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que uma mesma palavra contém. Os bantos, geralmente, falam por metáforas, apresentando
uma linguagem com sentidos, por vezes, poéticos, conotativos.
No que diz respeito ao ritmo, as assonâncias e aliterações são marcantes pelo seu
efeito de natureza musical, uma vez que a repetição dos sons vocálicos e consonantais podem
reforçar o valor significativo das palavras, como nos confirmam os trechos a seguir:
“Caminhantes. Vinham de muitos caminhos. Passavam e repassavam e olhavam: atônitos.
Caminhavam caminhos de muitos caminhos e: vinham. E paravam e olhavam e retomavam:
caminhos. Caminhantes” (CARDOSO, 1987: 31). Como pudemos constatar, a repetição das
vogais acaba, por extensão, estando paralelamente ligada às consoantes, produzindo
aliterações, o que aumenta, ainda mais, o ritmo, a cadência e a sonoridade de uma prosa que
se aproxima do poema, porque encharcada de poesia.
Não nos esqueçamos que “repetir” é uma característica própria dos cantos religiosos e
de rituais vários, práticas comuns em diversas culturas angolanas. Há, portanto, um caráter
sagrado na linguagem do autor, assim como nas solenidades e ritos das comunidades rurais.
Maria Olimpia dos Santos afirma que “a harmonia da palavra tradicional africana é
reconhecida por sua artesania verbal, esteticamente ritmada” (SANTOS, 2007: 75). Basta que
lembremos da entrevista de Boaventura Cardoso às organizadoras do livro A escrita em
processo (2005), quando ele enfatizou a musicalidade como um dos elementos de sua prosa,
como algo comum em todos os seus livros. Vejamos sua depoimento:
Mais que a música eu diria o ritmo, que é uma constante na
cultura africana, já que a nossa vida, enquanto africanos, é
muito ritmada: seja o ritmo na narrativa ou o andar das
pessoas, enfim, o ritmo da vida, a nossa vida. Nós temos
muito ritmo, mesmo! Então, é essa cadência rítmica que eu,
talvez, de forma consciente ou inconsciente, acabo por
imprimir aos textos. Na narrativa oral esse ritmo é também
dado a partir das repetições, que têm carga simbólica muito
forte. As interjeições que eu utilizo, abundantemente, por
exemplo, em Mãe, materno mar, fi-lo intencionalmente.
Porque, quando nós falamos, a nossa linguagem coloquial é
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