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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
MARIA CARMEN LOPES DA SILVA
A PRESENÇA DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DE
SÃO PAULO, NO PERÍODO DE 1890 A 1930.
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
MARIA CARMEN LOPES DA SILVA
A PRESENÇA DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DO ENSINO PRIMÁRIO NO ESTADO DE
SÃO PAULO, NO PERÍODO DE 1890 A 1930.
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de DOUTOR EM EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA, sob a orientação da Professora Doutora
Sandra Maria Pinto Magina.
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: ___________________________________ Local e data:____________________
Para meu pai,
um exemplo de dignidade a ser seguido e,
ao meu filho David,
razão de minha existência.
Agradecimentos
Primeiramente, a DEUS.
Ao Professor Doutor Wagner Valente, que plantou a
semente para a elaboração deste trabalho, e à
Professora Doutora Sandra Maria Pinto Magina,
que acompanhou a execução do mesmo.
Aos componentes da banca examinadora, em
especial, à Professora Doutora Aparecida Duarte,
pela sua incomensurável colaboração, sem a qual eu
não poderia ter concluído o presente estudo.
À Professora Doutora Maria Helena Bittencourt
Granjo, pelo apoio concedido durante toda a
trajetória deste segmento de minha vida profissional.
Ao amigo, Professor Doutor Vincenzo Bongiovanni,
o orientador de todas as horas.
Ao Francisco Olímpio da Silva, que tornou visível
todo o meu empenho para finalizar esta pesquisa.
Enfim, a todos que, direta ou indiretamente,
contribuíram para que eu chegasse ao fim desta
empreitada.
A Autora
Resumo
O presente trabalho teve por finalidade analisar como a matemática se fez presente na
formação do professor do ensino primário do Estado de São Paulo, entre 1890 e 1930.
Trata-se de um recorte geográfico-temporal marcado por importantes reformas
educacionais que repercutiram e transformaram a cultura escolar da época. É no cerne
dessas transformações que se percebe a presença da Matemática, num primeiro
momento, associada às matérias pertinentes à formação do trabalhador e, num segundo,
caminhando em direção ao respeito à fase intelectual da criança. Para denotar como
essas transformações se processaram, fez-se necessário regredir na linha do tempo,
procurando, assim, compreender por meio da Legislação como foi concebida a educação
elementar no Brasil Império. A seguir, houve a precisão de reconhecer o contexto cultural
de onde partiram as novas diretrizes para a educação brasileira, para então responder
como a matemática se fez presente na formação do educador da instrução pública
paulista no período da República. Como fontes de pesquisa foram utilizadas a
Legislação Oficial do Ensino do Estado de São Paulo e a Revista do Ensino, periódico
lançado em 1902 destinado ao professorado paulista. Nessa trajetória de reapropriação
dos textos constantes nos dispositivos legais e os divulgados pela imprensa periódica
surge o nome de Mr. Parker, autor de cartas que levam o seu nome. Estas foram
apropriadas pelos gestores da educação, sendo recomendadas e, posteriormente,
distribuídas em todos os Grupos Escolares do Estado de São Paulo, instituição que deu
forma e consolidou o ideário republicano na trajetória da educação paulista.
Palavras-chave: cultura escolar, aritmética, ensino primário, século XIX e início do XX.
Abstract
The goal of this work is analyzing how Mathematics was taken into account in the
elementary school teacher’s background in the State of São Paulo, during the period
comprised between the years 1890 and 1930. A geographic-temporal space characterized
by significant educational changes in the scholar culture will be presented. In the core of
such changes, it is possible to realize the role that Mathematics has played, initially
fulfilling the worker’s background needs and then providing knowledge to the children’s
intellectual phase. Such changes are brought into light by studying: (a) how Legislation
has impacted the Elementary Education during the Brazil Empire period and (b) how the
republican cultural context has drawn new guidelines to Brazilian Education, particularly in
the mathematical background of the so-called Public Instructional Educator in the State of
São Paulo, during the First Republic. Research sources are based on the Official
Education Legislation of the State of São Paulo and the Education Magazine that appears
in 1902. These sources reveal the name of Mr. Parker whose letters have been
recommended to educational purposes by the educational managers and distributed to all
public elementary schools of the state of São Paulo which were in charge to adequate the
republican idealism to the Education.
Keywords: school culture, arithmetic, elementary education, 19th century and 20th
century beginning.
Sumário
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 13
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................... 23
POR UMA ESCRITA DA HISTÓRIA DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA
BRASILEIRA, NO QUE DIZ RESPEITO À DISCIPLINA MATEMÁTICA ............ 23
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................... 41
DA GRATUIDADE DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA NO BRASIL IMPÉRIO À
LIBERDADE DO ENSINO PRIMÁRIO NO GOVERNO PROVISÓRIO ................ 41
Introdução ............................................................................................................. 41
2.1 Instrução primária e gratuita a todos os cidadãos no Império ........................ 42
2.1.1 A responsabilidade pela instrução pública entregue às Províncias: o
Ato Adicional de 5 de agosto de 1834 .................................................... 45
2.1.2 O Decreto 1.331, de 18 de fevereiro de 1854 ........................................ 46
2.1.3 Instruções para a verificação da capacidade do magistério e
provimento das cadeiras públicas de instrução primária e secundária .. 48
2.1.4 A criação de duas escolas normais primárias para o ensino da corte ... 48
2.1.5 O Decreto 6.479 de 1877: a divisão nas escolas de instrução primária 51
2.1.6 O Decreto 7.247 de 1879: mudanças significativas no ensino primário 52
2.1.7 O Decreto 7.684 de 1880: regulamentando a Escola Normal para o
Município da Corte ................................................................................. 53
2.1.8 O Decreto 8.025, de 1881: das finalidades da Escola Normal ............... 54
2.1.9 Aditamento 04, de 1882: sobre o programa de ensino a ser observado
nas escolas públicas do 1.º grau do município da Corte ........................ 55
2.1.10 O Decreto 8.985, de 11 de agosto de 1883 ......................................... 56
2.2 O ensino primário e secundário durante o Governo Provisório ...................... 57
2.2.1 O Decreto 407 de 1890: o novo regulamento da Escola Normal da
Capital Federal ....................................................................................... 58
2.2.2 Decreto 981, de 1890: Aprova o Regulamento da instrução primária e
secundária no Distrito Federal ................................................................ 60
2.3 Diálogo entre a legislação e os documentos manuscritos da Escola Normal . 62
CAPÍTULO 3 ............................................................................................................... 67
PANORAMA DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
COM A CHEGADA DO REGIME REPUBLICANO .............................................. 67
CAPÍTULO 4 ............................................................................................................... 77
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE INSTRUÇÃO PRIMÁRIA PAULISTA:
EXIGÊNCIAS LEGAIS E RECOMENDAÇÕES PEDAGÓGICAS ........................ 77
4.1 Reformas educacionais paulistas ................................................................... 77
4.2 As palestras de Parker .................................................................................... 94
4.2.1 Palestra XV: o conceito de número ........................................................ 95
4.2.2 Palestra XVI: números (continuação) ..................................................... 98
4.2.3 Palestras XVII: aritmética ....................................................................... 100
4.3. Questões gerais acerca do ensino ................................................................. 102
4.4. As Revistas do Ensino e as controvérsias relativas aos métodos e
processos para a instrução primária .............................................................. 106
4.5. A instrução popular e o ambicioso projeto dos republicanos apulistas .......... 111
4.6. Modificações nas instituições de ensino da Instrução Pública Paulista
(1890-1930) ................................................................................................... 132
4.6.1 Escola Normal, 1890 ............................................................................. 132
4.6.2 Escola Normal, 1892 ............................................................................. 132
4.6.3 Escola Normal, 1893 ............................................................................. 133
4.6.4 Escola Normal, 1894 ............................................................................. 133
4.6.5 Escola Normal, 1895 ............................................................................. 133
4.6.6 Escola Complementar, 1985 ................................................................. 134
4.6.7 Escola Normal, 1896 ............................................................................. 134
4.6.8 Escola Complementar, 1986 ................................................................. 134
4.6.9 Escola Normal, 1902 ............................................................................. 134
4.6.10 Escola Normal, 1904 ........................................................................... 135
4.6.11 Escola Complementar, 1911 ............................................................... 135
4.6.12 Escola Normal Primária, 1912 ............................................................ 135
4.6.13 Escola normal de Curso Secundário, 1913 ......................................... 135
4.6.14 Escola Normal, 1920-1921 .................................................................. 135
4.6.15 Escola Normal, 1925 ........................................................................... 136
4.6.16 Escola Normal, 1927 ........................................................................... 136
4.6.17 Escola Normal, 1929: duas modalidades de curso ............................. 136
4.6.18 O governo provisório, 1930 ................................................................. 137
4.7. Quadro sinóptico: 1890-1930 ......................................................................... 138
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 139
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 147
ANEXOS .................................................................................................................... 157
Anexo 1. Das quatro operações e a teoria dos quebrados ao estudo de
Trigonometria ......................................................................................... 157
Anexo 2. Provas .................................................................................................... 159
Anexo 3. As Cartas de Parker. Material didático elaborado por Francis Wayland
Parker (1837, 1902) recomendado ao professorado paulista pelos
gestores da Revista do Ensino, nas edições datadas em 1902/1903 .... 193
Índice de Figuras
Fig. 01. Prova de Pedagogia – Método do Ensino Mútuo. Misto, Vantagens e
Desvantagens. Arquivo do Estado de São Paulo .......................................... 63
Fig. 02. Princípios de Pestalozzi, Revista do Ensino, 1904 ........................................ 111
Fig. 03. Relatório proferido por Dr, Mário Bulcão, 1905 .............................................. 116
Fig. 04. Programa relacionado às propostas de ensino divulgadas na Revista do
Ensino, 1913 .................................................................................................. 127
Introdução
É difícil explicar os motivos que levam à elaboração de um trabalho de
pesquisa que tenha por finalidade observar à presença da matemática na
formação dos professores do ensino primário entre 1890 e 1930, ante os desafios
educacionais a serem ainda enfrentados pelo Brasil, quase ao final da primeira
década do século XXI.
A tarefa torna-se mais árdua quando se percebe que a motivação primeira
para realizá-la tem suas raízes na infância, que se ramificou ao longo da própria
caminhada profissional.
É o caso do presente trabalho, que tem uma parte atrelada às narrativas de
minha mãe, como aluna do Grupo Escolar Olavo Bilac em Santos, e, a outra, à
minha vivência como professora de matemática por mais de trinta anos.
Ao se referir às suas professoras, minha mãe ora o fazia salientando a
competência delas, ora descrevendo atitudes pouco aceitáveis hoje em dia, no
que diz respeito ao trato com as crianças.
Entre esses relatos, no entanto, havia um, cuja tônica recaía sobre a
irritabilidade dessas professoras diante de um grupo de alunos com dificuldades
maiores na disciplina matemática.
Embora minha mãe estivesse incluída naquele rol de educandos, foi ela,
contudo, a responsável por me transmitir o processo de efetuar a divisão com dois
ou três algarismos no divisor.
13
Lembro-me como ela se referia aos pontinhos imaginários, que separavam
os algarismos do dividendo e do divisor, os quais, devidamente colocados, fariam
com que se pensasse em números menores a serem divididos.
Evidentemente, não eram essas as palavras por ela utilizadas para me
auxiliar com a operação da divisão. Certamente, elas se mesclaram ao meu
próprio vocabulário, empregado por anos no exercício do magistério junto às
crianças da 5.ª série do ensino fundamental.
Identifico no algoritmo da operação de divisão o começo das queixas dos
alunos, que passam a se referir à disciplina matemática como detestável e que
nada tem a ver com a vida fora da escola.
Participei das angústias das crianças, quando lhes era solicitado direta ou
indiretamente o emprego da operação de divisão em uma determinada atividade.
Busquei outros cursos que pudessem auxiliar-me na tarefa de não criar,
como diz Wadsworth (1999), novos candidatos para odiar a matemática.
Procurei pelo curso de pedagogia na expectativa de inteirar-me de
processos que facilitassem o desenvolvimento dos conteúdos matemáticos.
Inquietava-me a sensação de impotência para lidar com essas crianças que se
ressentiam pela ausência da “tia” e deviam atender, “de uma hora para outra”, às
solicitações de vários professores de diferentes disciplinas.
Resumidamente, posso dizer que o curso de pedagogia não atendeu às
minhas expectativas. As preocupações, no que diz respeito à metodologia de
ensino, recaíam, notadamente, sobre os processos de alfabetização.
O curso em nível de pós-graduação, atualmente reconhecido como de
Especialização, embora tratasse da didática da matemática direcionada para o
nível superior, respondeu, em parte, meus questionamentos envolvendo os
processos de ensino endereçados aos alunos das séries iniciais do ensino
fundamental.
Ainda assim persistiram minhas preocupações, em especial, àquelas
relativas às crianças que têm de expor “formalmente” que se apossaram dos
14
conteúdos matemáticos. O que vale dizer a “armar as contas” para efetuar as
quatro operações fundamentais.
Buscando por soluções que pudessem aplacar minhas inquietações,
ingressei no curso de Mestrado, na área de Educação.
Minha dissertação teve por tema a análise sobre as condições oferecidas
pelos cursos de pedagogia, em relação ao desenvolvimento dos conteúdos
matemáticos. O curso de pedagogia estava também, na época, incumbido de
promover a formação dos professores das séries iniciais em nível superior,
conforme interpretação da Lei de Diretrizes e Bases 9.394, promulgada em 1996.
Vi-me na obrigação de inteirar-me do texto da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB), para compreender os pressupostos dos dispositivos oficiais, referentes às
modificações pertinentes à formação dos professores responsáveis pelas
primeiras séries da educação básica.
Pelo depoimento de especialistas da área de matemática e das
declarações dos coordenadores do curso de pedagogia, concluí que a pretendida
formação dos professores das séries iniciais em nível superior seria uma nova
versão do antigo curso do magistério.
Em outras palavras: as dificuldades no que diz respeito ao
desenvolvimento dos conteúdos matemáticos não seriam sanadas.
Para chegar a essa conclusão, além do respaldo oferecido pelos
conhecedores das dificuldades que permeiam o ensino da matemática, dentre os
quais se destaca o nome do Prof. Dr. Vincenzo Bongiovanni, foi necessário
analisar como a formação dos professores das séries iniciais era concebida no
curso de magistério, que veio substituir legalmente o curso normal.
Para essa análise fiz uso dos textos constitucionais das Cartas Magnas de
1824, 1891, 1934 e 1937, além da Constituição de 1946, quando a referida
formação apresentou-se como curso profissionalizante.
Interei-me das dificuldades enfrentadas por esse segmento do magistério
por meio da legislação, o que culminou na realização de uma investigação na qual
busquei obter subsídios para comparar a formação dos professores em nível
15
médio da maioria dos professores em atividade na época (2004) e a prevista pela
LDB (1996), particularmente no que diz respeito à disciplina matemática.
Assim sendo, a pesquisa não se deteve, detalhadamente, nas causas que
determinaram a trajetória de um curso de formação de professores, sobre os
quais recai a responsabilidade de inserir as crianças na vida escolar propriamente
dita.
Naquela ocasião e por recomendação de minha então orientadora, Dra.
Maria Helena Bittencourt Granjo, li a obra Uma história da matemática escolar no
Brasil (1730-1930), de autoria do Prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente, a quem
conheci alguns meses depois, quando este pesquisador estava iniciando um
projeto intitulado A educação matemática na escola das primeiras letras, no
período de 1850-1950, ao qual me incorporei.
Como parte integrante do projeto-maior coordenado pelo Prof. Dr. Wagner
Rodrigues Valente, originou-se o presente trabalho, que tem como principal
objetivo analisar a presença da matemática na formação do professor do ensino
primário no Estado de São Paulo, no período compreendido entre 1890 e 1930.
Como fontes principais de pesquisa foram consideradas as determinações
oficiais que prescreveram o ensino após o advento da Proclamação da República.
Desse modo, o tema formação de professores, novamente, teve lugar no
universo de minhas preocupações. Entretanto, para investigar como a formação
de professores se desenvolveu ao final do século XIX e início do XX, fez-se
necessário identificá-la no contexto da legislação oficial do ensino.
Para compreender as mudanças relativas à educação que surgiram com o
advento da República, tornou-se relevante entender como esta foi concebida no
Brasil, a partir da Constituição Imperial de 1824, ocasião em que fora anunciada a
gratuidade da instrução primária a todos os cidadãos brasileiros. A partir de então,
um considerável número de leis e decretos foi promulgado com o fim de melhorar
a qualidade dessa modalidade de instrução.
Acerca da edição de dispositivos legais elaborados para organizar o
ensino, Reis Filho afirma que “novas leis, novos decretos [são promulgados] para
16
resolver velhos problemas, que outras leis e outros decretos não resolveram”
(1999, p. 14).
Em conseqüência não se pode negar que a legislação oficial revela-se
como fonte significativa para o entendimento acerca dos motivos pelo qual o
ensino ocorreu de uma determinada forma, e não de outra.
Ainda que se saiba existir
[...] uma persistência negativa [que] é o ziguezague na prática
educacional, em todos os níveis governamentais. Cada ministro, cada
secretário da Educação entende que deve imprimir seus próprios rumos
à educação pública, o que provoca a desorganização das redes oficiais
de ensino. Como, às vezes, durante o mandato de um prefeito ou de um
governador ocupam a Secretaria da Educação dois e até três pessoas o
ziguezague é extremamente danoso, pois pouco [ou nada] se aproveita
das medidas anteriores, mesmo quando ela resulta de estudos
apropriados [...]. A conseqüência mais negativa dessa oscilação é o
descrédito dos professores nas mudanças da educação pública (C
UNHA,
1943, p. 12).
Entretanto, é por meio dessas idas e vindas da lei, que ora parece
inovadora, ora retrógrada, que ela enseja a possibilidade de analisar como a
matemática se fez presente na formação dos professores do ensino primário, do
modo concebido pelos republicanos.
Assim, por meio dessa compreensão, evoco a problemática do presente
trabalho: como teria sido alterado o papel da matemática na formação do
professor do ensino primário, a partir do ano de 1890?
Pretende-se, dessa forma, dar a conhecer que tipo de formação em
matemática era exigido para os que desejavam atuar nas séries iniciais da
instrução primária paulista em 1890 e como foi sendo modificada até os anos 30
do século XX.
Antecipando ao início da investigação de forma a responder a tal
questionamento, procurou-se verificar se havia estudos concretizados que
respondiam a essa questão.
Tomou-se como ponto de partida o levantamento realizado por Valente
(2005), junto ao banco de teses e dissertações do Círculo de Estudo e Memória e
17
Pesquisa em Educação Matemática (Cempem), da Unicamp, o qual mostrou a
existência de poucos assuntos disponíveis para a orientação do percurso da
história da educação da matemática elementar.
Além desse levantamento, foram consultados outros bancos de dados
junto a grupos de pesquisa como Prática Pedagógica em Matemática (PraPen); o
Núcleo de Estudo e Pesquisas em Educação Matemática (NEPEM UFF) e a
Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação (Anped GT-
19), nos quais foram localizados apenas trabalhos cuja ênfase recaiu sobre os
processos de ensino e aprendizagem de específicos conteúdos matemáticos.
Cabe ressaltar que foi no Grupo de História em Educação Matemática
(GHEMAT), coordenado por Wagner Valente, na época sediado na PUC/SP, que
se encontrou um trabalho de pesquisa, próximo do desenvolvimento do ensino da
matemática no final do século XIX e início do século XX. Trata-se da tese de
doutorado de Zuin (2007) intitulado Por uma nova arithmetica: o sistema métrico
decimal com um saber escolar em Portugal e no Brasil.
Acredita-se que por meio da elaboração do presente trabalho está-se
procurando considerar as advertências de Souza, que textualmente se pronuncia:
“carecemos de estudos aprofundados relacionados aos conteúdos específicos de
cada disciplina”, pois, como se podem notar, as pesquisas relativas à instrução
primária brasileira não apresentaram uma análise específica sobre o papel da
matemática na formação dos professores da instrução pública primária,
especialmente nos marcos temporais que delimitam o presente estudo (1998, p.
65).
Crê-se, então, certificada a relevância do problema de investigar as
principais alterações prescritas para os cursos de formação dos professores
primários paulistas no início do período republicano.
A presente pesquisa diz respeito, portanto, a uma abordagem que se
propõe a interpretar e estabelecer relações de questões concernentes à formação
de professores ainda não examinadas em profundidade.
Selecionou-se o período de 1890 a 1930 por apresentar uma fase
demarcada por expressivas alterações para a instrução primária, principiadas em
18
São Paulo e divulgadas em todo o País. Por tais motivos, necessidade de que
se ampliem as investigações acerca desse tema, delimitado pelos anos de 1890 e
de 1930.
Para a análise do papel assumido pela matemática escolar na formação de
professores que atuavam nos primeiros anos no início da República, utilizaram-se
aportes teóricos da história cultural, uma vez que a pesquisa desenvolvida
implicou a realização de um estudo que teve por finalidade verificar como a
matemática se agregou à formação dos docentes no período acima mencionado.
Desse modo, adotaram-se como fontes os dispositivos oficiais que
prescreveram como deveria ser o ensino desenvolvido a partir do advento da
República e a produção criada ao redor deles. Por meio dessa produção, tornou-
se possível verificar como os preceitos legais foram apropriados pelos gestores
do ensino e disseminados na sala de aula.
Tomando como ponto de partida os questionamentos que se iniciam
concomitantemente ao advento da República, anuncia-se a finalidade do presente
trabalho: como a matemática se fez presente na formação do professor do ensino
primário no período de 1890 a 1930?
Paralelamente, ao observar os conteúdos específicos, no caso da
disciplina matemática, serão revelados os aspectos difundidos do ato de ensinar
no final do século XIX e início do XX, quando a figura do professor procura
adequar-se ao preceito constitucional da “instrução obrigatória”.
Assim sendo, não cabe ao professor do ensino primário apenas a tarefa de
alfabetizar; acompanha-a a necessidade de “forjar uma nova consciência cívica
por meio da cultura nacional” (JULIA, 2001, p. 23).
Neste contexto é que se deseja analisar como a matemática se fez
presente na formação do professor do ensino primário, no Estado de São Paulo,
entre 1890 e 1930.
Ao revelar o impacto das reformas educacionais propostas nesse período,
estar-se-ia, indiretamente, contribuindo para a compreensão das práticas da
19
época presente de formação dos docentes, que atualmente atuam nas séries
iniciais do ensino fundamental.
Para contemplar seus objetivos, a tese encontra-se subdividida em quatro
capítulos, a saber:
O primeiro capítulo, denominado Considerações teóricas: por uma escrita
da história da instrução primária brasileira, no que diz respeito à disciplina
matemática, justifica a elaboração do presente trabalho tendo por fio condutor os
dispositivos legais do ensino complementado pelos periódicos que foram editados
a partir do ano de 1902. Para estabelecer este “diálogo” com fontes anunciadas
no passado, houve necessidade da interlocução de autores que se inserem na
história cultural, como Michel de Certeau, Dominique Julia, Vinão Frago, Luciano
Mendes Faria Filho.
O segundo capítulo, intitulado Da gratuidade da instrução primária no Brasil
Império à liberdade do ensino primário no governo provisório foi elaborado para
que se compreendesse como foram dados os primeiros passos para oferecer a
instrução elementar, em um país cujas preocupações voltavam-se
prioritariamente para o ensino de nível superior. Dessa forma, acredita-se que o
leitor se cercará com maior rapidez das transformações que ocorreram no ensino
direcionado às crianças.
No terceiro capítulo, nomeado Panorama da instrução primária do Estado
de São Paulo com a chegada do regime republicano, teve-se por objeto
apresentar as modificações que se realizaram concretamente num território cujo
relevo e condições climáticas contradiziam as realizações que nele se
implantariam, tornando-o o Estado mais progressista entre os que compunham a
Federação.
No quarto capítulo, estabelece-se o “diálogo” entre os dispositivos oficiais e
a Revista do Ensino, periódico recomendado ao professorado público paulista.
Desse modo, enfocaram-se as exigências legislativas e como elas foram
apropriadas pelos gestores da educação, responsáveis pela formação do
professor do ensino primário. Por esta razão, seu título não poderia ser outro, ou
20
seja, A formação do professor de instrução primária paulista: exigências legais e
recomendações pedagógicas.
Na conclusão, recuperam-se os principais questionamentos que afloraram
no decorrer da pesquisa, discutem-se os resultados obtidos e apontam-se novas
possibilidades de estudo que podem ser realizadas.
21
22
Capítulo 1
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS: POR UMA ESCRITA DA HISTÓRIA
DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA BRASILEIRA, NO QUE DIZ
RESPEITO À DISCIPLINA MATEMÁTICA
A disciplina matemática como saber escolar, desde sua instituição, vem
provocando discussões em torno das dificuldades que se agregam ao
desenvolvimento de seus conteúdos.
Para a maioria das pessoas, entendê-los é privilégio de alguns, uma vez
que, para elas,
a solução de um problema não faz um sentido real. São bem conhecidos
os casos de jovens que conseguem fazer cálculos complicados nos seu
trabalho diário como vendedores ou na construção civil e não
conseguem fazer cálculos muitas vezes mais simples dentro da sala de
aula (S
OARES, 2008).
Diante de concepções análogas, os gestores da educação refletem sobre o
processo de ensino desenvolvido na disciplina matemática, a fim de oferecer aos
alunos uma aprendizagem menos árdua, concedendo-lhes os benefícios oriundos
dos conhecimentos dessa ciência.
Tal fato se verifica, já, em 1902, quando Benedicto Galvão
1
ansiava por
compreender “o motivo pelo qual os moços de nossa terra têm [tinham] aversão
ao estudo da matemática” (REVISTA DO ENSINO, n. 02, 1902 p. 201).
_____________
1
Benedicto Galvão – colaborador da Revista do Ensino.
23
Para Galvão, a responsável por essa situação era a escola preliminar que,
em sua opinião,
estava desvirtuada de sua função e no afã de muito ilustrar, “quando seu
fim é mais educar”, é ela, que enchendo o aluno de regras fastidiosas,
porque ele não as compreende, é ela que mata no coração das crianças
o amor pela ciência da verdade e levanta uma terrível onda de antipatia
e de desprezo a mais pura das ciências (R
EVISTA DO ENSINO, n. 02, 1902;
p. 202).
Cabe esclarecer que o curso preliminar caracterizava-se pelo ensino
recomendado para crianças de ambos os sexos, a partir dos sete anos de idade.
Com essas palavras, o autor encerra um artigo publicado na Revista do
Ensino, sob o título Qual a ordem a seguir e qual o melhor processo, para o
ensino das frações. O cabeçalho acima revela uma preocupação, que persiste até
os dias de hoje, que versa sobre a melhor maneira de abordar o conceito de
fração.
Como colaborador da Revista do Ensino, Benedicto Galvão, enfaticamente,
referiu-se à escola preliminar responsabilizando-a pelo pouco apreço dos jovens
da época pelo conhecimento oriundo dos conteúdos matemáticos.
Certamente, estudiosos como Carlos Monarcha, Rosa Fátima de Souza
podem discorrer sobre como foi concebida a função da escola preliminar. Esses
autores, entre outros, analisaram a trajetória do ensino, o exercício da carreira do
magistério entre meados do século XIX e as primeiras décadas do século XX.
Todavia, caso fossem levados a considerar se Benedicto Galvão estava
certo em apontar a escola preliminar como reprodutora de regras, referentes ao
ensino da matemática, as quais eram incompreensíveis para os alunos, esses
autores provavelmente não se manifestariam.
Essa hipótese encontra respaldo nas próprias palavras de Souza, ao
afirmar:
24
No que tange especificamente à formação para a docência, carecemos,
ainda, de estudos aprofundados sobre a profissionalização do magistério
primário voltados para a investigação dos currículos, considerando,
outrossim, os conteúdos específicos das matérias, a circulação de
concepções científicas e pedagógicas, a prática dos professores e o
conteúdo dos manuais escolares (S
OUZA, 1998, p. 65).
A necessidade de estudos voltados para uma determinada disciplina, como
apresentada por Souza, denota a relevância dessa modalidade de pesquisa, a
qual é ratificada por autores inscritos na História Cultural. Chervel, ao discutir o
papel das disciplinas escolares no âmbito da história da educação, propõe que
Desde que se compreenda em toda a sua amplitude a noção de
disciplina, desde que reconheça que uma disciplina escolar comporta
não somente práticas docentes na sala de aula, mas também as grandes
finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno da aculturação
de massa que ela determina, então a história das disciplinas escolares
pode desempenhar um papel importante não somente na história da
educação mas na história cultural (1990, p. 184).
Deseja-se, então, revelar quais os conteúdos específicos de matemática
foram recomendados para a formação dos mencionados professores, como foram
aplicados em sala de aula e se eles se modificaram ao longo do tempo.
Está-se, na verdade, procurando reaver os saberes do passado e, por meio
de sua reconstrução, aprender e provocar a realização de novas investigações a
respeito do assunto.
Tal tarefa tem como fio condutor a legislação oficial escolar. Entretanto, a
ele estão associados outros dispositivos, revistas pedagógicas, produção dos
alunos, que são fundamentais para que se compreenda como se conectam os
textos oficiais e a prática em sala de aula.
Entende-se que a consulta à legislação oficial, em primeiro lugar, é
necessária para que se proceda a um levantamento histórico das instituições
oficiais encarregadas pela formação dos docentes das primeiras séries e para
tornarem-se conhecidos os fundamentos legais que consolidaram essas
entidades.
25
Entretanto, ter conhecimento da lei que foi responsável pela elaboração,
organização e controle do ensino é condição sine qua non, mas não suficiente
para que se produza um trabalho como este.
É preciso igualmente analisar os textos reguladores e os projetos
pedagógicos, ou seja, permitir que estes revelem as práticas, as quais vêm à tona
em “tempos de crises e de conflitos” (JULIA, 2001).
Segundo Julia (2001), nesses períodos torna-se mais fácil conhecer como
as instituições escolares procedem para atender às finalidades infligidas à escola.
Por outro lado, não se pode esquecer que cabe aos professores responder
pelo que é imposto à escola. Associando os momentos de crise e como os
docentes neles se comportam, retomam-se as palavras de Julia, ao se referir ao
“genocídio cultural” ocorrido na Terceira República da França, atribuído aos
professores primários franceses. Para desmistificar o rótulo a eles imposto, Julia
reproduz o texto de Jacques Ozouf, que os apresenta como,
Conscientes dos limites do seu saber, longe de ser uma falange
arrogante, agressiva e sectária; eles medem prudentemente seus atos
em seu campo de atuação distinguindo muito bem o possível do
desejável e tomando, por vezes, suas liberdades diante das diretrizes
oficiais, quando elas não lhes parecem aplicáveis; eles não foram
agentes do genocídio cultural (R
EVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO, n. 01, 2001).
O século XIX identifica-se com um momento tenso na trajetória da
educação brasileira, quando o professor primário desvencilha-se da tutela dos
padres, passando a ser um funcionário do Estado, que impõe o ensino
obrigatório, gratuito e laico.
Dessa forma, a obrigatoriedade escolar colocou-os em presença do êxito,
que lhes agradava evocar, mas também ao fracasso (JULIA, 2001).
Reis Filho (1998) tem uma concepção a respeito dos textos oficiais que se
compatibiliza com o pensamento de Julia (2001). Segundo Reis Filho, além da
função normativa, a lei é também ponto de partida ou de conclusão de debates
pedagógicos. Se este aspecto da lei merecer dos estudiosos a devida atenção,
segundo o autor,
26
a teremos como o primeiro documento que nos encaminhará
seguramente para as fontes primárias do conflito, das diversas correntes
do pensamento que, em determinado instante, atuam na organização do
sistema educacional (1998, p. 12).
Em outras palavras, entende-se que Reis Filho esteja ratificando que os
textos oficiais podem revelar por que o ensino ocorreu de uma determinada
forma, ou seja, analisar como de fato sucederam as práticas em sala de aula.
O pensamento de Reis Filho está também em consonância com o de Faria
Filho, no que diz respeito ao papel da legislação.
O aspecto mais fascinante da lei para Faria Filho é o da dinamicidade, que
permite observar “as várias dimensões do fazer pedagógico, as quais,
atravessadas pela legislação, vão desde a política educacional até as práticas da
sala de aula” (FARIA FILHO, 1999, p.12).
Mas como conciliar os ditames da legislação oficial às práticas da sala de
aula?
Acredita-se que, para responder a esta questão, deva ser retomado o
conceito de cultura escolar emitido por Julia (2001).
Para esse pesquisador, as práticas da sala de aula podem elucidar os
processos “de trocas e transferências culturais que se operam através [por meio]
da escola” (JULIA; 2001, p. 11).
Na realidade, tais trocas e transferências inserem-se no conceito de cultura
escolar, o qual dispõe de normas e práticas para desenvolvê-lo.
As primeiras determinam quais os conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar. As segundas são responsáveis pela transmissão e incorporação desses
conhecimentos (JULIA, 2001, p. 11)
Procurar saber como se desenvolveram as práticas, no período de 1890 a
1930, na disciplina matemática é buscar identificar quais os conhecimentos
prescritos para os professores das primeiras séries do ensino primário e como
eles foram desenvolvidos no dia-a-dia junto aos alunos.
27
No entanto, conforme comentado no início deste trabalho, não se pode
compreender como o fazer pedagógico é perpassado pela legislação sem
reconhecer a produção que os próprios dispositivos legais criam ao seu redor.
Trata-se de relatórios de diretores e supervisores da educação que, ao
elaborarem atas descritivas sobre o andamento do ensino, revelam,
indiretamente, a eficácia ou a fraqueza da lei. Essa medida de “poder” obtém-se
ao avaliar se ela foi cumprida na íntegra, de maneira parcial ou se foi
desconsiderada.
Esses documentos, conforme observa Faria Filho, são frutos de atos do
cotidiano escolar, os quais podem ser compreendidos como produtos da cultura
escolar.
Predominava no início dos novecentos a agitação pertinente à transição do
regime monárquico para o republicano, havendo uma significativa quebra no
modo de perceber a educação. A educação para os republicanos passa a ser
chave mestra para a equiparação do Brasil às nações desenvolvidas.
Por isso, os periódicos lançados na época, os quais tinham por tema as
condições do ensino nas instituições primárias do Estado de São Paulo, possuem
uma importância compatível ao Ratio studiorium jesuíta
2
. No entender de Julia
(2001), esse documento não é mais um entre outros tantos cuja finalidade era
estabelecer o que deveria ser apreendido pelos alunos e como os professores
deveriam atuar para cumprir esse desígnio.
Julia justifica essa afirmação, ao identificar uma de suas qualidades, ou
seja, a de organizar e unificar o modo de atuar dos jesuítas. Ele não possui
características normativas, as quais teriam sido organizadas com o fim de apenas
impor regras a serem executadas sem discussão.
Do mesmo modo, as Revistas do Ensino editadas a partir de 1902 parecem
percorrer uma trajetória semelhante, isto é, a de elaborar propostas de ensino que
pudessem conciliar metas a serem cumpridas pela escola com a realidade que a
cercava.
_____________
2
Ratio Studiorium trata-se de um periódico cuja finalidade era divulgar para os professores uma maneira
homogênea de atuar em sala de aula.
28
Por outro lado, os organizadores desse material ensejavam melhorar a
qualidade do ensino e, para tal, anunciavam:
A Revista visará por todos os meios ao se aucance, não facilitar a
tarefa do mestre, divulgando os melhores methodos e processos do
ensino, como se empenhará, com o maior desvelo, para orientar o
governo e os nossos legisladores nas leis futuras da nossa instrução
pública (1902, p. 3).
Os responsáveis pela elaboração da Revista do Ensino deixam claro como
a legislação interfere na prática da sala de aula e como essa, por sua vez,
delineia o texto da legislação que está para ser promulgada.
Cabe ressaltar que a publicação da Revista do Ensino caminhou
paralelamente ao conjunto de demandas do projeto republicano, em particular no
campo educacional, propondo um novo papel para o protagonista que atuava na
sala de aula:
O professor primário, como elemento modificador, e o mais importante,
na evolução social, não póde nem deve mais, como tem feito até o
presente, conservar-se inactivo e indifferente a feitura das leis de que
elle é a parte mais interessada, cabendo-lhe, como executor, a principal
função e responsabilidade (R
EVISTA DO ENSINO, 1902, p. 3).
Dessa forma, percebe-se uma das dinâmicas de interação entre a
legislação e a prática da sala de aula, desvendando, assim, o cotidiano das
escolas paulistas.
Além dessa valiosa contribuição, a Revista do Ensino compunha-se de três
seções destinadas a: Pedagogia prática, propriamente dita, para literatura didática
em prosa e verso (original e transcrita); Crítica das obras escolares; e, finalmente,
Hinos infantis.
Para compor as partes da publicação acima mencionada, aparecem textos
de educadores que, além de suas funções na área de gestão educacional, eram
também autores de livros didáticos.
Logo, esses educadores apresentavam-se para analisar as obras
escolares, como também para indicar os livros que pudessem auxiliar o professor
no seu exercício diário.
29
Nesse sentido, entende-se a imprensa pedagógica como importante fonte
de informação para a história da educação, pois
permite ao pesquisador estudar o pensamento pedagógico de um
determinado setor ou de um grupo social a partir da análise do discurso
veiculado e da ressonância dos temas debatidos, dentro e fora do
universo escolar (C
ATAN; BASTOS, 1997).
Mais ainda, por apresentar grande variedade de assuntos em suas seções;
diretrizes que regem técnicas de ensino; notícias e comentários sobre cursos de
atualização; tradução e adaptação de artigos estrangeiros de interesse
educacional; sugestões de atividades práticas; oferta de material didático em
forma de cartazes e painéis etc. (CATANI; BASTOS, 1997).
Cabe ainda informar que, embora reconhecendo a importância da análise
da materialidade do impresso, esta pesquisa não pretende enveredar nessa
complexa questão, por considerá-la tema que por si configura-se em instigante
vertente de investigação historiográfica. Deixa-se assinalada, entretanto, a
possibilidade de outros estudos que venham a apontar respostas para questões
ligadas à análise da Revista do Ensino como um todo, em especial de sua
configuração material.
Logo, apesar de o presente trabalho tratar-se de uma investigação sobre a
legislação, tomando-a como o centro das atenções requisitadas para sua
execução, não se desconsidera a produção ao seu redor. Caminha-se, portanto,
ao encontro das palavras de Faoro, para quem “as leis traduzem o processo da
vida real” (2007, p. 32).
A comunidade escolar, as demandas sociais, o mundo político, a meta
educacional, a formação profissional do magistério, indubitavelmente, integram-se
ao desenrolar da vida propriamente dita, em que os programas de ensino são,
igualmente, necessários para a reconstrução da história do ensino.
Para narrar como ocorreu a inserção da matemática na formação dos
professores do ensino primário, é preciso, portanto, promover um diálogo entre os
dispositivos oficiais e os documentos que deles provêm. São eles: (relatórios
escolares, atas dos responsáveis pelas entidades de ensino), produção docente,
30
exames de admissão para freqüentar as instituições aptas a fornecer a formação
docente para as primeiras séries, provas organizadas para o ingresso na
instrução pública primária.
Enfim, todos os dados que possam compor um retrato da formação dos
professores que atuavam nos primeiros anos da escolarização, no que diz
respeito à matemática.
Precisa-se, então, de um interlocutor, pois tais fatos ocorreram numa
época, da qual dela não se foi, nem protagonista, nem espectador.
A condução deste diálogo com as fontes do passado terá como linha
mestra a legislação escolar. Por meio dela pode-se verificar a morosidade da lei,
que de súbito se faz quebrar pelo anúncio de outra.
Por exemplo, é possível averiguar a existência de atas parlamentares que,
no dizer de Reis Filho, “repousam as manifestações cíclicas de nossas elites,
quando, quase com surpresa, descobrem o imenso atraso da educação nacional”
(1998, p. 13).
Em outras palavras: a legislação incumbe-se de deixar registradas as idas
e vindas dos projetos educacionais.
Todavia, para fazer uso das leis oficiais como fonte para estudos em
História da Educação, acredita-se necessário proceder de acordo com as
orientações do Dr. Luciano Mendes de Faria Filho.
Para esse pesquisador, a lei tem um significado que ultrapassa as
concepções mecanicistas, “que, grosso modo, a entende como campo de
expressão e imposição, único e exclusivamente das classes dominantes” (1998,
p. 98).
Faria Filho desenvolve primeiramente um trabalho minucioso acerca do
uso da legislação para então tomá-la como fonte e objeto de sua observação, em
trabalhos que se inserem na História da Educação. Conclama a dinamicidade
como a dimensão da lei que mais o extasia. Um fascínio que pode ser
compartilhado por estudiosos que se utilizam da lei para guiar seus trabalhos.
31
Está-se aludindo, mais uma vez, aos relatórios produzidos por diretores de
escola, pelos inspetores de ensino, os quais trazem à tona o dia-a-dia da
comunidade escolar. É por meio desses documentos que se desvendam, na
concepção do autor, as várias dimensões do fazer pedagógico que, permeadas
pela legislação, alcançam as práticas da sala de aula (FARIA FILHO, 1998).
Crê-se que seja esse o movimento da lei, aquele que interpela a prática da
sala de aula, o elemento mais revelador para responder: como a matemática se
fez presente na formação dos professores das primeiras séries, identificando suas
alterações no início do século XX.
Para começar esta tarefa poder-se-ia dar ouvidos à queixa de Benedicto
Galvão acerca das atividades desempenhadas na escola preliminar, as quais,
segundo ele, produziam um sentimento de aversão à disciplina matemática
(REVISTA DO ENSINO, 1902).
Na realidade, estar-se-ia verificando se a escola preliminar estaria
acordada com o proposto pela legislação escolar.
Os dispositivos oficiais promulgados a respeito do desempenho previsto
para a escola preliminar, no início do século XX, estavam submetidos a uma lei
maior, no caso, a Constituição do Estado de São Paulo, votada em 1891.
Essa submissão hierárquica existente entre a documentação oficial é
abraçada por Faria Filho para conceber a legislação escolar como um particular
preceito jurídico, subordinado a outros ordenamentos jurídicos.
Entende-se, então que, por meio da disposição em que se encontram as
leis, em relação aos três níveis de competência administrativa – Federal, Estadual
e Municipal –, além de elas exercerem sua função normativa, podem ainda
revelar as tradições e costumes referentes ao contexto em que foram elaboradas.
Mas, para que represente este papel, a lei precisa ser legítima e legitimada
e isto ocorre quando “a lei entra em conflito com o sectarismo ideológico da
classe e [proponha-se] a reconciliar os interesses de todos os graus de homens”
(THOMPSON, apud FARIA FILHO, 1998, p. 101).
32
Harmonizar os interesses de um povo num país, como descrito por Alceu
Amoroso Lima em seu discurso publicado em 1924, é uma tarefa árdua até
mesmo para os grandes legisladores. Segundo Lima, o Brasil,
[...] se formara às avessas começara pelo fim. Tivera Coroa, antes de ter
Povo. Tivera parlamentarismo, antes de ter eleições. Tivera escolas
superiores, antes de ter educação popular. Tivera bancos antes de ter
economias. Tivera artistas, antes de ter arte. Tivera conceito exterior,
antes de ter consciência interna. Fizera empréstimos, antes de ter
riqueza consolidada. Aspirara a potência mundial, antes de ter a paz e
força interior [...] (L
IMA, apud COMPARATO, 2007, p. 8).
Essas palavras explicam, em certa medida, as peculiaridades da formação
social do povo brasileiro. Todavia, Faria Filho considera que mesmo diante de tais
adversidades a lei no Brasil não se furtou à lógica da legalidade, pois, segundo
ele, “não se pode negar [...] que boa parte de nossa legislação reflete uma
preocupação acentuada com a escolarização das camadas populares” (1998, p.
102).
Pode-se acrescentar aos dizeres de Faria Filho que a legislação
promulgada em São Paulo, após a Proclamação da República, realmente teve por
tônica a educação dos menos favorecidos, que não tinham como freqüentar as
entidades particulares dedicadas à instrução primária:
O Estado de São Paulo, proclamada a República, votou sua
Constituição. Nela foram preservados os princípios da obrigatoriedade e
da gratuidade do ensino primário, princípios estes que foram silenciados
na Constituição Federal da República (1891) (M
ARCILIO, 2005, p. 137).
Dando continuidade às dimensões da lei, Faria Filho faz distinção de mais
uma, isto é, a lei como linguagem. Para ele, a lei “é a linguagem da tradição e dos
costumes, do ordenamento jurídico e da prática social” (1998, p. 102).
A concepção de Faria Filho clareia o desabafo de um inspetor da
educação, constante no Anuário do Ensino: “não mais quem ignore que o
grande legislador é aquele que sabe descortiná-la [a lei] e redigi-la: o homem não
faz a lei, simplesmente a escreve”
3
(ANUÁRIO DO ENSINO, 1908).
_____________
3
Texto constante do Anuário do Ensino, v. 1, 1908, assinado pela Comissão de Redação: João Lourenço
Rodrigues, Ramon Roca Dordal, René Barreto e José Carneiro da Silva.
33
Enfim, a lei formaliza em linguagem legal a tradição e os costumes dos
homens, disponibilizando-os de maneira ordenada, configurando-se, dessa forma,
como um ordenamento jurídico da prática social.
Esse aspecto da lei assume uma posição de destaque para a realização
deste trabalho de pesquisa. Ele se inicia com reformas na instrução primária,
relacionadas com o ideário republicano. Portanto, tem lugar na concepção dos
Estados modernos e nas democracias liberais, os quais, segundo Reis Filho,
“admitem como legítimo a sua ação legislativa no campo da Educação” (1995, p.
13).
Inicia-se, então, esse movimento que parte da lei e a ela retorna,
reconhecendo, conforme sinaliza Faoro, que “sua validade e,
complementarmente, sua eficácia dependem de como atue na práxis e não no
catálogo das normas obrigatórias” (2007, p. 38).
Para acompanhar as várias dimensões da lei, conforme indica Faria Filho
(1999) precisa-se dedicar especial atenção, como anunciado mais de uma vez
neste texto, à produção que a lei cria ao seu redor.
No entanto, para contemplar a produção da lei, focando-a na formação dos
professores das primeiras séries, no que tange à matemática, cabe lembrar as
advertências formuladas por Chervel (1990) a respeito de estudos históricos
relativos aos conteúdos do ensino primário.
Segundo ele, os historiadores e as pessoas, de modo geral, não se
interessam por esse tipo de estudo histórico. Possivelmente, por essa razão,
Chervel (1990) refira-se à existência de poucos trabalhos acerca do assunto.
O autor, então, propõe que seja analisado o significado das disciplinas
escolares no campo da história da educação.
Essa proposta caminha ao lado dos métodos priorizados para a elaboração
do trabalho em pauta, levando-se em consideração que as disciplinas escolares
incluem-se no manancial de documentos produzidos, indiretamente, pela
legislação.
34
Chervel questiona sobre a observação histórica, isto é, se ela permite
resgatar as regras de funcionamento, ver um ou vários modelos disciplinares
ideais, cujo conhecimento e exploração poderiam ser de alguma utilidade nos
debates pedagógicos atuais ou do futuro.
Embora não se aspire a elaborar um trabalho que vise discutir as
condições do ensino na atualidade, reconhece-se que, ao recuperar os métodos
empregados no passado para o desenvolvimento de conteúdos de uma
determinada disciplina, está-se, ainda que involuntariamente, levantando
questões, as quais se proporiam como ponto de partida, a fim de discutir a
qualidade do ensino hoje e, também, para sugerir melhorias para o do amanhã.
Todavia, não se deseja correr o risco de desviar a atenção da análise
histórica que pretende verificar como a disciplina matemática inseriu-se na
formação do professor das primeiras séries do ensino primário, no período
republicano.
Dando continuidade à descrição do uso das fontes primárias e das por elas
produzidas, chega o momento em que se deva dar atenção às várias dimensões
da lei, em conformidade com as concepções de Faria Filho, que norteiam a
elaboração deste trabalho.
Faria filho tem uma maneira peculiar de observar a lei, pois sublinha que
esta não se atém a um privilegiado segmento da sociedade, para,
exclusivamente, atendê-lo. A própria lei é recebida por todos os indivíduos de
forma diferenciada, de modo que ofereça respostas segundo as expectativas de
cada um deles.
Por meio deste viés de observação, Faria Filho está atento aos dois lados
da moeda, ou seja, o lado que interessa ao Poder Público e àquele que atende
diretamente aos interesses dos indivíduos em particular. Lados que podem ser
interpretados como estratégias de imposição e táticas de apropriação definidos
por Michel De Certeau (1999).
De Certeau define os conceitos de estratégia e tática para que se possa
entender o que ele denomina por práticas de consumo.
35
As práticas de consumo, para De Certeau (1999), são de autoria de
“anônimos” e referem-se ao caminho singular trilhado por eles, a fim de se
apossarem de uma diversificada oferta que emana de espaços facilmente
localizáveis.
Identificados pelo autor como consumidores, os indivíduos, no dizer de De
Certeau, “traçam trajetórias indeterminadas, aparentemente desprovidas de
sentido porque não são coerentes com o espaço construído, escrito e pré-
fabricado onde se movimentam” (1999, p. 94).
Para identificar esses espaços, o autor faz referência aos meios de
comunicação. Segundo ele, embora esses meios sejam reconhecidos como um
local identificado por um vocabulário próprio, supostamente prévia e
cuidadosamente articulado, ele pode suscitar reações inesperadas oriundas do
consumidor.
Analogamente, De Certeau refere-se aos lugares regidos por uma ordem
cronológica ou modelar, na qual se enquadram as instituições de maneira geral.
Elas são igualmente suscetíveis de ser trilhadas de forma contrária à sua
disposição, uma vez que são perpassadas pelos diferentes anseios de quem as
percorre.
Ao não se levarem em consideração as maneiras pelas quais os
consumidores dispõem da produção ao alcance de suas mãos, na realidade,
segundo Certeau, dá-se valor “àquilo que é usado e não as maneiras de utilizá-lo”
(1994, p. 98).
Assim, Michel De Certeau cria um modelo que permite compreender as
práticas de consumo, mesmo quando delas só se identificam indícios.
O autor elabora, então, um esquema inicial, o qual considera mais
adequado, que parte da distinção entre os termos estratégias e táticas.
Tal diferenciação se faz necessária, pois comumente essas palavras são
sinônimas e relacionadas à execução de planos militares.
36
Em vez de vinculá-las a um único tipo de vivência, De Certeau difunde os
conceitos de estratégia e tática por todos os segmentos da sociedade e por meio
deles explica os procedimentos do consumo contemporâneo.
Para ele, esses hábitos de consumo constituem “uma arte sutil de
‘locatários’ bastante sensatos para insinuar as suas mil diferenças no texto que
tem força de lei” (1999, p. 50).
De Certeau, então, define por estratégia “o cálculo (ou a manipulação) das
relações de força que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de
querer e poder (empresa, exército, cidade, instituição científica) pode ser isolado”.
Ou seja, é possível identificar o local de onde parte uma estratégia, pois dele
emana um poder e um querer próprios (1999, p. 99).
Dessa forma e de maneira geral, pode-se citar a legislação como um
exemplo privilegiado do conceito de estratégia na visão de De Certeau.
A estratégia possui um lugar próprio no qual é elaborada, facilmente
reconhecida pelas secções onde estão dispostas, ou seja, o poder legislativo,
judiciário e executivo.
Cada um desses poderes promulga suas leis, cônscios a quem se dirigem.
Em busca de uma maior precisão, eles se subdividem em leis federais, estatais,
municipais, que de acordo com a necessidade tornam-se mais específicas, como
leis do ensino, regimento interno da escola, etc.
A outra categoria definida por De Certeau, a tática, igualmente trata-se de
uma ação calculada, porém desprovida de um perímetro, por meio do qual ela
possa alçar uma condição de autonomia.
Sucintamente, a tática opera no campo inimigo, à espreita de um “cochilo”
do adversário, para, assim, surpreendê-lo. Em razão de seu modo de atuar, De
Certeau considera que “o que ela [a tática] ganha não se conserva, ela [por agir
no campo do oponente] possui uma mobilidade, condicionada aos azares do
tempo” (DE CERTEAU, 1999, p. 100).
37
Nas concepções delineadas por De Certeau, um campo de investigação
ganha relevo, ou seja, o estudo do impresso pedagógico e da legislação, vistos
como estratégias pedagógicas para a difusão dos saberes e normatização das
práticas pedagógicas, apesar de que a leitura da legislação e de textos da
imprensa pedagógica é uma prática que realiza movimentos de apropriação e
reapropriação desses textos, transformando-os, subvertendo-os, a partir das
diferentes maneiras (táticas) pelas quais podem ser interpretadas.
O recorte geográfico que limita a elaboração do presente trabalho não
poderia ser mais fértil para expor como estratégia e tática se entrelaçaram na
legislação urbana da Província de São Paulo, transformando-a na propalada
cidade do futuro.
Rolnik refere-se à legislação urbana, responsável pela conformação desta
cidade, da seguinte forma:
Mais além do que definir formas de apropriação do espaço permitidas ou
proibidas, mais do que efetivamente regular a produção de uma cidade,
a legislação urbana age como marco delimitador de fronteiras de poder.
A lei organiza, classifica e coleciona os territórios urbanos, conferindo
significados e gerando noções de civilidade e cidadania diretamente
correspondentes ao modo de vida e à micropolítica familiar dos grupos
que estiveram mais envolvidos em sua formulação. Funciona, portanto,
como referente cultural fortíssimo na cidade, mesmo quando não é
capaz de determinar sua forma final.
Aí, reside, talvez, um dos aspectos mais interessantes da lei:
aparentemente funciona como uma espécie de molde da cidade ideal ou
desejável. Entretanto, e isto é poderosamente verdadeiro para a cidade
de São Paulo [...] ela determina apenas a menor parte do espaço
construído, uma vez que o produto a cidade não é fruto da aplicação
inerte do próprio modelo contido na lei, mas da relação que se
estabelece com as formas concretas de produção imobiliária da cidade
(R
OLNIK, 1999, p. 13).
Entende-se, assim, que a cidade de São Paulo foi alvo das práticas de
consumo, as quais impuseram suas táticas de apropriação a um território que
havia sido estrategicamente disposto [imposto] pela lei.
Dessa forma, a cidade que inspirou, segundo Monarcha, a elaboração de
narrativas que lhe descreviam como “durante o dia desolada: a noite lúgubre” e,
em pouco tempo, segundo o mesmo autor, ela subjugaria a natureza “com jardins,
38
praças e chafarizes, árvores nativas e européias [...] a cidade imita a mata que a
rodeia, e São Paulo imita Versalhes” (1999, p. 31 e 67).
Cabe ressaltar que as mudanças urbanas e educacionais entrelaçam-se a
ponto de serem identificadas em determinados momentos, umas como
conseqüências de outras.
Souza refere-se à modalidade da escola primária como responsável
também por uma nova concepção arquitetônica. Segundo essa pesquisadora,
“pela primeira vez, surge a escola como lugar, a existência de um edifício-escola
como um aspecto imprescindível para o seu funcionamento, dotada de uma
identidade” (1999, p. 16).
Pode-se, então, falar sobre os marcos temporais nos quais se fixam a
execução deste trabalho de pesquisa.
Em 1890, foi criada a escola graduada, a qual produziu “uma série de
modificações e inovações no ensino primário, ajudou a produzir uma nova cultura
escolar...” (SOUZA, 1998, p. 30).
São Paulo, a partir de 1890, no que tange ao oferecimento da instrução
primária, modificou-se radicalmente, atingindo o auge com a criação dos grupos
escolares.
A instrução primária, em conformidade com Souza,
nasce no interior de projeto republicano de reforma social e de difusão
da educação popular uma entre várias medidas de reforma de
instrução pública no Estado de São Paulo [...] que teve profundas
implicações na educação pública do Estado e na história da educação do
país (1999, p. 30).
A dimensão de tais reformas é percebida quando são conclamados todos
os professores (cidadãos) a colaborar na recuperação do ensino da instrução
pública.
A esse respeito, em abril de 1902, os responsáveis pela Revista do Ensino
assim se manifestavam:
39
Temos em nossas mãos o mais palpitante dos problemas para o
levantamento moral e intellectual da sociedade brazileira, [a
reorganização das escolas primárias] e cuja solução contribuirá
certamente para a grandeza do Brazil (R
EVISTA DO ENSINO, 1902, p. 5).
O entusiasmo por um modelo educacional promovedor de progresso e
elevação moral do cidadão paulista interrompe-se no ano de 1930, quando
promulgado do Decreto-lei 4.780, que, após considerar que o processo de
escolha do professor leigo, do interino, não atendeu ao prescrito nas normas
regimentais fixadas pelo Partido Republicano Paulista, decretando, pelo art. 1.º,
que fossem exonerados por conveniência do ensino todos os professores
interinos e leigos do Estado, nomeados com os arts. 39 e 40 da Lei 2.269, de 31
de dezembro de 1927.
Propõe-se, então, a seguir, observar como a matemática se fez presente
na formação do professor do ensino primário, em um período repleto de
alterações relativas à concepção e oferecimento do ensino elementar.
Por esta razão, antecedendo as mudanças propriamente ditas, considerou-
se propício para o entendimento destas descrever o panorama da instrução
primária no Brasil Império, quando esta passa a ocupar espaço nas preocupações
que dizem respeito à Educação, outrora preenchido por aquelas referentes ao
ensino superior.
40
Capítulo 2
DA GRATUIDADE DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA NO BRASIL
IMPÉRIO À LIBERDADE DO ENSINO PRIMÁRIO NO GOVERNO
PROVISÓRIO
Introdução
Conforme anunciado, este trabalho tem por finalidade analisar como a
matemática se fez presente na formação do professor do ensino primário no
período de 1890 a 1930, época marcada por significativas alterações na trajetória
educacional brasileira.
Todavia, a princípio, essa tarefa aparentou inexeqüível, em razão de
diversas dificuldades apresentadas, de um lado, pela pouca familiaridade com os
termos presentes na legislação educacional daquela época, e, de outro, pelo
desconhecimento referente ao tratamento concedido à instrução primária no
Brasil Império (1822-1889).
Assim, para identificar as transformações que ocorreram na formação do
professor das primeiras séries a partir de 1890, tornou-se imperioso conhecer
como esse ensino era desenvolvido antes das reformas educacionais
empreendidas pelos republicanos.
Para a elaboração da narrativa que compõe este capítulo, recorreu-se
então, à Carta Magna de 1824, às leis, decretos e regulamentos dos anos
subseqüentes até a Proclamação da República. Foram necessários meses para
41
que se pudessem localizar quais os tópicos da legislação que discorriam sobre o
oferecimento da educação no regime imperial.
Ainda procurando dar ao leitor uma visão geral das modificações ocorridas
na legislação daquela época, no anexo I encontra-se uma tabela na qual estão
dispostos os conteúdos matemáticos prescritos pelas leis que regeram a instrução
primária e a Escola Normal no período de 1824 a 1890.
Os instrumentos legais utilizados neste capítulo encontram-se divididos em
dois grupos, os referentes à Escola Normal e os que dispuseram sobre o
funcionamento da instrução primária.
No primeiro, procurou-se revelar as regras para o ingresso na Escola
Normal, os conteúdos nela ministrados e os métodos de ensino para desenvolvê-
los. No segundo, intentou-se dele extrair informações sobre a quem se destinava
a instrução primária, as matérias que a constituíam e o papel dos professores
nesse contexto.
Dessa forma, crê-se possível melhor compreender as alterações referentes
à educação empreendidas pelos republicanos ao final do século XIX.
2.1 Instrução primária e gratuita a todos os cidadãos no Império
Os cinco primeiros artigos da Constituição de 1824 dão a conhecer como
estava estruturada a divisão das terras do Brasil Império, a forma de governo, o
papel do Imperador Dom Pedro I e a religião então professada.
O Brasil Imperial era demarcado por províncias, as quais se coligavam por
uma associação política de todos os cidadãos brasileiros, configurando-se, assim,
como uma nação livre.
A forma de governo era Monárquica Hereditária, Constitucional e
Representativa, retratada pela Dinastia do Imperador Senhor Dom Pedro I,
reconhecido nas missivas como Defensor Perpétuo do Brasil.
42
Com a promulgação da Carta Magna de 1824, é concedida a gratuidade do
ensino primário e daí, por ordem imperial, surgiram as cadeiras
4
de escola de
primeiras letras, em diferentes vilas e capitais das Províncias da Nação.
Tal recomendação se solidificou com a promulgação da Lei de 15 de
outubro de 1827, que determinou criar escolas de primeiras letras nas capitais
das Províncias e em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império,
onde se faziam necessárias.
Essa determinação estendia-se a todas as escolas e capitais das
Províncias, nas quais prevaleceria o ensino mútuo.
Conhecido por método lancasteriano ou sistema monitoral, o ensino mútuo
consistia, entre outros princípios, em que:
[...] um aluno treinado ou mais adiantado (decurião) deveria ensinar um
grupo de dez alunos (decúria) sob a orientação e supervisão de um
inspetor. Ou seja, os alunos mais adiantados deveriam ajudar o
professor na tarefa (M
ENEZES; SANTOS, 2002).
Segundo Neves (2003), é muito difícil, mesmo para os pesquisadores,
precisar historicamente a adoção do ensino mútuo. Muito embora essa
modalidade anteceda a divulgação da lei em pauta, consta nas decisões imperiais
do ano de 1825 a recomendação de que fosse adotado o ensino mútuo nas
escolas públicas de primeiras letras: “N. 182. IMPÉRIO. Em 22 de Agosto de
1825 Manda promover nas Províncias a introdução e o estabelecimento de
Escolas públicas de primeiras letras pelo Método Lancasteriano”.
Presume-se que o ensino mútuo não era do domínio de todos os
professores, uma vez que o art. 5.º da Norma 182 de 1825 recomendava aos que
não se sentissem aptos a desenvolvê-lo junto às crianças que dele deveriam se
apropriar, utilizando-se de recursos próprios nas escolas das capitais.
Os interessados em preencher as cadeiras de escola de primeiras letras
deveriam submeter-se a serem examinados publicamente sob a supervisão dos
Presidentes de Conselhos, aos quais caberiam avaliar e anunciar ao governo,
caso se decidissem pela nomeação do candidato.
_____________
4
Cadeiras – como eram chamadas as disciplinas.
43
Uma vez nomeados, competia aos professores:
[...] ensinar a ler, escrever, as quatro operações da aritmética, prática
dos quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de
geometria prática, a gramática da língua nacional, os princípios da moral
cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana,
proporcionados a compreensão dos meninos; preferindo para as leituras,
a Constituição do Império e a História do Brasil (grifos nossos) (L
EI 182,
art. 6.º, 1825).
Todavia, existiam ressalvas relativas ao tipo de instrução oferecida às
meninas. Para elas, a criação de escolas restringia-se às vilas mais populosas, e,
em relação ao ensino da matemática, excluir-se-iam “as noções de geometria,
limitando a instrução aritmética às quatro operações”. Em seu lugar deveriam
“ensinar as prendas que servem à economia doméstica” (LEI 182, art. 11, 1825).
Essa bifurcação no oferecimento da instrução matemática, caracterizando-
a de forma diferenciada, quando recomendada para as meninas, insere-se nos
moldes educacionais propostos para as mulheres no século XIX.
Para estudiosos do assunto, “essa educação diferenciada tinha como
objetivo a formação (no caso da mulher) de boas donas de casa, boas mães e
boas esposas. [...], pois a mulher era um dos pilares principais da família” (LEITÃO,
2004, p. 49).
Por ser a mulher considerada viga mestra do modelo familiar da época, o
deputado Lino Coutinho insistia que a ela fosse proporcionada uma melhor
instrução. Justificava-se afirmando serem “elas que dão a primeira educação aos
filhos e que os fazem bons ou maus, pois os homens moldam a sua conduta aos
sentimentos delas” (LEITÃO, 2004, p. 49).
Dez anos após a promulgação da Carta Magna de 1824, não se denotaram
transformações sociais significativas, advindas do oferecimento da instrução
primária gratuita a todos os cidadãos.
Segundo Nascime,
a presença do Estado na educação no período imperial era quase
imperceptível, estávamos diante de uma sociedade escravagista,
autoritária e formada para atender a minoria encarregada do controle das
novas gerações (N
ASCIME, 2007, p. 26).
44
Possivelmente, o governo imperial procurou dinamizar o papel da instrução
primária no cerne da sociedade instituindo as Assembléias Legislativas. Elas,
entre outras incumbências, encarregar-se-iam de legislar sobre a instrução
pública, regulamentar e promover a educação primária e secundária.
2.1.1 A responsabilidade pela instrução pública entregue às Províncias: o Ato
Adicional de 5 de agosto de 1834
Apartadas do Governo Central, responsável somente pelo ensino superior,
as Províncias incumbiram-se de oferecer o ensino elementar e secundário.
Todavia, não tardaram em reconhecer as dificuldades de proporcionar esse tipo
de instrução, num país cuja grandeza territorial se opunha, indiretamente, ao
processo de escolarização.
Uma das dificuldades residia na falta de recursos para prover os
professores de uma formação adequada que atendesse aos pressupostos da lei e
a diversidade sociocultural do contingente escolar.
Diante de tal quadro, não foi preciso muito tempo para que a necessidade
da geração de escolas normais para formar docentes no Brasil fosse reconhecida
e acompanhada de regulamentação, como medida prioritária para auxiliar na
promoção da educação primária e secundária do Brasil Império.
Nasce, então, por meio do Ato Adicional de 1835, a primeira Escola Normal
do País, na cidade de Niterói. A ela se seguiram a da Bahia, em 1836, e a de São
Paulo, em 1846.
Destaque-se que, nesse tempo, foi instituído, em alguns colégios
religiosos, o curso de magistério em nível secundário direcionado à população
masculina. Foi esse o caso do Colégio Pedro II, antigo Seminário de São
Joaquim
5
.
_____________
5
O Colégio Pedro II, criado pelo Decreto de 2 de dezembro de 1837, foi transformado em estabelecimento de
instrução secundária pelo Ministro do Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos (VALENTE et al., 2004).
45
2.1.2 O Decreto 1.331, de 18 de fevereiro de 1854
O Decreto 1.331 veio nortear a reforma da instrução primária e secundária
da Corte, a qual seria examinada pelo inspetor-geral, nomeado por Decreto
Imperial.
Ao inspetor geral cabia inspecionar ou enviar um representante para
examinar todos os estabelecimentos de ensino, quer públicos, quer particulares,
que oferecessem a instrução primária ou secundária.
Assim sendo, tinha como atribuições:
presidir os exames de capacitação do magistério; autorizava a abertura
de estabelecimentos particulares de instrução;
rever os compêndios adotados nas escolas públicas, corrigindo-os e
substituindo-os quando necessário;
[...]
organizar, anualmente, exames nos estabelecimentos públicos e
privados de instrução primária;
estabelecer o regimento interno das escolas e dos estabelecimentos de
instrução pública;
[...]
expedir instruções para exames de professores e adjuntos, avaliava o
desempenho e obrigações dos professores da instrução primária
(D
ECRETO 1.331, art. 11, 1854. Disponível em: www2.camara.gov.br).
Os cidadãos brasileiros que desejassem ingressar no magistério público
deviam apresentar documentação que comprovassem maioridade legal,
idoneidade moral e capacidade profissional.
A maioridade legal e a idoneidade eram comprovadas junto ao inspetor-
geral, por meio de certidão ou justificação de idade, folhas corridas e, atestados
aos párocos, respectivamente. As professoras, além dos documentos acima
enumerados, deviam exibir
[...] se forem casadas a certidão do seu casamento; se viúvas, a do óbito
de seus maridos; e se viverem separadas desses, pública forma da
sentença que julgou a separação, para se avaliar motivo que a originou.
As solteiras só poderão exercer o magistério público tendo 35 anos
completos de idade, salvo se ensinarem em casa dos seus pais e esses
forem de reconhecida moralidade (D
ECRETO 1.331, art. 11, 1854.
Disponível em: www2.camara.gov.br).
46
A capacidade profissional era comprovada por meio de exame escrito e
oral, que versava sobre as matérias do respectivo ensino e sobre o método pelo
qual deveria ser desenvolvido. Dessa forma, compunham o quadro dos
responsáveis pela instrução pública,
os professores adjuntos, que formavam uma classe, cujo número de
integrantes era determinado pelo Inspetor Geral. Com idade em torno
dos 12 anos, eles careceriam mostrar terem sido aprovados com
distinção nos exames anuais, ser bem comportados e apresentar
propensão ao magistério (D
ECRETO 1.331, arts. 34 e 35, 1854. Disponível
em: www2.camara.gov.br).
Os professores adjuntos, no final de cada exercício, prestavam exames. No
3.º ano, eram avaliados sobre as matérias básicas do ensino, os métodos para
desenvolvê-lo e o sistema prático para dirigir uma escola. Uma vez constatado,
naquele período, que não obtiveram “nenhum resultado desfavorável”, os
professores adjuntos recebiam um certificado profissional, permanecendo, então,
adidos às escolas públicas.
No que diz respeito à matemática, o ensino nas escolas públicas abrangia,
na 1.ª parte, os princípios elementares da aritmética e o sistema de pesos do
município (Decreto 1.331, art. 47, 1854).
Já para a 2.ª parte:
O desenvolvimento da aritmética em suas aplicações práticas;
A geometria elementar, agrimensura, desenho linear, noções de música
e de canto, ginástica e um estudo mais desenvolvido do sistema de
pesos e medidas, não só do município da Corte, como das Províncias do
Império, e das nações com que o Brasil tem mais relações comerciais
(grifos nossos) (D
ECRETO 1.331, art. 47, 1854).
As escolas públicas primárias se subdividiam em duas classes: a de
instrução elementar e instrução primária superior, denominadas respectivamente
Escola de 1.º grau e de 2.º grau.
Era responsabilidade dos pais, tutores, curadores ou protetores de
meninos com sete anos sem impedimento físico ou psíquico fazer com que
freqüentassem a instrução pública, pois, do contrário, seria aplicada multa aos
que não oportunizassem ao menos o ensino do primeiro grau a essas crianças.
47
Tais cuidados, todavia, não se estendiam a todos os meninos, uma vez que o
eram admitidos nem podiam freqüentar as escolas “os meninos que padecessem
de moléstia contagiosa, os não-vacinados e os escravos”, conforme rezava o art.
69 do Decreto 1.331 de 1854.
2.1.3 Instruções para a verificação da capacidade do magistério e provimento das
cadeiras públicas de instrução primária e secundária
Em 5 de janeiro de 1885 foi promulgada Norma 01, na qual constava o
regulamento para os que pretendiam provar estarem aptos para atuar na
instrução pública primária na escola de 1.º grau. Estes deveriam ser submetidos a
um exame de admissão, cujo programa, no que tange à disciplina matemática,
era composto pelas seguintes matérias: aritmética; sistema de pesos e medidas
do Império; sistema prático e método de ensino.
Embora o exame de admissão fosse composto por uma parte escrita e
outra oral, para o exame de ciências exatas, no qual se entende estarem inclusos
o de aritmética e o do sistema de pesos e medidas do Império, não era exigida a
parte oral. Tanto para o 1.º como para o 2.º grau constava: “bastará a prova
escrita, que deverá consistir na exposição metódica de alguma parte da ciência”
(COLEÇÃO DAS DECISÕES DO GOVERNO DO BRASIL, t. 18, 1885).
2.1.4 A criação de duas escolas normais primárias para o ensino da corte
Por meio do Decreto 6.379, de 30 de novembro de 1876, foram criadas, no
município da corte, duas escolas normais primárias gratuitas. Uma delas
destinada aos professores, em regime de externato, e a outra, para as
professoras, em regime de internato. Os conteúdos matemáticos constavam no
programa da 4.ª série e compreendiam: aritmética até logaritmos; álgebra até
equações do 2.º grau; geometria plana, metrologia e regras de escrituração
mercantil.
48
Foram encontradas onze provas de alunos da Escola Normal no Arquivo
do Estado de São Paulo, referentes ao período de 1875 a 1877, as quais mostram
que os temas abordados concentraram-se em operações com frações, e apenas
uma dessas avaliações, datada de 1875, trabalhou com operações com números
inteiros, hoje classificados como números naturais
6
.
Os conteúdos constantes no programa de matemática da Escola Normal
estavam assim distribuídos:
1.º ano aritmética até logaritmos; álgebra até equações do 2.º grau;
metrologia; sistema legal de pesos e medidas.
2.º ano geometria plana, regras de escrituração mercantil (Decreto 6.379,
1876).
Para ser admitido na Escola Normal era exigido do candidato:
1.º certidão de idade ou outro documento que comprovasse (16 anos
para os homens) e (15 para as mulheres);
2.º – aprovação em exame de admissão (a ser regulamentado);
3.º atestado de aptidão literária (passado pelos professores com quem
estudou); atestado de distinta moralidade (cedidos pelos párocos
onde residiu nos últimos três anos);
4.º exame médico comprobatório de capacidade física para exercer o
magistério (D
ECRETO 6.379, 1876).
A esse respeito, acredita-se pertinente relatar um acontecimento
relacionado ao conhecimento dos conteúdos matemáticos pertinentes ao exame
de admissão para atuar no curso primário em São Paulo, narrado por João C.
Rodrigues (foi aluno de professor de palácio e, posteriormente professor da
Escola Normal), por ocasião do cinqüentenário da Escola Normal da Capital.
Por volta do ano de 1868, os concursos realizavam-se no Palácio do
Governo, motivo pelo qual surgiu a denominação professores de palácio”. Os
editais precediam à execução dos exames para normatizar a inscrição dos
candidatos e para dar conhecimento da lista de pontos de exame.
_____________
6
A reprodução das onze provas encontradas no Arquivo do Estado encontram-se no Anexo II.
49
Entretanto, segundo João C. Rodrigues, faltava a esses programas a
devida organização, que permitiria aos exames melhor verificação da
competência do candidato.
O “ponto” de logaritmos foi incluído no programa de um desses concursos.
Esse fato gerou uma situação jocosa, conforme a narração de Rodrigues:
Dias antes do concurso, o Conselheiro M. F. recebera a visita dum
pretendente ao magistério. Vinha do interior e trazia uma carta de
recommendação de prestigioso chefe político.
Está bem preparado? Perguntou o Conselheiro ao ler a carta. Sabe
todos os pontos?
Mal e mal, respondeu o visitante. Na Arithmetica é que eu tenho mais
medo: alguns pontos que eu nunca ouvi falar. Por fortuna do
candidato achava-se presente um sobrinho do conselheiro, jovem
engenheiro recém formado, que veio a ser mais tarde, na Republica,
um vulto de destaque na política. A pedido do tio, tomou elle o encargo
de dar ao futuro mestre-escola algumas explicações sobre os taes
pontos difficeis.
No dia do exame estava o recommendado do Conselheiro em face da
Commissão examinadora e, para cumulo do caiporismo, cahiu-lhe
exactamente o ponto mais diffcil da Arithmetica.
– O que é logarithmo? Perguntou o examinador, a endireitar as lunetas.
O examinando respondeu sem titubear, como – Logarithmo é um
polygono regular de ângulos reintrantes e complicações algébricas
crescentes. [...]. Ergueu-se [o examinador] colérico fora de si e apontou
a porta, ao examinnando (R
ODRIGUES, s.d.).
O candidato aprovado no 1.º e 2.º ano do curso normal obtinha o diploma
de professor habilitado para as escolas primárias de 1.º grau. Para aquele que
obtivesse o mesmo resultado e concluísse o restante do curso, era contemplado
com o diploma de professor habilitado para a escola de 2.º grau.
Além disso, os professores habilitados pelas escolas normais da Corte,
portadores de uma das habilitações acima, tinham preferência sobre os demais
professores nos concursos de cadeiras vagas de instrução primária na Corte.
Entretanto, os professores em serviço podiam requerer exames dentro dos
parâmetros dos programas instituídos, a fim de obterem um diploma que lhes
conferisse os mesmos direitos dos que cursaram as escolas normais da Corte
(DECRETO 6.379, 1876).
50
A disposição do artigo acima se estendia aos professores e professoras
adjuntos, aos provenientes das instituições particulares, que desejassem
concorrer ao provimento das cadeiras vagas da instrução primária, quando estas
fossem criadas. Todavia, eles seriam preteridos pelos formados pelas escolas
normais da Corte.
2.1.5 O Decreto 6.479 de 1877: a divisão nas escolas de instrução primária
O Decreto 6.479, de 18 de janeiro de 1877, rezava sobre uma repartição
das escolas de instrução primária em duas categorias, que ficavam assim
estabelecidas:
[...] divididas em duas classes: a uma pertencem as de instrução primária
elementar com a denominação de escolas de 1.º grau.
A outra pertencem as de instrução primária complementar com a
denominação de escolas de 2.º grau (grifos nossos) (D
ECRETO 6.479, art.
1.º, 1877).
Conforme o art. 2.º do referido decreto, o ensino da matemática nas
escolas de 1.º grau constava das seguintes matérias: princípios elementares de
aritmética e sistema legal de pesos e medidas. Para o ensino nas escolas de 2.º
grau (art. 3.º), o programa determinava o desenvolvimento do conteúdo do 1.º
grau acrescido de álgebra elementar e geometria elementar.
Ainda, conforme o disposto no art. 7.º do Decreto 6.479, cada escola de 1.º
grau era regida por um professor ou professora catedrática. Se o número de
alunos que freqüentavam regularmente a escola excedesse a 50, haveria também
um professor ou professora adjunta; se ultrapassasse 100, haveria dois adjuntos
ou adjuntas; se superasse 150, haveria três adjuntos.
Para as escolas de 2.º grau valiam as disposições contidas no art. 7.º, em
relação aos catedráticos e adjuntos (DECRETO 6.479, art. 8.º, 1877).
Todavia, pelo art. 9.º desse mesmo decreto, percebe-se a presença do
professor adjunto, ainda que a escola não fosse, regularmente, freqüentada por
50 alunos. O professor adjunto, nesse caso, além de auxiliar o professor
51
catedrático, responsabilizar-se-ia pela biblioteca, pelo arquivo e pelos gabinetes
de ciências físicas e naturais.
2.1.6 O Decreto 7.247 de 1879: mudanças significativas no ensino primário
A partir da promulgação do Decreto 7.247, de 19 de abril de 1879, o ensino
primário no município da Corte passou a ser livre, sendo restrito apenas à
inspeção necessária, ou seja, a que garantiria as condições de moralidade e
higiene. Tais funções, antes atribuídas ao inspetor-geral, passaram às mãos dos
professores e diretores.
A freqüência à escola fazia-se necessária para indivíduos de ambos os
sexos, entre 7 e 14 anos, até que eles demonstrassem ter adquirido habilidades
em todas as disciplinas. Se, ao completarem 14 anos e não tendo obtido a devida
aprovação nas matérias do ensino básico constantes nesse regulamento, o
prosseguimento aos estudos dar-se-ia no período noturno.
O art. 5.º do Decreto 7.247 dispunha sobre a criação dos jardins da
infância, em cada município da corte para as crianças de 3 a 7 anos de idade.
o art. 8.º desse mesmo decreto discorria sobre como o governo
responderia às necessidades decorrentes daquela reforma de ensino.
Resumidamente, o governo tinha autoridade para alterar a distribuição das
escolas; subvencionar escolas particulares, na inexistência de escolas públicas
numa localidade; contratar professores para percorrer as províncias, e nela se
estabelecerem para fornecer os rudimentos escolares para as meninas e
meninos; providenciar ou auxiliar na educação primária dos adultos analfabetos e
criar escolas normais.
Ainda, observou-se que o Decreto 7.247 não alterou o programa do ensino
de matemática das escolas de primário de 1.º e 2.º graus. Para as escolas
normais, os conteúdos matemáticos ministrados compreendiam: aritmética,
álgebra e geometria.
52
2.1.7 O Decreto 7.684 de 1880: regulamentando a Escola Normal para o
Município da Corte
Por meio do Decreto 7.684, de 6 de março de 1880, foi decretada a criação
de uma Escola Normal de instrução primária no Município da Corte, para
professores e professoras, afiançando a sua gratuidade e enumerando as
cadeiras de ensino. No caso específico da matemática, eram dedicadas as
cadeiras de matemáticas Elementares e Escrituração Mercantil (DECRETO 7.684,
art. 1.º, 1880).
No ato da inscrição da matrícula na Escola Normal, o solicitante deveria
estar munido do comprovante de aprovação em exame de admissão, que versava
sobre leitura, escrita, noções de gramática e as quatro operações fundamentais
de aritmética (DECRETO 7.684, art. 3.º, 1880).
Compunham os conteúdos ministrados na Escola Normal, em termos de
conhecimentos matemáticos: 1.ª série matemática; 2.ª série álgebra até
equação do 2.º grau e geometria plana no espaço (DECRETO 7.684, art. 20, 1880).
Nas últimas duas séries, havia a cadeira de pedagogia, e, na última delas,
o estudo voltava-se para metodologia especial, exposição de diferentes métodos
e modos de ensino e de sua conveniente aplicação, regras do ensino intuitivo
7
ou
lições de coisas e exercícios práticos nas escolas anexas.
É relevante para compreender como se desenvolvia o ensino de maneira
geral sublinhar a forma como o professor deveria atuar na sala de aula, em
conformidade com o art. 33 do referido decreto:
[...] os professores deverão nas suas lições ser tão metódicos e corretos,
como convém que seja o aluno na reprodução verbal ou por escrito do
mesmo assunto, de modo que o ensino possa servir de modelo ao que
os alunos tiverem de dar mais tarde como professores.
Ainda em relação à metodologia, o professor deveria: seguir na exposição
no método que fosse mais condizente à compreensão da matéria, usando sempre
_____________
7
Método intuitivo ou Lição de coisas: forma pela qual o referido método foi vulgarizado por ser na realidade a
primeira forma de intuição a intuição sensível. Resumidamente, trata-se da lição pelas coisas, e não
pelas palavras.
53
de linguagem adequada ao grau de conhecimento e ao alcance da compreensão
dos alunos:
4.º – propor aos alunos todos os exercícios práticos que possam desenvolver-
lhe a inteligência e fortalecer os conhecimentos adquiridos.
5.º empregar o máximo desvelo na instrução de todos os alunos sem
distinção alguma (D
ECRETO 7.684, art. 46, 1880).
A reprodução de um método, conforme acima observado, poderia realizar-
se de forma oral ou por escrito. Acredita-se que os temas relativos aos métodos
tornaram-se tema de provas, conforme se poderá observar por meio da foto,
inserida no tópico 2.3 deste capítulo.
2.1.8 O Decreto 8.025, de 1881: das finalidades da Escola Normal
No 60.º aniversário da Independência e do Império, em 16 de março de
1881, foi baixado novo regulamento para Escola Normal do Município da Corte,
pelo Decreto 8.025, no qual assinalou-se a finalidade da Escola Normal, ou seja,
a de preparar professores de 1.º e 2.º graus, sendo destacado que o ensino nela
distribuído era gratuito, destinado a ambos os sexos, compreendendo dois cursos,
o de Ciências e Letras e o de Artes.
Para o curso de Ciências e Letras, foi inserida a disciplina de “Matemáticas
Elementares”, que seria distribuída nas séries do curso da seguinte forma: na
primeira série, para a 4.ª cadeira, fazia parte o conteúdo de aritmética, estudo
teórico e prático; na segunda série e na 2.ª cadeira constava: álgebra, geometria
e trigonometria; álgebra até equações do 2.º grau a uma incógnita; geometria
elementar, estudo completo; exercícios e problemas; noções de trigonometria
retilínea.
Para ingressar na Escola Normal o candidato haveria de comprovar a
idade (16 anos para os homens e 15 anos para as mulheres), além de aprovação
em exame de admissão, o qual versava sobre leitura, escrita, noções de
gramática e as quatro operações fundamentais de aritmética.
54
2.1.9 Aditamento 04, de 1882: sobre o programa de ensino a ser observado nas
escolas públicas do 1.º grau do município da Corte
O inspetor-geral, após aprovar o programa de ensino e o horário para as
escolas do 1.º grau da Corte, listou as matérias que o comporiam, conforme
consta no Aditamento 04, de 9 de janeiro de 1882.
Cabe destacar que as matérias foram divididas em: obrigatórias e
facultativas.
Constavam das matérias obrigatórias:
Instrução Moral e Religiosa;
Leitura; Escrita;
Noções de coisas;
Noções essenciais de gramática;
Princípios elementares de aritmética;
Sistema Legal de Pesos e Medidas;
Costura simples (A
DITAMENTO 04, 1882).
Incluíam-se nas matérias facultativas:
Noções de história e geografia do Brasil;
Elementos de desenho linear;
Rudimentos de música com exercícios de solfejo e canto;
Ginástica (A
DITAMENTO 04, 1882).
As matérias obrigatórias faziam parte do curso elementar e eram
distribuídas pelas classes. O curso elementar compunha-se de seis séries (anos)
e o curso complementar compreendia as 7.ª e a 8ª classes (série).
Os conteúdos de matemática para o curso elementar estavam assim
distribuídos:
Na 1.ª classe Aritmética – formação dos números de 1 a 10, suas
denominações, caracteres com que deveriam ser representados, exercícios de
adição e subtração, formados com os números aprendidos.
55
Na 2.ª classe Aritmética formação dos números de 10 a 100, suas
denominações, caracteres com que deveriam ser representados, exercícios de
adição e subtração, formados com os números aprendidos.
Na 3.ª classe Aritmética formação dos números de 100 a 1000, suas
respectivas denominações, caracteres com que deveriam ser representados,
exercícios de adição e subtração, formados com os números aprendidos.
Na 4.ª classe Aritmética formação da taboa [tabuada] de multiplicação
e divisão e exercícios destas operações.
Na 5.ª classe Aritmética estudo mais desenvolvido de numeração das
quatro operações fundamentais. Exercícios de conhecimento prático do sistema
de numeração métrico decimal.
Na 6.ª classe – Aritmética – operações sobre frações ordinárias e decimais
e estudo dos princípios de que dependem tais operações. Exercícios, sistema
legal de pesos e medidas. Exercícios e problemas fáceis (ADITAMENTO 04, 1882).
Para o curso complementar:
Na 7.ª classe – Aritmética – regra de três simples, de juro e de companhia.
Na 8.ª classe – nada consta (ADITAMENTO 04, 1882).
2.1.10 O Decreto 8.985, de 11 de agosto de 1883
Em 11 de agosto de 1883, foi promulgado o Decreto 8.985 que
regulamentava “provisoriamente provimento de cadeiras públicas de instrução
primária, do 1.º grau, no Município da Corte”.
A elaboração ocorreu pela falta de professores diplomados devidamente
aprovados em todas as matérias da Escola Normal do Rio de Janeiro.
Por essa razão, ficou determinado que as cadeiras vagas de instrução
pública do 1.º graus, ou que viessem a vagar, seriam preenchidas por meio de
concurso público.
56
As matérias do concurso eram as mesmas constantes no Decreto 7.247,
de 19 de abril de 1879, sendo excluídas as de música, desenho e ginástica.
Estas, contudo, serviriam para pontuar a classificação dos candidatos que
quisessem prestar os respectivos exames.
2.2 O ensino primário e secundário durante o Governo Provisório
O Decreto 1, de 15 de novembro de 1889, proclamava a República
Federativa como forma de governo da Nação brasileira e estabelecia as normas
pelas quais se deveriam reger os Estados Federais.
Segundo Clark,
[...] não para dizer “a partir desse momento interrompermos o estudo
da Monarquia e começamos um estudo sobre a República”, que em
diferentes momentos os fatos históricos se interpenetram; não é pelo fato
que a República tenha sido em 1889, que a vida econômica e social se
transformou a partir daí, pelo contrário, ela seguiu da mesma forma,
mudando somente o regime político (s.d.).
Após esse esclarecimento, Clark registra que o movimento republicano no
Brasil pôs-se em andamento por meio Decreto-lei 7.247, de 19 de abril de 1879,
já citado neste trabalho.
Ainda assim, a educação primária e a Escola Normal continuaram a
obedecer as regras estabelecidas na Monarquia, embora notórias figuras do
cenário político, durante o Governo Provisório, manifestaram-se a respeito da
educação, as quais, posteriormente, prestariam seus serviços ao governo
Republicano. Entre essas personalidades, destacou-se a figura de Benjamin
Constant
8
, responsável pela promulgação dos Decretos 407 e 981, ambos
datados no ano de 1890.
_____________
8
Benjamin Constant foi oficial do Exército brasileiro, professor de matemáticas e de diversas escolas civis e
militares. Divulgador da filosofia positivista, foi organizador do movimento militar que depôs a Monarquia e,
posteriormente, membro do Governo Provisório republicano, como segundo vice-presidente e titular das
pastas da Guerra e da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Foi entronizado, postumamente, como o
Fundador da República (L
EMOS, 1997, p. 1-2).
57
2.2.1 O Decreto 407 de 1890: o novo regulamento da Escola Normal da Capital
Federal
No primeiro artigo do Decreto 407, de 17 de maio de 1890, estava
explicitada a finalidade da Escola Normal, art. 1.º:
A Escola Normal é um estabelecimento de ensino profissional: tem por
fim dar aos candidatos à carreira do magistério primário a educação
intelectual, moral e prática necessária e suficiente para o bom
desempenho dos deveres do professor, regenerando progressivamente
a escola pública de instrução primária.
Apresentando certidão ou documento que comprovasse a idade de 15
anos para os homens e 14 para as mulheres, era possível requerer matrícula na
1.ª série da Escola Normal do Distrito Federal (DECRETO 407, art. 7.º, 1890).
Os candidatos dependiam também de aprovação em exame de admissão,
que versava sobre: leitura, ditado, noções elementares de gramática portuguesa,
aritmética prática, compreendendo as quatro operações sobre os números
inteiros, frações ordinárias e decimais, noções do sistema decimal e morfologia
geométrica.
A Escola Normal propunha-se a ensinar: português, especialmente
redação, noções de literatura nacional; francês: regras essenciais de gramática,
estudadas praticamente, e tradução; geografia geral e “chorographia” do Brasil;
cartografia; história universal, especialmente a do Brasil; astronomia: geometria
celeste e noções de mecânica celeste; física e química: noções de mineralogia e
geologia; biologia: leis da organização e dos atos dos seres vivos; sociologia:
instituições fundamentais da existência social, leis da evolução do entendimento,
da atividade e do sentimento; moral: faculdades ou funções relativas aos
elementos da natureza humana, moral teórica e moral prática, especialmente no
que diz respeito à função do magistério.
Para a matemática, ficou estabelecido o ensino de: aritmética, álgebra e
geometria preliminar, trigonometria, noções de cálculo e geometria geral,
elementos de mecânica racional.
58
O curso tinha duração de cinco séries (anos), e os conteúdos matemáticos
eram nelas distribuídos da seguinte forma:
1.ª série – aritmética e álgebra.
2.ª série geometria e trigonometria (diariamente no 1.º semestre e três
vezes por semana no 2.º semestre), além de noções de cálculo
e geometria geral, indispensáveis para o ensino de mecânica
geral (2.º semestre, diariamente).
3.ª série – não consta.
4.ª série – não consta.
5.ª série -- não consta.
Quanto às formas de procedimento dos professores da Escola Normal,
estas são encontradas no Capítulo III, art. 30, nos itens abaixo anunciados:
3.º – cumprir o programa de ensino, o qual deverá ser limitado à doutrina
exclusivamente útil, e substancial, evitando, no mais alto grau,
ostentação aparatosa de conhecimentos;
4.º seguir na exposição do método que mais for conducente a perfeita
condução da matéria, estabelecendo a mais lógica graduação do
assunto e usando de linguagem ao alcance dos alunos e que esteja
em relação com o grau de adiantamento destes;
5.º começar e concluir o ensino da cadeira a seu cargo por uma série
de lições tendentes a ligar o assunto das ciências anteriores e
subseqüentes;
6.º – interrogar ou chamar a lição os alunos. Quando julgarem conveniente,
a fim de ajuizarem do seu aproveitamento, e propor-lhes todos os
exercícios que possam desenvolver-lhes a inteligência e fortalecer
os conhecimentos adquiridos;
7.º – marcar com 48 quarenta e oito horas de antecedência, pelo menos,
a matéria das sabatinas escritas, habilitando os alunos a este
gênero de prova para os exames;
8.º empregar o máximo de desvelo na instrução de todos os alunos,
sem distinção de pessoa alguma (D
ECRETO 407, 1890).
Anexa à Escola Normal encontrava-se uma escola de aplicação, na qual os
alunos aprovados nas matérias das duas primeiras séries de estudo podiam,
alternadamente e por escolha do diretor, iniciar no “seu alto destino”, ou seja, na
59
carreira do magistério, e os alunos que não se “exercitassem no ensino prático,
por pelo menos um ano”, ficavam privados de usufruírem da possibilidade de
iniciar na carreira do magistério, conforme instituído pelo decreto (DECRETO 407,
1890). Após analisar, de maneira sucinta, o regulamento da Escola Normal da
Capital, apresenta-se, a seguir, o regulamento da instrução primária e secundária
da Corte.
2.2.2 Decreto 981, de 1890: Aprova o Regulamento da instrução primária e
secundária no Distrito Federal
Sob o Título I, o Decreto 981, de 8 de novembro de 1890, declara ser
completamente livre aos particulares o ensino primário e secundário no Distrito
Federal, desde que fossem atendidas as condições de moralidade, higiene e
estatística definidas naquela lei (DECRETO 981, art. 1.º).
Quem desejasse se dedicar ao exercício do magistério particular teria
somente que comprovar não ter sofrido condenação judicial por crime infamante e
não ter sido punido com demissão, por pena imposta pelo inspetor geral ou pelos
inspetores escolares, enquanto professores públicos (DECRETO 981, art. 62,
1890).
Quanto ao ensino, a inspeção preocupava-se somente que este não fosse
contrário à moral e à saúde dos alunos.
O ensino oferecido às crianças no seio de suas famílias estava livre de
vigilância oficial, cabendo aos pais exercer o papel de inspecioná-lo.
Nas escolas públicas do Distrito Federal prevaleceu a instrução primária,
livre gratuita e leiga, que se dividia em duas categorias:
1.ª: escolas primárias de 1.º grau;
2.ª: escolas primárias de 2.º grau.
Nas escolas de 1.º grau eram admitidos alunos de 7 a 13 anos e nas de 2.º
grau, de 13 a 15 anos. As escolas se distinguiam pelo sexo dos alunos que as
freqüentavam, havendo uma exceção para os meninos, cuja idade não
60
ultrapassasse os oito anos, os quais podiam cursar as escolas de 1.º grau
destinadas às meninas.
Para dar continuidade aos estudos no 2.º grau, fazia-se necessária a
apresentação do certificado de conclusão do 1.º grau.
No 1.º grau o ensino compunha-se de três cursos: a) elementar para
alunos de 7 a 9 anos; b) médio (9 a 11 anos); c) superior (11 a 13 anos), sendo
realizado em cada curso, gradualmente, o estudo de todas as matérias.
Nesses cursos, era recomendado que o estudo fosse desenvolvido de
forma gradual em todas as matérias, com o emprego do método intuitivo. O livro
tinha o papel de simples auxiliar para dar prosseguimento aos programas que
eram minuciosamente especificados.
Pelo art. 3.º, o ensino nas escolas de 1.º grau abrangia: contar e calcular,
aritmética prática até regra de três, mediante o emprego primeiro dos processos
espontâneos e depois dos processos sistemáticos; sistema métrico precedido do
estudo da geometria prática; ensino prático da língua portuguesa; elementos de
geografia, especialmente a do Brasil; lição de coisas e noções concretas de
ciências físicas e história natural; instrução moral e cívica; desenho; elementos de
música; ginástica e exercícios militares; trabalhos manuais para os meninos;
trabalho de agulhas para as meninas; noções de prática de agronomia.
Nas escolas de 2.º grau estudava-se: caligrafia; português; elementos de
língua francesa; aritmética (estudo complementar); álgebra elementar; geometria
e trigonometria; geografia e história, particularmente a do Brasil; elementos de
ciências físicas e história natural aplicáveis às indústrias, à agricultura e à higiene;
noções de direito pátrio e de economia política; desenho de ornato, de paisagem,
figurado e topográfico; música; ginástica e exercícios militares; trabalhos manuais
(para os meninos) e trabalhos de agulha (para as meninas).
Além disso, constava que a instrução moral e cívica não tinha curso
distinto, mas deveria ocupar constantemente e no mais alto grau a atenção dos
professores.
61
Ao término do 1.º e/ou do 2.º grau, o aluno da escola pública recebia um
certificado.
A conclusão do ensino de 1.º grau concedia ao cidadão com idade em
torno dos 13 anos livre entrada nos estabelecimentos de ensino secundário e
normal. Para aqueles que pretendessem empregar-se em repartição do Estado, a
conclusão do primeiro grau seria exigida no prazo de seis anos, contados a partir
da data da promulgação do decreto em pauta. Caso o cidadão fosse possuidor
dos estudos primários do segundo grau, esse certificado, além das vantagens
acima anunciadas, tornava-o isento de prestar exames de português, geografia e
matemática elementar ao pleitear empregos administrativos que não exigissem
habilitação técnica especial (DECRETO 981, 1890).
Nas escolas públicas primárias, predominava a distinção entre os sexos,
perceptíveis nas prescrições do art. 7.º:
As escolas do 1.º grau para o sexo masculino serão dirigidas de
preferência por professoras no primeiro curso, e por professores no 2.º e
3.º cursos, respectivamente auxiliados por adjuntas ou adjuntos; as
escolas do 1.º grau para o sexo feminino o serão por professoras em
todos os seus cursos; nas escolas do 2.º grau, porém, será o magistério
exercido por professores ou professoras, conforme o sexo a que a
escola se destinar (D
ECRETO 981, 1890).
2.3 Diálogo entre a legislação e os documentos manuscritos da Escola
Normal
Este trabalho iniciou-se reconhecendo a gratuidade da instrução primária
concedida a todos os cidadãos, excluídos os portadores de doenças físicas ou
mentais, os não-vacinados e os escravos.
Todavia, a criação de escolas de primeiras letras solidificou-se por meio da
Lei de 15 de outubro de 1827. Como mencionado, o método indicado para o
desenvolvimento do ensino em todas as capitais da Província era aquele
denominado por “ensino mútuo”. Método recomendado nas Decisões Imperiais,
como as de n. 182, de 22 de agosto de 1825.
62
Quanto ao mencionado método, deveriam os professores dele se apropriar,
o mais rápido possível, ainda que tivessem que fazê-lo às próprias custas. A
importância concedida a esse processo de ensino reafirma-se quando se tem
conhecimento de que este foi tema de prova de pedagogia da Escola Normal, no
ano de 1875. Nessa avaliação, o aluno deveria discorrer sobre o ensino mútuo,
ensino misto, suas vantagens e defeitos, conforme se pode verificar na figura
abaixo:
Fig. 01. Prova de Pedagogia Método do Ensino tuo. Misto, Vantagens e Desvantagens.
Arquivo do Estado de São Paulo
63
O aluno iniciou sua fala discorrendo sobre as vantagens do ensino mútuo
assinalando as falhas do método individual. Segundo ele, este último não permitia
que em classes numerosas o professor pudesse dar a devida atenção a cada
aluno:
Para evitar esses inconvenientes, tem-se o Methodo Mutuo, pelo qual os
meninos são divididos em classes superiores e inferiores; subdivididas,
cada uma dellas, em duas ou três decúrias. Os allunos das classes
inferiores, tem sempre em vista os allunos das classes superiores, aonde
elles não poderão chegar, senão pelo seu trabalho e adiantamento. Os
mais adiantados que se chamam monitores, encarregam-se da instrução
de várias decúrias, enquanto o mestre, limita-se a inspecção geral da
aula; e que finalmente em uma lição particular, instroe os monitores, e os
põe no estado de desempenhar as funções de que são incumbidos ...
Destaca-se, nesse período, a bifurcação dos conteúdos matemáticos,
quando indicados para os meninos e para as meninas. Para os meninos, o estudo
de matemática incluía os conhecimentos de geometria e para as meninas ele se
encerrava no entendimento das quatro operações fundamentais.
A grandeza territorial da nação brasileira associada à falta de recursos para
formar professores, especialmente para o curso primário, fez surgir a necessidade
de se criarem as escolas normais, sendo a do Estado de São Paulo datada de
1846.
Para nortear a instrução primária, surgiu a figura do inspetor-geral de
ensino, incumbido de examinar todas as modalidades de estabelecimentos de
ensino.
Muito se exigia, a esse tempo, do cidadão que ensejasse ingressar na
carreira do magistério. Por exemplo, caso o candidato fosse do sexo feminino,
exigia-se dele apresentar um maior número de documentos comprobatórios,
autenticando uma conduta moral exemplar.
A capacidade profissional e os meios de avaliá-la eram a tônica da norma
promulgada em janeiro de 1855.
Interessante ressaltar que no ano de 1876 foram criadas duas escolas
normais na Corte, tendo em vista que o programa de aritmética compreendia até
logaritmos.
64
As escolas de instrução primária subdividiram-se em primária elementar e
em primária complementar. Note-se, entretanto, que até 1882 a instrução primária
não sofreu grandes alterações, a não ser pelo fato de que as matérias passaram
a ser classificadas em obrigatórias e facultativas.
em 1883 ocorreu o provimento de cadeiras públicas de instrução
primária em regime temporário, em virtude da falta de professores formados pela
Escola Normal do Rio de Janeiro.
Instalou-se, em 1889, o Governo Provisório. No ano seguinte, foram
editados os Decretos 407 e 981, os quais explicitavam a finalidade da Escola
Normal e redigiram o regulamento da instrução primária. Ambos apresentam-se
como base para normatização da instrução pública paulista e da Escola Normal
da capital de São Paulo, que predominariam após o advento da República.
65
66
Capítulo 3
PANORAMA DA INSTRUÇÃO PRIMÁRIA DO ESTADO DE SÃO
PAULO COM A CHEGADA DO REGIME REPUBLICANO
Ao ser proclamada a República em 1889, o Imperador D. Pedro II,
representante da recém-deposta Monarquia, embarcou para Europa em
companhia de seus familiares. Ao regressar a Portugal, ele estava cônscio de que
naquela época apenas 12% da população escolar freqüentava as instituições de
ensino.
Essa era a razão pela qual Sua Majestade, em seu último discurso,
sustentava a necessidade de que fosse criado um ministério destinado aos
negócios da instrução pública. Todavia, não se pode afirmar que as ponderações
do Imperador foram as únicas responsáveis pelas mudanças que ocorreram na
instrução pública primária no Estado de São Paulo.
Segundo Marcílio, desde 1870, na então Província de São Paulo, os
republicanos as cogitavam exaltando sua precisão para acabar com o atraso e
a incompetência reinantes (2005, p. 137).
A década de 70 dos anos oitocentos também marcou a trajetória
educacional do Estado de São Paulo. Nela iniciou-se o investimento público na
construção escolar, acompanhado pelo anseio de reformar a instrução pública.
Para alterá-la significativamente era proposto o modelo adotado pelas escolas
67
particulares, que aderiram ao pensamento laico ou protestante norte-americano,
no qual as lições de coisas
9
destacaram-se sobremaneira (VIDAL, 2005).
em 1891, em obediência ao art. 1.º da Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil
10
, São Paulo elabora a Constituição Política do Estado
de São Paulo. A partir de então, a educação foi percebida como meio para
modificar os maus hábitos dos cidadãos paulistas, os quais eram identificados
como signos da doença, do vício, da degenerescência, da degradação
(CARVALHO, 2003, p. 220).
Seguindo o objetivo de retirar do povo paulista um estereotipo tão
desabonador, São Paulo empenhou-se para abolir com
[...] a “escola” de um professor único, do método individual
11
, da
palmatória, [...]. O método da leitura [por meio] da soletração, [...]. As
contas passadas em ardósias [...] [o ato de] decorar tabuadas. [...] a vara
de marmelo, a palmatória, o puxão de orelha, o coque, o ajoelhar sobre o
milho, o pôr em no canto, a prisão na hora do recreio e após as aulas
os xingamentos (M
ARCÍLIO, 2005, p. 160).
São Paulo procurou, assim, reverter o quadro da educação por ele
oferecida, propondo expressivas modificações estruturais pertinentes ao curso
Normal. Iniciaram-se, então, procedimentos que alteraram o cenário da instrução
pública e a concepção de educação primária no Estado de São Paulo, tornando-o
paradigma para todo o Brasil (MARCÍLIO, 2005, p. 159).
Por outro lado, a Escola Normal de São Paulo, segundo Monarcha,
apresentava-se como uma instituição escolar, “aparentemente fadada a ruínas”
(1999, p. 13)
_____________
9
Lições de coisas forma pela qual o método intuitivo foi vulgarizado e, na realidade, a primeira forma de
intuição a intuição sensível. O termo foi popularizado por Mme. Pape-Caarpentier e empregado
oficialmente durante suas conferências proferidas aos professores presentes na Exposição de Paris, em
1867, e em Buisson, 1912 (SCHELBAUER, 2006, p. 27) – Verbete elaborado por Analete Regina Schelbauer,
professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual de Maringá. Integrante e Pesquisadora do Histedbr – GT Maringá.
10
Constituição em sentido jurídico [...] traduz e espelha as forças sociais e econômicas do país, ordena,
organiza e transforma a realidade em sistema de normas e valores, capazes de ditar regras no campo do
dever ser. A Constituição jurídica apela para o homem, como agente da história, homem apto a construir
uma ordem política voluntária e consentida – artifício despido de arbítrio” (FAORO, 2007, p. 172).
11
Método individual de ensino: aquele em que o professor atende individualmente um aluno por alguns
minutos. Entretanto, trazia como conseqüência o tumulto em sala de aula, prejudicando o aproveitamento
da disciplina. La Salle adotou o método simultâneo de ensinar quando a maioria dos educadores de seu
tempo ainda se utilizava do método individual (MENEZES; SANTOS, 2008).
68
Na realidade, ao considerar a Escola Normal de São Paulo como uma
instituição prestes a aniquilar-se, o autor está sublinhando a alternância entre
“estabelecimento e encerramento”, que marcam a trajetória dessa instituição.
A primeira fundação da Escola Normal de São Paulo ocorreu em 1846,
[...] instalada em um edifício contíguo à velha Catedral, foi fechada
em 1867. A segunda fundação deu-se em 1875; dessa vez, funcionou ao
lado do curso anexo à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco,
para ser novamente fechada em 1878. A terceira e última fundação deu-
se no ano de 1880; instalada conjuntamente com o Tesouro Provincial
na rua da Imperatriz. Pouco tempo depois, em 1881, a Escola Normal foi
transferida para um sobrado colonial na rua da Boa Morte,
permanecendo até 1894, quando foi instalada definitivamente em edifício
especialmente construído para abrigar uma escola, situada na Praça da
Republica (M
ONARCHA,1999, p. 13).
Na verdade, o Estado de São Paulo, com o intuito de estruturar o ensino
oferecido pela Escola Normal, além de estar ajustando a parceria entre o
desenvolvimento econômico e instrução pública, estava atendendo a um preceito
constitucional.
Ao ser instituído o sistema federativo de governo, cabia aos Estados
legislar sobre o ensino primário e secundário, implantar e manter escolas
secundárias e superiores, e, nas classificadas como secundárias, encontrava-se a
Escola Normal.
Aqueles por ela certificados comprometiam-se com o encaminhamento da
instrução pública primária e, assim, passavam a ter notoriedade no campo político
administrativo do Estado. Entre esses normalistas, segundo Monarcha, no final da
Monarquia e princípio da República, destacaram-se:
Arthur Neves, José Feliciano de Oliveira, Gabriel Prestes, Ramon Roca
Dordal, Romão Puigiri, Thomaz Paulo Bom Sucesso Galhardo, Gabriel
Ortiz, Ernesto Goulart Penteado, João Lourenço Rodrigues, René e
Arnaldo Oliveira Barreto, Oscar Thompson, Pedro Voss, entre outros
(M
ONARCHA, 1999, p. 214).
Mas, enquanto os normalistas diplomados ocupavam cargos
administrativos para gerir a instrução pública paulista, esta chega ao final do
século XIX “de forma heterogênea e com diferentes ritmos”, pois o responsável
69
pela regência do ensino primário não era portador de uma única modalidade de
formação, nem existia um único tipo de instituição para oferecer o ensino primário
(MONARCHA, 1999, p. 215).
Apenas para que se tenha uma idéia do funcionamento das instituições de
ensino primário, observem-se as propostas para as escolas preliminares. Nelas
era oferecido o curso preliminar que correspondia à primeira subdivisão do ensino
primário.
Para auxiliar as escolas preliminares na tarefa de proporcionar o curso
preliminar e educar crianças de ambos os sexos, a partir dos sete anos, foram
criadas escolas auxiliares, denominadas escolas intermediárias e escolas
provisórias.
Entre as escolas públicas do Estado eram consideradas escolas
preliminares as que estivessem sob a regência de um professor normalista; as
intermediárias, aquelas dirigidas por professores habilitados; e as provisórias, as
conduzidas por professores interinos.
A aquisição do título de normalista, a habilitação para atuar no magistério e
a qualificação de interino dependiam da apresentação de diploma, exame de
suficiência ou prestação de concurso público, respectivamente.
O percurso para obter o diploma da Escola Normal e os trâmites referentes
à obtenção do documento comprobatório de habilitação serão descritos neste
trabalho, no decorrer da análise das reformas educacionais processadas em São
Paulo, a partir de 1890.
Como se pode observar, até o final do século XIX, o Estado de São Paulo
tem no comando da instrução primária uma mescla de formações. Fato esse que,
ao ser constatado, propõe que se pergunte: qual o papel reservado à Matemática
na formação dos professores, responsáveis pelo ensino primário?
Não se pode negar que o advento da República interferiu diretamente
sobre a efígie daquele que optava por seguir a carreira do magistério. As
mudanças são notórias e facilmente identificáveis quando comparadas à
70
representação do professor no Brasil Império
12
elaborada por Rosa Fátima de
Souza, para quem a interferência deu-se
Sobre a desoladora figura do mestre-escola do Império, combalido, sem
vitalidade e sem ânimo, vergado pelo abandono e pela precariedade dos
recursos financeiros e materiais
sobre a figura do mestre-escola da
palmatória e do compêndio (1998, p. 62).
Uma descrição que seria substituída pela construção da figura enaltecida
dos apóstolos da instrução primária (SOUZA, 1998, p. 62).
Mas não coube à Escola Normal apenas transformar o perfil daqueles que
se encontravam em exercício na carreira do magistério. A ela também tocou
viabilizar oportunidades aos rapazes, que se viam compelidos a desempenhar
outras atividades, além da docente.
Um anúncio publicado em um periódico que circulava ao final do século
XIX elucida a afirmação acima,
PROFESSOR Uma pessoa habilitada propõe-se a lecionar as
primeiras letras em casas particulares bem como encarregar-se de
escrituração de casas comerciais (D
IÁRIO POPULAR, 15 jan. 1897, apud
C
RUZ, 2000, p. 69).
Para as mulheres, o Curso Normal descortinava um universo que
transcendia o perímetro de seus lares, permitindo-lhes atuar num campo
profissional aceito pelos diferentes segmentos da sociedade do limiar do século
XX.
Desta forma, conciliava-se
o recrutamento de um grande mero de profissionais para atender à
difusão da educação popular mantendo-se salários pouco atrativos para
os homens. Em compensação, viria a se constituir num dos primeiros
campos profissionais “respeitáveis”, para os padrões da época, abertos à
atividade feminina (S
OUZA, 1998, p. 62).
Indubitavelmente, por esta razão, os pais empenhavam-se para que suas
filhas ingressassem na Escola Normal, ainda que deles fosse exigido muito
_____________
12
Brasil Império – 1822 a 1889.
71
sacrifício, os quais se dão a conhecer por relatos do tipo: “D. Joaquininha era uma
mineira que chegou aqui em São Paulo com uma tesoura na mão [...] montou
uma oficina de costura e fez a filha normalista” (BOSI, s.d., p. 310).
A Escola Normal converteu-se no protótipo da formação de professores
num Estado que oferecia indícios de que se tornaria o principal pólo econômico
do País (TANURI, 2000, p. 68).
Ao lado dessa parceria firmada entre educação e progresso, ocorre, em
1892, a reforma da instrução pública primária, a qual propunha que o ensino
primário deveria ter duração de oito anos, dividido em dois cursos, o preliminar e
o complementar.
O curso preliminar, como mencionado, era recomendado para crianças
de ambos os sexos a partir dos sete anos. Já o curso complementar correspondia
à segunda divisão do ensino público primário e deveria ser ministrado em escolas
complementares para alunos aprovados nas matérias do curso preliminar.
O ensino primário, composto por oito anos, foi, conforme observou Tanuri
(2005), um dos aspectos positivos proporcionados pela reforma da instrução
primária. Contudo, não escapa à análise da autora a finalidade “acessória”
concedida ao curso preliminar. Na realidade, e mediante o acréscimo de um ano
de prática nas escolas-modelo, o curso preparava professores para atuarem nas
escolas preliminares.
Apesar da constatação da existência de uma dualidade no que dizia
respeito à formação dos professores responsáveis pelo ensino primário, a
possibilidade de concluir o Curso Complementar e o exercício da prática na
Escola-Modelo representaram uma iniciativa essencial para “que se pudesse
expandir o sistema de formação de docentes em proporções significativas para a
época e prover o ensino primário de pessoal habilitado” (TANURI, 2005, p. 69).
Concomitantemente à expansão do ensino primário surgiu a necessidade
de regulamentar o funcionamento das escolas. Estas deveriam estabelecer-se em
consonância com a densidade populacional de uma determinada localidade. Caso
a densidade populacional apontasse para a necessidade de que fosse criada
mais de uma escola, o Conselho Superior poderia fazê-las funcionar em um único
72
prédio construído para esse fim, no ponto mais conveniente para atender a
população escolar
13
.
Dessa forma, ocorreu o estabelecimento do Grupo Escolar na cidade de
São Paulo, criado por meio da Lei 169, de 7 de agosto de 1893, “como forma de
excelência do ensino primário” (VIDAL, 2005, p. 145).
Segundo Souza, a concepção de Escola Graduada
14
, seguida pela
implantação dos grupos escolares, redundou em
Implicações profundas na educação pública do Estado e na história da
educação do país. Introduziu uma série de modificações e inovações no
ensino primário, ajudou a produzir uma nova cultura escolar, repercutiu
na sociedade mais ampla e encarnou a consagração da República.
Ainda, generalizou no âmbito do ensino público muitas práticas escolares
em uso nas escolas particulares e circunscritas a um grupo social restrito
– as elites intelectuais, políticas e econômicas (1998, p. 30).
Para Clark
15
, a passagem do regime monárquico para o republicano não
alterou a vida social e econômica da sociedade brasileira. Entretanto, não se pode
fazer uso do mesmo argumento no que tange à educação no País, em particular
no Estado de São Paulo.
O ideário republicano
16
paulista fixava-se na possibilidade de crescimento,
resultado das transformações socioeconômicas ocasionadas pelo comércio e pela
industrialização.
Podemos comparar os feitos em educação, dos quais se destacam a
criação da Escola Normal, com os ambiciosos planos de melhoramentos urbanos
idealizados por Joaquim Eugenio de Lima e seus sócios, José Borges Figueiredo
e João Augusto Garcia
17
, idealizadores da Avenida Paulista. Por conseguinte, no
_____________
13
Art. 1.º, § 1.º, da Lei 169 e art. 58 do Regulamento da Instrução Pública, 1893, p. 207, Coleção de Leis e
Decretos do Estado de São Paulo.
14
Escola Graduada estabelecia a vinculação entre ano escolar/ano civil, nível de aprendizagem/idade do
aluno e estágio de conhecimento das várias disciplinas entre si (VIDAL, 2005, p. 145).
15
Jorge Uilson Clark pesquisador que tem sua pesquisa focada na História das Instituições Escolares,
compõe o grupo de Estudos e Pesquisas – Histedbr – Unicamp.
16
Ideário Republicano consagrou-se pela promulgação da Constituição Republicana de 1890, que laicizou
o ensino separando-o da igreja, eliminando o voto baseado na renda e institui o voto do cidadão
alfabetizado do sexo masculino. Disponível em: www.crmariocovas.sp.gov.br/exp_a.php?t=002.
17
Por meio da compra de diversos terrenos, eles construíram no local, outrora destinado à passagem de
bois, uma via com 2.800 m e 30 m de largura. Foi, então, inaugurada, a Avenida Paulista no dia 8 de
dezembro de 1891 – História da Cidade de São Paulo.
Disponível em: www.graziella.de/port/brasil/sp_hist.htm#2fase.
73
início do período republicano consagravam-se dois símbolos pelos quais São
Paulo destacar-se-ia entre os Estados progressistas. Consolida-se a Escola
Normal como emblema da formação do professorado da instrução pública
primária e iniciam-se as obras de pavimentação da Avenida Paulista. Uma
avenida, na época, representativa de uma elite e hoje em dia reconhecida pela
sua vocação econômica e por apresentar-se como fonte de uma diversidade de
programas culturais.
Os republicanos acreditavam que a conclusão do ensino primário, então
com oito anos de duração, seria a porta de entrada pela qual o jovem cidadão
ingressaria no mundo do trabalho. Um mundo no qual não havia mais lugar para o
Jeca-Tatu
18
nem para a “cidade sertaneja, feita de taipa embarrotada, caiada de
branco”. A via de acesso para desvencilhar-se desse mundo e projetar um novo
configurava-se pelo abandono do ensino mútuo
19
, da longínqua escola regida
pela figura grotesca do professor, o qual supostamente insatisfeito com a carreira
do magistério submetia os alunos a punições embaraçosas (MONARCHA, 1999).
_____________
Em seu lugar ter-se-ia o ensino intuitivo desenvolvido sob a imponente
arquitetura dos grupos escolares, por professores qualificados pela Escola
Normal, cuja carreira passa a ter o reconhecimento da sociedade.
Todavia, não levou muito tempo para que os republicanos percebessem a
impossibilidade de formar, pela Escola Normal, o número de docentes
necessários para atuar na instrução pública primária.
A fim de possibilitar que todas as crianças em idade escolar freqüentassem
os grupos escolares ou as instituições que ofereciam o ensino primário, os
legisladores, estrategicamente
20
, recorreram aos alunos formados pela Escola
Complementar.
Dessa forma, foi criado um sistema dual de ensino no qual figuravam os
diplomados pela Escola Normal e os capacitados pela Escola Complementar,
para atuarem junto à instrução pública primária.
18
Termo empregado por Marta de Carvalho (2003) para personificar o povo brasileiro.
19
Ensino mútuo – regido por um único professor a alunos em diferentes fases de desenvolvimento intelectual
e de aprendizagem.
20
O advérbio de modo, estrategicamente, está sendo utilizado no âmbito do conceito de estratégia definido
por Michel De Certeau (1999), que foi no capítulo 2 explicado com as próprias palavras do autor.
74
Além do professor normalista e daquele oriundo da Escola Complementar,
cabe lembrar que havia ainda os que lecionavam nas escolas auxiliares do Curso
Preliminar, as quais eram conduzidas por habilitados e interinos, anteriormente
citados.
Apoiando-se nas observações para a formação docente oferecida pela
Escola Normal e naquela disponibilizada pela Escola Complementar, destaca-se a
afirmação de Souza, para quem a formação docente oferecida pela Escola
Complementar apresentava-se como “muito precária” (1998, p. 66).
Diante do quadro acima exposto, duas questões merecem apreciação: No
que diz respeito ao ensino da Matemática, como se diferenciavam essas duas
modalidades de formação? E, ainda, como teria sido alterada a presença da
Matemática na formação do professor do ensino primário, a partir da promulgação
da Lei de 27 de março de 1890?
Tomando como ponto de partida os questionamentos que se iniciam
concomitantemente ao advento da república, anuncia-se a finalidade do presente
trabalho: como a Matemática fez-se presente na formação do professor do ensino
primário no período de 1890 a 1930?
Paralelamente, ao observar os conteúdos específicos, no caso da
disciplina Matemática, serão revelados os aspectos difundidos do ato de ensinar
no final do século XIX e início do XX, quando a figura do professor procura
adequar-se ao preceito constitucional da “instrução obrigatória”, no qual se insere
o entendimento de que cada indivíduo é responsável pelo destino de sua nação.
Por esta razão, não cabe ao professor do ensino primário apenas a tarefa
de alfabetizar, mas a acompanha a necessidade de “forjar uma nova consciência
cívica por meio da cultura nacional” (JULIA, 2001, p. 23).
Neste contexto é que se deseja analisar como a Matemática se fez
presente na formação do professor do ensino primário, no Estado de São Paulo,
entre 1890 e 1930.
75
Ao revelar o impacto das reformas educacionais propostas nesse período,
estar-se-ia, indiretamente, contribuindo para a compreensão das práticas da
época presente de formação dos docentes, que atualmente atuam nas séries
iniciais do ensino fundamental.
76
Capítulo 4
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE INSTRUÇÃO PRIMÁRIA
PAULISTA: EXIGÊNCIAS LEGAIS E RECOMENDAÇÕES
PEDAGÓGICAS
Neste capítulo proceder-se-á à análise de como a matemática se fez
presente na formação do professor que se dirigia ao magistério público do Estado
de São Paulo, por meio dos dispositivos oficiais. Todavia, não se seguirá apenas
a ordem cronológica da promulgação das leis e decretos referentes à Educação.
Ela será interrompida quando depoimentos publicados no periódico Revista
do Ensino, entre os marcos temporais que englobam o presente trabalho
(1890/1930), aludirem a processos e metodologias que foram empregados ou
aconselhados a serem adotados para o desenvolvimento dos conteúdos
matemáticos.
4.1 Reformas educacionais paulistas
De 12 de março de 1890 a 7 de agosto de 1893, a instrução paulista deu
início à sua fase de reformas educacionais, as quais nasceram da
[...] crença no poder da escola como fator de progresso, modernização e
mudança social. A idéia de uma escola nova para a formação do homem
novo articulou-se com as exigências de desenvolvimento industrial e o
processo de urbanização (S
OUZA, 2000, p. 26).
77
Para que a escola cumprisse o papel que lhe foi outorgado, fazia-se
necessário empreender mudanças significativas na formação do professor
atuante na educação pública.
Principiou-se, assim, o diálogo entre aqueles que norteariam a Educação
no Estado de São Paulo e os que se propunham a democratizar o ensino e, por
essa razão, empenhavam-se para reorganizar o curso primário, quer no campo
administrativo, quer no didático-pedagógico.
A 12 de marco de 1890 foi promulgado o Decreto 27 com o fim de reformar
a Escola Normal e converter as escolas anexas em escolas-modelo
21
.
A mudança significativa que acompanha o Decreto 27 recaía sobre a
prática de que deveriam ser possuidores os alunos-mestres. Tal alteração foi
descrita com as seguintes palavras:
No regimen desse memorável decreto obra máxima da Republica na
terra paulista – formaram-se os mais brilhantes e adestrados professores
que tivemos. Foram elles os valentes e dedicados obreiros da nossa
transformação pedagógica, orientada pelos methodos norte-americanos
(R
ODRIGUES, p. 193, s.d.).
Em virtude da abrangência dessas alterações, faz-se necessário retomar
o conceito do termo “reforma” definido por Viñao Frago como uma
[…] “alteración fundamental de las políticas educativas nacionales” que
puede afectar al gobierno u administración del sistema educativo y
escolar, a su estructura o financiación, al curriculum contenido,
metodología, evalución –. al professorado formación, selección y la
evaluación del sistema educativo (2001, p. 26).
A reorganização da Escola Normal
22
começou pela elaboração do
programa a ser nela ministrado, o qual era da competência do diretor daquela
instituição escolar e deveria ser rigorosamente observado.
Anunciaram-se, então, as matérias que comporiam o corpo das disciplinas
da Escola Normal, e para o ensino da matemática ficou instituído: Arthimetica (no
_____________
21
Revista do Ensino e Anuário do Estado de São Paulo.
22
Escola Normal seu lançamento ocorre no segundo semestre de 1890, a 17 de outubro, no antigo Largo
dos Curros, hoje Praça da República.
78
1.º ano); álgebra e geometria e escrituração mercantil no 2.º ano (DECRETOS E
RESOLUÇÕES DO GOVERNO PROVISÓRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1913, p. 28).
A admissão na Escola Normal estava condicionada à aprovação em
exames realizados naquele mesmo estabelecimento, os quais determinavam que
o pretendente comprovasse possuir rudimentos de aritmética.
Em setembro de 1892, o Presidente do Estado de São Paulo, Dr.
Bernardino de Campos, promulgou a Lei 88, a fim de promover a Reforma da
Instrução Pública nesse Estado.
Nesse sentido, deu a conhecer que o ensino primário compreenderia dois
cursos: o preliminar e o complementar. O primeiro, obrigatório para ambos os
sexos para crianças na faixa etária dos 7 aos 12 anos de idade. O segundo,
destinado àqueles que houvessem conseguido habilitação nas matérias do curso
preliminar.
Para atuar nos cursos preliminares e complementares o Estado
disponibilizou aos interessados em ingressar na carreira do magistério e aos que
nela se encontravam quatro escolas normais primárias, com cursos de três
anos de duração.
Para o ensino de matemática, estavam indicados no programa os
conteúdos de “Mathematicas elementares, comprehendendo elementos de
mechanica” (Le 88, 1892).
A matrícula nas escolas normais primárias continuava dependendo de
aprovação em concurso (exame de suficiência), o qual incidiria sobre os
conhecimentos de: arithmetica, geometria e noções de álgebra (DECRETOS E
RESOLUÇÕES DO GOVERNO PROVISÓRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1913, p. 58).
A Lei 169 de 1893 acrescentou um ano a essa modalidade de formação e
dela retira as seções preliminar e complementar, passando a ser denominado
apenas por Ensino Secundário Profissional. Em outras palavras: a Escola Normal,
que contava então com três anos de duração, passou a ser composta por quatro
anos, passando a ser denominada por Ensino Profissional, destinada à formação
de professores da instrução primária.
79
Em 27 de novembro do mesmo ano, o Presidente do Estado de São Paulo
e o então Secretário do Estado dos Negócios do Interior, Dr. Cesário Motta Júnior,
aprovaram o Regulamento da Instrução Pública por meio do Decreto 218.
Esse dispositivo oficial concedia à instrução pública, segundo Carlos
Monarcha, coesão e funcionalidade, as quais se consolidavam por meio de
[...] um sistema vertical composto por diferentes modalidades de ensino:
jardim da infância; ensino primário de oito anos a escola preliminar e
escola complementar; ensino secundário – ginásio – e ensino secundário
profissional – escola normal: e ensino superior (1999, p. 205).
Foi reiterado, também, pelo Decreto 218 o compromisso do Estado de
São Paulo referente ao oferecimento do Ensino Secundário Profissional que se
obrigava a manter quatro escolas normais, uma sediada na Capital e as demais
em outras cidades indicadas pelo Conselho Superior subordinado à Secretaria de
Estado dos Negócios do Interior.
Tais estabelecimentos teriam por missão proporcionar a educação teórica
e prática necessária ao interessado em ingressar na carreira do magistério
público primário, quer como professor preliminar, complementar ou adjunto
23
.
O programa do curso secundário das escolas normais incluía nos estudos
referentes à matemática a matéria de: matemática elementar, compreendendo
elementos de mecânica e agrimensura. O desenvolvimento desse programa
ficaria a cargo das 6.ª e 7.ª cadeiras denominadas por aritmética e álgebra;
geometria e trigonometria, respectivamente.
Incluíam-se no programa oferecido pelas Escolas Normais nos ramos da
disciplina matemática as noções de atividades relacionadas com máquinas,
motores e arte de medir terras.
Possivelmente, tal fato possa ser explicado por meio da afirmação de
Souza (2000) que, ao fazer referência ao fenômeno da renovação pedagógica
acompanhada da elaboração de currículos modernos, declara que ele não
afastou,
_____________
23
Professor adjunto auxiliar do professor do curso preliminar que deveria adotar os métodos por ele
indicado e substituí-lo quando necessário (§§ 1.º, 2.º e 3.º, art. 138, do Regulamento da Instrução Pública).
80
[...] o caráter de distinção de classe próprio da educação burguesa: o
ensino secundário de cultura geral para a formação das elites e o ensino
primário voltado para a formação de trabalhadores (S
OUZA, 2000, p. 49).
Todavia, caberia entender o porquê da conexão entre matérias ligadas ao
preparo de mão-de-obra e a matemática. duas hipóteses para essa conexão.
Uma delas reside na escassez de recursos que imperava na capitania de São
Paulo. Os primeiros indícios de progresso a alcançaram quando ela “passou a
abastecer as Minas Gerais, no século XVIII [...]. A partir de então, a região
paulista viu florescer a lavoura latifundiária de exportação fundada na cana-de-
açúcar e no trabalho escravo africano” (MARCILIO, 2005, p. 17).
A outra suposição origina-se na fala do inspetor de ensino José Carneiro
da Silva
24
que, ao se referir ao programa dos Grupos Escolares, ponderou sobre
a necessidade de empregar uma metodologia especial para com as disciplinas do
programa, especialmente aquelas por ele consideradas “indispensáveis aos
misteres da vida prática, dentre as quais se incluem a arithmetíca” (ANUÁRIO DO
ENSINO, 1908, p. 37).
Assim, ganha força a suposição de que a inserção de conhecimentos de
mecânica e agrimensura na disciplina Matemática foi indispensável para a
formação dos trabalhadores, pois predominavam, naquela época, aqueles que
careciam dos conhecimentos de mecânica e agrimensura.
Antevia a Lei 169 que no ano de 1894 o Curso Secundário Profissional da
Escola Normal passasse a ter duração de quatro anos. Previsão que se
consolidou por meio do Decreto 217, de 23 de julho do mesmo ano, assinado pelo
Presidente do Estado de São Paulo, Bernardino de Campos, e pelo Secretário
dos Negócios do Interior, Dr. Cesário Motta Junior.
Uma vez executado o Regimento Interno do Curso Secundário da Escola
Normal da Capital, deixa de existir a distinção relativa à distribuição das matérias
no mencionado curso, quando direcionada à seção masculina e à feminina. Com
número de aulas constante para ambos os sexos, os conteúdos matemáticos
_____________
24
José Carneiro da Silva, em 17 de junho de 1908, assume o cargo de Inspetor Assistente da Inspetoria
Geral, com jurisdição em todos os grupos e escolas isoladas da Capital.
81
foram ministrados na 10.ª Cadeira da Escola Normal denominada por Arithmetica,
durante os quatro semestres, da seguinte maneira:
1.º anno
1. Definições preliminares, systemas de numeração, numeração decimal.
2. Operações sobre números inteiros. Provas dessas operações.
3. Caracteres de divisibilidade dos números. Theoria dos restos e dos números
primos.
4. Theoria das fraccoes ordinárias, reduccao ao mesmo denominador e á
expressão mais simples. Processo do maior commum divisor.
5. Operações sobre fracções ordinárias.
6. Operações sobre fracções decimaes.
7. Theoria das fraccões perodicas.
8. Theoria das fraccões continuas.
9. Operações com números complexos
25
. Problemas.
10. Systema métrico decimal. Problemas.
11. Potencias e raízes dos números inteiros e fraccionarios.
12. Quadrado e raiz quadrada.
13. Cubo e raiz cuíca.
14. Theoria das equidifferencas e proporções e suas propriedades (R
ELATÓRIO DA
ESCOLA NORMAL PROGRAMA DA ESCOLA NORMAL GABRIEL PRESTES, 1894,
p. 45).
2.º anno – Arithmetica
15. Theoria das progressões por differenca e por quociente e suas propriedades.
16. Theoria elementar dos logarithmos e uso das taboas de Callet.
17. Regra de tres simples e composta. Regra conjunta. Problemas.
18. Regras de juros, simples e compostos. Regras de desconto. Problemas.
19. Regras de companhia simples e compostas. Problemas.
20. Regras de capitalização, amortização e annuidades. Problemas.
_____________
25
Operações com números complexos trata-se da conversão de várias unidades de medida a uma única
unidade padrão.
82
ALGEBRA – 1.ª PARTE
1. Noções geraes. Reducção dos termos semelhantes.
2. Addição e subtracção algébrica.
3. Multiplicação algébrica, emprego dos signaes e formulas.
4. Divisão algbrica, emprego dos signaes e formulas.
5. Theoria das fracções algébricas. Redução ao mesmo denominador.
6. Theoria do maximo commum divisor.
7. Operações sobre as fracções algébricas.
8. Noções sobre as equações e suas classificações.
9. Equações e problemas do 1.º grau a uma incognita.
10. Theoria elementar da eliminação. Diversos methodos de eliminação.
11. Equações e problemas do 1.º grau a duas e mais incognitas.
12. Formulas geraes para resolução de um systema qualquer de equações do 1.º
grau.
13. Solução negativa
26
. Theoria das quantidades negativas.
14. Discussão das equações e problemas do 1.º grau.
15. Problema dos correios. Sua discussão.
16. Problemas indeterminados.
2.ª Parte
17. Quadrado e raiz quadrada das quantidades algébricas.
18. Equações do 2.º grau a uma incognita.
19. Equações irracionaes.
20. Equações simultaneas do 2.º grau (R
ELATÓRIO DA ESCOLA NORMAL
PROGRAMA DA ESCOLA NORMAL GABRIEL PRESTES, 1894, p. 50).
O exame de suficiência era ainda o ponto de partida para ingressar no
Curso Secundário da Escola Normal. Para dele participar o concorrente deveria
ter o domínio de aritmética, prática das operações algébricas e noções de
geometria.
_____________
26
Quantidades negativas quando uma equação tinha por solução um elemento do conjunto dos números
inteiros.
83
Nos temas propostos para o exame de suficiência é possível inferir que
prevaleceram os modelos que constituíram a matemática escolar no Brasil desde
o final do século XVIII.
Segundo Valente (1999), naquele período, a criação de alternativas para
mudanças na lógica da disposição de conteúdos não vingou. Conforme o autor, é
viável verificar apenas algumas alterações de ordem e localização de temas
dentro da aritmética, álgebra e geometria.
Quanto aos conteúdos matemáticos arrolados, é possível imaginar que os
professores da área tenham considerado o tempo destinado para ministrá-los
insuficiente.
Concorre para essa suposição a decisão contida na Lei 169 que delegou à
Congregação da Escola Normal
27
a responsabilidade pela distribuição das
matérias do curso durante os quatros anos previstos para sua duração. Por esta
razão, Gabriel Prestes
28
nomeou uma comissão para organizar o programa do
Curso Secundário da Escola Normal da Praça
29
.
Prestes transcreveu os principais fundamentos do parecer apresentado
pela comissão, dos quais se destaca:
3.º) Tendo em vista as condições anormais da Escola, em sua atual
organização, com tantas matérias em quatro anos de curso, e,
atendendo ao desenvolvimento elementar que todos os estudos devem
ter, foi necessário assentar que cada matéria, em regra, só se estudasse
em um ano, além dos complementos e revisões indispensáveis
(P
RESTES, apud MONARCHA, 1999, p. 207).
Ainda, conforme a disposição das matérias constantes no Regimento
Interno da Escola Normal, nota-se que à disciplina de matemática foi concedido
50% do Curso.
Mesmo que envolto por uma formação atípica, o professor do curso
primário demandava um novo perfil de profissionalização a fim de que o
_____________
27
Congregação da Escola Normal formada pelo diretor e pelos professores que ministravam aulas nessa
instituição de ensino.
28
Gabriel Prestes – na época da promulgação da Lei 169 encontrava-se à frente da Escola Normal Praça.
29
Escola Normal da Praça – denominação afetiva dada pelos contemporâneos da época à Escola Normal de
São Paulo, cujo edifício foi inaugurado em 2 de agosto 1894 (MONARCHA, 1999, p. 186).
84
normalista pudesse granjear prestígio e poder. Uma condição que seria edificada
“no quadro hierárquico positivista e na ordem lógica de sua filiação” (MONARCHA,
1999, p. 208)
Monarcha esclarece:
Para esse ponto de vista, a filosofia positiva preside e fundamenta a
classificação das ciências e cada ciência é irredutível à outra; entretanto,
cada patamar científico serve de base para o seguinte. Assim, a
matemática oferece o paradigma da cientificidade [...] (1999, p. 208).
Entretanto, não bastava reconhecer teoricamente o encadeamento das
ciências, caso o professor se distanciasse da prática exercida em sala de aula.
Para sanar essa lacuna, integrou-se à Escola Normal, a Escola-Modelo que, além
de proporcionar o curso preliminar para as crianças, propunha-se como local onde
o aluno do curso secundário poderia inteirar-se dos exercícios práticos orientados
para o ensino primário.
Presume-se que, ante as cobranças para a realização do exame de
suficiência para requisição de matrícula no Curso Secundário da Escola Normal e
o programa proposto a esse curso, alterar-se-ia a educação formal concedida às
meninas, em comparação à ministrada durante o Império. Nesse período, elas
careciam “calcular de memória, sem saber escrever, nem fazer as operações”
(DEBRET, apud MARCÍLIO, 2005, p. 63).
Em 1895, sob a pena de Bernardino de Campos, a Lei 374 regulamentou o
ensino do Curso das Escolas Complementares, dos Ginásios e dos cursos das
Escolas Normais e criou uma seção da Diretoria Geral da Instrução Pública.
Subscreveu a Lei 374, Alfredo Pujol
30
, na qual os legisladores concediam ao
egresso da Escola Complementar cursar um ano na Escola-Modelo do Estado, de
modo a tomar ciência das práticas exercidas em sala de aula e, após cumprir tal
exigência, ser nomeado professor do curso preliminar.
De acordo com Tanuri:
_____________
30
Alfredo Pujol – advogado, revisor de jornais, exerceu o magistério público particular. Foi deputado estadual
(1892) e Secretário do Interior em 1895 (NETSABER, 2008).
85
Os cursos complementares não se instalaram com o objetivo de
integralizar o primário, mas com o objetivo adicional que lhes foi dado de
preparar professores para as escolas preliminares, mediante apenas o
acréscimo de um ano de prática de ensino nas escolas modelo (2000, p.
69).
Embora a autora aponte a Lei 374, de 3 de setembro de 1895, como
precursora de um sistema dual de formação, considerou-a de capital importância,
pois “expandiu o sistema de formação de docentes em proporções significativas
para a época e proveu o ensino primário de pessoal habilitado” (TANURI, 2000, p.
69).
Percebendo-se incapaz de prover todas as escolas com professores
diplomados pela Escola Normal, o governo serviu-se do aluno habilitado pela
Escola Complementar. O Decreto 400 aprovou o regimento interno dessa
instituição escolar e discriminou os conteúdos matemáticos que deveriam constar
no Programa daquela instituição escolar.
Em relação aos cursos das Escolas Normais, a Lei 374 alertava que as
matérias que o compunham ainda não se encontravam organizadas. Mesmo
assim, propôs que o ensino de matemática fosse distribuído entre as cadeiras
existentes, ou seja, 4.ª) aritmética e álgebra; 5.ª) geometria, trigonometria e
noções de agrimensura.
O arranjo, o qual alegava a Lei 374 prescindir o curso da Escola Normal, foi
ressarcido pelo Decreto 362, de 17 de junho de 1896. Ele altera o art. 4.º do
Decreto 247, de 27 de junho de 1894, que trata da distribuição das matérias do
Curso Normal Secundário.
Prevaleceu a separação do curso nas seções masculina e feminina, sendo
retirada a divisão por séries (semestres). Em relação à carga horária da disciplina
matemática, observa-se um aumento de aulas por semana. A distribuição
apresentou-se, então, do seguinte modo:
Seção masculina
1.º ano
Aritmética e álgebra: 5 aulas por semana
2.º ano
Geometria, trigonometria e aplicações à agrimensura: 4 aulas por
semana.
86
Seção Feminina
1.º ano
Aritmética e álgebra: 5 aulas por semana.
2.º ano
Geometria e trigonometria: 3 aulas por semana.
Num primeiro momento, fica-se com a impressão de que a seção
masculina contaria com uma aula a mais do que a seção feminina. No entanto,
observando com maior atenção, percebe-se que o acréscimo referia-se a
conceitos aplicáveis na agrimensura.
O ano de 1896 marca o início de uma transformação no modo de consumir
dos paulistas, quando suas necessidades básicas, bem como as dispensáveis
durante o Império, eram adquiridas na Europa e nos Estados Unidos. Hábitos que
vão se alterando quando, em 1896, “instala-se a Cia. de Estradas de Ferro de
propriedade dos fazendeiros...” (DEAN apud MARCÍLIO, 2005, p. 108).
Da alternância de hábitos da população, que passa a se abastecer da
produção local, surgiu a necessidade de um maior número de trabalhadores
qualificados para supri-la. Assim, ao término de 1896, os legisladores teriam
aumentado a carga horária semanal reservada ao ensino da matemática, por
meio da promulgação do Decreto 39, que aprova o Regulamento da Escola
Normal, possivelmente procurando atender aos moradores de São Paulo.
Aliás, embora comentado no início deste trabalho, vale lembrar que a
Escola Normal, além de comprometer-se com a formação docente, possibilitava
ao cidadão desempenhar outras funções, como a de encarregar-se da
escrituração mercantil em casas comerciais.
As matérias referentes à disciplina matemática eram de responsabilidade
dos docentes das cadeiras: de aritmética e álgebra e das cadeiras de geometria e
trigonometria com aplicações à agrimensura.
O curso manteve o período de quatro anos, cujas matérias encontravam-se
distribuídas do seguinte modo:
87
Seção Masculina
1.º ano
Aritmética e álgebra (5 aulas por semana)
2.º ano
Geometria, trigonometria e agrimensura (aplicações) (4 aulas por
semana)
Seção Feminina
1.º ano
Aritmética e álgebra (5 aulas por semana)
2.º ano
Geometria e trigonometria (3 aulas por semana)
Ao se compararem a distribuição das matérias, referentes à matemática, e
o número de aulas a elas dedicado, constantes no Regimento Interno da Escola
Normal executado pelo Decreto 397, de outubro de 1896, percebe-se que não
alterações em relação ao regulamento interno da Escola Normal, editado em
junho desse mesmo ano (DECRETO 362).
Igualmente mantiveram-se inalterados os conteúdos pertinentes ao exame
de suficiência, indispensável para o ingresso no Curso Secundário da Escola
Normal.
Todavia, a grande mudança vem explicitada pelo Decreto 400, de 6 de
novembro de 1896. Ao mandar executar o Regimento Interno da Escola
Complementar, que se propunha facilitar a formação dos professores
preliminares, enumerou os conteúdos matemáticos a serem desenvolvidos no
Ensino Complementar.
Cabe notar que a Legislação Oficial do Ensino não informou com detalhes
os conteúdos que compunham a Escola Complementar. Esses conteúdos foram
esmiuçados na Revista do Ensino, provavelmente com o intuito de melhor orientar
o professor que acabava de assumir tal responsabilidade, uma vez que fora
autorizado ao egresso da Escola Complementar assumir a Escola Preliminar.
O ensino de matemática na Escola Complementar ficou organizado da
seguinte maneira:
88
Anexo I
1.º ano
Aritmética
Conteúdos para ingresso: parte teórica sem uso de compêndio.
Preliminares: sistema de numeração. As quatro operações sobre
números inteiros. Problemas. Provas.
Divisibilidade: caracteres de divisibilidade.
Máximo divisor comum.
Números primos. Modos de construir tabelas de números primos.
Frações ordinárias: redução de frações a expressão mais simples.
Redução de frações ao mesmo denominador pela regra geral e
particular.
Operações sobre frações ordinárias.
Frações decimais. Operações sobre decimais. Redução de fração
decimal a ordinária e vice-versa. Dízimas periódicas simples e
compostas.
Sistema métrico decimal. Noção histórica do sistema métrico decimal.
Sistema antigo de pesos e medidas. Conversão de medidas antigas a
modernas e vice-versa.
Complexos. Operações sobre complexos.
Potências e raízes de números. Formação do quadrado e extração de
raiz quadrada. Cubo dos números e extração da raiz cúbica.
Proporção. Propriedades. Regra de três. Juros.
Descontos. Regra de três e de companhia.
Noções sobre progressão e logaritmos.
Parte prática. Aplicação das teorias em problemas apresentados pelo
professor
2.º ano
Álgebra e noções de escrituração mercantil.
Álgebra
Noções gerais. Redução dos termos semelhantes. Adição e subtração
algébrica. Multiplicação algébrica e leis essenciais. Divisão algébrica e
leis essenciais. Frações. Redução ao mesmo denominador.
Máximo divisor comum e operações sobre as frações.
Equações do 1.º grau a uma incógnita.
Solução negativa. Teoria das quantidades negativas. Problemas dos
correios. Problemas indeterminados.
Quadrado e raiz quadrada das quantidades algébricas.
Equações do 2.º grau a uma incógnita.
Equações biquadradas (p. 513)
3.º ano
Elementos de trigonometria
Objeto da trigonometria. Natureza das linhas trigonométricas e as suas
definições.
Relações entre as linhas trigonométricas de um mesmo arco. Fórmulas
fundamentais.
Determinação dos valores correlativos.
89
Determinação das fórmulas principais, como sejam as do seno e co-seno
e arcos duplos, múltiplos e submúltiplos.
Taboas trigonométricas e maneiras de usá-las.
Resolução de triângulos retângulos. Problemas e aplicações.
Resolução de problemas obliquângulos. Problemas e aplicações (p.
515).
Ao que tudo indica, a Escola Normal da Capital rompe o século XX com
poucas alterações no que diz respeito aos conteúdos ministrados para o ensino
da matemática.
O curso complementar desviou-se, então, da finalidade proposta pelos
republicanos, ou seja, a de ordenar o ensino primário em oito anos, passando o
curso complementar a compor sua segunda subdivisão.
Portanto, o ensino geral básico dividiu-se em: escola primária e curso
complementar, espécie de primário superior, propedêutico
31
à escola normal, de
duração, conteúdos e regime de ensino inferiores aos do secundário, que por sua
vez, era objeto de procura aos que se dirigiam ao curso superior (TANURI, 2000, p.
70)
Quanto à Escola Normal, esta foi responsável pela formação do
[...] scol do professorado paulista, exercendo o magistério nas escolas
complementares e ginásios e ocupando os cargos técnicos burocráticos
da instrução pública [...]. E é esse scol de normalistas, particularmente
aqueles que exercem o magistério nas escolas-modelo ou ocupam
postos técnico-burocráticos, que irá produzir novos conhecimentos
aplicados à educação [...] colocando termo à hegemonia exercida pelos
bacharéis em direito no campo da instrução pública: a educação
configura-se como objeto de investigação que deve ser tematizado pelos
próprios normalistas (M
ONARCHA, 1999, p. 210).
Por outro lado, não se pode também deixar de considerar que
Com a aura dos grupos escolares símbolo da escola primária de
excelência o método intuitivo, disseminado nas Escolas Normais da
época, consolidou-se nas práticas de ensino das professoras
normalistas, cuidadosamente preparadas para realizar, na escola
primária, experiências didáticas ricas em imagens, manipulação de
objetos, respeitando a ordem lógica e psicológica, prescritas pelos
manuais pedagógicos da época, ministrando o ensino do próximo ao
distante, do concreto ao abstrato, do global para o específico (P
INTO,
[s.d.], p. 13).
_____________
31
Propedêutico: curso que prepara para receber ensinos mais complexos (FERREIRA, [s.d.], p. 1402).
90
Em 19 de março de 1902, o Decreto 1.015, manda executar reforma no
Regulamento da Escola Normal da Capital, baixado pelo Decreto 397,
promulgado em 1896.
Assinado pelo Vice-Presidente do Estado de São Paulo, Domingos Correa
de Moraes, e atendendo às solicitações de Bento Bueno, Secretário do Estado
dos Negócios do Interior e da Justiça, o mencionado decreto mandava que
fossem observadas as disposições que se iniciavam descrevendo as
competências da Congregação da Escola Normal. Entre estas, destaca-se a que
dispunha sobre a Congregação, autorizando-a alterar os programas de ensino da
Escola, bem como modificar os conteúdos sobre os quais versariam os exames
de suficiência.
Quanto aos exames de suficiência, estes continuaram a ser indispensáveis
para o ingresso na Escola Normal, cabendo ao ensino de matemática as matérias
aritmética e álgebra.
A discussão sobre os programas de ensino ocupou as páginas da Revista
do Ensino em 1902 e apregoava a necessidade de sistematização do ensino.
Segundo Romão Puiggari
32
, ao lado da sistematização encontrava-se o
problema referente aos programas. Para ele, “sem um bom programa não
escola” (REVISTA DO ENSINO, 1902, p. 14).
Entendia o redator secretário do mencionado periódico que
O desenvolvimento de cada matéria deva [deveria] acompanhar
paralelamente o desenvolvimento das matérias correlativas.
Efectivamente uma noção póde ser muitas vezes uma lição de
arithmetica e geometria; de geometria e desenho; de desenho e
geografia. Nos exercicios a correlação é ainda maior. [...] (R
EVISTA DO
ENSINO, 1902, p.16).
O Decreto 1.015 retirou dos conteúdos do exame de suficiência aqueles
referentes às noções de geometria, deixando aqueles relacionados à aritmética e
álgebra, os quais foram enumerados pela Revista do Ensino de 1902 da seguinte
forma:
_____________
32
Romão Puiggari – Redator e Secretário da Revista do Ensino, ano I.
91
Aritmética
1. Numeração decimal. Mudança de base nos sistemas de numeração.
2. Adição e subtração de números inteiros.
3. Multiplicação e divisão.
4. Decomposição de um número em fatores primos e múltiplos.
5. Máximo divisor comum a dois ou mais números.
6. Frações ordinárias especiais. Redução de frações às mais simples.
7. Redução de frações ao mesmo denominador.
8. Soma e subtração de frações.
9. Multiplicação e divisão de frações.
10. Frações decimais. Soma e subtração.
11. Multiplicação e divisão de frações.
12. Conversão de frações ordinárias em decimais. Dízimas periódicas.
13. Sistema métrico decimal. Relações entre as unidades de medidas do sistema
métrico decimal e as do antigo.
14. Conversão das unidades de um sistema para outro.
15. Quadrado e raiz quadrada dos números inteiros e das frações.
16. Cubo dos números inteiros e das frações.
17. Proporções.
Compêndio: Arithmetica de Vianna ou Arithmetica progressiva de Trajano.
Álgebra
1. Símbolos algébricos. Coeficiente. Potência. Expoente. Sinal radical e índice da
raiz. Monômios e polinômios.
2. Adição e subtração algébricas.
3. Multiplicação e divisão.
4. Frações algébricas; simplificação e redução ao mesmo denominador.
5. Soma e subtração sobre frações algébricas.
6. Multiplicação e divisão de frações.
7. Equação do primeiro grau a uma ou duas incógnitas.
Compêndio: Álgebra de F. I. C. ou Trajano (R
EVISTA DO ENSINO,1902, p. 23).
Como se pode observar, no final da relação de conteúdos para os exames
de suficiência, está incluída a indicação de livros didáticos, recomendados para o
estudo das matérias selecionadas.
92
Além de recomendar o uso desses compêndios, naquele mesmo ano de
1902, na seção Pedagogia Prática da Revista do Ensino, encontra-se um forte
apelo ao uso das Cartas de Parker
33
. Estas eram recomendadas para o ensino de
aritmética nas escolas primárias:
Em vista dos magníficos resultados por nós colhidos com o emprego das
Cartas de Parker, no ensino de arithmetica nas nossas escolas, e não
haver a venda no mercado, julgamos prestar um relevante serviço aos
collegas dedicados e a seus alumnos, publicando-as na nossa Revista.
Cada carta que vai acompanhada da respectiva publicação em
portuguez, poderá ser copiada pelo professor no quadro negro, á medida
que della for precisando, trabalho esse que não lhe custará mais que
cinco minutos de tempo e que será recompensado com usura (J.B.
REVISTA DO ENSINO, 1902).
Assim, na Revista do Ensino, n. 1, publicada em 1902, foram apresentadas
as dez primeiras Cartas de Parker.
Quando se observa as Cartas de Parker, tem-se a impressão de que eram
confeccionadas, em separado, com um material mais rígido do que o papel
utilizado em cadernos, livros, etc. Nelas encontrava-se a representação de
“quantidades” por meio de símbolos gráficos e também as diferentes maneiras de
obtê-las utilizando as operações fundamentais e a representação de número
fracionário.
Enfatizando o uso das Cartas de Parker, encontra-se na seção Noticiário
do periódico em pauta o anúncio acerca do livro de Heitor Galvão que “trata do
ensino intuitivo da arithmetica, e é baseado no systema do eminente educador Mr.
Parker”
34
(REVISTA DO ENSINO, v. 1, p. 146, 1902).
_____________
33
Na Revista do Ensino, ano I, n. 1, publicada em 1902, são apresentadas dez Cartas de Parker.
34
Francis Wayland Parker (1837 1902) foi um dos pioneiros do movimento da escola progressista nos
Estados Unidos. Acreditava que a educação deveria incluir o completo desenvolvimento mental, físico e
moral de um indivíduo. Trabalhou para criar um currículo centrado na criança como um todo e numa
bagagem de linguagem muito forte. Manifestava-se contrário à padronização, exercícios de fixação
isolados e regras de memorização (W
IKIPÉDIA, 2008).
93
4.2 As palestras de Parker
Os responsáveis pelas significativas modificações que ocorreram na
instrução paulista, a partir do advento da República, demonstraram uma especial
predileção por Mr. Parker, que se dedicava ao ensino, relativo à fase da criança
que se inicia, efetivamente, na vida escolar.
Arnaldo de Oliveira Barreto
35
, enquanto diretor do Ginásio de Campinas,
organizou um livro com José Stott
36
sobre as Palestras de Parker
37
.
Parker proferiu palestras sobre os conteúdos que compunham a instrução
elementar, isto é, voltou-se também para o ensino da leitura, ortografia, caligrafia,
composição, geografia, história e aritmética.
Sua primeira palestra pode ser compreendida como uma introdução
endereçada aos professores. Mr. Parker acreditava que, embora os docentes ali
reunidos possuíssem uma orientação pedagógica diversa, eles acabariam por se
compreenderem, pois estavam unidos por um interesse comum, ou seja, “a
grande arte de educar” (PARKER, apud BARRETO, 1909, p. 1).
Parker preocupava-se com dois tipos de professores, os quais eram por ele
identificados como “os insuflados pela vaidade” e aqueles semelhantes a “frascos
vazios a espera de quem os encha” (PARKER, apud BARRETO, 1909, p. 1).
Os primeiros, segundo Parker, julgavam-se detentores dos segredos mais
delicados do ensino e, assim sendo, acreditavam piamente que não havia mais
nada que poderiam aprender. Os segundos aceitavam sem discussões tudo o que
fosse denominado método e deles se desvencilhavam com a mesma facilidade
como quem troca de vestuário.
Antes de iniciar as Palestras de cada uma das disciplinas do ensino
elementar, Parker aconselhava aos professores: “Evitae quaesquer excessos;
para vos tornardes peritos nestas matérias techinicas, basta que tudo quanto
_____________
35
Arnaldo de Oliveira Barreto – redator-chefe da Revista do Ensino em 1902.
36
José Stott – lente de inglês do Ginásio de Campinas.
37
Palestras de Parker trata-se de um livro organizado por Lelia E. Patridge constituído por notas das
palestras proferidas por Francis W. Parker, no período de 17 de julho a 19 de agosto de 1882, no Martha’s
Vineyard Summer Institute (Massachusetts), Nordeste dos Estados Unidos.
94
tentardes aprender, o façais bem, e devagar, até o fim” (PARKER, apud BARRETO,
1909, p. 40).
São de interesse para o presente trabalho as palestras que tratam sobre o
conceito de número (Palestras XV e XVI) e do processo para ensinar algarismos
(Palestra XVII).
4.2.1 Palestra XV: o conceito de número
Três questionamentos deram início à preleção de Mr. Parker: O que é
número? O que pode ser feito com números? Quais são os usos dos números?
Baseando-se em aportes da pedagogia, ele considerava a “necessidade
que se conhecesse a natureza da disciplina que se pretendia ensinar; assim como
suas relações com outras disciplinas; seu poder como meio de desenvolvimento
mental; e, finalmente, a sua utilidade nos negócios da vida (PARKER, apud
BARRETO, 1909).
Para Parker, uma definição ainda que correta, porém incompreensível,
tornava ineficazes os esforços empreendidos no ato de ensinar.
Voltando-se para a primeira questão, Parker tomou como exemplo
definições propostas no ensino de aritmética, as quais, segundo ele, não
exprimem absolutamente a realidade.
Referia-se, o palestrante, ao conceito de número, lançando sua crítica
àqueles que definem número como uma coleção de unidades. Para sustentar sua
argumentação, Parker serviu-se do conceito gramatical da classe de palavras dos
advérbios como poucos, alguns, muitos, etc., os quais poderiam substituir a
palavra coleção (a quantidade de objetos). Reafirmando ser a definição de
número acima incompleta, vaga e insuficiente por não ter precisão.
Para exemplificar por que a definição de número como coleção de objetos
é vaga e incompleta, Parker sugeriu o seguinte procedimento: “Apresente a uma
criança uma quantidade de blocos; a seguir, indague-a: quantos blocos você tem
à sua frente?”
95
No caso de a criança responder “alguns”, “diversos”, ele advertiu que a
resposta não poderia ser considerada errada. Justificou essa afirmação por meio
da similaridade que esses termos possuem, os quais poderiam ser substituídos
pela palavra “poucos”.
Se a criança tivesse respondido a questão por ele proposta, utilizando-se
do termo cinco, ela se destacaria das anteriores, por definir exatamente a
quantidade objetos apresentada.
Assim sendo, entende-se que Parker procurou deixar bem claro que
número não é uma qualidade dos objetos, nem deles faz parte, “apenas limita-os
simplesmente e de um modo particular” (PARKER, apud BARRETO, 1909).
Por essa razão, para Mr. Parker, o número não poderia ser definido como
uma coleção de objetos. As limitações às quais se referiu Mr. Parker são
determinadas primeiramente pelos sentidos, pela visão, toque e sons, ainda que,
posteriormente, possam ser determinadas pela imaginação.
Todavia, lembrava Mr. Parker, os sentidos, por mais acurados que sejam,
possuem um limite. Este, uma vez ultrapassado, passa ser da alçada da
imaginação, cujo “poder em precisão e clareza depende do sentido” (PARKER,
apud BARRETO, 1909, p. 11).
Dessa forma, a experiência no âmbito da produção intelectual é
imprescindível, pois, por meio dela e dos sentidos, fixa-se no espírito a base para
avaliar e compreender aquilo que foge à ação direta.
Para Parker havia um meio de ensinar o conceito de número: “o da
observação directa sobre colleções de objetos [...]. As primeiras idéias de número
e de suas relações devem, pois, ser obtidas directamente pelos sentidos, e
quanto ás quantidades, pelas repetidas limitações de número de coisas” (PARKER,
apud BARRETO, 1909, p. 97).
Ainda referindo-se à primeira questão acerca do que é um número, Parker
lembrava:
96
[...] o que mais importa no ensino da matemática é que as nossas
medidas de valores, que podem ser aprendidas pelos sentidos,
existam em nosso espírito tão claras e definidas, como claro e definido
existem, por exemplo, o metro no espírito do empregado de uma loja
acostumado a medir fazendas e fitas (P
ARKER, apud BARRETO, p. 97,
1909).
Ao tratar da segunda questão apresentada naquela palestra, “O que pode
ser feito com números?”, Mr. Parker lançou mão de uma coleção de objetos e
indagou: “O que podemos fazer com ela? Que relações podemos observar?”.
Para responder a essas questões, o palestrante ia tirando uma parte da
mencionada coleção de objetos, a seguir outra, e, assim, sucessivamente, ia
obtendo números menores [partes]. Ao obter diversos números [partes] por meio
das separações, ele os tornava a reunir obtendo um único número [parte]. Propôs
então uma nova questão, a qual ele mesmo respondeu prontamente: “que fiz eu
pois, sinão compor e decompor colleções de blocos?” (PARKER, apud BARRETO,
1909, p. 94).
Para ele, as operações matemáticas poderiam ser observadas da mesma
forma. Em outras palavras, as operações matemáticas poderiam ser reduzidas a
dois simples processos: unir e separar.
Nesses processos deve-se considerar a existência de duas relações: a
relação de números desiguais e a dos iguais. As quatro operações, segundo
Parker, resumem-se nestes dois processos, “reunindo numeros desiguaes
(fazendo delles um todo) pratico a adicção; reunindo numeros eguaes (novo
processo para a vista e a imaginação) pratico a multiplicação. O inverso de um e
de outro constituem a subtracção e a divisão” (PARKER, apud BARRETO, 1909, p.
110).
Seguindo esse raciocínio, Mr. Parker apresentava as quatro operações
fundamentais da aritmética: adição, multiplicação e subtração, divisão. A
compreensão destes fatos transformava o objeto de estudo da aritmética em uma
verdadeira ciência, e não uma arte complexa a ser dominada.
Ao referir-se à terceira e última pergunta, “Qual é a utilidade do número?”,
Mr. Parker apontava a importância da ação da aritmética sobre o desenvolvimento
97
mental das crianças e a sua utilidade na vida prática. Para ele, o ensino da
aritmética era duplamente útil, primeiro porque permitia exercitar o poder de
calcular com exatidão e rapidez; segundo, desenvolvia logicamente e com maior
segurança o poder de raciocinar. Dois eram os motivos oriundos do ensino da
matemática: um, educar a atenção e o outro, para ele considerado o mais
elevado, desenvolver o poder de raciocinar logicamente.
Além das justificativas do por que ensinar números, em sua palestra Mr.
Parker abordou o modo de como ensinar os números. Para ele, esse ensino
somente poderia ser feito por meio da “direta observação sobre uma coleção de
objetos”. Nesse sentido, era muito importante que o professor, por meio de um
exame cuidadoso, soubesse, previamente, o quanto a criança conhece sobre
números e que as lições partissem deste ponto. Para esse exame, Mr. Parker
recomendava especial atenção, apontando a possibilidade de a criança saber
contar, mas não necessariamente conhecer número. Assim, para Parker, a
contagem é um fato ordinal. O quatro ou o cinco seriam frutos de uma contagem,
representando o quarto ou quinto objeto.
Mr. Parker enfatizava que os professores deveriam saber que o ensino de
número relacionava-se a dois processos: unir e separar.
Segundo esse educador, as quatro operações reconhecidas como
fundamentais resumem-se nos processos de unir e separar. No caso de reunir
números desiguais compondo-os em um todo, estar-se-ia efetuando a adição. Ao
reunir números (novo processo para a vista e imaginação), ter-se-ia a execução
da operação de multiplicação. O processo inverso de unir e o de separar
constituem, respectivamente, a subtração e a divisão (PARKER, apud BARRETO,
1909).
4.2.2 Palestra XVI: números (continuação)
Mr. Parker iniciou sua preleção assinalando o despreparo dos professores,
pouco ponderados, que intentavam logo no primeiro ano escolar ensinar muitos
assuntos pertinentes à aritmética.
98
Mr. Parker assegurava que, embora tivesse tido contato com professores
que afirmavam que por meio da repetição constante uma criança conseguiria ir
muito além, até 50, até 100, ele jamais havia conhecido quem tivesse conseguido
ensinar bem até dez.
Não duvidava Parker da capacidade infantil de repetir algaravia (linguagem
confusa e ininteligível) sobre números que enfastiariam os olhos de um
observador leigo. Contudo, caso a criança fosse convidada a explanar a
verdadeira relação de um número qualquer de coisas”, perder-se-ia no cerne de
uma linguagem que lhe seria desconhecida (PARKER, apud BARRETO, 1909).
Daí a constatação do tempo desperdiçado pelos professores nestas árduas
tarefas de repetição e memorização, sem atingir o objetivo. No entanto, estes
mesmos professores defenderiam que o melhor aproveitamento dos alunos viria
do conhecimento prévio da linguagem, justificando assim o conhecimento da
língua anterior ao das coisas. Ou seja, este movimento acabava forçando os
professores a ensinar mais do que as crianças tinham capacidade de aprender. A
esse alerta Mr. Parker solicitava: “dê-se, pois, tempo á creança para que cresça,
aguardando-se pacientemente que se desenvolvam augmentem e fortifiquem os
germens de seu poder mental” (PARKER, apud BARRETO, 1909, p. 102).
Deixar o aluno descobrir tudo o que existe em um número, e que esta
descoberta fosse feita por ele mesmo, sintetizava a concepção de Mr. Parker a
respeito do ensino de número. Por exemplo, quando o aluno está aprendendo o 4,
ele aprendeu 1, 2 e o 3; e, por combinação estratégica, ele mesmo poderá
descobrir quantas vezes 1 e quantas vezes 2 estão contidos em 4; que 3 e 1
fazem 4 e que 1 e 3 também fazem 4 (PARKER, apud BARRETO, 1909, p. 102).
Segundo Parker, a decomposição de um número em partes iguais ou
diferentes é uma forma de abordar o conceito de um “inteiro”, que pode ser
dividido em partes e essas partes, uma vez reunidas, tornam a formar o “inteiro”.
Ainda nesta palestra, Mr. Parker deteve-se na questão teórica sobre a
impossibilidade de separar a síntese da análise, ou vice-versa. Para exemplificar
essa afirmação, tomam-se as próprias palavras de Parker:
99
Julgo que a prova é positiva, isto é, que se vemos, em quatro, dois
grupos de dois, constatamos ao mesmo tempo também que duas vezes
dois são quatro; que si concluímos que três e dois são cinco, vemos ao
mesmo tempo que cinco menos dois são três, e que cinco menos três
são dois (P
ARKER, apud BARRETO, 1909, p. 103)
Nesta segunda palestra, Mr. Parker insistiu, primeiramente, na
apresentação do número e, ensinando-o como um inteiro, apelando para uma
variedade de objetos, possibilitando a visão, o toque e o som; em seguida, em
deixar cada criança descobrir cada fato por si mesma; e, em terceiro lugar, depois
que os fatos estivessem descobertos pela criança, em treinar a memorização
desses fatos. Uma vez aprendido determinado número, Parker recomendava
aplicá-lo em todas as possíveis formas práticas, por meio de pequenos
problemas, os quais deveriam ser feitos pelos próprios alunos. No ensino dos
números, dever-se-ia usar de todas as medidas, pesos e dinheiro que pudessem
representar os números estudados.
4.2.3 Palestra XVII: aritmética
Na XVII palestra, Parker avança em suas observações a respeito de como
ensinar. Quando os números de um a dez fossem aprendidos dentro das
concepções anunciadas por Parker, chega o momento, segundo ele, de começar
o ensino de sua linguagem escrita.
Parker seguia os parâmetros do ensino das palavras escritas. Isto é,
apresentava o objeto e solicitava que fosse escrito o sinal ou o algarismo que o
representava. Em seguida, invertia a situação, mostrando o algarismo ou o sinal e
o aluno deveria relacionar ao número que representava.
Desta forma, o aluno iria chegando à substituição de uma frase escrita por
meio de palavras a outra forma de escrita, isto é, por meio de algarismos e
símbolos. Ex.: 3 e 2 são 5 e o aluno escreverá 3+2=5.
Os exercícios elaborados por Parker eram constituídos por colunas, e na
primeira coluna a “frase matemática” era escrita por completo. Nas seguintes,
Parker retirava as “palavras” que representavam os resultados, a seguir suprimia
100
aquela relativa às operações e, finalmente, o primeiro termo da “oração”. Desse
modo, os alunos iam completando por meio de algarismos e sinais o “termo” que
tornava a igualdade verdadeira.
I II III IV
8÷2=4 8÷2=? 8÷?=4 ?÷2=4
4x2=8 4x2=? 4x?=8 ?x2=8
5+4=9 5+4=? 5+?=9 ?+4=9
8-5=3 8-5=? 8-?=3 ?-5=3
4x2=8 4x2=? 4x?=8 ?x2=8
Reprodução do exercício constante da p. 101, PARKER, apud BARRETO, 1909.
Segundo Parker, os alunos deveriam apagar as respostas e escrevê-las
depois, rapidamente; apagar novamente as respostas, e ler as colunas; apagar as
linhas das interrogações (na 2.ª, 3.ª e 4.ª colunas) e colocar o número
correspondente, etc.
Empregavam-se, nesses exercícios, todas as formas de processos que se
acham no cálculo aritmético, a fim de que os alunos os compreendessem: por
exemplo, as relações entre as quatro operações fundamentais:
Quando estas formas estiverem bem fixas no espírito dae os mesmos
exercicios, sem, porém, empregar objectos. De dez continuae para
deante, numero por numero até o desenvolvimento de vinte,
empregando tanto o trabalho oral como o escripto (P
ARKER, apud
B
ARRETO, 1909, p. 110).
Mr. Parker encerrou sua última palestra sobre matemática com palavras
dirigidas aos professores, enaltecendo o papel da matemática como elemento de
desenvolvimento mental além do verdadeiro valor social que o conhecimento
matemático poderia conduzir:
meus caros professores, assenhoreae-vos do assumpto si bem quereis
ensinar; procurae conhecer-lhe toda a natureza: extensão, largueza,
profundidade, e então, com o auxilio da creança que vos cabe educar,
levae-a a descobrir passo a passo, o que tambem haveis descoberto.
Eu vos prometto que achareis em tal trabalho para vós mesmos, um
desenvolvimento mental, que, difficilmente, poderíeis achar de outro
modo, e uma alegria inegualavel por conduzir as creancinhas ao seu
verdadeiro destino social (P
ARKER, apud BARRETO, 1909, p. 118).
101
Indubitavelmente, Parker voltou-se de maneira especial para o ensino
destinado às crianças quando elas ingressavam na instrução elementar. Embora
tenha se dedicado não à disciplina matemática, nessa área reside uma das
maiores contribuição do educador.
Estudos pertinentes à fase do ensino elementar enfatizam, em sua maioria,
as dificuldades relativas à alfabetização naquela época. Não foi em vão, portanto,
que Arnaldo Barreto manifestou seu contentamento, quando, em 1903, anunciou-
se que as Cartas de Parker seriam distribuídas por todos os Grupos Escolares do
Estado de São Paulo.
4.3 Questões gerais acerca do ensino
A temática envolvendo os métodos e processos de ensino ocuparam um
espaço significativo na gestão educacional direcionada ao ensino primário. As
exposições para debatê-los realizavam-se publicamente, e o assunto a ser nelas
discutido era previamente comunicado aos professores da seguinte forma:
O governo, em Outubro de cada anno, expedirá theses a todos os
professores do Estado, sobre assumptos de que queira ouvir a opinião
do professorado primário ou secundário, marcando as conferencias para
Dezembro na Capital; conferencias essas que serão publicas e
realisadas numa das salas do Congresso (R
EVISTA DO ENSINO, v. 1, p.
160, 1902).
Para o ensino da Matemática o Governo propôs as seguintes questões:
XII Qual o methodo preferível para o ensino da arithmetica nos tres
primeiros annos? Quaes as differentes especies de exercicios que
devem ser adoptados, no sentido de concretisar o ensino dessa
disciplina? Qual a extensão da arithmetica que podem assimilar os tres
primeiros annos?
XIII – Qual a que podem assimilar os dous ultimos annos do curso
preliminar?
XIV Quaes os exercicios de arithmetica apropriados para tornar
attrahente o seu ensino? Como se deve dirigil-o para dar-lhe um carater
de utilidade pratica?
102
XV Qual a ordem e o tempo a dispender para o ensino dos numeros,
de modo que fiquem perfeitamente sabidas todas as combinações até
10, e depois até 100?
XVI Quaes os processos mais adequados para o conhecimento e uso
dos algarismos?
XVII Qual a ordem a seguir e qual o melhor para o ensino das
fracções?
XVIII – Em que anno do curso, relativamente à arithmetica é conveniente
e opportuno com que os alumnos deduzam as regras de sua practica
anterior?
XIX Quaes as condições que devem preenher os problemas para que
se tornem interessantes e bem comprehendidos para os alumnos?
Quaes as vantagens de que os problemas formulados se refiram a
quantidades que os alumnos tenham o habito de observar? (P
ARKER,
apud B
ARRETO, 1902, p. 166).
Observa-se que as duas primeiras interrogações anunciadas pelo Governo
discutem os meios dos quais o professor devia utilizar-se para que a criança que
dava os primeiros passos na sua trajetória escolar pudesse compreender os
conceitos matemáticos. A seguir, foram formulados questionamentos acerca dos
tipos de exercícios que tornassem o ensino menos maçante, cujos conceitos
pudessem ser identificáveis no dia-a-dia dos pequenos.
Ao fazer referência sobre o tempo concedido para o ensino dos números e
suas combinações, denota-se uma relação com a concepção de ensino proposta
por Parker, para quem o tema “Número” deveria ser iniciado por meio das três
perguntas que se seguem: “Que é o número? Que podemos fazer com os
números? Quais as utilidades do número?” (PARKER, apud BARRETO, 1909, p. 91).
Como fora dito anteriormente, conhecer um número, segundo Parker,
não significava representá-lo por meio de um algarismo. A criança deveria saber
separar as quantidades iguais e as desiguais para depois uni-las. Por meio desse
processo, ele identificava a operação da soma e a da multiplicação quando as
quantidades eram iguais, e as operações inversas dessas, ou seja, a subtração e
a divisão.
Paulatinamente, Parker apontava outra maneira de representar a divisão,
e, dessa forma, conduzia a criança para o entendimento do conceito de fração.
103
Esse conceito era preocupante para os que se interessavam pelo ensino
da matemática, principalmente quando proposto aos que estavam começando a
galgar os estudos matemáticos.
Interrogavam-se acerca da metodologia que cercava o ensino das frações,
em particular sobre a ordem e o melhor método para desenvolvê-lo.
Empenha-se para responder tais questionamentos o Sr. Benedicto
Galvão
38
, que afirmava ser impossível negar que a aritmética era uma das
disciplinas ministradas nas escolas de São Paulo com maior critério e proveito.
Todavia, verificava Benedicto Galvão que, “não raras as vezes, o seu
ensino se limita a um amontoado de questões, filiadas a um determinado numero
de regras” (REVISTA DO ENSINO, p. 202, 1902).
O artigo escrito por Galvão ponderava sobre a maneira de iniciar o conceito
de fração e discutia como ele deveria ser apresentado, ou seja, principiando pelas
as frações ordinárias, como recomendavam os livros, ou pelas frações decimais,
como indicavam os programas oficiais e a maioria dos professores da área na
época.
Para Benedicto Galvão, o ensino das frações teria que começar pelas
frações ordinárias. Justificava tal opção por meio das teorias vigentes e pelas
orientações oriundas pedagogia.
A teoria, segundo ele, recomendava que o estudo em qualquer ciência
devesse partir dos casos mais gerais para os especiais, enquanto a pedagogia
sugeria que a criança fosse encaminhada do conhecido para o desconhecido.
Asseverava Benedicto Galvão que as frações ordinárias, ou seja, a divisão
por duas, três, ou quatro partes encontrava-se no convívio das crianças com
maior freqüência do que a divisão por 10, 100 e 1000 (frações decimais).
Para Benedicto Galvão, grande parte dos problemas com o ensino de
frações localizava-se no fato da criança ter que lidar com “dois números,
_____________
38
Benedicto Galvão – colaborador da Revista do Ensino.
104
separados por um traço”, sendo que ela tem a tendência de associar ao
denominador uma idéia de número, quando deveria associar apenas um nome.
Por isso Galvão recomendava aos professores que escrevessem as
frações da seguinte maneira: 1/quinto, 3/meios, 2/sétimos.
O autor defendia ao ensino das operações com frações, apenas o
entendimento do conceito de fração por meio de noções simples, acessíveis à
fase intelectual das crianças.
O encaminhamento do ensino de acordo com o desenvolvimento
intelectual infantil foi uma preocupação constante dos que se sentiam
responsáveis pelos rumos do ensino primário. Expressavam suas apreensões na
Revista do Ensino por ser o veículo que circulava entre os professores do Estado
de São Paulo.
Na seção reservada às Críticas de Trabalhos Escolares, da Revista do
Ensino, J. Pinto Silva
39
discorreu sobre o livro didático, Contador infantil, de
autoria de Heitor Galvão de Moura Lacerda.
Na sua concepção, aquela obra foi elaborada com “critério e bom senso
[...] fruto de uma amadurecida reflexão e prática profissional” (SILVA, apud
REVISTA DO ENSINO, p. 317, 1902).
Ao se referir à condução dos conteúdos matemáticos, J. Pinto Silva
assegurava:
[...] as lições do “Contador Infantil” sucedem-se num crescente
harmonico, methodico, de sorte que o jovem estudante póde chegar ao
fim dellas, sem que se antholem as difficuldades que soem apparecer
nos livros atabalhoadamente feitos [...] tudo desapparece deante da
perspectiva chata de um mercantilismo grosseiro, ou naquelles que a
inepcia, de braços dados com o pedantismo, se patenteia de fórma de
verdadeiros aleijões didacticos (R
EVISTA DO ENSINO, p. 318, 1902).
Segundo o redator, a metodologia de Heitor Galvão tinha por finalidade
prender a atenção das crianças e, para atingi-la, servia-se de “cartas em que se
acham gravados pontos coloridos” (REVISTA DO ENSINO, 1902, p. 318).
_____________
39
J. Pinto Silva – Redator efetivo da Revista do Ensino em 1902.
105
Em seguida, o autor propôs o exercício de cada uma das cartas de Parker
utilizando os algarismos presentes na carta estudada. Quando se fazia
oportuno, o autor recorria às recapitulações duma série de exercícios
apreendidos com o fim de gravar os estudos anteriores.
Dessa forma, entendia J. Pinto Silva que o livro Contador infantil cumpria
sua função, ou seja, encaminhar o ensino da matemática para as crianças.
Todavia, não se absteve de observar o redator que a obra em foco não era inédita
e o fazia afirmando: “o trabalho do nosso distincto collega esta vasada mais ou
menos nos moldes dos mappas arithemticos de Parker e Dunton” (REVISTA DO
ENSINO, p. 319, 1902).
4.4 As Revistas do Ensino e as controvérsias relativas aos métodos e
processos para a instrução primária
Nesse mesmo ano, Arnaldo de Oliveira Barreto
40
contrapôs veemente ao
livro didático lançado por Arthur Thiré,
4
aproveitando o momento para descrever
os cuidados que deveriam ter os professores em relação ao ensino da aritmética
para as crianças.
O então redator-chefe da Revista do Ensino considerava que a obra
Arithmetica para principiantes, de Thiré
41
, fugia às modernas orientações que
norteavam o ensino público.
Estava fora de cogitação, segundo Arnaldo Barreto, apresentar um livro
escrito
na ordem clássica dos outros, com as mesmas abstrações, começando
pela numeração, que pela altura da página 16 vai até um milhão, e
entremeiou-o de regras extensas, definições, provas, taboada de
Pytagoras, e problemas sobre as quatro operações fundamentaes,
armando-os como se diz, para que as creanças lhes escrevam por baixo
os respectivos resultados, em linhas adrede [intencionalmente] postas
(R
EVISTA DO ENSINO, p. 764, 1902).
_____________
40
Arnaldo de Oliveira Barreto – redator-chefe da Revista do Ensino em 1902.
41
Arthur Thiré – catedrático de matemática do Colégio Pedro II (1853-1910) (TAVARES apud DUARTE, 2002).
106
Arnaldo Barreto considerava-se inserido num grupo de cidadãos
empenhados em conceder à futura família paulista viver numa sociedade melhor
e mais homogênea, por meio do oferecimento de uma instrução pública de
qualidade. Para ele, o ensino da aritmética seria mais proveitoso e cumpriria a
sua finalidade educativa, se o professor desse ensino ainda possuísse algum
conhecimento da psicologia infantil. Por essa razão, ele afirmava que “só pódem
escrever compendios de arithmetica para principiantes, homens de elevação
philosophica de um Francisco Parker” (REVISTA DO ENSINO, 1902, p. 764).
A ênfase do ensino da matemática para Arnaldo Barreto deveria recair
sobre o estudo do cálculo, como um elemento principal da educação do
raciocínio, acrescido de hábitos de precisão, verdade, ordem e confiança. Assim
sendo, no 1.º ano, freqüentado por crianças na faixa etária dos 6 aos 8 anos, o
ensino deveria compreender três fases:
1.ª) calcular, comparar, com auxilio de taboinhas, de 1 a 10, até que o
espírito da criança assimile a idéia de numero e a precisão com que o
calculo dever ser feito;
2.ª) de 20 a 50 com auxilio de tornos, por meio dos quaes os alumnos, por
si só, estudam as quatro operações, cuja apllicação fazem nos mappas
admiraveis de Parker;
3.ª) finalmente, de 50 a 100, pelo mesmo processo anterior. No 2.º anno,
ainda com auxilio de tornos, ensinam-se as quatro operações, toda a
taboada de multiplicar e dividir, e os primeiros rudimentos das
fracções; mas 1000 é o limite máximo dos números usados (REVISTA
DO
ENSINO, p. 764, 1902).
Arnaldo Barreto encerrou suas considerações sobre a obra Arithmetica
para principiantes enfatizando que aquele livro era um elemento nocivo à
educação das crianças, sem utilidade alguma ante a proposta de ensino da
aritmética vigente nas escolas primárias de São Paulo.
Ao final do ano de 1902, Ramon Rocca Dordal
42
iniciou sua preleção na
Revista de Ensino de n. 5 exigindo que providências fossem tomadas a fim de
_____________
42
Ramon Rocca Dordal – redator efetivo da Revista do Ensino em 1902.
107
evitar o tumulto que se criava à época das matrículas nos Grupos Escolares. Para
impedi-lo, segundo ele, só havia uma solução: criar mais Grupos Escolares.
Enquanto se esperava por tal solução, mais uma remessa das Cartas de
Parker era dirigida aos professores da instrução pública e tinha continuidade a
altercação acerca do conteúdo desenvolvido na obra Arithmetica para
principiantes, alvo de críticas já comentadas neste trabalho.
O interessante em acompanhar o desenrolar dessas discussões entre os
que elogiavam e os que criticavam os livros didáticos, então publicados, encontra-
se nas justificativas oferecidas. Por meio delas pode-se conhecer o que era
recomendado para o ensino das crianças. Dessa forma, verifica-se que as
relações entre a Revista do Ensino e a legislação escolar vigente naquele período
proporcionam múltiplas possibilidades de entendimento da cultura escolar.
É assim que vem à tona o nome de Grube
43
, citado por Arnaldo de Oliveira
Barreto, educador que acreditava que a criança deveria:
Aprender por si mesma e por intuição as operações essenciaes do
calculo elementar 1.º de um a dez; 2.º de dez a cem; 3.º de cem a mil;
exactamente como fazemos hoje nas escolas-modelo e nos grupos
escolares bem organizados (R
EVISTA DO ENSINO, v. 1, n. 5, p. 981, 1902).
Segundo Arnaldo Barreto, Grube chamou esse método de “Instrução
Educativa”, o qual tinha como objetivo fazer as crianças
conhecer os numeros, como se conhece um objecto qualquer: pelo
nome, em todas as suas formas, em todos os seus estados, em suas
diversas relações com os outros numeros; comparando-o com outros;
seguindo-o em suas transformações; medindo-o; compondo-o e
decompondo-o a vontade [esse era o meio mais adequado] para
desenvolver na creança hábitos de analyse e reflexão... (R
EVISTA DO
ENSINO, v. 1, n. 5, p. 982, 1902).
Para conhecer os números, em todas as suas formas, em todos os seus
estados, como desejava o Sr. Grube, fazia-se necessário utilizar um exemplo e
por meio dele chegar ao significado dos números. Graças à contenda promovida
pela obra Arithmetica para principiantes e a obstinação de Arnaldo Barreto em
_____________
43
Mr. Grube autor do método que leva seu nome, que tem por tema “Como ensinar aritmética elementar”,
publicado em Chicago no ano de 1878.
108
não recomendá-la é possível recompor os ensinamentos de Grube. Arnaldo
Barreto transcreveu uma das lições elaboradas por Grube, salientando a
indicação de seus métodos na República ARGENTINA. Por exemplo,
Cinco pontos e um fazem seis.
Aqui temos seis . . . . . .
Esses seis pontos podemos representar pela cifra 6.
O professor traçará no quadro negro seis quadros, seis cruzes, seis
estrellas e seis signaes; fará com que os alumnos os copiem em suas
respectivas lousas e ponham debaixo de cada grupo o numero
correspondente.
Deverá, em seguida, mandar contar os objectos desenhados da direita
pra a esquerda e da esquerda para a direita; e dizer as cifras que
seguem ao cinco, ao quatro, ao tres, ao dous, e ao um.
Pedir-lhes que nomeiem os numeros comprehendidos entre 1 e 3, entre
2 e 4, entre 3 e 5, entre 4 e 6.
Quantas caixas são cinco mais uma?
Quantos limões são cinco e mais um?
Quantas flores são cinco e mais uma?
Quantos pés tem três galinhas?
Quantas pernas tem uma mosca?
Quantos pés tem um pato juncto com um gato? (R
EVISTA DO ENSINO v. 1,
n. 5, p. 1158, 1902).
A partir dessas recomendações, percebe-se que tanto Parker como Grube
ansiavam que as crianças adquirissem no ensino da aritmética uma sólida noção
a respeito de “quantidade”. Posteriormente, elas fariam a associação dessas
“quantidades” com o símbolo que as representavam, ou seja, os algarismos.
Daí o oferecimento de exercícios que partiam da visualização de uma
determinada quantidade em certa coleção de objetos, a qual deveria ser
reconhecida em outros ajuntamentos.
Arnaldo Barreto empenhou-se em oferecer às crianças um ensino de
matemática compatível com a faixa etária em que se encontravam. Admirador de
Parker e Grube, tem, em 1903, seu livro intitulado Cadernos de matemática,
publicado e recomendado na seção de Livros Escolares da Revista do Ensino ao
lado do livro Álgebra, de Carlos G. Cardim e João Borges.
Arnaldo Barreto, nesse mesmo ano, demonstrou seu contentamento no
artigo denominado O ensino da arithmetica, ao constatar que seriam distribuídos
em todos os grupos escolares os “inimitaveis mappas de Parker”. Arnaldo Barreto
109
defendia o uso do cálculo mental, diferentemente daquele que seria resultado de
uma memorização inconsciente.
Percebia o “cálculo” como “instrumento” que
[...] age como uma gymnastica intellectual: que perspicácia ao
espírito; que fructifica hábitos de analyse e de reflexão; que estimula os
espíritos vagarosos; que corrige, enfim, muitos dos defeitos intelllectuaes
das crianças (R
EVISTA DO ENSINO, v. 3, p. 236, 1903).
No ritmo de corrigir as distorções do intelecto da população infantil,
referente ao ensino da matemática, o Estado de São Paulo vai dirigindo a
Educação, tornando-se “um dos mais florescentes dentre os estados da
federação” (REVISTA DO ENSINO, p. 547, 1904).
Tal distinção faz-se conhecer em 1904 pelo Memorial da educação do
Estado de São Paulo, de autoria dos professores Carlos Reis, Oscar Thompson e
Horácio Lane.
Para esses professores, o Estado de São Paulo distinguia-se pelo “espírito
adentado e empreendedor de seus habitantes [...] e no empenho de diffundir
largamente a instrucção e de estabelecer a melhor e mais conveniente
organização do ensino” (REVISTA DO ENSINO, p. 547, 1904).
Observa-se que, do até então exposto pelos educadores paulistas sobre a
melhor maneira de prover à criança conceitos matemáticos de modo que tivessem
significado para ela, inseria-se nos princípios anunciados por Pestalozzi
44
, que se
baseavam em partir do mais fácil para o mais complexo.
Os gestores da instrução pública de São Paulo reconheciam a importância
dos princípios de Pestalozzi reproduzindo-os na Revista do Ensino, como se pode
observar na publicação desse periódico (REVISTA DO ENSINO, 1904).
_____________
44
Pestalozzi Johann Heinrich (Zurique, 12 de janeiro de 1746 Brugg, 17 de fevereiro de 1827) foi um
pedagogo suíço e educador pioneiro da reforma educacional (WIKIPEDIA.org/wiki).
110
Fig. 2 – Princípios de Pestalozzi.
Esses princípios, ao lado das concepções de Froebel
45
, deram lugar ao
método intuitivo, também conhecido por lições de coisas.
4.5 A instrução popular e o ambicioso projeto dos republicanos paulistas
Segundo Rosa Fátima de Souza, o método intuitivo preconizava que o
ensino deveria partir do particular para o geral, do conhecido para o
desconhecido, do concreto para o abstrato. Segundo a autora, o método intuitivo
foi exaltado por Rui Barbosa
46
, pois viria substituir o ensino verbalista, repetitivo,
que predominava nas escolas de primeiras letras do Império (SOUZA, 2000).
_____________
45
Froebel – Friedrich nasceu em Oberweissbach Hungria. Em 1799 decidiu estudar matemática e botânica
em Jena. Mais tarde trabalhou com Pestalozzi (WIKIPEDIA.org/wiki).
46
Rui Barbosa – proferiu debates sobre Educação no período de 1849-1923.
111
Todavia, a instrução popular resguardava um projeto ambicioso que ia
além do oferecimento de uma educação que preservasse física e afetivamente o
futuro cidadão.
Ao findar sua passagem pela escola, o indivíduo deveria estar apto a
preservar-se, a bem conduzir sua família e assegurar o desenvolvimento das
relações sociais.
Iniciaram-se, então, a partir de 1904, controvérsias em torno do sentido da
expressão “instrução popular”. Esse tema é discutido em conferência proferida em
abril daquele ano, por Arthur Breves
47
, que considerava que havia sido concedida
muita elasticidade ao termo, pois encerrava em si mesmo “desde o saber ler, e
escrever e contar até ás materias ensinadas em cursos especiaes” (REVISTA DO
ENSINO, p. 6, 1904).
O orador citou o nome de Spencer
48
, sugerindo que este último indicaria,
entre outras matérias, o estudo da aritmética, como possuidor de valor educativo,
pois auxiliaria a “mocidade encontrar o bem estar” (REVISTA DO ENSINO, p. 6,
1904).
O “bem estar” ao qual se refere Arthur Breves relacionava o ensino ao
desenvolvimento socioeconômico. Para ele, “assim como a riqueza moral do
Brasil depende da instrucção popular, a riqueza material depende da instrucção
agrícola da polycultura. A questão social também está relacionada ao ensino
público” (REVISTA DO ENSINO, p. 6, 1904).
O problema social reivindicava outras posturas do ensino público, as quais,
possivelmente, o Dr. Jorge Tibiriçá, Presidente do Estado de São Paulo, e J.
Cardoso de Almeida, Secretário do Estado de Negócios do Interior e da Justiça,
procuraram atendê-las ao suprimir algumas cadeiras da Escola Normal e
providenciar o provimento em relação a outras.
O curso oferecido pela Escola Normal tinha então quatro anos de duração
e as matérias relativas à matemática nas 5.ª e 6.ª cadeiras eram aritmética,
_____________
47
Arthur Breves – presidente da Associação Beneficente do Estado de São Paulo.
48
Herbert Spencer (1820 1903), filósofo inglês e um dos representantes do positivismo. Profundo
admirador da obra de Charles Darwin. É dele a expressão “sobrevivência do mais apto”, e em sua obra
procurou aplicar as leis da evolução a todos os níves da atividade humana (W
IKIPEDIA, 2008).
112
álgebra, geometria e trigonometria. De acordo com o Decreto 1.252, que
mandava executar a Lei 907, os conteúdos matemáticos foram distribuídos:
Seção masculina
1.º ano –
Aritmética e Álgebra (3 aulas semanais)
Seção feminina
Aritmética e Álgebra (3 aulas semanais)
2.º ano
Seção masculina
Geometria e trigonometria (3 aulas semanais)
Seção feminina
Geometria e trigonometria (3 aulas semanais).
Denota-se, portanto, a retirada da matéria agrimensura ou a sua
desvinculação da disciplina matemática, sendo também significativa a diminuição
do número de aulas das matérias de aritmética e álgebra, as quais tiveram sua
carga horária reduzida em duas aulas semanais.
Presume-se que a separação da matéria agrimensura da de matemática se
deva ao reconhecimento dos legisladores paulistas acerca da necessidade de que
fosse oferecida uma formação específica aos que se encaminhavam à agricultura
e à indústria.
Antecedendo em dois meses o término do ano de 1904, a Revista do
Ensino n. 04 publicou um texto de autor desconhecido que afirma que a instrução
pública em São Paulo se encontrava em decadência.
Na mesma edição, Francisco Vianna
49
teceu considerações sobre o que
deveria ser feito em relação à instrução pública de maneira geral. Para ele, o
grande inconveniente residia na não-existência de um único tipo de escola para
todo o Estado.
Para Vianna, todas as Escolas Normais, inclusive a da Capital, deveriam
ser organizadas por meio de curso com duração de três anos, sendo no 1.º ano
ministrado: aritmética e álgebra; 2.º ano: geometria, trigonometria e noções de
mecânica. Ademais, para a matrícula proceder-se-ia a um exame de suficiência
que versaria sobre aritmética e operações algébricas.
_____________
49
Francisco Vianna – componente do Conselho Fiscal da Revista do Ensino – 1904.
113
Na edição seguinte do periódico em pauta, Francisco Vianna fez um
acréscimo às suas considerações pertinentes à reforma da instrução pública,
propondo que, à semelhança do que acontecia nas cadeiras de Português e
História, as cadeiras de Álgebra e Geometria, Trigonometria e Noções de
Mecânica fossem ministradas por um único professor. Desapareceria assim,
segundo ele, uma descontinuidade viciosa que sagrava o ensino na época.
Em agosto de 1904, um texto de autoria não identificada iniciava o n. 03 da
Revista do Ensino, sinalizando que as leis da instrução popular em São Paulo
estariam prestes a cair no descrédito, pois se pensava que esse “ramo do
serviço público se presta a discursos bombásticos ou a preleções
phylosoficas”.
Por um lado, para o autor do texto, os legisladores careciam de estudos
específicos sobre o funcionamento do sistema público de ensino; de outro, os
próprios profissionais da educação não possuíam opinião formada sobre as
diversas instituições que o compunham. Dessa forma, o desentendimento
impunha-se e, como se manifestava o autor anônimo, “escolhem-se as matérias a
ensinar nas escolas normaes, exactamente com o mesmo critério que se
escolhem tomates no mercado” (REVISTA DO ENSINO, n. 03, p. 266, 1904).
As críticas às reformas que se sucediam na instrução pública tiveram
continuidade sob a alegação de que esta cruzava um período de decadência.
Na tentativa de impedir o declínio da instrução pública do Estado de São
Paulo, Francisco Vianna propôs que fosse elaborada uma nova reforma nos
seguintes moldes:
[...] haveria em cada Escola Normal duas seções uma masculina e outra
feminina. O curso constaria de tres annos e as materias [as quais serão
enumeradas as referentes ao ensino da matemática] seriam distribuidas
sobre elles da forma seguinte: 1.º anno arithmetica e algebra; 2.º anno
geometria, trigonometria e noções de mecanica. [...] A pratica de
ensino seria feita uma vez por semana para cada seção na Capital, na
Escola Modelo annexa á Normal e no interior no Grupo Escolar da
cidade (R
EVISTA DO ENSINO, n. 04, p. 388, 1904).
114
Tal proposta parece não ter aplacado os ânimos dos que se sentiam
insatisfeitos com o número de reformas parciais que se produziram a respeito da
instrução popular a partir de 1892.
Teriam as reformas se perdido num emaranhado de leis e regulamentos
que podiam ser comparados a “uma vasta colcha de retalhos que sobresahem os
tecidos de má qualidade e côres duvidosas [...]” (REVISTA DO ENSINO, n. 05, p. 339,
1904).
Acredita-se que a referência aos tecidos de má qualidade e de cores
duvidosas seja uma alusão à Lei que concedia ao egresso da Escola
Complementar atuar na Escola Preliminar.
Na seção de diversos da Revista do Ensino, editada em agosto de 1905, o
Dr. Mario Bulcão
50
enviou um relatório ao Secretário do Interior, em que
comparava os desígnios da Lei da Instrução Pública de 1892 e as posteriores, em
particular, a Lei 374, de 1895, a qual, segundo ele, veio desvirtuar por completo a
idéia de ensino integral.
Pela força de sua argumentação considerou-se justificável apresentar parte
do referido relatório:
_____________
50
Dr. Mario Bulcão – Inspetor-Geral do Ensino em 1905.
115
Fig. 3 – Relatório proferido por Dr. Mário Bulcão, 1905.
116
Como se pode observar, os anos de 1904 e 1905 foram marcados por
discordâncias entre legisladores e gestores do ensino, em particular o oferecido
pela Escola Normal. Os primeiros acusados pelos segundos por promulgar uma
série de reformas, que na visão desses últimos provocaram um declínio no que
diz respeito à formação do professor da instrução pública.
Enquanto permaneceu a discórdia, pouco se falou a respeito dos métodos
indicados para o ensino da matemática.
Entretanto, em 1906, na seção de Prática de Ensino, sob o título Um pouco
de arithmetica, A.R. de C.
51
voltou-se para o estudo de “Redução de frações
decimaes a ordinárias e reciprocamente, Theoria das Fracções Periódicas”
(REVISTA DO ENSINO, p. 23, 1906)
O método para iniciar o assunto era o de perguntas e respostas,
semelhante à estrutura escolar utilizada por Alpoim
52
, quando ele, segundo
Valente (1999), estruturou a matemática escolar presente no Exame de Artilheiros
de 1744.
O trabalho de A.R. de C. iniciou-se e desenvolveu-se da seguinte forma:
“Quando será que duas fracções são da mesma espécie? Como podemos reduzir
uma fracção decimal a uma ordinaria?” (REVISTA DO ENSINO, n. 02, p. 53-56,
1906).
Interessante notar que o autor procurou responder essas questões,
primeiramente apresentando a regra que possibilitaria o reconhecimento no 1.º
caso e a redução no 2.º e, a seguir, expôs a fundamentação teórica que
sustentaria as regras anunciadas.
Ainda, o tratamento dado a esse segmento do tema “frações”, ou seja, a
transformação de uma fração ordinária em decimal e vice-versa, distanciava-se
consideravelmente do proposto por Benedicto Galvão apresentado nesta
pesquisa, mesmo reconhecendo que este havia proposto analisar qual a melhor
maneira de apresentar o ensino das frações às crianças.
_____________
51
A.R. de C. – não consta o nome completo do autor do texto, apenas suas iniciais.
52
José Fernandes Pinto Alpoim – Foi um dos primeiros engenheiros militares a atuar no Brasil. [...] Estruturou
a matemática escolar presente no Exame dos Artilheiros de 1744. Autor de livros didáticos destinados aos
Exames de Artilheiros, bombeiros no século XVIII (V
ALENTE, 1999).
117
Daí pode-se pressupor um desvio em relação às primeiras recomendações
direcionadas ao ensino dos conteúdos matemáticos, que enfatizavam que os
autores de livros-texto de aritmética deveriam transparecer a posse de uma
concepção semelhante a de Francis Parker e Grube, ambos já mencionados
neste trabalho.
Tal suposição encontra respaldo no desabafo de Arthur Breves que, ao
referir-se ao programa proposto para o Grupo Escolar e a Escola-Modelo, anexa à
Escola Normal de São Paulo, afirmou que o programa estava divorciado em
relação ao que foi proclamado nos luminares da pedagogia e em visível
antagonismo com o que reconhece a razão humana (REVISTA DO ENSINO, n. 02, p.
23, 1909).
Em 1909, quando Oscar Thompson foi nomeado inspetor do ensino e
tendo sido professor e diretor efetivo da Escola Normal, atestou que o melhor
método didático não provém dos regulamentos oficiais, e sim da prática que
ofereça melhores resultados.
Preocupado com os programas recomendados aos grupos escolares e às
escolas-modelo, o então inspetor teceu elogios aos alunos dos grupos escolares,
por ele denominados “filhos da pobreza”. Segundo Thompson, eles revelavam
“uma aptidão extraordinária aos estudos scientíficos, sobretudo para os
difficilimos arithmeticos” (REVISTA DO ENSINO, n. 01, p. 4, 1908).
Em seu texto, o inspetor prosseguiu comparando o aluno da escola-modelo
com o do grupo escolar, referindo-se ao primeiro como aquele que ia “além dos
elementos da numeração, das quatro operações sobre inteiros, sobre decimaes e
quebrados e systema métrico” (REVISTA DO ENSINO, n. 01, p. 4, 1908).
o aluno do Grupo Escolar, em seu entendimento, tinha a capacidade de
aprender proporções e as operações que “della derivam, como regra de três, de
juros, de cambio, etc.” (REVISTA DO ENSINO, n. 01, p. 4, 1908).
Empolgado com o ensino desenvolvido em instituições oficiais, Thompson
descreveu sua experiência como componente de uma banca examinadora em
Grupo Escolar da Barra Funda. Revelou então que, dentre 12 alunas do 4.º ano,
oito delas obtiveram conceito “ótimo” ao resolverem cinco problemas constantes
118
das matérias do programa proposto para essa etapa do ensino. Para certificar-se
do desempenho dessas meninas, foi a elas proposto um problema de regra de
três composta. Das oito que se saíram a contento na resolução dos problemas
sugeridos, cinco delas mantiveram o “brilhantismo do êxito” (REVISTA DO ENSINO,
n. 01, p. 5, 1908).
Além da seção denominada “Pedagogia Prática”, no n. 2 da Revista do
Ensino no ano de 1909, encontra-se outra intitulada “Pantheon Pedagogico”.
Nela, o Prof. J. Carneiro da Silva propunha-se a divulgar o “método analítico”,
indicado para o ensino das matérias do curso preliminar, e, naquela edição da
Revista do Ensino, deteve-se nos conteúdos de leitura elementar, aritmética e
geografia. Para ele, o método analítico consistia em partir do enunciado do
problema para a descoberta da operação que conduziria à solução desejada.
Uma vez encontrada, proceder-se-ia à sua execução.
Sugeriu que para as classes do 1.º ano o ensino da aritmética deveria ter
como ponto de partida a análise da classe da dezena.
Tratava-se, na realidade, da composição e decomposição da dezena, para
o qual indicava o uso do contador mecânico
53
, propondo os seguintes passos:
1.º) mostrar ao aluno que a primeira linha de bolinhas contém dez
unidades e, contá-las separadamente;
2.º) iniciar a análise separando as bolinhas em grupos de cinco; a seguir
separá-las em grupos de 1-9; 2-8; e, assim por diante até chegar ao
grupo 9-1, 10;
3.º) com o auxílio do contador mecânico, dá-se início sobre as quatro
operações (adição, subtração, multiplicação e divisão)
simultaneamente) (R
EVISTA DO ENSINO, n. 02, p. 37, 1909).
Lembrou ainda o Professor J. Carneiro da Silva que a “taboada de Parker”
manteve-se como um precioso processo, que, segundo ele, se encontrava incluso
no método analítico, desde que o professor estivesse apto a utilizar a parte
intuitiva nela contida, a qual se encontrava representada por símbolos gráficos
nas Cartas de Parker.
_____________
53
Contador mecânico – um dispositivo com as mesmas características do ábaco.
119
Assim, o professor relacionou os ensinamentos de Parker como se eles
estivessem em comunhão com o método analítico. Faz-se, então, necessário
analisar qual o entendimento que o Professor J. Carneiro da Silva possuía a
respeito do método analítico e como ele o indicava para o ensino dos conteúdos
matemáticos para as classes mais adiantadas, que tivessem ultrapassado a
compreensão dos números e das operações fundamentais.
O professor justificou sua concepção por meio de uma comparação do uso
do método analítico utilizado no encaminhamento da leitura elementar. Em suas
palavras:
Do mesmo modo que em leitura elementar se parte da ideia para o
reconhecimento de cada um dos vocábulos e, destes para a leitura do
juizo expresso. O methodo analytico, por sua natureza educativa,
condemna, pois, o antigo sistema de passar contas, o qual não passa de
uma pratica enfadonha e meramente mnemônica de taboadas. A
reflexão que o alumno deve fazer para descobrir a natureza da questão
proposta e a operação que a resolve tal é a vantagem educativa do
regimen moderno (R
EVISTA DO ENSINO, n. 02, p. 38, 1909).
Dessa maneira, direta ou indiretamente, é citado o nome do Sr. Parker,
cujo método é apontado pelos gestores ou colaboradores, autores de textos
enviados à Revista do Ensino, como o mais apropriado a ser adotado, em
especial no curso preliminar.
É, todavia, no ano de 1911 que o nome de Parker aparece expresso em
um dispositivo oficial, isto é, no Decreto 2.004, promulgado em 13 de fevereiro,
que tinha por finalidade aprovar o Regimento Interno das Escolas-Modelo
Isoladas
54
, anexas à Escola Normal de São Paulo.
Considera-se proveitoso citar o Regimento Interno da Escola-Modelo, pois
ele propunha ao professor do ensino primário paulista, por meio da legislação, o
que vinha sendo repetidamente sugerido na Revista do Ensino, ou seja, o uso das
Cartas de Parker. A distribuição dos conteúdos nos estabelecimentos das
escolas-modelo, segundo o Regimento, dar-se-ia da seguinte forma:
_____________
54
Escolas-Modelo Isoladas destinam-se ao ensaio e aperfeiçoamento dos métodos e processos de ensino
que deverão ser adotados no ensino público preliminar do Estado de São Paulo e à prática e à observação
do aluno da Escola Normal do Estado de São Paulo (art. 2.º do Regimento Interno, executado pelo
Decreto 2.004, de 13 de fevereiro de 1911).
120
1.ª seção
1. Observação direta das quantidades que o aluno possa ver e tocar.
2. Leitura e cópia das cartas de Parker, concretizando-se os primeiros
passos, tornando-os sensíveis pelo emprego dos tornos, grãos de
milho, lápis ou varetas (vide nota 5).
3. Questões fáceis que ilustrem e acompanhem as cartas de Parker.
4. Contagem direta: a) até 10 por unidades; b) de 10 até 20 por
unidades; c) até 100 por unidades e dezenas.
5. Contar por 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, respectivamente, a princípio até 12, 18,
28, 30, 35, 40, 45, voltando a quantidade de partida. Assim 2, 4, 6, 8,
10, 12; depois 12, 10, 8, 6, 4,2.
6. Contar até 100, por 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 partindo de um número dígito.
Assim: tomando 4 para ponto de partida e contando por 3: 4, 7, 10,
13,16, 19, ..., 97, 100.
7. Taboadas com emprego de tornos (vide nota 6).
8. As quatro operações elementares cujo limite não passe de 100.
Leitura e escrita de números simples.
9. Algarismos romanos: Deve-se dar primeiro o conhecimento dos sinais:
I, V, X, L, C, para depois o aluno compreender as combinações
desses algarismos em números maiores ou menores. O Relógio.
2.ª seção. As quatro operações elementares. Revisão e ampliação da
matéria estudada na seção 1.
2. Taboada grande e pequena.
3. Cálculo mental e rápido.
4. Leitura das cartas de Parker.
5. Resolução de problemas práticos e de uso quotidiano.
6. A moeda nacional e suas diversas unidades: o real, o vintém, o tostão,
o mil réis. Uso do $. Recibos.
3.ª seção. As quatro operações elementares. Ampliação da matéria
estudada na seção 2.
2. Sistema métrico decimal.
3. Exercícios de pesagem e medidas.
4. Conhecimento do valor das medidas antigas ainda em uso no
comércio.
Nota 5. Para que o aluno tenha a intuição de 1/2, 1/3, 1/4; 2/2; 2/3; 2/4,
etc., devem ser utilizados pequenos objetos comuns.
Nota 6. Tomando-se a casa dos dois, os alunos devem dispor os tornos
desde um, dois, até doze, dois. Assim:
//
// //
// // //
// // // //, etc. Somando dirá dois e nenhum são dois; dois e dois são
quatro; dois e dois e dois são seis, etc. Multiplicando dirá: um dois são
dois; dois dois, são quatro; três dois são seis, etc. Subtraindo dirá: de
dois tirando dois fica nenhum; quatro tirando dois, ficam dois; seis
tirando dois ficam quatro. Dividindo dirá: dois tem um dois, quatro tem
dois dois, seis tem três dois, etc. (L
EIS E DECRETOS DO ESTADO DE SÃO
PAULO, 1911, p. 115).
121
Verifica-se, assim, que o método prescrito naquele regimento utilizou
amplamente as concepções de Parker acerca do desenvolvimento dos conteúdos
propostos para aritmética, o que reforça a sua influência neste segmento do
ensino da matemática.
Em 1911, conforme constata Tanuri (2000), ao se converterem as Escolas
Complementares em Escolas Normais Primárias por meio do Decreto 2.025,
promulgado em 23 de março do corrente ano, solidificou-se um dualismo
referente à formação do professor do ensino primário.
Tal conversão passa a ser ordenada pelo Regulamento das Escolas
Normais Primárias, as quais se estabeleceram como instituições provedoras do
ensino daquele que se dirigia à carreira do magistério.
Por meio de ensino gratuito com duração de quatro anos, os conteúdos
matemáticos ministrados nas Escolas Normais Primárias sofreriam a distribuição
abaixo mencionada:
1.º ano
Aritmética: 3 aulas por semana.
2.º ano
Aritmética: 3 aulas por semana.
Álgebra: 2 aulas por semana.
Geometria plana com aplicação às medidas: 2 aulas por semana.
3.º ano
Geometria no espaço: 3 aulas por semana.
A Escola Normal Primária não dispensaria, à semelhança da Escola
Normal, o candidato da prestação do exame de suficiência, o qual abordava
conteúdos de aritméticas.
No ano seguinte, 1912, o Presidente do Estado de São Paulo aprovou o
Decreto 2.225, que tratava da conversão das Escolas Complementares em
Escolas Normais Primárias, e editou Regulamento para estas últimas.
As Escolas Normais Primárias resguardavam as mesmas características
das Escolas Normais, ou seja, destinavam-se ao candidato à carreira do
magistério, comprometendo-se a proporcionar a educação intelectual, moral e
prática ao bom desempenho do professor do curso preliminar.
122
Dessa forma, as Escolas Complementares converteram-se em Escolas
Normais Primárias com exceção daquela situada na Capital, que continuou sendo
dirigida pelo regulamento da Escola Normal da qual continuava funcionando como
escola-anexa.
As matérias das Escolas Normais Primárias encontravam-se subdivididas
em dois grupos: 1.º grupo – ciências e línguas. Esse grupo abrangia a 3.ª cadeira,
isto é, aritmética, álgebra e geometria.
Para as Escolas Normais Primárias foram discriminados os seguintes
conteúdos matemáticos:
Conteúdos ministrados:
1.º ano
Matérias
Aritmética: 3 aulas por semana.
2.º ano
Aritmética: 3 aulas por semana.
Álgebra: 2 aulas por semana.
Geometria plena [plana], com aplicação de medidas: 2 aulas por
semana.
3.º ano
Geometria no espaço: 2 aulas por semana (DECRETO 2.225, 1912, p.
317).
para as Escolas Normais do Curso Secundário os conteúdos
matemáticos foram distribuídos entre as 5.ª e 6.ª cadeiras: aritmética, álgebra,
geometria e trigonometria.
O programa desenvolvido na Escola Normal Secundária durante os quatro
anos ficou assim distribuído:
1.º ano
Seção Masculina e Feminina
Aritmética e álgebra: 3 aulas por semana
2.º ano
Geometria e trigonometria: 3 aulas por semana
3.º ano e 4.º ano – nada consta.
O exame de suficiência passou a versar sobre os conteúdos de aritmética
e álgebra, sendo seu programa composto por teses enumeradas segundo o
123
desenvolvimento lógico de cada disciplina e feito de modo a corresponder cada
uma delas a ponto de exame (DECRETO 2.225, art. 381).
A Lei 1.311 impôs às Escolas Normais Secundárias uma nova reforma, em
2 de janeiro de 1912, incluindo 13 cadeiras, cujos conteúdos deveriam ser
ministrados durante quatro anos e subdivididos em dois grupos, os que se
referiam ao ensino da matemática foram assim descritos:
1.º ano
Arithemetica: 3 aulas por semana.
2.º ano
Arithmetica: 3 aulas por semana.
Algebra: 2 aulas por semana.
Geometria Plana – com applicação ás medidas: 2 aulas por semana.
O direito a matricular-se nessa Instituição era adquirido pelo candidato
após obter aprovação no exame de suficiência, que versava sobre “arithmetica”.
Em 1913, foi aprovado novo Regulamento das Escolas Normais de Curso
Secundário, por meio do Decreto 2.367, de 14 de abril, no qual reafirmou-se que a
Escola Normal de curso secundário era um estabelecimento de ensino
direcionado para aqueles que desejassem seguir a carreira do magistério.
Os candidatos estudariam nesse estabelecimento, durante quatro anos, as
matérias oferecidas pelas cadeiras: 5.ª cadeira: matemática, compreendendo
aritmética, álgebra, até equações do 2.º grau inclusive, geometria e trigonometria.
Surgiu assim, nos dispositivos oficiais referentes às cadeiras da Escola
Normal, uma nova matéria, que incorporava os ramos da ciência matemática
denominada simplesmente por “matemática”.
Os conteúdos ministrados obedeceriam a seguinte ordem, quer na seção
feminina, quer na masculina:
Aritmética e álgebra: 3 aulas por semana.
2.º ano
Geometria e trigonometria: 3 aulas por semana.
124
Em março de 1916, foi publicado na Revista do Ensino o Programa das
Escolas Normais Secundárias, sem, no entanto, informar a qual dispositivo oficial
fazia referência.
Como não foi promulgado nenhuma lei ou decreto que propusesse uma
nova reforma para essas instituições de ensino, presume-se que aquele programa
estivesse relacionado às propostas divulgadas em 1913:
125
126
Fig. 4 – Programa relacionado às propostas de ensino divulgadas na Revista do Ensino, 1913.
No ano de 1920, São Paulo tomou a iniciativa de pôr um fim à dualidade
existente na formação do professor do ensino primário, o qual, naquela época,
poderia optar por atuar na instrução pública primária, por ingressar no Curso
Secundário da Escola Normal ou na Escola Normal Primária.
A Lei 175, de 8 de dezembro de 1920, que procedeu à reforma na
instrução pública, seguida do Decreto 3.356, de 31 de maio de 1921, dispôs que a
instrução pública no Estado de São Paulo compreenderia:
a. ensino primário, de dois anos, que será ministrado em escolas
isoladas, escolas reunidas e grupos escolares;
b. ensino médio, de dois anos que poderá ser ministrado em escolas
reunidas e grupos escolares;
c. ensino complementar, de três anos que será ministrado em escolas
complementares;
d. ensino profissional, que será ministrado em escolas profissionais;
e. ensino secundário especial, que será ministrado em ginásios e
escolas normais;
f. ensino superior, que será ministrado em academias e faculdades
superiores.
127
Reassume, então, lugar preponderante na formação do professor do
ensino primário a Escola Normal da Praça da República
55
, oferecendo um curso
de quatro anos, sendo ministrado para as mulheres no período vespertino e para
os homens, no matutino.
Fazendo um paralelo com o ensino oferecido atualmente, a junção dos
ensinos primário, médio e complementar assemelha-se aproximadamente ao
ensino fundamental.
Os conteúdos matemáticos eram ministrados na Escola Normal da
seguinte maneira: 1.º ano matemática (4 aulas por semana) e 2.º ano
matemática (2 aulas por semana).
O ingresso na Escola Normal previa exames de admissão destinados a
preencher metade das vagas, os quais versariam sobre as matérias do curso
complementar. A parte restante das vagas ficava reservada para os alunos
portadores de diploma da escola complementar anexa, escola-modelo
complementar anexa.
Entende-se, então, que 50% dos candidatos deveriam possuir
conhecimentos de aritmética, logicidade, álgebra e geometria, ou seja, aqueles
que constavam no programa da Escola Complementar.
No ano de 1925, a Escola Normal teve mais um ano acrescentado à
duração de seu curso. Os conteúdos matemáticos aritmética, álgebra e geometria
estavam distribuídos, para ambos os sexos, da seguinte maneira:
1.º ano
Aritmética e álgebra: 5 aulas por semana.
2.º ano
Álgebra (revisão): 2 aulas por semana.
3.º ano
Geometria plana (revisão) e no espaço: 2 aulas por semana.
_____________
55
Escola Normal da Praça da República trata-se da mesma instituição denominada por Escola Normal da
Praça.
128
A Lei 2.269, de 31 de março de 1927, reduziu o período do curso da Escola
Normal de cinco para três anos, sem alteração nos conteúdos nela ministrados
que continuavam a versar sobre aritmética, álgebra e geometria.
O preenchimento das vagas do 1.º ano da Escola Normal realizar-se-ia
conforme a prescrição: exames de matrícula para o 1.º ano para preenchimento
de 20% das vagas. Os 80% das vagas restantes destinar-se-iam aos alunos
diplomados pela escola complementar anexa
56
, mediante concurso, quando o
número de alunos fosse superior ao número de vagas.
Quanto aos conteúdos ministrados, informava o art. 13 da Lei 2.267, de 31
de dezembro de 1927, que haveria um professor para as seguintes aulas:
matemática e logicidade.
O Decreto 4.600, de 30 de maio de 1929, teve por finalidade ajustar a
formação dos professores das escolas preliminares e complementares. Para
tanto, o Estado de São Paulo propôs a duração de cinco anos para Escola Normal
da Praça da República e s demais poderiam ser mistas com duração de três
anos.
Os conteúdos matemáticos na Escola Normal da Praça dividir-se-iam entre
as cadeiras 9.ª e 10.ª, ambas denominadas “matemática”.
O corpo docente para essas cadeiras contaria com um lente de matemática
para as matérias aritmética e álgebra e ainda outro, também de matemática, para
geometria elementar e trigonometria retilínea.
O número de aulas semanais ficou assim distribuído:
Aritmética: 5 aulas no 1.º ano
Álgebra e geometria plana: 4 aulas no 2.º ano
Geometria no espaço e trigonometria retilínea: 3 aulas no 3.º ano.
Os exames de admissão seguiriam o mesmo critério estabelecido em
1927, isto é, 20% deveriam prestar exame de suficiência; 80% das vagas seriam
reservadas aos alunos diplomados pela escola complementar; lembrando que os
_____________
56
As escolas complementares anexas funcionavam anexas às Escolas Normais, destinando-se ao preparo
dos alunos para ingressarem na Escola Normal. Os diplomados por estas escolas tinham direito à vaga
nas escolas normais, independentemente de exame para nelas ingressar.
129
exames versavam sobre pontos do programas das escolas complementares.
Assim sendo, abordariam aritmética, logicidade, álgebra e geometria.
Nas Escolas com período de três anos, o curso compreenderia: aritmética,
álgebra e geometria, com um lente de matemática para todas essas matérias.
As matérias distribuir-se-iam do seguinte modo: aritmética, álgebra, quatro
aulas semanais, no 1.º ano. Para efeitos de promoção, consideravam-se duas
cadeiras, aritmética e álgebra.
Em 1930, instalou-se o Governo Provisório que, em 28 de novembro,
promulgou o Decreto 4.780, o qual retirou do professor o papel fundamental que
lhe havia sido atribuído com o advento da República.
O Governo Provisório, por meio do Decreto 4.780, considerou que em São
Paulo havia escolas reunidas e isoladas, as quais se localizavam tanto na zona
rural como na urbana, sendo regidas por 1.050 professores leigos. Considerou
também que os processos que avaliavam a capacidade profissional dos
professores não estavam seguindo as prescrições da lei, e sim observando as
normas extra-regimentais fixadas pela Comissão Diretora do Partido Republicano
Paulista. Essa conclusão adveio da observação dos processos de nomeação dos
professores nessa época.
Quanto à localização das escolas, então regidas por professores leigos, o
Governo Provisório entendeu que para a escolha da escola deveria prevalecer o
critério do interesse pessoal da maioria dos candidatos, e não o do serviço
público.
Assim sendo, essas escolas teriam sua localização reorganizada e nelas
atuariam professores titulados pela Escola Normal do Estado e, oportunamente,
os professores leigos, após terem sua capacidade profissional comprovada.
Após efetuar essas análises relativas ao ensino no Estado de São Paulo, o
Governo Provisório, por meio do artigo 1.º do Decreto 4.780, entendeu que não
haveria prejuízo nenhum ao ensino, nem diminuição no número de escolas, se
fossem “exonerados, por conveniência do ensino, todos os professores interinos
57
_____________
57
Professor interino – atuava na escola preliminar provisória (LEI 169, art. 2.º).
130
e os professores leigos
58
do Estado, nomeados de acordo com os artigos 39 e 40
da Lei 2.269, de 31 de dezembro de 1927”.
Chega ao fim a República Velha. O novo regime é responsável pela
criação do Ministério de Educação e Saúde, sendo credenciado Francisco Luis da
Silva Campos. À frente dos assuntos educacionais do País, Francisco Campos
promoveu a reforma do ensino secundário e universitário, deixando o Ministério
da Educação em setembro de 1932.
Apenas para informação do leitor, em 21 de fevereiro de 1933 foi
promulgado o Decreto 5.846, que tinha por finalidade regulamentar a formação
dos professores primários e secundários.
Foi então criado o Instituto de Educação em nível universitário, e entre
suas finalidades estava incluída a de formar professores primários e secundários
(DECRETO 5.846, art. 1.º, 1933).
Os professores primários teriam sua formação oferecida pela Escola de
Professores, distribuída nas seguintes seções:
I) Educação;
II) Biologia aplicada a Educação;
III) Psicologia Educacional;
IV) Sociologia Educacional;
V) Prática de Ensino (DECRETO 5.846, art. 3.º, 1933).
A formação dos professores primários abrangeria o período de dois anos e
abrangeria os cursos que fossem necessários, de cada uma das cinco seções
que compreendiam o ensino constante do artigo 3.º (DECRETO 5.846, art. 13,
1933).
Como se pode observar, a partir da instalação do Governo Provisório,
foram promulgados novos decretos demarcando o início de uma nova era para o
ensino primário, o qual foge do período estabelecido para a presente pesquisa.
_____________
58
Professor leigo poderia atuar na escola rural, isolada ou reunida, habilitados por exames prestados
perante uma comissão constituída por um inspetor escolar (art. 39 da Lei 2.269, de 31 de dezembro de
1927).
131
Encerra-se assim a narrativa elaborada a partir do diálogo com as fontes
obtidas e mencionadas ao longo deste trabalho. Parte-se, então, para a análise
de como se estabeleceu a Instrução Pública iniciada a partir da promulgação do
Decreto 27, de 1890, até a exoneração dos professores leigos, estabelecida em
1930, por meio do Decreto 4.780.
Antes, porém, dessas análises propriamente ditas, para uma melhor
sistematização e conseqüente entendimento das mudanças ocorridas no período
de 1890 a 1930, impõe-se a apresentação de um quadro que sintetiza as diversas
medidas legais adotadas pela instituição paulista, informando os conteúdos
matemáticos que deveriam ser ministrados e a modalidade de formação docente
prevista na legislação em vigor naquela época.
4.6 Modificações nas instituições de ensino da Instrução Pública Paulista
(1890-1930)
4.6.1 Escola Normal, 1890
i Duração do curso secundário normal: 3 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 4 semestres.
i Conteúdos ministrados: aritmética, no 1.º ano; álgebra e geometria e
escrituração mercantil no 2.º ano.
i Conteúdos para ingresso: rudimentos de matemática.
i Dispositivo oficial: Decreto 27.
4.6.2 Escola Normal, 1892
i Duração do curso secundário normal: 3 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática:
i Conteúdos ministrados: matemáticas elementares, compreendendo elementos
de mecânica.
i Conteúdos para ingresso: aritmética, geometria e noções de álgebra.
i Dispositivo oficial: Lei 88 da Instrução Pública.
132
4.6.3 Escola Normal, 1893
i Duração do curso secundário normal: 4 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 3 semestres.
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra, geometria e trigonometria.
i Conteúdos para ingresso: aritmética, prática das operações algébricas e
geometria.
i Cadeiras: 6.ª – aritmética e álgebra, 7.ª – geometria e trigonometria com
aplicações à agrimensura.
i Dispositivos oficiais: Lei 169; Decreto 218; Regulamento da Instrução Pública.
4.6.4 Escola Normal, 1894
i Duração do curso secundário normal: 4 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 4 semestres/3 aulas semanais.
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra, geometria e trigonometria.
i Conteúdos para ingresso: aritmética, prática das operações algébricas e
geometria.
i Cadeiras: 6.ª – aritmética e álgebra, 7.ª – geometria e trigonometria com
aplicações à agrimensura.
i Dispositivos oficiais: Decreto 217; Regimento Interno da Escola Normal.
i Alteração: aumento do período dedicado ao ensino de matemática e número
de aulas semanais.
4.6.5 Escola Normal, 1895
i Duração do curso secundário normal: 4 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: não mencionado.
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra, geometria e trigonometria.
i Conteúdos para ingresso: aritmética, prática das operações algébricas e
geometria.
i Cadeiras: 4. ª aritmética e álgebra, 5.ª geometria e trigonometria e noções
de agrimensura.
i Dispositivos oficiais: Lei 374.
133
4.6.6 Escola Complementar, 1985
A Lei 374 aprovou neste mesmo ano que os alunos da Escola Complementar,
assim como os do Ginásio, desde que completassem seus estudos práticos na
Escola-Modelo por um ano, poderiam lecionar nas escolas preliminares.
4.6.7 Escola Normal, 1896
i Duração do curso secundário normal: 4 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 4 semestres.
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra, geometria e trigonometria.
i Conteúdos para ingresso: aritmética, prática das operações algébricas e
geometria.
i Cadeiras: 6.ª aritmética e álgebra, 7.ª geometria e trigonometria e com
aplicações à agrimensura.
i Dispositivos oficiais: Decreto 362; Decreto 397.
4.6.8 Escola Complementar, 1986
i Decreto 400: aprova regimento interno da escola complementar.
i Conteúdos ministrados: aritmética elementar e álgebra até equações do 2.º
grau, inclusive geometria plana e no espaço.
4.6.9 Escola Normal, 1902
i Duração do curso secundário normal: 4 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 4 semestres.
i Conteúdos ministrados: não mencionados.
i Conteúdos para ingresso: aritmética e álgebra.
i Cadeiras: não mencionadas.
i Dispositivos oficiais: Decreto 1.015.
i Alteração: para o exame de ingresso é retirado o conteúdo referente à
geometria.
134
4.6.10 Escola Normal, 1904
i Duração do curso secundário normal: 4 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 2 anos com 3 aulas semanais.
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra, geometria e trigonometria.
i Conteúdos para ingresso: aritmética e álgebra.
i Cadeiras: 5.ª e 6.ª cadeiras: aritmética, álgebra, geometria e trigonometria
(geometria e trigonometria entregue aos lentes de astronomia e mecânica).
i Dispositivos oficiais: Lei 907; Decreto 1.252.
i Alteração: Desvinculação das aplicações ou noções de agrimensura das
cadeiras relativas ao ensino de matemática.
i Redução significativa no número de aulas semanais.
4 6.11 Escola Complementar, 1911
i Duração do curso: 4 anos.
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra, geometria com aplicação às
medidas.
i Conteúdos para ingresso: aritmética.
i Dispositivo oficial: Decreto 2.025, de 29 de março.
4.6.12 Escola Normal Primária, 1912
i Duração do curso secundário normal: 4 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 2 anos.
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra, geometria e trigonometria
i Conteúdos para ingresso: aritmética e álgebra.
i Dispositivos oficiais: Lei 1.311; Regulamento da Escola Normal Primária;
Decreto 2.225.
4.6.13 Escola Normal de Curso Secundário, 1913
i Duração do curso secundário normal: 4 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 2 anos com 3 aulas semanais.
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra, geometria e trigonometria.
i Conteúdos para ingresso:
135
i Cadeiras: 5.ª cadeira matemática compreendendo aritmética, álgebra até
equações do 2.º grau, inclusive geometria e trigonometria; 6.ª cadeira repete
a linha anterior.
i Dispositivos oficiais: Decreto 2.367.
i Alteração: o conteúdo de álgebra, que passa a incluir equações do 2.º grau.
4.6.14 Escola Normal, 1920-1921
i Duração do curso secundário normal: 4 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 4 semestres com 6 aulas
semanais.
i Conteúdos ministrados: matemática com 4 aulas semanais no 1.º ano e 2 no
2.º ano.
i Conteúdos para ingresso: conteúdos da Escola Complementar (aritmética,
álgebra e logicidade).
i Cadeiras:
i Dispositivos oficiais: Decreto 3.356; Regulamenta a Escola Normal da Praça
da República.
i Alteração: número de aulas semanais e conteúdos exigidos para realização do
exame de suficiência, direcionado somente para 20% dos candidatos.
4.6.15 Escola Normal, 1925
i Duração do curso secundário normal: 5 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática: 3 anos, 1.º ano; 5 aulas semanais
no 2.º; 2 aulas semanais; e 3.º ano, 2 aulas semanais.
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra e geometria.
i Conteúdos para ingresso:
i Cadeiras: não mencionadas.
i Dispositivos oficiais: Decreto 3.858.
4.6.16 Escola Normal, 1927
i Duração do curso secundário normal: 3 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática:
i Conteúdos ministrados: aritmética, álgebra e geometria.
136
i Conteúdos para ingresso: permanece a mesma divisão, ou seja, 20% (exame
de suficiência) 80 (alunos da escola complementar).
i Cadeiras: um professor para as aulas de matemática e logicidade.
i Dispositivos oficiais: Lei 2.267.
i Alteração: duração do curso; não aparece a denominação de cadeiras e
acrescenta-se a matéria logicidade.
4.6.17 Escola Normal, 1929: duas modalidades de curso
i Duração do curso secundário normal: a) na Escola da Praça: 5 anos; nas
demais, 3 anos.
i Período dedicado ao ensino da matemática:
i Conteúdos ministrados: a) na Escola da Praça: aritmética, álgebra e geometria
no espaço e trigonometria; b) nas demais: aritmética, álgebra, logicidade e
geometria.
i Conteúdos para ingresso: segue a mesma orientação dada em 1927.
i Cadeiras: a) na (Escola da Praça – 9.ª e 10.ª denominadas por matemática; b)
nas demais – um lente de matemática (aritmética, álgebra e geometria)
i Dispositivos oficiais: Decreto 4.600, de 30 de maio de 1929.
4.6.18 O governo provisório, 1930
Exoneração dos professores interinos, leigos do Estado de São Paulo que foram
nomeados em 1927 pela Lei 2.269.
137
4.7 Quadro sinóptico: 1890 – 1930
Ano Documento Conteúdo ministrado Modalidade de formação
1890 Decreto 27 Aritmética, álgebra e geometria. Curso secundário – Escola
Normal.
1892 Lei 88 da Instrução
Publica
Matemáticas elementares,
compreendendo elementos de
mecânica.
Curso secundário – Escola
Normal.
1893 Lei 169; Decreto 218;
Regulamento da
Instrução Pública
Aritmética, álgebra e geometria. Curso secundário – Escola
Normal.
1894 Decreto 217;
Regimento Interno da
Escola Normal
Aritmética, álgebra e geometria e
trigonometria.
Curso secundário – Escola
Normal.
1895 Lei 374 Aritmética, álgebra; geometria e
trigonometria.
Curso secundário – Escola
Normal.
1896 Decreto 362; Decreto
397.
Decreto 400
Aritmética, álgebra; geometria e
trigonometria.
Aritmética elementar e álgebra
até equações do 2.º grau,
inclusive geometria plana e no
espaço.
Curso secundário – Escola
Normal.
Escola Complementar.
1902 Decreto 1.015 Não mencionados Curso secundário – Escola
Normal.
1904 Lei 907; Decreto 1.252 Aritmética, álgebra; geometria e
trigonometria.
Curso secundário – Escola
Normal.
1911 Decreto 2.025 Aritmética, álgebra, geometria
com aplicação às medidas.
Escola Complementar.
1912 Lei 311; Regulamento
da Escola Normal
Primária; Decreto
2.225
Aritmética, álgebra; geometria e
trigonometria.
Escola Normal Primária.
1913 Decreto 2.367 Aritmética, álgebra
compreendendo até equações do
2.º grau inclusive, geometria e
trigonometria.
Curso secundário da
Escola Normal.
1920 Decreto 3.356;
Regulamenta da
Escola Normal da
Praça da República
Matemática Curso secundário da
Escola Normal
1925 Decreto 3.858 Aritmética, álgebra e geometria. Curso secundário Escola
Normal.
1927 Lei 2.267 Aritmética, álgebra e geometria. Curso secundário Escola
Normal.
1929 Decreto 4.600 Aritmética, álgebra, geometria no
espaço, logicidade e
trigonometria.
Aritmética, álgebra, logicidade e
geometria.
Curso secundário Escola
Normal da Praça, com
duração de 5 anos.
Curso secundário nas
demais Escolas Normais
com duração de 3 anos.
1930 Decreto 4.780 Exoneração dos professores interinos e leigos do Estado de
São Paulo, nomeados em 1927, pela Lei 2.269.
138
Considerações Finais
“E porque há sempre algo a escrever, a cumprir e a
aperfeiçoar, e especialmente porque toda atividade
humana pensada com a escrita, desenvolvida com
base nela e realizada por meio dela é provisória,
inconclusa e parcial, proponho, por hora, um ponto
final.”
L
ÍLIAN DE LACERDA
Inicia-se a parte final deste trabalho com a frase retirada do livro Álbum de
leitura, memórias de vida, histórias de leitoras, de autoria de Lílian de Lacerda,
que se manifesta sobre o permanente movimento de busca inerente aos trabalhos
históricos. Por esse motivo, espera-se que novas investigações possam emergir a
partir desta pesquisa, abordando aspectos ainda não contemplados sobre o tema
elegido para este estudo.
O trabalho versou sobre como a matemática se fez presente na formação
do ensino primário, analisando que tipo de formação em matemática era exigido
para os que desejavam atuar nas primeiras séries da instrução primária paulista a
partir de 1890 e como se modificou até o final da primeira República.
A proclamação da República em 1889 apresentou-se como marco
referencial que alteraria definitivamente a trajetória da Educação, em particular,
no Estado de São Paulo e, posteriormente, no Brasil. Todavia, as mudanças
nesse Estado da Federação não se deram somente no campo educacional.
Para reconhecer as que ocorreram em outros segmentos sociais, fez-se
necessário recorrer a autores que reconstruíram a trajetória de São Paulo quando
139
da sua passagem de Província para Estado, como Carlos Monarcha, Rosa Fátima
de Souza, Leonor Tanuri, entre outros.
Foi por meio desses relatos que se descortinou um cotidiano cuja neblina
encobria tristes paulistanos caminhando por ruas silenciosas, que rapidamente se
transformaram em movimentadas vias, cujas placas nominativas acatavam um
único aviso: São Paulo não pode parar.
Atentos a essa advertência, os republicanos confiaram na educação
elementar para elevar o Brasil ao nível dos países desenvolvidos.
Dessa forma, eles passaram a investir no oferecimento de um ensino
apartado dos dogmas da igreja católica, reconhecido como leigo.
Para iniciar essa empreitada, os republicanos paulistas depositaram suas
esperanças na Escola Normal de São Paulo que, num primeiro momento, foi a
instituição escolar responsável pela formação do professor do ensino primário.
No entanto, a Escola Normal do Estado de São Paulo tinha sua
existência assinalada desde a metade do século XIX, fruto da “estratégia”
imperial, ao delegar às Províncias o encargo de legislar sobre a instrução pública,
regulamentar e promover a educação primária e secundária. Viram-se, então, as
Províncias na contingência de criar instituições próprias para formar professores
que atuassem no curso primário.
A partir de 1846, a Escola Normal de São Paulo teve sua trajetória
marcada por solenidades que anunciavam sua abertura e pelo abrupto
encerramento de suas atividades.
É no regime republicano que a Escola Normal se fixou com a incumbência
que desde sempre lhe fora atribuída, ou seja, proporcionar a formação intelectual
e moral àquele que se destinava à carreira do magistério.
Nessa época, desejava-se formar professores que não se encarregassem,
exclusivamente, da alfabetização, mas sim de oferecer um ensino que
concorresse para o engrandecimento do povo paulista.
140
No cerne deste ensejo substituiu-se a simplória Escola das Primeiras
Letras pela arrojada instituição, criada em 1893, que predominaria até a década
de 70 do século XX, conhecida por Grupo Escolar.
Uma mudança de tais proporções requisitou da instituição encarregada da
formação docente dos que iriam atuar nos Grupos Escolares que ela se utilizasse
de “estratégias”, no sentido que lhe conferiu Michel De Certeau para esse termo.
Os dispositivos oficiais incumbiram-se, então, de apresentar a Escola
Normal como local de onde partiam as estratégias endereçadas ao professorado
paulista.
O artigo 311 e seus incisos da Lei 169, promulgada em 7 de agosto de
1893, ao revelar as incumbências da Congregação da Escola Normal, formada
pelo respectivo diretor, pelos lentes catedráticos e pelo(a) diretor(a) da Escola-
Modelo Anexa, encarregou-se de esclarecer a afirmação acima.
Como mencionado, à Congregação competia organizar o programa
definitivo do ensino secundário; organizar em detalhe o programa dos concursos
para admissão à matrícula; informar e dar parecer e organizar os trabalhos sobre
instrução pública, sempre que o Governo o exigisse, como auxiliar técnico; propor
reformas e melhoramentos como convinham ao ensino normal secundário e
superior e ao ensino primário.
Entende-se que o Governo promulgava as leis, as quais eram prévia e
indiretamente estabelecidas pelos componentes da Escola Normal.
Nesse compasso, reconstrói-se de maneira positiva o perfil do professor,
ou seja, de insatisfeito com sua profissão na época do Império, ele,
orgulhosamente, passa a incorporar o corpo docente da instrução pública do
Estado de São Paulo.
É por esta razão que Faria Filho (1999) alerta que não se devem
reconhecer os pressupostos legislativos como propostos somente em favor da
elite.
141
No presente caso, os professores passaram a fazer parte de um novo
contexto cultural, que os colocaria, como diz Julia (2001), perante as
possibilidades de êxito ou de fracasso.
Um desafio a ser por eles enfrentado, que teve início na substituição do
ensino mútuo pelo intuitivo, passando a vigorar na comunidade escolar o respeito
ao desenvolvimento intelectual da criança.
O registro, fornecido pelos dispositivos oficiais, revelam que os conteúdos
matemáticos oferecidos pela Escola Normal, denominados então por “matérias”,
não sofreram grandes alterações.
Em 1890, inicia a lista dos programas relacionados à disciplina matemática,
contendo as matérias aritmética, álgebra e geometria, que se repetem em 1893,
1925 e 1927.
A essas foi acrescentada a de trigonometria, no ano de 1894, que passou a
ser novamente indicada em 1895, 1904, 1912 e 1929.
Dessa forma, pode-se dizer que os conteúdos do Curso Secundário da
Escola Normal de São Paulo na “República Velha” (1889-1930) giraram em torno
da aritmética, álgebra, geometria e trigonometria.
Em particular, nos anos de 1892 e 1911 registrou-se que, associados à
disciplina matemática, encontravam-se temas relativos à formação do trabalhador.
Foram eles, respectivamente, elementos de mecânica e geometria com aplicação
às medidas.
Os anos de 1896 e 1913 chamam a atenção por serem idênticos os
conteúdos matemáticos propostos para a Escola Complementar (1896) e para o
Curso Secundário da Escola Normal. Em ambos está explicito que o conteúdo de
álgebra deveria compreender até equações do 2.º grau, inclusive. Pode-se, então,
pressupor que os conteúdos de álgebra não eram acompanhados dessa
observação e abrangeriam os estudos pertinentes à equação do 1.º grau.
Contudo, o registro das alterações referentes às mudanças nos conteúdos
oferecidos pelo Curso Secundário da Escola Normal e pela Escola
Complementar, convertida em Escola Normal Primária, deixou a desejar, se
142
observado somente pela prescrição legal e desconsiderando a produção que ela
cria ao seu redor.
Foi no diálogo mantido com os dispositivos oficiais e as publicações da
Revista do Ensino que se revelou como a Matemática se fez presente na
formação do professor da instrução pública paulista.
Ela se deu em meio a fervorosos elogios a determinados autores, acirradas
críticas a outros e discursos entremeados pela intervenção governamental, que
exigia que fossem discutidos com os docentes os métodos de ensino e as
adequadas atividades para o acertado desenvolvimento dos conteúdos
matemáticos.
No cerne dessa confabulação envolvendo aqueles interlocutores, quais
sejam os legisladores e os membros que protagonizaram o ensino público
daquela época, é que surgiu a indicação do método desenvolvido Francis Parker.
Ele é o autor das propaladas Cartas que levam seu nome, as quais foram
divulgadas na Revista do Ensino, a partir de 1902.
Esse autor foi considerado um dos únicos que se apropriaram dos dogmas
do ensino intuitivo, de modo a transferi-los adequadamente para as crianças,
durante as primeiras noções da aritmética.
Atento ao conhecimento que elas traziam do lar ao ingressar na escola,
Parker primou por iniciar o conceito de número, servindo-se do visível, do
palpável, e sobre este provocar a reflexão, abrindo assim as portas para o
domínio das idéias. Em outras palavras, ele partia do concreto para o abstrato.
Com menor freqüência aparece o nome de outro estudioso, cujos princípios
e métodos comungam com os elaborados por Parker. Trata-se de Grube, que
também se debruçou sobre o ensino da aritmética direcionado às crianças.
Tanto Parker quanto Grube são indicados por Arnaldo Barreto, o qual
veemente se contrapôs à ordem clássica existente em certos livros didáticos,
editados entre 1902 e 1903. Sua objeção iniciava-se pela introdução do conceito
de número de maneira abstrata, seguido de regras, demonstrações e problemas
143
que poderiam ser solucionados pelas crianças desde que utilizados
“estratagemas” para que elas chegassem à resposta desejada.
Em 1903, Arnaldo Barreto saiu vitorioso, no que se pode denominar como
debate “metodológico”, ao anunciar que todos os Grupos Escolares seriam
providos, no que diz respeito ao ensino da aritmética, pelas Cartas de Parker.
Assim sendo, as prescrições legislativas promulgadas logo após a
Proclamação da República incrementaram a reflexão sobre a maneira apropriada
de iniciar a criança no mundo dos conceitos matemáticos.
A adoção do método intuitivo possibilitou maior diversificação do material
didático aos educadores daquela época, como condição necessária para garantir
bons resultados no ensino da matemática. Nesse sentido, fizeram-se presentes
no cotidiano escolar as Cartas de Parker, compassos, contadores mecânicos e
outros materiais, evidenciando-se a incessante tentativa de tornar o ensino mais
eficiente.
Traça-se, então, uma trajetória de mão dupla que parte dos dispositivos
oficiais e alcançam a ponderação sobre as práticas do ensino e estas retornam
expressas em novas reformas, promulgadas por decretos, seguidos de novos
regulamentos.
Uma comunhão que põe em destaque o ano de 1911, quando o Decreto
2.004 aprova o Regimento Interno das Escolas-Modelo Isoladas e propõe aos
professores dessas instituições o uso das Cartas de Parker.
Nesse sentido, observa-se uma tática de apropriação efetuada pelos
legisladores, os quais se utilizaram das discussões mantidas na imprensa
pedagógica para implementar novas leis, que recomendavam expressamente
novas metodologias, como as citadas Cartas de Parker. A Revista Pedagógica,
nesse contexto, foi fonte privilegiada, porquanto voltada aos professores,
organizou e se constituiu na cultura pedagógica necessária à prática docente.
Nesse momento, considera-se que se consolida neste trabalho a
concepção de Faria Filho, que percebe na produção que se cria ao redor dos
144
dispositivos oficiais material imprescindível para que se autentique como o fazer
pedagógico é perpassado pela legislação e chega até a sala de aula.
Por tanto, entende-se que a presença da matemática na formação do
professor primário paulista entre 1890 e 1930 seguiu o curso natural de
apropriação e reapropriação das concepções, as quais emanavam da leitura da
legislação e de textos da imprensa pedagógica.
É nesse exercício que se recupera o que muito foi ressaltado no
Relatório da Instrução Pública
59
(1852), ou seja, vive-se sob a estratégia que se
faz conhecer pela elaboração de uma lei, que, num primeiro momento, se impõe
acima da vontade dos homens. Todavia, o sentimento e as crenças destes
últimos, amoldados às suas necessidades, criam táticas fazendo com que a lei
fosse parcialmente cumprida pelas convenções humanas. Em outras e sucintas
palavras, a lei emana do curso natural dos acontecimentos e dos procedimentos
que os homens têm diante deles.
_____________
59
Relatório da Instrução Pública elaborado pelo Dr. Diogo Mendonça, 1852, constante do Anuário do Ensino,
1908.
145
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155
156
Anexos
Anexo 1
Das quatro operações e a teoria dos quebrados ao estudo de trigonometria
ANO DCOMENTO CONTEÚDO MATEMÁTICO
1827
Lei de 15 de outubro Quatro operações da aritmética, prática dos quebrados,
decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria
prática.
1854
Decreto nº. 1331 - 18 de
janeiro
Princípios elementares de matemática, sistema de pesos e
medidas, geometria elementar.
Desenvolvimento do estudo de pesos e medidas utilizadas
no Município da Corte, das Províncias do Império e das
Nações com as quais o Brasil mantinham mais relações
comerciais.
1855
Instruções: verificação da
capacidade dos
professores e provimento
de cadeiras da instrução
primária- 05 de janeiro
Para os professores: aritmética e sistema de pesos e
medidas do Império. (Somente prova escrita)
1876
DECRETO 6379
Cria no município da
corte duas escolas
normais primárias 30
de novembro
ano aritmética até logaritmos; álgebra até equações do
2º grau; metrologia; sistema legal de pesos e medidas.
2º ano – geometria plana, regras de escrituração mercantil.
3º ano – nada consta.
1877
Decreto 6478
18 de janeiro
INSTRUÇÃO PRIMÁRIA ELEMENTAR – 1º grau
Princípios elementares de aritmética; Sistema Legal de
Pesos e Medidas;
INSTRUÇÃO PRIMÁRIA COMPLEMENTAR – 2º grau
Desenvolvimento das disciplinas de grau acrescidas de:
Álgebra Elementar e Geometria Elementar.
1879
Decreto nº. 7247 - 19 de
abril
grau - Princípios elementares de aritmética, Sistema
Legal de Pesos e Medidas;
2º grau - Princípios de álgebra e geometria.
ESCOLA NORMAL
Aritmética, Álgebra e Geometria.
1880 Decreto nº. 7684 06 de
março
ESCOLA NORMAL
1ª Série - matemática
Série álgebra até equação do grau e Geometria
Plana.
157
1881 Decreto nº. 8025 16 de
março
ESCOLA NORMAL
1ª série-4ª CADEIRA-Aritmética: estudo teórico e prático
série CADEIRA- álgebra, geometria e trigonometria;
álgebra até equações do grau a uma incógnita.
Geometria elementar, estudo completo; exercícios e
problemas; noções de trigonometria retilínea.
1882 Aditamento n.º 04 09
de janeiro
grau - Princípios elementares de aritmética, Sistema
Legal de Pesos e Medidas;
2º grau - Princípios de álgebra e geometria.
ESCOLA NORMAL
Aritmética, Álgebra e Geometria.
1883 Decreto nº. 8985 11 de
agosto
1º grau - Princípios elementares de aritmética, Sistema
Legal de Pesos e Medidas;
2º grau - Princípios de álgebra e geometria.
ESCOLA NORMAL
Aritmética, Álgebra e Geometria.
1890 Decreto nº. 407 17 de
maio
ESCOLA NORMAL Exame de admissão: aritmética
prática, compreendendo as quatro operações sobre os
números inteiros, frações ordinárias e decimais, noções do
sistema decimal e morfologia geométrica.
Ensino na ESCOLA NORMAL: aritmética, álgebra e
geometria preliminar, trigonometria, noções de cálculo e
geometria geral.
1890 Decreto 981 08 de
novembro
Regulamentação da
instrução primária na
Corte
grau- contar e calcular, aritmética prática até regra de
três, mediante o emprego, primeiro dos processos
espontâneos e depois dos processos sistemáticos, sistema
métrico precedido do estudo da geometria prática:
grau: aritmética (estudo complementar); álgebra
elementar; geometria e trigonometria.
158
Anexo 2
PROVAS
159
160
161
162
163
164
165
166
167
168
169
170
171
172
173
174
175
176
177
178
179
180
181
182
183
184
185
186
187
188
189
190
191
192
Anexo 3
CARTAS DE PARKER
Material didático elaborado por Francis Wayland Parker (1837,1902)
recomendado ao professorado paulista pelos gestores da Revista do Ensino, nas
edições datadas em 1902/1903.
193
194
195
196
197
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
213
214
215
216
217
218
219
220
221
222
223
224
225
226
227
228
229
230
231
232
233
234
235
236
237
238
239
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