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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS
FAZENDO VÍDEOS NO COLÉGIO OTTÍLIA:
TECNOLOGIA E ARTE COMO AÇÃO COLETIVA
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa
de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE), da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Orientador: Prof. Dr. Luiz Ernesto Merkle
Co-orientadora: Prof.ª Dra. Luciana Martha Silveira
CURITIBA
2008
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JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS
FAZENDO VÍDEOS NO COLÉGIO OTTÍLIA:
TECNOLOGIA E ARTE COMO AÇÃO COLETIVA
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa
de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE), da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Orientador: Prof. Dr. Luiz Ernesto Merkle
Co-orientadora: Prof.ª Dra. Luciana Martha Silveira
CURITIBA
2008
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iii
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UTFPR – Campus Curitiba
S237f Santos, Júlio César dos
Fazendo vídeos no Colégio Ottília : tecnologia e arte como ação coletiva /
Júlio César dos Santos. Curitiba. UTFPR, 2008
XIV, 184 f. : il. ; 30 cm
Orientador: Prof. Dr. Luiz Ernesto Merkle
Co-orientadora: Profª. Drª. Luciana Martha Silveira
Dissertação (Mestrado) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná . Pro-
grama de Pós-Graduação em Tecnologia. Curitiba, 2008
Bibliografia: f. 171 – 175
1. Pesquisa social. 2. Cinema na educação. 3. Cinema – Estudo e ensino. 4.
Artes – Estudo e ensino. 5. Vídeo – Arte I. Merkle, Luiz Ernesto, orient. II.
Silveira. Luciana Martha, co-orient. III. Universidade Tecnológica Federal do
Paraná. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia. IV. Título.
300.72
iv
v
DEDICATÓRIA
A Francisca Abadia dos Santos (minha mãe), Joaquim dos Santos (meu pai),
Ana Porfírio Machado (segunda mãe), Bárbara Sofia Cardoso dos Santos (minha
filha), Eliane Terezinha Cardoso Bispo (minha parceira), Sueli dos Santos Rocha
(minha irmã), e a todos aqueles que estiveram presentes quando busquei realizar
meus sonhos, seja por fazerem parte deles, ou me incentivarem sempre a não
desistir. Especialmente à Professora Ottília Homero da Silva, que me inspirou como
pesquisador, professor e pessoa.
vi
AGRADECIMENTOS
Aos amigos: Prof. Paulo Renato Dias, Prof. João Batista Ramos Côrtes, Prof.ª Maria
de Jesus da Silva; aos colegas do CEFET-GO: Prof. Roberto Wagner Milet, Prof. Paulo
Francinete Silva Jr.; aos professores do PPGTE: Prof. Hilton José de Azevedo, Prof.ª
Maristela Mitsuko Ono, Prof.ª Laize Márcia Porto Alegre, Prof. Gilson Leandro Queluz, Prof.ª
Marília Gomes de Carvalho, Prof. Eduardo Leite Kruger, Prof. Herivelto Moreira , Prof.ª
Sonia Ana Charchut Leszczynski, Prof.ª Maclóvia Corrêa da Silva, Prof.ª Nilson Marcos Dias
Garcia, Prof. Mário Lopes Amorim; aos colegas de mestrado: Paulo Henrique Asconavieta,
Jovana Cestille, Janaína Buiart, Aladir Ferreira da Silva Jr., Danillo Vaz Borges de Assis,
João Clímaco Soll, Fernando Michelotti, Patrícia Fisch, Regiane Moreira, Boanerges
Candido da Silva, Eugênio Carlos Radaelli F.º, Adriano Lopes, Frederik MC van Amstel,
Fabiana Machado, Maria Gorete Oliveira de Sousa, Ricardo A. Ferreira de Vasconcelos,
Maria Helena Saburido Villar, Tatiana de Souza ; aos professores do Colégio Ottília: Prof.
João Batista Siviero, Prof.ª Alcina Maria Taborda Ribas, Prof. Anderson Luiz Zeni, Prof.ª
Anette S. L. Kess, Prof. Carlos Eduardo M. dos Santos, Prof. Cláudio Siqueira de Oliveira,
Prof.ª Doniasol Vanessa Sloboda, Prof.ª Érica Cristina dos Santos, Prof.ª Maria de Fátima V.
L. Gusso, Prof.ª Márcia Rosane Voigt, Prof.ª Marise Regina Voigt, Prof.ª Miria Freitas de
Assis, Prof.ª Mônica Sirino Cordeiro, Prof.ª Sirlene M. de O. Pinheiro, Prof.ª Telma Soares,
pedagogos: Julita W. Bach, João Antonio Herculi Neto, José Luiz Freire de Araújo,
funcionários: Aparecida Benedita Mota, Célia Maria Padilha Beck, Cléia da Silva, Daniele
Corrêa Pereira, Elmo Martins de Souza, Gislaine Fátima Ferreira, Luciana Soares de
Andrade, Márcia Ribeiro Baptista, Maria Cristina Desidério da Jesus, Maria de Lourdes
Ferreira Costa, Maria Inês Dias, Maria Selma Santos Lima, Queli Leites Sant’Ana, Rita Alves
de Souza e Rosmeri Beck; aos alunos: Adriano da Silva, Ana Caroline Ornelas, Andressa
Paola dos Santos, André Luiz da Silva, Daniele Kadamus; Fábio André do Bonfim, Fabrício
Abucarub, Isabelle Alves da Maia de Araújo, Jeferson Benedito D’Oliveira, Jéssica Aparecida
Ciopek, Juliano César Giusti, Leila A. Moreira da Silva, Ly Sandro de Campos Salles, Miriã
Emanuelle da Silva, Murilo César Soares Souza; ao Sr. Manoel Custódio dos Santos
(APMF) e Lysandro de Campos Salles F.º (Escola Aberta); aos pais de alunos e membros da
comunidade Jardim Amélia; à minha “família curitibana”: Enedina Mondini, Moisés Alves
Vieira Fe Karoline Mondini Vieira; e, em especial a Érica Jucélia da Silva e Lindamir Salete
Casagrande.
vii
“Quando não se pode acreditar nos homens nem nos seus esforços comuns,
também não se poderá acreditar em si mesmo.”
Raymond Williams
“A lucidez é a ferida mais próxima do sol.”
René Char
viii
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................... x
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS.......................................................................... xii
RESUMO.................................................................................................................. xiii
ABSTRACT .............................................................................................................. xiv
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15
1.1 APRESENTAÇÃO DO PROJETO ....................................................................... 16
1.2 UM ESTADO DA ARTE ....................................................................................... 30
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................. 36
2.1 UM ESTUDO DE CASO ...................................................................................... 36
2.2 IDENTIFICANDO OS SUJEITOS DA PESQUISA .............................................. 43
3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS .............................................................................. 47
3.1 FAZER ARTE COMO UMA AÇÃO COLETIVA .................................................... 48
3.2 A PRODUÇÃO DE VÍDEOS E OS ESTUDOS DA CULTURA ............................. 57
3.3 O VÍDEO COMO TECNOLOGIA ......................................................................... 63
3.4 A LINGUAGEM DO VÍDEO ................................................................................. 65
3.5 O VÍDEO E OS GÊNEROS DISCURSIVOS ....................................................... 69
3.6 O VÍDEO E A EDUCAÇÃO .................................................................................. 75
3.7 O VÍDEO E AS ESFERAS DO EXPERIMENTAL E DO INSTITUCIONAL .......... 77
4 CASO ÚNICO: MÚLTIPLAS EVIDÊNCIAS ........................................................... 82
4.1 O BAIRRO JARDIM AMÉLIA – CIDADE DE PINHAIS ........................................ 83
4.2 O COLÉGIO ESTADUAL PROFESSORA OTTÍLIA HOMERO DA SILVA ........... 85
4.2.1 O DIRETOR EM 2007/2008: PROFESSOR JOÃO BATISTA SIVIERO ........... 91
4.3 O GRUPO CAMÉLIA ........................................................................................... 93
4.3.1 O COORDENADOR: PROF. PAULO RENATO ARAÚJO DIAS ....................... 97
4.3.2 O PRESIDENTE: MURILO CÉSAR SOARES SOUZA ................................... 98
4.4 O GRUPO “GORDO & LAPI PRODUÇÕES” ...................................................... 99
4.5 O PESQUISADOR: JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS........................................... 100
4.6 OS COCÔ-RANGERS, EPISÓDIO 1 ................................................................ 101
4.7 ERROS DE GRAVAÇÃO ................................................................................... 105
4.8 O TRAILER DO VÍDEO ..................................................................................... 106
ix
4.9 O DOCUMENTÁRIO – OTTÍLIA: MÚLTIPLOS OLHARES ................................ 107
5 A ANÁLISE DAS EVIDÊNCIAS ........................................................................... 113
5.1 O DIÁRIO DE CAMPO ...................................................................................... 113
5.2 A OFICINA DE TEATRO E VÍDEO .................................................................... 118
5.3 AS GRAVAÇÕES DO DOCUMENTÁRIO .......................................................... 125
5.4 A MONTAGEM E EDIÇÃO ................................................................................ 128
5.5 A II SEMANA CULTURAL .................................................................................. 134
5.6 AS ENTREVISTAS ............................................................................................ 136
5.6.1 PROF. JOÃO BATISTA SIVIERO (Entrevistado em 14/12/2007) ................... 137
5.6.2 PROF. PAULO RENATO ARAÚJO DIAS (Entrevistado em 11/12/2007) ........ 137
5.6.3 MURILO CESAR SOARES SOUZA (Entrevistado em 25/10/2007) ............... 138
5.6.4 GRUPO CAMÉLIA E GORDO & LAPI ............................................................ 141
5.7 OS QUESTIONÁRIOS ...................................................................................... 147
5.8 ALGUNS DESDOBRAMENTOS ....................................................................... 151
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 153
6.1 UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL ........................................................................ 167
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 171
ANEXOS ................................................................................................................. 176
x
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: RUAS DO BAIRRO VILA AMÉLIA, NAS PROXIMIDADES DO COLÉGIO OTTÍLIA........................................ 84
FIGURA 2: A FONTE ............................................................................................................................................... 85
FIGURA 3: O "MORRÃO" ........................................................................................................................................ 85
FIGURA 4: O TRANSPORTE COLETIVO ................................................................................................................... 85
FIGURA 5: FOTOS DA CONSTRUÇÃO DO COLÉGIO ................................................................................................ 86
FIGURA 6: MUROS ALTOS CERCAM O COLÉGIO .................................................................................................... 87
FIGURA 7: FACHADA (LETREIRO) ........................................................................................................................... 88
FIGURA 8: O LETREIRO OCULTO ......................................................................................................................... 88
FIGURA 9: ENTRADA DO COLÉGIO ........................................................................................................................ 88
FIGURA 10: INSTALAÇÕES IILUSTRAÇÃO 1NTERNAS DO COLÉGIO ................................................................ 88
FIGURA 11: JARDIM INTERNO ................................................................................................................................ 89
FIGURA 12: ÁREA-CONVIVÊNCIA ........................................................................................................................... 89
FIGURA 13: MESA DE JOGOS ................................................................................................................................ 89
FIGURA 14: O DIRETOR EM EXERCÍCIO JUNTO À COMUNIDADE ............................................................................ 92
FIGURA 15: FOTOS DO DIA DE FUNDAÇÃO DO GRUPO CAMÉLIA .......................................................................... 95
FIGURA 16: NO FORUM SOCIAL ............................................................................................................................ 96
FIGURA 17: FORA BUSH! ....................................................................................................................................... 96
FIGURA 18: PASSEATA ........................................................................................................................................... 96
FIGURA 19: VISITA AO PPGTE ............................................................................................................................. 96
FIGURA 20: PALESTRA .......................................................................................................................................... 96
FIGURA 21: JARDIM BOTÂNICO ............................................................................................................................. 96
FIGURA 22: PROFESSOR PAULO RENATO EM ATIVIDADE...................................................................................... 97
FIGURA 23: MURILO CÉSAR EM CONSTANTE MOVIMENTO ................................................................................... 98
FIGURA 24: OS COCÔ-RANGERS........................................................................................................................... 99
FIGURA 25: PERSONAGENS CARACTERIZADOS PARA A GRAVAÇÃO .................................................................... 100
FIGURA 26: NA OFICINA DE TEATRO E VÍDEO ...................................................................................................... 101
FIGURA 27: DURANTE GRAVAÇÃO DO DOCUMENTÁRIO ...................................................................................... 101
FIGURA 28: COM OS "COCÔ-RANGERS" NO MATSURI ........................................................................................ 101
FIGURA 29: UMA CENA DO VÍDEO ........................................................................................................................ 103
FIGURA 30: PERSONAGEM "YUUKO" .................................................................................................................. 103
FIGURA 31: ARTE DO CARTAZ ............................................................................................................................. 103
FIGURA 32: THE POWER-RANGERS ................................................................................................................... 105
FIGURA 33: THE CHANGEMEN ............................................................................................................................ 105
FIGURA 34: THE DARK JIRAYA ............................................................................................................................ 105
FIGURA 35: IMAGENS DOS ALUNOS PRODUZINDO O DOCUMENTÁRIO ................................................................ 109
FIGURA 36: FUNDAÇÃO DO CAMÉLIA JR. ............................................................................................................ 116
xi
FIGURA 37: MENINAS DO CAMÉLIA JR. ............................................................................................................... 116
FIGURA 38: MANIFESTAÇÃO NO COLÉGIO .......................................................................................................... 116
FIGURA 39: EXERCÍCIOS CORPORAIS ................................................................................................................. 121
FIGURA 40: EXERCITANDO A CONFIANÇA ............................................................................................................ 121
FIGURA 41: JOGOS DRAMÁTICOS ........................................................................................................................ 121
FIGURA 42: ATENÇÃO, GRAVANDO! ..................................................................................................................... 121
FIGURA 43: REGISTRANDO UM FATO ................................................................................................................... 121
FIGURA 44: GRAVANDO UMA ENTREVISTA........................................................................................................... 121
FIGURA 45: ZUMBI, OS CAMINHOS DA LIBERDADE .............................................................................................. 122
FIGURA 46: AULAS DE TEATRO ........................................................................................................................... 123
FIGURA 47: AULAS DE VÍDEO .............................................................................................................................. 123
FIGURA 48: ENCONTRO COM A PEDAGOGA JULITA W. BACH, E GRUPO CAMÉLIA ............................................. 124
FIGURA 49: REUNIÃO PEDAGÓGICA ................................................................................................................... 124
FIGURA 50: CONVERSA COM ALUNOS SOBRE QUESTÕES DE IDENTIDADE ......................................................... 124
FIGURA 51: ESCREVENDO O ROTEIRO ................................................................................................................ 127
FIGURA 52: ATENÇÃO, CLAQUETE! ...................................................................................................................... 127
FIGURA 53: GRAVANDO! ...................................................................................................................................... 127
FIGURA 54: PROF. GILSON L. QUELUZ ............................................................................................................... 135
FIGURA 55: PROF.ª LUCIANA MARTHA SILVEIRA ................................................................................................. 135
FIGURA 56: ÉRICA JUCÉLIA DA SILVA .................................................................................................................. 135
FIGURA 57: PROF.ª FABIANA MACHADO E ALUNA GABRIELA .............................................................................. 135
FIGURA 58: PROF. PAULO, PROF.ª LUCIANA E PABLO S. M. DIAZ ...................................................................... 135
FIGURA 59: PABLO S. M. DIAZ E PROF.ª LUCIANA M. SILVEIRA ......................................................................... 135
FIGURA 60: ZUMBI, CAMINHOS DA LIBERDADE ................................................................................................... 135
FIGURA 61: EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIAS ......................................................................................................... 135
FIGURA 62: APRESENTAÇÃO DE CAPOEIRA ........................................................................................................ 135
FIGURA 63: COMIDAS E BEBIDAS TÍPICAS ........................................................................................................... 136
FIGURA 64: DANÇAS POPULARES ....................................................................................................................... 136
FIGURA 65: ASSISTINDO O DOCUMENTÁRIO ....................................................................................................... 136
FIGURA 66: ALUNOS NO MATSURI 2008 ............................................................................................................. 143
FIGURA 67: MURILO VENDENDO PIADAS ............................................................................................................. 143
FIGURA 68: DANIELE "OTAKU" ............................................................................................................................. 143
FIGURA 69: ANDRÉ "OTAKU" ............................................................................................................................... 144
FIGURA 70: ADRIANO, FÁBIO E ANDRÉ ............................................................................................................... 144
FIGURA 71: PERSONAGENS "COSPLAY" .............................................................................................................. 144
FIGURA 72: ALUNOS PARTICIPANTES DA OFICINA DE TEATRO E VÍDEO ............................................................. 147
xii
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS
GRÁFICO 1: GÊNEROS DE FILMES PREFERIDOS PELOS ENTREVISTADOS.....................................................148
GRÁFICO 2: O DOCUMENTÁRIO REPRESENTA A REALIDADE DO COLÉGIO? ................................................. 150
GRÁFICO 3: VOCÊ CONCORDA COM AS IDÉIAS EXPRESSAS NO DOCUMENTÁRIO? ....................................... 150
TABELA 1: QUADRO SOCIOMÉTRICO DE PROFESSORES E FUNCIONÁRIOS ..................................................... 90
TABELA 2: QUADRO SOCIOMÉTRICO DE ALUNOS EF E EM .......................................................................... 91
TABELA 3: DIVISÃO DOS GRUPOS DE RESPONDENTES ............................................................................... 148
TABELA 4: CORRESPONDÊNCIA ENTRE O DOCUMENTÁRIO E A REALIDADE DO COLÉGIO............................... 149
xiii
RESUMO
Esta pesquisa trata da prática de fazer vídeos no Colégio Estadual Professora Ottília
Homero da Silva, cidade de Pinhais, região metropolitana de Curitiba; diferenciando
o que se pode perceber a partir da comparação entre dois gêneros distinguidos
como: um deo-ficção experimental e outro, um deo-documentário institucional.
Aborda a produção de vídeos no âmbito de uma escola pública, partindo da
concepção da pesquisa como prática social tendo como aporte teórico os estudos da
cultura, da arte e da tecnologia como ação coletiva, com ênfase nos processos de
ensino-aprendizagem. Nesta pesquisa o estudo se concentra na prática de fazer
vídeos por um grupo de alunos de uma escola publica, com o objetivo de encontrar
algumas evidências das implicações geradas por tal prática como construção
simbólica e ruptura de determinadas situações impostos pelo cotidiano,
compreendendo-a como um ato cultural complexo e transformador. Por que essas
pessoas fazem vídeos? Como se dá esta prática nestas circunstâncias? Como se
este processo de construção cultural simbólica? Entre as evidências encontradas
figuram a busca pela inserção social, e a ampliação da reflexão crítica, quando as
pessoas envolvidas na prática passaram a questionar suas posições na construção
de suas identidades, reflexo e refração do contexto em que estão imersas.
Palavras chave: tecnologia, arte, educação, vídeo, prática, ação coletiva.
Áreas de conhecimento: Cinema, Artes do Vídeo, Educação.
xiv
ABSTRACT
This research deals with the practice of making videos at the Colégio Estadual
Professora Ottília Homero da Silva, in Pinhais city, in the metropolitan region of
Curitiba, differentiating what you can see from the comparison between two different
genres: one, a experimental video-fiction, another, a institutional video-documentary.
It addresses the production of videos at a public school, based on studies of culture
and art and technology as a collective action, with emphasis on the teaching-learning
processes. This research study focuses on the practice of making videos by a group
of students at a public school, with the goal of finding some evidence of the
implications generated by such practice as a symbolic construction and disruption of
daily life imposed by certain situations, as a complex act cultural and process. Why
do these people make videos over there? How this practice occurs in these
circumstances? How we give this process of building cultural symbolic? The
evidence founded included the search for social integration, and extension of critical
reflection, when people involved in the practice began to question their positions in
the construction of their identities.
Key words: technology, art, education, video, practice, collective action.
Knowledge areas: Cinema, Arts of Video, Education.
Making videos at the Colégio Ottília: Technology and Art as collective action.
15
1 INTRODUÇÃO
O Cinema tem sido abordado em estudos e pesquisas nas mais diversas
áreas do conhecimento, visto quase sempre como Arte e Cultura, ou seja, como uma
manifestação ou expressão humana, sob os mais diversos pontos de vista, como por
exemplo, de indústrias ou de escolas.
Compreendido como uma linguagem ou arte audiovisual, o cinema se faz
presente nos conteúdos curriculares propostos dentro do processo de ensino-
aprendizagem das escolas, sob três aspectos fundamentais: produzir (fazer),
apreciar e interpretar (PCNs, 2002, p.180); definidos como experiências prática,
estética e teórica passíveis de levar o aluno-aprendiz a uma compreensão mais
profunda do mundo em que vive, bem como de si mesmo e de suas relações
sociais.
Entretanto, dentre os estudos que relacionam Cinema e Educação, encontra-
se uma ênfase significativa nos dois últimos aspectos do processo de ensino-
aprendizagem o apreciar e o interpretar, deixando o fazer num plano secundário,
em função (possivelmente) das aparentes demandas tecnológicas e financeiras que
o cinema exige para ser produzido e veiculado.
O panorama contemporâneo alterou de maneira radical esta situação, ao
facilitar o acesso à tecnologia pelo barateamento dos custos envolvidos, bem como
pelas políticas públicas que têm viabilizado às escolas públicas o acesso a alguns
equipamentos necessários para se fazer cinema, como computadores.
Este estudo, sustentando-se por esta premissa e buscando preencher a
lacuna percebida em relação ao fazer cinema na escola, propõe-se a estudar esta
prática na situação de uma escola pública, visando contribuir com estudos na
convergência cinema-educação.
Esta dissertação se compõe de: 1) uma introdução composta pela
apresentação do projeto, na qual se traça a trajetória que levou à proposta deste
estudo partindo das primeiras incursões na utilização do deo na pesquisa a
chegar à proposição de perceber suas implicações como mediador de processos de
ensino-aprendizagem enfatizando o fazer, a prática, mais que o apreciar e a
16
interpretação; e, um breve estado da arte no que se refere à bibliografia utilizada
como aporte para tratar o tema específico do cinema na escola e da possível
contribuição deste estudo para sua ampliação; 2) a configuração de uma abordagem
em que se optou por um estudo de caso, bem como pela identificação nominal dos
sujeitos da pesquisa em função das orientações encontradas nos estudos da cultura;
3) a definição de um aporte teórico fundamentado pelos conceitos de arte,
linguagem, tecnologia e cultura, correlacionando-os ao tratar da produção de vídeos
no contexto de uma escola pública, no caso o Colégio Ottília; 4) a caracterização
descritiva dos sujeitos-atores envolvidos na situação da pesquisa, representados
pelo diretor do Colégio, o professor João Batista Siviero; o coordenador e o
presidente do Grupo Camélia, respectivamente, o professor Paulo Renato Araújo
Dias e o aluno Murilo César Soares Souza, bem como os demais integrantes do
referido grupo e do grupo Gordo & Lapi Produções, responsáveis pela produção do
vídeo-experimental Os cocô-rangers, episódio 1”, de modo a destacar suas
particularidades; 5) a documentação e análise dos dados e evidências levantadas a
partir das práticas, objetos e sujeitos da pesquisa; e, por fim; 6) as considerações
finais em que se buscou interpretar as evidências percebidas no estudo a partir do
aporte teórico definido, bem como evidenciar a contribuição que se julgou poder
fazer com o mesmo, não propriamente como um objetivo, mas como uma
conseqüência da prática da pesquisa no contexto escolar, donde parte e ao qual se
destina.
1.1 APRESENTAÇÃO DO PROJETO
O uso, e presença, do cinema na pesquisa social não sendo um fato novo e
nem isolado, tem sido bastante difundido tanto em incursões etnográficas, nas quais
é utilizado como suporte tecnológico para observação in loco, quanto como objeto de
estudo nos mais diversos campos analíticos e críticos, quer pela obra de um artista
específico ou ainda como representação simbólica de um determinado grupo,
sociedade ou cultura. Em tempos de globalização fala-se, por exemplo, da
17
“transnacionalização” da produção cinematográfica
1
, o que aponta para novas
abordagens no estudo e pesquisa do audiovisual, destacando-se os estudos de
recepção.
A princípio, este trabalho se orientou para o estudo do deo na pesquisa
social, e só posteriormente, voltou-se para a produção de deos no âmbito da
Educação. Optou-se por considerar inicialmente o vídeo como um similar do cinema
concebido como uma tecnologia, da qual se utiliza, quase sempre, para o registro
etnográfico na pesquisa social, reconhecendo-se que esta utilização do cinema
provoco, e tem ainda provocado inúmeras discussões na comunidade acadêmica,
tanto no que concerne a questões de ordem técnica quanto teórica, e,
principalmente éticas. Nestes debates são consideradas suas implicações técnicas e
aspectos tecnológicos não restritos aos artefatos, e, mais contemporaneamente, seu
papel na mediação de processos sociais complexos, e, entre estes, o processo da
própria pesquisa, concebida, neste caso, como uma prática social
2
.
Em hipótese, o uso do cinema na pesquisa implica alterações significativas
nesta prática, seja na tomada de decisão metodológica por parte do pesquisador,
seja pelo questionamento da validade científica dos dados obtidos por tal meio, e,
ainda, dos resultados atingidos com sua análise.
Mesmo que se reconheça não tratar-se de um estudo etnográfico, torna-se
fundamental a apresentação de um breve histórico do cinema no universo da
pesquisa de modo a configurá-lo como um suporte lingüístico do qual se utiliza na
Educação com fins mais específicos, sem que com isso se perca de vista sua
categorização como arte, linguagem, tecnologia e cultura.
E ainda, infere-se que o audiovisual, notadamente o cinema, que neste
trabalho será visto na forma de vídeos, com suas linguagens, códigos e tecnologias
pertinentes, é uma manifestação cultural que demanda uma atenção mais profunda
da parte dos educadores; e, que deveria estar incluído, cada vez mais, nos estudos
das mediações cio-culturais. Questionar as motivações que levam à prática de
fazer vídeos numa escola pública certamente contribuirá para que se aprofunde a
1
Uma produção conjunta de vários países, com artistas de nacionalidades múltiplas, realizada com vista a
garantir a distribuição (lucrativa) do filme nos países que participaram da produção.
2
Em conformidade com a definição de tecnologia delineada nos pressupostos do PPGTE.
18
compreensão de realidade (subjetiva e objetiva) do mundo, isto dito no campo da
filosofia, antropologia, sociologia, história, psicologia, arte, da cultura, da tecnologia
e, neste caso, da própria educação.
Desde o seu surgimento, em fins do século XIX, o cinema, principal
antecessor do que se convencionou chamar audiovisual (Machado, A. 1997),
culturalmente falando, tem sido considerado como um veículo de expressão, mas,
também, como um registro da realidade factível. Os primeiros filmes poderiam,
grosso modo, ser chamados de documentários (no Brasil, foram chamados vistas),
uma vez que se limitavam ao registro de um determinado evento ou paisagem.
nos primeiros anos tiveram início as produções ficcionais
3
e, o cinema se tornou um
contador de histórias, papel desempenhado antes pela literatura (principalmente),
teatro, a ópera, a música popular etc.
Alguns autores citam o antropólogo francês Félix Regnault
4
(?) como autor do
primeiro filme etnográfico (1895); outros, o sociólogo escocês John Grierson (1898-
1972), que empregou o termo “cinema etnográfico” em 1926. Em 1933 tem-se
notícias do que foi considerado o primeiro filme intencionalmente etnográfico,
realizado pelo antropólogo francês Marcel Griaule (1898-1956), documentando os
modos de vida do povo Dogon, na região central de Mali, no oeste africano. A ele,
seguiram outros pesquisadores, como: Margaret Mead (1901-1978); Gregory
Bateson (1904-1980); Jean Rouch (1917-2004), apenas para citar alguns dos
pioneiros da Etnografia
5
que utilizaram o cinema como suporte técnico para suas
observações em campo (PEREIRA, 1995; AUMONT, 2003; NICHOLS, apud
BAGGIO, 2005).
Entre os primeiros cineastas, que realizaram filmes documentais, figuram o
norte-americano Robert Flaherty (1884-1951), o russo Dziga Vertov (1896-1954) e o
francês Jean Vigo (1905-1934); mas, estes não eram pesquisadores, ou
antropólogos; seus trabalhos tinham como objetivo principal o registro tal qual a
realidade se apresentava (PEREIRA, 1995). Entretanto, cada um deles acabou por
conferir a seus filmes uma marca muito pessoal, o que será abordado
3
Georges Méliès, um mágico ilusionista, realiza um filme de ficção: Le voyages dans la Lune, já em 1902.
4
Citado por Jean Rouch em “O homem e a câmera”, sem precisar datas.
5
No Paraná, Vladimir Kozak produz registros etnográficos sobre os índios Xetás (1957-1960) que podem ser
vistos no Museu Paraense. Para ver mais: http://www.geocities.com/a_fonte_2000/Sol2.htm.
19
posteriormente na busca de uma definição mais aprofundada do gênero
documentário.
Com o surgimento da televisão e, posteriormente, do vídeo, as ferramentas
audiovisuais tornaram-se mais acessíveis, e outros pesquisadores, além de
etnógrafos da Antropologia e Sociologia, fizeram uso delas em seus trabalhos em
outros campos: Comunicação, Arte, Psicologia, Medicina, Engenharias, e ainda,
Administração. Cada qual dando a elas um uso diferenciado pela intencionalidade,
como por exemplo: a reprodução de técnicas, o registro de ações difíceis de serem
repetidas, em estudos de casos clínicos, em observações de experiências em salas
de aula ou o registro do comportamento de consumidores num supermercado.
Historicamente, a tecnologia do vídeo representa uma revolução para o
audiovisual. O vídeo-tape, por exemplo, permitiu que a televisão pudesse romper
com a produção exclusivamente em tempo real; o vídeo-cassete levou o cinema
para dentro das casas; e, podemos, atualmente, ter acesso a sem número de
objetos audiovisuais, em que se destacam a produção ficcional, voltada
principalmente para o entretenimento; e, a publicitária, como meio de divulgação e
propaganda político-ideológica; arte; e, de mercadorias, sendo esta última
responsável pela viabilidade econômica do que se convencionou denominar como
“televisão comercial aberta”
6
.
Pode-se dizer que o vídeo, de início, se apresentou como uma espécie de
intermediário entre o cinema e a televisão. Contemporaneamente, com o
desenvolvimento de outras mídias, acabou por se constituir num híbrido, uma
espécie de “cinema eletrônico” (MACHADO, A. 1997b) ou, mais comumente
denominado, cinema digital, que se traduz pelo hibridismo, tanto tecnológico quanto
lingüístico. Ou, em outras palavras:
A situação atual da indústria do audiovisual está marcada pelo hibridismo
das alternativas. O cinema lentamente se torna eletrônico, mas, ao mesmo
tempo, o vídeo e a televisão também se deixam contaminar pela tradição de
qualidade que o cinema traz consigo ao ser absorvido. [...] Muitos filmes
produzidos nos últimos anos chegam a dar evidência estrutural a esse
hibridismo fundamental do audiovisual contemporâneo, na medida em que
mesclam formatos e suportes, tirando partido da diferença de texturas entre
6
Constituída pelos canais de televisão a que tem acesso a maioria da população.
20
imagens de natureza fotoquímica e imagens eletrônicas. (Arlindo, A., 1997,
p.215)
Como instrumento científico, o cinema suscita discussões quanto a seu uso
na produção de dados e evidências, passíveis de serem academicamente
legitimadas, e isto não apenas no âmbito da pesquisa social. Mas, além das
indagações suscitadas por suas propriedades técnicas, vem à tona um
questionamento ainda mais profundo quando se refere ao papel que pode
desempenhar nas interações sociais, como um artefato cultural produtor de
linguagem; ou seja, como um instrumento mediador de relações intersubjetivas.
Distinguir o cinema como um artefato cultural e uma linguagem, faz
necessário que se revejam algumas de suas trajetórias, iniciadas pela fotografia e
continuadas pela televisão e vídeo, até que se chegue à sua hibridização pelas
mídias digitais.
Neste trajeto, se pensarmos, por exemplo, apenas nos artefatos tecnológicos,
nos deparamos com: filmadoras, câmeras, web cams, projetores, vídeo-cassetes,
monitores, computadores, e por fim, aparelhos celulares, e, certamente, muitas
variações que ainda serão produzidas, consideradas no âmbito das tecnologias da
comunicação e da informação. Além dos artefatos, encontramos, também, artistas,
técnicos e criadores de toda sorte, e, ainda, todos os objetos e obras produzidas por
eles utilizando tais tecnologias e linguagens.
Tudo isso: artefatos, pessoas e produtos audiovisuais, se tornaram presença
cotidiana nos mais diversos âmbitos de nossas vidas, sendo a televisão o exemplo
contumaz.
Destaca-se, em função dos objetivos e objetos deste trabalho, o âmbito
educacional,no qual o cinema, a televisão e o vídeo, fundidos no termo audiovisual,
têm, atualmente, sido considerado como um recurso didático eficiente e
“fundamental”, apontado como um dos “modernos” métodos contemporâneos para
transmitir conteúdos programáticos de forma criativa e também suscitar processos
críticos. Um exemplo desta proposição pode ser evidenciado pela última grande
reforma do ensino brasileiro (vide LDB 9.394, de 20/11/1996), na qual foi configurada
uma nova divisão do conhecimento, a ser ensinado nas escolas de ensino
21
fundamental e médio, por áreas, em número de três
7
; e na área de Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias, o audiovisual aparece posto, não apenas como um
recurso didático, mas, como todo um complexo sistema simbólico a ser apreendido
pelos estudantes. Como recurso didático, tornou-se corriqueira a exibição de
audiovisuais, e entre eles o filme, nas salas de aula ou em outras atividades
curriculares extraclasses.
Projetos como a “TV Escola”
8
m sido utilizados bastante tempo, sendo
que as escolas públicas de ensino fundamental, médio e técnico contam com
diversos equipamentos tecnológicos aparelhos de televisão, vídeo-cassete e dvd,
bem como, fitas e mídias digitais com conteúdos didáticos pertinentes às mais
diversas disciplinas, que podem ser utilizados como um recurso didático extra, além
de livros, cadernos e lousa
9
. Tem sido recomendado aos docentes que tais recursos
não sejam utilizados simplesmente como mídias substitutivas ou forma de
passatempo, mas que sejam exploradas suas potencialidades criativas que vão
muito além da apreciação (PCNs, 1999).
Apesar das orientações curriculares do Ministério da Educação para o Ensino
Fundamental, Médio e Técnico; o audiovisual se encontra diluído entre as muitas
possibilidades de linguagens, em que se privilegia a fala (oralidade), a leitura e a
escrita da língua, nacional e estrangeira. No ensino da Arte aparece associado às
artes visuais, identificando-se a pouca ênfase dada à formação profissional do
professor de artes no que se refere à linguagem audiovisual propriamente dita; o que
tem levado, algumas vezes, a que o cinema, a televisão ou o vídeo sejam utilizados
como um recurso didático apenas complementar ou substitutivo.
No audiovisual, via de regra, encontram-se presentes todas as formas de
manifestação artística, em suas múltiplas linguagens. Podendo ser definido tanto
como híbrido quanto como interdisciplinar, sua produção compreende a interação e
interpenetração de materiais, suportes, sujeitos e meios, construindo o que se
poderia chamar de um objeto transdisciplinar, seja ele um filme, vídeo ou animação.
7
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e, Ciências
Humanas e suas Tecnologias.
8
Canal de televisão do Ministério da Educação, criado em 1996, com o objetivo de veicular material de apoio
didático sob a forma de audiovisuais: filmes, desenhos animados, vídeo-aulas etc.
9
No estado do Paraná, vendo sendo desenvolvido os programas: “Paraná Digital”, “Portal Educacional” e “TV
Paulo Freire”. Para ver mais: http://www.parana.pr.gov.br.
22
Foi justamente a partir desta percepção que se chegou à proposição deste projeto
de pesquisa com foco na aprendizagem de conteúdos e conceitos, na educação
formal, não-formal e informal; tendo na experimentação a sua base construtiva, e
como suporte a arte, neste caso específico, representada pelo vídeo.
Discussões sobre a implementação das proposições expressas nas diretrizes
curriculares oficiais nas escolas, considerada a realidade das condições e
aplicações práticas encontradas; a conjunção (ou não) entre os conteúdos e as
práticas culturais locais; e ainda, a falta de uma devida formação acadêmica
necessária à efetivação destas orientações nas escolas podem ser encontradas nos
trabalhos de teóricos como Henri Giroux, Antônio Flávio Moreira, Tomaz Tadeu da
Silva, Marisa Vorraber Costa, Jean Claude Forkin
10
e outros, em que se consideram
as diferenças entre os currículos projetados, os reais e os ocultos. O que significa
dizer que quando falamos de currículos uma lacuna considerável entre o que se
propõe nos documentos oficiais e o que se realiza, de fato, nas escolas; sendo esta
falha resultante de uma ocultação intencional de determinados conteúdos e
objetivos, o que possibilita manter e reproduzir determinadas formas de
dominação
11
.
Pode-se dizer que uma grande parte da população possui um aparelho de
televisão em sua residência. Muitas famílias contam com mais de um, e, por meio
deles, tem-se acesso a produtos audiovisuais sob a forma de telejornais, novelas,
séries, videoclipes, filmes, shows de auditório, e, muita publicidade. Nesta época em
que a TV interativa e de alta definição se tornou uma realidade comercial, mas
que os currículos escolares encontram-se, ainda, defasados quanto a essa
linguagem (ou linguagens), questões como alfabetização audiovisual, leitura crítica
das mídias, o cinema, a televisão e o vídeo na sala de aula, estão na ordem do dia.
Mas, além do fato de telespectadores serem submetidos a uma avalanche
interminável de informações, objetos e produtos audiovisuais, tem-se ainda que
atentar para o fato de que o cil acesso (cada dia mais) à tecnologia de produção
de tais objetos culturais torna possível a um número cada vez maior de pessoas de
10
Os estudos destes e de outros autores integram as teorias críticas e culturais dos currículos escolares.
11
Silva, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000, p. 73-131.
23
se tornar produtor de seus próprios “filmes”.
Cinqüenta anos atrás, possuir uma câmera filmadora era algo raro, restrito a
pessoas com alto poder aquisitivo, ou devidamente financiadas. Pode-se perceber
que, hoje, ocorreu uma considerável ampliação do número de pessoas que podem
possuir sua câmera de vídeo, máquina fotográfica digital ou, ainda, um aparelho
celular com câmera. Pode-se, desta forma, produzir filmes, sejam eles com o intuito
de registrar um evento festivo familiar, como um recurso didático, filmes
experimentais, performances artísticas, ou como simples diversão. Isto valendo para
adultos, jovens, crianças, leigos, profissionais de diversos setores, ou artistas; e, a
presença massiva da linguagem audiovisual no cotidiano tem levado os
responsáveis pela construção dos currículos escolares a incluí-la nas atividades
educacionais como “um dado a mais”, uma modalidade a ser apreciada e comentada
em suas implicações sociais, culturais e, subjetivas; mas, ainda, com pouca ênfase
na produção de objetos.
O objetivo deste estudo é documentar e interpretar algumas das motivações e
implicações produzidas pelo processo de construção cultural simbólica envolvido na
prática de fazer vídeos no contexto de uma escola pública. Ao contrário de outros
trabalhos orientados pelo uso didático do cinema como um objeto para apreciação e
leitura, a intenção é mergulhar no mundo da prática, do fazer; com seus elementos,
particularidades, objetos e sujeitos envolvidos. Também se almeja contribuir para
uma maior compreensão da dimensão simbólica da cultura nos processos de
ensino-aprendizagem dentro e fora da sala de aula, assim como, da construção da
identidade subjetiva e social dos envolvidos.
Muitas das pesquisas desenvolvidas, até agora, se ativeram
preponderantemente ao fato de que o audiovisual se configura num recurso
privilegiado pela etnografia, e que encontrou certa resistência acadêmica quanto à
sua validade documental. Assim como nos meios jurídicos, a academia tem tido
dificuldades em normatizar a sua utilização de modo a legitimá-lo como meio
científico. Ao mesmo tempo em que o audiovisual torna possível registrar fatos, atos
e acontecimentos sob os mais diversos ângulos, ele também carrega a possibilidade
inerente de mascarar e camuflar estes mesmos registros, através de montagens e
edições passíveis de privilegiar determinados pontos de vista.
24
Além disso, a presença do artefato tecnológico audiovisual, como um “olho
observador”, interfere de forma evidente naquilo que observa, provoca uma perda
significativa de naturalidade nas ações de quem está sendo conscientemente
registrado por uma câmera de cinema ou vídeo. Quando, ao contrário, este registro
é realizado de modo oculto, sem o conhecimento do observado, levanta-se uma
questão ética delicada, caracterizada pela invasão de privacidade.
Outras pesquisas se detiveram na análise do audiovisual em suas variáveis
relacionadas à linguagem produzida pela tecnologia do cinema, televisão ou vídeo.
Desde seus primórdios encontram-se autores que se propuseram a construir um
aporte teórico que explique, e ao mesmo tempo configure uma teoria da linguagem
cinematográfica, e mais recentemente, da videográfica e televisiva
12
. Também,
buscaram compreender os possíveis efeitos que tal linguagem provoca nos seus
receptores; de início - as imagens “mudas” e, posteriormente - as imagens
sonorizadas (daí, os audiovisuais). Podem ser encontrados tratados e teorizações
sobre enquadramentos, montagens, relações entre figuras e fundos, cores e
proporções, diegese e enunciação; isto sem contar os estudos sobre recepção
relacionados à semiologia, semiótica, psicanálise, políticas, estudos da cultura, entre
outros (maiores detalhes na apresentação do estado da arte quanto à bibliografia, na
seção 1.2).
Uma das possibilidades exploradas nestes trabalhos se orienta no sentido de
fornecer a educadores e professores algum conhecimento teórico, e prático, sobre o
audiovisual, como um recurso de que podem se utilizar em sala de aula. São
incentivados a exibir filmes de ficção, documentários, animações e palestras
gravadas, da mesma forma como se utilizam de livros ou do quadro verde.
Geralmente procedem como se os filmes fossem meios de transmitir conhecimentos
com um pouco mais de sofisticação. Como na produção de outras mídias, poucos
são os que se arriscam a acompanhar seus alunos na produção de algum tipo de
objeto audiovisual que venha a lhes servir de pretexto provocativo a uma discussão
aprofundada sobre suas condições e experiência de vida, sonhos, fantasias,
12
Entre eles encontramos: Eisenstein, S.; Vertov, D.; Bazin, A ; D.W. Griffith; Metz, C.; Stan, R. e muitos
outros. No Brasil: Bernadet, J.C.; Sales Gomes, P.E.; Ramos, F.; Xavier, I.; Machado, A; e outros.
25
concepções ou, idéias sobre si mesmo, seus cotidianos ou suas culturas.
O projeto educacional do Governo aponta para uma perspectiva de criar uma
“escola com identidade”, que atenda às expectativas de formação dos alunos para o
mundo contemporâneo, de forma que possam participar do mundo social, incluindo-
se aí a cidadania, o trabalho e a continuidade dos estudos, concedendo à linguagem
um papel fundamental em todo esse processo, por ser considerada “como a
capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de
representação, que são compartilhados e que variam de acordo com as
necessidades e experiências da vida em sociedade”. (PCNEM, 1999, p. 125)
Parece evidente que, teoricamente, as orientações oficiais consideram que as
linguagens, os códigos e suas tecnologias são instrumentos e meios de situar-se
criticamente no espaço e no tempo, construindo identidades, levando-se em conta o
caráter histórico, sociológico e antropológico que isso representa. Isto não é,
entretanto, o que se percebe em algumas práticas no cotidiano de escolas ainda
estruturadas como lugares nos quais se “transmite” o conhecimento, o que se
evidencia quando algumas disciplinas deixam de explorar suas articulações e
interfaces interagentes para se limitarem a suas especificidades de conteúdo.
Mas, o projeto oficial para a educação indica que é possível estruturar um
currículo escolar que ultrapasse a simples listagem de competências e habilidades, e
que se pode ir além da perspectiva dos conteúdos ao explorar, positivamente, a
bagagem cultural trazida pelos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Conhecer a complexidade das linguagens, por exemplo, é essencial para que os
alunos participem do mundo no qual estão inseridos, uma vez que, assim, podem
compreender, e até mesmo transformar, a si e à realidade em que vivem e
constroem.
Em alguns momentos, a dimensão crítica deste aprendizado pode ser
comprometida por dificuldades encontradas no próprio ambiente escolar, tais como:
instalações inadequadas; formação profissional insuficiente; alunos em situação de
risco social; sobrecarregando e exigindo da escola e dos envolvidos no processo de
ensino-aprendizagem um papel que, muitas vezes, deveria ser assumido por outras
instâncias e organismos. Ou seja, fica evidente que sempre se faz necessário
aprimorar as políticas públicas com vistas a ampliar o incentivo à docência.
26
São circunstâncias que indicam a oportunidade em se pesquisar, entre outras,
as implicações que as linguagens audiovisuais podem trazer para a compreensão
crítica da realidade por sujeitos envolvidos com a prática cotidiana da educação.
Ensinar (e aprender) linguagem audiovisual numa escola pública pode apontar para
uma ação crítica relevante em relação ao próprio contexto e momento no qual ela se
dá. É, portanto, um ato político em seu caráter primordial, pois potencializa os
mecanismos de fala dos envolvidos ao conceder-lhes voz, e, também, ouvidos. Este
trabalho se coloca na perspectiva de fazer parte deste ato, neste ponto percebido
como uma lacuna.
Além das orientações curriculares propostas pelo Governo, são possíveis de
se encontrar obras (livros, manuais e artigos) que orientam o uso do audiovisual por
professores em suas práticas em sala de aula. Algumas de suas disposições e
propostas serão discutidas na seção 1.2, de modo a evidenciar a pertinência deste
estudo àqueles trabalhos em que se pretende explorar as potencialidades da prática
de fazer vídeos como elemento do processo de ensino-aprendizagem.
Entre as iniciativas públicas e particulares atualmente em desenvolvimento,
no sentido de se utilizar o cinema como canal de manifestação cultural de
comunidades marginalizadas (ou periféricas), algumas destas com o apoio financeiro
do Ministério da Educação ou da Cultura, encontram-se: “Minha vila filmo eu”, do
Projeto Olho Vivo (Curitiba, PR)
13
; “Luz, Câmera... Paz! na Escola”, do projeto
Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência (Curitiba, PR)
14
; Núcleo
de Audiovisual do projeto Central Única da Favelas (Rio de Janeiro e outras
localidades)
15
; Instituto Casa Brasil de Cultura (ICBC)
16
e muitos outros espalhados
por todo Brasil; em que a relação cinema-comunidade fomenta projetos de
cineclubismo, comunidades virtuais, produções artesanais e pesquisas dos usos
paradidáticos de vídeos e afins.
Apesar do número expressivo de iniciativas nas quais o audiovisual é
apresentado como um elemento fundamental na aprendizagem, em reforço aos
projetos didático-pedagógicos das escolas em geral, na prática é muitas vezes
13
http://www.projetoolhovivo.com.br
14
http://www.ciranda.org.br
15
http://www.cufa.com.br
16
http://www.casabrasil.org.br
27
tratado como um acessório da língua-linguagem classificada em verbal e não-verbal,
ou, na perspectiva de que se trata de uma manifestação variante das artes visuais.
O deslocamento entre diretivas e situações se evidencia ainda mais quando
se considera a importância dada ao cinema como uma mercadoria da indústria
cultural contemporânea, ou ainda, quando se nos atem ao fato de que grande parte
da população tem na televisão seu principal entretenimento.
Fazer cinema, numa compreensão superficial, pode parecer um ato que
traduz pouca complexidade. Pode-se supor, a partir do que asseverou Glauber
Rocha
17
que basta ter “uma câmara na mão e uma idéia na cabeça” (BERNARDET,
2007, p. 38), para se fazer um filme. O que, de certo modo, é verdadeiro, pois, é
realmente necessário que se tenha uma câmara (filmadora) à mão, e uma idéia (no
sentido de tema, assunto ou conteúdo), mesmo que vaga, para que a partir dela se
possa fazer um filme. Mas, Glauber propõe bem mais do que pode ser
superficialmente detectado em suas palavras como fácil ou simples.
A radicalidade da proposta de Glauber Rocha se sustentava por uma
complexa gama de ações, e atitudes estéticas e políticas, insuspeitadas pela
aparência de facilidade. O que ele propunha era o rompimento com os padrões do
cinema industrial realizado pelos estúdios “hollywoodianos” com a utilização de
equipamento pesado e caro, e também com o “star system”
18
, padrões esses que ele
considerava irreais e inibidores para um “verdadeiro” cinema brasileiro.
Fazer cinema, seja sob a forma de filmes ou vídeos, é, de fato, uma prática
que alguém minimamente aparelhado (técnica e tecnologicamente), pode realizar. É
preciso considerar, entretanto, o sem número de implicações geradas em função de
seus realizadores e sujeitos envolvidos, da tecnologia e cnica, da situação e
momento no qual se processa. Fazer um vídeo doméstico de uma festa de
aniversário, ou de um passeio à praia com amigos pode parecer bastante distinto de
se realizar um filme de ficção, um documentário etnográfico, ou um vídeo
publicitário, mas, em princípio, trata-se de cinema, de estar produzindo cinema, ou
17
Cineasta pertencente ao movimento Cinema Novo, que apesar de propor uma visão alternativa à hegemonia
do “star system” norte-americano, sempre defendeu o cinema de autor, que discutisse, preferencialmente, a
própria especificidade da linguagem cinematográfica, preservando seu caráter artístico. Para ver mais:
http://paulo-v.sites.uol.com.br/cinema/cinemanovo.htm.
18
Produção encabeçadas por atores de renome (astros ou estrelas) com fins a atrair o maior público possível.
28
seja, de ações que na prática produzem filmes, vídeos ou audiovisuais, mesmo que
aparentemente se diferenciem por determinadas intenções objetivas ou subjetivas.
Filmes domésticos, profissionais, didáticos, ficcionais, etnográficos, ou publicitários,
não constituem, necessariamente, oposições; são antes “refrações e reflexos”
(BAKHTIN, 1992) em um tema, pontos situados num determinado contexto.
De saída, é possível perceber que as idéias são muitas, tantas quantas forem
as cabeças, e que, se a câmara muda facilmente de mão, também muito facilmente
produz resultados distintos, uma vez que, a intenção é, de fato, diferenciada e
diferenciadora. Cada prática traz consigo motivações dependentes dos sujeitos e do
contexto da ação, em resposta às quais se produzem objetos culturais, no caso,
audiovisuais. Cada sujeito envolvido desempenha um papel, e se prepara
diferentemente para atuar em conformidade com suas demandas. São, portanto,
práticas diferenciadas, cujas intenções são necessariamente ponderadas quando
tratadas teórica e academicamente no âmbito da ciência, da arte, ou da cultura.
Assim, encontra-se um número bastante expressivo de pessoas fazendo
filmes e vídeos, nos mais diferentes lugares, com intenções e resultados
inimagináveis. Fazer cinema deixou de ser uma prática elitizada e passou a ser
praticada em locais antes impensáveis. Se fazer filmes pode parecer simples, o
mesmo não se com relação à sua exibição pública. As salas de cinema estão aí,
e ainda se fala em filmes de sucesso comercial, vistos por milhões de espectadores,
chamados “público pagante”, mas, a distribuição de um filme continua sendo
extremamente dispendiosa, sendo, quase sempre, monopolizada por grandes
empresas do setor, restringindo este tipo de exibição ao cinema produzido
industrialmente.
As produções alternativas encontram espaço para exibição e veiculação de
seus filmes e vídeos em cineclubes e sites da Internet, o que minimiza enormemente
os investimentos em distribuição. Sites como o YOUTUBE
19
são cada vez mais
numerosos, e, podem-se encontrar cineclubes em organismos públicos e privados
de diversas naturezas.
19
O youtube é um site na internet que permite que seus usuários carreguem, assistam e compartilhem vídeos
em formato digital.
29
Por estes e por outros motivos é possível encontrar a prática de fazer cinema
em lugares como favelas, associações culturais, organizações o governamentais,
movimentos políticos, salas de aula, ou em pequenos grupos de cinéfilos; seja como
uma forma de manifestar opiniões, guardar memórias, ou por simples diversão.
Constatado este fato, pode-se questionar se todos esses objetos produzidos podem
ser chamados filmes, na acepção proposta pelas teorias cinematográficas, mas, não
se pode negar que fazem cinema.
Neste panorama, inclui-se a especificidade do estudo proposto por esta
pesquisa: a prática de fazer cinema por um grupo de pessoas que, a partir do
contexto de uma escola pública de Pinhais, decidiu fazer, e tornar público, um vídeo-
ficção (Os cocô-rangers, episódio 1) e um vídeo-documentário (Ottília: múltiplos
olhares), a que se pode chamar genericamente de vídeos ou filmes; configurando
duas situações distintas que se passam num mesmo contexto, cada uma delas
possibilitando uma vivência diferenciada, mediada pela tecnologia.
Questiona-se: quem, onde, como e por quê? O que pode significar, social e
culturalmente, a prática de fazer vídeos por, e para, essas pessoas, nessa
comunidade em que vivem, e, por extensão, para o todo da sociedade?
Esta prática que, a princípio, não pareceu distinguir-se o suficiente para que
se pudesse considerá-la um objeto para uma pesquisa acadêmica em tecnologia e
sociedade, no entanto, a partir de uma análise mais profunda, deu-se a perceber
como uma ação social e cultural bastante complexa; e, indo além, que somente
poderia ser descrita e interpretada se fosse percebida justamente como uma ação
simbólica, situada, em que se abandonasse a expectativa da generalização e se
mergulhasse em sua densidade particular, principalmente naquilo que se refere à
multiplicidade de elementos e sujeitos envolvidos na interação interdisciplinar que se
produz nesta prática.
O que aqui se propõe como estudo é identificar algumas evidências das
implicações produzidas pela prática de produzir vídeos no Colégio Ottília, que
possibilitem compreender mais profundamente esta situação circunstanciada como
um ato cultural complexo e transformador, que, para estas pessoas se constitui
numa forma de viver e encontrar significado na vida e no mundo que constroem,
incluindo as ações, atitudes, comportamentos, objetos e a linguagem compreendida
30
como todas as formas de sistema de signos. (EDGAR e SEDGWICK, 2003, p. 75). O
que será aprofundado no capítulo 3, quando se tratar do vídeo como linguagem.
Antes, porém, torna-se necessário a contextualização, ainda que incompleta,
desta proposição de estudo no escopo bibliográfico existente com relação ao tema e
seus objetivos. Como dito, anteriormente, muitos autores se dedicaram ao estudo do
audiovisual, mas apenas um número restrito deles tomou como temática a sua
utilização no âmbito educacional, e menos ainda ao “fazer” como elemento relevante
nos processos de ensino-aprendizagem da linguagem.
1.2 UM ESTADO DA ARTE
A relação Cinema-Educação tem sido explorada por diversos estudiosos e,
mas ainda se encontra certa dificuldade quando se trata de uma bibliografia voltada
especificamente para a produção de filmes, ou vídeos. Com a finalidade de
estruturar este texto subdividiu-se as obras acessadas até o momento, por este
pesquisador, em três grupos: a) teorias da linguagem do cinema, vídeo e televisão;
b) implicações das tecnologias audiovisuais (em todas as suas dimensões) em
diversas esferas (social, cultural, política, educacional etc); c) manuais de uso
orientado das tecnologias audiovisuais para áreas diversas (comunicação,
educação, entretenimento etc.).
No primeiro grupo encontram-se: A linguagem secreta do cinema
(CARRIÈRE, 1995); Pré-cinemas & pós-cinemas (MACHADO, A., 1997); Fazendo
filmes (LUMET, 1998)A forma do filme (EISENSTEIN, 2002a); O sentido do filme
(EISENSTEIN, 2002b); As principais teorias do cinema: uma introdução (ANDREW,
2002); Dicionário teórico e crítico de cinema (AUMONT & MARIE, 2003); O discurso
cinematográfico: opacidade e transparência (XAVIER, 2005); Introdução à teoria do
cinema (STAM, 2003); O que é cinema (BERNARDET, 2006); Práxis do cinema
(BURCH, 2006); Brasil em tempo de cinema (BERNARDET, 2007); Pensar la
imagen (ZUNZUNEGUI, 2007); referentes à teorias da linguagem e história do
audiovisual, notadamente do cinema. Estas obras foram acessadas com fins a
construir um aporte teórico quanto à linguagem cinematográfica que se adaptasse à
31
especificidade educacional, o que demandou adequações nem sempre satisfatórias
em função das diferenças entre o cinema que se produz profissionalmente e aquele
que se pretendia incluir nos processos de ensino-aprendizagem da educação
básica.
No segundo, situam-se: Televisão: instrumento de domínio sobre os
pensamentos, os sentimentos e a vontade (ROSACRUZ ÁUREA, 1983); Mídia: o
segundo deus (SCHWARTZ, 1985); Televisão subliminar: socializando através de
comunicações despercebidas (FERRÉS, 1998); Os exercícios do ver (MARTÍN-
BARBERO, 2004); Cinema, vídeo, Godard (DUBOIS, 2004); A televisão levada à
sério (MACHADO, A., 2005); Simulacro e poder: uma análise da mídia (CHAUI,
2006); Crítica da imagem eurocêntrica (STAM, 2006); O sujeito na tela: modos de
enunciação e no ciberespaço (MACHADO, A., 2007), nos quais se buscam elucidar
os efeitos que a linguagem audiovisual pode provocar na vida das pessoas,
independentemente mesmo de sua consciência.
E, no terceiro grupo, figuram: Cinema e Educação (DE SÁ, 1967); O ensino
através dos audiovisuais (GIACOMANTONIO, 1981); Grande manual do vídeo
(HEDGECOE, 1992); Lectura de imágenes (APARICI & GRACÍA-MATILLA, 1998);
On vídeo (ARMES, 1999); Como usar a televisão na sala de aula (NAPOLITANO,
1999); Novas tecnologias e mediação pedagógica (MORAN, MASETTO &
BEHRENS, 2000); A televisão na escola: afinal que pedagogia é esta? (ESPERON
PORTO, 2000); O cinema e a produção: para quem gosta, faz ou quer fazer cinema
(RODRIGUES, 2002); Como usar o cinema na sala de aula (NAPOLITANO, 2003);
nos quais se apresentam algumas diretrizes para o uso do audiovisual como um
recurso didático-pedagógico diferenciado, em que se correlacionam Cinema e
Educação.
Na configuração deste estado da arte, a pesquisa concentra-se na literatura
orientada para o âmbito educacional, voltada para o trabalho do professor em sala
de aula, na qual se encontram as obras referidas, principalmente do terceiro grupo.
Nesta bibliografia ficou evidenciado que, com exceção dos manuais de operação,
quase todos os autores, exceto Moran, Masetto & Behrens (2000), se orientaram
acentuadamente para dois aspectos: a apreciação estética e a interpretação crítica
de obras audiovisuais (cinema, vídeo e televisão), considerando-se suas
32
características como arte e/ou recurso didático, donde se podem apreender
conteúdos de diversas disciplinas como uma espécie de experiência não vivida,
como é o caso da utilização de filmes em aulas de história, geografia, ou língua
estrangeira. Dito assim, o filme serve como um exemplo do que tenha sido, ou seja,
o fato ou lugar real, no qual não se pode estar por determinadas condições.
O que pode ser exemplificado nas colocações de Napolitano, que aponta para
o uso do cinema na sala de aula “abordado pelo conteúdo, pela linguagem ou pela
técnica, três elementos que estão presentes nos filmes” (2008, p. 28); numa
articulação como o currículo/conteúdo, habilidades e conceitos. Ele assim os dispõe:
a) Conteúdo curricular: os filmes podem ser abordados conforme os
temas e conteúdos curriculares das diversas disciplinas que
formam as grades do ensino fundamental e médio, tanto público
como particular.
b) Habilidades e competências: o trabalho sistemático e articulado
com filmes em salas de aula (e projetos escolares relacionados)
ajuda a desenvolver competências e habilidades diversas, tais
como leitura e elaboração de textos; aprimoram a capacidade
narrativa e descritiva; decodificam signos e códigos não-verbais;
aperfeiçoam a criatividade artística e intelectual; desenvolvem a
capacidade de crítica sociocultural e político-ideológica, sobretudo
em torno dos tópicos mídia e indústria cultural. Mais
especificamente, o aluno pode exercitar a habilidade de aprimorar
seu olhar sobre uma das atividades culturais mais importantes do
mundo contemporâneo, o cinema, e conseqüentemente, tornar-se
um consumidor de cultura mais crítico e exigente.
c) Conceitos: os conceitos presentes nos argumentos, nos roteiros e
nas situações direta ou indiretamente relacionadas com os filmes
selecionados pelo professor são inumeráveis, podendo ser
retirados ou inferidos diretamente do conteúdo fílmico em questão
ou sugeridos pelos problemas e debates suscitados pelas
atividades com cinema em sala de aula e projetos escolares. (2008,
p. 18-19).
Ao reconhecer a importância do cinema, Napolitano, assim como a maioria
dos autores citados, enfatiza sua apreciação e leitura crítica; sublinhando seu
potencial como mídia suporte para que as disciplinas possam transmitir seus
conteúdos de forma menos tradicional. Ou seja, o aluno, assim como o próprio
professor são vistos como público-alvo, negligenciando, em parte, suas posições de
sujeitos produtores e criadores.
33
Escapam à regra, Moran
20
, Masetto & Behrens, quando defendem, além da
apreciação e reflexão crítica, a prática do fazer como elemento fundamental do
ensino-aprendizagem da linguagem. Segundo eles: “Adquirir habilidade na
linguagem significa ter, ao mesmo tempo, adquirido a lógica e a sintaxe que estão
inseridas nessa linguagem” (2000, p. 19), e que para tanto é necessário tanto a
reflexão quanto a ação, a experiência e a conceituação, a teoria e a prática, quando
ambas alimentam-se mutuamente. (2000, p.23).
Eles chamam atenção para o poder da linguagem audiovisual, dizendo:
A força da linguagem audiovisual está no fato de ela conseguir dizer muito
mais do que captamos, de ela chegar simultaneamente por muitos mais
caminhos do que conscientemente percebemos e de encontrar dentro de
nós uma repercussão em imagens básicas, centrais, simbólicas,
arquetípicas, com as quais nos identificamos ou que se relacionam conosco
de alguma forma. É uma comunicação poderosa, como nunca tivemos na
história da humanidade, e as novas tecnologias de multimídia e realidade
virtual só estão tornando esse processo de simulação muito mais
exacerbado, explorando-o até limites inimagináveis. (MORAN, MASETTO &
BEHRENS, 2000, p. 34-35).
Ao elencar propostas de utilização da televisão e do vídeo na educação
escolar, descrevem múltiplas atividades possíveis de serem realizadas e afirmam
seu papel de “mediação primordial do mundo”. Consideram inadequados os usos do
vídeo em aula como uma forma de “tapar buracos” ou da exibição pura e simples,
sem que se faça a partir disso uma reflexão crítica, mas, o que se destaca é sua
proposição do “vídeo como produção”. (MORAN, MASETTO & BEHRENS, 2000).
Em seu artigo “O deo na sala de aula”, Moran enumera algumas de suas
possibilidades de utilização, pensadas em três momentos:
a) Como documentação, registro de eventos, aulas, estudos do meio,
experiências, entrevistas, depoimentos. Isto facilita o trabalho do
professor, dos alunos e dos futuros alunos. O professor deve poder
documentar o que é mais importante para o seu trabalho, ter o seu
próprio material de vídeo, assim como tem os seus livros e apostilas
para preparar as suas aulas. O professor estará atento para gravar o
material audiovisual mais utilizado, para não depender sempre do
empréstimo ou aluguel dos mesmos programas.
b) Como intervenção: interferir, modificar um determinado programa, um
material audiovisual, acrescentando uma nova trilha sonora ou editando
o material de forma compacta ou introduzindo novas cenas com novos
20
Para ver mais: http://www.eca.usp.br/prof/moran.
34
significados. O professor precisa perder o medo, o respeito ao vídeo,
assim como ele interfere num texto escrito, modificando-o,
acrescentando novos dados, novas interpretações, contextos mais
próximos do aluno.
c) Como expressão, como nova forma de comunicação, adaptada à
sensibilidade principalmente das crianças e dos jovens. As crianças
adoram fazer vídeo e a escola precisa incentivar ao máximo a produção
de pesquisas em vídeo pelos alunos. A produção em vídeo tem uma
dimensão moderna, lúdica. Moderna, como um meio contemporâneo,
novo e que integra linguagens. Lúdica, pela miniaturização da câmera,
que permite brincar com a realidade, levá-la junto para qualquer lugar.
Filmar é uma das experiências mais envolventes tanto para as crianças
como para os adultos. Os alunos podem ser incentivados a produzir
dentro de uma determinada matéria, ou dentro de um trabalho
interdisciplinar. E também produzir programas informativos, feitos por
eles mesmos e colocá-los em lugares visíveis dentro da escola e em
horários em que muitas crianças possam assistir a eles. (MORAN,
1995, p. 27-35).
Ele aborda ainda a utilização do vídeo como forma de realizar avaliações
diferenciadas do processo de ensino-aprendizagem, da atuação de alunos e
professores, na possibilidade do “ver-a-si-mesmo”, e partir deste ato descobrir o
próprio corpo, gestos e comportamentos, e assim proceder à auto-análise de seus
processos comunicativos com vistas a, se julgado necessário, modificá-los.
Enfim, mesmo nas proposições de Moran (1995) não se encontra muito
incentivo a que se utilize o fazer vídeos (cinema) como forma de mergulhar na
construção simbólica, na ação prática como manifestação cultural. É justamente
nesta lacuna que esta pesquisa pretende se inserir, como forma de contribuir na
ampliação desta reflexão, acreditando-se que o aprendizado de uma linguagem se
com mais propriedade quando se aprende a produzi-la utilizando-se de seus
códigos e tecnologias.
Em resumo, o que se propõe evidenciar através desta pesquisa é: por que
essas pessoas fazem filmes a partir do contexto de uma instituição educacional
pública; e, como se esta prática nestas circunstâncias, como resolvem os
impasses e administram as implicações conseqüentes desta prática? E, além disso,
de que modo está prática contribui para a construção simbólica de suas identidades
e da cultura na qual estão imersos e da qual emergem?
A partir destas indagações, pretende-se constatar que a prática de fazer
vídeos no contexto escolar pode contribuir para a aprendizagem orgânica de
conceitos que alteram o estado de consciência dos sujeitos envolvidos, no sentido
35
de se perceberem como atores e autores históricos e culturais da sociedade em que
vivem.
Estas questões apontam para um “estudo de caso” (YIN, 2005) e, ao mesmo
tempo, apresentam características de um “contínuo biográfico etnográfico”
(JOHNSON, CHAMBERS, RAGHURAM & TINCKNELL, 2006, p. 201-224), ou ainda,
de uma “etnologia” (GEERTZ, 1989); particularidades que demandam posturas
diferenciadas, na busca de inserir-se nos estudos da cultura.
36
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
2.1 UM ESTUDO DE CASO
A princípio, concebe-se este estudo como sendo uma pesquisa qualitativa
empírica, por tratar-se de uma intervenção prática, mesmo que em pequena escala,
no mundo real e um exame focado nas implicações desta intervenção. Porém, de
pronto define-se tratar de um estudo de caso, por percebê-lo, seguindo o proposto
por Yin, como sendo “uma investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto da vida real” (2005, p.32).
É, ao mesmo tempo, uma pesquisa colaborativa, por tratar-se de uma ação
prática coletiva em que os envolvidos, incluindo-se o pesquisador como partícipe,
realizam diversas atividades muitas vezes indiferenciadas, ou não-hierarquizadas,
comportando-se como parceiros de um mesmo projeto; uma pesquisa participativa,
pois todos que dela fizeram parte atuaram de modo a que fosse realizada segundo
seus objetivos propostos. Ocorreu, sob uma determinação de tempo e local, sendo,
portanto, uma ação situada, uma prática real e histórica, visando, posteriormente, se
transformar em literatura. Esta transposição alterou-lhe as configurações no seu
desenrolar por ser auto-avaliativa, uma vez que um de seus objetivos fundamentais
foi o de se auto-analisar criticamente, durante o transcorrer, e, a partir das
observações e críticas construídas a propósito e concomitantemente, transformar a
prática em si mesma.
Nesta pesquisa partiu-se do princípio que a prática de fazer vídeos pode
funcionar como um instrumento de avaliação contínuo e permanente, construtor de
diagnósticos e proposições, nem sempre novas, mas visando de algum modo,
aprimorar a própria prática.
Sendo um estudo de caso, não se pretendeu realizar uma pesquisa aplicada,
o que deve ser ressaltado, para que não se confunda o estudo em questão com uma
pesquisa destinada à implantação de uma nova tecnologia no campo educacional,
por exemplo, ou ainda, de uma análise do comportamento de determinados
estudantes quanto à utilização de uma nova técnica, que possa, ou não, alterar o
37
seu desempenho e rendimento.
Nesta contraposição, sustenta-se a tendência em ser considerada como um
híbrido de etnografia e autobiografia, por focar uma prática específica, numa
situação específica e contar com a participação ativa do pesquisador, como
membro, parceiro e integrante, ou seja, bem mais que um simples observador, com
relatos da própria experiência, o que de certa forma constrói um “contínuo
autobiográfico-etnográfico”(JOHNSON et AL., 2006), numa perspectiva mais aberta
e próxima dos argumentos que colocam esta pesquisa no âmbito dos estudos da
cultura; aproximando-se, em certo sentido, dos Estudos Culturais, através de alguns
de seus pensadores, principalmente, Raymond Williams, Stuart Hall, Richard
Johnson e Howard S. Becker.
Reconhece-se e nega-se tratar-se do estudo de caso de uma disciplina em
particular, ou de um método de ensino-aprendizagem formal, em que se investigue
como as coisas devem ou podem ser feitas, como num teste de operacionalidade de
técnicas ou recursos didáticos, mais ou menos eficazes para uma determinada
atividade educacional.
Pressupõe-se que a experiência particularizada deste caso em estudo poderá
servir como base para se pensar outras possibilidades e situações, e perceber
diferenças e similitudes; mas que, no entanto, se considere sempre o fato de que
serão situações distintas, nas quais os indivíduos envolvidos, por algum motivo, se
associaram e decidiram desenvolver uma ação prática (fazer vídeos), em função de
objetivos particularizados num contexto cultural abrangente, do que ninguém está
imune, ou isolado.
Extrapolando um pouco mais o sentido etnográfico, pode-se inferir a
tendência, deste caso, à etnologia proposta por Geertz (1989), uma vez que o
objetivo é interpretar o conhecimento que foi produzido através da prática em
estudo, o que demanda uma “descrição densa”, em que se procure entender a
complexidade dos dados em sua significação.
Pode-se concluir, assim, que há, de fato, um caso a ser estudado. E que seu
estudo é relevante. E que, através deste estudo, será possível interpretar as
implicações que a prática de fazer vídeos por um coletivo de pessoas, no âmbito de
uma escola pública, pode gerar na própria concepção de existência destas pessoas.
38
Afinal, qual o sentido desta prática, neste contexto peculiar? Que significações são
produzidas a partir da intersubjetividade que emerge nas relações, afetivas e
culturais, entre estas pessoas e organismos que se constituem por afinidade ou a
propósito de; e de que modo elas atuam sobre o cotidiano dos envolvidos? Que
modos de agir são reproduzidos, ou rompidos, ou ainda, transformados, a partir da
prática de fazer vídeos nesta localidade?
A busca por respostas para questões como estas exige uma densidade que
por si mesma implica numa interpretação.
Assim como o define Yin:
[...] um estudo de caso é uma investigação empírica que: investiga um
fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real,
especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão
claramente definidos. (2005, p.32).
E ainda:
A investigação de estudo de caso: enfrenta uma situação tecnicamente
única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de
dados, e, como resultado, baseia-se em várias fontes de evidências, com os
dados precisando convergir em um formato de triângulo, e, como outro
resultado, beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas
para conduzir a coleta e a análise de dados. (ibidem, p. 33).
Yin enumera cinco aplicações, no mínimo, como ele diz, para um estudo de
caso:
[...] explicar os supostos vínculos causais em intervenções da vida real que
são complexos demais para as estratégias experimentais ou aquelas
utilizadas em levantamentos. Na linguagem da avaliação, as explanações
uniriam a implementação do programa com os efeitos do programa (...).
Uma segunda aplicação é descrever uma intervenção e o contexto na vida
real em que ela ocorre. Em terceiro lugar, os estudos de caso podem ilustrar
certos tópicos dentro de uma avaliação, outra vez de um modo descritivo. A
quarta aplicação é que a estratégia de estudo de caso pode ser utilizada
para explorar aquelas situações nas quais a intervenção que está sendo
avaliada não apresenta um conjunto simples e claro de resultados. Em
quinto lugar, o estudo de caso pode ser uma “meta-avaliação” - o estudo de
um estudo de avaliação (Smith, 1990; Stake, 1986). (ibidem, p. 34-35).
A partir dessas proposições, conclui-se que este é um “estudo de caso único
incorporado”, por se constituir de um contexto no qual se podem delimitar
39
múltiplas unidades de análise. Não se trata de um estudo piloto ou de um pós-teste,
mas, de uma experiência vivida, em processo, que vinha, e continua, ocorrendo.
Não é, portanto, um experimento laboratorial confinado.
Assim sendo, pode ser definido por seu caráter exploratório, por investigar as
condições preliminares que analisadas indicarão a pertinência de seu estudo; como
um estudo descritivo, por se constituir num relato de ações situadas em função de
uma determinada cotidianidade, na qual se inscreve a própria prática descrita; e,
também, como um estudo analítico, ao propor a problematização de um objeto a
prática fazer vídeos numa escola pública de bairro, em que se confrontam a
experiência vivida na prática e algumas teorias, buscando conferir-lhe suporte e
abordagem científica. Enfatiza a interpretação de contextos interpolados,
considerando-se inter-relações - os comportamentos e interações dos envolvidos na
prática em questão, orientadas no sentido de desenvolver a atividade de fazer
cinema, como objeto, em função do qual se desenvolveram múltiplas ações.
Yin considera, em suas proposições, cinco componentes de um estudo de
caso: “as questões do estudo; suas proposições; sua(s) unidade(s) de análise; a
lógica que une os dados às proposições; e, os critérios para interpretar as
constatações” (2005, p. 42); o que deve atender a todo e qualquer projeto de
pesquisa.
Em hipótese, infere-se que tal prática ocorreu em função de que estas
pessoas foram motivadas pelo desejo de reconhecimento; pelo interesse provocado
pela propaganda veiculada por determinadas organizações cio-culturais; e, pela
tomada de posição crítica em relação a determinadas estruturas de poder
representadas por aquilo que tomam como temática para a paródia e a caricatura, a
forma do discurso que estas pessoas tomaram como opção para representar seus
pensamentos e intenções neste contexto.
As unidades de análise, neste caso, são compostas tanto por indivíduos
isolados quanto por organismos sociais, grupos de pessoas constituídos com o
propósito de produzir objetos culturais através de determinadas práticas. Ressalve-
se, entretanto, que alguns dos integrantes (participantes), ao desempenharem
papéis específicos, tanto na constituição do grupo quanto na ação realizada, se
destacam em função de sua tomada de posição na divisão do trabalho, traduzida
40
pela competência e afinidades pessoais, e constituem uma unidade de análise
específica.
Deste modo, as unidades de análise são plurais e variadas: indivíduos,
representativos, entre os quais se inclui o pesquisador como participante ativo na
prática pesquisada, a organizações sociais com estruturações distintas grupos
formados por afinidade e uma instituição educacional pública.
Assim, definidas as unidades de análise, deve-se ainda elencar as evidências
que poderão ser coletadas a partir delas e de que modo se ligam às proposições
iniciais. Não há intenção de comparar as motivações e modos de realizar tal prática
com o que, por ventura, possa ter sido realizado por outros grupos, ou mesmo com
determinados padrões de comportamento antes considerados em outras
pesquisas. A intenção, deste trabalho, é explanar, descrever e elucidar algumas
condições em que se tal prática, no intuito de compreender as implicações que a
interação entre humanos e tecnologias pode vir a acarretar para estes seres
humanos; intenção concebida de modo a poder se beneficiar desta compreensão
nos processos educativos de construção performativa de sujeitos subjetivos,
sociais, históricos e culturais (VYGOTSKY, 1984).
Os critérios para a interpretação das constatações estão fundados na
atribuição de sujeitos e nas condições de realização da referida prática, como um
caso único, evitando as comparações com outras propostas, uma vez que cada uma
delas se dá em circunstâncias bastante específicas. Trata-se, portanto, de uma
interpretação fundada na especificidade da situação e circunstâncias em que a
prática se desenvolveu.
As evidências são descritas por Yin, como “as mais comumente utilizadas na
realização de estudos de caso: documentação, registros em arquivos, entrevistas,
observação direta, observação participante e artefatos físicos. (...) - incluindo filmes,
fotografias, vídeotapes; técnicas projetivas e testes psicológicos; proxêmica
21
;
cinésica
22
; etnografia de “rua”, e histórias de vida (MARSHALL & ROSSMAN, apud
YIN, 2005, p. 111-112). Com o que se pode concordar, sem que, contudo, se utilize
de todas as seis categorias de evidências. Para o caso específico em questão,
21
N. de T. Estudo dos aspectos culturais, comportamentais e sociológicos do espaço físico entre os indivíduos.
22
N. de T. Estudo do movimento corporal não verbal na comunicação.
41
alguns fatores foram considerados, entre eles a disponibilidade de documentos
capazes de delimitar um campo de estudos pertinente e legítimo.
As evidências foram assim agrupadas, quanto a cada uma das unidades de
análise configuradas pela situação da pesquisa:
a) O contexto: Colégio Estadual Professora Ottília Homero da Silva,
uma escola pública de ensino fundamental e médio;
b) Os grupos “Gordo & Lapi Produções” e “Camélia”, participantes
realizadores da prática;
c) Os sujeitos em seus papéis destacados;
d) A prática: fazer vídeos.
A partir dessa classificação, foram coletados dados utilizando-se as seguintes
fontes de evidências, considerando-se como unidade primordial, a prática de fazer
filmes, e ainda, seguindo as indicações de Yin (2005):
a) Documentos:
Os documentos, principalmente, associados ao caráter institucional escolar
público, têm como função delimitar um campo territorial, digamos, geopolítico e
social, de modo a construir um contexto cultural situado. Considerou-se neste
parâmetro os documentos oficiais, orientados e geridos pelas políticas públicas de
governo;
b) Registros em arquivo:
Assim como os documentos escritos, funcionam de forma a situar a prática
geográfica e historicamente, se compondo de outros meios: fotografias e vídeos.
Neste caso, se dividindo em duas categorias: as fotos e vídeos realizados “antes” e
“durante” a realização desta pesquisa;
c) Entrevistas espontâneas:
Compostas por relatos de membros da comunidade envolvida no projeto de
forma a produzir uma reconstituição mais profunda, e subjetiva, dos fatos e eventos,
em complementação aos documentos e registros em arquivo, com o objetivo de
conferir-lhe “unicidade” e, ao mesmo tempo, “multiplicidade” de visões, e
perspectivas de análise;
d) Entrevistas focais:
A visão particularizada de determinados sujeitos da prática, seus papéis
42
dentro da situação em que a atividade se desenvolve. O foco, aqui compreendido,
trata-se de indivíduos que ocupam determinadas posições de sujeito, e por isso,
orientam suas falas a partir de uma representação que exercem, e ao mesmo tempo,
fazem de si;
e) Entrevistas e levantamentos estruturados:
Questionários de recepção com o objetivo de avaliar possíveis causas e
efeitos de uma determinada ação, no caso, a produção de um documentário
experimental/institucional (melhor detalhado à frente), e:
Quadros sociométricos evidências que indiquem um determinado estado
social, o suficiente para permitir que se percebam algumas relações entre os
indivíduos e os recursos que lhes possibilitam ter acesso à linguagem, à tecnologia e
a ciência do audiovisual, objeto desta pesquisa;
f) Observações (direta e participante):
Notas tomadas pelo pesquisador, ou auxiliares, que permitam reconstruir o
encadeamento das evidências coletadas segundo as suas fontes, no sentido de
vinculá-las à prática de fazer filmes; compondo-se de um “diário de bordo”
23
, e do
registro fotográfico das atividades desenvolvidas, algo como um “making off”
24
da
própria pesquisa; e,
g) Desdobramentos:
Atividades e projetos desenvolvidos após a realização da pesquisa que
evidenciem quaisquer implicações geradas (ou motivadas) pela própria prática da
pesquisa; bem como possíveis efeitos de receptividade por parte da própria escola
(contexto da pesquisa) e outros organismos a ela relacionados.
De acordo com Yin (2005), a coleta de evidências deve se orientar por três
princípios: “utilizar várias fontes de evidência” (p. 125); “criar um banco de dados
para o estudo de caso” (p. 129); e, “manter o encadeamento de evidências” (p. 133),
o que foi contemplado, de certa forma, pelos mecanismos dispostos para este
trabalho.
23
Conjunto de relatórios e anotações realizadas pelo pesquisador, durante a pesquisa em processo.
24
Nome que se dá ao registro das ações de bastidores do ato de se fazer um filme ou realizar um evento, por
exemplo.
43
Indo além, torna-se relevante elucidar determinados aspectos sobre a decisão
de utilizar a nomeação dos sujeitos da pesquisa no discurso acadêmico adotado
para esta dissertação, fato que se deu, fundamentalmente, em função da abordagem
tomada a partir dos Estudos Culturais.
2.2 IDENTIFICANDO OS SUJEITOS DA PESQUISA
A identificação dos sujeitos na pesquisa científica tem sido tratada com
relativo cuidado, sugerindo-se, quase sempre, a suao-nomeação explícita, o que,
algumas vezes, torna o texto acadêmico quase que um sujeito de si mesmo, isto é,
um sujeito que existe em função do objeto de estudo que relata, mesmo que com
isso se pretenda respeitar e garantir o sigilo ético das fontes
A busca da objetividade associada a questões de ordem ética orientam uma
retórica institucional em que as vozes acabam por perder seus sujeitos em função
de uma voz única, e autorizada, cujo efeito principal faz parecer que o discurso
acadêmico é monofônico.
Esta pretensa monofonia seria a voz da própria ciência, ou da academia, que
instituindo normas de nomeação a priori interditam a subjetividade e se justificam
pelo conceito ético que garante a privacidade da fonte.
Mesmo as teorias lingüísticas de Bakhtin (1997) contestam a unicidade do
sujeito do discurso, apontando para um sujeito ltiplo, cuja fala e voz são também
a fala e voz de sujeitos outros. Assim, não um discurso acadêmico fechado, uma
vez que todo discurso se constrói dialogicamente.
Neste trabalho, optou-se por identificar os sujeitos (sejam eles indivíduos ou
organismos sociais), isto em função de alguns pontos considerados fundamentais:
a) Um dos principais objetos considerados como evidência para o estudo é
constituído por um documentário, no qual se encontram identificados
todos os elementos da pesquisa: a localização geográfica, a instituição
escolar, os organismos sociais representados pelos grupos e os indivíduos
membros e partícipes de todo o processo, donde se depreende que
identificá-los no corpo da dissertação é um ato de simples coerência;
44
b) Indo um pouco além, infere-se que se trata de um reconhecimento ao
engajamento pessoal de todos os participantes para a realização da
pesquisa, que por tratar-se de uma prática determinada envolveu sujeitos
distintos e não personagens genéricos; e,
c) Por esta pesquisa pretender localizar-se no escopo dos estudos da
cultura, orientada fundamentalmente por autores ligados aos Estudos
Culturais, defende-se a idéia de que a nominação faz parte de um conjunto
de elementos que reivindicam uma clara tomada de posição dos sujeitos
engajados nos processos de construção da cultura como um todo, mas,
pensada e relatada a partir de suas particularidades.
Como observação importante, deve ser esclarecido que todos os participantes
autorizaram (por escrito) as suas identificações, tendo para isto lido e revisto todo o
material constante deste trabalho.
Assim, a identificação é, aqui, vista como um método de abordagem
coerente, por conferir ao sujeito da pesquisa científica a sua subjetividade,
concedendo-lhe voz em primeira pessoa, evidenciando a diferenciação sem,
contudo, negar-lhe a construção dialógica proposta por Bakhtin, mesmo que
considerando a unicidade do ser e o ato de responsabilidade conseqüente, ou como
o interpreta Faraco:
Bakhtin, desde seu primeiro texto, será um crítico contumaz do
Racionalismo, isto é, de um pensamento em que interessa o universal e
jamais o singular; a lei geral e jamais o evento; o sistema e jamais o ato
individual; um pensamento que contrapõe o objetivo (entendido como o
único espaço da racionalidade, da compreensão lógica) ao subjetivo, ao
individual, ao singular (entendido como o espaço do fortuito, do irredutível à
compreensão lógica). Incomoda-lhe a idéia de sistema em que não há
espaço para o individual, o singular, o irrepetível, o evêntico. [...] Essa
insistência de Bakhtin no trato do singular, do único, do irrepetível tem como
base uma extensa reflexão sobre a existência do ser humano concreto. O
argumento se assenta na estrutura do eu moral que intui sua unicidade, que
se percebe único, que reconhece estar ocupando um lugar único que jamais
foi ocupado por alguém e que não pode ser ocupado por nenhum outro. [...]
O eu e o outro são, cada um, um universo de valores [...] valorações
diferentes [...] diferentes quadros axiológicos. E essas diferenças são
arquitetonicamente ativas, no sentido de que elas constitutivas dos nossos
atos (inclusive de nossos enunciados): é na composição de valores que os
atos concretos se realizam; é no plano dessa contraposição axiológica (é no
plano da alteridade, portanto) que cada um orienta seus atos. [...] viver
significa tomar uma posição axiológica em cada momento, significa
posicionar-se em relação a valores. Vivemos e agimos, portanto, num
45
mundo saturado de valores, no interior do qual cada um dos nossos atos é
um gesto axiologicamente responsivo num processo incessante e contínuo.
(2003, p. 20-23).
Estes pensamentos aproximam-se, de forma clara, dos pressupostos
encontrados nos Estudos Culturais, que orientam grande parte desta pesquisa,
quando se declara:
Na vida cotidiana, os materiais textuais são complexos, múltiplos,
sobrepostos, coexistentes, justapostos; em uma palavra, “intertextuais”. Se
usarmos uma categoria mais ágil como “discurso”, para indicar elementos
que atravessam diferentes textos, podemos dizer que todas as leituras são
também interdiscursivas. Nenhum forma subjetiva atua, jamais, por conta
própria. Tampouco podem as combinações ser preditas por meios formais
ou lógicos, nem mesmo a partir da análise empírica do campo do discurso
público [...]. As combinações advêm, em vez disso, de lógicas mais
particulares – a atividade estruturada da vida, em seus lados objetivos e
subjetivos, de leitores ou grupos de leitores: suas localizações sociais, suas
histórias, seus interesses subjetivos, seus mundos privados. [...] Tudo isso
aponta para a centralidade daquilo que é comumente chamado de
“contexto”. O contexto determina o significado, as transformações ou a
saliência de uma forma subjetiva particular, tanto quanto a própria forma. O
contexto inclui os elementos culturais descritos acima, mas também os
contextos das situações imediatas [...] e o contexto ou a conjuntura histórica
mais ampla. (JOHNSON, 2006b, p. 88-89).
Tomando tais premissas como orientação, chegou-se às proposições feitas
por Johnson et al. (2006a), que concebem a prática da pesquisa social partindo de
um “contínuo auto-biográfico-etnográfico”
25
, como um processo metodológico que se
sustenta por histórias e relatos de vida, entrevistas e memórias de trabalho;
considerada a participação ativa do pesquisador como integrante das atividades
desenvolvidas e estudadas:
O senso do eu está, por conseguinte, necessariamente envolvido na
compreensão do outro; etnografia pressupõe auto-biografia. Auto-percepção
ou auto-conhecimento e abertura para outros mundos estão relacionados
integralmente, assim como desenvolver um conhecimento de si depende,
em grande parte, de uma disposição de atentar para a alteridade ou
diferença. Contudo, este não é o fim da história, porque, como sustenta
Ricoeur, “o outro tanto quanto o eu" será considerado nesta dialética. "A
abertura aos outros" envolve perceber que os impactos de uma outra
pessoa, de modo muito concreto, pode fazer o mesmo tipo de transferência.
Tal como Ricoeur deixa claro, esta é uma realidade imposta não apenas
pelo pensamento ou imaginação, mas também através de ações e práticas,
inclusive, poderíamos acrescentar, as práticas da pesquisa. Etnografia pode
depender de auto-biografia, mas a auto-biografia do pesquisador também
25
Researching others: from auto/biography to ethnography. (JOHNSON et AL., 2006, p. 205-223).
46
está associada ao processo etnográfico, com resultados que podem ser
incertos.
26
(JOHNSON et AL., 2006, p. 208. Tradução própria).
O que significa dizer, que no caso aqui considerado, o pesquisador é,
também, participante ativo da pesquisa, não havendo, portanto, fronteira entre o que
pode ser chamado de etnográfico e auto-biográfico, configurando-se como um
estudo de caso em processo contínuo. Desta, forma, trabalhou-se o mais possível
com as falas (e vozes) dos próprios sujeitos da pesquisa, incluindo-se o pesquisador
Ressalte-se que o termo “participativo”, que define entre outros o papel ativo
do pesquisador no processo do estudo, conduz à justificativa quanto à identificação
dos sujeitos da pesquisa no discurso acadêmico concernente a esta dissertação.
Mas, assim agindo, pode-se questionar como Hall:
[...] o que acontece quando um projeto acadêmico e teórico tenta envolver-
se em pedagogias que se apóiam no envolvimento ativo de indivíduos e
grupos, ou quando tenta fazer uma diferença no mundo institucional onde
se encontra? (2003, p.199)
Entende-se, nesta pesquisa, que respostas a questões como estas poderão
ser encontradas somente se considerada a concepção de cultura como um campo
de tensões e construções simbólicas em que a linguagem, seja ela representada
pela língua ou pela arte (no caso o cinema), torna-se o principal elemento
constitutivo desta construção.
26
No original: The sense of self is, therefore, necessarily involved in understanding the other; ethnography
presupposes auto/biography. Self-possession or self-knowledge and openness to other worlds are integrally
related, just as developing a knowledge of self depends, in large part, on a willingness to attend to alterity or
difference. This is not the end of the story, however, because, as Ricoeur argues, the “other than self” is also to
be reckoned with in this dialectic. “Openness to the other” involves taking the impacts of another very concrete
person who is making the same kind of antological transfers. As Ricoeur makes clear, this is a reality imposed
not only by thinking or imagination, but also by actions and practices, including, we might add, the practices of
research. Ethnography may depend on auto/biography, but the auto/biography of the researcher also gets hitched
on to the ethnographic process with results that must be uncertain.
47
3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Ao considerar a prática de fazer deos no contexto de uma escola pública,
alguns conceitos se tornam fundamentais: a arte como ação coletiva; o vídeo como
tecnologia e linguagem; o contexto como educação e cultura. Para tanto, são
envolvidos outros, mais específicos como negociação, reflexo e refração, gênero,
esfera e prática. São citados alguns autores que fundamentalmente abordam
linguagem, educação e cultura, que em suas teorizações englobam ainda outros
conceitos que, entretanto, não puderam ser devidamente aprofundados por
extrapolarem o escopo deste trabalho, mas que, certamente, constituem uma
dimensão ampliada do que aqui é tratado.
Retomando algumas questões, indaga-se: por que estas pessoas
aparentemente comuns, inseridas no contexto de uma escola pública estadual, de
nível fundamental e médio, decidem fazer cinema, um vídeo-ficção, um objeto tão
específico em linguagem artística? E de que modo conseguem realizar suas
intenções nestas circunstâncias? Por que produzem um vídeo e não outro objeto
cultural possível neste contexto?
Identificar tais questões como uma proposição de estudo, evidencia impasses
e demanda aportes teóricos e práticas que considerem o fato de que fazer um deo
pressupõe alguns conhecimentos, ações e tecnologias bastante específicas,
distintas de outras formas de expressão artística ou cultural.
Produzir cinema, sob a forma de deos, compreende uma ação prática
orientada para a produção de um resultado determinado, concretizado sob a forma
de um objeto cultural complexo: filme ou vídeo; ação esta que demanda tecnologias
bastante específicas. Para se produzirem vídeos é preciso mais que imaginação; é
necessário que se tenha acesso a artefatos e técnicas, e de posse destes, que se
desenvolva uma série de atividades intelectuais, e mecânicas, para as quais se deve
estar minimamente capacitado. Produzir um vídeo demanda ainda, além de
sensibilidade criativa, determinados conhecimentos para compor, através de um
sistema estruturado de códigos simbólicos, um objeto cultural a que, finalmente, se
possa denominar como vídeo.
48
É possível que se pense que basta uma pessoa ter idéias criativas e que
através de uma ação isolada em que se utilize de ferramentas, às quais teve acesso
de alguma maneira, como um meio capaz de concretizar aquilo que lhe vai pela
imaginação, seja suficiente para que, sozinha, possa produzir um vídeo. Ter-se-ia
que pensar, para tanto, que a mesma pessoa tenha sido capaz de produzir também
toda a tecnologia da qual se utiliza para este fim, ou seja, mesmo que o ato final de
fazer o vídeo seja realizado por um só indivíduo, no todo envolve um coletivo
expressivo de trabalho, artefatos, e conseqüentemente, outras pessoas.
Fazer vídeos é, portanto e necessariamente, uma prática que demanda ser
concebida como uma ação coletiva, em diversas instâncias, e entre estas, a Arte.
3.1 FAZER ARTE COMO UMA AÇÃO COLETIVA
Quando se ouvem expressões como belas artes ou artes populares, artes
mecânicas ou liberais, ou ainda, no singular, arte abstrata ou figurativa, ou quando
se refere ao cinema como a sétima arte, pressupondo outras seis e ainda se podem
encontrar artes mágicas ou demoníacas, nobres ou malasartes, vê-se às voltas com
uma profusão de significações em que aparecem: artifício, indústria, ardil, faculdade,
talento, habilidade, ofício, profissão ou diabrura; revelando um conjunto de preceitos
ou regras para bem dizer ou fazer qualquer coisa, ou de forma reducionista,
simplesmente o fazer, grosseiramente, o bem feito ou dito.
De acordo com Williams (2007, p. 60): “O surgimento de uma Arte abstrata e
grafada com letra maiúscula, com seus próprios princípios internos, porém gerais, é
difícil de situar. (...) mas foi no Século XIX que o conceito se generalizou.
Concomitantemente, generaliza-se também a diferenciação entre artesão e artista, o
primeiro ligado às artes mecânicas e populares, e o segundo, às belas artes, aos
pintores, escultores, escritores e compositores. A similaridade entre arte e
habilidade, qualidade inerentemente humana, a fez diferenciar-se de natureza e
identificar-se com indústria, diferenciando-se por fim ao associar as artes à
imaginação, e a indústria à utilidade; e se até o Século XVIII, as ciências eram
denominadas artes; “a distinção moderna entre ciência e arte, como áreas opostas
49
de habilidade e esforço humanos, com métodos e finalidades fundamentalmente
diferentes, remonta a meados do Século XIX, embora os próprios termos tenham se
contraposto muito antes no sentido de 'teoria' e 'prática” (2007, p.61)
Williams destaca o fato de que tais distinções são históricas, percebidas como
habilidades e propósitos no uso dessas habilidades, e que estão diretamente
relacionadas com a “divisão prática do trabalho” e com as “definições práticas dos
propósitos do exercício da habilidade”. Isto é, dentro de um sistema de produção
capitalista de bens e mercadorias, tais definições vão aparecer atreladas às relações
entre os valores de uso e de troca, o que provoca uma divisão radical entre o que se
considera como belas artes e artes úteis, cujas especializações levam a outras
definições como Arte e Tecnologia (2007, p.62).
No campo específico em que se contextualiza esta pesquisa, o cinema
encontra-se concebido como uma arte extremamente dependente da tecnologia, o
que de alguma forma vem tornar tais definições, e divisões, ainda mais complexas,
principalmente se considerar-se que a prática de fazer vídeos que aqui é tratada irá
necessariamente produzir um tipo diferente de mercadoria (ou nem isso), um objeto
cultural cujo valor simbólico é bastante diferenciado daquele denominado pelas
teorias marxistas como “de uso ou de troca”.
Para Williams, algumas produções humanas ultrapassam o valor utilitário e
artístico, mas não deixam por isso de ter valor cultural. Ele afirma:
Quando essas distinções práticas se fazem valer, num modo determinado
de produção, arte e artista suscitam associações ainda mais gerais (e
vagas) e propõem-se a expressar um interesse humano geral (isto é, não
utilitário), ainda que, ironicamente, a maioria das obras de arte seja
efetivamente tratada como mercadoria e a maioria dos artistas, ainda que
com justiça afirmem intenções muito diferentes, seja efetivamente tratada
como uma categoria de artesãos ou trabalhadores especializados
independentes, que produzem certo tipo de mercadoria marginal. (2007, p.
62).
Mas, ao mesmo tempo torna-se necessário pensar se, afinal, interessa a
estes indivíduos (sujeitos desta pesquisa) denominarem aquilo que fazem de arte, e
a si mesmos de artistas? Ou ainda: estes indivíduos identificam, ou diferenciam a
arte e o ser artista, descritos nas concepções dos estudiosos e eruditos, daquilo que
50
percebem em sua prática, ou, no caso específico, do fazer vídeos numa escola
pública?
Independentemente dessa questão, que posteriormente deverá ser
considerada com mais profundidade, o ato de fazer vídeos localiza-se de algum
modo no campo artístico, e como tal deverá ser compreendido, diga-se, por seus
receptores, com uma forma de arte advinda de uma ação coletiva, em que a
tecnologia interfere radicalmente em seus resultados, sejam eles compreendidos
como obra de arte ou como objeto cultural.
Nos documentos oficiais que tratam da arte no âmbito da educação brasileira,
ela é definida “enquanto linguagem expressivo-comunicativa impregnada de valores
culturais e estéticos” e integra o currículo de conhecimentos obrigatórios da
educação básica, como forma de conhecimento humano a ser produzido,
apreciado, contextualizado e veiculado através da educação escolar”, numa
“tentativa de aprimorar a participação dos jovens na sociedade, de fortalecer a
construção de sua identidade cultural e de propiciar o desenvolvimento de suas
competências gerais, de suas habilidades pessoais de suas preferências culturais”.
É possível inferir, a partir destes pressupostos, a consideração geral da arte
como uma habilidade humana ligada à linguagem, no sentido da comunicação, de
um sistema de signos, de representações simbólicas que englobam a produção (o
fazer), a apreciação (o fruir) e a contextualização (o pensar) destes signos da
linguagem artística. Isto tudo, realizado de modo a tornar o estudante, não um
artista, mas um ser (a que chamam cidadão) competente e hábil em compreender a
arte como uma representação humana, segundo as proposições definidas em um
currículo. (cf. LDB nº 9.394/96).
Estas e outras orientações buscam “uma aprendizagem significativa, que
fortaleça a identidade do aluno nas esferas intelectual, política, ética, estética, afetiva
e também funcional, fornecendo instrumentos para a vida prática”. No processo de
aprendizagem em sala de aula, algumas interpretações das diretrizes curriculares
propostas pela última LDB levaram a uma compreensão da Arte como uma
experiência prática aberta aos processos de formação da consciência do indivíduo
em sua interação com a coletividade; em outras foi tomada como uma disciplina
fechada em seus conteúdos e formas de avaliação, em que a Arte é percebida como
51
uma função, uma terminologia, uma teoria, uma atividade curricular obrigatória e,
muitas vezes, repetitiva
27
.
Sendo a arte uma representação humana, é justamente contra essa
repetitividade, que encontramos uma diferenciação significativa nas proposições de
Silva (2000), quando ele revê as orientações curriculares sob a ótica do
multiculturalismo, na perspectiva da diversidade e alteridade, em que se concebe a
linguagem, e conseqüentemente a arte, como um sistema de significação, não
limitando o sistema de signos a sua dimensão de significante, do signo como marca
material, de sua representação visível, mesmo que compreenda as características
de indeterminação, ambigüidade e instabilidade atribuídas à linguagem, e à arte.
Segundo Silva:
A representação é, como qualquer sistema de significação, uma forma de
atribuição de sentido. Como tal, a representação é um sistema lingüístico e
cultural: arbitrário, indeterminado e estreitamente ligado a relações de
poder. É aqui que a representação se liga à identidade e à diferença. A
identidade e a diferença são estreitamente dependentes da representação.
É por meio da representação, assim compreendida, que a identidade e a
diferença adquirem sentido. É também por meio da representação que a
identidade e a diferença se ligam a sistemas de poder. Quem tem o poder
de representar tem o poder de definir e determinar a identidade. Questionar
a identidade e a diferença significa, nesse contexto, questionar os sistemas
de representação que lhe dão suporte e sustentação. (2000, p.91).
Quando se fala em Arte ou Linguagem, no contexto escolar, de acordo com os
documentos oficiais, está se referindo a um espaço onde se pode experimentar a
liberdade da expressão cultural numa concepção ampla e aberta. É, também, o que
se encontra nos currículos disciplinares dispostos nos projetos político-pedagógicos,
como no caso da escola em que esta pesquisa foi realizada.
Entretanto, na prática isto se de uma maneira bastante complexa.
Problemas estruturais, como espaços inadequados e falta de materiais para as
atividades “obrigam” professores e alunos a procurar saídas alternativas e criativas
de modo a superar as dificuldades encontradas, o que de certa forma acaba por
torná-los mais críticos e engajados com o trabalho na comunidade escolar.
A multiculturalidade constante dos currículos não se constrói no cotidiano
escolar como um experimento didático, mas como uma experiência vivida no dia-a-
27
Algumas escolas optaram por manter a Arte como uma disciplina com conteúdo específico.
52
dia. No caso da Arte, a atividade curricular ultrapassa as proposições de gabinete,
ou como diz Silva (2000, p.98): “a do dominante tolerante e do dominado tolerado ou
da identidade hegemônica, mas benevolente e da identidade subalterna, mas
respeitada”, rompendo as fronteiras do esperado, produzindo ações como a que é
aqui estudada. Fazer vídeos em condições aparentemente adversas é um exemplo
de superação, de ruptura.
A Arte, ou as artes, em suas ltiplas manifestações, aparece disposta
segundo critérios de valoração que dicotomizam, por exemplo, a boa arte da arte
popular, reafirmando preconceitos, discriminações, estereótipos e distorções, que
constroem imagens do outro (e de si mesmos) sob a perspectiva daqueles que
exercem o poder de dominação. Algumas ações desenvolvidas no contexto escolar
parecem perguntar: por que é assim? Ou ainda, quem disse que deve ser assim?
Não aceitando tais disposições a escola se coloca em posição de crítica construtiva
e se põe na busca por novas possibilidades para o processo de ensino-
aprendizagem.
Silva, argumentando em favor de uma abordagem culturalista, propõe que se
repense tanto a pedagogia quanto os currículos de modo a colocar a identidade e a
diferença como uma questão política, em cujo centro, se coloca: “como a identidade
e a diferença são produzidas? Quais os mecanismos e as instituições que estão
ativamente envolvidos na criação da identidade e de sua fixação?” (2000, p.99).
Aproveitando-se deste questionamento, por ater-se ao fato de que esta
pesquisa se no campo da cultura e no interior de uma instituição escolar,
prossegue-se argumentando que a arte e a tecnologia, em todas as suas
dimensões, ocupam lugar de destaque neste campo de batalha. A tecnologia é
produzida coletivamente, e é justamente este fato que servirá de fundamento à
análise posterior que se pretende fazer do caso em questão, visto que, em nenhum
momento tratou-se de um ato particular ou individual, mas, sempre, de uma prática
coletiva em que se viram representadas múltiplas perspectivas e visões (e ações),
tendo como objeto-resultado um vídeo que é por si um elemento composto,
múltiplo, em que o coletivo evidencia-se de diversas maneiras.
Ao dizer que a tecnologia é uma prática coletiva se considerou algumas
possibilidades:
53
a) que a tecnologia se produz por um coletivo de indivíduos;
b) que a tecnologia se constitui por um conjunto de instrumentos, e/ou
materiais;
c) que a tecnologia é mediador de uma prática que só se realiza
quando se considera um produtor, um produto, uma produção e um
destinatário para o que se produz;
d) que se historicamente como produto de um processo em que
agem diversos elementos e indivíduos; e;
e) que se produz a partir de diversos materiais, cada um, produto de
uma atividade diferenciada que ao final se juntam num outro, produto
ou atividade, resultante, soma ou somatório dos anteriores, uma
espécie de trans-produto, que contém, de alguma forma os demais,
mas possui características próprias que o definem como único.
Em todas estas perspectivas, é possível detectar o seu caráter coletivo, e em
maior ou menor grau, pode se perceber o quanto, ou quantos, de elementos
performativos estão envolvidos nesta prática.
Para este trabalho, considera-se, portanto, a tecnologia como uma prática
coletiva, e, portanto, social. Fazer vídeos pressupõe uma ação coletiva, mesmo que
em algum momento seja realizada por um único indivíduo, mas nunca por um
indivíduo isolado. Necessita-se de uma câmara, de um suporte material para a
filmagem ou gravação, de um sistema que permita editar o vídeo, outro que
possibilite exibi-lo, e antes, durante, e depois, de pessoas motivadas, aptas e
dispostas a fazê-lo; sem contar que o resultado terá sofrido algum tipo de influência
das relações sociais, históricas e culturais do contexto no qual se processa. Ao se
pensar desta forma, é possível inferir que a tecnologia em questão supera, também,
a idéia de instrumento mediador, e, pode ser concebida como a própria prática de
fazer vídeos, que se dá, como já dito, coletivamente.
Quando se fala em vídeo, nesta pesquisa, fundem-se os conceitos de
tecnologia e arte, e da mesma forma, que se pensa a primeira pode-se pensar a
segunda, tendo como interface o conceito de linguagem e como contexto, a cultura.
Ao falar da “arte como ação coletiva”, Becker (2003, p.85-95) aponta para o
fato de que inúmeros estudiosos têm se dedicado a pensar a arte como uma
54
produção social, “abordando ou falando de estruturas sociais sem se referirem às
ações de pessoas fazendo coisas juntas, as quais criam estruturas” (2003, p.85). Ele
propõe uma perspectiva de pensamento que torna possível perceber as inúmeras
ações desenvolvidas por pessoas, organizações e instituições, no sentido de criar
“conexões cooperativas” que resultam na produção de uma manifestação, ou obra
de arte.
Sendo, por exemplo, o caso por ele descrito, de todo o trabalho que está por
trás de uma apresentação pública de uma orquestra sinfônica, passível de ser
comparada a muitos outros eventos, tais como, uma exposição de um artista
plástico, uma exibição de um filme ou de uma peça de teatro, isto, pressupondo que
para que se dê o fenômeno artístico em sua totalidade seja necessária a tríade, já de
muito proposta pelo teatro: um ator, um texto e uma platéia.
No exemplo de Becker (2003), ele chama a atenção para o fato de que para
que haja a apresentação da orquestra são necessários elementos os mais variados
e numa quantidade que muitas vezes sequer se imagina: sicos, instrumentos,
uma sala, partituras, um regente, o público; que leva a imaginar que antes houve
pessoas que estudaram música, aprenderam a ler a partitura, mas também houve
um compositor para a música, fabricantes de instrumentos, e operários que os
produziram, e uma sala que foi construída por pedreiros e artífices do ramo, e
também alguém que a administre, ou limpe, ou que disponha as cadeiras e estantes
para as partituras em seus devidos lugares, e mesmo, alguém que faça a divulgação
e venda, ou não, os bilhetes, e outro que os receba à entrada do público, e se
formos mais longe, podemos pensar nas costureiras que produziram as roupas, e
mais longe ainda, no plantador de algodão ou no químico que produziu os fios
sintéticos para os tecidos. Todos eles estão ali, naquela noite, na qual o que
realmente importa é a música sendo executada com alguma qualidade para um
público que se embevece ou se contagia com seus acordes provocando-lhes uma
multiplicidade de sentimentos e sensações. Estão todos ali, de algum modo,
representados como por uma presença não-presente, alguns são dispensáveis,
outros imprescindíveis, mas não está somente o artista, ou somente a arte pura e
simples.
55
Podem-se fazer listas similares para outras performances ou modalidades de
manifestação artística, substituindo instrumentos musicais por pincéis ou sapatilhas,
notas musicais por tintas ou cores, ou passos de dança, ou mesmo por letras e
palavras que compõem um verso ou prosa literária.
Se pensarmos, considerando o pensamento materialista, podemos auferir que
as artes, assim como todas as outras atividades humanas, são produtos sociais, e
que, mesmo quando imateriais ou fruto da imaginação, terão que de algum modo ser
materializadas para que concretizem sua abstração em algum tipo de racionalidade,
ou seja,
para todas as artes, o que nós sabemos à respeito envolve elaboradas
redes de cooperação. Uma divisão de trabalho é requerida a efetivar-se.
Tipicamente, muitas pessoas participam do trabalho sem o qual a
performance ou artefato não poderia ser produzido. Uma análise sociológica
de qualquer arte aponta para alguma divisão de trabalho. (Becker, 2003, p.
86).
A arte em geral, conserva em seu escopo um lado místico, algo metafísico,
que ainda permanece inexplicável em seu senso científico. se percebem relações
entre o biológico e o produzir arte como algo inerente à própria sobrevivência da
espécie humana, bem como, ao mesmo tempo, como uma de suas características
distintivas em relação aos outros animais. Também, se aceita a idéia de que a arte
supera em muito a noção de reprodução do real, como o queria o naturalismo, mas
que, não podendo existir por si mesma, representa de algo modo, inteligível ou não,
este real. Ou seja, pode-se acessar a realidade através da arte sem, contudo, ver-se
nela estampado, pelo menos não sempre, este real. Mas, sendo, também, uma
representação do real, é certamente uma representação social formada a partir de
signos, que se tornam, por convenção social, em símbolos que compõem um
sistema de significações arbitrárias.
A própria tecnologia carrega em si mesma uma convenção arbitrariamente
construída, seja em função das necessidades elencadas por uma determinada
categoria de trabalhadores, e que pode muitas vezes ser transgredida por um artista
inovador, por exemplo, mas que de qualquer forma se mantém ligada às convenções
primeiras, seja por confirmá-las, negá-las ou transformá-las. Ao desenvolver o
martelo, convenciona-se um determinado uso, que pode ser transtornado por um
56
músico que o utilize como instrumento musical, mas, quase sempre, continuaremos
a ver nele um martelo, cujo uso fundamental é o de bater em alguma coisa.
Em outros casos, como na prática de fazer filmes, isto também está presente.
Quando se vai ao cinema não se pensa que o trabalho de venda de uma entrada
esteja presente no filme, mas em algum momento pode-se abandonar a sala de
exibição por não gostar do filme e entender que o preço que se pagou pelo ingresso
ser indevido, e querer-se o dinheiro de volta. Ou ainda, ter-se notícia de que se
produzem mais filmes do que se pode ver exibidos nas salas de cinema, e de o
motivo ser muitas vezes, o fato de que os produtores do filme não tiveram
financiamento suficiente para distribuí-lo comercialmente.
Williams (2003), fala da produção social da arte e questiona a sua
compreensão como mercadoria, se vista sob a mesma ótica que analisa o
capitalismo; porém, quando se refere a outras atividades não materiais, como a
política, ou mesmo a educação, apela para o senso de que diversas atividades
materiais são desenvolvidas de modo a que se concretude a coisas como tais, e
que por isso, se pensarmos a Arte como uma atividade caracteristicamente humana,
tem-se que pensá-la como uma atividade social. Isto é reforçado por Becker quando
ele chama atenção para o fato de que a arte acaba por se configurar, socialmente,
como um sistema simbólico, uma linguagem específica, convencionada numa forma
de ação coletiva. E que, esta ação coletiva produz uma unidade básica para a
investigação sociológica. (2003, p.85-95).
Tanto um indivíduo, quando um organismo social (um coletivo), fazendo
vídeos está participando de uma ação coletiva, isto em diversos níveis e gradações.
Seja por que tal prática exige uma extensa gama de profissionais, artistas, técnicos,
criadores, operadores, tecnologias enfim; ou por que os elementos que a compõem,
ou a seu produto, já se fizeram presentes em outras condições ou cronologia. O que
torna inegável, pensar que a arte não se faz, em nenhuma hipótese,
individualmente, ou fora de um contexto amplo e complexo; e que, portanto, assim
como a própria tecnologia, é uma ação coletiva, uma prática cultural.
57
3.2 A PRODUÇÃO DE VÍDEOS E OS ESTUDOS DA CULTURA
A partir dos estudos da cultura, na concepção proposta pelos Estudos
Culturais (EDGAR & SEDGWICK, 2003, p. 116), é possível ilustrar que mesmo numa
pequena “comunidade” de adolescentes se podem perceber e compreender
relações de poder a exemplo de uma comunidade formada, por exemplo, pelos
membros do Senado Federal, e que isso se em função de que a cultura não se
restringe a uma determinada classe de privilegiados, mas é inerente ao humano (de
modo geral, independente de classe social, poder aquisitivo, definição de gênero ou
raça), e que pode ser conceituada, de forma abrangente, como uma maneira de
viver.
Assim, mesmo a partir de um vídeo caseiro aspectos de um determinado
modo de ser e agir podem ser desvelados, considerando-se que mesmo as pessoas
aparentemente comuns estão inseridas num processo de construção simbólica muito
mais amplo, situadas num contexto a que chamamos “cultura”.
Os estudos culturais podem, então, ser vistos situados entre uma
abordagem da cultura que é mais explicitamente oposta à celebração da
alta cultura ou cultura da elite, representada, por exemplo, nos textos
canônicos estudados na literatura inglesa, ou do tema da musicologia
tradicional, e uma interpretação mais positivamente derivada das ciências
sociais e, particularmente, da antropologia cultural e da sociologia da
cultura. (EDGAR; SEDGWICK, 2003, P. 116).
Esta reflexão tomada aos Estudos Culturais é uma forma de esclarecer que
esta pesquisa localiza-se, evidentemente, no âmbito dos estudos da cultura, e para
assim se colocar apropria-se de alguns conceitos desenvolvidos por alguns de seus
fundadores, destacando-se Raymond Williams, Stuart Hall e Richard Johnson; de
suas idéias quanto à centralidade da cultura nos estudos das práticas sociais e da
sua dedicação a questões relativas às culturas marginais e cotidianas; bem como,
da sua defesa da pesquisa engajada, autoral e, sempre situada.
Dito de outro modo, estes e outros autores contestam a pretensa neutralidade
do discurso científico e reafirmam a ciência em primeira pessoa, numa opção
declarada pelo singular e autoral, mas inserido e situado; no sentido de um
engajamento declarado com a própria prática e a sua contextualidade.
58
Compreende-se que fazer vídeos é uma prática cultural, uma ação social,
porque, assim como Hall (1997), argumenta-se que “toda ação social é cultural, que
todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido,
são práticas de significação”.
Segundo suas proposições:
A ação é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que
a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados
sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que
significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns
em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão
sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente
as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas
“culturas”. (HALL, 1997, p. 15, destaque do autor).
Hall, ao pensar a globalização, aponta a disseminação da diversidade como
um fator de transformação cultural que, a cada dia, “torna menos nítidos muitos dos
padrões e das tradições do passado”. A cultura, segundo suas palavras, “é agora um
dos elementos mais dinâmicos e mais imprevisíveis da mudança histórica do
novo milênio e, que esta “revolução cultural é igualmente penetrante no nível do
microcosmo” (HALL, 1997, p. 16). Entretanto, o próprio Hall (1997, p. 18-19) infere
que a vida cotidiana das pessoas comuns está sendo transformada de forma não
regular ou homogênea, o que, para ele, fica bastante claro ao analisar as
transformações no modo de vida das pessoas comuns, em amplo aspecto. Tais
mudanças não são apenas uma questão exclusivamente de classe. Estão
relacionadas, também e sempre, à situação social e geográfica, ou seja, à cultura.
Hall (1997, p. 20) aponta para a “centralidade da cultura na constituição da
subjetividade, da própria identidade, e da pessoa como um ator social”, o que o
aproxima das idéias de Vygotsky (1984) que em seus estudos sobre a “formação
social da mente”, deduz que a constituição da mente do indivíduo depende
fundamentalmente do contexto histórico e cultural no qual está inserido, e, portanto,
pode ser identificado como o próprio cotidiano.
Concebe-se, para este estudo, o cotidiano como aquilo que se sucede de
modo habitual, que se pratica habitualmente. O termo “cotidiano” vem do latim
cotidie ou cotidianus, e significa: todos os dias, o diário, o dia-a-dia, o habitual. Falar
em cotidiano leva a pensar diretamente em ações que dizem respeito a rotinas, a
59
tudo que se realiza empiricamente, repetidamente, é o viver o dia-a-dia de uma
forma que, muitas vezes, se aproxima do banal.
Porém, ao se propor estudar a prática de fazer vídeos, que ora acontece
numa escola pública, não se identifica, de fato, uma ação ou ato que se repita ou
que se reproduza de forma banal e rotineira. Ao contrário, trata-se de uma prática
cultural que se mostra, a princípio, deslocada, fora do que é esperado como fato
cotidiano naquele tipo de instituição.
cinema tem sido descrito como uma arte popular, no sentido da apreciação,
uma vez que, desde as suas origens pretendeu-se fazer dele uma forma de
entretenimento para as massas populares, o mesmo não se dando com a sua
produção propriamente dita. Após ter sido assumida pela indústria cultural, no
início do Século XX, tem envolvido, quase sempre, grandes investimentos
financeiros, construindo, desta forma, a idéia de que estaria vetada às classes mais
populares.
28
O foco desta pesquisa se estabelece justamente nessa aparente contradição,
neste movimento de superação de uma expectativa (senso comum), na interrupção
de um padrão, na ruptura de um determinado estado de inércia, provocada pelo
grupo de alunos (pessoas) que produziu um deo-ficção experimental, em
condições que nada tem a ver com o padrão de produção industrial (profissional).
Por que isto ocorreu, com estas pessoas e a partir deste lugar? Na prática, tudo que
é feito, é feito de alguma maneira e movido por alguma motivação. Esta motivação
está de alguma forma associada tanto aos sujeitos da prática, às suas
particularidades, quanto ao contexto no qual ela se passa, considerado o tempo e o
espaço em que se realiza, isto é, a sua história, geografia e cultura.
Segundo Williams, o termo cultura encontra grandes dificuldades para ser
definido, mas pode ser visto “como resultado de formas precursoras de
convergências de interesses” (2007, p. 11), no sentido em que descreve um sentido
antropológico (a) e outro sociológico (b). Nas suas palavras:
Podemos destacar duas formas principais: (a) ênfase no espírito formador
28
O cinema é pensado, aqui, como indústria e mercado. No Brasil, por exemplo, as produções profissionais
ainda são realizadas por um número muito pequeno de pessoas, e quase sempre através de financiamentos
conseguidos através de incentivos oficiais para a Cultura, ou grandes investidores.
60
de um modo de vida global, manifesto por todo o âmbito das atividades
sociais, porém mais evidente em atividades “especificamente culturais”
uma certa linguagem, estilos de arte, tipos de trabalho intelectual; e (b)
ênfase em uma ordem social global no seio da qual uma cultura específica,
quanto a estilos de artes e tipos de trabalho intelectual, é considerada
produto direto ou indireto de uma ordem primordialmente constituída por
outras atividades sociais. Essas posições são freqüentemente classificadas
como (a) idealista e (b) materialista, embora se deva observar que em (b) a
explicação materialista habitualmente fica reservada às outras atividades
“primárias”, deixando a “cultura” para uma versão do “espírito formador”,
agora, naturalmente, em bases diferentes, e não primária, mas secundária.
Contudo a importância de cada uma dessas posições, em contraposição a
outras formas de pensamento, é que leva, necessariamente, ao estudo
intensivo das relações entre as atividades “culturais” e as demais formas de
vida social. Cada uma dessas posições implica um método amplo: em (a),
ilustração e elucidação do “espírito formador”, como nas histórias nacionais
de estilos de arte e tipos de trabalho intelectual que manifestam,
relativamente a outras instituições e atividades, os interesses e valores
essenciais de um “povo”; em (b), investigação desde o caráter conhecido ou
verificável de uma ordem social geral até as formas específicas assumidas
por suas manifestações culturais. (WILLIAMS, 2007, p. 11-12).
Compreendem-se manifestações culturais como um conjunto de atividades e
práticas distintamente humanas, simbólicas, que ultrapassam a materialidade dos
objetos produzidos, e englobam tanto a produção quanto o próprio produtor. Assim,
como nos assevera Geertz:
Nossas idéias, nossos valores, nossos atos, até mesmo nossas emoções
são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos culturais – na verdade,
produtos manufaturados a partir de tendências, capacidades e disposições
com as quais nascemos, e, não obstante, manufaturados. Chartres
29
é feita
de pedra e vidro, mas não é apenas pedra e vidro, é uma catedral, e não
somente uma catedral, mas uma catedral particular, construída num tempo
particular por certos membros de uma sociedade particular. Para
compreender o que isso significa, para perceber o que é isso exatamente,
você precisa conhecer mais do que as propriedades genéricas da pedra e
do vidro e bem mais do que é comum a todas as catedrais. Você precisa
compreender também – e, em minha opinião, da forma mais crítica – os
conceitos específicos das relações entre Deus, o homem e a arquitetura
que ela incorpora, uma vez que foram eles que governaram a sua criação.
Não é diferente com os homens: eles também, até o último deles, são
artefatos culturais. (1989, p. 62-63).
Geertz propõe “a interpretação das culturas”, defendendo a idéia de que a
cultura é uma ação simbólica, e que a preocupação analítica do pesquisador deve
ser o “significado”. Ele assim o resume:
O conceito de cultura que eu defendo, [...], é essencialmente semiótico.
29
Catedral francesa localizada na cidade de Chartres, cuja construção data do Século XII, cujo conjunto de
mais de 150 vitrais, extremamente elaborados são considerados dos mais lindos do mundo.
61
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias
de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas
teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca
de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. É
justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expressões
enigmáticas na sua superfície. (1989, p. 15).
O que pode ser complementado pelos pensamentos de Hall, quando este diz:
A expressão “centralidade da cultura” indica aqui a forma como a cultura
penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo proliferar
ambientes secundários mediando tudo. A cultura está presente nas vozes e
imagens incorpóreas que nos interpelam nas telas, nos postos de gasolina.
Ela é um elemento chave no modo como o meio ambiente doméstico é
atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais. [...] a “cultura”
não é uma opção soft. Não pode mais ser estudada como uma variável sem
importância, secundária ou dependente em relação ao que faz o mundo
mover-se; tem de ser vista como algo fundamental, constitutivo,
determinando tanto a forma como o caráter deste movimento, bem como a
sua vida interior. [...] O impacto das revoluções culturais sobre as
sociedades globais e a vida cotidiana local, no final do Século XX, pode
parecer significativo e tão abrangente que justifique a alegação de que a
substantiva expansão da “cultura” que experimentamos, não tenham. Mas a
menção do seu impacto na “vida interior” lembra-nos outra fronteira que
precisa ser mencionada. Isto se relaciona à centralidade da cultura na
constituição da subjetividade, da própria identidade, e da pessoa como um
ator social [...] da própria formação do “eu” – e vice-versa.(1997, p. 19-20).
Resumindo, pode-se afirmar que as identidades são formadas culturalmente,
o que leva de volta a Vygotsky (1984, apud TEIXEIRA, 2006), quando este exprime o
ponto de vista de que as identidades são construídas performativamente por um
determinado contexto, em que a linguagem, assim como a tecnologia, funciona
como um instrumento mediador nas práticas sociais em que se está inserido, ou
seja, da própria cultura.
A função mediadora, presente nos instrumentos elaborados para se fazer
cinema (vídeos), prática apontada como uma atividade exclusivamente humana é
atestada pelo fato de que, quando uma pessoa qualquer produz um vídeo, ela tem,
necessariamente, a intenção de dizer algo a alguém e, assim como em outras
formas de manifestação artístico-culturais, produz signos que, segundo Vygotsky
(1984), são instrumentos psicológicos capazes de auxiliá-la em suas atividades
psíquicas, seja para lembrá-la, diverti-la ou conscientizá-la, ou qualquer outra
atividade que julgue necessária ao seu desenvolvimento. Para realizar tal prática e
intenção, esta pessoa se utiliza de instrumentos, representados tanto pelos signos
lingüísticos quanto pela tecnologia, que funcionam como mediadores de sua
62
atividade.
Como elucida Teixeira, interpretando as idéias de Vygotsky:
Um instrumento é um elemento interposto entre o homem e o objeto de sua
atividade, cujo objetivo é modificar qualitativamente sua relação com a
natureza. Por exemplo, um martelo de pedreiro carrega consigo uma
função, um determinado modo de utilização, etc., que não está
propriamente nele, mas no psiquismo dos homens, porque por eles foi
construído. O martelo, por mais simples que essa ferramenta seja, nem
sempre foi tal e qual o conhecemos hoje. Ele resulta de milhares de anos de
história, nos quais foi sendo aperfeiçoado até chegar à forma que tem hoje,
tanto em seu aspecto morfológico, como em seu aspecto funcional,
materializado nas maneiras de utilização. (2005, p. 41).
Compreender um vídeo como um mediador requer pensar a prática de fazer
vídeos como uma situação de conflito, de tensão, que pressupõe relações de poder;
e que isto, a partir desta prática, pode ser transformado de modo a construir novos
contextos e perspectivas, o que permite reafirmar a tecnologia audiovisual como um
instrumento midiático construído pela humanidade da mesma forma, mesmo que
não pelas mesmas razões, que construiu um martelo, como uma reação à natureza
e como uma forma de dominá-la, reproduzi-la, ou interpretá-la.
O deo, logicamente, é um instrumento tecnológico bem mais complexo
30
que o martelo, mas é, também, resultado de um processo histórico, e, por seus
aspectos funcionais específicos orienta ações, processos e condutas. Se identificado
como instrumento de mediação numa determinada prática, infere-se que o vídeo,
assim como qualquer outra mídia, interfere na significação dessa prática. Aquele que
se utilizar de suas propriedades físicas e mecânicas, bem como dos signos
lingüísticos que ele pode produzir, operará com as interferências que o instrumento
pode produzir na sua prática, assim como nos resultados dela (se houverem).
Aquele que faz o vídeo torna-se ele próprio um mediador amplificado quando
atua nas relações sujeito-objeto configuradas pela prática, pelo fato de que o seu ato
de fazer não se limita à operação dos artefatos tecnológicos pertinentes. Por esta
função mediadora, a tecnologia, bem como a linguagem audiovisual demanda que o
fazedor desenvolva algumas habilidades técnico-operacionais específicas, e,
também, algumas competências criativas bastante diferenciadas de outras em que
30
No sentido de que o vídeo envolve uma extensa gama de mecanismos eletro-eletrônicos que para funcionar
necessitam de uma fonte de energia elétrica etc.
63
se utiliza, por exemplo, a palavra escrita ou impressa.
Como linguagem, o vídeo pode ser definido como um sistema estruturado de
signos e códigos simbólicos compreendidos como uma ligação entre uma
significação e um elemento visual ou audiovisual.
Baseado em tal princípio, pensa-se o vídeo como um sistema lingüístico no
qual, planos, ângulos, composições e outros elementos narrativos se constituem em
signos, aos quais se atribuem significações, sentidos e valorações, configurando
assim uma “linguagem audiovisual”.
Sendo linguagem, tais sistemas simbólicos, entendidos como sistemas de
representação da realidade, “funcionam como elementos mediadores que permitem
a comunicação entre os indivíduos, o estabelecimento de significados
compartilhados por determinado grupo cultural, a percepção e interpretação dos
objetos, eventos e situações do mundo circundante” (VYGOTSKY, apud REGO,
2004, p. 55), o que explicita a “mediação simbólica” (ibidem, p. 50) exercida pelo
vídeo, como linguagem e tecnologia, em alguns processos de significação humana.
3.3 O VÍDEO COMO TECNOLOGIA
Seja para produzir vídeos, objetos de consumo ou alguma forma de
conhecimento, a tecnologia não possui um valor absoluto em si mesmo. É
necessário que tenha sido construída e utilizada em função de algum objetivo,
tendo, portanto, um valor relativo, associado ao papel que desempenha na
concretização desses objetivos. Pode, apesar disso, suscitar um sentido inerente
quando considerada, por exemplo, quanto à sua apropriação como meio de
produção, conferindo-lhe, assim, significação nas relações de poder entre o
proprietário e o operário (operador da tecnologia), como valor pela posse. Porém, no
mais das vezes, a tecnologia, como um artefato, não se justifica por si mesma.
O vídeo compreende um conjunto de elementos a que se denomina
tecnologia, que pode ser conceituada como nas acepções de Pinto (2005, p. 219-
355) em que ele dimensiona quatro significados principais: (a) a teoria, a ciência, o
estudo, a discussão da técnica, as habilidades do fazer, as profissões, artes e os
64
modos de produzir alguma coisa, ou em suas palavras, o “Logus da técnica”, ou
“epistemologia da cnica”; (b) a técnica, da forma como se apresenta no discurso
habitual, senso comum, equiparada verbalmente à tecnologia, num sentido pouco
preciso, como o know how americano, (c) “o conjunto de todas as técnicas de que
dispõe uma determinada sociedade, em qualquer fase histórica de seu
desenvolvimento”, em que o conceito emerge do contexto social, ganha
“generalidade formal”, e se define como patrimônio, mas, também, como instrumento
de dominação, e; (d) “a ideologia da técnica”, constituída pelas formas como a
tecnologia pode atuar na mediação de relações sociais, alterando inclusive seus
fundamentos.
No caso do vídeo (assim como no cinema), a tecnologia, é bem mais que
artefato tecnológico. Corresponde, também, às implicações geradas pela mediação
que realiza na ação social em que se constitui como prática (fazer vídeos ou filmes
se equivale), por alguém e para alguém, num determinado contexto, em função de
alguma intencionalidade.
Como meio, a tecnologia, como aparece nas idéias de Mcluhan (1996), pode
ser pensada como uma extensão do humano, como um instrumento facilitador de
operações. Mas, como linguagem, pode funcionar como um construtor de
significados, ultrapassando a mensagem em si mesma. Ao interferir, refletindo e
refratando aquilo que comunica, muitas vezes de forma radical, a tecnologia
desempenha o papel de mediador e, como tal, extrapola o sentido de extensão ou
meio.
O vídeo compreendido como prática engloba tanto a tecnologia que demanda
uma série de conhecimentos técnicos específicos e a sua compreensão como uma
mídia que interfere naquilo que comunica, quanto às atitudes e comportamentos de
seu fazedor, ou seja, todo o complexo contexto histórico cultural que o construiu e
que ele ao mesmo tempo constrói. O fazedor é também uma extensão da tecnologia
que utiliza. Ele está nela colocado e, assim, ela pode se tornar eficiente em sua
função de produzir signos.
Ao fazer vídeos, se adquirem mais que habilidades e competências técnicas
no uso da tecnologia ou da linguagem. Ao mesmo tempo, adquirem-se
compreensões intrínsecas à construção de um enunciado em que se fundem
65
múltiplas compreensões de mundo, do individual ao coletivo, do subjetivo ao social;
em que aparecem representadas não apenas as idéias de um indivíduo em
particular, mas de todo o contexto com o qual interage, e do qual participa passiva
ou ativamente. Fazer vídeos trata-se, assim, além de uma ação operativa, de uma
atividade mediada e complexa, em que a tecnologia tem o papel preponderante de
tornar possível a concretização material do que antes era idéia. Sem ela (a
tecnologia), não se produzem vídeos; entretanto, reconhecendo-a, também, como
artefato, tem-se claro que não se pode produzir um vídeo independentemente de um
operador-fazedor-criador.
Assim, a tecnologia pode ser concebida como artefato, técnica, modo de
produção e linguagem, mas, além disso, como sendo também um mediador de
relações sociais que se constituem necessariamente como um campo de luta, diga-
se, entre o desejo e o ato de fazer vídeos. O que significa dizer que a tecnologia se
confunde com a própria prática.
Se qualquer pessoa pode produzir um vídeo por tê-lo desejado, ou seja, se
isto é uma coisa possível, é preciso reconhecer que daí a concretizar tal desejo vai
uma distância razoável, distância esta pertinente a esferas de ações que, a princípio,
não estão abertas a qualquer um. Há, por exemplo, uma estreita dependência com a
questão de acesso principalmente quando se pensa em artefatos tecnológicos.
Pensar o deo como mídia, é ir além das teorias mecanicistas que concebem
a tecnologia como uma ferramenta, um meio de produção, e de que bastaria se
apropriar dela para produzir um objeto, a que se denominasse vídeo. É, de fato, algo
bem mais complexo, mesmo porque este pensamento reduz o indivíduo a um
simples operador do ferramental, e neste caso seria a ferramenta a responsável pelo
fazer vídeos e não um sujeito. O que é imponderável, no sentido de que o artefato
não age per si. sempre um sujeito que utiliza o vídeo-tecnologia para produzir a
vídeo-linguagem.
3.4 A LINGUAGEM DO VÍDEO
Ao considerar a prática de fazer vídeos como um processo de composição de
66
signos, se é levado a deduzir que o que se produz é um objeto lingüístico, e,
conseqüentemente que, o deo, assim como o cinema, é uma linguagem
audiovisual em que a tecnologia compreende o conjunto de todos os meios
necessários à sua produção. E, ainda, que há, também, um conjunto de demandas,
internas e externas, que coagem esta modalidade de linguagem de modo a torná-la
distinta de outras possíveis; que produzem um recorte, que de certa forma,
determina uma espécie de gênero.
A linguagem do vídeo é audiovisual e abrange e se compõe de elementos de
diversas outras manifestações lingüísticas, entre os quais se incluem a escrita
gráfica, a imagem, o som, e, notadamente, o movimento. Pode-se ser tentado a
dizer que o vídeo carece de características próprias que possam defini-lo como uma
linguagem específica; e que ele (o vídeo) é um intermediário, algo entre o cinema e
a televisão. Entretanto, no dizer de Machado, A.:
Ao herdar da televisão o seu aparato tecnológico, o vídeo acabou por herdar
também uma certa postura parasitária em relação aos outros meios, um
certa facilidade em se deixar reduzir à simples veículo de outros processos
de significação. Ainda hoje, o vídeo é largamente utilizado, no mercado de
massa, como mero veículo do cinema. Nesse sentido, a vídeo-arte foi
pioneira em denunciar e negar essa tendência passiva do vídeo, ao mesmo
tempo em que logrou definir para ele estratégias e perspectivas próprias.
Mais recentemente, com a generalização da procura de uma linguagem
específica, o vídeo deixa de ser concebido e praticado apenas como uma
forma de registro ou de documentação, (...), para ser encarado como um
sistema de expressão pelo qual é possível forjar discursos sobre o real (e
sobre o irreal). Em outras palavras, o caráter textual, o caráter de escritura
do vídeo, sobrepõe-se lentamente à sua função mais elementar de registro.
(1997, p.188).
A intenção deste trabalho não é discutir a especificidade de uma linguagem do
vídeo, como o faz Machado, A. (1997), mas, suas palavras são importantes para
justificar que o vídeo, ainda que seja visto como um veículo para o cinema ou como
um produtor de objetos televisivos, deve ser reconhecido, necessariamente, como
uma linguagem, mesmo a serviço de outros meios. O próprio Machado, A. (1997)
questiona essa distinção que se faz entre as linguagens do cinema, da televisão e
do deo, preferindo o termo linguagem audiovisual como uma forma híbrida;
distinção ainda menos evidente com o desenvolvimento das mídias digitais.
Assim, ao se falar em vídeo, neste trabalho, busca-se identificar uma forma
alternativa de cinema, isto é, define-se vídeo, justamente, como uma forma de fazer
67
cinema utilizando-se uma tecnologia que podemos denominar “videográfica”, apesar
da dificuldade de, atualmente, se delimitar fronteiras ou diferenças notáveis entre as
tecnologias utilizadas para se fazer cinema, televisão ou vídeo, como bem o
asseverou Machado, A.:
A situação atual da indústria do audiovisual está marcada pelo hibridismo
das alternativas. O cinema lentamente se torna eletrônico, mas, ao mesmo
tempo, o vídeo e a televisão também se deixam contaminar pela tradição de
qualidade que o cinema traz consigo ao ser absorvido. Muitos filmes que
hoje podem ser vistos nas salas de cinema, inclusive, aqueles totalmente
realizados com meios cinematográficos habituais, foram, na realidade,
pensados e produzidos em virtude de sua funcionalidade na tela pequena
da televisão. A razão é simples: um filme já não se paga apenas com a
renda das salas de exibição; ele também depende financeiramente do
rendimento derivado de sua distribuição nos canais de televisão e no
mercado de fitas de videocassete. (1997, p. 215).
As palavras de Machado, A. (1997), na atualidade poderiam ser tidas como
previsões que foram em muito superadas pela entrada da mídia digital em todos os
níveis do audiovisual, e cujo hibridismo ultrapassou os limites da interpenetração das
linguagens e atingiu o paroxismo ao tornar-se o meio de produção, por excelência,
tanto do cinema, quanto do vídeo e da televisão; o uso de películas fotográficas ou
de fitas eletro-magnéticas é visto como “saudosismo”. As projeções de filmes em
salas de cinema são, salvo raríssimas exceções, completamente digitalizadas, e a
televisão digital de alta definição é uma realidade doméstica.
Em alguns momentos desta dissertação, utilizou-se o termo filme, sem,
contudo, querer com isso referir-se apenas a uma “obra de ficção de longa-
metragem” (AUMONT e MARIE, 2003, p. 128), mas, da mesma forma, à linguagem
e ao objeto audiovisual designado como vídeo, seja ele do gênero ficcional ou
documentário, de longa, média ou curta metragem, ou ainda, pertencente à esfera
experimental ou institucional, de que se falará a seguir nas seções 3.5 e 3.7.
De modo geral, pode-se conceber a linguagem como sendo, por definição,
todo e qualquer sistema estruturado de signos de que se utiliza como meio de
comunicação de pensamentos, idéias, sentimentos ou sensações, sejam sob a
forma de gestos, sons, símbolos gráficos etc. É percebida pelos órgãos dos
sentidos, distinguindo-se, a partir deste fato, em visual, auditiva, tátil, gustativa,
olfativa, ou, em suas complexas combinações de significado.
68
Vygotsky, ao estudar a construção do pensamento e da linguagem associa-os
como processos inter-relacionados, concomitantes e propõe o significado como uma
unidade de análise em que se encontram tanto um quanto o outro.
Tudo leva a crer que a distinção qualitativa entre a sensação e o
pensamento seja a presença, nesse ultimo, de um reflexo generalizado da
realidade, que é também a essência do significado da palavra; e,
conseqüentemente, que o significado é um ato de pensamento, no sentido
pleno do termo. Mas, ao mesmo tempo, o significado é parte inalienável da
palavra como tal, e dessa forma pertence tanto ao domínio da linguagem
quanto ao domínio do pensamento. Uma palavra sem significado é um som
vazio, que não mais faz parte da fala humana. (2000, p. 10).
Vygotsky destaca o papel que a linguagem exerce no desenvolvimento do que
ele designa como “funções psicológicas superiores”, ou seja, da percepção, da
memória e do pensamento humano. Para ele,
O homem domina seu comportamento e subordina a um determinado plano
através da linguagem e com sua ajuda. A atividade prática do homem,
portanto, se faz duplamente mediada: por um lado, está mediada pelas
ferramentas no sentido literal da palavra e, por outro, mediada pelas
ferramentas em sentido figurado, pelas ferramentas do pensamento, pelos
meios, com a ajuda das quais se realiza a operação intelectual, ou seja,
mediada com a ajuda das palavras. (1996, apud TEIXEIRA, 2006, p. 50).
Concordando que a atividade humana se constitui numa prática social
material, pode-se inferir que a linguagem não é apenas um meio, mas um elemento
constitutivo dessa prática. Ou, como nas palavras de Williams, que
a linguagem não é um meio puro, através do qual a realidade de uma vida
ou a realidade de um evento ou de uma experiência, ou a realidade de uma
sociedade, pode “fluir”. É uma atividade socialmente partilhada e recíproca,
já incorporada nas relações ativas, dentro das quais todo movimento é uma
ativação do que já é partilhado e recíproco, ou pode vir a sê-lo. Assim, fazer
uma explicação a outrem é, explícita ou potencialmente, como qualquer ato
de expressão, evocar ou propor uma relação. É também, através disso,
evocar ou pressupor uma reação ativa com a experiência que está sendo
expressa, quer essa condição de relação seja vista como a verdade de um
acontecimento real, quer como a significação de um acontecimento
imaginado, a realidade de uma situação social ou a significação da resposta
a ela, a realidade de uma experiência privada, ou a significação de sua
projeção imaginativa, ou a realidade de alguma parte do mundo físico, ou
significação de algum elemento de percepção ou resposta a ele. (1979, p.
166-167).
Esta concepção de linguagem a torna essencialmente relacional, dialógica,
sustentada pelo uso e produção de símbolos. “A função da linguagem é
comunicativa. A linguagem é, antes de tudo, um meio de comunicação social, de
69
enunciação e compreensão”. (VYGOTSKY, 2000, p. 11). A linguagem é assim vista
como ato inerentemente cultural, simbólico, que produz significados utilizando-se de
signos que arbitrados sob formas sistêmicas constituem sistemas de códigos que
permitem, por convenção, estabelecer relações comunicativas entre falantes.
Portanto, sendo o vídeo uma linguagem, constitui-se de um sistema
estruturado de símbolos edigos próprios que funciona como um mediador cultural
em que os falantes podem ser representados pelos fazedores e receptores, não
necessariamente diferenciados. Ao mesmo tempo, como linguagem, o vídeo pode
ser categorizado por produzir uma determinada enunciação, em que se identificam
conjuntos de características estilísticas que podem definir um gênero discursivo.
3.5 O VÍDEO E OS GÊNEROS DISCURSIVOS
Utiliza-se, aqui, do conceito de gênero apresentado por Bakhtin (1992) e
Williams (1979), em seus estudos sobre a linguagem literária, e Aumont & Marie
(2003) sobre a cinematográfica; buscando com isso conferir ao vídeo um estatuto
similar para classificar seus gêneros discursivos, concordando com a interpretação
de Machado, I.:
A partir dos estudos de Bakhtin foi possível mudar a rota dos estudos sobre
os gêneros: além das formações poéticas, Bakhtin afirma a necessidade de
um exame circunstanciado não apenas da retórica, mas, sobretudo, das
práticas prosaicas que diferentes usos da linguagem fazem do discurso,
oferecendo-o como manifestação de pluralidade. Este é o núcleo conceitual
a partir do qual as formulações sobre os gêneros discursivos distanciam-se
do universo teórico da teoria clássica criando um lugar para manifestações
discursivas da heteroglossia
31
, isto é, das diversas codificações não restritas
à palavra. Graças a essa abertura conceitual é possível considerar as
formações discursivas do amplo campo da comunicação mediada, seja
aquela processada pelos meios de comunicação de massas ou das
modernas mídias digitais, sobre o qual, evidentemente, Bakhtin nada disse,
mas para o qual suas formulações convergem. ( 2005, p. 152).
Faraco, discorrendo sobre as concepções de linguagem de Bakhtin, afirma
que há sempre,
31
Termo cunhado por Bakhtin, para referir à diversidade social de tipos de linguagem (línguas).
70
um vínculo orgânico entre a utilização da linguagem e a atividade humana.
Para ele, todas as esferas da atividade humana estão sempre relacionadas
com a utilização da linguagem. E essa utilização efetua-se em forma de
enunciados que emanam de integrantes de uma ou doutra esfera da
atividade humana. Assim, se queremos estudar o dizer, temos sempre de
nos remeter a uma ou outra esfera da atividade humana, porque não
falamos no vazio, não produzimos enunciados (orais ou escritos) têm, ao
contrário, conteúdo temático, organização composicional e estilo próprios
correlacionados às condições específicas e às finalidades de cada esfera de
atividade. [...] para Bakhtin, gêneros do discurso e atividades são
mutuamente constitutivos. [...] o agir humano não se dá independentemente
da interação; nem o dizer fora do agir. Numa síntese, podemos afirmar que,
nesta teoria, estipula-se que falamos por meio de gêneros no interior de
determinada esfera da atividade humana. Falar não é, portanto, apenas
atualizar um código gramatical num vazio, mas moldar o nosso dizer às
formas de um gênero no interior de uma atividade. (2003, p. 111-112).
A noção de gênero, neste caso, está associada ao fato de que a prática de
fazer vídeos, produz objetos classificáveis por seus efeitos de estilo sobre o
conteúdo. Um vídeo-documentário pode ser definido como um gênero, assim como
um filme de ão, ou de aventura, drama social ou histórico. O vídeo pode ser
reconhecido como uma obra de arte, e como tal, visto e interpretado à luz das
transformações sociais nas quais se inscreve, podendo ser analisado a partir das
especificidades de uma linguagem.
Os gêneros são mais que apenas uma forma discursiva que se aplique tanto
ao romance quanto ao cinema, mesmo se considerados como modalidades de
escrita. Seguindo Bakhtin, é possível reconhecer que esta concepção vai muito
além, constitui-se numa enunciação, dependente do contexto comunicativo e,
conseqüentemente, da cultura. Assim,
Os gêneros discursivos concebidos como uso com finalidades
comunicativas e expressivas não é ação deliberada, mas deve ser
dimensionado como manifestação da cultura. Nesse sentido, não é espécie
nem tampouco modalidade de composição; é dispositivo de organização,
troca, divulgação, armazenamento, transmissão e, sobretudo, de criação de
mensagens em contextos culturais específicos. Afinal, antes mesmo de se
configurar como terreno de produção de mensagens, os gêneros são elos
de uma cadeia que não apenas une como também dinamiza as relações
entre pessoas ou sistemas de linguagens e não apenas entre interlocutor e
receptor. (MACHADO, I., 2005, p. 158).
A enunciação, ou ato de produção de enunciado, é, portanto, produzida pela
interação entre interlocutores (ou falantes), situada num determinado contexto
histórico-sócio-cultural.
71
Brait e de Melo esclarecem, a partir da leitura de Bakhtin, que
o enunciado e as particularidades de sua enunciação configuram,
necessariamente, o processo interativo, ou seja, o verbal e o não verbal que
integram a situação e, ao mesmo tempo, fazem parte de um contexto maior
histórico, tanto no que diz respeito a aspectos (enunciados, discursos,
sujeitos etc.) que antecedem esse enunciado específico quanto ele projeta
adiante.(2005, p. 67).
O termo enunciação, segundo Aumont e Marie, “designa um conjunto de
operações que corpo a um objeto lingüístico”, é, portanto, “o ato pelo qual um
locutor se apodera das possibilidades de uma língua para realizar um discurso, a
transformação de virtualidades oferecidas pela língua em uma manifestação
concreta” (2003, p. 99). E continuam, tomando como base, principalmente, os
pensamentos do teórico e crítico de cinema francês Christian Metz (1931-1993):
No campo do cinema, a enunciação é o que permite a um filme, a
partir das potencialidades inerentes ao cinema, ganhar corpo e
manifestar-se. No entanto, a idéia de enunciação em lingüística
repousa no fato de um texto ser sempre o texto de alguém para
alguém, em um momento e um lugar determinados, ao passo que
essas características estão longe de serem evidentes na enunciação
fílmica. As teorias da enunciação permitiram levar em consideração a
maneira pela qual o texto fílmico se desenha, se enraíza e se volta
sobre si mesmo. A noção serve para salientar três momentos da
produção do texto fílmico: o momento de sua constituição, o de sua
destinação e seu caráter auto-referencial. Daí a importância, para o
filme, da noção de ponto de vista. Interessar-se pela enunciação
fílmica é interessar-se pelo momento em que se enquadrou uma
imagem e pelo momento em que o espectador percebe esse quadro.
(...) Pelo fato de a presença de marca de enunciação no enunciado
ameaçarem o regime de adesão à ficção, alguns teóricos opuseram o
filme narrativo clássico, que privilegia o efeito de engodo e a
transparência esforçando-se para suprimir os traços da enunciação, a
todas as categorias de filmes modernos, disnarrativos ou
experimentais que, ao contrário, exibem seu dispositivo enunciativo.
(AUMONT e MARIE, 2003, p. 99-100).
Nesta pesquisa, trabalhou-se com a noção de gênero para classificar dois
objetos audiovisuais distinguidos como: a) um vídeo-ficção e b) um vídeo-
documentário; pensados como definição de uma modalidade da linguagem
audiovisual (cinematográfica) quanto à forma de enunciar determinados textos. A
compreensão que se tem do que seja ficção ou documentário, certamente, interfere
de forma radical naquilo que é comunicado.
Grosso modo, compreende-se ficção como representação do “imaginário”, e
72
documentário como representação do “real”. A princípio, numa comparação
superficial, são identificados como antagônicos. Num deo-ficção encontram-se
personagens ou situações imaginárias, representações ilusionísticas, enquanto que,
num documentário, o que se vê o pessoas e fatos reais, passíveis de serem
concretamente reconhecidos como tal, apesar de serem, também, representações.
Entretanto, numa compreensão mais aprofundada, é possível reconhecer que esta
distinção não é assim tão clara, ou nem existe. A classificação em gêneros
distintivos, aqui adotada, se deu pelo propósito de possibilitar uma interpretação
comparativa que evidenciasse que um e outro são construções simbólicas
intencionadas por objetivos que se pretendem ser diferenciados.
No caso deste trabalho, considera-se mais que apenas o texto interno do
vídeo, ou seja, vai-se além da inter-relação das personagens, e engloba-se,
também, o diálogo mediado por este vídeo entre interlocutores reais. Tem-se o
entendimento de que a ficção e o documentário produzem interpretações distintas,
porque se comportam como mediadores diferenciados desse diálogo, ou seja,
apesar da mediação superar as questões de gênero, ainda assim o por elas
decisivamente afetadas.
Williams enfatiza que a classificação dos gêneros, e as teorias que apóiam os
vários tipos de classificação, são, na verdade, assuntos que interessam aos estudos
acadêmicos e formalistas. Aponta para o fato de que a questão envolve complexas
relações entre as diferentes formas de processo material social, inclusive, relações
entre processos em cada um desses níveis nas diferentes artes e formas de obra, o
que, segundo ele, é parte de qualquer teoria marxista:
O gênero, sob este ângulo, o é um tipo ideal nem uma ordem tradicional
nem uma série de regras técnicas. É na combinação prática e variável e até
mesmo na fusão daquilo que constitui, abstratamente, diferentes níveis do
processo material social, que o gênero tal como o conhecemos, se
transforma num novo tipo de evidência constitutiva. (WILLIAMS, 1979, p.
184)
Aumont e Marie dizem que a palavra “gênero” sempre teve o sentido de
“categoria, agrupamento”, e que, a partir do culo XVII, teve seu emprego mais
especializado em: “categoria de obras que têm caracteres comuns (de enredo, de
estilo etc.)”. A partir de então,
73
os gêneros passaram a definir as mais diversas formas de arte: pelo enredo
(natureza morta, paisagem, em pintura; drama, comédia, em teatro), pelo
estilo (é o caso dos gêneros musicais), pela escritura antes o caso dos
gêneros literários, que distinguem, por exemplo, o ensaio do romance). Por
outro lado, os neros têm existência se forem reconhecidos como tais
pela crítica e pelo público; eles são, portanto, plenamente históricos,
aparecendo e desaparecendo segundo a evolução das próprias artes.
(AUMONT e MARIE, 2003, p. 142)
Falando especificamente do cinema, Aumont e Marie afirmam que o gênero
na linguagem cinematográfica está “fortemente ligado à estrutura econômica e
institucional da produção”, o que significa dizer que alguns gêneros
32
(como o
western, a comédia ou o melodrama) foram mais explorados em determinadas
épocas que em outras, em função da preferência do público etc. Ao longo do tempo,
alguns gêneros desapareceram, outros se fundiram, e ainda, atualmente, “vários
cineastas importantes [...] procuraram dar, no interior mesmo dos gêneros, uma
redefinição ou, ao menos, uma reflexão que institui uma espécie de distância”, mas
não de negação. Os gêneros continuam presentes, mesmo que com novas
denominações, incluindo-se uma adjetivação relativa a um determinado estilo autoral
(já dito de outra forma por Williams). Por exemplo, o realismo de Federico Fellini; a
comédia de Woody Allen; o documentário de Eduardo Coutinho; ou a ficção-
científica de George Lucas.
Para Stam (2000, p.68): “Bakhtin elabora conceitos extremamente instigantes,
que podemos extrapolar para a análise do cinema como encenação de situações
discursivas”. Em sua classificação, encontramos os “gêneros primários”, presentes
no discurso cotidiano, nas conversas e situações corriqueiras; e os “gêneros
secundários”, como o discurso sociocultural e a pesquisa científica, sendo que os
segundos se originam dos primeiros, de sua elaboração sistemática.
Num vídeo-ficção, ou num vídeo-documentário, podemos encontrar tanto um
quanto outro, da conversa informal ao discurso acadêmico, dependendo do que é
nele representado. Inegável é o fato de que pode ocorrer do vídeo funcionar como
uma mediação secundária, que, de certa forma, se aproxima da idéia de “reflexo e
refração” proposta por Bakhtin. O vídeo, seja ele de qualquer gênero, não apenas
32
Categoria de obras que têm caracteres comuns (de enredo, de estilo etc.), que no cinema se define por certas
características associadas ao tema, à história ou a certas cenas que se repetem definindo um estilo.
74
reflete, mas, também, refrata aquilo que comunica, produzindo uma forma
enunciativa, axiológica.
Segundo a interpretação que Faraco faz das idéias do Círculo de Bakhtin:
A relação do nosso dizer com as coisas (em sentido amplo do termo) nunca
é direta, mas se dá sempre obliquamente: nossas palavras não tocam as
coisas, mas penetram na camada de discursos sociais que recobrem as
coisas. Essa relação palavra/coisas, diz este autor (Bakhtin), é complicada
pela interação dialógica das várias inteligibilidades socioverbais que
conceptualizam as coisas. (2003, p. 49).
Concebendo a linguagem audiovisual da mesma forma que a linguagem
literária, como um sistema estruturado de signos, pode-se estender ao vídeo a
compreensão de Faraco acerca dos pensamentos do Círculo de Bakhtin, quando
este cita a metáfora do raio de luz que cruza a “atmosfera social da palavra”
refratando-se antes de fazê-la refletir-se significativamente:
É nesse sentido que os textos do Círculo vão dizer recorrentemente, que os
signos não apenas refletem o mundo (não são apenas um decalque do
mundo); os signos também (e principalmente) refratam o mundo. Em outras
palavras, o Círculo assume que o processo de transmutação do mundo em
matéria significante se dá sempre atravessado pela refração dos quadros
axiológicos. (2003, p.49).
Assim, pode-se dizer que os gêneros, definidos como um determinado
conjunto de signos, seus significantes e significados, também se constituem por
reflexo e refração de determinado autor ou contexto, e que, segundo suas
qualidades e posições de sujeito e situação histórico-cultural, produzir-se-ão certos
modos de interpretar e representar o mundo.
Mais especificamente, quanto ao gênero, os dois vídeos utilizados neste
estudo de caso, podem ser definidos como ficção e documentário.
No dizer de Aumont e Marie,
a ficção é uma forma de discurso que faz referência a personagens ou a
ações que só existem na imaginação de seu autor e, em seguida, na do
leitor/espectador. De modo mais geral, é ficção (do latim fingo, que originou
também a palavra “figura”) tudo o que é inventado como simulacro. (2003, p.
124).
Ao falar do documentário, chamam a atenção para a relação de oposição que
se coloca entre este e o gênero ficção:
75
a oposição ‘documentário/ficção’ é uma das grandes divisões que estrutura
a instituição cinematográfica desde suas origens. Ela governa a
classificação das ‘séries’ nos primeiros catálogos das firmas de distribuição
que distinguem as ‘vistas ao ar livre’, as ‘atualidades’, os ‘temas cômicos e
dramáticos’. Chama-se, portanto, documentário, uma montagem
cinematográfica de imagens visuais e sonoras dadas como reais e não
fictícias. O filme documentário tem, quase sempre, um caráter didático e
informativo, que visa, principalmente, restituir as aparências da realidade,
mostrar as coisas e o mundo tais como eles são. (2003, p.86).
Assim definido, seja o vídeo de ficção ou documentário, torna-se necessário
que se ressalte que a prática que se busca descrever e interpretar ocorre no interior
de uma escola pública, de uma instituição, e como tal, implica em alterações
significativas na compreensão de tais gêneros, assim como nas possibilidades de
negociação de significados que se dá a partir deles em tal contexto.
3.6 O VÍDEO E A EDUCAÇÃO
A escola é uma instituição tanto por ser um espaço que congrega elementos
normatizados, quanto por se apresentar como um espaço estruturado de posições,
independentes das características de quem as ocupa diretores, professores,
alunos, funcionários, membros da comunidade; a cada qual correspondendo um
função, em algum grau, instituída. Mesmo que esta estrutura institucional possa ser
modificada a qualquer tempo, a escola dispõe, a princípio, de uma estrutura de
elementos fixados, sustentados por algum tipo de norma; o que, de algum modo,
pré-define determinadas atitudes e comportamentos.
A instituição escolar é identificada, desta forma, como um espaço social
simbólico em que se reproduzem algumas formas arbitrárias representadas por
cargos, posições, funções, diretrizes curriculares e normas de conduta. Entretanto,
pode haver cruzamentos, superposições, justaposições, interferências, negociações
e injunções de diferentes esferas e posições de poder, o que faz com que cada caso
tenha sua especificidade condicionada pelo engajamento e disposição dos
integrantes da comunidade de se envolverem com o cotidiano escolar.
Williams fala, de modo geral, sobre a evolução do significado do termo
instituição dizendo que
76
desde meados do Século XVIII, instituição e mais tarde instituto (idem)
começaram a ser usados nos títulos de organizações ou tipos de
organizações específicas: 'Instituições de Caridade' (1764) e diversos títulos
de finais do Século XVIII; [...] e organizações semelhantes de princípios do
Século XIX, aqui como imitação provável de Institut National, criado na
França em 1795 com uma terminologia conscientemente moderna. A partir
de então, usa-se amplamente instituto (idem) para designar organizações
profissionais, educacionais e de pesquisa; e instituição (idem), para
organizações de caridade e benemerência. Entretanto, o sentido geral de
uma forma de organização social, específica ou abstrata, confirmou-se no
desenvolvimento de institucional (idem) e institucionalizar (idem) em
meados do Século XIX. No Século XX, instituição (idem) tornou-se o termo
corrente para referir-se a qualquer elemento organizado de uma sociedade.
(2007, p. 235, grifo do autor).
Quando se fala aqui de uma instituição escolar pública, está-se falando, ao
mesmo tempo, de toda a estrutura estatal que a acompanha, o que pode ser
confirmado pela gama de documentos, programas e orientações legais encontradas
nos arquivos dos estabelecimentos escolares representadas, por exemplo, pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, o Projeto Político-Pedagógico da escola, assim
como no plano de carreira dos profissionais da educação oferecido pelo Estado. É
assim em todas as unidades da Federação.
Ao orientar um programa de ensino-aprendizagem das artes para a escola
pública, o Governo Federal propõe um modelo a ser adaptado às condições
específicas de cada estabelecimento, estabelecendo, porém, paradigmas
fundamentais que deverão ser seguidos por toda a rede escolar, sem exceção. Ao
professor cabe o espaço metodológico, dependente de sua criatividade pessoal; o
que faz com que sejam encontrados os mesmos conteúdos ministrados de formas
diferenciadas. Estes paradigmas fundamentais são, como dito anteriormente: o
produzir (fazer), o apreciar (fruir) e o pensar (interpretar).
Atualmente, a instituição escolar pública tem-se utilizado de artefatos
tecnológicos diversos sempre acompanhados de diretrizes que normatizam o uso
destes artefatos. Professores e funcionários m sido capacitados de modo a
atender às demandas técnicas e outras, como, compreensão das novas linguagens
e implicações geradas pelas mesmas no processo de ensino-aprendizagem, em
suas teorias e práticas, dentro e fora das salas de aula. Porém, no caso das artes
audiovisuais, aqui denominadas “vídeo”, as atividades têm se voltado mais para
apreciação e leitura crítica do que para a produção de objetos audiovisuais, sejam
77
eles vídeos-ficção ou documentários, sendo que a constatação da existência desta
“lacuna” orientou em grande parte este trabalho de pesquisa.
Como instituição, a escola acaba por interferir e influenciar de diversas formas
nas atitudes, nos comportamentos e mesmo na compreensão de membros de
alguns conceitos e valorações, incluindo-se o que deve e o que pode ser
considerado adequado quando se trata de construir, por exemplo, um vídeo-
documentário que lhe possa servir como representação. Desta forma, o institucional
acaba por constituir uma esfera de ações e condutas arbitradas.
3.7 O VÍDEO E AS ESFERAS DO EXPERIMENTAL E DO INSTITUCIONAL
Além das noções de gênero (ficção e documentário), para este estudo, devem
ser definidos outros dois conceitos: o experimental e o institucional que, seguindo o
pensamento do que se convencionou chamar “o Círculo de Bakhtin” serão
denominados como “esferas” (GRILLO, 2006), por serem concebidos como locais de
produção ideológica.
A esfera do experimental é definida aqui como um espaço de relativa
liberdade criativa, em que não se percebem claramente as injunções e interferências
do contexto, enquanto que esfera do institucional se mostra como uma zona
delimitada de forma mais evidente por normas coercitivas que demandam e
determinam modos de agir, seja na criação artística ou no comportamento social.
Entende-se que o experimental se liga ao imprevisível, à mobilidade;
enquanto que o institucional se associa à idéia de sistema arbitrariamente
construído, à fixidez; porém, ambos partícipes da construção ideológica do cotidiano
e que, se não são esferas antagônicas, são instâncias distintivas da fala, gestos e
atos humanos que se interpenetram, dialogam.
Diga-se assim, é pela repetição da experiência e tomada de consciência que
se pode chegar à institucionalização. E, ainda, o que é institucionalizado acabará por
influenciar as novas experiências, retirando delas um pouco de sua originalidade,
coagindo-a com seus limites, que para serem superados deverão ser re-
78
experimentados, tendo que atingir certo grau de crítica libertária, de ato
revolucionário, para que possa provocar alguma ruptura na sua fixidez institucional.
inúmeras formas de fazê-lo. Para o caso da linguagem, algumas dessas
formas podem ser representadas por “subgêneros”. No caso da ficção, uma dessas
formas é representada pela paródia, em que o riso parodístico se mostra como um
elemento crítico com poder corrosivo, e conseqüentemente, de ruptura.
O riso, segundo Rabelais,
tem um profundo significado filosófico; é um ponto de vista particular sobre a
experiência, não menos profundo que a seriedade. É uma vitória sobre o
medo que torna comicamente grotesco tudo o que aterroriza. O riso popular
festivo triunfa sobre o pânico sobrenatural, sobre o sagrado, sobre a morte;
provoca a queda simbólica de reis, de nobrezas opressoras, de tudo o que
sufoca e restringe. (apud STAM, 2000, p.44).
De acordo com Aumont e Marie, a paródia é uma “imitação burlesca ou
cômica de uma obra séria” e “teve, no cinema, uma produção constante, desde os
primeiros tempos (...)” (2003, p. 222). No Brasil ocupou lugar de destaque quando da
tentativa de se criar uma “indústria cinematográfica nacional”. Grandes atores se
notabilizaram neste estilo: Oscarito, Grande Otelo, Anquito, Dercy Gonçalves, Zezé
Macedo e, muitos outros. (BERNARDET, 2007).
Bakhtin, em suas teorias sobre o romance, associa plurilingüísmo e riso,
como formas de dessacralizar e relativizar os discursos, reafirmando seu caráter
ideológico, cuja principal característica é romper o instituído. Segundo ele,
rir dos discursos deixa clara a sua unilateralidade e os seus limites,
descentrando-os, portanto. A consciência sócio-ideológica passa a percebê-
los como apenas um entre muitos e em suas relações tensas e
contraditórias. O riso destrói, assim, as grossas paredes que aprisionaram a
consciência no seu próprio discurso, na sua própria linguagem. (apud
FARACO, 2003, p. 79).
Como foi dito, esta pesquisa trata da prática de fazer vídeos numa escola
pública, da diferenciação entre o que se pode perceber a partir do ponto de vista da
ficção, do experimental e do risível, em contrapartida ao documental, ao
institucionalmente construído, ao sério e objetivo; ou seja, trata-se de analisar e
compreender de que forma são construídas tais maneiras de interpretar e
representar o mundo. Assim, concorda-se com Bakhtin, quando ele diz que o “ponto
de vista é mais do que uma questão técnica; é também uma questão social, política
79
e ética, uma concretização das diversas potencialidades das relações eu - outro”
(apud STAM, 2000, p. 99).
Tratam-se, portanto, de esferas intercomunicantes, dialógicas. O vídeo em
seu papel de mediador é, também, porta voz de anseios e demandas em
permanente negociação, ou seja, o ato de fazer um vídeo é em si, uma ação
dialógica, transformadora de comportamentos e atitudes diante da realidade.
Falando da linguagem cinematográfica, aqui extensiva ao vídeo, Aumont e
Marie assim a definem:
Ver um filme é, antes de tudo, compreendê-lo, independentemente de seu
grau de narratividade. É, portanto, que, em certo sentido, ele diz” alguma
coisa, e foi a partir dessa constatação que nasceu, na década de 1920, a
idéia de que, se um filme comunica um sentido, o cinema é um meio de
comunicação, uma linguagem. (2003, p. 177).
Antes disso haviam surgido teorias, tais como: “cine-olho”, de Vertov
(1922); “cine-língua” ou “cine-linguagem”, de Kulechov e Eisenstein (1929); “docu-
ficção”, de Flaherty (1934); entre outros; procurando através de uma metáfora
delimitar uma linguagem espefica do cinema. Eisenstein, mais que todos os outros,
funda um “cinema intelectual”, cuja principal implicação consistia no fato de poder
articular seqüências de planos em razão de um sentido a ser produzido. Assim,
como relatam Aumont e Marie, “[...] de maneira geral, a idéia de linguagem, a fortiori
a de língua, têm, sobretudo, acompanhado as estéticas fundadas na montagem e
sobre a marcação forte dos meios expressivos” (2003, p.178).
Apesar de reconhecer que a montagem é apenas um dos recursos de que se
pode utilizar para compor o enunciado fílmico, entende-se que o seu papel na
construção do sentido é fundamental, principalmente pela possibilidade que a
montagem apresenta de re-construir o enunciado fílmico segundo um determinado
ponto de vista.
A definição técnica de montagem é simples: trata-se de colar uns após os
outros, em uma ordem determinada, fragmentos de filme, os planos, cujo
comprimento foi igualmente determinado de antemão. Essa operação é
efetuada por um especialista, o montador, sob a responsabilidade do diretor
(ou do produtor, conforme o caso). [...] Todo filme, ou quase todo, é
montado, mesmo se alguns comportam poucos planos. [...] Entretanto, o
papel da montagem não é o mesmo em todos os filmes. A maior parte do
tempo, ela tem, a princípio, uma função narrativa: a mudança de planos,
correspondendo a uma mudança de ponto de vista, tem por objetivo guiar o
80
espectador, permitir-lhe seguir a narrativa facilmente (correndo o risco de
inverter essa possibilidade e fazer uma montagem que obscureça nossa
compreensão, como ocorre freqüentemente com o filme policial, até hoje).
(AUMONT e MARIE, 2003, p. 196).
É justamente este papel de “guia do espectador” que faz da montagem um
dos elementos de que se apropria o realizador para “dizer” aquilo que pretende de
uma forma tal que possibilite a percepção imediata (ou o) do enunciado fílmico.
Diga-se, uma montagem linear pode ser acompanhada sem muito esforço
intelectual, enquanto que uma montagem truncada, não-linear, pode exigir certo
exercício mental que tornará a compreensão um pouco mais complexa para um
determinado tipo de público.
Para o caso específico deste estudo em que estão definidos como objeto de
estudo: para o vídeo-ficção experimental, a montagem se constitui num campo de
experimentações e negociações bastante aberto, o que não se depreende como
totalmente livre de interferências de contexto; para o vídeo-documentário
institucional este exercício de liberdade se orienta tanto pela intencionalidade de
uma narrativa mais direta, quanto pela demanda da instituição, cujo interesse seja o
de produzir um discurso ideologicamente evidenciado por seus objetivos.
De toda forma, a montagem acaba por se constituir num campo de
negociação de sentido e significados, e estará de algum modo atrelado à questão de
gênero, que infere uma determinada pontuação, relações de metáfora, efeitos
rítmicos e plásticos diferenciados para um vídeo-ficção ou um documentário, por
exemplo. E ainda, esta montagem estará sujeita a injunções da esfera na qual se
insere, e sendo experimental ou institucional comportará intencionalidades distintivas
e, portanto, resultados distintos.
Em síntese, nesta pesquisa, a prática de fazer vídeos numa escola pública é
descrita como uma ação coletiva que se num determinado contexto, ou seja,
como uma prática cultural situada, dependente tanto dos sujeitos envolvidos quanto
de sua localização histórica e geográfica. Seus resultados, denominados como
objetos audiovisuais, ou simplesmente deos, por serem provenientes de um ato
lingüístico podem ser classificados de acordo um conjunto de características que os
definem, oportunamente, como gêneros, ficção e documentário, sujeitos a injunções
e interferências provenientes de espaços de produção ideológica distinguidas por
81
esferas do experimental e institucional. Destas interpenetrações se constrói um
campo, uma situação, no interior do campo se dá o processo da pesquisa. O
próximo passo é delimitar as unidades de análise a partir das quais serão
destacadas as evidências que possibilitem atingir o objetivo proposto: documentar e
interpretar algumas das motivações que levaram este grupo de pessoas a
realizarem, neste contexto, a prática de fazer vídeos.
82
4 CASO ÚNICO: MÚLTIPLAS EVIDÊNCIAS
Tendo sido definido, metodologicamente, este trabalho como “um caso único
incorporado” (YIN, 2005), tendendo a “um contínuo auto-biográfico etnográfico”
(JOHNSON et ALL, 2006) e etnológico (GEERTZ, 1989); ele está orientado pela
idéia de que uma situação única de pesquisa, na qual podem ser identificados
múltiplas evidências que representam unidades de análise, inscritas em três
momentos e condições distintas que podem ser delimitados cronologicamente em
um antes, um durante e um depois.
De início, considere-se que, a conjunção de fatores, condições e atores-
agentes, se deu graças ao Programa de Pós Graduação em Tecnologia (PPGTE), da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), onde ocorreu o encontro
com o professor Paulo Renato Araújo Dias, também mestrando do programa,
participante fundamental na articulação deste trabalho e também uma das
personagens a que me refiro. Funcionário docente do Colégio Estadual Professora
Ottília Homero da Silva, local e contexto da pesquisa, que chamarei doravante de
Colégio Ottília, ou apenas Colégio, mostrou-se, a princípio, interessado no projeto de
cineclubismo “Cinevídeo na UTFPR”
33
, desenvolvido como atividade dos grupos:
“DArc”
34
e “dmi”
35
, no PPGTE, em que expressou a vontade de estendê-lo (o projeto
de cineclubismo) aos alunos do referido Colégio, em função das proposições do
“Grupo Camélia”, um grupo de estudos que formara com seus alunos no ano de
2006.
Como dito no capítulo 2, neste trabalho optou-se por identificar os sujeitos (e
unidades de análise) com seus nomes, endereços e características particulares. Vale
reiterar que as razões se encontram em função da defesa de uma postura engajada,
bem como pelo fato de os participantes da pesquisa estarem identificados no
vídeo-documentário institucional realizado durante o processo.
33
Mostra de filmes temáticos acompanhados de debate exibidos na última sexta-feira de cada mês.
34
Grupo de Pesquisa: “Design, Arte e Cultura”, coordenado pelo Prof. Luiz Ernesto Merkle, no PPGTE,
UTFPR.
35
Grupo de Estudos: “Design de Mídias Interativas”, coordenado pela Prof.ª Maristela Ono, no PPGTE,
UTFPR.
83
Desta forma, descrevem-se lugares e pessoas, com a intenção de reafirmar a
idéia de que a ciência se faz coletivamente, sempre eivada de referências e
injunções de outrem e do contexto. Entrementes, mesmo que as palavras (e
enunciados) sejam reflexos e refrações da situação e circunstâncias em que se viva,
defende-se aqui, como nos Estudos Culturais, que a denominação explícita dos
sujeitos da pesquisa não é uma questão de individuação autoral, mas da
compreensão de particularidades.
Procede-se, assim, à contextualização e situação da pesquisa, partindo de
sua localização geográfica, identificando o local onde este grupo de pessoas
realizou sua prática, no interior de uma escola pública, descritas aqui de forma
reconhecidamente sumária.
A apresentação destes dados iniciais tem a intenção de, apenas, situar os
locais onde se desenrola o caso em estudo: O Colégio Estadual Professora Ottília
Homero da Silva, no bairro Jardim Amélia, cidade de Pinhais, região metropolitana
de Curitiba. A maioria dos envolvidos reside na comunidade, alguns a mais, outros
menos tempo. Seus familiares foram, em grande parte, ativos participantes do
movimento reivindicatório da construção, e depois, da denominação oficial do
Colégio.
4.1 O BAIRRO JARDIM AMÉLIA – CIDADE DE PINHAIS
Pinhais é um dos municípios integrantes da Região Metropolitana de Curitiba
(RMC), assim caracterizada pelo Governo Federal em 1973. O esgotamento das
fronteiras agrícolas, intensa modernização da agricultura, êxodo rural e procura por
inserção no mercado de trabalho gerado pela industrialização recente, fizeram com
que a RMC tivesse o índice populacional aumentado rapidamente, principalmente
nas décadas de 70 e 80 do Século XX, contingente esse formado em grande parte
pelos excluídos do processo produtivo da agricultura, principal componente das
exportações brasileiras de então. Se por um lado, a agricultura excluía os pequenos
agricultores e trabalhadores camponeses, a indústria paranaense também passava
por transformações acompanhando a tendência nacional.
84
De acordo com dados do IBGE (2006), o município de Pinhais possui uma
população atual de, aproximadamente, 123.288 mil habitantes.
Atividades produtivas geradoras de emprego, custo da terra e restrições
impostas de Curitiba, foram os principais motivos que fizeram a população extrapolar
os limites do município de Curitiba. Piraquara recebeu, nas décadas de 1970 e 80, o
maior contingente de migrantes, e segundo o site oficial (2008)
36
: “Em 1988, do total
de 71.382 habitantes, 83,21% da população de Piraquara foram residir em área
urbanizada, ou seja, em Pinhais.” Nos anos anteriores, muitos dos donos de terra da
região, lotearam suas propriedades, que de certa forma, delimitaram as várias
regiões de Pinhais, e entre os mais populosos destacam-se: Maria Antonieta, Vila
Amélia, Weissópolis e Emiliano Perneta. No início, chácaras e pequenas
propriedades, depois terrenos e lotes. Aristides Santos, um dos herdeiros de
Gerônimo Santos, foi o responsável pelo loteamento de Vila Amélia uma
homenagem à mãe, Maria Amélia Santos. Em 2008, o bairro passou a chamar-se
Jardim Amélia.
O setor educacional de Pinhais é constituído por 21 escolas municipais, 14
estaduais, de ensino fundamental e médio; 11 centros de educação infantil, uma
universidade, e várias instituições particulares; atendendo a cerca de 20 mil
estudantes, entre crianças, jovens e adultos.
37
O Jardim Amélia (figura 1), onde se localiza o Colégio Estadual Professora
Ottília Homero da Silva, é um bairro quase que exclusivamente residencial. É
formado por um conjunto de casas, de estilos variados, tendo como ponto distintivo
uma fonte de água natural (figura 2), situada na frente de um templo católico.
Figura 1: Ruas do bairro Vila Amélia, nas proximidades do Colégio Ottília
36
http://www.pinhais.pr.gov.br.
37
Para ver mais: http://www.pinhais.pr.gov.br/web/index.php?secao=unidade&unidade=3.
85
Como elemento geográfico de destaque, o bairro possui uma região de
aclive acentuado, chamado pelos moradores de “morrão” (figura 3). O Colégio Ottília
está localizado em seu ponto mais elevado.
No bairro, servido por um ônibus “alimentador” (figura 4) que transporta os
moradores até o Terminal de Pinhais, podem ser encontrados diversos tipos de
comércios e prestação de serviços, de pequeno porte; ressaltando a proximidade de
dois importantes hiper-mercados - varejista e atacadista, e possuir em sua
paisagem, ainda, uma pequena área de preservação ambiental, em parte afetada
por um novo loteamento.
4.2 O COLÉGIO ESTADUAL PROFESSORA OTTÍLIA HOMERO DA SILVA
O Colégio Estadual Professora Ottília Homero da Silva localizado na Rua
Arthur Bernardes, 321 (Esquina com a Rua Nilo Peçanha), Vila Amélia, Pinhais,
Paraná; iniciou suas atividades em quatorze de março de 1990, no prédio da Escola
Chafic Smaka cedido pela Prefeitura Municipal de Piraquara. Tendo inicialmente o
nome de Escola Estadual “Vila Amélia”, autorizada, inicialmente, a funcionar
somente no período noturno atendendo quatro turmas de quinta a oitava série do
Ensino Fundamental, através da Resolução nº 662/90 da SEED.
Figura 2: A fonte
Figura 3: O "morrão" Figura 4: O transporte coletivo
86
Figura 5: Fotos da construção do Colégio
Neste período, deu-se início a construção de quatro salas e demais
dependências da Escola Vila Amélia em terreno doado pela Prefeitura de Piraquara,
a Fundação Educacional do Paraná (FUNDEPAR), conforme escritura pública,
atendendo reivindicação da comunidade (figura 5).
A partir de abril de 1992 a Escola passou a funcionar nos turnos manhã, tarde
e noite em unidade própria, com as quatro salas disponíveis, enquanto seguia a
construção e ampliação de outras cinco salas e setor administrativo. Em dezembro
de 1993 ocorreu a formatura da primeira turma de oitava série dos alunos desta
escola, e neste mesmo ano, para atender ao aumento da demanda social foi
implantado o Ensino Médio, sendo este autorizado a funcionar a partir de 1995, por
meio da Resolução 4418/95, tendo seu Reconhecimento aprovado pela
Resolução nº 113/99, publicada no Diário Oficial do Estado em 27/04/99.
No período de 1990 a 1992 a senhora professora Luiza P. Kropzak atuou
como Diretora do Colégio, acompanhando o processo de construção bem como
buscando atender à comunidade. De 1993 a 1996 o senhor professor Luiz Goulart
Alves assumiu a direção da escola dando continuidade aos projetos existentes,
buscando recursos para melhorias nas estruturas físicas bem como da construção
da quadra de Esportes.
Conforme a resolução 2864/96 de 27 de julho de 1996, o colégio passou a
chamar-se Colégio Estadual Professora Ottília Homero da Silva Ensino de e
87
graus; em homenagem à professora Ottília que em sua vida, segundo amigos e
colegas de trabalho, se dedicou “com entusiasmo” à educação, uma vez que
enquanto professora da escola municipal Chafic Smaka, também no Jardim Amélia,
atendeu a maioria dos alunos que estavam cursando o ensino médio no Colégio Vila
Amélia, sendo, portanto, conhecida e reconhecida pela comunidade do bairro.
O processo de escolha do novo nome se deu por eleição direta, no qual os
pais e alunos, professores e funcionários votaram. Neste período de 1997 a 2001
quem assumiu a direção foi o senhor professor João Morais e no período de 2002 a
2005 o senhor professor Cláudio Siqueira de Oliveira. Através do processo de
eleição ocorrido no mês de novembro de 2005 foi eleito em chapa única com 96% de
aprovação o professor Luiz Goulart Alves (diretor) em conjunto com o professor João
Batista Siviero (vice-diretor) para a gestão de 2006 a 2007, tendo o último assumido
o cargo de diretor em 2006, pelo fato do professor Luiz Goulart Alves haver
tomado posse como Deputado Estadual (como suplente).
O ambiente físico do Colégio é simples, sendo o todo do prédio cercado por
muros altos que impedem que se identifique imediatamente como uma escola. A cor
cinza dominante lhe confere um caráter um tanto impessoal (figura 6), fato este que,
foi modificado na reforma realizada no final de 2007, início de 2008.
Figura 6: Muros altos cercam o Colégio
O letreiro com o nome que identifica o colégio, pintado no frontão do bloco da
cantina, apresenta-se “escondido” por árvores, tornando-o quase imperceptível a
partir da rua. O mesmo se com a entrada do Colégio. (figuras 7, 8 e 9), e que
também foi devidamente alterada na reforma, dando-lhe mais visibilidade.
88
Figura 7: Fachada (letreiro)
Figura 8: O letreiro “oculto”
Figura 9: Entrada do Colégio
O ambiente interno é adequado ao tamanho do terreno, e quase todo o
espaço é ocupado por construções. As salas de aula são preparadas para receber
cerca de 40 alunos cada. Iniciavam-se, à época da pesquisa, a instalação de novos
equipamentos tecnológicos em função dos projetos que o Governo Estadual estava
implantando em todos os estabelecimentos de ensino sob sua responsabilidade
televisões e computadores. Seguindo um padrão, as salas têm suas portas voltadas
todas para a mesma direção, divididas em blocos dispostos paralelamente,
garantindo desta forma a redução de ruído.
Figura 10: Instalações internas do Colégio
89
A quadra de esportes se localiza próximo às salas de aula (figura 10), e que é
utilizada em horários adequados de maneira que as atividades físicas não interfiram
nas demais.
A vegetação existente se restringe ao entorno da escola com um jardim
circundante (figura 11). As demais áreas, antes cobertas com pedras britadas, o
agora pavimentadas com concreto. (figura 12).
O cenário é completado por áreas de convivência com mesas de alvenaria
estampadas com tabuleiros para jogos e bancos fixos do mesmo material (figura 13);
mesas de serralheria com bancos removíveis que são utilizados na hora das
refeições (lanches), duas quadras para todos os esportes, uma área coberta que
serve como espaço de recreação multimeios televisão, som, mesa de pingue-
pongue etc.
As refeições, como em todas as outras escolas, são preparadas e servidas no
local, havendo, entretanto, uma pequena lanchonete comercial, a cargo da
Associação de Pais, Mestres e Funcionários (APMF), que utiliza de sua renda para a
realização de projetos escola-comunidade de interesse geral.
Figura 13: Mesa de Jogos
Segundo o atual diretor do colégio, professor João Batista Siviero, muitas
mudanças ocorreram com a reforma: novas cores (mais alegres) das paredes,
reorganização dos espaços da recepção, secretaria, biblioteca, sala de informática e
sala de multimeios, onde ocorre a maioria das atividades coletivas da escola e
comunidade, como, por exemplo, a oficina de teatro e vídeo realizada com o Grupo
Camélia, apresentações de teatro e reuniões pedagógicas ou da APMF.
O quadro de pessoal do Colégio, na época da pesquisa, era composto por 40
Figura 11: Jardim interno
Figura 12: Área-convivência
90
pessoas, podendo variar de acordo o ano letivo em função dos contratos de
professores em regime de substituição (PSS), sendo: 29 (vinte e nove) professores
(um deles ocupando o cargo de diretor), 3 (três) pedagogos (um deles ocupando o
cargo de vice-diretor) e 8 (oito) funcionários administrativos e expediente, incluindo
secretaria, limpeza e cantina. Conforme pode ser percebido pelo quadro
sociométrico (tabela 1), possuem situação econômico-social similar, no que
concerne à escolaridade, formação familiar, acesso à informação e tecnologia, bem
como preferências em entretenimento; dando uma visão de homogeneidade.
PROFE
SSORES E FUNCIONÁRIOS
(14 respondentes de um universo de 40) ; 1 7,14%
Média de idade: 32,0 22 a 54 anos 21,42% com 22 anos 64,26% tem filhos
Sexo: [8] mulheres [6] homens Escolaridade: [4] Pós Graduação [8] Graduação [2] Graduação Incompleta
42,84% dos entrevistados moram na Vila Amélia e residem em casas próprias
Média de pessoas por residência: [3,5] indivíduos Média de trabalhadores p/ residência: [2,4]
100% tem televisão
média de [2,2] aparelhos
por residência
64,26 % tem
vídeo cassete
100% tem DVD
player
35,7% tem TV a
cabo
100% tem
computador em
casa.
100% possuem máquina fotográfica digital com vídeo
s/som
Apenas[1] possui filmadora (VHS)
64,26% professa alguma religião [7] católicos [2] evangélicos [4] dizem não ter religião
71,4% não participa de partido político 64,26% não participa de movimento social
85,68% possuem telefone celular 92,82% possuem telefone fixo na residência
7,14% não leu livros (não-didáticos) neste ano [5] leu até 5 livros; [4] 5 a 10 livros; [4] leu + 10 livros
57,12% torce por algum time de futebol 64,26% vai a shopping centers ( 42,84% p/compras e cinema)
14,28% costuma ir a clubes de recreio 64,26% vai a
restaurantes
49,98% costuma ir a bares
Passeio habitual: [5] ir a parques [2] jogar futebol [1] visita familiar, ficar em casa, shopping, balada, amigos, bar,
praia, cavalgada, bicicleta, ler, dançar, cinema.
Tabela 1: Quadro sociométrico de professores e funcionários
O corpo discente, no final de 2007, era formado por 712 alunos (segundo livros de
registro do Colégio), sendo 339 do sexo masculino e 373 do sexo feminino com
idades que variam de 10 a 22 anos, cursando da série do Ensino Fundamental
(EF) à série do Ensino Médio (EM), não tendo sido computados os alunos de
cursos especiais que freqüentaram projetos de integração social promovidos pelo
Colégio. Pode averiguar-se, a partir do quadro sociométrico (tabela 2), que no
conjunto, os alunos compõem um grupo bastante uniforme quanto à suas
91
características econômicas e culturais; como exemplo, o acesso a tecnologias
domésticas, moradia e preferências por entretenimento. A maioria dos alunos é
residente na comunidade, o que facilita (segundo informações dadas pelos
funcionários) a relação entre o colégio e a comunidade, quanto ao atendimento a
reivindicações e solução de problemas.
ALUNOS
(102 respondentes de um universo de 712) ; 1 0,98%
Média de idade: 15,5 De 10 a 22 anos [2] alunas tem filhos
Sexo: [66] fem. [36] masc. :[20] 3ªEM [8] 2ªEM [20] 1ªEM 20] 8ªEF [8] 7ªEF [11] 6ªEF [14] 5ªEF
73,5% dos entrevistados moram na Vila Amélia e 26,5% residem em outros bairros
Média de pessoas por residência: [4] indivíduos Média de trabalhadores por residência: [2]
100% tem televisão
média de [2,2] aparelhos
p/casa
44,1 % tem
vídeo cassete
78,4% tem DVD
player
12,74%TV a cabo 49,98% tem
computador em
casa.
35,28% possuem máquina fotográfica digital [3] pessoas possuem filmadora
68,6% não tem carteira de estudante 40,46% ajudam nas despesas de casa
85,3% professa alguma religião [46] católicos [28] evangélicos [20] outros [15] diz não ter religião
96,8% não participa de partido político 83,74% não participa de movimento social
73,62% possuem telefone celular 71,7% possuem telefone fixo na residência
36,9% não leu livros (não-didáticos) neste ano [19]+5 livros [5] leu 5 livros [4] leu 4 livros; [9] leu 3 livros;
[23] leu 2 livros [9] leu 1 livro
63,48% torce por algum time de futebol 78,11% vai a shoppings ( 44,69% apenas para passear)
38,08% costuma ir a clubes de recreio 57,12% a restaurantes 52,36 % vai a bares
Profissões + pretendidas: educação física, veterinária, fisioterapia, administração, advocacia, psicologia,
enfermagem, design de produtos, biologia, estilismo, filosofia clínica, artes cênicas, nutrição, pedagogia, outros.
Passeio habitual: [10] futebol, [23] ir à escola, [43] estar com amigos, [52] passear, [62] ir a shopping, [8]
boliche, [26]namorar, [6] computador, [12] dançar [1] não respondeu.
Tabela 2: Quadro sociométrico de alunos EF e EM
Em frente ao Colégio, um posto de saúde municipal, com o qual a escola
tem realizado algumas atividades conjuntas, cedendo espaço para palestras.
4.2.1 O DIRETOR EM 2007/2008: PROFESSOR JOÃO BATISTA SIVIERO
O prof. João Batista é formado em Filosofia, pela PUC-Paraná, e pós-
graduado em Ensino de filosofia no segundo grau (EM), pela Faculdade Espírita. É
92
natural da cidade de Nova Laranjeiras (PR). Iniciou sua carreira, como professor, em
1992, em Piraquara, e, em 1997 veio para o Colégio Ottília. Ocupava, quando da
realização da pesquisa, o cargo de diretor do Colégio (figura 14), estando, pois,
desobrigado de suas funções como professor de Filosofia, Sociologia e História. É
casado, tem dois filhos; morador da Vila Amélia desde 1995, em casa própria;
católico praticante. Segundo ele, não costuma ir a shopping, clubes ou restaurantes;
e, sua distração favorita é jogar futebol. Lê freqüentemente livros, jornais e revistas.
Participa de partido político e movimento social; e, possui algumas comodidades
tecnológicas: telefone, computador, televisão, DVD player, celular e carro próprio.
Figura 14: O diretor em exercício junto à comunidade
Em suas posturas, atitudes e comportamento cotidiano, o prof. João Batista
Siviero, em seus 38 anos de vida, demonstra afinidade com o desempenho de
funções da administração escolar defendendo em suas falas a cooperação entre
todos os integrantes da comunidade escolar. Sempre jovial, recebeu a proposta de
pesquisa com camaradagem e exteriorizou seu incentivo pessoal ao
desenvolvimento dos trabalhos, acompanhando e facilitando o acesso ao
estabelecimento, mesmo em finais de semana; algumas vezes acompanhado da
própria família. Suas falas, no documentário, traduzem da mesma forma, algumas
características e orientações políticas e também filosóficas, com posturas bastante
definidas quanto às relações da escola com a comunidade, de que é defensor e
estimulador, como no caso do projeto “Escola Aberta” promovido pelo Governo
Estadual, e do qual o prof. João Batista fez questão que o Colégio participasse.
Nas negociações e proposições de uma estratégia de pesquisa sugeriu a
realização de documentários sobre a relação Colégio Ottília Vila Amélia,
93
reafirmando seu apoio quando se propôs produzir um documentário sobre o Colégio.
Não conheceu pessoalmente a professora Ottília, mas participou diretamente da
pesquisa que deu suporte à escolha de seu nome pela comunidade do bairro, em
1995/6, e considerou que participar do documentário teve o significado de “estar
contribuindo com essa realidade histórica”.
4.3 O GRUPO CAMÉLIA
Em 2005, alguns estudantes do Colégio Estadual Professora Ottília Homero
da Silva, juntamente com o filósofo e professor de história Paulo Renato Araújo Dias,
se reuniram num grupo de estudos, motivados pela vontade de compreender mais
profundamente questões como: sociedade, política e cultura; com foco em questões
ligadas a identidade, preconceito e discriminação étnica, cultural e religiosa.
Formaram, desse modo, um organismo social onde, em conjunto, pudessem
suscitar o debate e a reflexão crítica, e também ações práticas, com respeito a
aspectos conjunturais políticos, econômicos e sociais. Por meio do que chamaram a
principio, de “produção de conhecimento interdisciplinar”, buscaram, de pronto,
envolver a comunidade em geral, e em especial, a comunidade estudantil da qual
faziam parte, tendo como princípio e missão: a “formação e a democratização das
relações sociais”. O grupo tem como base filosófica os pensamentos de Paulo
Freire, Enrique Dussel, Martin Buber e Nietzche, apresentados pelo Prof. Paulo
Renato.
Este grupo de estudantes, tendo em vista a pouca experiência, dedicou-se
inicialmente à capacitação, de fato, à compreensão de determinados paradigmas, e
questões conjunturais, que os colocava numa condição de indivíduos inseridos em
diversos contextos: escola, família, sociedade em geral, e para tanto, buscaram
orientar-se no sentido de tornarem-se “agentes multiplicadores de consciência
crítica-ético-prática”.
Em 2006, contando com o apoio do Colégio, representado pelo então vice-
diretor, professor João Batista Siviero, o grupo de estudos, visando dar maior solidez
a seus anseios e ações, organizou-se em funções e dividiu tarefas entre seus
94
integrantes, criando uma diretoria, e uma denominação: “Grupo Camélia”, nome este
inspirado no movimento abolicionista de fins do século XIX.
A escolha deste nome se deveu ao fato de buscarem o reconhecimento da
comunidade, por uma denominação original que identificasse seus propósitos e
expectativas, mas também suas ações práticas, e, de algum modo, sua ideologia.
O Prof. Paulo Renato, tendo participado do II Seminário “Presença Africana na
Produção Social da Tecnologia no Brasil”, realizado pelo PPGTE em outubro de
2006, manteve contato com o conferencista Prof. Dr. Eduardo Silva, autor do livro:
As camélias do Leblon e a abolição da escravatura, que serviu como inspiração para
a denominação do “Grupo Camélia”.
Segundo informações fornecidas pelo prof. Paulo Renato, no livro, o autor
narra fatos da crise final da escravidão no Brasil, em que os abolicionistas e
escravos, libertos e fugitivos, se viam às voltas com a repressão dominante. Ele
conta que, num esforço de proteger suas lideranças, e organização interna, surge o
“quilombo abolicionista”, uma espécie de quilombo sem fronteiras, cuja prática
principal era dar esconderijo em locais diversos e o segredo de guerra. Isto
possibilitava com que os quilombolas se protegessem no seu dia-a-dia, sua
organização interna e suas lideranças, de traidores e inimigos. Neste novo modelo
de resistência, o quilombo abolicionista, as lideranças são cidadãos muito bem
conhecidos com documentação em dia, e principalmente, bem articulados
politicamente.
A flor camélia, de origem japonesa, fora introduzida no Brasil havia pouco
tempo, e era relativamente rara nesta época, em função de que exigia cuidados
especiais para que pudesse ser cultivada num clima que lhe era hostil. Cheia de
melindres, a flor requeria ambiente, mão-de-obra especializada, além de extrema
sensibilidade, o que foi desenvolvido por alguns escravos, que, por coincidência, ao
fugirem de seus proprietários foram refugiar-se no quilombo do Leblon, fazendo da
excelência de sua prática no cultivo de uma raridade, um símbolo adotado pelos
abolicionistas, na reta final de sua luta contra a escravidão.
Assim, a camélia, exibida em lapelas, ramalhetes, ou plantadas à porta das
residências dos simpatizantes da causa, passaram a significar que tais pessoas, ou
lugares, eram adeptos à causa, e funcionava como um código de reconhecimento
95
para todos aqueles que estavam empenhados em ações perigosas (ou consideradas
ilegais), principalmente dando cobertura e esconderijo a escravos fugitivos.
Destacam- se os fatos, de que o lugar onde eram distribuídas para os militantes do
movimento, era justamente o quilombo do Leblon, situado na cidade do Rio de
Janeiro, e ainda, que na Casa de Rui Barbosa, existem, ainda hoje, três pés de
camélias: dois no jardim frontal e, outro, embaixo da janela de seu antigo quarto de
dormir.
Figura 15: Fotos do dia de fundação do Grupo Camélia
No dia 20 de novembro de 2006 (figura 15), data em que se homenageia
“Zumbi dos Palmares”, em seu aniversário de morte, e inspirado pela flor-símbolo do
movimento abolicionista do Leblon, foi fundado, oficialmente, o Grupo Camélia”,
como parte integrante do projeto didático pedagógico. O diretor do colégio, na
época, professor Luiz Goulart Alves, deu posse à diretoria do grupo, formada
integralmente por estudantes do Colégio Ottília. O fato ocorreu durante a realização
da primeira Semana Cultural promovida pelo grupo, que a partir de então, além de
reuniões sistemáticas de estudo de textos em que figuram: “O que é ideologia”, de
Marilena Chauí; “Globalização versus Desenvolvimento”, de Adriano Benaion; “O
mito da caverna”, de Platão, entre outros; além disso, o grupo tem participado de
movimentos e manifestações sociais e culturais diversas.
Segundo seus integrantes: “O Grupo camélia, inspirado naquele movimento
oitocentista, é hoje, um refúgio para aqueles que vão, como diz Frei Beto no livro
Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire: “emergindo da esfera da ingenuidade
para a esfera da crítica; da passividade à militância; da dor à esperança; da
resignação à utopia ” (Frei Beto, apud FREIRE, 1996).
96
Em seus estatutos estão previstas: a) aulas de apoio escolar; b) oficinas: de
resgate da cultura afro-descendente, capoeira, música, teatro, costura e dança e
outros; c) despertar o gosto pela leitura; d) eventos de mobilização: datas
comemorativas, celebrações místicas, comemorações de 20 de novembro (dia
nacional da consciência negra) e outras; e) debates sobre a lei 10.639, Estatuto da
Igualdade Racial; f) explicitar o respeito à diversidade étnico-racial, religiosa, social e
econômica, a partir do conhecimento dos processos históricos; g) propor Grupos de
Estudos em outras Escolas do Município; h) viabilizar palestras que envolva a todos
indistintamente; i) auxiliar no projeto de reciclagem de lixo; j) promover: exposições
de fotos, artesanato, desenhos da comunidade escolar, informativo interno
(jornalzinho) e poesias etc.; k) auxiliar a Professora Julita Wiggers Bach (pedagoga)
na organização da Videoteca; e, l) formar o Grupo Camélia Junior a partir da
série.
Figura 20: Palestra
Figura 21: Jardim Botânico
Desde a sua formação, o Grupo vem participando de inúmeras manifestações
políticas e culturais: Fórum Social (figura 16), conscientização política (figura 17),
passeatas (figura 18), visitas a UTFPR (figura 19), simpósios e palestras (figura 20),
Figura 16: No Forum Social
Figura 17: Fora Bush!
Figura 18: Passeata
Figura 19: Visita ao PPGTE
97
passeios ecológicos (figura 21), cineclubismo e outros.
Durante a realização desta pesquisa, o grupo recebeu a adesão dos alunos
que antes compunham o grupo “Gordo & Lapi Produções”, responsável pela
produção do vídeo ficção citado anteriormente, fato este que possibilitou a
realização do vídeo-documentário sobre o próprio colégio resgatando sua história, e
conseqüente reflexão crítica da situação do mesmo; tendo, de início, reconfigurando
a realização de uma oficina de teatro, para teatro e vídeo (descrita posteriormente).
4.3.1 O COORDENADOR: PROF. PAULO RENATO ARAÚJO DIAS
Figura 22: Professor Paulo Renato em atividade
Formado em Filosofia, o professor Paulo Renato, na ocasião dessa entrevista,
desempenhava a função de professor de Filosofia, Sociologia e História, para o
ensino fundamental e médio, no Colégio Estadual Prof.ª Ottília Homero da Silva.
Exerceu o papel de incentivador e coordenador do projeto “Grupo Camélia” e da
Semana Cultural (figura 22).
É mestrando no PPGTE, com orientação do professor Gilson Leandro Queluz,
focalizando seu trabalho na resistência quilombola, de fato, uma continuidade de
uma estreita ligação que mantém com os movimentos de cultura negra. Conta seus
44 anos de idade, não é morador do Jardim Amélia, reside na região central de
Curitiba.
Diz não professar nenhuma religião ou ter um partido político definido, e de
não possuir, ainda, todas as facilidades eletrônicas de que precisa para o seu
trabalho de professor e pesquisador. Considera-se uma pessoa caseira, indo
98
raramente a shoppings, clubes ou restaurantes. Gosta de bares, e de ler muito,
agora principalmente sobre questões ligadas ao mestrado.
A partir de suas iniciativas foram estabelecidas as condições iniciais para a
realização deste trabalho de pesquisa, tendo acompanhado todo o seu
desenvolvimento e desenrolar, tendo de tornado participante ativo de todo o
processo. O registro fotográfico que fez das atividades; algumas imagens em
movimento por ele gravadas; o relato histórico a respeito do Grupo Camélia que
disponibilizou em seu blog
38
; os comentários feitos durante as discussões temáticas
formam um conjunto de dados que não será possível descrever aqui, por falta de um
registro organizado dos mesmos. Para este trabalho de pesquisa, o professor Paulo
Renato acabou por agir como um co-pesquisador, um alter-ego, ao contribuir
pessoalmente para que se tivesse uma melhor compreensão dos procedimentos
adotados e de suas necessárias alterações de percurso.
4.3.2 O PRESIDENTE: MURILO CÉSAR SOARES SOUZA
Figura 23: Murilo César em constante movimento
Murilo César, 15 anos, é o atual presidente do “Grupo Camélia”. Aluno da
série do Ensino Fundamental é morador do Jardim Amélia, em casa própria, com a
família composta por mais três pessoas: pai, mãe e tio. No momento, não contribui
para a renda familiar.
Declarou ter pretensões de profissionalizar-se em Filosofia Clínica; que, de
vez em quanto, vai a shoppings, clubes, restaurantes e bares, mas que não é
consumista. Tem preferência por passeios em parques e no momento está
namorando. Possui um telefone celular e computador (comprado recentemente).
38
Para ver mais: http://grupocamélia.blogspot.com.
99
Não é torcedor fanático, não participa (ainda) de um partido político, nem professa
religião definida. Lê pouco, pelo tanto que gostaria, e é admirador de mangás (faz
coleção).
Durante todo o processo, mostrou-se expansivo e observador, sempre
interessado em participar das atividades, discussões e manifestações culturais. Na
encenação, representou Zumbi dos Palmares. Declarou que no ano de 2008, além
de estudar, trabalhará em algum lugar, possivelmente junto com o pai em um
negócio próprio. O que veio de fato a ocorrer, quando da finalização desta
dissertação o aluno Murilo dividia seu tempo entre a escola (período matutino) e o
trabalho (período vespertino).
4.4 O GRUPO “GORDO & LAPI PRODUÇÕES”
Figura 24: Os cocô-rangers
Segundo seus integrantes: o grupo “Gordo & Lapi Produções” surgiu da
reunião de sete pessoas: Fábio André do Bonfim, Adriano da Silva, AndLuiz da
Silva, Juliano César Giusti, Fabrício Abucarub, Jeferson Benedito D’Oliveira,
Vandervan Custódio dos Santos, todos eles alunos do Colégio Ottília e moradores
do bairro Jardim Amélia.
No dia 20 de Março de 2006, uma idéia do Fábio, “guardada por anos”,
começou a se tornar realidade quando decidem, em suas palavras, “criar os novos
heróis do mundo”.
“Nosso primeiro grande feito foi “Algorithm March”
39
que pode ser visto no site
39
Espécie de dança ritmada em que os movimentos sincronizados formam um cânone gestual em contratempo.
100
YOUTUBE. Com o passar do tempo, outras produções foram feitas: no teatro “O
Outro lado dos Deuses” e “Joseph Climber”; “Algorithm Taiso”; a criação da banda
sertaneja “TPM 22”; e, um vídeo de aniversário. Criamos um gosto e assim partimos
para um rumo diferente, mais difícil, mais sofrido, mais amargo, foi então que
colocamos em prática a idéia do Fábio, em outubro de 2006.”
Figura 25: Personagens caracterizados para a gravação
Uma idéia criada no começo do ano 2006, desenvolvida na metade do mesmo,
e realizada no fim dele. “Os Cocô-Rangers, eles são sérios, ágeis, organizados,
poderosos, Os cocô-rangers são totalmente sem piedade, totalmente sem erros...”
(de acordo com depoimento de Adriano e André).
4.5 O PESQUISADOR: JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS
Como professor, o autor deste trabalho ministrou a oficina de teatro e vídeo,
apresentando aos alunos um conjunto maior de tecnologias a que tinham tido
acesso até então.
Como pesquisador, procedeu à observação participante, tendo sido esta a
parte mais complexa do trabalho, uma vez que tinha que observar inclusive as
próprias ações e atitudes dentro do trabalho.
Como artista-criador, inseriu-se, como os demais, no contexto da produção do
vídeo-documentário, sugerindo idéias; exteriorizando concepções estéticas; e
tomando sob sua responsabilidade algumas atividades; procurando, contudo, agir de
forma que as sugestões funcionassem sempre como contribuições e nunca como
101
uma imposição de um determinado ponto de vista em particular. (Figuras 26, 27 e
28).
Declara-se adepto do Pragmatismo, no sentido de suas proposições de que
todo conhecimento deva ser de algum modo útil. Mais detalhes podem ser
acessados no histórico pessoal. (Anexo 1).
Figura 26: Na oficina de
teatro e vídeo
Figura 27: Durante gravação
do documentário
Figura 28: Com os "cocô-
rangers" no Matsuri
4.6 OS COCÔ-RANGERS, EPISÓDIO 1
Um vídeo-ficção com 10 minutos e 43 segundos de duração narra a história
de um grupo de jovens heróis que, liderados por um mestre das artes marciais
enfrentam um vilão cuja intenção é dominar o planeta instalando um reino das
trevas.
Resumidamente: uma espécie de guru, ou mestre, denominado “Ancião
Yuuko (Juliano), corre o mundo reunindo guerreiros para compor uma legião de
heróis, cuja missão é destruir o terrível vilão “Belzebu” (Fábio) e seu comparsa
“Nosferatu” (André), um poderoso guerreiro ninja do mal. Em sua busca, Yuuko
encontra “Ray” (Adriano), “Wally” (Fabrício) e “Joey” (Vandervan), que compuseram
a primeira equipe de defensores do Bem Os “cocô-rangers”. Seus poderes são
invocados segundo os chamamentos: Cocô Amarelo; Cocô Azul; e, Cocô Preto,
respectivamente. Acontecem “terríveis batalhas” entre os guerreiros e seus inimigos.
Ao final, os “cocô-rangers” derrotam Belzebu, mas são enganados por Nosferatu que
consegue fugir levando a cabeça (decapitada) de seu líder maléfico. Ao partir,
102
Nosferatu promete vingar-se no futuro (uma alusão à continuidade da série),
“ameaçando” em sua última fala: - Avisem ao ancião Yuuko que Belzebu irá voltar.”
Dito isso, desaparece no ar. Na tela, um último letreiro: “to be continued...”.
Este vídeo (Anexo 2), caracteristicamente de ficção-experimental, se
encontrava pronto quando esta pesquisa foi iniciada, conforme se descreveu no
relato da primeira visita que se fez ao Colégio Ottília. O grupo se formou pela
intenção de se produzir um deo. Assim, o grupo “Gordo & Lapi produções” se
constituiu por um conjunto de indivíduos que se juntaram por afinidades e objetivos
determinados: parodiar arie televisiva americana “Powers Rangers”, que, no
entanto, serviu apenas como uma referência, um estímulo inicial. O sinal de
reconhecimento mútuo entre os integrantes do grupo, no caso, jovens adolescentes
do sexo masculino, estava além da idéia de produzir o vídeo, referia-se ao fato de
serem todos “otakus”, uma espécie de aficionados pela cultura japonesa.
Quando perguntados sobre como tudo começou, a figura de Fábio André
Bonfim foi sempre apontada como responsável por isto, pois, seu desejo pessoal de
fazer um vídeo de “gozação”, parodiando os “Power Rangers”, que na época (da
idéia) se encontrava em fins de sua primeira temporada. A série televisiva fora
seguida pela produção cinematográfica: “Power Rangers, o filme”, lançado
comercialmente nas salas de exibição de todo o mundo. Mas, tal como Fábio
afiançou, o filme que ele gostaria de fazer tinha mais ligações com a televisão,
através da qual havia entrado em contato com outros personagens do mesmo tipo
40
,
todos eles associados à cultura tecnológica japonesa. No colégio, os alunos André,
Adriano, Jefferson, Fabrício e Vandervan já participavam de apresentações teatrais e
atos culturais, e juntos convenceram Juliano a participar. Ao tomarem conhecimento
da idéia de Fábio, que fez o convite a Adriano, se sentiram estimulados e partiram
para a produção do vídeo.
Na prática, os acontecimentos se deram de forma menos rápida e simples.
Não tinham a intenção ou expectativa de produzir uma obra de arte, literalmente. O
que tinham em comum era a vontade de “fazer” um vídeo, e o principal estímulo era
o fato de serem todos aficionados por mangás, animês e outros produtos da cultura
japonesa, ou seja, serem “otakus”.
40
Jyraia, Changemen e outros.
103
Todo o equipamento que tinham, na oportunidade, era uma quina
fotográfica digital que possuía o recurso de gravação de 1 minuto e 30 segundos de
imagem em movimento sem som, e instrumentos para editá-lo. Entretanto, ao
assistir o vídeo é possível perceber toda a preocupação que tiveram com questões
como roteiro, diegese e cnica (figuras 29, 30 e 31). Pela intenção de se divertirem
mais que produzir uma obra de arte, fizeram opção pela paródia do que estava
fazendo sucesso no momento, no caso: os “Power Rangers”, a rie. Desta forma,
produziram “Os cocô-rangers, episódio 1”, e o veicularam no site YOUTUBE
41
. Havia
a pretensão de se continuar a série, realizando outros episódios, entretanto, até o
final dessa pesquisa, isto não havia ocorrido.
Com um roteiro, não escrito, mas definido em linhas gerais, se puseram em
ação, como videastas de um “cinema” bastante peculiar, a partir do que povoava
suas imaginações
42
e orientava sua criatividade. O roteiro, bastante simples, segue o
modelo maniqueísta da eterna luta do bem contra o mal. O primeiro é representado
por um grupo de heróis adolescentes, misto de homens e máquinas; e o último, por
uma figura mascarada, carnavalesca, de um demônio.
Figura 29: Uma cena do vídeo
Figura 30: Personagem "Yuuko"
Figura 31: Arte do cartaz
Toda a produção foi feita de forma experimental, envolvendo bastante
improviso, mas que apresenta um alto grau de sofisticação quanto à edição,
principalmente dos efeitos especiais utilizaram dublagem, por não possuírem
gravação de som direto, animação gráfica básica com letreiros e balões, e uma
edição bastante ágil, com cortes e ligações muitas vezes bastante precisas. As lutas
41
http://www.youtube.com
42
Aparece aqui o fato de serem aficionados por super-heróis, a que tinham acesso pela televisão, gibis etc.
104
são evidentemente coreografadas, o que lhes confere uma qualidade técnica
apurada, mesmo que cômica.
O efeito da chuva é “hollywoodiano”, mas se tratava de chuva real, uma
tomada bastante feliz pelo aproveitamento da oportunidade. Os figurinos e adereços
fazem com que os “rangers” se pareçam com presidiários revoltosos, ou operários
do tráfico de drogas de alguma favela. Ao invés de máscaras, utilizam camisetas
amarradas na cabeça compondo um capuz ninja, o que lhes confere uma segunda
possibilidade paródica a partir dos filmes mais recentes de violência urbana e
presidiária, mas, segundo afirmaram, foi apenas uma coincidência não intencional.
Um capacete de motociclista, um lençol, um prato de bateria (instrumento
musical), armas de brinquedo, baldes de água, e locações feitas nas próprias
residências, não impediram que produzissem um filme em todas as suas acepções.
Além disso, contaram com a vantagem de poder veicular sua produção num site
público de divulgação de produções afins – o YOUTUBE.
Até o momento em que esta dissertação estava sendo escrita, em agosto de
2008, o deo: “os cocô-rangers, episódio 1”
43
, havia sido visto por mais de 1000
internautas.
Quando perguntados sobre o que pensam a respeito disso, os “rangers” se
limitaram a rir e dizer que haviam de alguma forma atingido o seu objetivo: fazer um
filme e mostrar pra quem quisesse ver.
O aluno bio André, apontado como mentor do projeto, se diz satisfeito com
o resultado, mas não aponta nenhum objetivo maior que não seja a diversão, e a
memória, pois gostaria de poder no futuro ver os amigos e a ele próprio quando
eram jovens, recordando as brincadeiras que faziam, e como era divertido tudo
aquilo.
No entanto, há, subliminarmente, uma justificativa um pouco mais densa se
colocarmos o filme no contexto de um conjunto de elementos relacionados com a
cultura japonesa contemporânea, como os animês
44
, matsuris e mangás.
O próprio Fábio se diz um “otaku”, juntamente com Adriano, André e Murilo.
Eles afirmam gastar seus “parcos” recursos financeiros para adquirir revistas e
43
O vídeo completo pode ser visto em http://br.youtube.com/watch?v=NKgxwfm_n1o.
44
Cinema de animação japonesa.
105
participar de encontros e festivais de cultura japonesa. É necessário ter claro de que
esta cultura de que se fala aqui, não é aquela que conhecemos pelas tradições e
costumes orientais, mas da contemporânea, midiática, povoada de mitos híbridos de
diversas culturas, mas com um jeito japonês de ser dito. São adeptos da estética
nipônica, da mesma forma que uma legião de outros jovens, divulgada pela mídia,
principalmente televisiva, que reúne, ao mesmo tempo: mitologia e pós-modernidade
tecnológica.
Vide seus titãs robôs cibernéticos altamente sofisticados, tendo como
exemplo as personagens das séries televisivas (figuras 32, 33 e 34), alguns deles
com formas zoomórficas ou outras, extraídas da natureza
45
.
Figura 32: The Power-
Rangers
Figura 33: The Changemen
Figura 34: The Dark Jiraya
4.7 ERROS DE GRAVAÇÃO
Um vídeo de 7 min. e 11 seg. (Anexo 2), composto com cenas consideradas
inadequadas para compor o resultado final, e que foram descartadas na edição do
vídeo principal.
Entretanto, não se trata apenas de um amontoado de cenas ruins, uma vez
que foram editadas com o objetivo de construir uma versão crítica, de caráter
cômico, do que aconteceu nos bastidores das gravações. São cenas que, na maioria
das vezes, envolvem desconcentração, e, portanto, abrem a possibilidade de se ter
45
Dragonball Z, Cavaleiros do Zodíaco, Guerreiras Mágicas, Yug-OO, entre outros.
106
acesso aos atores, que por instantes se desconcentram da ação dramática e
mostram algumas de suas reais características e personalidades. Há, como em
outros exemplos do mesmo tipo, muito riso, e algumas vezes, alguns acidentes de
pouca gravidade. De certo modo, o vídeo composto com os erros de gravação
mostra que a prática de fazer cinema é complexa (sujeita a erros) e ultrapassa o
objeto final que se pretendeu produzir, e, se constitui num documento das condições
em que se deu a prática e como se comportou quem participou dela. Numa espécie
de “era eu mesmo”, o ver-se errando, falhando, “pagando mico”
46
na frente da
câmera, gera satisfação e prazer pelo abandono da seriedade, da objetivação, e isto
revela fatos e características insuspeitadas, impossíveis de serem vistas no vídeo-
ficção principal, em que os atores interpretam as personagens.
No caso específico, o vídeo “erros de gravação” dos “cocô-rangers” parece ter
a intenção de tripudiar sobre o cadáver da ação. Uma vez que as ações
intencionadas ocorreram com erros e foram registradas, compor um vídeo com estas
imagens defeituosas é mais uma oportunidade para o divertimento, agora com as
próprias limitações e equívocos. Logicamente, risível porque existe uma cena
“certa”, bem feita, com a qual se pode fazer uma comparação jocosa. O erro é, desta
forma, superado, tornando-se risível. Estas imagens erradas foram, assim, utilizadas
de forma crítica. Como os integrantes do grupo Gordo & Lapi fizeram questão de
destacar, os “erros de gravação” reforçam ainda mais a intenção de fazer rir, com
uma edição com efeitos cômicos, como: repetição de cena, suspense e surpresa,
quebra violenta de ritmo e exposição dos ridículos.
Este vídeo não teve como objetivo documentar a realização do filme principal
é uma continuação da brincadeira, e está, também, disponível no site youtube.
4.8 O TRAILER DO VÍDEO
Vídeo composto por uma seqüência chamativa de cenas, locução e fundo
musical, que assim como no cinema ou na televisão, tem como objetivo atrair
46
Expressão da gíria usada para traduzir que se cometeu uma gafe, ou que se expôs ao ridículo.
107
audiência para o vídeo principal, no caso, “os cocô-rangers, episódio 1”. Nele foram
inseridas falas e texto que definem as principais características das personagens e
da trama, de modo a provocar o interesse do público, ou seja, o trailer funciona
como uma publicidade provocativa. (Anexo 2).
O texto (falado e escrito): “Eles são... sérios... poderosos... organizados...
ágeis... Eles na verdade são: Ray Cocô Amarelo; Wally CoAzul; Joey Co
Preto... Os Cocô Rangers (título). Totalmente sem piedade... Totalmente sem erros...
Confira... Uma oportunidade... Extremamente única... Aguarde, breve no youtube”,
se superpõe a imagens que contradizem o que é dito, obtendo efeito cômico pela
oposição, demonstrando mais uma vez a intenção de parodiar e debochar daquilo
que realizam.
No “trailer”, assim como nos “erros de gravação”, fica evidenciado o espírito
de deboche que norteou todo o processo e objetivo do trabalho realizado, ou seja, a
comicidade não aconteceu por acaso, foi premeditada, intencional, revelando que
tinham consciência daquilo que faziam. Uma evidência bastante clara de que
superaram as dificuldades e limitações encontradas debochando delas, rompendo
com as expectativas da impossibilidade gerando uma alternativa no mínimo criativa,
e, certamente, crítica, mesmo que neste caso não fosse totalmente consciente. O
que não era possível de controlar foi tripudiado, o que escapou de seu controle foi
ridicularizado, e subjugado e tornado risível.
4.9 O DOCUMENTÁRIO – OTTÍLIA: MÚLTIPLOS OLHARES
Produzir o documentário (Anexo 2) não constituiu uma tarefa simples, em
virtude da experiência dos participantes e dos recursos disponíveis, o que foi
compensado pela determinação e força de trabalho dos alunos que se empenharam
decisivamente na sua realização. Em alguns momentos, pode-se perceber certo
não-engajamento da parte de alguns alunos, quase sempre associada a uma atitude
associada à idéia de que o papel do professor é o de planejar e prover
materialmente a atividade escolar, restando ao aluno, o papel de receber, ou ainda,
de executor passivo de comandos. Ao depararem com a necessidade de se
108
organizarem em funções, consideraram a questão logística como um elemento
complicador. Esta dificuldade inicial provocou algumas interrupções das atividades
para que se pudessem reavaliar os procedimentos e o nível de engajamento dos
envolvidos. Ao mesmo tempo possibilitou que se revelassem afinidades individuais
para esta ou aquela função a ser assumida, segundo as tarefas executadas, ou seja,
as dificuldades acabaram por servir como desafios a serem superados.
De início, foi feita uma pesquisa prévia de todos os assuntos que deveriam
ser abordados pelo documentário, e a partir destes assuntos decidiu-se quais
atividades mereceriam registro e quais pessoas deveriam ter suas falas registradas
para compor o vídeo. A partir desta pesquisa foi elaborado um roteiro para o
documentário (Anexo 3). A primeira parte (das atividades) foi bem mais fácil que a
segunda (das pessoas). Os alunos obtiveram rapidamente as informações
necessárias sobre as atividades curriculares e extracurriculares da escola, suas
práticas cotidianas e projetos especiais, seus processos históricos, onde e quando
se iniciou, de como foi construída naquele sítio específico e de que modo, e o
porquê, foi escolhido o nome da professora Ottília Homero da Silva como
denominação oficial da instituição. a segunda parte, em que deveriam ser
identificadas, e convidadas, as pessoas que teriam suas falas inseridas no
documentário, foi bem mais complexa. Disponibilidade de tempo, inibição e
constrangimento foram relatadas como as principais causas de impedimento na
participação, solucionado pela persistência dos alunos e dos que se engajaram na
proposta.
Apesar de algumas dificuldades iniciais, as adesões foram gradualmente
acontecendo, e superados os fatores limitantes como tempo e experiência. O
documentário foi realizado no prazo pré-estabelecido, e cumprido o objetivo de que
os alunos se responsabilizariam por todas as etapas do processo, menos a edição,
que foi assumida pelo pesquisador. Esta particularidade provocou uma espécie de
efeito colateral, e possibilitou que se fizesse uma análise comparativa entre o que
caracterizava o vídeo-ficção experimental “os cocô-rangers”, e o vídeo-
documentário institucional, realizado como parte prática da oficina; diferenciando
demandas do próprio grupo realizador e da instituição representada. Esta
comparação foi, de certo modo, facilitada pelo papel desempenhado como editor do
109
vídeo-documentário. Assim, a partir do estudo comparativo dos dois objetos
audiovisuais, apesar de similares e produzidos pelos mesmos indivíduos, foi
possível elucidar alguns aspectos das proposições deste estudo de caso.
Buscando tornar a prática mais significativa em termos de sua
operacionalidade, optou-se por orientar uma divisão funcional de trabalho, para que
os alunos envolvidos pudessem compreender mais claramente a organização de
uma produção cinematográfica de caráter profissional e, também, em função da
necessidade de agilizar ações e operações necessárias ao desenvolvimento do
projeto. Cada um dos participantes passou a responder por determinadas ações
funcionais, respeitando suas afinidades e, delimitando, mas deixando sempre uma
abertura para mudanças nas suas atividades, levando cada um a assumir, por
vontade própria, uma determinada posição de sujeito em relação ao trabalho como
um ato de responsabilidade consciente daquilo que deveria ser executado por ele,
ou ela. (figura 35).
Figura 35: Imagens dos alunos produzindo o documentário
A equipe, formalmente composta, foi assim configurada:
a) Equipe cnica repórter, câmera, filmadora, iluminador, técnico de som,
maquiagem, figurino, cenografia e locação das gravações. Alunos: Ana Carolina;
Adriano da Silva; Bianca Barros; Jeferson Benedito de Oliveira; Jéssica Ciopek; e,
Mateus Crozetta;
b) Produção textos, entrevistas, contatos e agendamentos, organização da
produção. Alunos: Andressa Santos; Fabrício Abucarub; Miriã Emanuelle; e; Murilo
César;
c) Captação de imagem e som. Alunos: André Luiz da Silva e Fábio André
Bonfim. Outros alunos vieram a fazer parte da equipe, mas apenas
110
momentaneamente, na oportunidade que se apresentasse por acaso ou
coincidência. A direção do documentário ficou diluída ao trabalho da oficina, como
parte prática da proposição metodológica, em que se mesclava também com a
pesquisa, de modo a considerá-la como um exercício coletivo orientado; e,
d) Edição: a princípio sem definição, mas que acabou sendo assumida pelo
pesquisador, em função da exigüidade do tempo previsto para executar o trabalho.
O primeiro passo dado foi construir um roteiro aberto, uma vez que no caso
de um documentário não se torna possível definir de antemão todos os elementos
que comporão o vídeo final, diferenciando-se do ocorre, normalmente, num filme de
ficção, em que se tem um roteiro mais fechado de seqüências, cenas e falas das
personagens (há exceções). A partir das informações prévias, do levantamento das
possibilidades, se construiu uma estrutura preliminar que indicava as cenas que
deveriam ser gravadas. A busca por fotos e documentos antigos, e a criação do texto
da narração foi um trabalho dirigido pela aluna Miriã Emanuelle, que demonstrara
habilidade literária em textos poéticos. Posteriormente os textos escritos foram
narrados pelo aluno Fabrício, escolhido pelos participantes, em função da voz,
entonação e dicção.
O roteiro constou de:
a) Abertura - com as logomarcas dos realizadores: Grupo Camélia e Gordo &
Lapi produções;
b) Vinheta do documentário - seqüência de imagens com entrada do nome do
documentário, chamada assinatura;
c) Introdução – histórico da Escola com narração gravada e algumas fotos;
d) Primeiro grupo de entrevistas sobre a professora Ottília Homero da Silva,
com familiares, amigos e antigos colegas de trabalho;
e) Cenas do cotidiano do colégio opiniões de alunos, professores e
funcionários;
f) Segundo grupo de entrevistas o colégio, ontem e hoje: depoimentos do
diretor, pedagogos, professores, ex-alunos e funcionários;
g) Atividades extra-classe – projetos especiais em andamento na Escola:
futebol de salão, teatro, vídeo, línguas estrangeiras, reciclagem, “bom aluno”, APMF,
e outros;
111
h) Terceiro grupo de entrevistas a escola que queremos: depoimentos da
diretoria, professores, alunos, funcionários e comunidade;
i) Poema clipe com fotos e imagens selecionadas do colégio e voz gravada;
j) Créditos finais imagem da escola como fundo para a exposição de todos
os nomes dos participantes da produção do documentário, bem como das
autoridades da referida instituição, e agradecimentos.
Para este pré-roteiro foi previsto um tempo máximo de 24 minutos.
Na prática, durante o processo de produção do documentário ocorreram
inúmeras alterações no roteiro inicialmente proposto, principalmente em função das
falas dos entrevistados. Não havendo, neste primeiro momento, tempo hábil para
refazer as imagens e algumas entrevistas, o documentário foi editado contando com
que havia sido captado até o início do mês de novembro de 2007. A apresentação do
produto acabado deveria acontecer no dia 20 deste mesmo mês.
Aproveitando este fato, tomou-se a decisão de propor a apresentação de uma
primeira versão do documentário à comunidade interna do colégio, submetendo-o ao
julgamento da instituição como um todo, nas pessoas de seus alunos, professores,
funcionários, comunidade e direção, de modo que fizessem uma avaliação crítica do
objeto, sob a forma de um questionário de recepção (Anexo 3); e então, a partir
disso, se re-elaborou o documentário para uma segunda versão, em que puderam
ser corrigidos os “desvios” percebidos e apontados na primeira recepção.
Um dos momentos mais instigantes da produção do documentário foi a
escolha de sua denominação. Dando continuidade à idéia de que tudo deveria ser
decidido coletivamente, propôs-se aos participantes da atividade a realização de
uma “brain storm”, nome dado em publicidade a um momento em que se colocam
aleatória e seguidamente idéias sobre um determinado tema de que se quer tratar,
como uma “tempestade de idéias”, a escolha do nome de um produto por exemplo.
E assim, foram apresentadas diversas sugestões de nomes que compuseram uma
lista (que infelizmente se perdeu), de onde, depois de um animado debate, em que
se alternavam o sério e o jocoso, configurou-se o nome: “Ottília: múltiplos olhares”.
Esta denominação, concluiu-se, traduzia de forma adequada o sentido de
diversidade e multiplicidade de olhares que os produtores do documentário se
propunham lançar sobre a Escola. Assim, como escreveu a aluna Miriã Emanuelle:
112
“(...) Colégio que o será mais o mesmo, depois que o virmos de vários olhares,
depois que virmos sua verdadeira face. Ottília: o meu, o teu, o nosso colégio”.
113
5 A ANÁLISE DAS EVIDÊNCIAS
5.1 O DIÁRIO DE CAMPO
Uma primeira visita ao Colégio Ottília, acontecida em maio de 2007, teve a
intenção inicial de verificar possibilidades para uma proposta de cineclubismo; de um
diálogo pedagógico com os professores do colégio sobre o tema: identidades; e,
uma oficina de teatro sob demanda do Grupo Camélia; mas, que acabou por revelar
a existência de um pequeno grupo de alunos que haviam feito cinema.
Denominavam-se “Gordo & Lapi Produções“ e, haviam, a partir de esforços próprios,
realizado e veiculado um pequeno vídeo de ficção, de caráter experimental - “os
cocô-rangers”. Estas conjunções acabaram por orientar todo o projeto de estudo de
caso da pesquisa em questão.
Num primeiro momento, o objetivo principal do convite feito pelo Prof. Paulo
foi o de realizar exposições temáticas que pudessem interessar aos professores do
Colégio Ottília, como questões relacionadas à formação de identidades, a partir de
currículos e práticas, numa extensão das reuniões pedagógicas que vinham
acontecendo até então como parte da programação das atividades escolares.
O Grupo Camélia se apresentou nas pessoas de seu presidente, o aluno
Murilo César, e uma de suas integrantes, a aluna Ana Carolina, que oportunamente
relataram, resumidamente, o histórico, as proposições e atividades desenvolvidas:
debates, apresentações artísticas, participação em manifestações políticas; e
também, de como se davam as relações entre o grupo de alunos e a comunidade
escolar. Buscando cumprir com suas propostas de formação, o grupo solicitou a
realização de uma oficina de teatro, para que pudesse utilizar-se disso como um
recurso, uma ferramenta de trabalho no processo de conscientização política dos
demais alunos do Colégio.
Perguntados sobre outros movimentos culturais realizados pelos alunos,
foram mencionados: o grêmio estudantil e grupos artísticos, apresentações de
teatro, música e dança; e, um vídeo experimental realizado por alunos, mas fora da
escola. Estes alunos vieram se juntar ao Grupo Camélia, e por este fato, a oficina
114
proposta passou a englobar o teatro e o vídeo, e que, por conseqüência, possibilitou
a realização da pesquisa no Colégio.
A partir da segunda visita, realizada no dia 07 de agosto de 2007, ficou
definido que a oficina proposta seria configurada de modo a atender tanto à
demanda dos interessados em teatro quanto em cinema, e que aconteceriam de
modo regular em encontros realizados sempre as terças e quintas-feiras, no período
vespertino, e aos sábados no período matutino, possibilitando a participação de um
maior número de alunos da comunidade escolar em geral, além dos limites dos
grupos mencionados.
Num terceiro encontro, apresentou-se a proposta de realização desta
pesquisa, com esclarecimento de seus propósitos, de como seria realizada e qual a
participação dos alunos no processo. A negociação se deu em dois níveis: um
concernente aos alunos e outro, à instituição. Com os primeiros se propôs a
realização de uma oficina de teatro, estendida posteriormente ao vídeo, com o
objetivo de se apresentar algum resultado “artístico” concreto na II Semana de
Cultura, o quehavia sido conversado nos primeiros contatos. Quanto à instituição,
o diretor propôs a realização de um documentário sobre o bairro, inscrevendo nele o
colégio, o que serviria como contrapartida para a realização da pesquisa inicialmente
proposta sobre o grupo que produzira o vídeo-ficção já descrito; e justificaria a
presença de um pesquisador no cotidiano da escola, e configuraria objetividade à
oficina com a realização de um trabalho prático que representasse alguma utilidade
para o todo da comunidade envolvida. Posteriormente, pelo grau de dificuldade
apresentada na realização deste documentário, foi proposta a realização de outro,
de menor amplitude, que versasse apenas sobre o próprio colégio.
A proposta, apresentada aos alunos envolvidos, foi aceita com certas
reservas, uma vez que alterava a trajetória inicialmente pensada de se produzir um
filme em continuidade ao que vinham realizando independentemente da tutela
institucional, como relatado nas entrevistas descritas nas próximas seções; ao
mesmo tempo, em que concordaram que a realização do documentário seria útil à
aprendizagem técnica, e possibilitaria, além disso, o reconhecimento do Grupo
Camélia pela comunidade escolar da qual faz parte.
115
Em seqüência, foi feita a divulgação da realização da oficina e um contato
mais aprofundado com os realizadores do vídeo experimental, em que foram
repassadas informações mais detalhadas sobre a denominação do filme, modos de
produção e veiculação via internet.
Gradativamente, as relações com os demais integrantes da comunidade
escolar foram se alargando, com alguns diálogos estabelecidos com os demais
professores e funcionários, merecendo destaque o pessoal responsável pela
alimentação dos alunos, dos quais se recebeu, desde o início, uma maior
receptividade. Destaque-se a contribuição da funcionária Rosmeri Beck, que
trabalhava no colégio desde a sua fundação, e cujos depoimentos para o
documentário, bastante significativos, nortearam a pesquisa de dados sobre a
história, antigos funcionários, professores e alunos.
Quanto aos professores, algumas brincadeiras demonstraram que a condição
de estrangeiro de um pesquisador em seu ambiente de trabalho constituía obstáculo
de pequena proporção. O fato de ser, ao mesmo tempo, pesquisador e professor,
assim como eles, acabou por se constituir num elemento de aproximação, pois
parecia se constituir, a partir da pesquisa, numa possibilidade de mudança
qualitativa no trabalho em sala de aula. O fato gerou interesse da maioria, e a
receptividade se fez positiva.
O professor Paulo Renato Araújo Dias se destacou dos demais por ser um
defensor entusiasmado de um projeto pedagógico em que alunos mestrandos, e
pesquisadores advindos de outros programas possam tornar-se presença constante
na escola pública. Sempre procurou destacar que esta visão exógena, não no
sentido de distância, mas de um permanente estranhamento crítico da situação
escolar, de suas práticas, pode servir como instrumento catalisador de uma reflexão
mais profunda sobre a própria escola e as práticas de ensino-aprendizagem, e que
isto possibilita propor e realizar transformações no sentido positivo do termo.
Ao final da terceira semana, se tornara aparente que a pesquisa tanto por
parte dos alunos, quanto dos professores e demais integrantes da escola era aceita
positivamente. O professor Paulo Renato chamou a atenção para o fato de que as
pessoas falavam mais abertamente sobre o seu cotidiano, expondo alguns detalhes
de seu trabalho e de como se sentiam em relação a ele. Ponderou-se que esta
116
abertura se devia a estarem interessados na proposta da pesquisa e, querendo
colaborar, traçavam alguns parâmetros que permitiam localizá-la, mais claramente,
no cotidiano e conjuntura da instituição. Uma, outra, possibilidade era demonstrada
pelo desejo de se posicionarem ativamente em relação aos problemas cotidianos
que enfrentavam e em relação aos quais muitas vezes se sentiam individualmente
fragilizados. A idéia da pesquisa pareceu-lhes afigurar uma perspectiva diferente no
modo de ver a escola, e isto era bem vindo.
O projeto de pesquisa foi apresentado ao diretor, prof. João Batista Siviero,
quando se esclareceu a proposta da oficina e, também, da pesquisa. Neste
momento, conversou-se sobre a possível realização de um documentário sobre o
bairro (proposto por ele), como parte prática da oficina, o que o deixou bastante
entusiasmado e propenso a colaborar no que julgássemos necessário. Ele reafirmou
o apoio do Colégio ao trabalho, e argumentou que se poderia contar também com a
comunidade externa, isto se devendo ao fato de que a escola vinha desenvolvendo
projetos de ação comunitária desde a sua fundação, não apenas trazendo para
dentro, mas, levando ações sócio-educativas para fora dos muros da instituição.
O diálogo estabelecido com o Grupo Camélia se ampliou pela apresentação
de outros integrantes, incluindo-se o Grupo “Camélia Júnior” (figuras 36, 37 e 38),
uma espécie de grupo mirim, com alunos e alunas das primeiras séries (5.ª s e 6.ªs
séries), mas que de um modo significativo, participavam ativamente dos trabalhos e
ações propostas. Destaque para o comprometimento e responsabilidade com que
falavam do grupo e de suas expectativas e possíveis ações coletivas campanhas
educativas, e artísticas – teatro.
Figura 36: Fundação do
Camélia Jr.
Figura 37: Meninas do
Camélia Jr.
Figura 38: Manifestação no
Colégio
117
No dia 18 de agosto, sábado, iniciou-se a oficina de teatro e vídeo, numa sala
cedida pela escola, no horário das 9 às 12 h. Neste primeiro momento,
compareceram oito alunos, em que contavam integrantes do Grupo Camélia e do
grupo Gordo & Lapi. Do projeto da oficina (Anexo 3), constavam dois objetivos
concretos: 1) realizar uma performance
47
teatral cujo tema abordaria a figura de
Zumbi dos Palmares; 2) produzir um vídeo-documentário (inicialmente do bairro,
posteriormente da instituição), para o qual seria desenvolvido um roteiro, o mais
rapidamente possível. Todos pareciam ansiosos, fato compreensível uma vez que a
maioria dos participantes eram alunos do 3º ano do Ensino Médio, ou seja, estavam
em meados de seu último ano no Colégio, e queriam fazer alguma coisa que
passasse à memória da instituição e suas próprias.
Os integrantes do grupo Gordo & Lapi, que haviam realizado o vídeo
descrito, se mostraram mais coesos, revelando cumplicidade crítica e bem
humorada. Poucos integrantes do Grupo Camélia estiveram presentes, o que
posteriormente pode ser compreendido pelo relato de que passavam por um
momento de reflexão que exigiu posicionamentos importantes, principalmente pelo
questionamento de desempenho e engajamento de determinados sujeitos e
parceiros. Todos concordavam que era necessário estender convite a outras
pessoas para se incorporarem ao grupo.
A presença de um professor e pesquisador “estrangeiro” foi rapidamente
assimilada. Ficou evidente, desde o início dos trabalhos, a percepção de que, por
mais que se fosse participativo e integrante da atividade, como pesquisador teria
que, necessariamente, manter uma posição deslocada, certo distanciamento que
possibilitasse ver a situação como um campo de pesquisa.
Foi neste momento que se decidiu por não gravar as práticas da oficina, e
usar, no máximo, um gravador mp3 e uma câmera fotográfica digital, de modo a
minimizar o constrangimento dos participantes, e impedir que se fizesse um vídeo
sobre fazer vídeos, uma forma de evitar a encenação.
Como um estranho, teve-se que conviver com o fato e buscar reduzir este
efeito ao longo do processo. Mas, ao mesmo tempo, concluiu-se que não há uma
situação de pesquisa em que o pesquisador não ocupe uma posição de
47
Nome que se dá a uma encenação teatral de curta duração sob a forma de relato ilustrado com cenas.
118
estranhamento em relação ao contexto da pesquisa. Dito assim, a pesquisa exige do
pesquisador um estado permanente de perplexidade diante daquilo ou daqueles que
pesquisa, assim como, diante do mundo, e mesmo da própria existência.
5.2 A OFICINA DE TEATRO E VÍDEO
Apresentou-se o projeto da oficina de teatro e vídeo (Anexo 3) aos alunos
participantes do Grupo Camélia, grupo Gordo & Lapi, à Equipe Pedagógica e ao
Diretor do Colégio Ottília. Foram propostos os objetivos:
a) atender a uma das demandas apresentadas pelo Grupo Camélia, como
uma das partes de seu projeto de desenvolver algumas técnicas sicas nas artes
cênicas teatro; e audiovisuais vídeo, uma vez que buscavam ampliar
capacidades expressivas que lhes pudessem auxiliar numa maior efetividade nas
suas ações sócio-educativas e políticas;
b) apresentar algumas técnicas e aparatos tecnológicos co-relacionados às
práticas do teatro e vídeo, de modo a algumas possibilidades técnicas simples e
viáveis à realidade daquela comunidade, e também, intensificar algumas habilidades
e competências em linguagem cênica e audiovisual;
c) praticar, pelas referidas vias, a reflexão e análise crítica de temas sociais
relevantes, orientada para a compreensão mais aprofundada de recursos e meios
tecnológicos que podem ser empregados na propagação de conceitos e valores
sociais diversos; e,
d) propiciar aos participantes um conhecimento ampliado dos elementos
constitutivos das profissões relacionadas ao teatro e vídeo, de modo a que possam
elencar opções de formação e trabalho, e, futuramente, fazer escolhas.
O processo de realização da oficina de teatro e vídeo não se constituiu
apenas do ensino e aprendizagem de cnicas, mas também da reflexão crítica
sobre as implicações que acompanham a sua apropriação. Assim, durante as aulas,
os exercícios práticos vieram sempre acompanhados de exposições e reflexões
sobre a história do audiovisual cinema, televisão e vídeo; de como as tecnologias
audiovisuais foram aprimoradas ao longo do tempo, bem como se tornaram, a cada
119
dia, mais acessíveis à sociedade como um todo; e ainda, sobre a linguagem e seus
códigos simbólicos próprios.
Esta metodologia, praticada pelos integrantes do Grupo Camélia,
correspondeu a seus intentos enquanto um grupo de estudos que, para conseguir
atingir mais concretamente seus objetivos, aliavam a reflexão crítica às ações
concretas, o que corresponde, por princípios, aos fundamentos pragmáticos, com os
quais foram desenvolvidos os trabalhos, tanto do professor quanto do pesquisador.
A oficina transcorreu no período de 21 de agosto a 29 de novembro de 2007,
com uma relativa rotatividade de participantes, fixando em meados de outubro um
grupo mais ou menos delimitado de 12 pessoas, dos 26 passantes. Outros alunos se
associaram posteriormente quando o grupo se encontrava nos ensaios finais da
performance cênica, mas não participaram da realização do documentário.
Foi durante a primeira fase da oficina que os alunos que antes haviam
produzido o vídeo decidiram-se por sua denominação definitiva: Gordo & Lapi
Produções, justificada por uma estória que misturava jocosidade e tecnologia pelas
referências que fazia a dois de seus integrantes: Adriano e André. O termo
produções foi decidido após a contestação da proposta inicial – productions; em que
se questionou o porq de uma terminologia estrangeira, levando à opção pelo
termo em português. Só posteriormente ocorreu a junção dos dois grupos, ou,
melhor dito, que os integrantes do grupo Gordo & Lapi passaram a integrar o Grupo
Camélia, não necessariamente unificando-os.
Não sem desafios, a oficina chegou ao final com seus objetivos realizados,
pelo menos parcialmente, tendo realizado e apresentado, tanto o documentário
quanto a performance teatral como resultado das atividades propostas.
Entre estes desafios, destacam-se os logísticos e os tecnológicos. Os
primeiros se deram em função da pouca convivência que os integrantes da oficina
tinham entre si para realizar, num curto espaço de tempo, uma ação coletiva de
produção de uma peça teatral e um documentário, simultaneamente, em que
contava fundamentalmente a divisão do trabalho, administração do tempo e suporte
material à produção. Os demais estavam diretamente relacionados à falta de
equipamentos e conhecimento técnico necessário para o manuseio dos artefatos.
120
Os equipamentos de vídeo, cedidos pelo pesquisador, se compunham de:
uma filmadora analógica, um monitor de 10 polegadas, um microfone de mão, um
iluminador de 300 watts, alguns cabos, um placa de captura conversora do formato
analógico para digital e, um programa de edição não linear.
A direção do Colégio Ottília disponibilizou outros equipamentos e algum
material de consumo: aparelho de TV, videocassete, dvd player, fitas de deo,
material de expediente e cessão de espaço físico sala adequada, pontos de luz,
água, banheiros etc.
Aos participantes coube angariar, a partir de seus próprios recursos e
iniciativas, outros elementos: maquiagem, roupas, utensílios de costura etc.
Vale dizer que a produção, tanto da performance teatral quanto do
documentário, se caracterizou pela improvisação e experimentalismo, principalmente
quanto ao que concerne à parte material, o que exigiu doses bastante expressivas
de criatividade, e, é claro, muita paciência de todos os participantes.
Os alunos-atores exercitaram a expressividade corporal, vocal e cênica,
através de algumas técnicas que foram aplicadas a partir da formação e experiência
do pesquisador, sustentadas, principalmente, nas idéias do teatrólogo russo
Constantin Stanislavski, e do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, com ênfase na
proposição de situações dramáticas e compreensão crítica do trabalho do ator, da
criação de um papel e da construção da personagem ( mais detalhes podem ser
vistos no perfil do pesquisador - Anexo 1). As técnicas propostas enfocaram
aspectos técnicos como: projeção de voz, gestualidade e presença cênica, e,
também, aspectos psicológicos e sociológicos da construção da personagem, numa
aproximação (forçada) entre o que propõe os autores citados e o trabalho
desenvolvido por Vygotsky
48
(apud REGO, 2004), no que se refere à construção
histórico-cultural da personalidade. Stanislavski enfoca o caráter individualizado,
psicológico, da personagem; Brecht se concentra no seu sentido coletivo, histórico.
Desta junção, buscou-se apresentar aos participantes da oficina uma visão histórico-
cultural da personagem, ou seja, uma representação que torne possível reconhecer
a personagem tanto como um indivíduo único quanto histórico, representativo de
48
Experimentos voltados para a compreensão da linguagem através do uso de instrumentos como a fala, o gesto
corporal e as tecnologias.
121
uma classe (figuras 39, 40 e 41), ou aquilo que Brecht denominou de realismo-
histórico
49
.
Figura 39: Exercícios
corporais
Figura 40: Exercitando a
confiança
Figura 41: Jogos dramáticos
Foram elencadas as diversas funções desempenhadas na produção de uma
montagem cênica, ficando bastante óbvia a preferência dada à atuação. As demais
atividades de produção foram desempenhadas coletivamente.
Na parte destinada ao vídeo buscou-se, a partir da prática (figuras 42, 43 e
44), apresentar os fundamentos da linguagem cinematográfica, seja ela documental
ou de ficção. Tanto a imagem quanto o som foram trabalhados a partir de suas
concepções como linguagem, considerando-se, também, alguns elementos de
composição cinematográfica, tais como: enquadramento, planos, iluminação, cor e
profundidade.
Figura 42: Atenção,
gravando!
Figura 43: Registrando um
fato
Figura 44: Gravando uma
entrevista
Indo além, todos os integrantes se exercitaram em tarefas relativas à
produção e captação de imagens e sons. A divisão de trabalho ficou evidenciada
49
Para ver mais: Jameson, Frederic. O método Brecht. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
122
pelo revezamento nas ações de produção do documentário, e, gradativamente, os
participantes da oficina se orientaram para as funções com as quais demonstraram
maior afinidade, dividindo-se entre aqueles que preferiam ficar atrás e os que
escolheram ficar à frente da câmera.
Em ambas as linguagens, teatro e vídeo, os alunos demonstraram muita
motivação e pouca experiência, principalmente com trabalhos de expressão corporal
e vocal. Nenhum dos participantes possuía habilidade com instrumentos musicais, o
que provocou alguma redução nas possibilidades criativas, como se deu quando se
considerou a hipótese de tocarem instrumentos de percussão na performance ou de
produzirem eles mesmos uma trilha sonora original para o documentário.
No dia 20 de novembro foi apresentada aos demais alunos da Escola, a
performance teatral: “Zumbi, caminhos da liberdade” (figura 45). A receptividade
positiva dos alunos e demais integrantes do Colégio coroou de êxito a ação proposta
pelo Grupo Camélia. Outras escolas solicitaram que o trabalho fosse apresentado
em suas comunidades, sendo que o grupo realizou um total de 10 apresentações,
incluindo uma apresentação pública na rua XV de novembro, no centro de Curitiba.
Figura 45: Zumbi, os caminhos da liberdade
O Grupo Camélia havia cumprido, assim, o seu objetivo de tornar-se mais
conhecido pela a comunidade escolar, ao envolver-se tanto com a encenação
quanto com divulgação, interna e externa; o que, no entanto, não ampliou o número
de seus membros por livre adesão. Apesar do sucesso, o número de participantes
123
não cresceu. Os participantes de modo geral apresentaram dificuldades iniciais
quanto à compreensão familiar de uma atividade artística, considerada pouco
apropriada para o mundo do trabalho, mas, gradativamente, foram sendo aceitos e
até incentivados.
Durante todo o desenvolvimento da oficina de teatro e vídeo e da preparação
da II Semana Cultural, o exercício da reflexão crítica foi constante. Parte
fundamental da metodologia de trabalho do Grupo Camélia, o diálogo aberto se
tornou marcante em todo o processo, sendo que em alguns momentos os ânimos se
acirraram, e em outros, ocorreram abatimento e desânimo. Mas, no mais das vezes,
as conversas e debates surtiram o efeito desejado e, grosso modo, todas as ações
desenvolvidas foram democraticamente definidas (figura 46 e 47).
Figura 46: Aulas de Teatro
Figura 47: Aulas de Vídeo
Em alguns momentos, como pesquisador-participante optou-se por uma
posição de escuta mais que de fala, observando de que modo os integrantes
negociavam suas posições de sujeito nas ações, e, como revelavam e utilizavam os
conhecimentos que possuíam, ou, ainda, de que modo se apropriavam deles no
decorrer da própria prática. Isto se deu na elaboração do roteiro, na definição de
funções, nas produções de figurino e caracterização das personagens.
Em algumas situações, a presença do pesquisador funcionou como fator
inibidor e em outras, motivador; mas, os alunos demonstraram, em diversas
124
oportunidades, estarem ainda bastante influenciados e dependentes de uma ordem
hierárquica. O que pôde ser percebido nas dificuldades, por exemplo, de se fazerem
receber por integrantes da comunidade escolar que ocupam posições de comando,
e ainda, pela evidente distinção que fazem entre as figuras dos professores e
alunos, jovens e adultos, portadores ou não de conhecimento acadêmico.
Na relação que se manteve com o Colégio Ottília, cabe ressaltar o encontro
com os professores na Reunião Pedagógica, na qual compareci a convite do Prof.
Paulo Renato, para discorrer sobre o tema: identidade é algo que se aprende!?
50
(figuras 48, 49 e 50).
Figura 48: Encontro com a
pedagoga Julita W. Bach, e
Grupo Camélia
Figura 49: Reunião
Pedagógica
Figura 50: Conversa com
alunos sobre questões de
Identidade
A reunião, preparada pela Equipe Pedagógica, tem, como em outras escolas,
o objetivo de refletir sobre as práticas escolares em diversos níveis: do institucional,
com a apresentação de relatórios e orientações da Secretaria de Estado da
Educação; aos assuntos referentes a problemas ao dia-a-dia em sala de aula; bem
como, as relações internas e externas com a comunidade. Isto afirmado no sentido
de desenvolver a tendência pedagógica histórico-crítica, em busca de uma
educação transformadora, de acordo com as proposições constantes do Projeto
Didático-Pedagógico do Colégio (Anexo 3), sendo parte de um processo de gestão
que se propõe democraticamente. Foi a partir desse pensamento que se abriu a
possibilidade desta pesquisa como parte das atividades escolares institucionais.
A partir do diálogo reflexivo, os professores presentes apresentaram suas
opiniões e questionamentos, e ao final, se concluiu que a conversa havia sido
bastante positiva, em dois sentidos principais: por compreender que a construção de
50
Artigo apresentado na disciplina Teoria Social da Aprendizagem, no mestrado pelo PPGTE – UTFPR, 2007.
125
identidades é um processo intrínseco à educação, em que a aprendizagem não se
apenas no nível dos conhecimentos propedêuticos, mas abrange toda a
formação do indivíduo, identificado e diferenciado nas relações que estabelece no
seu dia-a-dia e por toda a vida; e, por servir como uma apresentação, mais clara,
das intenções desta pesquisa, uma vez que se passava no colégio, envolvendo todo
a comunidade, e isto gerava (e realmente gerou), alterações no curso normal das
atividades dentro e fora das salas de aula.
Pode-se dizer que, a partir deste encontro, estabeleceu-se um vínculo mais
profundo com os profissionais da instituição, ao mesmo tempo em que se
esclareceram determinadas ações que foram e seriam realizadas no decorrer dos
trabalhos da pesquisa.
Com os alunos, as relações se estabeleceram de formas distintas, mas
certamente, foram mais significativas no trabalho direto que se desenvolveu com o
Grupo Camélia e Gordo & Lapi Produções. O Colégio conta com a existência de um
Grêmio Estudantil, mas não foi possível nenhum contato, porque o mesmo
encontrava-se, à época, em processo de reorganização. No colégio, funciona
também a APMF, com a qual se relacionou no sentido de coletar, juntamente com os
alunos, o depoimento de alguns de seus integrantes acerca das relações escola-
comunidade. Foi feito um registro da recente eleição de diretoria, e coletadas as
falas de seu presidente, Sr. Manoel Custódio dos Santos Neto e, do tesoureiro, Sr.
José Alves Dias.
O processo de produção do documentário catalisou uma série de relações
intersubjetivas, e cotidianas, tanto no interior da comunidade escolar, quanto na
comunidade externa do bairro Vila Amélia, representada pelos pais dos alunos
participantes. O que mais uma vez, nos remete à idéia da tecnologia como
instrumento de mediação social, constituído por múltiplas perspectivas e vozes.
5.3 AS GRAVAÇÕES DO DOCUMENTÁRIO
Todos os alunos participantes da oficina de teatro e vídeo foram envolvidos no
processo de gravação do documentário e tiveram de vencer, cada um a seu modo,
126
inúmeros desafios, destacando-se o fato de tal atividade estava sendo desenvolvida
de forma pioneira pelo Colégio, e contava-se com pouco tempo para coletar todo o
material necessário para compor um vídeo-documentário que atendesse
minimamente os objetivos propostos de resgatar a história da escola, bem como da
pessoa da Prof.ª Ottília, cujo nome lhe havia sido conferido.
Muitas das entrevistas pretendidas foram difíceis de serem agendadas em
função de que as pessoas que conheciam o histórico da escola, desde a sua
construção, ser poucas e haverem mudado de domicílio. Outras vezes, a dificuldade
estava em se conseguir tempo disponível, tanto da parte dos entrevistados (por
terem outras ocupações) quanto dos alunos (pois estavam em período letivo). O que
foi contrabalançado pelo esforço dos muitos que se dispuseram participar,
fornecendo informações, fazendo sugestões e acompanhando o trabalho dos alunos,
muitas vezes lhes cobrando responsabilidade e perseverança.
A pesquisa por documentos, projetos, fotografias e programas encontrou
vasto material na própria escola, nos arquivos da diretoria, na biblioteca e acervos
pessoais, como foi o caso do Prof. Paulo Renato, do diretor Prof. João Batista, da
pedagoga Julita Wiggers Bach, da Prof.ª Mônica Sirino Cordero, da funcionária da
cantina Rosmeri Beck e dos integrantes do Grupo Camélia e Gordo & Lapi.
Nas gravações, os alunos André, Fábio e Murilo se dedicaram mais à
operação da câmera; Andressa, Fabrício, Adriano e Jeferson à produção executiva;
Miriã, Bianca e Jessica à reportagem e entrevistas; e, os demais se desdobraram em
múltiplas funções e fizeram o que a produção julgava necessário. Era perceptível
que o fato de estarem desenvolvendo uma atividade coletiva importava bem mais
que a própria atividade que desenvolviam. De modo geral, todos se engajaram na
realização do documentário, e apesar de alguma dispersão, o trabalho rendeu
significativamente. (figuras 51, 52 e 53).
Trabalhou-se nas gravações do documentário com o objetivo de tê-lo
terminado na data de realização da II Semana Cultural, de 20 a 24 de novembro de
2007; e o exercício, realizado sob a tensão do prazo, causou efeitos diversos em
cada participante. As desistências, ocorridas no princípio, justificadas por
impedimentos relacionados à família, trabalho e afinidade, fez com que ocorresse
um processo natural de seleção. Neste sentido, não ocorreu nenhum fato digno de
127
nota, como em qualquer outra atividade a seletividade se deu dentro da
normalidade, com uma porcentagem de desistência de 20% dos que iniciaram, o que
pode ser considerado como satisfatório.
Em diversas ocasiões, foram feitas paradas estratégicas para que se
refletisse sobre o processo como um todo e se tomassem decisões quanto à
continuidade, como por exemplo, cobrando maior participação de alguns ou
redefinindo rumos em vista de alguma desistência ou dificuldade de se conseguir
uma informação precisa ou agendar uma determinada entrevista. Deste modo, foram
tomando decisões de forma mais independente do professor, reconhecendo-se o
ônus da responsabilidade como algo positivo para qualquer outro trabalho que se
pretendesse realizar.
Quase sempre, os problemas estavam relacionados com a escassez de
recursos financeiros para a produção e limitações de equipamentos tecnológicos,
uma vez que o Colégio não contava com recursos específicos para tal atividade e os
aparelhos serem de propriedades dos professores diretamente envolvidos na
atividade, tais como: câmara filmadora, câmera fotográfica, programa de edição etc.
As gravações da primeira fase do documentário terminaram no início do mês
de novembro de 2007, em vésperas da II Semana Cultural, fato que levou à
decisão do pesquisador de realizar, pessoalmente, a edição do material, por
exigüidade de prazo e, ainda, falta de um computador no Colégio com a
configuração necessária para o trabalho, mesmo porque, no momento o processo de
instalação dos novos equipamentos estava em princípio.
Figura
51
: Escrevendo o
roteiro
Figura 52: Atenção, claquete!
Figura 53: Gravando!
128
Este pormenor, longe de comprometer o trabalho, me possibilitou dedicar
atenção especial a esta etapa, como parte fundamental da pesquisa; por
compreender que o papel de editor, neste caso, me levaria a perceber com mais
profundidade o grau de representatividade do documentário em relação ao Colégio,
e conseqüentemente, a diferenciação entre o experimental e o institucional.
Após a exibição do documentário e a análise de recepção feita através de
questionários, foram refeitas algumas cenas e gravadas outras entrevistas, isto
nos meses de janeiro e fevereiro de 2008.
5.4 A MONTAGEM E EDIÇÃO
Como editor, por mais que se tenha procurado evitar projetar no documentário
um ponto de vista pessoal sobre o Colégio, o foi, certamente, possível. E ainda,
de certo modo, o documentário traduz, também, a visão do pesquisador sobre o que
é um vídeo deste gênero, de que forma ele deva ser produzido etc.
Desta forma, ao ser assim editado, o vídeo apresenta, dentre outros, um viés
próprio de quem o edita. Não se trata, entretanto, de um único autor, uma vez que
estão presentes outros autores, além do editor em si, tanto do documentário Ottília,
quanto da pesquisa e da própria dissertação. Ao dispor cenas e seqüências de uma
determinada forma, selecionou-se e realizaram-se cortes e fusões; do mesmo modo
ao programar determinadas ações e condutas durante o processo da pesquisa e da
realização do vídeo, orientou-se numa determinada direção; e ainda ao compor
determinadas frases e períodos utilizando esta ou aquela palavra, produziu-se uma
linha de pensamento diferenciada de outras possíveis.
Assim, na montagem construiu-se intelectualmente uma determinada
narrativa, e na edição executou-se materialmente o que antes havia sido
programado.
Nos meios audiovisuais, a designação do montador pelo termo editor é fato
comum. Os meios acadêmicos optam pelo primeiro, historicamente mais encorpado
que o segundo, entretanto, senso comum, são quase sempre utilizados como
sinônimos.
129
Nesta dissertação fez-se a opção de diferenciar os termos por compreender
que o trabalho de montagem não corresponde totalmente ao trabalho de edição,
mas a todo o processo de construção do documentário do qual participaram todos os
sujeitos envolvidos na pesquisa. Desta forma, a montagem buscou somar todas as
contribuições e injunções apresentadas com o objetivo de configurar uma narrativa
fílmica, que de algum modo, atendesse tanto às demandas dos alunos, produtores e
receptores, bem como da instituição, representado tanto por sua administração
quanto por suas proposições políticas e pedagógicas orientadas pelos programas
oficiais.
O objetivo orientador desta, como de qualquer outra montagem, é de algum
modo, guiar aquele que assiste ao filme, ou vídeo na compreensão de sua diegese.
E, além de tornar a narrativa compreensível ao espectador, a montagem foi
orientada também no sentido de marcar uma ligação representativa entre o
documentário e o documentado, reduzindo ao máximo as relações de metáfora
subjetiva, procurando dar ao filme um ritmo que possibilitasse sua melhor
assimilação, como, por exemplo, limitando o tempo de duração a um nível
suportável, com um andamento ágil. E, por fim, buscando criar com o material
disponível um objeto com alguma qualidade estética, de modo a torná-lo atrativo
sem, contudo, fazer uso de efeitos ilusionísticos. Visto tratar-se de um documentário
e não de um vídeo de ficção, buscou-se ater-se aos fatos tal qual se apresentavam,
sem distorções.
A edição se deu em duas etapas: uma primeira versão, de caráter mais
experimental (e crítico) foi submetida ao crivo da instituição (pelo questionário de
recepção) levando à segunda versão (final) que atendeu o mais possível às
avaliações apresentadas e corrigiu desvios narrativos, através de cortes (do que foi
considerado excedente) e inserções (do que foi percebido como faltante), finalizando
com um objeto (vídeo-documentário) que pudesse ser considerado como uma
representação factível (institucional) do Colégio, tanto na visão dos seus integrantes
(professores, alunos e funcionários) quanto do próprio pesquisador.
Esta passagem, da primeira para a versão final, que seria tornada publica,
levou a perceber que deveria haver uma negociação entre a instituição representada
e os produtores, e que isso levaria a determinadas escolhas de imagens,
130
depoimentos e falas. O que era de certo previsível, e que foi aproveitado
positivamente para a reflexão crítica desta negociação, em que se apresentavam
questões como: diferenças entre o público e particular, coletivo e individual, relações
de poder, entre outros.
Neste caso, produziu-se de uma “montagem intelectual”, com algumas
semelhanças ao proposto por Vertov, Eisenstein ou Grifht (STAM, 2003), em que os
planos e seqüências são pré-estabelecidos de modo a compor uma determinada
unidade harmônica concebida intelectualmente à priori. As diferenças se deram em
função de que não foi possível trabalhar com previsões fechadas.
O documentário foi montado, e editado, a partir dos materiais que foram se
tornando disponíveis e possíveis, digamos, do que por aqueles determinados de
antemão, em função de algumas situações descritas, do tempo para realizá-lo e
da tecnologia a que se teve acesso.
Não se tratando de obra de ficção, a busca de fidedignidade evitou que se
controlasse totalmente o resultado de uma entrevista, por exemplo, ou da seqüência
de imagens coletadas numa sala de aula, ou do depoimento de um aluno ou
professor. No mais das vezes, deixou-se fluir e a seleção do que seria aproveitável
se deu posteriormente na decupagem
51
do material.
Tendo em mãos todo o material coletado, e a partir das negociações de
significado feitas com a instituição, selecionou-se as partes que atendiam à
construção de uma narrativa pertinente com a realidade da escola, após o que se
procedeu a edição.
Sob este aspecto, e considerando-se este estudo de caso em particular, a
montagem do documentário sofreu a influência direta de uma orientação
institucional, propriamente dita, representada pela normas e documentos oficiais e a
visão crítica reflexiva da diretoria, corpo docente, alunos e funcionários, sobre a
representatividade da instituição pelo objeto-vídeo. Estes últimos foram recrutados a
assistirem o documentário, e a partir disso sugeriram modificações, acréscimos ou
cortes, que julgaram pertinentes à intenção proposta.
Ao comparar aqui o trabalho de montagem, e edição, realizado pelos alunos
no filme “os cocô-rangers”, com o realizado no documentário “Ottília”, torna-se
51
Ação de rever posteriormente o material gravado, selecionando o que será utilizado na edição.
131
perceptível que as diferenças não se limitam a questões técnicas, diferenciadas pela
qualidade e quantidade de recursos oferecidos pelos programas de edição. Em cada
caso o exercício da liberdade criativa se mostra evidentemente associado a
construções culturais representadas pelas motivações que nortearam as escolhas e
que por fim configuraram o objeto-vídeo, um sob a forma de ficção, o outro sob a
forma de documentário.
No vídeo-ficção, a motivação era intrínseca à própria prática, fazia parte dela,
enquanto que, no documentário, a motivação era extrínseca, orientada por uma
esfera de ação determinada, a institucional. No primeiro caso, a negociação era
evidentemente mais aberta, e no mais das vezes, concorria de forma a que se
buscasse um consenso. No segundo, a negociação se deu entre atores
diferenciados quanto ao papel que desempenhavam e distintos quanto à posição e
voto. A democratização da montagem se deu pelo envolvimento de todos os atores,
em função do projeto político pedagógico do Colégio que se declara orientado neste
sentido. Ao final, tornou-se decisivo o fato de o documentário buscar corresponder a
uma representação negociada entre a vontade coletiva dos envolvidos (e inseridos
diretamente no contexto da escola), mas contextualizada institucionalmente.
Tanto no vídeo-ficção, quanto no deo-documentário, um enunciado
produzido intencionalmente, diferenciam-se pelo sentido do que se busca atingir, e
pelo nível de controle aparente desta enunciação.
No campo do cinema, a enunciação é o que permite a um filme, a partir das
potencialidades inerentes do cinema, ganhar corpo e manifestar-se. No
entanto, a idéia de enunciação em lingüística repousa no fato de um texto
ser sempre o texto de alguém para alguém, em um momento e um lugar
determinados, ao passo que essas características estão longe de ser
evidentes na enunciação fílmica. As teorias da enunciação permitiram levar
em consideração a maneira pela qual o texto fílmico se desenha, se enraíza
e se volta sobre si mesmo. A noção serve para salientar três momentos da
produção do texto fílmico: o momento de sua constituição, o de sua
destinação e seu caráter auto-referencial. (AUMONT e MARIE, 2003, p.99)
A partir desta noção, torna-se compreensível a relevância de se considerar o
ponto de vista. No documentário, apesar da referência explicita à polifonia através do
título Ottília: múltiplos olhares, pode se dizer que a narrativa se apresenta
orientada por uma intenção unívoca: representar publicamente a instituição, e que a
crítica é um momento antecessor, e mesmo que orientado para a construção destes
132
“olhares múltiplos” deve aparecer de forma implícita no resultado, revelando uma
visão consensual, apesar de múltipla. Ao passo que no vídeo-ficção, a pluralidade
de visões de seus produtores é evidenciada pela fragmentação, pelo de
experimentalismo, pela multiplicidade de vozes que em alguns momentos podem até
mesmo se contradizer.
Na montagem assume-se uma posição radicalmente ideológica, pela qual se
deve responsabilizar, por seu enunciado, seja ele construído por um ou vários
organismos. No caso do institucional, a criatividade e a técnica buscam atender
objetivos mais explícitos
Apesar de parecer menos grave do que realmente é, a montagem de um
vídeo institucional constrói uma enunciação orientada por uma ordenação arbitrária,
com vistas a reproduzir um padrão estabelecido. O que diferencia, este caso
específico é justamente o fato de que o mesmo foi submetido (numa primeira
versão) a uma crítica coletiva da comunidade representada, reduzindo sobremaneira
o efeito de controle oficial, uma vez que atendeu à demanda do conjunto de
membros do Colégio. E mesmo seguindo normatizações oficiais o acabamento
estético dado para que tornasse possível a sua publicação foi democraticamente
construído, ou no mínimo, conscientemente produzido.
Pode-se concordar com Bourdieu quando ele diz que é o contexto que
confere sentido e significado às imagens:
Sabemos que as imagens podem ser manipuladas por um determinado
enquadramento ou por uma determinada técnica. Os mais grave, porém, é o
fato mesmo de se isolar a imagem daquilo de que ela é o complemento, de
todo o contexto na qual ela adquire sentido e que a torna inteligível. (apud
LOYOLA, 2002, p.41)
A montagem é, certamente, uma manipulação manifesta de cenas,
seqüências, imagens e sons e faz o que Bourdieu critica. Muitas vezes, isola
propositadamente a imagem de seu contexto, recriando-o de forma a atender
determinados interesses, tornando-o condizente com uma determinada situação
ideológica, podendo corresponder ao anseio institucional.
O documentário em questão, ao ser montado (e editado) procurou escapar
desta armadilha e atender a demanda da comunidade escolar como um todo,
133
reforçando o intuito de construir uma escola democrática, minimizando relações
hierarquizadas entre diretores, professores, funcionários e alunos, por exemplo.
Ao propor ações e práticas sociais críticas, como é o caso do Grupo Camélia,
pode-se inferir que o Colégio Ottília, assim como outras instituições, busca operar no
sentido de construir significações coletivas.
Neste aspecto, a tecnologia audiovisual serviu como exemplo de instrumento
de mediação simbólica no debate entre uma escola que temos e uma escola que
queremos
52
, e mesmo que o documentário tenha que, de certa forma, atender a
anseios institucionais, a sua construção se pode fazer de forma crítica, e a prática
acabou por se constituir num encontro propiciador de construções performativas de
identidade. No mínimo, possibilitou aos participantes (da prática) perceberem que há
uma grande diferença entre as possibilidades de cada sujeito envolvido interferir na
construção e, conseqüentemente, nos resultados obtidos, mas, que mesmo assim,
tudo que produz se faz a custa de alguma negociação, incluindo-se a enunciação
projetada pelo audiovisual, seja ele de ficção ou documental.
A primeira montagem do documentário teve como objetivo provocar uma
reflexão, em que se pudesse repensar as relações internas e externas do Colégio,
entre seus agentes; desses com a instituição escolar; e, com a coletividade em
geral. Este objetivo foi concreta e satisfatoriamente alcançado, e demonstrou que o
Colégio Ottília, assim como qualquer outro, tem suas particularidades e que a partir
delas se pode explorar todo o potencial de construção crítico-reflexivo dos processos
de ensino-aprendizagem. Fazer cinema é apenas uma dessas possibilidades.
Como editor, assumiu-se uma posição de mediador entre os agentes da
montagem, indivíduos e instituição. A partir desta “negociação” produziu-se um
discurso que se fez coletivo, evidenciado na composição das cenas, fatos, atos, e
falas; e nisto considerou-se algumas “adequações” discursivas, que certamente,
produziram ao final, uma enunciação representativa e polifônica concretizada pelo
documentário.
A função de editor é estratégica na construção do todo do vídeo, e, também,
nas inter-relações que congrega, mas, deve-se acrescentar, é uma posição
52
Proposição de pensamento crítico apresentada pelo professor Paulo Renato Araújo Dias, quando da criação
do Grupo Camélia.
134
controversa, não sendo possível exercê-las de modo acrítico, ou pelo menos, do
modo como se acreditava.
Pode-se dizer: fosse outra a instituição e seria outro o documentário, mas, da
mesma forma, fosse outro o editor, e o resultado final seria diferente. Todas estas
questões passam pelo ponto de vista, este depende do contexto histórico-cultural no
qual se constrói performativamente a subjetividade e objetividade de quem “olha”.
5.5 A II SEMANA CULTURAL
O evento, realizado pelo Grupo Camélia, finalmente acontecia. A primeira
versão, realizada no ano anterior, foi marcada pela oficialização do Grupo Camélia
como parte do projeto político pedagógico do Colégio Ottília. Em torno deste fato,
aconteceram apresentações artísticas e palestras internas.
Nesta versão, a II Semana Cultural abarcava um número maior de atividades,
com atividades realizadas pela comunidade interna e a presença de convidados da
comunidade externa: o Prof. Gilson Leandro Queluz (figura 54), falando sobre o
escritor Monteiro Lobato; a Prof.ª Luciana Martha Silveira (figura 55, 58 e 59) que
discorreu sobre as imagens técnicas; a filha da professora Ottília, Érica Jucélia da
Silva (figura 56), participando ativamente dos debates; a Prof.ª Fabiana Machado
(figura 57), que realizou uma oficina de poesia; e, o economista Pablo Sérgio
Meireles Diaz (figura 58 e 59), realizando debate sobre jovens e consumismo; todos
convidados pelo Prof. Paulo Renato a partir de contatos realizados via PPGTE.
A receptividade ao documentário foi bastante variada, desde a emoção
lacrimosa ao gesto contestatório de sair do recinto antes do final da exibição. Foi
perceptível que a recepção variava de acordo as faixas etárias dos alunos. Os
integrantes das primeiras séries acharam muito engraçado verem-se a si mesmos
ou a um amigo, sendo que em algumas exibições não foi possível ouvir os
depoimentos em função do ruído que faziam. Nas séries intermediárias houve maior
demonstração de interesse pelo que era dito, sendo o grupo responsável pelas
críticas posteriores mais apuradas ao conteúdo do documentário. A recepção dos
135
alunos do Ensino Médio se caracterizou pela baixa freqüência, principalmente no
turno noturno.
Figura 57: Prof.ª Fabiana
Machado e aluna Gabriela
Figura 59: Pablo S. M. Diaz e
Prof.ª Luciana M. Silveira
Figura 60: Zumbi, caminhos
da Liberdade
Figura 61: Exposição de
fotografias
Figura 62: Apresentação de
capoeira
Uma vez que não havia nenhuma obrigatoriedade em assistir o documentário,
muitos, incluindo professores, o índice de comparecimento não foi alto,
principalmente no turno noturno. Os que estiveram presentes, em sua maioria
colegas, do turno matutino, dos alunos realizadores do vídeo, acharam-no divertido
e questionaram algumas falas por seu conteúdo, outras por seus locutores. Maiores
Figura
54
: Prof. Gilson L.
Queluz
Figura
55
: Prof.ª Lu
ciana
Martha Silveira
Figura
56
: Érica Jucélia da
Silva
Figura
58
: Prof. Paulo, Prof.ª
Luciana e Pablo S. M. Diaz
136
detalhes da recepção serão descritos nas considerações sobre os dados coletados
pelo questionário que lhes foi solicitado responder após a exibição.
Figura 63: Comidas e bebidas
típicas
Figura 64: Danças populares
Figura 65: Assistindo o
documentário
Os adultos também se dividiram em visões diversas, desde os que optaram por não
ver o documentário, àqueles que disseram terem se emocionado ao ver contada a
história da professora Ottília e retratado o cotidiano do Colégio.
5.6 AS ENTREVISTAS
As entrevistas tiveram como objetivo principal compreender as razões pelas
quais os entrevistados se engajaram com a construção de uma escola aberta à
reflexão crítica, através de projetos como o Grupo Camélia, e, mais especificamente,
e neste momento relatado, com a prática de fazer cinema; e ainda, de que modo
suas pessoalidades representam uma interferência diferenciada no processo como
um todo.
Ao relatar as entrevistas optou-se por fazê-lo como narrativas personalizadas
dos envolvidos, versando sobre os mesmos temas abordados no questionário, mas
considerando-se suas falas particularizadas e os papéis desempenhados por eles na
representação dos organismos envolvidos no processo que levou à pesquisa, do
Colégio Ottília e do Grupo Camélia, de modo a que não fossem percebidos como
uma amostra, mas como sujeitos únicos, diferenciados pela unicidade de suas
posturas e crenças diante dos modelos institucionalizados de educação e relações
de poder implícitos.
137
Dos entrevistados, três pessoas foram destacadas: o diretor do Colégio, o
coordenador e o presidente do Grupo, os demais foram considerados no coletivo do
grupo do qual faziam parte, sem, contudo, desmerecer suas individualidades.
5.6.1 PROF. JOÃO BATISTA SIVIERO (Entrevistado em 14/12/2007)
O prof. João Batista, ao analisar mais profundamente o documentário, e a
forma como foi realizado, apontou para a ausência dos pais dos alunos e, também,
dos ex-alunos que moram na comunidade, além de considerar que suas falas foram
truncadas pela edição e que não expressavam a sua linha de pensamento. Ao
mesmo tempo, ressaltou que o filme é um objeto que faz pensar, ou melhor, “faz a
gente repensar as ações e partilhar experiências com as outras escolas”. Solicitou
que as falas de algumas pessoas, incluindo a própria, deveriam ser refeitas, não
pelo fato de externarem impropriedades, mas por estarem confusas e ambíguas.
Como diretor do Colégio, pensa que atividades como esta, de produzir um
documentário, é importante para o reconhecimento do trabalho que tem
desenvolvido, por outras instâncias oficias, como o Núcleo Regional de Ensino e a
própria Secretaria Estadual da Educação. Segundo ele, este instrumento pode
ampliar a comunicação do Colégio com outras escolas similares, podendo ser
exibido em eventos, como congressos, encontros e reuniões interinstitucionais,
quando se pode “partilhar com outras (escolas) esta realidade de escola, e de
projetos extraclasse, como o projeto do Grupo Camélia”; e que isso pode motivar,
positivamente, os alunos, professores e funcionários do próprio Colégio.
Partilha da opinião que o Colégio deve ser visto, sempre, sob múltiplos olhares,
por que isso “dá a idéia de conjunto, liberdade de expressão e participação de todos”.
5.6.2 PROF. PAULO RENATO ARAÚJO DIAS (Entrevistado em 11/12/2007)
O professor Paulo Dias, elemento fundamental para a criação do Grupo
Camélia e o desenvolvimento de projetos extraclasse no Colégio, define seu
138
trabalho em educação através do pensamento de Martim Buber: “O ser humano se
torna eu pela relação com o você, à medida que me torno eu, digo você. Todo viver
real é encontro”.
Militante do movimento negro, afirmou merecer destaque o fato de o Colégio
em questão ter o nome de uma afro-descendente que viveu recentemente e que
teve reconhecida, pela comunidade local, a sua dedicação ao trabalho como
professora.
Quanto ao documentário, além de sua participação na produção, teve
registrada sua fala, no tocante à convergência entre os objetivos do Grupo Camélia
e a proposição de uma escola vista de forma aberta e ampliada à comunidade.
Como professor de História, reconheceu a ausência dos ex-diretores do Colégio,
fato este que contribuiria, segundo sua opinião, para compor um quadro mais
detalhado de seu desenvolvimento político. Como ativista, destacou a imagem dos
“alunos protestando contra a corrupção no País”, deixando claro seu pensamento de
que a escola tem que estar necessariamente contextualizada à realidade como um
todo, seja ela local ou global, aproveitando-se da visibilidade que um filme pode
trazer para tomar posições mais efetivas no contexto geral, e também internamente,
“para mostrar que o que falta muitas vezes é boa vontade para ultrapassar os
discursos derrotistas de que não se pode fazer nada.
Para ele, o nome do documentário é “bem sugestivo, por que abarca bem o
que a Escola vem fazendo, sem priorizar um segmento determinado”, e declara que
a fala que mais lhe chamou a atenção foi dos alunos gritando, “O Brasil é nosso!”.
(Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2007)
5.6.3 MURILO CESAR SOARES SOUZA (Entrevistado em 25/10/2007)
Esta entrevista foi concedida no início do processo de pesquisa, sendo que as
colocações do aluno Murilo sobre o documentário foram incluídas (como integrante)
nos dados coletados pelos questionários de recepção respondidos pelo “Grupo
Camélia” (seção 5.6.4), processo este que se deu posteriormente à produção do
vídeo.
139
Assim, esta entrevista aborda basicamente a sua participação no Grupo
Camélia, e algumas de suas percepções pessoais das relações do grupo, e de si
mesmo, com o Colégio onde estuda e desenvolve a maioria de suas atividades,
principalmente políticas e culturais.
Murilo César foi participante ativo em todas as etapas e ações realizadas no
colégio, tendo desempenhado todas as funções cabíveis, de ator a produtor,
passando por operação de câmera e repórter. Desde o princípio, sempre
demonstrou estar bastante envolvido com a comunidade escolar, em diversas
instâncias. Teve sua fala registrada para compor o documentário, na qual refletiu
sobre a postura do professorado com relação à sua responsabilidade social.
Ao falar do “Grupo Camélia” deixou claro o entusiasmo e a preocupação com
que tem se dedicado à sua continuidade, e soube precisar, sem recorrer a
documentos, detalhes da sua formação, objetivos, ações realizadas. Descreveu
cada um dos membros fundadores, de como participaram aaquele momento, o
suposto motivo de saída de algumas dessas pessoas, além de algumas
características de cada indivíduo. Todos os participantes, de certo modo, tinham
demonstrado em sala de aula que se preocupavam com a conjuntura social, política
e econômica, com um pouco mais de curiosidade que a média dos alunos. Murilo diz
acreditar que foi graças à sua participação ativa em sala de aula que levou o prof.
Paulo Renato a convidá-lo para uma primeira reunião.
A motivação comum às pessoas que compareceram era a vontade de
aprofundar discussões a cerca de temas atuais, indo além do proposto em sala de
aula. No momento em que concedeu a entrevista relatou que alguns dos primeiros
integrantes haviam deixado de participar do grupo por motivos diversos, como:
estudo em outros colégios, trabalho, questões familiares, saída do colégio no fim do
terceiro ano, projetos da iniciativa privada de incentivo sócio-econômico e razões
pessoais.
Murilo está no grupo desde o princípio, e declara que a razão disso é por
acreditar que pode colaborar para uma maior conscientização das pessoas, e
também pelo seu próprio enriquecimento cultural. Quer estar mais bem informado,
extravasar suas idéias, e considera que o Grupo Camélia é um bom espaço para
isso.
140
Apesar de dizer que tem participado pouco ultimamente, e de sentir falta dos
debates, Murilo esteve presente, e em ação, em todas as atividades desenvolvidas
pela oficina de teatro e vídeo, na II Semana Cultural, nas apresentações teatrais,
filmagens, exibição do filme e debates com os convidados. Ao mesmo tempo, diz
sentir que o grupo ressentiu depois da saída de algumas pessoas.
Quanto a ser presidente do Grupo Camélia diz que antes “brincava com o
Roni (primeiro presidente), dizendo que ia roubar o cargo dele. O Roni saiu. Eu
disse, se ninguém se opuser... ocupei o lugar”.
Murilo diz que gostaria de ser um presidente reconhecido pela sua atuação,
mas que o vêem como um presidente “bonzinho demais”. Pensa que isso seja
resultado da sua história de vida (não detalhou). Ao mesmo tempo, diz ter prazer em
aprender, e destaca: “odeio inutilidade, coisas que você nunca vai usar”, o que
revela seu espírito pragmático.
Considera que a participação do prof. Paulo Renato funciona como “a base
geral”, ele diz: “Ele propõe os temas, tem mais contatos. Muitos eventos seriam
difíceis sem ele. Ele resolve as coisas, nos debates, ele joga o argumento, deixa
aberto. sem ele desestruturaria. É a pessoa mais organizada. Conseguimos andar
um tempo sem ele, na formação antiga. Ele é a base. Pessoalmente, considero o
professor como de fácil convivência, e tenho com ele relações de amigo... afeto por
ele, admiração”.
Ainda sobre a função de presidente, Murilo faz uma análise do que para ele
significa o poder. “Antes não existia um mínimo de conflito, ninguém queria o poder.
Hoje se muito valor a isso. Eu gosto do meu cargo, mas, se eu vir que é melhor
eu sair, eu saio. O que for melhor para o grupo.
Durante toda a fala sobre o Grupo Camélia, Murilo demonstra ser bem
articulado, mas impaciente com a situação com a qual não consegue lidar com
objetividade: o fato de haverem, dentro do próprio Grupo, contradições e
discordâncias de opiniões e, mais, de diferentes posturas diante do mundo e da vida
em geral. O que, a princípio, se propôs como um grupo de estudos de temas
relevantes para seus integrantes passou, também, a constituir um espaço de
visibilidade e conflito por um destaque que, segundo Murilo, não está mais
141
relacionado ao sentido do coletivo, mas, ao desejo individual de determinadas
pessoas, e que, por isso, tornou-se urgente uma mudança neste quadro.
5.6.4 GRUPO CAMÉLIA E GORDO & LAPI
Estavam presentes na primeira entrevista, concedida no dia 28 de agosto de
2007, os alunos: Fábio, André, Adriano, Jeferson, Murilo, Bianca e ssica. Fez-se
uma fala inicial prestando os esclarecimentos devidos quanto aos objetivos da
pesquisa, os processos metodológicos, as ações previstas e, de como as entrevistas
figurariam no documento final. Situou-se a oficina no escopo do trabalho traçando
um panorama da presença da tecnologia audiovisual no cotidiano das pessoas de
modo em geral, falando sobre questões como acesso à televisão, vídeo e cinema,
quase sempre como expectadores. Argumentou-se que o caso deles, que haviam
produzido, eles mesmos, um vídeo-ficção e veiculado seu produto via internet,
tornava-os um caso especial, razão pela qual se havia considerado a possibilidade
de tomá-lo como objeto da minha pesquisa.
Esclareceu-se, desta forma, que o interesse da pesquisa era justamente
compreender o porquê e o como eles chegaram a realizar esta produção
videográfica a que denominaram “os cocô-rangers, episódio 1” e, buscar perceber
até que ponto eles estavam cientes do que haviam feito. De onde partiu a idéia? De
que modo planejaram realizá-la? Se haviam elaborado um roteiro? Como fizeram a
produção? Quais equipamentos haviam utilizado para captar imagem e som? Como
fizeram a edição? De que modo trabalharam a caracterização das personagens?
Quem foi o responsável pelo roteiro, operação de câmera, direção, montagem e
veiculação do material finalizado? Em suma: como chegaram a essa história?
O aluno Fábio foi apontado como o “pai da idéia”, que com o incentivo de
André passou para o papel. O Adriano tinha uma câmera fotográfica e que gravava
clipes de um minuto e meio, e os outros participaram como puderam. O início de
tudo se deveu a uma chamada da MTV Brasil que conclamava os telespectadores a
enviar “vídeos engraçados”, que se selecionados, seriam veiculados pelo canal de
TV. André e Adriano faziam teatro, Fábio fazia música, Fabrício e Vandervan
142
desenhavam, se juntaram e fizeram o vídeo. Nenhum deles soube precisar o
momento exato em que tomaram a decisão.
Uma máquina fotográfica (comprada pelo pai do Adriano), um computador
(comprado pelo pai do André) e as tardes livres, estes foram os ingredientes
fomentadores de uma idéia: fazer um vídeo engraçado. Nenhuma experiência
anterior; nenhuma pretensão que não fosse se divertirem ocupando o tempo ocioso;
a admiração pelos heróis japoneses, e o desejo, segundo André, de sair um pouco
da realidade.
De todos os presentes apenas Bianca e Fabrício parecem se interessar por
Arte como uma possível profissionalização. Ela, artes cênicas; ele, design de
produtos. Os demais dizem pretender seguir carreiras bem diversas.
Quanto à participação numa oficina de teatro e vídeo, pensam que isto pode
lhes trazer algum benefício para que se “soltem” um pouco mais, e, também, porque
pretendem realizar uma continuação do primeiro vídeo.
O vídeo “os cocô-rangers” é uma sátira, uma paródia da série “Powers
Rangers” veiculada pela TV comercial, mas não tem nenhum cunho crítico explícito,
como os próprios produtores afirmaram, é apenas “diversão.
Para a entrevista final, realizada no dia 23/02/2008, nos reunimos, desta vez,
na casa de André (situada ao lado do Colégio), com o objetivo de fazer um balanço
final das atividades desenvolvidas até então, e de uma possível continuidade, uma
vez que estavam sendo gravadas algumas cenas para o vídeo-ficção “Os Cocô-
Rangers, o filme”. Mas, no entanto, enfrentavam algumas dificuldades de produção e
de disponibilidade de tempo dos participantes, que agora, em sua maioria, haviam
terminado o ensino médio e deixado o Colégio para fazer vestibular, faculdade e
trabalhar.
Estiveram presentes neste (último) encontro: Fábio, André, Fabrício, Adriano,
Jéssica, Murilo, Andressa, Leila, Bianca e Juliano.
Nesta parte inicial da entrevista, as respostas foram dadas aleatoriamente,
por quem quisesse responder. Posteriormente, alguns se dispuseram a falar
separadamente sobre as questões pertinentes ao processo experimentado durante a
pesquisa.
143
Com relação ao futuro relataram ter muitas dúvidas, dizendo que ainda
estavam se definindo quanto a uma profissão a seguir, mas que, necessariamente,
teriam que conseguir um trabalho e buscar a independência financeira.
Perguntados sobre o que pensariam se lhes dissessem, há algum tempo
atrás, que estavam fazendo filmes ali no bairro, Murilo afirmou que “obviamente iria
achar que é experimental, ou então, que estão utilizando o bairro como uma parte
geográfica difícil de encontrar num outro lugar” (um cenário), mas não iria dar muito
valor, apesar de achar bom estarem produzindo, mas não pensaria que seria alguma
coisa de muito valor. E se soubesse que eram pessoas do próprio bairro que
estavam produzindo o filme, não acreditaria muito no resultado, apesar de pensar
que isso seria possível, uma vez que “qualquer um” pode fazer um filme hoje em dia.
Revelou não ter nenhuma intenção de profissionalizar-se em algo relacionado a
cinema, ou audiovisual. Suas aptidões, pensa, apontam para a Filosofia.
O aluno André afirmou ter pretensões profissionais que se orientam para a
área de informática, pois considera uma profissão que pode lhe render uma boa
remuneração. O cinema é apenas um passatempo, e sua participação no vídeo “os
cocô-rangers” se deveu ao fato de ter pouco que fazer (ali no bairro) e por freqüentar
os “matsuris”. Considera que fazer o “filme” o tornou mais comunicativo, e isto,
garante, foi um progresso pessoal, pois, sua timidez poderia prejudicá-lo no futuro. É
fanático por animês, se diz “muito otaku”, e gostaria de conhecer o Japão, onde tudo
parece ser muito diferente daqui.
Figura 66: Alunos no Matsuri
2008
Figura 67: Murilo vendendo
piadas
Figura 68: Daniele "otaku"
André fala de modo expressivo quando se refere à cultura japonesa, e todos
os “meninos” parecem compartilhar da admiração. Falam disso com seriedade,
144
quase todos possuindo alguma coisa relativa a isso: bonecos, mangás e outros
objetos com os quais participam dos “matsuris” (figuras 69, 70 e 71).
Figura 69: André "otaku"
Figura 70: Adriano, Fábio e
André
Figura 71: Personagens
"cosplay"
Quanto à realização do vídeo-ficção, os integrantes do grupo argumentaram,
se utilizando de um silogismo: “não é uma brincadeira, porque a gente levou muito a
sério e, levou a sério porque foi com muita brincadeira”.
Reafirmaram que as tarefas mais difíceis na realização de um filme, seja ele
um documentário ou ficção, ficam por conta da produção, e esta seria a razão pela
qual não tivessem gostado muito desta função. Fabrício, um dos produtores,
reclamou: “Tudo é a equipe de produção, produção, produção... daí, eu não gostei
muito disso, achei que tinha que ser mais compartilhado o trabalho. Por isso eu não
gostei do que me passaram. Entretanto, todos reconhecem a importância do
produtor, ou como disse Fabrício: “porque tudo tem que passar pela produção. A
produção tem que organizar; os objetos; tem que ver o local; tem que organizar tudo.
eu tinha as datas, os horários. A direção mexe é mais na hora da cena mesmo, e
comanda um pouco a produção... Mas, é mais a produção mesmo”.
A produção a que se refere, citada na divisão de tarefas, durante as
gravações foi assumida por Fabrício e Andressa, deixando-os muitas vezes
sobrecarregados e tensos pela cobrança dos demais, e também, pelo
comportamento dos outros participantes que julgavam serem deles todas as
obrigações materiais, eram, por assim dizer, os “carregadores de piano”.
O aluno Fábio, mentor inicial dos “cocô-rangers” fala de seu envolvimento
com estas pessoas na produção do vídeo, no teatro e também como amigos, mas
de inicio faz a ressalva de que está de partida, que em breve irá residir em outra
145
cidade, deixando tudo isso para trás. Assim como outros, reconhece que não é
mesmo de antes, porque agora tem mais amigos. Perguntado sobre o sentido que
ele vê em fazer um filme, afirmou que faz apenas por diversão, divertimento, e
também como uma lembrança. Disse: “quando eu for mais velho, vou olhar lá, ver os
meus amigos quando eu era mais jovem, foi essa a idéia que eu tive”.
Adriano foi, na primeira versão dos “cocô-rangers”, aquele que emprestou a
câmera-fotográfica-filmadora, posteriormente perdida, para que se pudesse fazer o
vídeo. Pretende tornar-se um cientista na área de ciências biológicas. Para ele, fazer
um filme na vila Amélia é algo normal. Assim como eles estão fazendo, qualquer um
pode fazer o mesmo e ninguém tomar conhecimento. Ele diz: “hoje no mundo
qualquer um pega uma câmera e faz o que quer, tentando... outras pessoas podem
acabar descobrindo, e gostando, e assim eles vão se tornar conhecidos, quem
sabe?” Caso pudesse escolher morar num outro lugar, seria no Japão. Por que ,
ele diz, “tem tudo o que me interessa: desde animes, mangás... japonesas... é o
estilo deles, são loucos..., cada um se veste de um jeito. Pensa que o fato de
serem muito parecidos uns com os outros os leve a procurar se diferenciarem pelo
modo de se vestir. Ele define que “otakus”, no Japão, são pessoas aficionadas por
qualquer coisa, mas, são chamados de “vagabundos”, pessoas que não fazem nada,
ou seja, estão interessados em curtir a vida, diferentemente de como são vistos
no Brasil.
Juliano foi o mais cético de todos. Ele disse que fazer o vídeo “os cocô-
rangers” não passou de uma brincadeira, algo que fizera sem pensar. E que pra
maioria das pessoas não passa de uma “bobeira” e que não significa nada. Afirmou:
“pra mim não interfere em nada, é tudo de “mentirinha”... é brincadeira e nada
mais. Eu acho que não contribui em nada, quer dizer, pode contribuir na motivação
para outras pessoas, do Colégio, tentarem fazer alguma coisa nova, mas, entre
outras pessoas, assim pra sociedade em geral, não contribui em nada”.
Dentre as meninas, apenas Andressa, depois de alguma insistência, decidiu-
se por falar sobre a sua participação em todo o processo. Jéssica, Bianca e Leila
afirmaram não ter muito que falar. Andressa, que se tornara uma referência para o
trabalho, por sua organização, colaborou muito com o registro e coleta de dados, e
na prática, engajou-se inteiramente na proposta. Não quis operar a câmera, ou a ir
146
para frente dela. Entretanto, no teatro teve participação expressiva, principalmente
pela força que imprimia às suas falas, com um tom marcante e espírito bastante
decidido.
Para Andressa, fazer o documentário foi importante porque possibilitou que
conhecesse mais a escola, e todas as pessoas que fazem parte dela. A sua
participação, em particular, agradou-lhe muito. Em suas palavras: “me senti parte de
um grupo... fazer um projeto legal e depois desenvolver, ver o resultado... é uma
sensação muito boa... ter que pesquisar, conversar com pessoas... as pessoas vão
começar a se interessar mais pela escola. É a história, uma forma de registrar a
história...Pra mim foi muito importante. Eu tinha muito medo de falar o que eu penso
e agora eu falo, eu digo o que eu penso. Meu nome vai estar lá...pra minha vida
toda”.
Consideraram que a relação que estabeleceram com a instituição foi muito
significativa, pois foram reconhecidos, valorizados pelos seus membros, e isto para
eles foi importante. Mas, ressaltaram que isto não aconteceu com todos, alguns
continuaram a não dar importância ao que eles fizeram, o que lhes pareceu ser uma
contradição, porque algumas pessoas, como o diretor Prof. João Batista, defende
que a escola tem que estar aberta à comunidade e, no entanto, outras não dão valor
ao que fazem. Ao ser solicitado que dissessem o que consideravam como sendo o
mais importante que ficava de sua passagem pelo Colégio, resumiram: “Os amigos,
principalmente os amigos” (figura 72).
Compreende-se que para os envolvidos o fato de fazer amigos se constitui
numa demonstração da busca pela identidade que se constrói por identificação e
inserção num determinado grupo, assim como pela auto-aceitação e reconhecimento
de que há outros indivíduos com os quais podem se agregar no sentido de atingirem
objetivos comuns. Ao formarem um coletivo por afinidades têm suas idéias e ideais
reconhecidos e compartilhados com, e por, outros, reafirmando-se, assim, processos
de aprendizagem como de construção de suas identidades.
E quanto à pesquisa: “um grupo quando se propõe a fazer alguma coisa
assim, consegue... e isto não pode ser uma coisa imposta por alguém de fora... pode
sair mais rápido, mas menos agradável... não vai ter a nossa cara, o nosso jeito.
147
Adriano Ana Caroline André Andressa Bianca Fábio
Fabrício
Leila
Jeferson Jéssica
Juliano
Murilo
Vandervan
William Nayara Mateus Miriã
Daniele
Figura 72: Alunos participantes da Oficina de Teatro e Vídeo
5.7 OS QUESTIONÁRIOS
Os questionários aplicados tiveram dois objetivos principais. O primeiro:
investigar como os respondentes (grupos e indivíduos) se relacionam com o cinema,
de modo em geral, com questões que abrangem acesso, e compreensão das
diferenças de gênero. O segundo: coletar críticas e sugestões especificamente
quanto ao documentário “Ottília: múltiplos olhares” em sua primeira versão, de modo
que possibilitasse a edição de uma segunda, mais aprimorada e que atendesse de
forma mais clara às expectativas institucionais e da coletividade envolvida quanto à
sua representatividade, uma vez que esta última seria tornada pública.
Para facilitar este trabalho, dividiu-se o coletivo dos investigados em quatro
grupos distintos, isto feito em função do nível de escolaridade e participação no
processo da pesquisa, conforme tabela 3:
148
Grupo 1 Alunos do Ensino Fundamental 51 respondentes
Grupo 2 Alunos do Ensino Médio 42 respondentes
Grupo 3 Pedagogos, Professores e
funcionários
14 respondentes
Grupo 4 Grupo Camélia e Gordo & Lapi 09 respondentes
Tabela 3: Divisão dos grupos de respondentes
Todos os entrevistados têm acesso a filmes, principalmente através da TV
comercial ou vídeos locados. Dos 170 nomes de filmes enumerados, apenas 3 deles
eram brasileiros, sendo o mais citado: “Tropa de Elite” - 14 vezes.
Quanto à escolha cotidiana por gênero de filmes, o documentário aparece
citado apenas uma vez, e mesmo entre os professores não parece fazer parte de
suas preferências, como fica demonstrado no gráfico 1.
O saber diferenciar um documentário de outro gênero como ficção variou de
acordo o grau de escolaridade. Entre as respostas positivas figuraram, quase
sempre, a idéia ligada à própria denominação, numa associação com documento,
registro histórico e fatos reais. Ao assistirem ao documentário “Ottília: múltiplos
olhares”, 52% dos respondentes reconheceram desconhecer o histórico do Colégio
e, aqueles que afirmaram ter conhecimento indicaram como a fonte mais comum os
seus professores, familiares e documentação disponível na escola.
Quanto à correspondência entre o que é mostrado no vídeo e a realidade
cotidiana do Colégio, os entrevistados em sua maioria consideram que sim,
conforme pode ser averiguado pela tabela 4:
AVENTURA
SUSPENSE
COMÉDIA
ROMANCE
DESENHOS
DOCUMENTÁRIOS
OUTROS
Gráfico 1: Gêneros de filmes preferidos pelos entrevistados
149
Grupo
Composição Corresponde
Não
corresponde
Apenas
em parte
Não
opinaram
1 Alunos do Ensino
Fundamental
76,4 4,0 19,6 0,0
2 Alunos do Ensino Médio
61,8 0,0 26,2 12,0
3 Pedagogos,Professores
e funcionários
85,7 0,0 14,3 0,0
4 Grupo Camélia e
Gordo & Lapi
33,3 33,3 33,3 0,0
Tabela 4: Correspondência entre o documentário e a realidade do Colégio
É perceptível que o Grupo Camélia, representado na tabela pelo grupo 4,
apresenta o maior potencial de criticismo pela divisão equânime de opiniões,
enquanto que os alunos do Ensino Médio, representados pelo grupo 2 apresentou o
maior índice de abstenção. O grupo de professores e funcionários, representado
pelo grupo 3, apresenta o maior índice de concordância quanto à correspondência
entre o vídeo e a realidade do Colégio, o que pode demonstrar que o documentário
atingiu seu objetivo quanto ao objetivo de ser o mais fiel possível à realidade
representada.
A importância do documentário para o Colégio foi reconhecida por uma
parcela expressiva dos respondentes (98%), e pensam que é uma forma de
valorização da própria escola, tanto interna quanto externamente; como forma de
partilhar experiências com outras escolas; pelo auto-reconhecimento da história; ou
ainda, como uma forma de identificarem-se com o local onde estudam ou trabalham.
No documentário, a cena mais destacada foi a que mostra os alunos durante
uma passeata de protesto, na qual se podem ouvir as palavras: “Arrá! Urrú! o Brasil
é nosso” e, na qual aparecem diversas bandeiras nacionais trabalhadas
plasticamente de modo a representar situações como violência, corrupção e
esperança.
Solicitados a concederem uma nota de avaliação, a média geral ficou em 8,5,
o que demonstra um bom nível de aceitação deste primeiro resultado. Os
entrevistados, em grande parte, acreditam que o documentário pode trazer
benefícios para o Colégio, ressaltando ser essa uma boa maneira de motivar
150
positivamente os alunos e, também, tornar o Colégio mais conhecido e respeitado
pela comunidade externa, como fica demonstrado no gráfico 2.
Sim
Não
Parcialmente
Não opinou
Gráfico 2: O documentário representa a realidade do Colégio?
Dentre as falas, idéias e opiniões inscritas no documentário foram destacadas
as repetições do “falante”, bem como alguma desarticulação de raciocínio,
principalmente dos alunos mais jovens. Mas, de modo geral, se concordou com as
idéias expostas no vídeo, como pode ser conferido no gráfico 3.
As proposições de alteração elencadas se resumiram em: inclusão de
entrevistas com os antigos diretores do Colégio; mais depoimentos de alunos e
membros da comunidade; e, ainda, que poderiam ser mostrados alguns problemas
enfrentados pelo Colégio, pois se considerou que o vídeo evidencia o lado positivo
da escola, sem se aprofundar criticamente em nenhuma questão. O que é justificado
pelo objetivo do documentário de funcionar como um vídeo institucional, um
Sim
Não
Parcialmente
Não opinou
Gráfico 3: Você concorda com as idéias expressas no documentário?
151
documento representativo do Colégio com ênfase nos aspectos históricos de
constituição, exposição de ações e atividades desenvolvidas, ou seja, um objeto
para divulgação da escola junto a outras instituições e comunidade externa.
O nome dado ao documentário: “Ottília: múltiplos olhares”, foi aprovado por
unanimidade porque, segundo os relatos registrados, condiz com o fato de o vídeo
apresentar uma grande variedade de opiniões e de haver sido construído por um
grupo, um coletivo, e que isso representa “várias maneiras de ver uma só coisa”.
5.8 ALGUNS DESDOBRAMENTOS
No dia 05 de junho de 2008, foi realizado o lançamento do Vídeo-
documentário “Ottília: múltiplos olhares”, com repercussão bastante significativa
junto à comunidade e outras escolas, que demonstraram interesse em desenvolver
projetos semelhantes com seus alunos e professores. O lançamento, bem como a
confecção dos DVDs, se tornou possível graças ao apoio de comerciantes da
comunidade que financiaram a compra dos materiais necessários: Associação Pais,
Mestres e Funcionários do Colégio Ottília; Dias Contabilidade; Supermercado Vilela;
Papelaria Kaudy Ltda; Mercado Gaudêncio; Terajima Doces e Embalagens;
Briopar – Produtos de Higiene e Limpeza; Ly Sandro A. de Campos Salles (arte final)
e Lysandro de Campos Salles (copiagem dos DVDs).
O lançamento foi plenamente divulgado pelo “Dia-a-dia Educação”, Portal
Educacional do Estado do Paraná
53
, estando no momento em negociação a
distribuição do vídeo para as escolas do Estado, como material didático e incentivo à
realização de outros produtos e atividades do gênero. O documentário encontra-se
disponível no site YOUTUBE, dividido em cinco partes, uma vez que o espaço
disponível para inserção de vídeos é limitado.
54
53
Para ver mais: http://www.filmes.seed.pr.gov.br/.
54
Os links para o documentário são: http://br.youtube.com/watch?v=gwXHk72rilQ (parte 1);
http://br.youtube.com/watch?v=I3v789WCJfg (parte2); http://br.youtube.com/watch?v=t2frAP9JGhw
(parte3); http://br.youtube.com/watch?v=EFFzNKRW104 (parte 4); e,
http://br.youtube.com/watch?v=3uVU9RYVruQ (parte 5).
152
A partir do Grupo Camélia, formado por alunos do Colégio, criou-se a
Associação Cultural Camélia (ACC)
55
, que se encontra em fase de construção dos
estatutos e registros oficiais, tendo como presidenta interina a aluna Andressa Paola
dos Santos. A associação foi pensada como uma dimensão ampliada do Grupo
Camélia, com o objetivo de integrar membros de outras comunidades, cidades ou
estados de todo o País.
O Colégio, participando do projeto “Escola Aberta”, realizou mais uma oficina
de “Cinema e Vídeo”, com o objetivo de implantar um cineclube na escola, para que
alunos e comunidade em geral possam ter acesso a filmes e reflexões temáticas a
partir destes.
Os alunos participantes do Grupo Camélia preparam a III Semana Cultural,
que ocorrerá em novembro/2008, continuando a se reunir para os debates e
reflexões a que se tem proposto desde a sua fundação. Segundo o Prof. Paulo
Renato, eles estão trabalhando no projeto de uma televisão experimental: “TV
Conexão Camélia”, que poderá ser estendida também a uma emissora de rádio
interna no Colégio, com entrevistas, pequenas dramatizações e jornalismo. Será
disponibilizada na Internet, por meio do blog da ACC e YOUTUBE, e pretende
continuar envolvendo toda a comunidade em temas de relevância para a
coletividade.
55
Para ver mais: http://acc-associacaoculturalcamelia.blogspot.com/2008/04/blog-post.html.
153
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa buscou evidenciar e documentar algumas das motivações que
levaram os integrantes dos grupos: Gordo & Lapi Produções e Camélia, alunos do
Colégio Professora Ottília Homero da Silva, situado no bairro Jardim Amélia da
cidade Pinhais, a produzirem cinema (sob a forma de vídeos); de como se deu esta
prática; e de que maneira compreenderam e projetaram significações simbólicas em
tal prática, em que se constituíram como sujeitos e atores do processo.
Através deste estudo de caso buscou-se perceber como algumas
significações culturais podem ser compreendidas a partir desta prática, no contexto
de uma escola pública; e de que modo são produzidas nas relações intersubjetivas
que emergem na ação coletiva da produção, entre pessoas e organismos que se
constituem por afinidade ou com um propósito determinado. E ainda, evidenciar a
importância e a utilidade de tais percepções para o processo de ensino-
aprendizagem, dentro e fora da sala de aula, tendo como foco a cultura como modos
de ser e agir, que podem ser reproduzidos, rompidos e transformados a partir da
prática do fazer arte, no caso, cinema.
Tal prática, a princípio, pareceu ao professorado da própria instituição
pesquisada, circunstancialmente deslocada de um contexto propício à realização de
filmes, em função dos custos e demandas técnicas e tecnológicas necessárias à
realização de tal empreendimento; assim como, pela (quase) inexistência de
incentivo à inclusão da produção (o fazer) nos processos de ensino-aprendizagem
das escolas. Apesar de constar das orientações curriculares propostas pela Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação e do Projeto Político Pedagógico das
instituições de ensino brasileiras não é uma prática facilmente encontrável no
cotidiano escolar em geral, como é o caso do próprio Colégio Ottília.
Nesta pesquisa buscou-se avaliar a prática de fazer cinema no Colégio Ottília
a partir de duas situações distintas: a primeira - a realização do deo-ficção
experimental “Os cocô-rangers, episódio 1”, pelo grupo “Gordo & Lapi Produções”; e
a segunda - a produção do vídeo-documentário institucional “Ottília: múltiplos
olhares”, pelo “Grupo Camélia”. A primeira situação se deu antes da realização da
154
pesquisa no Colégio, sem a presença do pesquisador e, também, sem o apoio e
incentivo da escola; a segunda foi realizada durante e como parte do processo da
pesquisa, tendo a participação ativa do pesquisador, tendo contando também com o
incentivo e investimento da escola, se constituindo, portanto, de momentos bastante
diferenciados.
Inferiu-se inicialmente que a primeira situação havia se originado em função
do desejo dos integrantes do grupo Gordo & Lapi de produzirem um filme que
criticasse, ironizando através de uma paródia, a série televisiva, os “Power Rangers”,
produto da cultura norte americana numa releitura do gênero de ficção científica
desenvolvido pelos japoneses desde os tempos do “National Kid”, partindo de uma
intuição (um pouco ingênua) de que os referidos produtores eram motivados por um
sentido crítico desenvolvido em razão da própria situação social em que viviam, e
que, como outros, tratava-se de um grupo de “garotos” insatisfeitos com a sua
condição, vítimas da dominação cultural estrangeira patrocinada pela mídia,
representada no caso, pela TV comercial, mas que, ao invés de terem optado por
atos rebeldes como vandalismo, haviam escolhido um meio menos violento de
expressar seu descontentamento, isto em função de um processo diferenciado de
formação relacionado, por exemplo, à estruturação familiar.
Posteriormente percebeu-se um equívoco, principalmente, quanto à
suposição de que faziam uma crítica explícita (leia-se consciente) ao modelo
americano de cultura, pois, mesmo que estivessem imbuídos deste espírito irônico a
que se acostumou definir como um modo brasileiro de ver e agir; o que
pretenderam, como disseram nas entrevistas, não foi criticar (explicitamente) uma
cultura que lhes era estranha, mas se divertirem parodiando o que mais lhes
chamava atenção naquele momento e, movidos, principalmente, pela vontade de se
tornarem membros de um grupo de afinidades, no caso, relacionado à cultura
japonesa de que eram todos aficionados.
É fato, já discutido por Bakhtin e outros autores, que o humor pode ser
compreendido como um meio eficiente de criticar, e até mesmo de desconstruir
padrões instituídos, mas, o que deve ser aqui ressaltado, é que os realizadores do
vídeo-ficção não o fizeram de forma consciente, intencional, no sentido de explícito.
155
A escolha dos “Power Rangers” estava associada a dois fatores: o primeiro,
por ser um objeto cultural em veiculação na TV comercial naquele momento e estar
inserido num espaço cultural que lhes era atrativo, a cultura japonesa, apesar de
afirmarem que não se sentiam identificados com as personagens do filme, ou da
série, isto é, com o grupo de heróis adolescentes cuja principal ocupação é salvar o
mundo. Entretanto, este é um gênero de filme bastante difundido, e os influenciou da
mesma forma que a outros jovens, justamente por identificar este espírito próprio do
adolescente de se julgar infalível e imortal, capaz de vencer todas as adversidades,
normalmente representadas por “maus adultos” (há vários estudos sobre este tema).
A ficção científica, mesmo que ironizada, lhes permitia uma idealização
através da qual podiam escapar da realidade cotidiana através da imaginação
(brincadeira). Ao simularem heróis mergulharam num universo de fantasia onde tudo
é possível, onde não havia limites para a inventividade. Na ficção puderam voar,
desaparecer de um lugar e reaparecer em outro, lutar contra inimigos terríveis, e,
logicamente, vencer. Dito de outra forma, eles puderam romper com as amarras que
a realidade lhes impunha, sem que com isso se ferissem, por estarem protegidos
pela virtualidade. O fato de optarem por fazer um deo revela que possuíam certa
estabilidade familiar, ou seja, que os inimigos não representavam uma realidade
próxima, mas se encontravam difusos no todo social e os afetava de modo menos
contundente.
Ao relatar os motivos que os impeliram a produzirem o vídeo, disseram: a) o
desejo comum de fazerem alguma coisa com o tempo ocioso (todos os envolvidos
demonstraram pretensão de ter um trabalho o mais rápido possível); b) a fascinação
pela cultura japonesa, representada por animês, mangás e coisas do gênero (a
maior parte deles possui coleções de revistas e participam de matsuris); c) o apelo
da TV comercial de que poderiam produzir algo “engraçado” para ser veiculado (o
fato de terem divulgado o vídeo os deixava bastante animados); d) a vontade de se
divertirem fazendo algo que gostassem (o fato de morarem num bairro afastado com
poucas possibilidades de diversão e terem pouco dinheiro fizeram com que
procurassem alternativas para fazer amigos); e) a disponibilidade de uma inovação
tecnológica, representada pela câmera digital, pelo programa de edição eletrônica no
computador e o site de compartilhamento de vídeos na internet (queriam estar a par
156
do que estava “antenados” com o mundo); e, f) o desejo de fazerem alguma coisa
relacionada com a cultura japonesa, uma vez que se consideravam “otakus” e
gostassem de participar de “matsuris”, colecionar mangás, e, assistir animês e séries
com heróis cibernéticos japoneses.
Em tudo que disseram, fica clara, para este pesquisador, a motivação
representada pelo desejo de se inserirem socialmente num determinado grupo (e
mesmo no mundo globalizado), em seu modo de pensar e agir, ou, como afirmaram:
“fazer amigos”. Quase todos responderam ter dificuldades de se relacionarem
socialmente; e que, por tudo o que fizeram, a conseqüência positiva principal era o
fato de terem “uma turma”.
A paródia, segundo afirmaram, se deu pela simples vontade de fazerem algo
divertido, que chamasse atenção por ser risível, e para, em certo sentido,
debocharem das próprias limitações tecnológicas, financeiras e artísticas.
Parodiando, não teriam nenhum compromisso com o resultado. O caráter
experimental da produção lhes possibilitou fazer o que queriam sem ter que atingir
nenhum resultado estético comparável ao modelo parodiado, ao contrário, quanto
pior fosse o resultado, mais divertido de fazer. É o que se vê também no trailer e nos
“erros de gravação”: o que conta é o divertimento e não o resultado estético, o que
pode ser evidenciado pelo fato de que ao falarem sobre produzir um vídeo não se
consideraram artistas, nem o produto como uma obra de arte.
Mesmo assim, ao final, realizaram um vídeo bastante elaborado, que
demonstra a preocupação que tiveram em dar certo acabamento, mesmo que não o
percebessem como estético, o fizeram do melhor modo que puderam, visaram um
resultado composto com certa harmonia. A justificativa apresentada foi de terem a
pretensão de enviar o vídeo para o canal MTV (nunca o fizeram). Ao veicularem seu
vídeo no site YOUTUBE, chamaram atenção de outros internautas, principalmente
em função do nome parodístico, e se fizeram reconhecer, sendo este,
provavelmente, o resultado que estavam buscando: serem reconhecidos.
Ao tomarem a decisão de participar da oficina de teatro e vídeo buscavam
algum aprimoramento, e acesso a uma tecnologia que lhes possibilitasse realizar
outro deo ficção com o mesmo tema, mas dessa vez, com mais recursos. De início
não demonstraram preocupações explícitas com a linguagem, e se mostravam
157
bastante satisfeitos com o experimentalismo, que é afinal uma maneira mais aberta
de se produzir linguagem. Experimentando, podem encontrar um resultado que
satisfatório, não seguindo normas pré-estabelecidas, mas de alguma maneira
realizando algum tipo de julgamento de valor. A própria satisfação pode estabelecer
algum tipo de valor estético.
Ao se verem às voltas com um vídeo-documentário experimentaram outras
sensações, apontadas nas entrevistas e relatos. O que era de início apenas divertido
tomou outra conotação; fazer o documentário lhes pareceu muito diferente do que
fizeram antes e do que pretendiam continuar fazendo a partir do que aprendessem
com a oficina. Estas novas sensações, segundo eles, podem ser resumidas pelo
grau de comprometimento, pela responsabilidade que tiveram que assumir diante da
própria escola, e das posições que tomaram na negociação de significados com a
instituição; ao mesmo tempo, experimentaram também um maior pertencimento à
instituição escolar, quer dizer, se sentiram mais inseridos no contexto do Colégio.
Relataram por exemplo, o fato de serem mais respeitados pelos demais colegas.
Assim, ao diferenciar os dois gêneros relatados, um de ficção-experimental,
quando vivenciaram a prática de fazer o vídeo “os cocô-rangers, episódio 1”; e outro,
o documentário-institucional “Ottília: múltiplos olhares”, puderam perceber as
diferentes implicações que cada situação lhes imputava. Se no primeiro podiam
soltar a imaginação e fazer o que bem quisessem negociando significados entre
parceiros iguais; no segundo, tiveram que negociar com instâncias diferenciadas, e
para que chegassem a um resultado consensual tinham que se munir de outros
argumentos que não apenas a própria vontade, ou satisfação. Desta forma, sentiram
que tinham que se comprometer mais explicitamente com aquilo que realizavam;
defender seus pontos de vista com argumentos mais bem fundamentados; e fazer
concessões quanto à apresentação de críticas, que neste caso, não podiam ser
levianas, no sentido de atender apenas a um impulso sem conseqüências. O que
significa dizer, que no segundo caso, foram cobrados em sua responsabilidade por
aquilo que faziam, afirmavam ou negavam. Quanto ao engajamento, disseram
percebê-lo em ambas as situações, mesmo que de forma diferenciada, não havendo
uma medida pra dizer que estavam mais engajados no primeiro que no segundo
vídeo, era apenas diferente.
158
Como um locus, a oficina de teatro e deo possibilitou aproximar as duas
esferas, do experimental e do institucional, através da prática reflexiva, ao pensar as
especificidades de cada uma das situações. Esta reflexão, ao mesmo tempo em que
experimentavam uma prática concreta, lhes possibilitou perceber o quanto tiveram
que “negociar” para realizar o pretendido, e que muitas vezes tinham que ceder à
vontade do outro. Sensação essa bastante ampliada quando negociaram com a
situação institucional da escola.
O Grupo Camélia, como parte integrante do projeto político pedagógico do
Colégio, atendia à premissa de constituir-se num espaço de exercício da reflexão
crítica com vistas à construção da cidadania como prática. Quando se propuseram a
realizar o documentário tiveram que tomar consciência de que faziam parte de um
contexto muito mais amplo, a instituição. Isto se deu porque o documentário passou
a ser um objeto representativo da instituição que seria mostrado fora do âmbito do
Colégio, e por este fato, representaria o próprio grupo e seus integrantes em amplo
sentido. Isto levou a que percebessem que a reflexão crítica que antes se limitava a
questões domésticas tomava maior amplitude, ultrapassa os muros do colégio e
ganhava o mundo, e isto exigia deles que assumissem, também, uma
responsabilidade ampliada.
O caráter mais marcante do vídeo-ficção realizado pelos integrantes do grupo
Gordo & Lapi é, certamente, seu experimentalismo, sua realização por tentativa e
erro, aprenderam a fazer na prática; enquanto que o vídeo-documentário sobre o
Colégio, construído a partir da oficina de teatro e vídeo, se caracterizou pela busca
de uma representação institucional a partir de uma situação real, um contexto vivido
de fato.
O primeiro vídeo passou pelo julgamento dos próprios realizadores, e pelo
menos teoricamente, procurou agradar a todos. Haviam normas a serem seguidas,
mas eram criadas e negociadas no interior do próprio grupo constituído como uma
comunidade de interesses afins. O segundo é também negociado, mas com uma
agência, com um conjunto de pessoas que compõem um corpo hierárquico que
questionou tanto sua forma quanto seu conteúdo, que para soar harmonicamente
procurou ser responsivamente composto, editado, de acordo com formas e
conteúdos previamente negociados, mesmo que democraticamente. Qualquer
159
excesso criativo pode ser considerado inadequado, qualquer crítica sem fundamento
lógico é refutada por quem de certo modo representa o pensamento (ideologia)
institucional.
A escola pública é parte de um sistema político, e este exerce controle
documental sobre ela. uma LDB, um projeto político pedagógico, e outras
inúmeras normatizações de controle, incluindo orientações e diretrizes sobre as
imagens e falas que deveriam e (ou) poderiam ser tornadas públicas. Se num caso,
a ficção é uma expressão de sua capacidade de concretizar suas fantasias criativas,
mesmo que sob influência de um modelo parodiado e de um contexto social mais
amplo; para o outro, o documentário é a expressão de uma perspectiva
institucionalizada, bem mais situada e aparente que o primeiro.
Os mesmos envolvidos, na dupla experiência de esfera e gênero,
experimentaram diferentes sensações, sentimentos e demandas, em cada situação.
A prática da realização do documentário cobrou-lhes atos de responsabilidade
concretos, diferentemente da criação livre, uma vez que ficou demonstrado que a
organização em tarefas e funções lhes sugeria mais concretamente a maneira viver
na sociedade real; em que teriam que negociar seus “extravasamentos”, mas que,
todavia, lhes possibilitou o exercício da realização, a compreensão do que sejam:
trabalho, meio de produção, divisão de trabalho, e também, comprometimento,
responsabilidade, exposição à crítica; experimentaram algo próximo do
“profissionalismo”, e, conforme relatado nas entrevistas, isso lhes pareceu
extremamente positivo.
Na realização do vídeo ficção, vivenciaram uma aparente liberdade de
criação, considerando-se que produziam sem exigências de continuidade ou de um
resultado final estético, de um objetivo a ser atingido em concordância com certas
premissas.
Nas declarações feitas nas entrevistas, explicaram que o caráter percebido no
documentário era de que havia mais exigências, enquanto, que o vídeo ficção fora
realizado por puro prazer, diversão, como um jogo ou brincadeira, ou simplesmente,
como uma atividade que lhes preencheu o vazio criado pela impossibilidade de fazer
coisas em função da idade, pertencimento social, poder aquisitivo, etc.; e finalmente,
160
o vídeo-ficção lhes permitiu verem-se inseridos no contexto de uma experiência
maior a que denominaram “ser utako”.
Em resumo, a experiência experimental pareceu-lhes estar associada à sua
busca de liberdade, em que não se esperava mais que a própria realização, que
apesar de não ter se concretizado no projeto de realizar outro filme de ficção, não
teve dissolução de continuidade. Em princípio, esta possibilidade continua aberta e
pode ser materializada a qualquer momento, caso queiram realmente fazê-lo, da
mesma forma como aconteceu na primeira vez.
O documentário institucional “Ottília: múltiplos olhares” diversificou suas
experiências, possibilitou-lhes fazer análises comparativas. Exigiu-lhes outra forma
de comprometimento. Ao servir a uma reflexão crítica sobre o que é a própria
instituição, nos termos de sua representatividade coletiva e individual, como
organismo público e também como campo de relações intersubjetivas, muitas vezes
conflitantes, colocou-os concretamente diante da realidade. Nesta situação puderam
compreender o papel de mediação exercido pela tecnologia audiovisual no processo
dialético da construção de um objeto simbólico, representativo, no caso, o próprio
vídeo, uma vez que podiam ter acesso a um objeto real, representativo, como um
texto a que podiam recorrer em suas reflexões sobre o tema.
O principal fato relatado pelos envolvidos consiste da sensação de se verem
representando (personagens) no primeiro vídeo; e de serem reconhecidos pela obra
no segundo, mesmo sem aparecerem nas imagens. Ver a própria imagem gravada
no suporte material, mesmo que sob a forma de uma personagem, provocou uma
forte impressão de deslocamento, uma visão dupla de si mesmos. Enquanto, que no
segundo vídeo, se viam representados pela ação realizada, pelo objeto que
produziram, dando-lhes uma sensação de inclusão num contexto mais amplo e
complexo. No vídeo-ficção brincavam, e divertia-os a idéia de, no futuro, se verem
como num álbum de memórias, cujas imagens os faria novamente felizes. No vídeo-
documentário faziam história, e seriam lembrados por terem feito algo que
consideraram importante, com valor social, e se sentiam respeitados, reconhecidos
como parte do que documentaram.
Ver-se a si mesmo numa fotografia, ou ter o nome citado numa obra literária,
não possui a mesma força sensibilizadora produzida por vídeo. O audiovisual, com
161
som e imagem em movimento produz a sensação de presença concreta, de estar,
mesmo que ilusoriamente, retratado de corpo e alma.
A imagem em movimento sonorizada impressiona e contagia multidões desde
os seus primórdios, em fins do Século XIX, ahoje. Não foi diferente, quando da
realização desta pesquisa, tanto para o caso do deo-ficção, em que as pessoas
representavam personagens, quanto no documentário, no qual elas representavam a
si mesmas. A experiência de se verem representados é especialmente dramática.
No vídeo “os cocô-rangers”, a representação teatral das personagens
envolveu desde a concepção de cada tipo - características físicas, psicológicas,
sociais e míticas; até a produção de fato possibilidades técnicas, econômicas;
mas, por ser um exercício de criatividade livre, teve destacado o seu caráter de
brinquedo, de jogo, em que o divertimento ficou evidente pelo jogo de cena, na
escolha dos objetos cênicos; o que importava é fazer o filme. As imagens, assim
como os sons, não são, entretanto, aleatórios, estão ali com um propósito. Apesar
de, para os envolvidos, os bastidores com seus erros de gravação ter sido muitas
vezes mais interessante que o próprio vídeo realizado.
no documentário, a representação teatral cede lugar à busca da
fidedignidade, das coisas como realmente aparentam ser. As pessoas ali
representadas não são ficcionais, são elas mesmas, e as características que antes
podiam ser previstas, neste caso, são imprevisíveis e “devem” ser registradas o mais
fielmente possível. um aumento significativo da preocupação técnica como:
melhor ângulo, som audível, cenografia, figurino, um texto adequado e a clareza
com se expressavam as idéias.
Os erros, no documentário, tiveram como função servir de referência ao
aprendizado técnico, à compreensão da linguagem audiovisual, incluindo seus
aspectos estéticos, em sua forma prática.
Na ficção, os atores representavam super-heróis e vilões, lutando entre si,
maniqueisticamente, num universo paralelo, criado a propósito, mesmo parecendo
que tudo se passava no mundo real. No documentário, os atores representavam
funções, categorias, classes. E os atores dividiam os papéis que compunham uma
única personagem: a instituição, que se pretende representada o mais fielmente
162
possível. A negociação de significados, principalmente no segundo caso, possibilitou
que o resultado atendesse a ambos (a instituição escolar e o grupo de alunos).
São situações diferentes, com implicações diferentes, mesmo que partindo da
mesma prática: produzir cinema. O ver-se representando é bastante distinto do ver-
se representar e representando ao mesmo tempo, com o agravante de ver-se
representado no interior de uma esfera em que já se tem preconcebida uma imagem
com a qual se deve identificar, ou diferenciar, com conseqüências bastante
concretas. Uma palavra dita de forma ambígua pode colocar “sob rasura” posições
muito definidas na instituição. Cada posicionamento segue gêneros estabelecidos, e
romper com eles é, muitas vezes, considerado um ato inadequado, passível de
questionamento, que pode ser evitado.
Em resposta ao objetivo proposto por esta pesquisa de encontrar evidências
que indicassem o porquê de um grupo de pessoas comuns terem posto em prática o
desejo de fazer filmes, numa escola de bairro, de como realizaram esta prática
específica nas circunstâncias dadas, e de vislumbrar algumas das implicações que
esta ação veio provocar no cotidiano destas pessoas, e desta localidade, considero
que os resultados apresentados delimitaram algumas possibilidades, ainda que
apenas esboçadas.
Quando os integrantes do grupo “Gordo & Lapi Produções” tomaram a
decisão de realizar o vídeo “os cocô-rangers, episódio 1” não o fizeram por se
sentirem tomados por um impulso metafísico, inexplicável, como um “dom divino”,
mas para se divertirem, ou como afirmou André, inventando novos sentidos para as
palavras, como “um contra-tempo”, querendo dizer que fazer o vídeo os faria ir
contra o curso normal do tempo. Fazer o vídeo funcionou, de fato, como uma ruptura
da normalidade, do tédio, da mesmice, do que estavam habituados a fazer, ou seja,
do desejo de interromper, mesmo que momentaneamente com o fluxo do cotidiano.
Entretanto, o desejo de se colocarem entre os “utakos”, sendo um deles, faz
parecer que quisessem romper com um cotidiano que não os agradava para se
inserirem num outro, ou dito de outra forma, de se inserirem num outro universo
cultural que se mostrasse mais agradável e em acordo com suas expectativas de
vida. Chegaram a afirmar que no Japão podia-se ser o que se quisesse ser, cada um
sendo diferente do outro e não seguindo modismos. Pode-se dizer que acabavam
163
por confirmar aquilo que negavam, uma vez que ser “utako” é também um modismo
e uma maneira de se inserir num grupo, de estar entre iguais.
A princípio, este pesquisador inferiu que o Jardim Amélia, o Colégio Ottília, e,
os próprios envolvidos, fossem dados circunstanciais, que contribuiriam apenas para
que se construísse uma localidade geográfica, e se caracterizasse os agentes
envolvidos na prática em questão, considerando-se que tudo isso poderia ter se
dado em qualquer lugar do mundo.
E esta é uma situação que se confirma nas palavras dos próprios envolvidos,
quando disseram: “pode estar acontecendo com qualquer um, em um lugar
qualquer”. Isto dito, antes, por que, após terem realizado o filme, foram vistos por
outras pessoas, de diversos lugares do mundo, e, deste modo, saíram do anonimato
generalizado em que se encontravam e, a partir de então, se perceberam de modo
diferenciado, e passaram a outra condição de existência, entraram em foco.
Ao decidirem filmar “os cocô-rangers” estavam inscrevendo uma nova posição
de sujeito. Realizaram uma paródia de outro objeto semelhante “os Power-Rangers”,
que também traduz toda uma complexa rede de definições e afirmações culturais,
incluindo, por exemplo, a política de dominação norte-americana, que através de
seus super-heróis afetam o imaginário cultural de pessoas em todo o mundo,
notadamente nos países de terceiro mundo, como o Brasil. O próprio filme
americano já traz consigo uma releitura de uma outra cultura, a nipônica, que
também tem se espalhado por todo o planeta em busca de mercado consumidor
para seus produtos eletrônicos. Ao trocarem “power” por “cocô” romperam com
determinados valores, justo por estarem atuando parodicamente, inserindo
elementos escatológicos, destruindo modelos impostos como representações
legitimadas pela cultura estrangeira, mesmo que não tivessem plena consciência
disso.
Quando se propuseram a realizar o documentário Ottília, se imbuíram de
outra motivação: a de registrar, o mais fielmente possível, determinados fatos,
culturais e históricos. Não o fizeram somente por que foram solicitados a fazerem,
foram movidos pela vontade de registrarem também a si mesmos, a sua própria
história, parte de uma história ampliada. Tratava-se, portanto, de um ato responsivo
164
à demanda de uma tomada de posição, uma forma de constituírem como sujeitos da
própria história (e também da história geral).
Durante este processo puderam exercitar sua reflexão crítica a partir da
percepção da instituição da qual faziam parte, tendo que negociar e fundamentar
suas opiniões e idéias de uma forma bastante diferenciada do que haviam feito no
vídeo “os cocô-rangers”, em orientados no mesmo sentido: construir consensos
representados por um objeto cultural.
O comprometimento demandado pela produção do vídeo-documentário, com
relação à prática, os levou a se engajarem diferentemente de antes, no vídeo-ficção,
quando carregavam um aparente descompromisso com o resultado. Entretanto, ao
contrário do que supunham, quando estavam por si mesmos, se engajaram
fortemente com a prática mesmo sem reconhecer interferência externa explícita,
como puderam fazer através documentário. Despretensiosamente, disseram aquilo
que lhes interessava dizer, pois estavam apenas “descargando”
56
sua inventividade.
Entretanto, realizam uma critica contundente ao que parodiam, e por extensão, ao
que lhes passava em redor, mesmo que inconscientemente.
O vídeo-documentário os obrigou, em certo sentido, a tomar consciência e a
assumir o que faziam. Viram-se repentinamente despidos de sua proteção, como se
alguém lhes apontasse o dedo, e passasse a exigir coerência e responsabilidade. A
diversão, pura e simples, lhes pareceu ficar reduzida pela consciência. O que antes
faziam como uma “brincadeira” ficou sério demais, excessivamente comprometido.
O grau de cobrança por um resultado estético impediu que o improviso criativo se
desse tão livremente quanto antes. Uma reflexão mais profunda os levou a
compreender que não houve uma redução do divertimento, mas uma substituição da
brincadeira irresponsável pelo ato de responsabilidade, o que os levou a outro
estado de consciência.
No primeiro filme, romperam, mesmo sem o saber, com o instituído. Ao
realizar um vídeo foram levados a assumir um ato de responsabilidade que exigiu
ações coerentes em função de razões negociadas. A esfera, antes aparentemente
56
Termo criado em substituição ao “morfar” dos “Power Rangers”, que significa transformar-se de humano
comum num super-herói.
165
aberta, se fechou em torno deles, ao tomarem consciência de sua existência. Se
antes, a escola era um lugar qualquer, onde poderiam fazer qualquer coisa, agora
era um espaço de negociações de significado, e isto lhes exigiu outros tipos de
engajamento.
Foram descobertos pela instituição, e esta passou a vê-los e ouvi-los. Antes,
brincavam de fazer vídeos, agora, faziam vídeos de verdade. Antes, suas vozes
estavam misturadas a todas as outras vozes, agora se destacavam da multidão,
foram ouvidas.
No documentário, o comprometimento foi explicitado, não havia como se
esconder por detrás da personagem. Se no vídeo, o Murilo é um “cocô-ranger”; no
documentário, ele é o Murilo mesmo, o que ele diz não é ficção, é real. Este fato (ou
ato) exige dele que se comprometa, que assuma a autoria de suas declarações e
gestos.
O deo-ficção “os cocô-rangers” foi produzido a partir de improvisações, da
criação a partir do possível, da circunstância, com o que podiam ter à mão. Tinham
uma máquina fotográfica que produzia pequenos clipes, e isto era o suficiente.
Tinham um programa básico de edição no computador, e isto era o bastante para
que transformassem o desejo em realidade. Não haviam figurinos apropriados,
então usaram as próprias roupas, reinventando o significado de um capacete pra
motociclista, ou do prato de metal da bateria. As máscaras de fibra de carbono foram
substituídas por camisetas amarradas ao rosto, aproximando os super heróis dos
bandidos da favela, o “power” do “cocô”, ou seja, dizendo, literalmente, que o poder
não tinha valor e fedia. E além de tudo, era risível.
O ato de realizar o vídeo-documentário fez com que amadurecessem um
pouco mais (no sentido de comprometimento responsável); e “os cocô-rangers”,
também para eles, tenham ampliado o seu poder de destruir o poder instalado, e
isto, certamente, será bem mais que uma “recordação de juventude”, quando podiam
brincar de super-heróis e lutar contra o tempo.
Nenhum deles se decidiu por tornar-se um cineasta e continuar fazendo
vídeos profissionalmente. A prática, entretanto, possibilitou que dissessem o que
pensam, o que sentem, e mais isso, que se comprometessem com isso. Isto dito no
166
sentido de terem refletido que os “Powers” podem não passar de meros “cocôs”
pintados de cores brilhantes.
Fizeram vídeos, e o que isto provocou em suas vidas? Como eles próprios
afirmaram, ficaram amigos, e isto não é pouco. O vídeo se tornou, para eles, bem
mais que uma lembrança a ser guardada do tempo que conviveram na “juventude”,
passou a se constituir de uma representação de si mesmos, de suas subjetividades
e situações sociais, históricas e culturais. Como afirmaram em seus relatos,
deixaram uma marca, um exemplo para outros, um estímulo a que também
procurem fazer algo diferente em suas vidas.
Ao mesmo tempo, foi uma forma de firmarem posições de sujeito, posições
políticas e de comprometimento com a realidade. E isto fez diferença para eles,
integrantes do Grupo Camélia, do grupo Gordo & Lapi Produções, e para a
comunidade do Colégio Ottília. Farão novos vídeos, de ficção e documentários, mas
o que ficou evidenciado, é que essa experiência (a prática de fazer cinema) alterou
suas histórias, confrontando todos eles com seus modos e objetivos de vida.
Em síntese, este grupo de pessoas comuns, nesta escola pública, se
propuseram fazer cinema e o fizeram, e decididamente, romperam com a
continuidade. Estas pessoas se impuseram sobre uma contradição e se fizeram
notar, desconstruindo o paradigma de que o comum é vulgar e invisível.
Demonstraram que, a partir do uso de tecnologias audiovisuais acessíveis podem
ser produzidos vídeos (filmes) com um valioso potencial crítico, e que isto pode ser
bastante útil para professores e educadores que se definem por uma posição crítica
e engajada, seja na sala de aula ou fora dela, ou seja, que esta prática se constitui
num exemplo de postura metodológica diferenciada.
Ficou perceptível, também, o quanto uma instituição escolar pode fazer
quando se posiciona comprometida com um processo de ensino-aprendizagem que
busca envolver a comunidade na qual está inserida, quando se coloca dentro de um
contexto global de possibilidades e rompe com as expectativas de repetitividade
através de práticas simples.
O Colégio Ottília não é apenas um exemplo, é uma clara demonstração do
quanto se pode realizar a partir do envolvimento e participação da coletividade. Não
é uma ação isolada, está respaldada por propostas de Governo, representadas em
167
leis e projetos político-pedagógicos e conta com o engajamento de seus
profissionais, alunos e comunidade-contexto.
Assim, pensa-se que esta pesquisa tenha contribuído para ampliar o leque de
discussões acerca da prática nos processos de ensino-aprendizagem mediada pela
tecnologia, e também, nos processos de construção de identidades subjetivas e
culturais, através da construção social do conhecimento. E que esta construção
social se pelos modos de pertencimento e negociação de significados que se
realizam através da linguagem, esta mesma linguagem que pode ser constituída
na interação.
A percepção da pluralidade de pensamentos, vozes, e falas, tanto de
indivíduos quanto de organismos sociais; da identidade como performativa e
apreensível em função das práticas culturais; dos atos de responsabilidade que se
realizam a partir do comprometimento com as próprias práticas realizadas; tudo isso
pode ser bastante útil para a re-leitura de currículos e orientações educacionais que
se propõem engajadas no papel, mas que ainda estão distantes de o serem na
prática.
6.1 UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL
Reafirmando aqui as concepções baseadas na pluralidade, seja ela de:
pensamentos, vozes, línguas, falas, culturas, identidades, pontos de vista, modos de
ser, agir ou viver, sustentadas por autores como Bakhtin, Vygotsky, Williams, Hall,
Geertz, Silva e muitos outros não citados neste trabalho, compreende-se mesmo
assim que um sujeito que, em sua unicidade, reflete, refrata, ou seja, interpreta
de algum modo pessoal toda essa diversidade de interferências, injunções,
interpelações e demandas e produz uma assinatura que, aqui, consta da capa.
A partir dessa premissa, é possível indagar (e sempre haverão novas
indagações): o que significou todo este trabalho para o próprio pesquisador? E
ainda, se a resposta para esta pergunta deve ser dada em primeira pessoa,
correndo o risco de parecer arrogante; ou se deve ser mantida a objetividade quase
168
impessoal do discurso acadêmico, em que se pode denotar uma generalização,
ainda mais arrogante, por ter se tratado de uma experiência particular?
Ao tomar como objetivo deste estudo contribuir para o trabalho do professor
de artes que pretenda produzir vídeos com seus alunos, acabou-se por orientá-lo
para o próprio trabalho, uma vez que a pessoa deste pesquisador é também de um
professor de artes que pretende produzir vídeos com seus alunos, ou seja, antes
mesmo de contribuir para o trabalho de outrem, pensa-se ter contribuído com o
próprio, e que, portanto, cabe aqui colocar o sujeito do discurso na primeira pessoa.
De início, quando me propus realizar esta pesquisa dizia buscar compreender
na teoria aquilo que desenvolvia na prática, e a primeira coisa que pude perceber
foi que não essa dicotomia. A teoria e a prática são interdependentes, se
interpelam permanentemente, são inseparáveis como o pensamento e a palavra,
não se podendo dizer que aqui está um e ali o outro, distintivamente. O próprio ato
de teorizar se constitui numa prática, e a prática traz em si uma idéia. Por ser
humano não ajo simplesmente, assim como o próprio ato de pensar é em si uma
ação. Discorrer sobre isso, entretanto, exigiria um estudo bem mais profundo que
este aqui desenvolvido, ou seja, uma teoria e uma prática bem mais complexas.
Em síntese, penso ter apreendido desta experiência algumas conclusões que
possivelmente encontrarão aplicação prática no meu trabalho como professor:
a) A compreensão de que a cultura é um modo de ser e agir que não se limita
a uma determinada classe ou segmento, mas está presente a toda ação
humana, da obra em que se encontre o mais alto grau de elaboração
estética à ação mais simples e cotidiana e que está associada tanto ao
sujeito quanto ao contexto, não sendo possível pensar um sem o outro, ou
qualquer prática ou teoria sem que se busque compreender as relações
intersubjetivas e objetivas sempre situadas;
b) A prática de produzir, no caso vídeos, é um elemento fundamental para a
compreensão profunda do que sejam as linguagens em sua significação
mais profunda, como um ato cultural, e que isto deve ser enfatizado no
processo de ensino-aprendizagem, da mesma forma que a apreciação e a
interpretação crítico-reflexivo; a produção confere organicidade ao
aprendizado, seja ele de conceitos ou técnicas, e isto se constitui num
169
reforço fundamental ao trabalho do professor que se pretenda realmente
engajado como o mundo, e não apenas com o que se dá na sala de aula;
c) Através da prática coletiva se pode perceber, exercitar e reforçar conceitos
como engajamento, pertencimento, compromisso, responsabilidade e
cooperação, fundamentais para o processo de construção de identidades
que se orientem para a tomada de posição de sujeitos sociais ativos e
conscientes de que o coletivo se dá pela intersubjetividade;
d) A prática da pesquisa pode ser compreendida como uma metodologia para
o trabalho do próprio professor, dentro e fora da sala de aula, pois se trata
de um elemento motivador fundamental para a aprendizagem, pois
concede ao processo e a seus envolvidos motivação, objetividade e
engajamento com aquilo que aprendem;
e) O cinema, compreendido como um ato de fala, no caso sob a forma de
vídeos, escapa tanto da ficção quanto do documentário; não pode ser visto
apenas como uma ilusão ou uma realidade; ele transcende a toda e
qualquer classificação e assume um papel: o de dar voz a quem o produz
e para quem o produz. Palavras ditas por personagens (ou pessoas)
ganham consistência, significação e sentidos outros que antes não tinham;
adquirem a força de um martelo que pode desferir golpes repetidos e
incessantes; as imagens e os sons, não necessitam ser lidos como na
escrita gráfica, nos atingem sem que para isso tenha sido preciso aprender
a ler e escrever. O cinema é uma linguagem rompida, pois se pode não
apenas imaginar-se, mas ver-se, concretamente, mas não é um espelho,
não sendo, portanto, um reflexo, mas outro eu mesmo, através do qual é
possível pensar-se com estranhamento; e,
f) O que se tornou mais forte: a ação coletiva da criação, no sentido de,
como professor, pesquisador e criador, estar junto com os demais,
percebendo-os também como professores, pesquisadores e criadores, de
ocupar uma posição entre “iguais”, a posição de aprendiz/aprendente, algo
assim como “criar” correspondendo a “crer”; ou numa metáfora, como na
imagem criada por Moebius para representar o universo, uma banda em
forma de um “oito deitado (), em que não é possível determinar um
170
princípio e um fim, mas um movimento permanente, infinito. Até onde fui
eu quem ensinou? Até que ponto foi eu quem aprendeu? São perguntas
que eu não saberia responder, nem gostaria, pois é justamente a partir
delas que me mantenho atento ao papel que me proponho desempenhar
na educação, e neste caso, o cinema é apenas o suporte.
Certamente, outras percepções foram evidenciadas, mas penso estarem
contempladas nas considerações finais feitas, restando reafirmar a utilidade
pragmática desta pesquisa para o desenvolvimento de minhas atividades como um
professor de artes que defende, também e ainda mais, a escola como um campo
privilegiado de transformação social e subjetiva.
Desta forma, penso que uma seqüência para este estudo se orienta no
sentido de compreender mais profundamente os processos de produção da
identidade (ou identidades), como um processo cultural em que o ensino-
aprendizagem ocupa situação primordial em que se reproduzem e se transformam o
nosso estar no mundo. As identidades se formam performativamente na negociação
de significados, no diálogo, na atividade interativa e pressupõem práticas identitárias
diversas e diversificadas, que necessariamente demandam aprendizagem, mesmo
que seja apenas por conjunção de afinidades.
171
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Vasconcelos, São Paulo: Boitempo, 2007.
ZUNZUNEGUI, Santos. Pensar la imagen. 6.ª edición. Madrid: Ediciones Cátedra, 2007.
176
ANEXOS
ANEXO 1
PERFIL DO PESQUISADOR
Dados pessoais
Nome Júlio César dos Santos
Nascimento 23/08/1958 – Araguari/MG – Brasil
CPF 307.010.076 – 72
Formação Acadêmica/Titulação
2000-2001 Especialização em Educação Continuada e à Distância
Universidade de Brasília, UNB, Brasília, Brasil.
Título: Projeto Institucional – Núcleo de Educação à Distância no CEFET-GO
Orientador: Maria Rosa Abreu de Magalhães/Elício Bezerra Pontes
1991-1994 Graduação em Jornalismo
Universidade Federal de Goiás, UFG, Goiânia, Brasil
Título: TCC – Humor e Informação: uma piada muito séria
Orientador: Maria Beatriz Ribeiro
Formação complementar
1993-1993 Extensão universitária em Crítica de Cinema no Brasil
Universidade Federal de Goiás, UFG, Goiânia, Brasil
1996-1996 Extensão universitária em A Arte de Produzir Filmes
Universidade Federal de Goiás, UFG, Goiânia, Brasil
1997-1997 Extensão universitária em Direção de Cinema e Vídeo
Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM, São Paulo, Brasil
2000-2001 Curso de curta duração em Formação Empreendedora na Educação
Profissional
Fundação do Ensino da Engenharia em Santa Catarina, FEESC,
Florianópolis, Brasil
Atuação profissional
1996-Atual Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás – CEFET/GO
Professor de 1º e 2º graus, Artes
Projetos: Cineclubismo, Núcleo Experimental de Audiovisual do CEFET-GO
Artigos publicados
1995 Humor e informação: uma piada muito séria
Cadernos de comunicação, v.3
Universidade Federal de Goiás, UFG, Goiânia, Brasil
2007 O vídeo na Pesquisa Social em Tecnologia
177
Anais II Tec Soc 2007
II Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade, Curitiba, Brasil
2008 O vídeo na pesquisa em Tecnologia e Sociedade
Anais do VII ESOCITE 2008
VII ESOCITE – Jornadas Latino-Americanas de Estudos Sociais das Ciências
e das Tecnologias, Rio de Janeiro, Brasil
Produção Técnica/artística/cultural
2007 Vídeo Instrumental
II Tec Soc 2007, Curitiba, Brasil
2007 Oficina de Teatro e Vídeo
Colégio Estadual Profª Ottília Homero da Silva, Pinhais, Brasil
2007 Cinevídeo na UTFPR
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Brasil
2008 Vídeo-documentário
Ottília: Múltiplos Olhares
Colégio Estadual Profª Ottília Homero da Silva, Pinhais, Brasil
HISTÓRICO PESSOAL
Quase sempre, quando ouvimos alguém discorrer sobre um tema que nos desperta a atenção
de alguma maneira, seja por concordarmos ou não, seja por nos causar simpatia ou perplexidade,
perguntamos: quem está falando isto ou aquilo? E mesmo: quando e em que lugar, ou situação, tal
coisa foi dita? Assim, além do assunto, nos interessamos por saber quem é o falante, o que o levou a
pensar daquela forma, a partir de que contexto, ele concorda ou se contrapõe a outros pensamentos
já exteriorizados por outrem.
Mesmo que o seja determinante em sua totalidade, as idéias de um teórico analista serão
de algum modo diferenciadas de um prático empiricista, por exemplo. Ou ainda, alguém que nasceu e
foi criado numa família de operários militantes do partido dos trabalhadores terá de algum modo
idéias distintas das de um filho de aristocratas industriais. E caso não o seja, será porque algum fato
ou fator marcante influenciou sua maneira de perceber e pensar.
O que eu pretendo com este histórico é enfatizar que um texto, seja ele de que gênero for,
enuncia uma idéia que está de algum modo associada à pessoa de seu enunciador e a quem ele
responde, algo que Bakhtin (apud FARACO, 2003) traduz como um ato de fala, um ato de
responsabilidade, do qual não é possível se desvincular, mesmo no chamado “discurso da
neutralidade científica”. As obras autores variados, se lidos em circunstâncias também variadas
poderão ser, e o, interpretados de formas muitas vezes distintas, o que traduz também o
pensamento de Vigotski (apud REGO, 1995; TEIXEIRA, 2006) de que somos resultantes de uma
relação mediada entre o que somos individualmente e o contexto histórico cultural no qual estamos
imersos, sendo por este, construídos e alterados, mas também construindo e alterando este mesmo
178
contexto pela nossa forma de agir, interpretar ou de representá-lo simbolicamente em nossos atos,
palavras e idéias, enfim, pelo que somos em sua totalidade.
Faz, portanto, uma grande diferença pensar no falante a partir de questões como gênero, cor
ou classe social, quando tratamos, por exemplo, das relações de poder dentro de um organismo
social qualquer, de uma instituição ou campo do conhecimento, isto significa dizer, de sua cultura.
Assim, ao apresentar-me, intento elencar algumas referências históricas e culturais que me
levem a ser percebido como falante, mesmo porque ao realizar esta pesquisa participei ativamente de
sua prática, tanto no que concerne à própria ação da pesquisa quanto ao objeto pesquisado.
As histórias de vida dos demais envolvidos na pesquisa e nas atividades aqui desenvolvidas
são de muitas maneiras, semelhantes à minha própria, tanto por suas origens quanto pelo interesse
pelo Cinema. Foi de forma semelhante, embora em outro tempo e localidade, que também se
construiu muito da minha subjetividade e posicionamentos dentro da sociedade como um todo.
A arte faz parte da minha vida desde os primeiros anos. A primeira peça de teatro de que
participei data de 1964, quando tinha 6 anos. Considero a arte como o que melhor me define como
ser humano, pois costumo afirmar sem constrangimento que primeiro “sou artista”. As demais
categorias, ou funções, que desempenho em meu trabalho: professor e pesquisador; vieram
posteriormente movidas pelas necessidades e conseqüências da vida artística.
No campo das artes, minha experiência se deu em diversas linguagens: a música, o teatro, a
dança, as artes plásticas e por fim, o cinema. De todas essas expressões, o teatro ocupa um lugar
mais significativo, pois é onde tenho desempenhado a maior parte das minhas atividades,
notadamente como ator, diretor, figurinista e professor. Meu registro profissional data de 1981, tendo
cursado Artes Cênicas na Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO-RJ), até 1983. Já o cinema, objeto
suporte para este trabalho de pesquisa, se tornou marcante a partir de 1991, durante o curso de
Comunicação Social, na cidade de Goiânia, pela Universidade Federal de Goiás (UFG), quando fui
convidado a tomar parte numa produção independente: Tropas e Boiadas, um filme de Wilmar
Ferraz
57
baseado na obra homônima do escritor goiano Hugo de Carvalho Ramos.
Tornar-me professor foi, a princípio, apenas uma experiência e, também, uma necessidade
imposta pela sobrevivência como artista. Desde 1981, ministrei aulas de teatro para crianças e
jovens, mas só, posteriormente, em 1991, na cidade de Goiânia assumi de fato a profissão de
professor, a convite do MVSIKA! Centro de Estudos
58
. Em 1995, após concurso público, assumi a
vaga de professor artes de 1º e graus no Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás
(CEFET-GO). Desde então, tenho me dedicado quase que exclusivamente à educação como primeira
opção profissional. Como complemento à formação de professor, participei de alguns cursos,
seminários, congressos e finalmente, à especialização em Educação à Distância e Continuada, pela
Universidade Federal de Brasília (UnB), em 2004, dedicando-me mais focalmente ao audiovisual. Em
função de ter passado a coordenar um grupo de trabalho com alunos do CEFET-GO, fiquei à frente
57
Cineasta goiano, realizador do filme “Tropas e Boiadas” (1992)
58
Escola de artes: música, dança, teatro e artes visuais, Goiânia, Goiás.
179
de um projeto experimental de implementação de áudio e vídeo com o objetivo de atender à demanda
de alunos e professores, bem como desenvolver recursos didáticos audiovisuais para cursos à
distância. Para responder a isto ingressei, novamente pela necessidade inerente, no campo da
pesquisa na linguagem do audiovisual, e mais especificamente do cinema e vídeo.
As experiências com a pesquisa vieram com a prática, ao ocupar o cargo de coordenador do
laboratório de audiovisual do CEFET-GO, fui aprendendo enquanto praticava, fazendo da própria
pesquisa uma metodologia de trabalho, o que acontecia, de certo modo, também no trabalho do
artista, em que desenvolvia uma série de exercício e experimentos, como a construção da
personagem, por exemplo, que podem ser considerados como métodos de pesquisa aplicada. Mas
antes, foi durante o curso de comunicação social que entrei mais diretamente em contato com as
questões acadêmicas da pesquisa, em função da elaboração do projeto de conclusão de curso, e
durante a especialização na UnB, quando, na oportunidade, o Prof. Dr. René Barbier
59
, convidado do
programa, nos apresentou seu trabalho em Pesquisa-Ação e sugeriu alguns encaminhamentos para
aqueles que se mostraram interessados na proposta, entre eles eu.
A partir de então, tenho aplicado cotidianamente em meu trabalho, dentro e fora da sala de
aula, a pesquisa como um método que tem funcionado bastante bem nos processos de ensino e
aprendizagem em que incentivo os alunos a buscarem o conhecimento
Em minha trajetória profissional, alguns autores se fizeram presentes e delimitaram algumas
zonas de convergências. No teatro: o teatrólogo russo, Constantin Stanislavski (1863-1938) e o
dramaturgo alemão, Bertolt Brecht (1898-1956), vistos muito mais como complementares que
antagônicos em suas proposições, e outros que contribuíram por ampliar a contextualização dialética
entre eles: o poeta, ator e dramaturgo francês, Antonin Artaud (1896-1948), o teatrólogo polonês
Jerzy Grotowsky (1933-1999), o diretor, ensaísta e dramaturgo brasileiro, Augusto Boal (nascido em
1931) e outros, que me levaram a pensar a arte teatral como um campo de batalha em que se põem
em luta o individual e o coletivo. Estas visões, numa aproximação forçada, me levaram aos
pensamentos de Vigotski mesmo antes de conhecer a sua obra.
Na educação: são-me importantes uma mistura, um tanto estranha, das idéias do filósofo e
pedagogo norte-americano, John Dewey (1859-1952), do psicólogo suíço, Jean Piaget (1896-1980) e,
do professor e educador brasileiro, Paulo Freire (1921-1997), que mesmo não cooptando dos
mesmos princípios me colocaram, cada um a seu modo, diante da realidade do indivíduo e da
sociedade como fatores interagentes de uma mesma operação, impossíveis de serem percebidos
isoladamente, e fundados, principalmente na idéia de experiência. E ainda, Vigotski e seus
colaboradores, mesmo que não explicitamente, me apresentaram os processos educativos como
parte fundamental da construção performativa do indivíduo em seu contexto histórico-cultural. O
reforço final veio através dos pensamentos do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002),
quando este pensa a instituição escolar no campo da educação, cuja função de estrutura é tanto
59
Professor da Universidade Paris VIII, trabalha com pesquisa-ação em Psicossociologia e Educação.
180
estruturada quanto estruturante, e também, do quanto ela reproduz e reafirma, mas, também,
modifica e transforma o contexto social do qual faz parte.
No campo da pesquisa: os teóricos ingleses dos Estudos Culturais: o fundador do Centro
Contemporâneo de Estudos Culturais, Richard Hoggart (1918), o historiador E. P. Thompson (1924-
1993), o sociólogo jamaicano, Stuart Hall (1932), entre outros, mas principalmente do crítico literário,
novelista e pensador Raymond Williams (1921-1988), ligados à Universidade de Birmingham, e que,
por apresentarem uma visão culturalista da pesquisa, ampliaram o campo e o número de objetos de
estudo, o que veio responder grande parte de meus anseios particulares na busca por perceber o
trabalho educacional como um campo multi e interdisciplinar, mas que, ao mesmo tempo, a idéia de
disciplinaridade não conseguia captar devidamente a dimensão da arte e da prática cotidiana como
elemento educativo, e performativo, de múltiplas identidades.
No campo específico da arte, e ainda mais, da linguagem, cito: o lingüista e semiólogo suiço
Ferdinand de Saussure (1857-1913), o filósofo e semioticista norte-americano Charles Sanders
Peirce (1839-1914), o filósofo, escritor e semiólogo francês Roland Barthes (1915-1980) e, o crítico,
escritor e semioticista italiano Humberto Eco (1932), entre muitos outros, mas, para resumir, nos
caminhos percorridos, encontrei nas idéias propostas pelo filósofo da linguagem russo, Mikhail
Bakhtin (1895-1975), uma base mais sólida para compreender as linguagens, e entre elas o
audiovisual, como um enunciado polissêmico, reflexo e refração do indivíduo em sua contextualidade,
e, sempre, ideologicamente comprometido.
No cinema: os teóricos (e historiadores) do cinema brasileiro, Ismail Xavier (1947), Jean-
Claude Bernardet (1936) e Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), além de alguns diretores.
Estas teorias, por si mesmas, não justificam minhas colocações e posturas. Sou um recém
chegado ao mundo acadêmico da pesquisa, e me proponho cometer transgressões aconselháveis
apenas a quem possui experiência mais vasta, e comprovada, mas, ao mesmo tempo, penso: como
fazer alguma diferença como pesquisador sem transgredir, sem ultrapassar o senso comum das
coisas postas, sem romper com algum paradigma?
No decorrer das minhas experiências como educador-pesquisador, encontrei no
Pragmatismo
60
, os fundamentos para o que acredito ser uma filosofia de trabalho: a esperança
intencionada de que esta pesquisa, assim como meu trabalho como artista e professor, possa ser de
fato útil.
Um pequeno extrato cronológico pode delimitar um pouco mais o contexto histórico cultural
no qual se deu a minha formação. Nasci em 1958, numa pequena cidade mineira, Araguari. JK
61
,
mineiro como eu, construía Brasília e nos atolava de forma numa dívida externa sem precedentes.
Oscar Niemeyer, com toda a sua monumentalidade, era o homem do momento. Era um período
político e social extremamente crítico, cheios de dúvidas e nuances perigosas, que culminou no golpe
60
Filosofia da “utilidade e sentido prático”, criada por Charles Sanders Peirce e, pelo filósofo e psicólogo
norte-americano, William James (1952-1910).
61
Juscelino Kubitschek de Oliveira(1902-1976), presidente do Brasil de 1956 a 1961.
181
militar de 1964. Eu não tinha a mínima noção do que estava acontecendo naquele momento. Entrei
para a escola primária em fevereiro de 1964, e já em março deste mesmo ano se instalava a Ditadura
Militar que governou o Brasil por 20 anos.
O mundo andava em rebuliço: o movimento hippie nos Estados Unidos, o homem pousou na
lua, os estudantes franceses se manifestavam violentamente, a guerra do Vietnã colocava em cheque
as concepções de poder americano, Fidel Castro transformava a pequena ilha de Cuba num calo
para o capitalismo mundial. Estávamos imersos na guerra fria que nos ameaçava exterminar por um
simples apertar de botão. Ao mesmo tempo, as saias das mulheres ficavam cada vez mais curtas, e
as pílulas anticoncepcionais aceleravam a revolução dos costumes. A Jovem Guarda e os “The
Beatles” disputavam a admiração da juventude brasileira com festas de arromba
62
e submarinos
amarelos
63
. A reforma escolar, em todos os veis, colocava a educação moral e cívica na ordem do
dia.
Enquanto nos tornávamos tri-campeões mundiais na Copa de 70, alguns de nossos mais
brilhantes intelectuais desapareciam inexplicavelmente. O slogan “paz e amor”, do movimento hippie,
foi substituído pelo ame-o ou deixe-o”
64
. Vimos demolirem o prédio da UNE e os nossos sonhos de
liberdade, fosse ela sexual ou de imprensa. A censura prévia era a marca de nossa arte e de nossos
corpos, até que finalmente chegamos aos anos 80, os ditadores, dando sinais de enfado e
esgotamento, decidem entregar o Brasil novamente aos brasileiros.
Não me fiz um militante de esquerda, mas ouvi e cantei as músicas de Vandré
65
, li o
Manifesto Comunista, e participei de algumas passeatas no Rio de Janeiro, nada além disso. Não
peguei em armas, nem subi em palanques. A falta de uma formação política sólida e consistente foi
aos poucos sendo corrigida, em parte, por leituras e discussões estudantis, quase sempre
insuficientes e superficiais, sob a tutela da esquerda festiva do bairro Leblon, e Baixo vea. Para
compensar tudo isso mesmo vozes de poetas como Ferreira Goulart e, é claro, a exuberante
barriga grávida de Leila Diniz (exibida com escândalo nas revistas da época), a música dos Mutantes
e os controversos Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, sem esquecer Tom Zé.
O cinema de Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, denominado “cinema novo”, era
quase uma utopia, incompreensível e inacessível, frente às pornochanchadas, filmes de terror e kung
fu. No Rio de Janeiro, assisti, pela primeira vez, filmes de cineastas como Ingmar Bergman, Federico
Fellini, Michelângelo Antonioni, Pier Paolo Pasolini, Carlos Saura e, também, Woody Allen. Do cinema
brasileiro, apenas uma espécie de saudade melancólica do que poderia ter sido, mas não chegou a
ser, por impedimento e ingenuidade. Não tive pais revolucionários, eram apenas pessoas comuns
tentando deixar de ser “pobres”, almejando para mim um futuro de classe média.
Destaco, por fim, um fato primordial: em 1991, nasceu minha filha Bárbara Sofia. Apesar de
não ser um acontecimento político, mudou radicalmente a minha forma de ver, de pensar, e de agir no
62
Referência a “Festa de Arromba”, música de Erasmo Carlos (1963).
63
Referência a “Yellow Submarine”, música de John Lennon e Paul McCartney (1968).
64
Publicidade do regime militar no Brasil.
65
Geraldo Vandré (1935-....), cantor e compositor brasileiro, considerado subversivo pela Ditadura.
182
mundo. Foi com ela que redefini o significado da palavra futuro, o que me liga, cabalmente, a idéia de
projeto, de devir, de objetivo, de comprometimento, e de realidade. Para mim, isto é real, mesmo que
soe como uma homenagem.
183
ANEXO 2
DVD 1
a) Trailer “Os cocô-rangers”
b) Vídeo-ficção: “Os cocô-rangers, episódio 1
c) Vídeo: Erros de gravação
d) Vídeo-documentário: “Ottília: múltiplos olhares” versão 1
e) Vídeo-documentário: “Ottília: múltiplos olhares” versão 2
184
ANEXO 3
DVD 2
a) Roteiro: vídeo documentário
b) Roteiro: vídeo-ficção “Os cocô-rangers, o filme”
c) Projeto Político Pedagógico do Colégio Ottília
d) Atas de fundação do Grupo Camélia e Camélia Jr.
e) Questionário de recepção do documentário 1 e 2
f) Projeto: Oficina de teatro e vídeo
g) Entrevistas transcritas na íntegra
h) Anotações para o Diário de Bordo
i) Fotografias
j) Rascunhos e esboços
k) Projeto pesquisa histórico do nome do Colégio
l) Consentimento esclarecido e autorizações
Livros Grátis
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