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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE POLITICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS
MICHELLE FEITOSA MAGNO
ESTADO, DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS:
um estudo sobre a incidência normativa na educação superior
a partir da Constituição Federal de 1988.
Belém (PA)
2008
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MICHELLE FEITOSA MAGNO
ESTADO, DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS:
um estudo sobre a incidência normativa na educação superior
a partir da Constituição Federal de 1988.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, da Universidade
Federal do Pará, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Educação, na linha de Políticas
Públicas Educacionais, sob orientação da Profª Drª
Vera Lúcia Jacob Chaves.
Belém (PA)
2008
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MICHELLE FEITOSA MAGNO
ESTADO, DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS:
um estudo sobre a incidência normativa na educação superior
a partir da Constituição Federal de 1988.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, da Universidade
Federal do Pará, como requisito parcial a obtenção do
título de Mestre em Educação na linha de Políticas
Publicas Educacionais.
Aprovada em_____ de ____________________ de 2008
Profª Drª Vera Lúcia Jacob Chaves. UFPA
Orientadora
Prof° Dr. João dos Reis Silva Júnior. UFSCar
Profª Drª Rosana Gemaque. UFPA
4
Dedico este trabalho à Professora Dra
Rosângela Novaes Lima (in memoriam),
que conseguiu compreender meu desejo
profundo, meu sonho de ingressar no
Mestrado.
Dedico aos meus pais, Ruth e José
Américo, que sempre confiaram e
investiram em mim e me ajudam, cada dia,
a ser uma pessoa melhor.
Dedico a todos os educadores que lutam
por uma educação pública, democrática e
de qualidade.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, razão de minha existência e minha busca constante,
por me ter concedido concretizar meu sonho de Mestrado, que
certamente também foi desejo dEle. Eu te amo, Pai.
Aos meus pais, Ruth e José Américo, pelo incentivo de prosseguir
minha vida estudando e por me amarem incondicionalmente.
Ao Júnior, Alex e Charles, pela cumplicidade que nos faz irmãos.
A Amanda e Sophia, que são minha alegria na doce arte de ser tia. E
com quem muita vezes não pude brincar, porque era preciso estudar.
Ao amor da minha vida, Antonio, grande incentivador em todos os
meus projetos, e que também conseguiu, às 14h, me levar da porta da
minha casa, em Barcarena até a UFPa, onde chegamos às 15h, no dia
da realização da minha prova escrita. Que muitas vezes me levou,
apressado, pela alça viária para eu não chegar tão atrasada às aulas...
A professora Dra Vera Lúcia Jacob Chaves, que me acolheu como sua
orientanda e que contribuiu para modificar minha vida, nestes anos de
curso, que me ajudou a materializar uma idéia de pesquisa e por quem
tenho profunda admiração. Obrigada pela sua paciência, pelos
“puxões de orelha” e por não desistir de mim.
Ao professor Dr. João dos Reis da Silva Júnior e à Professora Dra.
Arlete Camargo, por me ajudarem a seguir um norte.
A todos os meus professores do curso de Mestrado da UFPa, pela
inestimável contribuição à minha formação.
Aos meus amigos e amigas da Secretaria Municipal de Assistência
Social de Barcarena, que me ajudaram a segurar o duro trabalho, nas
minhas ausências.
Aos meus colegas de curso pelas experiências trocadas e pelos saberes
construídos. De forma muito especial, a Suely, Rosineide e Edilene.
Às minhas amigas Patrícia e Karla, pelo apoio incondicional.
A todos que torceram sinceramente para eu conseguir chegar até aqui,
meu obrigada muito sincero.
6
Tudo termina dependendo dos critérios, dos
hábitos e dos procedimentos de quem
realmente detém o controle do aparelho
estatal no nível de sua competência
funcional [...]. De modo que, com o tempo,
o sistema jurídico se torna cada vez mais
independente de suas condições iniciais,
uma vez que as regras de calibração
portarias, instruções normativas, resoluções
ou simples decretos, por exemplo é que
dão o sentido e o alcance da própria ordem
constitucional.
José Eduardo Faria.
7
RESUMO
O presente estudo teve como objeto central analisar as políticas públicas exaradas pelo
Estado brasileiro, via espécies normativas para a educação superior. Tendo como
categorias de análise a autonomia da universidade, e o financiamento da educação superior,
a pesquisa parte da premissa de que as políticas públicas têm sido materializadas a partir de
normas jurídicas. Assim, investigamos o Estado brasileiro, as políticas públicas por ele
emanadas por meio de espécies normativas e suas implicações na educação superior. O
estudo foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica que consistiu num levantamento
minucioso do ordenamento jurídico elaborado pelo Estado brasileiro para a educação
superior a partir da Constituição Federal de 1988 até o ano de 2006 . Detectamos que após
a CF/88, no que concerne à autonomia da universidade e ao financiamento da educação
superior, foram aprovadas quarenta e quatro normas jurídicas, sendo duas Emendas
Constitucionais, onze Leis, três medidas provisórias, nove Decretos, dentre outras espécies
normativas, que contribuíram para alterar de forma profunda o texto constitucional. No
desenvolvimento do estudo iniciamos com a discussão sobre o Estado com vistas a
estabelecer relações com o direito e as políticas públicas. Em seguida, traçamos uma
contextualização histórica de todas as Constituições brasileiras, mas com ênfase no
processo de redemocratização iniciado em 1974 e que culminou na CF/88, cuja
característica essencial foi sua definição como a Carta Magna mais democrática que se tem
nota no Brasil. Dessa carta, analisamos os artigos que inferem sobre a autonomia
universitária e o financiamento da educação superior. Com base na discussão sobre o
Estado regulador brasileiro e nas indicações fornecidas pela ciência do Direito
constitucional, realizamos a análise da legislação pós-constitucional que define as políticas
para a educação superior brasileira direcionada ao financiamento desse nível de ensino e à
autonomia da universidade. Tendo como referência o texto constitucional, discorremos
sobre o instituto jurídico do controle de constitucionalidade. O estudo apontou que grande
parte das normas jurídicas infraconstitucionais, que regulamenta a educação superior
brasileira, atua contra legem mater, quando, por exemplo, dispõe contra o art. 207 ao
interferir sobre a escolha de dirigentes universitários, ferindo a capacidade da universidade
se auto-legislar sobre assuntos que lhe são próprios, ou quando desvincula percentuais
assegurados para o financiamento da educação superior, no caso da emenda constitucional
de revisão n°. 1/1994 e Emenda Constitucional n°. 10/1996, ferindo princípios
constitucionais e reproduzindo interesses do Estado capitalista neoliberal. O estudo
apresenta contribuição para o campo das políticas públicas educacionais, vez que
possibilita reflexões sobre a forma pela qual o direito público subjetivo à educação,
assegurado no texto constitucional, vem sendo negado sistematicamente e de forma
sucessiva pelos governos pós CF/88 que adotam o modelo de Estado neoliberal.
Palavras-Chave: Constituição Federal, Estado neoliberal, autonomia da universidade,
financiamento da educação superior, ordenamento jurídico.
8
ABSTRACT
This study has as its main subject the analysis of the public policies drawn up by the
Brazilian State through normative regulations for the higher education. Using as categories
of analysis the university autonomy and the funding of higher education, the research is
based on the premise that public policies have been build from legal regulations. Thus, we
searched into the Brazilian State public policies issued by it through legal standards and its
consequences in higher education. This study is a bibliographic research that performs a
detailed survey of the legal system developed by the Brazilian State for higher education
from the Federal Constitution of 1988 until the year 2006. We found out that subsequently
to the current Constitution, forty four legal regulations, two of them being constitutional
amendments, eleven laws, three interim measures, nine decrees, among others normative
standards were approved regarding the university autonomy and funding of higher
education, and that also concurred to a profound change in the constitutional text. In the
development of the study we started with the argumentation about the State, in order to
establish the relations between the Law and the public policies. Then, we draw an
historical contextualization of all Brazilian Constitutions, with emphasis on the process of
redemocratization started in 1974 and reaching its highest point in the Constitution of
1988, whose key feature was its definition as the most democratic Magna Carta known in
Brazil. In this Constitution, we discuss the articles that infer on university autonomy and
funding of higher education. Based on the discussion of the Brazilian State and the
information provided by the Constitutional Law, we conducted an analysis of post-
constitutional legislation that sets policies for Brazilian higher education directed to
finance that level of education and university autonomy. Taking as reference the
constitutional text, we discourse about the constitutionality control as a legal principle. The
study showed that most of the infra-constitutional legal rules regulating Brazilian higher
education act contra legem mater, when, for example, proceed against the article 207,
interfering on the choice of the university leaders, injuring the ability of the university
itself legislate about its own topics, or when disentail provided percentages for the
financing of higher education, such as the Revisal Constitutional Amendment n. 1/1994
and Constitutional Amendment n. 10/1996, injuring constitutional principles and
representing the interests of the neoliberal capitalist state. The study presents a contribution
for the educational public policies field, since it allows reflections on the way that the
subjective public law comes to education, assured in the constitutional text, has been
systematically and successive denied by governments after the Federal Constitution of
1988 that folow the neoliberal state model.
Keywords: Federal Constitution, neoliberal State, university autonomy, higher education
funding, legal system.
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABI: Associação Brasileira de Imprensa
ADCTs: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
AI: Ato Institucional
ALN: Aliança de Libertação Nacional
ANDES-SN: Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior
ANDIFES: Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior
ARENA: Aliança Renovadora
Art.: Artigo
BIRD: Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento
BM: Banco Mundial
BNDE: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNH: Banco Nacional de Habitação
CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CD: Câmara dos Deputados
CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CES: Câmara de Educação Superior
CNE: Conselho Nacional de Educação
Cenimar: Centro de Informações da Marinha
CEF: Caixa Econômica Federal
CF: Constituição Federal
CGT: Central geral dos Trabalhadores
CLT: Consolidação das Leis do Trabalho
CN: Congresso Nacional
CONAES: Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior
Conclat: Conferência nacional da classe trabalhadora
CPA: Comissão Própria de Avaliação
CUT: Central Única dos Trabalhadores
Dasp: Departamento Administrativo do Serviço Público
DIP: Departamento de Imprensa e Propaganda
DNC: Departamento Nacional do Café
DOI-CODI: Destacamento de Operações e Informações e do Centro de Operações de
defesa Interna
DOU: Diário Oficial da União
EAD: Educação à Distância
EC: Emenda Constitucional
ECR: Emenda Constitucional de Revisão
ENADE: Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio
ESG: Escola Superior de Guerra
FASUBRA: Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras
FGTS: Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FHC: Fernando Henrique Cardoso
FIES: Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior
FINSOCIAL: Fundo de Investimento Social
FMI: Fundo Monetário Internacional
GATT: General Agreement on Trade of Tariffs
GT: Grupo de Trabalho
10
G7: Grupo dos sete países mais industrializados do mundo (Canadá, França, Alemanha,
Itália, Japão, Reino Unido, Estados Unidos da América)
G8: G7 +1 (Rússia)
ICMS: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IES: Instituições de Ensino Superior
ICT: Instituição de Ciência e Tecnologia
IFES: Instituições Federais de Ensino Superior
IPES: Instituições Privadas de Ensino Superior
INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
IPMs: Inquéritos policial-militares
IVC: Imposto sobre Vendas e Circulação
LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MARE: Ministério da Administração e da Reforma do Estado
MDB: Movimento Democrático Brasileiro
MEC: Ministério da Educação
MG: Minas Gerais
MOBRAL: Movimento Brasileiro de Alfabetização
MP: Medida Provisória
OAB: Ordem dos Advogados do Brasil
Oban: Operação Bandeirantes
OMC: Organização Mundial do Comércio
OSCIPs: Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
PAEG: Programa de Ação Econômica de Governo
PCB: Partido Comunista Brasileiro
PC do B: Partido Comunista do Brasil
PDS: Partido Democrático Social
PDT: Partido Democrático Trabalhista
PEC: Proposta de Emenda Constitucional
PFL: Partido da Frente Liberal
PIB: Produto Interno Bruto
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PND: Plano Nacional de Desenvolvimento
PNE: Plano Nacional de Educação
ProUni: Programa Universidade para Todos
PSD: Partido Social Democrático
PSDB: Partido Socialista Democrático Brasileiro
PT: Partido dos Trabalhadores
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
RJ: Rio de Janeiro
RJU: Regime Jurídico Único
SEED: Secretaria de Educação à Distância
SEMTEC: Secretaria de Educação Média e Tecnológica
SESu: Secretaria de Ensino Superior
SF: Senado Federal
SINAES: Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior
SNI: Sistema nacional de Informação
SP: São Paulo
UDN: União Democrática Nacional
UE : União Européia
UNE: União Nacional dos Estudantes
11
UNESCO: Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura
USAID: United States Agency for International Development
USP: Universidade de São Paulo
VPR: Vanguarda Popular Revolucionária
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..............................................................................................
13
CAPÍTULO 1. ESTADO, DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS .......................
22
1.1 Estado: origem, definições e relação com o Direito ............................................. 22
1.2 Estado e políticas públicas..................................................................................... 28
1.3 Estado capitalista neoliberal brasileiro e políticas públicas para a educação
superior........................................................................................................................
37
CAPÍTULO 2. A REDEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA E A
EDUCAÇÃO SUPERIOR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988..............
45
2.1 A Educação nas Constituições Brasileiras, de 1824 a 1946................................. 46
2.2 A abertura política e o processo de redemocratização do Brasil.......................... 69
2.3 A educação superior na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988.............................................................................................................................
83
CAPÍTULO 3. NORMA INFRA-CONSTITUCIONAL: O ESTADO
REGULADOR E A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA........................................
100
3.1 Desvelando os vieses ocultos no Estado brasileiro: regulado e regulador........... 101
3.2 Normas Jurídicas pós-Constituição Federal de 1988: implicações para a
autonomia universitária...............................................................................................
107
3.3 A Lei n. 9.192/95 e a autonomia.......................................................................... 116
3.4 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a autonomia universitária. 121
3.5 Leis que regulam a avaliação da educação superior e incidem sobre a
autonomia da universidade..........................................................................................
131
CAPÍTULO 4. O FINANCIAMENTO E O CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL....
141
4.1 O financiamento da educação superior no texto constitucional de 1988.............. 142
4.2 Implicações da legislação infraconstitucional para o financiamento da
educação superior: uma análise das Leis nº 8.436/92 e nº 9.288/96 e da Medida
Provisória n° 1.827/99.................................................................................................
150
4.3 A desvinculação de receitas da união - implicações para o financiamento da
educação superior........................................................................................................
160
4.4 O Programa Universidade Para Todos – a parceria público-privada no
financiamento da educação superior...........................................................................
165
4.5 Controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais........................ 177
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................
188
REFERÊNCIAS.........................................................................................................
200
ANEXOS.....................................................................................................................
215
13
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objeto central analisar as políticas formuladas, pelo
Estado brasileiro, para a educação superior, por meio de ordenamento jurídico, isto é, por
intermédio de normas cogentes
1
, a partir da Constituição Federal de 1988. Partimos da
premissa de que a reforma adotada pelo Estado brasileiro, com vistas a implementar o
projeto neoliberal para a educação superior, vem sendo materializada mediante
instrumentos normativos que ferem a Constituição federal de 1988, em especial, nos
artigos que tratam da autonomia universitária e do financiamento público.
Assim, estudaremos o Estado brasileiro, as políticas públicas dele emanadas, por
meio de espécies normativas, e o reflexo delas na educação superior. É mister destacar que
se trata de pesquisa de caráter eminentemente bibliográfico e documental, definindo e
aprofundando as categorias de análise a partir de um referencial teórico previamente
delimitado. Para tanto, fizemos um levantamento da legislação que vem regulamentando a
educação superior, com foco nas categorias objeto de nossa análise, a partir da
Constituição Federal de 1988 (CF/88), até o ano de 2006, a saber: o Estado neoliberal, a
autonomia da universidade e o financiamento da educação superior.
Nosso país, por ser uma república federativa, tem na Constituição Federal a mais
relevante, ou talvez, a razão de ser da federação, que representa, por si só, o conceito
federativo.
De acordo com o constitucionalista José Afonso da Silva (2005), a República,
como forma institucional de Estado brasileira, requer a legitimidade de seus representantes,
conseguida através do voto; a existência de assembléias e câmaras populares, nas três
esferas de governo; a temporariedade, na qual o chefe de governo recebe um mandato, com
prazo limitado; e a “não vitaliciedade dos cargos políticos e prestação de contas da
administração pública (arts. 30, III, 31, 34, VII, d, 35, II e 70 a 75).” (p. 103).

1
Cogente é a regra que é absoluta e cuja aplicação não pode depender da vontade das partes interessadas. Isto
implica dizer que o ordenamento jurídico é norma cogente: obrigatória.
14
Alexandre de Moraes (2004, p.38), um dos principais doutrinadores
constitucionalistas, considera que
A Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um
Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos
poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar,
distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Além
disso, é a Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de
normas jurídicas, legislativas ou administrativas.
Com esse sentido, podemos argüir que a Constituição é a lei fundamental da
sociedade brasileira. O que nos é reforçado por Silva (2005, p.46), ao afirmar que nossa
Constituição é a lei suprema do Estado, uma vez que
Toda autoridade nela encontra fundamento e ela confere poderes e
competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos
Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque
todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela
lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.
Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica serão válidas
se conformarem com as normas da Constituição Federal.
O presente estudo está, portanto, centrado na Constituição Federal, por ser a lei
máxima de nosso país, face ao exposto, bem como pela sua relevância enquanto
ordenadora originária das políticas públicas. Desse modo, a Carta Magna brasileira, de
1988, possui maior relevo nesta tese, por representar a luta pela normalização democrática
e pela conquista do Estado democrático de direito.
Como se depreende, a Constituição de 1988 é um marco na história de todas as
Constituições, tem um diferencial único; na expressão de Ulysses Guimarães, “é a
Constituição Cidadã, porque teve ampla participação popular em sua elaboração e
especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania.”
(GUIMARÃES apud SILVA, 2005, p.90).
É notório que a Constituição de 1988 representou um importante momento para a
história da educação brasileira, uma vez que para ela convergiram, significativamente, as
atenções de pessoas, educadores, organizações, sindicatos, movimentos que lutaram para
assegurar a expressão de seus interesses, no texto constitucional.
15
A área de conhecimento do direito constitucional é, portanto, basilar para nossa
análise. Trata-se de uma das matérias jurídicas dotadas de grande respeito, em função de
ser o estudo da maior lei, em sentido hierárquico, no ordenamento jurídico. Além disso, a
noção produzida, nessa área, é vasta; dotada de uma vigorosa emergência legal emanada da
Constituição, que nos é apresentada como promulgada, escrita, analítica, formal,
dogmática e, embora nos pareça contraditório, tem uma classificação doutrinária que a
define como rígida.
Isso representa dizer que é de dificílima alteração, o que, de fato e de direito, o é: o
quorum para a votação de emendas à constituição é elevado, o processo é árduo e deveria
ser demorado, nos termos do artigo 60, da Constituição Federal de 1988, que expõe o
seguinte:
Art. 60 A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I de um terço, no nimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do
Senado Federal;
II – do Presidente da República;
III de mais da metade das Assembléias Legislativas das Unidades da
Federação, manifestando-se cada uma delas, pela maioria relativa de seus
membros.
[...]
§ A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional,
em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos
votos dos respectivos membros.
[...]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Dessa forma, o art. 60 admite a alteração da Carta Magna, via emenda
constitucional (EC), mas por meio de um árduo e dificultoso processo. É importante
destacar que o § , do aludido dispositivo, estabelece limites para a constituinte derivada,
relacionando quatro matérias imodificáveis, por serem cláusulas pétreas, quais sejam: a
forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos
Poderes; e os direitos e garantias individuais. Nessas condições, somente uma constituinte
convocada especialmente para elaborar nova Constituição teria competência para alterar as
mencionadas cláusulas pétreas.
16
Instiga-nos investigar, portanto, essa amplitude normativa, constatada, atualmente,
em 56 (cinqüenta e seis) emendas à Constituição, das quais 12 (doze) fazem alguma
referência à educação, além de duas outras (Emenda 11/1996 que acrescenta
parágrafos ao art.207. Emenda 14/1996 que modifica, dentre outros artigos, os arts.
211 e 212, da Constituição Federal) referentes à universidade. O que nos induz a perguntar:
o que encoberto por esse processo manifesto, não apenas de reforma constitucional,
mediante emendas, mas também de uma ampla legislação decorrente?
Entre as várias emendas, destacamos, em especial, a Emenda Constitucional nº
32/2001, que alterou, entre outros, o art. 62
2
, dispondo sobre medidas provisórias, uma vez
que não é possível compreender o que seriam questões relevantes e urgentes, pois vemos
se tratar de um fato de caráter extremamente subjetivo. O parágrafo , do referido artigo,
veda a edição de medidas provisórias sobre algumas matérias, de forma taxativa,
significando ser inconstitucional e proibido editar qualquer medida provisória sobre as
matérias previstas nesse artigo. Ocorre que, em nenhuma das alíneas, desse parágrafo, está
vedada a edição de medidas provisórias sobre os direitos sociais, onde se encontra a
educação. Assim, um leque de possibilidades normativas é aberto, que pode ser
perfeitamente utilizado em favor do ideal político que orienta os governos.
Finalizamos nossa pesquisa, no ano de 2006, em função da expectativa gerada em
torno de uma possível reforma universitária, naquele período, mas que se encontra, ainda
hoje, em tramitação.
Dessa relação entre direito e Estado, emerge, necessariamente, outra categoria de
análise: O Estado neoliberal, que entendemos ser o modelo que vem materializando as
políticas públicas do Brasil, uma vez que assistimos, na educação brasileira, a emergência
vigorosa de uma política estatal ordenadora que, entre emendas constitucionais, leis,
decretos, pareceres, resoluções e outras formas de manifestação legal, estabelece os rumos
da educação, no país, muitas vezes, sem reconhecer o sistema educacional e sua dinâmica
como partes da realidade histórica e social.
Assim, almejamos investigar a relação entre Estado e direito, revelando que
concepções educativas o Estado brasileiro vem desenvolvendo, na educação superior, a

2
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias,
com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
17
partir da CF/88, visando desvelar os interesses embaçados pelos aparatos legais, enquanto
assistimos, nas últimas décadas, no país, à expansão de um modelo institucional
gerencialista, que se manifesta em discursos políticos, atos legislativos e medidas de
administração, aparentemente isoladas, embutidos na reforma administrativa do Estado
brasileiro.
Tal modelo aparenta ter por referência o atendimento à lógica empresarial e ao
mercado competitivo, no qual a educação superior aparece como uma vitrine,
funcionalmente adequada ao ideário mercantil e, conseqüentemente, às necessidades
sociais imediatas de seus “consumidores”. Daí focalizarmos nossa análise sobre duas
outras importantes categorias, no estudo da educação superior: o seu financiamento e a
autonomia da universidade.
No que concerne à categoria autonomia da universidade, nossa discussão busca
inferir se ela, estabelecida no texto constitucional, vem sendo negada pelo governo,
ressignificando-a como autonomia diante do Estado para interagir livremente com o
mercado, por meio da prestação de serviços, esvaziando o sentido do princípio da
autonomia universitária.
Ocorre que, apesar da Constituição ter assegurado, por meio do artigo 207
3
, a
autonomia da universidade e, ainda, como norma auto-aplicável, portanto, passível de
regulação apenas por outros dispositivos constitucionais, o Estado brasileiro prossegue
legislando sobre diversos assuntos referentes à educação superior, o que aponta para a
crescente existência do intervencionismo do Estado nas políticas públicas referentes à
universidade, extrapolando seu poder normativo, atuando contra legem
4
.
Sobre o financiamento da educação superior, esta categoria nos mergulha na análise
de como o neoliberalismo influencia os países em desenvolvimento, a exemplo do caso
brasileiro, a seguir as políticas que pregam o modelo de ajuste estrutural e de estabilização,
tendo como principais propostas a privatização e a redução dos gastos públicos, fortemente
manifestados nas reformas governamentais, expressas em aparatos legais.

3
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
4
Contrário à norma.
18
Diante do exposto, o problema que originou e direcionou nossa pesquisa foi o
seguinte:
        
 
       
  !""#
A partir dessa questão, o objetivo geral do atual estudo é o de investigar o papel do
Estado brasileiro na adoção de políticas públicas para a educação superior, tendo como
base de análise a CF/88 e os instrumentos normativos infraconstitucionais implementados
até o ano de 2006. Derivados daquele, definimos os seguintes objetivos específicos:
$
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19
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A metodologia utilizada para a consecução desses objetivos envolveu uma pesquisa
essencialmente bibliográfica e documental, com um enfoque crítico-dialético, visto
pretender analisar as contradições entre o ser e o dever ser.
Segundo Teixeira (2001), esse enfoque se caracteriza por representar o caminho
teórico que aponta a dinâmica do real, tratando da coisa em si, a dialética entre a
representação aparente e a essência, visando mostrar as contradições do real e suas leis de
movimento. Optamos por um método de coleta histórico e documental, baseado num
estudo longitudinal, porque realiza uma série histórica das políticas educativas, que nos
ajuda a articular a legislação que o Estado brasileiro exarou, no que concerne à educação
superior, especificamente, à sua autonomia e ao seu financiamento, no período
compreendido entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o ano de 2006.
Assim, esse estudo foi desenvolvido por meio da análise dos documentos oficiais
editados pelos governos do período supracitado, por considerá-los fontes importantes para
compreensão do problema que instigou esta pesquisa.
A análise documental converte-se numa valiosa abordagem dos dados qualitativos.
Caulley (apud Ludke & André, 1999) considera que a análise documental identifica
informações factuais nos documentos, a partir de questões ou hipóteses de interesse, que
permeiam a pesquisa. Assim, consideramos que esse tipo de análise constitui uma fonte
estável e rica. Os documentos, enfim, representam uma fonte natural de informação
contextualizada. No processo de coleta das informações que vieram a configurar nosso
campo de estudo, realizamos leituras de bibliografia pertinente, examinamos documentos e
consultamos sites oficiais do governo, visando o levantamento normativo proposto pela
pesquisa.
No primeiro capítulo, propusemo-nos a apresentar a instituição Estado e a traçar
suas relações com o direito e as políticas públicas.
No segundo, discorremos, com base em condensações históricas, sobre o processo
que o Estado brasileiro atravessou, que o conduziu de um regime autoritário e repressivo a
20
uma democracia. Visando ressaltar a importância da Constituição Federal de 1988, como
marco jurídico fundamental da educação enquanto direito, referenciamos todas as Cartas
Magnas no que concerne à autonomia da universidade e ao financiamento da educação
superior –, assim como algumas legislações infra-constitucionais que as acompanharam.
Nesse percurso histórico, demos destaque ao processo de redemocratização, que culminou
na Constituição Federal atual, cuja característica essencial é ser definida como a mais
democrática de que se tem notícia, na história do país. Ainda nesse capítulo, analisamos
criteriosamente os artigos da CF/88, referentes à educação superior.
No Capítulo 3, o direito constitucional nos fornece indicações para a análise da
legislação constitucional e infraconstitucional (selecionada) vigente, que define as políticas
para a educação superior brasileira, com ênfase na categoria autonomia. Nele, é possível
identificar a existência ou não de normas que ferem preceitos constitucionais e conhecer os
subsídios formais que embasam o controle de constitucionalidade.
No quarto capítulo, o enfoque passa a ser dado ao financiamento da educação
superior, que teve algumas espécies normativas infraconstitucionais analisadas, na
perspectiva da CF/88, possibilitando, também quanto à categoria financiamento,
igualmente constatar a existência de normas que ferem preceitos constitucionais, e
examinar subsídios formais que fundamentam o controle de constitucionalidade.
Nas Considerações Finais, discutimos os resultados de nossa pesquisa, apontando o
papel do Estado regulador brasileiro na informação das políticas públicas da educação
superior, na medida em que as espécies normativas exaradas ferem princípios
constitucionais inerentes à autonomia da universidade e, conseqüentemente, ao
financiamento da educação superior.
Dessa forma, este estudo focaliza a relação entre direito e educação, na atual
Constituição, especificamente, abordando a questão da educação superior. Como direito
fundamental, o reconhecimento do direito à educação não é recente, embora tenha se
observado considerável avanço, nesse campo, a partir da Constituição Federal de 1988.
Justifica-se a análise da educação superior como direito fundamental, no contexto atual,
para que se possa estudar o papel do Estado e os limites de sua atuação
constitucionalmente prevista e sua atuação contra legem.
21
Demonstra-se aqui a conexão com as estruturas maiores, as linhas mestras ou os
vieses ideológicos que orientam a atuação normativa do Estado brasileiro na
materialização de políticas públicas para a educação superior.
22
CAPÍTULO 1
ESTADO, DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS.
1.1 Estado: origem, definições e relação com o Direito.
O homem de maneira alguma, existe para o Estado. O
Estado é que existe para o homem.
(Jacques Maritain)
O termo Estado apresenta vários sentidos, com variações conceituais distintas. Em
gênese, o termo surge do latim status, significando condição pessoal do indivíduo perante
os direitos civis e políticos (status civitatis e status familiae). Na contemporaneidade, a
palavra Estado (com E maiúsculo) é entendida como a mais complexa das sociedades
civis: a sociedade política, e, para Acquaviva (2000, p. 4), “pode ser conceituada como a
sociedade civil politicamente soberana e internacionalmente reconhecida, tendo por
objetivo o bem comum aos indivíduos e as comunidades sob o seu império”.
Na antiguidade clássica, a denominação grega da sociedade política era polis, e a
romana era res publica. Somente com o Renascimento, a palavra Estado passou a
denominar a sociedade política, por meio de Nicolau Maquiavel, que, em sualebre obra,
O Príncipe, declarava: “Todos os Estados, todos os domínios que tem havido e que
sobre os homens foram e são repúblicas ou principados.” (1987, p. 05). Na França, no
século XVI, o termo Estat, ou État, já era empregado no sentido de sociedade política.
O fato é que, embora defendido por uns e execrado por outros, o Estado sempre foi
objeto de estudo
5
, por diversos autores; e hoje, com vertiginoso crescimento da

5
Fustel de Coulanges, em 1982, no capítulo XVIII de seu livro A Cidade Antiga”, descreve que, na Grécia
antiga, o Estado sufocava por inteiro a liberdade natural do indivíduo, a ponto de os homens serem obrigados
a deixar crescer a barba e, em algumas cidades, as mães que recebiam os corpos dos filhos mortos em batalha
deveriam mostrar alegria, pois, caso chorassem, estariam cometendo crime contra o Estado.
23
interferência estatal, ele se faz cada vez mais presente em nossa vida cotidiana, seja no
pagamento de impostos, seja na formulação de políticas públicas.
No que concerne à definição de Estado, esta tem sido realizada de variadas formas,
no decorrer dos tempos, não sendo possível estabelecer uma conceituação universal e
necessária; afinal, a definição de Estado varia de acordo com a perspectiva adotada pelo
cientista, o período histórico em que o estudo está sendo realizado e, principalmente, a
posição ideológica de quem o define. O jurista Kelsen (1998), por exemplo, numa visão
positivista, afirma que a volumosa soma de definições acerca do Estado dificulta a precisão
do termo, reduzindo-o a um mero juízo de valor, muitas vezes desprovido de caráter
científico. Contudo, entendemos que a variedade de definições nos possibilita pensar a
respeito do papel que o Estado exerce sobre a dinâmica social.
Um dos primeiros teóricos a refletir sobre o papel do Estado foi Nicolau Maquiavel
(1469-1527). Para ele, o Estado não tem função de assegurar a felicidade e a virtude; ele
teria suas peculiaridades, faria políticas e seguiria suas próprias técnicas e leis. No início de
sua obra “O Príncipe”, Maquiavel revela: “[...] como minha finalidade é a de escrever coisa
útil para quem entender, julguei mais conveniente acompanhar a realidade efetiva do que a
imaginação sobre esta.” (1987, p. 15), objetivando, com isso, demonstrar as coisas como
elas são, as realidades política e social como são, efetivamente. Para ele, o Estado consiste
na dominação, e o que está sendo analisado é a dominação sobre os homens, muito mais
sobre eles do que sobre o território.
Para Bossuet (1627-1704), o Estado foi fundado por Deus, e sua teoria, conhecida
como teoria do direito divino providencial, pregava que “todo poder e toda autoridade
emanam de Deus, não por uma manifestação sobrenatural da vontade, mas pela direção
providencial dos acontecimentos.” (apud CARVALHO, 2008, p.88). Sua teoria é uma das
bases de sustentação do absolutismo monárquico.
Em contraposição à teoria acima descrita, foram formuladas as teorias contratuais,
que consideram o Estado como instituição originária de um pacto inicial, feito pelos
indivíduos que rejeitaram o estado de natureza, abandonando a concepção do Estado como
algo dado, inato. Dentre os principais expoentes, destacamos John Locke (1632-1704).
Segundo este clássico doutrinador, visando evitar conflitos, os homens fizeram um pacto
24
de livre vontade, que deu origem à sociedade política, no qual alienaram parte de seus
direitos. Esse pacto gerou um governo cuja finalidade consiste em dirimir conflitos que
possam surgir, bem como punir os responsáveis por eles. Daí, entende-se que o Estado não
pode atuar contra o que fora pactuado, pois caso sua atuação passasse de livre e
constitucional a arbitrária e tirana (de qualquer esfera de poder pactuada), os indivíduos
não mais lhe deveriam obediência. O direito de resistência era concebido por Locke como
a retomada do poder pelo povo. (CARVALHO, 2008).
Para Kant (1724-1804), “O Estado é a união de uma multidão de homens sob as leis
do Direito.” (apud BONAVIDES, 2004, p.110), querendo apontar, sob sua ótica, a íntima
conexão existente entre Estado e direito.
Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) conceituam o Estado como um fenômeno
histórico transitório, resultado do aparecimento da luta de classes sociais, a partir da
existência da propriedade privada dos meios de produção. Consideram-no, também, como
uma instituição passageira, pois nem sempre existiu, nem sempre existirá. Para eles, junto
com o Estado, sucumbirá o poder político, que representa o poder organizado de uma
classe para oprimir outra (MARX; ENGELS, 1981).
Em sua obra “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, Marx (1995) nos esclarece
que, na verdade, o Estado existe porque, antes dele, existe a sociedade civil, de onde
podemos deduzir que se Estado e direito encontram-se relacionados, quem lhes confere
origem e legitimidade é a sociedade civil, e não o contrário.
Marx (2005) ainda nos aponta uma concepção crítica de Estado, na qual a
sociedade civil (base) e Estado se entrelaçam, quando afirma: [...] as relações jurídicas,
bem como as formas de Estado, não podem ser compreendidas por si , nem pela assim
chamada evolução geral do espírito humano, mas têm suas raízes nas relações materiais de
existência.” (p.30).
Logo, entendemos que o conjunto das relações de produção constitui a fundação
econômica da sociedade, isto é, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura
jurídica (Constituição) e política (Estado). Em Marx, o Estado é uma conseqüência da
contradição: ele se origina com as classes e, com elas, a luta de classes. Ocorre que a classe
que detém a propriedade dos principais meios de produção deve institucionalizar sua
25
dominação econômica, por meio de organismos de dominação política, como estruturas
jurídicas, tribunais, forças repressivas e outras formas de coercibilidade. Essa é a visão da
qual compartilhamos e que nos fornecerá subsídios para nossa análise, no decorrer deste
trabalho.
Visando destacar a forte relação entre Estado e direito, lembramos da frase do
filósofo grego Aristóteles, que, aproximadamente 2.500 anos, afirmava: Ubi status ibi
jus (onde houver Estado haverá direito). Queria o filósofo afirmar que, dentre os atributos
essenciais do Estado, refulgem o poder amparado na força e o direito que molda o
exercício desta.
Para o jurista francês Leon Duguit (1859-1928), Estado é um grupo humano que se
estabeleceu em determinado território, no qual os mais fortes impõem suas vontades aos
mais fracos, posto que
O Estado não é uma pessoa jurídica nem soberana. O Estado é o produto
histórico de uma diferenciação social entre os fortes e fracos em determinada
sociedade. O poder pertencente ao mais forte, indivíduo, classe, maioria, é mero
poder de fato, jamais legítimo em sua origem. Os governantes que detêm este
poder o indivíduos como tantos outros, sem nunca possuir, na qualidade de
governantes, o poder legítimo de impor suas ordens. Como todos os indivíduos,
se encontram submetidos à regra do Direito. (DUGUIT, 2006, p. 145).
Isso implica dizer que, para o autor, a origem do Estado estaria na violência
imposta por um grupo social a outro, tendo como objetivo organizar o domínio de um
deles, porém todos submetidos às ordenações jurídicas. Ocorre que quem tem o poder
estatal vale-se do direito para estabelecer seus interesses e necessidades, uma vez que os
governantes não têm o direito subjetivo de comandar, mas o poder objetivo de comandar
conforme o direito e de assegurar a realização deste. Partindo desse entendimento,
depreende-se que o poder, a força e a dominação encontram sua origem na formulação e no
uso do direito.
Dentro das formulações jurídicas, encontraremos teorias acerca da relação entre
Estado e direito. Para a teoria monista, cujo principal defensor é o jurista alemão Hans
26
Kelsen (1881-1973)
6
, Estado e direito confundem-se em uma mesma realidade. Acredita o
jurista na identidade da ordem jurídica e da estatal; assim, o direito seria, simplesmente, o
conjunto de normas emanadas do Estado, disso resultando que este último cria seu próprio
direito e impõe à sociedade a ordem jurídica a que esta deve amoldar-se.
Nesse sentido, é comum ouvirmos discursos que apregoam que toda manifestação
dos governantes é legítima, quando está conforme o direito. O que nos leva a questionar o
nosso postulado “Estado democrático de direito”, uma vez que os governantes podem
desfigurá-lo, dando cena a um de Estado de direito, que abandona a dimensão democrática,
por defender, conforme o direito, o interesse de poucos. Logo, na realidade, nem toda
manifestação de poder assentada no direito representa um Estado democrático de direito,
podendo configurar-se contrário a ele, mas valendo-se dele, assim como nem tudo que é
legal é legítimo.
A teoria dualista, cujo principal expoente é o publicista
7
alemão Georg Jellinek
(1851-1911) (apud ACQUAVIVA, 2000), considera a possibilidade de auto-limitação do
poder do Estado pelo próprio direito positivo, o que acarretaria notória questão: se o
Estado se limita pelo direito que ele mesmo cria, e que pode alterar via constituinte, então é
o direito que depende do Estado, não o inverso.
Para o jurista italiano Alessandro Groppali (apud ACQUAVIVA, 2000), não
Estado sem direito. Entende ele que os dois (Estado e direito) estão predestinados a viver
unidos, sem poder separar-se. Assim, considera que entre Estado e direito uma relação
de interdependência e compenetração, posto que o direito emana do Estado que, por sua
vez, é uma instituição jurídica, que tem por base a sociedade. Assim como a sociedade
depende do direito para se organizar, este pressupõe a existência de um poder político, que
controle a produção jurídica e sua execução. Vemos, então, que a chancela do Estado é
nota inseparável do direito positivo.
Outra importante teoria acerca da relação Estado e direito, formulada pelo jurista
brasileiro Miguel Reale (1910-2006), é a teoria tridimensional do Estado e do direito. Para

6
Jurista precursor da Teoria Pura do Direito, considera que o Estado é a única fonte de direito, por ser o
único detentor da força de coação; para ele, o há norma sem coação. Assim, direito e Estado se coadunam.
(CARVALHO, 2008).
7
Intelectual do direito público ou da ciência política.
27
Reale (1984, p. 368), o Estado não pode ser concebido somente como um sistema de
normas, nem como um fenômeno exclusivamente sociológico, mas como “unidade
integrante de seus três momentos ou valências”, correspondentes a fato, valor e norma,
enquanto realidade tridimensional. Assim, uma mediação inseparável entre (I) o fato da
existência de uma relação permanente de poder, na qual há uma diferenciação entre
governantes e governados; (II) um valor, que pauta a ação desse poder; e (III) um conjunto
de normas que reflete a intercessão do fato poder para a instauração de valores de
convivência. O entendimento dessa teoria será de fundamental importância para nossa
análise das normas infra-constitucionais, no terceiro capítulo, posto que, com ela,
depreendemos que o poder estatal exerce sua materialização de valores por meio da norma.
Ainda discorrendo sobre as formulações jurídicas, para grande parte dos autores
que escrevem sobre a teoria geral do Estado, este pode ser conceituado como um elemento
agregador fundamental que determina sua constituição assentado na tríade: povo, território
e poder político. São esses, então, os três elementos constitutivos do Estado.
Não devemos confundir povo com população, posto que este segundo conceito se
refere ao número total de pessoas que se encontram em determinado momento, num
Estado. o primeiro vai para além de uma compreensão quantitativa ou demográfica:
povo é um conceito dotado de sentido jurídico e político. Sobre isso, Acquaviva (2000,
p.34) assim discorre:
Povo, no sentido jurídico, é o conjunto de indivíduos qualificados pela
nacionalidade. Nele o se incluem, se vê, estrangeiros e apátridas. Todavia o
sentido político é ainda mais restrito, pois exclui não estrangeiros e apátridas,
como também os menores de dezesseis anos.
O território representa, também, um conceito político e jurídico, por o
corresponder somente a uma definição meramente geográfico-espacial, mas sim à área
sobre a qual é exercido, pelo Estado, seu poder soberano e de império, pelo que, na área do
direito, costuma-se qualificar tal conceituação de “ficção jurídica”. E esse domínio sobre o
seu território, bem como a representação internacional sobre ele, refulgem no seu poder
político – último elemento constitutivo do Estado.
28
No Brasil, na esfera normativa, vivemos um Estado democrático de direito,
conforme previsto na Carta Magna, no caput do artigo , e esse Estado, na lei, representa
a superação do Estado capitalista neoliberal
8
, posto que pretende configurar-se como um
Estado promotor de justiça social.
O postulado Estado democrático de direito reúne os princípios do Estado
democrático e os do de direito, não como uma simples adição de elementos, mas como um
novo conceito que agrega um componente revolucionário de transformação do status quo.
Para Silva (2005, p.120), trata-se de “um tipo de Estado que tende a realizar a síntese do
processo contraditório do mundo contemporâneo, superando o Estado capitalista para
configurar um Estado promotor de justiça social.”.
Isso representa dizer que a missão basilar do referido Estado reside em superar as
desigualdades sociais, instaurando, a partir do plano legal, um regime democrático que
materialize a justiça social, tendo como pauta a definição de políticas públicas, dentre elas
as educacionais, dirigidas àquele fim.
1.2 Estado e políticas públicas
Políticas públicas são o resultado da dinâmica do jogo
de forças que se estabelece no âmbito das relações de
poder, determinando os rumos da intervenção estatal na
realidade social.
(Lindomar Wessler)
Para a compreensão do alcance da relação entre Estado e políticas públicas, é mister
conhecermos as correntes de pensamento que têm embasado a atuação estatal e que
incidem diretamente sobre a forma como o Estado irá materializar suas ações.

8
Esse modelo de Estado se encontra melhor esclarecido na subseção 1.2.
29
A partir do século XVIII, o liberalismo clássico expressa seu ideário sobre o
Estado, que foi sendo moldado e modificado, ao longo dos anos, almejando adequar-se aos
avanços do capitalismo.
Para Marx (apud CHAVES, 2005), o modo de produção capitalista carrega, como
parte integrante de seu sistema, a presença de crises; o conflito perene entre a produção e o
consumo reflete a causa primeira das crises capitalistas.
Chaves (2005) aduz que as primeiras crises do capitalismo, no início do século
XIX, se deram em função de subconsumo correspondendo a um estágio inicial da
produção. no final do século XIX, foram causadas pela queda do lucro. Em
contrapartida, as crises de 1914, 1929, 1970 a 1990, embora revelem a mesma origem
estrutural apresentam suas especificidades.
Por isso, diz-se que são crises cíclicas, pois, para serem superadas, criam
elementos que vão se constituir, no momento seguinte, em um novo complicador
para o sistema, podendo culminar em outra crise. (CHAVES, 2005, p.84).
Para além do liberalismo, tivemos o modelo de Estado do Bem-estar Social,
formulado por John Maynard Keynes (1883-1946), por isso, conhecido como Keynesiano.
Esse modelo, que durou dos anos 1930 até meados dos anos 1970, teve origem com a crise
capitalista de 1929 e pregava, contrariamente ao liberalismo clássico, a intervenção direta
do Estado nas esferas econômica e social. Chaves (2005) explica que Keynes postulava um
Estado forte, que asseguraria a manutenção dos assalariados via aumento das despesas
públicas e que isso, a contrario sensu
9
, não representava um desperdício de recursos e sim
um mecanismo fortalecedor da economia.
Em função da crise de 1970, o modelo Keynesiano não conseguiu mais atender às
necessidades exigidas pela economia, que vislumbrava queda de consumo e,
conseqüentemente, da taxa de lucros, tornando-se, então, ineficiente.
Chaves (2005, p.95) explica que a crise, iniciada na década de 70,

9
Em sentido contrário.
30
[...] tem sua origem nas estratégias de superação da crise dos anos 30. O
esgotamento do modelo fordista-keynesiano deu-se pela incapacidade de dar
respostas aos problemas inerentes ao próprio regime de acumulação capitalista e,
mesmo com a ampliação das funções do Estado, de impedir o avanço da
exclusão social.
Diante dessa crise, caracterizada pela estagflação – elevação dos preços e da taxa de
desemprego –, teve origem uma nova tentativa de superação capitalista.
Para dar conta dessa crise, ganha cena o modelo de Estado capitalista neoliberal, ou
neoliberalismo, que foi implantado, em meados dos anos 1980, ressignificando o Estado
liberal do século XVIII. Seus principais teóricos são Friedrich Hayek (1889-1982) e Milton
Friedman (1912-2006).
Esse novo modelo de Estado defende a abertura de mercados e tratados de livre
comércio, redução do setor público e diminuição do intervencionismo estatal na economia
e na regulação do mercado. Daí, ter como lema a premissa “menos Estado e mais
mercado” e, como princípio básico, a liberdade individual. Sobre ele, Carvalho (2002)
afirma:
O neoliberalismo surgiu após a 2a Guerra Mundial, na região da Europa e da
América do Norte nos países capitalistas centrais. Pode-se dizer que sua origem
esteve relacionada ao texto o “Caminho da Servidão” de Friedrich Hayek de
1944, uma espécie de reação teórica e política contra o Estado intervencionista e
de bem-estar. A promoção do livre comércio, a estabilização macroeconômica e
as reformas estruturais deram origem ao General Agreement on Trade and
Tariffs (GATT) e as instituições gêmeas que nasceram das deliberações de
Bretton Woods: o Banco Mundial em 1945 e o Fundo Monetário Internacional
em 1946. (CARVALHO, 2002, p. 3).
Cabe notar que, desde o final da segunda guerra mundial, a economia capitalista
vivia uma fase excepcional de crescimento, que perduraria até, aproximadamente, o início
dos anos 1970, quando o capital e suas crises tornam opaco o brilho da chamada Era de
Ouro”, na expressão de Eric Hobsbawn (1995).
31
O sistema capitalista busca, de maneira incansável, superar-se. E é nesse contexto
de superação que, em meados da década de 1980, ganhou força, na esteira neoliberal, o
processo de globalização
10
.
Em contraposição ao modelo fordista-keynesiano, foi criado um novo regime de
acumulação, em escala mundial, sob a égide do capital financeiro. Esse novo
modelo de acumulação capitalista se estrutura por meio de organizações
multinacionais ou multilaterais, de empresas transnacionais, que operam em
várias nações. Como parte desse movimento de mundialização do capital, o
Estado-nação debilita-se, pois “as divisões geográficas entre Estados-nação
centrais e periféricos, setentrionais e meridionais, não são suficientes para
captar as divisões globais e distribuição de produção, acumulação e formas
sociais”. (HARDT E NEGRI, 2001, p.356). O Estado-nação fica subordinado aos
movimentos e articulações do capital financeiro. Os centros decisórios do poder
evoluem para “uma série de corpos jurídico-econômicos globais, como o GATT,
a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional” (Ibidem, p.358). Essas organizações e agências transnacionais da
economia política mundial ordenam e reordenam as economias, as sociedades, os
povos e as culturas, formando os Estados transnacionais ou globalizados.
(CHAVES, 2005, p.97).
Assim as agências internacionais de financiamento passaram a dar direção às
mudanças estruturais nos Estados-nação, em especial às reformas do Estado e das políticas
sociais, que passam a ser desenvolvidas nos países capitalistas.
Dando suporte teórico ao neoliberalismo, Hayek (1983, p.13) afirma que [...] as
ingerências estatais na economia agem como coibidoras da liberdade individual, assim
como a intervenção governamental ameaça os estímulos individuais necessários à
produção e à competição numa sociedade livre”. O Estado, na visão desse autor, prejudica
o desenvolvimento da sociedade capitalista, na medida em que interfere nas relações
mercantis. Para tanto, defende a redução da atuação do Estado na economia, deixando os
mercados livres para agirem na sociedade capitalista.

10
Conforme Chesnais (1996, p.23), o qualificativo global emergiu no princípio dos anos 80, nas grandes
escolas de Administração de Empresas de universidades norte-americanas (Harvard, Columbia, Stanford,
etc.), sendo, posteriormente, popularizada em escala mundial por via de uma imprensa econômica e
financeira anglo-saxã. Para as escolas de Administração norte-americanas o termo enviaria como mensagem,
aos grandes grupos multinacionais, a necessidade de se aproveitarem da oportunidade aberta pela
liberalização e desregulação das economias amplificada pela disponibilidade de ferramentas de controle de
suas atividades e distâncias crescentes proporcionadas pela telemática e pelos satélites de telecomunicações,
no sentido de expandirem suas atividades naqueles espaços que possibilitassem os maiores lucros. Por tanto,
seria necessária a reformulação de suas estratégias internacionais a partir de uma reorganização produtiva e
comercial que permitisse essa expansão. O mundo globalizado que daí adviria era imaginado como "sem
fronteiras" e as empresas, vistas como “sem nacionalidades.”
32
Outro importante defensor do neoliberalismo, Friedman (1984) postula que a
capacidade de regulação do capital e do trabalho deve ser creditada ao mercado. Também,
afirma que as políticas públicas são as principais responsáveis pela crise que acomete as
sociedades, uma vez que estimulam a formação de monopólios, em distintos setores da
vida social e na indústria, além de serem responsáveis pelo corporativismo estabelecido
entre funcionários do governo e entre determinadas categorias de trabalhadores.
Para Azevedo (2004), a reinstauração da democracia política, no Brasil, no início
da década de 80, possibilitou a abertura de um campo investigativo sobre as políticas
públicas, revelando as cruéis conseqüências de um Estado autoritário, inerente ao regime
pós-1964, o qual apresentava um padrão peculiar de política social, cujas políticas
econômicas empregadas negavam os direitos sociais à maioria. É nesse contexto que as
políticas públicas se afirmam como área de conhecimento específico, no campo
acadêmico.
Nessa conjuntura, ao analisarmos o conceito de políticas públicas, faz-se necessário
considerar os recursos de poder que atuam na sua definição e que possuem, como
referencial, as instituições do Estado, em especial a máquina governamental.
Do mesmo modo, devemos considerar que a definição, a implementação, a
reformulação ou a desativação dessas políticas são embasadas na memória da sociedade ou
do Estado em que ocorrem e, devido a isso, possuem uma relação intrínseca com as
representações sociais.
É nesse panorama que aumentam os debates sobre o destino e o perfil que deveriam
assumir as políticas públicas, em especial as destinadas aos setores sociais, visto que estão
elas diretamente relacionadas aos modos de articulação entre o Estado e a sociedade.
As políticas sociais, nesse contexto, também foram arduamente criticadas, pois, de
acordo com os teóricos neoliberais, os recursos públicos destinados a esses fins estimulam
a indolência e a permissividade social, visto que os programas e as diversas maneiras de
proteção aos trabalhadores e aos pobres tendem a inibir a livre iniciativa e a
individualidade, desestimulando a competitividade e infringindo a própria ética do
trabalho. os seguros de acidente e desemprego, as pensões e aposentadorias alteram o
equilíbrio do mercado de trabalho, visto que induzem os beneficiários a se acomodar à
33
dependência dos subsídios estatais. Alegam, também, que as políticas sociais geram a
necessidade de maiores receitas e, para que estas sejam supridas, precisa haver um
aumento de tributos e de encargos sociais (FRIEDMAN, 1984).
Essa situação nos reporta a Marx (1995), em suas “Glosas críticas marginais ao
artigo ‘O rei da Prússia e a reforma social’. De um prussiano”. Nesse texto, Marx combate
a premissa de que a miséria é culpa dos pobres e, portanto, deve ser neles punida.
Discorrendo sobre a origem dos problemas sociais ele afirma:
O Estado e a organização da sociedade não são, do ponto de vista político, duas
coisas diferentes. O Estado é o ordenamento da sociedade. Quando o Estado
admite a existência de problemas sociais, procura-os ou em leis da natureza, que
nenhuma força humana pode comandar, ou na vida privada, que é independente
dele, ou na ineficiência da administração, que depende dele. Assim, acha-se que
a miséria tem seu fundamento na lei da natureza, segundo a qual a população
supera necessariamente os meios de subsistência. Por outro lado, o pauperismo é
explicado como derivando da má vontade dos pobres [...]. (MARX, 1995, p.10).
Marx, ainda no século XIX, denunciava que o Estado culpava o próprio pobre
pelas mazelas sociais que sofre, omitindo-se de sua responsabilidade administrativa e
financeira, enquanto promotor do bem público.
Observa-se, então, que os defensores da ideologia neoliberal retornam ao modelo
de Estado capitalista do século XIX, duramente criticado por Marx. Ou seja, defendem o
retorno à livre concorrência do mercado e à exacerbação do individualismo: os mais
competentes, os que têm atitude empreendedora terão êxito pelo seu próprio esforço
individual, independentemente da ação do Estado. Dissemina-se aqui o darwinismo
social
11
.
Em âmbito internacional, a análise acerca da relação entre Estado e políticas
públicas deve considerar, também, a crise instalada, no início dos anos 70, e suas
repercussões, nos diversos países, bem como as proposições neoliberais e o começo do
processo de globalização.
Em 1968, ano significativo para a história da universidade, a imprensa mundial
divulgava protestos dos estudantes. Ocorre que, para Hobsbawm (1995, p.280), tal

11
Concepção baseada na teoria sobre a evolução, do naturalista Charles Darwin (1809-1882), para o qual, na
cadeia evolutiva das espécies vivas existentes, somente as melhores adaptadas às mudanças sobreviveram.
34
mobilização representava, “[...] um setor minoritário da população, ainda mal reconhecido
como um grupo definido na vida pública”. O referido autor considera ainda que, embora
essa mobilização de estudantes estivesse fora do contexto econômico e sobre ele o
interviesse diretamente, seu viés acabou sendo o de alertar a sociedade para o fato de que
seus problemas não estavam resolvidos. Esse consenso social que predominava era
assegurado pela crença de que o Estado agia para garantir o pleno emprego, camuflando os
reais interesses do Estado na manutenção do sistema capitalista.
Nos anos 1960, ocorreu um crescimento da educação superior, o que poderia
ocasionar um elevado número de pessoas detentoras desse nível de ensino, mas baixa
oferta de postos no mercado de trabalho. Daí decorreu, então, uma revisão do planejamento
educacional, tendo em vista atender as metas político-econômicas existentes à época.
Nesse contexto, surgiram as primeiras reflexões em torno das reformas na educação
superior, em todo o mundo. No caso brasileiro, tais reflexões tiveram como eixo a defesa
da educação pública. As várias investidas para a revisão legislativa, nos anos 1960,
resgatavam as idéias contidas nas propostas das forças mais conservadoras, e foi nesse
contexto que surgiram os debates que antecederam a reforma universitária de 1968.
Tais debates eram defendidos pelo discurso da necessidade de conciliar um ensino
de massa, que atendesse à enorme demanda populacional, baseado em uma formação geral
e humanística, e um outro que formaria uma elite de pessoas de nível superior chamada de
elevada cultura, que implicaria o incremento das atividades de pesquisa, nas instituições de
ensino superior. Essa mesma idéia reaparece, com mais força, nos anos 1990, com viés de
orientar a reforma universitária brasileira, visando adequá-la às políticas emanadas dos
organismos internacionais, em especial o Banco Mundial, o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(CEPAL)
12
.
No que concerne à política educacional, o argumento neoliberal preconiza que o
acréscimo das oportunidades educacionais é essencial para a redução das desigualdades
sociais. No entanto, defende, também, a redução dos investimentos públicos para seu

12
Sobre esse assunto ver: Lima, K.R. (2006).
35
financiamento – em especial, na educação superior – e, ao mesmo tempo, enfatiza a
necessidade da intervenção do Estado na educação, para controle ideológico da população.
Abordando a formação profissional, em nível superior, a corrente de pensamento
supracitada preconiza sua total privatização, argumentando que, por se tratar de um meio
de valorização do capital humano, o trabalhador terá condição de obter melhores salários
com melhor preparo profissional, constituindo-se, portanto, num benefício individual.
Contudo, os indivíduos talentosos, mas sem recursos financeiros, não seriam excluídos
dessa formação, uma vez que propõe que a eles sejam concedidos empréstimos financeiros,
públicos ou privados, devendo o beneficiário arcar com o pagamento da dívida, quando
estivesse inserido no mercado de trabalho, colhendo os frutos de sua valorização como
capital humano (FRIEDMAN, 1984).
Hoje, por exemplo, vemos isso refletido, de forma concreta, nos projetos de
parcerias público-privadas, onde o ensino se transforma num “quase-mercado”
13
.
Na linha do “quase-mercado”, as políticas públicas para a educação superior
brasileira passam por severas mudanças, refletidas desde o extraordinário aumento da
demanda por vagas e seu atendimento por um crescente e pouco controlado número de
instituições particulares. Essas especificações têm sido a principal marca dos últimos anos,
juntamente com a decadência relativa da participação das universidades públicas na
formação de nível superior.
Para o neoliberalismo, a política educacional, assim como as demais políticas
sociais, deve ser norteada, fundamentalmente, pelas leis que regem o mercado privado a
fim de serem bem sucedidas. Para o sociólogo João dos Santos Filho (2001), com quem
concordamos, a ideologia neoliberal se fundamenta na despolitização da realidade, na
negação da lógica histórica e num retorno ao irracionalismo.

13
Expressão utilizada por Nelson Cardoso do Amaral (2003), pois efetivamente não é um mercado, posto que
o dinheiro o precisa ser trocado entre demandantes e fornecedores; a entrada de novos fornecedores é
restrita, e os consumidores não têm liberdade para escolher seu produto – somente os aprovados por normas e
critérios específicos. A expressão “quase-mercado” é aplicada, no presente caso, à comercialização da
educação superior.
36
Esse movimento de choque ideológico neoliberal aparece, de forma mais límpida e
com maior radicalidade, quando nega Marx e o ideário marxiano. Segundo Chasin (apud
SANTOS FILHO, 2001, texto online),
[...] não cabe mais silenciar: hoje, a grande moda filistina não é falar de Marx,
mas contra Marx. Desde o afetado "grand monde de l'esprit", a ao círculo
abafado dos "pauvre d'esprit" a grande curtição é desvaliar o patrimônio político
e intelectual marxiano.
Santos Filho (2001) salienta, também, que a campanha levantada em prol da
desqualificação da estrutura teórica marxiana e do próprio materialismo histórico e
dialético ganhou força a partir dos caminhos percorridos pelos processos revolucionários.
Tais processos ocorridos entre os anos de 1917 e 1959 evoluíram, também, em função
do “descrédito político das velhas lideranças de esquerda”, que reproduziam os padrões
autoritários do capitalismo.
Ainda com referência à despolitização da realidade, afirma que nunca um fim de
século trouxe tantas mudanças ao seio da sociedade como esse”. Não se acredita mais na
política partidária, tanto de direita como de esquerda, observa-se o colapso dos sistemas
econômicos entrando em crise, e a solução encontrada para barrar essa crise é o
neoliberalismo. (SANTOS FILHO, 2001).
Ao longo do tempo, observamos o aprofundamento dessa nova ordem,
principalmente nos governos latino-americanos, em especial, no Brasil, especificamente,
no que diz respeito à diminuição do papel do Estado enquanto formulador e executor de
políticas públicas sociais, funcionando meramente como regulador dessas políticas, no
âmbito do mercado.
Sobre isto Santos Filho (2001, texto online) considera que o neoliberalismo mostra
a forma mais “refinada de trabalho pela despolitização, desacreditando a vida política e os
políticos em geral”. Considera, ainda, que os sindicatos e as associações “perdem sua força
de barganha, são hostilizados e ridicularizados pela sociedade e por seus próprios filiados,
pois entendem que houve um esgotamento da luta de classes”, reforçando a crença de que
apenas o mercado é eficaz em suas ações.
De acordo com Muller (2002, p.29),.
37
Fazer uma política pública o é, pois, “resolver” um problema, mas, sim,
construir uma nova representação dos problemas que implementam as condições
sociopolíticas de seu tratamento pela sociedade e estrutura, dessa forma, a ação
do Estado.
Consideramos, então, que, para abstrair o verdadeiro sentido das políticas públicas,
faz-se necessário analisar suas implicações, no contexto social, visto que elas representam
a ação ou a omissão do Estado, atendendo aos interesses do capitalismo, que naquele se
fortalece e se torna possível. Logo, são ações que nascem do contexto social, mas que
passam, necessariamente, pela esfera estatal como uma decisão de intervenção pública uma
realidade social.
1.3 Estado capitalista neoliberal brasileiro e políticas públicas para a
educação superior
O Estado é mais do que nunca um ponto de
concentração de poder capitalista.
(Ellen Wood).
Tendo por referência a definição de Estado capitalista, neoliberal, apresentada na
seção anterior, passamos, agora, a focalizar a relação daquele com as políticas públicas
relativas à educação superior.
Percebe-se que as premissas da reestruturação econômica predominantes no
capitalismo avançado – conjunto de programas e políticas recomendadas pelo Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras organizações financeiras
aplicam-se perfeitamente ao modelo neoliberal: elas implicam redução do gasto público e
dos programas que são, assim, considerados gasto público e não investimento, além da
diminuição da participação financeira do Estado no fornecimento de serviços sociais, em
especial a educação, transferindo-os para o setor privado, por meio de privatizações ou do
discurso que nomeia o espaço privado como público não estatal.
38
Sobre a relação entre o setor público e o privado, Silva Júnior (2006, p.6) considera
que
As políticas públicas passam, no país e no exterior, por um processo de
mercantilização ancorado na privatização do espaço público [...], assim, é na
reflexão exigida pela materialidade histórica, que se envolve tanto a contradição
público-privado, quanto a dimensão central e mercantil do Estado.
Daí, é possível concebermos como se justificam as políticas públicas sociais,
exercidas pelo Estado capitalista neoliberal. Ou seja, apregoa-se a ineficácia e a
improdutividade do setor público, alegando que suas atividades são antieconômicas e
lentas, devido à burocracia, além de serem um desperdício social. a privatização dos
serviços públicos é tida como a solução para esse problema, pois, de acordo com a lógica
do capitalismo, num mercado livre, com grande competitividade, as empresas privadas
precisam ser eficientes, produtivas, mais ágeis por serem menos burocráticas –,
atendendo mais rapidamente às necessidades do mundo moderno e globalizado.
Vale ressaltar que o Estado não pode por motivos práticos abandonar todos os
seus programas assistencialistas, já que precisa pacificar áreas conflitivas e explosivas da
população excluída das políticas sociais. Essas modificações nos esquemas de intervenção
estatal não são realizadas indiscriminadamente, mas sim embasadas no poder diferencial da
clientela, o que nos reporta a exemplificar programas como o Bolsa Família (iniciado no
governo Fernando Henrique e aprofundado no governo Lula da Silva), ProUni (do governo
Lula da Silva) etc..
A globalização que se espraia pelas áreas econômica, científica, tecnológica e
cultural e que acelera a produtividade do trabalho, substitui trabalho por capital e
desenvolve novas áreas de produtividade – originou uma nova economia mundial e a
divisão internacional do trabalho, em função da integração econômica das nações, dos
Estados, das economias nacionais e regionais. A esse respeito, Chesnais (2001, p.12-13)
comenta que
[...] a globalização o tem nada a ver com um processo de integração mundial
que seria um portador de uma repartição menos desigual das riquezas. Nascida
da liberalização e da desregulamentação, a mundialização liberou, ao contrário,
todas as tendências à polarização e a desigualdade [...], o capitalismo produz a
39
polarização da riqueza em um pólo social, e no outro pólo, a polarização da
pobreza e da miséria mais “desumana”.
O capitalismo globalizado busca, constantemente, aumento das taxas de lucro e da
produtividade per capita, bem como redução de custos. Para isso, dispensa mão-de-obra e
intensifica a produção. O excesso de força de trabalho permite às empresas a substituição
da mão-de-obra de custo mais alto pela de custo mais baixo e a substituição de trabalho por
capital. Tudo isso resulta na redução da classe operária e no enfraquecimento do poder dos
sindicatos na negociação de políticas econômicas com o patronato.
As empresas buscam áreas do planeta que tenham mão-de-obra mais barata e
melhor treinada, que ofereçam condições políticas e legislativas favoráveis, acesso a uma
melhor infra-estrutura e recursos nacionais, maiores mercados e(ou) incentivos. Esse
sistema exige trabalhadores com grande capacidade de “aprender a aprender”, como citado
pelo chamado Relatório Delors, da UNESCO (1999), o que surge como uma tendência que
procura estabelecer uma hierarquia valorativa, na qual o aprender sozinho está situado em
um nível mais elevado do que a aprendizagem resultante do ensino sistemático; o mesmo
quanto a trabalhar em equipe, não de forma disciplinada, mas também criativa. Prima,
também, pela transformação de trabalhadores de tempo integral em de tempo parcial,
devido à redução das contribuições patronais para saúde, educação etc., bem como a queda
sistemática dos salários, gerando distanciamento, cada vez maior, entre os assalariados e as
classes dominantes e, em um sentido mais amplo, entre os países em fase de
desenvolvimento e os desenvolvidos.
A lógica capitalista é orientada, basilarmente, por organismos internacionais, que
recomendam aos países que realizem ajustes estruturais, tendo como principais propostas a
privatização e a redução de gastos públicos, em troca de empréstimos, na maioria das vezes
propostos pelo Banco Mundial. Assim, as políticas de ajuste neoliberal compreendem
propostas e medidas de caráter econômico e político, afetando, portanto e necessariamente,
as políticas públicas, em especial as políticas educacionais.
No Brasil, desde o governo Collor (1990-1992) até o atual, a lógica não tem sido
diferente: reformas estruturais têm permeado as políticas sociais, dentre elas a educação.
Essas últimas se referem às políticas públicas que se voltam para o campo da proteção
40
social, como saúde, habitação, trabalho e educação, asseguradas por meio dos direitos
sociais.
Alguns direitos sociais, no final dos anos 1970, foram implantados em países
periféricos
14
, dentre eles o Brasil, possibilitando aos cidadãos o acesso a diversas políticas
públicas sociais. Porém, com a nova visão econômica instaurada, nos anos 1980 e início
dos anos 1990, que pregava o equilíbrio das contas públicas e o Estado mínimo, passou-se
a realizar corte de gastos sociais, com vistas a executar o ajuste fiscal. Assim, o
neoliberalismo e suas recomendações político-econômicas reduziram os sistemas de
proteção social a práticas minimalistas e focalizadas de redução da pobreza.
O exposto nos faz compreender que as políticas econômicas interferem,
diretamente, nas políticas sociais, posto que as determinações estruturais daquelas incidem,
necessariamente, no corte dessas.
Soares (2001) afirma que as políticas de ajuste neoliberal não são neutras e afetam
as políticas sociais de duas maneiras. Uma delas seria pelo lado da demanda social, que se
ampliou e se tornou mais complexa em função da deterioração das condições de vida da
população, especialmente a menos provida. A outra maneira seria pelo lado da oferta de
bens e serviços sociais, que estaria restringida pelos cortes lineares, no gasto social, e pela
substituição da concepção de direito universal a tão almejada e muitas vezes sangrenta
conquista dos direitos sociais -, pela de programas focalizados de enfrentamento da
pobreza.
Ocorre que as políticas sociais exercem papel primordial, na resolução dos
problemas sociais, a cada dia mais agravados pelas políticas econômicas. Por isso,
concordamos com Soares (2001, p.13), ao conceituar políticas sociais como
O conjunto de políticas públicas às quais todos têm direito, e não apenas os
programas residuais e tópicos de enfrentamento da pobreza. A contrapartida
dessa defesa é a recusa da concepção de que apenas com a estabilização
econômica seguida de um suposto crescimento econômico seria possível resolver
os nossos problemas sociais.

14
Ao contrário dos países centrais, os países periféricos são aqueles que detêm menor poder político,
econômico, tecnológico e bélico em relação aos países centrais. Constituem a chamada periferia imediata do
sistema capitalista.
41
O que se tem observado é que, embora ocorra crescimento econômico, as
desigualdades e as políticas sociais minimalistas fazem com que ele não apareça, dando
cena central ao agravamento dos problemas sociais.
Para melhor compreensão das políticas públicas e sociais, torna-se importante, aqui,
ressaltar a diferenciação entre Estado e governo. Höfling (2001, p.31) afirma que
[...] é possível se considerar Estado como o conjunto de instituições permanentes
– como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um
bloco monolítico necessariamente que possibilitam a ação do governo; e
Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade
(políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a
sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um
determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um
determinado período.
Assim, políticas públicas são, aqui, entendidas como o “Estado em ação”
(GOBERT apud HÖFLING, 2001, p.31); ou seja, é o Estado inserindo um projeto de
governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade. O
Estado não pode ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que
conceberiam e programariam as políticas públicas.
As políticas públicas são compreendidas como as de responsabilidade do Estado
quanto à sua implementação e à sua manutenção, a partir de um processo de tomada de
decisões, as quais envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da
sociedade relacionados à política implementada. políticas sociais se referem à atuação
que determina o modelo de proteção social praticado pelo Estado, que se voltam, em
princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais, visando a redução das disparidades
estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico.
Como se depreende, as políticas sociais têm suas raízes nos movimentos populares
do século XIX e se dirigem aos conflitos surgidos entre capital e trabalho, no
desenvolvimento das primeiras revoluções industriais
Nesses termos, Höfling (2001, p.32) afirma a “educação como uma política pública
social, uma política pública de corte social, de responsabilidade do Estado mas o
pensada somente por seus organismos”. De tal modo, as políticas sociais entre elas a
educação se situam no interior de um tipo particular de Estado. São formas de
42
interferência do Estado, visando à manutenção das relações sociais de determinada
formação social.
Na esfera educacional, a agenda neoliberal, iniciada, no Brasil, a partir dos anos
1990, traz um enfoque de “investimento em recursos humanos”, com vistas a atender as
demandas do capital. Assim, respondendo às novas exigências de mão-de-obra, um
crescimento do setor privado, pautado por ajustes de ordem econômica e política, com
reflexos avassaladores, em especial sobre a educação superior.
Para Carvalho (2004), é no início da década de 1990, com a primeira eleição direta
para a presidência da República Federativa do Brasil, quando foi eleito Fernando Collor, e
a partir de um plano de estabilização monetária, que a política econômica voltou-se para a
abertura indiscriminada das barreiras tarifárias, e teve início o processo de privatização das
empresas estatais. Isto é, concretizou-se a adoção da agenda neoliberal, por parte do Estado
brasileiro, compreendida pela redução do papel do Estado e acompanhada pela
desarticulação de parte significativa das cadeias produtivas, assim como pela redução da
participação do capital nacional e a ampliação da participação relativa do capital
estrangeiro e a realização das privatizações das estatais.
Nesse período, o Banco Mundial passou a exercer influência efetiva na política
educacional. Nos documentos oficiais, apontava-se a necessidade de nova reforma, no
sentido de dar racionalidade e eficiência ao sistema, princípios fundamentais da agenda
governamental formada durante o regime militar.
O Estado é, sem dúvida, o grande definidor das políticas públicas sociais, nas quais
se insere a educação. A presença estatal é notória: ele, ao mesmo tempo em que define,
também executa as políticas; legisla e, ao mesmo tempo, regulamenta e fiscaliza. Sob sua
égide, encontram-se os pontos cruciais direcionadores dos rumos da educação superior, tais
como: o financiamento; a manutenção das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas; a
autorização, credenciamento, recredenciamento, reconhecimento, supervisão e avaliação
de cursos e o estabelecimento de diretrizes curriculares. E, ainda, para além de suas
funções, o Estado brasileiro vem interferindo contra legem mater na autonomia que gozam
as IES.
43
É mister destacar que têm sido complexas as relações políticas estabelecidas entre
educação superior e Estado, desenvolvidas no campo jurídico, por meio de leis, emendas
constitucionais, medidas provisórias, decretos, resoluções e outras espécies normativas, o
que nos motiva a pensar onde estariam amparados os limites legais da crescente
intervenção estatal, se não positivados na lei máxima.
O Estado brasileiro, por configurar-se como democrático e de direito, em tese,
prima, dentre outros princípios, pela supremacia da Constituição, pela legalidade e por um
sistema hierárquico de normas, responsável pela segurança jurídica, mediante categorias
distintas de leis de diferentes níveis, conforme o art. 59, da CF/88, que se refere ao
processo legislativo
15
.
Kelsen (apud Carvalho 2008) afirma que o fundamento de validade de qualquer
norma jurídica está presente, somente, na validade de uma norma superior. “Há uma
estrutura hierárquica de diferentes graus do processo de criação do Direito, que desemboca
numa norma fundamental […]” (p.52). A Constituição é, assim, a expressão e o
reconhecimento, no plano jurídico, de que o Estado se alicerça no que os
constitucionalistas denominam ‘estatuto jurídico fundamental’.
O direito constitucional é a ciência responsável por identificar os procedimentos e
as formas de interpretação da Constituição, bem como da legislação dela decorrente, tendo
por escopo a eficácia e o cumprimento das normas.
Entendemos que as relações entre a ciência do direito constitucional e a ciência da
Educação se intensificam, quando o Estado deixa de ser considerado como uma instituição
à parte da sociedade e dos problemas educacionais, passando a ser concebido como eixo
formulador e definidor de políticas públicas educacionais.
Grandes avanços e conquistas, no decurso histórico da educação superior, são
percebidos, mas nenhum deles é tão relevante quanto o fato de que a Constituição Federal,
de 1988, entronizou a educação superior à categoria de bem jurídico, protegido nos termos
do artigo 218, § 3°, que diz:

15
As espécies normativas que compõem o processo legislativo, no alcance hierárquico, serão melhor
discutidas nos Capítulo 3 e 4.
44
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a
pesquisa e a capacitação tecnológicas.
[...]
§ O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência,
pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições
especiais de trabalho.
Desse artigo, percebemos que, no texto constitucional vigente, a educação superior
é individualizada, dado o seu relevante papel na formação de recursos humanos nas áreas
da ciência, pesquisa e tecnologia.
Diante do exposto, emerge a necessidade de conferir como a educação superior foi
prevista, historicamente, no texto das Constituições brasileiras, de vez que o Estado
brasileiro se define sob o signo do constitucionalismo. Ademais, entendemos que a
evolução da história do constitucionalismo, no Brasil, não se separa das transformações
inerentes ao Estado, como também consideramos que o processo de redemocratização que
o país atravessou constituiu-se como fonte de direito e, portanto, conferiu força à
Constituição Federal de 1988 nosso marco regulatório. Isso é o que faremos no capítulo
seguinte.
45
CAPÍTULO 2
A REDEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA E A EDUCAÇÃO
SUPERIOR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Num momento em que as ciências humanas se renovam
pela busca da construção de campos interdisciplinares,
direito e educação podem travar fecundo diálogo em
vista de uma democratização educacional.
(Osmar Fávero)
Para a compreensão de como, historicamente, o modelo mercantil-gerencial do
Estado capitalista neoliberal vem exercendo ou não ingerência sobre as legislações que
regulamentam a educação superior brasileira, traçamos uma contextualização histórica do
processo de redemocratização iniciado, em 1974, com o presidente Ernesto Geisel (1974-
1979) e que culminou na Constituição Federal, de 1988 (CF/88), restabelecendo o regime
democrático no país.
Para tanto, sentimos necessidade de realizar um breve panorama histórico, que
revelasse como a educação superior tem sido tratada, nos textos constitucionais, desde a
primeira Constituição (a imperialista, de 1824) até a vigente (a republicana, de 1988),
identificando artigos que têm relação com esse nível de ensino e buscando analisá-los sob a
ótica do contexto da época da formulação das Cartas Magnas – sem nos furtar a mencionar
alguns dispositivos infraconstitucionais que julgamos relevantes. A revisão explicitada é
salutar para o nosso estudo, à medida que possibilita refletir sobre como a educação
superior foi tratada, historicamente, no ordenamento jurídico, bem como sobre os avanços
postulados, na CF/88, que a tornam um marco normativo diferencial da educação, como
direito social.
Os direitos sociais envolvem normas constitucionais que, para cumprir o objetivo
maior do Estado (bem comum), vinculam-se aos cidadãos, possibilitando-lhes segurança
jurídica que garanta o acesso a educação, saúde, trabalho e outros. Comumente, nos textos
46
constitucionais, a educação como direito social deveria vir assegurada dentro de um
capítulo ou de um título denominado “Ordem Social”, que lhe garantiria tal segurança.
Após a incursão histórica por todas as Constituições brasileiras, finalizamos este
capítulo com uma análise dos artigos da CF/88, relativos à educação superior, tendo como
finalidade compreender as intenções do legislador constituinte com relação ao alcance
normativo desse nível de ensino, no ordenamento jurídico, bem como, identificar o seu
diferencial em relação às outras Cartas Magnas.
2.1 A educação nas Constituições brasileiras, de 1824 a 1967.
Na fase colonial, não havia Constituição, no Brasil, uma vez que este era colônia de
exploração da Coroa Portuguesa, regulamentado pelos donatários das capitanias
hereditárias e, posteriormente, a partir de 1549, pelos governadores gerais. De acordo com
Silva (2005), o Regimento do Governador Geral” teve grande importância para a história
administrativa do país, por se tratar de um documento que antecipava as cartas
constitucionais, mas, evidentemente, imposto pelo regime colonial.
Conforme Monlevade (2001, p.19), desde a chegada dos portugueses ao Brasil até
1549, a educação, no país, fez-se sem escolas e, portanto, sem despesas ao erário público.
Com a vinda dos jesuítas, junto com a expedição de Tomé de Souza, a educação por eles
exercida era direcionada à catequese dos índios e à disseminação da católica, sendo
financiada com as rendas da Igreja que, para isso, recebia concessões de terras e privilégios
de comércio.
Dessa forma, no período colonial, embora a atividade principal da Companhia de
Jesus residisse na catequese indígena, eles já atuavam no ensino secundário e, em algumas
cidades, no superior, cuja finalidade era a formação religiosa, militar ou jurídica. (Cunha,
1986).
É necessário destacar que, embora priorizada a catequese indígena, havia uma
educação escolar destinada à nobreza e a seus descendentes que, segundo o modelo de
47
colonização adotado, deveria servir de articulação entre os interesses metropolitanos e as
atividades coloniais.
De acordo com Vieira (2007), quando, em 1759, os jesuítas foram expulsos do
Brasil pelo Marquês de Pombal, eles contavam com 25 residências, 36 missões e 17
colégios e seminários, além dos seminários menores e escolas de ler e escrever, espalhados
pelo país. Para além do crescimento como instituição educacional, eles haviam
conquistado poder político e econômico. O Marquês almejando suscitar a recuperação
econômica e concentrar o poder real alegava ser imprescindível libertar o ensino público
da influência pedagógica dos jesuítas e propôs, pela primeira vez na história do país,
promover a educação pública estatal, delimitando, assim, o momento em que o poder
público estatal passa a atuar como agente responsável pela educação brasileira.
Ao analisar alguns alvarás que introduzem a reforma pombalina no país, Vieira
(2007) afirma que se tem a ilusória impressão de que o Estado estaria presente na educação
colonial. No entanto, os fatos concretos demonstraram que demorou anos para que se
tomassem providências quanto à educação pública, no país. Sem o ensino jesuíta, a
educação brasileira se deteriorou, pois pouquíssimos professores foram nomeados para
trabalhar na colônia; além disso, parte deles não tinha qualificação docente.
Em 1768, foi promulgada a lei que instituiu a Real Mesa Censória, com o objetivo
de tratar dos assuntos referentes à educação. Em 1772, foi emitido o alvará da lei que
regulava a cobrança do “Subsídio Literário” imposto destinado a financiar a manutenção
do ensino elementar e secundário tida como a primeira medida de amplo impacto para o
financiamento da educação brasileira, mas extinta, em 1835, após diversos registros de
desvio e fraude (VIEIRA, 2007).
Com efeito, as reformas promovidas por Pombal expressam [...] a “intervenção
do Estado em todos os setores da vida nacional”. Representam, nesse sentido,
“uma tentativa de ajustamento da escola às novas condições da vida política e
social” (FÉRRER apud VIEIRA, 2007, p. 42)
Para Vieira (2007), aqui se encontram as raízes da adesão ao sistema capitalista,
uma vez que a instrução pública começava a assumir um papel de preparação de mão-de-
obra.
48
Em 1808, com a chegada de D. João VI ao Brasil, o ensino superior foi criado, no
país, para atender aos interesses da corte portuguesa, visto que esta não poderia, naquele
período, enviar seus filhos a Portugal para estudar. Assim, foram criados cursos de
medicina e cirurgia, artes, matemática, agricultura etc... Com a efetiva transferência da
família real para o Brasil, foram criados os primeiros cursos superiores ligados à defesa
militar Academia Real de Marinha (1808) e Academia Real Militar (1810) e à saúde
primeiramente cursos de cirurgia e anatomia e, posteriormente, o curso de medicina para
atender ao Exército e à Marinha. Tinham caráter profissionalizante e as aulas (ou cadeiras)
ocorriam em estabelecimentos isolados. (VIEIRA, 2007). Justamente, esses fatores
explicam muitas distorções que se perenizam, em nosso sistema educacional.
Fávero (2005) rememora que os representantes das províncias manifestaram sua
preocupação com a educação através do projeto de Constituição da Assembléia
Constituinte, de 1823. Em seus Anais, os constituintes delatam a precariedade da educação,
em suas regiões de origem, criticando a ausência de escolas e recursos para a educação,
além da baixa remuneração dos professores, demonstrando que estes são desvalorizados
socialmente, desde aquele período.
Uma lei imperial, datada de 20 de outubro de 1823, dentre outras disposições,
permitia que qualquer cidadão criasse uma escola elementar, sem a necessidade de
requerimentos legais de autorização, licença e exame. (VIEIRA, 2007). Nesse marco
normativo, tem-se notícia dos primeiros estímulos à criação de escolas particulares.
A Assembléia Constituinte de 1823 foi desfeita pelo Imperador que, visando manter
seu poder pessoal, convocou um Conselho de Estado para refazer o projeto apresentado
pela Assembléia, estampando, assim, sua marca, na Constituição de 1824. Historiadores,
como Linhares (1990), relatam que, nessa ocasião, algumas províncias do nordeste
questionaram a legitimidade imperial e anunciaram a formação da Confederação do
Equador. Esse movimento foi violentamente reprimido pelas tropas imperiais, com a prisão
e o assassinato de seus líderes, como Frei Caneca.
Com o advento da primeira Constituição, o sistema educacional começou a ser
organizado e teve início o tratamento dado à educação como direito constitucionalizado.
Assim, veremos a seguir como se deu essa evolução em todas as Cartas Magnas brasileiras.
49
2.1.1 A Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824).
Na fase monárquica, foi outorgada a Constituição Imperial, de 1824, imposta e
praticada pela centralização dessa forma de Estado.
Fávero (2005) faz alusão ao fato de que o empenho do Imperador na elaboração da
Constituição atendia às suas pretensões ao trono português. Assim, foi decretada, em 25 de
março de 1824, a vigência da primeira Constituição do Brasil na época, escrito com a
letra z.
Tal carta política apresentava quatro poderes: Executivo, Legislativo onde os
senadores eram vitalícios, o que fortalecia o Imperador, e os deputados eram eleitos por
voto indireto e censitário
16
, nas províncias –, Judiciário e Moderador – este último exercido
pelo Imperador, assegurando sua ampla intervenção sobre o país, fortalecendo seu poder
pessoal, bem como concedendo-lhe a prerrogativa de nomeação dos presidentes das
províncias.
A Constituição Imperial, de 1824, foi dividida em oito Títulos, alguns deles em
Capítulos. A educação foi regulada no “Título VIII – Das disposições gerais e garantia dos
direitos civis e políticos dos cidadãos brazileiros”. O texto era composto por 179 artigos,
havendo, no último, a Declaração dos Direitos, com 35 itens, sendo os incisos XXXII e
XXXIII os que tratavam da educação. Todavia, não dedicou nenhum Título especial à
educação, nem a previu de forma consistente:
Art. 179: A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
[...]
XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.
XXXIII. Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das
Sciencias, Bellas Letras, e Artes.

16
Instaurado pela Constituição imperial, o voto censitário possibilitava o direito ao voto somente a
proprietários de terra, servidores da Coroa e profissionais liberais, estes últimos de acordo com sua renda
anual.
50
O inciso XXXIII, do art. 179, mencionou a existência de “Colégios e
Universidades”, nos quais seriam ensinados conteúdos de Ciências, Letras e Artes, donde
se presume que com responsabilidade e manutenção exercidas pelo Estado.
Nesse mesmo período da história da educação, no Brasil, ocorreu a criação de dois
cursos de ciências jurídicas e sociais, através de Lei, datada de 11 de agosto de 1827, sendo
um, na cidade de São Paulo, e outro, na cidade de Olinda (BASTOS, 1998).
A única lei promulgada, na ocasião do Império, sobre a educação, no Brasil, que
perdurou por mais de um século, foi a Lei da Instrução Pública; editada em 15 de outubro
de 1827, previa que, em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, deveria haver
escolas de primeiras letras. Conforme Sena (2004), havia sido a lei prometida pelo então
príncipe regente, D. Pedro, às vésperas da Independência, em manifesto ao povo, cuja
redação é atribuída a José Bonifácio.
Para Vieira (2007, p.53), esta é “a primeira lei geral de educação do país. Embora
não tendo impacto significativo sobre a nascente organização de ensino, assinala um traço
marcante da política educacional brasileira – a preocupação com os aspectos legais.”
No que concerne ao financiamento, após a expulsão dos jesuítas, no período
pombalino, foi criado o Imposto sobre Vendas e Circulação (IVC) – uma espécie de
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) primitivo, por meio do qual
cobrava-se uma taxa por tudo que era transportado e vendido no interior das províncias.
Com a edição do Ato Adicional de 1834, as províncias passaram a ser responsáveis pela
educação. Como os recursos da Coroa eram parcos, nada se poderia esperar de sua
capacidade financeira, passou-se, então, a utilizar os recursos arrecadados pelo Imposto
sobre Vendas e Circulação (IVC) para financiar a educação. (MONLEVADE, 2001).
Com o advento da Lei 16, de 12 de agosto de 1834 Ato Adicional de 1834
ocorreu uma alteração na Constituição política do Império, que concedeu às assembléias
legislativas provinciais, amplos poderes sobre diversos temas, inclusive a educação. Como
se percebe, nessa época, um ato adicional do Imperador, por si só, tinha poder de alterar a
Constituição (VIEIRA, 2007).
Sobre as interpretações acerca deste ato, Vieira (2007) exerce severa crítica:
51
É curioso observar que, embora não sendo um documento do campo
educacional, ao Ato Adicional de 1834 tem sido atribuída a origem de boa parte
dos problemas relativos à organização do sistema escolar brasileiro, [...]. Mesmo
acatando a interpretação de que o Ato Adicional de 1834 teria destruído um
sistema educacional em formação, é forçoso reconhecer que é impossível
destruir o que não existe. o havia ainda bases sólidas de uma organização
escolar no País. Os esforços eram isolados e isolados permaneceram. (VIEIRA,
2007, p.61)
Para a autora, as fontes dos problemas educacionais devem ser encontradas para
além do sistema de ensino e buscadas, de fato, na própria sociedade, palco das
contradições e dos impasses. Conferir àquele Ato Adicional a gênese de todos os males
que assolam o sistema nacional de ensino representa negar o fato de que as determinações
externas exercem impacto sobre ele.
Vimos que a Constituição Imperial tratou de forma tímida, também, da educação
superior, mostrando, no entanto, o interesse da família imperial pela criação de cursos
superiores, no país. Ela estabeleceu, entre os direitos civis e políticos, a gratuidade da
instrução primária para todos os cidadãos, assim como previu a criação de colégios e
universidades.
2.1.2 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de
fevereiro de 1891.
Em abril de 1831, D. Pedro renunciou ao trono, em favor de seu filho, e retornou a
Portugal. Iniciou-se o período de Regência, que dura de 1881 a 1840, marcado por disputas
entre correntes políticas, problemas políticos e econômicos, desequilíbrio entre regiões do
país, empobrecimento da população, anseio por independência nas províncias etc.
Movimentos como a Revolta dos Farrapos, a Cabanagem, a Sabinada e a Balaiada foram
fortemente reprimidos pelas tropas imperiais, e seus líderes foram executados. (VIEIRA,
2007).
Em 1840, D. Pedro II teve sua maioridade antecipada e tornou-se Imperador, aos 14
anos, restabelecendo a estabilidade no país. Iniciou-se o Segundo Reinado, ocasião em que
52
o parlamentarismo, como forma de governo, foi implantado, o tráfico de escravos foi
extinto, e o cultivo do café cresceu com a exportação (LINHARES, 1990).
Vieira (2007) considera que o Imperador não demonstrou interesse em assumir o
poder, delegando-o a ministros e dedicando seu tempo a atividades culturais. O país entrou
em guerra, na região do Prata, gerando ônus para o Império e insatisfação na população,
que almejava mudança no regime político. Nesse ínterim, ocorreram conflitos entre
abolicionistas e republicanos, assim como militares e a Igreja se opõem ao regime. Todo
esse contexto culminou com o processo de proclamação da República. Tinha início a fase
republicana.
Quanto à educação superior, o Segundo Reinado apresentou diversas propostas,
sem grande impacto, e, dentre elas, destacamos: novos estatutos para os cursos jurídicos
(Decreto 1386, de 28 de abril de 1854) e escolas de medicina (Decreto 1387, de 28 de
abril de 1854 – Reforma Luis Pedreira). Essas medidas, dentre outras para o ensino
secundário, fracassaram, devido à falta de infra-estrutura institucional para dar suporte à
sua operacionalização. Esse fato favoreceu o retorno dos jesuítas, que reabriram suas
escolas, aumentaram o número de matrículas, no ensino particular, e moldaram o ensino
secundário, neste setor. (VIEIRA, 2007)
Em 1874, ocorreu a primeira tentativa do Estado de controlar as escolas públicas e
particulares, por meio da nomeação de uma comissão para inspecionar os
estabelecimentos, o que gerou forte reação.
Era a primeira vez que o Estado se intrometia no ensino privado, além das
autorizações que lhe concedia. Esta parte da autorização material deu lugar a
polêmicas muito vivas nos jornais, que viam nisso uma grave transgressão da lei.
Sustentava-se que o governo não tinha nada a ver com a instrução particular,
quando na realidade a moralidade pública exigia a tempo [sic]esta intervenção:
porque, chegara-se a tal ponto que cada um podia abrir o curso que lhe
aprouvesse, sem informar qualquer autoridade seja policial, seja administrativa
ou municipal, e havia instrutores ou professores que infligiam aos seus
discípulos punições muito rigorosas. (ALMEIDA, 1989, p.81).
Percebe-se, diante do trecho citado, o embate entre publicistas e privatistas e que a
crítica à intervenção estatal no ensino particular já se manifestava desde o império.
53
Com o advento da República, o país permaneceu sob o comando do Marechal
Manuel Deodoro da Fonseca (1889-1891). Temendo que esse quadro se mantivesse, os
partidários republicanos liberais buscaram assegurar a convocação de uma Assembléia
Constituinte, o mais breve possível (CARVALHO, 2008).
Nessa época, aconteceu a Reforma Benjamim Constant, cujo destaque concedemos
à seguinte proposição jurídica: Regulamento do Conselho de Instrução Superior (Decreto
1.232-G, de 2 de janeiro de 1891) estruturando o ensino em: escola primária, sendo esta
subdividida em grau (crianças de 7 a 13 anos) e grau (crianças de 13 a 15 anos);
secundária (duração de 7 anos) e superior. (VIEIRA, 2007).
Finalmente, em fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituição
republicana do Brasil, inspirada no modelo norte-americano.
Dentre outros aspectos inovadores e positivos, para o campo social, a nova
Constituição implantou o voto universal para os cidadãos (mulheres, analfabetos, militares
de baixa patente ficavam de fora), instituiu o presidencialismo e o voto aberto, bem como
extinguiu o poder moderador e separou Estado e Igreja (MORAES, 2004).
Na Constituição de 1891, as normas estavam agrupadas por Títulos, que se
dividiram em Seções, e estas, em Capítulos. Assim, a forma de governo estabelecida foi a
de uma República Federativa, sob o regime representativo, constituída conforme preceitua
o art. : por uma união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados
Unidos do Brasil.
A educação foi prevista no Capítulo IV, Seção I Das atribuições do Congresso,
como segue: art. 34, item 30; art. 35, § , § , § ; Título II, art. 65, item 2; e art. 67. E,
também, no Título IV, Seção II – Declaração de Direitos, art. 72, § 6º.
A primeira Constituição republicana brasileira não representou mudanças
consideráveis para o desenvolvimento do ensino. No que concerne à educação superior, as
únicas referências aparecem no item 30, do art. 34, e no item 3, do art. 35, in verbis
17
:

17
Nestes termos
54
Art. 34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional:
[...] 30º) legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal bem como
sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na capital forem
reservados para o Governo da União;
Art. 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente:
) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados;
Dessa forma, o art. 34 definiu a competência privativa, isto é, exclusiva, do
Congresso Nacional, de legislar sobre o ensino superior visto, pela primeira vez, como
serviço –, no Distrito Federal. O item 3, do art.35, determinou uma espécie de parceria
entre o Congresso Nacional e os estados para criar, nestes, instituições de ensino superior e
secundário, mas não determinou a competência exclusiva do Congresso para legislar sobre
qualquer nível de ensino nos estados, deixando, portanto, também facultado a estes legislar
sobre a educação em seus territórios.
Na esfera infra-constitucional teve início uma série de reformas. A Reforma
Epitácio Pessoa, pautada pelos seguintes atos normativos: Código de Institutos Oficiais de
Ensino Superior e Secundário (Decreto n º 3.890, de 01 de janeiro de 1901), Regulamento
para o Ginásio Nacional (Decreto n º 3.914, de 26 de janeiro de 1901) enfatizando o ensino
secundário e superior. (VIEIRA, 2007)
A Reforma Rivadávia Corrêa que, entre outras regulamentações, instituiu a Lei
Orgânica do Ensino Superior e do Ensino Fundamental na República (Decreto 8.659, de
05 de abril de 1911), que assumiu status de primeiro marco normativo de que se tem
notícia, no Brasil, concedeu autonomia a instituições de ensino superior, inclusive
antecedendo a criação, bem sucedida, de universidades.
Ocorre que, com essa Reforma, o Estado deixou de exercer o controle oficial sobre
o ensino superior, concedendo autonomia total aos estabelecimentos, além de permitir a
liberação de verbas públicas para seu financiamento, possibilitando o surgimento de
instituições de todo tipo, conforme apresenta Chaves (2005, p. 118):
[...] à revelia do poder central, foram criadas universidades no estado do
Amazonas (1909-1926), em São Paulo (1911-1917) e no Para(1912-1915),
que tiveram uma curta existência. Diante dessas tentativas, mesmo não
sucedidas, o Estado voltou a exercer o controle oficial sobre o ensino, por meio
do Decreto nº 11.530, de 1915. O ensino superior privado continuou tendo
55
liberdade de atuação, mas voltou a ser submetido ao instituto da equiparação
com as instituições federais e ao controle minucioso do Estado.
Nessa esteira, a Reforma Carlos Maximiliano resgatou, para o Estado, o controle
oficial sobre o ensino, que a reforma anterior havia relegado a segundo plano, reformando
o secundário e regulamentando o superior (Decreto 11.530, de 18 de março de 1915);
manteve apenas a cobrança dos exames vestibulares e revogou todas as medidas que
favoreciam os estados e as instituições particulares com a descentralização, aumentando,
assim, o controle federal, e interferindo, até mesmo, na criação de universidades estaduais.
Com isso, contrariava o disposto na Constituição.
A Reforma João Luis Alves (Decreto 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925),
também conhecida como Lei Rocha Vaz ou Luís Alves Rocha Vaz então professor da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro –, dentre outras regulações, organizou o
Departamento Nacional de Ensino e reformou o ensino secundário e superior. Sobre ela,
Ranieri (1994, p. 75) discorre que “visou essencialmente reforçar o controle do governo
federal sobre o aparelho escolar, numa tentativa de estabelecer o controle ideológico das
crises políticas e sociais que provocaram a Revolução de 1930”. nessa época,
manifestava-se o objetivo do alcance normativo de afastar do ensino superior o acesso de
políticas e ideologias contrárias ao governo.
A Primeira República também conhecida como República Velha foi marcada,
internamente, por diversas trocas de presidentes; pela manutenção da influência exercida
pelas oligarquias rurais e seus coronéis; por sentimentos de insatisfação que originam
movimentos conhecidos como o de Canudos e Contestado, na zona rural, e as revoltas da
Vacina e da Chibata, na zona urbana. (LINHARES, 2008)
Em outubro de 1930, ocasião em que várias correntes disputavam o poder político e
econômico, ocorreu um fato histórico que ficou conhecido como Revolução de 30 –
quando as correntes oposicionistas, denominadas Aliança Liberal, assumiram o poder.
Assim, Getúlio Dornelles Vargas (1930-1945), tomou posse como chefe de um governo
provisório e centralizador. Fausto (2006) aduz que se configurou uma troca de poder, sem
grande ruptura, posto que, em substituição à elite oligárquica dos fazendeiros do café de
São Paulo e dos produtores de leite de Minas Gerais, assumiu a elite formada por militares,
técnicos diplomados, jovens políticos e industriais.
56
Vargas teve o apoio da Igreja Católica e, em suas ações administrativas, dissolveu o
Congresso Nacional; assumiu os Poderes Executivo, Legislativo, Estaduais e Municipais;
destitui os antigos governadores exceto o novo governador eleito de Minas Gerais e
nomeou interventores federais; concentrou a política do café em suas mãos, com a criação
do Departamento Nacional do Café (DNC); reprimiu partidos e organizações de esquerda –
principalmente o PCB; criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, leis de
proteção ao trabalhador, de enquadramento dos sindicatos pelo Estado e órgãos para
arbitrar conflitos entre patrões e operários – juntas de conciliação e julgamento. (FAUSTO,
2006)
No que concerne à educação, Vargas buscava formar uma elite mais ampla, melhor
preparada intelectualmente, e, assim, criou o Ministério da Educação e Saúde e um sistema
educativo que promovia a educação, partindo do centro para a periferia contrário ao que
ocorrera, na década de 20, quando os estados executavam suas próprias reformas. Por outro
lado, educadores, influenciados pelo movimento escolanovista, criaram a Associação
Brasileira de Educadores que promoveu diversas conferências nacionais de educação,
gerando condições para a organização desse campo; vários educadores, como Fernando de
Azevedo se destacaram. (VIEIRA, 2007)
Ainda no que tange à intervenção do Estado sobre as primeiras universidades
brasileiras, Chaves (2005) relata:
Em 1928, por meio do Decreto 5.616, o governo federal regulamentou a
instalação de universidades nos estados, com a finalidade de manter o controle e
impor condições para o funcionamento. Em 1931, na era Vargas, Francisco
Campos, primeiro ministro da educação, fez aprovar o Decreto 19.851, de 11
de abril, instituindo o Estatuto das Universidades Brasileiras, que vigorou por 30
anos e admitia duas formas de organização do ensino superior: a universidade e o
instituto isolado. A universidade poderia ser livre (mantida por fundações ou
associações particulares) ou oficial (oferecida pelo Estado, que, no entanto,
estabelecia o pagamento do ensino superior). Era uma concepção autoritária,
pois continha um modelo único de universidade, para todo o país, além de
restringir a autonomia universitária, contrapondo-se à proposta defendida pelos
liberais. (CHAVES, 2005, p. 118-119).
Como se percebe, o referido Estatuto representou o primeiro ato legislativo a versar
sobre o sistema universitário brasileiro. Era parte da Reforma Francisco Campos (1931-
1932), que ficou conhecida como a primeira a expressar o interesse do Estado em definir
uma estrutura orgânica para o ensino superior, o secundário e o comercial, em todo o
57
território nacional. Dentre suas regulamentações, destacamos, ainda, o Decreto . 20.158
de 30 de junho de 1931, tratava da organização do ensino comercial, entre outras
providências. No entanto, ao deixar de lado os cursos profissionalizantes, essa formação
foi desvalorizada e, como conseqüência, houve um aumento na demanda pelo ensino
acadêmico (VIEIRA, 2007).
Na esteira dessa reforma, como meio de aumentar a interferência do governo sobre
as universidades estaduais e as livres, foi instituído o Decreto n° 22.579, de 27 de março de
1933, em cuja teia normativa tecia-se a necessidade de aprovação dos estatutos internos
das universidades pelo então Ministério da Educação e Saúde Pública, negando assim
qualquer existência de autonomia. Nesse ínterim, o Decreto 6.283, de 25 de janeiro de
1934 deu origem a Universidade de São Paulo USP. Ranieri (1994) relata que, mesmo
em plena era Vargas, o projeto do Decreto, de autoria de Fernando de Azevedo, acabou por
conferir a criação da USP sob um regime próprio, menos rígido do que o determinado pelo
Estatuto das Universidades Brasileiras e do Decreto posterior a ele.
Como se depreende, as normas infra-constitucionais direcionadas à educação
superior, desse período, dispõem contra a Constituição, embora quase nada se dispusesse
sobre aquela no texto desta.
2.1.3 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho
de 1934).
No desenrolar dos acontecimentos históricos, foram realizadas, em 1933, eleições
para a Assembléia Nacional Constituinte, com grande participação popular e organização
partidária, quando a força das elites regionais ficou explícita nas urnas.
Em 16 de julho de 1934, a referida Assembléia promulgou a Constituição, tendo
como modelo a Constituição alemã, vigente à época, e, no dia seguinte, elege Vargas
presidente da República, através de voto indireto. A Constituição de 1934, na verdade, foi
fruto de um Decreto, originado na Assembléia Constituinte (o de 19.398/1930) que
instituiu juridicamente o governo provisório que lhe deu origem (CARVALHO, 2008).
58
A CF/1934 apresentou oito Títulos, dez Capítulos e dezoito Seções. A educação
aparece em seu Título V, junto com a família e a cultura, e, pela primeira vez, em um
Capítulo próprio, o II. Outra inovação foi o fato de ter a palavra educação mencionada, e
não mais ensino, como na Constituição anterior. Também pela primeira vez, foi prevista a
vinculação de um percentual mínimo de todos os impostos para a Educação.
Foi, também, a primeira Constituição a contemplar a Ordem Social, em seu Título
II, a partir do art. 121. No que concerne à educação, esta foi tratada como direito social,
pela primeira vez, no art. 138, alínea b, e no art. 150, que postula o seguinte:
Art 150 - Compete à União:
a) fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus
e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em
todo o território do País;
b) determinar as condições de reconhecimento oficial dos estabelecimentos de
ensino secundário e complementar deste e dos institutos de ensino superior,
exercendo sobre eles a necessária fiscalização;
c) organizar e manter, nos Territórios, sistemas educativos apropriados aos
mesmos;
d) manter no Distrito Federal ensino secundário e complementar deste, superior e
universitário;
e) exercer ação supletiva, onde se faça necessária, por deficiência de iniciativa ou
de recursos e estimular a obra educativa em todo o País, por meio de estudos,
inquéritos, demonstrações e subvenções.
Dessa forma, é imperioso destacar que esse artigo traz um elenco de competências
exclusivas e centralizadas na União. Ou seja, cabia à União, além da função de planejar,
coordenar, fiscalizar o ensino, em todos os níveis e “ramos”, a de garantir manutenção
(organização) e o controle do sistema, em todo o país, donde se presume a educação
superior. na alínea b, do referido artigo, vemos uma preocupação do constituinte em
assegurar o controle e a fiscalização sobre o ensino superior, não lhe concedendo
autonomia. A mesma alínea permite entender a preocupação com o aumento
desqualificado de estabelecimentos de ensino, criando o amparo legal para a sua contenção
A alínea d, do artigo 150, ressaltou a competência da União de manter, no Distrito
Federal, os níveis de ensino secundário e, complementar deste, superior e universitário.
uma questão que incita dúvida com relação aos dois últimos, posto que a universidade
mantém o ensino superior, a menos que o constituinte da época quisesse enfatizar a
diferença entre o ensino superior ministrado nas faculdades e nas universidades. Além
59
disso, fica claro que o ensino superior público, mantido pela União, somente aconteceria
no Distrito Federal, de vez que, na alínea c, não clareza de definição, ficando a critério
do governante interpretar se o sistema educativo é apropriado a determinado território.
A previsão de financiamento aparece, pela primeira vez, em um texto constitucional
brasileiro, no art. 156 ipsis verbis
18
:
Art 156 - A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os
Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante
dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos.
Assim, essa vinculação obrigava a União e os municípios a aplicar, pelo menos, dez
por cento da receita advinda dos impostos. Já para os entes federados e o Distrito Federal, a
vinculação era de, no mínimo, vinte por cento.
No campo infraconstitucional, Vargas, por meio do Decreto nº 1.303, de 8 de
novembro de 1934, possibilitou a disposição normativa sobre a criação de universidades e
estabelecimentos isolados de ensino superior:
Art. 1° A criação de universidade, de estabelecimento isolado de ensino superior,
de novos cursos nessas entidades ou, ainda, de novas habilitações em cursos
regularmente existentes será autorizada pelo Presidente da República, à vista de
parecer favorável do Conselho de Educação competente.
Ocorreu, então, a partir desse momento, a decretação de instituições específicas
para o ensino superior, cujo foco inicial incidia sobre a regularização dos cursos já
existentes.
2.1.4 A Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de
1937).
Aconteceu que, três anos depois, em 1937, Getúlio Vargas revogou a Constituição
de 1934 e outorgou a de 1937, por intermédio do golpe de Estado que aplicou, no país, e

18
Com as mesmas palavras.
60
que inaugurou o período conhecido como Estado Novo. A Constituição de 1937
inspirada nas Constituições de regimes fascistas europeus –, teve muitos de seus princípios
como letra morta, havendo ditadura pura e notória do Poder Executivo. Nela, foi citado,
pela primeira vez, o sistema de educação brasileiro, com base nos princípios presentes na
Constituição. Porém, a vinculação constitucional para o financiamento da educação,
anteriormente prevista, foi suprimida.
Sobre a Constituição Federal, de 1937, Silva (2005, p.83) nos revela que:
[...] vinte e uma emendas sofreu essa Constituição, através de leis
constitucionais, que a alteravam ao sabor das necessidades e conveniências do
momento e, não raro, até do capricho do chefe do governo. (Grifos do autor).
A ditadura de Vargas, iniciada com o golpe de 1937, só teve fim, em 1945, com sua
deposição pelos militares. É mister destacar que, nesse período, pelo seu caráter ditatorial,
predominaram ações de censura, coercitivas e arbitrárias, como torturas, prisões e a
assassinatos de pessoas presas por questões políticas.
A organização da Constituição de 1937 diferia das demais, apresentando 22 temas
destacados, e o último tratava das disposições transitórias e finais. A educação aparecia,
apenas, ligada à cultura. Ocorre que, sobre a educação superior, quase nada constava; seu
enfoque maior buscava assegurar a proteção e o aperfeiçoamento da juventude, tornando-a
eficiente para o trabalho e não descuidando de sua formação moral e cívica, como bem
desejava o governo ditador da época.
Nessa Constituição, foi extinto o título “Ordem Social”, bem como não se acha
evidente o direito social à educação. Sobre a educação superior, o art. 128 reservou-lhe,
indiretamente, uma referência da qual se pode inferir que esteja aqui contemplado, em face
da abrangência hermenêutica do artigo legis dispositio
19
:
A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e a de associações ou
pessoas coletivas públicas e particulares.
É dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e
desenvolvimento de umas e de outro, favorecendo ou fundando instituições
artísticas, científicas e de ensino.

19
Disposto na lei.
61
Dessa forma, esse artigo deixa explícita a intenção do governo da época de
favorecer a privatização da educação, uma vez que liberdade a criação de escolas
particulares e ao favorecimento ou fundação de instituições futuras. O Estado deixa de ser
o promotor do ensino, cabendo-lhe apenas estimular seu desenvolvimento, ao mesmo
tempo em que configura ser seu dever, inclusive, financiar instituições privadas de ensino.
Observa-se, assim, que, sob o regime ditatorial, o Estado brasileiro já favorecia o privado
em detrimento do público.
O outro artigo que fez referência à educação superior, de forma implícita, assim
estava postulado:
Art. 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à
educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos
Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos
os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas
faculdades, aptidões e tendências vocacionais.
Esse artigo mostra ser dever da nação e do Estado proporcionar educação adequada,
em todos os seus graus, mas apenas no caso daqueles que não tiverem recursos para uma
educação privada, novamente priorizando o setor privado.
Por fim, uma referência, na segunda parte do art. 150
20
, sobre a revalidação de
diplomas de ensino superior.
2.1.5 A Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946).
Em 1946, quando foram iniciados os movimentos de democratização no país, o
General Presidente Eurico Dutra (1946-1951) instalou a Assembléia Constituinte que daria
origem à Constituição de 1946. No entanto, para os constitucionalistas, como Silva (2005),
retomavam as fontes formais do passado, nem sempre condizentes com a história real, o
que permite inferir que essa Constituição - reportando-se saudosamente aos regimes
anteriores – “nasceu de costas para o futuro”.

20
Art. 150 - [...] aos brasileiros natos será permitida a revalidação de diplomas profissionais expedidos por
institutos estrangeiros de ensino.
62
É importante destacar o momento político do Estado brasileiro, no qual a sociedade
vivenciava a superação do regime ditatorial de Vargas, com eleições diretas e uma
Constituição votada pelo Congresso Nacional. A educação voltou a ser assumida pelo
Estado, como seu promotor principal.
Após a Segunda Guerra, muitos militares e civis que apoiavam Getúlio Vargas
passaram a discordar do regime vigente, dando início a um movimento que aspirava a um
regime democrático. Ocorre que essas pressões deram origem à Lei Constitucional nº
9/1945, que, praticamente, outorgou uma nova Constituição. A partir dela, em a90 dias,
deveria ser marcada a eleição para a presidência. Em 1945, as Forças Armadas, temendo
um outro golpe getulista, o depuseram (SILVA, 2005). Assim, a nova Constituição trazia
consigo a marca do conservadorismo, mas, ao mesmo tempo, avançou em alguns
dispositivos.
Encontrava-se organizada em Títulos, Capítulos e Seções. Indicou, em seu Título V
“Da Ordem Econômica e Social”, um resgate da ordem social e do reconhecimento dos
direitos sociais, elencados a partir do art. 157. Contudo, no que se refere à educação
enquanto direito social, esta permaneceu no esquecimento. O Título VI era o referente à
família, à educação e à cultura, e o Título II, novamente, tratava da educação e da cultura.
Apesar de não haver nenhuma seção dedicada à educação superior, esta pode ser
percebida na leitura atenta dos artigos referentes à educação em geral. A primeira
disposição que podemos inferir sobre a educação superior aparece no art. 161, que
estabeleceu: “a lei regulará a revalidação de diploma expedido por estabelecimento
estrangeiro de ensino”, diferente da Constituição Federal, de 1937, que, como norma auto-
aplicável
21
, permitia a validação de diplomas expedidos por institutos estrangeiros de
ensino.
o art. 167 dispunha que o ensino, nos diferentes ramos, seria de competência da
iniciativa pública, embora concedesse liberdade à educação privada, mas, como norma de
eficácia limitada, verba legis: “Art 167 - O ensino dos diferentes ramos será ministrado
pelos Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem.”.

21
A questão da eficácia das normas, será melhor esclarecida no Capítulo 3.
63
Em seguida, o art. 168 expressa o postulado sobre a liberdade e o provimento de
cátedra, nos incisos VI e VII:
Art. 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
[...] VI - para o provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no
superior oficial ou livre, exigir-se-á concurso de tulos e provas. Aos
professores, admitidos por concurso de títulos e provas, será assegurada a
vitaliciedade;
VII - é garantida a liberdade de cátedra.
O inciso VI, do art. 168, limitou o aproveitamento dos professores para o exercício
da cátedra, exigiu que eles assumissem sua posição de professores junto a
estabelecimentos de ensino secundário oficial e, no ensino superior, oficial ou livre, caso
fossem aprovados por concurso de títulos e provas. E o inciso seguinte assegurava a
liberdade de cátedra
22
.
Recorrente à época, encontramos comentários de autores, como Pontes de Miranda,
apologistas do estrangeirismo. Sobre o citado artigo 168, ele comenta:
Erro de política legislativa Constitucional – A superstição do concurso, que
volve a ser matéria constitucional. Enquanto os Estados Unidos da América
abrem as portas das Universidades aos bios estrangeiros, que lhes faltam, o
Brasil, medíocre e pobre, põe os seus medíocres a escolher medíocres
bajuladores e os faz vitalícios (...). Alguns professores não puderam mesmo
permanecer no Brasil porque a xenofobia brasileira os vigiava com a polícia.
(PONTES DE MIRANDA, 1960, p. 217).
No que diz respeito ao financiamento da educação, este tema, que fora suprimido,
na Constituição anterior, toma corpo, novamente, no art 169:
Art. 169 - Anualmente, a União aplicará nunca menos de dez por cento, e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte por cento da
renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino.

22
Postula que o ensino deve ser ministrado com base em princípios como a liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar, e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Atualmente, o princípio da liberdade de cátedra encontra
previsão constitucional, no inciso II, do art. 205, e no art. 206, da CF/88.
64
Diferente do disposto em 1934, está o acréscimo da vinculação mínima de dez para
vinte por cento da arrecadação dos impostos, nos estados, no Distrito Federal (DF) e nos
municípios.
Por fim, temos o parágrafo único, do art. 174, in verbis:
Art. 174 - O amparo à cultura é dever do Estado.
Parágrafo único - A lei promoverá a criação de institutos de pesquisas, de
preferência junto aos estabelecimentos de ensino superior.
O artigo acima se refere a uma norma que precisa de legislação complementar para
adquirir validade: a criação de institutos de pesquisas junto a estabelecimentos de ensino
superior, devendo estes estimular a cultura, em consonância com o caput do artigo. O
dispositivo aponta que a concepção de pesquisa ainda não estaria atrelada à universidade,
entendendo que a esta competia a função do ensino. Daí, a necessidade da criação de
institutos de pesquisa.
Depois do governo Dutra, assumiu, novamente, o poder Getúlio Vargas (1951-
1954), por meio de eleições diretas. Após uma série de breves sucessões, Juscelino
Kubitscheck governou o Brasil de 1956 a 1961, ocasião de um importante marco infra-
constitucional para a educação: a Lei . 4024/61 — Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que, embora prevista na Constituição de 1946, só foi promulgada em 1961.
Cortes (1989) explica que, após intenso debate, cuja polarização se deu entre os
defensores do ensino público e gratuito e os defensores dos interesses privados, estes
últimos acabaram sendo vencedores, visto que a lei em tela não destacava o dever do
Estado com a educação, dividindo-o, assim, com a iniciativa privada, ao definir, por
exemplo:
Art. 3º: O direito à educação é assegurado:
I Pela obrigação do poder público e pela liberdade da iniciativa particular de
ministrarem o ensino em todos os graus, na forma da lei em vigor;
II Pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que a
família e, na falta desta, os demais membros da sociedade se desobriguem dos
encargos da educação, quando provada a insuficiência de meios, de modo que
sejam asseguradas iguais oportunidades a todos.
65
é possível perceber, portanto, que, antes mesmo do golpe militar de 1964, havia
interesses e pressões da iniciativa privada no sentido de captar recursos públicos que
financiassem suas ões. Essa possibilidade pode ser observada, no artigo apresentado
acima, especificamente, no inciso II, no que diz respeito à liberação dos encargos da
educação para aqueles que não possuíssem recursos para custeá-la.
2.1.6 A Constituição da República Federativa do Brasil (de 1967).
Entendemos o ser possível discorrer sobre essa Constituição e avançar para a de
1988, sem destacar o contexto histórico relevante que lhes deu origem e influenciou-as.
Ocorreu que o então presidente, Juscelino Kubitschek (1956-1961), continuou
adotando a política populista getulista, apesar de ter acelerado a expansão industrial,
abrindo ainda mais as portas da economia brasileira ao capital internacional. Essas
contradições geraram um grande impasse, acentuado pela radicalização das posições de
direita e esquerda. É nesse contexto que surge o movimento de 31 de março de 1964, que
tinha como objetivo aparente livrar o Brasil da corrupção e do comunismo e restaurar a
democracia. (FAUSTO, 2006).
Precedido por Jânio Quadros, João Goulart assumiu a presidência (1961-1964),
tendo sido deposto pelos militares, no conhecido Golpe de 64”, que instaurou, no país, a
ditadura militar.
O regime militar baixou, em 9 de abril de 1964, seu primeiro Ato Institucional
(AI)
23
, mantendo a Constituição de 1946, com diversas alterações, assim como o
funcionamento do Congresso. Isso foi viabilizado pelo então presidente, general Castelo
Branco (1964-1967) (FAUSTO, 2006).
Fechado pela ditadura militar, em outubro de 1966, o Congresso foi reconvocado,
via AI-4, a reunir-se, extraordinariamente, para “elaborar” o novo texto constitucional
proposto pelo governo. Assim, em janeiro de 1967, foi aprovada a nova Constituição

23
Atos Institucionais foram utilizados pelo novo regime para mudar as instituições do país.
66
Federal, que incorporou a legislação que ampliava os poderes atribuídos ao Executivo.
(CARVALHO, 2008).
A nova Constituição manteve a federação, ao mesmo tempo em que concedeu
poderes extraordinários ao presidente, o que acabava por configurar um federalismo de
letra morta
24
. Doutrinadores como Raul Machado Horta e Kildare Carvalho, consideram
que os Atos Institucionais, em especial o AI-5
25
, praticamente aniquilaram a vigência da
Constituição, uma vez que a ordem jurídica estava submetida ao livre arbítrio do
presidente. “O conluio entre as normas constitucionais e os atos institucionais conduziu
[...] à transformação do autoritarismo presidencial, que a Constituição de 1967 consagrou,
em ditadura presidencial”. (CARVALHO, 2008, p.604).
O país passou a viver os anos mais duros de ditadura com os militares no poder, até
1984, o que configurou uma extensão de mais de vinte anos.
A Constituição de 1967 estava disposta em cinco Títulos, treze Capítulos e vinte e
três Seções. A educação foi postulada no Título IV, junto com Família e Cultura.
Em seu “Título IV – Da Família, da Educação e da Cultura”, o art. 168 afirma que a
educação é um direito de todos os cidadãos e ministrado nos diferentes graus pelo poder
público, bem como assegura liberdade e incentivo à iniciativa privada. Em vista de seu
caráter controlador, a Constituição tinha por princípio a unidade nacional, e, com a
finalidade de impedir a diferença de conteúdo a ser ministrado nas escolas, dispunha:
Art. 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola;
assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade
nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana.
§ 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Públicos.
§ 2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à Iniciativa [sic]
particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos,
inclusive bolsas de estudo.

24
Expressão que se refere a uma lei positivada, mas sem efetividade material. Largamente utilizada na
doutrina do Direito, nos processos, na jurisprudência etc.
25
O AI-5, ao contrário dos demais Atos Institucionais, o tinha prazo de vigência. Ele ia de encontro à CF,
de 1967, ao restabelecer os poderes do presidente de fechar o Congresso, cassar mandatos, suspender direitos
políticos, demitir ou aposentar servidores públicos etc..
67
Observa-se, no texto constitucional, que o Estado se desresponsabiliza do
financiamento da educação e, ao mesmo tempo, favorece o setor privado, estimulando-o,
inclusive, por meio da liberação de verbas públicas para a concessão de bolsas de estudo.
Chaves (2005) afirma que, nesse período, o setor privado expandiu sua atuação no
fornecimento do ensino em todos os níveis, em especial, no superior.
O inciso III, do § , desse mesmo artigo, enfatiza essa questão, ao postular a
questão das bolsas reembolsáveis:
III - o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para quantos,
demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de
recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de
gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso
no caso de ensino de grau superior;
Ainda, no art. 168, o inciso V, do § , preceituou o concurso público de provas e
títulos para os professores que atuassem nos níveis médio e superior; porém, somente era
obrigatória a prova para os que pretendessem fazer parte do quadro de funcionários de
instituições públicas. Nada estabelecia o texto quanto à admissão de professores em
estabelecimentos particulares, que se configurava livre.
o inciso VI assegurava a liberdade de cátedra. Contudo, vemos como dual a
proposição do texto Constitucional, posto que, concomitantemente, determinava o
princípio da unidade nacional e garantia a liberdade de cátedra. Isso foi logo percebido e
modificado pela emenda de 1969, na qual a liberdade de ensino tornou-se restrita. Caso os
professores passassem a se valer da liberdade de ensino para contrariar o “quadro
ideológico dominante”, na expressão de Osmar Fávero (2005), teriam a suspensão de seus
direitos e garantias individuais, consoante o art. 154, da Constituição vigente à época.
No que concerne aos recursos financeiros da educação, foi retirada a vinculação de
receitas à educação, ao contrário do que rezavam tanto a Constituição de 1946, quanto à
Lei de Diretrizes e Bases — Lei nº 4.024/61.
Na esfera infra-constitucional, merece destaque a Lei 5.540/68, que ficou
conhecida como Reforma Universitária. Segundo Viera (2007) o principal objetivo estava
na ampliação das vagas no nível superior para atender a classe média, além de capacitar
68
mão-de-obra para o mercado em expansão, bem como, almejava manter sob controle a
classe estudantil.
Para Fávero (1991), a Reforma centrava-se em questões que envolviam diversos
aspectos, dentre eles a autonomia e a gestão da universidade. E, mesmo diante das pressões
advindas do movimento estudantil, contrário ao autoritarismo da época, a Reforma foi
formulada e implantada, tendo como base os estudos constantes dos relatórios Atcon e
Meira Mattos
26
bem como dos acordos MEC/USAID (United States Agency for
International Development).
Em 1969, uma alteração na vinculação financeira, na CF/67, proveniente da
Emenda Constitucional 1/1969, baixada no governo do general Artur Costa e Silva
(1967-1969), definia que “a educação é direito de todos e dever do Estado” e mantinha,
como na Constituição anterior, o subsídio à iniciativa privada. Impunha a vinculação
orçamentária prefixada de 20% apenas para os municípios, o que, no contexto da Reforma
Tributária de 1965, segundo Cortes (1989), significava quase nada.
Nesse ano de 1969, Costa e Silva afastou-se, por um problema de saúde; ao invés
de o vice-presidente assumir o governo, conforme a Constituição, os ministros militares o
substituíram, por meio de uma Junta Militar. Assim, em outubro de 1969, a Junta Militar
declarou vagos os cargos de presidente e vice-presidente da República e marcou a eleição
para esses cargos, para o dia 25 de outubro. Realizado pelo Congresso, o pleito eleitoral
apontou como candidato o general Emílio Garrastazu dici (1969-1974), que logo se
tornou presidente.(FAUSTO, 2006).

26
Fávero (1991, p.16) explica que os relatórios Atcon e Meira Matos encaravam a educação como fator
primordial de desenvolvimento econômico. “[...] o primeiro, feito sob encomenda da Diretoria de Ensino
Superior do Ministério da Educação e Cultura, e o segundo, resultado de estudos e trabalhos de uma
Comissão Especial criada por Decreto pelo presidente da República. Nesses documentos, o que se verifica é
um jogo constante entre os aspectos técnicos e ideológicos da educação. São esboçados novos fins para a
educação superior e traçados caminhos considerados adequados para atingi-los. Isso explica a força do
conteúdo ideológico, nessa época, nas instituições escolares, de modo especial nas universidades.”.
69
2.2 A abertura política e o processo de redemocratização do Brasil
27
.
Na esteira dos acontecimentos históricos, uma emenda à Constituição Federal, de
1967 – EC n° 01, de 17 de outubro de 1969 – alterava a forma de escolha do presidente da
República, ao prever a criação de um Colégio Eleitoral, composto por membros do
Congresso Nacional e por delegados das Assembléias Legislativas dos estados. Mas
somente em janeiro de 1974, o Brasil passou por novas eleições.
O candidato das Forças Armadas era o general Ernesto Beckmann Geisel. A
oposição, objetivando denunciar as eleições indiretas, a supressão das liberdades e a
concentração de renda resultante do modelo econômico, lança como candidato simbólico
Ulysses Guimarães – então presidente do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
(FAUSTO, 2006).
Em 15 de março de 1974, o general Ernesto Geisel (1974-1979) tomou posse e
iniciou um processo de abertura política, definida pelo próprio general como lenta, gradual
e segura. Isso, porque ele sofria pressões da chamada linha dura militar e, também, porque
queria controlar a abertura, a fim de evitar que a oposição alcançasse o poder muito cedo.
A população ainda vivia um clima de euforia, devido aos anos do “milagre” econômico.
Geisel substituiu o ministro da Fazenda, Delfim Netto, por Mário Henrique Simonsen e
lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Com esse PND, o governo
pretendia completar o processo de substituição das importações
28
, estimulando a
autonomia do país no terreno dos insumos básicos (petróleo, aço, alumínio etc.)
destacando-se o avanço na pesquisa do petróleo, o programa nuclear, a substituição parcial
da gasolina pelo álcool e a construção de hidrelétricas bem como a indústria de bens de
capital
29
através de incentivos e créditos do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE) às grandes empresas privadas. A grande empresa estatal também teve

27
A fundamentação histórica que possibilitou a evolução desta seção é fruto de uma condensação baseada
nas obras de Maria Yedda Linhares (1990), Bóris Fausto (2006) considerado pelos historiadores como um
dos maiores especialistas nos estudos da redemocratização no país – e Kildare Gonçalves Carvalho (2008).
28
Processo econômico que consiste na elevação da produção interna e redução das importações.
29
A indústria de bens de capital, também conhecida como bens de produção, refere-se àquela que fabrica
máquinas e equipamentos, que serão utilizados por outras indústrias ou setores para a produção de bens de
consumo e/ou serviços.
70
papel de destaque: Eletrobrás, Petrobrás e Embratel são algumas das empresas públicas
que receberam enormes investimentos. No entanto, para que houvesse investimento, era
necessário haver recursos, e esses recursos foram obtidos através de empréstimos que
elevaram a dívida externa, tanto pública quanto privada. (FAUSTO, 2006).
Apesar de ter sofrido um baque com a crise do petróleo, o governo não quis optar
por uma política econômica recessiva, pois isso afetaria diretamente a grande população
assalariada e aumentaria ainda mais a oposição que crescia, mesmo com condições
econômicas favoráveis. Nesse mesmo período, segundo Fausto (2006), os grandes
empresários iniciaram uma campanha contra o excessivo intervencionismo do Estado.
Na esfera política, o governo Geisel iniciou por adotar uma estratégia de
“distensão”
30
, que consistia na revalorização da esfera político-partidária, por meio de
medidas liberalizantes. Como parte dessa política, ocorreram eleições para os poderes
Legislativo e para os Executivos estaduais, em 1974.
A liberalização do regime, promovida por Geisel, ocorreu, de acordo com Fausto
(2006), devido: à pressão da oposição, que demonstrava claros sinais de independência; à
confrontação com a Igreja Católica, que era desgastante para o governo este se utilizou
da luta contra a tortura para reaproximar-se daquela; às relações das Forças Armadas com
o poder – que havia sido tomado pelos órgãos de repressão, interferindo negativamente em
sua hierarquia, distorcendo seus princípios e pondo em risco sua integridade. (FAUSTO,
2006).
Geisel, então, iniciou uma batalha contra a linha dura e permitiu que os partidos
tivessem acesso ao rádio e à televisão para as eleições legislativas, de novembro de 1974.
Os militares esperavam uma vitória fácil da Arena, mas o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) os surpreendeu, no resultado das eleições, assinalando considerável
avanço, principalmente, nas grandes cidades e nos estados mais desenvolvidos. Ainda
assim, em 1975, Geisel suspendeu a censura aos jornais, ao mesmo tempo em que permitiu

30
Estratégia formulada pelo presidente Geisel e pelo general Golbery do Couto e Silva, chefe do Gabinete
Civil da Presidência, que consistia num princípio militar adotado para a liberalização do regime. Resumia-se
na combinação de medidas de liberdade, intercaladas com medidas repressivas, cujo objetivo era instaurar,
no país, uma democracia conservadora (FAUSTO, 2006).
71
intensa coibição ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), acusado de ser o responsável pelo
triunfo do MDB.(LINHARES, 1990).
Nesse ínterim, a linha dura continuava praticando a tortura, e o desaparecimento”
de várias pessoas era comum:
Em outubro de 1975, no curso de uma onda repressiva, o jornalista Vladimir
Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, foi intimado a
comparecer ao DOI-CODI, por suspeita de ter ligações com o PCB. Herzog
apresentou-se e dali o saiu vivo. Sua morte foi apresentada como suicídio por
enforcamento, uma forma grosseira de encobrir a realidade: tortura seguida de
morte. (FAUSTO, 2006, p.271-272).
A morte do jornalista causou indignação e mobilização por setores da Igreja
Católica, da classe média profissional, de organizações como a Associação Brasileira de
Imprensa (ABI) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que delataram, seguidamente,
violações aos direitos humanos, como a tortura sistemática e os assassinatos encobertos.
Em janeiro de 1976, situação semelhante à do jornalista ocorreu com um operário
metalúrgico. Geisel, então, substituiu o comandante do II Exército, em São Paulo, por um
general de sua confiança que cessou a tortura, nas dependências do DOI-CODI, o que o
significou o fim da violência.(FAUSTO, 2006).
Para evitar surpresas desagradáveis, nas eleições que ocorreriam em novembro,
visando que, nas eleições municipais, o MDB o tivesse bom desempenho como nas de
1974, o governo Geisel tomou uma série de medidas repressivas: em julho de 1976, uma
lei – conhecida como a Lei Falcão
31
- alterou a legislação eleitoral, limitando a propaganda
eleitoral, nos meios de comunicação, e impedindo o acesso dos candidatos ao rádio e à
televisão. Em 1977, ocasião em que já havia, na sociedade civil, críticas severas à ditadura,
lançou, a partir de 1º de abril, um conjunto de instrumentos legais, conhecido como
“Pacote de Abril”, que visavam controlar um processo político que ameaçava ruir.
(FAUSTO, 2006).

31
No sítio institucional do Tribunal Superior Eleitoral, encontramos as seguintes considerações: “Nome pelo
qual a Lei 6.339, de de julho de 1976, ficou conhecida, em vista de ser o seu autor o então Ministro da
Justiça Armando Falcão. Esta lei deu nova redação ao art. 250 do Código Eleitoral, determinando que, na
propaganda eleitoral, os partidos se limitassem a mencionar a legenda, o currículo e o mero do registro do
candidato na Justiça Eleitoral, bem assim a divulgar, pela televisão, sua fotografia, podendo ainda mencionar
o horário e o local dos comícios. A partir de 1985, as disposições sobre propaganda gratuita no rádio e na
televisão passaram a ser reguladas pela legislação regulamentadora de cada eleição. A Lei 9.504/97, art.
107, revogou totalmente o art. 250 do digo Eleitoral e atualmente regulamenta a propaganda eleitoral no
país. Disponível em: http://www.tse.gov.br/institucional/centro_memoria/historia_tse/lei_falcao.html.
72
O “Pacote de abril”, lançado após colocar o Congresso em recesso, tinha como
destaque, entre suas medidas, a criação do Senador “biônico”, que segundo Carvalho
(2008), foi assim denominado, pelo fato de ser eleito indiretamente por um Colégio
Eleitoral. O governo objetivava, com isso, evitar que o MDB se tornasse majoritário, no
Senado – e conseguiu.
Apesar de ter sido bastante prejudicado por essa medida, Linhares (1990) lembra
que o MDB venceu, em 59 das 100 maiores cidades do país, as eleições para prefeito e
conquistou maioria nas câmaras municipais.
Também, em 1977, iniciam-se as críticas do setor empresarial às políticas
governamentais, devido à crise do petróleo e do “milagre econômico”. Essas críticas
terminavam em ataques ao próprio regime e na defesa das liberdades democráticas e do
retorno ao Estado de direito.
Em 1978, o governo começou a promover encontros com líderes da oposição e da
Igreja, visando restaurar as liberdades públicas. Nas eleições desse mesmo ano, o MDB
obteve bons resultados, significando que este havia se tornado o canal político de
expressão de todos os descontentamentos da população, que os membros do MDB iam
desde os liberais até os socialistas, e os seus votos concentravam-se nas grandes cidades e
nos estados mais desenvolvidos. (FAUSTO, 2006).
Carvalho (2008) rememora que, em de janeiro de 1979, a Emenda
Constitucional 11 revogava os Atos Institucionais em tudo o que contrariassem a CF.
Assim, o AI-5 expressão máxima da disposição contra legem mater, nesse período
deixou de ter vigência. Geisel assinalava, nesse sentido, os primeiros passos para a
reconstrução democrática, uma vez que os direitos individuais e a independência do
Congresso foram restaurados.
Ainda 1979, no mês de março, o candidato de Geisel general João Baptista de
Oliveira Figueiredo (1979-1985), eleito pelo Colégio Eleitoral, em outubro de 1978,
vencendo o candidato do MDB – tomou posse, como presidente da República.
O governo Figueiredo foi marcado pela ampliação da reabertura democrática,
sobretudo porque, em agosto de 1979, apoiou uma das principais bandeiras da oposição: a
73
luta pela anistia. O Congresso, então, aprovou a Lei de Anistia Lei . 6.683 de 28 de
agosto de 1979. Esta, porém, continha restrições e fazia significativa concessão à linha
dura, ao abonar os responsáveis pela prática da tortura. Apesar disso, ela permitiu o retorno
dos exilados políticos e representou um grande passo na redemocratização do país.
(FAUSTO, 2006; LINHARES, 1990).
Na esfera da economia, o governo Figueiredo ficou conhecido pelo
aprofundamento da crise econômica, especialmente no período compreendido entre 1979 e
1983. O então ministro da economia, Mário Henrique Simonsen, manteve-se no cargo;
mas, após impor uma política restritiva, sofreu oposição de diversos setores,
principalmente dos empresários. (FAUSTO, 2006).
Em agosto, Simonsen foi substituído por Delfim Netto tido como o homem do
“milagre”. Todavia, a situação econômica nacional e internacional estava bem diferente: a
segunda crise do petróleo elevou preços, agravando o problema do balanço de pagamentos;
as taxas internacionais de juros cresciam cada vez mais, dificultando a obtenção de novos
empréstimos – que tinham seus prazos para pagamento reduzidos. (FAUSTO, 2006).
Devido a esse novo contexto, em meados de 1980, Delfim implantou uma política
econômica recessiva, limitando duramente a expansão da moeda, cortando investimentos
das empresas estatais e elevando as taxas de juros; com isso, o investimento privado
também foi reduzido. Em 1981, o resultado do Produto Interno Bruto (PIB)
32
foi negativo
o que o ocorria, desde 1947. A recessão durou de 1981 a 1983, sendo os setores mais
prejudicados as indústrias de bens de consumo durável e de capital, gerando desemprego,
nos grandes centros urbanos onde se situavam (FAUSTO, 2006).
Em fevereiro de 1983, tentando restaurar sua credibilidade internacional e melhorar
as contas externas do país, o governo brasileiro recorreu ao Fundo Monetário Internacional
(FMI). O governo era pressionado pelas medidas restritivas e o pagamento dos juros. O
FMI demonstrava estar descontente pelo não cumprimento do acordo, por parte do Brasil;

32
Representa a soma de tudo o que é produzido, no país, durante um determinado período, tendo como
referência as diretrizes dos órgãos internacionais de estatística. É formado pelo desempenho dos setores de
agropecuária, indústria e serviços. O novo método de calcular o PIB passou a trabalhar com mais fontes de
informação e leva em consideração 293 produtos e 149 atividades econômicas. O indicador começou a ser
calculado na década de 1950. A revisão antecedente à atual para o cálculo do PIB havia acontecido, em 1997.
Entre as mudanças ocorridas na nova metodologia está o uso de informações do imposto de renda da pessoa
jurídica. (Fontes: Tribuna do Norte Online; sítio institucional do Conselho Federal de Economia).
74
com isso, os credores internacionais não concederam novos prazos para o pagamento da
dívida e nem taxas favoráveis de juros (FAUSTO, 2006). Como se depreende, as
interferências dos organismos internacionais, no país, começam a ganhar força, a partir
daqui.
Em 1984, a economia ganhou novo fôlego, com o crescimento das exportações,
principalmente, de produtos industrializados; a queda do preço do petróleo e a redução de
sua importação e de outros produtos os investimentos feitos pelo II PND contribuíram
para isso. No entanto, a inflação prosseguia crescendo. (FAUSTO, 2006).
Retomando a esfera política, em dezembro de 1979, o governo conseguiu aprovar,
no Congresso, uma nova lei de organização partidária, que objetivava dividir a oposição,
dificultando sua ascensão ao poder. Essa lei extinguia a Arena e o MDB e estabelecia que
todas as novas organizações que viessem a ser formadas tivessem o vocábulo “partido” em
sua sigla. A Arena, então, se transforma no Partido Democrático Social (PDS), reunindo
partidários do regime, sob a liderança do senador José Sarney, e o MDB, em Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). (LINHARES, 1990).
Com essa medida de abertura política, as divergências ideológicas e pessoais entre
os integrantes do MDB que, até então, era o único meio de oposição começam a
aflorar. Surgem, então, diversos partidos: o Partido Democrático Trabalhista (PDT),
próximo à social-democracia européia; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado
pelo dissidente do PMDB, Leonel Brizola, com enfoque na causa trabalhista de esquerda; e
o Partido dos Trabalhadores (PT), a partir do sindicalismo independente e contando com
católicos progressistas, socialistas e grupos da esquerda o-reformista. Destaca-se que a
ideologia de esquerda prevalecia, nas universidades e nos meios culturais em geral
(FAUSTO, 2006).
O Partido dos Trabalhadores (PT), formado por membros do sindicalismo urbano e
rural e de setores da Igreja e da classe média profissional, assume como proposta
representar os interesses das amplas camadas de assalariados existentes, no Brasil, baseado
em um programa de direitos mínimos e transformações sociais que permitissem a
implantação do socialismo. É valido destacar que, desde sua formação, o PT já apresentava
diversas correntes internas, como a social-democracia, os partidários da ditadura do
75
proletariado, o campo sindical – principalmente na região do ABC, tendo destaque a figura
de Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula. (FAUSTO, 2006).
Outro oposicionista, Leonel Brizola após uma decisão judicial que lhe tirou a
sigla PTB – funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT), em maio de 1980, embora seu
registro só tenha sido concedido em 1981.
Sobre a questão sindical, Fausto (2006) destaca que, nesse período, tinha perdido
força, mas, apesar da repressão, com a ajuda do imposto sindical, conseguiu sobreviver.
Desse modo, a primeira Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT)
ocorreu, em agosto de 1981, apontando duas correntes sindicais:
[...] Uma delas, muito próxima do PT, apostava em uma linha reinvindicatória
agressiva, na qual a mobilização dos trabalhadores era definida como mais
importante do que o processo sinuoso de abertura. Seu núcleo impulsionador
encontrava-se no sindicalismo do ABC. A outra corrente defendia a necessidade
de limitar a ação sindical a lutas que não pusessem em risco o processo de
abertura. Não assumia uma clara definição ideológica, sustentando a importância
de alcançar ganhos concretos imediatos para os trabalhadores. Essa corrente
abrangia sindicatos importantes, como o Sindicato dos Metalúrgicos de São
Paulo, controlados por sindicalistas menos definidos politicamente e por
integrantes dos dois PCs. (FAUSTO, 2006, p.281).
Em 1983, a primeira corrente funda – sem a participação dos moderados – a Central
Única dos Trabalhadores (CUT). E, em 1986, os moderados fundam a Central Geral dos
Trabalhadores (CGT). Essas duas centrais sindicais divergentes iriam combater-se, no
decorrer dos anos.
Ainda segundo Fausto (2006), pela primeira vez, desde 1965, ocorreram, em
novembro de 1982, eleições de vereadores a governadores de estado pelo voto direto,
com a participação de mais de 48 milhões de brasileiros. Nelas, o regime militar sofreu um
novo revés, pois, nesse pleito, a oposição elegeu dez governadores, incluindo estados como
São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, este último com Brizola, ficando claro, assim,
que o regime foi, gradativamente, perdendo sua capacidade de controlar a situação política.
Nesse ínterim, alguns grupos oposicionistas começam a se articular, com vistas à sucessão
presidencial a ocorrer em 1985.
76
A crise econômica e o grande desemprego que atingia o país, a partir de 1982,
provocam a intensificação das críticas ao governo.
É mister destacar que, em de dezembro de 1983, a Emenda Constitucional n° 24
- a chamada “Emenda Calmon” reintegra ao texto constitucional, de 1967, a vinculação
do financiamento da educação. Fica, assim, disposto, no § 4°, do art. 176:
[…]§ 4°. Anualmente, a União aplicará nunca menos de treze por cento, e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo,
da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Também em 1983, os partidos políticos iniciaram uma campanha pelas eleições
diretas para presidente da República, dando origem a diversas manifestações. O ponto alto
das manifestações partidárias, na visão de Fausto (2006) e de Carvalho (2008), foi um
comício para mais de 200 mil pessoas, em São Paulo, em janeiro de 1984, que impulsionou
o movimento “Diretas já”, fazendo com que este deixasse de ser um movimento de
organizações partidárias e se transformasse em quase unanimidade nacional.
Sobre esse movimento, Linhares (1990, p. 375) relata que ele se configurava como
“manifestações de massa, com a participação de mais de um milhão de pessoas, em
algumas capitais estaduais, isolando o regime.”. O que representava que as pessoas
depositavam reais esperanças nas “Diretas”, repudiando o regime militar e aspirando pelo
fim do período tortuoso, expectativas essas traduzidas em várias músicas e poesias,
divulgadas na época.
33
Para que a esperada eleição direta acontecesse, era, no entanto, necessário que uma
emenda constitucional fosse aprovada por 2/3 dos congressistas, e havia uma distância
enorme entre a manifestação popular e o Congresso formado pela maioria do governo
(PDS) (CARVALHO, 2008).

33
Por exemplo, no poema “Esperança”, de Mário Quintana, e na música “Pedro pedreiro”, de Chico
Buarque.
77
O general Figueiredo, receando manifestações, impôs estado de emergência
34
. A
emenda foi votada, acompanhada por grande expectativa da população; porém, apesar de
ter sido aprovada, o obteve votos suficientes (2/3) para que a Constituição fosse
emendada, gerando enorme frustração popular (CARVALHO, 2008).
Ainda cabia ao Colégio Eleitoral escolher o próximo presidente. O PDS tinha como
possíveis candidatos: Paulo Maluf que havia sido prefeito e governador de São Paulo,
pelo voto indireto, e eleito como deputado, com grande número de votos; Aureliano
Chaves vice-presidente da época e Mário Andreazza coronel do exército e ministro
do Interior, de Figueiredo. Maluf conseguiu o apoio dos convencionais do PDS, vencendo
Andreazza. Aureliano retirou sua candidatura e fundou o Partido da Frente Liberal (PFL),
coligando-se ao PMDB – que havia lançado Tancredo Neves, como candidato a presidente,
e José Sarney, como candidato a vice-presidente formando, assim, a Aliança
Democrática, em oposição a Maluf. (FAUSTO, 2006).
Fausto (2006) registra que Sarney não era visto com bons olhos pelo PMDB, pois
havia sido um dos principais membros políticos do PDS, sendo considerado um dos
notáveis do regime militar, bem como fora presidente do partido pelo qual foi eleito
senador. Porém o PFL não abria mão de seu nome, e o PMDB acabou cedendo.
Em 15 de janeiro de 1985, a oposição, finalmente, chegou ao poder, através da
eleição de Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral. A ditadura, iniciada 21 anos antes,
chegava ao fim. Contudo, a posse esperada não se concretizou, visto que Tancredo foi
submetido a uma cirurgia, às pressas, e o vice Sarney (1985-1990) tomou posse em seu
lugar. Após diversas cirurgias e boletins médicos transmitidos, nacionalmente, e
causando comoção e expectativa na população foi anunciado, em 21 de abril, o
falecimento de Tancredo. Milhões de pessoas foram às ruas acompanhar a passagem de seu
corpo por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, até chegar à sua cidade natal São João
Del Rey (MG). (LINHARES, 1990).

34
Silva (2005, p.763) esclarece que a CF/67, a partir da EC 11/78, configurava três formas de defesa do
Estado, isto é, tratava de estados de exceção refletidos em instituições emergenciais: “medidas de
emergência, estado de sítio e estado de emergência”. O estado de emergência representa o que, hoje, a CF/88
define como estado de defesa. Lenza (2005, p.403) explica que “as hipóteses em que se poderá decretar o
estado de defesa estão, de forma taxativa, previstas no art.136, caput [...], quais sejam: para preservar ou
prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por
grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
78
Novamente, as esperanças da população ficam fragilizadas diante do falecimento da
pessoa nas quais aquelas eram postas. Sobre esse sentimento, Fausto (2006, p.285)
expressa que:
[…] uma parte das manifestações resultava da comoção provocada pela morte de
um presidente, ainda mais em condições tão dolorosas. Mas havia também a
sensação de que o país perdera uma figura política importante, em um momento
delicado. Essa sensação tinha fundamento. Tancredo possuía algumas qualidades
raras no mundo político: honestidade, equilíbrio, coerência de posições. Essas
virtudes se sobrepunham às preferências ideológicas de direita ou de esquerda.
Como a figura de Tancredo pesava sobre Sarney, este, empossado em 15 de março,
nomeou o ministério que aquele havia escolhido e demonstrou respeito aos acordos da
Aliança Democrática.
Entre os nomes escolhidos por Tancredo estava Francisco Dornelles, seu sobrinho,
que foi nomeado ministro da Fazenda. Visando combater a inflação, Dornelles adotou uma
receita ortodoxa. No entanto, devido à disputa política por cargos estratégicos, Dornelles
foi substituído, em agosto de 1985, por Dílson Funaro. Nesse mesmo período, João Sayad
assume, como ministro do Planejamento (FAUSTO, 2006).
A Nova República surgia, assim, como frustração de milhões de brasileiros que,
sob o lema “Muda Brasil”, acreditavam, e mesmo ansiavam, na superação de mais de 20
anos de autoritarismo militar, pois coube ao ex-presidente da ARENA e do PDS, e não a
um político da oposição, conduzir a democratização do país. (FAUSTO, 2006).
Linhares (1990) relata que Sarney manteve o Sistema Nacional de Informações
(SNI) funcionando e a ele destinando e liberando recursos; isso demonstrava que Sarney
não havia se libertado totalmente dos vínculos com o passado.
Sarney, porém, o estava sozinho. Reconhecia, em Ulysses Guimarães, o “Senhor
Diretas”, um verdadeiro poder de veto sobre suas decisões. Ulysses, desde logo, ocupou a
presidência do Congresso Nacional e, dessa forma, o segundo cargo da República. Mais
tarde, assumiria, também, a presidência da Assembléia Constituinte, o legítimo foro de
transformações do país, e aí exerceria uma grande influência. (FAUSTO, 2006).
79
O contexto político-econômico, em 1985, não era dos melhores: as disputas
partidárias aumentavam, assim como as acusações de favoritismo a amigos e grupos
econômicos; a inflação subia; a população via em Sarney um presidente imóvel exceto
quando se tratava de favorecimento a interesses particulares. (FAUSTO, 2006). Apesar
disso, se comparada com anos anteriores, a situação econômica era menos grave. O grande
impulso proveniente das exportações permitira a retomada do crescimento. A queda das
importações e o avanço das exportações resultaram em um saldo da balança comercial
favorável, permitindo pagar parte dos juros da dívida. Mas o problema das dívidas externa
e interna assim como a inflação subsistiam, em longo prazo. O fato era que em uma
economia de indexação
35
, como a do Brasil, a inflação passada ficava embutida na futura,
formando um círculo vicioso.
Almejando restaurar seu prestígio, o governo lançou, em fevereiro de 1986, o Plano
Cruzado uma nova moeda forte substituía o desmoralizado cruzeiro. Sarney convocou o
povo a colaborar na execução do Plano. Além de abolir a indexação, congelar preços e a
taxa de câmbio
36
, o plano buscou melhorar a situação dos trabalhadores, reajustando o
salário mínimo pelo valor médio dos últimos seis meses, acrescido de um abono de 8%.
Com isso, Sarney ganhou prestígio instantâneo junto à população. (FAUSTO, 2006).
No contexto político, em maio do mesmo ano, as eleições diretas para presidente
foram restabelecidas, o direito do voto dos analfabetos foi aprovado e todos os partidos
políticos foram legalizados inclusive o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido
Comunista do Brasil (PC do B).
Em novembro de 1986 ocorreram eleições para o Congresso e o governo dos
estados. Os deputados e senadores eleitos para a Assembléia Nacional Constituinte seriam
os responsáveis pela elaboração da nova Constituição Federal. O prestígio do PMDB foi
evidenciado, através da eleição de governadores, em todos os estados exceto Sergipe,
assim como a vitória na maioria absoluta das cadeiras da mara dos Deputados e do
Senado. (FAUSTO, 2006).

35
Indexação. Ato que consiste em ligar o valor de um capital ou de um rendimento à evolução de uma
variável de referência (preço, produção, produtividade, por exemplo).”. Verbete disponível em:
http://dicionario-de-economia.portalmidis.com.br/i/o-que-e-indexacao.htm.
36
Taxa de câmbio. Preço pelo qual a moeda de determinado país é trocada pela moeda de um outro país.
[...]” Verbete disponível em: http://www.notapositiva.com/dicionario_economia/taxacambio.htm.
80
Nesse período, o Plano Cruzado havia fracassado entre outros fatores, devido
ao desequilíbrio das contas externas
37
causado pelo impulso às importações gerado, este,
pelo fortalecimento artificial da moeda
38
. Porém, esse fracasso ainda não era percebido
pela população. Após as eleições, a inflação explodiu graças aos aumentos de tarifas
públicas e dos impostos indiretos. Em fevereiro de 1987, o país declarava moratória
39
. A
população, que em princípio acreditava no Plano, mostrava-se decepcionada e desconfiada
com os rumos da economia. (FAUSTO, 2006).
Embora algumas mudanças normativas houvessem ocorrido, ainda pendiam
algumas leis vigentes, herança do regime militar, que tolhiam as atividades democráticas e
precisavam ser revogadas. No plano legal, isso ocorreria por meio da eleição de uma
Assembléia Constituinte que conferisse origem e legitimidade a uma nova Constituição.
Carvalho (2008) relata que as reuniões da Assembléia tiveram início, em de
fevereiro de 1987, e, no dia seguinte, o deputado Ulysses Guimarães foi eleito o presidente
da Constituinte. A população acompanhava, atenta e ansiosamente, a elaboração da nova
Constituição, desejando que esta fixasse os direitos dos cidadãos, as instituições básicas do
país e solucionasse diversos problemas enfrentados pela sociedade.
Oficialmente, os trabalhos terminaram, em 5 de outubro de 1988, data em que a
nova CF foi promulgada, refletindo o avanço do país na área da extensão dos direitos
sociais e políticos aos cidadãos em geral e às ditas minorias – como os índios – além de

37
Contas externas. Indicador do grau de vulnerabilidade da economia de um país em relação ao mundo. O
indicador é composto por três itens: balanço de pagamentos, reservas internacionais e dívida externa.”
Verbete disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL281689-9356,00.html.
38
O Plano Cruzado representava, ficticiamente, a noção de uma moeda forte, com o viés de ser recebido pelo
povo com bons olhos. Tratava-se, no entanto, de uma jogada de marketing, vez que a moeda parecia forte, o
que incidiu para o aumento do consumo, mas o país não possuía economicamente condições de mantê-la. Daí
a razão de seu fracasso, em menos de um ano.
39
Moratória. Espera, dilação que o credor concede ao devedor além do dia do vencimento da dívida.
Ato de adiar os vencimento das dívidas suspendendo os pagamentos e ação da justiça, decretado pelo
governo de um país que passa por circunstâncias excepcionalmente graves (guerra, revolução, crise
econômica, calamidade pública).” Verbete disponível em:
http://www.workpedia.com.br/69468/morat%F3ria.html
81
diversas medidas inovadoras, como a criação do habeas-data
40
e a previsão de um código
de defesa do consumidor.
Seu texto foi bastante criticado
41
, desde a elaboração até o início de sua vigência:
por ter sofrido pressão de diversos grupos da sociedade refere-se a assuntos que
tecnicamente não o considerados de natureza constitucional. (CARVALHO, 2006)
Apesar disso, a CF de 1988, é tida como marco por ter concluído o processo de abertura
iniciado por Geisel em 1974, pondo fim aos últimos resquícios do regime autoritário.
Segundo Carvalho (2008), a democracia é o imperativo chave da CF/88, de vez que
não tomou por base, na sua formulação, nenhum projeto de governo, o que, de certa forma,
causou demora e lentidão nos trabalhos da Constituinte. Historicamente, foi a maior de
todas as Constituintes, pois in verba actor

Foram necessárias 339 sessões e 2.400 horas de trabalho, com a apreciação de 66
mil emendas, mais de 15 mil pronunciamentos e cerca de 2,5 milhões de
fotocópias. Todo esse trabalho contou com a participação de assessores diretos
do plenário – um contingente de 500 servidores. (p.608)
Paulo e Alexandrino (2008) consideram que o texto da CF/88, é dotado também de
influência estrangeira, destacando as fontes portuguesas, espanholas, italianas, francesas,
latino-americanos e anglo-americanas.
Sobre a legitimidade da Constituinte e do texto elaborado, Carvalho (2008) explica
que sua efetividade se deu pelo fato de ter sido convocada por emenda à CF/67, em ato
convocatório cujo artigo a declarava livre e soberana –, aliado à ampla participação
popular - que apresentou 122 emendas, “algumas com mais de um milhão de assinaturas”
bem como ao registro feito no edifício do Congresso Nacional, informando que por ali
“cerca de 5,4 milhões de pessoas transitaram”. Tudo isso o revela outra coisa, senão a

40
Lenza (2005) esclarece que a garantia constitucional do habeas data está regulamentada pela Lei n° 9.507,
de 12 de novembro de 1997, que se destina a disciplinar o direito de acesso a informações contidas em
registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, tendo em vista o
conhecimento ou retificação referentes a dados pessoais daquele que ajuíza uma ação de habeas data.
Qualquer pessoa, física ou jurídica, pode mover este tipo de ação para ter acesso às informações a seu
respeito.
41
Carvalho (2008, p.607) lembra que “o Presidente da República, José Sarney, em cadeia de rádio e
televisão, discursou, durante cerca de meia hora, criticando o Projeto de Constituição, que, se aprovado,
acarretaria ao Estado ônus insuportável, sujeito que estaria o Tesouro a uma sobrecarga que equivaleria a 132
bilhões e 600 milhões de dólares, acarretando os males do desemprego e a hiperinflação.”.
42
Nas palavras do autor.
82
constatação de que o nível de participação popular nos trabalhos da Assembléia
Constituinte, caracteriza sua legitimidade.
Em resumo, o esgotamento do regime militar, imposto em 1964, tornar-se-ia
evidente, em 1985, no bojo de um amplo movimento de redemocratização. A partir de
1980/82, o crescimento econômico estagnou, levando o país a rever suas políticas
econômicas e sociais. Acentuava-se a dependência em relação ao endividamento externo.
O modelo econômico colocado em prática, baseado na substituição de importações,
chegava ao seu limite.
O regime militar não possuía nem recursos, nem projetos para a crise e recolhia-se
ao imobilismo, enquanto manifestações de massa ocupavam as ruas. Foi nesse clima que se
organizou a transição entre a ditadura e um regime democrático-representativo, que teve
seu ponto culminante traduzido na CF/88, conforme acompanhamos.
A Constituição, aprovada em 5 de outubro de 1988, apresentou 245 artigos e 70
disposições transitórias, tratando de vastíssima gama de assuntos. É a mais democrática
Constituição brasileira e a que esboçou maior preocupação com os chamados direitos
sociais, incorporando-os ao seu texto. Contudo, segundo alguns constitucionalistas
43
, o
estabelecimento de todos esses direitos e garantias, no texto constitucional, representava
um erro legislativo. Toda uma série de elementos que podiam ser tratados em legislação
comum entrou para a Constituição. Sem dúvida, esse caráter enciclopédico da Constituição
derivava do medo ao retorno do regime ditatorial, ainda muito recente na memória
nacional.
Com todas essas ressalvas, a Constituição de 1988 pode ser vista como o marco que
pôs fim aos últimos vestígios formais do regime autoritário. A abertura, iniciada em 1974,
levara mais de treze anos para desembocar em um regime democrático. Visando conhecer
o alcance normativo de seu texto, passaremos a analisá-la mais detalhadamente, no que
concerne à educação superior.

43
Moraes (2004), Bonavides (2004).
83
2.3 A educação superior na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988.
O olhar sobre a incidência normativa da educação superior, nos textos
constitucionais estudados até aqui, nos possibilita comprovar, concisamente, o diferencial
único presente, na Carta de 1988: Trata-se, essencialmente, de um marco jurídico
fundamental para o campo educacional, posto que:
Assegura, efetivamente, a educação enquanto bem jurídico
44
, concebendo-a
como direito social
45
, nos termos do art.6°.
A educação está disposta no Título VIII, Capítulo III, tendo, pela primeira
vez, uma Seção exclusivamente a ela dedicada: a Seção I.
Prevê, de modo pontual, pela primeira vez, a educação superior, nos artigos
207, §1° e § 2°; 208, inciso V ; e de modo conexo, nos artigos 23, V; 37, II; 150,
VI, c; 205; 206 e seus incisos; 208, V e VI; 209; 211, §1°; 212, §2°; 213, seus
incisos e parágrafos; 214; 218, §1°, § 2°, § e § ; 225, VI; 242; Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) 61; 72, § e §3°.
Inova, ao elevar a educação superior à categoria de bem jurídico (art. 218,
§3°), em função de seu papel fundamental na formação de recursos humanos, na
ciência, na pesquisa e na tecnologia.
Entroniza a autonomia da universidade à categoria de princípio
46
(art. 207).

44
Um bem jurídico, na esfera constitucional, representa que este bem (a educação, por exemplo) está
assegurada, no texto constitucional, como direito fundamental; logo, os direitos fundamentais são os bens em
si mesmos considerados e declarados na CF. A educação, enquanto bem jurídico, está postulada na esfera dos
direitos sociais (Título II – dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo II – dos Direitos Sociais).
45
Constitucionalistas, como Moraes (2004), Silva (2005) e Carvalho (2008), consideram que os direitos
sociais visam uma melhoria das condições de existência da sociedade, por meio de atenção, por parte do
Estado, em assegurar a garantia de seu cumprimento. Os direitos sociais apresentam sua melhor previsão
histórica, na CF/88.
46
Os princípios constitucionais são normas basilares, ordenadoras, fruto da expressão dos valores
fundamentais da sociedade, assim como envolvem a idéia da Constituição como norma suprema. A CF/88 foi
a primeira a tratar dos princípios, em um Título especial (artigos a 4°). Assim, se uma norma fere um
princípio, é inconstitucional, por tamanha violação.
84
Abre campo para as discussões sobre a lei de diretrizes e bases para a
educação brasileira (art. 22, XXIV).
Estabelece a obrigatoriedade do legislador ordinário com o Plano Nacional
de Educação, plurianual e com objetivos já determinados (art. 214 e seus
incisos).
Realizando uma conjugação de artigos, Silva (2005, p.312), explica que o art. 205
apresenta uma declaração fundamental:
Art 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho
Essa declaração, combinada com a do art. “São direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” –,
incide na elevação da educação à categoria de direito fundamental. Assim, com base no
princípio da universalidade, a educação é direito de todos, e a esse valor jurídico é
agregado um novo valor, quando determina o titular do dever de prestar o direito. Em
resumo: “todos têm o direito à educação e o Estado tem o dever precedente de prestá-la,
assim como a família.”. Isso também implica dizer que o Estado deve fornecer a todos o
ensino, de acordo com o que reza a lei maior, nos termos do art. 206.
Assim, a Constituição de 1988, converteu-se em um marco, na história de todas as
Constituições, dotada de um diferencial único: a participação popular é marca de seu texto,
com escopo de assegurar a democracia, na ótica do presidente da Assembléia Nacional
Constituinte, Ulysses Guimarães.
Sua classificação rígida exige um procedimento mais difícil e solene para a
elaboração de emendas do que foi necessário para todas as demais Constituições. Serve ela
própria de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas escalonadas,
situando-se necessariamente no topo da pirâmide normativa. Ocorre que do seu texto
original ao texto de hoje, dotado de uma enorme quantidade de emendas (56), a
85
Constituição encontra-se desfigurada. Para Carvalho (2008), o Estado brasileiro passa por
uma crise constitucional, que fragiliza a CF/88, posto que, diante de sua rigidez e
formalismo, tem sido vista como uma barreira ao funcionamento do sistema capitalista e,
por tabela, à competitividade dos agentes econômicos. Essa crise acaba gerando uma outra
crise, a funcional, na qual o Estado perde a exclusividade de funções que lhe pertencem
por natureza, dando cena à ação de outros setores, semi-públicos, privados, locais e a
mesmo internacionais, assumindo funções estatais. Segundo a autor,
Além destes fatores, o pluralismo jurídico se traduz pela presença da
denominada lex mercatoria criadora de novos direitos, e que consiste num
conjunto de normas acordadas pelos grandes agentes econômicos, para
disciplinar atividade e rotinas sem qualquer interferência do Estado
(CARVALHO, 2008, p.153).
Daí, entendemos que a Constituição original de 1988 passa a ser tratada como um
entrave e, portanto, precisando ser alterada, seguindo as orientações e critérios que melhor
se coadunem com a ordem econômica.
Encontra-se, até o presente, organizada em tulos, Capítulos e Seções,
compreendendo 315 artigos, sendo 245, na parte permanente, e 70, no ato das disposições
constitucionais transitórias, o que a configura como a maior de todas.
No que concerne à educação superior, é notório que a CF/88 representou um
importante momento para a história daquela, uma vez que, para esta, convergiram,
significativamente, as atenções de pessoas, educadores, organizações, sindicatos,
movimentos que lutaram para assegurar a expressão de seus interesses, no texto
constitucional. Atende, assim, plenamente, às fontes verdadeiras do direito constitucional,
posto que, de acordo com Maria Helena Diniz (1988, p. 258), buscou amparo nas fontes
materiais, cujos “elementos que emergem da própria realidade social e dos valores” lhe
servem de inspiração.
Retomando a análise normativa, passemos agora aos artigos do texto constitucional,
concernentes à educação superior, que mais se destacam.
86
Artigo 206
Definido por alguns dos principais doutrinadores constitucionalistas como o
informador dos princípios constitucionais do ensino, in verba constituere
47
, o artigo se
encontra assim definido:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da
lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006).
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação
escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional
53, de 2006). (Grifos nossos).
Daí, depreende-se que o art. 206 trata dos princípios que regem o dever do Estado
com o ensino e que normalizam, de forma marcante, na esfera legislativa, o direito à
educação. Dentre os princípios acima expostos, observa-se que é destaque a questão da
gratuidade do ensino, dado que, embora existisse previsão, na Carta anterior, aquela se
restringia ao período de escolarização compulsória. É o inciso IV que possibilita a
compreensão de que, em todos os níveis de ensino, inclusive no superior, a educação
ofertada, em estabelecimentos oficiais, deve ser gratuita; e, somada aos incisos VI e VII,
deve ser também democrática e de qualidade.
Destacamos o inciso IV, por entender que ele também é inovador, à medida que
estende a gratuidade a todos os níveis de ensino, inclusive o das IES, donde se presume
que a cobrança de cursos, sejam eles de graduação sejam de pós-graduação, nesse último
caso quer lato quer stricto sensu, representa um atentado contra a Constituição.

47
Nas palavras da Constituição.
87
Cabe registrar, com relação ao inciso V, que, antes da Emenda 19, de 1998, era
assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União. A
Emenda n° 53/2006 substitui a valorização dos profissionais do ensino por valorização dos
profissionais da educação escolar e estabelece que a exigência de ingresso exclusivamente
por concursos e prova de títulos somente incidirá sobre profissionais de rede pública,
deixando a iniciativa privada livre para a forma de acesso dos professores.
Para a concretização desses princípios, as normas constitucionais sobre educação
devem ser interpretadas no sentido da efetivação, especialmente no setor público, pois, de
acordo com Silva (2005, p.213):
As normas constitucionais m o significado jurídico de elevar a educação como
direito público subjetivo essencial, que ao Poder Público cumpre possibilitar a
todos. Daí a preferência constitucional pelo ensino público, pelo que da iniciativa
privada que embora seja concedida, é, no entanto, meramente secundária e
condicionada.
Além disso, conforme acompanhado historicamente no Capítulo anterior, a atual
Carta Magna, instaura, no plano legal, o Estado Democrático de Direito, configurando o
ápice das lutas pela redemocratização no país. Sua intenção, conforme descrito em diversos
de seus artigos (por exemplo: 1°, 4°, 5°, 6°, 193), é a de configurar-se como a orientadora
de um Estado promotor da justiça social, cuja finalidade precípua reside, com base na
segurança jurídica, em assegurar o bem comum, superando qualquer ação do Estado que
priorize interesses de um grupo em detrimento de toda a coletividade, almejando superar
um Estado que represente, parafraseando Florestan Fernandes, “o coveiro da qualidade de
vida”.
b) Artigo 207
Antes de iniciarmos a análise desse artigo, é válido lembrar que a criação da
instituição universitária, no Brasil, se deu sob a tutela do Estado. Basta nos reportarmos às
Cartas Magnas republicanas para verificarmos o quanto todas elas buscaram centralizar, na
pessoa jurídica de direito público interno, o poder sobre o ensino superior. O ápice da
maior supressão da autonomia, como vimos, está compreendido nos períodos do Estado
Novo e da ditadura militar: o poder executivo sepultou processos de luta pela autonomia
88
universitária, “que somente vieram despontar no cenário político do país no final da
década de 70, com o surgimento das primeiras associações de docentes.” (PERONI, 2000).
Assim, por meio de uma grande mobilização de atores sociais da esfera educacional, foi
possível conquistar a inserção, no texto constitucional, da autonomia universitária como
previsão legal.
Conforme mencionado, o art. 207 é elevado à condição de princípio da
autonomia universitária, revelando peculiaridades do ensino superior:
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
§ É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas
estrangeiros, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional 11, de
1996).
§ O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e
tecnológica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996).
Esse artigo inaugura, para as universidades, mais segurança jurídica e estabilidade,
de vez que, apenas e tão somente, por meio de emenda constitucional, pode ser alterado.
Na interpretação desse princípio, Carvalho (2008, p.626) aduz que as normas
decorrentes da Constituição “[...] devem observar o conteúdo dos princípios por ela
emanados, que condicionam e determinam o processo legislativo e a aplicação da lei”
posto que, caso isso não ocorra, se estará originando uma situação de
“inconstitucionalidade por violação de princípios [...] circunstância que acentua ainda mais
a sua força jurídica.”.
O caso em tela reflete uma norma de aplicabilidade imediata, na classificação
doutrinária de José Afonso da Silva
48
(1982). Isso representa dizer que se trata de uma
norma de eficácia plena:

48
A classificação de Silva (1982, p.90) considera que as normas constitucionais se dividem em três
categorias, conforme avança o seu grau de eficácia: plena, contida e limitada. Nesse sentido, a norma de
eficácia contida é aquela que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a
determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do
poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados.”. a
norma de eficácia reduzida é aquela [...] que apresenta aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque
somente incide totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhe devolva a
aplicabilidade.”
89
Normas constitucionais de eficácia plena o aquelas que, desde a entrada em
vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os
efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que
o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular (p. 90).
Nesse sentido, esse tipo de norma constitucional, por ser coercitiva
49
, não requer
elaboração de nenhuma norma legislativa que lhe complete o sentido ou, ainda, que lhe
determine um conteúdo, visto que, por si só, é suficiente no entendimento dos interesses
que nela estão regulados.
Uma outra característica desse artigo é a que Ranieri (1994) denomina completude.
Isso representa afirmar que qualquer lei infra-constitucional que infira sobre a extensão ou
o sentido da autonomia universitária é inconstitucional, uma vez que o artigo é completo.
O alcance da autonomia tem sido ponto de muita discussão. FERRAZ (1998), ao
examinar a autonomia da universidade, na CF/88, propugna que aquela consista na
capacidade de autodeterminação e de autonormação, dentro dos limites fixados pelo poder
que a institui; no caso, os limites estão definidos pela própria Constituição, importando que
a autonomia atua dentro de limites que a legalidade constitucional lhe tenha conferido.
Ranieri (1994) entende que mesmo uma norma de aplicabilidade imediata pode, no
entanto, receber regulamentação de caráter instrumental, para que tenha maior
funcionalidade, por meio de uma lei ordinária
50
. Registre-se que esse aspecto não se refere
à incidência da norma. Ela incide sozinha. “Aceita, porém, regulamentação, embora dela
não necessite […], sendo a relação que se estabelece entre ela e a norma regulamentadora é
de mero desdobramento dos seus aspectos externos e não de integração constitucional.”
(p.107).

49
Este tipo de norma impõe “uma ação ou uma abstenção independentemente da vontade das partes”
(SILVA, 1982, p.60)
50
As leis ordinárias editam normas gerais e abstratas que regulamentam as normas constitucionais. O
processo legislativo de composição da lei ordinária é dividido em três fases distintas: a fase de iniciativa
deflagração do processo legislativo a fase constitutiva onde ocorrem as deliberações parlamentar (através
da discussão e votação) e executiva (manifestação do chefe do Executivo pela sanção ou veto) e a fase
complementar (promulgação e publicação). A lei ordinária possui campo material residual, ou seja, aquele
que não for regulamentado por lei complementar, decreto legislativo e resoluções. Para a sua aprovação,
requer, do ponto de vista formal, aprovação pelo quorum de maioria simples ou relativa, ou seja, a maioria
dos presentes à reunião ou sessão que compareceram naquele dia de votação, embora o quorum de instalação
da sessão de votação seja de maioria absoluta, conforme art. 47. (SILVA, 2005; BRASIL, 1988).
90
Isso implica dizer que nenhuma lei ordinária regulamentadora pode dispor sobre o
conteúdo do art. 207 e, muito menos, dar-lhe sentido ou extensão. A finalidade seria
apenas no sentido de implementar ou contribuir para a sua aplicação. Menos ainda, pode
uma lei ordinária dispor de forma contrária ao que espostulado no artigo em tela, pois,
para a hermenêutica
51
do Direito, o que importa é o alcance que tem a norma maior.
Consideramos que a aplicabilidade imediata do art. 207 lhe confere princípios e
regras interpretativas específicas. Canotilho (1994, p.69) ensina que os princípios
constitucionais são dotados de máxima efetividade, representando que a eles deve ser
atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda, que são dotados, por si sós, de força
normativa; bem como ensina que não se deve abandonar a premissa de que desempenham
uma função útil no ordenamento jurídico, “sendo vedada a interpretação que lhe suprima
ou diminua a finalidade”. Com isso, as instituições universitárias são valorizadas e
resguardadas, sua segurança e estabilidade asseguradas, pois qualquer determinação em
contrário é considerada inconstitucional.
Nesse sentido, uma interpretação que flexibilize a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão fere a Constituição. Nesse caso, estaria servindo a interesses privados,
na justificação de instituições particulares de ensino superior, que abandonam o modelo
Humboldtniano
52
, tornando o “serviço” educacional menos oneroso e mais rentável.
Entendemos que a indissociabilidade referida implica o cumprimento, pela
universidade, de sua função social, dado que se embasa num ensino que possibilita a
reflexão, por meio da pesquisa, e no compromisso com a sociedade. Trata-se, portanto, de
uma mediação essencial entre os três elementos.

51
Segundo Paulo e Alexandrino (2008), para o método de interpretação jurídica, o sentido das normas
constitucionais é compreendido por meio de elementos interpretativos como o filológico, referente à questão
literal, gramatical e textual; o elemento lógico, que corresponde a sistematização da norma; o histórico, tendo
em vista a importância da análise do contexto em que se desenrolaram os trabalhos da Assembléia
Constituinte, dos registros dos debates realizados, assim como o contexto em que a norma deve ser aplicada
(realidade social); o elemento teleológico, que investiga minuciosamente a finalidade da norma; e , por fim, o
elemento genético, que investiga a origem dos conceitos empregados no texto.
52
Modelo de universidade aleo criado, em 1810, por Wilhelm von Humboldt conhecido como arquiteto
do sistema educacional prussiano e fundador da universidade de Berlim. Baseava-se o modelo nas premissas
de liberdade de pesquisa e ensino, mesmo estando submetida à organização estatal. Ocorre que, para
Humboldt (2004, p.43), “Sendo a educação um instrumento fundamental de formação das consciências, o
lugar em que se forja uma subjetividade cultivada, ela deve permanecer ao abrigo da interferência do Estado,
pois este pode pretender controlar a sociedade indiretamente via o controle das consciências”. Nesse modelo,
agregam-se simultaneamente o ensino, a pesquisa e a extensão universitária.
91
Ranieri (1998, p.117) caracteriza-os como liberdades:
A liberdade de ensino e pesquisa consiste em autonomia substancial, vinculada à
essência da universidade; a liberdade administrativa e de gestão patrimonial, por
sua vez, configura autonomia instrumental, da primeira derivada e a ela
subordinada, mas essencial à sobrevivência daquela.
O artigo 207, de nossa Carta Magna, define, ainda, elementos essenciais, no que
concerne à autonomia didático-científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial
da universidade. A partir do que es postulado nele, depreende-se que a autonomia da
universidade reflete-se no poder que esta possui de estabelecer normas e regulamentos que
sejam ordenamento próprio da instituição.
O artigo em tela, conforme visto anteriormente, é denominado princípio da
autonomia universitária. Ranieri (1994) afirma que os verbos nele utilizados são
imperativos e cheios “as universidades gozam de autonomia [...]” e “obedecerão ao
princípio [...]”. Relembrando os conceitos gramaticais, o verbo é a palavra que indica ação
praticada ou sofrida pelo sujeito ou um fato que o sujeito pratica ativamente. E o verbo
imperativo e cheio é aquele que expressa uma atitude de ordem que não requer
interpretações vazias. Daí, podemos perceber que o artigo representa uma norma cogente,
que configura uma ação determinada. Essa direção própria implica a capacidade que a
universidade tem de estabelecer, por exemplo, seu regimento interno, o ensino, a escolha
dos seus dirigentes. O limite da autonomia reside no interesse próprio da universidade, em
consonância com o art.206 por ser este o informador dos princípios do ensino e com o
art. 5° – por ser este o informador das garantias e direitos individuais e coletivos. Estes são,
portanto, a nosso ver, os limitadores do art. 207.
Parecem-nos plausíveis as proposições de Schwartzman (1988), ao discorrer acerca
de aspectos importantes que ajudam a compreender o alcance do art. 207. Para ele, a
autonomia didático-científica supõe que as universidades devem ter plena liberdade de
definir currículos, abrir e fechar cursos, tanto de graduação quanto de pós-graduação e de
extensão. Elas devem ter, também, plena liberdade de definir suas linhas prioritárias e
mecanismos de financiamento da pesquisa, conforme regras internas. Deve ser garantida,
ainda, a autonomia em relação a órgãos externos.
92
no que tange à autonomia administrativa, o autor acima referido supõe que as
universidades poderão se organizar criando e aprovando seus próprios estatutos e adotando
sistemas administrativos próprios, entre outros. Além do que, outros princípios
constitucionais permitem inferir que a universidade teria autonomia, no que se encontra
preconizado no art. 206, inciso V: são os princípios gerais referentes a piso salarial,
ingresso exclusivo por concurso público e regime jurídico único.
O princípio sico da autonomia de gestão financeira e patrimonial estaria
relacionado à dotação orçamentária global, com liberdade para remanejamento de recursos.
A autonomia patrimonial garante que as universidades possam constituir patrimônio
próprio e utilizá-lo da maneira que melhor lhes convier (SCHWARTZMAN, 1988). No
nosso entendimento, esse subprincípio
53
é basilar para a autonomia, posto que, sem
autonomia financeira, não há autonomia didático-científica e administrativa.
Para o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
(ANDES-SN), dentre os princípios que fundamentam o “Padrão Unitário de Qualidade”, a
autonomia universitária implica a
[...] autonomia da instituição na gestão de seus recursos e no dimensionamento
de sua produção, na composição das instâncias de execução e de deliberação,
bem como na escolha de direção e representação [...], também se expressa pela
garantia de uma independência da universidade em relação às entidades
mantenedoras, seja qual for a sua figura jurídica. (ANDES-SN, 2003, p.30).
Reforçam-se, assim, as visões acerca do entendimento do alcance jurídico do art.
207.
Por fim, compete destacar que a CF/88, em face do art. 207, concedeu liberdade à
universidade de legislar sobre o que contempla o artigo; isso, contudo, não representa sua
autonomia sobreposta à do Estado, pois a autonomia daquela, assim como a deste, está
cerceada pelos limites da própria Constituição.

53
Segundo Carvalho (2008, p.625), “Princípios expressam valores fundamentais adotados pela sociedade
política (função axiológica), vertidos no ordenamento jurídico, e informam materialmente as demais
normas.” Um subprincípio é uma ramificação principiológica, dentro de um princípio maior, mas com igual
alcance jurídico.
93
c) Artigo 208
Seguindo o sentido do artigo 205, o art. 208 modela o dever do Estado com o
ensino:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de:
[…]
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
[...].
O artigo, portanto, aponta como o Estado fica obrigado, com relação à educação
superior, a assegurar a garantia de acesso a ela, donde se presume que, atendendo ao
princípio basilar de direito público, prevalece a primazia do interesse público sobre o
privado e aquela garantia se asseverada em instituições públicas. No inciso V, do
referido artigo, observamos que um afunilamento presente, posto que o acesso aos
níveis mais elevados de ensino e pesquisa se dará somente aos que conseguirem assegurar
seu espaço, numa “seleção natural”. É impossível não registrar que esse inciso demonstra a
idéia liberal de igualdade de oportunidades, fortalecendo o caráter elitista que,
historicamente, presenciamos nos textos constitucionais analisados anteriormente. Por
outro lado, serve para justificar os processos seletivos que concedem acesso a esse nível de
ensino.
d) Artigo 209
No artigo 209, encontramos a previsão constitucional para a coexistência de entes
privados e públicos, em todos os níveis de ensino:
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Porém, a presunção de liberdade não deve ser interpretada como livre
iniciativa/concorrência, nos termos de uma atividade econômica qualquer, posto que se
trata de educação e não de uma mercadoria. Logo, esse artigo não deve, de acordo com a
94
hermenêutica jurídica, receber uma conotação que lhe confira a possibilidade de desvio de
verba pública para as instituições privadas de ensino.
Os estabelecimentos privados de ensino não são delegatários de serviço público, ou
seja, não prestam seus serviços mediante contrato de concessão ou permissão de serviço
público, nos termos do artigo 175: Incumbe ao Poder Público, na forma da lei,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação de serviços públicos.”. Daí, reforçamos o argumento de que é inconstitucional o
setor privado receber recursos da esfera pública para realizar serviços públicos.
e) Artigo 211
O artigo 211 nos mostra que, por exclusão, a educação superior é responsabilidade
da União, uma vez que distribui as competências relativas à educação:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão
em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios,
financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria
educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de
oportunidades educacionais e padrão nimo de qualidade do ensino mediante
assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996).
§ Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na
educação infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996).
§ Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e médio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996).
Assim, a União, que organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, é
responsável pelo financiamento das instituições de ensino públicas federais. Donde se
presume que iniciativas infraconstitucionais, que conferem transferência de recursos para a
iniciativa privada, dispõem de forma contrária ao disposto na lei maior.
A participação da União, junto aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios
tem caráter supletivo e, por finalidade, ofertar educação a todos, igualitariamente, e manter
um mínimo de qualidade de ensino através da assistência técnica e financeira.
95
f) Artigo 212
No artigo 212, encontramos a seguinte disposição sobre o financiamento:
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios,
não é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do
governo que a transferir.
§ 2º Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo, serão
considerados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos
aplicados na forma do art. 213.
§ A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento
das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de
educação.
§ Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos
no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições
sociais e outros recursos orçamentários.
§ A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a
contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da
lei.
§ As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do
salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos
matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino.
De acordo com Amaral (2003), a pretensão do legislador constituinte originário,
com a vinculação proposta, ocorreu para “[...] colocar o peso da Constituição sobre os
ombros dos Poderes Executivo e Legislativo na definição de prioridades, ao serem
programados os gastos do Fundo Público brasileiro.”
54
(p. 133. Grifo do autor); assim, a
previsão do art. 212 tem por escopo uma priorização mínima para a educação.
O artigo 212 define a estrutura do financiamento da educação. A vinculação
constitucional dos recursos é a previsão de uma alíquota mínima, advinda da receita de
impostos
55
, a ser investida na educação. Assim, a determinação ficou em percentuais
mínimos, de 18% para a União e 25% para os Estados e Municípios, para a manutenção e

54
Formado pela arrecadação de todas as espécies de tributos.
55
Impostos correspondem a uma categoria do gênero tributo. As outras categorias são as taxas, as
contribuições de melhoria, o empréstimo compulsório e as contribuições sociais (CF/88: artigos 145, 148 e
149). O art. 16, do Código Tributário Nacional (CTN), conceitua imposto assim: “é o tributo cuja obrigação
tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao
contribuinte.”.
96
desenvolvimento do ensino. O artigo também estabelece critérios para efeito de cálculo
dos percentuais e de verificação de sua destinação; elege o ensino obrigatório como área
prioritária de atendimento; determina o custeio de atividades de apoio ao ensino, ligadas à
suplementação alimentar e assistência à saúde com outros recursos, e destina ao ensino
fundamental público a receita da contribuição social do salário educação.
Paulo e Alexandrino (2008) ressaltam que a aplicação dos percentuais
constitucionalmente previstos para a educação configura-se, também, como princípio
constitucional sensível
56
, nos termos do artigo 34, inciso VII, alínea e
57
, “cuja
inobservância pelo estado ou pelo Distrito Federal autoriza a intervenção federal, a partir
de representação do Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal,
de vez que põe em termo grave comprometimento da ordem pública (art. 36, III)” (p.980).
Por exclusão, entendemos que, caso a inobservância se por parte da União, compete
também ao STF, como guardião da Constituição, intervir. Nesse sentido, uma norma
infraconstitucional que interfira na vinculação dos recursos para a educação deve ser
declarada inconstitucional.
É importante destacar que esse artigo se refere, específica e exclusivamente, à
receita proveniente de impostos.
Ranieri (2000) afirma que, de todas as políticas sociais, somente a educação
recebeu, no texto original da Constituição, tratamento diferenciado, no que concerne à
vinculação da receita pública. No entanto, o financiamento da educação superior é feito
com recursos não vinculados à educação, ou seja, fora desse artigo, mas com base nos
artigos 206, IV, e 213, § 2°.
g) Artigo 213
Por fim, temos o art. 213, in verbis:

56
Os princípios constitucionais sensíveis são os intocáveis, por constituírem a base da federação; não podem
ser abolidos, nem sob Emenda Constitucional; somente uma nova CF poderá encerrá-los. São, portanto,
cláusulas pétreas. Podem apenas ser aperfeiçoados.
57
Essa alínea assim reza: “e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,
compreendida e proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ões e
serviços públicos de saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional 29, de 2000).”.
97
Art. 213 Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser
dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei,
que:
I - comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros
em educação:
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária,
filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de
suas atividades.
§ Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de
estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que
demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos
regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o
Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sue rede na
localidade.
§ As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio
financeiro do Poder Público.
Dele, entendemos que podem existir instituições de educação superior, inclusive,
sem fins lucrativos, mas privadas, que podem receber recursos do Estado para sua
manutenção. Veda a alocação de recursos públicos a instituições lucrativas, mas confere
recursos públicos a instituições privadas (comunitárias, confessionais ou filantrópicas),
bastando que comprovem finalidade não lucrativa e que aplicam seus excedentes (lucros?)
financeiros em educação, bem como, caso encerrem suas atividades, passem seu
patrimônio a uma outra instituição dotada de mesma personalidade jurídica.
Além disso, uma outra “brecha” legislativa, no § 2°, que possibilita que as
atividades de pesquisa e extensão, inclusive privadas, recebam apoio financeiro do poder
público. Dele, ainda, podemos ler nas entrelinhas que não há destinação de recursos para as
atividades de pesquisa e extensão, vinculados de forma permanente.
Fica implícito que as entidades privadas, cujos excedentes financeiros configurem
lucros, devem ter capacidade de auto-financiamento, não podendo receber recursos
públicos.
Ainda sobre esse artigo 213, Oliveira e Adrião (2007, p.102-103) consideram que,
com referência aos incisos I e II, a redação é imprecisa, posto que, para que se comprove a
finalidade não lucrativa de uma instituição, basta apenas que isso conste em seu estatuto ou
na ata de constituição. Assim uma instituição pode comprovar finalidade o-lucrativa e
ter lucro.”. Para eles, o inciso II possibilita que uma escola dita confessional, caso encerre
suas atividades, repasse seu patrimônio a outra confessional, desvie recursos públicos,
98
pois, neste caso, a comprovação de seu caráter é feita depois que os recursos foram
repassados. “Assim, corre-se o risco de que os estatutos sejam modificados antes do
fechamento da escola e depois de receberem os recursos públicos.”.
Ao admitir a existência de instituições lucrativas, o artigo em tela admite também
que, se a instituição educativa aufere lucro, não está habilitada ao recebimento de recursos
públicos.
Conjugado com o artigo 61, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), a definição precisa do art. 213 fica relativizada, posto que o art. 61 reza:
Art 61. As entidades educacionais a que se refere o Art. 213, bem como as
fundações de ensino e pesquisa cuja criação tenha sido autorizada por lei, que
preencham os requisitos dos inciso I e II do referido artigo e que, nos últimos
três anos, tenham recebido recursos públicos, poderão continuar a recebê-los,
salvo disposição legal em contrário.
Isso implica interpretar que o determinado, no art. 213, se aplicaria às
instituições previstas no art.61, das ADCT, que não tivessem recebido recursos, três anos
antes da CF/88, e quisessem recebê-los. Dessa forma, as entidades referidas, no art. 213,
mais as fundações de ensino e pesquisa (mesmo que privadas), que receberam recursos
públicos, nos anos de 1985, 86 e 87, destes poderiam continuar destinatários.
***
Finalizando esse Capítulo, relembramos que a educação nem sempre esteve
elencada como direito, nas Constituições brasileiras. Em verdade, o direito à educação
deve ser considerado como direito social, não podendo estar restrito a uma classe ou a uma
camada diminuta da sociedade e sim em prol de toda a sociedade.
A educação, como direito social, vem sendo instrumento e objeto de luta a favor de
sua segurança, mediante sua absorção na sistemática histórica dos textos constitucionais:
desde o Brasil colônia quando se configurava como privilégio das classes dominantes –,
passando pela primeira Constituição, a de 1924 –na qual a educação, embora assumisse
status de direito, era destinada a poucos –, até a nossa atual Carta, na letra da qual a
educação é elevada à condição de bem jurídico, ou seja, direito de todos.
99
Quando os estudos no campo do Direito atravessam a esfera educacional, aqueles
não devem ser compreendidos sob uma ótica de mera técnica legislativa, positivada e
formal, desconsiderando que se está, na realidade, diante de uma concepção de Estado e de
sociedade. Esse atravessamento entre Direito e Educação deve, sim, representar um
diálogo que pode interferir na luta constante pela educação como um direito social
assegurado.
Autores como Cury, Horta e Fávero (apud FÁVERO, 2005) consideram que a
recente penetração de educadores na esfera de estudos do direito educacional representa
um aprofundamento da relação existente entre a educação e o direito constitucional, mas
também da educação com outros mecanismos jurídicos, relação essa que servirá para que a
universalização da educação venha conseguir apoio dos aparatos legais no favorecimento
de sua efetivação.
Percorrendo todas as Constituições brasileiras, percebemos retrocessos e avanços,
em relação aos caminhos da educação superior, assim como à existência de um contexto
material no qual as relações sociais travadas contribuem para a existência de Assembléias
Constituintes. Vimos que as Constituições refletem interesses. Daí, a relevância de vermos
asseguradas, constitucionalmente, as conquistas oriundas das lutas educacionais.
Partindo da norma constitucional, objeto do atual capítulo, passaremos, no seguinte,
à análise de algumas normas infraconstitucionais, sobre a educação superior, à luz do
direito constitucional, focalizadas, especificamente, na autonomia universitária e no
financiamento da educação superior. Com isso, visamos identificar se essas legislações,
emanadas do Estado brasileiro, ferem a Constituição e, se o fazem, com que interesse.
100
CAPÍTULO 3
NORMA INFRA-CONSTITUCIONAL: O ESTADO
REGULADOR E A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA
O Direito Constitucional configura-se como Direito
Público Fundamental por referir-se diretamente à
organização e funcionamento do Estado, à articulação dos
elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das
bases da estrutura política.
(José Afonso da Silva)
Este capítulo tem como objetivo a análise legislativa das normas sobre a educação
superior, posteriores à Constituição Federal de 1988, tendo como centralidade a questão da
autonomia universitária. Interessa-nos investigar se a legislação infraconstitucional
aprovada após a CF/88 respeita o texto constitucional, em especial, o artigo 207, que
define a autonomia das universidades e a indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão
para esse tipo de organização institucional.
O suporte teórico, que serviu de embasamento para a consecução do objetivo
proposto, encontra-se integrado em dois campos de conhecimento: político e jurídico. O
suporte político é fornecido por autores que estudam as políticas públicas educacionais
referentes à educação superior. O suporte jurídico é mediado pela ciência do direito
constitucional.
Para tanto, iniciamos por resgatar a configuração que caracteriza o Estado
brasileiro, conforme apresentado no primeiro capítulo: o Estado capitalista neoliberal, na
perspectiva de que ele se configura como Estado regulado e regulador.
A partir de duas categorias, objetos de nossa análise, quais sejam, a autonomia da
universidade e o financiamento da educação superior, estabelecemos um quadro
normativo, fruto de nossa pesquisa documental (Anexo 1), dotado das espécies jurídicas
101
emanadas do Estado brasileiro, no período de 1988 a 2006, que identificamos relacionadas
às categorias supracitadas.
No presente capítulo, nosso foco estará dirigido, essencialmente, ao estudo da
autonomia da universidade, na perspectiva da CF/88. Já o financiamento da educação
superior será melhor elucidado, no capítulo seguinte.
Diante do grande volume de normas encontradas para as duas categorias (43),
optamos por eleger, como critério de análise, dentre elas, as espécies que, a priori, nos
pareceram dispor, incisivamente, de forma contrária ao postulado no texto constitucional
de 1988, revelando, portanto, a configuração paradigmática que assume o Estado
brasileiro.
3.1 Desvelando os vieses ocultos no Estado brasileiro: regulado e regulador.
Conforme discussão iniciada, no primeiro capítulo, entendemos, com base na
conceituação de Marx (2005), que o Estado se define por uma relação de entrelaçamento
com a sociedade civil, sendo, no entanto, esta última a base daquele, uma vez que as
relações jurídicas dele emanadas, devem ser compreendidas como fruto das relações
materiais de existência.
Assim, as relações econômicas travadas na sociedade acabam por ser o elemento de
fundação, os alicerces, sobre os quais é edificada a superestrutura política o Estado, e
jurídica a Constituição. Dessa construção, emerge a obra contraditória: o Estado tem
origem com as classes que lutam entre si. Nessa luta, a classe dominante, para se manter
erguida, usa como mecanismos a propriedade privada dos principais meios de produção e o
apoio do Estado, que tem auxiliado na formulação de projetos que institucionalizem sua
dominação econômica e política, por meio de acessórios como estruturas jurídicas, forças
repressivas e outras formas de coercibilidade. (MARX, 2005).
102
O projeto neoliberal vigente, não abandona completamente o Estado, como se
pensava, o que relativiza a premissa do Estado nimo. Wood (2005) nos esclarece que o
capitalismo atual requer um perfil de Estado que o auxilie em seu fortalecimento.
Daí a relevância de buscarmos subsídio na teoria tridimensional do Direito
apresentada no Capítulo 1 –, de Reale (1984), que, com base na conjugação de seus
elementos, nos auxilia no entendimento da mediação necessária que ocorre entre: o fato da
existência de uma relação de poder ou o fato poder (Estado), que define suas políticas
públicas, com base na instauração de valores (modelo adotado pelo Estado) a serem
absorvidos pela sociedade, tomando por referência, para a materialização do valor adotado
(modelo capitalista neoliberal), um conjunto de normas (constitucionais e
infraconstitucionais). Em resumo, o Estado, valendo-se de sua orientação axiológica,
materializa suas políticas públicas por meio do ordenamento jurídico.
Assim, o modelo de Estado capitalista neoliberal, assumido pelos governos
brasileiros, materializa o perfil de um Estado regulador para, dessa forma, conseguir dar
conta do projeto de sociedade que incorpora, e pela qual é regulado.
Conforme acompanhamos historicamente, no Capítulo 2, o perfil do Estado e de
seus governos pode ser identificado na forma como estão dispostas as normas que regulam
a sociedade. As Constituições acabam, nesse sentido, sendo espelho e lâmpada do Estado
que se deseja seguir, bem como as normas daquela decorrentes.
Embora a Constituição Federal, de 1988, tenha sido fruto de uma luta da sociedade
brasileira pela normalização democrática, não podemos descartar por completo que ela não
tenha sido concebida assentada, também, em valores capitalistas, historicamente assumidos
pelo país, a exemplo do art. 170, caput, II e IV
58
. Apesar disso, seu grande referencial
democrático é encontrado, facilmente, na letra da maior parte do seu texto original, sendo,
portanto, inegável que ela, diversamente de todos os textos constitucionais anteriores,
representa os anseios da população pela mudança do regime militar, assegurado pela

58
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: [...] II – propriedade privada; [...] IV –livre concorrência.”. Assim, ao invés de destacar o
antagonismo entre patrão e empregado, o artigo harmoniza capital e trabalho, assegurando a livre iniciativa,
que entendemos como o favorecimento da apropriação privada dos meios de produção.
103
instauração, no campo legal, de uma Lei Magna que conferisse segurança jurídica ao
Estado Democrático de Direito, tão desejado.
Constitucionalistas como Moraes (2004), Silva (2005) e Carvalho (2008),
consideram que, numa Constituição democrática, a intervenção do Estado na ordem
econômica se justifica se for direcionada no sentido de condicioná-la ao cumprimento
do objetivo de assegurar a existência digna a todos. Ocorre que, se houvesse um ranking
que expusesse os tulos da CF/88 que mais sofreram emendas, ele ficaria ordinalmente
disposto assim:
1° - Título X – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
2° - Título VII – Da ordem econômica e financeira;
3° - Título VI – Da tributação e do orçamento;
4° - Título VIII – Da ordem social.
É, de certa forma, aceitável que uma Constituição passe por emendas, posto que as
leis não se devem configurar como perpétuas, em virtude das próprias modificações que
ocorrem na sociedade. Também, é aceitável que os ADCT sofram alterações, apenas no
sentido de que representam a tentativa de organizar a transição de um período à outro, visto
que a ocorrência de uma nova Carta Política costuma se dar em momentos de extremas
transformações sociais, que impliquem mudanças nas normas que as regulavam. Todavia, é
inaceitável que uma Constituição como a brasileira, classificada como rígida
59
, em virtude
de ser analítica
60
, some atualmente 56 emendas
61
, com destaque para a ordem
econômica, financeira, tributária, orçamentária e social (nessa última está inserida a
educação).

59
Por apresentar, conforme dito neste trabalho, a exigência de um processo legislativo dificultoso para a
modificação de seu texto, visando com isso assegurar-lhe uma maior estabilidade. Para Moraes(2004) a
CF/88 é super rígida, porque além de poder ser alterada somente pela via de um processo legislativo
diferenciado, ela é imutável em alguns pontos (art. 60, § 4° - cláusulas pétreas).
60
Dotada de conteúdo extenso, prolixa, porque versa sobre matérias que vão além da organização básica do
Estado, o que é aceitável, somente em função de ter sido precedida por uma ditadura.
61
Fruto do poder constituinte derivado reformador, altera o trabalho do poder constituinte originário, por
meio do acréscimo, modificação ou supressão de normas. O poder constituinte derivado é, no entanto,
condicionado, sendo submetido a determinadas limitações (art.60 c/c 5º, § 3º).
104
Isso representa inferir que as modificações caminham no sentido de atender a um
projeto especialmente associado ao campo econômico e, ao mesmo tempo, interessado em
interferir na ordem social.
Para Paulo e Alexandrino (2008, p.5), no caso do Estado brasileiro,
[...] a doutrina constitucionalista aponta o fenômeno da expansão do objeto das
Constituições, que m passado a tratar de temas cada vez mais amplos,
estabelecendo, por exemplo, finalidades para a ação estatal. Isso explica o
alargamento dos conteúdos preocupado com os fins estatais [...].
Se não bastasse isso, as normas infraconstitucionais crescem desenfreadamente,
sem se preocupar, inclusive, se a materialidade de seus conteúdos está disposta de forma
contrária à Constituição. Assim, m buscado assegurar o fortalecimento do Estado
capitalista neoliberal, não importando se os instrumentos normativos ferem a Lei Magna,
de vez que o fundamental é assegurar interesses.
O Banco Mundial (BM), o BIRD, o FMI, dentre outros organismos internacionais,
são os principais direcionadores das ações do Estado brasileiro, posto que induzem
reformas com vistas a atender ao ideário neoliberal. Sobre essa questão, Silva Júnior e
Sguissardi (2001) afirmam que a reforma do Estado esteve nitidamente associada com as
diretrizes estabelecidas por esses organismos, que, caso sejam linearmente seguidas,
facilitam a concessão de empréstimos. Tais organismos, ao concederem empréstimos,
exigem, em contrapartida, que o governo adote medidas que demonstrem a garantia de
pagamento. Dentre as exigências por eles impostas, o governo deve se comprometer com a
adoção de medidas como a busca do equilíbrio orçamentário, via redução do gasto público;
a desregulamentação interna, via extinção de instrumentos de intervenção do Estado; e a
privatização, não somente das empresas, como também dos serviços públicos, dentre eles a
educação.
Dourado (2002) resume as principais recomendações do BM para a educação
superior, apontadas no documento intitulado La enseñanza superior: las lecciones
derivadas de la experiencia”:
105
1) privatização desse nível de ensino, sobretudo em países como o Brasil [...];
2) estímulo à implementação de novas formas de regulação e gestão das
instituições estatais, que permitam alterações e arranjos jurídico-institucionais,
visando a busca de novas fontes de recursos junto a iniciativa privada sob o
argumento da necessária diversificação das fontes de recurso;
3) aplicação de recursos públicos nas instituições privadas [...]. (DOURADO,
2002, p. 241).
Nesse sentido, os organismos internacionais emitem orientações para atender aos
interesses capitalistas, e o Brasil as tem seguido. E assim, a prescrição do rumo a ser
tomado pelas políticas públicas destinadas à educação superior é cumprida, e o benefício
do empréstimo é alcançado, embora resultem adversidades internas, tais como: desrespeito
à CF, autonomia universitária ressignificada como liberdade de interagir com o mercado,
desvinculação de receitas para garantir o pagamento da dívida externa, mercantilização da
educação superior, diluição das fronteiras entre o setor educacional público e o privado
etc..
Os primeiros contatos com o projeto neoliberal datam do governo Collor, passando
por Itamar Franco, embora não tenham adquirido a materialidade que foi alcançada nos
governos seguintes, de Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva.
De acordo com Silva Júnior (2005), no governo de Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), as reformas educacionais caminhavam no sentido de formar “a população
brasileira em processos cognitivos, nos necessários conteúdos postos pela mundialização
do capital” (p. 14), cuja premissa exige a aptidão do cidadão para o trabalho e para o
mundo globalizado.
Chaves (2005) esclarece que a política para a educação superior brasileira,
implementada nesse governo, atende plenamente às proposições do BM, FMI e do grupo
dos sete países mais industrializados do mundo (G7+1). A autora reforça que essas
agências “passaram a exigir mudanças estruturais nos países que, endividados,
buscassem a sua integração ao sistema internacional do capitalismo financeiro
especulativo.” (p. 127).
Silva Júnior e Sguissardi (2001) afirmam que o MARE capitaneou a reforma do
aparelho do Estado à medida que implementou um amplo programa de ações que se
justificavam nos livros do então ministro da Administração Federal e Reforma do Estado,
106
Bresser Pereira, cujo discurso permitia inferir que a reforma era necessária, em razão do
processo de globalização que provocou a redução da autonomia do Estado e a crise
econômica. Identificamos, no entanto, não apenas pontos de contato, mas uma
recomendação claramente seguida e nitidamente manifesta, nos aparatos legais.
Uma das propostas da Reforma que gerou grande polêmica foi relativa a conversão
das instituições de educação superior (IES) públicas, de autarquias ou fundações em
organizações sociais, regulamentadas via contratos de gestão. Carvalho (2004, p.12), relata
que a reação da comunidade acadêmica a este projeto foi de tal monta que a conversão
das universidades de autarquias ou fundações em organizações sociais passou a ter caráter
voluntário.”. Ela ressalta, também, que as três universidades paulistas autônomas
permanecem como autarquias estaduais.
Sobre as principais ações, legislativas ou não, que produziram reformas, no governo
FHC, Silva Júnior (2005) discorre que nele assistiu-se à promulgação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional Lei 9.394, de 1996 a conhecida LDB; das diretrizes
curriculares para cursos de graduação; da regulamentação dos cursos seqüenciais; dos
processos de avaliação da educação brasileira; da descentralização ou desconcentração da
gestão educacional; do autoritário decreto sobre a formação de professores, entre outras.
Em 2003, o primeiro presidente de frente popular assumiu o poder, via eleições
diretas. Tratava-se de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2006), cujo programa de governo
conhecido como “uma escola do tamanho do Brasil” apresentava a defesa da educação
como direito social básico, bem como criticava duramente o processo de privatização da
educação superior brasileira, ocorrida no governo anterior.
Ocorre que o governo do atual presidente tem-se mostrado bastante incoerente,
tanto no discurso como na prática. Kátia Lima (2004) entende que, entre as diretrizes do
programa de governo de Lula e suas ações, há um imenso abismo, posto que
[...] a possibilidade de aprofundamento do processo de privatização da educação
superior brasileira se exatamente pela afinidade política entre o projeto de
sociedade e de educação, elaborado pelos organismos internacionais para os
países da periferia do capitalismo e o projeto que vem sendo implementado pelo
governo Lula. (LIMA, K.R., 2004, p.33).
107
É importante registrar que, até o momento, consideramos não ser possível nomear a
ocorrência de um marco legislativo único, que comandasse as reformas na educação
superior. O que vemos ocorrer é a emissão de uma série de espécies normativas ou de
medidas jurídico-administrativas que, a exemplo do governo anterior, seguem as mesmas
orientações, porém de forma mais incisiva. Um dos escopos normativos está configurado
na redução do espaço público em favorecimento do privado e até mesmo na conjugação do
que poderíamos considerar improvável: o público no privado, ou o que Kátia Lima (2004)
define como o relançamento do conceito de público não estatal
62
.
Em suma, a política pública para a educação superior, nos dois últimos governos,
sinaliza um maior aprofundamento dos princípios neoliberais. Observou-se, então, a
institucionalização das parcerias público–privadas, tanto pela efetivação de cursos pagos
com recursos públicos, na rede privada de ensino, e de extensão, pagos pelos alunos a
instituições públicas, quanto pela relação estreita entre as fundações privadas e as
universidades públicas, principalmente para a prestação de serviços.
O Estado brasileiro, regulado por instâncias internacionais, exerce um papel
regulador, de controle e, se preciso, autoritário, com vistas à consolidação do modelo
neoliberal. Para tanto, não importa se, para o alcance de seu objetivo, remende o texto
constitucional ou disponha de forma contrária a ele, o que iremos verificar na análise de
alguns instrumentos normativos infraconstitucionais, mais adiante.
3.2 Normas jurídicas pós-Constituição Federal de 1988: implicações para a
autonomia universitária.
A autonomia universitária consiste em poder derivado
funcional, circunscrito ao que é próprio à entidade que o
detém e limitado pelo ordenamento em que se insere.
(Nina Ranieri)

62
Lima, K. R. (2004) considera que o conceito de público não-estatal atravessou e constituiu a reforma do
Estado brasileiro, na década de 1990, e da diversificação das fontes de financiamento das universidades
públicas. Assim, pautado na premissa ideológica de que o capitalismo pode ser humanizado, os intelectuais
orgânicos da burguesia difundem a chamada “terceira via” para a qual, no plano econômico, é necessário
equilibrar regulação e desregulação de uma economia mista, por meio de parcerias público-privadas.
108
Com a finalidade de analisar o papel das legislações infraconstitucionais, na
definição das políticas do Estado para a educação superior, selecionamos algumas espécies
normativas, tendo como marco temporal a Constituição Federal de 1988, até o ano de 2006
quando começam as iniciativas governamentais, no sentido de materializar uma lei que
traduza a Reforma Universitária.
Diante do que vimos, nos capítulos anteriores, as espécies acima referidas
representaram, a princípio, a materialização jurídica do Estado regulador, que, para atender
a seus interesses, dispõe em oposição ao previsto no texto constitucional, seja de forma
explícita ou por meio de lacunas na Lei máxima. Como critério de seleção normativa,
elegemos, para análise neste capítulo, as que apresentaram maior grau de lesão à
autonomia da universidade, com vistas a desvendar as ideologias que fundamentam o texto
legal, com o apoio da ciência do direito constitucional.
Inicialmente, é preciso conhecer as espécies normativas admitidas pelo processo
legislativo brasileiro. Assim, nos termos do art. 59, da CF/88, é compreendida a elaboração
de sete espécies. São elas: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias,
leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. Alguns autores
63
consideram que, exceto pelas emendas constitucionais que produzem normas de caráter
constitucional não hierarquia entre as espécies infraconstitucionais. Elas devem atuar
dentro de sua respectiva parcela de competência; caso contrário, uma invasão de
competência que gera um vício formal, caracterizador da inconstitucionalidade.
Contudo, para o professor Michel Temer (1998), um escalonamento de normas,
gerando, assim, em certas situações, uma autêntica relação hierárquica. Cita, por exemplo,
que A Lei se submete à Constituição, o Regulamento se submete à Lei, a Instrução do
Ministro se submete ao Decreto, a Resolução do Secretário de Estado se submete ao
Decreto do Governador, a Portaria do chefe de seção se submete à Resolução Secretarial.”
(p.144).
Em se tratando de norma constitucional e infraconstitucional, é importante destacar
que existe diferença substancial entre elas. A norma constitucional é aquela que se
encontra disposta no texto constitucional, seja na sua forma originária ou na sua forma

63
Miranda (1960), Canotilho (1991), Moraes (2004) e outros.
109
derivada (emendas). Por conseguinte, a norma infraconstitucional é toda aquela que surge
advinda da Constituição, mas fora dela (por exemplo, a lei 9.394/96
64
), assim como
aquelas anteriores a ela (por exemplo, a lei 6.932/81
65
), e que, por não apresentarem
nenhuma contradição com o novo texto, foram recepcionadas pelo ordenamento jurídico.
Daí se entende que a norma infraconstitucional deve sempre respeitar os princípios
contidos na forma original do texto constitucional para, assim, não ser declarada
inconstitucional.
Para efeito do presente estudo, as espécies normativas infraconstitucionais que
forem objeto de nossa análise serão explicitadas, visando a compreensão de seu alcance, no
ordenamento jurídico, e, conseqüentemente, o entendimento da força de influência que o
Estado exerce ao se valer de determinada espécie para materializar políticas públicas.
A seguir, apresentamos a discussão sobre autonomia universitária, incluída no art.
207, da CF/88, fruto de uma conquista dos movimentos sociais que se mobilizaram para
esse fim. Nosso objetivo foi o de entender como a legislação posterior interfere nesse
artigo ou impossibilita que, de fato, a universidade possa exercer, plenamente, o que está
disposto na Lex Mater.
Para analisarmos a autonomia universitária, no entanto, precisamos, primeiramente,
definir seu significado, bem como contextualizar sua formulação histórica.
Etimologicamente, autonomia é um vocábulo de origem grega, cujos radicais
auto (próprio) e nomia (lei, regra) – expressam a idéia de direção própria. Na esfera
filosófica, o conceito confunde-se com o de liberdade, consistindo na qualidade de um
indivíduo de tomar suas próprias decisões, com base em sua razão individual.
Para a ciência política, representa a qualidade de estabelecer liberdade, por meio de
suas próprias normas, pertencente a um território ou a uma organização. A concepção
política de autonomia se relaciona ao contexto histórico que lhe deu origem: a renovação
da estrutura política, na Europa Ocidental, durante os séculos XI e XII, caracterizada pela

64
Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
65
“Dispõe sobre as atividades do médico residente e outras providências” e, no seu art. 1º, trata de matéria
educacional, ao regulamentar a Residência Médica, apresentando-a como modalidade de ensino de pós-
graduação.
110
delegação do poder que se encontrava concentrado nas os da monarquia.(RANIERI,
1994).
Acquaviva (2000) destaca que não devemos confundir autonomia com soberania,
uma vez que o alcance desta é muito mais amplo do que o daquela. Um Estado soberano
tem poderes absolutos e próprios sobre si mesmo, em termos de representação diplomática
internacional. Já na autonomia, os poderes podem ser próprios, mas não absolutos, como é
o caso dos estados-membros e dos municípios, que embora autônomos, não são soberanos.
Em síntese, autonomia é uma noção filosófica que passou a instrumento político,
sendo incorporado pelo direito em virtude de seu expressivo papel histórico, não sendo,
pois, um termo originário da ciência jurídica.
Para alguns autores da teoria geral do Estado, o significado de poder de
autonormação é o único autêntico, na esfera jurídica, podendo ser utilizado para: qualificar
atos administrativos; designar órgãos com poder de ação independentes; indicar
independência financeira; denotar liberdade de julgamento; autodeterminação;
autogoverno; auto-administração, entre outros. Isso significa que o valor jurídico da
autonomia é muito mais extensivo do que o apresentado pela etimologia. (SILVA, 2005).
Alguns doutrinadores
66
do direito público, ao analisar a autonomia sob diversas
perspectivas, definem-na como poder (político) de autonormação, limitado pela lei que lhe
conferiu origem (MORAES, 2004), visão da qual compartilhamos, por representar que, se
uma norma, como a CF/88, confere autonomia à universidade, bem como lhe assegura a
auto-aplicabilidade, esta pode ser modificada por meio de uma emenda à Constituição;
ademais, qualquer lei que incida sobre ela, no sentido de complementá-la ou regulamentá-
la, deve ser, portanto, expurgada do ordenamento jurídico.
Para o direito administrativo, a autonomia é conseqüência de uma restrição que a lei
maior atribui a si mesma. Isso significa que a lei pode regular, com regras próprias,
situações que intencionalmente não alcança. Isso ocorre para que determinados interesses
específicos sejam assegurados e atendidos (ALEXANDRINO, 2006). Exemplo disso
reside no fato de a CF/88 conferir autonomia às universidades, tendo em vista não

66
Moraes (2004), Silva (2005), Lenza (2005), Paulo e Alexandrino (2008), Carvalho (2008).
111
estabelecer amarras jurídicas que venham a prejudicá-las ou impedi-las de executar as
funções para as quais foram socialmente concebidas.
Alexandrino (2006) explica que o campo jurídico administrativo divide o
ordenamento em três esferas, com base na área sobre a qual devem incidir as normas
autônomas. Assim, a primeira esfera comporta as leis autônomas que não podem ser
complementadas; por exemplo, algumas normas constitucionais e as leis penais. A segunda
é formada pela maior parte das leis administrativas, que conferem poder normativo próprio
a um ente ou órgão público e, se for o caso, poder para derrogar outras normas legais. Por
fim, a terceira esfera de regulação autônoma abrange a maior parte do direito privado, é
composta pelas leis limitadas que possibilitam aos entes privados legislar sobre seus
negócios jurídicos. Podem ocorrer casos de uma norma inserir-se em mais de uma das
esferas. Entendemos, nesse caso, que a autonomia universitária constante do art. 207
67
es
inserida na primeira esfera somente, posto que, por si próprio, o artigo não tem poder para
revogar uma lei, mesmo que esta disponha de forma contrária a ele. Esse poder de
derrogação pode ser encontrado em outros dispositivos do texto constitucional.
Bielsa (1988), ainda na esfera do direito, afirma que a autonomia se manifesta
como poder político e implica, essencialmente, direito de legislação própria. Para ele, o
poder normativo corresponde a um poder inato, não cabendo controle ou tutela de qualquer
caráter sobre as normas próprias dos entes autônomos.
Em se tratando da autonomia das autarquias (entidades públicas descentralizadas
que se auto-administram, almejando uma eficaz gerência de interesses coletivos) e
dependendo do peso político ou administrativo dado ao conceito de autonomia, suscita
divergência entre os doutrinadores.
Para Mello (1968), não autonomia nas autarquias. Estas gozam de liberdade
administrativa e regime especial perante o regime da administração central. Para ele, a
auto-administração é poder exclusivamente administrativo, do qual a autonomia não é
dotada.

67
Artigo analisado, no Capítulo 2, na subseção 2.3 b.
112
Cretella Jr. (1991) entende autonomia e autarquia, em princípio, como um mesmo
ente público, baseado no critério que ambas possuem formas próprias de administração.
Por outro lado, o autor define autonomia como um conceito político, que expressa o poder
de legislar para si próprio e autarquia, como um conceito administrativo, representando um
ente que se rege de acordo com as leis editadas pela entidade que o instituiu.
Doutrinadores diversos do direito administrativo corroboram que a autonomia
ocorre na administração própria, ou seja, quando uma pessoa de direito público gere, de
forma delegada, uma parte da administração pública, agindo em nome próprio.
(ALEXANDRINO, 2006).
Ranieri (1994) define autonomia como poder político evidente através da
competência de legislar. Considera improvável que as autarquias sejam autônomas, de vez
que estas são reguladas pelas leis da entidade que as criou. Para ela, as autarquias são
dotadas de auto-administração, mas, em razão de não serem dotadas de poder político, não
têm competência para legislar. Com relação às universidades públicas brasileiras, ela
expõe a seguinte opinião:
Peculiar é o caso das universidades públicas brasileiras, quando criadas sob a
forma de autarquias. Por desfrutarem de autonomia, em oposição à auto-
administração normalmente consentida às autarquias, o legislador ordinário
desde 1968 atribuiu-lhes a denominação equívoca de “autarquias de regime
especial”, no intuito de lhes assegurar certa liberdade na condução dos assuntos
que lhe o afetos, [...] o que não assegura liberdade de se autolegislar.
(RANIERI, 1994, p.30).
Amparados nesse entendimento, é possível conceber que a autonomia, conforme
hoje postulada, no art. 207, da CF/88, representa liberdade, também, de se autolegislar, o
que não é o caso de uma autarquia. A denominação dada pelo legislador, em 1968, é
diferente da adotada na Carta Magna atual, visto que, naquela, nas palavras de Ranieri
(1994), a intenção era de assegurar uma liberdade maior em relação às autarquias
“comuns”, mas também restringida. A solução desse conflito, segundo entendemos, estaria
em duas alternativas: a substituição do termo “autarquia de regime especial” por um outro
que representasse a pessoa jurídica efetivamente autônoma, ou a concepção jurídica do
alargamento do sentido de “autarquia de regime especial”, que contemplasse a capacidade
de legislação própria.
113
Para além dessa discussão, um fato fica bem delineado: a universidade pública é
reconhecida como um órgão da esfera pública, diferente dos demais, justamente, por conta
da sua liberdade de legislar internamente sobre os temas referidos no artigo 207.
Conforme apresentado, no Capítulo 2, a autonomia universitária percorreu muitos
descaminhos, nas Constituições brasileiras. Em grande parte, as Cartas atuaram no sentido
de controlar e limitar a ação das universidades, especialmente nos períodos ditatoriais, até
ser reconhecida como princípio, no texto de 1988, o que representou uma reação dos
movimentos sociais contra a opressão fortemente vivenciada pela universidade, naquele
período. Nesse olhar histórico, também constatamos que a autonomia tem sido fruto de um
projeto que confronta Estado e universidade.
A CF/88 confere às universidades públicas o papel de entes autônomos, que
desempenham poder político derivado em assuntos didático-científicos, administrativos, de
gestão financeira e patrimonial. Tal autonomia possibilitará cumprimento do que lhe cabe,
na relação indissociável entre ensino, pesquisa e extensão, bem como resultará em
cumprimento de sua função social.
Entendemos que a função social da universidade, como instituição, representa sua
finalidade de desenvolver conhecimento, que viabilize a construção de uma sociedade justa
e igualitária, baseado na pesquisa e na extensão. Representa, em síntese, a agregação do
ensino pesquisa científica e sua conseqüente extensão à sociedade, conforme postulado no
art. 207.
As discussões atuais sobre a autonomia da universidade brasileira envolvem
questões relacionadas ao mercado de serviços educacionais, um setor que foi inserido na
pauta da Organização Mundial do Comércio (OMC). O que nos leva a deduzir que essa
inserção é mais um mecanismo de promoção de neoliberalismo.
Adotando essa linha, o Estado brasileiro, por meio de normas jurídicas, vem
convertendo a educação em mercadoria. Tal fato toma forma, à medida que a privatização
do ensino público engloba ações que alargam a função do mercado para áreas que, antes,
eram de competência primária do Estado, como é o caso da educação. Isso se comprova,
por exemplo, quando lançamos um olhar sobre a lei que regula o papel das Organizações
114
da Sociedade Civil de Interesse Público
68
(OSCIP), que são uma nítida transferência de
responsabilidade estatal.
Esse instrumento legal específico vem favorecendo o setor privado, posto que
direciona as funções das instituições públicas para outras, de caráter privado, através de
mecanismos como o das OSCIP, que acaba sendo tão representativo quanto uma
privatização propriamente dita. Em meio às ações normativas, encontramos uma
contradição: se a universidade, nos termos do art. 207, da CF/88, é autônoma, o que lhe
possibilita assegurar que, no exercício de sua autonomia, cumpra sua função de contribuir
para a sociedade, num Estado democrático e de direitos, como pode então estar servindo a
um ideário mercadológico?
Nossa discussão permite inferir que a autonomia universitária, estabelecida no texto
constitucional, vem sendo negada pelos governos brasileiros, ressignificando-a como
autonomia diante do Estado para interagir livremente com o mercado, através da prestação
de serviços, esvaziando o sentido principiológico. Sobre isso Otranto (2006b), afirma que o
conceito de autonomia defendido nos documentos governamentais é reducionista à esfera
financeira, sendo, portanto, “instrumental e pragmática, uma vez que é entendida como
uma prerrogativa de a universidade captar recursos no mercado.” (p.47).
Sabemos que, para a tradição liberal, o mercado é o espaço da autonomia, o livre
mercado e sua mão-invisível” (Smith apud LIMA, C.A., 2006). Para essa corrente, as
crises do capitalismo não se originam na economia de mercado, mas sim no Estado, que,
com suas ações, acaba por desestabilizar o sistema, caracterizando a ineficácia dos serviços
públicos. Nesse caminho, a autonomia, na perspectiva neoliberal, é compreendida como
desligamento do Estado, com liberdade para atuar no mercado, mas, também, amparada
pelo falso argumento de que as universidades públicas demandam muitos recursos para
poucos resultados.
Assim, apesar de a Constituição ter assegurado esse sistema de garantia da
autonomia universitária e, ainda, como norma auto-aplicável, portanto passível de

68
Lei nº 9.790/1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de
Parceria, e outras providências.” Dentre as áreas de atuação permitidas por essa lei, insere-se a promoção
da educação e (ou) da saúde.
115
regulação apenas por outros dispositivos constitucionais, o Estado brasileiro prossegue
legislando sobre diversos assuntos concernentes a ela, que apontam para o crescente
intervencionismo do Estado, nas políticas públicas universitárias, extrapolando seu poder
normativo, atuando contra legem, caso necessário.
O exposto nos leva a compreender que a autonomia postulada, na Constituição,
contrapõe-se à concepção de autonomia do Estado neoliberal. É visível a semelhança e a
irmandade, no campo da autonomia, existente entre as ões implementadas pelo Estado
brasileiro e aquelas apregoadas pelo Banco Mundial. Daí a existência de diversas tentativas
de desconstitucionalizá-la, ou emendá-la
69
para conferir legalidade ao que vem sendo
executado na prática.
Não estaria a autonomia constante da CF comprometida quando, por exemplo, a
Emenda Constitucional 19/1998 estabelece que a União pode contratar pessoal, pelo
regime celetista
70
, e que, para que as universidades possam realizar concurso, nesse
regime, fez-se necessária a aprovação de uma lei específica, pelo Congresso Nacional? Isso
implica que as ações emanadas do Estado cumprem deixar a universidade sem espaço para
o exercício do que lhe é assegurado, no art. 207, da CF/88. Essa normalização interna o
era para ser própria da universidade? Haveria outras normas dispondo de forma
diametralmente oposta à Carta Constitucional?
Para efeito deste estudo, destacamos, para análise, algumas normas, que evidenciam
como o artigo 207, do texto constitucional, é desrespeitado; ou melhor, como a
Constituição vem sendo paulatinamente “rasgada”, para atender a um outro projeto de
sociedade, fundada nos preceitos neoliberais e não democráticos. São elas as Leis
9.192/95; nº 9.394/96; nº 9.131/95 e nº 10.861/04, analisadas a seguir.

69
Para Martins e Neves (2004), as tentavas frustradas aparecem, no governo Collor, com a PEC 56/91, e, no
governo FHC, com as PEC 233/95 e 370/96. Ressaltam que a forte resistência das entidades Andes-SN,
Fasubra e UNE foi responsável pela derrota das propostas. Destacam, também, que, no governo Lula, apesar
de nenhuma PEC, a proposta de autonomia “mantém intocada a fragmentação da organização acadêmica” (p.
95).
70
Termo designativo, no jargão forense, do trabalhador submetido à Consolidação das Leis do Trabalho ou,
simplesmente, CLT; desta abreviatura surgiu a expressão em epígrafe. Assim, p. ex., os servidores públicos
celetistas ficam sob a égide da Justiça do Trabalho (CF, art. 114), ao contrário dos servidores estatutários. Os
celetistas são funcionários admitidos para funções materiais subalternas ou contratados para atenderem
necessidade temporária de excepcional interesse público, logo não possuem estabilidade funcional.
116
3.3 A Lei n. 9.192/95 e a autonomia universitária.
Lei n. 9.192, de 21 de dezembro de 1995.
Altera dispositivos da Lei nº. 5.540, de 28 de
novembro de 1968, e regulamenta o processo de
escolha dos dirigentes universitários.
Trata-se, esta lei, de uma espécie normativa ordinária. Significa que a existência
dela não está prevista, no texto constitucional, e nem poderia, até porque ela se refere a
uma alteração de dispositivos de uma lei vigente, desde 1968, que, certamente, foi mantida
pela Constituição por não se apresentar de forma contrária a ela.
As leis ordinárias, como é o caso da 9.192/95, ocupam um campo residual, ou seja,
se não foi prevista, em nenhum momento, pela Constituição, seu campo material de
atuação é um resíduo, por não ter sido regulamentado por lei complementar, decreto
legislativo e resoluções. A lei ordinária, quanto ao aspecto formal, exige, para a instalação
da sessão de votação
71
, um quorum de maioria absoluta, em cada casa do Congresso.
Contudo, para a votação de aprovação de seu projeto de lei, exige apenas um quorum de
maioria simples
72
.
É importante destacar que essa lei foi aprovada, em 1995, início do governo de
Fernando Henrique Cardoso, e antes da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (dezembro de 1996), que a reafirma, em seu texto. Época essa,
conforme visto anteriormente, em que várias iniciativas de emendas constitucionais e
outras proposições legislativas foram elaboradas, no sentido de regulamentar a autonomia
da universidade, definida no art. 207, da CF.

71
O quorum de instalação da sessão de votação é o de maioria absoluta dos membros da casa onde será
apreciado, tanto no caso de uma lei ordinária, como complementar, conforme art. 47, da Constituição Federal
de 1988.
72
A lei ordinária precisa da aprovação pelo quorum de maioria simples ou relativa (art. 47, da CF/88)
enquanto (art. 69, da CF/88) a lei complementar precisa ser aprovada pelo quorum de maioria absoluta.
Entende-se como quorum de maioria simples a maioria dos presentes à reunião ou sessão que compareceram
naquele dia de votação. Já o de maioria absoluta corresponde à maioria dos componentes, do total de
membros integrantes da casa, ou seja, um número fixo (Lenza, 2005).
117
A justificativa dessa lei está no fato de que encontra amparo no art. 206, V, da
CF/88 (gestão democrática do ensino, na forma da lei). Ocorre que a forma encontrada
esquece de observar o art. 207, conforme veremos.
No artigo 1°, temos a seguinte postulação, in verbis:
Art. 1º O art. 16 da Lei nº 5540, de 28 de novembro de 1968, (...), passa a vigorar
com a seguinte redação:
“Art. 16. A nomeação de reitores e Vice-Reitores de universidades, e de
Diretores e Vice-Diretores de unidades universitárias e de
estabelecimentos isolados de ensino superior obedecerá ao seguinte:
I o Reitor e Vice-Reitor de universidade federal serão nomeados pelo
Presidente da República e escolhidos entre professores de dois níveis
mais elevados da Câmara ou que possuam título de doutor, cujos nomes
figurem em listas tríplices organizadas pelo respectivo colegiado que o
englobe, instituído especificamente para esse fim, sendo a votação
uninominal;
II- os colegiados a que se refere o inciso anterior, constituídos de
representantes dos diversos segmentos da comunidade universitária e da
sociedade, observarão o mínimo de setenta por cento de membros do
corpo docente no total de sua composição,
III- em caso de Consulta prévia à comunidade universitária, nos termos
estabelecidos pelo colegiado ximo da instituição, prevalecerão a
votação uninominal e o peso de setenta por cento para a manifestação
do pessoal docente em relação à das demais categorias;
IV- os diretores de unidades universitárias federais serão nomeados pelo
Reitor, observados os mesmos procedimentos dos incisos anteriores;
V- o Diretor e o Vice-Diretor de estabelecimento isolado de ensino
superior mantido pela União, qualquer que seja sua natureza jurídica,
serão nomeados pelo Presidente da Republica, escolhidos em lista
tríplice, preparada pelo respectivo colegiado máximo, observado o
disposto nos incisos I, II e III;
VI- nos casos em que a instituição ou unidade o contar com docentes
nos dois níveis mais elevados da carreira ou que possuam título de doutor,
em número suficiente para comporem a lista tríplice, estas serão
completadas com docentes de outras unidades.
VII - os dirigentes de universidades ou estabelecimentos isolados
particulares serão escolhidos na forma dos respectivos estatutos e
regimentos;
VIII- nos demais casos, o dirigente será escolhido conforme estabelecido
pelo respectivo sistema de ensino.
Parágrafo Único. No caso da instituição federal de ensino superior, será
de quatro anos o mandato dos dirigentes a quem se refere este artigo,
sendo permitida uma única recondução ao mesmo cargo, observado nos
demais casos o que dispuserem os respectivos estatutos ou regimentos,
aprovados na forma da legislação vigente, ou conforme estabelecido pelo
respectivo sistema de ensino.” (Grifos nossos).
A primeira observação que tecemos diz respeito ao fato de que, embora seu título
pareça ser geral para qualquer espécie de IES, o artigo 1°, inciso I, determina alcance
118
restritivo da autonomia, exclusivamente, às instituições federais de ensino superior
(IFES)
73
. A respeito das instituições particulares de ensino superior (IPES)
69
, o inciso VII
define que a escolha de seus dirigentes obedecerá ao que estabelecem seus estatutos e
regimentos, concedendo, de fato, autonomia ao setor privado, e não apenas às
Universidades, como determina a CF/88, mas também aos estabelecimentos isolados de
ensino superior.
O primeiro desrespeito pode ser observado quando, no inciso I, é estabelecida pelo
governo, e não pela universidade, a maneira pela qual serão escolhidos o Reitor e o vice,
bem como a determinação da lista tríplice. Indica, assim, a origem do conteúdo a ser
votado (professores de dois níveis mais elevados da mara do Colegiado) e a forma (lista
tríplice organizada pelo colegiado e votação uninominal).
No que concerne ao inciso II, é nítida uma outra imposição governamental: a
observância na composição do colegiado de 70% de membros do corpo docente. Se o
bastasse a imposição, ainda é desrespeitado o princípio da paridade defendido pelos
movimentos representados pelas organizações de docentes, técnicos-administrativos e
estudantes. Observa-se, ainda, a intenção de manter, sob o controle do governo, as decisões
de natureza acadêmica interna a cada instituição, interferindo, inclusive, na composição do
Colegiados, em total desrespeito aos princípios da gestão democrática.
Ranieri (2000) entende, no entanto, que as IFES ou outras modalidades de
universidade pública não estão obrigadas à proporcionalidade apresentada, justamente “em
razão da autonomia administrativa que lhes garante o art. 207 da Constituição Federal,
assim procedendo apenas se julgarem oportuno e conveniente.” (p. 115). Concordamos
com o pensamento da autora, justamente porque, conforme analisamos, anteriormente, o
referido artigo é norma de aplicabilidade imediata, coercitiva e imperativa; o que está
disposto, na lei em análise, exorbita do campo assegurado, na Constituição.
Ressaltamos, no entanto, que o ANDES-SN tem denunciado situações em que
ocorreu o descumprimento desse percentual, por parte de algumas IFES, e o Ministério da
Educação não reconheceu o processo como legítimo, nomeando, inclusive, interventor para

73
Adotamos, aqui, a nomenclatura instituições federais de ensino superior e instituições particulares de
ensino superior e respectivas siglas IFES e IPES –, cunhadas pelo movimento docente representado pelo
ANDES-SN, cf. documentos políticos dessa entidade, disponíveis em www.andes.org.br .
119
restabelecer a “legalidade” na instituição. Além de outros casos, em que o Presidente da
República nomeou como Reitor o candidato que não obteve a maior votação, dentre outras
situações de intervenção e desrespeito à autonomia universitária, provocando reação da
comunidade acadêmica local.
74
O inciso III aparece no sentido de reforçar a vigência dos padrões anteriormente
estabelecidos, mesmo em caso de consulta prévia à comunidade universitária. Observa-se,
novamente, a intervenção do governo federal, nas IFES, ao definir, inclusive, o peso do
voto de cada membro da comunidade acadêmica, numa clara intenção de exercer o
controle sobre essas instituições e desrespeitando as decisões internas das mesmas. O
ANDES-SN (2004) observa que, nesse caso, há um impedimento de que as IFES escolham
seus dirigentes em processo democrático, definido no âmbito de cada instituição, onde
deveria esgotar-se. Assim, para que fosse atendido ao disposto na CF/88, deveriam ser
realizados congressos com a participação paritária de docentes, discentes e de técnicos-
administrativos, que deliberariam, por votação direta, visando livrar o processo de escolha
de dirigentes dos resquícios autoritários.
Os incisos IV e V, também, têm por escopo esclarecer que, mesmo no caso de
unidades universitárias federais, bem como de estabelecimento isolado de ensino superior,
independentemente de sua natureza jurídica (autarquia de regime especial, fundação etc.)
mas desde que mantidas pela União, o processo de escolha é o mesmo para todas. Os
incisos VI e VIII fazem outras determinações governamentais, no que se refere a casos
isolados, porém já previstos.
É, também, o governo que determina o prazo de permanência do dirigente das IFES
no poder, nos termos do parágrafo único. Além disso, mantém a autonomia, nos demais
casos entenda-se o caso das IPES, que devem obedecer ao que se encontra disposto nos
estatutos ou regimentos, e das instituições estaduais e(ou) municipais, que devem seguir o
que dispõem os respectivos sistemas de ensino.
Observa-se que o governo segue, desse modo, a ideologia neoliberal, ao respeitar o
art. 207, da CF/88, apenas em relação às IPES, concedendo autonomia de fato a essas
instituições, a fim de que possam estar livres para atuar no mercado educacional. No caso

74
Sobre o assunto ver: ANDES-SN (2003).
120
das universidades públicas federais, cria instrumentos normativos para manter o controle
sobre elas, com vistas a obrigá-las a seguir as determinações do governo central.
Antes de encerrar seu texto impositivo e nitidamente contrário ao disposto no art
207, da CF, ainda há um recado deixado pelo art. 2°, hoc sensu
75
:
Art. A recondução prevista no parágrafo único do art. 16 da Lei n.º 5.540, de
28 de novembro de 1968, a que se refere o art. desta Lei, será vedada aos
atuais ocupantes dos cargos expressos no citado dispositivo.
Referindo-se a que a recondução prevista se dá ex tunc, isto é, em caráter retroativo,
a lei começa a assumir seus efeitos vinculantes e erga omnes
76
, desde a sua vigência, não
importando o que se dispunha anteriormente a essa lei, mesmo a vigente na ocasião em que
os dirigentes tivessem sido escolhidos.
A autonomia decisória, na escolha de seus dirigentes e na validade do que es
disposto nos estatutos das universidades, passa a ser condicionada por essa lei ordinária
que, mesmo com tamanho atentado constitucional, não foi barrada, no controle
repressivo
77
, e passou a vigorar, no ordenamento jurídico.
Assim, para a consecução da autonomia pretendida, sob o discurso da flexibilização
da gestão, as universidades, diante da lei, são orientadas a retroceder na sua capacidade de
auto-gestão. Ao Estado brasileiro interessa (conforme se observa nessa lei) submeter os
dirigentes das instituições ao absoluto controle do Poder Executivo e restringir, no âmbito
das IES, mecanismos democráticos de decisão gestão e controle. (ANDES-SN, 2004b).
Sobre a questão da submissão, Ranieri (1994) discorre que a autonomia
administrativa é um instrumento que implica, necessariamente, a autonomia didático-
científica e a de gestão financeira e patrimonial, uma vez que interfere no direito de
legislação própria, inclusive na escolha de seus dirigentes:
A competência para legislar sobre o que lhe é próprio tem por escopo a
colmatação das áreas de peculiar interesse propositalmente o preenchidas pelo

75
Neste sentido.
76
Para todos.
77
Vide subseção referente ao “Controle de Constitucionalidade”, no Capítulo 4.
121
legislador (por determinação constitucional), com vistas à consecução de seus
objetivos institucionais. (p. 124).
Assim, o fresta, no texto constitucional, para que a autonomia seja burlada,
posto que o texto confere à universidade capacidade de autolegislar-se, para que, assim,
interprete situações jurídicas que lhes são próprias. O art. 207 não define tais situações
jurídicas; ele transfere às universidades o poder de decidir sobre o que é de interesse delas,
pois a universidade, como instituição, é quem sabe quais os objetivos que precisam ser
alcançados. Por isso, diz-se que o texto constitucional não determina o que deve ser feito
pela universidade e sim possibilita que esta decida, autonomamente, seus interesses
peculiares.
Diante do exposto, a Lei 9.192/95 nos conduz a uma reflexão sobre sua
semelhança aos períodos históricos ditatoriais vivenciados na história recente de nosso
país. Assim como nos reporta à necessidade que o poder público tem de definir quem serão
os “eleitos”, tendo em vista assegurar, dentro das universidades, a reprodução de padrões
excludentes e mercadológicos.
3.4 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a autonomia
universitária.
Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional.
Trata-se da primeira lei complementar estabelecida para a área de educação, pós-
CF/88, assim como uma das principais normas infraconstitucionais implementadas. A lei
complementar é uma espécie normativa que tem previsão de existência taxativamente
programada no texto constitucional – no caso, no art. 22, XXIV, como competência
privativa da União –, assim como a votação do projeto de lei pode ser aprovado com
maioria absoluta dos membros da casa do Congresso Nacional, por onde tramitar.
122
Ranieri (2000) nos auxilia a revisar o intenso processo de tramitação da LDB, na
Câmara dos Deputados (CD), até a atuação do Senado Federal, apologista dos interesses
governistas, que alterou significativamente o texto aprovado na primeira. Assim, o projeto
de lei 101/93
78
foi elaborado na Câmara dos Deputados, o que representou, na história
da educação no Brasil, a primeira iniciativa de um projeto de LDB oriundo da Poder
Legislativo. Enquanto isso, no Senado Federal (SF), ocorriam variações do mesmo tema,
dentre elas o projeto de autoria do senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ), diametralmente
oposto ao conteúdo do projeto da outra casa do Congresso Nacional (CN).
Nesse sentido, percebemos que tramitaram, em cada casa, dois projetos de LDB
divergentes, revelando interesses opostos da comunidade educacional e do governo. O
projeto substitutivo do Senado Federal estava, portanto, em sintonia com o modelo de
Estado neoliberal, seguido pelo governo FHC, cujo enfoque no ensino superior pautava-se
na premissa do Estado regulador e numa visão diferenciada de autonomia universitária.
Sobre isso, Rescia e Gentilini (2007) consideram que, no momento em que tomou
notoriedade, pelo Senado, a posição contrária do governo aos projetos da Câmara dos
Deputados e ao substitutivo Cid Sabóia”, o senador Darcy Ribeiro alegou
inconstitucionalidade daqueles projetos e “aproveitando-se das forças que o apoiavam,
apresentou substitutivo próprio, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do
Senado” (p. 28) a qual é responsável, também, pelo controle de constitucionalidade
repressivo.
Os autores acima referidos aduzem que
A atual LDB 9394/96 passou por processos de morosidade e apresentação de
substitutivos, o que desvirtuou a proposta original, construída de forma coletiva.
Evidencia-se, nesse processo, a recusa de elaboração de um projeto em que
prevalecesse o entendimento, o amplo debate com a comunidade educacional
organizada e a construção de consensos. (RESCIA; GENTILINI, 2007, p.23).

78
Em 15/12/88, Octávio Elísio, do PSDB de Minas Gerais, apresentou a primeira emenda de autor, seguida
da segunda (em 04/04/89), e da terceira (em 13/06/89). Em março de 1989, o deputado Ubiratan Aguiar
(PMDB-CE), então presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara, constituiu um
grupo de trabalho da LDB, sob a coordenação de Florestan Fernandes (PT-SP), tendo sido indicado relator
Jorge Hage (na época PSDB-BA). Ao projeto original foram anexadas sete propostas alternativas à de
Octávio Elíseo, para fixação das diretrizes e bases da educação nacional, e dezessete projetos tratando de
aspectos específicos correlacionados com a LDB, além de 978 emendas de deputados de diferentes partidos.
De tudo resultou o “substitutivo Jorge Hage”, aprovado na Comissão de Educação em 28/06/90, e por fim, no
Plenário da Câmara, em 13/05/93. (Cf. SAVIANI, 1997, p.57).
123
Nesses termos, negando a construção democrática, e valendo-se de mecanismos
políticos no interior do Senado Federal, entrou em vigência no governo FHC, a nova LDB,
acertadamente, somando-se como instrumento de reprodução dos interesses do Estado,
acordados com organismos internacionais.
Em sua natureza jurídica originária, a nova LDB, no art. 92, revogou todas as
disposições da antiga LDB e da Lei 5.540/68 (exceto seus artigos , , , , e 16):
“[...] ao invés de serem incorporados à lei 9.394/96, mantiveram-se vigentes os artigos 6°,
7°, 8°, e 16”; excetuam-se, também, as disposições alteradas pela Lei 9.192/95,
relativa à escolha dos dirigentes de universidades. A técnica adotada “é, no mínimo,
confusa, dificultando a menção a tais comandos e a análise do conjunto das disposições de
natureza diretivo-basilar.” (RANIERI, 2000, p.141).
Num panorama da lei, é possível encontrar uma série de terminologias distintas,
que parecem querer se referir à mesma coisa: educação superior. Segundo Lenza (2005),
essa indefinição dificulta a compreensão precisa do texto.
Sobre isso, Catani e Oliveira (2007, p.73) consideram que a LDB trazia em seu
bojo, seja pela omissão, seja pela flexibilidade de sua interpretação, possibilidades
múltiplas de concretização dos parâmetros e dos princípios da reforma iniciada [...]”, uma
vez que as lacunas jurídicas possibilitam diferentes interpretações que podem favorecer
ideais políticos dos governos, e, no caso da aludida lei, essas frestas facilitaram a edição de
outras espécies normativas que vêm conduzindo a reforma da educação superior,
amparadas pela LDB.
Para efeito dessa análise, serão destacados os artigos da lei que estão diretamente
relacionados à autonomia da universidade, no sentido de infringência da Lei Maior, ipsis
verbis.
A LDB em si é um importante marco para a sistemática jurídica de permissão da
coexistência entre instituições de ensino públicas e privadas. O artigo 45, a seguir
destacado, trata das modalidades de instituições que podem atuar no ensino superior
brasileiro.
124
Art. 45 A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior,
públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização.
(Regulamentado pelo Decreto 2.306/97).
Esse artigo estabelece uma idéia de que o princípio da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão, estabelecido no art. 207, da CF/88, pode ser alargado, posto
que, ao se referir a variados graus de abrangência”, margem para a formulação de
outras modalidades de IES, o que, inclusive, foi regulamentado pelo decreto acima
destacado. Tais IES não precisam, necessariamente, atuar com a premissa constitucional de
indissociabilidade.
Sem nos deter muito na norma regulamentadora citada (decreto), destacamos
alguns pontos que nos chamam atenção. O primeiro deles se refere ao fato de que o art. 8°,
do Decreto supracitado, classifica a organização acadêmica das IES em universidades,
centros universitários, faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas
superiores. Na verdade, aqui observamos que os centros universitários são uma forma
disfarçada de se referir às universidades de ensino. Daí a noção de autonomia flexível
encontrada.
Saviani (2007) relata sua indignação com o papel dos centros universitários,
afirmando que eles são de fato “uma universidade de segunda classe, que não necessita
desenvolver pesquisa [...] a fórmula encontrada para burlar o artigo 207 da Constituição
Federal.” (p.18).
Para De Paula (2006), os argumentos em prol da diversificação do ensino superior
brasileiro têm crescido cada vez mais, fazendo parte da atual política para esse nível de
ensino. Alega-se que a diversificação das IES que rompe com o pressuposto da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e com a universalidade de campos do
saber, como características que dão identidade às universidades – é pré-requisito para
atendimento de demandas diversas por ensino superior e para a democratização das
universidades. Defende-se a existência de instituições universitárias que se ocupem apenas
do ensino profissionalizante, sem preocupação com uma formação integral do aluno, o que
representa golpe no conceito tradicional de universidade enquanto instituição que alia a
pesquisa ao ensino, dedicando-se à pluralidade de campos de conhecimento e permitindo
ensino no sentido amplo do termo.
125
Essas iniciativas, ao invés de contribuírem para democratizar o ensino superior, na
verdade, apenas reproduzem e reforçam as desigualdades sociais, uma vez que os clientes
com menores recursos e informações, em geral, dirigem-se a cursos aligeirados, que
exigem menos investimento material e cultural, enquanto as elites dominantes continuam
chegando em maior quantidade aos cursos que o mais status profissional e exigem um
acúmulo maior de capital social e cultural. (De Paula, 2006).
Um outro ponto que merece destaque, neste estudo, trata do art. 13, do Decreto
2.306/97, que regulamenta o artigo 46, da LDB, e permite a intervenção do MEC nas IES,
o que representa situação de descrédito total à autonomia administrativa própria da
instituição.
Art. 46 A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o
credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados,
sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.
(Regulamentado pelo Decreto n. 2306/97).
§ 1 Após um prazo para saneamento de deficiências eventualmente identificadas
pela avaliação a que se refere este artigo, haverá reavaliação, que poderá resultar,
conforme o caso, em desativação de cursos e habilitações, em intervenção na
instituição, em suspensão temporária de prerrogativas da autonomia ou em
descredenciamento. (Regulamentado pelo Decreto n. 2306/97).
§ 2 No caso de instituição pública, o Poder Executivo responsável por sua
manutenção acompanhará o processo de saneamento e fornecerá recursos
adicionais, se necessários, para a superação das deficiências.
No art. 46, é tida a intromissão na autonomia universitária, visto que ele
condiciona a autorização e o reconhecimento de cursos e instituições a prazos limitados e
regulados por avaliação. Entra em cena a figura do Estado avaliador, que regula a ação das
IES aos condicionantes definidos exclusivamente pelo Estado.
A agravação da atuação do Estado avaliador aparece nos parágrafos seguintes, com
maior destaque para o § : nele, registra-se que, caso não seja cumprido o solicitado,
dentro do período aprazado, haverá uma reavaliação que, dependendo do resultado, poderá
culminar em desativação de cursos e habilitações, intervenção ou suspensão da autonomia!
Isso, também, acaba reforçando a competitividade, no interior do sistema de ensino
superior, além de aumentar a diversificação das IES.
Outras interferências na capacidade de auto-gestão das universidades, mas com
uma abertura para o mercado, pode ser observada no art. 47, da LDB, ao se referir aos
126
programas de educação à distância, de freqüência não obrigatória, que viraram verdadeiras
fábricas de diplomas e sinônimo de cifras para o setor privado.
Art. 47 Na educação superior, o ano letivo regular, independente do ano civil,
tem no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo
reservado aos exames finais, quando houver.
§ 1 As instituições informarão aos interessados, antes de cada período letivo, os
programas dos cursos e demais componentes curriculares, sua duração,
requisitos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios de
avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições.
§ 2 Os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos,
demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos,
aplicados por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração de
seus cursos, de acordo com as normas dos sistemas de ensino.
§ 3 É obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo nos programas de
educação a distância.
Catani e Oliveira (2007, p.78) identificam, nesse artigo, algumas obrigatoriedades
impostas às universidades. São elas: “a obrigação das IES publicarem, antes de cada
período letivo, as informações básicas dos cursos oferecidos” ); “a abreviação da
duração dos cursos para alunos com extraordinário aproveitamento dos estudos” ); “a
obrigatoriedade da oferta de cursos noturnos em instituições publica, com qualidade e
garantida a previsão orçamentária” ). Tais obrigatoriedades objetivam o controle da
oferta desse nível de ensino pelo MEC, que, de fato, deve exercer o papel de fiscalizador
do ensino ofertado em IES privadas, na medida em que essas são concessão do Estado. No
entanto, quando se trata das universidades públicas, é evidente a existência de uma clara
intervenção na autonomia definida no art.207, da CF/88.
A autonomia, enquanto princípio, é limitada por uma série de condicionalidades,
como pode ser observado nos artigos 53 e 54, verba legis:
Art. 53 No exercício de sua autonomia, o asseguradas às universidades, sem
prejuízo de outras, as seguintes atribuições:
[...]
V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as
normas gerais atinentes;
[...]
X - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira
resultante de convênios com entidades públicas e privadas.
Parágrafo único: Para garantir a autonomia didático-científica das universidades,
caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos
orçamentários disponíveis, sobre:
[...] Art. 54.
127
§ 1 No exercício da sua autonomia, além das atribuições asseguradas pelo
artigo anterior, as universidades públicas poderão:
[...]
(Grifos nossos).
O artigo 53 estabelece uma lista das atribuições reservadas às universidades, no
exercício de sua “autonomia”. Fixando vagas, currículos, planos, projetos, conferência de
graus e diplomas, aprovação de planos de investimento e a capacidade para assinar
convênios e acordos de cooperação, determina que todas as decisões devem ser tomadas
pelos órgãos colegiados, inclusive no que diz respeito ao estabelecimento de seus planos de
carreira e contração e dispensa de professores. Reportemo-nos, agora, ao art. 207, na
perspectiva jurídica constitucional, conforme analisado no Capítulo 2: norma auto-
aplicável não requer regulamentação nenhuma, tampouco que verse sobre seu conteúdo e
alcance. A idéia desse artigo, quando se vale da expressão “sem prejuízo de outras”, é a de
induzir o intérprete a erro, na perspectiva de não configurar-se como oposto ao art. 207,
mesmo sendo-o.
Portanto, conforme discute Otranto (2006 b), a autonomia é vista, nessa lei, como
liberdade para captação de recursos e atendimento ao mercado. Essa é a autonomia
neoliberal, marcada pela concentração de poderes, no governo, via fixação de normas e
critérios, desobrigando o Estado do financiamento do ensino superior público.
Por sua vez, o art. 54 estabelece que “as universidades oficiais terão um estatuto
jurídico especial, na forma da lei”. Segundo Catani e Oliveira (2007), esses dispositivos
contrariam a Constituição Federal, de 88, em seu art. 39, que estabelece o Regime Jurídico
Único.
Art. 54 As universidades mantidas pelo Poder Público gozarão na forma da lei,
de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura,
organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de
carreira e do regimento jurídico do seu pessoal. (Regulamentado pelo Decreto n.
2306/97).
§ 1 No exercício da sua autonomia, além das atribuições asseguradas pelo artigo
anterior, as universidades públicas poderão:
[…]
§ 2 Atribuições de autonomia universitária poderão ser estendidas a instituições
que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base na
avaliação realizada pelo Poder Público.
128
No § , verifica-se uma contradição, que nos induz ao questionamento: que
exercício de autonomia é esse que se submete à interferência, a dizer o que as
universidades poderão fazer? Além disso, as atribuições lidas ipsis literis como
“asseguradas”, induzem a aberratio
79
de interpretação, quando, na verdade, a hermenêutica
aponta o seu real significado: “asseguradas”, nesse sentido, significa “determinadas”.
Se isso não bastasse, o § determina que “a atribuição da autonomia universitária
poderá ser estendida às instituições que comprovem alta qualificação para o ensino e para a
pesquisa, com base em avaliação realizada pelo poder público”. Suprimida fica a extensão,
assim como a individualidade do donatário do princípio, que passa a ser concedido à
instituições não universitárias. Isso, com base na determinação do Estado avaliador.
Observa-se, portanto, que as políticas oficiais para as universidades, aqui
materializadas via norma jurídica no caso, a LDB, confundem, propositadamente,
conforme apresenta De Paula (2006), autonomia com privatização, terceirização e
submissão à lógica do mercado. Mais que isso, colocam como contrapartida para a
conquista da autonomia e dos recursos estatais o desempenho da universidade,
mensurando-a, sobretudo através de processos de avaliação externa e quantitativa, o que
configura uma intervenção cada vez maior do Estado sobre as IES.
O ANDES-SN (2004) considera que a proposta de avaliação apresentada na LDB é
de natureza geral, elaborada por especialistas, “de cima para baixo”, sem referência ao
projeto acadêmico global de cada instituição e ao contexto social. Trabalha-se com índices
quantitativos e descontextualizados, vinculados ao financiamento das instituições,
objetivando fazer ranking e, com este, fundamentar critérios para a alocação de recursos.
No art. 56, encontramos mais uma intervenção do governo na gestão das
universidades, ao assim estabelecer:
Art. 56 As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da
gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos,
de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.
Parágrafo único: Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento
dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem

79
Erro
129
da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha
de dirigentes. (Grifos nossos).
Aqui, é possível observar que a LDB não apenas aprova o disposto na lei de escolha
de dirigentes universitários (ordinária) como também a aprofunda, nos termos de uma lei
complementar à CF/88. Ocorre, ainda, que a LDB não se apresentou de forma contrária às
medidas impositivas daquela lei, não estabeleceu critérios que permitissem a consecução
da autonomia; ela simplesmente se calou e recepcionou como bem vinda” a lei 9.192/95.
Isso representa que a autonomia de gestão, preconizada no art. 207, é ferozmente
lesionada. A segurança jurídica garantida constitucionalmente, em uma norma de eficácia
plena, é ignorada numa norma inferior, de natureza regulamentar.
Se o art. 207 fosse respeitado, nenhuma universidade, sob nenhuma hipótese, seria
obrigada a atender a proporcionalidade de 70% de ocupação pelos docentes, nos assentos
de cada órgão colegiado e comissão. As universidades teriam liberdade para decidir,
internamente, assuntos que lhe são peculiares, inclusive a definição paritária na
composição de seus órgãos colegiados deliberativos. Afinal, a quem interessa esse
percentual pré-concebido se não ao desejo de governos de controlar as decisões internas
das universidades, por meio de uma norma jurídica nitidamente autoritária?
Chauí (2001) considera que a prática capitalista concebe e exerce a administração
como um conjunto de espécies normativas gerais e abstratas e, portanto, passíveis de
aplicação a qualquer instituição social. Assim, tem origem o que ela chama tecnocracia,
como “prática que julga ser possível dirigir a universidade segundo as mesmas normas e os
mesmos critérios com que se administra uma montadora de automóveis ou uma rede de
supermercados.” (p.196), sendo a educação superior um sistema que requer para o seu bom
funcionamento a eficácia administrativa. Seguindo essa linha de pensamento,
consideramos que a luta da universidade para tomar suas próprias decisões implica a
materialização do art. 207, da CF/88, para que a universidade possa, efetivamente, seguir
normas internas fruto de decisões democráticas, negando padrões gerenciais e dependentes
de atos do Poder Executivo.
Por fim, o art. 57 determina que:
130
Art. 57. Nas instituições públicas de educação superior, o professor ficará
obrigado ao mínimo de oito horas semanais de aulas.
Segundo Oliveira e Adrião (2007), esse artigo impõe aos professores ministrar, nas
IES públicas, o mínimo de oito horas semanais de aula, reforçando o ensino, na graduação,
em detrimento da pesquisa. Observa-se, aqui, que, apesar de a LDB ser considerada, pelos
analistas, uma lei “enxuta” e genérica, esse artigo entra num vel de detalhamento que
destoa do restante do texto legal. Por que interessa ao legislador estabelecer a carga horária
mínima de aulas dos docentes? Não caberia à própria universidade estabelecer a
distribuição de carga horária de trabalho dos professores, por meio de suas resoluções
internas? Fica evidente, nesse artigo, que se trata de uma intervenção grave na autonomia
didático-científica das universidades.
Como se pode observar, ao longo desta análise, a LDB sugere uma reforma
universitária estruturada em torno, principalmente, de dois eixos: avaliação e autonomia.
Autonomia, neste caso, associada à idéia de flexibilização, fazendo com que as
universidades passem a responder por um conjunto de atribuições determinadas ou
liberadas pelo Estado, e este, por seu turno, tornando-se cada vez mais desobrigado de
financiar o ensino superior.
Sobre a LDB, Ranieri (2000, p.142) considera que
[...] a regulamentação de tantos atributos, definindo formas de atuação e
procedimentos, vem sendo feita por decretos, portarias e instruções baixadas
pelo Poder Executivo Federal, por meio do Ministério da Educação. O problema
dessa estratégia está na excessiva concentração de poderes no âmbito do poder
público federal, com perigoso potencial para a organização federativa [...].
Fica evidente o caráter centralizador da lei em tese, materializado pelos
mecanismos jurídicos referenciados, de forma impositiva pelo governo federal.
Segundo Catani e Oliveira (2007), a LDB constituiu-se em marco de referência
para o início do processo de reestruturação da educação superior, no Brasil. Segundo esses
autores, ela traz, explícita ou implicitamente, uma nova forma de ação e de relacionamento
entre Estado e IES, especialmente as públicas, na qual o Estado assume papel destacado no
controle e na gestão de políticas para o setor (ferindo o princípio da autonomia), sobretudo
por meio de mecanismos de avaliação. Por outro lado, estabelece uma nova maneira de
131
conceber a produção do trabalho acadêmico e o atendimento às demandas da sociedade,
que tomam por referência os sinais de mercado como norte para o processo de
reestruturação. A LDB é o instrumento legal que melhor expressa os parâmetros e a
lógica de reestruturação da educação superior implementada pelo governo FHC [...].” (p.
74).
Corroborando essa análise sobre a LDB, Oliveira e Adrião (2007, p.83) afirmam
que essa lei
[...] promoveu a completa reestruturação da educação superior no país, em um
processo que restringiu (e metamorfoseou) a atuação da esfera pública e ampliou
a ão do setor privado, alterando de maneira significativa a identidade das IES,
procurando tornar a educação um bem ou produto”, que os “clientes” adquirem
no mercado universitário.
Assim, serviu como base para o processo de reforma da educação superior, no
atendimento ao projeto de Estado seguido pelo Brasil em seus governos, não interessando
se representa um atentado constitucional, distante da tão preceituada premissa fumus boni
juris
80
.
3.5 Leis que regulam a avaliação da educação superior e incidem sobre a
autonomia da universidade.
Duas leis, aprovadas em 1995 e em 2004, respectivamente, tratam da regulação da
avaliação da educação superior: a Lei 9.131/1995, que altera dispositivos da lei .
4.024, de 20 de dezembro de 1961, e outras providências, e a Lei 10.861/2004, que
institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SINAES e outras
providências.

80
Praticamente, todos os doutrinadores do direito constitucional utilizam essa expressão, quando querem se
referir a um direito que não se desvirtua, referindo-se à fumaça do bom direito como aquele indício de que a
lei sinaliza a constitucionalidade.
132
Trata-se de duas espécies normativas classificadas como leis ordinárias, logo, o
previstas pela CF/88. A análise desses dispositivos legais se dará de forma conjunta, visto
se referirem a um mesmo objeto: a avaliação da educação superior.
A primeira lei que ficou conhecida como a “lei do ‘provão’” e assim passamos a
nos referir a ela, daqui por diante – regulamentou a avaliação do ensino superior, no
período de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. A segunda foi elaborada e
aprovada pelo governo Lula da Silva, conhecida com a lei do SINAES, que também passa
a ser assim referida.
Embora apresentem suas especificidades, nossa intenção, ao uni-las para análise, é
a de buscar seus traços em comum que refletem o Estado regulador que vem sendo
materializado, nos últimos governos, sob a perspectiva da avaliação como meio de controle
da educação superior. O enfoque aqui dado a elas não abrange as questões minuciosas da
avaliação, e sim como essas normas se dispõem de forma contrária ao art. 207, da CF/88.
A lei do provão” é anterior à LDB, e veio, com seu total de nove artigos, para
alterar os artigos , , e , da lei 4.024/1961, que dispunha sobre as diretrizes e
bases da educação nacional então vigente.
Vejamos, por exemplo, o antes e o depois do art. , da antiga lei de diretrizes e
bases:
Art. O Ministério da Educação e Cultura exercerá as atribuições do Poder
Público Federal em matéria de educação.
Parágrafo único. O ensino militar será regulado por lei especial.
Art. O Ministério da Educação e do Desporto exerce as atribuições do poder
público federal em matéria de educação, cabendo-lhe formular e avaliar a
política nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo
cumprimento das leis que o regem. (Redação dada pela Lei n° 9.131, de 1995).
§ No desempenho de suas funções, o Ministério da Educação e do Desporto
contará com a colaboração do Conselho Nacional de Educação e das maras
que o compõem. (Incluído pela Lei n° 9,131, de 1995).
Do exposto acima, é possível perceber a principal intenção traduzida na lei do
provão”: centralizar, no Estado, o controle da formulação e da avaliação da política
nacional de educação, tendo no Conselho Nacional de Educação um forte aliado, para
133
tanto, de vez que o regimento interno desse Conselho carecia de aprovação pelo Ministério
da Educação
81
.
No que concerne ao art. 9°, da antiga LDB, fazemos os seguintes destaques, a partir
da “lei do provão”:
§ São atribuições da Câmara de Educação Superior: (Redação dada pela Lei
n° 9.131, de 1995).
a) analisar e emitir parecer sobre os resultados dos processos de avaliação da
educação superior;(Incluída pela Lei 9.131, de 1995) (Revogada pela Lei
10.861, de 2004).
[...]
e) deliberar sobre as normas a serem seguidas pelo Poder Executivo para o
credenciamento, o recredenciamento periódico e o descredenciamento de
instituições de ensino superior integrantes do Sistema Federal de Ensino, bem
assim a suspensão de prerrogativas de autonomia das instituições que dessas
gozem, no caso de desempenho insuficiente de seus cursos no Exame Nacional
de Cursos e nas demais avaliações conduzidas pelo Ministério da Educação;
f) deliberar sobre o credenciamento e o recredenciamento periódico de
universidades e centros universitários, com base em relatórios e avaliações
apresentados pelo Ministério da Educação, bem assim sobre seus respectivos
estatutos;
g) deliberar sobre os relatórios para reconhecimento periódico de cursos de
mestrado e doutorado, elaborados pelo Ministério da Educação e do Desporto,
com base na avaliação dos cursos; (Incluída pela Lei n° 9.131, de 1995).
[...] (Grifos nossos).
Foi criada uma Câmara de Educação Superior, com atribuições concernentes,
também, à avaliação da educação superior, e o § , desse artigo, determinava quais as
atribuições dessa Câmara. Até 2004 inclusive na vigência da nova LDB vigorou a
alínea a, que atribuía ao Conselho o poder de analisar e emitir parecer sobre os resultados
da avaliação realizada. Na alínea e, aparece um grave atentado ao art. 207, da CF/88, pois
permite inferir que uma das atribuições da Câmara está fundada no seu poder de suspender
a autonomia das universidades que o se encaixassem nos critérios avaliativos do exame
implantado, assim como em qualquer outra avaliação realizada pelo Ministério da
Educação. Na alínea f, é delegada ao CNE a definição do credenciamento e
descredenciamento das universidades, bem como a aprovação de seus estatutos, numa clara
intervenção na autonomia dessas. As alíneas seguintes continuam a interferir sobre a
autonomia de que gozam as universidades, com base nos mesmos critérios acima referidos.

81
Cf. Art. 7 º, alínea g, da lei nº 4.024, de 1961.
134
Cabe destacar, então, que a LDB (Lei nº 9.394/96) recepcionou a vigência dessa lei,
tal qual fez com relação à lei de escolha dos dirigentes universitários, uma vez que esse
modelo avaliativo vigorou, desde a sua publicação até o ano de 2003.
No art. , da “lei do provão”, encontramos o objetivo desta, quanto à avaliação,
postulado em “realizar avaliações periódicas das instituições e dos cursos de nível superior,
fazendo uso de procedimentos e critérios abrangentes dos diversos fatores que determinam
a qualidade e a eficiência das atividades de ensino, pesquisa e extensão.” E no § 1º,
encontramos o esclarecimento atinente aos procedimentos adotados:
§ Os procedimentos a serem adotados para as avaliações a que se refere o
caput incluirão, necessariamente, a realização, a cada ano, de exames nacionais
com bases nos conteúdos nimos estabelecidos para cada curso, previamente
divulgados e destinados a aferir os conhecimentos e competências adquiridos
pelos alunos em fase de conclusão dos cursos de graduação.
Uma das maiores afrontas ao art. 207, encontramos no § ,do art. , in verbis: §
A realização de exame referido no § deste artigo‚ condição prévia para obtenção do
diploma, mas constará do histórico escolar de cada aluno apenas o registro da data em que
a ele se submeteu.”.
Nesse sentido, todos os alunos concluintes de cursos de nível superior eram
obrigados a prestar o exame, e a universidade, por conseqüência, era obrigada a não aplicá-
lo aos que se negassem a participar de tal exame. Eis aqui a afronta à autonomia, posto que
uma lei determinava como a universidade deveria proceder, ferindo, inclusive, os
regimentos internos das universidades, que estabelecem os critérios de avaliação e de
integralização curricular necessários para obtenção dos diplomas pelos alunos.
Essa medida autoritária do governo provocou a reação das organizações estudantis
que promoveram “boicotes” às provas e, inclusive, ingressaram com ações junto à justiça
questionando a legalidade dessa lei. Os estudantes afirmavam que o ranqueamento criado
com o Provão estimulava a expansão do ensino privado assim como prejudicava
diretamente o aluno, que era obrigado a ter a nota do exame em seu diploma.
135
Em abril de 2004, no governo Lula, uma nova lei de avaliação da educação
superior é editada, criando o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(SINAES).
O SINAES tem por objetivo conduzir o processo de avaliação das instituições de
ensino superior, dos cursos de graduação e do desempenho estudantil. Trata-se da
continuidade da reforma da educação superior, com vistas ao fortalecimento de
mecanismos de controle do atual governo sobre as instituições.
O art. traz como finalidade da avaliação “o aumento da eficácia institucional e
efetividade acadêmica e social”, ficando explícito que a avaliação é utilizada com vistas à
restrição da autonomia e ao controle de resultados. A finalidade, na verdade, é a medição
da eficácia e da eficiência, demonstrando a produtividade na utilização dos recursos
recebidos. A qualidade, por conseguinte, será medida, quantitativamente, por meio de
indicadores de produtividade institucional, que servirão de base para os repasses
orçamentários e os processos de credenciamento, como se observa no art. parágrafo
único, in verbis:
Art. 2º O SINAES, ao promover a avaliação de instituições, de cursos e de
desempenho dos estudantes, deverá assegurar:
Parágrafo único. Os resultados da avaliação referida no caput deste artigo
constituirão referencial básico dos processos de regulação e supervisão da
educação superior, neles compreendidos o credenciamento e a renovação de
credenciamento de instituições de educação superior, a autorização, o
reconhecimento e a renovação de reconhecimento de cursos de graduação.
O desempenho da universidade medido, sobretudo, através de processos de
avaliação externa quantitativa funciona como contrapartida para a conquista de recursos
estatais, o que pode configurar um controle político do Estado sobre as universidades.O
Estado regulador não é, no entanto, executor, e a autonomia universitária é sujeita às ações
de governos no sentido de credenciar, recredenciar, normalizar.
O art. trata das dimensões institucionais que, obrigatoriamente, devem estar
presentes nas IES e que serão objeto de avaliação. Dentre elas, destacam-se, no inciso III, a
responsabilidade social e inclusão social, e, no inciso X, a sustentabilidade financeira.
Esses termos são oriundos da cultura de mercado e entendidos como forma de
136
desresponsabilização do poder público, obrigando as IES a buscar recursos em outras
fontes, materializando a mercantilização da educação, conforme postulado:
Art. A avaliação das instituições de educação superior terá por objetivo
identificar o seu perfil e o significado de sua atuação, por meio de suas
atividades, cursos, programas, projetos e setores, considerando as diferentes
dimensões institucionais, dentre elas obrigatoriamente as seguintes:
[...]
III - a responsabilidade social da instituição, considerada especialmente no que
se refere à sua contribuição em relação à inclusão social, ao desenvolvimento
econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da
produção artística e do patrimônio cultural;
[...]
X - sustentabilidade financeira, tendo em vista o significado social da
continuidade dos compromissos na oferta da educação superior.
Isso representa que as IES ficam condicionadas a realizar aquilo que é de interesse
do Estado, em detrimento de sua autonomia. Além disso, deixa a noção de sustentabilidade
financeira em destaque, como obrigação da IES e não do Estado.
O art. trata da avaliação de desempenho dos estudantes dos cursos de graduação,
mediante a aplicação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE).
Trata-se de um exame obrigatório, a ser realizado em dois momentos: no início e no final
do curso, ex legis:
Art. A avaliação do desempenho dos estudantes dos cursos de graduação será
realizada mediante aplicação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
- ENADE.
[...]
§ O ENADE se aplicado periodicamente, admitida a utilização de
procedimentos amostrais, aos alunos de todos os cursos de graduação, ao final do
primeiro e do último ano de curso.
[...]
§ O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação,
sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular
com relação a essa obrigação, atestada pela sua efetiva participação ou, quando
for o caso, dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na forma estabelecida
em regulamento.
§ Será responsabilidade do dirigente da instituição de educação superior a
inscrição junto ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
AnísioTeixeira - INEP de todos os alunos habilitados à participação no ENADE.
§ A não-inscrição de alunos habilitados para participação no ENADE, nos
prazos estipulados pelo INEP, sujeitará a instituição à aplicação das sanções
previstas.
137
§ A avaliação do desempenho dos alunos de cada curso no ENADE será
expressa por meio de conceitos, ordenados em uma escala com 5 (cinco) níveis,
tomando por base padrões mínimos estabelecidos por especialistas das diferentes
áreas do conhecimento.
[...]
§ 10º Aos estudantes de melhor desempenho no ENADE o Ministério da
Educação concederá estímulo, na forma de bolsa de estudos, ou auxílio
específico, ou ainda alguma outra forma de distinção com objetivo similar,
destinado a favorecer a excelência e a continuidade dos estudos, em nível de
graduação ou de pós-graduação, conforme estabelecido em regulamento.
O § mantém a mesma concepção produtivista e punitiva de avaliação. O Exame
tem um caráter de punição/premiação e é considerado componente curricular obrigatório (§
), devendo constar no histórico escolar do aluno. Nos parágrafos e , observamos
outras imposições direcionadas aos dirigentes, e as penalidades que lhes serão aplicadas
em razão do não cumprimento da imposição. Os resultados serão expressos em escala de
cinco níveis e encaminhados aos alunos e às instituições ). Esses resultados poderão
ser utilizados nos processos seletivos para emprego, cursos de pós-graduação, além de
garantir distinções e estímulos aos alunos que obtiverem melhor desempenho (§ 10º).
Por fim, analisemos conjuntamente os artigos , e 10. Em linhas gerais, eles
apresentam uma série de imposições sobre as ações da universidade, na operacionalização
do sistema, o que interfere na autonomia das universidades.
No art. , vemos que a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior
(CONAES) submete ao MEC a aprovação de suas ações. E no art. , ela determina o
abono de faltas às IES. No art. 10, aparecem as determinações a serem adotadas, no caso
de resultados insatisfatórios, previstas no protocolo de compromisso, e, em caso de
descumprimento do ordenado, já vêm determinadas as sanções cabíveis, assegurado o
contraditório e a ampla defesa.
Art. Fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação e vinculada ao
Gabinete do Ministro de Estado, a Comissão Nacional de Avaliação da Educação
Superior – CONAES, órgão colegiado de coordenação e supervisão do SINAES,
com as atribuições de:
[...]
V submeter anualmente à aprovação do Ministro de Estado da Educação a
relação dos cursos a cujos estudantes será aplicado o Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes - ENADE;
Art. 7º A CONAES terá a seguinte composição:
138
[...] § 5º As instituições de educação superior deverão abonar as faltas do
estudante que, em decorrência da designação de que trata o inciso IV do caput
deste artigo, tenha participado de reuniões da CONAES em horário coincidente
com as atividades acadêmicas.
[...]
Art. 10. Os resultados considerados insatisfatórios ensejarão a celebração
deprotocolo de compromisso, a ser firmado entre a instituição de educação
superior e o Ministério da Educação, que deverá conter:
[...]
§ O descumprimento do protocolo de compromisso, no todo ou em parte,
poderá ensejar a aplicação das seguintes penalidades:
I suspensão temporária da abertura de processo seletivo de cursos de
graduação;
II cassação da autorização de funcionamento da instituição de educação
superior ou do reconhecimento de cursos por ela oferecidos;
III advertência, suspensão ou perda de mandato do dirigente responsável pela
ação não executada, no caso de instituições públicas de ensino superior.
Assim como o provão”, o ENADE desconsidera o reconhecimento conferido pelo
próprio Ministério de Educação às instituições de ensino superior para avaliarem seus
alunos e emitirem diploma dos que forem aprovados. Essa medida retira a autoridade e a
autonomia das instituições de ensino superior para avaliarem o nível de conhecimento de
seus alunos, o que caracteriza, no mínimo, uma situação anômala. Assim, incide no
autoritarismo burocrático, ao ferir a desejada autonomia universitária (artigo 207, da
Constituição Federal).
O objetivo é controlar o credenciamento das instituições de ensino superior e,
dependendo dos resultados obtidos pelos alunos, desativar cursos e reduzir o repasse de
verbas. O ENADE/SINAES representa a vitória final da avaliação externa sobre a auto-
avaliação autônoma. Elaborada e conduzida pelo governo, através dos formulários da
política para o ensino superior, a avaliação realizada por esse Sistema é aquela contra a
qual a comunidade universitária sempre lutou, é desvinculada da realidade institucional,
sem contar que uma ou duas provas de conteúdo dificilmente serão capazes de avaliar uma
vivência de formação de quatro ou cinco anos, em média.
Para Otranto (2006b), o SINAES reforça o modelo adotado pelo Estado brasileiro
de ente regulador, fortalecendo os mecanismos de controle daquele sobre as IES, e, dessa
forma,
139
O SINAES atinge, então, o seu objetivo de regular e ajustar a educação superior
brasileira às exigências de avaliação inseridas nos documentos emanados dos
organismos internacionais, de forte cunho quantitativo e competitivo entre as
instituições. (OTRANTO, 2006b, p. 51).
Ambos os programas representam o Estado regulador que adota a avaliação no
sentido de controlar resultados e valores de mercado: representam programas de avaliação
que, por seu turno, representa verificação vertical, no sentido decrescente, baseados
aqueles num formato gerencialista e individualizado
A avaliação institucional precisa ser vista como um processo contínuo de
aprimoramento, uma vez que um modelo de avaliação que se orienta por rankings se vale
de instrumentos desarticulados e se ocupa da busca de produtos finais. Transformam-se em
modelos que fortalecem a competição e os interesses individuais.
Segundo Dourado (2002), a política de avaliação adotada pelos últimos governos
declaram de forma incisiva a centralização diretiva como um eixo fundamental das
políticas públicas e
[...] vincula-se às mudanças econômicas e políticas mais amplas, indicando
horizontes e perspectivas sociais, ideológicas e gestionárias desses processos. Na
contramão de um processo avaliativo emancipatório, indutor do desenvolvimento
institucional, as políticas de avaliação da educação superior no Brasil buscam a
padronização e a mensuração da produção acadêmica voltada, prioritariamente,
para as atividades de ensino. (p. 244).
Assim, as políticas de avaliação adotadas configuram o Estado regulador, que burla
o art.207, da CF, visando ampliar o seu poder de controle para atender ao mercado com a
diversificação e a diferenciação da educação superior.
Para Sader (in MESZAROS, 2005), o modelo de Estado que desconhece a
autonomia, confere à educação o status de mercadoria, o que explica a crise que vivida
pela esfera pública que é vassala do “reino do capital”, de vez que “Uma sociedade que
impede a emancipação pode transformar os espaços educacionais em shopping centers,
funcionais à sua lógica do consumo e do lucro.” (p. 16) .
Finalizando esta análise, concordamos com Dias Sobrinho (2004), para o qual o
conflito, vivenciado pela avaliação, entre o controle e o acompanhamento não deve
140
representar negação de um em detrimento do outro, posto que são complementares. O que
não se pode admitir, no entanto, é que predomine o controle, como argumenta o autor
citado:
O controle, quando isolado, é insuficiente, conservador, pode ser autoritário e
não favorece a autonomia. É uma intervenção fechada, terminada em si mesmo,
centrada sobre um objeto desligado de seu contexto, ou sobre produtos, sem
processos.[...], o controle apresenta a norma como naturalmente válida e
inquestionável. Em geral, os critérios, procedimentos e instrumentos do controle
são determinados externamente, obedecendo à lógica dos organismos e das
agências de regulação e financiamento. (DIAS SOBRINHO, 2004, P.723).
Daí entendermos que a relação a ser estabelecida entre avaliação e autonomia
universitária deve ser encarada não como execução de uma em oposição à outra, mas como
uma relação de simultaneidade processual.
***
Passemos, no Capítulo seguinte, a tratar da perspectiva do financiamento da
educação superior, na CF/88, analisando algumas espécies normativas que dispõem de
forma oposta à Lei Magna.
141
CAPÍTULO 4.
O FINANCIAMENTO E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.
A política de focalização na área educacional se
manifestou por meio da priorização dos recursos do fundo
público para o atendimento do ensino fundamental,
reduzindo os investimentos públicos no ensino superior,
que se torna aberto aos investimentos privados,
transformando o saber em mercadoria.
(CHAVES, 2005)
O financiamento destinado à educação configura-se como um elemento
fundamental do Estado democrático de direito. A garantia de financiamento público para a
educação, em todos os seus níveis, constitui condição necessária para a efetivação desse
direito social, universal; e, portanto, dever do Estado (CHAVES, 2006). Este capítulo tem
por objetivo realizar a análise legislativa das normas que regulamentam a educação
superior, no que concerne ao financiamento desse nível de ensino.
Interessa-nos investigar como algumas normas infraconstitucionais interferem
sobre o financiamento da educação superior e representam a forma pela qual o Estado
brasileiro vem materializando, no plano legal, as políticas públicas para a educação
superior.
Para tanto, iniciaremos o capítulo apresentando um estudo dos artigos da CF/88 que
definem a responsabilidade do Estado brasileiro pelo financiamento da educação, com
ênfase no nível superior. Em seguida, analisamos como as normas infraconstitucionais
aprovadas pós-CF/88 postulam contra legem mater, para atender a interesses
governamentais na implementação do Estado neoliberal.
Diante das constatações alcançadas, apresentamos, com aporte na CF/88, ao final
do capítulo, uma “válvula de escape”, sobre como proceder, na esfera judicial, quando uma
norma exorbita da competência estatuída pela norma que lhe é hierarquicamente superior,
na tentativa de reinstalar, no plano legal, a segurança jurídica e a supremacia da
142
Constituição. Trata-se do controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais,
em vigência no ordenamento jurídico, mas dotadas do vício da inconstitucionalidade.
4.1 O financiamento da educação superior no texto constitucional de 1988.
Atualmente, o tema do financiamento é uma matriz para a formulação e a
implementação de políticas públicas, posto que o referido tema delimita o grau de
cobertura feito pelo poder público e a qualidade dos serviços ofertados.
Resgatando as fontes históricas constitucionais, apresentadas no Capítulo 2,
constatamos que o papel do Estado, no financiamento da educação, apresentou avanços e
retrocessos, de acordo com os interesses assumidos por cada governo, que ecoam desde a
primeira vinculação de impostos, na Carta de 1934, e sua supressão, na CF seguinte
(1937), para a posterior vinculação, em 1946, pós-ditadura Vargas, seguida de seu
expurgo, na Carta de 1967, da ditadura militar, somente vindo a ser restabelecida, como
vinculação, por meio da Emenda Constitucional n° 24, em 1983. Em 1988, a CF contempla
a manutenção da vinculação anterior, relativa aos estados e municípios, em 25% , e
expande a obrigação da União de 13% para 18% dos impostos arrecadados.
Nesse sentido, a forma do financiamento está condicionada à existência de marcos
jurídicos estatais, em cada contexto histórico, que definem princípios; normalizam a
convivência entre os entes que compõem a federação e suas respectivas áreas de atuação,
bem como propiciam o estabelecimento de relações nas esferas pública e privada. O
modelo de Estado assumido pelo país é fundamental para perceber como estará
direcionado o financiamento da educação.
Levando em conta essa realidade, pretendemos desenvolver algumas reflexões
sobre o atual debate do financiamento da educação superior, no Brasil, previsto na
Constituição Federal de 1988, nos artigos 195, 206, 211, 212 e 213, que foram
143
analisados, no Capítulo 2, subseção 2.3, com exceção do art. 195
82
, que, embora não seja
atinente à educação superior, sobre ela acabou incidindo.
Para Amaral (2003), depois da promulgação da CF/88, aconteceram muitas
mudanças na educação superior brasileira, como reflexo da adequação às tendências
difundidas pelo Estado neoliberal. Assim as instituições passaram a ser diferenciadas: as
IPES foram ampliadas; as fontes de financiamento diversificadas – inclusive, com o
direcionamento das Instituições de Ensino Superior (IES) ao mercado, o financiamento
ficou condicionado a “bons resultados” diante do Estado controlador. Além disso, a
transferência de recursos públicos à esfera privada assume um contorno jamais visto,
especialmente, nos últimos governos.
O art. 206, inciso V, outorga o princípio de gratuidade do ensino público, em
estabelecimentos oficiais. Nesse sentido, a previsão normativa referente à atuação do
Estado não pode perder a referência da função pública das entidades estatais; deve
compreender o ensino superior público como um espaço diferente do ensino superior
privado, que com este não se coaduna, no que concerne ao financiamento. Partindo dessa
premissa, o financiamento da educação superior deve estar em consonância com os
princípios constitucionais da isonomia e da gratuidade, que conferem, também, à
universidade pública sua preservação como tal instituição. A ferida no princípio da
gratuidade atinge, “por tabela”, o princípio da isonomia (art.5°), explicado por Moraes
(2004, p.66): “A igualdade de direitos prevista infere que todos os cidadãos têm o direito
de tratamento idêntico pela lei [...], dessa forma, o que se veda o as diferenciações
arbitrárias, as discriminações absurdas [...].”.
Concordando com esse posicionamento, Comparato (1996, p.59) acrescenta que
“[...] a igualdade de condições sociais é meta a ser alcançada, não por meio de leis, mas
também pela aplicação de políticas de ação estatal.”.
Nesse sentido, os princípios são lesados porque, com a cobrança de cursos, os
estudantes desprovidos economicamente são impedidos de ter acesso a outros veis de
ensino. A educação superior pública, como uma função essencial, não deve ser tratada

82
O art. 195 será esclarecido, quando realizarmos a análise das normas infraconstitucionais que incidem
sobre o financiamento da educação superior.
144
como atividade econômica, sendo o Estado responsável por sua execução direta. Daí a
inconstitucionalidade presente, por exemplo, na cobrança de cursos em IES públicas, sejam
elas estaduais ou federais, e sejam os cursos de qualquer natureza (extensão,
especialização, mestrado, doutorado etc.)
83
.
No art. 211, fica nítido que, por exclusão, o financiamento do ensino superior é de
responsabilidade da União, com ênfase, novamente, no financiamento de IFES. Somado ao
art. 212, pode-se aduzir que é de competência da União a manutenção de instituições de
ensino superior, públicas (na forma do art.206, V), com recursos arrecadados por meio de
impostos.
Sobre a questão da vinculação restrita a impostos, recentes debates têm apontado
para a existência de mecanismos que visam favorecer a burla fiscal”
84
. Isso vem
ocorrendo, por exemplo, à medida que outras alternativas de arrecadação da categoria
tributos, que não são da espécie impostos, não se somam à vinculação constitucional.
Diferentemente disso, apontando os interesses ocultos do Estado brasileiro, uma
Emenda Constitucional de Revisão
85
(EC nº 1/1994), reiterada pela Emenda Constitucional
10, de 1996, direcionada aos ADCT, determinava, para o incipiente Fundo Social de
Emergência (FSE)
86
(art. 72, ADCT), uma previsão de recursos cogente – que, caso
também se estendesse à política educacional, minoraria o problema encontrado na
vinculação de impostos à educação (art. 212) –, assim disposta: “IV vinte por cento do
produto da arrecadação de todos os impostos e contribuições da União, já instituídos ou a
serem criados, excetuado o previsto nos incisos I, II e III, observado o disposto nos §§ 3° e
4°; [...]”.
A análise desse inciso nos permite entender que, quando a situação se relaciona ao
campo econômico, como é o caso do Fundo supracitado, inúmeros mecanismos

83
Como é o caso dos pareceres do Conselho Nacional de Educação nº 364/2002 e nº 143/ 2004.
84
Expressão utilizada por CHAVES (2006), referindo-se a medidas de política econômica que têm por
escopo a diminuição proporcional da receita total destinada à educação. Segundo a autora, os impostos
constituem menos de 29% da arrecadação total dos recursos da União.
85
A Emenda Constitucional de Revisão é uma espécie de gênero da Emenda Constitucional, tendo aquela um
período, determinado pela própria Constituição, para ocorrer (de 14 de setembro de 1993 a 7 de junho de
1994). A partir dessa data, sua realização se torna impossível no texto constitucional.
86
Esse Fundo será melhor explicado, na subseção seguinte.
145
legislativos são construídos e legalizados, visando atender ao projeto de Estado neoliberal.
Para a manutenção do Fundo, são vinculados diversos tributos (e não somente impostos),
os existentes (excetuados os referidos no artigo) e os que, por ventura, forem criados,
assegurando a atualização da fonte de recursos.
Se o exposto não bastasse, a vinculação prevista, no art.212, embora não tenha
recebido nenhuma alteração em seu texto, ganhou uma subtração proveniente da
conhecida Emenda Constitucional de Revisão 1, de 1994, a mesma do FSE, a forma
embrionária do que, hoje, conhecemos como Desvinculação das Receitas da União (DRU),
que será objeto de nossa próxima subseção.
Conforme identificado, no capítulo anterior, nos termos do art. 213, abre-se uma
possibilidade de transferência de recursos públicos à esfera privada, observadas as
previsões de seus parágrafos.
Nosso entendimento, com relação ao artigo supracitado, é o de que repassar
recursos públicos para escolas privadas é uma opção política do governo. Mas, a partir do
momento em que essa opção não atenda efetivamente ao que está previsto no texto, deverá
ser declarada inconstitucional. Dessa forma, repassar recursos públicos a entidades
privadas que, implícita ou explicitamente, aufiram lucros é “rasgar” a Constituição.
Amaral (2003) classifica a destinação dos recursos públicos para a educação
superior, da promulgação da CF/88 até 2003, em quatro períodos, correspondentes aos
governos desse intervalo de tempo – José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e
Fernando Henrique Cardoso (FHC). Para ele, nos anos 1980, em que a movimentação
sindical promoveu greves, foi compatível a elevação dos recursos destinados às IFES.
no governo Collor, foram registrados decréscimos elevados dessa destinação. Entre 1992 e
1994, no governo Itamar, deu-se uma recuperação nos valores destinados às despesas das
IFES, sem, entretanto, chegar a recuperar, em 1995, os de 1989” (p. 195), e o movimento
sindical dos trabalhadores em educação ainda conseguiu reajustes. no governo FHC
(1995 e 2002), as quedas de recursos foram ascendentes, e a movimentação grevista seguiu
em ordem oposta, em razão do desmonte sofrido pelos sindicatos.
146
Um quinto período, hoje, poderia ser acrescido à análise de Amaral (2003),
referente ao governo Lula, caracterizado pelo abandono da destinação de recursos às IFES,
em favorecimento do superávit primário, bem como pela notória transferência de recursos
públicos à esfera privada.
Traçando um panorama político concernente à situação do financiamento da
educação superior, percebemos que, desde o início da década de 1990, a União não vem
ampliando os respectivos investimentos, inclusive justificando-se pelo falso mito de que a
formação universitária pública é cara e serve apenas à elite.
Segundo Minto (2006), os 75%, dos 18% dos impostos vinculados à educação,
destinados à educação superior, não são suficientes para arcar com as todas as despesas das
IFES, da forma como hoje se encontram estruturadas, o que inclui despesas com ensino,
pagamento de servidores inativos, pensionistas e precatórios. Então, não se trata de ser cara
e sim de que os recursos são insuficientes.
Corbucci (2004), referindo-se ao governo Collor, aponta que este descumpriu
nitidamente a destinação de recursos prevista na CF/88, ao passo que o enfoque do
governo FHC, beneficiado pela extinção do Conselho Federal de Educação, realizada no
governo Itamar Franco, voltou-se para o crescimento do ensino superior privado, com base
na idéia de que a demanda era maior do que a oferta pública seria capaz de atender.
Amaral (2003) relata que, desde o governo Collor, com relação ao financiamento,
foram tomadas várias medidas, cujo destaque, em nossa análise, vai para as ameaças de
demissões de servidores em massa; o incentivo à expansão de IPES; a divulgação de dados
manipulados, de modo a destacar o elevado gasto com as IFES; o achatamento salarial”; a
busca de novas fontes no mercado etc.
Além do exposto, destacamos que o ajuste fiscal
87
e as reformas políticas
impediram o atendimento público à crescente demanda pelo ensino superior. Entendemos,
assim, que isso representou um enfraquecimento do setor público federal, o que pode ser

87
Medidas econômicas tomadas objetivando fazer com que o governo federal gaste menos do que arrecada, o
que configura o superávit primário; porém, para isso aconteça, são suprimidos recursos destinados ao
investimento nas políticas públicas sociais. O dinheiro “economizado” é destinado ao pagamento da dívida
financeira, em especial, aos juros da dívida externa.
147
considerado causa para a expansão desenfreada de vagas e o aumento no número de
matrículas, no setor privado. Aliado a isso, o setor privado foi favorecido pela
desregulamentação, no que concerne à facilidade e(ou) à liberação de requisitos para a
criação de novas IPES, bem como de cursos, o que conferiu a estas legitimidade para a
ampliação da disponibilidade de vagas. E, mais recentemente, as IPES, sem que se
cumpram as condicionalidades do art. 213, m recebendo um aporte significativo de
recursos públicos.
Segundo análise apresentada pela ADUFPA (2004), o modelo de financiamento,
seguido, hoje, no Brasil, acontece por pressões dos organismos internacionais, que
atribuem às universidades o dever de captar recursos no mercado, para assegurar seu auto-
financiamento.
Nesse sentido, assiste-se à desresponsabilização do Estado com o financiamento da
educação superior, o que tem estimulado a educação mercadológica, por meio da abertura
de novos cursos privados e pelo financiamento destes e a conseqüente redução de recursos
públicos da educação superior pública. Essa política é justificada pela premissa de que a
educação superior além de ser um serviço, não é exclusivo do Estado.
Para Lima, K.R. (2006), o projeto de ajuste fiscal, somado às reformas estruturais
presentes dos governos FHC e Lula, vem sendo consolidado, vez que está focalizado no
pagamento da dívida pública, o que se reflete na redução gradual do financiamento da
educação superior pública, configuradas, recentemente, nas seguintes ações políticas: “a. O
estabelecimento de parcerias público-privadas para o financiamento e a execução da
política educacional […] b. A abertura do setor educacional, especialmente da educação
superior, para a participação das empresas e grupos estrangeiros […].” (p. 33).
Comparado a indicadores de riqueza, como a soma das receitas do total dos
impostos (somente eles) arrecadados pela União, os recursos destinados às IFES entram na
esfera da decadência. Vejamos a tabela referente à execução orçamentária da União com
manutenção e desenvolvimento do Ensino Superior, no período de 2003 a 2006:
148
Execução orçamentária da União com manutenção e desenvolvimento do ensino superior
(MDES)* – 2003 a 2006 (em milhares de reais)
ESPECIFICAÇÃO 2003 2004 2005 2006
Receita bruta de impostos da União 115.191.037 128.674.367 155.057.427 169.502.589
Transferências para Estados e Municípios 49.658.856 55.471.519 66.850.419 73.072.566
Confisco da DRU (20%) 23.038.207 25.734.873 31.011.485 33.900.518
Receita para efeito do art. 212 da CF/88 42.493.974 47.467.975 57.195.523 62.529.505
18% (art. 212 da CF/88) 7.648.915 8.544.235 10.295.194 11.255.311
Despesas liquidadas com MDES 6.408.444 6.836.367 7.866.090 9.035.089
Despesas liquidadas com MDES em
relação à Receita Bruta de Impostos da
União
5,6% 5,3% 5,1% 5,3%
* Excluídas as operações intra-orçamentárias
* Valores nominais
Fonte: ANDES-SN, 2007, p. 39 (com dados do Ministério da Fazenda, SIAFI – STN/CCONT/GEINC).
A tabela representa, por exemplo, no ano de 2006, que, de um montante de R$
169.502.589,00, feitas as deduções, o gasto com a educação superior corresponde a R$
9.035.089, ou seja, apenas 5,3% do total; se comparado a 2003, caiu em 0,3 pontos
percentuais.
Segundo análise do ANDES-SN (2007), se olharmos os recursos, em valores
monetários, observaremos que, de 2003 a 2006, um aumento no volume. Com isso, o
discurso do governo, reforçado pelos reitores e dirigentes, de que as IFES teriam recebido
mais recursos nos últimos anos, desconsidera o aumento da receita da União bem como a
expansão das matrículas nesse período e a criação de novas universidades e campi.” (p.
38), o que representa que esse aumento de recursos, visualizado na tabela, não é
compatível com a evolução da arrecadação de impostos pela União.
Ora, se o Estado brasileiro e seus governos tivessem posto, em algum momento, a
garantia do direito social à educação como prioridade, não precisaríamos estar aqui
discutindo a vinculação de tributos ou de qualquer espécie dele derivada para assegurar
esse direito. Os percentuais a serem destinados à educação seriam elevados a índices que
149
pudessem, efetivamente, atender a uma educação pública de qualidade, direito de todos, e
de fato gratuita. A previsão constitucional, além de postular elevado índice de vinculação,
não consentiria que ele entrasse em processo de defasagem. A educação superior não
precisaria viver crises de identidade entre a esfera pública e a privada, vez que a sua
autonomia estaria assegurada e, por extensão, o seu financiamento. A universidade, dotada
de recursos públicos necessários ao seu financiamento, estaria cumprindo a função para a
qual foi concebida, não precisando sujeitar-se aos jogos mercadológicos e virar uma
instituição meramente utilitária.
Mas, para dar conta de assegurar o modelo neoliberal de Estado, a vinculação,
insuficiente, vem sendo negada pela manifestação expressa de um aparato legal formulado
para atendimento daquele fim, e, além disso, direciona o que deve ser financiado, na
educação superior.
Nesse sentido, dispondo contra legem mater, destacamos algumas normas, que
incisivamente o fazem, no que concerne ao financiamento da educação superior. A saber:
Lei 8.436/92; Lei 9.288/96; Medida Provisória 1.827/99; Emenda Constitucional
de Revisão 1/1994 ; Medida Provisória n° 213/2004 e Lei 11.096/2005, analisadas a
seguir:
4.2 Implicações da legislação infraconstitucional no financiamento da
Educação Superior: uma análise das Leis 8.436/92 e 9.288/96 e da
Medida Provisória nº 1.827/99.
Esses três instrumentos normativos configuram uma política de financiamento da
educação superior, marcadamente orientada a beneficiar o setor privado, atendendo à
lógica de mercantilização daquele nível de ensino. Vejamos suas análises.
A lei ordinária n° 8.436/92 institucionaliza o Programa de Crédito Educativo para
estudantes carentes, no governo Collor, sendo aprovada pelo Congresso Nacional e
publicada no Diário Oficial da União, no dia 25 de junho de 1992.
150
A lei em questão tem como objetivo financiar estudantes comprovadamente
carentes (art. 1°), isto é, aqueles que não têm condições financeiras de custear seus estudos
em instituições particulares de ensino superior (IPES). Há, aqui, um cruzamento da política
de assistência social com a educacional, numa “jogada de mestre”, conforme veremos
adiante.
O caput do art. determina que o titular do benefício é o estudante
comprovadamente carente, mas os recursos não passam por suas os, sendo transferidos
diretamente às IPES executoras, nestes termos:
Art 2°. Poderá ser titular do benefício de que trata a presente lei o estudante
comprovadamente carente e com bom desempenho acadêmico, desde que atenda
à regulamentação do Programa (Alterado pela Lei 9288/96).
§ A seleção dos inscritos ao benefício de que trata esta Lei será feita pela
direção da instituição de ensino superior, juntamente com a entidade xima de
representação estudantil da entidade.
§ 2°. O financiamento dos encargos educacionais poderá variar de trinta a cento
e cinqüenta por cento do valor da mensalidade.
Segundo o § 1°, do artigo 2°, a responsabilidade pela seleção do estudante carente é
das IPES executoras. o § 2°, do artigo 2°, estabelece que o financiamento dos encargos
educacionais poderão variar de trinta a cento e cinqüenta por cento do valor da
mensalidade, ou seja, um valor superior ao custo da mensalidade, se esta fosse paga pelos
estudantes.
No art. 5°, temos a seguinte postulação:
Art. Os recursos a serem alocados pela executora do Programa de bancos
conveniados terão origem:
I - no orçamento do Ministério da Educação;
II - na destinação da parte dos depósitos compulsórios, segundo política
monetária do Banco Central do Brasil.
Como vemos, o inciso I, do art 5°, estabelece que os recursos devam sair do
Ministério da Educação, leia-se da União. Segundo a CF/88 (artigos 212 e 213), a União
deve custear, no sistema federal de ensino, a educação superior oferecida pelas IFES. No
entanto, parte do que deveria ser a estas destinado vem sendo, por diversos mecanismos,
empregado para financiar as IPES. Assim sendo, certamente, haverá redução nos recursos
151
públicos destinados às IFES, o que compromete a qualidade e o financiamento da educação
superior gratuita, ferindo os artigos constitucionais citados.
Ainda no art. , parágrafo único, encontramos a seguinte disposição, in verbis:
“Parágrafo único. Nos próximos dez anos, os recursos orçamentários destinados ao
Programa de Crédito Educativo não poderão ser inferiores aos aplicados em 1991,
corrigidos na mesma proporção do índice de crescimento do Orçamento da União.”.
Esclarece-se, assim, a intenção e determinação do governo de atender ao projeto de Estado
neoliberal, que fortalece a iniciativa privada. Ao contrário dos recursos destinados ao
financiamento da educação superior pública, que incidem somente sobre impostos, os
recursos que financiam o crédito educativo, além de apresentarem correção monetária, têm
por base o orçamento geral da União.
Além disso, conforme o art. 6º, os recursos utilizados para financiar as IPES
conveniadas com esse Programa poderão ser provenientes, também, da receita da
Seguridade Social. Para tanto, a lei do crédito educativo alterou a lei da Seguridade Social,
8.212/1991, que dispõe sobre a organização da seguridade social, institui plano de
custeio e dá outras providências, conforme postulado abaixo:
Art. O caput do art. 26 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a
vigorar com a seguinte redação:
“Art. 26 Constitui receita da Seguridade Social a renda Líquida dos
concursos de prognósticos, executando-se os valores destinados ao
Programa de Credito Educativo.”
A Lei do Programa de Crédito Educativo não define a base de cálculos ou alíquotas
de piso ou teto, portanto, o identifica quantos por cento do total do recurso da renda de
concursos e prognósticos deverão ser investidos no programa.
O art.194, da CF/88, determina que a Seguridade Social se destina a assegurar
direitos relativos, exclusivamente, às políticas públicas de Saúde, Assistência Social e
Previdência Social. Além disso, o § 10, do art. 195, postula que “a lei definirá os critérios
de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações da assistência social”. A
justificativa para a retirada de recursos da Seguridade Social, presume-se, não está nas
152
políticas de saúde e previdência, por se tratar de estudantes carentes, está na política de
assistência social.
A lei que define os critérios de transferências de recursos para as ações de
assistência, na época desse crédito, era somente a Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS). Ocorre que, em nenhum de seus artigos, está determinado que os recursos da
assistência social sejam destinados a financiar a educação, nem a educação superior e,
menos ainda, a educação superior privada. O crédito educativo, mesmo que reservado a
estudantes carentes, é política de educação, e à política de assistência social cumpre
articular a rede de proteção social, cujas responsabilidades em assegurar recursos são
inerentes a cada política setorial.
A saída encontrada foi a de reformular uma lei maior (da Seguridade) de forma que
pudesse intervir sobre a menor (LOAS). Assim, a lei ordinária do crédito educativo alterou
a lei complementar da Seguridade Social (art. 194, parágrafo único).
Do ponto de vista jurídico, alcançamos mais uma inconstitucionalidade: a lei
complementar é hierarquicamente superior à lei ordinária, vez que aquela é originada na
própria Constituição, e esta é residual.
Concordando com essa posição, baseamo-nos em doutrinadores, como Ferreira
Filho (1995) e Moraes (2004). Para o primeiro “A lei complementar é um tertium genus
88
interposto, na hierarquia dos atos normativos, entre a lei ordinária [lei delegada e medidas
provisórias] e a Constituição (e suas emendas).” (p.236). Para o segundo doutrinador, “Não
como admitir-se que uma lei ordinária, aprovada por maioria simples, possa revogar a
disciplina da lei complementar, aprovada por maioria absoluta dos membros da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal.” (p.571).
Assim, como forma de atender as demandas do mercado e o conseqüente
favorecimento do setor privado, criou-se um mecanismo para retirar recursos públicos da
educação e da assistência social, para beneficiar as IPES, vez que: as mensalidades que não
são pagas pelo estudante são isentas da incidência de impostos; os estudantes não recebem

88
Terceiro elemento.
153
o recurso, este é repassado diretamente às IPES; o custo da mensalidade, conforme
interesses políticos, pode chegar a atingir 150% do valor original, para os cofres públicos;
recursos da Assistência Social são descaradamente destinados a instituições privadas e com
fins lucrativos, ferindo os artigos 194 e 195, da CF. Além desses, a inconstitucionalidade
atinge, também, o art. 213, à medida que destina recursos públicos diretamente a
instituições que visam o lucro.
Na esteira dessa lei, em 1996, no governo Fernando Henrique, uma nova lei
ordinária veio alterar dispositivos daquela. Trata-se da lei n° 9.288, de 1
o
de julho de 1996.
As principais alterações constatadas são as seguintes:
Veta o caput do artigo 2º, deixando em aberto, para as IPES, os critérios de
condições econômicas e de desempenho acadêmico do estudante beneficiário da lei. (Art.
, § 1º).
“Art. 2º VETADO
§ A seleção dos candidatos ao crédito educativo será feita na instituição em
que se encontra matriculado, por comissão constituída pela direção e por
representantes escolhidos democraticamente, do corpo docente e discente do
estabelecimento de ensino.
§ 2° O crédito educativo abrange:
I - o financiamento dos encargos educacionais entre cinqüenta por cento e cem
por cento do valor da mensalidade ou semestralidade, depositado pela Caixa
Econômica Federal na conta da instituição de ensino superior participante do
programa.
Os encargos educacionais custeados pelo Programa passaram de trinta a cento e
cinqüenta por cento do valor da mensalidade”, para valor entre cinqüenta e cem por cento
do valor da mensalidade. (art. , § , inciso I). Mesmo com a redução dos encargos, os
recursos continuam a ser repassados diretamente às instituições lucrativas. Reduziu-se,
portanto, o investimento percentual por aluno, mas abriu-se possibilidade para a ampliação
do número de vagas, em função da retirada dos critérios de baixa renda e bom rendimento
escolar, estabelecidos anteriormente. O enfoque, portanto, deixa de ser o estudante carente,
podendo a instituição privada determinar o alcance dos critérios de seleção dos estudantes
(art. 2º, § 1º).
154
Assim, é importante ressaltar que, apesar da diminuição na variação de percentuais
custeados, observados nesse dispositivo, houve a abertura nos critérios para participação
do estudante no Programa, o que representou um maior número de estudantes beneficiados.
Quanto à origem dos recursos, os mesmos continuam vinculados ao Ministério da
Educação e do Desporto, conforme art. 5°, inciso I, entre outras fontes.
Art. 5° Os recursos do Programa de Crédito Educativo terão origem:
I – no orçamento do Ministério de Educação e do Desporto;
Observa-se, portanto, uma ampliação nos investimentos de recursos públicos em
instituições privadas, retirando-se dos constitucionalmente definidos 18% (dezoito por
cento) da receita dos impostos destinados ao investimento no sistema federal de educação
superior, ferindo o art. 212, da CF88.
Pesquisas realizadas por autores que estudam o financiamento da educação, como
Amaral (2003) revelam que a o-aplicação ou a aplicação parcial dos recursos destinados
à educação superior nas IFES têm provocado não só a desagregação da vida acadêmica,
nessas instituições, como também tem impossibilitado uma integração entre ensino,
pesquisa e extensão. Além disso, têm fortalecido o individualismo, na busca de soluções
particulares de complementação salarial, bem como o financiamento externo para
pesquisas e manutenção de laboratórios, sob a alegação de que a burocracia interna e do
serviço público entrava a agilização e a eficiência no desenvolvimento da pesquisa.
Essa forma (ausência) de investimento “[...] também tem contribuído para a
desinstitucionalização da pesquisa e favorecido a criação de estruturas paralelas de poder
dentro das unidades acadêmicas”, ocasionando, desta forma, a submissão das
universidades públicas aos financiadores privados. (ANDES-SN, 2003, p.45).
Diante de fortes pressões advindas de profissionais da área de Assistência Social, o
art. 6°, concernente a destinação de prognósticos, foi vetado.
Em síntese, essa lei altera a anterior, com o escopo de ampliar o investimento na
esfera privada, de acordo com o perfil da política neoliberal. Nesse mesmo período, mais
155
precisamente, entre os anos 1995 e 1998, conforme pesquisa do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), as despesas do MEC junto às universidades federais
registraram um decréscimo de 82% (IPEA apud Amaral, 2003).
Para Corbucci (2004), a incapacidade de ampliar o investimento em educação
superior, por parte do governo, durante os anos noventa, está relacionada ao processo de
ajustes fiscais, fazendo com que o setor público federal caísse em descrédito, com a
ausência de investimentos. Tal fato possibilitou o crescimento da rede privada, favorecida
pela desregulamentação do setor e por concessão de crédito a estudantes, financiados pelo
setor público.
Conforme o ANDES-SN (2003), a implantação de um projeto neoliberal pelos
governos brasileiros, nos anos noventa, ocasião em que a lei em tela foi colocada em vigor,
provocou, além da diminuição no investimento em infra-estrutura, o achatamento dos
salários dos servidores, docentes e técnicos administrativos.
Observamos, então, que esse dispositivo infraconstitucional fere a CF/88,
principalmente, em seus artigos 212 e 213, no que diz respeito ao não-cumprimento da
vinculação de recursos, bem como no investimento indevido na rede privada de ensino.
A partir de 1998, o desenvolvimento das matrículas particulares apresentou fluxo
ascendente, nos governos de FHC. No entanto, a alternativa privada exaltada pelo BIRD,
como recurso mais eficiente para a expansão acelerada na oferta de vagas começou a
encontrar limites estruturais no poder aquisitivo de sua clientela (CORBUCCI, 2004).
Nesse contexto, segundo Carvalho (2004), o Programa de Crédito Educativo,
direcionado aos alunos de baixa renda, deixou de ser uma alternativa viável, em face da
defasagem entre o aumento da taxa de juros do empréstimo e a taxa de crescimento da
renda do recém-formado, combinada à elevada taxa de desemprego, na população com
diploma de curso superior.
Nesse contexto, em 27 de maio de 1999, o governo FHC baixou um novo ato
normativo. Trata-se da Medida Provisória 1.827/1999, que dispõe sobre o Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e dá outras providências.
156
Sobre as medidas provisórias, podemos explicar que são atos legislativos que a
CF/88 concede ao poder executivo, nos termos do art.62, aplicadas em caso de relevância e
urgência, embora não determine taxativamente o que poderia se configurar como tais
casos. Assim, o relevante e urgente é uma decisão subjetiva do presidente da República,
que desde a sua vigência tem força de lei. Lembramos que, aqui, as medidas provisórias
tinham livre reedição, bastando parecer favorável do Congresso Nacional (CN), no prazo
de 30 dias.
A Emenda Constitucional n° 32, de 2001, trouxe algumas alterações sobre os
procedimentos das medidas provisórias. O que nos interessa, nesse momento, é o art. 2°,
dessa emenda, assim disposto: “Art. As medidas provisórias editadas em data anterior à
da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as
revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.”
Isso significa dizer que, por força dessa emenda, as medidas provisórias publicadas
antes dela continuam em vigor, independentemente de qualquer outro ato, a que uma
nova medida provisória as revogue ou até que o CN delibere sobre a situação delas. Assim,
embora não sejam leis ordinárias, permanecem vigorando como se o fossem, até que se
resolva a situação delas. O que é o caso da medida provisória em tela.
Essa Medida Provisória determina substituir o Programa de Crédito Educativo,
instituído pela Lei nº 8.436/92 e alterado pela Lei nº 9.288/96, e traz algumas novidades:
Inclui, conforme o art. 1°, o critério de avaliação positiva dos cursos, nos processos
conduzidos pelo Ministério da Educação, na premissa do Estado regulador:
Art. Fica instituído, nos termos desta Medida Provisória, o fundo de
Financiamento ao Estudante de Ensino Superior FIES, de natureza contábil,
destinada à concessão de financiamentos a estudantes regularmente matriculados
em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva, de acordo com
regulamentação própria, nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação.
Mantém a origem dos recursos utilizados no Programa do Crédito Educativo
(incisos I e II) e amplia as receitas de financiamento, acrescentando os incisos de III a VI.
Esses incisos tratam de encargos e sanções, cobrança de taxas, rendimentos de aplicações
financeiras e receitas patrimoniais, ex lege:
157
Art. 2° Constituem receitas do FIES:
I Dotação orçamentárias consignadas ao Ministério da Educação ressalvadas o
disposto no art.14;
II –trinta por cento da renda líquida dos concursos de prognósticos administrados
pela Caixa Econômica Federal, bem como a totalidade dos recursos da
premiação não procurada pelos contemplados dentro do prazo de prescrição,
ressalvados o disposto no art.14;
III encargos e sanções contratualmente cobrados nos financiamentos
concedidos ao amparo desta Medida provisória;
IV Taxas e emolumentos cobrados dos participantes dos processos de seleção
para o financiamento;
V Encargos e sanções contratualmente cobrados nos financiamentos
concedidos no âmbito do Programa de Credito Educativo, de que trata a Lei
8.436 de 25 de junho de 1992, ressalvado o disposto no art. 14;
VI – rendimentos de aplicações financeiras sobre suas disponibilidades;
VII – receitas patrimoniais.
Apesar da considerável ampliação das fontes de recursos, retorna, disfarçado, o
desvio dos recursos da Seguridade Social para o financiamento da rede privada de ensino
superior. Como se pode observar, no inciso II, desse artigo, o desvio se apresenta de forma
ainda mais sofisticada, quando estipula uma alíquota de trinta por cento da renda líquida
dos concursos de prognósticos administrados pela Caixa Econômica, referindo-se a todos
os concursos realizados pelo governo federal, recurso este que, de acordo com a
Constituição Federal, de 1988, no seu art. 195, deveria ser investido em sua totalidade no
sistema de Seguridade Social, isto é, nas políticas públicas de Saúde, Assistência Social e
Previdência.
O art. determina que a gestão do FIES caberá ao Ministério da Educação e à
Caixa Econômica Federal, sendo o primeiro o formulador da política de oferta de
financiamento e supervisor das operações do fundo, e o segundo, na qualidade de agente
operador e administrador dos ativos e passivos.
O art. reduz para até setenta por cento dos encargos educacionais cobrados dos
estudantes passíveis de financiamento pelo FIES. Mas, no art. 5°, é acrescentada a previsão
de juros.
O art. apresenta, também, algumas observações que devem ser consideradas, no
financiamento concedido pelo FIES. Dentre elas, destaca-se o inciso V, que trata do risco
158
de financiamento, no qual as instituições de ensino superior e os agentes financeiros
(bancos) participam em e dez vinte por cento, respectivamente.
Art. Os financiamentos concedidos com recursos do FIES deverão observar o
seguinte:
[...]
II - juros: a serem estipulados pelo CMN, para cada semestre letivo, aplicando-se
desde a data da celebração até o final da participação do estudante no
financiamento;
III - oferecimento de garantias adequadas pelo estudante financiado;
[...]
V- Risco: os agentes financeiros e as instituições de ensino superior participarão
do risco do financiamento nos percentuais de vinte por cento e dez por cento,
respectivamente, sendo considerados devedores solidários nos limites
especificados.
Também, como se pode observar, no inciso III, o estudante, agora, passa a o ser
mais tão carente assim, uma vez que deve assegurar garantias ao financiador. Para o caso
de inadimplência do estudante em face das prestações devidas, essas instituições
promoverão a execução das garantias contratuais, conforme estabelecidas pela Caixa
Econômica Federal, nos termos do art. 6°:
Art. Em caso de inadimplência das prestações devidas pelo estudante
financiado, a instituição referida no § do art. promoverá a execução das
garantias contratuais conforme estabelecido pela instituição de que trata o inciso
II do caput do mesmo artigo, repassando ao FIES e à instituição de ensino
superior a parte concernente ao seu risco.
Essa Medida Provisória, assim como o Programa de Crédito Educativo, tem como
objetivo financiar instituições de ensino superior da iniciativa privada. Todavia, ela
consegue ir muito além do Crédito, principalmente, no que diz respeito ao investimento do
dinheiro público em instituições privadas, pois mantém a fonte de recursos apresentada na
lei que institucionaliza o Programa de Crédito Educativo e a amplia, permitindo a cobrança
de taxas, encargos, a utilização de rendimento de aplicações e a emissão de títulos da
dívida pública pelo Tesouro Nacional.
O art. 7° autoriza a União a emitir títulos da dívida pública, em favor do FIES, até o
limite de R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais). Esse dispositivo, usado como
possibilidade para o investimento de recursos públicos na iniciativa privada, além de
159
autorizar a emissão desses títulos em favor do FIES busca garantir os encargos do
Programa de Crédito Educativo, além das fontes de recursos mencionados, no art. ,
dessa Medida Provisória.
Isso significa que o financiamento do setor privado tem sido prioridade dos
governos brasileiros, em detrimento do investimento no setor público, perpetuando, dessa
forma, a decadência dos recursos destinados às IFES.
Pode-se observar, nos artigos 5°, inciso V, e 6°, a possibilidade do não-pagamento
ou do pagamento parcial, total de 30% de todo o financiamento, para a União. Essa
possibilidade abre precedentes de investimento direto nas IPES e não consta na CF/88: a
possibilidade de financiar, com recursos públicos, o ensino superior da rede privada
lucrativa fere a Carta Magna brasileira, no seu art. 213.
Por fim, ainda ficamos a nos questionar sobre onde está a relevância e a urgência
que justificou a edição dessa medida provisória, senão no atendimento aos interesses
capitalistas assumidos pelo Estado brasileiro, que elabora e aprova leis que buscam, cada
vez mais, transferir para o mercado suas atribuições.
As três leis analisadas sugerem a privatização da universidade, mesmo que de
forma disfarçada. O não-financiamento do sistema federal de ensino, em favor do
financiamento da rede privada, força o sucateamento das IFES, levando-as a buscar
alternativas junto ao mercado, que Minto (2006, p. 170) denomina “fontes alternativas de
financiamento”.
Essas medidas caracterizam um progressivo e acelerado descompromisso da
política oficial na dotação orçamentária da rede pública. Esse descompromisso revela,
também, na prática, uma regressão da participação pública na oferta global de matrículas,
no ensino superior do país, ao mesmo tempo em que amplia o atendimento governamental
ao que é pleiteado pelos setores privatistas.
Observamos que a “necessidade”, por parte dos governos brasileiros, de se
submeterem à lógica do capital e do cumprimento da agenda neoliberal, tem orientado a
aprovação de uma série de leis e políticas que vão de encontro à CF/88. No caso específico
160
dessas leis, dispõe de forma oposta aos artigos 195, 212 e 213, concernentes à assistência
social e ao financiamento da educação superior.
4.3 A desvinculação de receitas da União - implicações para o financiamento
da educação superior
Em 1994, durante o governo FHC, o Poder Executivo apresentou ao Congresso
Nacional um Projeto de Emenda à Constituição de Revisão (PECR) que autorizava a
desvinculação de 20% de todos os impostos e contribuições federais exceto a
Contribuição Social do Salário Educação constituindo uma fonte de recursos com livre
alocação.
A Emenda Constitucional de Revisão (ECR) 1/1994 fez parte da política do
governo, que aproveitou o período hábil, previsto constitucionalmente, para alterar o
ADCT.
O presidente Fernando Henrique Cardoso alegava que, nos últimos anos, as
vinculações, no Orçamento Geral da União, haviam crescido excessivamente, levando-a a
contrair dívidas, no mercado, a fim de pagar suas despesas obrigatórias pagamento de
pessoal, benefícios previdenciários, contrapartidas de empréstimos externos –, trazendo
endividamento adicional para a União, enquanto havia recursos “sobrando” em outros itens
vinculados.
Com base nessa justificativa, foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE), via
ECR n° 1/94:
Art. 1.º Ficam incluídos os arts. 71, 72 e 73 no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, com a seguinte redação:
Art. 71. Fica instituído, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, o
Fundo Social de Emergência, com o objetivo de saneamento financeiro da
Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica, cujos recursos
serão aplicados no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação,
benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação
continuada, inclusive liquidação de passivo previdenciário, e outros
programas de relevante interesse econômico e social.
[...]
161
Os recursos que integram o FSE são os seguintes, nos termos da modificação do
art.72:
I - o produto da arrecadação do imposto sobre renda e proventos de qualquer
natureza incidente na fonte sobre pagamentos efetuados, a qualquer título, pela
União, inclusive suas autarquias e fundações;
II - a parcela do produto da arrecadação do imposto sobre propriedade territorial
rural, do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza e do imposto
sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores
mobiliários, decorrente das alterações produzidas pela Medida Provisória n.º 419
e pelas Leis n.ºs 8.847, 8.849 e 8.848, todas de 28 de janeiro de 1994,
estendendo-se a vigência da última delas até 31 de dezembro de 1995;
III - a parcela do produto da arrecadação resultante da elevação da alíquota da
contribuição social sobre o lucro dos contribuintes a que se refere o § 1.º do art.
22 da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991, a qual, nos exercícios financeiros de
1994 e 1995, passa a ser de trinta por cento, mantidas as demais normas da Lei
n.º 7.689, de 15 de dezembro de 1988;
IV - vinte por cento do produto da arrecadação de todos os impostos e
contribuições da União, excetuado o previsto nos incisos I, II e III;
V - a parcela do produto da arrecadação da contribuição de que trata a Lei
Complementar n.º 7, de 7 de setembro de 1970, devida pelas pessoas jurídicas a
que se refere o inciso III deste artigo, a qual será calculada, nos exercícios
financeiros de 1994 e 1995, mediante a aplicação da alíquota de setenta e cinco
centésimos por cento sobre a receita bruta operacional, como definida na
legislação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza;
VI - outras receitas previstas em lei específica.
§ 1.º As alíquotas e a base de cálculo previstas nos incisos III e V aplicar-se-ão a
partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventa dias posteriores à
promulgação desta Emenda.
§ 2.º As parcelas de que tratam os incisos I, II, III e V serão previamente
deduzidas da base de cálculo de qualquer vinculação ou participação
constitucional ou legal, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 158, II,
159, 212 e 239 da Constituição.
§ 3.º A parcela de que trata o inciso IV será previamente deduzida da base
de cálculo das vinculações ou participações constitucionais previstas nos
arts. 153, § 5.º, 157, II, 158, II, 212 e 239 da Constituição.
§ 4.º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos recursos previstos no art.
159 da Constituição. (Grifos nossos).
Assim, vemos que grande parte da arrecadação do FSE é proveniente de impostos.
E os recursos destinados à educação são os provenientes de impostos.
A primeira vista, o § 2° pode oferecer a ilusão de que seriam deduzidas,
previamente, da base de lculo (dos tributos referidos nos inciso I, II, III e V) qualquer
vinculação ou participação constitucional, exceto, dentre outros artigos, o disposto no art.
212.
162
com relação às espécies de tributos tratadas nos incisos (V e VI), sim seriam
deduzidas, previamente, as vinculações constitucionais, nos termos do art. 212, inclusive.
Mas, aqui, não há incidência sobre impostos!
Isso quer dizer que, se a União arrecadou uma quantidade X de impostos, antes que
se vincule os 18% de X para a educação, uma dedução Y 2°). O que implicaria a
seguinte fórmula:
67   89
6 ": 8; 9
< +=>? 8-@9
62": 8-@ ": 8 9
A%;B": 8-@9
3(> > ;B": 8(
Na modificação do art. 73, da ECR, dispunha-se que o FSE não poderia ser
regulado por medida provisória: “Na regulação do Fundo Social de Emergência não poderá
ser utilizado o instrumento previsto no inciso V, do art. 59, da Constituição”.
Em seguida, o FSE passou a ser denominado Fundo de Estabilização Fiscal (FEF),
com vigência até 31 de dezembro de 1999, conforme determinado pela Emenda
Constitucional n° 10, de 1996.
Assim, o FEF é composto por: 20% dos recursos do Imposto sobre Importação,
8,6% do Imposto sobre Produtos Industrializados, 24,28% do Imposto sobre a Renda,
100% do Imposto de Renda dos servidores públicos federais retido na fonte, 20% sobre o
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural vinculado à União, 20% sobre o Imposto
sobre Operações Financeiras, 20% sobre o Imposto sobre a Exportação.
Em 2000, após passar por uma reformulação, o Congresso aprovou sua prorrogação
do “provisório” FEF, até 2003, via Emenda Constitucional 27, de 21 de março, sendo
denominada Desvinculação de Arrecadação de Impostos e Contribuições Sociais ou
Desvinculação das Receitas da União (DRU), cuja finalidade seria flexibilizar a alocação
de recursos da União, permitindo uma melhor adequação destes, de acordo com as
prioridades do Governo. Aprovou-se a seguinte redação, acrescentada como art. 76:
163
Art. 76 É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no período de 2000 a 2003,
vinte por cento da arrecadação de impostos e contribuições sociais da União,
instituídos ou que vierem a ser criados no referido período, seus adicionais e
respectivos acréscimos legais." (AC) .
Assim, a fórmula referenciada anteriormente agora fica assim:
67   89
6 ": 8; 9
< +(CD >E: 8-@9
62": 8-@ ": 8 9
A%;B": 8-@->E: 8(
3 (> >  ; B ": 88  
 +2>E: (
Aqui, a manobra camuflada assume forma efetiva, bem como determinação de
percentual desvinculado definido em 20% sobre todos os impostos. E com relação ao art.
212, a única contribuição isenta de desvinculação foi amarrada ao salário-educação.
Ou seja, é um fundo de investimentos público que permite maior liberdade ao
governo para gastar de receitas que são vinculadas a alguns itens atendendo à Constituição
que grande parte das despesas federais é prevista em orçamento, empenhada ou com
destino fixo.
Em 2003, por ocasião da Emenda Constitucional n° 42, de 19 de dezembro, o texto
foi alterado quanto ao prazo, passando a vigorar de 2003 a 2007.
Segundo Amaral (2003), esse fundo está diretamente relacionado ao controle do
déficit fiscal do País importante artifício econômico para a manutenção do pagamento,
em dia, da dívida externa. Logo, para manter em dia os compromissos com o pagamento
da vida externa, o governo federal deixaria de cumprir obrigações com a Constituição
brasileira e com a população do País.” (p.141).
Amaral (2003, p.139) destaca que, no que se refere à educação,
164
As transferências de impostos a estados e municípios efetivadas pelo governo
federal devem ser retiradas do volume total de arrecadação de impostos, antes de
se obter o percentual mínimo dos 18% para a educação. Além dessas
transferências, depois da aprovação do FEF, devem ser também retirados os
recursos transferidos a esse fundo. Obtêm-se, então, os recursos federais para a
educação.
Isso significa que os valores que deveriam ser gastos com educação foram
reduzidos, drasticamente, uma vez que seus recursos estão diretamente vinculados aos
impostos, repercutindo negativamente sobre o financiamento da educação.
[...]. Revela-se, com isso, o aprofundamento da dívida educacional causada pelo
calote deliberado dos governos Fernando Henrique Cardoso, elucidando o
verdadeiro caráter da política educacional desenvolvida por esses governos:
excludente e autoritária. (ANDES-SN, 2003, p. 19).
O orçamento das instituições federais de ensino superior (IFES) é discutido e
aprovado pelo Congresso, compondo o Orçamento Geral da União, no capítulo destinado
ao MEC. Os recursos para o financiamento das IFES são provenientes do Fundo Público
Federal (FPF).“[...]. A execução orçamentária das IFES é organizada em grandes blocos de
despesas: Pessoal e Encargos Sociais, Encargos da Dívida, Outras Despesas Correntes,
Investimentos, Inversões Financeiras e Amortização da Dívida.” (AMARAL, 2003, p. 43-
44)
Com a redução na obrigatoriedade do mínimo, ocasionada pelo FEF, o pagamento
de pessoal e encargos sociais das IFES alcança o limite mínimo de gastos do Fundo
Público Federal (FPF) com educação.(AMARAL, 2003).
Para fins de comparações internacionais, utiliza-se, com freqüência, os gastos
públicos com educação como percentual da riqueza nacional. Segundo a UNESCO,
considerando o produto interno/nacional bruto, o Brasil é um dos países mais ricos do
mundo, podendo gastar mais recursos públicos com a educação. No entanto, o país
encontra-se entre os que gastam menos recursos públicos por habitante no setor
educacional.(AMARAL, 2003).
Embora nosso marco temporal termine em 2006, não podemos deixar de destacar
que, em dezembro de 2007, o Senado aprovou a prorrogação da provisória” DRU, até
165
2011, com 65 votos favoráveis e seis contrários. Essa é uma margem de manobra tão
importante para o governo equivale a aproximadamente R$ 90 bilhões do Orçamento de
2008 - que possíveis candidatos à presidência, nas próximas eleições, – cio Neves
(PSDB-MG) e José Serra (PSDB-SP) apoiaram sua prorrogação, ocasionando rachas
internos entre membros da oposição.
4.4 O Programa Universidade Para Todos a parceria público-privada no
financiamento da Educação Superior.
Algumas leis até aqui analisadas refletem uma tendência, iniciada com a
institucionalização do Programa de Crédito Educativo para estudantes carentes, em 1992
até a ampliação deste com o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior
(FIES), de 1999, em vigor até hoje, cuja lógica reside no financiamento das IES privadas
com recursos públicos.
Atualmente, um dos mecanismos mais efetivos dessa tendência pode ser encontrado
no Programa Universidade para Todos – ProUni. Vejamos sua origem:
Em 2003, no governo Lula da Silva (2003-2006), enquanto o projeto de lei, de
iniciativa do executivo, ainda se encontrava sob análise, no Congresso Nacional (CN),
valendo-se do disposto no art. 62, da CF, o presidente baixou a Medida Provisória (MP)
89
213, de 10 de setembro de 2004, instituindo o Programa Universidade para Todos
ProUni, regulando a atuação de entidades beneficentes de assistência social, no ensino
superior, e dando outras providências.

89
No ordenamento jurídico existem apenas duas espécies normativas que podem ser utilizadas pelo
Presidente: a medida provisória (art.62) e a lei delegada (art.68). A diferença básica entre elas é que a lei
delegada depende de delegação do CN, enquanto a MP independe dessa autorização. Segundo Paulo e
Alexandrino (2008, p.515), “a medida provisória somente pode ser adotada diante da presença dos
pressupostos constitucionais de urgência e relevância, ao passo que a lei delegada não deve obediência a tais
pressupostos, bastando, para a sua edição, a expedição da resolução de delegação pelo Congresso Nacional”.
Segundo Lenza (2005, p. 254), constata-se a pouca utilização do instituto da lei delegada pelo presidente da
República, tendo em vista a previsão da medida provisória, muito mais ampla. Para se ter idéia, na vigência
da CF/88 foram elaboradas apenas duas leis delegadas.”.
166
Retomamos a discussão jurídica sobre a Medida Provisória, agora com um novo
regime jurídico, pós Emenda Constitucional 32. Dada a sua relevância e urgência, se
não for apreciada em até 45 dias, contados da sua publicação, ela tranca todas as pautas da
Casa por onde estiver tramitando, ou seja, nada mais pode ser votado. Caso uma medida
não seja convertida em lei, no prazo de sessenta dias, prorrogável por mais sessenta, ela
perde a sua eficácia desde o início de sua vigência (ex tunc), e as relações jurídicas que
foram dela originadas, caso não sejam disciplinadas por um Decreto do CN, em sessenta
dias, serão as mesmas editadas pela medida.
Isso quer dizer que, se o ProUni, dentro de sessenta dias, prorrogáveis por mais
sessenta, não fosse convertido em lei ordinária, perderia, automaticamente, a sua vigência.
Ocorre que, nesses sessenta ou cento e vinte dias, a Medida Provisória era válida e, por
isso, produziu efeitos jurídicos, por exemplo, quando o governo autorizou que 300 alunos
fossem beneficiados na instituição privada de educação superior Lucrus, do Pará, com
bolsas integrais. Assim, caso o CN não criasse um Decreto Legislativo para regulamentá-
la, como ficaria essa situação, no prazo de sessenta dias da suspensão da medida
provisória? Os alunos da Lucrus, beneficiados pelo ProUni, continuariam a receber suas
bolsas, bem como a União deveria continuar repassando os recursos à outras IPES que
estivessem atendendo a bolsistas.
Assim, a partir de 2004, a implementação do ProUni funciona, também, como uma
estratégia do Estado brasileiro para atender às pressões da rede privada, sob
recomendações das instâncias internacionais, dentre elas a Organização Mundial do
Comércio (OMC). (CARVALHO, 2006).
Passemos a analisar alguns artigos da medida provisória. Comecemos pelo art. ,
legis dispositivo:
Art. 1
o
Fica instituído, sob a gestão do Ministério da Educação, o Programa
Universidade para Todos - PROUNI, destinado à concessão de bolsas de estudo
integrais e bolsas de estudo parciais de cinqüenta por cento (meia-bolsa) para
cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições
privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos. (Grifos nossos).
167
Como se pode observar, o primeiro artigo não atende ao princípio do direito legem
mater servare
90
, uma vez que fere o art. 213, ao permitir o repasse de verbas públicas para
instituições privadas, desde que elas não tenham fins lucrativos. A possibilidade de
investimento de recursos públicos em instituições com fins lucrativos, isto é, de
propriedade privada, ultrapassa as restrições constitucionais do artigo 213.
O art. 1° ainda admite que as instituições beneficiadas ofereçam a abertura da
concessão de bolsas para os cursos seqüenciais, que são cursos aligeirados, sem o mínimo
de consistência, amplamente implantados nas IPES, tendo em vista o seu baixo custo e sua
alta eficiência, resultando numa falsa educação superior – verdadeira farsa! Outra admissão
é a de que essa modalidade de educação superior faça jus a diploma, e não a certificado,
como deveria ser, por seu caráter aligeirado. Parafraseando Leher (2004, p.875): “a lógica
desse governo é educação pobre para os pobres”.
O Programa abrange, também, faculdades isoladas e centros universitários, ou seja,
qualquer tipo de instituição de ensino superior.
Nos parágrafos do referido artigo percebemos, ainda, a justificação para a
concessão presente nos requisitos da assistência social:
§ 1
o
A bolsa de estudo integral será concedida a brasileiros não portadores
de diploma de curso superior, cuja renda familiar per capita não exceda o valor
de até um salário mínimo e meio.
§ 2
o
A bolsa de estudo parcial de cinqüenta por cento será concedida a
brasileiros o portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar per
capita não exceda o valor de até três salários mínimos.
§ 3
o
Para os efeitos desta Medida Provisória, bolsa de estudo refere-se às
semestralidades ou anuidades escolares fixadas com base na Lei nº 9.870, de 23
de novembro de 1999.
§ 4
o
Para os efeitos desta Medida Provisória, a bolsa de estudo parcial de
cinqüenta por cento (meia-bolsa) deverá ser concedida, considerando-se todos os
descontos regulares oferecidos pela instituição, inclusive aqueles dados em
virtude do pagamento pontual das mensalidades.
No art. 2°, vemos que a bolsa podeser concedida a brasileiros não portadores de
diploma de vel superior, cuja renda familiar não exceda o valor per capta de até um
salário mínimo e meio, aos estudantes oriundos de instituições públicas e, também, a

90
Respeitar a lei maior.
168
professores da rede pública de educação básica, que podem ser contemplados
independentemente dos critérios de renda que atingem somente estudantes.
No art. 3°, encontramos outro dispositivo que favorece as IPES, in verbis:
Art. 3
o
O estudante a ser beneficiado pelo PROUNI será pré-selecionado pelos
resultados e pelo perfil socioeconômico do Exame Nacional do Ensino Médio -
ENEM ou outros critérios a serem definidos pelo Ministério da Educação, e, na
etapa final, selecionado pela instituição de ensino superior, segundo seus
próprios critérios, às quais competirá, também, aferir as informações prestadas
pelo candidato.
A seleção do estudante será feita a partir dos resultados do Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM) e, na etapa final, a critério das próprias IPES.
A utilização do ENEM é outro ponto questionável, pois restringe a autonomia da
universidade na seleção de estudantes. Além disso, a qualidade desse Exame vem sendo
questionada por diversas entidades e instituições educacionais.
No art. e seus parágrafos, encontramos um série de explicações, que favorecem
as IPES, assim disposto:
Art. 5
o
A instituição privada de ensino superior, com fins lucrativos ou sem fins
lucrativos não-beneficente, poderá aderir ao PROUNI mediante assinatura de
termo de adesão, cumprindo-lhe oferecer, no mínimo, uma bolsa integral para
cada nove estudantes pagantes regularmente matriculados em cursos
efetivamente nela instalados.
§ 1
o
Aplica-se o disposto no caput às turmas iniciais de cada curso e turno
efetivamente instalados a partir do primeiro processo seletivo posterior à
publicação desta Medida Provisória, até atingir as proporções estabelecidas para
o conjunto dos estudantes de cursos de graduação e seqüencial de formação
específica da instituição.
§ 2
o
O termo de adesão terá prazo de vigência de dez anos, contado da data
de sua assinatura, renovável por iguais períodos e observado o disposto nesta
Medida Provisória.
[…]
Assim, as instituições privadas poderão aderir ao Programa, mediante assinatura de
termo de adesão, já válido a partir do primeiro processo seletivo realizado 1°), com
prazo de 10 anos, prevendo uma possível solução jurídica para o caso de a medida não
ser convertida em lei, o que beneficia as IPES que aderiram, sem prejuízo de seus
169
pagamentos 2°). Quanto ao número de vagas por IPES, é o de uma bolsa integral para
cada nove estudantes pagantes.
Outro aspecto importante está disposto no art. 6°, segundo o qual, havendo um
desequilíbrio na proporção inicialmente ajustada, a instituição deverá restabelecer a
referida proporção, oferecendo novas bolsas a cada processo seletivo subseqüente. Em
caso de evasão durante o curso, por qualquer impossibilidade do estudante, a instituição
poderá reequilibrar os números, para cumprir os percentuais estabelecidos no acordo.
No § 3°, do art. 7°, é observado que as IPES que não gozam de autonomia, logo,
que não são universidades, estão autorizadas a ampliar o número de vagas nos seus cursos,
a partir da assinatura do termo de adesão. Com isso, percebemos um aprofundamento na
relação público-privado, estabelecida pelas conhecidas parcerias público-privadas, onde o
estabelecimento privado de fins mercantis, lucrativos e a universidade pública e gratuita
passam a compor um único sistema. O ProUni é a consolidação da expansão do ensino
superior, através da iniciativa privada, com total aval do Estado.
O Programa utiliza também o SINAES, nos termos do § 4°, do art. 7°, para
credenciar as instituições que pretendem aderir ao programa. Aparece aqui, novamente, o
sistema de avaliação, baseado na premissa do Estado regulador, legitimando o repasse de
verbas para as instituições privadas. Assim,
§ 4
o
O Ministério da Educação desvinculará do PROUNI o curso considerado
insuficiente, segundo os critérios de desempenho do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior - SINAES, por três avaliações consecutivas,
situação em que as bolsas de estudo do curso desvinculado, nos processos
seletivos seguintes, deverão ser redistribuídas proporcionalmente pelos demais
cursos da instituição, respeitado o disposto no art. 5
o
.
Ocorre que, se determinado curso for considerado insuficiente, por três avaliações
consecutivas, a bolsa será desvinculada do curso, mas não da IPES com fim lucrativo,
atentando, novamente, contra o art.213, da CF.
No art. 8°, presenciamos a festa das isenções fiscais:
Art. 8
o
A instituição que aderir ao PROUNI ficará isenta dos seguintes impostos
e contribuições no período de vigência do termo de adesão:
I - Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas;
170
II - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, instituída pela Lei 7.689,
de 15 de dezembro de 1988;
III - Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social, instituída
pela Lei Complementar 70, de 30 de dezembro de 1991; e
IV - Contribuição para o Programa de Integração Social, instituída pela Lei
Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970.
§ 1
o
A isenção de que trata o caput recairá sobre o valor da receita auferida,
em decorrência da realização de atividades de ensino superior, proveniente de
cursos de graduação ou cursos seqüenciais de formação específica.
§ 2
o
A Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda disciplinará o
disposto neste artigo no prazo de trinta dias.
O acima exposto nos leva a afirmar que o ProUni caracteriza-se, notoriamente,
como mais uma medida da reforma universitária, proposta pelo governo Lula, dentro de
uma perspectiva neoliberal de ampliação da desoneração fiscal, para as instituições
privadas, e captação de recursos privados, para as universidades públicas. Também, como
o entendimento de que a educação é vista, efetivamente, como uma mercadoria, nos termos
do § 1°, do art. 10, referindo-se a instituições beneficentes de assistência social in verbis:
§ 1
o
A instituição de que trata o caput deverá aplicar anualmente, em gratuidade,
pelo menos vinte por cento da receita bruta proveniente da venda de serviços,
acrescida da receita decorrente de aplicações financeiras, de locação de bens, de
venda de bens não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares,
respeitadas, quando couber, as normas que disciplinam a atuação das entidades
beneficentes de assistência social na área da saúde.
O último destaque que realizamos concernente a essa MP está assim disposto, nos
parágrafos do art.11:
§ 1
o
Durante o prazo de vigência do termo de adesão, fica a instituição sujeita
exclusivamente à fiscalização do Ministério da Educação para efeito da
verificação das exigências, bem como da manutenção da isenção, de que trata o §
do art. 195 da Constituição Federal, ouvido, quando for o caso, o Ministério
da Saúde.
§ 2
o
As entidades beneficentes de assistência social que adotarem as regras do
PROUNI, nos termos do caput, poderão, mediante pedido expresso, solicitar ao
Ministro de Estado da Previdência Social o reexame de seus processos, com a
eventual restauração do certificado de entidade beneficente de assistência social
e restabelecimento da isenção de contribuições sociais, desde que o
indeferimento ou o cancelamento da isenção, ocorridos nos últimos dois triênios,
não tenha sido em razão do descumprimento dos requisitos previstos nos incisos
III, IV e V do art. 55 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991.
No § 1°, vemos que a instituição, plena de isenções fiscais, fica sujeita,
exclusivamente, à fiscalização do MEC, conforme disposto.
171
Sobre o § 2°, Leher (2004) comenta que, aderindo ao programa,
[...] as instituições filantrópicas cassadas nos últimos seis anos poderão solicitar
ao ministro da Previdência o reexame de seus processos, com eventual
restauração do certificado de entidade beneficente de assistência social e
restabelecimento da isenção de contribuições sociais, jogando no lixo todos os
autos milionários realizados pelos fiscais da previdência desde que provem ao
MEC e não a Previdência que não remuneram seus diretores, reaplicam lucros na
própria entidade, realizam algum tipo de benemerência.[...] Distribuição de
lucros e desvios de finalidades não passeiam pelo mundo dos papéis oficiais.
Fica, assim, explícito que os interesses mercantis prevalecem sobre os interesses
públicos.
É imperativo ressaltar que parte da sociedade civil também apoiou a adoção da MP.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), por meio de seu presidente, mostrou-se
simpatizante do ProUni, assim como os formados no ensino médio público, por não se
considerarem uma demanda potencial às instituições públicas, em face das barreiras
impostas pelos exames vestibulares e pela baixa qualidade do ensino médio público
brasileiro. (MARINHO, 2005).
Contudo, no que diz respeito às questões sociais, ganha cena a posição assumida
por Catani e Gilioli (2005), segundo a qual o ProUni promove uma política pública de
acesso, mas não de permanência e conclusão do curso, orientando-se por uma concepção
assistencialista, nos moldes das recomendações do BIRD, que oferece benefícios e não
direitos aos egressos do ensino médio público.
Em 13 de janeiro de 2005, a medida provisória converteu-se na lei ordinária
11.096: decorridos sessenta dias, e mais sessenta de prorrogação, ela foi aprovada pelo CN,
dada a “urgência” de fortalecer a rede privada de ensino superior, leia-se o mercado.
Assim, a referida lei instituiu o Programa Universidade para Todos (ProUni), regulou a
atuação de entidades beneficentes de assistência social, no ensino superior; alterou a Lei n
o
10.891, de 9 de julho de 2004 [que instituiu a Bolsa-Atleta] e deu outras providências.
De acordo com a análise documental feita por Carvalho (2006), o desenvolvimento
do corpo legislativo do Programa da Medida Provisória 213, de 10 de setembro de
2004, até sua conversão na Lei 11.096, de 13 de janeiro de 2005 infere-se que as
172
alterações no texto legal parecem conduzir à flexibilização de requisitos e sanções e à
redução da contrapartida das instituições particulares.
A posição quase unânime das principais entidades educacionais brasileiras,
reunidas no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e, mais amplamente, com os
encaminhamentos do Congresso Nacional de Educação, realizado em 2004, definiu como
eixo de luta a oposição às parcerias público-privadas do Estado com o setor privado na
educação, combatendo a compra de vagas privadas com isenções fiscais.
Os reitores das IFES (ANDIFES) consideraram que o Programa é nefasto para a
educação brasileira. Em contrapartida, o ProUni foi apoiado pelas entidades ligadas aos
empresários da educação superior que, inclusive, conseguiram modificar o projeto, de
modo ainda mais favorável aos seus interesses mercantis.
Antes de destacarmos alguns artigos da lei, que interferem diretamente sobre o
financiamento da educação superior, destacamos o único artigo que foi vetado pelo
Congresso Nacional, do Projeto de Lei de Conversão n
o
59, de 2004 (MP n
o
213/04) que
por lá tramitava. Trata-se do art. 17, que assim estava disposto:
Art. 17. A mantenedora de instituição de ensino superior que aderir ao Prouni
passará a gozar da isenção prevista no art. 8
o
desta Lei pelo prazo de vigência do
termo de adesão, devendo comprovar, ao final de cada exercício, a quitação de
tributos e contribuições federais administrados pela Secretaria da Receita
Federal, sob pena de desvinculação do Programa, sem prejuízo para os
estudantes beneficiados e sem ônus para o Poder Público.
A justificativa para o veto, dada pelo Câmara dos Deputados ao Senado Federal, é a
de que o artigo em tela, que consta da MP, não pode compor o texto da lei, porque
contraria o interesse público, nos termos do § 1°, do art. 66, da CF. Eis as razões do veto
91
:
O caput do art. 17 autoriza a instituição mantenedora a aderir ao Prouni sem
comprovar a regularidade fiscal, postergando tal comprovação para o final de
cada exercício. Trata-se de uma medida sem precedente na legislação tributária,
abrindo a possibilidade de outros setores reinvidicarem [sic] tratamento
isonômico.
Por outro lado, na forma em que apresentado, o dispositivo estende às
mantenedoras ‘a isenção prevista no art. 8
o
desta Lei’, sem, entretanto,
estabelecer, de forma clara, que o benefício estaria submetido às condições ali
estabelecidas, o que provocará demandas judiciais tentando ampliar a aplicação

91
Íntegra da Mensagem de Veto disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-
2006/2005/Msg/Vep/VEP-0014-05.htm
173
da isenção à totalidade das atividades exercidas pela beneficiária (isenção
objetiva), inclusive aquelas vinculadas ao ensino fundamental e médio, fato que
se distancia, em muito, da intenção da proposta original.
Da mesma forma, o parágrafo único do art. 17 excepciona as instituições que
aderirem ao Prouni da obrigatoriedade de comprovar a quitação de impostos e
contribuições federias para fins de concessão da isenção tributária de que trata o
projeto de lei de conversão.
Essas Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o dispositivo acima
mencionado do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos
Senhores Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 13 de janeiro de 2005.
Pelo menos quanto a essa questão, o CN não se calou, considerando que o proposto,
no artigo, é uma “iniciativa sem precedente na legislação tributária”, ao isentar as IPES
aderentes de comprovar sua regularidade fiscal junto ao Ministério da Fazenda. Fato esse
que funcionaria como uma abertura para que todos os outros setores obrigados a
comprovar suas regularidades fiscais entrassem com ações perquirindo direito iguais. Além
disso, aponta grave lacuna, no projeto de lei, e, conseqüentemente, na MP, já em vigor, que
possibilitava ampliar a isenção fiscal. Não bastando isso, o projeto também admitia não
haver necessidade de que as IPES que viessem a aderir demonstrassem o pagamento de
impostos e contribuições federais, para que pudessem receber as isenções previstas,
quando da sua adesão ao programa, o que representaria apadrinhamento político de
algumas instituições credoras do Estado. Houve, aqui, um parcial controle preventivo de
constitucionalidade.
Em linhas gerais, a lei conservou muitos artigos da MP e, ao contrário do discurso
oficial, o ProUni não regulamentou apenas a contrapartida das instituições às quais a
Constituição permitiu a isenção fiscal, mas, também, àquelas com fins lucrativos. O
Programa incluiu, na legislação, algo que a Carta de 1988, no art. 213, não consentiu.
No art 5°, da lei, encontramos um diferença concernente ao número de vagas por
IPES, que, na MP, era o de uma bolsa integral para cada 9 (nove) estudantes pagantes:
agora, passa a ser para cada 10,7 (dez inteiros e sete décimos).
O § 4°, do art. 7°, também, sofreu uma alteração. Na medida provisória, via
SINAES, se determinado curso fosse considerado insuficiente, por três avaliações
consecutivas, a bolsa seria desvinculada do curso, mas não da IPES. Na lei, a mudança foi
a “significativa” redução para duas avaliações.
174
Vejamos os parágrafos 2°, 3° e 4° do art. 11, ipsis verbis:
§ 2
o
As entidades beneficentes de assistência social que tiveram seus pedidos de
renovação de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social
indeferidos, nos 2 (dois) últimos triênios, unicamente por não atenderem ao
percentual mínimo de gratuidade exigido, que adotarem as regras do Prouni, nos
termos desta Lei, poderão, até 60 (sessenta) dias após a data de publicação desta
Lei, requerer ao Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS a concessão
de novo Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social e,
posteriormente, requerer ao Ministério da Previdência Social a isenção das
contribuições de que trata o art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
§ 3
o
O Ministério da Previdência Social decidirá sobre o pedido de isenção da
entidade que obtiver o Certificado na forma do caput deste artigo com efeitos a
partir da edição da Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004,
cabendo à entidade comprovar ao Ministério da Previdência Social o efetivo
cumprimento das obrigações assumidas, até o último dia do mês de abril
subseqüente a cada um dos 3 (três) próximos exercícios fiscais.
§ 4
o
Na hipótese de o CNAS não decidir sobre o pedido até o dia 31 de março de
2005, a entidade poderá formular ao Ministério da Previdência Social o pedido
de isenção, independentemente do pronunciamento do CNAS, mediante
apresentação de cópia do requerimento encaminhando a este e do respectivo
protocolo de recebimento.
Diante do exposto, as entidades beneficentes de assistência social, que tiveram seu
certificado negado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), poderiam
requerer, nos termos previstos, a concessão de novo certificado. Ocorre que, se o CNAS
não se pronunciasse sobre o pedido, no tempo determinado pela lei, a entidade poderia se
dirigir, diretamente, ao Ministério da Previdência Social; feito isso, de nada valeria o
pronunciamento do CNAS, fosse ele negativo ou favorável à concessão do certificado
referido.
Daí observarmos mais um atentado contra a Constituição, posto que o art. 204,
inciso II, da CF, dispõe sobre a necessidade de controle social das ações de assistência
social, em todos as esferas governamentais. No caso em voga, o CNAS pode ser
completamente desconsiderado.
No art. 13, temos a seguinte disposição:
Art. 13. As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de
ensino superior, sem fins lucrativos, que adotarem as regras de seleção de
estudantes bolsistas a que se refere o art. 11 desta Lei e que estejam no gozo da
isenção da contribuição para a seguridade social de que trata o § do art. 195 da
Constituição Federal, que optarem, a partir da data de publicação desta Lei, por
transformar sua natureza jurídica em sociedade de fins econômicos, na forma
facultada pelo art. -A da Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995, passarão a
pagar a quota patronal para a previdência social de forma gradual, durante o
175
prazo de 5 (cinco) anos, na razão de 20% (vinte por cento) do valor devido a
cada ano, cumulativamente, até atingir o valor integral das contribuições devidas.
Parágrafo único. A pessoa jurídica de direito privado transformada em
sociedade de fins econômicos passará a pagar a contribuição previdenciária de
que trata o caput deste artigo a partir do 1
o
dia do mês de realização da
assembléia geral que autorizar a transformação da sua natureza jurídica,
respeitada a gradação correspondente ao respectivo ano.
Como agravante, o Programa possibilita que o patrimônio adquirido com as
isenções fiscais passe a compor o patrimônio do proprietário da mantenedora, quando a
instituição filantrópica 7°, art. 195, da CF) tiver sua natureza jurídica convertida em
“sociedade de fins econômicos”, mas, também, isenta de impostos e contribuições. Na lei
ordinária, citada no artigo
92
, descobrimos que uma entidade mantenedora, sem finalidade
lucrativa, deve, nos termos do inciso V, do art. 7°-B, “destinar seu patrimônio a outra
instituição congênere ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades,
promovendo, se necessário, a alteração estatutária correspondente.”. Ocorre que, nos
termos do art. 13, da lei do ProUni, passarão a pagar a quota patronal para a previdência
social de forma gradual, durante o prazo de 5 (cinco) anos, na razão de 20% (vinte por
cento) do valor devido a cada ano, cumulativamente, até atingir o valor integral das
contribuições devidas.”. Isso significa que, com a adesão ao ProUni, a instituição
filantrópica que se converteu em lucrativa pode ficar com o patrimônio adquirido com
recursos públicos, desde que pague a cota patronal à previdência social, não precisando,
em função de ter aderido ao ProUni, transferir seu patrimônio para outra filantrópica ou ao
poder público, como deveria fazer.
Para Leher (2004, p.875-877), com a adoção do programa, “As universidades serão
inseridas no moinho satânico da reprodução do capital [...]”, uma vez que “o PROUNI vem
ao encontro dos mais ambiciosos sonhos das instituições filantrópicas, comunitárias,
confessionais e empresariais de educação superior.”.
Segundo um estudo realizado pelo INEP, as isenções das IES filantrópicas,
comunitárias e confessionais somavam, em 2003, R$ 850 milhões (hoje, não menos de R$
1 bilhão). E o conjunto das isenções, na forma de impostos e contribuições, equivale a 25%
do faturamento das empresas educacionais. Conforme estudo setorial da Gazeta Mercantil,

92
Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995.
176
o setor de educação privada, no país, movimenta mais de R$ 15 bilhões. Além disso, as
verbas do FIES complementam o pagamento das bolsas parciais do ProUni, permitindo
que o mercado da educação receba duas vezes recursos públicos: por meio da isenção
fiscal e por meio de repasse direto de recursos pelo FIES. Enquanto o repasse para as IES
privadas é robusto, na ordem de bilhões, para a expansão das IFES apenas R$ 200 milhões
são alocados por ano. (apud ANDES-SN, 2004).
Sobre essa questão, Otranto (2006b) argumenta que, se o recurso público fosse
efetivamente financiador de instituições públicas, “a tendência seria de chegar, em três ou
quatro anos, a um milhão de novas matrículas nas universidades públicas e não 120.000
bolsas como pressupõe o PROUNI.” (p.50).
Para Lima, K.R. (2006), a ação do ProUni é a operacionalização da sistemática
redução de recursos públicos para o financiamento da educação superior e, ao mesmo
tempo, a base política e jurídica que assegura que o excedente econômico brasileiro se
destine ao capital internacional, via pagamento dos juros da dívida externa e ampliação do
setor privado.
Segundo Leher (2004, p.879), vivencia-se “um contexto de dramático
estrangulamento orçamentário das instituições publicas, vítimas do draconiano superávit
primário que fez secar as políticas públicas.”.
Observamos que, nessa lei, em vários momentos, encontram-se dispositivos
inconstitucionais, no que diz respeito ao financiamento de IPES lucrativas, com recursos
públicos; à dissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, via instituições que oferecem
cursos seqüenciais de formação especifica; às determinações de controle social. O que se
vê, portanto, é um total desrespeito do próprio Estado brasileiro à CF, tendo em vista o
cumprimento de compromissos com instâncias internacionais. Em função disso, nossa
Constituição recebe muitos tiros por parte dessa norma infraconstitucional, que
inadvertidamente dispõe contra legem (artigos 213, 207, 195).
Políticas públicas como as que vêm sendo implementadas pelo Estado brasileiro
negam seu caráter democrático e retomam o discurso do pacto social, de Hobbes, mas
reformado, justificando as medidas administrativas mercantis, materializadas por meio de
normas jurídicas, como é o caso do ProUni.
177
4.5. Controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais.
Algumas normas jurídicas, embora não devessem,
apresentam vício material. Assim, aquele ato normativo
que afrontar alguma matéria da Lei Maior deve ser
declarado inconstitucional.
(Pedro Lenza)
No decorrer deste estudo, percebemos o quanto Estado, direito e políticas públicas
educacionais estão intimamente relacionados.
O direito constitucional nos ensina que as normas emanadas do Estado brasileiro,
que é uma República federativa, devem sempre ter, como ponto de referência, a
Constituição vigente, visto que dela decorrem as normas infraconstitucionais. Também a
ciência do direito constitucional esclarece que nenhuma norma deverá vigorar, no
ordenamento jurídico, se for disposta de forma contrária à Constituição, como as que
analisamos, no Capítulo 3 e na subseção 4.1, do presente capítulo.
Trata-se, aqui, do que os doutrinadores constitucionalistas definem como o
Princípio da Supremacia da Constituição, segundo o qual os atos normativos devem estar
de acordo com os preceitos previstos na norma que se encontra no cume da conhecida
pirâmide normativa. O que implica dizer que a norma de validade, para qualquer ato
infraconstitucional, consiste em atender ao bloco de constitucionalidade
93
–que é o caso,
por exemplo, do princípio da autonomia universitária –, que vem sendo adotado fortemente
pela jurisprudência
94
, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn)
das normas.
Na definição precisa de Paulo e Alexandrino (2008, p.693), inconstitucional é
a ação ou omissão que ofende, no todo ou em parte, a Constituição. Se a lei
ordinária, a lei complementar, o estatuto privado, o contrato, o ato administrativo
etc. não se conformarem com a Constituição, não devem produzir efeitos. Ao
contrário, devem ser fulminados, por inconstitucionais, com base no princípio da
supremacia constitucional.

93
Lenza (2005) explica que o bloco de constitucionalidade refere-se ao elemento conceitual que visa
identificar o que deve ser entendido como parâmetro de constitucionalidade. Para ele, uma norma deve ser
dita inconstitucional não apenas quando contrariar um dispositivo expressamente descrito na CF, mas
também quando contrarie princípios nela implícitos.
94
Decisões reiteradas dos tribunais, que configuram parâmetro de validade tal qual uma norma.
178
Sobre a supremacia de uma Constituição rígida, como a nossa, Pinto Ferreira
(1983) a define como a pedra angular sobre a qual se assentam todas as bases do direito
moderno, esclarecendo que a CF se encontra no topo da cadeia normativa, posto ser ela a
responsável por conferir validade ao sistema jurídico de uma federação.
Outro princípio, previsto no art. 5°, inciso II, da CF/88, assegura que ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Dele se entende
que, somente por meio das espécies normativas, elaboradas de acordo com as regras do
processo legislativo constitucional, podem ser originadas obrigações jurídicas, bem como
que o legislador constituinte teve a intenção de impedir que o Estado agisse de forma
arbitrária, na formulação de normas. Trata-se do Princípio da Legalidade. Sobre ele, Garcia
de Enterría (apud Moraes, 2004, p.71) considera que
[...] quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da legalidade remete, fica
também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex, sed lex
95
),
não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas somente
aqueles que se produzem ‘dentro da Constituição’ e especialmente de acordo
com sua ‘ordem de valores’.
O exposto nos leva a crer que normas que não respeitem a CF, ferindo a legalidade
em função de sua arbitrariedade, como são os casos, por exemplo, da lei de escolha de
dirigentes universitários e da emenda constitucional que desvincula parte dos recursos
destinados à educação, devem ser declaradas inconstitucionais e banidas do ordenamento
jurídico.
A soberania do Estado brasileiro, como princípio, também é posta em xeque, de vez
que entendemos que um Estado que materializa, juridicamente, acordos e orientações
advindos de organismos internacionais nega a sua soberania nos planos externo e interno.
Assim, questionamos onde está o respeito à soberania do Estado, quando segue as
orientações acima referidas, aderindo a uma tipologia de ensino superior que, segundo
Chauí (2001, p.201), distribui as funções da universidade em: “finalidade” de atender ao
mercado como é o caso dos instrumentos de crédito educativo; “fonte de investimento” –
que minimiza o conceito de autonomia como liberdade para interagir com o mercado, na
busca de seu financiamento; avaliação” na premissa de um Estado regulador, que se

95
É dura a lei, mas é a lei.
179
vale de mecanismos como o Provão e o SINAES para credenciar e normalizar as IES; e,
por último, “a relação com o mercado” que transfere recursos públicos para a iniciativa
privada com fins lucrativos.
Para além do disposto na esfera constitucional, também entendemos que a natureza
pública da educação superior a insere no direito administrativo e, conseqüentemente, no
direito público. Um dos princípios basilares do direito administrativo está assegurado na
supremacia do interesse público sobre o privado. Nesse sentido, favorecer os interesses
privados em detrimento dos interesses públicos conforme visualizamos na análise de
alguns dispositivos da LDB assim como justificar que o interesse público é atendido
quando se destina recursos públicos à instituições privadas, no caso do ProUni, é atirar
contra esse princípio.
Vimos, assim, na análise legislativa realizada, uma série de infringências à CF/88,
especialmente, no que concerne à autonomia e ao financiamento da educação superior.
Muito se discutiu sobre a aplicabilidade do art. 207, que, sob o nosso entendimento,
configura-se como uma norma de aplicabilidade imediata, uma vez que as normas
constitucionais de eficácia plena são aquelas que produzem ou têm possibilidade de
produzir efeitos essenciais que o legislador quis regular, sendo objetivas e diretas,
diferentemente das normas de eficácia contida e limitada que requerem uma lei que
estabeleça regulação adicional, de forma taxativa, no texto da CF. Também, observamos
muitas interferências sobre o financiamento da educação superior pública com recursos
públicos, que vem se convertendo em financiamento da educação privada com recursos
públicos, bem como a desvinculação de recursos constitucionalmente previstos,
desvirtuação que ocorre a fim de atender acordos externos.
Doutrinadores constitucionalistas são unânimes em afirmar que as normas
constitucionais são dotadas de máxima efetividade, ou seja, a elas deve ser atribuído um
sentido que lhe confira a maior eficácia possível, bem como devem ser dotadas de elevada
força normativa, o que significa dizer que, na hermenêutica jurídica, diante das
interpretações possíveis, deve ser considerada válida aquela que assegure maior
aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.
180
Jorge Miranda (1990) considera que as normas constitucionais não podem ser
interpretadas de forma que seja suprimida ou diminuída a sua finalidade, posto que
desempenham função essencial no ordenamento.
Diante do exposto, questionamos sobre como devemos agir diante de atos
normativos infraconstitucionais que lesam princípios básicos da CF, como a supremacia e
a legalidade: lesam matérias, lesam artigos e, “por tabela”, lesam direitos.
Encontramos respostas a nossos questionamentos junto aos teóricos do direito
constitucional, que nos ensinam como agir diante da incompatibilidade encontrada. Como
solução para esse problema, um instituto jurídico denominado Controle de
Constitucionalidade. Esse controle representa, efetivamente, o poder da supremacia dos
direitos e garantias assegurados pela CF, “além de configurarem limites ao poder do
Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus
deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito.” (Moraes,
2004, p.599).
Estado democrático esse, fruto de um processo doloroso para a sociedade brasileira,
posto que, conforme visto, no Capítulo 2, representou uma luta histórica para a
configuração do processo democrático, no país. É, pois, na própria CF/88 que se
encontram as principais previsões relativas ao controle de constitucionalidade, em
princípio, no art.59. É como se a Carta Magna previsse uma espécie de castigo aos filhos
que lhe desrespeitassem. Assim, o Estado, ao formular políticas públicas, não deveria
esquecer que o controle de constitucionalidade é uma salvaguarda da Constituição, tendo
por escopo assegurar os direitos que integram o texto constitucional, como os definidos nos
artigos 207 e 212, por exemplo.
Alexandre de Moraes (2004) considera que o problema da inconstitucionalidade das
espécies normativas tem início, no processo legislativo, em razão da inobservância do
disposto na CF. Consideramos, no entanto, que essa inobservância tem sido, nos casos
analisados, proposital, tendo em vista o atendimento da mercantilização da educação
superior que assistimos, nas últimas décadas, no país. O autor também nos chama a
atenção para o fato de que aquele que se recuse a cumprir uma lei que é escancaradamente
181
inconstitucional não esem situação de descumprimento.
96
., como seria o caso de uma
IFES que se recusasse a adotar a Lei 9.192/95, para escolher seus dirigentes, de vez que
esta fere o art. 207, da Constituição.
O vício da norma pode ser formal, quando não atende à forma prevista, legalmente,
para a sua elaboração, não respeitando o trâmite constitucional, e material, quando a
matéria tratada, na norma, está disposta contra legem mater, o que configura o caso dos
dispositivos analisados, neste trabalho.
Acontece que as leis que se encontram em plena vigência, no ordenamento jurídico
da educação superior, passaram, todas, por um controle preventivo, que tinha por função
assegurar que elas não ingressassem viciadas. Daí se entende que as comissões
permanentes de Constituição e Justiça
97
da Câmara dos Deputados e do Senado, bem como
o veto jurídico
98
e o veto político
99
, de responsabilidade do presidente da República,
falharam (intencionalmente ou não) gravemente.
A saída prevista para a falha do controle preventivo está no controle repressivo, de
competência do poder judiciário, quando a espécie normativa já se encontra editada, com o
escopo de expurgá-la do ordenamento jurídico.
Dias (2007) considera que o controle judicial não se separa da democracia
constitucional. Nesse sentido, a elaboração, por parte do Estado, de qualquer política
pública não deve desconsiderar “a possibilidade de controle judicial quanto a suas
repercussões jurídicas. Não se pode obscurecer o fato de que violações a direitos são e
devem ser questões que integram a atuação do Poder Judiciário.” (p.44).
Infelizmente, o instituto jurídico repressivo é pouco utilizado, em função do seu
desconhecimento por grande parte da sociedade, bem como pela falta de interesse do
Estado na declaração de inconstitucionalidade. Nosso compromisso com a educação

96
Moraes (2004) apresenta vários casos jurisprudenciais e doutrinários neste sentido, que respaldam a sua
afirmação.
97
Previstas no art. 58, da CF, no art 32, inciso III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e no art.
101, do Regimento Interno do Senado Federal.
98
Previsto no § 1°, do art. 66, da CF, postula que o chefe do poder Executivo pode vetar o projeto de lei
aprovado pelo Congresso Nacional, se julgá-lo inconstitucional.
99
Segundo Lenza (2005), o veto político pode ser utilizado pelo Presidente, quando o projeto de lei for
contrário ao interesse público.
182
superior está, neste estudo, em esclarecer como proceder, no plano legal, para que normas
infraconstitucionais inconstitucionais, como as apresentadas, possam ser declaradas como
tais.
Partimos, então, da premissa de que nenhuma ação do Estado pode afrontar a
Constituição e entendemos que qualquer ação, por parte daquele, que desrespeite a Carta
da República é inconstitucional. Também, entendemos que o texto original da CF, de 1988,
não é inconstitucional, em virtude da legitimidade conferida ao constituinte originário.
Porém, as Emendas Constitucionais, inclusive as de revisão, podem ser declaradas
inconstitucionais, e cumpre ao Supremo Tribunal Federal (STF) , no papel de guardião da
CF, interferir sobre elas, nos termos do art. 102, da CF, in verbis:
Art. 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal.
Com base no objetivo de nosso estudo, tratamos, especificamente, dos casos de
inconstitucionalidade por ação
100
, que acontecem quando o ataque à CF é resultado de uma
ação praticada por qualquer órgão do Estado, e dos casos de inconstitucionalidade material,
ou seja, quando o conteúdo da norma menor dispõe de forma contrária à CF.
Uma lei pode ser totalmente ou parcialmente inconstitucional. Moraes (2004)
explica que, em regra, o reconhecimento se dá sobre parte da lei, posto que a validade de
uma lei é analisada pedaço por pedaço, e não de forma global. Embora possam ocorrer
casos em que o Poder Judiciário declare que o problema da lei é geral, a declaração da
inconstitucionalidade parcial pelo Poder Judiciário pode recair sobre fração de artigo,
parágrafo, inciso ou alínea, até mesmo sobre uma única palavra” (p.628), mas o pode
mudar o sentido do alcance da lei, para não ferir o princípio da separação dos três poderes;
pode, apenas, declará-la inconstitucional.

100
Silva (2005) explica que a inconstitucionalidade também pode ocorrer por omissão, quando diante de uma
norma constitucional de eficácia limitada, na qual a CF exige do legislador ordinário a elaboração de uma
norma regulamentadora, que confira viabilidade ao exercício de determinado direito nela assegurado. Seria,
por exemplo, um caso de omissão se a LDB, prevista na CF, não tivesse sido elaborada.
183
A CF/88 legitima quem e como se pode questionar quanto à a constitucionalidade
de um ato normativo (art. 103), com o fim de resguardar a harmonia do ordenamento
jurídico, leia-se, respeito à Lei Maior.
Via controle abstrato
101
no qual o autor da ação judicial não alega a lesão a um
direito subjetivo, pessoal, e sim alega a defesa do interesse público e da CF –, podem ser
movidas diversas espécies de ações diretas
102
; contudo, trataremos, em princípio, somente
de uma delas: a ação direta de inconstitucionalidade genérica, conhecida, no ordenamento
jurídico, de forma abreviada, como ADIn
103
.
Lenza (2005) afirma que, na ADIn, a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo
é declarada em tese, de vez que a própria ação tem por escopo o reconhecimento dessa
invalidade. Assim, a função daquela é a de defender a ordem constitucional, no sentido de
expurgar o elemento de desordem do sistema jurídico, cuja competência para julgar é
exclusiva do STF (art. 102, I, a, da CF).
Os legitimados para propor a ADIn são, nos termos do art 103:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
(Grifos nossos).

101
Carvalho (2008) esclarece que o controle de constitucionalidade é abstrato quando se move uma ação
direta para solucionar uma controvérsia constitucional sobre a compatibilidade de uma norma com a CF. O
controle também pode ser difuso, quando qualquer órgão do Poder Judiciário, diante de um caso concreto,
reconhece a inconstitucionalidade de uma norma, sem que ninguém tenha solicitado isso por via abstrata.
102
Nos termos da CF (art. 103), além da ADIn, existem as seguintes espécies de ações abstratas: Ação direta
de inconstitucionalidade por Omissão (ADInPO); Ação declaratória de constitucionalidade (ADC); Argüição
de descumprimento de preceitos fundamental (ADPF) e Ação direta de inconstitucionalidade interventiva
(ADIn Interventiva)
103
A expressão ADIn é utilizada por autores como Moraes (2004), Lenza (2005), Silva (2005), Carvalho
(2008), Paulo e Alexandrino (2008), entre outros.
184
Paulo e Alexandrino (2008) esclarecem que cabe a exigência de um advogado,
para propor a ADIn, no caso específico dos contemplados nos incisos VIII e IX. “Os
demais legitimados poderão propor a ação direta perante o Supremo Tribunal Federal sem
necessidade de estarem representados por advogado” (p.759). Além disso, os legitimados
precisam comprovar seu interesse de agir; vale dizer que o assunto da ação movida tenha
relação com as funções exercidas pelo órgão propositor, bem como com seus interesses.
Assim, uma ADIn de uma lei educacional pode ser movida, por exemplo, por qualquer
partido político ou por uma confederação sindical ou entidade de classe de professores,
estudantes, dirigentes, ou profissionais da educação que atue em âmbito nacional.
O objeto sobre o qual incide uma ADIn, segundo a norma que a regulamenta
104
, se
refere exclusivamente à normas infraconstitucionais, ou seja, editadas pós 5 de outubro de
1988; que sejam caracterizados por generalidade e abstração
105
; que desrespeitem
diretamente a CF e que ainda estejam em vigor, mesmo no prazo de vacacio legis
106
.
Nos termos acima descritos, podem ser objeto de ADIn espécies normativas como:
emendas à CF; tratados e convenções internacionais; leis complementares, ordinárias,
delegadas; resoluções, decretos, pareceres e MPs
107
. Destacamos que, no caso de uma MP
ser convertida em lei, antes da ação ter sido julgada pelo STF, a ação prossegue não mais
sobre a MP e sim sobre a lei dela originada.
Um dos requisitos para a ADIn, nos termos de sua lei regulamentadora, é o de que
haja um texto da Constituição que lhe sirva de parâmetro, uma vez que o autor da ação
deve indicar qual parte da CF está sendo violada. Além disso, deve indicar todos os
dispositivos da lei que ferem a CF, bem como o fundamento jurídico dessa indicação,
embora o STF seja livre para buscar fundamentos jurídicos próprios, porque, para alegar a
violação, terá que analisar a Constituição inteira e não apenas os fundamentos apresentados
pela ADIn. Por esse motivo, não é possível mover nova ação sobre o mesmo ato normativo
(art. 3°, inciso I, e art. 26).

104
Lei complementar n° 9.868/1999.
105
Trata-se de uma norma que se aplica a um número indefinido de pessoas e casos, atingidos pelo ato
normativo que se supõe inconstitucional.
106
Vaga da lei. Trata-se do período compreendido entre a publicação da lei até a data de sua vigência.
107
Lenza (2005) afirma que, segundo a jurisprudência do STF, as súmulas não podem ser objeto de ADIn em
face da sua ausência de conteúdo normativo, vez que se referem a adoção oficial de uma interpretação fixa,
que se impõe a todos, advinda de uma controvérsia de interpretação.
185
A propositura da ação não é prescritível: o propositor pode impugnar o ato
normativo a qualquer tempo, visto que atos inconstitucionais não se convalidam no tempo.
O autor da ADIn, uma vez iniciada, não pode dela desistir, sob nenhuma hipótese, porque
age em nome do interesse público e não do seu.(CARVALHO, 2008).
No decorrer do processo, o Procurador Geral da República (PGR) assume uma
relevante função, pois será ele o responsável pela defesa vigorosa da Constituição.
Um importante instituto jurídico está previsto, no art. 102, inciso I, alínea p, da CF.
Trata-se da medida cautelar em ADIn, que pode ser concedida por meio de uma liminar,
antes da apreciação do mérito de pedido inicial, e tem por objetivo assegurar a utilidade de
decisão futura do STF. Sua intenção é a de prevenir um dano que poderia ocorrer, caso a
ADIn fosse considerada procedente somente na decisão de mérito. Nela, não prazo de
vigência determinado, pode vigorar até que a decisão seja transitada em julgado, conforme
propugnado nos artigos 10, 11 e 12, da Lei nº 9.868/1999.
Moraes (2004) esclarece que o pedido cautelar somente será apreciado pelo STF
diante da presença dos pressupostos do fumus boni juris e do periculum in mora (perigo na
demora). Aquele pressuposto concerne ao fundamento jurídico relevante do pedido, que
indica um “bom direito”, ou seja, a plausibilidade do pedido. este pressuposto deve
deixar claro que a demora da tramitação do processo de julgamento da ADIn, até a decisão
de mérito do STF, pode acarretar graves transtornos, danos ou prejuízos de difícil ou
impossível reparação.
No que concerne à decisão de mérito favorável, esta apresentará, conforme disposto
no § 1°, do art 10, os seguintes efeitos sobre a inconstitucionalidade da espécie normativa:
erga omnes; ex tunc; vinculante.
Isso significa que, se uma lei, como a do ProUni, for declarada inconstitucional,
alcançará todos os indivíduos que estariam sujeitos à aplicação dela; por exemplo,
estudantes bolsistas, IPES, MEC, Ministério da Fazenda etc., em função da eficácia erga
omnes. Todas as relações jurídicas travadas, desde o dia 13 de janeiro de 2005, que foi a
data da vigência da lei, seriam invalidadas, por conta do seu efeito ex tunc, ou seja,
retroativo. Além disso, todos os órgãos do judiciário, da administração pública direta ou
186
indireta, de qualquer esfera de governo, ficariam vinculados à decisão proferida pelo STF,
não podendo desrespeitá-la.
Paulo e Alexandrino (2008) destacam, no entanto, que a eficácia retroativa tem
sido, na prática, limitada, de vez que os atos já consumados com base na lei que agora foi
declarada inconstitucional não serão imediatamente desfeitos, pois “apenas criará
condições para que a parte interessada pleiteie, na via judicial adequada, o desfazimento
desses atos, se o direito ainda não houver sido alcançado pela prescrição” (p.801). Isso
ocorreria, por exemplo, no caso de estudantes bolsistas que houvessem concluído o
curso e as IPES recebido as isenções fiscais. Teria que ser verificado, pela via judicial,
uma forma de compensação ao erário público, diante da relação jurídica consumada.
Ressalte-se que, diante da declaração de inconstitucionalidade da lei, o Poder Judiciário
não poderia se calar.
Por fim, destacamos que, temendo as possibilidades e os efeitos de uma ADIn, em
17 de março de 1993, no governo Itamar Franco, foi introduzida a Emenda Constitucional
n° 3, que instituiu a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), com a finalidade de
obter a afirmação de que um ato normativo, emanado da esfera federal, venha a ser
declarado constitucional.
Extremamente similar à ADIn, a ADC apresenta a mesma natureza jurídica de
controle abstrato, tendo por base uma controvérsia constitucional, podendo ser ajuizada
pelos mesmos legitimados da ação anteriormente tratada, dirigida ao STF e com os
mesmos efeitos.
A proposição de uma ADC precisa ter por base a existência de uma relevante
controvérsia judicial sobre a validade da lei. Se não houver, não pode ser ajuizada.
A ela, também, cabe medida cautelar, que consiste na suspensão de julgamento de
processos que envolvam a aplicação da lei objeto da ADC. Contudo, se não for julgada no
prazo de cento e oitenta dias, a cautelar é suspensa.
Na verdade, observamos que a ADC pode se converter numa estratégia de bloqueio
à ADIn, que é do texto original da CF.
187
A mobilidade da ação está nas mãos dos legalmente constituídos para o pedido;
sem essa provocação, o Poder Judiciário permanece inerte. Contudo, após legalmente
provocado, compete ao controle judicial exercer o juízo de valor para apurar se as políticas
públicas, exaradas pelo Estado brasileiro, via normas infraconstitucionais, lesam a
Constituição Federal, e decidir como agir em defesa da Supremacia da Constituição e do
postulado Estado democrático de direito.
***
Em síntese, visualiza-se que o Estado brasileiro atende, paulatinamente, à lógica
capitalista, sendo mínimo para as políticas públicas e ximo para o capital. Nesse
sentido, o Estado tem buscado fundamento em uma estrutura jurídica que legitime suas
ações, baseado na premissa de que este se configura constitucionalmente como
democrático e de direito, fazendo com que a validade de suas reformas encontre amparo
nas leis. Assim, as políticas públicas têm sido reflexo dos interesses sustentados pelo
Estado, concretizadas via normas jurídicas.
Isso significa que, valendo-se da coercibilidade e do caráter cogente da lei, os
últimos governos brasileiros vêm tentando, de várias formas, desvirtuar os próprios direitos
explicitados, na Constituição originária, dando cena ao fortalecimento da economia
neoliberal de mercado, mesmo que, para tanto, seja preciso negar a Carta Política
Fundamental. Na prática, sob a ótica política vêm realizando um processo de reforma
constitucional, camuflado pelas emendas constitucionais e sob o entendimento jurídico
passamos por um processo de crise constitucional, ainda sob a análise da doutrina.
Marilena Chauí (1988) chamava a atenção para o fato de que, em geral, estamos
habituados a constatar o autoritarismo somente por meio de suas manifestações melhor
expressas e notadas, tais como “[...] o uso da força, a repressão, a censura, a invasão e
esquecemos que outra forma mais sutil de exercê-lo no mundo capitalista: é a idéia da
racionalidade que comanda a legitimação da autoridade autoritária.” (p.49). Ao
pensamento de Chauí acrescentaríamos, também, a sutileza dos eufemismos deflagrados
nas espécies normativas.
188
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] não interessa o que diz o rei (se no jogo não há juiz,
não há jogada fora da lei), não interessa o que diz o ditado,
não interessa o que o Estado diz:
Nós falamos outra língua! Moramos em outro país!
(Humberto Gessinger, 1990)
Gessinger, na composição de sua autoria intitulada “o exército de um homem só”,
discorre sobre a forma como o Brasil, historicamente, atende a interesses externos na
materialização de suas políticas públicas e apresenta sua indignação, ao declarar que não
interessa o que dizem os países imperialistas, nem as políticas que o Estado brasileiro vem
adotando, nessa linha de atendimento. Deve-se, acima de tudo, respeitar a soberania interna
e negar a submissão a interesses mercantis que, se necessário, ferem leis brasileiras, como
a Constituição Federal. Afinal, “falamos outra língua” que não a inglesa, por exemplo, e
“moramos em outro país”, com suas idiossincrasias, e que, por isso, deve olhar para o seu
povo, enquanto sujeito de direitos, enquanto elemento constitutivo do Estado democrático
de direito, para além de uma perspectiva meramente economicista, leia-se capitalista.
O estudo realizado teve por objetivo central analisar o papel do Estado brasileiro na
formulação de políticas públicas para a educação superior, tendo como marco de referência
a Constituição Federal de 1988 e as normas pós-constitucionais, até o ano de 2006. A
intenção foi a de examinar em que medida essas normas têm sido violadoras dos preceitos
constitucionais, almejando atender ao projeto de Estado capitalista neoliberal.
Tomamos como ponto de partida a instituição Estado, visando conhecer sua
origem, conceitos e relações com a ciência do direito, tendo o escopo de compreender
como o modelo de Estado adotado pelos governos é refletido nas políticas públicas por ele
exaradas. Nesse sentido, percebemos que se vem postulando, em termos legais, um Estado
democrático de direitos, mas, na prática, há, na verdade, um Estado ditador de deveres, que
toma por referência ideológica aquele para a consecução deste. Assim, o modelo de Estado
brasileiro tem sido reflexo das políticas econômicas ordenadas, em escala mundial,
189
atendendo as variações sofridas pelo capitalismo e suas crises estruturais que demandam
estratégias de superação.
Um dos principais focos desse estudo esteve direcionado às políticas públicas
formuladas para a educação superior, entendendo-as como a forma pela qual o Estado
orienta e concretiza suas ações de governo. Assim, o Brasil tem seguido as orientações
advindas de organismos internacionais, linearmente, priorizando o ajuste fiscal em
detrimento das políticas públicas sociais. Em resposta ao nosso problema de pesquisa a
concepção de Estado e universidade segue a lógica capitalista neoliberal, materializada por
intermédio de normas jurídicas constitucionais e infra-constitucionais.
No atual estágio de evolução capitalista, o Estado assume um papel importante,
uma vez que é o responsável pela materialização do atendimento da lógica neoliberal; para
tanto, lesiona os direitos historicamente conquistados e constitucionalmente assegurados.
Abandona sua supremacia, no campo interno e no externo – enquanto Estado-nação;
prioriza o campo de atuação econômica e suprime seu papel de guardião dos direitos
sociais básicos, demonstrando, assim, a primazia do interesse privado sobre o público.
Conforme observamos, o Estado brasileiro desenvolveu-se num panorama histórico
de submissão aos interesses de exploração capitalista. No plano legal, tal submissão teve
início, ainda na colonização, via Regimento dos Governadores Gerais e, posteriormente,
pela primeira Constituição do Império do Brasil, outorgada e praticada pelo regime
centralizador monárquico. Nessa esteira, tivemos ainda, antes da Carta Magna atual, um
total de quatro Constituições, das quais duas foram outorgadas, mas as que assim não o
foram acabavam por representar interesses das classes dominantes em cada contexto
histórico no qual tiveram origem.
A contextualização histórica realizada nos possibilitou entender o quanto o modelo
mercantil-gerencial do Estado capitalista exerce ingerência sobre as legislações que
regulamentam a educação superior brasileira.
Sem dúvida, conforme constatamos, neste estudo, os períodos de ditadura
vivenciados, no país, foram aqueles que mais representaram desrespeito às instituições
jurídicas, à separação dos poderes, aos princípios federativos e mais se valeram do uso da
norma da forma mais repressiva e coercitiva que pudesse ter alcance. Tudo isso acabou
190
originando diversos problemas de ordem não apenas econômica, mas, essencialmente,
social, culminando em forte mobilização nacional para a instauração, no plano legal, de
uma nova ordem social, na qual prevalecesse o instituto da democracia.
Assim, o processo de redemocratização iniciado, em 1974, com o presidente
Ernesto Geisel (1974-1979), encerrou-se na Constituição Federal de 1988, que, no plano
legal, restabeleceu o regime democrático, no país.
O texto original da Constituição, aprovada em 5 de outubro de 1988, tomou corpo
em 245 artigos e 70 disposições transitórias, de caráter enciclopédico, por tratar de um
campo vasto de assuntos, em razão do medo que assolou o país, na vigência do regime
militar. Além disso, sua classificação rígida reflete o receio do legislador constituinte
originário na realização desenfreada de emendas constitucionais, ao sabor do chefe do
poder executivo. Sua função balizadora representa o fato de que ela própria serve de
parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas escalonadas. Todavia, muito
diferente se encontra a Constituição, hoje vigente, daquela promulgada em seu texto
original, posto que conta com cinqüenta e seis emendas... ou seriam remendos?
Constitucionalistas, como Carvalho (2008), apontam que o Estado brasileiro vive uma
crise constitucional-funcional pois, ao emendar a Carta Magna para o emperrar o
funcionamento do sistema capitalista, fragiliza-a profundamente. Dessa forma, é retirada
do próprio Estado a exclusividade do exercício de suas funções, transferindo-as a outros
segmentos, em nome da lex mercatoria, para atender aos acordos de grandes agentes
econômicos Nessa perspectiva, a Constituição, de asseguradora de direitos, se converte em
entrave econômico.
O texto original da Constituição Federal de 1988 representou o marco normativo
ansiado pela sociedade brasileira, por ter sido fruto de uma luta histórica para assegurar no
país a vigência da redemocratização, para a qual convergiram muitos interesses.. Em
virtude disso, não como negar o diferencial da atual Carta Magna, em relação às suas
antecessoras, posto que sinalizava e postulava o futuro com olhares e possibilidades de
exercício efetivo da cidadania.
191
Por outro lado, não podemos nos eximir de registrar o fato de que esta Carta não
deixou de atender, desde o sua gênese, em alguns aspectos, ao ideário mercantil,
especialmente no título que se refere à ordem econômica (Título VII).
Destarte, no texto promulgado da CF/88, são registrados muitos paradoxos,
advindos dos diferentes interesses que transitavam pela Assembléia Nacional Constituinte
(ANC). Assim, encontramos postulações altamente democráticas e defensoras da
segurança jurídica dos direitos sociais em coexistência com interesses capitalistas. No
confronto do texto da ANC com o texto atual, o caráter rígido da Constituição é um
exemplo da segurança jurídica desejada em contraposição à possibilidade de adoção de
medidas provisórias, em caso de relevância e urgência, e de decisão subjetiva do
presidente, nos termos da EC nº 32, de 2001.
Nesse sentido, com amparo nos teóricos do direito constitucional, desvelamos,
nesse estudo, como o Estado brasileiro tem atuado, no sentido de atender aos interesses
capitalistas legiferando contra a Lei Maior. Também, buscamos subsídios teóricos tanto
para a análise dos artigos da Constituição referentes à educação superior, sob o prisma das
categorias autonomia da universidade e financiamento da educação superior, para a técnica
de análise legislativa de norma infraconstitucional.
Constatamos que, nas políticas públicas destinadas à educação superior, o
Estado
108
, via normas legais, desconsidera a luta pelos direitos sociais, os ideais de justiça
e a segurança nas relações jurídicas, para a adoção de outros valores, tais como
atendimento à lógica do mercado, desconstitucionalização de categorias importantes como
a autonomia da universidade e o financiamento da educação superior, inexistência de
limites entre os setores público e privado, darwinismo social, mercantilização universal etc.
Nesse sentido, o Estado capitalista neoliberal brasileiro, na materialização de suas
políticas públicas educacionais, tem por fundamento:
1 A diluição da fronteira entre o que é público e o que é privado, ressignificando
o sentido de privado, como se este pudesse conceber a educação como um bem social e um
direito de todos. Tal indistinção acaba por transformar a educação superior em um

108
Conforme abordado no Capítulo 1, a concepção de Estado mencionada refere-se à concepção de Marx,
segundo a qual o papel assumido pelo Estado é o de aparelho hegemônico do sistema capitalista, que se vale
de uma super-estrutura política e jurídica a favor da classe burguesa que a utiliza para manter sua dominação.
192
potencial nicho de mercado, em consonância com as orientações da Organização Mundial
do Comércio.
2 A desresponsabilização direta do Estado com o financiamento das políticas
sociais, ao privatizar suas ações e assumir papel avaliador e regulador dos órgãos que
desenvolvem as políticas públicas e privadas.
3 A primazia da concepção neoliberal da educação superior, vista como um
produto comercializado e comercializável, bem como um item estratégico na prateleira do
setor que atua ofertando cursos, desobedecendo ao princípio constitucional de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A universidade deve, assim, seguir a
uma lógica meramente utilitarista.
4 A adoção de um sistema de avaliação da educação superior com o escopo de
credenciar o funcionamento das instituições, reforçando o papel assumido pelo Estado
gerencial no contexto das reformas iniciadas nos anos noventa, de ente avaliador e
regulador das ações que se passam na esfera social.
5 O desrespeito à Constituição Federal de 1988, negando sua condição de lei
suprema de uma República federativa, possibilitando que qualquer outra espécie normativa
sobreponha-se ou contrarie o que nela está disposto.
6 A adaptação do setor educacional aos moldes da economia global, na qual a
educação torna-se uma mercadoria de grande valor, servindo de vitrine para o
cumprimento de metas estabelecidas pelos organismos internacionais, constituídos por
entidades financeiras como o Banco Mundial e o FMI que, conforme visto, pregam o
modelo de ajuste estrutural e de estabilização a partir de propostas como a redução do
gasto público e a privatização direta ou indireta. Tais moldes têm sido adotados
incondicionalmente pelos governos brasileiros por intermédio das legislações vigentes.
7 A desconsideração, no plano legal, do que é inconstitucional, passando, assim,
as leis a ser concebidas sem a participação da sociedade e impostas de forma autoritária,
principalmente por meio de decretos, resoluções e medidas provisórias, almejando garantir
a produção capitalista e, por conseqüência, o lucro.
193
8 – Um Estado máximo, para o capital, e mínimo, para as políticas públicas
educacionais, que materializa sua ideologia neoliberal através da coerção imposta pelo
alcance jurídico das normas, na esfera social.
9 Que o papel da universidade seja minimizado, com o nítido fim de priorizar e
transformar a educação superior em um campo de treinamento de mão-de-obra para
fortalecimento do sistema econômico, focada, principalmente, no mercado de trabalho.
10 A defesa da abertura de mercados e tratados de livre comércio, redução do
setor público e diminuição do intervencionismo estatal na economia e na regulação do
mercado.
Para além dos fundamentos encontrados na atuação do Estado, mas com base em
tais premissas, a análise realizada sobre as normas infraconstitucionais que interferem na
autonomia das universidades nos possibilitou concluir que:
a) O art. 207, da CF, é uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata.
Logo, de supremacia em relação às leis ordinárias. Mas as análises apontam para a
fragilidade do conceito de autonomia, que passa a indicar a liberdade de interação com o
mercado e a diversificação de fontes de financiamento. Na verdade, a autonomia
universitária consiste, hoje, no poder conferido constitucionalmente à universidade,
visando que a mesma possa gerir seu próprio ordenamento, porém, dentro da esfera da
competência que lhe é atribuída pelo Estado, de forma lícita e jurídica. Mas seu sentido
passa a ser ressignificado como autonomia para interagir livremente com o mercado, na
captação de recursos.
b) Na perspectiva reguladora, as universidades perdem seu poder de legislação
sobre assuntos que lhe são próprios e recebem a intervenção de forma drástica, inclusive na
escolha de seus dirigentes, o que possibilita não apenas a intervenção como também o
controle e o comando das ações internas, assegurado no plano legal.
c) A LDB, de projeto democrático, teve seu conteúdo esvaziado e foi aprovada na
perspectiva de atender aos interesses mercantis, privados e reguláveis pelo Estado,
essencialmente na educação superior.
194
d) As leis que regularam o sistema de avaliação, como a do Provão e a do SINAES,
instituíram uma concepção de avaliação tal qual a concebida pelo Banco Mundial para
impor as reformas educacionais aos países da América Latina: controladora e reguladora
do sistema com vistas à restrição da autonomia e à redução dos custos. A tendência
reguladora, forte nos anos 1990, subordina a autonomia das universidades à prescrições
externas.
e) O SINAES atinge o objetivo de regular e ajustar a educação superior brasileira,
dando amparo legal a uma política de reforma da educação superior realizada de forma
antidemocrática e inconstitucional, principalmente no que se refere ao principio da
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e ao de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
A autonomia universitária, conforme visto no perfil histórico das Constituições
brasileiras, passou por sorte e reveses. Em sua maioria, as Cartas Magnas se ocuparam do
controle e da limitação das ações das universidades, representando um projeto que
sinalizava o confronto travado entre o Estado e a universidade, até ser reconhecida, por
meio de uma reação dos movimentos sociais à opressão, como princípio da autonomia
universitária, no texto constitucional de 1988.
Nossa compreensão foi a de que a autonomia constitucional é diametralmente
oposta à concepção de autonomia do Estado neoliberal. A única semelhança conceitual que
encontramos, no campo da autonomia, está entre as ações implementadas pelo Estado
brasileiro e as defendidas pelos organismos internacionais. Daí decorrem as tentativas de
desconstitucionalização, ou emenda ao art. 207, tendo por escopo assegurar respaldo
jurídico na Lei Maior para o que vem sendo posto em prática, conforme visto nas leis
analisadas no presente estudo.
No que concerne à análise realizada sobre as normas infraconstitucionais que
incidem sobre o financiamento da educação superior, tecemos as seguintes considerações:
I O papel do Estado no financiamento da educação apresentou avanços e
retrocessos, de acordo com os interesses assumidos por cada governo, que refulgem desde
a primeira vinculação de impostos, na Carta de 1934, e sua supressão, na CF seguinte
(1937), para a posterior vinculação, em 1946, pós-ditadura Vargas, seguida de seu
195
expurgamento, na Carta de 1967, da ditadura militar, somente vindo a ser vinculada
novamente por meio da Emenda Constitucional n° 24, de 1983.
II A CF/88 recepcionou a manutenção da vinculação anterior relativa aos estados
e municípios em 25% , mas majorou a obrigação da União de 13 para 18% das receitas
provenientes da arrecadação de impostos.
III – As medidas legais adotadas pós-CF/88 atendem a premissa neoliberal de
privatização da educação superior, com base no argumento de Friedman (1984), de que os
indivíduos talentosos, mas sem recursos financeiros, não devem ser excluídos do acesso à
formação profissional de nível superior, devendo-lhes ser concedidos empréstimos
financeiros, públicos ou privados, para que, posteriormente, quando inseridos no mercado
de trabalho possam arcar com o pagamento de seu curso. Isso representaria, nesse
entendimento, os frutos de sua valorização como capital humano.
IV A adoção de mecanismos como as três espécies normativas analisadas,
referentes ao Programa de Crédito Educativo, que sugerem, de forma camuflada, a
privatização da universidade, vez que o não financiamento do sistema federal de ensino
superior público em detrimento ao financiamento da rede privada sinaliza para o
sucateamento das IFES, que se obrigam a buscar junto ao mercado outras fontes de
financiamento.
V – As fontes de financiamento constitucionalmente asseguradas passam a ser
desconsideradas, quando se instalam mecanismos de burla, como é o caso da vigente
Desvinculação das Receitas da União (DRU), que retira, previamente, 20% da arrecadação
de impostos pela União, antes que sejam repassados os 18% previstos para o financiamento
da educação.
VI – A lei do ProUni “rasga” a CF/88, ao declarar abertamente o repasse de
recursos públicos para IES privadas de natureza jurídica lucrativa.
Em síntese, constatamos, neste estudo, que o Estado brasileiro vem
sistematicamente o financiamento da educação superior de modo condicionado à existência
de marcos jurídicos estatais, em cada contexto histórico, que o norteia. No caso, é notória a
adoção do modelo capitalista neoliberal.
196
***
É mister registrar que a teoria de Reale (1984) , sobre a relação entre Estado e
Direito (fato, valor e norma), nos possibilitou compreender que a ação do Estado brasileiro
tem se pautado na mediação necessária entre o seu fato poder que interfere nas normas
jurídicas, tendo por base o valor capitalista adotado, postulado e seguido. Assim como, em
Marx (2005), compreendemos que as relações de produção vigentes servem de alicerce
para os rumos a serem tomados pela relação entre o direito e o Estado, uma vez que este se
vale daquele para assegurar à classe detentora dos meios de produção a dominação
econômica.
Em concordância com o que defende o Movimento Docente, organizado no
ANDES-SN, é urgente e necessário romper com esse modelo educacional imposto e
construir uma outra proposta de educação, com vistas a conhecer os problemas e encontrar
formas de superá-los, objetivando o aperfeiçoamento das instituições em busca de um
padrão unitário de qualidade
109
, de acordo com o que é estabelecido, na Constituição
Federal, no que diz respeito à educação superior.
Desde Sarney, até Lula da Silva, a orientação seguida é exatamente a mesma. A
partir da análise realizada, foi possível comprovar, ainda, o quanto, especialmente a partir
dos anos 1990, as espécies normativas acerca da educação superior são formuladas de
modo a atender a cartilha de orientações e as reformas propostas pelos organismos
internacionais. Lima (2004) rememora, por exemplo, o discurso do presidente Lula da
Silva que esclarece que sua direção política seria a de subordinação aos organismos
internacionais, reiterando que os contratos firmados no governo anterior – FHC – deveriam
ser cumpridos, tendo em vista não “perder a credibilidade dos mercados internacionais” em
seu governo:

109
Trata-se da Proposta do ANDES-SN (2003, p.27) que consiste na redefinição do próprio projeto de
política educacional de nível superior [...] a partir do poder normativo e fiscalizador do Estado de um padrão
unitário de qualidade para a universidade brasileira que elimine as distorções e o autoritarismo e assegure
uma produção cultural e científica verdadeiramente criadora conforme as aspirações da sociedade brasileira”
Cujos princípios orientadores residem em um ensino público, gratuito, democrático, laico e de qualidade para
todos; autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial; democratização
interna e liberdade de organização; indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e condições de
trabalho dos docentes.
197
[...] a premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e
obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser
compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo [...]. Vamos
preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida
interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os
seus compromissos. (SILVA apud LIMA, p.28).
Registramos, ainda, que, no governo Lula, não conseguimos chegar a existência de
um marco normativo para as políticas públicas da educação superior. O que encontramos,
na verdade, foi uma profusão de espécies normativas, em sua maioria direcionadas ao
atendimento da lógica de mercado.
As orientações advindas do Estado, através das legislações infraconstitucionais,
sufocam a verdadeira função social da universidade. Para Chauí, a instituição
universitária não pode furtar-se à referência à democracia como uma idéia reguladora.”. A
autora também nos chama a atenção para o fato de que, na lógica de mercado, existem
noções que são implantadas, no bojo da universidade, idéias acríticas e pouco reflexivas,
como a de sociedade do conhecimento e a de educação permanente ou continuada. A
sociedade do conhecimento é regida pela lógica do mercado e trabalha com a informação,
distanciando-se do desenvolvimento autônomo da universidade bem como de sua condição
de instituição social comprometida com a vida de suas sociedades e das relações de
democracia.(CHAUÍ , 2003, p. 5).
Entendemos, portanto, a universidade como uma instituição social que manifesta,
de forma bem delimitada e precisa, como se encontra estruturada e como funciona a
sociedade na qual ela se insere. Essa relação entre a universidade e a sociedade, por sua
vez, explica a idéia de que aquela é uma prática social concebida no reconhecimento
público de sua legalidade, bem como no de sua legitimidade, assim como daquilo que lhe é
conferido como função.
Se o Estado democrático e de direito, fruto de uma luta histórica pela
redemocratização no país, representado por sua Constituição Federal, tem sido abandonado
e esquecido pelos governantes, é necessário que instauremos uma luta pelo Estado que
desejamos, cuja base esteja na sociedade civil, conforme apresentou Marx . Um Estado que
represente os interesses da Nação brasileira e não o de organismos internacionais que
almejam fazer do mundo e de nossas vidas mercadorias.
198
É preciso que direcionemos nossos esforços por uma educação superior
essencialmente pública, verdadeiramente autônoma e plenamente financiada pelo Estado
de forma a assegurar sua qualidade. Diante do exposto, buscamos na própria Constituição
uma válvula de escape, que possibilite a reversão desse quadro de atentados contra o
Estado efetivamente democrático e de direitos, via controle de constitucionalidade.
A educação superior, como política pública se insere no ramo do direito público,
que, por sua vez, prima pela supremacia do interesse público sobre o interesse privado. O
que venha a negar esse princípio basilar do direito administrativo público é ilegal. Para
além disso, normas que ferem a supremacia da Constituição, que é a única lei que confere
validade ao sistema jurídico da federação, devem ser expurgadas do ordenamento jurídico,
uma vez que o que é arbitrário não deve ser legal.
Cabe a nós a provocação ao poder judiciário, e cabe a este poder julgar se as
políticas públicas, emanadas do Estado brasileiro, via normas infraconstitucionais, lesam a
Constituição Federal, para assim agir em defesa da supremacia da Constituição e do
postulado Estado democrático de direito.
Outra constatação auferida no estudo foi a de que o Estado brasileiro adota a
formulação jurídica monista, para segundo a qual Estado e direito correspondem a uma
mesma realidade, compondo uma identidade, sendo o direito não uma conquista social,
mas mero conjunto de normas estatais somente ao Estado vinculadas. Assim, o direito
serve a sociedade, desde que esteja moldado conforme os interesses seguidos pelo Estado,
pois são, os dois, realidades inseparáveis. Nesse sentido, discursos em defesa da premissa
de que toda manifestação dos governantes é legítima, quando está conforme o direito, são
decantados e inculcados.
Ocorre que um Estado de direitos que nega a dimensão democrática é uma ditadura.
O que implica inferir que nem toda manifestação do fato poder estatal, assegurado em uma
norma, representa um valor legítimo.
As funções do Estado não podem se converter em funções de dominação.
Amaral (2003, p. 203) questiona-se sobre “[...] o que planejam nossos dirigentes
para inserção do Brasil no contexto mundial? Estariam eles conformados com uma posição
199
subalterna do país perante as nações mais desenvolvidas? Teria havido uma rendição pura
e simples por parte deles?”.
Gessinger (1990) responde que não podemos concordar com isso, nosso país é
muito diverso para admitir essa homogeneidade de pensamento único. o precisamos
renunciar nossa soberania.
Por fim, entendemos que os direitos sociais declarados precisam ser respeitados no
plano interno, pois não foi em vão que a CF/88 postulou uma série de direitos sociais,
dentre eles o direito social à educação.
Para Chauí (1989, p.20),
A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que o é um fato
óbvio para todos os homens que eles são portadores de direitos e, por outro lado,
significa que não é um fato óbvio que tais direitos devam ser reconhecidos por
todos. A declaração de direitos inscreve os direitos no social e no político, afirma
sua origem social e política e se apresenta como objeto que pede o
reconhecimento de todos, exigindo o consentimento social e político.
Como não são consenso social e nem têm caráter notório, os direitos são declarados
para que possam ser reconhecidos e materializados, mas não desrespeitados ou negados.
Entendemos, em síntese, que nosso estudo apresenta uma significativa contribuição
para o campo das políticas públicas educacionais, visto que possibilita reflexões sobre a
forma pela qual o direito público subjetivo à educação, assegurado no texto constitucional,
vem sendo negado sistematicamente e de forma sucessiva pelos governos pós CF/88 que
assumiram um modelo de Estado neoliberal.
“Nada termina se fala de coisa que anda” é uma frase que lemos em algum lugar de
nossa formação acadêmica, embora não tenhamos conseguido resgatar sua autoria,
finalizamos com ela, tendo em vista reconhecer não apenas as limitações desse estudo, seja
pela concepção de mundo e sociedade que carregamos, seja pela impossibilidade de
alcance do movimento histórico e da conseqüente evolução epistemológica, o que
possibilita novas e diversas análises.
200
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8436.htm
______. Lei 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da
Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e outras providências. Publicada no
DOU de 25.7.91. Republicada em 11.4.96 e 14.8.98. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8212cons.htm
______. Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979. (Lei da Anistia). Concede anistia e
outras providências. Publicada no DOU de 28.8.79. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6683.htm
______. Lei nº 6.339, de 1º de julho de 1976. (Lei Falcão). Dá nova redação ao artigo 250
da Lei 4.737, de 15 de julho de 1965, alterado pelo artigo 50, da Lei número 4.961, de 4
de maio de 1966, e ao artigo 118 da Lei 5.682, de 21 de julho de 1971. Publicada no
DOU de 2.7.76. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1970-
1979/L6339.htm
______. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e
funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras
providências. Publicada no DOU de 29.11.68. Retificada em 3.12.68. Revogada pela lei n
9394, de 1996, com exceção do art. 16, alterado pela lei nº 9.192, de 1995. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5540.htm
______. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. (LDB). Fixa as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Publicada no DOU de 27.12.61. Retificada em 28.12.61. Revogada
pela lei n 9394, de 1996, com exceção dos arts. 6 a 9, alterados pela lei 9.192, de 1995.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4024.htm
MEDIDAS PROVISÓRIAS
BRASIL. Medida Provisória 213, de 10 de setembro de 2004. Institui o Programa
Universidade para Todos PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de
assistência social no ensino superior, e outras providências. Convertida na Lei nº
11.096, de 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2004/Mpv/213.htm
212
______. Medida Provisória 1.827, de 27 de maio de 1999. Dispõe sobre o Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e outras providências. Disponível em:
http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/m1827_99.htm
DECRETOS
BRASIL. Decreto nº 5773, de 09 de maio de 2006. Dispõe sobre o exercício das funções
de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos
superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. Publicado no DOU de
10.5.2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Decreto/D5773.htm
______. Decreto 3.860, de 09 de julho de 2001. Publicado no DOU de 10.7.2001,
Dispõe sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos e instituições, e
outras providências. Revogado pelo Decreto 5773, de 09 de maio de 2006. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3860.htm
______. Decreto 2.306, de 19 de agosto de 1997. Regulamenta, para o Sistema Federal
de Ensino, as disposições contidas no art. 10 da Medida Provisória 1.477-39, de 8 de
agosto de 1997, e nos arts. 16, 19, 20, 45, 46 e § , 52, parágrafo único, 54 e 88 da Lei
9.394, de 20 de dezembro de 1996, e outras providências. Publicado no D.O.U de
20.8.1997. Revogado pelo Decreto nº 3.860, de 09 de julho de 2001. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2306.htm
______. Decreto-lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969.
______. Decreto nº 62.024, de 1967
______. Decreto 1.303, de 8 de novembro de 1934. criação de universidades e
estabelecimentos isolados de ensino superior.
______. Decreto 19.398/1930. Instituiu juridicamente o governo provisório que lhe deu
origem (Governo Vargas).
______. Decreto 6.283, de 25 de janeiro de 1934. Deu origem à Universidade de São
Paulo (USP).
______. Decreto n° 22.579, de 27 de março de 1933
213
______. Decreto 20.158 de 30 de junho de 1931- tratava da organização do ensino
comercial.
______. Decreto 19.851, de 11 de abril de 1931, instituindo o Estatuto das
Universidades Brasileiras.
______. Decreto 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925. Reforma João Luis Alves
[também conhecida como Lei Rocha Vaz ou Luís Alves Rocha Vaz]
______. Decreto 14.343, de 7 de setembro de 1920. Cria a Universidade do Rio de
Janeiro
______. Decreto nº 11.530, de 10 de março de 1915. Reforma Carlos Maximiliano.
______. Decreto 8.659, 5 de abril de 1911. Lei Orgânica do Ensino Superior e
Fundamental.
______. Decreto nº 8.661, de 5 de abril de 1911. Reforma Rivadávia.
______. Decreto nº 3.914, de 26 de janeiro de 1901. Regulamento para o Ginásio Nacional.
______. Decreto 3.890, de 01 de janeiro de 1901. Código de Institutos Oficiais de
Ensino Superior e Secundário.
______. Decreto nº 1387, de 28 de abril de 1854. Reforma Luis Pedreira.
______. Decreto nº 1386, de 28 de abril de 1854.
ATOS INSTITUCIONAIS
BRASIL. Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.
214
OUTROS DOCUMENTOS OFICIAIS
BRASIL. Ministério da Educação. Comissão Nacional para a Reformulação da ducação
Superior.1985. Uma nova política para a educação superior. Relatório final.
SÍTIOS NA INTERNET
ANDES Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-
SN). http://www.andes.org.br
Conselho Federal de Economia. http://www.cofecon.org.br
http://www.cofecon.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1281&Itemid=
1
Dicionário de Economia Online [1]. http://dicionario-de-economia.portalmidis.com.br/
http://dicionario-de-economia.portalmidis.com.br/i/o-que-e-indexacao.htm
Dicionário de Economia Online [2]. http://www.notapositiva.com/dicionario_economia/
http://www.notapositiva.com/dicionario_economia/taxacambio.htm
Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php Acesso em: mar. 2007.
Presidência da República. http://planalto.gov.br Vários acessos: mar., abril, 2007.
Revista Espaço Acadêmico. http://www.espacoacademico.com.br
Tribuna do Norte Online. www.tribunadonorte.com.br/noticia.php?id=59651
Tribunal Superior Eleitoral. http://www.tse.gov.br
http://www.tse.gov.br/institucional/centro_memoria/historia_tse/lei_falcao.html
WorkPédia – Dicionário Online da Língua Portuguesa. www.workpedia.com.br
215
ANEXO 1
Normas jurídicas relativas à Educação Superior no Brasil
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Portaria MEC 1.787, de
26 de dezembro de 1994
(alterada pela Portaria
Ministerial n°. 643/98)
(alterada pela Portaria
Ministerial nº 4194/2004)
Dispõe sobre a autorização e o
reconhecimento de cursos seqüenciais
de ensino superior.
Institui o Certificado de Proficiência em
Língua Portuguesa para Estrangeiros -
Celpe-Bras
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