Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO
LAISE ALVES DO CARMO BISPO
A RESISTÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DI-
REITO COLETIVO À AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS
RIBEIRÃO PRETO
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
LAISE ALVES DO CARMO BISPO
A RESISTÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DI-
REITO COLETIVO À AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS
Dissertação apresentada como exigência parcial para
a obtenção do título de Mestre à Comissão Julgadora
da Universidade de Ribeirão Preto. UNAERP.
Orientadora: Profª. Dra. Maria Cristina Vidotte Blanco
Tárrega.
RIBEIRÃO PRETO
2008
ads:
3
Autora do Trabalho: Laise Alves do Carmo Bispo
Título do Trabalho: A resistência como instrumento de efetivação do direito coletivo
à autodeterminação dos povos
Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre
em Direitos Coletivos da Universidade de Ribeirão Preto-UNAERP.
Aprovada em: _________de ________de_______ Nota:___________
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
ORIENTADORA: Dra. Maria Cristina Vidotte B. Tárrega
_____________________________________________
EXAMINADOR: Dr. Lucas de Souza Lefheld
______________________________________________
EXAMINADOR: Dr. Menelick de Carvalho Netto
4
Dedico a todos que compartilham dos meus
sonhos.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Deus, meu baluarte supremo.
Ao meu suporte temporal Rogério que abdicou
de si em favor de mim;
Aos meus filhos, especialmente Eduardo e Pe-
dro Henrique, anjos da guarda, que contribuí-
ram materialmente com dedicação e amor;
Aos meus pais, que me ensinaram a superar os
obstáculos. À minha mãe pelo incentivo cons-
tante e ao meu pai pelo legado maior consubs-
tanciado nos princípios éticos;
À minha orientadora Professora Doutora Maria
Cristina Vidotte Blanco Tárrega, fonte de co-
nhecimento;
Ao Professor Doutor Lucas de Sousa Lefheld
pelo seu brilhantismo na exposição das aulas e
conseqüente inspiração deste trabalho
Ao meu amigo e professor Luiz Antônio de Fa-
ria pelo apoio irrestrito às minhas atividades
acadêmicas.
Ao Professor Alcides Ribeiro Filho, grande e-
xemplo de vida, pela oportunidade de desen-
volver o meu conhecimento me ensinando que
o primeiro passo após a queda é o levantar.
Por fim, não poderia esquecer a grande contri-
buição da colega e professora Bruna Millene
Ferreira que não poupou esforços para me aju-
dar nos momentos de maior aflição.
6
Resistir é sonhar que outro mundo é possí-
vel. E contribuir para construí-lo.
(Ignácio Ramonet)
7
A RESISTÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO COLE-
TIVO À AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS
RESUMO
A presente dissertação de mestrado procura examinar os efeitos da globalização
sobre o direito coletivo à autodeterminação dos povos bem como o direito de resis-
tência como instrumento de efetivação deste direito. A partir da globalização e a sua
abordagem teórica, histórica e discursiva, são discutidos os seus efeitos sobre a au-
todeterminação dos povos, direito coletivo fundamental, e o direito de resistência
como instrumento para garantir a sua efetivação. Para fazer a correlação são estu-
dados os direitos humanos e fundamentais, o direito à autodeterminação dos povos
e por fim o direito de resistência. A pesquisa se baseia em dados qualitativos, de
natureza bibliográfica e documental, onde foram analisados textos dos seguintes
autores e seus comentadores: Antony Giddens e seu conceito de globalização; Fá-
bio Konder Comparato e sua noção de direitos humanos; Maria Garcia, Arthur Ma-
chado Paupério e José Carlos Buzanello, com as suas pesquisas sobre o direito de
resistência e sua afirmação. Como marcos filosóficos foram utilizados os pensamen-
tos de Hobbes e Locke. A conclusão diz respeito à utilização da resistência como
instrumento de garantia ao direito de autodeterminação dos povos, sobretudo bus-
cando manter a soberania e o conseqüente Estado Nação, assegurando a autode-
terminação dos povos.
Palavras-chave: Direito coletivo. Direitos humanos. Autodeterminação dos Povos.
Resistência.
8
A RESISTÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO COLE-
TIVO À AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS
ABSTRACT
Abstract: The present dissertation tries to examine the effects of the globalization on
the collective laws to the self-determination of the people and the resistance laws as
instrument that effectives the self-determination. Here the human and fundamental
laws, the laws to the self-determination of the people and finally the resistance laws
are studied to investigate the correlation among those themes. The research is based
on qualitative data, of bibliographical and documental nature, in that the following
authors' texts and their commentators are analyzed Maria Garcia, Arthur Machado
Paupério and José Carlos Buzanello, with their researches about the resistance laws
and it statement. As philosophical marks were used the thoughts of Hobbes and
Locke. Finally, the research confirms the use of the resistance as warranty instru-
ment to the laws of self-determination of the people, above all looking for to maintain
the sovereignty of the and the consequent Nation States, assuring the self-
determination of the people, even in face to the globalization's development.
Key words: Collective laws. Human laws. Resistance. Self-determination of the
people.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO E A AUTODETERMINAÇÃO DOS PO-
VOS...........................................................................................09
1.1 Conceito do termo globalização......................................................
1.2 Origens do processo de globalização econômica.....................
1.3 Organizações supranacionais..........................................................
1.4 Alguns efeitos negativos..................................................................
1.4.1 A globalização e seus efeitos sobre a cidadania e nos direitos huma-
nos..................................................................................
1.4.2 O trabalho no mundo globalizado...............................................
1.4.3 A globalização e a participação democrática..............................
1.4.4 A soberania e o Estado Nação na atualidade..............................
1.5 Estado Nação e globalização...........................................................
1.5.1 Povo.............................................................................................
1.5.2 Território.......................................................................................
1.5.3 Bem Comum................................................................................
1.5.4 Soberania....................................................................................
1.5.4.1 Ocaso da soberania...............................................................
1.5.4.2 A (re) construção da soberania nacional diante da globaliza-
ção................................................................................
1.5.6 O Estado nacional e a globalização............................................
1.6 Movimentos de resistência à globalização......................................
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS...........................................................
2.1 Conceitos e distinções.....................................................................
2.2 Teoria acerca dos direitos humanos...............................................
10
2.3 Evolução histórica e filosófica sobre os direitos humanos.....
2.4 O povo como sujeito de direitos......................................................
2.5 O direito à autodeterminação dos povos e os direitos humanos
2.5.1 Conceituação................................................................................
2.6 Positivação do direito à autodeterminação dos povos.................
3 DIREITOS HUMANOS E A AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DOS
POVOS..........................................................................
3.1 O Pacto Internacional de Direitos Econômicos , Sociais e Culturais e o Pac-
to Internacional de Direitos Civis e Políticos..
3.2 A Declaração Solene dos Povos Indígenas ..........................
3.3 Declaração Universal dos Direitos dos Povos.........................
3.4 O povo como sujeito de direitos......................................................
4 DIREITO DE RESISTÊNCIA..............................................................
4.1 Definição...........................................................................................
4.2 Histórico do direito de resistência..................................
4.3 O direito natural como fundamento do direito de resistência.....
4.4 Justificação política do direito de resistência................
4.5 Autodeterminação dos povos e direito de resistência....................
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
11
INTRODUÇÃO
A presente dissertação de mestrado procura examinar os efeitos da globaliza-
ção sobre o direito de autodeterminação dos povos bem como o direito de resistên-
cia como instrumento de efetivação da autodeterminação.
A história demonstra que os homens no decorrer do tempo percorreram um
extenso caminho durante o seu processo de desenvolvimento sendo que para che-
gar ao status de cidadãos tiveram que abrir espaços por meio da luta. Esse espaço é
o direito conquistado por todos os membros da sociedade, como os indivíduos, os
povos, o Estado e os grupos.
A cidadania é uma construção histórica. Ela está diretamente vinculada às
lutas pela conquista dos direitos do cidadão contemporâneo. Nesse processo os
homens travaram uma grande batalha pela sobrevivência, que, por vezes, foi e é
desigual pelas diferenças estabelecidas entre aqueles que detêm o poder e os que
se tornaram empobrecidos durante o processo histórico mundial. Assim, para alcan-
çar e manter a condição de cidadão ou a condição de um povo no mundo é neces-
sário viver em constante luta e resistência contra uma sociedade excludente. A resis-
tência, personificada nas lutas diversas, é que garante a evolução humana e, em
conseqüência, a evolução do direito.
No prefácio de sua obra a Luta pelo Direito
1
, Rudolf Von Ihering invoca a ne-
cessidade de luta nos casos em que a agressão ao direito representa um desrespei-
to à pessoa humana, se opondo à passividade que tem origem na covardia, no co-
modismo e na indolência. Deixa bem claro que todos os direitos da humanidade fo-
1
IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo, 2002, p. 19
12
ram conquistados pela luta: todo e qualquer direito, seja o direito de um povo, seja o
direito de um indivíduo, só se afirma por uma disposição ininterrupta para luta
2
.”
Isto implica dizer que o direito somente é conquistado por meio da luta e que
se há agressão à pessoa humana resta a esta lutar para se defender.
O tema suscitado imediatamente remete à reflexão sobre o momento vivido
pelos povos, e de acordo com Comparato
3
, desencadeado a partir dos anos 70,
quando a humanidade passou a ser submetida a um processo de unificação técnica
e desagregação social, conforme se conclui pela leitura do Relatório Mundial sobre o
Desenvolvimento Humano de 1999, das Nações Unidas.
Enquanto os instrumentos de informação e comunicação estão estreitamente
ligados em todo o mundo, observa-se a desigualdade entre as pessoas, evidencian-
do-se que são poucos os que podem utilizar de todos estes instrumentos enquanto a
maioria não tem acesso a estes progressos.
A mundialização, também denominada de globalização
4
, especialmente
quando se observa o seu aspecto econômico, aumentou o abismo entre as decisões
oriundas dos fatores reais do poder e aqueles que têm que suportar os seus efeitos.
Sabe-se que, na atualidade, o aspecto econômico das relações entre os po-
vos ocupa uma posição elitizada em comparação com o aspecto social. As necessi-
dades sicas de qualquer cidadão do mundo não são levadas em consideração
uma vez que estes não desfrutam dos altos lucros gerados pelo sistema. Todos par-
ticipam da economia, mas apenas a minoria detém o poder econômico, enquanto a
maioria desempenha o papel de explorados neste jogo de trocas.
O processo de globalização envolve fatores econômicos e políticos que inter-
ferem seriamente na construção da realidade social diante das imposições dos de-
tentores de capital e poder, trazendo a tona fenômenos de desigualdade e exclusão
populacional, deixando evidentes os sinais de domínio econômico das grandes po-
tências mundiais em relação aos demais paises.
Isto ocorre considerando o fato de que, com as divergências econômicas,
a formação de um super-grupo, oriundo da união das grandes potências mundiais,
2
IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo, 2002, p. 19
3
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Sarai-
va,2001 p. 449.
4
Globalização significa as associações múltiplas sobre um tema comum, integrando economias, a-
profundando a competitividade e as inovações tecnológicas, significando também movimento comple-
xo de abertura de fronteiras econômicas e de desregulamentação, que possibilita às atividades eco-
13
que acaba por excluir aqueles que não participam de seus interesses. Assim, este
grupo excludente define os rumos da economia mundial e, em conseqüência, os ru-
mos da humanidade.
Neste sentido, as vontades dos pequenos grupos econômicos são totalmente
ignoradas, notadamente, por não estarem em igual patamar. Todavia, isto se revela
injusto sob qualquer ponto de vista que se entenda o conceito de justiça.
Daí se conclui que os países excluídos são vítimas dos efeitos da globaliza-
ção, sem haver possibilidade de ver seus direitos garantidos em igualdade de condi-
ções trazendo à tona a discussão sobre a garantia dos direitos fundamentais de
seus cidadãos e o conseqüente respeito à dignidade da pessoa humana.
Neste diapasão traz ainda a necessidade de se verificar se a mundialização
da economia tem ferido o direito coletivo fundamental a autodeterminação dos povos
oportunidade em que necessário se faz investigar o instituto da resistência como
instrumento de efetivação deste direito coletivo internacional.
Se há a compreensão de que a mundialização da economia oprime os grupos
de menor representatividade, ou seja, as nações de menor poderio econômico, inter-
ferindo em seus destinos, que se entender que esta opressão representa a limi-
tação ao direito à autodeterminação dos povos, verificando-se a necessidade da
admissão de formas políticas e jurídicas para combater o fenômeno da exclusão no
mundo globalizado para preservar a soberania dos Estados.
As lutas se mostram necessárias. Neste caso, restando aos excluídos recu-
sar a opressão gerada pelo processo, ou mais exatamente, resistir da forma que se
fizer necessária, que a resistência pode se manifestar de várias maneiras como a
insubordinação, a rebelião e a revolução, constituindo uma força real, desde que
devidamente utilizada.
Para embasar o presente trabalho foram feitas pesquisas bibliográficas em
obras de estudiosos contemporâneos como Giddens, Paupério, Garcia e Buzanello,
fundamentando-o teoricamente.
Paupério
5
escreveu sobre o tema aclarando o significado jurídico e político da
resistência. Em sua obra intitulada Teoria Democrática da Resistência expõe o que
nômicas capitalistas estenderem seu campo de ação em vários paises (DINIZ, Maria Helena. Dicioná-
rio Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 776)
5
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense Universitá-
ria, 1997.
14
significa o direito político de resistência, desde as democracias antigas e seu espírito
até as modernas democracias e seus postulados fundamentais;
Garcia
6
, especialmente na obra Desobediência Civil, aborda com maestria o
direito de resistência como um direito fundamental;
Buzzanelo
7
também escreveu sobre direito de resistência tratando do assunto
sob uma perspectiva constitucional. Em sua obra Direito de resistência constitucio-
nal, ele tem uma ótica especial no que se refere ao pensamento hobbesiano enten-
dendo que o pensador também contribui com o direito de resistência. Nesta obra
verifica-se que, do ponto de vista jurídico, é possível a institucionalização do direito
de resistência.
Paupério
8
defende a idéia de que quando os poderes se unem para exercer
opressão irremediável aparece o direito de insurreição, pois neste momento as san-
ções estatuídas pelo direito positivo são insuficientes.
A fundamentação teórica também teve suporte em outros pensadores anterio-
res a eles como Hobbes
9
e Locke
10
, utilizados como fundo filosófico e que desenvol-
veram pensamentos sobre o tema fundamentando a existência deste direito no direi-
to natural.
Para Hobbes, quando o indivíduo firmou o contrato social renunciou ao seu di-
reito de natureza à liberdade absoluta, isto é, ao fundamento de guerra de todos
contra todos. É que nesse caso o meio (fazer o que julgasse necessário e conveni-
ente) contradizia o fim de todos (preservar a vida).
Para o pensador, o fim do pacto social seria a preservação da vida, restando
então apenas uma liberdade, a de alcançar o fim visado, ou seja, preservar a sua
vida. O homem ao dar poderes ao soberano a fim de instaurar a paz para conserva-
ção da vida, não abriu mão de seu direito de proteger a própria vida. Assim, se esse
fim não for atingido, o súdito não lhe deve obediência simplesmente porque desapa-
receu a razão que levava o dito a obedecer. Esta seria a verdadeira liberdade do
súdito, fundamento de seu direito de resistir.
6
GARCIA, Maria. Desobediência Civil. 2 ed. Revista, atualizada e ampl. São Paulo: Revista dos Tri-
bunais, 2004.
7
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. Rio de Janeiro: 2006, p. 128.
8
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense universitá-
ria, 1997.
9
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico. Trad. João Paulo
Monteiro e Maria Beatriz Nizza Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
10
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Ensaio relativo a verdadeira origem , extensão e
objetivo do governo civil. Trad. De E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril, 1973.
15
Garcia
11
aborda este aspecto do pensamento de Hobbes dizendo que ele
fundamenta a existência da sociedade civil na busca dos homens pela paz, pela
convivência e pela segurança e para isso teriam concordado em obedecer, desde
que fossem protegidos.
A segurança seria o fim pelo qual o homem teria concordado em obedecer e
na falta dela supõe-se que ninguém tenha se submetido à coisa alguma, nem haja
renunciado a seu direito sobre todas as coisas. Assim Hobbes admite a possibilidade
de resistência ao pacto, pois haveria direitos preexistentes ao contrato que perma-
necem com o seu titular.
Por sua vez, John Locke
12
fundamenta a legitimidade da deposição de Jaime
II para Guilherme de Orange e pelo Parlamento, em sua obra Ensaio sobre o Gover-
no Civil, escrito depois da Revolução de 1688, em seu Segundo Tratado, onde, a
partir do conceito de estado natural, defende o Direito de Resistência.
Como Hobbes e Rousseau
13
, Locke observa que o estado de natureza pree-
xiste a toda e qualquer sociedade. Neste estado de natureza todos gozam da igual-
dade e da liberdade e todos teriam a noção do justo e do injusto. Desta noção teria
derivado uma regra imperativa proibindo destruir ou prejudicar o semelhante.
Para ele, quando os homens abriram mão de parte de sua liberdade o fizeram
com um determinado objetivo, que, no caso, seria a preservação da propriedade, da
vida, dos bens. Sendo assim entendia que o poder concedido deveria ser para pre-
servar e não para destruir ou causar dano aos súditos.
Nas relações entre o governo e a sociedade, quando o primeiro viola a lei es-
tabelecida e atenta contra as razões de ser do contrato, deixa de cumprir o fim a que
fora destinado tornando-se ilegal e degenerando em tirania.
14
Para o autor, diante da
tirania nasce o direito de oposição.
Acrescenta ainda que a comunidade conserva o poder de guardar o cumpri-
mento dos objetivos propostos e que uma vez o cumpridos, esta comunidade tem
o poder de livrar-se dos que invadem esta lei da natureza, ou seja, da preservação.
11
GARCIA, Maria. Desobediência Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. pág. 134.
12
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Ensaio relativo a verdadeira origem , extensão e
objetivo do governo civil. Trad. De E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril, 1973.
13
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. trad. de Márcio Pugliesi e Norberto de Paula Lima,
7ª ed., São Paulo: Hemus, s/d.
14
O que define a tirania é o exercício do poder para além do direito. Na linguagem política contempo-
rânea, o uso mais comum da definição se apóia e concentra no modo de exercício do poder, deixan-
do de considerar a presença ou ausência de um título legítimo (STOPPINO, Mário. Dicionário de Polí-
tica. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2000)
16
Este trabalho procura demonstrar que a globalização tem provocado vários
efeitos, tanto positivos quanto negativos, sendo que os últimos estão minando a au-
toconfiança e a força moral das nações em desvantagem econômica, influindo no
direito à autodeterminação dos povos, direito coletivo fundamental, gerando a refle-
xão sobre a necessidade de resistência dos povos oprimidos contra um processo de
dominação e desumanização da humanidade.
Tomando-se em conta os efeitos da globalização sobre os países potencial-
mente oprimidos e o movimento das nações que se referem ao tema será explorado
neste trabalho o direito coletivo à autodeterminação dos povos como direito funda-
mental e o direito de resistência.
Trilhando por este caminho, a abordagem da presente dissertação pretende
enfrentar o problema de que a soberania dos Estados está em franca deterioração
ou mutação, corroída ou transformada pelos efeitos da globalização que ainda traz
consigo vários malefícios, inclusive uma maior desigualdade social e o aumento do
desemprego.
Outrossim, o trabalho tenta demonstrar que o declínio do Estado Nacional é
uma comprovação de que a autodeterminação do povos está em decadência e que
o único caminho para as nações ou quem sabe para o povo, é a resistência, da for-
ma que se fizer necessária, mudando assim o curso da história.
A estrutura desta dissertação está disposta em quatro capítulos.
No primeiro capitulo é disponibilizado um panorama teórico, histórico e dis-
cursivo sobre a globalização, conceituando e delimitando o tema, com breve esboço
histórico, bem como uma abordagem sobre os seus efeitos e perspectivas, discor-
rendo rapidamente sobre os movimentos de resistência à globalização, desaguando
na conclusão de que o fenômeno privilegia as nações fortes em detrimento das na-
ções mais fracas.
O segundo capitulo detêm-se sobre o Estado, conceituando-o e trazendo os
seus elementos essenciais, fazendo uma reflexão sobre o momento vivido pela so-
berania clássica que enfrenta o seu ocaso em função da decadência do Estado Na-
ção.
No terceiro capitulo é desenvolvido um estudo sobre os direitos naturais, os
direitos humanos e os direitos fundamentais, com breves informações históricas,
culminando na conclusão de que o direito à autodeterminação dos povos é um direi-
to humano fundamental de natureza coletiva e de alcance internacional.
17
Por fim, no quarto capítulo, as atenções são concentradas no Direito de Re-
sistência e na sua legitimidade. Igualmente, aborda-se a titularidade para o exercí-
cio deste direito bem como sua história, enfrentando o tema da efetivação do direito
à autodeterminação dos povos por meio da resistência.
A escolha do tema se justifica pela sua atualidade e pela importância em se
refletir sobre os acontecimentos e estudar os possíveis caminhos a serem seguidos
pelos Estados para a defesa de seus interesses e de seus cidadãos.
18
CAPÍTULO I
O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO E A AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS
Como prefácio à discussão sobre o direito de resistência como garantia de
efetivação do direito coletivo à autodeterminação dos povos é imprescindível esbo-
çar um pequeno estudo sobre o processo de mundialização
15
da economia e como
ela interfere na soberania das nações carregando consigo efeitos nefastos para a
humanidade.
1.1 - Conceito
Não existe uma definição que seja aceita por todos para o termo “globaliza-
ção”, todavia, pode-se dizer que é um processo ainda em andamento de integração
de economias e mercados nacionais. Mais do que isso, implica na interdependência
dos países e das pessoas, no fluxo monetário e de mercadorias e está acontecendo
em todo o mundo, em todas as esferas da realidade social, inclusive no espaço so-
cial e cultural, além da uniformização de padrões, referindo-se a um processo de
integração econômica sob a égide do neoliberalismo.
16
15
Termo utilizado neste trabalho como sinônimo de globalização.
16
A partir da década de 1970, passou a significar a doutrina econômica que defende a absoluta
liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, devendo esta
ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo (minarquia). É nesse segundo
sentido que o termo é mais usado hoje em dia. (HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da ngua
Portuguesa, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neoliberalismo. Acesso em 17 set. 2007).
19
Giddens
17
define globalização do seguinte modo:
A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações
sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira
que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas
milhas de distância e vice-versa.
Na realidade o processo de globalização se relaciona diretamente ao atual
período cnico-científico. No período compreendido entre o século XVI ao XVIII o
colonialismo estava para o capitalismo comercial ou o imperialismo, do século XIX
até metade do século XX, estava para o período capitalista industrial. O objetivo é o
mesmo, ou seja, a busca do lucro, só que agora sem a ocupação territorial, uma vez
que totalmente dispensável.
Partindo da hipótese de que o processo globalizante tem interferido de forma
negativa na soberania dos Estados, levando as nações a uma alienação em que não
são capazes de perceber que a identidade de cada um está sendo duramente dete-
riorada, o estudo deste fenômeno se torna imprescindível no presente trabalho para
se comprovar que a situação está no limite de tolerância permitido e que é necessá-
rio se pensar sobre a reversão deste quadro.
Existem várias linhas teóricas defendidas por doutrinadores que tentam
explicar a origem da globalização e seu impacto no mundo atual, como as
defendidas por Antonio Negri, Benjamin Barber e Samuel Huntington
18
:
Para Negri, em seu livro o “império”
19
, a nova realidade sócio-política do
mundo é definida por uma forma de organização constituída por redes assimétricas,
e as relações de poder se dão mais por via cultural e econômica do que uso
coercitivo de força. Negri entende que entidades organizadas como redes têm mais
poder e mobilidade do que instituições paradigmáticas da modernidade, como o
Estado.
Benjamin Barber
20
expõe sua visão dualista para a organização geopolítica
global num futuro próximo enxergando dois caminhos: são o do McMundo (pós
industrialismo globalizado) e o da Jihad. Apesar das expressões específicas da
religião islâmica ele não como exclusivamente muçulmana a tendência
17
GIDDENS, Antony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991, p.69.
18
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Globaliza. Acesso em 27 nov. 2007.
19
HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Império. Disponível em: Wikipedia.org/wiki/Globaliza. Acesso
em: 27 nov. 2007.
20
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Globaliza. Acesso em: 27 nov. 2007.
20
antiglobalizante e pró-tribalista, ou pró-comunitária. Ele classifica nesta corrente
inúmeros movimentos de luta contra a ação globalizante.
Por fim, a teoria defendida por Samuel Huntington
21
, ideólogo do
neoconservadorismo norte-americano, a globalização como processo de
expansão da cultura ocidental e do sistema capitalista sobre os demais modos de
vida e de produção do mundo, que conduziria inevitavelmente a um "choque de
civilizações".
As características desta mundialização ou globalização que resulta na inte-
gração econômica são: O predomínio dos interesses financeiros; a desregulamenta-
ção dos mercados; as privatizações das empresas estatais; e pelo abandono do es-
tado de bem-estar social. Estas características é que levam ao entendimento de que
a globalização é responsável pela intensificação da exclusão social (com o aumento
do número de pobres e de desempregados) e provocam crises econômicas sucessi-
vas levando à derrocada vários poupadores e pequenos empreendimentos.
Compreende-se que a multiplicação das possibilidades de lucros levou a uma
disputa por domínio de mercados, por locais de investimento e fontes de matérias-
primas, conduzindo o mundo a esse processo de internacionalização econômica.
1.2 - Origens do processo de mundialização econômica
O processo de concentração e internacionalização econômica é antigo, no en-
tanto, somente na década de 90 a globalização se tornou um fenômeno de dimen-
são mundial, sobretudo com o predomínio das economias dos Estados Unidos e da
Inglaterra, conjugada com a associação das tecnologias de informática e de teleco-
municações.
Apesar das controvérsias para se estabelecer um período correto para marcar
o processo global de integração econômica e cultural que se convencionou chamar
de globalização, há um consenso no sentido de que teria iniciado pela descoberta de
uma nova rota marítima para as Índias e pelas terras do Novo Mundo.
A história desse processo mercantil e econômico é longa, pois as atividades
comerciais datam das primeiras civilizações, mas foi na Idade Média, na Europa, que
se iniciaram as operações de troca sistematizadas além das fronteiras.
21
Para facilitar o estudo, adota-se o entendimento de que a globalização teve i-
nício com a expansão mercantilista (de 1450 a 1850) da economia-mundo européia,
seguida pela expansão industrial-imperialista e colonialista (1850 a 1950) e por últi-
mo o fenômeno recente acelerado pelo colapso da URSS e a queda do muro de
Berlim, a partir de 1989.
No mundo econômico, considerada a organização dos agentes, o precursor
mais próximo da empresa transnacional da época contemporânea ocorreu por oca-
sião da revolução industrial com o desenvolvimento da manufatura. Neste período
tornou-se evidente a proeminência inicial das empresas britânicas enquanto produto-
ras multinacionais, na prática de operações de comércio por atacado nos locais em
que iam se tornar as principais áreas coloniais.
As multinacionais industriais surgiram na economia mundial após meados do
século XIX e foram bem estabelecidas pela Primeira Guerra Mundial
22
.
Segundo Hirst
23
, a atividade de negócios internacionais cresceu na década
de 20, mas diminuiu durante a depressão dos anos 30 e os transtornos da guerra na
década de 40, reiniciando após 1950.
Assim, inicialmente, o movimento globalizante surgiu como resultado da pro-
cura de uma rota marítima para as Índias. Com isto se assegurou o estabelecimento
das primeiras feitorias comerciais européias na Índia, China e Japão e abriu aos
conquistadores europeus as terras do Novo Mundo. Aproveitando o embarque de
especiarias para os portos, milhares de imigrantes iberos, ingleses e holandeses, e,
alguns franceses, atravessaram o Atlântico para vir ocupar a América.
No sul da América do Norte se formaram colônias de exploração, bem como
no Caribe e no Brasil, baseadas em regra num produto, utilizando-se de mão de
obra escrava vinda da África ou mesmo indígena.
È importante ressaltar que neste período inicial foi estruturado um sólido co-
mércio entre a Europa, que fornece manufaturas, África que vende seus escravos e
América exportadora de produtos coloniais. O mercado favorecia os artesãos e os
industriais emergentes da Europa que passaram a contar com consumidores além
21
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Globaliza. Acesso em: 27 nov. de 2007.
22
HIRST, Paul; THOMPSON, Grahame. Globalização em questão: A economia internacional e as
possibilidades de governabilidade. Trad. Wanda Caldeira Brant. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p.
41/42.
23
HIRST, Paul; THOMPSON, Grahame. Op. cit. p. 41
22
daqueles abrigados em suas cidades, enquanto que a importação de produtos colo-
niais ampliava as relações entre os europeus.
Deste modo, a economia inicial foi caracterizada pelo mercantilismo, adotado
pela maioria das monarquias européias para estimular o desenvolvimento da eco-
nomia dos reinos.
Em um segundo momento, a partir do século XVIII, a Inglaterra, num proces-
so acelerado se industrializa, depois a França, a Bélgica, a Alemanha e a Itália. Em
conseqüência disso, esta nova época é dominada pelos interesses da indústria e
das finanças e não mais pelo mercantilismo, colocando a grande burguesia industrial
e bancária para liderar o processo econômico.
No campo da política a revolução americana de 1776 e a francesa de 1789,
promoveram a liberação de grande energia fazendo com que a busca da realização
pessoal termine por promover uma ascensão social das massas. Depois, como re-
sultado das Guerras Napoleônicas e da abolição da servidão e outros impedimentos
feudais, milhões de europeus abandonaram seus lares e emigram para os EUA, Ca-
nadá e América do Sul.
O mercado chinês finalmente é aberto pelo Tratado de Nanquim de 1842 e o
Japão também é forçado a abandonar a política de isolamento da época ao assinar
um tratado com os americanos. Cada uma das potências européias rivaliza-se com
as demais na luta pela hegemonia do mundo. O resultado é um acirramento da cor-
rida imperialista e da política de guerra que levou os europeus a duas guerras mun-
diais.
Por outro lado, corroborado a estes fatores encontram-se os aspectos técni-
cos que ajudam à globalização como o trem e o barco a vapor que encurtam as dis-
tâncias; o telégrafo e o telefone que aproximam os continentes e os interesses.
Estes acontecimentos ocorreram num período aproximado de cem anos
(1850-1950), sendo que ao final as potências que existiram perderam sua força, res-
tando depois da 2ª guerra mundial, apenas duas: os Estados Unidos e a União Sovi-
ética.
As grandes potências como a Inglaterra e Turquia caíram, todavia nem por
isto o processo de globalização foi paralisado.
A seguir, durante o século 20 três grandes projetos de liderança da globaliza-
ção conflitaram entre si: o comunista; o da contra-revolução nazi-fascista; e o projeto
liberal-capitalista.
23
Inicialmente ocorreu a aliança entre o liberalismo e o comunismo (em 1941-
45) para a auto defesa e depois a destruição do nazi-fascismo. Logo após, os EUA e
a URSS se desentenderam gerando a guerra fria, onde o liberalismo norte-
americano rivalizou-se com o comunismo soviético numa guerra ideológica mundial
e numa competição armamentista e tecnológica que quase levou a humanidade a
uma derrocada.
Na União Soviética, com a "abertura política", promovida por Mikhail Gorba-
chov, visando intensificar a liberalização político-econômica da União Soviética, a-
proximando-a do Ocidente, a guerra fria encerrou-se e os Estados Unidos proclama-
ram-se vencedores. O símbolo deste momento histórico foi a derrubada do Muro de
Berlim ocorrida em novembro de 1989, acompanhada da retirada das tropas soviéti-
cas da Alemanha reunificada e seguida da dissolução da URSS em 1991.
A China comunista, por sua vez, que desde os anos 70 adotara as reformas
visando sua modernização, abriu-se em várias zonas especiais para a implantação
de indústrias multinacionais. Desde então restou hegemonia no moderno sistema
mundial, não havendo nenhum outro impedimento à globalização, a não ser movi-
mentos antiglobalização
24
de pequena monta.
1.3 Algumas organizações internacionais e blocos econômicos
Todo o corpo social necessita de se associar, independentemente de como
isto ocorra. Em qualquer dimensão observa-se o fenômeno associativo conforme se
vê na comunidade internacional.
A variedade de fins para os quais são instituídas as organizações internacio-
nais se reflete na variedade das funções por elas desempenhadas. As organizações
entre Estados surgem e multiplicam-se rapidamente, mas são diferentes dos blocos
econômicos, pois têm personalidade própria.
24
Antiglobalização designa os que se opõem aos aspectos do modelo definido como um sistema de
organização de sociedade baseado na propriedade privada dos meios de produção e propriedade
intelectual, e na liberdade de contratos sobre estes bens, conjugado com a maximização da liberade
individual mediante o exercicio dos direitos e da lei, bem como pela livre iniciativa. O termo
antiglobalização designa os que se opõem aos aspectos capitalista-liberais da globalização. (disponí-
vel em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Antiglobaliza. Acesso em: 04 mai. 2008)
24
A organização internacional é uma associação voluntária de sujeitos de
direito internacional (quase sempre Estados), constituída mediante ato
internacional (geralmente um tratado), de caráter relativamente permanente,
dotada de regulamento e órgãos de direção próprios, cuja finalidade é
atingir os objetivos comuns determinados por seus membros constituintes.
As organizações internacionais, uma vez constituídas, adquirem
personalidade internacional independente da de seus membros
constituintes, podendo, portanto, adquirir direitos e contrair obrigações em
seu nome e por sua conta, inclusive por intermédio da celebração de
tratados com outras organizações internacionais e com Estados, nos termos
do seu ato constitutivo. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações
Internacionais, de 1986, buscou disciplinar as normas de direito
internacional aplicáveis ao poder convencional das organizações
internacionais.
25
A política de blocos nasceu após a segunda guerra quando restaram duas
superpotências que fizeram oposição entre si.
26
Foi justamente o temor dos adver-
sários que determinou uma política de agregação que deu origem aos blocos. O
aspecto econômico destes blocos é de grande importância que representa no
mundo contemporâneo uma forma de defesa contra a dominação.
Com a economia mundial globalizada a tendência comercial é a formação de
blocos econômicos com o objetivo de através da união os participantes se tornarem
mais fortes no mercado. Os grupos são criados com a finalidade de facilitar o comér-
cio entre os países membros, com a conseqüência natural consistente em oferecer
benefícios a alguns em detrimento dos outros. Adotam redução ou isenção de im-
postos ou de tarifas alfandegárias e buscam soluções em comum para os problemas
comerciais.
Na linguagem política contemporânea, quando se fala em blocos, entende-
se a referência a uma específica definição estrutural das relações políticas
internacionais, pela qual Estados diferentes, normalmente próximos geogra-
ficamente ou afins culturalmente, associam-se de fato para enfrentar um i-
nimigo comum. A política dos blocos tem, pois, sua origem na própria idéia
de aliança; porém, enquanto a aliança é originada unicamente por um acor-
do baseado nas regras do direito internacional e supõe quais as partes que
dela participem em nível de igualdade pela menos formal, o bloco não se
apóia em nenhum reconhecimento formal e é caracterizado por uma estrutu-
ra hierárquica.
27
Teoricamente o comércio entre os países constituintes de um bloco econômi-
co aumenta e gera crescimento para os seus membros. Geralmente estes blocos
são formados por países vizinhos ou que possuam afinidades culturais ou comerci-
25
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/OMC. Acesso em: 13 mai. 2008.
26
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; Dicionário de Política. V. 1.
Trad.Carmem C. Varriale...(et al); coordenação da tradução João Ferreira. Brasília: Editora Universi-
dade de Brasília: São Paulo: Impressa Oficial do Estado, 2000. p. 113
25
ais. Esta é a nova tendência mundial, pois cada vez mais o comércio entre blocos
econômicos cresce. Economistas afirmam que ficar de fora de um bloco econômico
é viver isolado do mundo comercial.
Existem vários organismos internacionais que promovem a integração entre
as nações provocando efeitos econômicos. As organizações econômicas são cons-
tituídas com a finalidade de cooperação entre os Estados com vistas a alcançar ob-
jetivos econômicos comuns, podendo-se destacar, entre outros as seguintes:
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é a organização internacional
que supervisiona um grande número de acordos sobre as "regras do comércio" entre
os seus Estados-membros. Foi criada em 1994, entrando em vigor no dia 1˚de
janeiro de 1995, sob a forma de um secretariado para administrar o Acordo Geral de
Tarifas e Comércio - (GATT) - Sigla em Inglês.
Se basea num tratado comercial que estabelecia e estabelece regras
mundiais para o Comércio Internacional. Atualmente inclui 151 países, sendo que
Tonga é o mais novo membro, que aderiu a 27 de Julho de 2007. A sua sede
localiza-se em Genebra, Suíça.
28
No final dos anos 90, a OMC transformou-se no alvo principal dos protestos
do movimento anti-globalização.
A respeito desta organização bem expressa Chemillier-Gendreau
29
a sua ra-
zão de ser:
Somente um quadro multilateral pode permitir controlar a globalização. Mas,
esboçado desde a II Guerra mundial, ele se acha hoje enfraquecido. A aber-
tura comercial do mundo foi forçada pela imposição da cláusula da nação
mais favorecida. Fundada na reciprocidade e exibindo toda a aparência de
um fator de igualdade, essa regra beneficia de fato os que se encontram
em posição dominante. Na confusão dos anos de pós-guerra, tendo fracas-
sado o projeto de uma organização do comércio internacional, o Acordo Ge-
ral sobre as Tarifas Alfandegárias e o Comércio (GATT, em inglês) foi à so-
lução improvisada. Em 1994, ele seria transformado na Organização Mundi-
al do Comércio (OMC), criada sob hegemonia das idéias livre-cambistas.
[...] Mas, em situação de grandes desigualdades, o livre-câmbio é apenas o
disfarce do protecionismo dos mais fortes. Certamente, o crescimento mun-
dial modificou o quadro dos ricos e dos pobres, sobretudo pela poderosa
ascensão de alguns países da Ásia. Mas essa globalização não controlada
tende a empobrecer setores importantes da população nos países industria-
lizados, mesmo que o crescimento se acelere.
27
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; Op. Cit. p. 113
28
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/OMC. Acesso em: 13 mai. 2008.
29
Chemillier-Gendreau, Monique. Algo de novo na OMC. Disponível em: http://diplo.uol.com.br/2008-
01 Acesso em: 13 mai. 2008.
26
Em consonância com todos os efeitos da integração econômica, desde sua
fundação, a grande maioria das decisões judiciais em disputas comerciais entre na-
ções membros tem favorecido os poderosos países industrializados em detrimento
dos países em desenvolvimento.
OPEP é a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e tem como ob-
jetivo centralizar a administração da atividade petrolífera, incluindo o controle do vo-
lume de produção e dos preços, sendo utilizada como forma dos países produtores
de petróleo garantirem seu lucro, incluindo entre os seus paises membros a Arábia
Saudita, Argélia, Catar, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Irã, Iraque, Kuwait, Lí-
bia, Nigéria e a Venezuela.
Pelo fato de fazerem certa manipulação, a Opep é caracterizada como um
cartel, pois os preços e o volume da produção são controlados de forma que garanta
rendimentos melhores para os produtores.
A OPEP ainda é uma das instâncias mais poderosas do mundo, controlando
pouco menos da metade das reservas petrolíferas do mundo (aproximadamente
40%), sendo constituída por onze países subdesenvolvidos. O seu objetivo é mani-
pular a produção estabelecendo para si cotas de produção com a intenção de con-
trolar através do aumento ou diminuição da oferta o preço do petróleo mundial.
30
Esta organização tem experimentado um relativo enfraquecimento nos últimos
anos, estando entre as principais causas a desobediência de seus paises membros
pelas cotas estabelecidas e também o aumento da produção por paises não perten-
centes ao grupo como a Rússia, o México e o próprio Brasil.
O NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio)
31
é um bloco eco-
nômico formado por Estados Unidos, Canadá e México. Foi ratificado em 1993, en-
trando em funcionamento no dia 1º de janeiro de 1994. Portanto, congrega importan-
tes nações da América do Norte e do mundo como Estados Unidos, México e Cana-
e sua construção foi fruto da necessidade de fazer frente à União Européia diante
do crescimento dos parceiros comerciais agregados a ela. Tem como principais ob-
jetivos garantir aos países participantes uma situação de livre comércio, derrubando
as barreiras alfandegárias, facilitando o comércio de mercadorias entre os países
30
Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/petroleo/pet03.shtml. Acesso em : 10 jan.
2008
31
Disponível em: http://www.suapesquisa.com/blocoseconomicos. Acesso em : 13 mai. 2008
27
membros; reduzir os custos comerciais entre os países membros; ajustar a econo-
mia dos países membros, para ganhar competitividade no cenário de globalização
econômica; aumentar as exportações de mercadorias e serviços entre os países
membros.
Nessa integração as duas maiores potências realizaram uma abertura nas re-
lações econômicas com o México, país que se enquadra no grupo de nações emer-
gentes, mas que está muito atrás dos Estados Unidos e do Canadá, porém possui
um imenso mercado consumidor que usam continuamente os produtos americanos e
canadenses. Outro atrativo do México para as potências do bloco é em relação às
reservas petrolíferas para suprir a necessidade das duas potências, sem contar com
o elevado número de mão-de-obra disponível no país, demonstrando que os benefí-
cios deste acordo são para as nações de maior poderio econômico.
O CAFTA (Acordo de Livre Comércio da América Central e República Do-
minicana) pretende ser a idealização de um novo bloco econômico de livre comércio
entre os Estados Unidos e os países da América Central. Aprovado pelo Congresso
Americano no ano de 2007, o bloco incluiria além dos EUA, Costa Rica, El Salvador,
Nicarágua, Honduras, Guatemala e República Dominicana. O CAFTA prevê a elimi-
nação das medidas protecionistas e subsídios agrícolas de ambos os países. Foram
criados como um passo inicial para a implantação da ALCA (Acordo de Livre Comér-
cio das Américas).
APEC (Associação de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico),
32
é
um organismo internacional para consulta e cooperação econômica, na verdade,
constituindo-se em um bloco econômico para promover a abertura de mercados en-
tre vinte países, com Hong Kong representando a China. Foi fundada em 1989 e
oficializada em 1993, na Conferência de Seattle (Estados Unidos da América), com a
pretensão de unificar totalmente seu mercado no ano de 2020 estabelecendo a li-
vre troca de mercadorias entre todos os países do grupo.
A APEC é um poderoso bloco econômico, pois responde por cerca de metade
do PIB e 40% do comércio mundial, reunindo uma população de 2.559,3 milhões de
habitantes, alcançando um PIB de US$ 18.589,2 trilhões, exportações no valor de
US$ 2.891,4 trilhões e importações de US$ 3.094,5 trilhões
33
, e presume-se que
quando estiver em pleno funcionamento, será o maior bloco econômico do mundo.
32
Disponível em : http://www.camara.gov.br/mercosul/blocos/APEC.htm. Acesso em: 15 jan. 2007.
33
Disponível em: http://www.camara.gov.br/mercosul/blocos/APEC.htm. Acesso em: 15 jan. 2007.
28
A APEC foi constituída inicialmente por paises asiáticos como Japão, Malásia,
Coréia do Sul, Taiwan, etc., e por países da Oceania como Austrália e Nova Zelân-
dia; posteriormente se agregaram outros países como, Estado Unidos, Canadá e
Chile, se tornando um grupo bastante heterogêneo.
A UE (União Européia)
34
é um bloco econômico oficializado no ano de 1992,
através do Tratado de Maastricht, de caráter político e social, contando com 27 paí-
ses europeus que participam de um projeto de integração política e econômica. Os
países integrantes são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária. Chipre, Dinamarca,
Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlan-
da, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos (Holanda), Polônia,
Portugal, Reino Unido, República, Romênia e Suécia. Macedônia, Croácia e Turquia
encontram-se em fase de negociação.
Os objetivos da União Européia, reduzidamente, são os seguintes: promover
a unidade política e econômica da Europa; melhorar as condições de vida e de tra-
balho dos cidadãos europeus; melhorar as condições de livre comércio entre os paí-
ses membros; reduzir as desigualdades sociais e econômicas entre as regiões; fo-
mentar o desenvolvimento econômico dos países em fase de crescimento; propor-
cionar um ambiente de paz, harmonia e equilíbrio na Europa.
Com o propósito de unificação monetária e facilitação do comércio entre os
países membros, a União Européia adotou uma única moeda, um sistema financeiro
e bancário comum. A partir de janeiro de 2002, os países membros (exceção da
Grã-Bretanha) adotaram o euro para livre circulação na chamada zona do euro.
Os cidadãos dos países membros são também cidadãos da União Européia
e, portanto, podem circular e estabelecer e residência livremente pelos países da
União Européia.
A União Européia também possui políticas trabalhistas, de defesa, de comba-
te ao crime e de imigração em comum. A UE possui os seguintes órgãos: Comissão
Européia, Parlamento Europeu e Conselho de Ministros.
A UE tem três sedes principais, a da Comissão Européia (braço executivo da
UE), que fica em Bruxelas (Bélgica), a do Parlamento, que fica em Estrasburgo
(França) e a do Banco Central, em Frankfurt (Alemanha).
34
Disponível em: http://www.camara.gov.br/mercosul/blocos/APEC.htm. Acesso em: 15 jan. 2007.
29
O MERCOSUL - Mercado Comum do Sul
35
oficialmente estabelecido em mar-
ço de 1991 é formado pelos seguintes países da América do Sul: Brasil, Paraguai,
Uruguai e Argentina.
Para o futuro, estuda-se a entrada de novos membros, como o Chile e a Bolí-
via. O objetivo principal do Mercosul é eliminar as barreiras comerciais entre os paí-
ses, aumentando o comércio entre eles. Outro objetivo é estabelecer tarifa zero en-
tre os países e num futuro próximo, uma moeda única, podendo ser considerado
como uma forma de resistência contra os outros blocos econômicos.
1.4 - Alguns aspectos e efeitos da Globalização
A globalização tem se manifestado sob vários aspectos e tem provocado efei-
tos diversos podendo se ressaltar como negativo o fato de que a globalização é mo-
vida pela lógica econômica do capitalismo.
A globalização econômica é dirigida a obter mais lucro. Isso cria desequilí-
brios econômicos e sociais aumentando o nível de exploração até da própria nature-
za em muitas partes do mundo.
Acrescente-se ainda que dentre os efeitos provocados pelo processo de glo-
balização destaca-se a perda da soberania pelo Estado nação que, conforme diz
Tavares
36
“não está longe de ocorrer, no momento presente”;
Também não se pode esquecer do desemprego; da dissonância com o institu-
to da democracia; e por fim, do resultado na cidadania e nos direitos humanos, que
serão estudados mais detalhadamente por serem de relevância para a conclusão do
presente trabalho.
Pode-se dizer que o lado positivo é que a globalização cria canais de comuni-
cação, inclusive por meio da rede de internet, aperfeiçoa os meios de transportes
bem como a circulação de informações.
Portanto, a globalização tem pontos negativos e positivos que devem ser le-
vados à balança para se medir até que ponto é se deve aceitar o ônus deste fenô-
meno.
35
Disponível em: http://www.camara.gov.br/mercosul/blocos/APEC.htm. Acesso em: 15 jan. 2007.
36
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
30
Neste momento é oportuno para a reflexão do leitor buscar o pensamento do
Papa João XXIII
37
exposto na Carta Encíclica MATER ET MAGISTRA onde ele ex-
pressa como lidar com as vantagens e desvantagens da socialização: Por isso,
concluímos que a socialização pode e deve realizar-se de maneira que se obtenham
as vantagens que ela traz consigo e se evitem ou reprimam as conseqüências nega-
tivas”.
O autor da idéia tem toda razão, pois é possível se manter as vantagens da
globalização e evitar ou até mesmo reprimir o seu lado negativo.
1.4.1- A globalização e seus efeitos na cidadania e nos direitos humanos
Muitos entendem que a constituição de uma economia global e o conseqüen-
te enfraquecimento dos Estados Nacionais apontam para a constituição de uma so-
ciedade homogênea. Todavia a globalização não pode ser vista como um processo
homogêneo, sobretudo porque um dos seus principais efeitos consiste justamente
em aumentar as desigualdades sociais e a exclusão, tanto interna quanto externa-
mente.
-se, portanto que a globalização, impulsionando o crescimento das desi-
gualdades e a exclusão social vai, a sentido oposto à noção de cidadania
38
e de
direitos humanos. Diante deste resultado é que se aborda a corrosão da cidadania e
a ameaça dos direitos humanos resultantes deste processo de transformações histó-
ricas.
Alvarez
39
ao fazer um levantamento sobre as discussões em torno da questão
detectou que a maioria dos autores indica três séries de acontecimentos principais
que estariam levando à crise da Cidadania e dos Direitos Humanos que são as se-
guintes:
a) o enfraquecimento crescente dos Estados Nacionais diante do avanço da
economia global. A erosão da cidadania está caracterizada no fato de que historica-
37
Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_j-
XXIII_enc_15051961_mater_po.html. Acesso em: 20 abr. 2008.
38
Na definição clássica de Marshall (1967) consiste na possibilidade dos indivíduos participarem i-
gualmente como membros integrais de uma comunidade
39
ALVAREZ, Marcos César. Cidadania e direitos num mundo globalizado: algumas notas para dis-
cussão. Disponível em: http://globalization.sites.uol.com.br/cidadani.htm. Acesso em: 22 nov.2007.
31
mente as diferentes dimensões de direitos foram reconhecidas e asseguradas den-
tro dos Estados Nacionais. Uma vez enfraquecidas o serão também os valores de
cidadania e dos direitos humanos, ficando ambos ameaçados pela economia globa-
lizada e sua ênfase na produtividade, na competitividade e na livre circulação de ca-
pitais;
b) desafios do multiculturalismo: a dificuldade de se encontrar um parâmetro
de valores da igualdade que poderia ser efetivamente implantado e aceito por todas
as sociedades e culturas. É clara a dificuldade para se definir o núcleo de direitos
básicos a serem aplicados em todo o mundo, uma vez que nem todas as socieda-
des têm o mesmo entendimento sobre o que seria direito humano. Sabe-se que os
valores universais até agora incorporados ao termo são de predominância do Oci-
dente. Estes valores nunca foram assimilados pela maioria dos países da América
Latina, África e Ásia e povos muçulmanos que têm concepção diferente de direitos
humanos;
c) Limitação ou anulação dos direitos sociais: as transformações mais recen-
tes da economia mundial estão colocando a limitação ou anulação dos direitos soci-
ais que se constituíram nos mecanismos compensatórios para limitar as desigualda-
des sociais do mercado. A desmontagem dos direitos sociais que vem sendo reali-
zada nos últimos anos em vários países leva ao crescimento dos índices de desem-
prego e assim aumenta a desigualdade e a exclusão social.
Desta forma o enfraquecimento crescente dos Estados Nacionais, os desafi-
os do multiculturalismo e a limitação ou anulação dos direitos sociais evidenciam o
ataque à cidadania e aos direitos humanos.
Internamente se percebe a separação cada vez maior entre os indivíduos que
podem usufruir dos benefícios de uma economia globalizada e aqueles que estão
relegados ao desemprego e à marginalidade. Internacionalmente a desigualdade se
manifesta na evidência de ques nem todas as nações apresentam a mesma capaci-
dade de adaptação aos novos rumos da economia globalizada, o que também dis-
tancia as nações ricas das nações pobres.
No que se referente ao assunto, ou seja, à cidadania e aos direitos humanos,
constata-se uma grave crise diante do processo de globalização levando à indaga-
ção sobre a expansão dos valores da igualdade.
32
1.4.2 - O trabalho no mundo globalizado
Com o desenvolvimento da globalização e da economia informacional, ao
mesmo tempo em que o mercado exige profissionais mais qualificados aumenta o
desemprego, os salários estão estagnados e as relações flexíveis de trabalho são
cada vez mais comuns. Estes são os reflexos da globalização para os trabalhadores.
Todos esses fatores têm provocado aumento da concentração de renda nos
países desenvolvidos e degradação da qualidade de vida de setores importantes da
população.
Entre as empresas tem aumentado a competição, tanto em nível nacional
quanto internacional. Saem favorecidas as grandes corporações multinacionais e as
companhias que estão ligadas a elas numa rede de fornecedores que abrange o
mundo inteiro. Essas corporações globalizadas têm grande mobilidade para buscar
matérias-primas e mão de obra em qualquer lugar do mundo.
A aplicação de novas tecnologias ao processo produtivo associada a profun-
das alterações gerenciais no processo de trabalho visa ampliar a produtividade do
capital agindo com esse mesmo objetivo no sentido de desarticular a atividade de
resistência do mundo do trabalho ao processo de exploração.
Com a entrada de produtos importados a oferta aumenta levando a um menor
preço por produtos de melhor qualidade, em contrapartida aumenta a concorrência
entre as empresas e o efeito negativo é o desemprego. Para reduzir custos e conse-
guir baixar os preços as empresas passam a produzir mais com menos mão de obra,
ou seja, a produção aumentou, todavia as pessoas empregadas diminuíram através
das novas tecnologias e máquinas.
Consequentemente pode-se concluir que a globalização massacra o traba-
lhador, que não consegue um trabalho e fatalmente debanda para a informalidade.
Com menos oferta de trabalho a concorrência pelo emprego aumenta e os salários
diminuem.
1.4.3 - A mundialização e a participação democrática
Como se sabe a democracia está assentada, sobretudo na participação do
povo na tomada de decisões. Pela participação as pessoas se tornam cidadãos.
Sem participação não há democracia ou é uma democracia apenas aparente onde a
33
participação se restringe ao voto de quatro em quatro anos. Pela participação demo-
crática se questiona e se discute de forma contínua, possibilitando um evoluir de a-
cordo com as necessidades da sociedade.
Para Hirst
40
“a democracia é uma fonte de legitimidade para o governo e uma
forma de decisão dentro de uma entidade considerada autodeterminante”. A idéia de
que a coletividade é que determina o seu destino é fundamento do pensamento polí-
tico culminando na noção lógica onde a “soberania democrática inclui os cidadãos e
os une através de um pertencimento comum que é negado a outros”.
Além disso sabe-se que a democracia é plena a partir da participação efetiva
do cidadão nas tomadas de decisões o que se mostra impossível num contexto glo-
bal onde quem está no poder está bem distante do restante da humanidade. A
mundialização não coaduna com a participação democrática conforme cita Tárrega:
[...] desse contexto de direção transnacional da economia, observa-se que
muitas decisões que interferem na esfera nacional são tomadas à distância
de onde produzem seus efeitos e em posto alheio ao espaço político estatal,
escapando, portanto, dos instrumentos garantidores da participação demo-
crática.
41
Bobbio
42
diz que a participação democrática idealizada por Rousseau deveria
ser eficiente, direta e livre. Entretanto isto não ocorre considerando o fato de o par-
lamento não exercer sua verdadeira função consistente na formação da vontade da
maioria parlamentar já que as decisões são tomadas em lugares bem diferentes des-
te que deveria ser o centro do poder.
Segundo o autor, mesmo se o parlamento exercesse seu papel, a participa-
ção popular se limitaria a referendar, de tempos em tempos, esta classe política que
“tende à autoconservação e é cada vez menos representativa”. Por fim observa que
mesma a participação por meio das eleições tem seu caráter distorcido e manipula-
do pelas propagandas tendenciosas. Assim a participação não é “eficiente, nem livre
e muito menos direta.
40
HIRST, Paul; THOMPSON, Grahame. Globalização em questão: A economia internacional e as
possibilidades de governabilidade. Trad. Wanda Caldeira Brant. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
Pág.268.
41
TÁRREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco. Democracia e participação-cidadã nos diferentes contex-
tos políticos. In: Luiz Alexandre Cruz Ferreira. (Org.) Hermenêutica, cidadania e direito. São Paulo:
Millennium, 2005, p. 156.
42
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsivier, 2004.
34
Corroborando este pensamento Del Roio entende a crise do Estado exata-
mente no sentido da crise das Instituições do Estado liberal-democrático e da identi-
dade nacional-popular:
É verdade que o poder decisório do poder executivo e do governo como um
todo está cada vez mais subordinado as decisões que lhe são externas, tan-
to no sentido das burocracias estatais quanto principalmente das agencias
internacionais do capital financeiro. Isso para não se falar na crise de repre-
sentatividade dos parlamentos e dos partidos políticos. O debilitamento des-
sas instituições facilita o ataque contra os direitos sociais conseguidos pelo
movimento operário no último século, fazendo com que, em suma, os espa-
ços democráticos fiquem mais limitados em favor das instâncias manipulató-
rias dos meios de comunicação dominados e de várias formas geridos pela
oligarquia financeira.
43
A democracia participativa faz parte da concretização do Estado Nação, pois
a legitimidade deste se concretiza por intermédio da anuência da comunidade.
Neste desiderato que se compreender que a soberania do Estado está ligada à
efetiva participação dos cidadãos e que este é o seu pressuposto de legitimidade. A
partir do momento em que a globalização afasta a decisão das mãos daqueles que
deveriam deter o poder o Estado Nação perde o seu poder de autodeterminar-se.
Acompanhando este raciocínio, além da perda da soberania por impossibili-
dade de se efetivar a democracia, investiga-se esta perda por outros ângulos para
demonstrar como a globalização tem irradiado seus efeitos no Estado Nação.
1.4.4 - Perda da soberania pelo Estado Nação
O avanço da mundialização do capital, sob o comando das grandes corpora-
ções multinacionais, a formação dos blocos econômicos supranacionais e o fortale-
cimento do neoliberalismo contribui sobremaneira com a perda da histórica sobera-
nia pelo Estado Nação levando ao questionamento sobre o tradicional papel do Es-
tado.
Com o tamanho gigantesco que as multinacionais atingiram é natural que os
Estados fiquem mais suscetíveis às suas pressões. As grandes corporações indus-
triais comerciais e financeiras - superam em poder econômico a maioria dos Estados
atuais.
35
A ação delas tende a enfraquecer o poder estatal, sobretudo nos países sub-
desenvolvidos; com os avanços tecnológicos, especialmente nas telecomunicações,
as fronteiras dos Estados ficam cada vez mais vulneráveis, entretanto, foi exatamen-
te a soberania dos Estados que criaram as condições para que os fluxos da globali-
zação aumentassem em volume e velocidade.
Assim, a globalização também está a enfraquecer cada vez mais os Estados
Nacionais que o substituídos gradualmente por instituições supranacionais. Com
a formação dos mercados regionais ou intercontinentais surgiram organizações co-
mo: Nafta, Unidade Européia, Comunidade Econômica Independente e o Mercosul.
Hirst coaduna com o pensamento de que o Estado Nação está enfraquecido,
tendo em vista que as opções políticas nacionais têm sido postas de lado pelas for-
ças do mercado mundial que seriam mais fortes até mesmo que os poderosos Esta-
dos argumentando que:
Não dúvida alguma de que a proeminência e o papel dos Estados-nação
são menos autônomos, têm menos controle exclusivo sobre os processos
econômicos e sociais dentro de seus territórios, e são menos capazes de
manter a singularidade nacional e a homogeneidade cultural.
44
Por seu turno Tavares
45
citando Reinhold Zippelius, assegura que a soberania
cessa quando o Estado perde o poder de decisão e que isto está por acontecer.
Para ele é uma conseqüência natural oriunda do momento em que a sociedade
mundial vive e que tão somente
[...] de se desvendar o caminho que esse poder irá trilhar até se alojar e
criar uma outra instancia decisória, um outro centro de comando, que tanto
pode ser decorrente de uma comunidade de estados como de um estado
global, já agora num futuro mais longíquo.
Observe-se que este autor é bastante pessimista em relação à soberania do
Estado Nação. No entanto é preciso considerar que a abertura da economia e os
outros efeitos da globalização não são irreversíveis. O Estado e a sociedade podem
mudar o seu rumo, todavia enquanto isto não acontece cabe ao o mundo aprender a
43
DEL ROIO, Marco. Globalização e o Estado Nacional. Disponível em:
http://globalization.sites.uol.com.br/globaliz.htm. Acesso em: 15 jan. 2008.
44
HIRST, Paul; THOMPSON, Grahame. Globalização em questão: A economia internacional e as
possibilidades de governabilidade. Trad. Wanda Caldeira Brant. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
Pág.274.
45
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
36
lidar com o fenômeno, pois as mudanças estão presentes e no seu aspecto negativo
tornam a vida das pessoas muito difícil.
Em se concluindo que os efeitos da globalização têm recaído sobre a existên-
cia do Estado Nação, sobretudo sobre a sua soberania, necessário se faz o estudo
sobre este Estado Nação e sua relação com a globalização.
1.5 Estado Nação e globalização
O mundo como se encontra organizado territorialmente é produto de
modificações que resultaram da fragmentação de alguns países e da reunificação
de outros. A própria divisão terrestre em Estados territoriais com fronteiras
claramente definidas é relativamente muito recente. O Estado nem sempre foi
concebido da forma que existe hoje.
Por outro lado, com a globalização muito se especula sobre o seu fim, pois
com a aceleração dos fluxos e com a disseminação de políticas neoliberais o Estado
tem sofrido várias transformações em seu papel, conforme já visto anteriormente.
A vida em sociedade traz vários benefícios para os seus membros, tanto isto
é verdade que os homens se submetem a um poder superior em busca destes
benefícios. Portanto estes proveitos trazem consigo o ônus de limitar alguns
aspectos considerados naturais do ser humano, sobretudo a sua liberdade.
Para explicar a submissão do homem em prol da convivência em sociedade
existem duas correntes majoritárias: aquela que considera que a sociedade é natural
e que o homem tem na sua natureza a sociabilidade
46
e aquela que assegura que a
sociedade é proveniente de uma escolha, ou seja, produto da razão e não da
natureza
47
.
A posição majoritária na atualidade é a de que o homem é, por natureza, um
ser social, portanto aquela que defende a sociedade natural. Dallari
48
coaduna com
este entendimento conforme adiante se lê: Como conclusão pode-se afirmar que
46
Corrente defendida por Aristóteles; Cícero; Santo Tomás de Aquino e Oreste Ranelletti, (DALLARI,
Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 10-11)
47
Posição defendida pelos contratualistas Hobbes, Leviatã, parte I, cap. XVIII; Montesquieu. Do Espí-
rito das leis. Livro I, cap. II; Rousseau. O contrato social. Livro I, cap. I.
37
predomina atualmente, aceitação de que a sociedade é resultante de uma
necessidade natural do homem sem excluir a participação da consciência e da
vontade humanas.
Para Dallari, três características são necessárias para que um agrupamento
humano seja reconhecido como sociedade. A primeira seria a finalidade ou valor
social: consistente no bem comum
49
; a segunda seriam as manifestações de
conjunto ordenadas: consubstanciada na garantia de que os componentes da
sociedade possam se manifestar em conjunto, sempre visando o fim almejado; e a
terceira e última seria o poder social: aquele poder originário da sociedade,
entendido como legítimo o poder consentido.
50
Assegura ao autor que existem dois tipos predominantes de sociedades:
a) as sociedades de fins particulares, quando têm finalidade definida,
voluntariamente escolhida por seus membros; Suas atividades visam, direta
e imediatamente, àquele objetivo que inspirou sua criação por ato
consciente e voluntário; b) as sociedades de fins gerais, que se
caracterizam por seu objetivo, indefinido e genérico, que é criar as condiçõe
necessárias para que os indivíduos ee as demais sociedades que nela se
integram consigam atingir seus fins particulares.
51
As sociedades de fins gerais são as sociedade políticas que visam criar
condições para a consecução de fins particulares de seus membros, ocupando-se
da totalidade das ações humanas, coordenando-as em função de um fim comum.
Dentre as sociedade políticas o autor cita a família; as tribos; os clãs, e num
plano mais importante, por sua amplitude, o Estado.
Este tipo de sociedade, ou seja, o Estado é que interessa ao presente estudo,
pois sua delimitação, fundamentação e razão de existir é que trará subsídios à
conclusão do presente trabalho.
Cicco
52
diz que o termo Estado advém do substantivo latino status e
relaciona-se com o verbo stare, que significa estar firme. Uma denotação possível
48
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 18.
49
Para DALLARI, seria buscar a criação de condições que permitam a cada homem e a cada grupo
social a consecução de seus respectivos fins particulares. (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de
Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 10-11)
50
Georges Burdeau, L’Eat, pág.s. 26 a 31 apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Ge-
ral do Estado.o Paulo: Saraiva 2007, p. 40.
51
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 48.
52
CICCO, Cláudio De; GONZAGA, Teoria Geral do Estado e Ciência Política. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007.
38
portanto, é que o Estado está etimologicamente relacionado a estabilidade. Dai que
o conceito de Estado chegou a ser utilizado para designar a sociedade política
estabilizada por um senhor soberano que controla e orienta os demais.
O Estado, cronologicamente, percorreu as seguintes etapas: Estado Antigo,
Estado grego, Estado Romano, Estado Medieval, Estado Moderno e Estado
Contemporâneo
Na antiguidade havia formas de organização estatal, sendo comum
referências a Estados como o grego e o romano. Mas como existe hoje o Estado
começou a constituir-se na Europa, no final do século XV.
Historicamente o termo Estado foi empregado pela primeira vez por Nicolau
Maquiavel no início de sua obra O princípe , publicada em 1513.
Entretanto, entende-se que a consolidação do Estado moderno se deu no ano
de 1648 quando foi assinado o Tratado de Vestfália encerrando a Guerra dos Trinta
Anos oportunidade em que fixou-se os limites territoriais entre os Estados europeus
criando um sistema estatal. Sua grande preocupação era a manutenção da paz e de
sua soberania.
O Estado Moderno pode ser classificado em dois períodos: o absolutista, que
se estendeu de fins do século XV ao século XVIII, e o Estado Nação que surgiu no
final do século XVIII, após o processo de independência norte-americano e a
Revolução Francesa.
A Revolução Francesa, datada de 1789, é o marco histórico de transição do
Estado absolutista para o Estado Nação. Como resultado, os ideais de liberdade e
igualdade disseminaram-se também na Europa e a legitimidade do poder estatal
deslocou-se gradativamente do rei para o povo e, em seu nome, deveria ser
exercido.
Com a passagem do tempo, o Estado Moderno evoluiu para o Estado
Contemporâneo, sendo este caracterizado principalmente pela globalização que,
conforme visto, pode ser definida como o aumento das relações mundiais que
ligam localidades distantes de maneira que os acontecimentos locais são moldados
por eventos que estão a muitos quilometros de distância.
A preocupação do Estado Contemporãneo, além da manutenção da paz e de
suas fronteiras, também tem como escopo a defesa do meio ambiente, dos direitos
humanos e do comércio internacional.
39
Independentemente de sua evolução, para a maioria dos doutrinadores o
Estado pode ser definido como uma organização política, social e jurídica ou como
mecanismos sociais que controlam o funcionamento da sociedade e dos indivíduos
sob a forma de regras e normas visando a ordenação das interações entre os
homens e suas respectivas formas organizacionais ocupando um espaço físico
sobre o qual o Estado exerce seu poder soberano denominado território ou, em
outras palavras, é o âmbito de validade da ordem jurídica estatal, onde
normalmente a lei máxima é uma Constituição escrita dirigida por um governo que
possui soberania reconhecida tanto interna como externamente.
Deste modo, resumidamente pode-se dizer que o Estado é uma instituição
social politicamente organizada que exerce soberania sobre um território.
A ciência política aponta três elementos indispensáveis à existência do
Estado e, em conseqüência, à sua personalidade internacional, a saber: povo;
território; e soberania.
Para Dallari
53
, acrescenta-se ainda um quarto elemento que seria a finalidade
do Estado entendendo ser esta a busca do bem comum.
De acordo com o autor a definição que abarcaria todas as características do
Estado é a seguinte:: "Estado é uma ordem jurídica soberana que tem por fim o bem
comum de um povo situado em determinado território"
54
.
Para ele, além dos elementos povo, território e soberania o Estado é constitu-
ído também pelo elemento denominado de bem comum.
Sem embargos das opiniões contrárias o bem comum é a razão de existir do
Estado e não o seu elemento.
Entretanto, para que seja possível entender o Estado é importante que se fa-
ça um estudo sobre os seus elementos essenciais ou, como diz Dallari
55
, suas notas
características.
1.5.1 - Povo
53
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 71.
54
DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 118/119
55
DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 71
40
Não divergência no sentido de que o elemento pessoal é necessário para
a constituição e a existência do Estado uma vez que o Estado existe para e em fun-
ção dele. Esse elemento pessoal é denominado de povo.
O elemento consistente em povo é também expresso por alguns pelo vocábu-
lo população, no entanto de maneira errônea pois são termos diferentes.
Para uma melhor compreensão esclareça-se que população significa o con-
junto de pessoas que habitam um país. Trata-se de um conceito geográfico expri-
mindo apenas o conjunto de habitantes enquanto que povo significa o conjunto de
indivíduos unidos por um momento jurídico constituem o Estado estabelecendo com
este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vonta-
de do Estado e do exercício do poder soberano.
O segundo elemento de constituição do Estado é o povo e não a população.
Para Kelsen
56
, povo significa todos os seres humanos que residem dentro de
um território e que são considerados uma unidade. Assim como o Estado tem ape-
nas um território, ele tem somente um povo e assim como a unidade do território é
jurídica e o natural, assim o é a unidade do povo, todavia compreendendo apenas
parte da humanidade, assim como abrange apenas parte de um território.
Neste estudo parte-se da premissa de que o povo é soberano em consonân-
cia com os ensinamentos de Rousseau que foi explicitada em sua obra “o contrato
social”, onde fundamenta as suas idéias na noção de liberdade que considera ser a
essência da natureza espiritual do homem.
Para o autor, mediante uma livre associação de seres humanos inteligentes,
se forma a sociedade, à qual passam a prestar obediência. Dessa forma o contrato
social seria a base legítima para uma sociedade que deseja viver de acordo com os
pressupostos da liberdade humana.
Portanto, a efetivação da vontade geral é possível por meio do contrato social
no qual cada um unindo-se a todos, obedece a si mesmo e permanece livre.
A idéia se encontra expressa na seguinte passagem:
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força
comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, se u-
nindo a todos, obedece apenas, portanto, assim mesmo , e permaneça tão
livre quanto antes.
57
56
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 334
57
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. o Paulo: Hemus, s/d. p. 27
41
-se que se aceitando a autoridade da vontade geral o cidadão não pas-
sa a pertencer a um corpo moral coletivo, bem como adquire liberdade obedecendo
a uma lei que prescreve para si mesmo.
Segundo o referido pensador somente os acordos seriam o fundamento de
toda autoridade legítima entre os homens, todavia sempre respeitando a liberdade,
uma condição irrenunciável do homem que impossibilita a subserviência do povo.
1.5.2 - Território
Território é a base espacial indispensável ao Estado para exercer seu poder
de governo sobre os indivíduos, nacionais e estrangeiros, que se encontrem dentro
dos limites em que impera, sendo portanto o local físico ou geográfico de atuação do
Estado.
Para Kelsen
58
o território “é o espaço para o qual, segundo o Direito Interna-
cional geral, apenas uma determinada ordem jurídica está autorizada a prescrever
atos coercitivos, é o espaço dentro do qual apenas os atos coercitivos estipulados
por essa ordem podem ser executados”, sendo que “essas ordens normativas de-
signadas como Estados caracterizam-se precisamente pelo fato de suas esferas ter-
ritoriais de validade serem limitadas.”
No contexto político, o termo território refere-se a superfície terrestre de um
Estado, seja ele soberano ou não. É definido como o espaço físico sobre o
qual o Estado exerce seu poder soberano, ou em outras palavras é o âmbito
de validade da ordem jurídica estatal. De acordo com as teorias gerais de
Estado, diplomacia, relações internacionais e nacionalidade, o território é
uma das condições para a existência e o reconhecimento de um país
(sendo os outros dois a nação e o Estado). Por isso, existem determinados
casos de entidades soberanas que não são consideradas países, como
Estados sem território (Autoridade Nacional Palestina e a Ordem Soberana
dos Cavaleiros de Malta) ou nações sem território (os ciganos).
Compreende o território: as terras emersas, o espaço aéreo, os rios, os
lagos e as águas territoriais.A delimitação territorial dos Estados modernos
foi uma decorrência dos conflitos territoriais ocorridos ao longo da Idade
Média.
59
O Estado Nação não se define sem este elemento sendo indispensável para a
manutenção da soberania.
58
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 300.
59
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/. Acesso em: 04 mai. 2008.
42
1.5.3 - Bem Comum
Quando se fala em bem comum a primeira idéia que se tem sobre o tema é a
relação com a coletividade. É um bem que atinge a todos os participantes e mem-
bros de uma comunidade sem que seja algo de direito individual ou grupos particula-
res.
O Bem Comum pode ser definido como a busca pelo bem estar da nação.
Para que a nação possa gozar de bem estar é necessário que o bem particular de
cada membro seja alcançado. Martins Filho
60
bem explana este conceito dizendo
que
[...] bem comum nada mais é do que o próprio bem particular de cada indi-
víduo, enquanto este é parte de um todo ou de uma comunidade: "O bem
comum é o fim das pessoas singulares que existem na comunidade, como o
fim do todo é o fim de qualquer de suas partes". Ou seja, o bem da comuni-
dade é o bem do próprio indivíduo que a compõe. O indivíduo deseja o bem
da comunidade, na medida em que ele representa o seu próprio bem. As-
sim, o bem dos demais não é alheio ao bem próprio.
O bem particular buscado por cada um dos membros da comunidade é, em
última análise, a própria felicidade, que se alcança com o perfeito aquie-
tamento do apetite, ou seja, quando nada resta a desejar. O objeto formal
de nossa vontade é o bem, sem limitações, e não este ou aquele bem. Daí
que apenas um bem que seja universal é capaz de saciá-la plenamente. Um
bem é tanto mais bem quanto é bem para mais pessoas.
Neste mesmo sentido o conceito do Papa João XXIII
61
de Bem Comum conti-
do na Encíclica Mater et Magistra
62
, onde sabiamente assevera que o bem comum
60
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O princípio ético do bem comum e a concepção jurídica do
interesse público. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11>. Acesso em: 20 abr. 2008.
61
Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_j-
XXIII_enc_15051961_mater_po.html. Acesso em: 20 abr. 2008.
62
Mater et Magistra é uma Carta Encíclica do Papa João XXIII, de 15 de maio de 1961, Sobre a
recente evolução da Questão Social à luz da Doutrina Cristã, no septuagésimo aniversário da
Encíclica Rerum Novarum e no terceiro ano de seu pontificado.Esta encíclica foi publicada no início
da conturbada década de 1960, no contexto histórico de acirramento da “guerra fria”. Neste contexto
os papas se viram obrigados a atualizar e a reafirmar o Magistério da Igreja sobre as questões novas
e antigas que ressurgiam com nova roupagem nos “anos 60”, a esta encíclica, naquela década,
sucederam as encíclicas sociais Pacem in Terris, a Populorum Progressio e a Humanae Vitae.Esta
encíclica é considerada um marco importante da Doutrina Social da Igreja, atualizou as orientações
das encíclicas sociais anteriores, a partir da Rerum Novarum de Leão XIII, dando a resposta católica
para os problemas da época e serviu de base para vários documentos pontifícios sobre as questões
sociais que a sucederam e ainda hoje se mantém atual. Paulo VI e João Paulo II muito dela se
valeram no seu ensinamento social usando-a como apoio e fundamento de suas encíclicas sobre a
43
compreende o conjunto das condições sociais que permitem e favorecem nos ho-
mens o desenvolvimento integral da personalidade.” Diante destas colocações pode-
se dizer que o bem comum é o conjunto de todas as condições de vida social que
consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da pessoa humana.
Lehfeld
63
explicita o alcance do bem comum em sua conotação de condições
mínimas necessárias para o desenvolvimento da personalidade humana dizendo
que:
[...]intrinsecamente pressupõe a defesa dos direitos fundamentais da liber-
dade, da igualdade e, em relevância, da solidariedade, por parte do grande
Leviatã.
Estas definições atendem o direito interno do Estado Nação inclusive corrobo-
rando com Moncada
64
que argumenta:
[...] o bem-comum duma mais pequena comunidade de homens se deixa
apreender com relativa facilidade, por oposição ao bem particular dos
seus membros, por oposição ao bem comum das outras comunidades,
com as quais entra em concorrência [...]
Todavia o mesmo não se pode dizer em relação ao bem comum de toda a
humanidade. Sobre o tema é interessante citar o pensamento de Moncada
65
que
descreve a dificuldade para se apreender o significado do termo, especialmente no
caso do direito externo.
Formalmente não haveria dificuldades para se apreender o termo, no entanto,
materialmente sua apreensão seria muito difícil, pois enquanto o bem comum interno
parte do individualismo concreto dos Estados visando essencialmente o bem estar
do homem enquanto sujeito moral
66
, o bem comum externo visaria um sujeito glo-
bal, sendo difícil conceituar sua moral vez que:
Doutrina Social da Igreja (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mater_et_Magistra. Acesso em: 2
abr. 2008)
63
LEHFELD, Lucas de Souza. Modalidades de participação-cidadã no horizonte de concreção do
direito. In: FERREIRA, Luiz Alexandre Cruz (Org.). Hermenêutica, cidadania e direito. São Paulo:
Millennium, 2005, p. 159/187.
64
MONCADA, L Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Coimbra: Editora Coimbra, 2006.
65
MONCADA, L Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Coimbra: Editora Coimbra, 2006.
66
O autor diz “que a personalidade moral coincide neles com a sua individualidade bio-psíquica. A
sua vocação de eticidade é total. [...] jamais o indivíduo pode invocar alguma coisa de parecido com
uma razão de estado para se furtar ao cumprimento dum dever de consciência. Além disso, as tabuas
de valores éticos a que rende culto constituem, normalmente, um sistema bastante fixo e homogêneo,
sujeito a poucos compromissos, dentro duma mesma situação histórica. Por último, quanto à noção
de bem comum que dentro duma comunidade diz respeito aos seus membros, igualmente aqui é
44
a moral do indivíduo pode e deve ser um limite para a política; nunca
substância nem, muito menos, fim exclusivo dela. Trata-se daquele mínimo
ético conhecido, indispensável para que qualquer obra do homem e as
relações entre os Estados são alguma coisa em que os homens intervém
possa conservar um rosto humano.
67
O autor enxerga que o bem comum para ser universal não pode definir-se por
oposição a nenhum outro. Para ele é “evidente que não poder haver outro gênero
humano em oposição ao qual o bem do primeiro possa definir-se.”
Ora, isto quer dizer que para encontrar um conteúdo para a idéia de bem co-
mum de toda a humanidade seria necessário nenhuma oposição dos Estados em
relação ao conteúdo econômico-social, político, cultural e jurídico, o que se torna
claramente difícil senão impossível, já que os povos vivem em constante oposição.
Este é o raciocínio de Moncada
68
quando salienta a constante luta existente
entre os Estados. Para ele o mundo é feito de oposição se expressando da seguinte
forma:
[...]tanto no campo político e econômico como no cultural, tudo é oposição,
quando não luta irredutível de interesses e ideologias entre os vários grupos
humanos. Pior ainda: dir-se-ia mesmo que quanto maiores são o progresso
material e a civilização, mais essa luta e oposição parecem crescer, não
obstante todos os progressos do catolicismo para a união dos cristãos.
Neste estudo, diante da globalização, busca-se um bem comum que possa
ser universal acreditando na hipótese de que um bem comum mais elevado do
que o mercado livre e seus braços fortes e um bem superior ao bom para as elites
tecnológicas e econômicas das superpotências líderes. Esse bem comum universal
deve passar necessariamente pelo Estado Nação para que este trate individualmen-
te as diferenças de cada povo.
Como já visto, o bem comum universal é ilusório e somente o Estado conside-
rado em sua individualidade pode garantir o bem comum de um povo.
relativamente fácil defini-la, não por oposição ao bem particular destes, como ainda por oposição
ao bem particular e interesses das outras comunidades.” (MONCADA, L Cabral de. Filosofia do Direi-
to e do Estado. Coimbra: Editora Coimbra, 2006)
67
MONCADA, L Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Coimbra: Editora Coimbra, 2006.
68
MONCADA, L Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Coimbra: Editora Coimbra, 2006.
45
1.5.4 - Soberania
Neste espaço, busca-se estabelecer o atual conceito de soberania, pois como
foi discutido anteriormente o Estado contemporâneo tem passado por intensas trans-
formações que se reflete em sua estrutura. Com efeito, a globalização, que é um
traço marcante da nova estrutura internacional, surgida do pós-guerra fria, afeta so-
bremaneira o conceito clássico de soberania que não guarda mais as suas caracte-
rísticas de outrora.
A questão da soberania apresenta grande relevância para o desenvolvimento
deste trabalho.
Num mundo cada vez mais globalizado emerge com muita força o tema
soberania que sempre foi polêmico devido à falta de consenso para definí-lo.
No atual contexto se mostra de grande relevância por ser um elemento
imprescindível para o Estado Nação. O conceito de soberania é uma das bases da
idéia de Estado, razão de sua abordagem.
Ressalte-se que o termo foi amplamento estudado e sobre ele diversas
teorias foram construídas. O conceito que temos hoje de soberania surgiu no século
XV juntamente com o nascimento do Estado Moderno.
A partir de então muitos significados têm sido atribuídos ao termo soberania.
Inicialmente as teorias teocráticas afirmavam que o poder tinha origem divina, sendo
que estas teorias se dividiam na Teoria da Investidura Divina e na Teoria da Investi-
dura Providencial
69
. Para a primeira, os governantes eram delegados diretos de
Deus; já a segunda admitia apenas a origem divina do poder.
As teorias democráticas vieram como resultado das revoluções burguesas e
foram denominadas de soberania popular, consubstanciadas no pensamento de
Rousseau
70
descrito no Contrato Social. A soberania popular tem como fundamento
a igualdade política dos cidadãos e o sufrágio universal, sendo o titular da soberania
o próprio povo que a exerce por intermédio de seus direitos políticos.
Canotilho
71
demonstra a evolução deste conceito para o conceito de sobera-
nia nacional, na qual a titularidade é transferida para a nação que representa o povo
organizado numa ordem instituída como um complexo indivisível. A diferença entre
as duas está na participação política, já que neste caso a participação não é geral se
69
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros Editores 1997, p. 129.
70
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
46
limitando à participação daqueles investidos pela nação na escolha dos governan-
tes.
Este modelo da soberania nacional foi adotado após a Revolução Francesa,
sendo o que se mantêm com predominância nos Estados organizados como demo-
cracia constitucionais.
Dallari ensina que:
procedendo a uma síntese de todas as teorias formuladas, o que se verifica
é que a noção de soberania esta sempre ligada a uma concepção de poder,
pois mesmo quando concebida como centro unificador de uma ordem está
implícita a idéia de poder de unificação
72
A soberania está relacionada com o poder legítimo, exercido com
independência e como poder de decisão em última instância, podendo ainda ser
definido como o direito exclusivo de uma autoridade suprema sobre uma área
geográfica ou grupo de pessoas de modo que qualquer interferência de uma nação
mais forte dentro do território de uma nação mais fraca é considerada irregular e
antijurídica, que todo Estado, no verdadeiro sentido da palavra soberania, não é
submisso a qualquer potência extrangeira, alias, noção inclusive que fundamenta o
conceito de Estado Nacional.
O poder social tem como qualidade maxima a soberania, pois através dela as
normas e decisões elaboradas pelo Estado prevalecem sobre as normas e decisões
oriundas de grupos sociais intermediários, se baseando na criação de um sistema de
normas jurídicas capazes de estabelecer os fundamentos da conduta humana.
Neste sentido, no âmbito interno, a soberania estatal traduz a superioridade
de suas normas na vida em comunidade. Externamente, a soberania traduz a idéia
de igualdade de todos os Estados na comunidade internacional, não havendo
prevalência de uns sobre os outros.
Conforme se vê, a soberania está atrelada à idéia de territorialidade sendo os
seus limites definidos pelas fronteiras geográficas.
O conceito clássico de "soberania" é teorizado pelo francês Jean Bodin (1530-
1596) que identifica a essência da soberania unicamente no “poder de fazer e
71
CANOTILHO, JJ. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.
72
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 79.
47
anular as leis”, assegurando que todos os outros poderes estariam inseridos neste.
73
Este é o conceito originário de soberania, sistematizado por Jean Bodin, no século
XVI e reafirmado pelo Tratado de Westfalia.
74
Rousseau
75
também identifica a soberania com o poder legislativo no entanto
transfere o conceito de soberania da pessoa do governante para todo o povo,
entendendo que o soberano só pode fazer leis gerais e abstratas. Para ele a
soberania é inalienável e indivisível e deve ser exercida pela vontade geral.
Assim, “o poder constituinte era a tradução da soberania inteira da nação”
conforme bem coloca Moreira.
76
Inicialmente, ela não tinha limites na ordem externa
a não ser aqueles que ela mesma aceitava por meio de convenções internacionais.
As características da soberania clássica são: a unidade; a indivisibilidade;
propriedade; irrevogabilidade; supremacia na ordem interna e independência na
ordem internacional e este poder é limitado apenas pelas leis livremente aceitas ou
pelas leis da natureza.
Entretanto, é importante ressaltar que a soberania é limitada pelos princípios
de direito natural, consistente no direito dos grupos particulares que compõem o Es-
tado (grupos biológicos, pedagógicos, políticos, espirituais, etc), tendo em vista que
o Estado existe para servir ao povo e não o povo para servir o Estado.
Também é limitada pelos imperativos da coexistência pacífica dos povos na
órbita internacional, assegurando a paz, a razão de ser de toda associação. Os ho-
mens se associam para garantirem o bem comum consistente principalmente e inici-
almente na paz.
73
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; tradução Carmem C. Varria-
le...(et al); coordenação da tradução João Ferreira. Dicionário de Política. Vol 2 . Brasília: Editora
Universidade de Brasília: São Paulo: Impressa Oficial do Estado, 2000, P.1179/1188.
74
O tratado de Westfália, de 1648, foi assinado quando o Sacro Império Romano-Germanico, gover-
nado pelos Habsburgos austríacos, foi derrotado, após a Guerra dos Trinta Anos. Esse Tratado res-
tabeleceu a paz na Europa e inaugurou nova fase na história política daquele continente, propiciando
o triunfo da igualdade jurídica dos Estados, com o que ficaram estabelecidas sólidas bases de uma
regulamentação internacional positiva. Esta igualdade jurídica elevou os Estados ao patamar de
únicos atores nas políticas internacionais, eliminado o poder da Igreja nas relações entre os mesmo
e conferindo aos mais diversos Estados o direito de escolher seu próprio caminho econômico, político
e religiosos. /ficou, então, consagrado o modelo da soberania externa absoluta, e iniciou-se uma or-
dem internacional protagonizada por nações com poder supremo dentro de fronteiras territoriais esta-
belecidas. ( LAFER, Celso. "Os Dilemas da Soberania", in Possibilidades e Paradoxos. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982)
75
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
76
MOREIRA, Vital. O futuro da constituição In GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santia-
go (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros
Editores, 2001.
48
Esta realidade mostra a necessidade de discussão sobre o papel da sobera-
nia no mundo contemporâneo. A reflexão recai sobre as mudanças nas relações en-
tre as nações e na implicação em mutação no conceito clássico de soberania a pon-
to de influenciar na derrocada dos Estados Nações.
A globalização produz efeitos no conceito atual e a discussão se fundamenta
em dois pontos cruciais: a perda da soberania ou sua mutação para um novo concei-
to.
1.5.4.1 Mutação do conceito de soberania
Neste ponto do estudo é necessário abordar a crise em que o Estado con-
temporâneo se encontra, consubstanciada no novo caráter dado às relações inter-
nacionais extensamente estudadas no capítulo I. A interdependência entre os dife-
rentes Estados se torna cada vez mais forte e mais estreita, quer no aspecto jurídico
e econômico quer no aspecto político e ideológico. Está desaparecendo a soberania
dos Estados para dar lugar a um poder supranacional.
Bobbio
77
muito claramente se expressa sobre o assunto:
O movimento por uma colaboração internacional cada vez mais estreita co-
meçou a desgastar os poderes tradicionais dos Estados Soberanos. O gol-
pe maior veio das chamadas comunidades supranacionais, cujo objetivo é
limitar fortemente a soberania interna e externa dos Estados-membros; as
autoridades “supranacionais” têm a possibilidade de conseguir que adequa-
das Cortes de Justiça definam e confirmem a maneira pela qual o direito
“supranacional” deve ser aplicado pelos Estados em casos concretos; desa-
pareceu o poder de impor taxas alfandegárias, começa a sofrer limitações o
poder de emitir moedas. As novas formas de alianças militares ou retiram de
cada Estado a disponibilidade de parte de suas forças armadas ou determi-
nam uma “soberania limitada” das potências menores com relação à potên-
cia hegemônica.
A constituição de instâncias decisórias e com poderes de governo, algumas
alheias ao controle e à atuação dos Estados como por exemplo, as agências que
atribuem os índices de risco do crédito internacional, violam o princípio de soberania
sobre o qual os Estados nacionais estão consolidados.
77
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; tradução Carmem C. Varria-
le...(et al); coordenação da tradução João Ferreira. Dicionário de Política. Vol 2 . Brasília: Editora
Universidade de Brasília: São Paulo: Impressa Oficial do Estado, 2000, p. 1187.
49
Tavares
78
concorda que a soberania do Estado não é mais a mesma e apoia-
do em Regis Fernandes de Oliveira, acentua: a soberania não possui a mesma
força vital que lhe era dirigida em épocas passadas”, concluindo que se modificaram
suas características, pois não é mais um poder absoluto nem ilimitado e tampouco
essencial para a definição de Estado.
Ferreira Filho
79
chega a defender a idéia da superação do Estado Nação ar-
güindo a necessidade de associação entre Estados e de revisão do conceito de so-
berania considerando inviável na atualidade uma real soberania dos Estados Nacio-
nais já que
Soberania significa um poder que não reconhece outro a ele superior, seja
no plano interestatal (independência), seja no plano interno (supremacia).
[...] evidentemente, não no plano do direito, mas sim no das realidades, tal
soberania pressupõe uma superioridade de força. Ou, ao menos, uma força
suficiente para dissuadir as pretensões estrangeiras, para impor-se a qual-
quer grupo interno rival. Ora, se esta supremacia interna é conservada pelos
Estados-Nação embora muitos sejam ameaçados por grupos revolucioná-
rios, com as guerrilhas marxisantes ou religosas no plano externo ela de-
sapareceu, salvo quiçá para os Estados Unidos. Assim, o imperativo de se-
gurança obriga os Estados-Nação a agregarem-se em unidades maiores,
mais fortes, inclusive para assegurarem a própria sobrevivência. De novo é
exemplo disso os Estados-nação europeus. Por tudo isto, parece previsível
a superação dos Estados-Nação. Não desaparecerão, mas virão a associar-
se (ou integrar-se) formando ente novo.
Martins
80
corrobora com a idéia de mudança do conceito de soberania. Se-
gundo ele, [...] o Estado Moderno está, em sua formulação clássica de soberania
absoluta, falido, devendo ceder campo a um Estado diferente no futuro.”
Bastos
81
, no mesmo sentido, ensina que:
O princípio da soberania é fortemente corroído pelo avanço da ordem jurídi-
ca internacional. A todo instante reproduzem-se tratados, conferência, con-
venções, que procuram traçar as diretrizes para um a convivência pacífica e
para uma colaboração permanente entre os Estados. Os múltiplos proble-
mas do mundo moderno, alimentação, energia, poluição, guerra nuclear,
pressão ao crime organizado, ultrapassam as barreiras do Estado, impondo-
lhe, desde logo, uma interdependência de fato.
A propósito, Moreira
82
ao se manifestar sobre o futuro da Constituição Portu-
guesa, diante das mudanças advindas da globalização, traz a lume a observação
78
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 925.
79
FERREIRA FILHO, Manoel. O Estado do futuro. São Paulo: Pioneira, 1998.
80
MARTINS, Ives Granda. O Estado do futuro. São Paulo: Pioneira, 1998.
81
BASTOS, Celso Ribeiro. O Estado do futuro. São Paulo: Pioneira, 1998.
50
sobre os efeitos provocados na soberania clássica dos Estados, demonstrando a
sua deterioração em prol de um novo modelo:
O direito internacional ampliou-se para além das convenções internacio-
nais. Existe agora um jus cogens, que vincula directamente os Estados, in-
dependentemente da sua adesão ou consentimento. [...] hoje estão em cur-
so movimentos de integração política, que implicam uma crescente partilha
de poderes outrora considerados exclusivos do Estado Nacional. O proces-
so mais avançado é notoriamente o da União Européia, em que os poderes
exercidos pelas instâncias de integração abrangem poderes legislativos em
muitas áreas, poderes administrativos e poderes jurisdicionais. [...] Desse
modo os Estados Nacionais, outrora instância única do poder político, pas-
saram a ser somente um dos níveis de uma cadeia de degraus de poder,
desde o poder local, passando pelo poder regional, até ao poder suprana-
cional. [...] As fronteiras do Estado deixam de ser relevantes para muitos e-
feitos [...]
E mais do que estes espaços ocupados pelas organizações supranacionais,
ainda, em detrimento da soberania dos Estados Nacionais, o mercado mundial pos-
sibilitou a formação de empresas do mesmo caráter que detêm um poder que não
está submisso a nenhum outro poder político, estando livres de toda forma de con-
trole. Neste sentido, nenhum Estado tem controle sobre as decisões das multinacio-
nais que mesmo sem serem soberanas são inteiramente livres, não sendo submis-
sas a ninguém.
Ora, evidentemente isto enfraquece os Estados diminuindo sua capacidade
para cumprir sua finalidade. Philippe Quéau
83
se manifesta a respeito demonstrando
o quanto o enfraquecimento do Estado enfraquece também o indivíduo.
O enfraquecimento do Estado diminui sua capacidade para deter a escalada
da pobreza, a exclusão e o desemprego, assim como para trabalhar para a
melhoria da educação e dos sistemas de saúde. O ”contrato social” em cada
sociedade está ameaçado por uma globalização cega e sem fronteiras, sem
nenhum interesse por projetos coletivos. Confrontado com o poder e a influ-
ência do mercado, o Estado Nação está debilitado e perde o seu sentido
simbólico, os mesmos valores que tornaram sua existência possível e signi-
ficante.
82
MOREIRA, Vital. O futuro da constituição In GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santia-
go (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros
Editores, 2001.
83
QUÉAU, Philippe. A revolução da informação: em busca do bem comum. Disponível em:
www.scielo.br/pdf/ci/v27n2/queau.pdf. Acesso em: 20 abr. 2008.
51
Nesse tempo de mundialização da economia, onde as megaempresas trans-
nacionais ou multinacionais e os sistemas de leis e de organizações internacionais
estão pressionando os Estados Nacionais
As pequenas potências enfrentam o desafio de voltar a se autodefinir como
uma nação que possam, como um estado nacional forte, apoiar suas empresas na
competição global e assim recuperar a sua soberania que hoje é encontrada apenas
nas superpotências, além de implantar em seus cidadãos o sentimento de justiça
elevando a patamares condignos a sua energia moral citada por Ihering.
84
Os Estados Nacionais são os principais sujeitos de direito internacional tanto
do ponto de vista histórico quanto do funcional já que é por sua iniciativa que surgem
outras pessoas de direito internacional como as organizações internacionais. No
entanto, somente um Estado forte tem condições de manter a sua dignidade perante
o mundo.
Ihering
85
bem coloca a ligação entre a dignidade do povo e a conservação do
Estado:
[...]um povo que não reage quando o inimigo lhe arrebata um quilometro
quadrado de seu solo acabará perdendo toda a sua terra. Quando não tiver
mais nada a perder, terá deixado de existir como Estado. [...] O processo
transforma-se de uma questão de interesse numa questão de caráter: o
que está em jogo é a afirmação ou a negação da própria personalidade”
No entanto, não se pode esquecer que foram os Estados Nacionais que pro-
piciaram condições para que os fluxos da globalização aumentassem e chegassem
a este ponto.
Cita-se como exemplo que a crescente abertura das economias nacionais pa-
ra mercadorias e capitais produtivos e especulativos dependeu da concordância es-
tatal; que o Estado é quem criou novas regras para os fluxos de capitais, mercado-
rias, serviços e informações, que favorecem a aceleração dos fluxos da globaliza-
ção; também o próprio Estado é que efetivou a implantação de políticas de privatiza-
ções de empresas estatais posta em prática em vários países.
Notadamente a formação de blocos econômicos supranacionais seria impos-
sível se não fosse negociado por Estados Nacionais soberanos. Entretanto, é bom
que se esclareça que ao ingressar em um bloco econômico o Estado transfere parte
84
IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 75.
85
IHERING, Op. Cit. p.38.
52
de sua soberania para organismos supranacionais com o objetivo de obter vanta-
gens sócio-econômicas.
O mesmo acontece quando é criada uma entidade como a Organização Mun-
dial do Comércio para mediar os conflitos internacionais. Seus Estados membros
abdicam de parte de sua soberania para acatar as decisões desta organização.
Observe-se que embora com um potencial maior de resistência com vistas a
renegociar sua situação no mercado mundializado, países emergentes com grande
potencial de recursos naturais, industrial e demográfico como Brasil, México e Índia
não têm conseguido barrar a colonização de seus mercados e a descaracterização
de suas identidades culturais.
Notoriamente isto ocorre em decorrência das opções políticas das classes di-
rigentes desses países que deliberaram pelo ingresso subalterno no processo de
globalização. Afinal a soberania ainda existente em cada Estado permite a escolha
por parte de seus governantes.
La Boétie
86
, em sua obra sobre A servidão voluntária dizia que o maior bem
do cidadão é a liberdade, afirmando que a servidão é voluntária porque a opressão
só é possível com a concordância dos oprimidos.
Para ele o povo é que se sujeita; que podendo escolher entre ser súdito ou
ser livre, rejeita a liberdade e aceito o jugo, consente que este mal o persiga. Para o
povo bastaria decidir não mais servir, recusar-se a sustentá-lo para que se tornasse
livre.
No caso da globalização e seus efeitos negativos o mesmo se pode dizer em
relação aos Estados oprimidos uma vez que os fatos acontecem com a concordân-
cia de cada um. Dai se pode concluir que a perda da soberania é ato voluntário do
Estado Nação contra o qual o povo deve se insurgir para garantir o bem comum in-
terno, tendo em vista que o bem comum externo é utópico.
Destarte, todos estes fatores indicam o crepúsculo da soberania dos Estados.
Percebe-se que as identidades dos povos estão sendo perdidas ao longo da história
e que esta perda de poder significa a perda do controle do indivíduo sobre si mes-
mo, sem o seu consentimento, uma vez que tais fatos ocorrem à sua revelia.
86
LA BOÉTIE, Étienne de. Discurso sobre a Servidão Voluntária. Trad. J. Cretella Jr. E Agnes Cretel-
la. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
53
1.5.5 - A perda da cidadania nacional diante da mundialização
O Estado Nação clássico, fundado na democracia, surgiu fundamentado nos
princípios das revoluções americana e francesa que têm sua legitimidade baseada
na idéia de cidadania. Todos os cidadãos têm os mesmos direitos e deveres, inde-
pendentemente de raça, religião, grupo étnico, sexo, região de origem, condição so-
cial etc.
O princípio da cidadania é fundado em valores da democracia moderna como
a liberdade e a igualdade, os quais possuem uma dimensão universal consagrada. A
cidadania foi construída ao longo da história e está ligada às lutas pela conquista
dos direitos do cidadão moderno. Mas, como foi visto, a vinculação entre cidadania e
Estado Nação começa a se enfraquecer.O poder sobre as normas não está mais
unicamente nas mãos do Estado, pois deve ser compartilhado com a comunidade
internacional, perdendo forças para a globalização em ascensão. Em conseqüência
a cidadania perde o seu espaço dentro do Estado nação e também não o encontra
em outro local, ficando os direitos individuais desguarnecidos sem adquirirem prote-
ção adequada no plano internacional.
Como se sabe, não existe nenhum organismo internacional com força sufici-
ente para garantir a defesa dos direitos humanos. Se o Estado Nação perde força
perante a comunidade internacional e esta não tem força coercitiva para tutelar os
interesses do cidadão, resta claro que estes estão a deriva sem um porto seguro
para se protegerem.
Sendo a cidadania nacional ameaçada por pressões globais com a formação
de instituições supranacionais
87
, não como e nem onde buscar a defesa destes
direitos.
Entretanto, não se pode olvidar que o enfraquecimento do Estado Nação se
refere, principalmente, à sua função de elaborar e decidir políticas bem como à sua
capacidade autônoma de elaborar projetos políticos nacionais.
Debate-se que a solução seria aquela apontada pela União Européia consis-
tente na cidadania supranacional, desvinculando a cidadania tradicional da naciona-
87
Como é o caso da União Européia, bem como por pressões locais consistentes no aparecimento de
identidades infranacionais que assumem a forma de movimentos reivindicatórios ou separatistas,
havendo em ambos os casos o predomínio dos interesses materiais em detrimento dos interesses
cívicos dos cidadãos.
54
lidade. Porém, tal posicionamento não é coerente com o principio da nacionalidade,
que remodelou o conceito de cidadania.
O povo tem como atributo a soberania, precedendo, portanto à cidadania,
pois é na comunidade nacional que os direitos cívicos podem ser exercitados. As-
sim, a cidadania é limitada pelo Estado Nação.
No plano jurídico, a nacionalidade é definida por dois métodos que determi-
nam as condições de acesso a esse status: O jus soli, que é um direito mais aberto e
facilita a imigração e a aquisição de cidadania; e o jus sanguinis, que é um direito
que restringe a cidadania aos nacionais e seus descendentes.
No caso de uma desvinculação entre nacionalidade e cidadania haveria um
distanciamento da dimensão cultural existente em cada nação no conceito de cida-
dania. sim seria possível uma cidadania de proteção transnacional como ocorre
com os direitos humanos, todavia sem nenhuma força coercitiva para garanti-la.
Entretanto, esta possibilidade confronta com a noção de Estado Moderno,
com sua perspectiva espacial que priorizou a população dentro de seu território na-
cional, dotando-a de uma identidade básica e de sua conseqüente ideologia que é o
nacionalismo, talvez caracterizando o Estado Contemporâneo.
Então se que a cidadania nacional está sendo corroída pela globalização,
o que sem dúvida, culmina com a perda da energia moral da nação, levando seus
membros à total passividade diante das injustiças. A perda da cidadania nacional é
mais um ponto de apoio do Estado Nação que se perde.
1.5.6 O Estado Nacional e a mundialização
O Estado Contemporâneo se encontra em crise, sobretudo por causa da in-
terdependência entre os diferentes povos provocada pela ampliação das relações de
produção e de troca além das fronteiras.
Deixando progressivamente o estado inicial de individualidade própria dos Es-
tados, estes estão se integrando de uma maneira que afeta a soberania dos Estados
Nacionais mais fracos em favor de um comando supranacional onde as decisões
sempre favorecem aos mais fortes.
55
Esta questão foi discutida de forma precisa por Del Roio
88
quando lembra que
o Estado Nacional nasceu entremeio à configuração capitalista moderna em função
das revoluções burguesas que ocorreram no final do século XVIII.
Por um lado, a Grã-Bretanha se constituiu Estado com agregação de territó-
rios por via dinástica, partindo para a construção de seu império. Por outro, os EUA
se intitulam república em oposição ao projeto imperial britânico, num conflito exter-
no, mas com a finalidade de constituir seu próprio império, em perspectiva, concor-
rente com aquele.
Assegura o autor que a nação francesa, por sua vez, concebeu sua identida-
de em oposição ao absolutismo feudal-monárquico, num conflito interno que ganhou
projeção global como criador de um império liberal burguês, ao se contrapor às mo-
narquias-feudais absolutistas de toda a Europa.
Assim, pode-se dizer que o Estado nacional surge ligado à idéia de uma iden-
tidade e de uma cultura nacional-popular constituída como força que tende a expan-
são, sendo essa uma concepção perfeitamente adequada ao processo de acumula-
ção do capital e a hegemonia liberal-burguesa na totalidade sócio-histórica concebi-
da no Ocidente”.
89
Descreve ainda que o ingresso na modernidade capitalista e a formação de
Estados Nacionais, a partir de meados do século XIX, diante da ameaça popular so-
cialista de subversão da ordem do capital, ocorreram sob forma de revoluções pas-
sivas, ao mesmo tempo e dessa forma, novos projetos imperiais vieram a disputa
num mercado crescentemente internacionalizado, com destaque para Alemanha,
Itália e Japão, entrando em rota de colisão não com os Estados nacionais gera-
dos com as revoluções burguesas originais, mas também com os velhos impérios
orientais da Áustria, Rússia e Turquia.
Os Estados Nacionais logo tiveram que se defrontar com o mundo do traba-
lho, o outro necessário do capital, organizado politicamente como movimento operá-
rio, resultando no estado nacional liberal que vendo-se em disputa com outros proje-
tos imperiais pelo domínio de parcelas do mercado internacional terminou nas guer-
ras mundiais de 1914-1945.
88
DEL ROIO, Marco. Globalização e o Estado Nacional. Disponível em:
http://globalization.sites.uol.com.br/globaliz.htm. Acesso em: 15 jan. 2008
89
DEL ROIO, Marco. Globalização e o Estado Nacional. Disponível em:
http://globalization.sites.uol.com.br/globaliz.htm. Acesso em: 15 jan. 2008.
56
O autor
90
acentua que:
A questão nacional na era imperialista se colocava, em suma, de três ma-
neiras diferentes. Inicialmente, nos países de revolução burguesa original e
naqueles que ingressaram na modernidade capitalista pela via da revolução
passiva antes da época imperialista, tratava-se da construção de espaços
imperiais. Para os países e povos vitimados pela expansão imperial, princi-
palmente do Ocidente (mas também da Rússia e do Japão) a questão na-
cional confundia-se com a questão da emancipação política e da construção
(ou resgate) de um Estado e de uma identidade nacional. Essa poderia o-
correr por via de revoluções burguesas passivas que implicavam compro-
missos com a velha ordem social e com a própria ordem imperial burguesa
ou então por meio de uma revolução social que, como condição da constru-
ção da identidade nacional-popular, deslocasse as classes dominantes in-
ternas e rompesse com o imperialismo, tendo no horizonte a própria supe-
ração do capitalismo.
Acrescenta ainda que diante do quadro gerado, tornou-se inadiável para o
capital empreender uma geral reorganização do império do Ocidente que implicou
mudanças nas relações entre os Estados imperialistas, a ofensiva contra o mundo
do trabalho e suas instituições, o esvaziamento da soberania dos Estados emergen-
tes no interior do império e a ofensiva econômica e político-ideológica contra o es-
tagnado império oriental.
A essa ofensiva do capital imperialista deu-se o nome de globalização orien-
tada pelas chamadas políticas neoliberais.
Todavia, o autor entende que a globalização é ao mesmo tempo um produto
da crise de valorização do capital e uma vitória política do imperialismo, tendo tam-
bém o significado de completar o longo processo de ocidentalização do mundo e de
construção do império universal do Ocidente liberal.
Para ele
91
, as informações sobre o tema são alienadas e direcionadas pelos
interesses do capital financeiro:
[...]orientada pelos interesses do capital financeiro que observa apenas a
positividade de uma globalização cultural manipulada e manipulatória que
destrói identidades sociais e nacionais em troca da geração de individuali-
dades desconexas e transitórias colocadas a mercê do mercado.
90
DEL ROIO, Marco. Globalização e o Estado Nacional. Disponível em:
http://globalization.sites.uol.com.br/globaliz.htm. Acesso em: 15 jan. 2008
91
DEL ROIO, Marco. Globalização e o Estado Nacional. Disponível em:
http://globalization.sites.uol.com.br/globaliz.htm. Acesso em: 15 jan. 2008.
57
Del Roio
92
observa que os EUA surgiram no cenário global como potência mi-
litar capaz de manter a ordem mundial, se fazendo de defensor da propriedade pri-
vada e na verdade, se consolidando como superpotência.
Não se pode afirmar, muito pelo contrário, que alguns dos Estados imperia-
listas tenha se fragilizado no processo de globalização. Antes de mais nada,
o EUA emerge no cenário mundial como potência militar única dotada de
enorme capacidade de extermínio e com pretensão de se consolidar como
"guardiã" da (desordem mundial). Liquidada a URSS, de condutor da força
armada do Ocidente, por meio da OTAN, o EUA passa a ser o "chefe da po-
lícia" do império universal do Ocidente liberal. O Estado americano, mais
que nunca, passa a ser o defensor da propriedade privada em todos os
quadrantes do mundo, preservando o investimento tecnológico nas suas
forças armadas, necessidade mais que política de manutenção das taxas de
valorização do capital. Ao mesmo tempo, amplia as forças coercitivas contra
as classes subalternas do interior do país, exigência posta pela crescente
marginalização social gerada pela desocupação e pelo crescimento da eco-
nomia criminal.
No entanto, outras forças não podem ser relegadas ao segundo plano, como
a Alemanha e o Japão, o que leva os EUA a buscar composição para manter a su-
perioridade em relação aos outros Estados.
Por tudo que foi estudado é possível concluir que a chamada crise dos Esta-
dos nacionais ou a diluição da soberania dos Estados é uma verdade dentro do pro-
cesso de globalização, e os Estados que se encontram nesta situação devem re-
pensar os seus papéis sob pena de se verem subjugados.
No entendimento de Habermas:
A seu tempo, o Estado nacional foi uma resposta convincente ao desafio
histórico de encontrar um equivalente funcional às formas de integração so-
cial tidas na época com em processo de dissolução. Hoje estamos nova-
mente diante de um desafio análogo. A globalização do trânsito e da comu-
nicação, da produção econômica e de seu financiamento, da transferência
da tecnologia e poderio bélico, em especial dos riscos militares e ecológi-
cos, tudo isso nos coloca em face de problemas que não se podem mais re-
solver entre Estados soberanos. Salvo melhor juízo, tudo indica que conti-
nuará avançando o esvaziamento da soberania de Estados nacionais, o que
fará necessária uma reestruturação e ampliação das capacidades de ação
política em um plano supranacional que, se conforme já vínhamos obser-
vando, ainda está em fase incipiente.
93
92
DEL ROIO, Marco. Globalização e o Estado Nacional. Disponível em:
http://globalization.sites.uol.com.br/globaliz.htm. Acesso em: 15 jan. 2008.
93
HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos da teoria política. Tradução de George Sperber
e Paulo a. Soethe (UFPR). São Paulo: Loyola, 2002. p. 122, p. 122/123.
58
Ferrajoli também se posiciona sobre o problema da crise do Estado Nação
considerando-a irreversível, uma vez que sua identidade, colocação e função preci-
sam ser repensadas, à luz da atual mudança, de fato e de direito, das relações in-
ternacionais.
94
Esta idéia de irreversibilidade da crise do Estado Nação é suscetível de dis-
cordância, pois, ao contrário, a sociedade pode reverter este processo por meio da
resistência, instrumento eficaz contra a opressão.
Se não houver impedimento, à tendência natural da globalização, assim como
um rio corre para o mar, é o enfraquecimento dos Estados Nacionais surgidos
cinco séculos atrás, ou dar-lhes novas formas e funções, fazendo com que novas
instituições supranacionais gradativamente os substituam. Alias, idéia defendida por
vários doutrinadores como Tavares
95
que, inclusive, acrescenta que os Estados
membros não devem ter o poder de revogar discricionariamente a transferência de
poder que porventura teriam feito, nos termos do contrato social de Thomas Hobbes.
Notadamente, esta idéia seria um retrocesso, que hoje não se discute o
fundamento absolutista desta transferência de poder, não admitida nos tempos con-
temporâneos.
Na esfera da comunidade européia está sendo enraizado o entendimento de
que os Estados Nacionais, uma vez inseridos no mundo globalizado, não podem
atender a todas as demandas sociais modernas ou por ser complexa ou pela inter-
dependência decorrente da mundialização.
Enquanto a soberania dos Estados subalternos, expressa nas políticas eco-
nômicas, está permanentemente condicionada pela movimentação global do capital
financeiro, os Estados detentores do poder e suas instituições tem sua capacidade
de decisão transferida para burocracias internacionais mais adequadas a gerir os
interesses da oligarquia financeira do império global.
Assim, para a comunidade européia um poder supranacional é conveniente,
pois seus países membros sempre serão beneficiados em detrimento das demais
comunidades.
94
FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. Tradução de Carlo Coccioli. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 2002, p. 45.
95
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
59
Neste momento da reflexão especula-se sobre o aparecimento de um novo
poder político com capacidade de opor-se às potências atuais, o que com certeza
traria uma guerra de contornos mundiais.
Diante dos efeitos nefastos para os Estados Nacionais questiona-se sobre o
exato momento de se resistir ao inexorável caminhar da história para evitar o resul-
tado danoso que se avizinha. A resistência se manifesta de várias formas bastando
definir qual meio seria o mais adequado para impedir o que se considera desastroso.
Ou, contrariamente, conforme defendem alguns, o povo abdica de sua auto-
determinação em favor de um poder supranacional com poderes supremos, na con-
dição de súdito, assumindo a condição da servidão voluntária, voltando ao tipo de
organização política preferida dos Estados da idade média, depois da queda do Im-
pério Romano. O retrocesso então se faz presente contrariando um princípio ele-
mentar que redundaria no atraso dos povos e das instituições políticas.
1.6. MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA
Com o objetivo de examinar as formas mais expressivas de organização da
sociedade frente ao novo paradigma apresentado neste trabalho, pesquisou-se ma-
nifestações populares, movimentos civis dos mais diversos, organizações governa-
mentais antimundialização, união de intelectuais de esquerda e movimentos sociais
alternativos, enfim, procurou-se encontrar os movimentos organizados da sociedade
e de maior potencial.
Dentre as principais manifestações antiglobalização
96
encontram-se desde as
manifestações que ocorreram durante a conferência da Organização Mundial do
Comércio, em Seatle (Estados Unidos), em dezembro de 1999, as seguintes:
Em Seattle, EUA, 3 de dezembro de 1999: 40 mil manifestantes foram res-
ponsáveis pelo fracasso da conferência ministerial da Organização Mundial do Co-
mércio (OMC) para o lançamento de uma nova rodada comercial. Foi decretado es-
tado de emergência, 400 pessoas foram detidas.
Em Nice, França, 6 a 7 de dezembro de 2000: 50 mil pessoas exigem uma
Europa "mais social" durante uma cúpula da União Européia (UE).
96
Disponível em: http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI581080-EI294,00.html. Acesso em: 17
abr. 2008.
60
Na cidade de Porto Alegre, Brasil, 25 a 30 de janeiro de 2001: 10 mil militan-
tes se reúnem durante o primeiro Foro Social Mundial (FSM), criado como alternativa
ao Foro Econômico Mundial de Davos (Suíça).
Em Quebec, Canadá, 22 de abril de 2001: Manifestação contra a cúpula das
Américas, dedicada à criação de uma zona de livre comércio. Mais de 30 mil pesso-
as protestaram nas ruas, 400 foram detidas e 40 policiais ficaram feridos.
Em Gotemburgo, Suécia, 15 a 16 de junho de 2001: Violentos choques entre
manifestantes e policiais no centro da cidade durante uma cúpula da UE, com um
saldo de 440 policiais feridos.
Em Genova, Itália, 20 e 22 de julho de 2001: 300 mil pessoas participaram de
manifestações realizadas à margem da cúpula de chefes de Estado e de governo do
G8
97
. Protagonizaram violentos confrontos. Um jovem italiano morreu atingido por
disparos de um policial e 500 pessoas ficaram feridas. A polícia prendeu centenas
de pessoas.
Ainda em Nova York/Porto Alegre: 31 de janeiro a 5 de fevereiro de 2002: 30
mil manifestantes se reuniram contra o Foro de Davos realizado em solidariedade a
Nova York após os atentados de 11 de setembro de 2001. Ao mesmo tempo, mais
de 50 mil pessoas participaram do segundo Foro Social Mundial de Porto Alegre,
Brasil.
Barcelona, Espanha, 15 a 16 de março de 2002: Mais de 300 mil pessoas se
concentraram "contra a Europa do capital" durante a cúpula européia de Barcelona.
Florença, Itália, 9 de novembro de 2002: Primeiro Foro Social Europeu (FSE).
Um milhão de pessoas participaram de uma marcha contra a guerra, a política ame-
ricana e a globalização.
Porto Alegre, 27 de janeiro de 2003: Mais de 100 mil pessoas participaram do
Terceiro Foro Social Mundial.
97
O Grupo dos Sete e a Rússia (inglês:Group of Seven and Russia, alemão:Sieben führende
Industrieländer und Russland, antigo G7), mais conhecido como G8, é um grupo internacional que
reúne os sete países mais industrializados e desenvolvidos economicamente do mundo, mais a
Rússia. Todos os países se dizem nações democráticas: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino
Unido, França, Itália e o Canadá (antigo G7), mais a Rússia - esta última não participando de todas as
reuniões do grupo. Durante as reuniões, os dirigentes máximos de cada Estado membro discutem
questões de alcance internacional.( Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/G8. Acesso em: 19
mai. 2008).
61
Annemasse, França, 2 de junho de 2003: De 50 a 100 mil pessoas protesta-
ram na abertura de uma cúpula do G8 em Evian (França), no triângulo Genebra-
Lausanne-Annemasse.
Colina de Larzac, França, 8 a 10 de agosto de 2003: Mais de 250 mil manifes-
tantes se reuniram em apoio ao sindicalista e líder antiglobalização, o francês José
Bové, preso na semana anterior.
Cancún, México, 10 a 14 de setembro de 2003: 6 mil pessoas, principalmente
agricultores mexicanos, americanos e europeus protestaram nas ruas do balneário
durante a quinta conferência ministerial da OMC. Um camponês sul-coreano se sui-
cidou durante uma das manifestações.
Paris, 12 e 15 de novembro de 2003: Cerca de 40 mil pessoas (100 mil se-
gundo os organizadores) participaram do Foro Social Europeu em Paris e sua perife-
ria norte.
Bombaim, Índia, 21 de janeiro de 2004: Encerramento do Foro Social Mundial,
realizado pela primeira vez fora do Brasil, com mais de 100 mil participantes, a me-
tade deles vindos da Ásia.
Londres, 16 a 18 de outubro de 2004: Mais de 20 mil pessoas (75 mil segun-
do os organizadores) participaram do Foro Social Europeu, que foi encerrada com
uma grande manifestação contra a guerra do Iraque.
Porto Alegre, 26 a 31 de janeiro de 2005: Participação recorde na edição
do Foro Social Mundial, com mais de 155 mil pessoas.
O Fórum Social Mundial figura como um dos maiores senão o maior evento
internacional a respeito do debate público sobre o modelo de dominação crescente.
Poucas vezes foi possível assistir a um debate tão profundo sobre o modelo
atual de dominação capitalista em escala internacional que usualmente em
sido chamado de globalização. A mistura, a aliança entre intelectuais críti-
cos de esquerda e movimentos sociais alternativos, teve como resultado
uma discussão extremamente rica em que o global e os exemplos práticos,
os estudos de casos, puderam se combinar até converter esta “esfera públi-
ca cosmopolita” em algo que deveria ser uma de suas virtudes: a paidéia,
uma pedagogia de massas vividas como participação política.
98
A resistência à globalização tem aumentado no mundo inteiro. movimen-
tos que buscam valorizar os hábitos e costumes locais ou nacionais diante da mun-
dialização da cultura sob a hegemonia das grandes potências; movimentos inter-
62
nacionais que defendem, entre outras propostas, a taxação do capital financeiro pa-
ra obter recursos para o combate à pobreza, entre outros. Estes movimentos têm
sido denominados de movimentos antiglobalização.
O termo antiglobalização designa os que se opõem aos aspectos do modelo
definido como um sistema de organização de sociedade baseado na propriedade
privada dos meios de produção e propriedade intelectual, e na liberdade de
contratos sobre estes bens conjugado com a maximização da liberade individual
mediante o exercicio dos direitos e da lei, bem como pela livre iniciativa.
Muitas cidades ao redor do mundo foram palco de eventos que desafiaram a
ordem capitalista mundial e despertaram a sociedade civil para a consciência de que
é possível, se não participar das tomadas de decisões, pelo menos influenciar. O
que se viu nas cidades de Seattle, Washington, Chiang Mai, Melbourne, Belém, Los
Angeles e Praga foi um insurreição de um movimento dotado de flexibilidde e
pluraridade cultural, social e política.
99
As manifestações antiglobalização aglutinam grupos muito heterogêneos:
ecologistas, sindicalistas, anarquistas; grupos dos direitos de minorias étnicas,
sexuais, religiosas, entre outros. Alguns têm preocupações com as consequências,
tanto sociais, culturais, ecnonômicas, políticas quanto ambientais, da globalização.
Outros defendem interesses mais específicos como os sindicalistas norte
americanos que foram a Seattle tentar preservar seus empregos, ou os agricultuores
franceses empenhados em manter seu estilo de vida e mercados para seus
produtos.
Sobre o primeiro grupo pode-se dizer que é um movimento que reivindica o
fim de acordos comerciais e do livre trânsito de capital. Opõem-se ainda os
antiglobalistas à formação de blocos comerciais como o NAFTA
100
e a ALCA
101
.
98
SEOANE, José; TADDEI, Emilio. Resistências mundiais: de Seattle a Porto Alegre. São Paulo:
Vozes, 2001, p.267.
99
SEOANE E TADDEI. Op. cit. p. 200.
100
O Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement) ou NAFTA
é um tratado envolvendo Canadá, México e Estados Unidos da América numa atmosfera de livre
comércio, com custo reduzido para troca de mercadorias entre os três países. O NAFTA entrou em
vigor em 1º de janeiro de 1994. (Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/, acesso em: 27 nov. 2007.)
101
A "Área de Livre Comércio das Américas" (ALCA) é um acordo comercial idealizado pelos Estados
Unidos. Este acordo foi proposto para todos os países da América, exceto Cuba, segundo o qual
seriam gradualmente derrubadas as barreiras ao comércio entre os estados-membros e prevê a
isenção de tarifas alfandegárias para quase todos os itens de comércio entre os países associados
(Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/, acesso em: 27 nov. 2007.)
63
A designação surgiu após as manifestações da Ação Global dos Povos
102
que
promoveu vários "Dias Globais de Ação contra o Sistema Capitalista" com
manifestações por todo o mundo com início em 18 de Junho de 1999 (Colónia,
Alemanha) durante a conferência do Fundo Monetário Internacional (FMI) e 30 de
Novembro de 1999 (Seattle, EUA) por ocasião da Conferência da Organização
Mundial do Comércio (OMC).
Em 30 de Novembro houve manifestações em dezenas de países e em várias
cidades dos Estados Unidos da América.
A cidade de Seattle, do dia 28 de novembro a 3 de dezembro de 1999, pode
ter sido o local onde as forças de resistência ao redor do mundo perceberam, pela
primeira vez, que o número de pessoas dispostas a questionar a ordem capitalista e
realmente participar de um levante contra a mesma era concreto. Esses dias
ficaram marcados pelas manifestações de Seattle, que atingiram proporções tais que
impediram a chegada de muitos delegados ao local da conferência.
Foram dias que ficaram na história, porém os movimentos tinham ocorrido
por meio de manifestações durante os anos 90 como em Outubro de 1993 em que
mais de 500 mil pessoas se juntaram em Bangalore na Índia para protestar contra o
ciclo de negociações da rodada do Uruguai sobre o comércio mundial ou em Maio
de 1998 em que 70 mil manifestantes obrigaram a deslocação da conferência do G8.
Foi depois disso que se começou a falar do "povo de Seattle" que englobaria
todos os que estavam juntos nessas manifestações: anarquistas, antimilitaristas,
católicos progressistas, comércio justo, movimentos de camponeses, ecologistas,
feministas, marxistas, organizações não governamentais generalistas, organizações
não governamentais dos direitos humanos, organizações humanitárias, pacifistas,
sindicalistas e muitos outros grupos sem uma pertença específica a nenhuma
organização ou ideologia específica.
102
Ação Global dos Povos (também conhecido pela sigla AGP) é um movimento radical e social,
campanhas populares e ões diretas em resistência ao capitalismo e para justiça ambiental e social.
A AGP é importante na internet pela sua comunicação e solidariedade entre o movimento antiglobali-
zação. Esta nova plataforma tem vindo a servir como instrumento de comunicação e de coordenação
de todos os que lutam contra a destruição planetária da humanidade causada pelo capitalismo em
todo o mundo, através da construção de alternativas locais. A primeira reunião de coordenação
mundial das lutas locais, em simultâneo com a conferência ministerial da OMC, em Maio de 1998,
Genebra, foi um grande sucesso: muitas manifestações diferentes tiveram lugar tais como acções e
Festas de Rua Globais, e isto em cinco continentes, entre os dias 16 e 20 de Maio. (Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/, acesso em: 27 nov. 2007.)
64
As organizações não governamentais são entidades sem fins lucrativos que,
em geral, buscam atuar de forma independente, política e economicamente, dos
Estados e seus governos e dedicam-se a vários setores.
103
Isto revela que os defensores da antiglobalização preocupam-se, sobretutudo,
com determinadas políticas econômicas
104
e não com tipos de regime de governo ou
ideologias políticas.
As conferências das principais organizações internacionais (OMC, G8, Fórum
Económico Mundial, entre outras) foram marcadas por manifestações chamadas de
manifestações antiglobalização. As manifestações são convocadas por várias
organizações, nomeadamente pela Ação Global dos Povos, que é uma frente vasta
e que promove Dias Globais de Ação contra o Sistema Capitalista.
Esses dias são organizados de uma forma descentralizada e não-hierarquica
por grupos e movimentos populares de base em muitas cidades do globo, sob a
forma de festivais e manifestações que celebram a sua resistência e a sua luta.
Em Portugal realizou-se uma manifestação em Lisboa, em 30 de Novembro
de 1999, mas foi na manifestação de Lisboa do Dia Global de Ação contra o Sistema
Capitalista, de 26 de Setembro de 2000 em que surgiu o primeiro panfleto que fazia
a seguinte referência: "globalizemos a luta contra a globalização".
Mais tarde surgiu o termo "altermundialistas" proposto pela Ação pela
Tributação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos (ATTAC), ligada ao
jornal Le Monde Diplomatique, dirigido por Ignácio Ramonet. Esse termo teve origem
no lema Um outro mundo é possível. autores que deixaram de usar o termo
antiglobalização para adotar altermundialista.
103
Muitas são brasileiras como a SOS Mata Atlântica (ambientalista); Transparência Brasil (combate
à corrupção); e Instituto de Defesa do Consumidor (direitos do consumidor); entre outras.
104
A política econômica consiste no conjunto de ações governamentais que são planeadas para
atingir determinadas finalidades relacionadas com a situação econômica de um país, uma região ou
um conjunto de países. Estas ões são executadas pelos agentes de política econômica, a saber:
nacionalmente, o Governo, o Banco Central e o Parlamento e internacionalmente por órgãos como,
65
CAPÍTULO II
DIREITO FUNDAMENTAIS
2.1 Conceitos e distinções: direitos fundamentais, direitos humanos e direitos
naturais.
As expressões direitos fundamentais e direitos humanos são confundidas co-
mo se tivessem o mesmo significado, porém a diferença existe e consiste na positi-
vação. Direitos humanos são aqueles válidos para todos os povos independente-
mente do fator temporal, enquanto os direitos fundamentais são os direitos do ho-
mem institucionalizado e válido em um determinado tempo e espaço.
Canotilho bem descreve esta diferença dizendo que:
Expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente
utilizadas como sinônimas. Segundo sua origem e significado poderiam dis-
tingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para
todos os povos e em todos os tempos (dimensão jus naturalista); direitos
fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garanti-
dos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam
da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e uni-
versal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes
numa ordem jurídica concreta.
105
Os Direitos Fundamentais são, dessa forma, aqueles conquistados pela soci-
edade a partir do exercício da cidadania, que uma vez suprimidos, descaracterizam
por completo as principais finalidades das obrigações sociais que seria a dignidade e
a evolução da pessoa humana.
Por exemplo, o FMI, o Banco Mundial e o Ex-Im Bank. Cada vez mais há uma interação com
entidades multinacionais, pelo fato da economia da maioria dos países encontrar-se globalizada.
105
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Al-
medina, 2000, p. 359
66
Os Direitos Fundamentais encontram previsão nas normas constitucionais,
contando com garantias especiais como à proibição do retrocesso e a constituição
da cláusula pétrea.
Por outro lado Herkenhoff conceitua Direitos Humanos da seguinte forma:
Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos
aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem,
por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São
direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo
contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e
garantir
106
Assim, os direitos fundamentais em sua acepção formal são aqueles direitos
básicos do indivíduo e do cidadão, reconhecidos pelo direito positivo do Estado, que
exige deste ou uma abstenção ou uma atuação no sentido de garanti-los, enquanto
os direitos do homem ou humanos seriam os direitos referentes à condição do indi-
víduo enquanto ser humano, que, portanto, se estende a toda humanidade, em to-
dos os lugares, sem limitação temporal. Estes direitos se baseariam no conceito de
direito natural, os quais não necessitariam de serem criados pelo direito positivo,
pois correspondem ao homem pelo mero fato de existir.
Portanto, direitos naturais seriam aqueles inerentes à própria natureza do
homem e que não exigem positivação escrita e também almejam uma validade uni-
versal.
Uma vez feita à distinção entre direitos humanos, direitos fundamentais e di-
reitos naturais, passa-se à visualização das teorias acerca dos direitos humanos e
sua relação com direito à autodeterminação dos povos.
2.2. Teorias acerca dos direitos humanos
Para desenvolver este estudo é imprescindível a abordagem sobre os direitos
humanos, uma vez que o direito coletivo à autodeterminação dos povos é um direito
transindividual que encontra o seu fundamento nos direitos do homem, apesar de
também se encontrar protegido como direito fundamental.
106
HERKENHOFF, João Baptista. Conceito de direitos humanos. disponível em:
http:www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro1/conceito.html. Acesso em: 17/nov./2007
67
Para melhor entender o assunto é importante que se saiba que existem, con-
forme Tavares
107
, três teorias acerca dos direitos humanos: A teoria jusnaturalista,
que defende as idéias de que o homem em seu estado da natureza já possui direitos
inerentes à sua própria existência, ou seja, anteriormente a qualquer lei civil ou exis-
tência de sociedade civil, o homem é possuidor de direitos naturais que são origi-
nários e inalienáveis e se sustentam por si só, independentemente de qualquer for-
ma positivada e que o estado teria sido criado em função desses direitos, para asse-
gurá-los e garanti-los. Nesta concepção as normas positivadas têm apenas uma fun-
ção declaratória; A teoria positivista, que refuta o jusnaturalismo, compreendendo
que o direito natural seria uma concepção sem sentido porque a idéia de direito
pressupõe positivação. Nesta concepção a positivação é um ato constitutivo; e por
último, a teoria realista, que, segundo Peres Luno
108
compreende:
[...] grupo composto pelos que não outorgam ao processo de positivação um
significado declaratório de direitos anteriores (tese jusnaturalista), ou consti-
tutivos (tese positivista), mas entendem que tal processo pressupõe um e-
lemento diverso, que deve ser considerado para o efetivo e real desfrute
desses direitos.
Para os realistas seriam as condições sociais que determinariam o sentido real
dos direitos e liberdades, delas dependendo sua salvaguarda e proteção.
Para se compreender os direitos humanos com a grandeza que lhe tem sido a-
tribuída pelas diversas legislações, especialmente constitucionais, não como não
se fazer uma ligação entre os direitos naturais do homem e esses direitos.
Os direitos do homem estão ligados à sua existência e, sendo positivados ou
não, existem e estão arraigados no interior de cada homem. A positivação tem a
função de garantir estes direitos preexistentes, razão da submissão de cada um ao
Estado.
Aliás, seria exatamente esta noção de direitos naturais que consagra o direito de
resistência. Diga-se, in passant, que as principais declarações dos direitos do ho-
mem, do culo XVIII, tem sua origem no jusnaturalismo, e as teses recentes a res-
peito dos direitos humanos não fogem desta linha.
107
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 403-
459.
108
Peres Luno, Derechos Humanos. p. 58, apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitu-
cional. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 409.
68
2.3 Evolução histórica e filosófica dos direitos humanos
Os Direitos Humanos foram se afirmando ao longo do tempo, com início nos
séculos XVII e XVIII, refletindo a progressiva evolução de nossa sociedade. De uma
sociedade rural, agrícola e feudal passou-se a uma sociedade urbana, industrial e
capitalista.
Neste período, o caminho na busca da liberdade e igualdade começou a ser
percorrido por meio da luta pelo reconhecimento dos direitos civis e políticos, ou se-
ja, pelo reconhecimento das prerrogativas dos indivíduos e grupos de indivíduos que
não podem sofrer a intervenção despótica do Estado.
Comparato
109
, quando aborda a igualdade diz que:
[...]a revelação de que todos os seres humanos, apesar das inúmeras dife-
renças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual res-
peito como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e
criar a beleza é a mais bela descoberta de toda história.
Para o autor, esta descoberta significa o reconhecimento do universo de que
os homens são iguais e ninguém, de forma coletiva ou individual, pode afirmar-se
superior aos demais. Aliás, posição defendida por Hobbes
110
em sua obra o Leviatã,
para quem os homens são tão iguais que suas pequenas diferenças não os colocam
em situação de desvantagem de um para com outro.
No decorrer da história a passagem do total desrespeito aos direitos do ho-
mem para o atual estágio o ocorreu de forma pacífica, mas em decorrência de
violentas revoluções que resultaram na ascensão política da burguesia.
Diante destas revoluções, a estrutura existente ligada ao poder monárquico
absolutista não resiste e cai sucumbido, dando lugar a uma estrutura de divisão de
poderes do Estado.
A partir daí, a figura dodito submisso passa a ser substituída pelo indivíduo
que deve obedecer às leis, mas que também tem que ver respeitados os seus direi-
tos de cidadão.
109
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva,
2001, p. 1
110
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 2ª ed.
trad. De J. P. Monteiro e M. B. Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultura, 1979.
69
Mondaini
111
assevera que neste momento ocorre uma mudança de eras, ou
seja, da substituição da “era dos deveres” para a “era dos direitos”, onde a última
tem como marco inicial a ênfase nas liberdades individuais, e num segundo momen-
to o alargamento do conceito na direção das liberdades coletivas e da igualdade po-
lítica.
O berço da “era dos direitos” está nas Revoluções
112
da Inglaterra, Estados
Unidos e França, bem como na revelação de uma nova mentalidade forjada nas i-
déias de alguns pensadores como os ingleses John Locke e Thomas Paine; os fran-
ceses Montesquieu, Voltaire e Rousseau (o último suíço de nascimento).
Em decorrência da Revolução Gloriosa, é elaborado o Bill of Rights
113
, decla-
ração voltada para a visualização de novo tipo de Estado, fundamentado na separa-
ção dos poderes, no Estado de direito e no Estado do Cidadão.
Trilhando pelo mesmo norte, John Locke em sua obra denominada Segundo
Tratado sobre o Governo Civil, explana os ideais que fundamentaram as lutas da
burguesia contra o sistema sócio econômico feudal e a estrutura política monárquica
absolutista, demonstrando, na leitura de Mondaini, que o objetivo do governo civil
deveria consistir na intransigente defesa de determinados direitos naturais à todo ser
humano, direitos estes relativos à vida, à liberdade e bens materiais o principal
objetivo da união dos homens em sociedade.
Assim, o poder estatal deveria ser dividido em três funções, independentes e
harmônicas entre si, e exercido com vistas a garantir a liberdade individual, sob pena
de sofrer a força da resistência dos indivíduos livres.
Rousseau, em sua obra O Contrato Social, indica que a essência da liberdade
é uma exigência ética fundamental. Compreende a liberdade além do indivíduo, pois
entende que à medida que o indivíduo deixa a sua individualidade para integrar uma
comunidade, haverá uma vontade geral que será dirigida para o bem coletivo, uma
vez ultrapassada a “vontade particular”. Para ele, isto é possível por ser um resulta-
do de um contrato social, ou seja, um ato de livre vontade no intuito de estabelecer
uma associação entre os seres humanos dispostos a construir uma sociedade fun-
dada nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, assim se pronunciando:
111
MONDAINI, Marco. Direito humanos .São Paulo: Contexto, 2006, p. 22
112
As Revoluções Inglesas de 1640 (A Puritana) e 1688 (a Gloriosa): A independência dos Estados
Unidos da América, em 1776; e a Revolução Francesa, em 1789.
113
Termo que significa Declaração de Direitos. (Tradução livre).
70
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força
comum à pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, se u-
nindo a todos, obedeça apenas, portanto, a si mesmo e permaneça tão livre
quanto antes. Este é o problema fundamental a que o Contrato Social
solução.
Enfim, cada um se doando a todos não se dá a ninguém, e como não há um
associado sobre o qual não se adquire o direito que se cede sobre si mes-
mo, se ganha o equivalente de tudo quanto se perde e mais força para con-
servar o que se tem.
114
Thomas Paine foi um dos pais da revolução americana e deixou sua marca
apresentando várias teorias que destacavam as características do liberalismo da-
quele período, mas, principalmente, defendendo o direito de resistência a tirania.
Em defesa da declaração de independência dos Estados Unidos, Paine, com
o panfleto Senso Comum, assim se posicionou:
Como o longo e violento abuso do poder geralmente é o meio de pôr seu di-
reito em questão e também para assuntos que poderiam jamais vir a ser
considerados, se os sofredores o houvessem sido provocados até a in-
dagação, e como o Rei da Inglaterra havia decidido, em seu próprio direito,
apoiar o Parlamento naquilo que ele chama deles, e como o bom povo des-
te país se acha gravemente oprimido por essa combinação, tem esse privi-
légio indiscutível de avaliar as pretensões de ambos, e de rejeitar, igualmen-
te, a usurpação de qualquer um deles
115
.
Comparato
116
assegura que foi no período axial da história que apareceu a
idéia de uma igualdade essencial entre os homens, todavia, somente após 25 sécu-
los é que surgiu a primeira organização internacional, englobando quase todos os
povos da terra, intitulada Declaração Universal de Direitos Humanos, fruto de uma
inspiração jusnaturalista.
Esta sistematização dos direitos humanos em âmbito internacional marca o
início da universalização positivada de um sistema jurídico destinado a reger as rela-
ções entre os Estados e entre estes e as pessoas, tendo como pilar o respeito ao
homem, promovendo a proteção da dignidade do ser humano.
Weis
117
, citando Mondaini alega que com a declaração dos direitos huma-
nos, começou a ser definido um novo ramo do direito que ele denomina de Direito
Internacional dos Direitos Humanos.
114
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Discurso sobre a economia política. Trad. Márcio
Pugliesi e Norberto de Paula lima. São Paulo: Hemus Editora Limitada, p. 27
115
MONDAINI, Marco. Direito humanos. São Paulo: Contexto, 2006, p. 46.
116
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva.
2001. p. 12.
117
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 21.
71
É interessante observar que a Declaração de Direitos Humanos de 1948 res-
gata a idéia de que os homens possuem direitos inatos, as quais constavam das
declarações anteriores, que devem ser preservados acima de qualquer outro direito,
sendo, inclusive, inalienáveis.
No preâmbulo da Declaração Universal de 1948, se encontra a síntese objeti-
vada por este documento:
O desprezo e desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos r-
baros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um
mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e li-
berdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado co-
mo a mais alta inspiração do homem comum.
118
Neste mesmo documento de intenção a assertiva de que os direitos do
homem têm que ser protegidos positivamente para que a pessoa não seja compeli-
da, em último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, coadunando com o
pensamento de que a resistência é um recurso legítimo contra o massacre dos direi-
tos humanos, proclamando na sua abertura que todos os homens nascem livres e
iguais em dignidade e direitos.”
A partir de então os direitos humanos fundamentais são alicerçados sobre es-
tes dois pilares: a liberdade e a igualdade, concepção que prevalece até os dias de
hoje.
No entanto, para se compreender os direitos humanos se torna imprescindível
o estudo de sua consagração ao longo da história. Na história moderna convencio-
nou-se denominar esta consagração de dimensões de direitos.
Esclareça-se que alguns autores utilizam o termo geração de direitos, pressu-
pondo uma evolução sucessiva e substitutiva. No entender de Tavares
119
, não existe
uma geração sucessiva e sim a consagração dos direitos dos homens, que vão se
explicitando na medida de suas necessidades, todavia acrescentando e não suce-
dendo os direitos anteriormente conquistados.
Compactuando com o termo utilizado pelo autor, saliente-se que os direitos
humanos possuem dimensões distintas, em conformidade com as mudanças perpre-
tadas na sociedade. Conforme assegurou Bobbio
120
:
118
MONDAINI, Marco. Direito humanos. São Paulo: Contexto, 2006, p. 17.
119
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p.426.
120
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro:
Campus, 1992. P. 25.
72
“... Os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou
podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o
homem (...) ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite
novos remédios para as suas indigências...”.
Os Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão fundamentaram-se nas li-
berdades individuais, tais como a honra, a vida, a liberdade de expressão e partici-
pação política, e surgiu com as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, fruto
do liberalismo.
Weis citando Canotilho
121
argumenta que:
Os direitos humanos de inspiração liberal são essencialmente aqueles de
autonomia e defesa, possuindo o caráter de normas de distribuição de com-
petências entre o Estado e o individuo, com nítida ampliação de domínio da
liberdade individual, partindo-se do postulado teórico da preexistência de
tais direitos em relação ao Estado, para justificar a impossibilidade de este
interferir na órbita individual, salvo para garantir a própria prevalência do
máximo de liberdade possível para todos. Por tais características, muitas
vezes os direitos originados neste período são também denominados direi-
tos individuais.
Após a positivação dos direitos de primeira dimensão concluiu-se que não e-
ram suficientes para garantir os direitos fundamentais do homem, pois o capitalismo
industrial deixou em situação deplorável os trabalhadores vindos do campo para os
grandes centros, que ficaram sem proteção diante da inércia do Estado liberal. A
partir de meados do século XLX, surgiram várias correntes defendendo a interven-
ção estatal para o fim de reparar o mal existente, consistente na desigualdade social.
Assim, surgiram os direitos de segunda dimensão, conhecidos como “direitos soci-
ais” ou “direitos de igualdade”, afirmados através do alargamento da competência do
Estado, por meio da intervenção do Poder Público.
Neste sentido o posicionamento de Tavares
122
ensina:
Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, que visam a ofere-
cer os meios materiais imprescindíveis à efetivação dos direitos individuais.
121
CANOTILHO. Direito constitucional, pp. 516 e 517 apud WEIS, Carlos. Direitos humanos contem-
porâneos. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 38.
122
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 428.
73
Também pertencem a esta categoria os direitos econômicos, que preten-
dem propiciar os direitos sociais.
Enquanto no individualismo, que se fortaleceu na superação da monarquia
absolutista, o Estado era considerado o inimigo contra o qual se deveria pro-
teger a liberdade do individuo, com a filosofia social o Estado se converteu
em amigo, obrigado que estava, a partir de então, a satisfazer as necessi-
dades coletivas da comunidade.
Não dúvidas que o movimento socialista teve como ícone o filósofo Karl
Marx. Sob sua inspiração várias revoluções ocorreram no decorrer da história, como
na Rússia, em 1917, na China em 1949 e em Cuba, em 1959. Após as revoluções,
as novas nações passaram a desenvolver medidas que reconheciam os direitos so-
ciais como direitos fundamentais a todos os indivíduos. Por intermédio do Estado se
afirmaram as condições para exercício dos direitos garantidos, através de presta-
ções sociais estatais nos campos da saúde, educação, trabalho, etc.
Com o advento da Guerra Mundial, houve um movimento unificador impul-
sionado pelas invenções técnico-científicas e pela afirmação dos direitos humanos,
ficando evidenciado que seria necessário o reconhecimento de outros direitos, agora
não mais procurando garantir os direitos individuais, mas os coletivos, integrando
quaisquer grupos humanos.
Os motivos causadores dessa nova dimensão são citados por Trindade
123
como sendo a explosão demográfica, as guerras mundiais, as agressões ao meio
ambiente, à competição econômica internacional e o advento da globalização eco-
nômica, que ensejaram o aparecimento de uma nova classe de direitos, mais mo-
dernos, que se convencionou rotular de direitos de solidariedade ou de fraternidade,
ou seja, os direitos de terceira dimensão.
A terceira dimensão de direitos é composta por direitos de solidariedade, vin-
culados ao desenvolvimento, à paz internacional, ao meio ambiente saudável, à co-
municação, direito a paz, ao patrimônio comum da humanidade, à autodetermina-
ção dos povos etc., que são os direitos coletivos. Esses direitos são indeterminados
e indivisíveis, não pertencendo a nenhum indivíduo particularmente, sendo de todos
e de ninguém, e desenvolveram-se, especialmente, no plano do Direito Internacio-
nal.
Tavares especifica os direitos de terceira dimensão asseverando que:
123
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Proteção internacional dos direitos humanos. São Paulo:
Saraiva,1991. p. 247.
74
São direitos de terceira dimensão aqueles que se caracterizam pela sua titu-
laridade coletiva ou difusa, como o direito do consumidor e o direito ambien-
tal. Também costumam ser denominados como direitos de solidariedade ou
fraternidade
124
.
Cumpre aprofundar um pouco no estudo sobre esta dimensão considerando o
fato de que a autodeterminação dos povos está incluso nesta categoria dos direitos
humanos. Os principais fatores dos direitos de terceira dimensão, denominados por
Comparato
125
como fatores de solidariedade, são, de um lado, as invenções técnico-
científicas, portanto de ordem técnica, transformador dos meios ou instrumentos de
convivência, mas indiferente aos fins; e de outro a afirmação dos direitos humanos,
de natureza ética, procurando submeter à vida social no valor supremo da justiça.
Conforme Comparato
126
, a solidariedade técnica exterioriza-se pela padroni-
zação de costumes e modo de vida, pela uniformidade das formas de trabalho, de
produção e troca de bens, pela globalização dos meios de transporte e de comuni-
cação. A solidariedade ética, através do respeito aos direitos humanos.
Salienta o autor que a solidariedade humana atua em três dimensões: dentro
de cada grupo social; no relacionamento externo entre grupos, povos e nações; bem
como entre as sucessivas gerações da historia.
Montesquieu
127
retrata o sentido ético da solidariedade humana:
Se eu soubesse de algo que fosse útil a mim, mas prejudicial a minha famí-
lia, eu o rejeitaria de meu espírito. Se soubesse de algo útil a minha família,
mas não a minha tria, procuraria esquece-lo. Se soubesse de algo útil a
minha pátria, mas prejudicial à Europa, mas prejudicial ao gênero humano,
consideraria isto um crime.
Os direitos de solidariedade ou de terceira dimensão são pouco conhecidos
constitucionalmente, mas estão positivados após várias reuniões da Organização
das Nações Unidas (ONU)
128
e Organização das Nações Unidas para a Educação, a
124
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 429.
125
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos. o Paulo: Saraiva,
2001, p.37.
126
COMPARATO, idem , p.37.
127
MONTESQUIEU apud COMPARATO, Fábio Konder. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação
histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 39.
128
Todos foram positivados pela primeira vez na carta de Banjul. (TAVARES, André Ramos. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 474)
75
Ciência e a Cultura (UNESCO)
129
. Falando especificamente sobre os direitos dos
povos, alude-se à “Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos”
130
, de 1981,
que trouxe o diferencial de afirmar que os povos são também titulares de direitos
humanos, tanto na esfera nacional como internacional.
Referido documento afirma os direitos dos povos à existência enquanto tal, à
livre disposição de sua riqueza e recursos naturais ao desenvolvimento, à paz e a
segurança e também à preservação de um meio ambiente sadio. De acordo com
esta carta:
[...] todos os povos têm direito a existência. Eles têm o direito inquestionável
e inalienável à autodeterminação. Eles devem determinar livremente seu
status político e realizar seu desenvolvimento econômico e social, de acordo
com a política que livremente escolherem.
Até este momento histórico havia o reconhecimento do direito dos povos à
autodeterminação no art. do pacto internacional dos direitos civis e políticos e o
pacto internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais
131
, os quais foram
desenvolvidos para pormenorizar o conteúdo da declaração universal de 1948.
Para Comparato
132
, os direitos humanos constantes destes pactos formam
um conjunto uno e indissociável. No seu entendimento:
A liberdade individual é ilusória, sem o mínimo de igualdade social; e a i-
gualdade social imposta com sacrifício dos direitos civis e políticos acaba
engendrando, mui rapidamente, novos privilégios econômicos e sociais. É o
principio da solidariedade que constitui o fecho de abóbada de todo o siste-
ma de direitos humanos.
Também assegura os direitos de solidariedade a “Carta de Paris para uma
nova Europa
133
”, de 1990. Assim se formaram os direitos de terceira dimensão.
129
Karel Vazak- Diretor do departamento jurídico da UNESCO- Elaborou um texto que poderia ser o
terceiro pacto internacional relativo aos direitos de solidariedade e que deveria somar-se aos pactos
aprovados pelas Nações Unidas em 1966. (TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucio-
nal. São Paulo: Saraiva, 2007)
130
CARTA AFRICANA DOS DIREITOS DOS HOMENS E DOS POVOS. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.html> Acesso em: 08 out. 2007.
131
“Todos os povos têm direito a autodeterminação. Em virtude desse direito determinam livremente
seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.”
(COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva,
2001, p.283).
132
COMPARATO, Op. cit. p. 277
76
Observe-se que dentre os principais direitos de solidariedade está o direito à
paz, o direito ao desenvolvimento, o direito a autodeterminação dos povos, o direito
ao meio ambiente e o direito ao patrimônio comum da humanidade.
Impende registrar, ainda que de passagem para não perder o foco que é o di-
reito à auto determinação dos povos, acerca da existência dos direitos de quarta e
quinta dimensão que, assim como os de terceira dimensão, têm como titular não o
indivíduo, mas o povo, a família, a nação, os grupos humanos regionais ou étnicos,
ou a própria humanidade, exemplificados pelos direitos relacionados à biotecnologia,
à bioética e à engenharia genética (direito de quarta dimensão), e os direitos da tec-
nologia de informação, da rede mundial de computadores e do ciberespaço (direitos
de quinta dimensão).
Para o estudo, o que realmente importa é que o direito à autodeterminação
dos povos se encontra no rol dos direitos humanos, positivado como direito funda-
mental, restando investigar a titularidade deste direito.
O artigo da Constituição brasileira coloca o respeito à autodeterminação
como fundamento do Estado brasileiro.
2.4 Titularidade do direito à autodeterminação dos povos
À titularidade individualizada da primeira concepção e à titularidade grupal ou
coletiva da segunda concepção de direitos humanos fundamentais, veio somar-se a
uma titularidade transindividual vinculada a uma concepção moderna. Esta titulari-
dade está alicerçada na solidariedade de direitos fundamentais consistente basica-
mente, nos direitos de toda a coletividade em relação com o Estado e a sociedade,
tanto interna quanto externamente.
No que diz respeito à autodeterminação dos povos e o direito de resistência,
esta titularidade pertence ao próprio povo.
Para Meyer
134
qualquer grupo de pessoas pode reunir suas forças para resis-
tir à opressão em decorrência do direito individual inato. Para ele:
133
CARTA DE PARIS PARA UMA NOVA EUROPA. Disponível em: <http:// www.gddc.pt/ direitos-
humanos/sist-europeu-dh/osce-historia.html> Acesso em: 08 out. 2007.
134
MEYER, Institutiones júris naturalis, pars I, Friburgi Brisgovie, 1900, nº 532 apud PAUPÉRIO,
Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense universitária, 1997. p. 9.
77
Qualquer grupo de cidadãos, ainda sem constituir uma pessoa moral, com-
pleta, nem uma unidade social orgânica, em virtude do direito pessoal, ine-
rente a cada indivíduo, pode, neste caso de extrema necessidade, reunir as
forças de todos para opor a uma opressão com o feixe de uma resistência
coletiva.
Legitimados são os cidadãos que diante de uma negação ou violação dos
seus direitos fundamentais, geram e exercitam novos direitos como substitutos da-
queles que deveriam ser garantidos depois de esgotadas todas as outras possibili-
dades de solução pelos meios convencionais.
Foi possível a diferenciação a partir da teoria da soberania do povo desenvol-
vida por Rousseau. As doutrinas posteriores que superaram o Direito natural reco-
nheceram o povo como elemento constitutivo do Estado. Mas, a qualidade subjetiva
do povo ficou em segundo plano, tendo em vista que não podem ser reconhecidas
senão num Estado organizado democraticamente. Este é um fator decisivo, pois a
uma simples comunidade que se submete ao poder de uma única pessoa ou de um
grupo o se atribui à condição de povo porque não se reconhece esta qualidade
subjetiva, ou seja, que esta comunidade não seja detentora de direitos subjetivos.
Neste sentido, o exemplo de Jellinek:
Por isto, um Estado, formado por escravos, em cuja frente esteja um grande
dono de plantação, teria de Estado o nome. Entre estes milhares de es-
cravos, faltaria um laço jurídico que os unisse uns aos outros. Estes escra-
vos, em tal situação, não teriam a menor consciência de sua existência re-
cíproca. Quando a doutrina antiga do Estado limitava os fenômenos do
mesmo aos homens livres, expressava com isto uma de suas mais profun-
das verdades. Só entre homens livres, disse Aristóteles, é possível um direi-
to no sentido político, e sem este direito não tem Estado.
135
136
.
A partir desta citação, pode-se concluir que a qualidade subjetiva de certa
comunidade garante o sentido de povo, que por sua vez é a causa da unidade do
Estado. Esta unidade, advinda dos laços que unem os indivíduos, permite que seja
135
Tradução livre
136
Por esto un Estado, formado por esclavos, a cuyo frente estuviera un gran dueño de plantaciones,
solo tendría de Estado el nombre. Entre estos miles de esclavos faltaría un lazo jurídico que uniese
los unos a los otros. Estos esclavos, en tal situación, no tendrían la menor conciencia de su existencia
recíproca. Cuando la doctrina antigua del Estado limitaba los fenómenos del mismo a los hombres
libres, expresaba con esto una de sus más profundas verdades. Solo entre hombres libres, dice Aris-
tóteles, es posible un derecho en el sentido político, y sin este derecho no hay Estado. (JELLINEK,
Georg. Teoria General Del Estado. Cidade do México: FCE, 2002. apud ROLAND, Débora da. A di-
mensão humana do estado: o povo. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 451, 1 out. 2004. Disponível
em: hrrp://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp. Acesso em: 18 jan. 2008.)
78
sujeito de direitos, ao passo que a subordinação lhes confere uma sujeição ao poder
do Estado, sendo, portanto, sujeito de deveres. Assim, tem-se que o povo passa a
ser sujeito de direitos porque membro do Estado e, sujeito de deveres enquanto ob-
jeto do poder do Estado.
Neste contexto, é salutar fazer uma explanação mais detalhada da relação
entre o direito à autodeterminação dos povos como um direito de terceira dimensão
caracterizado pela solidariedade e os direitos humanos, para uma melhor aplicação
da titularidade na defesa da autodeterminação.
2.5 O direito à autodeterminação dos povos e os direitos humanos
Atualmente aparece no meio jurídico uma nova espécie de direitos humanos
chamados por Weis
137
de direitos globais, caracterizados, em relação aos demais,
diante da titularidade coletiva ou difusa, pertencendo a grupos sociais determinados
a um povo ou mesmo a toda a humanidade. Esta titularidade decorre do fato de es-
tes direitos transcenderem a esfera individual.
Dentre estes direitos encontra-se o direito à autodeterminação dos povos que,
além de encontrar respaldo no direito positivo, tem fundamentação no direito natural
por ser imanente aos direitos do homem.
2.5.1 Conceito
Baldi
138
entende por autodeterminação ou autodecisão a capacidade que po-
pulações suficientemente definidas, étnica e culturalmente, têm para dispor de si
próprias e o direito que um povo dentro de um Estado tem para escolher uma forma
de governo.
Maria Helena Diniz
139
, alem de citar o conceito acima, ainda acrescenta ou-
tras definições a cerca da autodeterminação, pois observa este direito considerando
137
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 62.
138
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; tradução Carmem C. Varria-
le...(et al); coordenação da tradução João Ferreira. Dicionário de Política. Brasília: Vol. 1. Editora
Universidade de Brasília: São Paulo: Impressa Oficial do Estado, 2000, P.70.
139
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. v. 1, o Paulo: Saraiva, 2005, p. 414.
79
o aspecto referente ao direito internacional publico, à ciência política e à teoria geral
do estado, conforme abaixo se constata:
1. Direito internacional público. É o princípio oriundo do direito à existência
de cada Estado soberano, cuja soberania interna manifesta seu domínio
sobre o seu território, pessoas e bens que nele se situarem, submeten-
do-os à sua jurisdição, compreendendo sua prerrogativa de escolher a
forma de governo, de formular sua ordem jurídica (...) sendo sua sobe-
rania externa a qualidade que o torna competente para efetivar relações
com outros Estados, por meio de tratados e convenções, e para decla-
rar a guerra ou a paz. É, portanto, o direito de um Estado de o se su-
jeitar à soberania de outro contra a sua vontade (Umozurike Shukri).
2. Ciência política. a) Possibilidade de um povo de determinar seu destino
político pelo exercício do direito do voto; b) capacidade que uma popu-
lação, definida étnica e culturalmente, tem para dispor de si e para es-
colher a forma de governo (Baldi);
3. Teoria Geral do Direito. Ato volitivo para tomar e manter uma decisão li-
vremente, sem influência de outrem.
Dentro do presente estudo interessa o enfoque da conceituação no que diz
respeito à ciência política e ao Direito Internacional Público, conceito que é corrobo-
rado por Buzanello
140
, que registra que a autodeterminação dos povos é um direito
político de relações internacionais que busca a soberania dos povos e a livre organi-
zação política, em detrimento de outro país opressor ou colonizador.
Assim, significa o direito de cada povo dispor de seu destino. Todavia é bom
que se ressalte que este direito é visto sob dois prismas: o direito à autodetermina-
ção dos povos de caráter interno e o de caráter externo.
Internamente, ao exercer o direito à autodeterminação o povo busca garantir
o seu direito de escolha e a forma de governo; externamente o povo luta por sua
liberdade no que diz respeito a estar submisso a outro Estado.
Portanto, o direito á autodeterminação dos povos busca tutelar os Estados,
enquanto grupos étnicos e culturais, a livre organização política e a soberania popu-
lar
141
.
140
BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2006, p.166.
141
Em sentido lato, o conceito político-jurídico de soberania indica o poder de mando de última ins-
tância, numa sociedade política e, consequentemente, a diferença entre esta e as demais associa-
ções humanas em cuja organização não se encontra este poder supremo, exclusivo e não derivado;
em sentido restrito, na sua significação moderna, o termo Soberania aprece, no final do século XVI,
juntamente com o de Estado, para indicar, em toda sua plenitude, o poder estatal, sujeito único e
exclusivo da política. (BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de Política. Brasília: Vol. 1. Editora Univer-
sidade de Brasília, 2000, p. 1179)
80
Para Buzanelo
142
o princípio da autodeterminação dos povos enuncia que os
povos disponham de seu destino e exprimam livremente sua vontade de viver sob
qualquer regime, juntando-se ou separando-se de qualquer outro Estado.
Ilustra sua argumentação se referindo ao povo palestino que defende o seu
ideal de ser reconhecido internacionalmente como povo soberano.
Portanto, por autodeterminação se entende o direito de um povo decidir sobre
sua própria vida comunitária, suas leis e suas regras, suas instituições, seus símbo-
los, seu próprio destino político.
Inclusive se pode dizer que o direito da autodeterminação dos povos provém
do direito à existência inerente a cada Estado.
2.3 Positivação do direito à autodeterminação dos povos
Os primeiros dispositivos sobre a autodeterminação dos povos surgiram com
a revolução francesa e americana.
Da revolução americana decorreu a Declaração de Independência e a Consti-
tuição dos Estados Unidos da América, em 4 de julho de 1776, onde se encontra o
primeiro documento político que reconhece a existência de direitos inerentes a todo
ser humano, independentemente das diferenças, juntamente com o reconhecimento
da legitimidade da soberania popular.
Nas nações da Europa Ocidental a proclamação da legitimidade democrática,
com o respeito aos direitos humanos, somente veio a ocorrer em 1789, através da
declaração dos direitos do homem e do cidadão, bem como através da declaração
de direitos da constituição de 1791.
A ONU trata do tema autodeterminação dos povos na própria Carta das Na-
ções Unidas e na declaração de 1960, mas, sua afirmação plena está no Pacto In-
ternacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, bem como o pacto internacional
sobre direitos econômicos, sociais e culturais, sendo que o artigo de ambos afir-
ma: Todos os povos m direito a autodeterminação. Em virtude desse direito, de-
terminam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvi-
mento econômico, social e cultural”.
142
BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2006, p. 167.
81
Também está claramente previsto na Carta Africana de 1981, em seu art. 20.
Para as Nações Unidas, conforme a Declaração de Viena
143
, assinado em
1993, todos os povos têm o direito inalienável à autodeterminação: A Conferência
Mundial sobre Direitos Humanos considera que a negação do direito à autodetermi-
nação constitui uma violação dos direitos humanos e enfatiza a importância da efeti-
va realização desse direito.
Esta declaração repete, no Artigo 2º, ipsis literis, os dois Pactos Internacionais
de direitos humanos sobre o direito à autodeterminação: Todos os povos m o di-
reito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente sua situ-
ação política e procuram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultu-
ral.
Observe-se que o artigo 8º define o estabelecimento da interdependência en-
tre democracia, desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos, orientando e
inspirando todo o documento.
Portanto, a autodeterminação dos povos é um direito positivado no sistema ju-
rídico internacional e encontra respaldo nos direitos humanos que devem ser exerci-
dos de forma coletiva, sendo reconhecido e respeitado no direito brasileiro, se cons-
tituindo, ambos, em princípios que regem as relações entre a República Federativa
do Brasil e as demais nações.
143
DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DE VIENA. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/html> Acesso em: 24 nov. 2007.
82
CAPÍTULO III
DIREITOS HUMANOS E AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DOS PO-
VOS
144
O Direito Internacional moderno tratou exclusivamente dos direitos dos Esta-
dos, apoiados em padrões colonialistas impostos pelos europeus. Foram necessá-
rias duas guerras mundiais para que o Direito Internacional se preocupasse com a
busca da manutenção da paz e do bem-estar do homem. Após a barbárie de duas
grandes guerras e de muitos etnocídios, a humanidade vem buscando a proteção
aos direitos humanos que, inicialmente visavam tão-somente à proteção de indiví-
duos, mas passou-se a reconhecer, também, a existência de grupos e direitos coleti-
vos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinado em Paris, em 1948,
constitui a mais importante conquista dos direitos humanos fundamentais em nível
internacional.
Porém, a idéia de Direitos Humanos não se estabilizou nesse documento,
surgindo diversas cartas de direitos no âmbito internacional entre as quais se cita: a
Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, a Declaração Islâmica Universal
dos Direitos do Homem, Declaração Universal dos Direitos dos Povos, a Declaração
Americana de Direitos e Deveres do Homem, a Declaração Solene dos Povos Indí-
genas do Mundo, entre outros.
Uma das restrições apresentadas por alguns países socialistas quando da e-
dição da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” foi o caráter individualista do
texto, pois o documento é centralizado nos direitos individuais, não se manifestando
sobre o direito coletivo dos povos.
144
HERKENHOFF, João Batista. Direitos humanos - A construção universal da utopia- - Disponível
em: Dhnet. Org.br/direitos.html. Acesso em: 08 out. 2007.
83
Conforme mencionado neste estudo, em documentos posteriores, no âmbi-
to da ONU, foi corrigido o erro, consagrando no pacto Internacional de Direitos Eco-
nômicos, Sociais e Culturais; e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
ambos de 1966, os direitos dos povos, alargando a idéia de direitos humanos.
Após isto, dirigentes de vários países, especialmente dos países pobres do
mundo, aprovaram em Argel, uma “Declaração Universal dos Direitos dos Povos”
(1976).
Por outro lado, as Nações Indígenas, estabelecidas em inúmeros Estados,
aprovaram, em Porto Alberni, a “Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo”
(1975).
Os países da “Organização da Unidade Africana” aprovaram a “Carta Africana
dos Direitos Humanos e dos Povos (1981).
Pelos documentos acima especificados, deduz-se que o reconhecimento dos
direitos dos povos no âmbito internacional se deu através da luta dos povos domina-
dos e marginalizados da África, da Ásia e da América Latina.
Dentre os textos que marcaram a consagração do conjunto denominado direi-
to dos povos serão abordados aqueles documentos considerados de maior impor-
tância.
3.1 O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pac-
to Internacional de Direitos Civis e Políticos.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos cuida dos direitos humanos
relacionados à liberdade individual, à proteção da pessoa contra a ingerência estatal
em sua órbita privada, bem como à participação popular. o os denominados direi-
tos humanos liberais ou liberdades públicas.
Este Pacto divide-se em seis partes, sendo a primeira delas referente à auto-
determinação dos povos e à livre disposição de seus recursos naturais e riquezas.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos trata das condições sociais,
econômicas e culturais para a vida digna, sendo dividido em cinco partes. A primeira
parte concerne à autodeterminação dos povos e à livre disposição de seus recursos
naturais e riquezas, da mesma forma que o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos.
84
Portanto, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e culturais e o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos expressamente se referem aos “di-
reitos dos povos”. Estes pactos foram aprovados pela Assembléia Geral da ONU em
16 de dezembro de 1966 e abertos à ratificação dos Estados na mesma data.
O direito de autodeterminação das Nações mais fracas é constantemente
ameaçado pela ambição de hegemonia econômica, militar e cultural de Nações po-
derosas, tornando este direito determinante para a proteção de sua soberania, tanto
interna quanto externamente.
Dizem os itens 1, 2 e 3 do artigo 1º de ambos os pactos:
Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude deste direito
estabelecem livremente sua condição política e determinam, outrossim, seu
desenvolvimento econômico, social e cultural.
Para a consecução de seus fins, todos os povos podem dispor livremente
de suas riquezas e recursos naturais, sem prejuízo das obrigações que de-
rivam da cooperação econômica internacional baseada no princípio de be-
nefício recíproco, assim como no Direito Internacional. Em caso alguma po-
de um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência.
Os Estados-Partes no presente Pacto, inclusive aqueles que têm a respon-
sabilidade de administrar territórios não-autônomos e territórios sob tutela,
promoverão o exercício do direito à autodeterminação e respeitarão esse di-
reito em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas “.
3.2 A Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo
“O Conselho Mundial dos Povos Indígenas, reunido em Porto Alberni, em
1975, aprovou a “Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo”.
A proclamação de Direitos dos Povos Indígenas e a luta que travam, têm ca-
racterísticas especificas, que não têm pretendido sua constituição em Estado e
sim que suas terras sejam demarcadas no interior dos Estados em que se encon-
tram arraigadas em sua cultura. Buscam apenas o seu direito a sobrevivência, en-
quanto povo de cultura diversa, evitando principalmente serem vitimas de genocídio.
Na sua Carta de Direitos, os Povos Indígenas declaram a todas as Nações do
mundo a sua própria existência; declarando ainda que foram explorados e saquea-
dos pela cobiça dos conquistadores; mas, asseguram que mesmo assim ainda exis-
tem, pois apesar de roubarem suas terras, não conseguiram eliminar seus Povos;
85
declaram que os dominadores não conseguiram fazer esquecer o que eles são: eles
são a cultura da terra e do céu, procedentes de uma ascendência milenar, eles são
milhões e ainda que todo o Universo seja destruído eles viverão um tempo mais lon-
go que o império da morte.
145
Nesta carta, -se a essência de um povo e o anseio
de manter a sua existência, preservando-se a sua cultura.
3.3 Declaração Universal dos Direitos dos Povos
146
Em 04 de julho de 1976, por iniciativa da Fundação Lélio Basso, dirigentes de
países, líderes de movimentos de libertação nacional, políticos, juristas e economis-
tas, reunidos em Argel, aprovaram a “Declaração Universal dos Direitos dos Povos”.
A Declaração Universal dos Direitos dos Povos não se opõe à Declaração U-
niversal dos Direitos Humanos, aliás, corrobora com o documento estatuindo no seu
preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A Declaração Universal dos Direitos dos Povos estende o sentido da Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos, pois acrescenta à visão individualista a visão
expressa de “direitos dos povos”.
A Declaração Universal dos Direitos dos Povos (Carta de Argel) é dividida em
7 seções e é formada por 30 artigos. Objetivamente, as suas enunciações se refe-
rem ao direito à existência, à autodeterminação e os direitos econômicos dos povos.
Na seção I, trata do Direito de Existência (Artigos 1 / 4); a seção II cuida do
Direito à Autodeterminação Política (Artigos 5-7); Os postulados sobre os Direitos
Econômicos dos Povos estão arrolados na Seção III ( Artigos 8-12); O direito à cultu-
145
Nós os povos indígenas do mundo, unidos neste canto de nossa mãe terra, em grande assem-
bléia de homens de saber, declaramos a todas as nações. Quando a terra-mãe era nosso alimento.
Quando a noite escura formava nosso teto. Quando o céu e a lua eram nossos pais. Quando éramos
todos os irmãos e irmãs. Quando nossos caciques e anciãos eram grandes líderes,Quando a justiça
dirigia a lei e a sua execução,aí outras civilizações chegaram! Trazendo numa mão a cruz e noutra a
espada, sem conhecer ou querer aprender os costumes de nossos povos, nos classificaram abaixo
dos animais, Roubaram nossas terras e nos levaram para longe delas, transformando em escravos os
filhos do sol. Entretanto não puderam nos eliminar e nem nos fazer esquecer o que somos... E mes-
mo que nosso universo inteiro seja destruído nós sobreviveremos por mais tempo que o império da
morte. (Disponível em: http://www.sosanimalmg.com.br/. Acesso em: 24 jan. 2008.)
146
Disponível em: www.dhnet.org.br/direitos/sip/textos/direitos_povos.html. Acesso em: 24 jan.2008.
86
ra, ao meio ambiente e aos recursos e os direitos das minorias, estão previstos na
Seção IV (Artigos 13 -15);
O “direito ao meio ambiente e aos recursos” está disciplinado através das dis-
posições previstas nos artigos 16 -18; Os “direitos das minorias” também são asse-
gurados por força das estipulações dispostas nos Artigos 19, 20 e 21 enquanto as
garantias e sanções são previstas nos artigos seguintes.
Comparato
147
diz que o direito à existência é o direito de não ser vítima de
ações genocidas, se constituindo no mais fundamental dos direitos dos povos. Se-
gundo o autor a Assembléia Geral das Nações Unidas passou a utilizar o termo
neste sentido em 1946, ao aprovar a resolução 96 (1), datada de 11 de dezembro,
assim redigida:
O genocídio é a denegação do direito à existência de grupos humanos intei-
ros, assim como o homicídio é a denegação do direito à vida de indivíduos
humanos. Essa denegação do direito à existência choca a consciência da
humanidade provoca grandes perdas humanas, sob a forma de contribui-
ções culturais ou de outra espécie, feitas por esses grupos humanos, con-
trariando a lei moral, bem como o espírito e os objetivos das Nações Uni-
das
148
.
Assegura ainda o capítulo referente ao direito à existência que todo povo tem
direito ao respeito por sua identidade nacional e cultural (artigo 2º); Todo povo tem
direito de conservar a posse pacífica do seu território e de retornar a ele em caso de
expulsão (artigo 3º); e nenhuma pessoa pode ser submetida, por causa de sua iden-
tidade nacional ou cultural, ao massacre, à tortura, à perseguição, à deportação, à
expulsão ou a condições de vida que possam comprometer a identidade ou à inte-
gridade do povo ao qual pertence (artigo 4º).
No capítulo II, que cuida do Direito à Autodeterminação, está estabelecido que:
todo povo tem o direito imprescritível e inalienável à autodeterminação. Determinar
seu estatuto político com inteira liberdade, sem qualquer ingerência estrangeira (arti-
go 5); todo povo tem direito de se libertar de toda dominação colonial ou estrangeira
direta ou indireta e de todos os regimes racistas (artigo 6);
Continuando, todo povo tem direito a um regime democrático que represente o
conjunto dos cidadãos, sem distinção de raça, de sexo, de crença ou de cor e capaz
147
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos. o Paulo: Saraiva,
2001. p. 396
148
COMPARATO, Op. Cit. p. 241/245.
87
de assegurar o respeito efetivo pelos direitos do homem e pelas liberdades funda-
mentais para todos (artigo 7).
Contemplando os Direitos Econômicos dos Povos no capítulo III encontram-se
as seguintes determinações: todo povo tem direito exclusivo sobre suas riquezas e
seus recursos naturais. Tem direito de recuperá-los se deles foi espoliado, assim
como de reaver as indenizações injustamente pagas (artigo 8); como o progresso
científico e técnico faz parte do patrimônio comum da humanidade, todo povo tem
direito de participar dele (artigo 9);
Ainda diz que todo povo tem direito a que seu trabalho seja justamente avalia-
do e a que os intercâmbios internacionais se laçam em condições de igualdade e
equidade (artigo 10); todo povo tem direito de escolher seu sistema econômico e
social e de buscar sua própria via de desenvolvimento econômico em liberdade total
e sem ingerência exterior (artigo 11); os direitos econômicos enunciados acima de-
vem expressar-se num espírito de solidariedade entre os povos do mundo e levando
em conta seus respectivos interesses (artigo 12)
O direito à cultura, ao meio ambiente e aos recursos e os direitos das minorias
também encontram suporte no capítulo IV que postula: todo povo tem o direito de
falar sua língua, de preservar e desenvolver sua cultura, contribuindo assim para o
enriquecimento da cultura da humanidade (artigo 13); todo povo tem direito ás suas
riquezas artísticas, históricas e culturais (artigo 14); todo povo tem direito a que não
se lhe imponha uma cultura estrangeira (artigo 15);
Também garante que todo povo tem direito à conservação, à proteção e ao
melhoramento do seu meio ambiente (artigo 16); todo povo tem direito à utilização
do patrimônio comum da humanidade, tais como o alto-mar, o fundo dos mares, o
espaço extra-atmosférico (artigo 17); no exercício dos direitos precedentes, todo po-
vo deve levar em conta a necessidade de coordenar as exigências do seu desenvol-
vimento econômico com as da solidariedade entre todos os povos do mundo (artigo
18);
Acrescenta que quando, no seio de um Estado, um povo constitui minoria, tem
direito ao respeito por sua identidade, suas tradições, sua língua e seu patrimônio
cultural (artigo 19); os membros da minoria devem gozar, sem discriminação, dos
mesmos direitos que os outros cidadãos do Estado e participar com eles, em igual-
dade, na vida pública (artigo 20); estes direitos devem ser exercidos mediante o res-
88
peito aos legítimos interesses da comunidade em seu conjunto, e não podem servir
de pretexto para atentar contra a integridade territorial e a unidade política do Esta-
do, quando este atua cm conformidade com todos os princípios enunciados na pre-
sente Declaração (artigo 21).
Por fim, encontram-se a previsão de meios para garantir a eficácia das normas
e as sanções para o caso de descumprimento das determinações constantes na de-
claração sendo estatuídas da seguinte maneira:
Todo descumprimento às disposições da Declaração constitui uma transgres-
são às obrigações para com toda a comunidade internacional (artigo 22); todo preju-
ízo resultante de uma transgressão à presente Declaração deve ser integralmente
reparado por aquele que o causou (artigo 23); todo enriquecimento em detrimento
de um povo, por violação das disposições da presente Declaração, deve dar lugar à
restituição dos lucros assim obtidos. O mesmo se aplicara a todos os lucros excessi-
vos realizados pelos investimentos de origem estrangeira (artigo 24);
Assegura ainda que todos os tratados, acordos ou contratos desiguais, subscri-
tos Com depreciação aos direitos fundamentais dos povos, não poderão ter nenhum
efeito (artigo 25); os encargos financeiros exteriores que se tenham tornado excessi-
vos e insuportáveis para os povos deixam de ser exigíveis (artigo 26); os atentados
mais graves contra os direitos fundamentais dos povos, especialmente contra o seu
direito à existência, constituem crimes internacionais, acarretando a responsabilida-
de penal individual de seus autores (artigo 27);
Seguindo a leitura se encontra o direito à resistência como ultimo recurso
quando os direitos fundamentais dos povos forem violados: todo povo cujos direitos
fundamentais são gravemente ignorados tem o direito de fazê-los valer, especial-
mente pela luta política ou sindical, e mesmo, em última instância, pelo recurso à
força (artigo 28);
Finalmente dispõe que os movimentos de libertação devem ter acesso as or-
ganizações internacionais, e os seus combatentes têm direito à proteção das leis
humanitárias da guerra (artigo 29); o restabelecimento dos direitos fundamentais de
um povo, quando gravemente desconsiderados, é dever que se impõe a todos os
membros da comunidade internacional (artigo 30).
Até mesmo a força é admissível para garantir os direitos fundamentais, garan-
tindo aos resistentes o restabelecimento de seus direitos, inclusive impondo este
dever a todos os membros da comunidade internacional.
89
3.4 A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos foi adotada em 1981, em
Banjul, Gâmbia, pela então Organização da Unidade Africana (Organization of Afri-
can Union), hoje a chamada União Africana, entrando em vigor em 1986 (nos termos
do artigo 63 da Carta), contando, desde 1995, com a ampla adesão dos 53 Estados
africanos.
Chama-se “Carta de Banjul” porque foi redigida preliminarmente numa reunião
da Organização da Unidade Africana que ocorreu na cidade de Banjul, Gâmbia, en-
tre 7 e 19 de janeiro de 1981 e, de acordo com Comparato
149
, trouxe uma grande
novidade que consistiu em afirmar que os povos são titulares de direitos humanos,
tanto no plano interno como na esfera internacional.
Diferentemente da Convenção Européia e a Convenção Americana, a Carta A-
fricana adota uma perspectiva coletivista, que empresta ênfase nos direitos dos po-
vos e é a partir desta perspectiva que se chega ao indivíduo. No caso das Conven-
ções mencionadas, estas buscam proteger o aspecto liberal individualista.
Esta Carta aponta a previsão não apenas de direitos civis e políticos, mas de
direitos econômicos, sociais e culturais. O próprio preâmbulo da Carta reconhece, no
marco do direito ao desenvolvimento, que: “os direitos civis e políticos são indissoci-
áveis dos direitos econômicos, sociais e culturais, tanto na sua concepção, como na
sua universalidade, e que a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais
garante o gozo dos direitos civis e políticos”.
Herkenhoff
150
observa que a relação entre direitos humanos e direitos dos po-
vos está no fato de que os direitos dos povos é que garante os direitos humanos,
recordando que em um dos considerandos da “Carta Africana dos Direitos Humanos
e dos Povos” é possível verificar a relação direta entre “direitos humanos” e “direitos
dos povos”. Os “direitos humanos” devem ter proteção nacional e internacional por-
149
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva,
2001 p. 393
150
HERKENHOFF, João Baptista. Direitos Humanos A Construção Universal da Utopia. Disponível
em: www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro Acesso em: 17 jan. 2008
90
que emanam dos atributos dos seres humanos. O respeito aos “direitos dos povos”,
no entanto, é garantia necessária dos “direitos humanos”.
151
Paupério
152
afirma que:
todo poder existe em função de uma finalidade, que é a salvaguarda dos di-
reitos individuais. Tal fim é o verdadeiro limite para o poder, que deixa de
existir quando aquele não é respeitado. Por isso, os governantes perdem a
legitimidade quando violam as leis fundamentais, a cuja defesa ficaram o-
brigados quando investidos do poder.
Seguindo o raciocínio de Locke, neste caso, deixa de ser devida à obediência
dos súditos. E se os governantes quiseram mantê-la a resistência passa a ser um
verdadeiro dever.
3.5 - O povo como sujeito de direitos
Locke ensina que quando os homens concordam em se despojar da liberdade
para estarem no meio social não o fazem para adquirir direitos, mas apenas para
garantir os que já têm a fim de conservar suas pessoas, sua liberdade e sua proprie-
dade. Daí se conclui que o poder instaurado por eles não pode nem deve estender-
se além do permitido.
153
O povo é, assim, soberano, pois não abdica de todos os direitos que lhe são
inerentes em favor de nenhuma pessoa ou assembléia. Pelo contrato social,
não se despojou do poder, cujo exercício apenas delegou. Dessa forma, po-
de a qualquer momento revogar tal delegação, bastando, para isso, que os
governantes em que havia depositado confiança passem a violar os direitos
para cuja proteção precisamente se constituiu a sociedade civil.
154
151
Reconhecendo que, por um lado, os direitos fundamentais do ser humano se baseiam nos atribu-
tos da pessoa humana, o que justifica a sua proteção internacional, e que, por outro lado, a realidade
e o respeito dos direitos dos povos devem necessariamente garantir os direitos humanos; Disponível
em: site http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.htm. Acesso em: 25 jan. 2008.
152
PAUPÉRIO, Arthur Machado. O direito político de resistência. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.
158.
153
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Ensaio relativo a verdadeira origem , extensão e objetivo
do governo civil. Trad. De E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril, 1973.
154
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense universi-
tária, 1997, p.157.
91
Assim é que quanto menos o poder civil não cumprir a sua finalidade mais a
soberania do povo encontra motivos para fazer valer a sua autoridade.
Entende Georg Jellinek
155
, adepto da concepção Realista, que sujeito sob a
ótica jurídica, é uma verdadeira capacidade, cuja gênese se encontra na ordem jurí-
dica, sendo o homem um pressuposto da capacidade jurídica porquanto o direito se
consubstancia em uma relação existente entre seres humanos.
Portanto não há, para ele, qualquer óbice em ser atribuída a qualidade de su-
jeito de direito à unidade coletiva em que se consubstancia o Estado.
É curial destacar ainda que de acordo com o raciocínio do citado doutrinador,
se o Estado é uma unidade coletiva, uma associação, e esta unidade não é uma fic-
ção, mas uma forma necessária de síntese de nossa consciência que como todos os
fatos desta formam a base de nossas instituições, então tais unidades coletivas o
são menos capazes de adquirir subjetividade jurídica que os indivíduos humanos.
Se o Estado representa a vontade geral, segundo Rousseau, e não consegue
corresponder às necessidades vitais de seus associados, de se entender que
este povo possa retomar as rédeas de seu destino e atuar, em último recurso, como
titular de seus direitos fundamentais e, uma vez que os povos são titulares de direi-
tos humanos não como negar que estes direitos além de serem individuais tam-
bém são direitos coletivos e que o povo é o sujeito destes direitos.
Em conclusão, pode-se dizer que se o Estado não resiste aos ataques do sis-
tema globalizado sobre a dignidade dos indivíduos dentro do Estado Nação cabe a
estes enquanto povo, se insurgir contra esta opressão exercida em detrimento dos
direitos do homem.
Wolkmer
156
ao analisar o pluralismo jurídico
157
acentua que este reflete a so-
ciedade pluralista e complexa caracterizada pelas diferenças buscando o direito a-
lém das formas jurídicas institucionalizadas e com isso reconhece outras maneiras
de tutela dos novos direitos, via de regra, oriundos dos conflitos e lutas sociais.
155
GEORG JELLINEK apud BAALBAKI, Sérgio. O Estado, o povo e a soberania. Disponível em:
www.pesquisedireito.com/estado_povo_soberania.htm. Acesso em: 15 jan. 2007.
156
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: novo paradigma de legitimação. Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos. Acesso em: 25 abr. 2008.
157
Distinguindo “o pluralismo como projeto democrático de emancipação de sociedades emergentes,
de uma outra prática de pluralismo que está sendo apresentada como a nova saída para os intentos
“neocolonialismo” ou do “neoliberalismo” dos países de capitalismo central exportado para a periferia.
(WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: novo paradigma de legitimação. Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos. Acesso em: 25 abr. 2008.
92
Buzanello
158
assevera que o pluralismo jurídico visa constituir novos sujeitos
de direito e a respectiva inclusão no sistema jurídico-político, acentuando que o en-
foque é que esses novos sujeitos participem do sistema político e sejam criadores de
sua própria história.
O autor compreende que a busca por novos sujeitos de direitos está associa-
do à noção de coletivo dizendo que “o pluralismo está associado aos direitos coletivos. A
emergência dos sujeitos coletivos se no âmbito dos movimentos sociais vinculados ao
processo histórico com vista à transformação social.
José Geraldo de Souza Filomeno
159
diz que o reconhecimento da identidade co-
letiva equivale ao reconhecimento de sua própria capacidade de auto-organização e
de autodeterminação.
Neste contexto Buzanelo
160
compreende que o pluralismo representa também
os “outros direitos”, entre os quais se inclui o direito de resistência.
158
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. Rio de Janeiro: 2006 p. 113.
159
FILOMENO, José Geraldo de Souza apud BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Cons-
titucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006, p. 113.
160
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris
2006, p. 113.
93
CAPÍTULO IV
DIREITO DE RESISTÊNCIA
A atualidade do tema é inconteste em decorrência dos fatos político-
econômico-jurídico que permeiam as relações entre as nações e suas conseqüên-
cias que culminam em uma perceptível crise no modelo jurídico estatal, quando é
visível o esgotamento de um sistema jurídico que não atende aos reclamos sociais e
que, via de regra, contribui para que a igualdade não se efetive, prevalecendo as
injustiças, impunidade e exclusão social, oportunidade em que resta aos povos ape-
nas uma saída: resistir.
No entanto, a questão do direito de resistência é controvertida e tem, sé-
culos, preocupado os pensadores, desde as eras mais remotas. A questão central
está em se discutir se o indivíduo deve obediência a um poder civil que extrapola
suas competências, tornando-se um poder autoritário, despótico e tirano. Sua evolu-
ção vai da idéia de direito natural, inicialmente, à progressiva positivação em diver-
sos institutos jurídicos e textos constitucionais.
4.1 Conceito
O conceito de resistência é bastante amplo podendo o termo ser analisado
sob vários aspectos. Sobre a origem da palavra pode-se dizer que etimologicamente
a palavra Resistência do latim resistentia, de resistire (resistir, opor-se, reagir), em
94
sentido lato, é entendida como toda reação ou oposição a que se faça ou se execute
alguma coisa.
161
Resistência na linguagem comum é ato ou efeito de resistir; significando opo-
sição; obstáculo; reação; aquilo que se opõe ao movimento de um corpo; e ainda
luta em defesa; defesa.
162
Para Diniz
163
, na linguagem jurídica geral, pode ter o sentido de: defesa con-
tra ataques; ato ou efeito de resistir; qualidade de resistente; ânimo de suportar difi-
culdades; defesa contra constrangimento ou ordem ilegal; oposição à ação de uma
autoridade no exercício de suas funções.
Portanto revela-se pelo meio de impedir-se a realização ou a execução de um
ato. Desta forma a resistência pode mostrar-se como a oposição pela força ou vio-
lência bem como pode se fundar na omissão ou na inação.
No primeiro caso, ter-se-á a resistência ativa, firmada em atos de violência ou
em ameaças. No segundo caso resistência passiva, consistente na desobediên-
cia, quando se revela pelo não cumprimento à ordem recebida. Quem resiste res-
ponde a alguma coisa, sua ação é reativa e se justifica naquilo que a originou.
Em sentido estritamente jurídico, Diniz
164
diz que resistência é o direito que
têm os cidadãos no caso de abuso de poder e conseqüente opressão irremediável,
podendo se recusar a obedecer, se opor às normas injustas, etc.
Para Bobbio, o Direito de Resistência consiste em forma de exercício de po-
der impeditivo, de oposição extralegal, exercido pelos cidadãos de um Estado, obje-
tivando mudanças que almejem a realização dos direitos fundamentais.
165
Buzanello
166
por seu turno estabelece dois sentidos para conceituar o direito
de resistência:
No sentido político o direito de resistência é a capacidade de as pessoas ou
os grupos sociais se recusarem a cumprir determinada obrigação jurídica,
fundada em razões jurídicas, políticas ou morais;
[...]No sentido jurídico é uma realidade constitucional em que são qualifica-
dos gestos que indicam enfrentamento, por ação ou omissão, do ato injusto
das normas jurídicas, do governante, do regime político e também de tercei-
ros.
161
SILVA, Plácido e. Dicionário vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 712.
162
BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário escolar da língua portuguesa. Rio de janeiro: FAE, 1985.
163
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. v. 4, o Paulo: Saraiva, 2005.
164
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. v. 4, o Paulo: Saraiva, 2005, p. 196
165
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus,
1992, p. 147 e 148.
166
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. Rio de Janeiro: 2006 p. 128.
95
Para o autor, partindo da união dos conceitos acima é possível sintetizar a de-
finição do direito de resistência no conjunto harmonioso de princípios políticos e jurí-
dicos que fundamentam o descumprimento de uma determinada obrigação jurídica
para realizar a justiça e salvaguardar a dignidade humana.
Por outro lado Matteuci
167
busca o contexto histórico da segunda guerra
mundial para expressar o significado de resistência em seu sentido estrito compre-
endendo o termo como sendo todo o movimentar da história em torno de todas as
formas de oposição ativa e passiva que ocorreram durante a segunda guerra mundi-
al, na Europa, contra a invasão alemã e italiana, assim se pronunciando:
Na linguagem histórico-política, designam sob o termo Resistência, entendi-
do em seu significado estrito, todos os movimentos ou diferentes formas de
oposição ativa e passiva que se deram na Europa, durante a Segunda
Guerra Mundial, contra a ocupação alemã e italiana [...]
Apontando a Resistência européia como exemplo, Matteuci destaca que ape-
sar de os países envolvidos apresentarem diferenças, as características do movi-
mento apresentam várias semelhanças: Trata-se de uma luta contra forças externas
invasoras; a resistência teve como escopo o a defesa da nação contra a ocu-
pação e a exploração econômica como também a defesa da dignidade humana
contra o totalitarismo; e a construção de nova sociedade nos termos que julgavam
que resolveria a crise do momento.
Mas aponta também o sentido lexical do termo dizendo que trata-se mais de
uma reação que de uma ação, de uma defesa que de uma ofensiva, de uma oposi-
ção que de uma revolução”.
168
Paupério se pronuncia dizendo que entende como Direito de Resistência a fa-
culdade do indivíduo de opor-se ao abuso de poder do Estado seja por ação ou o-
missão.
Frequentemente as sanções jurídicas organizadas contra o abuso do Poder
não são suficientes para conter a injustiça da lei ou dos governantes, pois
estes, quando extravasados de seus naturais limites, muitas vezes não po-
dem ser contidos por normas superiores que não respeitam. Por isso, re-
167
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; tradução Carmem C. Varria-
le...(et al); coordenação da tradução João Ferreira. Dicionário de Política. Vol 2 . Brasília: Editora
Universidade de Brasília: São Paulo: Impressa Oficial do Estado, 2000, P.1114/1115.
168
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; tradução Carmem C. Varria-
le...(et al); coordenação da tradução João Ferreira. Dicionário de Política. Vol 2 . Brasília: Editora
Universidade de Brasília: São Paulo: Impressa Oficial do Estado, 2000, p.1114.
96
conhece-se aos governados, em certas condições, a recusa da obediência.
169
Nestes casos, caberia ao cidadão recusar-se cumprir determinações do Esta-
do. À esta recusa intencional, ideológica e sistemática a doutrina tem chamado de
Direito de Resistência.
Então, concatenando as idéias expostas, é possível compreender o direito de
resistência como a forma de se opor ao exercício abusivo do poder praticado por
governantes contra o cidadão ou contra a coletividade, entendendo como abuso de
poder toda atitude que contrarie os fins para o qual foi constituído.
Ao iniciar este estudo foi utilizada as palavras de Rudolph von Ihering para
justificar o direito à luta e consequentemente fundamentar o interesse pelo tema da
resistência. Utilizando novamente as palavras do autor pode-se dizer que o direito
sem a participação do homem é inerte e não tem razão de existir. Cabe ao homem a
obrigação de utilizar o direito para quem o mesmo foi criado, conforme se na a-
firmação do autor da obra A luta pelo Direito:
ninguém pode mover uma roda, apenas lendo diante dela um estudo sobre
a teoria do movimento. Precisa, sim, de uma força estranha para mover a
roda, no caso da ação do homem. Assim, não basta ter ou conhecer o direi-
to, pois o direito não é uma teoria pura, mas uma força viva, de defesa da
própria pessoa.
170
Em artigo publicado no jornal Le monde, em 1979, travando uma discussão
sobre o Irã, Foucault
171
afirma que:
Todas as formas de liberdades, adquiridas ou reivindicadas, todos os direi-
tos que se faz valer, mesmo a propósito das coisas aparentemente menos
importantes, têm sem dúvida um último ponto de ancoragem mais sólido e
mais próximo que são os “direitos naturais”. Se as sociedades se mantêm e
vivem, ou seja, se os poderes não são “absolutamente absolutos”, é que por
trás de todos os consentimentos e coerções, para além das ameaças, das
violências e das persuasões, a possibilidade desse momento em que a
vida não mais se troca em que os poderes não podem mais nada e em que,
diante os gibets e as metralhadoras, os homens se revoltam.
Pretende-se então trazer a lume o direito de resistência para comprovar que
este é um instrumento perfeitamente viável para garantir o direito coletivo a autode-
169
PAUPÉRIO, Arthur Machado apud GARCIA, Maria. Desobediência Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 157.
170
VON IHERING, Rudolph. A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p.6.
171
SAMPAIO, Simone Sobral. Resistências. In FOUCAULT, Michel. Méthodologie pour la connais-
sance du monde: comment se débarraser du marxisme. In: Dits et écrits III, 1994. Paris, Gallimard, p.
791.
97
terminação dos povos, duramente atingido nos tempos atuais de globalização atra-
vés da deterioração da soberania dos estados nacionais, eliminando a autoconfiança
e força moral do povo.
Toda a forma de autoritarismo sempre teve início com a violação dos direitos
fundamentais, por isso que é na violação desses direitos que devem se concentrar
as resistências para evitar que esta autoconfiança e força moral sejam eliminadas.
4.2 Histórico do direito de resistência
Entre as fontes mais antigas do Direito de Resistência, Paupério
172
aponta o
Código de Hamurabi, datado de cerca de dois mil anos antes de Cristo, sendo a
mais importante coletânea de leis da Babilônia (Séc. XVIII AC), onde estava previsto
a rebelião como castigo ao mal governante que não respeitasse as leis e os man-
damentos.
Em Antígona
173
, tragédia do grego Sófocles (495-406 AC) a abordagem sobre
o tema se refere ao direito dos homens, no caso o Édito de Creonte, que opor-se-ia
um direito natural, divino, superior e mais justo, pois emanado de autoridade celeste
e, neste caso, caberia ao cidadão da polis recusar-se a cumprir tal mandamento
humano. Na história, os irmãos Etéocles e Polinices eram filhos do rei Édipo e, por
isso, herdeiros do trono de Tebas. Polinices cerca a cidade para tomar o trono que
está em poder de Etéocles e ambos morrem em combate, um pelas mãos do outro.
Com a morte dos irmãos, quem assume o trono é Creonte, irmão de Jocasta - mãe e
esposa de Édipo. O novo rei de Tebas faz o enterro de Etéocles com todas as hon-
ras devidas e acusa Polinices de traidor, proclamando um edito dizendo que quem o
enterrasse seria morto. Por se tratar de um irmão, Antígona se rebela contra a lei
positiva de Creonte e enterra o cadáver. Segundo o entendimento de Antígona,
mandamentos não escritos que são superiores aos escritos pelos homens e, quando
estes dois estatutos estiverem em choque, em oposição, ao cidadão cabe o direito
de resistir, seguindo o que mandam os ditames da lei superior.
172
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense Universi-
tária, 1997, p.28.
173
SIMON, Henrique Smidt. Sófocles e a Democracia em "Antígona" Jus Navigandi, Teresina, ano 7,
n. 63, mar. 2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3855 . Acesso em: 26
abr. 2008.
98
Em Platão percebe-se que apesar de entender que as leis devem ser obede-
cidas quando dizem respeito a qualquer interesse natural, elas devem desobedeci-
das quando haja qualquer necessidade suprema do espírito. Todavia o mesmo não
se dedicou especificamente ao assunto e tampouco Aristóteles, apesar de o último
abordar a revolução apenas no sentido dos fatos e não do direito.
Garcia
174
aduz que de “uma forma ou de outra, durante a Idade Média era
admissível e comum a resistência ao soberano quando este se tornava réu de tira-
nia”.
A autora informa que durante a Idade Média (Séc. V a XIV) o Direito de Resis-
tência ganhou dimensão, mas sob o manto eclesiástico, a quem cabia a deposição
do governante e foi defendido por Santo Isidoro de Sevilha, o Tomás de Aquino,
Bártolo e João de Salisbury. Estes autores defendiam o princípio de que toda auto-
ridade humana é sempre limitada. Dessa maneira, a Igreja criava instrumentos de
limitação do poder terreno dos governantes, sobrepondo à vontade humana a von-
tade divina. Salisbury defende, sem dúvida, a doutrina das mais violentas sobre a
tirania, como abuso de poder, inaugurando a figura do tiranicídio consistente no di-
reito do povo de afastar, pela morte, o tirano.
Desta forma, na Idade Média, o Direito de Resistência se confunde com a i-
déia de tiranicídio. Contudo, esta idéia entra em declínio da Idade Moderna, substitu-
ída por outras formas de resistência e pela noção de São Tomás de Aquino, para
quem a eliminação do tirano não significava, necessariamente, a eliminação da es-
trutura de poder vigente.
Em suma, o dever de obediência na idade média estava condicionado à legi-
timidade, reconhecendo-se aos súditos o dever de resistir pela força aos atos tirâni-
cos.
175
Com Martinho Lutero e Ítalo Calvino, o Direito de Resistência sofreu um declí-
nio, uma vez que estes religiosos preconizavam o respeito à ordem social, conside-
rando a rebelião contra a ordem vigente uma injúria a Deus. Tanto um quanto o ou-
tro, até os últimos dias de suas vidas, adotaram a postura política de não-resistência
ensinada por Paulo nos textos bíblicos.
174
GARCIA, Maria. Desobediência Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 159.
175
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense Universi-
tária, 1997, p. 68.
99
No entanto, as sua obras sempre foram ambíguas
176
em relação ao assunto,
pois na prática fizeram alusão a várias exceções em seus textos, tanto isto é verda-
de que os seus escritos deram fundamentos para vários teólogos basearam sua a-
desão à idéia de resistência.
Com o aumento das perseguições em vários lugares da Europa, inclusive na
França, alguns teólogos luteranos começaram a reconhecer a possibilidade da rebe-
lião, especialmente fundamentados em alguns textos de Lutero em que era possível
vislumbrar a permissão para desobedecer às ordens do governante que fossem con-
trárias aos mandamentos de Deus. No Sermão das Boas Obras é explicitado o seu
ponto de vista:
Se a injustiça procede do poder temporal, é menos perigosa do que se pro-
cede do poder espiritual. Porque o poder secular não pode prejudicar: não
tem de se ocupar da pregação e da fé. Ao contrário, para prejudicar, o po-
der espiritual não precisa cometer injustiça: basta que negligencie seu ofício
para se ocupar de afazeres que lhe não concernem. Assim, é preciso levan-
tar vigorosamente contra o governo espiritual se ele não é rigorosamente
justo e nada é preciso fazer contra o governo temporal, mesmo que seja in-
justo... O poder secular é coisa bem pequena diante de Deu: justo ou injus-
to, não merece que se lhe dê confiança de desobedecer-lhe e contradizê-lo.
177
Entendiam que era possível assim detectar a revolta de Lutero contra o poder
espiritual exercido com abuso, todavia observa-se que esta revolta se estende ao
Estado se este for submisso à Igreja. Sob esta ótica vê-se que Lutero admite então a
resistência, pois, para ele, uma vez submisso à Igreja o Estado perde a soberania e
passa a ser serviçal. Diante de sua revolta contra a autoridade eclesiástica, Lutero
passa a defender que em caso de guerra declarada, mesmo que o Estado esteja
aliado à Igreja, a resistência não é somente um direito, mas um dever.
Outro argumento que dava subsídios entre os teólogos fundamentava-se
num princípio do direito privado, segundo o qual, em certas circunstâncias,
era legítimo repelir com violência uma força injusta. Assim, defendiam eles,
se o governante procedesse injustamente pela força, contrariando a vonta-
de divina e causando um dano irreparável, ele perdia a condição de magis-
trado supremo e passava a ser um cidadão comum, infligidor de uma injúria
e, portanto, sujeito ao revide. Havia, no entanto, a advertência de que a pu-
nição somente era possível quando aplicada por um meio adequado, isto é,
176
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p. 467/469.
177
V. Von den guten werken. 1520. ed. Weimar. T. VI, pág. 259, apud PAUPÉRIO, PAUPÉRIO, Ar-
thur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 69.
por outras autoridades legalmente instituídas, a fim de evitar o perigo de re-
sistência por parte de qualquer súdito.
178179
O próprio Lutero
180
veio a utilizar esse argumento em escritos posteriores ao
reconhecer que se o governante ultrapassasse os limites da justiça no exercício de
suas funções e agisse somente pela força ele se tornava um criminoso particular e
os magistrados inferiores podiam então resistir.
Calvino
181
também passou a admitir, sobretudo a partir da edição latina da
Instituição da religião cristã (1543), a desobediência às ordens iníquas das autorida-
des políticas constituídas. Sua defesa do direito de resistência sustentava-se no ar-
gumento de que o poder político está necessariamente condicionado aos objetivos
estabelecidos pela vontade divina. Se um governante desrespeitasse as condições
impostas por Deus ao exercício de seu poder ele passava a ser um usurpador e os
magistrados inferiores podiam resistir aos seus comandos desde que fosse de ma-
neira coletiva e estivesse previsto no ordenamento jurídico da comunidade política.
Os calvinistas mais radicais procuraram enfatizar cada vez mais essa idéia de
que toda autoridade política é estabelecida por Deus para desempenhar uma deter-
minada função e quando seu detentor não a cumpre deixa de ser um verdadeiro
magistrado, sendo legítimo ao magistrado inferior resistir às suas ordens.
Esta forma de resistência era justificada a partir do pressuposto de que aque-
le que recebe uma magistratura só tem sua autoridade respeitada se cumprir com as
obrigações do seu cargo; e também a partir da distinção entre pessoas públicas, pa-
ra as quais a ação política de resistir é legítima e, mais do que isso, um dever, quan-
do o comando é contrário aos mandamentos e condições impostas por Deus, e pes-
soas privadas, que continuam submetidas de maneira irrestrita ao poder estabeleci-
do, mesmo que suas ordens sejam injustas.
Entre os teóricos protestantes o dever de resistir por dever religioso se trans-
formou em um direito moral de resistir durante as guerras religiosas que assolaram a
178
BARROS, Alberto Ribeiro Gonçalves de. O direito de resistência na França renascentista. Dispo-
nível em: http://www.scielo.br/scielo. Acesso em: 10 set. 2007.
179
Skinner observa que esse argumento será utilizado por Locke, nos dois últimos capítulos do Se-
gundo tratado sobre o governo civil para justificar o direito de resistência dos súditos. (SKINNER, Q.
As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 466-
481).
180
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p. 481.
França na segunda metade do século XVI, por meio dos huguenotes, conforme cita
Skinner.
182
Inicialmente os huguenotes justificavam a sua resistência na busca pela liber-
dade religiosa, no entanto, após serem atacados pelo Estado quando tiveram seus
líderes massacrados, a resposta foi a busca do direito ao uso das armas por aqueles
que sobreviveram no intuito de combater o rei.
Segundo Barros
183
citando Yardini, os partidários da rainha que promoveu o
massacre conhecido por Noite de o Bartolomeu, procuravam exaltar seu aspecto
patriótico: os reformadores haviam sido punidos não somente pela heresia, mas so-
bretudo pela traição, porque se apoiaram em forças estrangeiras para incitar a rebe-
lião contra o poder legitimamente constituído.
Os panfletos católicos acusavam os huguenotes de promover a licenciosida-
de, a desordem e a sedição, e incitavam os verdadeiros franceses a destruir este
mal pela raiz. A ação real era justificada como necessária e indispensável para o
restabelecimento da ordem e da paz.
Em contrapartida os huguenotes sobreviventes à onda de massacres enten-
deram que não se tratava mais de defender a resistência aos exércitos católicos,
mas o direito de lutar contra o rei que havia empregado uma força injusta.
Barros
184
, citando Armostrong informa que surgiram, então, uma série de pu-
blicações, a maioria panfletos anônimos, com o objetivo de justificar o direito de re-
sistência não apenas como dever religioso de resistir aos comandos iníquos do go-
vernante, mas sobretudo como direito político de se rebelar contra um monarca tira-
no.
Desta forma, os textos huguenotes mudam a teoria da resistência como um
dever religioso, justificação dos conservadores, para um caráter político.
O fundamento dos huguenotes se encontra no contrato original entre o mo-
narca e os súditos, que estabelece a relação de mando/obediência e estipula as o-
brigações de ambas as partes, possibilitando justificar a resistência dos súditos às
181
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p. 481/484.
182
SKINNER, op. cit. p. 514/517.
183
BARROS, Alberto Ribeiro Gonçalves de. O direito de resistência na França renascentista. Dispo-
nível em: http://www.scielo.br/scielo. Acesso em: 10 set. 2007.
184
BARROS, Alberto Ribeiro Gonçalves de. O direito de resistência na França renascentista. Dispo-
nível em: http://www.scielo.br/scielo. Acesso em: 10 set. 2007.
ordens do monarca tirânico, de maneira direta ou por intermédio de seus represen-
tantes, como um ato legítimo de autodefesa.
A submissão do súdito somente se justifica se o monarca utilizar o poder polí-
tico para o bem comum, caso contrário, os súditos ficam livres da obediência prome-
tida e podem legitimamente resistir às injustiças e recuperar o poder destituindo o
governante.
Contrariando esta idéia, em Bodin
185
, a resistência dos súditos, numa monar-
quia bem constituída, é considerada um crime de lesa-majestade, uma vez que eles
não têm jurisdição sobre o soberano.
Jean Bodin
186
é um dos principais defensores do poder absoluto e, em conse-
qüência, condena o direito de resistência e defende o dever irrestrito de obediência
dos súditos, independentemente da forma como o poder é exercido, uma vez que o
soberano não tem obrigações legais para com ninguém.
Em Les six livres de la République (1576), Bodin ataca as idéias propagadas
pelos huguenotes, por considerá-las extremamente perigosas.
Paupério
187
alude que em posição oposta à de Bodin, Suárez entende que:
torna-se legítima a insurreição quando o rei se converte em tirano, precisamente
porque nesse caso o rei deixa de ser verdadeiramente rei”.
Paupério ainda informa que a maioria dos autores espanhóis defendeu o direi-
to de resistência sempre fundamentados no fato de que o reino não é do rei, mas da
comunidade e que o povo o pode abdicar totalmente de seu poder de modo que
jamais pudesse dispor de seus próprios destinos. Todavia um ou outro autor rejeitou
tal direito como Montalvo e Quevedo.
188
A partir de então, embora tenha origem nos conflitos religiosos entre católicos
e protestantes, a discussão sobre a resistência ao poder político afastou-se do âmbi-
to teológico e fundamenta-se em pressupostos jurídicos. Tanto o direito de resistir
quanto o dever de obedecer passam a ser justificados principalmente a partir do di-
reito. Esse é o pensamento político contemporâneo ao debater o tema.
185
Cf. BODIN, J. Les six livres de la République. Paris: Fayard, 1986. p. 14. apud BARROS, Alberto
Ribeiro Gonçalves de. O direito de resistência na França renascentista. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo. Acesso em: 10 set. 2007
186
Cf. BODIN, J. Les six livres de la République. Paris: Fayard, 1986. p. 14. apud BARROS, Alberto
Ribeiro Gonçalves de. O direito de resistênc
ia na França renascentista. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. Acesso em: 10 set. 2007
187
V. SUAREZ, disp. 13. De Bello sect. 8 apud PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da
resistência. Rio de Janeiro: Forense universitária, 1997, p.96.
O século XVII, palco do engrandecimento do absolutismo, via de regra, des-
conheceu o direito de resistência pelos motivos retro-apontados por Bodin.
Paupério
189
descreve que, com exceção de Locke, os grandes teóricos políti-
cos o unânimes em condenar a insurreição: Hobbes, Bossuet, Espinosa, Pascal,
etc.
No que diz respeito ao pensamento de Hobbes de se ressaltar as contro-
vérsias, pois, de algum modo, o seu pensamento traz, implicitamente, a concordân-
cia com a resistência.
Thomas Hobbes
190
pregava que o consentimento de um súdito ao poder so-
berano está contido nas palavras eu autorizo”, ou assino como minhas todas as
ações, nas quais não há qualquer espécie de restrição a sua antiga liberdade natu-
ral, concordando com o absolutismo.
Para Hobbes, quando o indivíduo firmou o contrato social renunciou ao seu
direito de natureza, isto é, ao fundamento de guerra de todos contra todos. É que
nesse caso, o meio (fazer o que julgasse necessário e conveniente) contradizia o fim
de todos ( preservar a vida).
Portanto, para o autor, o fim do pacto social seria a preservação da vida, res-
tando então apenas uma liberdade, a de alcançar o fim visado, ou seja, preservar a
sua vida. Desse modo, o homem ao dar poderes ao soberano a fim de instaurar a
paz para conservação da vida, o abriu mão de seu direito de proteger a própria
vida. Assim, se esse fim não for atingido, o súdito o lhe deve obediência simples-
mente porque desapareceu a razão que levava o súdito a obedecer. Esta seria a
verdadeira liberdade do súdito.
Entende-se que a obrigação dos súditos para com o soberano dura enquan-
to, e apenas enquanto, dura também o poder mediante o qual ele é capaz
de protegê-los. Porque o direito que por natureza os homens têm de defen-
der-se a si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum.
191
188
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense universi-
tária, 1997, p. 100/101.
189
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense universi-
tária, 1997, p. 154.
190
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico. Trad. João Paulo
Monteiro e Maria Beatriz Nizza Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
.
191
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico. São Paulo: Nova
Cultural, 1988, p. 135.
Logo, pelo menos nesta hipótese, Hobbes concorda com a resistência ao po-
der soberano.
John Locke, no século XVII, é o mais expressivo dos filósofos no que concer-
ne ao direito de resistência, sendo de grande importância dentro deste estudo. Es-
creveu sua obra Ensaio sobre o Governo Civil depois da Revolução de 1688, onde,
em seu Segundo Tratado, fundamenta a legitimidade da deposição de Jaime II para
Guilherme de Orange e pelo Parlamento, em que, a partir do conceito de estado na-
tural, defende o Direito de Resistência, revigorando-o.
Assim como Hobbes e Rousseau, observa que o estado de natureza preexis-
te a toda e qualquer sociedade. Neste estado de natureza todos gozam da igualdade
e da liberdade e todos teriam a noção do justo e do injusto, de onde teria derivado
uma regra imperativa, proibindo destruir ou prejudicar o semelhante.
192
Para ele, quando os homens abriram mão de parte de sua liberdade o fizeram
com um determinado objetivo que, no caso, seria a preservação da propriedade, da
vida e dos bens. Sendo assim entendia que o poder concedido deveria ser para pre-
servar e não para destruir ou causar dano aos súditos. Para ele é poder que não
tem outro objetivo senão a preservação e, portanto, não poderá ter nunca o poder de
destruir, escravizar ou propositalmente empobrecer os súditos.
193
Acrescenta ainda que a comunidade conserva o poder de guardar o cumpri-
mento dos objetivos propostos e que uma vez não cumpridos, esta comunidade tem
o poder de livrar-se dos que invadem esta lei da natureza, ou seja, da preservação.
[...] a comunidade conserva perpetuamente o poder supremo de se salva-
guardar dos propósitos e atentados de quem quer que seja, mesmo dos le-
gisladores, sempre que forem tão levianos ou maldosos que formulem e
conduzam planos contra as liberdades e propriedades dos súditos. Pois
uma vez que nenhum homem ou sociedade de homens tem o poder de re-
nunciar à própria preservação [...] sempre que alguém experimente trazê-los
a semelhante situação de escravidão, terão sempre o direito de preservar o
que não tinham o poder de alienar e de livrar-se dos que invadem essa lei
fundamental [...].
194
192
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Ensaio relativo a verdadeira origem , extensão e
objetivo do governo civil. Trad. De E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril, 1973.
193
LOCKE, John. Segundo tratado sobre governo civil. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cul-
tural, 1973, p.93.
194
LOCKE, op. cit. p. 99.
Para Garcia
195
, fundamentada em John Locke, o indivíduo tem direitos em es-
tado de natureza ou direitos naturais e estes o protegem dos abusos de poder dos
governantes autoritários. Afirma ainda John Locke que mesmo sob a regência do
chamado contrato social, os direitos naturais do indivíduo não são revogados. O ca-
ráter de soberania do Estado não revoga os direitos do indivíduo. “Os direitos indivi-
duais, em vez de serem alienados, são fortificados e garantidos no momento em que
se forma a sociedade desaparece a primitiva condição de anarquia”
196
.
Ainda argumenta que nas relações entre o governo e a sociedade, quando o
primeiro viola a lei estabelecida e atenta contra a propriedade, deixa de cumprir o fim
a que fora destinado, tornando-se ilegal e degenerando em tirania entendida como
exercício do poder para além do direito. Assim, diante da tirania nasce o direito de
oposição.
Para Locke
197
Onde quer que a lei termine, a tirania começa se transgredir a lei para dano
de outrem. E quem quer que em autoridade exceda o poder que lhe foi dado
pela lei, e faça uso da força que tem sob as suas ordens para levar a cabo
sobre o súdito o que a lei não permite, deixa de ser magistrado e, agindo
sem autoridade, pode sofrer oposição como qualquer pessoa que invada
pela força o direito de outrem[...]
Mas se qualquer desses atos ilegais se estendeu à maior parte do povo
ou se o malefício e a opressão atingiram somente a alguns, mas em casos
tais que os precedentes e as conseqüências pareçam a todos ameaçar, es-
tando eles persuadidos intimamente de que as leis e com elas as proprie-
dades, liberdades e vidas estão em perigo e talvez até mesmo a religião
não estou em condições de dizer como se poderá impedi-los de resistir à
força ilegal de que se faz uso contra eles.
A declaração de direitos do Estado de Virginia (1776), quando as treze colô-
nias britânicas do litoral leste da América do Norte, fundadas por migrantes ingleses
entre 1607 e 1773, haviam dado início à Guerra de Independência, lutando não
somente pela ruptura de seus laços com a Inglaterra, mas também pela transforma-
ção do súdito para cidadão, já enunciava que:
O governo é e deve ser instituído para comum benefício proteção e segu-
rança do povo, nação ou comunidade. De todas as formas de governo, a
melhor é aquela capaz de produzir o maior grau de felicidade e segurança,
195
GARCIA, Maria. Desobediência Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 42/43.
196
LOCKE, John apud GARCIA, Maria. Desobediência Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004,
p. 164.
197
LOCKE, John. Segundo tratado sobre governo civil. Trad. De E. Jacy Monteiro. Coleção Os Pen-
sadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 123.
e a que mais efetivamente ofereça garantia contra o perigo da má adminis-
tração. Toda vez que algum governo for considerado inepto ou contrário a
esses fins, a maioria da comunidade tem o direito indubitável, inalienável e
irrevogável de reformá-lo, modificá-lo ou aboli-lo, da maneira que julgar mais
proveitosa ao bem-estar geral
198
.
Datada de 4 de julho de 1776, a Declaração dos Estados Unidos da América
marcou o rompimento de um conjunto de colônias de povoamento que depois de
um desenvolvimento marcado por relativa autonomia em relação à metrópole, se viu
submetido a uma série de princípios mercantilistas devido a razões de natureza con-
juntural. Naquela oportunidade ficou destacado no texto que quando o Estado não
cumpre os fins para o qual foi criado surge o direito à resistência.
[...] todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de
certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a
busca da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são
instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimen-
to dos governados; que sempre que qualquer forma de governo se torne
destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e institu-
ir novo governo, buscando-o em tais princípios e organizando-lhe os pode-
res pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segu-
rança e a felicidade.
199
O culo XVIII quase que não tomou conhecimento da questão do Direito de
Resistência. Rousseau e Montesquieu não abordaram de forma específica o tema,
talvez por entenderem que os sistemas jurídicos que propuseram tenham extinguido
o seu objeto. Segundo Garcia
200
, neste período o Direito de Resistência se manteve
em pauta com os estudos de Raynal e Mably. Esta autora entendia que:
Contrariamente à tradição secular estabelecida pelos publicistas quanto
ao titular do direito de revolta, que só se admitia poder ser a nação em seu
conjunto, sustenta caber tal faculdade a todo e qualquer particular, individu-
almente considerado. Possivelmente, acrescenta, terá sido essa concepção
ampla de um direito individual de rebelião que deu à teoria da resistência
um sentido prático que não tivera até então, fundamentando a inclusão des-
se direito, pelos constituintes franceses de 1793, entre os chamado direito
do homem, enfaticamente proclamados.
198
MONDAINI, Marco. Direito humanos .São Paulo: Contexto, 2006, p. 49
199
MONDAINI, op. cit. p. 51.
200
GARCIA, Maria. Desobediência civil. São Paulo: Revista dos tribunais, 2004, p. 165.
Além destes, também Savigny, Ihering, Bluntschli, Benjamin Constant, Leon
Duguit, Maurice Haurion, Fronçois Gény, Louis Le Fur, Jean Dabim e Georges Bur-
deau, pensadores do direito do século XVIII, de uma forma ou de outra reconhecem
a legitimidade do Direito de Resistência e contribuem para solidificar seus pressu-
postos. Segundo estes autores o cidadão injuriado tem o direito de resistir à opres-
são que lhe é imposta pelo Estado. E deve agir quando não encontrarem uma cons-
ciência jurídica capaz de lhes defender do poder tirano dos governantes.
201
Em 17 de junho, os revolucionários franceses autodeclarando-se Assembléia
Nacional proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão antes mes-
mo da elaboração da nova Constituição, onde o direito de resistência encontrou tute-
la no art. 2º, conforme adiante se : O objetivo de toda associação política é a con-
servação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; esses direitos são a li-
berdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.”
202
203
Portanto, positivamente o direito de resistência foi alçado à condição de direi-
to inerente ao homem.
A Declaração de Direitos de 1789
204
deu passagem à Declaração de Direitos
de 1793
205
, a qual versa sobre a importância dos direitos naturais do homem e a ne-
cessidade de que todos os homens tomem conhecimento da mesma para que não
se deixem jamais oprimir ou aviltar pela tirania.
O documento assegura que a finalidade da sociedade é a felicidade comum.
O governo é instituído para garantir ao homem a fruição de seus direitos naturais e
imprescritíveis. Assevera em seu artigo 2º que:
[...] esses direitos são a igualdade, a liberdade, a segurança, a propriedade,
continua dizendo em seu artigo 33 que a resistência à opressão é a conse-
qüência dos demais direitos do homem, concluindo no artigo 35 que quando
o governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo inteiro e
cada uma de suas parcelas, o mais sagrado dos direitos e o mais indispen-
sável dos deveres.
201
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense, Univer-
sitária, 1997, p. 175.
202
Le but de toute association politique est la conservation des droits naturels et imprescriptibles de
l'Homme. Ces droits sont la liberté, la propriété, la sûreté, et la résistance à l'oppression (Declaration
dês droits de l‟Homme et dês citoyen. Disponível em:
http//edycaterra,terra.com.br/voltaire/mundo/declaração. Acesso em: 15 nov.2007.
203
Tradução livre.
204
MONDAINI, Marco. Direitos humanos. São Paulo: Contexto, 2006, p. 65/73.
205
MONDAINI, op. Cit. p. 77-78
A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos
206
de 1981,
em seu artigo 2º dispõe que os povos colonizados e oprimidos têm o direito de se
libertarem dos vínculos da dominação, pelo recurso a todos os meios reconhecidos
pela comunidade internacional.
4. 3 O direito natural como fundamento do direito de resistência.
Como visto o direito natural não se confunde com o direito positivo, pelo
contrário, preexiste a ele, fundamentado no direito de liberdade, de modo que para
os jusnaturalistas, a resistência é um direito natural que deve ser exercido indepen-
dentemente de sua positivação, portanto a legitimidade moral deste direito está na
dignidade humana, direito humano fundamental de caráter universal.
Paupério
207
compara o direito de resistência ao direito natural de defesa, pois
quando a tirania se torna insuportável, a revolta não somente é um direito como um
dever. Se aos inferiores não cabe julgar os superiores pelo menos deve caber o
direito de defender-se deles. Para o autor “se em direito penal a legítima defesa ilide
a responsabilidade do homicida, em direito constitucional justifica a revolta,” conclu-
indo que “se o direito natural de defesa se estender efetivamente a toda e qualquer
criatura racional, a fortiori, deve se estender a toda e qualquer pessoa humana cole-
tiva”.
Citando Vareilles Sommiéres, Paupério
208
conclui dizendo que “dessa forma,
tendo o individuo, a família e a sociedade mesmos direitos anteriores e superiores
ao Estado, nada mais justo do que o direito de legítima defesa, tão justo para socie-
dade como para os cidadãos.”
Meyer
209
defende que deve ser reconhecida à sociedade, da mesma maneira
que ao indivíduo, a natureza do direito essencial à legítima defesa, pois “o direito
natural de defesa estende-se, com efeito, sem exceção, a toda criatura racional, e,
em conseqüência, a pari ou a fortiori, a uma personalidade humana coletiva”, acres-
206
Disponível em: http//edycaterra,terra.com.br/voltaire/mundo/declaração. Acesso em: 15 nov.2007.
207
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense universi-
tária, 1997, p. 7.
208
PAUPÉRIO, op. cit. p. 8.
209
MEYER, Institutiones júris naturalis, pars. I. Friburgi Brisgoviae, 1900, 532 apud PAUPÉRIO,
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense universitá-
ria, 1997, p. 9.
centando que qualquer grupo de cidadãos, mesmo que ainda não tenha se constitu-
ído em uma pessoa moral completa nem uma unidade social orgânica, em decorrên-
cia de sua natureza humana, pode reunir a força de todos para se opor a uma o-
pressão formando uma resistência coletiva.
Agora, assim como no direito penal, a resistência deve ser proporcional ao
agravo, não se admitindo ações além do necessário para repelir o injusto.
4.4 Justificação política do direito de resistência
Quanto à justificação política, se encontram em Buzanello
210
as seguintes teo-
rias: liberal: fundamentada na “relação jurídica estruturada numa concepção indivi-
dualista, igualdade jurídica-formal e na liberdade contratual,” notadamente proveni-
ente do Estado liberal com cunho extremamente individualista; socialista que opera
com problemas político, especialmente nas concepções estruturais, que em regra
são anti-econômicos (transformação social pela ação política); anarquista idéia da
autonomia da liberdade individual que se antepõe a toda forma de poder sobre o
homem, especialmente o poder do Estado”; e humanista idéia de salvaguardar a
dignidade humana, fundada em razões humanitárias de justiça social e solidariedade
dos povos”, esta diretamente ligada à proteção dos direitos humanos.
Este trabalho vincula-se diretamente à concepção da teoria humanista, reco-
nhecendo que os direitos humanos fundamentais, do qual a autodeterminação dos
povos e a resistência são partes integrantes, correspondem a uma convicção pro-
fundamente enraizada na consciência humana, culminando na idéia do jus natura-
lismo de onde se concebe que acima das leis existe um direito preexistente com o
qual deve o direito positivo se conformar para ser válido e merecerem obediência.
Não se esquecendo que obediência não significa subserviência.
Acompanhando a orientação humanista estes princípios são observados nos
pactos de direitos humanos aprovados pela ONU e nas diversas constituições de
vários paises como a Constituição Brasileira de 1988, onde, de forma clara, mencio-
na-se o princípio da dignidade humana.
210
BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2006, p. 15.
4.5 - Resistência à Opressão
O cerne da teoria política se encontra em tudo aquilo que se relaciona a po-
der, versando basicamente sobre a forma de conquistar o poder, mantê-lo, exerce-lo
e defender-se daqueles que exercem este poder.
A história do pensamento político, no que diz respeito à defesa contra aqueles
que exercem o poder de forma contrária ao fim a que se destina aos olhos daquele
que se ergue como defensor da massa é construída a partir do direito à resistência.
Bobbio
211
argumenta que o contrário de resistência é a obediência e, portanto
o ato de resistir significa todo comportamento com o objetivo de romper com a or-
dem constituída instituindo uma crise no sistema.
Paupério assevera que apesar de individual em seu fundamento, a resistên-
cia a opressão é tipicamente coletiva por seu exercício”
212
Não como se falar em opressão contra um indivíduo, pois, politicamente, a
opressão seria contra grupos que no contexto que ora se estuda pode-se compre-
ender como o povo.
A opressão que gera a resistência necessariamente tem que ser aquela em
que a coletividade se sinta oprimida e não o indivíduo, considerando-se que o bem
comum a ser efetivado pelo Estado visa à comunidade e não o particular.
E mesmo que a resistência nasça do sentimento de revolta individual o bem a
ser buscado é aquela em que comunidade seja beneficiada, assim como a insurrei-
ção deve se fundamentar em objetivos coletivos.
Para o autor em questão o que justifica a resistência contra a tirania é o direi-
to que o corpo político tem ao bem comum.
Subordinados a esses interesses e vivendo à margem do sistema, tem-se o
exemplo das minorias que encontram no direito à resistência uma forma de pode-
rem se emancipar diante da exclusão.
A resistência, que pode se manifestar de várias formas por meio de atuações
diversas, existe como instrumento para melhorar as condições atuais nas quais se
211
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. A filosofia política e as lições dos clássicos. Organi-
zado por Michelangelo Bovero; Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro:Campus, 2000, p.
255.
212
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense universi-
tária, 1997, p.4.
encontram tais grupos que não desfrutam dos benefícios concedidos pelo poder po-
lítico.
Segundo Ihering todas as grandes conquistas da história do direito, como a abo-
lição da escravatura e da servidão, a livre aquisição da propriedade territorial, a li-
berdade de profissão e de consciência, só puderam ser alcançadas através de sécu-
los de lutas intensas e ininterruptas. O caminho percorrido pelo direito em busca de
tais conquistas muitas vezes está assinalado por torrentes de sangue, sempre pelos
direitos subjetivos
213
pisoteados.
É interessante observar o exemplo da França que é uma nação que luta por seus
direitos com todas as formas de resistência.
pouco tempo, no episódio do “Contrato para o Primeiro Emprego”, o qual
previa a possibilidade de o empregador rescindir o contrato sem necessidade de jus-
tificativa escrita, durante os dois primeiros anos, rapidamente os franceses se mo-
vimentaram.
A oposição com o apoio dos principais sindicatos tomou uma grande dimensão.
O protesto dos jovens foi o repúdio à globalização selvagem, à tomada do poder pe-
las finanças e à precarização do trabalho. À respeito, leia-se o editorial publicado no
Jornal Le Monde
214
, do qual se transcreve pequeno trecho:
“A França é exemplo de um país que resiste. Um dos poucos na Europa on-
de, com grande convicção, a maioria dos assalariados rejeita uma globali-
zação selvagem que significa a tomada do poder pelas finanças. Uma glo-
balização que entrega os cidadãos às empresas, enquanto o Estado se e-
xime de toda responsabilidade. Essa modificação radical nas relações entre
poder público e sociedade (o fim do bem estar social) é imoral. A solidarie-
dade social é um traço fundamental da sociedade francesa. O CPE contribui
com a destruição dessa solidariedade. Por isso, a contestação e a revolta”
Manteve o povo francês a sua força moral por meio do seu sentimento de jus-
tiça.
4.5 Autodeterminação dos povos e direito de resistência
Diante do quadro até agora exposto, verifica-se que a globalização é um fe-
nômeno que atinge a autodeterminação dos povos. Chegando a esta conclusão res-
213
Para ele, direito subjetivo representa a atuação concreta da norma abstrata.
ta saber como pode o povo defender-se desta erosão de seus direitos se fazendo
necessário buscar o instituto da resistência para investigar se este o seria o ins-
trumento adequado para garantir a preservação desse direito.
Dentro as modalidades de direito de resistência são relacionados por Buzane-
lo
215
as institucionalizadas e as não institucionalizadas, descrevendo que a greve
política, a objeção de consciência e a desobediência civil fazem parte do primeiro
grupo enquanto o direito a autodeterminação dos povos; o direito à revolução e o
direito à guerra fazem parte do segundo grupo.
A greve política enfoca as questões políticas do Estado, podendo ter caráter
revolucionário ou de solidariedade. Aquelas imbuídas do elemento revolucionário
visam à derrubada do sistema político enquanto a greve da solidariedade busca for-
talecer sua classe ou uma outra classe, tendo em vista alguma medida política do
governo.
A objeção de consciência é a negação ao cumprimento dos deveres incom-
patíveis com as convicções morais, políticas e filosóficas do cidadão ou grupo, ten-
do a liberdade de consciência como fundamento legal.
A desobediência cível é uma espécie de resistência caracterizada pela trans-
gressão a uma norma e ocorre quando o cidadão ataca a lei de forma isolada, com o
objetivo de modificá-la através da sensibilização da sociedade com o seu ato.
Dentre as modalidades não institucionais encontra-se o direito à revolução; o
direito à guerra e o direito à autodeterminação dos povos. O olhar se fixará no último
direito que é o tema do estudo ora em investigação, sem considerar as outras
modalidades menos importantes.
O direito político à autodeterminação dos povos não se afigura uma modali-
dade típica de resistência, mas Buzanello assegura que a defesa desse direito, seja
sob qualquer forma de resistência, consiste em direitos universalmente consagrados
pela ONU quando assegura a autodeterminação dos povos por meio o exercício da
própria e legítima defesa. Baldi
216
assegura que todos os documentos internacionais
214
RAMONET, Ignácio - “Doentes ou rebeldes. In LE MONDE DIPLOMATIQUE. Disponível em:
Http://diplo.uol.com.br. Acesso em: 04 ago. 2007.
215
BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2006, p. 147/148.
216
BALDI, Carlo, in: BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; Dicionário de
Política. V. 1. Trad.Carmem C. Varriale...(et al); coordenação da tradução João Ferreira. Brasília:
Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Impressa Oficial do Estado, 2000, p. 75.
que se referem à matéria e, entre eles, as declarações da ONU, reconhecem o direi-
to de resistência como legítimo:
Todos os instrumentos internacionais relativos à matéria, e entre eles, em
primeiro lugar, as declarações da Assembléia Geral das Nações Unidas, re-
conhecem, tal como o documento agora mesmo citado, aos povos que lu-
tam pela própria Autodeterminação um direito de resistência que se pode
traduzir, em ultima instância, e, em recurso ao uso da força como aplicação
do direito de legítima defesa.
217
Nesse sentido conclui-se que a autodeterminação dos povos está estreita-
mente ligada ao direito de resistência, não havendo outra forma de garanti-la, em
momento de crise.
Buzanello
218
pontua que os instrumentos internacionais reconhecem aos po-
vos que lutam pela própria autodeterminação o uso do recurso das armas (guerri-
lha), por se espelharem num legítimo direito de autodefesa da nacionalidade, do ter-
ritório e da soberania da nação.
Diz Foucault
219
que “desde que uma relação de poder, uma possibilida-
de de resistência. Nunca somos pegos na armadilha pelo poder, sempre podemos
modificar-lhe o domínio, em determinadas condições e segundo uma estratégia pre-
cisa”.
O momento atual demonstra a estreita ligação entre a autodeterminação dos
povos e o direito de resistência, que os povos agredidos e marginalizados pela
globalização têm apenas duas opções: submeter-se ou resistir. Se houver submis-
são perde-se a autodeterminação então é possível mantê-la através da resistên-
cia.
217
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; Dicionário de Política. V. 1.
Trad.Carmem C. Varriale...(et al); coordenação da tradução João Ferreira. Brasília: Editora Universi-
dade de Brasília: São Paulo: Impressa Oficial do Estado, 2000, p.72/73.
218
BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2006, p. 167.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Biblicamente, a dispersão do homem por toda a terra e a diferença de lingua-
gem é uma obra do ser supremo para que funcione como freio para os seus intentos,
pois uma vez todos juntos e falando a mesma língua nenhuma restrição teriam para
tudo que intentassem fazer.
Contrariamente à prescrição bíblica, o mundo concordou em ter o mesmo ho-
rário,
220
em adotar o mesmo calendário
221
e em eleger um órgão mundial denomina-
do ONU, funcionando como uma assembléia global, além de promover a mundiali-
zação da economia, levando a crer que o processo de unificação de todos os povos
da terra se encontra em franco desenvolvimento.
Tomando por base o texto bíblico pode-se compreender que a divisão dos se-
res humanos se deu por necessidade e que se completou através da linguagem. A
partir de então e fundamentado na história pode-se dizer que os homens sempre
estão a buscar uma forma de se unirem, mas isto até o momento não aconteceu. O
pensamento de Thomas Hobbes que abordava em sua obra Leviatã
222
que o
homem não tem a sociabilidade como uma de suas características originais levando
a um estado de guerra constante entre as nações, ou seja, “de todos contra todos”,
poderia justificar esta impossibilidade.
219
SAMPAIO, Simone Sobral. Resistências. In Foucault, Michel. Méthodologie pour la connaissance
du monde: comment se débarraser du marxisme. In: Dits et écrits III, 1994. Paris, Gallimard, p. 595-
618.
220
Horário de Greenwitch.
221
Calendário ocidental cristão.
222
Para Hobbes, os homens, em seu estado de natureza, são egoístas, luxuriosos, inclinados a agre-
dir os outros e insaciáveis, ocasionando uma permanente “guerra de todos contra todos”, com o obje-
tivo de dominarem uns aos outros. Justifica este Estado de Guerra pelo desejo de os homens compe-
tirem entre si, pelo desejo de garantirem sua própria segurança ou pelo desejo de glória. (HOBBES,
Thomas. Leviatã. 3ª. ed. São Paulo: Ed. Abril, 1983).
No entanto, a idéia de unificação parece estar presente no pensamento da-
queles que defendem um poder supranacional como se fosse uma conseqüência
natural dos avanços da era da globalização.
De acordo com o estudo desenvolvido, a globalização caminha de forma
constante sem nenhuma resistência eficaz caracterizando-se pela prevalência da
economia sobre a política; a desregulamentação do mercado; pelas privatizações
das empresas estatais e pelo abandono do estado de bem-estar social, intensifican-
do a exclusão social e provocando crises econômicas sucessivas.
Restou claro que a globalização da economia, em junção com a globalização
da informação e dos padrões culturais e de consumo, conduziu aos avanços tecno-
lógicos e científicos e à difusão de rede de telecomunicações. Em decorrência redu-
ziram-se os espaços e o tempo provocando interferências nos hábitos, nos padrões
culturais e de consumo.
Como resultado deste processo observa-se que entre outros efeitos desta-
cam-se a perda da essência da soberania nacional e a dissonância com o instituto
da Democracia.
Quanto à soberania, mesmo considerando a possibilidade de mutação de seu
conceito, é elemento imprescindível para a garantia, pelos Estados, de seu cresci-
mento e fortalecimento político e econômico.
No que se refere à dissonância com o instituto da Democracia, em conjunto
com a perda da soberania, observa-se que a conseqüência é a erosão da cidada-
nia e a perda da autodeterminação pelos povos.
A soberania e a cidadania são elementos fundamentais, básicos para a manu-
tenção da autodeterminação dos povos de onde se conclui que a defesa desses
fundamentos é a única forma de garantir este direito fundamental.
A autodeterminação dos povos é um direito coletivo de caráter fundamental.
Sua fundamentação jurídica e política deságuam no entendimento de que autode-
terminação significa a possibilidade de o povo exercer o seu direito de escolha e a
forma de governo (aspecto interno) e no direito de o povo lutar por sua liberdade no
que diz respeito a estar submisso a outro Estado, buscando tutelar os Estados en-
quanto grupos étnicos e culturais, a sua livre organização política e a soberania po-
pular (aspecto externo), aliás posicionamento adotado pelos demais Estados sobe-
ranos que oferecem o apoio necessário mediante a afirmação internacional, como
prenuncia o artigo 4º da Constituição Federal Brasileira.
Na atualidade a perda da soberania tem se manifestado querendo os Estados
ou não, pois nas relações entre si e mesmo dentro de seu próprio território o Esta-
do se vê impulsionado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de interfe-
rências de órgãos internacionais ou de outros países. A interdependência entre as
nações é que determina os caminhos a serem seguidos e não a vontade geral.
Assim considerado nota-se que a autodeterminação dos povos encontra-se
em choque com os resultados da globalização. Diante disto restaria ao povo subme-
ter-se, subjugando-se a viver em servidão por sua covardia ou lutar, resistir.
A resistência é um direito natural fundamentado no direito positivo como um
direito humano e deve ser exercido pelos povos quando se encontram oprimidos.
Constata-se neste estudo, que a resistência é o instrumento utilizável para garantir o
direito coletivo à autodeterminação dos povos e a alternativa dos povos oprimidos
para se defenderem.
Por outro lado conclui-se que a globalização não tem o aspecto de naturalida-
de da resistência sendo unicamente fruto de determinadas decisões políticas que
levaram a este momento de prevalência da economia sobre os aspectos sociais.
Não existem razões para se supor que este predomínio seja definitivo, nem
para pensar que o único modo de opor-se a ele seja entrincheirar-se numa recusa
total de qualquer forma de integração internacional, numa recusa inflexível à globa-
lização de forma genérica. Mas não se deve esquecer que a última palavra é do po-
vo como sujeito de direitos e que se este povo o encontra nas decisões políticas
estatais a guarida para as suas necessidades que consiste unicamente no bem co-
mum resta ao mesmo se insurgir.
A resistência é um direito humano de afirmação internacional, portanto um
instrumento perfeitamente viável para garantir a autodeterminação dos povos.
Com a demonstração de que o direito à autodeterminação dos povos está
sendo duramente atingido. Com a titularidade do direito de resistência nas mãos do
povo e reconhecido que o povo tem o direito coletivo de lutar para preservar-se, a
reflexão se volta para as possibilidades de se encontrar uma forma de resistência
que não seja radical, mas que ilumine o caminho dos oprimidos.
Entendendo que não somente o Estado tem a titularidade de sujeito de direi-
tos, mas também o cidadão considerado coletivamente por intermédio dos grupos
que se formam internamente, cogita-se a possibilidade de se utilizar estes grupos
intermediários para a defesa do Estado Nação.
Assim como a tecnologia da informação é utilizada pela economia capitalista,
poderá servir de instrumento de utilização das forças de resistência no combate à
causa alcançando toda a estrutura social, agora composta por redes. A substituição
do espaço de lugares pelo espaço de fluxos livra o movimento de resistência do es-
tigma ligado a grupos étnicos, nacionais e culturais. O espaço de fluxos ajuda a
“desterritorializar” e desnacionalizar” os movimentos de resistência, assim como
ocorre com as informações em favor da globalização, só que em sentido inverso.
Nestes termos, é possível resistir aos acontecimentos utilizando-se os efeitos
da globalização, notadamente no que diz respeito à perda da soberania e conse-
qüente direito de autodeterminar-se, conscientizando a todos por meio dos instru-
mentos disponíveis como as redes de informação.
O movimento de resistência deve se iniciar com a conscientização dos povos
oprimidos, visando o ganho de força moral. Assim grupos intermediários poderiam
se juntar em todo o mundo para lutarem pela preservação da soberania nos Estados
de uma forma organizada, difundindo sentimento de justiça para que diante da difu-
são os povos possam adotar uma posição política condizente com atual situação
vivida.
Que todos os povos oprimidos possam compreender que, assim como os
franceses, a voz que se levanta em grande alarido é o instrumento de defesa do
próprio Estado que se impotente e dependente das outras nações. O mundo res-
peitará o povo que não se submete às injustiças de maneira covarde e apática.
REFERÊNCIAS:
BENEVIDES, M. V. de M. Cidadania e Democracia. São Paulo: Lua Nova, 1994,
n.33.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsivier, 2004.
BOBBIO, Norberto; et al; Dicionário de Política. Brasília: Vol. 1. Editora Universidade
de Brasília: São Paulo: Impressa Oficial do Estado, 2000.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. São Pau-
lo: Juarez de Oliveira, 2002.
BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional.Rio de Janeiro: Lú-
men Júris, 2006.
CANOTILHO, JJ. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993
CARDOSO, F. H. Discurso sobre a globalização. Folha de São Paulo, 21 de feverei-
ro. Brasil, 1996, p.1.6.
CARTA AFRICANA DOS DIREITOS DOS HOMENS E DOS POVOS. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.html> Acesso em: 08 de out. de
2005.
CARTA DE PARIS PARA UMA NOVA EUROPA. Disponível em
<http://www.gddc.pt/direitos-humanos/sist-europeu-dh/osce-historia.html> Acesso
em 08 de out. de 2005.
CHENUKKUER-GENDREAU, Monique. Algo de novo na OMC. Disponível em:
http://diplo.uol.com.br/2008-01. Acesso em: 13 mai. 2008.
CICCO, Cláudio De; GONZAGA, Teoria Geral do Estado e Ciência Política. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
CICCO, C. Kant e o Estado de Direito: o problema do fundamento da cidadania. In:
GIORGI, B. D., CAMPILONGO, C. F., PIOVESAN, F. Direito, Cidadania e Justiça:
ensaios sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofia jurídicas. São Paulo :
Revista dos Tribunais, 1995.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos. São
Paulo: Saraiva. 2001
COHEN, G. A. A igualdade como norma e o (quase) obsoleto marxismo. São Paulo:
Lua Nova, 1994, n.33, p.123-134.
DE PLÁCIDO e SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1973.
DECLARATION DÊS DROITS DE L‟HOMME ET DÊS CITOYEN. Disponível em:
http//educaterra,terra.com.br/voltaire/mundo/declaração. Acesso em 15/nov./2007.
DEL ROIO, Marco. Globalização e o Estado Nacional.
http://globalization.sites.uol.com.br/globaliz.htm. Acesso em 15 /jan./2008.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005
DOWBOR, L. Da globalização ao poder local: a nova hierarquia dos espaços. In:
FREITAS, M. C. A Reinvenção do Futuro. São Paulo: Cortez; Bragança Paulista:
Universidade São Francisco, 1996.
FARIA, J. E. () Democracia e governabilidade: os direitos humanos à luz da globali-
zação econômica. In: ________ (org.) Direito e Globalização Econômica: implica-
ções e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1996, p.127-160.
________. Globalização e direitos humanos. O Estado de São Paulo, 11 de outubro,
1997, p. A2.
FARIAS, Paulo José Leite. Liberdades fundamentais: a terceira torre em perigo. Dis-
ponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5753> Acesso em
05/out./2005.
FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
FRAGA, Ricardo Carvalho. Resistência, Pluralismo e Direito Promocional. Disponível
na Internet: . Acesso em 08 de maio de 2006.
FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert e MACHADO, Arlin-
do. Contra a ibopização do pensamento (em defesa da mídia radical). Apresentação
à edição brasileira. In: DOWNING, John D. H. Mídia radical: rebeldia nas comunica-
ções e movimentos sociais. São Paulo: SENAC, 2002, p. 09-15.
GARCIA, Maria. Desobediência Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
GIDDENS, Antony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP,
1991.
GOLFE, Osvaldo Luís. O mesmo, o outro, o ethos latino-americano. Disponível em
<http://www.rubedo.psc.br/Artigos/etoslati.html> Acesso em: 11/set/2005.
HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos da teoria política. São Paulo: Lo-
yola, 2002.
HELD, D. (1994) Democracia e Globalização. Novos Rumos, São Paulo, n23, p.5-
8.
HIRST, Paul; THOMPSON, Grahame. Globalização em questão: A economia inter-
nacional e as possibilidades de governabilidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
HOBBES: Leviatã. 3ª. ed. São Paulo: Ed. Abril, 1983. (Coleção "Os Pensadores").
IANNI, O. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2002.
KANT, E. Qué es la Ilustración? In: Filosofia de la Historia. México: Fondo de Cultura
Económica, 1987.
KUNTZ, Rolf. Os direitos sociais em xeque. São Paulo: Lua Nova, 1995 n.º36, p.149-
157.
JOÃO PAULO XXIII. MATER ET MAGISTRA: EVOLUÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL
À LUZ DA DOUTRINA Cristã. Disponível em
http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf j - Acesso em:
20 abr 2008
LAFER, Celso. "Os Dilemas da Soberania", in Possibilidades e Paradoxos. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
LA BOÉTIE, Étienne de. Discurso sobre a Servidão Voluntária. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003.
LEHFELD, Lucas de Souza. Modalidades de participação-cidadã no horizonte de
concreção do direito. Hermenêutica, cidadania e direito. São Paulo: Millennium,
2005.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre governo civil. Coleção Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, 1973.
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O princípio ético do bem comum e a con-
cepção jurídica do interesse público. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez.
2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11>. Acesso em:
20 abr. 2008.
MONCADA, L Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Coimbra: Editora Coimbra,
2006.
MONDAINI, Marco. Direito humanos. São Paulo: Contexto, 2006.
MOREIRA, Vital. O futuro da Constituição. In GRAU. Eros Roberto e GUERRA FI-
LHO, Willis Santiago (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo
Bonavides. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
MARTINS, Ives Granda da Silva (Coord). O Estado do futuro. São Paulo: Pioneira,
1998.
MARX, K., ENGELS, F. O Manifesto Comunista. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t. IV. 2. ed. Coimbra: Coimbra,
1993.
NASCIMENTO, E. P. Globalização e exclusão social: fenômeno de uma nova crise
da modernidade? In: Dowbor, L., Ianni, O., Resende, P. E. A., (organizadores). De-
safios da Globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, p.74-93.
NUNES, Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: dou-
trina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.
OLIVEIRA, L. Direitos Humanos e Cultura Política de Esquerda. São Paulo: Lua No-
va,: 1992.
________. Os excluídos „existem‟? Notas sobre a elaboração de um novo conceito.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.º33, fevereiro/1992, p. 49-61.
ORTIZ, R. Mundialização, Cultura e Política. In: Dowbor, L., Ianni, O., Resende, P.
E. A., (organizadores). Desafios da Globalização. Petrópolis: Vozes, 1997.
PAUPÉRIO, Artur Machado. O direito político de resistência. Rio de Janeiro: Foren-
se, 1978.
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Fo-
rense universitária, 1997.
RAMONET, Ignácio - “Doentes” ou rebeldes. In LE MONDE DIPLOMATIQUE. Trad.
Leonardo Abreu. Disponível em: Http://diplo.uol.com.br. Acesso em: 04 ag. 2007.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
SANTOS, B. de S. S. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Lua Nova:
1997 n.º39, p. 105-124.
SEOANE, José; TADDEI, Emilio. Resistências Mundiais: De Seattle a Porto Alegre.
Petrópolis: Vozes, 2001.
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
TÁRREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco. Democracia e participação-cidadã nos
diferentes contextos políticos. Hermenêutica, cidadania e direito. São Paulo: Millen-
nium, 2005.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007, p. 428.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Proteção internacional dos direitos huma-
nos. São Paulo: Saraiva,1991.
VIEIRA, Liszt Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997.
WEBER, Max A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira,
1992.
WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2002.
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros Editores,
2006
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo