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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA/MESTRADO
CLAUDIA BRANDÃO VIEIRA LIMA
PARALELA EM MOVIMENTO: um estudo sobre a
apropriação do espaço público do canteiro central da
Avenida Luís Viana
Salvador-BA
2007
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CLAUDIA BRANDÃO VIEIRA LIMA
PARALELA EM MOVIMENTO: um estudo sobre a
apropriação do espaço público do canteiro central da
Avenida Luís Viana
Salvador-BA
2007
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia, Departamento de
Geografia, Instituto de Geociências, Universidade
Federal da Bahia, como requisito para obtenção
do grau de Mestre em Geografia.
Orientador: Profa. Dra. CREUZA SANTOS LAGE
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L732 Lima, Claudia Brandão Vieira,
Paralela em movimento: um estudo sobre a apropriação do espaço público
do canteiro central da Avenida Luís Viana / Claudia Brandão Vieira Lima. - 2007.
121 f. : il.
Orientadora: Profa. Dra. Creuza Santos Lage.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Instituto de
Geociências, 2007.
1. Geografia urbana – Salvador(BA) 2. Planejamento urbano – Salvador(BA)
3. Espaços públicos – Salvador (BA) I. Lage, Creuza Santos, II. Universidade
Federal da Bahia. Instituto de Geociências. III. Título.
CDU 911.9:711.4(813.8)
TERMO DE APROVAÇÃO
PARALELA EM MOVIMENTO: um estudo sobre a
apropriação do espaço público do canteiro central da
Avenida Luís Viana
CLAUDIA BRANDÃO VIEIRA LIMA
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Creuza Santos Lage - Orientadora
Pós-Doutorado em Geografia
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
___________________________________________
Prof. Dr. Rubens Toledo Junior.
Doutor em Geografia
Universidade de São Paulo (USP)
____________________________________________
Profa. Dra. Maria Aruane Santos Garzedin
Doutora em Artes Plásticas
Universidade de Barcelona (UB)
Dissertação defendida e aprovada: _____/______/_____
Liberdade.
Palavra que o sonho humano alimenta
Não há ninguém que explique
Não há ninguém que não entenda
(Cecília Meireles)
Dedico este trabalho aos meus pais, Almir e Adelaide
e meus irmãos, Almir Filho e Carol, sempre presentes...
AGRADECIMENTOS
Na realização desta jornada de trabalho muitas pessoas foram direta e
indiretamente mobilizadas. Algumas delas foram particularmente importantes como
a orientadora Profª Drª Creuza Santos Lage;
O Prof. Dr. Ângelo Serpa, coordenador do Mestrado em Geografia da Ufba,
foi para mim um importante apoio, pois tive como referência seu trabalho junto ao
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo ministrando a disciplina Espaço Público na
Cidade Contemporânea;
Os companheiros e amigos, incluídos os mestres, colegas e funcionários
deste Mestrado;
Os usuários do canteiro central da Avenida Paralela, que partilharam
experiências, foram observantes e observados, passivos e ativos, presentes e
solidários, ao se tornarem visíveis.
Lima, Claudia Brandão Vieira. Paralela em Movimento: um estudo sobre a
apropriação do espaço público do canteiro central da Avenida Luís Viana.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – UFBA: Salvador, 2007.
RESUMO
O presente trabalho aborda o estudo de caso de um espaço público de
resistência dentro da atual política urbana estabelecida na cidade de Salvador, que
colhe os frutos de um processo de planejamento urbano incompleto alicerçado nos
preceitos modernos. Assim, esta multicidade tem na apropriação social de áreas
urbanas, muitas vezes impensadas para fins recreacionais, uma busca de seus
habitantes pelo atendimento de suas necessidades enquanto seres sociais: o
canteiro central da Avenida Luís Viana se configura, desta forma, como um espaço
público de resistência. Hoje, a avenida, chamada pela população de Paralela, a mais
monumental das avenidas de Salvador, pelas suas dimensões e pelo seu valor
estratégico dentro do sistema viário da cidade, pois se constitui em um eixo de
articulação entre elementos estruturantes do espaço urbano, apresenta uma
dinâmica complexa a qual foi analisada à luz do multifacetado intelectual Edgar
Morin. Fenômenos sociais como apropriação, criação e liberdade são refletidos a
partir do estudo do espaço vivido: o canteiro central da Avenida Paralela. A pesquisa
se desenvolveu através de investigação documental e bibliográfica e do trabalho de
campo dividido em duas etapas: observação, sondagem e registro fotográfico e
aplicação de questionários. Como resultado foi constada a deficiência do
Planejamento Urbano estabelecido desde as primeiras décadas do século XX, que
se deu através da incapacidade dos poderes públicos de acompanhar as mudanças
decorrentes de uma época de grande crescimento, além da compreensão de que a
necessidade das pessoas e modo como os espaços públicos podem satisfazer
essas necessidades muitas vezes antecedem a noção de direito e de espaço,
acarretando numa refuncionalização do canteiro central da Avenida Luís Viana.
Palavras-chave: Espaço Público, Planejamento Urbano - Salvador, Espaço vivido.
Lima, Claudia Brandão Vieira. “Paralela in Motion: A study of the appropriation of
public space on the median strip of Luís Viana Avenue.” Thesis (MA in Geography) –
UFBA: Salvador, 2007.
ABSTRACT
This thesis is a case study of a public space for resistance within the context
of the current urban planning policy for the city of Salvador da Bahia, which is
reaping the results of an incompletely implemented urban planning policy based on
modern concepts. As a result, this multi-city’s residents find ways of meeting their
own needs as social beings through the social appropriation of urban areas, many of
which were not intended for recreational use. In this case, the median strip of Luis
Viana Avenue has become a public space for resistance. In this study, the complex
dynamics of this divided highway popularly known as Paralela, Salvadors main
monumental artery due to its size and strategic value in the urban road system, have
been analyzed in light of the work of the multifaceted intellectual Edgar Morin. This
thesis reflects on social phenomena such as appropriation, creation and freedom on
the basis of a study of lived space: the median strip of Paralela Avenue. The
research was conducted by studying documents and the related literature, as well as
by doing fieldwork divided into two stages: observation, soundings and photographic
records, and the application of questionnaires. The main conclusions are: 1) urban
planning was deficient in the early decades of the 20th century due to the
government’s inability to keep pace with the changes resulting from a period of major
growth, and 2) the public’s needs and the ways that public spaces can meet those
needs can often supersede the concept of property rights and space, which has led
to the refunctionalization of the median strip of Paralela Avenue.
Keywords: Public space, Urban planning - Salvador, Lived space.
LISTA DE FIGURAS
FIG 01 Espaço da Disjunção / Espaço da Conexão .................................... 19
FIG 02 Espaço de Conexão......................................................................... 20
FIG 03 Calçadão da praia de Pajuçara, Maceió........................................... 33
FIG 04 Condomínio Portal do Morumbi, São Paulo...................................... 36
FIG 05 Conjunto do município de Carapicuíba, São Paulo.......................... 38
FIG 06 Localização da Área de Estudo........................................................ 42
FIG 07 Centros de comércio e serviços em Salvador.................................. 44
FIG 08 Evolução da ocupação urbana, Salvador......................................... 45
FIG 09 Visão de MLF, Avenidas de vale...................................................... 46
FIG 10 Construção da Avenida Paralela...................................................... 48
FIG 11 Foto aérea da Avenida Paralela....................................................... 49
FIG 12 Foto aérea da Avenida Paralela....................................................... 50
FIG 13 Conjunto Flamboyants...................................................................... 51
FIG 14 Ocupação urbana entre a Av. São Rafael e o CAB.......................... 52
FIG 15 Alça do viaduto Dona Cano.............................................................. 54
FIG 16 Concessionária de veículos Citroen................................................. 55
FIG 17 Shopping Alpha Mall......................................................................... 55
FIG 18 Foto Aérea da Avenida Paralela....................................................... 56
FIG 19 Delimitação geográfica do entorno da Av. Paralela.......................... 58
FIG 20 Área arborizadas de Salvador.......................................................... 59
FIG 21 Terreno à margem da Av. Paralela................................................... 60
FIG 22 Mapa temático: densidade habitacional............................................ 61
FIG 23 Mapa temático: Renda ..................................................................... 62
FIG 24 Alto da Ventosa................................................................................. 63
FIG 25 Ocupação em torno do CAB............................................................. 64
FIG 26 CAB: baixa densidade...................................................................... 64
FIG 27 Prédios do bairro do Imbuí................................................................ 65
FIG 28 Mapa temático: escolaridade............................................................ 66
FIG 29 Mapa temático: faixa etária............................................................... 68
FIG 30 Mapa temático: infra-estrutura.......................................................... 69
FIG 31 Foto aérea da Av. Paralela…………………………………………….. 70
FIG 32 Campo de futebol, Alto da Ventosa…………………………………… 71
FIG 33 Parque infantil: Alto da Ventosa…..…………………………………… 72
FIG 34 Via marginal à Av. Jorge Amado, Imbuí........................................... 73
FIG 35 Imbuí, barracas e barzinhos…………………………………………… 73
FIG 36 Área de lazer em Saboeiro…………………………………………….. 74
FIG 37 Ocupação residencial entre o CAB e Av. São Rafael....................... 75
FIG 38 Praça no Bairro da Paz………………………………………………… 76
FIG 39 Praça infantil, Bairro da Paz…..……………………………………….. 77
FIG 40 Praça em Mussurunga…………………………………………………. 77
FIG 41 Imbuí Plaza....................................................................................... 79
FIG 42 Conjunto Amazonas.......................................................................... 79
FIG 43 Canteiro central................................................................................. 80
FIG 44 Mapa de localização das áreas do canteiro central.......................... 83
FIG 45 Gráfico: % de usuários por área de estudo...................................... 85
FIG 46 Área 1, canteiro central..................................................................... 85
FIG 47 Lago em frente ao bairro do imbuí.................................................... 86
FIG 48 Monumento ao Dep. Luís Eduardo Magalhães……………………… 87
FIG 49 Infra-estrutura no canteiro central…………………………………….. 87
FIG 50 Área 2, canteiro central………………………………………………… 88
FIG 51 Canteiro central, area 2………………………………………………… 88
FIG 52 Área 3, canteiro central………………………………………………… 89
FIG 53 Foto aérea do canteiro central……………........................................ 89
FIG 54 Árvores frutíferas, area 3………………………………………………. 90
FIG 55 Area 4, canteiro central………………………………………………… 90
FIG 56 Espaço arboriazado, area 4……………………………………………. 91
FIG 57 Pesca no afluente do rio Jaguaribe…………………………………… 91
FIG 58 Gráfico: % de usuários por faixa etária............................................. 93
FIG 59 Praticantes de nautimodelismo......................................................... 94
FIG 60 Gráfico: % de usuários por sexo....................................................... 94
FIG 61 Gráfico: % de usuários por escolaridade.......................................... 95
FIG 62 Gráfico: % de usuários por freqüência de uso................................. 96
FIG 63 Gráfico: satisfação com as condições do canteiro central............... 98
FIG 64 Gráfico: existência de espaço público no bairro de origem.............. 99
FIG 65 Gráfico: utilização de espaço público do bairro de origem............... 99
FIG 66 Gráfico: satisfação com o espaço público do bairro de origem........ 100
FIG 67 Gráfico: % de usuários por local de origem...................................... 100
FIG 68 Gráfico: % de usuários por origem no entorno da Paralela.............. 101
FIG 69 Área 1, treino de futebol.................................................................... 102
FIG 70 Área 1, atividades no lago................................................................ 103
FIG 71 Condomínio Paralela Park................................................................ 104
FIG 72 Domingo no gramado, pic-nic........................................................... 105
FIG 73 Namoro à sombra............................................................................. 105
FIG 74 Sob os pés de jamelão..................................................................... 106
FIG 75 Fumando maconha e colhendo jamelão.......................................... 106
FIG 76 Futebol no gramado.......................................................................... 107
FIG 77 Área 1, prática de nautimodelismo................................................... 109
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 ATIVIDADES REALIZADAS NO CANTEIRO CENTRAL DA
AV. PARALELA........................................................................ 92
QUADRO 02 NUMERO DE USUSÁRIOS POR BAIRRO DE ORIGEM
FORA DO ENTORNO DA AV. PARALELA............................. 107
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNH – Banco Nacional de Habitação
CABCentro Administrativo da Bahia
CHESF – Companhia Hidroelétrica do São Francisco
CIA – Centro Industrial de Aratu
COHABCompanhia de Habitação
CONDER – Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador
COPEC – Complexo Petroquímico de Camaçari
DINURB – Distrito Industrial Urbano de Salvador
EMBASA – Empresa Baiana de Saneamento
EPUCS – Escritório do plano de Urbanismo da Cidade de Salvador
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INOCOOP – Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais
LOUOS – Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo
ONU – Organização das Nações Unidas
PDDU – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
PLANDURB – Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador
RIMA - Relatório de Impacto Ambiental
RMS – Região Metropolitana de Salvador
SET – Superintendência de Engenharia de Tráfego
SUCAB Superintendência Urbana do Centro Administrativo da Bahia
UFBA – Universidade Federal da Bahia
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO........................................................................................................ 15
1.1- REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL ...................................................... 18
1.2- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................ 23
1.3- ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO .................................................................. 25
2- PLANEJAMENTO URBANO E ESPAÇO PÚBLICO NO BRASIL ....................... 27
2.1- CONSIDERAÇÕES GERAIS ........................................................................... 27
2.2- ESPAÇO PÚBLICO NA CIDADE PLANEJADA: mudanças de uso e de
configuração.................................................................................................... 30
2.2.1- Sistemas de espaços livres públicos no processo de planejamento
urbano ......................................................................................................... 32
2.3– AS ATIVIDADES DE LAZER E CONVÍVIO NOS ÁREAS COMUNS DOS
ESPAÇOS PRIVADOS ................................................................................... 35
3- PARALELA EM MOVIMENTO: a Avenida Luís Viana e seu entorno ............... 41
3.1- EVOLUÇÃO DA CIDADE DE SALVADOR: meio século de processo de
modernização.................................................................................................. 41
3.1.1- A Avenida Luís Viana: vetor de crescimento de Salvador ..................... 45
3.1.2- A Paralela hoje ............................................................................................ 53
3.2- ANÁLISE SOBRE A OCUPAÇÃO DO ENTORNO DA AVENIDA
PARALELA: um enfoque no espaço público .................................................. 57
4- O CANTEIRO CENTRAL DA AVENIDA PARALELA........................................... 80
4.1 – RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO.................................................. 81
4.1.1- Metodologia da coleta de dados................................................................ 81
4.1.2- Análise dos resultados............................................................................... 84
5- CONCLUSÃO......................................................................................................... 112
6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 117
15
1- INTRODUÇÃO
O presente trabalho, PARALELA EM MOVIMENTO: um estudo sobre a
apropriação do espaço público do canteiro central da Avenida Luís Viana, é fruto de
uma pesquisa realizada durante o curso de mestrado em Geografia da UFBA. O
referencial motivador foi o trabalho Paralela em perspectiva: uma proposta para o
canteiro central da Avenida Luís Viana Filho, desenvolvido entre 2000-2001, por
ocasião da conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo desta mesma
Universidade.
A partir da experiência vivida na primeira pesquisa, surgiram algumas
inquietações que despertaram o desejo de aprofundar o olhar sobre esta área da
cidade de Salvador, cuja dinâmica tem características tão peculiares e ao mesmo
tempo tão parecidas com as de tantas metrópoles, focando a questão do espaço
público. Assim, utilizando como objeto de análise as áreas habitacionais do entorno
da Avenida e o próprio canteiro central desta, foi possível aprofundar o estudo
iniciado em 2000 sob uma perspectiva geográfica, e não menos urbanística.
Em Salvador, até meados do século passado, praças, ruas, terrenos baldios
serviam de palco para as brincadeiras e eram disputados pelas crianças, conferindo-
lhes intensa vitalidade. A partir do crescimento abrupto da cidade, em busca da
modernidade, pode-se perceber uma mudança na relação sócio-espacial: com a
verticalização da cidade e do preenchimento de seus “vazios”, as atividades
anteriormente desenvolvidas em praças e ruas passaram a ser desenvolvidas em
espaços privados dos condomínios, casas e edifícios, quando se popularizam os
playgrounds.
Nos anos 70, o primeiro shopping center foi construído e a partir da década
seguinte muitos outros surgiram. A idéia de lazer passa a ser cada vez mais privada
e não pública: desloca-se o espaço de congraçamento e de contato para o espaço
do consumo. fora os espaços degradados aumentam e poucos são os focos de
resistência.
16
Por conta da relação crescente do lazer com o investimento financeiro, os
espaços de resistência passam a acontecer com maior freqüência nas áreas com
grandes densidades habitacionais, ocupadas pelos extratos sociais de renda baixa,
cujas áreas de lazer e áreas verdes são praticamente inexistentes.
Dessa faceta do processo de exclusão social de uma cidade tão desigual
quanto Salvador surge a apropriação de áreas urbanas muitas vezes impensadas
para fins recreacionais, como é o caso dos canteiros centrais das “avenidas de vale”.
A partir desse breve comentário sobre a transformação da relação das
atividades recreacionais e de convívio social com o espaço público e a criação de
espaços de resistência pode-se dizer que as necessidades das pessoas e o modo
como os espaços públicos podem satisfazer estas necessidades, muitas vezes
antecedem a noção de direito e espaço, levando a conclusão de que estes
elementos urbanos constituem valores culturais a partir do momento que são fruto
de um processo de humanização que transforma o espaço em lugar.
Desta forma, é possível dizer que este trabalho tem como objeto de estudo a
utilização do canteiro central das avenidas de vale” pela população, atualmente na
cidade de Salvador, tendo como estudo de caso, a Avenida Luís Viana, chamada
pela população de Paralela.
Esta via, reconhecidamente, a mais monumental das avenidas de Salvador,
pelas suas dimensões e pelo seu valor estratégico dentro do sistema viário da
cidade, pois se constitui em um eixo de articulação entre elementos estruturantes do
espaço urbano, como o centro administrativo estadual, o centro de negócios e
serviços, o aeroporto, a rodoviária e áreas habitacionais de grande densidade
demográfica, além de ser uma importante ligação com a Região Metropolitana.
A escolha desse tema se deve, em princípio, a quatro motivos. Primeiramente
a necessidade de aprofundar o estudo sobre a utilização dos canteiros centrais das
“avenidas de vale” de Salvador, como espaços públicos e espaços do cidadão;
17
Como segundo ponto, vem esta indagação: considerando-se o contexto
social, histórico e geográfico, e o entendimento que o lugar não é porção de um
espaço qualquer e sim “um sítio determinado por alguma coisa que precede o
espaço e o instaura” (SOUZA, 2000:17), será que o “vazio” da paisagem desta
Avenida não representa as tensões latentes da multicidade que é Salvador?;
O terceiro motivo é conseqüência das seguintes questões: historicamente a
Paralela representa um marco, pois juntamente com outras obras que ocorreram
entre as décadas de 60 e 70, a sua construção consolidou a descentralização da
cidade, assim, será que a função de articulação não está dialeticamente conectada
ao processo de exclusão social? Será que a utilização “espontânea” do seu canteiro
central não advêm da necessidade de um espaço coletivo urbano ser estruturante
no sentido social?
Finalmente, a relevância do estudo dos mecanismos socioambientais de
transformação deste espaço, como forma de analisar o processo de apropriação de
um “espaço público” que, como diz o nome, é próprio da população, ou seja, um
processo de conquista ou reivindicação de algo que já é de direito da cidade.
Face a estas indagações e considerações, denotou-se uma preocupação em
se estabelecer um tema de pesquisa que abarque uma análise da evolução espaço-
temporal e da forma-conteúdo do espaço público em questão, numa perspectiva de
se tratar as mudanças no uso, analisando as condições atuais para que se possa
propor (ou não) novas formas de aproveitamento e destinação adequadas à Avenida
Paralela.
Sendo assim, esta pesquisa tem como objetivo analisar os fatores específicos
extrínsecos e intrínsecos que determinam a utilização do canteiro central da Avenida
Luís Viana pelas populações do seu entorno.
A hipótese básica sobre a situação problema é de que a utilização crescente
desta área ocorre em razão da insuficiência de espaços públicos; da ineficácia do
planejamento urbano como instrumento de resposta às necessidades básicas da
18
população; da necessidade do indivíduo-sociedade de traduzir seus desejos e
carências através da construção simbólica da sua relação com o lugar.
1.1 REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL
A Geografia é uma ciência que ao longo do tempo passou por uma série de
transformações como forma de acompanhar as mudanças do mundo. A partir de
uma base metodológica e filosófica que até meados do século XX defendia um
saber objetivo, lógico e formal foram sendo incorporadas gradativamente novas
perspectivas de análise que defendiam um saber subjetivo e crítico.
Em 1960 começaram a ser realizados estudos voltados para a subjetividade
humana, que foram impulsionados a partir de 1970, como diz Souza (2002: 3),
propondo “um esforço combinado para conciliar à explicação e o entendimento, o
conhecimento e a ação, o objetivo e o subjetivo, no sentido de ampliar a
compreensão geográfica do espaço”.
Nesta perspectiva, surgem a Geografia Humanística, a Geografia Cultural e a
Fenomenologia, com a tomada de consciência e valorização da interação entre os
indivíduos.
A categoria de análise passa a ser o lugar enquanto espaço experienciado.
Tal categoria propõe um novo foco para o objeto geográfico, uma perspectiva que
acentua a interpretação e compreensão social dos sujeitos no espaço. A constituição
dos lugares passa a ser analisada não pelas redes de significações materiais
como pelas efetivas.
Assim, olhar o espaço sob um ângulo objetivo e generalizador é arriscar
deixar de lado toda uma série de aspectos que dão sentido e espessura a
ele, tais como o sentimento de pertencimento, as imagens, a dinâmica
identitária, a experiência estética, etc. (GOMES, 2000: 317)
Edgar Morin, intelectual contemporâneo, expoente na construção desse
processo de mudança, que não foi exclusivo da Geografia, mas sim um processo de
transformação das ciências sociais como um todo, coloca:
19
Aqui a dificuldade não está apenas na renovação da concepção do objeto,
está na viragem das perspectivas epistemológicas dos sujeitos, quer dizer,
do observador científico: o que era próprio da ciência era, até agora,
eliminar a imprecisão, a ambiguidade, a contradição. Ora, é preciso aceitar
com certa imprecisão e uma imprecisão certa, não apenas os fenômenos,
mas também os conceitos (MORIN, 1990: 53).
Para este autor, a questão apontada se refere ao paradigma do
conhecimento, no qual separou-se o sujeito e o objeto, determinando os conceitos
subalternos e prescrevendo uma relação lógica: a disjunção (MORIN, 1990: 25).
A única maneira de romper com este paradigma seria então partir para um
paradigma disjunção/conjunção que permita distinguir sem separar, associar sem
identificar ou reduzir, que permita explicitar e explicar fenômenos como a liberdade e
a criatividade. E isso é possível através do quadro complexo, uma vez que a
complexidade é o "tecido dos acontecimentos", é através dela que se dão as ações,
interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o mundo fenomenal
(idem:53).
Assim, a partir da análise das idéias de Morin relacionadas ao pensamento
complexo, foram concebidos os esquemas da Figura 01, correspondentes à
conjuntura em que as áreas adjacentes à Avenida Paralela se encontram e a
dinâmica na qual foram planejadas e estabelecidas.
FIGURA 01
A Figura 02 a seguir emergiu da conclusão de que o uso de uma lógica
conectiva, e não disjuntiva, implica em uma visão não determinista e de uma
causalidade não-linear. Ou seja, apenas através de uma relação cíclica, sem uma
20
hierarquia linear é possível compreender as ações cotidianas cercadas com os
traços inquietantes da confusão, da ambigüidade, da incerteza e da contradição.
FIGURA 02
Além do pensamento complexo de Morin, o qual é imprescindível para uma
realidade que se mostra também complexa, pode-se apresentar o pensamento de
Henri Lefebvre no campo das diferenças, da relação público-privado e do espaço do
cidadão.
Para tanto, considerando a base teórica deste estudo, pode-se reunir aos
conceitos trabalhados por Lefebvre o pensamento de Ana Fani Carlos, o qual
enriquece e complementa o arcabouço teórico, principalmente no que se refere ao
espaço vivido, espaço do cotidiano.
O processo de reprodução da metrópole aponta para a constituição de um
espaço que se desenvolve priorizando o valor de troca em detrimento do
uso e de suas possibilidades, gerando conflitos que eclodem no plano da
vida cotidiana, em que as contradições são percebidas em toda a sua
magnitude, pois esse nível é aquele da reprodução da vida, que revela o
fato de que o homem habita ativamente (...) São os momentos das
apropriações possíveis que privilegiam o uso em detrimento da troca,
nascimento comum de desejos de mudar de vida ou intensificá-la e que se
colocam como possibilidades de existência dos espaços de encontro, da
troca, dos jogos, do divertimento e do lazer (CARLOS, 2001:279).
No que se refere a espaço público, conceito central deste trabalho, foi
considerada a contribuição de Ângelo Serpa e Silvio Macedo, os quais abordam a
questão sob uma perspectiva nacional.
21
Serpa, em seu recente livro "O espaço público na cidade contemporânea",
compreende que este seja o espaço da ação política (ou da possibilidade desta)
(2007:9). O compreende ainda, como "espaço simbólico, da reprodução de
diferentes idéias de cultura, da intersubjetividade que relaciona sujeitos e
percepções na produção e reprodução dos espaços banais e cotidianos" (SERPA,
2007: 9).
Outro conceito que se faz necessário é o de espaços livres, trabalhado por
Macedo (1995:16):
Podemos, de um modo preciso, definir espaços livres como todos aqueles
não contidos entre paredes e tetos dos edifícios construídos pelas
sociedades para sua moradia e trabalho. No contexto urbano têm-se como
espaços livres todas as ruas, largos, pátios, quintais, parques, jardins,
terrenos baldios, corredores externos, vilas, vielas e outros mais por onde
as pessoas fluem no seu dia-a-dia em direção ao trabalho, ao lazer ou à
moradia ou ainda exercem atividades específicas tanto de trabalho, como
lavar roupas (no quintal ou no pátio), consertar carros, etc., como de lazer
(na praça, no play-ground, etc.).
Analisando os dois conceitos talvez seja possível afirmar que haja uma certa
redundância, no entanto nem todo espaço livre é público e nem todo espaço público
é livre. Desta forma, pretende-se discutir a apropriação de habitantes de um espaço
urbano que é público a partir do momento que pertence à cidade, mas que não se
pode afirmar público enquanto não analisado como espaço da ação política.
Quanto a esta questão, as contribuições de Arendt e Habermas, chamados
“filósofos do espaço público” (SERPA, 2007:16) são de grande importância:
Na obra de Arendt, o espaço público aparece como lugar da ação política e
de expressão de modos de subjetivação não identitários, em contraponto
aos territórios familiares e de identificação comunitária. para Habermas,
o espaço público seria o lugar par excellence do agir comunicacional, o
domínio históricamente constituído da contravérsia democrática e do uso
livre público da razão (SERPA, 2007:16).
Habermas no que chama de a “ética do discurso” trata de uma ética não
apenas formal, uma ética na qual a participação igualitária na tomada de decisões
não se refira apenas ao uso da palavra, mas também à participação efetiva dos
indivíduos e dos grupos, e ainda, a um sentido de responsabilidade que, dentre
outros aspectos, sugere uma articulação entre a palavra e ação, não podendo haver
22
incompatibilidade entre essas duas dimensões do espaço público. Para este filósofo
“uma norma deve pretender validez quando todos os que possam ser
considerados por ela cheguem (ou possam chegar), enquanto participantes de um
discurso prático, a um acordo quanto a validez dessa norma” (Habermas, 1989: 86).
O aspecto da participação efetiva dos indivíduos e dos grupos no processo de
decisão foi ressaltado por uma outra concepção da filosofia da práxis. Trata-se do
conceito de "sociedade autônoma" de Castoriadis, que estabelece uma relação
necessária entre espaço público e autonomia.
Primeiramente, Castoriadis atenta para o fato de que as sociedades que
fabricam indivíduos servos não os submetem à coletividade, mas a uma dada
instituição da sociedade.
Para este teórico, o problema da liberdade não é propriamente metafísico,
mas “efetivo”, "social”, “concreto”. A liberdade é “o espaço de movimento e de
atividade o mais amplo possível assegurado ao indivíduo pela instituição da
sociedade”. Neste sentido, a liberdade pode existir como dimensão e modo da
instituição da sociedade, isto é, falar de liberdade fora do espaço coletivo é cair
numa retórica vazia, pois a liberdade é um cuidado de si, mas é também um fazer
com os outros pela participação, pelo engajamento numa atividade comum que
exige a “coexistência organizada e empreendimentos coletivos nos quais as
decisões são tomadas em comum e executadas por todos aqueles que participaram
de sua formação” (CASTORIADIS, 1995: 16).
Compreendendo a liberdade como um direito das pessoas, é possível citar
Peter Lucas, estudioso de Educação Urbana e Direitos Públicos, para o qual existem
cinco direitos espaciais: acessibilidade ou liberdade de uso, liberdade de ação,
reivindicação, posse e mudança. Sendo o espaço público um espaço por excelência
do acontecer social, a possibilidade e concretização desses direitos resulta na sua
consolidação, na sua humanização.
Tendo esses conceitos como referencial é possível vislumbrar um caminho a
ser seguido, o qual deve ter como ponto de partida a análise da vida cotidiana, onde
a prática sócio-espacial se desenrola dando conteúdo à vida, na medida em que a
23
sociedade produz o espaço apropriando-se dele. "Na apropriação se colocam as
possibilidades da invenção, que institui o uso, que explora o possível ligando-o a
uma prática criadora" (CARLOS, 2001: 8). Esse processo fundante na criação de
espaços de resistência, transforma os espaços livres em verdadeiros espaços
públicos.
1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
As questões anteriormente colocadas estão calcadas na certeza de que para
“compreender a realidade através da Geografia é preciso conseguir manejar os
conceitos básicos e os instrumentos adequados para fazer a investigação e
exposição de seus resultados” (CALLAI, 1999:12).
Para tanto, se faz necessário o uso de uma metodologia que privilegie o
entendimento do território como substrato físico que sustenta as populações e suas
edificações, não se resumindo apenas em ser sustentáculo, no sentido que ele é
também a própria sociedade em movimento, pois ao mesmo tempo que é base , é
agente de processo.
Nesta perspectiva, o território passa a ser fundante na explicação dos
processos da sociedade. É por isto que o estudo aprofundado da Geografia tem um
importante papel, pois esta ciência tem um instrumental teórico capaz de dar conta
da explicação de sociedade concretizada em um espaço construído do qual resulta
uma paisagem.
Assim, para alcançar os objetivos propostos e comprovar a hipótese foi
primeiramente identificada e analisada a bibliografia existente a respeito do tema, a
partir da qual se delimitou o arcabouço teórico que direcionou e referendou a
pesquisa.
Paralelamente a exploração bibliográfica, buscando compreender o processo
de formação e a dinâmica do espaço em torno da Avenida Paralela, fazer a sua
delimitação geográfica e identificar os estudos feitos para a área, foi realizada uma
pesquisa documental e cartográfica em órgãos públicos como: o Instituto Histórico e
24
Geográfico da Bahia, Fundação Gregório de Matos, Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE, Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de
Salvador - CONDER e Secretaria de Planejamento Urbano do Município - SEPLAN.
Considerando que não uma divisão formal da Cidade de Salvador por
Bairros e que esta não era a meta para a delimitação da área de estudo, foram
utilizados os Setores Censitários (IBGE, 2000) como forma de traçar uma poligonal
que fosse dividida em sub-áreas, das quais fosse possível obter informações
referentes à população local, como: efetivo populacional, sexo, faixa etária, nível de
escolaridade, renda, entre outras.
Com relação ao Canteiro Central da Avenida, como não havia dados
específicos na bibliografia encontrada, com exceção do trabalho anteriormente
realizado sobre a mesma área na Graduação, foi necessário realizar um trabalho de
observação detalhada e participada como primeiro passo em busca de subsídios
para o desenvolvimento das problemáticas apontadas.
Após este primeiro contato, que durou cerca de um mês, através de visitas
em diferentes horários, ao longo dos quatorze quilômetros da via, conforme registro
fotográfico e em diário de campo, foi verificado que as características e formas de
utilização do Canteiro central espaço são diferenciadas ao longo da sua extensão.
Fato que era esperado, tendo em vista que a ocupação do entorno, a
acessibilidade à área de estudo e a sua conformação física são variadas.
A partir desta verificação foi decidido dividir o objeto deste estudo em sub-
áreas que tivessem uma uniformidade quanto as formas de apropriação. Esta
medida se justifica, uma vez que, se os dados fossem coletados e trabalhados de
maneira uniforme haveria uma distorção no resultado devido às especificidades de
cada área.
Ao subdividir o Canteiro Central foi possível chegar mais próximo à dinâmica
que rege a sua utilização, com a ressalva que cada decisão de conduta do
pesquisador resulta num olhar direcionado, particular e não na realidade.
Ainda com base nessa primeira fase do trabalho de campo realizou-se a
elaboração do questionário e definiu-se a forma como seria aplicado. Ele deveria ser
25
breve e direto, uma vez que se dirigia a pessoas que estariam desenvolvendo
atividades, muitas das quais não poderiam ser interrompidas por muito tempo para a
sua aplicação.
De acordo com a média de utilização da área de estudo pela população, com
base na observação inicial, a aplicação dos questionários foi assim dividida:
quarenta por cento na área dois e quatro e quinze e cinco por cento para as áreas
um e três, respectivamente, de um total de cento e sessenta unidades.
Outro fator importante, que o objeto de estudo é um espaço público e
pretende-se estudar as relações que nele e através dele se desenvolvem, foi a
aplicação de questionários em períodos diários diferenciados, bem como a época do
ano (verão, primavera, outono e inverno, período letivo e de férias). Para tanto o
estudo de campo foi realizado durante um ano, entre fevereiro de 2005 e 2006.
Como a Avenida Paralela e o seu entorno vem sendo cotidianamente e
intensamente transformados pela sua ocupação crescente foi necessário
estabelecer uma data limite para obtenção de dados, ocorrida em 28 de fevereiro
deste ano.
As informações bibliográficas e documentais somadas principalmente aos
resultados das pesquisas de campo viabilizaram a compreensão da dinâmica
territorial com suas relações sociais possibilitando a concepção do material
cartográfico e estatístico e a redação da dissertação.
1.3 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
O trabalho está organizado em cinco capítulos: neste primeiro, a Introdução,
foram abordados a justificativa, explicando a importância da pesquisa desenvolvida;
o referencial teórico-conceitual, apresentando algumas considerações que balizaram
o desenvolvimento desta dissertação; bem como os procedimentos metodológicos,
demonstrando os caminhos percorridos.
No segundo capítulo, O Planejamento Urbano e o Espaçoblico no Brasil, é
realizado um estudo sobre o processo de planejamento urbano moderno e a forma
26
como o espaço público por ele é abordado, uma vez que é nesse momento do
planejar a cidade que estão inseridos o projeto, a implantação e a consolidação da
Avenida Paralela.
No capítulo seguinte, Paralela em Movimento, é realizada uma caracterização
geográfica e histórica da Avenida Luís Viana e das áreas habitacionais do seu
entorno, no intuito de analisar seu processo de ocupação e produção sócio-espacial,
tendo como foco o espaço público. A partir de então, são demonstrados
analiticamente os dados da pesquisa levantados empiricamente, usando como
referência fontes como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Posteriormente, é realizada a caracterização do Canteiro Central da Paralela,
a partir da qual são analisados os dados coletados através de trabalho de campo.
O último capítulo assume um caráter mais analítico e conclusivo, no qual
procura-se discutir a relação do planejamento urbano com a dotação de espaços
públicos na área de estudo, a fim de refletir sobre as questões da pesquisa,
ratificando algumas constatações evidenciadas e tecendo algumas considerações
sobre a dinâmica sócio-espacial ali encontrada.
As pretensões aqui explicitadas são por demais desafiadoras, mas igualmente
encantadoras, sendo um convite ao caminho das descobertas...
27
2- PLANEJAMENTO URBANO E ESPAÇO PÚBLICO NO BRASIL
O urbanismo brasileiro (entendido aqui como planejamento e regulação
urbanística) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com
uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade, apenas. Podemos dizer
que se trata de idéias fora do lugar porque, pretensamente, a ordem se
refere a todos os indivíduos, de acordo com os princípios do modernismo ou
da racionalidade burguesa. Mas também podemos dizer que as idéias estão
no lugar por isso mesmo: porque elas se aplicam a uma parcela da
sociedade reafirmando e reproduzindo desigualdades e privilégios. Para a
cidade ilegal não há planos, nem ordem. Aliás ela não é conhecida em suas
dimensões e características. Trata-se de um lugar fora das idéias.
(MARICATO, 2000: 122)
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
A partir de meados do século XIX até princípios do século seguinte a elite
brasileira começou a debater abertamente (entre "os iguais", evidentemente) um
plano de obras urbanas a ser implantado. Esses planos se referiam especialmente a
questões estéticas e sanitárias das cidades: "foi sob a égide do embelezamento que
nasceu o planejamento urbano brasileiro" (VILLAÇA, 1999: 193).
Desta forma, foi iniciado o processo de modernização de grandes cidades,
conseqüência das transformações políticas, econômicas e sociais que alteraram
significativamente a realidade urbana no país.
Esse processo ocorreu através de um espelhamento atrasado da cultura
urbanística que surgiu na Europa e América do Norte com o advento da cidade
industrial e decorrentes problemas urbanos, sociais e ambientais. Assim, as
tentativas das cidades tipicamente coloniais se adaptarem a uma nova realidade
econômica e social eram inspiradas em modelos culturais e urbanos europeus. As
grandes reformas urbanas brasileiras que ocorreram nessa época foram
influenciadas, principalmente, pelas reformas de Haussmann em Paris, ocorridas em
meados do século XIX.
As alterações na escala das cidades brasileiras, que começam a se
transformar em metrópoles a partir do século XX, levam a uma efemeridade dos
28
fatos urbanos e da arquitetura, a criação de novos valores e formas de produção do
espaço, a mudanças dos fluxos resultantes do incremento dos meios tecnológicos.
Deste modo, sob a hegemonia da burguesia urbana, a eficiência, a ciência e a
técnica começam a substituir os conceitos meramente estéticos. A cidade da
produção precisa ser eficaz.
Assim, uma procura por formas mais compatíveis com nova dinâmica
tempo x espaço: a partir de meados da década de 20 as cidades começam a ser
concebidas como um organismo funcional no qual o zoneamento e a normatização
de índices urbanísticos dissociam os espaços urbanos em sistemas funcionais.
As décadas seguintes - durante o regime militar - constituem o período no
qual a atividade do planejamento urbano mais se desenvolveu no Brasil, quando os
escritórios técnicos de consultoria e planejamento se multiplicaram.
O planejamento era tomado como solução para o "caos urbano" e o
crescimento descontrolado, sendo um conjunto de idéias que, na realidade,
dissimulavam os conflitos e os reais motores desse "caos". De um lado estava dada
a impossibilidade de ignorar os "problemas urbanos", de outro a impossibilidade de
dedicar o orçamento público apenas às obras. Assim, quando estas ocorriam
geralmente eram obras viárias, vinculadas à lógica do capital imobiliário. Quando a
preocupação social surge no texto, o plano não é mais cumprido. Ele se transforma
em um plano-discurso: o plano que esconde a direção tomada pelas obras públicas
e pelos investimentos que obedecem a um plano não explícito. Relegados, os
problemas urbanos ganham novas dimensões.
Foi exatamente durante a implementação do sistema nacional de
planejamento urbano e municipal e do crescimento da produção acadêmica
sobre o assunto que as cidades brasileiras mais cresceram...fora da lei. Boa
parte do crescimento urbano se deu fora de qualquer lei ou de qualquer
plano, com tal velocidade e indepedência que é possível constatar que cada
metrópole brasileira abriga, atualmente, outra, de moradores de favelas, em
seu interior. Parte de nossas cidades podem ser classificadas como não
cidades: as periferias extensas, que além de casas autoconstruídas, contam
apenas com transporte precário, a luz e a água (esta não tem abrangência
universal, nem mesmo no meio urbano). E é notável como essa atividade
referida, de pensar a cidade e propor soluções para seus problemas,
permaneceu alienada dessa realidade que estava sendo gestada
(MARICATO, 2000: 140).
29
Não é por falta de planos e nem de legislação urbanística que as cidades
brasileiras crescem de modo predatório. Um abundante aparato regulatório
normatiza a produção do espaço urbano no Brasil rigorosas leis de zoneamento,
exigente legislação de parcelamento do solo, detalhados códigos de edificações são
formulados por corporações profissionais que desconsideram a condição de
ilegalidade em que vive grande parte da população urbana brasileira em relação à
moradia e à ocupação de terra, demonstrando que a exclusão social passa pela
lógica da aplicação discriminatória da lei. A ineficácia dessa legislação é, de fato,
apenas aparente, pois constitui um instrumento arbitrário do poder além de favorecer
interesses corporativos. A ocupação ilegal da terra urbana é não permitida, como
é parte do modelo de desenvolvimento urbano no Brasil. Ao lado de detalhada
legislação urbanística (flexibilizada pela corrupção na cidade legal) é promovido um
total descaso na cidade ilegal (MARICATO, 2000:147). A ilegalidade na provisão de
grande parte das moradias urbanas é funcional para a manutenção do baixo custo
de produção da força de trabalho, como também para um mercado imobiliário
especulativo, que se sustenta sobre uma estrutura fundiária arcaica (idem: 148).
As decorrentes discussões técnicas sobre posturas urbanísticas ignoram esse
fosso existente entre lei e gestão e ignoram também que a aplicação da lei é
instrumento de poder arbitrário. Sua aplicação segue a lógica da cidade restrita a
alguns.
A tensão existente entre a cidade formal e a cidade ilegal é dissimulada: além
dos investimentos públicos no sistema viário, a legislação urbanística se aplica à
cidade "oficial". Os serviços de manutenção das áreas públicas, da pavimentação,
da iluminação e do paisagismo são eficazes. A gestão urbana e os investimentos
públicos aprofundam a concentração de renda e a desigualdade. Mas a
representação da "cidade" é uma ardilosa construção ideológica que torna a
condição de cidadania um privilégio e não um direito universal: parte da cidade toma
lugar do todo. A cidade da elite representa e encobre a cidade real. Essa
representação, entretanto, não tem a função apenas de encobrir privilégios, mas
possui, principalmente, um papel econômico ligado à geração e captação de renda
imobiliária.
30
2.2 O ESPAÇO PÚBLICO NA CIDADE PLANEJADA: mudanças de uso e de
configuração
A partir das décadas de 30, no que se refere a construção do espaço
público e da estética urbana em Salvador, verifica-se uma transição dos
valores do ecletismo e do urbanismo de origem sanitarista, baseado em
intervenções de fluidez e na estética para o entendimento mais global da
problemática urbana (EPUCS – década de 40) e, posteriormente, na década
de 60, para uma afirmação dos princípios do movimento moderno e da
visão funcionalista do espaço, que resulta na concepção dos espaços
públicos como sistemas funcionais. (GARZEDIN, 2004: 20)
Em pouco mais de um século do urbanismo brasileiro é possível fazer uma
análise de como as modificações na ocupação e ordenamento do solo nas grandes
e médias cidades interferiram na conformação dos espaços públicos urbanos.
Formalmente os espaços livres de edificação passaram a se destinar à
circulação e ao acesso de veículos e pedestres, tendo sido especialmente
desenvolvidas técnicas de desenho e de projeto para tais espaços, durante todo o
século XX.
A importância que o urbanismo moderno dava as ruas era estritamente pela
sua função: circular. Assim, com o aumento do tráfego nas áreas centrais,
praticamente desaparecem os usos recreativos e de convívio que ocorriam nesses
espaços estruturantes das cidades.
Com relação às praças até a década de 50 ainda era possível ver a presença
do verde enquanto elemento estruturante desses espaços, em geral concebidos sob
preceitos do estilo clássico através de um desenho eclético, que havia se
popularizado desde o final do século XIX. Posteriormente, este elemento urbano vai
perdendo gradativamente o significado na construção do espaço público, uma vez
que a introdução dos princípios modernistas contribui para a substituição da praça
por equipamentos de uso coletivo. Talvez esse fato possa explicar porque a
freqüência desse tipo de espaço público é maior nas áreas de ocupação mais
antiga, como as áreas centrais que compreendem o núcleo histórico. nas áreas
urbanas destinadas para populações de renda baixa, ocupadas a partir de meados
do século passado, praticamente não existem esse tipo de espaço público.
31
No que diz respeito aos jardins, o deslocamento destes para o espaço
privado através da adoção de parâmetros urbanísticos como os recuos frontais dos
lotes, fato que culminou na diminuição da sua influência na paisagem da cidade.
Até meados do século passado, eram poucos os parques no país, sendo a
inauguração de novos equipamentos fruto de iniciativas isoladas. No entanto, a
inserção do parque enquanto elemento de lazer ativo, diferentemente do conceito
anteriormente em voga, nos quais os parques eram locais associados ao lazer
contemplativo da elite, vem suprir parte da demanda criada com a diminuição do
espaço das praças. Contudo, a presença desses equipamentos urbanos, com
programas ampliados, dotados de quadras esportivas, anfiteatros, parques infantis,
etc., deveria ter sido adotada paralelamente a criação de praças, devido a questões
como acessibilidade e disponibilidade, além do fato que deveriam ser criados de
acordo com a demanda. Fato que não ocorreu, tendo em vista que a implantação
desses espaços públicos não se deu na mesma proporção que o crescimento da
população urbana.
Porém, essa situação vem sendo aparentemente resolvida através da
retomada do espaço público urbano enquanto elemento funcional e estrutural do
tecido urbano e catalisador social. Deste modo, as intervenções buscam recompor o
tecido urbano esgarçado pelas experiências modernistas, retomando a idéia de rua
e de praça, dotando as vias de ligação de elemento que as humanizem e redefinindo
a sua escala e função com relação aos bairros e espaços urbanos. Mas como foi
visto, essa situação ocorre de forma diferenciada na cidade, de acordo com o valor
de mercado fundiário. Sendo assim, desde os anos 90, a realização de planos
estratégicos valoriza os espaços públicos como locais centrais das estratégias de
revitalização urbana: intervenções são feitas nesses espaços, no sentido de agregar
valores às áreas urbanas decadentes ou de promover espaços de interação social,
buscando fornecer atrativos aos investimentos e ao fluxo de capitais.
Elaborado e concebido como equipamento urbano na escala da cidade e
da aglomeração, o parque público concretiza-se, em geral, no contexto de
um grande programa imobiliário.(...) Note-se que essas operações são
acompanhadas de novos processos de especulação imobiliária nas
cidades analisadas (Salvador e Paris). Elas resultam da intervenção direta
dos poderes públicos em certos casos associados aos empreendedores
locais e produzem transformações profundas no perfil populacional e da
funcionalidae dos bairros afetados (SERPA, 2007:41).
32
2.2.1 Sistemas de espaços livres públicos no processo de planejamento
urbano.
Antes de discorrer sobre a relação do Planejamento com a criação de um
Sistema de espaços públicos dentro do espaço urbano, faz-se necessário discutir o
que seria este sistema e sua importância para a cidade.
Há uma variação de nomes que é dada a este sistema que faz parte da práxis
do planejamento nas cidades grandes: os mais comuns são Sistema de Áreas
Verdes e Sistemas de Parques Urbanos. O primeiro está geralmente vinculado ao
índice de 12 m²/habitante considerado pela Organização das Nações Unidas, ONU,
como padrão ideal de áreas de lazer/vegetação para qualquer cidade
1
. Contudo, tal
valor não tem aplicabilidade se não for associado a outros critérios como
acessibilidade e distribuição. No caso de Salvador, pode-se citar exemplos como o
Parque São Bartolomeu, o qual se configura numa importante reserva de área
verde, inclusive com fortes valores culturais, mas que não é acessível a toda
população, seja por motivo de segurança, qualidade de infra-estrutura, localização
ou transporte.
Outra questão é de simples nomenclatura: área verde seria toda e qualquer
porção do território ocupada por qualquer tipo de vegetação? Qual o valor para a
cidade de tais espaços? Macedo cita que este termo é comumente usado para
denominar o conjunto de áreas de lazer público, englobando praças, parques, hortos
e bosques (1995: 17), como foi o caso de Salvador ao ser adotado o Sistema de
Áreas Verdes a partir de estudos do PLANDURB. Sendo assim, esta denominação
não é precisa, pois é sabido que nem todas as praças são áreas de lazer e/ou
necessitam ser ajardinadas para desempenhar seu papel de espaço social. Por isso,
a denominação usada neste tópico do capítulo 2 é Sistema de Espaços Livres
Públicos, que é muito mais abrangente e adequada ao conjunto de espaços de
convívio, contemplação paisagística, lazer, entre outros usos necessários para
conferir qualidade ambiental e de vida à população das cidades.
1
Macedo (1995:17) procurou verificar a veracidade deste índice, não encontrando nenhum registro.
33
Assim, também deve ser descartada a denominação Sistemas de Parques
Urbanos, pela limitação a este tipo de equipamento urbano, uma vez que existem
outras tantas formas e tipos de espaços que atendem a demanda da sociedade.
Neste ponto se torna possível abordar uma questão que é específica de
cidades litorâneas: as praias e a infra-estrutura de orla não devem estar inseridas
nestes Sistemas? Uma vez que consideradas como tais nos planos urbanísticos
permitiriam uma melhor distribuição e localização de espaços públicos dentro da
estrutura urbana da cidade.
No Rio de Janeiro, como em Recife, Fortaleza, Santos, Vitória e em todas
as cidades litorâneas, o uso da praia para a prática de esportes na areia, os
banhos de mar, o encontro social ao sol, o comer em quiosques à beira-mar
torna-se um hábito cotidiano de milhares de pessoas e de muitos outros nos
fins de semana, o que faz desse espaço o local mais importante para o
lazer das massas nas cidades da costa brasileira.
A praia é palco de parte importante dos encontros sociais ao ar livre no
cotidiano de tais cidades. Pode-se dizer que ela assume, portanto, funções
de um parque urbano, apesar de não apresentar a conformação espacial
típica de um deles (MACEDO, 1999:85).
FIGURA 03
Só a partir da década de 20 do século passado as áreas verdes e as áreas de
uso público no Brasil passaram a ser vistas de forma sistemática. Esta visão
inclusive é própria do urbanismo que propôs o mesmo para outros elementos
CALÇADÃO DA PRAIA DE PAJUÇARA, MACEIÓ: Importante área de lazer e de valor paisagístico
para a população da cidade e turistas.
FONTE: MACEDO, Silvio Soares. Quadro do Paisagismo no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 76.
34
estruturantes do meio urbano, como sistemas viários, sistemas de educação, de
saúde, etc.
Deste modo, nas metrópoles brasileiras em geral, passou-se a adotar este
conceito na forma de pensar e planejar a cidade. Assim, eram propostos conjuntos
de parques, principalmente em áreas dotadas de vegetação nativa como os fundos
de várzea e margens de terrenos alagadiços, rios ou lagoas. Integravam também os
chamados Sistemas de Áreas Verdes espaços considerados importantes para a
paisagem da cidade, sendo vistos como instrumentos de preservação do patrimônio
ambiental e paisagístico. Este processo só pôde ser notado na cidade de Salvador a
partir da década de 40.
Abordando agora a questão como um todo, é possível dizer que a inserção
efetiva da dimensão ambiental no processo de planejamento e na práxis dos
diversos setores intervenientes no desenvolvimento urbano pode garantir o
aproveitamento do potencial paisagístico do espaço urbano, criando-se condições
para dotar a cidade de parques e outros espaços livres públicos para fins de lazer,
convívio social, contemplação paisagística, etc. Entretanto é necessário que se
estabeleçam, dentro das políticas urbanas, reservas de áreas para suprir as futuras
demandas desses espaços.
O que foi abordado até então, na relação planejamento urbano e espaço
público, demonstra que a máquina administrativa do Estado não apresenta
capacidade de oferecer a sociedade condições ambientais urbanas condizentes com
suas necessidades mínimas, geralmente por não implementar as diretrizes
estabelecidas pelos planos elaborados nos gabinetes de planejamento.
Teria sido desejável que a implantação de espaços livres blicos tivesse se
concretizado nos momentos das grandes intervenções urbanas, no processo de
desenvolvimento e modernização das grandes e dias cidades brasileiras, em um
entendimento que a infra-estrutura deveria ser dotada com um todo e não apenas
em alguns aspectos, como no caso do sistema viário que, comparativamente com
outros elementos urbanos, demandou o maior investimento de verbas públicas no
período.
35
Desta forma, é possível dizer que o Sistema de Espaços Livres Públicos
apresenta uma grande fragilidade frente à práxis urbana, respondida pelo binômio
administração pública e iniciativa privada. Para a efetivação de um verdadeiro
Sistema é necessário criar condições institucionais para que sua atuação seja
efetiva junto aos órgãos de planejamento e aos setores executivos da administração
com o objetivo de atender desde a legislação até as posturas municipais,
viabilização de áreas, elaboração de projetos, implantação, operação e manutenção
destes espaços.
2.3 OS ESPAÇOS PÚBLICOS DAS ÁREAS PRIVADAS
A implementação e consolidação do modernismo das cidades brasileiras
efetiva os loteamentos como forma principal de parcelamento do solo. Essa
condição apropriada pelo capital estabelece o desencadeamento de uma produção
espacial geradora da descontinuidade do tecido urbano, formado de áreas ocupadas
entremeadas de "vazios". Uma vez que, como já foi dito, a cidade planejada no
Brasil se concretiza segundo a lógica do empreendimento privado e da valorização
do solo urbano.
No que se refere aos espaços coletivos são previstos percentuais de áreas
dos loteamentos (empreendimentos) para fins de circulação (vias) e recreação
(playgrounds), bem como a consonância de suas características com as
características dos bairros. A própria utilização do lote é normatizada visando a
garantia de condições de conforto, higiene e segurança dos espaços urbanos e seus
habitantes.
Essa forma de distribuição das edificações, com recuos e afastamentos
estabelecidos pela legislação urbana da cidade planejada, na qual o edifício isolado
dos demais pode ser considerado como um padrão levou durante todo o século
passado, em especial a segunda metade, a uma drástica transformação da
morfologia urbana da cidade convencional, redirecionando o desenho das novas
paisagens do país. Ao mesmo tempo em que a larga utilização das formas de
36
habitar pluri familiar (vertical ou horizontal) transformou a relação de vizinhança e de
coletividade urbana ao levar o espaço público para o privado.
Nas áreas habitacionais voltadas para a população mais abastada, os
espaços livres de edificação se apresentam cada vez mais especializados e tratados
para o lazer, com quadras poliesportivas, salas de ginástica, piscina, jardins
suspensos e áreas de estar, geralmente projetados por arquitetos e paisagistas
renomados que garantem a sofisticação do empreendimento. Como resultado, criou-
se toda uma forma de tratamento dos espaços livres de edificação internos aos
condomínios horizontais ou verticalizados que, gerados inicialmente nas cidades
grandes como São Paulo e Rio de Janeiro, são copiados e reproduzidos por todo o
país.
FIGURA 04
CONDOMÍNIO PORTAL DO MORUMBI, SÃO PAULO
FONTE: MACEDO, Silvio Soares. Quadro do Paisagismo no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 68.
37
Nas áreas mais pobres e mesmo aquelas destinadas à amplos setores da
classe média brasileira (cada vez mais próximos da pobreza) a situação é inversa.
Os espaços livres dos lotes são reduzidos e extremamente fragmentados, sendo
aproveitados para atividades próximas aos moradores, configurando a não
obediência aos parâmetros normativos de ocupação. Nesse caso, o lazer, quando
possível, é feito nas ruas ou em espaços públicos urbanos, muitas vezes mais
distantes, como praças e parques. As mudanças ocorridas nesse extrato social não
foram tão profundas, uma vez que os espaços coletivos não são privados.
No entanto, apesar das diferenças quanto a ocupação do lote é possível notar
que alguns padrões de organização espacial dos “mais ricos”, paradoxalmente, são
reproduzidos, na medida do possível, pelos demais extratos sociais.
Um exemplo dessa situação são os conjuntos habitacionais onde geralmente
há uma recodificação e transformação dos espaços livres de edificação, seguindo os
arquétipos das classes mais ricas, criando, a seu modo, cercas, pátios, guaritas,
jardins e estacionamentos.
Sobre essa forma de organização residencial ainda cabe fazer alguns
comentários. Os conjuntos habitacionais ou "conjuntos-pacote" (SERPA, 1997:16) -
projetos padronizados e de execução quase sempre precária - institucionalizados
pelos programas de habitação popular a partir da década de 60, erguidos nas áreas
periféricas das grandes cidades, de uma maneira geral, são constituídos por
edifícios dispostos paralelamente entre si e sem nenhuma relação com o entorno. O
empobrecimento do ponto de vista formal e de significação social reflete
negativamente no repertório cotidiano do espaço vivido coletivamente, no qual
uma redução de acontecimentos coletivos.
A relação dos habitantes com os espaços de uso coletivo e sua aplicação
para o lazer e convívio empobrece cada vez mais, principalmente a partir da década
de 90, com o boom na demanda de áreas de estacionamento. Essa passa a ser a
prioridade funcional para os espaços livres de edificação dentro dos conjuntos.
38
FIGURA 05
A partir desta década ocorrem tentativas interessantes de inverter a lógica
derivada da política habitacional implantada através do BNH e das Cohabs que,
apesar do acúmulo de erros e equívocos, apostaram exaustivamente na
conformação tradicional dos conjuntos habitacionais baseada nos cânones do
modernismo.
A Prefeitura de São Paulo, vanguardista em soluções urbanas a partir da
condição de metrópole mundial, entre 1989 e 1992, desenvolveu projetos baseados
na adequação com o entorno, onde os espaços públicos livres foram resolvidos não
como sobras do espaço construído, mas como elementos articulados aos edifícios
(SERPA, 1997).
Construído em regime de mutirão, o conjunto Pires do Rio uso a uma
área ociosa situada nas proximidades do centro de Itaquera, Zona Leste da
cidade de São Paulo. No seu desenho urbanístico, destaca-se o papel
fundamental do centro comunitário – antigo canteiro de obras – situado logo
na entrada do núcleo habitacional.(...) Ao contrário de negar o entorno, o
conjunto integra-se ao tecido tradicional existente, fortemente marcado pela
formação de quarteirões, praças e largos. Seus quintais têm sobretudo
caráter funcional, centralizando atividades domésticas ligadas à limpeza,
como lavagem e secagem de roupas. A privacidade dos moradores foi
garantida com limites claros entre a esfera privada das casas e os espaços
públicos externos. As áreas livres frontais funcionam como espaços
"semiprivativos", de transição entre a rua e a casa, utilizados na maioria dos
casos como garagens e jardins (SERPA, 1997).
CONJUNTO NO MUNICÍPIO DE CARAPICUÍBA, SÃO PAULO
FONTE: MACEDO, Silvio Soares. Quadro do Paisagismo no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 68
39
No entanto, nem todos os projetos seguiram esta linha, usando ainda a
Prefeitura de São Paulo como exemplo, é possível citar o projeto Cingapura, em
1993. Nome curioso inclusive, tendo em vista que é homônimo a um país asiático,
exemplo clássico do liberalismo selvagem, o qual ergue sua condição de
superpotência econômica mundial a partir da utilização de mão-de-obra barata
(semi-escrava) de países vizinhos, como Filipinas.
Esse projeto, baseado na verticalização de favelas, tem como aspecto
positivo a não relocação das famílias beneficiadas para áreas mais distantes. No
entanto, ele marca um retorno à concepção dos conjuntos habitacionais modernos, a
partir do momento que os projetos são implantados sem participação popular, são
padronizados, negam o entorno e não valorizam dos espaços livres de edificação
(SERPA, 1997). Assim o projeto Cingapura nega o direito da população de baixa
renda à arquitetura, nega o habitar com dignidade daqueles que no país asiático
seriam certamente filipinos.
Este adendo referente aos conjuntos habitacionais torna claro que a
existência de espaços livres de edificação para fins de lazer e convívio não garante
a sua utilização. O mesmo ocorre em áreas que seguem os padrões urbanísticos
“ideais”, as chamadas áreas "nobres", com taxas de ocupação baixas que
condicionam a existência de generosos espaços livres privados, em forma de Spas,
áreas gourmet, piscinas, academias, dentre um repertório vastíssimo de itens que
nada mais são do que mercadoria vendida pelo capital imobiliário na forma de infra-
estrutura, símbolos de status social.
Será que estes espaços privados são realmente apropriados pelos seus
moradores? Ao que parece a existência não está atrelada à qualidade e esta não é
diretamente relacionada ao investimento financeiro. E qualidade aqui pode ser
definida pela capacidade deste espaço ser blico mesmo sendo privado, não
enquanto fração ideal de propriedade de um terreno, mas enquanto fração de uma
coletividade social.
Será que a padronização funcionalista dos conjuntos habitacionais modernos
não é tão danosa à vida coletiva quanto a reprodução de arquétipos de status social
em loteamentos e condomínios residenciais dos mais variados extratos sociais?
40
Uma vez que a padronização de equipamentos, elementos estéticos e formais,
sugere a padronização de comportamento e conseqüente empobrecimento das
relações cotidianas que são virtualizadas a partir do esvaziamento da sua essência:
a imaginação, a liberdade, a experiência?
Essas duas questões são complexas e não são exclusivas dos espaços
privados. Elas se referem a processos presentes também nos espaços públicos
urbanos.
Será que a existência de espaços públicos destinados ao lazer e convívio
social garante a sua eficiência? Será que a padronização de equipamentos e
estrutura funcional e formal de parques e praças não empobrece a relação da
sociedade com esses espaços que se tornam virtuais a partir do momento que só
existem enquanto potencialidade?
A abordagem dessas questões é de grande relevância à discussão do uso e
apropriação de espaços, sejam públicos ou privados, como locus de interação
social. Desta reflexão certamente surgirão novos questionamentos e talvez
respostas as questões desta pesquisa.
41
3- PARALELA EM MOVIMENTO: A Avenida Luís Viana e seu
entorno
A Avenida Luís Viana articula fatores e elementos de várias ordens que
perpassam o seu território. Tendo em vista que se trata de um dos maiores eixos
articuladores urbanos, se não o maior, devido ao fato de intermediar uma grande
zona habitacional ocupada por pessoas de extrato de renda social baixo (Miolo da
Cidade); a Orla com sua baixa densidade, porém ocupada por uma população de
melhor poder aquisitivo, com áreas de grande potencial para o Lazer e Turismo; e o
centro Iguatemi/Pituba. Configurando-se como meio de ligação de todas estas áreas
com municípios de grande importância da RMS, como Lauro de Freitas e Camaçari
através da Estrada do co, cuja importância enquanto aglutinadora do comércio e
serviços é crescente.
Para compreender o papel local e regional da Avenida Paralela é importante
saber como foi o processo sócio econômico que deu origem a sua construção e
consolidação enquanto eixo viário estruturante no desenvolvimento da cidade de
Salvador.
3.1 EVOLUÇÃO DA CIDADE DE SALVADOR: meio século de processo de
modernização
Na vida da cidade momentos decisivos; no caso das cidades brasileiras
um destes momentos pode ser identificado no período pós Segunda Guerra Mundial.
Trata-se menos de um divisor de águas e mais de uma fase de transição que se
estendeu por quase um quarto de século, até a inauguração de uma nova fase de
crescimento: pós 64.
A partir de meados da década de 40 do século passado, na Bahia,
desenvolve-se a agricultura, melhoram os transportes e as comunicações, explora-
se o petróleo, assentam-se com o planejamento as bases para a industrialização e,
42
junto à expansão da informação e do consumo, crescem as cidades e a vida de
relações (SANTOS, 1999:8).
FIGURA 06
Então, Salvador se prepara para abandonar seu papel secular de “capital
incompleta” e passa vigiar e melhor comandar seu território, dele recebendo
contingentes que em 25 anos fazem triplicar sua população (menos de 350 mil em
meados da década de 40, cerca de 1 milhão e 150 mil em 1970) (PORTO, 1990: 2).
43
Neste processo, a cidade diversifica sua atividade, produz um novo arranjo de
profissões e classes sociais e parte à conquista do seu espaço, criando novos
bairros e ainda ocorrendo a aparição de outros, onde, nas ditas ”invasões”, instala-
se uma população dinâmica e de baixa renda. O Velho Centro, como diz Santos, ao
mesmo tempo, se moderniza e se degrada e se espalha sobre bairros residenciais
tradicionais, pois não é suficiente para abrigar o comércio e os serviços de
Salvador. Surgem, primeiramente, na Liberdade, Calçada e Barra novos pólos de
atividade.
Diversos sítios, produzidos em quatro séculos de existência, são ocupados. A
franja litorânea é urbanizada, mas ainda são deixados intactos inúmeros ”vazios”.
Nesta fase, o advento da chegada da Petrobrás, juntamente com a euforia do pós-
guerra, se faz acompanhar de uma massa de investimentos e salários muito
concentrada num espaço restrito Salvador e Recôncavo - sem precedentes
(SAMPAIO, 1999: 106). Um dos reflexos se na construção civil, a partir da ”crise
na habitação”, com o aumento intenso da demanda, e da dotação de infra-estrutura
para subsidiar a produção metropolitana: a cidade vai ganhando feições modernas.
A infra-estruturação preconizada por Mário Leal Ferreira no plano do EPUCS,
no início da década de 40, influenciada pela Semana de Urbanismo (1935), é a base
adotada para as futuras obras.
As perspectivas econômicas trazidas pelo petróleo e a explosão
demográfica transformaram Salvador em uma caldeira sob pressão. Era
preciso prever soluções para sua expansão espacial. Contratado pela
municipalidade, o engenheiro Mário Leal Ferreira instala seu Escritório do
Plano de Urbanismo da cidade do Salvador EPUCS, e começou a traçar
diretrizes de zoneamento, notadamente para a habitação e serviços
públicos, e as normas para os centros cívicos, os centros de abastecimento
e as vias comunicacionais. O Plano ficará sem efeito, pois seu autor
desaparecerá, em 1947, e a sua execução, mesmo parcial, requeria
investimentos vultosos e uma vontade política incomum (SCHEINOWITZ,
1998:9).
É digno de nota que a urgência das mudanças e a estrutura político
econômica da época ”congelou” as grandes diretrizes planejadas na dimensão social
(redes de água, esgotos, sanitários, educação, saúde, áreas verdes e de recreação),
reduzindo o plano às questões viárias, dando suporte ao rodoviarismo pós-64
(SAMPAIO, 1999: 105).
44
Em meados da década de 1960, a cidade se vale novamente de seus
”vazios”, dando costas ao Velho Centro que era, praticamente, toda a Cidade
Histórica - e edificando outro todo novo, para a administração, e ainda outro,
próximo ao primeiro, e igualmente novo, destinado aos negócios, na tentativa de ser,
após Brasília, a segunda capital mais moderna do Brasil.
FIGURA 07
A Figura 07 ilustra o processo de descentralização espacial das atividades
comerciais e de serviços da Cidade que ocorreu devido à articulação de vários
fatores, principalmente das relações sócio econômicas fundadas na alavancagem da
industrialização no Nordeste e na Bahia. A cidade portuária passa a ser cidade
terciária, uma vez que a metrópole se torna cidade-dormitório do seu subúrbio
industrial, localizado na sua Região Metropolitana (PORTO, 1999: 3).
Com esta consolidação da economia industrial a maioria das avenidas de
vale, timidamente iniciadas nos anos 50, puderam ter suas obras aceleradas e
concluídas nas décadas seguintes, 60 e 70.
45
Agora, a cidade se instala em todos os seus sítios: litorais, vales, encostas,
alagados, chácaras... ”Foram necessários 50 anos para que a demografia pudesse
dobrar, entre 1900 e 1950. Entre 1950 e 1999, a população urbana quase
quintuplica, passando de 650 mil para cerca de 3 milhões de habitantes” (SANTOS,
1999).
FIGURA 08
3.1.1. Avenida Luís Viana: vetor de crescimento de Salvador
Os estudos para o estabelecimento de um Plano de Urbanismo da Cidade de
Salvador realizado pelo EPUCS partia do conceito que deveria ser estabelecido um
46
sistema integrado de redes de avenidas: uma implantada nas cumeadas (com
viadutos interligando os espigões) para um tráfego lento de acesso aos bairros, e
outra no fundo dos vales onde deveriam ser construídas vias expressas na forma de
parkways.
A equipe de Mario Leal Ferreira se baseou nas idéias de Olmsted para
cidades americanas, o qual propôs a criação de um "sistema de parques"
relacionando estes através de parques lineares ou avenidas parque, que por sua vez
estariam conectadas a outras de características semelhantes: pistas de rolamento
entremeadas e cercadas por áreas gramadas e arborizadas. Este modelo viário era
visto como “um esforço louvável de preservação do meio ambiente, mais igualmente
da saúde pública” (SCHEINOWITZ: 1998, 70).
A rede de vales traz uma solução natural; caminhando no meio de jardins,
permite uma extrema mobilidade e uma grande segurança que o fluxo de
carros é isolado das habitações e de outros componentes de tráfego que
tem uma pista própria. Além disto, os pedestres não usam essa rede, pois
as habitações estão situadas nas cumeadas onde chegam também
transportes coletivos. Enfim, a conjugação de avenidas de vale com as
redes de esgotos, os canais de drenagem e a distribuição de água, facilita a
manutenção e implantação dessas infra-estruturas (SCHEINOWITZ, 1998:
12).
FIGURA 09
O modelo espacial preconizado pelo EPUCS para as "avenidas de vale" prevê
que além de suas pistas de rolamento, as avenidas disporão de "área livre às suas
margens, a fim de permitir a localizada de parques, campos de recreação e de
VISÃO DO ENGENHEIRO MÁRIO LEAL FERREIRA – AVENIDAS DE VALE
FONTE: SCHEINOWITZ, A. S. O macroplanejamento da aglomeração de Salvador. Salvador: Secretaria da
Cultura e Turismo, EGBA, 1998, P. 62.
47
esportes, etc" (SCHEINOWITZ, 1998, 62). Esse aspecto não foi concretizado, assim
como foram alterados os traçados e características das vias propostas.
Assim, a construção da Avenida Luís Viana cujo traçado representa o vetor de
crescimento Orla, teve sua concepção baseada nas propostas das "avenidas de
vale", conforme o EPUCS, embora seu projeto não tenha atendido todas as
premissas planejadas.
Com a primeira pista entregue em 1971, a Avenida é inaugurada em 4 de
setembro de 1974 (SCHEINOWITZ, 1998: 60), com o nome de Avenida Luís Viana
Filho em homenagem ao então governador do Estado da Bahia. Logo foi batizada
pela população de Avenida Paralela, por ser paralela à orla marítima.
Em 31 de maio de 2002 foi sancionado o decreto de Lei nº 6.126 pelo prefeito
de Salvador da época, Antônio Imbassaí, onde ficou estabelecida a mudança do
nome da Avenida Luís Viana Filho para Avenida Luís Viana.
Projetada para ser, além de uma via direta para o Aeroporto, um instrumento
de expansão da urbe para as terras rurais do município, com seus 14 quilômetros de
extensão, a então Avenida Luís Viana liga a Avenida Tancredo Neves à extremidade
da Avenida Dorival Caymmi, oferecendo assim uma alternativa rápida à Otávio
Mangabeira que margeia a orla entre os bairros da Pituba e de Itapuã.
Construída numa faixa de domínio de 170 metros, a Avenida Expressa possui
duas pistas de 10,5 metros de largura cada, separadas por um canteiro central de
aproximadamente 79 metros (SALVADOR, 1999:05). Sua implantação teve um
grande impacto ambiental, devido ao seu traçado que obedeceu a premissa de ser o
mais plano e reto possível, reforçando a monumentalidade no eixo longitudinal e
transversal, e de significar a ligação da cidade ao futuro, à modernidade.
Dessa forma, uma área de Mata Atlântica Secundária de aproximadamente 1
milhão e 400 mil foi devastada a partir do desmatamento, cortes de terreno que
chegaram a 40 metros de altura. Vale ressaltar que os impactos iniciais são
pequenos perto dos impactos operacionais da via para a fauna e flora e da
48
conseqüente valorização e ocupação das terras do seu entorno, que acarretam a
derrubada da vegetação existente. Contudo isso não significa que a construção da
via não fosse necessária, mas que o projeto executado foi fruto de uma imposição
política e projetual, a qual não buscou minimizar os impactos no meio ambiente e na
qualidade ambiental urbana, como preconizava o EPUCS.
FIGURA 10
Na década de 70 é dado início a diversos acontecimentos que consolidam
quase que imediatamente a nova e mais extensa ”avenida de vale”. A primeira e
fundamental medida é a implantação do Centro Administrativo da Bahia CAB,
“projeto âncora de um novo pólo urbano” (SCHEINOWITZ: 1998, 60), e da sede de
outras entidades ligadas ao setor público, como foi o caso da Companhia
49
Hidroelétrica do São Francisco CHESF e da Companhia de Eletricidade do Estado
da Bahia COELBA. Em 72 foi inaugurado o Parque de Exposição Agropecuário de
Salvador, anteriormente localizado no bairro de Ondina.
A partir do decreto estadual 23.666 de 04/09/1973 foi viabilizada a
preservação legal do lago criado, em 1906, pelo represamento do rio Pituaçu, e das
áreas de Mata Atlântica do seu entorno (SCHEINOWITZ, 1998: 63), com o objetivo
de evitar que o crescimento urbano acelerado o afetasse juntamente com as áreas
verdes circunvizinhas. Assim, foi criado o Parque Metropolitano de Pituaçu com
equipamentos voltados para o lazer e a cultura.
O primeiro pólo habitacional à margem da Paralela começa a ser construído a
partir de meados da mesma década.
Em 30 de setembro de 1978, o Instituto de Orientação às Cooperativas
Habitacionais INOCOOP entrega o Condomínio Rio das Pedras com 528
apartamentos localizados perto da via expressa, no limite oeste do Parque
do Pituaçu. No mesmo mês, a Habitação e Urbanização da Bahia URBIS,
a sociedade do Estado da Bahia encarregada de produzir habitações
populares, comercializa a primeira etapa de um projeto de 982 unidades
(SCHEINOWITZ: 1998, 67).
Nos quatro anos seguintes o INOCOOP entrega o conjunto destinado à
classe média, Moradas do Imbuí, que acabou dando o nome ao bairro. As
construções continuaram, resultando no ano de 1983, na ocupação do Imbuí por
mais de 15.000 habitantes (SCHEINOWITZ, 1998: 68).
FIGURA 11
50
Na área em frente a este bairro, do outro lado da Paralela, a partir de 1978,
foram construídos 4.032 apartamentos populares, resultando no bairro de
Narandiba, e de 3.540 casas e 443 lotes urbanizados em Mussurunga, em frente ao
Parque de Exposição. "Com essas duas iniciativas o Governo trazia 36.000 pessoas
para a área” (SALVADOR, 1995: 182).
A ocupação existente antes destas intervenções era de baixa densidade, de 2
a 3,5 habitantes por hectare, baixa renda familiar e recente (cerca de 5 anos),
consistindo em condições precárias de vida, que praticamente não havia infra-
estrutura, como abastecimento de água e rede de esgoto. A situação jurídica dos
terrenos era diversa, sendo que poucos possuíam título de propriedade,
conformando um quadro de atraso e miséria. Esta população foi contemplada com
unidades habitacionais nos conjuntos construídos no local segundo Scheinowitz
(1998: 214-220).
FIGURA 12
51
Outros conjuntos vieram para a Paralela e para as vias transversais tais como
as Avenidas Pinto de Aguiar, Orlando Gomes e Jorge Amado que fazem ligação
com a Orla Marítima, e a rua São Marcos que conecta a Via Expressa com o bairro
de Pau da Lima. Entre eles, o Vila dos Flamboyants, o Vivendas do Rio, o Paralela
Park, o condomínio Aldeia das Pedras, o Conjunto ASA, o Vila 2 de Julho, o
Conjunto dos Seguritários, o Conjuntos dos Contabilistas e o Bosque da Lagoa.
Com o passar dos anos, os primeiros números consolidaram-se. O bairro do
Imbuí, com mais de 25.000 moradores, passou a ser procurado por pessoas
mais abastadas exigindo equipamentos mais sofisticados. Vários shoppings
convergiram para lá, notadamente o Superbox, um Hipermercado de
alimentação com 6.200 de área útil e 1.500 vagas de estacionamento à
disposição dos clientes do bairro e da enorme população do entorno que
foge dos engarrafamentos do Centro Urbano Antigo, mas também do Novo
Centro. Para a Paralela, vieram diversos emprendimentos públicos (...) e
privados, como revendedoras de veículos, o jornal Correio da Bahia e um
campus da Universidade Católica do Salvador, ao longo da Avenida Pinto
de Aguiar (SCHEINOWITZ: 1998, 69).
FIGURA 13
Notadamente uma área com uma ocupação tão rápida e diversificada como
esta atrai, como no restante da cidade, populações de classe social de renda baixa
CONJUNTO FLANBOYANTS, Av. Paralela, 2006.
FONTE: Claudia Lima
52
sem condições de adquirir lotes ou imóveis, mas ”dispostos” a satisfazer a demanda
local de mão-de-obra de baixo custo para serviços domésticos e nas empresas do
entorno. Outro fator importante foi a disponibilidade de terras desocupadas. Em abril
de 1982, ao lado do Parque de Exposição Agro-pecuário, à margem da Paralela se
instalaram 43 famílias que rapidamente se tornaram centenas.
Quando em março de 1983, a justiça deu razão ao dono do terreno, o
Estado ofereceu aos invasores lotes urbanizados na região periférica de
Couto. Nem todos foram. Em dezembro de 1987, um cadastramento feito
pelo Governo, revelou uma população de 2.965 famílias (SALVADOR, 1995:
196).
O fato é que, hoje, as Malvinas se transformaram em Bairro da Paz, com
várias dezenas de milhares de habitantes e com uma infra-estrutura incipiente.
Outras aglomerações habitacionais resultantes do processo de "invasão
também são identificadas nas áreas adjacentes à Avenida Paralela, algumas mais
consolidadas, como é o caso do Alto da Ventosa em Pernambués, ao lado da
Avenida Luiz Eduardo Magalhães, considerado através da Lei 3.592 de
16/11/1985, como Área de Proteção Sócio-Ecológica APSE. As mais recentes
datam da década de 90 e se localizam ao logo da Avenida Edgar Santos; entre o
Parque Metropolitano de Pituaçu e o Bairro do Imbuí; atrás do CAB, conurbado com
o bairro de Sussurana; entre o CAB e a Avenida São Rafael; entre o Parque de
Exposição e a Avenida Dorival Caymmi e no entorno do bairro de Mussurunga.
FIGURA 14
OCUPAÇÃO URBANA ENTRE A AV. SÃO RAFAEL E O CAB, 2007.
FONTE: Claudia Lima
53
3.1.2 A Paralela hoje
A Avenida Luís Viana é identificada no Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano PDDU (1985/2004) como um componente fundamental da estrutura
urbana da cidade: um corredor de transporte de massa capaz de induzir o
crescimento de áreas adjacentes e articular as novas áreas de expansão com o
Centro Tradicional, sub-centros e nucleações de atividades já consolidadas.
Sua classificação como Via Expressa VE normatiza uma série de
características necessárias à sua função de ligação entre o sistema rodoviário
interurbano e o sistema urbano (PDDU, 2004) contempladas no seu Projeto
Funcional (1999), uma vez que não contém todos os critérios de categorização: a)
ser dotada de pista dupla com canteiro central; b) ter retornos e interseções em
desnível; c) ter passagem de pedestre em desnível; d) dar acesso à ocupação
lindeira através de Via Marginal; e) ter controle total dos acessos; f) permitir
implantação de transporte público de passageiros de alta capacidade.
Tendo em vista que o constante crescimento de fluxo de tráfego devido à
ocupação diversificada e cada vez mais intensa das áreas lindeiras é maior do que a
capacidade do Governo Municipal solucionar e gerir as demandas da Via, os itens b,
c e e estão, desde a sua construção, em desacordo com a sua classificação. No
anexo A encontram-se as obras que devem ser realizadas na Avenida Paralela,
preconizadas no PDDU.
Dados de 2002, fornecidos pela Superintendência de Engenharia de Tráfego,
SET, publicados no jornal A Tarde (13/09), demonstram uma taxa de crescimento
anual do número de veículos no trecho Iguatemi-Imbuí de 11% enquanto a taxa
média da cidade é de 4 %. Estes índices (defasados, mas aqui explicitados pela
indisponibilidade de dados mais recentes) indicam o atraso nas intervenções na
Avenida Paralela, que em horários de pico fica congestionada em parte de sua
extensão, principalmente nas proximidades do bairro do Imbuí, demonstrando
problemas de retenção de fluxos e diminuição de sua velocidade operacional,
estipulada no Projeto Funcional em 80 km/h e determinada no PDDU em 100 km/h.
54
Nesta via se registra um elevado número de acidentes de tráfego
(SALVADOR, 1999: 16), como atropelos e colisão de veículos com vítimas fatais,
tendo em vista que existem apenas cinco passagens de pedestres em desnível
(passarelas elevadas), além de quatro semáforos para travessia, sendo que estes
configuram solução precária, pois não oferecem segurança total para os pedestres,
representam pontos de contenção de tráfego de veículos e estão em desacordo com
a normatização da via prevista nas Leis nº 3525/1985 e nº 6586/2004 (ANEXO B).
Ainda segundo essas Leis, estão condenados os acessos a três postos de
abastecimento de veículos e um acesso ao monumento ao Deputado Luís Eduardo
Magalhães, localizados no canteiro central, e os três retornos no mesmo nível da
Avenida Paralela.
Com relação às áreas adjacentes à Avenida Luís Viana, a configuração atual
é bastante diferente da época de sua construção, tendo em vista que esta é uma
das áreas mais dinâmicas da cidade neste início de século.
FIGURA 15
Segundo a Lei do Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo, LOUOS,
esta área se configura como Área de Concentração Linear de Uso Múltiplo (C7) e
como Zona de Concentração de Uso (ZR17) (ver ANEXO C), consistindo numa
55
grande variedade de usos do solo, devido a sua capacidade de atração de
atividades e empreendimentos imobiliários.
FIGURA 16
FIGURA 17
CONCESSIONÁRIA DE VEÍCULOS DA CITROEN: Av. Paralela,2007
FONTE: Claudia Lima
SHOPPING CENTER E CENTRO EMPRESARIAL ALPHA MALL – Alphaville, Paralela,2007
FONTE: Claudia Lima
56
Assim, é possível identificar a presença de Supermercado (Extra); sedes de
empresas (Odebrecht); instituições educacionais de nível superior (UNIFACS, Jorge
Amado, FTC, entre outras) e médio (Colégio Villa Lobos); Hospitais (São Rafael e
Sarah Kubitschek.); concessionárias de veículos (Grande Bahia, Itapoã Veículos,
Danton, Eurocar, entre outras); postos de gasolina; loja de varejo (Le Biscuit);
Espaço de Eventos (antigo Parque Aquático Wet Wild e Bahia Café Hall);
shopping centers (Imbuí Plaza, Caboatã Center); centros empresariais (Alphaville
Mall) estação rodoviária (Mussurunga) e grandes empreendimentos residenciais
(Alphaville I e II).
FIGURA 18
FOTO AÉREA AVENIDA PARALELA: à direita (de baixo p/ cima) loja de varejo, revendedoras de automóveis,
bairro Mussurunga, à esquerda Parque de Exposições e Bairro da Paz, ao fundo "vazios" urbanos, 2000.
FONTE: MARCELO LOPEZ
57
3.2 ANÁLISE SOBRE A OCUPAÇÃO DO ENTORNO DA AVENIDA
PARALELA: um enfoque no espaço público
Cabe aqui proceder uma analise sobre a ocupação adjacente à Avenida Luís
Viana tendo como enfoque a dotação do entorno da Via de espaços livres públicos
para fins de lazer, recreação e esporte, sem no entanto esquecer o papel político
destas áreas como espaços do acontecer cotidiano das relações e representações
sociais.
Para tanto foi delimitada uma área de estudo, baseada na divisão da Cidade
em setores censitários, como forma de obter dados estatísticos acerca das
condições de infra-estrutura deste espaço e condições socioeconômicas da
população residente.
O critério para tal delimitação geográfica, representada cartograficamente na
página seguinte, foi de abarcar as ocupações lindeiras à via e a ela relacionada
através do sistema de avenidas transversais (Luís Eduardo Magalhães, Jorge
Amado, Edgar Santos, Pinto de Aguiar, São Rafael, Orlando Gomes e Dorival
Caymmi). Assim foram identificados 258 setores censitários.
A área de estudo é formada fisicamente por Áreas Altas de Relevo Aplainado,
que de forma geral são propícias para a construção civil; Áreas de Encostas, que
não favorecem a implantação de projetos de urbanização (geralmente ocupadas
irregularmente por populações de extrato social de renda baixo) e Áreas de Vales,
que configuram as partes baixas (SALVADOR, 1995:18).
Inserida na bacia do Rio Jaguaribe, segunda maior bacia de drenagem natural
da cidade, a área de estudo possui uma configuração hidrográfica bastante
ramificada. Embora não possua nenhuma nascente, rios como o Passa Vaca,
Trobogy, Mocambo e Mangueiras oferecem uma conformação paisagística que
alterna áreas verdes (Mata Atlântica Secundária), áreas edificadas e espelhos
d`água. Vale ressaltar que a qualidade das águas, bem como a drenagem local,
encontra-se muitas vezes comprometida, principalmente pelo despejo de afluentes
sanitários dos assentamentos humanos, lixo e entulho. Como conseqüência direta
deste processo é possível identificar o alagamento de trechos das vias marginais à
Avenida Paralela, como a área em frente ao bairro do Imbuí.
FIGURA 19
DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DO ENTORNO DA AVENIDA PARALELA
59
A área de estudo possui alguns dos últimos remanescentes de Mata Atlântica
de Salvador, apenas o Parque São Bartolomeu apresenta características
semelhantes no município. A cobertura vegetal unida às características hidrográficas
possibilita a criação de inúmeros nichos ecológicos para espécies animais, sendo
uma importante reserva não só da flora como da fauna.
Segundo Relatório de Impacto Ambiental RIMA do loteamento Alphaville
(V&S, 2000: 82), o índice de área verde por habitante na cidade de Salvador é de 4
m², o que é considerado baixo, principalmente se for analisado quanto a distribuição
e acessibilidade às áreas de maciços vegetais.
FIGURA 20
Ainda hoje é possível dizer que existem vazios urbanos na área, embora
estes, desde meados da década de 1990, têm sido crescentemente utilizados. A
liberação e conseqüente construção do Parque Aquático Wet'n Wild e do
condomínio Alphaville representaram uma grande derrota e diminuição das forças
dos grupos sociais contrários a ocupação dos "vazios" por conta do seu valor
ambiental.
FONTE: JORNAL A TARDE, 27/05/2001: 4.
60
A discussão no período a partir de 1998 e os 5 anos seguintes foi calorosa,
com direito a debates públicos e diversas manifestações de protesto, alcançando
boa parte da população pela veiculação na imprensa de matérias a respeito da
ocupação destes espaços, chamada de ocupação desordenada. Vale ressaltar que
embora a construção dos projetos tenha sido aprovada, o seu processo foi válido
pela participação da população e seu posicionamento frente a grandes
empreendimentos imobiliários, o que até então era raro, seja pelas condições
políticas (ditadura militar), pela pressa e volume das mudanças, ou pela própria
conscientização dos habitantes: a forma da cidade passa a ser pensada não mais
apenas por políticos e técnicos do planejamento, passa a ser de domínio também da
sociedade civil organizada ou não.
FIGURA 21
Quanto a ocupação habitacional, a poligonal de estudo se caracteriza pela
presença de populações de classe média e alta na área próxima à orla marítima, e
de baixa renda nos conjuntos habitacionais e loteamentos geralmente localizados na
porção interior. Alguns aglomerados urbanos foram decorrentes do planejamento
governamental e da ação de empreendimentos imobiliários previstos para se
EXTENSAS ÁREAS VERDES E LAGOAS NATURAIS: Terreno à margem da Avenida Paralela.
FONTE: JORNAL A TARDE, 27/05/2001: 4
61
conformarem deste modo, enquanto outros, como o caso do Bairro da Paz, são fruto
do processo de apropriação irregular do solo.
FIGURA 22
A Figura 22 ilustra como a população residente no entorno da Avenida
Paralela se distribui espacialmente e demonstra as áreas de maior concentração
habitacional, as quais na sua maioria compreendem uma população de baixa renda.
Esta conclusão pode ser observada na Figura 23, na página seguinte, a qual
espacializa os chefes de domicílio conforme sua renda.
Estes dois índices (população e renda) ratificam a paisagem da área de
estudo observada no trabalho de campo.
FONTE: IBGE 2000
ELABORAÇÃO: MARIA CECÍLIA MAIA
ORGANIZAÇÃO: CLAUDIA LIMA
AREA DE ESTUDO
DENSIDADE HABITACIONAL
62
FIGURA 23
RENDA POR CHEFE DE DOMICÍLIOS
FONTE: IBGE 2000
ELABORAÇÃO: MARIA CECÍLIA MAIA
ORGANIZAÇÃO: CLAUDIA LIMA
63
O aglomerado urbano de Pernambués é caracterizado por uma população
extrato social de renda baixa, que ganha em sua maioria de 0 a 5 salários mínimos
em geral, sendo que as rendas menores são identificadas no Alto da Ventosa,
invasão que se limita ao sul com a Avenida Paralela (altura da concessionária
Grande Bahia) e ao leste com a Avenida Luís Eduardo Magalhães e encontra-se
conurbada ao norte com Pernambués.
FIGURA 24
Outras áreas com perfil semelhante estão situadas em parte do bairro de
Mussurunga e no Bairro da Paz, vale ressaltar que a situação de pobreza nestes
bairros é mais agravada, já que a grande maioria da população recebe de 0 a 2
salários mínimos.
No setor censitário correspondente ao CAB, uma discrepância se forem
analisados os dados referentes à densidade populacional e renda. Apesar da baixa
densidade, garantida pela conformação espacial do Centro Administrativo da Bahia,
uma leve distorção neste parâmetro, uma vez que no entorno desta área
institucional existem áreas de invasão com intensa aglomeração habitacional. Este
fato fica claro com os baixos valores de renda.
RESIDÊNCIAS DO ALTO DA VENTOSA, Pernambués, 2007.
FONTE: Claudia Lima
64
FIGURA 25
FIGURA 26
Outra questão que fica evidente é a ocupação diferenciada da parte interior
da área de estudo e da parte próxima ao litoral. Os mapas temáticos relativos a
rendas superiores a 10 salários mínimos (Figura 23) ilustram bem essa divisão.
ALTA DENSIDADE NA OCUPAÇÃO EM TORNO DO CAB, 2007.
FONTE: Claudia Lima
O CENTRO ADMINISTRATIVO DA BAHIA, BAIXA DENSIDADE, 2007.
FONTE: Claudia Lima
65
O mosaico de cores identificado nos cinco mapas relacionados à renda
evidencia a forma de ocupação característica de Salvador, que agrega em espaços
próximos populações economicamente diferenciadas, estabelecendo uma relação
dialética e, dentro do possível, estável, entre fonte de emprego e fonte de
empregados, com atritos e reações característicos do processo de diferenciação e
exclusão social.
FIGURA 27
A Figura 28, referente a escolaridade dos habitantes da área de estudo,
ratifica a relação entre renda e número de anos de estudo. Os habitantes com baixo
índice de escolaridade geralmente se localizam nos setores censitários ocupados
por populações de baixa renda. Assim, o mapa que representa as pessoas que
recebem de 0 a 5 cinco salários mínimos é bastante semelhante ao mapa de 0 a 4
anos de estudo.
PRÉDIOS RESIDENCIAIS DE CLASE MÉDIA, BAIRRO DO IMBUÍ, 2007.
FONTE: Claudia Lima
66
FIGURA 28
ESCOLARIDADE (ANOS DE ESTUDO)
FONTE: IBGE 2000
ELABORAÇÃO: MARIA CECÍLIA MAIA
ORGANIZAÇÃO: CLAUDIA LIMA
67
O mesmo ocorre ao relacionar os mapas temáticos referentes às populações
de renda superior a 10 salários mínimos e com mais de 12 anos de estudo. Estando
incluídos moradores do Bairro do Imbuí, condomínios residenciais em Patamares
e limítrofes à Avenida Orlando Gomes, atrás e ao lado do Clube Costa Verde.
Quanto a faixa etária, de um modo geral a população é jovem, possuindo até
24 anos. Os setores censitários com população superior a 50 anos geralmente se
refere a ocupações mais antigas como Nova Brasília, Narandida Sul, Saboeiro,
Imbuí e Patamares, com cerca de 4 décadas de implantação. Vale ressaltar que a
antiguidade das ocupações é relativa, uma vez que é uma área distante do cleo
inicial da Cidade de Salvador, e começou a ser urbanizada na década de 70.
A figura seguinte, refere-se a dotação de infra-estrutura por domicílio,
analisada a partir de dados sobre coleta de lixo, rede de abastecimento de água e
rede de coleta de esgoto.
A coleta de lixo é realizada em mais de 70 % das residências, sendo os
índices mais baixos encontrados no Bairro da Paz, que também apresenta uma
situação comparativamente inferior no que se refere ao abastecimento de água.
Quanto a rede de esgoto, com exceção de Pernambués, as áreas de
ocupação irregular apresentam os menores índices, como acontece em quase toda
a Cidade. Pernambués e o Alto da Ventosa sofreram intervenção na época da
construção da Avenida Luís Eduardo Magalhães, recebendo melhorias de infra-
estrutura e aparência, com o rebocamento e pintura das fachadas vistas. As áreas
com melhores índices referem-se à maioria dos conjuntos habitacionais, como
Saboeiro, Narandiba, Trobogy e Mussurunga, aos conjuntos residenciais como o
Paralela, Amazonas e Flamboyants e ao bairro do Imbuí. Os setores referentes ao
CAB, Patamares e parte do bairro de Mussurunga têm seus índices reduzidos pela
existência de áreas ocupadas irregularmente.
68
FIGURA 29
FAIXA ETÁRIA
ONTE: IBGE 2000
ELABORAÇÃO: MARIA CECÍLIA MAIA
ORGANIZAÇÃO: CLAUDIA LIMA
69
FIGURA 30
INFRA-ESTRUTURA POR DOMICÍLIO
FONTE: IBGE 2000
ELABORAÇÃO: MARIA CECÍLIA MAIA
ORGANIZAÇÃO: CLAUDIA LIMA
70
Tendo como a análise dos espaços públicos, o ponto principal da área de
estudo é o Parque Metropolitano de Pituaçu. Sua existência desde a década de 70
foi traduzida em espaço de lazer, recreação, esporte e cultura na década
seguinte, quando se tornou acessível à população através da Avenida Otávio
Mangabeira. Assim, apesar de estar em uma posição central em relação à área de
estudo, que na década de 80 possuía uma ocupação habitacional consolidada, o
Parque tinha um difícil acesso, devido a distância de sua entrada. Seu maior valor
para a população do entorno interior era paisagístico.
FIGURA 31
Em 1995 foi entregue a primeira reforma do Parque que agregou o Espaço
Mário Cravo, com diversas esculturas deste artista, ganhando uma configuração
mais contemporânea. Dez anos depois foi feita outra intervenção, numa busca ao
projeto inicial de Pituaçu, o qual previa um acesso pela Avenida Paralela, na área
cedida ao CAB para implantação da Superintendência do Centro Administrativo da
FOTO AÉREA AVENIDA PARALELA: CAB e Parque Metropolitano de Pituaçu, 1999.
FONTE: MARCELO LOPEZ
71
Bahia, a SUCAB. Desta forma, este Parque, que com o tempo passou a ser
largamente utilizado pela população de toda a Cidade nos finais de semana, passa a
ser mais acessível.
Fora esta opção de Espaço Público Urbano a população do entorno tem que
se deslocar para outras áreas da Cidade, como o Parque do Abaeté em Itapoã, o
Parque da Cidade na Pituba e a orla marítima (citados como opção de lazer nas
entrevistas realizadas).
Cabe agora analisar os espaços públicos e espaços livres de edificação
existentes nas ocupações habitacionais da área de estudo.
No bairro de Pernambués os principais locais de encontro da população são
dois campos de futebol: um localizado atrás da concessionária Grande Bahia,
próximo à Avenida Paralela, e outro localizado próximo à Avenida Luís Eduardo
Magalhães, em área de vale. Nestes locais são realizados campeonatos com os
times do bairro e da cidade. Fora estas opções, mais voltadas para a população
masculina, os encontros, passeios de bicicleta, brincadeiras infantis são realizados
nas ruas próximas à residência com baixo ou inexistente fluxo de veículos.
FIGURA 32
CAMPO DE FUTEBOL, Alto da Ventosa, 2007.
FONTE: Claudia Lima
72
A partir de 2001, com a entrega da Avenida Luís Eduardo, as crianças
começaram a brincar de pipa nas calçadas, canteiro central e viadutos, estes
espaços também se transformaram em locais para a pratica de caminhadas,
corridas e ciclismo.
FIGURA 33
O bairro do Imbuí possui uma ocupação essencialmente verticalizada. Nos
edifícios mais antigos, as áreas livres se transformaram em estacionamento,
restando espaço, em alguns casos, para quiosque com churrasqueira, parque infantil
e uma pequena área de congraçamento. No mais, os espaços destinados às
brincadeiras infantis são os playgrounds. Nos edifícios mais novos áreas de
lazer comuns aos edifícios contemporâneos de classe média e alta, como quadra de
esportes, sala de ginástica, salão de festas, piscina, etc. , e os estacionamentos
para um ou mais carros por unidade domiciliar são previstos. Os jovens e adultos
utilizam as barracas que vendem lanches e bebidas que ficam principalmente na via
marginal a Avenida Jorge Amado e no canteiro central desta.
PARQUE INFANTIL: pracinha no Alto da Ventosa, 2007.
FONTE: Claudia Lima
73
FIGURA 34
FIGURA 35
IMBUÍ: Via marginal à Av. Jorge Amado, 2007.
FONTE: Claudia Lima
IMBUÍ: barracas e barzinhos como lazer de jovens e adultos, 2007.
FONTE: Claudia Lima
74
O Projeto Urbanístico Integrado Narandiba, implantado no final da década de
1970, tem algumas de suas áreas construídas na delimitação geográfica da área de
estudo: a Narandiba Sul e Saboeiro. A construção da Avenida Edgar Santos foi a
espinha dorsal do Projeto (SCHEINOWITZ, 1999: 221), sendo a via que liga a
Avenida Paralela à aglomeração populacional. Outra via importante é a Saboeiro
que liga Narandiba à ocupação de mesmo nome. A prioridade do governo na
implantação do Projeto foi dada a Narandiba Norte, a qual possuía maior índice de
infra-estrutura, com a construção de Cabula II e IV, Beiru e Engomadeira.
Assim os equipamentos de lazer e esporte encontram-se fora da área de
estudo, embora estejam próximos a ocupação implantada na parte sul do Projeto.
No entanto, esta área é melhor dotada de centros educacionais, de saúde e
elementos viários, do que áreas de lazer, as quais estão praticamente resumidas à
praça de esporte de Engomadeira e aos Centros Sociais Urbanos. Desta forma,
restam aos habitantes de Narandiba Sul e Saboeiro os espaços livres existentes
entre as edificações, quando não são transformados em estacionamentos de carro.
FIGURA 36
QUADRA DE ESPORTE NA ROTATÓRIA QUE LIGA NARANDIBA A SABOEIRO: Lazer de poucos, 2007.
FONTE: Claudia Lima
75
As áreas de ocupação irregular no entorno do Centro Administrativo da Bahia,
próximas à Nova Sussuarana e à Avenida São Rafael são mais recentes, datam da
década de 90, e ocorrem em áreas de encosta. Lá, o lazer ocorre nas ruas, em sua
maioria, de barro e nos fundos de vale, onde existem também algumas plantações
de subsistência. Não foi encontrado registro de utilização das extensas áreas
ajardinadas do CAB.
FIGURA 37
A invasão de áreas do entorno do Parque de Pituaçu, tem neste espaço
público e nas ruas a sua fonte de lazer. Já nas ocupações irregulares entre o Parque
de Pituaçu, o Imbuí e a Boca do Rio, a orla é a referência.
Os conjuntos habitacionais como o Paralela Park, Vila dos Flamboyants,
Vivendas do Rio, Aldeia das Pedras, Bosque da Lagoa entre outros, localizados em
vias Marginais à Avenida Paralela também possuem seus espaços livres ocupados
por vagas de estacionamento de veículos. Durante o dia, quando os carros estão
geralmente fora da área dos condomínios, as crianças e adolescentes utilizam o
OCUPAÇÃO RESIDENCIAL ENTRE A AVENIDA SÃO RAFAEL E O CAB: campo de futebol improvisado
no fundo de vale, 2007.
FONTE: Claudia Lima.
76
espaço para suas brincadeiras, à noite ficam em grupos entre os carros. Nos finais
de semana o lazer se dá, muitas vezes, longe de casa, em shoppings centers, praias
e parques. Ainda existem alguns barzinhos nas proximidades dos conjuntos onde
os jovens e adultos jogam dominó, assistem jogos de futebol, etc.
Os condomínios de residências unifamiliares habitados pelas classes sociais
de renda média e alta, localizados em Patamares e ao longo da Avenida Orlando
Gomes são dotados de infra-estrutura comum como clube, quadras de esportes,
parques infantis, etc, além das áreas privativas nos lotes dos moradores. Exemplo
recente desta forma de ocupação é o condomínio de residências de luxo Alphaville,
implantado em 2003. O sucesso deste empreendimento levou ao lançamento, em
2005, do condomínio Alphaville II, dentro dos mesmos preceitos do primeiro, a ser
construído na área do antigo parque aquático Wet´nWild e redondezas.
O Bairro da Paz, ocupado por cerca de 65 mil habitantes (IBGE, 2000), não
possui sequer uma quadra de esportes. Segundo os moradores existem duas
praças: uma que na verdade é o fim de linha de ônibus do bairro (Figura 38) e a
outra, entregue em 2006, voltada para o público infantil (Figura 39). No mais, o lazer
ocorre nas ruas e nas estreitas calçadas, nas quais os adultos e idosos põem suas
cadeiras e conversam e as crianças jogam bola, "pulam elástico", andam de
bicicleta, etc.
FIGURA 38
PRAÇA PRINCIPAL DO BAIRRO DA PAZ: Estátua símbolo do bairro e alguns bancos, 2007.
FONTE: Claudia Lima
77
FIGURA 39
O bairro de Mussurunga possui basicamente duas formas de ocupação:
conjuntos habitacionais com residências uni e pluri familiares e "invasões". A
primeira possui um uso similar ao descrito para Narandiba e Saboeiro e a última
ocorre como no Bairro da Paz.
O bairro é conhecido como a "terra dos aviões" em função destes
sobrevoarem o local em baixa altitude, preparando-se para a aterrissagem no
aeroporto. Também possui uma atmosfera pacata de "cidade do interior”, o que lhe
garante uma característica pouco visível nos outros bairros: a tranqüilidade.
FIGURA 40
MUSSURUNGA: Praça, 2007.
FONTE: Claudia Lima
78
São Cristóvão, por conta de estar localizado entre a Avenida de mesmo nome
e o limite municipal, tem uma relação mais intensa com a orla e com Lauro de
Freitas. existem dois campos de futebol, freqüentemente utilizados. No mais,
guarda semelhanças com a ocupação de Mussurunga.
Vale ressaltar que a presença de shoppings de bairro no Imbuí e em São
Marcos (Avenida São Rafael) também configuram como opções de lazer voltadas
para os condomínios e conjuntos habitacionais, uma vez que nesses espaços a
disponibilidade de recursos financeiros corresponde a meio de acesso.
Como foi possível observar, a área de estudo, de um modo geral, é carente
de espaços públicos. Os espaços livres, os chamados "vazios", não são urbanizados
e são de propriedade particular devendo se transformar em outras áreas
habitacionais, segundo planos dos seus proprietários (ARQPLAN, 2000).
As populações melhor servidas de áreas de lazer são as de melhor renda por
conta de possuírem infra-estrutura privada. A facilidade de locomoção e a disposição
de recursos acarretam também em um aumento de opções e diversificação de
formas de lazer na cidade.
A ocupação da área de estudo privilegiou de forma geral o sistema viário, a
dotação de comércio e serviços locais, centros comerciais, escolas, hospitais e
centro médicos, entre outros. O lazer ficou relegado aos espaços privados e, no
caso da classe de renda baixa, para os espaços livres existentes.
Fora o Parque de Pituaçu, que foi projetado para uma demanda regional, não
existem outros parques e as praças são resultado, geralmente, de aproveitamento
de sobras de espaços, assim como os campos de futebol. A criação dessas poucas
áreas deveu-se a reinvidicações populares a partir da apropriação de terrenos
desocupados, caracterizando-se por uma infra-estruturação muitas vezes deficiente.
Como exemplo, podem ser citadas a praça infantil do Bairro da Paz e a do Alto da
Ventosa, "coincidentemente" as áreas com populações mais pobres.
79
FIGURA 41
FIGURA 42
A partir desta análise é possível seguir para uma próxima etapa do estudo: a
pesquisa de campo realizada no canteiro central da Avenida Paralela e a apreciação
dos seus resultados, os quais podem ratificar os dados neste capítulo explorados.
IMBUÍ PLAZA: Centro de comércio e serviços do bairro, 2006.
FONTE: Claudia Lima
COMÉRCIO E SERVIÇOS: Conjunto Amazonas, Paralela, 2007.
FONTE: Claudia Lima
80
4- O CANTEIRO CENTRAL DA AVENIDA PARALELA
O canteiro central é um espaço público linear com 14 quilômetros de extensão
e 79 metros de largura, que se estrutura na atualidade em uma série de subespaços,
utilizados pela população como opção de lazer, convívio social e contemplação,
construídos ao longo de três décadas e meia.
Do ponto de vista técnico o canteiro central de uma via é um elemento físico
separador de pistas de trânsito de veículos.
No caso da Paralela, este elemento viário ainda tem como objetivo técnico
absorver qualquer necessidade de ampliação da Avenida, como ocorreu entre 1998
e 1999 quando foi realizada a construção da quarta faixa das duas pistas da via.
FIGURA 43
Com a solidificação da Avenida Luís Viana, através da ocupação de suas
áreas adjacentes, veio a implementação do paisagismo do seu canteiro, iniciado em
1976 e concluído cinco anos depois, quando foram construídos três postos de
abastecimento de combustível (SALVADOR, 1999:06): o BR1, em frente ao bairro
81
do Imbuí, o BR2 após o viaduto do CAB e o BR3 nas proximidades do bairro de
Mussurunga.
A concepção paisagística do local, ao contrário do que muitos pensam, não
foi de Burle Marx. Este renomado profissional fez apenas o projeto para o CAB e
para a área em frente a este na Avenida Paralela, com extensão de 2.000 metros.
No entanto, Marx sugeriu que o restante da entrepista desta via mantivesse o
mesmo conceito projetual, de modo a criar uma unidade na imagem destes dois
espaços, símbolos da modernização de Salvador.
O projeto, a implantação e a manutenção do paisagismo do canteiro central
ficaram a cargo da Superintendência Urbana do CAB (SUCAB) como forma de
estreitar ainda mais estes dois espaços. Foi criado então, ainda como sugestão de
Burle Marx, o Horto do CAB, situado ao lado da lagoa de Pituaçu, objetivando
atender as necessidades destas áreas, onde foi criado um viveiro de espécies
nativas e adaptáveis às condições ambientais locais. Em 1996 a manutenção do
canteiro central da Paralela foi desvinculada do CAB, ficando a cargo da Prefeitura
Municipal de Salvador.
A largura é praticamente homogênea ao longo de toda a extensão do canteiro
e de seus 850.000 de área aproximada. No entanto, existem diferenciações
quanto à topografia, ao aproveitamento paisagístico, a apropriação do espaço pela
população, além da presença de áreas alagadiças e pequenos lagos.
4.1 RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO
4.1.1 Metodologia da coleta de dados
Dentre as formas utilizadas para levantar as informações juntos aos usuários
do canteiro central da Avenida Luís Viana, destacam-se, como fonte primária, os
seguintes instrumentos: observação, registro fotográfico e aplicação de questionário
de pesquisa. No início da coleta de dados foram adotadas como fontes preliminares
a observação direta e a sondagem de opinião através de entrevistas semi-
estruturadas (observação participante).
82
O processo fotográfico mostrou ambigüidades em formas de paisagem, uma
vez que o caráter ambíguo das fotos surge da possibilidade destas serem, ao
mesmo tempo, a realidade (ou o simulacro dela) e a revelação de “coisas” que o
olho não vê.
Tais procedimentos indicaram mais do que paisagens, indicaram aspectos
fundantes para a elaboração do questionário.
A metodologia utilizada cumpriu papel estratégico no desenvolvimento da
pesquisa, que perseguiu uma relação de troca e intercâmbio, de aproximação e
distanciamento e, principalmente, um jogo de alteridade.
A compreensão, a participação e a receptividade das pessoas pesquisadas e
observadas foram elementos incentivadores, ao tempo em que confirmaram a
importância do processo dessa pesquisa para o objetivo proposto, demonstrando a
relevância do tema.
A partir da observação participante, o canteiro foi subdividido em quatro
áreas, de acordo com o uso e com a conformação física e funcional, de forma a
viabilizar uma compreensão social do espaço mais próxima da realidade.
A primeira área está compreendida entre a ligação da Avenida Tancredo
Neves com a Avenida Paralela e o primeiro retorno em nível desta. A área dois
segue a partir do limite com a área um até o segundo retorno em nível da Avenida. A
terceira área é a menor, terminando em local próximo à Avenida Orlando Gomes. A
quarta e última segue até o fim da Avenida. Essas divisões encontram-se
representadas na Figura 44.
A partir das características estudadas em cada área do canteiro central as
suas especificidades ficaram claras, justificando a divisão da área de estudo.
Contudo, compreendê-las separadamente, seria um erro, assim são analisadas de
forma inter-relacionada.
83
FIGURA 44
AREAS DE ESTUDO DO CANTEIRO CENTRAL DA AVENIDA PARALELA
Os autores que analisam o mecanismo perceptivo mencionam existir
diferenças na percepção em função de aspectos como: faixa etária, sexo, nível de
escolaridade, ocupação profissional e renda. Desta forma, alguns desses dados
foram incluídos nos questionários aplicados à população usuária do espaço público
do canteiro central.
Como a intenção era focar o uso e apropriação desta área, não foram
pesquisados dados como renda ou ocupação profissional, tendo em vista que o
questionário tinha que ser breve e objetivo. Portanto, foi preferível questionar itens
como a existência e a qualidade de espaços públicos e espaços de lazer no bairro
de origem.
A sistematização das informações obtidas em campo foi realizada através de
gráficos e quadros intercalados por fotografias, mapas temáticos e comentários.
Durante a aplicação dos questionários duas dinâmicas de abordagem aos
usuários do canteiro central foram utilizadas:
a) fixo em um determinado ponto o entrevistador solicita aos que ali passam
que respondam as perguntas essa dinâmica exigiu que o entrevistador
eventualmente acompanhasse o entrevistado andando ao seu lado.
b) o entrevistador aborda indivíduos ou pequenos grupos presentes na área.
É importante ressaltar que a abordagem, do ponto de vista do gênero, idade e
raça, seguiu critérios aleatórios.
4.1.1 Alise dos resultados
Quanto à utilização das áreas, a Figura 45, relativa ao percentual de usuários
por área de estudo, representa as diferenças existentes. Esses dados correspondem
à capacidade de atração de usuários que cada área possui.
FIGURA 45
PERCENTUAL DE USUÁRIOS POR ÁREA DE ESTUDO
A área 1 tem como principal elemento de convergência de pessoas a
presença de um lago, em frente ao bairro do Imbuí, no qual são desenvolvidas
atividades de lazer. Outro fator importante é a existência do posto de abastecimento
de combustível BR1 que viabiliza o acesso e estacionamento de veículos no canteiro
central.
Outro elemento que influencia a área é a proximidade com aglomerações
habitacionais como os condomínios residenciais Amazônia e Paralela, as
localidades de Saboeiro e Narandiba e as Avenidas Edgar Santos e Jorge Amado.
FIGURA 46
FONTE: Dados obtidos da pesquisa de campo realizada entre fev. de 2006 a fev. de 2007
ELABORAÇÃO: Claudia Lima
26%
37%
5%
32%
AREA 1
AREA 2
AREA 3
AREA 4
FIGURA 47
A área 2 tem a maior quantidade de usuários justificada na existência de infra-
estrutura para atividades de lazer, recreação e esporte implantada desde o ano de
2002, além de acesso para pedestres (1 passarela e 2 semáforos) e veículos,
possuindo estacionamento ao lado do monumento ao Dep. Luís Eduardo
Magalhães.
Segundo estudo anterior realizado no canteiro central (LIMA, 2001:12),
atividades como caminhada e corrida eram realizadas no local antes da
implantação da infra-estrutura, sendo a realização desta uma reivindicação da
população.
Uma entrevista com o arquiteto Luiz Simas (idem:16), funcionário da SUCAB
na época, revela que desde a construção da Avenida Paralela surgiram propostas
para utilização do canteiro central para fins de lazer, sendo que todas elas
esbarravam na questão da segurança. Ele citou o alto índice de atropelos da via,
que com o passar dos anos, com a instalação de semáforos e passarelas, foi
diminuindo.
Ainda segundo Simas em 1996, devido à demanda existente e o desejo de
ressaltar a importância do CAB, foi encomendado pelo Governo do Estado um
projeto ao renomado paisagista nacional José Tabacow. O orçamento de 1,5
milhões de reais justificou a não construção da área de lazer que ocuparia o espaço
onde hoje se situa o sistema de ciclovias e pista de cooper com cerca de três
quilômetros.
ÁREA 1: Lago em frente ao bairro do Imbuí, 2006.
FONTE: Claudia Lima
FIGURA 48
A figura acima mostra o monumento em homenagem ao falecido deputado
Luís Eduardo Magalhães, construído em 2000, que consta de estacionamento com
20 vagas para visitantes, espelho d’água com fonte luminosa, estátua do político,
área de contemplação com bancos. O projeto de autoria do reconhecido arquiteto
baiano Assis Reis, foi construído com matérias nobres, quase todo em granito e
possui policiamento em tempo integral para inibir depredação do local.
Com relação a este equipamento, foi possível observar que seu potencial de
atração de visitantes/usuários é baixo, pois apenas a área do estacionamento é
constantemente utilizada. A maioria das pessoas que utilizam o canteiro central
apenas passa ao lado do Monumento, através da ciclovia e pista de cooper.
Nenhum dos entrevistados indicou o equipamento como elemento de destino,
mesmo estacionando o veículo no local como forma de acessar o canteiro para
prática de caminhadas e ciclismo.
FIGURA 49
ÁREA 2: Infra-estrutura implantada no canteiro central, 2007.
FONTE: Claudia Lima.
ÁREA 2: Monumento ao Dep. Luís Eduardo Magalhães, 2006.
FONTE: Claudia Lima
Ainda existe na área 2 um lago, em frente ao Conj. Vila dos Flamboyants, que
também atrai usuários, além do posto de abastecimento de combustíveis BR2, que
tem no espaço de conveniências e no quiosque de acarajé seu ponto de
convergência de pessoas.
FIGURA 50
FIGURA 51
ÁREA 2: LAGO E COND. VILA DOS FLAMBOYANTS AO FUNDO, POSTO BR E QUIOSQUES DE LANCHES,
2001.
FONTE: Claudia Lima
A área 3 é a menor e a mais preservada do canteiro central. Seu baixo índice
de utilização ocorre pelo isolamento do local, pois praticamente não possui
ocupação no seu entorno. Seu principal atrativo é a presença de árvores frutíferas e
de pássaros. Possui também uma área m nível mais baixo do que o da Avenida.
Esta característica, segundo usuários, é importante, pois o local fica menos exposto
ao ruído, sendo mais reservado.
FIGURA 52
FIGURA 53
FIGURA 54
A última área, a número 4, é a segunda mais utilizada. Sua localização em
frente à áreas de alta densidade que têm acesso direto à Avenida Paralela (sem vias
marginais) é um elemento facilitador para sua utilização.
FIGURA 55
O maior atrativo desse trecho do canteiro central é um espaço com cerca de
800 metros de extensão, praticamente plano, que fica em nível mais baixo do que as
pistas da Avenida. existem algumas árvores frutíferas como mangueira, de
jamelão e de goiaba, além de um afluente do Rio Jaguaribe. Próximo a este local
existe uma área (no nível da via) bastante arborizada e sombreada por s de
jamelão. Ainda há outro espaço arborizado que também atrai muitos usuários. O
acesso é feito por travessia da Avenida, sendo facilitado pela presença de três
sinaleiras para pedestres.
FIGURA 56
FIGURA 57
O Quadro abaixo mostra os usos identificados no canteiro central neste
período de um ano de pesquisa de campo.
As áreas dois e quatro não são as mais utilizadas como possuem a maior
diversificação de atividades, a área 1 também possui usos variados enquanto a
terceira é mais restrita.
Colocados esses dados, os resultados da pesquisa expressos a seguir
correspondem ao perfil dos usuários como forma de oferecer subsídios para a
compreensão da dinâmica social que neste espaço se estabelece.
Os dados demonstrados nos gráficos da Figura 58 possibilitam o
conhecimento da população que se apropria da área de estudo pela faixa etária,
sendo possível diagnosticar uma considerável concentração populacional nas três
primeiras faixas (de 5 a 29 anos).
FIGURA 58
A existência de freqüentadores do canteiro central acima dos 50 anos,
registrada apenas nas duas primeiras áreas, se justifica pela melhor infra-estrutura e
acessibilidade, bem como pelas atividades realizadas.
FIGURA 59
Quanto ao sexo dos usuários, as áreas 1, 2 e 4 apresentam números
parecidos, havendo uma discrepância muito grande entre o número de homens e de
mulheres como mostra a Figura 60. A pesquisa de campo não forneceu dados para
justificar esses números, mas a partir de outras perguntas do questionário aplicado
foi possível verificar que provavelmente a falta de segurança não é o motivo. Uma
justificativa plausível é a predominância de atividades realizadas principalmente por
homens.
FIGURA 60
PERCENTUAL DE USUÁRIOS POR SEXO
FONTE: Dados obtidos da pesquisa de campo realizada entre fev. de 2006 a fev. de 2007
ELABORAÇÃO: Claudia Lima
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Área 1 Área 2 Área 3 Área 4
FEM
MASC
ÁREA 1: PRATICANTES DE NAUTIMODELISMO, A MAIORIA POSSUI MAIS DE 50 ANOS E É APOSENTADA,
2007.
FONTE: Claudia Lima
Com relação ao perfil dos usuários é necessário fazer algumas considerações
para justificar a pesquisa desses dados, uma vez que foi analisado o perfil do
morador do entorno da Avenida Paralela no capítulo anterior.
A observação participada na etapa inicial do trabalho de campo, realizada um
mês antes da aplicação dos questionários, identificou que a origem dos utilizadores
do espaço em estudo era diversificada, não sendo apenas de origem local. Então, a
exploração e análise de dados obtidos do IBGE (2000) relacionados às áreas
adjacentes à Avenida Luís Viana não eram suficientes para traçar o perfil específico
dos freqüentadores do canteiro central. É válido ressaltar que a identificação da
origem dos usuários residentes nos setores censitários analisados permite a aferição
dos dados coletados em campo.
FIGURA 61
A Figura 61 representa em gráficos o nível de escolaridade dos usuários por
área do canteiro. Com base nos dados, é possível aferir que as áreas 1 e 2 atraem
freqüentadores com mais anos de estudo, ao contrário das outras duas nas quais
não existe indivíduos pesquisados com nível superior de ensino. A primeira área é a
que apresenta melhores resultados, principalmente comparando estes dados aos de
faixa etária.
O próximo dado foi pesquisado com o intuito de mensurar a intensidade de
utilização, uma vez que em horários de pico foram registrados em média os
respectivos valores para cada área: 20, 62, 6 e 60 pessoas.
FIGURA 62
Os números mais significativos, no canteiro central como um todo,
correspondem a uma freqüência de uso semanal, aos sábados e domingos. A Área
2 da qual se esperava valores altos para o uso diário ou durante a semana, devido a
prática de cooper, caminhadas e ciclismo como forma de esporte, não correspondeu
as expectativas. No entanto, os resultados são condizentes com um espaço público
para lazer e recreação, nos quais a maior intensidade é verificada nos finais de
semana.
A freqüência elevada na área 1, aos sábados e domingos, se refere as
atividades de rapel (na passarela do Extra Supermercado), nautimodelismo, pesca e
banho no lago. No entanto algumas crianças e adolescentes freqüentam diariamente
este local para brincadeiras e para “esfriar a cabeça” (no sentido de se refrescar).
Na segunda área, a única na qual foi registrada uma utilização rara, 46% dos
usuários não têm uma freqüência rotineira. De acordo com as entrevistas este dado
se refere a atividades como contemplação, passeios com os filhos ou namorados,
consumo de bebidas e lanches.
Um entrevistado relatou que era a primeira vez que utilizava o canteiro:
estava se dirigindo ao Parque de Pituaçu, como fazia frequentemente, mas como
havia perdido o ônibus da orla resolveu acessar o parque pela Avenida Paralela. Ao
atravessar a pista achou o lugar “limpo, fresco e agradável” e resolveu ficar em um
banco sombreado por árvores lendo livros e revistas. Ao dizer que o lugar é mais
tranqüilo que o parque para ler e que por conta disso iria freqüentá-lo outras vezes,
me ofereceu um pouco do suco e biscoito, o lanche que sempre leva para os
domingos de leitura. Como a maioria dos que frequentam raramente ou
eventualmente a área, seu bairro de origem não pertence ao entorno da Avenida
delimitado nesta pesquisa.
As poucas pessoas que utilizam a área 3 têm como característica a
freqüência semanal, seja para passear com os amigos ou com os animais de
estimação (no caso, pássaros).
A última área é aproveitada de forma mais intensa, principalmente pela
prática de futebol, brincadeiras e encontros sociais.
Os próximos dados foram coletados com o intuito de analisar a qualidade da
relação dos usuários com o canteiro central, e os espaços públicos dos seus bairros
(caso existam).
FIGURA 63
SATISFAÇÃO COM AS CONDIÇÕES DO CANTEIRO CENTRAL
O maior índice de insatisfação ocorreu na área 4. Os usuários justificaram a
resposta negativa, em sua maioria, devido a falta de infra-estrutura como parque
infantil, quadra de futebol, área coberta para pic-nic (quiosque), entre outras. Os
satisfeitos alegaram falta de confiança no poder público para melhorar a área e
receio de não serem ouvidos e perderem o espaço: melhor deixar como está". Os
freqüentadores da área 3 disseram estar satisfeitos com o local alegando que a
vantagem do espaço é a vegetação, as árvores, as frutas: "aqui é bom assim", " o
verde é bom para distrair a mente".
Na área 2 o alto índice de satisfação se deve a existência de infra-estrutura. A
presença do monumento para um político foi colocada por alguns como aspecto
negativo. Um morador do Conjunto Flamboyant alegou que não deixou de usar o
local depois da construção deste equipamento porque não tinha outro lugar para
praticar exercícios: “eu ando aqui a mais de dez anos, quando não tinha nada. Agora
tenho que ver esse cara todo dia! Mudar de lugar por causa dele é desaforo, eu
venho aqui desde quando não tinha nada! Também não tenho outro lugar para dar
minha andada”, respondeu indignado.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
AREA 1 AREA 2 AREA 3 AREA 4
SIM
NÃO
FONTE: Dados obtidos da pesquisa de campo realizada entre fev. de 2006 a fev. de 2007
ELABORAÇÃO: Claudia Lima
Na primeira área, as maiores queixas se referem à limpeza, principalmente do
lago. A sugestão de alguns foi cerca-lo para que "não coloquem despacho" (ritual do
candomblé). Inclusive, esta foi a única área que se referiu negativamente à prática
de ritos religiosos no canteiro.
que a limpeza do canteiro foi citada, é válido colocar que a maioria dos
usuários tem consciência de que a manutenção depende deles: nas quatro áreas, os
usuários em geral procuram coletar papeis, embalagens, garrafas de bebida que por
ventura tenham consumido. Só foi constatada a presença de lixeiras nos postos de
abastecimento de combustíveis e no equipamento esportivo da área 2.
O questionamento sobre a existência ou não de espaços públicos no bairro de
origem dos usuários do canteiro e, no caso afirmativo, da sua qualidade revelou
alguns aspectos interessantes.
FIGURA 64
EXISTÊNCIA DE ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO DE ORIGEM
FIGURA 65
UTILIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO DO BAIRRO DE ORIGEM
0%
20%
40%
60%
80%
100%
AREA 1 AREA 2 AREA 3 AREA 4
SIM
NÃO
FONTE: Dados obtidos da pesquisa de campo realizada entre fev. de 2006 a fev. de 2007
ELABORAÇÃO: Claudia Lima
0%
20%
40%
60%
80%
100%
AREA 1 AREA 2 AREA 3 AREA 4
SIM
NÃO
FONTE: Dados obtidos da pesquisa de campo realizada entre fev. de 2006 a fev. de 2007
ELABORAÇÃO: Claudia Lima
FIGURA 66
SATISFAÇÃO COM O ESPAÇO PÚBLICO DO BAIRRO DE ORIGEM
De um modo geral, as pessoas entrevistadas, independente da idade,
compreendem o espaço público como praças e campos de futebol, demonstrando
um conhecimento sobre este aspecto no bairro de origem. A verificação destas
informações na área do entorno da Avenida Paralela possibilitou identificar e
registrar fotograficamente estas áreas: por campo de futebol as pessoas
compreendem um espaço com equipamentos característicos; os terrenos baldios ou
espaços livres de edificação, como os canteiros centrais, não foram identificados
como espaços públicos; a compreensão de praça vai desde um pequeno espaço
dotado de bancos a áreas com equipamentos como parque infantil e áreas
ajardinadas.
O último dado a ser apresentado é a origem dos usuários do canteiro central,
a partir do qual será possível fazer uma análise mais completa sobre este espaço
com a identificação da sua área de influência.
FIGURA 67
PERCENTUAL DE USUÁRIOS POR LOCAL DE ORIGEM
0%
20%
40%
60%
80%
100%
AREA 1 AREA 2 AREA 3 AREA 4
SIM
NÃO
FONTE: Dados obtidos da pesquisa de campo realizada entre fev. de 2006 a fev. de 2007
ELABORAÇÃO: Claudia Lima, 2007.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
AREA 1 AREA 2 AREA 3 AREA 4
ENTORNO DA
PARALELA
OUTROS BAIRROS
FONTE: Dados obtidos da pesquisa de campo realizada entre fev. de 2006 a fev. de 2007
ELABORAÇÃO: Claudia Lima
A separação dos dados por duas categorias (entorno da Paralela e outros
bairros) foi feita como forma de relacionar os dados coletados com os dados do
IBGE apresentados no capítulo 3. Para tanto foi considerada a mesma delimitação
geográfica apresentada na Figura 23.
FIGURA 68
PERCENTUAL DE USUÁRIOS POR ORIGEM NO ENTORNO DA PARALELA
Os usuários com origem no bairro de Pernambués utilizam as áreas 1 e 2.
Vinte e cinco por cento dos entrevistados se desloca de carro até o lago do primeiro
trecho para praticar nautimodelismo. Vinte por cento treina futebol com a equipe em
“campo” improvisado para competir em evento do bairro, neste caso a freqüência é
semanal e é justifica pela insuficiência de espaços para “jogar bola”. Um
entrevistado disse que o lugar é bom, apesar de não possuir trave e não ser
completamente plano, porque “é deles” e “não tem gente de olho”. As outras
pessoas ouvidas se dividem em atividades como ciclismo, caminhada, e treino para
corridas acessando o canteiro a pé ou de bicicleta.
0
5
10
15
20
25
30
PERNAMBS
IMB
SABOEIRO
NARANDIBA
COND. PARALELA
CABULA
VILA FLAMBOYANTS E CONJ. ADJACENTES
BAIRRO DA PAZ
MUSSURUNGA
FONTE: Dados obtidos da pesquisa de campo realizada entre fev. de 2006 a fev. de 2007
ELABORAÇÃO: Claudia Lima
FIGURA 69
Os entrevistados originários do Imbuí utilizam principalmente o segundo
trecho do canteiro para prática de esportes (ginástica, caminhadas e ciclismo).
Dezoito por cento utiliza o lago da área 1 para a prática de nautimodelismo,
enquanto vinte e sete por cento passeia com a família e leva os filhos para andar de
patins, skate ou bicicleta. Quase metade dos usuários do canteiro, apesar de
morarem num bairro lindeiro à via, se deslocam através de carros particulares. As
outras formas de acesso são a pé ou de bicicleta.
Cinqüenta por cento dos moradores de Saboeiro entrevistados se utilizam do
canteiro para banhos no lago, para "entrar em forma" e para "distrair a mente" (área
1). Sendo que 14% destes também vão ao canteiro para contemplar a paisagem e
relaxar. A outra metade utiliza a infra-estrutura da área 2. Todos se deslocam a
ou com bicicleta.
Narandiba é a origem de 10% dos usuários do canteiro central distribuídos da
seguinte maneira: 30% no trecho 1, 60% no trecho 2 e o restante no trecho 3. Com
exceção dos 20% que vão ao canteiro eventualmente de ônibus, o meio de
ÁREA 1: treino “secreto” de futebol de moradores de Pernambués, tarde de terça-feira, 2006.
FONTE: Claudia Lima
deslocamento é a pé. As atividades desenvolvidas são: pesca, banho no lago,
caminhada, corrida, contemplação da paisagem, passeios e encontros sociais.
FIGURA 70
As fotografias inferiores da Figura 70 mostram usuários do lago da área 1 do
canteiro que passam os domingos no local. Eles saem de casa pela manhã,
caminham cerca de trinta minutos e passam o dia “pescando”. retornam depois
das dezesseis horas. Quando têm dinheiro, voltam de ônibus. Os peixes que eles
pescam, quando não usam como isca, devolvem para o lago. Às vezes eles levam
lanche, outras vezes recebem dos trabalhadores do posto BR1 ou dos praticantes
de nautimodelismo - embora eles façam questão de falar que não pedem nada. O
objetivo é passear, brincar e sair de casa, pois no bairro não tem lugar para ficar, “só
na rua” (...)“na rua só tem menina chata” (...) “aqui a gente faz o que quer”.
Dentre os entrevistados, quatro usuários se identificaram como moradores do
condomínio Paralela Park, localizado na marginal que acesso à Avenida Edgar
Santos. Estes relataram que freqüentam o canteiro para a prática de exercícios, se
deslocando a pé.
FIGURA 71
Os moradores do Cabula utilizam o segundo trecho para a prática de
exercícios e vão caminhando.
O conjunto Vila dos Flamboyants e outros no seu entorno correspondem aos
usuários mais antigos da área 2, onde praticavam exercícios antes mesmo da
implantação de infra-estrutura. De um modo geral se sentem os “descobridores” da
Paralela e se referem à área como uma extensão das suas casas, no sentido de
posse e direito prioritário de uso.
Os moradores do Bairro da Paz e Mussurunga se restringem a utilização das
áreas 3 e 4, se deslocando a ou de bicicleta. A maioria usa o espaço para se
divertir, sendo a população que mais se identifica com o canteiro, se referindo a ele
como "o gramado". Ao contrário dos moradores dos conjuntos habitacionais
COND. PARALELA PARK: Apesar de possuir quadra poliesportiva, quiosque e outros equipamentos este
conjunto de edifícios à margem da Av. Paralela se configura como um local de origem de usuários do
canteiro central. 2006.
FONTE:Claudia Lima
próximos à Faculdade Jorge Amado, que têm uma relação de propriedade com o
espaço (fato que não deixa de revelar uma intimidade com o lugar), os moradores
desses bairros, em geral, tem uma relação afetiva, relacionando a área com a
liberdade, com um lugar onde se pode fazer qualquer coisa: conhecer pessoas,
passear com a família, se divertir, amarrar a rede no tronco das árvores e passar o
dia...
FIGURA 72
FIGURA 73
ÁREA 4: Domingo em família no "gramado", pic-nic, 2007.
FONTE: Claudia Lima
ÁREA 4: Namoro à sombra, domingo à tarde, 2007.
FONTE: Claudia Lima
Quando questionados sobre a existência de algum elemento que
representasse o canteiro ou a área que estavam utilizando, 45% dos usuários do
último trecho indicaram o “pé de jamelão”, enquanto 18% citou o sentimento de paz.
Cerca de 3% relacionou o espaço ao ruído e 5% aos carros.
A importância dessa árvore frutífera foi constatada em uma tarde de abril de
2006 quando foi registrada a presença de mais de cem pessoas, de idade e sexo
variados, coletando jamelão, brincando de “guerra” com o fruto, assemelhado a
azeitona preta, que deixa uma marca roxa na roupa da pessoa atingida, jogando
bola, conversando e brincando sobre a sombra da copa densa dessa vegetação.
Esse cenário se repete, segundo os presentes, entre os meses fevereiro e maio,
mas é no mês de abril que uma maior produção de frutos e conseqüente
aumento no número de freqüentadores do local.
FIGURA 74
FIGURA 75
ÁREA 4: fumando maconha e colhendo Jamelão, tarde de sexta-feira. 2007.
FONTE: Claudia Lima
Os conflitos relatados por usuários desse trecho se referem basicamente aos
“campos de futebol” localizados em área em frente ao bairro da paz. Existem dois
grupos que são “donos” destes espaços e estabelecem uma relação de poder e
mando sobre quem pode ou não jogar bola ali. Neste mesmo local foi presenciado o
consumo de drogas livremente. 60% dos entrevistados acima de 40 anos afirmaram
ter receio que as crianças brinquem nesse ponto específico, embora achem o
canteiro central um lugar melhor e mais seguro para as crianças em relação as ruas
do bairro.
FIGURA 76
Apesar da maioria dos entrevistados (72 %) residir na área de influência local,
o entorno da Avenida Paralela, foi possível identificar usuários do canteiro com
vindos de diversas partes da Cidade, conforme mostra o Quadro 02 que ainda
aponta a atividade realizada.
QUADRO 02 - Nº de usuários p/ bairro de origem fora do entorno da Paralela
Vale ressaltar que esse dado é significativo apenas para demonstrar que a
área de influência do canteiro central extrapola a esfera local e que a sua
atratividade está relacionada a diversos fatores. Entre eles os mais significativos
são: a existência de características físicas e de infra-estrutura específicas para
desenvolvimento de atividades como Mountain bike, rapel e nautimodelismo e a
proximidade com a área em relação a outros equipamentos.
Os moradores de Saramandaia se deslocam a ou de bicicleta. O
entrevistado que faz prática de pesca no lago da área 1 tem a mesma justificativa
que os demais para utilizar o canteiro central da Avenida Paralela: é o lugar mais
próximo que permite a prática da atividade.
As pessoas originárias de Sussuarana e de São Marcos são as que fazem
menor deslocamento dentro do grupo de origem fora do entorno da Paralela.
Enquanto as pessoas do primeiro bairro se deslocam a pé, cerca de 30% do
segundo utilizam veículo automotor próprio. São Marcos juntamente com Pau da
Lima, pelos dados, são os bairros fora do entorno que mais sofrem influência do
canteiro, utilizando principalmente a área 2.
As pessoas de origem nos bairros de Itapuã, Caminho das Árvores, Pituba,
Candeal, Rio Vermelho e Ondina utilizam o canteiro central da Paralela para
atividades esportivas específicas, que encontram no local características ideais para
praticá-las, como é o caso de rapel e mountain bike.
O grupo de Nautimodelismo tem membros que freqüentam o canteiro central
desde 1986, quando observaram que as características do lago eram boas para o
desenvolvimento da atividade. Desde então o grupo passou a se deslocar para lá,
estacionando seus veículos no posto de abastecimento de combustíveis BR 1, do
qual eles também usam a loja de conveniências para a compra de lanches e
bebidas. Segundo a comunidade do grupo no orkut (site de relacionamentos da
Internet) o lugar é o preferido na cidade.
FIGURA 77
Na época da implantação do paisagismo da Avenida Luiz Viana, concluída em
1981, foram introduzidos peixes nos dois lagos formados pelo afloramento do lençol
freático. Essa condição não interfere no nautimodelismo que consiste na montagem
de barcos motorizados, de controle remoto, movidos à combustível. A prática desta
ÁREA 1: lago em frente ao Imbuí é considerado o melhor lugar da cidade para a prática de
nautimodelismo, 2007.
FONTE: Claudia Lima
atividade requer uma dedicação e envolvimento grande fazendo com que as famílias
queiram participar juntamente com os praticantes. Durante a pesquisa de campo,
seja através de observação participativa ou aplicação dos questionários, foi possível
constatar a presença de esposas, filhos e netos dos praticantes que se encontram
aos sábados à tarde. Segundo os entrevistados às vezes as famílias combinam de
fazer pic-nic no local, que se torna uma área de estar, de encontros de amigos.
A prática de rapel, modalidade de esporte radical, consiste na utilização de
cabos para descida de obstáculos. No caso do grupo praticante da Avenida Paralela,
o obstáculo é a passarela localizada em frente ao Extra Supermercado. A atividade
é desenvolvida em horários predefinidos sempre aos finais de semana, havendo
uma rotatividade de pessoas, o que implica numa diversidade de bairros de origem
dos esportistas. O local é referência do rapel urbano em Salvador por conta de ser
um dos pontos mais elevados e de ter livre acesso, tendo sido "descoberto" a oito
anos.
Os praticantes de mountain bike não precisam de grupo para a prática do
esporte, eles justificam a escolha da Avenida Paralela pela existência de obstáculos
devido ao relevo, pela extensão e pela inexistência de locais com condições
similares dentro do perímetro urbano.
Os demais usuários do canteiro central com origem em bairros fora do
entorno da Paralela utilizam ônibus, moto ou carro particular como forma de
transporte e justificam a viagem citando a beleza e aprazibilidade do lugar que conta
com bancos e áreas arborizadas, além de fonte luminosa na área do monumento ao
Dep. Luiz Eduardo Magalhães.
Em visita ao terreiro Ilê Assipiá (Área de Proteção Cultural e Paisagística
desde 2000) no entorno da Avenida Paralela, conversando com a "filha de santo"
Terezinha, foi possível ter conhecimento sobre a prática de rituais de candomblé
(culto religioso de origem africana), identificados no canteiro central através da
presença de materiais utilizados, como galinhas mortas, farinha, milho, vasilhas de
barro, gamelas de madeira, velas, entre outros. Nenhuma pessoa que utiliza o
canteiro para este fim foi entrevistada, pois não foram encontradas, sendo
necessário buscar uma fonte externa. Segundo Terezinha, a área de estudo oferece
condições ideais para realização de "trabalhos" para alguns santos de candomblé,
uma vez que esta religião tem uma forte relação com a natureza. Desta forma o
canteiro central atrai adeptos desta religião de várias partes da cidade.
5 - CONCLUSÃO
A realização da pesquisa Paralela em Movimento: um estudo sobre a
apropriação do espaço público do canteiro central da Avenida Luís Viana fornece
base para a inferência de algumas considerações importantes. O ponto de partida
balizador do trabalho foi a análise do processo de desenvolvimento da área entorno
da Avenida Paralela e as formas de apropriação do canteiro central da via pela
população urbana.
A partir daí as informações e análises delinearam um caminho de confirmação
da hipótese decorrente da constatação de que a utilização do canteiro central da via
é crescente e advém da insuficiência de espaços públicos nos bairros de origem, os
quais, quando existem, geralmente não satisfazem os moradores, seja por
inadequação, falta de manutenção, insegurança ou por serem considerados como
um espaço que foi implantado pelo poder público "só para constar".
Com relação ao Planejamento Urbano foi verificada a ineficácia deste como
instrumento de resposta às necessidades básicas da população. Este fato se deve a
falta de interação entre os atos de pensar e agir, ou seja, os Planos não são
executados como são pensados.
Uma abordagem complexa e global, que não ignore a necessidade de
desconstruir as representações dominantes sobre a cidade e nem a necessidade de
construção de uma nova simbologia engajada a uma práxis democrática, pode ser
vista então como uma alternativa no modo de pensar e construir o espaço urbano.
A construção de um novo paradigma urbano faz parte da luta por uma nova
sociedade, mas enquanto tal interessa destacar aqui a sua especificidade.
Não se trata de acreditar no potencial transformador da soma de propostas
setoriais, mas muito de acreditar que, apesar dos determinantes em ultima
instância, sempre a dimensão do universal no particular. É aí que o
cotidiano é reconhecido e abre a oportunidade de remeter a consciência a
maiores vôos. A definição de projetos transformadores da experiência do
dia-a-dia ocupa um lugar fundamental na construção da utopia (MARICATO,
2000:169).
A produção e apropriação do espaço urbano não reflete as desigualdades
e as contradições sociais, como também reafirma e reproduz. É com esse papel
ativo, de reflexo e reprodutor de conflitos sociais que o ambiente construído
cotidianamente em espaços como o canteiro central da Avenida Paralela deve ser
encarado: o espaço não deve ser visto apenas como elemento de conjunção ou
disjunção, dentro de uma compreensão superficial do ambiente urbano, mas sim
como espaço da conexão, a partir da lógica conectiva defendida por Morin. Daí a
importância de não sufocar o conflito, mas, ao contrário, criar condições para sua
emergência e conhecimento e abrir espaços para o exercício democrático da
política.
(...)Se o sentido da política é a liberdade, então isso significa que nós,
nesse espaço (público) e em nenhum outro, temos de fato o direito de ter
expectativa de milagres. Não porque acreditemos religiosamente em
milagres, mas porque os homens, enquanto puderem agir, são aptos a
realizar o improvável e o imprevisível, e realizam-no cotidianamente, quer
saibam disso ou não (ARENDT, 1993: 122).
Assim, o espaço desse acontecer democrático e libertário é o espaço público,
é o espaço livre apropriado, fruto da necessidade do indivíduo-sociedade traduzir
seus desejos e carências através da construção simbólica da sua relação com o
lugar.
Desta forma, o referencial teórico-conceitual fundamentado nos pressupostos
da Geografia Humanística e Cultural, favoreceu a uma análise objetiva e subjetiva
do tema em foco, com base nos acontecimentos histórico-sociais, nos valores,
significados e expectativas da população que se apropria através da vivência e
experimento cotidiano deste espaço.
A metodologia fundamentou-se em estratégias variadas, como: estudo
bibliográfico e documental, observação não-estruturada, vivências em reuniões de
grupos sociais, aplicação de questionários com os usuários do canteiro central,
contribuindo para o processo de construção da pesquisa. Embora em alguns
momentos tenha ficado clara a necessidade de ampliar o trabalho empírico, a
metodologia inicialmente traçada foi capaz de alcançar o objetivo proposto.
A partir do esforço de enxergar e compreender as reverberações do processo
de Planejamento Urbano Moderno no Brasil e sua relação com o Espaço Público na
Cidade Real é possível concluir que: o que se faz em território restrito e limitado
geralmente ganha foros de universal no discurso do plano. Os investimentos na
periferia não contam para a dinâmica do poder político, como os próprios excluídos
não contam para o mercado. Durante o período do regime militar a repressão direta
dispensou as artimanhas usadas no processo de persuasão (MARICATO, 2000:
166), enquanto no período pós-64 o discurso social, na maioria das vezes, encobre
a prática administrativa anti-social (VILLAÇA, 1999, 198). A construção de uma nova
matriz urbanística passa pela eliminação da distância do planejamento urbano e
gestão, no entanto deve-se ter cuidado para não cair mais uma vez na ilusão de
uma cidade ideal que mascara os reais interesses da cidade real.
Contudo, pensar a cidade não deve ser um ato pessimista. Por exemplo, as
experiências passadas de planejamento não devem ser descartadas ou negadas: o
importante é não apenas o documento que se escreveu, mas o próprio processo de
elaboração de planos, que tem efeitos positivos como o aumento do conhecimento
da realidade que se pretende planejar e a disseminação de idéias sobre os
problemas da cidade e como ela deveria funcionar. Mesmo que no momento político
da realização do planejamento, as informações não sejam partilhadas e/ou sejam
dissimuladas, a história se encarrega de mostrar no futuro as idéias estudadas e
propostas, e se torna possível identificar na experiência passada tanto os erros
quanto os acertos, consistindo em aprendizado.
No que se refere ao espaço público, a cidade planejada deixou como herança
a configuração de espaços livres nos lotes, onde as edificações ficam isoladas em
meio a espaços não construídos. Claro que este conceito de lote não corresponde
às construções ilegais, as quais não obedecem a parâmetros urbanísticos
normativos pela própria escassez espacial, e mesmo quando ocorre na cidade legal
o espaço livre é privado. A conclusão é que nada substitui o espaço público
compreendido como espaço da ação política e este é de interesse da sociedade
como um todo, mesmo que mascarado pela necessidade de utilização de parques e
praças para fins esportivos, para ter contato com o verde com a natureza... Assim, o
uso do espaço público pode ser colocado como uma necessidade subjetiva de
vivenciar, construir e compartilhar o espaço urbano.
Ao trazer essas considerações para Salvador fica evidente a polarização de
cidades dentro da Cidade, a qual é marcada, desde sua implantação, por um
processo de produção espacial excludente. Desta forma, ao direcionar o olhar para o
entorno da Avenida Paralela abre-se uma janela para esta Cidade.
É verificada então a deficiência (ou inexistência?) de um sistema de espaços
livres públicos condizente com a realidade da população de Salvador, a partir do
momento em que foi constatada uma insuficiência de espaços para fins de lazer,
recreação, esporte e cultura, capazes de abarcar a necessidade da população
estudada de vivenciar um espaço de alteridade, onde as relações sociais são
construídas a partir dos conflitos e negociações cotidianas.
Dessa necessidade, acredita-se, que advem a apropriação do canteiro central
pela população, que transcende sua característica física de elemento separador das
duas pistas, desta que é a maior Avenida de Salvador, símbolo de caminho a ser
trilhado em busca do futuro da cidade.
À guisa de síntese é importante pontuar que pensar em qualquer intervenção
no canteiro central da Paralela:
É pensar em consolidar a diversidade de usos nesse lugar, corredor verde
que margeia várias aglomerações populacionais que em função da carência da
cidade de espaços públicos se apropriam desta área como forma de lazer;
É pensar que se pode preservar este espaço enquanto área de integração
social e não apenas enquanto reserva de espaço para expansão da via;
É pensar que o espaço público aproveitado como coletivo inteligente, como
diz Pierre Lévy, é um rumo à dinâmica para cidade democrática;
É contrapor-se à superficialidade das relações humanas a partir do
enraizamento da proposta com o terreno, com a cidade e com aqueles que nela
vivem ou passam;
É pensar que a dinâmica urbana de Salvador por ser marcada por uma ampla
pobreza e deficiência nos vários campos do existir, tem condições conflitantes frente
às perspectivas colocadas na atualidade para a qualidade da existência humana;
É saber que apesar das muitas propostas dos segmentos sociais organizados
feitas de maneira formal através de projetos, pesquisas, seminários, painéis etc.
ou mesmo informais através de debates e discussões –, o quadro da cidade muda
muito pouco, porque as transformações estão atreladas a projetos políticos de poder
que permeiam toda a dinâmica governista de dominação. Por outro lado, também
tem que se considerar que não sendo a realidade linear, a sociedade civil
organizada é uma aliada na luta pela cidadania com quem os fomentadores podem
contar com a luta em prol de mais harmonia ambiental para esta cidade;
Ainda tomando como suporte a teoria da complexidade de Edgard Morin,
deve-se considerar que projetos de transformação social passam por um contexto
conjuntivo construído à duras penas por quem acredita no ideal de uma sociedade
mais justa, porque sabe-se também que "se faz caminho ao caminhar" (se hace
caminho al andar) como diz o poeta espanhol Antônio Machado, e é nesta
perspectiva que esta dissertação é vista como uma semente que poderá ser um
fruto a ser semeado no terreno fértil dos que arquitetam o amanhã...
E se este trabalho for capaz de fazer com que as pessoas que a ele tiverem
acesso olhem com outros olhos os espaços livres urbanos como o canteiro central
da Avenida Luís Viana, ele já terá valido a pena...
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