiental. In: _____. (Org.). Ciudadania planetária:
temas y desafíos del periodismo ambiental. Montevideo: Federación Internacional de
Jornalismo Ambiental (IFEJ); Fundación Friedrich Ebert (FES), 2000.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1990.
BELTRÃO, Luiz. Jornalismo interpretativo: filosofia e técnica. Porto Alegre: Sulina, 1980.
BERGER, Christa. Campos em confronto: a terra e o texto. 2. ed. Porto Alegre: Ed. da
UFRGS, 2003.
BERNA, Vilmar. Jornalismo ambiental. In: SANTOS, José Eduardo dos; SATO, Michele. A
contribuição da educação ambiental à esperança de Pandora. São Carlos: RiMa, 2001/2003.
p. 159-171.
BENETTI, Márcia. Análise do discurso em jornalismo: estudo de vozes e sentidos. In: BENETTI,
Márcia; LAGO, Claudia. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas: o que falar quer dizer. São Paulo:
EDUSP, 1996.
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.
DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental: princípios e práticas. 4. ed. São Paulo: Gaia, 1992.
FAUSTO NETO, Antônio. Mortes em derrapagem. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1991.
GALTUNG, Johan; RUGE, Mari Holmboe. Crises in four Norwegian newspapers: the
structure of foreign news: the presentation of the Congo, Cuba and Cyprus. Journal of Peace
Research, n. 2, p. 64-90, 1965.
GIRARDI, Ilza. Jornalismo ambiental, ética e cidadania. In: BACCHETTA, Victor (Org.).
Ciudadania planetária: temas y desafíos del periodismo ambiental. Montevideo: Federación
Internacional de Jornalismo Ambiental (IFEJ); Fundación Friedrich Ebert (FES), 2000.
GIRARDI, Ilza; MASSIERER, Carine; SCHWAAB, Reges Toni. Pensando o jornalismo
ambiental na ótica da sustentabilidade. UNIrevista, v. 1, n. 3, jul. 2006.
GUARESCHI, Pedrinho; BIZ, Osvaldo. Mídia & democracia. Porto Alegre: P.G/O.B, 2005.
- 96 -
HABERMAS, Jüngen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1984.
HALL, Stuart. A produção social das notícias: o mugging nos media. In: TRAQUINA, Nelson
(Org.). Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Veja, 1993.
IPCC. Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Summary for Policemakers.
Disponível em: <www.ipcc.ch>. Acesso em: 07 jun. 2007.
IPCC. El Grupo Intergubernamental de Expertos sobre el Cambio Climático (IPCC). Disponível
em: <http://www.ipcc.ch/pdf/ipcc-faq/ipcc-introduction-sp.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2008.
KANDEL, Robert. O reaquecimento climático. São Paulo: Loyola, 2002.
KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo. São Paulo: Geração
Editorial, 2004.
KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e
controle. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. São Paulo, Cortez, 2001.
LOPEZ VELASCO, Sirio. Fundamentos lógico-lingüísticos da ética argumentativa. São
Leopoldo: Nova Harmonia, 2003a.
_____. Ética para o Século XXI: rumo ao ecomunitarismo. São Leopoldo: Ed. da Unisinos,
2003b.
MARENGO, José. Disponível em: <http://www.sbmet.org.br/noticias_mclimaticas/> Acesso
em: 9 mar. 2008.
MARX, Karl. Manuscritos econômicos. São Paulo: Boitempo, 2004 (1844).
MASSIERER, Carine. O olhar jornalístico sobre o meio ambiente: um estudo das rotinas de
produção nos jornais Zero Hora e Correio do Povo. Porto Alegre, 2007. Dissertação
[Mestrado em Comunicação e Informação] – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
MORIN, Edgar. Sete saberes necessários à educação do futuro. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
_____. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2006.
OCDE. Disponível em: <http://www.inep.gov.br
>. Acesso em: 06 fev. 2008.
ODUM, Howard T.; ODUM, Elisabeth C. A prosperous way down: principles and policies.
Boulder: University Press of Colorado, 2001.
PESQUISA sobre mudanças climáticas. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br
>.
Acesso em: 22 jan. 2008.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre ciências. São Paulo: Cortez, 2004.
- 97 -
SANTOS, Rogério. A negociação entre jornalistas e fontes. Campinas: Pontes, 1997.
SANTOS, José; SATO, Michèle. A contribuição da educação ambiental à esperança de
Pandora. São Carlos: RiMa, 2001/2003.
THOMPSON, John. Ideologia e cultura moderna. Petrópolis: Vozes, 1995.
_____. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998.
TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação ambiental: natureza, razão e história.
Campinas : Autores Associados, 2004. (Col. Educação Contemporânea).
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo. Florianópolis: Insular, 2005.
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. 4. ed. Lisboa: Presença, 1995.
WWF-BRASIL elogia estudo de clima lançado pelo Ministério do Meio Ambiente. Ambientallis:
meio ambiente e qualidade de vida. Disponível em: http://ambiental.wordpress.com/2007/02.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo