torna-se necessário usar da lógica para examinar a não lógica, paradoxalmente. O poeta
perdoar-nos-ia, pois “as antíteses congraçam.” (Barros, 2004-b, p.49)].
A razão, pois, na obra manoelina, não dá conta da vida. Ao recusar o racionalismo,
põe a voz na boca de loucos, bocós, bêbados, andarilhos: “Poetas e tontos se compõem
com palavras” (Barros, 2003-d, p.31). Uma nova razão (ilógica) se faz necessária, e o
poeta precisa fundar as premissas de sua validação. Urge, então, uma metalinguagem, a
linguagem como razão de si mesma: “Não tem margens a palavra./ Sapo é nuvem neste
invento.” (Barros, 1982, p.16). A metalinguagem é o exercício de dar voz à linguagem para
falar e falar-se.
Ao inaugurar novos sentidos numa língua sem margens, o poeta relaciona um
inventário de possibilidades, de palavras, de coisas, de seres: rã, caramujo, sapo, mosca,
pedra, cisco, traste, prego, lodo, estrume, raiz, árvore, pássaro, fóssil, infância, lata, prego,
besouro abstêmio, parafuso de veludo, alicate cremoso – et cetera. Tudo pode neste novo
invento. A palavra inventa o invento, é água fontana de um novo cosmos: “A água passa
por uma frase e por mim” (Barros, 2003-d, p.44). Não há margens entre poeta, linguagem,
seres, trastes.
O processo de apropriação da palavra, aquilo que confere importância à palavra, dá-
se, assim, de dentro para fora. Se o poeta não quer a palavra acostumada, ele deve partir
dela. O processo de desconhecimento parte do conhecimento da língua. A palavra
acostumada, gramatical, é já plena de significado, preenchida pelo conceito. Há que se
apropriar dela para esvaziá-la, fazer uma assepsia às avessas, desabrigando dela a razão
pura, substituindo-a pelas impurezas poéticas do inútil. Se o sentido normal das palavras
não faz bem ao poema, o anormal passará a ser a norma: “A única língua que estudei com
força foi a portuguesa./ Estudei-a com força para poder errá-la ao dente.” (Barros, 2003-a,