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Relações sociais e consumo
20
Capítulo I
Relações sociais e consumo
Problematizar a relação estabelecida entre consumo e consumidor, mais
especificamente a formação da criança como consumidora, requer, de início, o trato com
um vocabulário peculiar às áreas em que o tema é usual. Essa terminologia não permaneceu
restrita a seus meios - administração de empresas, marketing, publicidade, economia e áreas
afins - e passou a permear e penetrar o cotidiano, as experiências sociais e sensibilidades,
adquirindo, dessa forma, aura de autonomia.
Tal fato por si justifica um estudo mais aprofundado do tema, uma vez que a
difusão social desses termos técnicos é extremamente significativa. Dada a incorporação
não dos termos cnicos como tamm de seus significados, não se trata em absoluto de
mera transposição e “compra de discurso”. As relações sociais, nas duas últimas décadas do
século XX, passaram a experimentar com mais intensidade a convivência com valores
específicos às relações comerciais, interagindo com os valores construídos cultural, social e
historicamente. A abordagem central deste trabalho não se pauta na discussão conceitual
dos termos empregados. Pelo contrário, centra-se no processo histórico no qual estes
conceitos consumo, consumidor e, mais especificamente, criança-consumidora -
adquiriram significado e constituíram-se como significantes centrais das relações sociais.
A problematização do processo de criação de significados e das sensibilidades é por
demais ampla e repleta de possibilidades de análise. Diante da amplitude da questão
original e tendo uma escolha a ser feita, esta foi orientada pela sensibilidade e pelo olhar
específico de quem a construiu.
Nesse sentido, compreender o processo de formação de um consumidor singular - a
criança - e a conseqüente segmentação de mercado voltada às suas especificidades não foi
simples conseqüência da melhor estruturação do mercado produtivo. Como segmento, sua
particularidade não é devida ao volume monetário envolvido; sua relevância é dada por
meio da constrão de sensibilidades que viabilizou um consumidor que o usufrui a
condição essencial de sê-lo: a disponibilidade de renda.
Relações sociais e consumo
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1.1 Emerge uma nova representão da criança
Março de 2007
Ao som de True Collorsde Phill Collins, hino à diversidade racial e à tolerância,
a linha de produtos de beleza Dove lançou a Campanha pela real beleza para meninas e
adolescentes. Esta era a ampliação da campanha, inicialmente, destinada às mulheres
adultas. Por meio do mote O sol nasceu pra todas”, buscou e efetivamente alcançou o
sucesso nos meios publicitários e junto a seu público-alvo.
Mulheres que, no jargão publicitário, estariam fora do padrão estético estabelecido
desfilavam de biquíni espontaneamente pela praia. Apresentadas de forma sensual, o
anúncio valoriza a postura segura e determinada das modelos. O mote da campanha
exaltava o direito nato e inalienável das mulheres de serem belas. As diferenças de peso,
altura, cor da pele, tipo de cabelo não seriam nada mais que características femininas
interessantes e dignas de apreciação. Outro fator de destaque em relação a tal propaganda
era a mudança no referencial de beleza apresentado. As campanhas publicitárias, até então,
representavam as mulheres fundamentando-se num ideal de beleza praticamente
inalcançável. A utilização do produto era vinculada a informações hiperbólicas. Um dos
principais requisitos para ser garota-propaganda de produtos de beleza era a condição, sine
qua non, de ser bela e reconhecida como tal.
A Dove reposicionou-se no mercado lançando uma campanha que, inicialmente,
seria considerada contraditória. O fato de apresentar mulheres “reais” poderia ir de
encontro aos anseios de seu público-alvo. Caracterizá-las como “magrinhas, gordinhas,
altas e baixas”
1
poderia atuar como fator de rejeição e não como catalisador na veiculação
da mensagem subliminar da campanha publicitária.
O que tornou essa campanha tão significativa? Seria o ineditismo de apresentar
mulheres consideradas fora do padrão estético vigente? Seria a satisfão dos anseios
femininos de serem reconhecidas e serem representadas como mulheres “reais”? Seria a
conjugação de ambos os aspectos? Ou seria uma reorganização de componentes típicos da
publicidade, ordenados sob uma nova roupagem, ocultando o que é de fato inédito na
campanha? Vários aspectos podem ser evidenciados e ponderados a respeito de seu
1
Expressões retiradas do lançamento da “Campanha pela real beleza” de 2004.
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sucesso. Porém, o que efetivamente difere a Campanha pela real beleza”das outras? A
priori, a Dove não vende produtos. A Dove vende auto-estima.
1.2 “Auto-estima à venda”
True colors
Phil Collins
(letra e tradução)
You with the sad eyes
Don't be discouraged til I realise
It's hard to take courage
In a world, full of people
You can lose sight of it
And the darkness, inside you makes you feel so small
But I'll see your true colors, shining through
I see your true colours, and that's why I love you
So don't be afraid, to let them show
Your true colours, true colours
Are beautiful, ooh like a rainbow
Show me a smile
Don't be unhappy can't remember when
I last saw you laughing
When this world makes you crazy
And you've taken all you can bear
Just call me up, cos you know I'll be there
And I'll see your true colours, shining through
I see your true colours, and that's why I love you
So don't be afraid, to let them show
Your true colours, true colours
Are beautiful, ooh like a rainbow
Such sad eyes
Take courage now, realise
When this world makes you crazy
And you've taken all you can bear
Just call me up, cos you know I'll be there
And I'll see your true colours, shining through
I see your true colours, and that's why I love you
Relações sociais e consumo
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So don't be afraid, to let them show
Your true colours, true colours
Are beautiful, ooh like a rainbow
Você com os olhos tristes
Não se sinta desencorajado até eu perceber
Que é difícil ter coragem
Em um mundo, cheio de gente
Você pode perder de vista
E a escuridão dentro de você te faz sentir pequeno
Mas eu verei você como você realmente é, brilhando
Eu vejo você como realmente é, e é por isso que te amo
Então não tenha medo de mostrá-las
Você como realmente é, você como realmente é
São lindas como um arco-íris
Me mostre um sorriso
Não fique infeliz, não me lembro
Da última vez que te vi sorrindo
Quando esse mundo te deixar louco
E você tiver agüentando tudo que pode agüentar
Me ligue, porque você sabe que eu estarei aqui
E eu verei suas verdadeiras cores, brilhando
Eu vejo suas verdadeiras cores, e é por isso que te amo
Então não tenha medo de mostrá-las
Suas verdadeiras cores, verdadeiras cores
São lindas, como um arco-íris
Olhos tão tristes
Tenha coragem agora, perceba
Quando esse mundo te deixar louco
E você tiver agüentando tudo que pode agüentar
Me ligue, porque você sabe que eu estarei aqui
Eu verei você como realmente é, brilhando
Eu vejo você como realmente é, e é por isso que te amo
Então não tenha medo de mostrar
Você como realmente é, você como realmente é
São lindas, como um arco-íris
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26
Dada a problemática proposta por este trabalho, a construção histórica da criança-
consumidora e o efetivo consumo da infância, houve a necessidade de seu
redirecionamento em função do lançamento da campanha da linha de produtos de beleza da
Dove para adolescentes. O fato de desconsiderar o recorte temporal inicialmente
estabelecido (1950-2000) e incluir essa campanha neste trabalho justifica-se em razão do
impacto causado pelo seu lançamento.
Essa campanha tornou-se viável a partir da percepção de que houve, efetivamente, a
constrão de uma criança-consumidora estruturada em parâmetros fortes e firmes, que
permitem perceber a mudaa da representação da criança e do adolescente. Esta questão
perpassa não pelos meios de produção. Conforme apresentadas na introdução deste
trabalho, rias foram as situações que me permitiram perceber uma mudança significativa
e senvel do imaginário social no que tange à representação da criança, da infância, do
adolescente e das relações familiares.
Toda a problemática presente neste trabalho foi despertada por um diálogo
aparentemente sem maiores implicações
2
.Ter presenciado dois garotos comentando a
respeito da autenticidade de um símbolo ostentado como fator de distinção social, levou-me
a questionar os valores em construção e as relações sociais advindas destes. Que
reordenação sensível estava configurando-se? Neste sentido, em que parâmetros organizar-
se-iam os papéis sociais e, decorrentes destes, as relações familiares?
Essa situação, da qual fui testemunha involuntária, ganhou relevância a ponto de
instigar a pesquisa e a confecção deste trabalho, dada minha postura como mãe,
pesquisadora e educadora. Apropriando-me do provérbio “os homens se parecem mais com
sua época do que com seus pais”
3
, preocupou-me imensamente esse confronto dos valores
cultivados no âmbito doméstico e privado com os valores dos grupos de convívio externos
à família.
Tal fato tornou-se notável, uma vez que veio de encontro à minha percepção
sensível de representação de uma infância e de uma adolescência peculiar, construídas a
partir de uma vivência e de uma experiência possibilitadas num contexto histórico
2
Verificar o diálogo sobre a história do boné na página 03 da introdução.
3
Antigo provérbio árabe citado por Lilia Schwarcz na apresentação à edição brasileira da obra Apologia da
História de Marc Bloch, p 07.
Relações sociais e consumo
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específico. Desta forma, busquei questionar se a representação de infância e adolescência
que tenho como referencial não consistia em fruto do percurso da minha memória,
decorrente do já esperado conflito de gerações.
A convivência constante e diária com crianças e adolescentes possibilitou-me
perceber diversas situações que intensificaram, sobremaneira, as inquietações que me
acometiam e, até então, não se encontravam organizadas sistematicamente. Dar um
tratamento teórico a essas indagações implicou a princípio recorrer aos estudos referentes à
memória, visando orientar, inclusive, a pesquisa com as fontes. Entrelaçar elementos que a
princípio parecem não compor uma trama inteligível, na verdade, propiciou uma
abordagem profícua ao relacionar, de início, memória, sensibilidade e história.
O estudo referente à memória permitiu-me perceber que não se tratava apenas de
uma comparação nostálgica com o passado. Muito pelo contrário. O recuo constante
orienta-se projetivamente para o futuro, neste caso específico, o futuro de meus filhos e de
sua geração, imbuída de valores permeados pela ambição consumista.
Nesse sentido, segundo Seixas, a função sensível da memória não é, de modo
algum, restrita à capacidade de armazenar fatos. Para a autora:
A meria não é jamais como aparece superficialmente, ou seja, como
uma retrospectiva, um resgate passivo e seletivo de fatias de passado que
vêm, como um decalque, compor ou ilustrar nosso presente; seu
movimento, ao contrário, é antes de mais nada o de prolongar o passado
no presente. A meria não é regressiva (algo que parte do presente
fixando-se no passado); ela é prospectiva e, mais do que isso, é projetiva,
lançando-se em direção do futuro... (SEIXAS, 2002: 45)
Seixas ressalta que o caráter projetivo da memória não é desprovido de intenção.
“lembramos não apenas para conhecer e reconhecer, mas também para agir e criar.”
(Seixas, 2003:128). Dimensionar a memória e seu percurso, numa operação sensível
voltada à ação, percurso este carregado de afetos, imaginação e esquecimentos, serviu-me
de parâmetro para embasar e orientar este trabalho, principalmente no tocante aos afetos e a
sensibilidades normalmente desprezados em trabalhos acadêmicos. E é neste aspecto que
não seria pertinente situar a pesquisa apenas como uma observação despertada pela
chocante diferença entre perspectivas distantes de gerações distintas. O enfoque é a
intenção de discutir a construção do processo histórico no qual se deu essa diferença.
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Trabalhar tendo como referência a sensibilidade e os afetos tornou possível perceber
as sutilezas específicas das fontes de pesquisa. Tal tratamento em relão a elas foi a opção
mais satisfatória que contemplaria as nuances e, especialmente, os aspectos subliminares
presentes. Dada a especificidade da fonte, uma vez que esta não se constitui em habitué do
historiador, foi necesrio estabelecer uma sistematização que abarcasse a
interdisciplinaridade que é inerente a ela. Orientada por esta perspectiva, a compreensão do
processo de formação da criança-consumidora e da infância consumida e consumista, foi
possível mediante a percepção do duplo deslocamento operado na publicidade das mais
diversas mercadorias no período abordado. O primeiro deslocamento refere-se à
progressiva e constante passagem do discurso publicitário dirigido aos pais (os agentes
veiculadores do consumo) para os filhos (inicialmente, usuários e, posteriormente
consumidores). O segundo, não menos importante que o primeiro, é a transposição do
tempo futuro para o tempo presente.
O duplo deslocamento foi de fundamental importância, ao permitir a constante
constrão das sensibilidades e do imaginário social, uma vez que o discurso publicitário
alimenta e é retroalimentado pela percepção social. Desta forma, a campanha da Dove é o
melhor exemplo significante e significativo dessa percepção e sensibilidade. Tanto é isso
que a Dove fala direto com as adolescentes referindo-se ao presente imediato, vendendo
uma mercadoria de valor incalculável: a auto-estima.
Nessas circunstâncias, dimensiona-se a relevância em discutir esta figura que
emerge mais significativamente na década de 1980: a criança-consumidora. Uma campanha
publicitária, veiculada nos principais meios de comunicação de massa, tendo como
interlocutor um sujeito que congrega em si uma nova representação da criança e da
infância
4
, leva a questionar o que essa figura emergente carrega em si de particular. A
segmentação de mercado, que leva em consideração as nuances e especificidades dos mais
diferentes tipos de consumidores, não pode apresentar-se como a maior justificativa para a
emergência da criança-consumidora. Apesar de ser considerável como fatia de mercado
com grandes possibilidades de expansão (levando-se em conta que, percentualmente, as
4
Apesar de ser uma campanha voltada mais especificamente às meninas e adolescentes, permite perceber a
significativa mudança na sensibilidade em relação às crianças ao representá-las como sujeitos com autonomia
suficiente para compreender o discurso adulto da mensagem publicitária e capacidade de consumo das
mercadorias a serem apresentadas.
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famílias estão diminuindo o mero de filhos, conseqüentemente, eleva-se o potencial de
consumo individual deles), o que torna a criança interlocutora privilegiada do discurso
publicitário é sua capacidade de influência nos ditames do consumo familiar.
1.3 – NAG FACTOR: o poder de persuasão
De nome relativamente desconhecido, porém, familiar de longa data a qualquer
indivíduo que, em algum momento de sua vida, tenha convivido com crianças e
adolescentes, o Nag Factor ou “fator azucrinação ou amolação” é a famosa capacidade de
crianças e adolescentes falarem repetidamente até alcançarem seu objetivo. A tática de
“vencer pelo cansaço”, considerada como integrante do repertório infantil, passou a
despertar o interesse dos publicitários. Tal interesse se deu à medida que se tornou
perceptível a crescente importância da influência das crianças na determinação do consumo
não restrito apenas a mercadorias voltadas especificamente a seu uso direto ou individual.
Uma vez percebida a capacidade das crianças e adolescentes de influenciar a
decisão do consumo, fez-se necessário equacionar essa possibilidade e melhor estruturá-la
para sua utilização nos meios publicitários visando potencializar o consumo de
mercadorias. O empenho em dimensionar as possibilidades do Nag Factor deve-se à
grandeza dos números apresentados por diversas pesquisas. Um exemplo da grandeza a que
me refiro são os dados publicados no artigo de Cátia Almeida
5
. Segundo a autora, fazendo
referência à capacidade de interferência das crianças no consumo familiar na Europa, foi
constado que elas são responsáveis por 45% nas decisões de compra, tendo sido veiculado
no jornal espanhol La Vanguardia que a influência na compra de automóveis é da ordem
de 18%, do destino de férias de 40%, do sabor dos iogurtes em 70%. Em Portugal, segundo
dados fornecidos pelo Fórum da Criança, as escolhas influenciadas pelas crianças para os
locais de refeição fora de casa são da ordem de 81%, para a compra de computadores de
37%, de automóveis de 49% e de operadora de rede móvel de telefonia em 30%. São
5
O texto da autora portuguesa está disponível no site: www.globalnoticias, desde 22/11/2006, acessado em
04/02/2007.
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30
números nada desprezíveis para a reorientação da publicidade levando em consideração
essa nova perspectiva.
A relevância do Nag Factor foi demonstrada no estudo intitulado The Nag Factor
(O Fator Amolação), conduzido pela Western Media Internacional (hoje Initiative Media
Worldwide) e pela Lieberman Reserch Worldwide, em 1998
6
. Divulgado, sobretudo, no
meio publicitário, serviu de escopo à sua utilização mais devotada. Situar a criança e o
adolescente no centro da família e com capacidade de interferir no processo de aquisição é
por demais significativo. Segundo Linn, nesse estudo, foi relatado que, em pesquisa com
150 mães de crianças na faixa etária entre 3 e 8 anos, durante duas semanas, foram
contabilizadas cerca de 10 mil amolações, “uma média de 66 amolações por mãe, ou cerca
de 4,7 amolações por dia” (LINN, 2006: 58). Foram identificados dois tipos de amolação
normalmente associados. O primeiro tipo é a “amolação persistente”, o fator propriamente
em si, ou seja, a capacidade de repetir exaustivamente o pedido até alcaá-lo. O segundo
tipo é o chamado de amolação de importância”, quando as crianças apresentam
justificativas que embasam sua argumentação.
Decorrente das conclusões desse estudo foi divulgado na imprensa um comunicado
intitulado “The Fine Art of Whining: Why Nagging is a Kid’s Best Friend” (A Arte de
choramingar: Por que a amolação é a Melhor Amiga da Criança), segundo Linn, os
pesquisadores também classificaram os pais em diferentes categorias: os “indulgentes”
(aqueles que cedem), os “companheiros (pais que querem divertir-se como seus filhos), os
“conflitantes(pais influenciados pela culpa) e os “necessidades básicas” (aqueles capazes
de reconhecer as necessidades dos filhos e que decidem sozinhos a compra). Tal referência
deve-se à possibilidade de melhor situar o confronto entre filhos e pais quando da
efetivação ou não do consumo. Neste intento,
...O estudo identifica quais os tipos de pais estão mais propensos a ceder
às amolações. Como era esperado, os pais divorciados e aqueles com
adolescentes ou crianças bem pequenas ficam nos primeiros lugares. O
estudo identifica algumas coisas pelas quais as criaas normalmente
amolam os pais, estimando a freqüência de sucesso para cada tipo de
pedido: quatro em cada dez passeios a estabelecimentos de
entretenimento,... uma em cada três idas a restaurantes do tipo fast-food e
três em cada dez vendas de fitas de vídeo.... (LINN, 58)
6
Fonte: LINN, Susan. Crianças do consumo – a infância roubada. Trad. Cristina Tognelli. São Paulo:
Instituto Alana, 2006.
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31
A percepção da oportunidade de negócios em relação à criança e ao adolescente não
é isolada de alguns ramos da publicidade. Muito pelo contrário. É tônica geral e bem
alimentada por constantes atualizações. Suas habilidades de compra espelham suas
crescentes concessões e dão aos negócios uma oportunidade de ouro para encorajar uma
ligação entre varejo e consumidor que pode durar por uma vida inteira de compras”
(BLACKWELL, 2005: 202). A perspectiva de Blackwell
7
vai ao encontro da ambição que
orienta os atuais meios publicitários. A busca por fidelizar o consumidor “do berço ao
mulo expressa a importância voltada às crianças e adolescentes, uma vez que se
encontram em processo de formação de valores, significados, referências e sensibilidades.
Um exemplo recente (maio/2007), o lançamento do veículo ScénicKids da Renault,
não menciona nada a respeito do carro em questão. Apenas mostra que a promoção por
tempo limitado da edição especial do citado veículo disponibilizará o “único com
tecnologia acalma crianças”: um aparelho de DVD acoplado ao teto do carro voltado para o
banco traseiro e um kit de filmes infantis. A evidente comparação construída pela peça
publicitária entre o veículo que não dispõe do aparelho (com criaas agitadas
atormentando o pai-motorista e descontrolando a mãe em demonstrar sua incapacidade de
contornar a situação) é observado com espanto por outro casal, com o mesmo número de
filhos (3). O segundo casal está no carro, no qual o pai dirige calmamente e as criaas em
total estado de passividade, olhando de queixo caído para a tela do aparelho.
Carros não são, em princípio, um tipo de mercadoria de utilização e interesse
infantil. O que leva então o direcionamento do lançamento de um veículo a utilizar-se desse
estratagema? Entre outros, dois fatores se destacam. Um de ordem objetiva: “Os fabricantes
de automóveis focam as crianças em displays de lojas e pontos-de-venda, porque elas
influenciam indiretamente cerca de $17,7 bilhões de compras de automóveis”
(BLACKWELL, 2005: 404). Outro de caráter subjetivo: a posição ocupada pela criança no
interior das relações familiares. O reordenamento dos papéis na família teve implicações
que extrapolam os âmbitos domésticos e privados, levando inclusive a possibilitar a
7
Blackwell, publicitário norte-americano, publicou juntamente com Paul Miniard e James Engel, um
compêndio esclarecedor sobre o comportamento do consumidor. Direcionado às áreas de Administração de
Empresas e Publicidade, fornece elementos significativos à compreensão do referencial que embasa a criação
dos ancios publicitários.
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formação da criança-consumidora. “As crianças o estão apenas influenciando as
escolhas, elas estão realmente fazendo compras, com o dinheiro da família e com o seu
próprio” (BLACKWELL, 405). Voltarei neste ponto mais detalhadamente em outros
momentos.
Devido à intensidade na utilização do Nag Factor, da agressividade e dos excessos
das campanhas publicitárias voltadas ao público infantil, o Conar
8
divulgou novas normas
éticas para a publicidade de mercadorias destinadas aos públicos infantil e adolescente.
Dentre as várias recomendações, os anúncios dirigidos à faixa etária de 0 a 18 anos não
podem apresentar qualquer tipo de discriminão às crianças que, por qualquer motivo, não
sejam consumidoras da mercadoria anunciada; expor situações que infrinjam medo ou
insegurança; associar que o consumo de determinada mercadoria proporciona superioridade
ou, em sua falta, inferioridade; qualquer situação que provoque constrangimento aos pais
ou responsáveis; e nem desmerecer valores sociais positivos como a preservação da família,
escola, respeito, generosidade, dentre outros. Em vigor a partir de 01/09/2006
9
, a
regulamentação ética foi resultado de extensos debates iniciados em abril de 2004. Ao
estabelecer um parâmetro normativo, passou tamm a pautar as possibilidades de retirada
e cancelamento de veiculação de anúncios que violem a recomendação do órgão.
1.4 A publicidade como fonte historiográfica
Discutir a construção de sensibilidades tendo como fonte os anúncios publicitários
requer problematizá-los como tais. Sua importância e sua utilização como fonte para a
constrão deste trabalho deve-se à sua grande influência e capacidade de difusão nas
sociedades atuais, haja vista, conforme no item anterior, a necessidade de regulamentá-la
no sentido de controlar seus abusos. Tratar a publicidade como fonte para o historiador é
8
Conselho de auto regulamentação publicitária, organização não-governamental, que regulamenta a
publicidade no Brasil. Iniciativa dos publicitários para não se submeterem à possibilidade de perda de
autonomia em sua atuação.
9
A regulamentação encontra-se no site: www.conar.org.br.
Relações sociais e consumo
33
percebê-la como um discurso construído com base em determinados referenciais que se
encontram em subtextos ou de forma subliminar nos anúncios.
Diferentemente da noção cristalizada de que a publicidade mitifica a mercadoria, na
verdade, a mitificação vem do discurso construído em torno dela. Mitificação aqui
compreendida como criação mental de algo idealizado ou estereotipado, que, no caso do
anúncio publicitário, será decisivo ou não em sua capacidade de influenciar o ato do
consumo. Barthes, em Mitologias, discorre sobre a questão do mito moderno, como pode
ser compreendido e sua relação indissociável com a História. O conceito de Barthes vem ao
encontro da prerrogativa deste trabalho, pois, para o autor:
...mito é uma fala (...) um sistema de comunicação, é uma mensagem. Eis
porque não poderia ser um objeto, um conceito, ou uma idéia: ele é um
modo de significação, uma forma (...) que o mito é uma fala, tudo pode
constituir um mito, desde que seja suscevel de ser julgado por um
discurso...(BARTHES, 1993: 131)
Nessas circunstâncias, problematizar o processo de construção sensível do discurso
publicitário permite compreendê-lo como mítico, uma vez que cria significados por meio
de um significado existente. Ao apresentar o diferencial de uma mercadoria, reelabora
conceitos agregando valores, compondo novos valores simbólicos. Essa construção não se
aleatoriamente. É construída a partir do imaginário social, que só encontra respaldo em
sua historicidade, “pois é a História que transforma o real em discurso, é ela e ela que
comanda a vida e a morte da linguagem mítica... o mito é uma fala escolhida pela História:
não poderia ser de modo algum surgir da ‘natureza’ das coisas” (BARTHES, 1993: 132).
Dessa forma, pensar a publicidade com base em seu discurso é problematizá-la
partindo da premissa dela apresentar-se como um “discurso sobre o mundo”. É possível
perceber a construção sensível (decorrente de seu discurso) vinculada à historicidade que
lhe proporciona sentido. Assim, o discurso publicitário jamais poderia constituir-se como
fonte deslocado de sua historicidade. A discussão presente neste trabalho não se restringe
ao anúncio publicitário fechado em si mesmo, centra-se, justamente, na relação recíproca
entre o emissor-receptor e o receptor-emissor, assim considerados dada à impossibilidade
de determinar o início ou o fim da mensagem. A publicidade forma-se a partir de
Relações sociais e consumo
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referenciais sociais historicamente construídos, que, ao incorporar novos valores, passa a
influenciar, subliminarmente, o referencial que a originou.
O senso-comum a respeito das relações de consumo, normalmente, recai em duas
perspectivas recorrentes. A primeira é a que consiste na afirmação enfática do poder da
publicidade em criar necessidades. A segunda é em relação à passividade e à impotência do
consumidor ante a publicidade. Apesar de ambas as afirmações serem consistentes, gostaria
de ponderá-las sob novos olhares. Tal perspectiva mostra-se viável e oportuna, à medida
que permite compreender os referenciais que orientam os produtores de publicidade. Ao
trazer seu escopo, emergem desconhecidas concepções a respeito do consumidor.
A criação de necessidades como imposição da publicidade é enfaticamente rejeitada
por seus produtores. Segundo Ries e Trout, o mais importante, em qualquer campanha
publicitária ou estratégia de marketing
10
, é, sem qualquer traço de vida, o consumidor.
Para os autores, a premissa que o produto
11
é o “herói” do programa de marketing é falsa.
Toda e qualquer campanha deve ter como foco o cliente em perspectiva. Assim:
Os profissionais de marketing ocupam-se previamente em fazer pesquisas
e “obter os fatos”. Analisam a situação para certificar-se de que a verdade
está do lado deles, depois, deslizam com a confiança na arena de
marketing, seguros de que têm o melhor produto e que, no fim das contas,
o melhor produto vence.
É uma ilusão. Não há nenhuma realidade objetiva. Não fatos. o
melhores produtos. Tudo o que existe no mundo do marketing são as
percepções nas mentes do cliente ou cliente em perspectiva. A percepção
é a realidade. Tudo o mais é ilusão.
Toda verdade é relativa. Relativa à nossa mente ou à mente de outro ser
humano. (RIES e TROUT, 1993: 15)
Ambos os autores citados não se encontram isolados em relação a esse aspecto.
Amparados, freqüentemente, por pesquisas que reforçam a argumentação, rios são os
10
Por publicidade entende-se a difusão de determinada idéia ou mercadoria; é sua veiculação, principalmente
nos meios de comunicação de massa. por marketing compreende-se o processo de transformar ou mudar
uma organização de forma que ela tenha o que as pessoas desejam comprar. Fonte: Blackwell, Maynard &
Engel. Segundo o Houaiss, marketing é a estratégia empresarial de otimização de lucros através da adequação
da produção e oferta de suas mercadorias ou serviços às necessidades e preferências dos consumidores, para
isso recorrendo a pesquisas de mercado.
11
Vale lembrar que, diferentemente da perspectiva deste trabalho, os publicitários tratam como “produto”,
não como “mercadoria” o objeto ou idéia a ser consumido. Maiores esclarecimentos estão presentes no
decorrer deste trabalho.
Relações sociais e consumo
35
exemplos nas obras de marketing e publicidade sobre o fracasso de campanhas milionárias
que não obtiveram o devido sucesso justamente por não considerar as “necessidades” do
consumidor
12
.
O consumidor é estudado à exaustão, uma vez que é considerado a figura
onipresente e onipotente do mercado, segundo a ótica da produção publicitária. Segundo
Blackwell, Maynard & Engel, o consumidor é mais que importante, é “Rei”. Na mesma
gica que Ries e Trout, o direcionamento das empresas é que segue as “determinações” do
consumidor, segundo Blackweel, Maynard & Engel:
Hoje em dia, as empresas reconhecem que “o consumidor é rei”. Sabendo
por que e como as pessoas consomem os produtos, os profissionais de
marketing conseguem compreender como podem melhorar os produtos
existentes, quais tipos de produto são necessários no mercado e como
atrair os consumidores a comprar seus produtos. Em essência, a análise de
comportamento do consumidor ajuda as empresas a descobrir como
agradar o rei e com isso impactar diretamente a receita. A longo prazo,
um não existe sem o outro. Sem a satisfação do consumidor, o seria
possível às organizações aumentarem suas vendas e receitas. E sem o
aumento das receitas, estas não teriam recursos para investir em centros
de atendimento ao consumidor, promoções de vendas, ou treinamento de
vendas todos são importantes componentes do mais rudimentar
programa de satisfação do consumidor. As organizações com maior
sucesso desenvolvem programas de marketing que são influenciados
pelo consumidor, em vez daqueles que tentam colocar o consumidor
sob a influência do marketing. (2005: 10) (Grifo meu)
Cabe ressaltar, nos discursos dos publicitários apresentados, que a extrema
preocupação com o consumidor não é no sentido de valorizá-lo como “ser. Sua
valorização se visto que “é” portador da capacidade de efetivar o ato de consumo. Para
Douglas & Isherwood
13
, a inclinação para efetivar ou não o consumo de determinada
mercadoria ou serviço também tem a ver com a percepção sensível (para eles cultural) do
consumidor em busca de distinção. Desta forma:
12
Por o se tratar de um trabalho que tem como tema específico a publicidade, não me aterei em elencar
esses exemplos no texto. Para maiores informações, vide referências bibliográficas.
13
Mary Douglas e Baron Isherwood, ela antropóloga e ele economista, publicaram um interessantíssimo
estudo sobre bens e relações de consumo, que contribuiu muito para as discussões presentes neste trabalho.
Relações sociais e consumo
36
A escolha dos bens cria continuamente certos padrões de discriminação,
superando ou reforçando outros. Os bens são, portanto, a parte visível da
cultura. São arranjados em perspectivas e hierarquias que podem dar
espaço para a variedade total de discriminações de que a mente humana é
capaz. As perspectivas não são fixas, nem são aleatoriamente arranjadas
como um caleidoscópio. Em última análise, suas estruturas são ancoradas
nos propósitos sociais humanos. (2006: 114)
Tal percurso vem corroborar a noção de que a publicidade não cria necessidades.
Ao alimentar-se diretamente no e do imagirio social permite avalizar tal afirmação. No
entanto cabe ressaltar que, ao buscar no possível consumidor o referencial sensível para a
criação publicitária, a mercadoria em questão configura-se como necessidade inédita.
Contraditoriamente, cria, nesse propósito, uma “novidade”. É por meio dessa novidade que
se pode afirmar a criação de necessidades por parte da publicidade. A novidade é dada
como resultado do “rearranjoda apresentação da mercadoria no anúncio publicitário. O
rearranjo é possibilitado pela utilização do que é considerado um dos grandes poderes dos
publicitários em sua capacidade de influenciar seu público-alvo: a criatividade.
Não se trata de entender isoladamente a produção de sentido, nem de questionar as
implicações do consumo exacerbado. Muito pelo contrário. Trata-se de problematizá-los
conjuntamente, visto que não são desconexos. Fazem parte do mesmo processo, e
desmembrá-los seria perder a oportunidade de acompanhar seu percurso e dar a devida
importância àquele que é realmente significativo - o consumidor. Considerado passivo,
“ponta final do processo”, alienado, influenciável, dentre outros adjetivos não muito
positivos, o que verdadeiramente o caracteriza é o desconhecimento de seu real poder.
Situar o consumidor como passivo perante as determinações da publicidade não lhe
retira a capacidade de decisão e autonomia? O problema do consumo exagerado está
situado em ambas as dimensões: tanto no social, no modo de produção capitalista, quanto
no individual, em que a construção das identidades não se dá mais por si mesma por meio
das experiências vividas, necessitando de outros símbolos para sustentá-la.
A publicidade constitui e é constituída pelo imagirio social em um movimento de
retro-alimentação. Mais do que isso: é a ele umbilicalmente ligada. Orienta-se e é
construída com base naquele que é considerado a ponta final do processo: o consumidor.
Na verdade, é sua gênese e sua razão de ser. É a partir dos valores inerentes ao consumidor
que, para obter o sucesso almejado no diálogo entre emissor - o anúncio - e o receptor o
Relações sociais e consumo
37
possível consumidor -, a mensagem contida no anúncio deve ter como código um campo
simbólico que sirva de escopo para essa transmissão.
1.5 A ritualização na publicidade
Visando atingir seu público-alvo
14
, a publicidade constrói o anúncio de maneira
ritualizada. O produto passa a apresentar-se como necessidade a partir do momento em que
se constitui como “a” solução de um problema que faça parte do cotidiano do possível
comprador. Por meio de historietas, normalmente utilizando-se do humor, sarcasmo ou
drama, a publicidade, ao anunciar um produto, ritualiza situações cotidianas. Ao recorrer ao
exagero, qualquer outra solução não seria satisfatória senão o uso da mercadoria exibida,
conclui, apoteoticamente, o rito no ato do consumo.
Face mais visível das estratégias de marketing, a publicidade agrega ao produto
produzido maciçamente uma aura de inequívoca singularidade, adquirindo uma “alma”,
cujas qualidades a ele associadas são naturalmente humanizadas. Seu valor de uso e de
troca imbrica-se, eno, a um valor simbólico, propiciando uma combinação sensível
fundamentada em valores sociais tidos como relevantes.
Everardo Guimarães Rocha, antropólogo estudioso da publicidade, discute com
muita propriedade as relações que permeiam o consumo não restrito ao ato da aquisição da
mercadoria. A publicidade, segundo Rocha, permite problematizar e especular as formas
de representação de nossa cultura”. Cada anúncio traz consigo uma série de símbolos e
representações, que é resignificada na “sacralização de momentos do cotidiano, que, em
última instância, dão veracidade a ele. A publicidade possui, dessa forma, uma dimensão
“mágica”, pois a concretude do anúncio, para além de qualquer qualidade do
produto/mercadoria exibido, resolve instantaneamente questões até então “insolúveis”.
Roberto Da Matta, no prefácio da obra Magia e Capitalismo: Um estudo antropológico da
14
blico-alvo compreende parcelas do mercado consumidor com necessidades e valores semelhantes entre si
e que diferem do restante.
Relações sociais e consumo
38
publicidade, esclarece sobre os parâmetros no quais a publicidade insere-se nas relões de
consumo, muito além de apenas apresentar a mercadoria a seu possível comprador:
A publicidade, conforme sugere Everardo Rocha, é o instrumento que
permite re-humanizar o produto industrial, situando-o na sua última
plataforma uma espécie de altar de sacrifício, de onde será finalmente
imolado e destruído na vertigem do consumo (...) é nessa entrada na
sociedade e nos círculos de troca sociais circuitos que o
essencialmente simlicos – que se realiza o consumo. Operação que, está
visto, ajusta-se ao processo de construção das identidades sociais,
seguindo de perto os modelos culturais que definem os ‘tipos’ ideais de
cada segmento e grupo, classe ou bairro, no jogo complexo das
heterogeneidades coletivas de onde sacamos, por assim dizer, a nossa
‘personalidade’. (ROCHA, 1985: 13).
Uma vez que o discurso publicitário busca nos possíveis consumidores referenciais
e valores que sirvam de escopo à construção da identidade do produto, este, após essa
inserção de valores, valoriza seu status de mercadoria. Ao “humanizar-se” como
mercadoria, o então produto libertou-se de sua mediocridade maciçamente produzida. No
fluxo inverso, o consumidor (não somente usuário) busca, na aquisição da mercadoria,
absorver e incorporar esses mesmos valores e imaginário, visando formar sua própria
identidade.
Tal fato deve-se ao processo que Marx denominou reificação. Para o autor, o
produto imbuído apenas de seu valor de uso, voltado à satisfão das necessidades humanas
e nada além destas, não encontra ressonância nas sociedades capitalistas. Ao produto foi,
irremediavelmente, associado um valor que transcende a sua finalidade/utilidade. O
denominado valor de troca é dado pelas relações sociais estabelecidas pelo modo de
produção capitalista e pela transformação do principal meio-de-produção a própria força
de trabalho - em mercadoria. A assimilação de valores abstratos humanos à materialidade
do produto o reifica, potencializando sua importância nas relações comerciais e sociais.
Segundo Marx:
Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos de
trabalhos privados, exercícios independentemente uns dos outros. O
complexo desses trabalhos privados forma o trabalho social total. Como
os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus
produtos de trabalho, as características especificamente sociais de seus
trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca(...)
Relações sociais e consumo
39
Somente dentro da sua troca, os produtos recebem uma objetividade de
valor socialmente igual, separada da sua objetividade de uso, fisicamente
diferenciada. Essa cisão do produto de trabalho em coisa útil e coisa de
valor realiza-se apenas na prática, tão logo a troca tenha adquirido
extensão e importância suficientes para que produzam coisas úteis para
serem trocadas, de modo que o valor das coisas seja considerado ao
serem produzidas. A partir desse momento, os trabalhos privados dos
produtores adquirem realmente duplo caráter social. (1998, 71)
Desse modo, a denominação de produto não contempla a sua dimensão simlica do
mesmo. Ao adquirir uma subjetividade que não é peculiar à sua utilização, ganha o status
de mercadoria. A reestruturação do mundo produtivo acarretada pela consolidação do modo
de produção capitalista proporcionou, indelevelmente, o processo de reificação do produto.
Uma vez reificado, não a possibilidade de retorno à sua condição inicial. O produto
fetichiza-se e encanta-se ao se tornar mercadoria. Voltarei a esse ponto em outros
momentos deste trabalho.
A publicidade, vista e analisada tanto por seus produtores quanto por seus
estudiosos, apresenta discordâncias quanto à sua finalidade. Sua função mais imediata é
alimentar constantemente o processo de reificação das mercadorias por meio da produção e
veiculação de ancios. A xima “em um anúncio o que menos importa é o produto”
expressa a percepção de que o consumo não se restringe à mera aquisão do mesmo. Em
cada anúncio, vendem-se ‘estilos de vida’, ‘sensações’,emoções’, ‘visões de mundo’,
relações humanas’, ‘sistemas de classificação’, ‘hierarquia’ em quantidades
significativamente maiores que geladeiras, roupas ou cigarros”. (ROCHA, 1985: 27).
Neste sentido, requer ressaltar o que se entende por consumo. Consumir é
normalmente associado ao ato da compra de algum produto ou serviço. É verdadeira a
afirmação. No entanto, num amplo processo social de produção de mercadorias, essa
compreensão não conta de sua complexidade. O consumo deve ser analisado inserido
numa rede complexa de atividades, significados e agentes. Assim, a perspectiva de
McCracken vem ao encontro das prerrogativas deste trabalho. Segundo McCracken
15
,
15
Grant McCracken é Ph.D. em antropologia, consultor de empresas e dirigente do Instituto de Cultura
Contemporânea no Royal Ontário Museum, em Toronto, Canadá.
Relações sociais e consumo
40
Consumo refere-se ao processo pelo qual os bens e os serviços de
consumo são criados, comprados e usados. Esta definição amplia a visão
tradicional, adicionando à ênfase tradicionalmente colocada no ato da
compra o desenvolvimento do produto que necessariamente antecede a
compra em si e o uso do produto que deve seguir-se a ela”
(MCCRACKEN, 2003: 174).
Apreender a publicidade, inserida no sentido complexo do consumo, permite
problematizar sua dimensão de construtora sensível de significados. Assim, a ritualização
publicitária vem preencher a necessidade humana de dar significados à sua existência. É
mediante essa percepção que se pode melhor compreender o empenho direcionado às
campanhas publicitárias. Na disputa pelo simbólico e pelas sensibilidades é que se
estabelece um campo comum de comunicação, no qual os atores sociais aproximam-se ou
distanciam-se conforme suas convicções. Segundo Douglas & Isherwood:
Viver sem rituais é viver sem significados claros e, possivelmente, sem
memórias. Alguns o rituais puramente verbais, vocalizados, não
registrados; desaparecem no ar e dificilmente ajudam a restringir o âmbito
da interpretação. Rituais mais eficazes usam coisas materiais, e podemos
supor que, quanto mais custosa a pompa ritual, tanto mais forte a intenção
de fixar os significados. Os bens, nessa perspectiva, são acessórios rituais;
o consumo é um processo ritual cuja função primária é dar sentido ao
fluxo incompleto dos acontecimentos. (DOUGLAS & ISHERWOOD,
2006: 112)
D
essa forma, perceber o consumo para além da esfera econômica na trilha aberta
pelo pensamento de Karl Marx e tantos outros a partir da segunda metade o século XIX - é
situá-lo no interior das relações sociais. O consumo está nelas imbricado, sendo significante
e significado
16
. Tal aspecto não se restringe ao universo das Cncias Sociais. É o
referencial que embasa a orientação do discurso publicitário. Utilizando-se de uma
linguagem direta, Ries e Trout, publicirios e autores do livro cujo sugestivo título é
Posicionamento: a batalha pela sua mente”, enfatizam categoricamente que, numa
16
Compreende-se por significante, segundo Houaiss, a imagem acústica que é associada a um significado
numa língua, para formar o signo lingüístico (Segundo Saussure, essa imagem acústica não é o som material,
ou seja, a palavra falada, mas sim a impressão pquica desse som). Significado é a representação mental,
sentido, conteúdo semântico, conceito, noção. A face do signo lingüístico que corresponde ao conceito,
conteúdo. Não me aprofundo mais nas questões relativas à Semiótica para manter o foco na questão central
deste trabalho. Fonte: Houaiss.
Relações sociais e consumo
41
campanha publicitária, o menos importante é o produto (segundo a abordagem deste
trabalho, melhor seria a denominação de mercadoria). As atenções devem voltar-se
diretamente ao consumidor que se tem em perspectiva.
Numa sociedade sobrecarregada de informações, a “novidade” que a campanha
publicitária divulga deve alcançar destaque. Para fixar-se na memória dos possíveis
consumidores, deve compor-se a partir de algo que lhe seja familiar e que faça parte de seu
repertório. “... de uma forma geral, a mente aceita aquilo que, de certa forma, coincide
com o seu conhecimento ou com sua experiência anterior...” (RIES & TROUT, 2001: 05).
A publicidade, ao produzir um significado, viabiliza a possibilidade da criação de
uma necessidade, tida como inexistente. É imprescindível ponderar que a necessidade
produzida não é fato inédito. O feeling dos anúncios consiste em apropriar-se de sentidos
presentes no imaginário social, resignificá-los, associando-os à mercadoria e devolvê-los
como novidade.
...(a racionalidade humana) negocia as estruturas organizadoras. A
experiência humana pode correr para uma grande variedade de possíveis
quadros de referências, pois o ser humano racional é responsável por
recriar continuamente um universo em que a escolha possa acontecer. Dar
sentido ao mundo envolve interpretar o mundo como sensível... todos os
bens são portadores de significados, mas nenhum o é por si mesmo...O
significado está nas relações entre todos os bens...(DOUGLAS &
ISHERWOOD, 2006: 120-121)
Ao considerar o complexo das relações sociais envolto no ciclo produção-
publicidade-consumo, a produção configura-se pela impessoalidade e a esfera do consumo,
como seu contraponto. A produção é impessoal, à medida que não deixa vestígios do agente
produtor. Neste momento, seu resultado ainda pode ser considerado um produto. Adquire
status de mercadoria quando da inserção de significados externos à finalidade de sua
utilização. Introjeta no objeto uma personalidade e uma identidade peculiar. Ao omitir os
processos técnicos de produção em massa, reveste-o de uma unicidade que não lhe
pertence. A sobrevalorização da mercadoria se dá, inclusive, com o investimento e a
inserção de características humanas a ela, criando a possibilidade de identificação entre
mercadoria e consumidor.
Relações sociais e consumo
42
...O produto calado em sua história social se transforma num objeto
imerso em fábulas e imagens...na esfera do consumo homens e objetos
adquirem sentido, produzem significações e distinções sociais. Pelo
consumo, os objetos diferenciam-se diferenciando, num mesmo gesto e
por uma rie de operações classificarias, os homens entre si. O
consumo é, no mundo burguês, o palco das diferenças. O que consumimos
são marcas. Objetos que fazem a presença e/ou ausência de identidade,
visões de mundo, estilos de vida. Roupas, automóveis, bebidas, cigarros,
comidas, habitações; enfeites e objetos os mais variáveis o são
consumidos de forma neutra. Eles trazem um universo de distinções. São
antropomorfizados para levarem aos consumidores as individualidades e
universos simbólicos que a eles foram atribuídos. (ROCHA, 1985: 67).
O anúncio publicitário compõe-se como um sistema fechado em que problema e
solução não se dissociam. A partir de então, ao produzir um significado imbricado a esse
ritual, a solução possível passa a ser mediada pela mercadoria apresentada. A solução
aparece socialmente como mágica, uma vez que não dúvida quanto à sua capacidade de
resolver a questão por ela mesma apresentada. Cria a ilusão de que a mercadoria ou o
serviço oferecido realiza o milagre, instantaneamente.
Ainda segundo Rocha, a publicidade por meio dos símbolos que manipula, contrasta
com a nossa mentalidade racional, amplamente verbalizada. Mas, o que a torna tão eficiente
porquanto vai de encontro à nossa percepçãomoderna e racional”? Justamente por recriar
a imagem de cada banal mercadoria, pois esta se insere nas “relações humanas, simbólicas
e sociais que caracterizam o consumo”.
Dessa forma, as dimensões racional e mágica/ritualística não compõem um
paradoxo. Compõem um arsenal que agrega referenciais díspares que, por mais distantes
que sejam, congregam-se em suas diferenças. O ritual apóia-se racionalmente em sua
composição e a racionalidade magicamente justifica-se em sua autonomia. Um anúncio
publicitário em que tal jogo é perceptível é o do lançamento do absorvente feminino
descartável Modess em 1954.
Relações sociais e consumo
43
Relações sociais e consumo
44
“CERTAS
COISAS
...que
sua filha
deve
saber!
Para sua tranqüilidade, não deixe sua filha crescer
na ignorância de “certos fatos” relacionados com
a vida feminina. Fatos científicos sobre os problemas
menstruais, expostos discretamente de maneira a
elucidar sua filha, são dados no livrinho oferecido
abaixo. Conhecendo bem esses fatos, ela os
aceitará como fenômeno naturais próprios da idade.
E, então, saberá proteger-se, convenientemente,
com os recursos modernos de hoje.
Ela saberá, por exemplo, que em “certos dias” do
mês o uso do absorvente Modess é uma necessidade
indispensável para o seu conforto...e que, ao
contrário dos métodos antiquados, Modess é mais
higiênico (usa-se só uma vez e joga-se fora), é
mais conveniente (não precisa ser lavado todos os
meses), é invisível (adapta-se ao corpo, não
aparecendo mesmo sob os vestidos mais leves).
Com Modess custando por mês um pouco mais
que uma entrada de cinema, é uma falsa economia recorrer aos métodos
antiquados. Modess é fácil de ser
adquirido – não é preciso explicar
nada – basta dizer Modess. Se ainda
não o conhece, por que não
experimentá-lo no próximo mês?
Relações sociais e consumo
45
A necessidade de formar o consumidor de determinada mercadoria, antes mesmo
dele precisar, foi a estratégia utilizada pela campanha de lançamento do absorvente
descartável Modess. Em 1954, essa abordagem está presente, uma vez que a representação
da menina no anúncio é, aparentemente, muito nova para necessitar do uso do produto em
questão. Incluir crianças nos anúncios é uma prática comum em publicidade. A inocência
ou a marotagem para chamar a atenção e fixar o anúncio na mente dos clientes em
perspectiva é prática banalizada. No entanto, saliento é a maneira como as crianças
passaram a ser representadas. Sua aparição não é, de forma alguma, gratuita.
A campanha de lançamento do absorvente Modess acentua a idade da menina
exposta no anúncio. Mesmo não explicitando sua idade, é possível arriscar a respeito da
necessidade ou o da mercadoria. Independentemente disso, o assunto, até então tratado
como tabu, utiliza-se desse mesmo tabu para compor o diferencial do anúncio. A
ritualização do anúncio, a formulação do problema e, ao mesmo tempo, sua conseqüente
solução, apresentam um diferencial e vai ao encontro da perspectiva citada de ter o
cliente do berço ao túmulo”. Mesmo antes da menina “ter o problema dos certos dias, a
empresa forma a consumidora sobre um novo e “moderno” referencial. A ritualização é
completada por um livreto, que, solicitado por meio de um cupom a ser destacado da
revista, esclareceria todas as vidas sobre “aqueles dias”. As mães, também
potencialmente consumidoras da mercadoria, não são o foco do anúncio publicitário. As
mulheres mais velhas e “portadoras do problema solucionavam-no de acordo com as
possibilidades de que dispunham.
No entanto, ao apresentar às filhas a nova mercadoria, indiretamente atingem as
mães, pois as meninas necessitariam de sua ajuda para enviar o cupom, informar-se pelo
livreto e, posteriormente, adquirir a mercadoria. Dessa forma, a empresa assume o papel de
satisfazer a curiosidade e a necessidade de esclarecer as dúvidas sobre esse fato corriqueiro
da vida feminina. A e passa, então, de veiculadora de informações para receptora delas.
O texto do anúncio sugere que nem mesmo as mães saberiam informar às filhas o que a
mulher moderna deveria entender sobre o ciclo menstrual.
O produto, após ser justaposto à solução mágica e moderna de tão grave
“problema”, adquire status de mercadoria, visto que a ele foi associado valores imbricados
a uma simbologia de que a solução anterior o dispõe. A sugestão de uso do absorvente é
Relações sociais e consumo
46
apresentada apenas na frase final do anúncio, concluindo o ciclo ritualístico. o é mais
uma solução ao problema, é “a” solução para ele. O peso do argumento (que confere a ele
uma aura de legitimidade) é dado pelo discurso médico-científico. É a partir dele que a
jovem deve entender como um fato tão dramatizado é, na verdade, natural e passível de
tornar-se despercebido. O constrangimento e a restrição de movimentos causados pelo uso
de toalhas higiênicas, por meio do uso do absorvente, seria minimizado até sua total
eliminação.
O apelo ao moderno remete à idéia de conforto, segurança, tranqüilidade, discrição
e, principalmente, higiene. O anúncio, dessa forma, sacramenta a mágica da solução. Uma
necessidade posta no imaginário feminino, uma alternativa ao constrangimento do porte
das toalhas higiênicas vai ao encontro da solução anunciada pela publicidade.
Assim, o ar de preocupação da jovem enfatiza o tom dramático do texto. Sua
tranqüilidade sedada a posteriori ao esclarecimento fornecido pelo livrinho. A empresa
encarrega-se de atuar no esclarecimento, formatando, na possível consumidora/usuária, um
referencial completo, abarcando desde informações sobre o ciclo menstrual até a
suavização do incômodo causado por ele. Ao iniciar sua vida adulta, a jovem já o faz
segundo novos parâmetros “modernos”, formando a consumidora antes mesmo dela
necessitar do uso do produto.
Outro fato interessante é a instrução da conduta, ou seja, a maneira pela qual a
jovem deve solicitar o produto. Afirmar “não é preciso explicar nada, basta dizer Modess”
possibilita perceber as condições de aquisição de produtos higiênicos. Anterior à
popularizão dos supermercados, onde as mercadorias estão ao alcance das mãos do
consumidor
17
, as compras nas farmácias e mercearias eram realizadas indiretamente. O
acesso era intermediado por atendentes que, atrás dos balcões, buscavam e colocavam as
mercadorias nas mãos do comprador. prevendo o possível constrangimento em pedir o
absorvente, o anúncio antecipa-se e ameniza o impacto da situação.
Outro destaque a ser feito é a comparação do preço do produto em lançamento e o
custo de uma entrada de cinema. Tal comparação permite acompanhar desde a apresentação
do produto/mercadoria até a prática estabelecida e banal do uso de absorventes nos dias
17
No tocante à especificidade do tema deste trabalho, não é gratuita a colocação de produtos direcionados às
crianças estarem sempre na parte mais baixa das ndolas. Devem ficar ao alcance das mãozinhas ansiosas
para que elas mesmas os coloquem nos carrinhos de compras.
Relações sociais e consumo
47
atuais. Na campanha de lançamento, o custo da mercadoria equiparava-se à entrada de
cinema. Passadas cinco décadas, a mercadoria em questão não custa mais que dez por cento
da entrada. Este fato permite duas inferências. Primeiramente, a incorporação de
absorventes descartáveis aos hábitos femininos possibilitou a redução do custo da
mercadoria em razão do grande volume produzido. E em segundo, relacionar o uso do
absorvente ao ato de ir ao cinema, um ato realizado em público, subliminarmente, indica a
possibilidade da mulher “em certos dias” não ficar restrita e privada de movimento.
Guardadas as devidas proporções, o uso de absorventes descartáveis assemelha-se à
popularizão da pílula anticoncepcional na “liberdade” e conforto proporcionados à
mulher em relação a seu tempo e a seu corpo.
1.6 A mercadoria e o imaginário social
Pensar questões acerca da formação da criança-consumidora é não se restringir às
relações econômicas e de consumo, mesmo que, de imediato, remeta a elas. O processo de
formação da criança-consumidora é por demais complexo para ser compreendido apenas
com base nos aspectos econômicos. Nem mesmo o próprio modo de produção capitalista
deve ser analisado somente por este prisma. Sua consolidação alterou, significativamente,
as estruturas objetivas e subjetivas do ser humano. Mais do que isso: configurou novas
sensibilidades, que avançaram sobre todos os referenciais sociais.
Um autor que é particularmente interessante a essa discussão é Georg Simmel.
Segundo ele, o advento da economia monetária, ou, como prefere denominar, “do
dinheiro”, teve implicações que extrapolam o âmbito econômico. Segundo Jessé Souza,
pela obra de Simmel A filosofia do dinheiro (Die Philosophie des Geldes), é possível
compreender como as relações decorrentes do modo de produção capitalista espraiaram-se
por toda a sociedade. Segundo Souza:
Relações sociais e consumo
48
Formas sociais são as interações sociais concretas que se constituem a
partir de conteúdos determinados, seja na moda, na coqueteria, no
costume do adorno, etc.
Na análise dessas interações sociais, Simmel é guiado por uma profunda
consciência da especificidade hisrica da sua época: a modernidade.
Nesse sentido, o advento da economia monetária não seria apenas uma
nova forma de produzir mercadorias, mas um fenômeno que projeta sua
sombra, para o bem e para o mal, pela sua ambigüidade constitutiva[...],
sobre todas as relações sociais, a as mais íntimas, onde dificilmente
poderíamos supor a sua presença. O dinheiro como que carimba” com
sua marca todos os fatos de nossa época. Esse fato guia a curiosidade
concentrada de Simmel: saber como os homens e suas relações mudam
sob o efeito do dinheiro. Que novas direções de conduta? Que novo tipo
de vida o dinheiro constitui? (SOUZA: 2005, 17)
É essa perspectiva que nortea este trabalho. Problematizar as implicações do
processo de formação da criança-consumidora em suas nuances. Sua formação como um
sujeito sui generis implica compreender a própria construção da infância e os parâmetros
sob os quais as representações sobre a criança e a infância foram e são reelaboradas. Neste
sentido, a questão central deste trabalho ganha um contorno que garante a ele uma
particularidade passível de compreender a extrapolação dos ditames econômicos do modo
de produção capitalista.
A criança-consumidora não é um indivíduo qualquer que foi incorporado à lógica
do consumo. Como consumidora, a criança foi alçada a um lócus nas relações econômicas
que, por princípio, não dispõe da condição primordial para esse mesmo lócus: a não
participão no mundo do trabalho e, por conseqüência, a indisponibilidade de renda. Tal
consideração, por si , o particulariza nas relações de consumo. No entanto seu “papel”
não se restringe a ser somente um consumidor sem renda. O poder de influenciar nos mais
amplos campos do consumo familiar e no direcionamento da publicidade para que essa
influência seja mais efetiva leva-me a perceber uma nova configuração nas relações
familiares e novas representões da ppria infância.
As intervenções no cotidiano e nas relações sociais decorrentes do modo de
produção capitalista incidam na estruturação de novas formas de relacionamento, fossem
elas de trabalho, fossem particulares e/ou individuais. Em relação a este último ponto,
talvez seja mais significativo o nível de transformação e reestruturação simbólica: o
indivíduo. o se trata de determinar a causa e muito menos a conseqüência desse
Relações sociais e consumo
49
processo. Trata-se de compreender como essas estruturações afetaram significativa e
sensivelmente as relações entre os indivíduos e do indivíduo consigo. Reside a questão
que me é central. A mercantilização da vida atingiu níveis, até então, inéditos, incorporando
o que lhe era inalcaável por princípio. Viabilizar o processo de construção do indivíduo
como consumidor e como cliente é, ao mesmo tempo, construir uma nova representação
sensível desse mesmo indivíduo.
O indivíduo emerso na e da modernidade despontou com uma autonomia que lhe
concede liberdade e, ao mesmo tempo, contraditoriamente, sua prisão. Ao libertar-se de
“ser o homem de quem” tornou-se “o homem de quanto”. Explico melhor. Ao extinguirem-
se as relações de servidão, homem a homem, novos parâmetros foram necessários para
embasar as relações entre eles. Com a consolidação do modo de produção capitalista e o
advento da economia monetária, o “elemento dinheiro, senão inédito em sua existência,
pelo menos, tornou inédita sua configuração nas experiências sociais. Segundo Simmel, na
transição doculo XIX para o XX ao escrever que “a época moderna possibilitou a
autonomia da personalidade e deu a ela uma liberdade de movimentos interna e externa
incomensurável. E deu, por outro lado, em compensação, um caráter objetivado
incomensurável aos conteúdos práticos de vida.”(SIMMEL: 2005, 23) apontava o que se
configuraria extremo na segunda metade do século passado. A objetivação da vida em torno
da mercadoria dinheiro atingiu a própria construção da identidade dos indivíduos. Tal
perspectiva não é restrita à mercadoria dinheiro. Constitui a própria relação entre os
homens e o trabalho, entre os homens e o resultado de seu trabalho e entre os homens e as
mercadorias. A divisão social do trabalho, a crescente especialização, a automação e a
terceirização, apesar de relevantes, não concernem a esta discussão. A meu ver, é na
decorrência da relação entre os homens e as mercadorias que as sensibilidades estão
sofrendo maior impacto. o é uma questão simples: as mercadorias não são o resultado
imediato do trabalho humano, o produto, sim.
O processo de passagem de produto para mercadoria deve-se ao que Marx
denominou de reificação. Ao imbricar características abstratas ou não pertinentes a eles, os
produtos são revestidos por uma aura de unicidade, de magnitude, que não pertence à sua
condição de produto. Consiste, assim, em humanizar ou subjetivar a materialidade do
Relações sociais e consumo
50
produto, dando a ele uma particularidade que, em última instância, acaba por engendrar
uma identidade.
Mesmo se tratando de um processo amplo que atinge o modo produtivo como um
todo, produto algum adquiriu tanta autonomia identitária quanto a mercadoria dinheiro. O
“elemento” dinheiro, ao se construir na condição de mercadoria, despertou um fetichismo
sem precedentes. O “fetichismo da mercadoria é, dentre outros fatores, um dos pilares da
consolidação do modo de produção capitalista. O constante, acelerado e impactante
crescimento do modo de produção capitalista é viabilizado por um consumo exagerado
devido ao caráter místico da mercadoria” em despertar o desejo de possuí-la. Segundo
Marx:
[...] o valor de uso das coisas é independente de suas propriedades
enquanto coisas, que seu valor, ao contrário, lhes é atribuído enquanto
coisas. O que lhes confirma isso é a estranha circunstância que o valor de
uso das coisas se realiza para o homem sem troca, portanto na relação
direta entre coisa e homem, mas seu valor, ao contrário, se realiza apenas
na troca, isto é, num processo social. (1998: 78)
Separada de sua objetividade imediata de uso, a mercadoria adquire uma grandeza
de valor que não lhe é inerente, nem se restringe à sua finalidade. Torna-se socialmente útil,
à medida que pode ser ostentada em sua nova roupagem, revelando, assim, as
sensibilidades que pautam as relações sociais em torno do mercado consumidor. Estas
sensibilidades são vinculadas ao processo histórico no qual são construídas e nele
encontram sentido e, porque não dizer, valor. Ainda conforme Marx:
A forma valor do produto é a forma mais abstrata, contudo também a
forma mais geral do modo burguês de produção, que por meio disso se
caracteriza como uma espécie particular de produção social e, com isso,
ao mesmo tempo historicamente. Se, no entanto, for vista de maneira
errônea como a forma natural eterna de produção social, deixa-se também
necessariamente de ver o específico da forma valor, portanto, da forma
mercadoria, de modo mais desenvolvido da forma dinheiro, da forma
capital etc. (1998: 76)
Quem é o consumidor? Quem é o indivíduo que quer ser único e, ao mesmo tempo,
massificado na uniformização do consumo exagerado? Onde se realiza esse indivíduo? Tais
perguntas devem ser respondidas à luz da compreensão sobre o papel da mercadoria
Relações sociais e consumo
51
dinheiro nas sensibilidades dos indivíduos e em seu papel social. O donio de um homem
sobre outro homem da Idade Média foi deslocado pela posse da mercadoria dinheiro.
Segundo Simmel, o dinheiro se impôs entre a posse e o proprierio separando-os e
ligando-os. Nessa função, o dinheiro confere, por um lado, um caráter impessoal,
anteriormente desconhecido, a toda atividade econômica, por outro lado, aumenta,
proporcionalmente, a autonomia e a independência da pessoa”. (SIMMEL: 2005, 24).
A mercadoria dinheiro, antes compreendida como meio de atingir a posse de outra
mercadoria qualquer, tornou-se a finalidade das relações de trabalho e dos indivíduos.
Muitas vezes, serve de parâmetro para quantificar e qualificar esses mesmos indivíduos e
suas relações, inclusive, dificultando estabelecer um consenso sobre a posse: do indivíduo
sobre a mercadoria dinheiro, ou da mercadoria dinheiro sobre os indivíduos. É neste sentido
que:
Aquele caráter impessoal e não-colorido, que é típico para o dinheiro em
oposição aos outros valores específicos, tem de se reforçar continuamente
ao longo da história cultural, na medida em que o dinheiro tem de
substituir mais e mais coisas cada vez mais variadas. É exatamente esta
ausência de um caráter específico que tornou possíveis os seus serviços
imensos, gerando uma comunidade ativa de indivíduos e grupos que
normalmente insistem na sua separação e distância tua em todos os
outros aspectos. Forma-se, então, um novo fio condutor para os conteúdos
de vida que podem ser associados. (SIMMEL:2005, 24)
A mercadoria dinheiro torna-se, então, o “fio condutor estruturante nas e das
relações sociais. Tal estruturação, a meu ver, deve-se ao que Bauman denomina de “fase
líquida da modernidade”. Para o autor, a libertação possibilitada pela era moderna em
permitir o indivíduo fazer da identidade” por si mesmo, foi a libertação da “inércia dos
costumes tradicionais, das autoridades imutáveis, das rotinas pré-estabelecidas e das
verdades inquestioveis. Para Bauman:
Quando a modernidade substituiu os estados pré-modernos (que
determinavam a identidade pelo nascimento e assim proporcionavam
poucas oportunidades para que surgisse a questão do “quem sou?”) pelas
classes, as identidades se tornaram tarefas que os indivíduos tinham de
desempenhar, por meio de suas biografias[...] quando se trata de pertencer
a uma classe,é necessário provar pelos próprios atos, pela “vida inteira”-
não apenas exibindo ostensivamente uma certidão de nascimento -, que de
Relações sociais e consumo
52
fato se faz parte da classe a que se afirma pertencer. Deixando de fornecer
essa prova convincente, pode-se perder a qualificação de classe, tornar-se
déclassé. (2005, 55-26)
A mercadoria dinheiro passou a configurar-se como uma “certidão” de classe. Desta
forma, sua posse torna-se o fim e o meio nas e das relações sociais. Tal fato constitui uma
crise de sentidos solucionada na concretização do consumo de determinados bens. Em
busca do que Bourdieu
18
denominou de distinção, os homens buscam seu lugar, ou, como
prefere o autor, um campo que lhe sustente a autonomia e, por que não dizer, sua
identidade. É neste sentido que a mercadoria dinheiro se subjetiva. Sua posse permite, nas
relações sociais pautadas pelo modo de produção capitalista, esse lócus social.
No entanto, um problema apresenta-se em relão à demonstrão da posse da
mercadoria dinheiro. É nesse ponto que sua condição de fim e de meio se aglutinam,
solucionando-o. Em vista da dificuldade prática de ostentar a posse da mercadoria dinheiro
em espécie, a solução encontrada que favorece extremamente a manutenção do modo de
produção capitalista é sua ostentação indireta, ou seja, da ostentação de símbolos que
remetam diretamente à sua posse. Elabora assim, a estruturação do sistema simbólico da
constrão de identidades a partir desses mesmos símbolos. Essa constrão de identidades
conduz, em primeira e última instâncias, à inclusão ou exclusão desse lócus ou campos
19
.
Segundo Almeida, estabelece um sistema de mecanismos de distinções sociais radicais,
que, na minha visão, cria condições de aproximação ou de afastamento entre os diversos
indivíduos e nas relações entre eles. Essas relações não são cristalizadas e estão em
movimento e, para manter seu equibrio instável, devem ser constantemente alimentadas
por novos símbolos. É neste aspecto que Bauman afirma a diferença dos tempos atuais:
É nisso que s, habitantes do líquido mundo moderno, somos diferentes.
Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas
identidades em movimento lutando para nos juntarmos aos grupos
18
O conceito de distinção de Bourdieu aqui apresentado baseia-se na visão de Kátia Maria Pereira de
Almeida, apresentada em: ALMEIDA, Kátia Maria Pereira. Distinção e transcendência: a estética cio-
lógica de Pierre Bourdieu. Revista Eletnica Mana. v. 3, n. 1, 1997. p 155-168. In: www.scielo.br
19
A ostentação de símbolos que remetem à posse da mercadoria dinheiro possibilita a ostentação mesmo
daqueles que não a possuem. A facilidade de parcelamento, crédito fácil, pirataria e até mesmo o roubo,
permitem de, certa forma, uma maneira peculiar de adentrar aos lócus sociais.
Relações sociais e consumo
53
igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos
manter vivos por um momento, mas não por muito tempo...
Com o mundo se movendo em alta velocidade e em constante aceleração,
você não pode mais confiar na pretensa utilidade dessas estruturas de
referência com base na sua suposta durabilidade (para não dizer
atemporalidade!). Na verdade, você não confia nelas nem precisa
delas...Rígidas e pegajosas, também é difícil livrar essas estruturas dos
velhos conteúdos quando chega a sua data de validade”. No admirável
mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as
identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não
funcionam. (BAUMAN: 2005, 32-33)
O equilíbrio instável a que me refiro é o do próprio estabelecimento de relações
mais densas, cujos laços não sejam calcados apenas na temporalidade fugidia (líquida para
Bauman), que parece ser a tônica da sociedade atual. Como todo equilíbrio instável, a
necessidade do movimento constante é o que garante sua frágil manutenção. A liberdade
herdada da modernidade não nos a opção da permancia. A não ser na permanência
desta condição. “O prêmio é a liberdade de seguir adiante, mas uma opção que não temos a
liberdade de fazer é parar de nos movimentar”(BAUMAN: 77). A noção de movimento é
acompanhada pela da transitoriedade que lhe é decorrente.
O sistema simbólico criado e mantido por meio do modo de produção capitalista
possui uma lógica ppria, que garante a sua consistência e constitui e é constituinte do
imaginário social.“A sociedade se depara constantemente com o fato de que um sistema
simbólico qualquer deve ser manejado com coerência; quer ele o seja ou não, surge daí uma
série de conseqüências que se impõem, quer tenham ou não sido conhecidas e desejadas
como tais”(CASTORIADIS: 1982, 148). Desta forma, há uma certa incoerência em afirmar
que nem todos os indivíduos sujeitam-se a essa lógica. Particularidades a parte, não
como se abster das relações sociais de consumo, uma vez que não há outra possibilidade
econômica vigente em nossa sociedade. O que também não significa a homogeneização do
padrão de consumo, nem de comportamento. Mesmo os que não se encontram nem se
reconhecem nessa lógica capitalista têm de alguma maneira de se relacionar com outros
indivíduos que, em maior ou menor grau, se inserem nela.
A lógica simbólica não é dada a priori, nem de imediato. É fruto de negociações e
acomodações que encontram sentido historicamente. Por ser histórica reporta
simultaneamente a um tempo e a um lugar. É inócua se desprovida desta imbricação. Nem
Relações sociais e consumo
54
também é individual e particular. A composição do imaginário social remete diretamente
àquilo que perpassa pela sociedade. Para Castoriadis:
Tudo o que se nos apresenta, no mundo social-histórico, está
indissociavelmente entrelaçado com o simbólico. Não que se esgote nele.
Os atos reais, individuais ou coletivos – o trabalho, o consumo, a guerra, o
amor, a natalidade – os inumeráveis produtos materiais sem os quais
nenhuma sociedade poderia viver um momento, não são (nem sempre,
não diretamente) símbolos. Mas uns e outros são impossíveis fora de uma
rede simbólica. (1982: 142)
de se ressaltar que essa rede simbólica, apesar de constituir um sistema social,
não está isenta de contradições, muito menos de resistência a ele. Porém é nele que a busca
por sentido encontra maior racionalização, mesmo que esta o lhe pertença. O sistema
simbólico remete ao ritualístico, e suas fronteiras não são passíveis de determinação. Ainda
segundo Castoriadis:
O simbolismo não pode ser nem neutro, nem totalmente adequado,
primeiro porque não pode tomar seus signos em qualquer lugar, nem pode
tomar quaisquer signos. Isso é evidente para o indivíduo que encontra
sempre diante de si uma linguagem constituída, e que se atribui um
sentido privado” e especial a tal palavra, tal expressão, não o faz dentro
de uma liberdade ilimitada mas deve apoiar-se em alguma coisa que “aí se
encontra”. Ela deve tomar sua matéria no que já existe”. Isso é primeiro a
natureza... Mas também é hisria. Todo simbolismo se edifica sobre as
ruínas dos edifícios simbólicos precedentes, utilizando seus materiais...Por
suas conees naturais e hisricas virtualmente ilimitadas, o significante
ultrapassa sempre a ligação rígida a um significado preciso, podendo
conduzir a lugares totalmente inesperados. A constituição do simbolismo
na vida social e histórica real não tem qualquer ligação com as definições
fechadas” e transparentes dos símbolos ao longo de um trabalho
matemático. (1982, 146-147)
Neste sentido, no sistema simbólico social, é possível falar no singular
de“consumidor”, de “criaa-consumidorae de infância consumida”? Creio ser possível
e extremamente viável. Afirmar o sujeito no singular não quer dizer, em absoluto,
homogeneizar e muito menos generalizar conceitos tão complexos.
Relações sociais e consumo
55
Na verdade, trata de compreender como o significado desses mesmos conceitos,
inicialmente separados - criança e consumidor-, o articulados e vividos em sociedade e
encontram significância nessa mesma sociedade ao se constituírem como um sujeito em
que se condensam ambos: a criança-consumidora. Seu sentido permeia a sociedade,
perpassando-a, compondo, assim, uma parte de seu sistema simbólico. Denominar como
sujeito a criança-consumidora, no singular, diz respeito à construção simbólica em torno
dessa figura que emerge com muita consistência mais especificamente nas duas últimas
décadas do século passado. O sentido apreendido da construção simlica da criança-
consumidora não se restringe a um ou outro sujeito social. Encaixa-se no conceito de
mentalidades para o qual Le Goff chama nossa atenção. Para o autor, “a mentalidade de um
indivíduo histórico, sendo esse um grande homem, é justamente o que ele tem de comum
com outros homens de seu tempo.(1976, 69). Trata-se da construção simbólica,
historicamente construída. “É que se capta o estilo de uma época, nas profundezas do
quotidiano” (1976, 71) que propicia perceber a emergência desse sujeito, a criança-
consumidora. Devido a essa perspectiva é que Le Goff também enfatiza a necessidade de
não desvincular a alise das mentalidades do estudo de seus locais e meios de produção”
(1976, 76). E é justamente sobre esse caráter histórico da construção de sentidos que se
pauta este trabalho, pois, deslocado de sua historicidade e de seus meios, o processo de
formação da criança-consumidora tornar-se-ia incompreensível e perder-se-iam as diversas
nuances características e intrínsecas a esse processo.
O caráter histórico da construção de sentidos, implicado com os meios e os locais de
produção, pode ser compreendido a partir da apropriação que dele é feita. Tal apropriação e
a negociação dos sujeitos sociais decorrentes de sua recepção permitem perceber como se
equilibram as representações existentes com as elaboradas por meio dessa apropriação.
Entendendo o conceito de apropriação segundo a perspectiva de Chartier como “a
pluralidade dos empregos e das compreensões e a liberdade criadora mesmo que seja
regrada- dos agentes que nem os textos nem as normas impõem”, possibilita-me
compreender a atuação da publicidade e as implicações de seu impacto na construção de
sentidos e no processo de formação da criança-consumidora. Ainda segundo o autor:
Relações sociais e consumo
56
[...]A apropriação tal como a entendemos visa uma história social dos
usos e das interpretações, relacionados às suas determinações
fundamentais e escritos nas práticas específicas que os produzem. Dar
assim atenção às condições e aos processos que, muito concretamente,
sustentam as operações de construção de sentido (na relação de leitura
mas também em muitas outras) é reconhecer, contra a antiga história
intelectual, que nem as inteligências nem as idéias são desencarnadas e,
contra os pensamentos do universal, que as categorias dadas como
invariantes, quer sejam filosóficas ou fenomenológicas, devem ser
construídas na descontinuidade das trajetórias hisricas. (2002, 68)
É justamente nesse perspectiva que se pauta este trabalho de dimensionar a vital
importância do caráter da negociação presente nas relações perpetradas pelos sujeitos
sociais. Trata-se de reconhecer o espaço de que esses sujeitos dispõem decorrentes de sua
autonomia como tais. Dessa forma, também não é subestimar o poder de atuação de
determinados agentes ou grupos sociais. Realmente, grupos e agentes sociais dispõem de
grande poder de influência sobre outros. Neste sentido, cabe ressaltar que sua atuação é
direcionada em sua capacidade de penetração no meio social. E esta é utilizada conforme os
interesses desses grupos. No entanto é pertinente enfatizar que seu poder é de influência,
não de determinação.
Assim sendo, é fundamental a compreensão da atuação de um dos pilares da
constrão de sentido e do imaginário das sociedades atuais: os meios de comunicação de
massa. Sua onipresença é por demais significativa justamente por seu poder de difusão e
influência. Seus efeitos foram extensiva e duramente criticados, em especial, pelos
frankfurtianos
20
. Segundo Adorno, não se trata de uma influência qualquer a da chamada
indústria cultural
21
, “é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a
sociedade (ADORNO: 1985, 114). Para o autor:
20
Os estudos sobre os meios de comunicação de massa da famosa Escola de Frankfurt, em especial nas
figuras de Adorno, Horkheimer, Benjamin e Habermas, desde o início do século passado, apontam questões
sobre o poder da chamada indústria cultural. São estudos extensivamente citados, ater-me-ei mais
especificamente ao texto ADORNO, Theodor W. A indústria cultural: O esclarecimento como mistificação
das massas. In: HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor W. Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Trad. Guido Annio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. p.113-156.
21
O conceito de indústria cultural pode ser simplificado na massificação veiculada pelos meios midiáticos,
que impõem padrões universalizantes de consumo.
Relações sociais e consumo
57
O fato de que milhões de pessoas participam dessa industria (cultural)
imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a
disseminão de bens padronizados para a satisfação de necessidades
iguais[...]a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à
produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da
obra e a do sistema social. Isso, porém, não deve ser atribuído a nenhuma
lei evolutiva da técnica enquanto tal, mas à sua função na economia atual.
A necessidade que talvez pudesse escapar ao controle central é
recalcada pelo controle da consciência individual. (1985, 114)
Adorno destacava, no início do século passado, que a mão pesada da indústria
cultural, veiculada pelos meios de comunicação de massa, atua no sentido de abarcar a
sociedade em sua totalidade. Dentro de suas especificidades, os diversos segmentos sociais
encontram mercadorias a serem consumidas de acordo com o seu perfil, ou, como preferem
seus agentes produtores, segmento de mercado. Para Adorno:
As distinções enfáticas que se fazem entre os filmes das categorias A ou
B, ou entre as histórias publicadas em revistas de diferentes preços, a
classificação, organização e computação estatística dos consumidores.
Para todos algo está previsto; para que ninguém escape, as distinções são
acentuadas e difundidas. O fornecimento ao público de uma hierarquia de
qualidades serve apenas para uma quantificação ainda mais completa.
Cada qual deve se comportar, como que espontaneamente, em
conformidade com seu level, previamente caracterizado por certos sinais,
e escolher a categoria dos produtos de massa fabricada para seu tipo.
Reduzidos a um simples material estatístico, os consumidores são
distribuídos nos mapas dos institutos de pesquisa (que não se distinguem
mais dos de propaganda) em grupos de rendimentos assinalados por zonas
vermelhas, verdes e azuis. (1985, 116)
A publicidade enquadra-se na perspectiva apresentada por Adorno. Torna-se
significativa, à medida que, a meu ver, configura-se como grande expressão do modo de
produção capitalista. Isto se deve ao fato de as campanhas publicirias serem construídas
após extensas pesquisas de mercado, bebendo no e do imaginário social para compor a
ritualização de seu discurso, apoteoticamente, concluído com a apresentação da mercadoria
em questão. Segundo Arruda, cujo estudo sobre a publicidade no Brasil caminha na mesma
perspectiva de Adorno, é por meio da publicidade que há a reprodução do capital.
Relações sociais e consumo
58
A indústria cultural, numa sociedade dominada pelo valor de troca,
juntamente com a publicidade, que é sua seiva, transforma-se em
importantes mecanismos reprodutores...A indústria cultural sacia e conduz
à apatia os consumidores, o que num sistema de produção de mercadorias
e, portanto, de necessidade de consumidores, poderia significar algum
risco. Mas a publicidade contorna esse perigo. A indústria cultural satisfaz
por meio de um movimento aparentemente contraditório: satisfaz porque
promete simplesmente, mas não realiza a sua promessa. A publicidade
ocupa esse vazio, uma vez que compensa a o-fruibilidade completa,
propondo, ao contrário, um desfrute real. (ARMINDA: 2004, 32).
A questão apresentada por Arruda é extremamente relevante por equacionar a
dimensão do poder da publicidade na perpetuação do modo de produção capitalista. Ao
prometer, insistentemente, a satisfação despertada pelo desejo da posse da mercadoria,
nega-a, também, insistentemente. O ato do consumo da mercadoria deveria, conforme o
prometido na publicidade, satisfazer o consumidor, encerrando o ciclo produtivo. No
entanto a não-satisfação o faz de maneira muito mais eficiente, pois, ao proporcionar o
sentimento de vazio no consumidor, leva-o a consumir novamente outras mercadorias,
iniciando, mais uma vez, o movimento cíclico do capitalismo.
Ambos os autores são categóricos ao afirmar a onipotência da indústria cultural.
Mesmo não tendo condições de negar a capacidade de influenciar os consumidores,
gostaria de ponderar a esse respeito. Ao analisar a construção das campanhas publicitárias,
segundo a visão de seus produtores, um fato peculiar chamou-me a atenção. Os autores por
mim pesquisados
22
também são categóricos ao afirmar sua impotência ante o consumidor.
Explico melhor. Para os publicitários, o enfoque recai sobre o consumidor e não sobre a
mercadoria a ser publicizada. A máxima “num anúncio o que menos importa é o produto
23
é senso comum entre eles. Apresentam-se como “reféns” dessa figura endeusada, que é o
consumidor. Para os publicitários, volume algum de recursos, financeiros e materiais, é
suficiente se, e somente se, a propaganda não buscar no imaginário social seu significado.
O consumidor reconhece-se, no anúncio, e, por conseqüência, na mercadoria, à
medida que o anúncio lhe seja, de algum modo familiar, e desperte-lhe o desejo de possuir
22
Para maiores informações, ver referências bibliográficas os autores: Blackwell, Maynard, Engel, Ries,
Trout.
23
É interessante ressaltar que nos compêndios de publicidade não aparece a denominação de mercadoria,
aparece comumente produto. Não há a distinção entre os termos.
Relações sociais e consumo
59
a mercadoria apresentada. Desta forma, como ponderar duas visões que se colocam
inicialmente contraditórias? Justamente nessa contradição. Tal perspectiva vai ao encontro
da percepção de Chartier na compreensão das práticas sociais e a inserção dos indivíduos
nestas práticas. Segundo Chartier:
[...]as tentativas feitas para decifrar diferentemente as sociedades,
penetrando o Dédalo das relações e das tensões que as constituem a partir
de um ponto de entrada particular (um acontecimento, obscuro ou maior,
o relato de uma vida, uma rede de prática específicas) e considerando que
não prática ou estrutura que não seja produzida pelas representações,
contraditórias e afrontadas, pelas quais os indivíduos e seus grupos dão
sentido a seu mundo. (2002, 66)
No afrontamento das possibilidades de construção de sentido, de se incorporar a
contradição inerente ao próprio capitalismo. Ambas as percepções (de ser ou não o
consumidor um sujeito autônomo frente à publicidade) são respaldas por argumentos
consideráveis. Ambas estão corretas. Ambas se completam. Ambas se chocam, pois o modo
de produção capitalista já nasceu sob o signo da contradição. No entanto suas contradições
passam a servir de instrumento para sua perpetuão. E é nessa contradição de consumidor
sem renda, de sujeito sem voz, que o
processo histórico da formação da criança-
consumidora deve ser analisado. A compreensão despertada pela percepção de sua
emergência como sujeito é, em grande parte, despertada pela atenção que os meios de
comunicação de massa dedicam a esse sujeito. Sujeito este que se constrói mediado pela
contradição na qual está inserido e, a partir dela, encontra seu lócus social.
Relações sociais e consumo
20
Capítulo I
Relações sociais e consumo
Problematizar a relação estabelecida entre consumo e consumidor, mais
especificamente a formação da criança como consumidora, requer, de início, o trato com
um vocabulário peculiar às áreas em que o tema é usual. Essa terminologia não permaneceu
restrita a seus meios - administração de empresas, marketing, publicidade, economia e áreas
afins - e passou a permear e penetrar o cotidiano, as experiências sociais e sensibilidades,
adquirindo, dessa forma, aura de autonomia.
Tal fato por si justifica um estudo mais aprofundado do tema, uma vez que a
difusão social desses termos técnicos é extremamente significativa. Dada a incorporação
não dos termos cnicos como tamm de seus significados, não se trata em absoluto de
mera transposição e “compra de discurso”. As relações sociais, nas duas últimas décadas do
século XX, passaram a experimentar com mais intensidade a convivência com valores
específicos às relações comerciais, interagindo com os valores construídos cultural, social e
historicamente. A abordagem central deste trabalho não se pauta na discussão conceitual
dos termos empregados. Pelo contrário, centra-se no processo histórico no qual estes
conceitos consumo, consumidor e, mais especificamente, criança-consumidora -
adquiriram significado e constituíram-se como significantes centrais das relações sociais.
A problematização do processo de criação de significados e das sensibilidades é por
demais ampla e repleta de possibilidades de análise. Diante da amplitude da questão
original e tendo uma escolha a ser feita, esta foi orientada pela sensibilidade e pelo olhar
específico de quem a construiu.
Nesse sentido, compreender o processo de formação de um consumidor singular - a
criança - e a conseqüente segmentação de mercado voltada às suas especificidades não foi
simples conseqüência da melhor estruturação do mercado produtivo. Como segmento, sua
particularidade não é devida ao volume monetário envolvido; sua relevância é dada por
meio da constrão de sensibilidades que viabilizou um consumidor que o usufrui a
condição essencial de sê-lo: a disponibilidade de renda.
Relações sociais e consumo
21
1.1 Emerge uma nova representão da criança
Março de 2007
Ao som de True Collorsde Phill Collins, hino à diversidade racial e à tolerância,
a linha de produtos de beleza Dove lançou a Campanha pela real beleza para meninas e
adolescentes. Esta era a ampliação da campanha, inicialmente, destinada às mulheres
adultas. Por meio do mote O sol nasceu pra todas”, buscou e efetivamente alcançou o
sucesso nos meios publicitários e junto a seu público-alvo.
Mulheres que, no jargão publicitário, estariam fora do padrão estético estabelecido
desfilavam de biquíni espontaneamente pela praia. Apresentadas de forma sensual, o
anúncio valoriza a postura segura e determinada das modelos. O mote da campanha
exaltava o direito nato e inalienável das mulheres de serem belas. As diferenças de peso,
altura, cor da pele, tipo de cabelo não seriam nada mais que características femininas
interessantes e dignas de apreciação. Outro fator de destaque em relação a tal propaganda
era a mudança no referencial de beleza apresentado. As campanhas publicitárias, até então,
representavam as mulheres fundamentando-se num ideal de beleza praticamente
inalcançável. A utilização do produto era vinculada a informações hiperbólicas. Um dos
principais requisitos para ser garota-propaganda de produtos de beleza era a condição, sine
qua non, de ser bela e reconhecida como tal.
A Dove reposicionou-se no mercado lançando uma campanha que, inicialmente,
seria considerada contraditória. O fato de apresentar mulheres “reais” poderia ir de
encontro aos anseios de seu público-alvo. Caracterizá-las como “magrinhas, gordinhas,
altas e baixas”
1
poderia atuar como fator de rejeição e não como catalisador na veiculação
da mensagem subliminar da campanha publicitária.
O que tornou essa campanha tão significativa? Seria o ineditismo de apresentar
mulheres consideradas fora do padrão estético vigente? Seria a satisfão dos anseios
femininos de serem reconhecidas e serem representadas como mulheres “reais”? Seria a
conjugação de ambos os aspectos? Ou seria uma reorganização de componentes típicos da
publicidade, ordenados sob uma nova roupagem, ocultando o que é de fato inédito na
campanha? Vários aspectos podem ser evidenciados e ponderados a respeito de seu
1
Expressões retiradas do lançamento da “Campanha pela real beleza” de 2004.
Relações sociais e consumo
22
sucesso. Porém, o que efetivamente difere a Campanha pela real beleza”das outras? A
priori, a Dove não vende produtos. A Dove vende auto-estima.
1.2 “Auto-estima à venda”
True colors
Phil Collins
(letra e tradução)
You with the sad eyes
Don't be discouraged til I realise
It's hard to take courage
In a world, full of people
You can lose sight of it
And the darkness, inside you makes you feel so small
But I'll see your true colors, shining through
I see your true colours, and that's why I love you
So don't be afraid, to let them show
Your true colours, true colours
Are beautiful, ooh like a rainbow
Show me a smile
Don't be unhappy can't remember when
I last saw you laughing
When this world makes you crazy
And you've taken all you can bear
Just call me up, cos you know I'll be there
And I'll see your true colours, shining through
I see your true colours, and that's why I love you
So don't be afraid, to let them show
Your true colours, true colours
Are beautiful, ooh like a rainbow
Such sad eyes
Take courage now, realise
When this world makes you crazy
And you've taken all you can bear
Just call me up, cos you know I'll be there
And I'll see your true colours, shining through
I see your true colours, and that's why I love you
Relações sociais e consumo
23
So don't be afraid, to let them show
Your true colours, true colours
Are beautiful, ooh like a rainbow
Você com os olhos tristes
Não se sinta desencorajado até eu perceber
Que é difícil ter coragem
Em um mundo, cheio de gente
Você pode perder de vista
E a escuridão dentro de você te faz sentir pequeno
Mas eu verei você como você realmente é, brilhando
Eu vejo você como realmente é, e é por isso que te amo
Então não tenha medo de mostrá-las
Você como realmente é, você como realmente é
São lindas como um arco-íris
Me mostre um sorriso
Não fique infeliz, não me lembro
Da última vez que te vi sorrindo
Quando esse mundo te deixar louco
E você tiver agüentando tudo que pode agüentar
Me ligue, porque você sabe que eu estarei aqui
E eu verei suas verdadeiras cores, brilhando
Eu vejo suas verdadeiras cores, e é por isso que te amo
Então não tenha medo de mostrá-las
Suas verdadeiras cores, verdadeiras cores
São lindas, como um arco-íris
Olhos tão tristes
Tenha coragem agora, perceba
Quando esse mundo te deixar louco
E você tiver agüentando tudo que pode agüentar
Me ligue, porque você sabe que eu estarei aqui
Eu verei você como realmente é, brilhando
Eu vejo você como realmente é, e é por isso que te amo
Então não tenha medo de mostrar
Você como realmente é, você como realmente é
São lindas, como um arco-íris
Relações sociais e consumo
24
Relações sociais e consumo
25
Relações sociais e consumo
26
Dada a problemática proposta por este trabalho, a construção histórica da criança-
consumidora e o efetivo consumo da infância, houve a necessidade de seu
redirecionamento em função do lançamento da campanha da linha de produtos de beleza da
Dove para adolescentes. O fato de desconsiderar o recorte temporal inicialmente
estabelecido (1950-2000) e incluir essa campanha neste trabalho justifica-se em razão do
impacto causado pelo seu lançamento.
Essa campanha tornou-se viável a partir da percepção de que houve, efetivamente, a
constrão de uma criança-consumidora estruturada em parâmetros fortes e firmes, que
permitem perceber a mudaa da representação da criança e do adolescente. Esta questão
perpassa não pelos meios de produção. Conforme apresentadas na introdução deste
trabalho, rias foram as situações que me permitiram perceber uma mudança significativa
e senvel do imaginário social no que tange à representação da criança, da infância, do
adolescente e das relações familiares.
Toda a problemática presente neste trabalho foi despertada por um diálogo
aparentemente sem maiores implicações
2
.Ter presenciado dois garotos comentando a
respeito da autenticidade de um símbolo ostentado como fator de distinção social, levou-me
a questionar os valores em construção e as relações sociais advindas destes. Que
reordenação sensível estava configurando-se? Neste sentido, em que parâmetros organizar-
se-iam os papéis sociais e, decorrentes destes, as relações familiares?
Essa situação, da qual fui testemunha involuntária, ganhou relevância a ponto de
instigar a pesquisa e a confecção deste trabalho, dada minha postura como mãe,
pesquisadora e educadora. Apropriando-me do provérbio “os homens se parecem mais com
sua época do que com seus pais”
3
, preocupou-me imensamente esse confronto dos valores
cultivados no âmbito doméstico e privado com os valores dos grupos de convívio externos
à família.
Tal fato tornou-se notável, uma vez que veio de encontro à minha percepção
sensível de representação de uma infância e de uma adolescência peculiar, construídas a
partir de uma vivência e de uma experiência possibilitadas num contexto histórico
2
Verificar o diálogo sobre a história do boné na página 03 da introdução.
3
Antigo provérbio árabe citado por Lilia Schwarcz na apresentação à edição brasileira da obra Apologia da
História de Marc Bloch, p 07.
Relações sociais e consumo
27
específico. Desta forma, busquei questionar se a representação de infância e adolescência
que tenho como referencial não consistia em fruto do percurso da minha memória,
decorrente do já esperado conflito de gerações.
A convivência constante e diária com crianças e adolescentes possibilitou-me
perceber diversas situações que intensificaram, sobremaneira, as inquietações que me
acometiam e, até então, não se encontravam organizadas sistematicamente. Dar um
tratamento teórico a essas indagações implicou a princípio recorrer aos estudos referentes à
memória, visando orientar, inclusive, a pesquisa com as fontes. Entrelaçar elementos que a
princípio parecem não compor uma trama inteligível, na verdade, propiciou uma
abordagem profícua ao relacionar, de início, memória, sensibilidade e história.
O estudo referente à memória permitiu-me perceber que não se tratava apenas de
uma comparação nostálgica com o passado. Muito pelo contrário. O recuo constante
orienta-se projetivamente para o futuro, neste caso específico, o futuro de meus filhos e de
sua geração, imbuída de valores permeados pela ambição consumista.
Nesse sentido, segundo Seixas, a função sensível da memória não é, de modo
algum, restrita à capacidade de armazenar fatos. Para a autora:
A meria não é jamais como aparece superficialmente, ou seja, como
uma retrospectiva, um resgate passivo e seletivo de fatias de passado que
vêm, como um decalque, compor ou ilustrar nosso presente; seu
movimento, ao contrário, é antes de mais nada o de prolongar o passado
no presente. A meria não é regressiva (algo que parte do presente
fixando-se no passado); ela é prospectiva e, mais do que isso, é projetiva,
lançando-se em direção do futuro... (SEIXAS, 2002: 45)
Seixas ressalta que o caráter projetivo da memória não é desprovido de intenção.
“lembramos não apenas para conhecer e reconhecer, mas também para agir e criar.”
(Seixas, 2003:128). Dimensionar a memória e seu percurso, numa operação sensível
voltada à ação, percurso este carregado de afetos, imaginação e esquecimentos, serviu-me
de parâmetro para embasar e orientar este trabalho, principalmente no tocante aos afetos e a
sensibilidades normalmente desprezados em trabalhos acadêmicos. E é neste aspecto que
não seria pertinente situar a pesquisa apenas como uma observação despertada pela
chocante diferença entre perspectivas distantes de gerações distintas. O enfoque é a
intenção de discutir a construção do processo histórico no qual se deu essa diferença.
Relações sociais e consumo
28
Trabalhar tendo como referência a sensibilidade e os afetos tornou possível perceber
as sutilezas específicas das fontes de pesquisa. Tal tratamento em relão a elas foi a opção
mais satisfatória que contemplaria as nuances e, especialmente, os aspectos subliminares
presentes. Dada a especificidade da fonte, uma vez que esta não se constitui em habitué do
historiador, foi necesrio estabelecer uma sistematização que abarcasse a
interdisciplinaridade que é inerente a ela. Orientada por esta perspectiva, a compreensão do
processo de formação da criança-consumidora e da infância consumida e consumista, foi
possível mediante a percepção do duplo deslocamento operado na publicidade das mais
diversas mercadorias no período abordado. O primeiro deslocamento refere-se à
progressiva e constante passagem do discurso publicitário dirigido aos pais (os agentes
veiculadores do consumo) para os filhos (inicialmente, usuários e, posteriormente
consumidores). O segundo, não menos importante que o primeiro, é a transposição do
tempo futuro para o tempo presente.
O duplo deslocamento foi de fundamental importância, ao permitir a constante
constrão das sensibilidades e do imaginário social, uma vez que o discurso publicitário
alimenta e é retroalimentado pela percepção social. Desta forma, a campanha da Dove é o
melhor exemplo significante e significativo dessa percepção e sensibilidade. Tanto é isso
que a Dove fala direto com as adolescentes referindo-se ao presente imediato, vendendo
uma mercadoria de valor incalculável: a auto-estima.
Nessas circunstâncias, dimensiona-se a relevância em discutir esta figura que
emerge mais significativamente na década de 1980: a criança-consumidora. Uma campanha
publicitária, veiculada nos principais meios de comunicação de massa, tendo como
interlocutor um sujeito que congrega em si uma nova representação da criança e da
infância
4
, leva a questionar o que essa figura emergente carrega em si de particular. A
segmentação de mercado, que leva em consideração as nuances e especificidades dos mais
diferentes tipos de consumidores, não pode apresentar-se como a maior justificativa para a
emergência da criança-consumidora. Apesar de ser considerável como fatia de mercado
com grandes possibilidades de expansão (levando-se em conta que, percentualmente, as
4
Apesar de ser uma campanha voltada mais especificamente às meninas e adolescentes, permite perceber a
significativa mudança na sensibilidade em relação às crianças ao representá-las como sujeitos com autonomia
suficiente para compreender o discurso adulto da mensagem publicitária e capacidade de consumo das
mercadorias a serem apresentadas.
Relações sociais e consumo
29
famílias estão diminuindo o mero de filhos, conseqüentemente, eleva-se o potencial de
consumo individual deles), o que torna a criança interlocutora privilegiada do discurso
publicitário é sua capacidade de influência nos ditames do consumo familiar.
1.3 – NAG FACTOR: o poder de persuasão
De nome relativamente desconhecido, porém, familiar de longa data a qualquer
indivíduo que, em algum momento de sua vida, tenha convivido com crianças e
adolescentes, o Nag Factor ou “fator azucrinação ou amolação” é a famosa capacidade de
crianças e adolescentes falarem repetidamente até alcançarem seu objetivo. A tática de
“vencer pelo cansaço”, considerada como integrante do repertório infantil, passou a
despertar o interesse dos publicitários. Tal interesse se deu à medida que se tornou
perceptível a crescente importância da influência das crianças na determinação do consumo
não restrito apenas a mercadorias voltadas especificamente a seu uso direto ou individual.
Uma vez percebida a capacidade das crianças e adolescentes de influenciar a
decisão do consumo, fez-se necessário equacionar essa possibilidade e melhor estruturá-la
para sua utilização nos meios publicitários visando potencializar o consumo de
mercadorias. O empenho em dimensionar as possibilidades do Nag Factor deve-se à
grandeza dos números apresentados por diversas pesquisas. Um exemplo da grandeza a que
me refiro são os dados publicados no artigo de Cátia Almeida
5
. Segundo a autora, fazendo
referência à capacidade de interferência das crianças no consumo familiar na Europa, foi
constado que elas são responsáveis por 45% nas decisões de compra, tendo sido veiculado
no jornal espanhol La Vanguardia que a influência na compra de automóveis é da ordem
de 18%, do destino de férias de 40%, do sabor dos iogurtes em 70%. Em Portugal, segundo
dados fornecidos pelo Fórum da Criança, as escolhas influenciadas pelas crianças para os
locais de refeição fora de casa são da ordem de 81%, para a compra de computadores de
37%, de automóveis de 49% e de operadora de rede móvel de telefonia em 30%. São
5
O texto da autora portuguesa está disponível no site: www.globalnoticias, desde 22/11/2006, acessado em
04/02/2007.
Relações sociais e consumo
30
números nada desprezíveis para a reorientação da publicidade levando em consideração
essa nova perspectiva.
A relevância do Nag Factor foi demonstrada no estudo intitulado The Nag Factor
(O Fator Amolação), conduzido pela Western Media Internacional (hoje Initiative Media
Worldwide) e pela Lieberman Reserch Worldwide, em 1998
6
. Divulgado, sobretudo, no
meio publicitário, serviu de escopo à sua utilização mais devotada. Situar a criança e o
adolescente no centro da família e com capacidade de interferir no processo de aquisição é
por demais significativo. Segundo Linn, nesse estudo, foi relatado que, em pesquisa com
150 mães de crianças na faixa etária entre 3 e 8 anos, durante duas semanas, foram
contabilizadas cerca de 10 mil amolações, “uma média de 66 amolações por mãe, ou cerca
de 4,7 amolações por dia” (LINN, 2006: 58). Foram identificados dois tipos de amolação
normalmente associados. O primeiro tipo é a “amolação persistente”, o fator propriamente
em si, ou seja, a capacidade de repetir exaustivamente o pedido até alcaá-lo. O segundo
tipo é o chamado de amolação de importância”, quando as crianças apresentam
justificativas que embasam sua argumentação.
Decorrente das conclusões desse estudo foi divulgado na imprensa um comunicado
intitulado “The Fine Art of Whining: Why Nagging is a Kid’s Best Friend” (A Arte de
choramingar: Por que a amolação é a Melhor Amiga da Criança), segundo Linn, os
pesquisadores também classificaram os pais em diferentes categorias: os “indulgentes”
(aqueles que cedem), os “companheiros (pais que querem divertir-se como seus filhos), os
“conflitantes(pais influenciados pela culpa) e os “necessidades básicas” (aqueles capazes
de reconhecer as necessidades dos filhos e que decidem sozinhos a compra). Tal referência
deve-se à possibilidade de melhor situar o confronto entre filhos e pais quando da
efetivação ou não do consumo. Neste intento,
...O estudo identifica quais os tipos de pais estão mais propensos a ceder
às amolações. Como era esperado, os pais divorciados e aqueles com
adolescentes ou crianças bem pequenas ficam nos primeiros lugares. O
estudo identifica algumas coisas pelas quais as criaas normalmente
amolam os pais, estimando a freqüência de sucesso para cada tipo de
pedido: quatro em cada dez passeios a estabelecimentos de
entretenimento,... uma em cada três idas a restaurantes do tipo fast-food e
três em cada dez vendas de fitas de vídeo.... (LINN, 58)
6
Fonte: LINN, Susan. Crianças do consumo – a infância roubada. Trad. Cristina Tognelli. São Paulo:
Instituto Alana, 2006.
Relações sociais e consumo
31
A percepção da oportunidade de negócios em relação à criança e ao adolescente não
é isolada de alguns ramos da publicidade. Muito pelo contrário. É tônica geral e bem
alimentada por constantes atualizações. Suas habilidades de compra espelham suas
crescentes concessões e dão aos negócios uma oportunidade de ouro para encorajar uma
ligação entre varejo e consumidor que pode durar por uma vida inteira de compras”
(BLACKWELL, 2005: 202). A perspectiva de Blackwell
7
vai ao encontro da ambição que
orienta os atuais meios publicitários. A busca por fidelizar o consumidor “do berço ao
mulo expressa a importância voltada às crianças e adolescentes, uma vez que se
encontram em processo de formação de valores, significados, referências e sensibilidades.
Um exemplo recente (maio/2007), o lançamento do veículo ScénicKids da Renault,
não menciona nada a respeito do carro em questão. Apenas mostra que a promoção por
tempo limitado da edição especial do citado veículo disponibilizará o “único com
tecnologia acalma crianças”: um aparelho de DVD acoplado ao teto do carro voltado para o
banco traseiro e um kit de filmes infantis. A evidente comparação construída pela peça
publicitária entre o veículo que não dispõe do aparelho (com criaas agitadas
atormentando o pai-motorista e descontrolando a mãe em demonstrar sua incapacidade de
contornar a situação) é observado com espanto por outro casal, com o mesmo número de
filhos (3). O segundo casal está no carro, no qual o pai dirige calmamente e as criaas em
total estado de passividade, olhando de queixo caído para a tela do aparelho.
Carros não são, em princípio, um tipo de mercadoria de utilização e interesse
infantil. O que leva então o direcionamento do lançamento de um veículo a utilizar-se desse
estratagema? Entre outros, dois fatores se destacam. Um de ordem objetiva: “Os fabricantes
de automóveis focam as crianças em displays de lojas e pontos-de-venda, porque elas
influenciam indiretamente cerca de $17,7 bilhões de compras de automóveis”
(BLACKWELL, 2005: 404). Outro de caráter subjetivo: a posição ocupada pela criança no
interior das relações familiares. O reordenamento dos papéis na família teve implicações
que extrapolam os âmbitos domésticos e privados, levando inclusive a possibilitar a
7
Blackwell, publicitário norte-americano, publicou juntamente com Paul Miniard e James Engel, um
compêndio esclarecedor sobre o comportamento do consumidor. Direcionado às áreas de Administração de
Empresas e Publicidade, fornece elementos significativos à compreensão do referencial que embasa a criação
dos ancios publicitários.
Relações sociais e consumo
32
formação da criança-consumidora. “As crianças o estão apenas influenciando as
escolhas, elas estão realmente fazendo compras, com o dinheiro da família e com o seu
próprio” (BLACKWELL, 405). Voltarei neste ponto mais detalhadamente em outros
momentos.
Devido à intensidade na utilização do Nag Factor, da agressividade e dos excessos
das campanhas publicitárias voltadas ao público infantil, o Conar
8
divulgou novas normas
éticas para a publicidade de mercadorias destinadas aos públicos infantil e adolescente.
Dentre as várias recomendações, os anúncios dirigidos à faixa etária de 0 a 18 anos não
podem apresentar qualquer tipo de discriminão às crianças que, por qualquer motivo, não
sejam consumidoras da mercadoria anunciada; expor situações que infrinjam medo ou
insegurança; associar que o consumo de determinada mercadoria proporciona superioridade
ou, em sua falta, inferioridade; qualquer situação que provoque constrangimento aos pais
ou responsáveis; e nem desmerecer valores sociais positivos como a preservação da família,
escola, respeito, generosidade, dentre outros. Em vigor a partir de 01/09/2006
9
, a
regulamentação ética foi resultado de extensos debates iniciados em abril de 2004. Ao
estabelecer um parâmetro normativo, passou tamm a pautar as possibilidades de retirada
e cancelamento de veiculação de anúncios que violem a recomendação do órgão.
1.4 A publicidade como fonte historiográfica
Discutir a construção de sensibilidades tendo como fonte os anúncios publicitários
requer problematizá-los como tais. Sua importância e sua utilização como fonte para a
constrão deste trabalho deve-se à sua grande influência e capacidade de difusão nas
sociedades atuais, haja vista, conforme no item anterior, a necessidade de regulamentá-la
no sentido de controlar seus abusos. Tratar a publicidade como fonte para o historiador é
8
Conselho de auto regulamentação publicitária, organização não-governamental, que regulamenta a
publicidade no Brasil. Iniciativa dos publicitários para não se submeterem à possibilidade de perda de
autonomia em sua atuação.
9
A regulamentação encontra-se no site: www.conar.org.br.
Relações sociais e consumo
33
percebê-la como um discurso construído com base em determinados referenciais que se
encontram em subtextos ou de forma subliminar nos anúncios.
Diferentemente da noção cristalizada de que a publicidade mitifica a mercadoria, na
verdade, a mitificação vem do discurso construído em torno dela. Mitificação aqui
compreendida como criação mental de algo idealizado ou estereotipado, que, no caso do
anúncio publicitário, será decisivo ou não em sua capacidade de influenciar o ato do
consumo. Barthes, em Mitologias, discorre sobre a questão do mito moderno, como pode
ser compreendido e sua relação indissociável com a História. O conceito de Barthes vem ao
encontro da prerrogativa deste trabalho, pois, para o autor:
...mito é uma fala (...) um sistema de comunicação, é uma mensagem. Eis
porque não poderia ser um objeto, um conceito, ou uma idéia: ele é um
modo de significação, uma forma (...) que o mito é uma fala, tudo pode
constituir um mito, desde que seja suscevel de ser julgado por um
discurso...(BARTHES, 1993: 131)
Nessas circunstâncias, problematizar o processo de construção sensível do discurso
publicitário permite compreendê-lo como mítico, uma vez que cria significados por meio
de um significado existente. Ao apresentar o diferencial de uma mercadoria, reelabora
conceitos agregando valores, compondo novos valores simbólicos. Essa construção não se
aleatoriamente. É construída a partir do imaginário social, que só encontra respaldo em
sua historicidade, “pois é a História que transforma o real em discurso, é ela e ela que
comanda a vida e a morte da linguagem mítica... o mito é uma fala escolhida pela História:
não poderia ser de modo algum surgir da ‘natureza’ das coisas” (BARTHES, 1993: 132).
Dessa forma, pensar a publicidade com base em seu discurso é problematizá-la
partindo da premissa dela apresentar-se como um “discurso sobre o mundo”. É possível
perceber a construção sensível (decorrente de seu discurso) vinculada à historicidade que
lhe proporciona sentido. Assim, o discurso publicitário jamais poderia constituir-se como
fonte deslocado de sua historicidade. A discussão presente neste trabalho não se restringe
ao anúncio publicitário fechado em si mesmo, centra-se, justamente, na relação recíproca
entre o emissor-receptor e o receptor-emissor, assim considerados dada à impossibilidade
de determinar o início ou o fim da mensagem. A publicidade forma-se a partir de
Relações sociais e consumo
34
referenciais sociais historicamente construídos, que, ao incorporar novos valores, passa a
influenciar, subliminarmente, o referencial que a originou.
O senso-comum a respeito das relações de consumo, normalmente, recai em duas
perspectivas recorrentes. A primeira é a que consiste na afirmação enfática do poder da
publicidade em criar necessidades. A segunda é em relação à passividade e à impotência do
consumidor ante a publicidade. Apesar de ambas as afirmações serem consistentes, gostaria
de ponderá-las sob novos olhares. Tal perspectiva mostra-se viável e oportuna, à medida
que permite compreender os referenciais que orientam os produtores de publicidade. Ao
trazer seu escopo, emergem desconhecidas concepções a respeito do consumidor.
A criação de necessidades como imposição da publicidade é enfaticamente rejeitada
por seus produtores. Segundo Ries e Trout, o mais importante, em qualquer campanha
publicitária ou estratégia de marketing
10
, é, sem qualquer traço de vida, o consumidor.
Para os autores, a premissa que o produto
11
é o “herói” do programa de marketing é falsa.
Toda e qualquer campanha deve ter como foco o cliente em perspectiva. Assim:
Os profissionais de marketing ocupam-se previamente em fazer pesquisas
e “obter os fatos”. Analisam a situação para certificar-se de que a verdade
está do lado deles, depois, deslizam com a confiança na arena de
marketing, seguros de que têm o melhor produto e que, no fim das contas,
o melhor produto vence.
É uma ilusão. Não há nenhuma realidade objetiva. Não fatos. o
melhores produtos. Tudo o que existe no mundo do marketing são as
percepções nas mentes do cliente ou cliente em perspectiva. A percepção
é a realidade. Tudo o mais é ilusão.
Toda verdade é relativa. Relativa à nossa mente ou à mente de outro ser
humano. (RIES e TROUT, 1993: 15)
Ambos os autores citados não se encontram isolados em relação a esse aspecto.
Amparados, freqüentemente, por pesquisas que reforçam a argumentação, rios são os
10
Por publicidade entende-se a difusão de determinada idéia ou mercadoria; é sua veiculação, principalmente
nos meios de comunicação de massa. por marketing compreende-se o processo de transformar ou mudar
uma organização de forma que ela tenha o que as pessoas desejam comprar. Fonte: Blackwell, Maynard &
Engel. Segundo o Houaiss, marketing é a estratégia empresarial de otimização de lucros através da adequação
da produção e oferta de suas mercadorias ou serviços às necessidades e preferências dos consumidores, para
isso recorrendo a pesquisas de mercado.
11
Vale lembrar que, diferentemente da perspectiva deste trabalho, os publicitários tratam como “produto”,
não como “mercadoria” o objeto ou idéia a ser consumido. Maiores esclarecimentos estão presentes no
decorrer deste trabalho.
Relações sociais e consumo
35
exemplos nas obras de marketing e publicidade sobre o fracasso de campanhas milionárias
que não obtiveram o devido sucesso justamente por não considerar as “necessidades” do
consumidor
12
.
O consumidor é estudado à exaustão, uma vez que é considerado a figura
onipresente e onipotente do mercado, segundo a ótica da produção publicitária. Segundo
Blackwell, Maynard & Engel, o consumidor é mais que importante, é “Rei”. Na mesma
gica que Ries e Trout, o direcionamento das empresas é que segue as “determinações” do
consumidor, segundo Blackweel, Maynard & Engel:
Hoje em dia, as empresas reconhecem que “o consumidor é rei”. Sabendo
por que e como as pessoas consomem os produtos, os profissionais de
marketing conseguem compreender como podem melhorar os produtos
existentes, quais tipos de produto são necessários no mercado e como
atrair os consumidores a comprar seus produtos. Em essência, a análise de
comportamento do consumidor ajuda as empresas a descobrir como
agradar o rei e com isso impactar diretamente a receita. A longo prazo,
um não existe sem o outro. Sem a satisfação do consumidor, o seria
possível às organizações aumentarem suas vendas e receitas. E sem o
aumento das receitas, estas não teriam recursos para investir em centros
de atendimento ao consumidor, promoções de vendas, ou treinamento de
vendas todos são importantes componentes do mais rudimentar
programa de satisfação do consumidor. As organizações com maior
sucesso desenvolvem programas de marketing que são influenciados
pelo consumidor, em vez daqueles que tentam colocar o consumidor
sob a influência do marketing. (2005: 10) (Grifo meu)
Cabe ressaltar, nos discursos dos publicitários apresentados, que a extrema
preocupação com o consumidor não é no sentido de valorizá-lo como “ser. Sua
valorização se visto que “é” portador da capacidade de efetivar o ato de consumo. Para
Douglas & Isherwood
13
, a inclinação para efetivar ou não o consumo de determinada
mercadoria ou serviço também tem a ver com a percepção sensível (para eles cultural) do
consumidor em busca de distinção. Desta forma:
12
Por o se tratar de um trabalho que tem como tema específico a publicidade, não me aterei em elencar
esses exemplos no texto. Para maiores informações, vide referências bibliográficas.
13
Mary Douglas e Baron Isherwood, ela antropóloga e ele economista, publicaram um interessantíssimo
estudo sobre bens e relações de consumo, que contribuiu muito para as discussões presentes neste trabalho.
Relações sociais e consumo
36
A escolha dos bens cria continuamente certos padrões de discriminação,
superando ou reforçando outros. Os bens são, portanto, a parte visível da
cultura. São arranjados em perspectivas e hierarquias que podem dar
espaço para a variedade total de discriminações de que a mente humana é
capaz. As perspectivas não são fixas, nem são aleatoriamente arranjadas
como um caleidoscópio. Em última análise, suas estruturas são ancoradas
nos propósitos sociais humanos. (2006: 114)
Tal percurso vem corroborar a noção de que a publicidade não cria necessidades.
Ao alimentar-se diretamente no e do imagirio social permite avalizar tal afirmação. No
entanto cabe ressaltar que, ao buscar no possível consumidor o referencial sensível para a
criação publicitária, a mercadoria em questão configura-se como necessidade inédita.
Contraditoriamente, cria, nesse propósito, uma “novidade”. É por meio dessa novidade que
se pode afirmar a criação de necessidades por parte da publicidade. A novidade é dada
como resultado do “rearranjoda apresentação da mercadoria no anúncio publicitário. O
rearranjo é possibilitado pela utilização do que é considerado um dos grandes poderes dos
publicitários em sua capacidade de influenciar seu público-alvo: a criatividade.
Não se trata de entender isoladamente a produção de sentido, nem de questionar as
implicações do consumo exacerbado. Muito pelo contrário. Trata-se de problematizá-los
conjuntamente, visto que não são desconexos. Fazem parte do mesmo processo, e
desmembrá-los seria perder a oportunidade de acompanhar seu percurso e dar a devida
importância àquele que é realmente significativo - o consumidor. Considerado passivo,
“ponta final do processo”, alienado, influenciável, dentre outros adjetivos não muito
positivos, o que verdadeiramente o caracteriza é o desconhecimento de seu real poder.
Situar o consumidor como passivo perante as determinações da publicidade não lhe
retira a capacidade de decisão e autonomia? O problema do consumo exagerado está
situado em ambas as dimensões: tanto no social, no modo de produção capitalista, quanto
no individual, em que a construção das identidades não se dá mais por si mesma por meio
das experiências vividas, necessitando de outros símbolos para sustentá-la.
A publicidade constitui e é constituída pelo imagirio social em um movimento de
retro-alimentação. Mais do que isso: é a ele umbilicalmente ligada. Orienta-se e é
construída com base naquele que é considerado a ponta final do processo: o consumidor.
Na verdade, é sua gênese e sua razão de ser. É a partir dos valores inerentes ao consumidor
que, para obter o sucesso almejado no diálogo entre emissor - o anúncio - e o receptor o
Relações sociais e consumo
37
possível consumidor -, a mensagem contida no anúncio deve ter como código um campo
simbólico que sirva de escopo para essa transmissão.
1.5 A ritualização na publicidade
Visando atingir seu público-alvo
14
, a publicidade constrói o anúncio de maneira
ritualizada. O produto passa a apresentar-se como necessidade a partir do momento em que
se constitui como “a” solução de um problema que faça parte do cotidiano do possível
comprador. Por meio de historietas, normalmente utilizando-se do humor, sarcasmo ou
drama, a publicidade, ao anunciar um produto, ritualiza situações cotidianas. Ao recorrer ao
exagero, qualquer outra solução não seria satisfatória senão o uso da mercadoria exibida,
conclui, apoteoticamente, o rito no ato do consumo.
Face mais visível das estratégias de marketing, a publicidade agrega ao produto
produzido maciçamente uma aura de inequívoca singularidade, adquirindo uma “alma”,
cujas qualidades a ele associadas são naturalmente humanizadas. Seu valor de uso e de
troca imbrica-se, eno, a um valor simbólico, propiciando uma combinação sensível
fundamentada em valores sociais tidos como relevantes.
Everardo Guimarães Rocha, antropólogo estudioso da publicidade, discute com
muita propriedade as relações que permeiam o consumo não restrito ao ato da aquisição da
mercadoria. A publicidade, segundo Rocha, permite problematizar e especular as formas
de representação de nossa cultura”. Cada anúncio traz consigo uma série de símbolos e
representações, que é resignificada na “sacralização de momentos do cotidiano, que, em
última instância, dão veracidade a ele. A publicidade possui, dessa forma, uma dimensão
“mágica”, pois a concretude do anúncio, para além de qualquer qualidade do
produto/mercadoria exibido, resolve instantaneamente questões até então “insolúveis”.
Roberto Da Matta, no prefácio da obra Magia e Capitalismo: Um estudo antropológico da
14
blico-alvo compreende parcelas do mercado consumidor com necessidades e valores semelhantes entre si
e que diferem do restante.
Relações sociais e consumo
38
publicidade, esclarece sobre os parâmetros no quais a publicidade insere-se nas relões de
consumo, muito além de apenas apresentar a mercadoria a seu possível comprador:
A publicidade, conforme sugere Everardo Rocha, é o instrumento que
permite re-humanizar o produto industrial, situando-o na sua última
plataforma uma espécie de altar de sacrifício, de onde será finalmente
imolado e destruído na vertigem do consumo (...) é nessa entrada na
sociedade e nos círculos de troca sociais circuitos que o
essencialmente simlicos – que se realiza o consumo. Operação que, está
visto, ajusta-se ao processo de construção das identidades sociais,
seguindo de perto os modelos culturais que definem os ‘tipos’ ideais de
cada segmento e grupo, classe ou bairro, no jogo complexo das
heterogeneidades coletivas de onde sacamos, por assim dizer, a nossa
‘personalidade’. (ROCHA, 1985: 13).
Uma vez que o discurso publicitário busca nos possíveis consumidores referenciais
e valores que sirvam de escopo à construção da identidade do produto, este, após essa
inserção de valores, valoriza seu status de mercadoria. Ao “humanizar-se” como
mercadoria, o então produto libertou-se de sua mediocridade maciçamente produzida. No
fluxo inverso, o consumidor (não somente usuário) busca, na aquisição da mercadoria,
absorver e incorporar esses mesmos valores e imaginário, visando formar sua própria
identidade.
Tal fato deve-se ao processo que Marx denominou reificação. Para o autor, o
produto imbuído apenas de seu valor de uso, voltado à satisfão das necessidades humanas
e nada além destas, não encontra ressonância nas sociedades capitalistas. Ao produto foi,
irremediavelmente, associado um valor que transcende a sua finalidade/utilidade. O
denominado valor de troca é dado pelas relações sociais estabelecidas pelo modo de
produção capitalista e pela transformação do principal meio-de-produção a própria força
de trabalho - em mercadoria. A assimilação de valores abstratos humanos à materialidade
do produto o reifica, potencializando sua importância nas relações comerciais e sociais.
Segundo Marx:
Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos de
trabalhos privados, exercícios independentemente uns dos outros. O
complexo desses trabalhos privados forma o trabalho social total. Como
os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus
produtos de trabalho, as características especificamente sociais de seus
trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca(...)
Relações sociais e consumo
39
Somente dentro da sua troca, os produtos recebem uma objetividade de
valor socialmente igual, separada da sua objetividade de uso, fisicamente
diferenciada. Essa cisão do produto de trabalho em coisa útil e coisa de
valor realiza-se apenas na prática, tão logo a troca tenha adquirido
extensão e importância suficientes para que produzam coisas úteis para
serem trocadas, de modo que o valor das coisas seja considerado ao
serem produzidas. A partir desse momento, os trabalhos privados dos
produtores adquirem realmente duplo caráter social. (1998, 71)
Desse modo, a denominação de produto não contempla a sua dimensão simlica do
mesmo. Ao adquirir uma subjetividade que não é peculiar à sua utilização, ganha o status
de mercadoria. A reestruturação do mundo produtivo acarretada pela consolidação do modo
de produção capitalista proporcionou, indelevelmente, o processo de reificação do produto.
Uma vez reificado, não a possibilidade de retorno à sua condição inicial. O produto
fetichiza-se e encanta-se ao se tornar mercadoria. Voltarei a esse ponto em outros
momentos deste trabalho.
A publicidade, vista e analisada tanto por seus produtores quanto por seus
estudiosos, apresenta discordâncias quanto à sua finalidade. Sua função mais imediata é
alimentar constantemente o processo de reificação das mercadorias por meio da produção e
veiculação de ancios. A xima “em um anúncio o que menos importa é o produto”
expressa a percepção de que o consumo não se restringe à mera aquisão do mesmo. Em
cada anúncio, vendem-se ‘estilos de vida’, ‘sensações’,emoções’, ‘visões de mundo’,
relações humanas’, ‘sistemas de classificação’, ‘hierarquia’ em quantidades
significativamente maiores que geladeiras, roupas ou cigarros”. (ROCHA, 1985: 27).
Neste sentido, requer ressaltar o que se entende por consumo. Consumir é
normalmente associado ao ato da compra de algum produto ou serviço. É verdadeira a
afirmação. No entanto, num amplo processo social de produção de mercadorias, essa
compreensão não conta de sua complexidade. O consumo deve ser analisado inserido
numa rede complexa de atividades, significados e agentes. Assim, a perspectiva de
McCracken vem ao encontro das prerrogativas deste trabalho. Segundo McCracken
15
,
15
Grant McCracken é Ph.D. em antropologia, consultor de empresas e dirigente do Instituto de Cultura
Contemporânea no Royal Ontário Museum, em Toronto, Canadá.
Relações sociais e consumo
40
Consumo refere-se ao processo pelo qual os bens e os serviços de
consumo são criados, comprados e usados. Esta definição amplia a visão
tradicional, adicionando à ênfase tradicionalmente colocada no ato da
compra o desenvolvimento do produto que necessariamente antecede a
compra em si e o uso do produto que deve seguir-se a ela”
(MCCRACKEN, 2003: 174).
Apreender a publicidade, inserida no sentido complexo do consumo, permite
problematizar sua dimensão de construtora sensível de significados. Assim, a ritualização
publicitária vem preencher a necessidade humana de dar significados à sua existência. É
mediante essa percepção que se pode melhor compreender o empenho direcionado às
campanhas publicitárias. Na disputa pelo simbólico e pelas sensibilidades é que se
estabelece um campo comum de comunicação, no qual os atores sociais aproximam-se ou
distanciam-se conforme suas convicções. Segundo Douglas & Isherwood:
Viver sem rituais é viver sem significados claros e, possivelmente, sem
memórias. Alguns o rituais puramente verbais, vocalizados, não
registrados; desaparecem no ar e dificilmente ajudam a restringir o âmbito
da interpretação. Rituais mais eficazes usam coisas materiais, e podemos
supor que, quanto mais custosa a pompa ritual, tanto mais forte a intenção
de fixar os significados. Os bens, nessa perspectiva, são acessórios rituais;
o consumo é um processo ritual cuja função primária é dar sentido ao
fluxo incompleto dos acontecimentos. (DOUGLAS & ISHERWOOD,
2006: 112)
D
essa forma, perceber o consumo para além da esfera econômica na trilha aberta
pelo pensamento de Karl Marx e tantos outros a partir da segunda metade o século XIX - é
situá-lo no interior das relações sociais. O consumo está nelas imbricado, sendo significante
e significado
16
. Tal aspecto não se restringe ao universo das Cncias Sociais. É o
referencial que embasa a orientação do discurso publicitário. Utilizando-se de uma
linguagem direta, Ries e Trout, publicirios e autores do livro cujo sugestivo título é
Posicionamento: a batalha pela sua mente”, enfatizam categoricamente que, numa
16
Compreende-se por significante, segundo Houaiss, a imagem acústica que é associada a um significado
numa língua, para formar o signo lingüístico (Segundo Saussure, essa imagem acústica não é o som material,
ou seja, a palavra falada, mas sim a impressão pquica desse som). Significado é a representação mental,
sentido, conteúdo semântico, conceito, noção. A face do signo lingüístico que corresponde ao conceito,
conteúdo. Não me aprofundo mais nas questões relativas à Semiótica para manter o foco na questão central
deste trabalho. Fonte: Houaiss.
Relações sociais e consumo
41
campanha publicitária, o menos importante é o produto (segundo a abordagem deste
trabalho, melhor seria a denominação de mercadoria). As atenções devem voltar-se
diretamente ao consumidor que se tem em perspectiva.
Numa sociedade sobrecarregada de informações, a “novidade” que a campanha
publicitária divulga deve alcançar destaque. Para fixar-se na memória dos possíveis
consumidores, deve compor-se a partir de algo que lhe seja familiar e que faça parte de seu
repertório. “... de uma forma geral, a mente aceita aquilo que, de certa forma, coincide
com o seu conhecimento ou com sua experiência anterior...” (RIES & TROUT, 2001: 05).
A publicidade, ao produzir um significado, viabiliza a possibilidade da criação de
uma necessidade, tida como inexistente. É imprescindível ponderar que a necessidade
produzida não é fato inédito. O feeling dos anúncios consiste em apropriar-se de sentidos
presentes no imaginário social, resignificá-los, associando-os à mercadoria e devolvê-los
como novidade.
...(a racionalidade humana) negocia as estruturas organizadoras. A
experiência humana pode correr para uma grande variedade de possíveis
quadros de referências, pois o ser humano racional é responsável por
recriar continuamente um universo em que a escolha possa acontecer. Dar
sentido ao mundo envolve interpretar o mundo como sensível... todos os
bens são portadores de significados, mas nenhum o é por si mesmo...O
significado está nas relações entre todos os bens...(DOUGLAS &
ISHERWOOD, 2006: 120-121)
Ao considerar o complexo das relações sociais envolto no ciclo produção-
publicidade-consumo, a produção configura-se pela impessoalidade e a esfera do consumo,
como seu contraponto. A produção é impessoal, à medida que não deixa vestígios do agente
produtor. Neste momento, seu resultado ainda pode ser considerado um produto. Adquire
status de mercadoria quando da inserção de significados externos à finalidade de sua
utilização. Introjeta no objeto uma personalidade e uma identidade peculiar. Ao omitir os
processos técnicos de produção em massa, reveste-o de uma unicidade que não lhe
pertence. A sobrevalorização da mercadoria se dá, inclusive, com o investimento e a
inserção de características humanas a ela, criando a possibilidade de identificação entre
mercadoria e consumidor.
Relações sociais e consumo
42
...O produto calado em sua história social se transforma num objeto
imerso em fábulas e imagens...na esfera do consumo homens e objetos
adquirem sentido, produzem significações e distinções sociais. Pelo
consumo, os objetos diferenciam-se diferenciando, num mesmo gesto e
por uma rie de operações classificarias, os homens entre si. O
consumo é, no mundo burguês, o palco das diferenças. O que consumimos
são marcas. Objetos que fazem a presença e/ou ausência de identidade,
visões de mundo, estilos de vida. Roupas, automóveis, bebidas, cigarros,
comidas, habitações; enfeites e objetos os mais variáveis o são
consumidos de forma neutra. Eles trazem um universo de distinções. São
antropomorfizados para levarem aos consumidores as individualidades e
universos simbólicos que a eles foram atribuídos. (ROCHA, 1985: 67).
O anúncio publicitário compõe-se como um sistema fechado em que problema e
solução não se dissociam. A partir de então, ao produzir um significado imbricado a esse
ritual, a solução possível passa a ser mediada pela mercadoria apresentada. A solução
aparece socialmente como mágica, uma vez que não dúvida quanto à sua capacidade de
resolver a questão por ela mesma apresentada. Cria a ilusão de que a mercadoria ou o
serviço oferecido realiza o milagre, instantaneamente.
Ainda segundo Rocha, a publicidade por meio dos símbolos que manipula, contrasta
com a nossa mentalidade racional, amplamente verbalizada. Mas, o que a torna tão eficiente
porquanto vai de encontro à nossa percepçãomoderna e racional”? Justamente por recriar
a imagem de cada banal mercadoria, pois esta se insere nas “relações humanas, simbólicas
e sociais que caracterizam o consumo”.
Dessa forma, as dimensões racional e mágica/ritualística não compõem um
paradoxo. Compõem um arsenal que agrega referenciais díspares que, por mais distantes
que sejam, congregam-se em suas diferenças. O ritual apóia-se racionalmente em sua
composição e a racionalidade magicamente justifica-se em sua autonomia. Um anúncio
publicitário em que tal jogo é perceptível é o do lançamento do absorvente feminino
descartável Modess em 1954.
Relações sociais e consumo
43
Relações sociais e consumo
44
“CERTAS
COISAS
...que
sua filha
deve
saber!
Para sua tranqüilidade, não deixe sua filha crescer
na ignorância de “certos fatos” relacionados com
a vida feminina. Fatos científicos sobre os problemas
menstruais, expostos discretamente de maneira a
elucidar sua filha, são dados no livrinho oferecido
abaixo. Conhecendo bem esses fatos, ela os
aceitará como fenômeno naturais próprios da idade.
E, então, saberá proteger-se, convenientemente,
com os recursos modernos de hoje.
Ela saberá, por exemplo, que em “certos dias” do
mês o uso do absorvente Modess é uma necessidade
indispensável para o seu conforto...e que, ao
contrário dos métodos antiquados, Modess é mais
higiênico (usa-se só uma vez e joga-se fora), é
mais conveniente (não precisa ser lavado todos os
meses), é invisível (adapta-se ao corpo, não
aparecendo mesmo sob os vestidos mais leves).
Com Modess custando por mês um pouco mais
que uma entrada de cinema, é uma falsa economia recorrer aos métodos
antiquados. Modess é fácil de ser
adquirido – não é preciso explicar
nada – basta dizer Modess. Se ainda
não o conhece, por que não
experimentá-lo no próximo mês?
Relações sociais e consumo
45
A necessidade de formar o consumidor de determinada mercadoria, antes mesmo
dele precisar, foi a estratégia utilizada pela campanha de lançamento do absorvente
descartável Modess. Em 1954, essa abordagem está presente, uma vez que a representação
da menina no anúncio é, aparentemente, muito nova para necessitar do uso do produto em
questão. Incluir crianças nos anúncios é uma prática comum em publicidade. A inocência
ou a marotagem para chamar a atenção e fixar o anúncio na mente dos clientes em
perspectiva é prática banalizada. No entanto, saliento é a maneira como as crianças
passaram a ser representadas. Sua aparição não é, de forma alguma, gratuita.
A campanha de lançamento do absorvente Modess acentua a idade da menina
exposta no anúncio. Mesmo não explicitando sua idade, é possível arriscar a respeito da
necessidade ou o da mercadoria. Independentemente disso, o assunto, até então tratado
como tabu, utiliza-se desse mesmo tabu para compor o diferencial do anúncio. A
ritualização do anúncio, a formulação do problema e, ao mesmo tempo, sua conseqüente
solução, apresentam um diferencial e vai ao encontro da perspectiva citada de ter o
cliente do berço ao túmulo”. Mesmo antes da menina “ter o problema dos certos dias, a
empresa forma a consumidora sobre um novo e “moderno” referencial. A ritualização é
completada por um livreto, que, solicitado por meio de um cupom a ser destacado da
revista, esclareceria todas as vidas sobre “aqueles dias”. As mães, também
potencialmente consumidoras da mercadoria, não são o foco do anúncio publicitário. As
mulheres mais velhas e “portadoras do problema solucionavam-no de acordo com as
possibilidades de que dispunham.
No entanto, ao apresentar às filhas a nova mercadoria, indiretamente atingem as
mães, pois as meninas necessitariam de sua ajuda para enviar o cupom, informar-se pelo
livreto e, posteriormente, adquirir a mercadoria. Dessa forma, a empresa assume o papel de
satisfazer a curiosidade e a necessidade de esclarecer as dúvidas sobre esse fato corriqueiro
da vida feminina. A e passa, então, de veiculadora de informações para receptora delas.
O texto do anúncio sugere que nem mesmo as mães saberiam informar às filhas o que a
mulher moderna deveria entender sobre o ciclo menstrual.
O produto, após ser justaposto à solução mágica e moderna de tão grave
“problema”, adquire status de mercadoria, visto que a ele foi associado valores imbricados
a uma simbologia de que a solução anterior o dispõe. A sugestão de uso do absorvente é
Relações sociais e consumo
46
apresentada apenas na frase final do anúncio, concluindo o ciclo ritualístico. o é mais
uma solução ao problema, é “a” solução para ele. O peso do argumento (que confere a ele
uma aura de legitimidade) é dado pelo discurso médico-científico. É a partir dele que a
jovem deve entender como um fato tão dramatizado é, na verdade, natural e passível de
tornar-se despercebido. O constrangimento e a restrição de movimentos causados pelo uso
de toalhas higiênicas, por meio do uso do absorvente, seria minimizado até sua total
eliminação.
O apelo ao moderno remete à idéia de conforto, segurança, tranqüilidade, discrição
e, principalmente, higiene. O anúncio, dessa forma, sacramenta a mágica da solução. Uma
necessidade posta no imaginário feminino, uma alternativa ao constrangimento do porte
das toalhas higiênicas vai ao encontro da solução anunciada pela publicidade.
Assim, o ar de preocupação da jovem enfatiza o tom dramático do texto. Sua
tranqüilidade sedada a posteriori ao esclarecimento fornecido pelo livrinho. A empresa
encarrega-se de atuar no esclarecimento, formatando, na possível consumidora/usuária, um
referencial completo, abarcando desde informações sobre o ciclo menstrual até a
suavização do incômodo causado por ele. Ao iniciar sua vida adulta, a jovem já o faz
segundo novos parâmetros “modernos”, formando a consumidora antes mesmo dela
necessitar do uso do produto.
Outro fato interessante é a instrução da conduta, ou seja, a maneira pela qual a
jovem deve solicitar o produto. Afirmar “não é preciso explicar nada, basta dizer Modess”
possibilita perceber as condições de aquisição de produtos higiênicos. Anterior à
popularizão dos supermercados, onde as mercadorias estão ao alcance das mãos do
consumidor
17
, as compras nas farmácias e mercearias eram realizadas indiretamente. O
acesso era intermediado por atendentes que, atrás dos balcões, buscavam e colocavam as
mercadorias nas mãos do comprador. prevendo o possível constrangimento em pedir o
absorvente, o anúncio antecipa-se e ameniza o impacto da situação.
Outro destaque a ser feito é a comparação do preço do produto em lançamento e o
custo de uma entrada de cinema. Tal comparação permite acompanhar desde a apresentação
do produto/mercadoria até a prática estabelecida e banal do uso de absorventes nos dias
17
No tocante à especificidade do tema deste trabalho, não é gratuita a colocação de produtos direcionados às
crianças estarem sempre na parte mais baixa das ndolas. Devem ficar ao alcance das mãozinhas ansiosas
para que elas mesmas os coloquem nos carrinhos de compras.
Relações sociais e consumo
47
atuais. Na campanha de lançamento, o custo da mercadoria equiparava-se à entrada de
cinema. Passadas cinco décadas, a mercadoria em questão não custa mais que dez por cento
da entrada. Este fato permite duas inferências. Primeiramente, a incorporação de
absorventes descartáveis aos hábitos femininos possibilitou a redução do custo da
mercadoria em razão do grande volume produzido. E em segundo, relacionar o uso do
absorvente ao ato de ir ao cinema, um ato realizado em público, subliminarmente, indica a
possibilidade da mulher “em certos dias” não ficar restrita e privada de movimento.
Guardadas as devidas proporções, o uso de absorventes descartáveis assemelha-se à
popularizão da pílula anticoncepcional na “liberdade” e conforto proporcionados à
mulher em relação a seu tempo e a seu corpo.
1.6 A mercadoria e o imaginário social
Pensar questões acerca da formação da criança-consumidora é não se restringir às
relações econômicas e de consumo, mesmo que, de imediato, remeta a elas. O processo de
formação da criança-consumidora é por demais complexo para ser compreendido apenas
com base nos aspectos econômicos. Nem mesmo o próprio modo de produção capitalista
deve ser analisado somente por este prisma. Sua consolidação alterou, significativamente,
as estruturas objetivas e subjetivas do ser humano. Mais do que isso: configurou novas
sensibilidades, que avançaram sobre todos os referenciais sociais.
Um autor que é particularmente interessante a essa discussão é Georg Simmel.
Segundo ele, o advento da economia monetária, ou, como prefere denominar, “do
dinheiro”, teve implicações que extrapolam o âmbito econômico. Segundo Jessé Souza,
pela obra de Simmel A filosofia do dinheiro (Die Philosophie des Geldes), é possível
compreender como as relações decorrentes do modo de produção capitalista espraiaram-se
por toda a sociedade. Segundo Souza:
Relações sociais e consumo
48
Formas sociais são as interações sociais concretas que se constituem a
partir de conteúdos determinados, seja na moda, na coqueteria, no
costume do adorno, etc.
Na análise dessas interações sociais, Simmel é guiado por uma profunda
consciência da especificidade hisrica da sua época: a modernidade.
Nesse sentido, o advento da economia monetária não seria apenas uma
nova forma de produzir mercadorias, mas um fenômeno que projeta sua
sombra, para o bem e para o mal, pela sua ambigüidade constitutiva[...],
sobre todas as relações sociais, a as mais íntimas, onde dificilmente
poderíamos supor a sua presença. O dinheiro como que carimba” com
sua marca todos os fatos de nossa época. Esse fato guia a curiosidade
concentrada de Simmel: saber como os homens e suas relações mudam
sob o efeito do dinheiro. Que novas direções de conduta? Que novo tipo
de vida o dinheiro constitui? (SOUZA: 2005, 17)
É essa perspectiva que nortea este trabalho. Problematizar as implicações do
processo de formação da criança-consumidora em suas nuances. Sua formação como um
sujeito sui generis implica compreender a própria construção da infância e os parâmetros
sob os quais as representações sobre a criança e a infância foram e são reelaboradas. Neste
sentido, a questão central deste trabalho ganha um contorno que garante a ele uma
particularidade passível de compreender a extrapolação dos ditames econômicos do modo
de produção capitalista.
A criança-consumidora não é um indivíduo qualquer que foi incorporado à lógica
do consumo. Como consumidora, a criança foi alçada a um lócus nas relações econômicas
que, por princípio, não dispõe da condição primordial para esse mesmo lócus: a não
participão no mundo do trabalho e, por conseqüência, a indisponibilidade de renda. Tal
consideração, por si , o particulariza nas relações de consumo. No entanto seu “papel”
não se restringe a ser somente um consumidor sem renda. O poder de influenciar nos mais
amplos campos do consumo familiar e no direcionamento da publicidade para que essa
influência seja mais efetiva leva-me a perceber uma nova configuração nas relações
familiares e novas representões da ppria infância.
As intervenções no cotidiano e nas relações sociais decorrentes do modo de
produção capitalista incidam na estruturação de novas formas de relacionamento, fossem
elas de trabalho, fossem particulares e/ou individuais. Em relação a este último ponto,
talvez seja mais significativo o nível de transformação e reestruturação simbólica: o
indivíduo. o se trata de determinar a causa e muito menos a conseqüência desse
Relações sociais e consumo
49
processo. Trata-se de compreender como essas estruturações afetaram significativa e
sensivelmente as relações entre os indivíduos e do indivíduo consigo. Reside a questão
que me é central. A mercantilização da vida atingiu níveis, até então, inéditos, incorporando
o que lhe era inalcaável por princípio. Viabilizar o processo de construção do indivíduo
como consumidor e como cliente é, ao mesmo tempo, construir uma nova representação
sensível desse mesmo indivíduo.
O indivíduo emerso na e da modernidade despontou com uma autonomia que lhe
concede liberdade e, ao mesmo tempo, contraditoriamente, sua prisão. Ao libertar-se de
“ser o homem de quem” tornou-se “o homem de quanto”. Explico melhor. Ao extinguirem-
se as relações de servidão, homem a homem, novos parâmetros foram necessários para
embasar as relações entre eles. Com a consolidação do modo de produção capitalista e o
advento da economia monetária, o “elemento dinheiro, senão inédito em sua existência,
pelo menos, tornou inédita sua configuração nas experiências sociais. Segundo Simmel, na
transição doculo XIX para o XX ao escrever que “a época moderna possibilitou a
autonomia da personalidade e deu a ela uma liberdade de movimentos interna e externa
incomensurável. E deu, por outro lado, em compensação, um caráter objetivado
incomensurável aos conteúdos práticos de vida.”(SIMMEL: 2005, 23) apontava o que se
configuraria extremo na segunda metade do século passado. A objetivação da vida em torno
da mercadoria dinheiro atingiu a própria construção da identidade dos indivíduos. Tal
perspectiva não é restrita à mercadoria dinheiro. Constitui a própria relação entre os
homens e o trabalho, entre os homens e o resultado de seu trabalho e entre os homens e as
mercadorias. A divisão social do trabalho, a crescente especialização, a automação e a
terceirização, apesar de relevantes, não concernem a esta discussão. A meu ver, é na
decorrência da relação entre os homens e as mercadorias que as sensibilidades estão
sofrendo maior impacto. o é uma questão simples: as mercadorias não são o resultado
imediato do trabalho humano, o produto, sim.
O processo de passagem de produto para mercadoria deve-se ao que Marx
denominou de reificação. Ao imbricar características abstratas ou não pertinentes a eles, os
produtos são revestidos por uma aura de unicidade, de magnitude, que não pertence à sua
condição de produto. Consiste, assim, em humanizar ou subjetivar a materialidade do
Relações sociais e consumo
50
produto, dando a ele uma particularidade que, em última instância, acaba por engendrar
uma identidade.
Mesmo se tratando de um processo amplo que atinge o modo produtivo como um
todo, produto algum adquiriu tanta autonomia identitária quanto a mercadoria dinheiro. O
“elemento” dinheiro, ao se construir na condição de mercadoria, despertou um fetichismo
sem precedentes. O “fetichismo da mercadoria é, dentre outros fatores, um dos pilares da
consolidação do modo de produção capitalista. O constante, acelerado e impactante
crescimento do modo de produção capitalista é viabilizado por um consumo exagerado
devido ao caráter místico da mercadoria” em despertar o desejo de possuí-la. Segundo
Marx:
[...] o valor de uso das coisas é independente de suas propriedades
enquanto coisas, que seu valor, ao contrário, lhes é atribuído enquanto
coisas. O que lhes confirma isso é a estranha circunstância que o valor de
uso das coisas se realiza para o homem sem troca, portanto na relação
direta entre coisa e homem, mas seu valor, ao contrário, se realiza apenas
na troca, isto é, num processo social. (1998: 78)
Separada de sua objetividade imediata de uso, a mercadoria adquire uma grandeza
de valor que não lhe é inerente, nem se restringe à sua finalidade. Torna-se socialmente útil,
à medida que pode ser ostentada em sua nova roupagem, revelando, assim, as
sensibilidades que pautam as relações sociais em torno do mercado consumidor. Estas
sensibilidades são vinculadas ao processo histórico no qual são construídas e nele
encontram sentido e, porque não dizer, valor. Ainda conforme Marx:
A forma valor do produto é a forma mais abstrata, contudo também a
forma mais geral do modo burguês de produção, que por meio disso se
caracteriza como uma espécie particular de produção social e, com isso,
ao mesmo tempo historicamente. Se, no entanto, for vista de maneira
errônea como a forma natural eterna de produção social, deixa-se também
necessariamente de ver o específico da forma valor, portanto, da forma
mercadoria, de modo mais desenvolvido da forma dinheiro, da forma
capital etc. (1998: 76)
Quem é o consumidor? Quem é o indivíduo que quer ser único e, ao mesmo tempo,
massificado na uniformização do consumo exagerado? Onde se realiza esse indivíduo? Tais
perguntas devem ser respondidas à luz da compreensão sobre o papel da mercadoria
Relações sociais e consumo
51
dinheiro nas sensibilidades dos indivíduos e em seu papel social. O donio de um homem
sobre outro homem da Idade Média foi deslocado pela posse da mercadoria dinheiro.
Segundo Simmel, o dinheiro se impôs entre a posse e o proprierio separando-os e
ligando-os. Nessa função, o dinheiro confere, por um lado, um caráter impessoal,
anteriormente desconhecido, a toda atividade econômica, por outro lado, aumenta,
proporcionalmente, a autonomia e a independência da pessoa”. (SIMMEL: 2005, 24).
A mercadoria dinheiro, antes compreendida como meio de atingir a posse de outra
mercadoria qualquer, tornou-se a finalidade das relações de trabalho e dos indivíduos.
Muitas vezes, serve de parâmetro para quantificar e qualificar esses mesmos indivíduos e
suas relações, inclusive, dificultando estabelecer um consenso sobre a posse: do indivíduo
sobre a mercadoria dinheiro, ou da mercadoria dinheiro sobre os indivíduos. É neste sentido
que:
Aquele caráter impessoal e não-colorido, que é típico para o dinheiro em
oposição aos outros valores específicos, tem de se reforçar continuamente
ao longo da história cultural, na medida em que o dinheiro tem de
substituir mais e mais coisas cada vez mais variadas. É exatamente esta
ausência de um caráter específico que tornou possíveis os seus serviços
imensos, gerando uma comunidade ativa de indivíduos e grupos que
normalmente insistem na sua separação e distância tua em todos os
outros aspectos. Forma-se, então, um novo fio condutor para os conteúdos
de vida que podem ser associados. (SIMMEL:2005, 24)
A mercadoria dinheiro torna-se, então, o “fio condutor estruturante nas e das
relações sociais. Tal estruturação, a meu ver, deve-se ao que Bauman denomina de “fase
líquida da modernidade”. Para o autor, a libertação possibilitada pela era moderna em
permitir o indivíduo fazer da identidade” por si mesmo, foi a libertação da “inércia dos
costumes tradicionais, das autoridades imutáveis, das rotinas pré-estabelecidas e das
verdades inquestioveis. Para Bauman:
Quando a modernidade substituiu os estados pré-modernos (que
determinavam a identidade pelo nascimento e assim proporcionavam
poucas oportunidades para que surgisse a questão do “quem sou?”) pelas
classes, as identidades se tornaram tarefas que os indivíduos tinham de
desempenhar, por meio de suas biografias[...] quando se trata de pertencer
a uma classe,é necessário provar pelos próprios atos, pela “vida inteira”-
não apenas exibindo ostensivamente uma certidão de nascimento -, que de
Relações sociais e consumo
52
fato se faz parte da classe a que se afirma pertencer. Deixando de fornecer
essa prova convincente, pode-se perder a qualificação de classe, tornar-se
déclassé. (2005, 55-26)
A mercadoria dinheiro passou a configurar-se como uma “certidão” de classe. Desta
forma, sua posse torna-se o fim e o meio nas e das relações sociais. Tal fato constitui uma
crise de sentidos solucionada na concretização do consumo de determinados bens. Em
busca do que Bourdieu
18
denominou de distinção, os homens buscam seu lugar, ou, como
prefere o autor, um campo que lhe sustente a autonomia e, por que não dizer, sua
identidade. É neste sentido que a mercadoria dinheiro se subjetiva. Sua posse permite, nas
relações sociais pautadas pelo modo de produção capitalista, esse lócus social.
No entanto, um problema apresenta-se em relão à demonstrão da posse da
mercadoria dinheiro. É nesse ponto que sua condição de fim e de meio se aglutinam,
solucionando-o. Em vista da dificuldade prática de ostentar a posse da mercadoria dinheiro
em espécie, a solução encontrada que favorece extremamente a manutenção do modo de
produção capitalista é sua ostentação indireta, ou seja, da ostentação de símbolos que
remetam diretamente à sua posse. Elabora assim, a estruturação do sistema simbólico da
constrão de identidades a partir desses mesmos símbolos. Essa constrão de identidades
conduz, em primeira e última instâncias, à inclusão ou exclusão desse lócus ou campos
19
.
Segundo Almeida, estabelece um sistema de mecanismos de distinções sociais radicais,
que, na minha visão, cria condições de aproximação ou de afastamento entre os diversos
indivíduos e nas relações entre eles. Essas relações não são cristalizadas e estão em
movimento e, para manter seu equibrio instável, devem ser constantemente alimentadas
por novos símbolos. É neste aspecto que Bauman afirma a diferença dos tempos atuais:
É nisso que s, habitantes do líquido mundo moderno, somos diferentes.
Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas
identidades em movimento lutando para nos juntarmos aos grupos
18
O conceito de distinção de Bourdieu aqui apresentado baseia-se na visão de Kátia Maria Pereira de
Almeida, apresentada em: ALMEIDA, Kátia Maria Pereira. Distinção e transcendência: a estética cio-
lógica de Pierre Bourdieu. Revista Eletnica Mana. v. 3, n. 1, 1997. p 155-168. In: www.scielo.br
19
A ostentação de símbolos que remetem à posse da mercadoria dinheiro possibilita a ostentação mesmo
daqueles que não a possuem. A facilidade de parcelamento, crédito fácil, pirataria e até mesmo o roubo,
permitem de, certa forma, uma maneira peculiar de adentrar aos lócus sociais.
Relações sociais e consumo
53
igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos
manter vivos por um momento, mas não por muito tempo...
Com o mundo se movendo em alta velocidade e em constante aceleração,
você não pode mais confiar na pretensa utilidade dessas estruturas de
referência com base na sua suposta durabilidade (para não dizer
atemporalidade!). Na verdade, você não confia nelas nem precisa
delas...Rígidas e pegajosas, também é difícil livrar essas estruturas dos
velhos conteúdos quando chega a sua data de validade”. No admirável
mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as
identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não
funcionam. (BAUMAN: 2005, 32-33)
O equilíbrio instável a que me refiro é o do próprio estabelecimento de relações
mais densas, cujos laços não sejam calcados apenas na temporalidade fugidia (líquida para
Bauman), que parece ser a tônica da sociedade atual. Como todo equilíbrio instável, a
necessidade do movimento constante é o que garante sua frágil manutenção. A liberdade
herdada da modernidade não nos a opção da permancia. A não ser na permanência
desta condição. “O prêmio é a liberdade de seguir adiante, mas uma opção que não temos a
liberdade de fazer é parar de nos movimentar”(BAUMAN: 77). A noção de movimento é
acompanhada pela da transitoriedade que lhe é decorrente.
O sistema simbólico criado e mantido por meio do modo de produção capitalista
possui uma lógica ppria, que garante a sua consistência e constitui e é constituinte do
imaginário social.“A sociedade se depara constantemente com o fato de que um sistema
simbólico qualquer deve ser manejado com coerência; quer ele o seja ou não, surge daí uma
série de conseqüências que se impõem, quer tenham ou não sido conhecidas e desejadas
como tais”(CASTORIADIS: 1982, 148). Desta forma, há uma certa incoerência em afirmar
que nem todos os indivíduos sujeitam-se a essa lógica. Particularidades a parte, não
como se abster das relações sociais de consumo, uma vez que não há outra possibilidade
econômica vigente em nossa sociedade. O que também não significa a homogeneização do
padrão de consumo, nem de comportamento. Mesmo os que não se encontram nem se
reconhecem nessa lógica capitalista têm de alguma maneira de se relacionar com outros
indivíduos que, em maior ou menor grau, se inserem nela.
A lógica simbólica não é dada a priori, nem de imediato. É fruto de negociações e
acomodações que encontram sentido historicamente. Por ser histórica reporta
simultaneamente a um tempo e a um lugar. É inócua se desprovida desta imbricação. Nem
Relações sociais e consumo
54
também é individual e particular. A composição do imaginário social remete diretamente
àquilo que perpassa pela sociedade. Para Castoriadis:
Tudo o que se nos apresenta, no mundo social-histórico, está
indissociavelmente entrelaçado com o simbólico. Não que se esgote nele.
Os atos reais, individuais ou coletivos – o trabalho, o consumo, a guerra, o
amor, a natalidade – os inumeráveis produtos materiais sem os quais
nenhuma sociedade poderia viver um momento, não são (nem sempre,
não diretamente) símbolos. Mas uns e outros são impossíveis fora de uma
rede simbólica. (1982: 142)
de se ressaltar que essa rede simbólica, apesar de constituir um sistema social,
não está isenta de contradições, muito menos de resistência a ele. Porém é nele que a busca
por sentido encontra maior racionalização, mesmo que esta o lhe pertença. O sistema
simbólico remete ao ritualístico, e suas fronteiras não são passíveis de determinação. Ainda
segundo Castoriadis:
O simbolismo não pode ser nem neutro, nem totalmente adequado,
primeiro porque não pode tomar seus signos em qualquer lugar, nem pode
tomar quaisquer signos. Isso é evidente para o indivíduo que encontra
sempre diante de si uma linguagem constituída, e que se atribui um
sentido privado” e especial a tal palavra, tal expressão, não o faz dentro
de uma liberdade ilimitada mas deve apoiar-se em alguma coisa que “aí se
encontra”. Ela deve tomar sua matéria no que já existe”. Isso é primeiro a
natureza... Mas também é hisria. Todo simbolismo se edifica sobre as
ruínas dos edifícios simbólicos precedentes, utilizando seus materiais...Por
suas conees naturais e hisricas virtualmente ilimitadas, o significante
ultrapassa sempre a ligação rígida a um significado preciso, podendo
conduzir a lugares totalmente inesperados. A constituição do simbolismo
na vida social e histórica real não tem qualquer ligação com as definições
fechadas” e transparentes dos símbolos ao longo de um trabalho
matemático. (1982, 146-147)
Neste sentido, no sistema simbólico social, é possível falar no singular
de“consumidor”, de “criaa-consumidorae de infância consumida”? Creio ser possível
e extremamente viável. Afirmar o sujeito no singular não quer dizer, em absoluto,
homogeneizar e muito menos generalizar conceitos tão complexos.
Relações sociais e consumo
55
Na verdade, trata de compreender como o significado desses mesmos conceitos,
inicialmente separados - criança e consumidor-, o articulados e vividos em sociedade e
encontram significância nessa mesma sociedade ao se constituírem como um sujeito em
que se condensam ambos: a criança-consumidora. Seu sentido permeia a sociedade,
perpassando-a, compondo, assim, uma parte de seu sistema simbólico. Denominar como
sujeito a criança-consumidora, no singular, diz respeito à construção simbólica em torno
dessa figura que emerge com muita consistência mais especificamente nas duas últimas
décadas do século passado. O sentido apreendido da construção simlica da criança-
consumidora não se restringe a um ou outro sujeito social. Encaixa-se no conceito de
mentalidades para o qual Le Goff chama nossa atenção. Para o autor, “a mentalidade de um
indivíduo histórico, sendo esse um grande homem, é justamente o que ele tem de comum
com outros homens de seu tempo.(1976, 69). Trata-se da construção simbólica,
historicamente construída. “É que se capta o estilo de uma época, nas profundezas do
quotidiano” (1976, 71) que propicia perceber a emergência desse sujeito, a criança-
consumidora. Devido a essa perspectiva é que Le Goff também enfatiza a necessidade de
não desvincular a alise das mentalidades do estudo de seus locais e meios de produção”
(1976, 76). E é justamente sobre esse caráter histórico da construção de sentidos que se
pauta este trabalho, pois, deslocado de sua historicidade e de seus meios, o processo de
formação da criança-consumidora tornar-se-ia incompreensível e perder-se-iam as diversas
nuances características e intrínsecas a esse processo.
O caráter histórico da construção de sentidos, implicado com os meios e os locais de
produção, pode ser compreendido a partir da apropriação que dele é feita. Tal apropriação e
a negociação dos sujeitos sociais decorrentes de sua recepção permitem perceber como se
equilibram as representações existentes com as elaboradas por meio dessa apropriação.
Entendendo o conceito de apropriação segundo a perspectiva de Chartier como “a
pluralidade dos empregos e das compreensões e a liberdade criadora mesmo que seja
regrada- dos agentes que nem os textos nem as normas impõem”, possibilita-me
compreender a atuação da publicidade e as implicações de seu impacto na construção de
sentidos e no processo de formação da criança-consumidora. Ainda segundo o autor:
Relações sociais e consumo
56
[...]A apropriação tal como a entendemos visa uma história social dos
usos e das interpretações, relacionados às suas determinações
fundamentais e escritos nas práticas específicas que os produzem. Dar
assim atenção às condições e aos processos que, muito concretamente,
sustentam as operações de construção de sentido (na relação de leitura
mas também em muitas outras) é reconhecer, contra a antiga história
intelectual, que nem as inteligências nem as idéias são desencarnadas e,
contra os pensamentos do universal, que as categorias dadas como
invariantes, quer sejam filosóficas ou fenomenológicas, devem ser
construídas na descontinuidade das trajetórias hisricas. (2002, 68)
É justamente nesse perspectiva que se pauta este trabalho de dimensionar a vital
importância do caráter da negociação presente nas relações perpetradas pelos sujeitos
sociais. Trata-se de reconhecer o espaço de que esses sujeitos dispõem decorrentes de sua
autonomia como tais. Dessa forma, também não é subestimar o poder de atuação de
determinados agentes ou grupos sociais. Realmente, grupos e agentes sociais dispõem de
grande poder de influência sobre outros. Neste sentido, cabe ressaltar que sua atuação é
direcionada em sua capacidade de penetração no meio social. E esta é utilizada conforme os
interesses desses grupos. No entanto é pertinente enfatizar que seu poder é de influência,
não de determinação.
Assim sendo, é fundamental a compreensão da atuação de um dos pilares da
constrão de sentido e do imaginário das sociedades atuais: os meios de comunicação de
massa. Sua onipresença é por demais significativa justamente por seu poder de difusão e
influência. Seus efeitos foram extensiva e duramente criticados, em especial, pelos
frankfurtianos
20
. Segundo Adorno, não se trata de uma influência qualquer a da chamada
indústria cultural
21
, “é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a
sociedade (ADORNO: 1985, 114). Para o autor:
20
Os estudos sobre os meios de comunicação de massa da famosa Escola de Frankfurt, em especial nas
figuras de Adorno, Horkheimer, Benjamin e Habermas, desde o início do século passado, apontam questões
sobre o poder da chamada indústria cultural. São estudos extensivamente citados, ater-me-ei mais
especificamente ao texto ADORNO, Theodor W. A indústria cultural: O esclarecimento como mistificação
das massas. In: HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor W. Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Trad. Guido Annio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. p.113-156.
21
O conceito de indústria cultural pode ser simplificado na massificação veiculada pelos meios midiáticos,
que impõem padrões universalizantes de consumo.
Relações sociais e consumo
57
O fato de que milhões de pessoas participam dessa industria (cultural)
imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a
disseminão de bens padronizados para a satisfação de necessidades
iguais[...]a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à
produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da
obra e a do sistema social. Isso, porém, não deve ser atribuído a nenhuma
lei evolutiva da técnica enquanto tal, mas à sua função na economia atual.
A necessidade que talvez pudesse escapar ao controle central é
recalcada pelo controle da consciência individual. (1985, 114)
Adorno destacava, no início do século passado, que a mão pesada da indústria
cultural, veiculada pelos meios de comunicação de massa, atua no sentido de abarcar a
sociedade em sua totalidade. Dentro de suas especificidades, os diversos segmentos sociais
encontram mercadorias a serem consumidas de acordo com o seu perfil, ou, como preferem
seus agentes produtores, segmento de mercado. Para Adorno:
As distinções enfáticas que se fazem entre os filmes das categorias A ou
B, ou entre as histórias publicadas em revistas de diferentes preços, a
classificação, organização e computação estatística dos consumidores.
Para todos algo está previsto; para que ninguém escape, as distinções são
acentuadas e difundidas. O fornecimento ao público de uma hierarquia de
qualidades serve apenas para uma quantificação ainda mais completa.
Cada qual deve se comportar, como que espontaneamente, em
conformidade com seu level, previamente caracterizado por certos sinais,
e escolher a categoria dos produtos de massa fabricada para seu tipo.
Reduzidos a um simples material estatístico, os consumidores são
distribuídos nos mapas dos institutos de pesquisa (que não se distinguem
mais dos de propaganda) em grupos de rendimentos assinalados por zonas
vermelhas, verdes e azuis. (1985, 116)
A publicidade enquadra-se na perspectiva apresentada por Adorno. Torna-se
significativa, à medida que, a meu ver, configura-se como grande expressão do modo de
produção capitalista. Isto se deve ao fato de as campanhas publicirias serem construídas
após extensas pesquisas de mercado, bebendo no e do imaginário social para compor a
ritualização de seu discurso, apoteoticamente, concluído com a apresentação da mercadoria
em questão. Segundo Arruda, cujo estudo sobre a publicidade no Brasil caminha na mesma
perspectiva de Adorno, é por meio da publicidade que há a reprodução do capital.
Relações sociais e consumo
58
A indústria cultural, numa sociedade dominada pelo valor de troca,
juntamente com a publicidade, que é sua seiva, transforma-se em
importantes mecanismos reprodutores...A indústria cultural sacia e conduz
à apatia os consumidores, o que num sistema de produção de mercadorias
e, portanto, de necessidade de consumidores, poderia significar algum
risco. Mas a publicidade contorna esse perigo. A indústria cultural satisfaz
por meio de um movimento aparentemente contraditório: satisfaz porque
promete simplesmente, mas não realiza a sua promessa. A publicidade
ocupa esse vazio, uma vez que compensa a o-fruibilidade completa,
propondo, ao contrário, um desfrute real. (ARMINDA: 2004, 32).
A questão apresentada por Arruda é extremamente relevante por equacionar a
dimensão do poder da publicidade na perpetuação do modo de produção capitalista. Ao
prometer, insistentemente, a satisfação despertada pelo desejo da posse da mercadoria,
nega-a, também, insistentemente. O ato do consumo da mercadoria deveria, conforme o
prometido na publicidade, satisfazer o consumidor, encerrando o ciclo produtivo. No
entanto a não-satisfação o faz de maneira muito mais eficiente, pois, ao proporcionar o
sentimento de vazio no consumidor, leva-o a consumir novamente outras mercadorias,
iniciando, mais uma vez, o movimento cíclico do capitalismo.
Ambos os autores são categóricos ao afirmar a onipotência da indústria cultural.
Mesmo não tendo condições de negar a capacidade de influenciar os consumidores,
gostaria de ponderar a esse respeito. Ao analisar a construção das campanhas publicitárias,
segundo a visão de seus produtores, um fato peculiar chamou-me a atenção. Os autores por
mim pesquisados
22
também são categóricos ao afirmar sua impotência ante o consumidor.
Explico melhor. Para os publicitários, o enfoque recai sobre o consumidor e não sobre a
mercadoria a ser publicizada. A máxima “num anúncio o que menos importa é o produto
23
é senso comum entre eles. Apresentam-se como “reféns” dessa figura endeusada, que é o
consumidor. Para os publicitários, volume algum de recursos, financeiros e materiais, é
suficiente se, e somente se, a propaganda não buscar no imaginário social seu significado.
O consumidor reconhece-se, no anúncio, e, por conseqüência, na mercadoria, à
medida que o anúncio lhe seja, de algum modo familiar, e desperte-lhe o desejo de possuir
22
Para maiores informações, ver referências bibliográficas os autores: Blackwell, Maynard, Engel, Ries,
Trout.
23
É interessante ressaltar que nos compêndios de publicidade não aparece a denominação de mercadoria,
aparece comumente produto. Não há a distinção entre os termos.
Relações sociais e consumo
59
a mercadoria apresentada. Desta forma, como ponderar duas visões que se colocam
inicialmente contraditórias? Justamente nessa contradição. Tal perspectiva vai ao encontro
da percepção de Chartier na compreensão das práticas sociais e a inserção dos indivíduos
nestas práticas. Segundo Chartier:
[...]as tentativas feitas para decifrar diferentemente as sociedades,
penetrando o Dédalo das relações e das tensões que as constituem a partir
de um ponto de entrada particular (um acontecimento, obscuro ou maior,
o relato de uma vida, uma rede de prática específicas) e considerando que
não prática ou estrutura que não seja produzida pelas representações,
contraditórias e afrontadas, pelas quais os indivíduos e seus grupos dão
sentido a seu mundo. (2002, 66)
No afrontamento das possibilidades de construção de sentido, de se incorporar a
contradição inerente ao próprio capitalismo. Ambas as percepções (de ser ou não o
consumidor um sujeito autônomo frente à publicidade) são respaldas por argumentos
consideráveis. Ambas estão corretas. Ambas se completam. Ambas se chocam, pois o modo
de produção capitalista já nasceu sob o signo da contradição. No entanto suas contradições
passam a servir de instrumento para sua perpetuão. E é nessa contradição de consumidor
sem renda, de sujeito sem voz, que o
processo histórico da formação da criança-
consumidora deve ser analisado. A compreensão despertada pela percepção de sua
emergência como sujeito é, em grande parte, despertada pela atenção que os meios de
comunicação de massa dedicam a esse sujeito. Sujeito este que se constrói mediado pela
contradição na qual está inserido e, a partir dela, encontra seu lócus social.
112
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ANO II
nº 61, de 20 de junho de 1953 ao nº 87, de 19 de dezembro de 1953.
ANO III
nº 103, de 10 de abril de 1954 ao nº 155, de 09 de abril de 1955.
ANO IV
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ANO V
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ANO VI
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ANO X
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ANO XIII
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ANO XV
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ANO XVI
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ANO XVII
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ANO XVIII
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ANO XX
nº 1026, de 18 de dezembro de 1971 ao nº 1069, de 14 de outubro de 1972.
ANO XXI
nº 1104, de 16 de junho de 1973 ao nº 1132, de 29 de dezembro de 1973.
ANO XXII
n
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ANO XXIII
n. 1194, de 08 de mao de 1975 ao n. 1234, de 13 de setembro de 1975.
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n. 1289, de 01 de janeiro de 1977 ao n. 1339, de 17 de dezembro.
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n. 1343, de 14 de janeiro de 1978 ao n. 1386, de 23 de dezembro de 1978.
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ANO XXVIII
n. 1446, de 05 de janeiro de 1980 ao n. 1497, de 27 de dezembro de 1980.
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ANO XXX
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ANO XXXI
n. 1602, de 01 de janeiro de 1983 ao n. 1652, de 17 de dezembro de 1983.
2- O CRUZEIRO Revista semanal, Rio de Janeiro: Diários Associados.
ANO XXIV
nº 17, de 09 de fevereiro de 1952 e nº 22, de 15 de março de 1952.
ANO XXVI
nº 15, de 23 de janeiro de 1954 ao nº 52, de 09 de outubro de 1954.
ANO XXVII
nº 01, de 16 de outubro de 1954 ao nº 53, de 15 de outubro de 1955.
ANO XXVIII
nº 01, de 22 de outubro de 1955 ao nº 52, de 13 de outubro de 1956.
ANO XXIX
nº 01, de 20 de outubro de 1956 ao nº 50, de 28 de setembro de 1957.
ANO XXX
nº 03, de 02 de novembro de 1957 ao nº 52, de 11 de outubro de 1958.
ANO XXI
nº 01, de 18 de outubro de 1958 ao nº 52, de 10 de outubro de 1959.
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ANO XXXII
nº 01, de 17 de outubro de 1959 ao nº 52, de 08 de outubro de 1960.
ANO XXXIII
nº 01, de 15 de outubro de 1960 ao nº 52, de 07 de outubro de 1961.
ANO XXXIV
nº 01, de 14 de outubro de 1961 ao nº 52, de 06 de outubro de 1962.
ANO XXXV
nº 01, de 13 de outubro de 1962 ao nº 52, de 05 de outubro de 1963.
ANO XXXVI
nº 01, de 12 de outubro de 1963 ao nº 52, de 03 de outubro de 1964.
ANO XXXVII
nº 01, de 10 de outubro de 1964 ao nº 46, de 21 de agosto de 1965.
ANO XXXVIII
nº 03, de 23 de outubro de 1965 ao nº 38, de 23 de julho de 1966.
ANO XXXIX
nº 03, de 16 de outubro de 1966 ao nº 53, de 30 de setembro de 1967.
ANO XL
nº 11, de 16 de março de 1968 ao nº 41, de 12 de outubro de 1968.
ANO XLI
nº 02, de 09 de janeiro de 1969 ao nº 47, de 20 de novembro de 1969.
ANO XLII
nº 01, de 01 de janeiro de 1970 ao nº 40, de 29 de setembro de 1970.
ANO XLIII
nº 04, de 27 de janeiro de 1971 ao nº 51, de 22 de dezembro de 1971.
ANO XLIV
nº 01, de 05 de janeiro de 1972 ao nº 52, de 27 de dezembro de 1972.
ANO XLV
n. 19, de 09 de maio de 1973 ao n. 52,de 26 de dezembro de 1973.
ANO XLVI
n. 01, de 02 de janeiro de 1974 ao n. 35, de 28 de agosto de 1974.
ANO XLIX
n. 2423, de 17 de dezembro de 1977 e o n. 2425, de 31 de dezembro de 1977.
121
ANO XL
n. 2427, de 14 de janeiro de 1978 e o n. 2437, de 25 de março de 1978.
SÉRIE DE DVDs
MEMÓRIA DA PROPAGANDA 50 ANOS DE PROPAGANDA NA
TELEVISÃO
DVD 01 1953 a 1974
DVD 02 - 1975 a 1979
DVD 03 - 1980
DVD 04 – 1981 a 1984
DVD 05 – 1985 a 1987
DVD 06 – 1988 e 1989
DVD 07 – 1990 a 1992
DVD 08 – 1993 a 1994
DVD 09 – 1995 a 1997
DVD 10 – 1998 a 2000
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ANEXOS
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Os anúncios elencados a seguir não serão analisados nos moldes dos demais
apresentados no corpo do texto. Foram incorporados nos anexos para reiterar as
perspectivas presentes no trabalho.
Lista de anúncios
Foto 01 – Charge Borjalo – Revista Manchete, nº 117, de 17/07/54, p.11
Foto 02 – Produtos Johnson’s – Revista O Cruzeiro, nº 38, de 06/07/57, p. 89
Foto 03 – Uniformes Nycron Revista O Cruzeiro, nº 16, de 25/01/64, p. 23
Foto 04 – Cobertores Parahyba, ano 1952 – DVD 01
Foto 05 – Anúncio Piano Hering, ano 1983 – DVD 04
Foto 06 – Anúncio ADVB, ano 1991 – DVD 07
Foto 07 – Anúncio Institucional Fundação Roberto Marinho, ano 1992 – DVD 07
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