53
“Photograph on My Father’s Desk” (“A Fotografia na Escrivaninha de Meu Pai”), na
nomenclatura de mesmas autorias, torna-se ekphrase real (“actual ekphrasis”).
O poema “In Exile” (“No Exílio”) descreve narrativamente um acontecimento social, que
implica em uma percepção individual: temos diante de nós cenas relativas ao encontro do
imigrante, do estrangeiro.
In Exile
The German girls who came to us that winter and
the winter after and who helped my mother fuel
the iron stove and arranged our clothes in wet
thickness on the wooden rail after tea was over,
5 spoke no English, understood no French. They were
sisters from a ruined city and they spoke rapidly
in their own tongue: syllables in which pain was
radical, integral; and with what sense of injury
the language angled for an unhurt kingdom – for
10 the rise, curve, kill and swift return to the wrist,
to the hood – I never knew. To me they were the sounds
of evening only, of the cold, of the Irish dark and
continuous with all such recurrences: the drizzle in
the lilac, the dusk always at the back door, like
15 the tinkers I was threatened with, the cat inching
closer to the fire with its screen of clothes, where
I am standing in the stone-flagged kitchen. There are
bleached rags, perhaps, and a pot of tea on the stove.
And I see myself, four years of age and looking up,
20 storing such music – guttural, hurt to the quick –
as I hear now, forty years on and far from where
I heard it first. Among these saltboxes, marshes and
the glove-tanned colors of the sugar maples, in
this New England town at the start of winter, I am
25so much south of it: the soft wet, the light and
those early darks which strengthen the assassin´s
hand; and hide the wound. Here, in this scalding air,
my speech will not heal. I do not want it to heal.
(BOLAND, 1991, p.46)
No Exílio
As meninas alemãs que vieram naquele inverno e
no inverno seguinte e ajudavam minha mãe a abastecer
o fogão com carvão e dispunham nossas roupas na grossa umidade
do trilho de madeira após tomarmos chá
5 não falavam inglês, nem compreendiam francês. Elas eram
irmãs de uma cidade arruinada e falavam rapidamente
em seus próprios idiomas: sílabas nas quais a dor era
radical, completa – e com que sentido de dor
a linguagem mirava a um reino contraditório – à
10 elevação, rodopio, queda e movimento de retorno ao pulso,
ao capuz – eu nunca soube. A mim, eram sons
apenas de uma noite, de uma treva, da escuridão irlandesa e
contínuos com todas as suas recorrências: a garoa no
lilás, o crepúsculo sempre na porta dos fundos, como
15 os ambulantes com que me sentia ameaçada, o gato a se aproximar
ainda mais da lareira com sua tela de roupas, onde
eu me porto na cozinha toda de pedra. Há
trapos alvejados e um bule de chá no fogão, talvez.
E eu me vejo, quatro anos de idade, crescendo,
20e guardando essa musicalidade gutural, ferida até o âmago -
conforme eu ouço agora, quarenta anos mais tarde e distante de onde
eu a primeiro ouvi. Entre essas casas coloniais, brejos e
cores castanhas dos bordos nesta
cidade da Nova Inglaterra no início do inverno, estou
25 tão ao sul disso: a umidade suave, a luz e
essas escuridões precoces que fortalecem a mão
do assassino e escondem a ferida. Aqui, neste ar escaldante,
meu discurso não irá curar. Não quero que ele a cure.
A descrição da dor, da noite, da garoa, da escuridão irlandesa acompanha dois tipos de
deslocamento: o temporal e o espacial. O primeiro origina-se na infância do eu-lírico (“And I see
myself, four years of age and looking up...”/ “Vejo-me, quatro anos de idade, crescendo”, linha
19) e alcança quarenta anos seguintes: “as I hear now, forty years on and far from where I heard it
first.”/ “enquanto ouço agora, quarenta anos mais tarde e distante de onde primeiro a ouvi.”,
linhas 21, 22) e o segundo, o espacial, parte da geografia irlandesa, que se refere ao ontem, e
chega à Nova Inglaterra, de onde elocuciona o eu-lírico. O advérbio “far”(“distante”) atribui o
sentido de exílio, título e tema do poema. Neste caso, o exílio é em relação à linguagem, aquilo
que nos escapa e nos dá a nossa própria consciência ao nos tornar estrangeiros (pela linguagem),
pois enunciar significa habitar a eterna impossibilidade comunicativa – que, no entanto, refaz-se a
cada instante na promessa futura de sua habilidade cumprida. Expressar-se verbalmente é um ato