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A ARGUMENTAÇÃO E A MUDANÇA DE PRENOME DE TRANSEXUAL NA JURISPRUÊNCIA
SÃO CARLOS
2008
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A ARGUMENTAÇÃO E A MUDANÇA DE PRENOME DE TRANSEXUAL NA JURISPRUDÊNCIA
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUA
Ç
ÃO EM LINGÜÍSTICA
A ARGUMENTAÇÃO E A MUDANÇA DE PRENOME DE TRANSEXUAL NA JURISPRUDÊNCIA
FÁTIMA CATARINA FERNANDES
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Lingüística da Universidade
federal de Sâo Carlos, como parte dos requisitos
para a obtenção do Título de Mestre em
Lingüística.
Orientador: Profa. Dra. Soeli Maria Schreiber da
Silva
São Carlos, São Paulo, Brasil
2008
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
F363am
Fernandes, Fátima Catarina.
A argumentação e a mudança de prenome de transexual
na jurisprudência / Fátima Catarina Fernandes. -- São
Carlos : UFSCar, 2008.
96 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2008.
1. Semântica argumentativa. 2. Texto jurídico. 3.
Transexuais. 4. Nome. 5. Político. 6. Acontecimento. I.
Título.
CDD: 401.43 (20
a
)
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Soeli Maria Schreiber
Profa. Dra. Carmen Lúcia Hemandes Agustini
Prof. Dr. Luiz Francisco Dias
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4
DEDICATÓRIA
Primeiramente a Deus, luz que incendeia e ilumina meu ser.
À minha mãe, Therezinha da Cruz Fernandes, in memorian, que mesmo na
ausência física tem em minha vida um amor eterno.
Ao meu pai, Pedro Fernandes, por ter me mostrado na sua simplicidade o
respeito e dedicação ao cultivo da terra, influenciando diretamente no meu amor à linguagem,
que emana desse contato.
À ir. Edna, a mãe-preta, como se auto-denomina, pela atual condição de mãe
adotiva, pelos aconselhamentos à continuidade dos sonhos, à vida.
À Soila, querida e amada orientadora, além de amiga, pelas orientações e pela
acolhida em momentos diversificados; exemplo de dedicação à pesquisa.
Ao Prof. Dr. Eduardo Guimarães, meu primeiro mestre de Semântica.
Às amigas Ana Cláudia, Ana Maria, Maria Theresa e Carmen, por sempre
terem me incentivado, estando presentes, ainda que à distância, nos momentos mais difíceis.
Também ao amigo José Claudisbel, igualmente presente em muitos momentos, desde o início
dessa jornada.
5
AGRADECIMENTOS
À família de São Carlos (Ana Cláudia, Terezinha, Lourival, Luiz, Ellem,
Mariana, Juscelino) que sempre cuidou de mim: do aconchego do lar improvisado à palavra
amiga, ao encorajamento.
À Ana Cláudia, que além de ser parte de minha família sãocarlense, não só
esteve antes presente em aulas na Unicamp, mas também com a sua calma e sabedoria sempre
me encorajou nos momentos de grandes inquietações.
À Ana Maria, amiga e irmã de décadas: da inspiração, pranto e riso às grandes
discussões. Também à amiga e madrinha Maria Theresa, pelo seu carinho e por suas preces.
Ao amigo José Claudisbel, por ter participado desde o início dessa minha
jornada no mestrado.
Aos amigos e colegas: Belkis, Lazinha, Roberto, Roberta, Luiz S., Janete
Pellisson, Edith Forte, Jorge, Adriano, Carolina Favarelli, Carolina Fedatto, Ana Paula,
Gabriel, Carolina Machado, Raquel, Fabiana, Geralda, Wadih, Rosislaine, Rachel Segatti,
Alessandra, Claudinei, Dr. Marcos Favarelli, Dra. Fernanda, Luana, Cleide, Sandro, Suellen,
Tadeu, Nicholas, Flávia, Mônica, Fernando Kachan, Antonio Carlos Salvador, Rose
Caramore: cada um ao seu modo e tempo foram e continuam sendo muito especiais. Também
àqueles que não mencionei, devido à limitação do espaço, que não se sintam esquecidos.
Aos meus irmãos: Mário, Belmira, Eunice, Terezinha; aos sobrinhos Karina,
Priscila, Miriam, Helton e Márcio; ao sobrinho-neto Pietro e aos demais familiares, cada um
ao seu modo, e em algum momento, por terem colaborado comigo em algo.
À dirigente Nemésis Divina Brandão Vieira, da Diretoria de Ensino de
Sumaré-SP, e à minha superiora imediata, Maria Forato da Silva, diretora da E. E. Prof.
Antonio Zanluchi, Hortolândia, ambas por sua dedicação e profissionalismo, respeitando as
limitações momentâneas de seus profissionais educadores, bem como dos educandos que
estão sob as suas responsabilidades, priorizando a qualidade da Educação, o que torna-as
reconhecidas em nossa comunidade. Especialmente, à diretora Maria F. , no que diz respeito
ao meu horário de trabalho, de modo que eu pudesse conciliar meus estudos. Também o meu
agradecimento aos vice-diretores José Vidal, Maria Gonzaga e Josiane. E, como não poderia
deixar de mencionar, o meu agradecimento especial à Mariana Araújo, secretária da E. E.
Prof. Antonio Zanluchi, sempre atenta, prestativa, madura. Também aos colegas de trabalho
que sempre foram sinceros e respeitadores para comigo, dentre eles: Advam, Neusa, Célia,
Sandra, Sr. José.
6
Ao Dr. Antônio A. Matos Lima por ser de um profissionalismo admirável e
estar cuidando de minha saúde nessa fase tão importante em minha vida na conclusão do
mestrado. Também ao Dr. Carlos A. B. Scomparin, ao Dr. Edson e à Drª. Cleusa.
Aos professores e funcionários do Departamento de Letras por terem sempre
cumprido com amor e dedicação o seu trabalho, proporcionando–nos um ambiente agradável
de convivência.
Ao prof. Dr. Valdemir Miotello não apenas pelas suas aulas e reflexões
acrescentadas, mas pelas suas sábias palavras e incentivo. Sem dúvida gestos simples, mas
que sempre chegaram em hora certa.
À Nani, secretária do PPGL, por sempre estar empenhada a nos atender com
dedicação e atenção; atenta a detalhes, proporcionando-nos tranqüilidade pelo seu especial
profissionalismo. Também aos secretários Fernando e Fátima, do DL, igualmente atenciosos.
À profª. Dr.ª Gladis M. de Barcellos Almeida, coordenadora do PPGL, sempre
participativa e eficiente, buscando o melhor para o nosso curso.
À profª. Dr.ª Vanice M. O. Sargentini, pelas suas valiosas contribuições no
exame de qualificação e sugestões anteriores nas aulas; também por sua dedicação na primeira
coordenação do PPGL.
Ao prof. Dr. Eduardo R. J. Guimarães, pelas suas contribuições valiosíssimas
no exame de qualificação. Também por ter me permitido o primeiro contato com a Semântica,
em suas aulas na Unicamp e despertado em mim o interesse por desvendar e trilhar essa área.
À profª. Dr.ª Carmen L. H. Agustini, por ter feito parte de alguns momentos
iniciais na descoberta da Semântica. Também por suas sugestões de leitura, mesmo que à
distância, e ainda que o tempo não fosse um aliado e por suas contribuições na banca de
defesa.
Ao prof. Dr. Luiz Francisco Dias, por ter me enviado previamente, antes
mesmo que eu pudesse imaginar que ele estaria em minha banca de defesa, algumas
sugestões de leitura e, especialmente, por suas contribuições enriquecedoras na banca de
defesa.
Ao Prof. Dr. Jean-Jacques Courtine, por ter sido um mestre facilitador,
enviando-me textos de suas Conferências proferidas na UFSCar e Unicamp, em 2006.
Também ao João, editor da Vozes, igualmente atencioso, como o prof. Courtine.
À profª. Dra. Soeli M. Schreiber da Silva (Soila), por ter aceitado ser minha
orientadora e me ensinado nesse ínterim a compreender melhor alguns dos vários passos da
7
produção científica. Palavras são poucas para lhe agradecer e descrever tudo o que fez por
mim nesse percurso.
Ao Dr. Paulo César Scanavez, juiz de direito, por ter contribuído,
solicitamente, com esta pesquisa, disponibilizando os processos que estiveram sob sua
responsabilidade até que eu pudesse optar livremente pelo processo jurídico analisado.
Também à Rosana Scanavez, escrevente do Gabinete da 2ª Vara Cível da Comarca de São
Carlos, sempre simpática e disposta a sanar dúvidas.
À Ângela, em especial, por ter autorizado o emprego dos nomes que constam
no processo jurídico que originou essa pesquisa. Também por ter sido sempre atenciosa, e
compartilhado detalhes importantes sobre a origem da escolha de seu nome.
8
O que é necessário ao ser humano é a gente ser a gente mesmo.
Clarice Lispector
9
RESUMO
A partir da Semântica do Acontecimento e da Análise do Discurso Francesa,
com a qual a primeira dialoga, estudamos como se dá a argumentação no que diz respeito à
mudança de nome próprio de transexual em recortes do locutor-requerente, bem como por
meio da argumentação e da designação que se vale o locutor-juiz para autorizar a mudança de
prenome do transexual. Nesse processo jurídico tramitado no espaço enunciativo de São
Carlos, Estado de São Paulo, o requerente — transexual Agnaldo — solicita a retificação de
seu prenome masculino para o feminino Ângela. Para tal, mobilizamos conceitos como
designação, reescritura, cena enunciativa, político e argumentação. E, a partir dos recortes
analisados, compreendemos como se dá o processo de identificação do transexual e como se
dá a inclusão de tal sujeito no social (o político sendo considerado), pois o sujeito, antes
excluído juridicamente pela sociedade por não ter ainda a legitimação oficial de seu prenome
feminino, é incluído socialmente na/pela sociedade enquanto transexual a partir da mudança
do prenome sentenciada pelo juiz. E o tempo todo há o jogo entre o social e o político, uma
vez que o reconhecimento social precisa ser legitimado juridicamente para o ser
politicamente: a constituição garante o funcionamento político no social. Assim, no político, a
divisão se dá porque o locutor-requerente precisa de um lugar de pertencimento legitimado no
discurso jurídico. Então, compreendemos como o processo de identificação social, aliado ao
discurso científico, que já tem o seu lugar cristalizado, pode contribuir para a mudança de
prenome do transexual na argumentação do locutor-juiz. Assim, podemos dizer que o
acontecimento e o litígio põem em movimento a fala do locutor-requerente no memorável do
convívio social, estético, e da constituição psicológica para mudar de nome, o que o inclui na
identidade de transexual. É sob a perspectiva de uma posição sujeito liberal, na qual o locutor-
juiz sentenciou favoravelmente à legitimação do prenome Ângela, que o locutor-requerente
passou a ter semanticamente um novo corpo. Essa substituição do prenome oficial pelo social
consolidou a criação de uma nova jurisprudência.
Palavras-chave: Semântica; Discurso Jurídico; argumentação; transexual; nome próprio.
10
ABSTRACT
From the perspective of the Semântica do Acontecimento (Semantics of the
Events) and the French Discourse Analysis, which the firs theoretical field dialogues with, we
have studied the way the argument (“argumentação”) for changing a transsexual’s first name
is built through the speaker-petitioner’s own words, as well as through the argument and the
designations used by the speaker-judge in order to authorize
the alteration of a transsexual’s
first name
. In the legal process, proceeded in the enunciation space of São Carlos, state of São
Paulo, the petitioner — transsexual Agnaldo — requests the modification of his masculine
first name into the feminine name Ângela. For that study we have adopted the concepts of
designação (designation) reescritura (re-writing), cena enunciativa (enunciation scene),
politico (politician) and
argumentação (argument). Through the analysis of the corpus we
could understand how the process of conception of the transsexual’s own identity takes place,
and how the process of social inclusion of the transsexual subject occurs (the politician being
considered) for the subject, once socially excluded, is now included for the modification of
the first name sentenced by the judge. There is always the
liaison between the social and the
politician (político), once the social recognition needs to be legally legitimated so that it can
politically happen: the Constitution guarantees the political in the social perspective. Thus, in
the political instance, the fragmentation takes place because the speaker-petitioner needs a
place of belonging (recognition) and this place (recognizing himself as a subject ‘being a
woman’) is legitimated in the juridical discourse. Then, we understand how the process of
social identification, connected with the scientific discourse, which has its own crystallized
place, may contribute to the alteration of the transsexual’s first name in the argumentation of
the speaker-judge. Consequently, we can claim that the event and the litigation make the
speaker-petitioner’s speech move into the memorable (memorável) of the social environment,
of the esthetical perspective and of the psychological constitution in order to change the name
and that inserts him in the identity of a transsexual. And under the perspective of a liberal
subject position, the speaker-judge sentenced favorably for the legitimating of the first name
Ângela, who the speaker-petitioner has semantically a new body. This substitution of the
official first name by the real one consolidated a new jurisprudence.
Key-words: Semantics; Juridical Discourse; argument; transsexual; first name.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 12
1 TRANSEXUAL E RECENTES CONQUISTAS ........................................................................................... 14
2 SEMÂNTICA DO ACONTECIMENTO ....................................................................................................... 22
2.1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS......................................................................................................................... 27
2.2 CENA PÚBLICA, CENA ENUNCIATIVA (DE LITÍGIO), POLÍTICO ........................................................................ 29
2.3 NOMEAÇÃO, DESIGNAÇÃO E REFERÊNCIA ...................................................................................................36
3 JURÍDICO, DISCURSO JURÍDICO E PROCESSOS DE NOMEAÇÃO ................................................. 38
3.1 JURÍDICO E DISCURSO JURÍDICO................................................................................................................... 38
3.2 NOMEAR NO JURÍDICO X NOMEAR COMO PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO ................................................... 39
3. 2. 1 Funcionamento semântico-enunciativo..............................................................................................43
3.3 O NOME PRÓPRIO: DESIGNAÇÃO E SUBJETIVAÇÃO ......................................................................................46
4 A NORMALIZAÇÃO DO ANORMAL X REFLEXÃO SOBRE LEIS DE PAÍSES QUE PERMITEM A
CASTRAÇÃO...................................................................................................................................................... 49
4.1 LEIS DE PAÍSES QUE PERMITEM A CIRURGIA PARA CASTRAÇÃO ....................................................................50
5 DAS ARGUMENTAÇÕES.............................................................................................................................. 55
5.1 DA ARGUMENTAÇÃO DO LOCUTOR-REQUERENTE:........................................................................................ 55
5.2 DA ARGUMENTAÇÃO DO LOCUTOR-JUIZ:...................................................................................................... 57
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................................. 77
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 84
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................................. 90
ANEXO A - DEPOIMENTO DE ÂNGELA L DE A. SOBRE A ORIGEM DA ESCOLHA DE SEU
PRENOME ..........................................................................................................................................................96
12
INTRODUÇÃO
Têm sido divulgadas na mídia algumas decisões jurídicas no Brasil favoráveis
à cirurgia de mudança de sexo de transexual em hospital público e à mudança de nome.
Muitos consideram tratar-se de uma conquista para um grande número de pessoas que vivem
essa realidade.
A partir disso, pensamos a seguinte questão: como é que se dá a argumentação
do locutor-juiz no que diz respeito à mudança de nome próprio do transexual? E, com isso,
como o Estado, através do olhar da sociedade, via argumentação do locutor-juiz e
requerimento do locutor-transexual significa a identificação do transexual
na questão do nome
próprio? O nosso trabalho se relaciona com o nome próprio, na medida em que o nome é parte
da argumentação.
E esse foi o principal questionamento, considerando que a
identificação para
um transexual, nesse caso, tem um litígio estabelecido na nomeação. Assim, movidos por esse
questionamento, e pela relação entre a identificação
do transexual e os direitos na mudança do
nome próprio, trataremos do texto jurídico, a Constituição Federativa do Brasil e a nomeação
no processo de identificação de cada cidadão. No entanto, o social é, também, determinante
no processo de nomeação, conforme abordaremos neste estudo, integrante do grupo de
pesquisas intitulado “A Argumentação no Movimento das Línguas no Espaço de Enunciação
em São Carlos: o político no texto jurídico – diferentes pesquisas na linha da Semântica do
Acontecimento”, da Unidade de Pesquisas em Estudos Históricos Políticos e Sociais da
Linguagem (UEHPOSOL).
Nesse processo jurídico, o requerente, transexual Agnaldo, solicita a retificação
de seu prenome para Ângela, junto ao Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de São
Carlos, que se localiza no espaço enunciativo de São Carlos, Estado de São Paulo, no ano de
2005. Faz-se relevante considerar que nesta solicitação para retificação de prenome do
locutor-requerente, há a especificação de que a retificação deverá ser apenas quanto ao
prenome, mantendo-se o patronímico de família.
Para nossos estudos, baseamo-nos na Semântica do Acontecimento
1
(Guimarães, 2002, 2004), e Análise do Discurso
2
Francesa, com a qual a SA estabelece
1
Doravante SA.
2
AD.
13
diálogos. A presente pesquisa compreende cinco capítulos, apresentados resumidamente a
seguir.
No primeiro capítulo, intitulado “O TRANSEXUAL E RECENTES
CONQUISTAS”, apresentamos uma síntese em relação às conquistas do transexual, tanto no
que se refere à mudança de nome quanto à cirurgia para mudança de sexo.
O capítulo seguinte, intitulado “SEMÂNTICA DO ACONTECIMENTO”,
tratamos de tal teoria formulada por Guimarães (2002, 2004) e é nesse espaço que procuramos
rediscutir as principais questões e conceitos que norteiam nosso trabalho e também refletir
sobre os diálogos que se estabelecem entre a SA e a AD. Também neste capítulo incluímos
uma breve abordagem em relação à Semântica Argumentativa.
No próximo capítulo, intitulado “JURÍDICO, DISCURSO JURÍDICO E
PROCESSOS DE NOMEAÇÃO”, apontamos as definições de discurso jurídico e jurídico, e,
também, procuramos mostrar como se dá o modo de nomear no jurídico e entrecruzar os
estudos de Guimarães (2000, 2002), ao tomar o nome próprio de pessoa como sentido e
acontecimento. É neste momento que retomamos alguns conceitos em relação aos lugares de
enunciação e posição sujeito.
No capítulo “A NORMALIZAÇÃO DO ANORMAL X REFLEXÃO SOBRE
LEIS DE PAÍSES QUE PERMITEM A CASTRAÇÃO”, apresentamos uma breve discussão
quanto ao discurso da “normalização do anormal”, tema que se faz presente a partir de
estudos de Courtine (2005-2006), integrantes da
História do Corpo, seguida de uma reflexão
na qual analisamos leis de países que permitem a cirurgia para castração.
No penúltimo capítulo, cujo título é “DAS ARGUMENTAÇÕES”, passamos
às análises dos recortes
3
, respectivamente, da solicitação do locutor-requerente e da sentença
do locutor-juiz. E, finalmente, postas as nossas análises, apresentamos as
“CONSIDERAÇÕES FINAIS”.
3
Consideramos a noção de recorte apontada em ORLANDI, 1988.
14
1 TRANSEXUAL E RECENTES CONQUISTAS
Atualmente, temos visto circular em nossa sociedade várias conquistas em
relação ao transexual na esfera jurídica, noticiadas na e pela mídia, tanto no que se refere à
sua identificação como em relação à mudança do nome e, também, à mudança de sexo. Para
chegar a essas mudanças, é necessário comprovar, por meio de exames psicológicos, a
contradição entre a identificação sexual e a pertinência de gênero. Para ilustrar essas
conquistas, vale destacar, primeiramente, dois casos ocorridos na Argentina, país onde as leis
permitem esse tipo de operação unicamente quando o interessado, que deve ser maior de 21
anos, obtém uma autorização judicial. O primeiro sentenciado pelo juiz civil José Luis
Tresguerras, em outubro de 2005, autorizou um homem a fazer uma operação para mudança
de sexo e também ordenou que sua identidade fosse modificada nos registros públicos da
Argentina. Trata-se de um pedido que teve intervenção da Corte Suprema para definir a qual
foro judicial competia o seu julgamento, e cuja tramitação foi precedida pela avaliação, do
requerente, por um corpo médico forense que, após uma análise, concluiu que o homem não
era um "alienado mental", e sim um "transexual genuíno". Na sentença, também ficou
determinado que a operação médica deveria ser realizada em um hospital público argentino.
Trata-se de Alejandra Victoria Portatadino
4
.
O segundo caso, o qual aconteceu concomitantemente ao julgamento desse
primeiro
para mudança de sexo , é o do jovem “Nati” (cujo nome de batismo é Marcos,
mas prefere ser chamado de Natália), que vive na região de Vila Dolores, província de
Córdoba. A escolha desse nome, conforme relatado na mídia, foi devido ao fato dele sentir-se
como “uma mulher no corpo de um homem”.
5
Os pais desse jovem de 15 anos pediram
autorização à Justiça Argentina para que seu filho recebesse um tratamento hormonal prévio à
operação de mudança de sexo. O juiz da Vara Comercial e de Família da Província de Vila
Dolores, Rodolfo Alvarez, em outubro de 2007, autorizou a cirurgia para readequação do sexo
de Nati, que deveria ocorrer em dezembro de 2007.
4
Não foi veiculado o nome do transexual na Folha On Line
http://www.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u8859.shtml. Acesso em 19/11/2007). Ver também:
http://ai.eecs.umich.edu/people/conway/TSsuccesses/Alejandra/Alejandra.html, e
http://www.rionegro.com.ar/arch200510/13/v13a01.php. Acesso em 18/11/2007, onde há a identificação do
transexual.
5
Conforme Folha On Line: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u88313.shtml. Acesso em
25/06/2006.
15
Quanto ao Brasil, podemos mencionar uma recente conquista veiculada na
mídia virtual, no primeiro semestre do ano de 2005, em que a 9ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro determinou, por unanimidade, que o Estado custeasse a cirurgia para
mudança de sexo de um portador de transexualismo
6
, a qual deveria ocorrer no estado de São
Paulo, onde há especialistas nessa área da medicina.
Vale destacar também um outro processo tramitado na 8ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul, cuja sentença garantiu ao transexual autor da
ação, o direito de alterar o prenome e o gênero no registro civil. Conforme a sentença
publicada em 18/10/2007, o registro civil não poderá conter “referências à situação anterior
dele”. E segundo o TJ, o autor da ação realizou a cirurgia de redesignação sexual em 2005,
aos 56 anos, após dois anos de tratamento no Protig (Programa de Transtorno de Identidade
de Gênero) do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Conforme veiculado na mídia on line,
um dos argumentos a que chegaram os desembargadores, é que
a única lesão que um terceiro poderia argumentar por se envolver com um transexual
sem conhecimento prévio seria o fato de não poder ter filhos; e que, em um
relacionamento, o sexo anterior do companheiro ou companheira é irrelevante.
(
http://www.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u33046.shtml)
A seguir, procuraremos descrever o transexual a partir de estudos que versam
sobre os tipos de sexualidade.
Assis (2004), em
A problemática do transexualismo, afirma que no
“transexualismo significa que há uma transposição na correlação do sexo anatômico e
psicológico, ou seja, a pessoa tem a convicção de pertencer a um sexo e possuir genitais
opostos ao sexo que psicologicamente se pertence” (ASSIS, 2004, p. 01).
Na introdução de seu artigo, a autora afirma que talvez seja esse – o
transexualismo – um dos temas mais polêmicos na atualidade, quando envolve a possibilidade
de mudança de sexo no registro civil. Ela aponta também que “o tema é encoberto pelo
monstro do preconceito, sem falarmos na esfera religiosa em que alguns se embasam para
continuarem a excluir da sociedade pessoas que não apresentam os padrões sociais exigidos”
(Ibid., p. 01). Vamos procurar, a seguir, explicitar alguns traços do transexual para auxiliar a
análise do processo jurídico.
6
Empregamos essa expressão tal como na matéria intitulada: TJ obriga Rio a pagar cirurgia de mudança de sexo
para transexual. http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u108153.shtml . Acesso em 25/06/2006.
16
C
ristiane Segatto, em “Nasce uma nova mulher – Transexuais saem do
armário e a ciência mostra que a mudança de sexo não é perversão”,
matéria veiculada na
revista Época de 25/11/2002,
afirma que:
todas as variantes da sexualidade humana, nenhuma é tão incompreendida quanto o
transexualismo, a bizarra experiência de nascer com cromossomos, genitais e
hormônios de um sexo - mas ter a convicção íntima de pertencer ao gênero oposto.
Enquanto gays, lésbicas e travestis assumem os órgãos genitais que têm, transexuais
repudiam o que a natureza lhes legou. Vivem um estranhamento em relação ao
próprio corpo que desencadeia tentativas de automutilação e suicídio (SEGATTO,
2002, s. n.º).
Com isso, faz-se pertinente observar que:
O transexual é o indivíduo que se auto-identifica por toda a vida com o sexo oposto;
em nenhuma hipótese admite viver no sexo atribuído ao nascer, situação que deve
ser comprovada e atestada por profissionais da área da sexualidade humana. Luta
tenaz e incessantemente para se ressocializar mediante redesignação cirúrgica
genital e somática. Os primeiros sinais são notados na primeira infância, por meio de
vestimentas, hábitos e maneirismos característicos do sexo oposto manifestados nos
jogos, lazer, esportes etc. Surgem conflitos na família, escola e, posteriormente, na
profissão, trabalho e documentação (JURADO; EPPS-QUAGLIA; INÁCIO, 2001,
p. 1409).
Para esses autores, o transexualismo já não ocupa no Código Internacional de
Doenças o n. 302/2 (“Desvios e transtornos Sexuais”), juntamente com travestidos,
homossexuais, exibicionistas e assemelhados, mas o n.º CID-10, F-64.0 (“Distúrbios de
Identidade de Gênero”). Acrescentam os autores, que é comum a confusão de transexualismo,
homossexualismo e travestismo. Aproveitamos para trazer, abaixo, as definições desses dois
últimos.
O homossexual é auto-identificado no seu sexo biológico masculino ou feminino,
mas no intercurso sexual prefere indivíduos do mesmo sexo. O travesti também é
auto-identificado, mas satisfaz-se socialmente exibindo roupas e adornos do sexo
oposto que o excitam; seu desejo está no objeto (Ibid., p. 1409).
17
Além disso, “homossexuais e travestis jamais cogitam em submeter-se a
cirurgias de adequação sexual” (FERREIRA, 1997, p. 113). E “o transexualismo é uma
patologia perfeitamente caracterizada, de propedêutica e terapêutica médicas consentâneas em
várias instituições internacionais” (JURADO; EPPS-QUAGLIA; INÁCIO, op. cit., p. 1409).
Acrescentam estes autores que o diagnóstico diferencial tem por base exclusivamente a
história clínica, a evolução e análise dos testes de personalidade.
Convém apontar a existência de dois tipos de transexual: o feminino e o
masculino. Vamos tratar do segundo tipo, do qual se refere o nosso texto jurídico. Segundo
Duarte,
o transexual masculino pode ter genital externo bem conformado, com pênis, escroto
e testículos, mas possui voz de soprano ou, no máximo, de contralto; mamas; pele
sedosa; membros roliços; falta de barba; porte e maneirismo femininos. O mais
intrigante no transexual é seu feminino padrão psicológico, isto é, ele tem gênero
feminino (DUARTE, 1995, p. 60).
Há em muitos países, dentre eles, Suíça, Noruega, Alemanha e Suécia, leis
específicas que autorizam a cirurgia de mudança de sexo. No entanto, os Estados Unidos
parecem ser os pioneiros a legislarem em matéria de troca de sexo e retificação de nome.
De acordo com Assis (2004), em se observando quanto à alteração do registro
civil “adequando-se o sexo jurídico
7
ao sexo aparente
8
”, a Suécia há muito legislou sobre esse
tema e “em 21 de abril de 1972 promulgou lei que permite a retificação do registro do
transexual, desde que solteiro, com mais de dezoito anos e estéril” (ASSIS, 2004, p. 3).
A autora também observa quanto à lei promulgada na Alemanha, em 10 de
setembro de 1980, que dispõe sobre o transexualismo e a modificação do prenome e sexo no
assento de nascimento, acolhendo-se a jurisprudência alemã já existente por ocasião de sua
promulgação. Acrescenta Assis, “também na Itália, sob a influência da jurisprudência e
doutrina, em 14 de abril de 1982, foi promulgada a Lei 164, permitindo a retificação do sexo e
alteração do prenome no registro de nascimento dos transexuais” (Ibid., p. 3).
7
Também chamado de sexo legal, que aqui tratamos em nossa análise enquanto biológico. Ou seja, é definido
pela simples observação externa do órgão genital do nascituro.
8
Sexo aparente é o sexo com o qual o indivíduo se identifica.
18
No Brasil, onde não há legislação específica sobre o assunto, as possibilidades
de se alterar o prenome do transexual, e/ou mesmo de realizar a adequação do sexo
9
, de modo
que se possa ter a sua identidade reconhecida de forma adequada, via judicial, são mínimas.
No entanto, o Conselho Federal de Medicina tenta minimizar o problema em relação à
cirurgia e o projeto de Lei n.º 70-B, se aprovado, será a primeira determinação jurídica
brasileira a tratar do assunto. Adiante, mencionaremos mais três projetos de lei versando sobre
o transexual, os quais foram apensados ao projeto de lei 70-B, de 1995, bem como um último
versando sobre o travesti, também apensado a esse projeto de lei.
O Conselho Federal de Medicina regularizou a cirurgia de transgenitalismo no
Brasil. Em novembro de 2002 divulgou sua nova diretriz (Resolução nº 1.652, de 6 de
novembro de 2002), que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução
CFM n.º 1.482/97, a qual autoriza aos médicos realizarem o tratamento cirúrgico de
transexuais, segundo as normas internacionalmente reconhecidas, que incluem um mínimo de
dois anos de acompanhamento terapêutico por uma equipe multidisciplinar antes de ser
autorizada a cirurgia, caso o diagnóstico de transexualismo se confirme.
Assis (2004) comenta que o projeto de lei n.º 70-B, de autoria do Deputado
Federal José Coimbra em 1995, limita-se a incluir um novo parágrafo ao art. 129 do Código
Penal (Decreto –lei n.º 2.848 de 07 de dezembro de 1940)
e atribuir nova redação ao art. 58
da Lei n.º 6.015 de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos
10
). Respectivamente,
teríamos as seguintes redações:
Art. 129 (...)
Exclusão do crime
§ 9º Não constitui crime a intervenção cirúrgica realizada para fins de ablação de
órgãos e partes do corpo humano quando, destinada a alterar o sexo de paciente
maior e capaz, tenha ela sido efetuada a pedido deste e precedida de todos os exames
necessários e de parecer unânime de junta médica;
Art. 58 O prenome será imutável, salvo nos casos previstos neste artigo.
§ 1º Quando for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem
como a sua mudança mediante sentença do juiz, a requerimento do interessado, no
caso do parágrafo único do art. 55, se o oficial não houver impugnado.
§ 2º Será admitida a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos
em que o requerente tenha se submetido a intervenção cirúrgica destinada a alterar o
sexo originário.
§ 3º No caso do parágrafo anterior deverá ser averbado ao registro de nascimento e
no respectivo documento de identidade ser pessoa transexual (Projeto de Lei n.º 70-
B, 1995).
9
Jurado, experiente cirurgião plástico nesse tipo de cirurgia no Brasil, defende essa expressão e não mudança de
sexo, pois, para ele, “o sexo não é modificado, apenas adequado o sexo ao cérebro”.
19
Para Assis (2004), a inclusão do parágrafo 9º ao art. 129 do Código Penal visa
possibilitar a realização da cirurgia, uma vez que, hoje, é ela considerada lesão corporal. O
médico que venha a operar um transexual no Brasil incide no crime de lesão corporal, mesmo
a Resolução n.º 1.652 de 06 de novembro de 2002 permitindo tal cirurgia; o tema é polêmico
e poderia, eventualmente, ensejar uma notícia
criminis e posterior processo judicial. Dessa
forma, com a alteração da lei penal, a conduta do médico passa a ser lícita e jurídica.
Quanto à nova redação atribuída pelo projeto ao art. 58 da Lei de Registros
Públicos, que traz três parágrafos, tal como observa Assis (2004), tem-se no primeiro a
reprodução do primitivo parágrafo único, sem modificação de conteúdo; o segundo trata da
possibilidade de alteração do prenome quando a pessoa houver se submetido à cirurgia de
alteração de sexo e mediante autorização judicial; e o terceiro, trata da alteração do
documento de identidade e do registro de nascimento, devendo ser averbado nestes
documentos tratar-se de pessoa transexual. A autora enfatiza que o parágrafo terceiro é
flagrantemente inconstitucional: “viola o direito à intimidade e expõe ao ridículo a pessoa,
vindo assim a ferir o princípio da dignidade da pessoa humana” (Ibid., p. 2).
A autora acrescenta que a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da
Câmara (CCJR) insurgiu-se contra a determinação de inclusão de pessoa transexual, com
fundamento no art. 5º, X da
Constituição da República de 1988 e propôs a seguinte alteração:
"No caso do parágrafo anterior, deverá ser averbado no assento de nascimento o novo
prenome, bem como o sexo, lavrando-se novo registro". Assim, no registro passa a figurar o
novo nome e sexo do transexual operado. No entanto, a Câmara também apresentou outra
emenda aditiva, objetivando proteger a intimidade do transexual. Segundo Assis (2004), a
CCJR propôs o acréscimo do seguinte: “§ 4º É vedada a expedição de certidão, salvo a pedido
do interessado ou mediante determinação judicial”.
Convém agora mencionar os outros três projetos de lei tematizando em relação
ao transexual, ou seja, os PLs n.°s 3.727/1997; 5.872/2005 e 6.655/2006, respectivamente,
bem como o PL n.º 2.976/2008, em relação ao travesti.
O projeto de lei n. º 3.727/1997, de autoria do Deputado Wigberto Tartuce,
trouxe como proposta a seguinte ementa: “Acrescenta parágrafo ao art. 57 da Lei n.º 6.015, de
31 de dezembro de 1973 - Lei de Registros Públicos, dispondo sobre mudança de nome no
caso em que especifica”, ou seja, admitindo a mudança do nome mediante autorização judicial
nos casos em que o requerente tenha se submetido à intervenção cirúrgica destinada a alterar o
10
LRP ou também Lei dos RP.
20
sexo originário, ou seja, referindo-se aí à operação transexual. Esse PL foi apensado ao
projeto de lei 70-B de 1995.
Na seqüência, o outro projeto de lei apresentado é o n.º 5.872/2005, de autoria
do deputado Elimar Máximo Damasceno, com a seguinte ementa: “proíbe a mudança de
prenome em casos de transexualismo”, alterando a lei n.º 6.015, de 1973. Trata-se, também,
de PL tramitando em conjunto, portanto apensado ao PL inicial (70-B/1995).
E o último projeto de lei apresentado, em se tratando do transexual, é o n.º
6655/2006, de autoria do deputado Eustáquio Luciano Zica, que apresenta a ementa: “Altera o
art. 58 da Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que ‘dispõe sobre os registros públicos e
dá outras providências’”, possibilitando a substituição do prenome de pessoa transexual.
Vejamos, abaixo, esse PL na íntegra:
Art. 1o Esta Lei altera o art. 58 da Lei no 6.015, de 31 de
dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos e dá outras
providências, possibilitando a substituição do prenome de pessoas transexuais.
Art. 2o O art. 58 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar com a
seguinte redação:
“Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição,
mediante sentença judicial, nos casos em que:
I – o interessado for:
a) conhecido por apelidos notórios;
b) reconhecido como transexual de acordo com laudo de avaliação médica,
ainda que não tenha sido submetido a procedimento médico-cirúrgico
destinado à adequação dos órgãos sexuais;
II – houver fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de
crime por determinação, em sentença, de juiz competente após ouvido o Ministério
Público.
Parágrafo único. A sentença relativa à substituição do prenome na hipótese
prevista na alínea b do inciso I deste artigo será objeto de averbação no livro de
nascimento com a menção imperativa de ser a pessoa transexual. (NR)”.
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.
(http://www.camara.gov.br/sileg/integras/377166.pdf-Serial99.com).
[GRIFO NOSSO]
Além do projeto de lei 70-B encontrar-se ainda em tramitação e a mesma ter
sido iniciada em 1995, portanto um período de treze anos de tramitação, nele apensados os
projetos de lei apresentados descritos anteriormente, recentemente o deputado Celso
Russomano, SP, membro da Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual, reapresentou
11
ao Presidente da Câmara dos Deputados, através de Requerimento o Projeto de Lei
6655/2006, descrito acima, que possibilita a troca de prenome nos documentos dos
transexuais. Esse deputado, em relação a esse último Projeto de Lei citado, argumenta que ele
11
http://www.atribunanews.com.br/news.php?newsid=1868. Acesso em 27/11/2007.
21
“apenas tem a intenção de possibilitar a substituição, no registro civil, garantida por sentença
judicial, do prenome de transexuais que não se submeteram à cirurgia, mas ainda assim
pretendem uma maior identificação consigo”. E quanto ao Projeto de Lei 70/1995, esclarece
que o mesmo pretende descriminar a intervenção cirúrgica em transexuais e permitir o
registro civil daqueles que a ela se submetem.
Também faz-se relevante mencionar que, recentemente
12
, também foi
apresentado um outro projeto de lei, o n.º 2.976/2008, apresentado pela deputada Cida Diogo
– PT/RJ, versando em relação ao travesti, para que possam utilizar ao lado do nome e
prenome oficial, um nome social. Nesse projeto de lei está proposta a seguinte ementa:
Acrescenta o artigo 58-A, ao texto da Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que
dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências, criando a possibilidade
das pessoas que possuem orientação de gênero travesti, masculino ou feminino,
utilizarem ao lado do nome e prenome oficial, um nome social. [GRIFO NOSSO]
Com isso, enquanto não há nenhuma alteração nesse sentido, tem-se a
contribuição da Jurisprudência. E não podemos deixar de mencionar o caso de transexualismo
mais divulgado e comentado pela imprensa: o do transexual Luiz Roberto Gambine Moreira,
conhecido pelo nome artístico de Roberta Close. No entanto, esse difere do nosso objeto de
estudo, pois a artista Close primeiramente submeteu-se à cirurgia para mudança de sexo, em
1990, em Londres, quando — na época —, não era permitido tal procedimento cirúrgico no
Brasil, e somente alguns anos depois, especificamente em 1994, requereu judicialmente a
alteração de seu prenome e sexo no assento de nascimento, sentenciada favoravelmente
apenas em 2001.
Isso posto, convém evocar que essa medida pode afetar favoravelmente a
argumentação e a sentença do juiz de São Carlos, pois no caso de Roberta Close, já
considerada socialmente pelo seu prenome feminino, foi pré-requisito a cirurgia para
adequação de sexo, mas nessa solicitação do município de São Carlos temos a solicitação de
Agnaldo requerendo a alteração de seu prenome para Ângela, também considerado
socialmente por seu nome feminino, no entanto, sem ter submetido-se à cirurgia para
adequação de sexo.
12
Em 11/03/2008 houve a apresentação do PL n.º 2976.
22
2 SEMÂNTICA DO ACONTECIMENTO
Passemos, agora, à apresentação da Semântica do Acontecimento (SA), teoria
formulada por Guimarães (2002, 2004), a qual nos filiamos para realizar nossas análises, e
Análise do Discurso Francesa, com a qual a SA estabelece diálogos, de modo a pontuar os
conceitos com os quais vamos operar nas análises.
Considerando que a linguagem fala de algo e o que se diz é construído na e
pela linguagem, Guimarães (2002), na SA, “considera que a análise do sentido da linguagem
deve localizar-se no estudo da enunciação, do acontecimento do dizer” (GUIMARÃES, 2002,
p. 7).
Para tratar da enunciação, Guimarães (Ibid., p. 11), dialoga teoricamente aos
estudos (enunciativos) de Benveniste (1974), especificamente em “O Aparelho Formal da
Enunciação”, que considera que “a enunciação é a língua posta em funcionamento pelo
locutor” (Ibid., p. 11), no momento dessa apropriação, e aos estudos de Ducrot (1984), em
“Esboço de uma Teoria Polifônica da Enunciação”, que define a enunciação como o
aparecimento de um enunciado.
E aqui, aproveitamos para melhor apresentar, ainda que sucintamente, em
relação à Polifonia.
Ducrot (1984), nesse artigo anteriormente mencionado, critica o postulado
segundo o qual “cada enunciado possui um, e somente um autor” (DUCROT, 1987, p. 161),
baseando-se, livremente, nos estudos de Bakthin sobre a polifonia presente em textos
narrativos literários, ou seja, para Bakthin há textos em que várias vozes diferentes falam
simultaneamente. No entanto, Ducrot verifica/observa que esta noção sempre fora até então
utilizada para textos literários, não para enunciados. E é aí que está centrada a diferença entre
a Teoria polifônica dele e a de Bakthin : Ducrot trata das representações de várias vozes no
interior do enunciado; sendo assim considerado: o
Locutor (L) é o ser responsável pelo
enunciado e cada voz existente no interior do enunciado recebe o nome de
Enunciador (E).
Retomando a Guimarães, para ele “a questão é como tratar a enunciação como
funcionamento da língua sem remeter isto a um locutor, a uma centralidade do sujeito”
(GUIMARÃES, 2002, p. 11); assim, a língua é posta em funcionamento pelo acontecimento.
Nesse sentido, a língua é posta em funcionamento porque é afetada pelo interdiscurso no
acontecimento; é um acontecimento no qual se dá a relação do sujeito com a língua; uma
23
relação interdiscursiva que resulta na historicidade da língua, conforme podemos conferir em
Guimarães (1995):
Não é um locutor que coloca a língua em funcionamento. A língua funciona na
medida em que um indivíduo ocupa uma posição de sujeito no acontecimento, e isto,
por si só, põe a língua em funcionamento por afetá-la pelo interdiscurso, produzindo
sentidos (GUIMARÃES, 1995, p. 69).
Então, acrescenta Guimarães: "a língua está exposta ao interdiscurso" (Ibid., p.
69). E “o que há de situação na enunciação é o que o ocupar de uma posição de sujeito
estabelecer e recortar. Este recorte já é sentido, mas não é mundo” (Ibid., p. 70). Assim,
“sujeito e língua se constituem pelo funcionamento da língua”.
A enunciação é, deste modo, um acontecimento de linguagem perpassado pelo
interdiscurso, que se dá como espaço de memória no acontecimento. É um
acontecimento que se dá porque a língua funciona ao ser afetada pelo interdiscurso.
É, portanto, quando o indivíduo se encontra interpelado como sujeito e se vê como
identidade que a língua se põe em funcionamento (GUIMARÃES, 1995, p. 70).
Dessa forma, para a conceituação desse acontecimento de linguagem, alguns
elementos são decisivos: a língua, o sujeito, a temporalidade e o real; conforme observamos
em Guimarães:
[...] Dois elementos são decisivos para a conceituação deste acontecimento: a língua
e o sujeito, que se constitui pelo funcionamento da língua na qual enuncia-se algo.
Por outro lado, um terceiro elemento decisivo, de meu ponto de vista, na
constituição do acontecimento, é sua temporalidade. Um quarto elemento ainda é o
real a que o dizer se expõe ao falar dele. Não se trata aqui do contexto, da situação,
tal como pensada na pragmática, por exemplo. Trata-se de uma materialidade
histórica do real. Ou seja, não se enuncia enquanto ser físico, nem meramente no
mundo físico. Enuncia-se enquanto ser afetado pelo simbólico e num mundo vivido
através do simbólico (GUIMARÃES, 2002, p. 11).
Guimarães (2002) considera que “algo é acontecimento enquanto diferença na
sua própria ordem
(Ibid., p. 11). E o que caracteriza a diferença, para ele, é que o
acontecimento não é um fato no tempo; não é um fato novo enquanto distinto de qualquer
24
outro ocorrido antes no tempo. "O que o caracteriza como diferença é que o acontecimento
temporaliza. Ele não está num presente de um antes e de um depois no tempo. O
acontecimento instala sua própria temporalidade e essa é a sua diferença" (Ibid., p.11-12).
Guimarães (2002) recusa a posição benvenistiana, contida em
A Linguagem e a
Experiência Humana, 1974, “segundo à qual o tempo da enunciação se constitui pelo locutor
ao enunciar” (GUIMARÃES, 2002:12). Para ele (Guimarães), não é o sujeito que
temporaliza, mas o acontecimento. Dessa forma, “o sujeito não é assim a origem do tempo da
linguagem. O sujeito é tomado na temporalidade do acontecimento” (Ibid., p. 12).
Guimarães continua, afirmando que
a temporalidade, de um lado, se configura por um presente que abre em si uma
latência de futuro (uma futuridade), sem a qual nada é significação, pois sem ela (a
latência de futuro) nada há aí de projeção, de interpretável. O acontecimento tem
como seu um depois incontornável, e próprio do dizer. E, por isso, todo
acontecimento de linguagem significa porque projeta em si mesmo um futuro. Sem
essa futuridade, o dizer não passa de uma ação física, uma cadeia sonora, uma
seqüência de articulações (Ibid., p. 12).
Essa temporalidade, segundo o autor, constitui o seu presente e um depois que
abre o lugar dos sentidos, e um passado que não é lembrança ou recordação pessoal de fatos
anteriores. “O passado é, no acontecimento, rememoração de enunciações, ou seja, ele se dá
como parte de uma nova temporalização, tal como na latência de futuro” (Ibid., p. 12). É,
portanto, um memorável que o acontecimento recorta como passado. Tanto o presente, que
toma o sujeito para si no acontecimento, quanto o passado, que não se coloca como um antes,
e o futuro, que não se apresenta como um depois, são constitutivos do acontecimento.
Guimarães (1995), na SA, se filia a outro teórico: Michel Bréal que, com a
obra publicada em 1897, “Ensaio de Semântica”, marca muito especificamente o processo
pelo qual se constitui a semântica como disciplina lingüística. É num texto de 1883, de Bréal,
“Les lois intelectuelles du langage. Fragmente de sémantique”, que o termo semântica foi
usado pela primeira vez. Conforme ressalta Guimarães (1995, p. 13), há dois momentos
principais desse texto, que são: 1 - quando Bréal tenta mostrar que “as questões da
significação não podem ser tratadas pela via etimológica, mas pela consideração de seu
emprego” e 2 - quando acrescenta que “é preciso considerar a palavra nas suas relações com
outras palavras, no conjunto do léxico, nas frases em que aparecem”. Em “Ensaio de
25
Semântica”, Bréal convida o leitor a conhecer a ciência que chama de
Semântica, a ciência
das significações, por oposição à fonética, a ciência dos sons:
O que eu quis fazer foi traçar algumas grandes linhas, marcar algumas divisões,
como um plano provisório, sobre um domínio ainda não explorado, e que reclama o
trabalho combinado de várias gerações de lingüistas. Peço ao leitor, então, que veja
este livro como uma simples introdução à ciência que me proponho a chamar de
Semântica (BRÉAL, 1992, p. 20).
Nesse ensaio, Bréal discutiu a questão da subjetividade ou do elemento
subjetivo: esse aspecto estaria representado por palavras, constituintes de frases, formas
gramaticais e pelo plano geral de cada língua. Ao comentar esse fato, Guimarães diz que, para
Bréal, “a história diz respeito a uma relação do sujeito (do homem) com a linguagem, e há
marca de subjetividade daquele que fala naquilo que fala. E mais que isso: as línguas têm os
elementos que marcam essa presença” (Ibid., p. 14). Resumidamente, a Semântica, para Bréal,
é, então, uma disciplina lingüística em que a linguagem é vista como fenômeno humano e
histórico.
Na Semântica do Acontecimento
diferentemente das posições apontadas nos
estudos semântico-enunciativos apresentados por Benveniste e Ducrot, que mantêm a
exclusão da história
vai interessar a inclusão da história. Como aponta Guimarães (1995),
essa Semântica trata a questão da significação ao mesmo tempo como “lingüística histórica e
relativa ao sujeito que enuncia” (GUIMARÃES, 1995, p. 85). E é nessa perspectiva que a
questão do sentido é tratada como
[...] uma questão enunciativa em que a enunciação seja vista historicamente. Este
espaço procura se apresentar a partir da consideração de que a significação é
histórica, não no sentido temporal, historiográfico, mas no sentido de que a
significação é determinada pelas condições sociais de sua existência. Sua
materialidade é esta historicidade. A construção desta concepção de significação se
faz para nós na medida em que consideramos que o sentido deve ser tratado como
discursivo e definido a partir do acontecimento enunciativo (Ibid., p. 66).
Dessa forma, a história não é posterior, mas constitutiva das práticas sociais,
por uma memória concreta da sociedade. A língua funciona porque é afetada por sua
exterioridade, que é a história.
Em relação à temporalidade, o acontecimento, como acrescenta Guimarães
(2002), “não está no tempo, mas o constitui” (GUIMARÃES, 2002, p. 12), porque o
26
acontecimento recorta um passado como memorável, a rememoração de enunciações. Dessa
forma, não é o sujeito a origem do tempo da linguagem, mas o acontecimento. O que faz um
acontecimento ser diferente de outro não é o fato de ter acontecido em tempos cronológicos
diferentes, mas a temporalidade que cada um constitui para si. É o acontecimento, que
apresenta sempre uma nova temporalização, o responsável pelo sentido, pelo acontecimento
de linguagem e pela própria enunciação; o sujeito é tomado por esse tempo no acontecimento;
e é uma temporalidade do acontecimento que se faz pelo funcionamento da língua numa
relação com línguas e falantes regulada por uma deontologia (Ducrot, 1972) global do dizer
em uma certa língua; deontologia essa que implica obrigações e regulamentações.
Abrindo um diálogo com a AD, a Semântica do Acontecimento mobiliza a
noção de interdiscurso. Porém, antes de trazer a definição de interdiscurso, faz-se necessário
apontar a definição de formação discursiva (FD). Para Pêcheux (1975), a formação discursiva
determina o que pode e deve ser dito a partir de uma formação ideológica dada. Isto posto, os
limites entre as formações discursivas não são estanques e aquilo que é excluído de uma
formação discursiva não deixa de significá-la.
Segundo Orlandi (2000), o interdiscurso é definido como “todo o conjunto de
formulações feitas já esquecidas que determinam o que dizemos” (ORLANDI, 2000, p. 33). E
este esquecimento é “estruturante” (Ibid., p. 34). Não se tem acesso ao interdiscurso, uma vez
que ele é irrepresentável. Ele é, então, recortado pelas diferentes FDs, que têm seus limites em
constante movimento.
O interdiscurso, segundo Pêcheux (1975), se define como algo dito sempre
“antes, em outro lugar e independentemente”, ou seja, é a relação de um discurso com outros
discursos. Para esse autor, o interdiscurso está subordinado às formações ideológicas que
determinam, por uma relação sócio-histórica, o sentido de uma palavra ou expressão. É numa
formação ideológica específica e numa posição sujeito específica que uma formação
discursiva determina o que pode e deve ser dito:
[…] O sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não
existe em “si mesmo”, mas ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas
que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e
proposições são produzidas. [...] as palavras, expressões, proposições, etc., mudam
de sentido segundo as posições sustentadas por aquelas que a empregam, o que quer
27
dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em
referência às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem
(PÊCHEUX, ibid., p. 160).
Para Orlandi,
[…] as formações discursivas são diferentes regiões que recortam o interdiscurso (o
dizível, a memória do dizer) e que refletem as diferenças ideológicas, o modo como
as posições dos sujeitos, seus lugares sociais aí representados, constituem sentidos
diferentes (ORLANDI, 1997, p. 20).
De acordo com Orlandi & Guimarães (1988), “as várias posições do sujeito
podem representar diferentes formações discursivas no mesmo texto” (ORLANDI &
GUIMARÃES, 1988, p. 57). E, para os autores, essas diferentes formações discursivas podem
estabelecer entre si diferentes relações: como confronto, sustentação mútua, dentre outras.
Postas estas definições
anteriormente apresentadas de interdiscurso, não
podemos deixar de incluir a definição de Zoppi-Fontana (1997), ao afirmar que “o
interdiscurso é [...] o conceito teórico que permite trabalhar na AD com a exterioridade
constitutiva do discurso, ou seja, com sua historicidade” (ZOPPI-FONTANA, 1997, p. 37).
Segundo Guimarães (1995), o interdiscurso constitui o sujeito e o sentido, no
momento em que põe a língua em funcionamento. Para ele, o sentido de um acontecimento
são efeitos da presença do interdiscurso, do cruzamento de discursos diferentes no
acontecimento, conforme já apontamos inicialmente.
Enunciar é, como afirma Guimarães (2002), uma prática política, “é estar na
língua em funcionamento, num espaço dividido de línguas e falantes, o espaço de enunciação;
é estar na memória e não no tempo cronológico”. Enunciar é falar enquanto sujeito, afetado
pelo simbólico; o sujeito que enuncia fala de uma região do interdiscurso, memória de
sentidos.
2.1 Conceitos fundamentais
Levando em consideração que estudamos um processo jurídico em que o
locutor-requerente, um transexual, instaura um litígio o qual se dá no espaço jurídico
28
para mudar de nome, trazemos, a seguir, alguns conceitos abordados por Rancière (1996), no
que diz respeito ao litígio, pois, para o autor, a partir do litígio se tem o sujeito político.
Primeiramente, vejamos como Rancière define consenso. Para o autor, o
“consenso é na verdade o esquecimento do modo de racionalidade próprio à política”
(RANCIÈRE, 1996, p. 368). Dessa forma, é no consenso da supressão dos conflitos que
algumas vozes são silenciadas para que outras se estabeleçam. E sob o nome de “dissenso” é
o modo de racionalidade que ele tentará pensar.
O consenso democrático é baseado na racionalidade política, que é litígio e
conflito. Nesse sentido, a sociedade, ao debater, chega a um consenso sobre as coisas. E esse
consenso não é o político.
Para Rancière,
O dissenso não é a diferença dos sentimentos ou das maneiras de sentir que a
política deveria respeitar. É a divisão no núcleo mesmo do mundo sensível que
institui a política e sua racionalidade própria. Minha hipótese é portanto a
seguinte: a racionalidade política é a de um mundo comum instituído, tornado
comum, pela própria divisão (Ibid., p. 368). [GRIFO NOSSO]
Faz-se necessário, neste momento, observar como se dá a noção de política em
Rancière:
A política não é em primeiro lugar a maneira como indivíduos e grupos em geral
combinam seus interesses e seus sentimentos. É antes um modo de ser da
comunidade que se opõe a outro modo de ser, um recorte do mundo sensível que se
opõe a outro recorte do mundo sensível (Ibid., p. 368).
Assim, o dissenso é a política, a revelação de dois mundos em conflito, de
forma que temos a democracia. E o dissenso é o poder do povo, do demos, isto é, um ser
singular, duplo, designando uma parte da comunidade, os pobres, as pessoas desfavorecidas
socialmente. Neste contexto, a polícia se configura como o controle, e a Política “constitutiva
de todas as relações”, pois só há política porque há dissenso.
Sendo assim, a política redivide os papéis e onde não se tem o dissenso, se tem
o apagamento. Dessa forma, para Rancière, em poucas palavras, litígio é fazer aparecer o
dissenso, onde se afirma o pertencimento, posto que, no litígio, se tem o sujeito político.
29
2.2 Cena pública, cena enunciativa (de litígio), político
Apreciemos, primeiramente os conceitos de cena pública e político, abordados
por Corten (1999), para, posteriormente, atermo-nos aos conceitos de “cena enunciativa”
desenvolvida por Guimarães (2002) e ao que esse autor define como político na SA.
Primeiramente, então, consideramos o conceito de cena pública de acordo com
Corten (1999), e a política, a área funcional especializada, na qual, através das instituições
políticas, se realizam as atividades políticas.
Segundo Corten, “o político, apesar de seu sentido didático-teórico, permanece
freqüentemente indefinido” (CORTEN, 1999, p. 37), pois se trata de “representação do
político” no sentido de representação parlamentar. Com isso, a expressão “representação do
político”, sofre com sua redundância aparente. Para o autor, “o político é, de fato, em si
mesmo uma representação” (Ibid., p. 37).
A representação do político, para esse autor, é a cena das forças políticas
construídas pelo discurso. É a cena onde os elementos que perpassam a sociedade são vistos
como “forças” e vistos como “forças políticas”. É esse conceito de cena de representação que
nos interessa, ao observar a cena pública, e sobre essa questão, ele diz: “por cena de
representação, não se deve, portanto, compreender uma cena que refletisse outra coisa. É o
discurso em sua circulação que constrói a montagem e delimita o fechamento da cena” (Ibid.,
p. 37).
Ou seja, o que o autor afirma, aqui, é sobre a circulação do litígio, que se dá na
cena pública, ou seja, nesta cena de representação da qual ele fala.
Passemos, agora, a ver, especificamente, a noção de político de Guimarães
(2002), por ser a norteadora de nossa reflexão nesse estudo.
Partindo da constatação de que a cena enunciativa (de litígio) é característica
do direito, consideraremos, finalmente, os conceitos de cena enunciativa (de litígio) e político,
desenvolvidos por Guimarães (2002). Para ele, “uma cena enunciativa se caracteriza por
constituir modos específicos de acesso à palavra, dadas as relações entre as figuras da
enunciação e as formas lingüísticas” (Ibid., p. 23).
Para o autor (2002), a cena enunciativa é assim um espaço particularizado por
uma deontologia específica de distribuição dos lugares de enunciação no acontecimento. Os
lugares enunciativos são configurações específicas do agenciamento enunciativo para “aquele
30
que fala” e “aquele para quem se fala”. Dessa forma, na cena enunciativa “aquele que fala” ou
“aquele para quem se fala” não são pessoas, mas uma configuração desse agenciamento
enunciativo. São lugares constituídos pelos dizeres e não pessoas donas do seu dizer.
Guimarães (2002), afirma que: “estudá-la é, necessariamente, considerar o próprio modo de
constituição destes lugares pelo funcionamento da língua. [...]” (Ibid., p. 23).
Com isso, prossegue o autor:
[...] Assumir a palavra é pôr-se no lugar do que enuncia, o lugar do Locutor (com
maiúscula), ou simplesmente L. L é então o lugar que se representa no próprio dizer
como fonte deste dizer. E desta maneira representa o tempo do dizer como
contemporâneo deste mesmo L, e assim representa o dizer como o que está no
presente constituído por este L. Mas esta representação de origem do dizer, na sua
própria representação de unidade e de parâmetro do tempo se divide porque para se
estar no lugar de L é necessário estar afetado pelos lugares sociais autorizados a
falar, e de que modo, e em que língua (enquanto falantes). Ou seja, para o Locutor se
representar como origem do que enuncia, é preciso que ele não seja ele próprio, mas
um lugar social de locutor (Ibid., p. 26).
Vejamos os lugares do dizer:
A cena enunciativa coloca em jogo, também, lugares de dizer que estamos aqui
chamando de enunciadores. E estes se apresentam sempre como a representação da
inexistência dos lugares sociais de locutor. E embora sempre se apresentem como
independentes da história ou fora da história, são lugares próprios de uma história.
Temos então enunciadores como: enunciador-individual, quando a enunciação
representa o Locutor como independente da história; enunciador-genérico, quando a
enunciação representa o Locutor como difuso num todos em que o indivíduo fala
como e com outros indivíduos; enunciador-universal, quando a enunciação
representa o Locutor como fora da história e submetido ao regime do verdadeiro e
do falso (Ibid., p. 26).
Para nortear nossa reflexão, consideramos que a linguagem é uma prática
política e adotamos a noção de político desenvolvida por Guimarães (2002), que se constitui
“como fundamento das relações sociais, no que tem importância central a linguagem”.
O político, ou a política, é para mim caracterizado pela contradição de uma
normatividade que estabelece (desigualmente) uma divisão do real e a afirmação de
pertencimento dos que não estão incluídos. Deste modo o político é um conflito
entre uma divisão normativa e desigual do real e uma redivisão pela qual os
desiguais afirmam seu pertencimento. Mais importante ainda para mim é que deste
31
ponto de vista o político é incontornável porque o homem fala. O homem está
sempre a assumir a palavra, por mais que esta lhe seja negada (Ibid., p. 16).
A propósito dessa noção de político abordada por Guimarães (2002), o político,
então, estabelece uma divisão do real e uma redivisão em que se dá a afirmação de
pertencimento dos excluídos. E essa questão nos remete à noção de linguagem como
prática
política e à enunciação sujeita a uma deontologia da língua (divisão de papéis). “A divisão de
papéis do real e a redivisão em que se dá a afirmação de pertencimento são incontornáveis”.
Para Guimarães, “o estabelecimento da desigualdade se apresenta como
necessário à vida social e a afirmação de pertencimento, e de igualdade, é significada como
abuso, impropriedade” (GUIMARÃES, 2002, p. 16). E relativamente à afirmação de
pertencimento, há um esforço da sociedade no sentido de apagar essa contradição, ora
homogeneizando-a, ora agindo de forma repressiva
13
.
A análise da argumentação na Semântica pode ser considerada a partir das
questões:
1 a questão da argumentação, considerada na retórica sob vários modos, aparece
nesse caso com um tratamento que podemos chamar de lingüístico, no sentido de
que a questão da argumentação é vista como uma relação de sentidos na linguagem;
2 esta abordagem como uma relação de linguagem se põe como uma questão
enunciativa, ou seja, a argumentação não é uma relação de linguagem com o mundo,
os objetos, ou derivada desta relação, é uma relação que orienta de um sentido para
outro que se interpreta, então, como uma conclusão, numa enunciação particular
(GUIMARÃES, 1995, p. 49).
Guimarães considera “a argumentação como uma questão lingüística”. Assim,
prossegue o autor, “vai nos interessar a hipótese de que na linguagem, vista como um modo
de ação social, a argumentação não é derivada de condições de verdade ou de seu caráter
lógico. Não sendo, então, um quadro no mundo” (GUIMARÃES, 1987, p. 25). Ele acrescenta
que, tudo isso localizado no interior de uma concepção de enunciado e de sentido que
formulou. E no interior dessa concepção de argumentação, utiliza a noção de
orientação
argumentativa no mesmo sentido em que Ducrot (1973), Anscombre e Ducrot (1977). Como
podemos ver:
13
Tal como no sentido que esse conceito tem para Orlandi (1992).
32
Orientar argumentativamente com um enunciado X é apresentar seu conteúdo A
como devendo conduzir o interlocutor a concluir C (também um conteúdo). Ou seja,
orientar argumentativamente é dar A como uma razão para se crer em C (Anscombre
e Ducrot, 1976, p.13). Neste sentido, orientar argumentativamente é apresentar A
como sendo o que se considera como devendo fazer o interlocutor concluir C. O que
leva à conclusão é o próprio A. Ou seja, é tomado como uma regularidade do sentido
do enunciado a representação de sua enunciação como orientada
argumentativamente (GUIMARÃES, 1987, p. 25).
E para descrever semanticamente o recorte enunciativo realizado pela
enunciação, Guimarães (1987), considera os conceitos de
classe e escala argumentativa
segundo a perspectiva colocada por Ducrot (1973). Ressalta Guimarães, que o objeto de
estudo “inclui como materialidade lingüística as regularidades enunciativas constituídas
historicamente” (Ibid., p. 29), e a explicação teórica desse autor, “é dada por impedimentos
que as regularidades constituem, e não por obrigações resultantes de uma estrutura ou de
regras” (Ibid., p. 29).
Segundo Guimarães, 2007, “as relações de orientação argumentativa indicam
um futuro textual possível. Argumentar é, neste sentido, do plano das relações intratextuais”
(GUIMARÃES, 2007, p. 209).
Para o autor,
[…] a orientação argumentativa
14
se dá como uma exigência da futuridade do
acontecimento. E isto significa duas coisas: a) a língua deve conter, como elemento
fundamental de significação, a argumentatividade; b) não se está dizendo que a
orientação argumentativa diga respeito a uma intenção do falante, mas que um
enunciado significa uma diretividade própria da língua (GUIMARÃES, Ibid., p.
209).
Acrescenta o autor: “a orientação argumentativa, enquanto “injunção à
interpretação”, funciona pelo agenciamento político da enunciação que toma o falante no seu
espaço de enunciação” (GUIMARÃES, 2007, p. 114).
Do ponto de vista que Guimarães tem tratado a argumentação, “considera-se
que o funcionamento da língua argumenta” (GUIMARÃES, 2008). Afirma o autor que:
14
Nota de Guimarães, 2007: Considero que o conceito de escala argumentativa e orientação argumentativa é
fundamental para a construção de uma semântica lingüística não-veritativa.
33
[…] esta posição está diretamente relacionada com a da teoria da argumentação na
língua (tal como formulada por Ducrot (1973)) e que está em trabalhos do que
chamamos hoje “semântica argumentativa” (Ducrot, 1973, 1988; Anscombre e
Ducrot, 1977, 1983; Vogt,1977; Guimarães, 1987; por exemplo). (GUIMARÃES,
2008, p. 87.
E, deste modo, a posição de Guimarães:
[…] se contrapõe à consideração da argumentação como (a) provas (evidência dos
fatos); (b) uma manipulação do locutor sobre os destinatários (onipotência do
sujeito); e (c) uma negociação construída abertamente por interlocutores (acordo
entre locutores). A argumentação se dá pelo funcionamento da língua no
acontecimento da enunciação. (Ibid., p. 87).
Em 2005, Guimarães, partindo da posição de que “designar é um processo
simbólico pelo qual a prática de linguagem significa o mundo, por recortá-lo”, analisou
designações em algumas letras de funk, as quais significam o lugar do homem e da mulher
nas relações afetivas. Para o autor, “é uma política dos sentidos, sendo construída no interior
de uma prática de linguagem muito específica, uma certa ‘lírica musical’”.
E partilhamos da seguinte citação de Guimarães, em relação ao processo
jurídico para mudança do nome do transexual, a partir das designações as quais observaremos
adiante:
A designação é assim um processo enunciativo pelo qual falantes de uma língua, ao
ocupar lugares sociais distintos na cena enunciativa, apropriam-se do real enquanto
significado pelo próprio exercício da fala. Deste modo os nomes designam enquanto
modos de identificar o real e o sujeito, segundo esta partilha do mundo da linguagem
(GUIMARÃES, 2005, p. 1).
Sendo assim, para falar de
argumentação também precisamos recorrer à noção
de implícito de Ducrot (1972). Para Ducrot (ibid.), a significação implícita “aparece – e
algumas vezes se dá – como sobreposta a uma outra significação”.
Não é esta a definição que defende Orlandi (2002). Ela acredita que o mais
importante é compreender que:
34
1. há um modo de estar em silêncio que corresponde a um modo de estar no sentido
e, de certa maneira, as próprias palavras transpiram silêncio. Há silêncio nas
palavras; 2. o estudo do silenciamento (que já não é silêncio, mas “pôr em silêncio”)
nos mostra que há um processo de produção de sentidos silenciados que nos faz
entender uma dimensão do não-dito absolutamente distinta da que se tem estudado
sob a rubrica do “implícito”. (...) Esta distinção que fazemos entre implícito e
silêncio estará dita de muitos modos nesse nosso trabalho, já que, para nós, o sentido
do silêncio não é algo juntado, sobreposto pela intenção do locutor: há um sentido
no silêncio. O silêncio foi relegado a uma posição secundária como excrescência,
como o “resto” da linguagem (ORLANDI, 2002, p. 12).
O implícito, para Orlandi (2002), “é já um subordinado deste trabalho do
silêncio, um efeito particular dessa relação mais originária e constitutiva”, é o resto visível
dessa relação. É um seu resíduo, um epifenômeno” (ibid., p.47).
Vale destacar que vamos tratar de argumentação na relação com a cena
enunciativa que descrevemos aqui. Para tal, vamos considerar os estudos de Orlandi (1998)
sobre “argumentação”. A autora, sem entrar na consideração da maior ou menor importância
do fato de linguagem que é argumentar, mostra alguns aspectos que caracterizam o estatuto e
o lugar da argumentação na AD, o que implica “em falar da argumentação pensando-se os
sujeitos, o político, a história e a ideologia. Enfim, o discurso”
(ORLANDI, 1998, p. 74).
O sujeito, para Orlandi (1998), é um lugar de significação historicamente
constituído; uma posição. E essas posições não se referem à presença física dos organismos
humanos (empirismo ou mesmo aos lugares objetivos da estrutura social (sociologismo).
Trata-se de lugares “representados” no discurso; presentes, mas transformados nos processos
discursivos).
O sentido, de acordo com Orlandi (Ibid., p. 76,) não deve ser considerado como
conteúdo, a língua tem sua própria ordem, mas só é relativamente autônoma, a história não se
reduz ao contexto, e o sujeito, segundo a autora, não é um feixe de intenções, nem é sua
própria origem. Desse modo não há acesso direto ao modo como se constituem os sentidos;
não há acesso direto à exterioridade constitutiva (não empírica, mas histórica).
E é nesta perspectiva que se deve considerar a antecipação, pois, para a autora,
Todo sujeito (orador) experimenta o lugar do ouvinte a partir de seu próprio lugar de
orador, constituído pelo jogo das formações imaginárias (a imagem que faz de x, de
si mesmo, do outro). Cada um “sabe” prever onde seu ouvinte o espera. Esta
antecipação do que o outro vai pensar é constitutiva de todo discurso.
35
Há, pois, antecipação das representações do receptor “sobre a qual se funda a
estratégia do discurso” (M. Pêcheux, 1969). Sobre esta estratégia, sobre o
mecanismo da antecipação repousa o funcionamento discursivo da argumentação.
Argumentar é prever, tomado pelo jogo de imagens. Que se trate de transformar o
ouvinte ou de identificar-se a ele, a antecipação joga a partir das diferentes
instâncias dos processos discursivos tal como acabamos de enunciar (Ibid., p. 77).
Orlandi (1998), ao retomar a distinção entre real e realidade, diz que, “na
realidade argumentativa de um discurso é preciso compreender o real do processo de
significação em que ela se inscreve” (Ibid., p. 81). Afirma ainda a autora que “a argumentação
pode então ser um observatório do político, na medida mesma em que é parte da
materialidade do texto” (Ibid.). E, acrescenta que este jogo sobre o universal e o local, a
produção do equívoco, o apagamento das diferenças, na retórica da globalização, pode ser um
bom lugar para o exercício analítico de se dar visibilidade ao político, ao real dos sentidos.
Schreiber da Silva (1999) estudou a argumentação do texto jurídico a partir de
e em torno do funcionamento de um enunciado do tipo A
como se B, ou seja, “como a
argumentação constituída pelo funcionamento do ‘como se’ organiza a argumentação
jurídica” (SCHREIBER DA SILVA, 1999, p. 11). Esta autora analisou a designação no caso
do concubinato, mobilizando conceitos da Semântica e da AD. Para a autora, “aí se põe a
questão do acontecimento da enunciação enquanto enunciativo-discursivo” (Ibid., p. 12).
Dessa forma, neste acontecimento de enunciação enunciativo-discursivo “as posições do
sujeito e o interdiscurso é que constituem a argumentação” (GUIMARÃES, 1995,
apud
SCHREIBER DA SILVA 1999, p. 12).
Os conceitos aqui delineados estarão imbricados na nossa análise de
argumentação. Quando tratamos a questão argumentativa como relação de linguagem de um
sentido para outro, tomamos o conceito de memorável para tratar de orientação argumentativa
no texto jurídico, tal como tem trabalhado Schreiber da Silva (2004, 2005, 2006 e 2007).
Para compreender como se dá esse processo de identificação do transexual,
também faz-se necessário considerarmos o conceito de reescritura desenvolvido por
Guimarães:
Reescritura são os procedimentos de textualidade pelos quais a enunciação de um
texto rediz insistentemente o que já foi dito. Assim a textualidade é efeito desta
reescrituração infinita da linguagem que se dá como finita por uma posição de
autoria (GUIMARÃES, 1999, p. 4).
36
A reescrituração, para Guimarães,
[…] é uma operação que significa, na temporalidade do acontecimento, o seu
presente. A reescrituração é a pontuação constante de uma duração temporal daquilo
que ocorre. E ao reescriturar, ao fazer interpretar algo como diferente de si, este
procedimento atribui (predica) algo ao reescriturado. E o que ele atribui? Aquilo que
a própria reescrituração recorta como passado, como memorável (GUIMARÃES,
2002, p. 28).
O conceito de reescrituração permite mostrar como se dá o movimento de
predicação na relação com os memoráveis.
É preciso situar com que conceito de designação trabalhamos. Assim, para nós,
[…] a designação é o que se poderia chamar de significação de um nome, mas não
enquanto algo abstrato. Seria a significação enquanto algo próprio das relações de
linguagem, mas enquanto uma relação lingüística (simbólica) remetida ao real,
exposta ao real, ou seja, enquanto uma relação tomada na história (GUIMARÃES,
2002, p. 9).
Então, ao reescriturar predicamos algo. E é a partir dessas reescrituras que
podemos compreender como se dá a designação do transexual. E o faremos ao operar com os
memoráveis para mostrar como se dão as argumentações do Locutor-Requerente (Agnaldo) e
do Locutor-Juiz P. S
15
. para a mudança do nome do transexual.
2.3 Nomeação, Designação e Referência
A seguir, traremos as noções de nomeação, designação e referência, numa
relação com o político, a partir da Semântica do Acontecimento. Para essa SA, a designação é
o sentido dos nomes, e deve ser pensada diferentemente de nomeação e referência.
A designação, para Guimarães (2002), pensando-se a língua na relação com o
real, está no campo da significação; é a significação de um nome, tomada na história e
15
Empregamos as iniciais do Locutor-Juiz.
37
remetida ao real, não de forma abstrata, mas simbólica, por meio de uma relação lingüística,
que constrói o objeto do qual se fala. A materialidade do objeto é constituída numa relação
com a memória, com o interdiscurso. Para o autor, a palavra designa quando ela se reporta a
algo que não é ela. Designar não é referir. A designação divide o real e identifica os objetos
por essa divisão; a designação é construída pelo próprio funcionamento do nome, no
acontecimento de linguagem. Não é o sujeito que designa, nomeia, ou refere, nem a
expressão, mas o acontecimento, exatamente porque ele constitui o seu próprio passado e
projeta um futuro.
Segundo Guimarães (2006), “a referência é a relação, num acontecimento de
enunciação específico, entre uma expressão lingüística e algo no mundo, que a expressão
particulariza entre outras” (GUIMARÃES, 2006, p. 128).
Guimarães (2002) define a nomeação como “o funcionamento semântico pelo
qual algo recebe um nome”. Nomear é um processo de identificação social, é recortar o real e
dar-lhe uma identidade, como uma forma de construir o sentido do visível, em que se toma a
significação a partir do nome.
Também não podemos deixar de apontar um trabalho do filósofo Rancière
(1992), a partir de estudos enunciativos do discurso da história, em que ele realiza um
trabalho com os nomes e a forma como eles designam e referem, fazendo, assim, uma
distinção, conforme o fez anteriormente Benveniste (1966, 1974), entre a enunciação
discursiva, que é marcada pelo “eu”, e a enunciação histórica, não marcada pelo “eu”. De
acordo com Rancière “as palavras da história são nomes” (RANCIÈRE, 1992, p. 43); nomes
que não designam classes e objetos apenas, mas que identificam: “um nome identifica, ele não
classifica” (Ibid., p. 43). Para o autor, “há história porque os seres falantes estão reunidos e
divididos pelos nomes, porque eles se nomeiam a si mesmos e nomeiam os outros…” (Ibid.,
p. 43), num processo de identificação e não apenas de classificação.
No capítulo seguinte, intitulado “JURÍDICO, DISCURSO JURÍDICO E
PROCESSOS DE NOMEAÇÃO”, apontaremos as definições de discurso jurídico e Jurídico,
bem como quanto à nomeação no jurídico e a nomeação como processo de identificação.
38
3 JURÍDICO, DISCURSO JURÍDICO E PROCESSOS DE NOMEAÇÃO
3.1 Jurídico e Discurso Jurídico
O discurso jurídico, na concepção de Indursky,
é construído pelo conjunto de textos jurídicos que estabelecem a legislação de um
país, através da qual a sociedade é ordenada. Ou seja, o discurso jurídico é assunto
de especialistas: juristas, juízes, legisladores, etc. (…) o jurídico é resultado do
trabalho de construção discursiva, instaurado na cena discursiva, pelos diferentes
sujeitos históricos que nela se confrontam, pelo viés dos discursos em circulação no
discurso social (INDURSKY, 2005, p. 103).
Segundo a autora, “não se trata de afastar/negar o discurso jurídico, mas de
captar os diferentes gestos de interpretação que, a partir dele, se produzem”. Para ela, esses
gestos de interpretação do texto legal, os quais são instaurados por sujeitos não-especialistas,
tecem processos discursivos que vêm afetados pelo interdiscurso
16
e que também podem ser
recortados por diferentes formações discursivas.
Haroche (1984), em Fazer Dizer, Querer Fazer, possibilita-nos “visualizar a
emergência do sujeito responsável, diretamente vinculada à emergência do Estado” (Apud
LAGAZZI-RODRIQUES, 1988, p. 19).
Vamos compreender, a partir de análises de Haroche (Op. cit.), como se dá a
passagem do “sujeito religioso
aquele completamente subordinado ao texto e ao dogma
religiosos, constituindo, assim, um sujeito submisso à ideologia cristã e assujeitado às práticas
rituais religiosas
“ao sujeito-de-direito” (HAROCHE, Ibid.), “um sujeito responsável
por suas ações, ao qual a história tensa de sua constituição foi atribuindo direitos e deveres”
(LAGAZZI-RODRIGUES, op. cit.).
Com o Capitalismo ganhando seu espaço, a constituição de um Estado
centralizador e o progresso do jurídico apontaram para novas relações e mudanças desse
sujeito-de-direito, as quais foram sendo instituídas pela própria mudança de relações, de
pessoais a econômicas, entre senhores e vassalos.
De acordo com Lagazzi-Rodrigues,
16
Para Pêcheux (1975), é algo dito sempre “antes, em outro lugar e independentemente”; é a relação de um
discurso com outros discursos.
39
A dominação (e definição) do sujeito pelo religioso foi profundamente abalada com
o progresso do Direito. O sujeito passou a centrar suas atividades em si mesmo, com
suas próprias intenções, motivações, sua própria vontade. Essa individuação só pode
fazer ruir o dogma cristão, que exigia uma obediência absoluta à lei divina. Com o
enfraquecimento da Igreja, centralizou-se o Estado, fazendo avançar o poder
jurídico, ou melhor, fazendo com que o poder jurídico se constituísse, aos poucos, na
Instituição Jurídica. Direitos e deveres sempre permearam as relações sociais, mas
com a emergência do sujeito de direito, aconteceu a constituição de uma nova forma
de assujeitamento, que Pêcheux (1975b) denominou como a forma plenamente
visível da autonomia (LAGAZZI-RODRIGUES, 1988, p. 20).
Para a autora, “cada vez mais fortemente o sujeito-de-direito foi se
configurando e hoje a responsabilidade é uma noção constitutiva do caráter humano, da
pessoa, do cidadão, sem o que não nos reconheceríamos socialmente” (Ibid. p. 20), como
enfatiza.
Ainda parafraseando Lagazzi-Rodrigues, (Ibid.), podemos perceber que a
ideologia jurídica instala uma ambigüidade no sujeito: ao mesmo tempo em que este se vê
como um ser único, senhor e responsável de si mesmo, “ele é intercambiável perante o
Estado” (HAROCHE, op. cit.), que se dirige a cidadãos, a cada um e a todos ao mesmo
tempo, a uma massa uniforme de sujeitos assujeitados, que têm a ilusão da unicidade.
E direcionando ainda mais para o nosso tema de pesquisa, a partir desse breve
diálogo com a história, o discurso jurídico e o Jurídico. Consideramos, especialmente, os
estudos de Schreiber da Silva (1999), ao afirmar que “uma ação é sustentada por outros
discursos que atravessam a enunciação” (SCHREIBER DA SILVA, 1999, p. 67). Dessa
forma, substituir um nome, portanto, torna-se possível somente quando a partir de uma
instância jurídica.
Dessa forma, por se tratar o processo jurídico o qual analisamos de um
requerimento do transexual Agnaldo para retificação de seu prenome Agnaldo para Ângela, a
seguir veremos quanto à nomeação no jurídico e a nomeação como processo de identificação.
3.2 Nomear No Jurídico X Nomear Como Processo De Identificação
40
O Código Civil, no art. 16, dispõe que toda pessoa tem direito ao nome, nele
compreendidos o prenome e o sobrenome.
Na lei, o modo de nomear é imposto por uma determinação jurídica, e o nome
é a forma de identificar-se a pessoa, e o prenome — que é individual — é imutável, segundo a
Lei n.º 6.015 (de Registros Públicos), art. n.º 58, cabendo apenas duas possibilidades para se
mudar ou retificar o prenome de uma pessoa: se tiver havido engano gráfico, ou, ainda, a
própria mudança, se vier a causar ridículo ao portador e tenha sido aceito pelo oficial por
ocasião do registro, uma vez que “por o prenome ser de livre escolha, a lei veda a adoção de
nomes exóticos, que possam causar ridículo à pessoa” (LEVENHAGEN, 1995, p. 35). Assim,
adquire-se legalmente o nome com o registro civil, no qual constam o prenome e os
patronímicos de família, também chamados de apelidos.
Guimarães (2000), estuda o nome próprio de pessoa, tomando-o como sentido
e acontecimento. Antes, porém de atermo-nos a esse estudo específico, vamos retomar alguns
conceitos, em relação aos lugares de enunciação e posição sujeito.
Para o autor,
[…] o funcionamento do Locutor dividido pelo próprio jogo de se representar como
idêntico a si, quando se lhe é dispare, é o processo pelo qual a enunciação apaga seu
caráter social e histórico. Poderíamos perguntar: o por que o Locutor é significado
no acontecimento como independente ou fora da história? Por que este colocar-se à
margem da história se produz por este modo de representação dos lugares de dizer
(enunciador) como apagamento do lugar social do locutor (locutores-x)? O que
explica estas divisões do Locutor que funcionam produzindo o apagamento do social
e da história? (GUIMARÃES, 2000, p. 77).
Enfatizamos que, para o ponto de vista do autor, “falar e fazer-se sujeito é estar
numa região do interdiscurso, de uma memória de sentidos” (Orlandi, 1999). Assim ser
sujeito é estar afetado por este esquecimento que se significa nesta posição. Deste modo a
representação do Locutor
se constitui neste esquecimento e é isto que divide o Locutor e
apaga o locutor-x.
Procuraremos, a seguir, ver como se dá a posição de sujeito, de acordo com
Guimarães:
Voltemos ao caso do Decreta de um lado e ao caso do dito popular de outro. No
primeiro caso o lugar social de presidente é apresentado como voz universal e o
41
sujeito fala de uma região do interdiscurso (da posição de sujeito jurídico-liberal).
Falar desta posição de sujeito e nesta cena enunciativa dá sentido ao apagamento das
configurações sociais e assim às disputas, dissimetrias do dizer (os conflitos próprios
do lugar social do locutor-x), pela representação do Locutor enquanto enunciador-
universal. Já no caso do dito popular, o sujeito fala de uma outra região do
interdiscurso (posição de sujeito), a do senso comum. Posição que dá ao todos a
sabedoria irrefletida pela qual o Presidente não se diz Presidente, mas um dos que
lhe são historicamente dissimétricos.
As duas caracterizações acima poderiam levar a pensar que a figura do enunciador
não é nada mais do que uma repetição da questão da posição do sujeito. Mas não é o
caso. O enunciador-universal, por exemplo, pode ser o lugar do dizer de enunciações
para as quais a posição do sujeito no interdiscurso é a do discurso jurídico-liberal,
como no caso do Decreta X. Poderia ser, por outro lado, o lugar de dizer de
enunciações em que o sujeito estivesse na posição de sujeito administrativo, ou
cientifico. E estas diferenças levam a relações diversas entre o lugar de dizer e o
lugar social do dizer. Da posição do discurso jurídico e do discurso administrativo o
enunciador-universal pode ser o lugar de dizer que apaga o locutor-presidente. Mas
este mesmo enunciador-universal pode ser o lugar que fala a partir da posição do
discurso cientifico (GUIMARÃES, 2002, p. 30-31).
Guimarães (2000-2002), ao se ocupar do estudo da designação dos nomes
próprios de pessoa, afirma: “pensar o nome próprio de pessoa nos coloca diante da relação
nome/coisa, na qual se considera que se está diante dos casos em que se tem um nome único
para um objeto único” (GUIMARÃES, 2002, p. 33).
Coloca-se, também, de outro lado,
a questão de que há uma relação particular: um nome único é nome de uma pessoa
única. Ou seja, estamos na situação em que o nome está em relação com aqueles que
falam, que são sujeito no dizer. Isto por si só ressignifica a questão da relação
nome/coisa, na medida em que a relação é nome/pessoa, nome/falante, nome/sujeito.
Um outro aspecto importante a considerar é que a relação nome único/objeto único
pode levar a uma hipótese de unicidade do nome (Ibid., p. 33).
Procuramos apenas apontar os aspectos morfossintáticos de uma posição
enunciativa tal como configurados acima por Guimarães (2000, 2002): “O estudo do nome
próprio de pessoa leva a recolocar fortemente as questões relativas ao domínio que pensa a
relação da linguagem com o mundo e com o sujeito”.
Segundo Guimarães, “há uma constituição morfossintática do nome próprio de
pessoa e ela se dá como relações de determinação que especificam algo sobre o que se
nomeia. E estas relações são restrições que determinam o modo de nomear alguém”
GUIMARÃES, 2000, p. 79).
42
Inserimos, a seguir, as citações referentes ao funcionamento morfossintático e
ao funcionamento semântico-enunciativo:
1 . Funcionamento Morfossintático
Se tomamos nomes próprios tal como os existentes na nossa sociedade, encontramos
nomes como: Getúlio Dornelles Vargas, João Belchior Marques Goulart, Antônio
Cândido de Melo e Souza, Joaquim Mattoso Câmara Júnior, João Café Filho.
Nestes nomes, como em outros, vamos encontrar nomeações que se formam a partir
da combinação de dois tipos de nome: Os nomes e os sobrenomes. Ou seja, temos
uma classe de nomes como Getúlio, João, Belchior, Antônio, Cândido, Joaquim, e
outra de nomes como Vargas, Marques, Goulart, Melo, Souza, Mattoso, Câmara,
Café (GUIMARÃES, 2002, p. 33-34).
O autor acresce ainda o nome de uma terceira classe como, por exemplo,
Júnior e Filho.
O que se observa é que o nome próprio de pessoa, que é apresentado como um nome
único, é na verdade uma construção tal que um sobrenome determina um nome. Por
exemplo, Marques e Goulart determinam João Belchior. Há que se considerar aqui
que nome e sobrenome podem ter uma relação de determinação interna através de
um procedimento de aposição de um nome ou sobrenome ao outro. Voltemos à
determinação do nome pelo sobrenome. Ela diz que este João Belchior é um
Marques Goulart. É da família Marques Goulart. Ou seja, o funcionamento do nome
próprio de pessoa é construído por uma determinação (Ibid., p. 34).
Guimarães incita a reflexão quanto ao funcionamento de nomes da terceira
classe (Júnior, Filho), convidando o leitor a perceber que estas palavras têm também um
funcionamento determinativo que se caracteriza por estabelecer uma distinção entre nomes
iguais: Joaquim Mattoso Câmara Júnior é o Joaquim dos Mattoso Câmara que é filho de um
outro Joaquim dos Mattoso Câmara.
O autor traz um outro aspecto interessante para se observar, que é a relação
entre o sobrenome e o nome e esta
se dá tanto por uma justaposição, como em Getúlio Dornellles Vargas quanto através
de preposição, como é o caso de Antônio Cândido de Melo e Souza, em que o de
liga Melo e Souza a Antônio Cândido. Aqui se observa também que os sobrenomes,
quando mais de um, podem vir justapostos como em Mattoso Câmara, ou
articulados por uma conjunção, como em Melo e Souza (Ibid., p. 34).
43
3. 2. 1 Funcionamento semântico-enunciativo
Guimarães (2002), antes de analisar aspectos específicos do funcionamento
semântico-enunciativo, esclarece que “é preciso observar que a nomeação de pessoas se dá no
espaço de enunciação da Língua Oficial do Estado, a Língua Nacional, como homogênea”
(GUIMARÃES, 2002, p. 35). Em seguida, convida o leitor a observar, por exemplo, os nomes
anteriormente apresentados, e considerar a incumbência da autoridade responsável pelo
registro de crianças em não aceitar nomes “fora de propósito”. E pensando neste espaço de
enunciação que o autor observa como a nomeação constitui a designação de um nome próprio
de pessoa. Vejamos a citação a seguir:
Consideraremos, nos textos nos quais se apresenta, as relações do funcionamento
designativo do nome próprio com as enunciações de nomeação (nas quais um nome
é atribuído a uma pessoa).
Tomaremos para isso quatro aspectos
17
.
A) O ato de dar o nome a uma pessoa, na nossa sociedade, pelos pais;
B) Relativamente ao item A, o que nos diria o fato de que em cada época há nomes
predominantes, que são mais usados? (Reportagem de jornal de cerca de quatro ou
cinco anos dava conta de que o nome predominante naquele momento era Bruno,
para os meninos);
C) Por que alguém que foi nomeado
a) Antônio Cândido de Melo e Souza é no uso corrente Antônio Cândido?
b) Maximino de Araújo Maciel é Maximino Maciel?
D) No serviço militar alguém que se chama João Roberto Rodrigues da Silva pode
ser João ou Roberto ou Rodrigues ou Silva, e mesmo da Silva? (Ibid., p. 35).
E quanto à análise destes aspectos, Guimarães enfatiza, pondo de início a
questão sobre
[] o funcionamento do nome próprio que se constitui como a busca de uma
unicidade. Ou seja, um nome para uma única pessoa. Unicidade que o
funcionamento morfossintático mostra que é, em verdade, uma construção de
relações lingüísticas e não uma relação direta entre palavra e objeto. Como vimos,
um nome de pessoa é uma construção com determinações de um certo tipo. A
questão interessante é procurar saber o que significa esta construção de unicidade do
nome próprio (Ibid., p. 36).
17
Não iremos explorar em nossa pesquisa todos esses aspectos apresentados por Guimarães.
44
A hipótese do autor é a de que
esta unicidade é um efeito do funcionamento do nome próprio como processo de
identificação social do que se nomeia. Isto ganha contornos especiais e muito
particulares no caso dos nomes próprios de pessoa porque neste caso o
funcionamento do nome se dá no processo social de subjetivação. Ou seja, passa a
ser uma questão do sujeito (GUIMARÃES, 2000, p. 80).
Vejamos que, conforme Guimarães (2002) ao tomar o caso A, citado
anteriormente, ou seja:
Dar o nome a uma criança é uma “obrigação” dos pais que a devem registrar. E é
uma “obrigação” estabelecida pela lei (um conjunto de textos específicos), que
obriga os pais a registrarem um recém-nascido. Os pais devem solicitar ao cartório a
emissão de uma certidão, um texto sustentado pela lei, que nomeia e inclui o
nomeado no Estado, com as obrigações e direitos advindos desta inclusão. Dar nome
a uma pessoa se faz, então, do lugar da paternidade (locutor-pai) que se configura
como um lugar social bem caracterizado. Não é paternidade biológica que interessa
no processo, embora o direito coloque a relação biológica como elemento do lugar
da paternidade. Mas os pais nomeiam como aqueles que escolhem, segundo querem,
um nome. Termos, então, um enunciador-individual. A representação deste
enunciador apaga a constituição do Locutor pela rede jurídica que o instala como
pai, no espaço enunciativo da Língua Portuguesa, com certas obrigações de dizer
(dar nomes aos filhos, por exemplo).
Dar nome é, assim, identificar um indivíduo biológico enquanto indivíduo para o
Estado e para a sociedade, é tomá-lo como sujeito. Deste ponto de vista ganha
interesse o funcionamento determinativo da construção do nome próprio de pessoa.
No caso de Antônio Cândido de Melo e Souza, por exemplo, nomeá-lo na relação
social como o Antônio Cândido dos Melo e Souza. É colocá-lo na sociedade como
uma identificação (Ibid., p. 36).
Consideremos, agora, o aspecto B, a partir de Guimarães (2002), ao mostrar
que “a “escolha” do nome não é uma escolha. Sua ‘origem’ não é nem o locutor-pai (lugar
social), nem o enunciador-individual (lugar de dizer). O Locutor se representa, na escolha do
nome Bruno, como um enunciador contemporâneo” (GUIMARÃES, 2002, p. 36). E esse
enunciador contemporâneo se caracteriza por enunciar tal como se escolhe enunciar num
certo momento. A escolha do nome se dá, então, segundo um agenciamento enunciativo
específico. E “este acontecimento de nomear recorta como memoráveis os nomes disponíveis
como contemporâneos, logo próprios de sua época” (Ibid., p. 37). No caso da escolha do
45
nome Bruno, “há alguns anos, a enunciação do pai cita a enunciação daqueles que são tidos
como modernos, engajados no seu presente” (Ibid., p. 37). Seguidamente, Guimarães também
lembra como muitas crianças receberam o nome “Donizete”, por causa de um padre cujo
sobrenome era Donizete. E, na escolha desse nome, “as nomeações dos pais citam as
enunciações que nomearam tal padre Donizete” (Ibid., p. 37). Então, segundo o autor,
Isto se dá por um acontecimento que recorta uma memorialidade de nomes no
espaço da contemporaneidade, o da celebridades [...] E nas nomeações podem-se
cruzar regiões diferentes do interdiscurso (posições de sujeito diferentes). No caso
do nome Bruno a posição de sujeito é a jurídico-liberal, no caso de Donizete
cruzam-se duas posições de sujeito, de um lado a jurídico-liberal (aquela da qual se
nomeia por obrigação do Estado) e de outro a posição de sujeito religioso. O
agenciamento enunciativo específico é afetado pela memória do dizer, pelo
interdiscurso (Ibid., p. 37).
Tomando-se esse aspecto para o nosso objeto de estudo, quanto à solicitação de
substituição do prenome de Agnaldo para Ângela, observamos que poderá haver uma
tentativa de “apagamento” do locutor-pai, que nomeou Agnaldo no momento de seu
nascimento, na substituição do prenome que o Locutor-requerente pretende, conforme consta
no requerimento: para Ângela. Aqui, o locutor-requerente se apresenta, na escolha do nome
Ângela, como um enunciador contemporâneo, que já tem a sua significação na
contemporaneidade desde que começou a ser reconhecido como Ângela. A escolha do nome
se deu, nesse caso, segundo um agenciamento enunciativo específico. E este acontecimento de
nomeação recorta como memoráveis os nomes disponíveis como contemporâneos,
considerando-se a atuação da atriz Cláudia Raia ao protagonizar Ângela Vidal, como próprios
do acontecimento em que o Locutor-requerente passou a se identificar
18
como pertencente ao
universo feminino. E essa escolha do Locutor-Requerente foi conquistando respeito e espaço.
Assim, na vida artística
19
, Ângela é conhecida como “Ângela L.”.
20
Por outro lado, podemos
também estabelecer uma relação de sonoridade entre “Agnaldo” e “Ângela”.
Vejamos que nessa nomeação, no caso do nome Ângela, a posição de sujeito é
a jurídico-liberal, porque cruza a posição de sujeito jurídico-liberal (e aqui porque há a
18
Ver Anexo I, na íntegra.
19
Convém ressaltar que não incluímos em nossa análise recorte que mencionasse o nome artístico do locutor-
requerente na Companhia de Teatro Musical de São Carlos.
20
Por ter sido extraído do Requerimento do Locutor-Requerente, mantemos as iniciais.
46
necessidade de uma legitimação de seu prenome feminino, que precisa ser fundamentada pelo
Estado).
Observemos a análise de um outro aspecto, que apresenta uma proximidade
com o processo jurídico o qual analisamos. A nomeação pelo social, como Luís Ignácio Lula
da Silva, em que Lula, tomado do seu convívio social, teve a alteração do seu nome.
Contudo, Guimarães (2002) expõe, que é preciso analisar aspectos específicos
do funcionamento e, sobretudo, é preciso observar que a nomeação de pessoas se dá no
espaço de enunciação da Língua.
3.3 O Nome Próprio: Designação e Subjetivação
O procedimento enunciativo da designação significa, então, na medida em que
se dá como um confronto de lugares enunciativos pela própria temporalidade do
acontecimento. Este confronto que corta e assim constitui um campo de “objetos”. Se se
mudam os lugares enunciativos em confronto recorta-se um outro memorável, um outro
campo de “objetos” relativos a um dizer.
Para Guimarães (2002), em estudos específicos sobre a constituição do nome
próprio de pessoa, encontramos nomeações que se formam a partir da combinação de
prenomes e sobrenomes; além de uma terceira classe (Júnior e Filho). Trata-se de uma
determinação jurídica que impõe o modo de nomear. Não são nomes soltos; mas uma relação
histórica da constituição da família, em que o sobrenome obrigatório é o do pai. Acrescenta o
autor: “O que observa é que o nome próprio de pessoa, que é apresentado como um nome
único para uma pessoa única, é na verdade uma construção tal que um sobrenome determina
um nome [
], e nome determina sobrenome” (Ibid., p. 34).
Dessa forma, não vamos nos referir a um
Agnaldo ou a uma Ângela quaisquer,
mas a um ser singular, que traz o patronímico de família. E no pedido para retificação apenas
do prenome, mantém-se no próprio requerimento a que seja mantido o patronímico da família,
conforme determina a lei de RP.
Então, como o processo enunciativo de dar nome não é uma relação de ato de
fala do pai, “identificar um indivíduo para o Estado e para a Sociedade recorta uma
memorialidade no processo social de subjetivação do nome” (SCHREIBER DA SILVA,
2004, p. 42). E é o que está se buscando nesse texto jurídico, quando Agnaldo requer a
retificação de seu prenome para Ângela, o nome que o identifica socialmente.
47
Queremos também aqui lembrar Cunha (2005), ao pesquisar em relação ao
nome próprio do transexual, especificamente no discurso jurídico, onde enumera as
circunstâncias previstas para a retificação do registro civil, norteando a sua reflexão ao
transexual, de modo “a pensar a condição do transexual ante sua necessidade de transformar
não somente seu corpo, mas também o seu nome”. E é nesse sentido que estabelecemos um
diálogo com esse estudo de Cunha, pois dentre as práticas sociais em circulação na sociedade,
a de dar um nome próprio a alguém é legitimada pelo Discurso Jurídico; conforme já
apontamos anteriormente, a discursividade de gênero do nome
21
, de acordo com a qual “um
homem leva nome de homem, e mulher leva nome de mulher”. No entanto, conforme Cunha,
A existência da patologia chamada hermafroditismo psíquico, ou transexualismo,
que se caracteriza pela divergência, num mesmo indivíduo, entre sexo biológico e
sexo somático, expõe o seu portador a experiências de conflito com essas
identidades sedimentadas na/pela sociedade. Mesmo pessoas que não são portadoras
dessa patologia, mas que receberam, todavia, um nome que se afasta da
discursividade de gênero do nome, vêem-se afetadas por experiências perturbadoras
advindas desse afastamento, dessa divergência (CUNHA, 2005, p. 01).
Para essa última afirmação, conferir também em Cunha (2006), a requerente
pleiteava a alteração de seu prenome Domingas para Débora, como já é conhecida no meio
familiar há vários anos (vinte), pois ocorre ser chamada por Domingos, ao invés de
Domingas, conforme está registrada, alegando ser algumas vezes confundida com
“travesti”.
22
Cabe também mencionar um evento promovido pelo Labeurb, da Unicamp,
intitulado “Conversa de Rua /Travestis: Cruzando as fronteiras do Gênero
23
, em 24 de maio
de 2006, espaço aberto a um início de discussões nesse sentido, priorizando o discurso de uma
minoria, tal como me refiro. Enfatizamos a apresentação de Janaína Lima, travesti, integrante
do Grupo de Ação pela Cidadania de Lésbicas, Gays, Travestis, Transexuais e Bissexuais, ao
expor em relação à sua nomeação enquanto travesti: “Janaína, do Iemanjá’ : sereia” e “Lima,
do pai”; portanto o patronímico de família preservado. Segundo sua fala, “o travesti luta de
frente da batalha; não há meio termo”. Justificou sua afirmativa afirmando que não há lei
especificando seus direitos, diferentemente do transexual que “existe”, pois há lei que garante
21
Uma das discursividades que integram o processo discursivo de designação de pessoas propostas por Cunha
(2006).
22
Mantemos as aspas tal como no recorte citado em Cunha (2005).
23
Participaram do Conversa de Rua: Paulo Reis e Janaína Lima, nessa ordem.
48
alguns de seus direitos para se mudar o sexo. Na Medicina também há lugar para o transexual.
Também falou da importância do travesti e do transexual terem sua carteira de identidade; o
que o Grupo Identidade, há 9 anos em Campinas, tem procurado implantar junto aos órgãos
de saúde locais, dentre outros objetivos, fazer com que “sejam tratados por seu nome”, que os
identifica socialmente, e não com o nome contido no documento de identidade oficial, que
além de não corresponder com o seu físico, a sua psique, causam-lhes constrangimentos em
público. E é aí que está o ponto em comum que diz respeito ao nosso corpus: mudar o nome
para ser reconhecido socialmente.
Uma vez que já estamos situados quanto à teoria filiada e à nomeação no
jurídico, apresentaremos uma breve discussão quanto ao discurso do anormal (COURTINE,
2005-2006), seguida de uma reflexão na qual analisamos leis de países que permitem a
cirurgia para castração.
49
4 A NORMALIZAÇÃO DO ANORMAL X REFLEXÃO SOBRE LEIS DE PAÍSES
QUE PERMITEM A CASTRAÇÃO
Apresentado um capítulo específico que situa como a lei se relaciona com o
transexual, compreendendo as etapas pelas quais muitos transexuais precisam passar para
conseguir a mudança de seu nome e em relação à adequação de sexo, e percebendo a relação
implicada para essa adequação do sexo que envolve a transformação do corpo, consideramos
os estudos de Courtine (2005-2006), sobre a “História do Corpo”.
Esse tema se faz presente na atualidade, especificamente ao mostrar-nos um
panorama da “normalização do anormal”, compreendendo séculos, especificamente os séculos
XIX e XX, onde corpos considerados monstros, portanto anormais, eram exibidos em feiras,
grandes praças, incorporando cenários e cartões postais, sendo projetos destinados à
curiosidade e ao riso, constituindo quadros aceitos e mantidos pela sociedade, iniciando-se
tais exibições em meados do século XIX, com o “Museu Americano”, que apresentava
monstros em massa.
Desde uma feira de órgãos a um museu de horrores, para Courtine (2005-
2006), “seja em Londres, Nova Iorque ou Paris, o espetáculo dos monstros dava lucro”. E
essas exibições a partir do século XX, depois de muito questionadas, em função das próprias
mudanças de época, foram substituídas, não constituindo mais o exibicionismo antes visível e
aceitável na (e perante a) sociedade. Courtine vê as transformações, sobretudo no plano social
nesse panorama da normalização, ainda que seja interessante observar, segundo o autor, que a
medicina, da mesma forma que o direito, constitui o último espaço de legitimidade, ao se
buscar o direito à normalidade.
Hoje, por exemplo, busca-se o corpo modelado esteticamente através das
cirurgias para redução de estômago, onde têm-se, respectivamente, o cruzamento e embate de
dois discursos: o da saúde e o da beleza, reforçando a necessidade da busca pela saúde
perfeita, a qual não permite excessos de gordura; assim como também para as mulheres, os
travestis e os transexuais o aumento dos seios, dentre outras normalizações estéticas voltadas
à beleza, de modo a aumentarem e/ou preservarem sua auto-estima.
E agora, no que diz respeito à identidade do transexual, a diferença no órgão
sexual, pensando-se a necessidade de buscar a garantia legal à identidade (por exemplo,
quando muda de nome, vai receber um nome feminino, e é esse o caso desse processo jurídico
que analisamos), ao ser questionado diretamente sobre esse caso específico, se considerava
50
uma monstruosidade o indivíduo ter que extirpar, eliminar órgão, para depois poder trocar o
nome juridicamente
24
, o prof. Courtine respondeu que:
Se trata-se de uma questão cirúrgica? É um problema cirúrgico. Um problema da
identidade pode se resolver com um corte de bisturi. É possível que o sentimento de
pertencer a outro sexo continue a existir com a presença morfológica dos órgãos
genitais (COURTINE, 2006).
Vemos que o próprio Courtine, nessas afirmações, admite que a “identidade”
seja modificada pela cirurgia.
Na seqüência, seguiu o segundo questionamento, em relação a pessoa
conseguir trocar de nome sem ter que fazer a cirurgia, se isso seria extinguir a diferença e
criar uma nova normalidade. E a resposta do prof. Courtine foi a seguinte:
A questão é até que ponto o nome deve estar assimilado ao sexo. Na França, as
coisas são claras: sexo masculino, nome masculino; sexo feminino, nome feminino.
É claro que essa é uma das razões pelas quais a intervenção cirúrgica é vista como
condição da mudança de nome, de sexo. Mas há outro problema, da questão da
estrutura do desejo, é isso que me parece um elemento fundamental. E essa estrutura
não obedece necessariamente a requisitos jurídicos ou médicos. É um problema
extraordinariamente complexo, o direito flutua sobre essa questão. [...] Na França, as
adequações do sexo são reconhecidas. (COURTINE, 2006).
O autor não acredita, em última instância, que quanto à “questão do sentimento
de ser outro deve(a) necessariamente passar, do ponto de vista jurídico-pessoal, pela
necessidade da intervenção cirúrgica” (COURTINE, 2006). Na seqüência, poderemos
entender como uma questão jurídica como essa põe-se na questão da mudança do prenome.
4.1 Leis de países que permitem a cirurgia para castração
Mencionamos anteriormente, no capítulo intitulado “Transexual e recentes
conquistas”, alguns nomes de países que admitem a cirurgia para mudança de sexo e, a seguir,
24
Questionamentos de Fátima Catarina Fernandes direcionados ao Prof. Courtine, na Conferência “Corpo e
Linguagem”, realizada em 31/10/2006, na Unicamp.
51
ainda que retomando alguns dos nomes dos países já citados, trazemos uma breve
interpretação dessas leis
25
, as quais constam do processo jurídico analisado.
I - A lei alemã de 14-08-1969 sobre a castração voluntária e outros métodos
terapêuticos, dispõe, no parágrafo segundo, que a mesma não é suscetível de ser reprimida
penalmente, se este tratamento a juízo da ciência médica for indicado para prevenir, sarar ou
aliviar a pessoa de doenças, perturbações ou sofrimentos psíquicos graves ligados à
sexualidade anormal. O interessado deve ter 25 anos e manifestar um consentimento
oferecido, após informação sobre a natureza e gravidade dos riscos inerentes à operação.
[GRIFO NOSSO]
II - A lei dinamarquesa de 11-05-1935 permite a castração voluntária de
pessoas cujos
instintos sexuais anormais apresentem o risco de impedi-las ao crime, à
decadência física, ou a graves sofrimentos morais. A transformação só pode ocorrer com a
autorização do Ministério da Justiça e após um balanço clínico e endócrino. O tratamento só é
acessível aos dinamarqueses e só é praticado quando as conseqüências sejam suscetíveis de
serem reconhecidas no plano jurídico. [GRIFO NOSSO]
III - A lei norueguesa de 1-6-1934 admite explicitamente a esterilização de
qualquer adulto cujo requerimento tenha por base uma razão séria. O médico avalia somente a
capacidade e o valor do consentimento do interessado e pode recorrer também à
castração.
[GRIFO NOSSO]
IV - Na Suíça a
liceidade da operação fundada na finalidade terapêutica foi
proclamada pelo Tribunal de Cantão de Neuchâtel, 2-7-1945.
“‘A
esterilização praticada fora das indicações médicas é tolerada por acordo
tácito entre médicos e autoridades mesmo sem qualquer texto oficial’ (Castração.
Esterilização. Mudança artificial de sexo, RF 276 – páginas 14/15)”. [GRIFO NOSSO]
De I a IV, trata-se de interpretações de Antonio Chaves, dentre outros, em
trabalho publicado na Revista Forense 276/13, a respeito da legislação estrangeira.
25
Tal como no processo jurídico pesquisado.
52
Vejamos, também, uma interpretação em língua espanhola, de Carlos
Fernández Sessarego, que, ao comentar a lei peruana, acrescenta:
V - “... La identidad personal es la ‘maneira de ser’ como la persona se
realiza en sociedad, con sus características y aspiraciones, con su bagaje cultural e
ideológico. Es el derecho que tiene todo sujeito a ‘ser él mismo’. (El Cambio de Sexo Y Su
Incidencia En las Relaciones Familiares, /Revista de Direito Civil nº 56, páginas 07/08.
(Acórdão – do referido processo). [GRIFO NOSSO]
Pretendemos, brevemente, observar como se predica, nesses conjuntos de leis,
para a castração, ou seja, quem pode se submeter à cirurgia de castração:
Em I, da Alemanha,
sexualidade anormal reescreve tanto o transexual
masculino quanto o transexual feminino, porque no transexualismo são diagnosticados dois
tipos de transexual, daí termos a reescritura tanto do transexual masculino quanto do
transexual feminino, pois pode-se ver as predicações na designação a seguir: “
se o
tratamento a juízo da ciência médica for
indicado para prevenir, sarar ou aliviar a pessoa
de doenças,
perturbações ou sofrimentos psíquicos”. Na sexualidade anormal essas
predicações determinam castração.
Em I, portanto, somente pode se submeter à castração
o adulto, maior de 25
anos e que manifeste um consentimento oferecido, após ter sido
informado sobre a natureza e
gravidade
dos riscos que podem ser recorrentes de tal submissão a ela. Além de ser adulto,
outro requisito para a castração é que seja para tratamento médico.
A designação “o adulto”, e o determinante “informado dos riscos” apontam
uma relação com/entre o Jurídico e a Medicina.
Temos em II, da Dinamarca, uma predicação para o transexual. Assim,
“anormais” reescreve transexuais. Em II, “castração voluntária de pessoas cujos
instintos
sexuais anormais...” somente pode ocorrer com autorização do Ministério da Justiça, e,
também, após um tratamento clínico. A castração somente é acessível aos dinamarqueses e
praticada desde que não implique nada não reconhecível
no plano jurídico.
Em III, da Noruega, a castração é admitida explicitamente “a qualquer adulto
que tenha por base uma razão séria”. O médico avalia em relação à capacidade e o valor do
consentimento do interessado e pode recorrer também à castração. Assim, aqui em III,
observamos que o
transexual é reescrito diferentemente de II, uma vez que as predicações
adulto, interessado e razão séria bastam para manter umnculo social com o jurídico.
53
Em IV, da Suíça, temos o transexual sendo predicado pela
liceidade, sem
maiores constrangimentos. A
castração, aqui tratada como “esterilização”, é permitida
livremente, fundada na finalidade terapêutica. E as castrações “praticadas fora das indicações
médicas” são toleradas, por acordo tácito entre médicos e autoridades mesmo sem nenhum
texto oficial em relação a esse acordo.
As leis de I a IV se constituem para autorizar a castração, para garantir e
determinar a quem e quais condições se destinam a mesma (a castração). Especificamente, de
I a III, há um
memorável de “anormalidade”, também presente em IV; no entanto, nas
primeiras, há uma relação direta com o Jurídico. Assim sendo, a relação Medicina e Jurídico
são determinantes para a castração. Ambas as leis tratam da cirurgia de castração e a relação
de “anormalidade” diz respeito à sexualidade biológica não correspondendo à psíquica, e essa
relação direta com o Jurídico, implicando uma relação com a Medicina vão determinar a
castração sem decorrer em penalidade.
Vemos em V, a identidade pessoal, que reescreve a maneira de ser da pessoa e
sua realização pessoal. Há o memorável da valoração da pessoa, segundo a qual a pessoa deve
ser reconhecida e respeitada na sociedade tal como ela é, de modo que não seja em nenhum
momento tratada com diferença, e que o Direito pode defendê-la, se o mesmo ocorrer, pois
trata-se de um
Sujeito-de-direito que deve ter os seus direitos garantidos por lei. Assim, em
“Es el derecho que tiene todo sujeito a ‘ser él mismo’”, o direito à castração, à cirurgia para se
trocar o sexo está marcando esse memorável, o qual é reticente na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, especificamente em seu artigo 1º, o qual estará inserido, na
íntegra, em capítulo posterior, quando da análise dos recortes do requerimento do locutor-
requerente Agnaldo.
Temos nas reescrituras de I a IV, a designação de transexual associada à
castração, num movimento que vai de anormalidade, no texto jurídico, para uma relação de
manutenção de vínculo social com o jurídico, sem constrangimentos. Aí temos o recorte de
“anormal” que exclui o transexual de um processo jurídico e uma relação de vínculo social
com o jurídico que não apresenta constrangimentos no litígio e, por isso, não exclui o
transexual. E em V, também a associação do transexual à castração, mas que o inclui no
memorável da valoração humana. Ainda que essa valoração venha do lugar da castração, da
jurisprudência que inclui a anormalidade enquanto transposição à normalidade, ao se defender
o direito de a pessoa ser ela mesma, o movimento do memorável da valoração humana o
inclui no vínculo social do jurídico.
54
Passaremos, finalmente, no capítulo a seguir, às análises dos recortes
selecionados da argumentação do locutor-requerente e do locutor-juiz.
55
5 DAS ARGUMENTAÇÕES
Como o litígio instaurado nesse texto jurídico é para se “mudar de nome”,
conforme já o apresentamos anteriormente, passemos, a seguir, à análise dos recortes
26
,
respectivamente, da solicitação do locutor-requerente e da sentença do locutor-juiz.
5.1 Da argumentação do locutor-requerente:
[1] – “Agnaldo L. de A., brasileiro, solteiro, (...) por sua advogada que esta
subscreve (doc 1), vem à presença formular pedido de retificação de assento no registro civil
de seu prenome, o que faz com fundamento nos arts. 1º, III; 3º IV; art. 5º, XXXIV, “a”, da
Constituição da República Federativa do Brasil, e dos arts. 56 e 109 da Lei 6.015, de 31.12.73
(LRP), assim também nos relevantes fáticos que passa a discorrer”.
Iniciamos nossa análise, enfatizando, primeiramente, que o locutor-requerente
se apresenta, e após a sua descrição de apresentação, em seu discurso, nomeia um advogado
que o representará junto ao Ministério Público, no caso junto ao Juiz de Direito da 1ª Vara
Cível de São Carlos.
No discurso Jurídico o locutor-requerente não pode dirigir-se às autoridades
sem uma representação, que o legitima enquanto cidadão, e essa representação, então, lhe é
garantida por um advogado ou promotor, o qual ele deve nomear no instante em que requererá
os direitos amparados por lei ou leis.
Da mesma forma com que não pode se dirigir diretamente ao juiz, somente se
pode requerer algo se fundamentado em lei ou leis. E isso equivale a dizer, em outras
palavras, que, quando se trata de discurso jurídico, há necessidade de se estar embasado em
leis, as quais constituem o discurso jurídico, conforme já demonstramos a partir de Indursky,
op. cit., e outros. E é nisso que se constitui o discurso jurídico, o qual consideramos
especialmente os estudos de Schreiber da Silva (1999), nos quais afirma que “uma ação é
sustentada por outros discursos que atravessam a enunciação” (Ibid., p. 67). Vejamos que,
nesse recorte, oriundo da petição do requerente, o pedido de “retificação de assento no
registro civil de prenome” se faz fundamentado nos artigos 1º, III (Art. 1º A República
56
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (...):
a
dignidade da pessoa humana); 3º, IV (...promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.); art. 5º
XXXIV, “a” da Constituição da República Federativa do Brasil - 1988 (
são a todos
assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes
Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder), e dos artigos 56 e
109 da Lei 6.015, de 31-12-1973, (LRP), respectivamente:
- Artigo 56: O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil,
poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não
prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada
pela imprensa.
- Artigo 109: Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento
no registro civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com
documentos ou com indicação de testemunhas, que o juiz o ordene ouvido o
órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá
em cartório (...). (BRASIL, Lei dos Registros Públicos n.º 6.015, de 31-12-1973).
[GRIFO NOSSO]
Aqui, procuramos inserir na íntegra os artigos das leis a que se reporta o
locutor-requerente, via advogada, negritando os enunciados que determinam uma relação com
o memorável da valoração humana e do político, que marca/garante a divisão e inclusão dos
direitos desse sujeito-de-direito, como em “quem pretender retifique assentamento no registro
civil...)”.
Esses artigos vão dar início a um direcionamento para se pensar na
argumentação do locutor-juiz em relação à dignidade da pessoa humana. E o dizer do locutor-
requerente começa a ganhar espaço nessa fundamentação que pretende a retificação de seu
prenome. E é no momento em que formaliza o seu pedido/ via requerimento e representação
através de seu advogado meramente designado enquanto “procurador” e reconhecido tamm
via Cartório que o identifica e o registra enquanto tal, o seu lugar enquanto locutor-requerente
está marcando uma cena enunciativa. Assim, a lei está aí para fazer com que a pessoa ora
representada nesse recorte tenha a sua valoração enquanto pessoa humana.
26
Consideramos a noção de recorte apontada em ORLANDI, 1988.
57
5.2 Da argumentação do locutor-juiz:
[2] – “(A) Agnaldo L. de A. sustenta que sempre se expressou como mulher e
no decorrer da vida passou a obter das pessoas de seu convívio familiar, social e profissional o
reconhecimento de que é uma mulher, (B)
embora sua genitália tenha conformação
masculina”. [GRIFO NOSSO]
Nesse recorte, o operador argumentativo “embora” aponta que a conclusão seja
para mudança do nome. Tem-se aqui a atenuação do biológico sobre os gêneros.
Assim, temos:
A, embora B.
Vejamos a seguinte representação da operação argumentativa que funciona
neste recorte:
A
r
Embora
~r
B
r
Que se lê: A é argumento a favor de r e B argumento a favor de ~r;
Onde:
r, lê-se: conclusão;
~r, lê-se não conclusão;
, lê-se: orienta para.
Sendo:
58
A = vive socialmente como mulher
B = tem conformação masculina
r = mudar de nome
~r = não mudar de nome.
Temos, então, uma argumentação em B, de que não se deve autorizar a
mudança de nome, mas o operador argumentativo
“embora” está marcando aí o que não
prevalece, ou seja, não “prevalece a conformação masculina”, mas o contido em A, ou seja:
“Agnaldo L. de A. sustenta que sempre se expressou como mulher e no decorrer da vida
passou a obter das pessoas de seu convívio familiar, social e profissional o reconhecimento de
que é uma mulher...”. Podemos já perceber que o enunciado “passou a obter das pessoas (...) o
reconhecimento de que é uma mulher” recorta o memorável do convívio social.
Dessa forma, a conjunção embora articula o conflito social (ser mulher no
convívio social) e a norma (se a pessoa é do sexo masculino, ser homem, logo deve ter nome
de homem; se a pessoa é do sexo feminino, ser mulher, logo deve ter nome de mulher.
Nesse recorte enunciativo em que [2] (A) ORIENTA PARA É MULHER, no
entanto o seu sexo biológico não é o feminino, a conjunção embora, aqui sendo empregada
como coordenação, estabelece um primeiro conflito e predomina, acentuado em [2] (B). A
orientação argumentativa A embora B é para mudança de nome, sustentada pelo memorável
de convívio social.
Dessa forma, o operador argumentativo “
embora” vai conduzindo à conclusão
que o juiz apontará na sentença. Assim, conforme Guimarães (2007), “orientar
argumentativamente, é, assim, conduzir incessantemente o texto para seu futuro, para seu fim
(final/finalidade)” (GUIMARÃES, 2007, p. 209). Por outro lado, segundo o autor, “há que se
considerar que a orientação argumentativa envolve uma relação de consistência com o
acontecimento que a constitui. Ou seja, sua interpretação envolve o acontecimento em que se
dá (Ibid., p. 210).
Retomemos os nossos recortes: as análises feitas nos levaram, então, a
formular a seguinte hipótese para esse recorte: as enunciações dessas seqüências do tipo A
embora B têm como significação básica:
E1: representa o convívio social;
59
E0: representa o lugar biológico.
Nesse enunciado, podemos ver a seguinte polifonia presente, considerando que
“nos recortes constituídos por seqüências do tipo X, embora Y tem-se a seguinte
representação do sujeito da enunciação:
L – E1 – ((A -- — ) r) embora (EO – B -- — ) ~ r)) -- — ) r”
(Ibid., p. 116).
Contudo, nesse enunciado, podemos ver a seguinte polifonia, uma vez que
Guimarães faz a hipótese de que
há uma polifonia nesse recorte, que há um enunciador (E1)
responsável pela perspectiva da qual se diz A — )r, e que é a
perspectiva que prevalece; por outro lado, há um outro enunciador
(EO) responsável pela perspectiva da qual se diz B ) ~r que é a
perspectiva que não prevalece (GUIMARÃES, 1987, p. 116).
Logo, o juiz representa a voz do locutor-requerente Agnaldo (E1) e a voz do
médico (E0).
Temos E1 que representa o lugar do social, do convívio social. Trata-se de um
discurso de representação, onde o juiz toma a fala do locutor requerente para representá-lo. E
E0 que representa o lugar do biológico.
Em (A) há uma posição argumentativa liberal
27
que põe a necessidade de
considerar o convívio social para mudar de nome, sendo a argumentação predominante. O
argumento A, predominante, é assumido pelo locutor-juiz. Assim, pela cena enunciativa
temos um enunciador-individual representado na voz do locutor-juiz.
Em (B) há uma posição argumentativa conservadora que põe a sexualidade
como predominante.
A argumentação global de A embora B acaba podendo ser interpretada como
considerando-se o movimento argumentativo do locutor-requerente e locutor-juiz. Este
movimento é de crítica à posição atual do jurídico na medida em que o locutor-juiz enuncia
representando a voz do recorrente, uma vez que não há lei que verse sobre a possibilidade de
60
o transexual ter o seu prenome retificado; havendo, entretanto, apenas projetos de lei em
tramitação a respeito (e, também, não havia em 2005, ainda, nenhum projeto de lei
especificando em relação à mudança de nome do transexual, para que possa ter o seu nome
social reconhecido oficialmente). Daí temos o enunciador individual que, desse lugar,
apresenta o memorável do convívio social e, desse modo, funciona a orientação
argumentativa, constituindo o presente do locutor.
Esse memorável constitui um lugar social de locutor específico: locutor-juiz.
Aí há um outro locutor constituído pelo memorável da Lei, enquanto cidadão, uma vez que a
lei ainda não está aprovada, constituindo Jurisprudência pelo memorável da Constituição
Federativa do Brasil, especificamente quanto ao artigo 1º, III, que diz respeito à “dignidade
humana”.
O locutor-juiz apresenta-se como determinado pelo sentido de lei de
Constituição, ou seja, pela dignidade do cidadão, que sustenta a argumentação pelo
memorável da cidadania, do enunciador-genérico, ao mesmo tempo em que o memorável da
cidadania contra a violência que é a extirpação do sexo (um dever de cidadania) determina
outro lugar social (locutor-cidadão). A argumentação preterida pela textualidade dá-se pelo
enunciador-individual.
Essa relação, que não é segmental; produz sentido de necessidade de
se criar a jurisprudência no espaço enunciativo de São Carlos, a qual, necessariamente,
constituirá a jurisprudência brasileira.
Com isso, a disparidade do Locutor é logo perceptível na argumentação: há um
enunciador predicado pelo social e um outro enunciador predicado pelo biológico, e o
memorável de cidadania (enunciador genérico) que determina outro lugar social. Ao tomar a
palavra o locutor é predicado socialmente como juiz. A fala do juiz é dividida porque ele fala
como juiz e traz para sua fala a “fala do requerente”. Além disso, o juiz fala enquanto cidadão
e enquanto juiz. E aqui compreendemos uma fala enquanto cidadão, por tratar-se de um
cidadão o qual não é um cidadão comum, mas o que vê além, e enxerga algo novo, e que,
portanto, constituirá a nova possibilidade na forma de Jurisprudência, tal como em Schreiber
da Silva (1999), e enquanto juiz porque está autorizado a falar partir da posição que ocupa,
fundamentado nas leis e jurisprudências que versam sobre o assunto em questão, ou seja, os
direitos do cidadão transexual. Há o memorável do convívio social e o memorável das leis,
especificamente no que diz respeito à dignidade humana, como a Constituição de 1988, os
Direitos Humanos etc.
27
Liberal, no sentido de que o locutor-juiz considera o convívio social do locutor-requerente e, portanto, o nome
Ângela, empregado para nome feminino.
61
Como podemos observar, não se trata de uma análise estrutural, mas de uma
análise de relação com a totalidade. Assim, o juiz, ao representar a voz do requerente
Agnaldo, orienta para a mudança do nome pela não consideração da sexualidade para mudar
de nome, pelo memorável social de convivência e pelo memorável das leis.
[ 3 ] – (A) “Foi registrado como portador de sexo masculino. É conhecido pelo
prenome Ângela. Trabalha no (...)
28
, onde a grande maioria da clientela o trata pelo referido
prenome - Ângela -, ( B )
muito embora tenha que conviver, conflituosamente, com o
prenome oficial “Agnaldo”
29
o que lhe tem causado dissabores e conflitos.
Pretende a substituição do seu prenome oficial – Agnaldo – por Ângela, o que
atenderá suas expectativas mais profundas. Documentos às fls. 12/51. Prova oral às fls. 59-61.
Documentos às fls. 64/89. O MP
30
manifestou-se favorável ao pedido”. [GRIFO NOSSO]
Vamos primeiramente considerar o seguinte, nesse recorte:
(A) = “Foi registrado como portador de sexo masculino. É conhecido pelo
prenome Ângela. Trabalha no (...)
31
, onde a grande maioria da clientela o trata pelo referido
prenome - Ângela -,”
e
(B) = “
muito embora tenha que conviver, conflituosamente, com o prenome
oficial “Agnaldo”
32
o que lhe tem causado dissabores e conflitos”.
Assim, em [3], (A, muito embora B), podemos observar que no operador
argumentativo “muito embora”, o “muito” potencializa o valor semântico do “embora”,
portanto identifica a diretividade argumentativa para r (mudar de nome).
Retomando:
28
Por se tratar de local público, não mencionamos o nome do local de trabalho do locutor requerente.
29
Mantemos as aspas, tal como na argumentação do juiz.
30
Ministério Público.
31
Tal como já mencionado na NR 28.
32
Idem à NR 29.
62
A, muito embora B.
Dessa forma, podemos apontar que uma conclusão possível, a se tirar de A,
nesse recorte, é r = para mudar de nome, como no recorte anterior. Temos, então, o seguinte
sentido para o recorte em análise:
r
r ~r
muito embora
A
B
(Que se lê: A é argumento a favor de r e B argumento a favor de ~r, sendo A o
argumento predominante. Portanto A, muito embora B é argumento para r).
Para esta orientação argumentativa consideramos o seguinte:
A = reconhecida socialmente como mulher/reconhecimento na vida
social como mulher
B = convive com o prenome oficial masculino/convivência
conflituosa com o prenome oficial masculino
r = mudar de nome
~r = não mudar de nome.
Está posto o conflito entre o oficial (nome Agnaldo, o qual acompanha-o no
trabalho, quando lhe é exigido que seja chamada pelos colegas pelo nome oficial e que está
contido em seus documentos para identificá-lo, o que não corresponde com sua forma de ser
(feminina) e o social
(funcionamento: nome Ângela, como é reconhecida em vários
ambientes, como no trabalho, no mundo artístico, etc.). E esse conflito é posto na relação com
63
os operadores argumentativos embora e muito embora
33
, sendo que nesse último o advérbio
muito, intensificador do operador argumentativo “embora” marca/aponta o conflito.
Esses operadores, então, põem a existência do conflito social-oficial,
diferentemente de uma restrição. Há um movimento de deriva, a relação antagônica
estabelecida no ambiente de trabalho. É Ângela no atendimento ao público e é Agnaldo no
oficial, conforme deve ser “tratada” entre os colegas-funcionários. E, dessa forma, mudar ou
não mudar de nome (de masculino – Agnaldo – para feminino – Ângela), é o que estabelece a
tensão nesta pesquisa.
Observamos que no recorte enunciativo [3] (A), tem-se o seu reconhecimento
como mulher, mas não exclusivamente, estando aí implícito o seu reconhecimento como
Ângela também em outros lugares. Com isso, há a orientação, contida em [3] (B), que
ORIENTA PARA É MULHER.
[3] (B) reforça o conflito inicial exposto no recorte [2] e estabelece
definitivamente o conflito entre o oficial, ou seja, o nome Agnaldo e o nome social, o qual é o
seu nome de funcionamento: Ângela, tal como é conhecida em seu trabalho. E esse conflito é
posto na relação com os operadores argumentativos embora, já exposto no recorte anterior
([2]), e em muito embora, sendo que nesse último o advérbio muito, intensificador do
operador argumentativo “embora” aponta a contradição entre o social e o oficial.
Também temos em [3] (B) o advérbio de modo “conflituosamente” marcando
uma posição sujeito liberal
34
, de um discurso liberal, pois reforça o conflito vivido pelo
locutor-requerente.
Nesse mesmo recorte, [3] (B), o enunciado “Pretende a substituição do seu
prenome oficial – Agnaldo – por Ângela, o que atenderá suas expectativas mais profundas.
Documentos às fls. 12/51. Prova oral às fls. 59-61. Documentos às fls. 64/89. O MP
manifestou-se favorável ao pedido”, do argumento do juiz, temos a fala do locutor-juiz
determinada por documentos
oriundos do discurso científico, comprovando a veracidade em
relação à forma de identificação social a qual Ângela é submetida diariamente, e também de
depoimentos que incluem desde a verbalização de testemunhas e fotos que justificam o dia-a-
dia do locutor-requerente, constituindo o discurso social.
Oficial Agnaldo
Social Ângela
33
Estamos tratando também como operador argumentativo, pela sua totalidade.
34
Também no sentido de que considera a nomeação pelo social.
64
Portanto, trata-se, de uma enunciação do locutor-juiz que na relação norma e
social afirma o pertencimento social pelo memorável social e estético, no conflito com a
norma
35
, uma vez que a mesma mantém-se.
Compreendemos o memorável social como para aquele indivíduo/ser que tem
expressão de mulher, a aceitação social como mulher emergente em seu dia-a-dia, como
sendo do sexo feminino, ainda que esse sexo feminino não compreenda o sexo biológico.
Dessa forma, o “embora” articula o conflito desencadeado pelo nome social
(ser mulher) e a norma (se é do sexo masculino, é homem, logo tem (deve ter) nome de
homem; se é do sexo feminino, é mulher, logo tem (deve ter) nome de mulher.
A mudança de nome se dá no embate, no litígio; e aí temos o político, na
medida em que, com a mudança de nome, será afirmado o pertencimento do convívio social.
Vemos que, tanto no recorte [2] quanto no [3], predominam a orientação
argumentativa para mudar de nome, uma vez que “vive socialmente como mulher” e enquanto
tal deve ser reconhecida, pelo seu nome feminino.
E também, podemos afirmar que o Locutor-Juiz, tomando a fala do Locutor-
Requerente (dizer individual), o transforma num dizer universal – um primeiro movimento de
constituição de jurisprudência.
Vejamos, agora, as enunciações dessas seqüências. Retomando, temos aqui a
seqüência do tipo A
muito embora B que tem como significação central:
E1: representa o lugar do convívio social no conflito com o nome masculino;
E0: representa o lugar da norma, em que prevalece o nome determinado pelo
biológico, o oficial.
Dessa forma, podemos ver a polifonia significando:
L – E1 – ((A -- — ) r) muito embora (EO – B -- — ) ~ r)) -- — ) r”
(GUIMARÃES, 2007, p. 116).
35
Segundo a norma: Se o indivíduo é do sexo masculino, é homem, lodo deve ter nome de homem; se do sexo
feminino, é mulher, deve ter nome de mulher.
65
Em E1 (A) o Enunciador Individual (Agnaldo) que representa o lugar do E1 do
lugar do convívio social, em que já existe o reconhecimento enquanto nome feminino, no
conflito com o nome masculino. O juiz toma a fala do locutor-requerente, e a perspectiva para
mudança de nome já está posta.
Em E0 (B) o Enunciador Universal (Jurídico) que representa o lugar da norma,
o qual reafirma o conflito marcado na convivência com o nome Agnaldo, no oficial, via
relação determinada biologicamente, enquanto masculino, não será o determinante.
O juiz representa a voz do locutor-requerente Agnaldo (E1) e a voz do Jurídico
(E0), do oficial, que não prevalece, pois o fator determinante para a orientação da mudança do
nome para Ângela será da perspectiva presente em A, onde o memorável do convívio social,
como em [2] é o que prevalece. Também não se trata aqui de uma análise estrutural, mas de
uma análise de relação com a totalidade. E assim, o juiz, ao representar a voz do requerente
Agnaldo, orienta para a mudança do nome pelo memorável social de convivência e não pela
consideração da sexualidade, tal como em [2].
Aqui em [3], temos em (A) uma posição argumentativa jurídico-liberal que
evidencia a necessidade de se considerar o convívio social para a mudança do nome de
Agnaldo para Ângela, sendo a argumentação predominante, uma vez que a perspectiva liberal
está posta após a apresentação do conflito do nome oficial em detrimento do nome social que
o insere enquanto pertencente ao universo feminino.
Em (B), temos uma posição argumentativa de uma posição pseudo-liberal, uma
vez que o advérbio “conflituosamente” põe a posição sujeito do discurso liberal, mas o fato de
Agnaldo ter que conviver com o nome masculino, imposto no oficial, onde o verbo “tenha”
denota uma obrigação, especialmente em seu local de trabalho, portanto de uma posição
argumentativa conservadora, põe a norma como predominante.
O argumento A, também predominante como no recorte anterior, é assumido
pelo locutor-juiz. Assim, pela cena enunciativa temos um enunciador-individual representado
na voz do locutor-juiz e a argumentação global de A muito embora B
pode ser interpretada
como considerando-se o movimento argumentativo do locutor-requerente e locutor-juiz.
Este movimento dá-se por uma crítica à posição atual do jurídico na medida em
que o locutor-juiz enuncia representando a voz do recorrente e daí tem-se o enunciador
individual, que desse lugar apresenta o memorável do convívio social e desse modo funciona
a orientação argumentativa, constituindo assim o presente do locutor. Esse memorável
constitui um lugar social de locutor específico: locutor-juiz. E há aí um outro locutor
constituído pelo memorável da Lei, enquanto cidadão, uma vez que a lei
que especificará
66
em relação à mudança de nome de transexual sem que o mesmo tenha que se submeter
previamente ao procedimento cirúrgico para adequação de sexo
ainda não está aprovada,
constituindo Jurisprudência pelo memorável da Constituição Federativa do Brasil de 1988,
artigos 1, III, que diz respeito à “dignidade humana”, e pelo memorável do artigo 13 do
Código Civil que tem a previsão legal para a mudança de registro.
O locutor-juiz apresenta-se como determinado pelo sentido de lei de
Constituição, ou seja, pela dignidade do cidadão, que sustenta a argumentação pelo
memorável da cidadania, do enunciador-genérico contra a discriminação por não ter o seu
nome social
oficializado, que o identifica socialmente (um dever de cidadania), determina
outro lugar social (locutor-cidadão).
A argumentação preterida pela textualidade dá-se pelo enunciador individual,
como no recorte anterior. E essa relação, que não é segmental, também produz sentido de
necessidade de se criar a jurisprudência, constituindo-a, primeiramente, no espaço enunciativo
de São Carlos para, seguidamente, compor a Jurisprudência Brasileira.
Há, aqui, a inclusão do político, uma vez que o E0 não é predominante em
detrimento do E1 e, então, a mudança do nome está definitivamente posta, tal qual no recorte
anterior. Assim, o transexual é incluído na mudança de nome, mesmo não estando definido
em projeto de lei naquele momento (consideramos aqui que em 2005 não tramitava ainda
nenhum projeto de lei que incluía a possibilidade do transexual mudar seu nome sem que
tivesse efetivamente se submetido à cirurgia para adequação de sexo). Na relação com a
normatividade, mantém-se o social, em um movimento de jurisprudência já instaurado, onde o
prenome oficial é substituído pelo social. E é nesse movimento que se constitui o político.
Há o movimento de argumentação na disparidade.O Locutor (P. S.) fala
enquanto pessoa a partir do memorável de cidadão e enquanto Locutor Predicado como Juiz,
do memorável do convívio social. No Lugar do Dizer há um enunciador genérico e um outro
enunciador (enunciador universal). O memorável de cidadania tem a ver com o enunciador
genérico que determina outro lugar social. Ao tomar a palavra o locutor é predicado
socialmente como juiz e como cidadão. A fala do juiz é dividida porque ele fala como juiz e
também traz para sua fala a “fala do requerente”. Dessa forma, o juiz fala enquanto cidadão a
partir da polifonia com a fala do requerente e enquanto juiz.
Isto posto, afirmamos que o que diferencia a disparidade do Locutor nos dois
recortes onde os operadores argumentativos “embora” e “muito embora” orientam a OA são
os memoráveis, uma vez que eles recortam o acontecimento e sustentam outras relações de
argumentação, que fazem significar no texto, até mesmo conclusões dadas como preteridas
67
no jogo da construção da textualidade
36
. Já falamos do memorável de cidadania (em primeiro
lugar está a dignidade humana) e o outro memorável é o oficial (convívio social).
[ 4 ] (A) “(...) (A) existe um conflito intenso entre a preponderante
feminilidade do requerente ( B ) e a sua identidade oficial consagrada desde a lavratura do
assento de nascimento onde lhe foi dado o prenome “Agnaldo”, próprio para a pessoa do sexo
masculino.
O requerente sempre se expressou como mulher, extensão de sua alma.”
[GRIFO NOSSO]
Nesse recorte
há um conflito marcado na/pela própria linguagem. Vejamos que
entre: A) “a preponderante feminilidade do requerente” e B) “a sua identidade oficial,
consagrada desde a lavratura do assento”, o locutor juiz também foi tomado pela fala do
locutor-requerente, e reescreve “expressar por mulher” por “feminilidade do requerente”.
O locutor-juiz, pela predicação “feminilidade do requerente” e “a sua
identificação oficial” reescreve o conflito, trazendo a divisão:
oficial/social.
Aqui o que se tem é o memorável da identidade, segundo a qual o nome
identifica e permanece o conflito.
O memorável está orientando para uma identificação oficial na divisão:
feminilidade nome de homem.
Assim, o locutor juiz vai trazendo do discurso indireto do locutor requerente,
de enunciados como “sempre se expressou como mulher”, dentre outros, e
marcando/legitimando um lugar nessa cena enunciativa instaurada no Fórum, para a
identidade do transexual a partir de sua identificação por meio do nome feminino. E a voz do
locutor-juiz, tomada do Discurso da Psicologia, via voz do locutor-requerente, conforme
veremos a seguir, vai constituindo em sua argumentação, um lugar na sociedade para o
locutor-requerente (transexual Agnaldo), uma vez que a argumentação do Locutor-Juiz
funciona como o olhar da sociedade, legitimado a falar do seu lugar enquanto autoridade.
Nesse recorte, tomando-se a polifonia em A e B, de modo a apontar qual o
discurso que fica representado na argumentação do locutor-juiz temos a seguinte
representação:
36
Cf. Guimarães, 2007, p. 214.
68
E1 (A): representa o lugar do discurso da Psicologia, que considera o indivíduo
na busca por solucionar seus conflitos interiores, refletindo sua verdadeira identidade, que se
trata de uma questão de identificação pelo nome.
E2 (B): representa o lugar do jurídico em que a nomeação deve seguir a norma:
em que prevalece o nome determinado pelo biológico, o oficial.
No EI (A) que representa o discurso psicológico, da Psicologia, via voz do
locutor-requerente, tem-se o conflito de identificação marcado pela feminilidade do
requerente que convive oficialmente com um nome masculino. Pela perspectiva do E1, deve-
se considerar o convívio social sem o conflito com o nome masculino, que fica sugerido como
uma provável conclusão; portanto mudar de nome tornará a identificação do locutor-
requerente satisfatória, de modo a auxiliá-lo a ter plena aceitação em sociedade. Assim, será
afirmado o pertencimento do locutor-requerente pelo prenome Ângela no convívio social.
Temos no E2 de (B), o lugar do jurídico, o oficial, que segue a norma,
associada ao biológico: quem tem sexo masculino, recebe nome masculino próprio para a
pessoa do sexo masculino em sua certidão de nascimento; quem tem sexo feminino recebe
nome próprio para a pessoa do sexo feminino. Porém, a voz do E0 não prevalece na
argumentação do locutor-juiz.
E após B, o enunciado “O requerente sempre se expressou como mulher,
extensão de sua alma” remete à provável conclusão para se considerar o discurso da
Psicologia, que prioriza a resolução desse conflito (aqui o conflito é conviver com o nome
masculino), reiterando a perspectiva do E1, que está relacionada ao memorável da
identificação sem conflito. No entanto, não é o caso em questão, uma vez que o conflito
permanece, pela divisão feminilidade nome de homem, que continuará existindo, conforme
poderemos ver, posteriormente, em outro recorte.
[ 5 ] ( A ) “Estamos falando não de Agnaldo, mas de Ângela, prenome que
bem se ajusta à personalidade do requerente. (
B ) Desde que o adotou, passou a usá-lo nos
diversos segmentos de seu mundo relacional: a) no âmbito da família, não há mais espaço
para Agnaldo,
mas para Ângela – (fls 59/61). (...), b) no mundo artístico, (...); c) no ambiente
de trabalho (...)”.
Temos aqui a seguinte estrutura:
não A, mas B, a qual analisamos a seguir.
69
Vejamos que tanto em
[5] (I) quanto em [5] (II) o mas tem um funcionamento
semelhante, exercendo, também, como em [2] e [3], a função de uma operação argumentativa.
No entanto, trata-se, aqui, do memorável de correção do nome, recortado na estrutura
argumentativa. Logo, é o memorável de correção de nome que orienta para uma tomada de
posição do juiz quanto à mudança de nome.
Em [5] (A) o fato aparente ser, em um primeiro olhar, de um sintagma nominal
(SN), pois, conforme Guimarães (2007), “o mas SN aparece sempre depois de um enunciado
negativo, com função de correção de algo suposta ou realmente dito antes” (GUIMARÃES,
2007, p. 61), não é o que temos no funcionamento desse “mas”, que é um PA, ou seja, “o mas
argumentativo do português. (Ibid., p. 173). E da mesma forma, tal como reforça Guimarães,
“não seria desnecessário lembrar que no português arcaico
pero tinha também função
adversativa” (Ibid, p. 173). Logo, este
mas PA está, portanto, marcando argumentativamente a
correção no enunciado, no sentido de inclusão, enumerando o lugar de Ângela, o seu
pertencimento enquanto nome feminino, e, também, na descrição do psicológico, na qual
também está incluído o nome Ângela que o ajusta ao universo feminino, e esse pertencimento,
reiterado no enunciado “prenome que bem se ajusta à sua personalidade”.
E em [5] (B) o mas tem um funcionamento semelhante. Há uma afirmação da
ausência de espaço para o nome de AGNALDO, e tão somente a afirmação para o nome de
ÂNGELA. Assim, especificamente em “não há mais espaço para Agnaldo, mas para Ângela”,
está afirmado esse espaço, após ter-se a negação do espaço para Agnaldo. Vejamos que esse
espaço está significado posteriormente, ou seja, após a correção e afirmação do nome
feminino (Ângela), em todos os segmentos de seu mundo relacional: “no âmbito da família;
no mundo artístico; c) no ambiente de trabalho”. E para comprovar essa significação, do
funcionamento social do nome de Ângela, feminino, constam nos autos documentos, dentre
eles depoimentos, que incluem desde a verbalização de testemunhas e fotos que justificam o
dia-a-dia do locutor-requerente, os quais vão justificar o social enquanto fator determinante
para a mudança do prenome do transexual.
Em [5], trata-se, também, como em [2] e [3], de uma operação argumentativa.
No entanto, trata-se, aqui, do memorável de correção do nome, recortado na estrutura
argumentativa. Logo, é o memorável de correção de nome que orienta para uma tomada de
posição do juiz quanto à mudança de nome.
Nesse recorte, o locutor-juiz substitui o modo de dizer individual pelo modo de
dizer universal e afirma o pertencimento do prenome Ângela à sociedade brasileira,
determinado pela personalidade, pelo memorável social de incorporação desse nome na
70
relação pessoal, ou seja, o que a identifica socialmente no espaço enunciativo de São Carlos, o
qual compõe a sociedade brasileira. E esse memorável da convivência social que é recortado
na estrutura, a qual é argumentativa, é que orienta para a mudança de nome.
[ 6 ] “A força da personalidade e do caráter de Ângela fez desaparecer o uso do
prenome Agnaldo, que por sinal se constitui num grande incômodo à sua imagem. Esse
prenome deixou, há tempos, de corresponder ao
jeito de ser do requerente.
A dignidade do ser humano deve ser cultivada desde o princípio da vida”.
[GRIFO NOSSO]
Aqui, o locutor-juiz, afetado pelo modo de dizer individual, o qual diz respeito
à individualidade do locutor-requerente Ângela, e não mais Agnaldo, também como no
recorte anterior, considera o modo de dizer universal, pelos memoráveis da cidadania, da
constituição subjetiva e do respeito à individualidade, enquanto direitos e valores universais
inerentes aos seres humanos a serem defendidos pela Lei.
Especificamente em “A força da personalidade e do caráter de Ângela”, o
locutor-juiz reescreve “personalidade do requerente”, constante em [6], e em “Esse prenome
deixou, há tempos, de corresponder ao jeito de ser do requerente”, o memorável social,
psicológico e estético orienta para a mudança do prenome.
A reescritura de [5] em [6] põe a personalidade nomeando o requerente por
Ângela no memorável psicológico; na reescritura “jeito de ser do requerente” que o
memorável orienta para a mudança de nome de Agnaldo para Ângela e os memoráveis
estético e psicológico, na reescritura “um grande incômodo à sua imagem”, uma vez que a
imagem também faz parte da constituição psíquica, orientam para mudança do nome.
Observamos, também, que nesse recorte, em “A dignidade do ser humano deve
ser cultivada desde o princípio da vida (...)” reescreve-se o artigo 1º da Constituição
Federativa de 1988, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, que versa sobre
“Proteção à Dignidade da pessoa humana”, portanto o memorável da valoração humana,
primeiramente elucidado no recorte [1], da argumentação do locutor-requerente, e retomado
aqui, a partir do embasamento do discurso do locutor-requerente, e orientando para a mudança
do prenome de Agnaldo para Ângela... (...) Da mesma forma, como em [1], aqui também
podemos ver a reescritura, praticamente uma sobreposição, de alguns enunciados do recorte
V, constante no quinto capítulo, em que a “a identidade pessoal” reescreve a maneira de ser
da pessoa e sua realização pessoal, onde está presente o memorável da valoração humana. Em
71
“A dignidade do ser humano deve ser cultivada desde o princípio da vida”, tem-se a
reescritura, quase via uma tradução dos sentidos do enunciado “Es el derecho que tiene todo
sujeito a ‘ser él mismo’ ”.
[ 7 ] “O laudo médico de fls. 64/65 enfatizou que “a hipótese diagnóstica para a
paciente Ângela é de Disforia de Gênero ou Transtorno de Identidade Sexual, codificado com
o n.º F.64.0 no Livro do Código Internacional de Doenças, edição 10” ”.
Nesse recorte, temos o agenciamento enunciativo do locutor-juiz com o
discurso da medicina, ao considerar o laudo médico que contém o CID para o transtorno de
que se trata o locutor-requerente Agnaldo, trazendo para o seu discurso uma citação, portanto
entre aspas, do enunciado do médico. E essa citação migra do discurso do médico, que
também a trouxe entre aspas em seu diagnóstico, migrada do discurso científico, internacional
(CID), que foi apensado pelo locutor-requerente. Dessa forma, o locutor-juiz, predicado pela
posição social que ocupa, tem o seu dizer imbricado pelo discurso da Medicina, para ser
favorável à mudança do prenome do locutor-requerente. Essa enunciação é universal e esse
modo de dizer sustenta o dizer do locutor-juiz afetado por uma memória do dizer que
ressignifica o discurso científico.
[ 8 ] “O seu assento de nascimento, na identificação do sexo, continuará
registrando sua condição
“masculina”. A substituição do prenome (de Agnaldo para Ângela)
será um grande passo para
ajudá-la na futura decisão acerca da ablação ou não do órgão
masculino, nos moldes do trabalho apresentado às fls. 74/88”. [GRIFO NOSSO]
Em relação a esse recorte, o locutor-juiz afirma o pertencimento de substituição
do prenome mantendo a identificação do sexo na divisão:
Identificação do sexo: Masculino.
Substituição do prenome:
De Masculino: Agnaldo Feminino: Ângela.
E esse acontecimento projeta a ablação ou não do órgão masculino, o qual
conforme o enunciado “(
) nos moldes do trabalho apresentado às fls. 74/88”, o locutor-juiz
reafirma, pelo agenciamento enunciativo, ao reiterar o discurso da Medicina, especificamente
72
quanto aos estudos citados (os quais incluem resultados) no
Tratado de Endocrinologia e
Cirurgia Endócrina, por profissionais médicos especializados em cirurgia para adequação de
sexo no Brasil.
O locutor-juiz, ao determinar a substituição pelo nome feminino Ângela o faz
enquanto do lugar da Lei, mantendo a sua posição liberal em relação à mudança do nome,
mas no enunciado “O seu assento de nascimento, na identificação do sexo, continuará
registrando sua condição ‘masculina’ ”, há uma posição jurídico-conservadora, considerando-
se que, dessa perspectiva, de onde fala enquanto autoridade que determina uma sentença, o
faz considerando-se a inexistência de possibilidade, via lei e/ou jurisprudência, de se alterar
também a identificação de sexo na certidão de registro civil, além do nome, sem que o
requerente-interessado tenha se submetido à cirurgia para adequação de sexo, e também que
tramitam projetos de lei nesse sentido. No entanto, nesse mesmo enunciado, há posição
sobreposta onde o locutor se divide, pelo enunciador universal e enunciador individual, que
compreendemos ser um cruzamento de posições, pois o juiz, ao determinar que na
identificação do sexo deverá manter a condição a qual deve constar do documento oficial
(assento de nascimento), ou seja, a condição “masculina” , o faz empregando aspas, de modo
a marcar um distanciamento de posição da condição masculina que se preservará no
documento oficial, visto que tal condição não condiz com o modo de ser do locutor-
requerente, atestado nos autos, conforme argumento do juiz. Daí emerge a posição não-
conservadora do locutor-juiz, onde percebemos tal sobreposição. E essa posição é mantida ao
se empregar “condição masculina”, ao invés de sexo masculino. Assim, pela posição liberal
do locutor juiz há a sentença favorável à mudança de nome.
E, com isso, mantém-se, portanto, o conflito, uma vez que a identificação de
sexo, a qual também não condiz com o prenome Ângela, continuará “masculina”.
[ 9 ] “DEFIRO o pedido inicial para alterar o prenome do requerente (...).
Não haverá alteração do sexo indicado no assento de nascimento. (...) Expeça-se mandado de
retificação, imediatamente, não havendo necessidade de se aguardar o trânsito em julgado”.
[GRIFO NOSSO]
O locutor-juiz determina a mudança do nome e nega a mudança de sexo. Os
movimentos que se têm são: o social determinou o vínculo jurídico. O locutor-requerente já
aparentava como mulher, e para o locutor-juiz alterar o nome, não levou em conta a mudança
73
oficial de sexo. Assim, a fala do juiz é determinada pela posição sujeito liberal no
funcionamento do nome e pela lei na não-mudança oficial de sexo.
O que diferencia nesse processo para alteração de mudança de nome do
transexual Agnaldo é em relação à posição sujeito do juiz, pois o interdiscurso é de uma
postura liberal, a qual considera, conforme já observamos em recortes anteriores, a
identificação do locutor-requerente no social. Ou seja, a identificação no social é determinante
para a mudança do nome, a qual difere da norma geral que é:
Nome Masculino sexo masculino;
Nome Feminino sexo feminino.
O L, do lugar de autoridade nomeada pelo Judiciário, tomado por uma posição
sujeito não-conservadora determina a mudança de nome, conforme o enunciado “DEFIRO o
pedido inicial para
alterar o prenome do requerente (...)”, empregando o verbo no tempo
presente e em maiúsculas, e isso significa que assume finalmente o seu lugar de
lx, juiz de
direito, constituindo a sentença final, e nega a mudança de sexo no enunciado “Não haverá
alteração do sexo indicado no assento de nascimento.”, uma vez que desse lugar que ocupa,
do Jurídico, não há lei favorável a tal mudança de identificação de gênero.
O locutor-juiz também determina seguidamente a expedição efetiva e imediata
para retificação do prenome Agnaldo, substituindo-o por
Ângela, em certidão de registro
civil. Temos, então, o memorável da cidadania, fundamentado no requerimento do locutor-
requerente (recorte [1]), que diz respeito ao artigo 5º, XXXIV, da Constituição Federativa do
Brasil – 1988, que “assegura ao cidadão o direito de petição, independentemente do
pagamento de taxas, em defesa de direitos”.
O movimento que se dá, nesse recorte [9], é do pertencimento do social e do
sexo.
Vemos especificamente nesse recorte que o funcionamento do jurídico, aqui
apontando para a alteração do nome sem a prévia cirurgia para ablação dos órgãos genitais, é
diferente do que prevê o primeiro projeto de lei ao qual nos referimos em capítulo anterior,
pois o que prevê o referido projeto de lei é para que se faça a cirurgia e depois mude o sexo,
para, então, mudar de prenome.
74
O locutor juiz é tomado pela instabilidade da lei
37
e enquanto locutor-juiz
cidadão traz a sua contribuição, tornando-se Jurisprudência em 2005, o que precede o projeto
de lei n.º 6.655/2006, citado anteriormente.
Com isso, ou seja, por esse processo jurídico por nós analisado trazer a sua
contribuição, tornando-se Jurisprudência, a posição não-conservadora do locutor-juiz-cidadão,
sua posição sujeito, inclui o transexual a partir do convívio social, pelo memorável do
convívio social e valoração humana sustentados primeiramente no requerimento do locutor-
transexual para depois migrarem na argumentação do locutor-juiz
Pensando em relação à argumentação do juiz ao se referir a AGNALDO,
portanto nome masculino, e a ÂNGELA, nome feminino, com o qual o locutor-requerente se
identifica, vamos procurar ver como se dá essa identificação pensando-se os dois nomes
enquanto gêneros distintos.
No que diz respeito à categoria gramatical de gênero, trazemos o que Mattoso
Câmara (1975) considera a propósito dos substantivos:
Nos substantivos, com qualquer estrutura a flexão do feminino ocorre ou não. A
estrutura está relacionada com certos aspectos semânticos.
Em relação ao mundo animal e a designações nominais para homem e mulher,
predomina a visão semântica do sexo (MATTOSO CÂMARA, 1975, p. 128).
O nome próprio Agnaldo é historicamente constituído enquanto um nome
masculino, assim como temos alguns outros nomes próprios historicamente constituídos como
nome de mulher, como Dominique, em francês; Clarice, em português, dentre outros.
Assim, o nome próprio tem essa relação porque designa pessoa, que é diferente
de outras designações no funcionamento da linguagem.
37
Se o projeto de lei 70-1995 for sancionado, não vai mudar o que tem sido sustentado atualmente nas
jurisprudências. Ou seja, continuará havendo a necessidade da cirurgia para adequação do sexo, a qual é
requisito fundamental para se alterar o nome. Em se tratando do projeto de lei n.º 3.727/1997, a mudança do
prenome de transexual também tem como pré-requisito a submissão prévia ao procedimento cirúrgico para
adequação de sexo. Em se tratando do projeto de lei n.º 5.872/2005, não haveria possibilidade alguma para o
transexual alterar seu prenome, pois propõe a proibição da mudança de prenome em casos de transexualismo.
Quanto ao projeto de lei 6.655/2006, prevê-se a substituição do prenome de pessoas transexuais ainda que não
tenham sido submetidas a procedimento médico-cirúrgico destinado à adequação dos órgãos sexuais; no entanto,
conforme o parágrafo único desse projeto de lei, será objeto de averbação no livro de nascimento com a menção
imperativa de ser a pessoa transexual. Não haverá a necessidade prévia do indivíduo transexual submeter-se a
cirurgia para adequação de sexo, apenas o direito à privacidade parece estar sendo ameaçado se tal projeto de lei
por sancionado.
75
Vejamos alguns nomes tomados como neutros, podendo ser destinados tanto a
nomeação de homem quanto de mulher: Deusdete, por exemplo, pode ser atribuído tanto a
homem quanto a mulher no processo de nomeação. Também podemos citar outros como
Dagmar, Deusimar, Ariel e Leonor, que seguem o mesmo critério no processo de nomeação.
No entanto, já encontramos a variante “Leonora”, para nomear mulher,
certamente para se evitar questões já apontadas, em relação a nomes exóticos, que causam
constrangimento à pessoa nomeada, no que diz respeito à identificação de seu gênero.
E vejamos outro nome, por exemplo, Andrea, em italiano, historicamente
constituído para nome masculino, enquanto no Brasil, Andrea/Andréa é para nome feminino,
sendo que o masculino no Brasil é André.
Voltemos aos nomes Agnaldo e Ângela, de nosso texto jurídico, de modo a
compreender o processo de renomeação e a sua significação enquanto processo de
identificação, diferentemente de Mattoso Câmara. Agnaldo ganha um novo corpo, que é
Ângela, mesmo sem ter se submetido à cirurgia para adequação do sexo. Assim,
semanticamente, ganhou um outro corpo, um outro designado; o corpo que é definido por
aquilo que não é anatômico
38
. O corpo de homem se torna corpo de mulher semanticamente,
dado o nome que ele passou a ter oficialmente como nome de mulher, ou seja, Ângela; passa a
ser visto como mulher pelo nome. Nesse procedimento, encarnar a subjetivação feminina no
corpo acaba via a nomeação de feminilização legitimada socialmente, agora, porque pela
genitália passaria a ser negado o seu novo corpo.
O modo de considerar a mudança do prenome do transexual diferentemente da
posição aqui esboçada por Mattoso Câmara, tem a ver com o conflito instaurado na linguagem
e mantido pela posição sujeito do locutor-juiz.
O locutor-juiz, no recorte [4], “(...) existe um conflito intenso entre a
preponderante feminilidade
do requerente e a sua identidade oficial consagrada desde a
lavratura do assento de nascimento onde lhe foi dado o prenome “Agnaldo”, próprio para a
pessoa do sexo masculino.
O requerente sempre se expressou como mulher, extensão de sua
alma.”, ao enunciar “do requerente /o requerente”, gênero masculino, está referindo-se ao
locutor-requerente Agnaldo, mas produzindo-se sentido para Ângela .
Há um outro exemplo de ocorrência, mas em que ocorre o emprego de já
empregando pronome referindo ao gênero feminino, no recorte [8], no enunciado “A
substituição do prenome (de Agnaldo para Ângela ) será um grande passo para
ajudá-la
38
Contribuição de Guimarães no exame de Qualificação.
76
(...)”. Atente para o sublinhado, observando que o locutor-juiz refere-se ao requerente
enquanto nome feminino e não à substituição do prenome. O deslize é nessa direção.
Isso nos faz observar que, em relação ao gênero, a relação é tão complexa que
o locutor-juiz desliza em determinados momentos de ele para ela. Há um deslize de gênero,
não importando a sexualidade. Agora fica dada a diferença; na verdade o locutor-juiz ora
refere-se a Agnaldo, ora refere-se a Ângela, mas por todo o funcionamento e cruzamento de
posições de que já falamos, é
Ângela que significa nesses movimentos todos. Os deslizes,
então, também sustentam a argumentação para a mudança de prenome.
77
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da Semântica do Acontecimento, formulada por Guimarães, e a
Análise do Discurso Francesa, com a qual a SA estabelece diálogos, propomo-nos a estudar
como se dá a argumentação, no que diz respeito à mudança de nome próprio do transexual,
em recortes do locutor-requerente e argumentação e designação das quais se vale o locutor-
juiz para autorizar a mudança do prenome do transexual Agnaldo.
Dessa forma, foi-nos possível compreender, pela argumentação, a partir dos
recortes analisados, como se dá o processo de identificação do transexual, e como se deu a
inclusão do sujeito transexual no social, portanto o político sendo considerado, pois o sujeito
antes excluído é incluído a partir da mudança do prenome sentenciada pelo locutor-juiz.
Algumas conclusões que podemos elencar, a partir de cada recorte, são as
seguintes:
A partir do recorte [1], do requerimento do locutor-transexual, podemos
perceber o primeiro passo para que um cidadão possa requerer algo judicialmente,
evidenciando a necessidade de uma representação para legitimá-lo no instante em que
requererá os direitos amparados por lei ou leis. E os artigos mencionados, reescrevendo as leis
citadas no recorte, vão dar início a um direcionamento para se pensar na argumentação do
locutor-juiz em relação à dignidade da pessoa humana. Dessa forma, o dizer do locutor-
requerente começa a ganhar espaço nessa fundamentação que pretende a retificação de seu
prenome e vai se constituir como um dos primeiros argumentos relevantes para a sentença
favorável, uma vez que a lei está aí para fazer com que a pessoa ora representada tenha a sua
valoração enquanto pessoa humana.
Assim, a lei legitima a mudança de prenome em função de se garantir a
preservação da própria dignidade, em todas as reescrituras de leis presentes.
Nos recortes [2] e [3], na relação com os operadores argumentativos
embora e
muito embora, estabelece-se o conflito entre o nome oficial (nome Agnaldo, o qual
acompanha o locutor-requerente no trabalho, quando lhe é exigido que seja chamado pelos
colegas pelo nome oficial e que está contido em seus documentos para identificá-lo, os quais
não correspondem com sua forma de ser (feminina) e o social (que é o nome de
funcionamento: Ângela, como é reconhecida em vários ambientes, como no trabalho, no
mundo artístico, na família etc).
78
Nesses recortes, os operadores argumentativos explicitam relações de força
entre diferentes posições; põem a existência do conflito social-oficial/ social-norma,
diferentemente de uma restrição, uma vez que o que desencadeia o conflito é a relação de
força entre diferentes posições.
Há um movimento de deriva, a relação antagônica estabelecida no ambiente de
trabalho. É Ângela no atendimento ao público e é Agnaldo no oficial, conforme deve ser
“tratada” entre os colegas-funcionários. E mudar ou não mudar de nome (de masculino –
Agnaldo- para feminino – Ângela), é o que estabelece a tensão nesta pesquisa.
E uma vez posto o conflito na relação com os operadores argumentativos
embora e muito embora, esses operadores põem a existência do conflito social/norma. Nessa
relação com a normatividade mantém-se o real num movimento de jurisprudência onde o
prenome oficial é substituído pelo social.
Nesses dois recortes predomina a orientação argumentativa para mudar de
nome, determinada pelo memorável social de convivência.
A mudança de nome se dá no embate, no litígio; e aí temos o político, na
medida em que, com a mudança de nome, será afirmado o pertencimento do convívio social.
Em relação à polifonia observada no recorte [2], locutor-juiz apresenta-se
como determinado pelo sentido de lei de Constituição, ou seja, pela dignidade do cidadão, que
sustenta a argumentação pelo memorável da cidadania, do enunciador-genérico contra a
violência que é a extirpação do sexo (um dever de cidadania) determina outro lugar social
(locutor-cidadão). A argumentação preterida pela textualidade dá-se pelo enunciador
individual. Essa relação não é segmental; produz sentido de necessidade de criar a
jurisprudência.
E quanto à polifonia observada no recorte [3], o locutor-juiz apresenta-se como
determinado pelo sentido de lei de Constituição, e do art. 13 do Código Civil que tem a
previsão legal para a mudança de registro, pela dignidade do cidadão, sustentada na
argumentação pelo memorável da cidadania, e pelo enunciador-genérico contra a
discriminação por não ter o seu nome social oficializado, nome esse que o identifica
socialmente (um dever de cidadania), determina outro lugar social (locutor-cidadão). Ainda
nesse recorte a argumentação preterida pela textualidade, tal como em [2], dá-se pelo
enunciador individual. E essa relação, que não é segmental, tamm produz sentido de
necessidade de se criar a jurisprudência, constituindo-a.
Há aqui em [3], a inclusão do político, em que o transexual é incluído na
mudança de nome, mesmo não estando definido em projeto de lei. Consideramos aqui que em
79
2005 não tramitava ainda nenhum projeto de lei que incluía a possibilidade de o transexual
mudar seu nome sem que tivesse efetivamente se submetido à cirurgia para adequação de
sexo. Na relação com a normatividade mantém-se o real, em um movimento de jurisprudência
já instaurado, onde o prenome oficial é substituído pelo social. E é nesse movimento que se
constitui o político.
O locutor-juiz, tomando a fala do locutor-requerente
(dizer individual), e isso
se dá porque mescla com o dizer do transexual, o transforma num dizer universal – um
primeiro movimento de constituição de jurisprudência.
E há, também, o agenciamento enunciativo evidenciando o discurso científico,
a partir do Discurso da Medicina e também da Psicologia, atestado médico e psicológico,
respectivamente. No entanto o convívio social é que é fator determinante para a argumentação
do locutor-juiz à mudança do prenome do transexual.
A disparidade do Locutor nos dois recortes onde os operadores argumentativos
embora e muito embora orientam a OA, pelo memorável, uma vez que têm-se diferentes
memoráveis recortando o acontecimento, os quais sustentam outras relações de argumentação
e que fazem significar no texto, até mesmo conclusões dadas como preteridas no jogo da
construção da textualidade.
No recorte [4], o
locutor-juiz, pela predicação “feminilidade do requerente” e
“a sua identificação oficial” reescreve o conflito do locutor-requerente, trazendo a divisão:
oficial/social. Tem-se aqui o memorável da identificação, segundo a qual o nome identifica e
permanece o conflito. E esse memorável está orientando para uma identidade oficial na
divisão: feminilidade nome de homem.
Assim, o locutor-juiz vai trazendo do discurso indireto do locutor-requerente,
de enunciados como “sempre se expressou como mulher
”, dentre outros, e
marcando/legitimando um lugar nessa cena enunciativa instaurada no Fórum, para a
identidade do transexual a partir de sua identificação enquanto nome feminino. E o locutor-
juiz, tomado pela voz do locutor-requerente, que representa o Discurso da Psicologia, vai
constituindo um novo lugar na sociedade para o transexual, uma vez que a argumentação do
locutor-juiz aqui funciona como o olhar da sociedade, legitimado a falar do seu lugar
enquanto autoridade, e que vai sentenciar favoravelmente à mudança de nome.
Quanto ao recorte [5],
o “mas” trata-se também de uma operação
argumentativa, como em [2] e [3]. Nesse recorte, o locutor-juiz substitui o modo de dizer
individual pelo modo de dizer universal e afirma o pertencimento do prenome Ângela à
sociedade brasileira, determinado pela personalidade, pelo memorável social de incorporação
80
desse nome na relação pessoal, ou seja, o que a identifica socialmente, primeiramente no
espaço enunciativo de São Carlos, o qual compõe a sociedade brasileira. Portanto, trata-se,
aqui, do memorável de correção do nome, da convivência social, que é recortado na estrutura,
a qual é argumentativa, de modo que orienta para a mudança de nome. Dessa forma,
reiteramos, temos nesses procedimentos textuais memoráveis que orientam para a mudança de
nome.
No recorte [6] o locutor-juiz, afetado pelo modo de dizer individual, o qual diz
respeito à individualidade do locutor-requerente Ângela, e não Agnaldo, também como no
recorte anterior, considera o modo de dizer universal. Os memoráveis social, psicológico e
estético orientam para a mudança do prenome.
A reescritura de [5] em [6] põe a personalidade nomeando o requerente por
Ângela no memorável psicológico; na reescritura “jeito de ser do requerente” que o
memorável orienta para a mudança de nome de Agnaldo para Ângela e o memorável estético
e psicológico na reescritura “um grande incômodo à sua imagem” orienta para mudança do
nome.
Da mesma forma como em [1], há outras reescrituras como: “a identidade
pessoal” reescrevendo a maneira de ser da pessoa e sua realização pessoal, em que o
memorável da valoração humana está presente.
No recorte [7], observamos o
agenciamento enunciativo do locutor-juiz com o
discurso da medicina, ao considerar o laudo médico que contém o CID para o transtorno de
que se trata o locutor-requerente Agnaldo. Com isso, o locutor-juiz, predicado pela posição
social que ocupa, tem o seu dizer imbricado pelo discurso da Medicina, para ser favorável à
mudança do prenome do locutor-requerente. Essa enunciação é universal e esse modo de dizer
sustenta o dizer do locutor-juiz afetado por uma memória do dizer que ressignifica o discurso
científico.
Em relação ao recorte [8],
o locutor-juiz afirma o pertencimento de substituição
do prenome mantendo a identificação do sexo na divisão: Identificação do sexo (masculino)/
Substituição do prenome para Ângela. E esse acontecimento projeta a ablação ou não do
órgão masculino, e mais uma vez o locutor-juiz reitera para o seu discurso, via agenciamento
enunciativo, o discurso científico (Medicina). Mantém-se, portanto, o conflito, pois a
identificação de sexo, que não condiz com o de Ângela, continuará “masculina”.
Agnaldo ganha um novo corpo, oficial, que é Ângela, mesmo sem ter se
submetido à cirurgia para adequação do sexo. Semanticamente, ganhou um outro corpo, um
outro designado; o corpo que é definido por aquilo que não é anatômico. Logo, o corpo de
81
homem se tornou corpo de mulher semanticamente, dado o nome que ele passou a ter
oficialmente como nome de mulher: Ângela. Passa a ser visto como mulher pelo nome.
O modo de considerar a mudança do prenome do transexual diferentemente da
posição esboçada por Mattoso Câmara na morfologia
uma vez que não se trata aqui de
considerar o estudo de gênero a nossa proposta inicial de análise
tem a ver com o conflito
instaurado na linguagem e mantido da posição sujeito do locutor juiz. Isso posto, percebemos
nesse recorte a ocorrência de deslize de gênero, não importando a sexualidade, em que o
locutor-juiz emprega pronome para referir-se ao gênero feminino. Aqui estava referindo-se ao
requerente enquanto nome feminino e não à substituição do prenome. O deslize é nessa
direção.
Também houve tal ocorrência de deslize de gênero no recorte [4], o que nos faz
observar que, em relação ao gênero, a relação é tão complexa que o locutor juiz desliza em
determinados momentos de ele para ela. Há um deslize de gênero, não importando a
sexualidade.
No recorte [9], o movimento que se dá é do pertencimento do social e do sexo.
O locutor-juiz determina a mudança do nome e nega a mudança de sexo, mantendo a
condição masculina na certidão de registro civil. Os movimentos que se têm são: o social
determinou o vínculo jurídico. O locutor-requerente já aparentava como mulher, e alterar o
nome não levou em conta a mudança de sexo.
O que diferencia nesse processo para alteração de mudança de nome do
transexual Agnaldo é em relação à posição sujeito do juiz, pois o interdiscurso é de uma
postura liberal, a qual considera, conforme já observamos em recortes anteriores, que
considera a identificação do sujeito locutor-requerente no social. Ou seja, é a identificação no
social que é fator determinante para a mudança do nome, a qual difere da norma geral.
Vimos, especificamente nesse recorte, que o funcionamento do jurídico, aqui
apontando para a alteração do nome sem a prévia cirurgia para ablação dos órgãos genitais, é
diferente do que prevê o primeiro projeto de lei 70-B/1995, pois nele é pré-requisito para se
mudar de prenome que se faça a cirurgia para adequação de sexo para mudar de sexo e,
depois, mudar de nome.
No entanto, o texto jurídico por nós analisado traz a sua contribuição,
tornando-se Jurisprudência
39
e, portanto, a posição não-conservadora do locutor-juiz, ou seja,
39
Faz-se relevante destacar que esse texto jurídico o qual estudamos, constituído Jurisprudência em 2005,
precede o projeto de lei 6.655/2006.
82
a posição sujeito do locutor-juiz inclui o transexual a partir do convívio social, pelo
memorável social de convivência e de valoração humana sustentados do requerimento do
locutor-transexual na argumentação do locutor-juiz.
Nesse sentido, podemos concluir que os processos de reescritura e a
argumentação identificam o transexual na relação com o memorável que expõe o biológico, o
médico, o psicológico e o social, considerando-se o agenciamento enunciativo determinante
para autorizar a alteração do prenome do transexual em diferentes países. No entanto, o
locutor-juiz ancora-se no memorável científico, mas não é nesse único memorável, pois o que
é decisivo é ter vínculo social.
Observamos, com isso, que o Locutor-Juiz pode autorizar a mudança do
prenome do transexual nesse espaço enunciativo de São Carlos, não só porque está autorizado
a falar a partir de uma determinada posição social, enquanto autoridade no Jurídico, mas
porque está fundamentado em dizer científico e principalmente, porque remete a um discurso
universal e, pela relação de determinação do social, que preponderou nas relações
argumentativas que orientam favoravelmente para a alteração do prenome, em argumentações
que migram do discurso do locutor-requerente, em forma de discurso indireto, para o discurso
do locutor-juiz, que ocupa um lugar na sociedade em que pode autorizar a mudança de nome
requerida e, com isso, legitima um novo espaço na sociedade para o transexual, constituído
pela Jurisprudência que foi instituída a partir do deferimento do pedido do requerente.
Então, o memorável social e o científico, considerando-se os diferentes recortes
que analisamos, se entrecruzam e sustentam a orientação argumentativa. Aí o político é o
modo de resistência do transexual à normatividade do nome na contradição com o social.
Tanto o locutor-juiz como o locutor-requerente entram em conflito com a normatividade para
o pertencimento do prenome do transexual. Dessa forma, os operadores argumentativos,
então, explicitam a existência do conflito social-oficial, diferente de uma restrição, e
direcionam na argumentação do locutor-juiz, em uma relação com a normatividade,
mantendo-se o social, em um movimento de jurisprudência onde o prenome oficial é
substituído pelo social. E é nesse movimento que se constitui o político.
Vimos que a lei legitima a mudança de prenome em função de se garantir a
preservação da própria dignidade, em todas as reescrituras de leis presentes, sendo que o
locutor-requerente, transexual Agnaldo, fez uma grande sustentação para requerer a mudança
de nome. E o tempo todo há o jogo entre o social e o político, pois o reconhecimento social
precisa ser (é) legitimado juridicamente para o ser politicamente: a lei garante o
funcionamento político no social. Assim, no político, a divisão se dá porque o locutor-
83
requerente precisa de um lugar de pertencimento e esse lugar (reconhecer-se enquanto sujeito
‘ser mulher’) legitimado no discurso jurídico.
Podemos também pensar que Agnaldo, tomado de seu convívio social, que o
identifica como Ângela, terá a sua (re) nomeação, a partir do social. Assim, podemos ver o
papel do nome no processo de identificação social. E essa renomeação recorta dois
memoráveis: um memorável de origem segundo o qual ele não se identifica, Agnaldo, da
nomeação passada (do locutor pai) que o nomeou na infância, e outro memorável do convívio
social, Ângela, que o inclui no universo feminino, significando ser mulher; nome próprio que
significa nessa enunciação (com sua temporalidade) que é toda sua história de nomeação e
renomeação realizadas (com suas temporalidades próprias).
Também vimos como o processo de identificação social, aliado ao discurso
científico, que já tem o seu lugar constituído, e legitimado por um dizer cristalizado, pode
contribuir para a mudança do prenome do transexual na argumentação do locutor-juiz.
Contudo, podemos dizer que o acontecimento e o litígio no processo que
analisamos põem em movimento a fala do locutor requerente no memorável do convívio
social, estético e constituição psicológica, para mudar de nome e isso o inclui na identidade de
transexual.
E é sob a perspectiva de uma posição sujeito liberal, a qual o Locutor-Juiz
sentenciou favoravelmente à legitimação do prenome de Ângela, que passou a ter um novo
corpo, em se tratando de um nome feminino já marcado socialmente
como o locutor-
requerente evidenciou e sustentou em seu requerimento
, ter sido incorporado oficialmente
em seu cotidiano, ganhando essa legitimação no discurso jurídico e, consequentemente, um
novo espaço na sociedade, legitimando o ser transexual no político, com a consolidação de
uma nova jurisprudência.
84
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96
ANEXO A
40
- DEPOIMENTO DE ÂNGELA L de A. SOBRE A ORIGEM DA
ESCOLHA DE SEU PRENOME
Tudo na minha vida surgiu por inspiração e por motivação interior. Como diz o
sábio: “O nome diz muito do que somos”; portanto, fiquei um bom tempo tentando enquadrar-
me e identificar-me em um nome.
Ângela surgiu em minha vida em um momento muito decisivo, num momento
em que eu passava por grandes mudanças físicas e psicológicas. Havia uma personagem
vivida pela atriz Cláudia Raia que se chamava Ângela Vidal, numa novela que não me
recordo o nome
41
.
Sempre identifiquei-me com mulheres fortes, de personalidades marcantes e
que, de certa forma, também eram injustiçadas e perseguidas por aquilo que acreditavam e por
aquilo que verdadeiramente eram em sua essência. Diante dessa personagem, não tive dúvidas
de que eu era Ângela. Tal nomeação representava tudo o que eu era e o que eu sentia, não
apenas pela influência da personagem, mas também pelo significado do nome (não que eu me
considere um anjo, longe disso, mas pela carga espiritual e pela energia que envolve este
nome). Tinha certeza de que Ângela traria à minha vida grandes realizações e muita força
espiritual para enfrentar as dificuldades que viriam em conseqüência da minha mudança. E
tomei a decisão certa.
40
Autorizado pela própria Ângela, em 04/06/2008, por e-mail, a ser anexado à dissertação.
41
Torre de Babel: novela de Silvio de Abreu, escrita por Silvio de Abreu, Alcides Nogueira e Bosco Brasil.
Exibida pela Rede Globo de Televisão, de 22/05/1998 a 16/01/1999. In: http://pt.wikipedia.com e
http://ww.teledramaturgia.com.br. Acesso em 03/06/2008.
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