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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
FLAVIANA MACHADO TANNUS
A legibilidade do visível:
As imagens de Oliviero Toscani, um processo de ruptura
Bauru
2008
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
A legibilidade do visível:
as imagens de Oliviero Toscani, um processo de ruptura
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito
para obtenção do título de Mestre na área de
Comunicação na Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho”- Campus de Bauru.
Orientadora: Profª. Drª. Nelyse A. Melro Salzedas.
Bauru
2008
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DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO
UNESP – BAURU
Tannus, Flaviana Machado.
A legibilidade do visível: as imagens de
Oliviero Toscani, um processo de ruptu
ra /
Flaviana Machado Tannus, 2008.
124 f. : il
Orientador: Nelyse Aparecida Melro Salzedas
Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual
Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação, Bauru, 2008
1. Comunicação. 2. Publicidade. 3. Im
agens. 4.
Rupturas. I. Universidade Estadual Paulista.
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação.
II. Título.
Ficha catalográfica elaborada por Maria Thereza Pillon Ribeiro – CRB 3.869
4
FLAVIANA MACHADO TANNUS
A legibilidade do visível:
As imagens de Oliviero Toscani, um processo de ruptura
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito
para obtenção do título de Mestre na área de
Comunicação na Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho”- Campus de Bauru.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Profª. Drª. Nelyse Apparecida Melro Salzedas - Orientadora
______________________________________________________________________
Membro 1
______________________________________________________________________
Membro 2
Bauru, de de 2008.
5
À Deus, pelo mistério da vida.
Ao meu pai, saudades eternas...
A minha mãe, pelo amor e acolhimento
durante esta trajetória, não vou me esquecer
de cada aceno na partida do ônibus.
Ao Ricardo, meu amor, que me ensinou que
todos os sonhos são possíveis de realizar
(mesmo aqueles que nem imaginamos sonhar!)
minha eterna gratidão por ter acreditado
em uma capacidade adormecida.
Quanto aos meus filhos Vitor e Eliza,
por vocês me desdobrei e aprendi o (pouco) que sei
no exercício diário de ser mãe.
Deus os abençoe. Meu amor eterno...
6
AGRADECIMENTOS
Quando embarquei na pesquisa aqui apresentada, dei-me conta de que o tema me acompanha desde a
adolescência. Assim, agradecer é o momento em que percebo que começo a colher os frutos de uma longa
trajetória que se encerra, abrindo passagem para outros períodos. Neste exercício repasso a vida a limpo e
começo agradecendo a todos que fazem parte desta conquista...
Às minhas avós, de quem herdei a coragem, a doçura (e braveza) e a firmeza...
Aos meus irmãos Tanuto e Cezar, pelas nossas profundas raízes...
Ao meu irmão Marquinhos, sua ausência é um enorme ermo cheio de saudades...
Karen, Ivana e Karina que geraram meus sobrinhos Marcus, Ian, Theo e a pequena Luíza. A vocês que
amo tanto...
Tia Nonoca e Mile, por terem me acolhido amorosamente, em diversos períodos da minha vida,
ensinando-me muitas coisas entre elas a importância da organização pessoal...
À Aparecida e Pepa, com quem guardo incríveis memórias da infância.
Aos primos Miroca e Teco, na casa de vocês, desde pequena meus olhos “saltavam” na estante de livros.
Aos meus sogros Cláudio e Dalva, que me conduziram pacientemente no enredo de uma família.
Saudades...
À Nair Corrêa Silva, pelas intermináveis elaborações que elucidaram minha existência.
À professora Nelyse; que, com sua capacidade de análise, acreditou em meu trabalho e me conduziu pelas
tramas do conhecimento de maneira segura. Obrigada por tudo.
Ao amigo Paulo Tremacoldi, que pacientemente leu e releu meu trabalho, sugeriu alterações e levantou
questões importantes na condução das análises.
À Eliza, minha filha, pelo conhecimento da língua inglesa se dedicou a traduzir o resumo.
Aos professores doutores Luciano Guimarães e Adenil Alfeu Domingos, que no exame de qualificação
sugeriram alterações que contribuíram na construção desta pesquisa...
Ao Hélder e Sílvio, que pela dedicação e compromisso com o trabalho sempre estiveram disponíveis a me
atender.
Aos meus amigos do Mestrado, obrigada pela breve convivência.
À amiga Ana Nonato Montanari, que abriu as portas da sala de aula me ensinando a aprender todos os
dias, com todos.
À Ana e Marilde, que me raptaram antes que de fato eu pudesse “enlouquecer”.
Às minhas amigas da graduação, saudades infinitas das manhãs com pães de queijo e cafézinho...
Aos amigos do Manège, pelos intervalos necessários e felizes.
À Francilene Cavalcanti Leite, que gentilmente me oferecia café sugerindo intervalos em meus estudos.
7
“O espetáculo é o capital em tal grau
de acumulação que se torna imagem”.
A sociedade do espetáculo
Guy Debord
8
RESUMO
Em um momento em que as imagens publicitárias povoam nosso cotidiano,
influenciando diretamente nossos desejos, através de recursos visuais convidativos,
apresentamos como proposta a análise das imagens fotográficas do publicitário italiano
Oliviero Toscani, produzidas para as campanhas da marca Benetton. Para isso, lançamos
nossa investigação a partir do surgimento da fotografia e suas reverberações na
modernidade, principalmente no espaço publicitário, pois acreditamos que tais episódios
orientam o nosso entendimento sobre a inundação que as imagens publicitárias foram
operando na contemporaneidade. A partir dessa perspectiva, apresentamos o
desenvolvimento iconográfico de Oliviero Toscani desde a sua infância até o encontro
com o fundador da empresa, Luciano Benetton. Partindo desse pressuposto, assumimos
como objetivo lançar um olhar mais atento sobre um conjunto de imagens que
subvertem concepções e moldes habituais, com o intuito de perceber de que maneira
elas podem convocar os sujeitos na busca de outros códigos de leitura. Na presente
pesquisa, escolhemos como corpus quatro imagens que marcaram a campanha
publicitária da Benetton entre os anos de 1988 e 1992. Analisamos como as imagens
propõem outro viés comunicativo, em que o consumidor é assaltado por uma nova
forma de leitura. Identificamos como as mensagens transmitidas podem estabelecer
rupturas e assumir novos formatos de comunicação que não promovam apenas o
consumo que elas geram. Pretendemos contextualizar historicamente como tais imagens
estão enredadas com questões políticas, sociais e culturais. Acreditamos com isso que
tais imagens, a partir da ruptura que elas promovem, propõem novos códigos de
comunicação, que, mais do que informação, podem despertar no sujeito reflexões a
respeito da realidade que presenciamos diariamente.
Palavras-chaves: Comunicação, Publicidade, Imagens, Fotografia, Consumo.
9
ABSTRACT
In a moment which we have publicitary images crowding our daily life and influencing
directly in our wishes through visual and inviting resources, we project as propose the
analysis of photographic images of the Italian publicitary Oliviero Toscani, made for the
campaign of the trademark Benetton. For this, we started our investigation from the
beginning of the photograph and yours reflections on modern time, meanly on the
publicitary way, once we believe that those facts guide our understanding about
abundance that publicitary images were taking over on contemporary times. From this
perspective we show since the iconography development of Oliviero Toscani, since his
childhood, until his met with Luciano Benetton, the funder of the mark. Going through
this presupposed, we adopted as an objective throw an attentive look for one group of
images which subvert conceptions and usual patterns, with the intention to realize which
way they can convoke the people on the search of others reading codes. On the present
search, we chose as corpus four images which marked the publicitary campaign from
Benetton in outdoors between 1989 and 1999, are going to be our group of research
objects. We analyzed how the images propose another communicative way that the
consumer is attacked for a new form about reading. We indentified how the messages
transmitted can settle ruptures and new shapes of communication which does not
promote only consume that they produce. We aspire to historically context how those
images are tangled with political, social and cultural questions. We believe with this,
that those images, starting for the ruptures they promote, propose “new codes” of
communication when mores than just information, they aroused people to quest about
the reality we face daily.
Key-Words: Communication; Publicity; Images; Photographic; Consumption.
10
LISTA DE FIGURAS
F
IGURA
R
EFERÊNCIA DA
I
MAGEM
P
ÁG
.
Figura 1
Giorgio De Chirico – A incerteza do poeta, 1913. 36
Figura 2
August Sander – Pessoas do século XX – Pedreiro, 1928. 37
Figura 3
Oliviero Toscani – Capa revista Elle, 1988. 40
Figura 4
Oliviero Toscani – Campanhas criadas para as marcas:
Prenatal, Jeans Jesus e Fiorucci.
41
Figura 5
Diane Arbus - Untitled, 1969. 46
Figura 6
Pablo Picasso – Guernica, 1937. 46
Figura 7
Marcel Duchamp – Fonte, 1917. 50
Figura 8
Logomarcas da empresa italiana Benetton. 58
Figura 9
Anúncio criado pela agência francesa Eldorado, 1980. 60
Figura 10
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1985. 61
Figura 11
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1988. 61
Figura 12
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1989. 62
Figura 13
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1990. 63
Figura 14
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1991. 64
Figura 15
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton com
fotografia de Patrick Robert, 1992.
65
Figura 16
Oliviero Toscani – Campanha criada para a jornada
mundial contra a AIDS, Paris, 1993.
66
Figura 17
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1994. 67
Figura 18
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1995. 67
Figura 19
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1997. 68
Figura 20
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1999. 68
Figura 21
Vista parcial da Fabrica, Ponzano, Itália. 70
Figura 22
Edições da revista Colors. 71
Figura 23
Oliviero Toscani – Obra criada para a Bienal de Veneza, 1993. 74
Figura 24
Gustav Courbet - A origem do mundo, 1866. 74
Figura 25
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1988. 81
Figura 26
Símbolo do infinito identificado na imagem. 82
Figura 27
Albert Dürer – Adão e Eva, 1504. 85
Figura 28
Lucas Cranach – Adão e Eva, 1531. 85
11
Figura 29
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1989. 87
Figura 30
Ivan Wasth Rodrigues – Ama-de-leite, 1988. 90
Figura 31
Raphael – Papa Leão X com dois cardeais, 1518. 91
Figura 32
Sandro Boticelli – O nascimento de Vênus, 1485. 92
Figura 33
Raphael – A ninfa Galatéia, 1512. 93
Figura 34
Arthur Bispo do Rosário – Manto da apresentação. 94
Figura 35
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton, 1991. 96
Figura 36
Andy Warhol – Marilyn Monroe, 1962. 98
Figura 37
Fragmento do Anúncio de Oliviero Toscani, 1991. 99
Figura 38
Oliviero Toscani – Anúncio criado para a Benetton com
fotografia de Patrick Robert, 1992.
104
Figura 39
Farnese de Andrade – O Anjo de Hiroshima, 1968-1978 108
Figura 40
Sebastião Salgado – Êxodo rural, desordem urbana 1999. 109
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
CAP. 1 O ENTORNO NAS IMAGENS DE OLIVIERO
TOSCANI 22
1.1 F
RAGMENTOS HISTÓRICOS QUE DESPONTAM UMA
SOCIEDADE IMAGÉTICA
23
1.1.1 Imagem fotográfica como ferramenta da
publicidade 26
1.2 I
NDÚSTRIA
C
ULTURAL E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
:
D
IÁLOGO
H
ÍBRIDO
28
1.3 I
MAGENS E
P
UBLICIDADE
:
E
NREDO E
I
NTERSTÍCIO
30
1.4 O
FETICHE DA IMAGEM
31
CAP. 2 OLIVIERO TOSCANI: O DESENVOLVIMENTO
DE UM OLHAR ICONOGRÁFICO 35
2.1 A
VERDADE DIRUPTIVA NAS IMAGENS DE
O
LIVIERO
T
OSCANI
45
2.2 B
ENETTON
:
E
SPAÇO DE COMPOSIÇÃO DAS IMAGENS DE
OLIVIERO
T
OSCANI
52
2.3 O
LIVIERO
T
OSCANI E
L
UCIANO
B
ENETTON
:
O
ENCONTRO DE IDEOLOGIAS
56
2.4 R
EPERTÓRIO
I
MAGÉTICO
:
O
DESENVOLVIMENTO DE UMA
LINGUAGEM DE RUPTURA
60
2.5 F
ABRICCA
:
A
REALIZAÇÃO DO UTÓPICO
69
2.6 O
T
ÔNUS REPRESENTATIVO DE
O
LIVIERO
T
OSCANI
71
2.7 O
LIVIERO
T
OSCANI
:
O RECONHECIMENTO PELO AVESSO
74
CAP. 3 TESSITURA DAS IMAGENS SELECIONADAS 78
3.1 E
VA E
A
DÃO
81
3.2 A
MA
-
DE
-
LEITE
87
3.3 P
INÓQUIOS EM MARCHA
96
13
3.4 M
ENINA E
B
ONECA
104
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 111
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 122
14
INTRODUÇÃO
“Vivemos, profundamente, até a última das nossas fibras,
dentro de um mundo da visualidade”.
Norval Baitello Junior
As duas imagens
1
que compõem a capa desta dissertação integram a campanha
publicitária da Benetton, criada por Oliviero Toscani em 1995. Neste momento, de sua
parceria com a empresa, Toscani optou por retirar das imagens de campanha, não
apenas as roupas fabricadas da referida marca, mas, também os sujeitos que as
estampavam anteriormente em campanhas.
A primeira imagem mostra uma rede de antenas de televisão fotografadas sobre
um fundo de céu cinzento; a segunda mostra diversos tipos de arame farpado
provenientes, segundo Toscani (1996, p. 87) de “Johannesburgo (África do Sul);
Belgrado (Sérvia); Beirute (Líbano); Tóquio (Japão); Dublin (Irlanda); Hamburgo
(Alemanha)”.
As imagens apresentadas assinalam uma forma contundente de isolamento”
(TOSCANI, 1996, p. 87) que apontam a comunicação como fechada. Este efeito nos
instiga a levantar a origem da palavra comunicação:
O termo comunicação vem do latim communicatio, do qual distinguimos três
elementos: uma raiz munis, que significa “estar carregado de”, que acrescido do
prefixo co, o qual expressa simultaneidade, reunião, temos a idéia de uma “atividade
realizada conjuntamente”, complementada pela terminação tio, que por sua vez
reforça a idéia de atividade. E, efetivamente, foi este o seu primeiro significado no
vocabulário, onde o termo aparece pela primeira vez (MARTINO, 2001, p. 13).
Ainda, segundo Rocha (2002, p. 47) “para se unir, os povos precisam se
comunicar, atravessar fronteiras, driblar obstáculos e idiomas. A serviço desse
propósito, nada melhor que a imagem, que comunica, informa, provoca e denuncia”.
A comunicação quando associada a isolamento parece nos indicar que perde sua
força inicial de atividade compartilhada, e recebe outra significação.
Oliviero Toscani, enquanto esteve à frente da diretoria de comunicação da
Benetton, foi rompendo com formas convencionais de linguagem publicitária. Ele
1
Oliviero Toscani – Anúncios criados para a Benetton, 1995
.
15
arriscou com imagens que causaram choque, levantando polêmicas, rompendo com o
discurso conhecido da publicidade.
Quando Toscani associa a imagem a isolamento, seria a conseqüência resultante
da comunicação que ele assumiu com as imagens polêmicas? Ou o isolamento como
causa de nosso aprisionamento num mundo de imagens? Ou, quem sabe, o isolamento
que encarcera o sujeito contemporâneo no mundo da comunicação em que celulares e
aparelhos de TV substituem as relações humanas? Civilizações que constroem
fronteiras, impedindo a travessia de pessoas e idéias, causam isolamento. Isto é fato.
No mundo globalizado, a comunicação através da imagem inunda nossas vidas,
preenchendo todos os espaços do cotidiano. Não estamos isolados. Mas ao mesmo
tempo, decifrar os códigos disponíveis é um grande desafio. A comunicação está a cada
dia mais sofisticada, com aparelhos de extremo refinamento. Neste sentido, é utópico
que estejamos isolados, pois a comunicação não surge para ser uma ação isolada.
Precisamos sempre do outro.
O isolamento anunciado por Toscani, quando se refere às duas imagens, indica
que seu discurso publicitário isolou a Benetton, colocando-a em outro lugar. Ou então,
que as suas imagens se descolam da publicidade convencional e assumem outra
linguagem.
Na imagem com diversos modelos de arames farpados, formando uma cerca, um
dos arames é da cor verde cor da Benetton. Isto pode ser um indicativo a anunciar que
a comunicação que a Benetton assumiu também propõe um isolamento. Seria uma
proteção marcando que a comunicação da referida marca assumiu um discurso isolado
da publicidade tradicional?
Muitas são as perguntas que podemos formular. E as respostas sempre suscitarão
novas perguntas e novos questionamentos. Decifrar as imagens de Toscani não é uma
tarefa fácil. Muitos pesquisadores levantaram questionamentos sobre suas imagens.
Análises foram tecidas sob diversos enfoques. A investigação está quase sempre
vinculada a uma análise semiótica ou então a uma análise intertextual da imagem. Suas
imagens assumem um caráter polissêmico, como característica própria da comunicação.
Vianna (1999, p.144) mostra o quanto as campanhas da Benetton não impedem
a realidade da exclusão. Para a autora “tudo funciona, pois, em termos de mundo
Benetton, como no mundo infantil, onde a criança, diante da imperfeição materna, trata
de escamotear, preenchendo a terrível falha. Em ambos os casos, uma maneira de
olhar, que é ao mesmo tempo, maneira de não ver”.
16
Para Cavalcanti (2000, p.130) “a ausência do produto nos anúncios é mais um
ponto de venda, permitindo o aparecimento de uma série de questões no imaginário dos
receptores”.
Silva (2006, p. 149) defende que “a subversão do processo de significação da
mensagem publicitária por meio da fotografia (...) trata-se de uma identificação
diferente entre a empresa (marca) anunciante e seus consumidores (público), em
consonância com os valores por eles considerados mais interessantes no momento”.
Tais constatações, sob diversos enfoques metodológicos, não cessam, pois seu
repertório orienta a pesquisa por infindáveis “caminhos”, sem a preocupação de decifrar
e anunciar uma única verdade
Percorrer o território de análise de imagens assume uma importância a partir da
constatação de que vivemos imersos em um mundo imagético. Representações visuais
apresentam, narram, inferindo valores e identidades. Tais representações se efetivam
através de sistemas conhecidos (fotografia, pintura, televisão, anúncios publicitários,
etc.) mediando a compreensão e construção de idéias, sentidos e processos simbólicos.
A imagem polissêmica vem prenhe de significados que suscitam interpretações.
Os significados não são fixos e não existe uma lógica especial que permita uma única
interpretação de seu sentido. O sentido acessa nossa memória em busca de algum
resíduo imagético. Em geral o vestígio encontrado chega carregado de lembrança que
convoca outros sentidos, como olfato, audição, tato, paladar, tornando-a multi-
referencial.
Imagens fixas, em movimento, configuram visualidades na contemporaneidade.
Instantâneas e simultâneas, essas visualidades fluem no cotidiano como imagens de
informação, de publicidade e de ficção. Fluem, também, em espaços de representação
que homogeneízam ou aceleram defasagens entre estar inundado por fluxos imagéticos
e a capacidade de lhe conferir sentido e avaliar seus significados.
Ancoradas no pressuposto do predomínio da imagem principalmente a
publicitária na sociedade atual, acreditamos que se torna necessário, mais do que em
épocas anteriores, a reflexão baseada na análise crítica da imagem, para retirarmos o
“encantamento” promovido pela publicidade.
Nesta rota, propomo-nos a explorar o universo idílico da publicidade e seguir em
busca das mensagens que as imagens (re) velam.
Encaminhamos esta pesquisa que se fundamenta sobre questionamentos em que
somos convocados a pensar que a presença permanente de fluxos imagéticos pode ser
17
responsável pelas nossas escolhas, intervindo diretamente no cotidiano, uma vez que
estamos imersos num mundo em que imagens publicitárias nos convidam a mergulhar
num “oceano imaginárioe viver a fantasia de que o consumo pode nos transformar.
E, ilusoriamente, a transformação vem aliada ao consumo, tecendo a nossa
subjetividade:
O conteúdo crítico da visualidade contemporânea está associado ao conceito de
sociedade do espetáculo, contexto no qual se instala a idéia de uma sociedade da
imagem. O predomínio das imagens condensa certa ordem de relações onde o
espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas,
mediada por imagens (MARTINS, 2004, p. 2).
Essa mediação indícios de que o poder subjetivo da imagem cria
conseqüências sobre a forma de pensar, sentir, desejar, consumir e agir. Somada a esta
percepção, podemos pensar que a realidade pode ser substituída por imagens.
Assim, o processo de cisão causado pela imagem na realidade se efetiva
exigindo uma análise crítica do mundo em que vivemos, suas implicações e
desdobramentos.
Estando imersos neste universo a pergunta que enreda a nossa busca caminha
no sentido de encontrar discursos paralelos que possam convocar outras leituras de
mundo, outras propostas, outras imagens, que não contenham em seu bojo apenas a
repetição promovida pelo mundo fantasioso da publicidade.
O protagonista dessa pesquisa, como diz o próprio título, é o fotógrafo Oliviero
Toscani, no período que assumiu a comunicação da Benetton, com suas imagens fora do
contexto publicitário.
Seriam as imagens de Toscani um protesto? Como Toscani desenvolveu seu
potencial criativo? Por que Luciano Benetton apostou em Oliviero Toscani e em seu
discurso polêmico? As imagens causaram polêmicas, ou de fato criaram um novo
discurso no universo publicitário? A ruptura acontece por que vias?
A partir deste trajeto, lançamos as nossas investigações, marcadas por uma
perspectiva interdisciplinar como possibilidade de criar uma zona de interstício.
As imagens apresentadas no exame de qualificação serviram como base para
selecionarmos outras imagens que apontam para períodos e temas que marcaram as
rupturas provocadas por Toscani.
No primeiro capítulo, desenvolvemos a partir do levantamento de fragmentos
históricos, o surgimento da fotografia no século XIX e como ela se tornou recurso
primordial no discurso publicitário, quando assume a condição de fetiche.
18
Promovemos um diálogo entre três autores que desenvolveram reflexões a partir
da inundação causada pelos processos de comunicação: Theodor Adorno, Max
Horkheimer e Guy Debord. A escolha destes autores costura bases teóricas que nos
oferecem alguns recursos para analisar as imagens inseridas no mundo contemporâneo.
Para sustentar tal enredo, Kehl (2004, p. 16) produz ensaios e cria o conceito de
‘videologia’, criando assim um neologismo:
A palavra videologia é um trocadilho em aberto, cujo significado se consuma
quando contraposto ao significado das mitologias barthianas ou ao significado do
termo ideologia. Vivemos numa era em que tudo concorre para a imagem, para a
visibilidade e para a composição de sentidos no plano do olhar. É nessa perspectiva
que falamos em videologia, ou seja, na perspectiva de que a comunicação e mesmo a
linguagem passam a necessitar do suporte das imagens num grau que não se
registrou em outro período histórico. Os mitos hoje, são mitos olhados. São pura
videologia.
A questão fundamental que podemos levantar, a partir das reflexões
apresentadas acima, é que as mitologias sacralizaram certas mensagens como na
atualidade as videologias sacralizam certas imagens.
Neste sentido, é preciso compreender e decifrar os mecanismos pelos quais toda
cultura e toda forma de representação convergem em imagem, por vezes, como nas
imagens publicitárias, em imagem vazia.
Na contemporaneidade, o que verificamos é que os processos de comunicação
criam visibilidades que requerem cada vez mais da capacidade humana, recursos para
decodificar mensagens.
A partir da constatação da grande influência de imagens na sociedade
contemporânea, a escolha pelo percurso no território da publicidade acontece no bojo do
contraste e do conflito que elas denunciam.
Norval Baitello junior (2005, p. 85) refere-se que:
A cultura das imagens (e a transformação de toda a natureza tridimensional em
planos e superfícies imagéticas) abre as portas para uma crise da visibilidade,
dificultando aqui não apenas a percepção das facetas sombrias, mas até mesmo, por
saturação, aquelas regiões iluminadas.
No segundo capítulo, apresentamos o desenvolvimento iconográfico de Oliviero
Toscani, o seu encontro com a Benetton. Não podemos esquecer que Toscani - Benetton
nasceram no berço das “ruínas” de um mundo em guerra e a Benetton ofereceu todas as
suas cartas a Toscani, quando quis transformar a comunicação da empresa.
19
Dentro deste universo, o que as imagens denunciam? Quais análises elas nos
convocam? Para problematizar tal constatação, apresentaremos alguns recortes
históricos, brevemente citados, em que as peças publicitárias entram em circulação: a
globalização capitalista, o fim do apartheid, a queda do muro de Berlim, o avanço do
consumismo, a avanço da epidemia de AIDS e outros temas sempre apresentados por
Toscani de forma esteticamente muito intensiva e radical e em suporte fotográfico, de
tal forma que provocam, sistematicamente, fortíssimas reações.
Finalmente, apresentaremos no terceiro e último capítulo o corpus desta
pesquisa, que é a análise de quatro imagens produzidas para a Benetton veiculadas na
mídia publicitária entre os anos de 1988 e 1992. São as imagens: Eva e Adão (1988);
Ama-de-leite (1989) Pinóquios em marcha (1991) Menina e boneca (1992).
Para analisar as imagens escolhidas, pesquisamos e apresentamos imagens da
história da arte e da arte contemporânea, não como tentativa de explicar a construção da
imagem de Toscani, mas, principalmente, com o intuito de buscar tessituras que
contribuíssem na composição da análise.
Assim, a proposta desta pesquisa ancora-se na análise de imagens que
denunciam o contraste do mundo em que vivemos.
Para isto, Joly (1996, p. 10) destaca pontos primordiais para análise de imagens:
Uma iniciação mínima à análise da imagem deveria precisamente ajudar-nos a
escapar dessa impressão de passividade e a de “intoxicação” e permitir-nos, ao
contrário, perceber tudo que essa leitura “natural” da imagem ativa em nós em
termos de convenções, de história e de cultura mais ou menos interiorizadas.
Precisamente porque somos moldados da mesma massa que ela, a imagem nos é tão
familiar e não somos cobaias, como as vezes acreditamos ser.
Poderíamos dizer que usando um meio tradicional como a fotografia, Toscani
superou a fronteira da publicidade convencional, alterando radicalmente os esquemas de
referência, conduzindo a sua linguagem a um ponto tal que parece tê-la catapultado
decisivamente para o plano de arte politicamente empenhada, sem se deslocar do
suporte tradicional, onde a publicidade convencional vive e convive, assumindo uma
linguagem que ao invés de estilizar e idealizar a sensibilidade comum, agride-a, fere-a.
Toscani opera uma ruptura com o senso comum publicitário, propondo uma
publicidade radical, em sintonia com a própria filologia do conceito (coisa pública, bem
público, transparência, interesse público, opinião pública), que, através de temas vitais,
funcione como estímulo crítico, como discurso autônomo sobre as grandes causas,
promovido pela United Colors of Benetton.
20
Por mais pragmatismo que se esconda por detrás desta arte publicitária, não é
possível deixar de antever fortes efeitos no universo tão poderoso ocupado pela
publicidade.
Tais colocações parecem produzir sentido, pois nos oferecem um percurso com a
idéia alicerçada em pensar que a publicidade se desdobra com a finalidade única de
manipular o desejo em direção ao objeto desejante.
Partindo desse pressuposto, esta pesquisa tem como objetivo lançar uma análise
mais refinada sobre um conjunto de imagens que subvertem concepções e moldes
habituais, com o intuito de perceber qual discurso elas imbricam.
A proposta metodológica desta pesquisa assume um posicionamento analítico
ancorado na interdisciplinaridade, com o suporte de outros campos do saber, uma vez
constatado que para efetuar uma análise no campo da comunicação, através da imagem,
quase sempre se deve assumir este enredo. Assim teorias da Comunicação estão
enredadas com suportes teóricos da Arte, Antropologia, Sociologia, Psicanálise,
Filosofia que nos aparelham para a leitura das imagens que se traduzem, principalmente,
numa leitura da sociedade contemporânea.
A natureza desta pesquisa assume um caráter exploratório, ancorada em uma
abordagem qualitativa em que o processo de construção das informações coletadas a
partir de levantamento bibliográfico, representa um desafio que vai abrindo passagem
para seguir avançando em busca de novas representações da realidade, indicando
alternativas em novos formatos na medida em que nos aproximamos dela.
Pensamos, ainda, que tais imagens oferecem uma nova lente ocular para
enxergar além das aparências, na tentativa de oferecer outros possíveis significados
pessoais e culturais dentro de um contexto comunicacional.
Investigar as representações de tais imagens na atualidade oferece um lugar para
criar condições de decodificar e compreender o que tais manifestações visuais
mascaram em nossa sociedade.
Para sustentar esta afirmação, cito Fernando Hernandez (2000, p. 82), que
constata:
A construção da(s) identidade(s) deverá ser analisada à luz de manifestações que
processam informação e determinam marcadamente a configuração da cultura visual
da sociedade contemporânea, nomeadamente a mídia.
21
Esta afirmação orienta a busca, a reflexão desta pesquisa, em que o foco está na
atualidade, na diversidade de informações e de relações humanas, desvendando olhares,
desvelando cultura para sintonizar o tempo em que estamos inseridos.
Tendo em vista a apresentação desse conjunto de fatores, perguntamo-nos se, em
alguma medida, as imagens publicitárias de Oliviero Toscani propõem uma modificação
discursiva. Para isto precisamos situar que é a mídia o universo que acolhe suas
imagens.
Partindo desse pressuposto, o olho acostumado a dar conta dos deslocamentos e
da profusão de imagens que caracterizam a cena urbana, é convocado a desconstruir o
automatismo de leitura e as imagens podem tornar-se legíveis e visíveis.
Isso implica que à desorientação que atinge os sujeitos num primeiro momento,
segue-se uma procura por outras chaves de leitura que possibilitem a construção em que
novos “contratos de comunicação” vão sendo articulados.
Quando a reflexão sobre a cultura passa a ser a mensagem velada transmitida
pelas imagens, somos convidados a despir nossos olhares das leituras com códigos que
interpretam a partir do conhecido, e recobrir a nossa retina com uma camada fina e
transparente que possibilite a leitura de um idioma que possui seus próprios códigos
mais que informações, o que as imagens apresentam é uma interrogação a ser decifrada.
22
1. O ENTORNO NAS IMAGENS DE OLIVIERO TOSCANI
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singela.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar."
Berthold Brecht (1898 – 1956)
Na década de oitenta, presenciamos acontecimentos que romperam fronteiras,
estabelecendo, com isto, proximidade entre culturas, instalando novos conflitos,
ancorando uma nova era. Podemos pensar que tais acontecimentos são desdobramentos
impulsionados por vários fatores, como: a queda do muro de Berlim
2
; o processo
expansivo da globalização
3
; a epidemia da AIDS
4
; crimes ambientais; racismo; conflitos
religiosos; avanços tecnológicos; fome e outros acontecimentos que provocaram
impressionantes ramificações. Estas e outras vertentes sociais, políticas, econômicas e
culturais instigaram Toscani na construção de seu repertório imagético.
As imagens produzidas por Toscani configuram um campo amplo, múltiplo, que
vai exigindo uma análise crítica da imagem não apenas como artefato publicitário, mas
2
O Muro de Berlim caiu no dia 9 de Novembro de 1989, ato inicial da reunificação das duas Alemanhas,
que formaram finalmente a República Federal da Alemanha, acabando também a divisão do mundo em
dois blocos. Muitos apontam este momento também como o fim da Guerra Fria. O governo de Berlim
incentiva a visita do muro derrubado, tendo preparado a reconstrução de trechos do muro.
3
A globalização é um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural,
política, com o barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do
século XX e início do século XXI. É um fenômeno observado na necessidade de formar uma Aldeia
Global (MacLuhan) que permita maiores ganhos para os mercados internos saturados. As principais
características da globalização são a homogeneização dos centros urbanos, a expansão das corporações
para regiões fora de seus núcleos geopolíticos, a revolução tecnológica nas comunicações e na eletrônica,
a reorganização geopolítica do mundo em blocos comerciais (não mais ideológicos), a hibridização entre
culturas populares locais e uma cultura de massa universal.
O autor Peter Burke delineia a idéia de que a
globalização das comunicações tem sua face mais visível na internet, a rede mundial de computadores,
possível graças a acordos e protocolos entre diferentes entidades privadas da área de telecomunicações e
governos no mundo. Isso permitiu um fluxo de troca de idéias e informações sem precedentes na história
da humanidade. Se antes uma pessoa estava limitada à imprensa local, agora ela mesma pode se tornar
parte da imprensa e observar as tendências do mundo inteiro, tendo apenas como fator de limitação a
barreira lingüística. Pode-se dizer que este incremento no acesso à comunicação em massa acionado pela
globalização tem impactado até mesmo nas estruturas de poder estabelecidas, com forte conotação a
democracia, ajudando pessoas antes alienadas a um pequeno grupo de radiodifusão de informação a terem
acesso a informação de todo o mundo, mostrando a elas como o mundo é e se comporta. A publicidade
faz uso deste novo processo, interfaceando culturas, quebrando barreiras e muros e se infiltrando em
todos os cantos do planeta com a sua linguagem aliada à sociedade do consumo autorizada pelo
espetáculo que vivemos (BRIGGS & BURKE, 2006).
4
A luta contra a AIDS começou em 1981, quando foi registrada a primeira prova clínica da existência da
doença, e se estende até hoje, com o mundo inteiro procurando a cura e tentando evitar o aumento do
número de casos.
23
principalmente como objeto social. Em seu repertório podemos avistar como “a cultura
pode se tornar visível e o visível pode se tornar cultura” (MARTINS, 2005, p. 2).
O conteúdo crítico das imagens produzidas por Oliviero Toscani se instala a
partir dos efeitos de choque que elas causam. Neste sentido, tais imagens rompem com
a publicidade convencional, e constroem um “novo cenário”, que vai atravessando a
vida nas sociedades modernas, provocando um efeito de estranheza
5
.
Para entender o efeito de estranhamento, Kaufmann (1996, p. 174) descreve que:
Estranho (Fremde) é, portanto, esse lugar da Outra Coisa que habita o sujeito e
permanece fora de seu alcance. (...) Isso ocorre diante de diversas figuras fantásticas
que personificam o destino ou a morte, tais como o duplo ou a imagem do espelho,
que são garantias da sobrevivência, mas podem prenúncios do aniquilamento. (...)
Freud atribui esse efeito de estranheza ao retorno do recalcado em que os desejos
afastados e os pensamentos renegados ou rejeitados são projetados sob forma de
forças estranhas (...) o fenômeno em questão ocorre quando a fronteira entre
realidade e ficção está apagada (...) e sempre que um objeto da fantasia é encontrado
no real, ainda que isso pareça inacreditável.
Para situarmos o campo discursivo, assim como o lugar que tais imagens
ocupam, escolhemos citar aspectos históricos do surgimento da imagem fotográfica, o
contexto que ancora os desdobramentos sociais e subjetivos, focalizando as
transformações que alavancaram o quadro contemporâneo.
1.1
FRAGMENTOS HISTÓRICOS QUE DESPONTAM UMA SOCIEDADE IMAGÉTICA
No século XVIII, o Ocidente presenciou uma série de acontecimentos que
marcam definitivamente a relação do ser humano com o seu universo: o surgimento de
processos industriais com a invenção da máquina a vapor, oferecendo ao homem acesso
a bens materiais antes inatingíveis. Neste cenário, a fotografia emergiu quase como uma
forma industrial da imagem, que nascia apoiada na misteriosa máquina para pintar.
A fotografia começou a inundar a paisagem européia no berço do século XIX e
sua invenção é a ntese de várias observações e inventos em diferentes momentos.
Strickland (1999, p. 92) aponta que: “a primeira descoberta importante para a fotografia
foi a câmara escura, cujas origens remontam desde a Grécia Antiga, quando era
5
Em sua “Comunicação preliminar” (1893) introdutória aos estudos sobre histeria, Breuer e Freud
enunciam que “o traumatismo psíquico e, posteriormente, sua lembrança agem à maneira de um corpo
estranho”. É a estranheza desconcertante do sonho que leva ao reconhecimento das modalidades do
trabalho de transformação dos pensamentos e de sua tradução em forma dramatizada (KAUFMANN,
1996, p. 173).
24
chamada de câmara obscura. Mas, pelo menos a partir do século dezessete, foi utilizada
como instrumento auxiliar do desenho. A nova câmara foi desenvolvida primeiro na
França e depois na Grã-Bretanha e, posteriormente, de forma revolucionária, nos
Estados Unidos”.
Foi entre experiências no campo da física e da química que as primeiras imagens
começam a surgir. Quando na França correu a notícia de que dois inventores (Joseph-
Nicephore Niépce e Louis-Jacques Mande Daguerre) acabavam de fixar qualquer
imagem que lhes fosse trazida em placas prateadas, espalhou-se um espanto universal:
Se esta foi a mensagem histórica de Nadar no começo do século, ela merece
toda atenção, particularmente no momento atual, pois cabe a nós avaliarmos
agora o imenso impacto da fotografia, a maneira como impregnou nossas
sensibilidades sem que o percebêssemos realmente, além da utilização de
estratégias profundamente estruturadas pela fotografia no conjunto das artes
visuais (KRAUSS,1990, p. 22).
Sob este prisma, a fotografia se desloca da pura esfera mecânica da película
impressionada e começa a invadir a arte, a história, a documentação e a crítica social.
Kubrusly (1991, p. 31), em seu ensaio sobre fotografia, defende que “diante dos
vestígios deixados pela imagem fotográfica na câmara escura, o homem se deparou com
um fascínio e com uma incerteza. Fascínio diante de uma perfeição que jamais vira
numa imagem plana e a incerteza quanto a seu lugar na comunidade das imagens”.
Para seguir o raciocínio sobre o fascínio das primeiras imagens, Flusser (2002,
p. 16) defende que “a invenção da fotografia pode ser comparável, quanto à sua
importância histórica, à invenção da escrita, pois os textos foram inventados a fim de
retirarem os homens do estado de magia em que estavam envoltos, e as imagens que
surgem da fotografia parecem devolver aos textos um estado de magia”.
O autor afirma que:
As imagens técnicas (fotografias) emancipam a sociedade da necessidade de
pensar conceitualmente, substituindo a consciência histórica pela consciência
mágica e, neste sentido, tendem a eliminar os textos. Imagens técnicas foram
inventadas num cenário de crise dos textos (...) quando surgiam textos
herméticos (sobretudo os científicos), inacessíveis ao pensamento conceitual
barato.
Valery (1929, p.28) afirmou que “a fotografia prestou o mesmo serviço à escrita,
ao pôr a nu a pretensão ilusória da língua de comunicar a idéia de um objeto visual com
algum grau de precisão”.
25
Os escritores não devem temer que a fotografia possa, em última instância,
restringir a importância da arte da escrita e com isso agir como seu substituto,
pois embora a fotografia registre ou mostre o presente, ela nem sempre
descreve, propriamente falando. Para o autor, o oficio do escritor que retrata
uma paisagem ou um rosto, sugere tantas visões diferentes quantos forem seus
leitores e o mesmo vale para uma foto.
Para Sontag (2004, p.176) “a própria realidade passou a ser entendida como um
tipo de escrita, que tem de ser decodificada – enquanto as próprias imagens fotográficas
foram a princípio comparadas à escrita (o nome dado por Niépce ao processo pelo qual
a imagem aparece na chapa era heliografia, escrita do sol’; Fox Talbot chamava a
câmera de ‘caneta da natureza’)”.
Para entrelaçar idéias, Krauss (1990, p. 41) aponta que num primeiro momento,
ainda no século XIX, “o registro fotográfico é organizado em torno do espaço
expositivo. Como espaço de exposição podemos pensar em museu, salão oficial, feira
internacional, qualquer destes espaços que fossem constituídos de uma parede para
expor obras de arte”.
Sontag (2004) apresenta suas reflexões sobre a luta travada pelos fotógrafos para
estabelecê-la no universo das artes. Para a autora:
A fotografia entrou em cena como uma atividade arrogante, que parecia ultrapassar e
rebaixar uma arte estabelecida: a pintura. Mas que contra a crítica de que o seu
procedimento era apenas uma cópia mecânica e sem alma da realidade. Os
fotógrafos alegavam que se tratava de uma revolta de vanguarda contra os padrões
comuns de uma visão, uma arte tão digna quanto a pintura (SONTAG, 2004, p.
143).
Essa efervescência cultural aliada ao potencial de comunicação assumido pela
fotografia abala definitivamente os rumos da pintura, que foi colocada em dúvida,
abrindo passagem para um movimento que iria mudar definitivamente o modo de “ler”
e “ver” o mundo: o impressionismo
6
.
Com base nesta suposta trégua entre a fotografia e a pintura, a fotografia foi
inicialmente de má vontade, depois, com entusiasmo – reconhecida como uma bela-arte.
Mas a questão de pertencer ou não ao território da arte se apresenta como enganosa. Foi
Marcel Duchamp quem respondeu de forma mais radical às mudanças que foram
impostas pela era industrial ao mundo da arte.
6
Impressionismo foi um movimento artístico que surgiu na pintura européia do século XIX. O nome do
movimento é derivado da obra Impressão, nascer do sol (1872), de Claude Monet.
26
Mink (2000, p.41) relata que “aproximadamente em 1912, Duchamp foi a uma
exposição de tecnologia da aviação e disse a Brancusi
7
: A pintura está condenada.
Quem conseguirá fazer algo melhor que uma hélice? Dizes-me, tu consegues?. Essa
declaração ilustra claramente o dilema visual do artista quando confrontado com as
realizações da idade industrial e a sua introdução na vida de todos os dias” (grifo meu).
Inserido na metamorfose ocidental, Duchamp começou a fazer mudanças no
contexto da arte e principalmente da pintura, inserindo-a no “núcleo de uma nova
estrutura celular da arte no século XX” (MINK, 2000, p. 42).
A partir de tais constatações, o questionamento de Duchamp surge no contexto
em que a fotografia vai invadindo a vida cotidiana, anunciando uma nova forma de
representar, deslocando e desfocando o lugar da arte.
Neste cenário, a fotografia vai enredando uma nova história. Burgin (2006, p.
391) aponta que a inteligibilidade da fotografia não é algo simples:
Fotografias são textos registrados em termos daquilo que podemos chamar de
discurso fotográfico, mas este discurso, como qualquer outro, envolve outros
discursos além de si mesmo; o texto fotográfico, como qualquer outro, é o local de
uma complexa “intertextualidade”, uma série sobreposta de textos prévios “tomados
por certo”, em uma particular conjuntura cultural e histórica. Esses textos prévios,
pressupostos pela fotografia, são autônomos; eles desempenham um papel no texto
real, mas não aparecem nele; estão latentes no texto manifesto e podem ser lidos
através dele “sintomaticamente” (com efeito, a imagem fotográfica é tipicamente
lacônica – um efeito explorado e refinado pela publicidade) [grifos meus].
Seguindo a idéia de intertextualidade, Salzedas (2001, p. 8) afirma que:
Tanto texto como imagem são expressões comunicativas, com mecanismos inerentes
à pertinência de cada uma, usadas em diversos contextos situacionais que vão desde
a pré-história até tempos modernos (...). Juntos, podem ter relações de
complementaridade, de interação ou de exclusão; isolados, fecham-se sobre
referentes, designando-os ou criando-os; correlatos, constroem sentidos emanados
ora de um, ora de outro.
Desde a invenção da fotografia, atualmente o que presenciamos são avanços
tecnológicos, que facilitam os recursos para a captação da imagem. E o que faz a
diferença não é mais a imagem que pode ser instantaneamente capturada, mas o seu
conceito, a sua mensagem.
7
Constantin Brâncuşi (Hobiţa, Oltênia, 19 de fevereiro de 1876 – Paris, 16 de março de 1957) foi o mais
célebre escultor romeno e um dos principais nomes das vanguarda moderna.
27
1.1.1 Imagem fotográfica como ferramenta da publicidade
Com o surgimento da fotografia, no século XIX, incansáveis debates foram
travados sobre o seu lugar de pertencimento, e aos poucos a imagem fotográfica
começou a inundar o espaço da publicidade. Com isto, ocorre a universalização dos
valores de consumo que são veiculados pela imagem e o homem vai assumindo o lugar
de espectador e consumidor de imagem.
Silva (2006, p. 35) indica-nos que a “primeira aparição da imagem fotográfica
como forma de comunicação de que se tem registro aconteceu em 1854, com a
divulgação de um pôster afixado em Paris, no qual se vendiam lotes próximos a
Boulevard Saint-Germain”.
Por muito tempo, as funções informativa e objetiva, características marcantes da
imagem fotográfica, foram os únicos recursos utilizados pelos profissionais de
propaganda, cabendo ao fotógrafo mostrar os produtos como eles realmente eram, com
fidelidade e detalhes.
Em pleno modernismo (1922 - 1936), em que se iniciou o processo de
composição planejada da imagem publicitária, “o fotógrafo Edward Steichen produziu
um portifólio que apareceu em todas as revistas de circulação de massa publicada nos
EUA. Seu maior sucesso artístico e financeiro aconteceu neste período, devido a sua
habilidade de transferir as teorias publicitárias para as produções fotográficas. Steichen
foi um dos primeiros fotógrafos a entender a dual natureza da fotografia, ou seja, uma
imagem rica em detalhes e, ao mesmo tempo, de diversas significações” (SILVA, 2006,
p. 36).
Com isto, a imagem passa a ser associada ao consumo “consumimos imagens
em todas as suas formas: marcas, modas grifes, tendências, atributos, adjetivos, figuras,
ídolos, símbolos, ícones, logomarcas” (BAITELLO JUNIOR, 2005, p. 54).
Na sociedade da imagem somos convidados a participar de um universo onírico
em que tudo parece ser natural e feliz, e por outro lado, a manipulação de mensagens
que se alojam de forma não consciente deixa-nos a sensação de vazio.
Seguindo esta trilha, Baitello Junior. (2005, p. 48) nos sinaliza:
Por fim, todos abriram passagem para as imagens, representações de representações,
ilustrações de ilustrações, realidades cada vez mais distantes, abstratas e descarnadas
de interioridades, vazias ou ocas, fantasmas de aparição súbita e efêmera, que serão
sucessivamente substituídos por mais fantasmas, como uma imagem sucede a outra,
infinitamente, sem nunca levar algo que não seja também uma imagem.
28
Segundo Matos (2006, p.19), “a comunicação midiática veicula e reforça a
cultura de uma ética indolor, a ética dos atuais tempos democráticos. Novos valores são
transmitidos: fetichismo da juventude, cuidados com o corpo, mas sem nenhum ideal do
espírito”:
Vivemos numa época do pós-dever, sem obrigações ou sanções morais. Sociedades
“pós-moralistas”, elas celebram o puro presente, estimulando a gratificação imediata
de desejos e pulsões o que leva a interrogar a natureza mesma das sociedades
contemporâneas, não mais centrada no homem, no indivíduo, no cidadão, em sua
dignidade e liberdade, mas no consumo e no espetáculo. A sociedade do espetáculo
contemporânea é a da visibilidade absoluta: é panóptica (MATOS, 2006, p. 20)
1.2
I
NDÚSTRIA
C
ULTURAL E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
:
DIÁLOGO HÍBRIDO
Na década de quarenta, quando Theodor Adorno e Max Horkheimer formulam o
conceito de “indústria cultural”, que, por sua vez, substitui o de “cultura de massa”:
Essa formulação (substituição de conceito) induz a engano. Esta (indústria cultural)
não é produzida pelas massas, mas para as massas. A passividade é o seu elemento.
Passividade tem aqui sentido preciso: a indústria cultural é uma psicanálise ao revés,
é regressiva, é “manipulação racional do irracional”, o irracional passa a ocupar o
lugar da razão. Seus procedimentos: os da mídia (MATOS, 2006, p. 40).
Passados quase vinte anos, Guy Debord, pensador francês da segunda metade do
século XX, alavancou e complementou as idéias de Adorno e Horkheimer com a
publicação da mais importante obra teórica dos situacionistas na década de 70: A
sociedade do espetáculo, um livro espantosamente lúcido e demolidor, precursor de
uma análise crítica da moderna sociedade de consumo visivelmente sustentada pela
publicidade. Debord defende que:
As imagens que se destacaram de cada aspecto da vida fundem-se num fluxo
comum, no qual a unidade dessa mesma vida não pode ser restabelecida. A
realidade considerada parcialmente apresenta-se em sua própria unidade geral
como um pseudomundo à parte, objeto de mera contemplação. A
especialização das imagens do mundo se realiza no mundo da imagem
autonomizada, na qual o mentiroso mentiu para si mesmo. O espetáculo em
geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo
(DEBORD, 1997, p. 14).
Debord anuncia um cenário marcado pela tirania das imagens e a submissão
alienante ao império da mídia em que os profissionais desta área invadiram fronteiras e
29
conquistaram todos os domínios da arte à economia, da vida cotidiana à política
passando a organizar de forma consciente e sistemática o império da passividade
moderna.
Na atualidade, em que representações visuais dominam o nosso cotidiano, Maria
Rita Kehl (2004, p. 44) articula um diálogo entre o conceito de indústria cultural de
Adorno e Horkheimer e o de sociedade do espetáculo de Guy Debord, incitando
questões que nos orientam na busca por compreender contextos contemporâneos.
Tanto Adorno e Horkheimer, quanto Debord, interessam-se pelos efeitos da
expansão industrial dos objetos da cultura, produzidos em série para grandes massas
urbanas, sob a subjetividade contemporânea. Esses efeitos são indissociáveis da
produção e transmissão do que chamamos de ideologia, de modo que afetam não apenas
os indivíduos isolados: dizem respeito ao laço social.
Da indústria cultural à sociedade do espetáculo, o que houve foi um
extraordinário aperfeiçoamento técnico dos meios de se traduzir a vida em imagem, até
que fosse possível abarcar toda a extensão da vida social. Para Kehl (2004, p. 44), a
“produção industrial de imagens, o trabalho alienado e o fetiche da mercadoria são
centrais tanto no texto de Adorno quanto de Debord”.
Neste cenário, o sujeito não é reduzido somente a mais um competidor na massa,
mas é tratado principalmente como consumidor. Essa operação consiste em apelar para
a dimensão do desejo, que é singular, e responder a ela com o fetiche da mercadoria. A
confusão que se promove, entre objetos de consumo e objetos de desejo, desarticula, de
certa forma, a relação dos sujeitos com a dimensão simbólica do desejo, e lança a todos
no registro da satisfação das necessidades, que é real. O que se perde é a singularidade
das produções subjetivas, como tentativas de simbolização.
A alienação do espectador em favor do objeto contemplado se expressa assim:
quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas
imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu
próprio desejo (DEBORD, 1997. p.24 ).
Em Adorno e Horkheimer:
O princípio impõe que todas as necessidades lhe sejam apresentadas como podendo
ser satisfeitas pela indústria cultural, mas, por outro lado, que essas necessidades
sejam de antemão organizadas de tal sorte que eles se vejam nelas unicamente como
um eterno consumidor, um objeto da industria cultural. (ADORNO e
HORKHEIMER, 1994, p. 133).
30
Neste enredo, o interessante não é o nivelamento do indivíduo enquanto
consumidor, mas sua transformação em objeto da indústria, na outra ponta da linha que
produz os bens com que ele deve se satisfazer. “A missão da indústria cultural não é
dirigir-se ao consumidor como sujeito pensante, mas desacostumá-lo da sua
subjetividade! Mesmo quando o público se rebela contra a indústria cultural, essa
rebelião é o resultado lógico do desamparo para o qual ela própria o educou” (KEHL,
2004, p. 52).
Que desamparo é esse? O desamparo do aperfeiçoamento da alienação: os sujeitos já
não se apóiam sob suas faculdades de julgamento (pensamento), resolução (agir
conforme o desejo) e senso moral (suportar a castração
8
). Tampouco sustentam-se
sobre os laços que as ligam a uma comunidade com base em experiências
compartilhadas. Se toda a experiência é mediada pelo espetáculo, e se o espetáculo
“desacostuma as pessoas à subjetividade”, elas estão totalmente à mercê dele. É só
por isso que a indústria cultural pode maltratar com todo sucesso a individualidade,
porque nela sempre se reproduziu a fragilidade da sociedade (KEHL, 2004, p. 53).
É nesse sentido que podemos compreender que a identificação do espectador
com as imagens que se oferecem a ele como representação das suas necessidades o
afasta cada vez mais da possibilidade de compreender sua existência e seu desejo.
1.3
I
MAGENS E
P
UBLICIDADE
:
ENREDO E INTERSTÍCIO
Sob este viés, a publicidade assume um aspecto central na dinâmica do
espetáculo: está tão incorporada à cultura das sociedades modernas que não concebemos
a vida sem ela, pois com o desenvolvimento de suas sofisticadas técnicas de
aliciamento, extrapolou o objetivo original de promover a venda de certas mercadorias.
Junto ao consumo, a publicidade vende sonhos, ideais, atitudes e valores para a
sociedade inteira. Mesmo para quem “não consome nenhum dos objetos alardeados pela
publicidade como se fossem a chave da felicidade, consome a imagem deles. Consome
o desejo de possuí-los” (KEHL, 2004, p. 61).
O que os publicitários descobriram é que é possível fazer o inconsciente do
consumidor trabalhar a favor do lucro de seus clientes. O inconsciente, como sabemos,
não é ético nem moral. O inconsciente é amoral. Ele funciona de acordo com a lógica da
realização (imediata) dos desejos, que na verdade não é tão individual como parece. O
desejo é social. Desejamos o que os outros desejam, ou o que nos convidam a desejar.
8
O termo castração utilizado no texto refere-se a um conceito utilizado pela psicanálise, e nessa
perspectiva, corresponde à incapacidade do sujeito de obter no Outro a garantia de gozo (Kaufmann,
1996, p. 81).
31
Uma imagem publicitária eficaz deve apelar ao desejo inconsciente, ao mesmo
tempo em que se oferece como objeto de satisfação. Ela determina quais serão os
objetos imaginários de satisfação do desejo, e assim faz o inconsciente trabalhar
para o capital. Assim, a publicidade dirige-se ao desejo e responde a eles com
mercadorias. Interessa-se pelos sonhos e fantasias para captá-los como tendências de
mercado (KEHL, 2004, p. 61).
Para Baitello Junior (2005, p. 96-97) a “proliferação indiscriminada e
compulsiva de imagens exógenas em todas as linguagens em todos os tipos de espaços
midiáticos gera também nos receptores a compulsão exacerbada de apropriação.
Todavia não se trata mais de um processo de apropriação de coisas, mas de suas
imagens, não-coisas. (...) Isto equivaleria a dizer que devorar imagens pressupõe
também ser devorado por elas (...) ao contrário de uma apropriação, trata-se aqui de uma
expropriação de si mesmo”.
A grande regra é dada pelas devorações cotidianas anônimas que se perpetram à
revelia do conhecimento público, porque rotineiras, porque em vão e sem caminho
de volta. As rotinas que devoram, os modismos, os ideais apregoados pelos deuses
menores da publicidade e do marketing, as novas necessidades de se fazer visível, o
ritmo dos tempos da produtividade e muitas, muitas outras imagens, que julgamos
possuir como troféus na parede, não fazem outra coisa senão nos devorar.
Diariamente (BAITELLO JUNIOR, 2005, p. 97).
Assim, podemos entender que o enredo da publicidade é a manipulação do
desejo e da alienação e na atualidade está “visceralmente se alastrando como uma
grande epidemia” (KEHL, 2004, p. 62).
1.4
O FETICHE DA IMAGEM
E o fetichismo
9
, onde entra nessa história? Temos mais de duzentos anos de
capitalismo industrial, e se estivermos de acordo com Marx, o fetichismo da
mercadoria, como modo de ocultamento das relações de dominação/exploração entre
homens sob a aparência das relações de troca entre as coisas, nasceu com a
transformação dos produtos do trabalho humano em mercadorias.
9
Fetichismo [Do fr. tichisme.] S.m. 1. adoração ou culto de fetiches.2. Culto de objetos materiais,
considerados como a encarnação de um espírito, ou em ligação com eles, e possuidores de virtude
mágica. 3. Perversão em que um indivíduo adora um objeto que simboliza a pessoa amada, ou localiza em
um fetiche, o desejo erótico (FERREIRA, 1999, p. 897).
32
Temos cem anos de psicanálise e, de acordo com Freud, o fetichismo como
modo de ocultamento da falta nasce com a recusa, por parte do sujeito moderno, em
admitir a diferença sexual entre homens e mulheres.
O que o fetiche da mercadoria tem em comum com o fetiche do sujeito da
psicanálise? É possível dizer que a imagem, na era da mídia eletrônica, seja a forma
mais atualizada de fetiche? Como é que a imagem dos ídolos do mundo dos
espetáculos circula, hoje, produzindo sobre os sujeitos que a “consomem” o efeito
de um fetiche? Como é que o fetichismo opera determinando uma subjetividade,
tanto materiais quanto libidinais, da sociedade atual? (KEHL, 2004, p. 68)
A hipótese é de que as sociedades do espetáculo, que são a forma pós-moderna
das sociedades capitalistas, tiveram que efetuar um retorno das propriedades do fetiche:
dos objetos para as imagens de corpos humanos.
Se, num primeiro momento, o fetiche se encarna na mercadoria, objetivando
nessas relações de troca as condições subjetivas de sua produção, a circulação imaterial
desta forma tecnologicamente superdesenvolvida de mercadorias as imagens produz
o investimento das mesmas crenças que sustentam o fetiche, sobre a imagem dos
indivíduos mais destacados nesta produção de espetáculos.
Não que o fetiche da mercadoria tenha se perdido, absolutamente (...) mas a crença
que sustenta o fetichista a de que não existe diferença como evidência da falta; a
de que o valor da mercadoria é propriedade transcendental dela mesma e não efeito
da lenta perda de vida humana transferida para os objetos teve que se expandir
para abarcar os próprios homens. Ou melhor, teve que se expandir até alcançar a
imagem humana (KEHL, 2004, p. 81).
O efeito, como sintoma, é por um lado, o achatamento de nossa riqueza
subjetiva, com o empobrecimento das trocas que somos capazes de efetuar com o outro.
Por outro, a relação necessária entre a produção de espetáculos faz com que os sujeitos
sejam imediatamente investidos pela publicidade, permeando as relações humanas com
os efeitos virtuais da mídia.
Para Mota (2006, p. 68):
A assimilação dos valores de consumo e a aquisição de bens materiais pela
sociedade de massa constituem um poderoso redutor do dinamismo do pensamento
(...) a mercadoria é carregada de animismo e fetichismo (...) fetichismo é estranheza,
é desrealização; é experiência alucinatória, pois traz consigo o sentimento de
afastamento do que era familiar.
33
A sociedade do consumo envolve e arrasta toda a ideologia. Lamentavelmente a
publicidade se infiltra em nossa vida, produzindo valores, visões, esquemas de
comportamento, capturando consciências. Nesse contexto caracterizado por culturas
fragmentadas qual imagem nos captura? Nosso olhar inundado, imantado pela
publicidade não vê, engole imagens, devora mensagens, diariamente...
34
“A publicidade geralmente nos diz como
devemos consumir a vida. Deveria nos dizer
como criá-la; a criação é muito diferente do
consumo”.
Oliviero Toscani
35
2. OLIVIERO TOSCANI: O DESENVOLVIMENTO DE UM OLHAR
ICONOGRÁFICO
Oliviero Toscani, caçula de três filhos, nasceu em plena Segunda Guerra
Mundial em 28 de fevereiro de 1942, na cidade de Milão, norte da Itália. O seu
nascimento teve como pano de fundo o cenário devastador de um país imerso no caos.
Seu pai, Fedele Toscani, foi um ativo repórter fotográfico do jornal Corriere della Sera,
de onde acompanhou os principais acontecimentos do mundo entre 1930 e 1970.
Quando Toscani nasceu, estava cobrindo notícias da guerra. Sua mãe, Dolores Cantoni,
segundo Toscani (1996, p. 20), “desenvolveu com a costura, uma atenção particular
para tudo o que é bem feito e com isto tornou-se arduamente crítica e preocupada com a
aparência”.
Toscani (1996) relata que trás na memória de sua infância brincadeiras de rua e a
circulação pelas escadarias de prédios bombardeados com cenas de ruínas e crescimento
de limbos nas paredes. Outras imagens o perseguem, como cenas cotidianas que
vivenciou na casa onde passava o verão, logo depois da guerra, em Clusone, província
de Bérgamo. De dia, via cortarem o pescoço de gansos com machado e o
esquartejamento de porcos. À noite, ficava olhando Cristo, retratado num quadro
pendurado na parede do quarto onde dormia. A cena era de Cristo com coroa de
espinhos, gotas de sangue no rosto e um coração ensanguentado na mão.
Frequentou a escola primária em Milão, e após o término, seu pai conseguiu o
recurso suficiente para mandá-lo para uma excelente escola particular: um internato
administrado pela Igreja, onde – ele gostava de dizer – tinha sido um rebelde. A
convivência com padres figuraria de forma proeminente em sua iconografia para a
Benetton.
Um pouco mais crescido, relata a lembrança de outras imagens. Uma ligada a
iconografia sacra: Nossa Senhora com auréola e o manto azul, um pouco desalinhada,
sentada numa cama desfeita
10
; e outra é a de um cartão postal de Giorgio De Chirico
11
,
10
A cena relatada trata-se do filme Nostra Signora dei Turchi de Carmelo Bene de 1968. O filme é uma
espécie de documentário sobre Ontranto, Itália, lugar em que os turcos tentaram invadir matando os
sarracenos. Ao espectador é apresentado uma série de bizarras e surreais imagens. Carmelo Bene
apresenta Nossa Senhora com uma característica bastante humana, emblemática, invadindo a vida e os
sonhos de um homem. (Toscani, 1996, p. 11).
11
Giorgio De Chirico nasceu em Volos, Grécia, em 1888. Morreu em Roma, Itália, em 1978. Estudou
em Atenas. Foi para Munique em 1906, tendo recebido nessa época influências do romantismo de
Böcklin e do simbolismo de Klinger. Entre 1911 e 1915 morou em Paris, onde entrou em contato com as
vanguardas artísticas. Suas telas foram admiradas por Breton e Apollinaire. Durante a Primeira Guerra
36
onde é possível avistar um trem que atravessa uma praça com uma estátua ao meio.
Segundo Toscani (1996), a recordação desta imagem data de quando tinha nove anos, e
é a sua primeira lembrança de uma desorientação diante de uma representação de uma
realidade que ultrapassava o real.
Figura 1 – Giorgio De Chirico – A incerteza do poeta - 1913.
O hiper-real surgiu pouco depois através da imagem do desastre aéreo das
Linhas Aéreas Italianas que caiu perto de Milão e Toscani, acompanhando seu pai,
deparou-se com corpos sem vida, objetos, malas, fotografias. Entre os destroços,
recorda-se do livro de William Klein
12
, que tinha o retrado de um pedreiro jovem que
carrega nos ombros uma pilha de tijolos arrumados simetricamente. O jovem parece
olhar para a objetiva de August Sanders
13
e sua expressão não demostra se os tijolos
Mundial retornou à Itália. Nesse período, junto com Carrá e Morandi, introduziu idéias de uma pintura
metafísica, que interrogavam dimensões do conhecimento, onde o vazio existencial se faz presente.
Giorgio De Chirico teve bastante projeção dentro das correntes artísticas vigentes na época tendo
contribuído, decisivamente, para o Surrealismo, proposto por Breton, em 1924. Mais tarde, rompeu com
esses movimentos e passou a pesquisar técnicas de pintura copiando, inclusive, quadros renascentistas.
(Texto publicado para o Encontro de Pós-Graduação em Filosofia do Ceará.
www.filosofia.ufc.br/homenagem_chirico.htm).
12
KLEIN, William. Nova Iorque 1954 – 1955. Dewi Lewis Plublishin, 1959.
13
August Sander fundou o seu estúdio em Lindenthal, em 1910. Começou o trabalho da sua vida,
Pessoas do Século XX, que o manteve ocupado até aos anos cinqüenta. Nos anos trinta, teve problemas
com os Nacional-Socialistas devido às atividades políticas do seu filho, obrigando-o nessa altura a tirar
fotografias de paisagens na zona do Rio Reno e na parte velha de Colônia. Antes disso, ao publicar
Espelho da Alemanha e Rosto dos Tempos, conseguiu concluir pelo menos a primeira fase da sua idéia de
uma imagem enciclopédica e sistemática do povo alemão. Por fim, em 1980, foi publicado o trabalho
reunido sob o título original Pessoas do Século XX. Depois da destruição do seu estúdio e arquivo em
37
pesam ou não, se suporta a sua condição com esforço ou se, ao contrário, a enfrenta com
leveza.
Figura 2 – August Sander - Pessoas do século XX – Pedreiro - 1928.
O olhar de Toscani (1996) foi aguçado por uma vida inteira com uma máquina
fotográfica nas mãos. Sua primeira máquina uma Rondini Ferrania ganhou de seu
pai aos seis anos de idade, tornando-se assim o retratista oficial da família e da turma de
amigos.
Sua primeira foto publicada aconteceu quando ele tinha apenas quatorze anos,
em Julho de 1957, quando acompanhando o pai em uma reportagem jornalística sobre a
transferência dos restos mortais de Mussolini para a região da Emilia-Romana, em
Predappio, próximo a Rimini, onde ele seria definitivamente sepultado:
Havia uma grande confusão, camisas negras que iam e vinham, muita agitação. Num
certo instante, uma mulher desceu de um carro negro que chegara de repente. Tinha
o rosto coberto por um véu, estava vestida de preto. Dois policiais tomaram-na pelo
braço e a encaminharam para a sepultura. Aproximei-me do grupo, ficando atrás de
uma grade. Alguns camisas-negras perceberam que eu tinha uma máquina
fotográfica. Aproximaram-se e me empurraram para longe da mulher. Caindo em
direção em que ela vinha, disparei numa fração de segundos, antes que ela
desaparecesse na multidão, dentro de uma capela. Enquanto isso meu pai, de cima
de um túmulo, havia fotografado a cena do alto. Num carro, a toda velocidade,
partimos para Milão para revelar os filmes. Para contentar-me, meu pai revelou
1944, Sander mudou-se para Kuchhausen, na região de Westerwald. O seu nome quase foi esquecido em
Colônia, até L. Fritz Gruber exibir o seu trabalho na Photokina, em 1951 (KRAUSS, 1990, p. 52).
38
também o meu rolo. Deteve-se interessado na última foto. Olhou-a em silêncio e, em
seguida, disse: “Eis, a foto de hoje é sua”. Foi assim que minha foto de Raquel
Mussolini deu a volta ao mundo (TOSCANI, 1996, p. 15 ).
Tornou-se fotógrafo e, aos dezenove anos, inscreveu-se na Kunstgewerberschule
de Zurique para prestar exames do tipo: Desenhe o que você ouviu (grifo meu) após um
imenso barulho; ou então Faça uma composição com vinte e cinco quadradinhos,
utilizando apenas duas cores (grifo meu). Esses exercícios eram baseados na teoria de
composição e decomposição das cores de Johannes Itten
14
(1888 - 1967). Toscani
passou em todos os testes e foi um dos cem classificados de quinhentos inscritos.
Permaneceu em Zurique por quatro anos (1960 - 1965) e teve como professores Walter
Binder e Serge Stauffer
15
. Quando Oliviero Toscani (1996) tornou-se um fotógrafo
reconhecido mundialmente pelas suas imagens, recebeu uma carta de Walter Binder,
que dizia:
“Você se lembra Oliviero daquela manhã fria no início de 1962, quando
concentrando suas esperanças no curso de fotografia, você decidiu entrar na escola de
artes aplicadas de Zurique? (...) Você, italiano, filho de um fotógrafo, destacou-se
desde o início pelo temperamento e seriedade com que começou imediatamente a
trabalhar. Logo ordenou e fixou, através da fotografia, o estudo dos valores, das
formas, das estruturas; do ‘escuro para o claro’, do ‘pequeno ao grande’, do ‘refinado
ao vulgar’estabelecendo níveis diversos de exercício, que depois você integrou numa
escala estrutural, para compreender como restituir matéria, cor e forma. Você se
lembra Oliviero, daqueles disparos frios e objetivos que nos fizeram ganhar até alguns
concursos entre os quais – lembra? – O alumínio na nossa época, na Expo de Lausanne
de 1964.(...) E a Exposição Mundial de Fotografia, organizada no outono de 1964 por
Karl Pawek, no Museu de Artes Aplicadas de Zurique, completamente dedicada à
‘realidade’, ao estado real da nossa vida’? Em 1955, Edward Steichen, com a família
dos homens, revelava as verdades elementares da vida, aquelas que nos assemelham
porque são as mesmas para todos: o amor, o nascimento, o ódio, a morte. Karl Pawek,
ao organizar para a Exposição Mundial de Fotografia Was ist der mensch (o que é o
14
Johannes Itten nasceu em 1888, em Suderen-Linden na Suíça. Foi professor de escola primária, e teve
formação de pintor com Adolf Hoelzel, cujas didáticas de arte e teoria de composição influenciaram seu
trabalho. Lecionou arte em uma cidadezinha perto de Berna, transferindo–se para Viena para dirigir uma
escola de arte. Nesta época foi apresentado a Gropius que o convidou para dar uma palestra sobre os
"Ensinamentos dos Mestres Antigos" na sessão inaugural da Bauhaus em 21 de Março de 1919, no Teatro
Nacional de Weimar. Em outubro do mesmo ano, ocupou a cadeira de professor da Bauhaus até março de
1923, quando pediu demissão. Itten foi a figura mais importante durante esta primeira fase da Bauhaus
tendo influência nas oficinas, na organização e na estruturação de cursos de design (TOSCANI, 1996,
p.27).
15
Serge Stauffer que foi colaborador de Marcel Duchamp - ofereceu a Toscani experimentação como:
perguntas sem respostas objetivas; situações que permitiam quebra de regras, de paradigmas, derrubando
o lugar-comum que havia dentro de Toscani; mostrou a Toscani que as coisas podem ser vistas de ângulos
diferentes dos preconcebidos, que existem novos caminhos a serem percorridos. Stauffer era um
personagem de vanguarda que ajudou a projetar os seus alunos para o futuro (TOSCANI, 1996, p. 32).
39
homem), chamava a atenção para os contrastes que atingem o ser humano: o consumo,
as diferenças de classes, a exploração do trabalho. Então nas nossas intermináveis
discussões, você defendia uma concerned photography na qual o engajamento pessoal
estaria em primeiro lugar, condição indispensável para um trabalho sério.(...) Você se
lembra na noite de 22 de Novembro de 1963? Estávamos festejando o nosso sucesso na
Expo, quando soubemos do assassinato de John Kennedy. De manhã cedo, corremos à
Banca da estação e compramos todos os jornais, todas as edições especiais ilustradas
para analisá-las e discuti-las com toda a classe. (...) Esse foi o seu aprendizado.(...)
Depois, você foi muito mais longe, Oliviero. Um industrial liberal, digno de admiração,
permitiu a você dizer tudo o que sempre quis exprimir, que na época de sua
formação era a sua maior preocupação: contaminar permanentemente o seu trabalho
com o seu engajamento político (...)” (BINDER, 1996, p. 26).
No período em que esteve estudando artes na Escola de Zurique, o
comportamento e o modo de vestir retratavam essa consciência: jeans e cabelos
compridos eram o uniforme de Toscani, as músicas de Animals, Beatles e Rolling
Stones. A imersão na escola de artes de Zurique, talvez tenha modificado a concepção
de Toscani no que se refere à escola e contribuído para o projeto arrojado da fabricca na
mansão em Catena de Villorba como um desafio de uma escola que não se parece com
nenhuma outra.
Em 1964, ganhou um pequeno concurso de fotografia, que lhe proporcionou
uma viagem gratuita pelos cinco continentes por oito meses. Fotografava universos
conhecidos, ao sabor das circunstâncias, da inspiração, o que Toscani (1996) afirma ter
sido sua maior escola.
A década 70, segundo Toscani, foi um incinerador de ideologias:
Eu recordo os anos setenta, principalmente, como um grande laboratório , no qual
foi pensado e posto a agir o vírus da Aids: anos de grande e absoluta promiscuidade
sexual. Mulheres que trepavam com mulheres, homens que trepavam com homens,
homens que trepavam com mulheres e também mulheres que trepavam com homens.
Qualquer combinação era lícita; qualquer iniciativa, encorajada. No fundo, era um
modo de comunicar que inclusive, serviu para abrir nossas mentes e conscientizar-
nos da existência de determinadas diferenças, a ensinar-nos a conviver com quem
tem gostos diferentes(...) os anos setenta foram também os valores tradicionais do
bom gosto. Começava-se a o ir mais ao cinema, a televisão era a mesma de hoje,
isto é, a mesma dos anos cinquenta. Era lógico acabar na cama: ainda era o lugar
mais seguro. Parecia mais perigoso passear de bicicleta e, enfim, menos divertido.
Eu vestia jeans, tinha os cabelos compridos e os bigodes à Gengis Khan, usava
camisas Brooks Brothers e tênis. Fotografava para Elle e Vogue. Era o momento em
que a moda significava um apelo para que os outros compreendessem que éramos ou
o que queríamos ser. Voava para Nova York até quatro vezes por mês, vivia entre
Paris, Londres e Milão: no mundo da moda, a unidade européia tinha sido
efetivada; trabalhava-se e viajava-se sem fronteiras (TOSCANI, 1996, p. 168).
Toscani deixou a escola de Zurique em março de 1965. Tirou suas primeiras
fotos nos concertos de rock dos anos 60, que freqüentava assiduamente. Começou a
40
trabalhar como fotógrafo para as revistas de moda, tais como Elle, Vogue for Men, Lei,
Donna, GQ, Mademoiselle, Harper´s. A partir de então usou seus contratos e foi para
Nova York, conviveu com Andy Warhol e fotografou o círculo do King’s Road e da
Londres do Swing.
Figura 3 – Oliviero Toscani - capa revista Elle - 1988.
O trabalho de Toscani neste período, era dividido entre fotografias de famosas
modelos e projetos publicitários para Jesus Jeans, Prénatal, Valentino, Esprit, Fiorucci,
etc., que envolviam mulheres e negros. Os gays foram se reunindo, criando movimentos
que desembocaram na publicidade imagens de homens musculosos e bigodudos dando
as mãos e beijando-se ternamente. David Bowie lançava o androgenismo em escala
mundial como um clone para um futuro sem sexo. Foi uma era em que não havia espaço
para nada em segredo, tudo estava explícito. Toscani circulava em vários ambientes:
Entrava em contato com diferentes tipos de tabu, ia de um estúdio fotográfico ao
hotel Chelsea, que então não tinha nada de mítico; a casa ocupada por uma
comunidade hippie com seus ritos que pareciam ritos de sobreviventes; ao salão
burguês onde se falava dos panteras negras. Na lembrança os anos setenta foram
mais abertos a uma certa mobilidade, sem esnobismos, com menos preclusões. Foi o
período do terrorismo, mais também foi aquele em que Giulia Maria Crespi
convidava a sua casa o líder de sessenta e oito Mario Campanna. Foi o período da
violência política máxima, mas também o do mais vigoroso protesto pacifista, com
John Lennon e Yoko Ono e as suas performances pela paz que representavam
naturalmente nus na cama. Os anos setenta também foram os anos da descoberta
eletrônica, sobretudo da Polaroid SX 70 Aladim (...) Fotografei para a Vogue
America os estilistas emergentes italianos, de Walter Albini a Giorgio Armani. Mas
o único a ter renome internacional era Elio Fiorucci. A moda de então estava ligada
41
a seu nome e à sua marca com os dois anjinhos. Diante de sua loja, na rua Torino,
em Milão, estacionavam as primeiras fashion victims, os fioruccini”, parados na
porta, falando de moda. Em Londres, nesse momento, se abria o Hard Rock Café,
inaugurando a onda das casas noturnas onde não se podiam conversar por causa da
música muito alta. Andy Warhol projetava a capa do disco Sticky Fingers dos
Rolling Stones, o inesquecível estojo jeans, cujo fecho se abria sobre o zíper de
Mick Jagger. No Vietnã, os americanos fugiam de helicóptero carregando a última
bandeira. Isso são flashes de imagens daquele decênio que ficaram impressas na
minha memória, como o encontro do corpo retalhado de Pier Paolo Pasolini
16
e do
de Aldo Moro
17
, aninhado na Renault vermelha (TOSCANI, 1996, p. 169).
Figura 4 – Campanhas criadas por Toscani para as marcas: Prenatal, Jeans Jesus e Fiorucci.
O cenário social, político e de grande turbulência cultural na Itália foi palco para
o trabalho publicitário de Toscani para a Benetton. A sua formação crítica foi o
combustível explosivo de sua prestigiosa missão, a difusão e a valorização da imagem
internacional da Benetton, que proporcionou-lhe numerosas recompensas, dentre as
quais o Grande Prêmio de Cartaz, o Grande Prêmio Unesco e, em 1989, foi
16
Pier Paolo Pasolini (Bolonha, 5 de março de 1922 - Ostia, 2 de novembro de 1975) foi um escritor e
cineasta italiano. Antes de ficar famoso como cineasta tinha sido poeta e novelista. Entre seus livros mais
conhecidos estão Meninos da Vida, Uma Vida Violenta e Petróleo. De porte atlético e estatura média,
Pasolini usava óculos com lentes muito grossas, realizou estudos para filmes sobre a Índia, a Palestina e a
África (Apontamento para uma Oréstia Africana). Era homossexual assumido. Seus filmes são muito
conhecidos por criticarem a estrutura do governo italiano (na época fortemente ligado à Igreja Católica),
que promovia a alienação e hábitos conservadores na sociedade. Prova disso é a obra Teorema, em que
um índividuo entra na vida de uma família e a desestrutura por inteiro (cada membro da familia
representa uma instituição da sociedade). Foi assassinado em 1975, seu corpo tinha o rosto desfigurado e
foi encontrado em uma praia tranquila em Ostia. Os motivos de seu assassinato continuam gerando
polêmica até hoje, sendo associados a crime político ou um mero latrocínio.
17
Aldo Moro (Maglie, 23 de Setembro de 1916 - Roma, 9 de Maio de 1978) foi um político italiano.
Ocupou o cargo de primeiro-ministro da Itália. Seqüestrado em 16 de março de 1978 pelo grupo terrorista
Brigadas Vermelhas e foi assassinado pouco menos de um mês depois. Ativo membro da Igreja Católica,
foi um dos líderes mais destacados da Democracia cristã na Itália e membro da Ordem Terceira de São
Domingos.
42
contemplado com o Leão de Ouro no festival de Cannes, por um dos inúmeros filmes
publicitários que realizou.
Sobre a publicidade de moda, Lipovetsky (1989), contemporâneo de Toscani,
relata o que estava por trás de toda uma explosão da moda no Ocidente:
Onde começa, onde termina a moda, na era da explosão das necessidades e da mídia,
da publicidade e dos lazeres de massa, das estrelas e dos sucessos musicais? O que
não é, ao menos parcialmente, comandado pela moda quando o efêmero ganha o
universo dos objetos, da cultura, dos discursos de sentido, quando o princípio de
sedução reorganiza em profundidade o contexto cotidiano, a informação e a cena
política? Explosão da moda: doravante ela não tem epicentro, deixou de ser o
privilégio de uma elite social, todas as classes são levadas pela embriaguez da
mudança e das paixonites, tanto a infra-estrutura como a superestrutura estão
submetidas, ainda que em graus diferentes, ao reino da moda.
(...)
Estamos imersos
na moda, um pouco em toda parte e cada vez mais se exerce a tripla operação que a
define propriamente: o efêmero, a sedução, a diferenciação marginal. É preciso
deslocalizar a moda, ela não se identifica ao luxo das aparências e da
superfluidade, mas ao processo de três cabeças que redesenha de forma cabal o
perfil de nossas sociedades (LIPOVETSKY, 1989, p. 155).
Toscani (1996) cita outra entrevista que Lipovetsky concedeu a Didier Schilte,
publicada pelo Libération em outubro de 1993:
Onde era possível encontrar a provocação no final do século XIX? Seguramente na
arte. E hoje? As vanguardas artísticas pararam de fazer escândalo. Onde está então a
transgressão? Paradoxalmente na expressão mais reconhecível do capitalismo: a
publicidade. Por isso é preciso começar a olhar com atenção as mensagens como as
da Benetton, que parecem hoje as únicas capazes de suscitar um debate na nossa
sociedade. O vínculo entre ética e business atinge o público com violência. Penso
que seja errado. Parece-me que este vínculo representa um progresso em relação à
estupidez da maior parte dos anúncios comerciais. A publicidade da Benetton é uma
das poucas em sintonia com a nossa sociedade, que atingiu uma nova fase em
relação ao consumo (LIPOVETSKY, 1996, p. 57).
Ao referir-se à publicidade, as idéias de Toscani parecem andar na contramão
dos ideais oficiais que sustentam o mercado publicitário. Publicidade para o autor,
raramente ensina alguma coisa e o sistema é de tal modo refinado que o público em
geral além de aturá-la, paga e antecipadamente. Ele completa:
A publicidade é um martelamento infinito, destinado a girar capitais. Cada um de
nós pagamos uma taxa de publicidade, incluída no preço propagandeado. Deveria
ser uma espécie de imperativo moral procurar utilizar este dinheiro em alguma coisa
útil. Por exemplo é um paradoxo a existência da UPA
18
, que administra o nosso
dinheiro, o que nós pagamos como taxa sobre o produto propagandeado. O que
fazem com este dinheiro? Utiliza-o talvez para uma ação beneficente? Não a UPA
protege os que fazem publicidade, fingindo controlá-los através de um organismo: o
Júri de Autodisciplina, cuja função é simplismente garantir a sobrevivência do
sistema. O Júri é o instrumento de uma corporação, a dos publicitários, expressado e
desejado por ela. Jamais prestará um serviço verdadeiramente útil aos consumidores.
18
UPA – União dos Publicitários Associados.
43
Finge defendê-los, mas na realidade, defende a corporação que garante a sua
existência. É a enésima fraude para nos prejudicar. Nenhum júri dirá jamais que a
despesa com publicidade na Itália é igual a despesa para a pesquisa industrial, maior
que os investimentos estatais destinados à educação e infinitamente superior aos
investimentos na saúde pública (TOSCANI, 1996, p. 50).
Oliviero Toscani escancara as contas publicitárias informando que oitenta por
cento do faturamento publicitário são divididos entre poucos setores de produtos de
amplo consumo, para produzir quase sempre sugestões fictícias em vez de informações
verdadeiras. No ano de 1995, Oliviero Toscani publicou um livro, que fora lançado no
Brasil com o nome A publicidade é um cadáver que nos sorri (2005, p. 21) em que ele
anuncia “o desejo de abrir um processo de Nuremberg
19
da publicidade sob as
seguintes acusações:
a) Crime de malversação de somas colossais: de acordo com relatórios oficiais,
a publicidade representa somas gigantescas no orçamento anual investidas
em marketing direto, promoção de eventos, relações públicas, etc... cobrindo
cada esquina, invadindo o cotidiano de todos nós que surpreendentemente
pagamos por isso.
b) Crime de inutilidade social: segundo o autor, os publicitários não cumprem a
sua função essencial que é a de comunicar, a eles falta senso de moral.
c) Crime de mentira: atualmente a condição humana é inseparável do consumo
e a publicidade acaba sendo o veículo que ao invés de vender produtos e
idéias, vende um modelo falsificado e hipnótico de felicidade, oferecendo
aos nossos desejos um universo subliminar que insinua que a juventude, a
saúde, a virilidade, bem como a feminilidade.
d) Crime contra a inteligência: a proposta da publicidade parece ser de um
mundo de ninharias entusiastas cada vez mais repetidas em um tempo de
crise econômica e espiritual em que o consumidor está ficando com raiva
dos anúncios, foge dos comerciais, passa correndo as páginas publicitárias
dos jornais, não memoriza mais, a publicidade torna-se transparente.
19
O termo Julgamentos de Nuremberg aponta inicialmente para a abertura dos primeiros processos
contra os 24 principais criminosos de guerra da Segunda Guerra Mundial, dirigentes do nacional-
socialismo, ante o Tribunal Militar Internacional (TMI) ("International Military Tribunal", IMT) em 20 de
novembro de 1945, na cidade alemã de Nuremberg; um outro sentido para esse termo tem ligação com os
"Processos de Guerra de Nuremberg", que também levam em conta os demais processos contra médicos,
juristas, pessoas importantes do Governo entre outros, que aconteceram perante o Tribunal Militar
Americano e onde foram analisadas 117 acusações contra os criminosos.
44
e) Crime de persuasão: a publicidade é uma arapuca forçando ao consumidor o
prazer de consumir como imbecis felizes. Neste emaranhado torna o público
cada vez mais anoréxico.
f) Crime de adoração às bobagens: a década de 1980 foi o período de culto ao
sucesso pessoal a qualquer preço, da grana, da aparência, dos vitoriosos, em
que a publicidade entrou como reboque, sempre caricatural, enchendo
jornais e clipes com slogans como “vencedores”.
g) Crime de exclusão e de racismo: nas campanhas da propaganda nazista,
belas e belos adolescentes de cabelos louros corriam por campos verdejantes
e por cidades assépticas. Atiravam-se à água rindo, esportivos, sadios,
musculosos, jovens em grupos simáticos... felizes. A década de trinta foi a
década do futurismo, da moda, da ginástica, dos estádios, dos jogos
olímpicos presididos por Hitler. Os nazistas inventaram a propaganda
publicitária da alegria. Era necessário assemelhar-se a essas imagens idílicas.
E esse mundo utópico inquietante, seletivo e racista perpetua-se com a
publicidade.
h) Crime contra a paz civil: de tanto querer vender a felicidade, a publicidade
acaba fabricando legiões de frustrados. De tanto provocar desejos que
derivam em decepção, a publicidade perde o objetivo e origem a
deprimidos e delinqüentes. A publicidade não vende felicidade, ela gera
depressão e angústia. Cólera e frustração.
i) Crime contra a linguagem: os truques grosseiros da publicidade saltam à
vista desde que se preste atenção nos seus slogans. Bobos. Repetitivos.
Pobres. Imbecilizantes.
j) Crime contra a criatividade: a publicidade é extremamente solícita para com
aquele que compra. Ela insiste que todo esse esforço de produção de bens de
consumo adapta-se a suas necessidades profundas. Não se dirige à massa,
mas à pessoa. Na verdade não é o consumidor que compra, é o produto que
atende às suas expectativas. E esse truque grosseiro é cantado em todos os
tons.
k) Crime de pilhagem: os publicitários são como urubus. Copiam tudo,
adaptam tudo, recuperam tudo. A publicidade especializou-se em pilhar os
movimentos de idéias e musicais, a imprensa, o cinema, tornando-os
assépticos e esvaziando-os de quaquer conteúdo.
45
Oliviero Toscani (2005, p. 40) associa a publicidade a um cadáver perfumado,
fazendo uma alusão aos comentários sobre defuntos: “ele está bem conservado, parece
até que sorri”. O autor defende que o mesmo vale para a publicidade. Acha-se morta,
mais continua sorrindo.
2.1
A
VERDADE DIRUPTIVA NAS IMAGENS DE
O
LIVIERO
T
OSCANI
Ao conhecer o interesse visual que enreda a história de Oliviero Toscani, nos
deparamos com um sujeito que mescla pensamento crítico, aguçada criatividade, com
uma personalidade polêmica, que se lança em busca de reconhecimento, inserindo a
realidade dramática ao universo fantasioso construído pela publicidade. Neste sentido
“o real é algo inteiramente diverso do verdadeiro, pois o real é estranho à linguagem e a
dimensão simbólica, é o que resiste à simbolização. O encontro com o real gera angústia
e trauma. O real é algo “estranho” ao significado” (MATOS, 2006, p. 31).
Retornando à sua formação artística, Toscani (1996) diz:
A arte também é uma expressão de furor: uma sinfonia de Beethoven, Guernica de
Picasso
20
, um quadro de Bacon ou uma foto de Diane Arbus
21
são obras generosas,
em que a ira jamais é sufocada pela boa intenção ou pelo mal entendido conceito de
tolerância. Um determinado extremismo da arte tem a ver com o extremismo de uma
reação violenta. Enraivecer-se serve para não se voltar para si mesmo, serve para
tornar viva a nossa reação com os outros (...) deve-se ter coragem de falar em voz
alta porque sussurrar pausadamente para não perturbar abre o caminho para aqueles
que bradam. A atividade publicitária, não vende produtos, mas um modo de vida,
20
Pablo Picasso - Guernica - 26 de Abril de 1937. 16h45. A pequena cidade basca foi presenteada com
um bombardeamento surpresa protagonizado pelos aviões nazis da legião Condor durante 2h45m. 1.654
mortos e 889 feridos (em cerca de 7.000 habitantes). A Luftwaffe de Hitler (com o apoio de Franco)
pretendia testar uma nova tática de guerra. Guernica foi o palco e a sua população as cobaias.
21
Diane Arbus (Diane Nemerov, 14 de março de 1923, em New York City; (suicídio) 26 de Julho de
1971). Foi uma fotógrafa americana, lebre por seus retratos. A temática principal de sua fotografia era
"o outro lado", mais angustiado, da cultura americana. Arbus experimentou com o flash durante o dia,
permitindo destacar a figura principal do fundo das fotografias. Diane Arbus começou a fotografar com
Allan, seu marido. Depois de se separar, aprendeu com Alexey Brodovitch e Richard Avedon. No início
dos anos 60, deu início à carreira de fotojornalista e publicou na Esquire, The New York Times
Magazine, Harper`s Bazaar e Sunday Times, entre outras revistas. Por esta altura, escolheu uma máquina
reflex de médio formato Rolleiflex com dupla objetiva, em detrimento das máquinas de 35 mm. Com a
Rolleiflex teria “vistas largas”, mais resolução e um visor à altura da cintura que lhe proporcionava uma
relação mais próxima com o fotografado. Duas bolsas Guggenheim (1962 e 1966) permitiram-lhe
desenvolver melhor um trabalho de autor, mostrado pela primeira vez num museu em 1967 (coletiva New
Documents Museum of Modern Art). Em Julho de 1971 suicidou-se tomando barbitúricos e cortando os
pulsos. O catálogo da exposição retrospectiva que o curador John Szarkowski concebeu, em 1972, tornou-
se num dos mais influentes livros de fotografia. Desde então, foi reimpresso 12 vezes e vendeu mais de
100 mil cópias. A exposição do MoMa viajou por todo o país e foi vista por 7 milhões de pessoas. No
mesmo ano, Arbus tornou-se a primeira fotógrafa americana a ser escolhida para a Bienal de Veneza.
Diane Arbus fotografou essencialmente pessoas à margem da sociedade e pessoas comuns em poses e
expressões enigmáticas (KURAMOTO, 2006).
46
um sistema social, homogêneo e associado a uma indústria conquistadora
(TOSCANI, 1996, p. 204).
Figura 5 – Diane Arbus, Untitled, 1969.
Figura 6 – Pablo Picasso – Guernica – 1937.
Neste sentido, podemos entender que o repertório que ancora sua personalidade
severa e crítica, principalmente no meio publicitário, foi construído pela sua
47
potencialidade dinamizada pelo meio em que estava imerso e pela capacidade de
desapegar-se de rótulos e “clicar” além dos que os olhos vêem:
Para mim a fotografia tem o “f” maiúsculo. Não a considero a parente pobre da
pintura e não me interessa uma escalada em direção ao cinema. Nem a televisão
conseguirá pô-la de lado. A fotografia permanece, e permanecerá por muito tempo, o
ponto de partida da imagem moderna. É uma invenção deste século (XX) que nos
últimos quarenta anos, fez progressos prodigiosos. É verdade que é possível se
comunicar com a escrita ou com a arquitetura, mas as limitações são tais e os custos
tão altos que resulta cada vez mais difícil. A fotografia, ao contrário, é o primeiro
meio: da foto da primeira comunhão à foto três por quatro, é um universo de
comunicação que parte sempre da realidade, mesmo quando a modifica, a violenta
ou a elimina. A imagem é mais real que a realidade porque é um universo
simultaneamente fechado e aberto a mil interpretações (TOSCANI, 1996, p. 12).
E continua:
Freqüentemente, nos conformamos com o que foi feito e funcionou e preferimos não
arriscar a experimentar. Se o nos lembrássemos que as letras do alfabeto m um
som, e que uma ao lado da outra podem ter um sentido, o que se tornariam as
palavras que lemos? Formas fantásticas e abstratas, como o alfabeto japonês ou
árabe (...) como fotógrafo, eu gosto de pensar que posso ser absolutamente
analfabeto e que posso ler somente a forma das coisas e não o sentido que está por
trás do nome delas (TOSCANI, 1996, p. 208).
A psicanálise, neste trajeto, nos orienta a pensar a questão do “olhar” de
Toscani. A equação entre ver e conhecer não é um privilégio de nossas diversas
modernidades, muito menos de Toscani, mas está inscrita, por exemplo, desde a língua
grega, onde o verbo oîda, conhecer, é o particípio do verbo eído, que significa ver.
(AZEVEDO, 2006, p. 15).
Aproveitando esse privilégio do visual nas línguas ocidentais, clássicas e modernas,
podemos inicialmente dizer que aproximamos arte e psicanálise para poder ver de
maneira diferente, talvez melhor, algo do próprio mundo. Olhamo-nos com os olhos
do outro (e do Outro?). Temos duas operações retóricas de capital importância: o
olho é metonimicamente inflado, a ponto de tornar-se equivalente ao sujeito, e sua
ação, o olhar, é metaforicamente posta em relação de semelhança com o conhecer.
Arte e psicanálise, sob este enfoque, podem ser articuladas em uma perspectiva
fantasística de complementaridade, em que um traz ao outro o que lhe falta.
Antecipamos desde que não é esse tipo de relação que nos interessa perseguir aqui.
Se, por um lado, acreditamos ser possível aproximar arte e psicanálise, tal aproximação,
a nosso ver, deve ser feita sob a égide da intersecção, ou seja, de pontos em comum que
se entrecruzam e que se sustentam, justamente por terem no horizonte a dimensão de
corte, de impossibilidade de termos uma relação plena, consistente e estável.
48
Retomando o fio para o entendimento das imagens de Toscani, o desafio de criar
inúmeras imagens passaria despercebido se não acontecessem exatamente sob os
holofotes do mercado publicitário. Segundo Silva (2006, p. 62), “a audácia e a
provocação foram a característica que Toscani carimbou em suas propagandas. As fotos
que geraram discussões, em função da sua visão diferenciada do fazer publicitário,
também promoveram ostensivas mídias gratuitas. No caso de Oliviero Toscani,
certamente vale o ditado: falem bem ou mal, mas falem de mim”.
Se a estratégia de divulgação despertou o interesse, por outro lado, em muitos
países foi proibida ou censurada, quando não, recusada por jornais e revistas. A
imprensa mundial, em defesa própria, justificou-se dizendo que a Benetton e Toscani se
aproveitavam das mazelas do mundo em benefício comercial. Para Toscani (TESSLER,
1992, p. 7), essa censura “se caracterizou como ‘medieval’, promovida por profissionais
que não conseguiam aceitar o sucesso de suas campanhas”.
O fato é que as polêmicas criaram enorme expectativa em torno das campanhas.
Todos esperavam ansiosos o que o “diabo da comunicação publicitária” (apelido dado
pela imprensa italiana) fotografaria para o próximo anúncio.
Essa subversão nos permite comparar as fotografias de Toscani com o
movimento dadaísta
22
por, historicamente, “ser o mais contestador e polêmico para a
arte, assim como Toscani é para a atividade publicitária” (SILVA, 2006, p. 25).
Características como contestação, inquietação, rebeldia e vanguarda, aproximam
o movimento dadaísta da proposta de Toscani, que segundo ele:
É apavorante que todo esse imenso espaço de expressão e de fixação de cartazes, o
maior museu vivo da arte moderna, em mil vezes o Blowboreg e o Museu de Arte
Contemporânea de NY reunidos, esses milhares de quilômetros de cartazes
mostrados no mundo inteiro, esses países gigantes, esses slogan pintados, essas
centenas de milhares de páginas de jornal impressas, esses milhões de horas de
televisão, de mensagens radiofônicas, fiquem reservados a esses paradisíacos
mundos de imagens imbecil, irreal e mentiroso. Uma comunicação sem nenhuma
utilidade social. Sem sentido. Sem outra mensagem que não seja a exaltação
grotesca de um modo de vida acintosamente yuppie, bastante agradável e bem
humorada (TOSCANI, 1996, p. 22).
22
O Dadaísmo é caracterizado pela oposição a qualquer tipo de equilíbrio, pela combinação de
pessimismo irônico e ingenuidade radical, pelo ceticismo absoluto e improvisação. Enfatizou o ilógico e o
absurdo. Entretanto, apesar da aparente falta de sentido, o movimento protestava contra a loucura da
guerra. Assim, sua principal estratégia era mesmo denunciar e escandalizar.
49
O principal artista dadaísta, Marcel Duchamp, contestou, revolucionou a
convencionalidade instaurada e sem sentido da arte. Oliviero Toscani mostrou ao
mundo uma nova visão do fazer publicitário, quebrando paradigmas e criando
indagações em uma sociedade acostumada a mensagens puramente comerciais:
Do ponto de vista da visibilidade, a arte do século XX parece ter produzido duas
grandes subversões: uma operada pelas primeiras vanguardas negava a
representação convencional e propunha em seu lugar o estatuto de apresentação para
a obra de arte (em um sentido que se associa tanto à revelação como ao enigma);
outra proposta em meio à revolução empreendida pelas vanguardas, mas com um
pressuposto diverso, que iria ser explorado mais profundamente a partir do final
dos anos 1950, se concentra na figura de Marcel Duchamp e, de certa forma, com
algumas experiências surrealistas (...). O desencadeamento do processo de
significância se dá, por essa via, à revelia do discurso interpretativo, como o
conhecem as vertentes iconológicas da teoria da arte (PANITZ, 2006, P. 80).
Neste sentido, o se trata de eliminar a produção de conceitos a partir do
estímulo visual. A provocação que o movimento propõe e que se arrasta até nossos dias,
está justamente nesse ponto: ao ser de alguma maneira descartado, o estímulo visual
começa a empreender o seu trabalho.
Esses são pressupostos que só poderiam ser pensados em uma época que já tinha
sido apresentada ao novo estatuto do sujeito, que é o sujeito que vive descentrado,
vivendo essa experiência do ver-não-ver, do ver-depois, do ver uma outra coisa, do
distrair-se frente à coisa observada.
Segundo Mink (1994, p. 64), em 1917 , foi fundada em Nova Iorque a nova
Society for Independent Artists, que tinha por modelo o Salón dês Independants de
Paris. Qualquer pessoa que pagasse seis dólares podia apresentar dois trabalhos.
Duchamp era um dos diretores do grupo, mas como ele não gostava da organização,
decidiu provocar os responsáveis pela escolha e exibição dos objetos, ao apresentar a
Fonte sob pseudônimo”.
A Fonte era um urinol de porcelana de um modelo que, quando montado numa
casa de banho pública, poderia ser utilizado por um homem a urinar de pé. Duchamp
simplesmente limitou-se a colocar o urinol sobre o lado plano, assinou a base, logo a
seguir ao buraco do cano: “R.Mutt”. Embora a assinatura fosse inspirada em Mutt e
Jeff, personagens de histórias em quadrinhos, e o “R” significasse “Richard”, o que em
sentido familiar, em francês, quer dizer “pessoa rica”, a comissão pensou que se tratava
de uma partida de mau gosto. Mas Duchamp estava também a brincar com o verdadeiro
50
nome da empresa de Nova Iorque onde ele adquiriu o urinol, a “Mott Works”, alterando
ligeiramente a ortografia, como era tão típico dele.
23
Com a obra Fonte, Duchamp faz o deslocamento de um objeto produzido
industrialmente, para uma finalidade específica, para o espaço da arte. Com isto ele faz
uma incisão no universo artístico, desmontando olhares, quebrando paradigmas,
causando indignação, levantando polêmicas e, claro, abalando as estruturas no espaço
em que possuía suas garantias de suporte, de materiais e principalmente com códigos
próprios.
Figura 7 – Marcel Duchamp Fonte – 1917.
A partir deste enfoque, podemos começar a pensar que Oliviero Toscani opera
deslocamentos de imagens veiculadas na dia informativa, lançando-a na mídia de
entretenimento (publicidade). O seu percurso causa disruptura, seja pela polêmica, pela
23
A Fonte era um urinol de porcelana de um modelo que, quando montado numa casa de banho pública,
poderia ser utilizado por um homem a urinar de pé. Duchamp simplesmente limitou-se a colocar o
urinol sobre o lado plano, assinou a base, logo a seguir ao buraco do cano: “R. Mutt”. Embora a
assinatura fosse inspirada em Mutt e Jeff, personagens de histórias em quadrinhos, e o “R” significasse
“Richard”, o que em sentido familiar, em francês, quer dizer “pessoa rica”, a comissão pensou que se
tratava de uma partida de mau gosto. Mas Duchamp estava também a brincar com o verdadeiro nome da
empresa de Nova Iorque onde ele adquiriu o urinol, a “Mott Works”, alterando ligeiramente a ortografia,
como era tão típico dele (MINK, 1994, p. 67).
51
quebra paradigma. Porém a “máquina” publicitária não se enverga à sua linguagem.
Continua gastando todo o recurso, que nós consumidores mantemos, para continuar nos
oferecendo um mundo fantasioso, espetacular e espetaculoso.
Falando em espetacular, na sociedade do espetáculo, que é a própria sociedade
do consumo, o mecanismo que garante ao sujeito a visibilidade necessária para que ele
exista socialmente o é o da identificação. Na horizontalidade da circulação das
imagens/mercadorias, o mecanismo das identificações é substituído pela tentativa de
produção de identidades.
não é mais com a imagem do Outro
24
que o sujeito tenta se identificar, mas como
uma espécie de imagem de si mesmo apresentada pela dia como uma imagem
corporal. Se a publicidade dirige-se permanentemente a um sujeito que deve ser
“todo mundo” e não é particularmente ninguém; se a imagem capaz de convocar a
multidão de homens genéricos é a imagem mais abrangente, e, portanto mais vazia
possível; se o gozo desta imagem vazia é elevado à condição de experiência
subjetiva (e de experiência estética) para os sujeitos da sociedade do espetáculo; e
se, finalmente, a eficácia dessa experiência depende do apagamento de todas as
outras dimensões da vida que não caibam no puro tempo presente do aparecimento;
então só a imagem do corpo próprio pode servir de suporte para a construção de uma
ilusão de identidade para os sujeitos da sociedade do espetáculo (KEHL, 2004, p.
58).
Nesta ilusão de identidades o apagamento absoluto das diferenças, em que o
sujeito supõe dominar a imagem que o Outro espera dele, e nesse ponto não pode
escapar da singularidade.
A sociedade do espetáculo ainda é alimentada pela sociedade de massas em seu
estágio mais avançado. Na sociedade do espetáculo, a dimensão dos ideais é
dispensada a favor da dimensão do consumo, operando diretamente sob o circuito da
satisfação, convocando os sujeitos a gozar
25
. Assim os objetos e imagens são
apresentados como objetos de desejo, a partir de um discurso que assemelha as
formações do inconsciente onde não existem negação nem restrições impostas
pelo tempo e pelo outro convocando o sujeito a aparecer como consumidor: sua
visibilidade é reconhecida no ato do consumo e para isso a publicidade tem que
trabalhar não com os ideais, mas com o seu avesso (KEHL, 2004, p. 73).
24
A concepção lacaniana do significante implica uma relação estrutural entre o desejo e o “grande
Outro”. Essa noção de “grande Outro” é concebida como espaço aberto de significantes que o sujeito
encontra desde seu ingresso no mundo (KAUFMANN, 1996, p. 385).
25
O que pertence ao gozo – no sentido da psicanálise – não é de modo algum redutível a um naturalismo,
trata-se, ao contrário, do ponto em que o sujeito pactua com a linguagem (KEHL, 1996, p. 221).
52
2.2 B
ENETTON
:
ESPAÇO DE COMPOSIÇÃO DAS IMAGENS DE
T
OSCANI
Porém, nesta sociedade do espetáculo, em que a moda invade novos territórios,
inundando nossos desejos, convocando-nos a elucidar as forças e o funcionamento das
sociedades modernas marcadas pela sedução e também pelo efêmero, a Benetton se
arriscou a estender seus “tapetes vermelhos” para ir além da ideologia e da alienação
que o universo da publicidade nos conduz.
As imagens estampadas por todos os cantos do planeta pela Benetton sugeriam
que abríssemos os olhos para a imensa miséria do mundo, tornando visível o invisível
do universo publicitário. As imagens infiltraram-se em nossa visão como as imagens
refletidas nos espelhos deformantes daqueles que encontramos nos parques de diversões
e que, mesmo deformando, mostra cada um a sua maneira, um fragmento amplificado,
simplificado e estereotipado do mundo.
A saga da família Benetton foi biografada pelo americano Jonathan Mantle
(1999) que conta a extraordinária história do percurso de uma família que vai da fome
ao luxo e de uma empresa que se construiu a partir de origens humildes até se
transformar num fenômeno global, orquestrado com grande habilidade, pois Benetton é
um nome que se tornou sinônimo de controvérsia nos últimos anos, a tal ponto que
muitas vezes ficou impossível enxergar além do imaginário que lhe deu notoriedade.
Mantle (1999, p. 34) traça o enredo da história a partir de Luciano Benetton, que
nasceu no berço da Segunda Guerra Mundial, na cidade de Treviso - Itália. Primeiro dos
quatro filhos dos Benettons, viu seu país e sua cidade serem arrasados pelos
bombardeios de guerra
26
.
Luciano perdeu o pai Leone Benetton aos dez anos num momento em que seu
país estava assolado pela guerra. Sua família, agora dirigida por Rosa Benetton, sua mãe
doente, iria precisar de um arrimo e Luciano foi assumindo o lugar de chefe de família,
fazendo pequenos bicos para ajudar no sustento da casa.
Com a situação desesperadora de um país no pós-guerra, Luciano deixou a
escola aos quatorze anos para trabalhar e logo foi empregado numa loja de comércio.
26
Em 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, o ditador deposto Mussolini e sua amante Clara Petacci
foram fuzilados e seus corpos pendurados de cabeça para baixo num poste de iluminação. A população
italiana, aliviada com a morte do ditador, cuja aliança com Hitler tinha levado o país a uma guerra tão
desastrosa, tirava fotografias como souvenirs. Fedele Toscani fotografou a cena, que foi transmitida para
todo o mundo. Quase cinqüenta anos depois, Oliviero, filho de Fedele Toscani, planejaria com Luciano
Benetton uma estratégia chocante de imagens a serem distribuídas pelo planeta.
53
Porém na Itália pós-guerra, a esmagadora maioria do povo não tinha condições de fazer
compras e o país era de entulhos e bicicletas. Enquanto os americanos tinham
geladeiras, aquecimento central e televisão, duas em cada três famílias italianas não
tinham banheiro, gás natural ou mesmo água encanada. Na década de 1960, havia países
na Europa em que ainda se encontravam cartazes: “proibida a entrada de cachorros e
italianos”. O autor cita uma matéria publicada pela revista Fortune que informa:
uma enorme agitação e alvoroço na Itália de hoje. As ruas da cidade estão
barulhentas com o ruído do tráfego, os portos estão lotados, as fábricas desenvolvem
uma atividade intensa. A Itália ainda não dispõe de matéria-prima suficiente, sua
população produtiva ainda está subempregada; o padrão de vida, principalmente no
sul, é baixo. No entanto desde o fim da guerra, a produção industrial subiu quase
50% acima do que era antes da guerra, a lira está estabilizada, grande parte da
devastação provocada pela guerra está sendo reparada... As exportações também
mudaram de caráter. Os tradicionais azeite de oliva, queijos e vinhos, por exemplo,
sofreram uma queda, ao passo que roupas, tecidos, calculadoras e máquinas de
costura de alta qualidade e outros artigos industrializados aumentaram rapidamente.
Em muitos desses produtos, a etiqueta “Made in Italy” tornou-se sinônimo de
qualidade (MANTLE, 1999, p. 35).
Este era o contexto em que os irmãos Benetton estavam sonhando com um
mundo melhor para a família. Giuliana, assim como o irmão Luciano, também
trabalhava em uma fábrica que produzia roupas e em casa desenhava, costurava e
tricotava suéteres coloridos para a família. Depois de alguns anos, Luciano propôs a
Giuliana que deixasse o trabalho e começasse a tricotar em casa e que ele sairia para
vender as peças feitas.
Assim, Luciano vendeu seu acordeão e a bicicleta do irmão, fez empréstimo com
amigos e parentes e comprou a primeira máquina de tricô que foi instalada em sua casa.
Em pouco tempo a casa estava transformada em uma pequena fábrica. Luciano, de
gosto refinado para se vestir e com o espírito empreendedor, foi visualizando o que
poderia fazer de diferente para que o produto fabricado começasse a ter um valor
agregado.
Com vinte anos de idade, além de vender os suéteres fabricados de forma
artesanal, trabalhava em uma loja de roupas e começou a idealizar o que uma loja
poderia ter de diferente das lojas tradicionais. Em sua imaginação, a loja não teria
balcão e as roupas estariam acessíveis em termos de estilo e preço. Com esta
imaginação fértil, começou a pensar em produtos leves para um público jovem como
ele. Assim surgiram os suéteres tradicionais, mas coloridos com decotes carecas e em V
e as golas rolês. Luciano e Giuliana desenharam a primeira coleção e deram o nome
francês de Très Jolie.
54
A Itália, neste momento, estava se recuperando com um impulso cada vez mais
frenético. Tinha gás natural e indústria têxtil. A economia italiana estava começando a
crescer. Em apenas oito anos a família tinha transformado a Très Jolie de uma coleção
de vinte suéteres desenhados e feitos em casa, e vendidos de porta em porta a pé, de
bicicleta ou lambreta, numa empresa que fabricava vinte mil suéteres por ano e os
vendia em lojas de Treviso, Veneza e Roma. Os irmãos estavam todos envolvidos no
negócio: Gilberto era o responsável financeiro pelo empreendimento e Carlo, o caçula, o
responsável pela produção.
Luciano queria chegar ao ponto em que a marca não fosse conhecida como uma
marca francesa. Assim, mudaram o nome da empresa de Très Jolie para Benetton e
registraram o nome da companhia com um logotipo estilizado que representava um
de fios de para as etiquetas, inicialmente no fundo preto, que logo passou para o
fundo verde – cor preferida de Giuliana.
A palavra “Benetton” é de origem franco-italiana e é um dos pouquíssimos
nomes italianos que terminam com uma consoante muda. Luciano percebera que o
nome parecia inglês aos ingleses, francês aos franceses, alemão aos alemães e
americano aos americanos e assim por diante. A primeira loja Benetton foi inaugurada
em Cortina D’Ampezzo numa manhã de janeiro de 1966. A loja tinha o desenho de um
arquiteto, mas tanto para o formato na construção de fachada e interior, como todo o
mobiliário foi pensado nos padrões de Luciano.
Assim, prateleiras como nichos com suéteres de todas as cores em volta das
paredes da loja, e nada de balcão; havia apenas uma mesa no meio para a caixa
registradora e para embrulharem as compras. Os suéteres tinham cartelas de cores das
mais variadas possíveis, mas foram fabricados nos dois menores números da série,
pois esta loja era destinada a um público jovem. Os vendedores eram jovens e bonitos e
tinham instrução para deixarem os jovens compradores entrarem e ficarem à vontade
para experimentar, sem a atenção paternal e muitas vezes intimidante dos lojistas
tradicionais que trabalhavam nos outros estabelecimentos da mesma rua. A loja, a marca
e as roupas foram um sucesso e deste episódio para diante a marca só foi crescendo.
O filósofo francês Gilles Lipovetsky (1989) explica em sua obra O império do
efêmero, que é o fenômeno da moda o último estágio da democracia, pois ela permite a
passagem das sociedades fechadas para as sociedades abertas. O autor defende ainda
que após a Segunda Guerra Mundial o desejo da moda expandiu-se com força no
Ocidente, tornando-se um fenômeno geral, que diz respeito a todas as camadas da
55
sociedade, trazido pelos ideais individualistas, pela multiplicação das revistas femininas
e pelo cinema, mas também pela vontade de viver no presente estimulada pela nova
cultura hedonista de massa:
A série industrial sai do anonimato, personaliza-se ganhando uma imagem de marca,
um nome que doravante se exibido um pouco em toda parte nos painéis
publicitários, nas revistas de moda, nas vitrines dos centros comerciais, nas próprias
roupas. É o tempo da promoção e da inflação democrática das marcas. Grande
inversão de tendências: desde os séculos XVIII e XIX, os nomes mais conhecidos
identificavam-se aos mais prestigiosos; agora certas marcas especializadas nos
artigos para grande público são memorizadas pelos consumidores tanto ou mais do
que as griffes de alta linha. É preciso citar entre outras, Levi’s, New Man, Benetton.
Poder da publicidade, mas antes de tudo do estilismo industrial, que conseguiu
tornar desejada, conhecidas e reconhecidas roupas produzidas em grande série a
preços acessíveis (LIPOVESTSKY, 1989, p. 114).
O negócio foi se expandindo de tal forma que após três anos Luciano se lança
em um outro país: A França. Com esta conquista para além das fronteiras originárias, a
Benetton tornou-se uma marca camaleão e foi se infiltrando em todas as cidades da
Europa em pouco tempo.
Para cada nova loja, o arquiteto desenhava nos padrões da marca, criando assim
um império de lojas com roupas que mantinham uma linguagem jovem, alegre que
coloria os países que anos antes estavam cobertos de ruínas de guerra. A marca se
expandiu, a fábrica também e da abertura da primeira loja tinham se passado doze
anos e a Benetton se transformou em um império com 1573 lojas espalhadas pela
Europa e começando um namoro com o mercado americano.
Aos poucos, as celebridades americanas estavam vestindo Benetton. Em 1982,
os irmãos Benetton começaram a pensar em abrir o capital de uma empresa tipicamente
familiar e lançar ações na bolsa de valores. Com a marca e o mercado na mão, o terreno
da Benetton estava aberto para receber a figura que fez com que a empresa
definitivamente ficasse conhecida nos quatro cantos do planeta. Luciano Benetton foi
apresentado a Oliviero Toscani por Fiorucci – um outro conglomerado de marca italiana
em ascensão – no final de 1982.
Fiorucci tinha anunciado a Toscani que a Benetton era uma companhia
extraordinária, mas que se comportava (em termos de imagens) como uma fábrica de
malhas comum. Disse ainda que deveriam transmitir ao mundo a mensagem de que,
além das roupas, representam toda uma nova maneira de viver e pensar.
56
Este “diagnóstico” feito por Fiorucci aguçou o espírito criativo do jovem
milanês que percorreu o caminho desde as favelas de Milão durante a guerra até as
proezas de uma carreira brilhante. Quando criança carregara o trípode de seu pai Fedele
e aprendera com o pai além do ofício de ser fotógrafo: a ver o que estava evidente, mas
ao que as pessoas fechavam os olhos.
2.3
O
LIVIERO
T
OSCANI E
L
UCIANO
B
ENETTON
:
O ENCONTRO DE IDEOLOGIAS
Quando Luciano Benetton conheceu Oliviero Toscani, este arquivava em sua
experiência profissional clientes como Valentino, Club Méd, além de ter convivido com
Andy Warhol. Tinha idéias avançadíssimas e era muito sério no que fazia: “se você
gosta de mim, siga-me” dizia a legenda embaixo do bumbum de sua namorada da época
em que tirou as fotos para a Jesus Jeans. Essa fotografia foi censurada, levando o diretor
de cinema e intelectual Píer Paolo Pasolini a escrever dois artigos sobre o anúncio,
afirmando que com aquele anúncio Toscani tinha revelado o quanto a Igreja, o
capitalismo e o sexo estavam presos numa relação insuportável:
Aqueles que produziram estes jeans e os lançaram no mercado, usando como
slogan de praxe um dos dez mandamentos, demonstram – provavelmente com uma certa
ausência de culpa, isto é, com a inconsciência de quem não se coloca certos problemas
que estão dos umbrais nos quais se dispõe a nossa vida e nosso horizonte mental.
no cinismo deste slogan, uma intensidade e uma inocência de tipo absolutamente
novo, embora, seja provável, longamente amadurecido nestes últimos decênios (por um
período mais curto na Itália). Ele diz exatamente como fenômeno lacônico que se
revelou de repente na nossa consciência, de modo tão completo e definitivo, que os
novos industriais e os novos técnicos são completamente laicos, mas de uma laicidade
que não se compara mais a religião. Esta laicidade é um “novo valor”, nascido na
entropia burguesa, na qual a religião está desfalecendo como autoridade e forma de
poder, e ainda sobrevive enquanto produto natural de enorme consumo e forma
folclórica ainda desfrutável. Mas o interesse desses slogans não é só negativo, não
representa apenas o modo como a Igreja é redimensionada brutalmente ao que ela
representa agora. nele um interesse positivo, a imposibilidade imprevista de
ideologizar e portanto tornar expressiva a linguagem do slogan e, por extensão,
presumivelmente, a de todo o mundo tecnológico. O espírito blasfemo desse slogan não
se limita a uma evidência, a uma pura observação que limita a expressividade em pura
comunicabilidade. Ele é algo mais que um achado desabusado (cujo modelo é o anglo
saxão “Cristo Super Star”); ao contrário, ele se presta a uma interpretação que
pode ser infinita; ele conserva portanto no slogan os caracteres ideológicos e estéticos
da expressividade. Quer dizer talvez que também o futuro, que para nós religiosos e
humanistas aparece como fixação e morte, será história de um modo novo; que a
exigência de pura comunicabilidade da produção será de alguma maneira
contraditada. De fato, o slogan desses jeans não se limita a comunicar a necessidade
de consumi-lo, mas se apresenta verdadeiramente como a justiça, mesmo inconsciente,
que pune a Igreja com o seu pacto com o diabo.
57
O articulista do L´Observatore Romano desta vez está realmente indefeso e
impotente, mesmo que a magistratura e os policiais, mobilizados pelo cristianismo,
consigam arrancar este slogan dos muros da nação, agora já se trata de um fato
irreversível, ainda que antecipado. Seu espírito é o novo espírito da segunda revolução
industrial e da consequente mudança dos valores (PASOLINI, 1996, p. 136).
(Pier Paolo Pasolini, “O louco slogan do Jeans Jesus” no Corriere Della Sera, 17 de
Maio de 1973).
A dissociação que agora racha em dois o velho poder clerical-fascista pode ser
representada por dois símbolos opostos e, por isso, inconciliáveis: “Jesus” (no caso o
Jesus do Vaticano) de um lado, e os blue jeans Jesus” , do outro. Duas formas de
poder, uma diante da outra: de um lado, o bando de padres, dos soldados, dos
moralistas e dos sicários; do outro, os industriais dos bens supérfluos e as grandes
massas do consumo, leigas e, talvez, idiotamente, irreligiosas. Houve uma luta entre o
“Jesus” do Vaticano e o Jesus” dos blue Jeans. Com o aparecimento desse produto e
seus cartazes, elevaram-se os lamentos no Vaticano. Altos lamentos aos quais
habitualmente correspondia a ação da mão secular que providenciava a eliminação do
inimigo, que a igreja também não nomeava, limitando-se exatamente aos lamentos. La
Longa Manus permaneceu inexplicavelmente inerte. A Itália está coberta de cartazes
representando traseiro com o texto “Quem me ama, siga-me”, cobertos, é claro, pelo
blue jeans Jesus. O Jesus do Vaticano perdeu. Agora o poder democrata-cristão
clerical-facista está dividido entre estes dois “Jesus”: a velha forma de poder e a nova
realidade de poder (PASOLINI, 1996, p. 137).
(Pier Paolo Pasolini, de Sviluppo e Progresso, inédito, publicado pela primeira vez em
Scritti Corsari, Garzanti, Milão, 1975).
Esse tributo, vindo de um homem à altura de Pasolini, também foi a primeira
prova que Toscani pôde apresentar para mostrar que o que fazia o era apenas
publicidade, mas criação de imagens para um novo mundo em que um novo imaginário,
por meios dos canais de comunicação de massa, suplantaria a linguagem de defesa do
consumismo e a falsa realidade dos noticiários (MANTLE, 1999).
Toscani aprendera com o pai, quando o acompanhava em coberturas
jornalísticas, a entrar em contato com a realidade, com a imagem real e depois com a
hiper-realidade ao presenciar catástrofes. Esta experiência, talvez tenha descortinado a
Toscani enxergar o que estava evidente, sem fantasias.
Passaram-se dezoito meses até que Luciano Benetton e Oliviero Toscani
retomaram a aproximação que começara em Milão. Toscani chegou com uma idéia
simples para vestir o desejo de Luciano: “todas as cores do mundo”. Assim, desde o
começo, as imagens globais de Toscani foram assumindo um coro sustentado por um
58
bombástico artista em comunhão com um excêntrico e visionário empreendedor. O
resultado foi um trabalho nada convencional: imagens nada previsíveis para não perder
a posição ganha com tanto suor.
Quando Luciano Benetton telefonou a Oliviero Toscani com a intenção de
confiar a ele a construção de uma marca carregada de conceitos, sussurou ao telefone:
“Oliviero, quando tiver um tempinho, precisamos de uma imagem global”. O slogan
“todas as cores do mundo” nasceu naturalmente em 1988 criando movimento a outras
idéias, num mecanismo de comunicação em que o slogan se tornou além da marca de
uma empresa, vestiu uma ideologia. Do simples Benettonao atual “United Colors of
Benetton. A imagem era tão simples quanto nova. Crianças e adolescentes de países e
grupos étnicos diferentes estariam juntos, rindo e sorrindo, unidos por todas as cores da
Benetton.
Toscani estava usando a linguagem da harmonia racial para transcender as
barreiras culturais àquela imagem global que Luciano estava buscando para a
companhia. Toscani não gostava de usar modelos profissionais, da mesma forma que
não gostava de usar as grandes agências de propaganda. As fotografias, como muitas de
suas imagens de maior sucesso, usariam crianças “de verdade” (MANTLE, 1999, p. 58).
Figura 8 – Logomarcas da empresa italiana.
Oliviero Toscani foi o sujeito que conduziu, com enorme sucesso, à escala
mundial, a publicidade da empresa italiana de vestuário e derivados Benetton. Com
enorme sucesso, mas também marcada por planetárias polêmicas geradas pelo arrojo
estético e moral, apesar de simples, das suas propostas publicitárias.
A fórmula originária e genérica que funda e que está presente em todos os
produtos publicitários é simplesmente fabulosa, United Colors of Benetton, aludindo -
nem sequer subliminarmente -, evocando e decalcando o forte simbolismo contido na
designação nacional americana, United States of America: o mesmo número de
palavras, a mesma ordem, o mesmo início.
59
O mecanismo desencadeado por esta aproximação é o do funcionamento por
analogia: sucesso, poder, liderança, afirmação. “Todas as Cores” ganhou o prêmio da
revista holandesa Avenue, mas a companhia recebeu centenas de cartas de gente que
tinha simplesmente gostado da imagem e de algumas pessoas que não gostaram.
Na África do Sul, “os anúncios foram inteiramente banidos, exceto numas
poucas revistas dirigidas à comunidade negra. Algumas cartas dos Estados Unidos e da
Inglaterra refletiram o racismo ao qual as imagens eram uma resposta: “Que vergonha!
Vocês misturarm raças que Deus quer manter separadas” escreveu um correspondente
de Manchester, norte da Inglaterra”(TOSCANI, 1996, P. 48).
O sucesso de “Todas as Cores do Mundo” incentivou Toscani a continuar
capitalizando o tema da harmonia racial. Mais uma vez, tirou fotos em estúdios de Paris
com um grupo de crianças “de verdade”, com idades que variavam de quatro a quatorze
anos e de países tão diferentes quanto Japão, Irlanda e Costa do Marfim:
Do grupo de crianças unidas pelas malhas coloridas, passou-se a várias declinações
da campanha: fotografei os chamados superstar da história, Jesus Cristo e Nossa
Senhora, Júlio César e Napoleão, Leonardo da Vinci, Joana D´Arc e Cleópatra, Mao
Tse Tung, Adão e Eva. Depois, as fábulas: jovens que tinham as cabeças de animais
fantásticos. Simultaneamente, enquanto os jovens das várias raças procuravam-nos
para serem fotografados, eu refletia sobre as diferenças, sobre o negro e o branco;
sobre as formas dos rostos, um triangular e um redondo; sobre os cabelos louros e os
cabelos negros. Eu gostava da diversidade, interessava-me colocar em confronto as
desigualdades criadas pela natureza. Pensei em trabalhar a partir do lugar-comum
que, no fim, é sempre um ponto de referência importante. Se o lugar-comum é
denunciado com consciência, talvez seja mais fácil superá-lo. As discussões
partiram desse ponto. Descobri que o lugar-comum, que deveria ser algo a que
estamos habituados, não é na realidade um dado adquirido. E que possui uma
determinada força revolucionária, rompedora (TOSCANI, 1996, p. 61).
As imagens globais de Toscani criaram um grande número de imitadores,
nenhum dos quais páreo para o estilo Benetton. Ao mesmo tempo, era irônico que,
desde o começo, esses anúncios extremamente marcantes pregavam uniformidade dos
hábitos de comer e vestir, assim como de direitos e oportunidades, e a língua comum era
o inglês americano.
Os outros traços comuns nessas imagens eram o nome Benetton e o logotipo do
de fios de lã, posto em cima dos cartazes como se fosse o selo do controle de
qualidade. “United Colors” se tornaria o logotipo para o mundo todo, assim como o
tema dominante.
60
2.4
R
EPERTÓRIO IMAGÉTICO
:
O
DESENVOLVIMENTO DE UMA LINGUAGEM DE
RUPTURA
As primeiras campanhas assinadas por Oliviero Toscani para a Benetton, a partir
de 1984, tinham como slogam a frase “All Colors of World” e transmitiam jovialidade,
simplicidade e muitas cores. As imagens eram marcadas pela presença de diversas
etnias. Inicialmente a sua linguagem deu continuidade ao trabalho da agência francesa
Eldorado, que apresentava como tema a diversidade racial, como forma de despertar a
atenção em suas campanhas.
Figura 9 – Anúncio criado pela agência francesa Eldorado, 1980.
No ano seguinte, Toscani muda a configuração de suas imagens, substituindo os
grupos de pessoas por duplas que passaram a representar a união das diversidades e das
diferenças raciais. A proposta de Toscani começa a assumir o intuito de despertar o
desejo de união promovido pela marca.
61
Figura 10 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1985.
Em 1986, a campanha assume uma postura mais política, adotando a paz entre
os povos como foco principal. Com isto, Toscani passa a retirar o foco do produto da
grife italiana e dar mais atenção à mensagem, assumindo uma postura mais crítica.
Nos dois anos seguintes (1987 - 1988), Toscani propõe variações em seu slogan
(“United Superstars of World” ou “United Friends of World”), misturando culturas e
personagens famosos do mundo como: Joana D´Arc e Marilyn Monroe, Leonardo Da
Vinci e Júlio César ou simplesmente usando máscaras de cão e gato ou lobo e cordeiro
em crianças.
Figura 11 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1988.
62
A partir do ano de 1989, o slogan United Colors of Benettonpor decisão de
Toscani passou a ser a marca da Benetton. O slogan escrito sempre dentro de um
retângulo verde como se fosse etiqueta de roupas.
Neste ano, Toscani ganhou dois importantes prêmios: Leão de ouro em Cannes e
o 16th Grand Prix de melhor cartaz: ambos abordavam o tema do preconceito racial.
Neste período houve diversas manifestações contra e a favor de suas imagens,
que despertavam “reações políticas e morais do público, pontuadas crônicas, editoriais
ou críticas sociais” (TOSCANI, 1996, p. 47).
O próprio Toscani utiliza o conceito de ruptura no consenso da arte para
qualificar sua proposta que, em sua visão, assim como na literatura ou na pintura,
desperta reações contrárias.
Figura 12 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1989.
Toscani estava obcecado pelo tema racial em plena época de ascensão da
extrema direita e da intolerância. A série de imagens sobre questões étnicas adentra
1990. Em meio a imagens polêmicas, consideremos sua indagação: “por que a
publicidade, como a arte, como qualquer meio de comunicação, não poderia ser um jogo
filosófico, um catalisador de emoções, um espaço polêmico?” (TOSCANI, 1996, p. 51).
63
Figura 13 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1990.
As imagens de Toscani viviam cercadas de expectativas e de especulações. Em
1991, Toscani abre a campanha publicitária da Benetton em dois momentos distintos: a
continuação do tema das cores e das raças, e a entrada de novos temas como guerra,
religião e AIDS. Sobre a guerra, o mundo vivia a iminência do primeiro conflito entre
os EUA e o Iraque no Golfo Pérsico.
As imagens continuaram levantando polêmicas e jornais e revistas começam a
recusar a veiculação. Havia certo consenso generalizado de que a publicidade não
deveria utilizar guerra e cemitérios como forma de comunicação.
Toscani foi acusado de explorar a morte para vender e, portanto, foi considerado
imoral e cínico. Ele se defende: “para esses, a publicidade está condenada ao vazio”
(TOSCANI, 1996, p. 54).
Em resposta aos argumentos apresentados pelos críticos que o acusavam de se
aproveitar da morte para vender pulôveres, Toscani lançou a foto de uma criança que
acabara de nascer, nua, coberta de placenta, ainda ligada à mãe pelo cordão umbilical. A
imagem também criou diversas polêmicas e, novamente, recusas em todo mundo.
Toscani segue atacando a religião católica e, em uma de suas campanhas
publicou a imagem de um padre e uma freira se beijando. Com esta imagem ele
contestou a postura conservadora da Igreja, talvez como uma forma de questionar quem
lhe fez várias críticas por usar imagens chocantes como forma de comunicação.
64
Figura 14 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1991.
A imagem foi duramente criticada pelo Vaticano e acabou sendo retirada da
televisão e de outdoors da França e da Itália a própria Benetton optou por não
correr o risco de um eventual desgaste de sua imagem (RANGEL, 2008, p. 34).
era clara a intenção de Toscani em contestar o processo de significação da
mensagem publicitária. A partir de 1992, Toscani escolhe imagens de fotógrafos de
campo de diversas agências jornalísticas para configurarem suas campanhas. Seu intuito
era “injetar nesse mundo real” (TOSCANI, 1996, p. 56).
Foram escolhidas imagens de Patrick Robert, Franco Zecchin, Thereza Frare,
Steven McCurry, Simone Cali Coucuzza, que denunciavam horrores da vida cotidiana.
O resultado foi o esperado repúdio dessa campanha por publicitários, alguns
meios de comunicação e parte da sociedade.
65
Figura 15 – Anúncio criado por Oliviero Toscani com fotografia de Patrick Robert, 1992.
No Brasil, Washington Olivetto comentou que essas imagens apenas buscavam,
obsessivamente, gerar mídias gratuitas. Inicialmente, as campanhas, foram bem
sucedidas. Mas a ousadia se esgotou e ele pulou para o choque, que está na fronteira
com o mau gosto. Oliviero é um fotógrafo talentoso, mas não é publicitário. Está mais
preocupado em fazer fotos brilhantes do que boa propaganda” (JUSTIÇA, 1995, p. 13).
Na época dos anúncios, Toscani comentou:
Sou o terrorista dos publicitários. Se eu não tivesse nascido em boa família ou
pertencesse a alguma minoria, seria um terrorista de verdade, desses que pegam em
armas e saem nas ruas para protestar por igualdades. A publicidade clássica, que se
encontra em qualquer país, morreu, é velha, não funciona. A classe dos
publicitários mais parece uma máfia, que cria anúncios ruins para agradar ao
cliente e ficar com seu dinheiro. Tenho vergonha disso, não me integro nessa classe.
66
Em 1993, Toscani assume em suas campanhas, a luta contra a AIDS. A
polêmica espalhou-se por toda a Europa e disparou uma onda de reflexões sobre o tema.
Figura 16 – Campanha criada por Oliviero Toscani para a Jornada Mundial contra a AIDS, Paris
1993.
No início de 1994, outro cartaz polêmico. Dessa vez, tendo como tema a guerra
entre Sérvios e Bósnios na ex-Iugoslávia. Segundo Toscani, o pai de um soldado
bósnio, Gojko Gagro, enviou-lhe uma carta e as roupas de seu filho morto em combate
para serem utilizados em favor da paz e contra a guerra.
Com esta imagem, a Benetton foi acusada de instrumentalizar o horror do mundo
e Toscani, novamente, acusado pelos publicitários de se aproveitar da morte como
recurso persuasivo de venda. Toscani responde: a morte, a dor e a guerra continuam a
existir, embora soterradas sob montanhas de belas garotas e objetos de consumo”
(TOSCANI, 1996, p. 93).
67
Figura 17 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1994.
Em 1995, após 12 anos à frente da comunicação da Benetton, Toscani acumulou
diversos prêmios importantes e teve a exposição de seu trabalho no Museu de Arte
Contemporânea em Lausanne, Suíça (“Benetton por Toscani”). No mesmo ano, outra
conquista pessoal: Fabricca”, seu laboratório escola patrocinada pelo Grupo
Benetton, foi inaugurado com um anúncio de boas vindas: a imagem impressiona pela
presença de par de olhos, um verde e outro marrom, em uma pessoa de pele negra. O
enfoque assumido neste período é o tema da homossexualidade.
Figura 18 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1995.
68
No ano seguinte, a Benetton patrocinou um encontro mundial sobre alimentos e
cultivos agrícolas desenvolvido pela FAO (Food and Agriculture Organization), órgão
das Nações Unidas.
Em 1997, envolvido com questões levantadas pelo encontro mundial, criou o
cartaz onde mistura racismo, desigualdade e fome.
Figura 19 - Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1997.
No qüinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em 1998, continuou abordando o tema racial como pano de fundo de suas campanhas.
As penitenciárias dos Estados Unidos foram o último cenário que Toscani
utilizou para uma campanha da Benetton. Toscani fotografou pessoas condenadas à
morte para a nova coleção da Benetton e, novamente, gerou polêmica e reações na
sociedade.
Figura 20 - Anúncio criado por Oliviero Toscani , 1999.
69
2.5
F
ABRICCA
:
A
REALIZAÇÃO DO ÚTOPICO
O período de estampar em outdoors o memorável e polêmico beijo entre um
padre e uma freira, deu lugar a um celeiro de talentos bancados pela Benetton
(FRANCA, 2006).
Com incursões de suas imagens no universo da publicidade, mas também
ocupando o território da arte contemporânea (com a participação na Bienal de Veneza),
Oliviero Toscani lança um desafio ambicioso a Luciano Benetton: criar um centro
alternativo de comunicações. O projeto começa a sair do esboço de dois sonhadores
com a adaptação de uma antiga casa de fazenda do século XVII e suas dependências,
localizada a alguns quilômetros de Ponzano em Catena de Villorba, próximo a Treviso,
na Itália.
O desenho arquitetônico foi confiado ao arquiteto japonês Tadao Ando, então
amigo de Toscani, que restaurou com um toque delicado: um espelho d´água límpido
diante da fachada, colunas, um auditório e um projeto de espaços subterrâneos para não
violentar o ambiente da superfície.
O nome Fabricca (O significado em latim é oficina), foi inspirado na New York
City Factory de Andy Warhol
27
dos anos 60, anos de formação de Toscani. Mas a
Fabricca de Toscani tinha uma ideologia mais focada na linguagem da comunicação
contemporânea.
O objetivo seria selecionar jovens do mundo inteiro (patrocinados pela
Benetton) para irem ao centro realizar projetos nas áreas: gráfica, fotográfica,
documentários, escultura, design, cinema, publicidade, moda. Para a realização do
projeto, as regras não são convencionais, somente prazos para terminar o trabalho.
Como na Factory de Warhol, Fabricca seria notada por sua ênfase na liberdade
de expressão e na convivência voluntária de diversas agendas. Assim, “em 1995, a
Fabricca estava pronta para acolher os primeiros vinte estudantes que trabalhavam nas
áreas de música, cinema, artes gráficas, televisão e outras linguagens para pensar
territórios do futuro da comunicação” (TOSCANI, 1996, p.38).
27
As obras de Andy Warhol, baseadas em séries repetidas, dialogavam diretamente com a publicidade
capitalista, expondo sem piedade produtos industrializados e 'celebrities' numa mesma dimensão, sem
profundidade. Imagens chapadas, prontas para a repetição e distribuição. Não por outro motivo, colocou o
nome do seu atelier The Factory e ali, com ajudantes, pretendia ter uma espécie de linha de montagem de
arte contemporânea e ponto de efervescência do jet set novaiorquino. Prontos para o consumo: Maos,
Marylins, Elvis, Ches, Jacquelines e, inclusive, sua própria imagem em famosos autoretrato.
70
A Fabricca foi fundada em 1995, por Oliviero Toscani e Luciano Benetton. A
direção inicialmente foi proposta para Fidel Castro, mas ficou a cargo de Godfrey
Reggio, que foi o realizador da trilogia sobre a criação do universo e a ecologia
planetária Koyanisqatsi-Powaqqtsi-Naqoyqatsi. No mesmo prédio da Fabricca funciona
também a redação da revista Colors. A revista Colors começou em 1991, com sede
primeiro em Nova York, depois em Roma, Paris e finalmente em Treviso. Tanto a
escola como a revista fazem parte da "usina de idéias" idealizada por Toscani e
Benetton, um grande centro de comunicação da empresa, que funciona como
propaganda indireta para formar novos talentos. Nem a Fabricca nem a Colors
existiriam se não fosse esse dinheiro a fundo perdido (mas com grande retorno
institucional) que a Benetton coloca ali.
A Colors é uma revista bimestral temática, bilíngüe, que já publicou números
históricos sobre o casamento, a guerra, entre outros. O slogan é "uma revista que fala
sobre o resto do mundo - sem celebridades, sem moda, sem notícia". A revista é
basicamente visual.
Figura 21 – Vista parcial da Fabricca - Ponzano, Itália
.
Recentemente o Jornal Estado de São Paulo, publicou as trilhas do projeto
inovador de Luciano e Oliviero. A matéria intitulada Fabricca está em busca dos
olhares do mundo, começa dizendo:
71
Com a proposta de abrir os olhos para o mundo. Mas não apenas para um mundo
globalizado das campanhas publicitárias enfadonhas. Olhos abertos para que cada
cultura e cada povo mantêm de mais autêntico em um mundo cada vez mais
pasteurizado. Assim pode ser definida a história de olhar, conceber e retratar o
mundo dos criadores da Fabricca, laboratório de criação que a Benetton mantém a
mais de uma década. Além de claro, campanhas publicitárias memoráveis, a
Fabricca criou conceitos e obras em todas as áreas em que trabalham os jovens
bolsistas, que tem na sede da empresa, em Treviso, no norte da Itália, o cenário
perfeito para experimentar e criar (GUERRA, 2007, p. D4).
Figura 22 – Algumas capas da revista "Colors": as fotos e o humor são o mais importante: o galo é a capa
da edição sobre o tempo, a rainha Elisabeth "enegrecida" e a fobia da forma física.
Com a Fabricca, Toscani através da Benetton, pode realizar um sonho utópico
de uma escola, segundo seu próprio relato:
A escola deveria ser como o cinema, deveria atrair quem a freqüenta, não rechaçar.
Deveria provocar curiosidade. No entanto, vamos à escola como se fossemos pagar
impostos ou entrar nas filas dos correios. Tinha o mesmo significado. Era um
castigo. (...) a escola é o único e verdadeiro momento de tédio na vida de um jovem
(TOSCANI, 1996, P.24).
A parceria da Benetton com Oliviero Toscani chegou ao fim, mas a decisão de
transformar as imagens visuais em principal veículo de comunicação permanece até
hoje (FRANCA, 2006).
2.6
O
TÔNUS REPRESENTATIVO DE
O
LIVIERO
T
OSCANI
.
No auge das campanhas de Oliviero Toscani para a Benetton, um viés foi
traçado, deslocando suas imagens a um outro lugar. Em junho de 1993, Achille Bonito
Oliva, diretor da Bienal de Veneza fez um convite a Toscani: participar da Bienal.
Toscani aceitou o convite com a condição de publicar a imagem da Bienal
simultaneamente num meio de comunicação que atingisse o grande público (jornal). O
espaço designado a Oliviero na Bienal de Veneza foi nas Cordoarias do Arsenal e a
72
imagem escolhida foi um grande painel com colagem de orgãos sexuais, masculinos e
femininos de todas as idades e raças. Apenas um jornal entre todos os que haviam sido
contatados no mundo inteiro, aceitou publicar a imagem: o francês Libération. A página
dupla em cores foi publicada no dia 9 de junho, exatamente no dia da inauguração da
Bienal. O semanário europeu pediu a Toscani um comentário, que foi publicado:
[...] Estejam certos os que pensam que, com esta foto, cheguei ao fundo.
Tranquilizem-se às suas repetidas perguntas: “o que ele poderá fazer depois disto?”
sempre dei, creio, respostas satisfatórias, surpreendendo até os céticos, aqueles que,
a cada foto, pensavam que mais além não possa ou não se consiga ir. Parece-me,
mesmo quando fotografo orgãos sexuais, como nesse caso, não consigo chegar à
baixeza profunda de certas campanhas publicitárias, de determinados programas de
televisão e de alguns políticos, que a censura cuida de não perturbar. Em virtude do
artigo 21 da constituição italiana, que sanciona o direito à liberdade de expressão, não
se cancelam justamente os convites à orgia do consumo indiscriminado, não se
escurecem as transmissões do entretenimento pornográfico, não se tapa a boca de
certos racistas que fazem da diversidade e da injusiça a base de sua ‘política social’.
No entanto, investe, pontual e invarivelmente, contra minhas imagens que, em sua
maioria, fizeram documentar a realidade da vida como ela é, sem transfigurações,
sem distorções. A imagem que exponho na Bienal não tem sentido se não estiver
simultaneamente ‘planificada’ como uma foto publicitária normal. Todo o meu
trabalho sempre foi ligado à comunicação. É claro que não deixarei de ser fotógrafo
por causa do convite para a Bienal, que me gratifica, me enobrece’ como artista. Não
tenho nenhuma necessidade de promoção social. A moldura prestigiosa da Bienal não
passa de uma circunstância, um lugar diferente para falar a mesma língua que sempre
falei nas ruas e praças de todo o mundo. O sentido desta imagem está no uso
publicitário que se fará dela. Em todo o ‘transversalismo’ que domina a arte
contemporânea, eis uma foto absolutamente reta e em equilíbrio; eis a imagem límpida
de uma parte importante do que nós somos. A nacionalidade, a cor da pele e o sexo não
podem ser uma opção. Nasce-se sem poder ser artifície do próprio destino. Cada um é
único e irrepetível. Quis retratar, como em tantas fotos para documentos, o elemento
através do qual não podemos ser identificados. Pelo rosto podemos ser reconhecidos e
até colocados socialmente. Pelo sexo não. Depois do nascimento e da morte, o sexo é
um outro tabu que deve ser abatido. Que outro meio, a não ser a fotografia
publicitária, pode ser mais concreto, mais útil para suscitar uma discussão a respeito?
Também a arte antiga era um meio de suscitar idéias políticas e religiosas, além de
demonstrar riqueza e poder. A diferença hoje reside na possibilidade econômica de
transformar uma imagem artística” numa comunicação de massa. E no que me cabe,
interessa-me explorá-la profundamente. São exatamente as imagens que formam hoje a
nossa cultura, o nosso conhecimento, o nosso senso crítico e a nossa moral. O
renascimento de nosso país está confiado ao trabalho de cada um; ao meu de fotógrafo
cabe a tarefa de avançar numa pesquisa que não tem nada a ver com os escândalos.
Estes são sempre da outra parte, em relação às minhas fotos. Aliás alimento a
presunção de provocar reflexão no tocante aos verdadeiros escândalos, deixando aos
menos atentos ou aos prevenidos o exercício sobre aqueles falsos, sempre mais fáceis
de identificar. Finalmente, no que se refere à arte, considero arte tudo o que não foi
feito pela natureza (TOSCANI, 1996, p. 98).
73
Quando Toscani escreve sobre publicidade e arte, descrevendo sua participação
na Bienal de Veneza, publica os comentários da imprensa da época que rebaixam seu
trabalho. A fotografia do grande painel da Bienal foi publicada ao lado da foto da
polêmica obra pintada em 1866 por Gustave Courbet, “A Origem do Mundo”
28
. Toscani
associa a obra dele à imagem de Courbet, pois esta foi censurada durante muito tempo.
Com a participação na Bienal de Veneza, Oliviero Toscani, que é reconhecido
pelo universo publicitário, opera um novo deslocamento: infiltra no espaço artístico
uma peça produzida e veiculada nos meios publicitários:
No que se refere a mim, não teria sentido expor numa galeria ou num museu se,
contemporaneamente, o que se pode ver nesses lugares fechados, “deputados” à arte,
não pudesse ser visto nos jornais, nas ruas e nas praças (...) a imagem do artista
fechado no mundo não contaminado da criação, ainda é atual, sobretudo porque nem
a todos é permitido exprimir-se livremente com um financiamento nas costas. O
mito do artista isolado é uma constrição porque, para a maioria, não pode ser de
outro modo. Mas se uma nova maneira de se fazer arte no mundo tecnológico de
hoje, é exatamente a que não rejeita a contaminação com a cultura de massa, da qual
a publicidade é uma das expressões pelo menos mais visíveis (TOSCANI, 1996, p.
98).
As interfaces entre arte e publicidade, assim como as questões sobre onde
começa ou como terminam tais noções na contemporaneidade, deparam-se com visões
restritas sobre o assunto.
Segundo Tosin (2006, p. 2), “as transformações ocorridas na arte ao longo do
último século muitas vezes se fundem com a linguagem publicitária, transformando os
modos tradicionais de produção de cultura, consumo e comunicação”.
28
A pintura “Origem do Mundo” fora executada a pedido de um diplomata turco que colecionava
imagens eróticas. O quadro foi pendurado no apartamento do diplomata em Paris, escondida atrás de uma
cortina, para não constranger seus convidados. A pintura, apesar de ter sido vista por poucas pessoas, se
tornou um dos quadros mais célebres do século XIX, devido ao seu escandaloso tema central, sem
precedentes na história da arte. Tratava-se de uma tela que representava cruamente o sexo escancarado de
uma mulher logo após as convulsões do amor. A obra foi confiscada pelos nazistas e passou em seguida
às mãos dos vencedores soviéticos, antes de ser finalmente revendida a colecionadores. Finalmente, em
1955, foi adquirida por Jacques Lacan. A obra estava ocultada por um grande painel de madeira sobre o
qual fora pintada uma paisagem destinada a ocultar o erotismo, julgado assustador, desse sexo em estado
bruto (ROUDINESCO, 1994, p. 195).
74
Figura 23 – Obra de Oliviero Toscani que participou na Bienal de Veneza em 1993.
Figura 24 – Gustav Courbet – A origem do mundo – 1866.
2.7.
O
LIVIERO
T
OSCANI
:
R
ECONHECIMENTO PELO AVESSO
Oliviero Toscani nega a sua condição de identificar-se com o universo da
publicidade e com os publicitários. Sob este ângulo, ele caminha na contramão, fazendo
pequenas incisões no espaço publicitário, causando polêmicas, através de relatos
irreverentes.
As mensagens habituais da publicidade são dignas de um novo processo de
Nuremberg. Continuam nos dizendo que todas as mães são loiras, que todas as
famílias são felizes, que nosso carro representa nosso poder e nossa potência física e
75
sexual, que você é o que você consome e será respeitado por isso, que o creme de
merda que você coloca na cara espalha perfeitamente a beleza que você poderia vir a
ser se copiasse Isabella Rossellini. Pergunto-me quando vamos acordar. Estou
escandalizado (TOSCANI, 2003, p. 354).
Em seu discurso, Toscani defende que toda imagem publicitária tem uma
significação sociopolítica. Com esta afirmação ele eleva a sua produção, sacralizando-a
quando afirma que somente suas imagens andam a par com a realidade, e as outras
andam com as mentiras. Com esta colocação parece que ele se retira do universo
publicitário, que tem como finalidade atrair para o consumo, e se insere num outro
lugar, quando diz:
Na verdade, não sei se as pessoas devem comprar Benetton ou não. Penso que uma
empresa e, além disso, sua comunicação devem ser algo a mais; não devem se
limitar a dizer às pessoas que estas devem comprar. A comunicação deve comunicar,
ela é um produto em si, não está para servir o consumo. Aliás, acredito que um
dia a comunicação será vendida, não deverá pagar para ser publicada. Ora, toda
firma tem seus produtos e deve ter também sua comunicação (TOSCANI, 2003, p.
357).
Neste sentido, gostaria de chamar a atenção para o compromisso social que a
veiculação de imagens suscita. Calligaris (2003, p. 359) aponta à Toscani que o
publicitário “tradicional” lhe diria que a publicidade não é uma obra beneficente, não é
uma fundação cultural, ao que Toscani responde:
Eu penso que um objeto é uma entidade política, cultural. Quem sabe comunicar de
maneira inteligente também vai fazer um produto inteligente, e confiarei nele. Os
produtos mudam, são redesenhados; a comunicação é que capitaliza o nome, a
marca. Se a comunicação for inteligente, a firma tecapitalizado; se não for, ela
não terá capitalizado nada (...) o assassinato da criatividade pelo interesse
econômico é muito grave grave para a própria economia, para a produção. O
criativo deve ter mais poder que o administrativo; caso contrário é o triunfo da
mediocridade.
Para fundamentar seu raciocínio, complementa:
Sei o quanto as relações entre cultura e indústria são difíceis. Sei o quanto é
complicado convencer sobre a importância das razões da arte a quem, justamente,
está interessado, mais do que qualquer outra coisa, nas razões da venda e do lucro.
Mas o desafio que me impus é o de demonstrar que a coincidência entre os dois
mundos, aparentemente distantes, da experimentação artística (ou publicitária) e da
economia, não é impossível (TOSCANI, 2003, p. 354).
Toscani acusa o tempo todos publicitários de imbecilidade e afirma que a
publicidade está morta. Mas é através deste veículo de comunicação que ele é
reconhecido.
76
Que lugar Toscani ocupa? As imagens que ele veiculou para a Benetton e as
imagens que ele continua produzindo, provocaram e continuam provocando polêmicas,
escândalos, mas continuam fazendo parte do universo da publicidade, vendendo
produtos, divulgando marcas.
Do ponto de vista utópico, Toscani brinca de publicitário, tornando-se uma
espécie de grande planificador da produção do imaginário ligada a toda uma série de
produtos. Antonio Negri, filósofo italiano, diz:
Quem é Toscani? É alguém que fez uma verdadeira operação epistemológica: juntou
conhecimento do real com a circulação dos pontos de vista, das subjetividades, das
aproximações intelectuais (...) o que choca na publicidade da Benetton não é o
conteúdo provocador das imagens, mas a mensagem. Com isso, Toscani quer atingir
um duplo efeito: de um lado oferecer um surplus de realidade em oposição às
imagens ucaradas da publicidade tradicional; do outro, propõe o suporte de uma
comunicação interativa, no lugar de uma mensagem pré-confeccionada (...) a
tendência ao escândalo é necessária: é a identificação do evento com a mensagem
publicitária (NEGRI, 1996, p. 108).
Ainda sobre a utopia, buscamos referências para pensar na criação de imagens a
partir do ensaio de Souza
(2007, p. 42) intitulado a invenção da utopia, nos
interrogando:
Que imagens podem nos fazer parar? Que imagens podem restituir minimamente a
exatidão do viver? (...) Nestas imagens, a qual poderia acrescentar o atributo de
utópicas, uma potência de freio, de subversão, abrindo-lhe na vida experiências de
felicidade que ainda não tinha experimentado (...) Imagem que lhe permite subtrair-
se as paisagens de exatidão da máquina, das horas contabilizadas, do funcionamento
automático do viver (...) Que imagens tão poderosas são estas? Resposta difícil, pois
a vida é inexata. Cada vez que insistimos em responder a ela com exatidão,
sacrificamos algo essencial, pois é responsabilidade de cada um recuperar suas
próprias imagens críticas. Desta forma podemos temperar nossas horas com alguns
pequenos infinitos. As adversidades são muitas, a começar pela nossa inibição
diante destas imagens utópicas (...) A utopia surge como invenção da vida sempre
que nos convoca a uma radicalidade consigo mesmo. Os discursos utópicos não
trazem mapas. cumprem uma função importante jogando-nos alguma poeira nos
olhos.
A publicidade sob este ângulo parece circular no território da utopia e, neste
sentido, a imagem ocupa o lugar do ser (que é, de fato, um lugar vazio). Em vez de
reflexão, contemplação e dúvida diante das imagens, o que verificamos na
contemporaneidade é uma compulsão de existir, de preencher o espaço vazio da
existência, e a publicidade sabe sobre nosso desejo e nos oferece a oportunidade de
obturar esta falta.
77
Diante da idéia de que a linguagem publicitária se apossou da realização do
desejo – desejo consentido pelo espaço público de uma sociedade que não impede
nenhuma renúncia podemos pensar que a lógica da publicidade está visceralmente
comprometida com a lógica da violência banal que se expande como epidemia no
mundo contemporâneo.
As imagens de Toscani que ilustram o sincretismo entre publicidade e arte são
um sintoma característico do hibridismo
29
cultural contemporâneo e sua análise não
pode ser feita de maneira dissociativa, mas buscando as duas formas de manifestação
como fatores convergentes para um ponto único, onde as diferenças não são suficientes
para impedir fusões e nteses. Neste sentido, pretendemos analisar as imagens,
resultado deste sincretismo, procurando não desfocar de sua condição híbrida, que nos
impulsiona a verificar as transformações da realidade através da produção simbólica o
que poderá ser verificado no próximo capítulo.
29
As hibridações da arte com a publicidade suscitam um polêmico debate recheado de controvérsias, de
opiniões que, em seu antagonismo, responsabilizam-se por impulsionar a reflexão crítica sobre o assunto
(TOSIN, 2006, p. 3).
78
3. TESSITURA DAS IMAGENS SELECIONADAS
“Se eu pudesse contar a história em palavras, não precisaria
carregar uma câmara”.
Lewis Hine
As campanhas da Benetton, produzidas por Oliviero Toscani foram examinadas,
crivadas, despidas, investigadas, saqueadas. Encontraram inúmeros motivos para
formular juízos definitivos. Mas tudo indica que as imagens não têm o que esconder.
Aliás, elas desnorteiam nossa percepção, pois o que tudo indica é que estão
denunciando a realidade, em outro lugar, de outra maneira:
Qualquer imagem publicitária, mesmo a mais idiota, tem uma significação
sociopolítica. Não imagens que não tenham uma mensagem, uma significação.
As imagens que projetam imagens de supermodelos, de supermentiras, são, de
quaquer forma, imagens sociopolíticas. Desse ponto de vista minhas imagens não
são diferentes. Só que elas andam com a realidade do mundo, e as outras andam com
as mentiras (TOSCANI, 2003, p. 354).
Quando digitamos Oliviero Toscani em sites de busca, inúmeras páginas nos
apresentam não apenas suas imagens, mas o quanto suas produções causaram
polêmicas. E continuam causando.
As imagens que ele compôs chamam a atenção, pois diante de espaços blicos
utilizados principalmente para convocar–nos a mergulhar no mundo idílico do consumo,
ele lança imagens que perturbam a tranqüila ilusão de um mundo encantado:
A comunicação é a arte de hoje. Antigamente, era a pintura, e todos os grandes
artistas trabalharam para os homens de poder. Hoje, todos trabalhamos para um
certo tipo de poder, político, industrial ou religioso. A arte sempre esteve ao serviço
do poder. Não é uma contradição, acredito na comunicação (TOSCANI, 2003, p.
357).
Depois de toda a pesquisa feita sobre o desenvolvimento iconográfico de
Toscani, a pergunta que permeou nossa pesquisa foi:
Como Toscani arriscou na composição de suas imagens? Imagens que
denunciam assuntos dramáticos, quando inseridas no universo publicitário, rompem
com o quê?
Toscani deixa algum indício ao anunciar que “para comunicar algo interessante,
é preciso tocar em problemas” (TOSCANI, 2003, p. 355).
79
O contexto em que suas imagens estão inseridas propicia um discurso de
mudança. Mudança no cenário mundial que passa a presenciar grandes transformações
que são veiculadas instantaneamente pelos principais meios de comunicação: o
Ocidente abrindo seus “portais” para o Oriente, ancorado politicamente pelos ideais da
globalização; o suposto “fim” de fronteiras políticas, sociais e culturais com a queda do
muro de Berlim; o fim do apartheid e a denúncia contra o racismo; a epidemia da Aids,
que arrebata inúmeros cidadãos como numa guerra; guerras políticas e culturais; a fome.
Permeado por assuntos que compõem um cenário desconexo, desamparado,
Toscani se arriscou, anunciando por todas as partes do globo imagens carimbadas com
uma marca de grife, que desfocava nossos olhares.
Para entender esta conjunção (Toscani Benetton), precisamos considerar que a
Benetton, desde a sua fundação, também quebrou paradigmas: nasceu nos escombros da
Segunda Guerra Mundial, da necessidade de sobrevivência de uma família órfã de pai;
num país assolado pela guerra, quatro irmãos se arriscaram a fabricar malhas coloridas;
Luciano Benetton, em suas primeiras lojas, retirou antigos balcões para deixar o jovem
consumidor a vontade para escolher.
A Benetton, desde a sua fundação, investiu no público adolescente. Os
adolescentes eram a grande promessa para um mundo em ruínas. A força da empresa foi
adentrando a década de setenta e, nos anos oitenta, estava espalhada pelos quatro
cantos, anunciando aos consumidores (adolescentes) a realidade do mundo.
Calligaris (2000, p. 16) ao escrever sobre a adolescência, aponta que “em geral,
o adolescente é intérprete do desejo dos adultos induzido pela cultura popular, que
oferece à leitura de todos uma espécie de repertório social dos sonhos e dos ideais”.
A finalidade da adolescência parece ser clara: o adolescente quer se tornar
adulto. Mas para ser reconhecido (como adulto) ele parece ter que transgredir. Na
procura de reconhecimento, o adolescente é seduzido a se engajar por caminhos
tortuosos, opondo-se às regras. Assim, a imagem se infiltra na vida do adolescente e
organiza o comportamento em sua busca de reconhecimento:
Na sociedade contemporânea, a posição de cada um depende, em princípio do
reconhecimento dos outros (adultos). O adulto transmite ao adolescente a ambição
de não repetir a vida e o status dos adultos que o engendraram, ou seja, de
desrespeitar suas origens, de não se conformar, de se destacar. Portanto, obedecer é
desobedecer (CALLIGARIS, 2006, p. 29).
80
Considerando que as imagens de Toscani para a Benetton tinham como público
o adolescente, em sua maioria, propomo-nos a decompor tais imagens, para entender o
discurso que elas revelam.
Assim, o corpus dessa dissertação relaciona-se a quatro imagens que foram
veiculadas entre os anos de 1988 a 1992. São elas: Eva e Adão (1988); Ama-de-leite
(1989); Pinóquios em marcha (1991) e, finalmente, Menina e boneca (1992).
As três primeiras imagens foram produzidas em estúdio fotográfico e a imagem
da “Menina e Boneca” foi utilizada a partir de uma imagem jornalística feita pela
repórter italiana Simona Calli Coucuzza.
Para abarcar melhor a análise das imagens, escolhemos um método que
privilegie desenvolver as averiguações, contextualizando a compreensão das mensagens
a partir do discurso em que estão imbricadas, considerando sempre as discussões e
argumentações levantadas por autores de diversas áreas, que contribuíram para a leitura
e compreensão do mundo contemporâneo.
Sabemos que a comunicação tem sua origem vinculada de modo
interdisciplinar com diversas áreas das ciências humanas como: Sociologia,
Antropologia, Lingüística, Psicanálise, dentre outras. Ao receber múltiplos olhares de
tais disciplinas, gerou, por um lado, o enriquecimento de explorações metodológicas e,
por outro, dificuldades de integração teórica.
Sob este ângulo, a análise das imagens é permeada pela polissemia de um
neologismo: videologia (referência à obra de Barthes mitologias e a palavra
ideologia). Por que essa referência?
O poder publicitário é um mecanismo de tomada de decisões, transubstanciado
em espetáculo, que transtorna o desejo, oferecendo aos sujeitos mercadorias como um
fetiche, ocultando a realidade, anunciando a manutenção de uma suposta “ordem social”
Neste sentido, propomo-nos a decompor tais imagens para analisá-las com o
apoio de diversos pensadores da contemporaneidade, advindos de diversas áreas do
conhecimento.
A intenção em relacionar a leitura de imagens com imagens do campo da
história da arte, da arte contemporânea e da fotografia, surgiu ao longo de discussões
sobre como a imagem reproduz antigos signos.
A relação com outras imagens, e a decomposição da própria imagem, são
indícios, vestígios que orientaram outras leituras.
81
3.1
E
VA E
A
DÃO
Figura 25 - Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1988.
Em 1988, Oliviero Toscani, começou a fotografar personalidades históricas em
duplas: Jesus Cristo e Nossa Senhora, Júlio César e Napoleão, Joana D´Arc e Marilyn
Monroe, Judeus e Árabes, Adão e Eva.
Adão e Eva representam a origem do homem e da mulher, segundo a Bíblia
Sagrada. Para entendermos a narrativa da Sagrada Escritura e “lermos” a imagem de
Toscani, iniciamos a pesquisa a partir da Gênesis sobre a origem do homem:
E então Deus disse: “façamos o homem à nossa imagem e semelhança (...)”. Deus
criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a
mulher”. Deus os abençoou (...). O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no
jardim do Éden para o cultivar e guardar. Deu-lhe este preceito: “Podes comer do
fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore do bem e do
mal; porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente” (Gênesis, 26:
28, 15-17).
E sobre a origem da mulher:
Então o Senhor Deus mandou ao homem um profundo sono; e enquanto ele dormia,
tomou-lhe uma costela e fechou com carne o seu lugar. E da costela que Deus tinha
82
tomado do homem, o Senhor Deus fez a mulher, e levou-a para junto do homem (...)
o homem e a mulher estavam nus, e não se envergonhavam (Gênesis, 21:25).
Sobre a culpa original:
A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor tinha
formado. Ela disse à mulher: “É verdade que Deus vos proibiu de comer do fruto de
toda a árvore do jardim?” A mulher respondeu-lhe: “Podemos comer do fruto das
árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse:
Vós não comereis dele, nem o tocareis, para que não morrais”. – “ Oh, não! – tornou
a serpente vós não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes,
vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal”. A
mulher vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e mui
apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou também ao
seu marido, que comeu igualmente. E então os seus olhos abriram-se; e, vendo que
estavam nus, tomaram folhas de figueira, ligaram-na e fizeram cinturas para si.
(Gênesis, 3:7)
Quando Toscani, em suas campanhas para a Benetton, começa a “brincar” com
personalidades históricas e atualiza as figuras de Adão e Eva, ainda usa a logomarca
antiga da Benetton.
Na imagem identificamos Eva satisfeita, desinibida, com as mãos para cima,
vestida com jaqueta e calça jeans (indumentária da juventude) que estão abertas.
Carrega no pescoço uma serpente artificial. Com Adão entrelaça as mãos e segura a
maçã, formando um símbolo de infinito (figura 26). O movimento dos braços entre eles
também sinaliza o infinito (na imagem podemos ver os dois retângulos que apontam
para o símbolo do infinito).
Figura 26 – Como o símbolo do infinito pode ser percebido na imagem.
83
Adão apresenta traços fenotípicos ambíguos para um homem. A delicadeza de
sua face com traços angelicais, a seriedade, os cabelos longos, são características que
nos levam a confundir o gênero a que pertence. Suas mãos abraçando Eva pelas costas
parecem ampará-la. Sua calça está fechada. Ancora sua mão esquerda na mão esquerda
de Eva e juntos formam uma base para apoiar a maçã, como se esta fosse um troféu, um
triunfo.
É desnecessário evocar aqui a criação da mulher e seu diálogo com a serpente no
Paraíso, a não ser para relembrar o essencial das múltiplas significações que ela
representa.
Segundo a narrativa da Genesis, Adão e Eva estão “recobertos” antes de
pecarem por um manto de incorruptibilidade; seus apetites inferiores são submissos à
razão, estão livres de toda e qualquer preocupação e podem entregar-se à contemplação.
Mas essa ventura perfeita cessaria após o pecado, e a primeira responsável pelo pecado,
seria Eva, cuja função foi a de tentar Adão.
E eis que ouviram o barulho (dos passos) do Senhor Deus que passeava pelo jardim,
à hora da brisa da tarde. O homem e sua mulher esconderam-se da face do Senhor
Deus no meio das árvores do jardim. Mas o Senhor Deus chamou o homem e disse-
lhe: “Onde estás?” E ele respondeu: “Ouvi o barulho de vossos passos no jardim;
tive medo porque estou nu; e ocultei-me” O Senhor Deus disse: Quem te revelou
que estavas nu? Teria tu porventura comido do fruto da árvore que eu te havia
proibido de comer?” O homem respondeu: “A mulher que pusestes ao meu lado,
apresentou-me deste fruto, e eu comi”. O Senhor Deus disse à mulher: “Por que
fizeste isso?“A serpente enganou-me”, respondeu ela “e eu comi” (Gênesis,
8:13).
A ruptura entre Adão e Eva, seu desentendimento, e o fato de Adão rejeitar a
responsabilidade do pecado, transferindo-a a Eva, designa a ela o fato de terem optado
pela transgressão da lei imposta por Deus.
Na passagem da Genesis, é a serpente que seduz Eva a experimentar do fruto
proibido e, portanto, transgredir a lei. Na imagem que Toscani compôs com a serpente
artificial, levou-nos a pensar que Eva não foi convocada a praticar nenhuma
transgressão.
Eva parece possuir liberdade de escolha como podemos verificar na sua
indumentária aberta e em seus gestos livres e de satisfação e desta liberdade oferece a
maçã a Adão, repartindo com ele o desejo da escolha. A serpente enrolada no pescoço
de Eva assume assim a função de um adorno feminino.
84
Adão, como citado na Gênesis, é feito à imagem de Deus. Sob um ponto de vista
simbólico, pode-se entender a expressão no sentido de que Adão é feito à imagem de
Deus do mesmo modo que uma obra-prima é feita à imagem do artista que a realizou.
Na imagem de Toscani, Adão possui traços ambíguos: não sabemos, a não ser
pelas características de seu corpo, que ele é um homem. Seu gesto angelical com traços
finos, seus longos cabelos, a ausência de pêlos na face. O Adão de Toscani tem um ar
sério e por vezes primitivo. Existe um contraste entre a sua expressão com a de Eva. Ela
tem semblante de satisfação e ele não. Sua calça fechada é um indício de ele não está
em harmonia com o desejo dela, mas com ela constitui o símbolo do infinito.
O símbolo infinito surge no entrelaçamento dos braços e na junção das mãos
(Figura 26). O infinito é um mbolo que ilustra que algo não tem fim. Na imagem, eles
parecem unidos talvez na transgressão ou no desejo ou nos dois – e desta união
carregam a maçã como um troféu:
A maçã mesmo em nossos dias, nas escolas iniciáticas, é o mbolo figurado do
conhecimento, pois, cortada em dois (no sentido perpendicular do eixo do
pedúnculo), nós encontramos nela um pentagrama, símbolo tradicional do saber,
desenhado pela própria disposição das sementes (CHEVALIER, 2007, p. 572).
Na história da arte, encontramos dois pintores do período Renascentista, Albert
Dürer e Lucas Cranash, que pintam Adão e Eva. Na obra dos dois pintores, Eva
contempla Adão e vice-versa e Eva é sempre apresentada à direita de Adão. Tanto
Dürer, como Cranach valorizaram o nu, através de cenas mitológicas e religiosas com
traços sensuais. Sua representação do mitológico casal humano segue a visão cristã
medieval a respeito do pecado original.
85
Figura 27 – Albert Dürer, Adão e Eva, 1504. Figura 28 – Lucas Cranach, Adão e Eva, 1531.
Zierer (1999, p. 3) descreve que:
Na imagem de Albert Dürer e Lucas Cranach, Eva está próxima da serpente, o que a
liga ao mal. A atitude de Eva é delicadamente dissimulada, pois ela oferece uma
maçã a Adão e oculta atrás de si outra maçã. O ato de esconder sugere ao espectador
uma intenção claramente maliciosa por parte de Eva. Quanto a Adão, o fato de olhar
para a mulher e não para o fruto mostra que ele o aceita por estar seduzido: a postura
de seu corpo, suas mãos segurando a maçã, mas principalmente seus olhos
expressam o feitiço feminino agindo sobre o homem. Eva é a culpada pelo pecado.
A partir desta descrição, como podemos pensar sobre a questão da composição
da imagem de Toscani? A história da arte nos aponta para uma leitura que ilustra uma
passagem bíblica Adão e Eva provando do fruto proibido oferecido pela serpente a
Eva. Na imagem de Toscani, a serpente, sendo artificial, torna-se adorno quando
enrolada no pescoço de Eva. Com este indício, podemos pensar que Eva não é seduzida
pela serpente a transgredir, ela escolhe transgredir. Eva assume o desejo de desejar.
Na história da arte, Eva sempre aparece à direita, em que ao vermos a imagem,
sempre dizemos: Adão e Eva. Quando Toscani desloca a imagem de Eva para a
esquerda temos como leitura, Eva e Adão. Neste sentido, Eva assume o primeiro plano
na imagem.
Atualizando a noção do desejo, que se modifica ao longo da história,
verificamos que atualmente a mídia é o representante que oferece ao sujeito outro lugar.
Lugar este que se configura pelas imagens. A imagem, portanto triunfa no lugar do
desejo. A maçã, apresentada como troféu, desloca-se do lugar de “fruto proibido” e
86
assume a condição em que o desejo assume o lugar central. Nas imagens da história da
arte identificamos Eva contemplando Adão e vice-versa. Na imagem de Toscani, os dois
contemplam a câmera que fotografa como num olhar ao infinito.
O que parece triunfar na imagem é desejar o próprio desejo. Os dois olham para
frente, como numa reverência à câmera fotográfica. O desejo pela imagem, por ser
imagem. Imagem da mídia.
O infinito sugerido pelo traço das mãos e dos braços nos indica que a relação
com o desejo, desejo de ser imagem, não tem fim.
Neste sentido, recorremos à psicanálise, quando esta aponta para o sujeito do
desejo, em busca de um significante que o realize. Para Kehl (1998, p. 29), “o desejo
realiza-se ao encontrar sua expressão. Este significante que designa o desejo para o
sujeito, na teoria lacaniana, corresponde a representações inconscientes. (...) O desejo
deve ser constituído pelo processo de deslocamentos e condensações que produzem as
metáforas e metonímias entre as quais o desejo traça seu percurso singular.”
A mudança no discurso da imagem se perfaz, justamente, porque a mulher
historicamente falando sempre se adequou ao discurso do outro: da sociedade, da
cultura, da maternidade, da religião – e na atualidade – da mídia.
Eva e Adão são representados por dois jovens. A convocação da imagem segue
para além da venda de um “jeans”. É uma imagem que transgride a moral imposta pelo
discurso Cristão.
Costa (2007, p. 85) diz que “a transgressão é um efeito colateral, uma
decorrência, por vezes incontornável (...) que não se contenta em dizer ‘não’ ao que é,
mas ‘sim’ ao que pode ou deve ser”.
Nesse contexto, caracterizado por culturas fragmentadas, híbridas e
transnacionais Toscani, faz uma sátira com a imagem, desafiando o discurso da moral
religiosa que ainda sustenta um lugar para a mulher que o mundo parece não reconhecer
mais.
87
3.2
A
MA
-
DE
-
LEITE
Figura 29 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1989.
A imagem exibe um bebê branco sendo amamentado por uma mulher negra
vestida com um pulôver vermelho. O pulôver aberto estendido sob os ombros deixa um
seio à vista, enquanto o outro amamenta a criança. O rosto da mulher não aparece,
vislumbramos o dorso e as mãos que seguram a criança num gesto de amparo, de
sustentação.
Imagens de contraste racial foram marca registrada nas peças publicitárias
produzidas por Oliviero Toscani para a Benetton.
A imagem apresentada acima foi planejada, montada e produzida em estúdio
fotográfico no ano de 1989. Foi a primeira peça publicitária feita para a Benetton que
virou polêmica mundial, pois revela “possíveis” relações raciais, sem mostrar o produto
da empresa, abrindo com isto, um descompasso entre produto (roupas da Benetton) e a
campanha de divulgação publicitária.
88
A campanha apóia-se sobre a mudança da marca Benetton para United Colors of
Benetton, que acabou se tornando o novo símbolo da empresa, que se estende até os dias
atuais. A idéia da mudança da marca se ancorou na possibilidade de transformar o
slogan publicitário numa iniciativa humanista, “colorindo” (união de cores e etnias
da Benetton) a Benetton com uma atitude progressista, arando o território para semear
algo além da divulgação da marca, que vai além do mero consumo.
A imagem serviu de “trampolim para desenvolver um estado de espírito anti-
racista, cosmopolita, antitabu, até o âmago de países particularmente expostos ao
racismo, como a África do Sul ou os Estados Unidos” (TOSCANI, 2005, p.48).
Para analisar o conteúdo da imagem, é preciso apontarmos para a formação
cultural e profissional de Oliviero Toscani, que foi detalhadamente apresentada no
capítulo 2. Na Kunstgewebeshule de Zurique, Toscani conheceu sobre as famosas
teorizações sobre composição e decomposição de cores. Tal formação ofereceu a ele
uma ampla informação sobre o uso e a escolha da cor. Além da formação acadêmica,
Toscani viveu num país imerso em questões políticas severas, além de travar ao longo
de sua vida imensas críticas à postura da igreja.
Alguns detalhes na imagem revelam aspectos que orientam a análise a que nos
propomos: a cor da pele apresenta um contraste que nos aponta sobre possíveis relações
raciais; o pulôver vermelho nos remete a um manto sagrado; a amamentação revela que
a mulher (negra) produz o alimento que sustenta a criança (branca), e também pode
estabelecer o vínculo afetivo; o fato do rosto da mulher que amamenta não aparecer
pode indicar que a sua identidade não é revelada e nem importante. A sua identidade é
revelada pelo grupo étnico a que pertence.
Para entendermos sobre relações raciais, no final da década de oitenta, foi
marcado pelos avanços da democracia e dos avanços tecnológicos.
Mas sérias distorções de ordem cultural, política, econômica e até mesmo ética e
estética corromperam a última década do século XX, que representou a alienação, o
aumento do consumo além de uma crise sócio-político-cultural de nossa sociedade
mundial.
Neste cenário, as imagens da Benetton começaram a circular em vários pontos
do mundo, convocando o público a entrar em contato com uma idéia utópica: a da
miscigenação racial.
89
Roberto DaMatta (1998, p. 38) aponta que “não custa relembrar que as teorias
racistas européias e norte-americanas não eram tanto contra o negro (...) o horror que
declaravam, eram, isso sim, contra a mistura ou miscigenação das raças”.
Segundo Toscani (2005, p. 49), “nos Estados Unidos organizações minoritárias
negras julgaram-na racista, pois a imagem ilustra o velho clichê colonialista da criança
branca e a ama de leite negra (...). E na África do Sul do apartheid, o cartaz da criança
negra e da mulher branca foi também boicotado pelos espaços publicitários”.
A classificação formalizada em negro e branco (ou talvez, mais precisamente,
em negro ou branco) pode ser entendida através das idéias defendidas por DaMatta
(1998, p. 42):
Foi com aqueles conhecidos refinamentos ideológicos que, na legislação norte-
americana, eram pródigos em descobrir porções ínfimas daquilo que a lei chamava
de “sangue negro” nas veias de pessoas de cor branca, que assim passavam a ser
consideradas pretas, mesmo que sua fenotipia (ou aparência externa) fosse
inconfundivelmente “branca” (...). O fato de existir uma legislação rígida, racista e
dualística nos Estados Unidos revela esse dualismo claro que indica sem maiores
embaraços quem está dentro ou fora; quem tem direitos e quem não tem; quem é
branco ou é preto [...]. A igualdade jurídica e constitucional dos membros da
sociedade americana forma uma poderosa tradição que chegou àquele país com os
puritanos ingleses e se consolidou nas doutrinas liberais que marcaram o nascimento
e a expansão da sociedade americana como nação.
No bojo do século XX, a sociedade ainda trava imensas e sérias discussões
acerca da questão racial. Este dilema que se desenvolve com a modernidade, continua a
ser desafiado por preconceitos e superstições, intolerâncias e racismos, irracionalismos e
idiossincrasias, interesses e ideologias. Octavio Ianni (2004, p. 21) defende que:
Esse é o enigma com o qual se defrontam uns e outros, intolerantes e tolerantes,
discriminados e preconceituosos, segregados e arrogantes, subordinados e
dominantes, em todo o mundo [...]. A questão racial revela, de forma
particularmente evidente, nuançada e estridente, como funciona a fábrica da
sociedade, compreendendo identidade e alteridade, diversidade e desigualdade,
cooperação e hierarquização, dominação e alienação.
Com este anúncio, a igualdade entre as raças parece ser apresentada em uma
linguagem em que o preconceito revelado é a forma mais eficiente de discriminar
pessoas por sua cor.
Da tentativa de criar visibilidade a preconceitos desfazendo antigos e
persistentes esquemas mentais (como a relação com a ama-de-leite), o risco que se corre
é a reafirmação de um racismo às avessas, como ficou evidente em territórios como a
África do Sul.
90
Esta leitura é explícita nos países que guardam na história a escravidão. Eram as
amas-de-leite
30
que amamentavam as crianças brancas da colônia.
Figura 30 - Ivan Wasth Rodrigues, Ama-de-leite, 1988.
É pelo menos o que Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, deixa entrever:
houve quem insinuasse a possibilidade de se desenvolver, das relações íntimas da
criança branca com a ama-de-leite negra, muito do pendor sexual que se nota pelas
mulheres de cor, por parte do filho-família, nos países escravocratas. A importância
psíquica do ato de mamar, dos seus efeitos sobre a criança, é, na verdade,
considerada enorme pelos psicólogos modernos; e talvez tenha alguma razão
Calhoun para supor de grande significação esses efeitos no caso de brancos criados
por amas negras (FREYRE, 1998, p. 283).
Esta imagem é uma marca no discurso publicitário proposto por Toscani e do
que ele se arriscou, quando grifou a diferença, a partir de uma relação de igualdade.
Ao inverter papéis, colocando uma criança branca sendo alimentada pelo seio de
uma mulher negra, Toscani ilustra a realização ideológica da união de cores (e raças),
além de suscitar que quem sustenta (na imagem, através do alimento) o branco, é o
negro.
O pulôver vermelho que cobre o dorso da mulher negra como um manto
sagrado, deixa de ser um mero adorno na construção da imagem. Guimarães (2000, p.
30
Ama-de-leite é a mulher que amamenta criança alheia quando a mãe natural está impossibilitada de
fazê-lo. Geralmente esse encargo era dado às escravas que tinham filhos. Tal ocupação já foi até
associada à precocidade sexual dos rapazes brasileiros nascidos e criados em engenhos e fazendas.
91
117), quando refere-se ao vermelho, relaciona-o a códigos da cultura em que, no mesmo
universo cromático, podemos encontrar relações que se opõem como: violência e paixão
ou guerra e amor. O autor analisa a carga impositiva do vermelho:
O vermelho foi desde a Idade Média, a cor do crime e do pecado, possivelmente por
sua relação denotativa com a cor do sangue derramado (...). O vermelho é a cor do
dizer não. A ele atribuímos os conceitos de cor dinâmica, expansiva, e que é de
todas as cores, a mais permanente (...). Podemos fazer várias leituras da alteração da
pele de uma pessoa quando o vermelho se manifesta: quando comemos pimenta,
nosso rosto fica quente e vermelho, as veias sanguineas se dilatam, o coração
dispara (...). Como variante do conceito de imposição, temos o glamour de um tapete
vermelho, de um manto real e a cor que impõe status (...). Na política se opõe ao
branco, da direita, tanto na Revolução Francesa quanto na Revolução Russa e em
outros movimentos políticos posteriores (...). Cor favorita de Marx e Zola, com a
eterna e histórica oposição ao branco, representa a divisão parlamentar entre
esquerda e direita.
Neste sentido, o que sacraliza o manto são as cores reafirmadas pela mídia, e, na
imagem analisada, levantamos outro aspecto importante: o que media o contraste na
relação entre o negro e branco é o vermelho.
O vermelho é universalmente “considerado como o símbolo fundamental do
princípio da vida, com sua força, seu poder e seu brilho, o vermelho, cor de fogo e de
sangue, possui entretanto a mesma ambivalência simbólica desses últimos, sem dúvida,
em termos visuais, conforme seja claro ou escuro” (CHEVALIER, 2007, p.944).
Pesquisando imagens da história da arte, a cor vermelha é utilizada, na Idade
Média, em muitas imagens sacras. Neste sentido, se relacionarmos a cor do pulôver
vermelho à Mozeta
31
indumentária usada pelo papa, o vermelho assume duplo
significado: o primeiro é que vermelho é a cor do martírio e o Papa é o sucessor do
martirizado São Pedro; a segunda é que o vermelho é a cor do amor ardente, portanto a
cor da chama do espírito.
Figura 31 – Raphael - Papa Leão X com dois cardeais, 1518.
31
Mozetta: murça eclesiástica. Capa curta até os cotovelos, que cobre os ombros e é usado acima da
indumentária papal (FERREIRA, 1999, p. 1374).
92
No Renascimento, encontramos o manto vermelho na obra de Sandro Boticelli,
O nascimento de Vênus”. A ação do quadro é rapidamente entendida. “Vênus emergiu
do mar numa concha que é impelida para a praia pelos alados deuses eólicos, em meio a
uma chuva de rosas. Quando está prestes a pisar em terra, uma das horas ou ninfas
recebe-a com um manto de púrpura” (GOMBRICH, 1995, P. 264).
Figura 32 – Sandro Boticelli - O nascimento de Vênus, 1485
Ainda no Renascimento, o afresco de Raphael A ninfa Galatéia mostra
Galatéia com seus alegres companheiros com arcos e flechas de cupido que visam ao
coração da ninfa. Galatéia, figura central, tem seu véu vermelho esvoaçando. Raphael
conseguiu obter um movimento constante em todo quadro, sem deixar que ele se
tornasse caótico ou desequilibrado. Com esta obra, Raphael foi considerado o artista
que realizou o que a geração mais antiga se esforçara em conseguir: a perfeita e
harmoniosa composição de figuras movimentando-se livremente.
93
Figura 33 – Raphael - A ninfa Galatéia, 1512.
A cor vermelha, na história da arte, vai se deslocando e podemos encontrá-la
sempre para ressaltar a figura principal na obra.
O significado de manto, segundo Ferreira (1999, p.1276):
Manto [Do lat. Mantu] S.m. 1. Vestidura larga, comprida e sem mangas, usada para
abrigo da cabeça e do tronco. 2. Capa de cauda e roda que se prende nos ombros. 3.
Manto real. 4. Aquilo que encobre algo, véu, disfarce, capa. 5. Aquilo que recobre
ou se estende sobre.
Seguindo esta trilha, Chevalier (2007, p. 588) aponta que “monge ou monja, no
momento de se retirar do mundo, ao vestir o hábito e pronunciar seus votos, se cobre
com um manto. Esse gesto simboliza a retirada para dentro de si mesmo e para junto de
Deus, a consequente separação do mundo e de suas tentações, a renúncia aos instintos
materiais. Vestir o manto é sinal de escolha da sabedoria. É também assumir uma
função, um papel, de que o uso do manto é emblema. O manto é também, por via de
identificação, o símbolo daquele que o veste. Entregar seu manto é dar-se a si mesmo”.
Para ilustrar a idéia do manto como símbolo do sagrado, Kato (2003, p. 29)
apresenta Arthur Bispo do Rosário
32
, artista brasileiro, que compõe sua obra mais
32
Arthur Bispo do Rosário, descendente de escravos africanos, que viveu internado por mais de 50 anos
em sanatórios do Rio de Janeiro, sob o diagnóstico de "esquizofrênico-paranóico”, passou a produzir
objetos com diversos tipos de materiais oriundos do lixo e da sucata que, após a sua descoberta, seriam
classificados como arte vanguardista e comparados à obra de Marcel Duchamp. Entre os temas,
destacam-se navios (tema recorrente devido à sua relação com a Marinha na juventude), estandartes,
faixas de mísses e objetos domésticos. A sua obra mais conhecida é o Manto da Apresentação, que Bispo
deveria vestir no dia do Juízo Final. Com eles, Bispo pretendia marcar a passagem de Deus na Terra.
Os objetos recolhidos dos restos da sociedade de consumo foram reutilizados como forma de registrar o
cotidiano dos indivíduos, preparados com preocupações estéticas, onde se percebem características dos
conceitos das vanguardas artísticas e das produções elaboradas a partir de 1960. Utilizava a palavra como
94
conhecida, intitulada o Manto da Apresentação, que o artista deveria vestir no dia do
Juízo Final. Com ele, Bispo pretendia marcar a passagem de Deus na Terra.
Figura 34 – Arthur Bispo do Rosário - Manto da Apresentação.
Quando associamos a veste que deixa o dorso parcialmente encoberto a um
manto sagrado, carimbamos na imagem um aspecto de divino, uma reunião de sentidos
que produzem um outro significado a uma imagem publicitária.
Na arte encontramos o recurso que sustenta o uso do manto vermelho, ora que
veste, ora que despe. Com este recurso, oferecemos uma outra leitura, preenchemos de
significado uma imagem que se apresenta como atual.
Devemos nos lembrar de que Toscani é de origem italiana, país essencialmente
católico, que abrigou o movimento Renascentista. Este cenário talvez tenha oferecido ao
fotógrafo a formação necessária para que ele reunisse resíduos imagéticos na
composição de suas polêmicas imagens.
A imagem apresenta ainda, ausência da face. Esta ausência se revela
emblemática: a face designa o rosto, sobre o qual se inscrevem pensamentos e
sentimentos. É a face que revela o que nos torna único, apontando a individualidade.
Sem a face, a imagem parece aprisionada, em silêncio, sem vínculo, não importa
a relação humana do adulto com a criança. O que é mostrado é um corpo que amamenta.
elemento pulsante. Ao recorrer a essa linguagem manipula signos e brinca com a construção de discursos,
fragmenta a comunicação em códigos privados. Inserido em um contexto excludente, Bispo driblava as
instituições todo tempo: a instituição manicomial, recusando-se a receber tratamentos médicos e dela
retirando subsídios para elaborar sua obra, e Museus, quando sendo marginalizado e excluído é
consagrado como referência da Arte Contemporânea brasileira.
95
Neste sentido, o corpo da mulher negra é mostrado como objeto
33
, que alimenta,
sugerindo que o negro alimenta (sustenta) o branco, como na história, em que os negros
são considerados os que labutam, os que trabalham duro. A imagem indica para uma
“suposta” relação racial, onde o negro é mostrado sem identidade. Sua principal função
é marcada pela cor de sua pele. Sua identidade é a pele que o veste e designa o lugar a
que pertence.
Mas, quando Toscani produz a imagem e deixa o pulôver vermelho, como um
manto sagrado, como foi escrito, o que parece assumir um lugar de divindade é a cor
da pele, o corpo negro coberto com um manto, assume um outro lugar. Um lugar de
reverência. O corpo que alimenta, que sustenta, tem que ser reverenciado. E ele faz isto.
Desloca antigos dogmas.
É fato que as sociedades burguesas, desde o século XIX, consideram o corpo como
propriedade privada e responsabilidade de cada um. O corpo mas o corpo vestido,
domado pela compostura burguesa e embalado pelo código das roupas – era o
primeiro signo que o self-made-man em ascensão, sem antecedentes nobres, emitia
diante do outro a respeito de quem ele “é” (KEHL, 2004, p. 178).
Veicular tal imagem nos meios de comunicação levanta velhos debates, suscita
antigos tabus, apresenta-nos a marca não pelo produto, mas pelo suposto “idealismo” de
quem fabrica.
33
A noção de objeto em psicanálise, neste sentido, deve ser entendida como meio contingente da
satisfação. “É o elemento mais variável da pulsão, não está ligado a ela originalmente, mas vem
colocar-se aí em função da sua aptidão para permitir a satisfação” (LAPLANCHE, 1998, p.321).
96
3.3
P
INÓQUIOS EM MARCHA
Figura 35 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1991.
Imerso no universo do boom” do consumo, da ideológica abertura de fronteiras
no mundo, para o trânsito livre de mercadorias e de possíveis trocas culturais, Oliviero
Toscani lançou como última etapa das imagens produzidas em estúdio fotográfico, uma
série de bonecos “Pinóquios”
34
esculpidos em várias cores e marchando à esquerda.
34
A história infantil de Pinóquio é universal e conta as aventuras e desventuras de um boneco que vira
menino e que precisa aprender sobre as diferenças entre o certo e o errado. Escrita originalmente em
capítulos, por numa série publicada no jornal infantil italiano de Ferdinando Martini, Gionarle per i
Bambini, entre julho de 1881 e janeiro de 1883, foi publicada em livro pela Felice Paggi - Libraio Editore,
com ilustrações de Enrico Mazzanti, em 1883. Com o título de Storia di un Burattino (História de um
Boneco), foram publicados os quinze primeiros capítulos, mas quando Pinóquio está moribundo, Collodi
interrompe a história. Os capítulos recomeçam, após algum tempo, com o título que consagraria a
história para sempre, As Aventuras de Pinóquio, completando assim os 36 episódios originais da obra.
Desde a sua publicação, o livro de Pinóquio tem sido traduzido para os mais diferentes idiomas. Muito
adaptada, a versão mais conhecida foi realizada por Walt Disney, em 1940, que conta uma história muito
diferente da que foi escrita por Collodi. A história original de Pinóquio, e das suas aventuras ou
desaventuras, é muito mais rica. Permite inúmeras leituras por públicos de diferentes idades. É, por si só,
uma grande aventura entregar-se a este Pinóquio que erra, sofre e se redime para chegar a ser gente. A
história ultrapassou as fronteiras da Itália e se tornou um patrimônio universal. (COLLODI, 2004).
97
A primeira impressão que a imagem apresenta é de um universo idílico e
utópico. Idílico, pois o que avistamos é a similaridade de características, pressupondo
que as raças mantém as mesmas características fenotípicas; idílico, ainda, pois uma vez
que apresenta todos os bonecos iguais, indica que não existe miscigenação racial.
Sabemos que a miscigenação dá origem a sujeitos com características diversas.
A linguagem utópica é denunciada pelo pinóquio, que por sua vez, possui um
índice de valor, representado pelo signo da mentira apontado pelo formato do nariz.
Sabemos que a relação racial é uma condição humana inevitável. E na atualidade,
fomentada inclusive pela globalização, em que a diversidade é a principal característica.
Para amparar esta idéia, cito Roberto DaMatta (1998, p. 39) em sua análise sobre
as relações raciais:
Conde de Gobbineau escrevia revoltado aos franceses que a miscigenação e o
acasalamento é que certificavam o fim como povo e como processo biológico [...]. O
seu problema, conforme estou revelando, não era a existência de raças diferentes,
desde que essas “raças” obviamente ficassem no seu lugar e naturalmente não se
misturassem.
Conde de Gobbineau, e outras personalidades do século XIX, influenciaram
profundamente a formulação das bases do Nacional Socialismo, com seus postulados de
superioridade racial e cultural dos povos "Nórdicos" (Germânicos) sobre todas as outras
raças Européias.
Os judeus deviam ser discriminados não por sua religião, mas pela "raça". Hitler
considerava a desigualdade entre as “raças” e indivíduos como parte de uma imutável
ordem natural e exaltava a raça ariana como o único elemento criativo da humanidade.
Nesta imagem, Toscani parece fazer também uma crítica aos ideais totalitários
que arrasaram com a Europa na Segunda Guerra Mundial.
Além disto a imagem nos remete a uma crítica à forma de produção em escala
industrial, não apenas de objetos e coisas, mas de idéias e ideais.
Na Arte, Toscani recebeu grande influência de Andy Warhol
35
, artista
americano que, recorrendo a métodos de produção de massa, na tentativa de ser o mais
35
Andy Warhol destacou-se pela realização de "Sleep" (1963) e "Chelsea Girls" (1966), que mostra duas
fitas lado a lado documentando a vida na "Factory" (“The Factory” foi a designação dada ao seu estúdio
permanente, em aproximação à sua tentativa de "viver como uma máquina"), tendo sido este o primeiro
filme underground a ser apresentado numa sala de cinema comercial. Wahrol foi também produtor do
grupo de rock-and-roll "Velvet Underground", que protagonizou o famoso espectáculo "Exploding Plastic
Inevitable", que utilizava a música do grupo e os filmes do artista e que entrou na história ao dar o nome à
revolução checa de 17 de Novembro de 1989, que derrubou pacificamente o regime comunista – a
98
industrial possível, passou a usar pessoas universalmente conhecidas, em vez de objetos
de uso massificado.
São exemplos disso: Jacqueline Kennedy, Marilyn Monroe, Mao Tse-Tung, Che
Guevara ou Elvis Presley, que suscitaram obras artísticas de enorme sucesso. A técnica
que Warhol usava baseava-se em pintar grandes telas com fundos, lábios, sobrancelhas,
cabelo, etc., berrantes, transferindo por serigrafia fotografias para a tela.
Artista com grande popularidade junto da comunicação social, Warhol ficou
conhecido pela repetição das imagens. Marilyn Monroe (figura 36) aparece com a face
pintada em diversas cores, mas continua sendo Marilyn.
Toscani, ao repetir o pinóquio, colorindo-o, indicando diversas raças, o boneco
não deixa de ser Pinóquio, mas assume outra identidade cutural.
Figura 36 – Andy Warhol, Marilyn Monroe, 1962.
Das pessoas foram feitas imagens que reproduzem outras imagens de pessoas,
portanto eco das imagens (...) Em seu lugar impõe-se uma Eco-Logia, ou o estudo
dos efeitos das imagens em eco. Esta teria como tarefa ocupar-se da lógica da “serial
imagery society”, profetizada pela “Marilyn Monroe” de Andy Warhol; e ela caberia
analisar seus desdobramentos e seus possíveis cenários (BAITELLO JUNIOR,
2005, p. 53).
"Velvet Revolution". Faleceu aos 58 anos, a 22 de Fevereiro, durante o período pós-operatório de uma
intervenção cirúrgica na vesícula. Era célebre 35 anos e deixou-nos uma das suas frases mais
conhecidas: "In the future everyone will be famous for fifteen minutes".
99
Existe uma convergência entre a imagem de Warhol e a imagem de Toscani. A
razão que levou Warhol a criar imagens em séries precisou produzir receptores também
em séries. Para “produzi-los serialmente precisou antes transformá-lo em imagens. Ao
transformá-lo em imagens, procurou se desfazer dos escombros e detritos resistentes,
que não cabiam no circuito fechado das imagens espelhadas em forma de labirinto. E
nos labirintos das séries, na catástrofe do sempre igual, sucumbimos todos os dias em
nossa corporeidade que insiste e resiste” (BAITELLO JUNIOR, 2005, p. 57).
Sob esta trilha, Toscani acrescenta um outro significante, que é a repetição da
imagem aliada principalmente à mudança na cor da pele.
Com este código, o fotógrafo constrói uma imagem que reorienta o olhar do
espectador, apresentando um objeto do universo infantil que estabelece uma narrativa
fantasiosa sobre um movimento que ele começou a denunciar.
Com a imagem repetida dos bonecos marchando como soldados, formando um
exército, seguindo em direção à esquerda, indicando igualdade, Toscani nos alerta que a
tentativa de unir as cores (United Colors) é possível no âmbito da imagem, que a
igualdade é mera ilusão, e que marchar à esquerda pode indicar o lugar da oposição.
Parece que o discurso ideológico proposto pelo autor nesse caso diz “respeito à
mentira que é vendida quando se diz que uma raça é superior à outra (...) e os discursos
da igualdade da raça e da mentira se entrecruzam, formando um novo discurso”
(ROCHA, 2002, P. 49).
Figura
37Fragmento do anúncio de Oliviero Toscani, 1991.
100
Mas de qual igualdade Toscani fala? Na Figura 37, mostramos a imagem
separada. Cabeças e corpos. Ao centro, o boneco é o representante da raça negra. É
como se ele estivesse sendo escoltado.
O formato das cabeças, do nariz e do chapéu é o mesmo. Todas estão viradas
para a esquerda. Numa análise antropológica, a igualdade racial aponta para a
identidade cultural, onde “as noções que construímos socialmente de igualdade e
diferença são a moeda do jogo de construção das identidades” (KEMP, 2000, p. 82).
Neste sentido, os corpos dos bonecos, com traços desiguais, indicando
movimento, entrelaçados como numa trama, apresentam a possível relação étnica.
Pernas que se encontram e desencontram.
O mundo globalizado anuncia a diversidade étnica e cultural, e esta diversidade
surge justamente da miscigenação, não de raças, mas também de cultura. Para Kemp
(2000, p. 87), “identidade cultural torna-se, sob este ângulo, o fruto de uma construção
contínua em que existe a possibilidade de tornar-se diferente do padrão (racial),
deixando com isto de ser tratado como desigual”.
Para a leitura de tais imagens, recorro, ainda, a Costa (2002, p. 10):
A ficção não se opõe à realidade dos fatos nem a sua objetividade, apenas apresenta
a partir da subjetividade que a vivencia. Existem outras formas subjetivas e indiretas
de experimentar o real, como o sonho e o devaneio, mas a ficção distingue-se deles
por sua dialogia e interlocução. Enquanto sonho e devaneio se mantêm aprisionados
na subjetividade, a ficção se realiza como a plena comunhão entre ela e tudo o que
existe fora dela o mundo e as subjetividades que o percebem. Assim, apesar de
certas semelhanças existentes entre a narrativa ficcional e a experiência onírica, uma
não se confunde com a outra. O sonho e o devaneio existem para além de seus
relatos como experiências intra-subjetivas, enquanto a ficção constitui-se como ato
narrativo compartilhado, garantindo o trânsito intersubjetivo de significados.
A ficção da imagem se estabelece como forma comunicativa peculiar,
orientando, buscando coerência transportando-nos para um espaço distante, desvelando
um discurso invisível e ilegível, situando-nos novamente no mundo da fantasia infantil.
Sob este enfoque, Toscani trabalha com o deslocamento das imagens e
mensagens para que a comunicação publicitária assuma um discurso provocativo, pois
como Calligaris (1994) salienta:
No mundo desenvolvido o orçamento publicitário está perto do dobro daquele da
instrução pública. Ou seja, a publicidade tornou-se, em nossa época, um modo
dominante de comunicação e, portanto, um elemento decisivo da cultura que nos
molda. Neste cenário as escolhas de Toscani produzem uma espécie de falso espelho
encantado da bruxa de Branca de Neve, mundo falso que a publicidade nos propõe
como modelo (CALLIGARIS, 2003, p. 352).
101
Na imagem dos “pinóquios” marchando à esquerda a polaridade negro/branco se
dilui, abrindo um espaço para a “marcha de todas as cores” (United Colors of Benetton)
num mesmo sentido, com mesmas características fenotípicas. Nesta imagem, Toscani
não utilizou um personagem real. Utilizou um boneco do universo infantil que traz
como significado principal a mentira.
Podemos entender que a marcha dos bonecos de cores diferentes que caminham
num mesmo sentido anuncia a impossibilidade de manutenção das características
referenciais a partir da herança genética da qual derivam as várias raças humanas.
Quando Toscani apresenta os bonecos iguais com cores diferentes, ele faz uma
alusão à questão da miscigenação como desdobramento natural e cultural. Na atualidade
o que vemos não são raças isoladas e separadas por fronteiras claras.
O que presenciamos é o incessante movimento da mistura de raças e a
permanente condenação à desigualdade que recai sobre as rotulações sociais que
categorizam identidades, demarcando espaços específicos. A miscigenação é a principal
característica do mundo globalizado.
No novo contexto mundial, em que a mobilidade tornou-se um dos pontos mais
desejados, as distâncias já não importam mais, pois o que está sendo apresentado é o
fim da geografia em termos de espaço, sendo as fronteiras meras formas simbólicas e
sociais. A distância é um produto social; sua extensão varia dependendo da velocidade
com a qual pode ser vencida.
Zigmunt Bauman (1999, p. 54) delineia que:
Todo esse processo de transformação redundou na precarização e na desintegração
dos “laços humanos”, onde a vida seguida de seus padrões lógicos permeou a
solidão e desnudou as relações sociais em relações autônomas. Na construção da
cidade idealizada, esqueceram que ela depende da oportunidade dada aos homens,
pois são eles, e somente eles, que devem se privilegiar desta harmonia. Neste
sentido, a globalização deságua na desordem das relações sociais, anunciando um
mundo de fome, pobreza e miséria absoluta, em que as tentativas de mudança
encontram barreiras e sua eficiência é momentânea, pois, este sofrimento da
sociedade humana tem como precedente, amaras, que são facilmente retraçadas e
mutáveis pela globalização e pelo sistema de produção capitalista e do seu modelo
desvinculado do local, tendo na sua visão um modelo global, um alicerce para a
manutenção e precarização da vida humana.
Esta é uma hipótese com a qual a sociedade moderna, burguesa, capitalista
fabrica continuamente a questão racial. São enigmas que nascem e se desenvolvem com
a modernidade, por dentro e por fora do “desencantamento do mundo”.
102
Talvez o que a imagem revele seja uma ideologia racial que acaba por articular e
desenvolver uma gama de manifestações, signos, símbolos ou emblemas com os quais
indivíduos e coletividades “explicam”, ‘justificam”, “racionalizam”, “naturalizam” ou
“ideologizam” desigualdades, tensões e conflitos raciais.
Octavio Ianni (2004, p. 24) apresenta a idéia de que:
De par em par com a globalização da questão social, desenvolve-se e intensifica-se
mais um ciclo de racialização do mundo, assim como de transnacionalização de
movimentos sociais de todos os tipos (...) esses são os problemas e enigmas da
modernidade-nação, ou primeira modernidade, e da modernidade-mundo, ou
segunda modernidade, ambas conjugando-se e tensionando-se no curso dos tempos e
espaços do mapa do mundo; revelando que a modernidade seria inteligível sem esses
dilemas, as quais desafiam a prática e a teoria, a ideologia e a utopia.
Com tais imagens, Toscani provoca, obrigando as pessoas a parar para discutir e
dialogar sobre o poder das idéias petrificadas (através dos meios de comunicação). As
imagens são endereçadas aos nossos preconceitos e procuram sacudi-los. A pergunta
que fica sem resposta é: quem alimenta e mantém o racismo? Ou ainda: como através
da imagem – podemos quebrar a mensagem milenar sobre a diferença e a desigualdade?
Octavio Ianni (2004, p. 23) aponta que um segredo na constituição da raça’,
como categoria social, está na acentuação de algum signo, traço. (...) Aos poucos, o
traço, a característica ou a marca fenotípica transfigura-se em estigma. Estigma esse que
se insere e se impregna no comportamento e subjetividades”.
Kemp (2000, p. 81) defende a idéia de que na sociedade contemporânea “o
corpo adquiriu dimensão privilegiada como meio de comunicação das identidades. O
vestuário, os adornos servem como formas identitárias de pertencimento a grupos (...),
no corpo exibimos as formas como percebemos e vivenciamos as contradições sociais e
os desejos”.
A partir de tais apontamentos, podemos verificar que o corpo dos pinóquios é
apresentado de forma similar; o que este detalhe pode suscitar? Não existe diferença,
mas igualdade – de gesto, de postura, na maneira de se vestir – que suscita uma questão:
quem imita quem? Quem conduz quem, para onde?
A manipulação da imagem parece esconder o jogo de disputa de legitimidade e
de posições sociais, impedindo questões importantes relacionadas à igualdade de
direitos pela diferença através da recombinação dos elementos de nossa identidade, que
103
é sempre relacional e combinada. Na imagem, o apelo pela igualdade é apresentado
através da repetição, que acaba por aprisionar primitivos preconceitos raciais.
Todos os cidadãos deveriam ter seus direitos garantidos pela Lei,
independentemente de suas características.
Portanto, quando apontamos para raças, para as diferenças, somos catapultados
pela velha armadilha que defende características isoladas, tão válidas e verdadeiras
como nos tempos do “era uma vez”.
104
3.4
M
ENINA E
B
ONECA
Figura 38 - Anúncio criado por Oliviero Toscani com a fotografia de Simona Cali Coucuzza,
1992.
A partir de 1992, Toscani (2005, p. 56) escolhe imagens de fotógrafos de campo
de diversas agências jornalísticas para configurar suas campanhas. Seu intuito era
“injetar nesse mundo (publicitário) o real”.
Toscani se utilizou de imagens jornalísticas, carimbando a marca United Colors
of Benetton, “fazendo com que essas fotos crescessem nas paredes, devolvendo para aos
publicitários modernos toda a força para transformar os painéis em uma gigantesca
exposição fotográfica de atualidades”(TOSCANI, 2005, p. 67).
Os publicitários reagiram com críticas severas. Furiosos, explicaram que tais
cartazes eram degradantes, poluíam o espaço reservado à publicidade. Toscani
respondeu:
Mas quem decretou que a publicidade não deveria mostrar imagens fortes? Que
ditador artístico estabeleceu de uma vez por todas as suas regras, resolvendo o que
ela deve ou não mostrar? Com essa campanha, pela primeira vez, a realidade entrava
com força no universo de ar condicionado deles. Pela primeira vez, a publicidade
utilizava alguns metros quadrados de seu gigantesco espaço para oferecer ao público
a atualidade em suas imagens extremas, com uma força de impacto mil vezes
superior à de todos os veículos noticiosos. Na rua. Para todo mundo (TOSCANI,
2005, P. 58).
105
Para a campanha, Toscani selecionou entre milhares de imagens sete fotos de
reportagens das agências Magnum, Sygma e outras. As imagens chocam. Um choque de
realidade. Entre elas uma garotinha segurando uma boneca em meio a uma carvoaria.
crianças que olham para o vazio, olham para você e não compreendem. O que
está acontecendo, por que acontece? (TOSCANI, 1996, p. 125)
Quando Toscani utiliza imagens jornalísticas, assume um outro discurso no
campo da publicidade. Desloca imagens do discurso informativo para o publicitário:
O discurso publicitário está voltado para seduzir ou persuardir o alvo, o discurso
informativo volta-se ao público para transmitir-lhe um saber. Para ambos, a
organização do discurso depende das hipóteses feitas a respeito do alvo,
especificamente a respeito dos imaginários nas quais este se move. (...) Entretanto
esses dois tipos de discursos distinguem-se pelo processo de veridição. No discurso
publicitário, o status da verdade é da ordem do que de ser, da promessa: um dom
mágico é oferecido, cuja realização benéfica para o alvo se concretizará se este se
apropriar do dom. No discurso informativo, o status da verdade é da ordem do que já
foi: algo aconteceu no mundo, e é esse novo conhecimento proposto no instante de
sua transmissão – consumação (CHARAUDEAU, 2006, p. 60-61).
Sob este aporte teórico, o discurso publicitário, que enreda a gica do desejo,
apropria-se, com Toscani, da veracidade e da credibilidade de fatos transmitidos,
possibilitando, com isto, outras leituras.
A imagem feita por Simona Calli Coucuzza (figura 38), apresenta uma menina
em uma carvoaria, suja de carvão, que carrega em seus braços uma boneca que contrasta
com a aparência da menina. Embora a boneca esteja suja, a sua cor branca alvejante e
suas vestes de ideal indumentário infantil, roubam a luminosidade da imagem. A
menina e sua boneca estão num lugar de imensa exploração do trabalho infantil. Em
carvoarias vivem famílias inteiras em condições subumanas.
As imagens, convenhamos, não são mais escabrosas do que as que propõem a
atualidade e mesmo, às vezes, a produção cultural. É o deslocamento das imagens e
mensagens para a comunicação publicitária que parece produzir escândalo. Mas por
que isso provoca tanto? É o uso cínico de tragédias humanas para promover
produtos Benetton, como pretendem às vezes os críticos de Toscani?
(CALLIGARIS, 2003, p. 353).
106
Sobre o trabalho do carvoeiro, lembramo-nos da obra de Émile Zola, Germinal
36
(1885). A obra, na época em que foi publicada, elevou a descrição literária a um novo
patamar de realismo e crueza.
O romance é minucioso ao descrever as condições de vida subumanas de uma
comunidade de trabalhadores de uma mina de carvão na França. Após ter contato com
idéias socialistas que circulavam pela classe operária européia, os mineradores
retratados na obra revoltam-se contra a opressão e organizam uma greve geral, exigindo
condições de vida e trabalho mais favoráveis. A manifestação é reprimida e
neutralizada, entretanto permanece viva a esperança de luta e conquista.
Na atualidade a exploração ao trabalho infantil ainda é fato. Crianças são
exploradas e precisam conviver com a dura realidade de uma vida de sacrifícios e
privações.
É brincando que a criança é inserida no campo social. A imagem que Toscani
escolhe para denunciar a exploração infantil, a diferença, a indignação, apresenta uma
criança só e desamparada com seu brinquedo.
Segundo a psicologia, a criança quando “brinca”, representa o mundo em que ela
está inserida. “Brincar não é uma palavra trivial ou vazia. É disso que parece depender
grande parte do seu desenvolvimento cognitivo” (BEE, 1995, p. 199).
O desamparo na imagem surge ao tentarmos evitar as conseqüências do vazio. A
boneca com os olhos fechados parece indicar que o que importa é o nculo com o
objeto (boneca) e não a relação com o objeto. A boneca, como citamos, devolve à
criança um universo possível para existir.
A questão principal na imagem são os olhos abertos e atentos da criança para a
câmera fotográfica. Parece que a criança olha para o vazio. É uma imagem de desilusão.
“A ‘desilusão’ não torna a criança impotente, aliás ela penetra no jogo da reciprocidade
(promovido pelo brincar) e tem acesso à cultura, que é a área de ilusão na qual a
produção do espírito humano se torna plural, diversificada em constante estado de
reinvenção” (COSTA, 2007, p. 79).
Para a psicanálise, é o olhar do Outro que nos constitui:
36
Para compor Germinal, o autor passou dois meses trabalhando como mineiro na extração de carvão.
Viveu com os mineiros, comeu e bebeu nas mesmas tavernas para se familiarizar com o meio. Sentiu na
carne o trabalho sacrificado, a dificuldade em empurrar um vagonete cheio de carvão, o problema do
calor e a umidade dentro da mina, o trabalho insano que era necessário para escavar o carvão, a
promiscuidade das moradias, o baixo salário e a fome. Além do mais, acompanhou de perto a greve dos
mineiros (ZOLA, 2000).
107
O Outro como lugar da fala propriamente dita permite a Lacan dizer que o sujeito
recebe do Outro sua própria mensagem sob a forma invertida. Todo o efeito do
esquema da comunicação se assim transtornado: a mensagem é emitida no
nível daquele que a recebe” (KAUFMANN, 1996, p. 386).
O olhar para a câmera nos convoca a analisar que a imagem de exploração da
condição humana, de desolação representada pela criança e sua boneca, é real, é uma
denúncia. Mas o que a máquina midiática e seus interlocutores fazem além de
denunciar?
Apresentar a imagem (no jornal ou nos espaços publicitários) exageradamente
dramatizada parece cair no espaço comum. Diante dessas imagens reais, pode-se
compreender que, numa sociedade de diferenças brutais, como a que vivemos, o
telespectador ou o consumidor, ou simplesmente o cidadão, refugia-se no espetáculo
do sofrimento dos outros (CHARAUDEAU, 2006, p. 250).
Neste cenário em que o sofrimento humano vira espetacularização, a campanha
publicitária de Toscani pode ser comparada ao fetiche.
Não deixa de ser paradoxal que o mundo dominado pela mercadoria-fetiche
resulte “daquele conjunto de experiências intelectuais e existenciais a que Weber
denominou ‘desencantamento do mundo’, que a mercadoria ‘reencanta’ o mundo,
reinvestindo-o de aspectos míticos, místicos, sagrados e proféticos” (MATOS, 2006, p.
71).
Seguindo este raciocínio, a obra de Farnese de Andrade ilustra alguma
semelhança: bonecos queimados ou mutilados são marca da obra do artista, como se
observa na série de trabalhos sobre a tragédia atômica de Hiroshima:
Campos de concentração, cidades devastadas, bombardeiros repletos de Napalm, um
humanismo esmagado, a manhã seguinte em Hiroshima e Nagazaki. É nesta
atmosfera que respiram os habitantes das caixas de Farnese. A eles se aplica um
antigo paradoxo. Imagens que não suportaríamos em sua existência original, depois
de reelaboradas pelo artista adquirem uma nova e positiva dimensão. (...) Conheço
pouca coisa mais triste que os trabalhos de Farnese de Andrade. Essas cabeças de
boneca arrancadas do corpo lembram maldades de infância. As madeiras gastas de
seus trabalhos guardam um tempo esponjoso, que se acumulam sobre s ombros e nos
paralisam os movimentos. As fotografias e imagens presas nos blocos de poliéster
falam de um passado que nos inquieta, mas que não podemos remover ou processar,
já que não mais nos pertence (COSAC, 2005, p. 18).
108
A obra O anjo de Hiroshima (figura 39), é uma das obras mais perturbadoras do
artista. Composto por uma mandíbula de cavalo ou de burro, que serve de corpo a uma
cabeça de boneca de plástico, o anjo flutuante tem um laurel de bebês de plástico
incinerados no lugar do cabelo. Toda a imagem é emoldurada por uma pula resinada.
Essa obra causa e revela o desencantamento de Farnese com a espécie humana, e
certamente reforça seu ceticismo em relação ao futuro das civilizações.
Figura 39 – Farnese de Andrade – O anjo de Hiroshima, 1968-78.
As imagens escolhidas por Toscani para sua campanha de 1992 são imagens
reais que nos remetem a um desencantamento. É uma realidade que choca por mostrar a
crueldade sem fantasia num universo da publicidade.
Outra imagem que pode compor a nossa leitura é a obra de Sebastião Salgado,
Êxodos (emigração, saída). Êxodos foi um trabalho desenvolvido ao longo de seis anos,
divido em cinco partes: Migrantes e refugiados: o instinto de sobrevivência; A tragédia
africana: um continente à deriva; América Latina: êxodo rural, desordem urbana; Ásia:
a nova face urbana do mundo; Retratos de Crianças do Êxodo.
Êxodos apenas registra fatos ocorridos, nações dizimadas em guerras étnicas e
fome. E registra de uma maneira totalmente diferente do que uma rede de televisão
poderia fazer.
109
Com as imagens de Êxodos não podemos respirar aliviados como num comercial
publicitário. Ficamos detidos, forçados a refletir um pouco sobre o homem e o mundo
em que vivemos.
São fotos reais, seres humanos retratados em cenas de sua vida cotidiana. Na
foto apresentada, uma criança brinca com ossos. Assim como na imagem de Toscani, é
uma denúncia à dura realidade infantil.
Figura 40 – Sebastião Salgado, Êxodo Rural, desordem urbana, 1999.
Aliando as imagens de Toscani, Farnese e Salgado sobre o universo infantil,
podemos verificar que a linguagem a que Toscani se propôs na seleção das imagens
jornalísticas se aproxima da arte, que na atualidade se apresenta como um espaço de
reflexão sobre a contemporaneidade.
Completando este raciocínio, Sontag (2003) faz uma profunda análise do papel
da fotografia de guerra no mundo contemporâneo. “Agora, guerras são também imagens
e sons na sala de estar.”
“Nós” esse ‘nós’ é qualquer um que nunca passou por nada parecido com o que
eles sofreram e sofrem não compreendemos. s não percebemos. Não podemos,
na verdade, imaginar como é isso. Não podemos imaginar como é pavorosa, como é
aterradora a guerra; e como ela se torna normal. Não podemos compreender, não
podemos imaginar. É isso o que todo soldado, todo jornalista, todo socorrista e todo
observador independente que passou algum tempo sob o fogo da guerra e teve a
sorte de driblar a morte que abatia outros, à sua volta, sente de forma obstinada. E
eles têm razão (SONTAG, 2003, p. 107).
110
Ao olhar vazio da menina com boneca, curvamo-nos a pensar sobre a realidade
despida, desvelada de nossa condição humana. Quando Toscani se utiliza de tais
imagens, ele opera um deslocamento da imagem jornalística, recolocando-a em outro
lugar. Nesta operação, os olhos do espectador confundem-se e enxergam algo que está
fora de lugar, fora do eixo.
A Benetton apostou nesta linguagem, assumiu riscos quando deixou Oliviero
Toscani criar uma campanha a partir de tais imagens para a divulgação da marca.
Estampar o olhar de uma criança e sua boneca em grandes painéis gerou
polêmica, pois o olhar parece estar aprisionado ao “click” da câmera. o é o olhar do
Outro que a constitui, mas o olhar de uma máquina que fabrica imagens.
Para Baitello Junior (2005, p. 85), “a cultura das imagens abre as portas para
uma crise da visibilidade, (...) que carrega consigo a invisibilidade correspondente (...) e
agrega um desvalor à própria imagem, enfraquecendo sua força apelativa e tornando os
olhares cada vez mais indiferentes, progressivamente cegos, pela incapacidade da visão
crepuscular e pela univocidade saturadora das imagens iluminadas e iluminadoras”.
A imagem que estampa o sofrimento humano em painéis publicitários, pode
incomodar, mas não nos convoca à mudança de atitude. O que verificamos é que o
incômodo se resume ao hábito, como nas imagens de guerra que são transmitidas pela
televisão. As imagens são para s, espectadores (ou consumidores), apenas imagens e,
pela constante presença, já não causam desconforto.
Toscani opera uma ruptura com o deslocamento da imagem, porém podemos
pensar que, na frequência de fluxos imagéticos impactantes, o que antes era mensagem,
aos poucos torna-se informação.
A imagem da menina com boneca estampada em grandes painéis publicitários
apresenta o mundo caótico. No cenário idílico que é o universo publicitário, a imagem
outra vez, desloca-se do caos e assume uma outra possibilidade: a de existir como
imagem instantânea, como imagem da mídia, mesmo que a boneca continue com os
olhos fechados, e o seu dia-a-dia esteja soterrado sob as minas de carvão.
111
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa foi motivada pelo desejo em levantar reflexões sobre a
comunicação publicitária através das imagens criadas por Oliviero Toscani à frente da
comunicação da Benetton, a partir de 1984.
Percorrer os trajetos de Toscani, a partir de seu interesse pelo universo da
imagem, desde a sua infância, apontou-nos, como foi demonstrado, o desenvolvimento
de seu espírito criativo e contestador, o que lhe forneceu alicerce para questionar,
criticar e atacar a prática publicitária tradicional:
A publicidade está morta, é um cadáver que fede e sobre o qual continuam jogando
grandes garrafas de perfume francês. É uma imunda podridão (TOSCANI, 2003, p.
362).
Propusemo-nos a apresentar o universo iconográfico desenvolvido por Toscani
para a Benetton, considerando a possibilidade de analisar algumas imagens e como se
deu o processo de ruptura a que ele se propôs.
Seriam as imagens de Toscani um mero protesto? Por que Luciano Benetton
apostou em Oliviero Toscani e em seu discurso polêmico? As imagens causaram
polêmicas, ou de fato criaram um novo discurso no universo publicitário? A ruptura
acontece por que vias?
Na pesquisa, pudemos identificar que Oliviero Toscani opera inúmeras
linguagens, apresentando a realidade em imagens, ao fazer críticas ao universo do
consumo.
Neste sentido, entrelaçar teorias da Comunicação com autores da Antropologia,
Filosofia, Sociologia, Psicanálise, contribuiu para que nos aparelhássemos em busca de
uma tessitura, marcada pela construção de um olhar múltiplo.
Para analisar as imagens recorremos a outras imagens, principalmente da
História da Arte, da Arte Contemporânea e da Fotografia, uma vez que este recurso
contribuiu para decompor as imagens criadas por Toscani, com objetivo de levantar
indícios para, finalmente, analisá-las.
No primeiro capítulo, apresentamos fragmentos históricos sobre o surgimento da
fotografia, a partir do século XIX. Tal pesquisa, nos ajudou a compreender como a
imagem fotográfica se infiltrou no espaço publicitário e, aos poucos, assumiu a
condição de fetiche.
112
No segundo capítulo, enredamos o desenvolvimento iconográfico de Oliviero
Toscani, o encontro com Luciano Benetton e todo processo disruptivo criado para a
marca.
Com este repertório traçado, ampliamos nosso conhecimento para que, no
terceiro capítulo, efetuássemos uma análise contextualizada das imagens selecionadas.
Verificamos que o primeiro rompimento que Toscani promoveu foi a
decomposição de signos e a recomposição da realidade (em imagem) de outra maneira,
ampliando as possibilidades de novas configurações no processo de comunicação
publicitária.
Com suas imagens infiltrando-se no espaço publicitário, aos poucos, Toscani foi
criando uma outra forma de comunicação através da imagem.
Na análise das imagens, identificamos que além da decomposição de signos,
Toscani rompe com códigos estabelecidos. Ele desmistifica códigos. Para sustentar a
idéia de transgressão de um código:
Ao contrário da Lei, o código tem uma origem: tem certa autoria, ainda que difusa, e
depende de técnicas de divulgação e propaganda para se tornar consensual,
dispensando razões e explicações: “Isto não se faz”; “Mas por que?” “Porque não”.
Em sua vigência máxima, o digo dispensa até mesmo o esclarecimento sobre o
porquê. Quando perguntamos por quê?”, é porque a sustentação simbólica
(inconsciente) do código se esfacelou, questionada por discursos que representam
outros pactos, outras demandas sociais (KEHL, 2002, p. 19).
Quando as imagens polêmicas viram notícia, gerando processos, Toscani
provoca uma crise ética com a desmoralização do código (neste caso, publicitário,
religioso). Numa crise ética é preciso fazer com que o sujeito reconheça a Lei.
Lei [Do lat. lege] S.f. 1. Regra de direito ditada pela autoridade estatal e tornada
obrigatória, para manter, numa comunidade, a ordem e o desenvolvimento. 2.
Norma ou conjunto de normas elaboradas e votadas pelo poder legislativo. 3.
Obrigação imposta pela consciência e pela sociedade (FERREIRA, 1999, p. 1197).
Com a decomposição de um símbolo, Toscani abala estruturas sociais pre-
estabelecidas, quando rompe com códigos. Este interstício pudemos ilustrar na primeira
imagem analisada.
Ao decompor a imagem de Adão e Eva representantes da origem do homem e
da mulher pelo código religioso coloca-os frente a frente com a questão do desejo
proibido:
113
A tradição, a educação, as religiões, as grandes mitologias são formações da cultura
que tentam garantir uma certa estabilidade (simbólica) e uma credibilidade de base
imaginária no que concerne à transmissão da lei de geração a geração (KEHL, 2002,
p. 13).
Na imagem de Eva e Adão ele transgride um código religioso que permeia as
sociedades, quando reconstrói a imagem com outro significado, estampando uma outra
mensagem.
Com este processo, aos poucos ele vai retirando o foco do produto a ser vendido
e investindo em imagens que nos colocam frente a frente com a realidade.
No mundo midiático, sabemos que o escândalo foi substituído pelo
sensacionalismo, que se caracteriza pela superficialidade e pela ausência de conteúdo
consistente de acontecimentos.
Na imagem da ama-de-leite, que foi a primeira a veicular a mudança da marca
(de Benetton para United Colors of Benetton), Toscani começa a apresentar a
possibilidade das relações raciais. É uma denúncia contra o racismo. A ama-de-leite foi
uma função assumida pelas mulheres, em geral pelas escravas, em determinados
lugares. A mulher negra, de fato, amamentava a criança branca nas sociedades
escravagistas.
O descompasso na imagem acontece, pois o corpo negro é apresentado sem face,
sem identidade. Porém, o corpo é sacralizado quando veste um pulôver de cor vermelha,
que nos remete a “manto”. Manto associado ao produto Benetton marca que sacraliza
a comunicação e propõe possíveis diálogos raciais. Toscani lança “voz” ao anunciar a
realidade, denunciando preconceitos.
A partir desta campanha, Toscani abandonou de vez a divulgação dos produtos.
A marca de sua comunicação era a etiqueta United Colors of Benetton que vinha
estampada em um canto das imagens.
Durante três anos, a Benetton e Toscani apostaram nas campanhas para
denunciar o racismo. A última campanha desta sequência é a imagem dos pinóquios.
Esta imagem aparece completamente sem nenhum produto da marca, o que é um
rompimento no discurso publicitário. A divulgação, ao abandonar o produto, investe na
ideologia da marca.
A imagem surge como uma crítica re(velada) à sociedade industrializada, que
investe na fabricação em série, não só de produtos, mas principalmente de ideais, muitas
vezes, utópicos. A repetição de um boneco que carrega como significado a mentira,
114
mostrando a diferença somente na cor e não contemplando as características advindas
da miscigenação que promove a diversidade, revela uma crítica a união de cores e raças.
A miscigenação, como sabemos, é uma realidade da civilização. Porém a
sociedade continua sempre anunciando a diferença de raças, e não a diversidade.
A última imagem analisada faz parte de uma série de imagens em que Oliviero
Toscani se utiliza de repórteres jornalísticos. São imagens que denunciam a guerra, a
exploração do trabalho infantil, a máfia, etc. A imagem escolhida é de uma menina e
sua boneca em uma carvoaria.
O realismo na forma de apresentar a realidade desfaz o efeito do real. Ao buscar ser
realista, a imagem substitui o real. Por excesso de realismo a imagem torna-se irreal.
As imagens são delirantes, e é próprio do delírio excluir a consciência, não se
converter a explicações gicas. Neste sentido, o delírio pode se converter numa
ideologia de vida (MATOS, 2006, p. 31).
Com esta campanha, Toscani opera um deslocamento de imagem. Ele rompe
definitivamente com o discurso publicitário, e como uma assemblage, estampa na
publicidade uma denúncia, apenas com a etiqueta Benetton.
Quando a Benetton autoriza a estampar a marca nas imagens de Toscani, que aos
poucos vai retirando a mensagem direcionada ao produto e apresentando imagens da
realidade, a empresa compactua com um outro processo de ruptura.
Para entender este aspecto, precisamos recordar que a Benetton, assim como
Toscani, nasceram nas ruínas de um país pós-guerra.
A Benetton rompeu com a forma convencional de venda, revolucionou o
mercado, quando desenhou suas lojas, retirando balcões e vendedores. Os balcões
impediam que o cliente tivesse acesso ao produto. Na loja idealizada de Luciano
Benetton, o espaço livre oferecia aos jovens acesso direto à mercadoria, respeitando
suas escolhas.
Sob este prisma, Oliviero Toscani e Luciano Benetton quebraram paradigmas
quando provocaram mudanças na apresentação de imagens e na forma de vender o
produto. Além de idealizarem uma escola de comunicação Fabricca com o objetivo
de instituirem um novo processo de comunicação publicitária. As imagens de Toscani
convocam-nos para uma leitura da realidade.
Neste percurso percebemos que as imagens ora ácidas, ora irônicas, ora
ficcionadas, apresentam ao público diversas análises, e inúmeras leituras da realidade,
115
através do estranhamento que as imagens causam. São imagens que chocam, não
distantes da realidade que nos envolve.
Percebemos ao longo desta pesquisa que Oliviero Toscani conseguiu o
reconhecimento com a circulação de imagens polêmicas. O reconhecimento aconteceu
principalmente pela via da “negação”. Suas imagens viraram notícia, levantaram
polêmicas, geraram processos. Isto é fato.
A vontade política e cultural de Oliviero Toscani em transformar a comunicação
moderna é explícita. Sabe-se que seus anúncios, em vários países, foram recusados. Mas
sem utopismo, ele imaginou um mundo que não renunciaria ao inevitável poder de
mercado. Mas também sem cinismo, lutou para que tal poder não nos destine a sermos
os rascunhos de falsas belezas.
Toscani operou deslocamentos com as imagens que ele produziu: tanto trouxe
para dentro do discurso publicitário imagens da mídia informativa, quanto lançou suas
imagens em outros territórios como os da arte, com a sua participação na Bienal de
Veneza. Suas imagens acabaram ocupando territórios diversos, rompendo com a
barreira imposta pela publicidade, que compõe imagens para um único fim: o consumo.
Na busca incessante pelo reconhecimento de sua linguagem comunicacional, o
que verificamos é que, na tentativa de apresentar imagens inéditas, a cada campanha
surgiam imagens polêmicas.
A cada polêmica gerada, Toscani respondia às críticas e às denúncias da mídia,
com novas imagens, cada vez mais polêmicas. Neste enredo, parece que o seu discurso
polêmico foi perdendo a força, ficando repetitivo, esvaziando-se.
Na sociedade do espetáculo toda imagem, mesmo a imagem jornalística, mesmo a
informação mais essencial para a sociedade, tem o caráter de mercadoria, e todo
acontecimento se reduz à dimensão do aparecimento (KEHL, 2004, p. 156).
Toscani permaneceu enquanto suas imagens preenchiam uma grande falta, uma
lacuna. O seu trabalho teve impacto no universo publicitário, rompeu linguagens
estabelecidas com imagens impactantes, mas tornou-se repetitivo ao apresentar temas
recorrentes.
Sob este prisma, a ruptura do processo de comunicação a que Toscani se propôs
ao mostrar realidades humanas no campo da publicidade, não opera como rompimento
da ideologia publicitária convencional, que tem como finalidade motivar e estimular a
116
venda de produtos. O que verificamos é que a publicidade permanece até hoje no
estágio do culto ingênuo à beleza e a felicidade.
Em suas campanhas, Oliviero Toscani não procurou convencer o público a
comprar produtos. O que ele fez foi lutar contra o conformismo das certezas. Utilizou a
força de impacto e de exposição da mídia. Ele “arranhou no lugar em que estava
“coçando”. Suas imagens geraram debates, inúmeras discussões e permanecem até hoje
em nossos registros imagéticos.
Com a campanha da Benetton (...) uma vez liberado o choque da imagem, a
publicidade se cala, a significação permanece aberta, o mesmo ocorrendo com a
interpretação. Cabe ao espectador, que cruza em seu caminho com a publicidade e a
discute com as pessoas próximas ou com os colegas de trabalho tomar uma posição
e refletir a respeito, criar uma opinião própria, entrar ativamente no processo de
comunicação (...) A mensagem da Benetton é o debate. A mensagem é a discussão.
A mensagem é a polêmica acirrada. A mensagem é essa terceira dimensão
forçosamente inesperada, forçosamente incontrolável, forçosamente caótica,
forçosamente imprecisa, porque em cada vez arrebata um receptor independente,
que por fim, conclui aquilo que bem entende (DANTLE, 2005, p. 86).
Toscani criou um repertório imagético, tatuando na marca Benetton algo que vai
além de campanhas publicitárias que geram o consumo. Seu discurso abriu debates,
criou espaços de discussão, gerou polêmicas. Como uma cicatriz, suas imagens
permanecem povoando nosso imaginário. Quando mencionamos seu nome, logo
recuperamos fragmentos de suas polêmicas imagens. Indiscutivelmente, ninguém
conseguiu fazer nada parecido no campo da publicidade.
Neste trajeto, as imagens que adornam a capa desta pesquisa indiciam
características peculiares da área que nos propomos a investigar: as cercas de arame
farpado indicam incomunicabilidade enquanto as antenas orientam para a possibilidade
da comunicação.
Talvez este seja um indício do que as imagens de Toscani anunciam e
denunciam...
Para encerrar, Guy Debord (1997, p. 18):
Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se
seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico. O espetáculo como
tendência a fazer ver o mundo que não se pode tocar diretamente, serve-se da visão
como o sentido privilegiado da pessoa humana o que em outras épocas fora o tato; o
sentido mais abstrato, e mais sujeito a mistificação, corresponde à abstração
117
generalizada da sociedade atual. Mas o espetáculo não pode ser identificado pelo
simples olhar, mesmo que este esteja acoplado à escuta. Ele escapa à atividade do
homem, à reconsideração e à correção de sua obra. É o contrário do diálogo. Sempre
que haja representação independente, o espetáculo se reconstitui.
118
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