Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Josiane do Socorro Caleja Semblano
TÍTULO
ESCOLARIZAÇÃO, CAPITAL SOCIAL E PARTICIPAÇÃO SÓCIO-
POLÍTICA EM UMA COMUNIDADE AMAZÔNICA: Retiro
Grande/Marajó
BELÉM – PARÁ
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
13
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
Josiane do Socorro Caleja Semblano
TÍTULO
ESCOLARIZAÇÃO, CAPITAL SOCIAL E PARTICIPAÇÃO SOCIO-
POLÍTICA EM UMA COMUNIDADE AMAZÔNICA: Retiro
Grande/Marajó
Texto apresentado ao Programa de
Pós-Graduação em Educação do Centro
de Educação/ UFPA, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientador(a): Profa. Dra. Ney Cristina
de Oliveira .
BELÉM – PARÁ
2008
ads:
14
Josiane do Socorro Caleja Semblano
TÍTULO
ESCOLARIZAÇÃO, CAPITAL SOCIAL E PARTICIPAÇÃO SOCIO-
POLÍTICA EM UMA COMUNIDADE AMAZÔNICA: Retiro
Grande/Marajó
Texto apresentado ao Programa de Pós-Graduação
em Educação do Instituto de Ciências da
Educação/UFPA, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientador(a): Profa. Dra. Ney Cristina de Oliveira
.
Banca Examinadora
________________________________
Orientador (a)
________________________________
Examinador externo
________________________________
Examinador interno
Conceito______________________
Julgado em: ______________________
15
DEDICATÓRIA
Dedico aos moradores de Retiro
Grande , aos meus alunos e a todos
que contribuíram para a realização
deste trabalho .
E em especial ao Julinho (In memoriam)
16
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus amados pais que me ensinaram o valor da educação e determinação;
Ao meu amor , Adalberto Cardoso, amigo, companheiro, parceiro de profissão e leitor crítico
deste trabalho ;
A minha família que soube compreender a ausência nos eventos familiares em especial a
minha mãe e sobrinhos;
Aos meus estimados orientadores e professores, Prof. Dr.Orlando Nobre e Profa. Dra. Ney
Cristina , que me acolheram no mestrado e acreditam na proposta de trabalho, desde seu
estágio embrionário até aqui , garantindo sua plena realização.
A todos os professores do programa , que contribuíram para minha formação e qualificação de
educadora e pesquisadora em educação;
Ao professor Dr.Genilton Rocha que nos disciplinou nas leituras e se tornou um grande
amigo pessoal e da turma de 2006 que hoje exerce a função de atual coordenador do
mestrado;
As profas Dra. Terezinha Monteiro e Dra. Rosana Gemaque, que foram nossas coordenadoras
durante as disciplinas e a qualificação e que muito contribuíram para a divulgação e
apresentação deste trabalho em eventos;
A nossa querida secretária Ceição pela dedicação, carinho e cobrança dos nossos
compromissos perante o programa;
As meninas da secretaria que sempre estão prontas a ajudar ;
A profa Dra. Tereza Ximenes pela sua contribuição neste trabalho
A Profa Dra. Josenilda Maués pelas suas valiosas sugestões a este trabalho;
A Éster de Retiro Grande e a sua família por me receber em sua casa com muito carinho e
amizade ;
A Cris de Jacaretuba que foi minha guia e companheira de caminhadas em Retiro Grande;
Aos moradores de Retiro Grande e Jacaretuba por sempre me receberem em suas casas ;
A todos meus colegas do mestrado e das pesquisas pela troca de experiências ;
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para esta realização.
Muito Obrigada !
17
RESUMO
Este trabalho é um estudo sobre participação e envolvimento sócio-político dos moradores da
área de Retiro Grande na Ilha do Marajó, no Município de Cachoeira do Arari. Esta área foi
escolhida por ser uma localidade situada numa região onde predominam baixas condições
socioeconômicas, porém, onde seus moradores começaram a se organizar para superar os
problemas e carências que enfrentavam. Estas ações começaram com empreendimentos
realizados de forma associativa na própria área e se expandiram até a participação na esfera
pública local. O objetivo desta investigação é descortinar quais os elementos que permitiram
(facilitaram) os processos de organização, ação coletiva e participação política entre os
moradores dessa localidade. Dois fatores foram considerados: a escolarização e o capital
social. As questões que nortearam esta investigação foram: qual o papel desempenhado pelo
capital social no desencadeamento dos processos de organização e engajamento comunitário
na área de Retiro Grande? Qual a influência da escolarização sobre os níveis de participação e
envolvimento sócio-político dos seus moradores. Para fazer esta investigação primeiro fez-se
uma revisão da bibliografia sobre o capital social e escolarização assim como sobre o
Município de Cachoeira do Arari. Na fase seguinte tratou-se da pesquisa de campo para a
obtenção dos dados a serem analisados. Conclui-se que o capital social gerado a partir dos
fatores de coesão da comunidade foi o fator fundamental para produzir a capacidade de
organização e envolvimento comunitário dos moradores de Retiro Grande e o
desenvolvimento entre eles da participação social e política. Contudo o capital social
produzido e acumulado foi relevante por meio da atuação da igreja católica nesta região,
estimulando organização e a formando de lideranças locais. A escolarização não teve papel
relevante nestes processos, foi, ao contrário, uma resultante da operação destes fatores.
PALAVRAS CHAVE: Escolarização, Capital Social, participação sócio-política
18
ABSTRACT
This work is a study about participation and social e political involvement of the inhabitants
of the area of Retiro Grande in the Island of the Marajó, in the Town of de Cachoeira do
Arari. This area was chosen by be a locality situated in a region where decrease conditions
socio-economics predominate, however, where his inhabitants began to be organized for
exced the problems and lacks that faced. These actions began with undertakings carried out
of form association in the own area and were expanded up to participation in the local public
sphere. The objective of this inquiry is going to uncover which the elements that permitted
(facilitated) the trials of organization, collective action and political participation between the
inhabitants of that locality. Two factors were considered: the education and the capital stock.
The questions that guided this inquiry were: which the paper performed by the capital stock in
the provoc of the trials of organization and communal commitment in the area of Retiro
Grande? Which the influence of the education about the levels of participation and
involvement partner of his inhabitants. For it do this first inquiry did itself a revision of the
bibliography about the capital stock and education as well as about the Town of Cachoeira do
Arari. In the following phase treated of the field work for the obtaining of the facts it will be
analyzed. I concluded that the capital stock generated from the factors of cohesion of the
community was the fundamental factor for produce the capacity of organization and
communal involvement of the inhabitants of Retiro Grande and the development between
them of the political and social participation. However the capital stock produced and
accumulated was prominent by means of the action of the catholic church in this region,
stimulating organization and to finalist of local leaderships. The education did not have
prominent paper in these trials, was, to the contrary one, a resultant one of the operation of
these factors.
KEYWORDS: Education, Social Capital, Political Participation
19
LISTA DE QUADROS
QUADRO I - Percurso até a comunidade de Retiro Grande em Cachoeira do Arari........28
QUADRO II - Relação dos integrantes da ASPROG .......................................................93
20
LISTA DE SIGLAS
AMAI - Organização Não Governamental Amigos Italianos Do Marajó
ASTRUCA - Associação dos Trabalhadores Rurais De Cachoeira do Arari
ASPRORG - Associação dos Produtores de Retiro Grande
AVECA - Associação dos Vereadores de Cachoeira do Arari
FETAGRI - Federação Dos Trabalhadores Da Agricultura
IDEPAR - Instituto de Desenvolvimento da Pastoral Regional
ITERPA - Instituto De Terra Do Pará
MOPEPA – Movimento dos Pescadores do Para´
PT - Partidos dos Trabalhadores
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
SAGRI - Secretaria De Agricultura Do Estado
21
22
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração1: Foto do Barco que sai de Belém para Salvaterra ........................................... ..25
Ilustração2: Terminal Rodofluvial de Salvaterra .................................................................26
Ilustração 3: Ponte na pa154 para Cachoeira do Arari.........................................................27
Ilustração 4: Balsa onde ônibus atravessa o rio Camará ......................................................29
Ilustração 7: Moradia da Dora, onde está localizada o terreno da horta .............................36
Ilustração 4 e 5: Casa de farinha do grupo de mulheres (em retiro de grande).....................38
Ilustração 6: a Horta .............................................................................................................39
Ilustração 7:salão paroquial e ao lado a igreja local de nossa senhora de nazaré ...............84
Ilustração 8:a Escola municipal (ensino infantil)..................................................................85
Ilustração 9: a Escola estadual de ensino fundamental e médio de retiro grande.................96
23
SUMÁRIO
Dedicatória..........................................................................................................................IV
Agradecimentos....................................................................................................................V
Resumo.................................................................................................................................VI
Abstract..............................................................................................................................VII
Lista de quadros................................................................................................................VII
Lista de Siglas....................................................................................................................IX
Lista de Ilustração..............................................................................................................X
INTRODUÇÃO..................................................................................................................12
CAPÍTULO I - CARACTERIZANDO A COMUNIDADE RETIRO
GRANDE.............................................................................................................................17
1.1.A localização: o Município de Cachoeira de Arari na Ilha Marajó
Pará........................................................................................................................................17
1.2-Aspectos econômicos, geográficos e populacionais de Retiro
Grande.....................................................................................................................................26
1.2.1- O cenário físico e territorial........................................................................................26
1.2.2- A estrutura popuçacional e fundiária ........................................................................29
1.3- As bases socioeconômicas dos grupos estudados ..........................................................33
CAPÍTULO II - CAPITAL SOCIAL E ESCOLARIZAÇÃO NO ENVOLVIMENTO
SÓCIO-POLÍTICO................................................................................................................46
2.1-A participação sócio-política na perspectiva da escolarizaçao
..................................................................................................................................................46
2.2 - Capital social e comunidade: definições e pontos de partida...........................................53
2.3 - Uma perspectiva de análise para o estudo da comunidade Retiro Grande.......................63
CAPÍTULO III - AS FONTES DA PARTICIPAÇÃO SÓCIO-POLITICA EM RETIRO
GRANDE.................................................................................................................................72
3.1- As fontes de capital social em Retiro Grande: os fatores de coesão ................................73
3.2 - As formas associativas e o aumento da capacidade organizacional.................................80
3.2 - O trabalho associativo na conquista de bens coletivos.....................................................80
3.3 - O capital social pode excluir: a formação do grupo Jacaretuba.......................................89
3.4 - A escolarização em Retiro Grande: a implantação da escola na comunidade..................95
3.5- As fontes da participação sócio-política: escolarização ou capital social?.....................101
24
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................127
APÊNDICE
ANEXOS
25
INTRODUÇÃO
Neste estudo, examinou-se a questão da participação sócio-política em contexto
comunitário, tendo-se como referência concreta de análise os empreendimentos associativos
desenvolvidos pelos moradores da localidade de Retiro Grande, situada na Ilha do Marajó, no
Município de Cachoeira do Arari. Esta comunidade é constituída por indivíduos que se
dedicam a práticas produtivas ligadas a agricultura familiar, à pesca e ao extrativismo, assim
como a diversas atividades de trabalho sazonal tendo em vista a subsistência.
A escolha dessa comunidade para estudo se deu a partir de uma atuação como
estudante de pós-graduação do NAEA em 2001, onde a pesquisadora foi incumbida de
estudar a organização social e a formação das lideranças locais, e, coletar todas as
informações sobre a comunidade, com o intuito de entender a sua organização, história e
características. Esperava-se que essas informações ajudassem no sucesso da implantação de
projetos de desenvolvimento local que vinha sendo realizado na área para a promoção de
desenvolvimento local.
Num primeiro momento passou-se por um período de “estudo” e reconhecimento
pelos membros da comunidade, depois disso, fazíamos visitas regulares e começamos a
participar das suas atividades cotidianas entendendo-a melhor, mesmo após o vinculo com a
pesquisa ter terminado, a pesquisadora continuou em contato com os moradores. Outro
motivo foi o fato de estar situada em região onde, diante do predomínio de condições
socioeconômicas muito precárias, seus moradores se organizaram para tomar ações visando à
superação dos problemas e carências que enfrentavam.
Estas ações constituíram-se de empreendimentos associativos que inseriram novas
atividades produtivas inseridas nesta comunidade por meio de uma intervenção da Pastoral da
Criança, cuja atuação pode ser observada, também, em outras comunidades do Marajó. No
caso em questão, destacou-se o trabalho realizado em Retiro Grande, que mobilizou alguns de
seus moradores em torno de novas formas de trabalho associativo (ações coletivas) para além
daqueles já conhecidos e praticados nesta localidade.
O estudo voltou-se, especificamente, para a compreensão do processo pelo qual
ocorreu a mobilização e organização dos moradores de Retiro Grande, enfocando os fatores
que permitiram sua emergência. Este processo foi constituído em objeto de estudo neste
trabalho, na medida em que ao constatar-se que a introdução de novas atividades produtivas
na referida comunidade foi possibilitada pela resposta favorável dos seus moradores ao
26
trabalho da Pastoral da Criança nesta localidade, algumas questões emergiram para
investigação.
Estas questões são: o que possibilitou a Pastoral da Criança mobilizar e organizar
moradores de Retiro Grande para o trabalho associativo requerido para introduzir novas
atividades produtivas na comunidade? Este processo de mobilização e organização dos
moradores desta localidade pode gerar uma efetiva ampliação da participação social e política
nesta comunidade?
Os passos metodológicos para esta investigação foram: em primeiro uma ampla
revisão da bibliografia sobre o capital social, seus principais autores e temas tratados. Do
mesmo modo, tratou-se dos estudos que abordam a escolarização e suas conexões com a
disponibilidade dos indivíduos para participação e o envolvimento sócio-político. Neste
procedimento, o trabalho foi focalizado principalmente na discussão teórica de questões
básicas relativas às categorizações conceituais e perspectivas analíticas em suas implicações
para o trabalho da pesquisa.
A partir disso, foram definidas as categorias e os critérios de análise utilizados neste
estudo. Desta etapa constou também uma consulta a bibliografia sobre alguns trabalhos que
tratam do Município de Cachoeira do Arari para situar e caracterizar o local do estudo, assim
como para dar suporte à preparação da pesquisa de campo na comunidade Retiro Grande. Este
momento da investigação permitiu o aprofundamento teórico-metodológico para o
desenvolvimento deste estudo.
Na fase seguinte tratou-se da pesquisa de campo que foi realizada em duas etapas. Na
primeira foram obtidos os dados da elaboração do perfil da área estudada (Retiro Grande), a
origem da população considerando-se o seu processo de ocupação e a evolução das condições
socioeconômica. Nesta etapa, viajou-se pela região da referida comunidade procurando-se
ampliar a observação de seus aspectos sócio-históricos assim como suas características
territoriais e geográficas.
Nesse primeiro contato a pesquisa se deu de forma exploratória para conhecer in
locum o problema que seria investigado, os aspectos gerais da comunidade e seus atores
sociais. A pesquisa de campo deste momento consistiu de visitas informais e assistemáticas a
comunidade em estudo que permitiram organizar uma base para a investigação. Este trabalho
contribuiu posteriormente para uma observação mais sistemática das questões postas para a
investigação, na medida em que permitiu delimitar o que seria tratado em Retiro Grande.
Na segunda etapa da pesquisa de campo, começou-se uma observação mais
sistemática, na qual se procurou focalizar as questões desta investigação. Esta etapa da
27
pesquisa constou da aplicação de questionários (perguntas estruturadas e semi-estruturadas) e
entrevistas com lideranças comunitárias, que foi concomitante com a observação direta na
comunidade na qual se buscou perceber o envolvimento comunitário referente às práticas
associativas que os seus moradores desenvolveram.
Com estes procedimentos se procurou verificar como ocorreu o processo de
mobilização e organização desses moradores, os veis de participação e engajamento sócio-
político dos indivíduos e o aprendizado social que nele foi realizado tanto acerca do trabalho
comunitário propriamente dito (atividades produtivas, serviços, etc.) como, e principalmente,
no que se refere à percepção dos problemas comuns e das possibilidades de enfrentá-los por
meio da ação coletiva da comunidade.
Neste processo se recuperou parte de sua memória coletiva através dos depoimentos
de seus membros. Foram levantadas, também, informações sobre os níveis de escolaridade e
de envolvimento social (em clubes, grupos de trabalho voluntário, de lazer, religiosos, etc.) e,
de participação em organizações locais (Ongs, sindicatos, associações, etc.). Procurou-se,
também, verificar o nível de mobilização da comunidade em relação aos candidatos a cargos
públicos, locais ou regionais.
O objetivo deste procedimento metodológico foi o de correlacionar os dados relativos
ao envolvimento dos moradores no trabalho associativo da comunidade com os daqueles
sobre o seu engajamento social, isto é, em associações, grupos de trabalho voluntário etc., e
participação política. Pelo confronto dos dados levantados por meio dos questionários com os
obtidos através dos formulários, pode-se verificar a relação entre escolaridade, envolvimento
nas práticas associativas e nível de participação política entre os moradores.
O resultado do trabalho foi estruturado em texto dissertativo de três capítulos assim
constituídos: no capitulo I fez-se à indicação da localização e caracterização da área onde
residem as famílias que compõem os referidos grupos de moradores: o Município de
Cachoeira de Arari na Ilha Marajó Pará. Em seguida tratou-se dos aspectos econômicos,
geográficos e populacionais da região; tanto no nível mais amplo do município, como mais
especificamente na área dos grupos em questão, no foram considerados o cenário físico e
territorial, a estrutura populacional e fundiária.
Ainda neste capítulo foram tratados alguns dos principais elementos das características
da organização comunitária, tanto àquelas específicas a cada grupo de moradores, como as
que são comuns a todos. Além disso, fez-se o levantamento das condições socioeconômicas
da região, particularmente daquelas mais afeitas à área de estudo (Retiro Grande), onde se
28
procurou tratar de aspectos relativos ao modo de vida dos seus moradores tais como práticas
produtivas, os serviços públicos na localidade e estrutura das propriedades.
Este trabalho exigiu o esclarecimento das categorias conceituais adotadas pela
investigação e a definição de sua perspectiva analítica. Estas questões foram tratadas no
Capítulo II de um ponto de vista critico, no qual foram tratados os argumentos que apóiam
ambas as perspectivas: escolarização e capital social, considerando-se, também, as evidencias
apresentadas.
Em seguida foram apresentadas algumas definições de capital social e tratados os
pontos de partida para o seu emprego analítico, com o objetivo de estabelecer elementos
conceituais básicos referentes aos aspectos aqui tratados desta questão. Por último, foi
delimitada, a partir deste contexto, uma perspectiva de análise para o estudo realizado neste
trabalho onde foram consideradas as condições em que a abordagem do capital social pode ser
empregada para examinar questões do envolvimento e participação sócio-política.
O foco de análise no Capítulo III recaiu sobre os dados obtidos por meio da pesquisa
de campo, os quais foram reunidos e apresentados conforme a seqüência da investigação. O
tratamento desses dados permitiu analisar-se o papel dos fatores: capital social e escolarização
no desenvolvimento da organização dos moradores de Retiro Grande e de seu envolvimento
comunitário tendo em vista as questões relativas à participação social e política.
Conclui-se, destacando-se a importância do estudo desta temática, por ser uma questão
associada à democratização de processos decisórios e por colocar uma perspectiva crítica da
escolarização na forma como é realizada pelo sistema educacional. Esta crítica é fundamental
para que as promessas da educação se realizem, principalmente no caso da região amazônica.
Contudo isto é um começo, outros estudos precisam ser feitos para que se amplie o
conhecimento sobre este assunto e se possa avaliar de forma mais segura sua efetividade.
CAPÍTULO I - Caracterizando a comunidade Retiro Grande de Cachoeira do Arari/Pa
1.1 - O município de Cachoeira do Arari na ilha do Marajó/Pa
1
1
O mapa de Cachoeira está em anexo
29
A comunidade Retiro Grande localiza-se no município de Cachoeira de Arari,
localizado na microrregião do Arari a qual, por sua vez, pertencente à meso-região do Marajó
no Estado do Pará (a Ilha do Marajó). O processo de ocupação dessa ilha é bem antigo,
segundo Wagner (1998) desde o séc. XVIII registra-se a presença de colonização portuguesa,
constatada no estabelecimento de ordens religiosas que formaram um enorme patrimônio em
terras e gado, o bem econômico que mais foi valorizado a partir de então (ALMEIDA, 1998).
No meio ambiente da ilha podem ser distinguidos duas áreas com diferentes
ecossistemas, que correspondem aos lados leste e oeste do Marajó. O lado leste compreende
uma superfície de 23.046 km
2
na qual esta situada uma grande planície que se apresenta
dividida em duas partes, uma das quais é constituída por igapó, inundada grande parte do ano.
A outra parte é formada por várzea, na qual a invasão pelas águas ocorre apenas na época das
cheias dos rios.
Além disso, podem-se observar na estrutura do terreno da planície, pequenas
elevações chamadas “tesos”, constituídas por solos arenosos que não sofrem inundações.
Devido a estas características, são utilizadas como refúgio para o gado durante a época das
cheias. Nas formações mais baixas, ocorre com freqüência uma vegetação típica e
permanentemente inundada, (parte de igapó) provocando a obliteração de antigos paranás, por
acúmulo multi-centenário de matéria orgânica e são conhecidos por “mondongos”
(PEREIRA, l956; OEA, 1974; SUDAM, l974).
As costas intermediárias entre “mondongos” e “tesos” constituem-se de solo argiloso,
de baixa permeabilidade, permanecendo inundado na estação chuvosa, aproximadamente de
janeiro a junho. A maior parte da zona leste apresenta-se coberta por vegetação herbácea.
Mais de 300 espécies de forrageiras, com predominância de gramíneas e leguminosas foram
ali classificadas (PEREIRA, l956; OEA 1974; SUDAM l974). Nessa região está concentrada
a criação de gado bovino e bubalino.
O lado oeste da ilha abrange um total de 26.560 km
2
, sendo coberto por densa floresta,
e, em decorrência desta característica, é também conhecida como região de mata. Nesta parte
do Marajó, a atividade econômica se divide entre práticas extrativistas (como a extração de
madeira, a produção de borracha, a coleta de sementes oleaginosas), e, de agricultura, que é
predominantemente de subsistência (XIMENES, 1992).
Neste meio ambiente diversificado ocorreu o processo de ocupação do Marajó, que fez
surgir no decorrer do tempo, vários povoados que deram origem aos municípios que
compõem a ilha, distribuídos em seu espaço territorial, pelas duas áreas principais
(leste/oeste). Na primeira estão localizados os municípios de Soure, Salvaterra, Cachoeira do
30
Arari, Santa Cruz do Arari e Ponta de Pedras; na segunda (a região de florestas) estão
localizados os municípios de Breves, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Muana, Afuá,
Chaves e Anajás.
Como se pode observar, o município de Cachoeira do Arari localiza-se no lado leste
da ilha de Marajó (também chamado de região dos campos), que como visto antes apresenta
características físicas, territoriais e geográficas próprias. Esta localização influenciou
decisivamente o delineamento dos aspectos econômicos e populacionais dos municípios que
nela foram sendo situados, constituindo-se um elemento que se tornou um traço marcante na
sua formação e evolução nos séculos seguintes.
Neste contexto, tem inicio a historia da criação do Município de Cachoeira do Arari,
ligada atuação das primeiras missões religiosas jesuíticas que se dirigiram para o Marajó,
assim como ao surgimento e desenvolvimento de atividades econômicas que eram favorecidas
pelas características dos terrenos desta ilha e seu meio ambiente. Entre estas atividades,
destaca-se a pecuária extensiva, de tipo bovino e bubalino que ainda hoje é predominante nos
municípios desta região do Marajó.
A forma como estes elementos das missões religiosas foram combinados àqueles
relativos à exploração de atividades econômicas propiciadas pelas características físicas e
ambientais da região e, do modelo produtivo da colonização, no processo de surgimento do
município é bem descrita por Almeida (1998), que em sua síntese destaca:
Este município teve sua origem com a presença dos missionários jesuítas na
região, a partir de 1700 e a fundação de fazendas de gado às margens do rio
Arari. Com o crescimento demográfico, em função do florescimento
pecuário, já em 1747, foi erguida uma capela á margem esquerda do rio
Arari, 22 milhas acima da foz, sendo criada a paróquia e a freguesia de
Nossa Senhora da Conceição de Cachoeira do Arari (ALMEIDA, 1998, p.
82).
Detalhando-se um pouco mais esta história, desde os seus pontos iniciais, descobre-se
que, inicialmente, Cachoeira do Arari fora uma fazenda que pertenceu ao Capitão-Mor André
Fernandes Gavinho, o qual, após obter uma carta de data de sesmarias, escolheu o local para
construir sua casa, em frente a uma cachoeira no referido rio, na verdade, um declive existente
no leito do rio, um dos mais importantes do Marajó. Este desnível provoca no verão, uma
precipitação de água em cachoeira, de onde derivou o nome do município.
A denominação Arari tem origem na ngua tupi, sendo comumente empregada para
identificar (nominar) um cipó, muito característico, da família das leguminosas papolanaceas,
31
encontrado, com muita freqüência, nas margens dos rios dessa região. Uma das características
dessa planta, que lhe confere um aspecto notável quanto à configuração de sua estrutura, é a
produção de grandes flores da cor do fogo.
O termo Arari também é empregado para identificar uma ave, conhecida também
como Arara-Canindé, que tem plumagem de coloração azul e amarela na área do ventre, e,
vários riscos pretos em volta dos olhos. Quanto ao tamanho, esta ave chega a medir até um
metro de comprimento. Etimologicamente o termo significa arara pequena, porém, o sufixo
apresenta também o sentido de água, ou rio, e, dessa forma, o termo Arari pode também ser
empregado com o significado “rio das araras”.
Aparte as especificações quanto aos significados do nome adotado, a fazenda do
Capitão-Mor André Fernandes Gavinho desenvolveu-se bastante, gerando um crescimento
demográfico em função do florescimento da pecuária. Em 1747, o governo português, a
pedidos dos vizinhos, ergueu uma capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição, nos
campos da margem esquerda do rio Ararí, vinte e duas milhas acima de sua foz, nas terras
desta fazenda, o que deu origem a Paróquia de Cachoeira.
Neste mesmo ano, o Capitão-Mor André Fernandes Gavinho fundou a Freguesia com
a denominação de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira, subordinada à Vila Nova de
Marajó. Em 25 de outubro de 1747, As terras patrimoniais desta Vila foram doadas por
testamento por Francisco Ezequiel de Miranda, na qualidade de herdeiro presuntivo das terras,
à Freguesia de Cachoeira, que incorporou, definitivamente, este patrimônio, após a morte do
doador, extinguindo assim, a Vila.
Contudo, os donos da fazenda proibiram a construção de casas no local, o que
impossibilitou a formação de um povoado. Apesar disso, no final do século XVIII, mais
precisamente no ano de 1791, os fazendeiros vizinhos fizeram um requerimento ao governo,
solicitando a criação de uma vila no local, para que fosse possível a construção de moradias
em torno da matriz, para a qual foi sugerida a denominação de Cachoeira.
Para atender a esta solicitação, o então o governador D. Francisco de Souza,
intermediou junto aos proprietários a cessão de um terreno para a construção da vila. Estes, no
entanto, se recusaram a concedê-lo. Porém, com a morte do dono da fazenda, seus herdeiros
consentiram que os vizinhos construíssem casas no local, e em 1811 foi criada a Vila de
Cachoeira. Na sessão de maio de 1833, o Conselho do Governo reconheceu criação da vila
com a denominação de Cachoeira, cuja instalação ocorreu no dia 17 de maio de 1834 (IBGE,
2008).
32
Neste período, esta região estava compreendida em uma delimitação político-territorial
denominada: Província do Grão-Pará, que abrangia os estados do Pará e do Amazonas. A
década de 1830 foi turbulenta, no ano de criação da Vila de Cachoeira tem inicio as agitações
da cabanagem, uma grande rebelião popular, que teve origem num movimento de contestação,
ocorrido dez anos antes. Em 1834 o movimento explode e, no ano seguinte (1835), a Vila de
Cachoeira foi saqueada pelos cabanos, tendo, neste episódio, o seu arquivo destruído.
Desde a sua criação, esta vila passou por um intrincado processo de evolução político-
institucional e administrativo no qual os limites e as divisões do seu território foram, por
várias vezes, modificados por meio de leis, decisões judiciais e administrativas ao longo deste
século (XIX) e do seguinte. Neste processo, seu nome, também, foi continuamente sendo
alterado, assim como o número de seus distritos, até estabilizar-se na denominação e status
político-administrativo pelos quais hoje é conhecido o município.
A história dessas modificações começou no ano de 1839 quando foi extinto o
município de Monsarás, sendo suas terras divididas entre a Vila de Cachoeira e o Município
de Soure. Esta agregação de terras implicou, imediatamente, em ampliação do seu território.
A mudança seguinte ocorreu algumas décadas depois, em 1877, pela Lei 886, de 11 de
abril, na qual a Vila de Cachoeira perdeu a categoria de sede e termo judiciário, que passou
para Ponta de Pedras, então elevada à vila, com zona desmembrada de Cachoeira.
Contudo, esta mudança durou somente até o inicio da década seguinte, no ano de
1880, quando o status de sede retorna para Cachoeira pela Lei 1.010, de 27 de abril, sendo
posteriormente, elevada à comarca. Seis anos depois, em 13 de dezembro 1886, Cachoeira
conseguiu reaver o território de Pontas de Pedras conforme o disposto na Lei 1286. Assim,
a situação político-administrativa da Vila volta ao estado em que se encontrava anteriormente,
no período da primeira modificação por ele sofrida.
No fim do culo XIX o principal evento na política brasileira é a proclamação da
República em 1889, à qual Cachoeira aderiu de imediato, pondo fim ao governo monárquico.
No início do século XX, no ano de 1911, foi decidida uma divisão administrativa na qual a
Vila passou a ser constituído pelo distrito sede. Porém, pode-se observar mais adiante, nos
quadros do Recenseamento Geral de 01 de setembro de 1920, outra divisão onde aparece
constituído de 04 distritos: Cachoeira, Alto Arari, Caracará e Camará.
Em 1924, a Lei 2.274, de 06 de outubro, elevou á categoria de cidade a vila de
Cachoeira e sede do Município do mesmo nome. Após o movimento de 1930, pelo Decreto
Estadual nº 6, de 04 de novembro de 1930, o Município foi mantido, acrescido do território do
extinto município de Pontas de Pedras. Esta anexação foi confirmada pelo Decreto 78, de
33
27 do mês seguinte, que suprimiu o município de Cachoeira sendo seu território anexado ao
novo município de Arari. Criado com terras do extinto município de Cachoeira e Ponta de
Pedras. Passando Cachoeira a ser a sede do município de nome Arariúna.
Três anos depois, em uma divisão administrativa datada de 1933, Cachoeira é
constituída como distrito de Arari. Contudo, logo em seguida é criado novamente o município
de Cachoeira pela lei estadual 8, de 31 de outubro 10 de 1935. Nas divisões territoriais
ocorridas nos anos seguintes desta década, a primeira datada de 31 de dezembro de 1936 e, a
segunda, de 31 de dezembro de 1937, o município aparece constituído por 03 distritos:
Cachoeira, Camará e Caracará.
Um pouco mais adiante, em 31 de março de 1938, os distritos de Camara e Caracará
foram extintos, de acordo com o quadro anexo ao Decreto-Lei nº 2.972, sendo seus territórios
anexados ao distrito sede de Cachoeira. Com a divisão territorial que teve vigência no período
compreendido entre os anos de 1939 a 1943, estabelecida pelo Decreto-Lei 3.131, datado
de 31 de outubro de 1938, o Município era constituído apenas pelo distrito-sede. No último
ano deste período (1943) novamente seu nome é modificado voltando a chamar-se Arariúna,
em 30 de dezembro, pelo decreto-lei estadual nº 4505.
Após este período, as modificações no desenho territorial deste município continuaram
a ocorrer. Assim, em uma divisão territorial datada de 01 de julho de 1950, o município
denominado Arariúna é constituído pelo distrito sede. Cinco anos depois, pela lei estadual
1127, de 11 de março de 1955, passou a denominar-se de Cachoeira do Arari. Por este decreto
são criados, também, os distritos de Bela Vista e Camará. Em 01 de julho deste mesmo ano,
foi decidida uma divisão territorial pela qual o município passou a ser constituído por 03
distritos: Cachoeira do Arari, Bela Vista e Camará.
Ainda em 1955, ano em que o referido município recebeu o nome pelo qual é hoje
conhecido, foram extintos, no dia 04 de outubro, por um Acórdão do Superior Tribunal
Federal (STF), os distritos municipais de Bela Vista e Câmara, sendo seus territórios anexados
ao distrito sede de Cachoeira Arari. No ano seguinte (1956), com o nome de Cachoeira do
Arari, o município recuperou por meio de Lei Especial nº 1378 a antiga vila de Cachoeira à
sua categoria de sede municipal.
Quatro anos depois, em 1960, ocorreu outra divisão territorial, datada de 01 de julho,
pela qual o município é constituído pelo distrito sede. No ano seguinte, pela lei estadual
2460 de 29 de dezembro de 1961, são criados os distritos de Camará do Marajó e Caracará do
Arari e anexados ao município de Cachoeira do Arari. Dois anos depois, em 1963, em nova
34
divisão territorial datada de 31 de dezembro, o município é constituído de 03 distritos:
Cachoeira do Arari, Camará do Marajo e Caracará do Arari.
No final da década seguinte (anos 70) a situação territorial do município descrita no
parágrafo anterior foi mantida, quando em 01 de janeiro de 1979 ocorreu outra divisão
territorial, a única deste período. No final da década de 80, também sofreu nova divisão de
território, dessa vez datada de 18 de agosto de 1988, na qual o município voltou a ser
constituído pelo distrito sede. Não tendo sofrido nenhuma alteração nos anos 90, contudo,
voltou a ser alvo de ação em 2005, que, no entanto, a situação anterior (LEÃO, 1999).
Pelo que se pode observar, desde a sua origem, e, ao longo dos séculos: XIX e XX, o
status político-institucional do município de cachoeira do Arari sofreu continuas alterações
em sua dimensão territorial e administrativa. Estas alterações se tornaram mais freqüentes a
partir do século XX, atingindo uma dia de duas por década, no qual o maior número de
modificações é proporcional à instabilidade das novas situações.
Atualmente, o município é formado pela área sede e por dois distritos: Câmara e
Caracará. Nele se encontram representações dos três poderes nacionais, os dois poderes
constitutivos do município na estrutura federativa brasileira: o Executivo, formado pelo
prefeito, vice-prefeito, secretários municipais e demais funcionários dos órgãos públicos; o
Legislativo, formado pela Câmara Municipal, na qual têm assento 09 vereadores, e o Poder
Judiciário, representado pelo promotor de justiça, defensor público e pelo juiz (LEÃO, 1999).
Em sua delimitação territorial, a área compreendida por Cachoeira do Arari é limitada
pelas fronteiras dos municípios de Pontas de Pedras, Soure e Chaves, assim como, pelo rio
Pará, e, pela baía de Marajó. A abrangência deste território apresenta uma extensão de
2857,89 km2. Sua sede municipal se distancia da área continental em 67 km, em linha reta.
Suas coordenadas geográficas são: 00’ 23’de latitude sul e 48º 57’ 36’ de longitude Oeste
(Museu Emilio Goeldi, 1987).
Pela abrangência de seu território, Cachoeira do Arari é o município da ilha do
Marajó em extensão. Nele encontra-se uma população, que segundo o levantamento realizado
pelo IBGE, contava, em 1996, com 17.193 habitantes (IBGE, 1996). Em outro levantamento
realizado quatro anos depois (em 2000), pelo mesmo instituto de pesquisa, esta população
somava 16.700 habitantes (IBGE, 2000). Registra-se, assim, uma queda no número de
habitantes em 2,86% da população ente 1996 e 2000.
Neste município, o meio ambiente apresenta condições naturais muito diferentes das
demais partes da Amazônia. Suas terras são cobertas por savanas hidromórficas, formação
composta por gramíneas, leguminosas e de ciperáceas, constituindo pastagens naturais.
35
(LUDOVINO Apud BORGES, 2001). O ecossistema da região possui três pastagens naturais
diferentes, segundo as condições de inundação as quais estão sujeitas. As zonas de mata ciliar
e de teso correspondem à terra firme; a faixa de transição, à várzea; e os campos baixos, aos
mondongos e aos mangais.
No interior de Cachoeira do Arari encontram-se os campos, termo empregado
regionalmente para as extensas planícies do centro/leste marajoara. Elas são destinadas e as
criações de gado bovino. Os campos, ainda que sejam predominantes, apresentam áreas
especificas e dispersas de caráter geológico e vegetal. São os chamados tesos ou ilhas, que
tem um nível de elevação maior que os campos propriamente ditos e apresentam vegetação
mais densa e florestal. Todavia, os campos não mostram somente diferença paisagística e
ecológica, eles evidenciam outras situações socioeconômicas.
São as referentes à estrutura fundiária do município que apresenta características de
elevada concentração de terras, com parte significativa de seu território estabelecido em mãos
de poucos proprietários. Este aspecto tem sido um traço histórico dominante na formação
socioeconômica de toda a área do Marajó. Contudo, constata-se certa tendência de
modificação desta característica nos últimos 20 anos, nos quais se tem verificado uma
considerável desconcentração fundiária, que ocorreu independente de programas ou ações
governamentais, aumentando o número de proprietários na região.
Esta modificação pode ser constatada quando se observa que 66,36% da área do
município estão concentrados em 29 estabelecimentos agropecuários que representam apenas
3,35% do total de propriedades, nos anos 80 representavam quase 90% da área contra 5,56%
dos estabelecimentos (LEÃO, 1999). Assim, houve uma sensível desconcentração em relação
ao total da área, mas o número de proprietários que controlam a maior parte ainda é pequeno.
Desse modo, o nível de concentração de terras em Cachoeira do Arari ainda hoje é
alto, e, tendo sido muito maior anteriormente, favoreceu o desenvolvimento, no município, de
uma atividade produtiva que resultava da combinação de suas características ambientais com
estrutura fundiária concentradora: a pecuária extensiva praticada por meio de grandes
fazendas de gado. Em conseqüência, o aproveitamento dos terrenos para a produção agrícola
foi pequeno, predominando atualmente a agricultura do tipo familiar.
Em geral, pouca ocupação agrícola no município, os cultivos são reduzidos, sendo,
na maioria das vezes, restritos aos terrenos vizinhos aos grupos domésticos, uma característica
que se observa mesmo naqueles situados nas sedes municipais ou distritais. Assim,
desenvolveu-se a agricultura de pequeno porte (pequenos proprietários) e, além disso, o
extrativismo pesqueiro, que é realizado tanto nos lagos interiores quanto na baia do Marajó.
36
Destaca-se, também, o grande potencial turístico de Cachoeira do Arari, inda pouco explorado
economicamente.
O acesso ao município começa por uma viagem até a ilha do Marajó, que atualmente é
feita pela travessia Belém/Salvaterra, através dos terminais hidroviários de Icoaraci e do
distrito de Camará e/ou do cais das docas do Pará até o referido distrito. O trajeto apresenta ao
todo 29 milhas de extensão que, em geral, são percorridas em três horas e trinta minutos, com
uma viagem diária de ida e volta pela Baia de Guajará em "Ferry-boats". Nos portos de
Marajó visitados constata-se, nas horas de embarque/desembarque, um intenso comércio
informal de frutas (abacaxi, sobretudo) e camarão (VALLE apud LEÃO, 1999).
Para se fazer o deslocamento de Belém até a ilha do Marajó, o meio de transporte
existente é o barco ou balsa. O transporte por embarcações para esta área, no caso do
município em questão, obedece a um percurso próprio que compreende um porto fiscal do
município vizinho de Soure ou até a vila de Camará, localizada na circunscrição de Cachoeira
do Arari. Estando-se na área do Marajó, o transporte intra/intermunicipal por meio de
ônibus, uma alternativa recente para os seus moradores.
Ilustração 1: Foto do barco que sai de Belém para Salvaterra
Fonte: própria
Contudo, a o presente momento, esta alternativa de transporte apresenta-se
extremamente restrita, pois está disponível apenas para os moradores de Cachoeira do Arari.
Por conseqüência, para a maioria dos moradores do Marajó o deslocamento
intra/intermunicipal é feito, predominantemente, por via fluvial, na qual são empregadas
37
embarcações típicas da região. Esta situação evidencia mais um aspecto dos problemas e
limitações de infraestrutura de transportes na região.
Uma vez estando na área da ilha do Marajó, o acesso para Cachoeira do Arari é obtido
por via rodoviária, através da PA 154. O deslocamento transcorre em um percurso ainda não
asfaltado ao município. Esta rodovia, que apresenta em sua extensão de 89 km, permite
uma interligação entre três municípios da região: Cachoeira do Arari, Salvaterra e Soure. Esta
ligação é feita através das travessias do rio Paracauari (Salvaterra) e do rio Camará
(Salvaterra/Cachoeira do Arari).
1.2 - Aspectos econômicos, geográficos e populacionais de Retiro Grande
1.2.1 - O Cenário físico e territorial
Retiro Grande é uma comunidade rural amazônica situada no interior do município de
Cachoeira do Arari. Tendo chegado a Ilha do Marajó, a viagem para a sua área de localização
começa e termina no percurso acima referido, isto é, a Rodovia PA-154 em direção ao
referido município. O ponto de partida é o terminal de Soure em frente ao distrito de Camará
(interior do município), sendo parte do percurso feito com a utilização de balsas. O ponto final
é anterior ao da sede de Cachoeira do Arari.
Ilustração 2 : terminal rodofluvial de Salvaterra
38
Fonte: própria
Ilustração 2: ponte na PA154 para Cachoeira do Arari
Fonte: própria
Neste trajeto de caráter rodo-fluvial, o viajante passa por três comunidades: Camará,
Jaboti e Umarizal antes de chegar ao seu destino. O tempo total de viagem, computado desde
Belém até a sede de Retiro Grande, tem uma duração de aproximadamente 03 horas e 45
39
minutos. No Quadro I, abaixo, apresenta-se um esboço esquemático no qual são cruzados
dados sobre alguns aspectos deste percurso como: meio de transporte, tempo, pontos de saída
e chegada.
QUADRO 01
Percurso até a comunidade de Retiro Grande em Cachoeira do Arari
Saída Chegada Transporte Rodo-fluvial
Tempo aprox.
(horas)
Belém Retiro Grande Barco 5
Opção 1
das docas do Pará
Terminal Soure
– Câmara
De mara um ônibus ou
uma kombi para Cachoeira
descendo pela PA 154 .
Fluvial 2 a 3 - ½
Terrestre 45 min
Opção 2
Icoaraci
Terminal Soure
– Câmara
Balsa
De Camará ônibus ou
kombi para Cachoeira pela
PA 154 ou a estrada para
Salva Terra em transporte
próprio
Fonte: anotações de pesquisa
Elaboração Própria
40
Como se pode verificar no Quadro 01, partindo-se dos portos de Belém: Terminal
Fluvial das Docas ou Terminal Fluvial de Icoaraci (distrito da região metropolitana), a viagem
até a área de Retiro Grande requer o uso de uma combinação de meios de transporte que
envolve, inicialmente, o de tipo fluvial e, posteriormente, o rodoviário. No percurso em
direção a esta localidade, a última parte do deslocamento é realizada pela rodovia estadual PA
154, já em território marajoara.
Ilustração 3 : a balsa onde ônibus atravessa o rio camará
Os problemas de acesso a ilha do Marajó e, particularmente a seus municípios e
localidades, decorrentes de sua posição geográfica impõem dificuldades de percurso,
mantendo os moradores relativamente isolados, tornando difíceis às intervenções na área. Esta
é uma situação que tem implicações para as condições socioeconômicas dos habitantes da
ilha, além das outras já tratadas neste item. Quanto às últimas, analisaremos a seguir o
desenho de suas características na comunidade Retiro Grande.
41
1.2.2 - A estrutura populacional e fundiária
Na área onde Retiro Grande está localizado, podemos encontrar cerca de 50 pequenas
comunidades formadas por núcleos familiares tais como Jacaretuba, Umarizal, Jabuti e outras,
que constituem a estrutura populacional dessa microrregião do município de Cachoeira do
Arari. Em sua distribuição territorial, constata-se que, de modo geral, poucos núcleos de
concentração populacional nos campos.
Por outro lado, a maioria quase absoluta dos grupos domésticos presentes nestes
núcleos de povoamento, ao menos pela impressão etnográfica, estão inseridos e articulados à
forma de organização social da propriedade marajoara
2
. Quando se avistam pequenos
povoados ou concentrações populacionais ao longo da estrada que liga a vila de Camará à
sede municipal de Cachoeira do Arari, observa-se que são formados por unidades domésticas
de pequenos criadores ou pescadores e agricultores.
Quanto a isso, as características da estrutura fundiária do município, que também são
as mesmas na maior parte da ilha do Marajó, apresentam-se desfavoráveis para os chamados
pequenos criadores de Retiro Grande em relação aos grandes fazendeiros. Estas são as
características, como visto antes, da concentração de terras na região, onde as áreas de campos
são controladas por um número restrito de grandes proprietários, os quais as empregam,
principalmente, na pecuária extensiva.
Em conseqüência, no período de seca, quando diminui o capim na criação
comunitária, os pequenos criadores precisam alugar os pastos dos fazendeiros, o que coloca
aqueles em uma situação de dependência para com estes. Esta situação resulta diretamente da
organização fundiária que foi estabelecida na ilha, sendo uma realidade predominante no
Município de Cachoeira do Arari, principalmente, em Retiro Grande (VALLE apud
BORGES, 2001).
Neste município, e, especificamente na área de Retiro Grande, os pequenos criadores
configuram um grupo social mais específico, possuidores de reduzido número de cabeças de
gado e, também, devotados a pequenos plantios, conseguindo manter o controle de faixas
restritas de terra na região do alto Arari. Na maioria das vezes, são descendentes de antigas
famílias proprietárias do interior de Marajó que passaram por processos internos de
2
A fazenda compõe o conjunto de seus empregados, sobretudo os vaqueiros, feitores e seus familiares.
42
fragmentação patrimonial. casos de descendentes de migrantes (VALLE apud BORGES,
2001).
Esta perspectiva é corroborada por Ximenes que ao analisar as origens das ocupações
na Ilha, principalmente quanto à origem e permanência dos criadores de gado, conclui que:
O criador continua em seu estabelecimento, com sua maneira de se
organizar para produzir, na qual a família é a principal força de trabalho.
Quanto à origem histórica desses criadores temos basicamente: a) antigos
moradores das grandes fazendas que se tornaram proprietários de pequenos
lotes, quer por doação de patrões, quer por transação comercial ou por
apossamento; b) indivíduos que foram beneficiados por partilha de terra de
herança (XIMENES, 1992, p. 05).
Portanto, como se pode observar na citação da referida autora, há duas fontes quanto à
origem histórica dos pequenos proprietários da região. Entre elas, segundo Leão (1999), em
40% dos casos no Marajó, as propriedades o bens de família transmitidos de uma geração a
outra, reflexo de um processo de colonização e exploração de terras, bastante estável e antigo.
Isso se confirmou em Retiro Grande, principalmente no povoamento de Jacaretuba que
apresenta um processo de ocupação de 100% por herança
3
.
Segundo o relato do mais antigo morador de Retiro Grande, os antepassados (bisavós)
dos atuais moradores afirmavam que, por volta de 1900, a área da referida comunidade tinha
uma extensão maior do que apresenta hoje, abrangendo o perímetro onde está localizada a
horta comunitária e seus moradores. Porém, conforme declarou este morador, naquela época,
os ocupantes dessas terras não possuíam títulos de posse e não conheciam as leis que tratavam
dos direitos de propriedade.
Mais do que isso, segundo o referido morador, além de não possuírem documentos de
identificação de titularidade, os primeiros ocupantes dessa comunidade não usavam cercas
para delimitar suas posses, não sabiam, exatamente, qual a extensão do terreno em que
estavam. Atualmente vive-se no local uma situação totalmente oposta em relação à posse da
terra, pois segundo relatam os atuais moradores de Retiro Grande hoje existe cerca até no
meio do caminho”.
O que se percebe na afirmação do referido morador, é que antes, isto é, no período dos
“antepassados” como ele declara, havia menos habitantes nesta comunidade, pois todos se
3
Contudo, neste povoamento, segundo os informantes mais antigos da pesquisa, uma prática de apossamento,
pois alguns moradores mesmo tendo recebido seu “pedaço de terra”, solicitam plantio na terra do irmão,
compadre, vizinho, etc, uma vez que isso ocorra, o agricultor cerca a área plantada e vai ao fórum para pedir a
sua posse.
43
conheciam, a maioria por laços de parentesco, e, por conseqüência, havia um número menor
de pessoas para dividir a herança. Esta situação populacional criava para aqueles moradores a
percepção de que dimensões de terra eram maiores (“não se via o fim da terra” - entendido
por limite pelas pessoas da região), e que havia terras para todos, o que reforçava a o
delimitação da posse.
Os casamentos entre pessoas com parentesco se tornaram, assim, o fator de redefinição
de propriedades, dividindo em lotes, a herança. Esta é a característica principal das
propriedades em Jacaretuba, um povoado que fica na área de Retiro Grande e, que será uma
referencia neste estudo na medida em que tinha ligações com os projetos de associativismo
(engajamento e participação coletiva) que foram desenvolvidos, no entanto, com o tempo
romperam este elo. Outras ligações, porém, permaneceram principalmente as de parentesco, o
que será analisado adiante neste trabalho.
Os primeiros habitantes de Jacaretuba foram às famílias: Serra, Gomes, Alberto José
Amador e Manoel Amador cada uma dividia as léguas de terra em ¼ da área deste povoado.
O Albertinho teve uma filha chamada de Maria de Nazaré Amador que se casou com um
homem chamado Manoel Melo que casou com a avó do Alberto Melo. Com isso o Manoel
Melo herda com o casamento 1/3 de ¼, pois ela tinha dois irmãos, que também herdaram as
terras, conseqüentemente, os outros moradores também tiveram herdeiros que herdaram
partes de terra.
Hoje as famílias: Seabra, Serra e Amador são dominantes em Jacaretuba, mas à elas se
juntaram, através de casamentos, as famílias Portal e a dos Melo ampliando os laços e as
relações de parentesco entre eles. Os casamentos entre herdeiros aumentam a extensão da
propriedade e/ou resolvem o problema da disputa de terra, pelo menos no curto prazo, pois
não se pode garantir que a continuidade destes casamentos não evite, no futuro, alterações e
redefinições nos limites dos terrenos que cada um possui, e com isso tragam de volta os
conflitos de propriedade.
Os Gomes estão localizados hoje onde esta o grupo da horta que antes pertencia a
Jacaretuba. Como resultado do casamento entre herdeiros surgiu novas famílias: os Portal e
Seabra, os Portal e Serra e os Serra e Seabra. Estas novas formações familiares herdaram lotes
de terra não apenas neste povoado, mas, também, no grupo da horta, criando uma distribuição
da população entre os estes dois grupos que não obedecem às delimitações geográficas de sua
localização na área de Retiro Grande.
No grupo da horta, as principais fontes de propriedade” são a herança e a doação de
lote pela prefeitura, por isso, se encontram pessoas que saem do tronco familiar de Jacaretuba
44
mais conseguem lotes em Retiro Grande. Esta localidade atrai mais pessoas que migram de
outras áreas de Cachoeira em busca de terra - mas que continuam utilizando as terras dos pais
ou avós, na maioria das vezes, para a roça que é dividida com os irmãos e/ou primos, gerando
muitos conflitos, pois a maioria das propriedades em Jacaretuba não é legalizada, no máximo
no nome dos primeiros moradores
4
.
1.3 - As bases socioeconômicas dos grupos estudados
Como visto antes, a comunidade analisada neste trabalho situa-se em uma área do
Município de Cachoeira do Arari na qual se encontra, também, outro povoado, Jacaretuba,
cujos habitantes, apesar de suas ligações (principalmente de parentesco) com os moradores
Retiro Grande, passaram constituir um grupo a parte, em razão dos conflitos que surgiram
entre ambos ao longo do tempo. Os conflitos prevaleceram a despeito de partilharem as
condições e os problemas enfrentados na área onde estão situados.
Entre as condições e problemas partilhados pelos grupos, pôde-se observar que ambos
são constituídos por famílias que vivem e trabalham tendo por base condições
socioeconômicas muito similares. Neste aspecto, a primeira constatação é que estas famílias
se dedicam a atividades produtivas próprias da economia rural dessa região, assim como
desenvolveram práticas sociais de organização e trabalho comunitário que, também, podem
ser verificadas em outras regiões amazônicas.
No caso dos moradores de Retiro Grande, as práticas de organização social e de
trabalho comunitário foram impulsionadas, principalmente, a partir da atuação da igreja
católica, por meio pastoral da criança. Este trabalho começou pela ação do próprio padre
local, que inicialmente atuou tanto no âmbito das atividades religiosas como em outras
relativas a aspectos específicos das condições socioeconômicas locais, principalmente as
relacionadas à organização das atividades produtivas, estimulando a sindicalização rural.
Em seguida, este trabalho teve continuidade na área de Retiro Grande, ainda com o
apoio da referida pastoral, com o surgimento de uma liderança comunitária que atuou,
particularmente, na organização e mobilização coletiva de seus moradores. A atuação desta
4
No direito tem-se à transferência de bens moveis e bens imóveis, as terras de ilha e rios pertencem à marinha,
mas que responde é a união, principalmente, a da ilha do Marajó que é um arquipélago. O Estado não pode dar
propriedade, direito de posse, torna proprietário através de escritura registrada no cartório, então se uma
pessoa entra na terra e cerca e começa a morar/e ou plantar ou realizar qualquer bem feitura, depois de um ano e
um dia depois dessa posse, e se o for reclamada antes disso é reintegração de posse. Mesmo se a pessoa que
perdeu a posse da terra através do contrato verbal, ele tem como requerer a reintegração alegando confiança, boa
fé, na pessoa que ele arrendou. No direito existe a posse de uso e de gozo e a propriedade (disposição), podendo
vender ou hipotecar. A propriedade só é adquirida após 20 anos de uso, caso não seja reivindicada.
45
liderança se caracterizou, principalmente, pelo incentivo ao envolvimento destes moradores
em empreendimentos comunitários com o objetivo de gerar, no próprio local, recursos para
atender a algumas de suas necessidades.
Os empreendimentos desenvolvidos coletivamente nesta comunidade, sob a
coordenação de sua liderança, constituíram-se principalmente de ações que visavam o
fornecimento de serviços (creche comunitária), produção de alimentos e medicamentos fito-
terápicos (horta comunitária) para o atendimento de demandas e deficiências de seus
moradores nestas questões. Como se pode observar, o objetivo é a produção na própria
comunidade de produtos e recursos que atendam a necessidades emergenciais.
Além disso, estes empreendimentos foram realizados de forma a incentivar a
ampliação da participação de seus moradores para além dessas questões mais imediatas,
levando-os a aturem, também, em conselhos, associações e sindicatos, assim como o
envolvimento em atividades que caráter mais estreitamente político como a promoção de
candidaturas de membros da comunidade nas eleições para o executivo e o legislativo
municipal, aumentando, assim, as possibilidades de seu associativismo.
Desse modo, foi desenvolvida a organização e a mobilização social dos moradores de
Retiro Grande: atividades associativas e participativas no âmbito local para tratar dos
problemas comuns. Paradoxalmente, no entanto, a difusão destas práticas teve por
conseqüência o inicio de um conflito entre alguns participantes iniciais desses
empreendimentos. O rompimento entre eles concretizou-se quando alguns desses moradores
passaram a agir buscando, independentemente, soluções para os problemas constituindo o
grupo de Jacaretuba.
Esta divisão interna foi provocada por divergências na forma de encaminhar ações
(através do trabalho coletivo) para a solução seus problemas, reforçadas por diferenças de
identidade, interesses e valores que foram surgindo e sendo aprofundados com o tempo,
gerando conflitos e a recusa de participação nas atividades empreendidas. Estes fatores foram
intensificados pela distância geográfica entre eles, que criava dificuldades de envolvimento
nas atividades comunitárias e na participação nos benefícios obtidos.
Assim, uma vez constituído, o grupo dos moradores de Jacaretuba passou a
desenvolver, separadamente, suas próprias formas de encaminhar ações para obtenção de
recursos o que aprofundou o conflito existente, na medida em que passaram a disputar por
projetos e benefícios para o local. A atuação desses moradores se caracterizou pela rejeição de
práticas associativas e pelo estabelecimento de suas próprias redes de contatos, nas quais
prevaleceu a relação individual a apropriação e a exploração familiar dos benefícios obtidos.
46
Desse modo, no que se refere às características socioeconômicas observa-se
similaridades das condições e diferenças na organização entre estes moradores. Quanto ao
último aspecto, constitui o foco central deste estudo e, dessa forma, é amplamente tratado no
último capítulo do referido trabalho. Por ora são apresentados, descritivamente, alguns dados
relativos a outros aspectos das condições socioeconômicas compartilhadas por estes
moradores, necessários para a compreensão das bases sobre as quais ocorreram os processos
acima referidos.
Neste sentido, quanto a Retiro Grande observou-se que os homens que moram no local
realizam atividades produtivas como a pequena criação e a agricultura associada (abacaxi e
mandioca). Sazonalmente, trabalham também na construção de poços, cercas e casas. Quanto
ao trabalho feminino, verificou-se que a maioria das mulheres se dedica as tarefas da casa e da
horta e, algumas aos estudos. também o trabalho na escola, onde se encontram duas
professoras e três serventes entre as moradoras da comunidade.
Outro elemento do aspecto observado aqui é o grau de escolarização desses
moradores. Quanto a isso, constatou-se que ele é maior entre as mulheres, entre as quais a
situação apresentava-se da seguinte maneira: aquelas que não que não tinham concluído o
ensino médio voltaram a estudar (no Município de Salvaterra), e as que tinham se formado em
magistério (as professoras), também, voltaram aos estudos, com o objetivo de “melhorarem de
vida, crescer” (professora e líder do grupo da horta).
No conjunto das características socioeconômicas observadas nas condições de vida
dos moradores desta área estudados neste trabalho, verificou-se também a posse de bens
duráveis. Na situação encontrada as famílias possuíam bens duráveis: fogão, geladeira a gás
e/ou elétrica, assim como eletrodomésticos básicos: televisão e rádio, mesmo que o
fornecimento de energia elétrica seja precário ou inexistente em alguns lugares.
O fogão mais utilizado nas residências dos moradores de Retiro Grande é o à lenha,
que consiste numa caixa retangular de ferro, com terra dentro, possuindo duas “bocas”.
Fogões a gás são menos usados, devido o preço elevado do produto que é transportado por via
fluvial desde Belém ou de Cachoeira. Mesmo os moradores que possuem fogão a gás,
também possuem um à lenha para assar o peixe e/ou como reserva caso o gás acabe antes do
final do mês.
As habitações o em sua maioria construídas em madeira, ocupando lotes individuais
que medem 01 há, com chão de madeira e/ou barro batido, telhado de cavaco e paredes que
apresentam uma ou duas divisórias internas, abarcando entorno de 36m². Os banheiros ficam
do lado de fora da casa, feitos de madeira, apenas algumas possuem banheiros de alvenaria
47
e/ou dentro de casa. Das casas observadas em Retiro Grande, somente da líder comunitária I
possuía banheiro interno, mas as outras têm projeto de construí-lo.
Ilustraçao 7: moradia da Dora, onde está localizada o terreno da horta (na foto estão a
Dora e a Lourdes, da esquerda para direita , Dora professora da escola municipal e a Lourdes
servente da escola municipal, as duas trabalham na horta)
Fonte: própria
Outro aspecto importante a ser destacado é a baixa disponibilidade de meios de
comunicação e informação na área; poucos possuem telefone e, apenas entre os moradores de
Retiro Grande. Em geral, os meios mais utilizados são a tv e o rádio, jornais impressos estão
desníveis somente na sede de Cachoeira do Arari. Quanto aos transportes, o meio mais
utilizado na localidade é a bicicleta; cada casa dispõe de pelo menos uma unidade desse
recurso, principalmente na sede do município.
Entre as atividades produtivas realizadas por estes moradores, um elemento que tem
um papel importante na sua organização comunitária, tratada mais detalhadamente adiante,
por ser um dos principais pontos de atividade comum: é a casa de farinha. Este é um local de
transformação da mandioca em farinha, para a qual são usados basicamente um ralador e um
forno. A casa de farinha é muito presente nas propriedades familiares de Marajó
(LUDOVINO, apud BORGES, 2001).
Segundo Cayres (1999), a maioria das propriedades transforma a própria mandioca
produzida. As propriedades que não possuem uma casa de farinha utilizam normalmente a do
vizinho sem qualquer despesa ou de outro parente. A mandioca colhida durante todo o ano é
48
transformada segundo as necessidades da família, os produtores que não podem transformá-la,
sobretudo devido às limitações de mão de obra, adotam o sistema de meia, recebendo metade
da farinha produzida.
A produção de farinha é, sem dúvida, a atividade agrícola mais importante dos grupos
domésticos caboclos, ocorre em todos os meses do ano, sendo mais freqüente no mês de abril
(CAYRES, 1999). Entre os moradores da área de Retiro Grande ligados ao grupo da horta,
verificam-se estas mesmas características quanto a esta atividade produtiva, onde a força de
trabalho mais empregada é a de homens adultos, em seguida a das mulheres adultas, mulheres
idosas, homens idosos e homens jovens.
Quanto à plantação da mandioca (matéria-prima na produção de farinha), mão-de-obra
mais usada, entre estes moradores é a das mulheres; a mão de obra masculina é
complementar, sendo mais usada na limpeza e no plantio da roça, e no corte de lenha na mata.
A produção média varia, pois como é para consumo próprio, eles a fazem conforme a
necessidade e disponibilidade. A casa de farinha de Retiro Grande é utilizada pelo coletivo
das famílias que participam da horta comunitária, funcionando ao lado da referida horta, no
mesmo terreno.
Ilustração 4 e 5: casa de farinha do grupo de mulheres (em Retiro Grande)
49
Fonte: Própria
No caso do trabalho na horta, a o de obra também é familiar: marido, esposa e os
filhos acima de 14 anos, também participam quando não estão na escola. Apesar disso, este
trabalho se concentra principalmente na mão de obra feminina adulta.
Ilustração 6: a horta
50
51
Fonte: própria
Quanto às características socioeconômicas dos moradores de Jacaretuba, observou-se,
anteriormente, que apresentam similaridades de condições e diferenças nas formas de
organização. Entre eles a produção média de farinha é realizada quinzenalmente, sendo uma
parte (a metade) destinada para o consumo próprio e a outra para comercialização que ocorre
na própria localidade. Nesta produção emprega-se predominantemente, ainda que não
exclusivamente, a mão-de-obra masculina.
A casa de farinha desses moradores funciona em escala semanal, onde cada família
realiza a sua produção utilizando sua própria mandioca. No plantio deste produto, a mão de
obra é familiar: marido e esposa, e os filhos (mesmo os menores) são disponibilizados para
este trabalho, que é valorizado mais do que a escola, pois as crianças (os meninos) são levadas
para o “trabalhar na roça” no mesmo horário das aulas.
Assim, sendo a produção de farinha em Jacaretuba colocada fundamentalmente ao
encargo do trabalho masculino, que é a principal mão de obra empregada nesta atividade
produtiva, o trabalho das mulheres, por outro lado, é utilizado para uma produção considerada
52
de caráter complementar. Neste âmbito, desenvolvem atividades relativas ao cultivo do
abacaxi e do coco, de natureza cíclica, enquanto paralelamente a farinha é produzida durante
o ano todo. A agricultura é a principal atividade produtiva das famílias de Jacaretuba
destinada tanto para o próprio consumo como para a comercialização.
Na distribuição do trabalho por gênero, os homens, que em geral, apresentavam idades
de 20 a 40 anos, ocupavam-se, também, como pescadores e agricultores; os aposentados
atuavam como pescadores e/ou trabalhadores rurais. Quanto às mulheres, eram em sua
maioria jovens, encontrando-se no período da pesquisa, na faixa dos 20 a 35 anos. Elas
ocupavam-se como donas de casa, ao mesmo tempo em que auxiliavam seus maridos na
produção da farinha. Existiam algumas aposentadas e viúvas que sobreviviam de pensão.
No aspecto das moradias, observou-se que as casas dos moradores ligados ao grupo de
Jacaretuba estão localizadas em lotes individuais que medem de 02 a 06 (bem maiores que
as dos moradores de Retiro Grande). A maioria das habitações é construída em madeira, com
piso em madeira e/ou barro batido, os telhados são feitos de cavaco e as paredes apresentam
uma ou duas divisórias internas. Ao todo, o terreno construído das casas ocupa um espaço de
aproximadamente 36m², não há construções de alvenaria.
Um aspecto a ser destacado no caso dessas habitações é constatação de que as
melhores casas são as das mulheres que, sendo residentes do local, atuam no grupo da horta
(Retiro Grande). Quanto à estrutura dessas habitações observou-se que os banheiros ficam do
lado de fora das casas, feitos de madeira. Em Jacaretuba não foi encontrado nenhum banheiro
de alvenaria e/ou dentro de casa. Verificou-se, também, que água consumida no local é
extraída de poços artesianos.
No que se refere à posse de bens duráveis, observou-se que, ao contrário dos
moradores ligados ao grupo da horta, as famílias de Jacaretuba não possuíam bens dessa
natureza, como por exemplo, eletrodomésticos, em razão principalmente da falta de energia
elétrica no local. Nas residências fogão mais utilizado é o á lenha, que apresenta a mesma
estrutura daqueles encontrados entre os moradores de Retiro Grande. Também, verificou-se
no local que há residências que não possuem fogão a gás.
Ao tratar-se das condições socioeconômicas em geral, um elemento importante é a
disponibilidade de meios de informação para os indivíduos. Neste aspecto, a situação é muito
similar a do grupo da horta, porém, com uma diferença: o meio mais utilizado é o rádio (a
falta de energia elétrica inviabiliza o uso da televisão). Assim, jornais impressos encontram-se
na sede de Cachoeira do Arari e da mesma forma, o meio de transporte mais usado é a
bicicleta, onde também cada casa tem, pelo menos uma.
53
Quanto à escolaridade formal dos moradores vinculados a Jacaretuba, observou-se
que, em geral, é mais baixa do que aquela verificada entre aqueles vinculados ao grupo da
horta e não apresenta, como nesta localidade, diferença significativa entre homens e mulheres.
Neste aspecto, os primeiros encontravam-se entre a condição de semi-analfabetos, observada
principalmente entre os mais idosos, e a do ensino fundamental incompleto, verificada
particularmente entre os homens adultos que estavam na faixa etária de 20 a 40 anos.
Entre as mulheres, as idosas, na maioria dos casos, apresentavam um nível de
escolaridade correspondente apenas aos dois primeiros anos do que hoje se conhece como as
séries iniciais de ensino, e as que estavam na faixa etária de 20 a 40 anos possuíam apenas o
equivalente ao ensino fundamental incompleto. Contudo, no período desta pesquisa,
constatou-se que alguns desses moradores, entre eles: crianças, adolescentes e adultos,
freqüentam a escola local.
Outro aspecto das condições socioeconômicas refere-se à alimentação, que entre o
referido povoado concentra-se no peixe e na farinha, com baixíssimo consumo de legumes e
carne. Neste aspecto, verificou-se durante a realização da pesquisa, que a existência de
culturas de hortaliças restringia-se ao grupo de mulheres da horta (Retiro Grande). Em geral,
legumes e hortaliças não fazem parte dos hábitos alimentares dos marajoaras, porém, foi
observada a inclusão destes alimentos no cardápio marajoara do referido grupo,
tradicionalmente constituído de peixe, carne, açaí e farinha.
O cuidado com a saúde das pessoas nesse grupo se concentra em uso de chá e orações,
recorrem também, a uma auxiliar de enfermagem que encaminha os doentes em estado grave
para Belém ou Salva Terra. O maior problema enfrentado pelos moradores desta localidade é
que a maioria não possui condições financeiras para procurar auxílio médico em outra cidade.
Por outro lado, a baixa capacidade de informação e menor nível educacional dificultam o
acesso dessas pessoas a um tratamento mais adequado para as suas enfermidades.
Em se tratando da situação geral das condições socioeconômicas, observou-se durante
os primeiros contatos da pesquisa, que todas as famílias, tanto aquelas ligadas ao grupo da
horta como as que estavam vinculadas ao grupo Jacaretuba, compartilhavam de precárias
condições de infra-estrutura (água potável, deslocamento de pessoas, escoamento da
produção, etc.), assim como apresentam deficiências quanto ao fornecimento de serviços
públicos essenciais tais como: educação, energia elétrica saúde, que se tornam ainda mais
alarmante nas situações de doenças.
Estas condições geram para os moradores desses povoados os conhecidos
problemas do desenvolvimento, presentes de modo geral nos contextos rurais e urbanos
54
marajoaras e, mais amplamente, amazônicos. Além disso, somam-se os problemas de saúde
pública (doenças tropicais, desnutrição), altos índices de mortalidade infantil, dificuldades de
acesso à educação e poucas oportunidades de escolarização, problemas de acesso a crédito ao
financiamento da produção etc.
No que se refere aos serviços de saúde a comunidade, o tem acesso de modo fácil
até aos mais básicos como os postos médicos, pois quem precisa dele tem que se deslocar para
o Município de Salva-Terra ou para a capital do estado: Belém. Havia um posto de saúde, no
grupo da horta, mas deixou de funcionar devido à falta de remédio e médico, a população
conta somente com uma auxiliar de enfermagem que faz curativo, aplica injeções, identifica a
gravidade do caso e informa ao doente se precisa procurar uma ajuda dica. Devido às
dificuldades, a maioria dos habitantes trata seus problemas de saúde com remédios caseiros.
Outro recurso empregado para o tratamento de doenças é a farmácia caseira na qual é
realizada a fabricação de remédios fito-terápicos pelas mulheres da pastoral ou grupo de mães
(Retiro Grande). Contudo, quando se impõe a necessidade de atendimento médico, maioria
das pessoas se desloca para Belém, pois apesar da distancia, esta cidade é mais bem equipada
quanto aos serviços de saúde, conforme relatado pelos informantes, sendo consenso entre
todos os entrevistados.
Não foi possível obter dados sobre prevenção do câncer de colo do útero e mama entre
as mulheres acima dos quarenta anos, no entanto supõe-se que esta situação deva apresentar
alguma gravidade devido ao pouco acesso à informação: as distancias dificultam o acesso ao
jornal impresso e devido à fala de energia elétrica e com isso, também à informação
televisiva. Quanto aos principais fatores das condições socioeconômicas aqui observadas,
segue a abaixo um resumo da situação encontrada no período da pesquisa.
Em relação aos aspectos educacionais, existe somente uma escola na região, onde são
ministrados o ensino fundamental e o médio, instalado em 2004. Antes disso, para terem
acesso ao ensino médio os membros da comunidade deveriam se deslocar para o município de
Salva Terra. No turno da noite, o deslocamento diário dos alunos era realizado pelo transporte
da prefeitura, um ônibus velho”
5
, que apresentava problemas freqüentes de funcionamento e
constantemente fora de operação exigindo reparos freqüentes permanentes.
Em conseqüência os alunos tinham dificuldades para ter uma freqüência regular às
aulas, pois, quando o veículo apresentava problemas restavam duas alternativas: ausência
na escola ou a realização de coletas para o reparo ou para gasolina, tendo em vista a alegação
5
Adjetivo utilizado pelos estudantes e seus pais
55
de falta de recursos da prefeitura
6
. Esta situação precária do transporte escolar foi uma das
principais motivações que levou os antigos alunos, seus pais e outros membros dessa
comunidade a pedir a instalação do ensino médio em Retiro Grande.
O fornecimento de energia elétrica na localidade até 2007 era precário ou quase
inexistente para a maioria dos moradores das duas comunidades, a única iluminação que
obtinham no local era adquirida através do motor a diesel, o que atendia somente aos
moradores de maior poder aquisitivo “os ricos” (como eram considerados pelos moradores)
que geralmente eram os donos de bar, padaria e açougue quem possuíam condições de ter o
motor gerador e, essas pessoas cobravam para fornecer diesel para iluminação aos outras
7
.
Estes moradores ofereciam iluminação àqueles que aceitavam e ou podiam colaborar
no pagamento do diesel com uma contribuição individual de 20,00 reais mensais, como os
outros indivíduos possuíam uma renda mensal que variava em torno de um salário até três
salários míninos, esse valor era alto. Isso impossibilitava a conservação dos alimentos e a
produção frutífera, pois assim não havia como congelar a polpa das frutas. Em Jacaretuba não
havia acesso à energia elétrica (ninguém tinha gerador) e a distribuição de água tratada, sendo
abastecido com poços.
Na situação atual, já se dispõe de energia elétrica desde 2007(outubro), através do
projeto luz para todos do governo federal, a partir disso, a comunidade e suas lideranças estão
procurando dar continuidade a projetos como a queijaria, cooperativa de frutas que estavam
paradas em parte devido à falta de energia. Outra conseqüência foi o aparecimento de bares
em toda a região, a ponto de pessoas preferirem montar um bar ao trabalho na agricultura, que
não oferece a mesma lucratividade.
A situação de transito pela região, também, apresentava-se com problemas. O
deslocamento de ida ou saída da localidade só é possível (ainda que precariamente) das
seguintes formas: de barco, balsa, ônibus e kombi. Os horários dos dois únicos ônibus que
fazem o percurso para as localidades de Cachoeira de Arari e Salva Terra são pela manhã às
5:30 h, de saída, e a noite 18 h, de chagada. Quem se desloca para Belém, deve completar o
percurso de barco.
Além disso, acrescentava-se as estes problemas, as condições deploráveis dos meios
de transporte em todas as alternativas encontradas, os veículos mais comumente empregados
tais como ônibus e kombi estão em péssimo estado de conservação, e, do mesmo modo estão,
6
O ônibus é da prefeitura de Cachoeira de Arari doado pelo governo Norte Americano.
7
Aposentados e funcionários públicos, por terem renda fixa, podiam pagar para terem acesso a umas 2 a 3 horas
de energia.
56
também, as vias utilizadas para o deslocamento, o que, além de tudo, não estão asfaltadas até
o município de Salva-Terra, dificultando extremamente o fluxo na área, principalmente na
estação chuvosa.
Os pequenos agricultores em geral estão endividados com o Banco da Amazônia -
BASA. Esta situação resultou da implantação (fracassada) de um projeto do FNO para a
plantação do abacaxi em um período compreendeu os anos 1995 a 1996. O valor do
financiamento variou entre 5.000 a 12.000 reais de acordo com a extensão da área cultivada.
Alguns desses agricultores conseguiram renegociar sua divida em até em 10 anos, com
parcelas cujos valores giram em torno de 1000,00 a 1600,00 reais.
Quase todos os moradores dessas comunidades participaram do referido projeto, e
segundo os produtores rurais, o fracasso decorreu do fato de todos cultivarem o mesmo
produto (o abacaxi) o que levou a um excesso de oferta e, em contrapartida, a uma grande
queda nos preços (caiu para 0,06 centavos de real vendidos em Belém na feira do açaí), o que
não permitiu uma devida remuneração dos custos de produção. Os agricultores também
acusam a falta de apoio técnico dos órgãos competentes (EMATER).
Os itens apresentados acima relacionam alguns dados que em conjunto estabelecem
uma configuração geral quanto às condições socioeconômicas compartilhadas por moradores
das povoações ou comunidade de Retiro Grande e Jacaretuba. Estes dados são necessários
para a análise que é feita neste trabalho na medida em que permitem compreender as bases
sobre as quais ocorreram os processos de organização social e envolvimento desses
moradores no trabalho comunitário, assim como a mobilização e a participação em projeto de
ação coletiva.
Para isso, o estudo apresentado neste capítulo começou com a indicação da localização
e caracterização da área onde residem as famílias que compõem os referidos grupos de
moradores: o Município de Cachoeira de Arari na Ilha Marajó Pará. Em seguida tratou-se
dos aspectos econômicos, geográficos e populacionais da região; tanto no nível mais amplo
do município, como mais especificamente na área dos grupos em questão, no foram
considerados o cenário físico e territorial, a estrutura populacional e fundiária.
Por último, foram tratados alguns dos principais elementos das características da
organização e das condições socioeconômicas constatadas na região, tanto àquelas específicas
a cada grupo de moradores, como as que são comuns a todos. Sob estas bases, foram
analisados, comparativamente, o papel da escolarização e o papel do capital social nas
atividades de organização e mobilização coletiva e envolvimento sócio-político, que foram
empreendidas por estes moradores tendo em vista o enfrentamento destas condições.
57
Este trabalho exige, antes de qualquer coisa, que seja feito o esclarecimento das
categorias conceituais adotadas pela linha de investigação seguida, e a definição da
perspectiva analítica empregada para a compreensão da emergência das atividades referidas
no parágrafo anterior na comunidade de Retiro Grande. Estas questões são tratadas no
Capítulo II deste trabalho, apresentado a seguir.
CAPITULO II - Escolarização e Capital Social em estudos sobre a participação política
2.1 – A participação na perspectiva da política escolarização
58
Nos estudos e discussões que em geral ocorrem no âmbito acadêmico ou fora dele,
seja através dos meios de comunicação ou conduzidos formal ou informalmente em palestras,
seminários e/ou outras situações de debate público, que tratam dos fatores que efetivam a
participação política e o engajamento em questões públicas, seja em nível nacional, estadual
ou local (município, bairro, comunidade), aparece em destaque, de forma recorrente a variável
escolarização.
Esta ligação, salvo raríssimas e muito bem qualificadas exceções, como se verá no
prosseguimento deste texto, é sempre feita por meio de um principio de causalidade que
estabelece uma relação diretamente proporcional entre os índices em que ambos aparecem.
Nesta causalidade, a alteração nos índices de escolarização, a despeito de outros fatores, afeta
os níveis de participação política e engajamento em questões públicas de tal modo que a
níveis mais elevados do primeiro corresponderiam, diretamente, maiores graus do segundo.
Inversamente, nesta perspectiva, graus menores de escolarização determinariam níveis
mais baixos de participação política e engajamento público entre a população. Quanto ao
primeiro aspecto desta ligação, isto é, que graus mais altos de escolarização correspondem
diretamente a índices maiores de participação e envolvimento político, há uma série de
estudos e pesquisas cujos resultados tendem a corroborar esta afirmação, apoiados por uma
quantidade significativa de dados e informações por eles gerados.
Nestes estudos, metodologias e análises rigorosas foram empregadas para tratar dos
fatores podem contribuir para tornar os indivíduos politicamente ativos e engajados nas
questões de ordem pública. Neste sentido, rias questões foram consideradas nos
levantamentos iniciais, tais como o papel das instituições macro-nacionais, características
individuais (nível micro) tais como os graus de escolarização, e, os chamados, fatores nível
médio (meso), particularmente o capital social.
Entre estas questões, duas têm adquirido relativa importância, nos resultados obtidos:
a escolarização e o capital social, sendo a primeira a mais destacada quando se trata do
desenvolvimento econômico, social e político. Neste aspecto em particular, afirma-se que
um relacionamento positivo entre o nível de escolarização e o da participação política tendo
em vista os resultados socioeconômicos e sócio-políticos. Pelo número de pesquisas e
levantamentos realizados, este é considerado um dos mais confiáveis resultados em ciência
social empírica.
A força desta ligação entre escolaridade e participação política é sempre enfatizada
nos estudos e demonstrações que procuram destacar o papel central que o primeiro ocupa no
desenvolvimento do segundo. Este foi o cuidado que Wolfinger e Rosenstone (1980) tiveram
59
quando procuraram estabelecer, em pesquisa sobre o voto, que o relacionamento entre
participação e escolarização é mais que um relacionamento acidental e generalizado entre
posição social e engajamento político.
Ao contrário, a escolarização é um uma característica individual, isto é, um aspecto de
nível micro, que nos resultados apresentados pelos referidos autores, é o fator mais apto para
se tratar das variações no vel relativo de atividade política dentro da maioria das
populações. Algumas explicações foram tentadas para o êxito desta ligação, a mais aceita é
aquela que afirma que, na medida em que o nível educacional dos indivíduos cresce,
aumentam, também, a sua habilidade e os recursos que lhe favorecem níveis mais altos de
participação política.
Nesta mesma perspectiva estão os argumentos daqueles que se baseiam na hipótese da
racionalidade econômica como recurso explicativo. Autores vinculados a este ponto de vista,
afirmam que a escolarização fornece habilidades intelectuais e cognitivas que reduzem os
custos da participação. Disto resultaria que maiores níveis de escolarização afetariam a
“economia da ação política” produzindo alterações nos incentivos que favoreceriam o
engajamento individual (DOWNS, 1957).
Em ponto de vista diverso, mas olhando na mesma direção, pesquisadores como
Rosenberg (1988) que reconhecem que cidadãos bem educados têm maior probabilidade de
possuir uma base de conhecimentos que facilitam a compreensão do funcionamento das
engrenagens do processo político, dos meandros e mecanismos que envolvem a decisão
pública. Neste sentido, eles seriam os mais prováveis a possuírem a habilidade cognitiva que
faz mais fácil absorver e processar informação política complexa.
Também nesta perspectiva encontram-se autores como Becker (1964), que tratam a
escolarização como a principal geradora dos recursos de capital humano que permitiria um
engajamento sem esforços no sistema político. Neste sentido, um estudo conduzido em vilas
indianas por Krishna (2002) com indicadores numéricos para determinar o nível de
participação política dos seus moradores concluiu que cada ano adicional de educação escolar
elevava a pontuação que obtinham sobre estes indicadores.
No Brasil, do mesmo modo desenvolveu-se a perspectiva que atribui um papel
preponderante a escolarização na indução aos processos participativos e, estudos e pesquisas
similares aos relacionados acima foram realizados. Entre estes, destacou-se, recentemente, um
estudo de interpretação dos dados da Pesquisa Social Brasileira PESB (ALMEIDA, 2007),
que apresenta a escolarização como o fator central, a despeito dos demais, no favorecimento a
participação política.
60
Nesta pesquisa, a escolarização tratada tendo em vista a relação entre os níveis de
educação escolar formal e a inclinação para o engajamento em questões públicas, na qual os
mais altos níveis do primeiro (médio e superior) são positivamente correlacionados com graus
mais elevados do segundo, sem correlacionar, contudo, o peso de outras variáveis, que
atuando de forma concomitante ou independente da escolarização podem promover a
participação política.
Neste estudo, baseado em dados de pesquisa de opinião que procura fazer uma
“radiografia” dos valores sociais, políticos e outros que predominam na população brasileira,
o autor tratou de vários temas, entre os quais se destacam alguns que estão especificamente
relacionados com a questão central deste trabalho. Os temas selecionados, considerados nas
categorizações feitas pelo próprio autor, são o patrimonialismo, o fatalismo, o familismo, e
aquele que denominou de falta de espírito público.
Segundo o referido autor, cada um destes temas sintetiza opiniões e valores referidos à
participação política e ao engajamento nas questões públicas, predominantes na população
brasileira. Em todos eles esta referencia é de oposição, ou seja, contrapõe-se à perspectiva da
participação e do envolvimento, e sua predominância esta negativamente correlacionada,
segundo a interpretação que o autor em questão faz dos dados coletados, aos níveis de
escolarização da população.
Neste sentido, o primeiro dos temas selecionados, o patrimonialismo reúne as
opiniões, valores e atitudes dos indivíduos em relação ao espaço público delimitado como
algo abrangente, isto é, para além do que é governo ou governamental” sob dois aspectos: a
natureza dos interesses que nele devem prevalecer e a participação na constituição deste
espaço, que no geral dizem respeito a questões de associativismo e ação coletiva, e a
aquisição e preservação de bens públicos/coletivos, isto é, o interesse pelas questões ou
situações que não dizem respeito apenas ou pertençam exclusivamente ao individuo.
Nesta questão, os grandes contrastes aparecem, como se poderia esperar, entre os dois
extremos da linha de escolarização, isto é, entre aqueles que atingiram o nível superior de
educação escolar e os não alfabetizados. Apesar disso, constata o autor, é possível observar-se
uma importante inflexão aparece nos dados pesquisados entre aqueles que apresentam apenas
o nível fundamental de ensino e os que chegaram ao nível médio de escolarização (ensino
médio).
Na verdade, enfatiza o referido autor, no que se refere às atitudes e valores
relacionados ao patrimonialismo, as posições mais contrastantes foram observadas entre os
detentores destes dois estes dois veis escolaridade (médio e fundamental). Por
61
conseqüência, afirma o autor, se for aumentada a escolaridade média da população (ampliação
das oportunidades de acesso ao ensino médio formal), esta situação de desinteresse pelas
questões público-coletivas será significativamente alterada.
Outro componente dos valores e atitudes que desfavorecem o engajamento e a
participação política, tratado pelo referido autor, é o fatalismo, isto é, a crença na existência
de um destino para a humanidade, o qual, pelo menos grande parte, está nas os de Deus.
Desse modo, não haveria espaço para a ação humana (participação), pois, nenhuma
intervenção poderia resultar em alteração do “staus quo” (destino). A prevalencia do fatalismo
varia negativamente em relação ao grau de escolarização, de forma que em sociedades pouco
escolarizadas é onde se encontram mais freqüentemente fatalistas avessos à noção de espaço
público.
O terceiro tema refere-se à confiança, um aspecto onde o autor destaca o familismo
definido como a tendência a se confiar apenas na família e nas relações familiares dentro do
amplo espectro de valores e atitudes antipúblicas e anti-sociais acima referidas. Neste caso, a
lógica predominante é que somente a família é confiável, o que impõe fortes restrições ao
engajamento e envolvimento na vida social e pública mais ampla. Assim, as relações
familiares são muito mais importantes que as demais relações.
Uma conseqüência da desconfiança generalizada em pessoas fora do grupo familiar é a
forma de organização das atividades produtivas baseadas predominantemente em relações
econômicas familiares, principalmente em pequenos negócios, onde particularmente as
funções relacionadas à parte financeira podem ser ocupadas por parentes mesmo que isso
signifique perda de eficiência. Acredita-se que esta desvantagem seria compensada pelo
ganho de confiança que supostamente se obteria desta forma.
Assim como os outros aspectos anteriormente tratados, este também estaria
negativamente correlacionado aos níveis mais altos de escolarização, isto é, conforme a
análise apresentada dos dados da referida pesquisa (PESB), pessoas com maiores graus de
escolaridade tendem a estender as possibilidades de confiança para além do circulo familiar
do que aquelas de menor nível de escolaridade. Estas confiariam muito mais na família,
mantendo em relação aos outros, uma atitude de desconfiança.
O último componente relacionado pelo referido autor, que completa, em sua
perspectiva neste amplo quadro valores e atitudes desfavorecedoras do engajamento e
participação política estaria a falta de espírito público. Esta se caracterizaria pela falta de
iniciativa para a solução de problemas que, mesmo requerendo a ação governamental, podem
62
ser iniciadas por ões coletivas de cidadãos. Assim, se não houver ão governamental,
também não há disposição de agir pelos indivíduos.
Quanto a isso o autor ressalva este aspecto dos valores e atitudes anti-públicos e anti-
sociais deve ser colocado independentemente das supostas razões que os motivam mesmo
porque segundo ele, “em uma situação como a brasileira, em que a sociedade e o estado estão
separados de forma muito clara e na qual a sociedade se excluída é lógico nutrir
sentimentos não republicanos pelo estado” (ALMEIDA, 2007, p.18).
Ao contrário, o que está em questão são as conseqüências deste destas atitudes para o
funcionamento da sociedade e o que se pode fazer para modificá-lo, à parte as justificativas
que a ele possam ser apresentadas, as do próprio autor ou outras. Para isso, as indicações
estariam na própria avaliação dos dados da pesquisa que indicam uma variação negativa em
relação ao nível de escolarização, isto é, a falta de espírito público seria muito menor nos
nível mais elevado de educação escolar formal.
Em resumo, para o autor em questão, a Pesquisa Social Brasileira (PESB) fornece
evidencias empíricas que permitem sustentar que, no Brasil, os valores e atitudes relacionados
à vida cívica variam negativamente em relação à escolarização considerada em seu grau mais
alto (nível superior). Inversamente, para os níveis inferiores predominariam aqueles não
compatíveis com a prática democrática com características negativas associadas à falta de
participação política e engajamento em questões públicas.
Apesar de considerar, também, o peso de outros fatores nas atitudes cívicas tais como
região, faixa etária, capital x interior, gênero, religião e a tradição ibérica, sobre o
condicionamento das atitudes e valores tratados, o autor enfatizou a centralidade que a
escolarização ocupa na sua configuração. Esta centralidade, deve-se ressaltar, é entendida em
seu aspecto quantitativo, isto é, quanto aos graus de escolaridade obtidos aos quais se podem
medir por meio da elaboração de indicadores.
Nesta perspectiva, declara “a qualidade da democracia aumenta quando a população é
mais escolarizada, mais do que isso, a democracia é possível em sociedades com níveis
mais elevados de escolarização” (ALMEIDA, 2007, p.18). Por conseqüência, o nível de
escolarização determina a mudança nos valores sociais: a baixa escolarização está associada a
uma perspectiva mais conservadora e, contrariamente, em seu nível mais alto, seria o
principal meio de favorecimento de valores mais sociais.
Neste sentido, sendo a escolarização a variável independente fundamental dos
processos de mudança social, principalmente no que se refere às atitudes e comportamentos
de envolvimento e participação política, a chave das mudanças está, portanto, na ampliação da
63
educação formal. Para o referido autor, esta mudança será tanto mais rápida, quanto mais for
acelerado o ritmo de aumento da escolarização, pois, a velocidade do último determina a
progressão em que os valores sociais são alterados.
Portanto, um lento processo de escolarização traria muitas dificuldades para as
transformações desejadas, agravadas ainda pelo fato que este processo deveria se completar
até em seu nível mais alto (nível superior), pois como observado, é o único que enseja
mudanças significativas. Esta característica colocaria uma dificuldade a mais para as
possibilidades de modificação deste quadro, pois o déficit de escolarização amplia-se
enormemente na população brasileira à medida que se sobe na escala do sistema de ensino.
Contudo, a unanimidade que existe quanto ao papel destacado que a escolarização tem
entre os demais fatores considerados indutores da participação política, apresenta pelo menos
duas situações que exigem reconsideração: em primeiro lugar, trata-se apenas de sua função
de produzir capital humano, contudo, como se verá no próximo item deste capítulo, o papel da
escolarização para o engajamento cívico individual não se reduz a esta função.
Por outro lado, não é possível determinar que o baixo nível ou a ausência de
escolarização, ou seja, de capital humano, implique necessariamente em baixos níveis de
participação política. Neste trabalho, declara-se que a idéia deste “automatismo dualista”
(participação/escolarização) resulta de um “certo modo” de interpretação de dados de
pesquisa, pois as possibilidades individuais de engajamento e envolvimento público não se
restringem a posse de capital humano.
O conhecimento e a expertise, isto é o capital humano individual são inegavelmente
importantes aspectos do engajamento dos cidadãos, tal como se observa na literatura acima
apresentada, na qual são destacadas importantes evidencias nesta direção. Contudo, mesmo
nesta situação, outros aspectos precisam ser considerados, tais como a existência de elementos
de ligação e de contato entre os indivíduos.
Isto significa que, para se entender corretamente como isso ocorre é preciso ir além e
adotar uma perspectiva que considere como os elementos do contexto social estão
relacionados com a escolarização. Quando estes o levados em conta, uma das primeiras
coisas que se pode observar é que os indivíduos que atingiram os veis mais altos de
escolaridade apresentam maior probabilidade de obterem uma inserção social que aumente
sua exposição ou seus contatos com pessoas que também possuem níveis mais altos de
educação (HUCKFELDT e SPRAGUE, 1993).
O elemento contextual que se observa neste caso é o das redes de relacionamento
pessoais ou o do capital social como se verá no item a seguir. Em segundo lugar, a posse de
64
capital humano, particularmente aquele que é politicamente relevante como destacado aqui,
pode ser fortemente correlacionada com a produção de capital social, ou seja, um processo
inverso ao anterior pode ocorrer. Neste sentido, abre-se um espaço para a construção de
projetos de participação política que o estão na dependência exclusiva dos níveis de
escolarização dos indivíduos (LAKE e HUCKFELDT, 1998).
Assim, a relação que se pode observar entre escolarização e participação política ou,
aquela que se acredita existir necessariamente entre elas, não seria uma conseqüência somente
do capital humano que ela produz, mas de outros efeitos que ela pode gerar, particularmente
do capital social que por meio dela pode ser acumulado. Porém, se a escolarização apresenta
alta probabilidade de ser geradora deste tipo de capital, ela não é sua única fonte como pode
ser visto (LAKE e HUCKFELDT, 1998).
O papel da escolarização no desenvolvimento e ampliação da participação e
envolvimento sócio-político o estaria tão somente na “expertise” que pode ser gerada a
partir do capital humano que através dela os indivíduos podem acumular. Neste caso, trata-se
de qual escolarização se está falando, o que exige uma especificação conceitual, pois, como
bem se pode observar, uma perspectiva quanto a esta especificação subjacente ao modo
como os autores acima referidos tratam da relação entre escolarização e participação política.
Esta perspectiva deriva da abordagem mais simples da escolarização que a trata apenas
como aquisição de graus de educação formal (certificação) ou de anos de ensino no sistema
educacional. Esta é uma perspectiva restritiva de caráter conteudista que não encontra
respaldo nos autores que estudam o fenômeno, entre eles destaca-se Arroyo (2002), que
declara a impossibilidade de dissociar conteúdos prescritivos dos conhecimentos que
exprimem a cultura vivida sem esvaziar sua dimensão social e histórica.
Assim, se esta dissociação prevalece, restringe-se a função da escola (ensino
escolarizado) ao aprendizado de competências e habilidades funcionais, oficiais e
sistematizados. Neste contexto, a aquisição de graus de escolaridade, por si só, já seria
garantia de “eqüidade e cidadania”, sem que se trate das diferenças e desigualdades
socioculturais. Neste quadro, as decisões escolares (educacionais) são sempre tomadas de fora
do espaço escolar, sem a participação dos atores sociais (ARROYO, 2002).
É uma perspectiva engendrada pela ideologia da igualdade oportunidades que se volta
para a questão da desigualdade de formação e de acesso a escolarização como o problema
central a ser enfrentado para se chegar a uma sociedade mais igualitária. Novamente trata-se
da questão de simplesmente ampliar-se os níveis de escolarização, onde uma vez que a oferta
65
dos graus formais de ensino seja garantida pela escola, independente das suas condições, o
resultado dependeria apenas dos méritos pessoais (PEPITITAT, 1994).
Por outro lado, a análise do papel que o capital social pode desempenhar na questão da
participação e do engajamento sócio-político, requer, antes de tudo, que seja feito um
esclarecimento de suas perspectivas conceituais e analíticas para um trabalho de investigação,
considerando-se o modo como tem sido usado na literatura que o emprega, pelo menos em
parte dela, particularmente nas questões que se apresentam de relevantes para este estudo.
Este é o assunto tratado no item 2.2 a seguir.
2.2. Comunidade e Capital Social: algumas perspectivas conceituais e analíticas
A partir da segunda metade do século XX, as pesquisas realizadas na área das questões
relativas ao desenvolvimento passaram a indicar que o êxito de ações visando modificar as
condições de vida comunidades locais estava ligado, entre outras coisas, à capacidade de
organização social de seus componentes (compreendida como a superação de problemas de
ação coletiva), sendo vista como um recurso cuja disponibilidade dotaria os grupos de um
“poder de ação” de beneficio comum (OLSON, 1999; GRANOVETTER, 1995; COLEMAN,
1988; PUTNAN, 1996).
Observou-se que as possibilidades de envolvimento dos membros dos grupos
comunitários, e outros, em ações coletivas próprias teriam um importante efeito sobre as suas
chances de desenvolvimento e mudança social. Estas possibilidades abriram para os
pesquisadores novas perspectivas de investigação no estudo de comunidades rurais e urbanas,
assim como na análise de políticas públicas, considerando-se, particularmente, a dinâmica das
relações entre estado e sociedade.
A partir disso, esta questão tem recebido amplo tratamento analítico e empírico, tendo
sido estabelecida em linhas de pesquisa consolidadas, o que, em conseqüência, tem resultado
em uma crescente produção acadêmica e, também, de outra natureza, como a das agencias de
financiamento e fomento, na referida área, o que se pode constatar no volume da a literatura
especializada. Nela é possível destacar-se duas perspectivas principais: a lógica da ação
coletiva e a teoria do capital social.
66
A primeira perspectiva foi desenvolvida por Olson (1999), para o qual, entre as
principais características da vida social estão os grupos, definidos como conjuntos de
indivíduos cuja interação o gera, automaticamente, disposição de agirem em busca de
benefícios coletivos, o que dependeria de incentivos seletivos. Em conseqüência, no que se
referem a este aspecto, os grupos seriam classificados, segundo o autor, em organizados ou
latentes.
Para o referido autor, a possibilidade da organização (cooperação entre os membros)
depende do tipo de benefício pretendido (exclusivos ou inclusivos), e do tamanho dos grupos
(grandes ou pequenos), sendo favorecida nos pequenos grupos ou quando o beneficio visado é
de natureza inclusiva. No caso dos grandes grupos e na busca de benefícios exclusivos, as
dificuldades de ação coletiva poderiam ser superadas com a adequada mobilização dos
interesses individuais de seus membros.
Na segunda perspectiva, se destacam, principalmente, os trabalhos de Bourdieu,
Coleman e Putnam, dentre os quais os dois primeiros conceituam o capital social como redes
de relações pessoais e o último como uma característica da organização dos grupos sociais.
Para Bourdieu (2007), o capital social “é uma conseqüência das relações sociais que são
percebidas pelos envolvidos in abstracto e que é, deste modo, passível de ser transformado
por eles em outra forma de capital” (BOURDIEU 1998, 2007; RECUERO, 2005).
Para este autor, o capital social constitui-se como um agregado de recursos atuais ou
potenciais, vinculados à posse de uma rede duradoura de relações de familiaridade ou
reconhecimento mais ou menos institucionalizadas. Neste sentido, o capital social, não se
encontra exatamente nos indivíduos, mas inserido em determinadas relações sociais que ele
pode estabelecer ou ter acesso em função de possibilidades geradas em decorrência do seu
background cultural (BOURDIEU 1998, 2007).
Desse modo, o capital social é algo possuído pelo indivíduo, um recurso pessoal, por
meio do qual outros podem ser adquiridos tais como o capital humano, econômico, etc. em
beneficio próprio. Esta perspectiva de análise é muitas vezes criticada por ter um caráter
individualista e instrumental das relações sociais, devido ao fato de por em destaque a
capacidade de um indivíduo em contribuir e utilizar os recursos coletivos para seus próprios
fins (FLORA, 1998).
Neste trabalho, esta critica é assimilada de um ponto de vista metodológico, isto é, que
a perspectiva do capital social com recurso individual adotada por Bourdieu não é útil para se
tratar à questão que nele é colocada: a organização e o envolvimento sócio-político dos
moradores de Retiro Grande. A análise desta questão não toma por base o indivíduo, mas o
67
grupo e, na medida em que se reconhece que capital social destes moradores é um recurso
produzido e disponibilizado coletivamente para o benefício comum.
Esta diferença no tratamento da questão remete-nos primeiramente a Putnam, para o
qual o capital social é, antes de tudo, o principal recurso de uma comunidade ou grupo para o
empreendimento de ações coletivas, isto é, de se obter cooperação social. Assim, ele esta,
basicamente, ligado à organização coletiva, a práticas de associação em grupos ou
comunidades mais do que ao estabelecimento de redes individuais de relacionamentos, ainda
que isto não lhe seja incompatível.
Na conceitualização adotada pelo referido autor o capital social resulta (produção e
acúmulo) de um conjunto de determinadas características da organização social como
confiança, normas de reciprocidade e sistemas de participação que tornam possíveis ações
coordenadas (PUTNAM, 1996). Neste sentido, o capital social pode ser útil tanto para
indivíduos quanto para grupos, já levando em conta as relações entre o grupo para a produção
desses recursos (RECUERO 2005).
Assinala-se também, outra diferença importante para este trabalho nas definições dos
dois autores em questão: para o primeiro, Bourdieu, estando o capital social embutido em
redes de relacionamentos, sua acumulação e manutenção dependem de estratégias de
investimento, coletivo ou individual. Sem isto, ou seja, sem um esforço de sociabilidade que
envolve um dispêndio de tempo, energia e outras formas de capital, os laços sociais tendem a
enfraquecer com o tempo, depreciando o capital social de um determinado individuo
(BOURDIEU, 1986).
Sendo um recurso, o capital social pode ser produzido e acumulado, mas para Putnam
este processo não resulta de estratégias de investimento ou custos que implicam outras formas
de capital. Para o autor a acumulação e estoque de capital social resultam da própria lógica
organizacional que lhes origem, na medida em que gerem confiança como resultado de
regras de reciprocidade e sistemas de participação. Uma vez que este processo é
desencadeado, o capital social torna-se auto-reprodutivo, se generalizando pelo grupo ao
ampliar sua organização.
Neste sentido, estabelecem-se círculos virtuosos de organização, participação e
engajamento coletivo, pois estas características são mutuamente reforçadoras. Da mesma
forma, isto ocorreria também com o seu oposto, isto é, a desconfiança, que uma vez
disseminada tenderia a propagar-se por toda a organização coletiva, em um círculo vicioso de
reforço mútuo, impondo altos custos para mantê-la, ou mesmo desestruturando-a na prática.
68
Assim, quanto maiores forem os veis de participação e engajamento coletivo
(cívico), maior será a densidade do tecido social, e esta, por sua vez, sendo tanto maior,
resultará em mais possibilidades quanto aos primeiros. Por exemplo, altos níveis de
participação em grupos de canto, associações cívicas, associações de serviços funerários, etc.,
ajudam a resolver problemas coletivos e a gerar mais capital social.
Em geral isso ocorre porque, conforme a perspectiva em questão, interações
freqüentes permitem cultivar normas de reciprocidade através das quais os atores tornam-se
mais dispostos a ajudar uns aos outros; a coordenação e comunicação, uma vez aperfeiçoadas,
facilitam o compartilhamento da informação que aumenta a confiança mútua; o êxito na
cooperação encoraja futuros esforços de colaboração em novas áreas.
Contudo, apesar destas especificações quanto à positividade do capital social,
considera-se, também, que ele poderia ter um importante lado negativo
8
. Esta possibilidade é
sustentada por alguns autores, que apresentam, em sua defesa, exemplos de situações onde
este aspecto apareceria, tais como naquelas onde os mesmos laços sociais que capacitariam os
membros de uma comunidade para operarem juntos poderiam, ao mesmo tempo, excluir
pessoas de fora do grupo (PORTES e SENSENBRENNER, 1993; FUKUYAMA, 1995;
PORTES e LANDHOLT, 1996; VARSHNEY, 1998; SCHMIDT, 2004).
Outros exemplos dessa possibilidade são relacionados para sustentar o argumento da
existência de um aspecto negativo na acumulação de capital social. Entre estes, aparecem,
com um certo destaque, as redes sociais que fornecem às pessoas acesso a mercados através
da reputação e repetidas transações. Porém, ao possibilitar este acesso, poderiam excluir
novos participantes, da mesma maneira, os grupos que engendram capital social podem
também agir como facções exclusivas (COLLIER, 1998).
Nesta linha, fala-se, também, que pressões da comunidade podem ser danosas para
indivíduos e normas coletivas aplicáveis não o necessariamente boas para seus membros.
Neste caso, enquadrar-se-iam as tradições que, da mesma forma que podem contribuir para
um certo dinamismo social, também, podem asfixiar, reprimir o crescimento individual e a
criatividade. Para os membros que não as observam podem determinar sansões, extensivas as
suas famílias.
Situações como estas ocorreriam, conforme afirmam os defensores deste argumento,
em comunidades com muito capital social particularmente quando são organizadas ao longo
8
Na literatura que trata do capital social é empregado o termo downside para definir a situação onde grupos ou
redes isolados, paroquiais ou que operam em propósitos contrários aos interesses coletivos das comunidades, por
exemplo, pode-se citar cartéis de drogas, organização/negócio/projeto para corrupção etc.
69
de linhas étnicas ou religiosas. Comunidades destes tipos constituiriam exemplos típicos de
casos de ocorrência das prováveis situações que identificariam o chamado lado negativo do
capital social. Nestes casos, estes grupos poderiam ser danosos uns para os outros, assim
como para a sociedade mais ampla.
Nestas situações, normas de reciprocidade ficariam restritas a grupos isolados e os
níveis de confiança se tornariam confinados. Em conseqüência, comunidades podem sofrer
em informação, reputação e principalmente receita. Intenso capital social, tal como em um
grupo familiar pode incorporar normas ineficientes tal como nepotismo ou “familismo” que
atrasam o desenvolvimento, assim como gerar elevada capacidade de coordenação e
cooperação interna, porém para objetivos nocivos à coletividade.
Neste sentido, um amplo entendimento do capital social assume tanto os aspectos
negativos como positivos, ao incluir associações verticais e horizontais entre pessoas, isto é,
inclui comportamento dentro (horizontal) e entre (vertical) grupos. Esta visão reconhece que
os laços horizontais são necessários para dar à comunidade um senso de identidade e
propósitos comuns, mas também enfatiza que sem laços de ligação que transcendam as várias
divisões sociais (exemplo: religião, etnicidade, status socioeconômico), pode ocorrer a
predominância do aspecto negativo em questão.
Neste trabalho, não se tratou desta controvérsia conceitual e analítica da teoria do
capital social, ainda que ela tenha alguma relevância para se estabelecer os termos e os
parâmetros do que está sendo analisado. Na análise realizada, partiu-se da perspectiva
segundo a qual o capital social constitui-se de laços horizontais (superação dos agregados
restritos como os de parentesco) que ao envolver membros de uma coletividade facilitam
ações coletivas, que possibilitam entre outras coisas, a participação e o engajamento na busca
de benefícios coletivos.
Estas possibilidades, no entanto, requerem o estabelecimento de relações de
cooperação da cooperação entre os membros determinada comunidade ou grupo, o que não
significa a inexistência ou a eliminação de situações de conflito. Tais situações podem ser
geradas por uma diversidade de fatores tais como: interesses opostos, diferenças de opinião ou
de concepção quanto a objetivos, estratégias, ou, amesmo em relação à participação nos
benefícios reivindicados e nas ações empreendidas.
Porém, uma vez que as condições para a produção de capital social estejam presentes,
as situações de conflito podem ser tratadas pela própria ativação da participação ou pelo
encaminhamento de diferentes soluções para o problema de obtenção de benefícios para a
coletividade. No primeiro caso, o pressuposto é uma articulação social (que fomenta o capital
70
social) cujo sentido não é mais do familismo, do clientelismo ou do nepotismo, elementos
cujas características tendem a vigorar em soluções alternativas.
As soluções encontradas para a conquista de benefícios por meio de procedimentos
participativos resultam em democratização dos processos decisórios com o envolvimento do
grupo ou comunidade nas decisões sobre os assuntos que lhe afetam (direta ou indiretamente).
Esta possibilidade, por sua vez, pressupõe a capacidade de formulação, definição autônoma
do que lhe concerne, assim como, dos processos de implementação, na medida em que
implica, também, a configuração de identidades.
As soluções participativas são próprias de processos sociais que envolvem uma
determinada capacidade de organização do grupo ou comunidade que facilite as ações
coletivas. Os ganhos que resultam de soluções deste tipo quanto à democratização dos
processos decisórios, como visto no parágrafo anterior, podem ser observados em outras
áreas, nas quais os estudos de capital social também apresentam destaque, as das políticas
públicas onde a questão central refere-se a relação entre estado e sociedade.
Nesta dimensão, a referida questão apresenta-se como o problema da formação
(origem) do capital social, isto é, das condições que permitem a sua existência. Quanto a isso,
duas perspectivas são consideradas: a primeira deriva da própria obra de Putnam, pelo menos
da primeira grande referencia do autor nesta área e de seus estudos principais, para o qual nem
o estado, nem as relações estado e sociedade, possuem papel relevante na formação do capital
social (PUTNAM, 1996).
Putnam não reconhece o papel da “coerção de um terceiro”, isto é, do estado ou o
leviatã segundo Hobbes, que sendo um soberano neutro, de baixo ou zero custo, seria capaz
de impor a norma e criar a vida civil. Para Putnam, o estado ou, em outras palavras, os
“mecanismos institucionais, que estejam ‘acima’ ou ‘fora’ das relações sociais entre
indivíduos e grupos, que garantam a vigilância, a fiscalização” não preenchem as duas últimas
condições fundamentais, ou seja, são onerosos e o possuem neutralidade, portanto não é
capaz difundir a confiança necessária para gear a ação coletiva.
Por outro lado, para o autor em questão, a formação e o acúmulo de capital social
resulta de um longo processo onde uma determinada comunidade ou grupo optou
historicamente pelo desenvolvimento de atividades coletivas de natureza diversa (esportivas,
de lazer, produtivas etc.) que permitiram aos seus membros criarem tradições cívicas, isto é,
constituírem uma cultura de vida associativa (envolvimento e participação), estabelecida e
consolidada ao longo de séculos, tal como na região norte da Itália, longe do estado e suas
instituições.
71
Comunidades assim seriam capazes de interferir na atuação pública, qualificando o
papel do estado e suas instituições, conferindo eficiência e eficácia à ação dos governos
locais. Esta perspectiva da formação e acúmulo do capital social é bastante criticada por
muitos autores que a consideram uma espécie de determinismo cultural, pois populações que
historicamente não tenham construído relações sociais geradoras de capital social não terão
chances de fazê-lo, pelo menos no curto ou médio prazo (CASTILHOS, 2002).
A perspectiva oposta à visão culturalista e determinista de Putnam, particularmente em
suas obras de maior referência, é a do chamado neoinstitucionalismo, uma abordagem que
considera centralmente o papel das instituições como variável explicativa no processo
político. Nela destacam-se autores como Evans e Fox, para os quais nas sociedades modernas
é o Estado quem tem “(...) o principal papel em forjar a ação coletiva, valorizando seu
potencial ou aniquilando sua capacidade de ação”. Para eles “A intervenção institucional se
torna determinante na aglutinação ou dispersão do capital social” (EVANS e FOX apud ABU-
EL-HAJ 1999, p. 72).
Neste sentido, para a abordagem neo-institucionalista, o Estado tem o papel principal
de garantir o êxito das ações coletivas e, portanto, tem função primordial na geração
(formação e acúmulo) de capital social. Especificamente para os autores citados, sem o estado
no exercício de sua proteção ou de coerção não é possível haver capital social, pois apenas
pela atuação desta instituição fundamental” podem-se estabelecer as condições necessárias
que para haja a sua fabricação, manutenção ou difusão (CASTILHOS, 2002).
Para Durston, outro autor vinculado a esta perspectiva, a situação dos países latino-
americanos seria um exemplo desta condição de dependência institucional existente na origem
ou formação do capital social em suas sociedades. Segundo o referido autor, nestes países, a
repressão dos estados autoritários, principalmente nos períodos ditatoriais, teve um papel
muito mais significativo no represamento do capital social neste continente do que os fatores
de ordem cultural (DURSTON apud CASTILHOS, 2002).
Esta controvérsia entre as perspectivas culturalista e institucionalista acerca da origem
ou da formação do capital social reveste-se de grande importância analítica, porém não será
objeto de maiores considerações, neste trabalho. Contudo, no item seguinte, o último deste
capítulo, no qual é apresentado um modelo para a análise deste fenômeno em Retiro Grande,
tratar-se-á de estabelecer os elementos teóricos e conceituais que atravessam esta linha de
discussão, mas que levam para uma compreensão distinta destas perspectivas.
O importante a destacar-se, por ora, quanto ao papel do capital social nas políticas
públicas é o argumento, segundo o qual, as formas de organização coletiva que apresentam os
72
elementos constitutivos do capital social, podem permitir que seja exercido um controle da
sociedade sobre o estado e suas políticas fortalecendo a sociedade civil, melhorando as ações
do poder público e democratizando o sistema decisório, podendo gerar uma autonomia
relativa, pois a participação é determinante para um “bom governo”.
Nesta perspectiva, a teoria do capital social e a noção mais específica de cultura cívica
são muito similares nas suas definições sobre a relação entre valores políticos e a natureza do
sistema político. Ambas concordam que práticas cotidianas de comportamento e normas
sociais são fundamentais para encorajar a participação individual em assuntos de interesse
coletivo. As normas sociais predominantes na sociedade orientariam para padrões de
interação que afetariam as percepções individuais acerca do papel dos cidadãos no sistema
político.
Se os principais valores e normas sociais mencionados pela perspectiva da cultura
política e do capital social fossem listados, confiança interpessoal, tolerância, satisfação com a
vida e interesse por assuntos públicos com certeza seriam os integrantes centrais dessa
escalação. Dentre estes, os achados acerca da confiança interpessoal em países desenvolvidos
têm sido um dos principais pilares de sustentação rigorosa de todo esse modelo teórico.
A generalização da confiança interpessoal produz veis altos de previsibilidade de
comportamentos e de expectativas de reciprocidade entre indivíduos que, presumivelmente,
geram incentivos individuais para engajamento em assuntos públicos. A ausência de
confiança entre cidadãos, por outro lado, está no cerne da idéia de "cultura política
subordinada
9
”, uma situação que quando verificada, revelaria um quadro de dificuldades na
formação de capital social e, portanto, de pouca ou baixa capacidade de organização e
participação (ALMOND e VERBA, 1981; PUTNAM, 1993).
Esta situação leva à proliferação de fenômenos como o familismo amoral
10
descrito
por Banfield (1967) e originalmente adaptado ao caso latino-americano por Reis (1995),
assim como à descrição da cultura política brasileira como hobbesiana ou à idéia do salve-se-
quem-puder. Em todas essas aplicações do conceito, confiança interpessoal não é generalizada
para além da vida pessoal imediata, aquela composta apenas pela família extensa, portanto
não extrapola para indivíduos mais afastados.
9
Caracterizada por uma aceitação passiva do sistema político, pequena tendência para a comunicação e pouca
disposição para participar.
10
O termo designa uma situação em que a solidariedade social e o sentimento de pertencimento não ultrapassam
o ambiente familiar, refere-se, portanto, a um ethos que exclui a colaboração fora do círculo restrito da família.
Esta noção nasceu de um estudo desse autor sobre a cidade italiana de Montegrano, feito nos anos 50.
73
A conseqüência agregada desse padrão motivacional é uma sociedade civil fragilizada,
incapaz de controlar o Estado e produzir benefícios coletivos. A implicação deste fenômeno
no âmbito das políticas públicas, onde, como visto anteriormente a questão central refere-se a
relação entre estado e sociedade, é a formação de comunidades incapazes de interferir na ação
pública, qualificando a atuação de suas instituições, conferindo eficiência e eficácia ao seu
desempenho (SANTOS 1993 apud RENNÓ, 1997; BARQUERO, 1998).
O círculo vicioso produzido por baixos níveis de confiança interpessoal generalizada
completa-se com a proliferação de um sentimento de impotência política individual. Ou seja,
indivíduos passam a acreditar que não conseguem interferir na sorte dos assuntos tratados
pelo Estado, assumem uma postura passiva quanto à produção de bens sociais e se sentem
incapazes de fazer face aos problemas coletivos que os afligem. Em outras palavras, a falta de
confiança interpessoal é o berço de uma cultura política autoritária.
O contrário desta situação seria aquela onde se verificaria a difusão da confiança
interpessoal entre os membros de uma coletividade (grupos ou comunidades), e como
conseqüência, um processo de acumulação de capital social, o que possibilitaria, entre outras
coisas, maior pressão por políticas públicas e por seus resultados. A participação resultante
desse processo se constituiria como em um círculo virtuoso, em um elemento fortalecedor das
instituições sociais presentes na sociedade civil.
Diversamente, uma participação social e política restrita, devido à forte presença da
patronagem e do personalismo, levariam à desconfiança nas instituições públicas, situação
que representa um obstáculo para o êxito de programas e políticas de desenvolvimento. Este
efeito pode ser atribuído não somente a ausência de capital social, mas, também, ao capital
social negativo, isto é, quando altos níveis de confiança estão confinados em coletividades
exclusivas, o que traz conseqüências danosas para a comunidade como um todo.
A perspectiva da participação política, particularmente nos governos locais, ganhou
uma dimensão nova a partir dos programas de reforma do estado implementados anos 90, que
preconizavam entre outras coisas uma reformulação do papel que o poder público deveria
exercer na sociedade. Esta reformulação teve dois direcionamentos, no primeiro voltou-se
para a abertura de mercados, desregulamentação e privatizações etc, (TENDLER, 1998). O
segundo teve uma direção para:
(...) a eficiência dos serviços públicos, a ser alcançada pela otimização dos
recursos humanos e financeiros via o estímulo a competição administrada
pelo governo e do que as organizações sociais são um exemplo; (b)
efetividade; (c) democratização com o envolvimento da comunidade nas
decisões relativas às ações públicas; e (d) descentralização para as esferas
74
subnacionais das responsabilidades de provisão de infra-estrutura e dos
serviços sociais (TENDLER 1999, p. 188).
Este segundo sentido constitui o cenário mais amplo sobre o qual estão situadas as
questões tratadas e analisadas neste trabalho, pois ele caracterizou-se pela discussão sobre a
questão descentralização e da participação como categorias centrais no tratamento das
políticas públicas. Esta discussão tanto no lado do processo político (formulação e
implementação de políticas públicas), quanto o da investigação acadêmica, o qual exige a
elaboração de modelos analíticos próprios, o que é, neste trabalho, feito no item a seguir.
2.3 - Uma perspectiva de análise para o estudo da comunidade Retiro Grande
O capital social foi introduzido em período relativamente recente na discussão sobre
participação política e, desde o inicio, com a perspectiva de que sua influencia seria
dominante, comparativamente aos demais fatores, sobre ela. A idéia central é que cidadãos
em comunidades cívicas são ou estão mais preparados para agir coletivamente em busca de
seus objetivos comuns, e neste sentido, seriam mais capazes de demandar, entre outras coisas,
serviços públicos mais efetivos.
A situação oposta seria a das regiões menos cívicas, isto é, daquelas onde se verificam
pouco ou nenhum capital social. Neste caso, o contraste com as do tipo anterior estaria em
que as últimas apresentariam um quadro de participação política bastante precária ou nem
mesmo o teriam. Neste cenário, o contrário do engajamento e envolvimento políticos se
manifestaria em uma situação característica de demandantes descrita por Putnam como a de
“suplicantes cínicos e alienados” (PUTNAM et al., 1993, p. 182).
Por conseqüência, se cidadãos são participantes cívicos e engajados ou se eles são
demandantes cínicos, isto é, alienados e não participantes, depende inteiramente, nesta
perspectiva, do nível de disponibilidade de capital social. Por este ponto de vista, o aspecto da
escolarização perde a centralidade e a essencialidade quando se trata dos fatores capazes de
favorecer a instauração de um quadro de maior participação política entre indivíduos e
comunidades.
Nesta abordagem, espera-se que o capital social forneça não apenas os elementos de
ligação que possibilitam estabelecer laços entre membros de uma comunidade favorecendo
sua ação coletiva, mas também o mecanismo que os direciona para a participação em uma
perspectiva democrática. Segundo Krishna (2002), embora a primeira parte desta expectativa
75
possa derivar diretamente da definição de capital social, ela não autoriza automaticamente a
segunda.
Para o referido autor, o capital social não gera automaticamente participação política,
ou seja, ele não é por si mesmo, politicamente relevante, mas, fornece a substancia, por meio
da qual esta participação pode ser desencadeada entre as pessoas. Esta característica pode ser
observada em uma das definições mais usuais do capital social que o caracteriza por meio de
aspectos da organização social tais como redes, normas e confiança social que facilitam a
coordenação e a cooperação para benefício mútuo.
Nesta definição, pode-se deduzir claramente que membros de comunidades com alto
capital social apresentam maiores probabilidades para unirem entorno de projetos de ação
coletiva do que aqueles com baixo capital social, porém o mesmo não se pode fazer, pelo
menos não da mesma maneira, em relação aos fins em direção aos quais a ação coletiva será
orientada. Esta definição, portanto, não implica que o capital social será sempre um recurso
eficaz para gerar participação política, o que exige alguma qualificação extra.
Neste sentido, se o capital social por si não oferece esta garantia, e sua efetividade
nesta direção exigiria uma qualificação que o capacitasse para isso, a questão seria: que
elementos poderiam exercer este papel? Os autores consultados neste item do trabalho
apresentam diferentes respostas para esta questão. Na primeira afirma-se que possibilidade do
capital social favorecer a participação política, isto é, de torna-se politicamente relevante
depende de determinados aspectos de sua estrutura constitutiva.
Para estes autores o diferencial está na existência de comunicação política dentro de
uma rede de relações pessoais. Segundo eles, o capital social é criado através de padrões
específicos de interdependência e interação social que ocorrem dentro de uma população.
Neste sentido, ele é particular a relacionamentos que existem entre membros de um
determinado grupo ou população. Quanto a isso, decorre que não pode ser definido tomando-
se por base características individuais ou de pertencimento individual a organizações.
A perspectiva aqui é que o capital social o é possuído por indivíduos, ele é, por sua
própria natureza, um recurso coletivo. Isto decorre de sua própria formação, pois é produzido
através de padrões estruturados de interação social e, assim, suas conseqüências devem ser
avaliadas em relação a estes padrões. Além disso, é importante entender as conseqüências
destes padrões para se especificar corretamente o relacionamento entre capital humano e
participação política, e desta com o envolvimento organizacional.
Neste aspecto, os referidos autores enfatizam que as conseqüências das relações
sociais dentro de redes de relacionamentos não são explicáveis apenas pelo capital humano ou
76
os efeitos do engajamento organizacional formal. Ao contrário, observam, as especificidades
de estabelecimento de redes sociais através das quais os indivíduos o mobilizados, isto é,
aquelas relacionadas à criação e manutenção de capital social vão além dessas duas variáveis.
Estas possibilidades resultam da variedade dos contextos e ambientes onde
emergência de capital social, e desse modo, sua relevância pode ser compreendida com
referência as tais especificidades. O resultado deste processo é o produto de uma interação
social regular e recorrente e, neste sentido, é mais do que conhecimento ou habilidade
individual, mesmo que a produção de expertise individual possa ser uma conseqüência
individual primaria da presença de capital social dentro de uma rede de relacionamento
(COLEMAN. 1988).
Esta característica é muito importante e determina outro aspecto fundamental, o capital
social não é intercambiável, isto é, sua validade refere-se ao contexto no qual foi produzido,
fora dele não teria aplicação. Assim, por exemplo, o capital social desenvolvido em uma
vizinhança pode ser útil para resolver problemas locais imediatos dos vizinhos de uma
comunidade, mas não para o engajamento político.
Com isso, os referidos autores procuram enfatizar o papel das particularidades
contextuais na qualificação do capital social, na medida em que, a produção deste recurso em
uma coletividade é facilitada por estruturas sociais diversas tais como associações voluntárias,
o lugar de trabalho, assim como pertencimento a organizações. Esta variedade quanto à
origem determinaria a variedade quanto à natureza das redes sociais, assim como sua
funcionalidade.
Neste sentido, são estas particularidades contextuais que irão determinar a relevância
política do capital social, assim os autores também sustentam a tese segundo a qual nem todo
capital social é politicamente relevante, mas somente aquele que tem origem em um contexto
de específico. Na abordagem adotada pelos os referidos autores, o capital social torna-se
politicamente relevante quando ele propicia a comunicação política dentro de uma rede de
relacionamentos.
Nesta perspectiva, o conceito mais adequado é aquele formulado por Coleman (1988)
que argumenta que o capital social é realizado através de redes de comunicação política,
através das quais aumenta-se a probabilidade que indivíduos sejam politicamente engajados.
Este conceito pode ajudar a explicar porque cidadãos participam da política quando é
aparentemente irracional para o individuo faze-lo (DOWNS, 1957).
Desse modo, a perspectiva permite superar os dilemas de participação individual que
surgem em outras abordagens, principalmente a do capital humano, mesmo porque, a posse
77
deste capital está, em alguns ambientes, positivamente correlacionada com a produção de
capital social. Dessa forma, uma separação analítica entre os dois pode evitar uma super
ênfase sobre atributos de natureza pessoal ou individual dos cidadãos, o que levaria para um
modelo atomístico de cidadania.
Para Lake e Huckfeld (1998) as redes sociais podem fornecer incentivos para o
engajamento cívico e, a habilidade que as pessoas adquirem por meio da sua interação nos
vários padrões e tipos destas redes pode ter importantes conseqüências participatórias. Nesta
perspectiva, o capital social politicamente relevante, é gerado em redes de relacionamentos
pessoais e, desse modo, ele é um sub-produto (um derivado) de interações sociais que são
possibilitadas por meio delas.
O capital social politicamente relevante é aquele que facilita o engajamento político. É
um tipo específico de capital social cujo principal efeito é o aumento da probabilidade do
engajamento individual na atividade política. Sua formação e acumulação habilitam os
cidadãos a tornarem-se engajados de formas e modos diversos que de outra maneira não
poderiam fazer (tal como nas situações de ausência ou de baixa escolarização, conforme
tratado no primeiro item deste capítulo).
Assim, em resumo, destaca-se que o capital social politicamente relevante é criado
como conseqüência da interação política dentro de redes especificas de relacionamentos
sociais e, neste sentido, é um sub-produto de interações com cidadãos debatedores
(comunicação política). A premissa lógica desta perspectiva é que o simples aumento nos
níveis desse capital social, isto é, na extensão das interações e relacionamentos, amplia a
probabilidade que cidadãos sejam politicamente engajados.
Neste sentido, se um tipo especifico de capital social que se torna politicamente
relevante, isto implica a existência daquele que não pode adquirir esta qualificação. Como
exemplificação deste segundo tipo, os referidos autores referem-se a situação em que um
grupo de trabalhadores fala exclusivamente sobre esportes em seu tempo de almoço, sua
interação poderia muito bem produzir um conjunto de obrigações e expectativas que poderiam
ser definidas como capital social.
Neste caso, exceto se estas redes de relacionamento forem capazes de acomodar, além
disso, também a discussão e a comunicação política, é improvável que se tornem
politicamente relevantes. Nesta perspectiva, o pressuposto claro é que os efeitos do capital
social operem independentemente do envolvimento dos indivíduos em organizações formais
e, do mesmo modo, independente dos veis de escolarização que os indivíduos apresentem e
de outras medidas de capital humano.
78
Estes efeitos são produzidos como conseqüência das dimensões específicas do capital
social que criam um ampliado potencial para a relevância política. Estas dimensões, segundo
os autores citados, são: o número de indivíduos em uma rede (extensividade), o nível de
informação e conhecimento político (expertise) que é regularmente comunicado dentro de
uma rede de individual de relações sociais e a freqüência da interação política com outras
pessoas na rede (LAKE e HUCKFELDT, 1998).
Ao se referirem à primeira dimensão, os autores afirmam que o tamanho das redes
aumenta a probabilidade do engajamento político individual, pois aquelas cujo alcance de
extensividade ultrapassa os confins de pequenas, ainda que facções coesas ou irmandades
tendam a expor indivíduos a um clima de opinião maior e mais heterogêneo. Em outros
termos, quanto maiores são as redes de relações sociais, também maiores serão as
probabilidades de contato político e, portanto, da participação (LAKE e HUCKFELDT,
1998).
O mesmo ocorre com a segunda dimensão aqui especificada: o nível de informação e
conhecimento político (expertise) que é regularmente comunicado dentro de uma rede de
relações sociais. Quando mais alto ele se apresenta, maior também é a probabilidade do
envolvimento e engajamento individual e, similarmente, quanto mais alta for a freqüência da
interação política, crescem as chances da participação. Os autores destacam que cada uma
destas dimensões tem um efeito próprio no sobe o nível de engajamento individual.
Para o terceiro autor aqui tratado Krishna (2002) o capital social importa na
participação política e seus efeitos são orientados e ampliados para este objetivo, quando
agentes mediadores capazes, aptos, competentes para isso estão também disponíveis na
organização coletiva. Segundo o autor, tais agentes podem ajudar indivíduos e comunidades a
se conectarem com o processo de decisão pública, colocando a ação coletiva na direção de
uma perspectiva mais participativa.
Nesta perspectiva o autor questiona aquilo que para outros parece pacífico isto é, o que
assegura que comunidades com capital social dirigiriam, necessariamente, suas energias
coletivas para a participação em atividades democráticas? Porque, colocando a problemática
em outros termos, a existência de capital social elevado, não resulta, em vez disso, em
renúncia a participação, sendo a ação coletiva, neste caso, dirigida para um crescente apoio a
alianças antidemocráticas?
Estes questionamentos baseiam-se na perspectiva de que custos na participação
política e que este envolvimento requer dos indivíduos, pelo menos, tempo disponível para o
engajamento cívico. Estes custos são tratados como desincentivos para a decisão de participar,
79
o que, além do mais, são obstáculos para a própria ação coletiva. Nesta perspectiva, o autor
continua em seu questionamento, o que assegura, então, que a participação na política (de
qualquer tipo) será atrativa em primeiro lugar?
Para início de análise, a autor declara que a automaticidade assumida no argumento do
capital social, segundo a qual, a disponibilidade de altos níveis deste recurso entre indivíduos
ou em comunidades conduz diretamente para maiores níveis de participação política, não está
analiticamente ou conceitualmente especificada. Mais do que isso, mesmo as situações de
baixa ou nenhuma participação não podem ser derivadas diretamente do capital social
existente.
Isso quer dizer que em qualquer nível que se encontre a participação política, sua
atribuição à existência de capital social depende de um elemento qualificador específico, neste
caso, a atuação de agentes mediadores capazes de colocá-lo nesta direção. A natureza deste
agente determinará se esta conexão será alta, baixa ou mesmo seo haverá conexão, isto é, a
natureza do agente pode mesmo eliminar qualquer possibilidade de o capital social vir a ser
politicamente relevante.
Segundo o autor, este foi o caso do partido nazista tal como observado no estudo de
Berman (1997a, 1997b) que descobriu na Alemanha desta época uma densa rede de
organizações da sociedade civil que se tornou o ambiente ideal a sua rápida ascensão ao
poder. Assim, sem a “rica rede associativa” então existente naquela sociedade, os nazistas não
teriam conseguido atrair uma parte tão significativa do eleitorado alemão, quanto o obtiveram,
de forma tão rápida e eficiente.
Neste sentido, o partido nazista se mostrou um agente eficaz e competente para
envolver o capital social, disponível sociedade alemã da época, na lógica e nos objetivos de
sua ação, dirigindo a ação coletiva para um crescente apoio a uma perspectiva
antidemocrática da organização do estado e da decisão pública. Esta perspectiva implicou em
renúncia à participação política por parte dos membros dessas redes associativas, levando a
neutralização da efetividade política de seu capital social.
Neste caso, a natureza do agente mediador - o partido nazista - resultou em converter
alto capital social, através da orientação e mediação da ação coletiva, para apoio às atividades
não democráticas, conformando-a para submeter à sociedade em um sistema político
totalitário. Como se pode observar, a natureza do agente mediador foi o elemento diferencial
ao estabelecer a direção que a ação coletiva seguiu naquele momento, qualificando assim, o
capital social quando a sua relevância política.
80
A natureza do agente pode influenciar decisivamente a direção da ação colete e, neste
sentido, o capital social por si mesmo, seria um multiplicador neutro, conforme sugere o autor
supracitado. Assim, mesmo sendo necessário para a participação, ele não é suficiente, pois
não a favorece, nem tão pouco é um obstáculo para tal. Mas se ele pode: fortalecer,
enfraquecer ou o alterar o “status quo” da participação política, depende, nesta visão, da
natureza e capacidade da agencia de mediação ou agente mediador.
Dessa forma, o autor dirige uma crítica a perspectiva original do capital social,
segundo a qual, ele se traduz diretamente em níveis mais altos de participação política
provendo não ligação entre os indivíduos, aumentando com isso sua coesão social, como
também, um mecanismo de direcionamento da ação coletiva num sentido participativa.
Assim, o capital social seria ele próprio um sinônimo de democracia e, se poderia distinguir o
teor democrático de um sistema decisório pela simples presença deste recurso.
Contrariamente, para a perspectiva de agência, isto é, que é necessário o acréscimo
uma agencia ou agente competente para estabelecer qual o direcionamento que a ação coletiva
tomará em relação à participação política, o capital social fornece apenas os recursos que
tornam a ação coletiva possível. Assim, a existência de capital social, mesmo em níveis
elevados não significa democracia ou democratização nos processos decisórios, esta não
emerge necessariamente daquele, a menos que seja ele seja qualificado para isso.
Diferentes tipos de agente ajudam a estabelecer conexões entre cidadãos e o estado em
diferentes contextos culturais e institucionais, conforme o tipo de mediação que fazem. Esta
qualificação ou adequação tem sido tradicionalmente, realizada pelos partidos políticos, na
medida em que provêem os membros de uma comunidade com relevante informação sobre as
atividades de estado e por atuarem como um canal para a decisão governamental torna-se
importantes agentes de mediação.
Contudo, onde os partidos são fracos argumenta-se que a capacidade de grupos
comunitários “para fazer demandas efetivas e sancionar a ação governamental pode
permanecer limitada” (LEVI, 1996, p. 49). Em um contexto como este, são requeridas formas
alternativas de agencia para empreender a mediação. Esta é a situação em vilas indianas, onde
pesquisas realizadas por Krishna (2002) em revelaram que agentes independentes têm surgido
para preencher este vacum institucional.
O que o pesquisador observou foi que a capacidade de agencia multiplica os efeitos do
capital social, e a participação política foi mais alta nas vilas onde estes fatores estavam
disponíveis. Assim, capital social elevado e o surgimento de novos líderes locais
(competentes) podem ajudar no aumento da participação dos cidadãos na democracia. A
81
liderança local é apenas uma dos exemplos, outras formas de agencia podem se destacar em
outros contextos culturais e institucionais (KRISHNA, 2002).
Assim, nos grupos mais coesos, seus membros podem identificar facilmente quem
cumpre com as expectativas do grupo e com isso, podem melhor monitorar (coordenar) e
motivar seus membros. Se a esta coesão for acrescentado, a atuação de agentes de mediação
competentes, sua ação coletiva poderá ser direcionada para derivar vantagens reais para seus
membros. Por conseqüência, tais membros deveram ser mais engajados e participativos
relativamente àqueles onde este quadro está ausente.
É neste sentido, que foi destacado o papel do capital social como recurso analítico para
entender-se (assim como para fomentá-la) a questão da participação política em contexto de
pouca ou inexistente escolarização. Esta é a direção tomada na análise que se desenvolveu
neste trabalho, e para delimitá-la, o estudo apresentado neste capítulo começou por tratar da
participação política na perspectiva da escolarização onde foram considerados alguns de seus
problemas e insuficiências.
Em seguida foram apresentadas algumas definições de capital social e tratados os
pontos de partida para o seu emprego analítico, com o objetivo de estabelecer elementos
conceituais básicos referentes aos aspectos aqui tratados desta questão. Por último, foi
delimitada, a partir deste contexto, uma perspectiva de análise para o estudo realizado neste
trabalho onde foram consideradas as condições em que a abordagem do capital social pode ser
empregada para examinar questões do envolvimento e participação sócio-política.
Quanto a isso constatou-se na literatura examinada neste item do trabalho, que o
capital social não é por si mesmo politicamente relevante, isto é, que sua existência, ainda que
em altos níveis, não é uma garantia de mobilização sócio-política, e que, algumas condições
precisam estar presentes para que ele possa apresentar esta qualificação. Para considerar esta
questão, verificaram-se duas perspectivas pelas quais esta possibilidade pode manifestar-se: a
natureza de uma agencia mediadora ou a natureza das redes de relacionamento constituídas.
Neste sentido, propõe-se que a primeira perspectiva é a mais adequada para explicar o
de processos de organização, de mobilização e envolvimento comunitário, de engajamento e
participação sócio-política entre os moradores que residem na área de Retiro Grande: os que
levam o seu nome e os de Jacaretuba. Esta proposição resulta da hipótese aqui defendida que
tais processos tiveram como elemento desencadeador à atuação de uma “agência mediadora
competente”. Esta questão é o foco da análise do Capítulo III
82
CAPÍTULO III - Escolarização, capital social e participação política em Retiro Grande
Os processos de participação e envolvimento comunitário que foram observados na
área de Retiro Grande estavam relacionados ao desenvolvimento de formas de trabalho
associativo realizado por meio da mobilização de alguns de seus moradores em torno de
empreendimentos locais cujo objetivo era o de fazer produzirem, na própria coletividade,
recursos que gerassem benefícios para todos os seus membros (comuns) tendo em vista
superarem os problemas, dificuldades e carências que enfrentavam.
Recursos desta natureza constituem o que se denomina na teoria do capital de bens
coletivos, isto é, aqueles em que todos os membros de uma comunidade participam da sua
produção e dos seus resultados. São destinados ao uso comum e sua produção ocorre para
atender a uma demanda ou carência da coletividade. No caso de Retiro Grande, o trabalho
associativo foi empreendido pelos moradores tendo em vista a geração de dois tipos de
benefícios (recursos) coletivos: serviços e produtos.
A mobilização e organização dos moradores dessa comunidade, pelas quais nela foram
desenvolvidas as diversas atividades que constituíram estes empreendimentos, implicavam a
disponibilização destes indivíduos para ação coletiva necessária a sua realização. Esta
disponibilidade foi efetivamente apresentada por uma parte destes moradores que, a partir
disso, engajaram-se no trabalho associativo necessário para a produção dos bens coletivos
requisitados, contudo, outra parte não se disponibilizou para isso.
Considerando-se que os problemas, dificuldades e carências que estavam subjacentes a
estes processos afetavam a todos de forma indistinta, surgiu a questão de se saber por que
apenas parte desses moradores se disponibilizaram para o envolvimento comunitário
necessário ao trabalho associativo? O que favoreceu ou facilitou esta disponibilização para
83
alguns e não para outros, que não se envolveram, mesmo, considerando-se que todos seriam
beneficiados pelos resultados da ação coletiva?
A hipótese assumida neste trabalho, que responde ambas as questões, é que a ausência
de escolarização não significa necessariamente imobilismo ou incapacidade de organização e
ação coletiva nos indivíduos se estes foram dotados de um capital social politicamente
relevante. Esta hipótese foi verifica na comunidade de Retiro Grande assim como o papel da
escolarização cuja situação entre os moradores foi analisada antes e depois a implantação da
escola na localidade, assim como suas influencias sobre as dinâmicas associativas e
participativas.
Desse modo, os dados obtidos por meio da pesquisa de campo feita em Retiro Grande
foram analisados, nos quais se investigou a presença do capital social e da escolarização entre
os moradores desta área. No item 3.1 analisaram-se as fontes de capital social nesta
comunidade, constituídas pelos fatores de coesão nela encontrados, considerando-se o seu
compartilhamento pelos moradores, uma característica crucial para se entender as diferentes
respostas destes indivíduos ao envolvimento comunitário.
No item 3.2 fez-se o levantamento do trabalho associativo realizado pelos moradores
de Retiro Grande, os processos de mobilização e organização destes indivíduos, os objetivos
das atividades coletivas por eles empreendidas, a atuação do agente destes processos: a igreja
católica por meio da pastoral da criança e, sua influencia para o engajamento e participação
sócio-política destes indivíduos. Estes processos ocorreram apenas em parte destes
moradores, aqueles cujo envolvimento comunitário deu origem ao chamado grupo da horta.
A formação deste grupo e os resultados das ações coletivas desencadeadas por seus
membros (empreendimentos locais e a obtenção de projetos de desenvolvimento) provocaram
na outra parte dos moradores um movimento de separação e organização que resultou na
formação de um segundo grupo: Jacaretuba, cujo estabelecimento foi analisado no item 3.3.
Estas dinâmicas associativas (organizacional) e participativas foram confrontadas, por outro
lado, com a situação de escolarização da comunidade.
Na análise desta situação, procurou-se verificar como a escolarização se apresentava
entre os moradores, relacionado-a com a dinâmica de formação de ambos os grupos. Mais
adiante, tratou-se da implantação da escola na comunidade: suas possíveis influências sobre
os processos organizativos e participativos de seus moradores. Finalmente, considerou-se de
forma comparativa qual a efetividade de ambos os parâmetros sobre o engajamento e o
envolvimento sócio-político em Retiro Grande.
84
3.1 - As fontes de capital social em Retiro Grande: os fatores de coesão
Um importante ponto de partida, teórico e empírico, deste trabalho é a perspectiva de
que a formação e acumulação de capital social nos diversos grupos podem ter fontes e origens
diversas, a despeito das controvérsias em torno desta questão suscitadas pelo trabalho de
Putnam (1996) sobre a Itália. Estas controvérsias não foram objeto de tratamento neste estudo,
pois, além de o ser este o seu objetivo, esta discussão exigiria outro tipo de pesquisa que
ultrapassaria os atuais limites de análise.
A pesar disso, é relativamente pacífico entre os analistas que as fontes de capital social
são constituídas, em geral, pelas associações livremente estabelecidas nas comunidades por
indivíduos com valores e objetivos comuns como “o time de futebol, o grupo de jovens, o
grupo folclórico, o grupo de teatro, os grupos religiosos, as associações de moradores
(urbanas e rurais), os sindicatos, os grupos de ação voluntária, as cooperativas de serviços ou
produtivas” (idem), aos quais outros podem ser agregados.
Adotou-se neste trabalho a perspectiva segundo a qual os grupos sociais constituem-se
de indivíduos unidos por fatores que fomentam a coesão tais como objetivos e valores
compartilhados, além de outros, que podem se constituir como fontes de capital social. Na
comunidade de Retiro Grande, pôde-se verificar, na convivência de alguns de seus moradores,
a existência destes fatores que, além do mais, tiveram um papel destacado no envolvimento
comunitário manifestado no trabalho associativo.
Estas fontes de capital social foram constituídas a partir do modo como estes fatores
de coesão emergiram nesta comunidade, isto é, pela variação em seus aspectos, o que está na
origem da divisão que ocorreu entre os seus moradores. Em conseqüência, o tipo e natureza
destas fontes derivaram diretamente das características apresentadas por estes fatores entre os
residentes de Retiro Grande consignados neste estudo comportando, assim, diferentes formas
e graus envolvimento comunitário.
Estas características variaram quanto ao maior ou menor nível de agregação que
possibilitaram entre os membros dessa comunidade e, com isso, definem as condições de
formação do capital social. Esta relação se estabeleceu em termos diretamente proporcionais,
de modo que, a existência de condições mais favoráveis a sua formação foi tanto maiores
quanto mais intensos forem os efeitos de agregação produzidos pelos fatores de coesão, o que
estabeleceu graus diversos quanto às possibilidades da ação coletiva.
Nos grupos estudados na área de Retiro Grande, estão presentes diversos fatores de
coesão social, nos quais podem ser observadas estas diferenças quanto aos graus de agregação
85
e envolvimento comunitário que possibilitam. Alguns desses fatores são comuns a todos e
outros são específicos a cada um dos grupos em questão, isto é, aqueles que são próprios
aos moradores ligados ao grupo da horta, os quais são diferentes ou não estão presentes entre
os que são vinculados a Jacaretuba.
Quanto ao primeiro grupo, encontram-se, principalmente, as semelhanças no modo de
vida dos seus moradores (XIMENES, 2002), que foram constatadas na organização das
atividades produtivas que são estruturadas em formações comuns e realizadas coletivamente
pelas famílias que constituem esta população. Em geral estas atividades giram em torno da
criação de animais de pequeno porte, da prática de cultivos consorciados, de atividades de
pesca e de caça, do extrativismo vegetal, etc.
Além das características das atividades produtivas, existem outras semelhanças no
modo de vida das famílias de Retiro Grande ligadas ao grupo da horta, entre as quais destaca-
se a religiosidade baseada na confissão católica. Este é um importante aspecto, pois o
catolicismo é um valor compartilhado pela comunidade e, a igreja católica é um agente de
coesão social, na medida em que, estimula os membros da coletividade a se associarem para
resolverem os problemas que afetam a todos (comuns).
Quanto a isso, o papel que os valores religiosos compartilhados desempenham entre os
membros deste grupo como fatores de coesão social, é exercido na medida em que difundem
um envolvimento comunitário mais amplo. Isto ocorre quando os moradores ligados ao
referido grupo, ao participam de organizações da Igreja Católica, como a Comissão Pastoral
da Criança e a Comissão Pastoral da Terra, sofrem influencias quanto à organização das
famílias, assim como no estabelecimento laços sociais mais amplos.
As semelhanças no modo de vida desses moradores resultam também do
compartilhamento das condições socioeconômicas tais como nível de renda familiar e de
escolaridade, padrões construtivos de residência, o mesmo tamanho de área possuída pelas
famílias (2,5 hectares), o baixo nível tecnológico dos processos de trabalho que, em geral,
emprega energia física humana e animal em todas as suas etapas e outros que, somados aos
demais, contribuem para gerar vínculos horizontais de solidariedade.
Ainda no que se refere aos aspectos das condições socioeconômicas compartilhadas
por estes indivíduos, descobriu-se em pesquisa já realizada na área de Retiro Grande, que para
as famílias dos moradores ligados ao grupo da horta, a luta para “conseguir uma área para ser
trabalhada em regime de propriedade comum era o maior fator de coesão social de onze
famílias, aproximadamente 50 pessoas, na comunidade Retiro Grande” (XIMENES, 2002: p
06).
86
Para esta realização houve uma dupla exigência de envolvimento comunitário: a
primeira foi àquela necessária para a própria a luta que foi travada para a conquista de uma
área para o cultivo, o que requereu mobilização e organização coletiva. A segunda foi para a
efetivação do regime de propriedade que implicou o desenvolvimento de atividades comuns
exercidas de forma coletiva, isto é, do trabalho de todos na produção comunitária, o que
refletiu e consolidou a existência de objetivos compartilhados, fator de agregação e coesão
social.
Estes fatores de coesão intensificaram as relações sociais entre os indivíduos na
medida em que aumentaram a regularidade a consistência dos seus contatos e, com isso,
ampliaram o envolvimento comunitário, tornando-se, portanto, fontes de um capital social que
se manifestou na capacidade de organização que geraram, que se mostrou efetiva para além
do seu cotidiano. Esta capacidade lhes permitiu, entre outras coisas, a aquisição de bens
coletivos junto ao poder municipal como uma área (50mx50m), que passou a ser propriedade
comum do grupo.
Assim, as semelhanças nos modos e condições de vida, as formas de aquisição e de
trabalho na terra (o regime de propriedade comunal), as atividades comuns exercidas
coletivamente e os valores religiosos compartilhados, foram importantes fatores de coesão
para os moradores da área de Retiro Grande, particularmente para aqueles que, na divisão da
comunidade passaram a se identificar com o grupo da horta, o que ao conferir-lhes maiores
graus de agregação social constituíram-se em suas fontes de capital social.
Contudo, como visto antes, o capital social pode excluir quando valores importantes
não são compartilhados. Neste sentido, pode-se dizer que se estes fatores não são os mesmos
entre os membros de uma coletividade, abre-se uma possibilidade de que ela se divida em de
diferentes grupos. Foi o que ocorreu na área de Retiro Grande quando surgiram os dois grupos
tratados neste trabalho, onde fatores de coesão específicos (fortes) a alguns residentes
suplantaram aqueles comuns (fracos) a todos.
Alguns desses fatores são comuns a todos os moradores e outros são específicos a cada
um dos grupos em questão. O parentesco é um fator especifico (fraco) de Jacaretuba pois não
é relevante como fatores de coesão entre os moradores ligados ao grupo da horta e os fatores
comuns.
Nesta distinção, os moradores relacionados ao grupo de Jacaretuba apresentavam
fatores de coesão fracos, baseados, principalmente, nos laços de parentesco, sendo suas terras
recebidas de herança e não obtidas coletivamente. Também não possuíam valores religiosos,
compartilhados, caracterizando-se quanto a isso por divergências internas, alguns seguiam os
87
ensinamentos da Igreja Evangélica e outros os da Igreja Católica, o que resultava em não se
constituir como um fator forte de coesão social.
Além da falta de valores compartilhados, observou-se entre estes moradores, pouca
inclinação para o trabalho coletivo e cooperativo com o restante da comunidade, pois (em
decorrência do parentesco como fator de associação) davam preferência para arranjos
familiares nas atividades produtivas, o que revela, também, que inexistiam objetivos
compartilhados. Neste conjunto de características não-associativas, verificou-se que o
interesse pela ação coletiva da comunidade manifestava-se apenas quando esta atendia a
perspectivas particularistas.
Estas características pouco comunitárias deste grupo de moradores atraíram indivíduos
que se instalaram em Retiro Grande com as mesmas perspectivas, aumentando a sua
proporção. A conseqüência deste padrão de não compartilhamento de valores e objetivos
nesta parte da comunidade foi a generalização entre os moradores a ela vinculados e aqueles
ligados ao grupo da horta, de uma desconfiança quando as possibilidades de ambos se
envolverem em ações e projetos em beneficio de todos.
O resultado deste “estranhamento” entre os moradores foi a (previsível) formação de
um grupo a parte que, contudo, não apresentou níveis elevados de coesão social, sendo as
ligações entre seus membros baseadas, predominantemente, em laços de parentesco. o se
observaram entre eles outros fatores de coesão social que criassem ligações além dos laços
familiares, exceto pelo desejo de se afastarem daqueles ligados ao grupo da horta criando seu
próprio agrupamento. Desse modo, a separação foi sua ação coletiva.
Porém, não tendo havido fatores de coesão que lhes permitissem transcender os
estreitos vínculos familiares, para abranger um nível maior de agregação, tais como o
exercício coletivo de atividades comuns e os valores religiosos compartilhados, etc, que
estiveram presentes na organização e mobilização do chamado grupo da horta, não houve
possibilidades de maiores níveis de envolvimento comunitário entre aqueles que se reuniram
no agrupamento Jacaretuba, e, desse modo, ação coletiva da separação o criou coesão entre
eles.
A teoria do capital social aponta para a precariedade do laço familiar quanto à
possibilidade de gerar coesão social entre membros de uma comunidade, e, na ausência ou
fragilidade de outros fatores que possam produzi-la, há poucas condições para que estes
indivíduos possam unir-se em torno de empreendimentos comuns. Esta situação implica a
prevalência de um padrão vertical nas relações sociais que influenciam a tomada de decisão e
as ações que decidem implementar, a fim de superar problemas coletivos.
88
No caso de Jacaretuba, na ausência ou insuficiência dos fatores de coesão, os conflitos
de interesse e de perspectivas dificultaram a cooperação horizontal entre os indivíduos e em
conseqüência, eram pequenas as possibilidades para a busca de soluções coletivas para os
problemas comuns. Foi constatado, também, entre estes moradores, pouca participação em
sindicatos, associações e no envolvimento comunitário, que ocorria apenas quando
representava a oportunidade realizar algum interesse ou objetivo particular ou individual.
Assim, a variação nos fatores de coesão social (fortes e fracos) entre estes moradores
teve conseqüências sobre o tipo e a natureza das fontes de capital social que se formaram
entre eles, que resultaram das diferenças nas possibilidades de agregação geradas por esses
fatores. Estas diferenças produziram entre eles uma assimetria na acumulação deste recurso,
pois na parte onde se verificou a emergência de fatores de coesão (fontes), ocorreu a
acumulação de capital social, o que não foi possível entre aqueles que não puderam dotar-se
deles.
Desse modo, a formação do grupo Jacaretuba entre os moradores da área de Retiro
Grande confirma a hipótese de que o acúmulo de capital social entre determinados indivíduos
pode excluir ainda que de forma o intencional aqueles que não compartilham de seus
fatores. Esta conseqüência pode resultar de uma ação discriminatória ou de um afastamento
em decorrência da desconfiança da parte mais coesa. No item 3.3, estas questões foram
analisadas na formação do referido grupo na área estudada.
Por ora, trata-se do que ocorreu na parte mais coesa desses indivíduos, isto é, no
chamado grupo da horta, onde houve a acumulação de um capital social que permitiu o
aumento de sua capacidade organizacional e de participação sócio-política. Contudo, como
visto no referencial analítico deste trabalho, esta possibilidade precisa ser construída, o que
requer intervenção para que seja efetiva, pois, o capital social o funciona para este
propósito se não for devidamente estimulado.
Assim, esta possibilidade precisa ser induzida na comunidade, isso significa introduzir
mudanças na sua cultura política através de intervenções que promovam o incentivo à
participação dos atores locais na esfera pública, estimulando a cooperação e a conexão
horizontal entre as pessoas. De acordo com a perspectiva adotada neste trabalho, este
desenvolvimento pode ocorrer, quando existe uma agência mediadora competente, isto é, que
pode tornar o capital social politicamente relevante.
A atuação de uma agencia mediadora pode ampliar as possibilidades de um capital
social local direcionado para fins imediatos, ampliando objetivos e propósitos por meio de
processos crescentes de organização, mobilização e envolvimento comunitário que levem ao
89
engajamento e à participação sócio-política. Esta possibilidade existe na medida em que,
quando desenvolvidos, os fatores de coesão podem levar a um maior engajamento,
ultrapassando os propósitos para os quais foram originalmente constituídos.
No caso do grupo da horta, seus fatores de coesão social foram às bases sobre as quais
se construiu o seu associativismo e sua organização, o que lhe permitiu ter a liderança na
implantação de projetos coletivos na área estudada. Esta liderança resultou da mobilização do
seu capital social pela igreja católica através da pastoral da criança, cujas características de
atuação nesta comunidade de Retiro Grande revelam que exerceu o papel de uma “agencia
mediadora competente”.
Em conseqüência, os de moradores ligados grupo da horta apresentaram maior dotação
de bens comunitários assim como a dianteira nos projetos de desenvolvimento local, como
resultado de sua capacidade organização. Esta liderança criou uma defasagem em termos de
bens coletivos no grupo de Jacaretuba, cuja impossibilidade de se integrarem aos demais, o
que resultou na sua exclusão dos benefícios gerados pelos projetos e empreendimento
comunitários levou constituição do grupo de Jacaretuba.
Contudo, a formação deste novo agrupamento não se baseou na união dos indivíduos
por meio de fatores de coesão tais como objetivos e valores compartilhados, além de outros,
que podem se constituir como fontes de capital social conforme a perspectiva de análise
adotada neste trabalho. Desse modo, sua própria condição de grupo ficou comprometida,
apresentando por conseqüência do baixo potencial para a ação coletiva, o que não lhe permitiu
desenvolver o trabalho associativo, nem a participação sócio-política.
Assim, a exclusão que levou a formação do agrupamento de Jacaretuba o formou
um grupo efetivo, mas latente, segundo a perspectiva de Olson (1999). Esta condição
correspondeu a uma situação de inexistência de fontes efetivas de capital social, ensejando
uma precária organização coletiva. Esta questão foi tratada no item a seguir, onde o
analisadas as formas do trabalho associativo desenvolvido na área de Retiro Grande.
3.2 - O trabalho associativo na conquista de bens coletivos
A conquista de bens coletivos pelos moradores de Retiro Grande resultou da
organização de ões coletivas orientadas por objetivos compartilhados, fossem para a
implantação de empreendimentos comunitários ou para a reivindicação de projetos que
permitissem a geração de recursos produtivos na própria localidade, como se verá no decorrer
deste texto. Mais uma vez, ressalta-se que estas ações, foram tomadas por aqueles indivíduos
90
ligados ao chamado grupo da horta, cuja base de atuação foi o trabalho associativo de seus
membros.
O trabalho associativo desses moradores foi, portanto, a base de sua ação coletiva e da
conquista recursos que beneficiavam a todos, o que deixou os que eram ligados ao grupo de
Jacaretuba, em situação inferior. Esta situação resultou, precisamente, da incapacidade desses
indivíduos para o trabalho associativo, devido, como visto anteriormente, as suas
características de ausência de envolvimento e participação comunitária, resultantes da falta,
ou do não compartilhamento, de fatores de coesão social.
No caso do grupo da horta, os fatores de coesão que permitiram o desenvolvimento do
trabalho associativo entre seus membros tiveram seus efeitos de agregação na vida
comunitária potencializados pela atuação da igreja católica que incentivou a mobilização e
organização dessas pessoas. Segundo o relato da líder comunitária I, esta atuação que
começou pelo trabalho do Padre que ministrava na localidade neste período, na qual
desempenhou um papel de agente indutor da participação, estimulando os moradores a
filiarem-se em partidos, sindicatos etc.
O referido padre atuou na área estudada a partir da segunda metade da década de 60
até os últimos anos da década de 80, tendo saído da localidade para fugir das ameaças que
sofreu por mediar conflitos na região. Contudo, seu papel foi decisivo para o início da
organização dos moradores: tratou de questões de posse da terra, contribuiu para a formação
da colônia de pescadores Z40 e para a organização do Sindicato dos Trabalhadores Rurais,
para o qual atuou decisivamente incentivando a sindicalização.
Um aspecto importante da atuação deste Padre na organização da vida comunitária em
Retiro Grande, e fundamental no desenvolvimento do trabalho associativo dos moradores do
grupo da horta, foi o incentivo a formação de lideranças locais. Neste aspecto, agiu no sentido
de selecionar indivíduos que, uma vez indicados, eram enviados para o Instituo de
Desenvolvimento da Pastoral Regional (IDEPAR) em Belém, onde realizavam cursos de
formação específica visando prepara-los para a liderança comunitária na região.
Este processo de formação de lideranças comunitárias era dirigido, também, para
pessoas oriundas de outras áreas, em geral ligadas à pastoral e com interesse em ter uma
atuação em municípios do interior do estado. Da mesma forma que os demais, ao serem
selecionados, estes indivíduos recebiam a indicação para realizarem cursos no IDEPAR, cuja
formação política que ministrava se tornou uma espécie de referencia na preparação deste tipo
de liderança durante a atuação do referido Padre.
91
Uma vez que se declarasse concluída esta formação, os egressos eram enviados às
áreas de atuação para o inicio das atividades que lhes eram incumbidas nestas localidades. No
caso de Retiro Grande, a atuação das lideranças comunitárias foi crucial no desenvolvimento
trabalho associativo necessário aos empreendimentos locais, na medida em que tiveram o
papel agentes multiplicadores na mobilização e organização dos moradores desta localidade,
ampliando-os no ensejo da participação sócio-política.
Assim, nestes processos, observou-se a centralidade do trabalho associativo dos
moradores dessa área que visou, em seu inicio, a produção local de recursos e serviços que
atendessem a algumas das necessidades emergenciais dessa população. A primeira parte deste
trabalho mais específico começou com a mobilização de algumas mulheres dessa
comunidade, as mães, e visava envolve-las em atividades de caráter coletivo que produzissem
recursos no sentido da geração renda em beneficio próprio.
Segundo a líder comunitária II, esta mobilização de es teve inicio no ano de 1986,
sob a direção da igreja católica, por meio de uma Freira da pastoral, que criou uma espécie de
clube informal de mães, o qual funcionou, também, como um tipo de creche ou jardim da
infância onde seus filhos eram cuidados enquanto trabalhavam. Neste clube começaram a
executar trabalhos manuais tais como os de bordado e crochê, cujos produtos eram postos à
venda, sendo a renda dividida entre seus participantes.
Para ser mantido o clube de mães requeria recursos para o custeio de suas atividades, o
que foi obtido, parcialmente, com um auxílio da LBA. Porém, este apoio, apesar de necessário
não foi suficiente. Para ampliá-lo, a Freira da pastoral resolveu implantar uma padaria, cujo
funcionamento exigiu a realização de um curso de fabricação de pães. Além disso, a referida
freira comprou o material necessário para o inicio da produção, cuja renda divida, foi também,
empregada para cobrir custos, como a aquisição de um fogão.
Desse modo, houve uma agregação de valores na atuação do referido clube, ensejada
pela diversificação imprimida às suas atividades, o que propiciou, também, qualificação para
o trabalho que executavam. O benefício resultante desta diversificação o se residiu apenas
na obtenção de mais recursos para a sustentação de suas atividades, pois, mesmo este o seu
propósito inicial, gerou também ganhos relativos ao aumento da capacidade organização e de
ação coletiva, ultrapassando seus objetivos primários.
A organização do clube de mães em Retiro Grande foi possível na medida em que este
esforço de trabalho comunitário reuniu crianças e adultos como modos e condições de vida
semelhantes, que compartilhavam os problemas e os desafios do seu cotidiano, assim como os
valores religiosos. Em outros termos, estavam ligadas por fatores de coesão que geraram um
92
capital social especifico, o qual, pela mediação de uma agencia competente, pode ser
empregado para a consecução dos referidos empreendimentos.
Estas características da organização dos moradores dessa comunidade apresentam
aspectos que demonstram ser o capital social o recurso (coletivo) que tornou estes
empreendimentos possíveis. Primeiro, a mobilização dos indivíduos em ações coletivas
propiciadas pelos fatores de coesão, segundo, o direcionamento deste trabalho comunitário
para outras instancias de participação, além de seu objetivo inicial levando a um maior
envolvimento comunitário de seus participantes.
Neste sentido, o trabalho associativo do clube de mães funcionou, também, como um
meio de agregação social, na medida em que reuniu os indivíduos para o desenvolvimento de
atividades comuns que eram exercidas coletivamente. Estas atividades, por sua vez, se
constituíram-se em fatores de coesão na área de Retiro Grande, como visto no item anterior,
que teve, também, seus efeitos multiplicados, na medida em que este conjunto foi ampliado
quando outras foram a ele acrescentadas.
Desse modo, algo que resultou da mobilização do capital social comunitário, veio a
constituir-se, por sua vez, em um elemento de fortalecimento da coesão da comunidade e,
portanto, de novas fontes para o capital social. A explicação para este fenômeno é encontrada,
outra vez, nos referenciais analíticos deste trabalho, quando se estabelece que o uso do capital
social promove o acúmulo deste recurso na sociedade, aumentando a sua disponibilidade,
quando devidamente mobilizado.
Esta acumulação/ampliação pode ocorrer, também, como conseqüência não
intencionada ou não deliberada de determinadas ações que geram condições para que novas
iniciativas de mobilização e organização sejam tomadas. No caso do clube de mães, o
trabalho associativo colocou em evidencia para os seus participantes, problemas e situações
de carência na comunidade e, também, disponibilizou o principal meio a partir do qual
pudessem encontrar formas de superá-los.
Este meio era a própria organização dos moradores, ampliada em sua capacidade,
que foi posta em de ação para um esforço coletivo que visou fornecer cuidados no trato com
as crianças da localidade na creche/jardim. Este trabalho permitiu as mulheres envolvidas no
clube de mães terem contato com um dos problemas que afligia as crianças desta comunidade:
a desnutrição, que, além do mais, é uma das causas dos altos índices de mortalidade infantil
em todo o município de Cachoeira.
Para a superação deste problema, os moradores agiram da mesma maneira como
anteriormente o fizeram para a manutenção do clube de mães, isto é, diversificando seus
93
empreendimentos em novas iniciativas de trabalho associativo. Para isso, foi necessário que
realizassem um novo esforço de ação coletiva, o que, evidentemente, exigiu a mobilização de
mais capital social desse grupo, algo que foi feito pelo incentivo e forte influencia do Padre e
da Freira que atuavam no local neste período.
Esta mobilização visou gerar o principal recurso para suprir as carências alimentares
das crianças da comunidade: o trabalho associativo. Neste processo, os homens da
comunidade estavam organizados em sindicatos de trabalhadores rurais filiados a CUT e
alguns eram simpatizantes do Partido dos Trabalhadores (PT). Esta base organizacional foi,
como visto, constituída pela atuação da Igreja, na área de Retiro Grande, a partir dos anos 60,
particularmente por meio da pastoral da criança.
Figura 7: salão paroquial e ao lado a Igreja local de nossa senhora de Nazaré
Fonte: própria
Mais adiante, este processo avançou, mais uma vez impulsionado pela igreja, também
entre as mulheres, cuja mobilização começou, até onde foi possível reconstituir pela pesquisa
realizada para este trabalho, com a organização do clube de mães, um esforço de trabalho
coletivo dirigido, inicialmente, para o desenvolvimento de atividades de produção de renda e
que, posteriormente, funcionou também para a implantação de uma creche/jardim da infância
no acolhimento de crianças enquanto seus pais trabalhavam.
94
Ilustração 8: a escola municipal ( ensino infantil) funcionando no salão paroquial da igreja
Fonte: própria
Neste sentido, graças ao acesso e ao uso igualitário dos recursos, as famílias, lideradas
por 04 mulheres, começaram a cultivar uma pequena horta em regime de mutirão ou ajuda
mútua, pratica tradicional em áreas rurais amazônicas (XIMENES, 2001). O objetivo foi o de
combater a desnutrição das famílias, principalmente a das crianças da creche/jardim com
consumo de verduras. No desenvolvimento deste trabalho destacou-se, também, a atuação das
lideranças comunitárias preparadas no IDEPAR.
Durante o período que a (freira da pastoral da criança) esteve na direção do
jardim às crianças tinham merenda e almoço, As crianças até engordavam,
era tudo arvontade, tudo, tudo avortado, nescau, pasta de dente,
desinfetante, tinha umas 70 crianças (lideres comunitárias II e III,
depoimento ).
A horta, de caráter comunitário, chamada por eles de horta da pastoral, foi instalada no
terreno da igreja em uma área inicial de 10 x 10 m, ao lado da escola, no centro comunitário
da pastoral ou salão paroquial, onde hoje funcional a escola municipal de Retiro Grande. A
mão de obra empregada foi predominantemente feminina: mulheres que eram mães e,
algumas, professoras das crianças da creche/jardim, que incentivadas pela pastoral do menor,
iniciaram este trabalho coletivo em 1996.
Nesta horta os moradores realizavam vários tipos de cultivo, entre os quais,
principalmente a mandioca, a macaxeira o repolho, o maxixe, o quiabo, além de outras
leguminosas e hortaliças. Consensualmente, determinaram que toda a produção seria
destinada prioritariamente à merenda das crianças que estudavam na escola da comunidade, e
95
o excedente seria distribuído pelas famílias, com quantidades variando pela quantidade de
dias dedicados ao trabalho na horta (XIMENES, 2002: p. 07).
Além disso, as freiras ajudavam as mães a produzirem remédios fito-terápicos com as
ervas, na tentativa de diminuir, por meio de uma produção local, os problemas de saúde da
comunidade. Para viabilizar esta produção, as mulheres que trabalhavam na horta
aprenderam, a partir da ação da pastoral, a cultivar plantas medicinais para a produção de
remédios caseiros e a produzir a multimistura: um elaborado feito pela combinação de casca
de ovo, legumes e farinha, utilização no combate a desnutrição infantil.
Dessa forma, a ação combinada no clube de es e na horta ampliou os resultados do
trabalho associativo, pois passaram a produzir sopa e pão para a creche e, depois, com ajuda
da prefeitura (com a doação da farinha), ampliaram esta produção para atender a escola local.
Com a melhoria da situação de saúde das crianças e dos adultos (diminuição de verminoses
anemias etc.), houve um crescimento da demanda pelos serviços da creche, para a qual a
complementação da prefeitura se tornou insuficiente.
Para aumentar atender a esta demanda, aumentando oferta de alimentos destinados à
creche e a escola, assim como a produção de remédios caseiros (fito-terápicos), foi iniciada
uma luta pela ampliação do espaço de cultivo da horta. Neste sentido, as mães, juntamente
com a pastoral da criança, reivindicaram da prefeitura uma ampliação no terreno da horta
comunitária. Além disso, obtiveram auxilio técnico de um funcionário da EMATER para
melhorar as condições cultivos (arar a terra), que ofereceu também um curso de horticultura.
A reivindicação foi atendida, o grupo obteve da prefeitura a doação de 01 (50 x 50
m) de terra desapropriada, que foi posteriormente ampliada em 02 há. Dois anos depois
(1998/1999), alguns vereadores tentaram retomar o terreno doado pela prefeitura para lotear à
pessoas de fora da comunidade. Os membros da comunidade lutaram contra isso, com apoio
do partido PT (por meio de seu representante local Roberto leão) e do prefeito, sendo
vitoriosos e, além disso, obtiveram mais 01 hectare de terra somando aos 02 hectares doados
do pela prefeitura.
Como se pode observar, a mobilização dos moradores Retiro Grande que acumularam
capital social devido aos seus fatores de coesão, na organização do grupo da horta, pelo qual
foram desenvolvidos projetos de ação coletiva e de trabalho associativo, não apenas
apresentou resultados do ponto de vista da geração de recursos (produtos e serviços) para as
necessidades de seus moradores, como aumentou sua capacidade organizacional desses
indivíduos, no sentido, inclusive, de resistirem contra as forças reativas.
96
Neste processo, outras conquistas foram realizadas. No trabalho na horta, por
exemplo, conseguiram com a ONG Amigos Italianos de Cachoeira de Arari, ligada a igreja,
abrir um poço artesiano comunitário. Com o projeto PLEC conseguiram mudas de macaxeira
e banana, sementes e o cata-vento. Após estas conquistas começaram lutar pela casa de
farinha. Neste caso, tiverem que disputar o bem coletivo como o grupo de Jacaretuba (recém
criado), que tinha formado uma associação para isso, como se verá no próximo item.
Esta disputa foi vencida pelo referido grupo, os avaliadores do projeto PLEC
decidiram que a casa de farinha deveria ficar com os moradores de Jacaretuba, sendo instalada
na residência do vice-presidente de sua associação, que argumentou depender financeiramente
dessa produção. Esta decisão foi o primeiro revés para o grupo da horta, que, no entanto não a
contestou, mesmo porque os avaliadores do referido projeto prometeram-lhes, também, uma
casa de farinha. Sendo assim, não se tratou neste trabalho das questões que levaram a esta
decisão.
Apesar desse revés, a criação da horta comunitária representou um marco fundamental
no desenvolvimento do trabalho associativo dos moradores que tinham objetivos (soluções
coletivas para os problemas comuns) e valores (religiosos) compartilhados, dois importantes
fatores de coesão social, além dos demais referidos neste trabalho. Representou também um
divisor de águas na comunidade de Retiro Grande, pois a partir deste empreendimento a
atuação conjunta com os residentes de Jacaretuba não foi mais possível, surgindo assim, o
grupo da horta.
Neste grupo, o papel dos fatores de coesão foi fundamental, particularmente o dos
valores religiosos, o que aparece na ausência das mulheres das famílias protestantes no
trabalho da horta, apesar de terem se envolvido, inicialmente, em outras atividades locais.
Desse modo, o trabalho na horta que deveria ser um meio de agregação e de benefícios para
todos os membros da comunidade, foi realizado apenas por uma parte deles, aquela que
também pode beneficiar-se do seu duplo resultado: produtos e organização.
Estes moradores passaram a ser conhecidos como o grupo da horta, ou grupo das
mulheres, pela predominância nele da mão de obra feminina, inclusive na própria
coordenação dos trabalhos que era realizada pela líder comunitária I. Esta liderança chegou a
Retiro Grande no ano de 1988, trazida pelo Padre que atuava no local neste período, entre
1993 a 1995 foi coordenadora da pastoral da criança o que lhe conferiu experiência no
trabalho de direção mais tarde, devido ao seu empenho nas atividades da horta tornou-a líder
desse grupo.
97
A organização desse trabalho coletivo exigia que sua execução obedecesse a horários,
prazos, obrigações e tarefas, a serem cumpridos por todos. Na divisão das responsabilidades,
algumas mulheres trabalhavam pela manha outras à tarde. As mais pesadas eram executadas
por mão de obra masculina nos fins de semana, quando realizavam sua contribuição para este
empreendimento coletivo. Esta disciplina e a necessidade de coordenação o foi bem
recebida por alguns moradores o que gerou descontentamentos.
Esta situação, além de outras, provocou deserções, do grupo inicial de 20 mulheres
restou apenas à metade. Entre as que abandonaram o grupo, 07 alegaram não se submeter a
ordens de outras mulheres e ao trabalho coletivo do grupo, uma mudou de localidade não
podendo, duas transferiram-se do município. Entre as que permaneceram, três mulheres (todas
pertencentes à confissão católica) residem em Jacaretuba, mas preferem trabalhar com o
grupo de mulheres da horta.
A pesar disso, a horta continua a funcionar, e ainda é mantida com mão de obra
predominantemente feminina, algumas mulheres são professoras e outras alunas na escola
local. A creche, no entanto, o esta mais ativa por falta de recursos (oriundos da igreja e da
Ong amigos da Itália). A prefeitura tem procurado reabri-la com recursos próprios
(FUNDEB), o que não ocorria antes, pois o Padre da localidade não permitia este tipo de
convenio, por receio que a igreja e a creche fossem usadas para promoção política.
A implantação da horta comunitária representou uma significativa ampliação dos
níveis de envolvimento comunitário dos moradores ligados ao grupo da horta, cuja progressão
culminou na criação de um órgão de representação: a Associação dos Trabalhadores Rurais de
Cachoeira do Arari – ASTRUCA. Esta associação foi ligada ao Sindicato dos Pequenos
Produtores Rurais de Cachoeira de Arari e seu objetivo foi o de buscar soluções para os
problemas enfrentados pelos agricultores de pequeno porte (agricultura de subsistência).
Também, neste caso, coube um papel fundamental a ação das mulheres do grupo da
horta na medida em que elas eram as principais responsáveis pela prática desta atividade
produtiva neste agrupamento de moradores em Retiro Grande. Assim, desde o surgimento do
clube de mães até a criação da associação ASTRUCA uma ampliação do trabalho
associativo, conduzido principalmente realizado, principalmente, pela mão de obra feminina,
que teve por conseqüência o aumento da capacidade de organização desses moradores.
Esta constatação aponta, entre outras coisas, para as questões de gênero nos processos
sociais e políticos, porém, não é este foco de investigação deste trabalho, mas análise do papel
do capital social nestes processos. Neste sentido, é preciso enfatizar que desenvolvimento do
trabalho associativo resultou, por um lado, da mobilização e organização dos moradores dessa
98
comunidade que apresentavam uma dotação deste capital em razão da presença e
compartilhamento de fatores coesão.
Por outro lado, também deve ser enfatizado, que esta mobilização foi possível pela
intermediação de uma “agencia competente”, papel que em Retiro Grande foi desempenhado
pela igreja católica por meio da pastoral da criança na atuação do trabalho do Padre local.
Desse modo, a capacidade de organização dos moradores da área de Retiro Grande foi
amplamente fomentada pela atuação desta agencia, na medida em que, foi capaz de direcionar
o capital social existente para a participação sócio-política.
Neste sentido, incentivo a sindicalização, e a reivindicação de direitos, formou uma
base inicial de envolvimento nas questões de interesse coletivo, e mais tarde, o trabalho
associativo, uma vez implantado, criou, com o apoio da igreja e de seus multiplicadores: as
lideranças comunitárias, condições para o surgimento de novas atividades comuns exercidas
coletivamente, tornando-se assim, novas fontes de capital social para o grupo da horta na
comunidade Retiro Grande contribuindo decisivamente para a sua capacidade organização.
3.3 - O capital social pode excluir: a formação do grupo Jacaretuba
A emergência do movimento de moradores de Retiro Grande que constituiu um grupo
à parte, nesta área, chamado Jacaretuba remete, outra vez, às referencias teóricas e analíticas
deste trabalho. Nelas destacou-se que, a formação e acumulação de capital social nos diversos
grupos têm fontes que variam de acordo com os tipos de fatores de coesão (formais e
informais) que neles podem ser encontrados. Tais fatores determinariam a natureza e a
efetividade destas fontes, conforme a intensidade de seus efeitos agregadores.
Neste sentido, se observou que as fontes de capital social, existentes entre os
moradores da referida área, apresentavam natureza variada, na medida em que, também,
variaram os tipos de fatores de coesão entre eles. As características destes fatores, quanto ao
maior ou menor efeito de agregação que geravam, determinaram diferenças na efetividade das
fontes de capital social em Retiro Grande e, desse modo, afetaram a viabilidade da ação
coletiva, o que resultou em uma divisão da comunidade com a formação de um segundo
grupo.
Na área estudada, verificou-se a presença de fatores de coesão social, alguns comuns a
todos os seus moradores e outros específicos, isto é, próprios a determinados indivíduos ou
famílias. Além disso, esta diferença apresentava outra característica: os fatores de coesão
comuns a todos não apresentavam os mesmos efeitos agregadores daqueles específicos,
99
somado ao fato de que a existência de uma agencia mediadora competente, esteve conectada,
pelo menos em seu período, inicial de atuação aos segundos.
Esta constatação remete outra vez a teoria do capital social, que ao tratar dos
elementos de agregação estabelece que fatores de coesão, também, podem excluir, quando
valores e objetivos não são compartilhados, ainda que as condições básicas sejam as mesmas.
Esta foi a situação dos moradores de Retiro Grande onde a diferença nos fatores específicos
de coesão pode ser observada na falta de valores compartilhados (principalmente religiosos) e
de objetivos comuns, referentes ao modo de conduzir empreendimentos para a solução dos
problemas locais.
A falta de compartilhamento de valores teve duas dimensões entrelaçadas: a primeira
refere-se aos próprios valores religiosos, no caso, a confissão católica que favoreceu, para
aqueles que a ela estavam ligados, um maior envolvimento comunitário, na medida em que
participavam da execução de ritos comuns e outras atividades próprias desta prática religiosa.
Além disso, estavam expostos ao trabalho de organização da coletividade desenvolvido pela
pastoral da criança na localidade.
Este fator de coesão social (confissão católica) não estava presente entre os moradores
que se ligaram ao grupo de Jacaretuba, pois adotaram por confissão religiosa o
protestantismo, o qual, pelo menos em Retiro Grande, não tinha a mesma ênfase no
envolvimento comunitário. Por outro lado, deve-se destacar, também no âmbito dos valores, a
pouca inclinação para o trabalho coletivo e uma maior propensão para a produção familiar e
as iniciativas individuais nos empreendimentos locais.
Este segundo aspecto do o compartilhamento de valores entre os moradores da área
estudada, isto é, o predomínio em parte deles, de uma atitude individualista e não cooperativa
nas iniciativas de trabalho nesta localidade, estava diretamente ligada, também a falta de
compartilhamento de objetivos entre eles. Quanto a isso, observou entre aqueles relacionados
ao grupo de Jacaretuba que os interesses particulares, individuais ou familiares, sobrepunham-
se aos da comunidade.
O entrelaçamento entre estas duas dimensões pode ser observado na ausência das
mulheres das famílias protestantes nos empreendimento coletivos da comunidade como o
clube de mães, a creche/jardim, no trabalho da horta. Além disso, soma-se a esta diferença o
tipo de laço, predominantemente familiar, que os relacionava, o que, como visto antes,
estabelece limites estreitos para conexões horizontais, de baixo nível de agregação quando se
trata do trabalho associativo, sendo pouco útil nos empreendimentos de ação coletiva.
100
Em conseqüência, prevaleceu o conflito de interesse e de valores, o que impediu
maiores possibilidades de envolvimento comunitário devido aos obstáculos à cooperação
horizontal. Contribuíram, também, para isso problemas resultantes da distância geográfica
entre eles, que criavam dificuldades para a participação nas atividades comunitárias para os
que moravam próximo ao rio Jacaretuba, já que a realização das atividades associativas estava
concentrada em outro ponto.
Assim, a diferença nos fatores de coesão entre os moradores da área de Retiro Grande
apresentava uma situação onde aqueles mais efetivos para produzir agregação social eram
detidos por aqueles moradores que formaram o grupo da horta. Neste sentido, se o capital
social pode excluir, como se afirma no referencial teórico deste trabalho, esta exclusão
resultou, na área estudada, da desconfiança que surgiu entre as famílias que residiam em
conseqüência da diferença nos fatores específicos de coesão nela encontrados.
O resultado desta desconfiança e, sua conseqüente exclusão, foi a formação do novo
grupo no qual, exceto pelo desejo de se afastarem dos demais, e o próprio ato de separação em
si enquanto ação coletiva desses indivíduos, houve o predomínio de características o
associativas e pouco comunitárias em seus empreendimentos, e em um ambiente social como
este, eram pequenas as possibilidades para a busca de soluções coletivas para o enfretamento
dos problemas comuns.
Resultou disso que, mesmo diante da fragilidade de seus laços comunitários e sem
experiência em atividades associativas, ao não se sentirem representados nas ações coletivas
das famílias católicas, estes moradores resolveram criar a sua própria associação, definida
como: Associação dos Produtores Rurais de Retiro Grande, conhecida pela sigla ASPRORG.
Este órgão de representação foi lançado no ano de 2000 para reunir os interesses daqueles que
praticavam a agricultura familiar.
Foi a partir da criação desta associação que surgiu de fato o chamado grupo de
Jacaretuba composto, naquele momento, por 56 famílias, o qual não apresentando, até aquele
instante, nenhum histórico de trabalho coletivo, passou a empreender um esforço associativo,
pelo menos formalmente. Apesar disso, não estabeleceram relação com outras formas
associativas tais como sindicatos etc., apesar disso, foram capazes de estabelecer convênios
com o BASA, o INSS e a prefeitura de Cachoeira do Arari.
Ao contrário, buscaram construir suas próprias redes de contatos, nas quais,
diferentemente do grupo existente, prevaleceu a relação individual, a apropriação familiar
(parentesco) dos recursos obtidos e a exploração em causa própria dos seus benefícios. Estas
características refletiam as diferenças nos fatores de coesão, o que transparecia na sua própria
101
organização, constituída por pessoas ligadas por laços de parentesco, principalmente, no
corpo dirigente, onde todos pertenciam ao mesmo tronco familiar.
No Quadro II, logo abaixo, fez-se um esquema da estrutura organizacional da
ASPROG no período em foi realizada a pesquisa para este trabalho, no qual pode ser
verificada uma relação dos seus integrantes, a posição que ocupavam nesta associação e, sua
vinculação quanto ao grau de parentesco:
QUADRO II
Relação dos integrantes da ASPRORG
Integrante
Posição ocupada
Ronaldo
Presidente
Grau de parentesco
Augusto Vice-presidente Irmão do presidente
João
Sócio Irmão do presidente
Mário Sócio Irmão do presidente
José Sócio Irmão do presidente
Sério Sócio Irmão do presidente
Jorge Sócio Cunhado do presidente
Normélia Sócia Cunhada do presidente
Gustavo Sócio Cunhado do presidente
Amanda Ex-presidente* Irmã do presidente
Augusta Tesoureira Irmã do presidente.
102
Fonte: depoimento dos moradores
* Segundo as informações obtidas pelo grupo de Retiro Grande, ela renunciou em decorrência de acusações
de mau uso do dinheiro da associação.
Como pode ser observada, entidade criada pelos moradores ligados ao grupo de
Jacaretuba para representar seus interesses (ASPRORG), expressou em sua estrutura tanto a
natureza da organização deste grupo (baseada em laços de parentesco), como dos fatores de
coesão social que nele existiam. Além disso, o próprio nome desta entidade é revelador de sua
auto-percepção, isto é, como “produtores rurais” em lugar da designação de “trabalhadores
rurais” como fizeram os integrantes da outra associação.
Um fator decisivo para o surgimento da ASPRORG foi a chegada na área de Retiro
Grande de um projeto desenvolvimento local, que levou investimentos e recursos cujos
principais beneficiados eram os moradores que estavam organizados (grupo da horta). Este
fator aparece na fala de dois informantes da pesquisa, o Augusto pequeno produtor rural e
proprietário da casa de farinha e o Ronaldo, presidente da referida associação os quais
declararam: resolvemos criar uma associação para reivindicar melhorias para nossa
comunidade, pois tudo vai para a sede”.
A “sede” a que se referem é a parte da área de Retiro Grande onde residem os
moradores ligados ao grupo da horta, identificada desta forma por ter sua organização
constituída anteriormente e, da qual, se percebiam como uma espécie de filial até aquele
momento. Principalmente os que estavam na direção da ASPROG afirmavam que os bens
coletivos solicitados (projetos e/ou equipamentos rurais) pelos moradores eram instalados esta
parte da comunidade, longe de Jacaretuba (cerca de 2 km), não beneficiando os que residiam
nesta área.
Segundo eles, este grupo precisava de água para irrigar a produção durante a estiagem
(seca), sendo difícil e caro retirar água do poço da sede. Foi então que o próprio João de
jacaretuba, e o seu irmão Jorge e o cunhado resolveram reunir-se para formar a associação
tendo em vista reivindicar a instalação de bens coletivos tais como “água encanada, energia
elétrica, construção da casa de farinha, transporte e melhoria da estrada para escoamento da
produção, junto aos representantes do município” (depoimento dos moradores das lideranças
de jacaretuba).
Além disso, reivindicavam do poder público, por meio desta associação, bens
comunitários que o grupo das mulheres da horta havia obtido por meio do trabalho coletivo
Nomes fictícios
103
dos seus participantes como a creche para seus filhos e a própria horta. Este modo de
encaminhar soluções para os problemas, as deficiências e as carências locais revela as
diferenças de perspectivas: quanto a valores objetivos e interesses: uma delas baseada nas
relações de horizontais de solidariedade e cooperação e, outra, em relações verticais.
Os motivos alegados para a criação da ASPRORG, a não participação dos que
residiam em Jacaretuba nos bens coletivos e benefícios que eram obtidos para moradores de
Retiro Grande, fornece fundamentação para alguns argumentos da teoria do capital social. O
que se observa nisso, é que os moradores ligados ao grupo da horta assumiram a liderança na
instalação de projetos comunitários nesta localidade, devido a sua mobilização e organização.
Esta situação foi percebida pelo outros que, assim, procuraram organizar-se também.
Contudo, surgimento da segunda associação reforçou a tendência, existente, para o
afastamento e distanciamento dos grupos. Isto ocorreu na medida em que, a partir da atuação
da ASPRORG, mesmo os fatores de coesão comuns, isto é, compartilhados por todos tais
como a plantação da mandioca para a produção de farinha, a produção de frutas, as casas de
farinha, tornaram-se pontos de disputa e conflitos em torno de recursos para as atividades
produtivas na área, aprofundando a divisão na comunidade.
Quanto ao não compartilhamento de objetivos, observou-se que para aqueles ligados
ao grupo da horta, o esforço comunitário deveria dirigir-se para a solução do problema de
mortalidade infantil resultante principalmente da desnutrição; para os que se ligaram a
Jacaretuba o principal problema era o escoamento da produção. Com isso caracterizam
diferenças de percepção acerca dos problemas comuns e dos objetivos organizacionais.
3.4 - A escolarização em Retiro Grande: a implantação da escola na comunidade
Como dito antes, o objetivo deste trabalho foi o de considerar o papel da escolarização
e do capital social no desenvolvimento da capacidade organizacional e dos processos
participativos dos moradores de Retiro Grande. No item anterior tratou de como este capital
foi gerado na referida comunidade e o modo como foi posto em ação para a realização dos
seus empreendimentos de trabalho associativo. No item que ora se inicia, tratou da
escolarização desses indivíduos onde se destacou a implantação da escola de Retiro Grande.
No primeiro capítulo deste trabalho, no item referente às condições socioeconômicas,
tratou-se do grau de escolarização dos moradores adultos dessa comunidade com clivagens
por faixa etária e gênero, considerando-os de forma cruzada. Em conseqüência, no item que
104
segue, procurou focalizar o processo de implantação da escola de Retiro Grande, tanto no que
se refere aos níveis de ensino por nela ministrados, como aos processos participativos: da
comunidade para a escola e da escola a comunidade.
Neste sentido, quando as crianças da comunidade de Retiro Grande atingiram a idade
na qual, em geral se requisitam o início de suas atividades escolares, suas mães passaram a
reivindicar, com o apoio da pastoral por meio da atuação do padre Silvério, uma escola para
esta área. A inexistência de estabelecimentos escolares na região era um dos seus maiores
problemas educacionais. No caso em questão, a reivindicação foi atendida no ano de 1993,
quando foi instalada uma escola na referida localidade.
O desenvolvimento das atividades educacionais ocorreu, inicialmente, apenas com o
fornecimento das series iniciais ensino fundamental (1ª a séries), que foi posteriormente,
em 1997, acrescido das séries complementares de a 8ª, completando, assim, todo o ciclo
deste vel educacional. O ensino médio foi instalado sete anos depois em 2004. A
implantação da escola e a ampliação do ensino nela ministrado até o nível médio foram feitos,
ambos, por meio de convênio entre o governo estadual e a prefeitura.
Ilustração 8 : a escola estadual de ensino fundamental e médio de Retiro Grande
105
Fonte: própria
O atendimento das necessidades educacionais dos moradores Retiro Grande na própria
área, principalmente quanto à complementação do ensino fundamental e do ensino dio, era
uma necessidade de toda comunidade, pois o prosseguimento nos estudos era possível no
município mais próximo, Salvaterra. Os moradores queriam que seus filhos continuassem a
estudar sem ter que sair da localidade onde trabalhavam com suas famílias. Algumas mães
também queriam continuar seus estudos.
O deslocamento dos alunos para o Município de Salva-terra constituía-se em um sério
problema para todos, pois eram imensas as dificuldades enfrentadas. As aulas ocorriam no
período da tarde, o que exigia que saíssem pelo menos às 11 horas de suas residências para
cumprirem seu horário. Quanto ao retorno, a situação era mais grave, pois deveriam se retirar
da escola antes do término da aula, para o caso de ocorrência de pane no ônibus escolar,
106
situação em que teriam que obter uma “caronao que determinava a chagada em torno das
23hs.
Além das justificativas quanto às dificuldades enfrentadas pelos dos alunos para
estudar como a questão do deslocamento, o cumprimento dos horários escolares etc, a
implantação do ensino médio envolveu, também determinados a interesses, como pode ser
observado neste depoimento da líder comunitária I:
(...) também tinha interesse de trazer mais alunos para escola mais verba
para a escola né, FUNDEF e tudo !! Tinha também um dedinho também da
vereadora diva, que no tempo era amiga do governador, era do mesmo
partido, mas que não conseguiu trazer, já veio no inicio do governo do
César, através de dois vereadores que conseguiram puxar para devido
conhecimento dentro da SEDUC, o Robério (PMDB) e o Do Carmo
professor da universidade (PT), trabalhava em Belém e tinha seus contatos
lá.
Com a implantação da escola na área de Retiro Grande gerou-se nova necessidade: a
alimentação escolar, o que novamente mobilizou as mães da comunidade, que, como visto no
item anterior, estavam organizadas em uma espécie de clube informal, onde realizavam
diversas atividades, e no trabalho na horta comunitária. A iniciativa agora foi a de aumentar a
produção de alimentos tendo em vista atender a necessidade da merenda escolar dos alunos, o
que foi conseguido com a ampliação da área plantada.
Contudo, a instalação da escola, e a ampliação dos veis de ensino nela ministrados,
não resolveram os problemas de escolarização entre os moradores da área estudada. Os
problemas de acesso persistiram uma vez que outras questões relativas ao atendimento
educacional, principalmente em áreas rurais, não tinham sido equacionadas, tais como as
dificuldades que os alunos enfrentam para se deslocarem de suas casas a a escola, que
requerem medidas adequadas quanto ao transporte escolar.
Estas medidas foram tomadas em parte tomadas quando a prefeitura de Cachoeira do
Arari disponibilizou um ônibus para fazer o transporte dos alunos para a escola. Em parte,
porque prevalece a precariedade do transporte escolar, na medida e que é feito por
profissionais não devidamente qualificados para essa atuação. Também, o preocupação
com a segurança dos passageiros, além da má conservação das vias de transito, o que ocasiona
interrupções no fornecimento do serviço.
Além da questão, em parte tratada, do transporte escolar, havia outros problemas que
resultavam das necessidades criadas pelas exigências que a própria expansão dos níveis de
ensino na localidade impunham. Estas necessidades emergiam das situações de carência desta
107
área, onde qualquer tentativa de expansão no setor educacional era confrontada com a falta de
condições mínimas adequadas em instalações físicas, recursos (didáticos e pedagógicos)
apropriados para o desenvolvimento das atividades educacionais, professores, etc.
No caso do ensino médio, a expansão ocorreu por meio de um convênio assinado entre
a Prefeitura de Cachoeira do Arari e a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) pelo qual a
primeira se comprometeu em fornecer moradia, alimentação e transporte para os professores
que seriam enviados pelo estado. No inicio, o Município não teve condições de fornecer
moradias para os professores, o que foi obtido com empenho da líder comunitária I em criar
as possibilidades da contrapartida local.
Para isso, a referida der solicitou da igreja por meio da pastoral, algumas instalações
nas quais os professores enviados pelo governo estadual foram acomodados,
temporariamente, até o término das obras de construção dos alojamentos. No entanto, este não
era o único problema relativo a adequação das instalações locais para a viabilização do
convenio de implantação do ensino médio, pois havia ainda a situação das precárias condições
físicas e infra-estruturais das escolas locais para o ensino.
Entre estes problemas estava o do fornecimento de energia elétrica, que começou a ser
feito somente a partir do ano de 2007, isto é, a escola desta localidade funcionou durante
muito tempo sem energia elétrica, ou seja, em extrema precariedade. Quando o ensino médio
foi implantado em 2004, foi necessária a criação de turmas noturnas para a educação de
jovens e adultos e, para isso, foi instalado um sistema de iluminação a diesel, pago pelo
prefeito, que permitia que as aulas fossem realizadas até as 22 h.
Outro problema no funcionamento da escola na área estudada, conforme as
declarações da líder comunitária I, era a baixa freqüência dos professores às aulas,
principalmente nas disciplinas história, filosofia e sociologia. Este problema, segundo a
referida informante, se apresentava mais grave em Retiro Grande do que em outras
comunidades, na medida em que não havia controle sobre as atividades destes professores.
Esta situação era mais um agravante nas condições precárias de funcionamento desta escola.
De uma maneira geral, as escolas dessa e de outras comunidades não possuíam
condições para o funcionamento do ensino médio, e a implantação deste nível de ensino na
área não foi acompanha da obediência aos critérios exigidos para o seu funcionamento.
Segundo o relato da referida líder comunitária, a própria representante da SEDUC responsável
pelas ilhas, declarou que, ao realizar a visita técnica no local, constatou que as escolas de
Retiro Grande e Umarizal não reuniam as condições necessárias para receber este nível de
ensino:
108
(...) não tinham condições de receber, eram pequenas, precisavam de
reformas ... Instalações elétricas, mas como as diretoras de disseram que
elas iriam providenciar tudo, e o prefeito e a secretaria de educação do
município se comprometeu em ajeitar tudo e deixar a escola pronta, os
alunos também pediram, os professores de lá, o prefeito deixou uma lancha
e um carro a disposição de s para nós nos locomovermos enfim eles
foram tão legais com a gente que nós resolvemos da um parecer favorável e
o prefeito se prontificou a ajeitar tudo (depoimento, líder comunitária I).
Assim, o parecer favorável à implantação do ensino médio nas escolas da área
estudada foi fornecido apenas com base nas promessas do prefeito, da secretaria de educação
e das diretorias escolares que as condições necessárias para o seu adequado funcionamento
seriam criadas, assim como no apelo de alunos e professores. Contudo, não havia condições
reais, imediatas para atender aos requisitos mínimos deste funcionamento, nem mesmo para
que fossem alcançadas no curto prazo. Esta situação, porém, se modificou nos anos
posteriores.
109
Apesar disso, o ensino médio foi implantado, funcionado em padrões abaixo das
condições mais elementares para a sua efetiva realização. Contudo, a história da instalação da
escola em Retiro Grande e da expansão dos níveis de ensino nela oferecidos foi a de uma
autêntica conquista de seus moradores, o que fica claro, principalmente quando se observa
que é uma escola estadual, desde as primeiras séries, e, por outro lado, que Cachoeira do Arari
não realizou a municipalização do ensino.
Este é um aspecto relevante no processo de conquista do ensino médio para a referida
escola, pois, por um lado o município estava um contexto adverso de política educacional, na
medida e que a não municipalização significava menos recursos para a educação. Por outro
lado, pertencendo ao conjunto das escolas do estado, ainda que estabelecida em convênio com
a prefeitura, esta implantação estava prevista no programa de expansão da Rede Estadual de
Ensino do Plano Estadual de Educação (PEE).
Este contexto, enfatiza-se, atesta que efetivamente a referida implantação foi uma
conquista dos moradores de Retiro Grande, pois a falta de recursos da municipalização
implicava que não seria feita no âmbito do Município e, o fato de estar prevista no Plano
Estadual de Educação não era uma garantia de que o governo do estado iria faze-la, pelo
menos não naquele momento, haja vista, como observado antes, o havia condições técnicas
para isso. Desse modo, o que ocorreu foi o resultado da mobilização da comunidade e suas
lideranças.
A implantação da escola ampliou as oportunidades de escolarização como resultado
direto ação da coletiva comunidade (grupo da horta) e não o contrário, isto é, a disposição
para a ação coletiva como conseqüência do maior vel escolarização, pois como se viu
estavam na mesma condição (insuficiência) em relação a este requisito, o diferencial foi o
capital social. Com esta base, conseguiram implantação o ensino médio, mesmo não sendo
parte de uma política organizada para esta área.
Esta característica da implantação da escola e da expansão do ensino que nela ocorreu,
coloca este processo na contra-mão das perspectivas que enfatizam que a escolarização
leva a participação política. Nesta perspectiva, os níveis de participação política são
diretamente proporcionais ao nível de escolarização dos indivíduos, ora, se este nível depende
da ampliação das oportunidades de acesso à escola, onde esta oportunidade não é
disponibilizada ou é escassa, ter-se-ia, por conseqüência baixa ou nenhuma participação
política.
Contudo, o que se observou em Retiro Grande foi uma situação oposta a esta
perspectiva, pois, nesta comunidade, os processos participativos engendrados por dinâmicas
110
associativas locais permitiram aos seus moradores superarem este obstáculo e obterem bens
coletivos, entre os quais, a ampliação das suas oportunidades de escolarização, mesmo contra
um contexto de política educacional que lhes era totalmente desfavorável, como conseqüência
da não adesão do Município de Cachoeira do Arari a política de municipalização do ensino
fundamental.
Assim, destacou-se neste item do capitulo que ora segue, que o processo de
implantação da escola na área de Retiro Grande e da expansão dos níveis de ensino nela
oferecidos, por primeiro as séries complementares do ensino fundamental (5ª a 8ª) e
posteriormente o ensino médio foi uma conquista efetiva dos moradores dessa comunidade
(grupo da horta). Ou seja, ao contrário da perspectiva aqui questionada a escolarização foi
uma resultante e não a causa da mobilização e organização desses moradores, que foram
possíveis em virtude da existência de capital social e da atuação de uma agencia medidora
competente.
3.5 - As fontes da participação sócio-política: escolarização ou capital social?
Os fatores de coesão, existentes na área de Retiro Grande, foram os elementos
fundamentais, enquanto fontes de capital social, de sua organização e mobilização coletiva, na
medida em que favoreceram, a partir da atuação de uma agencia competente (Pastoral da
Criança), que fossem desenvolvidas formas de trabalho associativo com vistas à conquista de
bens coletivos, os quais forneceram os recursos que a comunidade precisava para tratar dos
problemas e carências comuns a todos os seus moradores.
A ação coletiva desses membros foi facilitada pela existência de laços sociais e
elementos de ligação horizontal entre eles, tal como descrito pela literatura que trata do capital
social e seus efeitos de indução ao engajamento e participação política nas comunidades.
Porém, foi ressaltado que estes mesmos laços e fatores de ligação, também podem excluir e
gerar divisão quando seus elementos constitutivos não são compartilhados por todos os
membros de uma coletividade.
Esta característica, que é um efeito paradoxal do capital social, isto é, que os fatores
coesão que podem unir e com isso, facilitar a organização e a mobilização dos indivíduos,
podem, do mesmo modo, desuni-los, e inversamente, criarem problemas para a realização de
111
ações coletivas, também tem sido observada, na área de Retiro Grande na qual sua
conseqüência direta foi à formação do grupo de Jacaretuba.
Apesar dessas e outras constatações, a ocorrência de processos organizativos e
participativos m sido comumente relacionados positivamente ao nível de escolarização dos
indivíduos, no sentido em que apenas este fator, em seus estágios mais elevados (considerado
quantitativamente quanto anos de educação formal obtidos), poderia gerar uma propensão
para os indivíduos envolveram-se em e questões de ordem comunitária, pois seria capaz de
direcionar seus interesses para os problemas sociais e políticos.
Nesta perspectiva, como vista no capitulo anterior, o nível de escolarização dos
indivíduos seria a condição necessária e suficiente para a participação sócio-política
(engajamento comunitário e o envolvimento em ações coletivas). Para tratá-la, relativamente
ao capital social, considerou-se o nível de escolarização entre os fatores influentes na
organização e mobilização dos moradores de Retiro Grande, assim como nos problemas de
ação coletiva que entre eles foram verificados.
Neste sentido, a pesquisa começou pelo próprio processo de escolarização
empreendido na área em questão, que teve inicio como a implantação da escola local. Um
processo, que como visto mostrou-se problemático devido aos diversos obstáculos para a
implantação da escola local e a expansão dos níveis de nela ministrados. Neste sentido,
procurou considerar o papel da escolarização relativamente ao do capital social na capacidade
de organização e mobilização destes moradores, e no nível de participação socio-política.
Como já se observou antes no item que descreve as características socioeconômicas
dos moradores de Retiro Grande, o nível de escolarização desses indivíduos era baixo em
ambos os grupos da área de Retiro Grande aqui estudados. Portanto, sua escolaridade não foi
um fator decisivo ou mesmo importante de sua organização. Ou seja, não teve relevância nem
para a formação do grupo da horta, nem nas divergências e conflitos que levaram a ação
coletiva que resultou na separação e formação do grupo de Jacaretuba.
Por outro lado, a escolarização produzida a partir da implantação da escola nesta
comunidade, considerada principalmente quando passou a oferecer todo o ciclo do ensino
médio, não teve por conseqüência a melhoria das condições socioeconômicas locais. Ao
contrario, o aumento do nível de escolaridade dos indivíduos que nela estudaram gerou
estratégias individuais de melhoria de condições de vida, que na maioria das vezes, significou
preparar-se para o ensino superior o que implicava em deslocar-se para outro lugar,
abandonado comunidade.
112
Assim, considerando-se a importância das lideranças locais na mobilização e
organização dos moradores de Retiro Grande para o trabalho associativo e,
conseqüentemente, em seus processos de envolvimento sócio-político, e por outro lado, o
fato, o menos importante, de implantação de uma escola na referida área que forneceu
educação formal para estes indivíduos envolvendo o ensino fundamental e o dio, a questão
da escolarização emergiu no problema de investigação deste trabalho.
Quanto ao primeiro aspecto, a igreja teve uma dupla atuação: diretamente na
promoção do trabalho associativo, ao tomar a iniciativa de mobilizar e organizar determinados
indivíduos, a partir de características sociais compartilhadas, em atividades produtivas
diversas (que visavam à produção de recursos e serviços para o atendimento das necessidades
comuns dos moradores), de execução coletiva (clube de mães, creche, horta) assumindo
custos e incentivando a participação, e, na formação de lideranças comunitárias para atuarem
na localidade.
A atuação da igreja católica no recrutamento e formação de lideranças comunitárias na
área de Retiro Grande começou com o envolvimento dos indivíduos em atividades religiosas e
de participação nas mobilizações que realizava. Neste caso, destacaram-se, principalmente,
organizações como as chamadas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e os movimentos de
juventude como os grupos de jovens, nas quais se desenvolvia um trabalho de catequese,
assim como de inicio de formação política.
Em conseqüência, a maior parte dos indivíduos encontrados nesta área que têm
alguma atuação de liderança entre os seus moradores, é oriunda de alguma organização ou
movimento religioso católico. Nesta fase inicial, a seleção de novos líderes era relativamente
simples: uma vez que os indivíduos que passavam a atuar nas atividades da igreja, tinham seu
desempenho observado, e aqueles que se mostrassem mais empenhados, revelando inclinação
para a direção nestas atividades, eram escolhidos para a continuidade da formação.
Esta continuidade compreendia a segunda fase do processo de formação de novas
lideranças comunitárias que consistia na realização de cursos preparatórios, os quais
completavam o trabalho formativo iniciado anteriormente. No caso de Retiro Grande, este
trabalho de observação e seleção era realizado pelo Padre e pela Freira que atuavam no local,
os quais enviavam os “escolhidos” para o IDEPAR a fim de realizarem cursos que
completavam o trabalho de formação, conforme declara a líder Éster:
(...) nos encontros que eles organizavam, percebiam as pessoas que tinham
liderança e se destacavam e que e enviavam para o IDEPAR, para formar,
fazer cursos, todos foram p o IDEPAR, menos eu, pois tinham os encontros,
113
e eu casei tive filho, e ai não tinha condição de participar (líder comunitário
I depoimento).
O que se observou claramente neste processo de formação de lideranças comunitárias
em Retiro Grande, é o papel secundário e, em alguns casos, até irrelevante, que nele exerceu o
fator escolarização tal como é tratado neste trabalho, o que não significa necessariamente,
ausência de qualquer trabalho educativo. No entanto, requisitos escolares ou de certificação
quanto ao nível de escolaridade atingindo pelos indivíduos, não constavam das exigências
para o recrutamento de lideranças para atuarem na região.
Neste sentido, ressalta-se esta forma de atuação não era exclusiva destes agentes
religiosos, pois, até onde se pode verificar, as exigências de escolarização não eram parte da
ação igreja católica nestes casos. Ao contrário características do processo de recrutamento de
novas lideranças na área de Retiro Grande, assim como em outros lugares e comunidades no
Marajó feito pela igreja revelam a valorização do envolvimento comunitário e da participação
socio-política onde se destaca, principalmente, a atuação sindical e nos movimentos sociais.
Esta característica do processo de recrutamento de lideranças no Marajó é confirmada
pela líder comunitária I que em sua narrativa, faz referencia a lideranças que atuam em outras
comunidades e, que tiveram o mesmo processo formativo:
(...) a Bené era sindicalista e conseguiu ingressar na FETAGRI e é
representante do sindicato daqui na FETAGRI, o Diono trabalhou muitos
anos no de MOPEPA, começou na colônia, colônia de pescadores (...)
(depoimento comunitária I).
O papel das lideranças comunitárias foi fundamental na mobilização e organização das
comunidades rurais do Marajó, principalmente em um período onde as relações sociais eram
fortemente baseadas em um modelo de estrutura fundiária marcado pela concentração de
terras, no qual o poder econômico do fazendeiro ditava as regras a serem obedecidas, como
declara a líder comunitária em seu depoimento: “mas naquele tempo era uma necessidade
grande aqui, pois os fazendeiros tomavam conta de tudo aqui”.
Segundo a referida informante, a situação atual é muito diferente, principalmente
quanto ao acesso a informação, do que corria nas décadas de 70 e 80, nas quais este acesso
era possível através do trabalho da igreja que ao atuar na formação das lideranças
comunitárias, provia, também, um canal de comunicação para a comunidade, através,
primeiramente de seus próprios agentes como a Freira e o Padre da localidade, e,
posteriormente, pela ação das lideranças nas comunitárias:
114
(...) hoje não, está mais brando as coisas, os jovens tem mais acesso aos
meios de comunicação, a informação, mas naquele tempo era zero e o que
tinha de comunicação era o que a irMaria e o padre Rogério passavam
(...) (depoimento, líder comunitária I).
Aqui se pode observar claramente o papel informacional exercido pelo capital social
por seu potencial para melhorar os fluxos de informação, sobretudo quando mobilizado por
uma agencia mediadora, na medida em que possa prover os membros de uma comunidade
com relevante informação sobre as atividades de estado e por atuarem como um canal para a
decisão governamental, que adquire uma relevância crucial onde o acesso aos modernos
meios de comunicação é precário (LECHNER, 1999).
Como visto antes, a relevância do capital social como um indutor da participação e de
maiores graus de envolvimento social e comunitário reside na sua capacidade de prover a
comunicação política dentro de uma rede de relações sociais. Para alguns autores, inclusive, é
através desta comunicação que este capital se realiza, na medida em que se estabelece em
redes, as quais aumentam a probabilidade do engajamento e da participação política dos
indivíduos nela inseridos (COLEMAN, 1988).
No caso em questão, o papel informacional do capital social, pode ser observado
inicialmente na comunicação política realizada por intermédio dos agentes da igreja (Padre e
Freira) em Retiro Grande e em outras comunidades dessa região. Posteriormente, este papel
aparece na atuação das lideranças comunitárias que multiplicaram este trabalho nestas
localidades, o que teve um efeito de multiplicação dos agentes e de composição de uma rede
de contatos (comunicação) políticos.
A atuação desta rede teve uma dimensão ampla, na medida em que, a comunicação e a
discussão política que, por meio dela pode ser realizada, não tinha apenas um aspecto
quantitativo, mas, principalmente, qualitativo, no sentido da formação que visava também a
transmissão de conteúdos que implicassem o estabelecimento de pontos vista, constituição da
opinião e a elaboração da visão de mundo. Assim, a formação das lideranças comunitárias
envolvia um trabalho de educação política:
(...) e quando tinha as assembléias diocesanas e que ficávamos uma semana
em Belém e ai todo mundo começou a trabalhar o marxismo e que começou
a compreender um pouco essa igreja libertadora, dentro da igreja diocesana
vinham muitas pessoas a dar palestras ai as pessoas foram pegando o
gostinho (depoimento, líder comunitária I).
Neste processo formativo, onde nem a escola nem a escolarização desempenharam
qualquer papel relevante, o nível de informação e conhecimento político (expertise) gerado
115
tinha por objetivos a preparação para a uma atuação socio-política, que visava a continuidade
do trabalho de mobilização e organização dos moradores, realizado pela pastoral nesta região.
Este trabalho incluiu, entre outras coisas, a coordenação de atividades desenvolvidas para
tratar dos problemas locais (item 3.2 deste capítulo), que levaram, entre outras cosias, a
formação do grupo da horta.
Deste processo de formação das lideranças comunitárias resultou, também, uma
intensa atuação partidária, não apenas dos que foram para Retiro Grande, mas, também
daqueles que se dirigiram para outras comunidades desta região e outros municípios do
Marajó. Esta atuação se baseou, principalmente, partido dos trabalhadores (PT), o qual atraiu
um número significativo de indivíduos, entre aqueles que passaram pelo processo de
formação de lideranças da igreja. A militância partidária foi uma das conseqüências deste
trabalho de formação.
Nesta atuação constatou-se que estes indivíduos não apenas filiavam-se ao partido,
mas também, em muitos casos, procuram exercer atividades político-partidárias em seus
municípios que incluíam candidatar-se nas eleições locais, o que em diversas situações
resultou vários mandatos de vereador pela referida sigla partidária, permitindo, dessa forma,
uma inserção direta no poder público local.
(...) e não aqui, mas todo o Marajó tem muitas lideranças formadas pelas
igreja, como o Jucelino que parece que é o quarto o mandato do Jucelino
em São Sebastião que me parece que de nove vereadores, 07 são do PT,
todos formados pela igreja, isso quando agente fala de igreja é os jesuítas
(depoimento, líder comunitária I).
Assim, a formação de lideranças comunitárias igreja no Marajó ampliou a filiação
político-partidária ao partido dos trabalhadores (PT) e, possibilitou o surgimento de diversas
candidaturas, por meio deste partido, das quais várias resultaram em mandatos nas câmaras de
vereadores dos municípios do Marajó. Neste sentido, o trabalho político-partidário, por um
lado, aumentou o leque de possibilidades quanto à atuação desses indivíduos em prol das suas
comunidades e, por outro, colaborava na democratização do poder público local.
Contudo, muitas destas lideranças ao passaram a exercer atividades político-partidárias
que lhes abriram maiores possibilidades de atuação em favor de suas comunidades, para a
qual receberam a formação por intermédio da igreja, afastaram-se das atividades e dos
movimentos religiosos de origem de seu processo formativo. Este desligamento de sua
atuação inicial contribuiu, ao lado de outros fatores, para acarretar um declínio no processo de
formação de novas lideranças, pelos menos em Retiro Grande.
116
Esta situação pode ser observada na atuação da própria líder comunitária de Retiro
Grande que, como os outros, também filiou-se ao PT, passando a exercer concomitantemente
ao seu trabalho na localidade, atividades político-partidárias, pelas quais, pretende, do mesmo
modo, candidatar ao cargo de vereador na Câmara Municipal de Cachoeira do Arari. Além
disso, enfrentou problemas de ordem pessoal que, segundo ela, interferiram no seu trabalho
comunitário. Ao ser questionada sobre suas funções na igreja, respondeu:
(...) eu ainda sou coordenadora da igreja, mas vou me afastar, e quem
assume é o Wilson (professor de matemática da escola estadual), foi feita
uma eleição e as pessoas escolheram ele, tenho que me afastar porque, não
to tendo tempo, pois alem da candidatura e a separação ficou muito difícil
para mim, ter que trabalhar sozinha né (depoimento, líder comunitária I ).
Assim, enquanto este afastamento não ocorreu, esta líder local realizou as atividades
religiosas em seus requerimentos e exigências próprias, como o trabalho com o dízimo, as
práticas litúrgicas e na pastoral da criança. Nota-se que, no desempenho de suas incumbências
eclesiais, a referida informante declara procurar atualizar a mensagem religiosa, tanto no que
se refere ao aspecto da propriamente dita, como também em relação à dimensão social. Em
relação a estas questões afirmou que:
(...) nos fazemos comentários em cima do que está na bíblia, pois nos não
podemos viver a realidade de uma igreja que viveu a dois mil anos atrás, ai
fazemos uma comparação com o que foi aquele povo e o que somos hoje,
nos trabalhamos muito os atos dos apóstolos, com o antigo testamento e
com o evangelho e se amarra com a nossa vida, quem foi o maior político
da nossa historia? foi Jesus cristo (depoimento, líder comunitária I).
Contudo, mesmo este trabalho apresenta-se problemático, na avaliação da referida
liderança comunitária, que a ponta para um esvaziamento das atividades da igreja nesta
localidade, na medida em que, além do afastamento das lideranças das organizações eclesiais,
constata também um declínio no envolvimento dos demais, em decorrência do aumento da
atividade política, propriamente dita, em geral. Esta liderança chegou a admitir por vezes, que
o problema estaria na nova direção das atividades da igreja em Retiro Grande.
(...), mas a pastoral da criança, não estamos conseguindo resgatar, agora,
porque dentro da própria pastoral as lideranças não sei se cansaram ou se
desviaram pois para mim nesses dois anos para cá, parece que houve uma
quebra, não sei te dizer, mas desde que o prefeito local ganhou aqui,
começaram essas caixinhas, e envolviam todo mundo, e elas não tinham
mais tempo para desenvolver suas atividades da igreja, as vezes me
pergunto se não é a falta de um padre aqui, continua vindo bem gente para
igreja aqui, não sei, mas ta faltando alguma coisa aqui que eu não sei te
dizer o que é (depoimento, líder comunitária I).
117
Quanto à questão da nova direção das atividades da igreja em Retiro Grande, esta líder
comunitária declara que houve uma descontinuidade no trabalho que vinha sendo realizado,
pois os substitutos do Padre e da Freira que atuavam nesta localidade o mostraram
interesse, principalmente quanto à formação de novas lideranças para a comunidade, e nas
atividades de formação política. Nota, a referida líder, que estes substitutos o diocesanos,
enquanto os anteriores eram religiosos jesuítas (companhia de Jesus).
(...) deixa eu te dizer depois que o padre (...) e irmã (...) saíram daqui
estagnou a igreja que era uma a companhia de Jesus, e eles tinham um
tempo para ficar aqui, depois que eles saíram e entrou a diocese pra tomar
conta ela não deu continuidade nisso, ai agente observou que cada um foi
pra um lado né, você vê que dentro de um município hoje, tem várias
tendências, você a briga que esaqui (depoimento, líder comunitária
I).
Esta diferença deixa transparecer divergências, entre os próprios agentes religiosos,
quanto à concepção e o direcionamento que o trabalho comunitário da igreja deveria seguir,
principalmente no que se refere a sua atuação socio-política. Desse modo, a atuação da igreja
católica como agencia mediadora competente em tornar o capital social dos moradores de
Retiro Grande, assim como e de outras comunidades dessa região, politicamente relevante,
não foi uniforme nem homogênea.
Contudo, apesar dos problemas e conflitos verificados, o trabalho realizado, por freiras
e padres jesuítas, nessa região, resultou em promover a atuação da igreja à condição “agencia
mediadora competente”, na medida em que, efetivamente, pode imprimir uma relevância
política ao capital social dessa comunidade, disponibilizado pelos fatores de coesão nela
existentes. Mais do que isso, esta realização foi feita sem nenhuma vinculação à escola local
ou a algum processo de escolarização.
Quanto à escolarização, pode-se observar, claramente, que a mobilização socio-
política e a formação de lideranças comunitárias realizadas pela igreja, prescindiram deste
processo, e que sua ausência não impediu que surgissem líderes locais com efetiva atuação, os
quais não cumpriram requisitos escolares, nem obtiveram alguma certificação quanto ao nível
de escolaridade atingindo. Apesar disso, puderam desempenhar as atividades inerentes as suas
atribuições, o que, em muitos casos, ultrapassou os limites de suas comunidades.
A conseqüência deste processo de recrutamento de lideranças foi a existência de um
grande número de indivíduos a frente de movimentos sociais e, em atividades de caráter
político-partidário com baixos níveis de escolaridade. Especificamente na área de Retiro
118
Grande, só havia duas lideranças com ensino superior, sendo uma delas a líder comunitária de
Retiro Grande (licenciatura em matemática), a qual questionada sobre esta situação confirmou
a informação e ainda declarou que:
(...) a maioria não terminou o ensino fundamental completo, pois eu acho
que eles estagnaram, eles entraram no movimento, ainda tem o Ronaldo
que ta no MOPEPA, também é candidato a vice prefeito, entram no
movimento e se esqueceram de estudar entendeu?, Como eles viajavam
muito, nunca deram importância ao estudo deles (...) (depoimento, líder
comunitária I).
Nesta declaração observa-se o papel secundário do fator escolarização exerceu na
atuação desses indivíduos na área de Retiro Grande, assim como em outras comunidades e
municípios no Marajó. Apesar disso, realizam atividades diversas tais como sindicais, de
liderança político-partidária e outras. Nestes casos, questiona-se acerca das conseqüências da
baixa escolaridade sobre o desempenho dessas lideranças em seus espaços de ação. Quanto a
isso, a líder comunitária de Retiro Grande afirmou em relação a um dos vereadores:
O João Augusto está no terceiro mandato de vereador, uma pessoa
semianalfabeta, né, mas conseguiu a se candidatar por três vezes, ele é do
Anaraí e hoje ele é presidente da Camará também e é presidente da avim
(associação dos vereadores do Marajó) com essa pouca formação de escrita,
ele sabe entrar e sair de qualquer lugar, pois a formação política dele é
muito boa, e ele sabe se sustentar, se auto-sustentar (depoimento, líder
comunitária I).
O que se observa nesta declaração, é um esforço para demonstrar que a falta de
escolarização não se constituiu em obstáculo para este vereador no desempenho de suas
atividades político-partidárias. Ao contrário, ressalta a informante, que, apesar de sua
condição de semi-analfabeto, conseguiu candidatar-se por três vezes à representante
legislativo pela sua comunidade, e, em todas teve êxito, encontrando-se em seu terceiro
mandato, sendo, além disso, presidente da associação de vereadores do Marajó.
Se a escolarização não desempenhou qualquer papel relevante, no desenvolvimento da
participação socio-política e no aumento da capacidade organizacional dos moradores de
Retiro Grande e outras comunidades locais, qual foi, por outro lado, a contribuição que a
escola, implantada na área em questão por reivindicação dos seus membros, e o aumento nos
níveis de escolaridade nela oferecidos, teve para a mobilização e organização desses
indivíduos?
O que se pode observar nos relatos da líder comunitária, é que a implantação da escola
na referida comunidade, teve um impacto sobre o nível de escolarização de seus moradores,
119
que foi significativamente ampliado, principalmente no caso da nova geração, que mesmo
ainda jovem, apresentava uma defasagem na relação idade-série. Esta defasagem começou
a ser corrigida logo com a implantação das séries complementares do nível fundamental na
modalidade do ensino supletivo:
(...) primeiro com o ensino fundamental, pois não tinha o ensino médio,
com o supletivo entrou uma turma de 18 jovens que tinham mais de 20
anos, casados e que acharam no supletivo de terceira e quarta etapa, uma
forma de continuar estudar e que no tempo que concluíram, não tinha
ensino médio aqui, foram para Salvaterra estudar e se formaram como
professores e que hoje estão fazendo universidade, o são todos, mas uma
boa parte ta fazendo universidade, podemos dizer assim que ela ajudou sim
(...) (depoimento, líder comunitária I).
Assim, mesmo em seu período inicial, quando ainda o oferecia o ensino dio, a
escola implantada na área de Retiro Grande contribuiu decisivamente para promover uma
ampliação dos níveis de escolaridade de seus moradores. Isto ocorreu, na medida em que, os
jovens dessa comunidade que nela estudaram, ao concluírem o ensino fundamental,
continuaram os estudos, ainda que enfrentando grandes dificuldades, como visto no item
anterior, em outros municípios da região, alcançando o ensino superior.
Por outro lado, a implantação do ensino médio na escola local não resultou em
maiores níveis de participação política, particularmente entre os que nela estudam. O próprio
funcionamento da escola apresentava-se de forma precária, pois não havia envolvimento dos
pais nos problemas escolares dos seus filhos:
(...) eles mal cobram a falta de aula na escola, nas reuniões de pais e mestres
alguns pais só que vão, e quando os pais perguntam, como o filho deles esta
indo, não vão a fundo se aprofundar nas questões. É mais fácil aparecerem
os pais de outras comunidades na reunião (depoimento, líder comunitária
I).
A pesar disso, uma valorização da escola, na fala desta líder comunitária que é
compartilhada pelos moradores, mesmo que seja apenas pela ampliação das possibilidades de
escolarização, mesmo que o contribua para a formação política, mesmo que não seja a
melhor escola, sua importância é admitida para a melhoria das condições de vida na medida e
que é produtora de capital humano. Neste sentido, os moradores se mobilizaram para ter
educação formal para si próprios, seus filhos, netos, etc.
Eu não sei se foi a própria escola que fez isso, pois como te disse
anteriormente, o que a escola mudou foi a concepção dos jovens, pois nos já
temos pessoas fazendo universidade Mas o que mudou mesmo foi os
120
programas do governo federal , mas por outro lado existe uma preocupação
maior de colocar os filhos na escola, e essas bolsas ajudam. Uma mudança
de situação financeira, o teve, teve foi que as pessoas passaram a colocar
os filhos na escola para ganhar uma bolsa e essas bolsas dão uma
sustentabilidade (depoimento, líder comunitária I).
Essa valorização da escolaridade pode ser percebida em um discurso que concede
destaque para quem conseguiu atingir a formação escolar de nível superior, isto é para quem
conseguiu atravessar todas as etapas do processo de escolarização. Este discurso tem uma
perspectiva mais individualista, pois sendo a escola uma conquista da comunidade, a
escolarização que ela possibilita (capital humano) aparece como uma realização individual,
pessoal, sem retornos de caráter mais comunitário:
(...) a maior parte es fazendo universidade particular, mas tem alguns
fazendo universidade publica, o Armando que estava aqui, passou em
matemática na UEPA, uma outra filha daqui que passou em biologia, o
Sidney (coordenador da bolsa trabalho no município na SETER) que se
formou em matemática na UEPA, que estudaram aqui (esse menino estudou
ate a depois foi para Belém fazer ensino médio), o armando nunca saiu
daqui, e nem fez cursinho que conseguiu sempre pegando livro, teve gente
que fizeram turismo em Soure. Hoje mudou bastante, que antes era
difícil ate terem ensino médio, e antes que não tinha ninguém com nível
superior, hoje já mudou bastante (depoimento, líder comunitária I).
Assim, a implantação de uma escola em Retiro Grande o significou sua inserção no
contexto social de seus moradores, considerado em suas especificidades de comunidade rural,
suas características socioeconômicas, as dificuldades, carências e problemas enfrentados pelos
seus membros. Assim, apesar de ter se originado das reivindicações da comunidade local,
havia um distanciamento da vida comunitária e do processo de mobilização e organização que
possibilitou o surgimento do trabalho associativo.
Na verdade a escola funcionou na perspectiva tradicional da escolarização, isto é,
como fornecedora de certificação escolar, tendo em vista possibilitar o acesso de seus alunos
ao nível superior de escolaridade. Não havia outras possibilidades, pois foi implantada no
modelo da escola certificadora, o era uma escola rural, seu processo formativo o
apresentava características de uma educação voltada para o ambiente do campo e,
principalmente, estava desconectada de qualquer possibilidade de envolvimento socio-
político.
Quanto ao último aspecto, pode-se observar, nos relatos da líder comunitária de Retiro
Grande, a inexistência, apor recusa, de qualquer participação e/ou envolvimento do pessoal
da escola na vida social e política da comunidade, o que se apresentava com maior gravidade
121
entre os professores, particularmente quanto à recusa a participação, situação que é notória
naqueles que são contratados pela Secretaria de Educação do Estado/SEDUC. Quanto a isso, a
referida informante declara que:
(...) os professores que vem, principalmente, os contratados da SEDUC, tem
muito medo de envolver em política, tem pavor se meter em questão
política na escola, toda vez eles dizem: tem política?!, fora!. Agora de
todos esses professores que vieram e que não são daqui, a única que se
envolve e procura saber o que está acontecendo é a profa de geografia, pois
o restante não ta nem ai (...) (depoimento, líder comunitária I).
A recusa ao envolvimento socio-político, e a não participação nas questões de ordem
comunitária pelos professores, insidia amesmo sobre os problemas da própria escola, na
qual esta situação se tornava visivelmente conflituosa, inclusive deslocando-se para dentro
das salas de aula, na qual afetava a relação professor-aluno. Em alguns casos, chegavam a
postular uma clara separação entre a escola e o contexto social que envolvia a vida dos alunos,
negando qualquer relação ente ambos.
(...) nós tivemos uma discussão com o professor de história muito grande,
porque ele disse que ele não está nem ai para a vida do aluno lá fora, tirando
a sala de aula, ele não quer nem saber, isso foi uma coisa que fez ele sair,
quando tinha algum problema na escola e nós falávamos para ele que a
escola tinha que ajudar, ele disse que não que a comunidade é que tinha que
resolver e não a escola e com isso ele arranjou muito problema na escola,
com o meu próprio filho teve problema com lê, porque ele queria falar as
coisas e não queria que as coisas voltassem para ele quando ele tinha um
posicionamento e quando ele falava as coisas e quem tinha um pensamento
mais critico respondia, questionava ele não gostava, e ai tinha muita
confusão, ele não aceitava a critica dos alunos (depoimento, líder
comunitária I).
Desse modo, observa-se em todas em estas declarações que a escola de Retiro Grande,
apesar de ter sido implantada a partir da mobilização de seus moradores, que a reivindicaram
em sua luta para superar problemas e deficiências locais, não contribuiu para o aumento da
capacidade de organização desses indivíduos, nem para o desenvolvimento entre eles da
participação social e política. Ao contrário, por diversos momentos situou-se na contramão
deste processo, voltando-se contra o contexto de sua origem.
Outro aspecto importante da participação socio-política é a atuação da comunidade
nos conselhos escolares. Quanto a isso, deve ser lembrado que estes órgãos surgiram no início
da década de 80, no contexto do processo de redemocratização, com o objetivo de
democratizar as decisões educacionais. Neste sentido, estes conselhos geraram muitas
122
expectativas quanto à possibilidade haver uma verdadeira democratização da educação,
particularmente das relações no interior da escola pública (PARO, 2001).
Contudo, geraram também temores, dúvidas, receios, especialmente por parte dos
diretores escolares, que temiam a possibilidade de questionamento de sua autoridade,
principalmente em relação à forma pela qual a escola se estrutura internamente, quanto a
distribuição do poder e da autoridade na gestão do trabalho e das relações, o que demonstra
não estarem preparados para uma nova forma de organização escolar diferente do que até
então era praticado (ALMEIDA, 2006).
O papel dos conselhos escolares implica em uma gestão da educação em perspectiva
da escola como unidade coletiva de trabalho, o que impõe que o trabalho deve ser pensado
coletivamente num horizonte comum (CURY, 2000). Porém, ainda muitos problemas para
a efetivação desta perspectiva, um dos maiores de acordo com Paro (2001) é o fator de ser
tratado como órgão isolado no interior da escola o que, segundo o autor, evidencia um
funcionamento de caráter burocrático destes órgãos, e não na perspectiva democrática que
esteve na base de sua origem.
Na modalidade de atuação burocrática, conforme o referido autor, é destinado ao
conselho escolar um papel muito limitado no qual sua ação se restringe a de um avalizador da
administração dos diretores, principalmente, por meio da prestação de contas, atuando como
mero ratificador do processo. Desse modo, não se constituem como instâncias de decisão
superiores às direções, na medida em que exercem apenas uma função de assessoramento ou
colaboração da gestão da escola (GONÇALVES, 1994).
Em Retiro Grande, as possibilidades de participação da comunidade nos conselhos
escolares ocorrem em duas instâncias, pela escola estadual e pela municipal, pois ambas
possuem conselhos, embora o tenham regimento próprio. O funcionamento da primeira
rege-se pela regra do próprio conselho estadual e, no município, a escola funciona com o
regimento da Secretaria Municipal de Educação, tudo é dirigido pelo município e não pela
escola.
Em sua composição, os ambos os conselhos escolares são formados por professores,
alunos, direção, servente e/ou vigia (apoio), um membro da comunidade, pai de aluno, uma
pessoa da comunidade que não tenha filho na escola. Esta composição revela uma certa
preocupação com a representatividade dos conselhos embora isto não signifique que estejam
isentos de problemas, e que todas as suas decisões sejam, de fato, representativas dos
interesses da comunidade.
123
Estes conselhos se reúnem e trabalham sobre as mesmas questões em seu âmbito de
competência, entre as quais estão as que tratam da aplicação dos recursos que as escolas
recebem, conforme as exigências de como podem ser gastos. Os conselhos decidem o que vai
ser adquirido, determinado o que fazer com o dinheiro recebido. Contudo, conforme declara a
líder comunitária de Retiro Grande, a atuação desses conselhos resume-se a esta função, e,
uma vez realizada ficam, praticamente inativos.
Desse modo, o espaço de ação em ambos os conselhos escolares é bastante restrito
para uma participação mais ampla da comunidade, principalmente no que se refere à extensão
de suas atividades, mas, também, observam-se limitações quanto aos participantes. Neste
caso, a situação apresenta-se desigual, pois, segundo a referida informante o conselho da
escola do município funciona melhor, e nele a comunidade tem uma representante que é
professora do jardim e integrante da horta comunitária.
Ao contrário do que ocorria na escola municipal, a situação do conselho escolar da
escola estadual, a que foi instalada em Retiro Grande, era inferior quanto a uma atuação
participativa. Segundo a referida informante, a composição deste conselho era influenciada
pelos membros de sua direção, que procuravam atrair para seus postos, pessoas que tivessem
uma perspectiva favorável as suas opiniões quanto às decisões que deveriam ser por eles
tomadas. Assim, a influencia da comunidade sobre sua atuação seria pouco efetiva.
Assim, observa-se que o funcionamento de ambos os conselhos escolares não se
baseia na perspectiva da democratização das decisões no interior da escola, mas apresentam
uma atuação burocrática, conforme Paro, pois se restringem a fazer a prestação de contas,
sendo que seu poder decisório e limitado a estabelecer o que será adquiro como os recursos
destinados às escolas. No caso de Retiro Grande, a direção escolar procurava controlar a
indicação de membros para os conselhos, o que revela um temor com a possibilidade de
questionamento de sua autoridade, principalmente na gestão do trabalho e das relações
escolares.
Além dos conselhos escolares, o conselho da merenda escolar em Cachoeira do
Arari, no qual 06 anos atrás havia uma representante de Retiro Grande. Esta representação
continua de forma indireta, pois, segunda a líder desta comunidade, a pastoral da criança que
é mais forte neste município, atua neste conselho e representa a referida comunidade.
Também existe um outro problema, é o horário das reuniões geralmente à noite, o que
dificulta presença de um representante direto da comunidade.
Outro aspecto da participação política é o envolvimento em protestos, mobilizações de
rua e outras formas de manifestações. Quanto a isso, a líder comunitária admite que ainda é
124
baixo o vel de envolvimento dos moradores, e os grupos políticos dessa região encontram-
se muito divididos, com pouca atenção para as questões de ordem comunitária:
(...) aqui eu vejo muito como individualista a política aqui, cada grupo puxa
mais para si então ele procura se movimentar para aquilo para si, isso
entre todos os grupos do mais novo ao mais velho, eu vejo poucas pessoas
que trabalham pela educação, pela saúde, mas é mais mesmo aqueles
grupinhos (depoimento, líder comunitária I).
No caso de protestos e manifestações políticas a participação popular é muito pequena,
e basicamente não se acompanha o trabalho dos representantes eleitos da câmara municipal,
ainda assim, pode-se verificar alguma ocorrências de mobilização quando se trata de conflitos
relacionados à posse de terras:
Teve um protesto no ano passado para soltarem um senhor que estava preso,
o único vereador que estava presente era o Maneco , pois ele estava com o
grupo do sindicato né, devido a conflito de terra com fazendeiro (ele era do
Gurupá comunidade), mas tinha pessoas de várias comunidades. A
mobilização foi organizada pela ONG AMAI (depoimento, líder
comunitária I).
Neste caso referido pela líder comunitária, se observa que no processo de mobilização
que reuniu “pessoas de varias comunidades” e resultou em manifestação de protesto, a
atuação da ONG AMAI, com apoio de lideranças políticas e sindicais. Novamente, o que se
destaca, não é o nível de escolaridade dos indivíduos nem a atuação da escola na comunidade,
mas o trabalho de organização no qual se papel das lideranças locais formadas pela igreja
católica, no favorecimento a participação social política nesta área.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A participação sócio-política, o envolvimento em questões de ordem comunitária e a
capacidade de organização dos indivíduos para agirem coletivamente em seu próprio
benefício, sejam em área rurais ou urbanas, em grandes ou pequenos agrupamentos, têm sido
objeto de diversos estudos que procuram explicações em perspectivas de análise adotadas
conforme as orientações de pesquisa. Nestes estudos, alguns fatores são apontados como
indutores ou facilitadores destes processos, entre os quais se destacam: a escolarização e o
capital social.
Aqueles que atribuem um papel relevante ao primeiro consideram que o nível de
escolarização dos indivíduos é determinante para qualquer possibilidade de participação
social e política, para o desenvolvimento do interesse em questões de natureza coletiva e, para
125
o envolvimento em processos de mobilização e organização que ultrapassem os limites de seu
auto-interesse. Nesta perspectiva, quanto maior o nível de escolarização, maior a propensão à
participação e ao engajamento, começando a inflexão positiva a partir do nível médio de
ensino.
Para os que admitem um papel relevante ao segundo, o capital social é um fator
fundamental para o desenvolvimento da capacidade organizacional dos indivíduos, e seu
envolvimento em questões ordem coletiva, no que concerne a participação social e política.
Para estes analistas, o capital social acumulado pelos agrupamentos humanos poderia gerar
estes efeitos em decorrência de duas situações; da natureza das redes sociais criadas ou da
existência de uma agencia mediadora competente.
Nesta perspectiva, ambas as situações estariam ligadas a possibilidade do capital social
se tornar politicamente relevante, isto é, de transformá-lo em recurso de mobilização e
organização dos indivíduos para fins de participação e engajamento sócio-político, o que
ocorre pelo aproveitamento do seu potencial de ação coletiva. Nos dois casos, este
aproveitamento poderia se feito por meio da disseminação da comunicação e da discussão
política entre os envolvidos, oportunizando eventos e processos participativos.
A comunidade de Retiro Grande está situada no município de Cachoeira de Arari, na
microrregião do Arari e meso-região do Marajó no Estado do Pará. O processo de ocupação
dessa região é antigo e sua economia baseia-se, na produção rural, estando ligada à
propriedade da terra para a criação de gado (bovino e bubalino) e, em menor escala, na
agricultura, constituída, principalmente a de pequenos produtores.
Historicamente, o município originou-se de fazenda estabelecida, no século XVIII, em
frente a uma cachoeira no rio Arari, da qual surgiu uma freguesia que anos depois foi elevada
à condição de vila, e, posteriormente, a de municipalidade. Ao longo dos séculos: XIX e XX
sofreu uma intricada evolução institucional na qual suas características nominais e territoriais
foram sendo alteradas sucessivamente a estabilizar-se na atual denominação e status
político-administrativo.
O meio ambiente da ilha do Marajó é constituído de dois diferentes ecossistemas onde
se destingem os lados leste e oeste, o primeiro é uma área de planície (campos), o lado oeste
abrange é coberto por densa floresta, no qual atividade econômica se divide entre práticas
extrativistas e de agricultura de subsistência. A estrutura fundiária é marcada pela da
concentração de terras, principalmente na região dos campos, controlada por poucos e grandes
proprietários que praticam a pecuária extensiva e pela dependência dos pequenos criadores.
126
Em Retiro Grande, que apresenta características muito similares as indicadas a cima,
os moradores se dividiram dois grupos (o grupo da horta ou das mulheres e Jacaretuba) muito
diferentes entre si do ponto de vista de sua capacidade de mobilização e organização, e,
participação sócio-política, a despeito de viverem sob as mesmas condições socioeconômicas
e enfrentarem problemas semelhantes. Em geral, as famílias se dedicam a atividades
produtivas próprias da economia rural dessa região.
Esta divisão foi provocada por divergências na forma de encaminhar ações (através do
trabalho coletivo) para a solução seus problemas, reforçadas por diferenças de identidade,
interesses e valores que foram surgindo e sendo aprofundados com o tempo, gerando conflitos
e a recusa de participação nas atividades empreendidas. O rompimento entre eles concretizou-
se quando alguns desses moradores separam-se do grupo inicial passaram a agir,
independentemente, na busca soluções para os problemas locais constituindo o grupo de
Jacaretuba.
Uma vez constituído o grupo, os moradores a ele ligados passaram a desenvolver,
separadamente, suas próprias formas de encaminhar ações para obtenção de recursos o que
aprofundou o conflito existente, na medida em que passaram a disputar por projetos e
benefícios para o local. A ação desses moradores se caracterizou pela rejeição de práticas
associativas e pelo estabelecimento de suas próprias redes de contatos, nas quais prevaleceu a
relação individual a apropriação e a exploração familiar dos benefícios obtidos.
O grupo da horta surgiu a partir da atuação da igreja católica, por meio pastoral da
criança que mobilizou e organizou seus moradores, incentivando o envolvimento em
empreendimentos comunitários com o objetivo de gerar, no próprio local, recursos para
atender a algumas de suas necessidades tais como creche comunitária, produção de alimentos
e medicamentos fito-terápicos (horta comunitária). Além disso, incentivou a participação em
conselhos, associações e sindicatos, assim como favoreceu, por meio da formação de
lideranças, a promoção de candidaturas de membros da comunidade nas eleições para o
executivo e o legislativo municipal.
Em Retiro Grande, o grau de escolarização dos moradores do grupo da horta era maior
entre as mulheres, em Jacaretuba, era mais baixo e mais homogêneo. Ambos os grupos
compartilhavam de precárias condições de infra-estrutura (água potável, deslocamento de
pessoas, escoamento da produção, etc.), assim como apresentavam deficiências quanto ao
fornecimento de serviços públicos essenciais tais como: educação, energia elétrica saúde, que
se tornam ainda mais alarmante nas situações de doenças.
127
Além disso, somavam-se aos problemas de saúde pública (doenças tropicais,
desnutrição), altos índices de mortalidade infantil, dificuldades de acesso à educação e poucas
oportunidades de escolarização, problemas de acesso a crédito, ao financiamento da produção
etc. também o havia acesso a postos de saúde, sendo necessário, para isso deslocar-se ao
Município de Salva-terra ou a Belém. Assim, quanto às características socioeconômicas
observam-se similaridades das condições e diferenças (na organização) modo de
encaminhamento das soluções.
Na literatura que trata das questões da participação socio-política, do envolvimento
comunitário e da capacidade de organização dos indivíduos para agirem em benefício
coletivo, as explicações giram em torno da escolarização ou do capital social como os
elementos indutores ou facilitadores destes processos. No primeiro caso, é estabelecida uma
relação diretamente proporcional entre os níveis de escolarização e o de participação política e
engajamento em questões públicas (organizacionais, comunitárias).
Na perspectiva da escolarização, estas tendências antiparticipativas, restritivas ao
envolvimento e engajamento social e político só podem ser superadas pela ampliação dos
níveis de escolaridade dos indivíduos. A escolarização seria o fator fundamental dos
processos de mudança social via engajamento sócio-político dos indivíduos. Contudo esta
perspectiva é questionada, pois o baixo nível ou a ausência de escolarização não implica
necessariamente em baixos veis de participação política. O conhecimento e a expertise são
importantes para o engajamento dos cidadãos, mas há outros fatores envolvidos.
Neste caso, trata-se do capital social, um recurso de sociabilidade que pode ser
produzido por fatores de coesão e por redes de relacionamentos, pelo qual, outros recursos
podem ser acessados e acumulados tais como: capital humano, econômico, para a produção de
bens coletivos gerados para benefício comum. Desse modo, pode ser algo possuído pelo
indivíduo ou por comunidades, nas quais está, basicamente, ligado à capacidade de
mobilização e organização de seus membros.
O capital social torna possíveis as ações coordenadas, porém, a acumulação e
manutenção deste recurso dependem de estratégias de investimento, coletivo ou individual
sem o qual pode enfraquecer com o tempo. Também, o capital social tem um importante lado
negativo, pois, os mesmos laços sociais que capacitariam os membros de uma comunidade
para operarem juntos podem, ao mesmo tempo, excluir pessoas de fora do grupo.
Contudo, a relação entre capital social e participação sócio-política não é automática, a
possibilidade de torna-se politicamente relevante depende de aspectos de sua estrutura
constitutiva. O diferencial reside na possibilidade de propiciar a comunicação política dentro
128
de uma comunidade ou rede de relacionamentos ou quando mobilizado por agentes
mediadores competentes que ajudam comunidades a se conectarem com o processo de
decisão pública. Neste sentido, ele não é suficiente, mas necessário, para a participação, não
favorece, nem é obstáculo para tal, apenas fornece os recursos que tornam a ação coletiva
possível.
Entre os moradores de Retiro Grande, as fontes de capital social foram os fatores de
coesão que agregavam, mais ou menos intensamente, os moradores desta comunidade. Nos
grupos estudados estes fatores resultavam de semelhanças no modo de viver dos seus
moradores. No grupo da horta estas semelhanças estavam presentes na organização das
atividades produtivas que eram realizadas coletivamente, como a criação de animais de
pequeno porte, a prática de cultivos consorciados, pesca, caça e extrativismo.
Outro elemento de semelhança encontrado entre as famílias ligadas a este grupo é o
catolicismo que, como um valor religioso compartilhado, favoreceu a um maior envolvimento
comunitário. Estas famílias compartilhavam, também, das condições socioeconômicas tais
como vel de renda familiar e de escolaridade, os padrões construtivos de residência, o
mesmo tamanho de área possuída pelas famílias (2,5 hectares), o baixo nível tecnológico dos
processos de trabalho, que geravam semelhanças de condições.
Por outro lado, porém, o capital social pode excluir quando os fatores de coesão
(elementos que agregação) não são compartilhados, o que ocorreu em relação aos moradores
que formaram o grupo de Jacaretuba. Estes apresentavam divergências quanto a: valores
religiosos, Igreja Evangélica x Igreja Católica; comunitários: atitude individualista e
predominância de arranjos familiares nas atividades produtivas; objetivos não compartilhados
principalmente quanto ao trabalho associativo.
Em conseqüência, generalizou-se entre estes moradores e aqueles ligados ao grupo da
horta, a desconfiança quando as possibilidades de ambos se envolverem em projetos coletivos
comuns para a localidade. Com isso, o houve níveis elevados de envolvimento comunitário
com aqueles que se reuniram no agrupamento Jacaretuba. Além disso, uma vez constituído
este grupo, seus membros apresentaram características de pouca capacidade organizacional e
de baixo nível de participação e engajamento comunitário.
O grupo da horta se originou da atuação da igreja católica na área de Retiro Grande
por meio de religiosos jesuítas que trabalharam na pastoral da criança, desde os fins dos anos
60 até o final da cada de 80, estimulando os movimentos sociais, a filiação partidária e
sindical. Um aspecto fundamental desta atuação para a mobilização e organização dos seus
moradores foi o trabalho de formação de lideranças comunitárias para a região. Por esta
129
atuação a Pastoral da Criança se constituiu como um “agencia mediadora competente”, para o
capital social dessa comunidade.
O incentivo a sindicalização e a reivindicação de direitos pelos moradores criaram
uma base inicial de envolvimento nas questões de interesse coletivo que foi desenvolvida,
mais adiante, nas ações coletivas da comunidade. Estas ações foram concretizadas em várias
formas de trabalho associativo, que foi a origem do chamado grupo da horta, um conjunto de
residentes desta localidade que por intermédio da ação da igreja realizou empreendimentos
locais para a produção de recursos e serviços que atendessem a algumas das suas
necessidades.
A primeira parte deste trabalho começou em 1986 com a formação de um clube de
mães, que funcionou, também, como creche/jardim da infância onde executavam trabalhos
manuais (bordado, crochê), cujos produtos eram postos à venda, sendo a renda dividida entre
seus participantes. O clube obteve auxilio da LBA, e implantou uma padaria. A criação do
clube, e a diversificação de suas atividades ultrapassaram os seus objetivos iniciais,
aumentando a capacidade de organização dos moradores.
A organização do clube de mães foi possível na medida em que reuniu indivíduos com
modos e condições de vida semelhantes: compartilhavam os problemas e valores religiosos:
fatores de coesão que geraram um capital social específico. A agência mediadora direcionou-
os para além de seu objetivo inicial levando-os a um maior envolvimento comunitário.
Neste sentido, o trabalho no clube de mães funcionou, também, como um meio de
agregação dos moradores, e, portanto como mais um fator de coesão, na medida em que
reunia os indivíduos em torno de atividades comuns exercidas coletivamente, multiplicando
seus efeitos aglutinadores. O trabalho na creche/jardim revelou, para seus participantes outro
problema da comunidade: a desnutrição infantil, uma das causas dos altos índices de
mortalidade infantil em todo o município de Cachoeira.
Para combatê-la, um novo esforço coletivo foi realizado: o cultivo de uma pequena
horta em regime de mutirão ou ajuda mútua. A mão de obra empregada foi
predominantemente feminina: mães e professoras da creche/jardim iniciaram o trabalho em
1996. Produziam, também, com a ajuda das freiras, remédios fito-terápicos, para diminuir os
problemas de saúde da comunidade. Aprenderam a cultivar plantas medicinais e a elaborar a
multimistura para o combate a desnutrição infantil.
Produziam sopa e pão para a creche e, com ajuda da prefeitura, levaram esta produção
para a escola local. Com o crescimento da demanda pelos serviços, reivindicaram e obtiveram
da prefeitura a doação de 01 hectare, posteriormente mais 02 hectares e, depois mais 01
130
hectare. Esta ampliação foi uma conquista do grupo da horta, além de outras: conseguiram
com a ONG AMAI abrir um poço artesiano comunitário. Com o projeto de desenvolvimento
local , mudas de macaxeira e banana, sementes e o cata-vento, passaram a lutar pela casa de
farinha.
A criação da horta comunitária foi o marco fundamental na mobilização e organização
dos moradores que compartilhavam dos fatores de coesão dessa comunidade, dando origem
ao grupo designa pelo mesmo nome. O trabalho foi coordenado pela líder comunitária. No
entanto, o movimento diminuiu com o tempo, restando apenas à metade dos seus
participantes. A horta ainda funciona com o trabalho das mulheres sob nova direção. A creche
não teve continuidade por falta de recursos.
A mobilização dos moradores do ligados ao grupo da horta culminou na criação da
Associação dos Trabalhadores Rurais de Cachoeira do Arari - ASTRUCA, ligada ao STR
deste Município. A capacidade de mobilização e organização do grupo da horta lhes conferiu
a liderança na instalação de projetos comunitários o que levou os moradores ligados a
Jacaretuba a criar a sua própria associação, ASPRORG, sigla da Associação dos Produtores
Rurais de Retiro Grande, lançada no ano de 2000 sem relação com outras formas associativas.
Em 1993, foi instalada uma escola na área de Retiro Grande, em atendimento às
reivindicações dos seus moradores, com o apoio da pastoral. Inicialmente, apenas as series
iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª séries) eram ministradas, em 1997, foram acrescidas as
séries complementares de a 8ª, e em 2004, o ensino médio. Todo o processo de instalação
foi feito por convênio entre o governo estadual e a prefeitura. Contudo, a escola não atendeu
as exigências de funcionamento, principalmente no caso do ensino médio.
Neste sentido, todo trabalho associativo desenvolvido da comunidade de Retiro
Grande, assim como, a conquista de uma escola para a localidade e da ampliação dos níveis
de ensino nela ministrados, resultaram do aumento da capacidade de organização e
mobilização de seus moradores. Este aumento foi produzido pela confluência de duas
situações: primeiro a existência de capital social gerado pelos fatores de coesão da
comunidade e a atuação de uma agência mediadora competente (igreja católica) que lhe
conferiu um caráter politicamente relevante.
Neste processo, o papel da escolarização foi totalmente secundário ou mesmo
inexistente, pois o nível geral de escolaridade desses indivíduos era baixo (primeiras séries do
ensino fundamental), portanto, não relevante, uma vez que, conforme a literatura
especializada, esta relevância passaria a ocorrer a partir do vel médio. Na formação do
grupo da horta e nas divergências e conflitos que levaram a formação do grupo de Jacaretuba,
131
a relevância foi do capital social em vista das características de suas fontes constitutivas
(fatores de coesão).
Do mesmo modo, a escolarização formal não foi relevante na formação das lideranças
locais que prescindiu de requisitos escolares e de certificações de escolaridade. Isto não
impediu que surgissem líderes com efetiva atuação, desempenhando as atividades inerentes as
suas atribuições, ultrapassando, em muitos casos, os limites de suas comunidades. Por outro
lado, a implantação da escola nesta área não ajudou a promover processos participativos entre
os seus moradores, nem contribuiu para o aumento da sua capacidade organizacional.
A igreja católica, por meio da pastoral da criança na atuação de religiosos jesuítas, foi
uma “agencia mediadora competente”, na medida em que foi capaz de tornar o capital social
desses moradores politicamente relevante, ao difundir a discussão e a comunicação política.
Neste sentido, teve dupla atuação: diretamente na promoção do trabalho associativo,
mobilizando e organizando os moradores em atividades produtivas (clube de mães, creche,
horta) e na formação de lideranças comunitárias para a localidade.
Da atuação das lideranças resultou, também, uma intensa atividade partidária,
particularmente no partido dos trabalhadores (PT), em Retiro Grande e em outras
comunidades e municípios do Marajó, o que resultou em vários mandatos de vereador pela
referida sigla partidária, permitindo, dessa forma, uma inserção direta no poder público local.
Este desenvolvimento de atividades político-partidárias tem, também, ligações indiscutíveis
com o trabalho jesuítico na pastoral da criança nesta região.
A implantação da escola em Retiro Grande propiciou um aumento no nível de
escolaridade de seus moradores, principalmente no caso da nova geração, que apresentava
uma defasagem na relação idade-série. Porém, a expansão do nível de escolarização em
conseqüência da implantação do ensino médio na escola local, não resultou em maiores níveis
de participação política e engajamento comunitário, funcionando de forma precária, pois não
houve envolvimento da comunidade nos problemas escolares.
Neste sentido, valoriza-se a escola na sua função de produzir de produtora de capital
humano, na medida em que isso é tido como condição necessária para a melhoria das
condições de vida das pessoas. Esta perspectiva é individualista, pois sendo a escola uma
conquista da comunidade, a escolarização a aparece como uma realização individual, pessoal
do que estudaram, sem retorno de caráter mais comunitário. Neste sentido, os moradores se
mobilizaram para terem educação formal, assim como para seus filhos e netos.
Dessa forma, a escola desta localidade não foi inserida no contexto social de seus
moradores, e, apesar de ter se originado das reivindicações da comunidade, um
132
distanciamento da vida comunitária, do processo de mobilização, organização e do trabalho
associativo. Seu funcionamento baseia-se perspectiva tradicional da escolarização, como
fornecedora de certificação escolar, para, em alguns casos possibilitar o acesso de seus alunos
ao nível superior de escolaridade (aumento da escolarização).
Por outro lado, sendo Retiro Grande uma comunidade rural, a escola local não é rural,
uma desvinculação intencional, resultante de uma recusa a qualquer participação ou
envolvimento pelo pessoal da escola na vida social e política desta comunidade,
principalmente entre os professores que são contratados pela Secretaria de Educação do
Estado/SEDUC. Este recusa incluiu, até mesmo, o envolvimento nos problemas propriamente
escolares, chegando a postularem uma clara separação entre a escola e o contexto social que
envolve a vida dos alunos.
Em conseqüência, não houve envolvimento da comunidade com a escola, o que foi
observado no funcionamento dos conselhos escolares, particularmente em Retiro Grande,
onde mesmo os moradores ligados ao grupo da horta tiveram pouca participação. Esta
situação resultou, em primeiro lugar, do espaço restrito para uma atuação efetiva da
comunidade nestes conselhos que eram apenas órgãos burocráticos, ratificadores das decisões
das diretorias.
Em segundo lugar, houve um declínio da atuação da Pastoral da Criança como agencia
mediadora competente para a mobilização do capital social em direção a uma perspectiva
mais participativa, quando houve a substituição dos religiosos jesuítas pelos diocesanos. Do
mesmo modo, muitas das lideranças afastaram-se de suas atividades religiosas originais para
dedicarem-se exclusivamente a uma atuação político-partidária.
Esta situação atesta, muito claramente, que o capital social detido pelos moradores de
Retiro Grande exigiu a atuação de um agente mediador competente para mobilizá-lo no
sentido de gerar maior envolvimento comunitário. Especificamente, no caso do grupo da hora
desta comunidade, foi uma condição necessária, pois quando este agente, a Pastoral da
Criança ausentou-se, houve um declínio nos processos organizacionais e participativos dos
moradores ligados ao grupo.
Por outro lado, este declínio ocorreu no momento em que passa haver uma ampliação
nos seus níveis de escolarização, principalmente a partir da instalação do ensino médio na
escola local o que reforça a tese de que apesar de sua importância no desenvolvimento de
processos participativos a educação formal é uma condição necessária, mas outras questões
precisam ser consideradas para que esta gere os efeitos que se espera no desencadeamento da
participação política.
133
A ampliação dos processos participativos esta fortemente relacionada com a
escolarização, mas não com qualquer escolarização, Níveis mais elevados de escolarização
não desencadeiam necessariamente processos participativos mais amplos, o aspecto é mais
qualitativo do que quantitativo.
Neste sentido é preciso que seja superada uma perspectiva puramente formalista da
escolarização, isto é daquela que se baseia em uma perspectiva de educação puramente
certificadora, de concessão de títulos e graus escolares, que ainda que seja de reconhecida
importância, precisa estar vinculada a uma concepção de educação que promova a
participação e reconhecendo o papel dos diversos atores escolares em seu processo. Neste
sentido isto implica, também em superar uma concepção puramente burocrática de
participação
Por outro lado, o capital social, como único fator de indução a participação apresenta
efeitos limitados quanto as suas possibilidades de êxito, situação observada em Retiro Grande,
onde atuação de uma agencia competente possibilitou mobilizar inicialmente o seu capital
social, tendo êxito em introduzir novas atividades produtivas na comunidade. Contudo a
organização dos moradores em torno de novas formas de trabalho associativo não significou
uma efetiva ampliação da participação social e política nesta comunidade.
A introdução de novas atividades produtivas na comunidade significou a elevação dos
níveis de coesão e integração social na medida em provou o aumento da participação nas
questões de interesse comunitário destes moradores. Contudo estes veis de integração o
foram suficientes para suscitar processos mais amplos de participação social e política como
se pode observar no caso da escola
A mobilização da comunidade o teve continuidade com a saída da pastoral da
criança desta localidade, e as próprias lideranças se dispersaram. Neste sentido, o capital
social é um importante recurso de mobilização social e comunitária, contudo, como está
fortemente condicionado para os propósitos para os quais foi constituído, seu emprego para
outros objetivos depende da intervenção de outros fatores.
É neste ponto que entra o papel da escolarização, quando ocorre nas bases de uma
concepção da educação que supere o formalismo burocrático e se abra para a participação dos
atores escolares e seja inserida em seu contexto social mais amplo,neste sentido a educação
pode ampliar o capital social de indivíduos e comunidades, construindo redes mais densas de
integração societária, gerando espaço e incentivos para níveis mais amplos de participação
sócio-política.
134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABU-EL-HAJ, Jawdat. Debate em Torno do Capital Social: Uma revisão crítica. Revista
Brasileira de Informação Bibliográficas em Ciências Sociais. ANPOCS. BIB, 47. Rio de
Janeiro: Relume/Dumará. 1º semestre de 1999.
ALMEIDA, Alberto Carlos. A cabeça do brasileiro. – Rio de Janeiro: Record, 2ª ed., 2007.
ALMEIDA, Janaina Aparecida de Mattos. Os Conselhos Escolares e o Processo de
Democratizaçâo: história, avanços e limitações. Dissertação de Mestrado: UFPR. Curitiba,
2006.
ALMOND, G. e VERBA, S. The Civic Culture Revisited. Newsbury Park, Ca., Sage
Publications.1981
ARROYO, Miguel G. Oficio de Mestre: Imagens e auto- imagens. Petrópolis: Vozes. 2002.
BANFIELD, E. The Moral Basis of a Backward Society. New York, Free Press. 1967.
BAQUERO, M. Desconfiança como Fator de Instabilidade Política na América Latina, in
Baquero, M., H. Castro e R. González (eds.), A Construção da Democracia na América
Latina: Estabilidade Democrática, Processos Eleitorais, Cidadania e Cultura Política.
Porto Alegre, Ed. da Universidade/UFRGS, 1998.
BECKER, G. Human capital. New York: National Bureau of Economic Research, 1964.
BORGES, Fabrício. Estudo da cadeia produtiva de pecuária bovina de corte. Dissertação
(Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Universidade Federal do Pará, 2001.
BERMAN, S. Civil society and the collapse of the Weimar Republic. World Politics, 49, 401-
429. 1997a
BERMAN, S. Civil society and political institutionalization. American Behavioral Scientist,
40, 562-574, 1997b
BOURDIEU, Pierre. The Forms of Capital. In: J. E. Richardson (ed.), Handbook of Theory
of Research for the Sociology of education (Greenword Press, 1986). 241-58.
BOURDIEU, Pierre. O capital social - notas provisórias. In: NOGUEIRA, Maria Alice;
CATANI, Afrânio (Org.). Pierre Bourdieu. Escritos de educação. Petrópolis, RJ: Vozes,
1998.
CAYRES, Guilhermina Vieira. Nazarenos e Marias do Rio Capim: relações de nero em
uma comunidade amazônica. Dissertação/NAEA, 1999.
CASTILHOS, Dino Sandro Borges de. Capital Social e Políticas Públicas: um estudo da
linha infraestrutura e serviços aos municípios do Programa Nacional De Fortalecimento
da Agricultura Familiar. Série PGDR, Universidade Federal do Rio Grande do Sul -
Dissertação n.º 013, Porto Alegre, 2002.
COLEMAN, J. C. Social capital in the creation of human capital American Journal of
Sociology 94: S95-S120, 1988.
COLEMAN, J. The Foundations of Social Theory. Harvard University Press, Cambridge,
1990.
COLLIER, Paul. Social Capital And Poverty. Washington, D.C.:World Bank. 1998
DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo, 1999.
135
FLORA, Jan L. Social Capital and Communities of Place. In: Rural Sociology, 63., 1998. p.
481-506. Disponível em <http://poverty.worldbank.org/files/4183_flora1.pdf>. Acesso em
01/11/2007.
FUKUYAMA, Francis. Social Capital and the Global Economy. Foreign Affairs 74 (5):
1995, p 89-97.
FUNDAÇÃO IBGE. Contagem da população. Rio de Janeiro, IBGE, Diretoria de Pesquisas
/ Departamento de População e Indicadores Sociais. IBGE, 1996.
GAMBETTA, Diego. The Sicilian Mafia: The Business of Private Protection.
Cambridge:Harvard University Press.1993.
GONÇALVES, M. D. de S. Autonomia da escola e o Neoliberalismo: Estado e Escola
Pública, 12 - 13. Tese de Doutorado, PUC/ SP, 1994.
GRANOVETTER, Mark. The Economic sociology of firms and entrepreneurs. In
PORTES, Alejandro.(ed.) The economic sociology of immigration:essays on networks,
ethnicity and entrepreneurship.new york:russell sage foundation.1995.
HUCKFELDT, R., & SPRAGUE, J. Citizens, contexts, and politics. In A. W. Finifter (Ed.),
Political science: The state of the discipline (pp. 291-304). Washington, DC: American
Political Science Association, 1993.
IBGE. Censo demógrafico 2000: resultados do universo, população residente, por situação do
domicílio e sexo, segundo as grandes regiões e as unidades da federação - Brasil - grandes
regiões. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 30 jun. 2002.
KRISHNA, Anirudh. Enhancing Political Participation In Democracies What is the Role of
Social Capital? In: Comparative Political Studies, Vol. 35 No. 4, May 2002
LAKE, Ronald La Due; HUCKFELDT, Robert. Political Psychology, Vol. 19, No. 3, Special
Issue: Psychological Approaches to Social Capital. Sep., 1998, pp. 567-584.
LEÃO, Carlos Alberto. Cooperativismo na Ilha do Marajó. Monografia. (Aperfeiçoamento/
Especialização em Fipam), Universidade Federal do Pará/ NAEA, 1999.
LECHNER, N. 1999. Desafíos de un desarrollo humano. Santiago de Chile: Programa de las
Naciones Unidas para el Desarrollo. http:// ww.pnud.cl. Acesso em: jun.2003.
LIMA, Jacob Carlos. A Teoria do Capital Social na Análise de Políticas Públicas. In:
Política e Trabalho, Setembro / 2001 - pp. 46-63.
LEVI, M. Social and unsocial capital. Politics and Society, 24, 1996. p. 45-55.
OLSON, Mancur. A Lógica da ão Coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos
grupos sociais. São Paulo: EDUSP, 1999.
PARO, V. H. O Conselho de Escola na Democratização da Gestão Escolar. In: PARO, V. P.
Escritos sobre a Educação. São Paulo: Xamã, 2001. p.79
PEPITITAT, André. Produção da escola/produção da sociedade: análise sócio-histórica de
alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente Porto Alegre: Artes Médicas,
1994.
PUTNAM, Robert D. The prosperous community: social capital and public Life In: The
American Prospect, n.º 13, mar. 1993.
136
PUTNAM, R. Comunidade e Democracia. A experiência da Itália moderna. Rio de
Janeiro: Fundação Getulio Vargas. 1996.
PORTES, Alejandro and J. SENSENBRENNER. Embeddedness and Immigration: Notes on
the Social Determinants of Economic Action. American Journal of Sociology 98 (6): 1993,
p. 1320-1350.
PORTES, Alejandro and LANDOLT, Patricia. The Downside of Social Capital. The
American Prospect 26 (May-June): 18-21, 94, 1996. disponível via
http://epn.org/prospect/26/26-cnt2 acesso em 02/03/2007
RECUERO, Raquel da Cunha. Um estudo do capital social gerado a partir de Redes Sociais
no Orkut e nos Weblogs. Revista FAMECOS, Porto Alegre nº 28, dezembro 2005.
REIS, E. Desigualdade e solidariedade: uma releitura do “familismo amoral” de Banfield.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, 29(10): 1995, 35-48.
RENNÓ, L R. Cultura Politica, Hobbesianismo Social e Democracia. In NUNES, B.F.
Brasília : a construção do cotidiano. Brasilia, paralelo 15, 1997, p 87- 117
ROSENBERG, S. W. The structure of political thinking. American Journal of Political
Science, 32, 539-566, 1988.
SCHMIDT, João Pedro. Os jovens e a construção de capital social no Brasil. In: BAQUERO,
Marcelo (org). Reinventando a Sociedade na América Latina: cultura política, gênero,
exclusão e capital social. Porto Alegre: Ed. Universidade / URFGRS / Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher (CNDM), 2001, p. 147-179.
TENDLER, J. Bom Governo nos Trópicos - Uma visão crítica. Rio de Janeiro: Revan:
1998.
WAGNER, Alfredo. Relatório da SUDAM. Transformações Econômicas e Questões
Sociais na Borda do Lago Arari - ilha do Marajó - vol. II. 1998.
WAGNER, Alfredo relatório da SUDAM. Transformações Econômicas e Questões Sociais
na Borda do Lago Arari - ilha do Marajó. 2000
VARSHNEY, Ashutosh. Why Democracy Survives. Journal of Democracy, 9:3, 1998.
VERBA, S., SCHLOZMAN, K. L., & Brady, H. E. Voice and equality: Civic voluntarism
in American politics. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1995.
WOLFINGER, R. E., & ROSENSTONE, S. J. Who votes? New Haven, CT: Yale University
Press, 1980.
XIMENES, Tereza. Uma Oportunidade de Análise de Desenvolvimento Sustentável: a
pecuária no Marajó. In: __________ (Org) perspectivas do desenvolvimento sustentável.
Belém: UFPA/ NAEA/UNAMAZ. 1992.
XIMENES Tereza. Capital Social e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia. Trabalho
apresentado na 1ª reunião da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente
e Sociedade (ANPPAS). Idaiatuba (SP) 6-9 de novembro de 2002. GT Dimensões Sócio-
Política da Sustentabilidade.
137
APÊNDICE
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo