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Com a intenção de ilustrar suas proposições, Schiller cita como exemplo a
escultura do ‘grupo de Laocoonte’
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, pois pressupõe ser esta, em certa medida,
uma produção no domínio do patético. Para tanto, ele cita Winckelmann:
... Laocoonte (...) é uma natureza em dor suprema, feita à imagem de um
homem que procura juntar a energia consciente do espírito contra a mesma;
e ao mesmo tempo que o seu sofrimento dilata os músculos e contrai os
nervos, o espírito armado de energia surge na fonte alargada, e o peito
ergue-se pela respiração refreada e pela contenção da sensação expressa,
para captar e encerrar em si a dor. O suspirar angustiado, que ele arrasta
consigo e que é provocado pela respiração, esgota a parte inferior do corpo
e torna ocas as partes laterais, o que de certo modo nos leva a ajuizar o
movimento das suas vísceras. O seu próprio sofrimento parece porém
amedrontrá-lo menos do que as penas dos seus filhos, que gritam por
socorro de rosto voltado para o pai; pois o coração paterno revela-se nos
olhos melancólicos, e a compaixão parece nadar nos mesmos, numa
atmosfera perturbada. O seu rosto exprime a lamentação, mas não o grito,
os seus olhos estão voltados para o socorro que vem de cima. A boca está
cheia de melancolia e o lábio inferior inclina-se ao peso da mesma; mas no
lábio superior, puxado para cima, a mesma mistura-se com a dor, que sobe
pelo nariz com uma agitação de desagrado, como se reagisse contra um
sofrimento imerecido e indigno, fazendo dilatar o nariz e revelando-se nas
narinas ampliadas e repuxadas para cima. Por debaixo da fronte, o combate
entre dor e resistência, como se estes estivessem unidos num ponto,
encontra-se representado com grande verdade; pois ao mesmo tempo que
a dor empurra as sobrancelhas para cima, o combate à mesma pressiona
para baixo a carne da cavidade ocular contra a pálpebra superior, de modo
a deixá-la quase completamente coberta pela carne que sobre ela se
estende. Não tendo podido embelezar a natureza, o artista procurou mostrá-
la de maneira mais desenvolvida, esforçada e poderosa; aí onde reside a
maior dor mostra-se também a maior beleza. O lado esquerdo, no qual a
serpente verte o seu veneno com a dentada raivosa, é o que parece sofrer
mais intensamente, pela proximidade do coração. As pernas querem
pressuponha uma liberdade da vontade; mas por domínio da humanidade [entendo] aqueles que
recebem as suas leis da liberdade. Ora se numa apresentação falta o afeto no domínio da
animalidade, a mesma deixa-nos frios; se, pelo contrário, ele reina no domínio da humanidade, ela
repugna-nos e indigna-nos. No domínio da animalidade, o afeto tem de permanecer sempre insolúvel,
de outra maneira falta o elemento patético; só no domínio da humanidade é que se pode encontrar a
dissolução. Uma pessoa que sofre, representada em lamentos e choros, comover-nos-á por isso
apenas fracamente, pois os lamentos e choros já dissolvem a dor no domínio da animalidade. Muito
mais forte é a maneira como somos arrebatados pela dor obstinada e muda, numa situação em que
não encontramos qualquer ajuda na natureza, tendo de buscar refúgio em algo que se encontra fora
da natureza; e é precisamente nessa referência ao que é supra-sensível que reside o pathos e a força
trágica”.
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Segundo o Dicionário de Mitologia Grego-Romana (1976, p.106.), o ‘grupo de Laocoonte’ é uma
em (também conhecida como Laocoonte e seus filhos), hoje exposta no
. A estátua representa e seus dois filhos, Antiphantes e Thymbraeus, sendo
estrangulados por duas marinhas. Trata-se de um episódio dramático da
relatado em de e em de . Laocoonte, um sacerdote de , foi o único
que pressentiu o perigo que o representava para a cidade e protestou contra a idéia de
o levar para dentro das muralhas. Segundo a lenda, , um deus que favorecia os gregos,
enviou, então, duas serpentes para calar a voz da oposição. O cavalo acabou por ser levado para
dentro de Tróia e as conseqüências trágicas nós as conhecemos.
escultura mármore Museu do
Vaticano
Laocoonte
serpentes Guerra de Tróia
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cavalo de Tróia
Poseidon