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anos atrás. Foi como quando bolei um filme em 1973 em Nova York, que se chamava Deu no New York Times
e que contava o papel da imprensa na criação de fatos que não existiam mas que passavam a existir porque ela
publicou; e só hoje, dez anos depois, tenho condições de realizar esse filme porque os produtores estão vendo
que o filme é atualíssimo. Essas campanhas que eles vão criando sobre fatos que não existem, mobilizam a
opinião pública pra cantar determinada coisa que nem passava pela cabeça do povo cantar, mas aí a imprensa
diz que é o que o povo está cantando e o povo passa a cantar. Então acho que qualquer outra explicação sobre
por que saí por onde saí e faço o que faço da maneira que faço tem que passar por entender isto: a morte, o
sentimento de urgência e a sensibilidade ultradesenvolvida para se proteger da morte.
Você se salvou fazendo o que sempre quis. E as pessoas de que você fala, as pessoas da sua geração,
como estão?
Olha, cada vez mais percebo que, na realidade, eu não estava fugindo da escola, não, eu estava fugindo da
idade, talvez por isso tenha tomado tantas bombas, pra ficar junto dos que estavam vindo ainda e não tinham
feito nenhuma opção. Eu me sentia muito bem com 17 anos, convivendo com a turma de 11, 12 anos, não
lembro de me tratarem como mais velho, era igualzinho. E hoje, por exemplo, não consigo conviver com os da
minha idade, com os de 39 anos. Ou convivo com os de 70. Meu maior diálogo no momento é com Teotônio
Vilela, que está com sessenta e poucos anos, mas PODERÍAMOS DAR duzentos, porque de cabeça ele tem uns
duzentos anos. Tem muitos amigos assim. Agora, só consigo conviver com a turma de 20, 22. Minhas relações
acabam sendo fáceis mesmo com a turma entre 16 e 20 anos. Então tem um outro mistério nesse negócio: de
novo tô eu na 3» série ginasial, apesar de o meu grupo já estar na universidade! Eles, pra mim, estão mortos,
chego lá, nem entro na casa, já sei como é a casa dele, a relação com a mulher, com o filho, com a profissão...
ficam vendo televisão como se fosse informação de alta precisão e importância, lêem jornal com cuidado como
se estivessem lendo documentos egípcios, decifrando pedras como Champolion, e não percebem o ridículo das
suas roupas, dos seus hábitos, das suas casas, dos seus carros, cargos. Eles me constrangem muito e me
fazem adoecer. Tenho muitos amigos que eu gosto deles, eles gostam de mim, mas as nossas relações estão
cortadas por essa situação. Eles ameaçam a minha saúde, fico muito constrangido. Se a Graúna, quando fica
constrangida, tem desarranjo intestinal, eu fico doente também. Não com desarranjo intestinal, mas me dá dores,
eu fico com artrite!
A Graúna é meio sacana às vezes. Mas a gente se apaixona por ela... a Graúna tem alguma coisa a ver
com o seu lado mulher?
Não. Inclusive, outra coisa em que não embarquei foi esse negócio do lado mulher. Descobri que realmente
existem homem e mulher, duas coisas, completamente distintas. Os homens que se fazem mulheres, no caso
dos travestis, são bem diferentes delas, são como homens vestidos de mulher, tomam a forma de mulher mas
são homens, não adianta, isso faz parte de uma coisa que a natureza nos dá a todos, mas com muita diferença.
Por exemplo, esse comportamento infantil é típico do homem... é... a criancice é típica do homem. A mulher
nunca foi criança, nunca será criança. Ela vem preparada pra ser algo especial no mundo, que, no caso, é uma
coisa irreversível, não há nada que possa evitar isso que é o gerar filhos. Ela é mais preparada numa série de
coisas. O filho do homem é a bomba atômica, é o plástico, quer dizer, ele tem que arrumar uma outra forma.
Tanto que Deus, que é homem, arrumou barro pra brincar de fazer a Terra, os seres humanos, deu o sopro,
aquelas coisas... Nossa Senhora não precisou fazer nada disso. Simplesmente gerou Jesus Cristo, só isso e já
fez tudo. O fato de ter um filho torna a mulher um ser adulto desde que nasceu, inclusive ela está pronta pra ter o
filho, as meninas desde criança são especiais, você nota. Uma menina é muito mais viva, muito mais rápida,
muito mais agressiva, muito mais inteligente do que um menino. Depois, como a disparidade é muita, o que a
sociedade faz através das mães, da mulher? Ela paralisa o desenvolvimento da menina. Como? Desviando pra
tarefas menores, como cozinhar, lavar, varrer chão, que é uma coisa obrigatória pra qualquer menina, ou
desenvolver uma outra sensibilidade, mas fora da convivência social, como balé, piano, violino, quer dizer,
paralisam a menina. O menino, por outro lado, é superativado porque em geral ele é muito bobo, é muito
devagar, é mais burrinho; ele não é agressivo, é chorão, é superdevagar. Então, o que fazem? Esporte pra que
ele fique mais rápido porque, se deixar, o homem fica mais fraco do que a mulher. O homem não tem estrutura
física nenhuma; só tem osso, mas é através do esporte que ele fica mais forte, tanto que o intelectual, aquele
que não teve uma atividade física, é muito frágil, magrinho, aquela coisa desprotegida, qualquer mulher com um
tapa derruba ele. Então, o homem vai desenvolvendo, através do esporte, através do jogo, através do exército,
agressividade que não tem. Ele é treinado tanto, que os primeiros dias no exército são um terror pra qualquer
homem, mas depois ele é condicionado. À escola, só o homem ia, só o homem tinha conhecimento, lia pra que,
quando chegasse aos 30 anos, fosse igual a uma menina de 15. Tanto que, antigamente, homens de 30 se
casavam com mulher de 15, porque, se casassem com mulher de 30, eles estavam esmagados. Quando eles
chegavam nos 50 anos, a mulher estava chegando nos 30, e eles estavam iguais, o homem era capaz de
perceber. É por isso que os casamentos davam mais certo, porque não havia tanta distância de inteligência entre
o homem e a mulher. No entanto, ainda assim a mulher efetivamente é mais adulta. O homem endurece o corpo
à força dos exercícios físicos, através de um comportamento que a mãe influencia; se vê ele brincando de
boneca, de casinha, vai dizer “mariquinha” – a mãe é que fala, o pai nem passa isso pela cabeça, o pai é o
meninão que está no bar dando cuspe na parede, bebendo, se exibindo feito qualquer criancinha. Todos os pais
são meninos, vão pra campo de futebol, ficam torcendo, gritando e, na hora do gol, carregam os jogadores... isso
é o pai. Mas a mãe está ali vigilante, endurece o jogo com o menino, então esse menino vira o que eles chamam
de homem, esse homem cumpre as suas funções, mas jamais deixará de ser menino... Ah, sim, a parte mulher,