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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
CLAUDEMIR FIGUEIREDO PESSOA ONASAYO
FATORES OBSTACULARIZADORES NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI
10.639/03 DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E AFRICANA NA
PERSPECTIVA DOS/AS PROFESSORES/AS DAS ESCOLAS PÚBLICAS
ESTADUAIS DO MUNICÍPIO DE ALMIRANTE TAMANDARÉ-PR
CURITIBA
2008
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CLAUDEMIR FIGUEIREDO PESSOA ONASAYO
FATORES OBSTACULARIZADORES NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI
10.639/03 DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E AFRICANA NA
PERSPECTIVA DOS/AS PROFESSORES/AS DAS ESCOLAS PÚBLICAS
ESTADUAIS DO MUNICÍPIO DE ALMIRANTE TAMANDARÉ-PR
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação - PPGE, Setor
de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal do Paraná, como parte
das exigências para a obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Tania Maria
Baibich-Faria
CURITIBA
2008
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CLAUDEMIR FIGUEIREDO PESSOA ONASAYO
FATORES OBSTACULARIZADORES NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI
10.639/03 DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E AFRICANA NA
PERSPECTIVA DOS/AS PROFESSORES/AS DAS ESCOLAS PÚBLICAS
ESTADUAIS DO MUNICÍPIO DE ALMIRANTE TAMANDARÉ-PR
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação - PPGE, Setor
de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal do Paraná, como parte
das exigências para a obtenção do título de
Mestre em Educação.
Aprovado em 26/06 /2008.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Tânia Maria Baibich-Faria (Presidente) - UFPR
Prof. Dr. Walter Lúcio de Alencar Praxedes (Titular) - UEM
Profa. Dra. Leilah Santiago Bufrem (Titular) - UFPR
iv
DEDICATÓRIA
Para Soraia Cristina Blank,
que renova a cada dia em mim e comigo as esperanças de uma sociedade e de uma
Escola sem preconceitos.
Para Bela, Dona Iraci e Iyagunã,
Mães que me iniciaram na vida e nos segredos da sobrevivência nesta sociedade
racista brasileira.
Para todos/as os/as meus/minhas filhos/as e sobrinhos/as,
Eduardo, Fernando, Karen, Kayodé, Pedro, Oluodé, Claudinho, Claudinha, Amanda
e Laisa com renovadas esperanças de que o combate ao racismo brasileiro terá uma
continuidade melhor qualificada.
Aos meus irmãos e irmãs,
Cláudio, Sandra, Geraldo e Paula com o sincero desejo de que as memórias das
misérias que passamos em nossa infância e adolescência nos sirvam de alimento
para a construção de uma solidariedade ativa agora e na busca de nossas melhorias
enquanto seres humanos.
Para todo o meu povo afrodescendente e os/as seus/as melhores militantes da luta
pelo antipreconceito,
o desejo de uma caminhada com passos cada vez mais rígidos e conscientes de
que precisamos ser, a exemplo da luta dos povos que sofreram os horrores do
holocausto, “milhões de vezes um!”
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço com extremado reconhecimento e respeito à minha Orientadora
Profa. Dra. Tânia Maria Baibich-Faria, pela delicadeza aliada ao rigor com que
conduziu a minha presença dentro da academia e na elaboração deste trabalho,
pelo respeito à diversidade e solidariedade humanas, pelas lições de Educação para
a Paz e por ter contribuído para que eu me tornasse uma pessoa melhor após estes
tempos vividos no Programa de Pós Graduação em Educação. A sua experiência e
dedicação profissionais aliadas ao empenho pessoal na defesa de uma Escola
Pública de qualidade me fizeram compreender melhor o porquê que a Escola é tão
importante para os/as afrodescendentes do Brasil.
Aos professores/as da banca do Exame de Qualificação que fizeram
importantes contribuições para melhor elaboração e construção do texto desta
pesquisa: Prof. Dr. Henrique Cunha Jr., da Universidade Federal do Ceará, Prof.
Walter Praxedes, da Universidade Estadual de Maringá, Prof. Dr. Pedro Bodê, da
Universidade Federal do Paraná, à Profa. Leilah Santiago Bufrem, da Universidade
Federal do Paraná, UFPR, com os quais muito aprendi sobre minha
afrodescendência, bem como a importância de se elaborar cientificamente sobre a
temática da História e Cultura Afrobrasileira e Africana.
À todos/as os/as professores/as do Mestrado em Educação que muito
contribuíram para que hoje, além de saber mais, eu também tenha mais dúvidas e
menos certezas e muito mais vontade de continuar esta caminhada.
Aos meus/minhas colegas de aulas que com suas contribuições, dúvidas,
questionamentos, incertezas me proporcionaram momentos profundos de também
muitas dúvidas e questionamentos sobre como melhor me preparar para responder
ao objeto da pesquisa. Uma tarefa nada fácil, pois trata-se de uma dimensão de
combate ao racismo brasileiro e da construção de uma didática e uma Pedagogia do
Antipreconceito.
Aos vários/as companheiros/as de caminhada dos vários Movimentos Negros
paranaenses com quem aprendi em relação às primeiras críticas sistematizadas
sobre a discriminação racial, o preconceito, o racismo velado e exposto e sobre as
desigualdades sociais, onde aprendi o significado da luta organizada e coletiva da
classe trabalhadora, pelas ruas e por dentro das academias. Quero destacar aqui
vi
Frei David de Oliveira, Dalzira Maria Aparecida Iyagunã, Romeu Gomes de Miranda,
Padre Renato, Irmã Emirene, Paulo Borges, Jorge Arruda para relembrar
alguns/mas dos mais velhos. Bem como Lena Garcia de Souza, Luiz Carlos Paixão
da Rocha, Janeslei Aparecida Albuquerque, Tânia Lopes, Jair Santana, Edimara
Soares, Jaime Tadeu, Vera Kanaombo, Paulo Tchan, Waldemar Alfaiate, Célia
Torkarki, Neuto Damásio, para lembrar alguns/mas dos mais novos/as nesta luta de
combate ao racismo brasileiro e paranaense.
À minha amiga Tâmara Ritter, Capoeirista Gata Magra, que esteve presente
ao meu lado em boa parte desta caminhada. Embora fizesse profundas críticas ao
papel da academia enquanto (re) produtora de discriminações e preconceitos,
incentivou-me, consolou-me, encorajou-me, proporcionou-me seguranças para o
enfrentamento consciente ao racismo brasileiro e paranaense. Um ser humano de
grande coração e cujo apoio e confiança foram decisivos para a concretização inicial
deste trabalho. Com ela reaprendi a amar a vida.
À Universidade Federal do Paraná por garantir a possibilidade de ensino
público e gratuito para que filhos e filhas da classe trabalhadora possam continuar
sonhando e realizando o sonho de ingressar no Ensino Superior em todos os níveis.
Ao Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, especialmente
àqueles e àquelas que mantêm viva a defesa de princípios e o sentido dessa
palavra, tendo força moral para criticar a apropriação privada do Ensino Superior no
Brasil.
À Darci, secretária do Mestrado em Educação, sempre disponível,
competente, atenciosa e com todas as informações que facilitam a vida de todos
nós; À Dona Chiquinha, afrodescendente e funcionária, com seu sorriso encorajador,
uma presença singular no PPGE da UFPR. À Irene que me fez sentir melhor sempre
me relembrando os prazos apertados que eu deveria cumprir para ajudar na
construção dos trabalhos de todos/as.
Às duas funcionárias dos serviços gerais, Inês e Arcinda, ambas
trabalhadoras pobres, que com seus sorrisos fartos limpavam os caminhos e as
salas por onde estudávamos. Não passaram desapercebidas por mim em nenhum
momento. Mulheres apaixonantes.
Ao meu pai João Ademário Pessoa, o João Beirinha, (saudosa e agradável
memória), pescador, grande homem, grande pessoa que me fez sentir-me mais
solidário em relação aos meus irmãos e aos amigos/as também adolescentes em
vii
minha caminhada de jovem, ao vivermos cercados por um oceano de miséria e
pobreza.
Á minha mãe Maria Amélia Figueiredo de Melo, Dona Bela, pois eu nada
seria nem os meus irmãos e irmãs, se ela não tivesse passado fome para nos
proteger, lavando roupa dos outros e vendendo água de galão para dar comida a
todos/as nós, nada desta caminhada em minha vida teria acontecido.
Aos meus filhos e filha que desde cedo, diferentes de mim, podem
compreender a beleza da diversidade cultural da humanidade, principalmente nas
diferenças que nos fazem afrodescendentes e universais. Estas crianças e
adolescentes são o meu melhor presente para todo o meu povo afrobrasileiro e
africano.
Ao meu povo afrodescendente, de todas as etnias, de todos os cantos deste
país e por onde estiverem dispersos no mundo pelo horroroso crime de lesa
humanidade que foi o tráfico negreiro e a mercantilização da escravidão humana:
ainda seremos, como aprendi com minha orientadora, milhões de vezes um!
viii
EPÍGRAFE
“A educação de base africana é um exercício de contar histórias e provérbios, de
aprender trabalhando e de se permitir reconhecer a sua sociedade. As danças, os
cânticos, as músicas e os ritmos são as formas de se repetir essas histórias. Na
minha educação faltaram as danças e os cânticos, mas a memória coletiva
proporcionou muitas e muitas histórias. Histórias que reproduziram uma ampla
pedagogia de reflexão sobre a dignidade humana, sobre a persistência e sobre a
insistência em torno de pequeno projeto de vida: ser feliz, ser consciente de si,
participar do coletivo.”
(Henrique Cunha Junior em “Tear Africano – contos afrodescendentes”, 2004)
ix
RESUMO
Analisa a Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003, e os principais fatores
obstacularizadores de sua implementação nas Escolas Públicas do Município de
Almirante Tamandaré na perspectiva dos/as professores/as. Buscou-se
compreender e analisar o pensamento e as práticas dos/as professores/as das
Escolas Públicas do Município de Almirante Tamandaré em relação ao racismo, à
discriminação e aos preconceitos ocorridos no ambiente escolar e o que pensam
sobre a implementação e os obstáculos da Lei 10.639/03. Tinha-se como objetivo
encontrar respostas para as seguintes questões: (a) qual a eficiência da Lei
10.639/2003, que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura
Afrobrasileira e Africana nas Escolas Públicas e privadas brasileiras no combate a
todo e qualquer tipo de discriminação, racismo e preconceito no ambiente escolar?
(b) Por que a Lei 10.639/03 que completou cinco (05) anos de sua publicação,
efetivamente não foi implementada? Quais os fatores obstacularizadores que podem
ser destacados nesta ação não-ação dos/as professores/as na visão desses/as
sujeitos? E (c) Quais as causas identificadas pelos/as professores/as como sendo as
principais dificuldades para a implementação da lei? Para encontrar tais respostas
buscou-se conhecer a realidade através de dois questionários semi-estruturados, os
quais foram respondidos por professores/as de dez entre as dezessete Escolas
Públicas estaduais de Almirante Tamandaré. Ao analisar-se a realidade a partir das
respostas desses/as sujeitos escolares, pode-se constar que (i) o pressuposto de
que a Lei 10.639/03 é um importante instrumento para o resgate da História e
Cultura Afrobrasileira e Africana, essencial para a construção de uma sociedade sem
racismos, sem discriminações e sem preconceitos que hoje afetam metade da
população brasileira, os/as afrodescendentes; (ii) que a Escola e os/as
educadores/as cumprem um papel protagonista na construção da pluralidade
cultural no processo educacional; (iii) que para cumprir este papel os/as
educadores/as precisam romper com uma prática preconceituosa que, consciente ou
inconscientemente, (re) produz o racismo nos ambientes escolares; (iv) e que o
Estado brasileiro deve ser responsável pelo fornecimento amplo de acesso dos/as
educadores/as à formação continuada, teórico-prática, que subsídios a estes/as
profissionais para o efetivo trabalho de reconhecimento e valorização da diversidade
cultural peculiar ao ambiente escolar. Reflete-se nesta análise algumas importantes
considerações sobre as noções de raça e etnia.
Palavras chaves: Racismo. Lei 10.639/03. Afrodescendência. Obstáculos à
implementação da Lei. Antipreconceito.
x
ABSTRACT
Summary It analyzes Law 10,639, of 09 of January of 2003, and the main factors
obstacularizadores of its implementation in the Public Schools of the City of Almirante
Tamandaré, in the perspective of /as professors’/as. Since the decade of 1980, the
sedimentations of subordinate social papers and the to remain of racist stereotypes
had been denounced, carried out for afro descending personages. It was pointed, in
the measure where these practical affected afro descending children and
adolescents and white/as in its formation, destroying auto-they esteem of the first
group and crystallizing, in as, images negative and lower of the person afro
descending, impoverish, in both, the human relationship and limiting the exploratory
possibilities of the ethnic-racial and cultural diversity. From this reflection, it is
necessary to problematical the following one: which the efficiency of Law 10,639/03,
that it institutes the obligatoriness of the education of History and Culture Afro-
Brazilian and African in the Public Schools and Private Brazilians, in what says
respect to the construction of a pertaining to school resume that respects the deep
diversity that exists in the pertaining to school environment, fighting any type of
discrimination, racism and preconception? Why Law 10,639/03 that already it
completed five (05) years of its publication, was effectively not implemented in the
classrooms and the pertaining to school environment? Which the factors
obstacularizadores that can be detached in this action not-action of /as
professors’/as? Which the causes identified for /as professors’/as as being the main
difficulties for the implementation of the Law? Considering (i) estimated of that Law
10,639/03 is an important instrument for the rescue of History and Culture Afro-
Brazilian and African, essential for the construction of a society without racisms,
discriminations and preconceptions that today affect half of the Brazilian population,
the afro descending; (II) that the School and the educators/as fulfill to a paper
protagonist in the construction of the cultural plurality in the educational process; (III)
that to fulfill to this paper the educators/as needs to breach with one practical
prejudiced that, conscientious or unconsciously, (reverse speed) produces racism in
pertaining to school environments; (IV) and that the Brazilian State must be
responsible for the ample supply of access of the educators/as to the continued
formation, theoretician-practical, that it gives to professional subsidies the for the
effective work of recognition and valuation of peculiar the cultural diversity to the
pertaining to school environment. Some important considerations on the race slight
knowledge and ethny are reflected. This research searched to analyze the thought
and practical of professors’/as of the Public Schools of the city of Almirante
Tamandaré in relation to racism, the discrimination and the preconceptions occurred
in the pertaining to school environment and what they think on the implementation
and the obstacles of Law 10.639/03.
Words keys: Racism. Law 10,639/03. Ethning. Afro descending. Discrimination.
Preconception. Obstacles to the implementation of the Law. Antipreconception.
History and Culture Afro-Brazilian and African.
xi
RESUMEN
Analiza la Ley 10.639, de 09 de enero de 2003, y los principales hechos
obstacularizadores de su implementación en las Escuelas Públicas del Municipio de
Almirante Tamandaré en la perspectiva de los/las profesores/as. Se ha buscado
comprender y analizar el pensamiento y las prácticas de los/las profesores/as de las
Escuelas Públicas del Municipio de Almirante Tamandaré en relación al racismo, a la
disminución y a los perjuicios ocurridos en el ambiente escolar y lo qué piensan
sobre la implementación y los obstáculos de la Ley 10.639/03. El objetivo fue
encontrar contestaciones para las siguientes cuestiones: (a) cuál la eficiencia de la
Ley 10.639/2003, que instituye la obligatoriedad de la enseñanza de Historia y
Cultura Afro-brasileña y Africana en las Escuelas Públicas y privadas brasileñas en
el combate a todo y cualquier tipo de disminución, racismo y perjuicio en el ambiente
escolar? (b) Por qué la Ley 10.639/03 que ya ha completado cinco (05) años de su
publicación, en efectivo no fue implementada? Cuáles los hechos obstacularizadores
que pueden ser destacados en esta acción no-acción de los/las profesores/as en la
visión de estos/as sujetos? y (c) cuáles las causas identificadas por los/las
profesores/as como siendo las principales dificultades para la implementación de la
ley? Para encontrar estas contestaciones se ha buscado conocer la realidad a través
de dos investigaciones semi-estructurados, los cuáles fueron contestados por
profesores/as de diez entre las diecisiete Escuelas blicas estaduales de Almirante
Tamandaré. Al analizarse la realidad a partir de las contestaciones de estos/as
sujetos escolares, se puede constar que (i) el presupuesto de que la Ley 10.639/03
es un importante instrumento para el rescate de la Historia y Cultura Afro-brasileña y
Africana, esencial para la construcción de una sociedad sin racismos, sin
disminuciones y sin perjuicios que hoy afectan mitad de la población brasileña,
los/las afrodescendentes; (ii) que la Escuela y los/las educadores/as cumplen un
papel protagonista en la construcción de la pluralidad cultural en el proceso
educacional; (iii) que para cumplir este papel los/las educadores/as precisan romper
con una práctica perjuiciosa que, consciente o inconscientemente, (re) produce el
racismo en los ambientes escolares; (iv) y que el Estado brasileño debe ser
responsable por el fornecimiento amplio de acceso de los/las educadores/as a la
formación continuada, teórico-práctica, que subsidios a estos/as profesionales
para el efectivo trabajo de reconocimiento y valoración de la diversidad cultural
peculiar al ambiente escolar. Se refleja en esto análisis algunas importantes
consideraciones sobre las nociones de raza y etnia.
Palabras claves: Racismo. Ley 10.639/03. Afrodescendencia. Obstáculos a la
implementación de la Ley. Antiperjuicio.
xii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................14
CAPÍTULO 1: OS CAMINHOS PERCORRIDOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA
PEDAGOGIA DO ANTIPRECONCEITO...................................................................24
1.1 O encontro com o racismo..................................................................................27
1.2 O encontro com a academia..............................................................................31
1.3 O encontro com o objeto....................................................................................33
1.4 O encontro com Almirante Tamandaré..............................................................36
1.5 A aproximação com os resultados da pesquisa.................................................43
CAPÍTULO 2: QUEM É O AFRODESCENDENTE NO BRASIL?.............................51
2.1 A conceituação de negro, afro-brasileiro e afrodescendência............................55
2.2 Conceituação de raça e etnia..............................................................................56
2.3 O racismo no Brasil.............................................................................................59
2.4 A situação do afrodescendente no Brasil............................................................86
2.5 A situação do afrodescendente no Paraná.........................................................88
2.6 As resistências dos Movimentos Sociais Negros................................................94
CAPÍTULO 3: A LEI 10.639/03 QUE DETERMINA O ENSINO DE HISTÓRIA E
CULTURA AFROBRASILEIRA E AFRICANA E OS FATORES
OBSTACULARIZADORES PARA SUA EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO NO
COTIDIANO ESCOLAR DAS ESCOLAS PÚBLICAS DE ALMIRANTE
TAMANDARÉ-PR.....................................................................................................99
3.1 Algumas considerações sobre a Lei 10.639/03..................................................99
3.2 Olhar analítico sobre a implementação da Lei 10.639/03 nas Escolas Públicas
de Almirante Tamandaré PR e os fatores obstaculizadores na visão dos/as
professores/as.........................................................................................................106
xiii
3.3 Os bastidores dos autodenominados “projetos de Implementação da Lei” das
Escolas que reconhecem a importância da Lei 10.639/03......................................114
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................118
ANEXO QUESTIONÁRIO I.....................................................................................121
ANEXO QUESTIONÁRIO II....................................................................................124
ANEXO III A LEI 10.639/03………………………………………...............................128
ANEXO IV Parecer 003/2004 do Conselho Nacional de Educação…....................130
ANEXO V Instrução 17/06 da Superintendência da Educação da
SEED/PR.................................................................................................................149
ANEXO VI DELIBERAÇÃO 04/2006 Do Conselho Estadual de Educação do
Paraná.....................................................................................................................153
REFERÊNCIAS.......................................................................................................167
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
CLAUDEMIR FIGUEIREDO PESSOA ONASAYO
FATORES OBSTACULARIZADORES NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 DE
HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E AFRICANA NA PERSPECTIVA
DOS/AS PROFESSORES/AS DAS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DO
MUNICÍPIO DE ALMIRANTE TAMANDARÉ-PR
CURITIBA
2008
14
INTRODUÇÃO
Não é possível conhecer verdadeiramente a história do
Brasil sem o conhecimento da história e da origem dos
povos que deram origem à nação brasileira.
Henrique Cunha Junior (1996, mimeo)
A Educação é uma das áreas dentre as quais figura o maior mero de
experiências concretas e de produção teórica nos trabalhos desenvolvidos pelos
Movimentos Sociais Negros contemporâneos. Segundo a Professora Maria
Aparecida (Cidinha) da Silva
1
(2001, p. 65-82), desde o início da década de 1980,
denunciaram-se as sedimentações de papéis sociais subalternos e a reificação de
estereótipos racistas, protagonizados por personagens afrodescendentes. Apontou-
se que havia racismo nas práticas escolares, e, na medida em que essas práticas
afetavam crianças e adolescentes afrodescendentes e brancos/as em sua formação,
destruindo a auto-estima do primeiro grupo e cristalizando, no segundo, imagens
negativas e inferiorizadas da pessoa afrodescendente, empobrecendo em ambos o
relacionamento humano e limitando as possibilidades exploratórias da diversidade
étnico-racial e cultural.
No que se refere aos currículos escolares, chamou-se a atenção para a
ausência dos conteúdos ligados à cultura Afrobrasileira e à história dos povos
africanos no período anterior à chegada de colonizadores europeus. Houve várias
iniciativas de inclusão destes temas nos currículos formais das Escolas ou mesmo
de redes de ensino de algumas cidades brasileiras, entre elas podemos citar
Brasília, Florianópolis, Curitiba e outras cidades do Paraná. Entretanto, esbarrou-se
no problema da falta de formação dos/as professores/as para tratar essas questões
em sala de aula e no ambiente escolar (PAIXÃO, 2005, p. 45-50).
A Lei 10.639/03 que trata da História e Cultura Afrobrasileira e Africana é uma
antiga reivindicação dos Movimentos Sociais Negros. Sua construção vem se
forjando desde o início dos anos 1930 em variadas experiências de militantes
afrodescendentes contra a exclusão socioeconômica e cultural estabelecida na
1
SILVA, Maria Aparecida Cidinha da. Formação de educadores/as para o Combate ao Racismo
mais uma tarefa essencial. In: Racismo e anti-racismo na Educação repensando nossa escola.
CAVALLEIRO, Eliane (org). São Paulo: Selo Negro Edições, 2001, páginas 65-82.
15
sociedade brasileira, baseada em estruturas racistas. Ao longo da história dos
Movimentos Negros brasileiros, em suas variadas vertentes de ações e opções
políticas, quer do ponto de vista da ação direta contra o racismo quer do ponto de
vista de ações pacifistas ou em integração e em parceria com os diversos governos
que se sucederam a partir do advento da República no Brasil, a inclusão da temática
da História e Cultura Afrobrasileira e Africana na História oficial brasileira é uma luta
permanente (PAIXÃO, 2005, p. 45).
Diante desta abordagem é necessário problematizar o seguinte: qual a
eficiência da Lei 10.639/2003, que institui a obrigatoriedade do ensino de História e
Cultura Afrobrasileira e Africana nas Escolas Públicas e privadas brasileiras no que
diz respeito à construção de um currículo escolar que respeite a profunda
diversidade que existe no ambiente escolar, combatendo qualquer tipo de
discriminação, racismo e preconceito? Por que a Lei 10.639/03 que completou
cinco (05) anos de sua publicação, efetivamente não foi implementada nas salas de
aulas e no ambiente escolar. Quais os fatores obstacularizadores que podem ser
destacados nesta ação o-ação dos/as professores/as? Quais as causas
identificadas pelos/as professores/as como sendo as principais dificuldades para a
implementação da lei?
Responder a estas questões é fundamental considerando (i) o pressuposto de
que a Lei 10.639/03 é um importante instrumento para o resgate da História e
Cultura Afrobrasileira e Africana, essencial para a construção de uma sociedade sem
racismos, sem discriminações e sem preconceitos que hoje afetam metade da
população brasileira, os/as afrodescendentes; (ii) que a Escola e os/as
educadores/as cumprem um papel protagonista na construção da pluralidade
cultural no processo educacional; (iii) que para cumprir este papel os/as
educadores/as precisam romper com uma prática preconceituosa que, consciente ou
inconscientemente, (re) produz o racismo nos ambientes escolares; (iv) e que o
Estado brasileiro deve ser responsável pelo fornecimento amplo de acesso dos/as
educadores/as à formação continuada, teórico-prática, que subsídios a estes/as
profissionais para o efetivo trabalho de reconhecimento e valorização da diversidade
cultural peculiar ao ambiente escolar.
Esta pesquisa tem o objetivo de investigar os principais fatores
obstacularizadores da efetiva implementação da Lei 10.639/03 nas Escolas públicas
16
paranaenses do Município de Almirante Tamandaré, na perspectiva dos/as
professores/as das mesmas.
Nesse trabalho tornam-se importantes algumas considerações sobre as
noções de raça e etnia. Os/as pesquisadores/as das áreas sociais e os Movimentos
Sociais Negros têm se debruçado sobre essa questão conceitual fundamental para a
definição da estratégia de luta contra o racismo.
Dados do IBGE e do IPEA, periodicamente divulgados, têm demonstrado o
fosso existente no Brasil entre a população afrodescendente e a branca e nestes
dados e em outros vão se delineando quem é o/a afrodescendente no Brasil e qual o
local que ele/a ocupa na sociedade brasileira e paranaense, passando por sua
situação em Almirante Tamandaré - PR.
Ainda que pouco divulgada, houve resistência por parte dos/as
afrodescendentes a esta dominação mercantilista do comércio e escravização de
pessoas para sustentar o desenvolvimento comercial nas novas colônias no assim
chamado “novo mundo”. Contrariando a história oficial, a trajetória dos/as
afrodescendentes no Brasil foi, desde a origem, marcada por períodos de luta e
intensa participação política. A resistência afrodescendente ao regime escravocrata
pode ser considerada o primeiro movimento social de destaque na história do país.
Resistência esta que é permanente desde a chegada dos europeus até os dias
atuais.
Essa análise remete a um processo de exclusão escolar voltado
principalmente à população afrodescendente, ou segundo o IBGE, preta e parda
2
,
demonstrando, como indica Valle e Silva e Hasembalg (1988), que “é do processo de
aquisição da educação que reside o núcleo de desvantagens que indivíduos negros ou
pardos sofram na sociedade brasileira”.
A Escola precisa aprender sobre as questões de preconceito e racismo
brasileiros, para assim propor situações de aprendizagem que considerem a
presença fundamental dos afrodescendentes em nossa sociedade e, com isso,
proporcionar, no currículo cotidiano, outros encontros identitários, mas dessa vez, de
inclusão, de sucesso e, portanto, de aprendizagens positivas. A Escola tem o dever
de “promover o protagonismo histórico da população afrodescendente em favor da
2
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) continua adotando a classificação por cor e
não por etnia. Os Movimentos Negros tentam mudar essa nomenclatura. Para estes movimentos o/a
afrodescendente brasileiro/a ou o negro é a somatória destes dois segmentos, preto e pardo,
analisados pelo IBGE.
17
cidadania completa”, segundo Cunha Junior. Porém, não bastam apenas os
processos de inclusão de temáticas afrodescendentes no currículo escolar. O
problema é “complexo e estrutural”. Como no dizer de Paulo Freire, a transformação
social o se pela educação, mas não se sem passar pela Escola, visto que o
problema é complexo e estrutural e abrange urbanismo, habitação, saúde, trabalho,
justiça, cultura, lazer, enfim todas as políticas públicas.
Segundo Dr. Walter Praxedes (2008),
3
a Lei 10.639/03 propõe este trabalho de
inclusão nos currículos escolares das variadas temáticas da diversidade cultural
Afrobrasileira e Africana, contudo entra em choque com os valores dos/as sujeitos/as
professores/as, pois estes sujeitos/as são parte de uma geração que foi formada por
uma concepção eurocêntrica dentro das academias, o que nos remete a uma
questão importante: o que está sendo feito no Currículo das Universidades,
especialmente nos cursos que trabalham com formação de professores/as para a
efetiva implementação da Lei 10.639/03?
A complexidade das relações étnico-raciais na sociedade brasileira foi
construída com base no processo de escravização de africanos/as. Isto foi o que
criou, ao longo dos séculos de história, tanto no escravizado/a quanto no
escravocrata, representações sociais e experiências de subalternidade que são, do
ponto de vista individual, de uma profundidade simbólica imensa, e que produzem do
ponto de vista social, um engessamento de lugares e de hegemonia
4
. Mas não se
pode apenas perceber no processo da escravidão brasileira esta complexidade.
Como alerta Henrique Cunha Junior,
5
é necessário voltar a antes do século XVI,
desde a guerra entre mouros (africanos) e cristãos (europeus) para uma
compreensão mais profunda dos fatos.
Essa origem de classificação por cor é carregada de um conteúdo
marcadamente discriminatório, e com ele vêm junto conceitos, opiniões e certezas
que informaram, ao longo da história, o lugar de cada um brancos/as e
afrodescendentes no imaginário social. A cor da pele é o invólucro que contém,
reforça, e ajuda a manter toda a problemática histórica e sociológica da construção
3
Observação na Banca de Defesa Pública desta pesquisa, em junho de 2008.
4
Não foi uma observação espontânea de certo gradiente de cores de peles que deu origem às
denominações “negro” e “branco” no nosso país. A experiência brasileira de classificação está
vinculada à subalternidade da escravidão, que foi utilizada como nomeação e demarcação de
lugares sociais (Henrique Cunha em orientação na Banca de Qualificação, março de 2008).
5
CUNHA JR, H. E outros/as autores/as. Espaço Urbano e Afrodescendências: estudo da
espacialidade negra urbana para o debate das políticas públicas.
18
estrutural do racismo brasileiro.
6
A questão não é ver todo/a educando/a como igual.
Ao contrário, é perceber suas diferenças, suas desigualdades histórico-sociais e
suas diversidades. O mito da democracia racial impôs essa construção de que
“somos todos/as iguais” na sociedade brasileira e na Escola. A valorização da
mestiçagem proposta por Gilberto Freire induziu a isto na literatura nacional. Fala-se
da democracia racial com base na mestiçagem, no entanto, as relações de
dominação estão muito além delas. Segundo Cunha Junior “não houve na
mestiçagem biológica a mestiçagem das contas bancárias e da propriedade das
terras.”
É nessa tensão entre ser sujeito e objeto
7
na história brasileira que se pode
observar a presença de brancos/as e afrodescendentes, não na cotidianidade da
sociedade colonial, como nas discussões políticas que fundamentaram a formação
do Estado Nacional brasileiro.
O problema de fundo não é o da cor da pele. O judeu é discriminado mesmo
tendo a cor da pele dos europeus, e sendo também europeu. Assim mesmo ele/a
não sofre o racismo no mesmo sentido que sofre a população afrodescendente no
Brasil. Quando se trata da definição do racismo científico explica-se parcialmente e
de forma superficial a situação da população afrodescendente brasileira, isso implica
num deslocamento entre a classe social clássica, onde faz-se a sinergia entre classe,
etnia, gênero, localidade, como processo efetivo de “subalternização” da população
afrodescendente no Brasil. A produção da desigualdade socioeconômica, política e
cultural da população afrodescendente brasileira é a questão central.
8
Por outro lado, seja pelas lutas de resistências (REIS, 2003; SOARES, 2002
e GOMES, 1996) à escravidão, seja enfim pelas marcas das diferentes culturas que
trouxeram consigo, o amálgama da diversidade está feito e é indissolúvel.
através da mediação dessa história se podem perceber os elementos de
configuração e permanência das culturas africanas que para o Brasil foram trazidas e
6
Henrique Cunha Junior em orientação na Banca de Qualificação desta pesquisa, em março de
2008.
7
Ver os significados dos verbetes Negro (p. 1187) e Branco (p. 282) em FERREIRA, Aurélio Buarque
de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
edição revista e ampliada.
8
Henrique Cunha Junior em orientação na Banca de Qualificação desta pesquisa, em março de
2008.
19
aqui fincaram raízes. O preconceito racial, no caso brasileiro, opera
fundamentalmente em três dimensões: a) a moral; b) a intelectual e c) a estética.
As atribuições, as piadas e as brincadeiras que reforçam o preconceito racial
quase sempre revelam conteúdos racistas relacionados a essas três dimensões.
Assim, é conhecido o “quando não suja na entrada, suja na saída”, ”é preto, mas é
inteligente”, ”é preto, mas é bonitinho”, ou ainda a classificação de cabelo ruim,
cabelo pixaim, cabelo de bombril ou cabelo duro, quase sempre acompanhada de
risos.
Outro momento no qual o preconceito racial se manifesta é o da situação de
conflito, por meio de xingamentos, entre os quais: macaco/a, negro/a fedido/a,
urubu, são os mais comuns. Os apelidos e xingamentos fazem parte da vida de
crianças e adolescentes, mas apelidos e xingamentos de cunho racial são
característicos da experiência de crianças e jovens afrodescendentes, tanto no
convívio cotidiano quanto na experiência escolar. Xingamentos o, via de regra,
expressões de desqualificação e diminuição pessoal, que podem se estender à
família ou a outros grupos de pertencimento.
A crença de que o homem e a mulher africano/a eram inferiores na escala
humana foi e é ainda - a base do preconceito racial. O racismo científico assim
explicava e explica até hoje, porque isso não acabou, pois tomou outras feições -
as diferenças étnico-culturais, como inferioridade racial.
Os estudos genéticos têm mostrado que pode haver mais diferenças
genéticas entre um branco e outro branco ou entre um afrodescendente e outro
afrodescendente, do que entre um/a afrodescendente e um/a branco/a, e mesmo
assim, o termo raça como marcador de inferiores continua entranhado no tecido
social e nas práticas racistas.
O que o preconceito racial expressa é o sentido histórico de inferioridade
gestado a partir das relações de dominação e subalternidade entre senhores e
escravizados/as durante quase quatrocentos anos de escravidão no Brasil que,
como modelo econômico e social, fundou a sociedade brasileira.
Antes de fazer as considerações a cerca da relação entre o preconceito racial,
a Escola e o/a professor/a, é preciso ressaltar que a Escola é uma instituição social
e, portanto, partilha dos valores e práticas da sociedade a qual pertence e que
seus/as professores/as o antes de tudo, cidadãos/ãs formados/as por essa
mesma sociedade.
20
O preconceito racial se manifesta não apenas pelas expressões racistas entre
alunos/as ou entre professores/as e os/as alunos/as, mas também pela omissão e
pelo silêncio quando essas situações ocorrem ou, ainda, pelo mesmo silêncio e
ocultamento da imagem dos/as afrodescendentes como imagem positiva e, em
contrapartida, pela super-representação da imagem do/a branco/a.
O/a professor/a enfrenta cotidianamente as mais diversas situações de
conflitos que ocorrem entre alunos/as. Por que então, segundo depoimentos dos
próprios professores/as, é tão difícil encaminhar as situações de cunho racista?
Quase sempre a solução por eles/elas encontrada é a de não tomar conhecimento,
achando que é melhor “deixar quieto”.
Depoimentos de professores/as afrodescendentes afirmam dificuldade em
lidar com a situação discriminatória porque temem que seus colegas professores,
alunos/as ou pais e mães envolvidos/as no conflito, venham a atribuir a sua
condição de afrodescendente o fato de ter encaminhado uma situação que “não
parecia ser tão grave assim”.
Outros/as professores/as afrodescendentes afirmam sentir-se paralisados
frente a essa situação, pois se sentem remetidos a experiências pessoais que lhes
dificulta uma atitude isenta ou os/as deixa impotentes frente ao acontecimento.
Alguns/mas professores/as brancos/as dizem que não sabem o que fazer e
por isso é melhor deixar quieto para não despertar “mais coisa ainda”, embora sejam
contra qualquer tipo de preconceito e tenham atitudes propositivas em relação aos
outros tipos de conflitos
É essa equação em atitudes, conteúdos, abordagens e materiais que precisa
ser urgentemente transformada na prática pedagógica da Escola brasileira em
respeito e reconhecimento a competência e dignidade de uma das matrizes
fundadoras da nação brasileira: a matriz Afrobrasileira e africana.
Hoje a história ensinada parte de uma visão eurocêntrica, em que as demais
culturas são estudadas a partir de sua relação com os europeus, como se os outros
povos não tivessem cultura ou história. se tornaram comuns as denúncias feitas
pelos Movimentos Negros a determinados livros didáticos que reforçam esta idéia.
A Lei 10.639/03 vem ao encontro da luta pela implementação de políticas
afirmativas para a superação do quadro caótico produzido pela estrutura do racismo
e de classe presente na sociedade brasileira.
21
Segundo Luiz Carlos Paixão da Rocha (2005) a Lei é “fruto da ação e
intervenção do movimento negro, que historicamente reivindica junto ao Estado um
conjunto de políticas públicas.”
Um aspecto importante que a lei e sua implementação vêm destacar é a
compreensão de que no Brasil o racismo está presente, é estrutural e que dentro da
pobreza produzida pela sociedade organizada pelo modo de produção capitalista,
os/as afrodescendentes são a maioria e os/as mais pobres. Segundo o Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), “no Brasil a pobreza tem cor. Em cada dez
brasileiros abaixo da linha da pobreza oito são negros.” A Escola não poderá em seu
currículo e em sua prática educativa cotidiana fechar os olhos aos milhares de
afrodescendentes presente em seus espaços.
A Lei 10.639/03 está em vigor, porém, a sua implementação ainda constitui
um grande desafio. Embora em vigor, corre riscos de se transformar em “letra
morta”, caso fique apenas no papel. Ou, se mal implementada, apresentará um
resultado abaixo do esperado e contraditório,
Podendo servir mais como uma defesa social, que exorciza a culpa coletiva
pelo preconceito, visto que existe como lei, mas que, ao mesmo tempo,
reproduz e mantém o preconceito, dado que não se efetiva de fato e de
direito. A Lei 10.639/03 pode tornar-se formalmente inefetiva, devido ao
fato de não ser implementada na totalidade, - seja por obstáculos do
sistema educacional, seja porque não lhe são dados os requisitos para
superação destes mesmos obstáculos -, e socialmente inócua, pois que, a
despeito de tentar combater o que se propõe tende a reproduzir e
perpetuar a condição social que a produziu.
9
(BAIBICH-FARIA e
ONASAYO, em aula de Seminário de Orientação para a Dissertação do
Mestrado em Educação, UFPR, 2007).
Observa-se ainda que, no intuito de analisar as alternativas de implementação
da Lei 10.639/03, utilizadas por algumas Escolas Públicas do município de Almirante
Tamandaré-PR, tomou-se como base a classificação de Baibich e Guimarães (s/d)
sobre Projetos Articulados, Projetos de Mão Única e Projetos de Justaposição
10
.
Desta forma, a análise se propôs a caracterizar as ações das Escolas
considerando as diferenças entre Projeto Interdisciplinar Articulado com o Projeto
9
Observação anotada durante a aula de Orientação para a dissertação do Mestrado em Educação,
UFPR, 2007.
10
BAIBICH, Tânia Maria (UFPR) e GUIMARÃES, Ana Maria (UFRGS). Reflexões sobre relatos de
experiências: ou “para não dizer que o falei de flores” (Seminário articulação ensino-extensão:
mecanismos e formas de operacionalização). In: Cadernos de Extensão Universitária, ano I, 4,
Fórum de Pró-reitores de Extensão das Universidades blicas Brasileiras. Sem local: Editora da
UFES Universidade Federal do Espírito Santo, s/d (referência oral de uma das autoras localiza o
texto como tendo sendo escrito e publicado em 1996 -1997).
22
Político Pedagógico da Escola, com os currículos, com os conteúdos das diversas
disciplinas e com o que se pretende alcançar com a Lei 10.639/03 e a educação
para as relações étnicas no ambiente escolar.
Por esse prisma, o currículo escolar passa a ser um aspecto central na
discussão sobre a Escola e sobre as relações que o estabelecidas nela. Tem-se
um desafio grandioso à frente, que é “desenvolver, na Escola, novos espaços
pedagógicos que propiciem a valorização das múltiplas identidades que integram a
identidade do povo brasileiro, por meio de um currículo que leve o/a aluno/a a
reconhecer suas origens e a se reconhecer como brasileiro” (MOURA, 2005, p. 69).
Esse reconhecer-se está relacionado intimamente à inclusão no currículo
escolar desse olhar mais diverso e plural da história do país, além da história e
formação étnica de cada estudante.
Ressalta-se ainda que, segundo Pedro Bodê a Lei 10.639/03 “não pode ser
vista e analisada como a ‘tábua de salvação e redenção’ dos/as afrodescendentes
no Brasil”
11
. Ou seja, esta lei deve ser compreendida e aplicada como instrumento
de reconhecimento da diversidade presente nas Escolas e na sociedade brasileira,
onde tem nas afrodescendências um dos pilares fundadores da nação. Não
perceber isso, segundo BODÊ, acaba “se intensificando a punição, prejudicando e
penalizando os mais pobres, os mais necessitados dessa mesma lei, os/as
alunos/as afrodescendentes”.
Para os efeitos dessa pesquisa estudaremos no primeiro capítulo OS
CAMINHOS PERCORRIDOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA PEDAGOGIA DO
ANTIPRECONCEITO. Ou seja, poderemos perceber como se deu, a partir da
trajetória de vida do autor, os diversos caminhos que o levaram a ir construindo sua
percepção da estruturação do racismo brasileiro, sua inserção na academia e
participação nos Movimentos Negros paranaenses e a construção do objeto de
pesquisa junto com os/as sujeitos/as professores/as no município de Almirante
Tamandaré PR. Perceberemos ainda a construção dos questionários e a
aproximação com os resultados na primeira e segunda fases desta pesquisa.
No segundo capítulo estudaremos QUEM É O AFRODESCENDENTE NO
BRASIL, a conceituação de negro, afrobrasileiro e afrodescendência, a conceituação
de raça e etnia. Estudaremos ainda neste capítulo o racismo no Brasil, como se
11
Prof. Dr. Pedro Bodê é do Departamento de Ciências Sociais da UFPR, em Orientação da Banca
de Qualificação desta pesquisa, em março de 2008.
23
encontra a situação do afrodescendente no brasileiro e a situação do
afrodescendente no Paraná, bem como analisaremos algumas das variadas
resistências dos Movimentos Sociais Negros.
No terceiro e último capítulo deste trabalho analisaremos A LEI 10.639/03
QUE DETERMINA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E
AFRICANA E OS FATORES OBSTACULARIZADORES PARA SUA EFETIVA
IMPLEMENTAÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR DAS ESCOLAS PÚBLICAS DE
ALMIRANTE TAMANDARÉ PR. Este é o foco principal desta pesquisa. Traremos
algumas considerações sobre a Lei 10.639/03, o olhar analítico sobre a
implementação da Lei 10.639/03 nas Escolas Públicas de Almirante Tamandaré
PR e os fatores obstaculizadores na visão dos/as professores/as. O reconhecimento
do racismo na Escola e da necessidade de uma Pedagogia do Antipreconceito e sua
relação com a não implementação da Lei 10.639/03. E para complementar a
produção dos dados científicos em educação faremos a análise dos
autodenominados “projetos de Implementação da Lei” das Escolas que reconhecem
a importância da Lei 10.639/03.
24
CAPÍTULO 1
OS CAMINHOS PERCORRIDOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA
PEDAGOGIA DO ANTIPRECONCEITO
O caminho a ser superado é bastante
visível. A forma de caminharmos está sendo
dada. A caminhada nós faremos conforme
acreditarmos.
.
Yvelise Arco-Verde (2004)
12
Eu sou afrodescendente!
13
Contudo, a construção desta identidade não se deu em linha reta, passiva,
tampouco sem a revolta, a indignação, sem o auto-ódio
14
à minha etnia. E tive na
Escola a expressão de todos esses momentos. Na Escola aprendi qual o papel
histórico que estava reservado ao povo afrodescendente: a exclusão social e a
marginalização. Até certo momento em minha vida, dentro da Escola, fui forçado a
ver o afrodescendente apenas como escravizado, que contribuiu na culinária
brasileira com a feijoada, no vocabulário com algumas palavras bantas e yorubanas,
na música com o samba, maracatu e carnaval, com as mulheres afrodescendentes
12
Palestra de abertura de Seminário de Formação Continuada, em Faxinal do Céu.
13
Neste momento do trabalho faz-se fundamental a expressão na primeira pessoa do singular e para
tanto, peço e me concedo licença.
14
Conforme o entendimento de Tânia Maria Baibich em Fronteiras da Identidade: o auto-ódio tropical,
2001.
25
que são “as mais férteis e sensuais”, com um povo “dócil e educado”, mas que,
entretanto, “quando não faz na entrada faz na saída”, etc.
A Escola, que me ensinou tudo isto foi/é a Escola que negou e nega, na
maioria das experiências apresentadas, a etnia afrodescendente; a Escola que é
responsável pela invisibilização de todo um povo ao não expressar no currículo seus
valores, sua cultura, sua história e suas origens, negando aos alunos que não
pertencem à descendência européia a construção e o (re) conhecimento de uma
identidade afrodescendente.
A identidade é para os indivíduos a fonte de sentido e experiência... É
necessário que a Escola resgate a identidade dos afro-brasileiros. Negar
qualquer etnia, além de esconder uma parte da história, leva os indivíduos
à sua negação.
(MUNANGA, 1999, p. 55)
Ao relembrar sua infância em "A Importância do Ato de Ler", Paulo Freire
dava sinais das raízes de seu pensamento. "Fui alfabetizado no chão do quintal de
minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo, não do mundo
maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz”, diz o
autor.
Minha experiência é muito semelhante à apresentada por Freire. Sou
afrodescendente, filho de pai (in memorian) pescador e mãe lavadeira de roupas,
vendedora de água de galão
15
, empregada doméstica - ambos analfabetos -, oriundo
dos manguezais do Pina, na cidade do Recife, Pernambuco, nordeste do Brasil. Fui
à Escola alfabetizado por uma senhora, que cuidava de mim e dos meus irmãos
para que minha mãe pudesse trabalhar fora de casa, Dona Iraci - também lavadeira
de roupas. Interessante destacar que, embora filho de pai e mãe analfabetos, estes
sempre valorizaram a Escola como única possibilidade para seus filhos “crescerem
na vida”. A luta pelo acesso e valorização da educação formal tem sido pautada pela
15
Vender água de galão” era uma prática muito comum na periferia de Recife, nos anos de 1970.
Havia e uma escassez muito grande no abastecimento de água para as periferias de Recife e
Região Metropolitana. O galão é um pedaço de madeira, em geral de goiabeira, onde nas pontas se
colocam dois ferros para sustentar duas latas d’água. É muito parecido com a canga que carrega o
boi de carga, utilizado no trato com as lavouras.
26
população afrodescendentes desde a assinatura da Lei Áurea. Como salienta o
pesquisador e sociólogo Sales Augusto, após a chamada abolição da escravatura.
16
houve uma propensão da população negra a valorizar a escola e a
aprendizagem escolar como um 'bem supremo' e uma espécie de 'abre-te
sésamo' da sociedade moderna. A escola passou a ser definida
socialmente pelos/as negros/as como um veículo de ascensão social
(2005, p. 21-37).
Mas, na minha experiência todos os caminhos percorridos e espaços vividos,
quer na Escola quer na comunidade, foi se desenvolvendo uma vontade muito forte
de transformar aquela miséria social, apesar dos conselhos de “ser um bom e
educado menino”, “procure o seu lugar”, “não me envergonhe e aceite tudo o que o
professor disser” etc. Nunca entendia porque nós, daquele bairro, éramos tão
pobres e as pessoas para quem eu ia levar as roupas limpas, passadas e
engomadas pela minha mãe eram tão ricas. Aos poucos, nas minhas observações
de adolescente, fui percebendo que a miséria e “a pobreza tem cor e quanto mais
escura a cor da pele mais pobre era a pessoa e morava mais próximo do mangue
nas palafitas
17
”.
Ao conviver na pobreza, a certo momento da infância e adolescência,
construí uma compreensão parcial e resignada desta situação social (pobreza,
violência, desemprego, drogadição, alcoolismo, vadiagem, prostituição etc) que
entendia como que “natural” aquele universo conhecido “era pra ser assim mesmo”.
Eu vivi na pobreza e conheci a miséria. Vi minha mãe passar fome para que
nós, os/as filhos/as, pudéssemos comer. Vivi e entendi até onde foi a
responsabilidade dela para que nunca deixássemos de ir à Escola, para que nunca
andássemos sujos ou passássemos fome absoluta. Ela era a própria dignidade na
pobreza e a esperança da superação.
Até então eu sabia que era afrodescendente, mas não tinha o conhecimento
profundo do racismo estrutural brasileiro. Porém, senti a partir da cor da minha pele,
pelos porteiros que demoravam em me atender e dar acesso aos prédios onde eu
16
SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei 10.639/2003 como fruto da luta anti-racista do Movimento
Negro. In: Santos, Sales Augusto dos; Braga, Maria Lucia Santana; Magalhães, Ana Flavia Pinto;
Lisboa, Andreia.. (Org.). Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal 10.639/2003.
ed. Brasília: MEC/SECAD, 2005, v. 3, p. 21-37.
17
Palafita: s.f. Habitação precarizada, em terreno alagado construída sobre estacas. (FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio, o dicionário da língua portuguesa. ed. ampliada. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001. Geralmente as palafitas se situam em áreas ocupadas dentro dos
mangues e rios. Meus familiares moravam nestas palafitas.
27
entregava as roupas que minha mãe lavava e passava, que meu lugar era pelo
“elevador de serviço”. Pelos olhares assustados dos moradores que me
questionavam invariavelmente “o que você está fazendo aqui?” reafirmando que
aquele lugar não me pertencia. Essa similar experiência vivi ao trabalhar como
zelador num prédio para ajudar a sustentar a minha família e minha estadia nos
estudos do antigo ensino científico (passagens de ônibus e lanches, pois não havia
uma Escola Pública com ensino de “segundo grau” na região onde morava).
Sentia vergonha e hoje reconheço que vivia uma experiência de auto-ódio
18
.
Queria sumir daquele lugar, queria fugir dali e de mim mesmo. Alimentava um sonho
de vir para o sul do país. Sonho e realizações de muitos jovens “do meu tempo”.
Inclusive os meus irmãos mais velhos tinham vindo morar e trabalhar em São
Paulo. Queria ser como eles. Mas eu queria mesmo era sair dali e daquela situação.
1.1 O Encontro com o racismo
A experiência no sul do país, em Curitiba, Paraná, foi enriquecedora. No
ensino superior de filosofia, história e geografia entrei em contato com o mundo a
partir da Universidade e pude então começar a entender o funcionamento da
sociedade, o porquê da miserabilidade de uma maioria e o porquê da riqueza de
uma minoria no Brasil e no mundo.
Como no dizer de Paulo Freire,
“Ensinar é um ato político", por isso, no processo de criação de seu
"método" salienta que o universo vocabular do alfabetizando é o ponto de
partida. A partir desse universo inicia-se o diálogo, a base do método. E é
no dialogismo que se instaura o questionamento. Ao questionar a própria
realidade, o educando a problematiza, cria a capacidade de criticá-la e, por
conseqüência, transformá-la.
(1967, p. 69).
Ou, segundo Milton Santos
18
Conforme Baibich (2001), este auto-ódio, constitui uma tentativa de defesa do sujeito vítima do
preconceito, que percebe, conscientemente ou não, que sua dor é relativa à pertença que lhe ancora
ao destino de livrar-se de partes suas como pertencente ao grupo/identidade ao qual pertence. Dada
a impossibilidade de deixar de ser quem se é, a defesa se transforma em ataque, constituindo uma
ferida identitária, uma doença auto-imune, na qual partes do “tecido” do indivíduo atacam a si
mesmas.
28
De fato, para a grande maioria da humanidade a globalização está se
impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente
torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em
qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se
generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a Sida
[Aids] se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu
retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos
progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez
mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais,
como os egoísmos, os cinismos, a corrupção (...). Todas estas mazelas
são direta ou indiretamente imputáveis ao processo de globalização.
(SANTOS, 2000, p. 20).
Qualquer um que faça uma análise minimamente crítica da realidade atual
chegará, invariavelmente, às mesmas conclusões que Milton Santos. Contudo, não
são muitos os que conseguem entender que se é um fato que essa “fábrica de
perversidades” tritura e massacra trabalhadores e trabalhadoras mundo afora, ela é
ainda mais perversa no que se refere àqueles setores que foram historicamente
marginalizados, como é o caso das mulheres, dos homossexuais e, particularmente,
dos/as afrodescendentes.
A produção de conhecimentos científicos na educação pode oferecer
subsídios para a compreensão da situação e a dimensão do racismo na atual fase
do capitalismo. Segundo Malcolm X “Não capitalismo sem racismo”
19
. Ou seja,
apesar de não ter “inventadoo racismo, o capitalismo é o sistema que não mais
se beneficiou com ele, como também lhe deu um novo e mais complexo caráter: a
combinação da exploração cio-econômica e da opressão racial, entrelaçadas pela
profunda divisão de classes que caracteriza o sistema.
Dizer que “não capitalismo sem racismo” não significa afirmar que em
momentos anteriores da História diferenças étnicas ou de qualquer outro tipo não
tenham sido utilizadas para explorar e oprimir setores sociais ou povos inteiros.
Muito pelo contrário.
Particularmente a partir do surgimento da propriedade privada e,
conseqüentemente, do desenvolvimento de diferentes formas de escravidão
surgiram, nas mais diferentes épocas e nas mais distintas formações sociais,
práticas e ideologias destinadas a justificar a perseguição, a discriminação e a
opressão impostas sobre setores sociais ou populações inteiras.
O que concede um novo caráter ao racismo desenvolvido sob o capitalismo, é
19
Autobiography of Malcom X (em co-autoria com Alex Haley) ISBN o812419537.
ACUNA, Rodolfo. Occupied América: a history of chicanos. New York: Harper & Row, 1981.
29
o fato do racismo estrutural hoje existente ser resultado de um processo em que,
diferentemente do que acontecia com outros povos vitimados pelo sistema
escravocrata, os “escravos” surgidos neste período foram, desde o primeiro
momento, transformados em “mercadoria” e “moeda” fundamentais para a
sustentação e desenvolvimento do próprio sistema (MARQUES FILHO, 2004, p. 4).
Uma constatação que, do ponto de vista da população afrodescendente, é tão
importante quanto intrinsecamente vinculada a sua história.
Quando da colonização do Brasil, no período conhecido como Mercantilismo,
afrodescendentes foram, literalmente, "peças" fundamentais para a acumulação
originária ou primitiva de Capital. Arrancados da África, milhões de homens e
mulheres foram transformados em mercadorias de altíssima lucratividade, através do
tráfico negreiro e da escravidão, sendo "inseridos" como tal nas colônias mundo
afora: humanos naquilo que era imprescindível (da alimentação à sexualidade);
simples partes de uma cadeia de produção no que se refere a todo o resto.
Conseqüentemente, é dessa forma, "coisificados", que afrodescendentes
adentram a sociedade da época: como elementos fundamentais para o aumento da
produção por serem "mercadoria" essencial para a produção de mais-valia e para a
consolidação do Capital.
A figura do escravizado era fundamental para o desenvolvimento do sistema,
e o tráfico negreiro um dos negócios mais rentáveis da história do Capitalismo.
Segundo Neres, Cardoso e Markunas
20
A compra e venda de escravos e sua utilização como mão de obra
representavam uma “dupla exploração”, essencial para o desenvolvimento
capitalista brasileiro: na primeira, o escravo, vendido como mercadoria, foi
um dos elementos fundamentais de acumulação do capital mercantil; na
segunda, como trabalhador, garantiu a exploração absoluta do produto do
trabalho
(1997, p. 60).
Além de ser um “negócio” hiper lucrativo e de pouquíssimo risco, o tráfico
negreiro ainda movimentava setores inteiros da economia colonial, como por
exemplo, a produção de tabaco e aguardente, utilizados como “moeda” de troca, ou
escambo, no mercado negreiro.
Estes contatos com a teoria sociológica e a História fizeram-me refletir: qual
20
NERES, Júlio M., CARDOSO, Maurício & MARKUNAS, Mônica. Negro e negritude. São Paulo:
Edições Loyola, 1997, p. 60.
30
era o meu papel social como afrodescendente que havia chegado a um nível
bastante diferente de todos/as os familiares que tinham ficado lá no nordeste e ainda
na ignorância? As características da cor da minha pele, do meu tipo de cabelo e de
meu sotaque nordestino me distinguiam “negativamente”, ou seja, de forma evidente
ou velada, contribuindo para a discriminação de toda ordem, tinham, em minha
condição de compreensão, “nome, CPF e endereço causal”.
Segundo Pinsky o preconceito no Brasil é tratado como brincadeira, mas na
prática acaba funcionando para marginalizar todos/as os/as “que se enquadram em
categorias definidas pelo preconceituoso como merecedoras do repúdio coletivo”
(1999, p. 21-25).
No sul do país, em Curitiba, numa região onde notadamente a presença
afrodescendente era menor, encontrei-me frente a frente com um tipo de racismo
ainda mais contundente do que aquele que conhecia. O que fazer, além de vivenciar
o doloroso sentimento de “inferioridade”?
Na busca de alternativas, aliei-me a um dos Movimentos Sociais Negros
presentes em Curitiba. Cursos de formação, palestras, oficinas, uma intensa vida
cultural nas periferias da Cidade Modelo
21
. encontrei meu povo e me encontrei.
Fortalecido, dediquei-me mais ainda à causa do antipreconceito e do combate ao
racismo..
Todavia, os Movimentos Sociais Negros passam a compreender que apenas
a ação não conta de toda a transformação social a ser feita. Faz-se necessário
que a reflexão e o aprofundamento teórico instrumentalizem o entendimento do que
se passa na sociedade e de como o racismo foi se estruturando historicamente na
sociedade brasileira.
Na perspectiva de alguns movimentos como: União e Consciência Negra
(GRUCON); Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (ACNAP); Arte Negra;
Agentes de Pastoral Negros; Projeto Kanaombo; Coletivo de Combate ao Racismo
da App-Sindicato e Instituto de Pesquisa da Afrodescendência (IPAD)
22
, busquei o
ingresso na Universidade.
21
Para maiores informações ler de Fernanda Ester Sanchez Garcia a obra denominada, Cidade
Espetáculo: política, planejamento, city marketing. Editora Palavra, Curitiba, 1997.
22
O IPAD desenvolve vários projetos na área da permanência dos/as afrodescendentes no ensino
médio e nas Universidades. Um dos projetos intitulado Negro Doutor, orienta e prepara
afrodescendentes que tenham projetos com temáticas sobre a questão da negritude brasileira e
paranaense. Reputo minha participação neste Projeto como um dos fatores para meu êxito no
ingresso no Mestrado em Educação da UFPR.
31
Como professor de ensino fundamental e médio, na área de história,
geografia e filosofia, sempre pautei meu programa de aulas para as questões
sociais, em especial para um olhar diversificado sobre as populações
afrodescendentes. Pelo fato de ter vivenciado pessoalmente o racismo brasileiro na
sociedade paranaense, o combate a este mal nunca deixou de constituir parte
fundamental de minha vida..
Ainda como parte desta luta, me especializei em História e Historiografia
brasileira e me converti ao Candomblé (religião de Matriz Afrobrasileira e Africana) e
me tornei Onasayo.
23
1.2 O Encontro com a Academia
A UFPR não está imune ao racismo estrutural brasileiro. Pouco se
afrodescendentes em seus corredores e nas salas de aula, nas direções de
departamento ou coordenações de cursos, muito menos na reitoria. Em que pese a
adoção das Cotas para afrodescendentes e para alunos/as oriundos de Escolas
Públicas, efetivamente não há políticas públicas para a permanência desses/as
estudantes em seu meio. Facilitou-se a entrada, o acesso, mas nada foi pensado
para a permanência dessa etnia na Universidade, se não for via programas privados,
os/as alunos afrodescendentes não têm garantia nenhuma de sua permanência
dentro dela. Além destas dificuldades, é preciso sublinhar também que existe uma
forte resistência por parte de alguns/mas professores/as em relação à política de
cotas aprovada pelo Conselho Universitário, órgão máximo da universidade.
Para muitos (brancos/as e, também, afrodescendentes, é preciso dizer) não
racismo no Brasil. quem diga, inclusive, que são os próprios afrodescendentes
que “vêem problema em tudo”, “se tratam como vítimas” e, inclusive, são os
“verdadeiros” racistas, que se “isolam”. Isso pra não falar daqueles/as que
simplesmente atribuem as péssimas condições de vida em que afrodescendentes
vivem à falta de esforço ou de empenho pessoal que seria inerente a uma
perseguição atávica.
Se é raro ver afrodescendentes na graduação que entraram na UFPR pelo
sistema de cotas ou pelo sistema “normal” de vestibular, mais raro ainda é ver
23
Em linguagem Yorubá significa “aquele cujo caminho de vida lhe traz felicidade”.
32
afrodescendentes no Mestrado e no Doutorado. E é preciso deixar evidente que (i)
não sistema de cotas para a pós graduação; (ii) não nenhuma política blica
específica para a permanência de alunos/as afrodescendentes que participam do
Mestrado ou Doutorado; (iii) são poucos/as os/as professores/as que são
capacitados/as para a orientação nas temáticas da negritude brasileira
24
;
Portanto, construir caminhos do antipreconceito por dentro da própria
instituição pública que financia esta pesquisa é uma tarefa também difícil.
não podendo ser vistos única e exclusivamente como mercadorias
"desalmadas", e respondendo aos novos parâmetros impostos pelo cientificismo,
os/as afrodescendentes eram assim apresentados como um tipo de "elo perdido"
entre os homens e os animais (tendendo claramente para o segundo caso) o que,
dentro dessa lógica, justificava plenamente sua "domesticação" e sua utilização para
os serviços pesados. Uma ideologia que,
ao contrário do que se possa pensar,
passou quase que completamente intocada pela Revolução Burguesa, no final do
século XVIII. Como lembra Kabengele Munanga – em “Negritude: usos e sentidos”,
No século 18, era de se esperar que os grandes pensadores Iluministas,
criando uma ciência geral do homem, contribuíssem para corrigir a imagem
negativa que se tinha do negro. Pelo contrário, eles apenas consolidaram a
noção depreciativa herdada das épocas anteriores. Nesse século, elabora-
se nitidamente o conceito de perfectibilidade humana, ou seja, do
progresso. Mas o negro, o selvagem, continuava a viver, segundo esses
filósofos, nos antípodas da humanidade, isto é, fora do circuito histórico e
do caminho do desenvolvimento. Sexualidade, nudez, feiúra, preguiça e
indolência constituem temas-chave da descrição do negro na literatura
científica da época.
(Munanga, 1986, p. 16)
25
A história da África e suas civilizações não são estudadas sequer nas
Universidades. E mais: toda a história da escravidão é contada do ponto de vista dos
colonizadores, tendo como final apoteótico a assinatura da lei Áurea pela "bondosa
princesa".
24
Com brilhantes exceções, sendo que eu destaco o empenho da Professora-orientadora desta
pesquisa que, inclusive sofreu e sofre o preconceito que recaem sobre ela e sua etnia judia, a Dra
Tânia Baibich-Faria; o Dr. Marcus Taborda Oliveira e o Dr. Paulo Vinicius da Silva.
25
O filósofo David Hume (1771-1776) escreveu: “Estou apto a suspeitar que negros, em geral, com
relação a todas as outras espécies de homens (porque quatro ou cinco tipos diferentes) são,
naturalmente, inferiores aos brancos”. Voltaire (1694-1778) investiu dinheiro no tráfico negreiro,
utilizando-se de argumentos hipocritamente “humanistas”, como fica claro na seguinte carta enviada a
um de seus associados: “Congratulo-me convosco pelo êxito do navio o Congo ter chegado
oportunamente à costa da África para livrar da morte tantos infelizes. Sei que os que vão
embarcados em vossos navios são tratados com muita doçura e humanidade, e por isso felicito-me
de ter feito um bom negócio, praticando, ao mesmo tempo, uma boa ação”.
33
Segundo o "Mapa da Cor no Ensino Superior Brasileiro", realizado pelo
Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio (UERJ), em
2004, com base no Censo 2000,
Só 5,8 milhões de brasileiros têm nível superior concluído – o equivalente a
6,77% da população com mais de 25 anos. Contudo, desses poucos,
82,8% se identificam como brancos; 2,1% como pretos; 12,2% como
pardos; 0,1% como indígenas e 2,3% como amarelos. Dos brasileiros que
concluíram mestrado ou doutorado, 86,4% são brancos, 9,2%, pardos,
1,9%, amarelos e 0,2%, indígenas. 1,8% dos mestres ou doutores se
identificam como pretos.
Evidentemente, quanto mais “elitizada” é a carreira, maior é o abismo. Ainda
segundo o LPP da Uerj, dos 286 mil médicos identificados no Censo 2000, 86% são
brancos
26
. O estudo calcula que, mesmo que todas as vagas de todas as
universidades de medicina do país fossem reservadas para não brancos (pretos,
pardos e indígenas), demoraria muito para que o país tivesse uma proporção
equilibrada de médicos brancos e afrodescendentes. Mais exatamente, 25 anos.
1.3 O Encontro com o objeto
Para Paulo Freire, "ensinar é um ato político", por isso, no processo de
criação de seu "método", salienta que o universo vocabular do alfabetizando é o
ponto partida. A partir desse universo, inicia-se o diálogo, a base do método. E é no
dialogismo que se instaura o questionamento. Ao questionar a própria realidade, o
26
Uma pesquisa realizada por Delcede Mascarenhas, da UFBA, entre os 3.600 estudantes que
entraram na UFBA em 1997, 41,7% eram negros ou “pardos” e 49,8% eram brancos. A pesquisa
ainda revelou que mesmo quando entra na universidade, o estudante afrodescendente tende a
estudar em cursos que por mais prazerosos e fundamentais que sejam, do ponto de vista da
formação intelectual, cultural, humana e, inclusive, profissional —, muito provavelmente, não farão
com que sua entrada no mercado de trabalho mude significativamente o quadro das diferenças
salariais e sociais, que os estudantes afrodescendentes estavam concentrados majoritariamente
nos cursos definidos (pela pesquisadora) como tendo menor “prestígio”: 63% dos estudantes estão
nas áreas de língua e literatura; 62% na biblioteconomia; 58% nas artes plásticas e 57% na
contabilidade. os brancos se encontravam entre os destinados a serem “doutores”: 65% estão na
medicina; 60% na escola de direito e 60% na odontologia. Outra pesquisa, realizada pelo Projeto A
Cor da Bahia, da UFBA, com base no Provão de 2000, revelou números idênticos, agregando que
20% da população branca baiana detém 58,7% de Ciências da Computação, e 70,8% de Química
Industrial e que, no País, 85,8% dos formandos em Odontologia são brancos; 8,4% são pardos e
0,7% negros. Outra pesquisa, realizada pelo Projeto A Cor da Bahia, da Ufba, com base no Provão
de 2000, revelou números idênticos, agregando que 20% da população branca baiana detém 58,7%
de Ciências da Computação, e 70,8% de Química Industrial e que, no País, 85,8% dos formandos em
Odontologia são brancos; 8,4% são pardos e 0,7% negros.
34
educando a problematiza, cria a capacidade de criticá-la e, por conseqüência,
transformá-la.
Segundo João Zanetic, professor do Instituto de Física da USP, “Como dizia
Antonio Gramsci, a educação precisa abordar as várias contra-ideologias da
ideologia dominante. Se a educação não estiver educando alguém para a
transformação, não é educação, é simplesmente uma adequação.” (2006, p. 55-70).
Para Paulo Freire, romper com essa "adequação" e transformar a realidade
opressora, exige trabalhar a palavra dentro de duas dimensões constitutivas: ação e
reflexão. Sem a dimensão da ação, perde-se a reflexão e a palavra transforma-se
em verbalismo. Por outro lado, a ação sem a reflexão transforma-se em ativismo,
que também nega o diálogo. Para o educador pernambucano, a palavra verdadeira
é práxis transformadora, hoje, essa práxis é atualizada na ação dos movimentos
sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e na
emancipação dos povos indígenas.
Nesse trabalho foi feita a opção de estudar localizadamente a experiência
dos/as educadores/as das Escolas Públicas Estaduais de Almirante Tamandaré,
município da Região Metropolitana Norte de Curitiba. Em 2006, um grupo
significativo de educadores/as de Escolas Públicas Estaduais da jurisdição do
Núcleo Regional de Ensino da Área Metropolitana Norte de Curitiba organizou
voluntariamente, sem ajuda oficial, um Curso de Capacitação para desenvolver a
temática “História e Cultura Afrobrasileira e Africana e suas práticas em sala de
aula”, sob a coordenação da professora Célia Torkaski. Eram professores/as,
pedagogos/as, diretores/as e funcionários/as de Escolas que tinham uma angústia
que poderia ser traduzida na seguinte questão: “como trabalhar a Lei 10.639/03 nas
Escolas que estamos?” Eram profissionais dedicados/as à construção de ações
pedagógicas de combate ao racismo e de antipreconceito no ambiente escolar em
que trabalhavam. Distintamente dos Cursos de Capacitação oficiais, este, além de
nascer de uma iniciativa do grupo, realizou-se em seis encontros que ocorreram aos
sábados no turno da tarde, sem uma orientação formal por parte do Estado e da
Secretaria de Educação do Paraná e sem concessão de certificação. Os/as
profissionais envolvidos (palestrantes e professores/as, Grupos de Capoeira, Centro
Cultural Humaitá etc.) trabalharam voluntariamente e não cobraram por seu
35
trabalho
27
. Foi uma experiência isolada no âmbito das Escolas da Área
Metropolitana Norte de Curitiba. Diante da dificuldade que todo/as sentiam com as
temáticas de História e Cultura Afrobrasileira e Africana resolveram assumir um
papel que o Estado não assumira: procurar subsídios que lhes dessem
embasamento teórico-prático e orientações mais gerais para se fazer um trabalho
organizado dentro das Escolas.
A partir desta experiência mais geral, e tendo como base as dificuldades
observadas junto aos professores/as interessados/as em voluntariamente
implementar a Lei com consistência, buscou-se verificar a experiência específica
dos/as professores/as que trabalhavam com a temática da lei nas Escolas Públicas
Estaduais de Almirante Tamandaré - PR e identificar na visão deles/as quais os
principais fatores obstacularizadores e as principais dificuldades para a efetiva
implementação da Lei 10.639/03.
Os resultados desta pesquisa estão contidos neste trabalho que está
organizado em três capítulos. O objetivo o é apontar o quanto a Escola (re)
produz as mazelas sociais, e sim busca analisar o potencial transformador da
Escola. Por um lado a Escola não pode ser a única responsável pelas
transformações na sociedade, por outro precisa reconhecer que sem ela, estas
transformações não virão (FREIRE, 1977, p. 75).
27
O curso teve a coordenação geral da professora Célia Torkaski e o apoio dos professores:
Claudemir Figueiredo Pessoa Onasayo e Neuton Damásio. Foi previsto para acontecer em seis
etapas, sendo um encontro por mês, sempre aos sábados à tarde, e seguiu o seguinte cronograma:
julho/2006 “História e Cultura Afro-brasileira e Africana na sala de aula”, palestra ministrada pelo
professor Adriano Bernardo de Lima, da Uniandrade, e apresentação de Maculelê, Capoeira e Samba
de Roda com o Centro Cultural Humaitá, com o professor Adegmar José da Silva, o Sombra;
agosto/2006 “O negro no Paraná”, palestra proferida pelo professor Nilson César Fraga, da
Faculdade Curitiba; setembro/2006 “História da África, um estudo de caso: Cabo Verde”, palestra
proferida pelo professor Elias Alfama Moniz. Palestra proferida pelo padre Fernando, falando sobre
seu Trabalho como missionário na África”; outubro/2006 “Cosmovisão Africana”, palestra proferida
pelo Babalawo T’Ogun Arolei Ifá e Adebayo Majaro; dezembro/2006 O preconceito nosso de cada
dia”, palestra proferida pela professora Tânia Maria Baibich-Faria, da UFPR; março/2007 -
encerramento do curso com mesa redonda e apresentação de trabalhos desenvolvidos pelos/as
professores/as nas Escolas Públicas Estaduais. Participantes do curso que trabalham nas Escolas
Públicas Estaduais de Almirante Tamandaré: Osvaldinho Sengalli Jaci Real Prado, Regiane de
Siqueira Edmar Wright, Romilda de Oliveira Edmar Wright, Inês Matucheski Lamenha Pequena
e Jardim Paraíso, Lea Leonardo da Silva – Maria Lopes de Paula, Marcelo Miske – Lamenha
Pequena, Maria Dulce Soares de Oliveira Edmar Wright, Mari Lucia Polese Angela Sandri e
Floripa, Marise Félix da Silva Papa João Paulo II, Maria do Socorro Ferreira do Nascimento
Jardim Paraíso, Mirian José Fontoura Edmar Wright, Claudemir Figueiredo Pessoa Onasayo
Alberto Krause e Evelise Arlete Colodel – Jardim Paraíso.
36
Estas indicações iniciais referentes à captação imediata do real, de acordo
com a perspectiva de Bachelard (2006, p. 17) atua ainda como um dado
confuso, como uma captação provisória e convencional que necessita ser
“inventariada” e “classificada”. É a reflexão sobre o objeto que dará sentido
ao conhecimento inicial, pois não se pode confiar nas informações que os
dados imediatos fornecem. No entanto, esta captação provisória é
necessária, pois permite que o objeto “fale”, que se apresente, que não
seja estranho ao pesquisador, de modo a evitar que este, ao se defrontar
com aquele, veja aquilo que idealmente concebeu e não o que o objeto
tem a mostrar. A continuidade da relação entre o sujeito e o objeto de sua
investigação promove o que Bachelard (2006, p. 17) chama de “seqüência
orgânica”.
(BAIBICH-FARIA; FARIA e ZORZETTO FILHO, 2008,
ANPED SUL, ainda não divulgado.)
1.4 O Encontro com Almirante Tamandaré
Em Almirante Tamandaré são 17 Escolas/Colégios
28
Públicas/os Estaduais. O
primeiro questionário semi-estruturado (em anexo) foi elaborado com questões
abertas e fechadas. Foi enviado para todas as 17 Escolas Públicas da cidade.
Apenas 10 Escolas responderam e devolveram o Questionário I. No primeiro
questionário foram “ouvidos/as” professores/as, funcionários/as, pedagogos/as e
diretores/as. Foram analisados 220 (duzentos e vinte) questionários respondidos.
Analisando os questionários desta primeira fase, o pesquisador em conjunto
com a orientadora deliberam por escolher cinco (05) Escolas das cinco principais
regiões do município. Para estas cinco Escolas foi enviado o questionário II (em
anexo), também semi-estruturado com questões abertas e fechadas. Nesta fase da
pesquisa foram excluídos os/as funcionários/as, ficando apenas os/as
questionários/as respondidos pelos/as professores/as, pedagogos/as e diretores/as,
em vista que estes sujeitos trabalham diretamente com os alunos/as em sala de aula
e/ou operam o Regimento Escolar, as Diretrizes Curriculares Estaduais e o Projeto
Político Pedagógico. Em relação aos funcionários/as ficaria para outra pesquisa que
identifique a manifestação do fenômeno aqui estudado os fatores
obstacularizadores da implementação da Lei 10.639/03 na perspectiva dos/as
professores/as das Escolas Públicas de Almirante Tamandaré.
Uma Escola entre estas cinco foi descartada por se tratar da Escola onde o
pesquisador trabalha e dirige o trabalho administrativo e pedagógico. Portanto,
apenas quatro Escolas foram efetivamente analisadas, num universo de 145
28
Administrativamente Escolas são as que oferecem o Ensino Fundamental e Colégios oferecem o
Ensino Médio. Nesta pesquisa daremos o tratamento de “Escola” para ambos os casos.
37
questionários recolhidos. Foram descartados os 22 (vinte e dois) questionários desta
Escola, sendo analisados apenas 123 (cento e vinte e três) instrumentos
respondidos.
Em um dos encontros acima referidos, do Curso voluntariamente levado a
efeito pelos/as Professores/as da Região Metropolitana Norte de Curitiba, a
palestrante, Profa. Dra. Tânia Baibich-Faria, também orientadora desta pesquisa de
Mestrado, colheu, mediante questionário estruturado, e discussão em pequenos
grupos,
...dados sobre a consciência que os/as professores/as possuem acerca da
existência do preconceito na Escola bem como sobre quais os obstáculos
que têm vivenciado para o exercício da Lei. As análises do presente
estudo, relativas, portanto, ao seleto grupo de professores genuinamente
interessados no assunto, negros e brancos, diga-se de passagem, buscam
o estabelecimento de possíveis relações entre a consciência que os
sujeitos possuem da existência do preconceito na Escola e as dificuldades
encontradas para o efetivo exercício da Lei.” (Texto extraído do resumo de
artigo “Obstáculos para a Implementação da Lei 10.639/03 na visão de
professores que efetivamente desejam implementá-la: uma experiência
quixotesca na Região Metropolitana Norte de Curitiba/Pr.
(Tânia
BAIBICH-FARIA , 2005, não publicado).
Muitos dos/as professores/as deste curso, um expressivo número dentre o
total de participantes (130), era constituído por professores/as e funcionários/as do
município de Almirante Tamandaré. No referido exercício desenvolvido pela
Professora Tânia Baibich-Faria, estes manifestaram, assim como os/as demais
professores/as também presentes, diversas vivências de obstáculos relativos a
temática da implementação da Lei ocorridos em seus locais de trabalho, além de
testemunhos de terem presenciado ou ouvido falar de práticas racistas, no ambiente
escolar. Em face a estes dados, e sendo o pesquisador,também professor
(atualmente em cargo de Direção) de Escola de Almirante Tamandaré, definiu como
universo a ser trabalhado, a população dos/as professores/as deste Município,
também pela presumida e, depois não constatada, facilidade de acesso do autor
desta pesquisa às 17 (dezessete) Escolas blicas Estaduais, bem como a
Documentação Escolar do município.
Após a definição do município de Almirante Tamandaré PR como o locus
privilegiado para as investigações desta pesquisa, dadas as condições de baixo IDH
38
e expressiva presença da população afrodescendente considerando que no Brasil
a pobreza tem cor - foi elaborado um primeiro questionário semi-estruturado. O
objetivo seria atingir a todas as Escolas que trabalharam com as temáticas da Lei
10.639/03, desde quando o faziam, com quais tipos de atividades, etc. Todas as
Escolas pretendidas, em número de dez, foram atingidas pelo primeiro questionário
e responderam ao mesmo.
Neste primeiro questionário buscou-se conhecer:
(a) a realidade da região onde a escola estava situada, bem como
(b) a realidade da Comunidade Escolar
(c) quais as atividades que a escola desenvolvia sobre a temática da Lei
10.639/03,
(d) se a História e Cultura Afrobrasileira e Africana estava contemplada no
Projeto Político Pedagógico – PPP - da escola,
(e) qual a natureza das atividades (projetos ou eventos)
(f) formas de participação dos envolvidos/as (iniciativa individual, coletiva ou
dos dois modos),
(g) tipo de envolvimento da Comunidade Escolar,
(h) se houve colaboração por parte da equipe pedagógica e da direção, (i)
as expectativas dos sujeitos envolvidos/as e
(j) os principais obstáculos encontrados para a efetiva implementação da Lei.
Nos levantamentos preliminares percebeu-se a necessidade de se verificar
mais focalizadamente a experiência de algumas escolas e partiu-se para a
estruturação tanto de outro questionário, o segundo, quanto de entrevistas semi-
estruturadas para se averiguar mais detalhadamente os principais fatores
obstacularizadores para a efetiva implementação da Lei 10.639/03 nas escolas do
município de, objeto desta pesquisa.
Contrariamente ao primeiro questionário que foi respondido por todas as
Escolas, no segundo apenas cinco Escolas responderam, em que pese o empenho
do pesquisador, que se traduziu em várias visitas às Escolas, diversos telefonemas
para as pessoas responsáveis por recolher os materiais, coleta pessoal dos
materiais e a insistência na procura de evidências que pudessem colaborar com a
pesquisa. É preciso esclarecer aqui que o fato mais comum foi o de algumas
pessoas que se comprometeram em conceder entrevistas, todas previamente
agendadas, não compareceram e nem deixavam o material na Escola para ser
39
recolhido pelo entrevistador. Apenas uma professora muito envolvida com as causas
do antipreconceito se dispôs a conceder uma entrevista. A impressão causada,
inicialmente, era de que algumas dessas pessoas poderiam estar “se escondendo”
ou expressando o fenômeno identificado neste trabalho como “ter preconceito de
ter preconceito”.
29
Assim, concluída a fase de coleta de dados, o universo
selecionado ficou reduzido a 10 Escolas que responderam ao questionário I. As
Escolas selecionadas pelo autor da pesquisa em concordância com a orientadora
são as seguintes e serão caracterizadas, a partir deste ponto, como Escola “A”,
Escola “B”, Escola “C”, e assim por diante. Destas apenas a Escola “A”, não
desenvolveu, até o preenchimento do questionário, nenhum tipo de atividade em
cumprimento à Lei 10.639/02. O motivo expresso para esta lacuna legal de não
desenvolvimento de nenhuma atividade foi a “falta de interação em relação à
interdisciplinaridade do professor” (sic)
30
.
A Escola “A” está situada numa região altamente populosa e que apresenta
baixo Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, altos índices de violência e
miserabilidade. Esta Escola “A” foi a que declarou em questionário que não fez
nenhuma atividade.
A Escola “B” uma escola “compartilhada”.
31
O colégio iniciou suas atividades
em 1998, suprindo as necessidades da população carente deste município. A escola
atende 12 turmas: ensino fundamental, ensino médio e profissional nos períodos da
manhã, tarde e noite, totalizando aproximadamente 609 alunos (...).
A Escola “C” tem uma tradição de lutas e resistências em defesa dos
interesses da Comunidade Escolar. Participou ativamente dos movimentos
reivindicatórios promovidos pela APP-Sindicato
32
. O colégio tem 29 anos de
fundação. Está localizado numa área urbana, de população predominantemente de
baixa renda. Começou como escola primária, passando para fundamental e
posteriormente ensino médio.
29
É preciso, entretanto que se aponte que, o acúmulo de atividades dos/as professores/as, aliado a
um temor natural de exposição de opinião sobre temas nevrálgicos, tais como o preconceito, deve ser
tomado em conta para avaliar a falta de respostas.
30
Resposta coletada no primeiro questionário desta pesquisa. A partir deste ponto todas as respostas
coletadas nos questionários ou entrevistas serão destacadas com letras itálicas.
31
Escola compartilhada é quando a escola é utilizada pelo Estado e também pela prefeitura. Ou seja,
é um prédio do Estado, mas a prefeitura também a utiliza. A prefeitura possui determinadas
obrigações financeiras e administrativas.
32
A APP-Sindicato é a entidade que representa os/as professores/as e funcionários/as das Escolas
Públicas do Estado do Paraná e conta hoje com aproximadamente 55 mil sindicalizados/as.
40
Esta Escola realizou atividades de implementação da Lei 10.639/03,
basicamente de oficinas e grupos de estudos, mas não foram todos os/as
professores/as que se envolveram. As disciplinas que se envolveram foram: história,
sociologia, arte, filosofia e português. Quanto ao tipo de participação esta foi
caracterizada, de acordo com os critérios de análise desta pesquisa, basicamente
como: a) individual, no qual o/a professor/a desenvolvia algumas atividades
isoladamente, e (b) coletiva, quando sua concepção, planejamento e/ou execução
era partilhada com um grupo maior. Contudo, em nenhum dos casos, quer de
iniciativa individual ou coletiva, houve envolvimento da Comunidade Escolar externa.
Segundo o depoimento, os principais obstáculos encontrados foram “a falta de
conhecimento e interesse sobre o tema” que uma “discriminação com o tema”.
No entanto, a direção e equipe pedagógica colaboraram com a iniciativa dos/as
professores/as “incentivando a discussão e propondo eventos sobre o tema”.
A Escola “D” é também compartilhada, e atende a aproximadamente 150
alunos/as muito carentes de a séries. A Escola desenvolveu o Projeto “Nossa
Identidade”, “abordando questões étnicas e morais, bem como, a descendência de
nossos/as educandos/as” e realizou com pesquisas e entrevistas com os moradores
do bairro. Trabalharam também neste projeto a Cultura Indígena “os quais os
índios Kaingangs compareceram na Escola para expor seus trabalhos artesanais,
bem como seu modo de vida”. Os/as alunos/as confeccionaram trabalhos indígenas
como “chocalho, instrumentos de caça e pesca, cocares e colares para serem
expostos.”
33
Todos/as os/as professores/as de todas as disciplinas se envolveram
com o projeto. Verifico aqui que falta na nossa análise das quatro escolas trabalhar a
questão do envolvimento, como é a variação nas quatro escolas que analisamos
dentre as dez. Também não está claro na análise porque destas dez, ou melhor
nove que desenvolveram, foram escolhidas quatro para análise (cinco se
estivesse a tua). A Comunidade Escolar externa foi envolvida na divulgação do
trabalho e também o cacique da tribo Kaingang compareceu ao evento. Os
principais obstáculos encontrados foram a “falta de estrutura física, escassez de
recursos financeiros e a de recursos didáticos.” A Instituição Escolar pode
colaborar com a iniciativa dos/as professores/as “mobilizando toda a comunidade
escolar e auxiliando todo o corpo docente da escola no trabalho pedagógico.”
33
A Escola embora trabalhando a diversidade cultural, concentrou suas atividades na questão
indígena e não na questão da afrodescendência.
41
A Escola “E” é também compartilhada e desenvolveu atividades de
apresentação de danças com a temática Afrobrasileira, foi feito um concurso de
slogans, histórias em quadrinhos e teatros.
Apenas alguns/mas professores/as se envolveram com o projeto
afrodescendente e as disciplinas envolvidas foram história, português, artes,
geografia e educação física. Porém a iniciativa foi dos dois tipos: individual e
coletiva. A Comunidade Escolar externa foi envolvida e vieram grupos de Capoeira
para fazer apresentações na Escola. Os principais obstáculos foram “a precariedade
de materiais que abordam esse assunto; pouco espaço físico; a dificuldade
individual de alguns/mas professores/as levarem este tema a sério, ou seja, muitos
não conseguem trabalhar por não darem importância ao assunto.” A escola pode
colaborar” incentivando a iniciativa, dando apoio pedagógico e administrativo para a
realização das atividades.” A escola desenvolveu as atividades em 2005 e 2006.
A Escola “E” possui 1.100 alunos/as matriculados/as, atendendo ao ensino
fundamental e ao ensino médio.” As atividades foram desenvolvidas de forma
interdisciplinar, houve a pesquisa de materiais afros, literatura, artesanato, dança e
música, finalizando com exposição e apresentação de trabalhos. Estas atividades
começaram a partir de 2006, todos/as os/as professores/as de todas as disciplinas
se envolveram de forma coletiva. Não contou com a participação da Comunidade
Escolar externa. As principais dificuldades encontradas foram a “falta de recursos
materiais e escritos, cd’s e outros.” A direção e equipe pedagógica colaboraram
“viabilizando a compra de alguns materiais e buscando recursos junto a órgãos
competentes, colégios, comunidade e outros.”
A Escola “F” realizou atividades em 2006, com cartazes, poemas,
apresentação das turmas de alunos/as com vestimentas, comidas, costumes, etc.
Apenas alguns/mas professores/as das disciplinas de história, geografia, português
e artes se envolveram com as atividades. Não contou com a participação da
comunidade Escolar externa, e o principal obstáculo encontrado no desenvolvimento
das atividades for “resistência de alguns grupos [de professores/as] em estar
incluindo, alterando, seu conteúdo programático [e trabalhando] o tema em questão.”
A escola pode colaborar “incentivando com apoio, no sentido de adquirir material,
incentivando a participação docente.”
A Escola “G” participou das atividades do projeto sobre afrodescendências
com dança, poesias, músicas, cartazes com slogans, etc. Realiza as atividades
42
desde 2003 e, alguns/mas professores/as se envolvem com tais atividades. Em 2003
e 2004, apenas as disciplinas de português, história, artes e educação física se
envolveram, em 2005 e 2006, todas as disciplinas participaram das atividades. A
participação foi dos dois tipos: individual e coletiva. Envolveram ex-alunos/as e a
Comunidade Escolar externa.
A maior dificuldade encontra-se na falta de espaço físico, pois a escola está
num espaço provisório, e falta espaço para a realização das atividades de dança,
teatro e todas as apresentações externas. Encontramos dificuldades com a falta de
materiais.
A direção “procurou auxiliar em tudo o que foi solicitado, buscando espaços
alternativos, materiais, bem como empenhou apoio total na realização das
atividades.”
A escola “H" atende a 1088 alunos/as do ensino médio e fundamental, conta
com 22 funcionários/as e 46 professores/as. Atende famílias que ganham entre 1 e 4
salários mínimos. “O grau de instrução de 80% dos pais de alunos é de 1ª a 4ª série,
12% com a segunda série completa.” Oferece aos alunos projetos como Fanfarra,
Coral, Teatro, etc. Participa das atividades desde 2006, toda a equipe pedagógica
juntamente com todo o corpo docente, elaborando um projeto com a inclusão de
todas as disciplinas.
Foi feita uma semana de atividades que envolvem a cultura afro (comidas,
roupas, cabelo, criação de um vocabulário trazido pelos negros e que enriqueceram
nossa língua) com feira e exposição.
A Escola contou com a participação externa de uma Organização Não
Governamental - ONG Ciranda, Grupo de Maracatu, etc. Porém, a principal
dificuldade foi “envolver a própria Comunidade Escolar externa, expandir as
atividades para fora dos limites do colégio e trazer para o colégio testemunhos e
experiências.” A Escola colaborou com tudo o que o/a professor/a solicitou.
A Escola “I” está situada num bairro muito populoso, mil e trezentos eleitores
aproximadamente e tem forte atuação política dentro do município, trata-se de uma
região extremamente carente. O colégio foi fundado em 1985 e atende ao ensino
fundamental e médio. Possui aproximadamente 980 alunos/as matriculados/as,
participa das atividades desde 2003, com iniciativas individualizadas. A partir de
2006, envolveu toda a Escola. Desenvolve oficinas de produção de máscaras afros,
seminários, construção de painéis e debates, atividades para pequenos grupos,
43
dinâmicas de grupos para troca de experiências, análises de filmes sobre o assunto,
etc. Recentemente, cada professor/a desenvolveu um trabalho com a turma que
monitora e em interdisciplinaridade.
A Comunidade Escolar externa foi envolvida apreciando as exposições dos
trabalhos feitos pelos alunos/as, ou seja, seus próprios filhos/as. O cleo Regional
de Educação visitou a exposição e solicitou que os trabalhos fossem expostos nas
dependências do próprio núcleo.
As principais dificuldades encontradas foram a “falta de material de pesquisa,
falta de informação e formação dos/as professores/as, os poucos conteúdos
encontrados, etc” A direção colaborou com todos os materiais solicitados e
incentivou a participação de todos/as os/as professores/as e alunos/as. O diretor do
colégio é afrodescendente, militante de um dos Movimentos Sociais Negros O
Centro Cultural Humaitá -, é professor da escola 11 anos e morou na
Comunidade Escolar por 14 anos. A equipe pedagógica registra que “a participação
a princípio foi tumultuada, mas no decorrer do projeto foi havendo uma integração. O
tema foi ficando mais familiar e a prática pedagógica ocorreu produtivamente, como
esperado”.
1.5 A aproximação com os resultados da pesquisa
Com o intuito de procurar identificar a percepção e a experiência concreta
dos/as professores/as em relação a sua vivência direta ou indireta com o racismo em
suas Escolas, foram formuladas as questões do segundo questionário (em anexo).
As respostas de 99% dos/as entrevistados/as foram afirmativas relativamente ao fato
de terem vivenciado, testemunhado ou ouvido falar de preconceito em suas Escolas,
portanto, é notório o reconhecimento da existência do racismo na Escola. Os
exemplos citados para apontar como o racismo está presente no cotidiano escolar e
como assume distintas e variadas formas foram os mais variados: desde agressões
verbais diretas como, por exemplo, “sua negra fedida!”, “suco de pneu”, “macaco”,
“cabelo de porco espinho”, entre outras, às indiretas que se transformam em ações
mais sutis quando, por exemplo, o/a professor/a não consegue sequer mencionar a
etnia do/a aluno/a e se refere a ele/a como “aquele/a moreninho/a”, “aquele/a um/a
lá do canto direito da sala tal que tem o cabelo espetado e de carapinha...”
44
Destacam-se também, relatos de algumas experiências que disfarçam o
racismo sob a máscara da “brincadeira” que se esconde na estigmatização dos
sujeitos cuja pertença étnica ou de escolha sexual não seja a da maioria privilegiada.
Assim, o uso de nomes pejorativos para indicar a etnia ou orientação sexual
(“moreninho” para negro, “delicadinho” para homossexuais); piadas sobre a cor da
pele e a “animalização” ou “coisificação” dos afrodescendentes. Estes dados nos
remetem à descaracterização do ser afrodescendente de sua humanidade ou
características humanizantes. É a “animalização” do ser negro, no qual o sujeito é
desprovido das características peculiares do ser humano e lhe são atribuídas e
agregadas outras, como por exemplo, “negrinha bunda de tanajura”, “negro que
trabalha feito um cavalo”, “parece um macaco”, “cabeça de chimpanzé”, “pés de
pato”, negra zambeta feito uma vaca”, “tetas protuberantes”, “vivem todos/as
amontoados/as feito bichos...”etc.
As agressões racistas percebidas pelos/as professores/as entrevistados/as
entre “professores/as e professores/as e entre alunos/as e alunos/as” também
indicam uma “coisificação” do/a afrodescendente. Expressões como “aluno/a cabeça
de prego”, “nem quebrando com marreta a cabeça desse/a negro/a ele/a aprende
alguma coisa...”, “ele tem mãos de ferro”, entre outras expressões sinalizam para a
“coisificação” e destituição de humanidade do/a afrodescendente. As escolas
experimentam situações racistas em seu cotidiano como se pode verificar no relato a
seguir.
Duas meninas brigaram. Uma negra e outra branca. A menina negra é a
“encrenqueira” (sic) com várias ocorrências (o registro de ocorrências
disciplinares é prática comum nas escolas). A branca exemplar, mas foi
quem começou a briga. A professora que atendeu a ocorrência usou
termos pejorativos em relação a aluna negra
.” (Relato de professora
branca, 7 anos de profissão e 4 anos trabalhando na
escola).
Contudo, o preconceito vivenciado nas escolas não é racista, mas também
em relação à condição econômica do/a aluno/a:
Existe preconceito em relação às diferenças, seja de cor ou situação
financeira.
(Relato de professor negro, 20 anos de profissão e há
11 anos nesta escola).
45
Nesta questão, destaca-se que entre as dezenas de questionários, apenas
um professor, com 25 anos de profissão e há um ano nesta escola “nunca” vivenciou
algum tipo de racismo no ambiente escolar. O mesmo professor se identifica como
“neutro” quanto a sua etnia.
Quando questionados se possuíam ou não dificuldade para trabalhar a
temática da lei 10.639/03, metade dos sujeitos respondeu que “não”, e a outra
metade respondeu que tem dificuldade, sendo que apenas um único professor não
respondeu à questão.
O fato de não apresentar dificuldades pode ser um sintoma de não
implementação efetiva da Lei 10.638/03.
34
Ou seja, não ter dificuldades em trabalhar
com as temáticas da lei também pode significar que a escola não esteja
efetivamente fazendo alguma atividade que levem a práticas de antipreconceito.
Pode ser que a escola não desenvolva ações efetivas para a implementação da lei.
Ainda que o cenário de constatação da realidade crua e perversa do racismo
na Escola seja nítido e percebido pelos/as professores/as como tal, as formas para
enfrentamento verificadas nas Escolas que - corajosamente têm buscado
implementar a Lei -, tendem sem que haja qualquer consciência teórico-prática deste
fato, a enfatizar o estigma, gerando o corolário inevitável, de preservação e
reprodução do preconceito. A Lei 10.639/03, que poderia ser um ancoradouro ou
mesmo uma idéia-ponte para o combate ao racismo e à discriminação,
paradoxalmente, funciona também como instrumento de preservação do preconceito
(Baibich-Faria, 2008, orientação não publicada).
A freqüência e a forma de trabalhar o tema da cultura Afrobrasileira
explicitada quando do cruzamento dos dados provenientes da fase da pesquisa,
constata que as Escolas ou não promovem atividades relativas à questão
Afrobrasileira e africana, ou o fazem de forma eventual, realçando características
folclorizadas da cultura afrodescendente, como pode-se verificar no exemplo da
escola “E”:
34
No entendimento deste trabalho, implementação efetiva pressupõe entre outros aspectos:
planejamento, execução e avaliação coletiva do Projeto Escolar relativo à Lei 10.639/03, com vistas a
(a) combater todas as formas de racismo e discriminação; (b) promover a auto-estima identitária das
crianças e jovens afrodescendentes e (c) expandir para fora dos muros da escola as ações a e b.
(BAIBICH-FARIA e ONASAYO, 2008).
46
A escola desenvolveu atividades de apresentação de danças com a
temática Afrobrasileira, foi feito um concurso de slogans, histórias em
quadrinhos e teatros.
Ou no da Escola “H”:
Foi feita uma semana de atividades que envolvem a cultura afro (comidas,
roupas, cabelo, criação de um vocabulário trazido pelos negros e que
enriqueceram a língua portuguesa, falada no Brasil) com feira e exposição.
Quanto à natureza dos “projetos” das Escolas, é possível observar que dentre
todas as atividades relacionadas e relatadas, mesmo naquelas escolas em que
os/as professores/as reconhecem a presença de práticas racistas e desenvolvem
atividades com a temática relacionada com a Lei 10.639/03, efetivamente, nenhuma
delas apresenta ainda um Projeto que possa ser caracterizado como de articulação
ou sequer de justaposição, visto que todas as experiências constituem atividades
eventuais, de cunho romântico que naturalizam as relações de inferioridade da
cultura afrodescendente brasileira, caracterizando-se como afirmam Baibich e
Guimarães como “Projetos de Mão Única”.
No intuito de verificar, da perspectiva dos/as professores/as, o quão
responsáveis se sentem no combate ao racismo e à discriminação, o instrumento
utilizado na presente pesquisa, procurou identificar quais as práticas que poderiam
ser aplicadas nas Escolas para que a lei saísse do papel e virasse realidade no
ambiente escolar e mais, quem deveria ser o responsável por estas atividades.
Todos/as os/as entrevistados/as responderam a esta questão e sugeriram
uma rie de atividades que a escola, o Estado, entidades externas ao cotidiano
escolar como ONG’s e a política pública, ou o diretor, ou um grupo de professores/as
da disciplina de História. E as atividades ora envolveriam alunos/as e professores/as
como palestras, peças teatrais, atividades culturais, visitas a espaços temáticos, etc,
ora a sugestão visava uma formação teórica do/a professor/a, como por exemplo, o
grupo de estudos afro-brasileiros. Ou seja, nenhum/a dos/as entrevistados/as se
colocou diretamente como responsável, como aquele/a que assume pessoalmente a
responsabilidade de no nível individual e coletivo participar/coordenar os trabalhos
para a efetiva implementação da lei. E atribuiu a responsabilidade para um lugar
longe de si, externo, que o o/a comprometa. O responsável identificado é “o/a
diretor/a”, “o Estado”, “uma ONG”, “os/as professores/as de outra disciplina”, “os
47
pais” ou “todos” ou como respondeu uma professora entrevistada: “a
responsabilidade deve ser de todos: pais, alunos, professores, etc.”
Uma entrevistada sugeriu que a responsabilidade seria do diretor da escola:
“diretor que deveria dispor de mais tempo para a discussão com os professores”, e
completou que “todos nós professores, coordenadores, alunos, governo, etc
deveriam ser responsáveis, por que todos nós temos o na senzala.” (professora,
19 anos de profissão e 10 anos na escola). Ou se coloca a responsabilidade
diretamente no outro, portanto, completamente fora de si, ou se dilui a
responsabilidade num coletivo não identificado: “responsabilidade de todos”. Uma
entrevistada relatou que propôs a realização de grupos de estudos afro-brasileiros,
onde os/as professores/as se reuniriam aos bados quinzenalmente ou uma vez
por mês e a professora constata: “... é utopia minha, pois fiz essa proposta e
nenhum dos 50 professores se interessou.” (professora, qpm, 7 anos de profissão, 4
anos na escola, branca). E a professora mesma reconhece sua proposta como
sendo uma “utopia”, como significa o próprio termo “um lugar inexistente”, inatingível,
como é a proposta de trazer para si a responsabilidade, porém apoiada na vontade
daqueles que não querem realizar tal esforço pessoal, pois “nenhum dos 50
professores se interessou” pela proposta da entrevistada.
A pesquisa procurou identificar também qual seria o papel da direção da
escola segundo a opinião dos/as entrevistados/as. E os papéis identificados que
caberiam à direção da escola seriam o de mediar e auxiliar com relação aos
materiais necessários; incentivar o desenvolvimento de atividades e freqüência de
cursos de capacitação entre os professores; sempre incentivar as discussões na
escola. Isto é, a direção tem papel fundamental na implementação da lei.
Um fato que merece destaque foi que dois entrevistados/as, de uma mesma
Escola, tiveram opiniões diferentes sobre o papel que cumpre o diretor da escola em
que eles trabalham. Um opinou que “o diretor é filósofo e é o primeiro a estar
sempre lembrando e encaminhando os professores para os cursos [de
capacitação].” (pedagoga, branca). O outro professor da mesma Escola relata: “o
diretor tem a proposta de cada professor fazer “alguma coisa” (sic) em novembro
[mês da consciência negra]” (professor, branco).
Pode-se perceber que esta diferença de entendimento, somada às visões
parciais e às atitudes individuais leva a uma sensação de carência e
incapacidade que por sua vez é impeditiva da mudança. Também a atitude
48
de espera pacífica por um “Messias”, predominante em todos os relatos
dos/as entrevistados/as, parece colaborar para a passividade que leva a
não transformação.
Fica evidente que apesar do espaço focalizado na pesquisa ser um espaço
dos mais carentes do ponto de vista socioeconômico e, conseqüentemente,
composto por uma população vítima do preconceito de raça, social,
econômico e educacional talvez em grau muito mais aguçado do que em
outras regiões, é também dos mais carentes de atitudes de antipreconceito,
que são as sementes, juntamente com a valorização do sentimento de
pertença, para o desenvolvimento de atitudes de ataque/defesa contra o
racismo.
(Baibich-Faria e Onasayo, 2008, idéias em
elaboração).
Quando a intenção da pesquisa era a de saber mais acerca da concepção do
papel do/a professor/a na implementação da Lei, as respostas tenderam a enfatizar
a não capacitação dos mesmos para tal tarefa. Por exemplo: “Na minha escola [os
professores] não cumprem nenhum papel. Volto a dizer que os professores não se
capacitaram para tal. O grupo de estudos de História e Cultura Afro não está
cumprindo o seu papel.” (relatou professora branca e QPM
35
). A opinião geral é que
se deve “trabalhar da melhor forma possível os conteúdos; discutir e oportunizar
debates sobre o tema; demonstrar as diferenças culturais da sociedade brasileira e
destacar a cultura Afrobrasileira no cotidiano.” Outro entrevistado destaca que o
professor é o mais importante na escola, para isso, é necessário que ele mude a sua
visão de sociedade.” (diretor, branco). Outra professora ressalva: “cabe ao professor
a responsabilidade de fazer com que a lei aconteça na prática e não fique somente
no papel.” (professora, branca). 30% responderam que não sabiam.
Verifica-se com as respostas a esta questão que, além do “assumido grupo
dos alienados”, os outros, tendem a perceber que a responsabilidade da
implementação da Lei está em algum lugar/pessoa que não eles mesmos, não no
aqui e não no agora. uma projeção de responsabilidades e um jogar para um
futuro se/então (Baibich-Faria, 2008, orientação, não publicada).
No que se refere ao acesso e validade dos materiais existentes
36
, é possível
verificar, por meio dos questionários, as dificuldades de acesso aos materiais que
permitam trabalhar as questões relativas ao conteúdo da Lei, sentidas pelos
professores, visto que 70% responderam que tiveram acesso a materiais que
35
QPM: Quadro Próprio do Magistério é o quadro dos/as professores/as concursados da Rede
Pública das Escolas Estaduais.
36
Os materiais aqui citados referem-se aos distribuídos oficialmente pela SEED/PR, entre eles dois
Cadernos Temáticos “Educando para as relações étnico-raciais”, os textos para os Grupos de
Estudos Afro-brasileiros, entre outros.
49
auxiliaram no trabalho. Destes entrevistados que tiveram acesso ao material, 10%
responderam que eles não auxiliaram em nada o seu trabalho, 20% responderam
que não tiveram acesso, e 10% não responderam nada. Os materiais que os/as
professores/as alegam ter entrado em contato são os Cadernos Temáticos
fornecidos pela SEED/PR, livros do Programa Biblioteca do Professor, curso de
educação e africanidades brasileiras, material para grupo de estudos de História e
Cultura Afro, Simpósio de História (Faxinal do Céu), Encontros de Educadores/as
Negros/as (Faxinal do Céu), textos pedagógicos, dvd’s, vídeos, cartazes, acesso
pela internet, cursos da SEED/PR, livro didático do ensino médio, etc. Isto quer dizer
que do ponto de vista da produção de materiais e discussões, um acúmulo para
se ter iniciado a implementação da Lei 10.639/03.
Os argumentos utilizados acima dos 70% dos/as professores/as sujeitos da
pesquisa, que alegam conhecer uma série de materiais e ter participado de cursos
de capacitação e mesmo assim o implementam ou implementam de forma
distorcida a Lei 10.639/03, servem como esconderijo conceitual, mas nem por isso
menos danoso, para a real dificuldade que se tem em relação ao acesso a tais
materiais. Para além de todos os materiais oferecidos pelo Estado, Encontros
Estaduais, Simpósios de História e Cultura Afrobrasileira, Fóruns da Diversidade
Cultural, Cursos à distância, Cursos presenciais, Grupos de Estudos Afro-brasileiros,
podemos citar também além da própria lei, as deliberações dos Conselhos Nacional
e Estadual de Educação, a Instrução 17/06 da SEED/PR que obriga a instituição em
todas as Escolas Públicas de uma Comissão Interdisciplinar para trabalhar a
questão da implementação da lei. Não se pode alegar falta de conhecimento sobre a
lei para não se fazer nada para a sua implementação efetiva.
A análise preliminar com respeito ao peso do preconceito como fator
obstaculizador da implementação efetiva da Lei nas Escolas Públicas de Almirante
Tamandaré, na perspectiva manifesta, oculta ou inconsciente dos sujeitos da
pesquisa, indica que: (a) Todos os sujeitos responderam a esta questão, dado por si
significativo; (b). 60% não acreditam que o preconceito seja um obstáculo e (c)
40% acreditam que o preconceito constitui-se num obstáculo para a implementação
da Lei. Uma professora chamou a atenção para a “naturalidade com que algumas
situações são tratadas no dia-a-dia da Escola.” Outra afirmou que “quem tem
preconceito dificilmente se importará com a implementação da lei.” Outro afirmou
que “para aplicar a lei é necessário haver a mudança da visão das pessoas.” Outra
50
professora afirmou que o preconceito não se constitui num obstáculo à
implementação da lei, “mas que quando se trata de lei, se leva um tempo para
colocá-la em prática e/ou interpretá-la.”
Esses dados mostram que mais da metade dos professores não vê
nenhuma relação entre o preconceito e a não implementação da Lei, o que
é por si só, um grande obstáculo, visto que esta visão está ancorada na
naturalização do privilégio e no mito da democracia racial. Entretanto, e é
preciso que se sublinhe esse dado, 40% que percebem esta relação, o
que pode indicar uma esperança ainda que o preconceito percebido, é, via
de regra, percebido no outro e não em si. Daí que, quando os professores
referem suas dificuldades não citam o preconceito enquanto barreira,
mesmo que o façam quando o pesquisador induz pela pergunta.
(BAIBICH-FARIA e ONASAYO, 2008).
A pesquisa até o presente momento, na análise dos dados,de verificar que
(i) a maioria das Escolas da região, não está sequer cumprindo a determinação
legal, (ii) pôde verificar também que aquelas que optaram por fazê-lo, têm
desenvolvido eventos em lugar de projetos. (iii) Esses eventos, de natureza
folclorizada (iv) em geral, não têm feito parte articulada do Projeto Pedagógico da
Escola, (v) não são de responsabilidade coletiva e (vi) não conseguem trazer a
comunidade como parceira.
Observou-se ainda que (vii) a percepção da realidade do racismo e da
discriminação pelos/as professores/as ainda que seja real, não parece ser entendida
como fator obstaculizador para a implementação da Lei.
Com relação ao problema central desse estudo, o levantamento dos fatores
que obstaculizam a implementação da Lei 10.639/03 de História e cultura
Afrobrasileira e Africana em sala de aula nas Escolas Públicas de Almirante
Tamandaré, deve-se recordar que
A aplicação de uma lei, qualquer que seja ela, é sempre mediada pela
capacidade de refração, as formas de apropriação, de tradução e de
resistência dos agentes. D a importância de um estudo como este que
pode contribuir para divulgar a necessidade e a urgência do tratamento da
temática nas Escolas da cidade, do Estado e do país. Tendo em vista a
convivência democrática e pluralista entre todos os segmentos da
sociedade brasileira e a superação das circunstâncias das desigualdades
de oportunidade e de condição em que se encontram os afrodescendentes
do Brasil. Evidentemente o estágio desta investigação ainda não permite
que tenhamos as respostas que deverão fundamentar nossas ações
pedagógicas futuras, muito embora indiquem que a pesquisa proposta tem
condições de proporcionar novos subsídios para os/as educadores/as e
militantes anti-racistas
. (Walter Praxedes em orientação na Banca
de Qualificação, em março de 2008).
51
CAPÍTULO 2
QUEM É O AFRODESCENDENTE NO BRASIL?
Pobres são como podres. E todos sabem como se tratam
os pretos...
Caetano Veloso e Gilberto Gil
Entender, no processo de constituição do país, o engendramento e a
dinâmica das relações sociais que resultam da mestiçagem como um fenômeno
particularmente integrante no nosso percurso histórico, é uma tarefa complexa. Os
estudiosos que tratam das relações raciais e da questão do preconceito e da
discriminação no Brasil enfrentam um problema básico na construção de uma
categoria que, supostamente, abranja ou defina a população que é discriminada
socialmente em virtude de sua ascendência africana
37
. E este problema não é
dos estudiosos, mas também é percebido pela população afrodescendente, ao ser
convidada a se identificar em categorias de “cor ou raça”.
O grau de miscigenação ocorrido aqui e a complexidade desta dinâmica
criaram uma grande fluidez e uma multiplicidade de categorias de auto-classificação
possível, tanto pelas características físicas consideradas haja vista o gradiente de
37
Racismo (...) é referido como sendo uma doutrina, quer se queira científica, quer não, que prega a
existência de raças humanas, com diferentes qualidades e habilidades, ordenadas de tal modo que
as raças formem um gradiente hierárquico de qualidades morais, psicológicas, físicas e intelectuais.
(...) além de doutrina, o racismo é também referido como sendo um corpo de atitudes, preferências e
gostos instruídos pela idéia de raça e de superioridade racial, seja no plano moral, estético, físico ou
intelectual. (...) chama-se, ainda, de racismo o sistema de desigualdades de oportunidades inscritas
na estrutura de uma sociedade, que podem ser verificadas apenas estatisticamente através da
estrutura de desigualdades raciais, seja na educação, na saúde blica, no emprego, na renda, na
moradia, etc.” (GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Preconceito e Discriminação. Queixas e
tratamentos desiguais dos negros no Brasil. Publicação do Programa A cor da Bahia. Mestrado em
Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humana da UFBA. 3 (1997) - Salvador: Novos
Toques, 1998).
52
cores que os afrodescendentes se atribuem (SCHWARCZ, 2002) - quanto pela
ausência de marcadores nitidamente diferenciadores. Como se o processo de
identificação e pertencimento a uma categoria ou outra, no caso brasileiro?
Um grande e fundamental passo para entender esse processo foi dado por
Oracy Nogueira (1985) quando, dentro das “relações raciais”, ele escolheu estudar
“o estado atual das relações entre os componentes brancos e de cor da população
brasileira”, o que lhe permitiu colocar o preconceito como foco central de estudo das
“relações raciais” no Brasil. O seu estudo toma como base uma análise comparativa
de como se explicitam as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos.
A distinção apresentada por Nogueira entre preconceito racial de marca e de
origem é essencial. No caso brasileiro, é preconceito racial de marca, isto é, aquele
vinculado à aparência física, manifestações gestuais etc, que permite, em função do
grau de mestiçagem, de indivíduo para indivíduo, decidir a sua inclusão ou exclusão
na categoria de afrodescendente. Isto se torna impossível frente ao preconceito
racial de origem vivido nos Estados Unidos segundo o qual a definição étnica está
dada pela hereditariedade, independente de o indivíduo trazer ou não nos traços o
fenótipo afrodescendente.
Retomando esta perspectiva comparativa, um ou outro estudo mais atual que
também analisa as relações raciais entre Estados Unidos e Brasil, está no texto uma
nota sobre “raça social” no Brasil, de Nelson do Valle da Silva, escrito em 1994. O
estudo apresenta o conceito de raça social, que associa características fenotípicas
38
e socioeconômicas do indivíduo à possibilidade de classificação e auto-classificação
étnico-racial.
No Brasil, a associação de características físicas, condição socioeconômica e
classificação racial, tem se mostrado como equação permanente nos estudos das
relações raciais. E, nessa medida, na nossa sociedade altamente miscigenada, isso
permite a variedade de termos classificatórios relativos à capacidade de negociação
de lugares sociais.
O grande mosaico de termos
39
carregados de significações afetivo-culturais
poderia, em última instância, quase obrigar a abandonar a análise das condições
socioeconômicas dessa população. Como explicar e agrupar semelhanças e
38
Características fenotípicas: conjunto de características observáveis, aparentes de um indivíduo.
39
Essas são algumas das definições enumeradas no item raça ou cor, quando em 1976, o IBGE
inclui pela primeira vez no censo a auto-classificação.
53
diferenças entre as condições de vida dos escuros, marrons-bombons, morenos
claro, morenos escuros, pretos, pardos, mulatos, negros, café com leite, entre
outros?
Entretanto, não podemos ignorar as categorias criadas no cotidiano social e,
sobretudo, vale ressaltar que elas também nos revelam o desconforto da auto-
classificação, quando o lugar no qual “eu me reconheçoé o lugar da desigualdade.
Estudos recentes têm revelado um gradiente maior de cores auto-distribuídas
quando existe uma presença marcada de traços de fenótipo afrodescendente e, ao
contrário, quando a predominância é do fenótipo branco, as dúvidas de auto-
atribuição são bem maiores e a do gradiente de cores também (SANSONE, 2004).
A peculiaridade de como é vivido o preconceito racial no Brasil - preconceito
de marca, segundo Oracy Nogueira - também possibilita uma série de termos que
disfarçam a condição de origem étnico-racial da população afrodescendente. Assim,
os termos escurinho, moreno, entre outros, fazem parte de certa etiqueta das
relações raciais. É como se ficasse mal se dirigir a alguém como “negro” ou “preto”,
a tentativa é de amenizar a origem e de branquear o conteúdo identificatório.
Por outro lado, Silva (1991) aponta também a relação entre cor e classe social
que se manifesta no fenômeno do branqueamento como medida de identificação.
Agregando os conteúdos da condição socioeconômica e as características “raciais”,
o conceito indica que a sociedade brasileira faz com que os termos “preto” e “pobre”
sejam quase sinônimos. Isso graças à mobilidade que o preconceito de marca
possibilita e as profundas desigualdades econômicas e sociais em que se encontra a
maioria da população afrodescendente em nosso país. Dessa forma, “quanto melhor
socialmente está o indivíduo, mais branco ele se considera, e é considerado, em
contrapartida, mais preto, quanto mais pobre se encontra socialmente” (SILVA,
1999).
Essa relação de poder que se estabelece a partir do elemento branco, a
principal conseqüência é que boa parcela da população afrodescendente assume a
estética e os valores brancos como seus, como modo de reagir às diferentes e sutis
formas de perseguição e inferiorização que sofrem no Brasil há cinco séculos.
Rossatto e Gesser (2001, p. 21) questionam a possibilidade dessa atitude anti-
álgica
40
ter os resultados desejados:
40
Termo retirado da literatura médica e utilizado por BAIBICH (2001) para designar atitudes com a
intenção de aliviar a dor provocada por ser o que se é. Refere-se aos movimentos de assimilação e
54
Quando é que uma pessoa etnicamente distinta da branca atinge respeito,
igualdade e dignidade diante do contexto dominado pelo branco? (...)
Mesmo atingindo o sucesso duramente almejado, muitos ainda vêem-se
forçados a assumir atitudes que representam a experiência branca, como
por exemplo, casar-se com um(a) loiro(a) ou tratar de desenvolver uma
pele mais clara aceitável pela estrutura dominante.
Ao mesmo tempo, a complexidade do processo brasileiro de construção de
identidade ”racial” não nos impede de observar que os indicadores socioeconômicos,
colhidos nos sensos e nas pesquisas domiciliares
41
, aproximam os resultados de
pretos e pardos
42
e distanciam os de brancos/as e afrodescendentes. Entretanto, as
variáveis envolvidas na auto-classificação e, portanto, na identidade étnico-racial
não se esgotam nesses indicadores. Estas são categorias complexas,
historicamente construídas, e têm no seu bojo injunções políticas, sociais e afetivas.
Os últimos dados do IBGE mostram que cerca de 45% da população
brasileira é afrodescendente (pretos e pardos). Os/as afrodescendentes brasileiros
enfrentam dois dilemas, o de classe e o de raça, e os dados têm mostrado que estes
estão entre os mais pobres. Embora sejam 45% da população, segundo o IPEA -
2001 (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) representam 69,3% dos dez por
cento mais pobres do país. O rendimento econômico de uma família
afrodescendente é, em média, a metade da de uma família branca. Na educação o
quadro preocupa: 87% das crianças que estão fora da escola são afrodescendentes,
a evasão escolar é 65% maior entre os/as afrodescendentes. Somente 3% da
população estudantil afrodescendente das redes públicas chega ao ensino superior.
Para mudar esse quadro, os Movimentos Sociais Negros reivindicam a instituição de
políticas blicas afirmativas na área da educação, do mundo do trabalho, da mídia,
da saúde entre outras. A assinatura e a implementação da Lei 10639/03 de História
e Cultura Afrobrasileira e Africana integra o conjunto destas reivindicações.
Segundo o Censo 2000, cerca de 76 milhões de pessoas, aproximadamente
45% da população brasileira, se assume oficialmente como “pretas” e “pardas”, o
que faz com que o Brasil tenha o maior contingente de afrodescendentes do
de negação da identidade judaica como forma de livrar-se das perseguições e dos preconceitos
advindos dessa condição. Utilizamos aqui para referir-nos a outro grupo vítima de preconceito, os
afrodescendentes.
41
IBGE e PNAD.
42
Denominação dada pelo IBGE.
55
mundo
43
. Boa parte destes vivem em condições precárias e de exclusão social. Os
estudos e pesquisas têm demonstrado que o componente étnico-racial é importante
para a compreensão do quadro de exclusão social do Brasil. Além da marca de
classe, percebe-se em boa parte dos excluídos brasileiros a marca de sua origem
étnica.
Essa compreensão é apresentada por Henriques (2004, p.97):
As desigualdades sociais econômicas no Brasil já são de consenso
nacional e internacional. Somos, reconhecidamente, um país de intensas e
estáveis desigualdades. Ao mesmo tempo em que, por muitas vezes, em
diversos setores, figuramos entre os países com o melhor posicionamento
no mundo, invariavelmente ocupamos as listas de disparidades
distributivas, pobreza, indigência, baixa escolaridade, dentre outros. Essa
desigualdade resulta de um acordo social excludente que não reconhece a
cidadania, os direitos e as oportunidades para todos. Contudo, entre os
excluídos, um traço característico demarcado: a raça e etnia dos
brasileiros.
Continua Henriques (2004, p. 97-98):
Para além das desigualdades de classe, apresentam-se, de forma
explícita, as desigualdades raciais. Basta um breve olhar sobre a
população brasileira para constatarmos esse fato: 34% (53 milhões) de
nossa população vive abaixo da linha de pobreza e 14% (22 milhões) vive
abaixo da linha da pobreza extrema (com condições de gastos, apenas,
para alimentação); os negros representam 45% da população brasileira,
sendo 65% dos pobres e 70% dos miseráveis; os brancos são 54% da
população, contudo são 36% dos pobres e 31% dos indigentes. Essa
mesma compreensão é percebida na educação: 40% da população branca
é considerada analfabeta funcional (menos de três anos de estudo),
enquanto esse percentual dentre os negros é de 55%; 19% da população
branca tem mais de 11 anos de estudos contra 7,5% dos negros; o número
de brancos com nível superior completo é 5 vezes maior que o número de
negros.
2.1 A conceituação de negro, afro-brasileiro e de afrodescendência
Para delimitarmos as expressões que foram utilizadas nesta pesquisa,
escolheu-se três das mais conhecidas na literatura brasileira: negro, afro-brasileiro e
afrodescendente. Tem-se no pesquisador Henrique Cunha Junior algumas
definições marcantes sobre os conceitos aqui determinados.
43
População total: 169.872.856 sendo Branca: 91.298.042 (53,75%); Parda: 65.318.092 (38,45%);
Preta:10.554.336 (6,21%); Amarela: 761.583 (0,44%); Indígena: 734.127(0,43%). IBGE Censo 2000.
56
Henrique Cunha Júnior tem definido o termo Negro como sendo um
conceito que surge com o escravismo. Tem sua expansão no século XVI. Fixa-se no
século XVII e ganha notoriedade com as teorias sobre raça no século XVIII. O termo
é retomado pelos Movimentos Negros na década de 20 em São Paulo, e novamente
tem uma forte retomada nos anos 1970.
Afro-brasileiro, ainda segundo Henrique Cunha Junior, é um temo que
aparece nos anos de 1930. Faz parte das teorias a la Gilberto Freire. Procura
descrever no campo do Folclore as criações derivadas dos sincretismos africanos no
Brasil. “Me parece estranho o Movimento Negro estar hoje insistindo neste termo”,
acentua Cunha Junior.
Afrodescendente foi um termo que o autor criou em 1986 dado dois
problemas: um relativo aos censos que precisavam integrar os “pretos e pardos”, o
outro que estava escrevendo textos sobre a História e queria preservar a dinâmica
entre África e Brasil, assim a idéia de afrodescendências. Ele usava as
afrodescendências e africanidades brasileiras, deixava o primeiro para populações e
o segundo para os aspectos materiais e imateriais da cultura.
Afrodescendência é o reconhecimento da existência de uma etnia de
descendência africana. Esta etnia tem como base comum dos membros do
grupo as diversas etnias e nações de origens africanas e o
desenvolvimento histórico destes nos limites condicionantes dos sistemas
predominantes do escravismo criminoso e capitalismo racista. Esta etnia
não é única, é diversa, não se preocupa com graus de mescla inter-étnicas
no Brasil, mas sim com a história. O conceito de Afrodescendência surge
devido às controvérsias criadas sobre a existência ou não de uma
identidade negra no Brasil. Esta identidade existe, entretanto ela não é
única, não em uma coesão monolítica. Mas vejamos as identidades
européias ou brancas no Brasil o admitidas como existentes, no entanto
não passam pelos mesmos processos de questionamento que as
identidades negras.
44
(CUNHA JR. Henrique. 1996).
Hoje Cunha Júnior tem usado afrodescendência para tudo o que diz
respeito as condições sociais, políticas, culturais e econômicas dos grupos sociais
de descendência africana na sociedade brasileira. No entanto, é possível nesta
pesquisa, de acordo com a fonte, o contexto analisado e os/as autores/as
pesquisados/as, utilizar-se de uma das três definições.
Faz-se neste trabalho a
opção preferencial pelo termo afrodescendente.
44
CUNHA JR. Henrique. Africanidade, Afrodescendência e Educação. Texto do Curso de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Piauí, em 1996.
57
2.2 Conceituação de raça e etnia
Neste trabalho tornam-se importantes algumas considerações sobre as
noções de raça e etnia. Os pesquisadores das áreas sociais e os Movimentos
Sociais Negros têm-se debruçado sobre essa questão conceitual importante para a
definição da estratégia de luta contra o racismo
45
. Há uma tendência de vários
pesquisadores de, gradualmente, substituir a categoria raça em favor da categoria
etnia, visto que, comprovadamente, não existe mais legitimidade científica para o
entendimento de raça como uma categoria biológica, na medida em que
As desigualdades atuais entre os chamados grupos raciais não são
conseqüências de sua herança biológica, mas produtos de circunstâncias
sociais históricas e contemporâneas e de conjunturas econômicas,
educacionais e políticas. (Declaração sobre Raça da Associação Norte
Americana de Antropologia de 1998, citada por
PRAXEDES, 2005, p.
110).
O próprio conceito de raça é uma construção social e histórica, produzida no
interior das relações sociais e de poder, ao longo do processo histórico (GOMES e
MUNANGA, 2004).
Segundo Praxedes:
Embora biologicamente falando o existam raças humanas, os
preconceitos que temos incorporados continuam a ensinar-nos a julgar e
avaliar as capacidades dos indivíduos e coletividades de acordo com a
raça biológica na qual os classificamos. Na prática, sempre que
associamos um comportamento social a uma característica biológica de
um indivíduo ou grupo estamos raciocinando de forma racista. Em outras
palavras, mesmo desmentidos pelas ciências os preconceitos racistas
permanecem vivos nas mentes de muitos indivíduos e coletividades
.
(PRAXEDES, 2006, no prelo)
Visto que o termo “raça” esconderia as determinações históricas sob a
neutralidade da determinação biológica, os pesquisadores da temática tendem a
substituí-lo pelo termo “etnia”, cujo conceito alocaria questões de ordem cultural. A
45
“Racismo que ora se manifesta, ora não; ora se manifesta de uma forma, ora de outra; quase
sempre obedece a um código moral, que, decalcado em subterfúgios, procura negar a existência do
próprio racismo. (...) Código das ambigüidades que impede as vítimas de racismo de se situarem
perante o fenômeno e de medirem o alcance de seus anseios ou exigências. Ele é simplesmente
desorientador. Tal ambigüidade decorre da própria dificuldade em se conceituar o que é racismo e da
confusão deste com o classismo”. (PEREIRA, João Baptista Borges. Diversidade, racismo e
educação. Revista da USP, São Paulo, nº 50, p.169-177, junho/agosto, 2001).
58
palavra “etnia” foi inventada pelo zoologista francês Vacher de Lapouge, por volta
de 1896, para designar o sentimento de vida comunitária, de vínculo afetivo, da
solidariedade, do compartilhamento de costumes e da crença na mesma origem e
ancestralidade entre indivíduos, distinguindo-se, portanto, da classificação dos seres
humanos como pertencentes a raças ou nações (PRAXEDES, 2005).
Embora o conceito de etnia supere o conceito de raça, este ainda é
insuficiente para a análise mais apurada do movimento histórico que produziu e
produz o quadro de exclusão social do/a afrodescendente brasileiro/a. Em muitas
situações, o conceito de etnia vem sendo aliado a certo determinismo cultural. O
privilégio à categoria etnia, em tese, conceito mais próximo da realidade, pode levar
ao risco da restrição da questão ao aspecto da tolerância e valorização cultural,
negando, assim, o processo de exclusão social. As categorias raça e etnia, quando
utilizadas no decorrer das análises, devem ser entendidas como categorias
históricas, isto é, como produto de determinações na subjunção de uma classe à
outra.
A compreensão do racismo moderno, enquanto um dos subprodutos da
sociedade de classes, não é o predominante na atual literatura sobre a temática.
Porém, a tese de que o fenômeno do racismo é tão antigo como o surgimento da
humanidade precisa ser desmistificada. A escravidão presente nas sociedades
medievais e antigas não tinha uma justificação baseada na cor da pele. É importante
perceber que a escravidão não nasceu do racismo; ao contrário, o racismo moderno
é conseqüência da escravidão (WILLIAMS, 1961). O racismo é desta maneira,
resultado de justificações e classificações ideológicas, com o objetivo de subjugação
e exploração da força de trabalho. Estas foram fundamentais para a solidificação do
sistema capitalista no mundo.
Diz-se freqüentemente que o racismo é tão antigo quanto a natureza
humana, e em conseqüência não poderia ser eliminado. Pelo contrário, o
racismo tal como o conhecemos hoje desenvolveu-se nos séculos 17 e 18
para justificar o uso sistemático do trabalho escravo africano nas grandes
plantações do 'Novo Mundo' que foram fundamentais para o
estabelecimento do capitalismo enquanto sistema mundial. O racismo,
portanto, formou-se como parte do processo através do qual o capitalismo
tornou-se o sistema econômico e social dominante. As suas
transformações posteriores estão ligadas às transformações do
capitalismo.
(CALLINICOS, 2005, p. 08).
59
Para Henrique Cunha Junior a definição de etnia não é a mesma da
antropologia. O autor tem desenvolvido o conceito de etnia afrodescendente, dentro
de uma perspectiva da História da Sociologia. Difere muito de outros autores/as. O
conceito definido por Cunha Junior está focalizado na História do Brasil, tem base no
pensamento africano de ancestralidade, o que implica na territorialidade. Segundo
CUNHA JR “não é uma visão eurocêntrica de etnia, mas tem sempre a correlação
sistêmica entre história, sociologia e geografia.”
46
2.3 O racismo no Brasil
Minha terra é Cabinda... Lá fui rei! Escravo aqui não serei!
Música de Capoeira – domínio público.
É de conhecimento geral a forma pela qual foi abolida a escravidão no Brasil,
sem nenhum projeto de benefício social para os/as emancipados/as, que haviam
sofrido um duro revés com a Lei 601/1850 que lhes restringia drasticamente o
acesso à propriedade da terra
47
. Na nova ordem, aqueles/as descendentes de
africanos/as, mesmo os africanos livres, que possuíam algum capital, quase nunca o
tinham obtido por via de sucessão hereditária. E foi graças a esse fator primordial,
capital acumulado, que, a partir do século XX, a maioria dos filhos de imigrantes aqui
chegados teve acesso, desde o curso elementar, aos melhores estabelecimentos de
ensino, neles tecendo redes de amizade e parcerias importantes para a vida adulta,
46
Observações realizadas pelo próprio autor na orientação da Banca de Qualificação desta pesquisa,
em março de 2008.
47
Lei de Terras ou “Lei do Cativeiro da Terra”, 601 de 1850. A partir de 1850, com os primeiros
sinais da abolição da escravidão era necessário para os grandes proprietários rurais que formavam a
elite econômica agrária, que se protegesse a propriedade da terra do método da apropriação através
da posse. Do contrário, quando os escravos fossem libertados e novos imigrantes chegassem, não
haveria empregados aos grandes proprietários, pois todos iriam em busca das terras do interior.
Surge então a Lei de Terras (lei 601/1850), a partir desta data poderia ocupar as terras por
compra e venda ou por autorização do Imperador. Todos os que estavam nela, receberam o título
de proprietário, porém, tinha que residir e produzir na terra. A criação desta Lei transforma a situação
na época isso porque garantiu os interesses dos grandes proprietários do Nordeste e do Sudeste que
estavam iniciando a promissora produção do café, definindo que: “as terras ainda não ocupadas
passavam a ser propriedade do Estado” e só poderiam ser adquiridas através da compra nos leilões
mediante pagamento à vista, e quanto às terras ocupadas, estas podiam ser regularizadas como
propriedade privada.
60
e através delas chegando, em vários níveis, aos núcleos de influência, poder e
decisão.
Dados do IBGE e do IPEA, periodicamente divulgados, têm demonstrado o
fosso existente no Brasil entre a população afrodescendente e a branca
incluídos os imigrantes que para vieram para trabalhar. Sem capital, e tendo
gravada no rosto a palavra “negro” como um estigma
48
(da mesma forma que nome
e “feições árabes” são vistos hoje na França), só tem restado à massa dos “pretos” e
“pardos” brasileiros/as os patamares mais baixos da pirâmide social.
A exclusão do afrodescendente brasileiro tem sido colocada em evidência
por diversas análises de natureza sociológica e antropológica, e constatável a partir
da simples visualização de dados estatísticos. Filosoficamente, o agitado debate
acerca da problemática “igualdade x desigualdade”, enquanto ethos das sociedades
democráticas supera o ideal liberal clássico que sustentava a igualdade enquanto
valor totêmico, não desfrutado materialmente pelos "socialmente indesejáveis".
Algumas conclusões de relatórios de organizações de direitos humanos
descrevem o dramático cenário do lugar do afro-brasileiro no mercado de trabalho e
na educação. A análise estatística das relações raciais no Brasil ratifica o quanto o
escravismo influenciou na estratificação social, sobretudo na concentração racial da
riqueza.
O atual censo demográfico brasileiro adotou como uma das formas de
classificação da população, o critério cor. De acordo com tal critério os/as
brasileiros/as foram classificados/as como: amarelos, brancos, índios, pretos e
pardos. A questão cultural e étnica passa ao largo dessas estatísticas. O Brasil
possui a maior população afrodescendente fora da África, é a segunda maior
população afro do mundo, inferior numericamente ao mais populoso país
africano, a Nigéria.
Uma análise dos indicadores sociais que o IBGE publicou em 1999, permite
aferir que a população branca ocupada tinha um rendimento médio de cinco salários
mínimos, enquanto os/as afrodescendentes alcançavam valores em torno de dois
48
“Os gregos, que tinham bastante conhecimento de recursos visuais, criaram o termo estigma para
se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário
ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais eram feitos com cortes ou fogo no
corpo e avisavam que o portador era um escravo, um criminoso ou traidor uma pessoa marcada,
ritualmente poluída, que devia ser evitada; especialmente em lugares públicos”. (GOFFMAN,
1988:11, apud BAIBICH, 2001, p. 17).
61
salários mínimos; ou seja, menos da metade dos rendimentos médios dos/as
brancos/as. Estas informações confirmam a existência e a manutenção de uma
significativa desigualdade de renda entre brancos e afrodescendentes na sociedade
brasileira.
O "Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial" (INSPIR), em
trabalho também publicado em 1999, intitulado "Mapa da População Negra no
Mercado de Trabalho", concluiu que "os resultados da pesquisa trazem um conjunto
de informações que demonstram uma situação de reiterada desigualdade para
afrodescendentes, de ambos os sexos, no mercado de trabalho das seis regiões
estudadas, independentemente da maior ou menor presença desta etnia nestas
regiões. (INSPIR, 1999).
A semelhança das conclusões das duas instituições citadas demonstra que
a discriminação racial é um fato presente, cotidiano. Nenhum outro fato, que não a
utilização de critérios discriminatórios baseados na cor dos indivíduos, pode explicar
os indicadores sistematicamente desfavoráveis aos trabalhadores/as
afrodescendentes, seja qual for o aspecto considerado.
No entanto, esta pesquisa não se refere a um período histórico
determinado, mas alcança um longo e abrangente período e, segundo Henrique
Cunha Junior
49
“os conceitos de discriminação e preconceito aqui referidos não dão
conta desta totalidade”. Cunha Junior tem usado o conceito de dominação
ocidental, e quando se fala de capitalismo “deve-se entendê-lo como capitalismo
racista, pois a questão do racismo no Brasil é estrutural na sociedade brasileira”.
Precisa-se ter a consciência que as relações estruturais são as que
definem e caracterizam o racismo anti-negro no Brasil. Os racismos não
são todos iguais nem possuem as mesmas estruturas. (...) Não é verdade
que a complexidade das relações étnicas brasileiras foi construída apenas
com base na escravidão. O Estado brasileiro realizou uma série de
políticas públicas contra os interesses da população afrodescendente que,
em conjunto com o escravismo criminoso, ajuda a explicar a situação atual
da população afrodescendente. Nesta perspectiva, tem-se que ir a período
anterior aos anos 1500, desde as guerras entre mouros (africanos) e
cristãos (europeus) para entendermos os fatos. O que eu denomino de
49
Os conceitos de dominação ocidental e capitalismo racista foram citados pelo próprio autor na
Banca de Qualificação desta pesquisa, em março de 2008.CUNHA JR, Henrique e outros/as
autores/as. Espaço Urbano e Afrodescendências: estudo da espacialidade negra urbana para o
debate das políticas públicas.
62
dominação ocidental.
(Henrique Cunha Jr em orientação na Banca
de Qualificação, em março de 2008).
No mesmo sentido, a "Inter-American Commission on Human Rights"
(IACHR), no relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, observa que
"a expressão principal dessas disparidades raciais é a distribuição desigual da
riqueza e de oportunidades”.
No que se refere à renda dentro do nível de pobreza, o relatório informa
que, em 1995, 50% dos negros auferiam renda mensal inferior a dois salários
mínimos (US$ 270), ao passo que 40% dos brancos estavam nessa situação.
Quanto aos salários altos, informa: "ao passo que 16% dos brancos recebiam mais
de dez salários mínimos, a proporção entre negros era de 6%". (IACHR, cap. IX,
item a.2).
Em 2000, a ONU elaborou um programa - PNUD
50
- para, com base na
construção de um índice, medir o desenvolvimento humano (IDH)
51
. O índice, um
indicador sintético, agregou três variáveis: renda per capita, longevidade e
alfabetização combinada com a taxa de escolaridade. Com base nesse indicador, o
PNUD classificou 174 países num ranking. O Brasil ocupou o 74º lugar, sendo
considerado um país de médio índice de desenvolvimento humano.
Recentemente, estudo sobre os indicadores de desenvolvimento humano,
realizado pelo projeto "Brasil 2000 – Novos Marcos para as Relações Raciais"
(Fase), valendo-se da mesma metodologia do PNUD, mediu as disparidades entre
os grupos étnicos branco e afrodescendente. As bases de dados utilizadas foram as
da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) de 1998. O estudo
constatou o alto grau de desigualdade entre negros e brancos no país.
Aplicado o mesmo indicador para a população branca, nosso país ocupa a
49ª posição. Aplicado à população afrodescendente, o Brasil está na escandalosa
108º posição. O IDH, se calculado para os brancos (0,791) colocaria o Brasil quase
como um país de desenvolvimento humano elevado (último país no ranking tem
0,801 de índice), calculado para os afrodescendentes, o Brasil teria um IDH abaixo
de países africanos como a Argélia e muito abaixo de países americanos de maioria
negra como Trinidad Tobago. Comparado à África do Sul, o Brasil estaria sete
pontos abaixo desse país, recém saído de um regime segregacionista.
50
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.
51
Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.
63
O "Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas" (IPEA) mostra que quase
não mudou, desde os anos 50, a distância entre a escolaridade de brancos e negros
de mais de 25 anos. O trabalho tem como fonte a "Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios" (PNAD), de 1999. Os brancos têm sempre dois anos e meio a mais
de escolaridade. No último meio século, o padrão da discriminação racial, no que se
refere à escolaridade, manteve-se estável, concluiu Ricardo Henriques, coordenador
do estudo.
Mesmo diante deste quadro desolador, o legislador brasileiro, tanto no
passado quanto no presente, basicamente apenas utiliza a lei penal para dar conta
do problema da discriminação racial, sendo óbvio que o tem alcançado o sucesso
desejado, "pois a eficácia das leis antidiscriminatórias penais é muito precária" -
argumenta uma Juíza de Direito. (Silva, 2001, p. 13)
De outra parte, é evidente a limitação do Direito Penal, ou mesmo do Direito
Civil, como instrumentos capazes de coibir o racismo e a discriminação racial. No
Brasil, tem-se utilizado o Direito Penal indevida e desnecessariamente, porquanto
este não pode conter elementos para suprimir a grande deficiência das condições de
concorrência, a escassez das oportunidades de educação e de emprego, sendo a
maioria dos afro-brasileiros as principais vítimas.
Uma das causas basilares da ineficácia da legislação brasileira
antidiscriminatória é o citado mito da democracia racial, que "imposto" como
ideologia oficial contribuiu para impedir, por quase um século, que as práticas da
discriminação racial fossem criminalizadas. Muitos doutrinadores brasileiros foram
influenciados por esta construção ideológica que parece estar sedimentada no
imaginário coletivo brasileiro. Outro fator muito importante, que também contribui
para a ineficácia de qualquer legislação no Brasil é a cultura da impunidade.
A única legislação antidiscriminatória existente até 1988, a Lei no 1.390, de
03 de julho de 1951 conhecida como "lei Afonso Arinos" - considerava as
manifestações de racismo meras contravenções penais, sancionáveis com irrisórias
penas de multa. O discurso oficial era de que no Brasil não existiam problemas de
discriminação, especialmente a racial.
Embora o entendimento do racismo enquanto um dos subprodutos da
sociedade de classes não seja predominante na atual literatura sobre a temática,
importantes estudos no Brasil trouxeram reflexões nesta perspectiva, destacando-se
64
entre eles, Florestan Fernandes (1978), Octávio Ianni (1987), Clóvis Moura (1994),
Jacob Gorender (1991), Alfredo Bosi (1992) e Julio José Chiavenatto (1980).
Esses estudos comprovam que o racismo é um elemento constitutivo da
sociedade brasileira, embora um dos mitos fundadores da nação brasileira tenha
sido o de negação do racismo. A crença da convivência cordial e harmoniosa das
raças/etnias que compuseram a sociedade brasileira, aliada à construída crença da
inferioridade do negro, consolidou um quadro de desigualdade racial estrutural no
país. Deste modo, o racismo, aqui, toma formas especiais; ele é negado, velado.
Como disse Florestan Fernandes (1972, p. 42) “o brasileiro tem preconceito de ter
preconceito”. No entanto, é preciso ressaltar que a consciência da existência do
racismo tem aumentado na sociedade brasileira. A intervenção dos Movimentos
Negros, e os recentes estudos e pesquisas têm demonstrado ao conjunto da
sociedade que a dinâmica étnico-racial tem influído de forma decisiva no quadro de
exclusão social do país.
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de
outubro de 1988, ao concretamente reconhecer a existência do racismo, combateu a
longa tradição do mascaramento do problema através do mito da democracia racial.
Ao assim proceder, os constituintes contemplaram uma denúncia sempre
presente na história das lutas do movimento negro, entretanto, a legislação voltou a
limitar-se a apresentar como solução apenas a criminalização racial, tipificando tal
prática como crime inafiançável e imprescritível. Quanto à calamitosa situação de
pobreza a que a esmagadora maioria da população negra encontra-se reduzida,
após séculos de espoliação, a legislação vigente silenciou.
Outras sociedades que têm conflitos étnicos e raciais semelhantes aos que
existem em nosso país, quando passaram a adotar medidas concretas para
solucioná-los, somente subsidiariamente recorreram ao Direito Penal.
O estudo comparado das medidas legislativas e governamentais adotadas
por países como Estados Unidos e África do Sul, por exemplo, aponta em sentido
contrário ao caminho seguido por nosso país, uma vez que o Brasil continua a
privilegiar a solução penal, como se constata examinando o excessivo aparato legal
montado nesse sentido, à mingua de políticas públicas ou legislativas de cunho
social, do qual citam-se dois exemplos:
65
1 - No plano constitucional, o artigo 5º, inciso XLII, diz que "a prática do
racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei."
2 - No plano infraconstitucional, foi editada a Lei 7.616/89, alterada pela
Lei 9.459/97, que trata da definição dos crimes resultantes de preconceitos de
raça ou de cor, e a Lei no 9.459/97, que trata da injuria racial, que consiste na
utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem.
Guardadas as devidas proporções e singularidades sociais, culturais e
políticas, os legisladores daqueles países (EUA, a partir dos anos 50, e África do
Sul, pós apartheid) – justamente os dois países onde as discriminações raciais foram
mais assumidas entre os seus cidadãos - primaram pela abordagem desta questão
no âmbito civil e das políticas públicas, preocupando-se com a implementação de
ações afirmativas, deixando para segundo plano a área da repressão. (Silva, 2001,
p. 129)
Corroborando o acima afirmado, Ellis Cashmore, em seu Dicionário de
Relações Étnicas e Raciais, no verbete referente à ação afirmativa, diz que ela "visa
ir além da tentativa de garantir igualdade de oportunidades individuais ao tornar
crime a discriminação, e tem como beneficiários os membros de grupos que
enfrentam preconceitos". (CASHMORE, 2000, p. 31)
A sociedade brasileira caracteriza-se por uma pluralidade étnica, sendo este
produto de um processo histórico que inseriu num mesmo cenário três grupos
distintos: portugueses, índios e negros de origem africana. Esse contato favoreceu o
intercurso dessas culturas, levando à construção de um país inegavelmente
miscigenado, multifacetado, ou seja, uma unicidade marcada pelo antagonismo e
pela imprevisibilidade.
Apesar do intercurso cultural descrito acima, esse contato desencadeou
alguns desencontros. As diferenças se acentuaram, levando à formação de uma
hierarquia de classes que deixava evidente a distância e o prestígio social entre
colonizadores e colonos. Os índios e, em especial, os afrodescendentes
permaneceram em situação de desigualdade situando-se na marginalidade e
exclusão social, sendo esta última compreendida por uma relação assimétrica em
dimensões múltiplas econômica, política, cultural. Sem a assistência devida dos
órgãos responsáveis, os sujeitos tornam-se alheios ao exercício da cidadania.
66
Esse acontecimento inicial parece ter de algum modo subsistido, contribuindo
para o quadro situacional do racismo no Brasil. Segundo Tânia Maria Baibich
(2005)
52
, o preconceito é basicamente uma atitude negativa com relação a um grupo
ou pessoa, baseando-se num processo de comparação social em que o grupo da
pessoa preconceituosa é considerado um ponto de vista positivo de referência. É
uma posição psicológica que acentua sentimentos e atitudes endereçados a um
grupo como um todo, ou a um indivíduo por ser membro dele.
A discriminação, por sua vez, é a manifestação comportamental do
preconceito, ou seja, é a materialização da crença racista em atitudes que
efetivamente limitam ou impedem o desenvolvimento humano pleno das pessoas
pertencentes ao grupo discriminado e mantêm os privilégios dos membros do grupo
discriminador à custa do prejuízo dos participantes do grupo discriminado.
A manifestação comportamental do preconceito étnico-racial (discriminação
étnico-racial) cria a desigualdade racial; portanto, o comportamento discriminatório é
mais importante que o preconceito étnico-racial numa análise histórica e sociológica
que tente compreender as relações étnico-raciais vivenciadas no ambiente escolar.
Quanto ao racismo, a primeira dificuldade para defini-lo e assumir sua
existência na sociedade em geral advém do fato dele constituir-se uma prática social
negativa, cruel, humanamente repreensível, com a qual ninguém conscientemente
quer se identificar, excetuando-se os/as racistas declarados/as.
uma prática recorrente na história e que nos dias atuais tem se
manifestado de maneira muito evidente, quando se tenta negar a humanidade das
pessoas afrodescendentes, comparando-as por meio de seus atributos físicos a
coisas, doenças ou animais. Essas comparações são naturalizadas na cultura
brasileira, ou seja, de tanto inferiorizar as pessoas negras com apelidos, piadas,
brincadeiras, gracejos etc, seguidos de “tapinhas” nas costas e comentários os/as
amigos/as negros/as que até freqüentam a casa de pessoas brancas, bem como
os/as trabalhadores/as domésticos/as “tratados/as como filhos/as”, as pessoas
passam a achar que isso é engraçado, louvável, “normal”, “comum” e a pessoa que
se indigna, o/a ofendido/a, afrodescendente ou o/a branco/a solidário/a no combate
ao racismo, ao preconceito e a todas as formas de discriminação é taxado de
52
BAIBICH, Tânia Maria (org.). Pensando bem material didático sobre os saberes e as práticas do
preconceito no ambiente escolar. Curitiba: UFPR, 2005.
67
“neurótico/a”, “intolerante”, “anti-social”, “mau-humorado/a”, “o/a chato”, “não saiu
das cavernas” etc. Ou seja, a vítima da ação preconceituosa, discriminatória e
racista passa a ser o/a algoz, pois corrompeu o senso comum.
Explica-se como o racismo é uma expressão mais ampla que abrange, além
do preconceito, hostilidade, discriminação, segregação e outras ações negativas
manifestadas em relação a um grupo étnico-racial. O racismo se revela em três
pilares básicos: individual, institucional e cultural. Em nível individual, um membro de
um grupo étnico-racial julga-se superior a outro simplesmente por pertencer a um
grupo étnico-racial tido como superior. O racismo acentua atributos positivos do
grupo que se acha superior e atributos negativos do grupo que é inferiorizado, retira
a humanidade do grupo racial em posição de inferioridade, transforma as diferenças
em desigualdades.
Em nível institucional (escola, estado, igreja, empresa, partidos políticos,
clube etc), o racismo dispõe as instituições a serviço dos pressupostos do racismo
individual. Limita a partir de algumas práticas institucionais as escolhas, os direitos, a
mobilidade e o acesso de grupo de pessoas a determinadas posições ou ao seu
desenvolvimento pleno. Como ressalta Cashmore (2000, p. 471), “A força do
racismo institucional está em capturar as maneiras pelas quais sociedades inteiras,
ou seções delas, são afetadas pelo racismo, ou talvez por legados racistas, muito
tempo depois de os indivíduos racistas terem desaparecido”.
53
Cidinha (2001, p. 77)
54
assim explica o racismo cultural: “Em nível cultural,
pode ser entendido como a expressão individual e institucional da superioridade da
herança cultural de um grupo étnico-racial com relação a outro, ou seja, o racismo se
expressa na cultura quando todos os saberes produzidos pelas sociedades
milenares africanas, por exemplo, o tem o valor cultural de saberes greco-
romanos”.
Para decodificar a natureza das desigualdades experimentadas pelo/a aluno/a
negro/a na escola é fundamental ter em mente que pessoa alguma quer ter seu
comportamento associado a preconceitos, discriminações e racismo, ou seja,
ninguém quer ser visto sob a lente de condutas socialmente condenáveis. Essas
53
CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro Edições, 2000,
p. 471.
54
SILVA, Maria Aparecida Cidinha da. Formação de educadores/as para o Combate ao Racismo
mais uma tarefa essencial. In: Racismo e anti-racismo na Educação repensando nossa escola.
CAVALLEIRO, Eliane (org). São Paulo: Selo Negro Edições, 2001, páginas 65-82.
68
associações efetivamente a limitam em sua humanidade. Portanto, a dificuldade de
explicitar o contexto social racista no qual a escola está inserida (no caso brasileiro)
e as mazelas da cultura escolar que, além de reproduzir preconceitos, estereótipos e
discriminações, produz seus próprios monstros”, torna-se perfeitamente
compreensível à luz da condenação social desses comportamentos.
O seu cotidiano coloca-o frente à vivência de circunstâncias como
preconceito, descrédito, evidenciando a sua difícil inclusão social. Sendo assim,
busca-se por meio deste trabalho compreender como são construídas as relações
raciais num dos espaços da superestrutura social do país, que é a escola, e como
ela contribui para a formação da identidade das crianças afrodescendentes
O estudo da interface racismo e educação oferecem uma possibilidade de
colocar num mesmo cenário a problematizarão de duas temáticas de inquestionável
importância. Ao contemplarmos as relações raciais dentro do espaço escolar,
questiona-se até que ponto ele está sendo coerente com a sua função social quando
se propõe a ser um espaço que preserva a diversidade cultural, responsável pela
promoção da eqüidade. Sendo assim, aguardam-se mecanismos que devam
possibilitar um aprendizado mais sistematizado favorecendo a ascensão profissional
e pessoal de todos os que usufruem os seus serviços.
A escola é responsável pelo processo de socialização infantil no qual se
estabelecem relações com crianças de diferentes núcleos familiares. Esse contato
diversificado poderá fazer da escola o primeiro espaço de vivência das tensões
raciais. A relação estabelecida entre crianças brancas e negras numa sala de aula
pode acontecer de modo tenso, ou seja, segregando, excluindo, possibilitando que a
criança negra adote em alguns momentos uma postura introvertida, por medo de ser
rejeitada ou ridicularizada pelo seu grupo social. O discurso do opressor pode ser
incorporado por algumas crianças de modo maciço, passando então a se reconhecer
dentro dele: "feia, preta, fedorenta, cabelo duro", iniciando o processo de
desvalorização de seus atributos individuais, que interferem na construção da sua
identidade de criança.
A exclusão simbólica, que poderá ser manifestada pelo discurso do outro,
parece tomar forma a partir da observação do cotidiano escolar. Este poderá ser
uma via de disseminação do preconceito por meio da linguagem, na qual estão
contidos termos pejorativos que em geral desvalorizam a imagem do negro.
69
O cotidiano escolar pode demonstrar a (re) apresentação de imagens
caricatas de crianças negras em cartazes ou textos didáticos, assim como os
métodos e currículos aplicados, que parecem em parte atender ao padrão
dominante, que neles percebemos a falta de visibilidade e reconhecimento dos
conteúdos que envolvem a questão negra.
Tânia Maria Baibich (2001, p. 19) constata que
O auto-ódio e o anti-semitismo têm sua raiz fincada nas diferenças de
identidade entre o mesmo e o Outro: a existência do estrangeiro e sua
correlata perseguição pelo grupo dos “iguais” constitui a base de todo
sentimento de preconceito, seja dirigido ao outro seja dirigido a si mesmo.
Essas mensagens ideológicas tomam uma dimensão mais agravante ao
pensarmos em quem são seus receptores. São crianças em processo de
desenvolvimento emocional, cognitivo e social, que podem incorporar mais
facilmente as mensagens com conteúdos discriminatórios que permeiam as relações
sociais. Estas crianças passam a atender aos interesses da ideologia dominante,
que objetiva consolidar a suposta inferioridade de determinados grupos.
Ainda mais, é possível que estas práticas preconceituosas e racistas possam
desenvolver na criança e no adolescente afrodescendente um fenômeno constatado
por Tânia Baibich conhecido como o auto-ódio. Segundo a autora “Um drama
coletivo decorrentes destas duas premissas básicas, o anti-semitismo e a condição
de ser outro de todos os Outros, passa a constituir moldura para as marcas dos
dramas individuais, que se traduzem nos variados níveis de manifestação do
sentimento de Auto-ódio”.
Tânia Baibich
55
se auto declara como pertencente à etnia judia e percebeu,
a partir de suas próprias experiências de relações com o preconceito e relações
racistas sobre seu povo, e, consequentemente, sobre ela mesma, uma relação
singular a que é submetido o seu povo, mas que a esta relação são submetidas
todas as chamadas assim minorias que estigmatizadas por sua orientação sexual,
por seu pertencimento étnico-racial, por sua religião, por sua cor de pele, por sua
origem, por sua situação socioeconômica, etc, ou seja, uma situação que é
assimilada por todos/as aqueles/as que não pertencem ao grupo dominante.
55
A partir de 2004 a autora passa a assinar BAIBICH-FARIA.
70
Uma tragédia comum entre os grupos étnicos que são hostilizados ou
perseguidos é o fato de que muitas vezes acabam introjetando a deletéria
imagem que deles é construída. Um raciocínio do tipo: se esta gente que
manda, que tem poder, diz que somos assim, então deve ser verdade.
Numa primeira etapa este processo conduz a uma perda de auto-estima;
quando persiste, chegamos àquele mais penoso e destruidor dos
sentimentos grupais, o auto-ódio.
(Moacyr SCLIAR, In: prefácio do
livro Fronteiras da Identidade – o auto-ódio tropical, p. ix.)
56
Baibich percebe nas relações de preconceito e antipreconceito que “o auto-
ódio é um fenômeno doentio, uma espécie de fundamentalismo em que o inimigo
diabólico é o próprio grupo a que a pessoa pertence.”
O Auto-ódio pode ser visto como uma decorrência quase que direta do
mecanismo de defesa de “identificação com o agressor”: indivíduos
pertencentes ao grupo que é vítima do preconceito e da perseguição
identificam-se com os indivíduos do grupo dominantes, assimilando
inclusive valores relativos à visão deturpada de seu próprio grupo,
passando a manifestar sentimentos e condutas deste mesmo preconceito.
(BAIBICH, 2001, p. 20)
Dessa forma, compreende-se que a escola tanto pode ser um espaço de
disseminação, quanto um meio eficaz de prevenção e diminuição do preconceito.
É possível compreender que as diversidades existentes entre os grupos
étnicos se tornaram pontos de conflito, pois de um lado existe um eu que pensa
igual, acredita nos mesmos deuses, vive de modo "estável" e, de repente, percebe
que existe um outro que não compartilha das mesmas crenças. Esse contato com o
que se mostra de modo distinto do padrão ocorre, em geral, de modo turbulento:
perturba e ameaça desintegrar a identidade "estável" da sociedade do eu. A
imposição da presença do outro é vivida como a negação dessa aparente ordem. A
palavra ordem está vinculada ao desejo de manter a estabilidade, o estágio de
constância que é determinado pela manutenção do mesmo esquema social.
É atribuído à sociedade do eu tudo o que for mais elaborado ou civilizado, já
a sociedade do outro é marcada pela retificação de idéias etnocêntricas.
Caracterizando-se como primitivo, não-humanizado, ele é percebido como um
"intruso" que trará a desordem. A palavra desordem, nesse sentido, é percebida
como algo ruim, a conotação que lhe é atribuída é de destruição. Para que essa
destruição não ocorra, busca a sociedade do eu uma forma de proteger-se desse
56
BAIBICH-FARIA, Tânia Maria. Fronteiras da Identidade O auto-ódio tropical. In: SCLIAR, Moacyr.
Prefácio. Curitiba: Moinho do Verbo Editora, 2001, p. ix.
71
efeito desestabilizador, mediante a neutralização do desconhecido. Portanto, para
evitar o possível caos, busca manter o status quo, para o que é necessário calar o
outro, mantendo-o excluído e dominado a fim de permanecer a ilusão do equilíbrio e
da ordem vivida na ausência da diferença.
Nesse sentido, ao outro é negado o direito de viver a sua identidade étnica,
pois o padrão do eu prevalece, e ele o percebe sob uma ótica de estranhamento,
desprestígio e não-reconhecimento. Dessa forma, a sociedade do outro passa a ser
percebida como ameaçadora, inferior; é vivida de modo odioso, sendo a própria
possibilidade da guerra.
A coexistência do eu e outros instaura a dimensão do desconhecido,
desestabilizando as estruturas vigentes e formando outras novas com direções
imprevisíveis. Essa incerteza leva a uma sensação de desordem que, se acolhida de
modo satisfatório, poderá ser um momento de grandes transformações e
cooperação para a construção de uma nova ordem social. Para que isso ocorra, é
necessário reconhecer a relação dialógica entre esses termos, pois eles fazem parte
do mesmo processo de construção histórica. Viver apenas uma ou outra seria viver
de modo pobre, mutilado. Se houvesse apenas a ordem, não haveria espaço para o
novo, o ousado, o criativo. Se houvesse apenas desordem, o haveria capacidade
de manter a evolução e o desenvolvimento.
Trabalhar na dimensão da incerteza que é suscitada pela presença do outro
é elevar o pensamento ao complexo, considerando o múltiplo, o certo e o incerto, o
lógico e o contraditório. Mas a sociedade do eu se apresenta de modo totalitário.
Nela o espaço para o novo. Existe a impossibilidade de uma relação dialógica,
pois ela não percebe essas diferenças como transitórias e remediáveis pela ação do
tempo, ou modificáveis pelo contato cultural. uma cristalização de pensamentos
em idéias estereotipadas, o que pode deflagrar um mal-estar diante do outro,
demarcando uma distância de reconhecimento e prestígio entre sociedades
distintas. Tal comportamento é denominado preconceito.
Para HELER (1988), o preconceito está pautado em um forte componente
emocional que faz com que os sujeitos se distanciem da razão. O afeto que se liga
ao preconceito é uma irracional, algo vivido como crença, com poucas
possibilidades de modificação. O preconceito difere do juízo provisório, que este
último é passível de reformulação quando os fatos objetivos demonstram sua
72
incoerência, enquanto os preconceitos permanecem inalterados, mesmo após
comprovações contrárias.
Os sujeitos que possuem tal crença constróem conceitos próprios,
marcados por estereótipos, que são os fios condutores para a disseminação do
preconceito, pois se encontram em consonância com os interesses do grupo
dominante, que utiliza seus aparelhos ideológicos para difundir a imagem
depreciativa do negro. Nesse sentido, o estereótipo leva a uma "comodidade
cognitiva", pois não é preciso pensar sobre a questão racial de modo crítico, uma
vez que existe um (pré) conceito formado, fazendo com que os sujeitos
simplesmente se apropriem dele, colaborando para a acentuação do processo de
alienação da identidade negra. Esses estereótipos dão origem ao estigma que vem
sinalizar suspeita, ódio e intolerância dirigidos a determinado grupo, inviabilizando a
sua inclusão social.
A conseqüência dessas construções preconceituosas é a manifestação da
discriminação, uma ação que pode variar desde a violência física quando grupos
extremistas demonstram todo o seu ódio e intolerância pelo extermínio de
determinada população até a violência simbólica, manifestada por rejeições
provenientes de uma marca depreciativa (estigma) imputada à sua identidade, por
não estar coerente com o padrão estabelecido (branco/europeu).
De acordo com GOFFMAN (1988), o termo estigma é de origem grega e se
referia a sinais corporais, uma marca depreciativa atribuída a um determinado sujeito
por não estar coerente com as normas e o padrão estabelecidos. Assim, buscava-se
evidenciar o seu desvio e atributos negativos com a imputação do estigma, servindo
de aviso para os "normais" que deveriam manter-se afastados da pessoa
"estragada", "impura", "indigna" e "merecidamente" excluída do convívio dos
"normais".
A impressão do estigma depende da visibilidade e do conhecimento do
"defeito". A partir dessa confirmação, o sujeito torna-se desacreditado em suas
potencialidades, passando a ser identificado não mais pelo seu caráter individual,
mas de acordo com a sua marca, destruindo-se a visibilidade das outras esferas de
sua subjetividade. No caso da população negra, o seu defeito é evidente, que sua
cor a "denuncia", passando então a experimentar no seu próprio corpo a impressão
do estigma e, a partir deste, ser suspeito preferencial das diversas situações que
apresentam perigo para a população.
73
A princípio, os grupos homogêneos como a família produzem uma cápsula
protetora que faz o sujeito se sentir menos agredido, mas, ao entrar em contato com
a diversidade social, passará a dimensionar as violentas atribuições dadas as suas
diferenças físicas. Desse modo, o momento em que estigmatizados e "normais" se
encontram numa mesma situação social é o instante no qual se evidenciam todas as
diferenças, causando incômodos para ambas as partes. Nesse encontro, o estigma
parece tomar uma proporção ainda maior, e os estigmatizados sentem-se inseguros
frente ao olhar do opressor, por não saberem quais atribuições estão sendo dadas.
Seria como se fossem cruamente invadidos por avaliações estereotipadas
que reduzem a sua identidade ao seu "defeito".
Dessa forma, as populações negras foram estigmatizadas no imaginário
social como inferiores, primitivas. Os seus costumes e crenças desacreditados e
considerados ilegítimos ao olhar do branco. Essa condição foi consolidada no
imaginário social com a naturalização da inferioridade social dos grupos
subordinados.
A elaboração desses conceitos teve início no final do século XIX, com a
construção da teoria das diferenças inatas e permanentes entre bancos e não-
brancos. Essas elaborações influenciaram de modo marcante a compreensão das
ciências sociais sobre a questão racial. Essa prática, que utiliza critérios de raça
para segregar, humilhar, discriminar, foi denominada racismo (CAVALLEIRO, 2000).
Três escolas emergiram nesse período. A etnológico-biológica acreditava
que a inferioridade das raças estava ligada às diferenças físicas, podendo explicar
outras diferenças culturais. Para comprovar suas elaborações, cientistas dedicavam
parte de seus estudos a medir crânios e esqueletos, na busca de provar a correlação
entre os caracteres inatos e culturais, levando a uma acentuação do caráter primitivo
de determinadas raças (SKIDMORE, 1976).
Houve uma perspectiva histórica que definia as raças como estando
permanentemente diferençadas umas das outras, afirmando que ao longo da história
teria havido o triunfo das raças criadoras (anglo-saxônicas). Essa corrente mantinha
o culto ao arianismo acreditando que a população anglo-saxônica teria alcançado o
mais alto nível de civilização, passando de maneira "natural" a conquistar o mundo
de modo crescente. Por último, a terceira escola, denominada Darwinismo, segundo
a qual as raças humanas haviam passado por um processo evolutivo em que as
74
raças superiores teriam predominado e as inferiores estavam fadadas ao
desaparecimento (idem).
Essas construções científicas vieram contribuir para a consolidação do
estereótipo do negro no imaginário social, acreditando que a distinção moral "estava
contida" na essência racial, ou seja, características depreciativas como: "negro não
sabe falar, não tem educação, não pode ser bonito, não é inteligente, não pode
liderar" estariam ligadas a questões fenotípicas, isto é, uma redução do cultural ao
biológico, desfavorecendo as características individuais e sociais. As marcas do
corpo ou caracteres físicos demarcam as distâncias e os locais ocupados no
prestígio social. Por meio de um traço "objetivo" caracteres físicos , indica-se o
caminho para construções arbitrárias, baseadas na ideologia dominante, as quais
passam a atribuir significados que desqualificam a identidade da população negra.
Essa associação do caráter social contido na essência racial leva a
perceber a subjetividade da população negra como fixa, acabada e imutável nas
atribuições negativas, portanto, com pouca ou nenhuma possibilidade de
mobilização. Essa naturalização do caráter social foi uma forma de justificar a
diferença de tratamento, status e prestígio, levando a uma relação racista, perversa
e nociva. Uma idéia biológica errônea, mas eficaz o suficiente para manter e
reproduzir a ideologia dominante nos seus objetivos de reproduzir as diferenças e
privilégios consolidou a suposta superioridade branca, que passou a ser sinônimo de
pureza, nobreza estética e sabedoria científica. Em contrapartida, a cor negra
passou a ser sinal do desrespeito e da descrença (GUIMARÃES, 1999).
Essa manifestação de desigualdade de poderes e direitos não possui uma
origem natural, como foi pensado anteriormente, mas partiu de uma construção
social sem base objetiva decorrente de representações ideológicas que englobam
crenças e valores de um grupo dominante que busca manter a ordem social ou o
ideal do ethos branco. Seu objetivo é sustentar as relações assimétricas e
monopolizar as idéias e ações de um determinado grupo, mantendo-o preso e
dominado por esses conceitos, falseando a realidade, ocultando contradições reais,
construindo no plano imaginário um discurso aparentemente coerente e a favor da
unidade social. Parece haver interesse na transmissão de uma ideologia
inferiorizadora, que objetiva dominar, dividir, eliminar, desculturalizar, embranquecer,
perpetuando mitos e estereótipos negativos referentes à população negra.
75
A conseqüência desses atos discriminatórios é a fragilização e a denegação
da identidade coletiva, na qual estão contidos toda uma historicidade e valores
culturais. Essa apropriação do discurso social é possível, pois a estrutura subjetiva
identidade é relacional, formada a partir da relação progressiva e dialética
entre "eu" e os "outros". Mediante as semelhanças e diferenças, ou seja, os
contrastes passam a distinguir o sou/somos e não sou/não somos. O referencial
externo passa a ser condição fundamental para a elaboração da imagem individual.
A nossa identidade responde ao discurso alheio. O entendimento que tenho de mim
está diretamente ligado à minha compreensão do outro, algo que está fora, mas, ao
mesmo tempo, fornece condições para que o sujeito exista. Nesse sentido, a
construção da identidade, assim como sua manutenção, se constituirá dentro do
processo social, quando o olhar do outro pode ou não proporcionar o
reconhecimento ou sentimento de pertença ao grupo social (WOODWARD, 2000).
A condição acima citada parece estar resumida em uma afirmação enfática
do sociólogo Berger (1991): "A dignidade humana é uma questão de permissão
social”. A princípio, ela nos causa certo impacto, mas, ao analisarmos as
conseqüências do preconceito racial, percebemos que se encontra coerente com a
afirmação citada, pois o preconceito inviabiliza o reconhecimento da dignidade do
sujeito, comprometendo a sua inclusão social.
Esse estado de o-permissão social concretiza-se quando percebemos a
falta de pertença, uma invisibilidade na participação dos negros no poder político e
uma limitada inserção na sociedade. Os negros se vêem descartados dos principais
centros de decisão política e econômica, sofrendo desvantagens no processo
competitivo e em sua mobilização social e individual. Isso significa "simbolicamente"
um corte de poder e uma exclusão social, levando à alienação e à depreciação da
identidade pessoal e étnica (D’ADESKY, 2001).
O preconceito afeta não apenas o destino externo das vítimas, mas a sua
própria consciência, que o sujeito passa a se ver refletido na imagem
preconceituosa apresentada. Muitos afrodescendentes são induzidos a acreditar que
sua condição inferior é decorrente de suas características pessoais, deixando de
perceber os fatores externos, isto é, assumem a discriminação exercida pelo grupo
dominante. Nesse momento, surge a idealização do mundo branco e a
desvalorização do afrodescendente, construindo-se a seguinte associação: o que é
branco é bonito e certo, o que é afrodescendente é feio e errado.
76
Devido a esse processo de alienação de sua identidade individual e coletiva,
um distanciamento, por parte dos negros, das matrizes culturais africanas,
chegando eles, em alguns momentos, a tratar com menos valor seus atributos
negros, podendo, inclusive, não questionar os estereótipos e situações
preconceituosas, com medo de não ser aceitos pelo seu grupo social, preferindo
permanecer submissos. Ao incorporar esse discurso ou omitir-se frente a ele, o
sujeito negro dá início ao processo de auto-exclusão. Nesse momento, o preconceito
cumpre o seu papel, mobilizando nas suas vítimas sentimentos de fracasso e
impotência, impedindo-as de desenvolver autoconfiança e auto-estima (FERREIRA,
2000).
O preconceito racial cria uma ação perversa que desencadeia estímulos
dolorosos e retira do sujeito toda possibilidade de reconhecimento e mérito, levando-
o a utilizar mecanismos defensivos das mais diversas ordens, contra a identidade ou
o pensamento persecutório que o despersonaliza e o enlouquece. Nessa
perspectiva, é fortalecida a idéia de dominação de grupos que se julgam mais
adiantados, legitimando os desequilíbrios e desintegrando a dignidade dos grupos
dominados.
Essas elaborações preconceituosas parecem estar assim, a serviço de um
grupo dominante que objetiva manter sob coerção grupos considerados
subordinados. A sua forma de consolidação e constante atualização ocorre nos
espaços microssociais, representados pelas diversas instituições, como escola,
família, igreja, meios de comunicação. A sua forma de manifestação, em geral, é
feita de modo sutil, com toda a legitimação social no que se refere aos métodos e à
garantia da sua conseqüente eficácia. Assim, escolhi um daqueles espaços a
escola como universo de investigação, que pode ser campo fértil para a difusão
do preconceito, mas que poderá ser instrumento eficaz de prevenção e diminuição
do mesmo.
Em todos os grupos humanos, é possível observar a utilização de práticas
pedagógicas como formas de transmissão do saber, por meio dos quais os sujeitos
compartilham conhecimentos, símbolos e valores. Em sociedades "modernas" criou-
se uma sistematização desse saber, nas quais, mediante modelos formais e
centralizados as informações são transmitidas. Acreditava-se que essa seria a forma
viável de adquirir polidez e desenvolver um conhecimento mais especializado.
77
Esse locus de conhecimento foi denominado Escola, constituindo-se num
sistema aberto que passou a fazer parte da superestrutura social formada por
diversas instituições como: família, igreja, meios de comunicação. O sistema escolar
é organizado para cumprir uma função social que, em geral, está de acordo com as
demandas sociais.
O seu principal objetivo é formar um sujeito apto a assumir seu espaço na
sociedade capitalista, ou seja, produtivo, submisso, tendo boa interação com o seu
grupo social. Para isso, é necessário manter ativos os controles sociais, que são
formados por regras aplicadas ao cotidiano escolar, "sanando" qualquer disfunção
que venha impedir a efetuação do processo educativo. Para um controle mais eficaz,
utilizam-se recursos que podem variar desde a retaliação ou punição até a
segregação ou marginalização dos grupos considerados desviantes da norma.
Essas regras institucionais operam de modo simbólico, repercutindo e legitimando
outros espaços sociais que habitualmente estão de acordo com as instâncias de
poder (ABRAMOVAY, 2002).
A inserção das crianças nesse espaço é feita, na maioria das vezes, de
maneira arbitrária. Para justificar tal obrigatoriedade, os pais e/ou figuras de
autoridade o definem como via de acesso ao conhecimento de teorias e conceitos
que formam a vida em sociedade, para então possibilitar o ingresso no mundo do
trabalho e poder "ser alguém na vida". Em alguns momentos, os pais atribuem à
escola a função de produzir sujeitos com uma reflexão crítica e uma ação política
transformadora, garantindo o seu exercício pleno de cidadania. Assim, acredita-se
que o espaço institucional "proporcionará" um campo de crescimento eqüitativo para
todos os que usufruem os seus serviços, aperfeiçoando suas atribuições pessoais e,
a partir de então, propiciará um acesso à vida em sociedade.
Mas até que ponto a escola estaria correspondendo a tais atribuições? Qual
o tipo de cidadão que estaria sendo construído nesse espaço? Um dos aspectos que
dão margem a esse tipo de questão seria a observação do método de ensino
adotado pela instituição, o qual se encontra pautado em um padrão que atende às
necessidades de um grupo dominante, e, dentro de uma compreensão monolítica,
desconsideram a pluralidade cultural presente em uma sala de aula. Assim, a escola
poderá ser um espaço de inculcação dos valores dominantes, levando de modo sutil
e eficaz à domesticação dos sujeitos aos interesses capitalistas. A negação das
78
questões que envolvem o/a afrodescendente na escola poderá contribuir para a
acentuação da exclusão social em outros espaços sociais.
Essa perspectiva ideologizante da Escola conflita com as suas propostas de
construção de um sujeito crítico e polido, capaz de modificar a ordem social. Nesse
sentido, a Escola poderá ser um meio de manutenção das desigualdades sociais
pelo uso de métodos simbólicos e indiretos de coerção social. A desconstrução
dessas estratégias de dominação pode ser difícil devido ao crédito atribuído à
Escola como detentora do saber e da verdade absoluta, tornando-se mais cil a
interiorização e consolidação dos valores que perpetuam as inferioridades sociais.
De acordo com dados fornecidos por órgãos de pesquisas como o PNAD
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios é observado um contingente
expressivo de uma trajetória escolar difícil, em que 40% da população
afrodescendente é analfabeta funcional, ou seja, possuem menos de quatro anos de
estudo funcional, acompanhado de um baixo rendimento, e índices de reprovação e
evasão maiores do que os das crianças brancas.
Para compreender esse fato, poderemos pensar em alguns indicadores, tais
como: a necessidade de ingresso no mercado de trabalho de modo precoce para
complementar a renda familiar, ou ainda, a representação da escola, para muitas
crianças, como um referencial de fracasso, que "não conseguem aprender",
embora isso não seja impedimento meramente cognitivo, mas uma possível
dificuldade de inserção das crianças negras no espaço escolar, por se sentirem
"excluídas" do mesmo; uma exclusão simbólica, que a criança tem acesso à
matrícula e à sala de aula, mas não é aceita no contexto mais amplo.
Essa rejeição vai se tornando perceptível com a observação do cotidiano
escolar, que apresenta imagens caricatas em cartazes ou ausência dos/as
afrodescendentes em datas comemorativas, como o Dia das Mães, em geral
ilustradas por uma família branca, o que leva a criança afrodescendente a não se
reconhecer na mesma. Existe ainda uma ausência de conteúdos que problematizem
a questão do/a afrodescendente nos currículos escolares, privando as crianças
afrodescendentes de conhecerem a sua história, que vai além da escravidão. É
ainda possível observar a demonstração de preconceito proveniente de colegas e
professores/as, que violentam por meio de insultos a identidade afrodescendente.
O cotidiano escolar vai dando indícios do lugar do/a afrodescendente nesse
espaço. Muitas crianças acabam resignando-se a esse não-reconhecimento, a ponto
79
de se avaliarem de maneira distorcida, considerando-se incapazes, inferiores e, ao
menor sinal de dificuldade, abandonam o processo escolar.
A dificuldade de auto-aceitação pode ser decorrente de um possível
comprometimento de sua identidade devido a atribuições negativas provenientes do
seu grupo social. Segundo Oliveira (1994), essa internalização do discurso alheio
ocorre porque a avaliação, antes de ser pessoal, é social. A identidade é resultado
de um processo dialético entre o que é de caráter individual e cultural, uma produção
sócio-histórica, um processo criado e recriado continuamente. É pelo olhar do outro
que se constitui o sujeito. É a qualidade desse olhar que contribui para o grau de
auto-estima da criança.
Para Vigotsky (1984), o psiquismo humano existe por uma apropriação dos
modos e códigos sociais. Com a internalização, a criança vai tornando seu o que é
compartilhado pela cultura; o discurso social passa a ter um sentido individual. Mas
os referenciais externos dos negros são dilacerantes, a mensagem transmitida é
que, para o negro existir, ele tem de ser branco, ou seja, para se afirmar como
pessoa precisa negar o seu corpo e sua cultura, enfim, sua etnicidade. O resultado
dessa penalização é o desvirtuamento da identidade individual e coletiva, havendo
um silenciamento do preconceito por parte da criança e do cidadão ao longo da vida.
Nesse sentido, a escola poderá "silenciar" as crianças afrodescendentes,
intensificando o sentimento de coisificação ou invisibilidade, que pode gerar uma
angústia paralisante, de modo que seus talentos e habilidades se tornem
comprometidos por não acreditarem nas suas potencialidades, ambicionando pouco
nas suas atividades ocupacionais futuras. Mais adiante, essa experiência leva a
criança a se questionar sobre o que é preciso para ser olhada, reconhecida. Nesse
momento, poderá dar início ao processo de embranquecimento e auto-exclusão de
suas características individuais e étnicas. Tais conseqüências na identidade infantil
passaram a ser preocupação e foco de estudo de alguns teóricos que citaremos a
seguir.
Diversos autores/as preocuparam-se com a relação entre racismo e
educação, desenvolvendo pesquisas nessa linha. Uma delas foi realizada por
Gusmão (1999), com crianças pobres de periferia urbana ou do meio rural, e tinha
como objetivo verificar de que forma estigmas e estereótipos se fixam na vida do
afrodescendente. Para tal, foram analisados desenhos nos quais foi possível
observar como se estrutura o mundo simbólico e de que forma as crianças olham o
80
mundo e o olhadas por ele. No universo investigado, incluiu-se também o sistema
educacional.
Por meio dos desenhos, foi possível observar qual a compreensão tida
pelos dois mundos: branco e afrodescendente. O/a branco/a foi representado como
vinculado ao que é civilizado, urbano, bem apresentado, sorridente, enquanto o/a
afrodescendente seria o inverso: meio rural, ligado ao trabalho físico, desprovido de
dinheiro e de possibilidades. A imagem do/a afrodescendente é mutilada de
atribuições positivas, é representada pelas crianças como um mundo triste, marcado
pela violência e pela distância real e simbólica entre brancos/afrodescendentes.
Cada população parece ter seus lugares bastante delimitados no imaginário
coletivo, transbordando para o convívio social. Algumas crianças mostraram-se
hostis frente a essa postulação, demonstrando a sua indignação contra conteúdos
discriminatórios. Mas, haveria ainda os que se "adaptam" ao discurso do opressor,
percebendo-se como selvagens, sem humanidade, impossibilitados de protestar
contra sua condição por se sentirem amordaçados pela internalização maciça dos
padrões dominantes.
Em outra pesquisa realizada com crianças de Escola blica de Campinas,
Oliveira (1994) investigou como eram estabelecidas as relações entre crianças
afrodescendentes e brancas em uma sala de aula. Foi observado que os dois
grupos se relacionavam de modo tenso, segregando, excluindo. A criança
afrodescendente mantinha-se em uma postura introvertida, recusando-se em muitos
momentos a participar das atividades propostas, com medo de que os outros rissem
dela, ou seja, para o ser rejeitada ou ridicularizada, ela preferia calar sua voz e
sua dor. Isso ilustra o quanto uma situação social pode silenciar as crianças
afrodescendentes, reduzindo-as a um estado quase de mutismo e invisibilidade em
sala de aula, levando-as a profundo desconforto, intensificado pelo sentimento de
não-pertença.
Em atividade proposta em sala de aula, foi solicitado às crianças que
falassem sobre si em uma redação. A criança afrodescendente se auto-referia de
modo depreciativo, descrevendo-se a partir do discurso dos seus colegas: "feia,
preta, fedorenta, cabelo duro". Não se sentia desejada, portanto, pelos meninos
como as suas outras colegas que tinham um cabelo grande e liso.
A criança afrodescendente podeser submetida a uma violência simbólica,
manifestada pela ausência da figura do negro no contexto escolar, ou pela
81
linguagem verbal insultos e piadas proveniente do seu grupo social,
demonstrando de modo explícito o desrespeito dirigido a essa população, aprendido
muito cedo pelas crianças brancas.
A criança afrodescendente poderá incorporar esse discurso e sentir-se
marginalizada, desvalorizada e excluída, sendo levada a falso entendimento de que
não é merecedora de respeito ou dignidade, julgando-se sem direitos e
possibilidades. Esse sentimento está pautado pela mensagem transmitida às
crianças de que para ser humanizado é preciso corresponder às expectativas do
padrão dominante, ou seja, ser branco.
Esses estímulos de branquitude são em geral transmitidos pelo sistema
social e, às vezes, pela família. Tal tipo de ação conduz não apenas à
desvalorização do "eu", mas também acarreta intensa angústia, porque a criança
não consegue corresponder às expectativas. Assim, a identidade da criança negra
passou a ser lesada: ao se voltar para o seu próprio corpo, as crianças encontram as
marcas da exclusão, rejeição e, portanto, insatisfação e vergonha.
A população afrodescendente poderá acabar por negligenciar a sua tradição
cultural em prol de uma postura de embranquecimento que lhe foi imposta como
ideal de realização. Esse posicionamento foi decorrente da internalização de que
"embranquecer" seria o único meio de ter acesso ao respeito e à dignidade. Esse
ideal de embranquecimento faz com que a criança deseje mudar tudo em seu corpo.
No discurso de uma das crianças entrevistadas, Oliveira (1994) salienta uma frase:
"Eu queria dormir e acordar branca do cabelo liso”. A fala dessa criança leva a supor
que seria como acordar de um pesadelo, povoado de insatisfação, vergonha e
rejeição. A criança não entende nem é entendida nesse sistema educacional, que
parece reproduzir o padrão hegemônico, estigmatizando a criança negra como
incapaz e rebelde.
Essa postura é ainda reafirmada pela linguagem não-verbal, quando
estudos demonstram que parece haver uma ausência de contato físico afetivo dos
professores para com as crianças negras, demonstrando a rejeição do seu grupo
social e causando-lhes sofrimento. A sua dor não é reconhecida, havendo uma
aparente falta de acolhimento por parte das pessoas "autorizadas" (educadores),
que silenciam ou se omitem em face de uma situação de discriminação. Tal postura
denuncia a banalização do preconceito e a conivência dos profissionais com ele
(ROMÃO, 2001).
82
É possível observar que uma aparente falta de intervenção por parte dos
educadores em tal problemática. Alguns fatores que estariam implicados em tais
questões seriam: a) Os/as educadores/as poderiam estar imbuídos de forte
impregnação da ideologia dominante, que oprime e nega tudo aquilo que se
distancia do padrão estabelecido, impossibilitando-os de pensar numa perspectiva
multicultural. b) - Mitificação da instituição Escola, acreditando que ela seria a
detentora de um suposto saber e, por conseguinte, "dona da verdade", intimidando
alguns educadores a não macular tal imagem, não questionando determinada
postura ou a adoção de determinado material didático, permanecendo a sensação
de mal-estar que não é significada, ou seja, não é falada, dando continuidade ao
silêncio e à cumplicidade com determinadas atitudes. c) - Falta de preparo dos/as
professores/as para lidar com a questão racial em sala de aula, desencadeando a
difusão da discriminação racial. Essa falta de preparo impossibilita a decodificação e
a intervenção do educador em situações que denotem sinais de preconceito.
Nesse sentido, o cotidiano escolar revela uma inclinação para corresponder
ao padrão branco/europeu negligenciando os valores referentes às matrizes
africanas, podendo levar à acentuação do estigma de ser inferior. Essas ações
preconceituosas conduzem a um processo de despersonalização dos caracteres
africanos, o que dificulta e, em alguns casos, inviabiliza a inserção da criança no
sentimento de pertença ao espaço escolar, comprometendo a sua auto-estima,
dificultando-lhe ter um autoconhecimento individual ou cultural, pois esses dois
níveis estão diretamente ligados a condições desvalorizadoras atribuídas pelo grupo
dominante.
Para Romão (2001), a reversão desse quadro se possível pelo
reconhecimento da escola como reprodutora das diferenças étnicas, investindo na
busca de estratégias que atendam às necessidades específicas de alunos negros,
incentivando-os e estimulando-os nos níveis cognitivo, cultural e físico. O processo
educativo pode ser uma via de acesso ao resgate da auto-estima, da autonomia e
das imagens distorcidas, pois a escola é ponto de encontro e de embate das
diferenças étnicas, podendo ser instrumento eficaz para diminuir e prevenir o
processo de exclusão social e incorporação do preconceito pelas crianças
afrodescendentes.
O espaço institucional poderá proporcionar discussões verticalizadas a
respeito das diferenças presentes, favorecendo o reconhecimento e a valorização da
83
contribuição africana, dando maior visibilidade aos seus conteúdos até então
negados pela cultura dominante. Esse tipo de ação promoverá um conhecimento de
si e do outro em prol da reconstrução das relações raciais desgastadas pelas
diferenças ou divergências étnicas.
A discriminação racial no Brasil tem reflexos no sistema educacional e
impacta o acesso e desempenho da população negra dentro da sala de aula. No
País, entre os analfabetos absolutos acima de 15 anos, estão 7,5% dos brancos e
20% de negros (pretos e pardos), de acordo com os dados do Censo 2002, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando consideramos o
analfabetismo funcional, menos de quatro anos de estudo, 36% da população negra
permanecem nessa condição, contra o percentual de 20,2% da população branca. O
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostra que, apesar da
proximidade no número de matrículas no ensino fundamental para afrodescendentes
e brancos/as (94,7% para brancos/as e 92,7% para afrodescendentes), a evasão
escolar é maior entre os/as alunos/as afrodescendentes.
Dados do IBGE apontam que, entre os estudantes de Ensino Médio, a
quantidade de brancos é quase o dobro da de pretos e pardos (52,4% para 28,2%).
No Ensino Superior, os brancos estão cerca de quatro vezes mais presentes que
os/as afrodescendentes (15,5% contra 3,8%).
Em janeiro de 2003, após quatro anos de tramitação, foi promulgada a lei
10.639/03, de autoria da então deputada Esther Grossi. Esta lei inclui no currículo
oficial dos estabelecimentos de educação básica, das redes pública e privada, a
obrigatoriedade de estudo da temática História e Cultura Afrobrasileira e Africana.
Sua proposição e aprovação é fruto de reivindicações dos Movimentos
Negros e do Movimento de Mulheres Negras, que se intensificaram a partir dos anos
70 e culminaram em 1995 com a Marcha Zumbi dos Palmares, quando 30 mil
pessoas entregaram ao então presidente Fernando Henrique Cardoso um
documento pleiteando políticas para combater a desigualdade racial.
Agora, o desafio é fazer valer a lei em todo o território nacional. O
Observatório da Educação, programa da ONG Ação Educativa, que tem como
objetivo aprimorar o controle social das políticas educacionais defende a aprovação
da Lei como sendo um marco na luta por reconhecimento e valorização da História e
Cultura Afrobrasileira e Africana e na afirmação de direitos da comunidade
afrodescendente do Brasil. Para a ONG, esse reconhecimento implica profundas
84
mudanças de discurso, postura e relações entre cidadãs e cidadãos do país,
começando pela desconstrução do mito da democracia racial que ainda existe na
sociedade brasileira.
O avanço brasileiro na educação quase universalizou o ensino fundamental
no país, mas não transpôs a defasagem educacional dos negros em relação aos
brancos nos graus mais elevados: a diferença entre os dois grupos chega a
ultrapassar 40 anos no ensino superior. Em 2000, o percentual dos homens negros
com mais de 30 anos que tinha diploma de graduação (2,7%) era inferior ao mesmo
dado registrado para os homens brancos em 1960 (3%), segundo o "Relatório de
Desenvolvimento Humano Brasil 2005 - Racismo, pobreza e violência" elaborado
pelo PNUD.
Essa desigualdade não se restringe aos homens. As mudanças no mercado
de trabalho nas décadas recentes, com o maior ingresso de mulheres nas empresas
e nos postos de chefia, fizeram o perfil educacional da população feminina mudar
bastante. A proporção de brancas e afrodescendentes graduadas no ensino superior
ultrapassou a dos homens da mesma cor, mas se manteve desigual. Em 2000, as
mulheres brancas eram as mais bem preparadas para o mercado de trabalho: 12%
delas terminaram a faculdade, enquanto as negras com esse nível de ensino eram
3,1%.
No período, o avanço dos dois grupos no ensino superior reduziu as
diferenças, que ainda assim continuam grandes o percentual de brancos
formados na universidade é mais que quatro vezes o de negros. A proporção de
brancos com nível universitário passou de 1,8% em 1960 (3% dos homens, 0,49%
das mulheres) para 11,8% (11,6% dos homens e 12% das mulheres); o de negros
subiu de 0,13% (0,21% dos homens e 0,04% das mulheres) para 2,9% (2,7% dos
homens e 3,1% das mulheres) no mesmo período.
A evolução recente da universidade brasileira “ilustra com clareza os limites
das políticas de inclusão racial”, segundo o relatório. Em 1995, 2,9% dos/as
afrodescendentes brasileiros de 30 a 49 anos tinham diploma de ensino superior. Na
África do Sul, nesse mesmo ano, o índice era de 2,2%. “Como o regime do apartheid
terminou em 1994, conclui-se que o sistema universitário desse regime foi capaz
de produzir, para a população afrodescendentes, resultados muito semelhantes aos
do sistema educacional supostamente integrado, aberto, universalista e racialmente
85
democrático do Brasil”, ressalta o estudo realizado em Capão Redondo, bairro da
periferia de São Paulo.
Uma das formas de mudar esse quadro são as políticas focalizadas, que
têm como principal instrumento as ações afirmativas, como as cotas para negros nas
universidades. Essas medidas buscam a “implantação da diversidade e a ampliação
da representatividade dos grupos minoritários nos diversos setores” e pretendem, no
longo prazo, induzir transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica,
visando tirar do imaginário coletivo a idéia de supremacia racial e eliminar os efeitos
persistentes (psicológicos, culturais e comportamentais) da discriminação do
passado, que tendem a se perpetuar”, afirma o relatório.
A política de cotas, no entanto, é “apenas uma das formas de
implementação” de ações afirmativas e o podem ser aplicadas de forma a reduzir
a uma questão numérica de vagas a discussão sobre as questões de identidade no
Brasil, frisa o documento. São três as ações desse tipo em vigor no país: bolsas de
estudos para preparação ao ingresso de concursos públicos, cursos pré-vestibulares
exclusivos para estudantes afrodescendentes e indígenas e cotas para ingresso no
serviço público e em universidades. O critério de identificação utilizado pelo governo
brasileiro é o mesmo recomendado pela ONU, a auto-identificação. Ou seja, é
considerado afrodescendente quem assim se autodeclara.
Apesar de se apresentarem mais explicitamente no nível superior, as
desigualdades entre brancos/as e afrodescendentes permeiam toda a rede de
ensino brasileira. Os indicadores de educação melhoraram nas últimas décadas,
mas a diferença entre as taxas de analfabetismo dos dois grupos ainda é grande.
Em 1940, não sabiam ler nem escrever 47,2% dos/as brancos/as com mais de 10
anos e 74,2% dos/as afrodescendentes na mesma faixa etária. Depois de 60 anos,
esses números caíram, mas a defasagem ampliou: 8,3% dos brancos com mais de
15 anos eram analfabetos, enquanto entre os/as afrodescendentes esse percentual
era de 18,7% — 125% superior.
A média de anos de estudo dos brasileiros melhorou nas últimas décadas,
evoluindo tanto na população branca quanto na negra. Entretanto, se o indicador
dos brancos aumentou de 2,7 anos para 6,7 anos de 1960 a 2000, o dos/as
afrodescendentes subiu de 1 ano para 4,7 anos. “A taxa de crescimento no grupo
afrodescendente (356,9%) foi 2,4 vezes maior que no grupo branco (149,3%), mas o
86
hiato entre eles se elevou: a diferença de escolaridade entre negros e brancos com
mais de 25 anos passou de 1,7 ano (1960) para 2,1 anos (2000)” aponta o relatório.
No ensino fundamental, o percentual de crianças de 7 a 14 anos fora da
escola caiu de 13% (3 milhões) em 1992 para 2,8% (700 mil), em 2003, mas a
proporção de brancos/as e afrodescendentes no total de excluídos permaneceu
constante, com cerca de dois afrodescendentes excluídos para cada branco/a. “Em
1992, de todas as crianças que não freqüentavam a escola, 66,4% eram
afrodescendentes e 33,6% brancas; em 2003 esses valores se alteraram para 67,9%
e 32,1%, respectivamente”, indica o
relatório.
O trabalho de educação anti-racista deve começar cedo. Na Educação
Infantil, o primeiro desafio é o entendimento da identidade. A criança
afrodescendente precisa se ver como afrodescendente, aprender a respeitar a
imagem que tem de si e ter modelos que confirmem essa expectativa.
Por isso, deve ser cuidadosa a seleção de livros didáticos e de literatura que
tenham famílias afrodescendente bem-sucedidas, por exemplo, e heróis e heroínas
negras. Se a linguagem do corpo é especialmente destacada nas séries iniciais, por
que não apresentar danças africanas, jogos como capoeira, e músicas, como samba
e maracatu?
2.4 A situação do afrodescendente no Brasil
Sou negro forte da periferia
Meu tataravô foi escravo
E eu sou escravo hoje em dia!
Música de Capoeira (Domínio
Público)
120 anos foi assinada a Lei Áurea. Porém, em pleno século XXI a
sociedade brasileira empurra os/as afrodescendentes para uma realidade muito
parecida com a das senzalas. Os afrodescendentes brasileiros são quase a metade
da população, segundo dados do IBGE. O Mito da Democracia Racial no Brasil foi
criado respaldado na miscigenação, para camuflar a responsabilidade do governo
brasileiro em ter mantido o regime escravocrata por quase quatro culos, forçando
os/as afrodescendentes deste país ao trabalho escravo e ao cativeiro. Foi imposta
uma realidade capaz de maquiar a intolerância e a exclusão racial no Brasil.
87
O regime de apartheid sul-africano “acabou” em 1994, quando lson
Mandela chegou à presidência de seu país. Do lado de do mapa mundi” lutar
contra o apartheid se limitava a repudiar o governo branco do “continente negro”.
Com o fim da ditadura racial branca no país africano, ficaram mais evidentes o
racismo, a discriminação e a intolerância em países signatários de acordos de
defesa dos direitos humanos. A máscara da hipocrisia da democracia racial
brasileira começou a cair, pois o Brasil tem relações sociológicas abismais entre
os/as afrodescendentes e os/as brancos/as desta sociedade. O governo brasileiro e
a sociedade cobraram atitudes coerentes “do mundo” contra o apartheid, mas
mantém em suas fronteiras desigualdades nas relações raciais semelhantes as
praticadas na África do Sul.
O mercado de trabalho brasileiro é um exemplo científico destas afirmações.
Segundo o IPEA, os/as afrodescendentes deste país, ganham em média a metade
do salários dos brancos e brancas. O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
(IPEA) fez um diagnóstico das desigualdades raciais brasileiras que foi concluído em
2002. Os resultados mostravam que as leis existentes eram pouco ou nada
consistentes para combater o racismo no Brasil. Um/a trabalhador/a branco/a
ganhava, em média, R$ 573,00 mensais, o/a afrodescendentes, R$ 262,00. Nos
dados do IPEA, o/a branco/a passa mais tempo na escola (6,3 anos) do que o/a
afrodescendente (4,4 anos). Entre adultos de 25 anos, a situação é a mesma, ou
seja, o/a afrodescendente estuda 6,1 anos e o/a branco/a 8,4 anos. O IPEA concluiu
também que, se os/as afrodescendentes tivessem a mesma escolaridade, ainda
assim seus rendimentos seriam 30% inferiores, de R$ 407,00. A diferença é fruto da
discriminação no mercado de trabalho e nesse campo não houve avanços no último
século. ”Precisamos de ações afirmativas para reduzir essa distância. Uma delas é
garantir um tempo maior de permanência na Escola para os negros”, afirma Ricardo
Henriques.
57
Ele defende a adoção de cotas para afrodescendentes no serviço
público, nas empresas e nas universidades.
O sociólogo Luiz Antônio de Souza (2003)
58
, do Núcleo de Estudos da
Violência da USP, ressalta que o Brasil é um dos países mais injustos quando se
trata de distribuição de renda. Como a pobreza é muito gritante e, historicamente, foi
construída a imagem de que os/as afrodescendentes são incompetentes, e, por isso,
57
Ricardo Henriques é economista e foi o coordenador da pesquisa do IPEA, concluída em 2002.
58
Luiz Antônio de Souza, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, é sociólogo.
88
são pobres, a questão racial foi maquiada. “Sempre se deu mais importância para a
questão social, dizendo: ‘vamos combater a pobreza que a situação racial vai ser
resolvida’. Isso não é verdade. A discriminação não está associada somente à
pobreza. Ela é racial e também sexual. Fazer esta ligação é não aceitar o
preconceito. No Brasil não se encara a questão racial como um problema, analisa
Souza (2003). Ele afirma ainda que no Brasil se construiu a imagem da
“discriminação benéfica”, ou seja, o/a afrodescendente é bom para o futebol, o
carnaval e o samba.
O tipo de construção ‘tem samba no pé, é bom no futebol’ serve pra dizer
apenas que ele é bom na corporalidade, para o sexo. O/a afrodescendente
não ascende socialmente em de igualdade com o/a branco/a. É como
se ele/ela fosse capaz para determinadas áreas. O governo brasileiro
reconhece a existência de discriminação. Apesar de nossa legislação, que
avança, mantemos a situação em que a população negra enfrenta muito
mais que a branca pobre a falta de acesso à educação, ao mercado de
trabalho, aos salários e a outros indicadores sociais e culturais. A maior
carência do país é a de políticas públicas
. (SOUZA, 2003, p. 30).
A justiça é muito tolerante para os crimes de racismo. “os juízes julgam
segundo suas convicções pessoais o problema racial no Brasil”, segundo Hédio
Silva Júnior (2002)
59
. Ele coordenou um levantamento feito entre 03 de julho de
1951, data da Lei Afonso Arinos, e julho de 1996, com a Lei Caó, incorporada a
Constituição Federal, que considera o racismo crime inafiançável e que nunca
prescreve, revela apenas nove condenações no país por discriminação. De 1993 a
1996, a extinta Delegacia de Crimes Raciais de São Paulo registrou 250 ocorrências.
Cento e vinte resultaram em inquéritos e, destes, só 40 se transformaram em
denúncias, não houve sequer uma condenação. Silva Júnior conclui que “como a
sociedade considera o problema racial de pequena importância, os responsáveis
pela aplicação do Direito são tolerantes e refletem essa concepção, evitando a
condenação.”
Neste sentido,
A inclusão controlada e diferenciada é um sistema semi-aberto, cuja
contestação fica sempre passível de contra exemplos. O princípio do
mérito, do esforço individual, está sempre suposto como regra do jogo
social, escondendo, camuflando a realidade das seqüências de barreiras,
59
Hédio Silva Júnior é advogado, participa do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e
Desigualdades.
89
subjetivas e objetivas, enfrentadas pelos afrodescendentes, não apenas
como pessoas, mas como etnia.
(CUNHA Jr, 2002)
60
2.5 A situação do afrodescendente no Paraná
Pode-se constatar a partir dos dados do IBGE, do PNUD, do IPEA, do PNAD
entre outros, que a perpetuação histórica das desigualdades raciais no país nunca
tenha sido novidades para todos os segmentos sociais. Mas uma cultura política de
negação desse racismo, desde sempre, tem impossibilitado a percepção deste
fenômeno que tem sonegado os princípios de igualdade e liberdade para os
indivíduos brasileiros e revela uma espécie de apartheid racial. Um país que, do
ponto de vista de sua exclusão social, está dividido em dois grandes pólos: o país
branco e o país negro.
Os pobres brancos brasileiros detêm uma renda de duas vezes e meia a mais
do que os pobres negros (IPEA, 2001). Esta população está submetida a um perfil
de exclusão maior do que os negros da África do Sul na época do regime
oficializado de apartheid. Ou seja, os negros daquele país, quando comparados aos
negros brasileiros, estavam numa situação de vantagem no que diz respeito à sua
qualidade de vida, sobretudo educacional. (IPEA, 2001).
Florestan Fernandes detectou de fato a alma do brasileiro, ao afirmar que o
brasileiro “tem preconceito de ter preconceito”, e denunciar o “nosso preconceito
seria assumir um lado perverso e pouco cristão de uma cultura política que se
fundou na cordialidade e na democracia racial nos moldes apresentados por
Buarque de Holanda e Gilberto Freire”.
61
Num mesmo sentido, a crença na possibilidade de construção da idéia de
uma nação brasileira caracterizada por um só povo, “uma só raça” oriunda de
sangue negro, indígena e branca contribui para fortalecer a não observação da
exclusão social que incide especificamente num grupo étnico.
No caso paranaense, a hipótese é de que os dados nacionais acerca da
realidade dos indivíduos negros também se refletem no Estado, mesmo os
afrodescendentes sendo minoria. Entretanto, o debate no Paraná parece ser mais
60
CUNHA, 2002. p. 30.
61
O conceito de “homem cordial” em Sérgio Buarque de Holanda e o conceito “democracia racial” em
Gilberto Freire.
90
difícil, pois, paralelamente ao racismo brasileiro, a população Afrobrasileira deste
Estado encontra-se ainda num processo mais atenuado de conflito racial, que se
traduz no processo de construção e consolidação da invisibilização da população
negra, em especial na sua capital, Curitiba (GARCIA DE SOUZA, 1999).
Curitiba é consagrada pelos meios de comunicação como sendo de Primeiro
Mundo e Capital Européia, o que traduz também o ideário do Estado, que é
apontado por alguns historiadores como "Um Estado mais Europeu”, "Um Brasil
Diferente", “O Estado das etnias", onde todos conviveriam na mais perfeita harmonia
racial. Esse ideário é reproduzido pelo poder político local e reforçada nas escolas
públicas e nos meios de comunicação, oficiais ou não. A ênfase da construção
desse imaginário no Estado foi a década de 90, identificado como principal momento
de construção e consolidação da idéia de que a cidade tratar-se-ia de "Primeiro
Mundo", uma “Capital Européia” sem a presença negra na sua formação histórica,
cultural e atual.
Ainda que as elites desconsiderem a cultura marcada pela presença de 45%
de população afrodescendente em nosso país, estes existem e produzem culturas
de matrizes africanas, como observa CUNHA
62
(1996, p. 7-8):
Não se pensa aqui na liberdade de expressão das diversas culturas
brasileiras, estas são raramente organizadas pelo pensamento
universitário, geralmente sequer apresentadas ou minimamente
reconhecidas. As diversas culturas são reprimidas, não representadas nos
espaços públicos promotores de transmissão cultural. O que está em
discussão nesse texto, são as percepções sombrias que os intelectuais
brasileiros conseguem ter destas culturas. Penso que os intelectuais
nacionais são míopes para estas culturas. Inexiste preocupação em
organizá-las nos centros de representação da cultura nacional. (...) O
europeu é compulsório no Brasil. Quase somente ele (europeu) pensa
culturalmente. Quando o diretamente, fica como fantasma assombrando
os pensamentos. Todos devem pensar através dele, quer pelo menos pela
obrigatoriedade bibliográfica. Não são lidos os intelectuais africanos nas
Universidades brasileiras. Nem mesmo reconhecem a existência destes.
A História da Educação no Brasil também não considera o papel dos/as
afrodescendentes, ainda que desde o século XVIII homens e mulheres
afrodescendentes venham se alfabetizando de alguma forma não pesquisada e não
62
Texto do curso de Pós-Graduação, Faculdade de Educação da Universidade Federal do Piauí, em
1996.
91
considerada na sua importância. Cunha
63
(2001, p. 3) vai chamar a atenção para o
fato de que:
A História da Educação presta um desserviço ao não registrar e o
problematizar sobre a presença dos afrodescendentes nos sistemas
educacionais e nas idéias sobre a educação anterior aos anos 50 do século
passado. As idéias falham em apresentarem a presença dos
afrodescendentes na educação somente a partir de meados dos anos 50,
como resultantes dos processos de urbanização da sociedade brasileira e
de universalização do ensino público.
Autores regionalistas da História do Paraná foram elencados para que se
apontassem elementos que pudessem problematizar a construção da “identidade”
européia e multirracial do Estado do Paraná, corroborando rapidamente para
consolidar um discurso “singular” e específico na cidade de Curitiba acerca da
“democracia racial”, reforçada pelos meios de comunicação, pelos documentos
oficiais da prefeitura e pelos livros didáticos. Discurso este que corrobora para a
representação da imagem de uma cidade histórica e atualmente europeizada, de um
discurso plurirracial e democrático, mas que privilegia alguns grupos “étnicos” e
invisibiliza outros, como os negros, que somariam quase um quarto da população da
cidade e também do Estado.
Contudo, para entender o fenômeno de europeização no Estado do Paraná,
fenômeno este que contribuiu para explicar a construção da identidade paranaense,
firmado na “idéia de nação” e na criação de um “mito de sociedade”, é importante
compreender como esta “identidade” contará “também com certas características
específicas em termos de imaginário”, ou seja, há um positivismo exacerbado
defendido pelos republicanos paranaenses, assim como pelos literatos do Estado, o
que cria uma “crença em uma sociedade superior” entre seus habitantes, fortalecida
pela educação nas escolas (PEREIRA, 1996).
Segundo Pereira (1996), para inventar o “paranaense do futuro”, era preciso
criar tradições, instituindo uma identidade que fosse paranaense. Para
consubstanciar esta identidade européia, surgiram conselhos para “tentar preencher
a falta de identidade paranaense e a precariedade da vida cultural, social e política
do Estado”.
64
63
Id., ibid.
64
PEREIRA, 1996.
92
Ao elogiarem a formação etnográfica do Paraná, em particular a pouca ou
quase ausência da população afrodescendente, estes historiadores regionalistas
reservaram ao Paraná um lugar de destaque no cenário nacional e mundial. A
capital do Paraná, neste contexto, se apresenta como a cidade “teste”, ainda que
Ianni (1988) tenha demonstrado que somente no final do século XIX acontece o
progressivo abandono e supressão do trabalho escravo na cidade de Curitiba. Os
povoadores da cidade de Curitiba antes buscavam metais preciosos, depois
transformaram-se em tropeiros, produtores e comerciantes de erva mate. Houve
peculiaridades que determinam os “sistemas produtivos básicos” e diversos em cada
caso, “mas sua natureza é predominantemente escrava”. Ou seja, no sistema social
curitibano, “os requisitos fundamentais foram: a propriedade dos meios de produção
de grupos brancos, a produção social por indivíduos de uma única raça, a negra,
africana, ou a casta dos escravos; a posse pelo branco, do produto do trabalho e da
própria pessoa do trabalhador negro”
65
Em Curitiba, por exemplo, existem praças grandiosas, parques, bosques,
bairros, portais que homenageiam os descendentes de imigrantes como os únicos
responsáveis pela formação social, política e econômica da cidade, também
reproduzida nos meios de comunicação veiculados pela prefeitura, na educação das
escolas na arquitetura da cidade. A hipótese é que os/as afrodescendentes, apesar
de fazerem parte de mais de 20% da população do Estado do Paraná, a exemplo da
cidade de Curitiba e Região Metropolitana, são considerados uma "etnia"
insignificante nos mesmos moldes apresentados por alguns historiadores da História
do Paraná.
No Paraná, e na cidade de Curitiba, a característica de Estado Europeu é tão
forte que é bastante comum as pessoas afirmarem que “no Paraná os únicos
brasileiros são os negros”, que vieram como escravizados, pois a grande maioria é
descendente de europeu (italiano, alemão, ucraniano, polonês, etc). Essa afirmação,
carregada de preconceitos construídos pela suposta superioridade branca, traduz-
se, por exemplo, em frases como: “o sangue fala por si mesmo”, “essa terra pertence
ao homem branco”. Este sentimento de pertencimento da população branca no caso
paranaense, segundo Garcia de Souza, é muito forte, a ponto de construir um
discurso entre seus indivíduos de que a superioridade econômica esteve marcada
65
IANNI, 1988, p. 108.
93
por características de sua formação cultural e pela singular não-presença de
afrodescendentes na sua história
Assim é o Paraná. Território que, do ponto de vista sociológico,
acrescentou ao Brasil uma nova dimensão, a de uma civilização original
construída com pedaços de todas as outras. Sem escravidão, sem negro,
sem português e sem índio, dir-se-ia que a sua definição humana não é
brasileira.
(Wilson MARTINS, 1989, p. 446).
Tendo em vista a representação construída acerca da população
afrodescendente no Estado do Paraná, é importante destacar a discussão sobre
políticas de promoção de igualdade de oportunidade, tendo como base as questões
culturais que permeiam o cotidiano de sua população.
Nas academias, o contexto das relações raciais brasileiras, segundo Cunha
Junior (2001), tem produzido uma forma de inclusão baseada na submissão e na
inferioridade de tudo o que tem relação com as africanidades e afrodescendência.
Relações estas que perpassam relações interpessoais ou coletivas, abrangendo
todo o universo das instituições e da cultura.
Produz formas de violência simbólicas e diretas, mas sem a declaração
efetiva das intenções, produzindo a sua dissimulação como ideologia.
Limita sem impedir totalmente as representações e interesses e as formas
de ascensão social. Expressa o reconhecimento do direito à igualdade sem
a prática da realização deste
. (CUNHA Jr, 2002, p. 30).
Para além dos raros dados estatísticos de entrada de afrodescendentes nas
universidades públicas do Paraná, a inexistência de dados estatísticos que
revelariam a quantidade de educandos negros que conseguem concluir suas
graduações.
66
Quando analisamos o Ensino Fundamental e Médio, poucos são os
dados que traduzem a real situação dos/as educandos/as afrodescendentes no
Estado. Não obstante, os dados nacionais do IPEA (2001) revelam que apenas 3,3%
dos indivíduos afrodescendentes concluem o Ensino Médio (antigo segundo grau)
no país, para 12,9% dos indivíduos brancos/as.
A Professora Janeslei Aparecida Albuquerque (2003) em sua
investigação científica sobre o racismo nas Escolas do Paraná nos evidencia que
66
Segundo dados estatísticos apresentados pelo Prof. Antônio Sérgio Guimarães (USP), no cenário
nacional, o número de evasão é de 50%. Palestra apresentada na Conferência Nacional
Universidade e Desigualdades Raciais; organizado pelo Programa Políticas da Cor. Rio de Janeiro -
RJ, 24 de junho de 2006.
94
Em Curitiba, a população negra não é representada nos discursos sobre a
cidade e sobre o Estado - é como se não existisse. É a esta forma de
preconceito e discriminação que este trabalho se dirige: o que mais do que
desqualificar o “outro”, o invisibiliza indo além de atribuir somente às etnias
brancas o mérito de que este lugar seria um jardim do éden - seria um
paraíso - inclusive por não ter população negra entre seus habitantes.
(Dissertação de Mestrado em Educação, UFPR, 2003)
E mesmo percebendo o racismo no cotidiano da sociedade brasileira e
paranaense, onde 87% das pessoas reconhecem a existência do racismo, mas, ao
mesmo tempo e na mesma proporção, não se reconhecem como racistas, tem-se a
sensação de que nada se pode fazer. Albuquerque (2003) observa que
Como professora da Rede Estadual de Ensino e convivendo diariamente
com as carências e dificuldades diárias e crescentes para desenvolver o
trabalho docente, observamos as relações entre os/as educandos/as e
entre educadores/as e educandos/as, e percebemos diversas formas de
manifestação do preconceito. Diante dele, na maioria das vezes, o se
sabe o que fazer e às vezes sequer é reconhecido como tal
. (2003,
ibidem)
O professor Cunha Júnior (2001, p. 5), refletindo sobre o que se sabe e o que
se ensina sobre as populações afrodescendentes no Brasil, vai afirmar que:
Associou-se a idéia do escravo, a do Africano e do Negro, como sinônimos
e a estes, apenas a idéia do escravo como fator de produção. Produziu-se
a invisibilidade de seres humanos portadores de diversas culturas e que no
conflito histórico do escravismo produziram uma nova cultura, modificaram
não apenas a nossa cultura como também as possibilidades da cultura
dominante. Nas invisibilidades dos seres se processou uma imagem, a do
escravo como uma máquina de produzir trabalho, eliminando-se o
horizonte do ser produtor de novos pensamentos, os pensamentos de
classe escravizada, lutando contra um sistema e produzindo diferentes
significados à participação na produção material e simbólica do país.
E é essa imagem do/a afrodescendente escravizado/a que, permanece
cristalizada nos livros didáticos, na memória cultural da Escola no Brasil e na base
da identidade regional do Paraná e de Curitiba especialmente. Ao se falar dos/as
afrodescendentes, é esta memória da escravidão a que é ressaltada. Sobre o que
havia antes da escravização o referências amplas e explicativas que façam
compreender o que isto significou para as nações africanas e o que representa até
hoje a expansão colonialista sobre aquele continente.
95
2.6 As resistências dos Movimentos Sociais Negros
Contrariando a história oficial, a trajetória dos/as afrodescendentes no Brasil
foi, desde a origem, marcada por períodos de luta e intensa participação política. A
resistência afrodescendente ao regime escravocrata pode ser considerada o
primeiro movimento social de destaque na história do país. Os/as afrodescendentes
não ficaram passivos diante dos diversos tipos de violência a que foram submetidos
e, durante séculos, empreenderam fugas constantes das fazendas e engenhos,
organizando-se em quilombos. Um deles, o Quilombo dos Palmares, manteve-se
estruturado por várias gerações e se tornou símbolo máximo da luta popular pela
sobrevivência e pela liberdade.
Ao mesmo tempo, outros movimentos importantes como a Revolução dos
Alfaiates e a Revolta dos Malês, para citar alguns exemplos, foram sistematicamente
ocultados na história brasileira. Fenômeno semelhante ocorre com a prática das
religiões de matrizes africanas, tradicionalmente negadas e submetidas durante
décadas à repressão policial. Notícias de invasão de terreiros e prisão de seus
adeptos enchiam as páginas dos jornais na primeira década do século XX e, até
bem pouco tempo atrás, representavam o cotidiano de pais ou mães de santo. Ainda
assim, religiões como o Candomblé, a Umbanda e suas variações jamais deixaram
de constituir importante elemento para a garantia da dignidade da população negra.
Podem ser consideradas como um dos baluartes da resistência, que garantiu a
continuidade da visão de mundo e o florescimento do orgulho de sua origem africana
entre as populações afrodescendentes.
Reunidos em grupos, entidades e organizações não governamentais (ONG’s),
os integrantes dos Movimentos Negros estruturam fóruns locais, regionais e
nacionais que visam, em última instância, a efetiva organização da população
afrodescendentes. Podemos citar como exemplos, algumas frentes como o hip hop,
expressão que aglutina grandes contingentes de jovens, a ação dos remanescentes
de quilombos e a presença de dirigentes afrodescendentes em várias organizações
partidárias e sindicais.
Desde os anos 80 e mais efetivamente a partir dos anos 90, sindicatos e
partidos são progressivamente influenciados pelos Movimentos Negros, confiantes
96
na possibilidade de melhorar as condições de vida da população afrodescendente,
sobretudo no mundo do trabalho e na política.
Pelas ações desempenhadas e o compromisso de luta firmado, merecem
destaques os grupos de Mulheres Negras que, conscientes de seu papel na história,
procuraram desmascarar situações de conflito e de exclusão associadas às
desigualdades de gênero e de raça. Com isso, contribuem para a conquista de maior
visibilidade como sujeitos políticos e trilham importante caminho com a construção
do Movimento de Mulheres Negras em âmbito nacional.
No vasto rol de mobilizações contra o racismo realizadas por estes
movimentos, conta a apresentação do Programa de Superação do Racismo ao
governo federal durante a Marcha Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em
novembro de 1995. Na ocasião cerca de 30 mil manifestantes estiveram presentes
em Brasília.
Antes disso, em 1992, os Movimentos Negros marcaram presença no cenário
mundial ao encaminhar à 82ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra,
um documento de denúncia do não cumprimento do Brasil da Convenção Sobre
Discriminação (Emprego e Profissão), conhecida como Convenção 111, aprovada
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1958, com o intuito de garantir
a “igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e profissão,
objetivando a eliminação de toda discriminação nesse sentido.” Recentemente, é
cada vez maior a adesão à mobilização dos Movimentos Negros para consagrar
Zumbi dos Palmares - herói nacional através da instituição da data 20 de novembro
– Dia Nacional da Consciência Negra – como feriado nacional.
Por tudo isso, os Movimentos Negros e o Movimento de Mulheres Negras, ao
longo da história, têm desempenhado uma ação fundamental na denúncia do mito
da democracia racial e na elaboração de propostas de políticas públicas que
contribuam para a alteração do quadro de desigualdade e opressão, não apenas
racial, mas também de gênero. Destaca-se aqui a colocação na pauta de
reivindicações a aprovação da Lei 10.639/03 de História e Cultura Afrobrasileira e
Africana.
As ações relacionadas à temática da desigualdade étnico-racial começam a
ser implantadas pelo Estado brasileiro recentemente, especialmente a partir da
Conferência Internacional da ONU de Combate ao Racismo, à Xenofobia e Outras
Formas de Intolerância, ocorrida em Durban, na África do Sul, em 2001. Em
97
preparação à participação na Conferência Internacional da ONU, vários debates
foram realizados, tanto pelos Movimentos Sociais Negros, como pelo governo
federal. Em virtude disso, a delegação governamental brasileira elaborou um
levantamento da situação racial no Brasil e assumiu o compromisso de desenvolver
políticas que reparassem os danos sofridos pelos/as afrodescendentes no país. O
processo de preparação culminou com a realização da I Conferência Nacional contra
o Racismo e a Intolerância, que teve lugar no Rio de Janeiro, entre 6 e 8 de julho de
2001, da qual participaram cerca de 1.700 delegados oriundos das mais diversas
regiões do país. Por fim, entre 31 de agosto e 7 de setembro de 2001, aconteceu,
em Durban, a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial,
Xenofobia e outras Formas de Intolerância, que contou com cerca de seiscentos
participantes brasileiros/as, representantes governamentais e da sociedade civil
organizada. Cerca de 16 mil pessoas de 173 países participaram do debate político
desta conferência, que teve como slogan “Unidos para combater o racismo:
Igualdade, Justiça e Dignidade”. Do Brasil estiveram presentes 500 pessoas, entre
representantes do governo, dos Movimentos Sociais Negros e de Mulheres Negras,
ONG’s, partidos políticos e sindicatos.
A primeira Conferência Mundial de Combate ao Racismo e à Discriminação
Racial foi realizada em Genebra, na Suíça, em 1978. A Declaração e o Programa de
Ação resultantes desse encontro reafirmaram a gravidade do racismo, destacaram a
ameaça que ele traz às relações igualitárias entre as pessoas e nações e
condenaram o apartheid.
A segunda Conferência Mundial de Combate ao Racismo e à Discriminação
Racial, ocorrida cinco anos depois na mesma cidade, revisou e avaliou as atividades
desenvolvidas nos anos anteriores e formulou medidas específicas que visavam a
implementar, por parte da Organização das Nações Unidas (ONU), ações concretas
para a eliminação do racismo e do apartheid.
Em 1998, a ONU decidiu proclamar 2001 como o Ano Internacional de
Mobilização contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas
de Intolerância.
A Conferência de Durban refletiu positivamente na política nacional. O
governo brasileiro desencadeou uma série de iniciativas e estratégias
98
comprometidas como ações afirmativas
67
. O Plano Nacional de direitos Humanos,
lançado no primeiro semestre de 2002, trouxe algumas das propostas relacionadas à
eliminação do racismo. Medidas de ação afirmativa foram sugeridas pelos
Ministérios da Cultura, da Educação, do Trabalho e do Desenvolvimento Agrário,
mas ainda dependenderão de aprovação para serem implementadas, o que não se
concretizou naquela gestão de governo que se encerrara.
Revelar a história do/a afrodescendente no Brasil não é uma tarefa cil, e de
variadas formas se tentou invisibilizar o/a afrodescendente na sociedade e na
história brasileira, seja com as atitudes do então Ministro da Fazenda Rui Barbosa
que ordenou a queima de vários documentos da época da escravidão ou na queima
dos resultados dos censos de 1900 e 1920. Ou ainda com a retirada do quesito cor
no censo, e também a proibição do quesito cor na Declaração de Óbito de 1972 pelo
regime militar brasileiro.
Desde a década de 1930, vários sociólogos brasileiros se pronunciaram sobre
a questão do/a afrodescendente brasileiro, entre eles Gilberto Freyre, que codifica a
Democracia Racial, passando então a existir uma posição oficial do governo a
respeito. Contrariar e “desmontar” o Mito da Democracia Racial Brasileira é uma
tarefa por demais difícil, porém necessário.
Desde o tempo do cativeiro os/as afrodescendentes do Brasil não se
comportavam como meros expectadores da história tentaram de várias formas
rebelar-se contra o regime escravocrata. O/a afrodescendente tem uma trajetória de
luta e resistência que vai das ações individuais, como os suicídios e assassinatos de
senhores de engenho e capatazes, assassinato dos filhos seguidos de suicídio das
mães que eram escravizadas, às insurreições urbanas, até o quilombismo. Tudo
para se alcançar a liberdade e negar a condição imposta de escravizados/as.
Os senhores de engenhos tentavam de várias maneiras impedir que os/as
afrodescendentes se organizassem coletivamente, separando os membros de uma
mesma família, agrupando pessoas de línguas e culturas diferentes, impossibilitando
67
Ações afirmativas são definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter
compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas à discriminação racial, de gênero e de
origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado,
tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais
como a educação e o emprego. Diferentemente das políticas governamentais antidiscriminatórias
baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem às
respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção expost
facto, as ações afirmativas têm natureza multifacetária. (GOMES, 2001)
99
por algum tempo a comunicação entre eles, que lutavam para não perder sua
identidade, sentir-se humano era fundamental.
CAPÍTULO 3
A LEI 10.639/03 QUE DETERMINA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA
AFROBRASILEIRA E AFRICANA E OS FATORES OBSTACULARIZADORES DE
SUA EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR NAS ESCOLAS
PÚBLICAS DE ALMIRANTE TAMANDARÉ – PR NA PERSPECTIVIA DOS/AS
PROFESSORES/AS
3.1 Algumas considerações sobre a Lei 10.639/03
100
Para o professor Henrique Cunha Junior (1997), não é possível conhecer a
História do Brasil sem o conhecimento da história e da origem dos povos que deram
origem à nação brasileira.
O argumento principal para o ensino da História Africana está no fato da
impossibilidade de uma boa compreensão da história brasileira sem o
conhecimento das histórias dos atores africanos, indígenas e europeus. As
relações trabalho-capital realizadas no escravismo brasileiro, o antes de
tudo, relações entre africanos e europeus. A exclusão da História Africana
é uma dentre as várias demonstrações do racismo brasileiro.
(CUNHA,
1997, p.67).
Entrevista realizada recentemente com o professor Romeu Gomes de
Miranda
68
, militante do Movimento Social Negro paranaense e das lutas por
transformações sociais, exemplifica muito bem a importância da nova legislação
para os/as afrodescendentes e para o conjunto da sociedade brasileira.
A Lei é, e será muito importante para a comunidade negra porque vai fazer
com que a sua cultura seja reconhecida no interior da escola e vai fazer
com que os alunos negros deixem de ter vergonha da sua etnia. A
aplicação da Lei fará com que diversos aspectos da cultura negra, da
produção intelectual negra, da produção cultural negra, das grandes
realizações dos povos negros sejam valorizados na escola. De forma que o
negro não apareça para os alunos apenas como um povo que foi escravo,
mas sim como um povo que construiu pirâmides que até hoje o se sabe
de que maneira, e com que técnicas aquele povo do Egito construiu
aqueles monumentos que perduram até hoje. De forma que os alunos
negros se orgulhem do fato de na África a 10.000 a.C. usar o ferro e a
8.000 a.C. trabalhar a agricultura de modo organizado. Enfim, de
forma que o aluno negro possa se orgulhar da sua etnia. Com o advento da
Lei essas questões vão sendo tratadas de forma melhor dentro da escola e
mais e mais contingentes de alunos e alunas negras vão se inserindo de
forma autônoma e de cabeça erguida dentro da sociedade brasileira. O que
será de grande valia para a sociedade brasileira, o que será de grande
valia para o país que terá um contingente enorme de sua população
inserida de uma maneira mais altaneira. (
Jornal 30 de Agosto, da
APP-Sindicato, S/D, p. 08).
Outro aspecto importante a ressaltar na entrevista do professor Romeu diz
respeito ao rompimento com a carga de inferioridade imposta ao negro brasileiro,
presente nos livros didáticos.
68
Presidente do Conselho Estadual da Educação do Paraná e militante histórico dos Movimentos
Negros paranaenses.
101
Hoje os livros didáticos abordam a África como aquele lugar de doenças,
de pestes, de fome e de guerras tribais. Ao contrário disso, a África
têm grandes cidades. De um modo geral, ao contrário do que dizem os
livros, a África é o berço da humanidade e não a Grécia como reforçam os
livros até hoje. A Lei também vem ajudar em muito a comunidade negra, ao
fazer com que a escola e os livros didáticos deixem de abordar o negro de
forma estereotipada, como uma figura bizarra, vinculado a rituais animistas,
de feitiçaria e bruxaria
. (Jornal 30 de Agosto, da APP-Sindicato,
S/D, p. 08).
No dia 09 de janeiro de 2003, o Presidente da República, Luís Inácio Lula da
Silva, e o então Ministro da Educação, Cristóvan Buarque, assinaram a Lei 10.639,
que, alterando a Lei 9.394/96 (LDB) torna obrigatório o ensino da temática História
da África e Cultura Afrobrasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e
médio das redes pública e particular do país. Segundo a Lei, a temática deve ser
trabalhada no âmbito de todo o currículo escolar, preferencialmente nas disciplinas
de História, Língua Portuguesa e Literatura e Educação Artística. A Lei 10.639/03,
além de tornar obrigatório o ensino da temática História da África e da Cultura
Afrobrasileira, institui no calendário escolar, o dia 20 de novembro, como o “Dia
Nacional da Consciência Negra”
69
. A nova legislação acrescentou dois Artigos à Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que estão transcritos
abaixo:
Art.26-A - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afrobrasileira.
Parágrafo Primeiro O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo
incluirá o estudo da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à
História do Brasil.
69
A partir da Lei 10.639/03, o Dia Nacional da Consciência Negra é incorporado no calendário escolar
como dia a ser lembrado, comemorado e desenvolvido em todas as instituições da Educação Básica.
Em 20 de novembro de 1965, foi morto Zumbi, grande liderança do Quilombo dos Palmares. Essa
data é ressignificada pelos Movimentos Negros brasileiros, e surge como contestação ao dia 13 de
maio. A data 20 de novembro toma o cenário nacional principalmente a partir de 1978, quando surge
o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, com ramificações em diversos estados
do país, onde um grande protesto ocorreu em julho de 1978, contra as discriminações sofridas por
quatro atletas negros do time de voleibol do Clube Regatas Tietê, proibidos de entrar no clube, e o
assassinato do operário negro Robson Silveira da Luz, torturado até a morte por policiais de
Guaianazes/SP (MEC/SECAD, Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais.
Brasília: SECAD, 2006, p. 168).
102
Parágrafo segundo – Os conteúdos referentes à História e Cultura Afrobrasileira
serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial, nas áreas
Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras.
Art. 79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da
Consciência Negra.
Ao sancionar a Lei, o Presidente da República vetou parte do Projeto de Lei
aprovado pelo Congresso Nacional. Foram dois os vetos, um ao Parágrafo Terceiro
do Artigo 26-A, outro ao Artigo 79 B:
Parágrafo terceiro do Art. 26A – As disciplinas História do Brasil e Educação Artística,
no ensino médio deverão dedicar, pelo menos, dez por cento de seu conteúdo
programático anual ou semestral à temática referida nesta Lei.
Artigo 79-A - Os cursos de capacitação para professores deverão contar com a
participação de entidades do movimento afro-brasileiro, das universidades e de
outras instituições de pesquisa pertinentes à matéria.
Um documento da Presidência da República (Mensagem 7 de 09/01/03)
dirigido ao presidente do Senado Federal justifica os vetos. Quanto ao primeiro,
argumenta que o Parágrafo Terceiro do Art. 26 colide com o caminho traçado pela
Constituição Federal e com a LDB no que diz respeito às características regionais
do país e à preocupação com uma base curricular nacional mínima. Assim, justifica
o documento:
A Constituição de 1988, ao dispor sobre a Educação, impôs claramente à legislação
infraconstitucional o respeito às peculiaridades regionais e locais. Essa vontade do
constituinte foi muito bem concretizada no caput do Art. 26 da Lei n
o
9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que preceitua: "Os currículos do ensino fundamental e médio
devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de
ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela”.
Parece evidente que o § 3
o
do novo Art. 26-A da Lei n
o
9.394, de 1996, percorre
caminho contrário daquele traçado pela Constituição e seguido pelo caput do art. 26
transcrito, pois, ao descer ao detalhamento de obrigar, no ensino médio, a dedicação
de dez por cento de seu conteúdo programático à temática mencionada, o referido
parágrafo não atende ao interesse público consubstanciado na exigência de se
observar, na fixação dos currículos mínimos de base nacional, os valores sociais e
culturais das diversas regiões e localidades de nosso país.
A Constituição, em seu Art. 211, caput, ainda firmou como de interesse público a
participação dos Estados e dos Municípios na elaboração dos currículos mínimos
103
nacionais, preceito esse que foi concretizado no art. 9
o
, inciso IV da Lei n
o
9.394, de
1996, que diz caber à União “estabelecer, em colaboração com os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o
ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos
mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”. Esse interesse público
também foi contrariado pelo citado § 3
o
, que ele simplesmente afasta essa
necessária colaboração dos Estados e dos Municípios no que diz respeito à temática
História e Cultura Afrobrasileira.
Como justificativa ao segundo veto, o documento da Presidência da
República afirma que o Artigo 79A estaria rompendo com a unidade de conteúdo da
LDB, visto que a mesma, em nenhuma parte, disciplina sobre os cursos de
capacitação de professores.
Verifica-se que a Lei n
o
9.394, de 1996, não disciplina e nem tampouco faz
menção, em nenhum de seus artigos, a cursos de capacitação para
professores. O Art. 79-A, portanto, estaria a romper a unidade de conteúdo
da citada lei e, conseqüentemente, estaria contrariando norma de interesse
público da Lei Complementar n
o
95, de 26 de fevereiro de 1998, segundo a
qual a Lei não conterá matéria estranha a seu objeto. (Art. 7
o
, inciso II).
A inclusão da História da África no currículo é uma antiga reivindicação e luta
dos Movimentos Negros preocupados com a reprodução do racismo na Escola e na
sociedade. em 1991, o 1º Fórum Sobre o Ensino de História das Civilizações
Africanas, no Rio de Janeiro, apresentava em seu relatório a seguinte observação:
É antiga a preocupação dos Movimentos Negros com a integração dos
assuntos africanos e afro-brasileiros no currículo escolar. Talvez a mais
contundente das razões esteja nas conseqüências psicológicas para a
criança Afrobrasileira de um processo pedagógico que não reflete a sua
face e de sua família, com sua história e cultura própria, impedindo-a de se
identificar com o processo educativo. Erroneamente seus antepassados
são retratados apenas como “escravos” que nada contribuíram ao
processo histórico e civilizatório, universal do ser humano. Essa distorção
resulta em complexos de inferioridade da criança negra, arruinando o
desempenho e o desenvolvimento de sua personalidade crítica e
capacidade de reflexão, contribui sensivelmente para os altos índices de
evasão e repetência
. (NASCIMENTO, 1993, p. 25).
No dia 10 de março de 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou o
Parecer 03/04 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e
Africana. O Parecer, que tem como um dos objetivos a regulamentação da Lei
104
10.639/03, fundamenta-se nos dispositivos da Constituição Federal (Artigos 5, 210,
206, 242, 215,216) e nos Artigos 26, 26A e 79B da Lei 9394/96, que tratam do direito
à igualdade de condições de vida e de cidadania, do direito às histórias e às culturas
que compõem a nação brasileira na escola e do direito ao acesso às diferentes
fontes da cultura nacional a todos os brasileiros. O Parecer destaca a importância da
valorização da história e da cultura dos afro-brasileiros e dos africanos e o
compromisso com a educação de relações étnico-raciais. Salienta a relação entre a
nova legislação com a reivindicação de políticas afirmativas na área da educação.
.
O Parecer, além de levantar uma série de princípios a respeito da questão
racial e educação, apresenta um conjunto de indicações de conteúdos a serem
abrangidos pelo currículo nas diferentes áreas do conhecimento. Também indica
ações a serem tomadas pelo poder público das três esferas para a implementação
da Lei. Entre elas, a necessidade de investimento na formação dos professores, o
mapeamento e divulgação das experiências pedagógicas das escolas, a articulação
entre os sistemas de ensino e a confecção de livros e materiais didáticos que
abordem a questão étnica e racial da nação brasileira. Orienta também que os
Conselhos Estaduais de Educação façam a adequação do parecer à realidade de
cada sistema de ensino.
Segundo o Parecer 03/04, não para os negros o conhecimento da História
da África e Cultura Afrobrasileira são importantes, mas para todos os brasileiros,
tendo em vista a composição étnico-racial da sociedade:
A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura
Afrobrasileira e africana não se restringe à população negra, ao contrário
dizem respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se
enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e
pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática.
(CONSELHO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004)
A valorização da identidade é um dos principais argumentos utilizados pelo
Parecer e presente na Resolução que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afrobrasileira e Africana. A Resolução 01/04, em seu Artigo 3º, dispõe:
105
§1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação
e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores
que eduquem cidadãos quanto ao seu pertencimento étnico-racial -
descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus,
de asiáticos capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que
garantam, a todos, ter igualmente respeitados seus direitos, valorizada sua
identidade e assim participem da consolidação da democracia brasileira.
§2º O Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana, meio
privilegiado para a educação das relações étnico-raciais, tem por objetivo o
reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-
brasileiros, garantia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual
valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das
indígenas, européias, asiáticas. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO,
2004)
A Lei 10639/03 vem ao encontro da luta pela implementação de políticas
afirmativas para a superação do quadro caótico produzido pela estrutura do racismo
e de classe presente na sociedade brasileira.
Segundo Luiz Carlos Paixão da Rocha (2006) a Lei é “fruto da ação e
intervenção do movimento negro, que historicamente reivindica junto ao Estado um
conjunto de políticas públicas” que possibilite a mudança do quadro de desigualdade
social e racial do país. Estas vêm ganhando terreno no Brasil, especialmente após a
realização da Conferência da ONU sobre o Racismo, a Discriminação Racial, a
Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância realizada em Durban, na África do
Sul, de 31 de agosto a 08 de setembro de 2001. O aumento de pesquisas
acadêmicas e a divulgação de resultados de pesquisas, tanto do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia Econômica) quanto do IPEA (Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas), sobre a situação da população afrodescendente brasileira
também têm contribuído para o avanço do debate sobre as políticas afirmativas no
país.
É importante destacar três importantes aspectos do ensino da História e
Cultura da África nas Escolas. Primeiro, para se ter um bom conhecimento da
história de nosso país, é impossível tê-lo sem os estudos dos povos que deram a
sua origem, ou seja, os indígenas, os europeus e os africanos (Henrique Cunha
Junior). Hoje a história ensinada parte de uma visão eurocêntrica, em que as demais
culturas são estudadas a partir de sua relação com os europeus, como se os outros
povos não tivessem cultura ou história. Esquece-se, por exemplo, no ato educativo,
que as comunidades africanas realizavam comércio marítimo antes dos
106
portugueses. Ou ainda, que antes do império romano havia impérios poderosos
na África.
Um segundo aspecto importante é a construção da identidade
afrodescendente. O professor da USP, Kabengele Munanga, afirma sobre o tema:
A identidade é para os indivíduos a fonte de sentido e experiência. É
necessário que a escola resgate a identidade dos afro-brasileiros. Negar
qualquer etnia, além de esconder uma parte da história, leva os indivíduos
à sua negação. A escola vem reproduzindo subliminarmente, no imaginário
dos educandos, que a etnia negra, sua história, seus valores, suas
manifestações religiosas e sua cultura, são inferiores ou menor.
70
Já se tornaram comuns as denúncias feitas pelos Movimentos Negros a
determinados livros didáticos que reforçam esta idéia.
Um terceiro aspecto importante que a lei e sua implementação vêm destacar
é a compreensão de que no Brasil o racismo está presente e que dentro da pobreza
produzida na sociedade organizada pelo modo de produção capitalista, os/as
afrodescendentes são a maioria e os mais pobres. Segundo o Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas IPEA -, “no Brasil a pobreza tem cor. Em cada dez
brasileiros abaixo da linha da pobreza oito são negros.” A escola não poderá em seu
currículo e na sua prática educativa cotidiana fechar os olhos aos milhares de
afrodescendentes presente em seus espaços.
A Lei 10639/03 está em vigor. Porém, a sua implementação ainda é um
desafio. Embora em vigor, a lei poderá se transformar em “letra morta”, ou seja, ficar
apenas no papel. Ou se mal implementada apresentará um resultado abaixo do
esperado e contraditório.
Segundo o professor Luís Carlos Paixão da ROCHA (2005) tecendo
considerações sobre a Lei 10639/03:
A implementação da lei é de responsabilidade do poder público, mas é
fundamental o acompanhamento e a cobrança da sociedade civil
organizada. Algumas ões, neste sentido, estão sendo iniciadas em
alguns estados e municípios. Destaco os municípios de Porto Alegre e de
São Paulo e os estados de Mato Grosso do Sul e do Paraná, que criou
uma Comissão Estadual de Acompanhamento da Implementação da Lei
10.639/03, com a participação representativa do Coletivo da App-sindicato
e de membros da Secretaria Estadual de Educação do Paraná. Sigo
esperançoso em relação à contribuição da educação para superar o
racismo velado na sociedade brasileira.
70
MUNANGA, Kabengele (Org.) Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo:
EDUSP, 1996.
107
Tendo em vista as indicações até aqui apresentadas, é possível perceber que
a intervenção dos Movimentos Sociais Negros no partido político e no movimento
social, aliada a uma conjuntura internacional favorável ao debate das questões
étnico-raciais (Conferência da ONU em Durban, África do Sul - 2001), contribuíram
significativamente para a incorporação do debate das políticas afirmativas no Estado
brasileiro.
3.2 Olhar analítico sobre a implementação da Lei 10.639/03 nas Escolas
Públicas de Almirante Tamandaré PR: os fatores obstaculizadores na visão
dos/as professores/as
Segundo Baibich-Faria,
É necessário examinar as situações concretas, o elenco das experiências
das Escolas, analisando-se os procedimentos institucionais e docentes, bem
como as reflexões críticas que tenham sido desencadeadas a partir delas
para extrair lições transformadoras tanto da prática acadêmica quanto da
realidade social.
(2008, encontro de orientação, não publicado).
Para pensar a natureza dos projetos de implementação da Lei 10.639/03 nas
Escolas trabalhadas, Baibich-Faria e Onasayo (2008) elaboraram uma análise,
abaixo descrita, no sentido de melhor compreensão da realidade da efetivação da
Lei 10.639/03 nas Escolas Públicas de Almirante Tamandaré, baseando-se (a) nos
fatores considerados pelos/as professores/as das dez referidas Escolas que
constituíram o universo de sujeitos desta pesquisa, como fatores obstaculizadores
desta implementação, e (b) na análise das ações de implementação levadas à efeito
por quatro das cinco Escolas que assumem ter implementado a Lei.
Os/as autores/as não consideram a análise aqui sugerida como uma
prescrição para leitura dessa e/ou de outras realidades, mas, antes, como uma das
formas de explicação do real concreto, no intuito de melhor pensá-lo e agir sobre ele.
Entendem, entretanto, que embora não prescritiva, a análise possa servir para que
outras realidades escolares brasileiras também reflitam sobre suas realidades na
implantação da Lei 10.639/03 fazendo uso desta análise como ponto de partida.
108
Os aspectos levados em conta, por Baibich-Faria e Onasayo para essa
análise e categorização dizem respeito a: (i) às formas de implementação da Lei
10.639/03 nas diferentes Escolas naquilo que lhes é semelhante
71
; (ii) a relação
estabelecida pelos/as professores/as responsáveis das dez Escolas pesquisadas
com este processo e os obstáculos para efetivá-lo; (iii) seu entendimento (dos/as
professores/as) sobre a existência do racismo no espaço escolar e de possíveis
vínculos causais entre os itens anteriores e este fenômeno; (iv) a avaliação dos/as
professores/as acerca da existência ou não de dificuldades para a implementação
da Lei 10.639/03; (v) o reconhecimento, por parte dos/as professores/as, de uma
didática do antipreconceito de sua parte ou de outros/as professores/as/gestores/as,
no âmbito da Escola; (vi) o papel atribuído ao Estado, à Direção das Escolas, aos
Professores/as e aos materiais; bem como (vii) outros aspectos relevantes.
(i) Das formas de implementação: professores/as não vilões, mas
produtores/as-reprodutores/as de vítimas;
Em todas as Escolas pesquisadas, que assumiram a implementação da Lei,
aquilo ao que se dava o nome de “Projeto de Cultura Afro” não passava de um
aglomerado de atividades culturais que tendiam mais a “folclorização”
72
de aspectos
parciais da cultura Afrobrasileira e africana. Ou seja, as atividades sugeridas,
recorrentemente,“romantizavam” e “naturalizavam” o período colonial brasileiro bem
como o sistema escravagista. Os trabalhos, via de regra, faziam reconstituições de
senzalas, dos castigos físicos aos quais eram submetidos os/as ”escravos/as”, da
quebra do acorrentamento de parte dos/as escravizados/as, sem que, entretanto,
houvesse qualquer tipo de relação mais crítica, no sentido de explicitar ou
problematizar também o papel da resistência que cumpriam os milhares de
quilombos criados em todos os lugares deste Brasil.
73
71
Ressalte-se que das dez Escolas analisadas, foram consideradas neste quesito (relativo às formas
de implementação da Lei) apenas quatro. Isto se deu, pois, cinco são as que assumem a
implementação da Lei, sendo que a quinta Escola selecionada possui como Diretor eleito o
pesquisador que assina esta Dissertação de Mestrado. Portanto, as outras seis não são tomadas em
conta para análise específica de Implementação de um Projeto. Os outros quesitos, entretanto,
tomaram em conta a manifestação dos/as professores/as de todas as dez Escolas.
72
Para maiores detalhes ler Santana, Jair, Tese de Doutorado em Educação no PPGE/UFPR, em
fase de elaboração, sob orientação da Profa. Dra. Tânia Maria Baibich-Faria.
73
Não se divulga que em 2002, eram identificados no Brasil 743 quilombos, hoje este número
ultrapassa 3.400 quilombos. Nestes quatro anos, concedeu-se a titulação de 31 comunidades,
quantidade que precisa ser ampliada e muito. No Paraná estão catalogadas mais de 87
Comunidades Remanescentes de Quilombos, das quais 36 já foram titularizadas pelo INCRA. Sobre
racismo e crianças quilombolas na Escola, ler Soares, Edimara, Dissertação de Mestrado em
elaboração no PPGE/UFPR, sob orientação da Profa. Dra. Tânia Maria Baibich-Faria.
109
Estas atividades levam a crer que os/as afrodescendentes brasileiros/as são
descendentes de “escravizados/as”, como se a prática escravista em terras africanas
fosse algo “natural” e, portanto, esta prática no Brasil não devesse trazer espanto
algum, muito menos reflexões sobre sua profundidade e conseqüências na
sociedade atual.
Além deste tipo de conseqüência nefasta, também decorre daí a única
maneira possível de reação do blico assistente
74
, isto é, a pena. Assim, os/as
espectadores/as, aqueles/as que assistem ao “espetáculo” não têm como, pela
ausência da crítica histórica, desenvolver sentimentos de empatia ou solidariedade,
visto que o que acontece ali reside apenas no passado e não possui laços com nada
do que seja contemporâneo e no espaço vivido.
Além desse fenômeno da reprodução de senzalas, de trabalhos nas fazendas
de açúcar ou dos castigos praticados pelos feitores a mando dos donos dos
engenhos, é comum também que se ressalte a sensualidade do corpo da
afrodescendente. São adolescentes vestidas de forma sensualizada e, não raro,
destacando partes de seu corpo. São adolescentes vestidas ou semi-vestidas com
lençóis que permitem ficarem expostas suas coxas, costas e outras partes do corpo
feminino.
O imaginário dessas apresentações é correntemente baseado na obra de
Gilberto Freyre, que preconizava a “harmonia” entre a Casa Grande e a Senzala,
como se fosse possível tal situação.
75
Outro tipo de evento é o destaque que se a beleza Afrobrasileira. São
adolescentes “fantasiados/as” de afrodescendentes. Desfilam penteados e vestidos
imitando determinados costumes de algumas regiões da África. Em nenhum dos
eventos analisados foi apresentado um ou uma adolescente vestido de forma
contemporânea. Ou seja, em nenhum dos eventos analisados um/a adolescente
afrodescendente foi caracterizado/a com terno, gravata, “laptops” ou outros símbolos
da modernidade. No imaginário coletivo a África e os/as africanos/as, bem como
os/as afrodescendentes estão longe de serem considerados como “modernos”.
74
Importante referir que o público, constituído de pais/responsáveis e comunidade local, não passa
de mero assistente nos Projetos aqui referenciados. Nenhuma das ações das Escolas analisadas
na comunidade uma parceira efetiva do Projeto em questão.
75
Para maiores esclarecimentos do papel ocupado pela mulher negra, ler Dissertação de Mestrado
de Tânia Lopes, em elaboração no PPGE/UFPR, sob orientação da Profa. Dra. Tânia Maria Baibich-
Faria.
110
Assim, além de não modernos, também o efetivamente belos/as. Nos
concursos que ocorreram nos municípios de Colombo, Almirante Tamandaré, Quatro
Barras e na final geral que ocorreu num Grande Baile na cidade de Colombo,
qualquer um/a dos/as adolescentes que participou foi contemplado/a com alguma
premiação, corroborando o fato de que a beleza afrodescendente não é considerada
efetivamente como beleza.
Ainda que estas quatro Escolas, dentre todas as pesquisadas, sejam aquelas
que assumam o implemento da Lei, a despeito de todas as dificuldades para fazê-lo,
o que se é que esta implementação tende a reproduzir a estigmatização do/a
afrodescendente naturalizada em nossa sociedade racista. Desta feita, mediante,
a arte do teatro, da música, da dança, o estigma se exercita e funciona como
mantenedor do lugar ocupado pelo/a afrodescendente na sociedade, seja (a) por
metaforicamente prendê-lo no papel de escravo/a, merecedor/a apenas de pena e
não de direitos; (b) por caracterizá-lo como uma caricatura e não como um sujeito
entre outros sujeitos; (c) ou por reduzi-lo a objeto, coisa sensual para uso e, porque
não dizer, abuso.
Cabe ressaltar que nenhuma das Escolas demonstra consciência de seu
papel reprodutor do racismo, pelo contrário, é possível constatar que todas as que
têm buscado a implementação da Lei, o fazem no intuito e com a sensação de “bom-
combate”. Daí que não vilãs, mas produturas/reprodutoras de vítimas.
(ii) Dos obstáculos: ou da fartura da falta
Para os/as professores/as entrevistados/as, das dez (10) Escolas, os
principais fatores obstaculizadores para a implementação da Lei 10.639/03
apontados foram basicamente os seguintes:
a) a falta de material didático (livros, revistas, cd’s, dvd’s, manuais etc
76
) para
se trabalhar as temáticas da Lei de História e Cultura Afrobrasileira e
Africana tanto para o/a professor/a quanto para o/a aluno/a;
b) a falta de um Projeto de Articulação para a elaboração das Diretrizes
Curriculares e do Projeto Político Pedagógico, pois no atual formato da
SEED/PR a proposta vem pronta da superintendência da educação e,
76
Pode-se sentir aqui a necessidade do/a professor/a em ter “receituários prontos” com indicações de
como se deve trabalhar para “implementar” a estudada Lei 10.639/03, até para se eximir da
responsabilidade de estar desenvolvendo um Projeto de Articulação, o que sem dúvida, daria mais
trabalho e exigiria mais tempo dos sujeitos envolvidos. E o tempo e/ou a falta dele é um dos fatores
obstaculizadores identificados nesta pesquisa.
111
geralmente, os/as professores/as tem uma relação passiva em relação à
proposta, cabendo às pedagogas do Estabelecimento de Ensino fazer as
adequações à realidade da Escola. Ressalte-se aqui novamente o fator
tempo para a reflexão e o trabalho teórico-prático como obstaculizador.da
construção dos PPP’s e das DCE’s.
c) as dificuldades em trabalhar temas específicos (História da Capoeira,
influências folclóricas, dança, História da África anterior ao século XVI,
dificuldade em encontrar materiais sobre o continente africano etc);
d) a falta de tempo (remunerado para os/as professores/as em grupos de
estudos pesquisarem conteúdos e se formarem, pois falta planejamento
por parte do Estado e melhor estruturação nas horas-atividades);
e) a falta de embasamento teórico e experiência acumulada quando se
depara com as situações concretas de discriminação e preconceito no
ambiente escolar (a maioria dos/as entrevistados/as não tiveram História
da África no currículo de suas graduações) e,
f) a falta de condições teórico-práticas para usar o conteúdo como
instrumento para o exercício de uma didática do antipreconceito.
Os dados levantados referendam, portanto, uma forte sensação de
orfandade teórico-prática, e de materiais, tempo e recursos em geral de parte
dos/as professores/as.
(iii) Do reconhecimento do racismo na Escola: um problema da vítima
Dentre os/as entrevistados/as, 99% dos/as professores/as reconhecem o
racismo no cotidiano escolar, dado impressionante tanto pelo que significa em
termos de força da existência do fenômeno, quanto pelo que representa em termos
de sua identificação, contrária ao que ocorre na sociedade em geral, que costuma
padecer de certa “cegueira” para identificar o preconceito.
Assim, 70% dos/as professores/as referem ter conhecimento de práticas
racistas que se manifestaram, predominantemente, sob a forma de piadas e
brincadeiras, o que corrobora a literatura sobre o tema. Quanto às formas de
combate a estas práticas nas suas respectivas Escolas, 60% dizem não conhecê-las
e os outros referiram a existência de conversas para orientação, advertências
verbais e, em última instância, punição pela leis (do código penal). Isto aparece
como indicador de que o direito aos direitos iguais, não respeitado pela instituição
112
formadora de cidadãos, não parece constituir um problema para a Escola e
seus/suas professores/as, pelo contrário.
Outro aspecto a destacar é o de que dos 90% que reconhecem a existência
do fenômeno no espaço da Escola, apenas 30% assume fazer algo para combatê-lo,
o que indica uma atitude espectadora, ou, como no dizer de Arendt (1989) uma
“banalização do mal”, na medida em que parecem acostumar-se com ele como se
natural fosse.
Também constitui uma estranheza a destacar, o fato de que dos 99% dos
sujeitos, a metade não se sente com dificuldades com relação à implementação da
Lei 10.639/03. Entretanto, ainda que o racismo seja concretamente admitido como
real por 90% deles, e que a metade dos/as professores/as não sintam dificuldade em
trabalhar com os conteúdos que a referida lei impõe, quando questionados/as sobre
a existência de projetos nesta direção nas Escolas em que trabalham, 20% não
sabem se a Escola implementou ou não um projeto relativo a lei e 10% não
responderam se havia ou não um projeto dessa natureza nas Escolas em que
atuam. Apenas 49% responderam que não há projeto efetivamente implementado
em suas Escolas. Assim, 70% das Escolas ou não possuem projeto ou possuem
um projeto que sequer é reconhecido enquanto tal pelos/as professores/as da
Escola (grifo dos/as autores/as).
Dentre os 30% que dizem reconhecer a existência de um projeto de
implementação da Lei 10.639/03 nas Escolas em que atuam, vários/as deles/as
apontam suas dificuldades para fazê-lo, tais como “falta de tempo para pesquisas,
falta de conhecimento, falta de condições para lidar com situações concretas do dia-
a-dia”, isto é, dizem um “sim” que algumas ou muitas vezes pode estar substituindo
um “não” camuflado pela vergonha da cultura do “politicamente correto”, ou mesmo
pelo reconhecimento do que seria adequado e desejaria fazer, mas não se sente
apto para tal.
De saída, portanto, se faz possível inferir que o problema do racismo e
da discriminação é tido como um problema da vítima e os/as professores/as-
gestores/as não são responsáveis por ele (grifo dos/as autores/as).
Estes dados são indiciários de que:
(a) naturalizou-se na Escola a existência do privilégio branco, rico, masculino,
cristão;
113
(b) a promulgação de uma lei relativamente ao combate do preconceito e a
elevação da auto-estima dos membros que pertencem ao grupo discriminado não é
condição suficiente para que esta seja implementada;
(c) a existência da Lei 10.639/03 e a falta de controle do Estado de sua efetiva
implementação pode levar a institucionalização de uma política de “faz de conta”
que, contrariamente ao que se pretendia quando de sua criação, sirva de disfarce
para a manutenção e reprodução do racismo como hoje se configura na sociedade
brasileira em geral.
(iv) Das dificuldades para implementação da Lei: do Estado para a
Escola, desta para os/as Professores/as, destes para os Professores/as
Afrodescendentes.
Parece ficar demonstrado ainda, logo de saída, que os/as professores/as,
mesmo aqueles/las das Escolas que têm buscado implementar a Lei sentem-se
órfãos de condições de conhecimento teórico-prático para desenvolver uma ação
desta envergadura, e para a qual não sentem dispor de tempo e de material
acessível para preparar-se para tal empreitada. Assim, tudo leva a crer que da Lei
ao espaço da sala de aula um trajeto indefinido e obscuro cuja responsabilidade
do percurso foi imputada a quem, ainda que com boa vontade, não se sente apto/a e
não reconhece em si e em seu entorno maneiras possíveis de habilitar-se. Parece
ocorrer, por parte do sistema, uma delegação o formalizada da
responsabilidade às Escolas e destas aos professores/as e destes, muitas
vezes, aos professores/as afrodescendentes. Os/as professores/as, por sua
vez, sem respaldo e formação, julgando-se incapazes e/ou sós, pouco ou nada
fazem, ou, quando o fazem contribuem, sem o saber, para a preservação do
estigma e do preconceito (grifo dos/as autores/as).
(v) Do reconhecimento de uma Didática do Antipreconceito: uma
ausência institucionalizada.
Com relação às formas pelas quais a Escola tem lidado com as situações de
racismo e discriminação, demonstrou-se até aqui o reconhecimento por parte das
dos/as entrevistados/as e da análise extraída dos questionários I e II (em anexos) de
que existem práticas racistas na Escola e que este fenômeno se manifesta de
distintas e variadas formas, desde as agressões verbais diretas e indiretas às ações
que se transformam em ações sutis de preconceito e discriminação.
114
Contudo, para combater este fenômeno presente nas Escolas os/as
professores/as
(a) não se sentem preparados/as;
(b) desenvolvem atividades relativas à questão da cultura Afrobrasileira e
africana de forma eventual;
(c) tais atividades realçam características folclorizadas da Cultura
Afrobrasileira e Africana, reforçando aspectos estereotipados de uma “subcultura
tribal de um povo subdesenvolvido”;
(d) chamam os/as alunos/as que manifestam mais evidentemente ações de
preconceito e discriminação para conversar, orientar e, às vezes, aplicam-lhes
advertências verbais ou registradas em ata e podem até punir de acordo com a
legislação vigente - o que praticamente nunca ocorre.
No entanto, foi constatado que, apesar de haver um reconhecimento por parte
dos/as professores/as da existência do fenômeno do racismo no espaço escolar,
estes/as não conhecem as formas de combate ao fenômeno institucionalizadas pela
Escola, o que fazer diante das situações concretas, se existem tais práticas didáticas
do antipreconceito, se devem ser cumpridas, se deve se aplicar a legislação vigente.
Como foi explicitado neste trabalho, talvez o fenômeno do racismo e suas
manifestações de preconceito e discriminação no ambiente escolar possa parecer
natural, mas, de fato, nada mais é do que a “banalização do mal” (ARENDT, 1989).
(vi) Do papel do Estado, da Direção, dos/as Professores/as, dos
Materiais: procura-se um responsável
Quando questionados/as sobre qual o papel do Estado no sentido de
promoção da implementação da Lei 10.639/03, 70% dos/as professores/as sugeriu
ações concretas tais como:
Permitir efetivamente uma semana por bimestre para se trabalhar os temas
nas reuniões pedagógicas.
O Estado deve fornecer livros para os
professores e materiais didáticos para os alunos, como dvd’s, além de
cursos [de capacitação] para professores e equipe pedagógica. (Professor
e um diretor auxiliar respondeu de forma semelhante).Fazer uma
averiguação para saber o que realmente está sendo feito para o aluno
tomar ciência dos seus direitos.
(Pedagoga).
Criar uma disciplina específica
. (Professor afrodescendente).
115
10% responderam que o Estado não precisa fazer nada, pois “cabe à
população se conscientizar a partir de agora.” (professora, branca). 20% não opinou.
O que parece merecer ser sublinhado aqui é: quando 70% dos/as
entrevistados/as afirmam o que deveria ser feito, afirmam também sua sensação de
ignorância para poder ensinar o assunto, este total somado aos 30% restantes
quase que totaliza um quadro de professores/as que se percebem incapazes ou que
tomam uma atitude alienada como se o problema não fosse seu. Esse dado coloca
em dúvida a cifra de 30% das Escolas que, segundo os/as professores/as, tiveram
efetivamente levado a cabo seu projeto de implementação da Lei 10.639/03.
3.3 Os bastidores dos autodenominados “projetos de Implementação da Lei”
das Escolas que reconhecem a importância da Lei 10.639/03
Alguns aspectos que podem ser observados logo de saída ao analisarmos as
ações das quatro escolas selecionadas são:
(i) Todas implementaram suas atividades, com maior evidência, a partir
de 2006, após o “Curso de História e Cultura Afrobrasileira e Africana
em sala de aula” coordenado pela Professora Célia Tokarski e que teve
a participação de 130 professores/as e funcionários/as das Escolas da
base do Núcleo Regional de Ensino da Área Metropolitana Norte de
Curitiba (NRE-AMN), experiência já relatada neste trabalho.
77
(ii) Todas as Escolas cumprem a Deliberação 04/2006 do Conselho
Estadual da Educação do Paraná (CEE/PR), que amplia o
entendimento sobre as disciplinas que devem participar do projeto que
dão cumprimento a Lei 10.639/03, e a Instrução 17/06 da
Superintendência da Educação da Secretaria de Estado da Educação
do Paraná (SUED-SEED/PR), em anexo, que constitui Comissões
Multidisciplinares em todas as Escolas para dar cumprimento às
orientações do CEE/PR. Ressalta-se aqui, entretanto, que em
77
“Vale sublinhar aqui que as Escolas cujos professores/as, voluntariamente buscaram formar-se
melhor para trabalhar com o conteúdo da Lei, fenômeno de engajamento a um Projeto sentido como
seu, foram aquelas em cujos locais houve ações de efetiva implementação da Lei 10.639/03. Este
dado parece corroborar a importância do Projeto coletivo, deliberado, intencional, como fonte de
possibilidade de mudança. Os/as professores/as Célia Torkaski, Neuton Damásio e Claudemir
Fiqueiredo Pessoa Onasayo, criadores/as, incentivadores/as, organizadores/as deste processo,
merecem, sem sombra de dúvida, reconhecimento da História. Aqui me autorizo a falar na primeira
pessoa.” (BAIBICH-FARIA, 2008).
116
nenhuma das Escolas pesquisadas as comissões Multidisciplinares
funcionam, o que, mais uma vez, demonstra que a Lei, qualquer que
seja, carece também de mudança cultural e de condições materiais e
políticas para sua implementação efetiva.
(iii) Em todas as Escolas pesquisadas o envolvimento da Comunidade
Escolar externa é sob a forma de platéia;
(iv) Nenhuma das Escolas pesquisadas desenvolve efetivamente um
Projeto de Articulação com o Projeto Político Pedagógico da Escola.
Todas realizam eventos cuja duração circunda o s de novembro
(mês da Consciência Negra), cujo ápice é na semana do dia 20 de
novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares.
(v) Todas as Escolas possuem em seu Projeto Político Pedagógico (PPP),
bem como nos currículos das diferentes disciplinas, menção à temática
da Lei, ainda que esta efetivação não se de fato (Instrução 17/06 da
SUED-SEED/PR);
(vi) Nenhuma das Escolas planeja ou avalia coletivamente aquilo que
denomina de “Projeto” de implementação da Lei 10.639/03;
(vii) Os/as professores/as de todas as Escolas reconhecem a existência do
racismo e da discriminação;
(viii) Todas as Escolas se baseiam em concepções estigmatizadas sobre o
papel do/a afrodescendente no Brasil;
(ix) A dificuldade de acesso aos materiais por parte dos/as professores/as
é entendida como conseqüência multideterminada pelos seguintes
fatores:
(a) questão financeira ligada à baixa remuneração profissional;
(b) a pouca produção de pesquisas e de materiais na área da temática
da lei;
(c) o material produzido e fornecido pelo Estado não chega ou chega
com dificuldades às mãos dos/as professores/as, quando não fica
“engavetado”;
(x) Todos/as os/as professores/as entrevistados/as atribuem, em geral, as
dificuldades de trabalhar com a temática da lei a entes externos, como
o Estado, à direção e à equipe pedagógica, à Comunidade Escolar,
aos colegas, “a todo mundo”;
117
(xi) Nenhum dos/as professores/as teve em seus currículos disciplinares de
sua formação acadêmica conteúdos ligados à História e Cultura
Afrobrasileira e Africana. Isto é, o currículo eurocêntrico aplicado aos
ensinos médio e fundamental possui suas raízes ligadas às Instituições
de Ensino Superior, quer público ou privado, que formam
professores/as e pedagogos/as;
(xii) O fato de não existir avaliação e sistematização do trabalho realizado
pelas Escolas faz com que a cada ano se comece do “zero”, isto é, não
acúmulo de conhecimento produzido. Este dado contribui para a
manutenção da natureza dos “eventos folclorizados” que não se
transformam em Projetos Articulados e articuladores de um possível
combate ao racismo, ao preconceito e à discriminação.
(xiii) As Escolas que têm tentado implementar a Lei, enfatizam que dentre
as dificuldades para tal desafio podem ser apontadas a falta de espaço
adequado, de recursos materiais, de conhecimento e de envolvimento
das comunidades interna e externa, ou seja, de tudo.
A análise acima, respaldada na literatura acerca do racismo no Brasil e da
ação desenvolvida pelos Movimentos Negros, permite afirmar que, considerando
todas as dificuldades enfrentadas pelos/as professores/as das Escolas Públicas do
Município de Almirante Tamandaré, para implementação da Lei em tela, é possível
encontrar dois níveis de ação distintos de atuação para esta implementação:
a) O primeiro, no qual, dadas as dificuldades e admitida a existência do
racismo, não há implementação propriamente dita; e
b) O segundo, no qual, a despeito das dificuldades e da existência do
racismo, uma implementação ainda que de natureza reprodutora do status quo,
mesmo que não exista da parte dos sujeitos envolvidos nenhuma intenção ou crítica
quanto ao fato.
É de entendimento desta análise que mesmo que os corolários de ambos
sejam igualmente perniciosos, o primeiro porque reproduz pela passividade; o
segundo porque reproduz pela ação acrítica; na segunda perspectiva, um germe
de esperança no sentido de que refletir sobre sua ação possa levar a uma ação de
segunda potência, ação em co-operação que rompa e, oxalá, transforme.
118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao buscar explicar o porquê do fato da Lei 10.639/03 de História e Cultura
Afrobrasileira e Africana ainda não ter sido efetivamente implementada nas Escolas
Públicas do Município de Almirante Tamandaré, no Estado do Paraná, algumas
perguntas iniciais orientaram esta pesquisa:
(I) Por que uma lei tão importante para destacar a importância de todo um
povo com suas várias etnias, que construiu este país, num sistema
econômico baseado na mercantilização humana e na produção
econômica fundada na escravização de pessoas por quatro séculos,
não assume a importância de lei como tantas outras?;
(II) Por que não sensibiliza a maioria dos sujeitos escolares, especialmente
professores/as que em suas especialidades e formação sabem e
reconhecem as desigualdades existentes na sociedade brasileira?;
(III) Por que o reconhecimento da existência do racismo na escola, de parte
dos professores/as, não os mobiliza para a implementação da Lei?;
Para buscar algumas das possíveis respostas, foi necessário refletir sobre as
contradições presentes no debate acerca da implementação da Lei 10.639/03,
a partir da ótica dos/as professores/as, das dez escolas analisadas. O desafio
da pesquisa, portanto, foi o de identificar os fatores obstaculizadores
apontados pelos/as professores/as que não possibilitam com que a legislação
que garante a História e Cultura Afrobrasileira e África nas redes de ensino
brasileiros fosse efetivamente implementada. Das análises extraídas dos
depoimentos dos/as professores/as foi possível concluir que:
(i) Os/as professores/as não podem ser caracterizados/as como
vilões/ãs, mas, entretanto são produtores/as-reprodutores/as de vítimas;
(ii) Entre os obstáculos apresentados, podem-se destacar os que
seguem: a) falta de material; b) falta de projeto coletivo de articulação; c)
dificuldades em se trabalhar com a temática afrodescendente; d) falta de
tempo; e) falta de embasamento teórico e prático para se trabalhar com o
tema; f) a falta de condições teórico-práticas para usar o conteúdo como
instrumento para o exercício de uma didática do antipreconceito; ou seja, falta
de praticamente tudo;
119
(iii) Dentre os/as entrevistados/as, 99% dos/as professores/as
reconhecem o racismo no cotidiano escolar, mas, considerando que pouco ou
nada fazem para combatê-lo pode-se inferir que o fenômeno constitui um
problema das vítimas;
(iv) uma delegação sucessiva de responsabilidades para a
implementação da Lei, do Estado para a Escola, desta para os/as
Professores/as, destes/as para os/as Professores/as Afrodescendentes.
Parece ficar demonstrado ainda, logo de saída, que os/as professores/as,
mesmo aqueles/las das Escolas que têm buscado implementar a Lei sentem-
se órfãos de condições de conhecimento teórico-prático para desenvolver
uma ação desta envergadura.
(v) Os/as professores/as (a) não se sentem preparados/as para
trabalhar com a temática do antipreconceito; (b) desenvolvem atividades de
forma eventual; (c) tais atividades realçam características folclorizadas da
Cultura Afrobrasileira e Africana; (d) chamam os/as alunos/as que manifestam
mais evidentemente ações de preconceito e discriminação para conversar,
orientar, porém não sabem lidar com questões de racismo;
(vi) Atribuem a terceiros (ao Estado, à sociedade, à comunidade
Escolar, à Direção etc.) a responsabilidade do combate ao preconceito, algo
que a maioria percebe como existente no ambiente escolar.
Fica possível, neste momento de compreensão da realidade das Escolas
Públicas de Almirante Tamandaré, afirmar que o que está sendo trabalhado nas
mesmas, no que diz respeito às temáticas da Lei 10.639/03, não é mais do que uma
folclorização da História e Cultura Afrobrasileira e Africana, sob a forma de eventos
não integrados aos Projetos Político-Pedagógicos e que pouco envolvem a
comunidade interna e externa. Ainda que contando com inúmeras dificuldades de
caráter material, de infra-estrutura humana, de tempo, financeira, mesmo nas
Escolas em que houve a intenção de implementação da Lei, o que se observa fica
bastante distante daquilo que os Movimentos Negros pretendiam quando lutaram
pela criação da mesma.
É do entendimento deste trabalho que muitas ações e reflexões conjuntas no
âmbito do poder público, da Universidade que forma, das Escolas, da comunidade
organizada, dos Movimentos Negros, dos país etc precisam ser realizadas para que
tenhamos efetivamente a implementação desta referida lei no Paraná, com vistas ao
120
combate à desigualdade, ao racismo e a discriminação que hoje constituem
imponente realidade na sociedade e na Escola.
121
ANEXO I
QUESTIONÁRIO SEMI-ESTRUTURADO I
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DISCIPLINA: SEMINÁRIO DE DISSERTAÇÃO EM MESTRADO
PROFESSORA Dra. TANIA MARIA BAIBICH-FARIA
ALUNO MESTRANDO: CLAUDEMIR FIGUEIREDO PESSOA ONASAYO
QUESTIONÁRIO I PRELIMINAR PARA RECORTES DO OBJETO DE
PESQUISA
DIREÇÃO E/OU EQUIPE PEDAGÓGICA
1) Identificação da Escola e/ou Colégio Público da Rede Estadual de Ensino, em
Almirante Tamandaré: _
a)
Nome:________________________________________________________________
___________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
____________________________
b) Endereço com bairro e telefone para contatos:
_________________________________________
c) Histórico resumido da Escola e/ou
Colégio:____________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_______________
(Pode ser anexado cópia do histórico extraído do Projeto Político Pedagógico ou se
precisar de mais espaço, use o verso desta folha).
122
2) A Escola e/ou Colégio realizou projeto ou outra atividade sobre a temática da
Cultura Afrobrasileira e Africana, a partir da promulgação da lei 10.639, em janeiro de
2003?
( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, descreva resumidamente quais as atividades
desenvolvidas:____________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_______________
Em que ano estas atividades foram desenvolvidas:
( ) 2003 ( ) 2004 ( ) 2005 ( ) 2006
3) Quantos professores/as dessa Escola e/ou Colégio se envolveram com projetos,
conteúdos, atividades, etc, relacionados com as temáticas da Lei 10.639/03, que trata
sobre História e Cultura Afrobrasileira e Africana?
( ) Todos/as ( ) Alguns/mas ( ) Nenhum/a
4) Quais as disciplinas curriculares que foram envolvidas nestas atividades?-
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
________________________
5) Quanto a natureza desses projetos e/ou atividades:
a) Foi de iniciativa individual? ( ) Sim ( ) Não
b) Foi de iniciativa coletiva? ( ) Sim ( ) Não
c) Foi dos dois tipos? ( ) Sim ( ) Não
6) Estes projetos e/ou atividades envolveram pessoas ou grupos externos à Escola e/ou
Colégio?
123
( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, explicite:
_________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
________________________________________________________
7) Na sua avaliação enquanto diretor/a e/ou integrante da equipe pedagógica, quais os
principais obstáculos enfrentados pelo professor/a ou educador/a que desenvolveu
este tipo de projeto e/ou
atividade?___________________________________________________________
________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
_________
8) A Escola e/ou Colégio pode colaborar com a iniciativa do/a professor/a ou do
coletivo?
( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, como foi esta
colaboração?__________________________________________
124
ANEXO II
QUESTIONÁRIO SEMI-ESTRUTURADO II
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DISCIPLINA: SEMINÁRIO DE DISSERTAÇÃO EM MESTRADO
PROFESSORA Dra. TANIA MARIA BAIBICH-FARIA
ALUNO MESTRANDO: CLAUDEMIR FIGUEIREDO PESSOA ONASAYO
Este questionário destina-se a pesquisar a opinião dos/as Educadores/as Públicos do
PARANÁ sobre os desafios da implementação da Lei do Ensino da História e Cultura
Afrobrasileira e Africana nas escolas paranaenses. Favor não identificar-se nominalmente. Ao
final identifique apenas o nome da Escola ou Colégio.
1. Qual a sua função na
escola?____________________________________________________________
2. quanto tempo você atua como
professor/a?______________________________________________
3. E quanto tempo você atua nesta
escola?________________________________________________
4. Como você se define do ponto de vista étnico-
racial?_________________________________________
5. Você já vivenciou ou ouviu falar de algum tipo de racismo no ambiente escolar?
Relate.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
________________________________________________________
6. Se você tem dificuldades em trabalhar os temas de História e Cultura Afrobrasileira e
Africana, cite 03
delas:______________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
125
___________________________________________________________________________
________________________________________________________
7. Você considera que sua escola/colégio já implementou efetivamente a Lei 10.639/03?
Por
que?_______________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
________________________________________________________
8. Quais as iniciativas que o Estado do Paraná poderia desenvolver para a efetiva
implementação da Lei 10.639/03 nas Escolas Públicas e Privadas do
estado?________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
9. Quais as práticas que poderiam ser aplicadas nas escolas para colaborar na
implementação da Lei 10.639/03? Quem deveria ser o responsável por
elas? -
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________
10. Qual o papel que cumpre o/a diretor/a da escola em relação a real implementação da
Lei 10.639/03?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
__________________________________________
11. Qual o papel que cumpre o/a professor/a da escola em relação a real implementação da
Lei 10.639/03?
126
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________
12. Existem comportamentos que poderiam indicar preconceito e discriminação nesta
escola/colégio que você tenha sentido, testemunhado ou ouvido falar?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________
13. Se houver, quais os encaminhamentos dados para a questão pelo/a professor/a,
pedagogo/a ou diretor/a?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________
14. Você teve acesso a materiais para trabalhar a questão Afrobrasileira e Africana?
( ) SIM ( ) NÃO
15. Em caso afirmativo, quais os materiais que você teve acesso para trabalhar a temática
da Lei 10.639/03?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
__________________________________________
16. Eles lhe auxiliam? ( ) SIM ( ) NÃO ( ) MUITO ( ) POUCO (
) QUASE NADA
17. Você considera que o preconceito seja um obstáculo para a implementação da lei?
Justifique._____________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
__________________________________________
127
18. Você gostaria de fazer mais alguma observação?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
__________________________________________
Identificação da
Escola/Colégio:___________________________________________________________
_
Bairro:________________________________________
Região:_________________________________
128
ANEXO III
LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.
Mensagem de veto Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura
Afrobrasileira", e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida
dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afrobrasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição
do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afrobrasileira serão ministrados no
âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e
de Literatura e História Brasileiras.
§ 3o (VETADO)"
129
"Art. 79-A. (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da
Consciência Negra’."
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 10.1.2003.
130
ANEXO IV
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação UF: DF
ASSUNTO: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
RELATORES: Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (Relatora), Carlos Roberto Jamil Cury,
Francisca Novantino, Marília Ancona-Lopez
PROCESSO N.º: 23001.000215/2002-96
PARECER N.º:
CNE/CP 003/2004
COLEGIADO:
CP
APROVADO EM:
10/3/2004
I – RELATÓRIO
Este Parecer visa a atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CP 06/2002, bem como
regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei
10639/2003 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana na Educação Básica. Desta forma, busca cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos
seus Art. 5º, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26 A
e 79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que asseguram o direito à
igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como garantem igual direito às histórias e
culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da cultura
nacional a todos brasileiros.
Juntam-se a preceitos analógicos os Art. 26 e 26
A da LDB, como os das Constituições
Estaduais da Bahia (Art. 175, IV e 288), do Rio de Janeiro (Art. 303), de Alagoas (Art. 253), assim
como de Leis Orgânicas, tais como a de Recife (Art. 138), de Belo Horizonte (Art. 182, VI), a do Rio
de Janeiro (Art. 321, VIII), além de leis ordinárias, como lei Municipal 7.685, de 17 de janeiro de
1994, de Belém, a Lei Municipal 2.251, de 30 de novembro de 1994, de Aracaju e a Lei Municipal
nº 11.973, de 4 de janeiro de 1996, de São Paulo.
(1)
Junta-se, também, ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.096, de 13 de
junho de 1990), bem como no Plano Nacional de Educação (Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001).
Todos estes dispositivos legais, bem como reivindicações e propostas do Movimento Negro ao
longo do século XX, apontam para a necessidade de diretrizes que orientem a formulação de projetos
empenhados na valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e dos africanos, assim como
comprometidos com a de educação de relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem
conduzir.
(1)
Belém – Lei Municipal nº 7.6985, de 17 de janeiro de 1994, que “Dispõe sobre a inclusão, no currículo escolar
da Rede Municipal de Ensino, na disciplina História, de conteúdo relativo ao estudo da Raça Negra na formação
sócio-cultural brasileira e dá outras providências”
Aracaju Lei Municipal 2.251, de 30 de novembro de 1994, que “Dispõe sobre a inclusão, no currículo
escolar da rede municipal de ensino de 1º e graus, conteúdos programáticos relativos ao estudo da Raça Negra
na formação sócio-cultural brasileira e dá outras providências
São Paulo – Lei Municipal nº 11.973, de 4 de janeiro de 1996, que “Dispõe sobre a introdução nos currículos das
escolas municipais de 1º e 2º graus de estudos contra a discriminação”
131
Destina-se, o parecer, aos administradores dos sistemas de ensino, de mantenedoras de
estabelecimentos de ensino, aos estabelecimentos de ensino, seus professores e a todos implicados na
elaboração, execução, avaliação de programas de interesse educacional, de planos institucionais,
pedagógicos e de ensino. Destina-se, também, às famílias dos estudantes, a eles próprios e a todos os
cidadãos comprometidos com a educação dos brasileiros, para nele buscarem orientações, quando
pretenderem dialogar com os sistemas de ensino, escolas e educadores, no que diz respeito às relações
étnico-raciais, ao reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, à diversidade
da nação brasileira, ao igual direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas
também à formação para a cidadania responsável pela construção de uma sociedade justa e
democrática.
Em vista disso, foi feita consulta sobre as questões objeto deste parecer, por meio de
questionário encaminhado a grupos do Movimento Negro, a militantes individualmente, aos
Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, a professores que vêm desenvolvendo trabalhos que
abordam a questão racial, a pais de alunos, enfim a cidadãos empenhados com a construção de uma
sociedade justa, independentemente de seu pertencimento racial. Encaminharam-se em torno de 1000
questionários e o responderam individualmente ou em grupo 250 mulheres e homens, entre crianças e
adultos, com diferentes níveis de escolarização. Suas respostas mostraram a importância de se tratarem
problemas, dificuldades, dúvidas, antes mesmo de o parecer traçar orientações, indicações, normas.
Questões introdutórias
O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da
população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de
reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de
política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade
brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros.
Nesta perspectiva, propõe à divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas
e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial - descendentes de
africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de
uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade
valorizada.
É importante salientar que tais políticas têm como meta o direito dos negros se reconhecerem
na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia, individual
e coletiva, seus pensamentos. É necessário sublinhar que tais políticas têm, tamm, como meta o
direito dos negros, assim como de todos cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino,
em escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino
das diferentes áreas de conhecimentos; com formação para lidar com as tensas relações produzidas
pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre
diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, e
povos indígenas. Estas condições materiais das escolas e de formação de professores são
indispensáveis para uma educação de qualidade, para todos, assim como o é o reconhecimento e
valorização da história, cultura e identidade dos descendentes de africanos.
Políticas de Reparações, de Reconhecimento e Valorização, de Ações Afirmativas
A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas para ressarcir os
descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais
sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de
branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de
governar e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição. Visa também a que tais medidas se
concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de discriminações.
132
Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações, no que cumpre ao disposto na
Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever do Estado de garantir indistintamente, por meio da
educação, iguais direitos para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa,
cidadão ou profissional. Sem a intervenção do Estado, os postos à margem, entre eles os afro-
brasileiros, dificilmente, e as estatísticas o mostram sem deixar dúvidas, romperão o sistema
meritocrático que agrava desigualdades e gera injustiça, ao reger-se por critérios de exclusão, fundados
em preconceitos e manutenção de privilégios para os sempre privilegiados.
Políticas de reparações voltadas para a educação dos negros devem oferecer garantias a essa
população de ingresso, permanência e sucesso na educação escolar, de valorização do patrimônio
histórico-cultural afro-brasileiro, de aquisição das competências e dos conhecimentos tidos como
indispensáveis para continuidade nos estudos, de condições para alcançar todos os requisitos tendo em
vista a conclusão de cada um dos níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos responsáveis e
participantes, além de desempenharem com qualificação uma profissão.
A demanda da comunidade afro-brasileira por reconhecimento, valorização e afirmação de
direitos, no que diz respeito à educação, passou a ser particularmente apoiada com a promulgação da
Lei 10639/2003, que alterou a Lei 9394/1996, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e
cultura afro-brasileiras e africanas.
Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem
como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a
população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo
de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e cultura apresentadas,
explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade
brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que
os não negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares
que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros.
Reconhecimento requer a adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de
valorização da diversidade, a fim de superar a desigualdade étnico-racial presente na educação escolar
brasileira, nos diferentes níveis de ensino.
Reconhecer exige que se questionem relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que
desqualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou
explicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação aos negros, próprios de
uma sociedade hierárquica e desigual.
Reconhecer é também valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência
negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na
contemporaneidade, desde as formas individuais até as coletivas.
Reconhecer exige a valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, sua
cultura e história. Significa buscar, compreender seus valores e lutas, ser sensível ao sofrimento
causado por tantas formas de desqualificação: apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau
gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a textura de seus cabelos, fazendo
pouco das religiões de raiz africana. Implica criar condições para que os estudantes negros não sejam
rejeitados em virtude da cor da sua pele, menosprezados em virtude de seus antepassados terem sido
explorados como escravos, não sejam desencorajados de prosseguir estudos, de estudar questões que
dizem respeito à comunidade negra.
Reconhecer exige que os estabelecimentos de ensino, freqüentados em sua maioria por
população negra, contem com instalações e equipamentos sólidos, atualizados, com professores
competentes no domínio dos conteúdos de ensino, comprometidos com a educação de negros e
brancos, no sentido de que venham a relacionar-se com respeito, sendo capazes de corrigir posturas,
133
atitudes e palavras que impliquem desrespeito e discriminação.
Políticas de reparações e de reconhecimento formarão programas de ações afirmativas, isto é,
conjuntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e sociais, orientadas para
oferta de tratamento diferenciado com vistas a corrigir desvantagens e marginalização criadas e
mantidas por estrutura social excludente e discriminatória. Ações afirmativas atendem ao determinado
pelo Programa Nacional de Direitos Humanos
78
, bem como a compromissos internacionais assumidos
pelo Brasil, com o objetivo de combate ao racismo e a discriminações, tais como: a Convenção da
UNESCO de 1960, direcionada ao combate ao racismo em todas as formas de ensino, bem como a
Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminações
Correlatas de 2001.
Assim sendo, sistemas de ensino e estabelecimentos de diferentes níveis converterão as
demandas dos afro-brasileiros em políticas públicas de Estado ou institucionais, ao tomarem decisões
e iniciativas com vistas a reparações, reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-
brasileiros, à constituição de programas de ações afirmativas, medidas estas coerentes com um projeto
de escola, de educação, de formação de cidadãos que explicitamente se esbocem nas relações
pedagógicas cotidianas. Medidas que, convêm, sejam compartilhadas pelos sistemas de ensino,
estabelecimentos, processos de formação de professores, comunidade, professores, alunos e seus pais.
Medidas que repudiam, como prevê a Constituição Federal em seu Art.3º, IV, o “preconceito
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e reconhecem que todos
são portadores de singularidade irredutível e que a formação escolar tem de estar atenta para o
desenvolvimento de suas personalidades (Art.208, IV).
Educação das relações étnico-raciais
O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, visando a reparações,
reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros depende
necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para
aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores,
precisam sentir-se valorizados e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das
relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando como relações étnico-raciais.
Depende, ainda, de trabalho conjunto, de articulação entre processos educativos escolares, políticas
públicas, movimentos sociais, visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas
relações étnico-raciais não se limitam à escola.
É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações
entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito
biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado. Cabe esclarecer que o termo
raça é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas
características físicas, como cor de pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até
mesmo determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira.
Contudo, o termo foi ressignificado pelo Movimento Negro que, em várias situações, o utiliza
78
Ministério da Justiça. Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasília, 1996
134
com um sentido político e de valorização do legado deixado pelos africanos. É importante, também,
explicar que o emprego do termo étnico, na expressão étnico-racial, serve para marcar que essas
relações tensas devidas a diferenças na cor da pele e traços fisionômicos o são também devido à raiz
cultural plantada na ancestralidade africana, que difere em visão de mundo, valores e princípios das de
origem indígena, européia e asiática.
Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético negro e africano e um
padrão estético e cultural branco europeu. Porém, a presença da cultura negra e o fato de 45% da
população brasileira ser composta de negros (de acordo com o censo do IBGE) não têm sido
suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas. Ainda persiste em nosso
país um imaginário étnico-racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes
européias da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a africana, a
asiática.
Os diferentes grupos, em sua diversidade, que constituem o Movimento Negro brasileiro, m
comprovado o quanto é dura a experiência dos negros de ter julgados negativamente seu
comportamento, idéias e intenções antes mesmo de abrirem a boca ou tomarem qualquer iniciativa.
Têm, eles, insistido no quanto é alienante a experiência de fingir ser o que não é para ser reconhecido,
de quão dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por uma visão de mundo, que pretende
impor-se como superior e por isso universal e que os obriga a negarem a tradição do seu povo.
Se não é fácil ser descendente de seres humanos escravizados e forçados à condição de objetos
utilitários ou a semoventes, tamm é difícil descobrir-se descendente dos escravizadores, temer,
embora veladamente, revanche dos que, por cinco séculos, têm sido desprezados e massacrados.
Para reeducar as relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos
que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da
desigualdade impostas a outros. E então decidir que sociedade queremos construir daqui para frente.
Como bem salientou Frantz Fanon
3
, os descendentes dos mercadores de escravos, dos
senhores de ontem, não têm, hoje, de assumir culpa pelas desumanidades provocadas por seus
antepassados. No entanto, têm eles a responsabilidade moral e política de combater o racismo, as
discriminações e juntamente com os que vêm sendo mantidos à margem, os negros, construir relações
raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres humanos e cidadãos. Não
fossem por estas razões, eles a teriam de assumir, pelo fato de usufruírem do muito que o trabalho
escravo possibilitou ao país.
Assim sendo, a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e
negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de uma
sociedade justa, igual, equânime.
Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender
reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola. As formas de
discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as
desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ali. Para que as instituições de
ensino desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço
democrático de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a uma sociedade
justa. A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação dos
grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais
diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos
avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e
igualitários.
3
FRANTZ, Fanon. Os Condenados da Terra. 2.ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979.
135
Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer
mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando
relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a
palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados vivida pelos negros,
tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais,
econômicas, educativas e políticas.
Diálogo com estudiosos que analisam, criticam estas realidades e fazem propostas, bem como
com grupos do Movimento Negro, presentes nas diferentes regiões e estados, assim como em
inúmeras cidades, são imprescindíveis para que se vençam discrepâncias entre o que se sabe e a
realidade, se compreendam concepções e ações, uns dos outros, se elabore projeto comum de combate
ao racismo e a discriminações.
Temos, pois, pedagogias de combate ao racismo e a discriminações por criar. É claro que
experiências de professores e de algumas escolas, ainda isoladas, que muito vão ajudar.
Para empreender a construção dessas pedagogias, é fundamental que se desfaçam alguns
equívocos. Um deles diz respeito à preocupação de professores no sentido de designar ou não seus
alunos negros como negros ou como pretos, sem ofensas.
Em primeiro lugar, é importante esclarecer que ser negro no Brasil não se limita às
características físicas. Trata-se, também, de uma escolha política. Por isso, o é quem assim se define.
Em segundo lugar, cabe lembrar que preto é um dos quesitos utilizados pelo IBGE para classificar, ao
lado dos outros branco, pardo, indígena - a cor da população brasileira. Pesquisadores de diferentes
áreas, inclusive da educação, para fins de seus estudos, agregam dados relativos a pretos e pardos sob
a categoria negros, já que ambos reúnem, conforme alerta o Movimento Negro, aqueles que
reconhecem sua ascendência africana.
É importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo de construção da
identidade negra em nosso país. Processo esse, marcado por uma sociedade que, para discriminar os
negros, utiliza-se tanto da desvalorização da cultura de matriz africana como dos aspectos físicos
herdados pelos descendentes de africanos. Nesse processo complexo, é possível, no Brasil, que
algumas pessoas de tez clara e traços físicos europeus, em virtude de o pai ou a mãe ser negro(a), se
designarem negros; que outros, com traços físicos africanos, se digam brancos. É preciso lembrar que
o termo negro começou a ser usado pelos senhores para designar pejorativamente os escravizados e
este sentido negativo da palavra se estende até hoje. Contudo, o Movimento Negro ressignificou esse
termo dando-lhe um sentido político e positivo. Lembremos os motes muito utilizados no final dos
anos 1970 e no decorrer dos anos 1980, 1990: Negro é lindo! Negra, cor da raça brasileira! Negro que
te quero negro! 100% Negro! Não deixe sua cor passar em branco! Este último utilizado na campanha
do censo de 1990.
Outro equívoco a enfrentar é a afirmação de que os negros se discriminam entre si e que são
racistas também. Esta constatação tem de ser analisada no quadro da ideologia do branqueamento que
divulga a idéia e o sentimento de que as pessoas brancas seriam mais humanas, teriam inteligência
superior e por isso teriam o direito de comandar e de dizer o que é bom para todos. Cabe lembrar que
no pós-abolição foram formuladas políticas que visavam ao branqueamento da população pela
eliminação simbólica e material da presença dos negros. Nesse sentido, é possível que pessoas negras
sejam influenciadas pela ideologia do branqueamento e, assim, tendam a reproduzir o preconceito do
qual são vítimas. O racismo imprime marcas negativas na subjetividade dos negros e também na dos
que os discriminam.
Mais um equívoco a superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao
Movimento Negro e a estudiosos do tema e não à escola. A escola, enquanto instituição social
responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar
politicamente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação
136
do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente
do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política. O racismo, segundo o Artigo
5
º
da Constituição Brasileira, é crime inafiançável e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições,
inclusive, à escola.
Outro equívoco a esclarecer é de que o racismo, o mito da democracia racial e a ideologia do
branqueamento só atingem os negros. Enquanto processos estruturantes e constituintes da formação
histórica e social brasileira, estes estão arraigados no imaginário social e atingem negros, brancos e
outros grupos étnico-raciais. As formas, os níveis e os resultados desses processos incidem de maneira
diferente sobre os diversos sujeitos e interpõem diferentes dificuldades nas suas trajetórias de vida
escolar e social. Por isso, a construção de estratégias educacionais que visem ao combate do racismo é
uma tarefa de todos os educadores, independentemente do seu pertencimento étnico-racial.
Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de educação
das relações étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os
brancos a consciência negra. Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para
orgulharem-se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem as
influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu
jeito de ser, viver, de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. Também farão parte
de um processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da escola, da dívida social que
têm em relação ao segmento negro da população, possibilitando uma tomada de posição explícita
contra o racismo e a discriminação racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes níveis de
ensino da educação brasileira.
Tais pedagogias precisam estar atentas para que todos, negros e não negros, além de ter acesso
a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à sociedade, exercício
profissional competente, recebam formação que os capacite para forjar novas relações étnico-raciais.
Para tanto, necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o ensino das diferente
áreas de conhecimentos e, além disso, sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações
entre pessoas de diferentes pertencimento étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de
posturas, atitudes, palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir para que os
professores, além de sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que os capacite
não a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar
positivamente com elas e sobretudo criar estratégias pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las.
Até aqui apresentaram-se orientações que justificam e fundamentam as determinações de
caráter normativo que seguem.
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Determinações
A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos
da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na
formação de professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos
bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar
danos, que se repetem cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de
temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringem à população negra,
ao contrári, dizem respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos
137
atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação
democrática.
É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz
européia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural,
racial, social e econômica brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos
e atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições histórico-culturais dos povos
indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e européia. É preciso ter clareza
que o Art. 26A acrescido à Lei 9394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos,
exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino,
condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas
escolas.
A autonomia dos estabelecimentos de ensino para compor os projetos pedagógicos, no
cumprimento do exigido pelo Art. 26A da Lei 9394/1996, permite que se valham da colaboração das
comunidades a que a escola serve, do apoio direto ou indireto de estudiosos e do Movimento Negro,
com os quais estabelecerão canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir nas
vivências promovidas pela escola, inclusive em conteúdos de disciplinas, as temáticas em questão.
Caberá, aos sistemas de ensino, às mantenedoras, à coordenação pedagógica dos estabelecimentos de
ensino e aos professores, com base neste parecer, estabelecer conteúdos de ensino, unidades de
estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares. Caberá, aos
administradores dos sistemas de ensino e das mantenedoras prover as escolas, seus professores e
alunos de material bibliográfico e de outros materiais didáticos, além de acompanhar os trabalhos
desenvolvidos, a fim de evitar que questões tão complexas, muito pouco tratadas, tanto na formação
inicial como continuada de professores, sejam abordadas de maneira resumida, incompleta, com erros.
Em outras palavras, aos estabelecimentos de ensino está sendo atribuída responsabilidade de
acabar com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de seus
138
descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar para que, no seu interior,os alunos
negros deixem de sofrer os primeiros e continuados atos de racismo de que são vítimas. Sem dúvidas,
assumir estas responsabilidades implica compromisso com o entorno sócio-cultural da escola, da
comunidade onde esta se encontra e a que serve, compromisso com a formação de cidadãos atuantes e
democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que participam e ajudam
a manter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras, fatos e situações a partir de diferentes
perspectivas, de desempenhar-se em áreas de competências que lhes permitam continuar e aprofundar
estudos em diferentes níveis de formação.
Precisa, o Brasil, país multi-étnico e pluricultural, de organizações escolares em que todos se
vejam incluídos, em que lhes seja garantido o direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem ser
obrigados a negar a si mesmos, ao grupo étnico/racial a que pertencem e a adotar costumes, idéias e
comportamentos que lhes são adversos. E estes, certamente, serão indicadores da qualidade da
educação que estará sendo oferecida pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis.
Para conduzir suas ações, os sistemas de ensino, os estabelecimentos e os professores terão
como referência, entre outros pertinentes às bases filosóficas e pedagógicas que assumem, os
princípios a seguir explicitados.
CONSCIÊNCIA POLÍTICA E HISTÓRICA DA DIVERSIDADE
Este princípio deve conduzir:
- à igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos;
- à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais
distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e que em conjunto
constroem, na nação brasileira, sua história;
- ao conhecimento e à valorização da história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira na
construção histórica e cultural brasileira;
- à superação da indiferença, injustiça e desqualificação com que os negros, os povos indígenas e
também as classes populares às quais os negros, no geral, pertencem, são comumente tratados;
- à desconstrução, por meio de questionamentos e análises críticas, objetivando eliminar conceitos,
idéias, comportamentos veiculados pela ideologia do branqueamento, pelo mito da democracia
racial, que tanto mal fazem a negros e brancos;
- à busca, da parte de pessoas, em particular de professores não familiarizados com a análise das
relações étnico-raciais e sociais com o estudo de história e cultura afro-brasileira e africana, de
informações e subsídios que lhes permitam formular concepções não baseadas em preconceitos e
construir ações respeitosas;
- ao diálogo, via fundamental para entendimento entre diferentes, com a finalidade de negociações,
tendo em vista objetivos comuns; visando a uma sociedade justa.
139
FORTALECIMENTO DE IDENTIDADES E DE DIREITOS
O princípio deve orientar para:
- o desencadeamento de processo de afirmação de identidades, de historicidade negada ou
distorcida;
- o rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes meios de comunicação, contra os
negros e os povos indígenas;
- o esclarecimentos a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal;
- o combate à privação e violação de direitos;
- a ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira e sobre a recriação
das identidades, provocada por relações étnico-raciais.
- as excelentes condições de formação e de instrução que precisam ser oferecidas, nos diferentes
níveis e modalidades de ensino, em todos os estabelecimentos, inclusive os localizados nas
chamadas periferias urbanas e nas zonas rurais.
AÇÕES EDUCATIVAS DE COMBATE AO RACISMO E A DISCRIMINAÇÕES
O princípio encaminha para:
- a conexão dos objetivos, estratégias de ensino e atividades com a experiência de vida dos alunos e
professores, valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações com pessoas negras, brancas,
mestiças, assim como as vinculadas às relações entre negros, indígenas e brancos no conjunto da
sociedade;
- a crítica pelos coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, professores, das
representações dos negros e de outras minorias nos textos, materiais didáticos, bem como
providências para corrigi-las;
- condições para professores e alunos pensarem, decidirem, agirem, assumindo responsabilidade por
relações étnico-raciais positivas, enfrentando e superando discordâncias, conflitos, contestações,
valorizando os contrastes das diferenças;
- valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, por exemplo, como a dança, marcas da
cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura;
- educação patrimonial, aprendizado a partir do patrimônio cultural afro-brasileiro, visando a
preservá-lo e a difundi-lo;
- o cuidado para que se um sentido construtivo à participação dos diferentes grupos sociais,
étnico-raciais na construção da nação brasileira, aos elos culturais e históricos entre diferentes
grupos étnico-raciais, às alianças sociais;
- participação de grupos do Movimento Negro, e de grupos culturais negros, bem como da
comunidade em que se insere a escola, sob a coordenação dos professores, na elaboração de
projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnico-racial.
Estes princípios e seus desdobramentos mostram exigências de mudança de mentalidade, de
maneiras de pensar e agir dos indivíduos em particular, assim como das instituições e de suas tradições
culturais. É neste sentido que se fazem as seguintes determinações:
- O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, evitando-se distorções, envolverá
articulação entre passado, presente e futuro no âmbito de experiências, construções e pensamentos
produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro. É meio privilegiado para a
educação das relações étnico-raciais e tem por objetivos o reconhecimento e valorização da
identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, garantia de seus direitos de cidadãos,
reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas,
européias, asiáticas.
140
- O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se fará por diferentes meios, em
atividades curriculares ou não, em que: - se explicite, busque compreender e interpretar, na
perspectiva de quem o formule, diferentes formas de expressão e de organização de raciocínios e
pensamentos de raiz da cultura africana; - promovam-se oportunidades de diálogo em que se
conheçam, se ponham em comunicação diferentes sistemas simbólicos e estruturas conceituais,
bem como se busquem formas de convivência respeitosa, além da construção de projeto de
sociedade em que todos se sintam encorajados a expor, defender sua especificidade étnico-racial e
a buscar garantias para que todos o façam; - sejam incentivadas atividades em que pessoas
estudantes, professores, servidores, integrantes da comunidade externa aos estabelecimentos de
ensino – de diferentes culturas interatuem e se interpretem reciprocamente, respeitando os valores,
visões de mundo, raciocínios e pensamentos de cada um.
- O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação das relações étnico-raciais,
tal como explicita o presente parecer, se desenvolverão no cotidiano das escolas, nos diferentes
níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de disciplinas,
79
particularmente, Educação
Artística, Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das demais
80
, em atividades curriculares ou
não, trabalhos em salas de aula, nos laboratórios de ciências e de informática, na utilização de sala
de leitura, biblioteca, brinquedoteca, áreas de recreação, quadra de esportes e outros ambientes
escolares.
- O ensino de História Afro-Brasileira abrangerá, entre outros conteúdos, iniciativas e organizações
negras, incluindo a história dos quilombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de
quilombos, que têm contribuído para o desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades,
municípios, regiões (Exemplos: associações negras recreativas, culturais, educativas, artísticas, de
assistência, de pesquisa, irmandades religiosas, grupos do Movimento Negro). Será dado destaque
a acontecimentos e realizações próprios de cada região e localidade.
- Datas significativas para cada região e localidade serão devidamente assinaladas. O 13 de maio,
Dia Nacional de Luta contra o Racismo, será tratado como o dia de denúncia das repercussões das
políticas de eliminação física e simbólica da população afro-brasileira no pós-abolição, e de
divulgação dos significados da Lei áurea para os negros. No 20 de novembro será celebrado o Dia
Nacional da Consciência Negra, entendendo-se consciência negra nos termos explicitados
anteriormente neste parecer. Entre outras datas de significado histórico e político deverá ser
assinalado o 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
- Em História da África, tratada em perspectiva positiva, o de denúncia da miséria e
discriminações que atingem o continente, nos tópicos pertinentes se fará articuladamente com a
história dos afrodescendentes no Brasil e serão abordados temas relativos: - ao papel dos anciãos e
dos griots como guardiãos da memória histórica; - à história da ancestralidade e religiosidade
africana; - aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o
desenvolvimento da humanidade; - às civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os
reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe; - ao tráfico e à escravidão do ponto de vista dos
escravizados; - ao papel dos europeus, dos asiáticos e também de africanos no tráfico; - à
ocupação colonial na perspectiva dos africanos; - às lutas pela independência política dos países
79
§ 2°,
Art. 26A, Lei 9394/1996 :
Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no
âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História
Brasileiras.
80
Neste sentido ver obra que pode ser solicitada ao MEC: MUNANGA, Kabengele, org. Superando o Racismo
na Escola. Brasília, Ministário da Educação, 2001.
141
africanos; - às ações em prol da união africana em nossos dias, bem como o papel da União
Africana, para tanto; - às relações entre as culturas e as histórias dos povos do continente africano
e os da diáspora; - à formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos
africanos e seus descendentes fora da África; - à diversidade da diáspora, hoje, nas Américas,
Caribe, Europa, Ásia; - aos acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre África,
Brasil e outros países da diáspora.
- O ensino de Cultura Afro-Brasileira destacará o jeito próprio de ser, viver e pensar manifestado
tanto no dia a dia, quanto em celebrações como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus,
rodas de samba, entre outras
- O ensino de Cultura Africana abrangerá: - as contribuições do Egito para a ciência e filosofia
ocidentais; - as universidades africanas Tambkotu, Gao, Djene que floresciam no século XVI; - as
tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas
pelos escravizados, bem como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música,
dança, teatro) política, na atualidade .
- O ensino de História e de Cultura Afro-Brasileira, far-se-á por diferentes meios, inclusive, a
realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e
estudo da participação dos africanos e de seus descendentes em episódios da história do Brasil, na
construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes
áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social
(tais como:Zumbi, Luiza Nahim, Aleijadinho, Padre Maurício, Luiz Gama, Cruz e Souza, João
Cândido, AndRebouças, Teodoro Sampaio, José Correia Leite, Solano Trindade, Antonieta de
Barros, Edison Carneiro, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Milton Santos, Guerreiro Ramos,
Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Henrique Antunes Cunha, Tereza Santos, Emmanuel
Araújo, Cuti, Alzira Rufino, Inaicyra Falcão dos Santos, entre outros).
- O ensino de História e Cultura Africana se fará por diferentes meios, inclusive a realização de
projetos de diferente natureza, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da
participação dos africanos e de seus descendentes na diáspora, em episódios da história mundial,
na construção econômica, social e cultural das nações do continente africano e da diáspora,
destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional,
de criação tecnológica e artística, de luta social (entre outros: rainha Nzinga, Toussaint-
Louverture, Martin Luther King, Malcon X, Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor,
Mariama Bâ, Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela, Aminata Traoré,
Christiane Taubira).
Para tanto, os sistemas de ensino e os estabelecimentos de Educação Básica, nos níveis de
Educação Infantil, Educação Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, Educação
Superior, precisarão providenciar:
- Registro da história não contada dos negros brasileiros, tais como em remanescentes de
quilombos, comunidades e territórios negros urbanos e rurais.
- Apoio sistemático aos professores para elaboração de planos, projetos, seleção de conteúdos e
métodos de ensino, cujo foco seja História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e a Educação das
Relações Étnico-Raciais.
- Mapeamento e divulgação de experiências pedagógicas de escolas, estabelecimentos de ensino
superior, secretarias de educação, assim como levantamento das principais dúvidas e dificuldades
dos professores em relação ao trabalho com a questão racial na escola e encaminhamento de
medidas para resolvê-las, feitos pela administração dos sistemas de ensino e por Núcleos de
142
Estudos Afro-Brasileiros.
- Articulação entre os sistemas de ensino, estabelecimentos de ensino superior, centros de pesquisa,
Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, escolas, comunidade e movimentos sociais, visando à
formação de professores para a diversidade étnico/racial.
- Instalação, nos diferentes sistemas de ensino, de grupo de trabalho para discutir e coordenar
planejamento e execução da formação de professores para atender ao disposto neste parecer
quanto à Educação das Relações Étnico-Raciais e ao determinado nos Art. 26 e 26A da Lei
9394/1996, com o apoio do Sistema Nacional de Formação Continuada e Certificação de
Professores do MEC.
- Introdução, nos cursos de formação de professores e de outros profissionais da educação, de
análises das relações sociais e raciais no Brasil; de conceitos e de suas bases teóricas, tais como
racismo, discriminações, intolerância, preconceito, estereótipo, raça, etnia, cultura, classe social,
diversidade, diferença, multiculturalismo; de práticas pedagógicas, de materiais e de textos
didáticos, na perspectiva da reeducação das relações étnico-raciais e do ensino e aprendizagem da
História e cultura dos Afro-brasileiros e dos Africanos.
- Inclusão de discussão da questão racial como parte integrante da matriz curricular, tanto dos
cursos de licenciatura para Educação Infantil, os anos iniciais e finais da Educação Fundamental,
Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, como de processos de formação continuada de
professores, inclusive de docentes no ensino superior.
- Inclusão, respeitada a autonomia dos estabelecimentos do Ensino Superior, nos conteúdos de
disciplinas e em atividades curriculares dos cursos que ministra, de Educação das Relações Étnico-
Raciais, de conhecimentos de matriz africana e/ou que dizem respeito à população negra. Por
exemplo: em Medicina, entre outras questões, estudo da anemia falciforme, da problemática da
pressão alta; em Matemática, contribuições de raiz africana, identificadas e descritas pela Etno-
Matemática; em Filosofia, estudo da filosofia tradicional africana e de contribuições de filósofos
africanos e afrodescendentes da atualidade.
- Inclusão de bibliografia relativa à história e cultura afro-brasileira e africana às relações étnico-
raciais, aos problemas desencadeados pelo racismo e por outras discriminações, à pedagogia anti-
racista nos programas de concursos públicos para admissão de professores.
- Inclusão, em documentos normativos e de planejamento dos estabelecimentos de ensino de todos
os níveis - estatutos, regimentos, planos pedagógicos, planos de ensino - de objetivos explícitos,
assim como de procedimentos para sua consecução, visando ao combate do racismo, a
discriminações, ao reconhecimento, valorização e respeito das histórias e culturas afro-brasileira e
africana.
- Previsão, nos fins, responsabilidades e tarefas dos conselhos escolares e de outros órgão
colegiados, do exame e encaminhamento de solução para situações de racismo e de
discriminações, buscando-se criar situações educativas em que as vítimas recebam apoio requerido
para superar o sofrimento e os agressores, orientação para que compreendam a dimensão do que
praticaram e ambos, educação para o reconhecimento, valorização e respeito mútuos.
- Inclusão de personagens negros, assim como de outros grupos étnico-raciais, em cartazes e outras
ilustrações sobre qualquer tema abordado na escola, a não ser quando tratar de manifestações
culturais próprias de um determinado grupo étnico-racial.
- Organização de centros de documentação, bibliotecas, midiotecas, museus, exposições em que se
divulguem valores, pensamentos, jeitos de ser e viver dos diferentes grupos étnico-raciais
brasileiros, particularmentedos afrodescendentes.
143
- Identificação, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, de fontes de conhecimentos
de origem africana, a fim de selecionarem-se conteúdos e procedimentos de ensino e de
aprendizagens.
- Incentivo, pelos sistemas de ensino, a pesquisas sobre processos educativos orientados por
valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros e indígenas, com o objetivo de
ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira.
- Identificação, coleta, compilação de informações sobre a população negra, com vistas à
formulação de políticas públicas de Estado, comunitárias e institucionais.
- Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e modalidades de ensino, que
atendam ao disposto neste parecer, em cumprimento ao disposto no Art. 26A da LDB, e para tanto
abordem a pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial da nação brasileira, corrijam
distorções e equívocos em obras já publicadas sobre a história, a cultura, a identidade dos
afrodescendentes, sob o incentivo e supervisão dos programas de difusão de livros educacionais do
MEC - Programa Nacional do Livro Didático e Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (
PNBE).
- Divulgação, pelos sistemas de ensino e mantenedoras, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro-
Brasileiros, de uma bibliografia afro-brasileira e de outros materiais como mapas da diáspora, da
África, de quilombos brasileiros, fotografias de territórios negros urbanos e rurais, reprodução de
obras de arte afro-brasileira e africana a serem distribuídos nas escolas da rede, com vistas à
formação de professores e alunos para o combate à discriminação e ao racismo.
- Oferta de Educação Fundamental em áreas de remanescentes de quilombos, contando as escolas
com professores e pessoal administrativo que se disponham a conhecer física e culturalmente a
comunidade e a formar-se para trabalhar com suas especificidades.
- Garantia, pelos sistemas de ensino e entidades mantenedoras, de condições humanas, materiais e
financeiras para execução de projetos com o objetivo de Educação das Relações Étnico-raciais e
estudo de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, assim como organização de serviços e
atividades que controlem, avaliem e redimensionem sua consecução, que exerçam fiscalização das
políticas adotadas e providenciem correção de distorções.
- Realização, pelos sistemas de ensino federal, estadual e municipal, de atividades periódicas, com a
participação das redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos
êxitos e dificuldades do ensino e aprendizagem de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e
da Educação das Relações Étnico-Raciais; assim como comunicação detalhada dos resultados
obtidos ao Ministério da Educação, à Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, ao
Conselho Nacional de Educação, e aos respectivos conselhos Estaduais e Municipais de
Educação, para que encaminhem providências, quando for o caso.
- Inclusão, nos instrumentos de avaliação das condições de funcionamento de estabelecimentos de
ensino de todos os níveis, nos aspectos relativos ao currículo, atendimento aos alunos, de quesitos
que avaliem a implantação e execução do estabelecido neste parecer.
- Disponibilização deste parecer, na sua íntegra, para os professores de todos os níveis de ensino,
responsáveis pelo ensino de diferentes disciplinas e atividades educacionais, assim como para
outros profissionais interessados a fim de que possam estudar, interpretar as orientações,
enriquecer, executar as determinações aqui feitas e avaliar seu próprio trabalho e resultados
obtidos por seus alunos, considerando princípios e critérios apontados.
144
Obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras, Educação das
Relações Étnico-Raciais e os Conselhos de Educação
Diretrizes o dimensões normativas, reguladoras de caminhos, embora não fechadas a que
historicamente possam, a partir das determinações iniciais, tomar novos rumos. Diretrizes não visam a
desencadear ações uniformes, todavia, objetivam oferecer referências e critérios para que se
implantem ações, as avaliem e reformulem no que e quando necessário.
Estas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, na medida em que procedem de ditames
constitucionais e de marcos legais nacionais, na medida em que se referem ao resgate de uma
comunidade que povoou e construiu a nação brasileira, atingem o âmago do pacto federativo. Nessa
medida, cabe aos conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios aclimatar
tais diretrizes, dentro do regime de colaboração e da autonomia de entes federativos, a seus respectivos
sistemas, dando ênfase à importância de os planejamentos valorizarem, sem omitir outras regiões, a
participação dos afrodescendentes, do período escravista aos nossos dias, na sociedade, economia,
política, cultura da região e da localidade; definindo medidas urgentes para formação de professores;
incentivando o desenvolvimento de pesquisas bem como envolvimento comunitário.
A esses órgãos normativos cabe, pois, a tarefa de adequar o proposto neste parecer à
realidade de cada sistema de ensino. E, a partir daí, deverá ser competência dos órgãos executores -
administrações de cada sistema de ensino, das escolas - definir estratégias que, quando postas em ação,
viabilizarão o cumprimento efetivo da Lei de Diretrizes e Bases que estabelece a formação básica
comum, o respeito aos valores culturais, como princípios constitucionais da educação tanto quanto da
dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1), garantindo-se a promoção do bem de todos, sem
preconceitos (inciso IV do Art. 3) a prevalência dos direitos humanos (inciso II do art. 4) e repúdio ao
racismo (inciso VIII do art. 4).
Cumprir a Lei é, pois, responsabilidade de todos e não apenas do professor em sala de aula.
Exige-se, assim, um comprometimento solidário dos vários elos do sistema de ensino brasileiro, tendo-
se como ponto de partida o presente parecer, que junto com outras diretrizes e pareceres e resoluções,
têm o papel articulador e coordenador da organização da educação nacional.
II – VOTO DA RELATORA
Face ao exposto e diante de direitos desrespeitados, tais como:
o de não sofrer discriminações por ser descendente de africanos;
o de ter reconhecida a decisiva participação de seus antepassados e da sua própria na
construção da nação brasileira;
o de ter reconhecida sua cultura nas diferentes matrizes de raiz africana;
- diante da exclusão secular da população negra dos bancos escolares, notadamente em nossos
dias, no ensino superior;
145
- diante da necessidade de crianças, jovens e adultos estudantes sentirem-se contemplados e
respeitados, em suas peculiaridades, inclusive as étnico-raciais, nos programas e projetos
educacionais;
- diante da importância de reeducação das relações étnico/raciais no Brasil;
- diante da ignorância que diferentes grupos étnico-raciais têm uns dos outros, bem como da
necessidade de superar esta ignorância para que se construa uma sociedade democrática;
- diante, também, da violência explícita ou simbólica, gerada por toda sorte de racismos e
discriminações, que sofrem os negros descendentes de africanos;
- diante de humilhações e ultrajes sofridos por estudantes negros, em todos os níveis de ensino,
em conseqüência de posturas, atitudes, textos e materiais de ensino com conteúdos racistas;
- diante de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em convenções, entre outro os
da Convenção da UNESCO, de 1960, relativo ao combate ao racismo em todas as formas de ensino,
bem como os da Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Discriminações Correlatas, 2001;
- diante da Constituição Federal de 1988, em seu Art. 3º, inciso IV, que garante a promoção do
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação; do inciso 42 do Artigo que trata da prática do racismo como crime inafiançável e
imprescritível; do § 1º do Art. 215 que trata da proteção das manifestações culturais;
- diante do Decreto 1.904/1996, relativo ao Programa Nacional de Direitos Humanas que
assegura a presença histórica das lutas dos negros na constituição do país;
- diante do Decreto 4.228, de 13 de maio de 2002, que institui, no âmbito da Administração
Pública Federal, o Programa Nacional de Ações Afirmativas;
- diante das Leis 7.716/1999, 8.081/1990 e 9.459/1997 que regulam os crimes resultantes de
preconceito de raça e de cor e estabelecem as penas aplicáveis aos atos discriminatórios e
preconceituosos, entre outros, de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional;
- diante do inciso I da Lei 9.394/1996, relativo ao respeito à igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola; diante dos Arts 26, 26
A e 79 B da Lei 9.394/1996, estes últimos
introduzidos por força da Lei 10.639/2003, proponho ao Conselho Pleno:
a) instituir as Diretrizes explicitadas neste parecer e no projeto de Resolução em
anexo, para serem executadas pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis
e modalidades, cabendo aos sistemas de ensino, no âmbito de sua jurisdição,
orientá-los, promover a formação dos professores para o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, e para Educação das Relações Ético-Raciais,
assim como supervisionar o cumprimento das diretrizes;
b) recomendar que este Parecer seja amplamente divulgado, ficando disponível no site
do Conselho Nacional de Educação, para consulta dos professores e de outros
interessados.
Brasília-DF, 10 de março de 2004.
146
Conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Relatora
III – DECISÃO DO CONSELHO PLENO
O Conselho Pleno aprova por unanimidade o voto da Relatora.
Sala das Sessões, 10 em março de 2004.
Conselheiro José Carlos Almeida da Silva – Presidente
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
PROJETO DE RESOLUÇÃO
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana
O Presidente do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do § 2º,
alínea “C”, da Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CNE/CP
003/2004, de 10 de março de 2004, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes
Curriculares Nacionais, homologado pelo Ministro da Educação em de 2004,
RESOLVE
Art. 1° - A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas
pelas instituições de ensino de Educação Básica, nos níveis de Educação Infantil, Educação
Fundamental, bem como Educação Média, Educação de Jovens e Adultos e Educação Superior, em
especial no que se refere à formação inicial e continuada de professores, necessariamente quanto à
Educação das Relações Étnico-Raciais; e por aquelas de Educação Básica, nos termos da Lei 9394/96,
reformulada por forma da Lei 10639/2003, no que diz respeito ao ensino sistemático de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, em especial em conteúdos de Educação Artística, Literatura e
História do Brasil.
Art. - As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas se constituem de orientações, princípios e
fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação das Relações Étnico-Raciais e
do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Art. 3° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana têm por meta a educação de
cidadãos atuantes
no seio da sociedade brasileira que é multicultural e pluriétnica, capazes de, por meio de relações
étnico-sociais positivas, construírem uma nação democrática.
§1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de
conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto ao seu
pertencimento étnico-racial - descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus,
de asiáticos capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, ter
147
igualmente respeitados seus direitos, valorizada sua identidade e assim participem da consolidação da
democracia brasileira.
§2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, meio privilegiado para a educação das
relações étnico-raciais, tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e
cultura dos afro-brasileiros, garantia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização
das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas.
Art. Os conteúdos, competências, atitudes e valores a serem aprendidos com a Educação das
Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira, bem como de História e
Cultura Africana, serão estabelecidos pelos estabelecimentos de ensino e seus professores, com o
apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas,
atendidas as indicações, recomendações, diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 003/2004.
Art. Os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão estabelecer canais de comunicação com
grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, instituições formadoras de professores, núcleos
de estudos e pesquisas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade de buscar
subsídios e trocar experiências para planos institucionais, planos pedagógicos, planos e projetos de
ensino.
Art. 6º Os sistemas de ensino e as entidades mantenedoras incentivarão e criarão condições materiais e
financeiras, assim como proverão as escolas, seus professores e alunos de material bibliográfico e de
outros materiais didáticos necessários para a educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; as coordenações pedagógicas promoverão o
aprofundamento de estudos, para que os professores concebam e desenvolvam unidades de estudos,
projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares.
Art. As instituições de ensino superior, respeitada a autonomia que lhe é devida, incluirão nos
conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos diferentes cursos que ministram, a Educação das
Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos
afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 003/2004.
Art. Os sistemas de ensino tomarão providências para que seja respeitado o direito de alunos
afrodescendentes também freqüentarem estabelecimentos de ensino que contem com instalações e
equipamentos sólidos, atualizados, com professores competentes no domínio dos conteúdos de ensino,
comprometidos com a educação de negros e não negros, no sentido de que venham a relacionar-se
com respeito, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes, palavras que impliquem desrespeito e
discriminação.
Art. Nos fins, responsabilidades e tarefas dos órgãos colegiados dos estabelecimentos de ensino,
será previsto o exame e encaminhamento de solução para situações de discriminação, buscando-se
criar situações educativas para o reconhecimento, valorização e respeito da diversidade.
§ Único: As situações de racismo serão tratadas como crimes imprescritíveis e inafiançáveis, conforme
prevê o Art. 5º, XLII da Constituição Federal de 1988.
Art. 10 Os estabelecimentos de ensino de diferentes níveis, com o apoio e supervisão dos sistemas de
ensino desenvolverão a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana, obedecendo as diretrizes do Parecer CNE/CP 003/2004, o que será considerado
na avaliação de suas condições de funcionamento.
Art. 11 Os sistemas de ensino incentivarão pesquisas sobre processos educativos orientados por
valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros, ao lado de pesquisas de mesma natureza
junto aos povos indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a
educação brasileira.
148
Art. 12 Os sistemas de ensino orientarão e supervisionarão para que a edição de livros e de outros
materiais didáticos atenda ao disposto no Parecer CNE/CP 003/2004, no comprimento da legislação
em vigor.
Art. 13 Aos conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios caberá
aclimatar as Diretrizes Curriculares Nacionais instituídas por esta Resolução, dentro do regime de
colaboração e da autonomia de entes federativos e seus respectivos sistemas.
Art. 14 Os sistemas de ensino promoverão junto com ampla divulgação do Parecer CNE/CP 003/2004
e dessa Resolução, atividades periódicas, com a participação das redes das escolas públicas e privadas,
de exposição, avaliação e divulgação dos êxitos e dificuldades do ensino e aprendizagens de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana e da Educação das Relações Étnico-Raciais; assim como
comunicarão, de forma detalhada, os resultados obtidos ao Ministério da Educação, à Secretaria
Especial de Promoção da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação e aos respectivos
Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, para que encaminhem providências, que forem
requeridas.
Art. 15 Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
Brasília (DF), 10 de março de 2004.
149
ANEXO V
INSTRUÇÃO Nº 017/2006 – SUED
150
151
152
153
ANEXO VI
PROCESSO N.º 880/2006
DELIBERAÇÃO N.º 04/06 APROVADA EM 02/08/06
COMISSÃO TEMPORÁRIA – PORTARIA N.º 08/06
INTERESSADO: SISTEMA ESTADUAL DE ENSINO DO PARANÁ
ESTADO DO PARANÁ
ASSUNTO: Normas Complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana.
RELATORES: ROMEU GOMES DE MIRANDA, MARÍLIA PINHEIRO MACHADO DE
SOUZA, LYGIA LUMINA PUPATTO, DOMENICO COSTELLA e
MARIA TARCISA SILVA BEGA.
O Conselho Estadual de Educação do Paraná, no uso de suas
atribuições, tendo em vista o que dispõe o artigo 3º, IV, e 5º, I, da Constituição
Federal, o artigo 1.º, III, da Constituição do Estado do Paraná, as disposições
constantes da Lei n.º 10.639/03, que altera a Lei no 9.394/96, o Parecer CNE/CP
n.° 03/04, considerando a Indicação nº 01/06 da Comissão Temporária – Portaria nº
08/06 que a esta se incorpora e ouvida a Câmara de Legislação e Normas.
DELIBERA:
Art. 1º. A presente Deliberação institui Normas Complementares às
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem desenvolvidas
pelas instituições de ensino públicas e privadas que atuam nos níveis e modalidades
do Sistema Estadual de Ensino no Paraná.
§ 1º A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a
divulgação e produção de conhecimentos, assim como de atitudes, posturas e
valores que preparem os cidadãos para uma vida de fraternidade e partilha entre
todos, sem as barreiras estabelecidas por séculos de preconceitos, estereótipos e
discriminações que fecundaram o terreno para a dominação de um grupo racial
sobre outro, de um povo sobre outro.
§ 2º O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por
objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos
afrobrasileiros,
bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das
raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias e asiáticas.
1
PROCESSO N.º 880/2006
Art. 2º. O Projeto Político Pedagógico das instituições de ensino
deverá garantir que a organização dos conteúdos de todas as disciplinas da matriz
curricular contemple, obrigatoriamente, ao longo do ano letivo, a História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana na perspectiva de proporcionar aos alunos uma educação
compatível com uma sociedade democrática, multicultural e pluriétnica.
Parágrafo único. Ao tratar da História da África e da presença do
negro (pretos e pardos) no Brasil, devem os professores fazer abordagens positivas,
sempre na perspectiva de contribuir para que o aluno negro-descendente mire-se
positivamente, quer pela valorização da história de seu povo, da cultura de matriz
africana, da contribuição para o país e para a humanidade.
Art. 3º. As mantenedoras tomarão providências efetivas e
sistemáticas no sentido de qualificar os educadores no que diz respeito à temática
154
da presente Deliberação, promovendo cursos, seminários, oficinas, durante o
período letivo, garantindo-se a participação dos educadores sem nenhum prejuízo
funcional ou salarial.
Parágrafo único. O plano de capacitação a que se refere o caput
deste artigo deverá constar do Projeto Político Pedagógico da Instituição.
Art. 4º. As mantenedoras deverão, gradativamente, ano a ano,
adquirir livros sobre a matéria desta Deliberação e dotar as escolas de um acervo
que possibilite a consulta, a pesquisa, a leitura, o estudo por parte de alunos,
professores, funcionários e comunidade.
Art. 5º. As instituições de Ensino Superior deverão reformular seus
programas de ensino e de cursos de graduação e pós-graduação de maneira a
atender o disposto no artigo 2º desta Deliberação.
Parágrafo único. As instituições referidas terão o prazo de até um
ano, a partir da data da publicação da presente Deliberação, para efetuarem as
devidas adequações possibilitando o devido cumprimento do disposto no caput
deste artigo.
Art. 6º. A Secretaria de Estado da Educação, assim como as
Secretarias Municipais providenciarão para que os Núcleos Regionais de Educação
ou estruturas similares de base, componham equipes multidisciplinares de caráter
permanente, que, no âmbito de sua abrangência, darão suporte aos professores
para o desempenho do que preceitua a presente Deliberação.
Art. 7º. Cada escola, no âmbito do Sistema de Ensino registrará no
requerimento da matrícula de cada aluno, seu pertencimento étnico-racial,
garantindo-se o registro da sua auto-declaração.
2
PROCESSO N.º 880/2006
Art. 8º. Cada unidade escolar/instituição deverá compor equipe
interdisciplinar que estará encarregada da supervisão e desenvolvimento de ações
que dêem conta da aplicação efetiva das diretrizes estabelecidas por esta
Deliberação ao longo do período letivo e não apenas em datas festivas, pontuais,
deslocadas do quotidiano da escola.
§ 1º. Caberá à direção de cada estabelecimento de ensino da rede
estadual, no primeiro semestre do ano letivo, informar à SEED via NREs, os
componentes das equipes mencionadas no caput deste artigo.
§ 2º. As Instituições de Ensino, tanto públicas como privadas,
providenciarão o arquivamento em local apropriado da escola, do relatório das ações
desenvolvidas por seus estabelecimentos/instituições, no cumprimento do que
preceitua a presente Deliberação.
§ 3º. Da mesma forma deverão proceder as unidades escolares
municipais, encaminhando aos departamentos ou organismos correspondentes, as
informações mencionadas nos parágrafos anteriores.
Art. 9º. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como Dia
Nacional da Consciência Negra, como um momento de culminância das atividades
desenvolvidas ao longo do ano letivo.
Art. 10. O cumprimento desta Deliberação será considerado na
autorização, reconhecimento e avaliação das condições de funcionamento das
instituições/Estabelecimentos de Ensino.
Art. 11. A presente Deliberação entrará em vigor a partir da data de
sua publicação.
Sala Pe. José de Anchieta em, 02 de agosto de 2006.
155
3
PROCESSO N.º 880/2006
Indicação n.º 01/06 APROVADA EM 02/08/06
COMISSÃO TEMPORÁRIA – PORTARIA N.º 08/06
INTERESSADO: SISTEMA ESTADUAL DE ENSINO DO PARANÁ
ESTADO DO PARANÁ
ASSUNTO: Normas Complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana.
RELATORES: ROMEU GOMES DE MIRANDA, MARÍLIA PINHEIRO MACHADO DE
SOUZA, LYGIA LUMINA PUPATTO, DOMENICO COSTELLA e
MARIA TARCISA SILVA BEGA.
1. Histórico
Com o objetivo de elaborar Normas Complementares às Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana foi constituída a Comissão
Temporária Especial, designada pela Portaria n.º 08/06-CEE, de 17 de maio de
2006, formada pelos Conselheiros ROMEU GOMES DE MIRANDA, MARILIA
PINHEIRO MACHADO DE SOUZA, LYGIA LUMINA PUPATTO, MARIA TARCISA
SILVA BEGA e DOMENICO COSTELLA, para, sob a presidência do Conselheiro
ROMEU GOMES DE MIRANDA, procederem estudos e elaboração de minuta para
normatização do Sistema Estadual de Ensino do Estado do Paraná. Foram
designados como Assessores Técnicos: José Roberto Faria, Gisele Cristina Seixas
e Margarete de Souza e como Secretária Claudia Mara Rodrigues.
2. Relatório
Pelo Parecer n.º 03/2004, da conselheira relatora Petronilha Beatriz
Gonçalves e Silva, de 10 de março do mesmo ano, o Conselho Nacional de
Educação regulamentou a alteração à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional provocada pela Lei n.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece a
obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na
Educação Básica de todo o país. E ao estabelecer tal obrigatoriedade, a Lei n.º
10.639 buscou o cumprimento dos preceitos legais como o artigo 3º e 5º da
Constituição Federal que assim determinam:
Art. 3º, V - Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º, I - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
4
PROCESSO N.º 880/2006
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, (...)
Essa bela formulação, para uma enorme parcela da população
brasileira, os negro-descendentes, não tem passado de uma igualdade formal. A
Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação
Racial, ratificada pelo Brasil, em 26 de março de 1968, dispôs que:
Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o
único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou
étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária
para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos
humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam,
156
em conseqüência à manutenção de direitos separados para diferentes grupos
raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.
Apesar de tantos anos de afirmação desse princípio internacional no
Brasil os negros continuaram à margem, sobrevivendo das migalhas do sistema, mal
morando, mal comendo, mal estudando, mal vivendo.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello,
comentando a Constituição de 1988 assim se expressa:
A Lei Maior é aberta com o artigo que lhe revela o alcance: constam como
fundamentos da República Brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa
humana, e não nos esqueçamos jamais de que os homens não são feitos para as
leis; as leis é que são feitas para os homens. Do artigo 3º vem-nos luz suficiente
ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se
corrigir desigualdades é colocar peso da lei, com a imperatividade que ela deve
ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é
tratado de forma desigual.
O Movimento Social Negro, que já vinha lutando nas sombras pelo
reconhecimento do valor do povo negro e pela adoção de políticas de combate ao
racismo, encontra nesses imperativos legais, forças e alento para impulsionar a luta.
Já em 1950, o I Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo
Teatro Experimental do Negro - TEN, no Rio de Janeiro, de 29 de agosto a 4 de
setembro, em sua declaração final reivindicava: “o estímulo ao estudo das
reminiscências africanas no país, bem como dos meios de remoção das dificuldades
dos brasileiros de cor e a formação de institutos de pesquisas públicos e particulares
com esse objetivo”.
A Convenção Nacional do Negro na Constituinte, realizada em
Brasília nos dias 26 e 27 de agosto de 1986, apresentou aos membros da
Assembléia Nacional Constituinte as seguintes reivindicações: “O processo
educacional respeitará todos os aspectos da cultura brasileira. É obrigatória a
inclusão nos currículos escolares de 1º e 2º graus, do ensino de História da África e
da História do Negro no Brasil”.
5
PROCESSO N.º 880/2006
A Marcha Zumbi dos Palmares, Contra o Racismo e pela Vida,
realizada no dia 20 de novembro de 1995, entregou, ao então presidente Fernando
Henrique Cardoso, o Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial
que, no tocante à Educação, assim afirmava:
Implementação da Convenção sobre Eliminação da Discriminação Racial no
Ensino;
Monitoramento dos livros didáticos, manuais escolares e programas educativos
controlados pela União;
Desenvolvimento de programas de treinamento de professores e educadores que
os habilite a tratar adequadamente com a diversidade racial;
Identificação de práticas discriminatórias presentes nos estabelecimentos
escolares e o impacto destas na evasão e repetência das crianças negras.
Estados e municípios brasileiros foram dando passos no sentido de
garantir uma educação que se pautasse pelo respeito à diversidade étnica dos
alunos, em especial do respeito à história e cultura negra no Brasil. Entretanto,
faltava uma legislação de caráter nacional. É para dar conta desse vazio que vem a
Lei 10639 , repondo , refazendo, cobrindo uma lacuna na formação escolar de
nossos jovens, possibilitando que alunos afro-descendentes pudessem resgatar na
157
escola sua identidade étnica.
A identidade é para os indivíduos a fonte de sentido e experiência.... É necessário
que a escola resgate a identidade dos afro-brasileiros. Negar qualquer etnia, além
de esconder uma parte da história, leva os indivíduos à sua negação. (Munanga,
1999)
Árdua tarefa! Tão largo como foi o processo de desconstrução da
identidade do negro no Brasil, tem sido a demora em se reconhecer esse débito e se
adotar medidas de recuperação e fortalecimento da identidade de nossos alunos
negros, que agora, a lei acima mencionada vem, em parte, repor.
Importante destacar que a lei em referência não cai na armadilha da
ingenuidade ou má fé da democracia racial, achando que basta uma pitada de boa
vontade da sociedade e os negro-descendentes, num passe de mágica estarão
incluídos e respeitados.
O texto joga seu peso em outra ponta: a organização/mobilização da
sociedade para exigir a aplicação da lei, numa perspectiva de uma educação que
permita aos alunos negros assumir-se como cidadãos “autônomos, críticos e
participativos”, como bem afirma a conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva.
6
PROCESSO N.º 880/2006
Faz-se também urgente e fundamental um eficiente programa de
formação dos professores para trabalhar com a educação das relações étnicoraciais,
pois o racismo/preconceito são atitudes, manifestações, pensamentos
complexos que foram e vêm sendo engendrados pelas elites racistas, com objetivos
tão perversos quanto ardilosos.
Informa-nos Hunold (1988), que no final do século XVII, um jesuíta
italiano, residente na Bahia, Jorge Benci, pregou um sermão, publicado em 1705
com o título “Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos” que
explicava aos senhores, com bases teológicas e filosóficas, as regras, normas e
modelos que deviam seguir na relação com seus cativos. Enfatizava o autor que os
senhores deviam propiciar a seus escravos: panis, et disciplina, et opus servo, ou
seja, pão, disciplina e trabalho para o servo.
Antonil (1711), na mesma linha ensinava: no Brasil, para o escravo,
são necessários três Ps; pau, pão e pano. E nesta ordem, em primeiro lugar o
castigo, para dobrar a resistência, a dignidade ou qualquer resquício de orgulho
próprio.
A violência era intrínseca ao sistema. Pela violência o escravo se
mantinha obediente, submisso e produtivo. O castigo foi, assim, “naturalizado”. O
pouco de benevolência que havia, vinha de vozes que se levantavam por dentro da
estrutura, buscando amenizar o castigo físico, mas sempre na perspectiva da
legitimidade do castigo como parte inerente ao sistema escravista.
O Bispo Azeredo Coutinho, em sua Análise sobre a Justiça do
Comércio de Resgate dos Escravos da Costa da África, de 1808, defendendo um
tratamento mais humanitário aos escravos, orientava o sustento e o vestuário
necessários, tempo suficiente de sono e instrução dos cativos na doutrina cristã e
um castigo que não excedesse os limites da Justiça. Essas vozes “humanitárias” e
“benevolentes” que recomendavam cautela e moderação, não chegavam entretanto,
a propor a quebra dessa ordem econômica.
Exemplo clássico dessa ”benevolência” vem do próprio jesuíta
Benci:
Os açoites são medicina da culpa; e se os merecerem os escravos em maior
158
número do que de ordinário se lhes devem dar, dêem-lhes por partes, isto é, trinta
ou quarenta hoje, outros tantos daqui a dois dias, daqui a outros dois dias outros
tantos; e assim dando-se-lhes por partes e divididos, poderão receber todo aquele
número, que se recebessem por junto em um dia, chegariam ao ponto de
desfalecer dessangrados, ou de acabar a vida. Haja açoites, haja correntes e
grilhões, tudo a seu tempo e com regra e moderação devida, e vereis como em
breve tempo fica domada a rebeldia dos servos; porque as prisões e os açoites,
mais que qualquer outro gênero de castigos, lhes abatem o orgulho e quebram os
7
PROCESSO N.º 880/2006
brios. E tanto, que basta só que os veja o servo, para que reduza se meta a
caminho e venha a obediência e sujeição do seu senhor. (Hunold, 1988) .
Ao fim e ao cabo, para o senhor de escravos, aquele ser humano,
para ser submisso às suas vontades, precisava ser reduzido à condição de “coisa”
posto que era uma mercadoria.
A naturalização da violência levou à naturalização da exclusão. As
vozes que se levantam hoje contra qualquer política afirmativa de “ discriminação
positiva” do negro, não argumentam, não protestam com a mesma veemência contra
a condição subumana da população negra que subsiste sob as piores condições de
vida nas favelas, becos e cortiços por todo este imenso país. E por que esta
indiferença?
Porque parece-lhes “natural” essa condição subalterna, essa
sub-condição.
O sistema escravista no Brasil não perdurou por tanto tempo (o
Brasil foi o último país da América a abolir a escravatura) apenas porque era
rentável. Rentável era em todos os lugares do mundo onde foi empregado. A
diferença é que aqui foi produzida uma ideologia , uma ciência da dominação. E
isto foi impregnando de tal forma toda as dobras da vida e da estrutura colonial que
os questionamentos mais lúcidos vinham sempre pela via da reforma gradual.
Rupturas drásticas a essa ordem, só vieram dos movimentos
organizados pelos próprios escravos, pelas fugas em massa, constituição de
quilombos, queima da produção agrícola, ataque aos senhores e seus capatazes e
capitães do mato, etc.
Mas isto tem sido, ao longo dos anos, negado, especialmente dentro
da escola, como uma ação determinada, pensada, organizada pelo povo negro, pelo
povo escravo, por aquele povo “desumanizado”.
Diz Marx, em Concepção Materialista da História que:
(...) a primeira premissa de toda a história humana é, evidentemente, a existência
de indivíduos humanos, vivos. Ao desumanizar o negro, ao coisificá-lo, estavam os
dominadores a negar-lhe uma história, a negar-lhe vida. A violência do senhor era
vista como castigo, dominação. A do escravo, como falta, transgressão, violação
do domínio senhorial, rebeldia. (Hunold, 1988, 3)
A permanência e o êxito do sistema precisava de escravos
submissos e dóceis. Qualquer possibilidade de afirmação de uma vida
minimamente digna, era uma ameaça; e assim, religião, costumes, vestimentas,
língua, tudo poderia ser um sopro em brasa adormecida. Poderia acender desejos e
vontades e não cabia ao negro ter nem desejos nem vontades .
8
PROCESSO N.º 880/2006
Ao mesmo tempo que se forjava uma ideologia que desse conta da
159
dominação do negro, a classe dominante ia sendo tomada por um temor da
africanização e haitinização do Brasil (temerosos de que se repetisse aqui a grande
rebelião negra de São Domingos), dado o número bastante elevado da população
negra no país.
Produziram-se, então, pensamentos que iam na direção da
massificação de um conceito - “Os negros eram responsáveis pela corrupção dos
costumes. Por natureza são os pretos de um temperamento frouxo” – Vilhena-(4)
Maciel da Costa, preocupado com o futuro da população branca no Brasil, dizia que
a continuar o ingresso de africanos no Brasil, “veríamos em breve a África
transportada para o Brasil e a classe escrava nos termos da mais decidida
preponderância”.
A ideologia do branqueamento
As pressões externas e internas, as constantes rebeliões escravas,
iam ensinando aos donos do sistema que o fim da escravidão negra era uma
questão irreversível. Entram em cena os ideólogos a serviço da classe dominante,
os intelectuais orgânicos, na genial concepção de GRAMSCI, e foram preparando
essa transição com o menor dano possível. Era preciso preparar a substituição da
mão de obra escrava, mas de uma maneira muito peculiar.
Assim, à medida que iam afirmando a naturalização da inferioridade
do negro, iam tecendo a ideologia do branqueamento do país.
Já em 1818, ocorreram as primeiras tentativas de colonização por
alemães no nordeste e no estado do Rio de Janeiro, experiências que resultaram
fracassadas. Em 1824 foi retomada a idéia mas, desta vez, para o sul.
Só a partir da promulgação da Lei n.º 601 (lei que regulamentou a
concessão de terras públicas), ganha corpo a política de imigração européia como
solução para o Brasil. Em um panfleto de 1914, Caio de Menezes conclamava a
todos que acolhessem bem o imigrante alemão com a seguinte argumentação :
Como coeficiente étnico de primeira grandeza, por que nenhum povo mais
necessita da influência de povos adiantados na formação de um tipo de raça do
que o brasileiro, principalmente no momento histórico em que a percentagem da
raça africana começa a diminuir e precisa desaparecer dissolvida pelo turbilhão da
raça branca (...). A preponderência étnica do estrangeiro só trará resultados
maravilhosos para a formação da nossa raça.
Em 1830, Henrique Jorge Rabelo publica um texto onde se
propunha a estudar os obstáculos que a população do Brasil apresentava para o
progresso do país.
9
PROCESSO N.º 880/2006
O Brasil não quer o aumento e progresso de sua população proveniente desses
infelizes habitantes d’África (...). Sim, vão outra vez habitar as áridas margens do
Senegal esses filhos de incultos campos, esses selvagens dignos de compaixão da
humanidade. Se o Brasil quer aumentar sua população, mande vir colonos alemães,
suíços e outras nações civilizadas que os podem dispensar. (Rodrigues, 2000)
Atente-se para o dado de que a imigração de africanos ou asiáticos
foi proibida, e só mais tarde, em 1907, liberada.
O projeto de lei do deputado Cincinato Braga, de São Paulo e
Andrade Bezerra, de Pernambuco, Projeto de Lei n.º 209, de 1921, que estabelecia
cotas para ingresso de asiáticos, pura e simplesmente proibia a entrada de
imigrantes negros no país.
Relato de Meade & Pírio (1988), dá conta de uma propaganda de
160
atração de trabalhadores norte-americanos para adquirirem terras e virem ao Brasil.
Não imaginavam os “propagandistas” que norte-americanos negros pudessem estar
entre os pretendentes. Um grupo de Chicago se propôs a comprar terras no Mato
Grosso, chegando inclusive a fundar uma companhia de colonização – a BACS –
Brazilian American Colonization Sindicate, para melhor gerir a empreitada.
Mal soube desse intento, o governo do Mato Grosso prontamente
reagiu contra e o Itamaraty tomou providências, negou vistos diplomáticos
impedindo a entrada daqueles negros norte-americanos.
Centro das idéias de branqueamento, não poderia deixar de citar
Oliveira Viana, autor da célebre afirmação de que as duas raças primitivas só se
tornaram agentes civilizadores quando perderam sua pureza e cruzaram com a
branca.
O efeito de toda essa trama ideológica calou fundo na formação de
uma consciência distorcida e preconceituosa em relação ao negro criando, inclusive,
dificuldades na articulação de uma consciência negra, queixava-se Abdias do
Nascimento em “O Negro Revoltado” (1968).
Na situação econômica-social, as conseqüências são igualmente
dramáticas. A pesquisa do DIEESE, de 2001, A Desigualdade no Mercado de
Trabalho, apontava um quadro onde a população negra inseria-se no mercado de
trabalho brasileiro de maneira mais precária do que a população não negra.
Ressaltava a pesquisa que a população de cor preta e parda
representava 46% da população total do Brasil enquanto a branca correspondia a
pouco mais de 55%. Apesar da representação de 46%, os negros, em 99 segundo o
PNDA- Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio, representavam 64% da
população pobre e 69% da população indigente. Já os brancos, compunham
apenas 36% dos pobres e 31% dos indigentes. Pretos e pardos aparecem na
referida pesquisa ocupando os postos mais vulneráveis no mundo do trabalho. Em
termos de rendimentos, os trabalhadores pretos e pardos recebiam 10
PROCESSO N.º 880/2006
metade do valor médio recebido pelos brancos. Também entre os desempregados
os maiores índices encontravam-se entre os negros.
Quando a pesquisa focava as mulheres negras, as discrepâncias
eram ainda mais severas, penalizando a mulher negra. Em 2004, o IBGE publicou
um estudo inédito sobre a situação dos brancos e pretos ou pardos em relação ao
mercado de trabalho. Nas regiões pesquisadas, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador, constatou-se que os brancos recebiam,
em média, R$ 6,53 por hora de trabalho enquanto que os negros recebiam R$ 3,18.
Em Salvador, cidade com 80% da população negra, enquanto os brancos recebiam
R$ 9,69 por hora trabalhada, os negros recebiam R$ 3,39. As mulheres negras
recebiam ainda menos – R$ 2,78. Enquanto o rendimento médio dos ocupados
brancos era de R$ 1.069,00, o rendimento dos negros ficava pela metade – R$
535,00.
No campo educacional, a marca da desigualdade se revela com a
mesma nitidez. Em 1999, não completaram o ensino fundamental 57,4% dos alunos
brancos e 75,3% dos alunos negros. Quanto ao ensino médio, enquanto 12,9% dos
brancos completaram esse nível de ensino, somente 3,3% dos negros chegaram a
concluí-lo.
Esses dados demonstram de forma cabal que a pobreza no Brasil
tem cor. O poder branco adotou um ideal eurocêntrico de sociedade e lançou mão
de ideologias, métodos, técnicas, práticas e comportamentos, nem sempre sutis, de
161
fechar as portas ao negro e expulsá-lo para a periferia do sistema.
Além da luta em outras esferas da sociedade, o movimento social
negro inclui nos seus objetivos de luta também a ação no universo da educação
escolar. E vem sendo uma árdua tarefa, pois o ideal de branqueamento, a
negação/inferiorização do negro, está muito presente e forte.
O advento da Lei n.º 10.639/03 foi um grande passo. A seguir, a
aprovação pelo Conselho Nacional de Educação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana, foi um mergulho de cabeça na questão,
estabelecendo passos, ritmos, princípios e programas. Alguns ainda poderão dizer
que isto é um racismo às avessas, que todos sempre tiveram direito à educação,
que tudo é uma questão de mérito, etc, etc. Mentira ou mistificação; de várias
formas, direta e indiretamente, velada ou abertamente, os negro-descendentes têm
sofrido um processo de constrangimento e exclusão.
É preciso lembrar que Decreto n.º 1.331, de 17 de fevereiro de 1854,
estabelecia que nas escolas públicas do país não seriam admitidos escravos. O
Decreto n.º 7.031, de 6 de setembro de 1878, estabelecia que os negros só podiam
estudar no período noturno. Subjetivamente, ao longo de todos os tempos, salvo
11
PROCESSO N.º 880/2006
honrosas exceções, aos negros tem sido negado o acesso ao conhecimento por
todos construído.
Mais forte e mais contundente que impedimentos legais, foi e tem
sido o processo silenciosos de inculcação ideológica que foi, como já vimos,
habilmente tecido e imposto sobre toda a sociedade.
Efetivar a Lei n.º 10.639/03 é tarefa não só dos professores negros
mas de todos os professores, pois esta não é uma lei para os negros mas para o
Brasil, como sempre afirma Hélio Santos:
A história narrada nas escolas é branca, a inteligência e a beleza mostradas pela
mídia também o são. Os fatos são apresentados por todos na sociedade como se
houvesse uma preponderância absoluta, uma supremacia definitiva dos brancos
sobre os negros. Assim o que se mostra é que o lado bom da vida não é nem
pode ser negro. Aliás, a palavra negro, além de designar o indivíduo deste grupo
étnico-racial, pode significar sujo, lúgubre, funesto, sinistro, maldito, perverso,
triste, nefando, etc. (Hélio Santos – A Busca de Um Caminho para o Brasil)
Princípios e aspectos a serem observados no trabalho no
interior da escola:
A) Um primeiro aspecto a ser observado por todos os educadores é
a recuperação do orgulho de ser negro, isto é, a busca de uma pedagogia da
autoestima
elevada, ao contrário da pedagogia da reiteração da inferioridade.Audre
Lorde, em seu texto – Além da Ação Afirmativa, diz que a crise fundamental na
América Negra é dupla: pobreza demais, amor próprio de menos. Entre nós não é
diferente. Aqui entra o papel fundamental a ser desenvolvido por todos os
educadores. É preciso conhecimento e atenção, pois as armadilhas são muitas; nas
histórias mais ingênuas, nos propósitos aparentemente mais elevados, estão cenas
e situações de ridicularização do negro, ou do índio, ou do diferente. Nossos livros
didáticos transbordam de exemplos.
No livro de Português da 6ª série, de Soares- Editora Moderna-2005,
livro aliás escolhido pelo PNLD – Programa Nacional do Livro Didático,distribuído
162
em 2005 nas escolas públicas do Brasil, na pág. 118, há um texto do grande escritor
Moacyr Scliar, “A glória do falso”, publicado na Folha de São Paulo, que traz como
ilustração a figura de um boneco, a representar um menino preto, com um tênis nos
pés, (cada pé de uma cor diferente) fugindo. Diz a legenda: “Nike destrói 45 mil
pares de tênis piratas”.
Estou seguro que o ilustrador do texto não pensou em ofender os
negros, rebaixar a auto estima dos alunos negros, ou coisa que o valha. Não pensou
porque esta não é uma questão pensada, racional; está no seu subconsciente. É
natural, para ele, que um menino negro só use um tênis de marca tão famosa, se
for falso. E lhe é também “natural” representar o menino correndo, com ar
assustado,
12
PROCESSO N.º 880/2006
porque deve ter roubado o falso tênis e portanto, está fugindo. E um pé de cada cor?
Bem, aí é só a pincelada final na ridicularização do personagem, a gag do
comediante.
Pode-se até pensar, inicialmente, que a autora tivesse escolhido a
ilustração, para poder trabalhar a questão da naturalização da inferioridade do
negro, do racismo e preconceito presente nas mais variadas situações, et, etc. Ledo
engano. Ao trabalhar o texto, nas sete páginas seguintes não há uma questão
sequer que leve os alunos a refletir ou a debater o assunto. Também para a autora
passou desapercebida a questão.
Entretanto, como reagem as crianças ou adolescentes em contato
com o texto? Passam, também, a ser personagens indiretas contracenando
cabisbaixas com o contexto e enterrando sua auto-estima no mais baixo de suas
almas. Estas situações repetem-se diariamente por todo o solo nacional. Por isso, o
movimento negro em todo o Brasil vem denunciando a ocorrência de um amplo
processo de exclusão dos alunos negros da educação escolar em nosso país.
Portanto, devem os professores, ao tratar da História da África e da
presença do negro no Brasil, fazer abordagens positivas, sem deixar de tratar do
sofrimento provocado pela escravidão mas não se limitando a esse momento.
Devem, antes, realçar a luta dos escravos contra o cativeiro, a contribuição do negro
em todos os campos da cultura brasileira, no passado e no presente.
Da mesma maneira, devem os professores tratar da África antes da
diáspora; dos conhecimentos em arquitetura, navegação, medicina, ciência, filosofia,
matemática, geometria, agricultura, utilização do ferro, etc. e também da África atual,
sempre visando a que o aluno negro-descendente mire-se positivamente, quer pela
valorização da história do seu povo, quer pela contribuição atual ao país e à
humanidade.
Devem todos os trabalhadores da Educação conscientes banir do
cotidiano da escola, tanto dos livros didáticos quanto da linguagem e das ações,
linguagens e expressões depreciativas, estigmatizadas, em relação ao povo negro,
assim como a qualquer outra etnia.
B) É preciso também que os professores trabalhem com a
individualidade das crianças . Elas serão tão mais sujeitos da história quanto mais
forem sujeitos em seus quotidianos. Há que se valorizar aquilo que as torna
diferentes dos outros grupos que compõem a população. Destacar suas
ancestralidades. Sempre que se pergunta a descendência dos alunos, todos os
euro-descendentes falam com brilho nos olhos, com orgulho de seus avós,
detalhando inclusive de que parte da Europa vieram e até o que faziam lá. Quando
163
chega a vez do aluno(a) negro(a), não há o que dizer. Via de regra responde que o
avô era francês, alemão, inglês e a avó índia, morena, de cor, ou... brasileira.
13
PROCESSO N.º 880/2006
Cabe ao professor não escamotear esta situação mas potencializála,
destacando a beleza de cada etnia, a riqueza da diversidade de tipos humanos.
Isto vai fazer com que os alunos negros assumam, sem maiores problemas, sua
negritude. Por que não debater essa questão nas salas de aula?
Um famoso jogador negro da seleção brasileira de futebol, ao ser
perguntado pelo jornal A Folha de São Paulo sobre como via as manifestações de
racismo nos estádios da Europa e no então recente caso envolvendo um jogador
argentino e o brasileiro Grafite, respondeu : “Acho que todos os negros sofrem. Eu,
que sou branco, sofro com tamanha ignorância “.
C) Auto-estima
Não é preciso ir longe para se entender porque um negro dá uma
resposta como a dada pelo atleta em questão. Isto é o reflexo de séculos de
depreciação, de negação, da despersonalização do povo negro.
Os livros didáticos ainda estão repletos de estereótipos. No trato da
História do Brasil, o negro só aparece como primitivo, como povo escravizado, como
vítima de castigos terríveis, como coitado, como miserável e quando rebeldes, são
tratados como os derrotados. Que criança negra sentirá orgulho de sua etnia.
Quem é que vai querer parecer-se com os tipos e com a vida dos negros postos em
cena? E o lugar de onde vieram esses escravos?
Via de regra a África é representada como um lugar atrasado,
primitivo, sujo, inóspito, cheio de animais ferozes, enfim, um lugar onde o Tarzan e o
Fantasma andavam tentando civilizar e proteger. Quem não lembra dos gibis que
povoaram a infância de milhares de brasileiros?
A academia desconhece a História da África e os educadores não
poderiam ser diferentes. Agora, com a pressão do movimento negro, com o advento
da Lei n.º 10639/03, com o parecer do CNE, a situação tende a mudar. Mas só
mudará, de fato, se professores (negros e brancos) assumirem a tarefa de forçar as
instituições de ensino universitário (a África nunca esteve neste universo) a incluírem
a disciplina de História da África como obrigatória.
Cabe agora, aos professores e professoras nas escolas de ensino
básico recuperar a África das grandes civilizações, destacar a grandiosidade do
império egípcio que perdurou por trinta séculos, da grande agricultura já
desenvolvida há 6 mil anos antes de Cristo, do majestoso rio Nilo, das monumentais
pirâmides, da escrita, do calendário de 365 dias, do excepcional desenvolvimento da
perfumaria, de uma medicina muito desenvolvida para a época, da extraordinária
técnica da mumificação, do eficiente sistema de navegação, das monumentais
pirâmides, ainda hoje mistério e encantamento para o mundo todo.
O cinema norte-americano popularizou a versão de que tudo isso
acontecia numa terra de brancos, de faraós loiros e de rainhas hollywoodianas. Não
14
PROCESSO N.º 880/2006
esquecer também de mostrar os grandes reinos africanos que levantaram cidades,
universidades, riquezas culturais e riquezas materiais. Uma coisa é falar dos vários
processos de exploração, dominação e partilha da África , outra é folclorizar a África
e seus descendentes.
Por muito tempo o próprio movimento negro caiu nessa armadilha e
164
acabava reiterando a África do tambor, da magia, da selva impenetrável, do deserto
árido, das guerras tribais. Foi em função da massificação desses preconceitos que o
presidente da República, em visita à Namíbia, disse que a capital era tão limpa que
nem parecia ser na África. Se os professores solicitarem aos alunos uma
representação da África, certamente irão projetar o mesmo que o nosso presidente e
daí para pior. Afinal, é isto que aprendem.
Agora, cabe aos docentes, reverter este quadro. Mas isto exige
preparação, estudo, leituras, pesquisas. Devem organizar, nas escolas, estantes que
contemplem obras que venham em socorro desta formação; devem pressionar as
mantenedoras para oferecer cursos, livros, palestras, filmes, tudo o que for
necessário para rompermos com este atraso que atravessa as noites dos séculos.
D) Histórias e lendas
Professores do ensino fundamental devem dar a conhecer a seus
alunos as lendas, contos, mitos, cantigas que têm como cenário o universo negro, a
cultura africana. Não é comum encontrarmos obras com este teor, por isto indicamos
desde já o excelente trabalho de Machado e Petrovitch (2004), Mitos Afrobrasileiros,
editado pela Universidade Federal da Bahia.
Uma atividade que contribui nessa direção é solicitar aos alunos que
recolham de seus avós ou pessoas idosas da comunidade, histórias, contos,
cantigas,brincadeiras, e depois de classificadas, repassem ao demais colegas da
escola e de outras escolas.
E) Dádiva ou conquista
Farta é a divulgação por todos os meios de que a libertação dos
escravos foi uma dádiva de princesa Isabel, um presente das elites.
Entre nós não houve necessidade de uma luta entre irmãos, de armas em punho,
levantados uns em nome dos interesses da rotina agrícola, erguidos outros à
sombra de um lábaro que traía os seus interesses egoísticos da sociedade
industrial precisada de braço livre e barato. (Jornal Diário da Tarde, 13 de maio de
1909, Curitiba).
(...) parece que foi ontem tão profunda foi essa reforma social que fizemos sem
derramamento de sangue, e que tem custado a outros países mais adiantados que
o nosso, os horrores da guerra civil (Jornal Gazeta do Povo,1919).
15
PROCESSO N.º 880/2006
Os professores devem, especialmente no ensino médio, quebrar
essa visão paternalista, mostrando as várias lutas de resistência empreendidas
pelos escravos: a Revolta dos Malês, em 1835; a Cabanagem, de 1835 a 1840; a
Balaiada, de 1838 a 1841; a resistência de Palmares, o imortal quilombo que travou
uma luta por cerca de 100 anos, só sendo vencido após uma cilada, uma armadilha
arquitetada por Domingos Jorge Velho, que a nossa História oficial proclama como
herói bandeirante.
Os professores devem aproveitar o dia 13 de maio, Dia Nacional de
Luta contra o Racismo, para trabalhar para além da sala de aula a visão
contrahegemônica
que o movimento negro já construiu ao longo dos últimos trinta anos. O
20 de novembro deve ser celebrado na escola e nas comunidades como o Dia
Nacional da Consciência Negra e deve ter previsão no calendário escolar.
F) Remanescentes e comunidades quilombolas
Só muito recentemente, a partir de 2004, iniciou-se, um trabalho de
mapeamento das comunidades de remanescentes quilombolas no Estado do
165
Paraná. O governo do Estado, através Grupo de Trabalho Clóvis Moura, sob a
coordenação de Glauco Souza Lobo e a Professora Clemilda Santiago,
coordenadora do trabalho de campo, pela SEED, já catalogaram mais de duas
dezenas de localidades, sendo que quatorze delas já têm reconhecimento pela
Fundação Palmares como remanescentes quilombolas e cerca de vinte
comunidades estão em processo de reconhecimento.
Assim, rasgando o silêncio geral que imperou por todo este
período, graças a esse trabalho, hoje o Paraná, que até então figurava no mapa do
Brasil como Estado sem comunidades remanescentes de quilombos, pode
apresentar agora, número tão expressivo de um povo vivendo na mais precária
situação, sem muita diferença das condições em que viviam sob a escravidão.
A título de reconhecimento, é preciso destacar a luta da comunidade
remanescente quilombolas Invernada Paiol de Telha, que no município de Pinhão,
em 1996 e 1997, organizando um acampamento num barranco à beira da
propriedade que de direito lhes pertence e lhes foi, pela violência, tomada, iniciaram
um movimento de denúncia e resistência. Foram os que primeiro chamaram a
atenção, em nosso Estado, para a existência e situação dos remanescentes
quilombolas, gerando um amplo movimento de defesa e apoio, integrado por várias
entidades do movimento sindical e popular como a CUT – Central Única dos
Trabalhadores, APP-Sindicato – Associação dos Professores do Paraná, Comissão
Pastoral da Terra, Pastoral Operária, Centro de Direitos Humanos, AFATRUP –
Associação dos Agricultores Familiares, ACNAP – Associação Cultural de Negritude
e Ação Popular, entre outras.
Os professores devem levantar a temática dos remanescentes de
quilombos no Paraná, debater seu significado com os alunos e trazer para o interior
16
PROCESSO N.º 880/2006
da escola a questão. Propugnar pela organização de centros de documentação que
possam recolher todas as informações não só sobre os agrupamentos
remanescentes de quilombos rurais mas também as comunidades urbanas que
ainda subsistem na periferia das cidades. Envolver os alunos nesses projetos é
tarefa da mais alta significância.
G- Garantia de condições de ensino
Cabe também aos educadores liderar a luta para que as
mantenedoras de estabelecimentos de ensino garantam condições humanas,
materiais e financeiras para a execução de projetos que tratem da Educação das
relações étnico-raciais.
H – Situações de discriminação
São freqüentes as situações de discriminação ocorridas dentro das
escolas. É comum o professor fingir que não viu ou minimizar o caso ou então dizer
aos alunos que não é assim que se age, sem dizer como se age. Esta atitude só
favorece o agressor e cria uma clima de impunidade e de conivência, levando o
agredido, mais uma vez ao caminho da busca da invisibilidade, da negação, da
dificuldade no processo de aprendizagem, da recusa em ir à escola e por fim da
evasão.
Muitas outras ações podem e devem ser desenvolvidas no universo
escolar. Grandes desafios estão nas mãos dos trabalhadores da Educação.
É preciso afirmar, de forma peremptória, que um ser humano que
carregue sua auto-estima no nível mais baixo de sua alma, como um fardo cada vez
mais pesado, em verdade não vive, arrasta-se numa pavorosa ausência de
166
propósito e de esperança.
Por fim, trazemos para esta Indicação uma citação da Conselheira
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva:
Não se trata simplesmente de incluir os negros e integrá-los numa sociedade que
secularmente os exclui e desqualifica, mas oferecer uma educação que lhes
permita assumir-se como cidadãos autônomos, críticos e participativos.
É a Indicação.
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