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HILMA APARECIDA BRANDÃO
MEMÓRIAS DE UM TEMPO PERDIDO:
A Estrada de Ferro Goiás e a Cidade de Ipameri
(Início do Século XX)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
SETEMBRO/2005
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BANCA
Profª Drª Jacy Alves de Seixas – UFU
Profª Drª Márcia Regina Capelari Naxara – UNESP/Franca
Profª Drª Dilma Andrade de Paula – UFU
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Meu senhor cadê o trem?
O trem passou
como se fosse pensamentos,
deixando apenas
sua história pelo chão...
como lembranças
pregos e alguns dormentes
seus trilhos
hoje são mata-burros
no sertão!
Sua fumaça
está nos olhos dessa gente,
que ainda ouve
seus apitos a deriva,
na estação da saudade,
a plataforma, como lembrança
com o tempo ainda o resiste!
Seu manobrista
hoje está aposentado
contando histórias
Sem vontade, de viver!
Telegrafista
ainda brinca no papel
passa mensagens
pra pedir perdão pra Deus!
A nossa história
foi embora com os
trilhos e o progresso
derrubou a estação
pessoas foram
só que nunca mais
voltaram
o trem da vida não retorna
e como não!
Na vida artéria
da querida Ipameri
safenada veio
o tempo e arrancou
e ao progresso simplesmente
deu passagem
mas seus sinais
o coração salvaguardou!
Uma criança neta de ferroviário
ainda apita no lugar
de seu avô,
um gesto simples e enrustido
e cheio de saudade!
Cadê o trem
Eu pergunto meu senhor?
Quando criança
via o “trem”
e me alegrava
na anarquia
de pessoas e “charretes”,
quantas lembranças
dos amores de pingente,
lembro-me bem
do vagão nº 7
na estação pequenina,
solitária, serve
de abrigo a quem
quase nada tem,
aos cães-vadios,
sem destino, sem morada
e eu me pergunto
meu senhor cadê o trem?
Dom Zé
4
DEDICATÓRIA
Às pessoas que fazem parte de minha vida e contribuem
para que eu encontre forças e continue a caminhada,
Para Fernando Peixoto, meu companheiro amigo e
“amor”.
Priscilla e Jéssica, pela certeza de que através de vocês a
vida tem mais sentido, meu maior tesouro, bênçãos de
Deus por quem vale a pena viver.
A meus pais Ataíde e Hilda e através deles a todos os
familiares e amigos.
5
AGRADECIMENTOS
Sei que por mais que tente agradecer, as palavras não conseguem exprimir a
gratidão que tenho por todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para o
desenvolvimento deste trabalho. Peço desculpas antecipadamente se porventura a
memória me deixou escapar alguns nomes.
A todas as pessoas que entrevistei, que compartilharam comigo momentos
significativos de suas vidas.
À professora Drª Jacy Alves de Seixas, pessoa que admiro pelas reflexões
produzidas e pela orientação desta pesquisa.
Às professoras Cristina Roquete Lopreato, Dilma Andrade de Paula e Márcia
Regina Capelari Naxara, por terem aceito o convite para participarem da avaliação deste
trabalho, participando das bancas de qualificação e defesa de mestrado.
À minha família, de modo particular meus irmãos Amauri e Amarildo, por
torcerem pelas minhas vitórias. À minha irmã “Tininha”, a distância não apagou o amor
que sinto por você. Aos sobrinhos Aline, Bárbara, Ana Júlia, Jùlia e Bruno, sei que um
dia poderão entender a dimensão deste trabalho. Aos cunhados Pedroso, Reginaldo,
Maykon, Roselma, Geruza e Elaine. Aos sogros José Peixoto e Terezinha, por quem
tenho admiração de filha. Seria impossível agradecer a todos, pois todos que convivem
comigo são importantes, participaram de momentos inesquecíveis, de vitórias e
derrotas, que contribuíram para a minha formação. Por este motivo a opção é não citar
nomes e ao fazê-lo me desculpar pelo anonimato de pessoas tão importantes: tios (as) e
primos (as).
Às amigas de trabalho, que pela convivência se tornaram confidentes e
irmãs, fazendo também parte das sessões de terapia no “Paquinha”, local agradável para
os finais de tarde: Eloísa, Kátia, Cláudia, Lúcia, Cida, Anita, Lesilane, Vivi, Selminha,
Luciana, Eliane.
Ah! Não poderia esquecer-me dos amigos de todas as horas, Júnior, seu
Juca, “Pequeno”, José Luiz e Weslei. Obrigada pela convivência harmoniosa no dia a
dia de trabalho.
À Eliane Martins de Freitas por tornar-se para mim exemplo de dedicação e
amizade. Seus ensinamentos são responsáveis pelo projeto aqui desenvolvido.
6
Aos meus companheiros de disciplina no curso de Mestrado pelas
oportunidades de debate e aprendizado. À professora Drª Karla Bessa pelas
contribuições proporcionadas pela disciplina oferecida.
Ao poeta ipamerino Edson de Oliveira, “Edinho Barbeiro” ou “Dom Zé”,
que dedicou a este trabalho a poesia Meu senhor cadê o trem?. Ao produtor da capa
deste trabalho Nicola Di-Moura Oliveira, meus agradecimetos. À Luciene Nunes, pela
revisão gramatical.
Ao amigo Paulo Inácio por contribuir com referências fundamentais para o
desenvolvimento do trabalho.
Ao amigo irmão “Zilei” que me aceitou como hóspede, por tudo que fez,
através de você ficar em Uberlândia foi mais agradável.
7
SUMÁRIO
I – RESUMO
I – APRESENTAÇÃO
01
III– CAPÍTULO – 1: UMA HISTÓRIA DE TREM E CIDADE
03
IV– CAPÍTULO – 2: A CIDADE DE IPAMERI PLANEJADA A PARTIR DOS
TRILHOS
16
V – CAPÍTULO – 3: UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DO “SER”
FERROVIÁRIO
55
V – CAPÍTULO – 4 :
55
VI– CONSIDERAÇÕES FINAIS
VII– LISTAGEM DAS FONTES
65
VIII– REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
68
8
RESUMO
Na cidade de Ipameri no início do século XX a modernidade se expressa
pela Estrada de Ferro Goiás, extensão da Mogiana, que chega ao Estado em 1913, onde
fica paralisada até 1922, na região do Roncador (município de Ipameri). Este
empreendimento torna-se o grande projeto levado adiante pelos setores hegemônicos da
sociedade ipamerina, formada na maioria por líderes políticos locais, compostos de
industriais, comerciantes e grandes proprietários de terra. A Estrada de Ferro Goiás
como propulsora do progresso e desenvolvimento para a região Sul. O trem chega e
dinamiza a vida de uma cidade, acostumada a “mesmice”, rotina do sertão goiano. Traz
a possibilidade do novo, que transforma. Transformar significa também construir uma
cidade “civilizada”, o que deveria começar, na época, por um projeto de urbanização.
Através das memórias construídas pelos moradores da cidade foi possível
analisar sobre o surgimento do transporte ferroviário no Estado de Goiás,
particularmente em Ipameri, cidade interiorana, localizada na região Sul, apreendendo o
sentido do projeto de urbanização delineado e colocado em prática, encontrando a
cidade e o trem, além da paisagem, como espaço de múltiplas vivências, dotada de
sentidos variados.
9
APRESENTAÇÃO
Determinar o começo e o fim foi sempre a maior de minhas dificuldades,
talvez porque não exista nem começo nem fim, particularmente quando se trata da
construção de histórias oriundas de sonhos e realidades vividas, experimentadas e que
estão se recompondo, prontas para serem escritas e reescritas. Neste caso, trata-se do
cruzamento entre “um trem e uma cidade”, a chegada de Estrada de Ferro Goiás,
prolongamento da Mogiana em Ipameri, cidade interiorana do Estado de Goiás, por
compreender que cidade e ferrovia caminham juntas.
A cidade de Ipameri, na qual nasci e onde vivo até hoje sempre me causou
certo fascínio, não pelas suas características, mas por ter sido o local onde as minhas
relações familiares, de amizade e de trabalho foram construídas.
De certa forma, a vontade de saber um pouco mais sobre a história da cidade
sempre existiu, mas só começou a se tornar possibilidade concreta no segundo ano da
graduação no Curso de História na Universidade Federal de Goiás, Campus de Catalão,
quando me deparei com a necessidade de construir um projeto de pesquisa científica.
Em momento algum tive dúvidas, o meu tema estaria ligado à cidade de
Ipameri, pois cresci ouvindo falar de sua importância social, econômica e política no
passado. A seu respeito são, ainda hoje, tecidos comentários como “a cidade do já foi”,
ou “a cidade do já teve”. Tais comentários levaram-me a algumas leituras que me
fizeram constatar que, para além dos moradores contemporâneos, alguns escritos
historiográficos relacionados às décadas de 1920 e 1930 tratam a cidade com importante
centro de desenvolvimento da região. Todos os que escreveram sobre Ipameri vêem a
ferrovia como marco importante, espécie de divisor entre o rural e o urbano.
Já no último ano da graduação finalizei o meu primeiro trabalho acadêmico,
uma monografia intitulada “História Política de Ipameri nas décadas de 1920 e 1930”,
mas o que poderia ser um fim tornou-se um recomeço, pois tal pesquisa me fez perceber
que seria necessário ir além. Acabei descobrindo que imagens comumente utilizadas,
estavam relacionadas a este período. Durante a pesquisa foram constantes os registros
encontrados evidenciando a chegada da ferrovia em Ipameri, em 1913, como
responsável pela dinamização econômica ocorrida neste período.
A pesquisa levou-me a outros questionamentos, entre eles o fato dos
moradores atuais se referirem à cidade de Ipameri sempre no tempo passado, como se
“ali tudo foi, nada é”, onde “não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito”, o
10
fato de sempre se chorar hoje “as saudosas grandezas de dantes”.
1
Sempre houve de
minha parte o desejo de entender o porquê desse sentimento tão comum no imaginário
das pessoas que habitam Ipameri. Partindo do pressuposto de que o tempo pretérito
referido diz respeito à chegada da Estrada de Ferro Goiás, em Ipameri, considero
necessário pensar Ipameri, no início do século XX, como parte do sertão goiano que
está sendo “invadido” pelo trem., que segundo a perspectiva de Francisco Foot
Hardman com “seus vagões e locomotivas passaram ao imaginário como fantasma”.
O trem se apresenta também em Ipameri como “espetáculo privilegiado da
civilização capitalista”
2
. O trem chega e dinamiza a vida de uma cidade, acostumada a
mesmice, rotina do sertão goiano. Traz a possibilidade do novo, que transforma.
Transformar significa também construir uma cidade civilizada, o que deveria começar,
na época, por um projeto de urbanização. Assim, também fez parte de minha proposta
apreender o sentido desse projeto de urbanização, delineado com a chegada do trem.
Compreender a cidade de Ipameri como espaço dinâmico, constituído de
práticas sociais diversas, vivenciadas neste cotidiano. Para isso, procurei também
mostrar que para muitas pessoas que conviveram com o trem, a sua história e da cidade
se misturam assumindo os mais variados significados.
Assim, falar da cidade de Ipameri seria também falar da Ferrovia. A Estrada
de Ferro Goiás chega a Ipameri em 1913, como um prolongamento da linha da
Mogiana. A partir daí ocorrem mudanças significativas na economia do Estado, que
antes servido apenas pelo lombo do boi, passa a contar com o que fora considerado, em
todo o mundo, como símbolo da modernidade no século XIX e inicio do século XX.
A Estrada de Ferro Goiás chega em terras goianas no inicio do século XIX
como resultado de um projeto iniciado no final do Império, para ligar Goiás aos Estados
do Rio de Janeiro e São Paulo. Através do Decreto nº 862 de 16 de outubro de 1880 é
concedida à Estrada de Ferro Mogiana, localizada a oeste de Minas, o direito de
prolongar seus trilhos de Jaraguá e Perdões até Catalão, em Goiás.
Em função de pressões exercidas pelos habitantes do triângulo mineiro
(particularmente os de Araguari) este trajeto é por várias vezes alterado e o ponto de
cruzamento com a Mogiana passa de Jaraguá para a cidade de Araguari, sendo alterado
1
Sobre as cidades esquecidas, isoladas do mundo, ler LOBATO, Monteiro. Cidades Mortas. São Paulo:
Brasiliense, 2004.
2
Ler HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma. A modernidade na Selva.o Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
11
também o nome da empresa em 1906, passando a “Alto Tocantins” a denominar-se
Estrada de Ferro Goiás.
O Estado de Goiás liga-se então, com o Estado de São Paulo através da
“Mogiana” e com o Rio de Janeiro através da “Oeste de Minas”, já na segunda década
do século XX.
Entretanto, os trilhos da Estrada de Ferro Goiás só chegam a Goiânia,
capital do Estado, nos anos cinqüenta. Assim, a empresa faz o trajeto Araguari-Goiânia,
tendo como ponto de entroncamento com a Mogiana a cidade de Araguari. Apresenta,
ainda, outros pontos de entroncamento: na cidade de Goiandira com a Estrada de Ferro
Oeste de Minas e na região conhecida como Roncador, localizada no município de
Ipameri, ligando-se à cidade de Brasília. Apenas, portanto, na década de 1950 a Estrada
de Ferro Goiás atingiu seu ponto terminal.
Apesar de concluída nos anos 50, alguns autores, como Borges, atribuem os
anos 30 como início de seu período de decadência: a empresa passa a partir daí por
momentos de dificuldades por falta de investimentos, sendo estatizada, em 1957, pela
Rede Ferroviária Federal. Na década de 1970 extinguem-se os trens passageiros e a
ferrovia fica abandonada, servindo apenas para o transporte de cargas. Resta para os que
conviveram de modo mais íntimo com a ferrovia as lembranças despertadas pelo apito
do trem.
As décadas seguintes à chegada da ferrovia, particularmente 20 e 30 são
consideradas pela historiografia, que trata o período em Goiás, como um momento de
ruptura econômica, política e social, tendo como principal foco de desenvolvimento
demográfico e econômico do Estado as regiões Sudoeste e Sul. Sendo assim, Ipameri,
situado na região Sul, fez parte de todo esse processo, vivendo, também, neste período
um momento marcado por um aumento populacional e um maior crescimento
econômico.
Ao me inscrever no mestrado estava aberta mais essa possibilidade de
refletir melhor sobre o assunto. Comecei a reunir escritos historiográficos sobre a
história do trem em Goiás e, com exceção de INÁCIO (2003), o tema ferrovia é visto
pelos que escrevem sobre a História de Goiás apenas pelo viés econômico. Pensei na
importância de incorporar novos enfoques interrogando também a memória social e
coletiva relativa ao tema.
Entre os autores que tratam da chegada da ferrovia na região sul do Estado
de Goiás, destaca-se CHAUL (1997), BORGES (1990) e INÁCIO (2003), que tratam
12
especificamente da região Sul do Estado. CHAUL tem como proposta uma revisão
acerca da historiografia goiana, para desmistificar a imagem da decadência do Estado,
perceptível nos relatos dos viajantes estrangeiros e que predominaram, segundo ele, até
o momento de sua escrita. Fala de sua proposta da seguinte forma:
proposta de reconstrução das representações que, através de
imagens/conceitos, sedimentaram dicotomias como
decadência/prosperidade, atraso/progresso ou
atraso/modernidade...”(CHAUL,1997:15)
Segundo o autor, Goiás era visto nas narrativas com uma característica onde
predominava o ócio, o atraso e o isolamento, o que se devia a uma visão de mundo dos
viajantes europeus, pois são deles os primeiros relatos escritos sobre o Estado. Em torno
da imagem de “decadência”
3
são construídas todas as interpretações relativas à
sociedade goiana da passagem da mineração à agropecuária. Por um longo período,
Goiás foi visto “ligado à idéia de sertão, de roça, de lugar deserto, carente de
urbanização, distante, ‘no fim do mundo’, alheio ao tempo e à
prosperidade.”
4
(CHAUL,1997:17)
Mostra que isso era resultado de um olhar que buscava encontrar em Goiás o
“progresso”, acostumado com os locais onde predominava o capitalismo e a
urbanização. Segundo CHAUL, é a partir de 1930 que a idéia do atraso é enfocada, por
considerar que somente neste momento o Estado de Goiás se vê diante da possibilidade
de uma representação da modernidade. CHAUL se propõe à análise do coronelismo em
Goiás, durante a primeira República, defendendo a não sustentabilidade da teoria de
Campos, que considera as oligarquias dominantes na Primeira República, “os Caiados”,
“os Jardins” e “os Bulhões” como defensores do atraso para a manutenção do poder.
Para isso, aponta o caminho contrário, mostrando que esse período foi onde Goiás mais
se desenvolveu, principalmente com a chegada dos trilhos da estrada de ferro.
33
Para Chaul, a decadência nestes relatos se refere a um lugar onde não havia desenvolvimento urbano,
estava alheio ao mundo do capital e do trabalho, carente de progresso.
4
Importante ressaltar que esta imagem é também a dominante para caracterizar a relação que configura o
“cosmopolita” e o “proniciano” segundo análise de Márcia Naxara. In: O (DES) CONHECIMENTO DO OUTRO:
PENSANDO O “PROVINCIANO”, SOBRE A HUMILHAÇÃO: SENTIMENTOS, GESTOS, PALAVRAS,
EDUFU, NO PRELO.
13
Para Chaul, os grupos políticos emergentes acabam incorporando esse
discurso da modernização, que passou a ter uma grande repercussão, no início da
década de 30:
Fazendo parte da Aliança Liberal, afinados com os
propósitos varguistas, os grupos políticos se uniram às
forças dissidentes de Minas Gerais e levaram adiante o
movimento, comandado pelo médico Pedro Ludovico
Teixeira. Vitorioso o movimento, a representação da
modernização, pelo viés do progresso, passou a dar a tônica,
aos discursos e anseios da época.”(CHAUL,1997:20)
O autor defende ainda que para a elite
apesar do isolamento de Goiás, a economia regional, em seu
todo, buscava uma organização no contexto das leis de
mercado, inteirando-se e fazendo parte da lógica e das
necessidades da produção nacional. O gado foi, sem dúvida,
a moeda goiana capaz de estimular, embora relativamente, a
economia regional.(CHAUL, 1997:90)
O autor pretende, com isso, sair dessas interpretações que consideram o
Estado decadente, defendendo a idéia de que o período posterior ao esgotamento do
ciclo do ouro não pode ser visto como “decadente”, por considerar que a agropecuária,
atividade econômica desenvolvida a partir de então, foi um dos fatores que levou ao
povoamento de Goiás e a um maior crescimento econômico.
Faz, portanto, uma crítica às produções historiográficas goianas, propondo
uma nova visão. A partir daí começa a mostrar que a partir da década de 30, como
resultado da implantação da estrada de ferro, vem à tona a ideologia do progresso como
questão central, particularmente nas regiões Sul e Sudoeste do Estado. Para o autor “a
representação da modernidade ganha força em Goiás nos anos 30, com a ascensão
econômica das regiões sul e sudoeste do Estado...”(CHAUL, 1997:149)
Para ele, as pessoas, na modernidade, vivem a promessa de um futuro
“perfeito”. E, na região Sul, esse futuro começara a despontar, segundo Chaul, através
da chegada de alguns avanços tecnológicos:
...com a penetração da estrada de ferro, a economia goiana
experimentara um ascensional desenvolvimento, uma vez que
Goiás se inseria cada vez mais na economia de mercado, por
14
intermédio do aceleramento do processo de compra e venda
de mercadorias.
(CHAUL, 1997:158)
CHAUL refere-se ao passado goiano através de alguns marcos principais,
como a chegada dos bandeirantes em busca do ouro, o desenvolvimento da agropecuária
e a chegada da ferrovia, para mostrar que essas marchas abriram caminho para o
progresso e o desenvolvimento, o que se intensificou após a implantação da Ferrovia,
particularmente na região Sul do Estado, que se transforma em exemplo.
Assim, a ascensão demográfica e econômica do Sul de Goiás
transformou a região num exemplo, para a época, de
progresso e modernidade do Estado, por meio de seu
desenvolvimento comercial e urbano.(CHAUL, 1997:159).
Isso porque há aí o desenvolvimento de uma mentalidade
progressista/modernizadora. Tal mentalidade passou a representar a região como área
pioneira no Estado, no avanço das fronteiras do capitalismo nacional.
Embora privilegie exclusivamente o enfoque econômico, suas obras são
relevantes para os estudos que refletem sobre o Estado de Goiás, particularmente a
região Sul, pois refletem os questionamentos de sua época e suscitam novas abordagens
sobre o tema.
Acerca das mudanças processadas no Estado com a chegada da Ferrovia
escreve também BORGES (1990). No que diz respeito à economia, coloca que no início
do século XX, quando a ferrovia chega ao Estado de Goiás, ela "já se encontrava
organizada dentro da lógica das leis da economia de mercado e se subordinava à
produção agro-exportadora nacional." (BORGES, 1990:52)
Neta perspectiva, as transformações pelas quais passou o Estado,
particularmente sua região Sul, foram resultado das próprias transformações econômicas
do País. Com relação à posição política salienta que os coronéis eram
contrários a qualquer tipo de mudança de caráter
progressista, não queriam a estrada de ferro, pois ela
representaria uma força nova de transformação que poderia
ameaçar o "status quo", ou seja, o poder constituído dos
coronéis. (BORGES,1990:55).
Defende, assim, a idéia de que a implantação ou não da ferrovia no Estado
atendia a interesses externos e só ocorreu para atender às necessidades do capitalismo,
15
apontando para as várias disputas acontecidas em torno de sua construção. Disputas
estas que fizeram com que os decretos que deveria estipular até onde ela deveria ir
fossem alterados várias vezes.
É possível observar nos escritos do autor que para que a construção da
ferrovia se efetivasse, vários problemas foram enfrentados e estes, na sua maioria,
ocultados pela história oficial. Entre estes, estava a falta de pagamento a empreiteiras e
subempreiteiros, o que levou a falências e mandatos judiciais, a conflitos variados,
como o que houve em Ouvidor em 1915, entre a polícia de Goiás e os operários que
trabalhavam na companhia, a construção da ponte sobre o rio Corumbá, concluída a 15
de julho de 1922, pois esta veio pronta dos Estados Unidos e chegou curta, além de
outros não mencionados.
Segundo Borges a maioria dos operários vinha do Rio de Janeiro, São Paulo
e também de Portugal e Espanha, restando para os trabalhadores locais o serviço mais
bruto e rústico, falando também das péssimas condições de trabalho e da preocupação
que havia em “manter a ordem” entre os trabalhadores. Ressalta, ainda, como
...as relações de trabalho, no setor ferroviário brasileiro,
foram pautadas pelo paternalismo, uma forma de tolher o
crescimento dos movimentos operários e manter as relações
de exploração e dominação. (BORGES, 1990:70-71)
Tudo indica, então, que os problemas enfrentados durante a construção da
Estrada de Ferro Goiás, prolongamento da Mogiana foram vários e freqüentes, embora
não possam ser encontrados facilmente nos relatórios. Além das precárias condições de
trabalho, aponta para um grande número de acidentes e doenças provenientes deste tipo
de trabalho e para as deficiências técnicas apresentadas, o que significou maiores gastos
com reparos e manutenção. Ao falar da chegada da ferrovia em Ipameri (temática aqui
desenvolvida) aponta para as deficiências deste meio de transporte, causa de constantes
reclamações. Segundo o autor:
...em Ipameri as críticas eram motivadas pelas mesmas
causas, ou seja, atraso de trens, carência de armazéns da
companhia, e ainda reclamava-se contra a sujeira e
insegurança dos trens de passageiros.(BORGES, 1990:73)
E, assim como Chaul, Borges aponta a chegada da ferrovia como a grande
responsável pela transformação de várias regiões do Estado, um momento de ruptura
16
com o “atraso”: acelerando a mercantilização da produção, aponta o caráter progressista
adquirido pela região após a chegada da ferrovia, avançando, a meu ver, quando coloca
as questões das condições de trabalho. Defende as regiões Sul e Sudoeste de Goiás
como mais “desenvolvidas” economicamente em relação ao restante do Estado,
justificando a necessidade de uma mudança política, ocorrida após a revolução de 30 e
da transferência da capital para um local mais próximo destas regiões, que já tinham o
pode econômico, restando apenas o poder político, que ainda se concentrava em Goiás
Velho, chamada de “reduto” dos Caiados
5
por algumas correntes historiográficas.
É possível dizer que tanto CHAUL quanto BORGES apontaram para
aspectos importantes, evidenciando fatores comuns em ambas às análises, como
mudança de orientação política e diversificação da economia do Estado, a partir da
construção da ferrovia, que faz aumentar a população nas regiões Sul e Sudoeste.
Buscam no passado uma identidade para o Estado, que passa pelo avanço do
capitalismo e pela representação dicotomizada moderno/atraso.
Apresentam, ainda, em comum o fato de colocarem os trabalhadores, seja da
fazenda ou da ferrovia, como marginais ao processo, reféns da lógica capitalista, como
se fossem incapazes de se organizarem, limitados pela forma de vida que tiveram.
Atribuem a esses trabalhadores uma passividade diante dos acontecimentos.
Numa perspectiva diferente escreve INÁCIO (2003) sobre os turmeiros que
trabalharam na Ferrovia, no início do século XX, nos trechos da cidade de Goiandira,
com o objetivo de possibilitar outras leituras, mostrando que havia por parte desses
trabalhadores reações diversas e que o processo de implantação da Estrada de Ferro
Goiás não se deu pacificamente. Em seu trabalho monográfico, intitulado Violência e
Progresso: Sul de Goiás, início do século, direciona a leitura para momentos de
conflitos desses trabalhadores para mostrar que, por várias vezes, eles agiram
ativamente nesse processo de transformação e que se organizaram a sua maneira para
reivindicar, impondo as suas “posições”. Analisa conflitos dos moradores de Catalão, no
início do século XX, que resultaram em reações violentas como uma forma de se
contrapor ao projeto de transformações: sublinha que esses trabalhadores exerciam
ativamente influência nesse processo de transformação a que foram submetidos com a
implantação da Ferrovia.
5
Os Caiados, família de “coronéis” e oligarcas, dominaram a política no Estado de Goiás até 1929, só
perdendo a sua posição para Pedro Ludovico Teixeira, com a chamada “revolução de 30”.
17
Diferentemente das leituras anteriores, aponta para o fato de que as
transformações não se davam de modo pacífico e que a ferrovia não pode ser pensada
apenas em relação ao desenvolvimento econômico e populacional do Estado, mas
“como meio ‘modernizador’ que problematizou viveres das pessoas, sentida enquanto
negação de alguns modos de vida das pessoas no início do século XX”
6
(INÁCIO,
1997:08)
Já em sua dissertação de mestrado “Trabalho, Ferrovia e Memória: a
experiência de turmeiro (a) no trabalho ferroviário”, o autor resgata a história dos
turmeiros, trabalhadores braçais da Estrada de Ferro Goiás da cidade de Goiandira, no
início do século XX. Reflete sobre aspectos diferenciados, entre eles como esses
trabalhadores interviam nas relações de trabalho a partir da implantação da Ferrovia,
utilizando como referenciais os costumes vividos nas fazendas para se opor às novas
condições de moradia ou à presença do feitor.
Busca compreender, ainda, como após os anos cinqüenta há uma redefinição
no papel da mulher na família, da maneira de criar os filhos e do próprio espaço de lazer
e, por fim, de como a ida desses trabalhadores para a cidade nos anos setenta com o fim
das casas de turma resulta na construção e reconstrução de novos sentidos na própria
família, pois a fixação de residência na cidade separa semanalmente o marido/pai, que
trabalha nos trechos da ferrovia.
Pensa a história da cidade não a partir dos marcos oficiais, mas “no diálogo
com as memórias de turmeiro, pensando o próprio sentido dado no campo de
recordações dadas com o trabalho ferroviário”. (INÁCIO, 2003:118)
Estas leituras me forneceram subsídios importantes para o desenvolvimento
de minha pesquisa mas continuava a me incomodar o fato delas não responderem a
minha principal questão: entender o(s) motivo(s) que levara(m) os ipamerinos a se
referirem à cidade de Ipameri sempre no tempo pretérito: a expressão “a cidade do já
teve” e outras já citadas continuavam sem explicação para mim, talvez porque eu
mesma desejasse uma perspectiva de futuro, que não está presente no imaginário da
população de Ipameri.
Analisei inicialmente os documentos escritos, por entender que através deles
seria possível compreender um pouco da história da cidade de Ipameri enquanto espaço
dinâmico constituído a partir de práticas sociais diversas, vivenciadas neste cotidiano.
6
INÁCIO, Paulo César. Violência e Progresso: Sul de Goiás, início do século. Catalão, 1997.
18
Utilizei como fonte o jornal O Ypameri,
7
A Semana, publicado durante o ano de 1923,
órgão do Partido Democrata o Diário Oficial do Estado de Goiás, editado nos anos de
1931, 1932, 1933 e Gazeta de Ypameri de 1924, também órgão do Partido Democrata.
Utilizei, ainda, o livro Ipameri Histórico, volumes I e II, escrito por VEIGA (1967),
assim como a leitura de algumas correspondências e ofícios diversos emitidos e ou
recebidos pela Prefeitura Municipal de Ipameri, durante os anos de 1921, 1922, 1923,
1924 e 1939, documentos estes localizados na Biblioteca Municipal João Veiga de
Ipameri.
No trato metodológico com o jornal inspirei-me no trabalho de CAPELATO.
Para a autora os jornais apresentam “aspectos significativos da vida de nossos
antecessores, que permitem recuperar suas lutas, ideais, compromissos e interesses”.
E, são esses “aspectos significativos” que tornam o trabalho com jornais uma grande
experiência. Ao manuseá-los, segundo Capelato, deve-se levar em conta que eles são
uma forma de dominação ideológica, capaz de persuadir a opinião pública, levando
mesmo à eleição de um candidato. São veículos de propaganda e “desde os seus
primórdios, a imprensa impôs-se como uma força política. Os governos e os poderosos
sempre a utilizam e temem; por isso adulam, vigiam, controlam e punem os
jornais”.(CAPELATO, 1988:12)
Além disso, esta fonte é importante também porque:
...para alguns períodos é a única fonte de reconstituição
histórica, permitindo um melhor conhecimento das
sociedades ao nível de suas condições de vida, manifestações
culturais e políticas, etc.(ZICMAN, 1985:89)
É preciso considerar, ainda, que os jornais não trazem apenas propagandas
políticas partidárias, são heterogêneos e através deles é possível identificar
acontecimentos culturais e sociais da cidade. Segundo Capelato, tentar enxergar neles
apenas as disputas partidárias é reduzir a sua importância como fonte histórica. A sua
utilização deve ser feita antes de tudo, a partir de algumas indagações, como quem são
7
dirigido pelo Professor Aureliano do Carmo e Francisco Vaz, no ano de 1922, jornal este que reapareceu
em maio de 1926, fundado por Olegário Vaz que contava com a colaboração de Jovelino Gomes e João
Formosa. Em 1927 foi dirigido pelo professor Joaquim Rosa e em 1928 pelo Coronel Francisco Vaz
Lopes. Até essa data o jornal toma partido dos caiadistas, procurando destacar todos os feitos dos
integrantes do Partido Democrata, particularmente do Presidente do Estado Brasil Ramos Caiado e de
forma ainda mais acentuada do Senador Antônio Ramos Caiado “Totó Caiado”, que era também líder
deste partido.
19
seus proprietários? A quem se dirige? Com que objetivos e quais os recursos utilizados
na batalha pela conquista dos corações e mentes?
Dessa forma a imprensa pode contribuir para a produção de um trabalho
historiográfico. No entanto, é importante ter consciência de que o trabalho com jornal é
uma tarefa complexa, que exige uma certa habilidade do historiador, por apresentar
certas dificuldades, como não encontrar o artigo desejado, ou ainda, deixar-se ser levado
pela opinião dos jornalistas que escrevem de forma a fazer o leitor acreditar em seus
escritos e até mesmo incorporá-los, pois eles são apresentados com um caráter de
profetismo
Além dos jornais utilizo também os livros escritos sobre a cidade pelos
historiadores locais, profissionais, cronistas ou memorialistas. São importantes, pois a
história pode se apresentar de duas formas, de acordo com a análise de LE GOFF
(1990), ao falar dos documentos e monumentos da história, representando uma seleção,
uma escolha do historiador, o que ele chama de documentos, ou, ainda, sob a forma de
uma herança do passado em seus mais variados aspectos, o que para Le Goff são
monumentos. Entretanto, Lê Goff chama atenção para a importância de se transformar
qualquer documento em monumento, a partir de um questionamento. Com isso, este
autor, pretende fazer uma crítica ao privilégio dado por parte dos historiadores aos
documentos escritos e oficiais, pois para ele o historiador deve:
...fazer a crítica do documento – qualquer que ele seja
enquanto monumento. O documento não é qualquer coisa que
fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o
fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o
poder. Só a análise do documento enquanto monumento
permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo
cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa. (LE
GOFF, 1990:545)
Assim, o historiador deve ver o documento como resultado de uma
produção humana e, indo um pouco além, não deve apenas criticar os documentos, deve
perceber o peso que eles têm na memória coletiva, pois, segundo Le Goff:
A sua presença ou a sua ausência nos fundos dos arquivos,
numa biblioteca, num terreno, dependem de causas humanas
que não escapam de forma alguma à análise, e os problemas
postos pela sua transmissão, longe de serem apenas exercícios
de técnicos, tocam, eles próprios, no mais íntimo da vida do
20
passado, pois o que assim se encontra posto em jogo é nada
menos do que a passagem da recordação através das
gerações.(LE GOFF, 1990:544)
Dessa forma, se existem ou não determinados jornais ou obras sobre Ipameri
nas escolas ou bibliotecas, isso depende de alguém que teve o interesse em escrevê-los e
também selecioná-los enquanto “importantes” e também da ênfase dada pela memória
coletiva. Para o autor:
O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades
históricas para impor ao futuro – voluntária ou
involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No
limite, não existe um documento-verdade. Todo o documento é
mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo. (...)
qualquer documento é, ao mesmo tempo, verdadeiro –
incluindo, e talvez sobretudo, os falsos – e falso, porque um
monumento é em primeiro lugar uma roupagem, uma
aparência enganadora, uma montagem. É preciso começar por
desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta
construção e analisar as condições de produção dos
documentos-monumentos.(LE GOFF, 1990:548)
Logo, historiadores profissionais são aqueles que desempenham os papéis
colocados por Le Goff, ou seja, que buscam nos documentos uma interpretação,
tornando-os monumentos, usando-os cientificamente com plenos conhecimentos de
causa.
As obras dos chamados historiadores locais ou dos memorialistas, e
acrescento aqui a dos cronistas, “permite-nos uma discussão muito interessante sobre o
conhecimento produzido sobre o passado e sobre qual memória histórica pretende-se
‘salvar do esquecimento’ e legar às gerações futuras”.(FREITAS, 1998:03)
Utilizo como critério para a conceituação desses escritores, o que foi
sugerido por Freitas, ao mostrar que o primeiro elemento a ser ressaltado diz respeito ao
próprio autor:
...no geral, faz parte do chamado (ou auto-intitulado)
segmento de intelectuais da cidade (médicos, advogados,
jornalistas, professores, funcionários públicos, entre outros),
muito próximo do poder, pertencente ou não, socialmente
falando, às elites dominantes.(FREITAS, 1998:03)
Os memorialistas aqui analisados fazem parte dos segmentos intelectuais da cidade
de Ipameri, descritos acima. Joaquim Rosa, farmacêutico, foi secretário da prefeitura, jornalista,
21
professor, promotor público e participante do movimento integralista, escreveu o livro Por esse
Goiás Afora. João Veiga foi militar, secretário da Prefeitura, vereador, diretor do jornal o
Ipameri, coletor estadual e jornalista, escreveu o livro Ipameri Histórico. O Professor Zuzu é
professor, filho do “coronel” José Bernadino da Costa (líder do Partido Democrata em Ipameri,
até 1929, quando faleceu) e escritor de crônicas. Sahid Miguel Daher é comerciário e escreveu o
livro Cheik-Taba Três Famílias, no qual relata a história da vinda de sua família do Líbano para
Ipameri, iniciada em 1913.
Tais autores têm em comum o interesse de escrever sobre sua própria história de
vida, como a cuidar para que elas sejam lembradas no futuro e
...enquanto memórias históricas são marcadas geralmente
por um cunho ideológico e político evidente, transmitindo
explicitamente demandas de setores dominantes da
sociedade via homogeneização de interesses e com forte
enraizamento no pensamento liberal demonstrado, entre
outros, através da apologia de uma certa perspectiva de
progresso. Pode-se ler nas entrelinhas da obra a expectativa
do autor para com a cidade.(FREITAS, 1998:03)
Isso justifica a denominação de historiadores locais ou memorialistas, dada
por mim a estes autores, a partir dos escritos de Freitas. Suas obras evidenciam os
acontecimentos da cidade, mostrando que é a partir da chegada da Estrada de Ferro
Goiás em Ipameri que a cidade se desenvolve, além de evidenciar a contribuição de suas
famílias para que o “progresso” acontecesse.
Essas obras, particularmente as de João Veiga, são hoje utilizadas como
elemento importante e problemática nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, como
se fossem as únicas fontes de informação capazes de fornecer elementos que contem a
história local.
Como já disse anteriormente, a maioria das fontes escritas por mim
utilizadas localiza-se na Biblioteca Municipal João Veiga. Ao manuseá-las pude me
deparar também com imagens fotográficas, que acabaram por auxiliar no
desenvolvimento da pesquisa. Percebi que, de maneira geral, tais imagens exprimem o
interesse da classe dominante em construir e deixar registrado “para o futuro”
determinada imagem da cidade: a que destaca seu processo, ainda que relativa, de
modernização.
A fotografia é apresentada como documento incontestável do progresso da
cidade. Isso é perceptível ao verificar que as imagens que prevalecem, tanto nas fontes
22
iconográficas quanto nas fontes escritas, apontam transformações ocorridas a partir da
construção da ferrovia. E, embora perceba-se um esforço no sentido de ordenar e
disciplinar as ruas e construções que iam sendo inauguradas, de urbanizá-las, as
imagens mostram uma cidade comum ao imaginário do interior sertanejo, uma cidade
pacata e “sem movimento”.
Cabe ao historiador, portanto, perceber que
...toda imagem incorpora uma forma de ver (...) Contudo,
embora toda imagem incorpore uma maneira de ver, é de
fundamental importância o fato de que nossa percepção ou
apreciação de uma imagem depende, também, de nosso
próprio modo de ver..
8
(CARRIJO, 2004:04)
Dessa forma, cabe ao historiador a interpretação dessa imagem
considerando as circunstâncias em que foram produzidas, penetrar no universo das
imagens deixando se levar por caminhos inusitados e labirínticos. Logo, tendo em
mente que “.a imagem pode ser entendida e pensada na relação com o texto que a
acompanha ou no amplo contexto que a circunda”
(CARRIJO, Gilson Goulart, 2004:4)
Utiliza-se palavra e imagem como forma de comunicação e expressão que se
complementam, mas que também são autônomas. Destacando-se, ainda, o fato de que a
produção de determinada imagem depende sempre do olhar de quem fotografa, assim
como do olhar de quem a observa.
Valho-me também nesta pesquisa do uso de fonte oral, por entender que tal
fonte poderia dar mais vida ao que estava silenciado nos artigos jornalísticos, uma
tentativa de lançar um novo olhar sobre a cidade. As entrevistas foram realizadas com
descendentes dos imigrantes que vieram para Ipameri com o objetivo de trabalhar na
construção da Ferrovia ou para instalar aqui o seu comércio, além daquelas pessoas que
de alguma forma tiveram a sua vida relacionada ao trem, seja para trabalhar ou viajar.
A utilização da fonte oral é relevante para a realização desta pesquisa,
apesar de ter sido durante muito tempo alvo de críticas de diversos historiadores.
Entretanto, entendemos que ela pode se tornar valiosa e é relevante para o
8
Utiliza-se, aqui, o conceito de imagem, segundo a conceituação de Goulart, para o qual “ mais do que uma
representação da ‘realidade’ a imagem visual é um sistema simbólico dado para ser visto e sua significação é, em
grande parte tributária das experiências e dos saberes que o receptor adquiriu anteriormente. Portanto a produção e
o entedimento das funções da imagem situam-se no campo de uma construção histórica e cultural. CARRIJO, Gilson
Goulart, Imagem e Silêncio: percepção estética e sensibilidade, 2004:4) Documento manuscrito utilizado no
evento: NEPHISPO 10 ANOS, 10 CONVERSAÇÕES, 10 TEXTOS. Este texto fundamentou a conversação em
questão, apresentada em novembro de 2004 na programação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História Política
da UFU, coordenado por Jacy Alves de Seixas.
23
desenvolvimento da pesquisa, pois para aqueles que a consideram como uma forma de
se atingir objetivos sociais e políticos conservadores, Rosa Maria Ferreira diz que:
Todo documento tem o seu lugar social de produção e fala em nome
de alguém ou de “alguma coisa”. Além disso, a própria escolha do
documento pelo pesquisador implica num processo de seleção
também eivado de subjetividade, uma vez que o pesquisador está
sujeito a ela, como ser humano que é, tanto quanto quem “produz” os
documentos. Em última instância, os produtores dos documentos são
seres, homens e mulheres, com todas as implicações sociais e
políticas que isto acarreta, sendo também válido para quem escolhe,
analisa e “pensa” o documento. (FERREIRA, 1997/1998:58)
Assim, tanto a fonte oral quanto qualquer outro tipo de fonte histórica pode
levar à produção de conhecimento, entretanto, o resultado da pesquisa depende muito
mais de quem está pesquisando. Sendo assim, é essencial o cuidado de estar percebendo
durante o desenvolvimento da pesquisa, os “limites” das fontes, negá-las simplesmente
não resolveria as questões colocadas.
O uso da fonte oral nos discursos históricos não é uma prática nova, de
acordo com Rosa Maria Ferreira:
Desde o nascimento da “história”, com Heródoto, a observação
participante prescrita por ele, era acompanhada pela utilização dos
testemunhos daqueles que vivenciaram os acontecimentos. Contudo, a
busca da veracidade dos fatos, levou Tucídides, mais tarde, a
questionar a incorporação pura dos relatos, tendo em vista as suas
dessemelhanças e juízos de valor, não obstante referirem-se aos
mesmos episódios. (FERREIRA, 1997/1998: 53)
Percebe-se que desde Tucídides, a fonte oral, como documento histórico é
posta em cheque, particularmente quando os testemunhos se “cruzam” no sentido de
expressar colocações diferentes. É descartado por ser considerado nesta perspectiva
como algo que não consegue ser objetivo por não expressar a cobiçada “veracidade” dos
fatos.
24
Uma das problemáticas levantadas acerca da fonte oral é a sua subjetividade,
que é um tema propício para seus críticos. Um outro problema, enfrentado também, pela
fonte oral é a sua transcrição. Por mais fiel que esta seja, não consegue jamais abarcar a
totalidade do que se transcreve, como diz Portelli
...a transcrição transforma objetos auditivos em visuais, o
que inevitavelmente implica mudanças e interpretação (...) a
expectativa da transcrição (...) é equivalente a fazer crítica
de arte em reprodução. (PORTELLI, 1997:27)
Entretanto, a fonte oral não pode por isso ser descartada, não fala
...por si só e não é um “objeto pronto”, capaz de alterar as
feições da escrita da história, ou de operar uma
transformação radical da sociedade capitalista rumo à sua
superação, ao trazer à cena os excluídos, com suas leituras
do passado e suas reivindicações.
(FERREIRA,
1997/1998:55)
Neste sentido, pretendo fazer de seu uso algo que enriqueça a pesquisa, a
memória de pessoas que agem e criam meios para viver, inventam e reinventam a
realidade.
Questões sobre as condições de produção do documento
oral, seu contexto, a motivação, o conteúdo e, mais ainda:
traz para o historiador que se debruça por sobre este
documento, o imperativo de perceber a interrelação entre os
atores que estão produzindo o documento, entrevistador e
entrevistado. Mais do que um tratamento analítico dado pelo
pesquisador/produtor, neste caso impõe-se ao historiador
lidar com os dois sujeitos porque é do diálogo entre eles que
o documento se faz. (FERREIRA, 1997/1998:55)
No caso dos entrevistados, fui particularmente atenta a certos cuidados
metodológicos:
O realmente importante é não ser a memória apenas um
depositário passivo de fatos, mas também um processo ativo
25
de criação de significações. Assim, a utilidade específica das
fontes orais para o historiador repousa não tanto em suas
habilidades de preservar o passado quanto nas muitas
mudanças forjadas pela memória. Estas modificações
revelam o esforço dos narradores em buscar sentido no
passado e dar forma às suas vidas, e colocar a entrevista em
seu contexto histórico. (PORTELLI, 1997:33)
As informações mais importantes podem estar naquilo que não é dito. É
preciso estar atento para que se possa “ler” nas entrelinhas o significado daquilo que as
fontes insistem em esconder, ou não tornar público. O uso da fonte oral leva a perceber
o que pode ter sido ocultado por um longo período na maioria das correntes
historiográficas sobre a cidade de Ipameri.
9
Foi a perspectiva aberta pela utilização da história oral a responsável, neste
caso, pela abertura de um vasto campo de possibilidades. Ao pesquisar e principalmente
ao ouvir as histórias, sentia como se a minha própria infância estivesse sendo
reconstruída, lembrei-me das viagens de trem, do quanto as viagens para Goiânia eram
esperadas por mim no período de férias escolares. E, apesar de hoje não ser este um
cenário comum (neste caso o trem foi substituído pelo ônibus), ainda é possível
encontrar vivos na memória inúmeros relatos cheios de sentimentos inspirados “no
tempo do trem”.
Isso significa que se, em um dado momento, a identidade da cidade é
constituída pela presença do trem, a perda desse referencial não anulou a memória
construída. O trem se mantém vivo nas lembranças de quem viveu esse tempo e também
na memória coletiva de Ipameri.
Para o desenvolvimento da pesquisa, além das fontes escritas, utilizei-me
também da fonte oral, entrevistando um total de oito pessoas, que tinham em comum o
fato da sua história de vida estar relacionada ao trem, a chegada da Estrada de Ferro
Goiás em Ipameri, seja por terem vindo para a cidade como trabalhador na ferrovia,
para estabelecer algum tipo de comércio, ou, ainda, pelo simples fato de terem utilizado
o trem como meio de transporte para outras localidades.
9
Fontes orais são condição necessária (não suficiente) para a história das classes não hegemônicas, elas
são menos necessárias (embora de nenhum modo inúteis) para a história das classes dominantes, que têm
tido controle sobre a escrita e deixaram atrás de si um registro escrito muito mais abundante.
(PORTELLI, 1997:37)
26
As entrevistas me colocaram diante de um universo novo, levando-me a
perspectivas de abordagens totalmente diferenciadas, comecei a perceber que o
“silêncio” das fontes escritas começava a ser invadido pelas histórias dessas pessoas e
novos significados começaram, assim, a serem construídos por mim. Entre lágrimas e
gargalhadas a memória da história da cidade e do trem ia se compondo para mim numa
espécie de viagem ao passado e ao presente.
Nas entrevistas procurei conversar informalmente e por conhecer a maioria
das pessoas, foi fácil o acesso às mesmas. As conversas acabaram se transformando em
momentos agradáveis, nos quais o papel de ouvir foi muito significativo para o trabalho
final. Aprendi que mais importante que levar questionários prontos era deixar-me
envolver pelo “clima” da entrevista, fazendo intervenções apenas quando necessário.
Procurei estar atenta muito mais aos gestos do entrevistado, pois “ler” as suas feições,
sorrisos e lágrimas me diziam muito mais.
Havia, no início, por parte dos entrevistados, a preocupação de estar
detalhando fatos, com datas precisas e nomes, o que eles faziam questão de mencionar,
talvez pelo fato de se tratar de uma pesquisa histórica e pela própria noção de história
apreendida por eles, que viam na cronologia e “veracidade” dos fatos um marco
essencial.
Não que esses tópicos não sejam importantes, mas as entrevistas ficavam
muito mais interessantes quando eles eram esquecidos: o que vinha à tona era a sua
própria narrativa do passado, como se aquele momento fosse uma oportunidade de falar
de si mesmo, de suas alegrias, tristezas e frustrações.
A oportunidade de “falar do passado” em alguns casos era como uma forma
de aliviar a dor do presente, o que pude perceber ao conversar com o Sr. Mário, que há
pouco havia perdido a esposa. Percebi que, para ele, o fato de o estar entrevistando era
como se tivesse concedendo-lhe um remédio para aliviar seu sofrimento de perda, como
se o trem pudesse “devolver” a presença viva a esposa. Falar do trem, rememorá-lo
significava a possibilidade de resgatar um passado feliz, aliviando a convivência com
um triste presente em função da morte da esposa.
Esse grupo de entrevistados, apesar de lembrar com saudosismo e até certa
melancolia de seu passado, fez-me perceber que gostavam muito do que faziam e
ansiavam por falar da sua própria vida, contar histórias, na maioria das vezes, sem
público para ouvi-las.
27
A experiência com a fonte oral foi, portanto, gratificante e tornou a pesquisa
mais prazerosa, apesar da dificuldade da transcrição das entrevistas, todas autorizadas
pelos entrevistados. Dificuldade esta superada pelo fato de ao entrevistar as pessoas
anotar suas principais feições, detalhando em palavras pausas, risos e lágrimas.
Esta dissertação divide-se em três capítulos. O primeiro – “Uma história de
trem e cidade” - busca compreender o surgimento do transporte ferroviário no Estado de
Goiás, de modo particular em Ipameri, cidade interiorana, localizada na região Sul,
como resultado de um projeto de expansão da fronteira econômica no Brasil, necessário
para colocar em prática um projeto de urbanização, industrialização e civilização
pensado no século XIX – início do XX.
O segundo capítulo - “Ipameri: cidade planejada a partir dos trilhos” - busca
apreender o sentido do projeto de urbanização que começa a ser delineado e colocado
em prática pela elite local, desejosa de apagar da memória o que fora o “antes” da
ferrovia: processo que aponta para a construção de uma dada memória sobre a cidade
que tem o seu duplo no esquecimento.
Por fim, no terceiro e último capítulo - “Um olhar sobre a experiência do ser
ferroviário” - busca compreender a cidade e o trem além da paisagem, como espaço de
múltiplas vivências, dotadas de sentidos variáveis; mostrar que, para muitas pessoas que
conviveram com o trem, a sua história e a da cidade se misturam assumindo os mais
variados significados. Em síntese, este trabalho busca refletir sobre a questão da cidade
ser ainda hoje rememorada, precisamente em seu (s) encontro (s) com o trem e suas
representações e imagens.
28
I
UMA HISTÓRIA DE TREM E CIDADE
Eu nem pensava
Que o meu desejo era um trem de ferro
Que a música parecia silêncio
E a vida era uma flor desavisada
Florindo o chão rachado do sertão.
Fagner & Zeca Baleiro
Falar do trem de ferro, grande símbolo da expansão da modernidade
capitalista, do século XIX e início do século XX, ainda é muito comum atualmente. O
trem aparece sempre com um ar de romantismo ou nostalgia, seja nas letras musicais,
nos poemas ou em produções cinematográficas. Nos relatos memoriais a ferrovia
aparece, ora como lenda, ora como proporcionadora de um espetáculo privilegiado da
civilização capitalista, como se um mistério romanesco envolvesse o espaço da estação,
de forma a encantar toda a humanidade.
O Estado de Goiás, no início do século XX vive momento de grande euforia,
particularmente sua região Sul. Busco, assim, compreender o surgimento do transporte
ferroviário no Estado de Goiás, de modo particular em Ipameri, cidade interiorana
localizada na região sudeste, enfatizando-se as décadas que vão de 1910 a 1930, como
resultado de um projeto de expansão da fronteira econômica no Brasil, necessária para
colocar em prática um projeto de urbanização, industrialização e civilização, pensado no
século XIX para a sustentação do capitalismo, projeto este que se insere
ideologicamente nos quadros da chamada modernidade.
A cidade de Ipameri localiza-se na região sudeste do Estado de Goiás e
pertencera até 12 de setembro de 1870 à cidade de Catalão, data em que foi emancipada
politicamente. Limita-se com onze municípios e possui vasta extensão territorial. Possui
uma área territorial de 4.691 quilômetros quadrados, equivalente a 1,32% do território
goiano. (ver mapa nº 01)
10
Mapa Nº 01
10
Informações retiradas de Ipameri, Diagnóstico Municipal, Sebrae, 1997.
29
Mapa cedido por Luís Alberto Costa
Fonte: www.ipameri.cidadesvirtuais. Net/mapas.html, acessado em setembro de 2005.
Não há aqui a intenção de fazer um balanço historiográfico acerca do
processo de implantação das ferrovias no Brasil e, conseqüentemente, no Estado de
Goiás, mas um breve relato é necessário para a compreensão da reflexão proposta.
É fato que existem inúmeros autores preocupados com a temática da
ferrovia, sob os seus mais variados aspectos. Entretanto, é necessário destacar que
dentre eles algumas análises serviram de referência para o desenvolvimento deste
trabalho, ampliando as possibilidades de compreensão histórica. Entre eles, destaco os
trabalhos de LACERDA (1997), HARDMAN (1988) e PAULA (2000).
O trabalho de Franciane Gama Lacerda (1997), uma dissertação de mestrado
intitulada Em busca dos campos perdidos: uma história de trem e cidade retrata o Pará
de fins do século XIX, a partir da construção da Estrada de Ferro Bragança, na cidade
de Castanhal. A autora busca refletir sobre o processo de chegada da modernidade
30
expressa nos trilhos de ferro que cortam a chamada Zona Bragantina, através da
memória construída pelos moradores da cidade. Analisa a construção do espaço da
cidade de Castanhal-Pará, entendendo a partir de vivências sociais diversas expressadas
nas práticas sociais que se evidenciam neste espaço, “a cidade como o espaço da
diversidade onde variados sujeitos vivenciam também experiências diversificadas e
atribuem significados também diversos a esta experiência”. (LACERDA, 1997:07)
Sua contribuição para o meu trabalho deve-se muito ao fato de Ipameri
vivenciar experiências históricas semelhantes. A cidade de Castanhal também passou
por um momento considerado como “áureo”, “glorioso” pelo imaginário popular, com
a chegada da ferrovia, no final do século XIX, tempo este que é (re)construído pela
memória.
Ao ler seu trabalho, a sensação despertada em mim era a de que, embora em
tempos e locais diferentes, as suas memórias se confundissem com as minhas, suas
dificuldades quanto à utilização de pronomes como o “eu” e o “nós”, demonstrando a
proximidade com o tema, o fato de que assim como a autora há nos dois textos o
sentimento de pertencimento em relação à cidade. Ele tem o mérito, a meu ver, por se
tratar de uma história local, que dialoga com várias fontes como os jornais, a fotografia
e as entrevistas, apontando para os diversos significados de progresso, mas sem
privilegiar o aspecto econômico apenas.
Contribuiu também o livro Trem Fantasma: a modernidade na selva de
Francisco Foot Hardman, que trata da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a “ferrovia do
diabo”, denominada assim em função dos conflitos existentes principalmente na
primeira fase de sua construção entre os índios, habitantes da selva que tinham o seu
espaço invadido, e os empreendedores da ferrovia, apresentando como conseqüência um
número elevado de mortes.
Para o autor, o tema suscita fascínio por considerar que “a Madeira-
Mamoré era o espetáculo privilegiado da civilização capitalista na selva” e, ainda
assim, passou rapidamente “ao imaginário como fantasma”. Denuncia o alto
investimento na construção da Madeira-Mamoré, localizada em posição geográfica de
difícil acesso. Considera que acima dos interesses econômicos estava o desejo de
dominar o desconhecido. Segundo o autor, não fazia sentido construir uma ferrovia,
símbolo da modernidade, na selva, lugar ainda não dominado pelo homem, ela
constituía-se num desafio em si:
31
...a ferrovia na selva não seria obrigatoriamente ‘motor
desenvolvimento’. Havia pelo menos tantas razões de igual
peso para que fosse o contrário: um caminho que conduzisse
do nada a lugar nenhum. (HARDMAN, 1988:137)
Nesta perspectiva de análise o autor defende a idéia de que a construção de
ferrovias não se dá apenas por interesses econômicos, já que a exemplo da Madeira-
Mamoré, outros trechos também não tiveram êxito. Daí a importância de relativizar as
interpretações que privilegiam apenas o aspecto econômico.
Outra obra de referência para o meu trabalho é a tese de Dilma Andrade de
Paula, Fim de Linha: a extinção de ramais da E. de F. Leopoldina, 1955-1974”.
Embora tenha como foco de análise a extinção de ramais da Estrada de Ferro
Leopoldina, sua leitura foi indispensável para a compreensão do o processo de
implantação das ferrovias no Brasil e como permanece atual a influência desse meio de
transporte na formação cultural brasileira, apesar do desmonte da rede ferroviária e de
seu quase completo abandono no país todo. Como escreve a autora:
Os trilhos abandonados e/ou arrancados, os maquinários
jogados em algum depósito ou apodrecendo às vistas
públicas estimulam a produção de novos símbolos, ou de
recordações, na produção de um sentido para o passado. O
trem não existe, mas como na música Ponta de Areia, de
Milton Nascimento, as ‘casas esquecidas’ e as ‘viúvas nos
portais’ sugerem sua sobrevivência enquanto símbolo de
uma época. (PAULA, 2000:14)
A autora aponta para a relevância de se pensar a questão do transporte no
Brasil, analisando a trajetória da E.F. Leopoldina para investigar a política de
“erradicação de ramais ferroviários”. Ressalta, ainda, que a área de atuação da
empresa incluía o Estado do Rio de Janeiro, parte do Espírito Santo e parte do Sudeste
de Minas Gerais, perfazendo um total de 80 mil quilômetros quadrados. Aborda o
período de 1955 a 1974, englobando o período compreendido entre a política
“automobilística” de Juscelino Kubitschek a extinção do Departamento Nacional de
Estradas de Ferro (DNEF), tendo como principais objetivos analisar a política do Estado
no âmbito federal que resultou na desativação dos ramais ferroviários do interior,
verificar as conseqüências da extinção do trem, particularmente nas regiões do Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo e estudar a história política e administrativa da
32
empresa ferroviária Leopoldina. Para a autora, a política de desativação de ramais
ferroviários foi instrumento principal de desequilíbrios regionais.
Apresenta, também, em seu trabalho uma história da expansão da ferrovia
no mundo e de modo particular no Brasil, das primeiras construções às desativações, o
que me leva a compreender o sentido de sua chegada a Ipameri, como resultado de um
projeto inserido nos quadros da modernidade. Faz um histórico da E. F. Leopoldina,
abordando as regiões atendidas pela empresa, além de refletir sobre a implementação da
produção automobilístico no Brasil, de 1955 a 1974. Fala, ainda, do papel das agências
e agentes envolvidos na política de extinção de ramais ferroviários e dos atores que
fazem parte do desmonte, tratando especificamente da extinção de ramais da E. F.
Leopoldina e principais áreas atingidas e das reações tidas a esse processo.
No final do século XVIII a Europa conheceu uma série de transformações
socioeconômicas, principalmente a partir da Revolução Industrial, iniciada na
Inglaterra, quando os meios de produção, até então dispersos em pequenas manufaturas,
passam a se concentrar nas grandes fábricas. Tal empreendimento só fora possível com
o emprego da máquina na produção de mercadorias. Contribuíram para isso numerosos
inventos desenvolvidos no século anterior como o tear mecânico e a máquina a vapor.
Ao lado das transformações sociais ocorreram significativas mudanças
técnicas, que trazem em seu bojo a idéia de “progresso” e “modernidade”. Nesse
sentido, não se pode esquecer do desenvolvimento dos meios de transporte e de
comunicação, fundamentais para a circulação das mercadorias no mundo dos produtos
industrializados em mercados cada vez mais amplos e para a própria expansão e
consolidação do modo de produção capitalista e da transformação por ele trazida.
Com o aumento do volume da produção de mercadorias e a necessidade
cada vez maior de um transporte mais rápido para os mercados consumidores, George
Stephenson cria a primeira locomotiva em 1814, dando início à era das ferrovias. Já em
1825, na Inglaterra, inaugura-se, entre Darlington e Stockton, a primeira estrada de ferro
e a partir daí vários países ocidentais esboçam seus projetos ferroviários, sendo as
primeiras linhas ferroviárias inauguradas nos Estados Unidos, em 1827; na França em
1828; na Alemanha e Bélgica em 1835 e na Rússia em 1837.
Ao tratar deste aspecto, a historiografia destaca que “após 35 anos da
inauguração da primeira linha, o mundo inteiro contava com 100 mil quilômetros de
vias férreas em exploração, em 37 países.” (PAULA, 2000:37)
33
O século XIX conviveu com a expansão dos trilhos pelo mundo todo. À sua
chegada é possível perceber que o impacto social e mental se dava de maneiras variadas
e os indivíduos reagiam ao mesmo tempo com indignação, espanto e encantamento. Por
onde o trem passava criava em torno de si novas relações: “o espetáculo das
mercadorias sob a ótica ilusionista do maquinismo estava sendo montado”.
(HARDMAN, 1988 :25)
Essas transformações que perpassavam a área econômica atingiam as
pessoas e em todos os sentidos, produzindo efeitos “no âmbito da produção de valores
materiais/espirituais, as inversões e rompimentos, enfim, nos atributos e alicerces da
cultura” (HARDMAN,1988:27)
As multidões se dividiam entre o encanto e o assombro sob o impacto da
novidade proporcionada pela máquina, símbolo da modernidade. Esse sentimento
percorre os lugares por onde a ferrovia passa e muitos buscam representar essas
imagens, alguns de forma romântica, outros de modo a divulgar seus interesses, a maior
parte pertencente à elite burguesa, beneficiada economicamente pelas transformações.
A chegada do trem ganha, por onde passa, o significado de “fio condutor
das mudanças revolucionárias” e é ainda hoje “presença viva no imaginário popular”.
(HARDMAN, 1988:27)
Falar do trem, símbolo do triunfo do capitalismo durante o século XIX e
início do século XX é falar do sentido do progresso e da modernidade. Como escreve
HARDMAN, as impressões criadas pelos artefatos de ferro sugerem a força do impacto
cultural desencadeado, novas relações entre técnica e sociedade são criadas e recriadas e
um efeito de ilusão de ótica percorre povos e países, uma “espécie de nomadismo
civilizado correndo atrás de oásis fugazes”.
O trem foi representado, no Brasil, como nos demais países, como o grande
condutor da civilização e veículo de integração nacional. Por onde passava, o trem
trazia consigo a ilusão de que através dele seria possível a todas as classes sociais o
acesso à instrução, a anulação de preconceitos e a prosperidade. O trem símbolo do
progresso e da civilização molda novos hábitos, entre eles o de medir o tempo pelo
relógio, colocado nas estações, que substitui o tempo natural, medido pelo sol e pelo
sino da igreja.
No caso de Ipameri, a chegada da estrada-de-ferro vai acarretar o
surgimento da primeira fábrica, da energia elétrica, da primeira agência bancária e
outros “pioneirismos”, mas também faz surgir formas novas de exclusão, como os
34
bairros e vilas na cidade e os antigos casarões abandonados, contradições presentes na
modernidade.
O desenvolvimento do sistema capitalista traz consigo um movimento
brusco de construir e destruir. Segundo PAULA:
...quaisquer que sejam as prioridades da economia e/ou dos
interesses dos grupos hegemônicos, tudo se justifica,
ideologicamente. Ao mesmo tempo, ainda que as
manifestações da mudança sejam perceptíveis, na essência, o
sistema é o mesmo. Tudo muda para que tudo permaneça
como está. (PAULA, 2000:51)
Neste sentido, considero pertinente refletir sobre o sentido de modernidade
e progresso, comumente empregado, particularmente a partir da implantação da ferrovia
como uma maneira de justificar as transformações necessárias ao sustentáculo do
capitalismo.
Ao escrever Cidades Mortas em Lobato parece referir-se às lamentações das
cidades que atingidas pelo progresso em determinado momento de sua história (como
Ipameri), já não vivem mais seu tempo de glória. Para LOBATO:
Nosso progresso é nômade e sujeito a paralisias súbitas.
Radica-se mal. Conjugado a um grupo de fatores sempre os
mesmos, reflui com eles duma região para outra. Não emite
peão. Progresso de cigano, vive acampado. Emigra,
deixando atrás de si um rastilho de taperas. (LOBATO,
2004:21)
Assim, esse movimento do ter e do não ter atende a interesses do sistema
capitalista, é necessário para alimentá-lo. O progresso nesta perspectiva está em
constante movimento, é cigano e muda-se de um lugar para o outro quando menos se
espera.
Em relação estreita com o capitalismo, expressões como modernidade,
modernização, progresso e, mais recentemente, globalização são comumente utilizadas,
em sua maioria para justificar os projetos de transformação desejados pelo setor
hegemônico da sociedade. Estes termos são empregados constantemente principalmente
nos discursos políticos, servindo de slogan para vários candidatos a cargos
representativos. Construir uma cidade, um Estado e um país progressistas, incentivando
35
a grande produção e o desenvolvimento industrial é uma constante nos discursos das
classes hegemônicas.
A utilização constante desses termos requer do historiador a busca de suas
origens. Segundo LE GOFF o termo modernidade é lançado no século XIX por
Baudelaire, difundido a essa época pela arte e literatura e como uma forma de reação
cultural às transformações em todos os aspectos acaba se generalizando no século XX.
Para LE GOFF:
A revolução do moderno data do século XX. A modernidade,
analisada até então apenas no plano das ‘superestruturas’,
define-se, daqui em diante, em todos os planos considerados
importantes pelos homens do século XX: a economia, a
política, a vida cotidiana, a mentalidade. O critério
econômico torna-se primordial, como se viu, com a
introdução da modernidade no Terceiro Mundo. E, no
complexo da economia moderna, a pedra de toque da
modernidade é a mecanização, ou melhor, a
industrialização. (LE GOFF, 1990:192)
Dessa forma, a industrialização traz em seu bojo a modernidade que ao
mesmo tempo busca empreender grandes projetos de transformação na esfera da auto
reprodução do capital, mas traz também um processo de exclusão, colocando à margem
a maioria da sociedade, que não participa dos benefícios desse projeto. O que é mais
intenso em países como o Brasil.
O novo assume aqui o papel preponderante. Para LE GOFF, a modernidade
ou modernismo é a tomada de consciência das rupturas com o passado e
simultaneamente a vontade coletiva de as assumir. Assim, o novo está sempre
substituindo o velho, que aparece sempre como uma ruína necessária de destruição.
Como sintetiza BERMAN:
ser moderno é encontrar-se em um ambiente que prometa
aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e
transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo
ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo
o que somos. (BERMAN, 1986:15)
A construção de ferrovias, por onde elas passaram, trouxe consigo essa idéia
do novo, em substituição ao que se apresentara como antigo. No Brasil, essas questões
relativas à locomotiva e à construção de estradas de ferro começam a ser discutidas a
36
partir da década de 1830, quando o Governo Imperial autoriza através de Carta-lei a
construção e exploração de estradas, como uma forma de interligar as diversas regiões
do país. E, embora a Lei nº 101, de 31 de outubro de 1835, garantisse um privilégio de
concessão pelo prazo de 40 anos às empresas que se propusessem a construir estradas de
ferro, interligando o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
Bahia, a ferrovia e o trem se concretizam no final do século XIX.
De maneira lenta e permeada de contradições a ferrovia ia convivendo e,
muitas vezes substituindo as longas e penosas viagens feitas a cavalo, em lombo de
burro ou em carros de boi. As tropas e boiadas vão dando lugar ao cenário das estações
e linhas ferroviárias, a natureza vai sendo “invadida” pela máquina.
Dilma Andrade de Paula escreve sobre a história ferroviária no Brasil
destacando os contrastes apresentados pelo Brasil moderno. Segundo a autora, isso de
um lado estava
...que havia de mais atual em termos de associação do
capital financeiro, as sociedades por ações e, de outro lado,
como a outra face da moeda, o trabalho escravo e toda
lógica de funcionamento de uma sociedade escravista.
(PAULA, 2000:39)
Os primeiros trilhos foram lançados em terra brasileira, através do financista
e industrial Irineu Evangelista de Souza, Barão e Visconde de Mauá, em 1852, e a
primeira locomotiva denominada “Baroneza”. A primeira seção, de 14,5 km e bitola de
1,68 m, foi inaugurada por Dom Pedro II no dia 30 de abril de 1854, com localização no
Rio de Janeiro, entre o Porto de Estrela, situado ao fundo da Baía da Guanabara e a
localidade de Raiz da Serra, em direção à cidade de Petrópolis. A empresa possuía três
locomotivas, sendo uma delas a “Baroneza”, em homenagem a esposa do Barão de
Mauá, Dona Maria Joaquina.
A expansão ferroviária se dá para garantir o melhor escoamento da
produção cafeeira, mas também como forma de integrar os sertões brasileiros ao centro
político e econômico, o Sudeste do país, e garantir a realização do projeto de nação,
vislumbrado pelas elites brasileiras, já que
...tornar a nova nação parte da civilização, ao lado das
demais nações ‘civilizadas’, foi uma preocupação
37
marcante do pensamento sobre o Brasil no século XIX.
(NAXARA, 1999: 2)
Assim, ao desenvolver um plano ferroviário havia, além da preocupação
econômica, a de melhorar as comunicações inter-regionais, permitindo a integração
nacional e a centralização político-administrativa, o que era fundamental para a
manutenção da unidade nacional ameaçada pelos movimentos rebeldes separatistas.
11
As primeiras leis de incentivo à construção ferroviária surgem a partir de 1830, mas só
são iniciadas a partir de 1850.
A expansão da rede ferroviária respondeu, economicamente,
sobretudo, à necessidade de exportação do café,
paralelamente a um programa de melhoria dos portos como
o de Manaus, Belém do Pará e Rio de Janeiro. Por outro
lado, era também uma alternativa de investimento de capitais
fora da esfera da economia exportadora. (PAULA, 2000:39)
A construção ferroviária no Brasil, explica-se, assim, pela necessidade de
expansão do capital estrangeiro britânico, como forma de acumulação interna e por
interesses políticos nacionais. Durante o século XX, várias outras ferrovias foram
construídas, sendo a maioria localizada no Estado de São Paulo, como a Santos-Jundiaí
(1864), a Companhia de Estradas de Ferro (1872), Sorocabana (1871), Companhia
Mogiana (1875).
Logo, a história desse meio de transporte no cenário nacional é permeada de
tensões e contradições, por se iniciar inserida em uma sociedade escravista,
respondendo aos anseios de melhoria nos transportes de gêneros das frações agrárias
dominantes e, em algumas regiões, pelo fato da linha ser iniciada num momento de
decadência da região para a qual estava sendo destinada.
Após a inauguração da Estrada de Ferro Mauá foram construídas outras
importantes linhas ferroviárias, sendo que, em 1922, ao celebrar o Primeiro Centenário
da Independência do Brasil, havia no país um sistema ferroviário com cerca de 29.000
km de extensão e aproximadamente 2.000 locomotivas a vapor e 30.000 vagões em
tráfego
12
. Embora esse número pareça grande, considerando a extensão do país, que
11
- BORGES, Barsanufo Gomides. O Despertar dos Dormentes, Goiânia, Cegraf, 1990, p.36.
12
- Informações retiradas do Portal Super I , http://www.superi.com.br
38
possui mais de 8.500.000 km
2
, esse aspecto torna-se irrisório, por não atingir grande
parte do território.
13
Neste sentido, o trem, um dos grandes símbolos da “modernidade” atravessa
os sertões, trazendo consigo um projeto de civilização, integrando estados interioranos
aos grandes centros comerciais, particularmente os Estados de São Paulo e Minas
Gerais e transformando os lugares por onde passava.
Ressalta-se que, em Goiás, a ferrovia chega no início do século XX como
um prolongamento da Estrada de Ferro Mogiana, que, em 1896, atinge como ponto final
a cidade de Araguari, localizada no Triângulo Mineiro (ver mapa nº02) .
13
Acerca do processo de implantação da Ferrovia no Brasil ler PAULA, Dilma Andrade de. Fim de
linha: a extinção de ramais da E. de F. Leopoldina, 1955-1974. 2000. (tese de doutorado)
39
40
Mapa Nº 02:
FONTE: http://www.cmef.com.br/pp_mapa.htm
Segundo BORGES (1990):
A Companhia Estrada de Ferro Mogiana, organizada de
início com a participação do capital dos grandes fazendeiros
do vale do Jaguari e do Mogiguaçu, em 1880 tomara
emprestado no mercado financeiro de Londres, 483.700
libras. O primeiro projeto da ferrovia visava atingir apenas
Mogi-Mirim, sendo em seguida modificado: os trilhos
alcançaram Casa Branca (1878), São Simão (1880),
Ribeirão Preto (1883), Franca (1887) e as margens do Rio
Grande em 1888. Em 1896 a ferrovia alcançou Araguari,
cidade mineira do Triângulo, com o projeto de ligar o
território goiano ao porto de Santos, projeto não executado
pela Companhia.(BORGES, 1990:44)
De acordo com a historiografia, o traçado da Estrada de Ferro Goiás foi
várias vezes alterado, por haver uma disputa entre goianos e mineiros, esses que
desejavam fazer de Araguari um entreposto comercial de Goiás e aqueles, que
desejavam o ponto de entroncamento em suas terras.
14
Para os mineiros era importante que a linha que partia de Formiga rumo a
Catalão tivesse seu ponto de entroncamento com a Mogiana em Araguari, passando por
Estrela do Sul, para garantir que todo o escoamento da produção goiana, baseada
principalmente na pecuária e alguns gêneros agrícolas, fosse feito via Minas Gerais, que
controlaria, assim, boa parte do comércio goiano.
14
Pelo decreto nº 862 a Companhia Estrada de Ferro Alto Tocantins ganhava a concessão para a construção de uma
estrada de ferro que ligasse a cidade de Catalão, localizada na região Sul do Estado de Goiás até Palmas, situada na
região Norte, hoje pertencente ao Estado do Tocantins. Ainda por esse contrato concedia-se à Companhia Estrada de
Ferro Mogiana o direito de prolongar seus trilhos de Jaraguá, onde se encontravam paralisados, a Catalão. Além
disso, a Estrada de Ferro Oeste de Minas também poderia prolongar sua linha partindo da estação de Perdões, Oeste
de Minas a Catalão. Conforme esse plano Goiás passaria a estabelecer contato direto com o Rio de Janeiro e São
Paulo, sendo Catalão um importante centro de entroncamento ferroviário do Estado.
Entretanto, tal projeto não foi colocado em prática, ficando a linha paralisada no Triângulo Mineiro, em Araguari, até
1896. Já o decreto nº 5349 de outubro de 1904 mantém as concessões feitas à Companhia, mas modifica o traçado da
ferrovia, que deveria chegar a Goiás, sendo o ponto inicial da estrada de ferro deslocado para a cidade de Araguari e o
ponto final a Capital de Goiás, localizada, então, na região Norte do Estado.
Sendo assim, em 03 de março de 1904, pelo decreto nº 5949, o Presidente da República Francisco de Paula Rodrigues
Alves reconhece a antiga Companhia Estrada de Ferro Alto Tocantins sob a denominação de Companhia Estrada de
Ferro de Goiás.
Para que tal projeto fosse colocado em prática o trajeto da ferrovia apresentou, ainda, algumas alterações. Pelo
decreto nº 6438 de 27 de março de 1907, a estrada é alterada no ponto inicial, devendo partir de Formiga, Minas
Gerais e ir a Leopoldina, à margem do rio Araguaia.
41
Havia inicialmente a intenção de atingir o Estado de Goiás, partindo de
Formiga no Rio de Janeiro, passando por Araguari e chegando a cidade de Catalão, o
que atendia aos interesses dos grupos econômicos e políticos mineiros. Entretanto, o
projeto colocado em prática, reduzia a extensão da linha
15
e como resultado foi
construído o ramal ferroviário entre Araguari e Catalão, sendo Goiandira ponto de
entroncamento das duas estradas por ter melhores condições técnicas.
Destaca-se, porém, que a construção da linha tronco de Formiga a Catalão
passou por vários momentos de crise econômica e política, sendo este trecho concluído
somente na década de 1940. Por estes motivos a primeira linha a ser concluída foi a que
partiu de Araguari, objetivando atingir a cidade de Goiás, capital deste Estado, como um
prolongamento da Mogiana. Sua construção iniciou-se em 23 de dezembro de 1909 e
em quatro anos já havia atingido a Região conhecida como Roncador (município de
Ipameri), ficando paralisada nesta região até 15 de julho de 1922, data da conclusão dos
serviços de construção da ponte sobre o rio Corumbá. Este trecho ligando Araguari e
Roncador incluía o ramal Goiandira a Catalão, de 23 km.
16
. (Mapa nº 03)
15
Atendeu ao decreto nº 6.438 de 27 de março de 1907
16
- Todos os projetos de alteração do traçado da Estrada de Ferro Goiás são discutidos minuciosamente
em BORGES, op. cit., 1990.
42
Mapa nº 03 - Sistema de Transporte rodo-ferroviário (1920-
1922).
Fonte: BORGES, Barsanufo Gomides. O Despertar dos
Dormentes. Goiânia, Cegraf, 1990.
E, assim como sublinha CHAUL, escrever sobre a chegada do trem é
construir a própria
...História de Goiás, do capitalismo, das frentes pioneiras de
expansão, da modernidade chegando através dos trilhos da
43
Estrada de Ferro de Goiás, apitando nas curvas, acordando
os galos, esfumaçando o céu azul de Goiás. (CHAUL,
1990:03).
É nesse contexto que o trem chega à cidade de Ipameri, na região conhecida
como “Roncador”, este trecho permanece como ponto final da linha até o ano de 1922.
O trem chega a Ipameri e, além disso, a cidade é por nove anos o ponto final da linha.
Com a chegada do trem inicia-se o processo de urbanização na região Sul do
Estado de Goiás e algumas cidades vão se tornando significativos centros comerciais,
enquanto outros iam surgindo. São exemplos disso as cidades de Catalão, Goiandira,
Ipameri e outras pertencentes à região Sul.
Referindo-se a este aspecto BORGES (1990) reforça essa idéia ao dizer que:
...Ipameri sofreu um processo de reurbanização, com alargamento de
ruas e construção de redes de esgoto. A cidade foi a primeira do
Estado a contar com sistema de energia elétrica e iluminação pública,
de telefone e telégrafo e com cinema. A partir de 1921 passou a
dispor de uma agência do Banco do Brasil, a primeira do Estado.
Foram implantadas indústrias com instalações modernas, como
charqueadas e máquinas de beneficiamento de arroz movidos a
energia elétrica ou a vapor. (...) tornou-se um significativo centro
comercial, com grandes casas comissárias e consignatórias que
controlavam o comércio de boa parte do Estado. (BORGES,
1990:104)
Além de buscar integrar nacionalmente o Brasil, a ferrovia serve como
espécie de “condutor da civilização”, símbolo da modernidade, que chega e acaba por
transformar a paisagem urbana das cidades ou mesmo criar núcleos populacionais que
mais tarde adquirem estatuto de cidade. Por onde passa acaba surgindo as primeiras
fábricas, casas comerciais, bancárias, novos modelos de construções, e outros artefatos
da modernidade.
No discurso das elites, a cidade (particularmente com características
interioranas) deveria atingir a “civilização”, nela estando presente a noção de
urbanização e “progresso”: a cidade seria o lugar do finito, do racional, da rapidez, da
dinâmica, ou seja, “a cidade como espaço da intervenção do homem, construído e
diferenciado, destinado ao exercício da civilidade”. (NAXARA, 1999:6)
A representação da cidade de Ipameri como pioneira nesse processo de
transformação das cidades goianas do interior é comum nas imagens tecidas sobre o
período, seja nos registros escritos, seja na fala dos moradores locais. Assim, o caminho
44
percorrido pelas linhas ferroviárias trazia em seu bojo a prática de um projeto
econômico de integração das regiões interioranas do país ao sistema capitalista, mas
também a concretização de um projeto de civilidade para o país pensado no século XIX.
O Brasil do século XIX aparece nos escritos sobre este período com
características predominantemente agrárias e exportadoras, os símbolos mais visíveis da
civilização também deveriam estar associados à produção agrária. Segundo NAXARA:
As vias férreas, as novidades em termos dos
implementos técnicos agrícolas, a movimentação
financeira, e mesmo a própria dinamização do urbano,
naquilo que ele tem de mais civilizado. (NAXARA,
1999:09)
Assim, embora a modernização, particularmente a técnica, tenha sido
introduzida no campo, ele vai permanecer, ao menos no imaginário, como lugar do
atraso. Daí a necessidade do desenvolvimento de um projeto que dê uma cara de urbana,
particularmente para as cidades interioranas, que tinham um aspecto
predominantemente rural.
No caso de Ipameri essa questão é ainda mais evidente: seria necessário com
a chegada dos trilhos “construir a cidade”, torná-la urbana transformando o aspecto
rural, dado pelos modelos das casas e estilo de vida das pessoas, em aspecto urbano.
Havia, ao menos em nível de discurso a necessidade dessa construção. No campo do
imaginário cria-se um momento de ruptura entre Ipameri (parte do sertão), o “antes da
Ferrovia”, e Ipameri urbana, o “depois da ferrovia”.
A imagem dominante de Ipameri-sertão está presente também nos jornais,
que enfatizam o fato da cidade, apesar de suas características rurais, conviver com o
desenvolvimento de símbolos da modernidade. Nos dizeres dos jornais:
Ipameri é uma cidade feliz. Na sua pacatez de pequeno lugar
sertanejo oferece-nos, entretanto, às vezes, espetáculos de
invulgar imponência. Espetáculos que, presenciando-os, não
podemos deixar de sentir, tocados de um entusiasmo mal
contido, percorrer-nos o corpo atingindo até a alma, um
arrepio mágico de satisfação e orgulho.
17
17
Jornal O Ipameri, de 19 de maio de 1929. Este artigo foi escrito por ocasião da comemoração do
aniversário do 6º Batalhão de Caçadores, inaugurado em Ipameri, em 1922.
45
A imprensa local investe-se nesse momento num discurso que busca a
glorificação da cidade. Estão presentes nestes discursos sentimentos como o orgulho, a
magia, o entusiasmo mal contido que toca o corpo e atinge a alma. Os sentimentos
despertados reforçam a idéia de que o impacto econômico e cultural causado com a
chegada da Ferrovia fora intenso. As palavras não conseguem dar a dimensão das
transformações. Por onde o trem passa criam-se espetáculos, um clima de magia
permeia os discursos.
A ferrovia significou para o Estado de Goiás a possibilidade de deixar de
ser visto como sertão. E, embora as mudanças ocorressem lentamente, a ferrovia acaba
sendo um dos fatores mais expressivos para a “aceleração do processo de mudanças em
todos os níveis da sociedade”. (BORGES, 1990:88).
Para entender o significado desse meio de transporte para os sujeitos
históricos envolvidos é necessário fazer referência aos aspectos predominantes no
Estado de Goiás, nos períodos que antecedem a década de 1910.
O Estado de Goiás, localizado na região Centro Oeste, interior do país,
estava praticamente isolado das outras regiões até a chegada dos bandeirantes, em 1722
comandados pelo “Anhanguera”, que buscava ouro e o encontrou na região Norte do
Estado estabelecendo ali moradia no final do século XVIII, trazendo também as
primeiras formas capitalistas, as primeiras cidades e uma mudança de ritmo. A primeira
região ocupada foi a região do rio Vermelho, onde foi fundado na década de 1.700 o
Arraial de Sant’Ana, chamado posteriormente de Vila Boa e, mais tarde, Cidade de
Goiás, sendo durante 200 anos a capital do Estado. Entretanto, o ouro teve um período
de curta duração, cerca de 50 anos, sendo por isso considerado como “ciclo relâmpago”
pela historiografia. Esses primeiros arraiais caracterizaram-se pela irregularidade e
instabilidade.
No período que antecede à chegada dos bandeirantes, Goiás era habitado por
cerca de 1.725 tribos indígenas, como os Caiapó, Xavante, Goiá, Crixá, Araés e outras.
Com a descoberta do ouro e a presença dos bandeirantes, essas tribos indígenas viviam
cada vez mais em conflito com os “mineiros”, cerca de 10.000 escravos adultos e
10.000 habitantes brancos, provenientes principalmente de Minas Gerais e São Paulo.
18
18
Ler SOUZA, Cibeli de , CARNEIRO, Maria Esperança F. Retrospectiva histórica de Goiás: da
colônia à atualidade. Goiânia – Go: Livraria Cultura Goiana, 1996.
46
O declínio da mineração em Goiás se deu de forma gradativa durante todo o
século XVIII, já se fazendo sentir por volta de 1778, o que levou a província ao
desenvolvimento da economia de subsistência e à pecuária extensiva. As lavouras
desenvolvidas de maior produção eram as de milho, feijão, mandioca, arroz, algodão e
cana servindo apenas ao comércio interno. A pecuária foi a principal atividade
econômica do século XIX e a produção agrícola foi organizada como atividade
secundária ou subsidiando a economia assentada na produção pecuarista.
Durante o século XIX, apenas o setor da pecuária conseguiu um lugar de
destaque, fazendo surgir núcleos de povoamento, particularmente na região Sudoeste do
Estado, como Rio Verde, Jataí, Mineiros, Caiapônia e Quirinópolis, que mantiveram
nesse período uma produção mercantil, exportando apenas o gado bovino para os
mercados Centro-Sul e Norte-Nordeste. O crescimento populacional deste período foi
resultado de correntes migratórias oriundas do Pará, Maranhão, Bahia e Minas Gerais.
Porém, essa exportação não mudava a situação do Estado, se comparado
com outras regiões onde o crescimento industrial já havia se iniciado, principalmente
pela baixa qualidade do rebanho e pelas perdas que as boiadas sofriam nas longas
caminhadas a que eram submetidas. E, embora em condições inferiores e limitadas,
Borges destaca que:
...a economia regional, nesse período, observada no seu
conjunto, já se encontrava organizada dentro da lógica das
leis da economia de mercado e se subordinava à produção
agro-exportadora nacional. (BORGES, 1990:52).
Todo esse contexto vivido pelo Estado de Goiás no período que antecede a
chegada da ferrovia em Ipameri pode ser apreendido na leitura dos grandes escritores
“regionalistas” goianos, que escrevem sobre o período, como Hugo de Carvalho Ramos,
de modo particular em Tropas e Boiadas, Carmo Bernardes, Bernardo Elis, que
caracterizam o Estado como sendo este Sertão. Apontam para a existência de algumas
cidades semelhantes às descritas por NAXARA, que passam pelo processo de
urbanização com a chegada da Estrada de Ferro Goiás.
Com a chegada dos trilhos à região Sul do Estado de Goiás esse projeto
começa a ser colocado em prática, iniciando-se um processo de urbanização. Apesar das
transformações em curso não houve mudança significativa no dia a dia das pessoas, que
continuam a ter sua vida em função do campo ou de um pequeno e simples comércio,
47
principalmente no que se refere aos antigos moradores da cidade. O que há de novo para
essas pessoas é o espaço da estação e o convívio com novos moradores. BORGES
enfatiza que:
...algumas cidades se modernizaram e novos centros urbanos
surgiram. O movimento migratório iniciado no século
passado se intensificou com a melhoria dos meios de
transporte. A terra, em algumas regiões do Estado, se
valorizou na medida em que a Estrada de Ferro
incrementava a produção de uma renda diferencial,
desenvolvendo, inclusive, na região da estrada de ferro, uma
certa especulação fundiária.(BORGES, 1990:87)
Logo, as primeiras décadas do século XX são marcadas por transformações
significativas no Estado, o que não chega a alterar radicalmente e nem a quebrar o ritmo
de sertão vivido naquele momento, mas parece ter se constituído como um período de
euforia e expectativa, de modo particular nas cidades cortadas pelos trilhos, como é o
caso de Ipameri.
Esse ritmo de sertão se assemelha com o descrito por Monteiro Lobato em
Cidades Mortas. Nas cidades do interior de Goiás, no início do século XX, as pessoas
vivem “na mesmice do dia a dia”, o curso do tempo corre interrompido pelo badalar do
sino da igreja, pelo estalar das palmas do “compadre” para uma visita, e sobretudo pelo
apito do trem, que se constituía como a grande novidade.
As notícias do mundo chegam pelo trem, através do telégrafo ou pelos
jornais locais, aos quais têm acesso uma pequena parte da sociedade que forma a
aristocracia intelectual da cidade, “os que sabem”. A cidade é abandonada por seus
filhos atraídos por terras novas, em busca de estudo, do diploma de “doutor” e os que
ficam pertencem às gerações mais velhas, ou são desprovidos economicamente e não
têm disponibilidade de recursos para sair para outras localidades para estudar.
Neste sentido, mesmo com todo o dinamismo, representado pelas
interpretações acerca deste período, a cidade de Ipameri apesar de passar por um
processo de transformação não tem o ritmo de sertão quebrado. Lobato descreve os
habitantes dessas cidades como
...“mesmeiros”, que todos os dias fazem as mesmas coisas,
dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem
as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam
o mesmo correio (...) lamuriam do presente e pitam longos
cigarrões de palha, matadores do tempo. (LOBATO,
2004:26)
48
Está presente a idéia do novo, a chegada do trem, do movimento, mas é
possível perceber nas narrativas de quem vivem em Ipameri, no início do século XX,
que o curso de vida da maioria dos habitantes locais não fora de tudo substituído pelos
hábitos modernos. As pessoas permanecem com suas crenças, com suas manias. Entre a
mesmice do dia a dia, estava presente a politicagem, as moças esperando na janela, e
também a tentativa de alcançar o progresso, oriundo da chegada da ferrovia.
Ao falar de uma continuidade, da permanência do ritmo de sertão, não quero
dizer que tudo permaneceu como era, mas que não houve mudanças radicais nas
mesmas proporções das comentadas pelo senso comum, que fala de Ipameri como se
este período (primeiras décadas do século XX) fosse um exemplo e a materialização da
modernidade e progresso no sertão goiano.
Num primeiro momento, nos jornais contemporâneos do início do século
XX o termo “sala de visitas” é utilizado, ainda que de forma inconsciente para apagar a
imagem de sertão presente nas narrativas dos viajantes europeus, que se valem da
imagem do homem sertanejo, o caipira, atrelada ao ócio, ao referirem-se ao homem
goiano, em seus relatos de viagem ao Estado de Goiás. Num segundo momento, nos
registros memorialísticos, o termo “sala de visitas” é utilizado como um modelo para se
projetar o futuro. Busca-se a criação de expectativas em relação ao futuro, já que a
cidade passa por um momento de “decadência” com a quase extinção do tráfego
ferroviário e a valorização das rodovias como meio mais rápido de transporte, além da
construção de Goiânia, capital de Goiás, e de Brasília, capital do Distrito Federal.
Esse autores buscam construir para Ipameri uma imagem que lhe confira
unidade e identidade e que seja capaz de projetar para a cidade um futuro promissor. O
tempo do antes da ferrovia deveria ser esquecido, assim como período de “decadência”,
para dar lugar a um tempo novo, o do progresso e desenvolvimento.
Pode-se dizer que é justamente da imagem do Jeca, que além de tudo mora
num lugar sertanejo que a elite local busca “esquecer”, ainda que isto não apareça
explicitamente formulada de forma consciente. Nos dizeres de SEIXAS:
As figuras do esquecimento e da denegação plasmam e
efetivam imagens racionais, sem dúvida, mas também
passionais, que fazem aparecer ‘dimensões universais e uma
49
configuração única.’ Razão e afetividade, voluntário e
involuntário, intelecto e imaginação, cálculos e
automatismos constituem, portanto, combinações
imprescindíveis que não podem ser desconsideradas na
compreensão do político e seu exercício.
(SEIXAS,2002:137)
Voltando à questão das transformações advindas da chegada da ferrovia é
possível dizer que a população do Estado aumenta consideravelmente. O censo de 1.900
aponta Goiás com 255.284 habitantes; e o de 1920, com 511.919. Mais do dobro em 20
anos, sendo a região mais povoada a sudeste. Catalão, com 35 mil habitantes, se
apresenta como o maior município de Goiás em número populacional, em 1920.
A pecuária continua a principal atividade econômica, conhecendo, porém,
novas formas, como a seleção de melhores raças, resultante da importação de
reprodutores do rebanho, aumento das exportações, para os grandes centros do país,
principalmente São Paulo e Rio de Janeiro com a implantação das charqueadas. Da
mesma forma, a agricultura também passa por um lento processo de organização em
bases capitalistas, resultante principalmente da cultura do arroz, desenvolvida mais
eficientemente na região Sul do Estado. Em 1920, Goiás se destacou como o quarto
maior produtor nacional desse produto.
Nos municípios de Catalão e Ipameri, localizados nesta região e servidos
pela Estrada de Ferro Mogiana, concentrava-se a maior produção do Estado, com cerca
de 20 mil toneladas, correspondente a aproximadamente 50% da produção total do
Estado. Acrescenta-se, ainda, a produção do milho e da cana-de-açúcar, em proporções
bem menores. Tal região destacou-se também quanto à valorização das terras, processo
que se efetiva por sua localização próxima à ferrovia, único meio de transporte
considerado “moderno”. Por este motivo, na região Sul do Estado a especulação
fundiária foi mais ampla.
em Ipameri vendia-se um alqueire de mata em 1915, a
50$000. Com as transformações da economia agrícola do
município e o aumento da imigração, a terra da mata
própria para cultura era, em 1920, vendida até 300$000 o
alqueire, valorizando-se, assim, 600 % em apenas cinco
anos.(BORGES, 1990:98).
50
As cidades goianas servidas pelas linhas, neste período, acabam se tornando
significativos centros comerciais do Estado. Em 1920 Ipameri contava com 330
estrangeiros, dedicando-se estes às atividades dos setores secundário e terciário, as
charqueadas, as fábricas de banhas e as grandes máquinas de beneficiamento de arroz,
comércio varejista e ambulante, além da mão de obra qualificada para o trabalho na
Companhia Construtora da Estrada de Ferro. Esses estrangeiros vinham da Europa, de
países como a Espanha, Síria, Líbano, Alemanha e outros.
19
Ao lado dessas transformações econômicas, outros aspectos da vida social,
política e cultural começam a serem alterados, passando essas cidades por um processo
de urbanização. Em Ipameri os primeiros indícios da urbanização chegam com a
construção da primeira usina hidroelétrica de Goiás, em maio de 1913, inaugurada antes
mesmo da E.F. Goiás, que teve sua inauguração no dia 10 de novembro de 1913. O
primeiro cinema é instalado em 1915. No mesmo ano inaugura-se a primeira
charqueada.
Segue-se o curso das inaugurações: em 1914 o primeiro automóvel e, no
mesmo ano o ‘serviço público de Telefones’. É fundado em 1917 o primeiro jornal O
Pivor, em 1918 a loja maçônica Paz e Amor. Forma-se em 1919 a primeira equipe de
futebol e é fundada a “União Esportiva Ipamerina”. Em 1920 inicia-se os serviços de
abaulamento de ruas com sarjetas e meio-fios.
Em 1921 é instalada a Primeira Agência do Banco do Brasil em Goiás.
Entre outros são considerados marcos importantes: a transferência do 6º Batalhão de
Caçadores, em 1922; o jardim e o coreto da Praça da Liberdade, em 1923; o Colégio
Olavo Bilac, em 1927; a Casa de Saúde Santa Terezinha, em 1927; o Grêmio Espírita
“Paz e Fraternidade”, em 1928; o primeiro grupo escolar de Ipameri, em 1929. Essas
primeiras escolas deram origem a outras como o Ginásio Municipal (atual CEPEM) em
1933 e o Colégio e Escola Normal “Nossa Senhora Aparecida”, em 1936.
A década de 1930 assiste ainda à construção da Igreja Matriz do Divino
Espírito Santo, em 1938. A exemplo dessas três décadas a cidade continua assistindo às
inaugurações durante toda a década de 1940 e de 1950, passando nas décadas seguintes
a um processo inverso, o de fechamento das casas comerciais e bancárias e a mudança
de várias famílias para cidades próximas, principalmente com a construção da estrada
19
Ler BORGES, Barsanulfo Gomides. O Despertar dos Dormentes estudo sobre a Estrada de Ferro de
Goiás e seu papel nas transformações das estruturas regionais: 1909-1922. Goiânia-Goiás: Cegraf/,UFG,
1990.
51
de rodagem “BR 050” que liga Belém-Pará a Brasília-DF. Em termos econômicos, a
cidade passa por um período que é percebido e por todos representado como sendo de
“decadência”.
O trem que corta campos e cidades no mundo todo chega a Ipameri pela
E.F. Goiás, surpreende os habitantes que se vêem diante de novas possibilidades,
transforma e passa “ao imaginário como fantasmas”. Assim, o que num instante fora o
“o espetáculo privilegiado da civilização capitalista” não o é mais.
O trem, símbolo do progresso, deixa para trás as ruínas de uma cidade, que
transformada se vê sem chão, a cidade virada pelo avesso, sentindo apenas a vertigem
do vazio, pois o trem e todas as significações que o compõe não fazem mais parte do
cenário real. Segundo Hardman, a chegada do trem deixou marcas novas, criou novas
sensibilidades, que convivem com as antigas e partiu deixando as suas marcas,
suscitando inquietações e lembranças, constituindo-se como tema atual das
rememorações. Entender o que significou o trem para o sertão goiano implica embarcar
numa longa viagem. Nos dizeres de HARDMAN:
O trem passa veloz. Carrega um letreiro com seu nome e um
desafio: Catch me who can. Mais do que a locomotiva e seus
vagões, são precisamente os sentidos histórico-culturais de
seu trajeto – de sua aparição desaparição – que se oferecem
nessa viagem para ser apanhados por quem puder. Quem
poderá? Num trem sempre haverá lugar para jogos
surpreendentes de luz e sombra, para seqüências de imagens
e cortes imprevistos. Proust brincou um pouco assim, após
embarcar naquele comboio da Gare Saint-Lazare com
destino a Balbec. Panoramas inacessíveis: como teria
pintado Turner aquela mesma paisagem, se também estivesse
dentro do vagão? Por que as marias-fumaças, tão
rapidamente como vieram, sumiram da face da Terra? Não;
retrocedamos um pouco ainda. Comecemos de novo, pelo
início da linha. Será que alguém acredita em trem fantasma?
52
II
IPAMERI: CIDADE PLANEJADA A PARTIR DOS TRILHOS
“Quem vai chorar, quem vai sorrir?
Quem vai ficar, quem vai partir?
Pois o trem está chegando, tá chegando na estação
É o trem das sete horas, é o último do sertão...”
Raul Seixas
A Estrada de Ferro Goiás chega à cidade de Ipameri em 1913, acarretando
amplo processo de transformação, percebido pelos contemporâneos como sendo
“modernas” e “progressistas”.
Buscando apreender o sentido desse impacto causado pela ferrovia,
sobretudo nas mentalidades e no imaginário, é que me proponho desenvolver, em um
primeiro momento, os projetos da classe hegemônica da sociedade ipamerina formada
pelos oligarcas locais, mas também pela classe intelectualizada, composta de
farmacêuticos, advogados e outros profissionais que tiveram a oportunidade de cursar a
faculdade. Projetos estes que vão ser colocados em prática a partir da chegada da
ferrovia.
Neste sentido, olhar a cidade buscando encontrar e construir significados, a
partir do trem, pois toda sua dinamicidade “moderna” aconteceu em função dos trilhos
de ferro. Pretendo, portanto, discutir a chegada da Ferrovia em Ipameri, cidade do sertão
goiano e compreender o que ficou desse tempo, através da memória, apreender o
sentido desse projeto de urbanização delineado com a chegada do trem.
O Estado de Goiás, particularmente a região Sul, no início do século XX,
vivencia grande euforia econômica proveniente da chegada da ferrovia. O Estado, ao
final do século XIX, contava com um número aproximado de 255.000 habitantes e com
núcleos urbanos formados na maioria por pequenos arraiais, sendo considerados mais
desenvolvidos aqueles localizados na região Norte e Sudoeste. A partir de 1913, com a
implantação da ferrovia, passa por um processo de ocupação que se desloca para o
centro-sul, evidenciando-se assim algumas cidades como Corumbaíba, Catalão,
Morrinhos, Ipameri e Goiandira.
53
Ipameri adquiriu legalmente os direitos de município pelo decreto lei nº 446,
de 12 de setembro de 1870, ficando a partir daí desmembrado de Catalão. Limita-se ao
norte com Luziânia e Cristalina, ao nordeste com Paracatu (MG) e Campo Alegre de
Goiás, ao sul com Goiandira e Nova Aurora, a sudeste com Corumbaíba, a oeste com
Caldas Novas e Pires do Rio e a noroeste com Urutaí e Orizona. A cidade é banhada
pelos rios Corumbá, São Marcos, Veríssimo e Rio do Braço. Possui dois distritos, o de
Santo Antônio do Cavalheiro, localizado na região da Chapada, e o de Domiciano
Ribeiro (distante cerca de 150 km de Ipameri e próximo de Cristalina 20 km). Conta
também com os povoados da Vendinha e de São Sebastião da União. (Mapa nº 04).
54
Mapa nº 04 - Municípios limítrofes de Ipameri.
Fonte: www.superi.com.br. Acesso em janeiro de 2005.
Possui atualmente cerca de 22.700 habitantes, segundo dados referentes ao
censo de 2000, realizado pelo IBGE. Neste sentido, é possível acompanhar na Tabela
nº 01 que, no que concerne ao número de habitantes há uma alteração significativa,
ocorrida nas décadas de 1910 e 1920.
1872 1910 1920
Municípios Nº de hab. Municípios Nº de hab Municípios Nº de hab.
Catalão 9.917 Catalão 34.525 Catalão 38.574
Entre Rios
20
4.372 Ipameri 11.080 Ipameri 19.227
Tabela nº 01 - População Municipal - Catalão e Ipameri - 1872/1920
Os dados apontam para um crescimento populacional significativo não só
para a cidade de Ipameri, mas também para a cidade vizinha, Catalão, efeito da
construção da ferrovia. De 1872 até 1920, a população aumenta cerca de 400 %, devido
ao afluxo de pessoas vindo de outras regiões e países, principalmente de europeus.
Quanto à sua origem, é possível encontrar referências em livros de
memorialistas locais, como é o caso de VEIGA (1967), que reúne em dois volumes,
escritos sobre a história de Ipameri. Segundo o autor:
Vai-vem retoma, mais ou menos, ao ano de 1816 (...) teve o seu
aparecimento exclusivamente em função do agrupamento de homens
àquela época dedicados ao amanho da terra, ao criatório de gado.
Os primeiros povoados se deslocaram, penosamente, das freguesias e
bispados das Minas Gerais e do próprio Catalão, buscando os tratos
de terras férteis às margens do Veríssimo, do Braço e do Corumbá.
Na região adquiriram ou assentaram propriedades, lavrada a terra,
levantando moradias e fundando um núcleo, uma comunidade. A
sociedade que se formou então foi de caráter originariamente
agrário, pastoril”.(VEIGA, 1967:45)
Ipameri tem sua origem vinculada a um mito: o fazendeiro Francisco José
Dutra
21
, proprietário de grande parte das terras pertencentes atualmente à área urbana,
foi picado por uma cobra cascavel e se viu diante da possibilidade de morrer por causa
20
- Entre Rios era como se chamava Ipameri, como já foi dito anteriormente.
21
Não nos foi possível identificar como esse morador chegou à cidade e nem como adquiriu as terras.
55
do veneno da cobra. Sendo assim, fez uma promessa, pela qual doaria ao Divino
Espírito Santo todas as terras que fossem vistas do alto do morro de São Domingos,
caso sobrevivesse. Como sobreviveu, fez a doação de suas terras, que atingiam grande
parte do município de Ipameri. segundo Veiga, “em escritura particular redigida pelo
seu compadre Florêncio de Cubas. Esta escritura, levada a registro muitos anos depois
(1894) é de 30 de setembro de 1835.” (VEIGA, 1967:34)
Existem fatos citados pelo referido autor que contestam essa origem, como a
data desta escritura e a doação das terras, que foram muito além do que era possível à
Francisco José Dutra ter enxergado do alto do morro de São Domingos. Mas o fato é
que Ipameri veio a adquirir legalmente os direitos de município, pelo decreto lei nº 446,
de 12 de setembro de 1870, ficando a partir daí desmembrado de Catalão e recebendo a
nomeação de município Entre Rios.
O fato da origem da cidade estar vinculada a um mito de origem vinculado à
igreja católica é perceptível também na maioria das cidades brasileiras. Isso pode ser
compreendido pelo fato de, no Brasil, a colonização ser efetivada também pela religião.
Com relação ao nome da cidade, através da leitura, tanto de Veiga quanto de
CARVALHO (1958), é possível perceber que houve várias modificações no decorrer de
sua história política. O primeiro nome, “Vai-Vem”, existiu desde o período que
antecede a 1833, sendo desconhecida a sua origem, em torno da qual prevalece duas
versões. A primeira delas construída a partir das constantes idas e vindas dos índios, a
maioria de tribos caiapós e xavantes, que atravessavam uma pinguela sobre o rio Vai-
Vem; e a segunda construída a partir da observação do curso da água que era
“ziguezagueante”.
Em 1880, pela Resolução Provincial nº 623, de 15 de abril, o arraial é
elevado à categoria de cidade, sob a denominação de “Entre-Rios”
22
. Já o nome Ipameri
é resultado da lei Estadual nº 42, de 26 de março de 1904, e de acordo com um artigo
publicado no jornal “Ipameri”, de 5 de dezembro de 1926, porque existiam outras
cidades com o mesmo nome, o que resultava em confusões, particularmente no que se
referia às correspondências.
22
A explicação presente nas obras de VEIGA para este nome é o fato da cidade estar localizada entre o
rios Corumbá e Braço, embora esta não seja suficiente, pois várias cidades brasileiras localizam-se entre
rios. Entretanto, sabemos pela leitura que fizemos que o nome da cidade teve que se mudado porque
haviam outras cidades brasileiras com o mesmo nome, o que ocasionava em confusões, particularmente
em se tratando de correspondências.
56
Segundo Veiga, na expressão Tupi-Guarani, a palavra Ipameri pode ser
traduzida por entre rios. O essencial entre esses marcos históricos é que eles permitem
identificar que o surgimento da cidade de Ipameri dá-se em função da produção agrícola
e pastoril e que as primeiras famílias vindas para esta localidade pertenciam a Minas
Gerais. São essas famílias que vão formar, durante pelo menos um século de história, a
elite local, definindo políticas e ações relacionadas à cidade. Entre elas, os Vaz, Estrela,
Carneiro, Machado,
Em sua maioria, fazendeiros, utilizando procedimentos,
técnicas e métodos de produção primitivos, de baixo
rendimento: alguns milhares de hectares com lavouras de
subsistência, insignificante produção de leite e de carne,
quando não arrendados ou alugados a terceiros. (NEVES,
2000:01)
Ao escrever sobre Ipameri, ROSA
23
(1974) destaca que:
Nos idos de 1917 Ipameri contava com quatro ruas
principais, paralelas duas a duas separadas pelo Largo da
Matriz (...) tendo nas extremidades dois outros largos,
oferecendo os três, nos tempos das chuvas, as melhores
pastagens às vacas leiteiras, aos bandos de éguas paridas,
bodes, cabritos, cobras e lagartos. Sociedade ensimesmada
como tantas outras comunas sertanejas, formando grupos
nas esquinas, discutindo os mexericos do dia, falando da
vida alheia. (ROSA, 1974:70)
A referência de Ipameri como sertão é também aqui perceptível. Importante
ressaltar que nesta época as praças são pastos. São locais vazios, com muitas árvores em
volta. Não possuem jardins e bancos como é comum atualmente. O autor me faz
lembrar novamente de Monteiro Lobato ao falar da mesmice do dia a dia. Apesar de se
falar em características “modernas” e “progressistas”, abundam comentários que
mostram o lado rural e sertanejo do local.
Até a primeira década do século XX, a cidade apresenta uma característica
predominantemente rural, segundo a maioria dos escritos, passando por um processo de
23
Joaquim Rosa foi o responsável por quase todas as edições do “Jornal O Ipameri” , editado nas
primeiras décadas do século XX, os quais são utilizados como fonte para a realização deste trabalho. É
também autor do livro “Por esse Goiás afora”, além de ter fornecido praticamente toda a documentação
que possuía para VEIGA, que a organizou em um livro que é até hoje utilizado pelos que buscam saber
sobre a história de Ipameri, como o mais completo.
57
transformação a partir da construção da ferrovia, que permitiu a entrada das pessoas que
vinham de fora, seja imigrando de outros países, como a Itália, Espanha, Síria,
Alemanha e Líbano. Segundo COSTA, “desde 1913, a inauguração da Estrada de
Ferro de Goiás abriu fronteiras para a comunicação com os grandes centros, advindo
daí avanços bastante significativos”. (COSTA, 1999:100)
Considero fundamental expressar aqui as lembranças de Dona Mariinha,
90 anos, que se lembra da chegada do trem em Ipameri, deixa fluir uma carga de
emoção, pois traz a tona o tempo de seu avô, de sua mãe, de seu pai e de toda a sua
infância e mocidade. Lembrando-se do período da infância (décadas de 1930, 1940)
expressa as imagens do trem que carrega consigo, referindo-se ao impacto causado nas
pessoas que por curiosidade percorriam a estação ferroviária, ou ainda, da sensação de
medo vivenciada por alguns, citando o caso de uma amiga que nunca quis ir de trem
para Goiânia por ter verdadeiro pavor da máquina. O trem significava para a amiga o
desconhecido, a ameaça que trazia insegurança.
A memória narra também como eram formadas as ruas tendo como
referência a praça do Rosário, que até a década de 1980 foi ponto de encontro dos
jovens nos finais de semana, pela sua localização central. O fato de utilizar como ponto
referencial essa praça se deve à proximidade da residência onde morou. Mostra uma
cidade diferente da que é apresentada pelo imaginário das pessoas. Aponta para uma
temporalidade diferenciada, onde as pessoas tinham relações pessoais bem mais fortes
que as relações de trabalho vivenciadas no mundo considerado moderno. Um mundo
dotado de relações que perpassam as econômicas. Dona Mariinha fala de sua residência
no tempo da infância: “a casa de mamãe era grande, muito bacana, com muitos
quartos, que eram necessários porque naquela época tinha uns escravos que moravam
lá”.
24
O tamanho das casas pode ser explicado também pelo número de filhos,
pois se tomar como exemplo a geração de meus avós é comum entre eles que o número
de filhos seja de dez ou mais. Além disso, o fato de os ex-escravos continuarem vivendo
nas casas ocorre até início da década de 1940, em Ipameri, segundo o senso comum, por
não terem onde morar e pela discriminação de seu trabalho, enquanto assalariado.
Dona Mariinha fala também de seu pai, fazendo-me pensar na figura de um
homem austero, autoritário, que não admitia desobediência às suas ordens. Conta a
24
- Entrevista concedida por Dona Mariinha, no dia 24 de maio de 2004.
58
história de sua morte e embora não se recorde da data precisa refere-se às décadas de
1910 e 1920:
...um dia papai se deparou em suas terras com uma
plantação feita pelos negros, o que causou
aborrecimento, mandando arrancar. O negro ficou com
raiva e acabou depois atirando nele. Foi um tiro só,
mas certeiro e ele acabou morrendo”.
25
As relações entre os proprietários de terra e a população de negros não se
davam de forma pacífica, os conflitos estavam presentes, o que é perceptível na
historiografia goiana desde o período da mineração. No caso das minas, assim como
durante todo o período da escravidão, o trabalho escravo era esgotador. Os escravos
eram mal alimentados e sofriam de várias moléstias, além dos castigos físicos. A
escravidão no século XVIII sustentou a exploração do ouro em Goiás e essa relação
violenta e discriminatória permaneceu mesmo depois do período de libertação dos
escravos. Os negros continuam sendo a principal mão de obra para os donos dos
latifúndios. Com a extinção da escravidão a forma conhecida de trabalho passou a ser de
meeiro, o que garantia a produção para a subsistência. Estes vendiam algum excedente
apenas para a compra de sal, pólvora, chumbo e outros indispensáveis à vida.
Falando da cidade de Ipameri, dona Mariinha aponta para o fato de que as
casas eram grandes, geralmente casarões com modelos rústicos, muitos quartos, pois
além de uma família numerosa havia também a presença dos trabalhadores negros.
Além disso, essas casas semelhantes às chácaras de hoje, criavam porcos, galinhas,
perus e “até emas”, que eram nativas e ainda hoje podem ser encontradas,
principalmente na região conhecida como região da Chapada.
As falas de Dona Mariinha revelam momentos de sonhos, saudades de um
tempo e espaço que parecem estar traduzidos na imagem do retrato. A fotografia
possibilita-me, neste momento, alternativas na forma de olhar para compreender a
cidade e os viveres do seu dia a dia. A rua apresentada na imagem é atualmente uma das
ruas principais, ligando o centro à antiga estação ferroviária, onde funciona a Biblioteca
Pública Municipal. (Foto nº 01)
25
- Ibidem.
59
Foto nº 01 - Vista parcial da Avenida Eugênio Jardim, década
de 1930.
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal João Veiga.
Percebemos nessas imagens a atmosfera de um tempo da natureza, da
tranqüilidade, o campo, o sertão, a vida tipicamente pacata. A cena vista nessa imagem
vai ao encontro do passado relatado por Dona Mariinha, que aponta para a presença de
ruas largas, sem nenhum tipo de calçamento, era tudo terra, apesar do traçado central
ainda permanecer o mesmo. É este espaço que vai pouco a pouco sendo transformado,
adquirindo significados variados para as pessoas que fazem ou fizeram parte dela,
significados estes que começo a perceber ao me deparar com os jornais produzidos nas
duas décadas posteriores à chegada do trem em Ipameri (1920-1930).
Talvez aqui o trem de minha história comece a ganhar sentido. A construção
da ferrovia, aliada a um projeto civilizatório pode ser encontrada em boa parte dos
discursos oficiais como símbolo moderno do progresso para o Estado de Goiás. Diante
60
disso, a história da cidade de Ipameri se circunscreve, por assim dizer, em dois
momentos.
Num primeiro momento (até a primeira década do século XX) sem ferrovia,
uma cidade tipicamente rural, parte do sertão goiano, com vida pacata. Num segundo
momento (principalmente nas três primeiras décadas que se seguem a inauguração,
1913), com a presença da ferrovia, a “cidade moderna”, com características urbanas e
dotada de um certo dinamismo. Nos escritos sobre Ipameri, pensar a cidade sem o trem
é praticamente não concebê-la como tal. Todo o seu dinamismo acontecia em função
dos caminhos de ferro. Quanto ao primeiro momento, o que se percebe através dos
registros escritos é a imagem dominante de um tempo que o poder público deseja
acabar, através do desenvolvimento de um projeto que consiga dar à cidade aspectos
mais modernos.
Deste período, o que se perpetua através do tempo e se cristaliza na
“memória coletiva” é uma imagem de Ipameri enquanto “sala de visitas” do Estado de
Goiás. Há nos registros locais uma grande preocupação em construir a imagem de que
há uma grande expectativa, por parte dos moradores, com relação às mudanças,
mostrando que elas poderiam ser perceptíveis pelo crescente interesse dos moradores
das cidades vizinhas que, dentro de suas possibilidades, visitavam Ipameri. As
mudanças as quais me refiro dizem respeito à chegada de empreendimentos comerciais,
industriais e bancários como os descritos no seguinte artigo:
As indústrias e comércio renomados: fábricas de calçados a
Santa Cruz e a Santa Cecília, dos Leyser e do Bevignatti, as
do Augusto Diogo e do Lino Galli. As charqueadas dos
Santinoni e dos Leyser. As fábricas de manteiga dos Daher e
dos Edreira, o curtume dos Bonach, os Valle e os Malshistz
das serrarias e madeireiras, os Genaro e sua Fábrica de
Móveis Cruzeiro; os ladrilhos coloridos de seu Habib Mussi.
As olarias dos Troncha e dos Rabelo; as construções do Zé
Rocha, os projetos do Waldemar Ceva e o inseparável
Carlos Mesack das jóias e relógios. A Empresa Força e Luz
dos irmãos Vaz Lopes. Diversas máquinas de beneficiar
arroz, café e feijão: do Zé David Cosac, do Henrique Neves,
do Barbahan, dos Afiune e a dos Roque, Edreira & Cia. Com
a sua Casa Bancária, 1º banco particular local, são todas
elas empresas representantivas de Ipameri e outros.
(NEVES, 2003:01)
Nesse sentido é que a cidade de Ipameri vivencia no início do século XX
uma grande euforia econômica. Em função desses fatores vai se desenhando uma nova
61
cidade, atendendo aos anseios da elite local. Esse crescimento coloca a cidade de
Ipameri, entre 1910 e 1930 em evidência, particularmente durante o período em que a
ferrovia fica paralisada no município de Ipameri, de 1913 a 1922.
Essas mudanças criam uma expectativa na elite local: “É preciso notar que
Ipameri está fadada para, num futuro que já nos acena muito de perto, ser a princesa de Goiás,
já tendo relativos atrativos que enlevam os seus visitantes...”.
26
Mostra que, além da movimentação das casas comerciais, a cidade contava
com atrativos que chamavam atenção dos visitantes, o que é descrito por NEVES ao
falar dos passeios, mergulhos e piqueniques na “Linha de Tiro”do Batalhão (Foto nº
02), bailes e carnavais de salão e de rua no Jóquei Clube (Foto nº 03) e Umuarama, do
cinema, dos encontros das moças e rapazes na Praça da Liberdade (Foto nº 04),
acrescentando-se a estes as corridas de cavalo, promovidas no Hipódromo Firmo
Ribeiro.
Foto nº 02 - Piquenique na Linha-de-Tiro, década de 1920.
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal João Veiga.
26
(Teixeira, J. Jornal A Semana, p.3, 07-10-1923).
62
Foto 03 - Festa no Jóquei Clube de Ipameri, quando da
inauguração do Banco de Goiás, na década de 30.
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal João Veiga.
Nestas imagens é possível observar que tanto a linha de tiro quanto o
Jóquei Clube eram locais destinados aos momentos de lazer da elite local e que
o movimento era temporário, ou principalmente na época de atividades festivas.
O certo é que esses lugares aparecem para a cidade como pontos de referência,
como lugares de memória. Entretanto, é importante observar também que eles
começam a fazer parte de práticas sociais que constróem cotidianamente a
cidade como um lugar que vai adquirindo significados variados para as pessoas
que fazem ou fizeram parte dela. Nessa perspectiva, a história da cidade de
Ipameri vai sendo tecida por sujeitos diversos em tempos e espaços também
diversificados.
Quem passa hoje por Ipameri não vai encontrar nenhum lugar de
referência evidente que justifique a imagem construída e divulgada “do tempo
do trem”. A imagem de “sala de visita” do Estado não pode ser reconhecida nas
caminhadas que se faz pelas ruas. Ipameri é sobretudo uma cidade “interiorana”
como tantas outras cidades brasileiras. Foi núcleo colonial, povoado (arraial),
vila e cidade.
63
Foto nº 04 - Vista parcial da Praça da Liberdade na década de 1940.
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal João Veiga.
A presença das pessoas nesses lugares, para os contemporâneos considerados
como símbolo da modernidade, não trouxe, entretanto, transformações radicais para a
vida cotidiana. Aqui o que se processa em termos de mudanças é uma imagem de
cidade, com a Igreja matriz já construída e vários casarões em volta da praça central,
onde está localizado o coreto. Na foto aparece também uma charrete, neste período um
dos meios de locomoção mais utilizados na cidade.
Destaca-se, ainda, como edifícios principais do centro da cidade a Igreja
Matriz, os casarões vistos parcialmente na imagem e, entre outros, a estação ferroviária,
em torno da qual havia grande movimentação de pessoas. O projeto de urbanização
começa a ser colocado em prática. A Igreja antiga, que antes se localizava na esquina, à
esquerda na foto, é substituída por outra, que ostenta padrões modernos de construção.
Ainda hoje esta igreja é motivo de admiração dos moradores locais, considerada um
modelo de beleza arquitetônica.
Assim, o que aparentemente na atualidade não dá idéia de mudança alguma,
para os contemporâneos da época, que viviam num mundo totalmente rural, no sertão
64
propriamente dito, os casarões, a praça e a própria igreja, aliados a outras construções,
representavam algo extraordinário e só possível com a chegada do trem.
Talvez seja esta a grande imagem da locomotiva, passada de geração a
geração. O trem foi nas primeiras décadas do século XX para Ipameri o grande indício
moderno do progresso. A história de Ipameri é apresentada em dois momentos
principais: o da ferrovia (sendo “sala de visitas”) e o “depois da ferrovia” (representado
então como “a cidade do já teve”), espécie de fantasmagoria deixada pela passagem do
trem. Portanto, nos dizeres de HARDMAN:
Não apenas o trem ou os lugares que percorre são
fantasmáticos. As pessoas também o são, personagens
desfigurados cujos destinos se entrelaçam sem explicação,
ao acaso da neblina eterna que cobre a cidadezinha assim,
convertida em fantasma como essa Cordilheira de rios-
mortos se arrastando nos trilhos. (HARDMAN, 1988:173)
Entre os grandes empreendimentos dos tempos de glória está o hipódromo
Firmo Ribeiro, local freqüentado quase exclusivamente pela elite. O hipódromo é
considerado peça importante, pois a elite formada pelos grandes proprietários de terra,
tinha verdadeira paixão pelos cavalos, o que é amplamente ressaltado pelos
memorialistas locais.
A preocupação em construir essa imagem do destaque que Ipameri deveria
ter é constante, o que se explica pela necessidade de atrair investidores, que ali viessem
instalar os seus empreendimentos.
A imagem de Ipameri como cidade pioneira se exprime atualmente na
utilização de termos como “a cidade do já foi” ou “do já teve”. É precisamente desse
tempo fugaz, localizado nas primeiras décadas do século XX que as pessoas sentem
“saudade”, vindo daí até mesmo uma frustração ao falarem deste período, talvez porque
a cidade sonhada por esses contemporâneos que viam a cidade com um futuro, onde a
condição de “princesa” do Estado seria inevitável. Essas pessoas sentem saudades
daquele tempo em que Ipameri era a “sala de visitas” de Goiás e vivia a sua “idade do
ouro”, o que representa o peso da memória coletiva na construção de imagens.
Como escreve GIRARDET em seu livro Mitos e Mitologias Políticas,
“imagens de um passado tornado lenda, visões de um presente e de um futuro definidos
em função do que foi ou do que se supõe ter sido”. Isso porque, busca-se nesse passado
um modelo capaz de solucionar os problemas vivenciados no presente. No caso de
65
Ipameri, por falta de um mercado de trabalho, a maioria dos jovens se vê obrigada a
buscar emprego nas cidades maiores. Isso acontece também no caso dos que desejam
dar continuidade a seus estudos em nível superior, pois por mais que hoje a cidade conte
com duas universidades, os cursos oferecidos não atendem à demanda.
O sentimento de saudade, presente na memória coletiva, não é apenas do
movimento do trem, do coreto, do cinema e das indústrias, sendo que todas deixaram de
existir, mas de um tempo onde não se tinha necessidade de buscar os “grandes centros
comerciais” para sobreviver, garantindo um emprego e uma vida sentida como “digna”
para as pessoas. O que parece certo é a busca de um passado que precisa ser
redescoberto e revivido por todos, uma espécie de sonho real e, segundo GIRARDET:
com algumas nuanças, todo sonho,toda recordação, toda
evocação de uma idade de ouro qualquer parece, com efeito,
repousar sobre uma única e fundamental oposição: a do
outrora e hoje, de um certo passado e de um certo presente.
Há o tempo presente e que é o de uma degradação, de uma
desordem, de uma corrupção das quais importa escapar. Há,
por outro lado, o “tempo de antes” e que é o de uma
grandeza, de uma nobreza ou de uma certa felicidade que
nos cabe redescobrir. (GIRARDET, 1974:105).
Esse tempo passado aparece sempre como referencial para a cidade de
Ipameri, como momento de prosperidade e, ainda, como forma de lamentação, de perda
de alguma coisa, de um movimento que exerce, ainda hoje, grande influência sobre os
moradores locais. Estes parecem não perceber as características da cidade nesse
momento.
Assim, como escreve SEIXAS, é tão importante lembrar quanto esquecer.
Este é o caso de Ipameri. O lembrado sempre é o “tempo bom” do trem, o esquecido diz
respeito às características apresentadas pela cidade, antes da chegada do trem. Busca-se,
assim, a construção de uma identidade para Ipameri que a torne senão grandiosa ao
menos digna de consideração e solidez: como escreve SEIXAS analisando as
significações da memória e do esquecimento: “uma identidade que se constrói e se
repõe anulando (ou recalcando) a memória de determinadas experiências coletivas,
estejam elas próximas ou distantes no tempo”.
27
E, que sobretudo coloque a cidade em
posição de destaque no cenário goiano, como uma forma de reivindicar para si
27
SEIXAS, Tênues Fronteiras de memórias e esquecimentos: a imagem do brasileiro
jecamacunaímico. 2002:125.
66
mudanças consideradas representativas nos grandes centros urbanos, mas que jamais
foram vivenciadas por esta típica “cidade” do interior.
Os registros locais, tanto atuais quanto de outrora, são unânimes em apontar
o intenso movimento das casas comerciais e das fábricas, particularmente, as de calçado
“Santa Cruz” e “Santa Cecília”, bem como dos viajantes, que percorriam o Estado de
Goiás, vindos de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, principalmente. Já nas
noites dos finais de semana, falam da presença marcante das pessoas na “Praça”, ponto
de encontro dos jovens e idosos, que, segundo eles, conversavam animadamente ao som
da Banda Municipal, que tinha como palco para suas apresentações o “Coreto”. Falam
ainda de um grande movimento, por causa da nova aparência da praça, que indicava o
aspecto moderno que a cidade ia tomando, o que também pode ser visto no seguinte
trecho: “A praça da Liberdade, por exemplo, com seu jardim bem adiantado, bem
iluminado, com seu coreto de aspecto moderno e belíssimo, faz o seu recreio...”.
28
28
- J. Teixeira, Jornal “A Semana” 07/10/1923.
67
Foto nº 05 – Coreto, inaugurado em 1923, na Praça da
Liberdade, foto de 1939.
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal João Veiga.
A imagem mostra o coreto como símbolo da “modernidade” construído
como marco de um novo tempo destinado a jamais ser esquecido. A construção de
símbolos é uma forma de perpetuar a memória e, neste sentido, pode-se considerar que
o coreto “insere-se nos jogos de memória e também no exercício do poder, nas práticas
de dominação e sujeição (...) em todo o esforço interessado da memória”
29
, que deseja
lembrar, valorizar essas construções em função do esquecimento do que fora o antes da
ferrovia, o que marcou por um longo período a história das cidades goianas afastadas
dos grandes centros, como um lugar sertanejo. É esse lugar do sertão que se deseja
esquecer.
O trem é visto ainda hoje pelos que escrevem sobre Ipameri como o grande
símbolo da “modernidade” que não pode ser esquecido, ainda que atualmente as
representações da “cidade do já foi” ou “do já teve” reforcem que a cidade “um dia” foi
destaque no cenário goiano.
Entretanto, as fontes fotográficas mostram a cidade como um lugar simples,
com ruas de terra, ruas escuras iluminadas por alguns postes de energia elétrica, lugar
onde todos se conheciam, onde pouco se falava em violência e onde a vida prosseguia
sem muita pressa.
Logicamente, como mostra HOBSBAWM (1998), é interessante para o
historiador considerar como esse passado é pensado pelo presente, dentro desta
perspectiva de modernidade. E, embora a sociedade esteja produzindo a situação de
dominação, não há como negar que o passado se constitui numa dimensão permanente
da consciência humana.
No caso dos moradores atuais de Ipameri, o que há é uma busca do passado
como padrão para o presente. E, neste movimento de instituição de um sentido ao
passado e ao presente, existem outros que vão sendo excluídos.
Esse esquecimento, que no caso da cultura política brasileira é “assumido” e
transformado em habitus
30
, chamando atenção para o fato de que muitas vezes é esse
29
SEIXAS, Tênues Fronteiras de memórias e esquecimentos: a imagem do brasileiro
jecamacunaímico. 2002:125.
30
O conceito de habitus utilizado aqui é o de Bordieu, para o qual habitus é o “produto de uma aquisição
histórica que permite a apropriação do adquirido histórico”(BORDIEU, 1989:2). “É o habitus, como
estrutura estruturada e estruturante que engaja, nas práticas e nas idéias, esquemas práticos de
68
esquecimento que acaba plasmando condutas, sendo fundamental para a organização
das hierarquias sociais. Neste sentido, desejo chamar atenção para o fato de “que é
preciso reconhecer, portanto, na memória e no esquecimento, uma linguagem, uma
narrativa”.(SEIXAS,2002:129)
Ao dizer que essas imagens podem também serem utilizadas como uma
projeção em direção ao futuro, lembro aqui de representações, no que concerne à cidade
de Ipameri, que são utilizadas de uma forma diferenciada. É possível encontrar em
alguns eventos festivos as representações de que Ipameri “volta a ter”, o que se refere a
chegada de algumas fábricas, como a Algodoeira Califórnia (2001) e a Caramuru
(inaugurada recentemente), ou ainda, a Universidade Estadual de Goiás (2000) e
Universidade Católica de Goiás (2003). Daí ser possível considerar historicamente que
esse tempo é lembrado como lamentação, mas também como forma de projeção do
futuro.
Neste caso, o passado é socialmente formalizado e não está somente na
construção ideológica que é feita dele no presente, mas está também nos costumes, nas
práticas cotidianas. Por um lado se constitui em poder, mas por outro lado ganha
legitimidade no aspecto cultural. As inovações são aceitas e por isso são legitimadas.
Para as pessoas daquela época “ser moderno” adquire um significado diferente de hoje.
Em Ipameri, os edifícios mais marcantes e que davam ao local este aspecto
moderno, ou que se tornaram para os contemporâneos desse período e inclusive para a
atualidade como as expressões simbólicas da modernidade são aqueles que
proporcionam sociabilidade, fazem sentir a presença do outro: como o coreto, o cinema,
as indústrias de calçado, a chegada do Batalhão, o Banco e a ferrovia. Isso tudo trouxe
para a cidade um dinamismo que muitos não imaginavam ser possível, criando
expectativas que acabaram resultando na edificação da cidade em uma determinada
época, o que ganha força e expressão simbólica com o passar do tempo.
Passa-se a construir para a cidade uma memória a partir do trem, que
corporifica o “moderno”, como uma forma de imposição do esquecimento do que era
antes da chegada deste.
A respeito dessa oposição entre moderno e antigo escreveu também LE
GOFF:
construção oriundas, elas próprias do trabalho histórico de gerações sucessivas”. (BORDIEU,
1996:158) Sobre o conceito de habitus ler BORDIEU, Pierre. O poder simbólico, Lisboa. RS,
Difec/Birthand, 1989. ___________, Razões, práticas sobre a teoria da ação. São Paulo, Papirus, 1996.
69
A revolução do moderno data do século XX. A modernidade,
analisada até então apenas no plano das “superestruturas”, define-
se, daqui em diante, em todos os planos considerados importantes
pelos homesn do século XX: a economia, a política, a vida cotidiana,
a mentalidade.
O critério econômico torna-se primordial, como se viu, com a
introdução da modernidade no Terceiro Mundo. E, no complexo da
economia moderna, a pedra de toque da modernidade é a
mecanização, ou melhor, a industrialização”. (LE GOFF, 1990:192)
Com relação à cidade de Ipameri percebe-se, a partir da fonte, uma tomada
de consciência de que a cidade estava rompendo laços com o passado e que desejava a
mudança que se dava naquela época. Particularmente no que se refere às inovações
tecnológicas. A imagem da cidade ganhava um novo aspecto, devendo, por isso, ser
admirado e motivo de orgulho para os seus moradores. A cidade aqui era movimentada,
recebia a visita de uma grande quantidade de pessoas, inclusive das cidades vizinhas,
durante o carnaval, férias escolares e competições realizadas aos domingos no
“Hipódromo Firmo Ribeiro”.
31
A transferência do 6º Batalhão de Caçadores de “Vila Boa”, antiga capital
do Estado, para esta cidade, em 1922 (Foto nº 06) , através do então Intendente Vicente
Marot, também é bastante destacada nos artigos jornalísticos, registros escritos sobre a
cidade, como impulsionador do crescimento populacional local. O exército era tido
como importante, mas, sobretudo como garantidor da ordem.
31
- O hipódromo Firmo Ribeiro, era um local onde se realizavam corridas de cavalo ou hipismo aos
domingos e para onde se dirigiam várias pessoas da cidade e também de outras regiões.
70
Foto nº 06 - Portão de entrada do 6º Batalhão de Caçadores (6º BC)
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal João Veiga.
Essa ordem pode ser vista na imagem apresentada acima. Mas, para além da
garantia da ordem, é possível imaginar o significado da transferência do único Batalhão
de Caçadores existente no Estado de Goiás para a cidade de Ipameri, o que foi recebido
por grande euforia pelos contemporâneos da época.
Atribuem às apresentações da Banda Musical do 6º Batalhão de Caçadores a
importância de trazer a ordem e também o lazer para a cidade: "Assim nossa cidade irá
se tornando cada vez mais habitável porque a música é alegria e esta é o som que vem
do bem estar".
32
Os registros locais mostram que a vinda do Batalhão para Ipameri trouxe
muitas famílias (cerca de 800), que ajudaram a aumentar ainda mais o contingente
populacional e o movimento urbano, além de aumentar consideravelmente o número das
transações comerciais e diversões.
Com relação a este número de indústrias instaladas em Ipameri, neste
período, ainda hoje, vistas pelos moradores, como motivo de orgulho e de lamentação,
pois o que havia em grande quantidade, é inexistente na atualidade. Além de ser um dos
32
(Jornal Gazeta de Ypameri, 11/05/1924, p. 02).
71
motivos de abandono da cidade; por parte da maioria dos moradores, que parte em
busca de emprego e melhores condições de vida para os grandes centros urbanos,
principalmente Goiânia e Uberlândia.
Parecia evidente, nos projeto da elite a necessidade de se “desenhar” uma
cidade que causasse impacto aos visitantes, de modo especial àqueles que buscavam um
bom local para estabelecer o seu comércio ou mesmo sua indústria. Por isso,
principalmente o centro da cidade deveria causar uma boa impressão, era o local por
onde todo visitante passava.
Esse impacto deveria se dar através da concretização de um projeto de
urbanização, onde os símbolos da antiga cidade não têm mais lugar. Os registros locais
trazem a ferrovia como elemento “modernizador” como se ela estivesse dividindo a
cidade em dois momentos totalmente distintos, o antes (campo, sertão, vida pacata,
rural) e o depois, o pós ferrovia (urbano, moderno, cidade, dinamismo). A representação
que se tem da cidade de Ipameri é que, antes da ferrovia, ela não era dada, não possuía
visibilidade, era apenas um ponto de passagem; e depois torna-se um lugar, ponto final
da Estrada de Ferro Goiás. Fronteira até o ano de 1922, além dela não vai ter progresso.
O antes, apontado por Dona Mariinha, como um prolongamento do campo,
quando fala do quanto a vida na cidade se confundia com o universo rural. Já o depois
mostra a cidade urbanizada, com ruas calçadas, praças, cinema e dinamismo comercial.
Há a construção de uma dada memória sobre a cidade, que tem o seu duplo no
esquecimento.(Foto nº 07).
72
Foto nº 07 - Vista parcial da Praça da Liberdade, destacando a iluminação.
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal João Veiga.
A imagem mostra que a energia elétrica havia chegado a Ipameri, mas
permite ir além, me faz entender sentidos construídos historicamente, que vão
assumindo significados variados, assim como as memórias e sentimentos que se tem da
cidade também são diversos, uma vez que é nas relações cotidianas que eles se dão.
Esse espaço “novo” existe muito em função de um discurso no qual predomina o caráter
modernizador, que se fez perpetuar às futuras gerações, parte de uma história oficial,
contada e recontada através dos historiadores locais.
Atualmente as pessoas que vivem em Ipameri trazem consigo uma imagem
construída em torno da ferrovia, a memória de uma cidade “progressista” no passado,
dotada de um movimento que da forma como hoje representada pelos moradores, não
existe nos dias atuais. Essa imagem se relaciona, de certa forma, com o discurso de
progresso e atraso ou decadência, comumente utilizado, ainda hoje, em muitas
circunstâncias.
Daí a importância de estar neste momento procurando problematizar essa
idéia de que Ipameri vivera nessa época um tempo que é sentido, experimentado,
73
vivenciado como glorioso, no qual a prosperidade fazia parte da vida dos moradores
locais. É necessário chamar atenção para os problemas vividos na época como uma
maneira de mostrar que as lutas, particularmente pela igualdade de oportunidades, são
constantes e fazem parte de todo um processo histórico contextualizado.
No quotidiano da estação ferroviária (Foto nº 09) estão presentes conflitos,
ganhos, alternativas e perspectivas, pessoas que chegam e saem, ou seja, um espaço de
múltiplas vivências. Um grupo de ciganas contratadas pelo 6º B.C.
33
, crianças
carregando malas, quem sabe como uma forma de ajudar na renda familiar, viajantes
chegando ou simplesmente olhares curiosos esperando a chegada do trem. Entretanto,
nem todos que vinham conseguiam emprego, daí a presença de mendigos ou indivíduos
em situações difíceis e a necessidade de se construir casas de abrigo para essas pessoas.
(Foto nº 08).
Foto nº 08 - Estação Ferroviária de Ipameri, 1938.
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal João Veiga.
33
Informações que podem ser apreendidas no avental que elas portam.
74
Foto nº 09 - Vila Vicentina, 1932.
Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal João Veiga.
A imagem exprime uma realidade pouco relatada nos artigos jornalísticos:
crianças e adultos mal vestidos, abrigados na Vila Vicentina. Para a elite, o significado
da construção desse local, deveria ser visto com orgulho, como se em Ipameri houvesse,
por parte do poder local a preocupação com os pobres. Os abrigos aos olhos da elite
eram uma forma de protegê-los, mas servia também como garantidor da ordem. Ali
essas pessoas eram mantidas sob o olhar do poder público e por isso a ênfase em sua
construção.
A imagem me faz recordar do trabalho monográfico de Paulo César Inácio,
que ao escrever sobre a violência e progresso na região Sul, no início do século XX
identifica-a como um
...território de passagem, um entreposto, que diríamos mais
do que comercial, pois a região era palco não só de vendas,
como também de encontro de múltiplos interesses sociais.
Pessoas de outros Estados chegavam e saíam a todo
momento. A idéia de um lugar que não era de ninguém.
A
construção da Ferrovia, veio contribuir para que as pessoas,
antes mero transeuntes, se instalassem na região. (INÁCIO,
1997:23)
Embora o autor se refira à origem da cidade de Goiandira, considero
possível afirmar que essa “idéia de um lugar que era de ninguém” Aplica-se igualmente
75
a Ipameri, que, para além dos interesses comerciais, aparecia como esse local da
diversidade, pessoas chegando para instalar suas indústrias, imigrantes estrangeiros
vindos fugidos da situação criada pela I Guerra Mundial em seus países, a procura de
uma espécie de “Terra Prometida” para construir o seu éden, como foi escrito por
DAHER, que retrata a vinda da sua família para a cidade de Ipameri.
Tais imigrantes vinham da Síria, Líbano, Espanha, Itália, Alemanha e
outros. Essa imagem é ainda mais forte em Ipameri quando se imagina que, além de ser
cortada pelos trilhos, a linha férrea ficou paralisada em seu município por um tempo
significativo, de 1913 a 1922. Ponto final da ferrovia, os que vinham até aqui deveriam
aos menos “dar uma olhadinha” e nesta olhadinha muitos fixaram moradia.
E, para as pessoas que chegavam a este lugar que não era de ninguém,
tratou-se logo de criar medidas atrativas como:
...acenar aos trabalhadores com a doação dessas terras, ou
venda por preços módicos, criar prêmios para os maiores
plantadores de produtos destinados à indústria, isentar de
impostos os fazendeiros que localizarem imigrantes em suas
propriedades, tornar excessivo os impostos sobre os terrenos
não cultivados, bater-se pela cultura de algodão em alta
escala e favorecer a industriais que se propunham a montar
estabelecimentos têxteis no Estado, não lhes cobrando
impostos por uma dezena de anos.
34
Esses atrativos servem como uma forma de propaganda, mas
simultaneamente como meio de esquecer o passado, o antes da ferrovia. E, assim como
em outras cidades interioranas brasileiras, surge por parte da elite, em Ipameri, com a
ferrovia e a presença dessas pessoas a necessidade do desenvolvimento de um projeto,
que inserisse a cidade neste contexto de modernização, o que passava pela criação de
códigos de postura, leis de higiene e saúde e por todo um processo civilizatório. Do
homem goiano seria necessário retirar a imagem do “Jeca”. É este uma das
representações que confere identidade ao brasileiro, que precisa ser “civilizado” para
que o Estado possa progredir.
Os jornais apontam para a necessidade do “Jeca” ser mais informado, o que
não significa que este seja de todo ruim:
34
Jornal Ypameri de 18 de setembro de 1927
76
...pergunte-se a um Jeca autêntico quem é o professor do seu
bairro, o delegado de higiene da sua zona, o instrutor
agrícola, o veterinário e ele abrirá a boca, de espanto, para
responder:
Não sei, nhor não.
(...)
A alma do Jeca é boa e o sangue bem temperado. Dê-se
saúde a este e luz àquela e o Jeca operará prodígios.
35
Não há aqui um questionamento da figura do jeca como representação do
brasileiro. Segundo Seixas isso ocorre porque no fundo:
Somos todos (...) um pouco jecas, um pouco macunaímas;
mas, ao mesmo tempo, ninguém se sente completamente jeca
ou cem por cento Macunaíma. Eis o paradoxo: estas
poderosas figuras identitárias, na verdade, são figuras de
permanente (des)subjetivação, figuras da exclusão e da
submissão (involuntária_), figuras instituintes da
desconfiança e não figuras, associadas à participação, ao
reconhecimento (de si e dos outros) ou aos sujeitos de
cidadania. (SEIXAS, 2002:138)
Daí a necessidade do poder público reforçar a idéia de “progresso” para o
desenvolvimento deste novo projeto de cidade, que visava uma proximidade, ao menos
simbólica, com os grandes centros comerciais. Civilizar significava transformar o
“Jeca”, muito mais no campo do imaginário do que na prática. De maneira mais
evidente civilizar significava muito mais inserir a cidade do interior no contexto de
modernização desenvolvido na cidade grande, com indústrias, comércios, luz elétrica,
telefone e outros, considerados artefatos do mundo moderno. Civilizar significa
embelezar a cidade, torná-la higiênica, afastar a mendicância, as mulheres “de vida
alegre”, não mais comporta a presença do chiqueiro, matadouro, carro de boi e
cemitério convivendo com a modernidade; tudo isso tem que estar fora do chamado
“perímetro urbano”.
Esta imagem de civilidade seria também uma forma de contrapor a imagem
construída nos relatos dos viajantes que vêm em busca de ouro, no final do século XVIII
e início do XIX, que vão escrever sobre o Estado de Goiás, representando o homem do
sertão goiano como ligado ao ócio, acomodado por natureza.
35
Jornal Ypameri, de 29 de julho de 1928
77
Isso porque este lugar que não era de ninguém convivia com a circulação de
pessoas de todo tipo e interesses diferenciados. Assim como vinham detentores de poder
econômico para dinamizar o comércio local, havia também os aventureiros, vindos em
busca de uma vida melhor. Surge assim a necessidade de criação de entidades
filantrópicas para “acolhê-lo”, entre elas a Conferência de São Vicente de Paula,
cumprindo uma função reguladora e disciplinar. Segundo a imprensa local “a
conferência trabalha no sentido de asilar em prédio próprio, que em breve adaptará os
mendigos da cidade”.
36
Certamente, conviver com a presença de pobres e mendigos representa
também uma ameaça. Essas pessoas são vistas pela elite local como um perigo. A
criação de um asilo vem ideologicamente como uma forma de proteger os mais
indefesos. Entretanto, os mendigos são um problema que as autoridades públicas de
Ipameri precisavam enfrentar. Nesse sentido, o asilo representava importante
instrumento de coerção e disciplinarização, uma forma encontrada para vigiar essas
pessoas, garantindo uma “paz social”, vigiar no sentido de exercer controle sobre a vida
dessas pessoas.
Dentre os projetos desenvolvidos cria-se também a necessidade de
embelezamento da cidade, através dos jardins e coretos a serem construídos nas praças.
A praça aparece como o local do urbano, com seus usos diversos:
...um ponto de grande movimento nos dias de descanso, para
os habitantes da nossa ‘urbs’ (...) um centro bem cheio de
atrativo, freqüentado pelo que a nossa sociedade tem de
melhor e portanto a construção do jardim à que nos
referimos seria mais um passo dado no progresso (...) O
ajardinamento de praças é considerado como agente da
higiene.
37
Há em torno do discurso sobre a higiene a intenção de reforçar a
necessidade de embelezamento da cidade. As ruas centrais, por onde circulavam as
pessoas vindo de outras localidades, deveriam ao ser percorridas causar “boa
impressão”. A praça era o lugar utilizado para a movimentação comercial, visto que a
maioria das casas comerciais era construída a seu redor, mas também para o lazer e o
descanso.
36
Jornal Ypameri, de 24 de fevereiro de 1929.
37
Jornal O Porvir, de 29 de setembro de 1918.
78
Assim como a praça as próprias ruas centrais também adquirem ares de
modernidade, o que me leva a pensar novamente na substituição de tudo que
representava o prolongamento do campo pelo que oferecesse características urbanas. A
cidade nos registros jornalísticos ia “perdendo seu aspecto arcaico e remodelando-se”.
Cria-se para isso uma Avenida
38
que liga o centro da cidade à Estação da Estrada de
Ferro Goiás, conhecida como Avenida Eugênio Jardim
39
e uma ponte para fazer tal
ligação, mas a própria transição pela Avenida precisa mais tarde ser regulada.
40
Assim,
em Edital publicado pelo então secretário José A. Faleiros “fica terminantemente
proibida a passagem de carros de boi, carroças e carroções pela Avenida Eugênio
Jardim”.
41
Isso evidencia o caráter de exclusão presente nos discursos progressistas,
nos quais carros de boi, carroças e carroções representavam o mundo rural, o sertão
propriamente dito.
Um outro aspecto rural presente no centro da cidade perceptível também no
depoimento de Dona Mariinha, diz respeito aos açougues, que eram locais onde se dava
a criação, matança e venda da carne, principalmente a suína. Sendo assim, esses
açougues deveriam passar por um processo de transformação, criando-se o
Regulamento Municipal de Higiene. Um dos aspectos discutidos nesta lei criada para
regulamentar a higiene na cidade diz respeito à retirada de um açougue localizado à Rua
Marechal Floriano Peixoto, rua que corta o centro da cidade. No artigo denuncia-se o
funcionamento deste açougue:
...o seu proprietário faz um montão de coisa junta: mata
porco, fabrica banha, deixa a ossada espalhada no quintal,
etc. Tudo isso satura o ambiente comum com perfume nada
agradável às delicadas pituitárias vizinhas, acarretando
ainda o ajuntamento de centenas de urubus em jejum.
42
Inicia-se, então, na imprensa local uma campanha pelo cumprimento deste
regulamento,
...uma campanha de saneamento contra a permanência de
porcos em chiqueiro dentro do perímetro ou mesmo em suas
38
Embora seja denominada de Avenida é importante lembrar, que era uma rua larga, mas sem nenhum
tipo de calçamento e infra-estrutura.
39
Hoje Avenida Dr. Gomes da Frota
40
- Informações retiradas do Jornal Gazeta de Ypameri, de 11 de maio de 1924.
41
Jornal Ypameri, de 21 de Junho de 1936.
42
Jornal Ypameri, de 30 de outubro de 1927.
79
mediações. A execução desta medida, recebida por alguns,
felizmente em número reduzido, como uma medida fora de
toda oportunidade, pela maioria do povo vai sendo
compreendida como deve ser, facilitando às autoridades
sanitárias o meio para fiel cumprimento.
43
A justificativa utilizada para que esses chiqueiros fossem retirados do centro
da cidade é que eles se localizavam em “perímetro urbano”, onde causavam o
desenvolvimento e conservação de germes patológicos, causadores de várias moléstias,
além do odor indesejável. Está aqui colocada a questão da rusticidade, do “enfeiamento”
da cidade.
A partir da criação deste regulamento inaugurava-se o Matadouro
Municipal, saudado da seguinte maneira:
...o matadouro não é somente confortável e higiênico, pode
ser considerado também luxuoso (...) a pocilga ali construída
tem as características de uma verdadeira habitação humana,
faltando-lhe apenas as paredes (...) dispõe o matadouro de
todo o moderno material reclamado para torná-lo ‘primus
inter pares’ no Estado de Goiás.
44
Assim, remodelar o centro da cidade significava expropriar alguns
moradores ou comerciantes antigos do seu saber fazer. A presença de açougueiros no
centro da cidade não se inseria no modelo desejado pela modernidade capitalista para a
qual a própria cidade ia ganhando novas formas. O açougueiro representa, assim, uma
figura excluída de seu modo de viver em função do desenvolvimento de um projeto
modernizador, vê-se diante do impacto da perda de relações que foram construídas em
contato com outro mundo, o de antes da ferrovia, que deveria ser esquecido.
O tempo posterior era naquele momento o tempo no qual os transeuntes
deveriam sentir a beleza e exuberância da cidade, representada pelos novos modelos de
construção, nos quais a praça era o ponto central, de referência para a cidade, devendo
por isso ser perfumada pelas flores cultivadas nos jardins. Embelezar significava retirar
características consideradas arcaicas substituindo-as pelos novos modelos de construção
e jardins.
A partir do trem cria-se uma perspectiva entre as elites locais, que é a de um
possível crescimento do perímetro urbano. Para comportar tal desenvolvimento, o
43
Jornal Ypameri, de 08 de abril de 1928.
44
Jornal Ypameri, de outubro de 1932.
80
próprio cemitério precisa ser transferido, já que se localizava-se há apenas duas ruas
acima da praça central, o que também faz parte desse projeto de higienização
45
. Esse
objetivo é expresso claramente:
...o cemitério local não comporta mais o enterramento de
cadáveres oriundos de uma cidade de população densa e
crescente. (...) nosso ‘campo santo’ pela sua posição aberra
contra os mais rudimentares princípios de estética urbana.
46
Em artigo semelhante é formulada também a questão da necessidade de
criação da imagem de Ipameri como cidade urbana, e o cemitério localizado na parte
central como uma contraposição da cidade moderna que estava se formando,:
...como que distoando do surto sempre crescente do
progresso desta cidade, aí está, bem no centro de um dos
bairros mais ‘chics’ da nossa ‘urbs’, o velho cemitério que
regorgita de corpos de muitas gerações do lugar. A
permanência da nossa metrópole ali, junto ao quartel, não só
aberra como um aleijão estético, mas, ainda, em virtude da
quantidade de cadáveres que nele se inumam, passa a
constituir uma séria ameaça a população viva de Ipameri.
47
Está presente a idéia de que o cemitério, os mortos incomodavam os vivos,
pois o cemitério é visto como “aleijão estético” para a metrópole. É possível perceber
que essa discussão em torno da transferência do cemitério para um local mais afastado
inicia-se em 1932, mas a desapropriação de um terreno para que um cemitério público
fosse construído só se deu em 1936
48
.
Folheando os jornais tem-se a convicção de que todas essas leis estavam
sendo criadas como uma forma clara de controle do espaço público, por parte do poder
público municipal. Este espaço era tido como o lugar transitado por todos,
principalmente as “pessoas de respeito”, o que significa a exclusão dos indesejados,
como as prostitutas. Por isso, a década de 1930 vai conviver com a criação destas leis de
45
Onde atualmente foi construído o prédio da Prefeitura Municipal.
46
Jornal Ypameri de 10 de julho de 1932.
47
Jornal Ipameri, de 02 de Julho de 1932
48
através da lei nº 6 de 06 de novembro de 1936, publicada no jornal Ypameri de 08 de novembro de
1936.
Nesta mesma edição do jornal há também a publicação da lei nº 7, da mesma data, que também
desapropria terrenos para a construção de um cinema.
81
regulamentação do espaço tido como público. Deste ponto de vista a praça precisa ser
vigiada, assim como as ruas centrais. Segundo a imprensa:
...fica expressamente proibido, durante as retretas e
enquanto aquele logradouro público
se encontrar
movimentado pelos que ali vão àquelas horas, a presença de
mulheres de vida alegre na Praça João Pessoa. Esta
autoridade agirá energicamente contra quem infringir a
recomendação acima.
49
As prostitutas, que habitavam naquela época as denominadas “casas de
tolerância” também passam por um processo de exclusão. Tais casas têm o
funcionamento suspenso nas principais ruas da cidade, entre elas Floriano Peixoto,
Francisco Vaz, Pandiá Calógeras, Praça da Liberdade e outras.
50
Não é difícil imaginar
o quanto a presença destas mulheres era indesejada, principalmente pensando numa
sociedade extremamente machista e de valores religiosos, que não admitia tal atitude.
As prostitutas eram vistas como destruidoras do lar, causadoras de desarmonia entre as
famílias.
Os registros sobre a cidade apontam, ainda, para uma vigilância no padrão
das novas construções, ou reparo das velhas casas
51
. Há uma busca pela organização
através do emplacamento das casas, ruas e demais logradouros públicos.
52
Somam-se a tais problemas os de ordem política, pois a década de 20, de
modo particular o ano de 1923, convive com os movimentos de oposição ao governo, ou
às intendências, que “administravam mal” os recursos disponíveis, tendo que recorrer
constantemente aos empréstimos.
Entre as figuras que surgem e de certa forma causam problemas está
também o fiscal, que vem para vigiar, aplicando penas, se necessário. Em Ipameri
vários locais passam a ser fiscalizados, como é o caso das charqueadas. Entretanto, sua
presença causa conflito e nem mesmo os proprietários os aceitam, em um primeiro
momento, como figura desejável:
49
Jornal O Ypameri de 28 de maio de 1932
50
Segundo edital publicado no Jornal Ypameri de 04 de outubro de 1936.
51
- Aviso publicado no Jornal O Ypameri de 06 de dezembro de 1936.
52
Aviso publicado no Jornal O Ypameri de 08 de novembro de 1936. Isso é perceptível através da lei nº
9 de 06 de novembro de 1936.
82
É do domínio público nesta cidade o ligeiro verificado, ha
poucos dias, entre o fiscal e os proprietários da xarqueada
local. Não temos parti pris, dai a nossa isenção de ânimo
quando tecemos alguns comentários em torno do momentoso
assunto. Não achamos que o Sr. Pedro Barbosa tenha
exorbitado no cumprimento dos seus deveres quando recusou
permissão para serem abatidas quase todas as rezes de uma
grande leva que lhe foi apresentada pelo Sr. Fernando. As
leis, a não ser que queiramos reviver os vesgos hábitos da
velha republica, foram feitas para serem cumpridas. Em o
nosso modo de ver o que não esta certa e a existência da lei
de fiscalização das xarqueadas, ou, em ultima analise, a sua
execução não vem sendo bem procedida. De maneira
nenhuma acreditamos que o fazendeiro venda, para ser
abatida uma vaca que ainda lhe possa dar maiores lucros,
proliferando. Neste caso não vemos razão de ser para sua
existência. Mas, suponhamos que não seja este o consenso
unânime dos que encaram o problema pecuário do estado.
Neste caso estamos em que a famigerada lei não se executa
de conformidade com os magnos interesses da industria
pastoril goiana, pois que, muita vez um fiscal menos
experimentado no metier tem sido causa de vultuosos
prejuízo para os xarqueadores do estado.
53
É possível perceber que o fiscal é uma figura necessária a este projeto
modernizador urbano, aparecendo como um agente transformador. Isso porque a
maioria das pessoas vinha do campo e para estas um código de postura se constituía
como uma novidade sem muito significado, o que mostra um ponto de tensão causado
pelas novas formas de vida. Uma dificuldade de se adotar elementos novos dentro do
tradicional. Daí a dificuldade de disciplinar essas pessoas, que tinham costumes
próprios, considerados rústicos, de “jeca”. Entre eles, ressalta-se o de andar em animais
na rua, pois “o espaço urbano passava a ser entendido como produto de relações de
poder e de embate de força dos principais agentes que atuavam e modificavam
continuamente aquele ‘locus’”. (SILVA, 2002:03)
Para além do projeto de urbanização é possível perceber nos registros deste
período a necessidade de se ter uma boa administração da ferrovia goiana e a injeção de
recursos federais, que, como é constantemente denunciado, são poucos para o Estado de
Goiás e mal administrados. O descaso com o Estado pode ser explicado pelo fato de que
a política, no Brasil, era liderada pelos principais centros econômicos, assim como os
benefícios com recursos financeiros e pela própria contradição da época em que as
ferrovias são criadas no Brasil, sobre a qual escreve PAULA.
53
Jornal Ipameri, de 27 de dezembro de 1931
83
Apontam, ainda, para uma dinâmica de conflitos na própria estação, ou no
próprio trem de passageiros. A exclusão das pessoas se dava também dentro do trem,
que possuía vagões de primeira classe, ou trens de luxo e trens mistos, evidenciando-se
nestes o aspecto negativo. Há registros de conflitos nos trens mistos:
O que nos preocupa, neste minuto de rabiscação é o "frege"
que se verifica na "gare" local, à hora da chegada dos trens
e depois dele, a sugeira dos trens mistos da nossa única
ferro-via. O Dr. Caminha
54
poderá muito bem, caso queira,
minorar tais atribulações. Basta fechar a estação da
“Goiana” em Ipameri, cobrando ingresso dos que a ela
queira ter acesso e mandar fazer uma limpezinha nos carros
que servem nos trens mistos. Porque, vamos e venhamos, os
tais de “caras duras" mais parecem um chiqueiro ambulante
do que um veículo de gente que se presa...
55
Supõe-se que os pobres é que sujavam os vagões, pois os vagões mistos
eram ocupados em sua maioria pelas pessoas mais pobres. Imagem esta que contrasta
com a idéia do “progresso”. Há nestes registros o comércio e a sociabilidade entre
pessoas distintas, que aponta para uma divisão social entre ricos e pobres.
Assim, a exclusão estava presente nas viagens de trem e também na estação.
Havia, por parte da elite, o desejo de que os pobres ou "curiosos" fossem tirados da
estação, esquecendo-se, porém, que o espaço não pertencia à prefeitura, ou a própria
ferrovia, mas a quem quisesse freqüentar, por ser um local público. Para a elite este
espaço público precisa ser vigiado.
É possível verificar, ainda, que os acidentes com trens existiam também,
embora fossem menos constantes. E, que as tarifas também eram altas e não eram todos
que conseguiam ter acesso às viagens de trem. Além do fato de que a presença dos
trilhos acabou acarretando prejuízos para os fazendeiros locais, devido sobretudo à
matança do gado às margens da linha.
Os problemas advindos da ferrovia eram inúmeros e podem ser encontrados
no contato com as fontes. Portanto, não dá para falar apenas em cidade progressista
quando a realidade não é só transformação econômica, como colocaram a maioria dos
autores, que escreveram sobre a ferrovia e as mudanças avindas daí, de modo particular
na região Sul do Estado, na qual está inserida a cidade de Ipameri.
54
- O Dr. Caminha era nessa época diretor da Estação Goiás.
55
Jornal Ipameri, de 25 de dezembro de 1932
84
A estação foi representada pelos memorialistas locais como ponto de
chegada do progresso, mas também como ponto de confluência de outras coisas
indesejáveis, para a elite das décadas de 1920 e 1930:
Temos gasto papel, tinta, fósforo e tempo em reclamar a necessidade
de coibir o abuso da freqüência excessiva de gente à estação local,
em horas de chegada de trens. Os viajantes que aqui aportam, ficam
apavorados diante do assalto que a gurisada e alguns desocupados
praticam aos carros quando param os comboios. Depois, ninguém,
quase, pode se mover na "gare”, tal a multidão, em as quase
totalidade sem o que fazer, que ali se comprime. Além do mais, um
desastre produzido pela imprudência da petizada é coisa que não
deve deixar de fazer parte das cogitações da gente. Quem vai a
estação da Goiana, á hora dos PP e dos MM, poderá julgar a
veracidade das nossas afirmações.
56
Através dos escritos percebe-se que a concentração de pessoas ameaçava a
ordem, o que incomodava a polícia O artigo mostra também que a estação se torna o
ponto central da cidade, local de sociabilidade e lazer, isso não era bem visto pela elite
local que desejava evitar aglomeração.
Dessa forma, a estação representa para muitos a possibilidade de lucro, mas
para outros, particularmente os desprovidos de recursos financeiros, tinha um sentido
diferenciado, era um ponto de encontro ou mesmo de lazer, a possibilidade de partir em
busca do desconhecido, na esperança de um dia melhor.
Com isso, a cidade passa a se configurar como um espaço onde surgem
novas relações sociais, através da rearticulação entre o velho e o novo. Há um discurso
que deseja uma cidade moderna e progressista, mas há por outro lado à busca pela
continuidade de elementos que fazem parte do “velho”.
Estes primeiros anos foram de dúvidas e incertezas em virtude dos
movimentos revolucionários, como o “movimento integralista” e a “revolução de 30” e
transformações pelas quais a cidade estava vivendo, particularmente no que se refere à
política. Segundo ROSA (1974), Ipameri foi nos primeiros cinco anos da década de 30 a
única a oferecer um ambiente onde os ex-caiadistas
57
pudessem se articular. Isso se
justifica, segundo ele, por ser
56
Jornal Ipameri, de 26 de março de 1933
57
Os caiados foram líderes do Partido Democrata até 1929. Deixaram de dominar a política no Estado de
Goiás com a “Revolução de 30”, quanto Pedro Ludovico Teixeira assume o poder, por intervenção. Ler
85
...povo ipamerino (...) avesso a violência. Um povo ordeiro,
por índole. As bravatas às vezes surgidas na terra, raras,
não partiam da massa ipamerina. Ipameri foi nos primeiros
tempos do novo regime, a cidade onde os decaídos puderam
viver sem susto.”( ROSA, 1974:87)
Nota-se, porém, que há o mito construído em torno da cidade de Ipameri,
como pacífica, harmoniosa, ordeira, que pode ser chamada de anti-Catalão, pois a
respeito desta as imagens que ficaram registradas na memória coletiva celebram-na
como cidade do povo “bravo”, o que também pode ser visto como uma maneira de
contrapor aos relatos dos viajantes, que evidenciavam a figura do “coronel”, figura
violenta do sertão.
Para o poder público municipal era importante que a cidade tomasse “ares
de cidade grande” e que as pessoas que viessem de fora ficassem espantadas com a sua
nova aparência, que deveria ser moderna e progressista. Havia nestes discursos uma
necessidade constante de se estar justificando a passagem da linha férrea pela região e
também de valorizar as mudanças que estavam ocorrendo, para que as pessoas não se
revoltassem contra os aspectos negativos dessas transformações.
O fato de a cidade estar recebendo um número cada vez maior de pessoas
interessadas em abrir comércio ou indústrias e de estar havendo um aumento
populacional significativo beneficiava a elite contemporânea do período em questão,
pois aumentar a população significava também a possibilidade de maiores lucros, por
isso, não se cansavam de tecer elogios e frisar a condição de “cartão postal” da cidade
perante o Estado. O ofício do Dr. Raymundo Gomes da Frota ao Diretor do
Departamento Nacional de Saúde enfatiza a importância do crescente número de
imigrantes estrangeiros, entre os quais destacava-se a colônia síria e a espanhola, que se
fixaram no local em virtude das boas condições oferecidas pela cidade. Este tem o
seguinte conteúdo:
Cumprindo a solicitação de V. Excia. em ofício ao Sr.
Interventor Federal em Goiás, sobre a indicação de alguns
municípios em condições de receber um auxílio federal para
a construção de um centro de Puericultura com Lactário ou
uma pequena Maternidade, tenho a honra de lembrar a V.
Excia. Que o município de Ipameri está em ótimas condições,
conforme dados que a seguir apresento:
RIBEIRO, Miriam Bianca Amaral. Memória, Família e Poder, História de uma Permanência Política
– Os Caiado em Goiás, Goiânia _ Go. IHCL. UFG; 1996 (Dissertação de Mestrado)
86
1º A cidade de Ipameri, goza de um clima salutar, com a
altitude de 750 metros;
2º Industrial por excelência;
3º Ensino: mantém-se nesta cidade, 1 Ginásio, 1 Colégio
dirigido pelas missionárias Jesus Crucificado, fiscalizado
pelo Interventor federal, 1 grupo escolar e diversas escolas
particulares.
A freqüência de alunos nos estabelecimentos de ensino é de
1.400.
População: sede: 8.000 habitantes.
Servida pela estrada de ferro de Goiás, tem sido diariamente
procurada por numerosas famílias de cidades circunvizinhas,
dadas as vantagens que oferece para o ensino primário e
secundário.
Aguardando com interesse, a escolha desta cidade para a
construção de Centro de Puericultura, apresento as minhas
saudações preciosas.
Dr. Gomes da Frota. Prefeito
12/10/1937
A partir deste ofício e de outros com o mesmo teor explicativo do
desenvolvimento do local, a elite da época objetivava aumentar ainda mais o número de
habitantes, assim como fixar o caráter de “cidade desenvolvida”, para que outros
empresários emigrassem para cá, um local promissor e que, segundo ela tinha todas as
vantagens, o que traria para os moradores o “progresso”
58
que tanto almejavam.
No início deste ofício o objetivo maior era a verba federal que viria para
alguns municípios, para a construção de um centro de puericultura. Sendo assim, havia a
necessidade de estar mostrando ao governo federal as boas condições da cidade e que
por isso a verba deveria sair, dando assim continuidade aos “grandes”
empreendimentos.
Havia neste ofício uma luta para se trazer o que a elite burguesa chama de
benefícios, mas estava presente também todo um jogo de interesses. As boas condições
da cidade precisavam ser reforçadas para garantir a liberação de verbas. Por isso
Ipameri aparece neste tipo de discurso como industrial por excelência, servida por boas
escolas, com uma grande população, um clima agradável e um local que já contava com
um meio de transporte que para eles era importante. Entretanto, este não era um caráter
específico de Ipameri, mas da região Sul de Goiás como um todo.
58
- O progresso, neste sentido, significa a implantação de indústrias e a modernização da própria cidade,
com novas construções e investimentos tecnológicos modernos.
87
Observando outro ofício, expedido ao interventor federal do Estado Pedro
Ludovico Teixeira
59
, a construção de indústrias ou de algo que tornasse a cidade
atraente para as pessoas, levava à criação de decretos leis que abrissem créditos
especiais e isenção de impostos (embora em aspectos diferenciados, isso é feito até hoje,
como no caso da Mitsubishi em Catalão, ou mesmo da vinda da Algodoeira Califórnia e
Caramuru, recentemente instaladas em Ipameri). Observemos o referido ofício:
Neste momento acabo de remeter ao Departamento
Administrativo, três projetos de Decretos-leis, sendo que dois
deles um abre o crédito especial para custeio da despesa
constante do vosso telegrama n
o
1301, de 19 do corrente, e o
outro faculta ao Prefeito, isentar, por dez (10) anos, de
impostos municipais, a primeira firma, sociedade ou
empresa, que vier a construir nesta cidade um cinema, no
valor mínimo de 300:000$000.
Lembro-vos que sob esta condição consegui levantar aquele
capital, entre os senhores Vitorino Bevinhati, e Michelle
Santinone, como principais sócios.
Como se trata de uma realização que virá beneficiar
grandemente a cidade, dotando-a de um estabelecimento de
diversões a altura do seu progresso e desenvolvimento
demográfico, não poderia esquivar-me de tomar a iniciativa
em apreço, levando ainda em conta a necessidade e o valor
que representam, atualmente, para o povo, estabelecimentos
desta ordem.
Como sempre aconteceu, nas causas justas, conto com o
vosso valioso apoio para a concretização da iniciativa em
tela.
Sem outro assunto, prevaleço-me do ensejo para reiterar-vos
os meus protestos de estima, consideração apreço.
Mui atenciosamente
Dr. Gomes da Frota - Prefeito Municipal - 23/10/37
Aqui o cinema aparece como uma construção importante por dar à cidade o
aspecto moderno, estando por isso à altura do seu progresso: mas para além deste
aspecto era importante também por ser um lugar de diversão, onde as pessoas iam para
se divertir. Ali era o local do “encontro”, dos quais resultavam as paqueras, os namoros,
as amizades... Além disso, pelo que mostra ALMEIDA, nesta época os cinemas faziam
59
Pedro Ludovico Teixeira foi interventor do Estado, após a “Revolução de 30”, assim como idealizador
da construção de uma nova capital para o Estado, a cidade de Goiânia. Ler CHAUL, Nasr Fayad. A
construção de Goiânia e a transferência da capital. Goiânia: Ed. Da UFG, 2001.
88
parte do projeto modernizante de Getúlio Vargas e a abertura destes era incentivada
pelo governo.
60
Ipameri foi, segundo os jornais, beneficiada neste período pela boa
qualidade de ensino que apresentava, trazendo de longe pessoas para que na cidade se
estabelecessem para estudar. Até o final da década de 30, Ipameri dispunha de um
ginásio, um colégio religioso, dois grupos escolares e mais 14 escolas localizadas em
todo o município.
A partir dos dados acima, é possível dizer que para os administradores era
importante que a cidade ostentasse seu “desenvolvimento” e que oferecesse condições
para a imigração, apontando que os que por aqui passavam iam fixando moradia por
encontrar boas escolas, indústrias de grande porte, boas rodovias, além da ferrovia e de
um aeroporto que, como colocam estes discursos era um dos melhores do Estado. Além
disso, esses documentos enfatizam que foi um período de muitas edificações, inclusive
residenciais.
Este período foi marcado pelo aumento populacional, pois a cidade se
encontrava com 19.227 habitantes e era a 5ª maior do Estado, segundo SILVA (1982),
que retira esses dados do Recenseamento Geral do Brasil, de 1920. A essa época
Ipameri perdia apenas no que diz respeito à população, para Catalão, Boa Vista do
Tocantins, Morrinhos e cidade de Goiás. Como todo o Estado passava por
transformações e estas se davam de modo mais acentuado nas regiões Sudoeste e Sul,
da qual faz parte a cidade de Ipameri, o seu aumento populacional era conseqüência
dessas transformações. A grande massa populacional ipamerina serviu para dar lucro
aos proprietários de indústrias, que tinham um interesse pela isenção dos impostos,
oferecidos pela Prefeitura, mas também pela mão-de-obra mais barata, garantindo assim
um lucro cada vez maior.
60
- A criação desses cinemas, segundo ALMEIDA foi incentivada por Getúlio Vargas por divulgar novos
modelos de comportamento para o povo brasileiro, recuperando propostas forjadas em décadas
anteriores por educadores e cineastas. ALMEIDA, Cláudio, 1996, p. 15. O cinema naquela época
era um dos meios mais moderno de comunicação, por meio do qual se levavam as propagandas de
governo às pessoas.
89
Neste processo de transformação, as contradições do capitalismo se davam
em todos os aspectos. Esse processo de modernização, iniciado pela chegada dos trilhos,
alterou significativamente o “mundo vivido” das pessoas, levando-as a buscar coisas
novas, pois tiveram modificados os seus ritmos de vida e trabalho.
Embora a elite se dissesse orgulhosa com a chegada do “progresso” à
cidade, a resistência a esses processos de transformações também esteve presente, por
parte de algumas pessoas e grupos sociais, que viam neles um prejuízo acarretado à sua
vida pessoal, que vinha sendo transformada.
Isso pode ser percebido quando COSTA escreve uma crônica sobre a
comemoração dos 70 anos do Banco do Brasil em Ipameri, mostrando que o Banco
trouxera uma boa situação econômica para muitos, mas que para isso era preciso passar
pelos concursos. Com isso, quem se saía melhor eram os filhos dos “donos” do poder
econômico, pois eram quem tinha mais condições de se manter na escola. Para eles
esses concursos faziam melhorar o nível escolar, pois como nos mostra Costa
a triagem a que se submetiam os candidatos nos concursos
resultava uma elite de nível cultural respeitável, capaz de
penetrar a sociedade, temperá-la, amoldando-a a um
contexto sui generis que a distinguia e exaltava. (COSTA,
1999: 102)
.
O trem acaba trazendo um novo projeto de cidade, idealizado pelos políticos
locais, que busca afastar a imagem de campo e conferir uma característica urbana.
Entretanto, é necessário também olhar a cidade buscando encontrar e construir
significados, a partir do trem. Daí a necessidade de se refletir sobre o impacto causado
pela ferrovia num lugar do sertão goiano, sobretudo nas mentalidades sociais e
coletivas.
90
III
UM OLHAR SOBRE A EXPERIÊNCIA DO SER FERROVIÁRIO
Vestido de sentimento sou tecido por um olhar
(Autor desconhecido)
Olhar este que busca encontrar a cidade e o trem, além da paisagem, como
um espaço de múltiplas convivências e conseqüentemente dotado de sentidos variáveis.
Sem dúvida é desafiante para o historiador vencer as barreiras impostas pelo seu próprio
sentimento, pela sua paixão e afinidade com o tema e através do olhar ir além do que
está vendo para encontrar e construir significados.
Olhar e buscar no trem o significado para uma cidade do sertão goiano,
início do século XX, quando o único meio de transporte era o lombo do burro ou o carro
de boi, talvez este seja o grande desafio, compreender o que ficou desse tempo por meio
da memória.
Ao falar desta afinidade e dos riscos dela transformar-se em identidade com
o tema concordo com RÉMOND:
...o historiador é sempre de um tempo, aquele em que o
acaso o fez nascer e do qual ele abraça, às vezes sem o
saber, as curiosidades, as inclinações, os pressupostos, em
suma, a ‘ideologia dominante’, e mesmo quando se opõe, ele
ainda se determina por referência aos postulados de sua
época. (RÉMOND, 1990:13)
Aceitando o desafio é que me proponho a mostrar que para além do
“progresso” que transforma, urbaniza, civiliza, dinamiza economicamente uma cidade,
estabelece novas formas de vida, ele significa a conquista da velocidade, da facilidade
de locomoção, comunicação com rapidez... o trem está imbuído de significados
múltiplos, nos quais a história do trem e da cidade se misturam. O que representa o trem
para as pessoas que trabalharam na ferrovia? E para os passageiros? Que relação ambos
mantiveram com a cidade? Que significados a estação, espaço público de encontros e
desencontros, assume para as pessoas da cidade?
Ao escrever sobre a chegada do trem em Castanhal-Pará, Franciane Gama
Lacerda refere-se aos sentimentos despertados pela velha máquina “trem lembra
91
chapéu. Malas antigas. Mulheres de vestido. Acenos. Ruído com som acelerado que soa
aos ouvido:
..Trem tem imagem de nostalgia. Tem sentimento de tempo
perdido”. (LACERDA, 1997:58).
Ao falar do trem, o que vem à memória das pessoas que tiveram sua vida
ligada à ferrovia é toda uma lembrança da infância, da juventude. Falar do trem é
rememorar o passado, um “tempo que se foi” ou recompor continuamente esse passado,
articulando-o ao presente vivido.
Para muitos, o rememorar aparece como oportunidade de expressar
sentimentos, paixões que despertam saudade, e se colocar novamente diante de um
tempo permeado pelos laços de solidariedade.
O trem significou para seus contemporâneos toda uma expectativa de vida, a
possibilidade de realização de seus sonhos. A chegada do trem causou sentimentos
variados entre os ipamerinos, que, até início do século XX, viviam em um mundo
“pacato” de cidade do interior do Estado de Goiás, sem nenhum meio de transporte
considerado “moderno” capaz de proporcionar uma facilidade de locomoção ou contato
dessas pessoas com outras localidades.
As ferrovias surgem como verdadeiras “quimeras de ferro”
61
Através dela
sonhos se tornam realidade, expande-se os domínios territoriais, do conhecimento de
novos lugares. Ao mesmo tempo são causa de admiração, surpresa, fascínio.
Simbolizavam o que de mais novo o homem havia conquistado. O trem é o veículo
dessa imaginação.
São os trilhos de ferro como possibilidade de transformação. É o trem que
chega “esfumaçando o céu e acordando os galos”
62
, trazendo consigo os anseios da
“modernidade”. Como foi visto anteriormente através da impresa, o trem é representado
como empreendedor da civilização, construtor do “progresso”, dinamizando os locais
por onde passava, fazendo emergir cidades e povoados e aumentando as expectativas
das já existentes. A Estrada de Ferro Goiás significou para os moradores do sertão
goiano um espetáculo privilegiado da civilização capitalista.
61
Ler HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: a modernidade na selva. São Paulo: Companhia das Letras,
1988. Expressão utilizada por este autor ao longo de sua obra.
62
Expressão utilizada por CHAUL, 1988.
92
Com relação ao Estado de Goiás não é difícil, ao folhear jornais de outros
estados, como “O itálio” de Minas Gerais, perceber que era tido como “atrasado”,
através de expressões utilizadas como “fazendeiros sertanejos”, “sertão, onde a seriema
canta melodias ao sol ardente dos chapadões”. Além disso, é comum ouvir das próprias
pessoas que vinham à região, como é o caso do Sr. José, que embora tenha mudado de
Belo Horizonte para este Estado, já em 1946, ouviu como recomendação do pai:
...você vai para Goiás, muito cuidado lá o povo é muito bravo, o povo
é muito atrasado, tenha cuidado para lidar com aquela gente, porque
seu ambiente aqui é outro, (o meu ambiente não era de lavrador) e
muito cuidado porque o povo lá mata para ver a careta.Essa era a
concepção que nós tínhamos de Goiás.
63
Os jornais foram fundamentais para compreender como a cidade de Ipameri
foi delineada após a chegada da ferrovia. Mas, a memória me colocou diante de “outro
mundo”, bem mais envolvente, o que me fez perceber que outros significados foram
atribuídos à ferrovia. E, mesmo quando quis conduzir as entrevistas, acabei sendo
conduzida pela carga de emoção de todos que se prontificaram a falar de sua
experiência com o trem, que de maneira alguma estava limitada a ele, mas que
ultrapassava todos os aspectos do seu viver.
Em um primeiro momento acreditei que seria importante ouvir aqueles que
tiveram uma experiência enquanto trabalhadores ferroviários, o que foi deixando-me
ainda mais fascinada. Descobri que o mundo do trem não se resumia aos projetos
desenvolvidos pela elite, mas estava imbuído de significados, que passei a compreender
melhor e perpassam a esfera econômica.
Esses trabalhadores têm em comum o fato de terem começado cedo na
ferrovia, ainda crianças, seja como mensageiros, levando telegramas para as pessoas em
troca de alguma gorjeta, ou vendendo frutas durante a parada do trem, frutas estas que
eram apanhadas em seus quintais.
Foi assim com o ferroviário, o Sr. Acrísio,
64
que se recordo de sua
experiência aos dez anos de idade
63
- Entrevista concedida por José da Costa Júnior, em 03 de maio de 2001.
64
Responsável pelo serviço de telegrafia, mas trabalhando na condição de aprendiz.
93
...trabalhei gratuitamente de 1938 a 1943, onde fui colocado
como servidor. Meu serviço na Estrada de Ferro começava
às sete horas da manhã entregando telegrama na rua, era
uma média de 100 telegramas por dia
65
O mesmo aconteceu com o Sr. Mário da Paixão, que por morar em um
povoado que nasceu e viveu em função dos trilhos de ferro, relata seu início de carreira
da seguinte maneira:
...neste povoado é que minha vida nasceu, aos 12 anos eu comecei na
telegrafia, praticante de telégrafo. Com 16 anos para 17 eu, o Mário,
já estava totalmente apto para exercer função, passei por uma
experiência de quatro anos, vencida tal experiência fui integrado à
Estrada de Ferro Goiás como funcionário em 1950.
66
E, mesmo para o Sr. Élcio, também ferroviário que não passou por esse
tempo de experiência, a primeira maneira encontrada de conseguir “ganhar dinheiro”
estava ligada ao trem:
...Tínhamos uma tia que morava num sítio com pomar e bastante
frutas. Na hora dos trens de passageiros aquilo era importante (...)
dentro de dois minutos a gente conseguia a proeza de vender muita
coisa, laranja, manga, jabuticaba, todos os tipos de frutas que
existiam no local.
67
Passar por esse período de experiência era uma forma de explorar o trabalho
infantil, necessidade criada pelas relações capitalistas estabelecidas. Eram chamados
“praticantes gratuitos” e entravam às 7:00 horas e só parando às 17:00 horas. Trabalhar
como praticante gratuito era uma forma de garantir a sua permanência como contratado
posteriormente. Segundo a memória dos ferroviários entrevistados boa parte dos que
trabalhavam na ferrovia iniciaram sua atividade como praticantes, uma forma de estágio
não remunerada.
Entretanto, mais importante que isso é poder, através do olhar desses
trabalhadores que estiveram envolvidos neste processo, perceber que, para eles, a
experiência é um motivo de orgulho. Falar das funções desenvolvidas durante o “auge”
65
- Entrevista concedida pelo Sr. Acrísio de Souza, no dia 02/06/2001.
66
- Entrevista concedida pelo Sr. Mário da Paixão, no dia 09/06/2004.
67
- Entrevista concedida pelo Sr. Élcio Gonçalves, no dia 24/05/2004.
94
do trem é mostrar um momento de suas vidas no qual eles se sentiam importantes. O
trem era a representação do que se tinha de mais “moderno” em termos de transporte e
responsáveis pelo funcionamento do trem eram vistos como pessoas de respeito, causa
de satisfação.
Além disso, falar do tempo de trabalho no trem envolve todo um contexto
familiar, são as suas vidas que se confundem com o tempo de trabalho na ferrovia.
Independente de ser chefe de estação, telegrafista ou mensageiro, o essencial é que
exercer uma função nos trilhos de ferro era algo desejado por quem tinha um
envolvimento maior com o trem, era a única profissão vislumbrada. A profissão de
ferroviário é descrita pelo Sr. Élcio assim: “não era uma profissão, era uma paixão,
uma devoção”
68
Na medida em que esses relatos vão sendo tecidos é possível perceber o
significado do trabalho cotidiano, seja na estação ou à beira dos trilhos para esses
trabalhadores, que acabaram convivendo no seu dia-a-dia com práticas variadas. O
interesse em falar do seu trabalho era evidente em todos os casos, como uma forma de
recuperar algo que se perdeu, um tempo de trabalho que já não existe mais e que
marcou profundamente suas vidas, permanecendo “vivo” em suas lembranças.
Como escreve SEIXAS, essas lembranças compõem a memória
involuntária
69
, que se apresenta carregada de afetividade. Através do que é descrito pelo
Senhor Élcio, percebe-se que:
A memória (...) constrói o real muito mais do que o resgata (...) age
‘tecendo’ fios entre os seres, os lugares, os acontecimentos (...) mais
do que recuperando-os ou descrevendo-os como ‘realmente’
aconteceram (...) a memória valendo-se das faculdades da
imaginação, recria o real. Nesse sentido, é a própria realidade que
se (trans) forma na (e pela) memória.
70
(SEIXAS,20002:60)
Assim, o que é penoso, como o trabalho dedicado à ferrovia, ganha novos
significados. O trabalho na estação rememorado é considerado um privilégio, controlar
o tráfego de trens através do telégrafo “uma arte”, entender o código morse um
privilégio, o que explicitado orgulhosamente pelo Sr. Mário da Paixão “toda
68
- Ibidem.
69
Sair do campo dos discursos oficiais e considerar atentamente o conteúdo afetivo e não-consciente
presente em toda memória.
70
SEIXAS, Os tempos da memória: (des) continuidade e projeção, uma reflexão (in) atual para a
Hisrória. Projeto História. São Paulo, 2002:60.
95
movimentação da estação passava pelo telégrafo, do telégrafo vinha para o ouvido e do
ouvido vinha para a caneta.
71
Além da saudade do tempo em que trabalhavam o trem representa para essas
pessoas toda uma história de vida. Para o Sr. Mário da Paixão, falar do trem é relembrar
toda a sua vida, a saída de seu pai de Minas Gerais para o Estado de Goiás, possível em
função dos trilhos de ferro e principalmente o seu grande amor. Falar do trem é uma
forma de manter-se vivo, relembrar dos tempos em que foi feliz junto à esposa, falecida
no dia vinte e dois de maio de dois mil e quatro, com quem iniciou namoro, ele com
doze anos e ela com nove, “ela foi meu primeiro amor e eu fui o primeiro amor dela”.
72
Deparar-me com as lembranças plenas de emoção do Sr. Mário possibilitou-
me compreender que falar do trem significa reviver momentos importantes de suas
vidas. E, a sensação evidente é de que as pessoas começam a fazer uma grande viagem
ao seu próprio passado, rememorando momentos felizes, ou mesmo tristes, num balanço
de sua própria história.
Como relata o Sr. Élcio: “o trem me lembra a infância, a juventude, para
quem conviveu com a Estrada de Ferro, ela faz parte, se impregna no seu coração, no
seu sentimento, é uma coisa indescritível”.
73
Lembrando que esses trabalhadores nem sempre moravam na cidade de
Ipameri, pois pela própria forma de organização do trabalho, havia várias estações de
parada do trem à beira dos trilhos, ou mesmo locais onde os “turmeiros”
74
e
responsáveis pelo controle do tráfego ficavam, como uma forma de garantir maior
segurança aos passageiros, pois os problemas com o trem eram constantes.
No caso do Sr. Mário e do Sr. Élcio, ambos residiram por um longo período
no Povoado do Inajá, localizado a 21 km de Ipameri. Povoado este que surgiu e viveu
em função da ferrovia até 1977, quando a Estação de Inajá foi fechada, o que levou as
pessoas a mudarem para outras localidades, já que a maioria dos moradores era formada
de funcionários da Ferrovia, ou estiveram indiretamente ligados a ela.
71
- Entrevista concedida pelo Sr. Mário da Paixão, no dia 09/06/2004.
72
- Ibidem.
73
- Entrevista concedida pelo Sr. Élcio Gonçalves, no dia 24/05/2004.
74
- Segundo INÁCIO, 2003, os turmeiros foram trabalhadores braçais da Estrada de Ferro Goiás. Eram os
responsáveis pelos serviços de manutenção das condições de tráfego, executando serviços braçais da
empresa, como substituição os trilhos, troca de dormentes, manutenção / reconstrução de aterros,
capina e roçagem na margem dos trilhos; intervenções de emergência quando ocorria qualquer
acidente. Ler INÁCIO, Paulo César. Trabalho, Ferrovia e Memória: a experiência de Turmeiro
(a) no Trabalho Ferroviário. UFU, 2003. (dissertação de mestrado)
96
Esses povoados eram importantes, ainda, por se tornarem pontos de
escoamento da produção. Eram também movimentados pelos “vaqueiros” que traziam
os bois em comitivas e pelos pequenos fazendeiros que vinham vender sua produção de
cereais, como arroz e feijão para os grandes centros comerciais, como São Paulo e
Minas Gerais.
Possibilitavam aos moradores locais uma maior facilidade de locomoção e o
contato com a cidade. Vir à cidade de Ipameri aos domingos era um programa que fazia
parte do cenário da Estação.
Como uma forma de garantir a sobrevivência desses povoados foi criada a
Cooperativa de Consumo Ferroviário da Estrada de Ferro Goiás, que partia de Araguari,
fazendo as vendas ao longo da linha, cooperativa esta que, segundo o Sr. Élcio, “além
de fornecimento para os funcionários, também trazia utensílios de necessidade para
todos, calçados, tecidos e outras coisas que não tinha na região.
75
Voltando ao trem, ele é lembrado também por esses trabalhadores durante as
visitas de pessoas “ilustres” à cidade de Ipameri. Para o Sr. Élcio, ser escolhido para
receber em Ipameri o então Presidente Geisel, em plena época de ditadura militar, foi
um fato que lhe proporcionou bastante alegria, pois para que isso ocorresse foi
submetido a um levantamento de informações relativas a toda a sua vida “e não
achando nada” é que seu nome foi aceito, o que é tido por ele como um privilégio.
Vendo por esse ângulo parece que o dia-a-dia do trabalho na ferrovia era
perfeito, inexistindo os problemas. No entanto, essa saudade e mesmo orgulho, afetos
presentes na rememoração não anulam as dificuldades encontradas. Relembrar o tempo
do trem é falar também dos problemas enfrentados por aqueles que, como seu Élcio,
respiravam o ar de fumaça. Entre eles, o constante descarrilhamento e acidentes com
trens, embora na maioria das vezes sem vítimas fatais. Como descreve o Sr. Élcio:
A Estrada de Ferro Goiás só foi britada por volta de 1974,
1975, antes os dormentes eram colocados na terra, não
havendo uma compactação boa. Assim, os trens não
ofereciam segurança (...) necessitando da equipe de
socorro”.
76
75
- Entrevista concedida pelo Sr. Élcio Gonçalves, no dia 24/05/2004.
76
- Ibidem.
97
Conversar com os antigos ferroviários possibilitou-me também pensar sobre
as más condições de trabalho, sendo que os problemas aparecem ainda mais agravantes
no tempo da “Maria Fumaça”:
..porque os profissionais que trabalhavam nessa locomotiva sofriam
muito. Era um calor intenso que vinha do forno da locomotiva, que
necessitava de uma temperatura muito alta para transformar a água
em vapor. O vapor era a fonte de energia para essas locomotivas. A
cabine era aberta e a pessoa tomava chuva, frio e normalmente não
tinham uma vida muito longa.
77
Esses profissionais aparecem no decorrer das entrevistas com nomes
variados, chefes de estação, telegrafista, mensageiros, maquinistas, boieiro, feitor,
mestre de linha e outros. Estes, sem distinção, acabavam enfrentando os mais diversos
problemas, além de muitas vezes comer comida fria, trabalhavam sem nenhum
equipamento de segurança.
Essa possibilidade de através da memória identificar acontecimentos da
sociedade remete-me a discussão empreendida por Maurice Halbwachs ao escrever
Memória Coletiva e Memória Histórica, onde as lembranças do indivíduo adquirem
significado histórico, por pertencer a uma época e um contexto histórico específico.
Segundo o autor “é da própria lembrança em si mesma, é em torno dela, que vemos
brilhar de alguma forma sua significação histórica.” (HALBWACHS, 1990:63)
Para o autor, a memória coletiva faz parte das lembranças do indivíduo,
ainda que de forma inconsciente, como uma atividade natural, espontânea. Assim, a
memória é lembrada porque se refere a outros sujeitos sociais. O rememorar tem como
referência o caráter social e é por isso mesmo possível, através dela detectar fatos
relevantes de tempos passados, tornando a análise mais significativa. Isso porque o
passado, olhado somente através dos jornais ou livros dos memorialistas, se constitui
como fragmentos e nesse caso a história “assemelha-se a um cemitério onde o espaço é
medido e onde é preciso, a cada instante, achar lugar para novas sepulturas”
(HALBWACHS, 1990:55).
Já a memória passa pelo vivido e é múltipla. Essa multiplicidade de
memória implica na multiplicidade do próprio homem, a memória se apóia na história
vivida e nos dizeres de Halbwachs, a história não pode ser compreendida apenas como
uma sucessão cronológica de datas e acontecimentos, mas naquilo que distingue um
77
- Ibidem.
98
período do outro. A história constitui-se como uma atividade da escrita, para a qual a
memória coletiva contribui efetivamente, a história começa onde se decompõe a
memória social e é sobre a memória que a história precisa se apoiar.
Há no ato de rememorar a (re) apresentação da mesma sociedade
modificada em função das novas experiências, despojada de elementos antigos e
enriquecidos por novos, adaptada em função das mudanças de circunstâncias.
Falando de sua experiência, os ex-ferroviários lembram também do apito,
um do trem, um dos grandes símbolos desse tempo onde viajar era a única possibilidade
para muitos de estar em contato com outros mundos.
O próprio apito assume significados os mais variados. Ao escutar o apito do
trem, que soa como uma música aos ouvidos de quem cresceu e viveu a sua história, é
relembrar toda a mocidade e juventude, coisas boas, alegres, mas também momentos
muito tristes. Importante friszar que assim como entende Halbwachs:
...a lembrança é em larga medida uma reconstrução do
passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e
além disso, preparada para outras reconstruções feitas em
épocas anteriores e de onde a imagem de outrora
manifestou-se já bem alterada. (HALBWACHS, 1990:71)
Para o Sr. Élcio, por residir em um povoado, o apito do trem também traz
nostalgia pois lembra as pessoas que adoeciam ou morriam no local e eram
transportados pelo trem para Urutaí:
aí o apito de trem era um apito de melancolia (...) quando
saía o corpo de uma pessoa conhecida, o trem saía apitando
e aquilo marcava totalmente a vida da gente. Assim, toda vez
que você ouvia um soar do apito, você lembrava daquela
pessoa.”
78
Ouvir o soar do apito é rememorar coisas do passado, trazer de volta
imagens que o tempo não conseguiu apagar, como me disse informalmente o Sr.
Elpídio, ex-maquinista, em visita a Ipameri: “ouvir o apito do trem dói”. É uma dor de
saudade.
78
- Ibidem.
99
O apito do trem apresenta significados variados, exprime sentimentos de
alegria, de saudade, de dor, do tempo da infância e da juventude. Assim também se
apresenta para o Sr. Mário da Paixão:
O apito do trem me dá uma tristeza, porque dá vontade de ser
empregado outra vez, com as ‘mariinha’, soltadeiras de fumaça. Mexe
com a cabeça e com o coração. Dá uma saudade do tempo da Estrada
de Ferro. Quantas passagens carimbadas por essas mãozinhas para o
passageiro. Tinha noite que o pau quebrava (gargalhadas). Quando
começo a pensar no meu correr de vida dos 70 até os 20 anos, me
vontade beber até morrer. Lembro de tudo, mas em primeiro lugar ta
a Almerinda e quanta saudade..... (choro)
79
Aqui a rememoração do trem possibilita perceber sentimentos ambíguos. O
riso, expressão dos momentos felizes, de quando o Senhor Mário trabalhava na ferrovia,
é transformado em choro quando se lembra da Almerinda, a esposa que tanto amou e
que conheceu através do trem.
As lágrimas são incontroveis e através delas é possível ir além, atravessar o
campo dos sentimentos, fazendo-me perceber que o tempo do ser ferroviário era
também um momento de construir toda uma história de vida, que faz lembrar de pessoas
significativas nesse trajeto, que hoje não fazem mais parte dele, morreram para a vida,
mas continuam vivas nas lembranças.
Os relatos dos ex-ferroviários remete-me aqui ao “trem fantasma” de Foot
Hardman, pois apesar do trem fazer parte do passado sua permanência é viva no
imaginário popular, tornando-se atrativo em parques de diversões, pertence ao mundo
encantado das crianças, mas também faz parte das imagens literárias, pictóricas ou
cinematográficas. Neste sentido, a imagem de trem fantasma não existe. O trem
permanece atual nas memórias diversas.
Há uma semelhança entre os sentimentos do Sr. Mário e da Srª Ângela, que
ao ouvir o apito do trem se vê envolta por um clima de grande emoção:
Sinto como se ele pudesse renovar uma coisa que eu perdi, parece que
a mamãe foi com ele... (pausa/choro) Me lembra uma época da minha
vida que tudo era perfeito. Era o tempo que tinha os meninos, meu pai
a mamãe e eu juntos. A viagem de trem era o único momento onde
estávamos todos juntos, parece que ali o papai não podia fazer
nenhuma feiúra.
80
79
- Entrevista concedida pelo Sr. Mário da Paixão, no dia 09/06/2004.
80
- Entrevista concedida pela Srª Ângela Maria Pacheco Nunes, no dia 13/06/2004.
100
Importante ressaltar que procurei percorrer caminhos variados, buscando os
sentidos construídos pelo trem. As memórias trazem para mim o trem enquanto espaço
de trabalho. Segundo Paulo César Inácio em sua dissertação de mestrado Trabalho,
Ferrovia e Memória a experiência de turmeiro(a) no trabalho ferroviário, a maioria dos
trabalhadores a Estrada de Ferro Goiás estava organizada em turmas, denominadas de
“turmeiros”, que eram responsáveis pela construção e manutenção de trechos
ferroviários. Eles viviam com sua família às margens dos trilhos, uma espécie de
conjunto de casas fornecidas pela empresa sob a chefia de um feitor, o que se deu até
meados dos anos setenta.
O trem se apresenta, ainda, como espaço afetivo. O fato das maiorias desses
trabalhadores viverem nas casas de turma, juntamente com sua família levava ao
desenvolvimento, entre eles, de relações de amizades, que se tornaram um forte elo até
os dias atuais. Os filhos cresceram convivendo com a rotina do dia a dia desenvolvido
nesses povoados. Ali assistiam à chegada de novos moradores, de pessoas que eram
simples “passageiros”, com os primeiros namoros, o casamento e também com a dor da
perda de entes queridos, que lembram com saudade.
As memórias conseguem dar a dimensão da importância que o trem adquire,
trazem o trem enquanto espaço de trabalho, afetivo e de lazer não somente para as
pessoas que trabalharam na ferrovia, mas para aquelas que mantiveram com ela algum
vínculo, através da sua própria história de vida. Foi o caso da Srª Ângela, que nascida
em Ipameri mudou-se para Goiânia com sua família, ainda pequena, mas, por cerca de
12 anos, viu a sua vida ligada à história do trem, pelas viagens que fazia no período de
férias escolares para Ipameri, onde residia grande parte de seus familiares.
O trem aparece para ela, assim como para inúmeras pessoas que vivem a
mesma situação, como única possibilidade de manter os laços familiares e com a cidade.
Um momento bastante esperado representado não só pela viagem de trem, mas pelo
próprio “ficar aqui”. Além de oportunizar o contato com Ipameri, lembra do trem com
saudosismo, até mesmo num tom melancólico, pois carrega consigo enquanto principal
lembrança desse tempo do trem “a presença da solidariedade humana”. E, mostra que
nem sempre essas viagens eram tranqüilas. Viajava na segunda classe, destinada “aos
mais pobres”, onde os banquinhos eram de madeira e não havia nenhum tipo de
conforto, além de uma viagem muito demorada.
101
O trem de passageiro trazia também aspectos de exclusão, formado por
vagões denominados de primeira classe e de segunda classe. Para os vagões de primeira
classe os bilhetes eram vendidos mais caros. Um detalhe significativo é que para viajar
nos vagões de primeira classe os passageiros deveria trajar roupa social, sendo que os
homens deveriam usar terno e gravata, por isso viajavam nesses vagões os de situação
econômica privilegiada. Eram formados por “poltronas” e eram mais limpos. (ver foto
nº 10)
102
Foto nº 10: interior dos vagões de 1ª classe.
Fonte: copyright – 2000. Paulo Rogério Cury
Já os vagões de segunda classe tinham os bancos de madeira e as pessoas
que viajavam eram de menor poder aquisitivo, denominadas de “farofeiros” , por
levarem sua refeição ou “matula”, dispensando por razões financeiras as refeições feitas
no restaurante. (ver foto nº 11)
FOTO Nº 11: interior dos vagões de 2ª classe
Fonte: copyright – 2000. Paulo Rogério Cury
103
Além disso, havia os vagões superior ao de 1ª classe. Os assentos eram mais
amplos e confortáveis com menos passageiros. No caso de trens noturnos os vagões
possuíam inclusive dormitórios. Estes carros eram destinados aos engenheiros,
administradores da ferrovia e familiares.
FOTO Nº 12: Interior do carro Diretoria-Pullmann A.1, fabricado pela Dile Bacalen
cedida pelo Museu da CP – Jundiaí.
Fonte: copyright – 2000. Paulo Rogério Cury
Além dos vagões apresentados, é necessário ressaltar ainda aqueles
destinados ao transporte de animais e mercadorias. As imagens acima mostram três
tipos de vagões utilizados para o transporte de passageiros, mas me faz compreender
melhor sobre as diferenciações sociais presentes nas viagens de trem, como se cada
vagão fosse construído para atender determinada camada social da sociedade. O
processo de exclusão era dado pelo próprio preço e pelas exigências de trajes próprios.
Esses laços de solidariedade eram despertados durante os momentos de
dificuldades, principalmente quando o trem descarrilava e os passageiros eram
obrigados a ficar horas parados à beira da estrada. Quando o socorro demorava muito e
104
“às vezes a comida do restaurante acabava, a maneira mais fácil era pegar alguma
coisa, que era encontrada ao redor, como nas plantações de milho e mandioca, para as
crianças.”
81
No caso de acidentes com o trem ou descarrilamento era utilizado o trole e
os funcionários, com a ajuda de uma espécie de macaco, colocavam o trem de volta aos
trilhos.
Para além das paisagens geográficas, a viagem de trem é lembrada pelo
clima de amizade que reinava dentro dos vagões, pelo “lado humano que é
proporcionado pela viagem de trem”. Durante a viagem havia a possibilidade de
conhecer as pessoas, pois as pessoas podiam transitar de um vagão a outro e os que se
aventuraram construíam laços de amizade, em alguns casos até o namoro. Assim, como
descreve Dona Ângela, no final da viagem todos se conheciam, o que para ela não é
possível existir nas viagens de ônibus. Nas viagens de ônibus, apesar de manter uma
proximidade física, as pessoas não se comunicam, há um clima sentido como frio, que
não se experimentava nas viagens de trem do passado.
Lembra, ainda, da hora do almoço, que para os que faziam parte da segunda
classe era um momento de reforçar esses laços, a maioria não freqüentava os
restaurantes do trem, trazia a comida pronta, geralmente farofas, que eram
compartilhados.
Essa viagem de trem para Ipameri significava também um prêmio pela
dedicação na escola. Para as viagens eram compradas roupas novas, pois “a gente tinha
que se apresentar bem aparentemente, afinal a viagem de trem era um prêmio”.
82
Viajar de trem significava para muitos o contato com a família e com a
cidade natal. Para alguns, no caso do relato acima, Ipameri era o local escolhido,
desejado durante todo o tempo escolar, pelos vínculos afetivos que mantinha. O
encontro com primos, tios e avós era o momento mais esperado.
Para as pessoas que moravam em Ipameri o trem significava a possibilidade
de contato com o outro, com realidades diferenciadas através das idas à estação. Para
Dona Mariinha, as idas à estação eram esperadas, pois aos domingos o passeio era certo.
Isso porque era dia de feira, dia em que os moradores de Ipameri iam à estação não
somente para ver o trem de passageiro chegar, mas para comprar artigos variados,
colocados em exposição, como tecidos, bijuterias, vasilhas, ou outras mercadorias.
81
- Ibidem.
82
- Ibidem.
105
Dona Mariinha recorda-se que ficava encantada com aquela movimentação, sendo que
os vendedores começavam a chegar aos sábados para garantir que no outro dia suas
mercadorias fossem vendidas.
Seu Élcio descreve a imagem das pessoas na estação como a mais marcante
da cidade:
O que sempre me marcou em Ipameri foi justamente as pessoas jovens
e mesmo de idade estarem na estação esperando o trem. Aquilo era
bonito demais, as pessoas iam ali não para viajar, iam para ver o
movimento causado pelo trem, o chamado “point” de Ipameri era a
Estação.
83
Para quem ia passear ou comprar durante as feiras, o importante era
observar o movimento, algo que fascinava, criava expectativas e hoje desperta as boas
lembranças. A estação era o lugar onde era possível encontrar pessoas que ficavam
horas à espera do trem para partir. Para essas era um momento de angústia.
A Srª Ângela relata que sua mãe tinha grandes dificuldades de conter a
euforia dos filhos, era uma família numerosa e os olhos deveriam estar atentos ao que
eles faziam. E, mesmo para estas pessoas havia sempre quem auxiliasse.
A estação contava ainda com o movimento das charretes, único meio de
locomoção dentro da cidade; elas saíam carregadas com malas e passageiros.
Esse tempo em que o vai e vem dos trens era constante representava uma
espécie de grande espetáculo. Apesar da perda desses referenciais materiais, da ausência
do trem, este antigo espaço continua presente nas lembranças de muitos moradores da
cidade, que as atualizam. Das edificações marcantes da cidade, durante o período
destacado, nenhuma significou tanto para a população quanto a estação ferroviária. Era
o símbolo do progresso, da possibilidade de desenvolvimento da cidade, mas bem mais
que isso, era também o lugar de sonhos e diversão das crianças, jovens e adultos. Nas
lembranças, a estação aparece sob diversos aspectos. É na memória que fica marcada a
movimentação do vai e vem dos trens, os sons, enfim, todo o movimento que envolve o
espaço da estação. Na recuperação dessas imagens do trem e da estação, a memória da
cidade vai sendo mais uma vez (re)tecida.
Logo, apesar dos jornais apontarem para uma cidade moderna e
progressista, a cidade contava com aspectos sociais e culturais típicos das cidades
interioranas. A vida moderna vai aos poucos substituindo padrões antigos de
83
- Entrevista concedida pelo Sr. Élcio Gonçalves, no dia 24/05/2004.
106
comportamento por outros que são novos, estreitando cada vez mais as relações
familiares e de amizade e vai criando e recriando o homem individual.
Entretanto, apesar da perda de vestígios materiais que lembram o “tempo do
trem”, o espaço da estação continua a povoar as lembranças de muitos moradores da
cidade. Continua a ser retratada como símbolo do progresso, de possibilidade de
desenvolvimento da cidade. Nas lembranças, a estação apareceu sob diversos aspectos,
ponto de encontro, lugar de sonhos e diversão de crianças, jovens e adultos.
Na memória a estação apareceu como local especial da cidade, do qual cada
entrevistado guarda lembranças pessoais. Ao narrarem deixam fluir imagens do trabalho
diário, das diversões, dos significados que a estação tem na vida das pessoas. A estação
representa muito mais que um ponto de partida e chegada dos trens. Ao se referirem à
estação falam da relação diferente que se tem hoje com as viagens de ônibus, a “frieza”
das rodoviárias. Isso porque este espaço nunca foi percebido com o mesmo grau de
importância da estação. A rodoviária não é lugar de saber das novidades nem tão pouco
de diversão. Assume o significado de ponto de partida e de chegada para passageiros,
apressados que desejam chegar rápido ao local de destino e sequer encontram “tempo”
para conhecer os demais passageiros, se “puxam papo” logo alguém reclama. A viagem
é oportunidade para se descansar.
Talvez por isso a história das viagens de trem ganhem nas lembranças
significados variáveis. Viajar nas lembranças de quem conviveu com o “tempo do
trem”, reencontrar a cidade através delas foi, pois, fascinante: sonhos, saudades,
desejos... que o tempo não consegue apagar, são sentimentos vivos nas memórias.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chego, enfim, ao final deste trabalho sem, entretanto, colocar um ponto final
às minhas indagações, pois sei que ao resolver cada uma delas me vejo diante de outras
tantas. Talvez a maior dificuldade apresentada refira-se ao fato de ao desenvolver o
trabalho lidar com minhas próprias memórias, que se confundiam com a tarefa de
historiadora, a proximidade com o tema trouxe a dificuldade da neutralidade, embora
considere que a escrita está sempre atrelada ao contexto do qual se faz parte, o fato de
eu também fazer parte desta história. Além disso, esteve presente também a dificuldade
de lidar com as memórias de terceiros, o que se constituiu como parte prazerosa, mas
difícil pela preocupação de não usá-las adequadamente.
Tive como preocupação construir uma reflexão que buscasse pensar o Estado
de Goiás, a partir da cidade de Ipameri, através da chegada da Ferrovia, considerando
que ela não pode ser percebida apenas por seu viés econômico. Sem dúvida, o mais
emocionante foi poder entrar em contato com a memória de pessoas que conviveram
com o trem e me deparar com a carga de emoção presente no ato de rememorar.
Ao refletir sobre a história da cidade de Ipameri e sua relação com a Estrada de
Ferro Goiás, tendo como referencial as memórias de seus moradores, as experiências
vivenciadas por estes na Constituição de seu espaço acabam por ser expressas no
dinamismo do tempo. Ao rememorar o passado o narrador o reencontro e ao reencontrá-
lo falam de si próprios, conferindo valores e significados à sua experiência.
A cidade apareceu como espaço da diversidade, ora como lugar do qual se
sente saudades, ora como lugar do desconhecido, em função das transformações
decorrentes do progresso. Neste mesmo contexto ora a cidade é o lugar do progresso ora
o lugar atrasado. São estas várias cidades que foram apresentadas no decorrer das
narrativas. Esta cidade construída nas lembranças existe de fato com suas ruas, praças,
prédios, leis que revelam a ação de seus moradores e expressam as formas como se
vivenciou a experiência de progresso e desenvolvimento.
Atualmente, pensar em progresso na cidade é pensar num espaço que não tem
mais lugar para trens e estação. Fala-se com saudades do passado, mas isso não significa
o desejo de volta a ele, pois o espaço urbanizado, as facilidades que se tem hoje de
108
locomoção, de comunicação, a tecnologia presente por todos os lados da cidade acaba
em alguns momentos representando a expressão de uma vida mais atuante.
Como ipamerina, ao desenvolver a pesquisa, busque reconstruir a dinâmica da
cidade através dos registros escritos e das lembranças dos entrevistados. Fez parte de
meus questionamentos entre outros o fato dos moradores atuais se referirem à cidade de
Ipameri sempre no tempo passado, entender o porquê desse sentimento comum ao
imaginário.
A cada leitura percebia que esse sentimento estava atrelado à chegada da
ferrovia em Ipameri e que sua presença representara no passado a promessa de um
futuro promissor, que, no entanto, não se cumpriu. As marcas desse futuro podem ainda
ser encontrada, na antiga estação ou na atual, nos prédios construídos àquela época, e
hoje abandonados, como o cinema e o coreto por exemplo.
Quanto aos trilhos de ferro aparentam adormecidos, abandonados ao acaso,
são marcos de decadência, simbolizando não o progresso mas a crise pela qual passou o
sistema ferroviário no Brasil. Representam hoje o abandono quase total das linhas
ferroviárias. São percebidos pelos moradores atuais como obstáculos que atrapalha a
circulação pela cidade. Não se tem por parte dos governantes nenhum projeto de
revitalização dos trilhos e nem de recuperação do patrimônio destruído, apesar do alto
investimento feito no passado para a sua construção.
Perguntado aos entrevistados sobre a volta do trem há um consenso de que ele
serviria apenas para viagens turísticas, “no mundo de hoje não se tem mais tempo para
viagens longas, as pessoas são muito apressadas, correm contra o tempo”
84
Em poucos
casos, como o do senhor Élcio, é possível perceber relatos nos quais aparecem
denúncias do descaso sobre o qual se encontram as estradas de ferro. Neste caso, a
Estrada de Ferro Goiás deveria, segundo ele, ser mais bem aproveitada, servindo para o
transporte de mercadorias e também de passageiros, o que facilitaria as viagens
daqueles que tem menos condições financeiras, tornando-as mais acessíveis. Apontam
para o envelhecimento e a destruição dos trilhos, falando das más condições das antigas
estações e dos roubos dos dormentes, dos poucos funcionários, número insuficiente para
manter a ferrovia funcionando de forma adequada. Os diversos funcionários foram
substituídos pelo vazio da estação, o que se deu com a valorização da rodovia como
meio mais rápido de locomoção.
84
Entrevista com a Senhora Ângela Maria Pacheco Nunes.
109
Como moradora ipamerina sei que são inúmeros os problemas acarretados em
função da quase extinção da Estrada de Ferro Goiás, que perde sua dinamicidade e
valorização para as rodovias que se inauguram e que falar especificamente do assunto
seria desenvolver uma nova reflexão, o que não seria possível no momento.
Entretanto, sei que a experiência de refletir sobre o tema foi enriquecedor
enquanto historiadora, pois me deparei com histórias de vida dotadas de sentimentos e
significados variáveis e a partir deles pude enveredar por caminhos ainda não trilhados e
através deles descobri que é possível ir além do enfoque econômico. Acredito chegar ao
fim deste trabalho, sem concluí-lo, mas ter cumprido aquilo a que me propus.
Confesso, enfim, que concluir o curso de Mestrado, fruto de um esforço de
dois anos e meio, não foi assim tão fácil, mas prazeroso, pois há alguns anos atrás o meu
maior sonho era ter oportunidade de cursar a Faculdade, fui mais longe... Não sei se
seria o caso, mas gostaria de finalizar registrado o meu percurso para chegar até aqui,
talvez para que a perseverança seja sempre maior que o desânimo no desenvolvimento
de trabalhos futuros. Para isso tive que ultrapassar várias barreiras impostas pela vida,
entre elas o fato de sair de Ipameri e vir a Uberlândia, conciliando estudo, trabalho e
família. Um esforço recompensado pelo aprendizado adquirido no decorrer deste
período, além da compreensão de várias pessoas que conviveram comigo durante a sua
realização. Neste sentido, considero não o fim mas o começo de novas reflexões.
110
LISTAGEM DAS FONTES
a) Periódicos:
O Ypameri, dirigido de 1927 a 1929, por Joaquim Rosa e gerenciado pelo
próprio proprietário Francisco Vaz Lopes, membros do Partido Democrata.
O Jornal, dirigido de 1929 a 1935 por Joaquim Rosa e Floriano Caramuru
Maia de Azeredo, que tomam partido a favor da campanha da Aliança Liberal, que
apoia Getúlio Vargas e João Pessoa à Presidente da República.
Diário Oficial do Estado de Goiás de 1931 a 1933.
A Semana Órgão do Partido Democrata Ypamerino - 1923.
Redatores: Floriano Caramuru Azeredo, F. Luna Freire e outros.
Gazeta de Ipameri Órgão do Partido Democrata Ypamerino - 1924.
Redator: Manoel do Espírito Santo Guimarães
O Jornal 1935
Diretor: Floriano Caramuru
Correio Oficial do Estado de Goiás
Anos: 1931,1932, 1933.
b) Livros:
CARVALHO, ........
COSTA, José Bernardino. Coisa de Menino. Gráfica Kessler, Caxias do sul, R.S: 1999.
ROSA, Joaquim. Por esse Goiás afora... Goiânia-Goiás, Livraria e Editora Cultura,
1974.
VEIGA, João. Ipameri Histórico, Goiânia – Goiás: Editora KELPS, V
S
I e II, 1994.
DAHER, Sahid Miguel. Cheik Taba Três Famílias. Goiânia – Goiás, Editora Kelps,
1999.
c) correspondências diversas:
111
Ofícios de 1921 a 1924 emitidos pelos Intendentes Municipais a diversos
órgãos.
Ofícios de 1939 recebidos pela Prefeitura Municipal de Ipameri, de
diversos órgãos.
Ofícios de 1939 emitidos pelo Prefeito Municipal Dr. Gomes da Frota à
diversos órgãos.
Ofícios de 1919 a 1921 emitidos e recebidos pela Prefeitura Municipal de
Ipameri de diversos órgãos.
Correspondências do Serviço de Estatística da Produção do R. J./D.F. -
1938 - enviados ao agente Municipal de Estatística .
Correspondências recebidas da Divisão de Assistência Municipal e
Departamento Administrativo pelo Prefeito Municipal-1939.
Correspondências recebidas pela Prefeitura Municipal de Ipameri de
Comércio, Indústrias e Prefeituras-1939.
Telegramas diversos recebidos pela Prefeitura Municipal de Ipameri –
1939.
d) artigos cedidos por particulares:
BEVINHATI, Victorino. Memórias do Ilustre Cidadão Victorino Bevinhati. 57 anos
de trabalhos consecutivos, sem férias.
NEVES, Ramon Henrique Edreira. Fragmentos de História I. 2000.
. Fragmentos de História II. 2000.
. Fragmentos de História III. 2000.
. Fragmentos de História IV. 2000.
. A Sala de Visitas de Goiás, agora, outra vez?
2003.
112
. ... E, por falar em Política... Seriedade,
Competências, Resultados. 2003.
. ... E, por falar em Política... caiapós do
Vaivém: Amém. 2004.
e) entrevistas realizadas:
1 – Dr. Leonardo Cristino Sobrinho. Entrevista realizada em 28 de abril de 2001.
2 – Waldemar. Entrevista realizada em 13 de maio de 2001.
3 – José da Costa Júnior. Entrevista realizada no dia 03 de maio de 2001.
4 – Acrízio de Souza. Nasceu em Ipameri, 76 anos de idade, entrevistado no dia
19/02/2004.
5 – Élson Gonçalves dos Santos. Entrevista realizada em 24 de maio de 2004.
6 – Mário Gonçalves da Paixão. Nasceu em Uberlândia, no dia 30/03/1934, às 6:00 h
da manhã. Entrevista concedida no dia 09/06/2004.
7 - Ângela Maria Pacheco Nunes. Nasceu no dia 17 de agosto de 1965, em Ipameri –
Goiás. Morou em Goiânia durante cerca de 12 anos, mas sempre manteve contato com a
cidade de Ipameri, pois toda a vida sua família residiu aqui. Mora atualmente em
Morrinhos, onde é Coordenadora de estágio no CEFET – Urutaí-Goiás, UNED –
Morrinhos-Goiás. Formada em Pedagogia.
8 – Maria Porto e Silva. Nasceu no dia 21 de Setembro de 1915, em Ipameri – Goiás.
Filha de Artur Alves Porto e Heraclides Pereira da Costa.
113
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