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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
HUMBERTO COSTA
A RECEPÇÃO DO SUBLIME KANTIANO EM
SCHILLER
CURITIBA
2008
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HUMBERTO COSTA
A RECEPÇÃO DO SUBLIME KANTIANO EM
SCHILLER
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Filosofia da
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Jair Lopes Barboza.
CURITIBA
2008
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Dados da Catalogação na Publicação
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR
Biblioteca Central
Costa, Humberto
C837r A recepção do sublime kantiano em Schiller / Humberto Costa ; orientador,
2008 Jair Lopes Barboza. -- 2008.
135 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Curitiba, 2008
Bibliografia: f. 130-135
1. Kant, Immanuel, 1724-1804. 2. Schiller, Friedrich, 1759-1805. 3. Teatro.
4. Tragédia. I. Barboza, Jair Lopes. II. Pontifícia Universidade Católica do
Paraná. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. III. Título.
CDD 20. ed. – 142.3
Aos meus pais e aos meus verdadeiros
amigos, companheiros de todas as horas e
todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho seria impossível sem o auxílio de algumas pessoas, assim,
gostaria de expressar a minha gratidão. Agradeço...
ao professor Dr. Jair Barboza, que me orientou sempre com muita confiança,
respeito e honestidade;
à minha querida amiga e mestra, Clarice Alves Martins, que com suas
preciosas e instigadoras considerações, suas inúmeras leituras e correções, muito
contribuiu para a realização deste trabalho;
à Roti Nielba Turim, por descortinar outros horizontes em meu universo;
ao professor Fernando Bini, pelos preciosos apontamentos;
a Trajano, pelo incentivo;
a Beethoven, por tornar a realização este trabalho mais prazerosa;
aos meus queridos amigos que souberam compreender minha ausência;
à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUC-PR e a
todos os professores do curso, por intermédio do professor Dr. Antonio Edmilson
Paschoal;
e a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para o êxito desta
pesquisa.
...
“Não há nada mais terrível que
uma ignorância ativa.”
Goethe.
“La libertad, Sancho,
es uno de los más preciosos
dones que a los hombres
dieron los cielos; con ella
no pueden igualarse los tesoros
que encierran la tierra y el mar:
por la libertad, así como por
la honra, se puede y
debe aventurar la vida.”
Don Quijote – Miguel de Cervantes.
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo investigar como Schiller recebe o conceito de
sublime kantiano e como ele o desenvolve para fundamentar esteticamente a
compreensão que tem a respeito do teatro. Inicialmente, o conceito de sublime
schilleriano é construído respaldado no conceito kantiano. No entanto, à medida que
os estudos sobre tal conceito vão se desenvolvendo, o mesmo vai adquirindo outras
nuanças. Na tentativa de esgotar tal conceito, Schiller alterou a divisão proposta por
Kant, dando preferência à distinção entre sublime teórico e sublime prático. Para que
pudesse sustentar seu pensamento de que a culminância da beleza e da
sublimidade se dá na bela-arte, em especial, na tragédia, por intermédio específico
do teatro, necessitou alargar tal divisão. Todavia, sua fidelidade a Kant o impediu de
efetuar a união entre beleza e sublimidade. A tragédia, mesmo tornando visível a
sublimidade do herói, não deixa visível o sublime em sentido estrito. Assim, só se
pode compreender o sublime em Schiller pelo viés do simbólico.
Palavras-chaves: Sublime, Schiller; Kant; Teatro; Tragédia; Arte-bela.
ABSTRACT
The purpose of this dissertation is to research the way Schiller understands the
concept of the Kantian sublime and how he develops it to aesthetically base his own
comprehension about theatre. Initially, Schiller’s concept is based on Kant’s one,
however as the studies about such ideas achieve a certain development, new
nuances come out. In the attempt of changing such concept, Schiller altered the
Kantian proposal, giving preference to a distinction between the theoretical and
practical sublime. In order to give support to his thought that the highest level of
beauty and sublimity is inserted in the “Beautiful Art”, especially in the tragedy, by
specific means of theatre, he needed to enlarge such division. On the other hand, his
loyalty to Kant prevented him from making the union between beauty and sublimity.
The tragedy, even making visible the hero’s sublimity, does not permit visibility of the
sublime in its exact sense. Being so, we can only understand Schiller by means of
the symbolic.
Keywords: Sublime, Schiller; Kant; Theatre; Tragedy; Beautiful Art.
LISTA DE ABREVIATUAS
CFJ – Crítica da Faculdade do Juízo.
CRP – Crítica da Razão Pura.
CRPr – Crítica da Razão Prática.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 – O SUBLIME KANTIANO ................................................................. 14
1.1 – O JUÍZO ESTÉTICO ........................................................................................ 14
1.2 – O CONCEITO DE SUBLIME NA ESTÉTICA KANTIANA................................. 21
1.2.1 – O SUBLIME MATEMÁTICO E O SUBLIME DINÂMICO –
ESPECIFICIDADES.................................................................................................. 29
1.3 – SOBRE A ARTE, O GÊNIO ARTÍSTICO E AS “IDÉIAS
ESTÉTICAS” SEGUNDO KANT................................................................................ 40
CAPÍTULO 2 – O SUBLIME SCHILLERIANO: A LIBERDADE
ORIGINA-SE DA DESARMONIA ENTRE RAZÃO E SENSIBILIDADE................... 53
2.1 – O SUBLIME TEÓRICO E O SUBLIME PRÁTICO –
ESPECIFICIDADES.................................................................................................. 58
2.2 – O SUBLIME CONTEMPLATIVO DO PODER E O SUBLIME
PATÉTICO – ESPECIFICIDADES ............................................................................ 71
2.3 – O PATÉTICO: O SUBLIME DA AÇÃO E DA DISPOSIÇÃO
MORAL ..................................................................................................................... 83
CAPÍTULO 3 – O SUBLIME E A FUNDAMENTAÇÃO ESTÉTICA DO
TEATRO.................................................................................................................... 102
3.1 – O MOMENTO KANTIANO DA NOSSA DISCUSSÃO...................................... 102
3.2 – O MOMENTO SCHILLERIANO DA NOSSA DISCUSSÃO.............................. 110
3.2.1 – SCHILLER E O TEATRO.............................................................................. 113
3.2.2 – O PALCO PARA O SUBLIME ...................................................................... 118
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 124
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 130
11
INTRODUÇÃO
A sensatez da poesia é a Loucura.
Carlos Nejar.
Inegavelmente, o legado schilleriano é muito mais que uma ponte entre a
filosofia crítica de Immanuel Kant e a estética de Hegel. Em âmbito geral, seu
legado, pela imensidão das questões levantadas, pela fundamentação das
argumentações e pelas reflexões que ainda suscita, carece de legitimação que o
leve a ocupar um lugar de destaque. As especulações que acompanharam Schiller
em seu trajeto contribuíram para o amadurecimento de suas reflexões as quais,
juntamente com o caráter metafísico de seu pensamento, direcionaram-no para o
firme propósito de se debruçar sobre os grandes temas relativos à produção
humana, tais como a arte, a política, a ética, só para citar alguns, temas tão caros à
pesquisa filosófica.
Quando analisamos a temática que Schiller adotou, o que sobressai em
suas obras é uma abertura de idéias, que em nada se assemelha a um tratado
sistemático, obediente a todas as regras do bom comportamento analítico. Nada
compromete a força, a permanência e o alto grau de inspiração que exala de sua
proposta filosófica e literária. Estamos diante de um autor que é conhecido,
sobretudo, pelas suas obras dramática e teórica.
O pensamento schilleriano sobressai pela coragem de tentar romper com a
tradição, tanto no âmbito da literatura, quanto no da filosofia. Segundo HEGEL
(1996, p.80), o mérito de Schiller está em ter “ultrapassado a subjetividade e a
abstração do pensamento kantiano e tentado conceber pelo pensamento e realizar
na arte a unidade e a conciliação como única expressão da verdade”. Para Schiller,
a arte e a relação do sujeito consigo mesmo são um permanente estar estético no
mundo, já que indicam a razão absoluta do seu existir individual, política e
coletivamente, em consonância com a autonomia que representa o que é
moralmente bom. Certo está ele de que a arte é o caminho através do qual o homem
pode encontrar sua potência de humanidade.
12
Schiller vê o poder transformador da estética e mergulha com rigor no infinito
universo da arte e, com sua contundente escrita, percorre o difícil caminho crítico-
analítico quando Kant já havia feito cristalizar, na filosofia, uma indiscutível
determinação de que a construção estética se faz na subjetividade. O filósofo de
Königsberg é o pensador no qual Schiller vislumbra a possibilidade de fundamentar
a sua pesquisa filosófica sem, contudo, adotá-lo na integra quando critica a
subjetividade como formadora plena do significado da arte; quando o nega, está
ampliando o pensamento kantiano, quando o adota, toma-o como base.
A estética schilleriana lança luzes justamente naquilo que em Kant está
obscuro, ou seja, sobre o papel da moralidade e a relevância da liberdade. Para
Schiller a liberdade e a moral aparecem, em toda a sua plenitude, via experiência
estética de sublimidade, já que este sentimento nos possibilita a evasão do mundo
sensível e nos leva a comprovar a nossa autonomia moral.
A incursão de Schiller no terreno das especulações estético-filosófica não
encontra outra justificativa senão a de buscar a determinação da função e do lugar
das artes nos sistemas sociais. Perceberemos, segundo seus estudos, que a obra
de arte deve ser compreendida como sendo o signo material que engendra, no
sujeito, a experiência da totalidade, fazendo deste, senhor de sua plena humanidade
e de sua perfeição ética, uma vez que na fatura artística está cristalizada a
possibilidade de, no homem, o espírito se conformar à sensibilidade.
Mesmo que seus estudos nos levem a entender que não aceita uma
hierarquização na arte, Schiller privilegia a poesia e, de certa forma, concede
especial relevo ao teatro por considerar que este “... abre um infinito circuito ao
espírito sequioso de atividade, dando sustento a toda faculdade da alma, sem
sobrecarregar a uma única que seja (...)
1
. Todavia, como se dá esse processo? É
justamente a partir desse questionamento que nasce nossa proposta de trabalho, ou
seja, teremos por objetivo investigar como Schiller recebe o conceito de sublime
kantiano e como ele o desenvolve para fundamentar esteticamente a compreensão
que tem a respeito do teatro.
Para que possamos atingir satisfatoriamente o objetivo proposto, dividiremos
nosso trabalho em três capítulos. O primeiro refere-se à estética kantiana e se
justifica dadas à imersão e à apropriação que Schiller faz dos conceitos estéticos
1
SCHILLER, 1991a, p.34.
13
arrolados por Kant, principalmente sobre o sentimento estético do sublime. Também
discutiremos a questão da arte, o gênio e as “idéias estéticas”.
Inegavelmente, o pensamento de Schiller está profundamente enraizado no
legado teórico kantiano. Ao longo de sua incursão no terreno da especulação
filosófica, Schiller não só dialoga com Kant, mas também busca no seio do seu
sistema os argumentos necessários para sustentar e refutar alguns pontos e para
efetuar a reformulação de outros tantos. Assim, o segundo capítulo tratará da
questão do sublime e de seus desdobramentos e sobre a questão do patético,
segundo o pensamento de Schiller. Com o terceiro capítulo, pretendemos sustentar
a proposta deste trabalho.
No que se refere à sustentação teórica desta pesquisa, quanto à estética
kantiana, tomaremos por base a “Crítica da Faculdade de Juízo” (CFJ), de Immanuel
Kant, mais especificamente a “Critica da Faculdade de Juízo Estética”. Acerca da
estética schilleriana, teremos por base suas principais obras: “Kallias ou sobre a
beleza”, “Textos sobre o Belo, o Sublime e o Trágico”, “Fragmento das Preleções
sobre Estética”, “Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade” e “Teoria da
Tragédia”. Também recorreremos a outros autores, devidamente citados no decorrer
deste trabalho, cujas obras estão diretamente relacionadas com o tema em questão.
14
CAPÍTULO 1 – O SUBLIME KANTIANO
“Sublime é o que apraz imediatamente por
sua resistência contra o interesse dos
sentidos.”
Immanuel Kant
1.1 – O JUÍZO ESTÉTICO
Kant apresentou a Crítica da Faculdade do Juízo (CFJ) em 1790 com a
intenção de que esta obra pudesse servir de mediação entre a Crítica da Razão
Pura (CRP) e a Crítica da Razão Prática (CRPr). Dessa forma acabou por integrar a
estética no sistema da crítica, tratando-a como parte da filosofia transcendental
2
.
Todavia, não pretendeu ele estabelecer uma teoria específica dos objetos da
experiência estética, mas, sim, fornecer uma fundamentação válida à experiência
estética em geral.
Com a CFJ, Kant ocupou-se em encontrar não uma nova realidade, mas
uma matriz de inteligibilidade capaz de aproximar a idéia de natureza (mundo
sensível – fenômeno) com a idéia de liberdade (mundo moral – inteligível). Eis um
ponto de divergência tão caro aos críticos de Kant, pois estes, em sua grande
maioria, acreditam que coisas tão díspares jamais poderão ser conciliadas: como se
pode buscar a conciliação entre a liberdade com a necessidade dos processos da
natureza?
O conceito de liberdade nada determina no respeitante ao conhecimento
teórico da natureza; precisamente do mesmo modo o conceito de natureza
2
Ressaltamos que entre os estudiosos de Kant não há consenso quanto ao real motivo da
escrituração da CFJ. Não temos a intenção de nos aprofundar neste assunto, mas alguns
posicionamentos merecem atenção. Para LYOTARD (1993, p.9), a CFJ é muito mais que um ‘termo
médio’ entre a CRP e CRPr, é o restabelecimento da unidade filosófica após a severa “divisão” que as
duas primeiras críticas infligiram ao domínio do teórico e do prático.
Para LEBRUM (2002, p.515), a CFJ não pode ser entendida como uma obra residual (como querem
acreditar alguns estudiosos), na qual Kant procurou unificar temas para os quais não encontrara lugar
nas outras duas críticas. Para Lebrum, as considerações apontadas na CFJ constituem-se, ainda hoje,
em um “referencial salutar para as reflexões no campo da estética”.
15
nada determina às leis práticas da liberdade. Desse modo não é possível
lançar uma ponte de um domínio para outro.
3
No final da Introdução da CFJ, Kant menciona o abismo que separa os
conceitos de natureza e liberdade. Ora, sabemos que, com relação ao mundo
fenomênico (natureza), é a faculdade do entendimento que legisla a priori, pois ela é
capaz de produzir um conhecimento teórico sobre as experiências empiricamente
caracterizadas. Com relação à liberdade, é a faculdade da razão quem assume o
papel apriorístico de legisladora e é capaz de produzir conhecimentos práticos (leis
morais). Tais domínios, apesar de poderem ser influenciados reciprocamente, estão
completamente separados.
No entanto, essa afirmação de que não há uma ponte entre os dois domínios
foi revisada posteriormente, pois Kant percebera que os fundamentos do supra-
sensível se manifestam na natureza, como podemos observar na passagem
seguinte:
... mas se bem que os fundamentos de determinação da causalidade
segundo o conceito de liberdade (e da regra prática que ele envolve) não se
possam testemunhar na natureza e o sensível não possa determinar o
supra-sensível no sujeito, todavia é possível o inverso (não de fato no que
respeita ao conhecimento da natureza, mas sim às conseqüências do
primeiro sobre a segunda) e é o que já está contido no conceito de uma
causalidade mediante a liberdade, cujo efeito deve acontecer no mundo de
acordo com estas suas leis formais, ainda que a palavra causa, usada no
sentido do supra-sensível, signifique somente o fundamento para
determinar a causalidade das coisas da natureza no sentido de um efeito,
de acordo com as suas próprias leis naturais, mas ao mesmo tempo em
unanimidade com o princípio formal das leis da razão.
4
Assim, conjecturamos que o filósofo de Königsberg não pensa numa
conciliação entre natureza e liberdade, mas sim, numa aproximação entre ambas,
ainda que os fundamentos do supra-sensível se manifestem no mundo fenomênico
por intermédio das leis da razão. O homem é um ser livre enquanto determinado
pelo imperativo moral e, enquanto ser moral, atua na natureza.
A estética kantiana, tal como fora apresentada na CFJ, não se originou de
interesses centrados puramente em problemas específicos das artes e da criação
artística. Entretanto, a intenção aqui presente pauta-se na perspectiva de levantar e
3
KANT, 1993, p.39.
4
Id.
16
demarcar um cabedal teórico capaz de possibilitar, mais adiante, uma possível
reflexão acerca de assuntos pertinentes à arte e à criação artística, visando a
elementos que se referem propriamente à experiência estética manifestada no juízo
de sublimidade.
Para Kant, a beleza e a sublimidade são duas espécies do juízo estético
5
e
suas teses visam a explicitar os sentimentos estéticos em uma faculdade
transcendental do espírito humano, isto é, na faculdade de julgar os sentimentos de
prazer anímicos que são despertados no sujeito, no momento em que se dá a
experiência estética.
O filósofo de Königsberg, em sua terceira crítica, propõe um novo tratamento
para o campo estético, livrando-o de qualquer interesse utilitário, o que foi decisivo
para constituir a verdadeira ‘revolução copernicana’, promulgada nos domínios deste
campo do saber humano. Suas teses evidenciam o sentido essencial desse ramo da
filosofia e demonstram o papel relevante que os juízos estéticos desempenham na
compreensão dos objetos. No entender de Schiller,
... a revolução no mundo filosófico abalou o fundamento sobre o qual a
estética estava assentada, e seu sistema anterior, se é que se pode dar-lhe
este nome, foi deixado em ruínas.
6
A pedra de toque promulgada na primeira parte da CFJ reside no
deslocamento da predicação de beleza e de sublimidade do objeto para o sujeito,
com vistas a investigar as condições que possibilitam um juízo estético puro
7
. Essa
inversão vai revolucionar profundamente as concepções estéticas vigentes em sua
época, reverberando até os dias atuais. No decorrer da presente discussão,
procuraremos compreender a razão desse deslocamento e veremos, também, o
papel preponderante desempenhado pelos juízos estéticos.
Para Kant, o gosto é a faculdade de julgar esteticamente, permitindo ao
sujeito ajuizar se um objeto é ou não belo. Trata-se de uma faculdade que
pressupõe a harmonia ou a unidade subjetiva entre a imaginação e o entendimento.
5
Para DELEUZE (2000, p.70), “... o juízo ‘é belo’ é apenas um tipo de juízo estético. Devemos
considerar o outro tipo, ‘é sublime’”.
6
SCHILLER, 1990, p.11.
7
Cf. CAYGILL, 2000, p.81.
17
Já a satisfação diante do sublime é decorrente da tensão entre a faculdade da
imaginação e a faculdade da razão.
Entendimento, imaginação e razão são faculdades cognoscitivas que,
quando jogam esteticamente, não aprisionam o objeto, mas, ao contrário, o
apreciam. Trata-se de uma atividade indeterminada (não determinante),
reflexionante, contemplativa e pura, fundamento primordial do prazer anímico que
não encontra nenhuma satisfação na mera existência material do objeto, mas tão
somente no sentimento que é despertado, mediante o objeto, na mente do sujeito.
Com isso, entendemos que tanto um juízo de gosto, quanto um juízo de
sublimidade só podem existir após um sentimento que é gerado na mente do sujeito.
O fundamento de ambos os juízos não é objetivo, mas estético e dá-se na presença
de uma determinada representação constituída a partir de um livre e harmonioso
jogo
8
entre as faculdades de conhecimento. Desse modo, no projeto crítico kantiano,
o prazer que acompanha a experiência estética atribui ao sujeito o status de ‘ser
privilegiado’, já que pode lidar com uma natureza que se deixa fruir esteticamente.
Na CRP, Kant define o ato de julgar como sendo “... a capacidade de
subsumir a regras, isto é, de discernir se algo se encontra subordinado a dada regra
ou não”
9
.
Tal definição ganha outro contorno na CFJ: “A faculdade do juízo em geral é
a faculdade de pensar o particular como contido no universal”
10
. Num de seus usos,
a faculdade do juízo simplesmente aplicará conceitos gerais (universais) a casos
8
Em vários momentos deste texto aparecerá a expressão “livre e harmonioso jogo” (ou “jogo livre e
harmonioso”), em referência ao jogo que, em determinadas circunstâncias, ocorre entre as faculdades
da imaginação e do entendimento (no belo) e da imaginação e razão (no sublime). Nosso intuito ao
utilizarmos tal expressão será sempre o de ressaltar a importância e o cuidado com que os termos
‘livre’ e ‘harmonioso’ devem ser compreendidos. Se no juízo de conhecimento o entendimento governa
a imaginação, na experiência estética a imaginação é livre. No entanto, tem de haver uma
harmonização entre o material fornecido pela imaginação, acerca de um objeto, e a objetivação pelo
conhecimento que o entendimento procura a respeito deste mesmo objeto. Se houver uma
hierarquização, não será possível um juízo estético puro. Em outras palavras, a faculdade da
imaginação, com suas intuições, não alcança o conceito presente em um juízo de conhecimento e, no
caso de um juízo estético, a faculdade do entendimento, com seus conceitos, não é capaz de atingir a
completude da intuição interna que a faculdade da imaginação possui. Apropriamos-nos de uma
passagem do parágrafo 49 da CFJ para corroborar a presente colocação: “...do ponto de vista estético
(...) a faculdade da imaginação é livre para fornecer, além daquela concordância com o conceito,
todavia espontaneamente, uma matéria rica e não elaborada para o entendimento, a qual este em seu
conceito não considerou e a qual este, porém, aplica não tanto objetivamente para o conhecimento,
quando subjetivamente para a vivificação das faculdades de conhecimento, indiretamente, portanto,
também para conhecimentos;(...)”. KANT, 1993, p.162.
9
KANT, 2001, p.203.
10
KANT, 1993, p.23.
18
particulares. Como tal, o juízo só pode ser determinante. Não obstante, o sujeito
pode encontrar-se diante de situações que expõem objetos (ou cenas) para os quais
faltam conceitos universais aplicáveis. Nesse caso, pode ocorrer um juízo
reflexionante, que procura um conceito universal apropriado ao objeto.
Na medida em que o universal não esteja imediatamente disponível, a
faculdade de julgar precisa procurar por este ‘universal’ e, deste modo, esta deixa de
ser mera coadjuvante para ser atuante na elaboração do conceito que irá compor o
juízo. No entanto, é importante ter em vista que seria uma interpretação equivocada
pensar a operacionalização dos juízos reflexionantes como sendo uma simples
busca de conceitos gerais e tal perspectiva, necessariamente, obrigaria o aceite de
que os motivos para o uso do predicado “belo” ou do predicado “sublime”, em um
juízo estético reflexionante, desapareceriam no exato momento em que fosse
encontrado um conceito geral aplicável à representação em questão. A faculdade de
juízo reflexiva,
... que tem a obrigação de elevar-se do particular da natureza ao universal,
necessita por isso de um princípio que ela não pode retirar da experiência,
porque este precisamente deve fundamentar a unidade de todos os
princípios empíricos sob princípios igualmente empíricos, mas superiores e
por isso fundamentar a possibilidade de subordinação sistemática dos
mesmos entre si. Por isso só a faculdade de juízo reflexiva pode dar a si
mesma um tal princípio como lei e não retirá-lo de outro lugar (porque então
seria faculdade de juízo determinante), nem prescrevê-lo à natureza, porque
a reflexão sobre as leis da natureza orienta-se em função desta, enquanto a
natureza não se orienta em função das condições, segundo as quais nós
pretendemos adquirir um conceito seu, completamente contingente no que
lhe diz respeito.
11
Observamos que no juízo determinante, o universal (a regra) já está dado,
portanto este tem a capacidade de emitir conceitos dotados de validade e
concordância universais, pois estes estão permeados pelas propriedades do objeto.
Quanto ao juízo estético-reflexionante, o universal deve ser encontrado
partindo do particular por meio da reflexão. Isso demonstra que, ao contrário do
anterior, este tipo de juízo somente exprime o estado, a simples reação pessoal do
contemplador diante do objeto e, absolutamente, nada acerca de suas propriedades
e tampouco requer evidências e demonstrações para ser verdadeiro. O juízo estético
dá-se, então, pela reação pessoal e imediata do sujeito diante do objeto e não por
11
KANT, 1993, p.24.
19
causa das propriedades materiais deste
12
. Ele é baseado no jogo de imagens e as
conexões conceituais estão relegadas ao pano de fundo.
Desse modo, podemos dizer que, para Kant, a estética filosófica é uma
teoria dos juízos puros de gosto e de sublimidade, que num primeiro momento nada
informa sobre o objeto, mas só sobre o estado anímico e momentâneo de um sujeito
ajuizante — o modo como ele é afetado pela representação do objeto. O princípio do
juízo estético reflexionante é o sentimento do sujeito e não o conceito que se tem de
um objeto.
É certo que, quando emitimos um juízo estético do tipo “é belo” ou “é
sublime”, reivindicamos para ele a objetividade e o seu aceite por todos, pois
partimos do princípio de que todos os sujeitos são dotados das mesmas faculdades.
Também é importante observar que, ao emitirmos tal juízo, não nos referimos a
quaisquer subjetivismos, ou objetivismos ou, ainda, a imposições, mas sim a
reivindicações. Qualquer pessoa pode reivindicar qualquer coisa, mas isto não
implica qualquer obrigação de aceite por parte dos outros sujeitos.
Que tipo de juízo pode gerar a sentença ‘esta rosa é branca!’? Trata-se aqui
de uma determinação oriunda de uma análise. Tal ‘rosa’ pertence a uma categoria
universal de rosas, ou seja, às ‘rosas brancas’ e, neste caso, qualquer sujeito pode
aplicar o universal ao particular, mediante a análise. Notamos que o resultado da
sentença ‘esta rosa é branca’ só pode ser um conceito indiscutível e de validez
universal, pois o predicado ‘branco’ é pertencente ao sujeito, como algo que está
contido implicitamente neste conceito de ‘rosa’. Esse tipo de juízo extrai o que já
está presente no objeto — serve apenas para as representação e afirmação de algo
que está pensado e contido no conceito dado (o conceito de ‘rosa’). O adjetivo
‘branca’, presente nessa sentença, é utilizado para a determinação do objeto,
visando ao conhecimento deste objeto (sua validade lógica).
Diferentemente, quando se diz: “esta rosa é bela!” ou, “o mar revolto é
sublime”
13
, nenhum conceito é expresso, mas o que se tem é uma ‘adjetivação’ que
não poderia ser extraída jamais por meio de uma análise, ou seja, dizer que algo é
belo ou que algo é sublime, não determina a constituição dos objetos fenomênicos,
12
Como aponta DELEUZE, (2000, p.55), “... cada vez que intervém um conceito determinado (figuras
geométricas, espécies biológicas, ideais racionais), o juízo estético cessa de ser puro ao mesmo
tempo que a beleza deixa de ser livre”.
13
Mais tarde veremos que, para Kant, a sublimidade não está em nenhum objeto da natureza.
20
diferentemente do que o adjetivo ‘branca’ determina para o substantivo ‘rosa’. Ao
dizer ‘esta rosa é bela’, o sujeito não está submetendo o substantivo ‘rosa’ à
predicação de uma categoria geral (o mesmo serve para o substantivo ‘mar’). Não é
possível chegar a este juízo partindo do pressuposto de que, ‘se todas as rosas são
belas, esta flor é uma rosa, portanto, ela é bela’. Podem existir rosas que não são
belas e existem outras flores que, embora não sendo ‘rosas’, são belas... ou não.
Quando se diz que algo é belo ou que algo é sublime, tais predicações estão
pautadas na análise dos juízos, segundo os quais o juízo de gosto e de sublimidade
se expressam, ou seja, o sentimento do sujeito. E é justamente no sentimento — e
não no objeto — que se deve procurar aquilo que define propriamente a beleza e a
sublimidade. A predicação num juízo estético não pode ser e, não é, uma
característica objetiva, mas é sim uma especial experiência que o objeto
desencadeia na mente do sujeito que contempla. Ora,
... aquilo que na representação de um objeto é meramente subjetivo, isto é,
aquilo que constitui a sua relação com o sujeito e não com o objeto é a
natureza estética dessa representação; mas aquilo que nela pode servir ou
é utilizado para a determinação do objeto (para o conhecimento) é a sua
validade lógica.
14
Vemos então o motivo pelo qual um juízo estético só pode repousar,
segundo Kant, no sentimento do sujeito. A predicação jamais poderá ser extraída
diretamente do objeto, pois a multiplicidade e a complexidade da natureza e da
própria experiência vão além daquilo que o entendimento puro pode abarcar. Juízos
estéticos não copiam nada, nem explicam ou demonstram alguma coisa, no sentido
em que a ciência o faz (conhecimento). Percebemos ainda que na base do juízo de
gosto e de sublimidade não pode existir uma finalidade subjetiva ligada ao interesse.
Tampouco uma finalidade objetiva ligada ao bem, mas somente uma finalidade sem
fim, na medida em que privilegia a representação do objeto — condição da
possibilidade de relação harmoniosa entre as faculdades representativas e os
sentimentos de prazer/desprazer do sujeito que ajuíza.
14
KANT, 1993, p.32.
21
1.2 – O CONCEITO DE SUBLIME NA ESTÉTICA KANTIANA
Na CFJ, Kant não se ocupou meramente com a beleza, subdividindo-a em
“belo” e “sublime”; não se interessou por teorizar sobre as características da beleza
ou da sublimidade, mas investigou sobre o estado de consciência que permite o
ajuizamento do que é belo e do que é sublime. Entretanto, como aponta DELEUZE
(2000, p.57), tanto o sentimento estético de beleza quanto o sentimento estético de
sublimidade são considerados como duas espécies de juízo estético diferentes
15
,
apesar da estreita consonância que ambos mantêm.
A experiência estética proporcionada pela satisfação no sublime precisa ser
observada criticamente, pois aponta uma espécie de linha limite entre o que a
espontaneidade da imaginação pode apresentar ao entendimento e o risco, para
esta, de a razão buscar nas intuições sensíveis (e exigir dela) objetos que
correspondam aos seus conceitos. Assim
... examinada em termos críticos, a Analítica do Sublime acha sua
‘legitimidade’ num princípio que, ao mesmo tempo, é exposto pelo
pensamento crítico e o motiva: um princípio de arrebatamento do
pensamento.
16
Tanto o juízo de beleza quanto o juízo de sublimidade são produtos das
faculdades transcendentais de conhecimento, estando sempre relacionados aos
sentimentos de prazer e desprazer do sujeito que ajuiza. O transcendental kantiano
é uma condição da possibilidade da experiência; é uma estrutura que torna possível
uma relação do sujeito com o mundo.
Na experiência estética diante do belo, o pensamento coloca-se frente a
uma forma da natureza e elabora um ajuizamento que tem como fundamento a mera
forma do objeto que, ao despertar no sujeito ajuizante um sentimento de prazer ou
de desprazer, julga-o belo ou não. Já na experiência estética diante do sublime, o
que ocorre é algo diferente — o pensamento confronta-se com uma presença que
15
LYOTARD (1993, p.53) atenta para o fato de que “... não se trata de duas faculdades de julgar, mas
de dois poderes que a faculdade de julgar tem de apreciar esteticamente o que procede de modo
divergente. Os dois sentimentos, o do belo e do sublime, pertencem à mesma grande família, a da
reflexão estética, mas não à mesma variedade nessa família”.
16
Ibid., p.57.
22
vai além do que pode ser imaginado ou formado, que vai além de sua presença
17
,
ou seja, o infinito como totalidade, o inapresentável que se apresenta.
Assim, podemos dizer que o sentimento estético de sublimidade eleva o
espírito acima do lugar-comum, pois trata-se de um sentimento que transcende a
natureza e “alarga a alma”
18
, ao invés de a colocar como uma parte sua, frágil e
insignificante. O sujeito, ao contemplar a potência ou a grandiosidade da natureza,
pode ter uma ocasião para a experiência estética de sublimidade. Diferentemente, o
belo produz prazer inquestionável, fruto da contemplação calma e tranqüila, que
pode se originar da visão de um campo coberto de flores, de um vale onde
serpenteia o riacho, de “uma simples cor (...), ou mesmo de um simples som...”
19
.
Se na satisfação diante do belo, o juízo estético flui do harmonioso jogo
entre a faculdade da imaginação e a faculdade do entendimento, no sentimento
estético de sublimidade ocorre algo diferente: tem-se um jogo que contrasta a razão
com a imaginação
20
. Todavia não se trata de uma relação antagônica ou excludente
entre ambas as experiências, pois o sublime está para o belo como contrapeso e
não como contradição, já que “o belo concorda com o sublime no fato de que ambos
aprazem por si próprios” e “ulteriormente, no fato de que ambos não pressupõem
nenhum juízo lógico-determinante, mas um juízo de reflexão.”
21
, portanto ambos são
singulares e reivindicam universalidade. Tanto no belo quanto no sublime, a
satisfação não se liga a sensações e tampouco a conceitos determinados, porém em
ambos os casos, há uma referência a conceitos, mas sem determiná-los. Por
conseguinte,
... a complacência está vinculada à simples apresentação ou à faculdade de
apresentação, de modo que esta faculdade ou a faculdade da imaginação é
considerada, em uma intuição dada, em concordância com a faculdade dos
conceitos do entendimento ou da razão, como promotora desta última.
22
17
“O gosto, juízo sobre o belo, é induzido pela forma do objeto; o sentimento sublime pode ‘também se
achar reportado a um objeto sem forma, (...). Ora, que é esta forma? Uma limitação (...). O sem-forma
é, ao contrário, o sem-limite (...). ” LYOTARD, 1993, p.60.
18
Ibid., p.121.
19
KANT, 1993, p.70.
20
Cf. KANT, 1993, p.103.
21
Ibid., p.89.
22
Ibid., p.89. Grifos no original.
23
Uma possível discórdia internamente sublime estaria pautada na exigência
que a faculdade da razão faz à faculdade da imaginação, ou seja, aquela exige
desta algo que somente a primeira pode fornecer, isto é, uma representação da
totalidade; uma representação do inapresentável. Em outras palavras, a possível
leitura da ‘escrita da natureza’ é negada e é substituída por algo que não pertence à
natureza sensível, mas que é encontrado na mente, impossibilitada agora de
formalizar o informe, de apresentar o inapresentável.
Paradoxalmente, o que a mente encontra nessa experiência é a não-
apresentabilidade, a inadequação, a inconveniência, a inconformidade. Desse modo,
enquanto o belo parece aproximar-se da apresentação de um conceito
intederminado do entendimento, o sublime está mais próximo de um conceito
indeterminado da razão.
No sentimento estético de beleza, a forma do objeto deve ser adequada ao
juízo. O objeto belo é aquilo que é pré-determinado para o ajuizamento, pois a
imaginação, que é o ponto intermediário entre sensibilidade e o entendimento, cuida
de presentificar ou identificar tais formas. Podemos dizer que, no belo, a imaginação
é livre e triunfa sobre o entendimento, enquanto que no sublime, o que ocorre é o
triunfo da razão sobre a imaginação. O belo produz uma satisfação tal que o sujeito
ajuizante também se vê atraído pela representação do objeto sem se interessar por
ele. Já o sentimento estético de sublimidade surge como um sentimento de dois
tempos, instantâneos e contrários: momentânea suspensão das forças vitais e a
subseqüente efusão das mesmas. Assim,
... enquanto o belo comporta diretamente um sentimento de promoção de
vida, e por isso é vinculável a atrativos e a uma faculdade de imaginação
lúdica, o sentimento do sublime é um prazer que surge só indiretamente, ou
seja, ele é produzido pelo sentimento de uma momentânea inibição das
forças vitais e pela efusão imediatamente consecutiva e tanto mais forte das
mesmas, por conseguinte enquanto comoção não parece ser nenhum jogo,
mas seriedade na ocupação da faculdade da imaginação.
23
Notamos, assim, que a satisfação diante do belo é imediata. Trata-se de um
prazer positivo de reforço e de promoção da vida, já no sublime, o prazer é mediato
e de dois tempos contrários, que tornam tenso o sujeito contemplador num primeiro
23
KANT, 1993, p.90.
24
momento (o negativo), mas logo depois lhe permite, num segundo momento (o
positivo), a descarga da tensão e o prazer.
No sublime, a imaginação é obrigada a operacionalizar com total ausência
de imagens em função da impossibilidade de qualquer identificação ou
presentificação da idéia exigida pela razão. Essa ausência de imagens caracteriza
uma espécie de “cegueira” da imaginação, pois a faculdade das imagens encontra-
se impossibilitada de visualizar o ilimitado de tais objetos já que não possuem
identidade imagética.
Ora, se as idéias da razão não aparecem diretamente, e se ainda assim
podem dar sinal de si em objetos ditos sublimes, então em verdade o que se tem aí
é a apresentação da idéia enquanto não-representação. Trata-se, como aponta
Kant, de um conceito “... que somente a razão pode pensar e ao qual nenhuma
intuição sensível pode adequar-se”
24
. Em outras palavras, as idéias da razão não
podem ser diretamente contempladas em seu impossível aparecer, mas somente
inferidas daquilo que aparece. No entender de Lyotard,
... a imaginação, colocada nas fronteiras do que pode apresentar, violenta-
se para apresentar ao menos o que não pode mais apresentar. A razão, do
seu lado, busca, irracionalmente, violar a interdição de achar na intuição
sensível, objetos correspondendo a seus conceitos.
25
Assim, o objeto sublime é uma não-representação que alude à totalidade, ao
infinito, diferentemente do ajuizamento diante do belo, pois neste, a representação
remete às formas do entendimento, já que ele corresponde a um conceito oriundo da
compreensão estética.
Do ponto de vista filosófico, a imaginação é entendida como a faculdade
mental, a faculdade das imagens e, enquanto tal, é parceira da racionalidade e do
conhecimento. Difere, portanto, da concepção do senso comum que a remete para o
campo exclusivo da fantasia
26
. Foi somente com a introdução da distinção kantiana
entre o empírico e o transcendental que a imaginação pôde ser entendida como
24
KANT, 1993, p.196.
25
LYOTARD, 1993, p.59.
26
Kant, na Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático (2006), descreve a fantasia como sendo o
poder voluntário de entreter-se com imagens mentais (de modo a produzir ficções) e o poder
involuntário das imagens oníricas. Assim sendo, a fantasia é um dos tipos de produção de imagens
mentais pela faculdade da imaginação; de modo algum esta se reduz àquela, pois a fantasia é um dos
produtos da faculdade da imaginação.
25
elemento criador e dinâmico, tanto no âmbito do conhecimento como nos âmbitos da
criação e da fruição estética. A imaginação, como uma função transcendental,
promove condições que possibilitam experiências no aparato cognitivo e nas formas
puras da sensibilidade, intimamente ligadas ao que Kant considera como sendo
“puro”.
Em verdade, o sentimento estético de sublimidade deve sua gênese a uma
diferença no modo de atuação da imaginação, ou seja, de uma atuação mediadora
entre sensibilidade e entendimento, entre dados sensíveis e formas conceituais.
Desse modo, como no conhecimento, ela torna-se, pelo menos no belo, ativa;
porém no sublime, quando é ativada, sofre um drama. Faltam-lhe imagens e ela
conhece o seu limite, isto é, depara-se com o inapresentável. A faculdade das
imagens não pode exibir uma grandeza absoluta, imensurável, pois a ela cabem
somente as grandezas sensíveis e fenomênicas, tampouco pode fazer frente a uma
força natural informe. Trata-se do paradoxo ao qual nos referimos anteriormente: o
sentimento estético de sublimidade direciona a imaginação para além dos limites do
denominável, ou seja, para a própria totalidade; para o próprio infinito que ela não dá
conta de figurar, de representar.
Quando da satisfação diante do sublime, o pensamento exerce a
“prevaricação”
27
, ou seja, obtém um privilégio dissimulando uma situação que se
opõe à sua obtenção. A simulação existe porque a imaginação não realiza nenhuma
representação do infinito. Todavia, arranca “... uma quase apresentação desse
objeto, que não é apresentável, em presença de uma grandeza ou força natural
‘informe’”
28
.
É certo que a imaginação não tem limites quando se trata de apreender, mas
existe um limite para a própria compreensão, ou seja, a imaginação não consegue
compreender na mesma velocidade com que apreende. Coloca Kant que
... admitir intuitivamente um quantum na faculdade da imaginação, para
poder utilizá-lo como medida ou como unidade para a avaliação da
grandeza por números, implica duas ações desta faculdade: Apreensão
(aprehensio) e compreensão (comprehensio aesthetica). Com a apreensão
isso não é difícil, pois com ela pode-se ir até o infinito; mas a compreensão
torna-se sempre mais difícil quanto mais a apreensão avança e atinge logo
seu máximo, a saber, a medida fundamental esteticamente-máxima da
27
Cf. LYOTARD, 1993, p.70.
28
Id.
26
avaliação das grandezas. Pois quando a apreensão chegou tão longe, a
ponto de as representações parciais da intuição sensorial, primeiro
apreendidas, já começarem a extinguir-se na faculdade da imaginação,
enquanto esta avança na apreensão de outras representações, então ela
perde de um lado tanto quanto ganha de outro e na compreensão há um
máximo que ela não pode exceder.
29
Ante o infinito, a imaginação experimenta seu próprio limite, pois sua
parceira, a razão, a obriga a investir até o máximo de seu poder. É uma contradição
vivida entre a exigência da razão para obter uma apresentação, uma imagem do
impensável, do inapresentável no aqui-agora e a impotência da imaginação frente a
esta exigência. Momentaneamente, diante do conflito instaurado, a imaginação
perde a sua liberdade na produção de formas e de “idéias estéticas”
30
mediante a
total impotência em delinear o que não tem forma, o que não pode ser pensado,
conhecido ou visto.
A imaginação, ante as idéias da razão, avança até a beira do que é
impossível para si mesma e corre o sério risco de se perder nesse abismo móvel e
confuso que é o próprio absoluto. Face ao inapresentável, ela se desvanece e
experimenta um desprazer que antecede o clímax do sentimento estético de
sublimidade. Podemos dizer que a faculdade das imagens experimenta também
uma espécie de angústia em função do possível conteúdo que seria necessário
fornecer para a compreensão estética — o próprio incondicionado. Pode parecer,
mesmo que por um momento, que o sentimento estético de sublimidade se
assemelha mais a uma dor; mais a um desprazer do que ao prazer. No entanto, ao
fim, não é isso que ocorre. Perante o infinito, a imaginação experimenta seu limite,
ou seja, fracassa na tentativa de sintetizar uma forma e de apresentá-la em uma
intuição. Daí advém, num primeiro momento, o desprazer. Mas, imediatamente, esse
desprazer se converte em prazer, pois tal fracasso proporciona à razão a
oportunidade de reafirmar o que só ela tem o poder de conceber o infinito como
totalidade. O momento de prazer advém do reconhecimento, por parte da razão, que
nada se compara à vocação que o sujeito possui para transpor o mundo fenomênico
29
KANT, 1993, p.97-98. Grifos no original.
30
Na CFJ, Kant define a “idéia estética” como sendo uma “representação da faculdade da imaginação
associada a um conceito dado, a qual se liga a uma tal multiplicidade de representações parciais no
uso livre das mesmas, que não se pode encontrar para ela nenhuma expressão que denote um
conceito determinado, a qual portanto, permite pensar de um conceito muita coisa inexprimível, cujo
sentido vivifica as faculdades de conhecimento...”. Ibid., p.158.
27
em sua destinação ao supra-sensível. A razão mostra-se como faculdade supra-
sensível em sua sublimidade, depois que percebe a impotência da imaginação.
Entendemos, assim, porque Kant classifica a satisfação diante do sublime
como sendo um “prazer negativo”, pois nele o pensamento estranha justamente
aquilo que o atrai. É um prazer que só se dá mediante o desprazer, mas que, no
entanto, alarga e engrandece o espírito, pois possibilita ao sujeito elevar-se por
sobre a ameaçadora natureza em direção à sua destinação supra-sensível.
O sublime não está em formas sensíveis, mas diz respeito às idéias da
razão que, ainda que não possibilitem uma exibição adequada, são evocadas e
avivadas na mente em função desta inadequação (e, esta sim, exibe-se
sensivelmente). Assim sendo, provoca um sentimento que é ele mesmo sublime e
faz com que a mente seja levada a abandonar a sensibilidade e a ocupar-se com as
idéias que possuem uma conformidade a fins superior.
Não se deve recear que o sentimento do sublime venha a perder-se por um
tal modo de apresentação abstrato, que em confronto com a sensibilidade é
inteiramente negativo; pois a faculdade da imaginação, embora ela acima
do sensível não encontre nada sobre o que possa apoiar-se, precisamente
por esta eliminação das barreiras da mesma sente-se também ilimitada; e
aquela abstração é, pois, uma apresentação do infinito, a qual na verdade,
precisamente por isso, jamais pode ser outra coisa que uma apresentação
meramente negativa, que, entretanto, alarga a alma.
31
Eis porque o sublime “... não deve ser procurado nas coisas da natureza,
mais unicamente em nossas idéias...”
32
. Sublime não são os objetos da natureza,
mas nossa disposição mental em face deles. Trata-se, como aponta Kant, de uma
espécie de “sub-repção”, ou seja, “confusão de um respeito pelo objeto como
respeito pela idéia da humanidade em nosso sujeito”
33
. Em outras palavras, a sub-
repção consiste em fazer valer univocamente para o todo da natureza um tipo de
relação que só tem significado e pertinência no âmbito propriamente subjetivo. É
importante ressaltar que a sub-repção é um limite que pode ser pensado, em relação
ao fenômeno, com o seu em-si. Não obstante, se existissem objetos sublimes na
natureza, tal sentimento estaria circunscrito aos limites da forma, portanto o infinito
estaria delineado e teria uma identidade; mostrar-se-ia por inteiro. Então,
31
KANT, 1993, p.121.
32
Ibid., p.104.
33
Ibid., p.103.
28
... o verdadeiro sublime não pode estar contido em nenhuma forma
sensível, mas concerne somente a idéias da razão, que, embora não
possibilitem nenhuma representação adequada a elas, são avivadas e
evocadas ao ânimo precisamente por essa inadequação, que se deixa
apresentar sensivelmente."
34
Ora, a natureza bem como seus acontecimentos, ou mesmo certos objetos
não são em si sublimes, todavia podem oferecer estímulos a uma disposição para tal
sentimento, ou seja, podem funcionar como uma espécie de ‘starter’ que
desencadeia tal experiência estética para o sujeito que contempla. Em uma longa
passagem, Kant cuida de desfazer qualquer equívoco ao colocar que
... rochedos audazes sobressaindo-se por assim dizer ameaçadores,
nuvens carregadas acumulando-se no céu, avançando com relâmpagos e
estampidos, vulcões em sua inteira força destruidora, furacões com a
devastação deixada para trás, o ilimitado oceano revolto, uma alta queda
d’água de um rio poderoso etc. Tornam a nossa capacidade de resistência
de uma pequenez insignificante em comparação com o seu poder. [...] a
natureza aqui chamada de sublime simplesmente porque ela eleva a
faculdade da imaginação À apresentação daqueles casos nos quais o
ânimo pode tornar-se capaz de ser sentida a sublimidade própria de sua
destinação, mesmo acima da natureza.
35
A natureza, com seu poder aterrador, produz no sujeito uma determinada
auto-experiência ao despertar-lhe o sentimento de ter uma faculdade supra-sensível:
a razão autônoma pura.
O sublime consiste simplesmente na relação em que o sensível na
representação da natureza é ajuizado como apto a um possível uso supra-
sensível do mesmo. (...) a determinabilidade do sujeito por esta idéia, e na
verdade de um sujeito que em si pode ter na sensibilidade sensação de
obstáculo, mas ao mesmo tempo de superioridade sobre a sensibilidade
pela superação dos mesmos como modificação do seu estado (...)
36
.
Para finalizarmos esta parte, gostaríamos de ilustrar o que até então foi
apresentado sobre o sentimento estético de sublimidade, citando duas passagens
da CFJ nas quais Kant demonstra como tal sentimento é insuperável:
34
KANT, 1993, p.91. Grifo nosso.
35
Ibid., p.107-8.
36
Ibid., p.113. Grifos no original.
29
... talvez não haja no Código Civil dos judeus nenhuma passagem mais
sublime que o mandamento: "Tu não deve fazer-te nenhuma efígie nem
qualquer prefiguração, quer do que está no céu ou na terra ou sob a terra",
etc.
37
Em um outro momento, aparece na CFJ a seguinte nota de rodapé:
... talvez jamais tenha sido dito algo mais sublime do que naquela inscrição
sobre o templo de Ísis (a mãe natureza): "Eu sou tudo o que é, o que foi e
que será e nenhum mortal descerrou meu véu."
38
1.2.1 – O SUBLIME MATEMÁTICO E O SUBLIME DINÂMICO – ESPECIFICIDADES
No gosto, a qualidade aparece em primeiro lugar exatamente para que se
possa definir seu âmbito fora do interesse direto pela existência do objeto e também
para delimitá-lo a um prazer despertado pela simples representação da finalidade
formal do mesmo. Qualquer relação em que a satisfação se pautar no objeto, esta
será marcada pelo que é agradável ou pelo que é bom. No sublime, diferentemente,
a forma não dispõe de uma função direta, pois o objeto que desperta tal sentimento
escapa a qualquer limitação.
Outra importante diferença em relação à “Analítica do belo” é a introdução
de uma divisão no ajuizamento estético de sublimidade, isto é, o ‘matemático-
sublime’ e o ‘dinâmico sublime’. Não obstante, tal divisão não significa que existem
dois tipos diferentes de ‘sentimento estético de sublimidade’.
O parágrafo 25 da CFJ, sob o título de “Definição nominal do sublime”
39
,
inicia conceituando o sublime matemático como sendo “... o que é absolutamente
grande”
40
. Devemos atentar para o fato de que, conforme é demonstrado nesse
parágrafo, existe uma diferença fundamental entre o que é grande e o que é
absolutamente grande. ‘Grande’ e ‘grandeza’ são conceitos distintos e ser ‘grande’ e
ser ‘absolutamente grande’ são conceitos diferentes, pois
37
KANT, 1993, p.121.
38
Ibid., p.162.
39
Ibid., p.93.
40
Id.
30
... que algo seja uma grandeza (quantum) pode-se reconhecer desde a
própria coisa sem nenhuma comparação com outras, a saber quando a
pluralidade do homogêneo, tomando em conjunto, constitui uma pluralidade.
Quão grande, porém o seja, requer sempre para a sua medida algo diverso
que também seja uma grandeza. Visto, porém, que no ajuizamento da
grandeza não se trata simplesmente da pluralidade (número), mas também
da grandeza da unidade (da medida) e a grandeza desta última sempre
precisa por sua vez de algo diverso como medida, com a qual ela possa ser
comparada, assim vemos que toda determinação de grandeza dos
fenômenos simplesmente não pode fornecer nenhum conceito absoluto de
uma grandeza, mas sempre somente um conceito de comparação.
41
Essa citação nos conduz ao pensamento de que, no contexto estético, o
sublime deve ser compreendido da seguinte maneira: enquanto se expõe em juízo o
objeto como sendo grande, experimenta-se a sensação de grandeza absoluta. Do
mesmo modo, não se deve conceber tal sensação de grandeza como algo que se
manifesta em comparação com outra coisa (mais ou menos grande; a é maior que b;
etc); simplesmente sente-se o ‘absolutamente grande’ como algo acima de toda e
qualquer comparação; é o sumariamente grande, pois, se ajuizamos algo como
sendo absolutamente grande (em todos os sentidos e acima de toda e qualquer
comparação), isto constitui um juízo de sublimidade.
O sentimento estético de sublimidade não admite comparação entre o modo
de como o objeto é sentido com outras grandezas, já que a medida encontra-se na
própria representação do objeto, pois dizer que algo é grande é totalmente diferente
de afirmar que ele é absolutamente grande
42
.
Kant ressalta a distinção entre “grande” e “grandeza”, em termos que devem
ser compreendidos à luz da acepção latina de magnitudo e quantitas
43
. O termo
magnitudo, que qualifica o sublime, não pode ser tomado como um predicado de um
juízo matematicamente determinante, pois não se trata aqui de determinar o quão
grande (quantitas) o objeto é, mas simplesmente de reconhecer sua grandeza
absoluta, pois o “... sublime é aquilo em comparação com o qual tudo o mais é
pequeno”
44
. Assim, ‘sublime’ não constitui a predicação do objeto, mas o modo de
disposição da mente quando o representa. Ora,
41
KANT, 1993, p.93. Grifos no original.
42
Cf. KANT, 1993, p.93.
43
KANT, 1993, p.93.
44
Ibid., p.96. Grifos no original.
31
... se eu digo simplesmente que algo seja grande, então parece que eu
absolutamente não tenho em vista nenhuma comparação, pelo menos com
alguma medida objetiva, porque desse modo não é absolutamente
determinado quão grande o objeto seja. Mas se bem que o padrão de
medida da comparação seja meramente subjetivo, o juízo nem por isso
reclama assentimento universal; os juízos ‘o homem é belo’ e ‘ele é grande’
não se restringem meramente ao sujeito que julga mas reivindicam, como
os juízos teóricos, o assentimento de qualquer um.
45
No parágrafo 26, intitulado “Da avaliação das grandezas das coisas da
natureza, que é requerida para a idéia do sublime”
46
, a autonomia do ajuizamento do
sublime em relação aos juízos teóricos é reforçada pela análise das avaliações de
grandeza dos objetos naturais: A “... avaliação das grandezas através de conceitos
numéricos (ou seus sinais na álgebra) é matemática, mas a sua avaliação na
simples intuição (segundo a medida ocular) é estética”
47
. Na avaliação matemática,
a natureza tem a sua grandeza mensurada e referida mediante números que lhes
correspondam. Não pode haver um máximo, pois os números se estendem ao
infinito. Já para a avaliação estética, o que ocorre é diferente: a medida é o máximo
absoluto acima do qual não há, subjetivamente, qualquer medida maior. É somente
na suposta presença desse máximo que o ajuizamento do sublime pode ser
possível. Assim,
... a avaliação da grandeza da medida fundamental tem que consistir
simplesmente no fato de que se pode captá-la imediatamente em uma
intuição e utilizá-la pela faculdade da imaginação para a apresentação dos
conceitos numéricos, isto é, toda avaliação das grandezas dos objetos da
natureza é por fim estética.
48
Devemos ressaltar que, no uso cognitivo, a faculdade da imaginação, em
relação ao entendimento, encontra-se em posição de ‘serventia’. Na CFJ vemos que
o esquema puro da quantidade, como conceito do entendimento, é o número e por
número entende-se uma representação que engloba a adição sucessiva de unidade
à unidade. Ora,
45
KANT, 1993, p.94.
46
Ibid., p.96.
47
Id.
48
Ibid., p.97.
32
... na verdade somente através de números podemos obter determinados
conceitos de quão grande seja algo (quando muito, aproximações através
de séries numéricas prosseguindo até o infinito), cuja unidade é a medida; e
deste modo toda avaliação-de-grandezas lógicas é matemática.
49
Nesse caso, a quantidade é medida sempre enquanto graduação
comparativa (por ex.: 1+1+1+n...). Contudo, no que concerne ao sublime, a situação
é outra: a imaginação, na operação quantitativa, é apreensão (apprehensio) e
compreensão (comprehencio aesthetica). Em sua condição de ‘apreendedora’, a
imaginação poder ir até o infinito, mas à medida que avança, perde em
compreensão; ela não dá conta do ‘todo’ do objeto
50
e esta operacionalização torna-
se cada vez mais difícil conforme a imaginação avança.
As operações ‘apreensão’ e ‘compreensão’ têm relação com as estimativas
de grandeza, pois de um lado a apreensão é progressiva — avança em passos
sucessivos e encontra-se orientada na direção do espaço fora do sujeito; de outro
lado, a compreensão reduz a multiplicidade de passos a uma unidade, pois a
constituição é exigida da imaginação não mais pelo entendimento, mas pela razão.
Ora, para a satisfação diante do sublime “... não é, pois, o pensamento da
‘grande unidade’, mas o da progressão em direção ao ‘cada vez maior’ que se
experimenta como sublime”
51
. O esforço para compreender o absolutamente grande
e a inadequação da faculdade da imaginação conduzem ao substrato supra-sensível
da natureza. Não obstante, é impossível abarcar a totalidade absoluta de um
progresso sem fim. Esse substrato supra-sensível é o grande acima de todo o
padrão de medida dos sentidos e, por isto, o sujeito ajuíza como sublime não o
objeto em si, mas a disposição da mente na avaliação do mesmo. Esse movimento
advém do contraste da faculdade da imaginação com a faculdade da razão.
Portanto,
... do mesmo modo como a faculdade de juízo estética no ajuizamento do
belo refere a faculdade da imaginação, em seu jogo livre, ao entendimento
para concordar com seus conceitos em geral (sem determinação dos
mesmos), assim no ajuizamento de uma coisa como sublime ela refere a
mesma faculdade à razão para concordar subjetivamente com suas idéias
(sem determinar quais), isto é, para produzir uma disposição de ânimo que
49
KANT, 1993, p.96-7. Grifos no original.
50
Kant servirá das pirâmides e da igreja de São Pedro como exemplo. Vide adiante.
51
LYOTARD, 1993, p.107.
33
é conforme e compatível com aquela que a influência de determinadas
idéias (práticas) efetuaria sobre o sentimento.
52
O sujeito só irá conceber um juízo de sublimidade quando, mediante a
contemplação do objeto, ocorrer uma inadequação da faculdade da imaginação ante
a exposição da idéia de um todo. Isso porque se dissolvem, em parte, as primeiras
representações antes que a faculdade da imaginação acolha as últimas, fazendo
com que a compreensão não se complete. Tal inadequação faz com que a
imaginação atinja o seu máximo e, na ânsia de ampliá-lo, caia em si mesma numa
comovedora complacência.
Enquanto existência temporal, podemos dizer que a ‘compreensão estética’
é regressiva, isto é, cancela a operação apreensiva e converte o sucessivo em
simultâneo — é quando a imaginação se volta para dentro de si e desata qualquer
laço com o objeto. O que vai acontecer é que a apreensão, ao invés de
simplesmente se ‘desesperar’, aproxima-se do infinito ao se tornar compreensão que
consegue reunir, num instante, a infinidade do múltiplo da progressão, pois quando
... a apreensão chegou tão longe, a ponto de as representações parciais da
intuição sensorial, primeiro apreendidas, já começarem a extinguir-se na
faculdade da imaginação, enquanto esta avança na apreensão de outras
representações, então ela perde de um lado tanto quanto ganha de outro e
na compreensão há um máximo que ela não pode exceder.
53
Encontraremos no parágrafo 26 da CFJ a seguinte exemplificação utilizada
por Kant:
Isto permite explicar o que Savary, em suas notícias do Egito, observa, de
que não se tem de chegar muito perto das pirâmides e tampouco se tem de
estar muito longe delas para obter a inteira comoção de sua grandeza. Pois
se ocorre o último, então as partes que são apreendidas (as pedras das
mesmas umas sobre as outras) são representadas só obscuramente e sua
representação não produz nenhum efeito sobre o sentimento estético do
sujeito. Se, porém, ocorre o primeiro, então o olho precisa de algum tempo
para completar a apreensão da base até o ápice; neste, porém, sempre se
disolvem em parte as primeiras repersentações antes que a faculdade da
imaginação tenha acolhido as últimas e a compreensão jamais é completa.
O mesmo pode também bastar para explicar a estupefação ou espécie de
perplexidade que, como se conta, acomete o observador por ocasião da
primeira entrada na igreja de São Pedro em Roma. Pois se trata aqui de um
sentimento da inadequação de sua faculdade da imaginação à exposição da
52
KANT, 1993, p.102. Grifos no original.
53
Ibid., p.97-8.
34
idéia de um todo, no que a faculdade da imaginação atinge o seu máximo e,
na ânsia de ampliá-lo, recai em si, mas desta maneira é transposta a uma
comovedora complacência.
54
Ainda com referência aos exemplos citados por Kant, observamos o drama
da imaginação no sublime, quando tomado pelo viés matemático: o momento em
que a imaginação se opõe, por si mesma, à estimativa de grandeza é o momento
em que a imaginação encontra o máximo possível de grandeza que pode ser
representável de uma só vez.
A mente “... escuta em si a voz da razão”
55
, que por sua vez exige o
horizonte da totalidade para as grandezas compostas pelo entendimento e é
exatamente neste contexto que o sentimento estético de sublimidade tem a chance
de se apresentar: “... quando é solicitado que a imaginação tenha uma compreensão
estética de todas as unidades incluídas por composição na progressão”
56
; o
entendimento chega ao seu limite e o sublime, matematicamente qualificado,
delineia o seu lugar. Disso decorre uma ‘troca’ de parceria e tal ‘troca’ revelará que
existem coisas para além do que se pode abarcar teoricamente, ou seja, algo que
escapa a toda e a qualquer tentativa de compreensão por via cognitiva.
Cabe aqui uma indagação: por que a mente necessita chegar tão perto do
abismo do inapresentável? Quando tomado qualitativamente, o infinito é o
absolutamente grande e tudo que se compara a ele é pequeno. Nesse terreno, o
entendimento pode operar sem nenhuma objeção, movido que está pela progressão.
Entretanto, o aspecto quantitativo não é mais o fundamento do infinito, uma vez que
este é ilimitado. O mais notável, coloca Kant, é que “... tão-só poder pensá-lo como
um todo denota uma faculdade do ânimo que excede todo padrão de medida”
57
. Daí
decorre que “... para tão só poder pensar sem contradição o infinito dado requer-se
no ânimo humano uma faculdade que seja ela própria supra-sensível”
58
. Ora,
... o que é absolutamente grande não é, porém, o objeto dos sentidos, e sim
o uso que a faculdade do juízo naturalmente faz de certos objetos para o fim
54
KANT, 1993, p.98. Grifo no original.
55
Ibid., p.100.
56
LYOTARD, 1993, p.104.
57
KANT, 1993, p.100. Grifos no original.
58
Ibid., p.101. Grifos no original. No final deste parágrafo na CFJ, Kant mais uma vez reforça a
impossibilidade do sentimento estético do sublime estar contido em qualquer objeto da natureza.
35
daquele (sentimento), com respeito ao qual, todavia, todo outro uso é
pequeno. Por conseguinte, o que deve denominar-se sublime não é o objeto
e sim a disposição de espírito através de uma certa representação que
ocupa a faculdade de juízo reflexiva.
59
E Kant salienta que:
Exemplos do matemático-sublime da natureza na simples intuição,
fornecem a todos nós os casos em que nos é dado não tanto um conceito-
de-número maior, quanto antes uma grande unidade como medida (para
abreviação das séries numéricas) para a faculdade da imaginação. Uma
árvore, que avaliamos segundo uma escala humana, fornece em todo caso
um padrão de medida para um monte; e este, se por acaso tiver uma milha
de altura, pode servir de medida para o número que expressa o diâmetro da
terra para tornar o último intuível; o diâmetro da terra, para o sistema de
planetas conhecidos por nós; este, para a Via-Lactea; e a quantidade
incomensurável de tais sistemas de via-lacteas sob o nome de nebulosas,
as quais presumivelmente constituem por sua vez um semelhante sistema
entre si, não nos permitem esperar aqui nenhum limite. Ora, no ajuizamento
estético de um todo tão incomensurável, o sublime situa-se menos na
grandeza do número que no fato de que progredindo chegamos sempre a
unidade cada vez maiores; para o que contribui a divisão sistemática do
universo, a qual nos representa todo o grande na natureza sempre por sua
vez como pequeno, propriamente, porém, representa nossa faculdade da
imaginação em sua total ilimitação e com ela a natureza como dissipando-
se contra as idéias da razão, desde que ela deva proporcionar uma
apresentação adequadas a elas.
60
Podemos dizer que aqui está uma prova consistente dessa potência do
pensamento, no que concerne a ir para além da intuição sensível. O susto do sujeito
contemplador marca o encontro com o abismo por ele descoberto; um abismo que
se abre entre a linearidade matemática e a grandeza absoluta, inexplicável e não
quantificável, porém pertencente à subjetividade.
Nesse sentido, o parágrafo 27 da CFJ, intitulado “Da qualidade da
complacência no ajuizamento do sublime”
61
, introduz o ‘respeito’ como sendo o
“... sentimento da inadequação de nossa faculdade para alcançar uma idéia, que é
lei para nós”
62
. Dessa forma, o respeito apresenta-se quando a imaginação
experimenta sua finitude em matéria de conhecimento. Não obstante, esse fracasso
não é um ponto final, pois, ao mesmo tempo, abre espaço para a experimentação de
59
KANT, 1993, p.96. Nesta citação Kant utiliza-se do substantivo espírito, mas este deve ser lido como
‘mente’ (ânimo, gemüt).
60
Ibid., p.102-3.
61
Ibid., p.103.
62
Id.
36
uma infinitude prática; é lentamente neutralizado mediante a transição de uma
emoção terrificante para uma tranqüilidade suprema. Assim, tal ‘impossibilidade’ da
faculdade de imaginação fornece ao pensamento a chance de experimentar sua
destinação fundamental para o supra-sensível que caracteriza o lado ‘humano’ do
ser. O sentimento estético de sublimidade é o respeito por esta destinação e pela
idéia de humanidade no próprio sujeito. Assim,
... o excessivo para a faculdade da imaginação (até o qual ela é impelida na
apreensão da intuição) é, por assim dizer, um abismo, no qual ela própria
teme perder-se; contudo, para a idéia da razão do supra-sensível não é
também excessivo, mas conforme a leis produzir um tal esforço da
faculdade da imaginação: por conseguinte, é por sua vez atraente
precisamente na medida em que era repulsivo para a simples sensibilidade.
Mas o próprio juízo permanece no caso sempre somente estético, porque,
sem ter como fundamento um conceito determinado do objeto, representa
como harmônico apenas o jogo subjetivo das faculdades do ânimo
(imaginação e razão), mesmo através de seu contraste.
63
Kant demonstra nessa passagem que o abismo ou o limite da imaginação
deixa revelar a destinação supra-sensível do homem. O sublime não retrata uma
simples ‘situação terrificante’, mas, pode-se dizer, retrata um incômodo que vai
colocar a mente em contato com a liberdade — o que é muito prazeroso. Lyotard
coloca que
... as limitações, as formas, os esquemas, as regras conceituadas, as
ilegitimidades, as ilusões que a crítica não cessa de opor a esse poder não
tem nenhum sentido se não se admite primeiro que o pressuposto, quase
secreto, da filosofia kantiana é que ‘existe pensamento’, e que isso é
absoluto. Ora, é isso que lhe diz ‘a voz da razão’ no sentimento sublime, e
que o exalta.
64
Quanto à análise do sublime dinâmico é preciso esclarecer o modo como a
natureza atua sobre o sujeito no contexto de uma experiência estética. Para Kant,
poder (Macht) é “... uma faculdade que se sobrepõe a grandes obstáculos”
65
. O que
se chama violência (Gewalt) é o que se “... sobrepõe à resistência daquilo que
possui ele próprio poder”
66
. Nesse sentido, com respeito ao juízo estético, a
63
KANT, 1993, p.102-3.
64
LYOTARD, 1993, p.116.
65
Ibid., p.106.
66
Id.
37
natureza deveria ser considerada como um “... poder que não possui nenhuma força
sobre nós”
67
.
Enquanto presença real, a natureza mostra-se como poderosa, suscitando
medo. O medo pode ser compreendido como uma resistência subjetiva à própria
natureza, todavia não é realista, pois não designa um risco iminente e concreto para
o sujeito que a contempla e para tanto, deve-se dela estar a uma ‘distância segura’.
Se, para a satisfação diante do sublime, do ponto de vista matemático, há a
necessidade de uma ‘distância ideal’ em relação ao objeto, do ponto de vista do
‘dinâmico’, o sujeito deve estar em segurança, ou seja, estar a uma distância
suficiente que lhe permita a contemplação sem que haja a instauração do medo,
pois “... seu espetáculo só se torna tanto mais atraente quanto mais terrível ele é,
contanto que, somente, nos encontremos em segurança”
68
. O medo enclausura a
liberdade e cega a contemplação, pois, ao senti-lo, o sujeito só se preocupa em
preservar sua integridade física e psíquica. Não há disposição para a contemplação
estética e tampouco pode haver qualquer prazer estético, mas somente um
movimento que resulta na fuga e na busca por proteção.
Não obstante, a relação primitiva diante do poder da natureza engendra o
medo. Essa condição poderia significar certa inferioridade por parte do homem que
não teria alternativa a não ser a de se proteger ou, simplesmente, a de fugir da
contemplação do objeto que lhe incute medo. Mas não é isso que o sentimento
estético de sublimidade suscita na mente do sujeito. Uma situação que leva ao
pensamento da fuga não gera sublimidade.
Para a satisfação diante do sublime, ao contrário, o sujeito experimenta uma
resistência tal que permite o encorajamento para contemplar “... a aparente
onipotência da natureza”
69
. Há aqui um apelo àquela força presente em todos os
indivíduos, que não é pertencente à causalidade natural. Essa força permite ao
sujeito conhecer sua condição de ‘impotente’
70
ante a natureza, na medida em que
67
LYOTARD, 1993, p.106.
68
Ibid., p.107.
69
KANT, 1993, p.107.
70
O adjetivo ‘impotente’ não deve ser tomado pelo viés pejorativo, mas sim, compreendido no sentido
de uma impossibilidade do sujeito agir frente a algo; medir força com algo. Por exemplo: não há
possibilidade, nem necessidade de fazermos frente a um evento da natureza, como um vulcão em
erupção ou a uma tempestade furiosa. Não podemos igualar e tão pouco podemos medir forças com
tais manifestações da natureza (e nem temos motivos para tanto). Não podemos ignorá-los, mas nem
38
pertencer física e sensivelmente a ela, mas, ao mesmo tempo, permite que ele
descubra uma faculdade (a razão) que torna não só ele, mas todos os seres
humanos, independentes e superiores à própria natureza. Portanto,
... a natureza aqui chama-se sublime simplesmente porque ela eleva a
faculdade da imaginação à apresentação daqueles casos nos quais o ânimo
pode tornar capaz de ser sentida a sublimidade própria de sua destinação,
mesmo acima da natureza.
71
O medo não corrompe a satisfação sentida pela ‘presentificação’ da razão
enquanto destinação supra-sensível; ao contrário, faz apelo a ela. Entretanto esse
‘medo’ não significa prostração, como pode ser detectado em certos
comportamentos religiosos, pontua Kant. O respeito e a admiração sentidos diante
da magnitude do poder da natureza dignificam e acrescentam humanidade, pois
... denominamos de bom grado estes objetos sublimes, porque eles elevam
a fortaleza da alma acima de seu nível médio e permitem descobir em nós
uma faculdade de resistência de espécie totalmente diversa, a qual nos
encoraja a medir-nos com a aparente onipotência da natureza.
72
A natureza é ajuizada como sublime não porque provoca medo, mas porque
faz com que a força presente no sujeito contemplador avalie como sendo pequeno
tudo aquilo que causa preocupação. Não devemos considerar o poder da natureza
como sendo uma força à qual devemos nos curvar, principalmente no que tange aos
nossos princípios mais elevados. A natureza é ajuizada como sendo dinamicamente
sublime, isto sim, porque eleva a capacidade da imaginação à exibição dos casos
nos quais o sujeito torna-se passível de sentir a sublimidade de sua destinação,
mesmo acima da natureza
73
.
É por tudo isso que o sublime kantiano não pode estar em nenhum objeto da
natureza, pois ele se encontra em nossa mente, “... na medida em que podemos ser
por isso, ao contemplá-los, nos subjugaremos a tais eventos. A razão nos mostrará que somos
independentes e superiores à própria natureza, mesmo fazendo parte desta natureza.
71
KANT, 1993, p.108.
72
Ibid., p.107.
73
Cf. KANT, 1993, p.108.
39
conscientes de ser superiores à natureza em nós e através disso também à natureza
fora de nós (na medida em que ela influi sobre nós)”
74
.
Na argumentação kantiana, os dois modos do ‘sublime’ estão conectados
com idéias morais; o sublime dinâmico diretamente e o sublime matemático
indiretamente, uma vez que também os conceitos teóricos envolvem a
espontaneidade e a autonomia da razão.
Ora, na satisfação diante do belo, o que se experimenta é a harmonia da
imaginação com o entendimento; na satisfação diante do sublime, o sujeito eleva-se
para além dos limites da natureza sensível e experimenta-se como ‘o ser da razão’.
No belo, a faculdade da imaginação conhece sua confirmação no mundo sensível.
Já no sublime, ela conhece o drama, o embaraço de sua inadequação. O drama
sublime resulta da incapacidade a que a imaginação chega, quando fracassa em
toda estimativa estética de grandeza ou de poder.
A experiência estética de sublimidade põe em evidência a situação do
sujeito que se confronta simultaneamente com o desafio da experimentação da
natureza e com a interrogação em face de si mesmo. Trata-se de uma ocasião em
que a máxima abertura da imaginação e dos limites da relação com o mundo se
exprimem.
No sublime, os objetos apresentam-se como excessivos em relação à
imaginação, mas não são excessivos para a idéia racional do supra-sensível. Um
objeto excessivo pode ser descrito como aquele que, quer pela sua grandeza
(sublime matemático), quer pela sua força e poder (sublime dinâmico), resiste a se
deixar compreender em uma intuição.
Essa é a gênese sensível que deflagra um encontro conflituoso entre a
imaginação, o entendimento e a razão. De um lado há um movimento de atração: a
imaginação é desafiada a medir o incomensurável, sendo estimulada a elevar-se
para muito além de seus limites. Nesse limite da sensibilidade é a razão que se
descobre como ressonância das suas idéias constitutivas e irrepresentáveis (à razão
é atraente o que à sensibilidade é repulsivo). De outro lado, há um movimento de
repulsa, na medida em que a imaginação falha na tentativa de intuir o infinito.
74
KANT, 1993, p.110.
40
Em Kant, as idéias não podem ser exibidas, porém, se a imaginação for
ampliada matemática ou dinamicamente, a ela se juntará a razão como faculdade de
liberdade e detentora da totalidade absoluta.
No sublime dinâmico, o poder irresistível da natureza aponta a impotência
física do sujeito em fazer-lhe frente, mas por outro lado, este mesmo poder conduz à
descoberta de uma faculdade (a razão) de ajuizar-se como independente e superior
a esta natureza.
1.3 – SOBRE A ARTE, O GÊNIO ARTÍSTICO E AS IDÉIAS ESTÉTICAS SEGUNDO
KANT
Após abordarmos e definirmos as experiências estéticas sobre a beleza e a
sublimidade segundo o pensamento kantiano, a seguir, procuraremos tratar a
questão da arte vista pelo olhar de Kant. Nosso propósito agora estará direcionado
para os aspectos mais emblemáticos no que se refere à compreensão das seguintes
questões: arte bela, gênio enquanto criador, “idéias estéticas”, originalidade e
ambigüidade da imitação.
No parágrafo 43 da CFJ, encontram-se as distinções entre arte e natureza,
arte e ciência e, por fim, arte e artesanato. A arte se diferencia da natureza da
mesma forma que a produção orientada pela inteligência se opõe ao processo cego.
Isto quer dizer que, na mesma medida em que não se pode considerar a arte como
fruto do acaso, não se pode tomar a natureza como um artifício, o que caracterizaria
uma espécie de “superstição”
75
.
De início, Kant afirma que a arte se “... distingue da natureza, como fazer
(facere) distingue-se do agir ou atuar em geral (agere), e o produto ou a
conseqüência da primeira, enquanto obra (opus), distingue-se da última como efeito
(effectus)”
76
. Ainda aponta que um objeto só pode ser intitulado como sendo ‘arte’ se
o ato criativo que o originou fora mediado por um “... arbítrio que põe a razão como
fundamento de suas ações”
77
.
75
Cf. LEBRUM, 2002, p.519-20.
76
KANT, 1993, p.149. Grifos no original.
77
Id.
41
Disso decorre que a arte só pode ser um produto exclusivo da racionalidade
humana livre, ou seja, vê-se arte em tudo aquilo que é feito de modo que uma
representação do objeto tenha, precedido em sua causa, uma realidade efetiva, não
o contrário: o efeito pensado pela causa.
A arte, entendida como habilidade do homem, diferencia-se da ciência da
mesma maneira que a faculdade prática distingue-se da faculdade teórica ou a
técnica da teoria. A arte, segundo a visão kantiana, não pode ser chamada de algo
que se pode fazer depois do que se sabe o que deve ser feito, isto é, tão logo se
saiba dos efeitos que se pretende. Assim, não é “... precisamente denominado arte
aquilo que se pode fazer tão logo se saiba o que deva ser feito e, portanto, se
conheça suficientemente o efeito desejado”
78
.
Finalmente, a arte não é ofício, pois enquanto este se chama ofício ou “arte
remunerada”, aquela é chamada de “arte livre”
79
. Sendo assim, a arte pode ter êxito
conforme um fim apenas enquanto jogo, isto é, aquela ocupação que agrada por si
mesma. Já o ofício é o trabalho, sendo apenas atraente em virtude do efeito (a
remuneração, por exemplo) que, por sua vez, pode ser imposto.
Ao elaborar tais distinções, Kant pôde tratar da “arte bela”. Para tanto, o
filósofo lembra que não existe uma “... ciência do belo, mas somente crítica, nem
uma ciência bela, mas somente arte bela”
80
. Ora, se existisse tal ‘ciência bela’,
haveria a necessidade de se decidir por argumentos que tivessem força para
convencer se algo é belo ou não, o que tornaria inviável o juízo de gosto. Também,
se houvesse uma ‘bela ciência’, esta, ao invés de provas e razões, apresentaria
apenas frases de bom gosto. Kant ainda observa que aquilo que gerou o engano de
se pensar uma ‘ciência bela’, foi o fato de que para se fazer arte é preciso muita
ciência
81
.
Para o esclarecimento do termo “arte bela” e o estabelecimento de seu
âmbito legítimo, são indispensáveis duas etapas: a primeira consiste em separar a
‘arte mecânica’ de ‘arte estética’. A arte mecânica é caracterizada pela execução de
ações com o objetivo de tornar efetivo um objeto conforme as determinações do
conhecimento (a produção de um calçado, por exemplo); já a arte estética intenta o
78
KANT, 1993, p.149.
79
Cf. KANT, 1993, p.149.
80
KANT, 1993, p.150.
81
Cf. KANT, 1993, p.151.
42
imediato sentimento de prazer. A segunda etapa visa a ressaltar que a arte estética
se subdivide em ‘agradável’ e ‘bela’. Assim, a arte será agradável quando o seu fim
for aquele em que o “... prazer acompanhe as representações enquanto simples
sensações”; será bela se o seu fim for aquele em que o “... prazer a acompanhe
enquanto modos de conhecimento
82
.
A arte agradável, na medida em que visa a um fim exterior à sua própria
dinâmica, não difere da arte mecânica. Esse tipo de arte visa a despertar o agrado
para o sujeito, ao passo que a arte bela é um “... modo de representação que é por
si própria conforme a fins e, embora sem fim, todavia promove a cultura das
faculdades de ânimo para a comunicação em sociedade”
83
.
A maneira como Kant define a ‘arte bela’ acarreta uma dificuldade teórica de
primeira ordem: como é possível compatibilizar a arte, regida por regras com a
espontaneidade e a indeterminabilidade da beleza? Como vimos, a arte se
diferencia de natureza, mas o lugar em que se pode apreender o belo é na natureza,
pois o
... correlato do juízo de gosto que melhor indicará a sua função é o objeto
do qual estou certo de que ele não é o efeito de uma intenção, o produto de
um criador inteligente. É apenas ali onde a causalidade seguramente não é
orientada, e onde a desordem exista de direito, que torna-se possível
rastrear uma racionalidade que, certamente, não será demiúrgica. (...) É por
isso que a natureza é por excelência o terreno neutro no qual podemos
apreender o gosto em estado puro.
84
Ora, se o objeto do juízo de gosto é por excelência a natureza, justamente
porque nela não se pode rastrear quaisquer vestígios de intencionalidade, como é
possível compreender o que vem a ser ‘arte bela’, visto que o que caracteriza os
objetos artísticos é justamente o fato de serem estes obras intencionais? Por hora,
instaura um problema que torna difícil a união do belo com o artístico, já que, por um
lado, enquanto um fazer humano, a arte não pode ser natural e o objeto belo, por
outro lado, não pode ser intencional.
Assim, tal como o sentimento estético de beleza, a ‘arte bela’ desperta um
sentimento de prazer pela reflexão; é uma finalidade sem fim e refere-se ao juízo —
82
KANT, 1993, p.151. Grifos no original.
83
Id.
84
LEBRUM, 2002, p.516-517.
43
a faculdade de julgar esteticamente. Nesses termos, o parágrafo 44 da CFJ retoma
muitos aspectos presentes na “Analítica do belo”, mas não dá conta de resolver o
problema que fora instaurado, pois o termo ‘arte bela’, como se pode notar, surge
quase que como sinônimo de ‘belo’ e omite o fato de este vir acompanhado do termo
‘arte’.
Por um momento, parece-nos que Kant ignora a ‘arte bela’ como sendo
‘arte’, vendo-a apenas como ‘bela’, deixando de lado sua parcela do ‘fazer humano’.
Todavia, se a arte bela também é arte; se é obra de uma inteligência humana, este
aspecto evidentemente não pode ser ignorado.
O problema que apontamos começa a ser solucionado a partir do parágrafo
45 da CFJ, intitulado “Arte bela é uma arte enquanto ela ao mesmo tempo parece
ser natureza”
85
. Nesse parágrafo, encontramos algo distinto da “Analítica do belo” e
que leva em conta o fato de a ‘arte bela’ ser arte, é a presença da expressão
“parecer natureza”. Desse modo, o parágrafo 45 estaria substituindo a imitação pela
analogia e o denominador comum de tal analogia entre a arte e a natureza seria a
beleza.
Ao introduzir na natureza mecânica e cega o princípio da conformidade a
fins, o homem pode também compará-lo com a arte. Diante de um produto da arte
bela “... tem-se que tomar consciência de que ele é arte e não natureza. Todavia, a
conformidade a fins na forma do mesmo tem que parecer livre de toda coerção de
regras arbitrárias, como se ele fosse um produto da simples natureza”
86
. Conforme
afirma LEBRUN (2002, p.538), a conformidade a fins efetivamente presente na obra
de arte (bela) é negada, para projetar em seu lugar uma conformidade a fins que um
belo espetáculo da natureza suscita. Essa tensão na experiência com a arte bela,
talvez pelos mesmos motivos da relação prazerosa com o belo natural, arrebata e
gera satisfação na mente do sujeito que a contempla.
A arte é bela quando ajuizada tal qual se ajuíza a natureza. Isso não quer
dizer que se possa deixar de ter consciência de que se está diante de uma obra de
arte, ao mesmo tempo em que o fato de ser arte não impossibilita, em nada, o seu
julgamento como natureza, pois a natureza só é bela se “... ao mesmo tempo parece
ser arte; e a arte somente pode ser denominada bela se temos a consciência de que
85
KANT, 1993, p.152.
86
Id. O original não apresenta grifos.
44
ela é arte e de que ela apesar disso nos parece ser natureza”.
87
A condição é que a
arte apareça “... sem que transpareça a forma acadêmica, isto é, sem mostrar um
vestígio de que a regra tenha estado diante dos olhos do artista e tenha algemado
as faculdades de seu ânimo”
88
.
A ‘arte bela’ deve ser ajuizada ‘como se’ fosse natureza e é exatamente este
‘como se’ que lhe dá o direito (analogicamente) de ser bela. O sujeito da
contemplação, diante de uma obra de arte, deverá ajuizá-la ‘como se’ ela fosse
desprovida de qualquer intencionalidade e, no momento deste ajuizamento, a ‘arte
bela’ não pode parecer tal como obra de um criador. Portanto, “... embora a
conformidade a fins do produto da arte bela na verdade seja intencional, ela,
contudo, não tem de parecer intencional; isto é, a arte bela tem de passar por
natureza, conquanto a gente na verdade tenha consciência dela como arte”
89
.
Sendo bela, a ‘arte bela’ desperta naquele que a contempla um sentimento
de prazer, sentimento este que é, segundo Kant, o único capaz de ser
universalmente comunicado. É na medida em que ‘parece ser’ natureza que a arte
bela desperta o juízo de gosto no espectador. É também sobre esse mesmo ponto
de vista que a arte bela pode ser chamada ‘vivificante’, por produzir o mesmo efeito
que o belo natural produz naquele que contempla, ou seja, desperta o livre jogo da
imaginação e do entendimento, suscitando um prazer imediato, livre e
desinteressado.
Ainda sobre esse mesmo ponto de vista, pode-se entender com mais clareza
a impossibilidade de uma ‘ciência da bela arte’. O que caracteriza a ‘arte bela’ é o
fato de ela ser objeto de um juízo de gosto e, como se sabe, este juízo não é um
juízo de conhecimento. Vimos anteriormente que o juízo de gosto desperta o
sentimento de prazer na mera forma de julgar e não no conhecimento que se tem do
objeto em questão. Nesse sentido, o objeto do juízo de gosto permanece
indeterminado — não que ele seja algo nulo, mas pela simples razão de que para
este tipo de juízo a operação de conhecimento não se faz necessária. O objeto do
juízo de gosto põe em movimento o livre e indeterminado jogo das faculdades.
87
KANT, 1993, p.152.
88
Id.
89
Id. Grifos no original.
45
Vê-se então que a ambigüidade que transparece no título do parágrafo
precisa ser vista com precaução. A arte bela e a natureza podem até ser
semelhantes na aparência externa. Um pintor pode, por exemplo, retratar com
fidelidade uma paisagem natural, mas não é por causa desta perfeição que a
natureza se aproxima da arte ou vice-versa. As semelhanças devem ser buscadas
na dinâmica da produção. Exige-se que a arte não reproduza a natureza. Ela deve
produzir uma natureza de modo originário e espontâneo, já que uma “... beleza da
natureza é uma coisa bela; a beleza da arte é uma representação bela de uma
coisa”
90
. Todavia, quem pode produzir a arte bela? Após diferençar a arte da
natureza e da ciência, como também os diversos tipos de arte, Kant passa a tratar
do ser capaz de produzir a arte bela, ou seja, o gênio. A arte bela é uma arte e,
como tal, pressupõe um criador e, sendo uma obra tão peculiar, ela exige um criador
diferente.
Se anteriormente o problema estava centrado sobre a questão da obra de
arte bela, agora a problemática volta-se para compreender seu criador, bem como a
natureza interna do ato produtivo, com sua indeterminação e espontaneidade.
Sobre essa questão há dois intrigantes questionamentos elaborados por
LEBRUN (2002, p.538) dos quais não se pode esquivar: “como a imaginação do
artista pode se subtrair ao constrangimento do entendimento, a ponto de que seu
trabalho adquira o aspecto de uma livre criação? Como a poiética pode se
metamorfosear em poética?”
A exemplo do parágrafo 45, o parágrafo 46 da CFJ traz em seu título a
solução do problema: “Arte bela é a arte do gênio”
91
. As condições para que a arte
se estruture analogamente à natureza podem ser observadas na definição kantiana
para o termo “gênio”:
Gênio é o talento (dom natural) que dá a regra à arte. Já que o próprio
talento enquanto faculdade produtiva inata do artista pertence à natureza,
também se poderia expressar assim: Gênio é a inata disposição de ânimo
(ingenium) pela qual a natureza dá regra à arte.
92
90
KANT, 1993, p.157. Grifos no original.
91
Ibid., p.153.
92
Id.
46
Por esse prisma, o gênio é um ser com talento inato e privilegiado pela
natureza e é o único ser capaz de produzir a arte bela, pois é capaz de dar-lhe
regras próprias. É como se o gênio criasse outra natureza; um mundo próprio que
está circunscrito à sua obra. É importante sublinhar a idéia de que a ação de “dar
regra” não deve ser compreendida como um ato autônomo, autárquico do gênio,
mas é a natureza que, por intermédio do gênio, dá à arte, as regras. O artista parece
ser, neste sentido, um meio que a natureza utiliza para atingir os seus supostos fins.
A citação anterior apresenta um significado especial para o termo “natureza”.
Ele pode ser compreendido como uma espécie de ‘força viva’ que se oculta no
momento em que surge na forma de arte e, também, é oculta até mesmo para
aquele que lhe serve de instrumento: a própria genialidade do artista.
A consciência do que o gênio produz se manifesta na relação com a regra.
Toda arte precisa de regras, pois “... não há nenhuma arte bela na qual algo
mecânico, que pode ser captado e seguido segundo regras e, portanto algo
acadêmico, não constitua a condição essencial da arte”
93
. Para produzir a arte, algo
tem de ser pensado como fim, do contrário, seria fruto de mero acaso, pois o
... conceito de arte bela, porém, não permite que o juízo sobre a beleza de
seu produto seja deduzido de qualquer regra que tenha um conceito como
fundamento determinante, por conseguinte que ponha como fundamento
um conceito da maneira como ele é possível. Portanto, a própria arte bela
não pode ter a idéia da regra segundo a qual ela deva realizar o seu
produto. Ora, visto que contudo sem uma regra que o anteceda um produto
jamais pode chamar-se arte, assim a natureza do sujeito (e pela disposição
da faculdade do mesmo) tem que dar a regra à arte, isto é, a arte bela só é
possível somente como produto do gênio.
94
Isso posto, um ponto de interrogação paira sobre a noção de ‘regra’. Qual o
sentido que o termo ‘regra’ reflete na citação anterior? Ao que tudo indica, o termo
‘regra’ não pode ser compreendido no sentido de ‘fórmula’ ou ‘preceito’, mas sim,
algo que deve ser abstraído do produto. Também não pode ser entendido como algo
pré-criativo, mas sim o que se constrói e se forma na medida em que o ato poiético
se desenvolve e evolui. Também não deve ser compreendido como sendo um
conjunto de preceitos extraídos da experiência e que sirvam de leis universais por
meio das quais se torne possível deduzir a obra. Uma alternativa plausível que se
93
KANT, 1993, p.156. Grifos no original.
94
Ibid., p.153. Grifos no original.
47
apresenta é tomar o termo ‘regra’ como sendo uma multiplicidade de fatores cuja
adequada inter-relação cria as condições nas quais a obra de ‘arte bela’ acontece.
É certo que cada arte possui suas regras, pois a fundamentação de um
produto seu só se torna possível mediante regras. Não obstante, a arte bela não
possui um conceito que viabiliza um juízo sobre a beleza derivado de um
fundamento determinante e, por isto, é impossível um fundamento conceitual para
os produtos da bela arte. Assim o gênio não tem uma idéia da regra pela qual ele
deve realizar seus produtos.
Essa inter-relação pode ser por um lado negativa e, por outro, positiva.
Negativa por se considerar que a atividade do gênio é indeterminada e não pode ser
ensinada e/ou aprendida por exceder a qualquer prescrição técnica de pôr em
existência algo segundo um fim determinado. Positiva quando se parte do princípio
de que a atividade artística é um ato livre, exemplar, que não permite uma
apropriação direta e que provoca gratuitamente o efeito da beleza.
Assim, a capacidade do gênio em ‘dar regra à arte’ pode ser entendida como
um ‘descobrir a regra’ no próprio ato criativo e, desta forma, fica mais clara a
oposição entre originalidade e imitação, já que esta última é tomada como uma
simples operação submetida a regras e é derivada de um modelo ou paradigma,
pois
... qualquer um concorda em que o gênio opõe-se totalmente ao espírito de
imitação. Ora, visto que aprender <lemen> não é senão imitar, assim a
máxima aptidão ou docilidade (capacidade) enquanto tal não pode ser
considerada gênio.”
95
.
Partindo dessa consideração e tomando a noção de arte bela e, também, a
maneira de como ela é produzida, percebe-se que a arte do gênio deve parecer
natureza ao mesmo tempo em que é obra de um sujeito que cria sem nada imitar.
Disso, fica clara a inter-relação entre o ‘gênio’ e a ‘regra’ e, para que se
possa entender como ambos se inter-relacionam, é necessário saber quais são as
qualidades do gênio, vejamos:
1) é um talento para produzir aquilo para o qual não se pode fornecer
nenhuma regra determinada, e não uma disposição de habilidade para o
95
KANT, 1993, p.154. Grifos no original.
48
que possa ser aprendido segundo qualquer regra ; consequentemente,
originalidade tem de ser sua primeira propriedade; 2) que, visto que também
pode haver uma extravagância original, seus produtos têm que ser ao
mesmo tempo modelos, isto é, exemplares, por conseguinte, eles próprios
não surgiram por imitação e, pois, têm de servir a outros como padrão de
medida ou regra de ajuizamento; 3) que ele próprio não pode descrever ou
indicar cientificamente como ele realiza sua produção, mas que ela como
natureza fornece a regra; e por isso o próprio autor de um produto, que ele
deva a seu gênio, não sabe como as idéias para tanto encontram-se nele e
tampouco tem em seu poder imaginá-las arbitrária ou planejadamente e
comunicá-las a outros em tais prescrições, que as ponham em condição de
produzir produtos homogêneos. (Eis por que presumivelmente a palavra
"gênio" foi derivada de genius, o espírito peculiar, protetor e guia, dado
conjuntamente a um homem por ocasião do nascimento, e de cuja
inspiração aquelas idéias originais procedem); 4) que a natureza através do
gênio prescreve a regra não à ciência, mas à arte, e isto também somente
na medida em que esta última deva ser arte bela.
96
O talento possibilita ao gênio produzir aquilo para o qual não existem regras,
o que faz com que a originalidade seja sua primeira característica. Por conseguinte,
o talento se difere da habilidade, pois esta pode ser ensinada mediante regras
(como no artesanato, por exemplo). Outra qualidade inerente ao gênio, que é
resultante de sua originalidade, é que seus produtos têm de ser exemplares, isto é,
têm de servir à imitação tal qual um padrão de ajuizamento ou de medida. No
entanto, se eles têm de servir à imitação, inversamente o gênio não pode imitar, já
que ele é o talento original. Outro aspecto importante refere à impossibilidade do
gênio explicar cientificamente o ato criativo, tendo em vista que nem ele mesmo
sabe como suas idéias surgem, o que, como visto anteriormente, impossibilita
ensinar o ‘como produzir’ as belas artes.
Ainda é preciso resolver outro ponto obscuro no que tange à diferença entre
‘parecer natureza’ e ‘imitar a natureza’. Quando Kant fala em ‘parecer natureza’, a
referência não repousa em ‘imitar a natureza’, pois, para que uma arte seja objeto de
um juízo de gosto, ela não pode ser um retrato fidedigno do representado. Para
reforçar a diferença entre ‘imitar’ e ‘parecer’ natureza, esclarece:
... confundimos presumivelmente nossa participação na alegria de um
pequeno e estimado animalzinho com a beleza de um canto, que, se é
imitado bem exatamente pelo homem (como ocorre às vezes com o cantar
do rouxinol), parece ao nosso ouvido ser totalmente sem gosto.
97
96
KANT, 1993, p.153-4. Grifos no original.
97
Ibid., p.89.
49
Em outro momento da CFJ, uma longa passagem torna mais compreensível
o mesmo tema, elucidando melhor a citação anterior:
... a arte bela mostra sua preeminência precisamente no fato de que ela
descreve belamente as coisa que na natureza seriam feias ou despresíveis.
As fúrias, doenças, devastações da guerra etc., enquanto coisas danosas,
podem ser descritas muito belamente, até mesmo ser representadas em
pinturas; somente uma espécie de feiúra não pode ser representada de
acordo com a natureza sem deitar por terra toda a complacência estética,
por conseguinte a beleza da arte: a saber, a feiúra que desperta asco. Pois
porque nesta sensação peculiar, que assenta sobre a mera imaginação, o
objeto é representado como se ele se impusesse ao gozo, ao qual contudo
resistimos com violência, assim a representação artística do objeto não se
distingue mais, em nossa sensação, da natureza deste próprio objeto e
então é impossível que aquela seja tomada como bela. Também a escultura
exclui de suas figurações a representação imediata de objetos feios, porque
em seus produtos a arte é como que confundida com a natureza e em vez
disso permite representar, por exemplo, a morte (em Marte), por uma
alegoria ou atributos que se apresentam prazeirosamente, por conseguinte
só indiretamente mediante uma interpretação da razão e não por uma
faculdade de juízo meramente estética.
98
Essa longa citação evidencia algo em comum com a “Analítica do belo”,
principalmente quanto à noção de ‘arte bela’ e de imitação precisa da natureza. Fica
evidente que aquilo que constitui a beleza da ‘arte bela’ não é necessariamente o
que é belo na natureza. A guerra, do ponto de vista da natureza, será sempre
terrível e nefasta, no entanto, ao ser abordada pelo viés artístico, poderá ser bela.
Na citação anterior, ainda se observa que nem tudo pode ser belo sob a
égide da arte, mesmo quando bem representado. Vê-se que tudo aquilo que
despertar o asco, jamais poderá ser artisticamente belo, pois sua representação
também despertará tal sentimento. Assim sendo, não haverá qualquer diferença, do
ponto de vista das sensações, entre o objeto em si e sua representação.
Para que uma obra de arte seja ajuizada pelo gosto, ela não deve ser uma
mera cópia da natureza, mas, sim, deve constituir um ‘ideal’ de natureza. Nesse
caso, partindo da teoria kantiana sobre o gênio, pode-se entender este ‘ideal’ como
sendo a maneira particular e peculiar de combinar elementos e expô-los de tal forma
que suscite o sentimento de prazer no sujeito da contemplação. Tanto a maneira de
arranjar os elementos dados quanto a forma de expô-los caracterizam a
originalidade do artista.
98
KANT, 1993, p.157-158. Grifos no original.
50
Assim, a arte bela parece ser natureza, pois o gênio sabe, pelo seu dom
natural e inato, a medida exata para criar sua obra. O gênio é o único capaz de
produzir algo análogo à natureza, mas que ao mesmo tempo não é ‘natureza’.
Dessa forma, é ele o sujeito capaz de unificar dois elementos opostos — arte e
natureza — possibilitando a existência da ‘arte bela’.
Muito freqüentemente se diz que um objeto que se pretende da arte bela é
desprovido de espírito. Uma escultura pode ter sido esculpida à perfeição e não ter
espírito. Um quadro pode ter sido concebido perfeitamente, mas lhe falta espírito. É
nesse sentido que Kant define esteticamente o termo espírito como sendo “... o
princípio vivificante no ânimo”
99
. O "espírito" pode ser compreendido como sendo
uma qualidade que o gênio compartilha com a obra. É o elemento ‘vivificante’ que a
obra de arte abstrai da natureza e que congrega, simultaneamente, a índole da obra,
a índole do gênio e a regra em ato. Pode-se especular que é justamente o "espírito"
que funciona como ‘natureza’ na obra de arte bela.
O princípio vivificante, para Kant, nada mais é do que a faculdade de
apresentação de idéias estéticas”
100
, a imaginação, o que também constitui uma
qualidade do gênio. Kant define “idéia estética” como sendo aquela
... representação da faculdade da imaginação que dá muito a pensar, sem
que contudo qualquer pensamento determinado, isto é, conceito, possa ser-
lhe adequado, que consequentemente nenhuma linguagem alcança
inteiramente nem pode tornar compreensível.
101
A “idéia estética” é aquilo que “... nenhuma linguagem alcança inteiramente
nem pode tornar compreensível”
102
, sendo portanto o inverso da idéia da razão,
pois esta se caracteriza por ser um conceito sem intuições. Inversamente, a “idéia
estética” é uma intuição sem conceito. Mas por que “idéia estética” se chama idéia?
Porque, primeiramente, ela se aproxima das idéias da razão ao pretender algo que
ultrapasse o âmbito da experiência. Tal aproximação acaba por dar aos conceitos da
razão (idéias intelectuais) uma ‘aparência’ de realidade objetiva. Segundo, porque
99
KANT, 1993, p.159.
100
Id. Grifos no original.
101
Id.
102
Id.
51
não há conceito que dê conta desta “intuição interna”
103
. Percebemos então que o
gênio é aquele ser arrojado, capaz de tornar sensível as ‘idéias estéticas’, pois
busca na experiência, mediada pela imaginação, exemplos que extrapolam a própria
experiência, o que caracteriza as ‘idéias estéticas’.
Embora todos os seres humanos sejam dotados de imaginação e
entendimento, é a maneira particular e original de atuação destas faculdades que
caracterizam o gênio. Enquanto a imaginação é capaz de alçar vôos incríveis, o
entendimento, por sua vez, cuida da inteligibilidade. Ora, de que vale uma obra de
arte incompreensível? O resultado do jogo entre a imaginação e entendimento não é
um conceito, mas uma “idéia estética”; mais propriamente, a obra de ‘arte bela’. A
relação entre as “idéias estéticas” e a ‘atividade do gênio’ encontra-se no fruto do
trabalho do artista genial, justamente quando um conteúdo inteligível é posto ao
alcance da intuição. Não se trata meramente de uma representação, mas da
apresentação, da exposição de uma “idéia estética”, já que
... em uma palavra, a idéia estética é uma representação da faculdade da
imaginação associada a um conceito dado, a qual se liga a uma tal
multiplicidade de representações parciais no uso livre das mesmas, que
não se pode encontrar para ela nenhuma explicação que denote um
conceito determinado, a qual, portanto, permite pensar de um conceito
muita coisa inexprimível...
104
Ainda resta uma questão a ser respondida: se todos os seres humanos são
dotados de imaginação e entendimento, como o gênio se diferencia dos demais? A
resposta para tal questionamento está logo no início do parágrafo 48 da CFJ,
intitulado "Da relação do gênio com o gosto"
105
. Vejams: "... para o ajuizamento de
objetos belos enquanto tais, requer-se gosto, mas para a própria arte, isto é, para a
produção de tais objetos, requer-se o gênio"
106
. Com isso, na estética kantiana fica
clara a diferença entre o espectador e o produtor de obra de ‘arte bela’. Ora, todos
os seres humanos podem ter gosto, pois são dotados de imaginação e
entendimento, todavia nem todos possuem o dom natural para produzir algo que
será julgado como sendo belo.
103
KANT, 1993, p.160.
104
Ibid., p.162.
105
Ibid., p.156.
106
Id. Grifos no original.
52
No gênio, imaginação e entendimento aparecem como uma "...feliz
disposição, que nehuma ciência pode ensinar e nenhum estudo pode exercitar, de
encontrar idéias para um conceito dado e, por outro lado, de encontrar para elas a
expressão pela qual a disposição subjetiva do ânimo daí resultante..."
107
possa ser
comunicada a outros.
Ainda com relação ao gênio, Kant questiona sobre o que seria mais
importante, se a imaginação ou a faculdade do juízo, se o gênio ou o gosto. O
filósofo responde ao dizer que o gosto disciplina o gênio, cortando-lhe as asas
108
,
dando-lhe norte ao lhe dizer o que é e até onde se pode chegar sem romper a
conformidade a fins, já que é isto que dá consistência às suas idéias, dotando-as da
aprovação duradoura e universal. Por conseguinte, Kant prefere, em caso de conflito
entre as faculdades, que em um produto seja antes sacrificada a imaginação do que
o entendimento, ou seja, antes o gênio do que o gosto. Kant ressalta que, se muitas
espécies de satisfação habitam um produto da arte bela, isto pode acabar
comprometendo a beleza da obra. Tal acontece quando não se considera o
essencial na beleza, ou seja, a forma. É por esse motivo que Kant considera as
belezas da natureza como as mais aptas para a aparente ligação entre intuições e
as idéias da razão.
107
KANT, 1993, p.162. Grifos no Original.
108
Cf. KANT, 1993, p.165.
53
CAPÍTULO 2 – O SUBLIME SCHILLERIANO: A LIBERDADE ORIGINA-SE DA
DESARMONIA ENTRE RAZÃO E SENSIBILIDADE
O poeta atém-se ao sensível para tornar
intuível o não-sensível.
Friedrich Schiller
Inicialmente, o conceito de sublime schilleriano é construído respaldado no
conceito kantiano de sublimidade. No entanto, à medida que os estudos sobre tal
conceito vão se desenvolvendo, o mesmo vai adquirindo outras nuanças. Porém,
mesmo com outros matizes, o pensamento kantiano sempre estará presente.
A beleza, segundo Schiller, provém da harmoniosa relação entre forma e
matéria, sendo o belo a ‘liberdade no fenômeno’. Já o sublime é fruto da desarmonia
pática entre a forma e a matéria ou, em outras palavras, a desarmonia entre a razão
e a sensibilidade.
Para Schiller, o
... sublime é como chamamos a um objeto cuja representação leva a nossa
natureza sensível a sentir os seus limites, levando porém a nossa natureza
racional a sentir a sua superioridade, a sua liberdade em relação a limites;
perante o qual portanto ficamos fisicamente a perder, mas acima do qual
nos elevamos moralmente, i.e., através de idéias.
109
Essa é a primeira definição schilleriana apresentada para o conceito de
sublime, nitidamente enraizado na CFJ de Kant, posto que ali também encontramos
a mesma duplicidade de consciência presente no sublime kantiano, entre a
impotência sensível e a potência intelectual.
De início presenciaremos uma importante diferença entre o pensamento
kantiano e o schilleriano. Para Kant, o sublime está na mente do sujeito e o objeto
pode ser uma possibilidade potencial para a experiência estética de sublimidade. Já
do ponto de vista schilleriano, há uma inflexão. A estética de Schiller lança luzes
109
SCHILLER, 1997, p.143. Grifos no original. O artigo ‘Do Sublime – para um desenvolvimento de
algumas idéias kantianas’ foi escrito por Schiller para a revista Neue Thalia, provavelmente a partir das
preleções sobre estética proferidas no semestre de inverno de 1792/3. Segundo a tradutora da obra
supra-referenciada, tal artigo tinha por objetivo preencher lacunas editoriais e foi dividido em duas
partes distintas, sendo “Sobre o Patético” a segunda parte.
54
naquilo que em Kant está obscuro, ou seja, o papel da moralidade e a fundamental
relevância da liberdade. Segundo BARBOZA (2005, p.197), Kant reconhecera o
papel da liberdade, dizendo ser esta “... uma vivência, um sentimento estético-moral
do supra-sensível, cuja presença, portanto, via razão prática, é inegável”.
Schiller pressupõe que a liberdade e a moral vão aparecer em todo o seu
fulgor, via experiência estética de sublimidade, já que este sentimento nos possibilita
a evasão do mundo sensível
110
e a comprovação da nossa autonomia moral.
A experiência estética diante do belo, para Schiller, é uma expressão de
liberdade, mas não é uma expressão que nos “... eleva acima do poder da natureza
e nos liberta de toda a influência física, mas daquela que fruímos na natureza
enquanto seres humanos”
111
. Podemos experimentar a liberdade no âmbito da
beleza porque os “... impulsos sensíveis harmonizam com a lei da razão (...)”
112
.
Experimentamos a liberdade no âmbito do sublime porque nossos “... impulsos
sensíveis não têm qualquer influência na legislação da razão, uma vez que o espírito
age como se não estivesse sob a alçada de outras leis para além das suas”
113
. Daí
podemos comprovar nossa autonomia moral.
O objeto sublime faz a natureza do sujeito sentir seus limites para, em
seguida, fazer com que a razão demonstre a sua superioridade; a sua liberdade em
relação a estes limites. Via de regra, o objeto sublime faz com que o sujeito sinta a
sua limitação física, mas possibilita, em seguida, que o mesmo se eleve moralmente
sobre esta limitação mediante idéias.
Ora, Schiller pensa o homem como dependente da natureza somente
enquanto ‘ente sensível’, mas totalmente livre enquanto ‘ente racional’. Assim, a
experiência estética diante do sublime vai, primeiramente, ressaltar tal dependência
para, em seguida, demonstrar a independência do sujeito em relação à natureza por
intermédio da razão. Somos independentes da natureza porque somos dotados da
faculdade da razão e é esta que nos permite transcender as fronteiras do mundo
fenomênico.
Vale ressaltar que Schiller entende ‘dependência’ como sendo aquilo que,
fora de nós, possibilita ou fundamenta algo em nós. Todavia, enquanto a natureza
110
Mundo este no qual o sentimento estético do belo gostaria de nos manter para sempre prisioneiros.
111
SCHILLER, 1997, p.222.
112
Id.
113
Id.
55
fora de nós estiver em consonância conosco, não nos será possível reconhecer a
nossa independência em relação a ela. Somente em determinados momentos,
quando a natureza se mostrar ‘ameaçadora’ aos nossos impulsos é que teremos
uma chance potencial de vivenciarmos a experiência estética de sublimidade. No
entanto veremos, no decorrer do estudo, que a qualidade ‘ameaçadora’ da natureza
não constitui condição sine qua non para vivenciarmos o sublime. Dizemos
ameaçadora no sentido de a natureza ser imaginada como estando em conflito com
os nossos impulsos.
Conforme explica Schiller, são dois os impulsos constitutivos do ser humano:
o “impulso de representação” (ou impulso de conhecimento) e o “impulso de
autoconservação”
114
. O impulso de representação permite que transformemos o
nosso estado com vista a exteriorizar a nossa existência. Tal impulso tende ao
conhecimento, pois só podemos conhecer aquilo que somos capazes de
representar. Já o impulso de autoconservação, como o próprio nome já fornece
sentido, preserva o nosso estado para que possamos continuar existindo e
requerendo a capacidade de resistência. Tal impulso tende para os sentimentos e,
logo, possibilita uma percepção interior da existência.
São esses dois impulsos que nos permitem compreender porque o homem
é, enquanto ente sensível, duplamente dependente em relação à natureza. A
primeira dependência aparece quando a natureza faz minguar as condições que
possibilitam o conhecimento. A segunda, quando a natureza contradiz as condições
que possibilitam a nossa existência. No primeiro caso, a natureza é tomada
mediante um simples objeto sensível que potencialmente pode ampliar o nosso
conhecimento e, no segundo caso, ela é tomada como potência que pode
determinar a nossa condição, a continuidade da nossa existência.
Por outro lado, o homem enquanto ente racional é duplamente independente
em relação à natureza: primeiramente, ao pensarmos muito além do que o
conhecimento nos transmite, podemos ultrapassar suas fronteiras. Em segundo
lugar, podemos contradizer os nossos desejos por meio da nossa vontade, e tal
contradição nos permite ir para além do plano prático de ação. Assim, enquanto
‘entes sensíveis’, somos dependentes e submetidos aos domínios dos fenômenos,
114
SCHILLER, 1997, p.143.
56
mas enquanto ‘entes racionais’, somos livres em nossa índole moral, pois o “... ser
humano é o ente que quer”
115
.
Desse modo Schiller entende que o objeto, cuja percepção nos leva a
pensar mais do que o conhecimento nos transmite, é grande no plano teórico, e o
objeto que nos dá a sensação de independência em relação à nossa vontade é
grande no plano prático.
Partindo desse ponto e respeitadas as consonâncias com a “Analítica do
Sublime”, Schiller alterará a divisão, proposta por Kant, entre “sublime matemático” e
“sublime dinâmico”, por considerar que tal divisão parece não esclarecer se a
“... esfera do sublime fica ou não esgotada”
116
. Schiller dará preferência à distinção
entre “sublime teórico” e “sublime prático”
117
, por entender que ambos os conceitos
fazem menção à faculdade da mente a que se referem os fenômenos grandes ou
potentes. Tanto o “sublime teórico” quanto o “sublime prático” referem-se aos
impulsos constitutivos do ser humano em contradição permanente com a natureza
exterior, ou seja, o “sublime teórico” refere-se ao impulso de representação e o
“sublime prático” ao impulso de autoconservação. Assim,
... no que diz respeito ao sublime teórico, a natureza está, enquanto objeto
do conhecimento, em contradição com o impulso de representação. No que
diz respeito ao sublime prático, ela está, enquanto objeto da sensação, em
contradição com o impulso de conservação.
118
Para Schiller, ambas as formas do sublime estão relacionadas de maneira
idêntica com a faculdade racional, mas o mesmo não acontece em relação à
sensibilidade, resultando uma importante diferença entre ambos os conceitos no que
tange à intensidade e ao interesse. Isso posto, percebemos que o objeto sublime se
opõe à faculdade das grandezas sensíveis, provocando o desprazer, mas ao mesmo
tempo ele é adequado à razão, o que traz deleite
119
. Trata-se aqui daquele prazer no
desprazer tal qual vimos em Kant.
115
SCHILLER, 1997, p.224.
116
Ibid., p.144. Ver também BARBOZA, 2005, p.199.
117
SCHILLER, 1997, p.224.
118
Ibid., p.144. Grifos no original.
119
Cf. BARBOZA, 2005, p.198.
57
É importante ressaltar que o desprazer da não aquisição de representações
diante do infinito, uma vez que um impulso ativo é impugnado, não pode se tornar
doloroso — a não ser quando, junto com a impossibilidade de se conhecer algo,
esteja atrelado um desrespeito ao indivíduo, já que “... nada é tão indigno do ser
humano como suportar violência; pois a violência suprime-o”
120
. Quem exerce a
violência sobre o ser humano está violentando a própria humanidade e quem
suporta tal violência por covardia, rejeita esta mesma humanidade.
Com relação ao objeto que contradiz a autoconservação do indivíduo, este
não só suscita dor, mas também pavor
121
, posto que a natureza toma disposições
completamente diferentes para que o indivíduo possa conservar a sua atividade. O
interesse da sensibilidade é totalmente diverso, se estiver ante um objeto pavoroso
(aquele que ameaça a existência do ser), quando confrontada com um objeto
infinito. Isso ocorre devido ao fato de ser o impulso de autoconservação mais forte
que o impulso de representação, posto que, o que está em jogo não é apenas uma
faculdade isolada, ou seja, a faculdade de conhecer, mas toda e qualquer faculdade
humana. Nesse horizonte, Schiller dirá que
... o objeto sublime combate portanto a nossa faculdade sensível e essa
inadequação [Unzweckmäßigkeit] tem de necessariamente despertar
desprazer. Mas ela ao mesmo tempo se torna ocasião para trazer à
consciência uma outra faculdade que se encontra em nós e que se
sobrepõe àquilo diante do que a imaginação sucumbe.
122
Para que possamos compreender a questão do sublime schilleriano, há a
necessidade de pormenorizar suas divisões. Todavia, o que merece atenção não é a
divisão operada por Schiller no conceito de sublime de Kant, mas a sua inflexão
neste conceito. Vimos que no sublime dinâmico de Kant, a integridade física do
sujeito é posta em perigo frente a um grande poder. Todavia, ao seguir fielmente a
indicação kantiana, Schiller concluirá que o sublime prático (dinâmico), por
representar uma ameaça que envolve toda a existência física do sujeito, é mais
decisivo esteticamente que o sublime teórico (matemático), que envolve somente
uma grandeza infinita para a faculdade de conhecimento, sem que haja qualquer
120
SCHILLER, 1997, p.219.
121
Acreditamos que Schiller emprega a palavra ‘pavor’ com a conotação de ‘susto’ e não com a
conotação de ‘medo’, posto que este sentimento inviabiliza a contemplação estética.
122
SCHILLER apud BARBOZA, 2005, p.198. Ver também SCHILLER, 1991a, p.19.
58
ameaça real. Ora, o objeto dinâmico (prático) atinge a nossa sensibilidade de modo
mais violento que o matemático (teórico), posto que, por seu intermédio, a distância
entre a sensibilidade (imaginação) e o supra-sensível (a razão prática) é reduzida.
Isso faz com que a liberdade mental do sujeito seja acentuada, levando-o a reagir
contra a ameaça e a elevar-se por sobre ela. Assim, a duplicidade de consciência
que caracteriza o sublime kantiano será “... alocada por Schiller na raiz da vida,
definindo-a, o que é mais bem traduzido no sublime prático (...), pois nele a ‘força de
vida’ está por completo envolvida e não só a força de apreensão”
123
. Se por um lado
a grandeza do objeto amplia a nossa esfera de conhecimento, por outro, o poder
prático da nossa força de resistência como seres racionais nos envia à esfera do
supra-sensível, “... a uma destinação de tipo completamente diferente daquela que a
violência da natureza poderia destruir”
124
. Assim, segundo aponta BARBOZA (2005,
p.201) “... pode-se dizer que aqui a imortalidade da alma é a idéia que fundamenta o
sublime dinâmico schilleriano”. Outro ponto que merece destaque é que a inflexão
de Schiller no conceito de sublime kantiano o levará a acrescentar uma subdivisão
interna ao sublime prático (dinâmico)
125
: o “sublime contemplativo do poder” e o
“sublime patético”
126
.
2.1 – O SUBLIME TEÓRICO E O SUBLIME PRÁTICO – ESPECIFICIDADES
Na estética schilleriana, um objeto é teoricamente sublime quando nos
remete a uma representação da infinitude. Tal representação é inadequada à
faculdade da imaginação, pois esta não se sente à altura de representá-lo. Assim, o
sublime teórico só ocorrerá quando a natureza, tomada enquanto objeto do
conhecimento, estiver em contradição com o nosso impulso de representação e tal
contradição possibilitar que nos elevemos por sobre ela, via razão, mostrando-nos
que é possível pensar para além do que o conhecimento nos transmite. Nessa
123
BARBOZA, 2005, p.201.
124
Id.
125
Cf. BARBOZA, 2005, p.202.
126
SCHILLER, 1997, p.155.
59
experiência estética, a natureza é considerada meramente como um objeto
destinado a alargar o nosso conhecimento.
Já um objeto praticamente sublime, ele nos remete a uma representação do
perigo ao qual a nossa força física não se sente capaz de contrapor. Aqui, tal
experiência ocorrerá quando a natureza contradizer o nosso impulso de auto-
conservação e tal contradição nos elevar por sobre ela, mostrando-nos a nossa
liberdade moral. Na experiência estética diante do praticamente sublime, a natureza
é tomada enquanto um poder capaz de determinar a nossa existência.
Para Schiller, um exemplo do primeiro pode ser o “oceano em repouso”
127
e
um exemplo do segundo, o oceano tempestuoso. Também, “... uma torre ou uma
montanha incrivelmente alta pode fornecer-nos um exemplo do sublime do
conhecimento. Se se dobrar na nossa direção, transformar-se-á em algo sublime da
mentalidade”
128
. Disso podemos perceber que o fator que distingue o sublime prático
do sublime teórico é que, aquele, contradiz a nossa existência e este opõe-se
apenas às nossas condições de conhecimento.
Assim, baseados no que vimos até então, surgem duas indagações: 1) na
experiência estética diante do teoricamente sublime, o que está em jogo é a
liberdade ou é o conhecimento? 2) Como é possível que tal objeto alargue o nosso
conhecimento, permitindo-nos pensar além do que o conhecimento nos permite?
Como dissemos anteriormente, o sublime caracteriza-se pela desarmonia
entre razão e sensibilidade e o que está em questão é a liberdade. Mas no objeto
teoricamente sublime, o que está em questão não pode ser a liberdade, mas o
conhecimento, pois não é a razão prática que intenta ir para além das fronteiras do
conhecimento, mas é, sim, a razão teórica. Entendemos razão teórica como sendo a
faculdade das idéias teóricas e não como a faculdade que aplica suas formas às
representações, pois
... a razão teórica aplica sua forma a representações, e estas se deixam
dividir em (representações) imediatas (intuições) e mediatas (conceitos).
Aquelas são dadas pela sensibilidade, estas pela razão mesma (embora
não sem a intervenção da sensibilidade). Nas primeiras, na intuição, é
contingente se elas concordam com a forma da razão; nos conceitos é
127
SCHILLER, 1997, p.145.
128
Id.
60
necessário, se não devem suprimir a si mesmas. Aqui a razão encontra pois
concordância com a sua forma; lá ela se surpreende ao encontrá-las.
129
Dessa forma podemos deduzir que, se a liberdade é uma idéia da razão
prática, a verdade é uma idéia da razão teórica e, sendo ela uma idéia, não há nada
no mundo fenomênico que lhe seja correspondente. Não obstante, mesmo sem
correspondência no âmbito fenomênico, a verdade deve ser o télos de todos aqueles
que adentram no âmbito da teoria. Outrossim, a liberdade, mesmo sendo uma idéia
no âmbito prático, deve ser incessantemente buscada, independente de sua
concretude.
Se a beleza é definida por Schiller como sendo a “liberdade no
fenômeno”
130
, vemos que tal liberdade surge somente em termos estéticos. Trata-se
de uma ‘parecença de liberdade’. Por aproximação, podemos pensar que no objeto
teoricamente sublime também o que se tem é uma ‘parecença de verdade’. Não se
trata de uma ‘verdade concreta’, visível e palpável, mas é ‘com se’ o infinito se
mostrasse intuível. É como se a ‘idéia de verdade’, ou de ‘totalidade da experiência’
se mostrasse ‘de corpo e alma’.
Na experiência estética diante do teoricamente sublime é ‘como se’ a
verdade se materializasse em algo. Sendo assim, em relação ao belo como sendo a
“aparência no fenômeno”, por aproximação podemos pensar que, neste caso, o que
se tem é uma ‘verdade na aparência’ e, como no caso da beleza, esta ‘verdade’ se
tornaria intuível somente por ser uma ‘aparência de verdade’.
Tendo em vista que no belo e no praticamente sublime, levando em conta
que quem joga são as determinações da nossa vontade, o que nos parece surgir é
uma ‘liberdade estética’. Já no teoricamente sublime, presumimos que não é a
liberdade estética que aparece, mas sim a ‘verdade estética’, ou seja, um tipo de
verdade que guarda, com a idéia de verdade, uma relação de identidade formal e
nunca material. O objeto teoricamente sublime é uma intuição que é análoga ao
conceito da razão teórica (e não do entendimento). Assim, pensamos que, se a idéia
de liberdade é o conceito da razão prática, a verdade seria o conceito, ou a idéia, da
razão teórica. A ‘verdade’ que surge na experiência estética diante do sublime
129
SCHILLER, 2002, p.55.
130
Ibid., p.81.
61
teórico é apenas uma ‘verdade estética’ que é possível mediante o uso regulativo da
razão teórica.
Analogamente ao belo, podemos pressupor que a verdade se torna visível
no sublime teórico, posto que a efetividade deste desaparece em seu fenômeno,
pois o entendimento é conduzido por sua estrutura a uma regra indeterminada que
possibilita o uso regulativo da razão teórica. Esta, por sua vez, atribui ao objeto
teoricamente sublime a ‘idéia de verdade’.
Partindo das considerações de Schiller, entendemos que a beleza é o
símbolo daquilo que devemos ser: seres livres diante de situações em que a
natureza nos é favorável. Já o sublime teórico é o símbolo da maneira de como
devemos nos comportar, quando a natureza fizer minguar as possibilidades de
adquirirmos representações, isto é, nos comportarmos como seres capazes de
pensar para além do que o conhecimento nos permite.
Então, baseados no que até agora dissemos, seria o ‘pensar’ a grande
destinação teórica do homem? Como ‘pensar’? Um detalhe presente em uma
passagem que encontramos na CFJ pode nos ajudar a responder tais
questionamentos:
As seguintes máximas do entendimento humano comum na verdade não
contam aqui como parte da crítica do gosto, e contudo poderm servir para a
elucidação de seus princípios : 1. pensar por si; 2. pensar no lugar de
qualquer outro; 3. pensar sempre em acordo consigo próprio.
131
No sublime teórico schilleriano, o ‘pensar por si’ ganha novo matiz, já que tal
ação seria mais que uma espécia de ‘conseqüência’ de tal experiência estética, seria
uma necessidade, pois a experiência estética diante do sublime teórico só ocorrerá
de fato quando o sujeito conseguir ultrapassar a barreira do conhecimento via
pensamento. Quando a natureza nos impede o acesso ao conhecimento, surge o
desprazer, mas só poderemos sentir prazer
132
se conseguirmos ‘pensar por nós
mesmos’ para além das fronteiras do que a própria natureza nos permite. Ademais,
em termos schillerianos, ‘pensar por si mesmo’ não é somente pensar despido de
preconceitos, mas ‘pensar’ mesmo quando estivermos face a situações nas quais
131
KANT, 1993, p.140.
132
Tal como Kant, Schiller vê o sentimento estético de sublimidade como sendo um sentimento
decorrente de um desprazer que fundamenta o prazer.
62
seja impossível determinar algo pela teoria. É buscar a verdade mesmo sabendo
que é impossível abarcar sua concretude totalitária.
Vemos, assim, que é através do sentimento estético do sublime que
experimentamos
... o fato de o nosso estado de espírito não se orientar necessariamente
pelo estado dos sentidos, de as leis da natureza não serem também
necessariamente as nossas e de termos em nós um princípio autónomo que
é independente de todas as comoções sensíveis.
133
Pelo pensamento podemos transpor as leis da natureza, pois não estamos
totalmente submetidos a elas e a busca pela verdade é tão necessária quanto
pensar. No que se refere à verdade, assim como já o fizemos em relação à
liberdade, temos de diferençar ‘verdade’ de ‘verdade teórica’ e de ‘verdade estética’.
Entendemos a ‘verdade’ como sendo um conceito, ou mesmo, uma idéia da razão
teórica. Diferentemente dos conceitos do entendimento, tal idéia não encontra no
mundo fenomênico algo que lhe corresponda. Ela é compreendida como totalidade
ou ‘o absoluto’, portanto, na tarefa infinita teórica do ser humano, tal como visto sob
a designação de destino teórico humano, o que se busca é a totalidade do mundo,
ainda que esta busca seja impossível. Ora, acreditamos que o progresso do saber
humano só pode ser visto como sendo uma tarefa infinita e talvez seja esta
impossibilidade de correspondência no mundo fenomênico o motor que impulsiona o
desenvolvimento intelectual da humanidade, pois, ainda que não se possa conhecer
o absoluto, pode-se, ao menos, pensá-lo.
O que se pretende com uma determinada teoria, devidamente fundamentada
e, conseqüentemente, considerada como sendo verdadeira, é alcançar a totalidade
do mundo, partindo do pressuposto de que estamos protegidos sob a égide da
verdade. Se tal idéia não é concretizável no plano fenomênico, ela é, pelo menos,
aparentemente possível.
Assim, no objeto teoricamente sublime o que se vê não é a concretude da
verdade, pois se assim fosse, veríamos a totalidade do mundo materializado no
objeto. O que temos é uma ‘verdade estética’, ou seja, um ‘jogo de aparência’ em
que a verdade possui uma relação de identidade formal com a idéia de liberdade.
Então, acreditamos que a forma do objeto teoricamente sublime determina a todos
133
SCHILLER, 1997, p.225.
63
que o representem como se verdadeiro fosse, pois sua estrutura nos induz a vê-lo
‘como se’ ele fosse a representação do infinito. Assim, se no sublime teórico o
infinito se torna intuível por intermédio de uma aparência, somos levados a pensá-lo
como se fosse uma totalidade do mundo; como se ele fosse a ‘verdade no
fenômeno’.
Vale ressaltar que o nosso intuito, ao pormenorizar o conceito de ‘sublime
teórico’, pautou-se na intenção de torná-lo mais compreensível e também mais
autônomo (se é que ele não tenha tal característica por si mesmo). Este intuito nos
forneceu o conceito de ‘verdade estética’ que, como vimos, só é possível mediante o
uso regulativo da razão teórica. Baseados no que vimos até aqui, podemos concluir
que somos capazes de transcender a natureza via pensamento e de nos deleitarmos
com o que é sensivelmente infinito, pois “... podemos pensar o que os sentidos já
não apreendem e o entendimento já não compreende”
134
.
Se na experiência estética diante do teoricamente sublime o que é contradito
é o nosso impulso de representação, na experiência estética diante do praticamente
sublime a contradição está na ameaça ao fundamento último de todas as
manifestações humanas possíveis, ou seja, o que é contradito é o nosso impulso de
conservação.
Como visto anteriormente, o objeto que contradiz nosso impulso de
autoconservação não só suscita dor, mas também ‘pavor’. Nesse ínterim, o objeto
pavoroso agredirá mais violentamente nossa natureza sensível, pois o que está em
jogo é a nossa existência. E pelo fato de agredir mais violentamente nossa natureza
sensível, tal objeto evidenciará com maior intensidade a distância existente entre a
nossa capacidade sensível e a nossa capacidade supra-sensível, tornando patente a
superioridade da razão e a liberdade da mente. Toda a essência da experiência
estética no sublime assenta no reconhecimento da nossa liberdade racional e todo o
prazer com tal experiência fundamenta-se neste reconhecimento. Assim
... a conseqüência evidente (que também a experiência nos ensina) diz-nos
que na representação estética o que é pavoroso tem de comover de
maneira mais viva e com maior agrado do que o que é infinito e que,
134
SCHILLER, 1997, p.222.
64
portanto, o sublime prático, de acordo com a intensidade da sensação, tem
uma vantagem muito grande em relação ao sublime teórico.
135
Observamos que o objeto teoricamente sublime amplia apenas a nossa
esfera de conhecimento. Já o sublime prático nos “... permite experimentar a nossa
verdadeira e perfeita independência em relação à natureza”
136
, pois é diferente nos
sentirmos independentes de condições puramente naturais, no ato de representar e
na totalidade da existência interior, ou
... sentimos-nos sublimemente afastados para longe do destino, de todas as
contingências, de toda a necessidade natural. Nada se encontra mais
próximo do ser humano, enquanto ente sensível, do que a preocupação
pela sua existência, e nenhuma dependência lhe é mais opressiva do que
esta, a de encarar a natureza como o poder que domina a sua vida.
137
E é dessa dependência que o sujeito da contemplação se vê livre ao
vivenciar a experiência estética diante do praticamente sublime.
Na citação acima, percebemos que Schiller chama de sublime às
determinações morais e não ao objeto em si, como fizera anteriormente. No entanto,
existe uma característica em tal objeto que possibilita a ocorrência da experiência de
sublimidade, suscitando a consciência da independência da nossa capacidade
indeterminada de se determinar tanto teórica quanto praticamente. Em outras
palavras, é mediante o objeto sublime que somos capazes de constatar a nossa
independência supra-sensível teórica e prática em relação à natureza.
Por outro lado, a sublimidade das nossas determinações racionais e a
independência prática diante da natureza deve diferençar-se da superioridade
daquela e, em casos específicos, sobre esta, quando pudemos dominar a natureza
graças à nossa forçar física. Nas situações em que o ser humano consegue vencer
a natureza, pela sua capacidade inventiva ou pela sua força física, tais situações
não são propícias para a vivência da experiência estética de sublimidade, pois
... um homem que (...) combate com um animal selvagem e que o vence
pela força do seu braço ou também pela astúcia; uma torrente arrebatadora
como o Nilo, cujo poder é quebrado por diques e em relação ao qual o
135
SCHILLER, 1997, p.146. Grifos no original.
136
Id.
137
Id.
65
entendimento humano transforma até um objeto prejudicial num objeto útil
ao captar o seu excesso em canais, irrigando com eles os campos áridos;
um barco no mar que é capaz, por meio da sua construção artificiosa, de
fazer face a todo o ímpeto do elemento selvagem; em suma, todos os
casos em que o ser humano, por meio do seu entendimento inventido,
obrigou a natureza a obedecer-lhe e a servir os seus fins, mesmo aí onde
ela lhe é superior enquanto poder e se encontra armada para causar a sua
ruína — todos estes casos, digo, não despertam qualquer sentimento do
sublime, embora tenham algo de análogo a ele e agradem por isso quando
se trata de um juízo estético.
138
Assim, para que possamos vivenciar o sublime é preciso que não haja
qualquer forma de resistência física, mas ao mesmo tempo é necessário que
busquemos amparo na nossa própria essência não física. O objeto que possui tais
características é chamado de “pavoroso"
139
, ainda que o pavor desapareça assim
que se revele a nossa independência racional diante deste. Desse modo o objeto
será tanto mais sublime quanto maior a sua força e, inversamente, quanto menor a
sua força.
Para exemplificar, Schiller diz que um
... cavalo correndo ainda em liberdade e sem freios pelos bosques é para
nós pavoroso enquanto força superior da natureza, podendo fornecer um
objeto para uma descrição sublime. Precisamente o mesmo cavalo,
domesticado, atrelado à canga ou à carroça, perde todo o seu caráter
pavoroso e com ele também tudo o que é sublime. Mas se este cavalo
domado rompe as suas rédeas, se se empina com fúria sob o seu cavaleiro,
se devolve a si mesmo a liberdade com violência, então o seu caráter
pavoroso estará de volta e ele tornar-se-á novamente sublime.
140
Nesse caso, se a sublimidade enfraquece quanto mais débil for a força que
o objeto tem sobre o sujeito da contemplação, logo ela será nula. Se for o sujeito
quem exerce sua força e vontade e a vence, ela deixará de existir. Em outras
palavras, vemos que
... a superioridade física do ser humano sobre as forças naturais constitui de
maneira tão reduzida um motivo do sublime que, em quase toda a parte em
que a encontrarmos, ela vai enfraquecer ou mesmo destruir a sublimidade
do objeto.
141
138
SCHILLER, 1997, p.147.
139
Ibid., p.148.
140
Id.
141
Id.
66
Todavia Schiller nos diz que podemos ter prazer ao contemplarmos a
habilidade humana que foi capaz de domar as forças da natureza, mas ele coloca
que a “... fonte deste prazer é lógica e não estética; é um efeito da reflexão e não é
incutida pela representação imediata”
142
. Entretanto, não seriam as imponentes
construções humanas também objetos propícios para suscitar uma experiência de
sublimidade? As maravilhas da tecnologia também não carregam consigo um
potencial para suscitar tal experiência? Pensemos numa imponente construção
arquitetônica, tal como a hidrelétrica de Itaipu, ou mesmo uma grande ponte, tal qual
a Rio-Niteroi; não seriam estes exemplos de objetos que potencialmente podem
suscitar o sublime? Sem contar os enormes arranha-céus e os feitos tecnológicos
como a Internet e o ciberespaço. Fica aqui uma chamada à ponderação.
Schiller nos diz que a natureza para ser ‘praticamente sublime’ tem de ser
pavorosa. No entanto, o inverso também é verdadeiro? Ou seja, a natureza será
praticamente sublime sempre que for pavorosa? Para que possamos vivenciar a
experiência estética de sublimidade, num primeiro momento ocorre uma perda em
relação à natureza enquanto entes sensíveis que somos, mas imediatamente é
necessário que sintamos a nossa independência supra-sensível diante da mesma.
Assim, o objeto que é pavoroso, mas que não nos possibilita sentir a nossa
independência racional diante do mesmo, não pode ser considerado sublime.
Apenas a conjunção dessas duas condições é que torna possível a experiência
estética de sublimidade.
É importante ressaltar que o objeto pavoroso não pode suscitar um pavor
real, pois tal sentimento é um estado de sofrimento e violência. O pavor real nos
causa medo e este faz com que fujamos de qualquer situação em busca de abrigo.
Se o sujeito da contemplação sente medo, automaticamente é anulada qualquer
possibilidade de ocorrer a experiência estética de sublimidade, uma vez que esta só
se dá na livre e desinteressada contemplação e através do sentimento de atividade
interior. Assim, uma outra condição para a consumação da experiência estética de
sublimidade é a segurança, ou seja, o sujeito da contemplação deve estar em
segurança em relação ao poder do objeto pavoroso, sendo apenas mediante a
imaginação que tal poder poderá atingi-lo. Desse modo, por mais “... sublime que
seja uma tempestade marítima, contemplada a partir da margem, tanto menor é a
142
SCHILLER, 1997, p.148.
67
vontade, por parte de quem se encontra no navio despedaçado pela mesma, de
proferir tal juízo estético sobre ela”
143
.
O impulso de autoconservação é posto em atividade na experiência estética
de sublimidade por meio de uma representação viva do sofrimento, o que nos
possibilita sentir algo semelhante ao que seria se a situação fosse real, ainda que a
aparente situação de perigo tenha que ser tomada a sério para que se busque
amparo na liberdade interior da mente. Assim, para que o sublime seja sentido, faz-
se necessário que a representação do pavor seja viva e intensa o suficiente para
que se possa levá-lo a sério, isto é, a tal experiência não pode ser apenas uma
traquinagem da imaginação e é necessário que o sujeito da contemplação se
encontre em segurança durante a experiência estética para que o pavor agrade.
Diante do objeto pavoroso,
... somos tomados por um arrepio, um sentimento de angústia agita-se, a
nossa sensibilidade revolta-se. E sem este início de sofrimento real, sem
este sério atentado à nossa existência, apenas jogaríamos com o objeto; e
tem de ser a sério, pelo menos na sensação, que a razão procura refugiar-
se na idéia da sua liberdade. Também a consciência da nossa liberdade
interior só pode ter valor e significado na medida em que leva tal situação a
sério, e não pode ser considerado sério o fato de apenas brincarmos com a
representação do perigo.
144
Para que se possa esclarecer o conceito de ‘segurança’, Schiller desenvolve
um duplo fundamento para este termo. Primeiramente a segurança pode se
relacionar com aquilo que é possível escapar por meio da capacidade física,
tornando igualmente possível uma segurança exterior. Em segundo lugar, pode o
termo ‘segurança’ estar relacionado àquilo que se torna inútil quando se resiste
fisicamente a ele, fazendo com que o sujeito da contemplação busque uma
segurança em seu interior, mais precisamente, em sua moral. Assim sendo,
... o conceito de segurança não pode portanto ser limitado à certeza de
sermos fisicamente subtraído ao perigo, como por exemplo quando se olha
para baixo, para uma grande profundidade a partir de um miradouro alto e
bem consolidado, ou para o mar em tempestade a partir de um lugar alto. É
certo que aqui a ausência de receio se funda na convicção da
impossibilidade de se ser atingido. Mas em que seria possível basearmos a
nossa segurança face ao destino, ao poder onipresente da divindade, a
doenças dolorosas, a perdas sensíveis, à morte? Aqui não existe qualquer
143
SCHILLER, 1997, p.149.
144
Id.
68
base física que proporcione tranqüilidade; e se imaginarmos o destino em
toda a sua dimensão pavorosa, temos ao mesmo tempo de dizer-nos que
estamos tudo menos subtraídos à mesma.
145
Disso, podemos entender a ‘segurança física’ como sendo um motivo direto
de tranqüilidade para a sensibilidade, abstraindo qualquer relação com a dimensão
supra-sensível moral. Por ‘segurança moral’, podemos entender como sendo aquela
segurança que, embora traga tranqüilidade à sensibilidade, só se dá por meio de
idéias da razão. Portanto,
... perante os males a que podemos escapar-nos graças à nossa
capacidade física, podemos ter uma segurança física exterior; mas face aos
males a que não podemos resistir nem subtrair-nos por meios naturais,
apenas podemos ter uma segurança interior moral. Esta diferença é
importante, particularmente em relação ao sublime.
146
Percebemos, então, que a segurança física beneficia a todos. Já a
segurança interior ou moral não, pois pressupõe um estado de ânimo que não se
encontra em todos os sujeitos.
Existe a possibilidade de sentirmos o perigo ou o pavor que ameaça a nossa
existência, mediante a ‘inocência’ ou pelo “... pensamento da indestrutibilidade do
nosso ser”
147
. Esta última é possível graças às idéias religiosas, uma vez que
somente a religião (e não a moral) nos fornece motivos de tranqüilização para a
sensibilidade em face da morte.
Já a moral segue inexoravelmente as diretrizes da razão, sem qualquer
consideração para com a sensibilidade. É apenas a religião que busca estabelecer
uma reconciliação entre os interesses da sensibilidade e as exigências da razão.
Diante da morte, aquele que não tem fé possui somente uma segurança moral, o
que não ocorre com o religioso, uma vez que este crê na imortalidade da alma e na
ressurreição do corpo. Assim
... para atingir segurança moral não basta portanto de todo que possuamos
uma mentalidade moral, sendo exigido além disso que pensemos a
natureza em concordância com a lei moral ou, o que aqui é a mesma coisa,
145
SCHILLER, 1997, p.150.
146
Id.
147
Cf. SCHILLER, 1997, p.150.
69
que nos pensemos a nós como estando sob a influência de um puro ser
racional.
148
A crença na imortalidade da alma e na ressurreição do corpo inviabiliza a
experiência estética de sublimidade, uma vez que tal crença favorece o impulso de
continuidade, ou de autoconservação, o que constitui motivo para tranqüilizar a
sensibilidade. Portanto, essa tranqüilização estará em contradição com a primeira
condição para a ocorrência do sublime.
Conseqüentemente, é porque o religioso sente-se seguro fisicamente que
ele se torna incapaz de vivenciar a sublimidade. A crença na imortalidade da alma e
na ressurreição do corpo coloca a idéia em segundo plano, isto é, a segurança física
faz com que não se sinta a liberdade interior. Disso podemos dizer que tal crença
contradiz o sentimento de sublimidade, uma vez que a morte perde o seu caráter
pavoroso.
No entanto, a divindade representada em toda a sua onipotência, capaz de
controlar e determinar o destino físico do homem, pode se tornar um objeto
pavoroso e, conseqüentemente, pode tornar-se sublime, pois “... perante os efeitos
de tal poder não podemos ter qualquer segurança física, uma vez que nos é
igualmente impossível desviar-nos dele e oferecer-lhe resistência
149
. Assim, resta-
nos somente a segurança moral, que podemos fundamentar na justiça desse ser e
na nossa inocência. Disso resulta a possibilidade de nós, em nosso ato
contemplativo, nos sentirmos moralmente seguro face a todas as manifestações
terríveis do poder da divindade, quando se tem a consciência limpa e a isenção de
culpa. Nesse ínterim, existe a possibilidade de vivenciarmos o sublime até mesmo
diante da divindade, já que esta nada pode contra o ser racional, muito embora ela
seja poderosa diante do ser sensível. Portanto,
... esta segurança moral torna possível que não percamos totalmente a
nossa liberdade do ânimo na representação deste poder ilimitado,
irresistível e onipresente, pois nas situações em que tal liberdade se perdeu,
o ânimo não está disposto a qualquer juízo estético.
150
148
SCHILLER, 1997, p.150. Grifos no original.
149
Id. Grifos no original.
150
Id.
70
Todavia a vontade pura tem de sempre coincidir com a vontade divina, isto
é, não é possível que nos determinemos pela razão pura e, ao mesmo tempo,
estejamos em contradição com a divindade, pois se “... pretendemos que a
representação da divindade se torne praticamente (dinamicamente) sublime, não
podemos relacionar o sentimento da nossa segurança com a nossa existência, mas
com os nossos princípios
151
. Assim sendo, recusamos à divindade a influência
sobre a nossa vontade, pois estamos conscientes de que ela “... não pode influir nas
nossas determinações volitivas de outro modo senão por meio da sua sintonia com a
lei pura da razão
152
, ou seja, não através de castigos, prêmios e da sua autoridade
e muito menos por intermédio de manifestações de poder. Logo, “... apenas na
medida em que recusemos atribuir à divindade qualquer influência natural nas
nossas determinações da vontade, é que a representação do nosso poder...”
153
será
praticamente sublime.
O objeto praticamente sublime tem de ser pavoroso somente para a
sensibilidade, jamais para a razão. A nossa existência tem de se sentir ameaçada
para que a representação do perigo movimente as engrenagens do impulso de
autoconservação. É somente dessa maneira que a razão se diferencia da
sensibilidade, tornando-se consciente da sua independência em relação à natureza
interior e exterior. Ainda, tal independência, na experiência estética de sublimidade,
tem de ser sempre moral e nunca sensível. Disso, podemos perceber que
... grande é quem vence o que é pavoroso. Sublime é quem não o teme,
mesmo vencido por ele.
Aníbal foi teoricamente grande, uma vez que logrou a passagem para a
Itália através dos intransitáveis Alpes; só na desgraça é que ele foi
praticamente grande ou sublime.
Grande foi Hércules, uma vez que empreendeu e consumou os seus doze
trabalhos.
151
SCHILLER, 1997, p.152. Grifos no original.
152
Id. Grifos no original.
153
Id. Grifos no original.
71
Sublime foi Prometeu, uma vez que, agrilhoado no Cáucaso, não se
arrependeu do seu ato e não admitiu o seu agravo.
154
Então, o objeto praticamente sublime é aquele que, mesmo nos revelando
nossa impotência enquanto seres sensíveis, simultaneamente nos possibilita a
descoberta em nós de uma capacidade de resistência totalmente diferente que,
embora não afugente o perigo que nos ameaça, separa, porém, a nossa existência
física da nossa personalidade, o que é infinitamente mais relevante.
Logo, vemos que três aspectos são importantes e podem ser diferençados
na representação do sublime. O primeiro diz-se que um objeto da natureza é
representado como grandeza ou poder. O segundo relaciona este objeto com a
nossa capacidade física de resistir e o terceiro aspecto relaciona, ainda, tal objeto
com a nossa pessoa moral. Dessa forma podemos dizer que o sentimento estético
de sublimidade é um efeito de três representações que ocorrem sucessivamente, a
saber: a primeira representação seria um poder objetivamente físico; a segunda, a
nossa impotência subjetiva e física diante de tal poder; a terceira, a superioridade
moral diante deste mesmo poder. Entretanto, ainda que tais representações sejam
componentes indispensáveis para a experiência estética de sublimidade, elas se
caracterizam pela sua contingência, pela maneira com que se alcança a
representação das mesmas. Isso faz com que Schiller construa uma dupla
diferenciação do sublime do poder porque
... ou é fornecido à intuição apenas um objeto enquanto poder, a causa
objetiva do sofrimento, mas não o próprio sofrimento, sendo o sujeito que
ajuíza quem produz em si a representação do sofrimento e transforma o
objeto dado num objeto de pavor, estabelecendo de uma relação com o
impulso de autoconservação, e num objeto sublime, estabelecendo uma
relação com a sua pessoa moral.
155
ou
... para além do objeto enquanto poder, é representado objetivamente e em
simultâneo o seu caráter pavoroso para o ser humano, o próprio sofrimento,
154
SCHILLER, 1997, p.153. Grifos no original.
155
Ibid., p.154.
72
nada mais restando ao sujeito que ajuíza do que aplicá-lo ao seu estado
moral e produzir o sublime a partir do pavoroso.
156
Na primeira situação temos o sublime contemplativo do poder; na segunda
situação, o sublime patético.
2.2 – O SUBLIME CONTEMPLATIVO DO PODER E O SUBLIME PATÉTICO -
ESPECIFICIDADES
Todos os objetos que são capazes de nos mostrar um poder que é muito
superior ao nosso, mas que nos delegam o critério de aplicá-los ou não ao nosso
estado físico e, conseqüentemente, à nossa pessoa moral, são objetos que podem
ser chamados de contemplativamente sublimes. Tais objetos, por não se
apoderarem da mente tão violentamente, possibilitam a tranqüilidade necessária
para a contemplação. No sublime do contemplativo poder, tudo depende, em grande
parte, da atividade própria da mente do sujeito que contempla, uma vez que só
“... uma condição é dada a partir do exterior, tendo porém as outras de ser
preenchidas pelo próprio sujeito”
157
. Diante de tal especificidade, podemos adiantar
que o “... sublime contemplativo não é nem tão intensamente forte”
158
, nem tão “...
amplo como o do sublime patético”
159
. Não é tão amplo, posto que nem todas as
pessoas possuem imaginação suficiente para produzir em si mesmas a
representação do perigo, nem a devida força moral autônoma para não se afastarem
desta representação. Também o sublime contemplativo não é tão forte quanto o
sublime patético, pois, por mais intensa que seja a representação do perigo, esta é
sempre voluntária, isto é, a representação depende do ajuizamento do sujeito da
contemplação e tal aspecto deixa a mente mais senhora da representação que ela
mesma produziu por intermédio de sua atividade autônoma. Isso faz com que o
sublime contemplativo seja esteticamente menos prazeroso que o sublime patético,
mas, por outro lado, ele também é menos heterogêneo. Disso podemos ver que
156
SCHILLER, 1997, p.154. Abordaremos pormenorizadamente o conceito de “sublime patético” no
decorrer deste trabalho.
157
Ibid., p.155. Grifos no original.
158
Id.
159
Id.
73
... mesmo certos objetos ideais, como por exemplo, o tempo, encarado
como um poder que atua calma, mas implacavelmente, a necessidade, a
cuja lei rigorosa nenhum ente natural pode furtar-se, mesmo a idéia moral
do dever, que se comporta não raras vezes como um poder hostil em
relação à nossa existência física, são objetos pavorosos logo que a
faculdade de imaginação os relaciona com o impulso de conservação; e
tornam-se sublimes logo que a razão os associa às suas leis supremas.
160
Porém, em todos esses casos, é a atividade da imaginação que
primeiramente adiciona o elemento pavoroso, mas este processo é dependente do
sujeito que contempla, para reprimir uma idéia que é sua própria obra. Assim, tais
objetos pertencem à categoria do sublime contemplativo.
Diante do contemplativamente sublime, o sujeito está frente a um objeto que
é apenas uma ameaça em potencial, não constituindo uma ameaça efetiva, ou seja,
o objeto surge enquanto mero poder, fato este que deixa a critério da imaginação do
sujeito da contemplação tomá-lo ou não como pavoroso. De outro modo, o pavor, na
experiência estética diante do sublime contemplativo, não pode ser real, posto que é
a imaginação quem deve descobrir e, via comparação, criar por si mesma o pavor,
sem ter uma razão objetiva suficiente para, necessariamente, fazê-lo. Neste último
caso, quando a imaginação cria o pavor, tem-se o extraordinário e o indefinido.
Para o ser humano em estado infantil, em que a faculdade de imaginação
atua de modo mais independente, tudo o que é invulgar é terrível. Em cada
fenômeno inesperado da natureza ele crê que está a ver um inimigo
apetrechado para combater a sua existência, e o impulso de conservação
trata logo de fazer face ao ataque. O impulso de conservação é neste
período o seu senhor absoluto e, uma vez que tal impulso é receoso e
cobarde, logo o domínio do mesmo é um reino de terror e pavor. A
superstição que se forma nesta época é por isso negra e terrível, e também
os costumes têm a marca deste caráter hostil e sinistro. O ser humano
encontra-se mais depressa armado do que vestido e o seu primeiro gesto é
para agarrar a espada quando encontra um estranho.
161
Esse estado infantil perde-se no estado de cultura, mesmo que não
completamente, o que permite a própria contemplação estética da natureza, em que
o sujeito da contemplação se entrega conscientemente ao jogo da imaginação.
Vejamos como os poetas usam o que é incomum como componente para a tessitura
do que é pavoroso. Nesse horizonte,
160
SCHILLER, 1997, p.156. Grifos no original.
161
Id.
74
... quando Virgilio quer encher-nos de horror acerca do reino dos infernos,
ele prefere chamar a nossa atenção para o vazio e a calma do mesmo.
Chama-lhe loca nocte late tacentia, lugares do amplo silêncio da noite,
domos vacuos Ditis et inania regna, domicílios vazios e reinos vácuos de
Plutão.
162
O silêncio também torna-se um campo fértil para a imaginação, pois ele
pode fazer com que nos adentremos na tensão da espera por algo pavoroso que
talvez esteja por vir. Atentemos para a maneira arguta com que a superstição
popular faz uso deste elemento que, em conjunto com a escuridão e o inesperado
desconhecido, convoca a aparição de todos os fantasmas para a meia-noite. Nossa
imaginação é convidada a viajar e a pousar nas terras enevoadas e envoltas pelas
trevas, nos limites do mundo dos Cimérios quando Homero utiliza-se de tais
elementos para descrevê-la:
Dos apetrechos, então, do navio, sem falha cuidamos,
e nos sentamos na nave, que o vento e o piloto dirigem.
O dia inteiro, com vela enfunada, no mar navegamos;
e, quando o sol se deitou e as estradas a sombra cobria,
eis-nos chegados ao termo do oceano de funda corrente.
Nessa paragem se encontra a cidade dos homens Cimérios,
que se acham sempre envolvidos por nuvens e brumas espessas;
nunca foi dado alcançá-los os raios do sol resplendente,
nem ao subir, ao vingar êle a estrada do céu estrelado,
nem quando baixa de novo, na volta do céu para a terra.
Noite nociva se estende sem pausa por sôbre êsses míseros.
163
E também,
... uma calma profunda, um grande vazio, uma iluminação súbita da
escuridão são coisas em si bastante indiferentes que não se distinguem a
não ser pelo que é incomum e inusitado. Contudo, elas suscitam um
sentimento de terror, ou pelo menos reforçam essa impressão, sendo por
isso apropriada para o sublime.
164
A escuridão pode ser pavorosa e, precisamente por isto mesmo, é adequada
à experiência estética de sublimidade. No entanto ela não é pavorosa em si mesma,
162
SCHILLER, 1997, p.157.
163
HOMERO, 1960, p.161-2. SCHILLER (1997, p.158) diz que o “... modo como Homero apresenta o
mundo subterrâneo torna-se tanto mais pavoroso precisamente por nadar de certo modo em neblina
(...), às quais a fantasia confere o contorno de seu livre arbítrio”.
164
SCHILLER, 1997, p.156.
75
mas por ocultar os objetos, ela nos entrega involuntariamente ao total poder da
imaginação.
A solidão também pode render frutos à imaginação fantasiosa, mesmo que
tal imaginação não possa trazer a idéia de desamparo, pois esta é uma razão
objetiva para o pavor.
O indeterminado, o incerto, o misterioso, o impenetrável podem tornar-se
objetos do terror para a imaginação, constituindo estes o seu próprio meio, vez que
aqui, a realidade não pode delinear limites para o seu poder. Isso se deve ao fato
de ser a imaginação guiada pelo impulso de conservação e, assim, ela vê o
desconhecido mais como motivo de receio do que de esperança, pois a repulsa tem
um efeito mais ligeiro do que o desejo. Ora, na maioria das vezes, tudo o que é
determinado pode nos conduzir ao conhecimento, subtraindo o objeto do jogo
arbitrário da imaginação quando o submetemos ao entendimento.
Disso tudo, a nosso ver, Schiller pensa o sublime contemplativo do poder
mais como um elemento para reforçar a sublimidade patética, talvez como um
elemento cênico, dada à sua ligação com a arte, em especial com o teatro. O
mesmo podemos dizer acerca do sublime teórico, posto que nesta experiência
estética, os objetos inviabilizam as condições naturais necessárias à aquisição de
conhecimento.
Mesmo que qualquer pessoa tenha condições de sentir o sublime
contemplativo do poder, não significa que tal sentimento se dê necessariamente,
uma vez que ele é dependente da imaginação do sujeito da contemplação, isto é, a
este sujeito é facultado sentir ou não o objeto como contemplativamente sublime.
Todavia, é necessário ressaltar que Schiller, ao tratar desse conceito, trata-o como
sendo algo objetivo e isto pode ser constatado quando ele se refere, utilizando como
exemplo, à escuridão, ao silêncio, etc.
165
Ainda que seja dada faculdade ao sujeito
para que ele possa ajuizar um objeto como sendo ou não contemplativamente
sublime, é necessário que algum traço presente no objeto viabilize tal juízo, mesmo
que este não determine a todos os sujeitos que contemplam o objeto ajuizá-lo
necessariamente como sendo sublime.
Sendo assim, podemos questionar: não seria o sublime contemplativo do
poder um desdobramento do sublime prático? Baseados no que expusemos até
165
Cf. SCHILLER, 1997, p.156-7.
76
aqui, podemos responder afirmativamente a esta questão, já que em ambas as
experiências estéticas de sublimidade é o impulso de conservação que sofre
violência.
Acerca do sublime teórico já exposto, seria possível especular a existência
de um ‘sublime teórico contemplativo do poder’ que surgiria quando um impulso de
representação fosse contraditado? Também acreditamos poder responder a tal
questionamento de maneira positiva, desde que possamos resolver o seguinte
problema: o objeto teoricamente sublime remete a uma aparência de infinitude, no
entanto, esta característica intrínseca não pode ser relativa, pois não pode haver
uma dualidade de aparências, isto é, não existe uma aparência de infinitude ou uma
infinitude efetiva, ou o objeto remete a uma aparência do infinito ou não. Assim
temos de atentar para o fato de que a percepção do infinito é uma aparente
contradição de termos, pois se é uma percepção, logo é limitada e, se é limitada,
não pode ser infinito. Para resolver este dilema, temos de trabalhar sob a égide da
‘idéia de infinitude’, ou seja, algo finito que se mostra como se infinito fosse.
Sendo assim, existiria algo ou algum objeto que nos convida (ou nos coage)
a associá-lo com o nosso impulso de representação, deixando à nossa imaginação o
critério de decidir se este algo, ou este objeto, é ou não infinito? Além disso, para
que possamos pensar na possibilidade da existência de um juízo de sublimidade
teórica contemplativa do poder, não deveria haver algo finito capaz de se apresentar
como se infinito fosse, já que para pensarmos na possibilidade de tal juízo, a
infinitude do objeto jamais poderia ser efetiva?
Primeiramente, presumimos que determinados objetos, cuja pequenez é
aparentemente infinita, sejam uma possibilidade de fundamentação para
sustentarmos a existência de um juízo de sublimidade teórica contemplativa do
poder. Pensemos em uma galáxia que pode ser vista mediante o uso de um
telescópio. Ela se mostra como um pequeno ponto, distante de nós milhares de
anos-luz, flutuando na imensidão do espaço. A complexidade desse objeto,
composto por milhares de estrelas e, quem sabe, de planetas, com a possibilidade
de que em alguns destes podem existir outros seres vivos, iguais a nós ou com
características totalmente diferentes que servem para conceituar e classificar os
‘seres vivos’, pode nos levar a ponderarmos sobre todo o mistério da existência.
Mistério este que certamente nos arrebata.
77
Pensemos também nas bactérias, nos fungos e protozoários, invisíveis a
olho nu, mas visíveis com a ajuda de um microscópio. Um mundo peculiar e
enigmático também nos revela uma complexidade e uma riqueza que também são
capazes de nos arrebatar.
Não seriam tais objetos exemplos da aparente infinitude do pequeno? Tudo
isso ocorre porque a aparente infinitude não somente pode não ser percebida, dado
o seu tamanho, mas também pode surgir como aquilo que é apenas mínimo e não
infinitamente mínimo, aparecendo, precisamente, como o inverso do infinito, isto é,
como a suprema finitude e não como o infinitamente infinito.
Em segundo lugar, os objetos capazes de fornecer uma idéia de infinitude
também podem ser uma possibilidade de fundamentação para sustentarmos a
existência de um juízo de sublimidade teórica contemplativa do poder. Pensemos na
complexidade da tecnologia, mais especificamente nos computadores. Milhares são
as possibilidades que se apresentam ao desfrutarmos dessa máquina com poderes
demiúrgicos. Muitas pessoas, diante de um computador mesmo desligado, não
experimentam um misto de espanto e admiração ou mesmo de pavor? E o que
podemos dizer da Internet? Quando verificamos que esse meio nos possibilita
pensarmos como seres onipresentes, onipotentes e quase oniscientes, que tipo de
experiência vivenciamos? Ela não nos dá um sem número de possibilidades,
conhecimento, de ligações e instantaneidade; de comunicações e trocas nunca
antes imaginadas, tampouco possíveis ao homem? Também não vivenciamos uma
experiência mista de espanto e prazer?
Ora, isso tudo ocorre graças ao fato de que tais objetos nos oferecerem uma
idéia de infinitude, embora saibamos, desde o início, que estamos diante de objetos
finitos e estes estão necessariamente subjugados à força humana, mas suas
possibilidades e potencialidades fazem, por um momento, apresentarem-se como se
contivessem em si a representação da infinitude. Todavia, tais objetos deixam a
critério da nossa imaginação decidir se tais possibilidades e potencialidades se
apresentam como sendo ou não infinitas.
Por esta via, somos levados a acreditar que, da mesma maneira com que
Schiller pressupõe a existência de uma pessoa moral em todos os seres humanos,
por analogia, podemos conjecturar a existência de uma ‘pessoa teórica’ em todos os
homens. Ora, qualquer ser humano pode vivenciar o sublime teórico contemplativo
do poder, já que perdemos enquanto entes sensíveis, mas ganhamos enquanto
78
entes racionais, pois se não é possível conhecer tais objetos, é-nos possível pensar
em tais objetos, provando a possibilidade que o homem tem de pensar para além do
que o conhecimento nos transmite e assim, provarmos a sublimidade da razão
teórica.
Passemos agora a outra categoria do sublime descrita por Schiller, ou seja,
o sublime patético. Um objeto pateticamente sublime é aquele que não só ameaça a
nossa existência, mas também exterioriza a sua hostilidade, isto é,
... se um objeto nos é dado objetivamente não apenas como um poder em
geral, mas em simultâneo como um poder destruidor do ser humano — se
ele portanto não mostra apenas a sua violência, mas a exterioriza realmente
e de modo hostil, então a faculdade de imaginação já não tem liberdade
para o relacionar com o impulso de conservação, mas tem de fazê-lo, sendo
objetivamente coagida a tal.
166
Diante de um objeto que ameaça a nossa existência e que exterioriza sua
hostilidade, a imaginação tem de relacioná-lo ao nosso impulso de autoconservação
e a ela não é dada nenhuma alternativa, visto que ela é objetivamente coagida. Ora,
se o sofrimento real impossibilita a formulação de um juízo estético, já que ele retira
a liberdade do espírito, não pode ser o sujeito da contemplação aquele que sofre.
Sendo assim, o sujeito da contemplação apenas vivenciará a experiência estética
diante do pateticamente sublime de forma simpatética, isto é, o que se tem é uma
ilusão de sofrimento e não um sofrimento concreto.
O sofrimento simpatético já é demasiado agressivo à sensibilidade quando
este ocorre fora de nós, o que faz com que a dor participante domine o âmbito da
contemplação estética. Assim, somente quando o sofrimento for uma mera ilusão ou
quando for representado não diretamente aos sentidos, mas à imaginação, é que
pode tornar-se estético e suscitar o sublime naquele que o contempla. Como
conseqüência, a conjunção entre o sofrimento alheio, sentido simpateticamente,
associado ao afeto e à consciência da nossa liberdade interior será a condição para
aquilo que é pateticamente sublime.
Desse modo, podemos perceber que a dor participante não é algo que
esteja sobre o poder da ação livre de a mente sentir ou não, pois é uma afecção
involuntária da capacidade de sentir, determinada pela própria lei da natureza. Ora,
166
SCHILLER, 1997, p.159. Grifos no original.
79
não depende da nossa vontade sentir o sofrimento do outro como se fosse nosso.
Temos de senti-lo necessariamente, pois não é a nossa liberdade que atua, mas
sim, a nossa natureza. Assim,
... logo que recebemos objetivamente a representação de um sofrimento,
tem de suceder em nós próprios, por ação da lei natural e imutável da
simpatia, um sentimento subseqüente desse sofrimento. Por esse meio,
tornamo-lo por assim dizer em nosso. Compartilhamos a paixão. Não é
apenas uma a desolação participante, a comoção acerca da desgraça
alheia, que significa ter compaixão, mas aquele afeto triste sem distinção,
que sentimos por subseqüente empatia com outrem; logo existem tantas
espécies de ter compaixão como existem espécies distintas de sofrimento
originário: pavor compassivo, terror compassivo, medo compassivo,
indignação compassiva, desespero compassivo.
167
Constatamos assim que compartilhamos a paixão quando sentimos como se
o sofrimento alheio fosse nosso, ou seja, temos compaixão
168
. Percebemos que a
compaixão só se instalará quando o sofrimento alheio for sentido de maneira
simpatética e nunca realmente. Não obstante, se o grau de vivacidade da compaixão
nos fizer sentir como aquele que sofre, cessará nosso domínio sobre o sentimento e
seremos por ele dominados. Mesmo diante de um afeto mais violento, “... temos de
distinguir-nos do sujeito que sofre”
169
, pois a liberdade do espírito desaparecerá
assim que a ilusão se transformar em realidade concreta.
Todavia se a simpatia permanecer circunscrita aos seus limites estéticos,
ela “... reunirá assim duas condições principais do sublime: representação do
sofrimento com vivacidade sensível, associada ao sentimento de segurança
própria”
170
.
No que tange ao que é patético, se pretendermos que ele nos forneça um
motivo para a experiência estética frente ao sublime, não podemos “... elevá-lo ao
ponto de sermos nós próprios a sofrer realmente”
171
. Soma-se a isso a necessidade
de tal sofrimento nos conscientizar da nossa liberdade moral diante dele, pois
167
SCHILLER, 1997, p.160. Grifos no original.
168
Devemos atentar para o fato de que Schiller fala de ‘compaixão’ no âmbito do sentimento (Gefühl) e
não no âmbito da sensibilidade.
169
Id. Grifos no original.
170
Id.
171
Id. Grifos no original.
80
... não é por nos vermos subtraídos a tal sofrimento pela nossa habilidade
(pois aí teríamos ainda uma garantia bastante má para a nossa segurança),
mas por sentirmos o nosso próprio ser moral subtraído à causalidade desse
sofrimento, nomeadamente à sua influência na nossa determinação da
vontade, por essa razão é que ele eleva o nosso ânimo e se torna
pateticamente sublime.
172
Contudo, temos de atentar para o fato de que o sentimento de segurança na
representação do sofrimento não é totalmente o responsável pela experiência de
sublimidade, tampouco o é a fonte de prazer que retiramos de tal representação. O
objeto patético só poderá ser sublime se possibilitar ao sujeito da contemplação a
consciência de sua liberdade moral e não da sua liberdade física. Assim...
... não é de maneira nenhuma necessário que uma pessoa sinta realmente
em si a força de alma para afirmar a sua liberdade moral quando ocorre um
perigo sério. Fala-se aqui não do que acontece, mas do que deve e pode
acontecer; da nossa determinação, não da nossa ação real, da força, não
da aplicação da mesma.
173
Para ilustrar, Schiller exemplifica:
Ao vermos um navio muito carregado afundar-se na tempestade, podemos
sentir-nos bastante infelizes no lugar do mercador cuja riqueza é aqui
devorada na íntegra pelas águas. Mas em simultâneo sentimos também que
tal perda só diz respeito a coisas contingentes e que é um dever elevarmo-
nos acima disso.
174
Ora, nada do que for irrealizável pode constituir um dever, pois o que deve
acontecer tem, necessariamente, de poder acontecer. Contudo, o fato de nos
colocarmos acima de uma perda, isto demonstra em nós uma capacidade que atua
segundo leis diametralmente distintas da capacidade sensível e nada tem em
comum com o impulso natural. Assim, sublime é “... tudo o que traz à nossa
consciência essa capacidade”
175
.
Vemos então que são duas as condições para o pateticamente sublime: a
representação do sofrimento com o intuito de despertar compaixão e a resistência
moral contra tal sofrimento, cujo intuito é chamar à consciência, a liberdade interior
172
SCHILLER, 1997, p.160. Grifos no original.
173
Id. Grifos no original.
174
Id.
175
Ibid., p.161.
81
da mente. Constatamos, por conseqüência, que é por intermédio da primeira
condição que um objeto se torna patético e, mediante a segunda condição, ele
tornar-se-á sublime. Schiller coloca que é desse princípio que derivam ambas as leis
fundamentais da arte trágica. “Estas são em primeiro lugar: exposição da natureza
que sofre; em segundo lugar: exposição da autonomia moral no sofrimento”
176
.
Do que examinamos até aqui, uma especulação apresenta-se: existiria a
possibilidade de uma sublimidade oriunda da violência contra nosso impulso de
conhecimento, causada por um objeto aparentemente infinito? Apesar de admitir um
phatos teórico, Schiller não desenvolve um conceito de sublime patético teórico, até
porque para ele, o sublime patético constitui um desdobramento do sublime prático,
como falamos anteriormente. No entanto, em seus textos acerca do sublime, Schiller
nos fornece indícios para pensarmos na possibilidade de um sentimento sublime
patético teórico, o que nos permite responder a questão acima positivamente.
Todavia o que caracterizaria esse conceito? Primeiramente temos de
considerar que um objeto pode causar violência ao impulso de representação e tal
ato deitaria por terra qualquer tentativa de conhecer este objeto. Em segundo lugar,
seria imprescindível uma elevação racional, por intermédio de idéias sobre o
conhecimento. Essa elevação nos permitiria necessariamente, pensarmos para além
do que o conhecimento nos transmite. Tal violência ocorreria de maneira tão peculiar
que não deixaria ao sujeito o critério de associá-la ou não à mente, pois ela seria
associada inevitavelmente. Sendo assim, o que irá diferençar a aparente infinitude
do sublime teórico patético e a aparente infinitude do sublime teórico contemplativo
do poder? Sabemos que tal diferenciação não se dá mediante a distinção de algo
que tão-somente mostre infinitude e algo que seja efetivamente infinito, posto que o
objeto não pode ser efetivamente infinito, já que é uma percepção e, sendo assim,
será sempre finito, isto é, a infinitude ocorre sempre por intermédio de uma
aparência: algo que é finito, mas que se apresenta como se infinito fosse. Qual seria,
então, a diferença entre uma infinitude que não nos coage a relacioná-la à nossa
mente e, ao contrário, uma que nos coage para tal?
Ora, o que buscamos é uma espécie de infinitude que não nos deixe
alternativa senão vê-la como infinita e, ao mesmo tempo, violenta para o nosso
impulso de representação. Assim sendo, podemos deduzir que tal infinitude não
176
SCHILLER, 1997, p.160.
82
pode ser aquele objeto que se mostra como infinitamente pequeno, mas sim, aquele
objeto que se mostra como infinitamente grande, já que este traz em si a
característica de ser onipresente para os nossos sentidos, levando-nos a percebê-lo
como se infinito fosse.
Nesses termos, enquanto um objeto do sublime teoricamente contemplativo
do poder possui uma pequenez que se mostra como se fosse infinita, um objeto do
sublime teórico patético, ao contrário, possui uma grandeza que aparece também
como aparentemente infinita, todavia necessária, enquanto no outro caso é
contingente. Como exemplo, podemos citar o universo cósmico em sua magnitude
aparentemente infinita, diante do qual é necessário que o sujeito da contemplação
se veja envolto de tal maneira contemplativa que este objeto tenha a aparência de
infinitude. Só assim o sujeito sentirá a sua ‘sublimidade teórico patética’.
Mas qual seria a natureza desse pathos teórico presente no sublime teórico
patético? Pensamos que o pathos teórico está mais próximo do desprazer do que de
uma dor física e que ele não pode ser sentido concretamente, mas
simpateticamente. E só poderia ser sentido simpateticamente? Acreditamos que
não, posto que a violência contra o nosso impulso de representação não suprime a
liberdade da mente, uma vez que ela é menos intensa do que a violência que ocorre
no sublime patético (impulso de autoconservação). Assim, o pathos do sublime
teórico patético pode ser menos intenso do que o do sublime patético, mas é
justamente por isso que pode ser simpateticamente vivenciado e não realmente.
Ressaltamos, portanto, que uma experiência de sublimidade teórico patética
só poderá ser vivenciada quando o impulso de conservação não se sentir
ameaçado, pois se o for, automaticamente a liberdade da mente será suprimida.
Percebemos, então, que são duas as condições necessárias para a vivência
do sublime teórico patético: 1) uma representação do sofrimento com o intuito de
suscitar compaixão; 2) a resistência teórica por meio da razão, chamando à
consciência a nossa liberdade interior da mente, ou seja, a nossa capacidade
indeterminada de nos determinarmos teoricamente. Assim, é por meio da primeira
condição que um objeto se torna teórico patético e, por meio da segunda, sublime.
Desse princípio resultam duas leis daquilo que poderíamos chamar de tragédia
teórica: a que se refere à exposição da natureza sofredora e a que mostra a nossa
liberdade teórica face tal sofrimento.
83
Com o que expusemos até aqui, pudemos perceber que Schiller desdobrou
o conceito de sublimidade que recebeu de Kant, sendo o sublime prático (dinâmico)
o merecedor de maior atenção, já que é nele que a atitude moral melhor se
expressa. No entanto, a abrangência schilleriana do conceito de sublime dinâmico
pode nos levar a crer que somente uma ação moral pode ser ajuizada como sendo
sublime. Se isso for verdade, não estaríamos diante de uma espécie de
‘moralização’ da experiência estética de sublimidade? Nos parece que em nenhum
momento Schiller cogitou tal possibilidade. Veremos no decorrer como o autor em
questão resolve esse problema.
2.3 – O PATÉTICO: O SUBLIME DA AÇÃO E DA DISPOSIÇÃO MORAL
Schiller desenvolve os conceitos de “sublime da ação moral” e “sublime da
disposição moral”, com o intuito de abarcar aquilo que é tão-somente uma
disposição, uma capacidade moral e não realmente uma atividade moral. Com isso,
tudo que não é efetivamente moral tem a possibilidade de ser sublime dado à sua
potencialidade moral. Um degenerado pode ser esteticamente sublime quando
levada em conta a sua disposição moral, um ser benévolo também pode ser
esteticamente sublime conforme sua ação moral, todavia frente a uma resistência à
ação moral por parte do sujeito, pode advir o sofrimento (pathos). Pathos pode ser
definido como sendo aquela qualidade presente no escrever, no falar, no musicar ou
no representar artisticamente, que estimula os sentimentos de piedade ou tristeza. A
partir da experiência do espectador, o pathos é aquilo que desperta, neste, o
sentimento de dó, de compaixão ou de empatia. Resumindo, o pathos está ligado à
questão do sofrimento. Porém a arte não tem por objetivo apresentar o sofrimento
enquanto mero sofrimento, pois este só se torna esteticamente importante quando é
tomado como um meio para o seu fim. Ora, o fim último da arte é a exposição do
que é supra-sensível e, particularmente, a arte trágica cumpre esta tarefa ao tornar
“... sensível para nós a independência moral em relação às leis da natureza, num
estado de afeto”
177
e é mediante a apresentação do sofrimento
178
que acontece esta
177
SCHILLER, 1997, p.165. Para este autor (1991, p.90), somente aquela arte que propõe como
finalidade última o prazer na compaixão é que pode ser chamada de ‘arte trágica’.
84
operacionalização. Sofrimento este que aparece quando o nosso livre princípio
resiste à violência dos sentimentos. Conseqüentemente, percebemos que quão
maior é o sofrimento, maior será essa resistência. Assim, veremos a relevância da
liberdade e, nesta direção, quanto maior o pathos, mais satisfatório será o sublime.
Portanto, se pretendemos que a “... inteligência se revele no ser humano
como uma força independente da natureza, então esta tem primeiro de haver
demonstrado todo o seu poder aos nossos olhos”
179
, pois o ser sensível tem de
sofrer intensa e profundamente; tem de “... existir pathos para que o ente racional
possa proclamar a sua independência e manifestar-se atuando”
180
.
A disposição da mente para ser sublime não pode ser produto da
insensibilidade. A contemplação efetivamente estética não se liga a sentimentos que
só tangem à superficialidade da alma de modo efêmero, mas àqueles que
conservam a liberdade da mente numa tempestade que empola toda a natureza
sensível. Para tanto, torna-se necessária uma capacidade de resistência que se
eleve de maneira infinita, acima de todo o poder da natureza. Só mediante a mais
vívida apresentação da natureza sofredora é que se chega à apresentação da
liberdade moral. Assim sendo, o herói trágico dever ser legítimo para nós enquanto
entes sensíveis que somos, para que possamos louvá-lo como ente racional, já que
sua força moral só pode ser mensurada de acordo com os reveses dolorosos tão-
somente por ele vividos.
Pathos é a implacável exigência que se faz ao verdadeiro artista trágico, que
deve apresentar o sofrimento até os limites possíveis, mas sem deixar de cumprir,
também, sua finalidade última: pela apresentação do sofrimento, a revelação da
liberdade. Ora, se o artista trágico não segue e não cumpre essa lei, não teremos a
possibilidade de saber se a resistência do seu herói se dá positivamente por um ato
da mente ou se acontece, de maneira negativa, por uma deficiência da criação.
A fim de ilustrar suas proposições, Schiller contrasta o teatro francês com a
arte grega. Quanto ao teatro francês ele afirma:
178
Segundo SCHILLER (1991a, p.97), toda a compaixão “... pressupõe representações de sofrimento.
Da intensidade, verdade, totalidade e duração das mesmas...”, depende o grau daquela.
179
SCHILLER, 1997, p.165.
180
Id. Grifos no original.
85
Dá-se este último caso [maneira negativa] na tragédia dos franceses de
outros tempos, na qual só muito raramente ou nunca nos é dada ver a
natureza sofredora, mas na maior parte das vezes apenas o poeta, na sua
frieza declamatória, ou o comediante caminhando sobre andas. O tom
gelado da declamação sufoca toda a verdadeira natureza, e a decência tão
venerada pelos autores trágicos franceses impossibilitou-os por completo de
desenhar a humanidade na sua verdade. A decência falsifica sempre a
expressão da natureza, mesmo quando ocupa o lugar que lhe compete, e
contudo a arte reivindica tal expressão de maneira implacável. Mal podemos
acreditar que o herói de uma tragédia francesa sofre, pois ele exterioriza o
seu estado de ânimo como o mais tranqüilo dos homens, e o fato de ele ter
incessantemente em conta a impressão que causa nos outros nunca lhe
permite dar liberdade à natureza dentro dele. Os reis, as princesas e os
heróis de um Corneille e de um Voltaire nunca esquecem a sua posição
mesmo no meio do sofrimento mais agitado, despojando-se muito antes da
sua humanidade do que sua dignidade. Eles são idênticos aos reis e
imperadores dos antigos livros ilustrados, que se deitam na cama de
coroa.
181
No parecer de Schiller, a arte grega e a arte dos tempos posteriores que
estão sob a égide daquela, são diferentes:
Como são diferentes os gregos e aqueles que, de entre os modernos,
fizeram poesia dentro do espírito daquele. Nunca um grego se envergonha
da natureza, ele concede a sensibilidade os seus plenos direitos e contudo
está seguro de nunca ser subjugado por ela. O seu profundo e correto
entendimento faz com que ele distinga o que é contingente, aquilo a que o
mau gosto dá prioridade, do que é necessário; mas tudo o que não é
humanidade é contingente no ser humano. O artista grego, ao apresentar
um Laocoonte, uma Niobe, um filoctetes, nada quer saber de uma princesa,
nem de um rei, nem de um filho de rei; apenas se atém ao ser humano. Por
isso, o sábio escultor deita fora a roupagem e mostra-nos apenas figuras
nuas, embora saiba que tal não era o caso na vida real. As roupas são para
ele algo de contingente, a que o necessário nunca pode ser adicionado, e
as leis do decoro ou da carência não são as leis da arte. O escultor deve e
quer mostrar-nos o ser humano, e os trajes escondem o mesmo; logo ele
tem razão ao rejeitá-los.
182
Segundo Schiller, o escultor grego deixa fora os trajes para destacar a
importância que tem a natureza humana e que o poeta grego “... libera suas
criaturas da coação, igualmente inútil e impeditiva, da conveniência e de todas as
geladas leis do decoro”
183
, pois estas ocultam a natureza que nelas existem. Dessa
forma Schiller se servirá da poesia homérica e dos poetas trágicos com o intuito de,
mais uma vez, ilustrar suas proposições:
181
SCHILLER, 1997, p.166. Grifos no original. A respeito de Corneille, SCHILLER (1991a, p.94), em
seu texto intitulado “Acerca da arte trágica”, tece uma espécie de ressalva quando usa a obra “O Cid
com vista a exemplificar o que seria uma tragédia exemplar.
182
Id. Grifos no original.
183
Id.
86
A natureza sofredora fala de modo verdadeiro, sincero e profundo ao nosso
coração na poesia homérica e nos poetas trágicos: todas as paixões entram
livremente num jogo e a regra do decoro não embarga qualquer sentimento.
Os heróis são tão sensíveis a todos os sofrimentos da humanidade como
qualquer outra pessoa, sendo precisamente isso que faz deles heróis, o fato
de sentirem o sofrimento de modo intenso e íntimo sem porém se deixarem
vencer por isso. Amam a vida tão fogosamente como nós, os outros, mas
esse sentimento não os domina a ponto de não poderem renunciar a ela se
os deveres da honra ou da humanidade o exigirem. Filoctetes enche o palco
grego com os seus lamentos, e mesmo o irado Hércules não reprime sua
dor. Destinada ao sacrifício, Ifigênia confessa de maneira aberta e
comovente que se separa com dor da luz do sol.
184
Ao examinarmos as obras de onde Schiller retira seus exemplos, veremos
que os personagens ali presentes suportam o sofrimento por mais difícil que ele
seja. Na mitologia grega, até os deuses se humanizam sempre que os poetas
desejam aproximá-los dos homens. Ora, o fato de Marte gritar de dor e Vênus, após
ser ferida por uma lança subir ao Olimpo para chorar, não demonstra uma espécie
de ‘hominização’ de tais deuses?
Com isso podemos perceber que a primeira exigência que se faz ao ser
humano vem da natureza, posto que o ser humano é um ente sensível. Já a
segunda é feita ao homem pela razão, uma vez que este é também um ser racional-
sensível, ou seja, uma pessoa moral. Nesses termos, constitui um dever do homem
dominar a natureza e nunca se deixar dominar por ela. Só quando se tiver feito
justiça à natureza e à razão, é que se pode permitir formular a terceira e necessária
exigência ao ser humano: mostrar-se como um ser civilizado. Somente o homem
civilizado é capaz de levar em conta a sociedade ao expressar seus sentimentos e
sua conduta.
À arte cabe deleitar o espírito e agradar à liberdade. O que são os afetos
lânguidos e as comoções lastimosas senão meramente agradáveis? Aquilo que é
agradável não pode guardar nenhuma relação com a arte, especialmente com a arte
trágica, pois os afetos lânguidos e as comoções lastimosas nada mais fazem do que
“... deleitar os sentidos por meio de dissolução ou relaxamento e referem-se apenas
ao estado exterior do ser humano, não ao seu estado interior”
185
. Assim também são
os afetos que apenas torturam, pois para a arte, o sofrimento puro, considerado
como fim em si mesmo, é tão pouco estético tal qual a idéia pura. Ora, os afetos
184
SCHILLER, 1997, p.166-7.
185
Ibid., p.167.
87
lânguidos oprimem a liberdade pela volúpia. Já os afetos torturantes, pela dor que
despertam. Assim, o patético só pode se tornar genuinamente estético quando for
sublime. No entanto, os efeitos que nos levam a deduzir uma fonte sensível que se
fundamenta no simples afeto da capacidade de sentir, nunca serão sublimes,
independente da energia que deixem entrever, pois necessariamente, tudo o que é
sublime só pode ser produto da faculdade da razão.
Seguindo nessa direção, então o que seria a apresentação da mera paixão
voluptuosa, sem a apresentação conjunta da força supra-sensível de resistência
moral ao sofrimento, senão o meramente “comum”
186
? Em oposição, a apresentação
da paixão associada à apresentação de tal força, só poderia ser chamada de
“nobre”
187
. No entremeio está o “decente”
188
, ou seja, aquilo que só segue seu
impulso em conformidade com a lei. Nada pode ser nobre se não brota da razão e
tudo o que a sensibilidade produz para si é o comum
189
. Por isso,
... dizemos de uma pessoa que ela age de modo comum quando segue
apenas as indicações do seu impulso sensível; que age de maneira decente
quando só segue o seu impulso tendo em conta as leis; que age de maneira
nobre quando apenas segue a razão, sem ter em conta os seus
impulsos.
190
Assim, uma fisionomia é ‘comum’ quando em nenhum dos seus traços
aparece a inteligência na pessoa. Quando seus traços são determinados pelo
espírito, o princípio de liberdade no ser humano, ela é ‘expressiva’. Porém, só
poderemos chamar de ‘nobre’ o indivíduo quando, independentemente de todos os
objetivos físicos, este apresentar tão somente idéias. Ora, o bom gosto não permite
... qualquer apresentação do afeto, por mais vigorosa que seja, que
expresse apenas sofrimento físico e resistência física sem tornar
simultaneamente visível a humanidade mais elevada, a presença de uma
capacidade supra-sensível — e isso pelo motivo já exposto, uma vez que o
sofrimento em si nunca é patético e digno de apresentação, sendo-o apenas
a resistência ao sofrimento. Daí que todos os graus absolutos e supremos
186
Cf. SCHILLER, 1997, p.167.
187
Id.
188
Id.
189
Segundo SCHILLER (1997, p.168), comum e nobre “… são conceitos que designam, sempre que
são usados, uma relação entre a participação ou a ausência da natureza supra-sensível do ser
humano e uma ação ou uma obra”.
190
SCHILLER, 1997, p.168-9. Grifos no original.
88
do afeto sejam interditos tanto ao artista como ao poeta; pois todos
reprimem a força de resistência interior, ou antes pressupõem a repressão
da mesma, uma vez que nenhum afeto pode atingir o seu grau absoluto e
supremo enquanto a inteligência oferecer no ser humano alguma
resistência.
191
Só pode ser por meio da resistência moral ao sofrimento físico, o pathos,
que se pode conhecer a força supra-sensível do homem. No entanto, é necessário
ressaltar que essa resistência ao sofrimento não pode ser sensível, mesmo que a
sensibilidade tenha força para resistir também, pois, vale lembrar, no sublime,
perdemos enquanto entes sensíveis, mas ganhamos enquanto entes morais. A
superação do que é sensível não pode ocorrer mediante a própria sensibilidade,
mas por intermédio de uma faculdade que não está sob a lei da natureza, ou seja, a
razão. Ora, para tudo aquilo que lhe causa sofrimento, o homem possui a sua força
física e seu entendimento, todavia contra o próprio sofrimento ele nada possui além
das idéias da razão. Essas não podem ser apresentadas positivamente, posto que
não há nada no mundo fenomênico que lhes corresponda. Mas as idéias da razão
podem ser apresentadas indiretamente e de modo negativo, quando na intuição não
são dadas as condições referentes a algo na natureza. Tudo aquilo que não é
causado a partir do mundo dos sentidos é uma apresentação indireta daquilo que é
supra-sensível. Ora, isso acontece porque, se as condições de algo não estão na
sensibilidade, estas necessariamente estarão naquilo que não é sensibilidade, ou
seja, naquilo que é supra-sensível, na razão.
Para Schiller, uma pessoa no estado de afeto possui duas espécies de
fenômenos
192
: a primeira diz respeito à sua animalidade, pois seguem
191
SCHILLER, 1997, p.168.
192
Cf. SCHILLER, 1997, p.170. Na carta XI que se encontra na obra “Cartas sobre a Educação
Estética”, Schiller define o que entende por pessoa: “Quando sobe à maior altura de que é capaz, a
abstração alcança dois conceitos últimos, nos quais pára e é obrigada a reconhecer seus limites. Ela
distingue no homem aquilo que permanece e aquilo que se modifica sem cessar. Ela chama o
permanente de sua pessoa, o mutável de seu estado.
Pessoa e estado — o si mesmo e suas determinações —, que no ser necessário pensamos
como um e o mesmo, são eternamente dois no ser finito. Por mais que a pessoa perdure, alterna-se o
estado, e em toda alternância do estado, perdura a pessoa. Passamos do repouso à atividade, do
afeto à indiferença, da concordância à contradição, mas, ainda assim, s somos, e o que se segue
imediatamente de nós, permanece. Somente no sujeito absoluto todas as determinações perduram
com a personalidade, porque provém da personalidade. Tudo o que a divindade é, ela é porque é;
conseqüentemente, ela é tudo eternamente, pois é eterna.
Por distinguirem-se no homem, enquanto ser finito, a pessoa e o estado, não se pode fundar o
estado na pessoa nem a pessoa no estado. Fosse este último o caso, a pessoa teria de perdurar; em
qualquer um dos casos, portanto, a personalidade ou o estado cessariam. Nós somos não porque
89
irrestritamente a lei da natureza, sendo a vontade completamente impotente diante
dele
193
. A segunda espécie de fenômeno está sob os desígnios e a influência da
vontade, ou seja, são aqueles fenômenos pelos quais o instinto não é responsável,
mas sim a pessoa. Ora, o instinto satisfaz à sensibilidade sem que haja qualquer
preocupação para com as leis. A pessoa é responsável por limitar o instinto tendo
por guia as leis. Entretanto, é no estado de afeto ou no sofrimento que a força supra-
sensível tem a possibilidade de ser apresentada, já que esta se mostra naqueles
fenômenos que estão sob o seu domínio ou sob a sua influência, apresentação esta
que se dá ao lado daqueles fenômenos que estão sob o domínio do instinto, o que
revela indiretamente e negativamente um certo grau de liberdade daqueles diante
destes.
Schiller observa que não pode haver qualquer traço de sofrimento no âmbito
do supra-sensível. De outro modo, poderíamos dizer que, para a apresentação do
supra-sensível, ou para o sublime, faz-se necessário que a parcela animal do
homem sofra ao máximo no estado de afeto, seguindo, por isto, a lei da natureza,
posto que seja isto que dá a medida da resistência moral ao próprio sofrimento, o
que, por conseguinte, revelará a força supra-sensível do ser humano. Assim,
... quanto mais decidida e violenta for a maneira como o afeto se expressa
no domínio da animalidade, sem poder contudo afirmar o mesmo poder no
domínio da humanidade, tanto mais reconhecível será este último, tanto
mais glorioso será o modo como se revela a autonomia moral do ser
humano, tanto mais patética será a apresentação e tanto mais sublime o
pathos.
194
pensamos, queremos, sentimos; e pensamos, queremos ou sentimos não porque somos. Nós somos
porque somos. Nós sentimos, pensamos ou queremos porque além de nós existe algo diverso”.
SCHILLER, 1990, p.63-4. Grifos no original.
193
Podemos citar como exemplo “... os instrumentos de circulação do sangue, da respiração, e toda a
superfície da pele”. No entanto, “... os instrumentos que estão submetidos à vontade nem sempre
esperam pela decisão desta; em vez disso, o instinto põe-nos com freqüência diretamente em
movimento, sobretudo em situações em que o estado físico se vê ameaçado pela dor ou pelo perigo.
Assim, embora o nosso braço se encontre sob o domínio da vontade, quando agarramos sem querer
uma coisa quente, ao retirarmos a mão executamos um ato que não é voluntário mas apenas
consumado pelo instinto. E mais ainda. A linguagem é certamente algo que se encontra sob o domínio
da vontade, e contudo até o instinto pode também dispor ao seu bel-prazer deste instrumento e dessa
obra do entendimento, sem interrogar primeiro a vontade, logo que somos surpreendido por uma
grande dor ou apenas por um afeto forte”. SCHILLER, 1997, p.170.
194
SCHILLER, 1997, p.171. Grifos no original. Nesta mesma página à qual nos referenciamos,
encontramos uma nota de rodapé que nos ajudará a esclarecer melhor a citação que utilizamos. Diz
Schiller: “Por domínio da animalidade entendo todo o sistema desses fenômenos no ser humano que
se encontram sob o poder cego do impulso natural, sendo perfeitamente explicáveis sem que se
90
Com a intenção de ilustrar suas proposições, Schiller cita como exemplo a
escultura do ‘grupo de Laocoonte’
195
, pois pressupõe ser esta, em certa medida,
uma produção no domínio do patético. Para tanto, ele cita Winckelmann:
... Laocoonte (...) é uma natureza em dor suprema, feita à imagem de um
homem que procura juntar a energia consciente do espírito contra a mesma;
e ao mesmo tempo que o seu sofrimento dilata os músculos e contrai os
nervos, o espírito armado de energia surge na fonte alargada, e o peito
ergue-se pela respiração refreada e pela contenção da sensação expressa,
para captar e encerrar em si a dor. O suspirar angustiado, que ele arrasta
consigo e que é provocado pela respiração, esgota a parte inferior do corpo
e torna ocas as partes laterais, o que de certo modo nos leva a ajuizar o
movimento das suas vísceras. O seu próprio sofrimento parece porém
amedrontrá-lo menos do que as penas dos seus filhos, que gritam por
socorro de rosto voltado para o pai; pois o coração paterno revela-se nos
olhos melancólicos, e a compaixão parece nadar nos mesmos, numa
atmosfera perturbada. O seu rosto exprime a lamentação, mas não o grito,
os seus olhos estão voltados para o socorro que vem de cima. A boca está
cheia de melancolia e o lábio inferior inclina-se ao peso da mesma; mas no
lábio superior, puxado para cima, a mesma mistura-se com a dor, que sobe
pelo nariz com uma agitação de desagrado, como se reagisse contra um
sofrimento imerecido e indigno, fazendo dilatar o nariz e revelando-se nas
narinas ampliadas e repuxadas para cima. Por debaixo da fronte, o combate
entre dor e resistência, como se estes estivessem unidos num ponto,
encontra-se representado com grande verdade; pois ao mesmo tempo que
a dor empurra as sobrancelhas para cima, o combate à mesma pressiona
para baixo a carne da cavidade ocular contra a pálpebra superior, de modo
a deixá-la quase completamente coberta pela carne que sobre ela se
estende. Não tendo podido embelezar a natureza, o artista procurou mostrá-
la de maneira mais desenvolvida, esforçada e poderosa; aí onde reside a
maior dor mostra-se também a maior beleza. O lado esquerdo, no qual a
serpente verte o seu veneno com a dentada raivosa, é o que parece sofrer
mais intensamente, pela proximidade do coração. As pernas querem
pressuponha uma liberdade da vontade; mas por domínio da humanidade [entendo] aqueles que
recebem as suas leis da liberdade. Ora se numa apresentação falta o afeto no domínio da
animalidade, a mesma deixa-nos frios; se, pelo contrário, ele reina no domínio da humanidade, ela
repugna-nos e indigna-nos. No domínio da animalidade, o afeto tem de permanecer sempre insolúvel,
de outra maneira falta o elemento patético; só no domínio da humanidade é que se pode encontrar a
dissolução. Uma pessoa que sofre, representada em lamentos e choros, comover-nos-á por isso
apenas fracamente, pois os lamentos e choros já dissolvem a dor no domínio da animalidade. Muito
mais forte é a maneira como somos arrebatados pela dor obstinada e muda, numa situação em que
não encontramos qualquer ajuda na natureza, tendo de buscar refúgio em algo que se encontra fora
da natureza; e é precisamente nessa referência ao que é supra-sensível que reside o pathos e a força
trágica”.
195
Segundo o Dicionário de Mitologia Grego-Romana (1976, p.106.), o ‘grupo de Laocoonte’ é uma
em (também conhecida como Laocoonte e seus filhos), hoje exposta no
. A estátua representa e seus dois filhos, Antiphantes e Thymbraeus, sendo
estrangulados por duas marinhas. Trata-se de um episódio dramático da
relatado em de e em de . Laocoonte, um sacerdote de , foi o único
que pressentiu o perigo que o representava para a cidade e protestou contra a idéia de
o levar para dentro das muralhas. Segundo a lenda, , um deus que favorecia os gregos,
enviou, então, duas serpentes para calar a voz da oposição. O cavalo acabou por ser levado para
dentro de Tróia e as conseqüências trágicas nós as conhecemos.
escultura mármore Museu do
Vaticano
Laocoonte
serpentes Guerra de Tróia
Ilíada Homero Eneida Virgílio Apolo
cavalo de Tróia
Poseidon
91
erguer-se para fugir à desgraça; não há parte alguma em sossego, e
mesmo os traços do cinzel ajudam a significar uma pele contraída.
196
Schiller também serve-se da épica obra de Virgílio, Eneida, que ao
descrever a mesma cena representada na escultura, também adentra nos domínios
do patético. Óbvio que, por se tratar de linguagens diferentes, a atmosfera criada é
diferente, mas não menos propícia.
... É sabido que Virgílio descreve a mesma cena na sua Eneida, mas não
fazia parte do plano do poeta épico deter-se no estado de ânimo de
Laocoonte, como teve o escultor de o fazer. Em Virgílio, toda a narrativa é
meramente secundária, e a interpretação a que ela serve de apoio é
sobejamente cumprida pela simples apresentação do elemento físico, sem
que ele tivesse necessidade de nos fazer lançar olhares profundos para
dentro da alma daquele que sofre; uma vez que ele não quer tanto levar-nos
a ter compaixão como fazer com que o terror nos penetre em nós. O dever
do poeta era assim neste sentido apenas negativo, nomeadamente de não
ampliar a apresentação da natureza sofredora a ponto de fazer com que se
perca toda a expressão de humanidade ou de resistência moral, uma vez
que de outro modo seria inevitável que surgissem o desagrado e a repulsa.
Daí que ele preferisse deter-se na apresentação da causa do sofrimento,
achando por bem divulgar de maneira mais circunstanciada o caráter
pavoroso das duas serpentes e a fúria com que agridem a sua vítima, em
lugar dos sentimentos da mesma. Por estes ele passa rapidamente, visto
que tinha de estar empenhado em não deixar enfraquecer a representação
de um tribunal divino e a impressão de horror. Se ele nos tivesse, pelo
contrário, dado tantas informações sofre a pessoa de Laocoonte como o
escultor, então o herói da ação já não seria a divindade punidora, mas o
homem sofredor, e o episódio teria perdido a sua conformidade aos fins do
todo.
197
Nos exemplos acima, podemos perceber que estamos mais propensos a
sermos intensamente afetados pelo sofrimento quando o presenciamos, mas tal
intensidade é menor quando tomamos conhecimento do sofrimento por intermédio
de narrações ou descrições. Ao presenciarmos um sofrimento, tal situação suspende
o “... jogo livre de nossa imaginação e, já que atingem diretamente a nossa
sensibilidade, penetram em nosso coração pelo caminho mais curto”
198
. Já no que
tange à narração ou à descrição, podemos perceber que o
... específico eleva-se primeiro ao geral e, graças a este, então, reconhece-
se o específico, o que, já devido a essa necessária operação do
196
WINCKELMANN apud SCHILLER, 1997, p.172-3.
197
SCHILLER, 1997, p.173.
198
SCHILLER, 1991a, p.98.
92
entendimento, vem a tirar muito da força de impressão. Uma débil
impressão, porém, não se apoderará indivisa do coração e dará lugar a
idéia de alheia origem, perturbando o seu efeito e dispersando a atenção.
199
O mesmo pode acontecer com exposições narrativas, pois tal operação nos
“... transporta do estado afetivo das personagens atuantes para o do narrador, o que
interrompe a ilusão tão necessária à compaixão”
200
.
Vimos nesses exemplos, a primeira das três condições do sublime do poder
evidenciada, quando nos deparamos com uma poderosa força da natureza armada
para a destruição de qualquer resistência. O fato de este elemento poderoso se
tornar concomitantemente pavoroso e sublime possibilita a origem de duas
operações distintas na mente, isto é, duas representações que se produzem em nós
de maneira autônomas. Primeiramente, ao compararmos esse irresistível poder da
natureza com a débil capacidade de resistência do homem físico, nos
conscientizamos de que tal poder é pavoroso e, por conseguinte, ao relacionarmos o
mesmo com a vontade e ao reconhecermos de forma veemente a absoluta
independência desta em relação a qualquer influência natural, ela torna-se para nós
sublime. Todavia, essas duas relações são estabelecidas pelo sujeito da
contemplação, pois
... o poeta nada mais nos deu do que um objeto armado de um forte poder e
aspirando a exteriorizar o mesmo. Se estremecemos diante dele, tal
acontece apenas porque pensamos em nós, ou numa criatura semelhante a
nós, em combate com o mesmo. Se sentimos sublime ao estremecer, é
porque nos tornamos, conscientes de que, embora podendo ser vítimas de
tal poder, nada teríamos a recear no que diz respeito ao nosso próprio ser
livre, à autonomia das nossas determinações da vontade. Em suma, a
apresentação é até aqui apenas contemplativamente sublime.
201
O que é poderoso é dado concomitantemente como sendo pavoroso e o
sublime torna-se patético; nós (ou Laocoonte) o vemos realmente entrar em
combate com a impotência do ser humano, a diferença reside no grau. O impulso
simpatético assusta o impulso de autoconservação e é inútil qualquer tentativa de
fuga. Entretanto, não depende de nós mensurarmos e compararmos este poder com
o nosso, buscando relacioná-lo com a nossa existência, pois isto acontece, sem a
199
Id.
200
SCHILLER, 1991a, p.98.
201
SCHILLER, 1997, p.174.
93
nossa intervenção, no próprio objeto. Nosso pavor não tem, como no momento
precedente, um fundamento subjetivo na mente, mas tem um fundamento objetivo
na matéria. Embora reconheçamos que se trata de uma ficção da imaginação,
distinguimos também, nesta ficção, uma representação que nos é transmitida de fora
(e aqui Schiller pensa na tragédia), de outra que produzimos em nós numa atividade
própria e autônoma. A mente perde parte da sua liberdade, pois recebe de fora o
que produziu primeiro pela sua própria atividade autônoma. Assim, a representação
do perigo recebe uma parecença de realidade objetiva e a questão do afeto torna-se
séria.
Todavia, se o ser humano nada mais fosse que ‘ente-sensível’, não
seguindo nenhum impulso além do impulso de conservação, permaneceríamos no
mero estado de sofrimento. Porém, existe “... algo em nós que não toma parte nas
afecções da natureza sensível e cuja atividade não é orientada por quaisquer
condições físicas”
202
. É segundo a maneira como esse princípio de atividade
autônoma tenha se desenvolvido na mente, é que será deixado, mais ou menos, o
campo livre para a natureza sofredora que estará mais ou menos autônoma com
relação à ação do afeto, pois nas mentes morais, o que é
... pavoroso (na imaginação) torna-se rápida e facilmente sublime. Do
mesmo modo que a imaginação perde a sua liberdade, a razão faz valer a
sua; e o ânimo só se amplia tanto mais em direção ao interior quanto mais
limites encontra em direção ao exterior. Escorraçado de todas as barricadas
que podem proporcionar proteção física ao ente sensível, lançamo-nos no
burgo invencível da nossa liberdade moral, ganhando precisamente com
isso uma segurança absoluta e infinita ao darmos como perdida uma
mera proteção comparativa e precária no campo do fenômeno. Mas
precisamente por isso, porque teve de chegar-se a tal coação física antes
que tivessemos procurando ajuda na nossa natureza moral, não podemos
adquirir de outro modo esse alto sentimento de liberdade senão por meio do
sofrimento.
203
Disso, podemos perceber que a ‘alma comum’ fica sempre retida nesse
sofrimento e nunca sente mais que o mero sofrimento. Assim, sem vencer essa
barreira, jamais compreenderá que é o sofrimento a transição para o sentimento do
202
SCHILLER, 1997, p.175.
203
Id. Grifos no original.
94
seu mais “... esplêndido efeito de vigor, sabendo produzir algo sublime a partir de
tudo o que é pavoroso”
204
.
No caso de Laocoonte, podemos perceber que faz um grande efeito o fato
de o homem moral (o pai) ser agredido antes do homem físico, pois todos os afetos
são mais estéticos em segunda ordem e, nenhuma simpatia será mais forte do que
aquela que sentimos pela simpatia. No caso de Laocoonte, se este agisse como um
homem comum, tentaria primeiro salvar-se e buscaria fugir das serpentes que os
atacavam. No entanto, vendo o perigo que seus filhos corriam, permanece no local,
lutando para afastar os monstros, mesmo sabendo que tal atitude poderia lhe custar
a vida. Tal traço, nos parece, já o torna digno de compaixão. Em qualquer momento
que as serpentes o pudessem agredir, ele ter-nos-ia comovido. No entanto, naquele
momento em que ele se torna digno de respeito para nós enquanto pai e, porque
não dizer, enquanto herói, a sua perdição é representada, de certo modo, como
conseqüência imediata do dever paterno, tal fato “... inflama a nossa participação de
maneira suprema. Agora é como se ele próprio se entregasse à desgraça por livre
opção, e a sua morte torna-se numa ação da vontade”
205
.
Percebemos então, que em todas as situações de pathos, nossos sentidos
têm de permanecer interessados por meio do sofrimento e o espírito por meio da
liberdade. Ora, se numa descrição patética
... faltar uma expressão da natureza sofredora, ela será desprovida de força
estética e o nosso coração permanecerá frio. Se lhe faltar uma expressão
da disposição ética, então ela nunca será patética, por maior que seja a
energia sensível, e causará inevitavelmente indignação ao nosso modo de
sentir. O ser humano em sofrimento tem sempre de transparecer de toda a
liberdade do ânimo, bem como o espírito autônomo, ou com capacidade de
autonomia, tem sempre de transparecer de todo o sofrimento da
humanidade.
206
Veremos assim que a liberdade pode se apresentar, no estado de
sofrimento, de duas formas: negativa ou positivamente. A primeira ocorre, porque o
homem físico não dita a lei ao homem ético, não sendo permitido também, ao modo
de pensar, receber a sua causalidade deste estado. A segunda ocorre quando o
204
Id.
205
SCHILLER, 1997, p.176.
206
Id. Grifos no original.
95
homem físico recebe a lei do homem ético, enquanto que o modo de pensar recebe
uma causalidade para o estado. Na primeira situação temos, o ‘sublime da
disposição moral’, já na segunda, o ‘sublime da ação moral’
207
.
Do que vimos até aqui, já podemos observar que o sublime da ação moral
requer que o sofrimento não só exerça influência sobre a pessoa moral, mas que,
inversamente, seja este sofrimento o produto do seu caráter moral. Esse tipo de
sentimento estético do sublime pode, ainda, acontecer de duas maneiras: direta ou
indiretamente. Na primeira, o sublime da ação moral dá-se diretamente porque,
segundo a lei da necessidade, a pessoa expia moralmente um dever que não foi
cumprido por ela, sendo o sofrimento, aqui, causado pela ação da vontade. Isso
acontece porque o dever determina a pessoa como ‘poder’ e o ‘sofrimento’ é tão-
somente um efeito deste poder. Ocorre indiretamente quando a pessoa escolhe,
conforme a lei da liberdade, o sofrimento por respeito a um dever, isto é, o
‘sofrimento’ é, aqui, um efeito da ‘ação da vontade’ ou a ‘vontade’ é a causa do
‘sofrimento’.
Agora, tanto no sublime da ação, quanto no sublime da disposição, o
fundamento é moral. A diferença é que no sublime da ação, a pessoa mostra o seu
caráter moral, enquanto que no sublime da disposição, ela mostra somente uma
determinação para tal — uma potencialidade. Assim notamos que o sublime da ação
moral só pode surgir da grandeza moral da pessoa. Já quanto ao sublime da
disposição, este surge da grandeza estética. Essa diferença, podemos dizer, não
está somente nos objetos sobre os quais se ajuíza, mas está também na maneira
distinta de ajuizar. Tanto é que um mesmo objeto pode nos desagradar na avaliação
moral e ser muito atrativo para nós na avaliação estética. Todavia, mesmo que o
sublime satisfaça tanto a avaliação quanto a moral, como é o caso do sublime da
ação, esta satisfação ocorre em instâncias de avaliação completamente diferentes.
Para ilustrar suas proposições, Schiller usa o exemplo de Leônidas nas termópilas:
Penso, por exemplo, no sacrifício de Leônidas nas Termópilas. Avaliada
moralmente, tal ato é para mim uma manifestação da lei ética, cumprida em
plena contradição com o instinto; avaliada esteticamente, ela é para mim
uma manifestação da capacidade ética, independente de toda a coação dos
207
Cf. SCHILLER, 1997, p.176.
96
instintos. O meu sentido moral (a razão) vê-se satisfeito por esse ato; o meu
sentido estético (a faculdade da imaginação) vê-se encantado.
208
Tal fato dá-se em decorrência da mistura de princípios que constituem o ser
humano, posto que somos, e Schiller enfatiza tais caracteristicas, entes sensíveis e
racionais, o que resulta, sobremaneira, em duas espécies de sentimentos
completamente diferentes. Enquanto ser sensível, o homem sente ‘prazer’ ou
‘desprazer’. Enquanto ser racional, o homem ‘aprova’ ou ‘desaprova’. Porém, tanto o
prazer/desprazer quanto a aprovação/desaprovação instituem-se na satisfação, mas
a diferença reside no fato de que a aprovação/desaprovação se fundamenta na
satisfação de uma exigência, posto que a razão exige, sem de nada carecer. Quanto
ao prazer/desprazer, este se institui na satisfação de um desejo, já que os sentidos,
ao contrário da razão, carecem e, portanto, nada podem exigir. Todavia, as
carências dos sentidos e as exigencias da razão relacionam-se mutuamente com a
necessidade para a urgência, estando as duas contidas no conceito de necessidade.
A diferença está no fato de que a necessidade da razão se dá incondicionalmente e
a dos sentidos, condicionalmente e, em ambos os casos, a satisfação é contingente.
Ora, todo o sentimento,
... tanto de prazer como de aprovaçao, fundamenta-se portanto em última
instância na concordância do que é contingente com o que é necessário. Se
o que é necessário for um imperativo, sentiremos aprovação, se for uma
urgência, sentiremos prazer; ambas num grau tanto mais forte quanto mais
contingente for a satisfação.
209
Podemos perceber, então, que a ‘avaliação moral’ está fundada na exigência
da razão de que se aja moralmente, posto que só o justo se interessa por tal ato. No
entanto, se a vontade é livre, logo só pode ser contingente querer ou não aquilo que
é justo. Porém, se houver a concordância entre o que é contingente e o imperativo
da razão, então só poderá haver ‘aprovação’. Como conseqüência, mais veemente
208
SCHILLER, 1997, p.177-8. Grifos no original. Vale assistir ao filme “Os 300 de Esparta” de 1962,
dirigido por
Rudolph Maté. Este nos fornece a dimensão poética das palavras proferidas por Schiller e
inúmeras passagem que ilustrarão com coerência o que até aqui expomos. Nem tão poético quanto o
anterior, talvez por sua linguagem contemporânea, mas nem por isso ruim, outra opção é o filme “300”,
de 2006, dirigido por
Zack Snyder. Para diversificar, atentemos para a história em quadrinhos, “300”,
de
Frank Miller e para a pintura de Jacques-Louis David, intitulada “Leônidas nas Termópilas” (1814,
óleo sobre tela.
Museu do Louvre, Paris). Esta obra pode ser encontrada e também apreciada neste
endereço: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Jacques-Louis_David_004.jpg
209
SCHILLER, 1997, p.178.
97
será a aprovação quanto mais intensa for a resistência às inclinações, tendo em
vista que estas tornam ainda mais contingente aquela concordância.
Quanto à ‘avaliação estética’, o que ocorre é o inverso em relação à
‘avaliação moral’ e assim tem de ser, pois o objeto, aqui, relaciona-se com a
‘carência da imaginação’. Fala-se em carência, pois a faculdade da imaginação nada
ordena, apenas deseja que o contingente esteja em concordância com seu
interesse, que é o de "... manter-se em jogo de modo a permanecer livre de leis"
210
.
Tal propensão à ‘libertinagem’ torna a imaginação demasiadamente rebelde a
qualquer compromisso ético para com a razão
211
, já que esta determina seu objeto
com o máximo rigor, sem considerar os interesses da imaginação durante a
avaliação moral. Contudo, só se pode pensar um compromisso ético da razão se
houver uma dimensão no sujeito da contemplação que seja absolutamente
independente dos impulsos naturais, possibilidade tal que acaba por postular
liberdade, o que está em harmonia com o interesse da imaginação. Todavia, tais
interesses não podem, mediante suas carências, legislar do mesmo modo que a
razão o faz, pois sofre a intervenção da vontade dos homens. Assim, a capacidade
de liberdade é, no que se refere à imaginação, contingente. Como conseqüência,
sempre que houver concordância entre a liberdade e a imaginação, haverá prazer.
Avaliado moralmente o ato de Leônidas nas Termópilas, a relevância só
pode estar na necessidade de sua ação e não na contingência desta. No entanto, se
a avaliação partir do ponto de vista estético, a relevância recairá sobre a
contingência de sua ação e não na necessidade desta ação. Com isso
perceberemos que é
... dever de toda a vontade agir desse modo sempre que se trata de uma
vontade livre, mas o fato de haver em geral uma liberdade da vontade, que
possibilita que se atue dessa maneira, isso constitui um favor da natureza
no que diz respeito à capacidade para a qual a liberdade é uma carência.
Se portanto o sentido moral — a razão — julga uma ação virtuosa, a
aprovação é o máximo que pode suceder; porque a razão nunca pode
encontrar mais e raramente encontra tanto quanto exige.
212
No entanto, se é o sentido estético quem julga a mesma ação, então
210
SCHILLER, 1997, p.178. Grifos no original.
211
Cf. SCHILLER, 1997, p.178.
212
SCHILLER, 1997, p.179. Grifos no original.
98
... sucede um prazer positivo, uma vez que a faculdade de imaginação
nunca pode exigir concordância com a sua carência, tendo de ficar
surpreendida com a satisfação real da mesma, como se tratasse de um
acaso feliz.
213
Partindo de tais considerações, podemos compreender que o fato de
Leônidas ter tomado a decisão de enfrentar o exército persa, mesmo sabendo que
esta decisão lhe custaria a vida e sem qualquer motivação, é por nós aprovada. O
fato de ele ter podido tomar tal decisão, independente de qualquer coação, é para
nós motivo de encantamento.
Ora, para que haja aprovação em uma avaliação do ponto de vista moral, é
necessário que não haja qualquer motivação impura pela qual o dever de auto-
conservação seja preterido. Todavia, para que haja aprovação em uma avaliação do
ponto de vista estético, é somente necessário que a vontade mostre sua capacidade
de resistir ao poderoso impulso de autoconservação, posto que não interessa saber
se tal resistência foi motivada de modo puro ou impuro, isto é, se ela é moral ou não.
Para tanto, basta a mera ‘disposição moral’.
Isto posto, podemos concluir que na avaliação moral, os limites sensíveis do
sujeito da contemplação e sua vontade, patologicamente suscetível, são
confrontados com a lei volitiva incondicionada e com o dever espiritual infinito. Na
avaliação estética, o que está em jogo são a capacidade volitiva e o simples poder
espiritual infinito do sujeito da contemplação, confrontados com a violência da
natureza que levanta obstáculos intransponíveis à sensibilidade. Percebemos assim
que o juízo moral nos limita e nos humilha, uma vez que nos
... encontramos, em cada ato volitivo particular, mais ou menos em
desvantagem em relação à lei volitiva absoluta, vendo-se o impulso de
liberdade da fantasia contrariado pela limitação da vontade a um modo
único de determinação, exigida simplesmente pelo dever. Ali içamo-nos do
real para o possível e do indivíduo para a espécie; aqui, pelo contrário,
descemos do possível ao real e encerramos a espécie nos limites do
indivíduo; não é portanto de admirar que nos sintamos acrescidos no juízo
estético e no juízo moral, inversamente, cerceados e presos.
214
213
Id.
214
SCHILLER, 1997, p.180.
99
Nesse horizonte, podemos observar que o juízo moral e o juízo estético
acabam por se constituírem em um obstáculo, um para com o outro, na medida em
que fornecem ao homem direções opostas, já que, enquanto a razão exige
conformidade para com suas leis, sendo por isso a faculdade relevante no juízo
moral, a faculdade da imaginação quer se ver livre de toda limitação, tornando-se
assim a faculdade relevante no juízo estético. Por isso, quanto mais um objeto se
mostrar adequado à moral, menos ele se qualificará para um uso estético e o caso
inverso desta colocação também se aplica. Portanto o poeta, se tiver de escolher um
uso moral, terá de realçar antes a capacidade da vontade. Assim é o âmbito da
possibilidade, da capacidade ou da disposição que constitui o reino do poeta, sendo
o seu limite justamente onde começam a liberdade e a realidade. Ora, nada pode
“... deleitar-nos a não ser o que contribui para melhorar o nosso sujeito, e nada pode
deleitar-nos espiritualmente a não ser o que eleva a nossa capacidade espiritual”
215
.
Mas como é possível que a conformidade ao dever de outra pessoa
contribua para a nossa melhoria e, ao mesmo tempo, para aumentar a nossa
energia espiritual? Ora, o fato de o sujeito cumprir concretamente seu dever está
fundado no uso contingente que este faz da sua liberdade o que nada pode nos
provar. É a capacidade para uma conformidade análoga ao dever que partilhamos
com ele e, ao apreendermos na sua capacidade também a nossa, sentimos uma
elevação espiritual. Portanto é “... apenas pela representação da possibilidade de
uma vontade absolutamente livre que a real execução da mesma agrada ao nosso
sentido estético”
216
.
É por esse motivo que, para Schiller, os atos éticos e as realidades
históricas não possuem, normalmente, força poética. A aprovação estética nada
perde em relação aos tipos ideais se estes se constituírem enquanto ficções
poéticas. É na ‘verdade poética’ que reside o efeito estético e não na ‘verdade
histórica’. E ‘verdade poética’ não se define como aquilo que realmente aconteceu,
mas como aquilo que poderia ter acontecido, isto é, reside na possibilidade interna
da coisa.
Ainda, mesmo quando os fatos reais com personagem históricos são
trabalhados pelo artista, o elemento poético nada perde, desde que a capacidade
215
SCHILLER, 1997, p.181.
216
Id.
100
seja reconhecida através da existência. É certo que a concretude dos
acontecimentos e o fato de tais personagens terem realmente vivido podem
aumentar o nosso prazer, todavia com um “... suplemento estranho que é mais
desfavorável do que vantajoso para a impressão poética”
217
. A energia estética tem
de residir na representação da possibilidade. O interesse maior para o poeta deve
pautar na exibição da capacidade reconhecida por meio da existência e não na
própria existência. Com isso percebemos que o verdadeiro gênio não dispensa
grande atenção às advertências dos historiadores ou dos moralistas. Contudo, a arte
tem grande potencial para formar moralmente o ser humano
218
, ainda que
indiretamente, pois a arte não realiza no homem nenhuma tarefa particular, mas sim,
universal, posto que seu espectro de ação é a totalidade da espécie humana. Ora, a
arte é demasiadamente rica em potencialidade para
... tornar-se para o ser humano no que o amor é para o herói. Não pode dar-
lhe conselho, nem bater-se com ele, nem fazer por ele um trabalho; mas
pode educá-lo para que se torne um herói, exortando-o a ações e armando-
o de energia para tudo aquilo que ele deve ser.
219
O que encanta ou o que constitui a energia estética no sublime não é
nenhum interesse da razão, nem nenhuma ação realmente justa, mas o interesse da
imaginação na apresentação de uma ação possivelmente justa, posto que nada
pode reprimir a liberdade da mente.
Mas o que é necessariamente esta ‘liberdade da mente’? Seria a liberdade
moral? Pensamos que não, porque por ‘liberdade da mente’ devemos entender
como sendo aquela capacidade indeterminada de se auto-determinar, isto é, algo
anterior à moral. É justamente por isso que, em um ajuizamento estético, o que se
deve pretender encontrar, ou ressaltar, é a energia e a liberdade expressas, ainda
que às custas da liberdade moral. Assim, um depravado tem a possibilidade de
agradar esteticamente, tão logo arrisque sua vida para realizar os atos mais
repulsivos. Inversamente, um ser ético e moral começa a ficar esteticamente
217
Id.
218
Esta é, para Schiller, a mais nobre tarefa da arte e este aspecto está muito presente em seus
escritos.
219
SCHILLER, 1997, p.182.
101
desinteressante assim que seja visto em total felicidade e sendo coagido à boa
conduta.
Dessa forma um exemplo do sublime da disposição
... é qualquer caráter independente do destino. ‘Um espírito corajoso, no
combate à adversidade’ diz Sêneca, ‘é um espetáculo encantador, mesmo
para os deuses.’ Tal visão nos é dada pelo senado romano depois da
desgraça em Canae. Mesmo o Lúcifer de Milton, ao olhar pela primeira vez
à sua volta no inferno, sua futura mora, perpassa-nos, devido a esta força
de alma, com um sentimento de admiração. ‘Terrores, saúda-vos’, exclama,
‘e a ti, mundo subterrâneo, e a ti, o inferno mais profundo. Acolhe o teu novo
hóspede. Ele vem ao teu encontro com um ânimo que nem o tempo nem o
lugar irão alterar. É no ânimo que ele habita. Isso proporcionar-lhe-á um céu
no inferno. Aqui finalmente estamos livres, etc.’ A resposta de Medeia na
tragédia pertence à mesma classe.
220
Ora, é um flagrante conflito de limites quando se exige dos artistas
conformidade a leis, buscando alargar o reino da razão. Com isso, inevitavelmente,
a imaginação será expulsa do seu legítimo território, que são os assuntos estéticos.
O resultado desse conflito certamente será ou a repartição de poderes entre a
imaginação e a razão, o que não configura grande ganho moral, pois “... acorrentar-
se-á a liberdade da fantasia através da conformidade a leis morais e destruir-se-á a
necessidade da razão através da arbitrariedade da imaginação”
221
, ou a submissão
da imaginação por parte da razão, destruindo assim, todo o feito estético.
220
SCHILLER, 1997, p.176. Permita-nos citar outro exemplo da passagem de “Paraíso Perdido” a
qual Schiller se refere:
Tudo... menos o que é esse que os raios
Adeus, felizes campos, onde mora
Mais poderoso do que nós fizeram!
Nunca interrupta paz, júbilo eterno!
Nós ao menos aqui seremos livres,
Salve, perene horror! Inferno, salve!
Deus o Inferno não fez para invejá-lo;
Recebe o novo rei cujo intelecto
Não quererá daqui lançar-nos fora:
Mudar não podem tempos, nem lugares;
Poderemos aqui reinar seguros.
Nesse intelecto seu, todo ele existe;
Reinar é o alvo da ambição mais nobre,
Nesse intelecto seu, ele até pode
Inda que seja no profundo Inferno:
Do Inferno Céu fazer, do Céu Inferno.
Reinar no Inferno preferir nos cumpre
Que importa onde eu esteja, se eu o mesmo
À vileza de ser no Céu escravos.*
Sempre serei, — e quanto posso, tudo?...
*MILTON, J. Paraíso Perdido. Trad. António J. L. Leitão. Rio de Janeiro: W.M. Jacksom, 1964. p.22-3.
221
SCHILLER, 1997, p.183.
102
CAPÍTULO 3 – O SUBLIME E A FUNDAMENTAÇÃO ESTÉTICA DO TEATRO
O que pensas pertence a todos. Somente é
teu o que sentes.
Friedrich Schiller.
3.1 - O MOMENTO KANTIANO DA NOSSA DISCUSSÃO
Ancorados no que arrolamos acerca da estética kantiana, podemos afirmar
que a arte pode suscitar no sujeito uma experiência estética diante do belo,
possibilitando um juízo de beleza
222
. Mas, por outro lado, duas indagações tornam-
se inevitáveis: pode a arte conduzir o sujeito da contemplação a uma experiência
estética de sublimidade? Pode a arte ser sublime?
Talvez, ao empregarmos os escritos estéticos kantianos acerca do sublime
com o propósito de respondermos afirmativamente à questão colocada acima,
estaríamos fazendo o que Schaeffer chama de “teoria especulativa da arte”
223
.
Todavia, vemos uma possibilidade de resposta positiva para as questões acima
colocadas, se levarmos em conta dois pontos: 1) quando examinamos a
argumentação kantiana presente na CFJ, aparecem indícios que podem legitimar
uma tentativa de interpretação que colocaria o sublime para além das fronteiras da
natureza. 2) É certo que a CFJ traz em seu bojo, potenciais teóricos que nos
auxiliam e nos ajudam a esclarecer o que ocorre com a arte, mas tais potenciais
necessitam ser mapeados e não podem ser aplicados por mera transposição, mas,
acreditamos que podem ser aplicados por aproximação, por analogia.
Já observamos que Kant se serve de alguns exemplos de objetos naturais
sublimes e postula que, na arte, o sublime está “... sempre limitado às condições da
concordância com a natureza”
224
. Porém, ao se referir ao modo como a poesia pode
222
Para REGO (2000, p.328) “... o verdadeiro objeto do juízo de gosto (diríamos mais prudentemente,
‘aquilo’ que consideramos belo) não é o objeto que conceituamos quando temos que atribuir a algo o
predicado da beleza. (...) Algo é belo somente à medida que é ‘reconhecido’ por conceito nenhum, mas
pela pura faculdade do juízo, vale dizer, indeterminadamente pelas condições formais do uso da
Urteilskraft para um conhecimento, e assume a forma de quem assim reconhece”.
223
SCHAEFFER apud LIMA, In: Pandemonium Germanicum, 2004, p.75.
224
KANT, 1993, p.90.
103
descrever a eternidade, Kant emprega a expressão “terrivelmente sublime”
225
. Tal
expressão, presente na CRP, constitui um dos indícios ao qual nos referimos
anteriormente. Na CFJ, Kant explicita um tanto mais a discussão quando coloca:
Assim diz, por exemplo, um certo poeta na descrição de uma bela manhã:
‘Nascia o sol, como a tranqüilidade nasce da virtude.’ A consciência da
virtude, se a gente se põe, mesmo que só em pensamento, no lugar de uma
pessoa virtuosa, difunde no ânimo um grande número de sentimentos
sublimes e tranqüilizantes e uma visão ilimitada de um futuro feliz, que
nenhuma expressão que seja adequada a um conceito determinado alcança
inteiramente.
226
Tais indícios nos permitem pensar que tanto o belo quanto o sublime podem
aparecer na arte como se esta fosse natureza. Por certas características assumidas,
principalmente pela arte moderna e contemporânea, pensamos que esse trânsito
analógico, natureza – arte, realizado pelo sublime, é mais esclarecedor do que as
exigências requeridas para o ajuizamento do belo. Todavia não podemos
desconsiderar a resistente hesitação kantiana em fornecer exemplos de obras
artísticas sublimes. Talvez o motivo de tal hesitação esteja ancorado na dificuldade
de um produto humano ser compatível com as exigências do ajuizamento estético.
Ora, não podemos esquecer que a arte é fruto da razão humana e, enquanto tal,
seja ela bela, seja ela sublime, tal produto pode estar contaminado por
determinações finalísticas.
Kant evita apresentar a arte e a finalidade natural como exemplos do
sublime, pois nesses casos, o ajuizamento incluiria conceitos de finalidade do objeto
em questão, o que causaria uma contradição ao caráter contestatório inerente do
sublime. No entanto, não podemos encarar a arte como sempre contaminada por
determinações finalisticas. A intuição kantiana de um ‘desinteresse interessado’ ou
‘interesse desinteressado’ como característica primordial do prazer estético é
aplicável à experiência com a arte, pois é fato que somente a postura
desinteressada por parte do sujeito da contemplação é capaz de desvincular o
objeto do juízo estético de fins. Portanto, se encararmos a arte por aquele viés, fica
difícil a existência de um prazer puramente desinteressado por parte do sujeito, pois
este, certamente, buscará aquilo que o artista quis dizer com a obra. Todavia,
225
KANT, 2002, p.462.
226
KANT, 1993, p.161-2.
104
saberia o artista, o criador da obra de arte, explicar pormenorizadamente o que ele
quis dizer ao conceber uma determinada obra? Poderia ele dizer como ou por que
surgem suas ‘idéias ricas de fantasia’? Também não podemos nos esquecer de que
existem finalidades, e estas podem ser facilmente subvertidas, principalmente
quando falamos de artes modernas e contemporâneas.
Sabemos que no tempo de Kant era mais complicado servir-se de obras de
arte para discutir os ajuizamentos acerca do sublime, pois a arte era, em geral,
figurativa. Assim não é nada difícil perceber que são demasiadamente precárias as
condições para uma obra de arte figurativa ser ajuizada como sendo sublime. E
também não podemos nos furtar ao fato de que existe uma grande diferença entre
as obras de arte utilizadas para exemplificar ajuizamentos de beleza e sublimidade
de outras que não prestam para tal exemplificação. No objeto artístico, a
conformidade a fins presente nele, não obstante ser este sem fim, é compatível com
o jogo livre das faculdades do conhecimento e, deste modo, a conformidade a fins
sem fim, conecta-se com o ato da cognição. No sublime, a conformidade a fins
resiste à expectativa finalística da cognição.
O caráter de resistência do sentimento estético de sublimidade é suficiente
para fazer emergir os paradoxos que envolvem a produção de uma arte que busca
criar a ilusão do sublime, ao transportar para dentro dela uma imagem da natureza.
Ora, uma representação de algo infinito não é, propriamente, algo infinito. O
sentimento estético de sublimidade na arte figurativa deveria estar configurado como
sendo, simultaneamente, conforme a fins, resistente à conformidade a fins e mostrar
uma ilusão propositalmente criada. Essa configuração, notoriamente paradoxal,
explica por que Kant não encontra muitas obras de arte adequadas para servirem de
exemplo para a sua exposição do sublime. O modo para uma aproximação da arte
com o sentimento estético de sublimidade pode dar-se quando a pensarmos fora do
campo da simulação da natureza e quando esta se apresentar como infinita, pois a
arte não é sublime porque seu tema é algo sublime, mas pode ser sublime porque é
uma unidade de forma e conteúdo capaz de conduzir o sujeito da contemplação a
uma experiência estética de sublimidade.
É interessante notar que no último parágrafo da “Analítica do Belo”, Kant põe
em relevo as “... vistas belas sobre objetos”
227
quando estes, em razão do
227
KANT, 1993, p.89.
105
distanciamento, não podem mais ser distinguidos nitidamente. Essas aparências das
coisas que as remetem ao não-nítido e porque não dizer ao informe, como por
exemplo, o caso das “... figuras mutáveis de um fogo de lareira”
228
ou “... um riacho
murmurejante”
229
já não nos fornecem uma idéia de algo que está fora do campo da
simulação da natureza?
Lyotard colocou a experiência plástica no centro de suas reflexões acerca
das artes moderna e contemporânea. Para o autor em questão, as artes moderna e
contemporânea, especialmente a pintura, é um “... desmentido à posição do
discurso”
230
, ou seja, o visível que resiste e excede ao discurso. No sublime o que
ocorre é “... uma apresentação negativa — ou um fracasso na tentativa de
representar o absoluto”
231
. Esse viés conduz o autor a entender as artes moderna e
contemporânea como livres dos preconceitos do senso comum perceptivos. Assim,
livre, a arte pode aventurar em um campo isento do jugo de toda a representação
empírica, para assim, apresentar o inapresentável, posto que a arte fica
independente dos grilhões que a prende ao que é natureza e assume-se como
simulacro e parte, como o sublime de Kant, para um lugar estranho ao visível e à
sua figurabilidade.
Lyotard pensa o sublime como um modo de sensibilidade artística que
caracteriza a arte moderna
232
. O sujeito, na experiência estética de sublimidade é
reenviado à sua liberdade sem fundo e o passaporte para esta viagem está na “arte
sublime”
233
que evita a representação, atendo-se à alusão, ao inapresentável por
apresentações visíveis, isto é, o inapresentável que vem para a apresentação, até
porque, “... a arte deve-se a uma disposição de receber o material das sensações, o
estar-aí mais do que há aí”
234
. A pintura, por exemplo, “... presentificará (...) alguma
228
KANT, 1993, p.89.
229
Id.
230
LYOTARD Apud BRUM, In: CERÓN, 1999, p.63.
231
Id.
232
Em outra obra, Lyotard define a arte moderna como aquela arte que “... presentifica o que há de
impresentificável”, ou seja, aquela arte que mostra que “... há algo que se pode conceber e que não se
pode ver nem fazer ver. No entanto, podemos perguntar ao autor: mas como ver algo que não pode
ser visto? Lyotard responde dizendo que o próprio Kant indica a direção a seguir, nomeando “o
informe, a ausência de forma, um indício possível do impresentificável”. LYOTARD, 1993. p.127.
233
LYOTARD, 1993. p.127.
234
LYOTARD, 2000, p.37.
106
coisa, mas de um modo negativo”
235
, evitando a figuração ou a representação. Será
“... branca como um quadro de Malévitch”
236
. Assim sendo, só deixará ver
“... proibindo que se veja” e “... só dará prazer mediante a dor”
237
.
Parece-nos que os artistas, desde que o belo foi inflacionado por uma
indústria inteira, sentem-se impelidos a produzir o que em Kant se assemelha ao
sublime, ou seja, aquilo que é avassalador, seja na natureza, seja na sociedade, do
qual não estamos nem física, tampouco psicologicamente à altura, mas ao qual
resistimos, de certo modo, quando tentamos captá-lo em uma configuração
estética
238
.
Considerando o grau de desenvolvimento das artes em seu tempo, o filósofo
de Königsberg dá mostras de que essa expressão humana pode propiciar ao sujeito
da contemplação uma experiência estética de sublimidade. Não obstante, nem todos
os gêneros da arte do sec. XVIII são meras imitações do mundo físico e, como
podemos aprender pelo método transcendental que sustenta a CFJ, a questão
principal é o modo de como o sujeito da contemplação é afetado e não a
representação em si. Assim, para Kant, é a poesia que ocupa o lugar mais
destacado quanto ao valor estético, já que ela é a arte capaz de “... executar um
jogo livre da faculdade da imaginação como um ofício do entendimento”
239
. Ela
ocupa tal posição por fortalecer e alargar a mente. Mas como pode a poesia
fortalecer e alargar a mente? A poesia fortalece enquanto permite sentir sua
faculdade como independente das determinações naturais, alarga, por colocar em
liberdade a imaginação e oferece,
... dentro dos limites de um conceito dado sob a multiplicidade ilimitada de
formas possíveis concordantes com ele, aquela que conecta a sua
apresentação como uma profusão de pensamentos, à qual nenhuma
expressão lingüística é inteiramente adequada (...)
240
.
235
LYOTARD, 1993a, p.22.
236
Id.
237
Id.
238
É interessante citar uma passagem de LYOTARD (1993a, p.23) que corrobora com tais colocações:
“Os sistemas das razões em nome das quais ou com as quais esta tarefa pode sustentar-se ou
justificar-se merecem uma grande atenção, mas só podem formar-se a partir da vocação para o
sublime, para a legitimar, ou seja, para a mascarar”.
239
KANT, 1993, p.166.
240
Ibid., p.171.
107
É certo que as produções livres da poesia não se restringem a imitar a
natureza, mas produzem aparências e imagens que não podem ser experienciadas
nela. Tais representações podem ser acompanhadas pelo sentimento estético de
sublimidade, como indica Kant, quando esta leva a mente a sentir a habilidade de
utilizar a natureza “... em vista e por assim dizer como esquema do supra-
sensível”
241
.
Não obstante, sendo livres das determinações naturais, as imagens poéticas
precisam ter uma base ancorada na forma da natureza. Para Kant, a poesia joga
com a aparência sem, contudo, enganar, já que ela “... declara sua própria ocupação
como simples jogo, que no entanto, pode ser utilizado conforme a fins pelo
entendimento...”
242
. Contrariamente às artes pictóricas
243
, a poesia poderia
providenciar exemplos didáticos do sublime, uma vez que joga com idéias que
estão para além do mero representar objetos da natureza. Assim a razão que faz
da poesia uma forma de arte que mereça destaque reside no fato de que ela aciona
combinações entre o belo e o sublime e Kant faz uma interessante observação
quando diz que, “... também a apresentação do sublime, na medida em que pertence
à arte bela, pode unificar-se com a beleza em uma tragédia rimada, em um poema
didático, em um oratório; e nessas ligações a arte bela é ainda mais artística”
244
.
Essa colocação, inevitavelmente, nos leva a questionar sobre o significado do termo
‘mais artística’. O que significa este ‘mais artística’ que o sublime aciona na arte
bela? Estamos diante de um desvario causado por uma figura ambivalente. De um
lado, Kant parece referir-se ao caráter moral que deve acompanhar a bela arte e
neste caminho estão os exemplos das poesias por ele citadas, tanto a de Frederico
II
245
, quanto a de Withoff
246
. Ambas combinam beleza com sentimentos nobres,
representando a conduta virtuosa, (passando a impressão de que o termo ‘mais
artístico’ funciona com o up moralizante que a poesia tem no poder de comunicar).
241
KANT, 1993, p.171.
242
Id.
243
Conforme expusemos anteriormente sobre a visão de Lyotard, diferente é o quadro das artes
pictóricas do sec. XX, nas quais sim, o sublime poderia ser uma categoria bastante esclarecedora.
244
KANT, 1993, p.170. Grifos no original.
245
Ibid., p.161.
246
Id.
108
De outro lado, mais cônsono com a idéia do sublime matemático, está o conteúdo da
nota de rodapé 180
247
, da CFJ.
Encontramos, ainda, na CFJ exemplos do sublime na arquitetura e na
música. No caso da música, ressaltamos que nos parágrafos 51 e 53 da referida
obra, nos quais se encontra a classificação oficial da bela arte, a música recebe um
papel ambíguo e, no mínimo, perturbador. De um lado, muito embora fale por meras
sensações, movimenta a mente de modo variado e mais íntimo, o que a aproxima da
poesia. De outro lado, quando ela é ajuizada pela razão, há uma forte depreciação
quanto ao seu valor, sendo este menor que o de qualquer outra das belas artes. A
música, para Kant, joga com as sensações e esse jogo manifesta-se na volatilidade
e na transitoriedade das impressões
248
, tornando difícil para a imaginação lembrar-
se da seqüência dos sons em sua globalidade
249
.
Kant prossegue dizendo, quanto à música, que a esta é inerente certa falta
de urbanidade, isto é, seu efeito, como qualquer barulho, ultrapassa certos limites
para se estender sem controle a quem estiver à volta
250
. A falta de urbanidade,
juntamente com a falta de durabilidade, faz com que a música obtenha uma
avaliação depreciativa na escala cultural, pois esta não convida à reflexão. Assim,
para Kant, se apreciarmos “... o valor das belas artes segundo a cultura que elas
proporcionam ao ânimo e tomar como padrão de medida o alargamento das
faculdades (...), então a música possui entre as belas artes o último lugar”
251
.
Essa abordagem negativa da música não é suficiente para descartar essa
forma artística do horizonte de experiências estéticas ricas, mesmo porque a música
dá a ouvir e a entender, a perceber e a compreender, muito mais do que sons e
notas. Ora, talvez Kant procurou se redimir de sua visão relativa à música, ao
247
Pedimos licença para retomar aqui os dizeres de Kant que foram anteriormente citados: “Talvez
jamais tenha sido dito algo mais sublime do que naquela inscrição sobre o templo de Ísis (a mãe
natureza): ‘Eu sou tudo o que é, o que foi e que será e nenhum mortal descerrou meu véu’. KANT,
1993, p.162.
248
Cf. KANT, 1993, p.173.
249
Em “O mundo como vontade e como representação” (2005, p.336-350, §52.), Schopenhauer
apresenta uma versão diferente para o mesmo tema, constituindo um verdadeiro contraponto.
250
Cf. KANT, 1993, p.173.
251
KANT, 1993, p.174.
109
reconhecer que a divisão e a hierarquização das artes belas é apenas uma “... das
muitas tentativas que ainda se podem e devem empreender”
252
.
Pelo viés kantiano, somos levados a julgar o modo como o objeto nos afeta
durante a experiência estética. Nos seus comentários finais da “Analítica da
faculdade de juízo estética” mostra-nos que a arte representa uma ocasião em que
diversas espécies de julgamento podem aflorar. Se assim for, e acreditamos que
seja, a arte (em amplo aspecto) pode ser ajuizada de diversas maneiras, não sendo
apenas um objeto exclusivo do julgamento estético puro. Ora, um objeto artístico
pode ser ajuizado de diversas maneiras, sem que uma das formas seja
necessariamente rejeitada. Assim, acreditamos que alguns objetos artísticos podem
conduzir o sujeito a uma experiência estética de sublimidade em virtude dos efeitos
que provocam neste. Tal experiência acontece quando estamos diante de um objeto
que é capaz de evocar um sentimento particular que concilia atração e repulsa,
conectado a uma falha cognitiva. Desse modo, não somente a natureza, mas
também a arte é passível de ser experienciada como sublime, quando se mostrar
resistente à aplicação direta de conceitos por parte do conhecimento e,
simultaneamente, nos afetar, produzindo um especial estado anímico.
No entanto, não podemos falar em uma “arte sublime” em sentido estrito. A
arte só será sublime, como vimos, se na verdade a entendermos enquanto um
objeto que seja capaz de suscitar no sujeito da contemplação o sentimento estético
de sublimidade. O sublime não está no objeto artístico, assim como não está na
natureza; está na disposição da mente do sujeito que ajuíza. Então, sobre o assunto
tratado até aqui resta-nos destacar que só podemos encarar a arte como capaz de
suscitar tal experiência só por aproximação, por analogia.
252
Diz KANT (1993, p.166): “O leitor não ajuizará este projeto de uma possível divisão das belas artes
como teoria proposital. Trata-se apenas de uma das muitas tentativas que ainda se podem e devem
empreender”.
110
3.2 - O MOMENTO SCHILLERIANO DA NOSSA DISCUSSÃO
Como vimos anteriormente, a estética schilleriana lança luzes justamente
naquilo que em Kant se encontra nas entrelinhas, ou seja, sobre o papel da
moralidade e a relevância da liberdade. Para Schiller a liberdade e a moral
aparecem, em toda a sua plenitude, via experiência estética de sublimidade, já que
este sentimento nos possibilita a evasão do mundo sensível e nos leva a comprovar
a nossa autonomia moral.
A incursão de Schiller no terreno das especulações estético-filosóficas, não
encontra outra justificativa senão a de buscar a determinação da função e do lugar
das artes nos sistemas sociais, pois Schiller está “... profundamente convencido da
destinação moral do homem, ligado à liberdade e dignidade de sua essência
espiritual”
253
.
Assim, tal qual na “...‘Crítica do juízo’ de Kant, o conceito da
Zweckmaessigkeit’ (adequação a fins, funcionalidade, organização final,
purposiveness’)”
254
desempenhará importante papel em sua teoria, pois tal conceito
parece permitir a Schiller encarar a natureza como uma configuração capaz de ser
concebida como sendo subordinada ao mundo da liberdade.
Schiller traz paulatinamente, pela via da moralidade, o sublime para a arte
bela. Mais especificamente, ele recebe o conceito de sublime kantiano e o utiliza
para fundamentar a compreensão estética que tem acerca do teatro. Mas como se
dá esse processo?
Como já observamos, Kant argumenta ser impossível a existência do
sublime artístico, pois para ele, o sublime está sempre dependente das condições
naturais e nunca da arte. Mas para Schiller, depois de suas investigações sobre o
belo e o seu fundamento objetivo e, também, sobre o sublime, a impossibilidade
deste último ser suscitada pela arte entra em colapso. Colapso graças ao problema
da técnica da beleza e da sublimidade, cuja solução encontrada por Schiller
possibilita o sublime artístico.
253
SCHILLER, 1991a, p.9. Isso faz com que Schiller empenhe “... esforços sempre renovados para
definir, de um modo cada vez mais exato, o sentido e o efeito da arte, do belo, do sublime e do trágico,
para um ser cuja missão mais elevada é ser testemunha da liberdade moral num mundo determinado
por leis da natureza”.
254
Id.
111
Schiller compreende a “técnica” como sendo aquela forma que indica uma
regra ou que permite ser tratada através de uma regra
255
. Assim, somente a forma
técnica de um objeto é que faz com que o entendimento busque o fundamento para
a conseqüência, o determinante para o determinado. A técnica é o fundamento de
representação da liberdade.
Sendo possível conhecer a técnica que cria a aparência da força e de
infinitude e, por conseguinte, a sublimidade prática e teórica, bem como seus
desdobramentos, o artista, então, torna-se capaz de operacionalizar a sublimidade.
Porém, operacionalizar a sublimidade não quer dizer ‘representar’ o sublime na arte,
mas torná-la capaz de suscitar o sublime no sujeito que a contempla.
Consideramos que isso é possível quando se coloca, por exemplo, um
personagem diante de um objeto que aparenta uma força irretorquível ou um objeto
que nos remete a uma representação da infinitude para que lhe atribuamos a idéia
de liberdade. O sublime também pode ser definido como liberdade na aparência,
mas, contrariamente ao belo, esta ‘liberdade na aparência’ surge da aparente
desarmonia pática entre sensibilidade e razão, forma e matéria.
Disso surge uma questão: objetos capazes de suscitar o sublime só podem
ser da natureza? A resposta é negativa e encontra respaldo no fato de que Schiller
também cita exemplos retirados não só da natureza, mas também da história da
humanidade, da arquitetura, da escultura, da literatura, do teatro e da poesia. No
entanto, a questão não está somente no fato do exemplo ser citado, mas também na
questão da técnica, na qual espalda Schiller para poder usar tais exemplos.
Baseado na história, Schiller cita como exemplo Leônidas, Aristides, Sócrates. Da
poesia, o Lúcifer de Paradise Lost. Da escultura, Laocoonte. Do teatro, Coriolano,
Oberão, etc. Da literatura, algumas passagens da Odisséia de Homero.
Com relação a Leônidas e seus trezentos comandados, percebemos que o
gigantesco exército liderado por Xerxes funciona de maneira análoga ao ‘mar
tempestuoso’. Ora, aqueles, nada podem contra os milhares de homens que
compunham o exército persa. No entanto, a inevitável derrota física só lança luzes
na evidente liberdade daqueles bravos combatentes.
E o que podemos dizer quanto a Lúcifer, personagem do célebre “Paradise
Lost” de John Milton? Ora, o mesmo, baseado no fato de que Deus, com Sua
255
Cf. SCHILLER, 2002, p.84.
112
irretorquível força onipresente, tudo pode contra Lúcifer, mas somente no que
circunscreve sua existência, mas contra a sua liberdade Deus nada pode.
Com isso somos levados a pressupor que não só os objetos da natureza
suscitam o sublime, mas também homens, deuses, demônios, anjos, paisagens,
acontecimentos representados. Então, se repetirmos a pergunta que fizemos no
momento kantiano — pode a arte conduzir o sujeito da contemplação a uma
experiência estética de sublimidade? — a resposta pelo viés schilleriano é
inegavelmente afirmativa. Tal resposta está ancorada no fato de que o prazer no
sublime não se circunscreve só a determinados tipos de objetos, mas, na realidade,
está enraizado na índole oriunda da existência e, assim sendo, pode ser extensível à
arte.
É interessante notar que para Schiller, diferentemente do que pensa Kant,
não há hierarquização que se estrutura partindo das artes plásticas para as artes
abstratas. As distinções se estabelecem em função das faculdades da alma sobre as
quais repercute esta ou aquela forma de arte em particular, sem a prevalência de
nenhuma delas. Ora, a música age sobre o sentimento. A obra de arte plástica —
pintura, arquitetura, escultura — age sobre a inteligência. A poesia e o teatro agem
sobre a imaginação. Entretanto, no cumprimento da perspectiva organicista,
promessa de harmonia pessoal, a perfeição para cada arte consistirá em diluir-se
com as outras artes a fim de comover a totalidade das faculdades do homem. Assim,
... em seu enobrecimento supremo, a música tem de tornar-se forma e atuar
sobre nós com o calmo poder da antiguidade; em sua perfeição suprema,
as artes plásticas têm de tornar-se música e comover-nos pela presença
imediata e sensível; em seu desenvolvimento máximo, a poesia [e o teatro]
tem de prender-nos poderosamente, como a arte dos sons, mas ao mesmo
tempo envolver-nos com serena clareza, como as artes plásticas. O estilo
perfeito em cada arte revela-se no fato de que saiba afastar as limitações
específicas da mesma, sem suprimir suas vantagens específicas,
conferindo-lhe um caráter mais universal pela sábia utilização de sua
particularidade.
256
Isso porque, em Schiller, a obra de arte deve ser compreendida como sendo
o signo material que engendra no sujeito da contemplação a experiência da
totalidade, fazendo deste, senhor de sua plena humanidade e de sua perfeição ética,
256
SCHILLER, 1990, p.115.
113
porque na fatura artística está cristalizada a possibilidade de, no homem, se
conformar o espírito à sensibilidade
257
.
É na concordância livre dos elementos da obra de arte, elementos estes que
não estão submetidos a nenhum objetivo que não seja o estético, que se dá a
identificação do sujeito com ele mesmo. Assim, a obra de arte conforma sua
estrutura estética com qualidades sensoriais, toca simultaneamente os sentidos e a
capacidade pensante do sujeito, deixando perceber o equilíbrio harmônico entre a
razão e a sensorialidade que resulta na humanidade plena.
3.2.1 – SCHILLER E O TEATRO
Mesmo que os escritos schillerianos nos levem a entender que Schiller não
aceita uma hierarquização na arte, este privilegia a poesia e, de certa forma,
concede especial relevo ao teatro por considerar que este “... abre um infinito circuito
ao espírito sequioso de atividade, dando sustento a toda faculdade da alma, sem
sobrecarregar a uma única que seja”
258
. Em outras palavras, acreditamos que só
podemos compreender esta ‘atenção especial’ que o teatro recebe por parte de
Schiller se levamos em consideração dois fatores que se dão em simultâneo:
primeiramente, o homem está mais propenso a ser afetado por aquilo que presencia,
portanto, as representações nos afetam imediatamente e, em segundo lugar, há no
teatro uma forma de interação sui generis, já que o palco pressupõe uma atividade
compartilhada, em que existem trocas e influências recíprocas entre seus membros
e a platéia, de uma forma tão pungente, dificilmente encontrada em outras formas de
arte. O que ocorre no palco influencia a platéia ao mesmo tempo em que também é
por esta influenciado. Como espectadores temos o privilégio de presenciarmos os
acontecimentos em seu estado ‘praticamente virginal’ e único.
Outro fator importante que deve ser considerado juntamente com os
anteriores, segundo a visão de Schiller, reside no fato de que o teatro, ao retratar
uma série de situações, tem o poder de educar os homens, pois este constitui-se em
uma “... escola da sapiência prática, um guia para a vida comunitária, uma chave
257
Cf. ANTHONIO E SILVA, 2003, p.151.
258
SCHILLER, 1991a, p.34.
114
infalível para as mais recônditas portas da alma humana”
259
. Schiller nunca perde de
vista que a moral encontra no teatro um importante aliado para seus fins, pois como
dissemos anteriormente, o homem está mais propenso a ser afetado por aquilo que
presencia.
No entender de Schiller, o teatro representa uma valorosa opção, pois ao
mesmo tempo em que livra o homem das paixões, o conduz para um estado
marcado por propósitos mais elevados, ou seja, os fins morais, e tudo isto sob a
roupagem de entretenimento
260
. A proposta teatral, pensada como uma
dramatização de idéias, conta com a existência de um espaço que reúne as
qualidades de ser ao mesmo tempo concreto e lúdico, receptor e transmissor,
incluindo uma das principais necessidades do ser humano: a de criar.
O teatro, desse modo, representa uma importante ferramenta no processo
de formação do homem, pois lida com referências mais verossímeis, já que há no
teatro
... intuição e viva atualidade, onde, em mil evocações inteligíveis e
autênticas, desfilam ante os homens o vício e a virtude, a felicidade e a
desgraça, a tolice e a sabedoria; onde a Providência traz solução aos seus
enigmas, desenredando os nós diante de seus olhos; onde o coração
humano, sob o tormento da paixão, confessa as suas mais sutis emoções;
onde caem todas as máscaras; onde se evaporam todas as maquilagens e
a verdade se mantém incorruptível como no tribunal de Radamanto.
261
Por isso também aquilo que é representado no palco tem o poder de nos
tocar com mais propriedade e profundidade do que pode alcançar a lei e a moral,
pois como dissemos anteriormente, estamos mais propensos a sermos afetados por
aquilo que realmente presenciamos. No entender de Schiller, esta e nem aquela
podem buscar, com êxito, influenciar o ser humano na mesma proporção e eficiência
que o teatro, pois o palco se constitui, por excelência, em um espaço ideal no qual
podem ser representadas e exaltadas as maiores virtudes e também representados
e punidos os mais terríveis vícios, com o fito de entreter o espectador. O teatro deve
ser visto como um forte aliando no empreendimento de formar e de educar
moralmente o homem, com a vantagem de não parecer impositivo, castrador ou
259
SCHILLER, 1991a, p.39.
260
Cf. SCHILLER, 1991a, p.38.
261
SCHILLER, 1991a, p.35.
115
severo. Isso porque a atmosfera cênica seduz de forma quase irresistível o
espectador, não deixando outra alternativa que não seja o desejo voluntário de ser
tão nobre e grande quanto o herói e de conter em si os impulsos torpes do anti-
herói. Desta maneira, podemos perceber que no teatro, por intermédio das
representações, ocorre uma exacerbação das virtudes e, por meio destas, uma
censura aos vícios. O teatro, de modo geral, constitui um espaço potencial no qual o
homem expressa suas tendências pessoais, podendo compartilhar com o outro as
suas experiências e dar vazão ao seu potencial criativo, construindo uma vida
interior e de relacionamentos saudáveis. Esse espaço interativo inclui abertura,
continência e liberdade para o sujeito ser e fazer.
Outra especificidade do teatro se circunscreve ao fato de ele poder afastar
do coração do espectador as fraquezas, resguardando-o de se chafurdar na
imperfeição moral. Isso é possível na medida em que, no palco, seja permitida a
encenação ridicularizada de tais fraquezas. Transformada em piada o que para o
homem poderia significar o caminho da vertiginosa queda moral. Cabe ao teatro nos
advertir com o ridículo das situações, possibilitando-nos o retorno à moralidade e à
grandeza espiritual. Ora,
... só o teatro pode ridicularizar as nossas fraquezas porque poupa a nossa
suscetibilidade e é benevolente para com os estudos dignos de censura.
Sem enrubescer-nos, vemos a nossa máscara tombar de seu espelho e, às
escondidas, agradecemos pela suave advertência.
262
Podemos desse modo perceber que o teatro tem um poder potencial para
educar o sujeito ao mesmo tempo em que mantém seu anonimato, ou seja, sem
expô-lo aos olhos dos outros. As representações cênicas falam diretamente a cada
espectador e as posteriores modificações de conduta empreendidas por elas dão-se
no interior recôndito do sujeito. Dito de outra forma, o teatro invade o sujeito e,
dentro dele, semeia a moralidade, até porque é impossível que, como espectador, o
homem se auto-engane, disfarçando o que em si é apenas erro, imperfeição e
desvio.
E Schiller ainda observa que o alcance moral do teatro é maior, pois mesmo
que a exposição dos vícios, de suas conseqüências e seus horrores não impeçam
completamente sua proliferação, ainda que nem a melhor encenação da mais alta
262
SCHILLER, 1991a, p.39.
116
virtude consiga extirpar o mal, ainda que o teatro não cure todos os males da
sociedade, cabe a ele um papel relevante no que tange a nos fortalecer para
enfrentarmos o dia-a-dia. O palco desnuda os vícios, as intrigas, a falsidade. Os
meandros do mais horrendo comportamento humano são esmiuçados e revolvidos,
oferecendo ao espectador a possibilidade de imunizar-se contra tal comportamento
e, uma vez consciente do funcionamento desta engrenagem, o homem tem a
chance de impedir a sua própria corrupção, pois os vícios já não são mais nenhum
mistério, tampouco armadilhas.
O palco, então, pode capacitar o homem para lidar com as imprevisibilidades
do destino, pois o teatro “... não nos chama a atenção apenas sobre o homem e o
seu caráter humano, mas também sobre destinos, ensinando-nos a excelsa arte de
suportá-los”
263
. Quanto mais somos expostos a toda miríade de sofrimentos
humanos, mais enrijecemos o nosso coração e preparamos o nosso espírito. No
palco temos a chance e o privilégio de reconhecer tudo aquilo com que a vida pode
nos surpreender.
Schiller considera que é a partir do teatro que as pessoas podem ter acesso
ao caminho que as levará ao seu desenvolvimento. É do palco que se podem
esperar as maiores lições. Assim,
... lançando um olhar através do gênero humano, ele compara povo com
povo, século com século, e vê quão escravizada jaz a grande massa da
população, presa a grilhetas de preconceitos e opinião, que eternamente
atuam contra a sua felicidade. Vê que o mais cristalinos raios da verdade
iluminam apenas fracamente uma que outra inteligência, as quais, talvez,
vieram a alcançar o diminuto lucro a troco de toda uma vida.
264
O teatro é, no entender de Schiller, um estudo profundo e constante do
homem, de seus sentimentos, fantasias e aflições. Assim, podemos chamá-lo de
‘arte viva’ no sentido mais lato desta palavra, pois esse se expressa frente a frente
com o público, desprezado qualquer subterfúgio para a sua realização. Nesses
termos, o teatro constitui o
... canal comum em que jorra a luz da sapiência da melhor porção pensante
do povo, sapiência que, a partir daí, se alastra em radiações mais brandas a
263
SCHILLER, 1991a, p.40.
264
Ibid., p.42-3.
117
todo o Estado. Conceitos mais exatos, princípios mais depurados,
sentimentos mais puros, vão, a começar daí, correr em todas as veias do
povo; desaparece a névoa da barbárie e da tenebrosa superstição, a noite
cede lugar à vitoriosa luz.
265
Pelo viés schilleriano, o teatro promove o esclarecimento, na medida em que
apara as arestas e lapida o homem. No palco, o que se fala segue diretamente às
nossas determinações morais, chama a nossa atenção para o nosso interior, incita-
nos à reflexão; encena, diante dos nossos olhos, o mais profundo e recôndito da
condição humana. O melhor disso tudo é que o teatro não constrange nenhuma
faculdade, não nos envergonha diante de nossos semelhantes, não nos entretém a
custos altos. E é por intermédio do entretenimento que podemos assimilar as
inúmeras e infinitas lições que esta forma de arte nos proporciona. O palco não é o
espaço da rigidez e da severidade opressiva, mas o lugar do diálogo e da mais
expressiva sugestão moral e, assim sendo, o teatro ganha uma dimensão especial
por se apresentar como uma arte explícita, mediante da qual o homem depara com
a sua fragilidade e beleza.
O teatro tem potencial para nos tornar conscientes da emaranhada rede de
acontecimentos, sentimentos e sofrimentos e pode nos conduzir a um julgamento
mais justo e mais acertado acerca dos fatos. Na medida em que se revelam as mais
profundas sutilezas, o homem consegue conhecer o homem e isto o ensina a ser
mais tolerante e compassivo. O homem, cujo crime ou infelicidade jamais
compreenderíamos, ganha corpo e deixa de ser apenas o terrível culpado para se
transformar em alguém para cuja história devemos ser compassivos.
Isto posto, é importante salientar, que dentre todos os gêneros que o teatro
abriga, a tragédia é que irá merecer, por parte de Schiller, maior relevo, pois para
ele, esta é uma manifestação artística que imita com destreza as ações que
despertam no homem o sentimento de compaixão
266
. Mediante tal sentimento, a
265
SCHILLER, 1991a, p.43.
266
É interessante ressaltar que nem todas as pessoas estão aptas a serem afetadas pelo sentimento
de ‘compaixão’. Diante de uma cena dolorosa, alguns podem sentir prazer. Todavia, tomamos por
pressuposto que Schiller, ao elaborar suas teorias acerca da tragédia, considerou que a maioria das
pessoas seriam tomadas pelo sentimento compassivo ante uma cena dolorosa. Aliás, tendo em vista o
assunto tratado até aqui, acreditamos que Schiller tenha tido a necessidade de trabalhar com esta
convicção, pois se assim não fosse, seria difícil para ele sustentar alguns pontos do seu conceito de
“sublime patético” e seu ponto de vista acerca da tragédia. Pensamos que a teoria de Umberto Eco
que trata da questão do “leitor Modelo” e do “Autor Modelo” ajude a entender melhor como o conceito
de ‘compaixão’ foi por Schiller estruturado. Trata-se, evidentemente, de uma sugestão, já que a
118
tragédia tornará sensível, ao sujeito, sua independência moral em relação às leis da
natureza, levando-o a perceber a sua total liberdade.
3.2.2 – O PALCO PARA O SUBLIME
Seria exagero dizermos que a estética de Schiller está nitidamente voltada
para o objeto, em especial à arte? A resposta para tal questionamento não pode ser
outra a não ser a afirmativa, principalmente quando consideramos que, para ele, a
culminância da beleza e da sublimidade se dá na bela-arte, em especial, na
tragédia, por intermédio específico do teatro.
Schiller parte do pressuposto de que é “... fenômeno comum em nossa
natureza que o que infunde tristeza, temor e mesmo horror nos atraia com irresistível
magia e que, com igual força, nos sintamos repelidos e atraídos ante cenas de
desespero e horror”
267
. Qual ser humano escapa do ignóbil interesse em voltar os
olhos para apreciar as mais grotescas cenas, mesmo que saibamos que será uma
experiência potencialmente desagradável e impressionante? Ora, não é numerosa a
“... comitiva que acompanha um criminoso ao cenário de seus tormentos”
268
? Uma
tempestade marítima que afunda uma frota inteira de navios não nos deleita, ao
mesmo tempo em que dilacera o nosso coração? O homem sensivelmente lapidado
pode, talvez, não dar vazão a tal impulso, mas também está predisposto a se
deleitar diante do desagradável. O que ocorre é que, ou o sujeito é dominado por
uma intensa compaixão ou ele é regido pelas severas leis do decoro.
Com isso não queremos dizer que somente os sentimentos penosos nos
causem prazer, mas o que de fato ocorre é que eles criam condições reais para
determinadas espécies de entretenimento. Ora,
... caso não houvesse prazer também nas inquietações, na dúvida, no
temor, os jogos de azar passariam a ter muito menos atrativos para nós.
Ninguém jamais se atiraria a perigos com temerária coragem. Nem mesmo
a simpatia pelo sofrimento alheio seria capaz de levar ao máximo deleite,
abordagem de tal teoria fugiria completamente ao escopo deste trabalho. Para quem quiser se
aventurar, vide: ECO, U. Lector in Fábula. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.
267
SCHILLER, 1991a, p.83.
268
Ibid., p.84.
119
precisamente no momento da mais alta ilusão e do mais intenso grau da
identificação.
269
A busca pelo prazer não é, na natureza, uma prioridade e nisto ela se
distingue da arte, porque nesta, o prazer torna-se um fim supremo. Cabe à arte
deleitar o espectador e tudo o mais que ela venha a causar deve se encaixar nesta
primordial tarefa. Assim, por analogia, cabe também à arte não extinguir o prazer
das emoções infelizes. É por meio da arte trágica que ela garante ao homem o
desprazer que nele fará nascer o prazer sublime. Todavia, trata-se de um prazer que
é mais intenso nas pessoas de “índole moral” e atua mais livremente quando estas
aprenderam a subjugar o instinto egoístico
270
.
A arte, no intuito de cumprir seu fim, imita a natureza e concede às suas
condições de entretenimento uma sistematização que lhe permite tornar principal o
que antes era apenas secundário. Schiller pensa que a tragédia acrescentará à sua
imitação da natureza uma espécie de traçado organizacional capaz de unir, para um
mesmo fim, todas as ações que conseguem despertar a paixão compassiva.
Segundo SCHILLER (1991a, p.19), comover-se em “... seu restrito
significado, designa o sentimento misto do (sic!) sofrimento e do (sic!) prazer no
sofrimento”. Ora, assim como no sentimento de sublimidade, a comoção
compreende dois elementos principais: dor e entretenimento. Então, podemos
perceber que tanto no sublime quanto na comoção, o que se tem é uma
inadequação que alicerça a adequação. Parece-nos haver uma inadequação na
organização da natureza quando quem sofre é um sujeito que não está destinado a
sofrer e o padecimento causado pela inadequação é a “... adequação ao todo da
nossa natureza racional”
271
e, na medida em que nos incitar à atividade é adequado
também à sociedade
272
.
A compaixão por aquele que sofre é um sentimento cuja intensidade não
permite nenhum outro sentimento de mesma potência e de natureza distinta. Há
sempre no sujeito um sentimento que prevalece diante do outro. Por isso, a
compaixão pelo sofrimento do outro nos abandonará toda vez que este padecimento
269
SCHILLER, 1991a, p.85-6.
270
Cf. SCHILLER, 1991a, p.88.
271
SCHILLER, 1991a, p.19.
272
Cf. SCHILLER, 1991a, p.19.
120
indignar aquele que sofre. A vítima do sofrimento não pode ter sido ela mesma seu
próprio algoz e uma vez retratada tal situação, surge no espectador um desagrado
relativo à causa da desgraça, impedindo o sentimento de compaixão. Em outras
palavras, jamais nos inspirará compaixão aquele que for culpado de toda desgraça
que recai sobre si mesmo.
O dramaturgo que busca a primazia de sua proposta trágica tem que, em
vista da instalação da mais intensa compaixão no espectador, derivar a desgraça
dos próprios caminhos e descaminhos da vida, de uma sucessão de acontecimentos
que conduzam, à revelia da vontade do culpado, à desgraça. O despertar da
compaixão depende da absoluta inexistência de inadequações morais sem, no
entanto, abrir mão do contra-senso natural que, mediatamente, conduz ao prazer.
Assim,
... a compaixão ascende a um grau bem mais elevado quando tanto quem
sofre como quem causa sofrimento dela se tornam objetos. Isto só pode
acontecer quando este último não desperta nem o nosso ódio nem o nosso
desprezo, senão que, contrariando a sua inclinação, é levado a se tornar o
causador da desgraça.
273
A esse gênero do comovente, Schiller acrescenta um outro, no qual a
desgraça, de modo algum, nasce da inadequação moral. Contrariamente, o autor
refere-se a um gênero que desperta a compaixão a partir de uma desgraça
engendrada pela moralidade. O que pode ser constatado em situações nas quais um
homem pratica uma ação contrária às suas inclinações, impingindo-lhe um
sofrimento por causa de um senso moral. Nesse caso, tão-somente o que o
espectador vê é a nobreza e a grandeza de sentimentos e isto faz com que a sua
compaixão seja impulsionada e intensificada. Mas todo aquele que obedece sem
contestação o destino, sofre uma humilhação que não condiz com os seres livres e
autodeterminados. O sujeito regido pelas determinações morais vê o destino como
harmonicamente organizado e, dentro de tal perspectiva, tudo o que parece
divergente acaba por estimular a razão na busca por uma regra geral que viabilize o
encaixe desta suposta ‘peça’ estranha na engrenagem do destino. A representação
desse sujeito moralmente elevado é responsável pela dissolução do nó que
corresponde à noção de fatalidade e esta noção é incompatível com a liberdade
273
SCHILLER, 1991a, p.93.
121
produzida pela ação moral, pois pressupõe uma passividade que não pode existir
simultaneamente com a autodeterminação.
Assim, a partir desse ponto, Schiller se detém em destacar as condições sob
as quais emerge a compaixão e se origina o prazer sublime. Em primeiro lugar, ele
afirma que quanto maior a intensidade das representações, mais será exigida a
faculdade moral. Todavia Schiller admite que as representações do sofrimento
podem nos chegar por duas vias distintas. No primeiro caso, os sofrimentos são por
nós testemunhados e as representações nos afetam imediatamente. Já no segundo
caso, os sofrimentos podem ser-nos narrados ou descritos. Mas como falamos
anteriormente, somos afetados com muito mais intensidade pela representação,
uma vez que esta fala diretamente à nossa sensibilidade e, deste modo, a
representação constitui-se em um caminho mais curto. Já o sofrimento narrado
transita entre o geral do acontecimento e o específico da situação. Tal oscilação é
suficiente para enfraquecer a impressão e dificultar o seu acesso ao coração. Soma-
se a isso o fato de a narração trazer à tona o estado afetivo do narrador, isto é, o
estado em que a representação o deixou. Outro problema que se apresenta é que a
constante invasão causada pelo estado do narrador pode quebrar a nossa ilusão,
trazendo-nos de volta ao real e inviabilizando a compaixão. Em outras palavras, a
compaixão parece exigir de nós um estado hipnótico, no qual, efetivamente, somos
levados a nos sentir no lugar de quem sofre. O sofrimento narrado jamais
conseguirá preservar esse estado, pois a todo o instante evocará a figura do
narrador que, em contraste com o objeto do sofrimento, nos despertará do estado
hipnótico.
Ora, a origem do prazer na tragédia está no dispositivo originário da mente
do homem, mas de modo algum pode-se afirmar que os afetos desagradáveis
oferecem por si mesmos prazer, mas pode-se investigar as condições que levam a
um tipo específico de satisfação, fato que dificilmente uma pessoa honesta
intelectualmente pode negar
274
.
Como já apontamos, a gratuidade do sofrimento não é o objetivo da arte, no
entanto, este pode funcionar como um meio para que a arte atinja o seu fim. Aqui
está o mote que possibilitará Schiller trazer para dentro da discussão a questão do
phatos”, desenvolvendo assim, seu conceito de sublime patético.
274
Cf. SCHILLER, 1991a, p.83-5.
122
Schiller admite que nada pode ser mais imprescindível para o artista trágico
que o patético, pois assim ele pode estender a representação do sofrimento até o
degrau mais alto, sob a condição de que isto não interfira de modo negativo na
extensão da liberdade moral, nem na obtenção de seu fim último que é o de
despertar o sentimento de compaixão. No caso de não ser efetivamente devastado
por uma lancinante dose de sofrimento, o espectador (ou o herói trágico) abre um
precedente que permite questionar se a sua resistência ao sofrimento decorre de
uma completa ausência de sensibilidade ou, ao contrário, constitui uma ação da
alma moralmente elevada. Sendo capaz de combater o sofrimento e superá-lo, o
homem revela algo positivo em sua essência, ou seja, uma força ativa. Todavia, se o
sofrimento nem chega a tangenciá-lo, é porque existe nele uma carência, ou mesmo
uma falta de condições viáveis às sensações, portanto, algo negativo.
Mas quem acreditar que o melhor caminho para o phatos perpassa a
potência do sensível do afeto cometerá grande erro. Já observamos que a arte
despreza o mero sofrimento, de modo que uma escandalosa exploração dos afetos
que se dirija à nossa sensibilidade jamais terá o poder de nos despertar para o
entretenimento que resulta da arte trágica. Assim, a única maneira de tornar estético
o patético é por intermédio do sublime, sendo que este, na medida em que dialoga
com a autonomia moral do homem, o liberta de qualquer coação natural revelando
sua capacidade de sobrepujá-la.
O sublime só se tornará patético mediante a liberdade moral que expõe um
lancinante sofrimento para despertar a compaixão. Primeiramente, identifica-se algo
patético que depois se transformará em sublime. Disso decorre a conclusão de
Schiller sobre os dois pilares que dão sustentação à tragédia: 1) a exposição da
natureza sofredora e, 2) a exposição da independência moral face o sofrimento. A
tragédia mostra que o homem não possui outra arma contra as adversidades senão
as idéias da razão.
Isso posto, percebemos que é pela via da moral que Schiller traz o sublime
para dentro da arte. No entanto, sua fidelidade a Kant o impede de efetuar a união
entre beleza e sublimidade, “... alertando para a inexponibilidade das idéias racionais
despertadas pela tragédia, mesmo que transfiguradas no pathos de seres sensíveis
que exibem com clareza um sofrer profundo e veemente”
275
. Em outras palavras,
275
BARBOZA, 2005, p.206.
123
apesar do desvio do seu conceito de sublime patético rumo à identidade com o belo
claramente exposto, encenado na tragédia, Schiller ainda permanece no âmbito
kantiano da exposição negativa do supra-sensível. A tragédia, mesmo tornando
visível a sublimidade do herói, não deixa visível o sublime em sentido estrito.
Entretanto, Schiller admitirá uma exposição indireta do supra-sensível e, deste
modo, a tragédia pode ser tomada por ele como essencialmente sublime. Assim,
não podemos falar que a tragédia seja uma ‘arte sublime’, mas ela está plenamente
apta a suscitar no espectador tal sentimento.
124
CONCLUSÃO
“Nenhum sacrifício do intelecto poderia
satisfazer as exigências insaciáveis da
pobreza de espírito.”
Theodor Adorno.
Constatamos que a estética schilleriana está voltada para o objeto, em
especial para a arte. Ainda que os seus estudos nos levem a entender que Schiller
não aceita uma hierarquização na arte, este privilegia a poesia e, de certa forma,
concede especial atenção ao teatro. Para o autor em questão, o “... teatro é a
instituição em que o entretenimento se conjuga ao ensinamento, o sossego ao
esforço, o passatempo à educação”
276
e ainda, acredita que o teatro constitui uma
ferramenta importante na formação do homem, já que lida com referenciais mais
verossímeis.
Só poderemos compreender a ‘importância’ que o teatro recebe por parte de
Schiller, quando considerarmos que, de um lado, estamos mais propensos a sermos
afetados por aquilo a que presenciamos e, por outro, pelo fato de que, no teatro, há
uma forma de interação sui generis, dificilmente encontrada em outras formas de
arte, já que o palco pressupõe uma atividade compartilhada, em que existem trocas
e influências recíprocas entre os atores e a platéia. O que acontece no palco
influencia a platéia ao mesmo tempo em que esse sofre a influência desta.
As artes performativas gozam da característica única de reunir pessoas em
um lugar público para responderem em conjunto a uma experiência artística, quer
seja assistir a uma peça, a um espetáculo de dança ou ouvir a execução de uma
sinfonia. E pelo fato de o teatro fazer uso das palavras e da expressão corporal, a
comunicação pode ser bastante específica e desafiadora. No palco, os atores
representam diretamente ao público e, assim, os sentimentos e as idéias são
expressos em tempo real aos espectadores. O cinema, que talvez seja o que mais
se aproxima do teatro em termos de recepção, oferece uma experiência muito mais
passiva, privada e interior.
276
SCHILLER, 1991a, p. 46.
125
Assim como o público que está no teatro não consegue evitar assumir um
papel comum, também o processo de criação artística no teatro é um processo de
partilha. Um romance, um poema ou um quadro estão completos no momento em
que saem da mão do criador, todavia o texto no palco é apenas o primeiro passo
num processo complexo que incluirá atores, diretores, figurinistas, roteiristas,
iluminadores, sonoplastas, dentre outros. Todos devem contribuir com a sua
criatividade, com sua performance e com sua técnica para atingir um resultado final
satisfatório. O teatro, dessa forma, depende da superação, pois de um lado, os
atores têm de superar a sua própria individualidade para poderem assumir o papel
de um estranho; por outro lado, o público tem de se libertar das suas preocupações
individuais para se envolver com o que acontece no palco.
Todavia, uma leitura muito apressada dos estudos schillerianos pode nos
levar a crer que qualquer coisa que se faça no palco tem aquele poder
‘transformador’ tal qual tratamos, mas não é bem isto. Devemos atentar para o fato
de que, dentre todos os gêneros que o teatro abriga, a tragédia é que irá merecer
uma atenção especial por parte de Schiller, pois ele pressupõe que, sendo o
principal papel da arte a exibição do supra-sensível, é sobretudo a tragédia que
melhor o realiza
277
. Mais especificamente, a tragédia é uma manifestação artística
que imita com destreza as ações que despertam no homem o sofrimento, com a
intenção de suscitar o sentimento de compaixão e, mediante tal sentimento, ela
torna sensível, ao sujeito, sua independência moral em relação às leis da natureza,
levando-o a perceber a sua total liberdade.
Então, segundo o pensamento schilleriano, podemos concluir que a tragédia
nos apresenta sensivelmente o supra-sensível. Porém como é possível essa
apresentação sensível do supra-sensível? Se à tragédia cabe apresentar
sensivelmente o supra-sensível (a faculdade autônoma supra-sensível, a liberdade),
esta o fará por meio da apresentação do sofrimento dos personagens. É somente
através da apresentação da natureza sofredora que se chega à apresentação da
liberdade moral. Todavia, a apresentação do sofrimento não é o objetivo da tragédia
(tampouco da arte), mas somente um meio para atingir o seu fim. Entretanto, isso
não significa que somente os afetos que causam sofrimento sejam o tema mais caro
à tragédia, ao procurar atingir seu fim. Somente quando a apresentação dos
277
Cf. SHILLER, 1997, p. 222.
126
sentimentos humanos for executada em função da apresentação da resistência
moral ao sofrimento e com o intuito de despertar a compaixão é que esta interessará
à tragédia.
A liberdade do ser humano — o poder moral, seu aspecto supra-sensível —
manifesta-se na resistência ao sofrimento, no fato de suportá-lo e no sentimento de
compaixão que é despertado com a intensidade conveniente. O supra-sensível é a
resistência moral ao sofrimento ou aos afetos, às paixões, que a tragédia apresenta
ou representa. Só se pode conhecer o supra-sensível pela resistência que ele
manifesta à violência dos sentimentos. A parte sensível do homem tem de sofrer
intensamente para que sua parte racional possa manifestar sua independência via o
sentimento da compaixão. E vale dizer, quanto mais forte o sofrimento, mais forte
será a manifestação da autonomia moral do homem.
O pensamento schilleriano acerca da tragédia se assenta na idéia de que a
representação de um sentimento de dor pode deleitar. A causa desse deleite está na
superioridade da vontade em relação aos impulsos que possibilitam ao sujeito
manter completa liberdade diante do impulso sensível, permitindo-o superar a dor.
O interesse de Schiller na tragédia está voltado para a natureza moral do
homem e é no sublime patético que ele vê o limite máximo da reflexão sobre o
sublime, sobre a compreensão do sentimento do supra-sensível na tragédia
278
.
Schiller recebe o conceito de sublime kantiano e, a seu modo, tenta esgotá-
lo. Para tanto, prefere a distinção entre sublime teórico e sublime prático. Para que
pudesse sustentar seu pensamento de que a culminância da beleza e da
sublimidade se dá na bela-arte, em especial na tragédia, por intermédio específico
do teatro, necessitou alargar tal divisão. Contudo, o que merece atenção não é
propriamente a divisão efetuada por Schiller no conceito kantiano de sublime, mas
sim, a inflexão operada no mesmo. Vimos que no sublime dinâmico de Kant, a
integridade física do sujeito é posta em perigo frente a um grande poder. Todavia, ao
seguir fielmente a indicação kantiana, Schiller concluiu que o sublime prático
(dinâmico), por representar uma ameaça que envolve toda a existência física do
sujeito, é mais decisivo esteticamente que o sublime teórico (matemático), posto que
este envolve tão somente uma grandeza infinita para a faculdade de conhecimento,
sem que haja qualquer ameaça real à vida e esta é uma conclusão a qual Kant não
278
Cf. BARBOZA, 2005, p. 204.
127
chegou. Ora, o sublime dinâmico (prático) atinge a nossa sensibilidade de modo
mais violento que o matemático (teórico), já que a distância entre a sensibilidade e o
supra-sensível é reduzida. Isso faz com que o sujeito reconheça sua liberdade
mental e reaja contra a ameaça que se apresenta, buscando elevar-se por sobre ela.
Assim, a duplicidade de consciência que caracteriza o sublime kantiano se
alocada por Schiller “... na raiz da vida, definindo-a, o que é mais bem traduzido no
sublime prático (...), pois nele a ‘força de vida’ está por completo envolvida e não só
a força de apreensão”
279
.
Se por um lado a grandeza do objeto amplia a nossa esfera de
conhecimento, por outro, o poder prático da nossa força de resistência como seres
racionais nos envia à esfera do supra-sensível, a uma destinação “... de tipo
completamente diferente daquela que a violência da natureza poderia destruir”
280
.
Assim, pode-se dizer que aqui é a idéia de imortalidade da alma que fundamenta o
sublime dinâmico schilleriano. É pelo substrato supra-sensível da nossa mente que
podemos experimentar nossa indestrutível superioridade, o que nos permite
comprovar a nossa independência diante da natureza, como se (e aqui Schiller
visualiza a tragédia) nos elevássemos “... por ‘sobre o destino, por sobre qualquer
acaso, por sobre toda a necessidade natural’, sentindo-nos sublimes”
281
.
Outro ponto que merece ser destacado é que a inflexão de Schiller no
conceito kantiano de sublime o levou a acrescentar uma subdivisão interna ao
sublime prático: o “sublime contemplativo do poder” e o “sublime patético”. Todavia,
o verdadeiro interesse de Schiller estava no sublime prático, posto que é nele que a
atitude moral melhor se manifesta. Schiller parte da idéia de que o sentimento de
sublimidade é provocado por um objeto atemorizador, pavoroso, cuja representação
leva a nossa natureza sensível a sentir a sua impotência, pelo fato de colocar em
perigo nosso impulso de conservação. Contudo, não basta temor ou pavor para
haver sublime patético. É necessário que o objeto pavoroso leve a nossa natureza
racional a sentir a sua superioridade, ou seja, a reconhecer a sua capacidade de
resistência moral, sua liberdade em relação a limites. Diante de um objeto sublime,
não temos nenhuma segurança física, mas conseguimos nos elevar moralmente
279
BARBOZA, 2005, p.201.
280
Id.
281
Id.
128
acima dele, dada a nossa segurança moral. Para que possa haver sublime é
necessário, por um lado, o sofrimento e, por outro, resistência e elevação moral ao
sofrimento
282
.
Ao presenciarmos uma cena dolorosa quando nos encontramos em
segurança, apesar de dolorosa, ela nos desperta um estranho prazer, cuja origem a
teoria do sublime kantiano já sinalizara quando Kant destacou a natureza dúplice do
homem, ou seja, o homem como capaz de sentir, diante da sublimidade, desprazer e
prazer em um só lance. No entanto, o viés schilleriano demonstrou que o
fundamento desse prazer se radica na índole moral do sujeito, permitindo-lhe
compreender, graças aos eventos e relatos que a tragédia expõe, a representação
do aspecto puramente moral da existência.
Assim pensamos ser o teatro o porto seguro que permite ao espectador
formular o juízo estético de sublimidade, pois nesse espaço, o objeto aterrador não
pode exercer seu poder sobre ele. No teatro, o sujeito encontra-se seguro em
relação à apresentação do objeto sublime. Nesse sentido, Schiller pensa que o
teatro pode nos preparar para lidar com o sofrimento, pois a visão da resistência
moral dos heróis trágicos, transformando o pavoroso em sublime, pode nos ensinar
a suportar o sofrimento sem que a ele nos entreguemos.
Segundo SCHILLER (1991a, p.19), comover-se em seu restrito significado,
designa o sentimento misto de sofrimento e de prazer no sofrimento. Ora, assim
como no sentimento de sublimidade, a comoção compreende dois elementos
principais: dor e entretenimento. Então, podemos perceber que tanto no sublime
quanto na comoção, o que se tem é uma inadequação que alicerça a adequação.
Parece-nos haver uma inadequação na organização da natureza quando quem sofre
é um sujeito que não está destinado a sofrer e o padecimento causado pela
inadequação é, na verdade, a adequação ao todo da nossa natureza racional e, na
medida em que nos incitar à atividade é também adequado à sociedade.
Observamos, assim, que o sublime torna-se patético mediante a liberdade
moral que exibe um lancinante sofrimento a despertar compaixão, acompanhada da
reação, da resistência contra ele. Primeiramente, o sujeito da contemplação
identifica algo patético que depois se transforma em sublimidade da resistência
moral. Disso surge a conclusão schilleriana a respeito dos dois pilares que
282
Cf. BARBOZA, 2005, p. 206 e MACHADO, 2006, p. 70.
129
sustentam a tragédia: 1) a exposição da natureza sofredora; 2) a exposição da
independência moral frente a este sofrimento
283
.
A originalidade de Schiller reside no fato de que ele, antes de mais ninguém,
apreendeu a possibilidade de interpretar a tragédia, que até então era determinada
pela “Poética” de Aristóteles, por intermédio da teoria kantiana do sublime. Para
tanto, ele recebe o conceito de sublime kantiano e a seu modo o aprimora. Tal
aperfeiçoamento permite-lhe deslocar o sublime, que em Kant se assenta no
privilégio da natureza, para o domínio da arte, via moralidade. Todavia, ao querer
permanecer fiel ao filósofo de Königsberg, “... obsta a si mesmo a indiferença total
entre belo e sublime, alertando para a inexponibilidade das idéias racionais
despertadas pela tragédia”
284
, ainda que transfiguradas no sofrimento de seres
sensíveis que mostram com clareza um sofrer veemente e profundo. A tragédia,
apesar de expor a sublimidade do herói, não expõe o sublime estritamente. Ora, não
é o herói e tampouco suas ações que são sublimes, “... mas a mentalidade que ele
sinaliza, ou seja, o jogo entre sensibilidade acuada e razão triunfante”
285
. Assim,
Schiller não admite que a tragédia seja essencialmente bela, mas sim, sublime.
Todavia, ainda nos resta uma questão: Schiller já não estaria sendo infiel a Kant ao
deslocar o sublime do âmbito da natureza para a arte? Parece-nos que sim.
Disso tudo, concluímos que o sublime schilleriano só pode ser compreendido
pelo viés do simbólico, ainda que, segundo o pensamento de Schiller, o que pode
ser contemplado na experiência estética diante do sublime é uma exposição do
supra-sensível. Tal exposição nada mais oferece que uma visão distorcida deste,
dada à inexponibilidade das ‘idéias racionais’ das quais ele fala. Sendo ‘idéias
racionais’, nenhuma intuição lhes é adequada, portanto, são indemonstráveis.
Assim, Schiller, mesmo operacionalizando seu conceito de sublime patético, rumo à
identidade com o belo exposto pela tragédia, retorna para a exposição negativa do
supra-sensível. Com isso, ele mantém a transição entre o belo e o sublime, tal qual
em Kant, ao invés de seguir em direção ao horizonte, o qual foi o primeiro a
vislumbrar, ou seja, a união entre o belo e o sublime.
283
Cf. SCHILLER, 1997, p. 160.
284
BARBOZA, 2005, p. 206. Grifos no original.
285
Ibid., p. 206-7.
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