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kibanga, era feito de ráfia
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e era usado pelas mulheres responsáveis pela cozinha real. O
segundo, em forma de cruz, representava o papel real e simbólico da mulher, além do status
social de certas princesas. Tal penteado era feito a partir da divisão do cabelo em quatro
partes, que eram, cada uma, trançadas e preenchidas por cabelos falsos, se necessário. Depois
de feitas, as tranças eram presas a um chifre de cabrito, onde formavam uma cruz. Por fim,
eram colocados alfinetes ou espetos presos ao início dos fios.
Ao relatar uma entrevista concedida por uma mulher negra sexagenária, Gomes
(2006) mostra que um penteado muito semelhante ao penteado em forma de cruz dos luba era
usado durante a infância da entrevistada aqui no Brasil.
Segundo ela [a entrevistada], no seu tempo de menina, as negras usavam
sempre o mesmo penteado. Ela não se lembra de um nome específico, mas o
resultado era uma divisão de todo o cabelo em quatro partes, formando uma
cruz. (...) Cada um dos montes era trançado, dando origem a quatro grupos
de tranças, parecidos com almofadas. O acabamento variava de acordo com
o comprimento dos cabelos (GOMES, 2006, p. 345).
Antes de ressaltar a semelhança entre os penteados, é importante salientar que
modificações não só estéticas, mas simbólicas, foram, certamente, sofridas por esse tipo de
penteado após a chegada dos negros africanos ao Brasil. Além disso, salientamos que seu
desaparecimento no país coincide com a criação e divulgação dos cremes de alisamento. A
partir daí, o penteado em forma de cruz migra da casa para o salão: ele pode ser feito, ainda
hoje, em salões étnicos, numa versão contemporânea e estilizada (GOMES, 2006).
A diferenciação dos penteados que, na África, ganhava uma explicação
simbólica de status, de realeza, de riqueza e de confiança vai se perdendo,
aos poucos, e transformando-se em simples diferenciação estética. Essa
diferenciação, ao perder o caráter étnico e identitário de “assinatura”
presente nos penteados africanos, torna-se mais uma possibilidade estética,
dentro de modelos já padronizados pela cultura ocidental, por isso os vários
estilos de penteados do cabelo do negro podem ser vistos, atualmente, como
uma questão de moda ou como um estilo de vida (GOMES, 2006, p. 364).
Desse modo, é possível visualizar, aqui, o deslocamento de sentidos atribuídos
ao penteado. Na África, o penteado em forma de cruz feito pelos luba, identificava o status
social das princesas; tinha, portanto, um sentido de nobreza. No Brasil, durante a primeira
metade do século XX, era um penteado comum, feito a cada dois dias por mulheres negras.
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1.Gênero de palmeiras da família das palmáceas, nativas da África e da América do Sul, de grandes folhas
pinuladas, que figuram entre as maiores do mundo, inflorescências espiciformes, e frutos escamosos. 2. O fio
obtido das fibras da ráfia, us. industrialmente. 3. Fio sintético semelhante à ráfia (FERREIRA, 2004).